Copyright © Verlag Vittorio Klostermann A essência da liberdade humana: introdução à filosofia Título original: Das Wesen der menschlichen Freiheit: Einleitung in die Philosophie Essa Essa obra foi editada com co m o apoio do Goethe Institut
TRADUÇÃO Marco Antonio Casanova Casanova REVISÃO Paulo Cesar Gil Ferreira EDIÇÃO Monica Casanova CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Ana Luisa Videira Imagem da capa:
Outono -
Paul Jackson Pollock
H465e Heidegger, Heidegger, Martin, Mar tin, 1889-1976 1889-1976 A essência essência da liberdade hu mana man a : introdução à filos filosofia ofia / M artin Heideg He idegger; ger; tradução Marco Antonio Casanova Casan ova;; revisã revisãoo Paulo Cesar Gil Gil Ferreira. Ferreir a. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Via Verita, Verita, 2012. 2012. 348 p .; 21 21 cm. Tradução de: Das Wesen der menschlichen Freiheit: Einleitung in die Philosophie. ISBN 1.
Filosofia - Introd Int roduçõ uções. es. 2. Filosofia e ciência ciênc ia I. Título. CDD - 100
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M a r t i n H ei d eg g er
A e s s ê n cia da lib lib e rda rd a d e h u m a n a in t r o d u çã o /
filo filoss o fia
Título em alemão D a s W e se n d e r m e n s c h lic li c h e n F reih re ihei eit: t: E i n le it u n g in d i e P h ilo il o s o p h ie
Tradução M a r c o A n t o n i o C a s a n o v a
Revisão P a u lo C e s a r G i l Fe F e rr eira ei ra
I a edição R i o d e J a n e ir o , 2 0 1 2
APOIO
VIAVERITA e di di t o r a
SU S UMÁR I O
........................................................................ ................. 15 CON CONS ID IDER ERAÇÃ AÇÃO O P RÉ VIA.......................................................
§ 1. A aparente aparente contradição contradição entre entre a questão questão “pa part rtic icul ular ar”acer ”acerca ca da essência essência da liberdade hum hu man anaa e a tarefa “geral”de geral ”de uma um a introdução àfilosofia filos ofia ................. ........................................ ................ ................................................ ................................. ......... 15 a) O “par “particul ticular” ar” do tema tema e o “universal” “universal” de uma intro i ntrodução dução à filosofia. filosofia... 17 b) Supressão Supressão das restrições à questão acerca da essência da liberdade humana human a em direção ao todo do ente (mundo (mund o e Deus) Deus) na n a discussã discussãoo provisória da liberdade “negativa” negativa”. A peculiaridad peculi aridadee do questionamento question amento filos filosóf ófic icoo em sua diferença diferença em relação relação ao questionamento científico. . . 19 c) Interpretação aprofundadora da “liberdade negativa” como liberdade de... de... a part pa rtir ir da essência de seu caráter caráte r de ligaç ligação ão.. O ente na totalidade necessariamente co-temático na questão acerc acercaa da liberdade huma hu mana.............. na....................... ................. ............... ................ ................ ............... ........225 d) Filosofia como tornar manifesto o todo na travessia dos problemas particulares particu lares efetivamente apreen ap reendido didos............. s..................................... ................................. .........228 P RIMEI RIMEIRA RA P ARTE............................... ................................................... 31 DETER DETERMINA MINAÇ ÇÃO POS OSIT ITIV IVA A DA DA FI FILOS LOSOF OFIA IA A PA PARTIR DO CONTEÚ CONTEÚDO DO DA QUESTÃ QUESTÃO O DA LIBER LIBERDADE DADE 0 P ROBLEMA DA DA LIBERDADE LIBERDADE HUMANA HUMANA E A Q QUES UESTÃ TÃO O
PRIM PRIMEIRO CAPIT CAP ITUL ULO O................................................................... ................... 33
Primeira irrupção do problema da liberdade na dimensão propri pro priam ament entee dita em Kant. O nexo do problem p roblemaa da liberdade com os problemas fundamentai funda mentaiss da metafísica metafísica § 2. Filosofia como questionamento em direção ao cerne da totalidade. .......................................... ...................... ........ 33 O rumo-ao-todo como o ir-às-raízes............................
$ 3. Discussão indicati in dicativo-formal vo-formal da “liberdade liberdade positiva posit iva” ”a pa parti rtirr de um recurso à liberdade liberdade “tran transce scende ndent ntal al” ”e à liberdade liberdade “práti prá tica” ca” em Kant 36 §4 . A amp §4. ampliação liação indicada no caráte caráterr defundaçã fund açãoo da liberdade liberdade transcendental transcen dental do problema prob lema da liberdade na perspectiva do problema probl ema cosm co smol ológ ógic ico: o: liberd liberdad adee - cau causalid salidade ade - movimento - ente enquanto ta t a l .. 42 § 55.. O caráter caráter questionável questionável de investidura da questão ampliada da liberdad liberdadee e afigura afig ura tradicional tradicional da questão questão diretriz da filosofia. Neces Necessid sidad adee de de um questionamento questionamento renov renovado ado da ques questão tão diretriz........ 49
/ SEGU SEGUNDO CAP Í TULO.. O......................................................................................57 A questão diretriz diretr iz da filosofia filosofia e sua questionabilidade. Explicitação da questão diretriz a partir de suas próprias possibilid possi bilidades ades e pressupostos. § 6. A questão diretriz da filosofia (τί τό όν) como questão acerca .......................................... ........................... ............................ ............................. ................. ... 57 do ser ser do ente en te ............................ § 7. 7. A compree compreensão nsão de ser pré-conceitual pré-conceitual e a palavra fund fu ndam amen enta tall ......................................................... ......................5 59 da filosofi filo sofiaa antiga para o ser ser:: ο υ σ ία ................................... a) Os caracteres da compreensão pré-conceitual do ser e o esquecimen esquecimento to do do s e r .......................... ........................................ ............................ ............................ .............. 59 b) A plurissignificância de ου ο υ σ ία como sinal da riqueza e da indigência dos dos prob problem lemas as indômit indômitos os no desper despertar tar da com compr pree eensã nsãoo de s e r. . . . . . 64 c) O uso lingüístico cotidiano e o significado fundamental de ουσία: .......................................... ......................... ........... ....................................... . 7 0 pres pr esen ença ça ............................ 6
d) A compreensão compreensão velada para par a si mesma do ser (ούσία) como present pres entida idade de constante. constant e. Ο ύσια ύσια como o buscado e pré-compreendido na questão diretriz da filosofia...........................................................72 § 88.. Apresentação do significa significado dofund fu ndam amen enta tall velado de ou}si/a (presentidade constante) junto à interpretação grega de movimento, ser-o-que ser-o-que e ser efetivamente real real (presen (presença ça à vi v i s t a )...............................75 a) Ser e movimento. Ο ύσία ύσία como παρου πα ρουσσ ία do ΰπομένον....................... 75 b) Ser e quididade. quididade. Ο ύσία ύσία como παρουσ πα ρουσ ία do είδος........................82 c) Ser e substância. O prosseguimento do desenvolvimento do problema prob lema do ser sob a figura do problema da substância substância.. Substancialidade e presentida prese ntidade de constan con stante.......... te................ ............ ............ ............. ............8 .....855 d) Ser e realidade efetiva (presença (presença à vista). vista). O nexo estrutur es trutural al interno inte rno de ουσία como πα ρουσ ρου σ ία com ενέργεια e actualitas actu alitas ................... 86 § 9. Ser, verdade, presentidade. A interpretação grega do ser com o significado significado de ser verdadeiro no horizonte horiz onte de ser como como presentidade presentida de constante. óv ώ ς α ληθές λη θές como κυρι κυ ριώώ τα τον óv ("Aristóteles, Metafísica Θ 1 0 ) .................................................................................94 a) A situação da investigação. Os significados até aqui discutidos do ser sob a caracterização da d a compreensão de ser e o significad significadoo insigne de ser do ser verdadeiro ...................................................................... 94 b) Quatr Qu atroo significados de ser s er em Aristóteles. O alijamento alija mento do óv ώς αληθές em Metafísica E 4 ...................................................... 98 c) A explicitação explicitação temática do όν ώ ς α ληθές λη θές como κυρι κυ ριώώ τα τον na Metafísic Metafísicaa Θ 10 e a questão sobre o pertencim perte ncimento ento do capítulo ao livro Θ . A conexão conexão entre a questão textual e a questão questão material enquanto questão da copertinência do ser qua ser verdade com o ser qua ser efetivam efetivamente ente real real (ενέργει (ενέργειαα ó v ) ...................... ................................101 α) A rejeição rejeição do fato fato de Θ 10 perte pe rtenc ncer er a Θ e a tradicional tradicion al interpretação do ser verdadeiro como problema da lógica lógica e da teoria do conhecimento (Schwegler, Jaeger, Ross). A interpretação despropositada do κυρι κυ ριώώ τα τα como conseqüência dessa interpretação....................104 β) Prova de que o capítulo 10 pertence perte nce ao livro Θ . A ambigüidade no conceito grego de verdade: verdade: verdade verda de doisal doisal e verdade proposicio p roposicional nal 7
(verdade do enunciado). A discussão temática do ser verdadeiro do ente (propriamente dito) (επί τω ν πραγμά τω ν), não do conhecimento, no capítulo Θ 1 0 ..........................................110 d) A compreensão grega da verdade (αλή θεια) como desencobrimento. O ente verdadeiro (αληθές óv) como o ente mais propriamente dito (κυριώ τατον όν). O ente mais propriamente dito como o simples e constantemente presente................................115 α) A correspondência de ser e ser verdadeiro (desencobrimento). Dois tipos fundamentais do ser e os modos que lhe são correspondentes do ser verdadeiro ................. ................................ 116 β) Verdade, simplicidade (unidade) e presentidade constante. O simples (αδιαίρετα, άσύνθετα, άπλά) como o ente propriamente dito e seu desencobrimento como o modo mais elevado possível do ser verdadeiro ..................... ....................................................... 124 γ) O desencobrimento do simples como pura presentidade simples e imediata nele m esm o.....................................................................130 e) A questão acerca do ser verdadeiro do ente propriamente dito como a questão mais elevada e mais profunda da interpretação aristotélica do ser. O capítulo 010 como momento de conclusão do livro Θ e da metafísica aristotélica em geral................................................133 § 10. A realidade efetiva do espírito em Hegel como presente absoluto ... 135 TERCEIRO CAPÍ TULO....................................................................................139
A elaboração da questão diretriz da metafísica em direção à questão fundamental da filosofia § 11. A questão fundamental da filosofia como a questão acerca do nexo originário de ser e tempo ............................ ........................ 140 § 12. O homem como sítio da questão fundamental. Compreensão de ser como fundamento da possibilidade da essência do homem ......... .. 146 $ 13. O caráter de abordagem da questão do ser (questãofundamental) e o problema da liberdade. A amplitude abrangente do ser (0 remeter-
se-ao-toáo) e a singularização invasiva (o ir-às-raízes) do tempo como horizonte da compreensão de ser .......................................................156 § 14. O deslocamento da perspectiva da questão: a questão diretriz da metafísica funda-se na questão acerca da essência da liberdade .... 160
SEGUNDA P ARTE............................................................................ 167 CAUSALIDADE E LIBERDADE. LIBERDADE TRANSCENDENTAL E PRÁTICA EM KANT PRIMEIRO CAPÍ TULO......................................................................................169
Causalidade e liberdade como problema cosmológico. O primeiro caminho para a liberdade no sistema kantiano, passando pela questão acerca da possibilidade da experiência como questão acerca da possibilidade da própria metafísica §15. Observação prévia sobre o problema da causalidade nas ciências....................................................................................... 170 a) Causalidade como expressão para a questionabilidade da natureza inanimada e viva nas ciências...........................................................170 b) Causalidade na física moderna. Probabilidade (estatística) e causalidade......................................................................................174 §16. Primeiro movimento para a caracterização da concepção kantiana da causalidade e de seu nexo fundamental: causalidade e ordem temporal..................................................... ........................ 178 §17. Caracterização geral das analogias da experiência................. 182 a) As analogias da experiência como regras da determinação temporal geral do estar presente à vista do ente presente à vista no contexto da possibilitação interna da experiência..........................................182 b) Os três modos temporais (permanência, sucessão e simultaneidade) como modos da intratemporalidade do ente presente à vista........189 c) Para a diferenciação dos princípios dinâmicos e dos princípios matemáticos............... ........................................... 191 9
d) As analogias da experiência como regras das relações fundamentais do ser-no-tempo possível do ente presente à vista ... . ; ............... 193 §18. Explicitação do modo de demonstração das analogias da experiência e de seus fundamentos a partir do exemplo da primeira analogia. O significado fundamental da primeira analogia ............. 195 a) A primeira analogia. Permanência e tempo.................................195 b) O fundamento questionável das analogias: a justaposição não esclarecida de tempo e “eu penso” (entendimento) em uma assunção prévia não colocada à prova da essência do homem como um sujeito finito.......................................................................198 c) As analogias da experiência e a dedução transcendental dos puros conceitos do entendimento. A estrutura lógica das analogias da experiência e a questão de seu caráter analógico ......... ................... 200 d) Sobre o significado fundamental da primeira analogia. Permanência (substancialidade) e causalidade ...................... . 203 .
§ 19. A segunda analogia. Acontecimento, ordem temporal e causalidade................................................................. ....................206 a) Ocorrência (acontecimento) e ordem temporal. Análise da essência da ocorrência e possibilidade de sua percepção ............ ....................: -206 m m b) Excurso: sobre a análise essencial e a analítica...........................210 c) Causalidade como relação temporal. Causalidade no sentido do ser causa é anteceder no tempo como deixar seguir-se determinante ... 214 .
§ 20. Dois tipos de causalidade: causalidade segundo a natureza e causalidade por liberdade. Caracterização do horizonte ontológico geral do problema da liberdade na determinação da liberdade como uma espécie de causalidade. O nexo entre causalidade em geral e o modo de ser da presença à vista .................................................................. 221 a) A orientação da causalidade em geral pela causalidade da natureza. Sobre a problemática da caracterização da liberdade como uma espécie de causalidade .................................................................... . 223 b) Primeira prova da orientação da causalidade pelo modo de ser , do ente presente à vista a partir da conseqüência enquanto o modo 10
temporal distintivo da causalidade junto ao exemplo da concomitância de causa e efeito................................................................................... 225 c) Segunda prova da orientação da causalidade pelo modo de ser da presença à vista junto ao conceito da ação. Ação como conceito conseqüente da ligação de causa e efeito..........................................229 § 21. O lugar sistemático da liberdade em K a n t .............................. 234 a) O lugar sistemático como nexo material, que prelineia a direção e a amplitude do questionamento . ................................................. 234 b) Os dois caminhos para a liberdade em Kant e a problemática tradicional da metafísica. O lugar da questão da liberdade no problema da possibilidade da experiência como a questão acerca da possibilidade da metafísica propriamente d ita .......................... 237
§ 22. Causalidade por liberdade. Liberdade como ideia cosmológica .. 242 a) O problema da liberdade emerge do ou como problema do mundo. Liberdade como modo insigne da causalidade natural ................... 242 b) A ideia da liberdade como “conceito transcendental de natureza”: causalidade natural absolutamente pensada ................................... 246 $ 23. Os dois tipos de causalidade e a antitética da razão pura na terceira antinomia ..............................................................................249 a) A tese da terceira antinomia. A possibilidade da causalidade por liberdade (liberdade transcendental) ao lado da causalidade segundo a natureza na explicação dos fenômenos do mundo como um problema universalmente ontológico........................................252 b) A antítese da terceira antinomia. A exclusão da liberdade da causalidade do curso do m undo ................................................. 256 c) A distinção das ideias cosmológicas na questão acerca da possibilidade da metafísica propriamente dita e o interesse da razão em sua resolução.................................................................258 § 24. Determinações preparatórias (negativas) para a resolução da terceira antinomia ............................... ......................................... 264 a) O engano da razão comum no manuseio de seu princípio ........264 11
b) A diferenciação entre fenômeno e coisa em si ou entre conhecimento finito e infinito como chave para a resolução do problema da antinom ia...............................................................269 § 25. A dissolução positiva da terceira antinomia. Liberdade como causalidade da razão: ideia transcendental de uma causalidade incondicionada. Caráter e limites do problema da liberdade no interior do problema da antinomia ................................................... 272 a) A dissolução do problema das antinomias para além do problema do conhecimento finito como problema da finitude do homem em geral..........................................................................272 b) O adiamento do problema da solução das antinomias na execução. A questão acerca de um ser causa dos fenômenos fora dos fenômenos e das condições do tempo. A solução da terceira antinomia na visão prévia do homem como pessoa eticamente agente ..................... .. 278 c) Caráter empírico e inteligível. O caráter inteligível como modo do ser causa da causalidade por liberdade. O caráter duplo do fenômeno e a possibilidade de duas causalidades fundamentalmente diversas com relação ao fenômeno enquanto efeito ................................ 283d) A causalidade da razão. Liberdade como causalidade inteligível: ideia transcendental de uma causalidade incondicionada. A aplicação da problemática universalmente ontológica (cosmológica) ao homem como ser mundano ............................................................................ 289 SEGUNDO CAPÍ TULO......... .............................................................. 299
O segundo caminho para a liberdade no sistema kantiano. Liberdade prática enquanto distinção específica do homem como um ser racional § 26. A essência do homem como ser sensível e como ser racional 300 e a diferença entre liberdade transcendental e prática ............... . a) A essência do homem (humanidade) como pessoa (pessoalidade). Pessoalidade e autorresponsabilidade ......................................... .. . 300 b) O segundo caminho para a liberdade e a diferença da liberdade transcendental em relação à liberdade prática. Possibilidade e efetividade da liberdade .............................. '............................... 303 .
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§ 27. A realidade efetiva da liberdade humana (prática) ................. 305 a) Liberdade como fato. A factualidade (realidade efetiva) da liberdade prática na práxis ética e o problema de sua “experiência”. A realidade prática da liberdade....................................................... 305 b) Sobre a essência da razão pura enquanto razão prática. A razão pura prática enquanto a pura vontade .............................. 313 c) A realidade efetiva da razão pura prática na lei moral.................... 318 d) O imperativo categórico. Sobre a pergunta de sua realidade efetiva e de sua “validade universal” ................................................322 § 28. A consciência da liberdade humana e de sua realidade efetiva.. 328 a) Vontade pura e realidade efetiva. O caráter próprio do efetivamente real volitivo enquanto fato .................................... 328 b) O fato da lei moral e a consciência da liberdade da vontade.. . . 333 CONCLUSÃO...............................................................................................339
A dimensão ontológica própria da liberdade. O enraizamento da questão do ser na pergunta sobre a essência da liberdade humana. Liberdade como fundamento da causalidade $ 29. Os limites da discussão kantiana da liberdade. A vinculação kantiana do problema da liberdade com o problema da causalidade.. 339 § 30. Liberdade como condição de possibilidade da manifestabilidade do ser do ente, isto é, da compreensão de ser .................................... 342 POSFÁCIO DO EDITOR ........................................................................345
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CONSIDERAÇÃO PRÉVIA
§ 1. A aparente contradição entre a questão “particular” acerca da essência da liberdade humana e a tarefa ‘geral" de uma introdução à filosofia
O tema do qual trata a presente introdução à filosofia já se acha designado no anúncio da preleção: a essência da liberdade hum ana. A preleção trata da liberdade e, em verdade, da liberda de hum ana. No tem a se encontra o homem. Por conseguinte, tratam os do hom em e não do animal, não das plantas, não dos corpos m ateriais, não de produ tos artesanais e técnicos, não de obras de arte, não de Deus - mas do hom em e de sua liberdade. O que aqui introduzimos para além e ao lado do homem sob a forma da enumeração nos é tão conhecido quanto o ho mem. Tudo aquilo que expusemos se encontra, por assim dizer, estendido diante de nós. Também podemos distinguir o que é assim simplesmente conhecido - um em relação ao outro. Ape sar de toda distinção e de toda diversidade, porém, também co nhecemos o conhecido com vistas àquilo no que, sem prejuízo das diferenças, eles concordam uns com os outros. Co nhecem os todos eles e cada um deles como aquilo que é; aquilo que é deste modo, cham amos um ente. Ser um ente: nisto co ncorda entre si a princípio e po r fim tud o aquilo que foi denom inado. O hom em , de cuja liberdade devemos tratar, é um ente en tre os outros entes. Designamos na maioria das vezes a totalida de do ente como m undo e chamamos o fundam ento do m undo
habitualmente D eus.1 Se nós, ainda que indeterminad am ente, representarmos a totalidade do ente conhecido e desconhecido e pensarmos neste caso expressamente no homem, então se nos mostrará o seguinte: na totalidade do ente, o homem é apenas um pequeno canto. No que concerne às potências da natureza e aos processos cósmicos, esse ser ínfimo m os tra um a fragilidade sem esperanças; no que diz respeito à história e aos seus envios destinamentais e destinos, ele revela uma impotência insuplantável; com vistas à duração dos processos cósmicos e me smo da idade da história, ele possui um caráter ininterruptamente fugi dio. E é desse ente ínfimo, frágil, im potente e fugidio, o hom em , que tratamo s aqui. Nele, consideramos, por sua vez, apenas um a propriedade: sua liberdade; não as outras faculdades, realizações e caracteres. Amarramos ao tema “Da essência da liberdade humana ” uma questão particular (a liberdade), que, além disto, está ligada, po r sua parte, a um ente particular (o hom em ) a par tir da totalidade do ente. O tratamen to desse tema deve, porém , se transform ar e uma introdução à filosofia. De uma tal introdução, esperamos que ela crie para nós um a visualização da filosofia, isto é, do todo de suas questões. Com essa visualização do todo, queremos con quistar uma visão panorâmica do campo integral da filosofia. Uma introdução à filosofia precisa se tornar uma orientação so bre o que há mais universal da filosofia. Ela tem precisamente de evitar o perigo de se perde r por demais em questões particulares e, assim, encobrir o olhar para o todo universal. Em verdade, no interio r da própria filosofia, pod e hav er questões particulares. Todavia, um a introd ução à filosofia precisa tenta r sempre apro xim ar desde o início o todo universal enq uanto tal. 1 “Mundo” e “Deus” agora apenas visados como expressões orien tadoras facultativas para a totalidade do ente (a totalidade una de hatureza e história: mundo) e o fundamento da totalidade (Deus). 16
Em preend er um a introduçã o à filosofia pela via de um tra tame nto d a questão acerca da essência da liberdade hum ana, ou seja, buscar um a com preensão do universal da filosofia e aí escor regar para o lado de u m a questão particular: este é evidentemen te um intuito impossível. Pois o intuito e o caminho para a sua realização vão um de encontro ao outro. a) O “particular ” do tem a e o “unive rsal” de um a introd uç ão à filosofia Com certeza, o particular é algo diverso do universal. A dou trin a dos cálculos diferenciais não é a matemática; a morfologia e a fisiologia dos fungos e musgos não é a botânica; a interpretação da Antígona de Sófocles não é a filologia clássica; a história de Frederico II não é a história da Idade Média. De maneira corres pondente, o tratado sobre o problema da liberdade hum ana não é a filosofia. E, contudo! Como é que iniciamos as coisas na matemática, por exemplo? Não com eçamos com as doutrinas das equações di ferenciais, mas certam ente com o cálculo diferencial; é desse ele mento particular que tratamos e nunca da matemática em geral e do matemático enquanto tal. Começamos com a leitura e a in terpretação de determinadas obras literárias e não com a filologia em geral e com a questão acerca da ob ra de arte literária enquanto tal; e assim acontece em todas as ciências. Nós começamos com o particular e concreto, mas não para ficarmos parados aí e nos perderm os aí, mas para logo nos depararm os com o essencial e universal. Com certeza, o particular é sempre algo diverso do universal, mas esse ser diverso não significa nenhum litígio, as sim como n enhu m excluir-se mutuamente. Muito ao contrário: o particula r é sempre de um, mais exatam ente: ele é sempre do seu universal, que se encontra nele incluído, e o universal é sempre o universal do particular determinado a partir dele. De acordo com isso, o particular é respectivamente a ocasião autêntica e cor reta, na qual encontramos o universal. Por meio do tratamento 17
da questão particular - a liberdade hum ana nós penetraremos no universal do conhecimen to filosófico: esse não é nenh um em preendim ento impossível, m as o caminho unicamente frutífero e, além disso, científico de um a intro dução à filosofia. É o caminh o, que toda ciência, de acordo com a sua natureza, percorre. E é as sim que as coisas se apresentam da melhor maneira possível no que tange à tarefa assumida pela presente preleção. É assim que as coisas se comportam sob o pressuposto de que a filosofia também é um a ciência e de que, com isso, ela per manece presa aos princípios diretrizes do p rocedim ento das ci ências. Só que esse pressuposto de que a filosofia seria um a ciên cia é um pressuposto equivocado. Em verdade, essa opinião foi e continua sendo compartilhada e defendida por muitos e sem qualquer intenção escusa. Em que me dida se parte equivocadam ente desse pressuposto do caráter de ciência da filosofia, é algo que não deve ser discutido agora. Só refletimos sobre uma coisa: de início, mencionamos a multiplicidade do ente: natureza material, natureza viva etc. Todo esse ente - o todo de m un do e Deus - é divido pela ciência em regiões diversas, e essas regiões divididas são distribuídas en tre as ciências - natureza: teoria físico-matemática; história (ho mem): ciência histórica e sistemática do espírito; Deus: teologia. Para a filosofia, não resta ne nh um a região particular oriund a da multiplicidade do ente. Com isso, ela só pode se ocupar com o todo do ente e, em verdade, justam ente n a totalidade. Se não res ta nen hu m a região particular do ente enquan to região, então isso significa, inversamente, que tod a e qualq uer ciência se determ ina segundo sua essência regionalmen te e nu nca consegue dom inar enq uanto ciência a cada vez senão um a região enq uanto esta. Se essa. restrição regional pertence à essência da ciência, então a fi losofia não pode ser manifestamente nenhuma ciência, e tam bém não há aqui o direito de denom in á-la assim. Essa reflexão não deve decid ir a questão de saber se a filosofia seria ciência, ou se ela em geral o poderia ser, mas apenas deixa claro que existe
a possibilidade fundamentada de ao menos colocar em questão e contestar o caráter de ciência da filosofia, caráter esse que se supõe assim simplesmente. Deduzimos em primeiro lugar da possibilidade de contes tar esse pressuposto do caráter de ciência da filosofia um a coisa: que não é, então, de maneira alguma tão certo quanto parecia, se temos o direito ou não de tomar na filosofia o procedimen to científico com o m odelar e se pod em os pa rtir de um a questão isolada - o problem a da liberdade - para, através dela, enco ntrar o universal almejado pela “intro dução”, o universal de uma orien tação geral sobre a filosofia. A opinião de que, po r ser científico, esse procedim ento tam bém seria propício e necessário para a filosofia, ain da se baseia, porém, em um outro pressuposto, aquele justamente segundo o qual a questão acerca da essência da liberdade hum ana seria um a questão especial. De início, uma tal opinião tem ao seu lado, em verdade, a anuência do senso comum. Sim, nós mesmos apon tamos logo no início para o fato de que a liberdade seria uma propriedade particula r do hom em e de que o próprio hom em seria um ente particu lar no interio r do todo do ente. Isso talvez esteja correto e, apesar disso, a pergunta acerca da essência da liberdade hu m an a não é nenh um a questão especial. Se essa afir mação tem razão, se com o tema não nos encontramos, p ortanto, diante de um a questão particular, então não estamos de man eira alguma em condições de pa rtir primeiram ente de um problema especial, a fim de chegarm os ao universal. b) Supressão das restriç ões à questã o acerca da essência da liberdade hum ana em direção ao todo do ente (mundo e Deus) n a d iscussão pro visória da liberdad e “negativa”. A peculiaridad e do questionam ento filosófico em sua diferença em relação ao questionam ento científico Mas em que medida o problema da liberdade não é nenhu ma questão especial ? Só podemos elucidar agora de maneira 19
rud im en tar e apenas em um aspecto, em que m edida o problema da liberdade não se deixa articular desde o princípio nos q uadros de uma questão especial. Dentre as determinações da essência da liberdade, uma sempre se impõe uma vez mais. De acordo com essa determinação, liberdade significa o mesmo que inde pendência. Liberdade é o ser livre de... Daz dinc ist vri daz dà an nihte hang et un d an dem e ouch nih it enh ang et2.3 Nessa de terminação essencial da liberdade como independência, como não-dep end ência, reside a denegação (negação) da depen dência em relação a um outro. Fala-se, p o r isso, do conceito negativo da liberdade ou, em resumo, da “liberdade negativa”. Essa liberdade negativa do hom em só é, então, ma nifestamen te determ inada de m ane ira plena pelo fato de que é dito de que o ho m em livre nesse sentido é inde pen den te ou é concebido com o indepen dente. Esse de que da independência é, segundo a concepção e interpretação da liberdade até aqui, experim entado e problematizado a pa rtir de duas direções essenciais. 1. O ser livre de... é independência da natureza. Com isso, temos em vista o seguinte: o agir do homem não é, enquanto tal, causado por processos naturais; ele não se encontra sob a coação da legalidade do d ecurso dos processos natu rais e de sua necessidade. Essa indep end ênc ia da natureza po de ser concebi da ainda de modo essencialmente mais amplo, na medida em que se reflete sobre o fato de a resolução e a decisão mais íntim as do homem também serem em certo aspecto independentes da necessidade, que reside no transcurso dos envios e destinos hu manos. Podemos sintetizar essa independência da necessidade da natureza e da história, de acordo com o que dissemos acima, como indepen dênc ia do “m un do ”, e esse m un do entendido como 2 Em alemão medieval no original: “A coisa é livre, quando ela não está atrelada a nada e quando nada se liga tampouco a ela”. (N. T.) 3 Mestre Eckhart, Von den 12 nutzen unsers herren lichames (Mís ticos alemães do século 14, org. por Franz Pfeiffer, Segundo Volume). 3aedição inalterada, Gõttingen 1914, p. 379, 2. 7/8. 20
o todo uno de história e natureza. Segue juntamente com esse primeiro conceito negativo de liberdade, ainda que nem sempre, um segund o conceito negativo; e isso precisam ente aí, onde des perta uma consciência originária da liberdade. 2. De acordo com esse segund o conceito, liberdad e de... sig nifica o mesmo que independência de Deus, autonomia diante dele. Pois somente se um a tal indepen dência do hom em p era n te Deus existe, é possível uma relação com Deus por parte do homem. Somente então, ele pod e buscar, reconhecer, se manter ju nto a Ele e, assim, acolher em si a exigência de Deus. Todo o ser desse gênero em relação a Deus seria fundam entalm ente im possível, se o hom em não tivesse a possibilidade da renúncia a Deus. A possibilidade de renúncia o u de um voltar-se para Deus pressupõe, porém , em geral e desde o princípio, um a certa inde pendência de e u m a liberdade perante Deus. O conceito pleno da liberdade negativa significa, portanto, o seguinte: independência do homem em relação ao mundo e a Deus. De acordo com isso, se tratam os da essência da liberdade hu mana, apesar de só o fazermos em uma compreensão negativa, isto é, se pensamos efetivamente essa dupla independência, então não podemos nos abstrair no pensamento e na concepção dessa liberdade daquilo de que essa independência é a cada vez um a tal independência: do mundo, de Deus. M undo e Deus não são, por exemplo, no conceito negativo de liberdade, casualmente represen tados também em acréscimo, mas mundo e Deus são co-concebidos de maneira essencialmente necessária na liberdade negativa. Se a liberdade negativa é tema, então mundo e Deus pertencem concom itantemente ao tema como o “de-que” pe rtinen te da inde pendência. M undo e Deus, porém , constituem em sua unid ade o todo do ente. Se a liberdade se torna problema em sua essên cia, aind a que de início apenas com o liberdade negativa, então já pergunta m os de antemão necessariamente na direção do todo do ente. O problema da liberdade não é, por conseguinte, nenhu ma questão especial, ou seja, ela é evidentemente uma questão
universal! Não se está falando de um particular, mas de um uni versal? Considerem os atentamente. A pergunta acerca da essência da liberdade humana não apenas não restringe a consideração a uma região particular, mas, ao invés de restringir a questão, ela suprime as suas res trições. Por meio de tal supressão, contudo, nós não somos re pelidos de algo particula r para o universal. Pois m undo e Deus não são o universal em relação ao ho m em como. um particular. O ho m em não é nem mesm o um caso particular de Deus, assim como a rosa alpina é um caso particular da essência das plantas ou o Prometeu de Esquilo um caso particular da tragédia. A supressão das restrições nos conduz para o todo do ente, para o m undo e p ara Deus. Em meio ao to do do ente, o hom em mesmo é e, em verdade, é de tal modo que ele se encontra em um a relação com o m un do e com Deus. Com isso, fica com ple tamente claro: a questão acerca da essência da liberdade hum an a não é nem a questão acerca de algo particular, nem acerca de algo universal. Ela é em geral de um tipo diverso de tod a questão cien tífica, pois essa questão sempre pergunta, segundo a sua essên cia, no interior dos limites de um a d eterm inada região, sobre o particular de um universal. .Com a questão acerôa da liberdade, abando nam os tud o aquilo que é conforme a um a região, me lhor ainda, nós não chegamos de maneira alguma até aí. Na medida em que essa alteridade e peculiaridade completas que se anun ciam agora, essa alteridade e peculiaridade da questão acerca da essência da liberdade humana, apontam desde o princípio para o todo do ente, a questão vem à ton a como u m a questão especi ficamente filosófica. Se, segundo sua essência, tod a e qualquer questão científica e toda e qualquer ciência em geral é restrita a uma região e se a questão acerca da essência da liberdade hum ana, segundo o seu sentido m ais próprio, im pele necessariamente p ara o interio r das referências do todo do ente enquanto tal, então a questão acerca da essência da liberdade hum ana não pod e ser nen hum a questão 22
científica. Pois nenhuma ciência tem enquanto tal, não apenas quantitativamente, mas também qualitativamente, de acordo com sua essência, em geral, a am plitude e a envergad ura do h o rizonte, para abarcar em seu questionam ento o todo uno, que é visado desde o princípio n o questionam ento acerca da liberdade, ainda que de man eira indeterm inad a e não esclarecida. Já a explicitação totalmente rudimentar da liberdade ne gativa nos permitiu ver com clareza o seguinte: o problema da liberdade não é nenh um a questão especial regionalmente re stri ta. Com certeza não, assim se retrucaria, uma questão de uma ciência particular qualquer, mas, de qualqu er mod o, justamente um problema especial no interior da filosofia. A filosofia, porém , não se esgota no tratamento desse único problema. Além dele, existe de qualquer forma a questão, por exemplo, acerca da es sência da verdade, acerca da essência do co nhecim ento h um ano, acerca da essência da natureza, da história, da arte e daquilo que se costuma en um erar assim, qu and o se quer oferecer um a visão panorâm ica sobre o campo da filosofia. Ao lado dessas questões, a questão acerca da liberdade h um ana ta m bém se. m ostra incontestavelmente como uma questão especial e todas as questões citadas são, no interio r d a filosofia, um a vez mais problemas es peciais em comparação com a questão ain da mais universal e de todas a mais universal acerca da essência do ente en qua nto tal e em geral, quer ele se chame natureza, história, hom em ou Deus. Com certeza, a questão acerca da essência da verdade é um a qu estão diversa da questão acerca da essência da liberdade. Mas tanto essa quanto aquela pergu ntam as duas no e com vistas ao todo, encontrando-se, por isso, em uma conexão necessária com a questão mais universal acerca da essência do ente en qu an to tal. Como é que a questão acerca da liberdade suprime des de o princípio as restrições ao horizonte e aponta para o todo, isso foi algo que indicamos na explicitação da liberdade negati va. Essa referencialidade ao todo, que é dada com a supressão das restrições, porém , não seria de u m tipo bastante unilateral e 23
incompleta? Liberdade em seu entendimento negativo como in dependência em relação ao mundo (natureza e história) e como independência de Deus mostra, em verdade, uma ligação com esse ente, mas justam ente apenas u m a ligação negativa, um afas tamento de; mundo e Deus simplesmente como aquilo com que o livre não está ligado. Em verdade, sempre precisamos pensar concom itantem ente esse “ind ependente de que”, esse “com o que não se enc on tra ligado”, mas ele não p ertence, de qua lquer modo, propriam ente ao nosso tema, ele só se acha no limite de nosso tema. Precisamos m anter em vista o limite, mas não precisamos entrar mais detidam ente nele. Se as coisas se m ostram assim, então reside no problem a da liberdade, apesar da supressão material das restrições, um a res trição temática. Enq uanto tal, o todo do ente não se torna tema. Assim, o problema da liberdade permanece, afinal, no interior da filosofia, uma questão especial. Nossa planejada introdução, por isso, precisa to m ar um a orientação unilateral; por mais que seu tema possa ser de uma importância particular, ela perma nece incompleta como introdução. Esse é um inconveniente. O fato de não podermos escapar desse inconveniente talvez possa ser desculpado por meio de uma referência ao fato de que todo filosofar enquan to u m fazer hum ano é justam ente fragmentário, finito e restrito. Também a filosofia enquanto conhecimento da totalidade precisa se conformar e abdicar de apreender de uma só vez o todo. A confissão de u m a tal conform idade e de um a tal resignação sempre soa “simpática”; mais ainda, muitos tomam isso como expressão de um a assim cham ada pos tura crítica, que só questiona até o po nto em que algo pode ser dom inado. E, con tudo, essa m odé stia banal d o filosofar que acabamos de expressar não é apenas a carta b ranca pa ra a superficialidade desm edida e para o arbítrio do senso com um , que não considera o filosofar senão como o cômputo de despesas de negócio: Nós mesmos já cedemos por demais a essa superficialidade na dis cussão anteriormente exposta da liberdade negativa. De início, 24
concluímos a par tir daquilo que é apresentado pela liberdade n e gativa com o tem a o que está envolvido no problem a da liberdade em geral, isto é, concluímos que esse problem a não abarca tudo. Neste caso, nós desconsideramos o fato de que, na m edid a em que falamos em geral legitimamente de uma liberdade negati va, também precisa e pode ser pensada uma liberdade positiva, que essa liberdade enquanto positiva tamb ém prelineia ao mesmo tempo em primeira linha o âmbito do problema da liberdade; que, em todo caso, só a liberdade negativa precisa ser representada juntam ente com a liberdade positiva, se nós quiserm os decidir em relação ao problem a da liberdade, se ele é apenas u m a ques tão especial entre outras da filosofia ou se, por fim, o todo da filosofia está de qualquer modo concebido nele. Ao invés disso, nós nos decidimos de maneira por demais precipitada por esse ou-ou em meio a um aspecto unilateral da liberdade negativa. Não apenas isso: nós tam bém já concebemos a liberdade negati va m esm a de m odo insuficiente. c) Interpretação apro fund ado ra da “liberda de negativa” como liberdade de... a partir da essência de seu caráter de ligação. O ente na totalidade nec essariam ente co-temático nà questão acerca da liberdade hum ana Nós tínham os interpretado a liberdade negativa como inde pendência do m undo (natureza e história) e de Deus. O “de que” foi, em verdade, co-pensado, mas ele não se torno u expressam ente tema; não tivemos como nos d eter nele, mas o tem a era a liberdade, o que significa aqui o ser independente de... enquanto tal. O que está sendo dito com isso? Independência de - se devemos caracte rizar essa independência de maneira totalmente geral, precisamos dizer: trata-se de uma ligação, uma ligação de independência de um em relação ao outro. U ma tal ligação tam bém é, por exemplo, a igualdade de um com o outro, assim como a diversidade enq uan to desigualdade de um com o outro. Em toda ligação distinguimos 1. O estar ligado de u m com o outro enq uanto tal, e, então,
2. Justam ente esse um e outro, entre os quais subsiste a ligação: os elos da ligação. A expressão “ligação” é na maioria das vezes am bígua. Por um lado, temos em vista com isso simplesmente o estar ligado enquanto tal; em seguida, porém, de maneira igualmente freqüente, o estar ligado juntam ente com os elos da ligação. A des-igualdade é como a in-dependência um a ligação4 “ne gativa”. Quando constatamos, por exemplo, a desigualdade entre esta base e esta luminária na mesa, então estamos lidando com um a ligação. Em meio à constatação de um a tal desigualdade não precisamos apenas pensar concomitantemente os elos da ligação - base, lum inária - para que a ligação não paire por assim dizer no ar sem fundam ento, mas precisamos adentrar muito mais nos elos da ligação. Ao adentrarm os aí, constatamos o mod o de ser da base e o m odo de ser da luminária, e apreendem os nesse m odo de ser dos dois a sua desigualdade. É assim que as coisas se dão em relação a todas as constatações de ligação, é preciso aden trar nos elos de ligação mesmos. Isso é elucidativo; mas se segue daí que nossa explicitação planejada da liberdade, por exemplo, considerada como independência, precisa adentrar do mesmo modo nos elos da ligação? Evidentemente! Como é que podemos constatar de outro m odo a independência? Ela não é de qualquer modo dada por si em lugar algum como uma ligação que paira livremente, mas é dada de modo correspondente: ao adentrar m os no hom em como um dos elos da ligação e no m un do como o outro, nós a encontramos. Mas queremos, afinal, constatar a independência (liberdade)? Podemos fazer isso? Nem uma coi sa, nem a outra. Não tratamos assim simplesmente da liberdade humana, mas da essência da liberdade. Da essência da liberdade? A clarificação da essência pertence algo triplo: 1. O ser-o-que, o que ela (a liberdade) é. 2. Como é que esse ser-o-que é em si possível. 4 O termo alemão Beziehung possui um campo semântico amplo. Ele designa tanto uma ligação, quanto uma relação e uma referência. Nós optamos em geral por ligação, mas há de qualquer modo acima á noção de uma má relação. (N. T.) 26
3. Onde reside o fundamento dessa possibilidade.5 Nós tratam os, porta nto, da essência de uma ligação. Não queremos constatar e demonstrar uma tal ligação aqui e acolá como fato. Mesmo que isso pudesse ser feito, precisaríamos sa ber de antem ão o que é isso que se quer ver constatado e que deve ser constatado aí. Quando consideramos uma ligação em sua essência, também precisamos, então, nos deter em algo assim como uma constatação dos elos da ligação? Quando tratamos, por exemplo, da “desigualdade”, precisamos nos deter, então, sobre esta base e esta luminária? Ou, além dessa desigualdade, precisamos constatar ain da outras desigualdades (casa e árvore, triângulo e lua, e coisas do gênero)? Evidentemente não. Para apree nde r a essência da desigualdade, é indiferente qual é a desi gualdade determinada que temos em vista aí de maneira exem plar entre tais entes desiguais determin ados. Por outro lado, precisamos te r de qualquer m odo em vista elos de ligação, não podem os nos abstrair disso. Portanto, quando demarcamos a essência de uma ligação, não som os obrigados, em verdade, como em meio à constatação de uma ligação determinada presente entre determinados entes presentes, a adentr ar nesses elos determinados de ligação, mas precisamos te r em vista precisam ente os elos de ligação enquan to tais. É arbitrário saber se eles são constituídos fa ticamente de maneira precisamente assim e não diversa. A arbitrariedade do respectivo conteúdo material dos elos de ligação não significa que é indiferente se eles são ou não deixados sem consideração na clarificação essencial da ligação enquanto tal. Procuremos aplicar isso ao nosso problem a, até ond e isso for possível. Na questão acerca da essência da liberdade hum ana, à m e dida que aditam os o conceito negativo como base de sustentação, nós perguntamos sobre a essência da independ ência do h om em em relação a Deus e ao mundo. Não queremos constatar se e 5
Cf. abaixo p. 178 e segs., Sobrè a análise da essência e a analítica. 27
que este ou aquele homem enquanto tal seriam independentes em relação ao mundo e a Deus enquanto tais. Precisamente se quisermos apreender a essência dessa ligação, dessa indepen dência, precisaremos p ergu ntar sobre a essência do hom em , as sim como sobre a essência do m un do e de Deus. Se e como uma tal questão é executável, é algo que perm anece reservado a um a discussão vindo ura. Deduzimos da reflexão atual ao menos o seguinte: do fato de que a independên cia po r assim dizer se liberta e se mantém afas tada daquilo de que ela é independência, não se segue o fato de a consideração essencial da indepen dência não po de r do mesm o m odo se libertar da consideração daquilo, de que a independência é uma tal independência. Ao contrário, segue-se daí o contrário: como a independência de... é uma ligação e como pertence a ela enquanto tal a ligação com o m un do e com Deus, esse “de que” da independência tamb ém precisa ser considerado, tam bém precisa ser concom itantemente tematizado. Em suma: o que é válido em relação ao conteúdo essencial da ligação, ser um a-fastar-se de..., não vale para a consideração essencial da ligação. d) Filosofia como to rn ar m anifesto o todo n a travessia dos prob lem as particulares efetivamente apreend idos Com a questão acerca da essência da liberdade humana, portanto, o to do do ente é desde o prin cípio consta ntem ente tematizado, m un do e Deus, e não apenas o limite. C om certeza, a questão acerca da essência da liberdade é uma questão di versa da questão acerca da essência da verdade, e, contudo, ela não é nenhuma questão especial, mas se lança em direção ao todo. E isso talvez seja válido tam bé m p ara a questão acerca da essência da verdade. Mas isso significa o seguinte: tod a questão filosófica remete-se para a totalidade. E, assim, podemos, sim, precisamos, a partir do fio condutor da questão acerca da es sência da liberdade humana, ousar uma introdução efetiva nà. filosofia com o u m todo. 28
Com certeza, tam bém resta com isso um a falha. Ainda que o problem a da liberdade coloque diante dos olhos o todo da filo sofia, isso acontece de qua lquer m odo em um a perspectiva par ti cular, justam ente na perspectiva d a liberdade e não, po r exemplo, da verdade. O todo da filosofia mostra-se em nossa introdução por assim dizer em um deslocamento to talm ente determ inado. Se elegêssemos, por exemplo, o prob lem a da verdade, com o isso aconteceu em um a introdu ção anterior,6 então o tod a da filosofia se mo straria em u m a ou tra estratificação e em um outro entretecimento dos problemas. O tod o real e efetivo da filosofia só seria apreendido, com isso, se tratássemos e pudéssem os trata r da to talidade possível de todas as questões e de suas perspectivas. Por mais que venhamos a dar as costas e nos viremos, há uma coisa de qualquer modo que não tem como ser abalada: o fato de que a intro dução à filosofia toma, a p artir do fio co ndu tor do problem a da liberdade, um a orientação pa rticular e singularizada. Por fim, isso não é ne nh um a falha e carece ainda m eno s de um a desculpa po r meio d a busca de um refúgio na precariedade de todo fazer humano. Talvez resida justamente aí a força e a combatividade do filosofar, no fa to de que ele só torna manifes to o todo no problema particular efetivamente apreendido. Talvez aquele tão ad orado procedimento, que sintetiza em u m quadro qualquer tud o aquilo que h á em term os de questões filosóficas e, correspo nden temente, fala de tudo e de cada coisa, sem questio nar efetivamente, seja o contrá rio d e um a intro du ção à filosofia, isto é, um a aparên cia de filosofia, um a sofistica7
6 Introdução à filosofia, Preleção de Freiburg Semestre de inverno de 1928/29. 7 Cf. Aristóteles, Metafísica (Chrisj. Leipzig 1886. G 2, 1004b 17esegs. E b 26. 29
P RIM EIRA
PARTE
DETERMINAÇÃO POSITIVA DA FILOSOFIA A PARTIR DO CONTEÚDO DA QUESTÃO DA LIBERDADE O PROBLEMA DA LIBERDADE HUMANA E A QUESTÃO FUNDAMENTAL DA FILOSOFIA
P RIM EIRO
CA PITUL O
Prim eira irrupção do problema da liberda de na dimensão propria me nte dita em Ka nt O nexo do proble m a da liberda de com os proble m a s funda m e nta is da meta física § 2. Filosofia como questionam ento em direção ao cerne da totalidade. O rumo-ao-todo como o ir-às-raízes
Assim, nossa pretensão de conduzir, po r meio do tratam ento do problema particular da liberdade hum ana, para o todo da filo sofia e, assim, in trod uzir em tal todo, está, apesar da dúvida inicial, em ordem. As coisas não se comportam aqui como nas ciências, mas a filosofia aponta desde o princípio para o todo, ainda que em um a perspectiva determinada. Nós podem os nos sentir aquie tados por term os sob os pés o caminho apropriado para chegar à meta correta. No transcurso da consideração prévia até aqui já experimentamos em alguns aspectos, ainda que apenas em traços largos, algo sobre liberdade, independência, ligação, sobre o caráter do questionam ento filosófico em sua diferença em relação à ciência. A intenção das discussões, porém, era patente: aquietar-nos quanto à legitimidade da tarefa escolhida. Estamos efetivamente aquietados? Devemos e podem os estar efetivamente aquietados? Sem dúvida alguma, isso é necessário, se é que devem os chegar na filosofia a um a lida tranqüila com tpdo o tipo de questões inte-
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ressantes e m enos interessantes. Ora, mas será que o prob lem a da liberdade hum ana p ode nos ser simplesmente apresentado, isto é, será que ele pode passar ao nosso largo? Ou será que nós m esmos devemos ser introduzidos no problema, a fim de permanecerm os a partir de então inseridos nele? Nós mesmos, não uma pessoa qualquer, não outros quaisquer! Ou será que a filosofia é de fato apenas um a ocupação talvez mais elevada, por que m ais universal do espírito, um luxo e um a mudança, a que nós n os permitim os no interior do curso com frequência m onotôn ico e cansativo das ciências?A filosofia é aquela ocasião por vezes útil de liberar o olhar cativo para u m a região restrita e maximam ente circunscrita de um a ciência para um a certa perspectiva ampla do todo univer sal? Pois o que significaria se disséssemos que o filosofar se lança ria de maneira questionadora para o interior da totalidade? Será que isso significa apenas que criamos para nós um a perspectiva, a fim de sermos colocados m ais favoravelmente com o espectadores, mais favoravelmente do que nas regiões particulares e com frequ ência corretas e po r demais estreitas da ciência? O u será que a afir mação de que o que está em questão n a filosofia é a totalidade tem em vista ain da algo completamente diferente? Isso significa que o que está em questão para nós, para nós m esmos, é um ir às raízes? E, em verdade, não de tal modo que também aplicamos discus sões e proposições filosóficas, depois de as termos supostamente com preendido, de ma neira mo ral sobre nós e, assim, criamos para a filosofia um efeito ulterior edificante sobre nós? Por fim, só con ceberemos o filosofar, se o questionamento, de acordo com o seu conteúdo de questão, segundo a dimensão de questão, for de tal m odo que ele se reme ta em si mesmo, não ulteriormente, para as raízes. Filosofia não é nen hu m conhecimento teórico, ligado com um a aplicação prática, ela não é teórica e prática ao m esm o tempo, mas não é ne m um a coisa nem a outra, ela é mais originária do que as duas, que, po r sua vez, só caracterizam as ciências. A característica do filosofar como o questionamento que se lança para o interior da totalidade permanece fundamen talmente
insuficiente, enquanto nós não concebermos o “lançar-se-emdireção-ao-todo” como um “ir-às-raízes”. Será, então, porém, que o filosofar po de se m ostrar ainda com o tranquilização e será que ele po de ter em vista algo assim? Começam os efetivamente a filosofar, quan do introd uzim os a introdução com um a tranqu ili zação? O u será que começamos dessa ma neira a voltar as costas logo de início p ara a filosofia? Todavia, não se trata de nenhuma tranquilização, quando nos asseguramos de que a meta e o caminh o de nosso propósito estão em ordem; talvez isso não signifique outra coisa senão que estamos nos aproximan do com certeza de um a zona de perigo dito de m aneira mais cautelosa: que tem os a possibilidade segura para isso. Em todo caso, nessa medida, já sabemos alguma coisa mais agora. Sabemos que a determinação até aqui da filosofia: a determina ção segundo a qual ela se remete para o todo, não é su ficiente, mais exatamente: esse lançar-se-rumo-ao-todo precisa ser concebido em si como um “ir-às-raízes”. Em verdade, essa é apenas um a afirmação anteposta sob a forma de anseio. C omo é que devemos demonstrá-la? M anifestamente, a pa rtir apenas do conteúdo m aterial das próprias questões filosóficas. O conteúdo material dos problemas filosóficos faz com que algo aconteça co nosco e m si e enquanto tal. De que m aneira isso acontece é algo que precisa ser colocado à prova no filosofar efetivo. Não obs tante, já necessitamos de início de um a referência para o sentido pleno daquilo que se cham a: a filosofia dirige o questionamento para o in terior da totalidade. O fato de não termos podido avançar em nossas reflexões iniciais até esse sentido pleno tem a sua razão de ser particular. Ao distinguirmos a filosofia fundamentalmente da ciência, nós continuamos orientando a filosofia pelo conhecimento científi co. Essa comparação n ão fornece m ais do que o fato de que aq ui lo justam ente pelo que a filosofia se mede - a ciência - se baseia em possibilidades de distinção. P or isso, precisamos ten tar agora conceber a filosofia positivamente a partir dela mesma, e, em ver 35
dade, não por meio de uma discussão livre sobre filosofia em geral, mas a partir do conteúdo do problema escolhido, a partir do con teúdo da liberdade hum ana. Co m isso, abrem-se para nós ao mesm o tem po perspectivas, que estarão em questão para nós concretamente durante toda a preleção. § 3. Discussão indicativo-formal da “liberdade positiva” a pa rtir de um recurso à liberdade “transcendental” e à liberdade “prática” em Kant
Até aqui, em meio à explicitação da tarefa, do tema e de seu m od o de tratamen to, man tivemo -nos simplesmente jun to ao conceito negativo de liberdade. Não po r acaso partim os da assim chamada liberdade negativa. Por toda parte onde desperta um saber em torno da liberdade, a liberdade é de início concebida no sentido negativo, como ser-independente-de... Se encontra à base dessa autoim posição da liberd ade negativa, sim, talvez do negativo em geral, o fato de o ser livre ser experim entado cómo / um libertar-se de um a vinculação. O d ésprender-se, o afastamen to dos grilhões, o alijamento de forças e pod eres acossantes pre cisa ser uma experiência fundamental do homem, com a qual a liberdade no sentido negativo ganhe a clareza do saber. Em contraposição a essa determinação relativamente clara e ao que parece to talm ente inequívoca e segura da liberd ade negativa, a caracterização d a liberdade positiva é o bscu ra e plurissignificativa. A “experiência” dessa liberd ade é vacilante e está submetida a m udanças particulares. Não ap enas as concepções particulares da liberdade positiva são diversas e plurissignificativas, mas o conceito da liberdade positiva em geral também é indeterm ina do, sobretudo q uand o com preendemos, tal como acontece agora, por liberd ade positiva provisoriamente o seguinte: a liberdade não negativa. Não liberdad e negativa po de significar: 1. Liberda de positiva como o con trário da negativa; 2. Liberdade, que não é nem negativa, nem positiva, nem uma coisa, nem a outra. Nós 36
escolhemos agora para nossas explicitações preparatórias uma determinada concepção de liberdade, sem qualquer fundamen tação ulterior sob re po r que exatam ente ela. Liberdade negativa significa: liberdade de... coerção, um li vrar-se de, um afastar-se disso. Liberdade no sentido positivo não tem em vista o afastar-se de..., mas o em direção a; liberdade po sitiva significa ser-livre para..., manter-se aberto para..., po rtanto, manter-se aberto para..., deixar-se determinar por meio da..., de terminar a si mesmo para... Nisso reside: puramente a partir de si, isto é, a partir de si mesmo, determ inar o próp rio agir, dar po r si mesmo ao agir a sua lei. É nesse sentido da autodeterminação que Kant concebe positivam ente a liberdade; e, além disso, como autoatividade absoluta.8 Ele a circunscreve com o “faculdade”, ine rente ao hom em , de “se determinar... po r si mesmo”.9 O fato de den om inarm os precisamente Kant nesse contexto não acontece, a fim de introduz ir um a prova conhecida qualquer oriunda das opiniões dos filósofos, mas acontece antes porque Kant assume uma posição insigne na história do problema da liberdade. Kant traz pela prim eira vez expressamente o problem a da liberdade para o interior de um nexo radical com problemas fundamentais da metafísica. Naturalmente, essa primeira irrup ção na dimensão propriamente dita do problema traz consigo como sem pre necessariamente em tais instantes decisivos um en curtam ento unilateral, com o qual precisaremos n os confrontar. Nós dissem os expressamente que a doutrin a kantiana da liberdade assum iria um a posição insigne no interior dos prob le mas filosóficos. Antes de Kant, na teologia cristã desde os seus prim órdio s, o proble m a tinha crescido com um a pro fundid ade pró pria, a partir da qual im pulsos tanto positivos quanto nega tivos penetraram na filosofia. Por outro lado, inversamente, a 8 Kant, Crítica da razão pura (R. Schmidt). Leipzig (E Meiner) 1926. A 418, B 446. 9 Op. cit., A 534, B 562. i 37
discussão teológica não tinha acontecido sem influência da dis cussão filosófica (Paulo, Agostinho, Lutero). Já a caracterização da liberdade negativa como independência de Deus precisaria apo ntar pa ra essa suspensão de um a problem ática teológica e fi losófica. Isso é o bastante - nós tomamos a concepção kantiana da liberdade, sem agora adentrar em uma interpretação, quase que apenas como um exemplo, no qual explicitamos a liberdade positiva e seu conceito; e isso, por sua vez, para que conquis temos uma visão clara da perspectiva ulterior do problema da liberdade e em no ssa tarefa em geral. Nós dissemos: Kant concebe a liberdade como faculd ade de determinar a si mesmo, como “autoatividade absoluta”. Nos dois casos, não h á nada negativo. C om certeza. No entan to, eles não visam de qualquer modo ao mesmo, Kant também distin gue, p o r isso, liberdade “de acordo com o entend im ento cosmológico” e liberdade “no en tendim en to p rático”.10 Essa distinção de Kant, porém, não eqüivale de maneira alguma à diferença entre liberdade negativa e positiva, mas a distinção recai ela / m esm a um a vez mais do lado d a liberdad e positiva, melhor, da liberdade n ão negativa. De saída: o que Kant entende por liberdade cosmológica e por liberdade prática? “... com preendo por liberdade, no enten dimento cosmológico, a faculdade de iniciar por si mesmo um estado, cuja causalidade não se encontra de acordo com a lei da natureza, mas sob u m a o utra causalidade, que a determ inou se gun do o tempo. A liberdade é, segundo esse significado, um a pu ra ideia tran sce nd ental”.11Liberdade significa, p ortanto, faculdade do autoinício de um estado. Com isso, acha-se explicitado o que introduzim os acima com o o conceito de liberdade em Kant: “au toatividade absoluta” - iniciar por si mesmo, espontaneamente, sua sponte, spons, spondeo, spond, Σ Π Ε Ν Δ , σπ ένδω : doar, dar 10Op. cit., A 533eseg., B 561eseg. 11 Op. cit., A 533, B 561. 38
livremente a partir de si, espontaneamente, espontaneidade, autoatividade absoluta. Liberdade como a absoluta espontaneidade é liberdade no entendimento cosmológico: ideia transcendental. Nós discutiremos mais tarde o que essas últimas determ inações têm em vista. Antes de tudo perguntemos: o que significa liber dade “no entendimento prático”? “A liberdade no entendim ento prático é a independência do arbítrio perante a coação advinda dos impulsos da sensibilidade”.12 Liberdade no entendimento prático é independência. Portanto, precisamente aquilo que in troduzimos como característica do conceito negativo de liberda de. Ora, mas não dissemos que os dois conceitos de liberdade de Kant - o conceito transcend ental e o prático - não seriam nega tivos? C om certeza. Mas a definição exposta da liberdade prática toma essa liberdade indiscutivelmente de maneira negativa. E se nós considerarm os m ais proximam ente, Kant tam bém explicita a liberdade no entendim ento prático justamen te po r meio dos fa tores, que introduzim os em p rimeiro lugar po r meio da d eno m i nação do conceito kantiano de liberdade: “O arbítrio hum ano é... (livre), porque a sensibilidade não torna necessárias suas ações, mas é inerente ao homem uma faculdade de se determinar por si mesmo, independ entemen te da coação po r m eio de impulsos sensíveis”.13 Arbítrio não significa aqui: ausência de cultivo e de lei, mas faculdade da vontade. Menciona-se aqui a liberdade ne gativa, mas, ao mesmo tempo, algo diverso: a capacidade de se determinar. Isso não significa, porém, simplesmente o mesmo que a espontaneidade, ou seja, isso não é idêntico ao conceito cos mológico de liberdade? Esse, então, represen taria o conceito po si tivo, enquanto o conceito prático, em contrapartida, representaria o conceito negativo, a independência da sensibilidade. De maneira alguma. Em verdade, não há como contestar que Kant introduz na definição da liberdade no entendimento 12 13
Op. cit., A 534, B 562. Idem. 39
prático a independência da coação sensível. Isso tem a sua razão de ser. Toda a discussão encontra-se na Crítica da razão pura, isto é, na obra em que a razão pura, a faculdade teórica do ho mem, se mostra como tema; não a razão prática, a πράξις no sentido do agir moral. Por isso, antes de fixarmos Kant violen tamente na definição introduzida da liberdade prática como independência da sensibilidade, precisamos perguntar: como é que Kant determina a liberdade no entendimento prático, lá onde ele trata tematicamente da πράξις, da eticidade, ou seja, na Crítica da razão prática ? Perguntado de maneira ainda mais incisiva: como é que Kant concebe a liberdade prática, moral, lá onde a sensibilidade se transfo rm a para ele em um problema metafísico, ou seja, na Fundamentação da metafísica dos costu mes ? No começo da terceira seção do escrito assim intitulado, Kant escreve: “A vontade é uma espécie de causalidade de se res vivos, na medida em que eles são racionais, e liberdade se ria aquela prop riedad e dessa causalidade, um a vez que ela pode f se m ostrar com o atuante, independ entem ente de causas alheias que a determinem-, tal como uma necessidade natural de que a propriedade da causalidade de to dos os seres racionais seja de terminada para a atividade por meio da influência de causas alheias”.14 Aqui se denom ina uma vez mais a “independência”. Todavia, Kant fala agora de maneira mais clara: “A explicação introdu zida da liberdade é negativa e, po r isso, par a perce ber sua essência, infrutífera. Só que flui dela um conceito positivo, que é tan to mais abun dante e frutífero”.15 Aqui já fica claro: se um conceito positivo de liberdade deve ser conquistado agora, en tão esse deve ser manifestamente um conceito prático. Kant diz: “o que a liberdade da von tade p od eria ser, afinal, senão autono mia, isto é, senão a propriedade da vontade de ser u m a lei para si 14 Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes (Vorlãnder). 6a edição, Leipzig (F. Meiner) 1925, p. 74 (IV, 446). 15
klein.
