Departamento de Engenharia Naval e Oceânica Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
HIDRODINÂMICA I
Alexandre Nicolaos Simos
Texto de apoio à disciplina PNV5200 VERSÃO PRELIMINAR 2006
Hidrodinâmica I
Índice 1.
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1
2.
FUNDAMENTOS DE MECÂNICA DOS FLUIDOS ............................................... 19 2.1.
As Equações Constitutivas da Dinâmica dos Fluidos: uma perspectiva histórica ... 20
2.2.
Escoamentos Irrotacionais: Teoria do Potencial ........................................................ 29
2.2.1. 2.2.2. 2.2.3. 2.2.4. 2.2.5.
3.
TEORIA LINEAR DE ONDAS DE GRAVIDADE ................................................... 53 3.1.
Nota Histórica ................................................................................................................ 54
3.2.
O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas .............................................. 58
3.3.
Energia............................................................................................................................ 69
3.4.
Efeitos de Profundidade Variável................................................................................. 72
3.5.
Superposição de Ondas Planas ..................................................................................... 77
3.6.
Ondas Irregulares .......................................................................................................... 83
3.6.1. 3.6.2. 3.6.3. 3.6.4. 3.6.5.
4.
Irrotacionalidade e o Potencial de Velocidades ........................................................................ 30 O Problema de Contorno .......................................................................................................... 33 Aspectos Importantes da Solução do Problema de Contorno ................................................... 36 Forças Hidrodinâmicas ............................................................................................................. 40 Massa Adicional ....................................................................................................................... 49
A Estatística das Ondas do Mar................................................................................................ 87 Espectro de Energia das Ondas do Mar .................................................................................... 93 Espectros de Energia Padrão .................................................................................................. 101 Espalhamento Direcional........................................................................................................ 106 Aspectos Básicos da Geração de Ondas do Mar..................................................................... 107
DINÂMICA DE SISTEMAS OCEÂNICOS EM ONDAS....................................... 116 4.1.
Hipóteses Simplificadoras ........................................................................................... 116
4.2.
Definições e Hidrostática............................................................................................. 121
4.3.
Forças Hidrodinâmicas ............................................................................................... 127
4.3.1. Massa Adicional e Amortecimento de Radiação .................................................................... 132 4.3.2. Forças de Excitação em Ondas ............................................................................................... 135 4.3.2.1 Aproximação no Regime de Ondas Longas .................................................................. 139 4.3.2.2 A Fórmula de Morison .................................................................................................. 142
4.4. 4.4.1.
4.5. 4.5.1.
4.6.
Resposta em Ondas Regulares.................................................................................... 144 Incorporação de Amortecimento Viscoso............................................................................... 150
Resposta em Ondas Irregulares.................................................................................. 152 A Abordagem no Domínio do Tempo .................................................................................... 155
Determinação dos Coeficientes Potenciais................................................................. 158
5. UMA INTRODUÇÃO AOS EFEITOS HIDRODINÂMICOS DE SEGUNDAORDEM ............................................................................................................................. 161 REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS ............................................................................. 162
Hidrodinâmica I
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1. INTRODUÇÃO “...there was far more imagination in the head of Archimedes than in that of Homer.” Voltaire
O curso: Objetivos, conteúdo, abordagem e aspectos gerais A mecânica dos fluidos é uma das ciências fundamentais para diversas áreas da engenharia, como a engenharia mecânica, hidráulica, aeronáutica, naval e oceânica. Obviamente, cada uma das diferentes áreas de aplicação tecnológica requer
conhecimentos
específicos
e,
assim,
por
exemplo,
efeitos
de
compressibilidade no escoamento se mostram de fundamental importância para a engenharia aeronáutica, enquanto efeitos de superfície-livre estão freqüentemente presentes nos estudos de engenharia naval e oceânica. O desafio do engenheiro naval consiste em projetar sistemas que naveguem ou permaneçam estacionários na superfície da água ou imersos de forma eficiente. A medida de tal eficiência depende do tipo de sistema em questão, mas, de uma maneira geral, objetivos como a redução da potência necessária para navegação, um bom comportamento em ondas, estabilidade direcional e manobrabilidade são constantemente perseguidos. Para que estes objetivos possam ser alcançados, é fundamental o conhecimento das forças externas que atuarão sobre o sistema, permitindo uma correta avaliação de sua dinâmica sobre a ação destas forças. Além das forças aerodinâmicas decorrentes da ação do vento, os sistemas navais e oceânicos estão constantemente submetidos à ação de correntezas e ondas de superfície. Conseqüentemente, a hidrodinâmica assume papel crucial na formação do engenheiro naval, permitindo que o mesmo modele a ação destes agentes ambientais e, dessa forma, possa prever suas conseqüências sobre o sistema a ser projetado.
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As aplicações da hidrodinâmica na área de engenharia naval e oceânica são vastas. Em geral, o estudo do desempenho hidrodinâmico de uma embarcação pode ser desmembrado em três áreas principais: resistência e propulsão, manobrabilidade e comportamento no mar (seakeeping). Este último tópico de estudo é, justamente, o alvo principal deste curso. A disciplina PNV 5200 (Hidrodinâmica I) foi elaborada como uma disciplina básica em hidrodinâmica, sugerida como um estágio inicial àqueles que pretendem uma especialização nesta área. Seu enfoque recai sobre aspectos de comportamento no mar de navios e sistemas oceânicos, dando maior ênfase a estes últimos (sistemas estacionários), os quais englobam, por exemplo, plataformas flutuantes de prospecção de petróleo no mar. Ao contrário dos estudos de resistência, propulsão ou manobrabilidade, para os quais os efeitos de viscosidade e vorticidade do escoamento são primordiais, os movimentos de corpos flutuantes em ondas não são, grosso modo, afetados por tais efeitos de forma tão significativa. Assim, boa parte da teoria apresentada neste texto é regida pela hipótese de fluido ideal. As bases para o estudo de escoamentos potenciais já foram estabelecidas nas disciplinas de mecânica dos fluidos e, para os graduandos ou graduados em engenharia naval, na disciplina de mecânica dos meios contínuos. Dessa forma, este texto apresenta apenas uma breve revisão das
equações
constitutivas
da
mecânica
dos
fluidos
e
das
hipóteses
simplificadoras que adotaremos para a modelagem matemática. Espera-se também que o aluno tenha conceitos básicos de funções analíticas1 e conhecimentos de dinâmica dos corpos rígidos, mecânica analítica e estatística, bem como noções fundamentais de métodos numéricos normalmente empregados para a solução de problemas de contorno (especialmente o Método de Elementos de Contorno apresentado aos alunos do curso de engenharia naval nas disciplinas de métodos computacionais). Após uma breve revisão de mecânica dos fluidos, o curso passa a enfocar a modelagem do ambiente marítimo, adentrando pela Teoria Linear de Ondas de 1
É procedimento usual tratar os potenciais de velocidade do escoamento como funções
complexas, tomando partido do caráter harmônico de suas variações no tempo.
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Gravidade como base para a representação estatística das ondas de superfície do mar. Neste contexto, são também discutidos aspectos básicos de geração de ondas marítimas. Segue-se um estudo do comportamento dinâmico de estruturas flutuantes em ondas e a discussão dos métodos computacionais usualmente empregados para a solução do problema de escoamento potencial, suas vantagens e limitações. O curso se encerra com uma introdução aos problemas causados por efeitos hidrodinâmicos não-lineares e qual a metodologia básica para o tratamento dos mesmos. É importante mencionar, porém, que, muito embora boa parte do curso seja realmente dedicada à apresentação e discussão dos fundamentos teóricos de hidrodinâmica de superfície, os objetivos estarão sempre vinculados a problemas reais enfrentados atualmente no projeto de sistemas oceânicos, especialmente no contexto nacional. O caráter aplicado do curso se apresenta através da abordagem de problemas atuais de engenharia naval e oceânica e da introdução às técnicas hoje disponíveis para a avaliação e solução destes problemas. Atualmente, no cenário mundial de exploração de petróleo e gás no mar, um dos principais desafios tecnológicos que se impõem diz respeito à viabilização de operações em águas profundas e ultra-profundas, acima de 2000 metros de lâmina d’água. No contexto nacional, esse desafio adquire uma relevância especial, uma vez que a maior parte das reservas comprovadas em território nacional
se
encontram
em
águas
profundas.
O
problema
tem
seus
desdobramentos nas mais diferentes áreas tecnológicas em engenharia oceânica, e, particularmente, no estudo hidrodinâmico dos sistemas flutuantes. De fato, uma das principais barreiras hoje enfrentadas neste estudo é a crescente dificuldade, ou mesmo a impossibilidade, já na maioria dos casos, de se realizar ensaios completos em tanques de provas com modelos em escala reduzida. Esse fato é decorrência direta das limitações físicas destes tanques e do crescente aumento das lâminas d’água operacionais, fato que será discutido mais profundamente adiante. Em razão das dificuldades crescentes para a avaliação experimental do comportamento no mar de sistemas oceânicos em águas profundas, os métodos numéricos têm se tornado importantes ferramentas de auxílio em projeto. Cada
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vez mais, uma abordagem combinada unindo técnicas experimentais e análises numéricas vem se definindo como padrão para o projeto de novos sistemas oceânicos de produção de petróleo e gás. Assim, ao longo deste curso, pretendese discutir problemas relevantes na área de engenharia oceânica e quais são as técnicas, tanto experimentais quanto numéricas, hoje disponíveis para sua solução, fornecendo o embasamento teórico necessário para a compreensão e o desenvolvimento de tais técnicas. No que se refere a este texto, ele deve ser entendido mais como um guia para a orientação dos estudos, os quais devem ser complementados através de referências bibliográficas específicas sugeridas ao longo do mesmo. O conjunto de referências fundamentais que servirão de apoio para o curso é composto tanto por textos
já
clássicos
em
hidrodinâmica
marítima,
que
possibilitam
um
aprofundamento nos conceitos básicos, como textos mais modernos que abordam especificamente técnicas experimentais ou numéricas usualmente empregadas no contexto da engenharia naval e oceânica. O aluno deve ter em mente que o estudo destes textos complementares é fundamental para a solidificação dos conceitos que serão discutidos no curso e para permitir um maior aprofundamento nos diferentes tópicos de interesse, constituindo requisito básico para uma especialização adequada àqueles que atuam ou pretendem atuar na área. Uma descrição mais detalhada das principais referências bibliográficas sugeridas é apresentada ao final deste primeiro capítulo.
Alguns Problemas Atuais de Interesse A necessidade de exploração em águas profundas e ultra-profundas orienta o desenvolvimento tecnológico no contexto atual da engenharia oceânica mundial e, particularmente, no caso brasileiro. Esse desafio tem influenciado a área de pesquisa e desenvolvimento em engenharia oceânica há anos, desenvolvimento este que converge, por exemplo, para novas concepções de sistemas flutuantes capazes de viabilizar técnica e economicamente a exploração de petróleo a tais
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profundidades. No contexto nacional, a importância estratégica de se enfrentar esse desafio é clara. A Petrobras estima, para 2006, uma produção de 1.9 milhões de barris por dia, dos quais 70% serão provenientes de reservas em águas profundas e ultra-profundas na Bacia de Campos. Recentemente, a Petrobras anunciou a descoberta de um campo de óleos leves na Bacia de Santos, de excelente qualidade, a profundidades médias de seis mil metros. Como regra, os custos iniciais envolvidos na concretização de um novo sistema de produção são razão direta da profundidade na qual o mesmo será instalado. À parte as maiores dificuldades de perfuração dos poços, o montante de linhas de amarração, cabos umbilicais e risers aumenta, assim como aumentam as exigências estruturais sobre os mesmos e, conseqüentemente, seu custo por metro. As maiores dificuldades de fundeio também contribuem para elevações dos custos. Dessa forma, para garantir a viabilidade econômica da exploração, uma maior capacidade de produção se faz necessária, com plantas de capacidade na faixa de 300.000 bopd. Por fim, as maiores exigências de payload, em conjunto com as maiores cargas de linhas e cabos, acabam por impor maiores dimensões dos sistemas flutuantes. Uma outra característica tem sido perseguida constantemente nos projetos de sistemas recentes: uma excelente resposta à excitação de ondas, com baixos movimentos verticais resultantes. Um bom comportamento no mar é decisivo para viabilizar o emprego dos chamados risers rígidos. Estes, são compostos basicamente de uma estrutura de aço com uma concepção estrutural bem mais simples se comparada aos chamados risers flexíveis (ver Figura 1), e, por isso, mesmo, seu custo/metro é muitas vezes inferior. Uma vez que os custos dos subsistemas submersos (linhas e cabos) respondem por boa parte do custo total inicial de um sistema de produção, os risers rígidos rapidamente se tornaram objeto do desejo das indústrias de petróleo. Não obstante a questão do custo, um outro aspecto torna a necessidade de emprego de risers rígidos ainda mais premente. Os risers flexíveis já esbarram, atualmente, em limitações de integridade estrutural para resistir às pressões impostas a grandes profundidades.
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Figura 1 – Representação esquemática da estrutura de um riser flexível (fonte:www.zentech.co.uk)
Por outro lado, os risers rígidos, embora tenham uma resistência estrutural muito superior ao colapso, sofrem mais quando expostos a cargas dinâmicas, principalmente aquelas impostas por movimentos verticais nos pontos de conexão com os sistemas flutuantes. Não suportando a flambagem localizada, as cargas de compressão dinâmica às quais estarão submetidos devem ser limitadas. Uma vez que estas cargas variam diretamente com as amplitudes de movimento de primeira-ordem do sistema flutuante, decorrem exigências mais restritivas quanto ao comportamento no mar dos sistemas que desejem empregar risers rígidos. Há, ainda, uma outra fonte de economia diretamente dependente de uma boa resposta em ondas: a possibilidade de se adotar completação seca. Por completação seca entende-se que todo o comando de válvulas do poço é feito no próprio sistema flutuante e não nas cabeças dos poços (sistema de completação molhada). À medida que a produção avançava para profundidades maiores, diferentes concepções de casco foram desenvolvidas. As plataformas semi-submersíveis, tipo de casco que reinava praticamente absoluto entre os sistemas flutuantes de produção nas décadas de 1970 e 1980, passaram a perder espaço para novas concepções como as plataformas de pernas tracionadas (Tension Leg Platforms, ou TLPs) e as plataformas SPAR.
Hidrodinâmica I
7 Os cascos das plataformas TLP em muito se assemelham aos das semisubmersíveis, mas seus movimentos verticais são minimizados pela ação de tendões
pré-tracionados
fundeados
verticalmente no fundo do mar, os quais também
conferem
restauração
no
Plataformas
TLP
a plano
necessária horizontal.
passaram
a
ser
empregadas especialmente no Golfo do México e hoje operam instaladas em Figura 2 – Representação de Plataforma TLP
profundidades
superiores
a
1000
metros.
Ao contrário das plataformas TLP, as chamadas plataformas SPAR, procuram reduzir
seus
movimentos
verticais
minimizando as forças hidrodinâmicas de ondas. Seus cascos cilíndricos de grandes calados proporcionam baixa excitação em primeira-ordem, tirando proveito do decaimento exponencial do campo de pressões linear induzindo pelas ondas com a profundidade. Figura 3 – Concepção de Plataforma SPAR
Obviamente, a redução de movimentos verticais almejada pelos novos sistemas apresenta um custo em termos de projeto. As TLPs são concepções de altíssimo custo inicial. As plataformas SPAR, por sua vez, sofrem com outros tipos de excitação hidrodinâmica, como os movimentos induzidos por vórtices (vortex induced motions, ou VIM) resultantes da ação de correntezas marítimas. Para
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atenuar estes movimentos, supressores de vórtices (denominados strakes) devem ser posicionados ao longo do casco da plataforma e representam um custo considerável. Além disso, como efeitos hidrodinâmicos não-lineares devidos à ação de ondas decaem mais lentamente com a profundidade, as plataformas SPAR sofrem com movimentos angulares de baixa-freqüência (os chamados slowpitch e slow-roll)2. No Brasil, condições ambientais menos severas do que aquelas que se apresentam no Golfo do México ou no Mar do Norte, aliadas a uma conjuntura econômica particular da Petrobras, levou à priorização de uma configuração diferente de sistema de produção: os sistemas FPSO (Floating Production, Storage and Offloading systems).
Ao final da década de 1980, a Petrobras
contava com uma frota de navios petroleiros do tipo VLCC (Very Large Crude Carriers) prestes a se tornar obsoleta por sua idade média e também em virtude de novas leis internacionais de navegação que exigiam cascos-duplos para petroleiros. A possibilidade de conversão destes navios em sistemas de produção abria, então, uma alternativa econômica interessante para o emprego destes navios e, tomando partido de condições ambientais relativamente brandas nas costas brasileiras, vários sistemas FPSO passaram a ser instalados na Bacia de Campos já no início da década de 1990. Os
sistemas
FPSO
apresentam
vantagens consideráveis em termos de payload
e
capacidade
de
armazenamento do óleo, mas seus elevados
movimentos
em
ondas
inviabilizam o emprego de risers rígidos e de completação seca. Figura 4 – Sistema FPSO
2
Uma discussão mais detalhada destes fenômenos será apresentada no Capítulo 6, que traz uma
introdução a problemas hidrodinâmicos não-lineares.
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Em virtude destas condições particulares, os sistemas oceânicos flutuantes que entraram em operação no Brasil nos últimos anos foram todos baseados em sistemas FPSO e plataformas semi-submersíveis. No entanto, como mencionado acima, o emprego de FPSOs traz consigo problemas inerentes principalmente aos movimentos induzidos por ondas. Como seus cascos não foram projetados para serem “transparentes” às ondas, estes sistemas são normalmente sujeitos a movimentos verticais de grandes amplitudes, se comparados aos outros tipos de sistemas flutuantes. As forças de correnteza experimentadas por seus cascos também podem atingir valores elevados, exigindo sistemas de amarração mais robustos. Inicialmente, procurando minimizar os esforços ambientais combinados de ondas, ventos e correntezas, os sistemas FPSO eram usualmente concebidos na chamada configuração Turret. Este tipo de configuração consiste em um cilindro inserido na proa do navio e que suporta todos os risers e linhas de amarração. Através de um sistema de rolamentos, o casco pode, então, pivotar em torno do turret, o que permite que o navio se alinhe com a resultante dos esforços ambientais. Mais recentemente, porém, sistemas alternativos de amarração passaram a ser empregados, caso por exemplo do sistema DICAS (Differential Compliance Anchoring System), o qual consiste, basicamente, em dois conjuntos de amarras com rigezas diferentes à proa e à popa do FPSO, o que confere uma certa flexibilidade ao sistema em termos de aproamento. Qualquer que seja a configuração da amarração, contudo, os sistemas FPSO sofrem intensas solicitações ambientais. Em situações extremas de ondas os movimentos verticais são de tal ordem que inviabilizam o emprego de risers rígidos, uma séria desvantagem deste tipo de sistema. A operação de descarregamento (ou alívio) dos sistemas FPSO envolve o acoplamento de um navio petroleiro (shuttle), normalmente à popa do naviocisterna, e o transbordo do óleo é realizado através de um mangote. Dependendo do porte relativo dos dois navios, esta operação pode levar dias, período no qual os navios estarão sujeitos a variações climáticas de ondas, correnteza e ventos.
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O sistema composto pelos dois navios acoplados (em tandem) pode apresentar problema
de
conhecido
por
instabilidade fishtailing.
dinâmica, O
risco
inerente à operação faz com que normalmente
sejam
empregados
rebocadores ou, mais recentemente, navios aliviadores dotados de sistema de posicionamento dinâmico (SPD).
Figura 5 – Operação de Alívio de Sistema FPSO
De qualquer forma, a operação de alívio envolve um risco considerável e tem sido objeto de diversos estudos numéricos e experimentais. Devido à proximidade entre os dois corpos, os efeitos de interferência hidrodinâmica entre os dois navios desempenham um papel importante nas forças de ondas e de correnteza e, conseqüentemente, na dinâmica do sistema tandem. Apenas alguns simuladores dinâmicos no mundo são capazes de considerar os efeitos de interferência de origem potencial (nas forças de ondas) ao longo das simulações de operações de alívio e poucos possuem um modelo teórico ou numérico consolidado para o cálculo das interferências devido à esteira rotacional à jusante do sistema FPSO. Este tópico é um dos objetos atuais de pesquisa na área. Outro tema central para a engenharia oceânica atual continua sendo o desenvolvimento de novas concepções de casco que combinem um bom comportamento em ondas (viabilizando o emprego de risers rígidos) com outras características que facilitem a viabilização econômica da exploração em águas profundas como, por exemplo, a capacidade de armazenamento do óleo ou a possibilidade de emprego de completação seca. Novas propostas de casco estão sendo analisadas atualmente para o cenário nacional como possibilidades promissoras.
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11 Uma dessas concepções é a chamada plataforma MonoColuna, consistindo em um casco cilíndrico dotado de uma abertura
interna
(moonpool)
cuja
função é reduzir os movimentos de ondas do casco. Um sistema deste tipo foi projetado no PNV EPUSP em parceria com a Petrobrás (projeto MonoBR) e alia bom comportamento em
ondas,
capacidade
de
armazenamento de óleo além de
Figura 6 – Plataforma MonoBR
permitir completação seca. O PNV participa também do desenvolvimento de uma nova concepção de casco FPSO, denominado FPSOBR, que apresenta uma nova geometria e dimensões maiores do que os FPSOs atuais, visando reduzir os movimentos de primeira-ordem induzidos por ondas e viabilizar o emprego de risers rígidos. Simultaneamente, novas plataformas semi-submersíveis encontram-se em construção para operação na Bacia de Campos. Em geral, a configuração atual se baseia em quatro colunas e quatro pontoons e os cascos apresentam dimensões avantajadas (com deslocamentos superiores a 80.000 toneladas). Como ponto em comum, estes novos sistemas se caracterizam por um aumento de suas dimensões principais, se comparados aos sistemas mais antigos. Isto serve a dois propósitos interessantes: em primeiro lugar, propicia um aumento do payload e, portanto, da capacidade de produção, o que favorece a viabilidade
econômica
para
sistemas
em
águas
ultra-profundas.
Concomitantemente, permite uma elevação dos períodos naturais de movimento de heave, roll e pitch (valores acima de 30 segundos são típicos para estes sistemas) e, assim, os afasta dos períodos de ondas de maior energia e garante, por fim, menores movimentos de primeira-ordem. Todavia,
esses
benefícios
não
se
apresentam
sem
acarretar
o
aparecimento de novos problemas. Ensaios em tanque de provas destas novas
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concepções já apontam para o preocupante aparecimento de ressonâncias nos movimentos verticais induzidas por efeitos hidrodinâmicos não-lineares, fato, até então, não observado para plataformas semi-submersíveis ou sistemas FPSO3. Este tipo de fenômeno pode trazer conseqüências graves, especialmente em termos de fadiga dos risers rígidos e já constitui um novo e importante tema de investigação. Em resumo, através desta breve introdução, é possível perceber que os desafios impostos pela exploração de petróleo e gás em águas profundas e ultraprofundas são enormes. Vários tópicos de pesquisa na área de hidrodinâmica estão ainda em aberto e requerem extensos estudos teóricos, numéricos e experimentais. Cada vez mais, o engenheiro que pretende atuar nesta área precisa aprofundar seus conhecimentos teóricos e técnicos na busca de soluções adequadas para estes problemas. O objetivo deste curso é apresentar os fundamentos de hidrodinâmica necessários para um estudo mais específico de diversos problemas atuais na área de engenharia naval e oceânica. Ao longo de todo o texto, procura-se relacionar os tópicos de estudo com as tarefas de responsabilidade dos profissionais desta área, descrevendo os principais problemas reais associados a estes tópicos e orientando estudos futuros.
Breve Discussão sobre o Estado da Arte O desenvolvimento computacional presenciado nas últimas décadas possibilitou um significativo avanço dos métodos numéricos para a engenharia em geral e, hoje, o projetista conta com uma vasta gama de ferramentas numéricas já bem consolidadas. Todavia, os alunos de engenharia naval e oceânica percebem, desde o início do curso, que as técnicas experimentais são ainda hoje de fundamental importância para a área, tanto em se tratando do projeto de navios como para o projeto de sistemas oceânicos. Em se tratando de hidrodinâmica, o
3
Uma discussão mais aprofundada destes efeitos de 2a ordem é apresentada no Capítulo 6.
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que se observa hoje é uma crescente interação entre métodos numéricos e experimentais, o que tem proporcionado processos de projeto mais expeditos e reduzido o número de ensaios necessários entre as fases de concepção e o projeto final de um navio ou sistema oceânico. O emprego de ferramentas numéricas de computational fluid dynamics (CFD), destinadas à solução das equações constitutivas de escoamentos de fluidos reais, já é comum no projeto de navios para auxiliar na predição de resistência ao avanço e propulsão. Em função principalmente dos elevados números de Reynolds que caracterizam o problema, a aplicação dessas técnicas é, ainda hoje, limitada, e não permite excluir totalmente as avaliações experimentais em tanque de provas. Contudo, análises de CFD são incorporadas rotineiramente nas etapas preliminares de projeto para a avaliação de variações geométricas nos cascos e nos apêndices, eliminando assim a necessidade de um grande número de modelos em escala reduzida ou do emprego de métodos estatísticos e suas inerentes imprecisões. Ainda no tocante à resistência ao avanço, ferramentas computacionais baseadas no método de elementos de contorno (boundary-elements method, BEM) são amplamente empregadas para o estudo do corpo de proa e da influência do bulbo na geração de ondas. Com isso, é possível perceber um declínio constante nas encomendas de testes realizadas por estaleiros nos principais tanques de provas mundiais desde a década de 1980. Este declínio é parcialmente compensado, por outro lado, por um aumento dos ensaios financiados por instituições de fomento à pesquisa e destinados principalmente à validação dos códigos numéricos. Quando se trata do estudo de manobras, a aplicabilidade dos métodos de CFD fica ainda mais comprometida. A grande influência de efeitos viscosos devidos a variações na esteira rotacional e as alterações no campo de ondas associadas às acelerações do corpo não podem ser reproduzidas numericamente com a precisão necessária. Ainda hoje, portanto, a avaliação de manobras recai sobre métodos semi-empíricos nos quais as forças hidrodinâmicas são calibradas através de coeficientes experimentais obtidos em tanques de provas. Testes de manobras com modelos em escala reduzida (empregando os chamados planar-
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motion e yaw-rotating mechanisms) são realizados para a obtenção de coeficientes de forças hidrodinâmicas que serão introduzidos nas equações do movimento do navio e permitirão uma avaliação de seu comportamento por intermédio de simuladores dinâmicos. No que se refere ao comportamento no mar (seakeeping), os métodos numéricos já assumem um papel crucial. Em virtude da menor influência de efeitos de viscosidade no escoamento, o problema normalmente pode ser tratado sob a ótica dos escoamentos potenciais, o que permite soluções numéricas com maior grau de precisão. Para o projeto de navios, ensaios de comportamento no mar já são realizados apenas para efeitos de validação do projeto final, com exceção de alguns tipos particulares de embarcações (caso dos navios ro-ro), para os quais as regulamentações da IMO (International Maritime Organization) ainda exigem alguns estudos experimentais relativos à segurança no mar. No projeto de sistemas oceânicos, devido às maiores restrições de movimentos induzidos por ondas, os ensaios em tanque de provas ainda são parte inerente do processo de projeto, especialmente em se tratando de novas concepções de cascos. Todavia, o emprego de programas de BEM em etapas preliminares de projeto para a predição das características de comportamento no mar já é uma constante. A aplicação de métodos numéricos baseados em BEM para a predição do comportamento no mar de embarcações com velocidade de avanço apresenta um fator complicador representado, basicamente, pela superposição do campo de ondas estacionário gerado pelo deslocamento da embarcação com os campos de ondas irradiados e difratados pela mesma. Quando a velocidade de avanço não é nula é necessário discretizar a superfície-livre do fluido e a existência de diversos campos de ondas com comprimentos e direções de propagação diferentes dificultam o ajuste da malha numérica e a solução do problema. Em aplicações offshore, por outro lado, normalmente se trabalha com o problema de velocidade de avanço nula. Nesse caso, a solução do problema é mais simples e, nas análises lineares, normalmente é possível evitar a necessidade de discretização da superfície-livre através do emprego de funções matemáticas (funções de Green) que satisfazem automaticamente a condição de contorno linearizada na
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superfície. Os métodos baseados em BEM (normalmente referenciados como métodos do painéis ou panel methods) podem determinar as forças e os movimentos induzidos por ondas tanto no domínio do tempo como no domínio da freqüência. Desde o início da década de 1980, pacotes comerciais desenvolvidos no MIT (programas como WAMIT, TIMIT e HITIM) foram rapidamente aceitos pela indústria e instituições de pesquisa e hoje são amplamente empregados em projetos da área offshore. Movimentos e forças de primeira-ordem são calculados através destes programas de forma confiável e com excelente precisão.
Figura 7 – Malha numérica de plataforma S/S gerada para emprego de software baseado em BEM
Todavia, muitos dos problemas de interesse na área naval e oceânica são inerentemente não-lineares e, nestes casos, a análise numérica se torna muito mais complexa e custosa em termos computacionais. Deve-se ter em mente que o processo de linearização do problema de contorno que caracteriza as análises de comportamento no mar admite, como premissas básicas, uma baixa declividade de ondas e baixos movimentos do corpo flutuante. Assim, os movimentos de navios ou plataformas em mares extremos certamente apresentam nãolinearidades, mas, usualmente, as mesmas podem ser negligenciadas em termos práticos de projeto. As forças de deriva em embarcações são um fenômeno nãolinear que também pode ser tratado através de aproximações com base nos resultados de análises lineares sem maiores conseqüências na maioria dos casos. Alguns problemas mais específicos, entretanto, requerem necessariamente um tratamento não-linear. Na área naval, um exemplo clássico é o problema de resistência adicional em ondas (added resistance in waves), causada na maior parte por perturbações causadas no fluido devido ao movimento do navio em ondas. Em virtude destas perturbações, a resistência ao avanço do navio será maior em ondas do que em águas calmas. Trata-se de um efeito de segunda-
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ordem proporcional ao quadrado das amplitudes de movimentos do navio. Exemplos de problemas na área offshore que exigem um tratamento não-linear incluem a predição de air-gap em plataformas semi-submersíveis, o problema de wave runup em colunas de plataformas e cascos de navios (e conseqüentemente, a predição de água no convés ou greenwater). Nestes casos, os efeitos nãolineares são fundamentais para uma correta avaliação do problema em situações extremas de ondas, uma vez que os mesmos são tanto maiores quanto maior for a declividade das ondas (wave steepness). Pode-se mencionar ainda os efeitos de springing (forças verticais de segunda-ordem em alta freqüência) e ringging (forças causadas pelo impacto de ondas de alta declividade sobre o casco) que excitam os tendões de plataformas TLPs. Problemas de excitação de movimentos ressonantes por forças de segunda-ordem de baixa freqüência são usuais em plataformas do tipo SPAR (slow-pitch e/ou slow-roll) e, atualmente, começaram a ser observados também em plataformas semi-submersíveis e até mesmo em sistemas FPSOs em razão do aumento de suas dimensões e períodos naturais de oscilação. Via de regra, para o tratamento dos problemas mencionados acima, uma análise numérica racional ainda não é viável como parte da metodologia de projeto, quer seja pela não consolidação ou validação dos métodos ou em função dos elevados custos computacionais. Assim, em muito dependem, ainda hoje, de análises experimentais e do emprego de modelos semi-empíricos ou abordagens estatísticas. No que se refere ao comportamento no mar de navios ou plataformas oceânicas, a modelagem analítica ou numérica destes problemas não-lineares constitui, atualmente, um dos principais focos de pesquisa e desenvolvimento na área hidrodinâmica.