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mesm a?”16O conceito positivo de liberdad e significa: autonomia da vontade, autolegislação. A liberdade no en tendime nto prático não é o negativo em relação à liberdade no entendimento trans cendental, mas é a liberdade no próprio entendimento prático, que se articula em liberdade negativa e positiva. Como é que as coisas se mostram, então, em relação à li berd ade no entendim ento transcendental, em relação à espon taneidad e absoluta, se é que ela não é a liberdade positivam ente prática ante a liberd ade negativamente prática? Espontaneidade absoluta, isso não é o mesmo que autonomia? Nos dois casos, o que está em questão é o si mesm o, aquilo que é dotad o de caráter de si mesmo, o sua sponte, αυτός. Evidentemente, as duas encontram-se em conexão, mas não são idênticas. Consideremos mais agudamente. Espontaneidade absoluta: a faculdade do autoinício de um estado: autonomia: dar-a-si-mesmo-leis de uma vontade racional. Na espontaneidade absoluta (na liberdade transcendental), não se fala de vontade e de lei volitiva, mas do autoiniciar de um estado; na autonomia, em contrapartida, de um ente determinado, a cuja essência pertence querer, πράξις. Eles não são um a e a mesm a coisa e, contudo, há algo de mesm o nos dois: eles se copertencem . Com o? O determ inar-a-si-m esm o para o agir como autolegislação é um autoiniciar de um estado na região particular do agir humano de um ser racional em ge ral. Autonomia é uma espécie de espontaneidade absoluta, essa espontaneidad e dem arca a essência universal daquela. Com base nesse caráter essencial enquanto espontaneidade absoluta, a au tonomia é possível. Se não houvesse absolutamente nenhuma espontaneidade absoluta, então também não haveria nenhuma autonomia. A autonomia funda-se, segundo a possibilidade, na absoluta espontaneidade, a liberdade prática na liberdade tra ns cendental. De acordo com isso, Kant mesmo diz expressamen te na Crítica da razão pura: “É extremamente estranho, que o 16
Op. cit., p. 74eseg. (IV, 446eseg.). 41
conceito prático de liberdade se funde n essa ideia transcendental de liberdade, enqu anto aquela liberdade [transcendental] se fun da nessa liberdade [prática]. Esse constitui o fator pro priam ente dito das dificuldades, que envolveram desde sempre a questão sobre a sua possibilidade”.17 Liberdade transcendental Liberdade prática —» ____ ? _____ l iberdade transcende ntal (Vontade de um ser racional) " negativamente indepen dên cia da sensibilidade
positivamente autolegislação
Assim, a liberdade transcendental não é coordenada à li berd ade prática, mas pré- ordenada à prática como a condição de sua possibilidade. Por isso, na Fundamentação da metafísica dos costumes, a terceira seção é aberta com o título: “O conceito da f liberdade é a chave para a explicação da autonomia da vontade”.18 A determ inação da liberdade po sitiva como “autonomia” contém um problema próprio, com uma dificuldade, que esse problema porta em si desde a Antiguidade. § 4. A ampliação indicada no caráter de fundação da liberdade transcendental do problem a da liberdade na perspectiva do problema cosmológico: liberdade - causalidade - movimento - ente enquanto tal
O que conquistamos agora a partir da breve e rudimentar explicitação do conceito positivo de liberdade para a nossa in tenção? Queríamos elucidar com isso a visada e o campo de vi são dessa visada para o prob lem a da liberdade, isto é, queríamos 17 Kant, Crítica da razão pura , A 533, B 561. 18Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 74 (IV, 446). 42
oferecer um a interpretação prévia do m odo como o con teúdo do pro blema ele mesm o, portanto, ao lançar-se para o todo, tam bém vai ao encontro de nossas raízes. No pro blem a mesmo, e, em verdade, como pertencente a ele, reside um caráter ofensi vo. Havia manifestam ente pouco disso a ser visto até aqui. P re cisava-se, afinal, acreditar que o caráter invasivo do problema consistiria no fato de que a liberdade, que está em questão aqui, seria justamente uma propriedade em nós homens e, com isso, nos diria respeito. Essa opinião é com certeza correta, sim, por demais correta, para que ela pudesse tocar naquilo que busca mos. Pois na opinião trivial que acabamos de ex teriorizar apenas apon tamos pa ra um a significância prática, que advém à liberda de, justam ente com o liberdade jun to ao homem . Essa referência, contudo, tam bém po de ser dada já a partir d a liberdade negativa - quase de m aneira aind a mais clara. Se essa fosse a única coisa em questão, então poderíamos ter deixado a discussão da liber dade positiva de lado. O que está em questão, porém, é algo di verso. O caráter ofensivo deve vir à tona a partir d a essência ma xim am ente interna da liberdade, na m edid a em que essa essência se encon tra no ho rizonte do questionam ento filosófico. Po r isso, com vistas à explicitação da liberdade positiva e de seu problema, explicitação essa que fornecemos com o auxílio da distinção kantiana, precisamos agora perguntar três coisas: 1. É visível na liberdade positiva efetivamente uma ampliação fundamental da problemática? 2. Para onde é que aponta essa ampliação? Ou seja, que perspectiva se abre? 3. A ampliação do problem a é de ta l m odo que vislumbramos a partir do pro ble m a amp liado a possibilidade de dizer em q ue m edida o filosofar enquanto o “lançar-se-para-o-todo” se mostra enquanto tal ao mesmo tem po como u m “ir-às-raízes”? O fato de que com a liberdade positiva está ligada um a am pliação do problema, e, em verdade, um a ampliação fundam en tal, pode se mostrar de maneira breve e fácil na relação com as duas questões seguintes 2 e 3. Já aconteceu: a liberdade positiva 43
é, enquanto liberdade prática, igual a autonomia. Ela se funda, segundo a sua possibilidade, na espontaneidade absoluta (liber dade transcendental). Com essa liberdade, retornamos a algo diverso, ulterior. O fato de, além da liberdade positiva e nega tiva, emergir a liberdade transcendental revela uma ampliação, e trata-se de uma ampliação fundamental, porque aquilo que se acrescenta na ampliação, a espontaneidade absoluta, é estabele" cido como o funda m ento da liberdade prática, com o aquilo em que essa liberdad e se funda. O fato de essa relação entre liberdade prática e liberd ade transcendental existir é expresso por Kant, na m edid a em que ele diz: “a suspensão da liberdade transc enden tal (extinguiria) ao mesm o tem po to da liberdade”.19A possibilidade dessa liberdade prática depende da possibilidade daquela. Com isso, a prim eira perg un ta é respondida. Que perspectiva se abre com essa ampliação? A perspectiva é evidentemente determ inada pelo conteúdo do problema daq ui lo que se mo stra como possibilitação da liberdade prá tica (autot nomia), por meio do conteúdo do problema daquilo que Kant denomina “espontaneidade absoluta ”. O que isso significa? Em que se baseia aí o problema propriamente dito? Uma vez mais: espontaneidade significa o “por si mesmo”; e, em verdade, ini ciar po r si mesmo, o iniciar de um a “série de acontecim entos”;20 espontaneidad e absoluta: “totalmente por si mesm o” iniciar um a série de acontecimentos; ser início de um acontecimento, deixálo seguir-se a si. Aquilo que deixa algo (uma coisa) seguir-se a si desse modo se mostra, segundo Kant, como a causa desse algo. Na questão da espontaneidad e, do início e do deixar que se siga trata-se da questão acerca da causa (coisa originária). Isso, o ser causa de um a coisa originária (causa)21, é denom inado p or K ant 19 Kant, Crítica da razão pura, A 534, B 562. 20 Idem. 21 Em alemão, o termo causa (Ursache) significa literalmente “coisa (Sache) originária (Ur-)”. Como Heidegger insere o termo latino entrè 44
a causalidade (a causalidade da causa). Nesse sentido, ele fala di retamente d a “causalidade da causa (da coisa originária)”.22 Cau salidade da causa (da coisa originária), porém, não significa cau sa (coisa originária) da causa (coisa originária), mas o ser causa (coisa originária) de um a causa (coisa originária): ofato e o modo como um a causa (coisa originária) é causa (coisa originária). Pois bem , de acordo com Kant, toda experiência, isto é, todo conhecim ento teórico da naturez a presente à vista, enco ntra-se sob o prin cípio d a lei da causalidade. Essa lei do ser causa de um ente da do n a experiência para o outro, isto é, a lei do ser causado do outro po r meio do u m é, segundo Kant no título da II. A na logia e de acordo com a primeira edição: “Tudo o que acontece (começa a ser) pressupõe algo, ao que ele segue segundo uma regra”23; e, além disso: “assim, a causalid ade é a causa daquilo que acontece, ou surge, mesmo do que surgiu, e necessita, segundo o princípio do próprio entendimento, por sua vez, de uma cau sa”.24 O ser causa respectivo de um a causa segue-se, po r sua vez, a uma causa antecedente, isto é, ne nh um ser-causa de um a causa se inicia na natureza por si mesmo. Ao contrário, o autoiniciar de um estado (de um a série de acontecimentos), e, em verdade, o autoiniciar total, é, p or conseguinte, um ser causa completamente diverso da causalidade da natureza, uma causalidade totalmente diversa. Kant a denom ina, a saber, como: a espontaneidade abso luta, causalidade por liberdade. A partir daí fica claro: o que há de prop riam ente problemático na espontane idade absoluta é um problem a da causalidade, d o ser causa. A liberdade é vista conse aspas, criando um jogo entre o termo em alemão e o termo latino, op tamos por traduzir literalmente o termo alemão, a fim de manter a es trutura presente no original. (N. T.) 22 Op. cit., A 533, B. 561. 23 I. Analogia: Princípio da persistência da substância. III. Analogia: Princípio do ser ao mesmo tempo segundo a lei da ação recíproca ou da comunidade. 24 Kant, Crítica da razão pura, A 189. 45
quentemente po r Kant como afacu ldad e de um ser causa próprio e insigne. A perspectiva, que se abre consequentemente com a ampliação principiai do prob lem a da liberdade prática, isto é, do estabelecimento d a auton om ia como espontaneidade absoluta, é a perspectiva do prob lema da causalidade em geral. A causalida de no sentido da espontaneidade absoluta, isto é, o ser causa no sentido do autoinício completo de uma série de acontecimentos é algo tal, que nós não enco ntram os n a experiência, o que signi fica, para Kant, no conhecimento teórico da natureza presente à vista. O que nós representam os em m eio a essa representação da espon taneidade absoluta reside fora do que é experim entalm en te acessível, ultrapassa esse âmbito (transcendere). A liberdade como espontaneidade absoluta é a liberd ade tran sce ndental.25 A liberdade positiva como se fundando na espontaneida de absoluta (na liberdade transcendental) abriga em si, então, o problem a da causalidade em geral, exatamente se, como Kant afirma, a liberdade prática se fun dar na liberdade transcende ntal e essa constituir um a causalidade insigne; nesse caso, o prob lem a dessa causalidade insigne será com ainda maior razão um fun damento da necessidade de acolher o problema da causalidade em geral. Com essas questões, já nos colocamos naturalmente para além do problem a kantiano. Para nós, contudo, Kan t não signifi ca simplesmente a verdade absoluta, mas é agora apenas mo tivo e ocasião para o pleno desdobramento do problema - por mais que permaneça o que foi dito antes: o significado decisivo de Kant para o problem a d a liberdade em geral. A liberdade é discutida na perspectiva do ser causa. Precisa men te Kant concebeu o problem a da liberdade de tal m odo que ele aponta para essa perspectiva. Se essa é a única perspectiva para o problem a da liberdade, se há ain da um a outra perspectiva 25 A explicitação dada do “transcendental” é apenas totalmente pro visória; ela é suficiente, todavia, por agora. 46
e mesmo uma mais radical e qual seria ela, isso é algo que ainda deixaremos po r agora totalmente em aberto. Se nos m antivermos na orientação pela perspectiva conqu istada junto a Kant, então isso significa: perguntar sobre a essência da liberdade humana, ou seja, acerca de seu quid, acerca da possibilidade inte rna e do fundamento de tal liberdade - assim, perguntar sobre a essência da liberdade é o m esmo que: torna r a essência da causalidade, do ser causa, um problema. Para on de nos movemos perguntand o, se quisermos clarificar assim a essência do ser causa? Somente com a resposta a essa questão é que a amplitude do prob lem a da liberdade terá sido mensurada. Ser causa significa entre outra s coisas: deixar seguir-se, ini ciar; pertence ao contexto daquilo que ocorre; é um caráter dos processos, das ocorrências, dos acontecim entos. Tais caracteres mostram inteiramente aquilo que denominamos movimento em sentido mais amplo. Com vistas a essa multiplicidade de movi mentos vem à tona o seguinte: movimento e movimento não é sempre o mesmo. O que vale, po r exemplo, para o assim cham ado movimento mecânico, o mero fluxo em meio ao leito de partícu las de massa, e, além disso, o mero transc urso e o desenrolar de um processo, não vale pur a e simplesmente pa ra o movimento, por exemplo, no sentido do crescim ento e do definhamento. De m ane ira correspo nden tem ente, são diversos o ser causa, o deixar seguir-se, o iniciar e o findar. Um a vez mais diverso, por sua vez, em relação ao processo e ao crescimento é aquilo que de no m ina mos o com portam ento de animais, o comp ortar-se dos homens. Esses, por outro lado, podem ser vistos no interior de ocorrên cias - nos m ovimentos - do agir e do trânsito. Um a viagem, por exemplo, não é nenhum movimento contínuo mecânico com uma máquina (trem, navio, avião), ela também não é nenhum movimento mecânico adicionado com um com portamento dos hom ens, mas ela é um acontecim ento próprio, sobre cujo caráter essencial sabemos tão p ouco qua nto sobre a essência dos outros tipos citados de movimento. -^ _ t». 47
De tudo isso, nós sabemos pou co ou nada. No entanto, isso não acontece de maneira alguma, porque algo desse gênero nos seria inacessível, mas porque existimos de maneira por demais superficial, isto é, não radical, para perguntarmos sobre isso e pressentirm os essas questões como ardentes. É assim que as coi sas se mo stram na filosofia em relação à clarificação da essência do m ovimento: de m aneira inteiramen te precária. D esde Aristó teles, que foi o prim eiro e até aqui o último a conceber o problem a filosófico, a filosofia não deu n enhu m passo à frente nesse proble ma. Ao contrário, ela deu um passo atrás, na m edida em que não concebeu nem mesmo o problema em geral como problema. Mes mo Kant fracassa nesse ponto completamente. Isso é tanto mais estranho, uma vez que, para ele, o problema da causalidade era central. É fácil ver, que o problema da essência do movimento é o pressuposto para form ularm os em geral o problema da causalida de, do ser causa, pa ra não falarmos de sua solução. E o problem a do m ovimento p or suá parte? O m ovimento, isto é, o ser movido ou repousar (como um modo próprio do } movimento), revela-se como uma determinação fundamental daquilo, para que atribuímos em geral um ser: como uma de terminação fundamental do ente. O modo da mobilidade ou da imobilidade possíveis altera-se juntamente com o tipo do ente respectivo. O problema do movimento está fundado na questão acerca da essência do ente enquanto tal. Assim, a visão que atravessa o problema da liberdade am plia-se. As posições particulares de passagem para a am pliação de tal visão precisam ser enum eradas agora um a vez mais: liber dade prática (autonomia) - liberdade transcendental (esponta neidade absoluta) - causalidade insigne - causalidade (ser cau sa) enquanto tal - mobilidade enquanto tal - ente enquanto tal. E onde nos enco ntram os agora? Com essa questão acerca do ente enquanto tal, acerca da quilo que o ente enquanto ente seria propriamente em toda a sua amplitude e profundidade, formulamos aquela questão, que 48
é considerad a desde m uito tem po como a questão decisiva, p ri m eira e última do filosofar propriam ente dito - a questão diretriz da filosofia: τί τό óv, o que é o ente? § 5. O caráter questionável de investidura da questão ampliada da liberdade e afigura tradicional da questão diretriz da filosofia. Necessidade de um questionam ento renovado da questão diretriz
A questão acerca do ente enqu anto tal veio à tona ao perse guirmos o conteúdo próprio do problema da liberdade. Ela não foi obtida, po r exemplo, como um a questão, na qual o problem a da liberdade simplesmente se confina, não como uma questão que paira simplesmente como uma questão mais geral sobre a questão particular acerca da liberdade. Ao contrário, se efeti vamente perguntamos sobre a essência da liberdade, então nos encontram os no inte rior da questão acerca do ente enquanto tal. A questão acerca da essência da liberdade humana é, portanto, necessariamente intro duzida na questão sobre o que o ente seria propriam ente enquanto tal. Encontrar-se nessa questão signifi ca manifestamente: lançar-se pura e simplesmente para o todo - pois mais amp lamente do que em meio à questão sobre o ente enq uanto tal nã o é possível amp liar a questão. Todavia, essa ampliação do campo do problema é, então, de tal tipo que deduzimos do conteúdo ampliado do problema em qu e medida o lanç ar-se-para-o-todo significa: ir à nossa raiz? Com isso, chegamos à terceira questão. Nós estamos em condições agora de form ulá-la mais de terminadam ente. A q uestão acerca da essência da liberdade hu mana, enquanto uma questão embutida na questão acerca do ente, enqu anto um a questão que se volta para a totalidade, é em si um “ir-às-raízes”? Poder-se-ia responder: na medida em que nós, perseguindo o conteúdo da questão da liberdade, pergun tamos sobre o ente enquanto tal, mas nós mesmos, porém, os
hom ens que questionam , pertencemo s também ao ente, tamb ém se pergu nta na questão acerca do ente sobre nós. Apenas do fato de que, na questão acerca do ente, também se pergunta sobre nós en quan to entes, não se po de de m aneira alguma deduzir, p o rém, que e em que medida se deve ir às nossas raízes. Quando se pergunta sobre o ente, também se pergunta sobre o animal e a natureza m aterial, pois eles tam bém caem, exatamente com o o hom em , sob o d om ínio do ente. Essa questão acerca do ente diz respeito concomitantemente ao animal, mas essa copertinência não é em seu caso, contudo, tal como acontece conosco, um “ir às raízes”. O quão pouco isso procede, é algo que fica claro para nós, quando consideramos mais detidamente a questão acerca do ente. Nessa questão da filosofia, o que é questionado é o que se ria o ente. Pergunta-se o que é o ente, e, em verdade, enquanto tal, com vistas ao fato de que ele é um ente. A questão diretriz, portanto , pode ser fo rm ulada de m aneira mais aguda como: o que é o ente enquanto tal? Essa expressão “enquanto tal” é a tra dução do latim ut tale, qua tale, usada na metafísica da Idade Média tardia, que correspo nde ao fj da Antiguidade. Ela significa que aquilo ao que ela é acrescentada - a mesa enquanto mesa - não é pu ra e simplesmente objeto de um a apreensão, de uma opinião, de uma valoração ou de uma manipulação, mas que a mesa enquanto tal, isto é, na medida em que ela é uma mesa, deve ser tom ada com vistas ao seu ser mesa. O ser mesa da mesa anuncia pela prim eira vez aquilo que a mesa é, o seu ser-o-que, a sua essência. Inq uirir um ente enquan to tal significa inquiri-lo ho c ens qu a tale, na m edida em que ele é esse ente, com vistas ao seu ser um ente. Essa expressão lingüística “enq uan to tal” é um a expressão especificamente filosófica. Ela dá a indicação para o fato de que aquilo de que trata o discu rsa não é visado simples mente apenas com o ele mesm o, m as é visado desde o princípio em u m aspecto insigne - com vistas à sua essência·, τί τό óv fj όν. A questão acerca do ente enquanto tal não pergunta, porém,:
acerca desse ente ou daquele. A questão não apenas acerca do ente enquanto tal (animal, hom em ), mas acerca do ente enquan to tal, significa o questionar sobre aquilo que o ente enquanto ente é em geral, abstraindo-se de se o ente é precisamente uma planta ou um anim al ou um hom em ou Deus. Nessa questão, portanto , abstrai-se do respectivo caráter objetivo e particular. Pergunta-se sobre aquilo que advém ao ente em geral em sua dimensão mais universal possível. Quanto mais amplamente perguntam os em meio a essa pe r gunta, o que seria o ente enq uanto tal, tanto mais universal, com relação a um ente particular tanto mais indeterminável e abstrato se tom a o campo. Em verdade, todo e qualquer ente determinado cai sob o dom ínio do ente enqu anto tal, mas isso de um m od o tão completamente universal e amplo que, manifestamente, a questão acerca do ente enquanto tal não pode mais dizer respeito em pa r ticular ao ente particular. Portanto, não é mais, por exemplo, tal como até aqui, obscuro, em que m edida o “questionar-na-totalida de” significa o mesm o que: ir à nossa raiz, mas é em geral impossí vel. Pois pergun tar sobre o ente em geral significa:perguntar para além de tod o e qualquer ente particular, e, nesse sentido, também do homem . C omo é que em um tal questionar para além de nós deve residir e pode efetivamente residir um caráter de abordagem? O ir-às-raízes precisa enquanto abordagem tomar ao m enos a di reção para nós, precisa nos ter como meta. A questão acerca do ente em geral, independen temen te de se o que está em jogo é um animal ou um homem, n ão é nenh um arremeter-se a nós mesmos enquanto tais, e, desse modo, ele é tudo menos uma abordagem voltada para nós. O perguntar para além do ente particular em di reção ao que há de mais universal é muito m ais fuga de nós com o um ente particular e, assim, de tod o e qualquer ente. Por conseguinte, quando tomamos o problema escolhido, a questão acerca da essência da liberdade h um ana , precisamente a pa rtir de seu conteúdo pleno e derradeiro enq uanto problema, a partir da questão acerca do ente enquanto tal, então torna-se 51
evidente o seguinte: esse questionar-em-direção-ao-todo não apenas não vai até as nossas raízes, mas não nos diz nem m esmo respeito, na m edida em que nós somos esses hom ens. P ermanece vigente aí: a tese de que o questionar-em-direção-ao-todo seria um ir-às-raízes é um a afirmação arb itrária, cujo direito não po de ser de maneira alguma corroborado a partir do conteúdo m ate rial da respectiva questão. Pod emo s introd uzir pa ra tanto ainda um a ou tra prova, cuja força demo nstrativa, porém , não pod e ser simplesmente desprezada. Nós dissem os, que a questão, na qual o problem a da liber dade, em conformidade com o nosso desentranhamento de sua própria perspectiva, se baseia, a questão acerca do ente enquanto tal, seria tão antiga quanto a filosofia ocidental. Se considerar mos de maneira panorâmica a sua história, então se mostrará que essa questão nunca e em parte alguma impele a captar a questão, a filosofia em si, como um ir-às-raízes - a saber, como um ir-às-raízes daquele que questiona. Ao contrário, o esforço sempre uma vez mais retomado, sobretudo desde o começo da filosofia m od ern a, se volta antes pa ra a tentativa de elevar a filo sofia finalmente ao nível de uma ciência ou da ciência absoluta, como comportamento teórico puro e simples, como pura con templação, como conhecimento especulativo (Kant), no qual não pode e não deve residir absolutamente nada de um a abordagem. O conteúdo interno da questão acerca do ente enquanto tal também não mostra de modo algum, tal como a história dessa questão na qual o problem a da liberdade está embutido, o caráter de abordagem afirmado po r nós. Se isso é assim, então também vem à tona o fato de nossa tese sobre o caráter de abordagem do questiona mento-na-totalidade que é próprio ao filosofar não ser de maneira alguma óbvia, muito menos para a filosofia e para a sua interpre tação corrente. A explicitação da tese e sua garantia não residem absolutamente à mão, por mais próxima que possa se encontrar a opinião cotidiana e quase “natural” de que a filosofia precisaria, tal como se formula a “frase”, ter um a “proxim idade em relação à vida”. 52
A explicitação da tese do caráter de abordagem da filosofia coloca-nos em uma situação estranhamente dissonante: por um lado, nossa tese corresponde à visão totalmente natural da filo sofia, segundo a qual a filosofia mesm a tem algo em com um com o próprio homem e deve ter uma influência sobre o seu agir. E isso po r mais que a interpretação, que o senso comum dá a essa convicção, assim com o a representação que lhe é corresponden te da filosofia, tam bém seja extremam ente confusa e despropo sita da, de tal m od o que ela evoca a m aior desconfiança possível; pois por “proxim idade em relação à vida” se com pre ende a introm is são do fazer e das aspirações nas assim chamadas necessidades atuais. A questão é que justa mente isso é o que há de mais difícil, pois - para repetir - a experiência e convicção natu ra is pré-filosóficas exigem aquilo que nós anteriorm ente já recusam os à filo sofia. Sua assim cham ada “proxim idade em relação à vida”, por tanto, possui a medida da ausência de caráter. Mas se a filosofia é um a d errade ira e prime ira possibilidade da existência hum ana em geral, não se procurará impingir a ela um tal fazer, mas, ao contrário,, se exigirá dela, a partir de si e do que há de derradeiro e de prim eiro dar a si mesma o seu caráter. Por outro lado, o desdobramento precisamente do con teúdo pleno da questão diretriz da filosofia não traz consigo nada de um caráter de abordagem que residiria nessa questão. Ao contrário, essa questão inte rpre ta a si m esm a com o θεω ρία, como contemplativo, conhec im ento especulativo. Nossa tese vai ao encontro da assim chamada convicção natural e pré-filosófica da essência da filosofia e só é supostamente determinada a partir daí. Por outro lado, ela nada fala sobre o conteúdo m a terial da questão expressa e filosoficamente diretriz, “o que é o ente enquanto tal?”, fala a favor dessa tese, assim como nada fala em favor da interpretaçã o dessa questão. Em que instância devemos confiar mais, na convicção natural da filosofia ou na grande tradição de seu problema diretriz e de seu tratamento até aqui?
Precisamos desconfiar das duas instâncias, na medida em que elas se nos oferecem na figura corrente. Assim como n ão con cordamos com aquela convicção natural no sentido de transpor mo s a filosofia para o anúncio de um a visão de mu ndo no enten dimento usual, também não acolhemos simplesmente a questão diretriz tradiciona l como a questão materialmen te primeira e úl tima. Por que n ão devemos acolhê-la simplesmente? Temos o di reito de declarar a grande tradição u m nad a e alimentar a opinião ridícula de que precisamos e podemos começar tudo completa mente do início? Se, contudo, não podemos saltar para fora da tradição, com o e por que devemos rejeitar a questão diretriz? Será que essa questão, %\ xò óv, é, p or exemplo, formulada de m aneira falsa? De onde retiramos, a dm itindo a “falsidade” da formulação, o critério de m edida para um tal julgamento? Q ual é o verdadeiro modo de questionamento? Como é que a questão pode ser em geral formulada de m aneira falsa? O ente na totalidade exige de qualquer mod o ou pode exigir essa questão elementar acerca da quilo que ele, o ente e nqu anto ente, seria. Essa questão diretriz da filosofia ocidental não é fo rmula da de maneira falsa, mas ela não é em geral formulada. À prim eira vista, essa é um a afirmação na tu ralmente ina ud ita e presunçosa. Além disso, ela contradiz aquilo que acabamos de introduzir, o fato de Aristóteles enunciar e fi xar a questão %i τό óv com o a questão do filosofar propriam ente dito, pois ele dá voz àquilo que toda a filosofia antiga antes dele buscou esclarecer como tarefa em meio a um a luta gigantesca. Platão e Aristóteles colocaram essa questão, e, desde então, po demos constatá-la em seus escritos tradicionais como ocorrendo lá. Aristóteles e Platão, não tão diretamente q uanto o seu trabalho como um todo, dera m até m esm o um a certa resposta à respectiva questão; um a resposta que, desde então, através de toda a história da metafísica ocidental até a sua grandiosa conclusão po r m eio de Hegel, foi tom ada no fund o com o derradeira. Como é que pode m os afirmar, portanto , que a questão não . teria sido formulada? Platão e Aristóteles formularam efetivamen
te essa questão. Com certeza. No entanto, se, juntamente com a sua resposta, apresentamos um a vez mais essa questão, que ganha voz neles, e se apenas constatamos que a questão ocorre lá, isso significa que essa questão foi efetivamente colocada, que a questão foi efetivamente questionada? O fato de a questão e, mais ainda, de sua resposta e suas conseqüências ocorrerem sempre uma vez mais na filosofia subsequente significa que a questão foi colocada? De maneira alguma. Requestionar a questão formulada por Pla tão e Aristóteles, em suma, pela filosofia ocidental, significa algo diverso. Significa: questioná-la de maneira mais originária do que eles. Na história de tudo o que é essencial, o primado tanto quanto a responsabilidade de todos os que vêm depois é o fato de eles pre cisarem se transformar nos assassinos dos seus antecessores e se encontrarem eles mesm os sob o destino de um assassinato neces sário! Somente então conquistamos o modo de questionamento, no qual eles existiram imediatamente, m as que justamente po r isso eles não pude ram elaborar em sua derradeira transparência. Nós mesm os, portanto , em nossas reflexões até aqui, co locamos a questão d e saber o que é o ente? Absolutamente não: nós só a coligimos. Nós só deixamos claro, que o problema da liberdade está embutido nessa questão. Fizemos uma referência à amplitude daquilo que é questionado nessa questão: o ente na totalidade en quan to tal. E veio à ton a para nós, então, que justa mente essa questão, de acordo com o seu caráter universalmen te abstrato, não m ostra na da de um caráter de abordagem. Mas será que temos o direito de afirm ar isso, enqua nto não tivermos esgotado completamente o conteúdo de questão? Podem os esgo tar tal conteúdo, sim, ao menos apenas vislumbrá-lo, enquanto não tivermos colocado efetivamente a questão, mas a tivermos apenas po r assim dizer citado como um a questão que ocorre na filosofia antiga? Somente quando e na medida em que tivermos questionado efetivamente a questão diretriz do filosofar, pod ere mos nos decidir quanto à nossa tese, quanto a se no filosofar há ou não u m caráter de abordagem. 55
SEGUNDO
CA PITUL O
A questão dire triz da filosofia e sua que stiona bilida de Explicita ção da questão dire triz a pa rtir de sua s própria s possibilida de s e pre s supos tos
§ 6. A questão diretriz da filosofia (τιXÒ Òv) como questão acerca do ser do ente
O que significa questiona r efetivamente essa questão? Na da além do que deixar irrom pe r e vir à tona tudo aquilo que se reve la nela com o question-ável, colocar em questão tudo aquilo que nela é digno de questionamento. No entanto, aquilo que é digno de questionamento abarca tudo aquilo que pertence a essa ques tão segundo a sua própria possibilidade, tudo aquilo que reside nela mesm a em termo s dos assim chamados pressupostos. O elemento peculiar a toda e qualquer questão é o fato de que, em meio ao seu prim eiro despertar, ela não coloca já em questão tudo aquilo que pertence ao seu próprio pressuposto. E precisamente aquele questionamen to que, tal com o o q uestio namento mencionado acerca do entç enquanto tal, já se reme57
te em seu ethos para a totalidade, é de início necessariamente aquietado por seu primeiro estádio. A questão é: precisamente esse que stionam ento que, de acordo com a sua tendência fu nd a mental, pe rgu nta em direção à totalidade, não tem o direito de se aquietar jun to à figura do prim eiro estádio. Todavia, para aproveitar finalmente a oportunidade: o que pode e deve ain da se m ostrar como questionável na questão di retriz tradicional da filosofia τί τό óv? Nessa questão, não há nada qu e se possa tom ar como valendo m enos a pena questionar do que aquilo sobre o que se coloca aí propriamente a questão. Precisamos transformar essa questão diretriz “o que é o ente?” em um questionamento efetivo, ou seja, precisamos buscar aquilo sobre o que se pergunta: o ente enquanto tal, o óv X\ óv. O que é isso, porém, que constitui o ente enquanto um ente? Como é que devemos chamá-lo senão justamente de o ser ? A questão acerca do ente enquanto tal dirige-se propriamente para o ser. O que é q uestionado é o que o ser do ente é, não o que o ente é. O qu e é digno de questão é pro priam ente o ser. Esgotamos com isso o elemento questionável da ques tão diretriz? Um perguntar efetivo só se mostra como efetivo, quando ele se empenha pela resposta, isto é, quando buscamos no perguntar ao mesmo tempo a possibilitação da resposta. A possibilitação da resposta só está, porém, assegurada e só pode m esm o ser assegurada, se o questionam ento tiver clareza quanto ao m od o com o ele questiona e sobre aquilo que ele bu s ca. Com o é, afinal, que se questio na em m eio à questão: o que é o ser do ente? O q ue é buscado? Aquilo que de term ina a essên cia do ser. A questão é uma questão de determinação. O que é buscado, então, é a partir de onde nós com preendem os o ser do ente, quando nós o compreendemos. Nós efetivamente o com pre endem os e quando o com preendemos? A todo tempo nós já o comp reendemos, sem que saibamos, sem que em prestemos a esse fato qualquer significado. Em que medida já compreende mos o que significa “ser”? 58
§ 7. A compreensão de ser pré-conceitual e a palavra fundam ental da filosofia antiga para o ser: ο ύ σ ια
a) Os caracteres da com preensão pré-conceitual do ser e o esquecimen to do ser Não é preciso senão um a lembrança daquilo que acontece o temp o inteiro em nosso ser-aí. Se perg untamos nas co nsidera ções até aqui: o tratamento do problema da liberdade enquanto uma questão particular pode ser considerado uma introdução autêntica à filosofia?, então com preendemos em tod o caso, sem abarcarmos ainda a questão como u m todo, cada palavra da sen tença, entre outras tam bém a palavra que foi po r último p ro nu n ciada, a palavra “ser”. Nós co nhecem os o ser como o infinitivo da form a verbal “é”. Se eu digo e os senhores o com preend em ao ou vir: o tem a da preleção é a liberdade humana, então compreen demos o “é”. Nós com preend em os algo totalmente determ inado e podem os em to do càso ratificá-lo ao infinito: n ão tem os em vista com o “é”, p o r exemplo, um a pedra, um triângulo ou um núm ero, mas “é”. As coisas se com portam de m ane ira correspo nden te em relação a um a o utra flexão: em relação ao “foi”, ao “tin ha sido”, ao “será”. Nós nos mantem os e nos m ovim entam os constantemente em tal compreensão daquilo que significa “ser”, e, em verdade, não apenas e não som ente, quan do empregamos essas expressões lingüísticas para ser e suas flexões no discurso expresso. Mesmo quando, por exemplo, escutando a preleção, nos deixamos levar silenciosamente e achamos: o que ele está dizendo não é plausível, com preendem os o “é” e nos movimentam os nessa compreensão. Ou quando passeando po r um a paisagem, nos detemos por um instante e olhamos ao nosso redor e dizemos, em voz alta ou sem elocução: maravilhoso!, compreendemos nesse caso: essa paisa gem ao nosso redor é maravilhosa. Ela é maravilhosa, tal como ela justamente é e como ela se nos revela como sendo. Não é so mente no discurso e na fala sobre o ente, no expresso dizer “é”, que nós nos movim entam os na com preensão do “é”, mas já em todo 59
comportamento silencioso em relação ao ente. Isso, por sua vez, não apenas e não somente no gozo contemplativo do ente ou na consideração teórica do mesmo, mas em tod o ajuizamento, dom í nio e utilização práticos do ente. E, por outro lado, não é apenas em todo e qualquer com portam ento em relação ao ente, que nos circunda, que compreeiademos o fato de que esse ente “é” e de que ele “é” assim e não de outro m odo, m as tam bém no com por tamento em relação a nós mesmos, que somos, e em relação aos outros que são nossos iguais, os outros com os quais nós somos, nós com preendem os algo do gênero do ser. P or fim - esse ser do ente de todo e qualquer tipo não é compreendido po r nós som en te quando nós e na m edida em que nós usamos expressamente a palavra para “ser”, “é” “foi” e outras do gênero. Ao contrário, em todo discurso temos em vista e compreendemos o ente em seu ser-assim-e-diverso, não-ser-assim etc. Sim, só podemos usar o “é” e o “foi” e outros termos do gênero e nos exprimir com eles sobre o que é visado, porq ue nós já compreendem os antes de toda expressão e de todas as proposições o ser do ente. Nós com preendem os o ser do ente de tal m odo que o ser já se articulo u desde o início. Nós elucidamos para nós essa ar ticulação inicial junto ao “é”: a terra “é”, tem enqu anto planeta realidade efetiva, “existe”. “A terra é pesada”, “é co be rta pelo m ar e pela terra”: ser não significa agora “existir”, mas ser assim. “A terra é u m planeta”: ser como ser-o-que. “As coisas se dão de tal modo, que a terra se movimenta em torno do sol”. Ser como ser verdadeiro. Isso de início apenas como referência à articulação inicial, na qu al com preendem os ser como p resença à vista, como quididade, como m odo de ser, como ser verdadeiro. Nós nos m antem os o tem po inteiro e em to dos os aspectos em nosso comportamento em relação ao ente, que nós mesmos não somos e que nós mesmos somos como homens. Nós nos m antem os constantem ente em um a tal comp reensão de sér. Nosso com porta m ento é suporta do e dom inado in teiram ente por essa - com o dissemos de m aneira sucinta - compreensão de 60
ser. Por mais que sejamos dom inados por essa compreensão, ela não chega de mod o algum a nos cham ar a atenção enqu anto tal, de tal forma que não nos voltamos absolutamente para ela de maneira expressa, que precisamos ser primeiro lembrados ex pressamente desse elemento para nós autoevidente. N ós o esque cemos, o esquecemos tão profundamente, que nós na maioria das vezes jamais tínham os pensado nisso. Nós com eçamos nossa existência com tal esquecimento da compreensão de ser e quanto mais nós nos abrimos para o ente, tanto m ais profu ndo se torn a de início o esquecimento do elemento uno, do fato de que nós compreendemos em toda abertura para o ente o ser. Esse pro fundo esquecimento, porém, no qual se encontra para nós essa compreensão de ser que im pera sobre todo com portamen to, não acontece de maneira alguma por acaso. Ele não é antes de tudo nenhuma prova contra o domínio da compreensão de ser, mas sim em favo r dela, em favor dessa compreensão do ser do ente com vistas à sua indistinção. Nós dissemos: na questão diretriz efetivamente form ulada da filosofia, o que é questionado é o que é o ser do ente. Dito de maneira ainda mais clara, o que é buscado é aquilo, a partir do que com preen dem os algo assim como o ser, se é que o com pree n demos. Agora se m ostra m uito mais: nós não o com preendem os apenas ocasionalmente, mas constantemente e em todo com por tamento. Cada um compreende o ‘ e” e “ser”; e cada um esque ceu aí simplesmente, que ele se mantém em tal compreensão de ser. Como se não bastasse, cada um o compreende e ninguém o concebe, cada um se encon tra de imediato na ma ior perplexida de possível, quando se vê diante da necessidade de fornecer um discurso e um a resposta para a pergunta: o que tu tens em vista com esse “é” - “ser”? Nós não estamos apenas embaraçados com a resposta, mas nos sentimos antes de tudo desamparados com vistas à fonte, da qual devemo s ha urir u m a resposta. Se perguntarm os: o que é um a mesa?, então po derem os d i zer: um objeto de uso. Mesmo se não estivermos em condições 61
de dar um a definição escolarm ente correta da essência do objeto de uso enqua nto tal, já sempre nos movem os de qualquer mo do em um a com preensão de tais coisas. Ou se somos pergun tados: o que é um triângulo?, podemos ao menos dizer: uma figura pla na e, com isso, espacial. Nós já nos movemos aí em meio ao conhecimento e à intuição do elemento espacial e do espa ço. Aquilo, a pa rtir do que nós determ inam os m esa e triângulo - objeto de uso, espaço - se m ostra para nós po r assim dizer em aberto como aquilo, com vistas ao que algo do gênero dos obje tos citados po de ser com preend ido e determ inado. As coisas se acham de maneira correspondente no que diz respeito ao ente, independentemente de que ente ele é; todo ente, que conhece mos enqu anto tal, já foi po r nós com preendido de algum mo do com vistas ao seu ser. Mas nós não compreendemos e conhe cemos apenas o ente, mas, sem dizermos, também o seu ser. E a questão persiste: a pa rtir de onde com preendemos o “ser” e o “é” com vistas aos quais o ser é enquanto tal interpretado? O “ser” precisa ser in terpretado com vistas a alguma coisa qualquer, de outro modo não o poderíamos compreender, e nós o compre endemos de qualquer modo, quando dizemos o “é” e quando diferenciamos com segurança o “é” do “foi”. Em verdade, nós podem os nos iludir na constatação voltada para saber se o ser é agora e em uma posição determinada um objeto determinado, se ele não fo i inversamente apenas um dia lá. A questão é que, nós não nos iludimos, nem podemos nos iludir quanto à dife rença do “é” e do “foi” en qu an to tal.26 Nós to dos com pre endem os o ser e não o concebemos, isto é, não estamos em condições de de term iná-lo expressa e expli citamente na quilo como o que ele compreende aí, como aquilo a que nós visamos no fundo com isso. Nós nos m ovimentam os em uma compreensão pré-conceitual de ser. Com isso, está dado 26 Ter como posse para nós algo em sua verdade, o que significa isso? Como é que isso é possível: livre de ilusões por natureza? 62
o aceno para o fato, não obstante, ainda enigmático, de que compreendemos na imersão na existência cotidiana o ser do ente. Não apen as isso, nós já tom am os con tato aí com tod a um a série de caracteres dessa compreensão de ser, que reunim os agora por meio de um a enumeração: 1. A am plitude do ser, (to dos os âmbitos do ente, isto é, de algum modo a totalidade do ente) no qual nós nos mantemos; 2. Penetração de todo tipo de com porta m ento hum ano; 3. Caráter inexpresso; 4. Esq uecim ento; 5. Indistinção; 6. Pré-conceptualidade; 7. Isenção de ilusão; 8. A rticulação inicial. Pois bem, se agora o filosofar enq uanto tal irrom pe e com e ça a formar-se a si mesmo a partir do fato de que o questionar humano se encontra diante do ente mesmo e coloca para ele a questão sobre o que ele, o ente, é enquanto tal, então precisa vir expressamente à ton a no transc urso de um tal que stionamen to e de uma tal tentativa de respostas - po r mais que tudo pa reça ain da po r demais desajeitado - como o que é nesse caso não apenas o ente enq uanto tal, mas tam bém o ser do ente é com preendido. Essa compreensão de ser que se enuncia na filosofia não foi inventada e im aginad a pela filosofia, mas o filosofar enquanto ação originária do homem desperta nessa compreensão mesma, assim com o ele emerge do mesm o m odo daquilo que ela já era antes de toda filosofia expressa. Além disso, uma vez que nessa existência pré-filosófica do homem já precisa haver uma com preensão de ser - pois de outro m odo ele não poderia se com portar de m aneira alguma em relação ao ente -, a compreensão de ser, que se expressa na filosofia, é aquilo que o hom em já traz consigo enquanto tal a partir de sua própria existência pré-filo sófica. O despertar da compreensão de ser, o encontrar-se pre viamente disposto p ara ela mesma, é o nascim ento d a filosofia a partir d o ser-aí no homem . Agora, não temos com o acom panhar aqui esse nascimento da filosofia como despertar da compreensão de ser na história ocidental. Precisamos nos contentar com um aceno esquemático. 63
b) A plurissignificância de ο ύ σ ία com o sinal da riqueza e da indigência dos problemas indô m itos no de spertar da com preensão de ser O desp ertar da com preensão de ser significa experimen tar o ente enquanto ente, isto é, compreendê-lo concomitantemente com vistas ao seu ser. O ser é aí vislumbrado e o é em meio à vi são de um a comp reensão ainda totalmen te velada para si mesma. O velamento dessa com preensão de ser, porém , encerra, não obs tante, em si o fato de que, se ela é um a com preensão do ser, o ser precisa ser aí clarificado a p artir de um lugar qualq uer como isso e aquilo. Se e ond e o ente enq uan to ente é exp erimentado, o ser do ente encontra-se na claridade, por mais velada que ela seja, de uma compreensão. Se e onde, porém, um ente é assim expe rimentado e, então, se inquire expressa e intencionalmente o que ele é, aí se fala de algum m od o do ente em seu ser. A experiência do ente enquanto ente, o que significa agora a compreensão de ser, precisa se exprimir, então, de algum modo expressamente, t ela precisa ganh ar voz. On de qu er que se filosofe, a com preensão de ser ganha voz, o ser é compreendido e, de algum modo, cap tado e concebido, visto à luz de... - de que? Sob que luz a filosofia antiga - a filosofia ocid en tal em seu início decisivo - com preen de o ser, isso é algo que precisam os, portanto, descobrir, na m edida em que pergunta m os e respon demos: em q u e palavra fund am enta l se expressa a A ntiguidad e sobre o ser, que palav ra é usad a pela filosofia com o designação terminológica do ser, isto é, como designação expressamente dem arcada e nom eada pa ra ele? Nós perguntam os sobre a pa lavra antiga p ara o ser, não, po r exemplo, para o ente, apesar de os respectivos significados vernaculares para os dois, outrora tanto quanto ainda hoje, se confundirem fora da filosofia e no interior dela. Q uan do lemos em n ossa literatura filosófica atu al e antiga: o ser, então o que se tem em vista é sempre o ente. Nós buscam os, porta nto, a designação antiga para o ser, não para o ente. 64
De maneira correspondente, τό óv não tem em vista apenas todo ente presente à vista, mas o que é sendo, aquilo que é um ente, quando ele é, apesar de ele não precisar ser necessariamente, τό κακόν tem em vista, por um lado, como designação conjunta, tudo aquilo que pertence ao âmbito do ruim, designando, então, porém, o âmbito mesmo, que abarca em si aquilo que é primeiramente visado. De maneira corres pondente, TO Óv é um nome que reúne todo o ente presente à vista: o que cai sob o âmbito do ente, aquilo que temos em vista com “sendo”. Em seguida, ele é o nome para o âmbito do ente, de acordo com aquilo que acabamos de dizer: nom e para aquilo qu e um ente é. A am bigüidade de tais palavras não é casual, mas tem um fund am ento m etafísico profundo. Por mais inap arente e iníqua que possa parecer essa diferença e sua indistinção constante, nós estamos aqui junto ao abismo de um problema central. A grandeza interna, por exemplo, dos diálogos platônicos só se torna compreensível, quando se vê e persegue o modo como os vários embates vernaculares intrincados e aparentemente vazios, a contenda em torno dos significados das palavras, nos dirigem para esse abismo, melhor, pairam sobre ele e, assim, portam em si toda a in quietude do problem a filosófico derra deiro e primeiro. Tò κακό ν é um nom e conjunto e um nom e para designar um âmbito; com esse seu último significado, ele tem em vista o que é ruim , justam ente enq uan to tal. Tal ente ruim é o que ele é, na medida em que determinado po r meio do ser ruim , da ru in dade - κ α κ ία . De maneira correspondente, τό óv é um nome conjunto e um nom e para designar um âmbito; com esse seu úl timo significado, ele designa o ente que é enquanto tal; tal ente possui esse caráter, na m edida em que é determ inado por meio do ser um ente, da entidade: ού σ ία . Aquilo, por m eio do que um ente é determinado para algo assim, é a entidade do ente, o seu ser: ουσία του όντος. 65
O ruim (que está) presente à vista O que é ruim enqu anto tal A ruindade (o que con stitui o ser ruim )
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o ente presente à vista o ente enquanto tal a entidade do ente (o ser)
Assim como no caso da palavra τό κακόν o significado conjunto e o significado para o âmbito oscilam e se alternam e o respectivamente ruim mesmo e o que é ruim enquanto tal, o ser ruim, é visado, também pode ser agora que o significado e a palavra “ruin dade”, nos quais é visada e citada a essência do ser ruim, sejam usado s como um a designação conjunta: “a ruinda de no m un do ”, isto é, o ruim que ocorre, que se enc ontra presente à vista. De m aneira c orrespon dente, “o ser” é usado no significado do ente presen te à vista. Podemos constatar: no discurso cotidiano e no discurso fi losófico vulgar, o que é concomitantemente visado com o “ser” é na maioria das vezes o ente. De acordo com isso, o que era pro priam ente buscado no in terio r da questão antiga τί τό óv, mas ' que justame nte po r isso não tinha sido expressa e claramente re conhecido, apesar de se m ostrar de algum m od o com o conheci do, obteve a designação de ουσ ία . De início e antes de tudo, no entanto, todo empenho estava voltado para o esforço por reter a questão τί τό óv e por encontrar uma resposta para ela, isto é, para apontar para a ουσ ία , para visualizá-la em geral pela pri m eira vez. E já aí não se obteve senão um a multiplicidade co nfu sa daquilo que me rece esse nom e ουσ ία ,27 e, com isso, abriu-se uma amplitude da problemática, que não pode ser nem vislum bra da, nem ta m pouco dom in ada em meio à prim eira irru pção propria m ente dita em Platão e Aristóteles. A luz que sobreveio era tão clara, que esses dois grandes ficaram incessantem ente po r assim dizer cegos e só pu de ram a princípio m ed ir e reter o que se oferecia aí de saída. A prim eira grande colheita precisou ser p ri 27
Cf. acima a articulação inicial da compreensão de ser. 66
meiro realizada u m a vez. E desde então a história da filosofia está debulhando essa colheita. Além disso, as pessoas não se acham agora senão debulhando palha vazia: precisamos primeiro nos -afastar uma vez mais e recuperar uma vez mais a colheita. No entanto, isso significa: conhecer o campo onde ficam as colhei tas, o campo e o seu crescimento. Só poderemos fazer isso e só estaremos pro ntos para isso, se a aiveca estiver afiada e nem tudo tiver se enferrujado e se tornado insípido, de tal modo que tudo se transforme em meras opiniões, em falatório e escrivinhação. Precisamos ap rend er um a vez mais prim eiro a lavrar e a arar, esse é o nosso destino, para que o negro e o obscuro do fundamento ganhe a luz do sol - nós, que já po r um tem po longo demais e de m aneira fácil demais só nos mo vime ntamo s d aqui para lá pelas vias desgarradas e obstruídas. A filosofia antiga encontrava-se no alto. Ao m esm o tempo, com P latão e Aristóteles, ela se achava diante de um a rica colheita. A ο ύσ ία significa mu ito e muitas coisas. Por isso, a plurissignificância na qual essa. palavra fun da m en tal da filosofia antiga ocorre em Platão e em Aristóteles não se deve à arbitrariedade e ao desleixo na terminologia, mas é antes um sinal da riqueza e da urgência indômita dos problemas. M as precisam ente se essa multiplicidade dos significados da ούσ ία , daquilo que era visa do e ainda o é com ser, foi retida e sustentada, então é preciso que tenh a sido co m preendido em toda essa mu ltiplicidade algo corrente, algo uno, sem que ele pudesse captar a si mesmo. O que significa no fundo, então, a palavra ού σ ία em toda a sua multiplicidade? Será que conseguimos encontrar esse signi ficado lá ond e os próprios gregos se exprim iram mais sobre ele? Os gregos tamb ém não se enco ntravam lá onde nós m esmos nos encontramos parados? “Ser”, “é”, “foi”, “será”: algo desse gênero é algo que compreendemos por si mesmo e de tal modo que, aí, não h á mais nada a compreender, ou seja, tam bém não mais nada a questionar. O que deve nos impelir ainda a continuar questionando? Justamente esse fato estranho da com preensão de 67
“ser”; pois se nós o compreendemos, então acontece isso: nós to mamos o que é designado e visado com ser, ούσία, como “isso” e “aquilo” - com o o que? Mesa como objeto de uso, o triângulo como figura espacial. Ser como...? Ser no sentido e no significado de? De que? Essa é a questão. Mas as pessoas ainda poderiam nos impedir de formular essa questão, a questão de saber à luz de que algo assim como o ser é compreendido na compreensão de ser. Elas poderiam nos impedir por meio de uma referência ao fato de que justamente algo do gênero do ser não pode ser equiparado com a mesa e o triângulo. Essas são coisas dete rm inadas, isto é, entes, em relação aos quais se pode e se precisa mesmo perguntar sobre o ser - o que ele é, ser-o-que. M as o ser - isso é, de qualquer modo, justa me nte o que há de de rradeiro e de primeiro no ente enquanto tal, ele mesm o não é um ente, um a coisa. Portanto, não tem os direito algum de colocá-lo sob o mesmo tipo de questão que envolve o ente. Esse é um argumento convincente. Reportando-nos ao ca ráter com pletam ente diverso do ser em relação ao ente, exigimos ''que as questões, que são possíveis com vistas ao ente, não sejam simplesmente transpo rtadas pa ra o ser do ente. Com que direito, porém, nós nos reportamos ao caráter completamente diverso do ser em relação ao ente? Nisso já re side de qualquer form a a pretensão de que conhecemos o m odo diverso e o modo próprio do ser, isto é, que conhecemos a sua essência, que sabemos algo dela. Nós sabemos, afinal, algo dela? O u será que nos reportamo s po r assim dizer apenas a um pres sentimento obscuro de que o “ser”, de que o “é” e o “foi” não são coisa alguma e ente algum como esta coisa mesma, da qual se diz que ela é ou foi? Podemos e queremos saber, afinal, algo sobre a essência do ser, quando nos deslocam os ao mesm o tem po pela via de um questionamento acerca dele? M anifestamente não. Portanto, precisamos perguntar o que o ser significa. E se a questão: como o que compreendemos o ser, quando o com preendemos?, na form ulação lingüística soasse como a pergunta: 68
como o que compreendemos este ente - mesa - quando nós o com preendem os? Se, portanto , a formulação lingüística das duas questões for a mesma, en tão não se segue daí que o tipo de ques tionamento £ de compreensão tem aí o mesmo caráter. Não se obtém daí senão o fato de que a questão acerca do ser se reveste e po de se revestir com a mesm a figura ou mesm o que ela precisa se m os tra r com o a questão acerca do ente. Daí, po r sua vez, só se segue novam ente que a questão pode se esconder em um a figura estranha e se mostrar como irreconhecível para aquele que está habituado a perguntar exclusivamente sobre o ente. Só se segue daí que nós pe rcorrem os com a pergun ta a senda própria à filo sofia, senda essa que se perdeu em meio ao domínio do senso comum , melhor: que tentam os perc orre r essa senda. Assim, pe r siste a necessidade de perg untar: o que significa a palavra fund a mental da filosofia antiga, ουσία, se é que ela não é uma mera casca e um a m era fumaça, m as conseguiu dom ar com a violência de seu significado o gênio de um Platão? Ο υσ ία του ό ντος significa na tradução correspondente para a nossa língua: entidade do ente (S eiendheit des Seienden); nós dizemos: ser do ente. “Entidade” é uma cunhagem muito dura e inabitual, porque ela é uma cunhagem lingüística artifi cial, que só nasce no interior da meditação filosófica. De qual quer modo, aquilo que vale para a cunhagem lingüística alemã “Seiendheit” (entidade), não pode ser dito da cunhagem grega correspondente. Pois ου σ ία não é nenhuma expressão técnica artificial, criada pela prim eira vez na filosofia, mas p ertence ao discurso e à linguagem cotidiana dos gregos. A filosofia acolheu simplesm ente a palavra da linguagem pré-filosófica. Se isso pô de acontecer por assim dizer por si mesmo e sem causar estranha mento, então precisamos deduz ir daí o fato de que a linguagem pré-filosófica dos gregos já era filosófica. E esse é de fato o caso. A história da palavra fundamental da filosofia antiga é apenas uma prova insigne do fato de que a língua grega é filosófica, isto é: não é marc ada impositivam ente po r u m a term inologia filosófica,
mas é filosofante como língua e como configuração lingüística. Isso é válido para tod a e qualquer língua autêntica, natu ralm ente sempre segundo graus respectivame nte diferentes. O grau é m e dido pela profundidad e e pela violência da existência do povo e da estirpe, que fala a língu a e existe nela. Só a nossa língua alemã tem ainda o caráter filosófico" pro fun do e criador correspondente ao da língua grega.28 c)
O uso lingüístico cotidiano e o significado fundam ental de ού σ ία : presença Portanto, se procu ram os auscultar o significado fund am en tal da palavra funda m ental ο ύ σ ία , então precisamos d ar ouvido ao uso lingüístico cotidiano. Logo veremos: no uso lingüístico cotidiano não existe nenhuma cisão aguda entre “ente” e “ser”, mas ser tem em vista com frequência o ente. Assim, o mesmo também acontece no grego. A ούσία tem em vista o ente, mas naturalmente não um ente qualquer, mas um ente tal que ele se ; m ostra de certo m odo com o distinto em seu ser, aquele ente que pertence a alguém, que se revela como sua posse e bem, casa e corte (propriedade, capacidade), que se acha disponível. E esse ente: casa e corte, pode se encontrar à disposição de alguém, porque ele está inquebrantavelmente firme , constantemente al cançável, à mão, presente à vista na mais imediata vizinhança. Por que é, então, que os gregos cobrem justam ente esse ente de terminado: casa e corte, posse e bem, com aquele nome e com aquele termo, que tem em vista o ser em geral? Por que é que justa m ente esse ente obtém a distinção de um a tal denominação? Evidentemente apenas porque esse ente corresponde em um sen tido insigne e mais urgente àquilo que se compreende de m aneira não explícita na compreensão de ser cotidiana por entidade de um ente (por seu ser). E o que se compreende por ser? Nós te remos a opo rtunida de de apreender isso, quan do conseguirmos 28
Cf. Mestre Eckhart e Hegel.