A Bibliografia Básica do Curso
A bibliografia referenciada ao longo deste texto é extensa e compreende desde livros indicados para um acompanhamento geral do curso até trabalhos que
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abordam problemas específicos com elevado grau de profundidade. Nesta seção, pretende-se discutir os primeiros, através de uma revisão sucinta dos principais textos que devem ser adotados pelos alunos como um complemento fundamental aos estudos. Faltinsen (1990) apresenta uma visão geral do estado da arte na área de hidrodinâmica de navios e sistemas oceânicos e discute alguns dos principais problemas enfrentados atualmente neste campo. O livro apresenta uma visão geral dos modelos teóricos e das técnicas experimentais e numéricas usualmente adotadas no tratamento destes problemas. Não há uma abordagem aprofundada em cada tópico, mas o livro é bastante completo e apresenta uma excelente coleção de referências para estudos suplementares, o que o torna uma boa opção para uma primeira leitura. Bertram (2000) trata exclusivamente da hidrodinâmica de navios. Por ser um livro recente, é uma boa referência para um primeiro contato com os métodos numéricos empregados atualmente para o estudo de resistência ao avanço, propulsores, comportamento no mar e manobras. Uma excelente apresentação da teoria linear de ondas de gravidade e da modelagem teórica de comportamento no mar de sistemas oceânicos pode ser encontrada em Newman (1977), texto já clássico em hidrodinâmica marítima. O enfoque apresentado é eminentemente teórico e requer um conhecimento básico prévio de mecânica dos fluidos e cálculo. É uma leitura fortemente recomendada para o acompanhamento do curso. Massel (1996) discute tópicos mais específicos da teoria de ondas do mar com maior profundidade, como, por exemplo, aspectos da teoria de geração de ondas e abordagem estatística das ondas do mar (espectros de energia). Uma outra boa opção para um estudo mais profundo da teoria de ondas é o livro de Mei (1989). Price & Bishop (1974), outro livro já clássico em hidrodinâmica marítima, dá um enfoque probabilístico à modelagem das ondas e do comportamento no mar. Já Chakrabarti (1994) discute exclusivamente técnicas experimentais empregadas para diversos fins no contexto de hidrodinâmica marítima e representa a principal
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fonte complementar para as discussões referentes a ensaios em tanques de provas com modelos em escala reduzida. Por fim, completando o rol de referências fundamentais, o livro editado por Okhusu (1996) é uma fonte recomendada para um melhor entendimento do estado da arte em hidrodinâmica marítima e os principais tópicos de pesquisa atuais na área. Discute as técnicas atualmente empregadas para o tratamento de diferentes problemas como, por exemplo, o emprego de CFD para o escoamento no entorno de navios, a modelagem numérica do comportamento de navios em ondas e hidrodinâmica de alta velocidade, propulsores e impacto hidrodinâmico.
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2. FUNDAMENTOS DE MECÂNICA DOS FLUIDOS Todos os homens tendem por natureza a saber. Aristóteles (Metafísica)
Um primeiro objetivo deste capítulo é rever alguns conceitos básicos de mecânica dos fluidos que permitirão recordar as hipóteses fundamentais por trás do estudo do escoamento de fluidos ideais. O entendimento destas hipóteses e suas implicações é necessário para se divisar com exatidão as vantagens obtidas em termos de complexidade matemática do problema e, principalmente, as limitações desta abordagem. Assim, a seção 2.1 trará uma revisão das equações de movimento que descrevem a dinâmica de um fluido. Uma vez que todos os conceitos e a formulação apresentados já foram discutidos ao longo do curso de graduação, não haverá a preocupação em se deter nos pormenores das deduções matemáticas, devendo o aluno recorrer, para isto, aos textos básicos de mecânica dos fluidos ou mecânica dos meios contínuos. Além disso, não se pretende simplesmente reproduzir uma série de equações que já foram vistas e revistas ao longo do curso de graduação, o que tornaria a leitura, no mínimo, desinteressante. Tirando proveito do fato que os conceitos fundamentais por trás da formulação já foram (ou deveriam ter sido) absorvidos pelo aluno, procura-se, então, rever os conceitos fundamentais sob uma perspectiva histórica e, até certo ponto, cronológica. Esta abordagem pode não ser a melhor do ponto de vista didático, mas (espero eu), torna a recordação mais instingante. Já a seção 2.2 tratará exclusivamente da teoria de escoamentos potenciais. A intenção aqui será a de estender os conceitos apresentados na graduação através de uma discussão de aspectos matemáticos fundamentais para uma maior compreensão da abordagem empregada no equacionamento e das técnicas existentes para a solução de diferentes problemas envolvendo escoamentos
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potenciais, dentre eles o problema de comportamento no mar, que será apresentado mais adiante. Por fim, deve-se mencionar que a notação seguida ao longo do texto segue de perto aquela introduzida nas apostilas de PNV2340 (Mecânica dos Meios Contínuos) e PNV2441 (Métodos Numéricos para Engenharia I).
2.1. As Equações Constitutivas da Dinâmica dos Fluidos: uma perspectiva histórica As evidências da existência de fricção nos fluidos foram levantadas muito antes dos estudos de Sir Isaac Newton (1642-1727)4, mas coube a Newton formular, de maneira inédita, uma lei que descrevesse a interdependência entre as tensões de cisalhamento entre diferentes “camadas do fluido” e os parâmetros que caracterizam o movimento das mesmas. Em seu Philosophiae naturalis principia (1687), Newton escreveu que se uma porção de um corpo fluido é mantida em movimento, este movimento gradualmente se comunica ao restante do fluido. Esses feitos, já observados muito antes de seu nascimento, foram atribuídos por ele a um defectus lubricitatis, ou seja, um defeito de lubrificação ou uma fricção interna ou, finalmente, viscosidade. Newton postulou uma lei para a fricção em um fluido através do seguinte modelo: Considere-se duas placas paralelas, cada qual com uma área unitária, separadas por uma região fluida preenchendo a distância y, como representado na figura abaixo:
4
Para uma descrição mais detalhada sugere-se a leitura de Tokaty (1994).
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V V y
Figura 8 – Modelo de Fricção de Newton
Se a placa superior é posta em movimento com uma velocidade V com respeito à placa inferior, então o perfil de velocidades no fluido entre as placas é linear e a força necessária para manter o movimento é proporcional a:
τ =µ
V y
ou
τ =µ
dV dy
(2.1)
onde:
µ: coeficiente de viscosidade dinâmica do fluido (kg m.s ) ;
τ: força de cisalhamento por unidade de área ou tensão de cisalhamento (N/m2)
A equação (2.1), de fato, funciona bem para escoamentos com baixos números de Reynolds (elevadas viscosidades e/ou baixas velocidades), em geral, até Re=2000. Após os trabalhos de Newton, a Mecânica dos Fluidos ganhou grande impulso em termos de sua modelagem matemática, especialmente através dos estudos dos iluministas. No entanto, 150 anos se passariam após a lei postulada por Newton para que a viscosidade do fluido fosse, finalmente, integrada às equações gerais do movimento dos fluidos. Antes que isso acontecesse, ver-se-ia surgir a descrição matemática que descreve os movimentos dos fluidos através do equacionamento que hoje nos é
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familiar e que, ao ignorar a influência da viscosidade, forma a base do que hoje conhecemos como dinâmica dos fluidos ideais. Leonhard Euler (1707-83)5, de forma inédita, empregou de forma sistemática e organizada conceitos de cálculo diferencial e integral ao estudo da dinâmica de meios contínuos e, dessa forma, deduziu um conjunto de equações que lhe rende o título de fundador da área que hoje conhecemos como Mecânica dos Fluidos. Somente a partir dos trabalhos deste grande matemático, a dinâmica dos escoamentos passou a ser estudada através de uma modelagem matemática estruturada. Em 1755, Euler aplicou os conceitos da segunda lei de Newton ao problema de escoamento de um fluido. Para fluidos incompressíveis (ρ=cte), o conjunto de equações diferenciais que representa as equações de movimento propostas por Euler e que leva seu nome é dado por: ∂v ∂v ∂v Dv x ∂v x 1 ∂p + vx x + v y x + vz x = − = − gx ρ ∂x ∂x ∂y ∂z ∂t Dt Dv y ∂v y ∂v y ∂v y ∂v y 1 ∂p = + vx + vy + vz =− − gy ρ ∂y Dt ∂t ∂x ∂y ∂z Dv z ∂v z ∂v ∂v ∂v 1 ∂p = + vx z + v y z + vz z = − − gz ρ ∂z Dt ∂t ∂x ∂y ∂z
(2.2)
r r r r r r r r na qual o campo vetorial v ( x , t ) = v x ( x , t )i + v y ( x , t ) j + v z ( x , t )k representa o campo r de velocidades do fluido e, em conjunto campo escalar p ( x , t ) que representa o campo de pressões no escoamento, definem o conjunto de 4 incógnitas a serem determinadas como solução do problema matemático. Em sua forma vetorial, a equação de Euler pode ser escrita de forma mais compacta:
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Euler, Leonhard (1707-83): brilhante matemático suíço, gerou contribuições fundamentais para
diversos ramos da matemática e suas aplicações: equações diferenciais, séries infinitas, cálculo de variações, funções analíticas, mecânica e hidrodinâmica. Foi um dos nomes de maior destaque na ciência durante o século XVIII.
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r r r r ∂v 1 + ∇v ( v ) = − ∇p − g ∂t ρ
(2.3)
No conjunto de equações (2.2), ρ representa a densidade (ou massa específica) do fluido. Percebe-se, assim, que o conjunto de forças sugerido por Newton e expresso em (2.1) também não se encontra incorporado às Equações de Euler. As equações de Euler representam, portanto, as equações de movimento de escoamentos do que hoje conhecemos como fluidos ideais (incompressíveis e inviscidos). Euler introduziu, também, o conceito de linhas de corrente (streamlines), definindo-as como o conjunto de curvas (imaginárias) tangentes em cada ponto ao vetor
velocidade
do
escoamento. Se uma destas curvas é descrita r r parametricamente por x = x ( s, t ) em um instante de tempo t qualquer, então as linhas de corrente são as soluções de: r dx r r = v ( x, t ) ds em um instante de tempo fixo t. Em um sistema de coordenadas cartesianas, esta equação vetorial dá origem a três equações escalares: dx dy dz = vx ; = v y ; = vz ds ds ds
ou, de maneira equivalente:
dx dy dz = = vx v y vz
(2.4)
Obs: As linhas de corrente não devem ser confundidas com as trajetórias (paths) descritas pelas partículas fluidas e representadas por: r dx r r = v ( x, t ) dt e, portanto, as linhas de corrente coincidem com as trajetórias das partículas, em geral, apenas para o caso de escoamento permanente.
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Outra inestimável contribuição de Euler foi a dedução da equação diferencial da continuidade, que expressa a conservação de massa na forma:
∂ρ ⎛ ∂ ( ρv x ) ∂ ( ρv y ) ∂ ( ρv z ) ⎞ ⎟=0 +⎜ + + ∂t ⎜⎝ ∂x ∂y ∂z ⎟⎠
(2.5)
e que, sob a hipótese de fluido incompressível e homogêneo se reduz simplesmente a:
∂v y ∂v z ⎞ r r ⎛ ∂v ⎟=0 divv = ∇ ⋅ v = ⎜⎜ x + + ⎟ ∂ x ∂ y z ∂ ⎝ ⎠
(2.6)
Dessa forma, tem-se um conjunto de quatro equações formado por (2.2) e (2.6) que permite obter as quatro incógnitas procuradas, as quais, uma vez determinadas, caracterizam qualquer escoamento de fluido ideal. Euler, assim, abriu um novo campo para o estudo de escoamentos fluidos, até então de caráter eminentemente empírico. Como escreveu Lagrange6, “através das descobertas de Euler, toda a mecânica dos fluidos foi reduzida a um problema de cálculo e, se as equações algum dia se mostrarem integráveis, as características do escoamento e o comportamento de um fluido sob a ação de forças estarão determinados para todas as circunstâncias”. Na verdade, hoje percebemos um certo exagero na constatação de Lagrange, mas é inegável que o trabalho de Euler forneceu as bases para avanços posteriores, como a incorporação dos efeitos de viscosidade. De fato, Lagrange chegou à conclusão que as Equações de Euler poderiam ser resolvidas apenas em duas condições específicas: escoamentos irrotacionais
6
Lagrange, Joseph Louis (1716-1813): nascido na Itália, desenvolveu seus trabalhos mais
importantes na França e revolucionou o estudo da mecânica. Foi um dos fundadores do cálculo variacional, posteriormente expandido por Wierstrass, e introduziu os princípios analíticos no estudo da mecânica e fluido-dinâmica.
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r r r ( rotv = ∇ × v = 0 ) ou escoamentos rotacionais, mas permanentes. O primeiro caso r levou à definição do potencial de velocidades φ ( x , t ) , uma função escalar com a r r r seguinte propriedade: v ( x , t ) = ∇φ ( x , t ) . Observando a equação de Euler (2.3) e lembrando a identidade (verificar como exercício): r r r 1 r r r ∇v (v ) = ∇(v ⋅ v ) − v × (∇ × v ) 2
pode-se escrever: r ⎛1 ⎞ r r p ∂v + ∇⎜⎜ v 2 + + β ⎟⎟ = v × (∇ × v ) ρ ∂t ⎝2 ⎠ onde já se adotou a hipótese de que as forças de campo são exclusivamente conservativas e, portanto, podem ser escritas por um potencial de força β (se as r r únicas forças atuantes forem gravitacionais e g = − gk , então β = −∇ (gz ) ). r r r Mas, se o escoamento for potencial ( v ( x , t ) = ∇φ ( x , t ) ), então, r r r necessariamente (demonstrar): rotv = ∇ × v = 0 e a equação de Euler se reduz a: ⎛ ∂φ 1 2 p ⎞ r ∇⎜⎜ + v + + β ⎟⎟ = 0 ρ ⎝ ∂t 2 ⎠ e, Lagrange então deduziu que (e esta é a conhecida integral da equação de Euler proposta por Lagrange para escoamentos irrotacionais de fluido incompressível): ∂φ 1 2 p + v + + β = C (t ) ∂t 2 ρ
(2.7)
No caso particular de escoamento irrotacional e permanente ∂φ ∂t = 0 e, portanto:
1 2 p v + +β =C ρ 2
(2.8)
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As equações (2.7) e (2.8) são duas formas da conhecida equação atribuída a Daniel Bernoulli7, deduzidas para o caso particular de escoamento irrotacional. Bernoulli, contemporâneo de Euler, realizou uma série de estudos sobre escoamentos de fluidos. Foi o responsável pelo primeiro texto didático em mecânica dos fluidos, seu Hydrodynamica (1738), no qual relaciona, de forma inédita, o campo de pressões ao campo de velocidades. É interessante notar, todavia, que as relações deduzidas por Bernoulli, no entanto, apresentam uma forma diferente daquela expressa na equação que carrega seu nome, obtida mediante a integral de Lagrange das Equações de Euler. Deve-se notar também, que as equações de Bernoulli também são válidas para o segundo caso previsto por Lagrange, o caso de escoamentos permanentes e rotacionais, embora, neste caso, sua aplicação seja restrita às linhas de corrente do escoamento. De fato, retomemos a equação: r ⎛1 ⎞ r r p ∂v + ∇⎜⎜ v 2 + + β ⎟⎟ = v × (∇ × v ) ρ ∂t ⎝2 ⎠
r Uma vez que o escoamento é permanente ∂v ∂t = 0 e, portanto: ⎛1 ⎞ r r p ∇⎜⎜ v 2 + + β ⎟⎟ = v × (∇ × v ) ρ ⎝2 ⎠ Sabe-se que ∇f é um vetor perpendicular à superfície f(x)=cte, e, assim, o r r vetor v × (∇ × v ) deve ser perpendicular às superfícies nas quais:
1 2 p v + +β =C (2.9) ρ 2 r r r r Mas, v × (∇ × v ) é perpendicular tanto a v como a ∇ × v . Dessa forma, as superfícies nas quais a equação (2.9) se aplica são as superfícies que contém os r r vetores v e ∇ × v . Um conjunto de linhas que satisfaz esta propriedade é o conjunto de linhas de corrente do escoamento. Assim, embora as equações (2.8) e (2.9) sejam matematicamente idênticas, no caso de escoamentos permanentes
7
Bernoulli, Daniel (1700-82): Nascido na Holanda, membro de uma famosa família suíça da qual
vários se destacaram como importantes matemáticos, é conhecido por seus trabalhos em mecânica dos fluidos e teoria cinética dos gases. Também trabalhou em astronomia e magnetismo.
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rotacionais, (2.9) se aplica apenas ao longo de uma linha de corrente. Valores diferentes da constante C são atribuídos às diferentes linhas de corrente. Já no caso de escoamentos irrotacionais (permanentes ou não) a equação de Bernoulli (na forma (2.8) ou (2.7)) se aplica indistintamente entre quaisquer pontos no domínio do fluido. Ao longo do século XVIII, a fluido-mecânica se desenvolvia rapidamente. Vários
pesquisadores
trabalhavam
em
diversos
problemas
práticos
de
escoamentos fluidos, sobre o novo ferramental proporcionado pelo cálculo diferencial e integral. Dentre estes trabalhos, merece destaque, por exemplo, o estudo realizado por D’Alembert8 sobre a resistência oferecida por um fluido a corpos que se deslocam através do mesmo. Em sua obra Essai d’une nouvelle theorie de la resistance des fluides (1752), D’Alembert introduziu o importante conceito de ponto de estagnação e chegou à perturbadora conclusão de que a teoria indicava que a resistência total oferecida pelo fluido seria nula (o conhecido Paradoxo de D’Alembert). Estudos experimentais também proliferavam, como os trabalhos realizados por Chevalier de Borda (1733-99). Borda estudou os efeitos de constrição do fluxo através de tubos e também soou um alarme quanto ao fato que os resultados nem sempre pareciam em harmonia com as leis formuladas por Bernoulli e Lagrange, pois, explica, quando um escoamento encontra uma expansão súbita (de área), ele é perturbado de tal maneira que acaba perdendo parte de sua energia cinética, ou sua “living force”. Na verdade, as observações de Borda se relacionam com a separação da camada-limite e turbulência, conceitos que somente seriam entendidos anos depois. Ficava cada vez mais claro, portanto, que a mecânica dos fluidos carecia de uma formulação mais geral. O próximo “salto” qualitativo viria com a publicação
8
D’Alembert, Jean le Rond (1717-83): Matemático francês desenvolveu diversos trabalhos em
mecânica geral e mecânica dos corpos celestes, além de fazer importantes contribuições à teoria de equações diferenciais a derivadas parciais.
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do trabalho de Claude Louis Navier9 que, unindo a hipótese de fricção de Newton a observações experimentais, incluiu, de forma inédita, as forças de cisalhamento oriundas da ação da viscosidade do fluido, complementando as equações originalmente propostas por Euler: r r r ⎞ r r ⎛ ∂v ρ ⎜ + ∇v (v ) ⎟ = −∇p + µ∆v + g ⎝ ∂t ⎠
(2.10)
ou, na forma escalar:
⎛ ∂ 2v ∂v x ∂v ∂v ∂v ∂ 2vx ∂ 2vx ⎞ 1 ∂p ⎟ + gx + vx x + v y x + vz x = − + ν ⎜⎜ 2x + + 2 2 ⎟ ∂t ∂x ∂y ∂z ρ ∂x x y z ∂ ∂ ∂ ⎠ ⎝ ∂v y ∂t
+ vx
∂v y ∂x
+ vy
⎛ ∂ 2v y ∂ 2v y ∂ 2v y 1 ∂p + vz =− +ν ⎜ 2 + + 2 ⎜ ∂x ∂y ∂z ρ ∂y ∂ ∂z 2 y ⎝
∂v y
∂v y
⎛ ∂ 2v ∂v z ∂v ∂v ∂v ∂ 2vz ∂ 2vz 1 ∂p + vx z + v y z + vz z = − + ν ⎜⎜ 2z + + 2 ∂t ∂x ∂y ∂z ρ ∂z ∂ ∂ ∂z 2 x y ⎝
⎞ ⎟+ g y ⎟ ⎠
⎞ ⎟ + gz ⎟ ⎠ (2.11)
As equações acima são conhecidas como Equações de Navier-Stokes10. No conjunto de equações (2.10) e (2.11), µ representa a chamada constante de viscosidade dinâmica (ν = µ ρ é o coeficiente de viscosidade cinemática). O termo entre parênteses no lado esquerdo da equação corresponde ao campo de acelerações do fluido definido segundo a representação Euleriana do r escoamento. O termo ( − gradp + µ∆v ) é o próprio divergente do chamado Tensor de Tensões sob a hipótese de fluido newtoniano e engloba todas as chamadas forças de superfície (forças de pressão e tensões de cisalhamento) atuantes sobre as partículas fluidas. Lembramos que o operador “nabla” é dado por: 9
Navier, Claude Louis Marie Henri (1785-1836): Matemático francês que realizou diversos
trabalhos na área de mecânica. É mais conhecido por suas equações de movimento de fluidos que, de forma inédita, incluíram efeitos de viscosidade. 10
Em um trabalho apresentado à Academie de Sciences, em Paris, em 18 de março de 1822,
Navier apresentou, pela primeira vez, sua teoria, cujas equações seriam publicadas anos depois. Em uma forma diferente, as mesmas equações foram obtidas por Sir George Gabriel Stokes (18191903), físico-matemático britânico, em um trabalho datado de 1845.
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∂ 2 (.) ∂ 2 (.) ∂ 2 (.) + + ∆ (.) = ∇ (.) = ∂z 2 ∂y 2 ∂x 2 2
Deve-se observar que aproximadamente 150 anos se passaram entre a Lei de fricção de Newton e a incorporação dos efeitos de viscosidade nas equações de movimento do fluido. A partir dos trabalhos de Navier, uma nova perspectiva se abriu na área de mecânica dos fluidos: o estudo dos chamados fluidos reais. Quanto ao escopo deste curso, focado para o estudo de ondas de gravidade e para o problema de comportamento no mar, no entanto, normalmente os efeitos de viscosidade são pequenos o suficiente para que possamos considerá-los desprezíveis ou, alternativamente, propormos correções externas simplificadas que, de certa forma, os incorporem quando necessário. Assim, o arcabouço matemático no qual nos basearemos corresponde, em sua maior parte, ao estudo de fluidos ideais e, em especial, ao problema de escoamentos potenciais, aos quais daremos maior atenção no restante deste capítulo.
2.2. Escoamentos Irrotacionais: Teoria do Potencial Apesar de suas óbvias limitações, o estudo de escoamentos potenciais é de suma importância na mecânica dos fluidos e, em particular, em hidrodinâmica marítima. A teoria do potencial constitui a base sobre a qual se fundamenta a Teoria de Ondas de Gravidade e, portanto, o estudo do comportamento no mar, como veremos nos próximos capítulos. Trataremos
aqui
de
escoamentos
de
fluidos
ideais
(contínuos,
incompressíveis, homogêneos e inviscidos) e irrotacionais, hipóteses que, do ponto de vista matemático, introduzem grandes simplificações, como foi possível perceber nas discussões realizadas anteriormente. Neste contexto, veremos que a equação da continuidade é expressa pela equação de Laplace. As equações do movimento do fluido, que incorporam a dinâmica do escoamento, se reduzem às equações de Bernoulli (2.7) ou (2.8).
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No curso de mecânica dos meios contínuos, uma introdução ao problema de escoamento potencial ao redor de corpos submersos foi apresentada. Vimos que a hipótese básica para que a hipótese de escoamento potencial seja assumida é que a camada-limite seja fina, comparada com as dimensões características do corpo, o que implica, por sua vez, em altos números de Reynolds (Re). Em outras palavras, as forças que regem a dinâmica do escoamento devem ser preponderantemente de origem inercial. O objetivo, no restante deste capítulo é fazer uma breve revisão dos conceitos fundamentais e, por vezes, recuperar tais conceitos através de uma demonstração matemática mais rigorosa. Lembremo-nos de Lagrange, ao observar que, se a teoria em construção se mostrasse válida, todo o problema da dinâmica dos fluidos se reduziria a um problema de cálculo. Lagrange queria dizer, de fato, que esperava que se houvesse ultrapassado a barreira da modelagem matemática do fenômeno físico. Dois séculos após a observação de Lagrange, muitos modelos matemáticos já se encontram bem estabelecidos na área de hidrodinâmica. Por vezes, esses modelos requerem o conhecimento de tópicos avançados de matemática. Inegavelmente, um bom hidrodinamicista deve, necessariamente, aliar a percepção do fenômeno físico a um vasto ferramental matemático. Para o engenheiro que pretende se especializar na área de hidrodinâmica, o estudo de diferentes tópicos de matemática (equações diferenciais a derivadas parciais, teoria de funções a variáveis complexas, entre outros) deve ser encarado como condição sine qua non. Em suma, o que se pretende dizer com essa pequena digressão é: “percamos o medo...”
2.2.1. Irrotacionalidade e o Potencial de Velocidades Vimos que as equações constitutivas do movimento de fluidos ideais são as equações de Euler (2.2) e a equação da continuidade (2.6). Vamos, aqui, discorrer um pouco mais sobre a definição do chamado potencial de velocidades e as simplificações matemáticas decorrentes da hipótese de escoamento irrotacional.
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Definimos circulação em torno de uma curva fechada ct (contorno material) como sendo: r r r Γ = ∫ v ( x , t ).dr
(2.12)
ct
O teorema de Kelvin (da conservação da circulação) afirma que em um fluido ideal, sob ação de forças exclusivamente conservativas, a circulação em torno de qualquer contorno material que se desloca com o fluido permanece constante11, ou seja: r dΓ d r r = ∫ v ( x , t ).dr = 0 dt dt ct
(2.13)
O significado físico deste teorema pode ser entendido pelo fato de, na ausência de efeitos de viscosidade e, portanto, de tensões de cisalhamento, não haver forças capazes de alterar a taxa de rotação das partículas fluidas. De acordo com (2.13), a circulação em um escoamento de fluido ideal é constante com o tempo. Podemos considerar, então, sem perda de generalidade, que o fluido tenha partido do repouso em algum instante de tempo passado e que, portanto, Γ=0 para qualquer instante de tempo e qualquer contorno material definido no escoamento. Por outro lado, o teorema de Stokes para um campo vetorial contínuo e diferenciável relaciona o conceito de circulação com o conceito de vorticidade do campo vetorial, na forma: rr r r ∫∫ rotv.ndS = ∫ v.dr S
(2.14)
∂S
onde S é a superfície limitada pelo contorno fechado ∂S . O lado esquerdo da equação (2.14) representa a vorticidade (em inglês, vorticity), enquanto o lado direito é, por definição, a circulação, que deve ser nula para qualquer contorno
11
A demonstração deste teorema pode ser encontrada, por exemplo, em Newman (1977), pgs.
103 e 104.
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material. Assim, a vorticidade deve se anular para qualquer superfície S definida no domínio do fluido e, portanto12: r r r rotv = ∇ × v = 0 ou seja, o escoamento que conserva circulação deve ser, necessariamente, irrotacional. Esta conclusão é extremamente importante, pois é possível demonstrar que um campo vetorial para o qual o rotacional é identicamente nulo pode ser representado como o gradiente de um campo escalar. Esta afirmação, por sua vez, decorre do teorema de Helmholtz, teorema fundamental do cálculo vetorial (a demonstração deste teorema pode ser encontrada, por exemplo, em r Wills (1958), pg. 121). Seja F um campo vetorial finito e contínuo. O teorema de Helmholtz afirma que esse campo vetorial pode ser decomposto em um campo gradiente (cujo rotacional é nulo) e um campo solenoidal (cuja divergência é nula), na forma13: r r F = −∇φ + ∇ × A r onde φ é uma função escalar e A um campo vetorial cuja divergência é nula. A r definição do campo vetorial A mostra que esse campo sempre poderá ser r r considerado identicamente nulo se ∇ × F = 0 14.
Decorre do teorema de Helmholtz, portanto, que o campo de velocidades r r v ( x , t ) de um escoamento irrotacional pode ser descrito através do gradiente de r uma função escalar φ ( x , t ) , denominada potencial de velocidades: r r r v ( x , t ) = ∇φ ( x , t )
12
É importante observar que nem sempre conseguimos aplicar o teorema de Stokes, podendo
causar certa confusão. Isso ocorre, por exemplo, em problemas planos de escoamento potencial em torno de corpos submersos. Qualquer contorno material que envolva o corpo não permite a aplicação do teorema, pois a superfície interior não será definida exclusivamente por este contorno (trata-se de um domínio que não é simplesmente conexo). 13
Uma importante conseqüência deste teorema é o fato de que o campo vetorial
r F estará
completamente determinado uma vez conhecidas a sua divergência e o seu rotacional. 14
r
r
Observar que ∇ × (∇ × A + ∇φ ′) = ∇ × (∇ × A)
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33
Obviamente, o potencial de velocidades é uma abstração. Sua introdução, contudo, permite uma grande simplificação matemática, uma vez que as três componentes do vetor velocidade podem ser derivadas a partir de uma única função escalar. De fato, a equação da continuidade (2.6) para escoamentos potenciais resulta, simplesmente:
⎛ ∂ 2φ ∂ 2φ ∂ 2φ ⎞ r divv = ∇ ⋅ (∇φ ) = ⎜⎜ 2 + 2 + 2 ⎟⎟ = ∆φ = 0 ∂y ∂z ⎠ ⎝ ∂x
(2.15)
que é a conhecida equação de Laplace. Assim, em um escoamento potencial, o campo de velocidades (e, portanto, de acelerações) decorre exclusivamente da condição de conservação de massa. A solução da equação de Laplace (que é uma equação diferencial linear de segunda-ordem a derivadas parciais) fornece diretamente o potencial de velocidades e, dessa forma, o campo de velocidades do escoamento. A incógnita restante, o campo de pressões, é então obtido através da equação de Bernoulli (2.7). O problema matemático se reduz, então, a um r r problema de duas equações e duas incógnitas ( φ ( x , t ) e p ( x , t ) ).
2.2.2. O Problema de Contorno A equação de Laplace representa a forma mais simples de uma classe de equações diferenciais de segunda-ordem conhecidas como equações elípticas15. Aparece em muitos ramos da física-matemática e muitas características pertinentes às funções que a satisfazem (normalmente referenciadas como funções harmônicas) são conhecidas. Sabe-se, por exemplo, que estas funções e suas derivadas espaciais são finitas e contínuas, exceto pela possibilidade de singularidades nas fronteiras do domínio. A distinção entre diferentes tipos de escoamento resulta das condições impostas nestas fronteiras, as chamadas condições de contorno. Nos problemas
15
Uma discussão quanto à classificação das equações a derivadas parciais de segunda-ordem e
sobre as diferentes aplicações da Equação de Laplace pode ser encontrada, por exemplo, em Sobolev (1989).
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de mecânica dos fluidos, estas podem representar condições cinemáticas (relativas às velocidades do fluido na fronteira) ou dinâmicas (condição sobre as forças). Um dos problemas de interesse mais simples corresponde ao caso de um escoamento uniforme sobre um corpo rígido fixo, com superfície designada por SB, em um fluido sem fronteiras. O problema é esquematizado na figura abaixo. z
y x
U
n SB Figura 9 – Escoamento Uniforme sobre Corpo Fixo
Sabemos que, por se tratar de um escoamento irrotacional, a condição cinemática apropriada na fronteira do corpo é a condição de impermeabilidade, uma vez que a condição de não-escorregamento necessariamente implicaria em rotacionalidade do escoamento. Neste problema, uma segunda condição se impõe em uma fronteira definida a uma distância suficientemente distante do corpo e que implica
que
a
perturbação
causada
pela
presença
do
corpo
deve,
necessariamente, tender a zero à medida que nos afastamos do corpo. A esta condição, dá-se o nome de condição de evanescência. Dessa forma, o problema de contorno pode ser equacionado: Determinar o potencial de velocidades φ, tal que: ∆φ = 0 r ∂φ ∇φ ⋅ n S = B ∂n r lim ∇φ = Ui x →∞
= 0; SB
(2.16)
Hidrodinâmica I
35
Uma questão que naturalmente se coloca neste ponto diz respeito à unicidade das soluções dos problemas de contorno. Na realidade, é trivial demonstrar que, se a região ocupada pelo fluido é simplesmente-conexa, a solução, de fato, será univocamente determinada, a menos de uma constante. Para demonstrar este fato, suponhamos que o problema acima admitisse duas r r r r r soluções distintas φ1 ( x ) e φ 2 ( x ) . Então χ ( x ) = φ1 ( x ) − φ 2 ( x ) deverá satisfazer:
∆χ = 0 r ∇χ ⋅ n S = 0; B r lim ∇χ = 0 x →∞
O domínio do fluido está compreendido pela fronteira S (por exemplo, no caso acima, representada pela união do contorno do corpo com uma superfície definida no infinito). Observando que: r r ∫ χ (∇χ ⋅ n )dS = ∫ ( χ∇χ ) ⋅ ndS = 0 S
S
e aplicando o teorema da divergência: r 16 ∫ ( χ∇χ ) ⋅ ndS = ∫ div( χ∇χ )dV = ∫ [∇χ ⋅ ∇χ + χ∆χ ]dV = 0 S
V
V
Como ∆χ = 0 , chega-se, finalmente, a:
∫ (∇χ ⋅ ∇χ )dV = ∫ (∇χ ) V
2
dV =0
V
de onde decorre que ∇χ ≡ 0 ou χ = cte e, portanto, as soluções do problema de escoamento potencial estão univocamente definidas, a menos de uma constante. Todavia, é importante ressaltar que a prova de unicidade apresentada acima pressupõe que o domínio fluido seja simplesmente conexo17 (premissa do teorema da divergência) e que a posição das fronteiras seja conhecida a priori. No 16
A segunda passagem nesta dedução corresponde à forma geral da conhecida fórmula de
integração por partes e pode ser demonstrada facilmente. Esta demonstração fica como exercício. 17
Um caso evidente para o qual o domínio fluido não será simplesmente-conexo se refere ao
problema bidimensional de escoamento em torno de um corpo rígido.
Hidrodinâmica I
36
entanto, haverá casos em que a posição e a velocidade na fronteira não serão conhecidas a priori. É o caso, por exemplo, do problema de escoamento induzido por ondas na superfície-livre do fluido, pois a forma da onda e, portanto, a elevação da superfície, não estarão previamente determinadas. Serão, ao contrário, conseqüência da solução do problema de contorno. Nesse caso, informações adicionais serão necessárias e serão providenciadas através de uma condição dinâmica na superfície, a qual impõe que a pressão na superfície seja igual à pressão atmosférica.
2.2.3. Aspectos Importantes da Solução do Problema de Contorno No curso de Mecânica dos Meios Contínuos (PNV2340) vimos algumas soluções analíticas para problemas de escoamento potencial ao redor de corpos de geometrias simples, como cilindros circulares. Posteriormente, na disciplina de Métodos Computacionais (PNV2441), estendemos as possibilidades de solução através de técnicas numéricas que permitem resolver o problema para corpos de geometria arbitrária. Vimos, em particular, que as perturbações causadas por um corpo imerso em um escoamento originalmente uniforme acabavam por requerer a introdução de singularidades matemáticas, a mais simples das quais representada por uma fonte ou sorvedouro. Nos cursos de graduação, a introdução destas singularidades foi apresentada de forma ad hoc. Assim, por exemplo, vimos que a solução analítica do problema de escoamento bidimensional em torno de um cilindro circular é obtida pela superposição do potencial de velocidades do escoamento uniforme e o potencial de um dipolo situado no centro do cilindro. Na realidade, o dipolo é uma singularidade que pode ser definida matematicamente pela combinação de uma fonte e um sorvedouro, quando a distância entre as duas singularidades tende a zero18. As técnicas numéricas estudadas em PNV2441 se baseavam em duas abordagens distintas, o método das fontes e o método de Green, e, em ambos os
18
Para a definição precisa, consultar Newman (1977), pg. 114.
Hidrodinâmica I
37
casos, o potencial de velocidades das fontes/sorvedouros também eram parte inerente da solução. Não nos interessa, aqui, reproduzir novamente as soluções analíticas já discutidas na graduação, embora uma recordação por parte do aluno seja importante neste momento. Para tanto, o aluno pode recorrer a bons livros de mecânica dos fluidos (como sugestão, Batchelor (1967)) e de hidrodinâmica (por exemplo, Newman (1977)), além das apostilas dos cursos supra-citados. Nossa intenção, no restante desta seção, será o de analisar aspectos matemáticos da solução de problemas de contorno governados pela equação de Laplace com o objetivo de melhor fundamentar as técnicas anteriormente apresentadas e tentar identificar a razão da aparente onipresença destas singularidades. Uma função de Green é uma função que representa a solução de uma equação diferencial não-homogênea. Há toda uma teoria no estudo de equações diferenciais a derivadas parciais que define uma metodologia para a construção destas funções. Obviamente, uma discussão sobre esta teoria foge do escopo deste curso, mas, para aqueles que desejam se aprofundar neste estudo, uma boa referência é Sobolev (1989). Discutiremos, aqui, apenas alguns aspectos principais. Tecnicamente, uma função de Green de um operador linear L em um ponto x0 é qualquer solução de (Lf)(x) = δ(x-x0), onde δ representa a função delta de Dirac. Esta função, por sua vez, é uma função descontínua que apresenta a propriedade: δ =0, para qualquer x≠x0 e δ(x0) = ∞. Além disso, temos que: +∞
∫ δ ( x) = 1 .
−∞
r r Denominemos G ( x , x0 ) a função de Green de um problema de contorno particular. No caso da equação de Laplace, o operador linear L corresponde ao próprio operador Laplaciano ∆() . Assim, neste caso, a função de Green deverá satisfazer a seguinte identidade: r r ∆G ( x , x0 ) = δ ( x − x0 , y − y 0 , z − z 0 )
Hidrodinâmica I
38
e, conseqüentemente: r r ∫∫∫ ∆G( x, x0 )dV = 1 V
onde V representa uma região que envolve o ponto (x0,y0,z0). Sem a imposição de condições de contorno específicas, a função de Green referente à equação de Laplace é dada por:
r r 1 G ( x , x0 ) = − 4π
1 ( x − x0 ) 2 + ( y − y 0 ) 2 + ( z − z 0 ) 2
(2.17)
ou, definindo r como a distância entre os pontos (x,y,z) e (x0,y0,z0): G = −1 4πr . Esta função é conhecida como solução fundamental (ou solução principal) da equação de Laplace. Podemos indicar a demonstração deste fato: De acordo com o teorema da divergência, podemos escrever: r r r r r ∫∫∫ ∆G( x, x0 )dV = ∫∫∫ ∇ ⋅ ∇G( x, x0 )dV = ∫∫ ∇G ⋅ ndS = 1 V
V
S
r onde S representa a fronteira da região V, orientada segundo o versos normal n . Trabalhando em coordenadas esféricas e considerando que S corresponda à superfície de uma esfera de raio r centrada no ponto (x0,y0,z0), temos, então:
∂G
r
∫∫ ∇G ⋅ ndS = ∫∫ ∂r dS = 4πr S
S
2
∂G (r ) =1 ∂r
e, portanto: G (r ) = −
1 4πr
A função de Green definida por (2.17) é justamente o que convencionamos chamar de potencial de velocidades de uma fonte unitária tridimensional. Assim, a equação da continuidade ∆φ = 0 , tem como solução fundamental, no caso tridimensional, o potencial de uma fonte unitária φS dado por:
r r
φ S ( x , x0 ) = −
1 4π
1 ( x − x0 ) 2 + ( y − y 0 ) 2 + ( z − z 0 ) 2
Hidrodinâmica I
39
De maneira análoga, pode-se demonstrar que, para o caso bidimensional, a solução principal é dada por: r r
φ S ( x, x0 ) =
1 log ( x − x 0 ) 2 + ( y − y 0 ) 2 2π
que representa, por sua vez, o potencial de uma fonte unitária bidimensional. Decorre daí, portanto, o fato de estas singularidades estarem presentes como núcleo das soluções de vários problemas de escoamento potencial que já estudamos ao longo da graduação. Obviamente, contudo, as soluções dependerão das condições de contorno específicas de cada problema. Várias técnicas matemáticas podem ser empregadas para estimar estas soluções. Assim, por exemplo, no caso de escoamentos bidimensionais, uma série de ferramentas matemáticas podem ser exploradas através da teoria de funções analíticas, com a definição do potencial complexo. Em particular, esta opção permite o emprego do chamado mapeamento conforme, que permite obter a solução de geometrias 2D complexas mediante a solução de problemas com geometrias mais simples19. A técnica de separação de variáveis pode ser empregada em casos de escoamentos tridimensionais, através da qual se obtém uma aproximação para o potencial de velocidades procurado através de uma combinação linear dos chamados multipolos. Uma boa referência para uma primeira leitura sobre estas técnicas é Newman (1977). Para o caso de problemas de escoamento potencial com superfície-livre e geometrias complexas, como cascos de navios ou plataformas oceânicas, a solução do problema de contorno invariavelmente recorre a métodos numéricos. Um dos métodos mais difundidos atualmente para a solução do problema de comportamento no mar de sistemas oceânicos é o método de elementos de contorno (boundary elements method, BEM). O estudo dos fundamentos deste método já foi realizado em PNV2441 e será retomado no Capítulo 5 deste texto. Devemos nos lembrar, contudo, que a operacionalização deste método depende 19
No caso específico do problema de comportamento no mar, a técnica de mapeamento conforme
é uma alternativa para ser empregada no tratamento de corpos esbeltos, através da chamada teoria de faixas (strip theory). Uma discussão sobre este ponto é feita no Capítulo 5.
Hidrodinâmica I
40
de uma modelagem matemática prévia do potencial de velocidades procurado. Esta modelagem pode ser baseada, por exemplo, considerando-se o potencial de velocidades procurado como aquele decorrente de uma distribuição de fontes sobre a superfície do corpo (método das fontes) ou, alternativamente, através de uma aplicação direta do teorema de Green. Neste último caso, a solução numérica se baseia na aplicação da função de Green apropriada para o problema em questão. A função apropriada é aquela que naturalmente satisfaz as condições de contorno em parte da fronteira (retomaremos essa discussão no capítulo 5). Em ambas as modelagens, contudo, as singularidades (fontes) são partes inerentes da solução.
2.2.4. Forças Hidrodinâmicas Retomemos o problema de escoamento potencial ao redor de um corpo imerso em fluido sem fronteiras para discutirmos o equacionamento das forças que atuam sobre o corpo em decorrência do campo de pressões dinâmico. Iniciaremos com o caso mais simples, quando o escoamento é uniforme. Neste caso, supondo Oxyz solidário ao corpo, os dois problemas ilustrados abaixo são idênticos do ponto de vista dinâmico, a menos de uma mudança de referencial: z
z
y
y
x
U
x U
n
n SB
∆φ = 0 r ∇φ ⋅ n S = 0; B r lim ∇φ = Ui x →∞
SB
∆φ = 0 r r ∇φ ⋅ n S = −Ui ; B r lim ∇φ = 0 x →∞
Figura 10 – Escoamento uniforme: corpos fixos e corpos em movimento
Hidrodinâmica I
41
r r No caso mais geral, quando o escoamento não é uniforme e U = U (t ) , as
mesmas condições cinemáticas se aplicam às velocidades do corpo e do fluido, porém, agora, os problemas serão diferentes do ponto de vista dinâmico. Nas deduções a seguir, consideraremos o caso no qual o corpo se move r através de um fluido originalmente em repouso, com velocidade U (t ) . r Consideraremos, então, as seis componentes do vetor de forças F (t ) e momentos r M (t ) de origem hidrodinâmica que atuam sobre o corpo em movimento e que serão obtidos mediante integração direta do campo de pressões sobre o corpo: r r F = ∫∫ pn dS SB
r r r M = ∫∫ p (r × n )dS
(2.18)
SB
r onde n é o versor normal orientado para “fora” do domínio fluido (e, portanto, para r dentro do corpo) e r é o vetor posição da superfície dS no sistema de referências O(x,y,z). Desconsiderando a parcela hidrostática do campo de pressões (as quais resultam nas forças de empuxo sobre o corpo), o campo de pressões p é obtido a partir da equação de Bernoulli na sua forma (2.7) e, assim:
r ⎡ ∂φ 1 ⎤r + ρ∇φ ⋅ ∇φ ⎥ ndS F = − ∫∫ ⎢ ρ ∂t 2 ⎦ SB ⎣ r ⎡ ∂φ 1 ⎤ r r + ρ∇φ ⋅ ∇φ ⎥ (r × n )dS M = − ∫∫ ⎢ ρ ⎣ ∂t 2 ⎦
(2.19)
SB
É possível obter um equacionamento alternativo para as forças e momentos expressos em (2.19) ao considerarmos uma superfície de controle SC fixa, exterior à superfície do corpo SB, como ilustrado na figura abaixo.
Hidrodinâmica I
42 SC n
U(t) n SB
Figura 11 – Esquematização da superfície de controle SC
É possível demonstrar20 que as forças e momentos sobre o corpo podem ser escritos também na forma: r r r⎤ 1 d ⎡ ∂φ F = − ρ ∫∫ φn dS − ρ ∫∫ ⎢ ∇φ − (∇φ ⋅ ∇φ )n ⎥ dS 2 dt S B ∂n ⎦ SC ⎣ r r r r ⎡ ∂φ r⎤ 1 d M = − ρ ∫∫ φ (r × n )dS − ρ ∫∫ r × ⎢ ∇φ − (∇φ ⋅ ∇φ )n ⎥ dS 2 dt S B ⎦ ⎣ ∂n SC
(2.20)
Do ponto de vista matemático, a vantagem obtida ao se equacionar as forças e momentos na forma (2.20) não é evidente, se as compararmos com as expressões (2.19). Todavia, uma grande simplificação pode ser obtida, por exemplo, no caso de um corpo se movendo em fluido sem fronteiras. Neste caso, tomando partido do fato de a superfície de controle ser arbitrária, podemos posicioná-la na região que convencionamos denominar campo distante (far field, em inglês). Como o próprio nome indica, trata-se da região do escoamento suficientemente afastada do corpo, região na qual, os detalhes geométricos do corpo não mais são importantes para o escoamento local. A conveniência da formulação (2.20) ficará clara a seguir, quando discutirmos especificamente o problema de um corpo em movimento arbitrário em um fluido sem fronteiras.
20
Essa demonstração é relativamente extensa e envolve a aplicação do teorema da divergência e
do teorema do transporte. Pode ser encontrada em Newman [1977] pg. 132 a 134.
Hidrodinâmica I
43
Consideremos agora, o problema de um corpo rígido que se move em um fluido sem fronteiras, originalmente em repouso. Nesse caso, se tomarmos a superfície de controle em uma região suficientemente distante do corpo, as contribuições para as forças e momentos oriundas da integração em SC tenderão a zero e, dessa forma, resulta simplesmente:
r r d F = − ρ ∫∫ φn dS dt S B r r r d M = − ρ ∫∫ φ (r × n )dS dt S B
(2.21)
Para o caso particular de o corpo se mover com velocidade constante r U = (U 1 ,U 2 , U 3 ) = cte , recaímos em um problema de escoamento potencial em regime permanente e, nesse caso, a integral sobre o corpo na primeira equação de (2.21) resulta independente do tempo. Conseqüentemente, conclui-se que, para o problema de translação do corpo com velocidade constante através de um fluido inviscido e irrotacional, a resultante das forças hidrodinâmicas sobre o corpo r r será nula ( F = 0 ). Este resultado configura o conhecido Paradoxo de D’Alembert, ao qual nos referimos anteriormente. Todavia, nesta mesma situação, um momento não nulo pode existir. De fato, consideremos como exemplo o caso de um corpo se deslocando paralelamente ao eixo x (sistema de referência Oxyz, r r fixo), com velocidade U = U 1i . O problema somente será independente do tempo em um sistema de referências que se move com o corpo (O’x’y’z’). A relação entre os dois referenciais é dada por:
x ' = x − U 1t y' = y e, portanto:
z' = z r r r r ' = r − U 1ti
Neste sistema de referências, o potencial φ ( x ' , y ' , z ' ) será independente do r r r tempo, assim como o versor normal n = (n1 , n2 , n3 ) , mas o produto vetorial r '×n não o será, pois: r r r r r r r '×n = r × n − U 1tn3 j − U 1tn2 k
Hidrodinâmica I
44
Assim, retomando o caso mais geral de translação uniforme com r U = (U 1 ,U 2 , U 3 ) = cte e observando que podemos escrever: r r r r r r r '×n = r × n − t (U × n ) então, o momento sobre o corpo em (2.21) pode ser reescrito na forma:
r r r r r r r d d d M = − ρ ∫∫ φ (r × n )dS = − ρ ∫∫ φ (r '×n )dS − ρ ∫∫ tφ (U × n )dS dt S B dt S B dt S B e, finalmente: r r r r r M = − ρ ∫∫ φ (U × n ) dS = − ρU × ∫∫ φn dS SB
(2.22)
SB
A expressão (2.22) demonstra que o momento hidrodinâmico atuante sobre r o corpo é perpendicular ao vetor velocidade U . Mais ainda, esse momento será r nulo se o corpo possuir simetria em relação aos dois eixos perpendiculares a U (pois a integral nessas duas direções resultará nula devido à simetria do termo r φn ). Assim, o momento sobre uma esfera em translação uniforme será nulo, mas, por exemplo, no caso de deslocamento de um submarino ou torpedo (que apresenta simetria apenas com relação ao plano “vertical” que inclui a linha de centro), o corpo experimentará um momento de pitch (que tende a “subir” ou “baixar” sua proa), desestabilizando o movimento do corpo. O momento expresso em (2.22) é usualmente conhecido como momento de Munk e desempenha um papel crucial em aerodinâmica e hidrodinâmica. Como vimos, um corpo como um torpedo ou a fuselagem de um avião em movimento retilíneo uniforme sofrerá a ação do momento de Munk, que tende a desviá-lo de seu curso original. Este fato exige a adoção de medidas corretivas para garantir a estabilidade direcional do corpo. De forma empírica, a solução deste tipo de problema é conhecida há muito tempo e explica, por exemplo, a necessidade do emprego de penas na extremidade posterior de uma flecha. O mesmo papel é desempenhado pelos estabilizadores adotados em aviões, torpedos e submarinos, denominados genericamente empenagens21. Deve-se observar que, mesmo que haja simetria geométrica do corpo, a simetria do escoamento dependerá da
Hidrodinâmica I
45
direção de propagação. Assim, por exemplo, mesmo que a fuselagem seja um corpo de revolução alongado em movimento retilíneo uniforme, qualquer perturbação na velocidade (pequenas e inevitáveis componentes de velocidade perpendiculares à velocidade de avanço) acarretará em uma perda da simetria do escoamento e induzirá um momento desestabilizador. Retomemos, então, o caso mais geral quando o movimento não é uniforme, considerando os seis graus de liberdade do corpo. Nesta seção, tomaremos a liberdade de utilizar uma notação alternativa para simplificar o equacionamento. Assim, denotaremos as três componentes de translação (surge, sway e heave) através dos índices i={1,2,3}, respectivamente. Da mesma forma, as três componentes de rotação (roll, pitch e yaw) serão referenciadas através dos índices i={4,5,6}. Dessa forma, se o corpo apresenta velocidades de translação r r U (t ) e rotação Ω(t ) com relação a um referencial que se move com o corpo, em nossa notação podemos escrever: r U (t ) = (U 1 (t ), U 2 (t ), U 3 (t )) r Ω(t ) = (Ω1 (t ), Ω 2 (t ), Ω 3 (t )) = (U 4 (t ), U 5 (t ), U 6 (t )) A
condição
de
contorno
impermeabilidade) implica que: r r r r r ∇φ ⋅ n = (U + Ω × r ' ) ⋅ n
apropriada
no
corpo
(condição
de
em SB
ou, alternativamente: r r r r r ∂φ = U ⋅ n + Ω ⋅ (r '×n ) ∂n
em SB
A forma da condição de contorno acima permite supor uma solução do tipo: 6
φ = ∑ U i (t )ϕ i
(2.23)
i =1
Aqui, cada componente ϕ i representará, fisicamente, o potencial de velocidades relativo ao um movimento com velocidade unitária no grau de liberdade i. 21
Do francês empennage, “penas de uma flecha”.
Hidrodinâmica I
46
É fácil perceber que (2.23) será de fato solução desde que as respectivas componentes ϕ i satisfaçam a equação de Laplace, a condição de evanescência e as seguintes condições no corpo:
∂ϕ i = ni ∂n
i=1,2,3
∂ϕ i r r = (r '×n ) i −3 ∂n
(2.24) i=4,5,6
É importante notar que cada um dos componentes ϕ i depende apenas da geometria do corpo, não dependendo das velocidades do corpo rígido e, portanto, do tempo. A força hidrodinâmica atuante sobre o corpo é dada pela equação (2.21). Considerando (2.23) em (2.21), percebemos que a força total será obtida através da composição de seis vetores, na forma: r 6 r F = ∑ Fi i =1
r r r r d ∂n Fi = − ρ ∫∫ U i (t )ϕ i n dS = − ρU& i ∫∫ ϕ i n dS −ρU i ∫∫ ϕ i dS dt S B ∂t SB SB
É importante notar que, devido à rotação do corpo, o versor normal sofre variação com o tempo, a qual, por sua vez, é dada por: r ∂n r r = Ω×n ∂t Assim, a força hidrodinâmica total é dada pela somatória das seguintes componentes: r r r r Fi = − ρU& i ∫∫ ϕ i n dS −ρU i Ω × ∫∫ ϕ i n dS SB
(2.25)
SB
O momento hidrodinâmico também está expresso na equação (2.21). r Todavia, deve-se notar que o vetor r é definido em relação ao referencial fixo no r espaço e, portanto, depende do tempo. Se rO (t ) denotar o vetor posição da origem do sistema de coordenadas solidário ao corpo, podemos escrever:
Hidrodinâmica I
47
r r r r = rO (t ) + r ' e o momento será dado por:
r r r r r d d M = − ρ ∫∫ φ (rO × n )dS − ρ ∫∫ φ (r '×n )dS dt S B dt S B ou:
r r ⎤ r r d ⎡r d M = − ρ ⎢rO × ∫∫ φn dS ⎥ − ρ ∫∫ φ (r '×n )dS dt ⎣⎢ dt S B SB ⎦⎥ r r e, lembrando que d rO (t ) dt = U (t ) , temos: r r r r r r r d M = rO × F − ρU × ∫∫ φn dS − ρ ∫∫ φ (r '×n )dS dt S B SB r r Por fim, devemos observar que ( r '×n ) é um vetor fixo com relação ao
sistema de coordenadas solidário ao corpo e, portanto: r r d (r '×n ) r r r = Ω × (r '×n ) dt O momento resulta, então:
r r r r r r r r ∂φ r r M = rO × F − ρU × ∫∫ φndS − ρ ∫∫ (r '×n )dS − ρΩ × ∫∫ φ (r '×n )dS SB S B ∂t SB Deve-se notar que o primeiro termo corresponde ao momento gerado pela r força resultante F aplicada na origem do sistema móvel em relação à origem do sistema fixo. Dessa forma, o momento hidrodinâmico calculado com relação à origem do sistema que se move com o corpo é dado por:
r r r r r r ∂φ r r M = − ρU × ∫∫ φn dS − ρ ∫∫ (r '×n )dS − ρΩ × ∫∫ φ (r '×n )dS SB S B ∂t SB
(2.26)
Considerando, agora, a decomposição do potencial (2.23) na expressão do momento (2.26), temos: 6 r r M = ∑Mi i =1
onde:
Hidrodinâmica I
48
r r r r r r r r M i = − ρU iU × ∫∫ ϕ i n dS − ρU& i ∫∫ ϕ i (r '×n )dS − ρU i Ω × ∫∫ ϕ i (r '×n )dS SB
SB
(2.27)
SB
As expressões (2.25) e (2.27) sumarizam o cálculo da força e momento hidrodinâmicos atuantes sobre um corpo tridimensional que realiza um movimento arbitrário através do fluido. Cabe notar, todavia, que cada um dos integrandos presentes nestas duas expressões representa um vetor que depende apenas da geometria do corpo. Cada um destes vetores apresenta três componentes {j=1,2,3} e, de acordo com as condições de contorno no corpo definidas em (2.24), podemos escrever cada uma destas componentes de uma maneira alternativa:
∫∫ ϕ n dS = ∫∫ ϕ i
j
SB
SB
r r
∫∫ ϕ (r '×n ) i
SB
j
∂ϕ j i
∂n
dS = ∫∫ ϕ i SB
dS ∂ϕ j +3 ∂n
dS
Dessa forma, verifica-se que todas as integrais presentes em (2.25) e (2.27) podem ser agrupadas em uma matriz (6X6), usualmente denominada matriz de massa adicional, dada por: mlk = ρ ∫∫ ϕ k SB
∂ϕ l dS k=1,..,6 e l=1,..,6 ∂n
(2.28)
Cada um dos termos de força e momento hidrodinâmicos depende apenas das velocidades e acelerações de corpo rígido e dos coeficientes de massa adicional mkl. Esses últimos, por sua vez, dependem exclusivamente da geometria do corpo e, uma vez que estamos trabalhando no contexto de fluido inviscido, os coeficientes de massa adicional caracterizam plenamente as propriedades hidrodinâmicas do corpo22. É importante ressaltar, também, que as expressões de força e momento (2.25) e (2.27) foram deduzidas sob a hipótese de o fluido não ser limitado por outras fronteiras que não aquelas impostas pelo próprio corpo. Nos casos em que
22
Obviamente, a geometria do corpo traz implicações também sobre o arrasto hidrodinâmico
decorrente dos efeitos de viscosidade.
Hidrodinâmica I
49
efeitos de superfície-livre são relevantes, por exemplo, estas expressões se modificam. Retornaremos a este problema nos capítulos 4 e 5. Antes de encerrar este breve apanhado sobre a teoria de escoamento potencial, algumas propriedades importantes relativas aos coeficientes de massa adicional serão discutidas a seguir.
2.2.5. Massa Adicional As massas adicionais do corpo representam, do ponto de vista físico, a quantidade de fluido acelerada pelo movimento do corpo. Sua denominação decorre de uma analogia direta com as forças de inércia do corpo rígido, as quais se expressam na mesma forma das expressões (2.25) e (2.27), com a massa e os momentos de inércia do corpo substituindo os coeficientes de massa adicional (para uma demonstração desta analogia, ver Newman (1977), pg.148). Esta igualdade de forma permite que as forças inerciais totais agindo sobre o corpo sejam escritas através de uma matriz de massas virtuais, cujos coeficientes são dados pela soma das inércias do corpo e adicionais (Mij + mij). Deve-se, no entanto, tomar cuidado com essa analogia, observando, por exemplo, que, em geral, as massas adicionais de translação (m11, m22, m33) de um corpo são diferentes (a menos que simetrias geométricas sejam garantidas) e, portanto, essas “massas” dependem da direção do movimento do corpo. Além disso, não havendo a referida simetria, coeficientes cruzados (m12, m13, m23) serão não-nulos, o que implica que as forças inerciais hidrodinâmicas terão direção diferente da aceleração do corpo. Do fato de as inércias fluidas dependerem da direção de movimento do corpo decorre também o fato de o vetor quantidade de movimento do fluido não ser, em geral, paralelo ao vetor velocidade do corpo, o que explica, de outro ponto de vista, a existência do momento de Munk, discutida anteriormente. A matriz de massas adicionais é uma matriz simétrica, ou seja: mij = m ji . A demonstração dessa propriedade é simples, bastando-se aplicar o Teorema de
Hidrodinâmica I
50
Green aos potenciais ϕ i e ϕ j sobre a superfície SB + SC (ver Figura 11). Se tomarmos a superfície SC a uma distância suficientemente grande do corpo (e temos liberdade para isso, nesse caso), a integral sobre SC se anulará em decorrência da condição de evanescência do potencial. Assim:
⎡ ∂ϕ j ∂ϕ i ⎤ −ϕ j ⎢ϕ i ⎥ dS = 0 ∫∫ ∂n ∂n ⎦ SB ⎣ e, portanto: mij = m ji
Há, também, uma relação direta entre massa adicional e energia cinética do fluido, como mostraremos a seguir: A energia cinética do fluido (T) é dada por:
T=
1 ρ (∇φ ⋅ ∇φ )dV 2 ∫∫∫ V
(2.29)
com o domínio de integração representado todo o domínio fluido limitado por SB e SC, de acordo com a Figura 11. A energia cinética pode ser reescrita em função dos potenciais ϕ i , empregando-se, para isso, a decomposição (2.23) na expressão (2.29):
T=
1 ρ ∑∑ (U i ∇ϕ i ) ⋅ (U j ∇ϕ j )dV 2 i j ∫∫∫ V
T=
1 ρ ∑∑ U iU j ∫∫∫ (∇ϕ i ⋅ ∇ϕ j )dV 2 i j V
Por outro lado, a partir da definição dos coeficientes de massa adicional (2.28) e da aplicação do Teorema da Divergência, temos23: mij = ρ ∫∫ ϕ j SB
e, portanto:
23
Lembrar que
∆ϕ i = 0
∂ϕ i dS = ρ ∫∫∫ ∇ ⋅ (ϕ j ∇ϕ i )dV = ρ ∫∫∫ (∇ϕ i ⋅ ∇ϕ j )dV ∂n V V
Hidrodinâmica I
T=
51 1 ∑∑ mijU iU j 2 i j
(2.30)
Assim, percebe-se que os coeficientes de massa adicional são constantes que multiplicam termos quadráticos nas componentes de velocidade do corpo, o que reforça, mais uma vez, a analogia dos coeficientes mij com “massas”. Newman (1977) apresenta valores dos coeficientes de massa adicional para algumas geometrias particulares, 2D e 3D, para as quais é possível obter valores analíticos das massas adicionais. A Figura 12 apresenta os coeficientes de massa adicional de algumas figuras planas (a maioria calculada através de técnicas de mapeamento conforme).
Figura 12 – Coeficientes de massa adicional de alguns corpos 2D (fonte: Newman,1977)
A Figura 13 apresenta os coeficientes normalizados para elipsóides de revolução, empregando como fatores de adimensionalização a massa e o momento de inércia do volume fluido deslocado pelo corpo.
Hidrodinâmica I
Figura 13 – Coeficientes de massa adicional de elipsóides de revolução
52
Hidrodinâmica I
53
3. TEORIA LINEAR DE ONDAS DE GRAVIDADE “The basic law of the seaway is the apparent lack of any law” Lord Rayleigh
O que caracteriza de fato a chamada hidrodinâmica marítima é o estudo da propagação de ondas na superfície do mar. O estudo do comportamento dinâmico de estruturas flutuantes em ondas requer, como ponto de partida, que sejamos capazes de modelar a excitação causada por uma determinada situação de mar. O caráter aleatório das ondas do mar traz como conseqüência a necessidade de um tratamento estatístico do problema (que será discutido nas seções 3.6 e 3.7), tratamento este que se funda, como veremos, no estudo da chamada Teoria Linear de Ondas de Gravidade. Toda a modelagem matemática que será apresentada neste capítulo é baseada na teoria do potencial, implicando, portanto, em escoamento irrotacional. De fato, os fundamentos da teoria que hoje agrupamos sob o nome de teoria de ondas de superfície foram estabelecidos antes da dedução das equações de Navier-Stokes, como veremos na seção 3.1. Efeitos de viscosidade são importantes em alguns problemas específicos, como no caso do estudo das forças de excitação de ondas sobre corpos de pequenas dimensões (problema que discutiremos mais adiante, no Capítulo 4) e no problema de geração de ondas pelo vento (discutido, de forma breve, na seção 3.7). Todavia, para o estudo geral de ondas de superfície e para o problema de comportamento no mar, os efeitos de viscosidade podem, em geral, ser desprezados, com excelentes comprovações experimentais (voltaremos a discutir este ponto na seção 4.1). É importante destacar também que outros fenômenos ondulatórios são verificados no ambiente oceânico, além das ondas de superfície que trataremos neste capítulo. Exemplos destes fenômenos são as chamadas ondas internas
Hidrodinâmica I
54
(internal waves), causadas por diferenças de densidade, e as ondas inerciais (inertial waves), associadas à aceleração de Coriolis. Nestes dois casos, no entanto, as freqüências de oscilação são baixas o suficiente para não causar efeitos dinâmicos significativos em corpos flutuantes ou imersos e, assim, apresentam pouco interesse no contexto da engenharia naval. No outro extremo do espectro, há fenômenos ondulatórios em altas freqüências, como as ondas capilares, que também não afetam significativamente corpos de dimensões usuais em engenharia naval e oceânica24. Assim, este capítulo é dedicado à teoria que nos permite representar as ondas de superfície e sua ação sobre corpos flutuantes e imersos e também as ondas geradas pelo movimento de uma embarcação (importante, por exemplo, no estudo de resistência ao avanço). Em particular, estudaremos esta teoria no contexto das ondas de pequena amplitude, o que nos permitirá linearizar o problema de contorno, trazendo grandes simplificações matemáticas. Veremos que este procedimento é adequado para boa parte dos problemas em engenharia, embora efeitos não-lineares sejam importantes em muitas aplicações de engenharia naval e oceânica. De fato, a teoria não-linear de ondas é um tópico de estudo importante para aqueles que pretendem atuar na área, mas não faz parte do escopo deste curso básico. Aqui, nos restringiremos a discutir alguns aspectos fundamentais da modelagem dos fenômenos não-lineares e discutir alguns dos principais problemas decorrentes dos mesmos no campo da engenharia oceânica (objetivos do Capítulo 5).