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determ inar o elemento distintivo presente na casa e na corte, na posse e no bem, o elemento distintivo em tu do isso, na m edida em que eles se mostram precisamente como um ente e, assim, por assim dizer, na medida em que impõem a entidade e a deixam saltar aos olhos. O que é esse elemento distintivo? Posse e bem são con s tantemente alcançáveis. Como esse elemento constantemente alcançável, ele é o que se encontra próximo, ele se encontra na proxim idade, na bandeja de presentificação, ele se presentifica constantemente. Ele é o que há de mais pró xim o e, enquanto esse elemento co nstanteme nte próximo, presente à vista em um sen tido acentuado, atual, presente. Porque ele é o presente insigne, aquilo que se presenta, nós o denom inam os casa e corte, capaci dade, aquilo que os gregos designam com o termo ούσ ία , o que se presenta. Não se tem de fato outra coisa em vista com o ter m o ο ύσ ία senão presentidade constante, e é isso justam ente que se compreende por entidade. Essa entidade, essa presentidade constante, é o que tem os em v ista com o termo “ser”. Como ente em sentido próprio, o que é interpelado pelos gregos é aquilo que satisfaz a essa com preensão de ser: prese ntidade constante, o que sempre se encontra presente à vista. Nós perguntamos: como é que esse ente particular - casa e corte - chega efetivamente a receber a designação do termo fun damental para o ente enquanto tal - entidade? Se perguntamos assim, então isso desperta a impressão de que estaríamos pen sando que, de saída, o termo ού σ ία seria dotado do significado fundamental exposto: presentidade constante, ter estado pre sente, e, então, que os gregos teriam questionado qual dentre os muitos entes mereceria mais do que todos os outros esse termo como designação e a que ente gostaríamos de atribuir a palavra por assim dizer como nome ? O estado de coisas mostra-se com o o inverso. A palavra ούσ ία , por estar linguisticamente em conexão com óv - όντα, surgiu em primeiro lugar da experiência desse ente. N aturalmente, ela só pôd e crescer, na m edida em que já se 71
encontrava efetivam ente presente à vista aquilo que é visado com o significado da palavra: presentidade constante. Na maioria das vezes e francam ente onde o que está em questão é algo derradeiro e essencial, tal como no caso dessa palavra fundamental, o ho me m já tinha há m uito tempo um a com preensão daquilo que ele tem em vista, sem que ela tivesse vindo à tona para ele. Aqui, foi o ente denom inado, casa e corte, que imp ôs em si como insignemente presente o nom e do ente; o que só pôd e acontecer, na m e dida em que, po r entidade - àntes da cunhagem do term o ου σ ία -, o que era visado e compreendido era: presentidade constante. A questão, porém, é que preciso afastar a seguinte suposição: a suposição de que, no significado cotidiano de ου σ ία, se teria em vista a cada vez a capacidade, a posse e o bem determinados. Na com preensão e no uso do significado, os gregos têm em vista isso; no entanto, eles têm em vista isso, na m edida em que eles compre endem de antemão: presentidade constante. Os gregos compre endem a presentidade constante em um a pré-compreensão, sem voltar essa presentidade mesma para uma visada temática. Essa 1 significação fundamental estabelecida na palavra empregue cotidianamente οΰσία, um a significação tomada como óbvia e, por isso, não formulada de ma neira alguma ulteriorm ente áe m odo expresso, foi transposta para o uso filosófico da palavra ουσ ία. Esse significado funda m en tal tornou a οΰ σ ία possível como te r mo, não como u m term o qualquer, mas como o term o que desig na aquilo que foi buscado, discutido e já pré-compreendido na questão diretriz do filosofar prop riam ente dito. d) A com preensão velada pa ra si m esm a do ser (οΰσ ία) como pre sentidade constante. Ο ΰ σ ία como o buscado e pré-com preen dido na questão d iretriz da filosofia Mas podemos colocar, afinal, todaa interpretação e con cepção do conceito de ser na filosofia antiga sobre a base dessa mera explicação do significado cotidiano de οΰσ ία? Não é um procedim ento violento e artificial, e, além disso, bastante extrín72
seco, querer arranc ar o conteúdo do prob lema de tod a a filosofia antiga a partir de um significado vocabular isolado, sobretudo quando se leva em consideração o fato de o resultado, segundo o qual ser significa presentidade constante, não ser formulado e expresso em parte alguma na Antiguidade? Precisamos conced er esse último ponto. No entanto, o fato de a Antiguidade não nos dizer expressa e diretamente o que ela tem em vista no fundo com o termo ούσία é justamente a razão pela qual perguntamos e precisamos p ergunta r sobre isso. Como é que as coisas se encon tram, porém, em relação à violência, à artificialidade e ao caráter extrínseco de nossa interpre tação e tese? É preciso atentar por um lado para o fato de que não nos valemos de nenhuma etimologia, para descortinarmos algo ori ginário em relação ao significado a partir do étimo da palavra - um procedim ento, que está exposto a grandes abusos e erros, mas que justamente po r isso tam bém , quan do é em preendido no lugar certo e da m aneira e nos limites corretos, pod e ser frutífero. Também não pegamos simplesmente o termo ο ύσ ία e decompu semos puramente seu significado, mas entramos no ente mesmo que é denominado nesse significado vocabular, e, em verdade, com vistas ao m od o com o ele é visado .no uso da palavra. Nós tomamos a palavra como um dito, no qual um comportamento essencial do homem em relação ao ente se expressa para o seu entorno constante e imediato. Nós tomamos a língua como um todo enquanto a manifestação originária do ente, em meio ao qual o homem existe, o homem, cuja distinção essencial é exis tir na linguagem, nessa manifestação. Foi precisam ente essa dis tinção essencial que os gregos experimentaram e expressaram como ninguém antes ou depois deles. A distinção de existir na linguagem foi fixada pelos gregos até mesmo diretamente como o m om ento decisivo da definição essencial do hom em , na m ed i da em que eles disseram: ά νθρω πο ς ζφ ον λόγον έχον, um ser vivo que possui linguagem , isto é, que se m an tém na m anifesta ção do ente na linguagem e p or m eio dela.
Nossa inte rp retação não nasce de n enhum a constatação ex terior de um significado vocabular com base em um dicionário. Antes de tudo, po rém , com o que foi dito até aqui sobre a ού σ ία não se expressou a última palavra. Ao contrário, não tivemos se não a preparação para a interpretação do significado filosófico da palavra. Essa interpretação não consiste em reunir os signi ficados, que a palavra tem em diversos lugares dos escritos filo sóficos, mas em comprová-lo como termo fundamental e como termo central para o problema, a fim de trazer à luz, assim, a problemática m ais in te rna da m etafísica antiga, na qual é preciso compreender a ο ύσ ία com o palavra designativa do p roblem a a partir da e n a questão diretriz da filosofia. Essa seria n atu ralm en te um a questão para um a preleção própria. Fornecemos agora apenas acenos, e, em verdade, no con texto e nos lim ites de nosso próp rio qu estionam ento. O contex to e as perspectivas para o problem a da liberdade, essa é a ques tão: o que é o ente? Em que medida reside no questionamento t assim erigido um cará ter de abordagem? O que é exigido para a decisão do prob lem a é colocar efetivamente a que stão d iretriz, colocar em questão precisamente aquilo que é digno de ques tionamento! O que é perguntado é o ente enquanto tal - o ser! E como é que se precisa perguntar sobre isso, para que uma resposta seja possível? O que significa ser? A p ar tir do que ele é compreendido? Ele é compreendido na compreensão de ser, e, em verdade, nã o prim eiram en te na filosofia, mas, ao co ntrário, a filosofia emerge daquele despertar da compreensão de ser. Em um tal despertar acontece um exprimir-se. Portanto lá, no despertar da filosofia, no acontecimento apropriativo decisivo da Antiguidade, a compreensão de ser ganha voz. A palavra para ser é, e, em verd ade, já no discurso cotidiano, ού σ ία : casa e corte, presença. Nossa interpretação mostrou que e como a compreensão de ser pré-conceitual inserida nesse significado co tidiano de ού σ ία dá a entender a entidade d.o ente como presen tidade constante. 74
Se o ser é compreendido como presentidade constante: de onde é que u ma tal compreensão recebe a sua luz clarificadora? Em que horizonte m ovim enta-se a compreensão de ser? Antes de res ponderm os expressamente a essa questão decisiva, precisamos mostrar que em geral e como, então, precisamente na filosofia também , na m edid a em que ela é guiada pela questão τί τό óv, ser é com preend ido como presentidad e constante e concebido à luz dessa compreensão. Precisam os nos satisfazer aqui com p ar cas referências a Platão e Aristóteles. § 8. Apresentação do significado funda m en tal velado de ου σ ία (presentidade constante) junto à interpretação grega de m ovim ento, ser-o-que e ser efetivamente real (presença à vista)
Nós partim os do significado cotidiano da palavra ο υσ ία , mais exatamente daq uilo a que ela visa em particu lar no uso prée extralinguístico: o ente enquanto casa e corte, no uso filosófico mais amplo de todo e qualquer ente presente à vista enquanto algo presente à vista. Com isso, se atentarmos agora, sob o con trole da questão diretriz “o que é o ente enquanto tal?”, para o ente que vem mais ime diatam ente ao nosso encontro, sejam eles coisas naturais ou coisas de uso à no ssa volta, e se perg un tarm os sobre aquilo neles que constituiria a entidade, en tão essa questão parece colocada de m aneira inequívoca e estar preparada para um a resposta. O fato, po rém , de essa questão elementar, precisa mente po rqu e ela é elementar, ser da maior dificuldade e sempre um a vez mais não ser suficientemente p reparada, isto é, elabora da, isso é algo que toda a história dja filosofia até hoje m ostra.
a) Ser e movim ento. Ο υσία como πα ρο υσ ία do ΰπομενον Quando nós perguntamos: o que constitui a entidade em um a coisa presente à vista - po r exemplo, em um a cadeira?, en tão pergun tam os imed iatamen te na direção: como apreendemos 75
a cadeira, ou mesmo: podemos efetivamente apreendê-la? Mas se nos abstraímos da questão desprovida de solo e de sentido sobre se nós só captamo s um a imagem psíquica ou a cadeira real e efetiva, se nos mantivermos na situação em que temos diante de nós essa coisa presente à vista como algo presente à vista, m es mo nesse caso não estará tudo preparado para perguntarmos o que constitui a presença à vista da coisa. Muito se fala, então, na filosofia, indo de um lado para o outro, sobre os objetos e seu serobjetivo, sem an teriorm ente pre star um esclarecimento suficien te sobre o que se tem, afinal, em vista aí, quando se tem diante de si, po r exemplo, a cadeira presen te à vista como presente à vista. Agora, podem os dizer: isso se transfo rm ou hoje. Mas o que mais devemos e nco ntrar ainda na cadeira, mais exatamente, em seu modo de ser, se é que ela se acha aí assim? O fato de ela possuir quatro pés? Em caso de necessidade, ela poderia ficar com três pés. E se ela tivesse dois pés, ela acabaria caindo, ela também continuaria sendo uma cadeira presente à f vista, só que um a quebrada. Também há cadeiras de um único pé. O u que ela tenha um braço ou não tenha nenhum , que ela seja estofada ou não, baixa ou alta, confortável ou desconfortá vel - tudo isso po de ser contado p or nós. Mas nós pergun tam os sobre um m odo de ser, quan do ela se encontra tão simp lesmen te em sua serventia, como quer que ela venha a ser constituída. O q ue im po rta que ela esteja aí aprum ada, o u que ela tenh a vira do, esteja no chão? Pois bem , ela está parada; ela fica parada; ela não anda, portanto, por aí; ela não é nenhum animal e nenhum homem. Não obstante, não queremos saber o que ela não é, mas o que ela é, o que acontece com ela, quando ela se apresenta aí. Ela está parada. Portanto, ela está em repouso. Ora, essa cons tatação não é nenhuma grande sabedoria. Com certeza não, e, porém, por toda parte e pre cisam ente lá onde não se pode gritar de maneira suficientemente alta o fato de que tais coisas como uma cadeira e uma mesa são em si e não meras representações em nós, esse elemento óbvio jun to ao tão famigerado “ser-em-si” 76
de tais coisas foi desconsiderado de modo tenaz. Mas o que que remos com isso? O que conquistamos com a referência ao fato de que a cadeira, como algo que se encontra aí parado, está em repouso? O ra, no fato de que ela está em repouso, de que ela tem de fato um “pouso”, um pouso contrário (como algo que se con trapõe),29reside o fato de ela estar em movimento. N ós acabamos de falar, contudo, que ela estaria em repouso; nós damos a essa “constatação” um peso particular. Com certeza, mas só aquilo a cujo m odo de ser pertence o ser movido pod e estar em repouso. O número “cinco” não está, nem nunca estará em repouso. Não porque ele está constantemente em movim ento, mas porque ele nun ca pode estar em movimento. O que está em repouso está em movimento, isto é, a mobilidade pertence ao ser daquilo que re pousa. O ser do ente em questão, da cadeira que se encontra aí, da cadeira presente à vista, não pode, por isso, ser problematizado, sem que adentremos no problema da mobilidade, isto é, do ser movido, sem ade ntrarm os na essência do movimento. Ao contrá rio, onde a essência do movimento é transform ada em problema, a questão se m antém na mais imediata proximidade da pergunta acerca do ser. Onde algo é questionado sobre a essência do mo vimento, aí o ser precisa ganhar voz. Ainda que não de maneira expressamente temática, é preciso que se fale sobre o ser. É assim que as coisas se encontram em Aristóteles, em re lação ao qual já foi dito, que ele lançou mão pela primeira vez do problema do movimento e o levou essencialmente a sair do lugar. Isso com certeza de tal modo que ele, apesar disso, nem efetivamente viu, nem concebeu o nexo interno velado com o problem a do ser. Mas ele compreendeu: se o estar-em -m ovim ento é uma determinação das coisas naturais e do ente em geral, então a essência do m ovim ento necessita de um a explicitação. 29 Em alemão, Gegenstand (objeto) significa literalmente estado contraposto. Traduzimos acima Stand por pouso apenas para manter o paralelismo com stehen (estar em pé, ficar parado). (N. T.) 77
Essa explicitação foi levada a term o p or Aristóteles em um a gran de preleção, que nos foi legada e que se intitulou b revemente como Física. Essa palavra, porém, não po de ser equiparada com o conceito m od ern o da “física”; e isso não po rqu e a física de Aris tóteles é levada a term o de ma neira po r demais primitiva e mes m o sem u m a ma temática mais elevada ou sem u m a matemática, mas porque ela não é efetivamente ciência natural, mas filosofia, conhecime nto filosófico dos φ ύ σ ει ό ντα, das coisas presentes à vista enq uan to presentes à vista. A física aristotélica não apenas não é mais primitiva do que a moderna, mas ela é antes o seu pressuposto necessário, material e historicamente. A explicitação temática do movimento é levada a termo nos livros III, V e VIII da Física. O primeiro livro fornece um a introdução. Aristóteles mostra a necessidade interna do pro blema do movimento, na medida em que comprova como o questionam ento derrade iro e prim eiro de tod a a filosofia an ti ga antes dele aponta para esse problema não formulado. Nesse contexto, ele discute ao mesmo tempo as dificuldades, dian te das quais uma nova tentativa de explicitar o problema do movimento se vê de saída colocada. Nesse caso, ganham voz algumas coisas sobre o próprio m ovim ento e a essência do m o vim ento é problem atizada.30 Perg unta-se sobre aquilo a partir do que um movimento enquanto tal é internamente possível. Isso, a partir do que se determina a possibilidade interna de uma coisa, significa para Aristóteles άρχή, princípio. O cará ter fundamental do movimento é μεταβολή, mudança. Esse termo designa a m ud anç a de - para. Por exemplo, se esse giz se torn a (γένεσ ις) po r alguma razão vermelho, então po dem os tom ar esse processo de duas maneiras: po r um lado, como m u dança d o giz “de co r branca” pa ra a coloração vermelha, ou, p or outro lado, porém, como o tornar-se vermelho do giz. Nesse 30 Cf. em particular Aristóteles, Physica (Prantl.). Leipzig (Teubrier) 18791, 7.
cas caso, o branco nã o se torn a vermelho, mas, mas, a pa rtir do giz giz bran co, vem a ser um vermelho; não simples um τό δε γίγν γίγνεσ εσ θ α ι (τόδε) (τόδε) ά λ λ α κ α ί έκ τοΰ το ΰ δ ε31 ε31...,3 ...,322 não foi, por exemplo, a partir do giz que um giz vermelho surgiu. Na γέν γέ ν εσ ις έκ τίν τίν ο ς είς είς τι, 33 nós temos três momentos, que pertencem à possibilitação interna: ύπομένον, aquilo aquilo que se se mantém em meio à m udan ça - sob ela p o r assim dizer dize r - , que sub/'αζ sub/'αζ.. Esse Esse algo, algo, po rém , o gi giz, de acordo com a contagem uma única coisa, possui segundo o seu aspect aspectoo um duplo είδος: em seu aspecto aspecto reside reside em p rim ei ro lugar o ser giz, para o qual não pertence necessariamente o ser branco, e, em segundo lugar, esse ser branco mesmo. As duas coisas não coincidem e as duas precisam ser diversas, se é que uma mudança deve ser possível, uma mudança que, en quan to transição, semp re passa pa ra algo algo que desde o po nto de pa p a r t i d a é d ive iv e rso rs o e q u e , d e a lgu lg u m m o d o , p r e c isa is a se e n c o n t r a r em contraposição, algo que o transiente não é antes da tran sição: στέρησις (privação). Assim, pertence a uma γένεσ γέν εσ ις no sentido pleno esses três elementos: 1. ύπομένον, 2. είδος, 3. στέρησις. Pois κ α ί δή λ ό ν έσ τιν τιν ό τι δει ύ π ο κ εισ εισ θ α ι τι τοι το ις ένα έν α ν τίο τίο ις κ α ι τά ν α ν τία τία δύ ο είν είν α ι34.35 Portanto, três ά ρχα ί: ύπ ομ ένον e oposição, porque seus dois membros são concomitantemente contados, na medida em que por oposi ção está concomitantemente concebida a duplicidade dos elos da oposição. oposição. É preciso no m ínim o que essas essas três (duas) ά ρ χα ί sejam dadas para a possibilidade do movimento; não precisa 31 Em grego no original: não apenas “este aqui torn to rnaa-se se este aqui, mas também a partir deste aqui”. (N. T.) 32 Op. cit., I 7 , 190a6 190a6.. 33Em grego no original: “o vir-a-ser a partir de algo em direção a algo”. (N. T.) 34 Em grego no original: “e “e está claro que que é necessário necessár io que algo algo seja seja subjacente aos contrá con trário rioss e que os opostos opo stos sejam se jam dois”. dois”. (N. T.) T.) 35 Op. cit., I 7 , 191a4eseg. 191a4eseg. 79
haver mais. mais. Τ ρό πο ν δέ τιν τιν α ά λ λ ο ν ο ύκ ά να γκ α ιο ν36 ν36.37 De uma certa maneira diversa, a triplicidade dos princípios não é necessár necessária ia para a possi possibil bilidade idade da μ ετα β ολ ή . Ικ Ικ α νό ν γά ρ έσ τα ι τό έτερο ν τω τω ν ενα ενα ντί ντίω ν π ο ιέίν έίν τη τη α π ο υ σ ία κ α ί πα ρ ου σ ία , pois po is p o d e ser se r sufi su ficc ien ie n te p a r a a p o s sib si b ili il i d a d e de u m a m u d a n ç a , que um dos dois dois que se encontram enc ontram contrapostos, isto isto é, é, ά π ο υ σ ί α ou π α ρ ο υ σ ία consti constitua tuam m a mudança mudan ça.. Essa passagem passage m é significat significativa iva para pa ra nós em m uitos uito s aspectos se gundo gund o todo to do o seu contexto. contexto. De saída saída,, há duas construçõe s lingüís tica ticass a partir par tir da d a palavra já conhecida co nhecida ουσ ου σ ία . Essas construções são características. Elas dão dã o expressão expressã o a dois significados de ούσία: a u sência e pre-sentidade. Elas apontam de maneira inequívoca para o fato de que se trata no conceito de ού σ ία do que q ue está presente prese nte e do que não está presente. Ao mesmo tempo, porém, porém, tam bém se pode dizer agora: se α που σ ία - πα ρουσ ία significam respectivamente ausência ausência e presentidade, presentidade , então a ού σ ία signifi significa ca m eram era m ente en te essenciali cialidade dade,, algo algo que paira sobre as duas, duas, que não é nem uma, um a, ne m a / outra. Ela não signi signific fica, a, com co m o nós n ós afirmam os , pres pr esen entid tidad ade. e. O gre go expres expressa sa ess essaa presentidade po r meio do term o πα ρου σ ία . Essa objeção form alm ente lingüística parece pare ce ser irrefutáv irrefutável. el. De fato, fato, ela ela não pode e não tem o direito de ser refutada de maneira formal m ente lingüísti lingüística, ca, ela não p ode od e e não te m o direito direito de ser refutada po p o r me m e io d e u m rec re c u rso rs o ao q u e é visado direta e expressamente no uso lingüístico, porque a tese de que a ού σ ία seria equivalente à pre p rese senn tid ti d a d e c o n sta st a n te n ã o se re r e p o r ta àqui àq uilo lo que qu e é vis v isad adoo d iret ir etaa e expressamente no uso lingüístico cotidiano. O que é visado com o significado fundamental afirmado po p o r n ó s e o m o d o c o m o ele é visa vi sadd o , é algo alg o q u e d e v e rá ser se r e xpli xp li citado citado mais tarde. tarde. N ós insisti insistim m os agora simplesmente no seguin te: a ού ο ύ σ ία tem um significa significado do tal, tal, que ela ela é em certo sentido 36 Em grego grego no original: “Mas de um outro out ro modo, modo , eles eles não são são ne ne cessários”. (N. T.) 37 Op. Op. cit., cit., I 7, 191a 5 eseg. 80
imutável em meio ao significado de au-sência e pre-sentidade, não p resença e presença. presença.
(παρ) ου σ ία πα ρου σ ία
α πο υσ ία
A πα ρου σ ία expressam ente visada, visada, enun ciada e estabelec estabeleci i d a contra a α πο υσ ία é apenas apenas com base na πα ρου σ ία originária. C om o é que isso é possível e o que significa, significa, é algo algo que perm p erm anece an ece um problema; e, em verdade, não apenas um problema literário característico da interpretação de conceitos fundamentais anti gos, os, m as um problema fundam ental, ental, puram ente materia material. l. Antes de nos dispormos a nos aproximar desse problema, é importante atentar para o que nos diz, além disso, a passagem citada no que concerne à tarefa de interpretação do termo filo sófico fundamental οΰ σ ία . O fato de a interpretação e mesmo já a d escr es criç ição ão d a μεταβολή estarem orientadas pela ausência e pel p elaa p res re s e n tid ti d a d e - e, e m verd ve rdad ade, e, de c e rta rt a m a n e ira ir a já e m P la la tão, pois lá encontramos: passagem do não-ser ao ser e vice-ver sa - ver ess essee fat fatoo é algo algo que possui um a en orm e amplitude. amplitude. A alteração da coloração, por exemplo, é concebida como desa pare pa reci cim m en ento to de uma e o vir à tona da outra: permanecer e não pe p e rm a n e cer. ce r. C aso as o n ã o se fale sim si m p lesm le sm ente en te de u m a alte al tera raçã çãoo (mudança), mas do processo que denominamos no sentido mais estreit estreitoo “vir-a-ser “vir-a-ser”” - o giz giz branco vem a ser vermelho -, acon tece aí essa transformação de impermanência para permanên p e r m a cia, de tal modo que, sob esse processo ainda: ΰπό, algo pe nece: μενον. A interpr inte rpreta etação ção da essência essên cia do m o vim vi m en ento to acontece acont ece inteiramente em determinações determinações do perman ecer e não permanece permanecer, r, do perman ecer a í e do permanecer de fora. Se atentarmo s, então, para o fato de que vir-a-ser e surgir no fun do signific significam: am: ga nhar nh ar o ser ser,, chegar chega r a ser de tal e tal mod o, pa ra o fato fato de que qu e o ser outro ou tro d iz respeito àjàltera àjàlteração, ção, à mu dan ça, en tão 81
salta aos olhos o nexo entre ser e permanecer, assim como suas modulações. modu lações. P erm anecer anec er sign signif ific ica: a: reter a presen tidade constante; constante; entidade, ούσία, é compreendida como presentidade constante. A questão, porém, é que já vimos de qualquer modo o se guinte: guinte: o que atribuím os à ού σ ία só é expresso de qualquer ma neira propriam ente na πα ρου σ ία: πα ρά, esse esse termo tamb ém ex ex pre p ress ssaa o “ju n t o a”, a”, o “aí” aí ”, o e s tar ta r n a série sé rie,, im e d iata ia ta m e n te p re s e n te à vista. Esses são naturalmente aqueles momentos significativos, que são visados precisamente, precisamente, qua ndo o grego grego com preende ούσί α no significado vulgar. Assim, impõe-se a tese: ού σ ία signifi ca propriame nte - quer de ma neira acentuada acentuada ou não - sempre sempre significa algo algo desse gêne g êne πα ρου σ ία ; e somen te porqu e a ού σ ία significa ro, άπ ουσ ία po p o d e e x pres pr essa sar: r: o “e s tar ta r de fora fo ra”” e a falta fa lta,, a sabe sa ber, r, da presentidade . Ausência Au sência não é a falta falta de essencialidade, essencialidade, mas a falta de presen pres entida tidade de;; e, assim, “esse “essencia ncialidade lidade””, ο ύσ ία , significa no fundo pres pr esen entid tidad ade. e. Qs gregos compreenderam entidade no sentido de presentidade presen tidade constante. constante. b) b ) S e r e q u i d i d a d e . Ο ύσία ύσία como πα ρο υσ ία d o είδος Seria Seria natu ralm ente um grande erro, erro, se estivé estivésse ssemos mos dispos tos a achar que tudo estaria esclarecido por meio daí. Nós nos afastaríamos completamente da concepção e da interpretação corretas da compreensão de ser antiga, se estivéssemos dispos tos a desconsiderar o fato de que pertence ao modo de ser dessa comp reensão de ser a luta constante para trazê-la trazê-la a um a prime ira clareza, assim como para clarificar o que ela significa e como é pos p ossí síve vell q u e s e r d e v a sig si g n ific if icar ar a q u ilo il o q ue p rec re c isa is a ser se r jus ju s tam ta m e n te compreendido por assim dizer de maneira óbvia e totalmente inconcebida por ele: presentidade constante, presentidade em geral, ούσ intensificada: πα ρου σ ία. ού σ ία ; de form a intensificada: Esse significado quase natural de ser, que nós formulamos agora expressamente como presentidade, torna-se de saída tão pro p robb lem le m á tic ti c o p a r a os g rego re gos, s, q u e eles n e m m e s m o e n c o n tra tr a m onde reside no fundo o caráter problemático do problema. Por 82
isso, suas questões e respostas são empurradas de um lado para o outro aparentemente de maneira desordenada. Por um lado, encontram os a tão famigerada obviedade obviedade do ser com preendido na com preensão de ser; ser; por o utro lado, bem be m ao lado dessa obvie dade, a incompreejisibilidade daquilo que está em jogo na pre sentidade, o modo*como o ser propriamente dito do ente deve po p o d e r s e r c o m p re e n d id o a p a r t i r daí. daí . Por isso isso,, gostaria gostaria de introdu zir um exemplo exemplo muito impre s sionante, sionante, oriun do de um diálogo diálogo platônico, platônico, do Eutiãemo. Preci samos natu ralm ente en te abdicar ab dicar de descrever descrever aqui a situ situação ação do d iá logo logo,, o entrelaçam entrela çam ento de dois diálogos, diálogos, assim assim com o o seu curso, o seu conteúd o e a sua intenção. intenção. A passagem, que está a princípio em questão, pode ser extraída de ma neira relativamente simples simples e considerad con siderad a po r si. si. Sócrates conta con ta a C riton u m diálogo sofístico-fil sofístico-filosofante, osofante, no qual tom aram ara m p arte Dionisodoro, Dion isodoro, Eutidemo, Cleinia Cleiniass e Ktes Ktesip ipos os.. Na N a pa p a s sag sa g e m , q u e e x tra tr a ire ir e m o s a g o ra3 ra 38, Sóc S ócra rate tess faz fa z u m rela re lato to de si como participante no diálogo que é narrado por ele: “E disse, disse, po p o r q u e t u está es táss r in d o , C lein le inia ias, s, d e coisa co isass tão tã o séri sé riaa s e b elas el as?” ?” Dionisodoro leva, então, Sócrates ao pé da letra e pergunta a ele, de acordo com o relato de Sócrates: “Tu, Sócrates, tu já viste algum dia uma coisa bela?” “Com certeza”, disse eu (Sócrates), “e, em verdade , muitas, mu itas, de m uitos uito s tipos, m eu caro Dion D ionisod isodoro oro””. Dionisodoro: “Será que essas (as muitas coisas belas) são algo diver diverso so do belo (mesmo) ou form am u m a unidad e com o belo?” belo?” Sócrates: “Por meio dessa questão fui colocado em um estado de completa perplexidade, não encontrei nenhuma saída (υπό α π ο ρ ία ς) e precisei dizer a mim mesmo que isso era bem feito pa p a r a m im , p o r te r m e c o m p o r ta d o d e m a n e i r a a rrog rr ogaa n te. te . N ã o obstante, porém”, disse eu em relação à questão, “as coisas belas pa p a r tic ti c u lar la r e s são sã o algo al go d ive iv e rso rs o do p r ó p r io belo be lo.. C o n tud tu d o , em cad ca d a um a delas está prese nte algo algo assim (com o) a bele beleza” za”.. 38
Platão, Eutidemo (Stephanus), 300é - 301a 301a.. 83
Aqui chama-nos a atenção, portanto, em meio à resposta decisiva de Sócrates, a palavra que para nós é importante πά ρεστιν, παρειναι, παρουσί; e, em verdade, ela se coloca com ple p leta tam m e n te p o r si m e s m a. P ois oi s o q u e e s tá efet ef etiv ivam am e n te e m q u e s tão aí? O que seriam s eriam as coisas coisas belas. belas. O qu e seriam as coisas belas, po p o r exem ex em p lo, lo , n ã o e m sua su a d ife if e ren re n ç a a n te as cois co isas as feias, feia s, o u seja, sej a, como seria preciso compreender o ser belo dessas coisas belas pa p a rtic rt icuu lar la r e s . A to d a e q u a lq u e r cois co isaa b e la e n q u a n to b ela el a cab ca b e o ser belo (a beleza). Mas como? Se as coisas belas forem diversas do ser belo, belo, então elas elas m esm as não n ão são belas. belas. Ora, O ra, mas se o serem bel b elas as d as m u ita it a s cois co isas as fo r a m e s m a cois co isaa q u e ele, entã en tãoo com co m o é que pode haver muitas coisas belas? A resposta de Sócrates, isto é, a referência de Platão ao problema e sua solução, afirma duas coisas: 1. As coisas belas são algo diverso da beleza. 2. Não obstante, essa, a beleza, está presente em cada uma delas. Essa pr p r e s e n tid ti d a d e c o n s titu ti tu i o ser se r belo das coisas particulares. Com isso, o problema é resolvido? De maneira alguma. Ele é apenas formulado e expresso, na medida em que se fala explicitamente do “ser” do ente belo, e, em verdade, no sentido da compreen pr esen enti tida dadd e. Apesar de são de ser, segundo a qual ser significa pres pr esen enti tidd a d e” é completamente obscura e leva tudo isso: essa “ pres a incompreensões, e, de maneira correspondente, a resposta de Sócrat Sócrates es para os participantes participantes do diálog diálogoo tam bém não é de m a neira algum a com preensível e plausív plausível el.. É isso isso que n os m os tra o modo como, então, Dionisodoro oferece uma réplica à resposta de Sócrates. Sócrates. Se o ser belo de u m a coisa bela deve residir n a pre sença da beleza, então resulta daí o seguinte: se παραγένεται σοι... “se algo chega a estar ao teu lado, ele está completamente pre p ress e n te ju n t o a ti t i - se esse es se algo alg o fo r u m tou to u ro, ro , e n tão tã o t u será se ráss u m touro? E tu, Sócrates Sócrates,, será D ionisodoro, ionisodo ro, po rqu e eu, Dionisodoro, Dion isodoro, me encontro agora ao teu lado (πάρειμΐ)?” A tese de Sócrates de que o ser belo em geral, o ser de tal modo e a quididade de um ente particular, consistiria em uma presentidade, conduz a um evidente disparate. Platão quer mostrar, com isso, que não 84
( é dè m aneira algum a tão óbvio o que se tem em vista com essa πα ρο υσ ία , com a entidade de um ente, de uma coisa que é. E, se não é óbvio, então o problem a precisa ser colocado e levado a termo. Nós deduzim os ao mesmo tem po dessa e de outras passagens o fato de que mesmo aí, e precisamente aí, onde se fala do puro ser assim e da pura quidid ade, não, por exem plo, de seu surgim ento e perecimento, de seu desp ontar e de seu desaparecer, faz-se uso da palavra acentuada παρο υσία. Π αρο υσ ία não é um term o o rientado necessariamente pela α πο υσ ία como conceito oposto, nem tamp ouco é um termo inserido em tais contextos. Ao contrário, a πα ρου σ ία encontra-se simplesmente como um termo para ού σ ία e é uma cunhagem mais clara do significado de ούσ ία . Isso se m os tra justam ente no fato de que precisamente lá onde a ο ύσ ία do óv se torna um problema, po r exemplo, o ser belo das coisas belas, fala-se aí de m an eira com pletam ente im ediata em πα ρου σ ία . No entanto, seria leviano e superficial, se quiséssem os simplesmente tomar a nossa tese de que ού σ ία , ser, significa o m esm o que presentidad e constante, como chave, que abriria simplesm ente todas as portas - com o se fosse simplesm ente suficiente inserir po r assim dizer o significado “presentidade constante” por tod a parte em que viessem à tona expressões e termos, que dissessem respeito ao ser.
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c) Ser e sub stânc ia O prosseguim ento do desenvolvimento do prob lema do ser sob a figura do problem a da substância Substancialidade e pres entidad e constante Ap esar disso, conquistou-se um po nto diretriz decisivo para a interpretação a ser levada a termo da filosofia antiga; e não apenas pa ra essa interpretação , mas para o curso do desenvolvimento de toda a metafísica ocidental até Hegel, isto é, para a
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confrontação fflosàfica com e . , C o * certeza, entao, a
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tradicional e a form açã o ulterior do problema do ser desde a An tiguidade foram dominadas pelo fato de a ουσία ser compre endida como substância, melhor, como substancialidade: subs tância é o que há de propriamente sendo em um ente. Não foi por nenhum acaso que o pro blem a do ser assumiu a figura do pro blem a da substância-e, assim, atraiu to das as outras questões para essa direção. Em Platão e Aristóteles m esm o encontramse os impulsos iniciais para tanto. Isso não pode ser mostrado agora. Em contrapartida, não podemos deixar de oferecer uma indicação de em que direção precisamos destravar o problema cristalizado da substância. Substantia: id quod substat, o que se encontra subjacente: ύπ όσ τα σ ίς. Esse ύπό já veio ao nosso encontro na interp retação aristotélica do movimento: como o primeiro momento estrutu ral mostrou-se ο ΰπομένον: aquilo que permanece em meio à mudança das propriedades, ou seja, o que se mantém o mesmo junto a um a alteração dessas propriedades e, assim, em meio à transformação da coisa, aquilo que, como mantido, permanece por assim dizer fixo: κεισθαι. Por isso, reside no conteúdo mais interno do conceito de substância o caráter do que permanece e é mantido, isto é, a presentidade constante.
d) Ser e realidade efetiva (presença à vista) O nexo estrutural interno de οΰ σ ία como πα ρο υσ ία com ενέργεια e actualitas Se resu m irm os agora o que foi dito até aqui sobre o concei to de ser antigo (ο ΰσ ία ), então resultam daí três coisas: 1) A interpretação do movim ento como um caráter fun da mental do ente está orientada pela α πο υσ ία e πα ρο υσ ία , pela ausência e pela presença: 2) A tentativa de clarificar o ser-o-que do ente, por exem plo, a quid idade das coisas que são belas enquanto tal, está o rien tada pela πα ρο υσ ία . 3) Na concepção tradicional da ο ΰ σ ία no sen tido da subs 86
tância reside do m esm o m odo o significado originário de ού σ ία qua πα ρου σ ία. 4) Em tudo isso perm anece obscuro o que deve significar aqui e que no fundo significa ού σ ία no sentido de πα ρου σ ία . Nossa tese de que ser significa presentidade constante pode ser comprovada a partir da própria problemática, tanto mais porq uanto não temos em vista efetivam ente com a tese o fato de que os gregos teriam -reconhecido expressamente essa compre ensão de ser enquanto tal e a transformado expressamente em problema. Dizem os apenas que o seu questionam ento acerca do ente girava no interior do horizonte dessa comp reensão de ser. Em uma passagem decisiva, porém, a nossa tese fracassa manifestamente. Precisamente no m om ento em que visualiza mos aquele conceito de ser que desempenha um papel excep cional no uso habitual da palavra ser. Ou seja: ser tomado em sua diferença em relação ao não-ser de acordo com aquele: ser ou não-ser, essa é a questão. Ser significa estar presente à vista, existentia. Por exemplo, a terra é, Deus é, existe ou é efetiva mente. Ser com o significado de realidade efetiva. Em verdade, vimos que esse significado de ser é apenas um deles, um que perte nce à artic ula ção inicial orig in ária do conceito de ser na compreensão de ser cotidiana. Portanto, já seria um equívoco fundamental em relação ao problema do ser, se quiséssemos colocá-lo apenas ou prepon derantem ente como o problem a da realidade efetiva. Apesar disso, precisamente no que concer ne tam bém à A ntiguidade, não po dem os saltar pela pergunta: reside também no conceito da “realidade efetiva” - existência no sentido tradicional em Kant, por exemplo - o significado fund am ental de ού σ ία : presen tidade constante? E se a resposta for afirmativa, de que m aneira? M ostra-se aqui im ediatam ente que nós não conseguimos dar um passo adiante com u m a m era explicação vocabular de realidade efetiva e de efetuação. Com certeza não, enquanto permanecermos no plano de explicita ções lingüísticas. 87
Se perguntarmos, porém, sobre o conteúdo de problema da palavra “realidade efetiva”, então precisaremos pergunta r de volta sobre o termo filosófico, ao qual a palavra corresponde. Trata-se da tradução do termo latino actualitas - ens in actu: esse é um ente, na medida em que ele se encontra efetivamente presente à vista; diferentemente do ens ratione, do ens in poten tia, do ente, na medida em q ue ele é uma mera possibilidade. Actualitas, contudo, é a tradução latina do termo grego ενέργεια. A palavra estran geira “energia”, no sentido de força, não tem, portanto, nada em comum com isso. Sobretudo enquanto expressão filosófica para existência, realidad e efetiva, estar presente à vista, ένέργεία signi fica em Aristóteles tud o m enos força. Apreender a ένέργεία assim revela uma compreensão do conceito tão extrínseca e problemá tica quanto a argumentação citada de Dionisodoro em relação à παρο υσ ία, ένέργεία óv visa ao ente em sua realidade efetiva, di ferentemente do δυνάμει óv, do que é segundo a possibilidade, o possível, mas justamente por isso não efetivamente real. Como é compreendido, então, esse caráter de ser de um ente, a realid ade efetiva do efetivamente real? O que significa ένέ ργεια, compreendida a partir do conteúdo do problema, não a partir do dicio nário ? Essa compreensão de ser ta m bém se m o vimenta na direção daquilo que afirmamos em geral sobre o ser, na direção do fato de que ele significa: presentidad e constante? O que a ενέργεια tem em com um com presentidade constante? De fato, não há como perceber isso, enquanto não adentrarmos na problem ática do ser que é cara cterística da Antiguid ade (Platão e Aristóteles). No entanto, já vim os como Aristóteles desenvolve o p ro blema do ser a p artir do proble m a do movim ento, to m ando o movimento como μεταβολή, como mudança. Em uma m udan ça e em um a alteração, enco ntram os o desaparecimento de algo e o surgimento de algo diverso: άπ ου σ ία e πα ρο υσ ία . E, en tão, trata-se de um fato extremamente estimulante que Aristó teles, lá onde ele pe ne tra na pro fund idade p ropriam ente dita da 88
( essência do movim ento enquanto tal, se valha precisamente das expressões e conceitos ενέργεια e δύναμις; e, em verdade, de tal m odo que, dito de maneira rudim entar, é atribuído àquilo, que de saída é captado por meio da πα ρου σ ία, a característica como ενέργεια.
Μ ετα β ολή α πο υσ ία δύναμις
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( πα ρου σ ία ενέργεια
Aquilo que hoje nós e a grande trad ição filosófica desde há muito, sobretudo tam bém Kant, assim repercutimos com o realidade efetiva e possibilidade, diz respeito a estes conceitos fun damentais que surgiram pela primeira vez em Aristóteles a partir do problem a do movimento. Com o isso acontece e em que m e dida, po r meio daí, pod e ser comprovado o nexo entre ν έ γ ι e ου , seria agora por demais abrangente e difícil de se mostrar. Escolho, por isso, um a via mais curta pa ra a clarificação do nexo entre o sentido filosófico e pré-filosófico de realidade efetiva e a compreensão de ser como “presentidade constante”. Na palavra έ ν έ ρ γ ι temos a presença de: έ ρ γ ο ν - a obra. ν έ γ ο ν , em obra, significa mais exatamente: manterse no caráter de obra. O caráter de obra da obra é a essência da obra. Em que é que os gregos veem o caráter de ob ra da obra? O momento do pronto, do estar pronto, reside naquilo que os gregos e, sobretudo, Aristóteles veem na obra como o seu elemento distinto.39 Portanto, não o fato de que a obra é efetuada e pro du zida a partir de algo po r alguém. Tam bém não o fato de que ela é efetuada com vistas a algo, com um determinado propósito. Isso é, em verdade, visto concomitantemente junto à _____________________________________________________________ 39 Cf. Aristóteles, Metafísica Θ 8 , 105021: τό γάρ έργον τέλος (pois
a obra é a sua finalidade), e Θ 1 ,1045b34: óv... κ α τά τό έργον (ente... segundo a obra). ;
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essência da obra, juntam ente com o seu caráter de obra, mas não como o momento essencial decisivo. O caráter de obra da obra reside em seu estar pronto. E o que isso significa? Estar pronto é o mesmo que ter sido produzido. E, nesse caso, uma vez mais não de tal modo que ela teria precisado ser produzida, ao invés de ter crescido por si mesma. Ao contrário, a compreensão está voltada para o conteúdo interno do ter sido produzido, para o pró - sempre e a cada vez um ser trazid o para cá e para lá e, enquanto tal, encontrar-se desde então aí presente. Ter sido pro duzido visa, com isso, ao caráter do que se encontra aí presente e ενέρ γεια , ao man ter-se no ter sido produ zido e no e ncon trar-se aí presente. Vemos agora simplesm ente como o m om ento decisivo vem à tona de m ane ira reluzente: a presentidade do que está pronto como um tal. A partir daí, precisamos buscar o caminho para a interpretação filosófica correta e propriamente dita daquela peça doutrinária da teoria aristotélica do ser do ente, que mais esteve exposta a u m a falsa interpretaçã o e a um a desfiguração, e, 1 consequentemente, que se desviou muito do problema propria me nte dito. Trata-se da do utrina da ύλη e do είδος, de m atéria e figura. Na concepção vulgar e com frequ ência em aparen te ar ticulação justificada com o teor das proposições aristotélicas, a realidade efetiva de uma coisa consiste na realização efetiva de sua forma, είδος, na m atéria. A form a da cadeira, que o artífice precisa anterio rm ente representar em seu espírito, είδος, ιδέα, é realizada efetivamente na matéria, por exemplo, a madeira. E as pessoas ficam, então, m atutand o quanto a isso ou se deparam com a tentativa de saber como uma tal forma “espiritual” deve tom ar a sua m ora da em u m a m atéria prima. A inda se extrai, en tão, de Aristóteles um a prova pa rticu lar de que ele conseguiu, em contraposição a Platão, resgatar ideia, forma e figura, que aquele tinha enraizado no espaço suprassensível, na matéria e nas pró prias coisas. Não se nota nessa in terpretação corrente da filoso fia aristotélica, que os senhores podem encontrar em qualquer 90
manual decente, que se atribui primeiramente a Platão e Aristó teles algo por demais infantil e que, em seguida, com tudo isso, apenas se repete até o convencimento há séculos aquilo que, logo depois da q ued a da filosofia da altura de um Platão e de um Aristóteles, se ergueu nas escolas e junto aos compiladores. Esse modo de fazer história da filosofia dá-se exatamente do mes mo m odo que quan do se procu ra criar a nossa interpretação de Kant, por exemplo, a partir daquilo que um jornalista escreveu em 1924 para o jubileu de Kant. Como é que as coisas se encontram, porém, no que diz respeito a essa realização efetiva da form a na m atéria, po r meio da qual a realidade efetiva da coisa deve ser visada? De início, não há aí nenhuma clarificação da essência da realidade efetiva , enquanto não se tiver dito anteriormente o que deve significar realização efetiva. Além disso, não há nenhuma interpretação do conceito antigo de realidade efetiva, enquanto não se tiver m ostrado que os gregos comp reendiam a realidade efetiva a pa r tir do ato da realização efetiva; o que justamente não é o caso. Sobretudo, porém: essas explicitações sucessivas sobre forma e m atéria transc orrem e se propagam , sem jamais se apropriar da posição de visão e nem mesm o perguntar sobre ela, sobre aquela posição no in terio r d a qual εΐδο ς e ύ λ η são visados e são levados em conta para a clarificação da realidade efetiva do efetivamente real. Não se trata de um a transplantação e de um assentamento da forma na matéria, nem tampouco da questão acerca do pro cesso da produção do ente, mas antes da questão acerca daquilo que se encontra no ter sido produzido de um produto enquanto tal. A questão acima citada diz: com o é que deve ser caracteriza do o caráter de obra da obra presen te à vista enq uanto tal, se, no caráter da obra, se anu ncia o ser do ente em questão? A resposta é: no ter sido produzido enquanto tal encontra-se o emergir e o aparecer do aspecto da coisa em questão. A ο ύσ ία , o estar pre sente à vista do ente como algo efetivamente presente à vista, reside na πα ρο υσ ία do είδος: na presentidade de seu aspecto. Realidade 91
efetiva significa ter sido produzido, encontrar-se aí presente no sen tido da presentidade do aspecto.*0 Se Kant diz mais tarde que nós não conhecemos o ente com o coisa em si, isto é, visto em um a intuição absoluta, mas sim com o fenômeno, então ele não tem em vista o fato de que nós só apreendemos uma realidade efetiva aparente ou uma realidade efetiva parcial e dim inu ta do ente. Ao contrário, se o ente mesmo, o ente presen te à vista, é tom ado com o fenômeno, en tão isso não significa outra coisa senão: a realidade efetiva do efetivamente real reside em seu caráter enquànto aparição. Aparecer significa vir à aparência, presentidade do aspecto, da plena determinação determ inante do ente mesm o que se mostra. Kant m ovimenta-se totalmente na mesma compreensão de ser que a filosofia antiga. O fato de o nexo originá rio entre o conceito de aparição e o p ro blema do ser radicalm ente concebido te r precisado perm anecer velado não é sua culpa. No entanto, se continuamos falando so bre Kant e qualq uer outro da m aneira usual sem problemas, nós nos tornarem os culpados e passaremos a fazer parte daqueles se·' res degenerados, que deixam o espírito da história ser triturado p or seu próprio caráter deplorável. De maneira sintética, poderíamos dizer: o conceito aristotélico de realidade efetiva do efetivamente real e, com maior razão ainda, o conceito posterior determinado a partir daí de actualitas (realidade efetiva), o conceito de ενέργεια, não mos tra nada de saída sobre a orientação fundamental afirmada por nós da compreensão de ser antiga com vistas à “presentidade constante”. Todavia, se não nos embrenhamos em verborragias e deduzimos de maneira tosca realidade efetiva de efetuação, nem fazemos a partir daí nenhuma teoria, mas mergulhamos na concepção e na interpretação antigas do έργον enquanto tal, então brilha im ediatame nte o nexo estrutural interno d o concei
40 Cf. abaixo p. 73esegs. sobre o óv ώ ς αληθές (o ente como verda deiro) e sobre Metafísica Θ em particular. ", 92
to filosófico ενέργεια com a ου σ ία enquanto πα ρο υσ ία . Com isso, conquistamos ao mesmo tempo uma visão luminosa para a compreensão do conceito fundamental da doutrina platônica do ser: Ιδέα ou είδος. A formulação conceituai da do utrina p la tônica do ser como “doutrina das ideias” é naturalmente uma falsificação, na m edida em que esse conceito é tom ado de m odo puram ente doxográfico. Ser significa para Platão ser-o-que. O que algo é sè mostra em seu “aspecto”. Esse aspecto é aquilo em que se presentifica o ente em questão, o que está presente. No aspecto da coisa reside a sua presentidade (ser). O fato de a obra em seu carátér de obra e em seu ter sido produzido enquanto tal - seja ela pensada como obra do arte são, seja como obra de arte prop riam ente d ita - ter con tribuído essencialmente para a purificação e para a reconfiguração pro priam ente dita do conceito de ser antigo pode e precisa mesm o ser clarificado a partir de posições fundamentais da existência grega antiga. Essas posições mostram a conquista e o arrancar das coisas e figuras a partir do e em meio ao caráter terrível da existência. Elas desmascaram a mentira em relação à serenida de da existência antiga. É preciso atentar particularmente para o fato de que a τέχνη é desde bem cedo o termo para todo o conhecimento, para o torn ar m anifesto o próprio ente. A τέχνη não designa nem a “técnica” como atividade, prática, nem está ela mesma apenas restrita de saída ao saber-fazer artesanal. Ao contrário, ela tem em vista tudo como produção no sentido mais amplo possível, assim com o o “conhecim ento” que guia essa p ro dução. Nela exprime-se a luta pela presentidade do ente. Não podem os adentrar agora mais detidam ente no campo de outros termos fund am entais antigos para o ser, nem em tod a a am pli tude e profundidade da problemática que está envolvida neles. No transcurso da explicitação do conceito de ενέρ γεια já apon tam os pa ra o conceito ka ntiano de “fenôm eno ”. O fato de o ente enquanto tal possuir o caráter de fenômeno não significa outra coisa senão: o ser do ente com vistas; à sua realidade efetiva é 93
compreendido como mostrar-se, ir ao encontro, como chegada e presentidade. Com essa interpretação do conceito kantiano de fenômeno, nós nos lançamos do mesmo modo que no caso da interpretação do conceito antigo de ser para além daquilo que Kant e a Antiguidade dizem expressamente, e retornamos àquilo que se encontraya entre outras coisas no horizonte de sua compreensão do ser. Se perguntarmos diretamente, se e como Kant mesmo interpretou e determinou expressamente a reali dade efetiva do ente efetivamente real, então encontraremos o seguinte: Kant diz na Crítica da razão pura : “O que se encontra em conexão com as condições materiais da experiência (da sen sação) é efetivamen te real”41. Realidade efetiva significa conexão com a sensação. Tam bém precisamos deixar de considerar aqui em que medida uma interpretação suficientemente concreta dessa determ inaçã o da essência da realidade efetiva conduz para aquilo que dissemos sobre o conceito kan tiano de fenômeno. § 9. Ser, verdade, presentidade. A interpretação grega do ser com o significado de ser verdadeiro no horizonte de ser como presentidade constante. O óv ώ ς α λη θές como κυ ριώ τα τον óv (Aristóteles, Metafísica 10)
a) A situação d a investigação. Os significados até aqui discutidos do ser sob a caracterização da com preensão de ser e o significado insigne d e ser do ser verd ade iro A elaboração visada da questão diretriz da metafísica em relação à questão fundamental e à sua explicitação constrói-se com base na tese: ser é com preendido como presentidade c ons tante. T entamos com provar essa tese por m eio de um a interpre tação do conceito antigo de ser, o conceito de ο ύ σ ία , segundo os seus diversos significados centrais. Manifestamente, tudo o que 41
Kant, Crítica da razão pura, A 218, B 266. Γ 94
se segue depende d a correção dessa interpretação. Pois supondo que essa interpretação de ser, ουσία, como presentidade cons tante não fosse plausível, então não haveria nenhuma base de apoio para desdobrar um nexo de problemas entre ser e tempo, tal como é exigido pela questão funda mental. A questão é que, por maior que seja o significado da me tafísica antiga em geral e da metafísica ocidental que se segue a ela para o nosso problema, a amplitude não se estende de qualquer modo tão enormemente. Pois supondo que a inter pretação do ser exposta por nós não fosse realizável por razões quaisquer, a orientação afirmada da com preensão de ser poder ia ser imediatamente apresentada a partir de nosso próprio com portam ento em relação ao ente. Por isso, precisamos dizer, nós não desdobramos a questão diretriz da metafísica na direção da questão fundamental (ser e tempo), porque o ser já tinha sido compreendido na Antiguidade e depois, naturalmente de ma neira inexpressa, a partir do tempo, mas, ao contrário, porque, como é possível mostrar, a compreensão de ser humana precisa compreender o ser a partir do tempo. Por isso, onde quer que o ser se torne de algum modo tema, aí a luz do tempo precisa vir à tona. N ossa tese de que ο υ σ ία significa presentidade cons tante, isto é, essa interpretaçã o da h istória da m etafísica, nun ca pode entrar em questão como fundamentação do problem a de ser e tempo , mas serve apenas como exemplo do desdo bram ento e da apresentação do problema. A inda mais, nós não podem os visualizar e encontrar de maneira alguma essas conexões em meio à concepção de ser antiga, se nós não tivermos clarificado antes de modo filosofante o contexto material. Naturalm ente, a história da metafísica ainda te m de qual quer modo um outro significado para a nossa própria forma de tomar o problem a para além do significado do elemento exemplar. Em verdade, nunca podemos fundam entar um problema ou um a tese de maneira autoritária e nos apoiar aí, porqu e Platão ou Kant o disseram. Apesar disso, o retorno à história possui um outro 95
valor, diverso do valor de exemplo; valor esse que é eleito com o se fosse apenas um a ocasião para m ostra r um estágio anterior, agora ultrapassado do problema. Abstraindo-se do fato de que não há nenhum progresso na filosofia, mas toda filosofia autêntica é tão pequena e tão grande quanto qualquer outra, a filosofia anterior tem, de qualquer forma, um efeito constante, ainda que velado, sobre a nossa existência atual. Por isso, se conseguimos apreen der o conceito de ser antigo, então essa não é nenhuma questão de uma tomada de conhecimento extrínseco. Nós veremos, que esse conceito ainda está presente em uma forma modificada na metafísica de Hegel. Não temos como adentrar agora na cone xão intern a da m etafísica hegeliana com a metafísica antiga; tanto mais porquanto^nós só perseguimo s o conceito antigo de ser em algumas de suas expressões. Nós nos mantivemos em meio à sua escolha junto àquilo que introduzimos de maneira sistemática e material sobre o significado do ser em meio à caracterização da com preensão de ser. Nós falamos da articulação inicial do ser, que aproximam os de nós po r meio dos diversos significados do “é’\ Para explicitar isso uma vez mais a partir de um exemplo, podem os dizer: “O giz é branco”. O “é branco” expressa o ser branco, porta nto, o ser de tal e tal m odo do giz; de tal e tal m odo: o que não lhe cabe necessariamente, pois ele também poderia ser verm elho ou verde. Se dizemos: “O giz é um a coisa material”, então tam bém temos em vista com isso um ser do giz, mas não um ser qualquer, senão um ser tal, que lhe pertence, que precisa lhe pertencer, se é que ele deve pode r ser o que ele é. Esse ser não é nenhum ser de tal e tal modo arbitrário qualquer, mas uma quididade necessária para o giz. Se dizemos: “o giz é”, ou seja, “está presente à vista”, por exemplo, em comparação com uma afirmação tentada de que ele seria apenas imaginado, então ser significa estar presente à vista (realidade efetiva).42 Se dizemos, além disso, as proposições agora citadas em um acento determi 42
Kant: existência (ser-aí); cf. em contrapartida a minha terminologia. 96
nado: Ό giz é branco”, então tem os em vista com o acento, por sua vez, um ser determinado. Nós queremos dizer: é verdadeiro - o ser verdad eiro do giz, o ser coisa, o estar presen te à vista. Nós temos em vista agora o ser verdadeiro. Para os três significados que citamos primeiro do ser, in terpretamo s e mos tramo s conceitos antigos correspondentes: no significado respectivo de ser se encontra sempre concomitante mente “presentidade constante”. Só em relação ao ser verdadeiro é que, com a observação de q ue isso seria por dem ais abrangente e difícil, não demos nenhum prova. Ser de tal e tal modo (ora de um m odo ora de outro)
απουσία παρουσία
quididade
estar presente à vista
ser verdadeiro
(possibilidade)
(realidade efetiva)
?
Platão:
ενέργεια
παρουσία έργον
παρουσία
Diversas inquirições me m ostraram que mesm o a com pre ensão dos três significados depende da clarificação do quarto. Também pod em os de duzir isso materialm ente do que acabamos de introdu zir: o ser verdadeiro po r m eio do acento. Mesmo sem o acento, o significado do ser verdadeiro está con com itantemen te presente em to do s os outros. Ele é, po rtanto, um significado de ser particularmente abrangente. No que concerne a isso e antes de algum as questões, gostaria de tentar resgatar de ma neira bre ve a interp retação do ser verdadeiro. Em que m edida tam bém aqui, no ser com o significado de ser verdadeiro, se encontra o significado fundamental afirmado por nós da “presentidade constante”? Qual é a conexão que se mostra entre o ser verdadeiro e o ser em geral? Uma tal com provação não é fácil, porque ela vai m axim am ente de encontro à opinião vulgar e po rque a dou trina antiga do ser verdadeiro, em 97
particula r a de Aristóteles, ta m bém foi in te rpreta da até aqui a partir da concepção vulgar. Por isso, é que não se chegou efetiva m ente nem mesm o a com preender a problem ática propriam ente dita de Aristóteles. Em tais casos, a saída mais confortável é al terar o texto de tal m od o que ele correspo nda à opinião vulgar e que essa opinião nã o se veja em apuros. Nossa inte rpreta ção do ser verd adeiro na direção, segun. do a qual ele está do me sm o m odo ligado ao significado fun da m ental afirmado, deve ser levada a term o com base em u m texto aristotélico. Deve ser mo strado que e em que m edida m esm o se concebe o ser verdadeiro como significado de ser na Antiguidade, e, em verdade, à luz da “presentidade constante”. b) Q uatr o significados de ser em A ristóteles. O alijam ento do óv ώ ς α λη θές em M etafísica E 4 De início, um a visão prévia geral do problem a m aterial e do pro blem a de conteúdo. Nós sabemos que a questão diretriz da metafísica antiga, tal como A ristóteles a form ulou, é: τί τό óv (o ·' que é o ente)? O que é pe rgu ntad o é o óv ή óv (o ente enqua nto ente). Agora, Aristóteles acentua sempre uma vez mais e parti cularmente lá onde ele introduz um problema fundamental da metafísica: τό óv λ έγετα ι πολλ α χώ ς.43 O term o π ο λλα χώ ς é ele m esm o am bíguo. Por u m lado, ele tem em vista a pluralidade de significados de ser. Por outro lado, porém, ele também tem em vista a pluralidade no interior de cada um desses significados, isto é, as categorias. O óv das κατεγορίαΐ (o ser das categorias) é ele mesm o plural, e, po r isso, é possível pe rgu nta r um a vez mais sobre um πρώ τω ς óv.44 O ente é interpelado de muitas maneiras. De forma sucinta e clara, nós com preendem os ser de m uitas formas.45 Aristóteles 43 Em grego no original: “o ser se diz de muitas maneiras”. (N. T.) 44 Em grego no original: “um ser primeiro”. 45 Cf. Aristóteles , Metafísica A 7. 98
reconhece quatro m aneiras, nas quais nós denom inamo s o ente enquanto tal, quatro maneiras, que não se confundem simples mente com as quatro articulações do ser, que nós expusemos - o que agora é completamente insignificante. As quatro maneiras, nas quais tomamos o ente, o óv, e, de modo correspondente, o μή óv, o não-ente, são as seguintes: 1) τό óv κ α τά τα σ χήμ α τα τω ν κα τη γοριώ ν (τή ς κ α τη γορία ς) - όν κ α θ’α ύτό, ο ente, na medida em que ele é vi sado, tal como ele se mostra nas categorias. Por exemplo: “Este giz é branco”, este giz, esta coisa aqui presente à vista: categoria do τόδε τι (do este aqui). Ser branco, isto é, ser dotado de uma qualidade: ποιόν (como). “O giz é do tamanho de um dedo”: ποσόν (quanto). “O giz encontra-se aqui sobre a cátedra”: που (onde), lugar. Não podemos adentrar agora mais amplamente nesse contexto. 2) τό óv κ α τά σ υμβ εβηκ ός, o ente com vistas ao ser exata mente de tal e tal modo , aquele ser junto ao ente, que se estabele ceu precisam ente jun to a ele e precisam ente agora, por exemplo, ser vermelho, ser branco, mas ser aquilo que ele não precisa ser necessariamente. 3) τό óv κ α τά δύ να μ ιν κ α ί ενέργεια ν, ο ente com vistas ao seu ser possível e ao seu ser efetivamente real. 4) τό óv ώ ς α λη θές κ α ί ψ εύδος, ο ente com vistas ao seu ser verdad eiro e ao seu ser falso. A investigação do óv ή óv precisa ter desde o princíp io clareza quanto aos múltiplos significados do óv. Este não foi sempre o caso. Só lentamente é que essa claridade foi alcança da, e, mesmo em Aristóteles, faticamente só esses quatro signi ficados é que foram distintos. Por que exatamente eles e apenas eles? Com vistas a que eles foram distintos? Em relação a isso, Aristóteles nunca nos oferece nenhuma elucidação. Para nós, o que é impo rtante agora é o seguinte: entre os significados do ser é expressamente deno minado o ser verdadeiro. A filosofia propria me nte dita, que pergun ta sobre aquilo que é propriam ente o ente 99
enquanto tal, precisa pergu ntar, então, sobre os quatros mo dos do ser, ou, po rém , apenas acerca do ente e de seu ser, que se anu ncia ju stam ente como ente propriam ente dito? E videntemente apenas sobre esse ente. Pois se a essência do ser é explicada junt o ao ente propriam ente dito, o ente im próprio pode ser clarificado em sua essência a pa rtir daí. É assim que procede, então, mesmo Aristóteles na M eta física E (VI), onde ele fornece um esboço do campo temático da filosofia propriamente dita, e, em verdade, com base nos quatro significados introduzidos do óv. Nesse caso, o óv κα τά συμβεβηκος citado em segundo lugar e o óv ώ ς α λη θές citado em quarto lugar são alijados do campo da metafísica. Restam apenas os significados citados na primeira e na terceira posi ção e esses também são, então, tratados faticamente nos livros princip ais da Metafísica: Z, Η , Θ , I (VII-X). Por que é que o segundo e o quarto significados são excluídos? Nós já indica mos, que neles está sendo visado um ente, junto ao qual o ser do ente prop riam ente dito, ou seja, tam bém o ser propriam ente 'dito, não se anuncia. Em que medida? O óv κ α τά συμ βεβηκος é α ό ρισ τον (ilimitado), ele nunca é determinado em seu ser, ele é ora de tal modo, ora de outro modo, isto é, ele não tem em vista nada constantemente presente, ele não tem em vista πέρας e μορφή, είδος,46 mas aquilo que ora vem à tona, ora desaparece. Por isso, Aristóteles diz: φ α ίνετα ι τό σ υμ βεβηκος έγγύς τι του μη όντος47.48 Aqui, portan to, nã o se tem em vista o ente propriamente dito. E por que é que o óv ώ ς α λη θές (ο ente como verdad eiro) é excluído? Para dizer de m an eira breve: verdadeiro e falso são propriedades do conhecimento do ente, do enunciado, do λόγος sobre o ente. Aristóteles o denomina 46 Em grego no original: “limite, forma e aspecto”. (N. T.) 47 Em grego no original: “Pois o concomitante aparece como algo próximo do não ser”. (N. T.) 48 Op. cit., E2, 1026b21. 100
τής δια νο ία ς τι πά θος,49um estado e um caráter da determ ina ção pensa nte do ente, mas não do ente mesm o. O ser verdad eiro diz respeito apenas à apreensão e ao pensamento do ente, mas não ao ente mesmo. D ito em term os tradicionais, o prob lem a do ser verdadeiro (verdade e falsidade) pertence à lógica e à teoria do conhecimento, mas não à metafísica. Assim, o alijamento do segundo e do quarto significados são completamente compre ensíveis e sem mais elucidativo. Para o tratamento temático por meio da metafísica como conhecimento do próprio ente e do ente enquanto tal, só o óv das categorias e o ó v κ α τά δύνα μ ιν καί ενέργειαν são levados em questão. O óv das categorias - e, em verdade so bretudo a prim eira categoria, que fun da todas as outras - é tratado por Aristóteles na Metafísica Z, ; o óv κ α τά δύ να μ ιν κ α ί ενέργεια ν, ο ser no sentido do ser possível e do ser efetivamente real, na Metafísica Θ . Mais ainda: no livro Θ , a ενέργεια (εντελέχεια) é exposta com o o significado fu n damental da realidade efetiva do ente efetivamente real. O ente propriam ente dito é óv ενεργείς/. Aquilo, ao que precisamos atribuir segundo a nossa interpretação constância na presen tida de, m erece propriam ente a designação de ente, ή ο υ σ ία κ α ί τό είδος ένέρ γεία .50Assim, ο livro Θ da Metafísica de Aristóteles é aquele livro, no qual o ser do ente prop riam ente dito é tratado.
A explicitação tem ática do óv ώ ς α λη θές como κυριώ τατον na Metafísica Θ 10 e a questão sobre o pertencim ento do capítulo ao livro Θ . A conexão entre a questão tex tual e a c)
questão material enqua nto questão d a copertinência do ser qua ser verdade com o ser qua ser efetivamente real (ένέργεία óv) Ora, mas esse livro se conclui com um capítulo 10, que começa da seguinte forma. Cito a princípio de maneira total e, em seguida, de maneira abreviada. π ί δ έ τ ό óv έ γ τ α 49 50
Op. cit., E 4, 1028al. Op. cit., Θ 8 ,1050b2. 101
κ α ι τό μή όν τό μ έν κα τά τα σ χήμ α τα τω ν κα τεγοριώ ν, τό δ ε δύ να μ ιν ή ενέργεια ν τούτω ν ή τά να ντία , τό κυ ριώ τατέ όν α λη θές ή ψ εύδος, τούτο δ’έπί τω ν πρα γ μ άτω ν έστ'ι τφ σ υγκέίσ θα ι ή διη ρή σ θα ι, ώ στ’ά λή θεύει μέν ό το διηρημένον οίόμενος διηρήσθαι και τό συγκείμενον σ υγκέίσ θα ι, έψ ευσ τα ι ό ένατίω ς έχω ν ή τα πρ ά γμα τα , πότ’έσ τιν ή ού κ έσ τι τό ώ ς α λη θές λεγόμ ενον ή ψ εύδος; τούτο γά ρ σ κεπτέον τι λέγομ εν51.52... τό δε κυριώ τατα όν α λη θές ή ψ εύδο ς.53 Ο que se m ostra aqui? Ο όν (ώ ς) ά λη θές é expressamente tematizado nessa passagem. No fim do livro pro priam ente dito e do livro tem ático central da Metafísica, trata-se de um tema da lógica, que foi, contudo, excluído pelo próprio Aristóteles expressamente em E4 do âmbito da filosofia primei ra. É simplesmente claro que esse capítulo não pertence a esse contexto. O sinal extrínseco disso é, de mais a mais, o fato de que ele se encontra no final do livro, ou seja, ele foi de algum modo anexado mais tarde p or outros, ainda que o conteúdo do todo seja sem dúvida alguma aristotélico. Não há, de fato, nenhuma difi1 culdade em a ssum ir isso, um a vez que a Metafísica de Aristóteles como um todo não é nenh um a obra e nen hum sistema compos tos por ele, mas u m a reunião de diversos ensaios, em si natu ral m ente coesos, que se copertencem segundo o conteúdo, mas não 51 Em grego no original: “Posto que o ente e o não ente se dizem, em um sentido, segundo as figuras das categorias, em outro, porém, se gundo a possibilidade ou o ser efetivamente real dessas categorias ou segundo os seus contrários, e, em um outro sentido ainda (que é o mais próprio), segundo o verdadeiro ou falso, o que significa nas coisas o fato de elas estarem juntas ou separadas, de tal modo que se adéqua à verda de aquele que pensa que o separado é separado e que o junto é junto, e erra aquele cujo pensamento está em contradição com as coisas, quando é que existe ou não existe o que chamamos de verdadeiro ou falso? De vemos, com efeito, considerar que as coisas são como dizemos”. (N. T.) 52 Op. cit., Θ 10, 1051a34 - b6. 53 Em grego no original: “as coisas mais importantes, porém, são verdadeiras ou falsas”. (N. T.) 102
segundo a com posição literária. O fato de esse capítulo sobre o ser verdadeiro não pod er perten cer ao ensaio sobre a realidade efetiva é algo que fica completamente claro a partir do fato de que, aqui, o óv ώ ς αληθές, o que é verdadeiro, é introduzido com o o ente mais próprio, ou seja, como o ente, que ainda é mais pro priam ente um sendo do que ο ενέργεια óv, o que co ntradiz a tudo o que é dito até aqui e a tudo o que é conh ecido po r Aristóteles. Vimos como é que, com base na questão textual sobre o pertèncim ento desse capítulo conclusivo sobre o ser verdadeiro ao livro Q, vem à tona ao mesmo tempo o problema material, isto é, a questão acerca do significado do próprio ser verdadeiro, mais precisamente, a questão acerca da copertinência entre ser enquan to ser verdadeiro e ser enquanto ser efetivamente real. O problem a é que, para a interpretação tradicional e precisamente também para a interpretação e para o tratam ento mais recentes desse capítulo 10, supõe-se não haver aqui absolutamente nenhum pro blema, porque não pode haver nenhum . Pois, como sabe qualquer estudante iniciante em filosofia, o problem a da verdade pertence à lógica e não à metafísica, o que se acirra ain da mais no ensaio, que tem po r tema o problema fundam ental da m eta física. A partir de tais reflexões, Schwegler, a quem devemos um com entário filosoficamente valioso e marcado por Hegel à M eta física de Aristóteles, escreve de maneira totalmente espontânea: “Esse capítulo n ão perten ce a esse contexto ”.54 W erner Jaeger, ao qual devemos um a investigação m uito m eritosa sobre a com po sição da Metafísica aristotélica55, considera essa concepção de 54 A. Schwegler: Aristóteles, Metaphysik, 4 Volumes, 1846-47. Reim pressão não alterada, Frankfurt junto ao Main (Minerva) 1960, Vol. IV p. 186. 55 W. Jaeger, Studien zur Entwicklungsgeschichte der Metaphysik des Aristóteles (Estudos sobre a história do desenvolvimento da Metafísica de Aristóteles). Berlim, 1912. Cf. também W. Jaeger, Aristóteles. Funda mentação de uma história de seu desenvolvimento. Berlim, 1923. Temos aí referências a investigações mais antigas. 103
Schwegler convincente. “Ao mesm o tempo, precisam os afirmar que o capítulo se encontra aí desarticulado de seu contexto”.56 Apesar disso, diferentemente de Schwegler, Jaeger pensa com certeza que o próprio Aristóteles teria, sem deixar de levar em consideração a ausência de conexão com o livro todo, inserido aí esse “apêndice”. α ) A rejeição do fato de 10 pertencer a e a tradicional interpretação do ser verdadeiro como problema da lógica e da teoria do conhecim ento (Schwegler, Jaeger, Ross). A interpretação despropositada do κυ ριώ τατα como conseqüência deSsa interpretação Se nos articularmos, tal como acontece com Jaeger, com a interpretação material de Schwegler e dissermos que um capí tulo da lógica não poderia pertencer apenas à metafísica, então é por demais conseqüente não atribuir ao próprio Aristóteles o acréscimo desse capítulo; e isso sobretudo se levarmos em cont sideração como é que Aristóteles compõe de maneira detida os capítulos e livros e com o é que esses capítulos e livros são aí cons truídos. A opinião de Jaeger é tanto mais estranha, porque ele, na fundamentação da ausência de conexão do capítulo com o livro, ainda vai além de Schwegler. Jaeger vê como o principal obstáculo “externo” para um pertencim ento do capítulo ao livro o fato de, segundo a posição do capítulo, o óv ώ ς α λη θές não apenas dever ganhar o cerne do tema, mas de, além disso, esse ÓV dever ser considerado ainda com o κυ ριώ τα τα, o ente verd a deiro como o ente mais propriamente dito. Essa “possibilidade é para m im improvável e ela o será para q ualquer um ”. - “Por tanto, se alguém devesse apoiar a posição de Θ 10 no fato de ter sido alcançado aqu i pela prim eira vez ο κυρ ιώ τα τα óv, então ele 56 W. Jaeger, Stuãien zur Entwicklungsgeschichte der Metaphysik des Aristóteles (Estudos sobre a história do desenvolvimento da Metafísica de Aristóteles). P. 53. 104
c ( com preend eria de m ane ira falsa o teor vocabular e pensaria, de mais a mais, de m odo não aristotélico”.57 Jaeger qu er dizer: qu em afirma que Aristóteles estaria concebendo aqui o ser verdadeiro como o ser mais propriam ente dito não com preende o que significa κ υ ρ ιώ τα τα e tem um a opinião sobre o ser, que se enco ntra compl etam e n te distan te da de Aristóteles. Eu, em contrapartida, afirmo que quem concebe ο Θ 10 como pertencendo ao livro , sim, quem vê em geral até mesmo aí o ápice pro priam ente dito do ensaio e da Metafísica de Aristóteles, esse não apenas não pensa de maneira não aristoté lica, mas pens a me smo não apenas de man eira autenticam ente aristotélica, como também de maneira simplesmente antiga. No fato de Aristóteles co ncluir o livro com Θ 10, isto é, no fa to de ele
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Só alguém que considera aristotélico os lugares com uns que se encon tram há muito tempo em uso na tradição consideraria que pensar assim é algo não aristotélico. C om isso já está indicado que a questão aparentemente extrínseca acerca do perte ncim ento do capítulo ao livro só é passível de ser resolvida po r meio de um a consideração detida do problem a que é tratado no livro e no capítulo, isto é, por meio de um tratam ento da questão: qual é o significado fund am ental de ser, de tal modo, em verdade, que o ser verdadeiro possa e precise ser trata do em conexão com o ser efetivam ente real, sim, de tal m od o que até me smo o ente verdadeiro deva con stituir o ente ma is propriam ente dito? Antes de respon derm os a essa questão e, assim, antes de dem on strarm os positivamente a pertinência in terna e necessária de Θ 10 ao livro , devemos discutir brevemente as dúvidas levantadas contra a possibilidade de uma conexão de Θ 10 com o livro Θ . As dúvidas com relação à
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interpretar o ser verdadeiro como o ser prop riam ente dito, é aí que
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Op. cit., p. 52.
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diversidade essencial no tema po dem ser resolvidas simplesm en te por si mesmas em meio a uma interpretação positiva. Antes de tudo, porém , é preciso discutir a argumentaçã o, que se dirige contra ο κυ ριώ τα τα . Caso se considere desde o princípio como estabelecido que o que estaria em jogo no capítulo seria o óv ώς αληθές, que não pertenceria enquanto problem a lógico ao tema do livro, então também se precisa considerar impossível que se fale aqui de óv ώς αληθές como o ente mais propriamente dito, ο κυ— ριώ τα τα óv. Esse κυ ριώ τα τα , portanto , necessita ser retira do daqui. Duas possibilidades apresentam -se: 1. Nós o eliminam os simplesmente, 2. Nós o reinterpretamos, de tal modo que o sig nificado se adéq ue àquilo que se tinh a em vista desde o princípio como o conteúdo do capítulo. É segundo essas duas possibili dades de reinterpretação que procedem Schwegler e sobretudo Jaeger. Pelo prim eiro cam inho se decide o mais recente trabalh o que foi levado a cabo por Ross: seclusi: an post μέν (a 34) trans ponenda?58 Não há a m enor razão para um a interv enção tão to s ca no texto, que é aqui completamente normal. A questão é que ju sta m ente o desacordo do κυ ριώ τα τα em relação àquilo que se supõe como o conteúdo do capítulo causa uma perturbação. O que Ross inicia com isso precisa se mostrar, de acordo com a sua convicção, na Metafísica. Ele traduz aqui κυ ριώ τα τα por “preferencialmente”. O ser verdadeiro é aquilo que é interpelado preferencialm ente como ser. Jaeger defende a m esm a concepção do κυρ ιώ τα τα . Κ υριώ τατα óv significa o mesmo que o “ser com o significado ou o emprego que é mais usual na língua, tal com o ele na m aio ria das vezes é propriam ente empregue”. “E o fato de esse sentido m ais usual ser o esse’ da cópula é elucidati vo”.59 O que é preciso dizer qu anto a isso? Não h á nen hu m a prova 58 Aristóteles, Metafísica (Ross). Oxford 1924. Vol. II. 59 W. Jaeger, Studien zur Entwicklungsgeschichte (Estudos sobre a história do desenvolvimento), p. 52. 106
que justifique essa concepção a partir de Aristóteles. O fato de o “é” funcionar na maioria das vezes como cópula é correto. Mas o fato de a cópula significar na maioria das vezes propriamente “é verdadeiro”, ser verdadeiro, é incorreto. E isso não porque a cópula “é” não tem esse significado na maioria das vezes, mas apenas raramente, mas muito mais porque ela tem sempre esse significado, quer de maneira expressa, quer de maneira implíci ta. Dizer com o Jaeger que a cópula significa na ma ioria das vezes propriam ente ser verd adeiro é exatamente o mesmo que se eu quisesse dizer que 2 mais 2 é na m aioria das vezes prop riam ente 4. No entanto, aind a que no “é” da cópula resida o ser verdad eiro, justam ente o “ser” n ão é n a m aioria das vezes com preendido as sim, mas no sentido da quididade, do m odo de ser, da presença à vista. Para a tese de que o “é” significa na maioria das vezes propriam ente ser verdadeiro, falta to da e qualq uer base legítim a ma terial e, po r conseguinte, falta tam bém o fundam ento p ara in terpelar ο άληθές óv como κυ ριώ τα τον com esse significado: o que é preferencialmente utilizado. Sobretudo, porém, κυρ ιώ τατον nunca significa aqui o mesmo que: o que é na maioria das vezes pro priam ente usual, pois não se trata aqui da qu estão do uso terminológico mais freqüente e mais raro. Schwegler e Jaeger, portanto, também se omitiram diante da necessidade de indicar algum a prova lingüística pa ra essa afirmação retirada do vento em u m m om ento do m aior impasse. Κ υρίω ς, κύ ριος, o senhor, o possuidor de, o proprietário de algo. Κ ύριος, κυρίω ς, considerado em seu elemento peculiar, pró prio: se κυρ ίω ς é dito de uma palavra, então o que se tem em vista não é a frequência do uso terminológico, mas antes a palavra, consid erada em seu significado pró prio. O significado próprio é ao me sm o tem po aquele que, na m aioria das vezes, é empregue termino logicam ente, o significado figurado, em con trapartida, μεταφορά, é o mais raro, o estranho, “não usual”. Κ υρίω ς óv é aquilo que um ente propriamente é. Κ υριώ τα τον (-α) óv é aquilo que um ente é iio sentido m ais pró prio possível. 107
Em Aristóteles, κυ ρίω ς é com frequência usado em con traposi ção a κ α τά μ ετα φ ορ ά ν, um a palavra em seu sentido próprio em contraposição a um a palavra em seu sentido figurado. De fato, κύ ρ ιο ν, o predom inante, tam bém tem m esm o em Aristóteles o significado de “o usual”; de maneira corresp onden te ao significado κύριος, senhor, τό κύριον designa, então, a ter m inologia dom inante. O uso terminológico estranho, longínquo, é designado correspo ndentem ente como τό ξενικ ό ν. Aristóteles nos diz na Retórica T 2: έσ τω ο ύ ν έκεΐνα κ α ί ώ ρίσ θω λέξεω ς α ρ ετή σ α φ ή είνα ι60, tod o discurso tem sua excelência, άρ ετή , no fato de que ele é compreensível, σ α φ ή , e, em verdade, quando as palavras torn am evidente o que elas têm em vista: σ α φ ή μ έν ποιεί, τά κ ύ ρ ια 61. Ο discu rso tam bém carece, porém , se é qüe ele não deve ser iníquo, ταπεινή, da ξενικά, das palavras que não foram trazidas de fora para cá, das palavras distantes. Entre essas palavras estão metáforas, prov incianismos etc. No contexto do problema da terminologia, portanto, Aristóteles fala de κύ t piov no sentido do usual. O uso terminológico propriamente dito, porém , é usual, po rqu e ele é próp rio, não o inverso. O sig nificado propriam ente dito é o fund am ento pa ra a frequência e para o caráter usual n o uso term inológico. Por isso, o significado prim ário e p ropria m ente dito de κ ύ ρ ιο ν é a p ro priedade. O que está em que stão na metafísica tam bém não é de m aneira alguma a questão do caráter usual, esse caráter não tem aqui lugar algum em term os materiais. Por isso, precisamos perg untar: o que significa de resto κ ύ pio v em Aristóteles no caso da term in olo gia filosófica? N o livro 6 da Ética a Nicômaco, nós lemos o seguinte: Τ ρ ία δή έσ τιν έν τή \}/υχή τά κ ύ ρ ια πρά ξεω ς κ α ί ά λη θεία ς, α ίσ θ η σ ις νο ύς όρε—
60 Aristóteles, Retórica (Roemer), Leipzig (Teubner) 1914. Γ 2,1404 bleseg. 61 Op. cit., 1404b6. 108
ξις62. Três coisas na alma é que constituem ο κύρια, o elemento pro priam ente dito do agir e do conhecer: percepção, pensam en to e aspiração. Seria com pletamente sem sentido trad uz ir κ ύρια aqui po r “usu al”. E no livro 9, Aristóteles nos diz no contexto do problem a da amizade e do am or próprio do homem: εί γάρ τις ά εί σ που δά ζοι τα δίκ α ια π ρά ττειν α ύτός μ ά λισ τα πά ντω ν ή τά σώ φ ροντα ή όπ οια οΰν ά λλ α τω ν κα τά τά ς άρετάς, κ α ι όλω ς τό κ α λόν έαυτφ περιπόίτο, ούδείς έρέί τούτον ούδέ ψ έξει. Se alguém, um hom em , está sempre em penhad o em fazer o que é justo, assim com o o que é plenam ente com edido e aquilo que pe rtence de resto à esfera do ético, e, em geral, se em penha por se apropriar da nobreza, então nin guém o criticará como se ele fosse um egoísta. E, contudo, precisamente ele será alguém que porta em si o verdadeiro amor próprio: μ ά λλ ον είνα ι φ ί λα υτος... κ α ί χα ρ ίζεται εαυτού τφ κυρ ιω τά τφ 63, pois ele re quisita para si o que há de mais nobre e o que há de maximam ente bom , e ele está propenso, isto é, ele se acha internam ente comprometido com o que há de mais próprio e mais essencial nele. Aqui tamb ém seria absurdo tradu zir por: o que há de mais usual. Além disso, encontramos formulados no livro 1: ética é a επιστήμη πολιτική, pois essa é a επισ τή μ η κ υριω τά τη64, isto é, a ciência mais elevada e mais própria, que abarca tod o agir h u mano e que lhe dá a meta. É assim que Aristóteles fala também nesse sentido de άκ ρότα τον ά γαθόν ou κυ ριώ τα τον αγαθό ν, do bem mais próp rio possível, do b em pu ro e simples. De maneira completamente de acordo com as passagens que acabamos de citar, nós encontramos no capítulo 10 do livro da Metafísica o ente prop riam ente dito. Por mais desagradá vel que seja, é preciso admitir isso! Em verdade, é preciso que 62 Aristóteles, Ethica Nichomachea (Susemihl). Leipzig (Teubner) 1882. 63 Op. cit., 18, 1168b 25-31. 64 Cf. op. cit., A 1, 1094a25esegs.
se adm ita que Jaeger tem razão ao dizer que κύριον pode signi ficar: o que é mais usual. Em term os m ateriais, porém , continu a sendo preciso insistir no fato de que isso não é pertinente para o ser verdadeiro, nem na compreensão de ser vulgar, nem tam pouco na aristotélica. Não há nada para abalar ho κυ ριώ τα τα . Ele se enc ontra presen te em todo o seu rigor e indica a vontade de Aristóteles de tratar do ser verdadeiro não apenas em geral na Metafísica, mas de interpretá-lo como o ente mais próprio e de concluir com essa interpretação o ensaio sobre o ente pro priam ente dito.
β) Prova d e que o cap ítulo 10 perte nce ao livro Θ . A ambi güidade no conceito grego de verdade: verdade coisal e verdade proposicional (verdade do enunciado). A discussão te m ática do ser verdadeiro do ente (propriamente dito) (επί τω ν πρ α γμ ά τω ν), não do conhecimento, no capítulo Θ 10 A afirmação nu a e crua de Aristóteles é a de que o ser ver dadeiro é o ser mais próprio junto ao ente, a de que no ente verdadeiro enquanto tal se anuncia a essência mais própria do ser. Esse é um problema, que surge lá onde ele trata constante e expressamente do ser propriamente dito (ενέργεια, έντελέ χεια): no livro Θ . Em que m edida a afirmação se m ostra consis tente, é algo que ele pro cura m ostrar no 01 0. Em suma, o tema do capítulo é o desdobramento e a demonstração da tese: o ser verdadeiro constitui o ser mais próprio do ente propriamente dito. O tema é o ser verdadeiro do ente, isto é, o que se pergunta é: como é que o ente mesm o precisa ser enquanto ente, para po de r ser propriamente verdadeiro, e o que é o ser verdadeiro mesmo pro priam ente dito que é assim possibilitado? Como as coisas se com portam em relação ao ser propriam ente dito do ente? É preciso mostrar de saída e em geral que o ser do ente também pe rma nece como tema em 0 1 0 e que o ser verdadeiro é incluído nesse tema diretriz. Assim, depois de ter introduzi do ο αληθές Óv, o ser verdadeiro, como o ente mais próprio, 110
Aristóteles diz imediatamente em seguida: τούτο, ou seja, o ser verdadeiro, τοΰ το δ’έπ'ι τω ν πρ α γμά τω ν,65 isso, ο ser verda deiro, é compreendido com vistas às coisas mesmas que são, o ser verdadeiro como ser verdadeiro dos πραγμά τω ν, das coisas, isto é, não o ser verdadeiro como caráter do pensamento que apreende as coisas, não o ser verdadeiro como propriedade do conhecimento do ente, não como propriedade do enunciado do λόγος sobre o ente, não como propriedade da opinião sobre... enquanto tal, tudo isso não, mas simplesmente como caráter do próprio ente. Na prim eira proposição do capítulo encontra-se palpável o fato de que se trata aqui de um tem a com pletam en te diferente daquilo que se tinha pressuposto desde o princípio até aqui de maneira geral e de maneira despercebida, completa mente diferente daquilo que se pressupunha que precisava ser o tema: o ser verdadeiro como caráter da determinação e do enunciado pensantes. Desse caráter diz-se, aliás, em E 4: έπεί δε ή συμπλοκή έστιν καί ή διαίρεσις έν διανοία άλλ’ούκ εν το ις πρά γμ α σ ι, τό δ’ούτω ς όν έτερο ν όν τω ν κυρίω ς66, a saber, das categorias... άφετέον. A ligaçãoe adissociação apontam para um comportamento do pensar sobre o ente, eles não se encontram no próprio ente, sobre o qual é pensado. Portanto, esse ente e todas as suas propriedades, ou seja, mesm o o ser verdadeiro e o ser falso, precisam ser colocados de lado. Σκεπτέον του όντος α ΰτοΰ τα α ίτια 67, ο ente mesm o precisa ser visualizado com vistas àquilo que to rna possível o ente mesmo enquanto ente. Em 010, porém, assim como em todo o livro Θ em geral, o que se faz não é outra coisa senão perg un tar sobre o ente mesmo, e, com efeito, agora e em última instância, sobre o ser verdadeiro e sua possibilidade, não sobre o ser verda deiro do pensamento. E se afirma do ser verdadeiro do ente que 65 66 67-
Aristóteles , Metafísica Q10, 105 lb2 Op. cit., E 4 ,1027b29esegs. Op. cit., E 4, 1028a3. í 111
ele até mesm o constituiria o ser propriamente dito do ente. O pr o blema não se movim enta, portanto , apenas de m odo geral com pletam ente nos quadros da πρώ τη φ ιλοσ οφ ία, mas é ele mesm o o problem a mais radical da filosofia prim eira. Em 010, com isso, não se trata absolutamente de ne nh um problema da lógica ou da teoria do conhecimento, tal como se supunha simplesmente des de o princípio, mas o que está em questão é antes o problema fundam ental da metafísica. O ra, mas ainda pod e subsistir, porém, alguma dúvida em relação a considerar essa capítulo como per tencente ao livro, que leva ao mais elevado desdobramento pos sível a questão diretriz da metafísica antiga? O capítulo não pre cisa, então, pertencer necessariamente ao livro? O capítulo não se encontra desconectado do livro e de seu contexto e Aristóteles tam bém não o introduziu aí apesar da ausência total de conexão. Um a coisa é mais impossível do que a outra. Mas como é que se pôd e desconsiderar de man eira tão tosca e tenaz o tem a propriam ente dito do capítulo? Os com entadores e aqueles que os citam tam bém leram e interp retaram efetivamente o capítulo. C om certeza, porém , há um a diferença entre ler e ler. A questão é saber se nós lemos com os olhos apropriados, isto é, se nós mesm os estamos preparados junto a nós m esmos pa ra ver o que é preciso ser visto. Ou seja, se estamos à altura da proble mática ou não, o que significa aqui, se nós com preend em os o pro blema do ser e, portanto, o pro blem a da verdade e sua conexão possível de m aneira suficientemente originária, para nos mover mos no horizonte em que se mantém a filosofia antiga de Platão e Aristóteles por assim dizer por si mesma. Ou, por outro lado, se ousamos nos aproximar da tradição filosófica com conceitos filosóficos gastos e com os pseudoproblemas gerados por eles e se estamos dispostos a tomar decisões com um tal equipamen to precário de visão em relação a eles, decisões sobre aquilo que pode se encontrar no texto e que pode te r sido pensado por Aris tóteles. É assim que as coisas acontecem em Schwegler. Sabe-se que o problem a da verdade perte nce à lógica. O ser é considerado 112
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simplesmente como óbvio e não se perg unta de m aneira alguma sobre ele. Se, então, no livro principal da teoria do ser, Aristóteles inscreve um capítulo, que trata logo na prim eira sentença da verdade, justam ente esse tem a não pode fazer parte desse contexto. Se um tal procedim ento se degenera de ma neira mais ou men os tosca, quer de m aneira sumária, quer de m aneira detalhada, isso não altera em nada a impossibilidade de um a tal metodologia. Onde é que se acha, portanto, a falha fundamental na concepção do capítulo que está aqui em discussão? No fato de não se ter questionado a compreensão antiga da essência da verdade, assim como não se questionou o fundamento e o modo de ser da com preensão de ser antiga. Pois bem , o problem a da verdade - como problem a - , exatamente como o problem a do ser, tam bém não foi clarificado na Antiguidade, e isso é válido ao mesm o tem po para tod a a filosofia subsequente. Sim, essa filosofia não soube nem mesmo, p or razões que não precisamos discu tir agora, acolher efetivamente e tornar frutífero aquilo que o desdo bram ento antigo do problem a da verd ade alcançou. Se as coisas se encontram assim, então não pod em os com maior razão ainda acreditar que, em um livro e em um capítulo que afirma e discute até m esm o um a conexão entre ser e verdade, tudo seria tratado em u m a pu ra transparência. Ao contrário, onde a mais profun da problem ática é alcançada, aí rein a a m aio r obscuridade, ap esar de tod a agudeza do questionamento. A princípio, o que os gregos em geral com preendem , de maneira pré-filosófica e filosófica, por verdade?68 Α λήθεια, desvelamento; não estar velado, mas estar desencoberto; desencobrimento, isto é, ser arrancado ao velamento. Verdade com o desencobrim ento, portan to, já não é desde o começo um caráter do conhecim ento e da apreensão do ente, mas o ente mesmo. Desencobrimento é desenco brim ento do ente. Se, po rtanto , Aristóteles pe rgu nta sobre o desenco brim ento do ente, sobre a verdade do ente, então
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68
Cf. Ser e tempo, § 44. 113
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essa é, no sentido antigo, a questão mais imediata, primeira e pró pria, quando se pergunta sobre a verdade. Prim ariam ente, o pro blem a da verdade não é desde o princíp io nenhum proble ma de apreensão e conhecimento. Esse problema só se mostra como um problema em segunda linha, a saber: na medida em que a apreensão e o conhecimento captam o ente em seu desentranhamento, em seu desencobrimento, o conhecimento é por sua parte “verdadeiro”, isto é, dito em termos gregos, algo que cabe prop riam ente ao desenco brimento do ente, que o comunica e resguarda. O enunciado não é primariamente verdadeiro no sentido do desenco brimento, m as ele é o mo do com o qual nós hom ens defendem os e preservam os a verdade, isto é, o desenco brim ento do ente: άληθεύειν. Não pode ser dito do ente mesm o: αληθεύει, mas o ente é óv άληθές no sentido originário. C om o que, porém , tamb ém é possível denom inar aquilo que αληθεύει verdadeiro em sentido derivado, isto é, ο λόγος também é αλη θής, ά λη θές significa: 1. Desvelado, dito do ente, 2. Captar algo desencoberto e nq ua n to tal, isto é, ser desencobridor. Por isso, reside em άληθές e ά λή θεια um a am bigüidade - e, em verdade, um a necessária, tão necessária que ela precisa ser retida, caso se queira tom ar pé em geral sobre o prob lem a da verdade. Como é que as coisas se encontram no que diz respeito ao contra-conceito em relação à verdade, em relação à inverdade? Inverdade não é o mesmo que velamento, mas diz o mesmo que dissimulação. Tamb ém é preciso fazer um a diferença correspon dente entre falsidade e inverdade, isto é, inverdade não significa a mesma coisa que não verdade - mesmo a beleza é uma não verdade -, mas inverdade só há lá onde algo falta à verdade, lá onde o há desen cobrim ento e, de qualquer mo do, na m aioria das vezes, dissimulação, lá onde algo, com efeito, se dá, mas se ofere ce como aquilo que ele não é. O fato de o que está em questão é o ser verdadeiro do ente é algo que Aristóteles acen tua expressamente, de m aneira com ple 114
tam ente supérflua, no início do capítulo 10: ού γάρ διά τό η μ ά ς ο ίεσ θα ι αλη θώ ς σ έ λευκ όν είνα ι εί σ υ λευκός, ά λλα διά τό σ έ είνα ι λευκ όν ή μ έίς οί φ ά ντες τοϋτο ά λη θεύομ εν69.70 Ο ά λη θεύειν (ο desvelar) tam bém está fundad o no ά λη θές óv (ente desvelado). No entanto, como se leva tão pouco a sério a compreensão antiga originária da essência da verdade quanto a compreensão antiga do ser, também não se vê a amplitude des sa am 5iguida.de no conceito de verdade. Tò ά λη θές λεγόμενον, aquilo que é originariamente interpelado como verdadeiro, desencoberto, assim como aquilo que tem de ser interpelado como tal, é o próp rio ente, o óv.
d) A compreensão grega da verdade (ά λή θεια ) como desencobrim ento. O ente verdad eiro (άληθές óv) com o o ente mais propriam ente d ito (κυρ ιώ τα τον óv). O ente mais propriam ente dito com o o sim ples e constantem ente presente Aristóteles coloca, então, o problema: πότ’έστιν ή οΰκ έστι τό ά λη θές λεγόμ ενον ή ψ ευδός71 - se há a verdade, esse caso enquanto tal não é discutido. A questão é: quando há e quando não há o ente verdadeiro enquanto um tal, isto é, quando o ente enquanto u m tal é de tal m odo que possa ser verdadeiro? Como é que o ser do ente precisa ser, para que possa haver algo verda deiro, desencoberto. Q uando é que o ente pod e ser propriam ente verdadeiro, quando ele é propriam ente verdadeiro com o um tal? Desdobro o problem a antecipatoriamente. Resposta: quando to da e qualquer possibilidade da inverdade está excluída em todos os aspectos do ente. Quando acontece isso e o que significa aí 69 Em grego no original: “Não é porque estamos na verdade dizendo que sois branco que sois branco, mas o inverso, porque és branco que, dizendo que sois, estamos na verdade.” (N. T.) 70 Aristóteles, Metafísica Θ 10 , 1051b6esegs. 71 Op. cit., 1051b5eseg. (Em grego no original: “em que medida há ou não o que chamamos verdadeiro ou o falso”). 115
verdade? Quando pertence ao ser a verdade. Como é que isso é possível? Quando o ser verdadeiro constitui o que há de mais propriam ente dito no ser enquanto tal. Ser, p orém, o que é? P re sentidade constante. Se, portanto , a verdade mesma n ão significa outra coisa senão a mais elevada possível e pró pria presentidade, então há verdade. Essa é uma, sim, essa é a questão metafísica mais pura e não possui nada em comum com a assim chamada teoria do conhecimento. C omo é que o ser verdadeiro pode p er tencer ao ser do ente? O que é o próprio ser verdadeiro, de tal m odo que ele possa pertencer ao ser do ente? Aristóteles precisa entre outras coisas no fundo perguntar assim, se ele quer mos trar que o ser verdadeiro não pertenc e apenas ao ente, mas cons titui o que há de mais prop riam ente dito no ser do ente: αληθές óv como κυρ ιώ τα τον όν. E, evidentem ente, só o ser verdadeiro propria m ente dito pode constitu ir o ser mais propriam ente dito do ente, não um desencobrimen to qualquer de um ente arbitrá rio qualquer. í
α ) A correspo ndênc ia de ser e ser verdadeiro (desencobrim ento). Dois tipos fundam entais do ser e os m odo s que lhe são correspondentes do ser verdadeiro Qual é a solução que Aristóteles dá a esse problema? De acordo com tu do aquilo que foi dito, não tem os o direito de achar que esse pon to m axim am ente elevado da problem ática ontológica da Antiguidade mostraria em seu tratamento um caráter di verso do tratam en to antigo do problem a em geral. Também aqui, o problema encon tra-se em m eio à claridade da com preensão de ser natural cotidiana, sem que a luz mesma tivesse sido clarea da. Caracterizo o tratam ento aristotélico do problem a apenas em seus traços principais. U ma interpretação completa seria po r d e mais ampla e precisaria pressupor um conhecime nto penetrante da m etafísica aristotélica. Com vistas ao problema, precisamos nos lembrar de três coi sas. 1. O ente propriam ente dito é ο óv έ ν γ (o ente em ato). 116
Ε νέργεια é ο ser propriamente dito no sentido do manter-se na presentidade constante. 2. Verdade é desencobrimento de um ente e apenas com base e em relação a esse desencobrimento é que é verda deiro em sentido derivado, ou seja, algo acolhido ou rejeitado como um desencoberto, aquilo que apreende e determina o ente mesmo: άληθεύειν, ο φ ά ναι ou κα τα φ ά ναι τό άληθές.723. Precisamente porq ue a verdade é, segundo sua essência, desencobrimento do ente, regula-se e determina-se o respectivo modo de ser do desencobri mento (verdade) segundo o tipo do ente, isto é, segundo o seu ser. A coordenação e a correspondência do respectivo tipo de desenco brim ento ao respectivo tipo do ente são, quando se capta e retém a essência do conceito antigo de verdade, desde o princípio claras e óbvias. Inversamente, quando essa correspondência se expressou claramente na Antiguidade, o que estava em questão era o fato de que na sua base residia desde o princípio a concepção de verdade como verdade do ente (desencobrim ento). Assim o é de fato. Aristóteles diz ao final da Metafísica α 1 de m aneira inequívoca e elementar: έκα σ τον ώ ς έχει τού είνα ι, ούτω κ α ί τής ά ληθείας,73 assim como cada coisa se com porta em relação ao ser, cada um a tamb ém se comporta em relação ao desencobrimento. O modo de ser do ente decide sobre o modo que lhe cabe de seu possível desenco brimento. Esse desencobrimento acom panha o ser. Ao ente pro priam ente dito pertence, então, enquanto tal, o ser verdadeiro propria m ente dito. Nossa afirmação é a de que Aristóteles apresenta o proble m a em 0 10: com o é que precisa ser o ser do ente, pa ra que o ente possa ser algo verdadeiro, isto é, desencoberto? O que é o ser verdadeiro propriamente no ente? Deve ter ficado claro que esse problem a se to rna incontorn ável para a A ntiguidade e, com maior razão, para Aristóteles, depois que desperta a questão diretriz 72 Em grego no original: “desvelar, o dizer ou o atribuir o verda deiro”. (N. T.) 73 Op. cit., α 1, 993b 30eseg. 117
τί τό όν. Isso é palpável. Ao mesm o tempo, porém , deduzimos do dito como é, então, que Aristóteles, logo ao acolher o problema, dá início ao seu trata m ento e em que direção ele precisa desdobrá-lo. Pois se sua tese é: ο α λη θές óv é ο κυρ ιώ τα τον όν, o ente mais propriam ente dito, então ele precisa partir em direção à perg unta sobre a verdade do ente propriam ente dito. O problem a não é um tipo arbitrário qualquer de verdade de um ente qualquer, mas a verdade do ente propriamente dito; isto é, de acordo com o que foi dito acima, ao mesmo tempo: a verdade propriamente dita. Aqui, junto à verdade propriamente dita do ente propriamente dito, o nexo propriam ente dito entre ser e verdade precisa se tornar visível, ou seja, é preciso vir à tona em que medida a verdade em geral constitui o ser propriamente dito do ente. Co m isso, já prelineamos o curso das discussões de 01 0 . O tratamento temático do problema começa em 1051b9 e estendese até b33 ou até 1052a4. O que se encontra antes daí introduz o pro blema. Nós dissem os o mais im porta nte até aqui: tese, m odo de questionamen to, aceno para a verdade ma terial (πράγματα), esse funda m ento da possibilidade da verdade enunciativa. O que é discutido depois de a4 são conseqüências. A construção da dis cussão temática, a composição, o caráter conciso, a agudeza e a clareza perten cem ao que há de mais espantoso que eu conheço de Aristóteles nessa pro fund idade dos problemas. O desencobrimento do ente regula-se segundo o modo de ser do ente, τό δέ ά λη θές ώ ς τό είνα ι.74 Na divisão geral dos entes, percebemos o fato de que conhecemos um tipo de ente em relação ao qual Aristóteles observa o seguinte: εγγύς τι του μη όντος,75 ele se aproxima do não ser. Em verdade, ele ainda é um ente, mas não prop riam ente; e esse ente, ο όν κα τά συμ βε— βηκός, é ele um ente tal que se acha de tal mo do presente, que ele se coinseriu em algum m om ento e algum a vez ocasionalmente.
74Em grego no original: “O verdadeiro como o ser”. (N. T.) 75 Op. cit., E2, 1026b21. 118
Por exemplo, o ser branco do giz no que diz respeito a esse giz. Quando o giz é, ele não precisa ser branco. Em contrapartida, o fato de o giz ser, quando ele é, uma coisa material, isso, a ma terialidade, não se coinseriu em algum momento e alguma vez em acréscimo, σ υμ —βεβη κός, mas é um συγκείμενον, ele se enc on tra junto no giz, σ υν—κείμ ενον com ο υποκείμενον (en contrar-se jun to com o subjacente). Aqui, o giz e a materialidade são α δύ να το ν δια ιρεθή να ι, ou seja, é impossível tê-las disso ciadas diante de si; por exemplo, quando se apreende o ente giz e ele deve ser desentranhado naquilo que ele é. Por outro lado, se o giz é, então m uitas coisas pod em se colocar jun to dele. To davia, a mendac idade, p o r exemplo, nun ca po derá ser colocada conjuntamente com ele. É impossível reunir algum dia os dois, por exem plo, ju nto à determin ação desentranhada do giz e dizer: Ό giz men te”. Aristóteles diz: α δύ να το ν σ υντεθή ναι. N atu ral me nte há, tal como já mencionam os, algo que ora pod e se colo car junto do giz, ora não. O que significa, então, o ser material em relação ao giz que é materialmen te enq uan to tal, o ser ma te rial do giz? Significa encontrar-se jun to e, assim, ser na copertinência de um ente; não a mesma coisa, mas constituindo uma coisa na multiplicidade. De maneira correspondente, junto ao ser mentiroso do giz, afirma-se o não-se-encontrar-junto, uma dissociação pura e simples, uma multiplicidade desunida. Com a clarificação e determina ção desses tipos diversos do ser, Aristóteles começa a discussão temática: εί δή τα μέν άεί σ ύγκ ειται κ α ι α δύνα τα δια ιρεθή να ι, τα δ’ ά εί διή ρη τα ι κ α ι ά δυ να τα σ υντεθή να ι, τα δ’ ενδέχετα ι τά να ντία τό μ έν γάρ είνα ι έστο τό σ υγκ εισ θα ι κ α ί εν είνα ι, τό δε μή είνα ι τό μ ή σ υγκ εισ θα ι ά λλα πλείω είνα ι76.77 Não há aqui nenhum a 76 Op. cit., Θ ΐΟ , 1051b9esegs. 77 Em grego no original: “Se, por conseguinte, umas coisas sempre estão juntas e nao podem ser separadas, e outras sempre estão separadas e não podem ser unidas, e outras admitem o contrário, o ser é estar jun to e ser um, e o não ser, não estar junto, más ser várias coisas”. (N. T.) 119
diferença em relação à interpretação da quididade e do modo de ser do ente. Podemos deduzir dessa interpretação a prova mais palpável para a nossa tese geral sobre o ser. Ser significa encon trar-se unido como o ser da quididade (materialidade do giz), συγκείσθαι. Nós nos lem bram os, porém , que ο ύποκεί μενον significa ύπομένον. Por isso, σ υ γκ είσ θα ι não signifi ca simplesmente apenas encontrar-se junto como ser conjun tamente dado, mas desde o princípio permanecer junto, estar constantemente junto, isto é, copresentidade constante de um com o ou tro. Naqu ilo que ele m esm o é, o pró prio giz se en co n tra junto com a materialidade, permanecendo constantemente com ela. Em contrapartida, o giz e a mendacidade se mostram como um constante não estar junto: o giz enquanto tal nunca p orta consigo algo desse gênero, algo desse gênero nunca pode se colocar junto com ele. A mendacidade precisa permanecer con stantem ente de fora, tem os aqu i a ausência-constante de um em relação ao outro .78 Por fim, há algo tal que nunc a é con stan temente, que nu nc a está apenas presente, mas que é inco nstan te, ora presente, ora não, algo que está presente e permanece, para logo em seguid a não estar presente e perm anecer de fora. Aquilo que inconstantemente permanece de fora é aquilo que vem a cada presente e cai sobre ele, que lhe cabe e que lhe é acrescentado, o contingente. Caso não se tenha, então, desde o prin cípio em vis ta para a interpreta ção que ser significa p resen tidade constante, então não se conseguirá atravessar de ma nei ra alguma essa passagem decisiva de Aristóteles, nem mesmo em um prim eiro passo. Temos agora dois tipos fundamentais de ser: συγκείσθαι e σ υμ βεβη κένα ι. Nesse caso, é importante observar como algo decisivo o seguinte: cada um desses tipos de ser tem seu modo específico de não-ser, de ausência. Atentar para isso é decisivo. Ao primeiro tipo de ser enquanto tal pertence um determinado 78
Cf. Platão, Eutidemo. As belas coisas e a beleza; πα ρουσία. 120
não-ser possível. O segundo tipo é sempre simplesmente em si um certo não-ser. E agora pela prim eira vez, depois de Aris tóteles ter determinado esse tipo do ser (quididade e modo de ser) de um ente, ele passa para o problema propriamente dito, isto é, para a questão: quando e como são possíveis o ser verdadeiro, que corresponde a esses diversos tipos de ente, e o desencobrimento (ter sido descoberto) correspondente? Ele começa com a interpretação do desencobrimento do ente, que pode ser ora de um modo, ora de outro, do ente cujo ser é o que m eno s satisfaz a essência do ser, à presen tidade constante, perm anecendo falho, inconstante e, por isso ju stam ente, por vezes ausente em relação a ele. Caso haja efetivamente uma tal descoberta, quando e como se dá a descoberta (verdade) do que permanece inconstantemente de fora, do contingente? O desencobrimento do casual não é sempre e, em verdade, não tem lugar precisamente quando o contingente é tal como ele é. Reside na essência do contingentemente ente enquanto ente que a verdade que lhe é pertinente não seja sempre o que ela quer ser - verdade. A verdade transform a-se em inverdade. N ão se acha, portanto, prim ariam ente em nós, po r exem plo, no homem que apreende, o fato de nós por vezes nos equivocar mos e pensarmos de maneira errônea. Como é que precisa se mostrar, afinal, o desencobrimento do contingente, para que, segundo a sua essência, ele possa não ser sempre o que ele é, para que ele, o desencobrim ento, possa se to rn ar ele m esm o a inverdade, e, com efeito, de tal modo que, sem a nossa apre ensão, o en te se altere? Nós vemos esse giz e dizemos: “O giz é branco”. Esse é um enunciado verdadeiro, porque ele acolhe o giz em si e contém aquilo que esse giz é em seu desvelamento. Nós retemos esse enunciado verdadeiro, conservamos essa verdade e vamos com ela para casa. Nós podemos nos reunir e discutir o objeto, descrevendo-o, na medida em que o presentificamos. Nesse ínterim, porém, alguém pode ter pinta do o giz de vermelho, ou, por razões quaisquer que são por
prin cípio possíveis, o giz pode ter m udado a sua cor. Nesse caso, o nosso enunciado verdadeiro torna-se inverídico, sem que nós tenh am os alterado algo nele. Sim, precisamente po rque retivemos o nosso enun ciado verdadeiro inalterado, justam en te por isso ele se torna inverídico, simplesmente por meio do próprio ente e de seu m odo de ser, ora de um m aneira, ora de outra. Inversamente, um enunciado dissimulador, “o giz é verm elho”, p od ç se to rn ar descobridor. Nosso enu nciado tor no u-se inverídico, isto é, não é ma is descobridor, m as dissim u lador. Se nós o enunciamos, então cobrimos com o enunciado “branco” aquilo que o giz man ifestam ente é, ou seja, de m an ei ra desencoberta, a saber, vermelho. Nós não apenas cobrimos. Como pretendemos dizer algo verdadeiro sobre o giz, nós o fazemos pass ar po r algo que éle não é. Nós não cobrimos, mas o encob rimo s, dissimulam os sob o m od o com o ele desde então é, nós nos iludimos e iludimos os outros. Ο λόγος torna-se ψ ευδή ς - é preciso atentar bem, ele não se torna simplesmen te incorreto, mas “equivocado”, um “erro”. E daí vem à tona o ^seguinte: o desenc ob rime nto do con tingente po de se alterar es sencialmente a qualquer momento sem que precisemos fazer nada. A verdade do ente contingente é em si inconstante, e, po r isso, um e m esm o enunciado, que capta ele m esm o a ver dade, pode ser ora descobridor, ora dissimulador. Π ερί μ έν οΰ ν τα ένδεχόμ ενα ή α υ τή γίγνετα ι ψ ευδή ς κ α ί α λη θή ς δόξα και ό λόγος ό αυτός, καί ένδέχεται ότέ μέν άληθεύ ειν ότέ ψ εύδεσ δα ι79.80 Ο mesmo ente em seu modo de ser é, abstraindo-se totalmente de se e do modo como se altera a concepção hum ana, ora desencobe rto segundo a sua essência, 79 Em grego no original: “No que concerne às coisas que admitem o contrário, a mesma opinião e o mesmo enunciado se mostram por vezes falsos, por vezes verdadeiros, e é possível se ajustar algumas vezes à verdade e outras vezes errar”. (N. T.) 80 Aristóteles, Metafísica, 010, 1051 bl3esegs. 122
ora dissimulado, tomando essa mudança como um aconteci mento que simplesmente se dá. Aristóteles não diz onde é que reside o fundamento propriamente dito da possibilidade para tanto. N a essência da verdade do contingen te se assenta a po s sibilidade constante da inverdade, essa inverdade não é em si um a verdade prop riamen te dita. Como as coisas se comportam, então, no que diz respei to à verdade do σ υγκ είμ ενον, da quididade? Caso o desenco brim ento da quid id ade do ente se dê, então ele é constante, por mais que possam os ou não fazer uso dele. Visto de outro m odo, a partir do ente: o ente nunca é, quando ele é descoberto com vis tas à sua quididade, ora descoberto, ora encoberto, e, com isso, ele não está expo sto à possib ilid ade da inverdade. E, contu do, os σ υγκ είμ ενα não são pu ra e simplesmente, eles não são em todo e qu alquer aspecto pa ra além da p ossibilidade da dissimulação. Em verdade, o ente, o giz, nunca poderá se alterar em seu quid, de tal m odo que lhe pod eria ser atribuída a determinação “m en tiroso”. Ap esar disso, o giz, na m edida em que é determ inad o em geral em seu quid como isso e aquilo, se acha constantemente ju nto com certas determ in ações tais co mo a m aterialidade, a ex tensão, o que significa ao mesm o tem po que muitas outras coisas não se enco ntram essencialmente jun to com ele. O nd e quer que algo tenha efetivamente o mo do de ser do σ υγκείμ ενον, aí lhe pertence essencialm ente a relação com algo tal que não se e ncon tra jun to dele. No que conce rne a esse caráter de não conjunção pertinente ao ente, existe a possibilidade de fazer aquilo que não está un ido passar po r algo que se acha unido, isto é, há a possi bilidade da dissimulação. O mesm o ente, que é desencoberto em relação ao que constantemente se presenta com ele, é constante mente dissimulado em relação ao que está constantemente au sente dele, ao que seria incom patível com ele, caso ele se tornasse manifesto enquanto tal. Por isso, Π ερί τά α δύνατα άλλω ς
έχειν ού γίγνετα ι ότέ μέν ά λη θές ότέ δε ψ εύδος, ά λλ’ά εί 123
τα ύ τά α λη θή κ α ί ψ ευδή 81.82 Por isso, no que se refere ao que se encontra unido, ele é constantemente desencoberto, no que se refere ao que não se encontra unido e a partir dele, ele é constantemente dissimulado. Cabe ao ente como um ser-o-que um tipo mais elevado de verdade, pois esse desencobrimento não pode se transformar em si em uma dissimulação, e, em verdade, não porque o ente está cons tantemente presente naquilo como o que ele é desvelado. Não obs tante, mesm o o desencobrim ento da quididade ainda se acha ligada a um a dissimulação possível, mas essa se encontra fora da verdade, justam ente porque m esm o a dissimulação é uma constante. β) Verdade, simplicidade (unidade) e presen tidade constante O simples (α δια ίρετα , ά σ ύ νθετα , ά π λά ) com o o ente p ropriam ente dito e seu desencobrim ento com o o m odo mais elevado possível do ser verdadeiro Assim, obtém-se o seguinte: quanto mais próprio é o ente e o seu ser, tanto mais pura e constante é a presentidade, tan to mais constantemente o desencobrimento ou a dissimulação correspondentes pertencem ao ente enquanto tal, tanto mais a possibilidade da transform ação é degradada ao nível da dissi mulação, tanto m ais pertence ao ser do ente em questão o d esen cobrimento. Mas enquanto a verdade em geral ainda permane ce ligada à possibilidade da inverdade, ela não se mostra como a verdade propriamente dita, como a verdade suprema. Só ela pode evidentemente, se é que ela pode, constitu ir o ser propria mente dito do ente. Há, então, um tal ser verdadeiro, que não pode mais estar ligado enquanto tal à inverdade, que exclui de si pura e sim plesmente a possibilidade da dissimulação? 81 Em grego no original: “no entanto, no que concerne àquelas que não podem ser de outro modo, elas não se mostram por vezes como verdadeiras, por vezes como falsas, mas a mesma opinião é sempre ver dadeira ou sempre falsa”. (N. T.) 82 Op. cit., 1051bl5eseg. V 124
D e acordo com o ponto de partida e com o desdobramento até até aqui do problem a, essa questão precisa se mostrar mo strar agora da se guinte forma: além do ente discutido e dos tipos do ser, ainda há um ente tal ao qual perten ça o ser verdadeiro mais propriamente dito? O respectivo ser verdadeiro mais propriamente dito precisa ser determ inado inad o a pa rtir do ser daquilo daquilo que constitui constitui o que há de mais próprio no ente. Essa é a questão mais imediata, que vem à tona a partir do ponto de partida e da meta da problemática. Agora, porém, é decisivo para o conteúdo e para o problema do capítulo capítulo como u m todo, que o mé todo tenha se alterado alterado aqui, aqui, na questão acerca do ser verdadeiro mais propriamente dito. Aris tótel tóteles es não perg unta em prime p rime iro lugar sobre sobre o ser do ente que é mais propriam ente, a fim fim de discutir em seguida o ser verdadeiro que lhe lhe é pertinente, m as, depois do aceno para o que há de mais pró p ró p rio ri o n o ente en te,, A rist ri stót ótel eles es p e r g u n ta sobr so bree o seu se u ser se r v e rda rd a d e i ro, pa ra de term inar a partir da í o ser - em outras ou tras palavr palavras as e dito dito de m ane ira mais aguda, aguda, a fim de de terminar term inar esse esse ser verdadeiro me smo como o ser mais propriam prop riamente ente dito do do ente propriam ente dito, dito, como o que há de mais próprio n o ente propriam ente dito. dito. Aristóteles diz em duas passagens em meio à preparação do problem a mais propriam ente dito: dito: ώ σπερ... σπερ... τό ά λη θές θές... ού τω ς... xò εί ε ίν α ι (Tal como é o ente verdadeiro, assim é o ser)83 e τό δε είνα είνα ι τό ώ ς ά λ η θές (mas ο ser é como ο ente verdadei ro).84 Anteriormente, ele tinha dito ώ σ περ τό τό είνα είνα ι, ο ύτω ς τό άληθές (tal com o é ο ser, ser, assim é o ente verdad eiro), ag ora temos temo s a afirmação afirmação inversa. inversa. Portanto, n ão acontece aqui, tal tal como com o ac on on tecia tecia anteriormente, a passagem do ser do συμβεβηκος pa p a r a o ser do σ υγκ είμ είμ ενο ενο ν e, então, para o desencobrimento corres po p o n d e n te , m a s, ao c o n trá tr á rio ri o , pe p e rg u n ta - s e logo lo go e m p rim ri m e iro ir o lug lu g a r sobre o desencobrim ento. E, em verdade, como? De acordo com tudo aquilo que foi dito, fica claro que agora a questão precisa 83 84
Op. cit., 1051b22. Op. cit., 1051b 33. 33.