3.1. Nota Histórica Raros são os livros didáticos na área de hidrodinâmica que trazem um contexto histórico da evolução da teoria que trata das ondas de superfície. Este fato talvez se deva a uma relativa desorganização do processo que levou ao que hoje entendemos como teoria de ondas de gravidade. De fato, vários cientistas 24
Para uma descrição aprofundada destes fenômenos ondulatórios ver, por exemplo, Phillips
(1966).
Hidrodinâmica I
55
abordaram o tema, desenvolvendo um equacionamento que tem origem praticamente simultânea com o desenvolvimento da teoria de fluidos ideais, especialmente a partir do século XVIII, como vimos anteriormente. Muitos dos trabalhos originais mais importantes, embora contribuam com resultados fundamentais quanto à modelagem matemática do problema, trazem erros e foram alvo de controvérsias no meio acadêmico durante muito tempo. Nesta seção discutiremos alguns aspectos importantes deste desenvolvimento, com a finalidade de situá-lo no contexto histórico abordado no capítulo anterior. Para os que tiverem interesse em maiores detalhes, duas excelentes referências são Craik (2004) e Craik (2005). Ao longo deste capítulo, notas adicionais sobre as origens da teoria de ondas de superfície serão apresentadas, concomitantemente com o equacionamento. Não é de se surpreender que Newton tenha sido pioneiro na tentativa de elaborar uma teoria matemática de ondas. Em seu Principia (1687), Newton propôs uma analogia entre as ondas de superfície e o escoamento oscilatório em um tubo em U. Embora com óbvias limitações, as hipóteses de Newton permitiram equacionar corretamente a relação entre a freqüência angular (ω) e o comprimento de onda (λ) na ausência de efeitos de fundo, deduzindo que ω ∝ 1
λ . Newton
estava consciente das limitações do modelo que propunha e explicitou que “isto é verdade na suposição de que as partes de água sobem ou descem em linha reta, mas, na verdade, este movimento é realizado em um círculo”. Quase um século depois, já conhecidas as equações propostas por Euler, Laplace reexaminou o problema das ondas. Foi ele o primeiro a mostrar que o escoamento induzido pelas ondas é governado pela equação diferencial que hoje conhecemos como Equação de Laplace. Através de uma descrição “Lagrangiana” do movimento e denotando por x e z pequenos deslocamentos das partículas na direção horizontal e vertical, com posição inicial (X;Z), Laplace chega nas seguintes soluções periódicas:
Hidrodinâmica I
56
{
}
X Z /c e + e −Z / c c X Z /c e − e −Z / c z = − A(t ) cos c x = A(t ) sen
{
}
com z=0 representando o fundo. Já se verifica na dedução de Laplace, portanto, a variação hiperbólica com a profundidade e as trajetórias elípticas das partículas fluidas, corretamente satisfazendo a condição de impermeabilidade em Z=0. Simultaneamente e de forma independente, Lagrange derivou as equações linearizadas para ondas de pequena amplitude e obteve a solução para o caso limite de ondas longas em profundidade finita. Para ondas em profundidade finita, Lagrange descobriu que “a velocidade de propagação das ondas será aquela que um corpo pesado iria adquirir ao cair de uma altura correspondente à metade da altura da água no canal”, ou seja,
gh .
Conquanto vários trabalhos adicionais tenham sido publicados neste período, com diferentes graus de sofisticação, o próximo passo significativo na modelagem adveio de um trabalho publicado por Cauchy25, então com 25 anos de idade, como resultado de sua participação em um concurso lançado em 1813 pela Académie de Sciences, do qual saiu vencedor. Poisson26, então um dos juízes do concurso, depositou um memorial independente sobre o tema. Os trabalhos apresentavam uma sofisticação matemática muito acima do comum para a época, o que afastou os leitores e rendeu violentas críticas posteriores, especialmente por parte dos cientistas ingleses que desenvolveram importantes trabalhos neste campo ao longo do século XIX. A análise de Cauchy e Poisson empregava transformadas de Fourier com superposição de infinitos modos estacionários, cada qual com freqüência própria de oscilação, e aproximações assintóticas para realizar as integrações. Além dos métodos matemáticos repelirem boa parte dos 25
Cauchy, Agustin-Louis (1789-1857): Matemático francês, famoso pelo rigor empregado em suas
demonstrações, realizou contribuições importantíssimas em diversas áreas da matemática (análise, teoria das séries, cálculo a variáveis complexas, etc.) e física (óptica, hidrodinâmica, elasticidade).
Hidrodinâmica I
57
leitores, alguns resultados físicos, decorrentes de fato do caráter dispersivo das ondas de gravidade, eram contrários à intuição, o que colaborou ainda mais para as críticas negativas. Todavia, embora trouxesse algumas inconsistências, a análise de Cauchy-Poisson é hoje tida como um importante marco da teoria matemática de problemas de valor inicial. A partir da primeira metade do século XIX, grandes contribuições à teoria de ondas de superfície foram dadas por pesquisadores ingleses. Seguindo a tradição empirista britânica, estes trabalhos foram orientados por importantes experimentos científicos realizados em tanques de provas, dentre os quais aqueles realizados por Russell27. Os experimentos de Russell ficaram famosos por sua descoberta da onda solitária (solitary wave), à qual chamou (com certo exagero, como depois escreveria Airy28) de “The Great Primary Wave”. Dentre os importantes trabalhos desta época estão os de Green29, Airy e, finalmente, Stokes30. Mais uma vez, intensas disputas acadêmicas em torno da teoria foram travadas na época (ver Craik (2004), para maiores detalhes). Em seu trabalho “On the motion of waves in a variable canal of small depth and width”, de 1838, Green apresenta provavelmente a primeira aplicação do que hoje 26
Poisson, Siméon Denis (1781-1840): físico-matemático francês com inúmeros trabalhos
fundamentais em matemática pura e aplicada, física-matemática e mecânica. 27
Russell, John Scott (1808-1882): Nascido em Glasgow, lecionou matemática e filosofia natural
na Universidade de Edimburgo. Posteriormente, trabalhou como engenheiro naval, função na qual realizou diversos ensaios em canais. 28
Airy, Sir George Biddell (1801-1892): Astrônomo britânico, fez importantes contribuições à teoria
de ondas. 29
Green, George (1793-1841): matemático britânico; seu trabalho mais importante “An Essay on
the Applications of Mathematical Analysis to the Theories of Electricity and Magnetism” (1828), introduz vários conceitos importantes, entre eles a idéia de funções potenciais e a classe de funções que hoje recebe seu nome. 30
Stokes, George Gabriel (1819-1903): físico-matemático irlandês, Stokes lecionou durante muito
tempo na Universidade de Cambridge, período no qual publicou seus mais importantes trabalhos. Considerado um dos cientistas mais importantes de seu tempo, tem contribuições fundamentais em mecânica dos fluidos (entre elas, as equações de Navier-Stokes), óptica e física-matemática (incluindo o teorema hoje conhecido como Teorema de Stokes).
Hidrodinâmica I
58
conhecemos como “Método de Escalas Múltiplas” ao problema de ondas e prova que, em profundidade infinita, as trajetórias das partículas fluidas são círculos com raios que decaem exponencialmente com a profundidade (muito embora esse resultado pudesse ter sido facilmente obtido a partir do equacionamento proposto muito tempo antes por Laplace). Embora seu maior interesse fosse na teoria das marés, Airy trabalhou também sobre o problema de ondas em um canal, provando a forma elíptica das trajetórias em profundidade finita e deduzindo corretamente a relação de dispersão de ondas neste caso. Além disso, Airy afirmou categoricamente que “...provided it be long in proportion to the depth of the fluid, the wave can, when moving freely, have no other velocity than
gh ...but Mr.
Russel was not aware of the influence of the length of the wave in any case and therefore has not given it…”. Isto, combinado com sua crítica à importância desproporcional dada por Russel à onda solitária, iniciou uma longa disputa entre os dois pesquisadores. Os trabalhos mais importantes de Airy foram publicados quando Stokes começava seus estudos sobre ondas. Sem dúvida, os trabalhos posteriores de Stokes estão entre os mais influentes na história da teoria de ondas de superfície, tendo
sido
ele,
por
exemplo,
quem
formalizou
de
forma
definitiva
o
equacionamento de ondas irregulares através da somatória de componentes harmônicas. Stokes também introduziu importantes avanços com relação à modelagem não-linear de ondas e seus resultados voltarão a ser discutidos no Capítulo 5. Um histórico bastante completo da trajetória científica de Stokes pode ser encontrado em Craik (2005).
3.2. O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas Revisaremos, deste ponto em diante, os principais aspectos da chamada Teoria Linear de Ondas de Gravidade, com a qual o aluno já teve um primeiro contato nas disciplinas de graduação do curso de Engenharia Naval. Estudaremos inicialmente o problema mais simples, referente a uma onda plana progressiva, cuja solução constitui a base para a modelagem estatística das ondas do mar que
Hidrodinâmica I
59
discutiremos mais adiante. Este problema está ilustrado, esquematicamente, na figura abaixo.
Figura 14 – Onda plana progressiva em região de profundidade h
A onda, neste caso, se caracteriza por sua amplitude A (ζa na figura), pelo seu comprimento λ e seu período de oscilação T. A elevação da superfície é descrita pela relação z = ζ(x,t). A partir destes parâmetros básicos, podemos definir outros que serão importantes para a compreensão do problema. Assim, podemos definir a freqüência angular da onda ( ω = 2π T ) e o chamado número de onda ( k = 2π λ ). A velocidade de fase (ou velocidade de propagação) da onda é a velocidade de movimento das cristas e cavas e é, obviamente, definida por: c=
λ T
(3.1)
A altura de onda (H) é definida pela altura entre a crista e a cava da onda e sua declividade (wave steepness, em inglês) é dada por H/λ. No contexto da teoria potencial, o problema consiste em determinar o potencial de velocidades φ(x,z,t) do escoamento induzido por este campo ondulatório. Uma vez conhecido tal potencial, o campo de velocidades no fluido estará definido, assim como o campo de pressões, através da Equação de Bernoulli na sua forma (2.7). Discutiremos, a seguir, a formulação do problema de contorno e sua solução mais simples, que dá origem à chamada teoria linear de ondas.
Hidrodinâmica I
60
Condição de Continuidade e Equação de Laplace Como vimos anteriormente, no contexto da teoria potencial toda a dinâmica do fluido resulta da imposição da condição de conservação de massa. Assim, a equação básica a ser satisfeita é a equação de Laplace:
⎛ ∂ 2φ ∂ 2φ ∂ 2φ ⎞ ∆φ = ⎜⎜ 2 + 2 + 2 ⎟⎟ = 0 ∂y ∂z ⎠ ⎝ ∂x No caso em estudo, temos: ∂φ ∂y = 0 e ∂ 2φ ∂y 2 = 0 . Assim, no problema plano:
⎛ ∂ 2φ ∂ 2φ ⎞ ∆φ = ⎜⎜ 2 + 2 ⎟⎟ = 0 ∂z ⎠ ⎝ ∂x
(3.2)
Procuramos uma solução que resulte em uma oscilação harmônica do potencial em x e no tempo e sabemos que a perturbação causada pela onda decai à medida que nos afastamos da superfície. Tais aspectos físicos naturalmente nos induzem a procurar uma solução da forma31:
φ ( x, z, t ) = Re[ P( z )e −ikx +iωt ]
(3.3)
Substituindo (3.3) na equação de Laplace, resulta a seguinte equação diferencial ordinária de segunda-ordem:
d 2 P( z ) − k 2 P( z ) = 0 , 2 ∂z a qual deve ser satisfeita em todo o domínio fluido. A solução mais geral desta equação é dada em termos de funções exponenciais:
P ( z ) = C1e kz + C 2 e − kz
31
Podemos descrever a solução em termos reais como
lembrar que: e
iα
(3.4)
φ ( x, z, t ) = P( z ) sen(kx − ωt ) , bastando
= cos(α ) + isen(α ) . Todavia, nos interessa manter a notação complexa, pois
esta será importante no tratamento do problema de comportamento no mar, que será discutido no capítulo 5.
Hidrodinâmica I
61
com constantes C1 e C2 a serem determinadas. Portanto, a solução geral da equação de Laplace com uma função da forma (3.3) resulta:
φ ( x, z, t ) = Re[(C1e kz + C 2 e − kz )e −ikx +iωt ]
(3.5)
As duas constantes ainda indefinidas presentes na solução, cujos valores a particularizam, dependerão, então, das condições de contorno do problema. O contorno em questão é dado pelo fundo e pela própria superfície-livre z = ζ(x,t). A seguir, discutiremos as condições físicas a serem impostas nestas fronteiras.
A Condição de Contorno no Fundo Naturalmente, a condição de contorno a ser imposta no fundo é a condição de impermeabilidade desta fronteira (z=-h), que se expressa por: ∂φ = 0 em z=-h ∂z
(3.6)
e, substituindo (3.5) em (3.6), temos:
C1e − kh − C 2 e kh = 0 condição satisfeita se: C1 = C 2 e kh e C 2 = C 2 e − kh Portanto, a função P(z) dada em (3.4) pode ser reescrita na forma: P( z ) =
C k ( z +h) (e + e − k ( z + h ) ) = C cosh k ( z + h) 2
e o potencial de velocidades resulta, então:
φ ( x, z, t ) = Re[C cosh k ( z + h)e − ikx +iωt ]
(3.7)
restando, ainda, a determinação de C.
Condição de Contorno Dinâmica na Superfície-Livre A própria natureza da superfície-livre exigirá duas condições a serem impostas. A primeira, chamada de condição dinâmica, garante que a pressão hidrodinâmica na superfície seja igual à pressão atmosférica, ou seja p=p0 para
Hidrodinâmica I
62
z=ζ. Assim, sobre a superfície-livre, a equação de Bernoulli para escoamentos não-permanentes (2.7), implicará: p − p0 ∂φ 1 + ∇ φ 2 + gζ = − =0 ∂t 2 ρ
(3.8)
É possível mostrar, através de um argumento de escala, que na hipótese de ondas de pequena declividade ( A / λ << 1 ou, alternativamente, kA << 1 ), o termo quadrático na velocidade é desprezível face ao termo linear ∂φ / ∂t , pois32:
∇φ 2 = O(kA) << 1 ∂φ / ∂t Como primeira etapa da linearização do problema, podemos desprezar o termo quadrático na condição dinâmica, cuja forma linear resulta então:
ζ =−
1 ∂φ g ∂t
A rigor, a condição acima deveria ser imposta sobre a superfície z=ζ, a qual não é conhecida a priori, o que, de fato, constitui outra fonte de não-linearidade do problema. Todavia, é fácil notar que, de forma consistente com a linearização proposta acima, podemos adotar, com erros da mesma ordem:
ζ =−
1 ∂φ g ∂t
em z=0
(3.9)
Dada a variação harmônica no espaço e no tempo assumida para o potencial de velocidades (eq. 3.3), a condição (3.9) implica em uma oscilação também harmônica da superfície-livre, a qual, então, pode ser admitida da forma:
ζ ( x, t ) = A cos( kx − ωt )
(3.10)
Assim, substituindo (3.7) em (3.9) e observando (3.10) obtemos, finalmente: C=
igA ω cosh kh
O potencial de velocidades do escoamento resulta, então: ⎡ igA cosh k ( z + h) −ikx +iωt ⎤ gA cosh k ( z + h) e sen( kx − ωt ) (3.11) ⎥⎦ = ω cosh kh cosh kh ⎣ω
φ ( x, z , t ) = Re ⎢
32
A demonstração fica como exercício.
Hidrodinâmica I
63
Observando (3.11), é fácil notar que, no limite de profundidade infinita ( h → ∞ ), o potencial de velocidades é dado simplesmente por: ⎡ igA kz −ikx +iωt ⎤ gA kz e e ⎥⎦ = ω e sen( kx − ωt ) ⎣ω
φ ( x, z , t ) = Re ⎢
(3.12)
Neste ponto, aparentemente a solução está completa, mas, como veremos, há ainda uma restrição adicional que traduz uma característica extremamente importante da física das ondas de gravidade.
Condição de Contorno Cinemática na Superfície-Livre Devemos garantir a compatibilidade entre a velocidade do fluido ( ∇φ ) e a velocidade da superfície. Para isso, observemos que a superfície é descrita por z=ζ(x,t) e, portanto: dz ∂ζ ∂ζ dx = + dt ∂t ∂x dt
em z=ζ
A referida compatibilidade cinemática implica, então, que: ∂φ ∂ζ ∂ζ ∂φ = + ∂z ∂t ∂x ∂x
em z=ζ
mas, de acordo com a hipótese de pequena declividade, o segundo termo na equação acima é pequeno comparado com o primeiro33 e, dessa forma, podemos desprezar este termo de segunda-ordem, resultando: ∂φ ∂ζ = ∂z ∂t
em z=0
(3.13)
No contexto da teoria linear, a condição cinemática (3.13) pode ser combinada com a condição dinâmica (3.9) para fornecer uma condição de contorno única na superfície, conhecida como condição de Cauchy-Poisson:
33
Observar que ∂ζ ∂x = O ( A / λ )
Hidrodinâmica I
64
∂z 1 ∂ 2φ + =0 ∂t g ∂t 2
em z=0
ou, alternativamente:
∂ 2φ ∂φ +g =0 2 ∂z ∂t
em z=0
(3.14)
Substituindo a solução (3.11) na identidade acima, decorre uma relação entre a freqüência ω e o número de onda k na forma:
k=
ω2
(3.15)
g tanh kh
que é conhecida como relação de dispersão de onda. Analogamente,
substituindo
(3.12)
em
(3.14)
ou
observando
que
tanh kh → 1 quando kh → ∞ , obtém-se a relação de dispersão em águas profundas:
k=
ω2
(3.16)
g
A relação de dispersão impõe, então, uma relação entre o comprimento de onda e seu período de oscilação. Em termos da velocidade de propagação da onda, (3.15) implica que:
c=
λ T
=
ω k
=
g tanh kh k
(3.16)
e, portanto, a velocidade de fase da onda cresce com seu comprimento. Essa dependência da velocidade de propagação na freqüência (e, portanto, no comprimento de onda), mostra que ondas de diferentes freqüências se propagarão com velocidades diferentes. Assim, se em um dado momento verificamos um mar no qual identificamos uma superposição de ondas de diferentes freqüências (característico de um mar em uma região de tempestades), com o passar do tempo, à medida que estas ondas se afastam da região de geração, as diferentes “componentes” do mar tendem a se dispersar, formando zonas mais homogêneas,
Hidrodinâmica I
65
com períodos e comprimentos bem definidos (situação conhecida como swell)34. Daí dizermos que as ondas de gravidade são ondas dispersivas. Através de (3.16), podemos também avaliar a influência da profundidade sobre a velocidade de propagação e estudar os seus limites assintóticos em águas profundas e águas rasas. Em águas profundas, a velocidade de fase é dada por:
c=
g ≅ 1.25 λ ≅ 1.56T k
Já no limite de águas rasas ( kh → 0 ) a velocidade de propagação será (como já observara Airy em sua contenda com Russel) necessariamente:
c = gh indicando que, neste limite, as ondas não mais serão dispersivas. A esta velocidade se dá o nome de velocidade crítica de propagação. De fato, (3.16) já mostra que, à medida que a onda caminha para regiões de menor profundidade, sofre uma desaceleração. Essa dependência da velocidade de propagação na profundidade dá origem ao fenômeno de refração de ondas, que voltaremos a discutir mais adiante.
Campo de velocidades e campo de pressões Uma vez determinado o potencial de velocidades do escoamento, conhecese a cinemática das partículas fluidas e, através da equação do movimento, o campo de pressões no fluido. O campo de velocidades no fluido é dado por: r r r v ( x, z , t ) = ∇φ ( x, z , t ) = u ( x, z , t )i + w( x, z , t ) k com as componentes de velocidade, no caso mais geral de profundidade finita, na forma: 34
Isso explica porque os marinheiros experientes interpretam um swell como sinal de aproximação
de uma tempestade.
Hidrodinâmica I
cosh k ( z + h) cos(kx − ωt ) sinh kh sinh k ( z + h) sin( kx − ωt ) w( x, z , t ) = ωA sinh kh
66
u ( x, z , t ) = ωA
(3.17)
A variação espacial deste campo de velocidades é ilustrada na figura abaixo, que deve ser entendida como um “retrato” do campo em um determinado instante de tempo.
Figura 15 – Campo de velocidades do escoamento em profundidade finita
É fácil verificar que no limite de profundidade infinita o campo de velocidades resulta:
u ( x, z, t ) = ωAe kz cos(kx − ωt ) w( x, z, t ) = ωAe kz sin(kx − ωt )
(3.18)
demonstrando que, na ausência de efeitos de fundo, a velocidade do escoamento (e, como veremos, o campo de pressões dinâmicas) decai exponencialmente com a profundidade, como ilustrado abaixo:
Figura 16 – Campo de velocidades do escoamento em profundidade infinita
Hidrodinâmica I
67
As trajetórias descritas pelas partículas fluidas podem ser facilmente obtidas observando que, no contexto de pequena declividade da onda (pequenos deslocamentos das partículas fluidas), podemos aproximar a equação da trajetória integrando no tempo os campos de velocidade (3.17) e (3.18) em torno da posição média de cada partícula ( x ≈ x ; z ≈ z ). Assim, em profundidade finita, podemos escrever:
(x − x)2 ⎛ cosh k ( z + h) ⎞ ⎜A ⎟ sinh kh ⎠ ⎝
2
+
(z − z)2 ⎛ sinh k ( z + h) ⎞ ⎜A ⎟ sinh kh ⎠ ⎝
2
=1
indicando que, no contexto da teoria linear de ondas, as trajetórias das partículas fluidas em profundidade finita correspondem a órbitas elípticas, cujos semi-eixos verticais decaem mais rapidamente com a profundidade, até o limite em que resultam nulos sobre o fundo ( z = −h ). Na superfície-livre ( z = 0 ), o semi-eixo vertical equivale à amplitude da onda. Estas trajetórias são esquematizadas na figura a seguir.
Figura 17 – Trajetórias das partículas em profundidade finita
Em profundidade infinita, por sua vez, as trajetórias correspondem a órbitas circulares, cujo raio decai exponencialmente com a profundidade:
( x − x ) 2 + ( z − z ) 2 = ( Ae kz ) 2
A figura abaixo ilustra as trajetórias neste limite:
Hidrodinâmica I
68
Figura 18 – Trajetórias das partículas em profundidade infinita
O campo de pressões no fluido é obtido mediante a aplicação da equação de Bernoulli para escoamentos irrotacionais não-permanentes (eq. 2.7). Todavia, para sermos consistentes com a linearização empregada, devemos desprezar o termo não-linear nas velocidades (proporcional a ∇φ 2 ) e, dessa forma, obtemos o chamado campo de pressões linear, dado por: p ( x, z , t ) = − ρgz + ρgA
cosh k ( z + h) cos( kx − ωt ) cosh kh
(3.19)
ou, no caso de profundidade infinita:
p( x, z , t ) = − ρgz + ρgAe kz cos(kx − ωt ) = − ρgz + ρgζ ( x, t )e kz
(3.20)
Nas expressões (3.19) e (3.20), o primeiro termo corresponde à parcela hidrostática da pressão e o segundo à chamada parcela de pressão dinâmica. No estudo de comportamento mar, a ação desta parcela dinâmica de pressão será responsável pelas chamadas forças de excitação de ondas de primeira-ordem35. Retornaremos a este ponto no Capítulo 4.
35
Uma discussão sobre as forças de excitação de segunda-ordem é alvo do Capítulo 6. Dentre
estas forças encontram-se, por exemplo, as chamadas forças de deriva, extremamente importantes na análise dinâmica de sistemas oceânicos.
Hidrodinâmica I
69
3.3. Energia As ondas de gravidade decorrem de um balanceamento entre a energia cinética e a energia potencial do fluido. A definição da energia de onda e da velocidade com a qual essa energia é transportada é importante, por exemplo, no estudo de resistência ao avanço de embarcações. No caso geral, em um certo volume de fluido pré-definido (∀), a energia total será dada pela soma das parcelas cinética (K) e potencial (P), na forma:
⎛1 ⎞ K + P = ρ ∫∫∫ ⎜ ∇φ ⋅ ∇φ + gz ⎟d∀ 2 ⎠ ∀ ⎝
(3.21)
Consideremos agora uma coluna vertical que se estende do fundo à superfície-livre, de forma que a área da superfície-livre média (z=0) delimitada por esta coluna seja unitária. A densidade de energia ou energia por unidade de área da superfície-livre média será dada por: ζ
ζ
1 1 ⎞ ⎛1 E = K + P = ρ ∫ ⎜ ∇φ ⋅ ∇φ + gz ⎟dz = ρ ∫ ∇φ ⋅ ∇φdz + ρg (ζ 2 − h 2 ) 2 2 −h 2 ⎠ − h⎝ Deve-se observar, no entanto, que o termo de energia potencial dado por 1 / 2 ρgh 2 corresponde a uma parcela de energia constante entre o fundo e a superfície média e, portanto, não está relacionado ao movimento ondulatório, razão pela qual será desconsiderado doravante. Retomando o problema mais simples de uma onda plana progressiva em profundidade infinita, podemos considerar o campo de velocidades ( ∇φ ) cujas componentes são dadas por (3.18) e proceder à integração do termo de energia cinética, resultando:
E=
ρω 2 A 2 4k
e 2 kζ +
1 ρgζ 2 2
(3.22)
Podemos simplificar a expressão acima notando que, no contexto da teoria linear, temos necessariamente kζ << 1 e, portanto, o termo exponencial na parcela cinética pode ser considerado unitário. Além disso, empregando a relação de dispersão em águas profundas (3.16) e a equação da superfície (3.10), podemos reescrever (3.22) na forma:
Hidrodinâmica I
E=
70
ρgA 2 4
+
1 ρgA 2 cos 2 (kx − ωt ) 2
É interessante tomarmos o valor médio da energia ( E ) no decorrer de um período de onda36 (T) e, neste caso, chega-se a:
E=
ρgA 2 4
+
ρgA 2 4
=
1 ρgA 2 2
(3.23)
Seguindo procedimento análogo, é possível mostrar que a equação (3.23) vale também para o caso mais geral de ondas em profundidade finita (a demonstração fica como exercício) e, portanto, que a energia média de onda se divide igualmente entre as parcelas cinética e potencial. Podemos analisar também a velocidade com que a energia média de onda é transportada à medida que a onda se propaga. Para tanto, determinaremos o trabalho realizado pelo fluido. A figura abaixo mostra um plano vertical AA’ perpendicular à direção de propagação da onda. Consideraremos um elemento desse plano com largura unitária e altura dz (destacado na figura):
Figura 19 – Transporte de Energia
36
1 E= T
t +T
∫ Edt t
Hidrodinâmica I
71
O trabalho realizado pelo fluido que passa por este elemento é dado pelo produto entre a força e a distância, ou seja: dW = p.1.dz.(u.dt )
e, portanto, o trabalho médio realizado em um período de onda, ou a potência, é dada por:
W =
t +T 0
1 T
∫ ∫ pudzdt t −h
já considerando que a parcela entre z=0 e z=ζ pode ser desprezada no contexto da teoria linear de ondas. Empregando (3.19) e (3.17), a expressão acima resulta: W =− +
ρkg 2 A t +T 0 z cosh k (h + z ) cos(kx − ωt )dzdt + Tω sinh kh ∫t −∫h t +T 0
ρkg 2 A 2 Tω sinh kh cosh kh
∫ ∫ cosh
2
(3.24)
k (h + z ) cos (kx − ωt )dzdt 2
t −h
É fácil perceber, no entanto, que o primeiro termo de (3.24) resulta nulo e observando que: 0
∫ cosh
2
k (h + z )dz =
−h
1 1 sinh 2kh + h 2 4k
chega-se a:
W =
ρgA 2ω ⎛ 1
1 ⎞ ⎜ sinh 2kh + h ⎟ 2 ⎠ sinh 2kh ⎝ 4k
ou ainda, em termos da velocidade de fase ( c = ω k ): W =
1 c⎛ 2kh ⎞ ρgA 2 ⎜1 + ⎟ 2 2 ⎝ sinh 2kh ⎠
(3.25)
Velocidade de Grupo A potência média realizada em um ciclo de onda (3.25) pode ser também escrita em termos da energia média:
W = Ecg
Hidrodinâmica I
72
onde cg representa a velocidade com que a energia se propaga e é chamada velocidade de grupo (group velocity)37. No caso mais geral de profundidade finita, a velocidade de grupo é, portanto, dada por: cg =
c⎛ 2kh ⎞ ⎜1 + ⎟ 2 ⎝ sinh 2kh ⎠
(3.26)
Os limites assintóticos são fáceis de se verificar: i)
Em profunidade infinita ( kh → ∞ ), a velocidade de grupo é metade da velocidade de fase: c g =
ii)
c 2
No limite de águas rasas ( kh → 0) , a velocidade de grupo coincide com a própria velocidade de fase: c g = c
Voltaremos a discutir o conceito de velocidade de grupo mais adiante, na seção (3.5). Antes, contudo, discutiremos efeitos interessantes que ocorrem quando ondas planas progressivas se propagam em regiões de profundidade variável.
3.4. Efeitos de Profundidade Variável Até o momento, a teoria apresentada considerou o problema de ondas em profundidade constante. Estudaremos, agora, os efeitos previstos pela teoria linear quando a onda se propaga em um local no qual a profundidade varia de forma considerável em relação ao comprimento de onda. Talvez o exemplo mais claro deste tipo de situação sejam as ondas que chegam a uma praia, provenientes de alto-mar. Todavia, no caso de profundidade variável, o período de onda (e,
37
A razão desta denominação ficará mais clara quando discutirmos a superposição de ondas, mais
adiante.
Hidrodinâmica I
73
portanto, sua freqüência) é a única propriedade que se mantém inalterada. Alguns fenômenos importantes como variações na velocidade de fase e velocidade de grupo podem ser inferidas a partir da teoria já apresentada nas seções precedentes. Nesta seção, discutiremos aspectos importantes referentes a variações na altura de onda e no movimento do fluido e o chamado fenômeno de refração de ondas.
Variações na Altura de Onda e no Movimento das Partículas Fluidas A variação na altura de onda (H) induzida por variações de profundidade pode ser inferida considerando-se o princípio de conservação da energia de onda. Assim, tomemos o exemplo ilustrado abaixo de uma onda que se propaga de uma região de grande profundidade para um local (praia) de profundidade decrescente.
h
Figura 20 – Propagação de Ondas em Profundidade Variável
Suponhamos dois planos verticais perpendiculares à frente de ondas, o primeiro ainda em profundidade infinita e o segundo em uma profundidade genérica h. Sabemos que a energia de onda entre os dois planos verticais deve ser conservada e, portanto, os fluxos de energia através dos dois planos verticais devem ser iguais. Assim, empregando o sub-índice “∞” para indicar as propriedades da onda em profundidade infinita, podemos escrever:
W∞ =
c c⎛ 1 1 2kh ⎞ ρgA∞ 2 ∞ = ρgA 2 ⎜1 + ⎟ =W 2 2 2 2 ⎝ sinh 2kh ⎠
Hidrodinâmica I
74
e, assim:
A H = = A∞ H ∞
c∞ 1 2kh ⎞ c ⎛ ⎜1 + ⎟ ⎝ sinh 2kh ⎠
ou, a partir das relações (3.16) e após alguma álgebra, pode-se escrever:
A H = = A∞ H ∞
1 2kh ⎞ ⎛ tanh kh⎜1 + ⎟ ⎝ sinh 2kh ⎠
(3.27)
Além da variação na altura de onda, podemos inferir as variações na trajetória e velocidade das partículas fluidas. De fato, é fácil verificar a partir das equações (3.17) e (3.18) que as relações entre as amplitudes das componentes de velocidade das partículas fluidas na superfície média (z=0) são dadas por:
u ( z = 0) A cosh kh = u ∞ ( z = 0) A∞ sinh kh (3.28)
w ( z = 0) A = w∞ ( z = 0) A∞ Percebe-se, portanto, que, enquanto a velocidade vertical aumenta na proporção da altura de onda, a velocidade horizontal sofre um acréscimo muito mais significativo à medida que a profundidade de onda diminui. Isso traduz, obviamente, um alongamento horizontal das trajetórias à medida que a onda se propaga para regiões de menor profundidade. Esse efeito é ilustrado na figura abaixo, que mostra as variações nas trajetórias para uma onda de comprimento
λ∞ = 100m para diferentes valores de profundidade:
Figura 21 – Efeitos de profundidade sobre as trajetórias das partículas fluidas
Hidrodinâmica I
75
A figura a seguir apresenta as variações de altura de onda (3.27) e velocidade horizontal (3.28) em função do parâmetro adimensional h λ∞ .