ser: ser: qual é a verdade m ais propriam ente dita, dita, que tam bém excl exclui ui pu p u r a e s im p lesm le sm e n te a po p o s sib si b ilid il idaa d e d e d issi is sim m u laçã la çãoo ? Q u a n d o é que é esse o caso? Nó N ó s v im o s q u e o e n te a s e r p o r ú ltim lt im o c o n s ide id e r a d o e r a u m σ υγκ είμ ενο ενο ν, po p o r exem ex em plo pl o , o giz gi z e a sua su a d e ter te r m ina in a ç ã o d a m a terialidade. Também podemos mencionar uma diagonal e a incom ensurabilidade ensurabilidade dessa diagonal diagonal p or meio de um lado do qua drado. Os σ υγκ είμ ενα são α δύ να τα δια δια ιρ εθή να ι, isto é, em relação a eles existe a impossibilidade da dissociação, quando o respecti respectivo vo ente deve ser determ inado. Algo Algo desse desse gênero tamb ém é designado de m aneira ane ira breve breve po r Aristót Aristóteles eles como α δ ια ίρ ετα . 85 Há ainda algo mais elevado que não pode ser dissociado, mais eleva elevado do do que aquilo que se copertence de ma neira constante e necessária? Evidentemente. Aquilo que em geral não comporta nenhuma conjunção de uma coisa com a outra, que em geral não é em si nenhum estar-junto, que não possui nenhum συν, é άσύνθετον. Dito de maneira breve e positiva, os άσύνθε— τα se mostram como: τα άπλά. Assim, vem à tona a seguinte ' série da investigação: σ υμ βεβη βεβη κότα, κότα, συ γκεί γκείμ ενα, αδ ύ να τα δια δια ιρ εθή να ι, α δια δια ίρ ετα ετα , ά σ ύ νθα νθ α τα , ά π λ ά .86 .86 Ne N e m t u d o ο que é άδιαίρετον é άπλούν, mas certamente o inverso é verdadeiro, todo άπλοΰν é um άδιαίρετον e, com efeito, no sentido mais elevado e mais próprio possível, porque aquilo que é copertinente não apenas é indissociável, mas por que aqui em geral não ocorre mais nada que seja copertinente, po p o r q u e e n q u a n to algo al go sim si m ples pl es n a d a se m o s tra tr a a q u i c o m o c o p e r tinente. tinente. Portanto, se o puram ente en te simple simpless é desencob erto naq ui lo que ele ele é, é, então en tão ele ele nunc nu nc a traz consigo con sigo com o algo simples algo algo 85 Aristóteles, De anima (Biehl/Apelt.). Leipzig (Teubner) 1911. F 6, 430a26 e bóesegs. 86 Em grego no original: original: “concomita “concomitante, nte, o que se encontr enc ontraa junto, aquilo que não pode ser dissociado, aquilo que não pode ser diferen ciado, o que não pode po de ser s er colocado junto jun to,, o simples”. simples”. (N. (N. T.) T.) 126 126
diverso diverso daquilo co mo o que ele ele precisaria precisaria e poderia po deria ser d eterm i nado. Ele nunca é manifesto como isso e aquilo, mas sempre de m aneira direta direta e simple simpless como puram ente nele mesm o e sendo apenas ele mesmo. O desencobrimento do simples nele mesmo nunc a pod er ser dissi dissimulado mulado p or algo algo que não pertence ao sim ples pl es.. Esse Es se d e s e n c o b rim ri m e n to n ã o p o d e se tra tr a n s fo rm a r e m d issi is si mulação; mu lação; e não porque, p or exemplo, exemplo, aquilo que é pertinen pe rtinen te ao simples simples se acha constantem ente manifest manifesto, o, m as po rque o simples simples enquanto tal não admite nada que lhe seja copertinente. O de sencobrimento do simples exclui pura e simplesmente a possi bil b ilid idaa d e d a n ão -ve -v e rda rd a d e . O d e sen se n c o b rim ri m e n to n ã o apen ap enaa s n u n c a se transforma em dissi dissimulaç mulação, ão, mas não tem em geral geral nenh um a ligação possível com ela. Esse desencobrimento do simples tem como sua oposição possível apenas o simples não-desencobrimento, que nunca pode ser, segundo a sua essência, dissimula' ção, inverdade. O desencobrimento do simples enquanto tal é, po p o r isso, iss o, o m o d o m a is elev el evad adoo poss po ssív ível el d o ser se r v erd er d ade ad e iro ir o , o ser se r verdadeiro propriamente dito. E o que é esse desencobrimen to propriamente dito? Desencobrimento é a manifestabilidade de algo, de tal modo que ele pode se presentificar nele mesmo. O desencobrimento do simples é presentidade pura e simples m ente do ente nele nele mesmo . Essa presentidad e é a mais imediata, não ve m à ton ton a nada na da entre ela e sua presentif presentificaçã icaçãoo e nada pode pod e vir à tona aí. A presentidade mais imediata, além disso, é aquela que antecede a todas as outras presentidades, se é que elas são efetivamente presentidades, pois ela é a mais elevada e a mais anterior. Isso, porém, a presentidade constante de maneira pu ramente imediata a partir de si, somente por si e antes de tudo, essa ssa presentidade m axim am ente constant constantee ep ura ur a não é nada além do ser mais ma is elevado elevado e mais m ais próprio. Por conseguinte, se os άκλά constituem o ente mais propriamente dito, se eles se mostram como o que há de mais próprio no ente, e se seu desencobri mento é o mais elevado e mais próprio, que justamente veio à tona, se, além disso, esse ser verdadeiro mais propriamente dito
não significa outra coisa senão presentidade constante, então o ente verdadeiro propriamente dito é o ente propriamente dito: ο αληθές óv é κ υρ ιώ τα το ν óv. Assim, é preciso mostrar mais exatamente, 1. que os ά π λ ά pa p a r a A rist ri stóó tele te less c o n s titu ti tu e m o que qu e há de mais próprio no ente, 2. que na essência da verdade pro pr p r ia m e n te d ita it a n ã o se e n c o n t r a o u tra tr a cois co isaa s e n ã o a p res re s e n tid ti d a d e pu p u r a e s im p les le s m e n te c o n s tan ta n te. te . Lembremo-nos. A questão diretriz do filosofar propria m ente en te dito é: τι τό όν, o que é o ente? ente? Pergu Pe rgunta-se nta-se sobre aquilo que o ente é enquanto tal, o que constitui a sua possibilidade interna, isto é, a partir de onde ele é possível como aquilo que ele é. Esse “a partir de onde” tem em vista a αρχή, o princí pio pi o , o f u n d a m e n to , α ίτία agora:: τία ι. Pois bem , Aristóteles nos diz agora qu e é mais simples, isto é, μ ά λλ ον ά ρχή τό ά πλ ού σ τερο ν,87 ο que o mais originário, é mais princípio. princípio. Q uan to mais avançam os em direção ao simples, simples, tanto m ais nos aproximam os do s princípios. princípios. Q uanto m ais originário é um conhecimento, tanto tanto m ais originá rio é o desencobrimento do desencoberto, tanto άπλούστεραι 1 α ι α ίτία acèrca do ente en qua nto tal, tal, τία ι κ α ί ά ρ χ α ί88. A qu estão acèrca po p o r é m , é o c o n h e c im e n to p r im e iro ir o , o c o n h e c im e n to e m p r im e i ra linha. Po r isso, isso, a questão m ais simples, simples, a questão justamen te acerca daquilo que se encontra à base do ente enquanto tal. E o que é isso? O que é aquilo que em geral pertence ao ente en quan to tal tal?? O s er mesm o, αυτό τό óv, o ente ente nele nele mesm o co n siderado p ura m en te com v ista istass ao seu ser. ser. Ser é aquilo que não pe p e r te n c e vez ve z p o r o u t r a ao ente en te,, v e z p o r o u t r a n ã o , m a s aqu aq u ilo il o que pertence pura e simplesmente e constantemente e antes de tud o ao ente enqu anto tal. tal. Algo Algo do gênero do ser em geral geral e da simplic simplicidade idade e da unidade em geral não po de m ais ser decom po p o sto st o . T rata ra ta-- s e d o sim si m p les le s p u r a e im e d iata ia tam m e n te; te ; e, e n q u a n to 87 Aristóteles, Metafísica K 1,1059b 35. 88 Em grego no original orig inal:: “mais simples simp les são as causas e os princ pr incíp ípios ios””. (N.T.) 128
esse elemento maximamente simples, ele é o fundamento pri meiro e último da possibilidade de todo e qualquer ente fático pen p ensá sáve vel.l. Esse Es se e lem le m e n to m a x im a m e n te sim si m p les le s é o q u e h á de mais pró prio no ente. ente. O que nos diz, então, Aristóteles sobre aquilo que cons titui junto ao ente propriamente dito, isto é, junto ao ente que se presenta constantemente, o seu fundamento de pos sibilidade (princípio, αρχή)? Τ ά ς τω ν ά εί όντω όντω ν άρ χά ς ά να γκ ά ίο ν είν είν α ι ά λ η θ εσ τά τα ς89.90 E m 010, os ά π λ ά são tomados da maneira mais aguda possível: έσ τιν τιν ό π ερ είν είν α ι τι έν ερ γ εία 91.92 .92 Esses princípios do ente que é propriamente, isto é, o ser mesmo enquanto tal, se mostram como o que há de mais verdadeiro, ou seja, pura e simplesmente em primei ra linha, antes de tudo e para tudo aquilo que vier a se mos trar como desencoberto. Dito a partir de nossa concepção mais radical do problema como um todo, o ser prec pr ecis isaa ser se r efe ef e tivamente desencoberto desde o princípio e constantemente de maneira pura e simples, se é que o ente deve se tornar passível de descoberta e acessível à determinação. Quer captemos, in quiramos e determinemos ou não expressamente o ser, ele já se encontra sempre e constantemente antes de tudo isso de sentranhado. Ele se acha enquanto tal no desencobrimento. O que significa isso: o fato de o simples ser o que há de mais verdadeiro, mais desencoberto? O que significa no fundo de sencobrimento? Com isso, chegamos à discussão da segunda tese de que, na essência da verdade, não há outra coisa senão pr p r e s e n tid ti d a d e co conn sta st a n te p u r a e sim s impl ples es.. 89 Em grego no original: “as causas dos entes que são sempre são necessariamente mais verdadeiras”. (N. T.) 90 Op. cit., a l , 993b28e 993b28eseg. seg. 91 Em grego no original: origi nal: “sob “sobre re os entes que são algum ser e em ato”. ato”. (N. T.) 92 Op. cit., 0 1 0 , 1051b30ese 1051b30eseg. g.
γ) Ο desencobrim desencobrim ento do simpl simples es como como pura pr p r e s e n t i d a d e s im p les le s e im i m e d i a t a n e le m e s m o Aristó Aristótel teles es diz no mesm o capítu capítulo: lo: τά xf| φ ύ σ ει φ α νερώ νερώ τα τα π ά ντω ν,93 ν,93 aquilo que, segu ndo a sua essência essência mais inter na, é mais manifesto, isto é, aquilo que se presenta o mais cedo pos p ossí síve vel,l, ante an tess d e tu d o e d a m a n e ira ir a m a is p u r a poss po ssív ível el,, são sã o as ά ρ χα ί (as (as causas, causas, os os princípios). princípios). O fato fato de, de, no d esenco brim ento do simples enquanto tal, não se ter em vista outra coisa senão uma presentidade insigne é algo que podemos elucidar a partir da estrutura daquilo que é fixado por Aristóteles como o único m odo od o d e acesso acesso corresp ond ente a esse esse elemento simples. simples. Lembremo-nos antes de tudo do desencobrimento do ente no sentido mais imediato im ediato possível possível,, dessa coisa coisa que é constituída de tal e tal mod m od o e que se acha presente, se é que ela deve ser apreendi apree ndi da no m od o como ela ela é manifest manifesta. a. Se é que devemos nos exprimir sobre isso, então essa expressão é justamente um enunciado, isto é, nós enunciam enun ciamos os sobre so bre o giz giz o seu ser branco. Nós interpelamo s a coisa coisa branc bra ncaa com o isso e aquil aquilo, o, em termos term os grego gregos: s: o discurso, o λόγος, é um κα τα φ ά ναι; ναι; nós nó s atribuím atr ibuím os algo ao giz, giz, κα τα φ ά ναι (atribuímos o verdadeiro) verdadeiro).. O simpl simples es pura pur a e im edia τό άληθές (atribuímos tamente, porém , aquilo q ue não possui na da em si, com vistas vistas ao que ele ele pudesse ser explicit explicitado, ado, esse esse simples só pode po de ser interp ela do nele m esmo esm o enq e nqua uanto nto tal, tal, não en quanto qu anto algo algo diverso, diverso, em geral geral não mais como..., mas ele só pode continuar a ser.simplesmente denominado nele mesmo, nós só podemos por assim dizer falar “tu”, o ser, a unidade, ele próprio. Aristóteles expressa esse fato da seguinte seguinte m aneira ane ira em 0 10 : no que concerne ao elemento simpl simples es,, ναι, mas apenas ο φ ά ναι να ι. O simples só não há nenhum κα τα φ ά ναι, po p o d e ser se r c a p tad ta d o e m seu se u d ese es e n c o b rim ri m ento en to,, se n ó s s imp im p lesm le sm ente en te o ad-m irarmos, irarm os, em sua simplicidade, simplicidade, e se não nã o o deixarmo s estar estar em relaçã relaçãoo conosco conosco de ne nhu m a outra m aneira aneira.. O u q uando Aris Aris θές d o άπλοΰν: ele diz que tóteles tóteles caracteriza cara cteriza ο φ ά να ι τό ά λη θές q ue ele 93
Op. Op. cit., it., a l , 99 3b ll. 130 130
é um θίγειν, um mero tocar, isto é, um simples captar, nenhum conceber mais, ne nh um a apreensão do simples como algo diverso, ne nh um conceber, mas um simples captar. Aqui não se encontra diante de nós nenhuma ζήτησίς (busca) e διδά ξις (ensino) no sentido usual, mas um έτερος τρόπος (um outro caráter)94 é ne cessário junto aos άπλά. A simples tomada de algo é o modo de acesso, no qual se anuncia puram ente nele mesm o para nós algo imediatamente, na mais imediata proximidade, sem tolerar nada entre e antes disso, ou seja, o desencobrimento do simples en qu an to tal que, segundo Aristóteles, só se torna acessível nesse tomar. Esse desencobrimento não é outra coisa senão a pura presentidade do simples nele mesmo, presente puro e simples, que pura e simples mente exclui tud o aquilo que ainda não se acha presente e não está mais presente, po rqu e ela necessita dele segundo a sua essência. Se, portanto, o simples constitui o que há de mais próprio no ente e se o desencobrimento do simples não significa outra coisa senão a mais pu ra presen tidade, que é antes de todo o resto, isto é, constantemente, então essa verdade suprema do simples é o ser mais propriamente dito junto ao ente em geral, τό óv αληθές é κυ ριώ τα τον óv. Co mo é que se acham as coisas, então, com o alijamento do όν αλ η θές (o ente v erdadeiro) no capítulo E 4?95 Somente agora fica claro o q ue é dito aí, po r que e em q ue m edida ο αληθές Óv é agora alijado. Também se encontra aí uma referência para a α λή θεια (a verdade) dos ά π λ ά (das coisas simples), ά λή θεια essa da qual Aristóteles diz que ela seria tratada mais tard e.96 A questão é que se m ostra tam bém junto aos ά π λ ά um άληθεύ ειν do νους qua νόη σ ις.97 Esse também não é nenhum tema 94 Op. cit., Zl7, 1041b9eseg. 95 Cf. também op. cit., K 8, 1065b21èsegs. 96 Op. cit., E 4 , 1027b27esegs. 97 Em grego no original: “um desvelamento do espírito enquanto pensamento”. (N. T.) 131
justificado. Assim , ou b em toda a remissão não é correta, ou seja, é concebida de maneira falsa pelo redator, ou, porém, também junto à διάνοια (ao pensamento discursivo) se trata de algo di verso. Esse ά λη θεύειν (desvelamento) não fica de fora, porque ele é um a propried ade de um estado subjetivo, mas porque aqui se encontra um ser verdadeiro e um ser dissimulado, que pode se transformar em si. Ele não está de maneira alguma preso ao ente propriamente dito. Precisamente se esse desencobrimento acontece, então ele pode e precisa se transformar. Em contra partida, aquela α λή θεια da νοήσις (aquela verdade do pensa m ento) está pura e simplesmente com ela mesma, quando ela é. O fundamento do alijamento não é o pertencimento ao sujeito, mas o modo de ser não determinado a partir do ente mesmo do ά λη θεύ ειν (do desvelamento) em questão. A verdade da διάνοια (do pensamento discursivo) não torna fundamental mente manifesto, mesmo onde ela tem em vista como άληθεύ ειν o ente, algo pura e simplesmen te autônom o no próprio ente mesmo: άληθεύειν ούκ έν τοις πράγμασιν (εν διανοία)98. / 0 άληθές, porém , acontece de qualquer m odo επί τω ν πρα γμ ά τω ν (περί τα ά πλά ... ούδ’έν δια νο ια )99.100 Nós já indicamos, contu do, que sempre está concom itantem ente contida na cópula o ser verdadeiro. Como é que esse nexo en tre ser e ser verdadeiro é possível? Agora, encontramos pela prim eira vez um a referência para a dim ensão do problema. A reconfiguração desfiguradora posterior do problema: sujeitoobjeto, ato e ser e todas as coisas do gênero, permanece funda m entalm ente insuficiente.
98 Em grego no original: “o desvelamento não está nas coisas (mas no pensamento)”. (N. T.) 99 Em grego no original: “com vistas às coisas (com vistas às coisas simples... não no pensamento). (N. T.) 100 Cf. op. cit., 1027b25esegs.
e) A questão acerca do ser verdadeiro do ente prop riam ente dito com o a questão m ais elevada e mais pro fun da d a interpretação aristotélica do ser O c ap ítulo 0 1 0 co m o m o m en to de c on clus ão d o l iv ro Θ e da m etafís ic a aristo télica em geral.
Uma vez que se traz à luz esse conteúdo temático do ca pítulo 0 1 0 por meio de um a in te rpreta ção penetrante e orien tada desde o princípio e constantemente para a compreensão antiga do ser e da verdade, não se mostra mais como estra nho o fato de se considerar ο υ ρ τ α τ ο ν como o caráter do έ ς óv. Seria, ao contrário, de se espantar, se ο κ υ ρ ι α — τ ο ν não se encontrasse aí. Ao mesmo tempo, deve ter ficado claro que o modo como Aristóteles desenrola aqui o problema do ser verdadeiro não tem nada em comum com lógica e com teoria do conhecim ento. A questão acerca do ser verdadeiro do ente como ente desenvolve-se como a questão fundamental acer ca do ser pro pria mente dito do ente mesmo. Com o essa questão, ela se encontra no mais íntimo nexo com aquilo que é trata do em todo o livro , nos capítulos precedentes. Façamos só mais uma referência ainda ao nexo positivamente inequívoco entre 0 1 0 e Θ , para que não venha à tona a opinião de que, em verdade, 010 não estaria completamente desconectado com o livro , m as não seria de qualquer modo propriamente corres pondente a ele. No livro , o tema é a δ ύ ν α μ ι ς e a ν έ γ ι , a possibilidade e a realidade efetiva como modos fundamen tais de ser. O que se mostra é que o ser propriamente dito é a έ ν έ ρ γ ι . Propriamente ente é aquele ente que exclui de si toda e qualquer possibilidade, toda e qualquer possibilidade que ainda esteja por se fazer presente e toda e qualquer que fique de fora, em geral toda e qua lquer possibilidade do to rnarse diverso. Costumamos dizer o seguinte: para que algo pos sa dever ser efetivamente, ele precisa ser em geral possível. A possib ilid ade, porta nto , é o elem ento prim eiro e anterior, que é antes d a rea lidade efetiva. Aristóteles afirrfta, em contrapartida:
πρότερον ένέρ γεία δυνά μ έω ς έσ τιν.101 A nterior e mais origi nário do que a possibilidade é a realidade efetiva. Isso só pode ser naturalmente afirmado a partir do ponto de partida espe cificamente antigo do problema do ser e da constituição antiga fundam ental da verdade como desencobrimento. Não podemos discu tir esse po nto agora, Uma coisa, porém , precisa ser dita: ve mos em 01 0 , que um a parte fundam ental de todo o tratamento temático é discutido aí, a eliminação crescente da possibilidade da inverdade do âmbito da verdade, a fim de tomar, assim, essa verdade no sentido mais próprio possível. Em 10 concentra-se a concepção radical, sim, de todas mais radical do problema fun damental de Θ . Em um a palavra: o capítulo Θ 10 não é nenhum anexo que pertence a esse livro, mas o ponto de conclusão inter namente necessário de todo o livro Θ , que constitui ele mesmo o livro mais central de tod a a Metafísica. Assim, com base na questão textual, conseguimos visuali zar o significado fundam ental do ser verdadeiro n a Antiguidade. Também esse e precisamente esse ser verdadeiro co ntinua sendo f ■ - presentidade constante, pura. Disse no início que essa concep ção da verdade não seria apenas autenticam ente aristotélica, mas simplesmente antiga. Sabemos, que a questão d iretriz da πρώ τη φ ιλο σ οφ ία , da filosofia em prim eira linha, é: o que é o ente? O que é questionado é o ser do ente, o ser do ente com vistas à sua constância e presentidade, ou seja, o seu desencobrimento. Por isso, Aristóteles pode dizer: όρθώ ς δ ’έχει κ α ί τό κ α λ εϊσ θα ι τη ν φ ιλο σ ο φ ία ν έπ ισ τή μ η ν τή ς α λ ή θεια ς.102 Está comple tamente em ordem, quando se denomina a filosofia o conheci m ento da verdade, isto é, qua ndo n ão se diz que a filosofia seria a teoria da verdade como u m caráter do conhecim ento, mas que ela é conhecimento da verdade, isto é, do ente enquanto tal em seu desvelamento enquanto tal. 101 Op. cit., 08, 1049b5. 102 Op. cit., a l, 993bl9eseg. 134
O fato de a verdade na An tiguidade ser prim ariame nte um caráter do ente mesmo, isto é, de o ser verdadeiro constituir o ser mais propriam ente dito do ente propriamente dito, foi mo s trado claramente por nós. Como é que isso é possível e o que isso no fundo significa, isso não foi mostrado, porque o ente pro priam ente dito perm aneceu ju nto à questão diretriz, porque a questão do ser não foi elaborada e transformada na questão fundam ental. Isso tamb ém não foi m ostrado m ais tarde, porque mais tarde o problema não foi nem mesmo mantido em mãos, mas tud o foi em balado em pseudoq uestões e em pseudoap orias. Esses contextos exigem um a clarificação mais profu nda - e, em verdade, a partir da problemática do ser em geral e do tempo. Não é suficiente e n ão diz nada colocar a verd ade intu itiv a antes da verdade proposicional, se perm anec er sem esclarecimento o que significa a verdade da intuição. A verdade precisa ser clari ficada de tal modo que mesmo a relação de coordenação entre verdade originária e verdade proposicional se torne concebível em sua necessidade. Nós abandonarem os agora essa consideração in term edi ária complementar e retornaremos ao tema. Em que medida essa consideração ainda fez com que algo diverso em termos de conteúdo ganhasse o nosso campo de visão, o que é importante para os problemas vin douros, é algo que se revelará no seu lugar. Agora, precisamo s reter apen as o seguinte: ficou com pletamente claro o quão óbvio e elementar é o ser tomado como constância e como presentidade, como é que a claridade dessa compreensão de ser ilumina desde o princípio todas as questões e passos. A fo nte dessa claridade, porém , a sua luz, é o tempo. • § 10. A realidade efetiva do espírito em Hegel como presente absoluto Precisamos nos lem brar ainda de um a coisa: a com preen são de ser como presen tidade con stante não apenas se manteve 135
desde a Antiguidade até Kant, determinando a problemática, mas essa interpretação da compreensão de ser ganha de ma neira renovada uma expressão clara precisamente aí onde a metafísica ocidental alcançou a sua consumação p rop riam en te dita, isto é, aí onde o ponto de partida da filosofia antiga, assim como a motivação essencial desde então alcançada, foi equilibrada de m ane ira uniform e e chegou a um a apresentação plena, em Hegel. Podemos sintetizar a tese metafísica fundamental de Hegel e sua metafísica em geral na sentença: “Segundo o meu ponto de vista, que só pode se justificar por meio da apresentação do próprio sistema, tudo depende de conceber e expressar o ver dadeiro não apenas como substância, mas do mesmo modo também como sujeito”.103 O verdadeiram ente ente não é para ser concebido apenas como substância, mas também como sujeito. Isso significa: substancialidade é, em verdade, o ser do ente, mas a substancialidade precisa, pa ra com preen der o ser do ente total mente, ser concebida como subjetividade. Co m esse últim o título, o que é pensado no sentido moderno do conceito é o elemento egoico. Mas subjetividade nã o é aqui a egoidade do eu em pírico imediatam ente conhecido das pessoas finitas particulares, mas o sujeito absoluto, o puro e simples conceber a si mesmo do todo do ente, que concebe em si e po r si toda a m ultiplicidade do ente enquanto tal, isto é, que pode conceber mediadoramente todo o ser diverso do ente a pa rtir de si como mediação do tornar-se diverso.104 “O fato de o verd adeiro só ser real e efetivo com o sis tem a ou de a substância ser essencialmente sujeito, esse fato está expresso na representação,,que enu ncia o absoluto como espírito - o conceito mais sublime...”.105 “Só o espiritual é o efetivamente 103 G. F. W. Hegel, Fenomenologia do espírito-, Prefácio. WW (Edição completa realizada pelos amigos do finado). Berlim 1832. Vol. II, p. 14. 104 Cf. op. cit., II, 15. 105 Op. cit., II, 19. ’ 136
( ( real”.106 Hegel qu er dizer: o ente prop riam en te dito. Por conseguinte, o ser desse ente - ente como espírito - precisa fornecer ao mesm o temp o um a chave para dizer como é que o ser em geral é propria m ente compreendido. Como é que Hegel concebe, então, o ser do ente como es pírito, ou a realidade efetiva desse ente efetivamente real? “O espírito... é eterno”107, o m od o de ser do espírito é a eternidade. “A eternidade não será, nem foi, mas é”108, “o eterno [é]... presente absoluto”.109 Esse presente não é o agora m om entâneo , que logo flui e logo fluiu, tam bém não m eram ente o presente duradouro no sentido habitual do que continua perdurando, mas aquele presente, que se encontra junto a si mesmo e por meio de si mesmo , duraçã o em si refletida; um a presentidade da m ais elevada constância, que só a egoidade, o estar jun to a si mesmo , consegue dar. Nós deduzim os dessa menção breve às sentenças hegelianas duas coisas: 1. Também em Hegel, que eleva a problem ática da metafísica ocidental a um a nova dimensão, na m edida em que concebe o ser de maneira mais radical como substância - tam bém aqui e precisamente aqui em um sentido absoluto, ser significa “presen tidade con stante” (presente absoluto). 2. Justamente no fato de a interpretação da realidade efetiva do efetivamente real se exp rimir como suspensão da interpretação do ser enquan to substância se anun cia o nexo intern o conscientemente retido d a metafísica hegeliana com a metafísica antiga e seu ponto de partida. Se resu m irm os toda a consideração sobre a significação fundam ental de ού σ ία , ser, então pode m os experimentar que 106 Idem. 107 G. W. F. Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas. WW.(Associação dos amigos do finado), Berlim 1842. Vol. VII, p. 54. 108 Op. cit., p. 55. 109 Idem. 137
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mesmo uma visão fugidia para o mundo dos grandes coloca diante de nós um fato em toda a sua simplicidade e ímpeto: a compreensão de ser não se mantém apenas em meio ao ser-aí cotidiano do hom em , não apenas em meio ao ponto de partida da metafísica antiga, mas em todo o acontecimento da metafísica ocidental na direção, segundo a qual o ser é compreend ido como presentidade e constância. A compreensão tem sua distinção na claridade, que o co m preender imediata e já inexpressamente an tecedente de presentidade e con stância difunde. C om isso, con quistamos a resposta pa ra a pergu nta sobre como o que é que o ser é compreendido lá justamente onde há a questão sobre ele. Pergunta-se propriam ente sobre o ser do ente n a questão diretriz da metafísica: τι τό óv. O que era importante era efetivamente levantar essa questão. Colocar em questão o que h á de q uestio nável: 1. Sobre o que se pergunta? (Ser). 2. Como o que é que o ser é com preendido? (Presentidade constante). A seguinte série de questões foram obtidas até aqui: τί τό óv, o que é o ente? O que é o ente enquanto tal? O que é o ente com vistas ao seu ser? O que é o ser? Como o que é que o ser é em geral compreendido? Com isso, penetramos cada vez mais no conte údo de questão que é.próprio à questão diretriz e escavamos po r assim dizer aí questões m ais originárias. Tudo isso deveria acon tecer, para que a questão diretriz fosse efetivamente questionada; e isso, p or sua vez, para experim entar o caráter da abordagem do filosofar; e isso, por outro lado, para finalmente compreender o que significa: se rem eter p ara o filosofar na totalidade; e isso, por sua vez, para conceber pu ra e simplesmente desde o princípio o pro blem a da liberdade com o o pro blem a da metafísica, para nos arremetermos de maneira suficientemente prepara da em direção à sua elaboração.
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TER CEI R O CAP ÍTULO
A e la bora ção da questão dire triz da meta física em dire ção que stão funda m e nta l da filosofia
Nós não apenas constatam os a questão diretriz da metafísica ocidental, mas surpreendem os tam bém questões mais originárias, que se baseiam nelas mesm as (Sobre o que é perguntado? Com o o que o perguntado é compreendido?). Com isso, o questionamen to dessa questão foi vitalizado - tornou-se efetivo? Nós tam bém já respondem os ao m esmo tempo a questão mais originária. E uma resposta tem sua essência no fato de resolver sua questão perti nente. Talvez tenhamos perguntado de maneira mais originária a questão diretriz, mas tamb ém a afastamos justamente p or meio da resposta. Nós não apenas não experimentamos, por exemplo, tal como aconteceu até aqui, o caráter da abordagem, mas já se acha afastada agora mesm o a possibilidade de um a tal experiência, se é vque a abordagem deve residir no questionamento enquanto ques tionamento. Sim, ainda mais. Antes de nos imiscuirmos em tudo isso, quand o só tính am os diante de nós a tosca questão diretriz “o que é o ente?”, ainda era no m ínim o visível como é que um tal ques tionam ento poderia ir até as raízes, na medida em que nós mesm os tam bém somos um ente e somos concomitantemente afetados po r aquela questão sobre o que o ente é. Agora, porém, no momen to em que se mostrou para nós que o questionamento acerca do ente se m antém na compreensão d e presentidade e constância, não se consegue mais de modo algum ver o que essà compreensão de ser ou o que a constatação de que o Ser significaria “presentidade constante”, mesmo considerada com o questão, deve ter em com um 139
com uma abordagem de nós mesmos. Com certeza, na questão diretriz, foi desperto um questionamento mais originário. Nesse caso, chegou-se certamente a uma resposta, e, em verdade, como se mostrou, não a um a opinião e a um po nto de vista arbitrários, privados, m as a um a resposta, que é dada constantemente p or toda a metafísica ocidental e que é dada de m aneira tão óbvia, que ela não exprime mais ne m mesm o explicitamente essa resposta como resposta a uma pergunta. Ser como algo compreendido encontrase sob a claridade d a “presentidade constante”. Ora, mas quem nos diz que, com a questão “como o que é que o ser é com pree ndid o?”, com a questão dign a de questão estabelecida na qu estão diretriz, nós teríam os perg un tado tudo? Quem é que nos diz que precisamos ficar parados junto a essa resposta inexpressa? E se essa resposta: presentidade e constân cia, só fosse aquela resposta que nos leva a questionar de ma neira ainda m ais radical e a precisar qu estionar de tal maneira? É tão óbvio que ser é com preend ido como presen tidade con stan te e que precisamos acolher simplesmente esse elemento óbvio, porque toda a metafísica ocid ental persistiu nessa obviedade, e, além disso, de maneira despreocupada em torno dela enquanto tal? Ou temos o direito e precisamos questionar: o que acontece afinal aí, ond e o ser é simplesmente com preendido desse mo do como constância e presentidade? § 11. A questão fun da m en tal da filosofia como a questão acerca do nexo originário de ser e tempo
Se ser se enc on tra sob.a claridade d a constância e da prese n tidade, qu e luz é a fonte dessa claridade? O que vem à luz naqu ilo que temos em vista com “presentidade” “constância”? Também denominamos a presentidade presença e presente. Nós distinguimos esses termos, quando buscamos concebê-los enquanto tais, em contrap osição ao passado e ao futuro. Presente, pre senti dade, formam um caráter do tempo. E o “constante”? Co nstância 140
tem em vista o perdurar, o persistir em todo e qualquer agora. O agora também é do m èsmo m odo uma determinação tem po ral. Presentidad e con stante significa, de acordo com isso: todo o presente, o agora, que é atual, constante em to do e q ualq uer ago ra. Presentidade constante designa, então, o elemento atual em todo agora (a qualquer momento). Na claridade, na qual o ser compreendido como presentidade constante se encontra, vem à tona a luz, que do a essa claridade. Trata-se do pró prio tempo. O ser é compreendido, tan to na compreensão vulgar de ser, quanto na problem ática ontológica expressa da filosofia, à luz do tempo. Como é que o tempo chega a iluminar como essa luz? Por que precisamente o tempo? Mais ainda, por que o temp o preci sam ente com vistas a um caráter, ao caráter do presente, do ago ra? O que é em geral o tempo mesmo, para que ele ilumine como essa luz e consiga clarear o ser? Com o é que ser e tempo ganham esse nexo originário ? Qual é esse nexo? O que significa tempo? O que significa ser? O que significa antes de tudo ser e tempo? Com toda essa série de questões que, uma vez desencadeadas, se abatem precipitadam ente sobre nós, nós m esmos já deixamos há muito tempo para trás toda a obviedade. Com o aceno para o fato de que ser é compreendido como presentidade constante, não demos nenhuma resposta para a questão diretriz, mas co locamos a pergunta diante do abismo de sua questionabilidade. E com o cham ado de “ser e tem po”, ousamos o salto nesse abismo e avançamos agora sem solo e sem apoio na escuridão. Ser e tem po - há um livro com esse título. Mas o título des se livro enquanto tal é tão insignificante quanto tantos outros. O livro assim intitulado não é do mesmo m odo o decisivo, mas sim o fato de o leitor ter a sua atenção desperta para o acon tecimento fundamental da metafísica ocidental, da metafísica de nosso ser-aí como um todo, um acontecimento, sobre o qual livros particulares não têm como decidir, um acontecimento, diante do qual nós precisamos antes de tudo nos curvar. Ser e tempo é tudo m enos um a novidade, m enos um assim chamado
ponto de vista filosófico ou mesm o um a filosofia particular, que teria crescido a partir de atmosferas revolucionárias ousadas da ju ventude atual. Não se trata de nenhum a novidade, sobretudo porque os antigos já tin ham pergunta do sobre a essência do tem po e, da m esm a form a, Kant, Hegel e to do e qualquer filósofo. Sim, justamente aqueles grandes filósofos, Platão e Aristóteles, que levaram a questão diretriz da filosofia ao prim eiro despertar propriam ente dito e aponta ram para a ο υ σ ία , ta m bém pergun taram pela primeira vez, sobretudo Aristóteles, expressamente acerca do tempo e de sua essência. E, contudo, perguntar sobre o ser e mesmo sobre o tempo ainda não significa compreender o problem a ser e tempo. Os dois, ser e tempo, perm anec eram ve lados em seu parentesco mais interno e não foram e xperim enta dos, mesm o futura m ente não, com o problema. Ser, com certeza, tempo, com certeza; mas ser e tempo? O “e”, que obriga os dois a se juntarem , é o índice propriam ente dito do problema. A ques tão diretriz “o que é o ente?” precisa se transformar na questão fundam ental, que pergu nta sobre o ‘e” entre ser e tem po e, assim, Acerca do fundamento dos dois. A questão fundamental é: qual precisa ser a essência do tempo, para que o ser sefu n d e nela e, nes se horizonte, a questão do ser possa e precise ser desdobrada como problema fundam ental da metafísica ? A pa rtir da questão diretriz, nós avançamos para a questão fundamental, na m edida em que descobrimos a questionabilidade da questão diretriz. Isso aconteceu po r meio de duas questões: o que é tema na questão acerca do ente? Resposta: o ser. Como o que o ser é compreendido? Resposta: presentidade constante. Nós demos ao m esm o te m po respostas a essas questões, re spos tas essas que nos im peliram tan to m ais para o interior da proble mática de ser e tem po e para as suas respostas. Pois só a partir da problem ática de ser e tem po é que p odem os perguntar: por q ue é que o ser é com preendido de saída e na m aioria das vezes a pa r tir do caráter temporal do presente (presentidade)? E no que se refere à prim eira questão, é im portante p erguntar: po r meio do 142
que se toma efetivamente possível uma diferenciação do ser em relação ao ente, com o auxílio da qual o tema da questão diretriz é determinado de maneira mais aguda? Em que medida a pro blemática de ser e tem po m ostra um cam inho para a clarificação da essência dessa distinção entre ente e ser, com base n a qual nós já sempre compreendemos ser no com portam ento em relação ao ente, ou seja, com base na qual nós existimos na com preensão de ser caracterizada? Assim ya questão fundam ental propaga pela prim eira vez toda a questionabilidade da questão diretriz. Abre-se todo u m m undo de questões em si suspensas, igualmente essenciais, a pa rtir das quais a questão diretriz é vista como se mostrando de manei ra tosca e desajeitada, mas não como supérflua. Ao contrário. É agora pela prim eira vez, a pa rtir d a visão da com preensão de ser e a pa rtir do nexo com o tempo, que a questão do ser inicialm en te apenas selecionada de um modo qualquer e irrompendo de um luga r qualquer Conquista a sua necessidade interna. Foi ago ra pela prim eira vez, que a questão acerca do ente alcançou a sua perspectiva plena e toda a amplitude na questão fundamental: ser e tempo, e, com isso, porém, tam bém a completa questiona bilidade de todas as questões inseridas nela. Será que tam bém se m ostra a par tir daqui o buscado caráter da abordagem da q ues tão diretriz efetivamente formulada? Pois essa é aquela terceira das três questões, das quais partimo s, a fim de mostrar, po r meio de sua resposta, que o problema da liberdade é um problema verd adeiram ente filosófico, que se remete para o todo e, ao m es mo tem po, para as nossas raízes. Nós perguntam os110: é visível na liberdade positiva em geral uma ampliação fundamental do problema? Nossa resposta é: sim, na autonomia, na espontanei dade absoluta. 2. Que perspectiva se abre com essa ampliação? Resposta: a espontaneidade absoluta, causalidade, movimento, ente, questão diretriz. 3. A perspectiva é de tal modo, que nós 110 Cf. acima p. 42-3. 143
experimentamos a partir daí a possibilidade: o remeter-se-aotodo filosófico é um ir-às-nossas-raízes? Agora apreendemos o m odo de ser da perspectiva da questão diretriz po r meio da ela boração da questão fundam enta l que a suporta e conduz (ser e tempo). Como esquema dessa perspectiva obteve-se o seguinte: ser e tempo - tempo - presentidade constante - ser - ente en quanto tal - liberdade positiva. Mas é em vão que procuram os o caráter de abordagem bus cado do questionamento da questão fundamental. Talvez não experimentemos de modo algum o caráter da abordagem, en quanto só procurarmos assim e logo esquecermos que nós, em prim eiro lugar, só o experim entamos no questionam ento real e efetivo, e, em segundo lugar, que nós também só experimenta mos no questionam ento real e efetivo a possibilidade de sermos abordados - um a possibilidade, com certeza, de um tipo total mente particular. Por que é que não se apresenta nem mesmo a possibilidade de tal experiência, lá onde se desencadeia agora toda a questionabilidade da questão diretriz em meio à questão fundamental? Porque nós apenas m ostramos que a questão d ire triz conduz à questão fund am ental e porqu e nós deixamos que essa questão mesma se apresentasse uma vez mais como algo presente à vista, tal como ante rio rm ente a questão diretriz, ao lançarmos mão dela de maneira assim tão simples. Conhecer a questão fundamental ainda não significa questioná-la. Ao con trário, quanto mais avança o nosso conhecimento, tanto mais tomamos contato com questões mais originárias, tanto mais in tensa se torna a aparência de que o conhecimento da questão já seria o seu questionam ento. Inversamente, quanto m ais originá ria se tor na a questão conhecida, tanto m ais imperativo se torna o questionam ento para nós. Assim, em face da questão fundam ental, tudo com eça uma vez mais novamente para nós. Se quisermos questionar efeti vamente, então precisaremos ter clareza quanto àquilo sobre o que precisamos no fundo perguntar aí e sobre como temos de 144
perg untar. De m aneira breve, a fórm ula é: ser e tempo. A q uestão remete-se para o “e” para o nexo-e dos dois. Se esse nexo não é extrínseco, se ele não é simplesmente reunido e ajuntado, se o nexo m esm o é m uito mais um nexo originário, então ele emerge de ma neira c ooriginária da essência do ser e da essência do tem po. Ser e tem po buscam um ao outro e se entretecem. O “e” é o título para um a copertinência originária entre ser e tempo a partir do fun da m en to de sua essência. Nós não perg unta m os nem sobre o ser apenas, nem sobre o tempo apenas. Nós também não perguntamos tanto sobre o ser, qua nto sobre o tempo, m as perguntam os sobre a sua coper tinência interna e sobre aquilo que emerge daí. A copertinência dos dois é experimentada por nós, porém, apenas em meio ao atravessamento de suas essências bilaterais. Portanto, precisa mos perguntar de saída: o que é a essência do ser? E, então: o que é a essência do tempo? A questão é que o desdob ramen to d a questão d iretriz já trou xe consigo o fato de que a questão “o que é o ser?” cond uz em si m esm a para a questão acerca do tempo, na medida justamente em que ser é compreendido a partir do tempo, se é que não se está disposto a contestar o fato de que constância e presentidade são de algum modo caracteres tem porais. Portanto, já nos deparamos com a copertinência de ser e tempo. Ela anuncia-se agora de maneira mais clara no fato de que nós somos impelidos na questão acerca do ser em direção à questão acerca do tempo. Sobre o que perguntamos aí, quando perguntamos acerca do tempo ? O temp o - nó s o deno m inam os na m aioria das vezes ju ntam ente com algo diverso, com o espaço, como se o tempo fosse o irmão do espaço. Em todo caso, o tempo não é espaço e vice-versa. Portanto, se perguntam os sobre ser e tempo, m as ser é de qualquer modo a determinação mais ampla possível, que abarca tud o aquilo que é e que é possível, então essa dete rm ina ção m axima m ente am pla está ligada aí a algo que só é algo jun to a algo diverso, por exemplo, ao lado do espaço. Por que não se
diz do mesmo modo ser e espaço? Sobretudo se levarmos em consideração e lembrarmos do conceito cotidiano de ser e sua transição para a filosofia! Presentidade, o ente presente à vista aí, o ser do ente p resente à vista enqu anto tal não é determ inado apenas po r meio do agora, mas tamb ém é determinad o p or meio do “aqui” com o pro-dutibilidade, pelo caráter do en contrar-se aí. Nisso reside o p ara cá, para lá, que são caracteres espaciais. Esses caracteres espaciais parecem ser até mesm o os caracteres acentu ados que, além disso, também se expressam na estranha réplica de Dionisodoro no Eutidemo. Em todo caso, o aguçamento do problem a do ser com vistas ao nexo de ser e tem po é um estrei tamento da amplitude originária da questão. Tempo não tem a mesma universalidade que o ser. Visto mais proximamente, isso é apenas u m a asserção, ainda que de saída elucidativa. Ela em er ge da concepção habitual do tem po, que gan ha voz na conjunção usual com o espaço (espaço e tempo). §
12. O homem como sítio da questão fundam ental. Compreensão de ser como funda m en to da possibilidade da essência do homem
O tem po é considerado com o algo tal que tam bém ocorre justam ente entre outras coisas - espaço, número , movim ento. Assim, tam bém se trata dele como algo que toca ao mesmo tem po a consideração e a meditação filosóficas. O tempo, porém, não ganha e jamais ganhou até aqui primariamente o cerne do problema, na m edida em que a questão acerca do ser enquanto tal radicalmente colocada não impele a ele. O ponto de partida usual da questão acerca do ser enquanto tal é, como é fácil de , mostrar, decisivo para a direção do question amento, e isso signi fica, para a direção, a pa rtir da qual a resposta à questão acerca de sua essência é dada. Assim, as investigações do tempo em Aris tóteles, Agostinho, Kant e Hegel estão fora de questão em seu significado, e, contudo, elas se acham submetidas à dúvida fun-
damental em relação ao fato de que, por toda parte, o problema do tempo é em geral estabelecido e explicitado sem a orientação princip iai e expressa p ara o problema do ser. Por outro lado, persiste o fato de que podemos conquistar elucidações im portantes m esmo a par tir da interpretação d a es sência do tempo na direção primeiramente citada. Se nos abs trairmo s de determinações particulares e pergun tarmo s sobre o que é dito correntemente acerca do tempo, então teremos o se guinte: o tem po não se encontra em lugar algum com o um a coi sa entre coisas, mas em nós mesmos. Assim nos diz Aristóteles: α δύ να το ν είνα ι χρό νον ν]/υχής μή ούσ ης.111 Ό tempo não poderia ser, se a alma não fosse”. Agostinho diz nas Confissões: In te, anime meus, têmpora metior... Aífectionem, quam res praetereuntes in te faciunt et, cum illas praeterierint, manet, ipsam metior praesentem, non ea quae praeterierunt, ut fieret; ipsam metior, cu m têm pora m etior.112 “Em ti, m eu espírito, meço eu o tempo. A impressão, que as coisas passageiras exercem sobre ti, depois que elas passaram, fica; portanto, meço essa impres são que me é presente, não aquilo que passou e evocou em ti a impressão; meço essa impressão, quando meço o tempo”. Kant concebe o tempo como forma de nossa intuição interna, como m odo d o co m portam ento do sujeito humano. Alma, espírito, sujeito do homem são os sítios do tempo. Se perg un tarm os sobre a essência do tempo, então precisaremos pergunta r sobre a essência do homem. A questão fundamental acerca do ser e do tempo nos obriga à questão acerca do homem. Dito de maneira mais geral: a questão acerca do ente, se nós a desdobramos efetivamente e a transformamos na questão fun dam ental, conduz à questão acerca do hom em. O ra, m as já chegam os um a vez a esse ponto, antes de nos lançarmos em direção ao desdobramento expresso da questão 111 Aristóteles, Física Al4, 223a26. 112 Agostinho, Confissões, Livro XI, c. 27, n. 36. 147
diretriz. Pois reside palpavelmente na questão acerca do ente o fato de nós, na medida em que perguntamos sobre aquilo que o ente enquanto tal é, também atingirmos concomitante mente com isso a questão acerca do ho m em enq uan to um ente. Já tinha se mostrado, contudo, nesse momento, que esse ques tionamento não indicava, nem podia indicar nenhum caráter de abordagem, um a vez que tamb ém pergun tamo s desse modo sobre plantas e animas e sobre todo e qualquer ente, sim, per guntamos até mesmo para além do homem enquanto homem, perguntam os sobre o ente em geral. Assim , a constatação de que a questão d iretriz também se rem ete ao ho m em não oferece muita coisa, mesmo que nós atestemos isso agora a partir do nexo do ser com o tempo. Não obstante, nós nos encontramos agora no curso de nossa consideração ainda n a m esm a posição que anteriorm ente? Ou o questionamento acerca do homem , que se torna necessário na elaboração da questão diretriz em meio à questão fun d am en ta l de ser e tempo, é um questionamento acer ca do homem diverso daquele que está coimplicado até me smo na questão diretriz? De fato, não se trata ap enas em geral de um outro questionamento acerca do homem, mas de um questio nam ento fu nd am en talm ente diverso. Se somos im pelidos a sair da problemática de ser e tempo pa ra o questionam ento acerca do homem, então não perguntamos sobre o homem, na me dida em que ele também é, em meio à multiplicidade do ente, justa m ente um ente, mas na medida em que o tempo como fu n dam ento do problema do problem a do ser radicalizado pertence ao homem. O questionamento acerca do homem e “a questão acerca do hom em ” nã o são nem de longe a m esm a coisa. Se tom arm os o hom em com o um ente entre outros, então perguntarem os so bre ele não no quadro da questão diretriz, mas a par tir do fu n damento da questão fundamental. Hoje, com intenções com ple tam ente diversas e com equipagens to talm ente diferentes, cultiva-se e empreende-se em muitos aspectos a antropologia; 148
( ( p o r exemplo, psicolo gia, pedagogia, medicin a, teologia. Tudo isso já não é mais ne nh um m étodo, mas um a epidemia. Assim, m esm o lá on de se fala de antro polo gia filosófica, de m an eira não esclarecida, pe rgun ta-se em prim eiro lugar como se se es tivesse perguntando sobre o homem, e, em segundo lugar, em que m ed ida esse qu estiona m ento é filosófico. Nós po dem os, porém , e precisam os m esm o dizer: toda antropolo gia filosófica enco ntra-se fora da questão acerca do hom em, que emerge a partir do fundam ento da questão fundam enta l da metafísica e apenas a pa rtir desse fundam ento. Esse último questionamento acerca do homem a partir do fund am ento da questão fun da m en tal pergunta de antemã o e com vistas à possibilitação de todo questionamento filosófico acerca do homem. O primeiro questionamento, em contrapartida, também pergunta no quadro da questão diretriz simplesmente e incidentalmente acerca do ho m em . Para tod o qu estion am ento filosófico ulter ior acerca do homem e para todo questionamento que também se faz por fim acerca do ho m em no contexto e em um a posição de coordenação com outras questões, o pe rgu ntar de antemão não se m ostra apenas como um pe rgu nta r diverso com vistas ao m od o de ser em meio à ordem dos problemas, a saber, em um a pré-ordenação em relação à questão fundam ental, coordenado no quad ro da questão diretriz e inserido ao mesmo tempo na ord em dessa questão. Ao contrário, ele é fun dam entalm ente diverso m esm o segun do o seu conteúd o ma terial e segundo o m odo de ser de tod a a problemática. Um a diferença, contudo, possui para nós agora um significado particular. A questão acerca do hom em no quad ro da questão diretriz é um tam bém formular a pergu nta sobre o hom em - também justam ente entre outras coisas. Também é preciso p er gu ntar sobre o hom em , se é que todo ente deve receber um a atenção uniform e. O tam bém questionar é necessário pa ra a execução ple na da resposta à p ergunta diretriz da metafísica e a essa pergunta em geral. Em contrapartida, o questionamento a partir 149
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do fundamento da questão fundamental não é necessário ape nas para a complementação da resposta à questão diretriz. Ao contrário, ele é incontornável já com vistas à preparação e à fundamentação do questionamento da questão diretriz como um a q uestão fu nd am ental efetiva. O questionamento acerca do ser, assim como o questionamento acerca de ser e tempo, o ques tionam ento acerca da essência do tempo, impele inexoravelmente para o interior do questionamento acerca do homem. A questão do ser corretamen te questionada enqu anto tal impele segundo o seu conte úd o de questão p ara o interior da qu estão acerca do homem. Será que esse impelir da questão diretriz da filosofia até o homem, por exemplo, é o emissário do acometimento de uma abordagem? De uma abordagem, da qual nós não pode mos de maneira alguma nos desviar arbitrariamente, mas que precisam os m uito mais suportar, se quiserm os perguntar efeti vam ente a questão d iretriz e não apenas nos o cup ar com ques tões, isto é, com algo que po de ser ab ordad o em seu caminho? Se efetivamente levantarmos a questão diretriz, nós seremos, permanecendo nela mesma, isto é, questionando-a como uma questão fun da m en tal, impelidos questionadoramente a pergun tar sobre a essência do tempo e, com isso, sobre a essência do homem. Tempo e homem? Com certeza! Mas tempo e homem: ora, não se trata d a m esm a coisa; o hom em não é, afinal, m era mente “tempo”; ao lado dessa encontram-se ainda muitas ou tras “prop ried ades hum anas”. Não o bstante, esse é, em verdade, um questionamento incontornável acerca do homem, mas, de qualquer modo, um questionamento bastante unilateral: só se pergunta acerca do hom em , na m edida em que o tem po se en contra em uma conexão com ele. E, antes de tudo, o próprio problem a do te m po não tem, de qualq uer m odo, nada em co m um com o hom em , mas apenas, como-se diz, a “vivência” do tempo. A questão acerca da “vivência temporal” é urna questão psicológico-antro poló gica, mas não a questão acerca da essên cia do temp o enqua nto tal. 150
Todavia, nós esquecemos em tudo isso: nós não pergun tamos ao acaso sobre o tem po ou m esm o sobre a vivência tem poral, mas precisamos pergunta r sobre o tempo, porque e na medida em que o ser é compreendido a partir do tempo, à luz do tempo. Nós não estamos perguntando de maneira arbitrária e sem orientação simplesmente acerca do tempo, mas o modo como e até que ponto nós perguntamos sobre ele nos é prescrito por meio da questão acerca do ser, isto é, porém , por m eio daq ui lo que sabemos sobre esse ser mesmo, abstraindo-nos completa m ente de sua conexão com o tempo. O que já sabemos, afinal, sobre o ser? Pois bem, tudo aquilo que já enumeramos por ocasião da caracterização in trodutória da compreensão de ser: 1. Amplitude; 2. Penetra ção; 3. Caráter inexpresso; 4. Esquecimento; 5. Indiferença; 6. C on ceptu alidade prévia; 7. Ausência de engano; 8. A rticulação inicial. Com certeza, são muitas as coisas que sabemos e, por fim, também sabemos algo essencial. Mas quando considera m os m ais detidam ente, esses são caracteres d a com preensão de ser, do co m preend er o ser, mas não do ser mesmo. N o máximo, apenas o que determinamos na quinta e na oitava posição diz algo sobre o próprio ser: ele é indiferente e, contudo, articu lado. Vemos agora ulteriormente que, em meio à enumeração dos oito caracteres, misturam os indiscrim inadam ente uns com os outros caracteres do ser e caracteres da compreensão do ser. Isso só aconteceu, porque se tratava de uma orientação provi sória, ou será que há um fund am ento pa ra tanto? A compreen são de ser tem um a conexão particular estreita com aquilo que ela com preend e, a saber, com o ser'? Essa conexão é um a cone xão totalmente diferente do que, por exemplo, a conexão entre compreensão e conhecimento de um ente arbitrário qualquer? Evidentem ente sim, se é que ser e ente não são o mesm o. O nexo entre ser e compreensão de ser, contudo, é tão elementar que aquilo que é válido para o ser também é válido para a compre ensão de ser, que o ser mesmo é idêntico ao seu desvelamento? 151
De tal modo que, aqui, a questão acerca do ser em geral não pode ser colocada, se não se perguntar acerca da compre ensão de ser (desencobrimento)? De tal mo do que precisaríamos to mar propriamente a questão fundamental assim: compreensão de ser e tem po ? Essas questões só pod em ser respon didas a p ar tir de um a discussão mais urgen te em term os m ateriais, de um a discussão do p roblem a do ser. Se ainda deixamos em aberto a determinação da conexão interna entre ser e compreensão de ser, então uma coisa ao me nos é certa: o fato de que só temos acesso ao problema do ser enquanto tal em to do caso por meio da com preensão de ser.113 A compreensão de ser, porém, é - visto em termos gerais e pro visórios - um comportame nto do homem. Se perguntam os sobre o ser, então não perguntam os arbitrariamente sobre propriedades quaisquer do homem, mas sobre algo determinado no homem, sobre o compreender ser. Esse compreender ser não é uma es pecialidade qualq uer do homem , que ele arrasta consigo ju nta^mente com muitas outras, mas tal compreender penetra todo o seu comportamento em relação ao ente, isto é, mesmo o seu com portam ento em relação a si mesmo. O com preender ser não atravessa apenas todo c om portam ento em relação ao ente, como se ele estivesse por toda parte presente e mesmo aí, mas ele é a condição de possibilidade do comportamento em relação ao ente em geral. Se não houvesse no h om em o com preend er ser, então ele não poderia se comportar em relação a si mesmo como ente, ele não po deria dizer “eu”, nem “tu”, ele não po deria ser ele mes mo, não pod eria ser pessoa. Ele seria impossível em sua essência. A compreensão de ser é, por conseguinte, o fundam ento da possi bilidade da essência do hom em. Se perguntarmos sobre o ser e sobre a compreensão de ser, não serem os apenas e em geral impe lidos par a o question a mento acerca do homem, mas esse questionamento se tornará 113
Cf. acima, p. 124esegs. sobre άπλά e αληθές: 152
inevitável. A questão acerca do fund am en to d a essência do h o mem já se tornou, com isso, incontornável. A questão diretriz impele a pa rtir de seu próp rio conteúd o fund ame ntal para as ra ízes e o en raizamento de nosso ser humano. No entanto , se pertence com ple ta m ente à questão acer ca do ser e acerca da compreensão de ser a questão acerca do tempo, sim, se essa questão é até mesmo o fundam ento do pro blema da questão do ser, então não temos mais agora nenhu m a escolha em relação a perg un tar aleatoriamente acerca do tempo e de seu pertencimento ao homem. Ao contrário, precisamos pergunta r desde o princípio acerca do tempo, de tal m odo que o vislumbremos desde o princípio com o fundam ento da possibi lidade da compreensão de ser, o qu e significa, porém , como fu n dam ento da possibilidade do fund am en to da essência do hom em. Assim, contudo, o tem po não se m ostra como nada que tam bém ocorreria com isso no hom em, tal como no fundo m esmo Kant ainda considera e precisa co nsiderar o tempo. A questão acerca da essência do ser (compreensão de ser), a questão acerca da essência do tempo - as duas são uma questão acerca do ho mem , m ais exatamente: acerca do fun dam ento de sua essência. Isso com m aior razão e em última instância, quando perg unta mo s até m esm o sobre a copertinên cia entre ser e tempo, sobre o “e”. Esse questio nam ento tão exigido pelo co nteú do inter no da questão diretriz da filosofia, estabelecido em seu próprio fun damento com ela e por meio dela, pergunta sobre o homem de uma tal maneira, que não se encontra apenas distante da meditação cotidiana do hom em sobre si mesmo, m as se m ostra como um questionamento acerca do hom em, que se lança para além do âmbito daquilo que, no questionamento cotidiano do ho m em acerca de si mesmo, é vislum brado e considerado. Em suma, nosso questionamento acerca do hom em é um lançar a questão para além do hom em , esse considerado em sua apari ção cotidiana.