Profundidade adimensional
h λ∞
Figura 22 – Efeitos de profundidade sobre a altura de onda e velocidade do fluido
Algumas conseqüências práticas importantes podem ser discutidas à luz dos resultados apresentados acima. Inicialmente, observamos que a altura de onda aumenta à medida que a profundidade diminui. Ao mesmo tempo, porém, sabemos que o comprimento de onda sofre uma redução, acompanhando a redução na velocidade de fase da onda, uma vez que λ λ∞ = tanh kh .38 Conseqüentemente, a declividade da onda aumenta conforme a profundidade diminui. Há um limite de estabilidade da onda caracterizado por um valor máximo de declividade, observável experimentalmente, acima do qual a onda irá “quebrar”39. Nesse limite, obviamente, efeitos não-lineares se tornam importantes, fugindo do contexto da teoria linear. No entanto, os resultados acima identificam 38
Podemos entender o que ocorre à medida que as ondas atingem a praia como uma
“compactação” do trem de ondas, com conseqüente aumento de altura em função da conservação da energia de ondas. 39
Em águas profundas, esse limite é dado aproximadamente por H
λ = 0.14
Hidrodinâmica I
76
os fenômenos físicos principais que explicam, por exemplo, o comportamento das ondas do mar que incidem sobre uma praia. É interessante notar ainda que variações significativas na altura de onda só são previstas para profundidades muito baixas, tipicamente para h λ∞ < 0.06 e, dessa forma, essa variação é de pouco interesse no contexto da engenharia naval e oceânica, muito embora seja importante, por exemplo, para a área de engenharia costeira. Por outro lado, a variação na velocidade horizontal do escoamento é mais significativa e encontra aplicações importantes no estudo de forças hidrodinâmicas sobre plataformas fixas em regiões de baixa profundidade, por exemplo. Por fim, os resultados da figura acima atestam, de forma gráfica, que os efeitos de profundidade sobre o campo de velocidades do escoamento e sobre o perfil da onda são de fato desprezíveis para h λ > 0.5 , valor usualmente empregado como limite de validade da hipótese de profundidade infinita.
O Fenômeno de Refração de Ondas Suponhamos o caso de um trem de ondas planas que incide obliquamente sobre uma praia de batimetria uniforme, ilustrado na figura abaixo.
praia h1 h2 h3
direção da onda
cristas
Figura 23 – Onda incidindo obliquamente em praia de batimetria uniforme
Hidrodinâmica I
77
Como a velocidade de fase (que caracteriza a velocidade das cristas) diminui com a profundidade, as regiões das cristas localizadas em maior profundidade se moverão com velocidades maiores do que aquelas em profundidades menores. Assim, o trem de ondas experimentará uma rotação, alterando a sua direção à medida que a onda se aproxima e tendendo a incidir paralelamente à linha da praia. A esse fenômeno de variação da direção do trem de ondas dá-se o nome de refração40. Esse fenômeno explica, portanto, a tendência que observamos de as ondas incidirem de forma mais ou menos paralela à praia, independentemente da direção de propagação em alto mar.
3.5. Superposição de Ondas Planas O princípio de superposição de ondas pode ser aplicado, por exemplo, para modelar o problema de reflexão de ondas. O caso mais simples é o de uma onda plana com amplitude A e freqüência ω que incide sobre uma parede vertical. Essa parede reflete integralmente a energia de onda incidente. Nesse caso, portanto, o sistema de ondas final será composto por duas componentes harmônicas de mesma freqüência, mas que se propagam em direções opostas:
ζ ( x, t ) = A cos( kx − ωt ) + A cos( kx + ωt ) = 2 A cos kx cos ωt
(3.29)
e o potencial, no caso de águas profundas, será dado por:
φ ( x, z , t ) = −
2 gA
ω
e kz cos kx sin ωt
(3.30)
Percebe-se, assim, que a onda gerada na superfície através da superposição das ondas incidente e refletida terá amplitude máxima igual ao dobro da amplitude
40
Do latim “re-frangere”, que significa “mudar de direção”.
Hidrodinâmica I
78
de onda incidente. Além disso, esta onda não se caracteriza como uma onda progressiva, sendo conhecida como “onda estacionária” (em inglês, standing É
wave). x1 = n
π 2k
fácil
verificar
que
existem
infinitos
pontos
na
superfície
; n = 1,3,5,.. nos quais a amplitude de onda é sempre nula no decorrer do
tempo. Estes pontos, assim como os pontos de amplitude máxima, são fixos no tempo e daí decorre a denominação “onda estacionária”. A figura abaixo apresenta uma superposição de fotografias de uma onda estacionária obtida em tanque de provas. É interessante observar que as trajetórias das partículas fluidas de uma onda estacionária não correspondem a órbitas fechadas como no caso de ondas progressivas.
Figura 24 – Movimento do Fluido sob uma Onda Estacionária. (fonte: Newman,1977)
Em engenharia naval este tipo de onda surge, por exemplo, no movimento do líquido contido no interior de tanques de embarcações parcialmente cheios, fenômeno conhecido como sloshing, embora, neste caso, efeitos de profundidade finita devam ser incorporados. Ondas estacionárias também se podem se fazer presentes em moonpools de sistemas oceânicos. No caso de ondas que incidem sobre uma praia (a qual absorverá parte da energia de onda incidente) ou sobre um navio (o qual irá refletir parcialmente a energia de onda, permitindo a transmissão da energia restante), a amplitude da onda refletida será reduzida. A razão entre a amplitude de onda refletida e a amplitude de onda incidente (A) define o chamado coeficiente de reflexão (CR).
Hidrodinâmica I
79
Assim, no caso bidimensional, o campo de ondas composto pela onda incidente e pela onda refletida pode ser escrito41:
ζ ( x, t ) = A Re[e −ikx +iωt + C R e ikx +iωt ]
(3.31)
Em um tanque de provas, quer seja ele dotado de absorção passiva (praia) ou de algum sistema ativo de absorção de ondas, é comum a presença de ondas refletidas nas próprias extremidades do tanque ou por um modelo presente no tanque. Geralmente essas ondas são de pequena amplitude e se fazem notar na forma de uma modulação de amplitude do campo de ondas incidente. De fato, (3.11) pode ser reescrita na forma:
ζ ( x, t ) = A Re[e −ikx +iωt (1 + C R e i 2kx )]
(3.32)
onde o termo entre parênteses denota a variação de amplitude, que oscila em x com metade do comprimento de onda incidente (ou com o dobro do número de onda). Com o auxílio de (3.32), o coeficiente de reflexão de ondas regulares de um tanque de provas pode então ser medido através da monitoração da amplitude de onda em dois ou mais pontos ao longo da direção de propagação. Através da superposição de ondas podemos também realizar uma interpretação alternativa do conceito de velocidade de grupo. Imaginemos, então, a superposição de duas ondas harmônicas de mesma amplitude e com freqüências próximas ω ± δω e correspondentes números de onda k ± δk , as quais se propagam na mesma direção, sendo que δω ω << 1 (e, portanto,
δk k << 1 ). A elevação da superfície será dada por: ζ ( x, t ) = A cos[( k + δk ) x − (ω + δω )t ] + A cos[( k − δk ) x − (ω − δω )t ] e a expressão acima pode ser reescrita na forma:
ζ ( x, t ) = ς ( x, t ) cos( kx − ωt ) ς ( x, t ) = 2 A cos(δkx − δωt )
41
(3.33)
Adotaremos a notação complexa, pois a fase da onda refletida pode ser diferente de zero e,
nesse caso, o coeficiente de reflexão assume valores complexos.
Hidrodinâmica I
80
A função ς ( x, t ) é uma função de modulação, conhecida como envoltória, cujo período 2π δω e comprimento de onda 2π δk são muito maiores do que os respectivos períodos e comprimentos das componentes harmônicas que se sobrepõem. Para ilustrar tal modulação, a figura da página seguinte apresenta a elevação da superfície para o caso em que A=1, ω = 1 e δω ω = 1 20 , em diferentes instantes de tempo (verifique que, para δω ω << 1 , δk k ≅ 2 δω ω ). O perfil apresentado é conhecido como batimento e é típico das ondas observadas na superfície do mar. Na figura (a) estão indicados os comprimentos das componentes harmônicas (aproximadamente 2 π k ) e da modulação ( 2π δk ). Sabemos que as velocidades de fase das duas componentes harmônicas são praticamente iguais e podem ser dadas, aproximadamente, por
c = ω k . Todavia, a envoltória se propaga com uma velocidade c g = δω δk , a qual, no limite em que δk → 0 , pode ser definida como: cg =
dω dk
(3.34)
A velocidade de grupo, portanto, corresponde também à velocidade com que o “pacote” ou grupo de ondas se propaga (daí seu nome). Para ilustrar este fato, na figura abaixo estão indicados dois pontos: o ponto denotado por ‘o’ se desloca no tempo com a velocidade de grupo do sistema, enquanto o ponto denotado por ‘∗’ se propaga com a velocidade de fase da onda. Percebe-se que as componentes de onda se movem mais rapidamente, se deslocando através dos “pacotes” de onda.
Hidrodinâmica I
81 t=0 s
4 3
ζ(x,t)
2π/k
2 1 0 -1 -2
2π/δk
-3 -4
0
100
200
300
400 x1
500
600
700
800
500
600
700
800
500
600
700
800
t=15 s 4 3 2 1 0 -1 -2 -3 -4
0
100
200
300
400 x1
t=45 s 4 3 2 1 0 -1 -2 -3 -4
0
100
200
300
400 x1
Figura 25 – Composição de ondas de freqüências próximas em diferentes instantes de tempo
Hidrodinâmica I
82
Algumas observações interessantes podem ser feitas a partir dos resultados acima: A figura a seguir, extraída de Newman (1977), apresenta um conjunto de imagens seqüenciais de um trem de ondas gerado em tanque de provas. O eixo das abscissas representa a posição ao longo do tanque. Cada imagem representa uma “fotografia” da superfície do tanque em um determinado instante de tempo, avançando no sentido vertical (de cima para baixo). As ondas se propagam da esquerda para a direita (batedor de ondas à esquerda). A profundidade do tanque é suficiente para que se desconsiderem efeitos de fundo.
Figura 26 – Velocidade de Fase e Velocidade de Grupo (fonte:Newman,1977)
As duas linhas indicadas como “group velocity” indicam o deslocamento da frente de onda e do final do trem de onda, como vistos no tanque, os quais se movem com a velocidade de grupo da onda. A linha indicada por “phase velocity” acompanha o deslocamento de uma crista de onda, que, obviamente, se propaga com a velocidade de fase. Como a velocidade de fase é maior do que a velocidade de grupo, o que ocorre é que as cristas de onda parecem “morrer” na
Hidrodinâmica I
83
frente do trem de ondas, enquanto ondulações surgem na superfície ao final do mesmo. Um outro ponto interessante: os períodos típicos das ondas do mar se situam por volta de 4 a 12 segundos. O período das ondas representado nas figuras da página anterior é de 6.28 segundos, portanto típico. Os surfistas costumam ter como regra a afirmação de que, em um swell, “uma onda grande chega a cada três ondas”. De fato, tal regra empírica apresenta uma certa consistência com a teoria, o que pode ser confirmado ao se observar os batimentos apresentados anteriormente. Por fim, cabe destacar que a superposição de ondas harmônicas em seu caso mais geral, com componentes de diferentes amplitudes, freqüências e, muitas vezes, direções de propagação, constitui a técnica básica para a modelagem estatística das ondas do mar, que será discutida em detalhes nas próximas seções.
3.6. Ondas Irregulares Dentre os diferentes fenômenos físicos responsáveis por induzir efeitos ondulatórios no ambiente marítimo, encontramos a geração de ondas causada pela ação do vento sobre a superfície do mar. As ondas de superfície originadas por esta ação são aquelas que apresentam maior interesse no contexto da engenharia naval e oceânica, uma vez que apresentam períodos e amplitudes típicas capazes excitar de forma significativa a dinâmica de navios ou sistemas oceânicos usuais. Estas ondas freqüentemente apresentam caráter bastante aleatório, com períodos e alturas de ondas variando continuamente com o tempo e, muitas vezes, com ondas se propagando em diferentes direções. Essa aleatoriedade nos obriga, então, a uma modelagem estatística das ondas do mar, com o intuito de extrairmos informações importantes sobre os efeitos causados por diferentes “estados de mar” sobre navios ou sistemas oceânicos.
Hidrodinâmica I
84
Atualmente, existem diversas bases de dados com informações estatísticas das ondas de mar para diferentes regiões do globo. Estas bases foram construídas ao longo dos anos com base em registros de ondas dos diferentes locais, os quais podem ser obtidos por diferentes meios. Originalmente, informações sobre as ondas eram quase que exclusivamente baseadas em observações visuais reportadas pelas tripulações das embarcações. Hoje, há diversos meios, muito mais precisos, para a inferência estatística das ondas do mar em determinado local. O método mais difundido consiste na utilização das chamadas bóias oceanográficas, mas alternativas se tornam cada vez mais difundidas como, por exemplo, a medição de ondas através de radares. A figura abaixo apresenta um trecho típico de um registro de ondas do mar.
Figura 27 – Trecho de Série Temporal de um Registro de Ondas
Quando este tipo de registro se encontra disponível, uma análise simplificada é suficiente para obtermos informações estatísticas importantes. Via de regra, considera-se que o tempo de registro deve ser pelo menos 100 vezes maior do que o maior período de ondas registrado para garantir uma base estatística confiável. A seguir, discutiremos alguns dos parâmetros estatísticos mais importantes para a descrição das ondas do mar. Nosso objetivo, por enquanto, é introduzir alguns parâmetros estatísticos fundamentais através de um exemplo numérico e um tratamento simplificado.
Hidrodinâmica I
85
Período Médio de Ondas O período médio de ondas T (average wave period) pode ser obtido facilmente a partir de um registro como a média dos períodos entre zeros ascendentes (average zero up-crossing period) ou dos períodos entre cristas ou cavas sucessivas.
Estatísticas de Altura de Ondas De um modo bem simplificado, a altura média de ondas pode ser obtida com base em um histograma contendo as informações do número de ocorrências dentro de determinadas faixas de alturas de ondas. A razão entre o número de ocorrências em cada faixa e o número total de ciclos contido no registro fornece quocientes de freqüência que caracterizam a chamada função densidade de probabilidade f(x) (probability density function). A soma cumulativa destes quocientes fornece, por fim, a chamada função de distribuição F(x) (distribution function) das alturas de onda. Um exemplo numérico é fornecido abaixo, para um registro de 150 ciclos:
Os resultados acima são apresentados graficamente na figura abaixo. A função densidade de probabilidade se apresenta na forma de um histograma (a). A função de distribuição é dada em (b).
Hidrodinâmica I
86
Figura 28 – Função Densidade de Probabilidade e Função de Distribuição de Alturas de Ondas
Informações estatísticas importantes podem ser obtidas a partir da função f(x). Por exemplo, a probabilidade de que a altura de onda no registro exceda um certo valor a é dada simplesmente por: ∞
~ P{H w > a} = ∫ f ( x)dx
(3.35)
a
Como exemplo, é fácil verificar no caso acima que a probabilidade de a altura de onda exceder 3.25 m é de 4%. A altura média de ondas H (mean wave height) é dada por: ∞
H = ∫ x. f ( x)dx
(3.36)
0
e, no caso acima, H = 1.64 m. Um parâmetro importante normalmente empregado para a descrição de um determinado estado de mar é a chamada altura significativa de ondas H1/3
Hidrodinâmica I
87
(significant wave height)42. A altura significativa é definida como a médias das ondas 1/3 maiores. Assim, dividindo-se a área do histograma da função f(x) em três partes iguais e denotando por a0 o limite inferior do terço mais à direita, a altura significativa será dada por: ∞
H 1 / 3 = ∫ x. f ( x )dx a0
No exemplo numérico acima, a altura significativa é dada pela média das 50 maiores ondas no registro e, portanto, H 1 / 3 = 2.51 m.
3.6.1. A Estatística das Ondas do Mar Para um tratamento estatístico mais apropriado, uma análise mais completa do registro de ondas se faz necessária. Neste caso, uma amostragem (sampling) da elevação da superfície será realizada a partir de um número grande (N) de registros tomados a intervalos de tempo iguais ( ∆t ), conforme ilustrado na figura abaixo.
Figura 29 – Amostragem de um registro de ondas.
42
A razão para o emprego da altura significativa como parâmetro estatístico tem origem histórica.
Estudos mostraram que um observador bem treinado tende a fornecer como a altura característica de ondas irregulares um valor que se aproxima muito de H1/3. Assim, dada a importância já
Hidrodinâmica I
88
O tempo total do registro é dado por T=N ∆t e a freqüência de amostragem (sampling frequency) é dada por f S = 1 ∆t . Na análise das ondas do mar, usualmente se utilizam registros que variam de 15 a 20 minutos de aquisição, com freqüência de amostragem típica por volta de 2 Hz. A menos na condição de um swell muito longo, esses tempos de registro são altos o suficiente para garantir a aquisição de um número mínimo de ciclos de ondas, mas ainda baixos o suficiente para evitar a influência espúria de fenômenos de baixa freqüência, como a variação dos níveis de maré. Através da amostragem, gera-se uma série com N valores da elevação ζ n medida a cada intervalo de tempo.
Irregularidade do Mar e Gaussianeidade A análise de registros de ondas obtidos em campo demonstra que a função densidade de probabilidade da série discreta de elevação da superfície ζ n é muito bem reproduzida por uma distribuição Gaussiana (ou normal). Como ζ n representa a oscilação da superfície em torno de seu valor indeformado, é óbvio que sua média é nula. Assim, a função densidade de probabilidade de ζ n pode ser representada por uma distribuição normal de média nula e desvio-padrão σ :
f (ζ ) =
1 2πσ
e
−ζ
2
2σ 2
(3.37)
sendo o desvio-padrão dado por:
σ=
1 N 2 ∑ζ n N − 1 n =1
(3.38)
Uma distribuição Gaussiana é plenamente caracterizada por dois parâmetros: sua média (no caso nula) e seu desvio-padrão. A figura abaixo
ressaltada das inferências visuais como fonte original para as estatísticas de ondas do mar, a altura significativa passou a ser um parâmetro usual na modelagem.
Hidrodinâmica I
89
apresenta a representação gráfica de uma distribuição Gaussiana com média nula e desvio-padrão σ = 1.
Figura 30 – Distribuição Normal ou Gaussiana com média nula e
σ = 1.
Percebe-se que os pontos de inflexão da distribuição são dados por x = ±σ . Em uma distribuição normal, a probabilidade de que a variável aleatória
exceda um certo valor a é dada por: ∞
P{ζ > a} = ∫ f (ζ )dζ = a
1
∞
∫e 2π σ
−ζ
2
2σ 2
dζ
(3.39)
a
A probabilidade de que a variável seja maior do que o desvio-padrão é de aproximadamente 32%, ou seja P{ζ > σ } = 0.32 , enquanto que a probabilidade de exceder um valor equivalente a 3σ é de apenas 0.3% ( P{ζ > 3σ } = 0.003 ). A razão da Gaussianeidade de f (ζ ) pode ser melhor entendida se nos remetermos ao processo de geração das ondas aleatórias. Estas ondas são resultantes da composição de várias componentes causadas pela ação do vento em diferentes locais da superfície do mar. A ação do vento em regiões diferentes ocorre de maneira independente e, assim, as ondas irregulares podem ser entendidas como a soma de variáveis independentes. Sabe-se, a partir do
Hidrodinâmica I
90
Teorema do Limite Central, que a distribuição de probabilidade de uma variável aleatória composta pela superposição de variáveis independentes é Gaussiana, independentemente da forma das distribuições de probabilidade das variáveis originais. Esse resultado, de fato, constitui a razão fundamental da importância da distribuição normal na teoria da probabilidade. As propriedades matemáticas das distribuições Gaussianas podem ser encontradas em qualquer texto sobre variáveis aleatórias. Uma propriedade em especial é muito importante no contexto do estudo de comportamento no mar e, portanto, merece ser destacada: Uma operação linear sobre uma variável Gaussiana preserva a Gaussianeidade do processo. Em outras palavras, se X é uma variável aleatória com distribuição Gaussiana, média µ e variância σ 2 , então a variável Y = aX + b também terá distribuição Gaussiana com média aµ + b e variância a 2σ 2 . Dessa forma, se pudermos supor que a dinâmica de um sistema oceânico sob ação de ondas irregulares é linear na amplitude de onda, a resposta do sistema será necessariamente Gaussiana na medida que ζ (t ) também o é. Essa questão será fundamental para o estudo estatístico da resposta do sistema em um mar cuja estatística é conhecida, ponto que será retomado no próximo Capítulo.
Distribuição de Rayleigh das Amplitudes Se a faixa de freqüências em um estado de mar não for muito ampla, o espectro é dito de banda estreita. Faremos uma análise mais detalhada quanto à largura de banda do espectro mais adiante. No momento, nos basta observar que a boa parte dos estados de mar de interesse pode ser caracterizada como espectros de banda estreita. Nesse caso, e como a distribuição de probabilidade da elevação é Gaussiana, é possível mostrar que a estatística de amplitudes (ou
Hidrodinâmica I
91
alturas) de ondas seguirá uma distribuição de Rayleigh43. Esta distribuição é dada por:
f ( A) =
A
σ
2
−A
e
2
2σ 2
(3.40)
De acordo com esta distribuição, a probabilidade de que a amplitude A exceda um determinado valor a é dada por: ∞
P{ A > a} = ∫ f ( A)dA = a
1
σ
∞
Ae 2 ∫
−A
2
2σ 2
dA = e
−a
2
2σ 2
(3.41)
a
O valor médio das amplitudes que excedem o valor a pode ser visualizado, graficamente, como a coordenada x do baricentro da área hachurada na figura abaixo:
Figura 31 – Distribuição de Rayleigh
Por definição, a amplitude significativa é dada pela média das amplitudes 1/3 maiores: ∞
A1 / 3 =
∫ A. f ( A)dA
a0
sendo:
43
P{ A > a 0 } = e
−
a0 2
2σ 2
= 1/ 3
A demonstração matemática deste fato pode ser encontrada, por exemplo, em Price & Bishop
(1974).
Hidrodinâmica I
92
e, portanto, a0 = 1.4823σ. Assim, é fácil verificar que:
A1 / 3 ≅ 2σ
(3.42)
H 1 / 3 ≅ 4σ
A expressão (3.41) pode ser reescrita em termos das alturas de onda na forma:
P{H > h} = e
⎞ − 2 ⎛⎜ h ⎟ ⎝ H1 / 3 ⎠
2
(3.43)
que indica a probabilidade de a altura de onda exceder um certo valor h em um mar com altura significativa H1/3. Um parâmetro normalmente empregado na análise dinâmica de sistemas oceânicos é a máxima altura de onda (maximum wave height) esperada em um estado de mar. Por convenção, esta altura é calculada como sendo aquela cuja probabilidade de ser excedida é 1/1000. Esse valor, aparentemente arbitrário, foi definido considerando-se que um estado de mar típico tem duração aproximada de 3 horas (tempo característico de uma tempestade) e contém, grosso modo, um número de ciclos de ondas próximo de 1000. Segundo esta convenção, a máxima altura de onda HMAX pode ser calculada em função de H1/3 por intermédio de (3.43):
H MAX = 1.86 H 1 / 3
(3.44)
Até o momento, nos preocupamos em derivar parâmetros estatísticos importantes que podem ser obtidos a partir de registros de ondas. Para um enfoque estatístico da resposta de sistemas oceânicos, todavia, é ainda necessário que caracterizemos de forma mais precisa o que entendemos por “estados de mar”. No projeto de sistemas oceânicos, as análises dinâmicas são realizadas com base em estados de mar típicos da região na qual o sistema irá operar. As características do mar em uma dada região são obtidas através de análises estatísticas de “longo prazo” e a representação de seus diferentes
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estados é feita através do espectro de energia de ondas. Essa representação será discutida em detalhes a seguir.
3.6.2. Espectro de Energia das Ondas do Mar
Caracterização do Mar
r Denotemos por ζ ( x1 , t ) o registro de ondas obtido em uma posição arbitrária r x1 . Se pudermos distinguir uma direção única de propagação de forma que toda a irregularidade da onda se manifeste nesta direção, o mar é chamado de swell ou de cristas-longas (long-crested sea). Neste tipo de mar, considera-se que, embora a amplitude e o espaçamento das cristas varie com o tempo, as ondas permanecem paralelas. Em um mar de cristas-longas, dada a sua homogeneidade espacial, o r r registro realizado na posição x1 ( ζ ( x1 , t ) ) e um outro registro realizado na posição r r x 2 ( ζ ( x2 , t ) ) serão processos aleatórios caracterizados pelas mesmas relações estatísticas. Em outras palavras, embora a “história” da elevação da superfície possa ser diferente, a estatística do mar independe da posição de medida e o mar pode ser caracterizado exclusivamente com base em sua variação temporal ζ (t ) . Conseqüentemente, a estatística do mar pode ser dada com base apenas na freqüência de onda e em sua amplitude. Por outro lado, se as ondas do mar se propagam não em uma direção única, mas sim com uma certa dispersão angular, o mar é chamado de mar local ou de cristas-curtas (short-crested sea). Este tipo de situação ocorre, tipicamente, quando observamos o mar próximo a ou no próprio local de sua geração (tempestade), daí o nome “mar local”. Neste caso, é difícil identificar as cristas das ondas e o mar se mostra “confuso”. A posição de registro do mar é agora importante e a estatística dependerá não apenas do tempo, mas também da r posição ζ ( x , t ) . Nesta situação, a estatística do mar deverá ser descrita não
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apenas em função da freqüência, mas também em função da direção. Os espectros de mar que caracterizam mares short-crested são conhecidos como “espectros direcionais” e normalmente são parametrizados por uma medida de “espalhamento direcional” (µ). Podemos representar esquematicamente as diferenças entre um swell e um mar local através de gráficos de contorno (contour plots) de seus espectros de energia (cuja definição, daremos a seguir). Por ora, basta perceber que os espectros de mar-local apresentam distribuição em uma larga faixa de direções (ou um maior espalhamento), enquanto os espectros que caracterizam um swell apresentam espalhamento pequeno e, portanto, na prática, são considerados unidirecionais.
Figura 32 – Diferença de espalhamento de um mar local (a) e um swell (b). Fonte: Price & Bishop (1974).
É importante mencionar, por fim, que um mar real é comumente formado pela composição de diferentes mares, por exemplo, pela composição de um swell e um mar local, geralmente se propagando em direções distintas. Nesse caso, o espectro de energia do mar será caracterizado por mais de um pico de energia. A seguir, discutiremos a definição de espectro considerando o caso mais simples, de mar unidirecional (long-crested). Na seção 3.6.4 discutiremos, de forma breve, a representação espectral de mares com espalhamento direcional (short-crested).
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95
Superposição de Ondas e Espectro de Energia As ondas irregulares do mar podem ser representadas através da superposição de ondas regulares de diferentes amplitudes e freqüências. O procedimento clássico para se obter o conteúdo de freqüência de um certo sinal aleatório é decompô-lo em uma série de Fourier44. Suponhamos então um certo registro de onda ζ (t ) com tempo total de medição T. Definindo:
2π T ω j = j∆ω ∆ω =
a série de Fourier do sinal será dada por: ∞
∞
j =1
j =1
ζ (t ) = ∑ [c j cos ω j t + s j sin ω j t ] = ∑ A j e
i ( ω j t −ε j )
(3.45)
onde, obviamente:
Aj = c j + s j 2
2
ε j = arctan(s j c j ) Os coeficientes Aj representam a amplitude de cada uma das componentes harmônicas e os coeficientes εj suas respectivas fases. Os coeficientes de Fourier são definidos por: T
2 c j = ∫ ζ (t ) cos ω j t.dt T 0 T
(3.46)
2 s j = ∫ ζ (t ) sin ω j t.dt T 0
Como ζ (t ) é Gaussiano de média nula, os coeficientes de Fourier também o serão. Portanto, a amplitude (Aj) segue a distribuição de Rayleigh e a fase εj é uniformemente distribuída no intervalo − π ≤ ε j ≤ π .
44
Maiores detalhes podem ser encontrados, por exemplo, em Price & Bishop (1974).
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96
Uma vez que estamos interessados apenas na estatística e não em reproduzir a real elevação da superfície em dado instante de tempo t, as fases εj entre as componentes harmônicas podem ser desconsideradas. Uma medida da densidade de energia das ondas do mar em torno de uma dada freqüência ω n é dada por: 1 ωn + ∆ω 1 2 S ζ (ω n ) = ∑ An ∆ω ω n 2
(3.47)
Deve-se observar que, se multiplicada por ρg, a expressão acima fornece o valor médio da energia por unidade de área das ondas na faixa de freqüências
∆ω (ver eq. 3.23). No limite em que ∆ω → 0 , tem-se: S ζ (ω n ).dω =
1 2 An 2
(3.48)
e a função S ζ (ω ) assim definida é conhecida como “densidade espectral” ou simplesmente espectro de energia das ondas. A figura abaixo ilustra as definições acima.
Figura 33 – Definição de Densidade Espectral
Por definição, a variância do sinal ζ (t ) também pode ser dada a partir de seu espectro de energia, na forma:
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97 ∞
σ = ∫ S ζ (ω n ).dω
(3.49)
2
0
A figura abaixo fornece uma interpretação gráfica do significado físico do espectro de ondas e de como ele se relaciona com o registro de ondas original.
Figura 34 – Representação esquemática da relação entre o espectro de energia e o registro de ondas original
Em unidades SI, o espectro S ζ (ω ) tem unidade de m2s e pode ser representado também em termos da freqüência de onda em Hertz ( f ). Nesse caso, porém, convém observar que o espectro sofre uma transformação. O requisito a ser seguido impõe que a energia total contida nos intervalos ∆ω e ∆f seja igual, e, portanto:
S ζ (ω ).dω = S ζ ( f ).df
e, como dω df = 2π :
S ζ (ω ) =
Sζ ( f ) 2π
(3.50)
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98
A relação (3.50) permite converter a representação do espectro da freqüência para a freqüência angular e vice-versa. A figura abaixo ilustra a representação de um espectro de mar típico nas duas bases diferentes.
Figura 35 – Espectro de Mar em termos de ω (rad/s) e f (Hz)
Parâmetros Estatísticos Importantes Como veremos, uma série de parâmetros estatísticos importantes pode ser derivada a partir dos chamados “momentos espectrais”, definidos por: ∞
mk = ∫ ω k S ζ (ω ).dω
(3.51)
0
onde o sub-índice k denota o momento k-ésima ordem. É fácil verificar, a partir de (3.49) e (3.51), que a variância da elevação ζ (t ) corresponde ao momento espectral de ordem zero (m0). O desvio-padrão do sinal de elevação da superfície é então dado por:
⎡∞ ⎤ σ = RMS = m0 = ⎢ ∫ S ζ (ω ).dω ⎥ ⎣0 ⎦
1/ 2
(3.52)
Através da expressão (3.42), pode-se relacionar também o momento m0 com a amplitude (ou com a altura) significativa de onda na forma:
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A1 / 3 = 2 m0 H 1 / 3 = 4 m0
(3.53)
Dois períodos característicos importantes são relacionados aos momentos de primeira e segunda-ordem. De fato, o momento de 1ª ordem (m1) permite estimar a freqüência do baricentro do espectro através da relação m1 = ω1 m0 e, assim, o período (T1) dado por:
T1 = 2π
m0 m1
(3.54)
é conhecido como período central do espectro (mean centroid wave period). O momento de 2ª ordem, por sua vez, fornece uma estimativa do momento de inércia de área do espectro. Esse momento pode ser escrito como m2 = ω 2 m0 , 2
onde a freqüência ω 2 faz o papel de “raio de giração”. O período associado, dado por:
T2 = 2π
m0 m2
(3.55)
é chamado período médio entre zeros (mean zero-crossing wave period). Muitas vezes esse período aparece na literatura denotado por Tz. Como veremos na próxima seção, outro período característico importante é o período de máxima energia do espectro ou seu período de pico (Tp). Este, por sua vez, se relacionará com o período central e com o período entre zeros dependendo da forma do espectro de energia. A energia de onda se distribui em torno da freqüência central ω1 em uma faixa de freqüências da ordem ∆Ω . Podemos definir a “largura de banda” do espectro como sendo e = ∆Ω / ω1 . Se e << 1 , o espectro é dito de “banda estreita”. Neste caso, o mar é “quase harmônico”. Se, por outro lado, e for próximo de 1 ou
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maior, dizemos que o espectro é de “banda larga”. Uma definição usualmente aceita para a largura de banda em função dos momentos espectrais é45: 2
m e = 1− 2 m0 m 4
(3.56)
A influência do Tempo de Registro A forma do espectro e os valores estatísticos dependerão, como vimos, do tempo total de registro de onda (T). A duração do registro também pode ser caracterizada pelo número total de ciclos de ondas que ele contém (N). Como discutimos no início desta seção, há um valor adequado para N que define uma base estatística apropriada para a análise espectral. Valores de N muito baixos obviamente prejudicam as estatísticas, enquanto valores muito altos também podem “corromper” a análise ao incorporar variações espúrias da superfície (como, por exemplo, variações de maré). A figura abaixo foi extraída de um estudo da ITTC (International Towing Tank Conference) e ilustra a variação de alguns parâmetros estatísticos significativos em função do número de ciclos empregado na análise. Os resultados da figura apresentam a razão entre o valor calculado com registros de diferentes duração e aquele calculado com um grande número de ciclos. Esse estudo foi realizado com um mar de período central T1 aproximadamente igual a 6 segundos. É possível observar que, para N>50, as razões se mostram mais ou menos constantes, indicando que um número muito maior de ciclos seria necessário para garantir a convergência.