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Nós pergunta m os na direção daquilo em que se abre a p os sibilidade da compreensão de ser, isto é, a possibilidade de toda a amplitude da compreensão de ser, na qual o homem se com porta em relação a to do ente na totalidade. Nós começamos com a questão fundamental em direção à totalidade do ente, e esse questionamento da questão fundamental tem em si ao mesmo tempo a direção questionadora para o fun da m en to da possibili dade do ser humano. Ela coloca o homem no fundo de sua es/ sência em questão, isto é, ela abriga em si a possibilidade de um a abordagem do hom em , que não o toca de fora, mas que emerge a pa rtir do fun dam ento de sua essência. Agora, fica mais claro: 1. O questionamento real e efetivo da questão d iretriz impele em si para o qu estionam ento acerca do homem, e, em verdade, 2. para o questionamento acerca do homem, que o toca no fundo de sua essência, que o toca na raiz. 3. Esse questionamento da questão diretriz, contudo, é o questionamento acerca do ente enquanto tal e na totalidade, não e nunca em primeiro lugar acerca do homem. Ao contrá rio, a questão corretamente compreendida acerca do homem emerge pela primeira vez na radicalização da questão diretriz. A questão diretriz não se remete em primeiro lugar e direta m ente para o ho m em , mas o seu questionam ento, se ele é rad i calmente o que ele pretende ser: um questionamento acerca do ente enquanto tal, cai sobre as costas do homem, se abate sobre 154
ele em seu fundamento. “Enquanto um remeter-se-ao-todo”, o questionamento acerca do ènte na totalidade e enquanto tal é um “ir-às-nossas-raízes”. O po nto é que esse questionam ento acerca do homem segue na direção do fundamento essencial do hom em , perguntando, po r tanto, acerca do hom em enquanto tal e acerca do hom em em geral, concomitantemente para além do hom em respectivo. O hom em só é tocado uma vez mais em geral. Isso se mostrou no fato de que nós podíam os em verdade con hecer com o é que a questão acerca de ser e tempo se encontra em conexão com um a questão acerca do homem, no fato de que esse questionamento, porém, também não toca de maneira alguma precisamente a nós mesmos. Só se poderia dizer que nós mesm os, na m edida em que form ulamos esse questionamento, nos e ncontram os aí concom itantemente em questão de modo particular. Mas esse é por fim o caso em todo e qualquer questioname nto acerca do hom em que é formulado pelo hom em. E isso mesm o quand o questionamos pura e simplesmen te, no quadro da questão diretriz, acerca do homem, pela razão completamente formal de que todo universal tam bém diz respeito concom itantemente ao seu particular. Assim, po r mais que rad ica lizemos a questão diretriz na questão fundamental, se essa questão contém em geral o problem a de ser e tempo, então esse problem a pode ser desenvolvido e trata do de m aneira totalm ente objetiva, quer se trate ou não aí do homem, o particular nunca é afetado enquanto particular. Co m certeza, é preciso atentar pa ra o fato de que o conteúdo m aterial do problem a ser e tempo é tão universal, que ele não possui enquan to tal nenhum a pertinência em relação ao particular e para o particular. Mesmo na questão fundam ental não está contida nenhuma abordagem séria, isto é, uma tal para a qual poderíamos estar necessariamente expostos por meio do questionamento na questão. Trata-se de uma abordagem no uni versal, ela não diz respeito a ninguém , ela não é um jato de ar. Em todas as nossas discussões sobre o caráter de aborda gem, o que estava em jogo não era a questão de uma aplicação 155
possível bem atestada e prático-m oral de proposições filosófi cas sobre a pessoa particular do homem, mas apenas se e em que medida o conteúdo material da questão mesma e de acor do com o modo como ele exige um questionamento abriga em si uma abordagem. De maneira mais originária, porém, do que até o problem a de ser e tem po , a questão d iretriz nunca se deixa desd obrar m aterialm ente em term os de conteúdo. Não vejo, em todo caso, nenhuma outra possibilidade. Se é que, é aqui efe tivamente que o caráter de abordagem precisaria se manifestar segundo a sua possibilidade. § 13. O caráter de abordagem da questão do ser (questão fun dam en tal) e o problem a da liberdade. A amplitude abrangente do ser (o remeter-se-ao-todo) e a singularização invasiva (o ir-às-raízes) do tempo como horizonte da compreensão de ser
Ser e tempo: tend o em vista o problem a do ser, nós pergu n' tamos sobre o temp o, se e como ele possibilita a condição fun da m ental de possibilidade da existência hu m an a - a comp reensão de ser. Ser: o que há dè mais amplo, em cujo horizonte se en contra abrangido todo ente real e efetivo, assim como todo ente imaginável. Supõe-se que a possibilidade pa ra essa amplitude do ser deva residir no tempo. Só ele, po rtanto, o tempo, seria a mais abrangente amplitude, na qual a compreensão de ser abarcaria desde o princípio todo ente. O tempo, essa amplitude de todas a mais abrangente, o que ele é e onde ele é? O tempo, a que lugar ele pertence? A quem ele pertence? Cada um tem seu tempo. Nós todos juntos temos o nosso tempo. Para cada um de nós e para nós todos, ele é uma posse tranqüila - nosso tempo, meu tempo - que podemos repelir de maneira arbitrária? Ou será que cada um possui a sua porção própria de tempo? Possuím os em gerál sempre e a cada vez um a parcela de tempo, ou será que é o tempo inversamente que nos 156
possui? E isso não apenas no sentido indeterm inado de que nós simplesm ente não po dem os sair dele, não apenas como grilhões aplicados, mas de tal m odo que o tempo, como sendo a cada vez o nosso tempo, nos singulariza e singulariza cada um precisamente com vistas a ele mesmo? O tempo é sempre tempo, no qual “é tem po de”, no qual “ainda é tem po”, no qual nã o há “mais tem po algum”. Enq uanto não virmos que o tempo só é temporal, que ele satisfaz a sua essência, na medida em que ele singulariza a cada vez cada homem com vistas a si mesmo, a temporalidade enquanto essência do tempo perm anecerá vedada para nós. Se, contudo, temporalidade é no fundo singularização, en tão o questionamento acerca de ser e tempo é em si, seg undo o seu conteúdo, obrigado a entrar na singularização que reside no próprio tempo. Assim, o temp o como horizonte do ser tam bém já te m a sua am plitude m axim am ente abrangente, e, enquanto ta l amplitude, ele também já se concentra, já reún e a si m esm o na direção do homem em sua singularização. Bem compreendido, não do ho m em como um dos mu itos casos especiais presentes diante de nós, mas do hom em em sua singularização, que nu nca diz respeito enquan to tal senão ao particular enquan to particular. Assim, no conteúdo max imam ente originário da questão diretriz do filosofar, questão essa desenvolvida e transformada na questão fundam ental, não reside a possibilidade de um a abordagem constante e infalivelmente estabelecida na direção de seu ponto de ataque? Essa abord agem é tanto mais ameaçadora, um a vez que ela de saída e durante m uito tempo, como vimos, assume o aspecto de que não existiria, de que se trataria de algo universal, que concerne concomitantemente com certeza a algo particu lar, ma s que justamente desse m odo não é a cada vez pertin en te para esse particula r enquanto tal. Agora se mostra: na essência do próprio tempo reside singularização, mas não como particularização de algo universal, pois ele nunc a é originariamente algo un iversai: “o tem po ”. Ao con trário, o tempo é sem pre a cada vez m eu tempo; mas m eu e teu e nosso tempo não no sentido extrínseco _ 157
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da existência burguesa privada, mas m eu e teu tempo a partir do fundamento da essência do ser-aí, que é enquanto tal sempre e a cada vez singularizado com vistas a si; um a singularização que representa pela prim eira vez a condição de possibilidade para a cisão nas diferenças entre pessoa e com unidade. Precisamente se conquistarmos com a questão diretriz da filosofia, questão essa desdobrada e transformada na questão fundamental, a maior am plitude possível do problema de ser e tempo, se efetivamente con quistarmos e não apenas falarmos so bre isso, então já reside no conteúdo derradeiro do pro blem a pela prim eira vez e constantem ente o aguçamento com vistas a todo e qualquer pa rticular enquan to tal. A amplitude abrangente do ser é um a e a mesm a coisa que a singularização invasiva do tempo. No fundo de sua unid ad e essencial, ser e tem po são de tal m odo que, se eles são postos em questão, essa questão se m ostra em si como abrangente e invasiva. O remeter-se-ao-todo é em si mesm o um ir-às-raízes de nós mesm os, de todo e qualquer particular. Eu re pito: não ulterio rm ente e a cam in ho de um aproveitamento, mas ' o conteúdo da questão da filosofia - τί TO óv - exige um a questão que, quanto mais radicalmente ela se assegura de sua amplitude e de sua abrangência, tanto mais seguramente ela ganha o seu fundam ento, fund am ento esse no qual ela toca de ma neira questionado ra o particular enquanto particular e o coloca em questão. Co m isso, responde-se à terceira de nossas três questões prepa ratórias.114 Nós perguntam os: 1. Reside no conceito da liberd ade positiva um a ampliação fundam ental da problemática? 2. Que perspectiva se abre? (Q uestão diretriz) 3. Reside nessa questão enquanto tal um caráter de abordagem? Por meio da conexão intern a dessas três questões tam bém se comprova, porém , o se guinte: a questão acerca da essência da liberdade humana está em butida na questão diretriz da filosofia. Essa questão desdobrouse e transformou-se na questão fundamental (ser e tempo). Essa 114 Cf. acima, p. 27 e 117. 158
questão fundamental mostra a possibilidade, incluída ela mesma em seu conteúdo, de um caráter de abordagem do filosofar. Com isso, as preparações para o tratam ento de nosso tema foram finalm ente resolvidas. Nós sabemo s agora em que contex to o tem a se encontra, em butido n a questão diretriz e na questão fun dam ental da metafísica. Por m eio daí fica claro o seguinte: a questão acerca da essência da liberdade humana, se nós a per guntarmos de maneira correta, é uma questão que se remete para o to do e, em verdade, trata-se de um rem eter-se-ao-to do que é ao mesmo tempo, segundo o seu conteúdo interno, um ir-às-nossas-raízes. Tema e modo de tratamento da preleção são de tal modo que, com eles, uma introdução à filosofia pode ser ousada. Com certeza - o tema é, segundo o seu conteúdo, um particular, justa m ente liberdade e não verdade ou arte.
Liberdade ser-aí t homem ser e tem po presentidade constante ser τί τό óv ente enqu anto tal ente movimento causalidade espon taneidade absoluta autonomia liberdade positiva liberdade negativa liberdade hum ana
§ 14. O deslocamento da perspectiva da questão: a questão diretriz da metafísica fun da -se na questão acerca da essência da liberdade
O tema é a liberdade humana em sua essência. Portanto, o que im po rta agora é investigá-la efetivamente. O nd e e como e n contramos o objeto? Segundo o que vimos até aqui, ele não nos é mais totalmente estranho: liberdade negativa - liberdade de... - liberdade positiva - liberdade para... Se pens arm os no tema, então já teremos m esmo todo ò campo em todas as suas dim en sões, cam po esse no interior do qual a liberdade se enco ntra en quan to problema. Co m certeza! Todavia, esse desdobram ento do horizonte p ara o problema da liberdade aconteceu, de qualquer modo, com base na interpretação da liberdade que tinha sido dada por Kant. Quem nos diz que essa interpretação, por mais essencial que ela possa ser, é a interpretação filosófica central? Qu em n os diz que liberdade precisa ser concebida prim ariam en te em conexão com a causalidade? Nós apenas tomamos conhe'' cimento disso até aqui, experimentando ao mesmo tempo em que direção é possível pergu nta r em cada caso sobre a liberdade. No entanto, não está de m aneira alguma dito que reside aqui o único e necessário desdob ramen to do problema. Se as coisas se m ostra m assim, então tod a a nos sa orientação se m os tra vacilante. Nós precisamos, em tod o caso, restringir em certo sentido o que foi dito até aqui. Se o prob lem a da liberdad e é articulado com a causalidade, tal com o acontece em Kant, então esse contexto nos conduz p ara a perspectiva ulterior ab erta por nós - e somente então. Supondo que a liberdade possa ser de term inad a desde o princípio de ou tro mod o, então a perspectiva também será uma outra. Não apenas isso, nós não precisamos apenas admitir a possibilidade de que, em relação à liberdade, sejam passíveis de serem estabelecidas diversas perspectivas, nós precisamos ter antes de tudo clareza quanto ao lugar onde abrigamos desde o princípio, antes de todo estabelecimento das 160
perspectivas ulteriores, a liberdade, onde ela por assim dizer se enco ntra. Isso tam bém foi deixado até aqui inde term inado, pois, com o fato de term os lançado m ão de diversas definições, não ficou expressam ente decidido a que região o que foi dito pertenc e e com o ele está estabelecido no inte rior da região em questão. Se a investigação da essência da liberdade hum ana deve tom ar um curso seguro, então precisamos nos assegurar do campo para o qual tem os de olhar a cada vez, qua ndo pergun tam os sobre a liberdade e trabalham os na clarificação de sua essência. Agora, porém , esse campo parece determ inado de m aneira tão inequívoca, que nós podemos abdicar de uma discussão ma is longa. O tem a é a liberdade “hum ana ”, liberdade, portanto, com vistas ao hom em . A questão é que o ho m em é um ser furtacor, de tal m od o que, com esse aceno, apenas dam os a conhecer pela prim eira vez propriam ente o quão com pletamente indeterm ina da e sem direção é a nossa visão, que busca a essência da liberdade humana. Se a única coisa que estivesse em questão fosse enc on trar e dete rm inar um a constituição arbitrária qualquer no hom em , então poderíam os esperar nos deparar com ela, contanto que examinássemos inteiramente durante um tempo suficiente tudo o que havia de possível no homem. Apesar de todo conhecimento da essência, contudo, é decisivo o fato de precisamente antes de tod a e qualquer clarificação e determ inação concretas oco rrer desde o princípio a visão das essências decisiva, que m antém desde então e para tudo o que vem depois a essência em vista. O que é desde o princíp io necessário é ver a essência da liberdade hum ana, e, ao me smo tempo, a liberdade do hom em e esse ho m em mesm o, de tal m odo que, com essa prim eira visão, por mais que ela possa se encontrar encoberta no que se refere ao seu conteúdo visível, o decisivo seja visto. Nossa introdução, portanto, precisa guiar desde o início a visão da essência, de tal form a que se m ostre “onde” é preciso buscar o que é vislumbrável e como ele se determina de m aneira correspondente à nossa posição em relação a ele. Esse guiar decisivo da visão das essências
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só pode ter de saída e precisa ter sempre o caráter de uma coerção violenta para um a direção da visão. O direito e a necessidade do d irecionam ento da visão para a essência só se comprovará a partir do conteúdo essencial. A constatação do direcionamento essencial para o questionamento e a busca acerca da essência da liberdade hum ana só pod e ser com unicada po r agora sob a for ma de um enunciado e tese. Que enunciado e tese são esses? Se quiserm os fixar um direcionam ento p ara a visão, preci saremos ter definitivamente a multiplicidade e a am plitude de um horizonte. N o que concerne à liberdade, conquistam os algo desse gênero por meio de toda a discussão até aqui. Mostra-se agora pela primeira vez, que essa discussão não foi de maneira alguma estabelecida assim de modo apenas casual. Lembremonos do esquema'da perspectiva do problema da liberdade em seu po nto de pa rtida provisório. Se mantiverm os isso presente, então poderemos fixar agora de maneira inequívoca a visão da essência que fundam enta as considerações seguintes, dizendo: a essência da liberdade só é vista propriam ente, quando a buscamos f como o fundam ento da possibilidade do ser-aí, como aquilo que ainda reside antes de ser e tempo. Visto em relação com o es quema, precisamos levar a termo um deslocamento completo do lugar da liberdade, de tal modo que venha à tona agora o fato de que o problema da liberdade não se encontra em butido na questão diretriz e na questão fundam ental, mas, ao contrário, é a questão diretriz da metafísica que se baseia na essência da liberdade. Mas se o direcionam ento do olhar precisa tom ar essa dire ção, se o problem a fund am ental precisa mesmo ser visto a partir dela, então é agora indiferente saber se a interpretação kantiana da concepção da liberdade no quadro da causalidade tem razão de ser. Mesmo que esse não fosse o caso, segundo a nova tese da causalidade, residiriam à sua base movimento, ser em geral, a liberdade. Liberdade não é nada particular entre outras coisas, ela não se encontra alinhavada ao lado de outras coisas, mas é pré-ordenada e impera precisam ente sobre o todo do ente. Mas se a 162
liberdade tem de ser buscada com o fund am ento da possibilidade do ser-aí, então ela mesma é em sua essência mais originária do que o homem. O homem não é senão um adm inistrador da liber dade, só alguém q ue po de deixar ser a liberdade do que é livre da maneira que lhe cabe, de tal modo que, através do homem, toda a casualidade da liberdade se torn a visível. A liberdade humana não significa mais agora: liberdade como propried ade do hom em , mas, ao contrário, o hom em é que se mostra como um a possibilidade da liberdade. Liberdade hu m a na é a liberdade, na med ida em que ela irrompe n o ho m em e o toma para si, possibilitando-o por meio daí. Se a liberdade é o fundamento da possibilidade do ser-aí, a raiz de ser e tempo e, com isso, o fundam en to da possibilitação da com preensão de ser em tod a a sua amp litude e plenitude, então o h om em é, fu n d a n do-se em sua existência e nessa liberdade, aquele sítio e ocasião, na qual e com a qual o ente na totalidade se torna manifesto, e aquele ente, po r meio do qual fa la o ente na totalidade e nqua nto tal e, assim, se enuncia. No começo da preleção, quan do n ós nos aproximamos daquilo que tinha sido nom eado no tem a como se se tratasse de um a coisa presente à vista entre ou tras, nós vimos o homem como um ente entre outros, iníquo, frágil, impoten te, fugidio, um pequeno recanto no todo do ente. Agora, visto a partir do fu ndam ento de sua essência, a p artir da liberdade, fica claro para nós o descomunal e maravilhoso, o fato de que ele existe com o o ente, no qual o ser do ente e, com isso, esse ente n a totalidade se tornam manifestos. Ele é aquele ente, em cujo ser mais pró prio e em cujo fun dam ento essencial acontece a compre ensão de ser. O homem é mais ingente, do que um deus jamais pode ser, porque o deus precisaria ser to talm ente diferente para poder experim enta r algo assim. Esse elemento descomunal, com o qual tomamos contato aí efetivamente e que nós efetivamente somos, só pode ser algo tal como o que há de mais finito. No entanto, nessa finitude, dá-se a reunião existente dos contendores no interior do ente e, por isso, a ocasião e a possibilidade do
irromper dissociado e da irrupção do ente em sua multiplicidade e pluralidade. Aqui reside ao me smo tem po o problema nuclear da possibilidade da verdade como desencobrimento. Se virmos o homem assim - e precisamos vê-lo assim, na medida em que somos impelidos a ele por meio do conteúdo fundamental da questão diretriz da filosofia -, se virmos, em suma, o ho m em metafisicamente, então, logo que com preender mos a nós mesmos, já não n os m ovimentaremos mais há muito tempo na vida de uma pequena e breve reflexão egoísta sobre o nosso eu. Nós nos encontraremos agora em nós mesmos, em nossa essência, ond e toda psicologia e coisas do gênero se dissol vem. Seria infrutífero, se quiséssemos c ontinua r em preendendo discussões e suposições sobre essa experiência metafísica fun damental do homem. O que ela é, ou seja, como ela se coloca em obra como filosofia, só é experimentável e cognoscível no questionamento concreto. Só uma coisa está clara: o homem, fundando-se na liberdade de seu ser-aí, tem a possibilidade de sondar esse seu fundamento, a fim de se perder com isso em ’ meio à g rande za metafísica interior verdadeira de sua essência e se conquistar precisamente em sua particularida de existenciária. A grandeza da finitude tornou -se há m uito temp o pe quena e insípida, de tal modo que não conseguimos mais pensar em conjunto finitude e grandeza. O hom em não é a imagem de Deus como o pequeno burguês absoluto, mas esse Deus é o produto inautêntico do homem. Não obstante, levanta-se agora a questão para o desdobra me nto e para a elaboração concretos do prob lema da liberdade: como é que deveríamos chegar àquele ponto para o qual nos di rige a visão da essência da liberdade? O que significa: liberdade é o fund am ento da possibilidade do ser-aí hum ano ? A liberdade só se torn a ma nifesta para nó s como esse funda m ento, se se con segue, segundo o ponto de partida e o modo de ser do questio namento e da direção e agudeza da clarificação conceituai, dei xar a liberdade, enquanto tal fundamento, sér-fundamento. Nós 164
perguntam os por isso: o que significa o ser-aí do hom em , o que significa fund am ento? O que significa fundam ento do ser-aí hu mano? Em que medida nos deparamos aí com a liberdade? Por que via podería m os nos fam iliarizar de m aneira filosofante com o prob lem a metafísico da liberdade. Escolhi, contudo, um caminho diverso, que conduz para a mesm a meta, um cam inho que nos obriga constantemente a as sumir um diálogo com os filósofos e, em particular, com Kant. Já a partir do que foi dito antes é preciso lembrar que foi ele, Kant, quem viu pela prim eira vez da m aneira mais radical pos sí vel o problema da liberdade em sua amplitude filosófica. Se não desdobrarmos o problema da liberdade em um reflexão monologicamente livre, mas em um diálogo explicitador, então isso não deverá servir para que tornemos possível uma tomada de conhecimento historiológica acerca de opiniões anteriores so bre o pro blema, mas deverá antes nos fazer com pre ender que os problemas dotados do caráter do nosso problema em geral só possuem sua vitalidade propriam ente dita nessa confrontação histórica, em uma história, cujo acontecimento reside fora do decurso das ocorrências. Se nos obrigamos a um a confrontação com Kant, então co locamos o problem a da liberdade de saída um a vez mais na p ers pectiva do problem a da causalidade, do ser um a determ in ação coisal orig inária.115 A necessidade de um a confrontação é tanto mais urgente, um a vez que nós m esmos co ncebemos a liberdade como fundamento da possibilidade do ser-aí. É questionável di zer em qu e conexão se encon tram causa e fun dam ento . Nós estabelecemos as nossas considerações seguintes sob o título totalm ente genérico: causalidade e liberdade. Abdico de desenvolver mais amplamente um programa das questões que 115 Em alemão, o termo para causa ( Ursache) significa literalmente coisa (-sache) originária (Ur-). Como Heid.egger insere no texto acima o termo latino Kausalitãt (causalidade) juntamente com o termo ale mão, optamos por uma tradução literal dd segundo termo. (N. T.)
se en co ntra m veladas sob esse título. O que me im po rta aí é que os senhores acompanhem um pouco o caminho efetivo da “in vestigação”, corre nd o o risco de que, no cam inho, percam po r vezes a visão do todo. U ma p equ ena indicação da problemática, tal como eu a vejo residir velada no título, pode, contudo, ser dada, e, em verdade, de maneira totalmente formal e aparente m ente violenta. .» N a composição de causalidade e liberdade reside de saída a questão: a liberdade é um problema da causalidade ou a cau salidade é que é u m problema da liberdade7. Se esse último for o caso, a liberdade torna-se, então, o fundamento do problema? Como a liberdade precisa ser nesse caso concebida? Ela pode ser concebida de tal mod o que vislumbramos a pa rtir de sua es sência em que m ed ida a liberda de pod e e precisa ser concebida negativamente? É possível que se m ostre em que m edida a liber dade é em sua essência liberdad e de... e liberd ade para...? O nde reside a unidade originária e radical para essa estrutura dupla? Ela é em geral uma faceta originária ou apenas uma faceta su perficial? Todas essas questõ es relu zem em direção ao proble m a fundamental da filosofia, em direção a ser, compreensão de ser e seu acontecim ento.
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S E G UN D A P AR TE
CAUSALIDADE E LIBERDADE LIBERDADE TRANSCENDENTAL E PRÁTICA EM KANT
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PRIMEIRO CAPITULO
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Ca usa lida de e Liberdade com o proble m a cosm ológico. O prim e iro ca minho para a libe rda de no siste m a ka ntiano, pa ssa ndo pe la questão a ce rca da possibilida de da e xpe riê ncia como que stão a ce rca da possibilida de da própria m eta física
A liberdade é um problem a da causalidade ou a causalidade é que é um problema da liberdade? Precisamos pergu ntar imediatamente de m aneira mais completa, se esse ou -ou toca em geral no problem a, isto é, se, mesm o se a causalidade se revelasse com o problema da liberdade, a liberdade seria, com isso, suficientemen te apreendida? A essência da liberdade não rem ontaria a nada mais do que a um fundam ento do problema da causalidade? Em caso afirmativo, seria suficiente, então, conceber a causalidade no sentido em que ela vem sendo concebida no presente mom ento? Não! Precisamente se a liberdade for o fundam ento do problem a da causalidade, ela não precisa ser concebida e apreendida de m aneira mais radical e não apenas como se ela me sma não fosse senão um m odo de ser da causalidade? De ond e retiramos as diretrizes para um retorn o à essência mais originária? Precisa haver razões decisivas pelas quais se gosta tanto de colocar com frequência a liberdade em conexão com a causalidade, algo que aconteceu da maneira mais aguda e mais radical em Kant. O fato de essa conexão entre causalidade e liberdade se impo r po r meio do conteúdo interno dó problema e não po r meio : 169
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de um mero ponto de vista em relação a ele, é algo que podemos vislumbrar, além disso, a partir de nossa própria tese. O conteúdo da questão fundamental conduziu à liberdade como fundamento da possibilidade do ser-aí, no qual acontece a com preensão de ser. A liberdade mostra-se como fundamento. Mas o elemento coisal originário (causa) também é uma espécie de fundamento. §15. Observação prévia sobre o problema da causalidade nas ciências
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Cau salidade como expressão pa ra a questionabilidade da n aturez a inan im ad a e viva nas ciências Se acolhermos o problema da liberdade em conexão com a causalidade, então é aconselhável delimitar de saída de maneira mais determ inad a o que se tem em vista po r causalidade e quais são os problem as que ela mesm a já abre. Busco um a tal orienta ção concreta sobre a causalidade a partir do fio condutor do trata m ento kantiano do problema, n o qual se cruzam, o que agora não é determinante, diversas motivações históricas (Leibniz, Hume). Antes de nos aproximarmos da concepção kantiana da causalida de, necessitamos de uma referência à amplitude do problema da causalidade, e, em verdade, em u m duplo aspecto. A investigação e o questionamento, que denominamos ciência, segue em duas correntes principais: em direção à natureza e à história. Nature za histó ria (h om em e o bra hum ana) Processos acontecimentos Causa e efeito causa e efeito Causalidade causalidade ? ? Nessas correntes principais da pesquisa científica, na inves tigação da natureza tanto quanto na investigação da história, a causalidade se torn ou problem ática de um a m aneira totalm ente diversa. Quando se tem de fora a pluralidade das investigações 170
diante de si, que hoje o pesq uisad or particular não consegue mais abarcar em sua disciplina, quando se observa a organização das ciências em sociedades, institutos e congressos, quando se toma conhecim ento do ritmo, co m o qual um resultado desencadeia o próxim o e é transposto para a assim cham ada práxis, não parece faltar mais nada em n ós senão a dimen são descomu nal do me ca nismo gigantesco e de seus meios. De fato, só nos falta isso para ir ao encontro da ruína, da ruína interior, pois tudo aquilo que trouxe algum dia para o interior da via de um a técnica que cor re po r seus próprios veios tamb ém se mantém , e parece mesm o se m an ter precisamente, q uand o a necessidade inte rna e a força simples de motivações autênticas pereceram. Apesar desse mov imen to progressivo quase técnico d a pes quisa científica, apesar dessa indústria florescente, que hoje re presenta a ciência, as ciências da natu reza e da histó ria se torna ram hoje mais questionáveis do qu e nun ca em term os interiores. A desproporção entre os resultados diariamente trazidos à ton a e a insegurança e obscuridade dos conceitos e questões simples e fundam entais n un ca foi tão grande. Para aquele que p od e ver, nunca ficou tão claro que o que é espiritual se tornou em si ao m esm o tem po confuso, im potente em relação a si me smo e des provido de raízes, mas, contudo, p ode m anter o m undo ocupado com resultados que se precipitam sobre nós e em um estado de admiração com surpresas fugidias constantes. Não sei quantas pessoas concebem hoje efetivamente essa situação e com preen dem os seus sinais. Aparentemente, estamos acentuando algo completamente extrínseco. Na cidade de Halle, houve no final de abril o congres so alemão de historiadores. As pessoas discutiram nesse congres so se a história seria um a ciência ou um a arte. Mais exatamente: as pessoas não tinham nenhum meio para discutir isso efetiva mente. Não se viam os caminhos para efetivamente apreender o problem a encoberto e colocá-lo de pé em seu solo. Só u m a coisa ficou clara: os historiadores não sabem hoje o que é história, eles 171
não sabem nem m esm o o que é necessário para chegar a um saber sobre isso. Só é evidente que não se sabe nem mesmo po r que não é possível se valer de aportes casuais de um professor de filosofia que se encontra casualm ente ou que se tem como colega. Onde se encontra o fundamento para essa situação catastrofal, que não perde nada de seu caráter terrível pelo fato de todos esses hom ens desam parados prosseguirem no ou tro dia de m ane ira segura e tranqü ila com to da a exatidão o seu trabalho? O fundam ento nã o reside no fato de nós não estarm os em co ndi ções de definir a essência das ciências históricas, ma s no fato de o acontecimento histórico enqu anto tal, apesar da pluralidade das ocorrências, não po ssuir ne nh um a força una de manifestação e, por isso, perm anecer velado em seu caráter essencial, não sendo senão ainda mais enc oberta e mal interpretada p or rneio de teo rias gastas sobre um a ciência histórica. O acontecim ento históri co enquanto tal não tem como se anunciar, se ele não se depara com um experienciar, que traz consigo em si a claridade, com a qual a historicidade da história p ode ser inteiram ente iluminada. y Nesse caso, é preciso decidir se a história só é de início e em geral um conjunto de anexos de fatos e influências causalmente articu lados ou se a causalidade do acontecimento histórico precisa ser concebida de ma neira com pletamente diversa. Os senhores estão vendo que o problema da causalidade não é nenhuma questão remota, de algum modo inventada na filosofia. Trata-se antes da mais interna indigência de nossa re lação com o histórico em geral e, por conseguinte, também com a ciência da história (filologia no sentido mais amplo). Mas o mesmo vale para a outra direção do questionamento científico, para a ciência da natureza, seja ela a ciência do inanim ado (físi ca, química), seja ela da natureza vivente (biologia). Chega-se ao ponto de dizer que, com base nas novas teorias físicas, na teoria elétrica da maté ria (estrutura atômica), na teoria da relatividade e na teoria quântica, a lei da causalidade até aqui vigente teria perdid o a sua validade sem exceções. Nissõ se expressa de saída 172
o fato de que a concepção do caráter processual das ocorrências materiais se torn ou questionável. Falta a possibilidade de conce ber e determ inar a natu re za positivamente de m aneira nova, de tal modo que as novas questões e conhecimentos mantenham seu solo autêntico e a.sua fundamentação. O mesmo acontece com a questão acerca da essência do organismo, com a questão acerca da essência da vitalidade do vivente, acerca da co nstitui ção fundamental do modo de ser do ente, do qual dizemos que ele é, vive e mo rre. Eu repito. A causalidade não é nenhum conceito remoto, que paira livremente, para o qual deve ser criada uma defini ção correta, m as ela é inversam ente expressão para a questionabilidade mais íntima da constituição da natureza inanimada e viva. O hom em mesmo, porém , em m eio à natureza e atrelado ao acontecim ento de sua história, vacila e busca nessa história questionabilidade e necessidade. E a filosofia sabe ao mesmo tempo das perspectivas, para as quais o problema concretamente com preendid o da causalidade da histó ria e da natureza aponta. Mas precisamente essa aporia que desponta por to dos os lados, esse fato de que tudo se mostra vacilante e vem à tona como frágil: esse é o tempo correto da filosofia. Seria ingênuo desejar ainda que apenas po r u m instante que as coisas fossem diferentes. Mas tam bém seria igualmente míope achar que seria possível querer salvar esse tempo com o auxílio de um sistema da filosofia. Ao contrário, a única coisa que está em questão é manter a necessi dade verdadeira e autenticamente experimentada e experimentável. A única coisa que está em questão é despertar para o fato de que a questionabilidade emergente, a prec ursora da grandeza, não é arranca da po r meio de respostas e superstições baratas. Assim, torna-se efetivamente supérfluo assegurar aos se nhores ainda de maneira ampla que o tema dessa introdução à filosofia emerge e retom a as grandes correntes da pesquisa sobre a natureza e a história, direções essas nas quais os senhores se encontram imediatamente por meio do fato de pertencerem a
faculdades particulares da universidade. O filosofar aqui não é nen hu m a atividade secun dária enqu anto fuga para necessidades privadas e p ara a edificação. Ao contrário, ele se acha em m eio à necessidade do trabalho , ao qual os senhores se prescreveram ou prete ndem te r se prescrito, quando os senhores se m ovim entam nesse espaço. Co m essas breves referências à situação das ciências da n a tureza e da história, não queríamos constatar, por exemplo, os erros e os descasos das ciências, assim com o não u m fracasso da filosofia, ou seja, não queríamos constatar absolutamente nada sobre o que se pudesse ou devesse acusar mutuamente. Ao con trário, tudo isso são arautos e sinais de abalos e deslocamentos efetivos de todo o nosso ser-aí, em relação ao qual o singular só pode te r um a preocupação: não deixar de ouvir as novas vozes que estão suficientemente silenciadas. É equivocado achar que um singular poderia se apoderar de tudo e derrubar o diverso. Com isso, não se alcançaria senão o caráter fatídico de tudo o que é reform ador e que se transform a da noite para o dia em um a tirania insuportável. Também é importante, porém, tomar cui dado para não deixar tudo e cada coisa viger indiferentemente e se torn ar a vítima de um a opinião de todo m und o. O que vale é o meio, não o medíocre. O que vale é permanecer quieto ante a pluralidade interior e a relatividade do essencial, que nunc a se deixa aprisionar em fórmulas, nem salvar po r meio de um a me ra de rrota de seu adversário. b) Causalidade n a física m oderna Probabilidade (estatística) e causalidade Causalidade - o que podem os dizer dela? Queremos escu ta r de início Kant falando sobre ela e precisamente Kant po r vá rias razões. Por um lado, porque causalidade e liberdade são co locadas po r ele em um a conexão particular; em seguida, porque Kant concebe a causalidade primariamente como causalidade da natureza, de tal modo que resultam daí dificuldades funda 174
mentais em relação à causalidade da história. Além disso, porqu e precisam ente na discussão filosófica atual sobre o pro blem a da causalidade n a psicologia fala-se que a concepção kantiana seria insuficiente. Por fim, porque o problema kantiano da causalida de aponta para um a conexão, que já conhecemos em tod a a sua am plitude principiai, no nexo en tre ser e tempo. Pois é a ligação com o tempo que salta imediatamente aos olhos na concepção kantiana da causalidade, ainda que o problem a aqui não chegue às suas últimas conseqüências. De saída, o que im po rta é colocar concretamen te diante dos olhos o ponto de partida kantiano do proble m a da causalidade. No que concern e às discussões do problema causai na física moderna e ao seu significado para a filosofia, é necessário fazer um a observação, a fim de ir ao encon tro da confusão d esesperadora que já se difundiu aqui. A confusão tem seu fundamento em discursos que passam u ns ao largo dos outros, o que, po r sua vez, emerge do fato de qu e não se vê claram ente nem na filosofia, nem na física, aquilo sobre o que propriamente se pergunta a cada vez, e de que se precisaria perguntar, e aquilo que se pode respectivam ente perguntar. Por u m lado - na física - alardeia-se que se estaria finalmente em condições de perceber que a lei da causalidade não é ne nh um a lei a priori do pensam ento e que, por conseguinte, só se po de ria decidir sobre essa lei p o r meio da ex periê ncia e do pensam ento físico. “Os físicos não duvid am mais hoje de que a questão acerca da presença de uma causalidade plena só pode ser decid id a pela experiência - de que, porta nto , a causalidade não é, por exemplo, uma necessidade apriorística de pen sam en to”.116 Com a últim a observação tem -se em vista na turalmente a concepção kantiana da causalidade, em relação à qual é preciso observ ar desde o princípio que Kant nun ca e em 116 P. Jordan, Kausalitat und Statistik in der modernen Physik (Cau salidade e estatística na física moderna). Em: Die Naturwissenschaften XV, 1927. P. 105esegs. (Conferência de livre docência). 175
parte alguma concebeu e fez a lei da causalidade passar p or uma necessidade apriorística de pensamento. Com certeza, Kant diz que o princípio da causalidade enquanto lei universal da na ture za não poderia jamais ser fundamentado pela experiência, mas seria inversamente a condição de possibilidade de toda e qual quer ex periência da natureza em geral. Assim, inversamente, por parte da filosofia em relação a tódas as pretensões da física e às suas decisões sobre a lei cau sai, acredita-se, então, desde o princípio estar em uma posição segura e superior, na medida em que se declara: os físicos po dem dizer sobre a lei causai o que eles quiserem. Enquanto eles continuarem a pensar fisicamente, eles nao se encontrarão em geral na única dimen são capaz de lhes dar os m eios para acolher o problema causai. Em contraposição a isso, é preciso observar que essas duas posições são intern am ente impossíveis e questio náveis. O recu rso filosófico ao a priori é tão questionável quanto o enrijecimento físico em meio à instância da experiência é in teiram ente confuso. Por fim, as duas pretensõ es são justificadas e as duas não são radicais e claras o suficiente para efetivamente ver o problem a decisivo. Onde reside, então, porém, de maneira totalmente geral, o motivo pa ra que a lei causai tenha se tornado questionável em al gum sentido para a física atual? “Na dinâm ica clássica, é válido de maneira irrestrita o princípio segundo o qual o conhecim ento do estado (a saber, das posições e velocidades de todas as partículas materiais) determina em um instante o transcurso de um siste ma fechado para todo o futuro; essa é a concepção, que assume a lei causai na física”.117 Diz-se que, evidentemente, na natureza macroscópica dos processos naturais, vige sem exceção um a cau salidade confiável, isto é, determinada; as coisas não são assim, contudo, na região microscópica, isto é, na região das estruturas 117 M. Born, Quantenmechanik unã Statistik (Mecânica quântica e estatística). Em: Die Naturwissenschaften XV, 1927, p. -239. 176
atômicas, nas n as quais se veem hoje os processos processo s físic físicos os elementares, de tal tal m odo que esse essess processos processos corresponde m ao mesm o tem po um a vez mais ao decurso astrofísico astrofísico (movimen (mo vimento to dos planetas). planetas). Na N a físi fí sica ca a tôm tô m ica ic a m o s tro tr o u - s e q u e as gra gr a n d e z as fisi fi sica cam m ente en te estabele estabelecida cidass não n ão são são sem pre difun didas n a região região da natureza. Os movimentos não acontecem de uma maneira inteiramente constante, há inconstâncias, saltos e lacunas. Não há nenhuma determ inação clara clara para par a o transc transcurso urso do m ovimento. A legalida legalida de desse transcurso não é nenhuma legalidade dinâmica, causai sem qualquer lacuna, mas apenas uma legalidade constatável, isto é, é, estatística estatística no valor m édio de sua probabilidade. A regra da seqü ência dos processos naturais elementares é uma regra diversa; que regra ela é, esse é o problema. Caso se designe essa regra como princípio de causalidade, então se ob tém a partir dos modos de questionamento e temas da física a necessidade de determinar de maneira nova a causalidade. E o que significa isso isso então? “Definir Defin ir a causalidade não significa significa para o físi físico co ou tra coisa coisa senão indicar com o é que se se pode po de co nstatar a sua presença ou não presença experimentalmente. Com isso, já fica fica claro que m esm o a definição da causa lidade precisa se alterar alterar pr p r o g r e s s iva iv a m e n te c o m o pro p rogg res re s s o d e no n o s sas sa s intu in tuiç içõõ es, es , c o n h e c i m en tos to s e m eios eio s expe ex perim rim entais en tais””.118 Aq ui se torna tor na totalmente totalm ente palpável o segui seguinte nte:: definir a cau salidade significa indicar o modo possível da constatação de sua pre p ress e n ça, ça , d e s eu estar presente à vista, do estar presente à vista da causalidade. Mas o que é essa causalidade, ou o que é pre ciso compreender por isso, é algo que já precisa ser explicado de qu alquer form a antes da constatação do estar presente à vista ou não estar presente à vista. Ou será que isso também precisa ser primeiro constatado? E, se a resposta for positiva, por que vias? vias? Essa é a questão que a física física esquece de form ular, m as que q ue a filosofia já decide rápido demais. Pois com a asserção: eu já 118 P. Jord Jo rdan an,, op. cit., p. 105. 105. 177 177
pre p recc iso is o s a b e r o q u e eu c o m p ree re e n d o p o r cau ca u s alid al idaa d e , p a r a p o d e r constatar aqui e acolá uma causalidade, e eu preciso ter esse sa be b e r ante an tess d e t o d a e x p e r iên iê n c ia c o n s tat ta t a d o r a - c o m essa es sa asse as serç rção ão,, em verdade, estou estou da nd o u m aceno para algo algo tal tal que antecede as constatações co nsonan nso nantes tes com co m a experiência. Todavia Todavia,, o que esse esse antes, o que esse a priori, significa, como ele é possível e p o r que ele é necessário, isso isso é decisi decisivo vo e não po de ser com m aior aio r razão razão simplesmente decidido po r meio de um recurso a Kant Kant.. Assim, precisamos desconfiar, em verdade, das pretensões de po de r da físi física ca,, mas n ão tem os o direito, direito, de qu alquer alque r forma, forma, de simp simplesm lesmente ente colocar de lado os novos con c onteúd teúdos os materiais m ateriais de de seus seus problem as atuais atuais como com o um assim assim cham ado m aterial em píri co, pois esse esse m aterial po deria de ria se m ostrar os trar m uito bem b em de tal m odo que ele forn fo rnec eces esse se a indi in dica caçã çãoo de n ov ovas as d eter et erm m ina in a çõ ções es essenciai essen ciaiss da natureza n atureza em geral geral.. Por outro lado, precisamos desconfiar das asserções asserções rápidas rápida s e genéricas demais d a filos filosofi ofiaa e não podem po dem os esquecer de que ela tem a tarefa tarefa e de qu e só ela ela tem os caminhos, caminh os, ;que q ue pro blem atizam as possibilidades possib ilidades in ternas tern as da física física e de seu objeto; ainda que isso só aconteça naturalmente, quando a pró pr p r i a filo fi loso sofi fiaa é c o n d u z i d a aí p o r u m a v ita it a lid li d a d e v e r d a d e ira ir a d a pr p r o b lem le m á tic ti c a q u e lh e é m a is p ró p ria ri a . §1 6. Primeiro Primeiro mo movime vime nto para a caract caracter eriz ização ação da concep con cepção ção kantia na da causalidade e de seu nexo fu n d a m e n t a l: ca caus usal alid idad adee e ord o rdem em tem te m po pora rall
Antes de perguntarmos e decidirmos se a lei causai é lo gicamente necessária ou não, se esse tipo de questionamento acerca de sua validade em geral tem um sentido ou não, pre cisamos conquistar uma elucidação sobre o que significa em geral causalidade. Para essa questão, precisa ser conquistado, po p o r sua su a vez v ez,, o solo correto da discussão, discussão, isto é, o con conte text xtoo fu n d a mental, ao qual pertence algo assim como causalidade em geral. Partimos para tanto de Kant. Isso nunca pode fornecer mais do
que uma indicação, cuja legitimidade e originariedade precisam ser a qualqu er mo m ento decididas decididas novamente. novamente. Kant Kan t expressa-se sobre a causalidad e na “segun seg unda da analogia” ana logia”.. Analogias são denominadas por Kant um grupo determinado de princípios, nos quais se enuncia o que pertence à “existência (ser-aí) (ser-aí) do s fenô fe nôm m enos” en os”,, isto é, é, ao estar p resente resen te à vista do ente, ente, da “natureza”, tal como esse ente nos é acessível. Os processos naturais, isto é, as as relações relações do estar presente à vista vista dos fen ôm e nos em u m tempo, tempo, se encontram sob o domínio de determinadas det erminadas regras no que concerne à sua determinabilidade, e, em verdade, sob regras que não são conquistadas a partir de relações casuais ou freqüentes, na maioria das vezes usuais, mas sob regras que desde o princípio determinam aquilo que pertence em geral à po p o s s ib ilid il id a d e d e u m p ro c e s s o n a tu ral; ra l; e d e u m p ro c e s s o n a t u pr incí cípio pio ral tal como ele ele é experim entável po r nós. Por isso, isso, o “prin geral” das analogias da experiência é, segundo a primeira edi Crít ica da razã ra zãoo pu r a 119, o seguinte: “Todos os fenômenos ção da Crítica encontram-se, segundo a sua existência, a priori, sob regras da determinação de sua relação entre si em um tempo”. A segunda analogia no s forn ece um a dessas dessas regras.12 regras.120Kant 0K ant dá a esse esse pr inc í pio p io n a p r i m e ira ir a e n a s e g u n d a ediç ed içãã o ta n to denominações diver sas, quanto um a concepção diversa. Em A: “princípio da produ ção”12 ção”121, em B: “p “p rin cípi cí pioo d a sucessão suce ssão n o tem te m po seg undo un do a lei da causalidade caus alidade ”.12 .122 A con cepção cep ção do p rinc ípio em A é: é: “Tudo aquilo que acontece (começa a ser) pressupõe algo, ao que ele se segue .123E 3Em m B: “Todas as m udan ud ança çass aco ntece nte cem m se se segundo uma regra ”.12 gu n do a lei da d a ligação liga ção en tre causa cau sa e efeito”.1 efeito”.1224 119 120 121 122 123 124
Kant, Kant, CR CRP, A 177 177es eseg eg.. Op. cit., A 189esegs., B 232esegs. Op. Op. cit cit.,., A 18 189. Op. cit., B 232. Op. cit., A 189. Op. cit., B 232. 179 179
A lei lei da causalidade causalidade produz u m prin pr incíp cípio io da sucessão no n o tem te m po. po . A causalidade é em si ligada à sucessão temporal. Com o é que a causalidade, ou seja, o ser um elemento coisal originário, entra em uma ligação com a sucessão temporal? E o que significa sucessão temporal? A causa é causa de um efeito. O efetuado e o provocado enquanto tal tam tam bém são são denom inados por nós o sucedido sucedido ou o re sultado ( Erfolg).12 ).12SO resulta res ultado do é aquilo que qu e se seguiu se guiu a algo diverso e precedente: a conseqüência (die Folge). Efetuar significa, visto a pa p a r tir ti r daí: daí : suc s uced eder er (erfol (er folge gen) n) e deix de ixar ar oco o corr rree r (folgen lassen). A cau cau sa como aquilo que provoca o surgimento do efeito é algo tal que deixa ocorrer, que deixa se seguir a si e, com isso, ela é o elemento antecedente. Na relação de causa e efeito reside, por conseguinte, antecedência e conseqüência; em geral, o seguir-se um ao outro, o um depois do outro, a seqüência, que Kant toma como sucessão temporal. Assim, vemos o nexo entre causalidade e sucess sucessão ão no tem po. po . Um nexo, que precisa ser mantido desde o princípio em vista de maneira clara e firme, para que se possa compreender em que direção direçã o Kant K ant impele a clarificação clarificação da essência da causalidade. Causalidade significa sucessão no tempo. O que significa isso: sucessão no tempo? Literalmente, significa que o tempo se segue, segue, que um u m tem po se segue segue a um outro. Por conseguinte, Kant diz, por exemplo: “tempos diversos não são ao mesmo tempo, m as são um u m depo de pois is do d o ou o u tro ”.12 .126 O te m p o “flui cons co nsta tant ntem em ente” en te”.. Sua “constância” é o fluir. Por outro lado, Kant acentua expres samente: samente: “Caso quiséss quiséssemos emos atribuir ao próprio tem po um a su cessão cessão de um depois do outro, então ainda precisaríam os pensar u m o u tro tem po , n o qu al essa sucessã o ser ia possíve po ssíve l”.1 l”.1227 Isso 125 Há um jogo de palavras que se perde pe rde na traduçã trad ução. o. Na verdade, verdad e, o termo Erfolg (sucesso) tem uma relação direta com Folge (seqüência, ordem). Heidegger acentua, ac entua, nesse sentido, a ligação ligação lógica entre ent re causa, causa, efeito e ordem temporal. (N. T.) 126 126 Op. Op. cit. cit.,, A 31, B 47. 127 127 Op. cit. cit.,, A 183, B 226. 180 180
conduziria ao infinito e é, portanto, impossível - pressupondo que esse “outro tempo”, tal como Kant sem razão pressupõe, ti vesse vesse o mesm me smoo caráter que o primeiro. P ortanto, se no tem po e n quanto tal m esm o não há nen hum a suces sucessã são, o, então tam bém não há n en hu m transcurso. transcurso. “O temp o não transcorre, transcorre, mas é nele nele que que transcorre a existência do que é mutável”. “O tempo... mesmo... [é] im utável utáv el e perm pe rm an en te”,1 te”,1228 “... o tem po m esm o não nã o se tran tra n s form a, mas ma s só algo que está no n o tem po é que se transfor trans form m a”.1 a”.129 Sucessão no tempo, portanto, não significa uma seqüência de temp os pertencen te ao próprio tempo, m as o suceder e a suces são daquilo que está está no tempo. Ora, m as Kant diz um a vez mais: mais: “Simultaneidade “Simultaneidade e sucessão sucessão são as única ún icass relações relaçõ es no n o tem po” po ”.13 .130Sim ultaneida ultan eidade de e sucessão não n ão são, são, por po r exemplo, relaç relações ões daquilo que está está no tempo, mas ma s relações relações do próprio tempo, relações pertencentes ao tempo mesmo? Por conseguinte, a sucessão no tempo é algo que pertence ao próprio tempo? Consequentemente, reside no próprio tempo, pertence a ele, o transcurso de algo temporal (agora)? Assim, encontram-se rigidamente um contra o outro: o tempo mesmo é constante, o tempo não transcorr transcorre, e, mas perman perman ece - e prossegue. prosseg ue. Kant carac teriza a sucessão no tempo: ela é um modo do do tem tem po p o , e, em verdade, u m entre outros. “Os três modos do tempo são persistê pe rsistênc ncia, ia, sucessã su cessãoo e con c oncom com itância” itânc ia”.1 .131 O que é um modo temporal e como se comportam esses modos uns em relação aos outros? Eles são coordenados ou um se encontra pré-ordenado aos outros? outros? De que m odalização d o tempo tem po se trata trata aqui? aqui? Co m o é que isso é possível possível a p artir ar tir do tempo, a partir de sua essência? essência? Por que justam ente esse essess três modos? Evidentemente Evidentemente esse essess três três m o dos são diversos diversos daque la triplicidade, triplicidade, que se conhece de saída e 128 129 130 130 131 -
Op. Op. cit., cit., A 144, B 226. Op. Op. cit., cit., A 41, B 58. Op. Op. cit., cit., A 182, B 226. Op. Op . cit. cit.,, A 177, B 219.
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se intro du z em relação ao tempo: presente, passad o e futuro. Q ue tipos de caracteres tem pora is tem tem os aqui aqu i e com o eles eles se com po r tam em relação relação àquilo àquilo que Kant den om ina mo dos tem porais, aos aos quais quais perten ce a sucessão sucessão no temp o, em relação relação à qual a causali dade é concebida? Assim, Assim, em me io ao prim eiro impulso pa ra a caracteriz caracterização ação da conce concepçã pçãoo kantia na da causalidade, já nos encontram os junto a questões e dificuldades centrais. O que importa de saída é ver mais agudamente como é que Kant se apruma e o que temos de compreender aí consequentemente por “sucessão no tempo” e “princípio da sucessão no tempo”. Para tanto, é necessário que tentemos conceber todo o problema das analogias da experiên cia em seu cerne propriamente dito, a fim de conceber o con texto, no qual o pri p rinn cíp cí p io da ca caus usal alid idad adee se encontra, lançando ao mesm o tempo , porém , luz luz sobre a dimensão mais originária originária da problemática, na qual a relação de causalidade e liberdade se torn to rn a visível visível.. /
§17. §1 7. Caracterização Caracterização geral das analogias da experiência
Se nos inserimo s na consideração consideração das analogi analogias as da experi ência, ência, então isso isso acontece co m toda to dass as reservas reservas que se colocam colocam necessariamen necessa riamen te jun to a um u m a tal pretensão. E stá claro claro o seguint seguinte: e: em um problema que, no cerne da Crítica da razão pura , está orientado para a problemática mais central da filosofia, a pre pa p a raç ra ç ã o p r e c isa is a r ia s e r m a is a b r a n g e n te d o q u e n ó s a e m p re e n demos aqui. aqui. De m ane ira alguma, alguma, o que é exigi exigido do é apenas um a visão panorâmica geral. Ao contrário, queremos nos aproximar concretamente do texto, ainda que não em uma interpretação tematicam tema ticam ente exaustiva exaustiva.. a) As analogias da experiência com o regras da d eterm inação tem po ral geral do estar presen te à vista vista do en te presen te à vista no contexto da possibilit possibilitação ação inte rn a da exp eriência eriência 182
A sucessão no tempo, pela qual o princípio da causalidade está orientado, representa um modo temporal. Kant denom ina o prim eiro m odo tem poral permanência, o terceiro, concom itân cia. A esses três modos correspondem três analogias da experi ência. A primeira analogia está orientada para a permanência: prin cípio da perm anência da substância: “Todos os fenômenos contêm o permanente (substância) como o próprio objeto e o mutável como a sua m era determinação, isto é, um m odo como o objeto existe”.132 “Em todas as m ud anças dos fenôm enos, a subs tância permanece e a quantidade de substância não é nem am pliada, nem dim in uíd a”.133 A terceira analogia é orientada pelo terceiro modo temporal, a concomitância: o princípio da con comitância segundo a lei da ação recíproca ou da comunidade. “Todas às substâncias, na medida em que são ao mesmo tempo, se enc ontram em um a com unidade integral (isto é, em um a ação recíproca de um as sobre as o utras)”.134 “Todas as substâncias, na m edida em que pod em ser percebidas no espaço como concom i tantes, se en contra m em um a ação recíproca co rrente”.135 Nós perguntam os de m aneira genérica: o que está fu n damentalmente enunciado nessas analogias? Nos princípios, fala-se de regras. O que é regulado nesses princípios com o re gras? Trata-se de regras da determ inação geral do tem po. O que significa aqui “determinação geral do tempo”? Por que e para que as analogias são necessárias como regras de determinação geral do tempo? A partir da resposta a essa última questão, isto é, a partir do mod o da fund am enta çã o da necessidade das analogias, buscamos conquistar um a primeira visão de sua es sência e, a partir daí, então, penetrar no conteúdo particular da seg und a analogia. 132 133 134 135
Op. cit., A 182. Op. cit., B 224. Op. cit., A 211. Op. cit., B 256. 183
No que concerne à sua necessidade, as analogias fun da m -se na essência da experiência. Experiência é a maneira, na qual se torna acessível para o homem o ente mesmo no contexto de seu estar presente à vista.136Nós delimitam os a essência desse mo do de acesso ao ente mesmo e o modo de determinação do ente, quando indicamos aquilo que pertence à possibilidade interna da experiência. Kant diz: “A experiência só é possível por meio da rep resentação de um a ligação necessária das percepções”.137 É preciso certamente observar que Kant não diz simplesmente: a possibilidade (essência) da experiência consiste na ligação ne cessária das percepções, mas: a possibilidade d a experiência co n siste exclusivamente na representação de u m a ligação necessária das percepções, isto é, na representação de necessidades do estar ligado d aquilo qu e é dado pelas percepções. Que tipo de necessidades são essas do estar ligado? Por que elas pertencem em primeira linha à possibilitação interna da experiência? Se pertence à possibilidade da experiência a represçntação e o ser representado de uma ligação necessária, então essa experiência também precisa mostrar em sua essência algo do gênero de u m a coisa ligada ou de um a mu ltiplicidade carente de um a ligação. Em que m edida K ant encontra algo desse gênero na expe riência? “Experiência é um conhecimento empírico, isto é, um conhecimento que determina um objeto por meio de percep ções”.138 Com isso, está dito q ue o ente m esm o - estado co ntra posto, objeto m esm o - só é cognoscível, na m edida em que ele mesmo se mostra e se dá de algum modo. Com relação a um tal mostrar-se, com relação àquilo que deve ser determ inad o en quanto objeto em sua objetividade, o conhecimento é primaria mente receptivo, ele deixa que algo venha ao encontro em geral. 136 A teoria kantiana da experiência; problema do homem - finituáe. 137 Op. cit., B 218. 138 Idem. 184
( Essa recepção - apreensão - acontece nas percepções determ inadas por meio das sensações sensoriais. Essas percepções são acontecimentos no hom em. Se nós as tomam os enquan to tais em seu acontecimento, então se mostra que elas se seguem umas às outras. N enh um a percepção tem, visto assim, um prim ado sobre as outras, elas se diferenciam simplesmente por meio da posição no decurso de sua aparição e desaparição. Consideradas desse mod o, as percepções só “se reportam umas às outras de maneira acidental”.139 A “sucessão, na apreensão, [é] sempre idêntica”.140 Nós ain da podem os caracterizar esse estado de coisas de um a m aneira um pouco mais livre e ao mesm o tem po mais determinada . Percepções reportam-se umas às outras em seqüência e se dão nesse caso um as depois das outras ou ao mesm o tempo, a saber, em sua oco rrênc ia como acontecim entos psíquicos. Por exemplo: eu estou vendo agora o giz, sentind o o calor, ouvindo o barulh o lá fora, considerando a cátedra. Não temos aqui apenas uma seqüência ou uma concomitância do perceber como com portam ento em um sentido mais amplo, mas ju nta m ente com isso e de mo do correspo nden te um a reunião daq uilo que é a cada vez perce bido nesse perceber: giz, calor, barulho , cátedra. Onde é que isso se reúne? No ter sido percebido de um perceber, que é sempre a cada vez o perceb er de um a “consciência” percipiente e, enquanto tal, una. Se tom arm os esse percebido enq uan to tal, isto é, em seu ter sido percebido, então se mostrará como algo desse gênero aquilo que é reunido na e po r meio da seqüência do perceber. Pois giz, calor, barulho e cátedra não têm, como os entes mesmos que eles são, de saída nada em com um uns com os outros. Nenhum desses percebidos tem em si, considerados segundo o seu mero conteúdo quididativo, uma ligação deter m inad a e mesmo necessária com os outros. Em outras palavras: se considero a experiência do ente mesm o simplesmente com
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139 140
Op. cit., B219. Op. cit., A194, B 239.