45
Para maiores detalhes quanto a essa dedução, ver Price & Bishop (1974), seção 9.6.2.
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Figura 36 – Efeito do tempo de registro sobre as estatísticas
De acordo com as recomendações da 17ª ITTC (1984), o valor N=50 deve ser adotado com um limite inferior para a análise espectral de um determinado estado de mar. Atualmente, o valor N=100 é usualmente adotado com padrão e N=200 é considerado “excelent practice” pela ITTC. Na prática, um registro com duração 100 vezes maior do que o maior período esperado é considerado um procedimento-padrão. Para mares típicos, isso significa tempos de registro entre 15 e 20 minutos, conforme dissemos no início deste Capítulo.
3.6.3. Espectros de Energia Padrão Vários estudos foram realizados, especialmente a partir da década de 1960, com o intuito de relacionar as ondas do mar e as características do vento que as gera, dando origem à chamada “teoria de geração” das ondas do mar. Alguns aspectos dessa teoria serão apresentados, de forma breve, na próxima seção. Esses estudos incentivaram várias tentativas de se correlacionar a velocidade de vento com o espectro de ondas do mar gerado. Miles (1960) e Phillips (1966) mostraram que existe uma relação entre a pressão aerodinâmica na zona de geração e a freqüência das ondas geradas. As ondas mais curtas (freqüências mais altas) crescem até que se tornam instáveis e
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“quebram” e, dessa forma, a energia do mar em altas freqüências passa a ser limitada por essa dissipação. Se existir uma “pista” (fetch) suficientemente longa para a ação do vento sobre a superfície, e o vento soprar por um tempo igualmente suficiente, o mar gerado atingirá uma situação de equilíbrio. Nesta situação, o mar é chamado de “plenamente desenvolvido” (fully developed seas). O espectro de energia de um mar plenamente desenvolvido atinge um máximo (pico) em uma freqüência ω p que é inversamente proporcional à velocidade do vento. Este fato pode ser melhor entendido se considerarmos, como argumento físico, que na situação de equilíbrio a velocidade do vento deverá igualar uma velocidade de grupo típica ( g / 2ω p ), a qual caracteriza a velocidade com que a energia das ondas se propaga. Através de um argumento dimensional, Phillips (1966) demonstra que no limite de altas freqüências deve-se ter:
S ζ (ω ) ∝
g2
ω5
(ω → ∞ )
(3.57)
Desde então, vários formatos padronizados foram propostos para S ζ (ω ) em função da velocidade do vento. Exemplos são o espectro de ondas de Darbyshire, o espectro de ondas do British Towing Tank Panel e o espectro de ondas de Neumann, os quais, atualmente, se encontram em desuso46. Dois formatos padronizados de espectro são os mais comumente empregados nos dias atuais e, por essa razão, serão discutidos em maiores detalhes a seguir.
O Espectro de Pierson-Moskowitz O espectro original proposto por Pierson & Moskowitz (1963) foi obtido de forma semi-empírica com base na análise de um grande número de registros de ondas do Atlântico Norte. Por terem sido realizados em uma região “aberta”,
46
Maiores informações podem ser encontradas em Price & Bishop (1974).
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supostamente estes registros se referem, em sua maioria, a mares plenamente desenvolvidos. O espectro original era dado por:
S ζ (ω ) =
0.0081g 2
ω5
4 ⎡ ⎛ gV ⎞ ⎤ exp ⎢− 0.74⎜ ⎟ ⎥ ⎝ ω ⎠ ⎥⎦ ⎣⎢
(3.58)
onde V é a velocidade média do vento medido a uma altura de 19.5 metros. Posteriormente, algumas modificações foram propostas e o espectro passou a ser aceito com o seguinte formato: S ζ (ω ) =
⎛ B ⎞ exp⎜ − 4 ⎟ ω ⎝ ω ⎠ A
5
(3.59)
A ITTC de 1969 propôs uma representação baseada em apenas um parâmetro, a altura significativa H1/3. Recomendou que se adotassem os seguintes valores para as constantes A e B:
A = 0.0081g 2 3.11 B= 2 H1/ 3 Em 1967, a ISSC (International Ship Structures Congress) recomendou, por sua vez, a adoção de dois parâmetros como base para a representação do espectro, a altura significativa e o período central T1. Nesse caso:
A=
173H 1 / 3
B=
692
T1 T1
2
4
4
O espectro sugerido pela ISSC é também conhecido como espectro de Bretschneider e é, hoje em dia, a forma mais usual de emprego do espectro de Pierson-Moskowitz. Para esta forma de espectro, as seguintes relações teóricas podem ser obtidas para os períodos característicos: T p = 1.296T1 = 1.407T2
(3.60)
Deve-se observar que os espectro proposto pela ISSC recai naquele proposto pela ITTC quando T1 = 3.86 H 1 / 3 , uma relação que está de acordo com os resultados originais analisados por Pierson e Moskowitz.
De fato, alguns
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104
pesquisadores argumentam que a representação por dois parâmetros distintos apresenta o inconveniente de permitir uma utilização imprópria da formulação, uma vez que existe uma relação teórica entre ambos que deve ser preservada.
O Espectro de JONSWAP Entre 1968 e 1969 um extenso programa de monitoração de ondas, conhecido como Joint North Sea Wave Project (JONSWAP), foi conduzido no Mar do Norte ao longo de uma linha de 100 milhas com origem na ilha Sylt (costa noroeste da Alemanha). A análise dos dados resultou na proposta de um formato de espectro para mares gerados em pistas limitadas (fetch-limited) ou costeiros. A 17ª ITTC (1984) recomenda a seguinte definição do espectro de JONSWAP para mares com pista limitada:
S ζ (ω ) =
320.H 1 / 3 Tp
4
2
⎧⎪ − 1950 − 4 ⎫⎪ A ω ⎬γ 4 ⎪⎩ T p ⎪⎭
ω −5 exp⎨
(3.61)
com:
γ = 3.3 2 ⎧ ⎛ω ⎞ ⎫ − 1 ⎟ ⎪⎪ ⎪⎪ ⎜ ω p A = exp⎨− ⎜ ⎟ ⎬ ⎪ ⎜ σ 2 ⎟ ⎪ ⎪⎩ ⎝ ⎠ ⎪⎭
e a constante σ assume diferentes valores dependendo de ω:
σ = 0.07
(se ω < ω p )
σ = 0.09
(se ω > ω p )
A relação entre os períodos característicos para o espectro (3.61) é dada por: T p = 1.199T1 = 1.287T2
(3.62)
O parâmetro γ é conhecido como peakedness factor. Muitas vezes, o espectro de JONSWAP é empregado tendo como terceiro parâmetro o valor de γ.
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É importante mencionar que o espectro (3.61) recupera o espectro de Bretschneider ao se considerar γ A = 1.522 .
Comparação entre os Espectros A figura abaixo apresenta uma comparação entre os espectros de onda de Bretschneider e JONSWAP para mares com altura significativa de 4 metros e períodos de pico de 6, 8 e 10 segundos.
Figura 37 – Comparação das formulações espectrais de Bretschneider e JONSWAP
Percebe-se que os espectros de JONSWAP se caracterizam por apresentarem picos mais pronunciados. Conseqüentemente, a declividade média das ondas é maior segundo a representação de JONSWAP. De fato, uma das críticas encontradas na literatura ao modelo proposto por Pierson-Moskowitz se refere a uma eventual subestimação da declividade característica do mar. Como prática de projeto, é usual a modelagem de “mares locais” tendo como base o espectro de JONSWAP e a consideração do espectro de Bretschneider para regiões “abertas”, ou mares considerados plenamente desenvolvidos.
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3.6.4. Espalhamento Direcional Conforme discutimos anteriormente, os mares, especialmente aqueles próximos à zona de geração, se caracterizam por um certo espalhamento direcional. A representação dos chamados mares de cristas-curtas (short-crested) exige que o espectro de energia traga informações sobre esse espalhamento. Uma distribuição na forma de cosseno-quadrado é usualmente empregada para introduzir o espalhamento direcional em um espectro. Com esse modelo, a energia de onda unidirecional, discutida na seção precedente, é distribuída em uma certa faixa angular, na forma:
π π ⎧2 ⎫ S ζ (ω , µ ) = ⎨ cos 2 ( µ − µ )⎬S ζ (ω ) ; − ≤ ( µ − µ ) ≤ 2 2 ⎩π ⎭
(3.63)
onde µ representa a direção de onda dominante. Neste modelo simplificado, a faixa de espalhamento é fixa (180o) e a variação de energia ocorre de forma independente na freqüência e na direção. Assim, em cada direção a forma do espectro é a mesma, apenas a sua intensidade varia. Uma comparação entre o modelo proposto em (3.63) e um espectro medido em campo é apresentado na figura abaixo.
Figura 38 – Espectro Direcional de Ondas
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Modelos mais elaborados podem ser encontrados na literatura, nos quais a distribuição de energia e a faixa angular do espalhamento são controladas por um ou mais parâmetros. Uma discussão mais aprofundada sobre estes modelos foge do escopo deste curso, mas pode ser encontrada, por exemplo, em Massel (1996) e Ochi (1998).
3.6.5. Aspectos Básicos da Geração de Ondas do Mar Em 1805, o Almirante Sir Francis Beaufort propôs uma escala para medida da intensidade do vento no mar. Sua escala relaciona a velocidade de vento, as ondas do mar e as atitudes a serem tomadas a bordo dos navios, à época, de propulsão a vela. A chamada “escala de Beaufort” foi posteriormente adaptada para uso em terra e, ainda hoje, é empregada por várias estações meteorológicas. A figura abaixo apresenta impressões visuais dos estados de mar tipicamente associados com os diferentes valores da escala de Beaufort. A figura na página seguinte apresenta uma definição dos valores da escala e diferentes descrições dos estados de mar associados. Como indica a escala de Beaufort, as ondas do mar estão associadas ao vento, pois são geradas por variações da pressão atmosférica com o movimento das massas de ar. Nossa intenção, nesta seção, é introduzir alguns conceitos da teoria de geração das ondas do mar, para que seja possível compreender melhor a relação entre um estado de mar e o vento que o gerou.
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Figura 39 – Impressão visual de estados de mar associados às intensidades Beaufort
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Figura 40 – A escala de intensidade de vento de Beaufort
109
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Pela própria natureza do fenômeno, podemos relacionar como parâmetros importantes na geração de onda pelo vento: a velocidade do vento (U); a distância existente sobre a qual o vento pode atuar na superfície do mar (normalmente chamada de “pista” ou, em inglês, fetch (F)) e a duração da tempestade ou o tempo total de ação do vento. A figura abaixo relaciona os parâmetros acima com os parâmetros estatísticos do mar gerado. No eixo vertical esquerdo lê-se a altura significativa de onda (em escala logarítmica) em função de U, F e da duração. Os períodos de onda podem ser obtidos pela interpolação das curvas tracejadas.
Figura 41 – Relação entre parâmetros na geração de ondas pelo vento.
Percebe-se claramente, nos resultados acima, que os parâmetros de onda tendem assintóticamente a situações de equilíbrio para cada velocidade de vento (U). Estas situações de equilíbrio estão indicadas pela região triangular à direita do gráfico. Uma vez atingido o equilíbrio, a altura e o período de onda não mais
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variarão, mesmo que o vento ainda tenha pista e tempo para agir. O mar que atinge tal situação é conhecido como mar plenamente desenvolvido (fully developed sea). A seguir, apresentaremos um argumento físico que explica o mecanismo pelo qual esse equilíbrio é atingido e o que ele representa. De acordo com as equações (3.23) e (3.53), a energia média de ondas de um determinado estado de mar pode ser expressa por: E=
1 ρgA1 / 3 2 = ρgm01 / 2 2
(3.64)
A velocidade média com que essa energia é propagada pode ser expressa através de uma velocidade de grupo representativa do mar, a qual associaremos à freqüência de pico do espectro:
cg =
g
(3.65)
2ω p
De acordo com os resultados apresentados no gráfico acima, a energia média e a velocidade de grupo serão função dos parâmetros F, U e da duração. Na situação de equilíbrio, todavia, passam a depender exclusivamente da velocidade de vento. A razão para isso é simples: o aumento da energia de ondas não pode depender da velocidade absoluta do vento (U), mas sim de sua velocidade relativa à velocidade de propagação do grupo de ondas (U-cg). Há, portanto, um limite para o crescimento da altura de ondas expresso pela condição c g ≅ U . Dessa observação decorre que deve existir uma “declividade padrão”, que
podemos definir por δ p ≅ H 1 / 3 λ p = ω p H 1 / 3 / 2πg , a qual deve ser praticamente 2
invariante para qualquer mar plenamente desenvolvido. A tabela abaixo apresenta uma indicação da relação típica entre velocidade de vento, altura e período de onda, baseada em registros obtidos em área aberta (Open Area) e em região de pista limitada (North Sea Area).
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A partir dos resultados acima, é possível inferir, a partir dos resultados obtidos em águas abertas, o valor de declividade padrão. Relembrando que, para um espectro de Bretschneider T p = 1.296T1 = 1.407T2 , os resultados indicam uma certa variação da declividade padrão, com valores entre 1.2% (Beaufort 1) e 3,6% (Beaufort 12). O valor de δ p ≅ 2,6% pode, então, ser considerado como típico para para um mar plenamente desenvolvido. Devemos notar que esse é precisamente o valor de declividade pressuposto na relação T1 = 3.86 H 1 / 3 , quando o espectro da ISSC (de 2 parâmetros) recupera o espectro proposto pela ITTC. A existência de um valor típico de declividade para mares plenamente desenvolvidos ou, em outras palavras, a existência de uma relação típica entre altura e período de ondas, justifica as críticas quanto ao espectro proposto pela ISSC, uma vez que este permite a adoção de valores de altura e período de forma independente. Observando as relações (3.62), também podemos calcular os valores de δ p com base nas observações feitas no Mar do Norte. Para uma dada intensidade de vento, os resultados indicam valores um pouco maiores de declividade, se comparados com o caso de águas abertas. Os valores variam na faixa
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1.8% < δ p < 4.1% . Os resultados estão de acordo com o fato de o espectro de
JONSWAP se caracterizar por declividades maiores, fato este já mencionado anteriormente. As estatísticas de longo-termo das condições de mar de uma determinada região são realizadas com base na monitoração de ondas no local durante um longo período de tempo. Através da análise de um grande número de registros é possível gerar uma tabela de ocorrência de ondas, exemplificada abaixo. Essa tabela foi obtida para uma certa região do Mar do Norte e corresponde às condições registradas durante períodos de inverno. Obviamente, dadas as especificidades climáticas e geográficas, as condições dependerão fortemente do local e da época do ano no qual foram realizados os registros. Assim, é comum que essas tabelas sejam apresentadas com uma periodicidade mensal. Para a confecção da tabela abaixo, por exemplo, foram tomados aproximadamente um milhão de registros de onda.
Através das tabelas de ocorrência de ondas é possível fazer inferências estatísticas de longo prazo. Verificou-se, empiricamente, que as probabilidades de exceder uma determinada altura de ondas pode ser bem reproduzida através de uma distribuição log-normal ou, alternativamente, através de uma distribuição de
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Weibull. A figura abaixo apresenta uma comparação entre a distribuição logarítmica e os dados experimentais referentes à tabela acima.
Figura 42 – Distribuição logarítmica baseada em dados de ondas do Mar do Norte.
Nesse caso, para se calcular a probabilidade de que a altura significativa de onda H1/3 exceda um determinado valor h naquele local e naquela época do ano, basta considerar: log{P ( H 1 / 3 > h)} =
1 h a
onde a é um parâmetro que se refere à declividade da curva e deve ser ajustado aos dados experimentais. A distribuição de Weibull é uma generalização da distribuição acima, expressa matematicamente na forma:
P( H 1 / 3
⎧⎪ ⎛ h − c ⎞ b ⎫⎪ > h) = exp⎨− ⎜ ⎟ ⎬ ⎪⎩ ⎝ a ⎠ ⎪⎭
onde b é um parâmetro de ajuste e c um limite inferior (lower-bound) para a altura de ondas. Como, no caso de ondas do mar, o parâmetro c é usualmente próximo de zero e b próximo de 1, as duas distribuições normalmente se equivalem em termos de precisão das estimativas.
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A figura abaixo apresenta um exemplo de um histograma de altura de ondas (a) e a comparação de resultados com uma distribuição logarítmica (b) e uma distribuição de Weibull (c).
Figura 43 – Histograma de altura de ondas, distribuição log-normal e distribuição de Weibull
Mediante o procedimento de análise ilustrado acima, é possível levantar um conjunto de informações importantes para o projeto de sistemas oceânicos. Parâmetros comumente empregados, por exemplo, são as chamadas condições de mar “decenárias” e “centenárias”, que se referem às piores condições de mar previstas para ocorrerem em um determinado local em horizontes de tempo de dez e cem anos, respectivamente.
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4. DINÂMICA DE SISTEMAS OCEÂNICOS EM ONDAS “As far as the laws of mathematics refer to reality, they are not certain; and as far as they are certain, they do not refer to reality” Albert Einstein [Geometry and Experience]
4.1. Hipóteses Simplificadoras Neste capítulo apresentaremos um modelo para descrição do comportamento no mar de sistemas oceânicos. Trata-se de um modelo aproximado que, em virtude destas aproximações, carrega com si algumas limitações. Estudaremos a dinâmica de sistemas flutuantes sob a óptica da teoria linear no domínio da freqüência. Trataremos o sistema flutuante como um oscilador linear com seis graus de liberdade (os movimentos de surge, sway, heave, roll, pitch e yaw). A imposta linearidade do modelo de forças de excitação e do modelo dinâmico do corpo possibilita empregar a hipótese de superposição de ondas harmônicas e tratar o problema de um mar real de forma estatística, baseada em seu espectro de energia. Dessa forma, a dinâmica correspondente a cada componente harmônica do mar será equacionada de forma independente. Através desta abordagem podemos inferir características dinâmicas importantes da resposta linear do corpo (movimentos do corpo nas freqüências das ondas do mar), também conhecida como resposta de 1ª ordem. Uma vez que o problema é linear, a dinâmica de 1ª ordem pode ser caracterizada através de funções de transferência denominadas Response Amplitude Operators (RAOs). Uma vez obtidos os RAOs e com base em um espectro de energia de ondas que caracteriza um determinado estado de mar, é possível avaliar as estatísticas de resposta do sistema submetido a este mar, inferindo, por exemplo, as amplitudes máximas esperadas para os movimentos nos seis graus de liberdade. A teoria
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linear, embora aproximada, fornece aproximações excelentes para a resposta de 1ª ordem para a grande maioria dos sistemas oceânicos de interesse e, assim, é prática fundamental no projeto de sistemas navais e oceânicos. Nesta seção, procuraremos explorar as características físicas do problema que nos permitem adotar as simplificações inerentes à teoria linear e discutir quais as limitações decorrentes desta abordagem. As duas hipóteses simplificadoras fundamentais que serão adotadas na modelagem são as hipóteses de escoamento potencial e de que as condições de contorno na superfície-livre e na superfície do corpo sejam lineares. Vimos, no capítulo precedente, que a adoção destas duas hipóteses se justifica no problema tratamento das ondas do mar, desde que a declividade da onda seja baixa (kA<<1). Agora, estamos interessados não mais no problema de uma onda livre, mas sim no caso em que esta onda encontra um corpo flutuante ou submerso e na dinâmica resultante deste encontro. Precisamos, pois, justificar as mesmas hipóteses neste novo contexto. Esse é o objetivo almejado com a discussão que se segue. No capítulo 3 vimos que o escoamento induzido por uma onda que se propaga na superfície do mar é oscilatório e, portanto, caracterizado por acelerações do fluido. Este escoamento acelerado causará, como conseqüência, forças e acelerações de um corpo imerso neste fluido. A questão que se coloca é a seguinte: Podemos considerar o escoamento resultante do movimento deste corpo como potencial? Obviamente, isto só será possível se pudermos garantir, mais uma vez, que as forças inerciais no escoamento decorrente deste movimento sejam muito maiores do que as forças viscosas. Um insight importante sobre este problema é dado pelo estudo experimental do escoamento em torno de corpos acelerados. A figura abaixo, extraída de Newman (1977), apresenta uma visualização do escoamento decorrente de uma aceleração impulsiva de um cilindro imerso. Cada fotografia representa um instante posterior ao início do movimento, partindo do repouso até o momento em que o cilindro já adquiriu velocidade constante. Este conjunto de fotografias foi registrado em um trabalho
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118
de Prandtl em 1927 e seu estudo nos permite observar características que serão fundamentais para a nossa análise. Percebe-se que, nos instantes iniciais do movimento, há a formação de uma esteira com dois vórtices simétricos. À medida que o cilindro avança, esta esteira perde a estabilidade e dá origem a uma esteira oscilatória, com desprendimento alternado de vórtices.
Figura 44 – Visualização do escoamento em torno de um cilindro acelerado impulsivamente (extraída de Newman (1977))
A característica que nós é importante aqui é a seguinte: Até o momento em que a esteira perde a estabilidade, tudo se passa como um escoamento potencial em torno de um corpo que se alonga (entendendo o corpo como o cilindro mais os dois vórtices simétricos à jusante). Nos instantes iniciais do movimento, a contribuição da viscosidade sobre a dinâmica global do fluido é pequena. Podemos quantificar essa discussão: As forças inerciais dependem da aceleração do fluido e podem ser inferidas, ao menos nos instantes iniciais, como
FI = m11U& (ver equações 2.25 e 2.28). Normalizando esta força obtemos um coeficiente
de
força
inercial
C FI = m11U& 1 / 2 ρU 2 l 2 onde
l
é
a
dimensão
característica do corpo (no caso, o diâmetro do cilindro). Se o coeficiente de
Hidrodinâmica I
119
arrasto viscoso é dado por CD, podemos inferir a relação entre as forças viscosas e inerciais da seguinte forma:
C D 1 / 2 ρU 2 l 2 C D U 2 = ∝ C FI m11U& U&l
(4.1)
uma vez que a massa adicional é proporcional ao volume do corpo. Suponhamos, agora, que o corpo de dimensão característica l está sujeito ao escoamento oscilatório imposto pela passagem de um onda harmônica de amplitude A e freqüência ω. Sabemos que a amplitude da velocidade do escoamento oscilatório é dada por ωA e a amplitude da aceleração por ω2A. Dessa forma, (4.1) implica que:
CD A ∝ C FI l
(4.2)
Assim, podemos garantir que a influência das forças viscosas na dinâmica do fluido será pequena desde que A<
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120
Logicamente, as aproximações trazem como conseqüência algumas limitações. Em termos práticos, no contexto da engenharia oceânica, uma das principais se refere à impossibilidade de prever movimentos de deriva de sistemas flutuantes induzidos por ondas. Como veremos no Capítulo 5, tais movimentos decorrem de um fenômeno hidrodinâmico não-linear de segunda-ordem, cuja consideração é fundamental para o dimensionamento do sistema de amarração. Além deste, outros fenômenos hidrodinâmicos não-lineares freqüentemente causam problemas e dão trabalho aos projetistas. Dentre eles, pode-se citar o problema de run-up de ondas sobre estruturas de grandes dimensões, fenômeno importante para a previsão do air gap mínimo de plataformas e de embarque de água no convés (greenwater) e problemas de vibrações estruturais causadas pelo impacto hidrodinâmico com ondas de maior declividade. Cada um destes tópicos requer a consideração de uma teoria de ondas que inclua efeitos de ordem superior (quadráticos ou até mesmo cúbicos na amplitude de onda). Dada a importância destes problemas no que se refere ao projeto de sistemas navais e oceânicos, o Capítulo 5 apresentará uma introdução à chamada Teoria Não-Linear de Ondas. Uma outra conseqüência das simplificações adotadas no estudo da resposta de primeira-ordem diz respeito à sua precisão quanto à previsão de movimentos de ressonantes de sistemas oceânicos. Sabe-se que as amplitudes de movimentos ressonantes dependem fundamentalmente do amortecimento. Assim, se efeitos de origem viscosa contribuírem com uma parcela significativa para o amortecimento total do movimento os erros envolvidos serão grandes, já que os efeitos de viscosidade foram desconsiderados a priori. Um caso típico é o de movimento de jogo (em inglês, roll) de navios. Os períodos naturais de roll se situam tipicamente entre 10 e 20 segundos e, conseqüentemente, respostas ressonantes são freqüentemente induzidas pelas ondas do mar. Neste caso, dada a geometria usual dos cascos, os efeitos de dissipação de energia por radiação de ondas são pequenos e o amortecimento é, portanto, dominado por efeitos viscosos. O emprego da teoria linear para estudo do comportamento no mar de navios é prática padrão e apresenta bons resultados, desde que correções sejam
Hidrodinâmica I
121
adotadas no caso de eventuais movimentos ressonantes. Uma discussão quanto ao método empregado em tais correções será realizada na seção 4.4.1.
4.2. Definições e Hidrostática Consideremos um corpo flutuante em situação de equilíbrio hidrostático, livre para se mover em seus seis graus-de-liberdade, como ilustrado na figura abaixo:
z
ondas
ξ6
ξ3
ξ2
ξ5 y ξ1
A,ω
ξ4
β x
H
Figura 45 – Definição dos movimentos do corpo em seis graus-de-liberdade
O sistema de referências Oxyz é suposto fixo no espaço e com origem na superfície-livre indeformada do mar (representada, então, por z=0). Na notação indicial que adotaremos, os movimentos de translação em relação aos eixos x, y e z (surge, sway e heave) têm amplitudes referenciadas por ( ξ1 ; ξ 2 ; ξ 3 ), respectivamente. Os movimentos de rotação em torno dos mesmos eixos (roll, pitch e yaw) têm amplitudes dadas por ( ξ 4 ; ξ 5 ; ξ 6 ). Nesta seção vamos recuperar conceitos básicos de hidrostática, já velhos conhecidos dos alunos de engenharia naval. De fato, a hidrostática é, do conjunto
Hidrodinâmica I
122
de disciplinas que hoje formam o escopo básico da engenharia naval, a mais antiga. Através desse estudo equacionaremos as forças e momentos de restauração hidrostáticos que regem a flutuabilidade e a estabilidade estática do corpo flutuante. O problema hidrostático se caracteriza pela ausência de velocidades e acelerações do fluido (e, portanto, do corpo flutuante). Nesse caso, o campo de pressões (já entendo a pressão como relativa à pressão atmosférica) é dado simplesmente por: p = − ρgz
(4.3)
As resultantes de força e de momento decorrentes da integração de (4.3) sobre a superfície molhada do corpo (SB) resultam então: r r F = − ρg ∫∫ zn dS SB
(4.4)
r r r M = − ρg ∫∫ z (r × n )dS SB
r onde r representa o vetor posição (x,y,z).
Suponhamos, agora, um referencial O’x’y’z’ solidário ao corpo, ilustrado na figura abaixo: z’
z
y’
y
ξ2
x’ ξ5
ξ3 ξ1 x
Figura 46 – Referencial fixo e referencial solidário ao corpo
Para um corpo livre, a força e o momento em (4.4) serão contrabalançados pela força peso do corpo. Como o centro de gravidade do corpo (CG) se desloca com o corpo, é conveniente expressar o momento em termos do referencial
Hidrodinâmica I
123
r solidário ao corpo. Se ξ T = (ξ1 , ξ 2 , ξ 3 ) denota o vetor de translação do corpo, então r v r podemos escrever r = r '+ξ T e assim, aplicando a fórmula de mudança de pólo entre os pólos O e O’, verifica-se que o momento em relação ao referencial r solidário ao corpo ( M ' ) é expresso por: r r r r (4.5) M ' = − ρg ∫∫ z[(r − ξ T ) × n ]dS SB
Obviamente, a área molhada do corpo depende dos valores de { ξ j ; j = 1,...,6 }. Dessa forma, para avaliar a força em (4.4) e o momento em (4.5) vamos considerar o volume V definido como o volume interno do corpo abaixo do plano z=0. Esse volume é limitado pela superfície molhada do corpo e pela área de corte no plano z=0. Aplicando o Teorema de Gauss para a expressão da força em (4.4), concluímos que: r r F = ρg ∫∫∫ (∇z )dz = ρgVk
(4.6)
V
pois a integral de superfície sobre o plano z=0 é nula. A força em (4.6) é obviamente a força de empuxo (buoyancy em inglês) atuante sobre o corpo. Analogamente, para o momento (4.5), podemos aplicar uma das variantes do Teorema de Gauss, que estabelece para uma campo r vetorial Q a seguinte relação47 (com a normal exterior ao domínio): r r r ( n × Q ) dS = ( ∇ × Q )dV ∫∫ ∫∫∫ S
V
através da qual deduzimos que: r r r r r M ' = − ρg ∫∫∫ ∇ × z (r − ξ T )dV = ρg ∫∫∫[( y − ξ 2 )i − ( x − ξ1 ) j ]dV V
(4.7)
V
Mostraremos, agora, que o momento (4.7) é o produto entre a força de empuxo e o vetor posição do centro de empuxo do corpo (ou centro de carena, CB). Para tanto, notemos que o volume V (instantâneo) pode ser obtido como a diferença entre o volume de deslocamento original ( ∀ , abaixo da linha d’água z’=0) e o 47
Esta variante decorre diretamente do Teorema da Divergência, bastando, para isso, tomá-lo para
um campo vetorial
r r v r F = c × Q , onde c é um vetor constante no espaço e não nulo.