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vistas às apreensões que residem e que transcorrem nela, então obtenho o seguinte: essas apreensões nunca promovem senão uma “composição”. Mas por que é que não se deveria permane cer nesse ponto? Porque faticame nte a experiência nunca m ostra meramente e nunca em primeiro lugar uma tal multiplicidade reunida, mais ainda, porque nós não estamos de maneira algu ma ligados cognitivamente a percepções como acontecimentos psíquicos e ao seu decurso e reuniã o no tempo. Com o que nos encontramos ligados, então, porém? Com o ente que se anun cia nas percepções, com os fenômenos e sua multiplicidade, e, em verdade, com vistas à sua presença à vista, à relação entre as próprias coisas presentes à vista entre si enquanto presentes à vista. De m an eira experimental, já sem pre nos colocam os diante de uma unidade do ente presente à vista em seu estar presente à vista de tal e tal modo. Experiência não é um conhecimento das percepções, mas “um conhecimento dos objetos por meio de percepções”.141 Nela, representa-se “a relação na existência do múltiplo, não com o ele é com posto no tem po (do ser percebido), mas tal com o ele é objetivam ente no tem po ”.142 Na experiência, para além do mero ser reunido das percep ções, experimenta-se a unidade do ente presente à vista segundo o seu estar presente à vista - em sum a, uma natureza. “Por natureza (em um entend ime nto empírico), com preendem os o nexo dos fe nôm enos segundo a sua existência”.143 O decisivo no conceito de natureza, por conseguinte, é a unidade do estar presente à vista do ente presente à vista. Se é sempre a natureza qu e se experimenta na experiência, então já sempre precisa ser representado no fenôme no, para além do m ero percebido coligido, a unidad e no estar pre sente à vista dos fenômenos. De onde vem essa representação de unidade no ente presente à vista? Com o as percepções sempre nos 141 OP. cit, B219. 142 Idem. 143 Op. cit., A 216, B 263. 186
V
fornecem apenas algo reunido, a unidade e o nexo não po dem ser dados por meio de percepções. Na medida em que o conhecim en to segundo K ant (a experiência) é constituído a pa rtir de intuição e pensamento (sensibilidade e entendim ento), essa unid ade do nexo no estar presente à vista do ente presente à vista só pode provir do pensar e de um reunir-se uniform e determinado de intuição e pensamento. Por meio apenas do pensar, não se tem evidentemen te como determinar a unidade do estar presente à vista do ente presente à vista. Pois como é que isso deveria ser possível? Estar presente à vista de um ente presente à vista é sempre presença à vista no tempo. A unidade da natureza , por isso, é pri mariamente determinada como unidade e nexo do ente presente à vista no tempo. Mas precisamente isso, a respectiva posição te m poral determ in ada e a respectiva relação temporal determ inada de um ente presente à vista com um outro, não po de ser pensado sem o pensamento, não po de ser construído sem ele. No enta n to, nós também não podemos perceber simples e diretamente a respectiva determinação temporal de algo presente à vista em conexão com a relação tem poral una. Para tanto, seria necessário que pudéssem os de duz ir a respectiva posição tem poral de cada ente presen te à'vista junto ao tempo absoluto, o que pressuporia, por sua vez, que pudéssemos perceber o tempo mesmo - por si - absolutamente na totalidade. Isso, porém, é impossível. Kant sempre acentua um a vez mais no transcu rso como u m todo das analogias que “o tempo absoluto não é nenhum objeto da per cepção” e que “o próprio tempo... nã o tem com o ser percebido”.144 “Assim, o tempo não tem como ser percebido por si”.145O “tem po em si mesmo não pode ser percebido e é em relação a ele que pode ser determ in ado no objeto, m ais ou menos empiricamente, o que se mo stra com o antecedente e como conseqüente”.146 144 Op. cit., B 219. 145 Op. cit., B 225. 146 Op. cit., B 233, cf. B 257. 187
Onde se encontra a fundamentação propriamente dita? Kant não a forneceu, nem a po dia fornecer de man eira expressa e explícita, porq ue lhe faltava um a metafísica do ser-aí.147 “Só há um tempo, no qual todos os tempos diversos precisam ser posi cionad os não ao mesm o tem po, mas sucessivamente”.148 A de terminação do tempo e, com isso, a unidade do estar presente à vista do ente presente à vista, isto é, da natureza, não é nem perceptível, nem construível a prio ri, ap esar de ta nto a intuição quanto o pensamento estarem envolvidos. Ao contrário, ela só pode ser constata da na medição em pírica do tempo. Para isso, porém , é necessário que sejam constatadas desde o princíp io aquelas determinações temporais, nas quais se expressam aque las relações temporais, nas quais em geral algo presente à vista é no tempo enquanto algo presente à vista. Relações temporais empíricas só são em geral determináveis com base nas puras re lações temporais, nas quais se mantém a natureza em geral en quanto tal, como qu er que ela venh a a ser em seu transcurso faticamente concreto. As analogias da experiência, então, isto é, os princíp io s aos quais ta m bém perte nce o p rin cíp io de causalidade (segunda analogia), são den om inadas p or K ant as determinações transcendentais do tempo. Elas contêm as regras da determina ção necessária e corrente do tempo de tudo o que se encontra presente à vista, “sem as quais m esm o a determ in ação em píri ca do tem po seria impossível”.149 Po r interm éd io dessas regras podem os “antecip ar a experiência”150, isto é, consid erar de ante mão, não o decurso fático e as constelações fáticas, mas aquilo ao que todo e qualquer decurso fático, na medida em que se mos tra como u m decurso natural, está desde o princípio submetido. 147 Tempo - temporalidade - finitude - ser-aí do homem. Cf. Kant e o problema ãa metafísica. 148 Op. cit., A 188eseg., B 232. 149 Op. cit., A 217, B 264. 150 Idem. 188
Essa Essass regras regras da determinação transcende ntal do tempo, que não são regras regras tai taiss do m ero pensar, pensar, marca m po r assi assim m dizer a unid a de mais m ais abrange nte do nex o na tural e prelineiam, assim, assim, a forma, forma, de acordo ac ordo com a qual tem de se se realizar realizar tod a ligaçã ligaçãoo concreta con creta do pe p e rce rc e b ido id o . Essa Es sa ligaç lig ação ão n ã o está es tá m a is ago ag o ra o r ien ie n ta d a p e la s e q ü ência do perceb er dos acontecime ntos psíquicos, psíquicos, mas p or aquilo mesmo que aparece como percebido, na medida em que ele é representado desde o princípio princ ípio como estando sob puras relações tem porais. Essa antecipação antecipação é aquela representação, representação, da qual Kant nos fala no princípio geral das analogias. A determinação tem po p o r a l ge g e ral ra l é an a n tec te c ipa ip a d o ra, ra , p o r q u e n e la se dis d ispp õ e s o b re os m o d o s po p o ssív ss ívee is d o s e r -n o -te -t e m p o d a q u ilo il o q u e é fati fa ticc a m e n te o fere fe reci cidd o pe p e las la s p e rce rc e p ç õ e s . b) b ) O s trê tr ê s m o d o s tem te m p o ra is ( p e rm a n ê n c ia , suce su cess ssão ão e simultaneidade) simultaneidade) com o m odos da intratemp intratemp oralidade oralidade do ente presen te à vista vista Agora, também já compreendemos melhor por que é que essas três analogias, enquanto regras de determinação prévia da determinabilidade do ser presente à vista do ente presente à vista, estão orientadas pelo tempo, pelos modos temporais. Pri m ariamen te, o ser presente à vista vista e a unidad e do ser presente à vista vista não signific significam am o utra coisa coisa senão pres entidade entidad e (ser presen te à vista) no tempo, u nid ad e e determin ação do nexo das relações, relações, isto isto é, daquelas relações que u m ente presente à vist vista, a, na m edida ed ida em que é “no “no tempo” tem po”,, po de e precisa ter em geral com o temp tempo. o. Modos temporais não significam, por conseguinte, tanto uma variação do temp o p or si enqu anto tal. tal. Ao contrári contrário, o, m odos são são as m aneiras, de acordo c om as quais fenôm enos presentes p resentes à vista em geral se comportam em relação ao tempo, “são no tempo”. Em suma: modos temporais não são caracteres fundamentais do tempo enquanto tal (presente, passado, futuro), mas manei ras da intratemporalidade do ente presente à vista. O pri p rim m eiro ei ro expressa a rel relação ação dos fenômenos “com o modo - perm anê ncia - expressa 189
pr p r ó p r io te m p o c o m o u m a g ran ra n d ez a ”15 ”151, isto is to é, a g ran ra n d e z a d o serser no-tempo do ente presente à vista é a sua duração. O segundo modo - resultado (sucessão (sucessão)) - expressa expressa a rela relaçã çãoo do ente presen te à vista no tempo como uma série (resultado do agora); visto em relação a essa série, o ente presente à vista vem à tona em sua pre p rese senç nçaa à vist vi staa co com m o u m de depo pois is do ou outro tro.. O terceiro modo - concomitância (simultaneidade) - expressa a relação do ente pre p ress e n te à vis v ista ta c o m o tem te m p o e n q u a n t o a quintessência de tudo o quee é prese qu pr esente nte à vist vi sta. a.1152 Consequentemente, o tempo é considerado aqui segundo três três aspectos, aspectos, com o grandeza, como série, como suma conceituai total. Em que medida o tempo pode ser algo desse gênero ou mesm o em que m edida ele ele precis precisaa ser considerado considerado dessa dessa man ei ra tripl tripla, a, essa essa é um a ou tra questão questão que po r enquan to não po de mo s considerar. considerar. Q ue se com com pare ap enas a parte princip al “Sob “Sobre re o esquem atismo dos pu ros conceitos do entend ime nto”, nto”, na qual vem clara m ente en te à to n a 153 o fato de, em m eio a essa caracteriz cara cteriza a ção do tem te m po com o “série” “série”,, “conte co nteúd úd o”, o”, “ord em ” “su “sum m a con cei tuai total” estarem co ncom itantem ente em jogo as categori categorias, as, a tábua táb ua das catego rias, a táb u a dos d os juízos, juízos , em e m geral a lógica.15 lógica.154 Por que Kant fala, então, porém, simplesmente de relações tempo rais, rais, se se o que está em qu estão são d e qu alqu er form a as relações relações do ente presente presente à vista vista no tempo com o tempo? tempo? Porque o tem tem po p o p a r a K a n t n ã o é d e s d e o p r in c íp io e co c o r r e n te m e n t e o u tra tr a c o i sa senão aquele âmbito no qual a multiplicidade da percepção intern a e externa se ordena. O tem po é visto visto prim ária e exclus exclusi i vamente no que concerne à sua relação com o intratemporal, e as relações temporais significam, com isso: relações do tempo, isto é, variações da relação relação do temp o com o ente intratem intratem poral. 151 152 153 154
OP. cit., cit., A 215, 215, B 262. Cf. idem id em.. Cf. op. cit., A 145, 145, B 184/5. 184/5. Kan t e o problema problem a da metafísica metafísica,, § 22, p. 99. Cf. Kant 190
Nes N essa sa c o n c e p ç ã o d o te m p o res re s ide id e a forç fo rçaa d a p ro b lem le m á tic ti c a d e Kant, Kan t, mas m as tam bé m seus lim ites.15 ites.155 c) Para a diferenciação diferenciação dos princíp ios dinâm icos e dos princípios matemáticos Para a conclusão da caracterização genérica das analogias da experiência ainda precisamos mencionar uma designação dad a p or Kant par a esse essess princípios princípios e para o grupo subsequente, subsequente, uma designação que não é compreensível por si mesma. Ele os denomina princípios dinâmicos, diferentemente dos princípios m atem at em átic át icos os.1 .1556 Com o auxílio dessa diferenciação, ele também divide as categorias. Essa diferenciação não diz tanto respeito ao caráter dos próprios princípios e aos princípios enquanto tais, mas muito mais ao modo como eles funcionam fundamental mente, ou, dito em termos kantianos, ao modo como eles são empregues e como eles possibilitam aquilo ao que eles são em pre p regg u e s ( p o s sib si b ilid il idaa d e da d a in i n tuiç tu içãã o , d e term te rm in a b ilid il id a d e na n a p rese n ça à vista). “Pois “Pois bem , tod as as categorias estão divididas em duas classes, as matemáticas que se remetem à unidade da síntese na representação dos objetos e as as dinâmicas que se reme tem à un i dade da de n a repr re prese esenta ntação ção da existência existên cia dos do s objeto s”.1 s”.1557 Os princípios e categorias, que são chamados de matemá ticos, dizem respeito àquilo nos fenômenos que denominamos o intuitivo e o relativo ao conteúdo, na terminologia de Kant e da metafísica precedente: o real. O real não tem em vista aqui, tal com o acontece acon tece na term inolo gia inautên tica de hoje, hoje, o efet efetiv ivo, o, mas aquilo que pertence à res, que a constitui, o conteúdo coisal sal. Os princípios m atemá ticos são aquele aqueless que dem arcam aquilo 155 O tempo, visto assim, assim, não é o tempo tem po originário, nem o tempo tem po no qual irromp irro mpee a essência essência do tempo. Cf. Ser e tempo, §§ 79-81. essênciaa do fund fu ndam amen ento to,, p. 21. 156 Cf. Da essênci Crítica ãa razão pu pura ra (Vorlãnder). 9a edição, Leipzig (Mei157 Kant, Crítica ner) 1929. P. 120 (V, 186). 191
que p erten ce à coisi co isidade dade das coisa coisas, s, a essenti essentia. a. Na prob lemática de Kant, os princípios matemáticos são aquelas proposições ontológicas, que determinam a essentia de um ente. Da essentia, porém, há muito tempo, se diferencia a existen tia (prese (pr esenç nçaa à vista, kantia ka ntiana nam m ente: en te: ser-a se r-aí)1 í)1558. Se, Se, então, os fenômenos são determinados de maneira principiai simples mente em função de sua presença à vista (existentia), não em relação relação à sua quididade, então tais tais princípios são designados p or Kant princípios dinâmicos. Se as analogias das experiên cias estão entre os princípios dinâmicos, então vislumbramos a partir daí ond e é que elas elas se enco ntram no quad ro do problem a da metafí sica sica tradicional. Q uan to a esse esse po nto, é preciso ob servar que pre cisamente Kant desenvolveu, a partir do exemplo de Leibniz, o pr p r o b lem le m a o n toló to lógg ico ic o d a p res re s e n ç a à vis v ista ta ex p res re s s a m e n te e em em co nexão com o problema do se r-o-que - com certeza certeza sem sem levantar levantar a questão fundamental acerca da origem dessa diferença (ser-oque e fato-de-que) fato-de-que) e sem colocá-la colocá-la na d imensão do prob lema do ser radicalmente concebido. Observo isso agora expressamente 1 po p o rq u e , p e rs e g u in d o o p r o b lem le m a d a lib li b e rda rd a d e , p o r m a is turv tu rv o que isso isso pos sa parecer de saí saída, da, nós nos d eparam os precisam en te com essa questão acerca acerca da origem do ser-o-q ue e do fato-deque, a questão acerca da possib ili ilidade dade e da realidade efet efetiv iva, a, po r que até até mesm o o problema da liberdade liberdade - visto visto metafisic metafisicamente amente aquii e não no problema da causalidade. - se centra aqu A liberdade liberdad e deve deve ser discutida discu tida no qu adro d a causali causalidade. dade. Qual é a essência da causalidade? causalidade? Com C om o é que Kant de term ina a essên cia da causalidade? Qual é o nexo do problema, no qual acontece essa determinação essencial? Dito antecipativamente: esse nexo é a questão acerca da possibilidade d a experiência. experiência. Experiência Ex periência é o único conhecimento possível para o homem em relação ao ente. A questão acerca da possibilidade de um conhecimento finito 158 Cf. Cf. acima, p. 40esegs., os diversos dive rsos significados signi ficados de “é” (ser-o-q (ser -o-que, ue, o-fato-de-ser; o-fato-d e-ser; essentia, essentia, existentia). existentia). " 192
(conhecim (con hecim ento e existênc existência ia enquanto enqu anto tal) tal) é, então, então, a questão acerca da essência dafinitude da existência. Nesse contexto é que se en contra con tra o problem a da causalidade causalidade e, e, com isso, isso, tam bém o problem a da liberdade. Pois bem , esse esse último último p roblem a abordado aborda do é, p o r fim, fim, o contexto derradeiro derra deiro e primeiro, prime iro, o contexto originário, originário, autêntico e unicam ente necessário necessário para o prob lema da libe liberdade rdade.. Daí não se segue segue naturalmente, p or outro lado, que o problem problemaa da liberdade liberdade pre p recc isa is a ria ri a esta es tarr o rie ri e n tad ta d o p ela el a caus ca usal alid idad ade. e. A “caus ca usal alid idad ade” e” n ã o é o elemento mais originário que conteria a finitude da existência, essa existência em geral não nã o precisa ser prim ária e exclusivamen te concebida a partir da “experiência” do conhecimento, do ele men to teóric teórico, o, mas tam bém não a pa rtir do práti prático. co. Onde é que prec pr ecis isam am os buscar, então, entã o, a essência essên cia m a is pro pr o fun fu n d a d a fin fi n itu it u d e do homem ? Na compreensão de ser, no acontecimento de ser. Essas são questões, que surgem, quando formulamos a questão acerca da dim ensão do problema para o problema da liber liberdade dade human a. E essa questão mesma tem de ser tomada mais concretamente com vistas vistas a um a elaboração e reformulação com pleta pleta do pro ble ma - e, em verdade, no seguinte sentido: como é que a essência mais elevada da finitude da existência precisa ser inquirida, em que direção ela precisa ser desdobrada, para que se obtenha um fio fio con du tor concreto par a o prob lem a da liber liberdade? dade? d) As analogias da experiência como regras das relações relações fund am entais do ser-no-tem ser-no-tem po possível possível do ente presente à vista vista A solução da questão prévia acerca da determinação kan tiana da essência da causalidade eqüivale a uma interpretação de sua dou trina das analogias da experiência. Sua caracterização geral geral conclui-se, conclui-se, po p o r fim, fim, po r meio da discussão dessas analogias analogias contraposição dos princípios m a com o princípios princípios dinâmicos dinâmicos e da contraposição temáticos aos dinâmicos (essentia-existentia). O termo analogia circunscreve em Kant o problema da presença à vista do ente pr p r e s e n te à v ista is ta,, c u ja con co n e x ã o c o m os p r o b lem le m a s d a c a u s a lid li d a d e e da liberdade precisam precisam ser discutidos tematicamente. tematicamente. 193
Nas N as anal an aloo g ias, ia s, K a n t fo rm u la reg re g ras ra s q u e são sã o rep re p res re s e n tad ta d a s em toda e qualquer experiência humana enquanto tal anteci pa p a tiv ti v a m e n te, te , d e tal ta l m o d o q u e elas r e s e r v a m p a r a a r esp es p ecti ec tivv a experiência experiência particu lar as relações relações funda m entais do ser-no-tem po p o p o ssív ss ível el d o e n te p r e s e n te à vist vi sta, a, isto is to é, q u e elas ela s p e rm i tem te m compreender o experimentado, o experimentável enquanto tal, enquanto u m ente ente que vem ao encontro nele nele mesm o no contexto de sua presença à vista. Neles concentra-se em parte a compre ensão de ser com vistas à presença à vista do ente presente à vista (naturez a). Trata-se T rata-se das leis leis gerais gerais da natu reza, n as quais é exposto aquilo que a natureza em geral é, aquelas leis da natu reza que as ciências naturais nunca descobrem e nunca podem descobrir, porque elas já sempre precisam ter sido descobertas e compreendidas', se é que deve poder ser colocada em marcha uma questão científico-natural acerca de uma lei determinada da natureza. Assim, o princípio da causalidade como segunda analogia é uma regra da determinação transcendental do tem po. po . D e a c o rd o c o m isso, iss o, o q u e e s tá em q u e s tão tã o é a p r e s e n ç a à 1 vista do ente presente à vista e sua determinabilidade objetiva. É da maior envergadura ver isso claramente, a fim de avaliar pa p a ra q u e c o n tex te x to o p r o b le m a d a lib li b e r d a d e n o s leva le va,, q u a n d o ele é articulado n o sentido kan tiano com a causalidade, causalidade, mesmo quando a liberdade é estabelecida em seguida como uma cau salidade salidade fun dam en talm ente diversa da causalidade causalidade da natureza. natureza. Ness Ne ssee caso ca so,, ela el a c o n t ín u a s e n d o s e m p re e p rec re c isa is a m e n te cau ca u s a li li pr esen ença ça à dade - causalidade, orientada para esse contexto na pres vista de um ente presente à vista. Precisamos tentar desdobrar agora a partir do fio condu tor da discussão geral sobre as analogias o problema concreto da segunda analogia. A fim de, contudo, deixar vir à tona a sua pe p e c u lia li a rid ri d a d e espe es pecí cífic fica, a, é im p o r ta n t e t r a t a r ante an tess d isso is so d a p r i meira analogia. Isso é tanto mais incontornável, uma vez que a pr p r im e ira ir a a n a log lo g ia rep re p r e s e n ta d e c e r ta m a n e ira ir a o f u n d a m e n to pa p a r a a s e g u n d a e a terc te rcee ira ir a . 194 194
§18. Explicitação do modo de demonstração das analogias da experiência e de seus funda men tos a partir do exemplo da primeira analogia. O significado fundam ental da prim eira analogia
a) A prim eira analogia. Perm anência e tempo A: “Todos os fenômenos contêm o que permanece (a subs tância) co mo o próp rio objeto, e o mutável, como a sua me ra de term inação, isto é, um a espécie, o m od o com o o objeto existe”.159 A prim eira analogia cham a-se “princípio da perm anê ncia”, isto é, princ ípio da necessidade, que se fun da na essência da ex periência, “da existência (ser-aí) persistente do sujeito propria men te dito nos fenôm enos”.160 De saída, nós nos m antem os intencionalmen te junto à ela boração da prim eira edição (A). Para Kant, não se trata apenas da exposição expressa desse princípio, mas, do mesmo modo, também da sua demonstração correta. Em verdade, Kant acha que, “em todos os tempos, não apenas o filósofo, mas mesmo o entendimento comum , pressupôs essa perm anência como u m sub strato de to da m ud an ça dos fenômenos”.161Só que o filósofo se expressa de ma neira u m pouc o mais de term inada e diz: “em to das as transformaçõ es no m undo , a substância perm anec e e ape nas os acidentes mud am ”.162 “A pa rtir dessa proposição bastan te sintética, porém, nu nca alcanço em pa rte alguma n em me smo a tentativa de um a dem onstração, sim, é m esm o bem raro que ela se encontre, tal como lhe cabe de qualquer modo, no ápice das leis da n atureza que subsistem de m ane ira pu ra e comp letam ente a prio ri”.163 Coloca-se, em verdade, esse princípio com o base em 159 160 161 162 163
Kant, Crítica da razão pura, A182 Op. cit., A 185, B 228. Op. cit., A 184, B 227. Idem. Idem. 195
toda experiência, “porque se sente a sua necessidade em meio ao con hecim ento empírico”.164 As pessoas se co nten tam com esse fato, sem nem ao menos clamarem por uma compreensão, isto é, por uma clarificação da possibilidade e necessidade internas desse princípio e de sua pertin ência essencial à experiência. A prime ira analogia deve ser demon strada. O que é im por tante demonstrar na primeira analogia? Em primeiro lugar, “o fato de que, em todos os fenômenos, haveria algo permanente, ju nto ao qual o mutável não se m ostraria como outra coisa senão com o determ inação de sua existência (ser-aí)”.165Em seg undo lu gar, o fato de que esse elemento perm anente seria o próprio objeto, isto é, o ente propriamente dito no fenôm eno. É prèciso certam en te observar que, em todos os fenômenos, há algo permanente, não apenas nesse ou naquele fenômeno. O que deve ser dem ons trado não é o fato desse ou daquele elemento permanente, mas a sua pertinência essencial àquilo que é experimentado na ex periência. A dem onstração só pode ser conduzid a por meio da apresentação daquilo, que pertence de maneira essencialmente ''necessária à possibilidade (essência) da experiência em geral. Como transcorre a demonstração? Lembremo-nos de duas coisas que pertencem à experiência: 1. O múltiplo pura e sim plesmente com posto da percepção, que é carente de ligação. 2. A ligação, que não pode ser nenhuma ligação arbitrária, mas precisa ser obrigatória, necessária; e isso de acordo com a obri gatoriedade que pa rte do pró prio ente e de sua presença à vista de tal e tal modo . A p rim eira analogia, e, com isso, tod a e qua l quer analogia, formula um dos modos a serem necessariamente representados do estar ligado e, ao mesmo tempo, da unidade na qual tudo o que é experienciável precisa se encontrar. Na pri m eira analogia em particular e nela antes de tudo, o impo rtante é dem onstrar a necessidade da permanê ncia no perm anente, em 164 Op. cit., A 185, B 228. 165 Op. cit., A 184, B 227. 196
cuja base em geral é possível toda m udan ça e toda transformação e, com isso, toda a multiplicidade das relações do ente presen te à vista. A demonstração dessa necessidade da permanência, portanto, precisa começar com o múltiplo da apreensão pura e simplesmente com posto e, do mesm o modo, pe rtinen te à experiênciâ. As demonstrações das três analogias começam sempre aqui, jun to à sucessão prim ária da apreensão. Co m o as coisas se com portam, quando nós nos man temos unicam ente junto à seqüência das percepções? Nesse caso, temos simplesmente um a m uda nça constante. Apenas dessa mudança, porém , nunca podem os deduzir se o próprio elemento objetivo unificado pelas percepções na experiência se seguiria ou se da ria ao mesmo tempo. Uma tal decisão sobre sucessão e simultaneidade, isto é, uma tal decisão entre relações temporais, só é em geral possível, caso se encontre desde o princípio à base na experiência algo que se mantêm e permanece, algo com relação ao qual as relações citadas seriam apenas modos. Dito de ma neira mais exata: já a essência da sucessão e da simultaneidade enquanto a essência das relações do ser-no-tempo oferece uma indicação pa ra a presença basilar necessária de algo pe rm an en te, pois essas relações tem porais só po de m efetivam ente “ser”, se o próprio tempo já permanecer e se mantiver constantemente. O tem po é aquilo que expressa em geral perm anênc ia. Só onde há perma nência, é possível també m duração enquanto grandeza do que está presente à vista no tempo. Já a apreensão fornece em sua sucessão a indicação de algo permanente, que se expõe ju sta m ente então ao m esm o tem po como a form a orig inária da perm anência m esm a e em geral: o tempo. Ele é o substrato para tudo aquilo que vem ao encon tro na experiência em geral. Ele é aquilo que se encontra já sempre de antemão antes da visão, a pura intuição. É com relação a ele apenas que m uda nça e simul taneidade se mostram como comparáveis e determináveis - sob o pressuposto de que o tempo mesmo é em si perceptível. Isso, contudo, não se sustenta. Portanto, se é que a experiência deve 197
ser possível, então precisa ser possível enco ntrar no real um sub s trato, ao qual tod a determina ção tem poral remo nte. O temp o é a condição necessária da possibilidade de toda unid ade da ligação das percepções - a substância. “Essa perm anência, contudo, não é de fato outra coisa senão o modo como nos representamos a existência (o ser-aí) das coisas (no fenôm en o)”.166 Perm anên cia é o modo segundo o qual representamos desde o princípio. E em seu horizonte, então, que, pela prim eira vez, o que vem ao nosso encontro é determ inável com o algo presente à vista. b)
O fundam ento questionável d as analo gias: a justa posição não esclarecida de tem po e “eu penso” (entendim ento) em u m a assunção p révia não colocada à prova da essência do ho m em como u m sujeito finito Ao final, a demonstração das analogias, tal como outras demonstrações de Kant, não se mostrarão aos senhores como pura e sim plesmente elucidativas nem segundo o conteúdo, nem m esm o segundo a sua obrigatoriedade e rigor, sim, elas pe rm a necerão mesmo em geral incompreensíveis. Isso, contudo, não tem sua razão extrínseca, por exemplo, na imperfeição do co nhecimento das teorias e discussões kantianas. Ao contrário, tem suas razões internas, sobre as quais é preciso uma breve observação; e isso sobretudo porque Kant mesmo aposta muito em suas dem onstrações e porq ue aqueles que se atêm a Kant se apoiam m uito no rigor e na obrigatoriedade da condução kantia na das dem onstrações. Por mais exatamente que se possa form u lar as demonstrações kantianas, elas não conquistam por meio daí nada em termos de obrigatoriedade, enquanto não se tiver elucidado de antemão a sua necessidade. Pois é preciso atentar fundamentalmente para o seguinte: uma demonstração só é em geral obrigatória no contexto de seus passos, isto é, como um todo, se ela mesma é necessária enquanto um tal todo e se ela 166 Op. cit., A 186, B 229. 198
se tom ar compreensível nessa necessidade; essa compreensibilidade, por seu lado, não precisa se basear em um a dem onstração teórica. Agora, poderia muito bem ser o caso de que os pressu posto s e teses, a p artir dos quais em erge p ara Kant a necessidade de suas dem onstrações e, com isso, a sua obrigatoriedade, fossem eles mesmos insustentáveis, e, em verdade, insustentáveis, por que emergiriam de uma prova e de uma determinação essen cial insuficientes justamente daqueles estados de fato, nos quais está fund ada toda a problemática e para os quais a problem ática é desenrolada. Se as coisas fossem assim, se a necessidade das demonstrações kantianas fosse infundada, então não cairia por terra apenas o seu tão famigerado rigor, mas antes de tudo já e em geral a sua possibilidade. As coisas não poderiam se mos trar simplesmente de tal modo que isso fosse válido para as de monstrações kantianas, mas tudo se mostra de fato assim. Isto é válido tanto para as demonstrações dos princípios, quanto para a dem onstração da dedução transcendental. Já de maneira pu ra mente estilística e na exposição mostra-se um parentesco pecu liar com as demonstrações na dedução transcendental. Os dois, os princíp ios e a dedução transcendental, não são necessariamente de acordo com a forma que eles assumem e em cujo solo eles 'precisam assumir. Isso não significa naturalmente que eles não abarcam e m si um problema. Por que as coisas são de fato assim? Porque o pró prio Kant, dito de m aneira breve, não problematizou d e m aneira suficiente m ente originária a finitude do hom em , finitude essa a pa rtir da qual e para a qual ele desenvolveu o problema da Crítica da razão pura. Mostrar essa insuficiência é a tarefa de uma interpretação de Kant. Ela não tem a intenção pseudo-filológica de mostrar o Kant “correto” - não há algo desse gênero. Toda interpretação f i losófica é em si destruição, confrontação e radicalização, que não eqüivale a ceticismo. Ou ela não é nada e se transforma apenas em uma tagarelice, que de maneira mais pormenorizada repete aquilo que se encontra m elhor e mais simplesm ente presente no 199
próprio autor. Não obstante, daí não se segue em relação a Kant, que se estaria declarando as suas demonstraçõ es com o corretas e entregando-as a si mesmas. Ao contrário, o que se obtém a pa rtir daí é inversamente a necessidade de tornar efetivamente trans parentes essas demonstrações, a fim de ver, assim, precisamente o fundamento sobre o qual ela se baseia afundamento esse que é pressuposto por K ant sem que ele o coloque à prova. Em nosso caso, temos a concepção do tem po de um lado e a concepção do entendim ento do outro. De m ane ira mais exata e mais fundam ental: trata-se da concepção da relação entre tempo e “eu pen so” (entendimento); ainda mais claramente: trata-se da tosca justaposição não esclarecida dos dois em meio ao ponto de partida não colocado à prova da essência do homem como um su je ito finito. O fato de a conexão interna e strutural de temp o e eu enquanto “eu penso” (entendim ento) p erm ane cer não explicada e infu nda da e, com m aior razão e juntam ente com isso, de a rela ção fun dam ental da unidade dos dois como a essência da relação do sujeito com o objeto, em suma, o fato de a transcendência não ser determ inad a de m aneira suficiente, para efetivamente se transform ar em geral em problema, essa é a razão inte rna para a dificuldade m aterial da compreensão, por exemplo, da dem ons tração kantiana das analogias. c) As analogias da experiência e a deduç ão tran sce nde ntal dos puros conceitos do entendime nto. A e strutu ra lógica das analogias da experiência e a questão de seu ca ráter analógico Nós querem os repetir um a vez mais a dem onstração dos princípios em seus passos principais, de tal m odo que os funda mentos venham à tona e, assim, se torne ao mesmo tempo evi dente po r que, afinal, esses prin cípios se cha mam “analogias”. 1. Todos os fenôm enos, isto é, o ente mesm o pre sen te à vista que nos é acessível, a nós homens, são no tem po e se encontram na unidade de um contexto de sua presença à vista, ou seja, na unidade de uma determinação temporal. O modo fundamental 200
( ( da determ inação de algo com o algo é a determ inação de um su je ito por meio de um predicado. O tem po mesm o é o elemento originariame nte perm anen te, de tal m odo que a unidad e originá ria do nexo da presença à vista do ente presente à vista é instituída po r me io da perm anência. O perm anen te é o substrato de todos os fenômenos. 2. Agora, poré m , o pró prio tempo, po r si, absoluto, não pode ser percebido. O tem po como aquilo em que todo ente pre sente à vista possui sua posição nã o é perceptível diretam ente como esse elemento dete rm inan te das posições particulares do ente presente à vista. Co m certeza, porém, o tem po como o perm anen te exige que toda determ inação da unidad e do ente no tem po se ate nele. 3. Portanto, precisa haver um a regra, de acordo com a qual deva ser enc ontra da e buscada em tudo aquilo que aparece como sujeito algo perm anente, de tal m odo que o sujeito apareça com o substância. Essa regra é o princípio da perm anê ncia da substância. Com isso, dem onstra-se a sua necessidade a partir da essência do fenôm eno, da unida de da com posição de temp o e “eu penso”. A par tir daq ui fica claro por que esse tipo de princípios se cham a analogia. Segundo Kant, há analogias na m atemá tica tanto qu anto na filosofia.167 Analogia em geral significa correspondên cia de algo com algo, ma is exatamente, a correspondência de um a relação com um a outra. Na matem ática, a analogia designa a correspond ênc ia de duas relações de grandezas, sua proporção. Se três elos são dados, o quarto pode ser matematicamente de term inad o po r meio daí, isto é, ma tematicam ente conquistado e dado, construído. Na matemá tica, a analogia é um a determ inação constitutiva. Na filosofia, o que está em questão não são relações quantitativas, mas qualitativas (Wolff), e aqui o quarto elo não po de ser dado e conqu istado enquanto tal, mas só é determinável como relação com o quarto elo, ou seja, só o modo
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167 - Op. cit., A 179eseg., B 222.
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como o quarto elo precisa ser é determinável, só aquilo como o que ele precisa ser alcançado na experiência* se é que ele deve ses* em geral experienciável em sua existência. Exemplo da prim eira analogia é a correspondência de duas relações: do predicado com o sujeito e do acidente com a subs tância. O acidente como algo que vem ao encontro no tempo se comporta em relação à substância, tal como P se comporta em relação a S. A substância precisa se m ostrar como o determinável, como aquilo que se encontra à base, dito em termos temporais: como o que permanece. A analogia não afirma o ser presente à vista de substâncias, mas fornece a indicação e a regra a priori para buscar a qualquer m om ento em todo fenômeno respecti vamente o elemento permanente. Com essa indicação é dado ao mesmo tempo um traço característico, a fim de desencobrir al gum dia nos fenômenos isso que satisfaz à perm anê ncia exigida. As analogias são princípios ontológicos sobre o estar presente à vista do ente presente à vista (existentia). A pa rtir dessas prop osições ontológicas não se conclui a presenç a à vista do elemento ôntico correspondente, mas antes a necessidade finita, perten cente à experiência, da possibilidade de alcançar de maneira dete rm inada aquilo que é visado ontologicam ente no princípio, o que eqüivale aqui à permanência. “Pois bem, mas tudo isso é necessário com vistas aos objetos da experiência, sem que a ex periê ncia desses objetos m esmos se torne com isso im possível”.168 (Dem onstração da terceira analogia) A necessidade que pertence à experiência é um a necessidade condicionada, que se funda em uma casualidade da experiência: se um ente finito existe. Nisso reside uma nova determinação da essência do ontológico. Em contraposição a isso, a metafísica anterior procede da seguinte forma: 1. As proposições ontológicas são demonstra das de maneira lógico-racional, não a partir da essência da ex periência. 2. Essas proposições ontológicas são empregues em 168 Op.cit., A 213, B 259eseg.
conclusões ônticas diretas. Em certo sentido mais amplo, todos os quatro grupos de princípios correspondem às quatro classes das categorias cham adas analogias, na me dida em que são tom a das em correspondência com as quatro determinações lógicas possíveis. Os quatro aspectos, segundo os quais a m ultiplicidade das formas do juízo (categorias) e os princípios são form ados de maneira consonante, provêm da divisão tradicional dos juízos (formas dos juízos) na lógica formal: quantidade, qualidade, re lação, modalidade. A permanência (substância) encontra-se com o categoria na classe da relação da ligação, e, em verdade, tal como Kant diz aq ui169 a princípio, não tanto po rqu e ela mesm a co nteria u m a relação, mas porque ela mesma constitui em geral a condição das mesmas, isto é, de toda s as relações: inerência e subsistência, sub stantia et accidens, causalidade e dep endência (causa e efeito), com un idade (ação recíproca entre os agentes e os pacientes).170 Fio con du tor para tanto é a tábu a dos juízos, isto é, as “relações do pensar em juízos”. Elas “são a) a relação do predicado com o sujeito, b) do fundamento com a conseqüência, c) do conheci m en to dividid o e dos elos conjunto s da divisão en tre si”.171 d) Sobre o significado fun dam ental da p rim eira analogia. Pe rm anê ncia (substancialidade) e causalidade Nós já vemos a p artir daqui com o é que a perm anência (e a primeira analogia em geral) se mostra como condição de possibilidade até mesmo da relação causai, e, em verdade, já apenas com o relação em geral. Isso fica totalmente claro a p artir da consid eração, com a qual Kant conclui a discussão da primeira analogia. Ela diz respeito ao conceito de “trans forma ção”, que só agora tem como ser apreen dido de m ane ira 169 Cf. op. cit., A 187, B 230. 170 Cf. op. cit., A 80, B 106. 171 Op. cit., A 73, B 98. 203
justificada, correta. “Transform ação é um m odo de existir, que se segue a um outro m od o de existir ju sta m ente do mesm o objeto”.172 Uma ocorrência de diversos estados uns depois dos outros, o cessar de um e o despontar do outro é uma mudan ça ou, como também dizemos, uma alteração. A mudança diz respeito ao mutável enquanto tal. A transformação, em con trapartida, aponta para a ocorrência de estados “justamente do mesmo objeto”. Nisso reside o seguinte: só se transforma e pode se transform ar aquilo que permanece , “só o permanente (a substân cia) é tran sfo rm ad o”.173 De acordo com isso, mesm o uma transformação só é perceptível lá onde desde o princípio algo que perm anece é exp erim entado. Pois só sobre essa base e na retenção do que permanece é possível perceber algo assim como um a transição de um para o outro: sem algo que perm a nece, teríamo s apenas u m a plena a lternân cia de algo com algo. Transição, porém, assim como determinação, abarca em si o um depois do outro, e, do mesmo modo, reside nas transições f e transformações que ocorreram a simultaneidade do ocorrer. Sucessão e concomitância são as relações fundamentais puras de um a d eterm inação pu ra possível do tempo. Assim, fica claro que o perm an en te nos fen ôm enos, isto é, as substâncias, são “os sub stratos de to da s as determ inações tem po rais”.174 “Por co nse guinte, a permanência é uma condição necessária, sob a qual apenas fenômenos, como coisas ou objetos, são determináveis em um a ex periência possível”.175 Com isso, o significado fun da m en tal da primeira analogia é comprovado e, ao mesmo tempo, fornece-se uma referência a em que m edida aquilo de que trata a seg unda analogia, a relação entre causa e efeito, como uma relação marcada pela seqüência 172 173 174 175
Op. cit., A 187, B 230. Op. cit., A 187, B 230eseg. Op. cit., A 188, B 231. Op. cit., A 189, B 232. 204
temporal, se funda efetivamente na primeira analogia. Nós con quistamos duas coisas, portanto, a partir da discussão da p rim ei ra analogia: po r um lado, o fato de que nós, em meio à discussão da segunda analogia, precisamos co-pensar e co-com preender a prim eira, em suma, o fato de que o problem a da causalidade está de algum m od o entrelaçado com o problema da substancialidade no sentido mais amplo da permanência. E, po r o utro lado, já nos enco ntramos agora orientados sobre o mod o da dem onstra ção das analogias e seu caráter funda mental. Falemos ainda mais claramente sobre o prim eiro ponto, so bre o nexo entre permanência e causalidade: se a liberdade m es ma determina um tipo de causalidade, qual é o elemento per m ane nte que precisa se encon trar à sua base? A perm anê ncia da pessoa que age. Essa perm anência pode ser concebida como a constância do ente presente à vista no tem po - da natureza? Se não, é suficiente dizer simplesmente que a pessoa que age, isto é, a razão, não está nó tempo? O u será que a pessoalidade da pes soa, o ser humano do homem, tem sua própria temporalidade e, corresponden temen te, um a “perm anência” própria, de acordo com a qual mesmo o caráter de acontecimento do ser-aí do ho me m, isto é, a essência da história no se ntido pro priam ente dito, se determ ina de man eira diversa ante o caráter de ocorrência da natureza presente à vista?176 Para lançarmos ainda m ais longe o nosso questionamento prévio: o caráter de tempo do essencial me nte livre em geral é de mod o tal que, para esse acontecim en to, a causalidade é prim ariam ente decisiva? Se não, então estaria incluída aí a necessidade de extrairmos p or u m giro o problem a da liberdade em geral da área da causalidade, o que exige na tu ralmente de imediato determinar positivamente uma nova área mais originária do problema. 176 Será que mesmo essa natureza pode ser representada dessa ma neira “natural”? Será que tal representação é suficiente? Comparemos a teoria atual sobre a estrutura atômica, seu horizonte projetivo e a re presentação da mobilidade aí. !
Permanência tem, em todo caso, uma ligação interna com o tempo. O caráter de perm anen te de tud o o que é experimentável é exigido pela essência da pró pria experiência, na m edida em que o que é acessível nele é determinado em geral e desde o princípio como intratemporal. Por isso, de saída de maneira consonante com a experiência, o encontro com o permanente também é constantemente atestado - um atestar que não ficou sem influência sobre a formaç ão e a direção do com preen der da compreensão de ser em geral. Nós nos lembramos: o ente pro priam ente dito é o ente constantem ente disponível, constante mente presente. Coisas desse gênero, mas também do mesmo modo a experiência que se encontra incessantemente articulada com elas do próprio ser si mesmo e de sua mesmidade, constân cia, auto-nomia im pingem a ideia da perm anência e, com isso, a substância no campo de visão mais imediato de todo comporta mento em relação ao ente. § 19. A segunda analogia. Acontecimento, ordem temporal e causalidade
a) O corrência (acontecimento) e ordem tem poral. Análise da essência d a o corrência e possibilidade de sua percepção A: “Tudo o que acontece (começa a ser) pressupõe algo ao que ele se segue segundo um a regra”.177 B: “Todas as transformações acontecem segundo a lei da ligação en tre causa e efeito”.178 A partir da versão em A, é evidente o seguinte: trata-se de um problema de rearticulação de uma ocorrência, que vem ao encontro, com algo determinante. Nós deduzimos, além disso, a partir da versão em B, que é acolh ido aqui expressamente o con ceito com cuja discussão se conclui a dem onstração da prim eira 177 Op. cit., A 189. 178 Op. cit., B 232. 206
analogia. Sim, a ligação da segunda analogia com a primeira é configurada em B de maneira ainda mais estreita por meio do fato de que Kant antepõe à demonstração propriamente dita um a “lem brança prévia”179, na qual sua ligação com a segunda analogia fica aind a mais clara; po r meio do fato de que, na segun da analogia, o que está em questão é o acontecimento enqu anto tal, a sucessão, que se anuncia de saída e constantemente como mudança - com eçar e cessar. Na m edida em que a prim eira an a logia exige a representação prévia do perm anente na mud ança, o princípio ta m bém pode ser form ulado da seguinte form a: “Toda m ud an ça (sucessão) dos fenôm eno s é apenas transfo rmaçã o”.180 Sucessão é apenas isso, não um surgimento e um perecimento puros e simples da substância, um vir à to na e um desaparecer oriundos do nada. Ou concebido de outro modo e ainda mais claramente em termos ontológicos: na segunda analogia, a rela ção da prim eira analogia com a segunda já é definida a partir da determ inação essencial do “objeto propriamente dito ” da experi ência, da naturez a, e, assim, de m aneira prelineado ra, já se defi ne tam bém a essência do movimento possível: sucessão é apenas transform ação. As transições são seqüências e conseqüências de um ente e de um não-ente, de tal modo que elas não mudam apenas pu ra e simplesmente, mas se seguem com base em algo perm anente e constitu em , assim, o acontecim ento, que p erc ebe mos na experiência. Nisso se expressa o seguinte: nós estamos articulados e referidos a algo tal que se expõe como estando já sempre p resente à vista, antes de tod a apreensão. Aqu i se anuncia a finitude da experiência. Se perguntarmos agora: como é possível a experiência de algo que acontece enq ua nto tal, de processos?, então não teremos mais simplesmente em geral a pergu nta acerca da possibilidade da presença à vista do ente presente à vista e acerca do objeto 179 Op. cit., B 232eseg. 180 Op. cit, B 233. 207
da experiência, mas antes a pergunta acerca daquilo que cons titui o caráter fundamental da presença à vista como um nexo. Como, portanto, a experiência de processos é possível? Somen te po r meio de um a regra da determinação pu ra do tempo, que pode ser expressa como “princíp io da ordem tem poral segundo a lei da causalidade”.181 Consequentem ente, caso se mostre que e como só a causalidade possibilita a experiência de processos, en tão se com provará que a causalidade pertence à possibilitação da experiência em geral, à sua consistência essencial, isto é, que a essência da causalidade é, com isso, ela mesma trazida à luz. E nossa intenção se remete à essência da causalidade ou à determ i nação kantiana dessa essência. Portanto, o que im porta n ão é em primeiríssimo lugar to r nar conhecido e descobrir o princípio da. causalidade, mas sim fund am entá-lo em sua essência, o que significa ao me smo tempo determinar sua essência. Também aqui como na primeira ana logia e aqui ainda mais, a lei enquanto tal é conhecida e cons tantemen te empregue, mas não verdadeirame nte fundame ntada. / Com isso, a essência não é conhecida. O m odo de discussão des se princípio no empirismo inglês junto a Hume foi um impulso essencial para o filosofar kantiano. Nós pergunta m os novamente: como é possível a experiên cia de algo que acontece enquanto tal, de processos objetivos? De saída, é preciso ver mais exatamente o que é experimentado. Em tal experiência encontra -se um a percep ção de “ocorrências”. O que é um a “ocorrência”? Algo se dá aí onde “algo efetivamente acontece”.182 O que efetivamente acontece “começa a ser”. Esse co meçar a ser (estar presente à vista) não é ne nh um a origem a par tir do nada, m as um a m era “transformação” segundo a primeira analogia.183 Nisso reside, p orém , o fato de que algo permanente 181 Op. cit., B 232. 182 Op. cit., A 201, B 246. 183 Op. cit., A 206, B 251.