Hidrodinâmica I
124
volume da “cunha” definida entre os planos z=0 e z’=0 ( V0 ). Na hipótese de pequenos deslocamentos, um elemento de volume dessa cunha pode ser escrito como dV0 = zdx' dy ' e, assim,
volume da cunha pode ser obtido mediante
integração sobre a área do plano de linha d’água (AW). Dessa forma:
⎡ ⎤r r F = ρg ⎢∀ − ∫∫ zdx' dy '⎥ k ⎢⎣ ⎥⎦ AW r r r r r M ' = ρg ∫∫∫[( y − ξ 2 )i − ( x − ξ1 ) j ]dV − ρg ∫∫ z (r '×k )dx' dy ' ∀
(4.8) (4.9)
AW
Note que as integrais acima, agora, são feitas sobre parâmetros conhecidos a priori para um determinado calado do corpo. Para tornar as expressões ainda mais convenientes, seria interessante reescrevê-las em termos do referencial solidário ao corpo. Para isso, observamos que a relação entre os dois sistemas de coordenadas
pode
ser
aproximada,
mais
uma
vez
deslocamentos de rotação, na forma: r v r x = x '+ξ T + ξ R × x '
supondo
pequenos (4.10)
Considerando (4.10) em (4.8) e (4.9), obtemos:
⎡ ⎤r r F = ρg ⎢∀ − ∫∫ (ξ 3 + ξ 4 y '−ξ 5 x' )dx' dy '⎥ k ⎢⎣ ⎥⎦ AW r r r M ' = ρg ∫∫∫[( y '+ x' ξ 6 − z ' ξ 4 )i − ( x'+ξ 5 z '−ξ 6 y ' ) j ]dV ∀
r v − ρg ∫∫ (ξ 3 + ξ 4 y '−ξ 5 x' )( y ' i − x' j )dx' dy '
(4.11)
(4.12)
AW
Por fim, sendo: r 1 v x B = ( x B , y B , z B ) = ∫∫∫ x ' dV ∀ ∀
(4.13)
a posição do centro de carena do corpo (note que as coordenadas já são dadas em relação ao referencial do corpo) e:
Hidrodinâmica I
125
S1 = ∫∫ x' dS AW
S 2 = ∫∫ y ' dS AW
S11 = ∫∫ x' 2 dS
(4.14)
AW
S12 = ∫∫ x' y ' dS AW
S 22 = ∫∫ y ' 2 dS AW
os momentos de área do plano de flutuação, as equações (4.11) e (4.12) podem ser reescritas na forma:
r r F = ρg (∀ − ξ 3 AW − ξ 4 S 2 + ξ 5 S1 )k r r M ' = ρg[∀( y B + ξ 6 x B − ξ 4 z B ) − ξ 3 S 2 − ξ 4 S 22 + ξ 5 S12 ]i − r − ρg[∀( x B + ξ 5 z B − ξ 6 y B ) − ξ 3 S1 − ξ 4 S12 + ξ 5 S11 ] j
(4.15) (4.16)
Como esperado, a força hidrostática confere a restauração em heave enquanto o momento hidrostático é responsável pelas restaurações em roll e pitch. Os movimentos do corpo no plano horizontal não possuem restauração hidrostática e, portanto, só podem ser restritos através de forças externas (por exemplo, através de amarrações). Para um corpo submerso, AW e os momentos (4.14) são nulos e as restaurações hidrostáticas dependem apenas do volume de deslocamento e da posição do centro de carena. O ponto de coordenadas ( S1 AW ; S 2 AW ; 0 ) é conhecido, na terminologia naval, como centro de flutuação (em inglês, center of flotation, CF) e representa o centro de giro do corpo flutuante em roll e pitch. No restante desta seção, consideraremos o CF como a origem do sistema de coordenadas solidário ao
Hidrodinâmica I
126
corpo (nesse caso, S1 = S 2 = 0 ) e que o corpo possui um plano de simetria vertical48 (caso de um navio, por exemplo), então S12 = 0 . As forças e momento hidrostáticos são contrabalançados pela força peso do corpo ( 0;0;− mg ) e seu momento em relação à origem do sistema de coordenadas do corpo. Se as coordenadas do centro de gravidade do corpo (CG), escritas no sistema local, são dadas por ( xG ; y G ; z G ) podemos somar as contribuições do peso às forças e momentos hidrostáticos e escrever as forças e momentos totais como:
r r Ft = [(ρ∀ − m )g − ξ 3 AW ]k r r M t ' = [( ρg∀y B − mgy G ) + ξ 6 ( ρg∀x B − mgxG ) − ξ 4 ( ρg∀z B − mgz G + ρgS 22 )]i − r − [( ρg∀x B − mgxG ) + ξ 5 ( ρg∀z B − mgz G + ρgS11 ) − ξ 6 ( ρg∀y B − mgy G )] j
(4.17) (4.18)
Adotando a notação indicial para forças ( F1 ; F2 ; F3 ) e momentos ( F4 ; F5 ; F6 ) podemos reescrever (4.17) e (4.18) na forma matricial:
Fi = (ρg∀ − mg )δ i ,3 + ( ρg∀y B − mgyG )δ i , 4 − ( ρg∀x B − mgxG )δ i ,5 + [C ]ξ i
δ i, j = 1 ; i = j e δ i, j = 0 ; i ≠ j
(4.19)
A matriz [C ] é uma matriz (6x6) conhecida como matriz de restauração hidrostática , cujos termos não nulos são dados por:
c33 = − ρgAW c 44 = −( ρg∀z B − mgz G + ρgS 22 ) c 46 = ( ρg∀x B − mgxG )
(4.20)
c55 = −( ρg∀z B − mgz G + ρgS11 ) c56 = ( ρg∀y B − mgyG )
48
Mesmo que o corpo não o possua, pode-se sempre adotar uma rotação dos eixos horizontais de
forma a anular o momento cruzado de área.
Hidrodinâmica I
127
Para que o corpo esteja em equilíbrio ( ξ i = 0 ), a expressão (4.19) impõe as seguintes condições: m = ρ∀
e:
x B = xG y B = yG A primeira condição recupera o Princípio de Arquimedes. A segunda impõe que as forças peso e empuxo tenham pontos de aplicação na mesma vertical, anulando os momentos. Nesta situação de equilíbrio, os termos em (4.20) resultam:
c33 = − ρgAW c 44 = −mg ( z B − z G + S 22 ∀) c 46 = 0
(4.21)
c55 = −mg ( z B − z G + S11 ∀) c56 = 0 O termo de restauração em roll ( c 44 ) em (4.20) é conhecido na nomenclatura naval com altura metacêntrica transversal (GMt), enquanto o termo de restauração em pitch é a chamada altura metacêntrica longitudinal (GMl). É normalmente deste ponto que a maioria dos livros básicos de Arquitetura Naval parte para o estudo de estabilidade estática de embarcações. Toda a dedução acima, no entanto, será muito importante para o equacionamento da dinâmica de um corpo flutuante em ondas, dado que a matriz [C] é usualmente a única fonte de restauração dos movimentos de heave, roll e pitch.
4.3. Forças Hidrodinâmicas Nossa intenção, agora, é descrever as forças hidrodinâmicas que atuarão sobre o corpo flutuante quando da incidência de uma onda plana progressiva de
Hidrodinâmica I
128
pequena amplitude (A) e freqüência ω. Consideraremos, portanto, ondas lineares e
os
movimentos
induzidos
pelas
mesmas
e
assim,
para
facilitar
o
desenvolvimento algébrico, adotaremos novamente a notação complexa. As amplitudes de movimento { ξ j ; j = 1,...,6 } serão números complexos, trazendo com si não apenas as informações de amplitude de deslocamento do corpo mas também as informações das fases relativas entre cada movimento e a onda incidente. Dessa forma, as seis componentes de velocidade do corpo podem ser expressas na forma:
U j (t ) = Re(iωξ j e iωt )
j = 1,...,6
(4.22)
Como as ondas incidentes sobre o corpo são supostas de pequena amplitude, os deslocamentos do corpo também o serão e, assim, podemos adotar procedimento análogo àquele empregado no Capítulo 2 (ver eq. 2.23) e decompor o potencial de velocidades procurado na forma: ⎧⎪⎡ 6 ⎪⎩⎣ j =1
⎤
⎫⎪ ⎪⎭
φ ( x, y, z , t ) = Re ⎨⎢∑ ξ j φ j ( x, y, z ) + Aφ A ( x, y, z )⎥ e iωt ⎬ ⎦
(4.23)
Em (4.23) cada potencial { φ j (x, y, z) ; j = 1,...,6 } representa o potencial de velocidades devido a um movimento de amplitude unitária no correspondente grau de liberdade, na ausência de ondas incidentes. O potencial resultante da soma dessas seis componentes é conhecido então como potencial de radiação. O nome se refere ao fato de que o corpo, ao se movimentar, irradia ondas que se propagam, afastando-se do mesmo. O potencial φ A (x, y, z) , por sua vez, representa o potencial devido à presença da onda incidente com amplitude unitária e sua interação com o corpo fixo e é conhecido como potencial de difração. Pode ser decomposto também em duas componentes distintas, a primeira referente ao potencial de onda incidente não perturbada, ou seja, na ausência do corpo ( φ0 (x, y, z) ) e a segunda representado o “espalhamento” desta onda uma vez que a mesma incide sobre o corpo fixo ( φ7 (x, y, z) ):
φ A (x, y, z) = φ 0 (x, y, z) + φ 7 (x, y, z)
(4.24)
Hidrodinâmica I
129
Deve-se observar que toda essa decomposição de efeitos indicada em (4.23) e (4.24) somente é possível graças à hipótese de pequenas amplitudes de onda e pequenos deslocamentos do corpo. Nessa situação, podemos desconsiderar variações geométricas da região molhada do corpo e, uma vez que a teoria é linear, podemos admitir a superposição dos diferentes campos ondulatórios. Cabe-nos, agora, equacionar o problema de contorno em função das oito componentes distintas identificadas acima. Considerando (4.23), sabemos que cada componente deverá satisfazer a equação da continuidade: ∆φ j = 0
j = 0,1,...,7
(4.25)
A imposição da condição de Cauchy-Poisson na superfície-livre (z=0), por sua vez, implica em:
−
ω2 g
φj +
∂φ j ∂z
=0
em z = 0,
j = 0,1,...,7
(4.26)
e a condição de impermeabilidade no fundo:
∂φ j ∂z
=0
em z = -h,
j = 0,1,...,7
ou, alternativamente, em profundidade infinita
(4.27) { φ j → 0 ; j = 0,...,7 } quando
{ z → -∞ }. Finalmente, para os potenciais de radiação, a condição de contorno no corpo exige que:
∂φ j ∂n ∂φ j ∂n
= iω n j
em S B ,
r r = iω ( r × n ) j − 3
j = 1,2,3 (4.28)
em S B ,
j = 4,5,6
Já para o potencial de difração, a correta imposição da condição de contorno implica em:
∂φ A =0 ∂n e, portanto:
em S B
Hidrodinâmica I
130
∂φ 7 ∂φ =− 0 ∂n ∂n
(4.29)
em S B
A solução do problema de contorno consiste em determinar as sete incógnitas representadas
pelos
seis
potenciais
de
radiação
e
pelo
potencial
de
espalhamento, já que o potencial de onda incidente é conhecido. Essa solução pode ser entendida como a superposição de dois problemas de natureza física distinta. O primeiro corresponde àquele expresso pelas equações (4.25-4.28) e é conhecido como problema de radiação. O segundo, referente à solução das equações (4.25-4.27 e 4.29), é chamado problema de difração. Como veremos, da solução do primeiro resultam as forças inerciais (massas adicionais) e o chamado “amortecimento de radiação” (radiation damping), enquanto do segundo resultam as chamadas “forças de excitação” (wave-exciting forces) que são aquelas efetivamente responsáveis por induzir os movimentos do corpo. Antes, contudo, precisamos discutir a necessidade de uma condição de contorno adicional chamada condição de radiação. Tal necessidade fica óbvia se observarmos, por exemplo, que um termo na forma C.φ A (x, y, z) , com C representando uma constante arbitrária, pode ser somado aos potenciais de radiação φ j (x, y, z) ; j = 1,...,6 sem violar as condições de contorno (4.26-4.28). Em outras palavras, a unicidade das soluções não está ainda garantida. Esse problema, contudo, pode ser eliminado através da imposição de uma condição que garanta que as ondas irradiadas e espalhadas tenham o sentido de propagação correto, afastando-se do corpo. Assim, definindo R = ( x 2 + y 2 )1 / 2 podese escrever:
φj ∝
1 R
e −ikR
p/ R → ∞,
j = 1,2,...,7
(4.30)
onde o decaimento com a distância é imposto para garantir a conservação de energia à medida que a onda se afasta do corpo. Em um caso bidimensional, a condição correspondente seria dada por:
φ j ∝ e m ikx
p/ x → ±∞
(4.31)
Hidrodinâmica I
131
As forças hidrodinâmicas atuantes sobre o corpo podem ser calculadas mediante a integração do campo de pressão linear sobre a superfície SB, campo este obtido através da equação de Bernoulli, desprezando-se o termo quadrático na velocidade do fluido: p (x, y, z, t) = − ρ
∂φ − ρgz ∂t
ou: ⎧⎪⎡ 6 ⎫⎪ ⎤ p ( x, y, z , t ) = − ρ Re ⎨⎢∑ ξ j φ j ( x, y, z ) + Aφ A ( x, y, z )⎥iωe iωt ⎬ ⎪⎩⎣ j =1 ⎪⎭ ⎦
(4.32)
Assim, as forças e momentos sobre o corpo resultam:
r r F (t ) = − ρg ∫∫ zndS SB
6 ⎡ r ⎤ − ρ Re ∑ ⎢iωξ j e iωt ∫∫ φ j n dS ⎥ j =1 ⎢ ⎥⎦ SB ⎣ ⎧⎪ r ⎫⎪ − ρ Re⎨iωAe iωt ∫∫ (φ0 + φ7 )n dS ⎬ ⎪⎩ ⎪⎭ SB
(4.33)
r r r M (t ) = − ρg ∫∫ z (r × n )dS SB
6 ⎡ ⎤ r r − ρ Re ∑ ⎢iωξ j e iωt ∫∫ φ j (r × n )dS ⎥ j =1 ⎣ ⎢ SB ⎦⎥
(4.34)
⎧⎪ ⎫⎪ r r − ρ Re⎨iωAe iωt ∫∫ (φ 0 + φ 7 )(r × n )dS ⎬ ⎪⎩ ⎪⎭ SB Cada uma das três componentes nas equações (4.33) e (4.34) representam diferentes contribuições para a força e o momento resultante. Comparando essas duas equações com (4.4), percebe-se que o primeiro termo de força e momento
Hidrodinâmica I
132
corresponde, na verdade, às contribuições hidrostáticas49. Estas foram discutidas na seção anterior e, como já sabemos, serão as responsáveis pela restauração hidrostática do corpo em heave, roll e pitch. As integrais no segundo termo de (4.33) e (4.34) são facilmente identificadas com os termos de força e momento derivados em (2.25) e (2.27) no estudo das forças hidrodinâmicas sobre um corpo com movimento arbitrário em fluido infinito. Naquela ocasião, definimos tais integrais
como
as
massas
adicionais.
Aqui,
porém,
os
potenciais
{ φ j (x, y, z) ; j = 1,...,6 } são complexos. A massa adicional corresponderá à parte real destas
integrais,
enquanto
a
parte
imaginária
resultará
no
chamado
amortecimento de radiação. Por fim, a terceira componente em (4.33) e (4.34) representa a força e o momento induzidos pela ação da onda incidente sobre o corpo. As forças e momentos hidrostáticos já foram discutidos na seção 4.2. A seguir, discutiremos separadamente as demais forças e momentos hidrodinâmicos.
4.3.1. Massa Adicional e Amortecimento de Radiação Discutiremos nesta seção as características das componentes de força e momento representadas pelo segundo termo das equações (4.33) e (4.34). Para facilitar a exposição, trabalharemos novamente com uma notação indicial r denotando as três componentes dessa força e momento na forma F = ( F1 , F2 , F3 ) e r v v M = ( M 1 , M 2 , M 3 ) = ( F4 , F5 , F6 ) , lembrando que {F , M } agora se referem exclusivamente à força e momento representados pelo segundo termo em (4.33) e
49
Cabe aqui um comentário quanto à influência da onda sobre a área molhada do corpo. Na
hipótese de pequena amplitude de onda e pequenos deslocamentos do corpo, é possível mostrar que a contribuição de força decorrente da variação da superfície molhada do corpo induzida pelo movimento da superfície-livre é uma contribuição de segunda-ordem na amplitude da onda e pode, assim, ser desprezada. Para maiores detalhes ver Newman (1977).
Hidrodinâmica I
133
(4.34). Através dessa notação podemos representar as seis componentes de forma matricial:
⎧6 ⎫ Fi = Re⎨∑ ξ j e iωt f ij ⎬ ⎩ j =1 ⎭
i = 1,2,...,6
(4.35)
onde, considerando (4.28) em (4.33) e (4.34): f ij = − ρ ∫∫ SB
∂φi φ j dS ∂n
(4.36)
É fácil perceber que os 36 coeficientes f ij são análogos às massas adicionais definidas em (2.28). Aqui, porém, estes coeficientes são complexos e suas partes real e imaginária dependem da freqüência ω em função da condição de contorno (4.26). Definindo-se:
f ij = ω 2 aij − iωbij
(4.37)
as componentes de força (4.35) resultam:
⎧6 ⎫ Fi = Re⎨∑ ξ j e iωt ω 2 aij − iωbij ⎬ ⎩ j =1 ⎭
(
)
i = 1,2,...,6
e, lembrando que as velocidades e acelerações do corpo são dadas por:
U j (t ) = Re(iωξ j e iωt )
j = 1,...,6
U& j (t ) = − Re(ω 2ξ j e iωt )
j = 1,...,6
podemos reescrever as forças na forma: 6
Fi = −∑ aijU& j + bijU j =
i = 1,2,...,6
(4.38)
j =1
Verifica-se, assim, que as forças e momentos resultantes sobre o corpo apresentam componentes em fase com a aceleração do corpo (inerciais) e componentes em fase com as velocidades do corpo (amortecimentos), respectivamente proporcionais a:
aij (ω ) =
1
ω
2
Re( f ij ) = −
ρ ω2
∂φi
∫∫ ∂n φ dS j
SB
ρ ∂φ bij (ω ) = − Im( f ij ) = ∫∫ i φ j dS ω ω S ∂n 1
B
(4.39)
Hidrodinâmica I
134
Os coeficientes a ij são os coeficientes de massa adicional enquanto os coeficientes bij recebem o nome de coeficientes de amortecimento de radiação. As massas adicionais diferem daquelas correspondentes ao corpo imerso em fluido sem fronteiras, devido à presença da superfície livre. O amortecimento por radiação se deve ao fato de que o corpo, ao oscilar, irradia ondas que se propagam para longe do corpo representando um fluxo de energia. Consideremos agora um único modo de oscilação do corpo. Observando (4.38) percebemos que o trabalho médio realizado para contrabalançar as forças impostas pelo fluido ao longo de um ciclo de onda é dado por: − FiU i = biiU i = 2
1 2 ω bii ξ i 2
2
(4.40)
Lembrando que a energia média transportada pela onda é proporcional ao quadrado de sua amplitude, (4.40) mostra que há uma relação direta entre os coeficientes de amortecimento bij e a amplitude de onda irradiada pelo corpo.
Uma propriedade importante dos coeficientes a ij e bij é a simetria. A demonstração desse fato é análoga ao que fizemos para demonstrar a simetria das massas adicionais mij na seção 2.2.5, mediante o emprego do Teorema de Green. Aqui, todavia, o teorema deve ser aplicado considerando-se não apenas a superfície do corpo (SB), mas também a superfície-livre (SF), o fundo (Sbot) e a fronteira distante do corpo (S∞):
⎡ ∂φ j ∂φ ⎤ − φ j i ⎥ dS = 0 ⎢φi ∂n ∂n ⎦ S B + S F + S bot + S ∞ ⎣
∫∫
(4.41)
É fácil verificar, no entanto, que a consideração das condições de contorno correspondentes em cada uma das fronteiras, com exceção da superfície do corpo, implica na anulação do integrando e, assim:
∂φ j
⎡
∫∫ ⎢⎣φ SB
i
∂n
−φj
∂φi ⎤ ⎥ dS = 0 ∂n ⎦
o que implica diretamente em:
(4.42)
Hidrodinâmica I
135
f ij = f ji
Além disso, pode-se demonstrar que, nos limites de baixas e altas freqüências ( ω → 0 e ω → ∞ ), existem relações diretas entre os coeficientes de massa adicional do corpo no problema com superfície-livre ( a ij ) e aqueles obtidos em fluido sem fronteiras ( mij ). Uma discussão sobre o comportamento da massa adicional e do amortecimento nesses limites assintóticos pode ser encontrada, por exemplo, em Newman (1977).
4.3.2. Forças de Excitação em Ondas Resta-nos, por fim, analisar o terceiro termo nas expressões de força e momento (4.33) e (4.34). Estes, como dissemos, se referem às forças e momentos causados pela incidência de ondas sobre o corpo fixo. Empregando novamente uma notação indicial, podemos escrever as três componentes de força e de momento de excitação na forma:
{
Fexc,i = Re Ae iωt X i
}
i = 1,2,...,6
(4.43)
e, empregando-se as condições de contorno (4.28) em (4.33) e (4.34), obtém-se: X i = − ρ ∫∫ (φ 0 + φ 7 ) SB
∂φ i dS ∂n
(4.44)
Os termos X i representam, portanto, as amplitudes complexas de força de excitação nos respectivos graus de liberdade, para uma amplitude de onda unitária. Graças à linearidade do problema, uma vez obtidos os valores de X i , serão conhecidos os valores das forças para qualquer valor de amplitude de onda, bastando-se multiplicá-los de acordo com (4.43). O potencial de onda incidente φ0 é conhecido. O potencial φ7 deve ser determinado como solução do problema de difração, discutido anteriormente.
Hidrodinâmica I
136
Cabe aqui uma pequena digressão. As parcelas de força de excitação que dependem exclusivamente da ação da onda incidente ( X i = − ρ ∫∫ φ 0 SB
∂φi dS ) são ∂n
conhecidas como forças de Froude-Krylov. A chamada hipótese de Froude-Krylov consiste, então, em aproximar as forças de excitação desconsiderando-se a perturbação causada pelo corpo no escoamento. Trata-se, de fato, da aproximação mais simples para estas forças e sua aplicação, embora muito limitada, pode ser justificada em alguns casos. Um exemplo é o caso das forças de excitação sobre um navio esbelto (alto L/B), quando o comprimento de onda é muito maior do que a boca da embarcação. Neste caso pode-se mostrar que as componentes de Froude-Krylov são os termos dominantes nas forças de surge, heave e pitch e bons resultados podem ser obtidos com o emprego da técnica conhecida como teoria de faixas (strip-theory)50. Todavia, na grande maioria dos problemas envolvendo corpos flutuantes de grandes dimensões, a influência do potencial de espalhamento é decisiva e os dois termos da equação (4.44) devem ser considerados para o computo das forças de excitação. No contexto da teoria linear, os coeficientes de força de excitação (4.44) serão calculados sobre a superfície-molhada média do corpo, isto é, sem considerar a influência da elevação da superfície sobre tal área. Conseqüentemente, as forças de excitação serão idênticas quer o corpo esteja fixo ou livre para se mover em ondas. A distinção entre os dois problemas decorre de efeitos de segunda-ordem. Uma vez que o potencial de espalhamento φ7 e os potenciais de radiação
φi (x, y, z) ; i = 1,...,6 satisfazem as mesmas condições de contorno na superfícielivre e no fundo e a mesma condição de radiação, podemos novamente empregar o Teorema de Green para obter:
∂φ ⎤ ⎡ ∂φ7 − φ 7 i ⎥ dS = 0 i ∂n ∂n ⎦
∫∫ ⎢⎣φ SB
50
Maiores detalhes podem ser encontrados em Newman (1977).
(4.45)
Hidrodinâmica I
137
e, substituindo (4.45) em (4.44), escrever:
∂φ ⎞ ⎛ ∂φ X i = − ρ ∫∫ ⎜ φ0 i + φi 7 ⎟dS ∂n ∂n ⎠ SB ⎝ Porém, observando a condição de contorno (4.29), podemos escrever as forças de excitação de uma forma alternativa, independente do potencial de difração:
∂φ ⎛ ∂φ X i = − ρ ∫∫ ⎜ φ0 i − φi 0 ∂n ∂n SB ⎝
⎞ ⎟dS ⎠
(4.46)
As relações (4.46) são conhecidas na literatura como Relações de Haskind. Elas expressam as forças de excitação nos vários graus de liberdade em função de seus respectivos potenciais de radiação. É interessante notar ainda que, novamente de acordo com o teorema de Green:
∂φ 0 ⎤ ⎡ ∂φi φ φ − 0 i ∫∫ ⎢ ∂n ⎥ dS = 0 n ∂ ⎣ ⎦ S B + S F + Sbot + S ∞
(4.47)
e, aqui, as integrais em SF e Sbot mais uma vez se anulam devido às condições de contorno, mas a integral em S∞ não, pois o potencial de onda incidente não satisfaz a condição de radiação. Dessa forma, podemos reescrever (4.46) como:
∂φ ⎞ ⎛ ∂φ X i = ρ ∫∫ ⎜ φ 0 i − φi 0 ⎟dS ∂n ∂n ⎠ S∞ ⎝
(4.48)
e verificamos, portanto, que as forças de excitação no corpo também podem ser obtidas com base nos potenciais de radiação calculados no chamado “campo distante” (far-field, em inglês). Mais ainda, pode-se mostrar51 que no campo distante os potenciais de radiação são proporcionais à raiz quadrada do fluxo de energia, que por sua vez, como
discutimos
anteriormente,
se
relaciona
com
os
coeficientes
de
amortecimento de radiação. Empregando-se o método da fase estacionária, podese encontrar a relação entre as forças de excitação e os coeficientes de amortecimento de radiação:
51
Para uma discussão mais elaborada ver, por exemplo, Newman (1977).
Hidrodinâmica I
k bii = 8πρgc g
138 2π
∫X
(θ ) dθ 2
i
(4.49)
0
onde o ângulo θ denota a direção de incidência de onda. A expressão (4.49) permite inferir o comportamento das forças de excitação no limite de altas freqüências ( ω → ∞ ). Sabendo que o amortecimento de radiação tende a zero neste limite (ver Newman (1977), pgs 303-304), pode-se deduzir que as forças de excitação devem tender a zero mais rapidamente do que o termo
(c
/ k ) . Considerando-se a relação de dispersão de ondas verifica-se, então, 1/ 2
g
que no limite de altas freqüências as forças de excitação em um problema tridimensional decaem mais rapidamente do que
ω −3 / 2 . Para problemas
bidimensionais, de forma similar, esse decaimento deve ser mais rápido do que
ω −1 / 2 . O significado físico deste decaimento é fácil de compreender: O limite de altas freqüências ω → ∞ corresponde também ao limite em que o comprimento de onda tende a zero λ → 0 e, nesta situação, a superfície do corpo estará sujeita à ação simultânea de vários ciclos de ondas que acabam por se cancelar. Além disso, o decaimento exponencial da perturbação ondulatória sobre o fluido aumenta com a freqüência de onda, o que implica que, neste limite, a pressão dinâmica só será significativa em uma faixa muito estreita abaixo da superfície média do fluido. Denotemos por l B um comprimento típico do corpo. Os dois efeitos acima, combinados, explicam porque as forças de excitação devem tender a zero à medida que ω → ∞ ou, alternativamente, à medida que o comprimento de onda se torna muito pequeno face às dimensões típicas do corpo λ / l B << 1 . Situação muito diferente ocorre na situação oposta, no limite de baixas freqüências ω → 0 ou quando o comprimento de ondas é muito grande comparado às dimensões típicas do corpo ( λ / l B >> 1 ). Este é o chamado regime de ondas longas e será discutido em maiores detalhes a seguir.
Hidrodinâmica I
139
4.3.2.1 Aproximação no Regime de Ondas Longas Interessa-nos agora estudar uma aproximação para as forças de excitação no regime de ondas longas ( ω → 0 ). A condição de contorno no corpo implica que: r r ∇φ 7 .n = −∇φ 0 .n em SB
(4.50)
mas esta pode ser reescrita a partir dos potenciais de radiação, bastando para isso considerar as condições (4.28):
∂φ ∂φ ⎞ r i ⎛ ∂φ ∂φ ∂φ ∂φ ∇φ7 .n = ⎜⎜ 0 1 + 0 2 + 0 3 ⎟⎟ ω ⎝ ∂x ∂n ∂y ∂n ∂z ∂n ⎠
em SB
(4.51)
∂φ ∂φ ⎞r r i ⎛ ∂φ ∇φ 7 .n = ⎜⎜ 0 ∇φ1 + 0 ∇φ 2 + 0 ∇φ3 ⎟⎟.n ∂y ∂z ω ⎝ ∂x ⎠
em SB
(4.52)
e, portanto:
No regime de ondas longas, a aproximação consiste em considerar o campo de velocidades induzido pela onda incidente como um campo constante sobre o corpo ∇φ 0
SB
≅ cte . Nessa condição, podemos reescrever (4.52) como:
∂φ ∂φ ⎞r r i ⎛ ∂φ ∇φ 7 .n ≅ ∇⎜⎜ 0 φ1 + 0 φ 2 + 0 φ3 ⎟⎟.n ω ⎝ ∂x ∂y ∂z ⎠
em SB
(4.53)
da qual deduzimos que o potencial de espalhamento φ7 pode, no regime de ondas longas, ser aproximado por:
φ7 ≅
∂φ ∂φ ⎞ i ⎛ ∂φ 0 ⎜⎜ φ1 + 0 φ 2 + 0 φ3 ⎟⎟ ∂y ∂z ⎠ ω ⎝ ∂x
(4.54)
Substituindo (4.54) em (4.44) tem-se, então: i 3 ⎡ ∂φ ⎤ ⎛ ∂φ ⎞ X i ≅ − ρ ∫∫ ⎜ φ 0 i ⎟dS + ∑ ⎢ f ij 0 ⎥ ω j =1 ⎣⎢ ∂x j ⎥⎦ ∂n ⎠ SB ⎝
(4.55)
O primeiro termo em (4.55) será responsável pela força e pelo momento induzidos pelo potencial de onda incidente:
Hidrodinâmica I
140
⎧⎪ r r ⎫⎪ Fexc ,0 (t ) = − ρ Re⎨iωAe iωt ∫∫ φ 0 ndS ⎬ ⎪⎭ ⎪⎩ SB ⎫⎪ r r r ⎪⎧ M exc ,0 (t ) = − ρ Re⎨iωAe iωt ∫∫ φ 0 (r × n )dS ⎬ ⎪⎭ ⎪⎩ SB
(4.56)
No entanto, aplicando-se o teorema de Gauss na forma do gradiente, podemos calcular a força com base no volume de deslocamento do corpo ( ∀ ) e na área do plano de flutuação, pois: r r ∫∫ φ0 ndS = − ∫∫∫ ∇φ0 dV − ∫∫ φ0 ndS ∀
SB
(4.57)
Aw
Todavia, como no regime de ondas longas a variação espacial do potencial
φ0 é lenta (já que k → 0 ), podemos aproximá-lo através da seguinte expansão em série de Taylor: ⎛
r
r
φ 0 ( x ) ≅ ⎜⎜ φ 0 (0) + ⎝
∂φ 0 ∂x
r r x =0
x+
⎞ y⎟ r r ⎟ x =0 ⎠
∂φ 0 ∂y
(4.58)
e, assim:
r
r
∫∫φ0 ndS ≅ −∀∇φ0 − Awφ0 (0) − SB
∂φ 0 ∂x
r
∫∫ xndS −
r r x = 0 Aw
∂φ 0 ∂y
r
∫∫ yndS
r r x = 0 Aw
Mas, lembrando das definições dos momentos de área do plano de flutuação dadas em (4.14), podemos ainda escrever: r
∫∫ φ ndS ≅ −∀∇φ 0
0
SB
r ∂φ ⎛ + ⎜ Awφ 0 (0) + 0 ⎜ ∂x ⎝
r r x =0
S1 +
∂φ 0 ∂y
⎞r S 2 ⎟k ⎟ r r x =0 ⎠
(4.59)
Analogamente, aplicando o teorema de Gauss na forma do divergente tem-se para a integral no cálculo do momento: r r r r r ∫∫ φ0 (r × n )dS = ∫∫∫ ∇ × (φ0 r )dV − ∫∫ φ0 (r × n )dS ∀
SB
Aw
ou: r r
r
r
r
∫∫ φ0 (r × n )dS ≅ ∀∇φ0 × x B + ∫∫ φ0 ( yi − xj )dS SB
e, considerando (4.58):
Aw
(4.60)
Hidrodinâmica I
141
∂φ 0 r r r ⎛⎜ r × ≅ ∀∇ × ( r n ) dS x φ φ B + ⎜ φ 0 ( 0) S 2 + 0 0 ∫∫ ∂x S ⎝ B
⎛ r ∂φ − ⎜ φ 0 ( 0) S 1 + 0 ⎜ ∂x ⎝
∂φ S11 + 0 r r ∂y x =0
r r x =0
S12 +
∂φ 0 ∂y
⎞r S 22 ⎟i − ⎟ r r x =0 ⎠
⎞r S12 ⎟ j ⎟ r r x =0 ⎠
(4.61)
Cabe, então, observar que as derivadas do potencial φ0 serão termos proporcionais a ( kφ 0 << 1 ). Dessa forma, os termos proporcionais a essas derivadas em (4.59) e (4.61) são pequenos se comparados aos termos proporcionais a φ0 , assim como é pequena a contribuição advinda do potencial de espalhamento (ver (4.55)). Assim, os termos dominantes de força e o momento de excitação neste limite podem ser expressos simplesmente por: r r Fexc (t ) ≅ − ρ Re iωAe iωt Awφ 0 (0) r r r v M exc (t ) ≅ − ρ Re iωAe iωt φ 0 (0)( S 2 i − S1 j )
{ {
}
}
(4.62)
Finalmente, observando que: r Re{iωAe iωt φ0 (0)} = − gζ (t ) chega-se às seguintes expressões para esses termos: r r Fexc (t ) ≅ ρgAwζ (t )k r r v M exc (t ) ≅ ρgζ (t )( S 2 i − S1 j )
(4.63)
Percebe-se, portanto, que no limite de baixas freqüências ( ω → 0 ), as forças e momentos de excitação dominantes correspondem às forças e momentos hidrostáticos associados à elevação de onda incidente sobre o corpo. A contribuição do potencial de espalhamento em (4.55) pode ser relacionada com os coeficientes de massa adicional e amortecimento (parte real e parte imaginária de f ij ). Podemos inferir a influência desta contribuição através da análise de um caso simples. Suponhamos, então, um corpo flutuante simétrico em relação aos planos x=0 e y=0. Vamos calcular a força vertical sobre este corpo induzida por ondas de baixa freqüência. Neste caso, dada a simetria do corpo, sabemos que
f 31 = f 32 = 0 , assim como os momentos de área S1 = S 2 = 0 . De (4.55) e (4.59), temos então:
Hidrodinâmica I
142
r ∂φ i X 3 ≅ +iρω∀∇φ0 − iρωAwφ 0 (0) + f 33 0 ω ∂z r e, de (4.26) e (4.37) e considerando ∇φ 0 ≅ kφ 0 (0) : r r r i X 3 ≅ +iρω∀kφ 0 (0) − iρωAwφ 0 (0) + (ω 2 a33 − iωb33 )kφ 0 (0)
ω
ou:
r r r X 3 ≅ +iωkφ0 (0)[a33 + ρ∀] + b33 kφ0 (0) − iρωAwφ 0 (0) e, assim:
{
}
r r r F3 (t ) ≅ Re iωkφ0 (0)[a33 + ρ∀] + b33 kφ0 (0) − iρωAwφ0 (0) r r r r Por fim, notando que Re iωkφ0 (0) Ae iωt = w& (0, t ) e Re kφ0 (0) Ae iωt = w(0, t )
{
}
{
}
podemos escrever:
F3 (t ) ≅ [a33 + ρ∀]w& 0 (t ) + b33 w0 (t ) + ρgAwζ 0 (t )
(4.64)
A expressão (4.64) demonstra, portanto, que além da força hidrostática associada à onda, a qual representa aqui o termo dominante, há ainda um termo inercial, proporcional à aceleração vertical do fluido calculada na origem, e um termo de amortecimento, proporcional à velocidade vertical do fluido neste mesmo ponto. Se o corpo estiver submerso a uma profundidade tal que efeitos de superfícielivre possam ser ignorados, então a33 ≅ m33 ; b33 ≅ 0; Aw = 0 . Nesse caso, a expressão (4.64) se resume em:
F3 (t ) ≅ [m33 + ρ∀]w& 0 (t )
(4.65)
4.3.2.2 A Fórmula de Morison É fácil perceber a semelhança de (4.65) com o termo inercial da chamada fórmula de Morison, já conhecida dos estudantes de engenharia naval. Esta equação foi proposta de maneira ad hoc na década de 50 por J.E. Morison, então aluno de graduação, para o cálculo das forças sobre uma coluna vertical de seção circular exposta a ondas. Para isso, sobrepôs dois efeitos: a força inercial de
Hidrodinâmica I
143
ondas e a força de origem viscosa e, assim, derivou uma equação para a força em cada seção da coluna. A abordagem empregada por Morison se mostra apropriada para o estudo da força sobre corpos no regime de ondas longas, com aplicações, por exemplo, no estudo de forças sobre risers, umbilicais, dutos submersos, estruturas treliçadas de plataformas do tipo jaqueta e até mesmo como aproximação para forças sobre plataformas semi-submersíveis. Tomemos como exemplo o problema de um cilindro circular horizontal longo, submerso a uma profundidade h, sob a ação de uma onda regular com amplitude A e freqüência ω: A
h D
Figura 47 – Ação de ondas sobre um cilindro circular submerso
Neste caso, empregando-se a abordagem proposta por Morison, a força seccional de heave é dada por: f 3 (t ) = ρS [C M + 1]w& 0 (t ) +
1 ρC D Dw0 (t ) w0 (t ) 2
(4.66)
onde S corresponde à área da seção, CM é o coeficiente de inércia da seção em heave e CD é o coeficiente de arrasto do cilindro. A força é então composta por um termo inercial e um termo não-linear (quadrático) de arrasto, o segundo defasado de 90o do primeiro. Keulegan & Carpenter (1958) determinaram experimentalmente os valores de CM e CD para vários tipos de cilindros sob escoamento oscilatório e verificaram que os resultados apresentavam boa aderência com o adimensional que hoje leva o nome de número de Keulegan Carpenter (KC): KC =
VT D
(4.67)
Hidrodinâmica I
144
onde V representa a amplitude de velocidade do escoamento e T o período de oscilação do mesmo. No caso do escoamento induzido por ondas harmônicas, temos V = Ae kz e, assim, o valor de KC para o cilindro da figura 47 é dado por: KC = 2π
A − kh e ωD
(4.68)
No regime de KC baixo (tipicamente KC<3), as forças inerciais são dominantes e o termo de arrasto pode ser desprezado. Conforme discutimos na seção 4.1, neste caso a amplitude de movimento do fluido é muito pequena para a formação da camada-limite e para a separação da mesma, não havendo a formação de uma esteira rotacional significativa. Nesse limite, vale a aproximação de escoamento potencial e o coeficiente de inércia corresponderá ao coeficiente de massa adicional teórico da seção. Assim:
f 3 (t ) ≅ ρS [C M + 1]w& 0 (t )
(4.69)
e a força total sobre o cilindro recuperará, então, aquela prevista pela equação (4.65). Para valores mais altos de KC, o termo de arrasto passa a desempenhar papel importante. Nessa situação, portanto, os efeitos viscosos serão importantes e os coeficientes de inércia (CM) e de arrasto (CD) serão influenciados pelo número de Reynolds (Re) e pela rugosidade da superfície. Um estudo bastante completo sobre os valores destes coeficientes para diferentes valores de KC pode ser encontrado, por exemplo, em Sarpkaya & Isaacson (1981).
4.4. Resposta em Ondas Regulares Nas seções anteriores, discutimos as forças hidrostáticas e hidrodinâmicas atuantes sobre um corpo flutuante ou submerso em ondas. Nosso objetivo, agora, é levantar as equações do movimento do corpo e discutir alguns aspectos importantes da dinâmica de sistemas oceânicos usuais.
Hidrodinâmica I
145
As equações do movimento decorrem diretamente da segunda lei de Newton ao se igualar as forças e momentos inerciais do corpo às forças e momentos decorrentes do campo de pressão do fluido (4.33) e (4.34). Assim, observando (4.19)52, (4.35) e (4.43), podemos escrever as seis equações de movimento acopladas na forma complexa: 6
∑M j =1
ij
⎡6 ⎤ U& j = e iωt ⎢∑ ξ j (−cij + f ij ) + AX i ⎥ ⎣ j =1 ⎦
i=1,2,...,6
(4.70)
onde os termos Mij representam os coeficientes da matriz de inércia do corpo, dada por:
m
0
0
0
mzG
-myG
0
m
0
-mzG
0
mxG
0
0
m
myG
-mxG
0
0
-mzG
myG
I11
I12
I13
mzG
0
-mxG
I21
I22
I23
-myG
mxG
0
I31
I32
I33
[M] =
Lembrando que:
U j (t ) = Re(iωξ j e iωt )
(4.71)
j=1,2,...,6
U& j (t ) = Re(−ω 2ξ j e iωt ) temos então:
∑ ξ [− ω 6
j =1
2
j
]
M ij − f ij + cij = AX i
Finalmente, de (4.37) temos que
i=1,2,...,6
f ij = ω 2 aij − iωbij
e, assim, podemos
reescrever as equações do movimento na forma final:
∑ ξ [− ω 6
j =1
52
j
2
]
( M ij + aij ) + iωbij + cij = AX i
Por simplicidade, os termos decorrentes do peso próprio do corpo em (4.19) já foram
incorporados nos coeficientes cij.
(4.72)
Hidrodinâmica I
146
As seis equações em (4.72) podem ainda ser escritas na forma matricial, ao se definir a matriz de massas adicionais [A], a matriz de amortecimento de radiação [B] e a matriz de restauração hidrostática [C]:
{− ω
2
([ M ] + [ A]) + iω[ B] + [C ]}{ξ } = A{X }
(4.73)
Deve-se notar que em (4.73) os coeficientes das quatro matrizes são reais, enquanto o vetor de forças de excitação {X} é complexo, assim como também é complexo o vetor das amplitudes de movimento {ξ}. O vetor complexo {Z } = {ξ } A representa os movimentos do corpo (amplitude e fase) quando excitado por uma onda de amplitude unitária. Este vetor corresponde, portanto, a uma função de transferência que relaciona a amplitude de onda com a resposta linear do sistema dinâmico. É mais conhecido na literatura como o vetor dos Response Amplitude Operators (RAOs). Obviamente, os RAOs dependerão não apenas da freqüência de onda ω mas também da direção de incidência da onda em relação ao corpo (β). Assim, observando (4.73), verificamos que o vetor de RAOs pode ser calculado como:
{Z (ω , β )} = {− ω 2 ([ M ] + [ A]) + iω[ B ] + [C ]}
−1
{X }
(4.74)
O vetor {Z } = {Z 1 , Z 2 ,..., Z 6 } é complexo e, portanto, cada elemento é dado por: Z j = Z j , R + iZ j , I
j=1,2,...,6
O módulo de Zj ( Z j = Z j , R + Z j , I ) fornece a amplitude de movimento no 2
2
grau de liberdade j para uma onda de amplitude unitária de freqüência ω que incide sobre o corpo com um ângulo β. A fase de Zj ( ε j = arctan( Z j , I / Z j , R ) ) representa a diferença de fase entre o movimento do corpo no grau de liberdade j e a onda incidente.
Hidrodinâmica I
147
A figura abaixo ilustra os RAOs de heave e pitch de um navio petroleiro (sem velocidade
de
avanço)
para
duas
diferentes
direções
de
incidência:
β=180ο (incidência de ondas pela proa) e β=90ο (incidência de través). Neste caso, os coeficientes potenciais (massas adicionais, amortecimentos, restaurações e forças de excitação) foram calculados através de um software baseado na técnica de teoria de faixas.
Figura 48 – RAOs de heave e pitch de um navio petroleiro
Podemos discutir alguns aspectos qualitativos da resposta. Tomemos como exemplo, então, o movimento de heave. Dada a simetria do navio em relação ao plano y=0, a maioria dos acoplamentos dinâmicos com o movimento vertical resulta nula, exceto um possível acoplamento heave-pitch. Este acoplamento de fato existe no exemplo acima e se apresenta claramente nos resultados. Todavia, por simplicidade, vamos supor que a influência do movimento de pitch no RAO de heave é pequena, como de fato o é na realidade, dados os valores usualmente
Hidrodinâmica I
148
elevados da restauração hidrostática de pitch. Assim, ignorando esse possível acoplamento, o RAO de heave será dado por:
Z 3 (ω , β ) =
X3 {−ω (m + a33 ) + iωb33 + c33 } 2
(4.75)
onde: m = ρ∀ é o deslocamento em massa do corpo e c33 = ρgAW representa a restauração hidrostática em heave (ver 4.20). Assim:
Z 3 (ω , β ) =
X3 {−ω ( ρ∀ + a33 ) + iωb33 + ρgAW } 2
(4.76)
No limite de baixas freqüências ( ω → 0 ), a força de excitação em heave pode ser aproximada por (4.64), o que significa, portanto, que:
Z 3 (ω , β ) → 1
para ω → 0
(4.77)
como mostram os resultados da figura (4.38). Além disso, a fase resulta nula neste limite ( ε 3 → 0 qdo ω → 0 ) . Ou seja, quando a onda é muito longa em comparação com as dimensões típicas do navio, o navio simplesmente acompanha a elevação da superfície-livre. Por outro lado, no limite de altas freqüências ( ω → ∞ ), vimos que a força de excitação deve tender a zero e, portanto:
Z 3 (ω , β ) → 0
para ω → ∞
(4.78)
Percebe-se em (4.76) que o movimento de heave apresenta uma freqüência natural dada por:
ωn 3 =
ρgAW ρ∀ + a33
(4.79)
e, portanto, o navio experimentará uma ressonância em heave quando a freqüência de onda coincidir com a freqüência natural ( ω = ω n 3 ). Através dos resultados da figura 48 percebemos que ω n 3 ≅ 0.5 rad/s para o navio em questão. Ou seja, o período natural do movimento vertical é aproximadamente 12,5 segundos. No caso de corpos flutuantes, ressonâncias ocorrerão também para os movimentos de pitch e roll, em função da restauração hidrostática nestes modos.
Hidrodinâmica I
149
No caso de navios, como a restauração em pitch é usualmente grande, as freqüências naturais são elevadas e normalmente não há problemas de ressonância com as ondas do mar. O mesmo não ocorre, todavia, para o movimento de roll.
Outros tipos de sistemas como as plataformas semi-
submersíveis, por exemplo, são projetados com o objetivo específico de apresentarem freqüências naturais em heave, roll e pitch suficientemente baixas para estarem dessintonizadas da faixa de freqüências de energia significativa das ondas do mar. O objetivo destes sistemas é justamente reduzir os movimentos ressonantes nestes modos e, com isso, minimizar os movimentos verticais. Se não houver nenhum tipo de restrição externa aos movimentos do plano vertical (surge, sway e yaw), esses movimentos não apresentarão ressonâncias pois a restauração hidrostática nesses modos é nula. Sistemas oceânicos ancorados passarão a ter períodos freqüências naturais de oscilação no plano horizontal, cujos valores serão diretamente proporcionais à rigidez das linhas de ancoragem. Em geral, estas freqüências são baixas, com períodos típicos da ordem de 100 segundos. Dessa forma, ressonâncias não serão excitadas em primeira-ordem, mas apenas através de forças hidrodinâmicas de baixa freqüência de segunda-ordem, dando origem ao fenômeno conhecido como deriva-lenta (slow-drifts). Como no caso de um oscilador mecânico, a amplitude de resposta ressonante será inversamente proporcional ao coeficiente de amortecimento do movimento.
Na
modelagem
baseada
em
escoamento
potencial,
esse
amortecimento depende exclusivamente dos coeficientes bij, ou seja, do amortecimento por irradiação de ondas. Nos casos dos movimentos de heave, pitch e roll, em alguns casos esse amortecimento pode ser baixo, de forma que a influência dos amortecimentos de origem viscosa passa a ser importante para a estimativa da amplitude de movimento ressonante. Esse aspecto será discutido em maiores detalhes a seguir.
Hidrodinâmica I
150
4.4.1. Incorporação de Amortecimento Viscoso Em alguns casos, o corpo flutuante ao oscilar praticamente não gera ondas e, dessa forma, o amortecimento por radiação de ondas é pequeno. Um caso típico no qual isso ocorre é o movimento de roll de um navio. Além disso, cascos projetados para apresentar pequenos valores de força de excitação em heave, pitch e roll necessariamente apresentarão baixos valores de amortecimento de radiação nestes movimentos, fato que pode ser deduzido diretamente a partir das relações de Haskind (ver eq. 4.49). Nessa categoria se enquadram, por exemplo, os cascos de plataformas semi-submersíveis, TLPs, Spars e Mono-Colunas. Em todos os casos discutidos acima, o amortecimento viscoso pode ser da mesma ordem ou até mesmo dominante no amortecimento total do sistema e deve ser incluído no cálculo dos RAOs sob pena de superestimar, e muito, as amplitudes de resposta ressonantes. Sabemos, contudo, que o amortecimento de origem viscosa é tipicamente quadrático na velocidade do movimento (Uj). Assim, o amortecimento total pode geralmente ser modelado na forma: Bj = d j U j + d j U j U j (1)
(4.80)
( 2)
(1)
Os valores dos coeficientes linear e quadrático (d j ; d j
( 2)
) são normalmente
obtidos a partir de ensaios de decaimento realizados em tanque de provas com modelos do casco em escala reduzida. A figura a seguir ilustra os resultados de ensaios de decaimento em heave e roll de um modelo de navio FPSO (escala 1:90).
Hidrodinâmica I
151
Sinal de decaimento - Anotar Período e Intervalo
Sinal de decaimento - Anotar Período e Intervalo 8
0.3
6
0.25 0.2
4
0.15
2
0.1
0
0.05
-2
0
-4
-0.05
-6
-0.1 10
15
20
25
30
35 t(s)
40
45
50
55
-8
60
180
200
220
240
(a)
260 280 t(s)
300
320
340
360
(b)
Figura 49 – Resultados de ensaios de decaimento em heave (a) e roll (b) com modelo de navio FPSO
Uma discussão sobre aspectos operacionais envolvidos neste tipo de ensaio e sobre as técnicas existentes para a obtenção dos coeficientes de amortecimento a partir de seus resultados pode ser encontrada, por exemplo, em Chackrabarti (1994). Deve-se observar, todavia, que para o cálculo dos RAOs supõe-se que a dinâmica do sistema seja linear. Assim, deve-se obter um valor de amortecimento linear equivalente ( d j
( eq )
) , definido com base na hipótese de que a energia
dissipada por esse amortecimento no decorrer de um ciclo do movimento seja igual àquela dissipada pelo amortecimento original. Ou seja: T
T
1 1 ( eq ) (1) ( 2) d j U j .U j dt = ∫ (d j U j + d j U j U j ).U j dt ∫ T 0 T 0
(4.81)
Observando (4.71) e após alguma álgebra, conclui-se então que o amortecimento pode ser escrito como:
Bj = d j
( eq )
Uj
com: dj
( eq )
= dj
(1)
+
8 ωξ j d j ( 2) 3π
(4.82)
O segundo termo em (4.82) deve então ser somado ao termo de amortecimento de radiação (bjj) para o computo dos RAOs. Este é o procedimento
Hidrodinâmica I
152
usualmente empregado pelos softwares que trabalham com o problema de comportamento no mar, por exemplo o programa WAMIT®. Esta abordagem apresenta, contudo, um problema de ordem prática. Percebe-se em (4.82) que o amortecimento equivalente dependerá não apenas da freqüência da onda, mas também da amplitude do movimento, desconhecida a priori. Isto normalmente obriga o ajuste dos coeficientes de amortecimento com base em valores experimentais de RAO obtidos através de ensaios em ondas regulares. Por esta razão, também, em simulações dinâmicas do sistema no domínio do tempo é preferível não empregar diretamente os RAOs para cálculo dos movimentos, mas sim utilizar os coeficientes potenciais calculados numericamente para resolver a equação
dinâmica não-linear, incluindo os termos de
amortecimento quadrático. Uma discussão sobre o enfoque no domínio do tempo será apresentada na seção 4.5.1.
4.5. Resposta em Ondas Irregulares Uma vez conhecidas as funções de transferência dos movimentos para amplitude de onda unitária (RAOs), espectros de energia dos movimentos (também chamados espectros de resposta) podem ser facilmente calculados para qualquer espectro de mar S ζ (ω ) . O procedimento para tanto é simples. Lembremos, inicialmente, da definição do espectro de energia do mar (ver eq. 3.48): S ζ (ω n ).dω =
1 2 An 2
Analogamente, o espectro de resposta do sistema no grau de liberdade j pode ser definido por: S j (ω ).dω =
e, portanto:
2 1 ξ j (ω ) 2
(4.83)
Hidrodinâmica I
153
ξ j (ω ) 1 S j (ω ).dω = A(ω ) 2 A(ω ) 2 2
ou seja: 2
S j (ω ) = Z j (ω ) S ζ (ω )
(4.84)
onde Z j (ω ) representa o RAO do grau de liberdade j. O procedimento descrito por (4.84) para obtenção dos espectros de resposta é conhecido como cruzamento espectral. Uma interpretação gráfica deste procedimento é apresentada na figura abaixo.
Figura 50 – Interpretação gráfica do cruzamento espectral.
Uma vez determinados os espectros
S j (ω )
as mesmas inferências
estatísticas, discutidas na seção 3.6.2 com respeito às ondas do mar, podem ser obtidas para os movimentos do corpo. Obtêm-se, então, as estatísticas de resposta do corpo para um determinado estado de mar. Tomemos mais uma vez como exemplo o movimento de heave para exemplificar o processo. O espectro de
Hidrodinâmica I
154
resposta em heave é S 3 (ω ) . O momento espectral de k-ésima ordem do movimento de heave é então dado por: ∞
m3,k = ∫ ω k S 3 (ω ).dω
(4.85)
0
A amplitude significativa do movimento de heave será: A 3 1 / 3 = 2 m 3, 0
e o período médio de movimento pode ser estimado como o período central do espectro de resposta: T1 = 2π 3
m3, 0 m3,1
O período entre zeros do movimento, por sua vez, é dado por: T2 = 2π 3
m 3, 0 m 3, 2
Como a dinâmica do sistema foi suposta linear, a função distribuição da resposta será Gaussiana, na medida que a distribuição de onda também o é. A distribuição de amplitudes de resposta seguirá a distribuição de Rayleigh e, portanto, a probabilidade de que a amplitude de heave exceda um determinado valor a pode ser calculada como:
P{ A > a} = e 3
−a
2
2 m3 , 0
Pode-se ainda estimar o número médio de vezes que isso ocorrerá ao longo de uma hora: N hora =
3600 P{ A 3 > a} 3 T2
Procedimentos análogos podem ser realizados para os outros graus-deliberdade, complementando-se assim as estatísticas de resposta dos movimentos de primeira-ordem.
Hidrodinâmica I
155
4.5.1. A Abordagem no Domínio do Tempo Simuladores numéricos do comportamento dinâmico de sistemas oceânicos são ferramentas de projeto cada vez mais importantes no contexto da engenharia naval e oceânica. Estes códigos permitem avaliar, no domínio do tempo, as respostas de sistemas flutuantes sob ação de ondas, vento e correnteza marítima. Consideram a influência de risers e linhas de amarração e, hoje em dia, dadas as lâminas d’água de operação cada vez maiores, representam um complemento importantíssimo aos estudos em tanques de provas, já que estes últimos passam a sofrer sérios problemas de escala. Uma abordagem no domínio do tempo permite ainda lidar com efeitos de natureza não-linear como, por exemplo, o problema de amortecimento viscoso discutido na seção precedente. A grande maioria dos simuladores de sistemas oceânicos emprega os resultados de programas que calculam os coeficientes potenciais no domínio da freqüência. O procedimento operacional requer, então, uma realização do espectro de mar e uma transformação dos resultados para que possam ser empregados no domínio do tempo. No decorrer desta seção apresentaremos, de forma breve, os fundamentos desta transformação. Nosso objetivo aqui não é o de equacionar de forma completa
o
problema,
mas
sim
indicar
os
princípios
nos
quais
este
equacionamento se baseia. Para tanto trabalharemos, por simplicidade, com o movimento em um único grau-de-liberdade.
As Funções de Resposta Impulsivas Suponhamos, então, um corpo flutuante livre para se mover em um grau-deliberdade, com movimento descrito por x(t), e que no instante de tempo t=t0 o corpo esteja em repouso. Durante um pequeno intervalo de tempo ∆t , o corpo realiza um deslocamento impulsivo ∆x com velocidade constante V , de tal forma que:
∆x = V∆t .
Hidrodinâmica I
156
O potencial de velocidades do escoamento induzido por este movimento impulsivo φ ( x, y , z , t ) pode ser escrito como:
φ ( x , y , z , t ) = χ ( x , y , z , t ) ∆x ;
(4.86)
onde χ ( x, y , z , t ) é o potencial de velocidades normalizado pelo deslocamento. Obviamente, o fluido ainda realizará movimentos após o intervalo ∆t , quando o corpo volta ao repouso. O princípio básico da técnica que vamos descrever é, então, o seguinte: Um movimento arbitrário do corpo pode ser descrito como uma sucessão de deslocamentos impulsivos. O escoamento fluido durante um intervalo de tempo ∆t qualquer, contudo, será influenciado pelo movimento que o fluido tinha nos instantes anteriores e, da mesma forma, influenciará o escoamento nos instantes posteriores. O fluido apresenta então uma certa memória daquilo que ocorreu com o escoamento em instantes passados. O potencial do escoamento durante um intervalo ( t m , t m + ∆t m ) será então escrito como: m
φ (t ) = Vmψ + ∑ χ (t m − k ,t m − k + ∆t )Vk ∆t
(4.87)
k =1
com:
m:
número de time-steps;
tm:
t 0 + m∆t
Vm:
velocidade durante o intervalo ( t m , t m + ∆t );
Vk:
velocidade durante o intervalo ( t m − k , t m − k + ∆t );
ψ:
potencial de velocidades normalizado pela velocidade no intervalo
( t m , t m + ∆t );
χ:
potencial de velocidades normalizado pelo deslocamento no intervalo
( t m − k , t m − k + ∆t ); No limite em que ∆t → 0 , (4.87) pode ser reescrita como: t
φ (t ) = x& (t )ψ + ∫ χ (t − τ ).x& (t )dτ −∞
(4.88)
Hidrodinâmica I
157
O campo de pressões do escoamento, por sua vez, pode ser estimado diretamente da equação de Bernoulli. Supondo que o problema seja linear, a pressão dinâmica será então dada por: p (t ) = − ρ
∂φ ∂t
e a força sobre o corpo é obtida mediante integração sobre a superfície molhada SB: r F = ∫∫ pn dS SB
Somando também a essa força um termo de restauração hidrostática e uma força de excitação externa W(t), Cummins (1962) demonstrou que a equação do movimento pode ser escrita na forma: ∞
( M + A) &x&(t ) + ∫ B(τ ).x& (t − τ )dτ + Cx(t ) = W (t )
(4.89)
0
com coeficientes (A;B) a serem determinados a partir dos potenciais ψ e χ . Hoje (4.89) é conhecida como equação de Cummins. Ogilvie (1964), por outro lado, relacionou os coeficientes (A;B) com os coeficientes de massa adicional a (ω ) e de amortecimento por radiação b(ω ) demonstrando que: A = a (ω = ∞ )
(4.90)
e
B(τ ) =
2
π
∞
∫ b(ω ) cos(ωt )dω
(4.91)
0
A equação (4.91) é conhecida como função de retardo ou função de memória. Através de (4.90) e (4.91) pode-se equacionar o problema no domínio do tempo empregando-se a equação de movimento (4.89) e os coeficientes potenciais calculados no domínio da freqüência. Resta ainda, todavia, a necessidade de realizar as forças externas (por exemplo, a força de excitação de ondas) no domínio do tempo. Para tanto, parte-se do princípio de superposição de ondas harmônicas, permitido no contexto da teoria linear de ondas. Supondo que
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158
o corpo esteja sob ação de um mar com espectro de energia dado por S ζ (ω ) e lembrando que: N
ζ (t ) = ∑ An cos(ω n t + ε n ) n =1
podemos escrever: N
W (t ) = ∑ X (ω n ) An cos(ω n t + ε n + ε Xn )
(4.92)
n =1
onde X(ωn) são as forças de excitação de ondas para amplitude de onda unitária discutidas na seção (4.3), que apresentam fase ε Xn . Com as forças calculadas em (4.92) e com os coeficientes dados por (4.90) e (4.91), pode-se finalmente integrar numericamente a equação do movimento (4.89) tendo como dados de entrada os coeficientes potenciais calculados através de um programa linear no domínio da freqüência (por exemplo, o programa WAMIT®).
4.6. Determinação dos Coeficientes Potenciais Ao longo deste capítulo apresentamos a modelagem teórica que permite calcular as forças hidrodinâmicas e, em última instância, a chamada resposta de primeira-ordem de sistemas oceânicos flutuantes. Esse cálculo, todavia, depende da solução dos problemas de contorno de radiação (eqs. 4.25 – 4.28) e de difração (eqs. 4.25 – 4.27 e 4.29). Através desta solução serão conhecidos os potenciais de radiação e espalhamento { φ j (x, y, z) ; j = 1,...,7 } e, de posse dos mesmos, será possível então calcular as massas adicionais, amortecimentos de radiação e forças de excitação. Atualmente, para as geometrias usuais de cascos, essa solução é obtida através de procedimentos numéricos baseados em técnicas que consideram escoamentos potenciais bidimensionais (2D) ou tridimensionais (3D). Uma discussão mais profunda sobre as técnicas e métodos numéricos empregados para a determinação dos potenciais de velocidade foge do escopo deste curso. No
Hidrodinâmica I
159
entanto, algumas menções serão feitas a seguir, com o objetivo de orientar aqueles que desejarem iniciar um estudo sobre essas técnicas. Originalmente, uma das primeiras técnicas desenvolvidas para o estudo de comportamento no mar de navios foi baseada na chamada Teoria de Faixas (Strip Theory). Estas se caracterizam por transformar o problema tridimensional em uma série de problemas bidimensionais independentes. O processo consiste em estudar cada seção do navio como uma seção independente, resolvendo então problemas de contorno bidimensionais. Obviamente, esta aproximação será tanto melhor quanto menores forem os efeitos tridimensionais do escoamento sobre o corpo. Em geral, admite-se que uma precisão aceitável pode ser obtida para corpos esbeltos, com relação comprimeto/boca elevada (tipicamente L/B >3). Os resultados finais são então obtidos mediante uma simples integração ao longo do comprimento do corpo. O passo inicial para o desenvolvimento dessa metodologia foram os trabalhos de Ursell (ver, por exemplo, Ursell (1949)), que obteve uma solução analítica para o escoamento em torno de um cilindro circular infinitamente longo semi-imerso em um fluido. Todavia, as seções usuais de casco de navios não são exatamente circulares. Tasai (1959) empregou então técnicas de mapeamento conforme para obter os potenciais de velocidade em sway, heave e roll de seções geométricas típicas de cascos de navios. O método consiste em mapear seções quaisquer em seções circulares no plano complexo, onde valem as soluções derivadas por Ursell, para, posteriormente, projetar estas soluções de volta para o plano real. Uma das limitações do método de Ursell-Tasai é a impossibilidade de mapear seções completamente submersas, como, por exemplo, o bulbo de proa de navios. Esta limitação foi posteriormente superada por Frank (1967). A teoria proposta por Frank obtém as soluções procuradas com base no potencial da chamada fonte pulsante bidimensional. Mais recentemente, com o progressivo aumento de capacidade dos processadores numéricos, os métodos para a solução do problema de escoamento tridimensional se tornaram viáveis. Atualmente, o procedimento mais difundido para o estudo do problema de comportamento no mar é baseado em
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160
uma técnica numérica denominada método de elementos de contorno (boundary elements method, BEM). Esse método consiste, como o próprio nome diz, na solução do problema considerando apenas o contorno do domínio fluido (ao contrário do método de elementos finitos, por exemplo) e é vantajoso em termos de esforço numérico para problemas de contorno lineares baseados na equação de Laplace. Os alunos de engenharia naval da EPUSP têm um primeiro contato com a aplicação deste método para a solução de problemas de escoamento potencial na disciplina Métodos Computacionais para Engenharia I (PNV2441). Em geral, a modelagem teórica para a solução do problema 3D se baseia na aplicação do Teorema de Green para obter uma equação diferencial cuja variável é o próprio potencial de velocidades procurado. A solução é em muito simplificada com o conhecimento das chamadas Funções de Green do problema de contorno específico. Essas funções de Green são o equivalente da fonte pulsante 2D empregada originalmente por Frank. No caso do estudo de comportamento no mar de sistemas flutuantes sem velocidade de avanço, por exemplo, a função de Green permite que a equação diferencial seja automaticamente satisfeita em boa parte do contorno (no caso, na superfície-livre e no fundo, além de garantir a satisfação da condição de radiação de ondas). Com isso, a solução da equação diferencial deve ser realizada exclusivamente sobre a superfície molhada do corpo. As técnicas empregadas para essa solução podem se basear em uma discretização da superfície do corpo na forma de painéis (o chamado método dos painéis) ou através da representação analítica desta superfície por funções Bspline. A metodologia acima descrita é empregada por diversos programas desenvolvidos para a solução do problema de comportamento no mar, entre eles o programa WAMIT®, desenvolvido originalmente no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Maiores detalhes sobre as técnicas para solução do problema de escoamento tridimensional podem ser encontrados, por exemplo, em Bertram (2000).
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161
5. UMA INTRODUÇÃO AOS EFEITOS HIDRODINÂMICOS DE SEGUNDA-ORDEM To appear...
Hidrodinâmica I
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