se encontra à base, algo que muda simplesmente os estados , e nesse caso, po r sua vez, que aquilo que se dá se segue a um estado anterior. O que começa é algo tal que “outrora” não estava aí. O não ter estado aí, contudo, não é nenhum não ter estado aí puro e simples, mas um em relação a algo já presente à vista, o outrora, a partir do qual o que começa começa: ele não é nada vazio. O que começa nunc a vem à tona para nós a partir de um tempo vazio, mas sempre a partir de um tempo preenchido, isto é, nà relação com algo já presente à vista. Nós logo nos deparare mos um a vez mais com o problema do tem po vazio. Perceber algo que se deu significa, por isso, em si o seguinte: não, po r exemplo, apenas apreen der o vir à tona de algo, mas aco lher de antemão o fato de que aquilo que se dá se encontra como algo que sucede em relação com algo que o antecede, ao qu al ele se segue. Nesse contexto, essa relação pode ser bastante indeter m inada e plural, m as é sempre concomitantemente percebida na percepção de um a oco rrência, porque ela pertence à essência de uma ocorrência em geral. A ocorrência, contudo, não é apenas em geral algo, que efetivamente acontece, mas aquilo que sem pre acontece respectivam ente em um tempo determinado, que com e ça a ser nesse tempo. Pertence, po r conseguinte, à percepção ple na de algo que se dá o acolher de antemão não apenas algo que antecede em geral, mas algo tal com o qual e em referência ao qual ele vem ao encontro com o esse ente que agora com eça a ser. Na percepção de algo que se dá reside consequentemente a ante cipação de algo tal ao qual ele se segue necessariam ente segundo uma regra determinada. O que ocorre anuncia-se sempre de al gum m od o com o algo tal que sucede. Algo que sucede enquan to tal só po de se mostrar, se o olhar que apreend e algo que vem ao encontro também já se lançar de volta para o antecedente, em seguida ao qu al algo po de suceder. Aquilo que vem ao encontro na percepção só é, portanto, experimentável, então, como ocor rência, se ele for desde o princípio repres entado de tal m od o que, nessa representação, uma regra seja diretriz, uma regra que dá 209
um a indicação para o retrocesso a algo antecedente enqua nto a condição, sob a qual a oco rrência se segue a qualqu er mo m ento enquanto o condicionado, isto é, de maneira necessária. Aqui, o que se dá anu ncia-se ao mesm o tem po como algo que começa a ser, o que começa a ser como começando em um tempo preen chido, isto é, com o se seguindo a algo-, o que sucede é o condicio nado. Assim, po r meio d a análise da essência de uma ocorrência e de sua percepção em geral, expu semos aquilo que pertence à sua possib ilidade in tern a. b) Excurso: sõbre a análise essencial e a analítica Se falamos aqui de análise, então isso não tem nada em comum com um conceito tomado superficialmente da descri ção, com o se a ocorrência fosse aqui simplesmente retratada do m od o como nós descrevemos as coisas. A análise perte nce aqu i à analítica, tal com o Ka nt já a concebeu em seu traço fundam ental como questionamento acerca da origem, isto é, acerca das possi bilidades internas daquilo que pertence à consistência essencial da experiência. À exposição dessa análise pertencem naturalmente olhos e uma visão dos contextos, uma investigação e uma pes quisa de um tipo pró prio e de um a legalidade própria. Pois analí tica como apresentação da possibilidade interna é fund am entação da essência e, assim, determinação essencial, não a narração da presença à v ista de propriedades essenciais. A analítica da essência da ocorrência e de sua manifestabilidade possível em um a experiência já m ostro u en tre outras coisas a necessidade de u m a regra, que não é outra senão a segund a an a logia. Para Kant, contudo, a demonstração dessa analogia ainda transcorre de q ualquer m odo de man eira diversa, porqu e ele, com base no desconhecim ento da transcendência, vê a ocorrência p ri m ária na seqüência das apreensões em um sujeito presente à vista e por si. Assim, precisam os prosseguir em seu sentido. Atenta-se, por isso, para o fato de que não se ganhou nada com o estabele cimento da tarefa da analítica. Ao contrário, a tarefa principal é 210
a determinação preparatória daquilo que deve ser submetido à analítica. Quando e como ela é completamente estabelecida? De acordo com o que indicam os acima, não em Kant. Se adentrarmos de maneira breve nessa questão, buscare mo s de q ualquer m od o evitar elucubrações marcadas po r refle xões vazias sobre o método e coisas do gênero. O que precisa se mostrar como antecedente é sempre o conhecimento da coisa mesm a. Mas a m editação sobre o cam inho até elas, sobre o m od o como as retiramos do velamento, não é indiferente. No entanto, ela deve ser sempre em preendida em meio ao próprio cam inho, isto é, lá onde estamos verdadeiramente a caminho; e isso, por sua vez, a fim de servirmos à preparação do caminho e ao seu asseguramento. Na introdução, temos, além disso, a tarefa de, a caminho, ilum inar vez po r ou tra o próprio caminho, fom entan do a possibilidade da comp reensão d a coisa. Se m editamo s pr e cisamente agora novam ente sobre o cam inho e o m étodo, en tão isso acontece em um a posição determ inada do cam inho, lá onde devemos conquistar o nexo fundamental, no qual se encontra para Kant m etafisicamente o problem a d a liberdade: causalidade e sua essência. Nós mesm os pergunta m os na totalidade e constantem ente sobre a essência da liberdade h um ana . Po r isso, já nos prim eiros encon tros fizemos um a breve referência ao elemento pecu liar do con hecime nto d a essência, da clarificação da essência. Nós d en o minamos nesse caso três níveis: 1. Determinação do ser-o-que. 2. D eterminaç ão da possibilidade interna do ser-o-que. 3. Deter minação do fundamento da possibilidade interna do ser-o-que. A conexão entre os níveis não foi mais amplamente discutida e tam bém não o será agora. Gostaria de lemb rar apenas um a coisa: o nível 1 fornece um prelineamento dos níveis 2 e 3, e o nível 3 reluz de volta sobre os níveis 1 e 2. Os níveis não indicam n en h u ma justaposição de passos fixos e definitivos, mas sempre um ir para frente e para trás, um a transfo rmação crescente, que não admite fundamentalmente nenhiima determinação definitiva. 211
Estamos hoje em particu lar diante da difusão de um desco nhe cim ento p eculiar do caráter do conhecim ento das essências, desconhecimento esse segundo o qual se pensa que o conheci mento filosófico da essência seria o elemento pura e simples mente derradeiro e último. Em contrapartida, o conhecimento científico nunca seria senão o provisório. As coisas, contudo, se mostram de maneira inversa: o conhecimento científico é sem pre definitivo, ele se m ovim enta necessariamente em um âmbito, que ele mesm o nã o chega seqüer a demarcar, mas que ele conde na ao caráter definitivo. A ciência nu nc a ultrapassa po r si mesma esse caráter de rradeiro, mas é somente desse m odo que os limites são traçados para ela: eles só são traçados por m eio de um a nova clarificação da constituição essencial de sua área. A ciência e ape nas ela busca e precisa buscar segu ndo a sua própria intenção algo derradeiro. A filosofia, em contrapartida, se mostra como uma constante transformação - e isso, por exemplo, não apenas pelo fato de seus assim chamados resultados se alterarem, mas pelo fato de ela em si, em seu questionamento e conhecimento, ser / um a transformação. Para ver isso, é im portante se libertar de opi niões errôneas, que se fixaram justam ente hoje mais intensam en te do que nunca; e, em verdade, porq ue havia po r algum tempo o risco de tornar o conhecimento da essência a questão de uma técnica passível de ser ensinada e aprendida, isto é, de degradar o conhecim ento da essência ao nível de um a questão da ciência. A má interpretação do caráter fundamental do conhe cimento da essência deve-se em parte às caracterizações desse caráter que se encontram expostas a grandes incompreensões, caracterizações essas que se expressam nos dois títulos: análise da essência e delineamento da essência (descrição). Analisar significa dissolver, explicitar. Mas análise da essência não é um a dissolução, por exemplo, de um significado vocabular em seus elementos, não é tampouco decomposição de um conceito em fatores que, casualmente, sem a exposição de seu nexo e de sua necessidade, são pensados de ma neira c onjunta em um conceito. 212
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■ ( Análise determ ina-se aqui a partir da tarefa de uma analítica da essência, que Kant já tinha reconhecido em seus traços principais e seguido em suas obras. Análise não significa dissolução e fragmentação em pedaços, mas distensão do nexo das estruturas do saber, isto é, retorno à sua unidade como a origem da divisão. Com isso, também já está dito que tal análise não é descri ção (!), enq uan to se entender pelo term o descrição a reprodução enu m erad ora de proprieda des e m om entos presentes à vista de um ente presente à vista. A determ inação essencial da essência da “ocorrência” não era nenhuma “descrição” como essa, mas o lança r de volta a questão pa ra aquilo que pertence à possibilidade interna de algo assim como uma dação, um retorno àquilo que con stitui o fund am ento do fato de que e do m odo como aquilo que se m ostra como cope rtinente se copertence. Já porqu e se trata de contextos de possibilidade e possibilitação, um a “repro du ção descritiva” está descartada. Q uand o se pro cu ra utilizar essa expressão fatal pa ra o m od o de ser da clarificação da essência em geral, poré m , descrição, delineam ento descritivo, não signifi cam ou tra coisa senão o seguinte: pa ra o ente ndim ento vulgar, o descrever é tomad o como o com portamento determinante, que sem pre está entregue e exposto àquilo que se oferece. No acento dado ao caráter descritivo, o que deve gan har voz é a necessidade do ajustar-se àquilo que se oferece na essência como essência. Mas a questão é: como é que se oferece em geral a essência e o nexo essencial? Negativamente: não como algo assim como um ente prese nte à vista. Em meio à análise da “ocorrência”, em m eio à clarificação da essência da ocorrência, pe rgu ntou -se sobre a essência do fenômeno , pa rtind o do encon tro com aquilo que com eça no tem po e vem ao enco ntro em sucessão. A clarificação da ocorrênc ia em geral não é de m ane ira alguma possível, sem que já tenhamos em vista esse nexo originário: nenhum passo pode ser dado sem a visão prévia constantem ente diretriz da essência do fenômen o, do con hecim ento finito, da finitude e da transcendência. O que é visto aí de antemão não é ele m esm o 213
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nada p resente à vista enquan to um esqueleto rígido, no qual nós inseriríam os algum a coisa. Clarificação da essência exige tran s formação, um pa irar no ar, despren dim ento em relação à fixação a cada vez unilaterais a algo derradeiro e meram ente passível de ser sabido. Ela se m ostra com o u m salto prévio em direção à to talidade do ser-aí, como ato fundamental da ação criadora da filosofia a p artir da seriedad e do jog ado .184 O que pode m os de duzir daí para o nosso questionamento? Preparação e po stura são diversas aqui do qu e elas são em toda e qualquer descrição. O contexto de nossa questão exige o “lançarse em direção à tota lidade”, o “ir-às-nossas-raízes”, pois a ocor rência, a sua essência, não cond uz apenas pa ra a liberdade com o um retrocesso, que seria aleatório em relação àquilo para que o retrocesso conduz, mas a liberdade se mostrará como o funda mento de sustentação da possibilidade da ocorrência. O modo de ser da analítica orienta-se (retifica-se) pelo estabelecimento do todo, isto é, pelo modo como se pensa com vistas ao todo. É ^nessa área pela primeira vez que são tomadas as primeiras e as últimas decisões das co nfrontações da filosofia - e precisamente aqui a consonância é a maior e a mais simples, p o r mais que ela pareça para o senso com um como um em aranhado confuso de opiniões, ponto s de vista e dou trinas que são ordena dos conjun tamente, então, com o auxílio de etiquetas. c) Causalidade com o relação tem poral. Causalidade no sentido do ser causa é anteceder no tempo com o deixar seguir-se determ inan te Nas percepções e experiências em geral, nós só temos de saída consciência de um a certa multiplicidade de apreensões que 184 O problema da instância da demonstração do projeto. Na medida em que ele aconteceu e aconteceu a cada vez na totalidade, o demons trar ou o refutar se encontram do lado dos que falam junto, não dos que projetam enquanto tal. Portanto, a verdade do projeto eqüivale à irrefutabilidade? De modo algum! O que então? 214
se seguem umas às outras. Aqui também ocorre, em verdade, uma ordém, um antes e um depois, mas essa ordem é em si “to talmente arbitrária”185, enqu anto na percepção de um a o co rrên cia, em contrapartida, algo é experimentado como efetivamente acontecendo, algo tal que se segue efetivamente a alguma coisa anterior; essa ordem não se encon tra sob o dom ínio do a rbítrio de nossa percepção, m as essa percepção está atada à ordem real. Assim, de acordo com o seu ponto de partida, Kant precisa p er guntar: com o é que a orde m subjetiva do acontecimento se torn a objetiva, por meio do que ela obtém uma “relação com um ob jeto”?186 O que dá à seqüência de saída arbitrária, isto é, ju sta mente reversível a unidade do nexo obrigatório de uma ordem irreversível? C om o é a experiência da obrigatoriedade da o rdem objetiva, que se anuncia na percepção de ocorrências? Natural mente, nós precisamos reter constantemente em relação a essas questões o seguinte: não se trata aqui de percepções em geral e indeterminadamente, mas de percepção de ocorrências, de um acontecimento presente à vista. Kant destaca esse tipo de percepção em relação a outras percepções por meio de dois exem plos: percepção de um a casa que se encontra diante de m im e percepção de um navio diante de rtiim què desce um rio.187 As duas percepções c oncordam en quanto percepções no fato de que a cada vez nas duas é dada um a seqüência de apreensões. Mas há en tre elas um a diferença essen cial. Na percepção da casa, podemos começar a percepção no topo da casa e term inar no chão ou vice-versa, do me sm o m odo que podemos começar da esquerda para direita ou vice-versa. “Na série dessas percepções, portanto, não havia nenhuma or dem determ inada, que tornasse necessário, quando (onde) é que eu precisaria iniciar a apreensão, a fim de ligar em piricam ente o 185 Op. cit., A 193, B 238. 186 Op. cit., A 197, B 242. 187 Cf. op. cit., A 192, B 237. 215
múltiplo”.188 Por que a ordem das apreensões é aqui um a ordem qualquer? Porque na multiplicidade dos próprios fenômenos, isto é, nas propriedades e determinações da própria casa, não se encontra nen hum a sucessão, não se acha nenh um um depois do ou tro no objeto, que tornasse enqua nto tal obrigatório o um depois do outro da apreensão. À presença à vista da casa na u ni dade das propriedade s não pertence um a sucessão, não se revela nenhuma ocorrência. O q ue Kant pro cu ra evidenciar aqui não é m anifestam ente ou tra coisa senão a diferença entre o m od o com o a casa presente à vista se encontrando aí evidentemente e, em contrapartida, a m anifestabilidade de u m a ocorrência presen te à vista. Além disso, pode-se dizer negativam ente o seguinte: a ordem das apreensões não está ligada por m eio de um a o rdem objetiva dos fenômenos, porque na casa não está pre sente à vista nenhum a ocorrência. Com a casa, nad a se dá - ela “se enc ontra parad a”, “ela se acha em rep ouso”.189 Dito positivam ente, é preciso com certeza aten tar para o fato de que a seqüência da apreensão possui aqui de qualquer modo uma vinculação. Pois mesmo que eu comece a apreensão pelo topo, eu não estabeleço esse início como início da casa, como fundam en to e vice-versa. No caso da produçã o da casa, o topo, o telhado, apon ta efetivamente para o fim e pe rm a nece na casa pronta a parte mais elevada. Em outras palavras, a arbitrariedade da o rdem das apreensões é um a arbitrariedad e tal apenas no interior, com base e com o pano de fu ndo da obriga torieda de da justaposição e da superposição presentes à vista dos elementos construtivos presentes à vista que pertencem conco m itanteme nte à casa presente à vista. Como as coisas se dão, porém, no caso da percepção do navio que desce a corrente? De saída, poder-se-ia dizer: a ordem 188 Op. cit., A 192eseg., B. 238. 189 Não reside aí, por exemplo, nenhum problema? Ela ocupa um espaço, “tem” uma posição, acima, abaixo. 216
das apreensões se passa aqui exatamente como no exemplo da casa. Os dois casos não se distinguem de maneira alguma. Pois m esm o em relação ao navio, posso co meçar com a apreensão do deque, da proa, da p onta do m astro ou da borda. C om certeza! Nesse caso, p orém , eu me atenho ju stam ente à percepção do na vio e das propried ades presentes à vista nele. Com isso, contudo, não tocam os de m aneira alguma a experiência, que Kant tem em vista nesse caso. Aqui se trata m uito mais da perce pção do navio que desce a corrente, da percepção do navio em seu movim ento de descida, de um “fenômeno que envolve um acontecimen to”.190 O acontecim ento é percebido em sua presença à vista, e a questão é agora saber se a ordem das apreensões, que visam ao acontecimento enqu anto tal, tam bém é arbitrária. Com o é que eu percebo agora efetivamente o acontecimento enquanto tal? M anifestamente de tal m odo que eu persigo o navio que se m ovimenta descendo a corrente, à medida que ele atravessa as po sições e os lugares particulares da corrente. Com o é que fixamos esses lugares que descem a corrente, p o r meio do que nós os distinguimo s em termo s de conteúdo e destacamos uns em relação aos outros - possui agora um significado secundário. N a experiência de se m ovim entar descendo o rio, a percepção de uma posição do navio corrente abaixo se segue a uma percepção tal que apreendeu anteriormente o navio em um a posição m ais acim a da corrente. “É impossível”, diz Kant, “que, na apreensão desse fenôm eno (isto é, do navio que se m ovim enta em descida), o navio deva ser apreendido prim eiram ente abaixo e depois acim a da corrente. Portanto, a ordem na seqüência das percepções na apreensão é aqui determ inada e a apre en são está ata da a essa o rdem ”.191 A o rde m da apre en são não é arbitrária n a percepç ão das ocorrências. Po rtanto, ela se en co ntra vincu lada. Por m eio do que? D ir-se-á: po r m eio _____________________________________________________________ 190 Op. cit., A 192, B 237. 191 Idem. ; 217
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do decurso objetivo dos processos mesmos, decurso esse que ocorre no tempo. E m verdade, na ocorrênc ia da apreensão, no seu decurso, também nos é dada uma ordem temporal. Ora, mas de onde essa ordem temporal retira a sua obrigatorieda de? Em verdade, o tem po é subjetivo, pertence ao sujeito, assim como a própria apreensão, mas,o tempo é de qualquer modo em si mesmo absoluto. Com isso, começa a demonstração correspondente, tal como tinha acontecido com a primeira analogia. O tempo ab soluto “não é nenhum objeto da percepção”192, isto é, o tempo puro e simples nunca te m como nos ser dado im ediatamente - na m edida em que nele é determ inada a totalidade das posi ções do ente que é no tempo. As posições temporais dos fenô menos e, com isso, os decursos fenomênicos dos processos não podem “ser deduzidos da relação dos fenômenos com o tempo absoluto”.193 Apesar de o tem po ser dado, não é dada de qualquer m odo a totalidade do ente que é no tem po em sua determinação temporal total. Se, contudo, a ordem temporal das apreensões deve ter aqui um a necessidade, o tem po m esmo, com o aquilo em que tod a e qualquer oco rrência presente à vista é desde o prin cípio e é a qualquer momento experimentada, precisa fornecer para essa experiência um a indicação, de acordo com a qual algo assim como a percepção de uma ordem necessária objetiva, isto é, necessária p ara a sucessão das apreensões, é em geral possível. O próprio tempo pode fornecer uma tal indicação ou mesmo con tribuir para ela? No que concerne à ordem , reside no tempo ele mesm o um a legalidade e um a obrigatoriedade? Com certeza, na m edida em que não posso chegar a um tempo subsequente, a um tempo posterior, senão por intermédio de um anterior. Pos so apreender algo ulterior, posterior, nele mesmo, sem levar em consideração a sua posterioridade, sem atravessar algo anterior, 192 Op. cit., A 200, B 245. 193 Idem. 218
mas nunca posso apreender o posterior enquanto um tal sem atravessar algo anterior. O tempo anterior determina o tempo subsequente de maneira necessária. O tempo subsequente não pode ser sem o anterior, m as o a nterio r pode ser sem um seguin te? O tempo é um a ordem não reversível, orientada em um a deter minada direção. Por conseguinte, se é que deve ser determ inad o na experiência um acontecimento intratemporal enquanto tal, então essa determinação precisa se manter na direção da ordem temporal. Toda determ inação dos nexos fáticos a cada vez par ti culares realiza-se com base nessa legalidade. Por isso, de m aneira ple nam ente dota da de sentido, Kant diz no princíp io da relação causai: a todo e qualquer fenômeno enquanto uma ocorrência temp oral, isto é, enq uan to algo que com eça a estar presente à vis ta em um tempo determinado, deve corresponder algo presente à vista no tempo, que determ ina o que se dá como o subseque n te.194 Todo suceder com o progresso em um processo só é experimentável, se ele está ligado em geral e de antem ão ao anteceden te daquilo que ele determina necessariamente no seu seguir-se. Co m isso, tam bém é necessária a regra que diz: naquilo que an tecede, é possível encontrar a condição sob a qual a ocorrência necessariamente sucede. Esse é o “princípio da relação causai na ord em dos fe nômeno s”.195Esse prin cípio mesm o é o fu nd am en to da possibilidade da experiência de fenômenos que se seguem e do nexo determinado por meio disso de sua presença à vista. A pa rtir daí fica claro que a lei causai, tal como K ant a desenvol ve aqui, não é uma lei que só aplicamos às ocorrências que vêm ao enco ntro e à sua seqüência, po r exemplo, para no s haverm os quanto a elas, mas a representação transcendental anterior dessa lei jâ é a condição de possibilidade para o fato de que pode vir ao nosso encontro algo assim como uma ocorrência enquanto tal. Já com o fato de virem ao nosso encontro ocorrências, nas quais 194 Cf. op. cit., A 198esegs., B 243esegs. 195 ,Op. cit., A 202, B 247. 219
não conseguimos de saída nos orientar, ou seja, cujos contextos ainda são indeterminados, precisamos compreender o que vem ao nosso enco ntro à luz da causalidade. Na dem onstração da segunda analogia, ta m bém não vem à ton a com clareza o caráter de analogia do princípio, algo que evi dencia a dificuldade intern a que desde o princípio ac om panh a a posição kantiana. A p artir do contexto como um todo, porém, é possível deduzir o fato de que se encontra aqui do mesm o m odo que na primeira analogia uma correspondência entre duas rela ções. Nesse caso, há ta nto aqui quan to lá um a relação normativa, que se m ostra, seg undo a afirmação de Kant, com o u m a relação fundamental que pertence à natureza do entendimento e se ex pressa com o a relação lógica entre fundam ento e o que se segue, a conseqüência. Assim com o se estabelece jun tam en te com um a conseqüência necessariamente um fundamento, também se es tabelece necessariamente com o posterior que ocorre no tempo a relação do que sucede enquanto efeito com algo precedente, anterior, enqu anto causa. O princípio da causalidade, porém, não pode ser logicamente deduzido do princípio lógico do fu ndam en to, mas sua necessidade se funda no fato de se constituir aí um componente necessário na totalidade, o que pertence à possibilitação da experiência em geral, experiência essa que não é nem mera determinação lógica de objetos, nem mera apreensão de representações como acontecimentos subjetivos no tempo, mas um a unidad e d eterminad a da intuição dirigida pelo tempo e do pensam ento, que dete rm in a o assim in tü íd o.196 196 O problema da “unidade”. A possibilidade da unidade não pode ser comprovada por meio de um recurso a um ente presente à vista descritível. Ao contrário, subsiste precisamente a necessidade de uma problemática do modo de ser daquilo que Kant pressupõe de manei ra despercebida e indeterminada: sujeito, sensibilidade, entendimen to. O que Bauch considera ontológico, seguindo uma orientação de N. Hartmann, precisa ser problematizado por meio de uma interpretação ontológica, de tal modo que a “razão” também se tome um problema justamente por meio daí. 220
O que é, portanto, a causalidade? Uma relação, que não ocorre apenas em geral no tempo, mas que é determ inada em seu caráter de relação como uma relação temporal, como um modo do ser-no-tempo: a “conseqüência” - um a relação, que represen ta desde o princípio e que possibilita em geral pela primeira vez a experiência de um acontecimento intratemporal enquanto tal. Enquanto tal, trata-se do ser desde o princípio representado em todo re-presentar que experimenta e que experimenta para tudo (intuição e pensamento). Essa relação é de tal modo temporal, que a causalidade enquanto ser determinado como o elemento coisal originário passa a significar: ser antecedente no tempo como um deixar se seguir determinante, de tal modo que esse anteceder em seu deixar se seguir precedente mesmo se mostra como uma ocorrência e está rearticulado enqu anto tal com algo anterior, que o determ ina. Pertence à causalidade, enquanto tal relação, o cará ter temporal do antecedente, isto é, da presença à vista no deixar estar presente à vista de algo que se segue e sucede. Apesar de tudo o que possa suceder: como algo que sucede, ele só obtém algo tal que, de algum modo, já sempre era. Nun ca se sucede com uma ocorrência algo tal que anteriormente pura e simplesmente não era. O produ zir não é nen hum prod uz ir “originário”.197 Essa determinação essencial da causalidade, porém, como vimos, se dá pela via de uma determinação da possibilidade interna, isto é, da essência da experiência enquanto conhecimento humano fin ito do ente presente à vista com vistas ao nexo de sua presença à vista. § 20. Dois tipos de causalidade: causalidade segundo a natureza e causalidade po r liberdade. Caracterização do horizonte ontológico geral do problema da liberdade na determinação da liberdade como uma espécie de causalidade. O nexo entre causalidade em geral e o modo de ser da presença à vista
A determinação da essência da experiência como conhe cimento finito é, então, em si a determinação prelineadora da essência do objeto possível da experiência. Assim nos diz Kant no âmbito da terceira analogia, por exemplo, ao afirmar: “Ago ra, porém, em relação aos objetos da experiência, tudo aquilo sem o q ue a experiência desses objetos m esm os seria impossível é necessário”.198 Aquilo, então, que constitui a essência do que pode vir ao encontro e se encontrar contraposto enquanto ente presente à vista no contexto de sua presença à vista, aquilo que pode se m ostrar como objeto, é designado por Kant como na tureza em geral. Por conseguinte, a clarificação da essência da causalidade a partir de sua pertinência necessária à experiência diz respeito à causalidade que pertence à natureza em geral ou, como Kant diz de maneira resumida: à “causalidade segundo a natureza”. N atureza em geral prelineia como p ertencen te a si um determ inado m odo de ser causa: o ser causa, na m edida em que ele é essencialmente determinado a partir da unidade do nexo da presen ça à vista do ente presente à vista. “Necessidade natural e a condição..., segundo a qual as causas efetivamente atuantes são determ inad as”.199 Da “causalidade segundo a natureza” Kant distingue a “causalidade por liberdade”200: “liberdade como uma pro priedade de certas causas dos fenômenos”201, “lib erd ade como uma espécie de causalidade”,202 “causalidade como liberdade”.203 Na “causalidade por liberd ade” expressa-se o fato de que a liberdade está orientada pela causalidade. Mas aqui se levanta, então, im ediatam ente a questão sobre o que significa causalidade 198 Op. cit., A 213, B 259. 199 Kant, Prolegômenos (Vorlánder). Leipzig (Meiner), 5a edição, 1913, p. 112 (IV, 344). 200 Kant, Crítica da razão prática, p. 18 (V, 32).. 201 Kant, Prolegômenos, p. 112 (IV, 344). 202 Kant, Crítica da razão prática, p. 78 (V, 118) 203 Op. cit., p. 6 (V, 10). Observação. 222
no conceito de “causalidade por liberdade”? Evidentemente, cau salidade não pode significar: causalidade segundo a natureza a partir da liberdade, porque precisamente essas duas causalidades (a segundo a natureza e a po r liberdade) se contradizem m utu amente, são dois “conceitos opostos um ao outro”.204 Portanto, no conceito da “causalidade por liberdade”, Kant só pod e te r em vista a causalidade em um sentido geral, um sentido que se es pecifica, então, a cada vez, em “causalidade segundo a natureza” e “causalidade por liberdade”. Kant denomina a liberdade “um objeto suprassensível das categorias da causalidade”, para o qual a “razão prática... cria realidade”.205 a) A orientaçã o da causalidade em geral pela causalidade da natu re za. Sobre a prob lem ática da caracterização da liberdade como u m a espécie de causalidade O que enten der p or causalidade nesse significado geral, de acordo com o qual a causalidade se m ostra ora com o causalidade da natureza, ora com o causalidade segundo a liberdade? C om o e onde deve ser determinada essa essência geral da causalida de? Evidentem ente de tal m odo que, nesse caso, não é norm ativa apenas a essência da causalidade natural, mas do mesmo modo ou de modo igualmente parco também a causalidade da liberda de. Ou bem não há nenhuma categoria geral e mais elevada da causalidade em relação àquela segundo a natureza e a partir da liberdade, ou bem, se há uma tal categoria, então o conceito de categoria é fundam entalm ente ambíguo: mera categoria da na tureza, po r um lado, e, po r outro lado, categoria esquematizada, esquema. Nesse caso, porém, é agora que surgem propriamente os problemas: em que m edid a puros conceitos do entend ime nto podem ter um a função categorial norm ativa para um ente (p ara 204 Op. cit., p. 111 (V, 170). 205 Op. cit., Prefácio, p. 9 (V, 9).
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algo suprassensível)? Qual é aqui a apresentação e o preenchi m ento não esquemáticos ou por que um a tal apresentação e pre enchimento não são aqui necessários? Kant levou a termo em algum lugar essa determinação da essência universal da causali dade? Se não - ele estabelece po r fim de qualquer mo do um con ceito geral de causalidade, que seja conquistado primariamente ju nto à natureza? Se sim - com que direito? Se sem direito - por que Kant procede assim? Que efeito a orientação kantiana pelo problem a da causalidade e pelas categorias em geral te m sobre o problem a da liberdade?206 Assim, um a questão im põe a outra. A questionabilidade assim emergente não diz respeito, p o r exemplo, apenas ao tratamento kantiano do problema, mas conduz para uma questão dotada de uma significação fund am ental. Essa é a única coisa que é decisiva para nós no desdobramento material do prob lem a da liberdade. Se a determinação da causalidade em geral está orientada de saída e de maneira totalmente geral pela causalidade da na tureza, sendo que a natureza tem em vista em geral à presença à vista de um ente presente à vista - seja ele físico ou psíquico ou dotado de um outro m odo qualquer então o ser-causa é caracterizado an tecipativamente com vistas ao seu modo de ser para tu do o que vem depois como presença à vista. Se, com isso, a causalidade po r liberdade é d eterm inada à luz desse ser-causa universal, então a liberdade e o próprio ser livre com vistas ao seu m od o de ser nos volta para a caracterização fund am ental da presença à vista. Pois bem , a liberdade é a condição fundam en tal da possibilidade da pessoa agente com o m oralm ente agente. 206 Kant utiliza a categoria da causalidade para a categoria da nature za? Ou de que ele se utiliza? O que significa aqui categoria em geral? O que significa isso, então? Um puro conceito do entendimento chamado “natureza” não seria esquemátizado sem uma ligação com o tempo. O que significa, então, “causalidade”? Cf. em particular Crítica da razão prática, p. 119esegs. Onde não há nenhuma ligação temporal, todo uso de categorias cessa! Cf. Crítica da razão prática, B 308. 224
De qualquer modo, por meio da caracterização da liberdade en quanto causalidade - apesar de ela ser pensada como um tipo de causalidade a existência do homem é concebida, por isso, fu ndam entalm ente como presença à vista e, com isso, se mostra com pletam ente com o o seu contrário. Agora, poder-se-ia dizer: Kant procura destacar e reter de qualquer m odo p or m eio do acento no caráter diverso da causali dade p or liberdade ante a causalidade segundo a natureza o caráter próprio da pessoa moral em relação à coisa natural. Com certeza, não temos como contestar esse ponto aqui. No entanto, po r meio dessa intenção, o problema ainda está longe de ser resolvido ou mesm o apenas de ser levantado. Ao contrário, o que se indica com isso é justamente o fato de que o mod o de ser do hom em não se dei xa determinar primariamente como presença à vista. Nesse caso, as coisas se mostram no m ínimo de tal forma que o m odo de ser do h om em se revela ontologicamente indeterm inado e subdeterm inado - um a falha que, na m edida em que se trata de algo funda mental, possui um a amplitude principiai e, po r isso, não pod e ser corrigida pela via de um complemento extrínseco ulterior. Kant não chega até aí, porque ele, apesar de tudo isso, bane firmemente o problema d a ontologia para o âmbito do problema do ente qua ente presente à vista. E isso, por sua vez, acontece, porque ele não conhece e desdobra o problema geral do ser. Assim, falta em Kant o solo metafísico pa ra o problem a da liberdade; e isso já em meio à esfera, no interior da qual Kant trata desse problema, ou seja, sob a caracterização da liberdade com o causalidade. b)
Prim eira prova d a orie ntação da causalidade pelo m odo de ser do ente presente à vista a p a rtir da conseqüên cia enq uan to o m od o tem pora l distintivo da causalidade junto ao exem plo da conc om itância de causa e efeito De início, porém, o importante é clarificar e apresentar o modo de questionamento de Kant até o ponto em que consiga mos ver claramente qual é o problema metafísico fundamental 225
que se encontra à base do estabelecimento da liberdade como uma causalidade. A partir disso que acabamos de dizer, podemos de duzir po r enqu anto ao meno s o seguinte: é natu ral para Kant es tabelecer a causalidade da natureza com o a causalidade em geral e determ inar o tipo particular de causalidade po r liberdade com base e com vistas à causalidade natu ra l - em to do caso: como não tão originária e por si mesma. “Logo compreendo que, uma vez que não posso pensar nada sem uma categoria, essa catego ria também precisaria ser buscada de saída na ideia da razão da liberdade com a qual me ocupo, uma ideia que é aqui a catego ria da causalidade”.207 O “conceito da causalidade... (contém)... a qualqu er mo m ento a ligação a um a lei, que determ ina a existên cia do m últiplo em um a relação m útu a”.208 Formulado de maneira mais fundamental com vistas ao fato de que o ser causa está orientad o para a presença à vista, o que Kant equipara justam ente de m ane ira significativa ao ser-aí, à realidade efetiva e à existência em geral: é natural para Kant ver a liberdade e o ser livre no horizonte da presença à vista, isto 1é, omitir a pergunta acerca do modo de ser especial do ente livre, não atacando e desdobrando originariamente a liberdade como pro blem a metafísico. Se as coisas se m ostram assim, e se a liber dade tam bém se constitui para Kant como o elemento derradeiro e supremo na filosofia: se “o conceito de liberdade, na medida em que sua realidade é dem onstrada p or meio de u m a lei apodítica da razão prática, constitui agora a pedra conclusiva de todo o edifício de um sistema da razão pura, mesmo da razão espe culativa”209, então precisa haver naturalmente razões para Kant, quando ele põe um ponto final na questão acerca da essência da liberdade hum an a com o estabelecimento da liberdade como autolegislação da razão prática.
207 OP. cit., p. 120 (V, 185). 208 Op. cit., p. 104 (V, 160). 209 Op. cit., Prefácio, p. 4eseg. (V, 4). 226
A fim de ver agora o que há a qui de saída de decisivo, o nexo entre a causalidade da natureza enquanto causalidade em geral com o modo de ser no sentido da presença à vista, gostaríamos de explicitar ainda de m ane ira breve aquilo que Kant acrescenta em term os de discussões à sua dem onstração da segunda ana lo gia. Obtém-se aqui a ocasião para determinar alguns conceitos fundamentais de modo ainda mais expresso, conceitos que são im porta ntes em relação às considerações ulteriores. De saída, Kant faz uma crítica a si mesmo em relação à p ró p ria determ inação da causalid ade. Por causalidade com preende-se o ser causa (coisa originária) no sentido da ante cedência no tempo como um deixar se seguir determinado. Por isso, na lei causai, com o u m princípio da o rdem temp oral, a causa é o anterior, o efeito, o posterior. Agora se mostra, porém , que o “princípio da ligação causai entre os fenôm e nos” não está restrito à ordem dos fenômenos, mas também concerne ao “seu acompanhamento”, o que significa dizer, con tud o, q ue ca usa e efeito po de m ser ao m esm o te m po .210 De acordo com isso, então, a ordem tem poral tam bém não pode ser o único critério e, assim, não pode ser nem mesmo um critério empírico seguro para algo como efeito, isto é, para a ligação com a sua causa. Desse modo, a causalidade não pode ser orientad a de ma neira alguma para um princípio da ordem tem poral. C om o é que Kant resolve a dificuldade acima, um a vez que ele orienta a causalidade de qualquer forma unica m ente para a ordem temporal? De saída um exemplo para a conco m itância de causa e efei to. “Há, por exemplo, calor no quarto que não se encontra ao ar livre. Procuro a causa e encontro um forno aquecido. Pois bem, esse forno enquanto causa é concomitante ao seu efeito, o calor no quarto; portanto, não há aqui nenhuma série temporal, se gundo o tempo, entre causa e efeito, mas causa e efeito são ao 210 Kant, Crítica da razão pura, A 202, B 247. 227
mesm o tem po, e, apesar disso, a lei con tinua válida”.211 Kant o b serva, além disso, que até mesm o “a ma ior parte” das causas na turais seriam conc om itantes aos seus efeitos e que o ser poste rior e o ser depois do efeito só seria condicion ado pelo fato de que a causa não poderia erigir “todo o seu efeito em um instante”.212 Onde surge um efeito, o efeito sempre se encontra ao mesmo tem po com o ser causa da causa. Mais ainda: ele precisa ser con comitante. Pois se a causa em seu ser causa cessasse imediata mente antes do surgimento do efeito, então o efeito não poderia de m an eira algum a surgir. Só enqua nto a causa dura r em seu ser causa é que o efeito pode surgir e ser ele mesmo. Assim, uma con com itância dos dois é necessária. Apesar disso, essa conc om itância necessária não fala contra a pertinência da ordem temporal à relação causai; e isso a tal ponto que é só ju sta m ente em contraste com essa concom itân cia que podemos apreender o autêntico significado daquilo que está sendo visado com a ordem temporal. Ela não exclui, mas antes inclui o entrecruzamento mútuo da duração da presença fda causa e do efeito. Mas por maior ou menor que possa ser o perío do do decurso tem poral entre a irrupção de um a causa p or um lado e a irrupção do efeito por outro - ele pode ser iníquo, isto é, os dois po de m ser concom itantes a relação entre um enquanto causa e o outro enquanto efeito persiste de qualquer mod o. Pois essa relação perma nente, que é a qualque r mo m ento determinável, visa justam ente à ligação de um como o anterior com o outro como o posterior, mais exatamente, à unilateralidade da direção desse enfileiramento o u ao mesm o tem po, isto é, ao fato de que a direção da seqüência, sua ordem, nã o é reversível. Seqüência nã o é um term o para designar aqui, po r conseguinte, o puro enfileiramento na m udança do desponta r e do desaparecer. Ao contrário, a sequêncià tem em vista a ordem do que sucede 211 Op. cit., A 202, B 247eseg. 212 Op. cit., A 203, B 248.
como a sucessão ou a concom itância não reversível, dirigida, não recíproca. O decisivo nò conceito do modo temporal “seqüência” não é a duração e a velocidade do decurso e do transcurso, m as a ordem unilateralmente dirigida na presença de um e do outro. De acord o co m essa presença, a causa, mesm o se ela ainda for e, consequen temen te, mesm o se ela for concomitante ao efeito, é irrevogavelmente antecedente, e ela não p od e se tornar em relação ao efeito o seu elemento sub sequ ente.213 Seqüência designa a d i reção do decurso, o processo do decurso. Direção do decurso não exclui, porém, o estar sim ultaneam ente presente de causa e efeito. Seqüência n ão significa que, se o efeito ocorre, o o utro (a causa) precisaria ter desaparecido. A seqüência como m odo temporal, que distingu e a causalidade, é, po r conseguinte, compatível com a sim ultane idade de causa e efeito. Por meio dessa determinação mais próxima do caráter da seqüência como ordem e como direção do decurso, então, tam bém é apreendid a de m aneira mais aguda a essência d o nexo en qua nto tal. O nexo é um nexo de um ente presente à vista em seu estar presente à vista de tal mo do e de um outro diverso e de um não estar presente à vista. O conceito do acontecimento é agora determinado: não se trata de nenhu m a presença e de nenhu m a ausência de o corrências isoladas. Ao contrário, na ocorrência re side um a ligação retroativa em verd ade dirigida, regulad a a algo antecedente, à causa. Inversamente: o ser causa é em si um a rela ção dirigida, que deixa se seguir e suceder algo. c) Segu nda prova da orientação d a causalidade pelo m od o de ser d a presença à vista ju n to ao conceito da ação. Ação com o conc eito con seq üen te da ligação de cau sa e efeito Essa apreensão da causalidade conduz, então, a um conceito que é dotad o de significação para o problem a do acon tecimento 213 Cf. o exemplo de Kant da esfera e da pequena concavidade, op. cit.,. A 203, B 248eseg. 229
em geral e para o acontecim ento da essência livre em particular; trata-se do conceito da ação. N ós costumam os usar para esse ter mo co m frequência a palavra grega pra~xij (p ra/ttein - levar algo a cabo) e enten der o elemento prático, po r sua vez, em um a d u pla significação: 1. O “hom em prático”, que possu i habilidades e sabe empregá-las no m om ento dado da maneira correta. 2. Práxis e ação, ao mesm o tem po n o sentido acentuado da ação ética, do com po rtam ento prático moral. Kant tom a a práxis e o termo prático entre outras coisas nesse sentido acentuado. “Prático é tud o aquilo que é possível po r m eio de liberdade”.214 “Platão en controu suas ideias antes de tudo naquilo que é prático, isto é, qu e se baseia na liberdade”.215 A ação, po r conseguinte, está essencialmente ligada à liber dade. No entanto, exatamente isso não é pertinente para Kant. Práxis e ação não se eqüivalem totalmente. “Ação” é, para Kant, muito mais o título para a efetivação em geral. A ação n ão está de modo algum articulada primária e unicamente com o compor tamento ético e com o fazer moral-amoral. Ela não apenas não está ligada a um fazer conforme à razão, mas tam bém não está articulada com um fazer psíquico. Ao contrário, ela está ligada ao acontecim ento da natureza anim ada e, sobretudo, inanimada. As pessoas sempre desconsideraram esse fato na interpretação de Kant, tomando a ação desde o princípio como ação moral e não levando em consideração justam ente o que acabamos de di zer. Atentar para isso não é, contudo, apenas uma exigência de adaptação à terminologia kantiana, mas possui antes uma am plitu de fu ndam ental. Se a ação significa o mesmo que produzir um efeito em geral e está primariam ente o rientada pelo aconte cimento n atural e por seu nexo efetivo, então o conceito da ação ética, livre ou, como Kant gosta de dizer, da ação “arbitrária”, ju stam ente como ação, também está orientada ontologicamente 214 Op. cit., A 800, B 828. 215 Op. cit., A 314, B 371. 230
para o ser no sentido da presença à vista, para aquele m odo de ser, que não caracteriza precisamente o ser da essência eticam en te agente, a existência do homem. A existência do homem per manece,, então, em seu m odo de ser, de man eira principiai, em meio a uma determinação falha ou, ao menos, em meio a uma fatídica indeterminação, p or mais que o hom em existente venha a ser faticamente distinto como pessoa ética, como ente, de ma neira clara e decidida, das coisas naturais e das coisas em geral. Agir (ação) significa para Kant o mesmo que efetuar (efeito), o mesm o qu e o term o latino agere - effectus. Trata-se do conceito mais amplo em relação a fazer - facere -, ao qual pertence u m tipo pa rtic ular de efeito e effectus: a obra - opus.216 Todo fazer é um agir, mas nem todo agir é um fazer. “Fazer” no sentido de produzir, fabricar, empreender mesmo é distinto do “feito” no sentido da ação ética, de uma “ação que abre o es paço para o surg im ento de um feito”. Para Kant, também há agir, lá onde nenhuma obra é produzida - n a natureza. Por isso, Kant utiliza simplesm ente a expressão, o conceito de um a “ação da na tureza”.217 Nos “Prolegômenos”, ele fala da ação ininterrupta da matéria218 e afirma, além disso, que toda causa natural “precisa ter começado a agir”.219 Na segunda analogia da Crítica da razão pura, o conceito da ação também é, então, determinado de ma neira m ais detida: “Ação já significa a relação do sujeito da causa lidade com o efeito”.220Ação não é simplesm ente um a ocorrência, mas um processo, que tem em si uma dação, que pertence ela m esm a ao acontecim ento.221 “Sujeito” nã o significa aqui, porém , 216 217 218 219 220 221
Cf. Kant, Crítica da razão pura, § 43. Kant, Crítica da razão pura, A 547, B 575. Kant, Prolegômenos, § 53, p. 112 (IV, 344) Observação. Op. cit., p. 112 (IV, 343). Kant, Crítica da razão pura, A 205, B 250. Cf. acima, p. 174esegs. i 231
p o r exem plo, “eu”, “si m esm o”, “pessoa”, mas o m esm o que o ente pre sente que já se encontra à base e que é causa. O term o sujei to precisa ser considerado aqui de maneira tão ampla quanto o term o ação. Em tod a dação, portanto , reside um agir, na medida justa m ente em que a dação abarca em si u m acontecim ento con dicionado e efetuado. A “ação” e, antes de tudo, a força são, por tanto, com o K ant diz no prefácio aos “Pro legôm enos”, “conceitos que se seguem... à articulação entre causa e efeito”.222 Não se necessita mais agora de nenhum a explicitação por menorizada, para deixar que se perceba qual é a amplitude da compreensão correta do conceito kantiano da ação para a ela boração do problem a da liberdade. Pois se um “ato livre” é inter pelado discurs ivam ente comó “ação originária”223, então ele nos volta, com isso, para o horizonte do conceito geral de efetuação e de causalidade, que são determ inado s prim ariam ente p or meio da causalidade da natureza. O agir da m atéria não é u m efetuar originário. O agir da pessoa ética é um efetuar originário, isto é, que não provém primeiramente de uma origem, mas que é ele me sm o u m a origem. Assim, a pa rtir do conceito da ação e de seu significado amplo vem à tona a imiscuição do conceito geral de causalidade na determinação da liberdade. Com isso, apreende m os de m ane ira cada vez mais clara o horizonte ontológico geral, no qual se encontra o problema da liberdade para Kant, na m edi da justamente em que a liberdade é uma espécie de causalidade. Com base nessa explicitação do conceito de ação, conquis tamos ainda uma caracterização ulterior e derradeira desse ho rizonte, isto é, daquele acontecimento que aduz as característi cas universais do acontecimento em geral, características essas para as quais o “agir da matéria” é e continua sendo norm ativo. Em meio à transição da primeira para a segunda analogia, nós já vim os como é que, na prim eira analogia, com base na deter 222 Kant, Prolegômenos. Prefácio, p. 4 (V, 258). 223 Kant, Crítica da razão pura, A 544, B 572. 232
minação da permanência como o caráter propriamente dito do objeto da experiência, foi demarcada como mudança a essência do movimento pertinente, possível. Na conclusão da discussão da segunda analogia, então, a mudança mesma é determinada mais detidamente em sua essência com vistas ao fato de se m os trar que: a possibilidade da mudança se funda na continuidade da causalidade da ação. O novo momento, que vem à tona, é a continuidade constância. Esse mom ento estrutural já vinha sendo sempre concomitantemente visado, mas não tinha sido destacado até aqui expressamente enquanto tal. A lei da continuidade de toda mudança fundase na essência do tempo (in tratemporalidade), no fato de o tempo não ser composto por partes, de todas as menores. Toda transição de um estado para o outro, estados esses que podem se dar em dois instantes, sempre acontece ainda em um tempo entre os instantes e pertence, por conseguinte, concomitantemente, à totalidade do tempo da mu dança, razão pela qual toda causa de uma mudança anuncia essa sua causalidade durante o tempo como um todo. Dito de outro modo: a ação da matéria é incessante. Não há nenhum acontecimento repentino como irrupção a partir de um nada anterior puro e simples. Aqui também, o tempo é o fio condutor para a determinação da constância e, em verdade, como o tempo da natureza, tempo da copertinência de algo presente à vista. Nós apresentamos agora suficientemente a concepção kantiana da essência da causalidade. Ela é uma das determinações ontológicas do nexo da presença à vista do ente presente à vista em seu acontecimento. O caráter possível de movimento desse acontecimento da natureza é a mudança, isto é, o evento acontece com base na persistência e ele acontece sob o modo de um agir constante. Os conceitos de ação e de constância são deduzidos primariamente da presença à vista das coisas corporais. Compreendese a observação própria de Kant sobre o primado dessa região do ente junto à apresentação e ao preenchimento intuitivos daquilo que é pensado rias categorias universais. Onde a 233
causalidade é explicitada no sentido geral determinado até aqui, pressupõese aí concomitantemente um ente dotado de um tal modo de ser, a natureza. Ao mesmo tempo, porém, já sempre se acentuou até aqui muitas vezes o seguinte: liberdade é um tipo de causalidade. Nós também já atestamos essa concepção de Kant mas apenas isso. O que falta até aqui? § 21. O lugar sistemático da liberdade em K ant
a) O lugar sistemático como nexo material, que prelineia a direção e a amplitude do questionamento Nós não mostramos onde se encontra, para Kant, a liberdade, isto é, que nexos materiais do problema e que motivações impelem Kant ao problema da liberdade e de que maneira isso acontece. Evidentemente, necessitamos para isso de uma orientação, pois só assim poderemos avaliar como é que a causalidade até aqui explicitada, cujo lugar conhecemos no problema de Kant, se comporta 'em relação à liberdade. Mas essa não é a única razão, nem a razão propriamente dita, pela qual precisamos nos assegurar quanto ao lugar da liberdade no sistema de Kant. Essa razão reside no fato de que nós mesmos tornamos compreensível o problema da liberdade por meio de um ponto de partida e de uma determinação do lugar no interior das perspectivas das questões fundamenta is da metafísica enquanto problema. É de se perguntar por fim e em primeiro lugar, como é que se encontra a nossa determinação locativa em relação à kantiana. Não formulamos essa questão no sentido e com a finalidade de uma comparação historiológica. Queremos elucidar o caráter diverso de nossa problemática a partir da diversidade que sempre se mostra ao mesmo tempo de algum modo como uma concordância; e isso para mostrar juntamente com isso como é que, por meio daí, o positivo do problema Tcantiano é apropriado sob o modo de uma transformação. Se falamos aqui do lugar da liberdade no sistema de Kant, então isso não deve ser tomado em um sentido extrínseco e 234
rígido, como se o sistema fosse uma armadura fixa e uma estrutura composta por gavetas, nas quais problemas e conceitos são respectivamente arrumados em seus devidos lugares. Em verdade, Kant tinha uma grande inclinação para a arquitetônica, e, em verdade, a partir do fio condutor de esquemas conceituais tradicionais. Muito trabalho da investigação e apresentação foi facilitado com isso, mas, do mesm o modo, muitos conteúdos materiais e muitos fenômenos foram velados e vistos de maneira enviesada também. O “lugar sistemático” de um problema é aquele nexo material, que prelineia a direção e a amplitude de um questionamento. Temos em vista com isso simplesmente o nexo material total na problemática da filosofia, de acordo com o qual, respectivamente, é prelineado a cada vez, tal como ele é visto e estabelecido, a direção e a amplitude de um problema. Nesse caso, deixase para esse nexo material mesmo e para o problema prelineado o campo de jogo pleno para outros pontos de partida possíveis para a questão e outras interpretações. Quem está de posse de um sistema no sentido extrínseco do termo ou quem aspira a uma tal distribuição e divisão em gavetas específicas de um suposto saber apaziguado ainda está longe de demonstrar com isso que ele filosofa “sistematicamente”. Ao contrário, o fato de se maldizer um sistema tal como, por exemplo, Kierkegaard se deixou desencaminhar em relação a Hegel não é suficiente para comprovar que o filosofar em seu enraizamento material traz consigo a força do problema. Vimos que o problema da causalidade em Kant tem primariamente o seu lugar no problema da possibilidade da experiência, isto é, do conhecimento hum ano finito do ente presente à vista mesmo. Onde se encontra, então, para Kant, a liberdade, isto é, qual é o nexo material do problema, a partir do qual o pro blema da liberdade por assim dizer se ergue? Essa problemática não se acha em uma conexão necessária com o nexo da possibilidade da experiência? Tratase de um e mesmo nexo ou de um completamente outro? 235
É decisivamente significativo para a compreensão do problema kantiano da liberdade e, por conseguinte, para a confron tação com ele, que se veja o seguinte: 1. Kant é conduzido para a liberdade por dois contextos de problemas completamente diversos. 2. Os dois caminhos que levam à liberdade são para Kant igualmente necessários de acordo com o solo universal, a partir do qual se determina para ele a problemática da filosofia. Os dois caminhos se copertencem no interior de todo o problema da metafísica. É preciso mostrar agora esses dois caminhos. E, em verdade, não apenas para conquistar outros conhecimentos acerca da filosofia kantiana, mas para configurar de maneira mais rica e mais originária as perspectivas inerentes ao questionamento filosofante. Com certeza, também é importante aqui e aqui com maior razão o fato de nós precisarmos abdicar de uma interpretação temática e completa. Por isso, também nos vemos obrigados a trabalhar com certas versões toscas e rudimentares. O caráter falho que é intrínseco às exposições seguintes, porém, ainda se deve a uma razão totalmente diversa, que não temos como afastar por enquanto efetivamente: hoje, ainda estamos longe de levar o problema da metafísica à transparência e originariedade necessárias para que a problemática kantiana possa ser dominada de maneira positivamente crítica em uma confrontação derradeira e total, isto é, para que possamos compreender Kant de maneira filosofante. Pois isso não acontece jamais em um a assim chamada interpretação correta de Kant. No problema da metafísica em geral e enquanto tal, os dois caminhos que levam Kant à liberdade se confluem. Mas é precisamente esse nexo, que permanece problemático no próprio Kant; e, em verdade, a tal ponto que o próprio Kant não consegue mais ver esse problema, assim como ele não tem tampouco os meios para despertálo. A razão para tanto reside no fato de que mesmo em Kant a questão diretriz tradicional da metafísica: o que é o ente?,, não se reconfigura e se transforma na questão fundamental que cònduz e suporta 236
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essa questão diretriz: o que é o ser? Reside aí ao mesm o tempo a questão: em que se funda a possibilidade e a necessidade originárias da manifestabilidade do ser? b) Os dois cam inhos para a liberdade em Kant e a problemática tradicional da metafísica. O lugar da questão da liberdade no problema da possibilidade da experiência como a questão acerca da possibilidade da metafísica propriamente dita Nós nos deparamos em Kant com uma redeterminação ra dical da essência da ontologia, sem a qual, por exemplo, a ló gica de Hegel não teria sido possível. E, contudo, vista em seu todo, essa redeterminação da ontologia é uma fixação renovada do ponto de partida da antiga questão acerca do ser. À luz dessa questão fundamental da filosofia, por isso, é completamente in justificado colocar Kant em oposição à Antiguidade, em particular em relação a Aristóteles, tal como aconteceu no século 19 em meio ao Neokantism o, que viu em Kant uma teoria do conheci mento por ele contraposta a uma teoria do conhecimento supos tamente diversa; uma contraposição, que se acolheu avidamente, por outro lado, junto à Neoescolástica, a fim de inviabilizar late ralmente o acesso à Antiguidade. Os dois caminhos, então, nos quais Kant é conduzido para a liberdade como problema, são os seguintes. O primeiro, que tam bém foi historicamente aquele que Kant percorreu em primeiro lugar, conduz por sobre o nexo do problema, no interior do qual o problema da causalidade foi discutido: possibilidade da experiência como conhecimento fin ito do ente. O que levou Kant a essa questão? Nada menos do que a questão acerca da possibilidade da metafísica ; e metafísica tomada no sentido imediatamente tra dicional. D e acordo com isso, metafísica significa, considerada em seu significado originário, o conhecimento do ente supras sensível, isto é, do ente, que se encontra além e do ente na me dida em que ele se encontra além do sensível, além daquele ente 237
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que é acessível à experiência. Para a metafísica tradicional, pela qual Kant se orienta em sua crítica, esse ente suprassensível é determinado pelos três títulos: alma, mundo, Deus. Alma e, em verdade, com vistas àquilo pelo que o homem tem um interesse particular, e em relação à sua simplicidade, isto é, indestrutibili dade, ou seja, imortalidáde. Mundo isto é, a natureza presente à vista em sua totalidade e Deus como fundamento e autor de todo ente. A alma (ψ ) é objeto da psicologia, o mundo (todo da natureza κόσμος), objeto da cosmologia, e Deus (θεός), objeto da teologia. Em meio ao questionamento metafísico acerca da alma, do mundo e de Deus, tratase de um questionamento que procura determinar a essência de tudo aquilo que é denominado, que gostaria de indicar todas as determinações empíricas casuais. Conhecimento não empírico, porém, é conhecimento racional para a metafísica tradicional, conhecimento a partir da mera razão, da razão pura. Livre da experiência, o puro pensar procede / a partir de meros conceitos. É apenas nessa medida que aque las três disciplinas citadas acima pertencem à metafísica e, em verdade, são elas que constituem a metafísica propriamente dita: psicologia racional, cosmologia racional e teologia racional. Perguntar sobre a essência da metafísica significa demarcar a sua possibilidade interna e distinguila, delimitála em relação àquilo que não lhe pertence, traçando os seus limites κρίνεΐν. Determinação da essência da metafísica é a crítica, aquilo que a razão pura consegue com vistas a um conhecimento total do ente. Pois bem, era a convicção mais íntima de Kant o fato de que a metafísica enquanto questionamento acerca das três direções citadas é uma “disposição natural”224 do hom em essas direções “emergem... da natureza da razão humana universal”.225 A “razão pura” humana “lança para si” esse questionamento acerca 224 Kant, Critica da razão pura, B21. 225 Op. cit., B22. 238
de Deus, do mundo, da alma e ele é “impelido pela necessidade própria” de “responder a ela de maneira tão boa quanto possível”.226 Daí vem à tona o seguinte: se e até que ponto essas questões são ou não respondidas, elas pertencem à natureza humana e, em verdade, tanto com vistas ao seu fundamento, com vistas à razão pela qual elas são formuladas, quanto com vistas à necessidade de uma resposta para elas. Em que medida essas perguntas se fundam na natureza humana universal? Como é que Kant demonstra essa afirmação? Como é apenas que elas podem ser demonstradas? Ora, simplesmente por meio de um aceno para a própria natureza humana. Por mais desconfortável que seja esse estado de fato relativo à interpretação de Kant mais antiga e atual, não é possível alijar esse estado de fato fundamental por meio de nenhuma arte da interpretação ou mesmo apenas atenuálo em seu significado, de tal modo que mesm o a fundamentação da metafísica propriamente dita não é outra coisa senão um retorno à natureza humana: O m odo e a legitimidade da fundamentação kantiana, porém, depende a princípio e em última instância da originariedade, da adequação e da completude de sua interpretação do homem com vistas à fundamentação da metafísica. Um questionamento a tal ponto necessário acerca do homem, naquilo que e como ele precisa se mostrar, não pode se mostrar nem como psicologia, nem como teoria do conhecimento, nem como fenom enologia da consciência e das vivências, nem como antropologia. O caráter próprio dessa interpretação do homem só tem como se determinar suficientemente, se anteriormente e ao mesmo tempo se clarificar de maneira radical a tarefa, a cuja possibilitação ela serve: a tarefa da própria metafísica. Portanto, não se pode empreender a princípio de maneira firme e zelosa uma teoria do conhecimento ou uma fenomenologia da consciência ou uma antropologia, e, em seguida e ocasionalmente, meditar sobre o modo como as coisas estariam dispostas 226
Idem.
em relação à metafísica. Por mais seguro que Kant se encontre na realização de seu empreendimento “crítico” no sentido mais restrito, as bases de sua fundamentação da metafísica são tanto mais inseguras e indeterminadas. Em todo caso, porém, e esse ponto é aqui o decisivo: para a demonstração dos três direcionamentos e âmbitos de questionamento, Kant precisa recorrer à natureza humana. Em outras palavras: ele já não toma essa natureza de modo algum radicalmente a partir de si mesmo, mas já a vê a partir da orientação pelos assim chamados três âmbitos de questionamento, que se encontram para ele, de maneira con sonante com a tradição, fora de questão. É apenas olhando antes para esses âmbitos que ele olha para a natureza do homem. Abstraindose totalmente da interpretação do próprio homem, portanto, já reside aqui um ponto de partida totalmente determinado do homem, a saber, tal como o Cristianismo o vê. Esse ponto de partida, porém, não é desde o princípio necessário em termos filosóficos, com o que não se está naturalmente afirmando que a essência do homem poderia ser determinada de maneira igualmente absoluta e em si solta no ar, algo em que ainda se acredita hoje em muitos âmbitos. Só uma coisa se segue de tudo isso: é preciso meditar sobre o fato de que o pro blema do homem abriga em si dificuldades inerentes à própria problemática, abstraindose completamente de seu respectivo conteúdo histórico. Ao mesmo tempo, ainda estamos muito longe de ao menos pressentirmos algo desse fato (metafísica do seraí). A própria natureza humana, diz Kant, a saber, como ser racional, “lança para si” a questão acerca de Deus, mundo, alma. O que constitui nesse caso o elemento correntemente peculiar a essas questões, abstraindose completamente da diversidade do conteúdo material pelo qual elas perguntam? Se o hom em enquanto ser racional vê desse modo essas questões, o que a razão tem aí em geral “em mente”? Na questão acerca da imortalidade da alma, a alma é representada em geral com vistas àquilo que ela determina na completude de sua unidade, 240
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simplicidade e indestrutibilidade, ou seja, na totalidade de seu ser e de sua essência. Se perguntamos sobre o mündo, então a razão tem em mente justamente o todo do ente presente à vista segundo o início e o fim. Se perguntamos sobre Deus, então se tem com maior razão o todo derradeiro do ente diante dos olhos. A razão visa nessa representação da totalidade à unidade e à completude do representável e daquilo com o que o homem se relaciona enquanto tal. Representações de algo são, para Kant, conceitos. Conceitos, contudo, que representam no universal aquilo que eles representam, m esmo a totalidade de algo em geral, são conceitos que se mostram como próprios à razão de uma maneira particular, à razão como aquela faculdade que representa algo em seu início e em seu desfecho, isto é, em seu “princípio”. É próprio à razão enquanto unificação dos princípios essas representações de algo na totalidade, os conceitos da razão ou, como Kant os denomina, as ideias. Segundo Kant, a ideia. é “o conceito da razão sob a forma de um todo, na medida em que, por meio desse conceito, é determinada a priori a abrangência do múltiplo, assim como a posição das partes entre si”.227 As ideias “contêm uma certa completude, para a qual não é suficiente nenhum conhecimento empírico possível, e a razão tem aí apenas uma unidade sistemática no sentido que ela busca se aproximar da unidade empírica possível, sem jamais alcançála completamente”.228 Kant procura, então, até mesmo em uma relação evidente com os três direcionamentos tradicionais da questão que são inerentes à metafísica propriamente dita, fundamentar a partir da natureza do homem três direcionamentos fundamentais da representação no sentido das ideias. Ideias possuem o caráter universal da representação de algo. Representar referese sempre a algo. Todas as ligações possíveis do representar podem 227 Op. cit., A 832, B 860. 228 Op. cit., A 567eseg., B 595eseg. 241
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ser reconduzidas a três direcionamentos fundamentais: “Ora, considerada em sua universalidade, toda ligação, que nos sas representações podem ter, se mostra como 1. a ligação ao sujeito, 2. a ligação ao objeto, e, em verdade, ou bem como fen ôm enos, ou bem como objetos do pensar em geral”.229 De acordo com isso, podemos formar aqui uma ideia: 1. Na direção da representação do sujeito, 2. Na direção da representação do múltiplo do objeto no fenômeno, 3. Na direção da representação de todas as coisas em geral. A partir desses três direcionam entos fundam entais de um possível representar em geral vêm à tona três classes de ideias como representações de algo em geral com vistas à sua totalidade. A prim eir a desentranha a totalidade e a unidade incondicionadas do sujeito; a segunda, a unidade e a totalidade do múltiplo dos fenômenos, dos quais sabemos agora que eles formam Uma série contínua de condições e condicionados; a terceira, a unidade absoluta da condição de todos os objetos do pensar em geral. Em articulação imediata com essa dedução da triplicidade da representação possível das ideias, Kant menciona as três disciplinas tradicionais da metaphysica specialis. § 22. Causalidade por liberdade. Liberdade como ideia cosmológica
a) O problema da liberdade emerge do ou com o problema do mundo. Liberdade com o m odo insigne da causalidade natural Nós dissemos que o prim eiro caminho para a questão acerca da liberdade passa pelo problem a da possibilidade da experiência como a questão acerca da possibilidade da metafísica, que abarca como metafísica propriamente dita as três disciplinas citadas. A uma dessas disciplinas, por conseguinte, precisa pertencer o 229 Op. cit., A 333, B 390eseg. 242
problema da liberdade. A questão acerca da liberdade vem ao encontro posteriormente à questão acerca da possibilidade da metafísica propriamente dita. Em que disciplina ou em que classe de ideià emerge, então, a ideia da liberdade? Nós conhecemos a liberdade como condição fundamental e caráter da pessoa eticamente agente, ou seja, do sujeito propriamente dito na subjetividade e na egocidade do homem. Do “sujeito pensante”230, porém, no sentido do representar das ideias desse sujeito, trata a psicologia racional. Liberdade é, tomada ge nuinamente, liberdade da vontade como uma faculdade da alma. Liberdade é um “conceito psicológico”. Portanto, é na psychologia rationalis que se encontrará também a ideia da liberdade. Não obstante, é em vão que a procuramos aí. A liberdade não é nenhuma ideia psicológica. Assim, somos levados a refletir sobre o fato de que, por fim, o homem só é condicionadamente e não pro priamente livre e que, por fim, liberdade é a distinção do ser supremo entre todos os seres, Deus. Ao mesmo tempo, tratase aqui de uma ideia teológica que se encontra na theologia rationalis. Mas também se procura em vão a liberdade na theologia rationalis. A liberdade está muito mais lá onde, em última instância, nós m enos esperaríamos: ela é uma ideia cosmológica. Ela emerge no contexto do problema do mund o, sendo que Kant com preende por “mundo” a “quintessência de todos os fenômenos”231 (natureza e cosmos), portanto, a quintessência do ente presente à vista, na medida em que ele é acessível a um conhecimento humano finito. É de um significado decisivo ver de maneira totalmente clara em que posição da metafísica propriamente dita se encon tra a ideia da liberdade. Assim, Kant nos diz em uma observação à terceira seção do primeiro livro da dialética transcendental (“sistema das ideias transcendentais”): “A metafísica não
230 Op. cit., A 334, B 391. 231 Idem. 243
tem por finalidade propriamente dita de sua pesquisa senão três ideias: Deus, liberdade e im ortalidade”.232 Não ganha aqui uma expressão clara apenas o fato de que o problema da liberdade, tomado metafisicamente, é para Kant um problema cosmológico, mas também o fato de que a ideia de liberdade, por sua vez, assume ela mesma um primado entre as outras ideias cosmológicas. O importante agora é mostrar de maneira mais detida como é que o problema da liberdade emerge do problema do mundo ou enquanto o problema do mundo. Podemos já antecipar agora uma coisa: se a liberdade possui o seu lugar no contexto do problema do mundo, mas mundo significa a quintessência e a totalidade dos fenômenos e de sua série, assim como a unidade dos fenômenos acessível de acordo com a experiência é determinada, porém, em seu contexto pela causalidade e, em verdade, pela causalidade segundo a natureza, então a liberdade pertencente ao problema do mundo está inserida em uma conexão maxim amente estreita com a causalidade natural ; e isso mesmo se a liberdade fqr distinta enquanto um tipo particular de causalidade da cau salidade da natureza. Pois, nesse caso, ela é distinta justamente em relação à causalidade natural e aquilo em relação ao que ela é distinta codetermina ao mesmo tempo por si na distinção aquilo que precisa ser apartado dela. A liberdade emerge, para dizer de maneira breve, como um modo insigne da causalidade natural. Se as coisas não se mostrassem assim, então não haveria nenhuma possibilidade de apreendêla como ideia cosmológica, isto é, como uma ideia ligada essencialmente à natureza, ou seja, à totalidade da natureza. Ideias são puros conceitos da razão, isto é, representações de algo em geral segundo o princípio fundamental da razão. Esse princípio é “o princípio da unidade incondicionada”.233 232 Op. cit., A 337, B 395 Observação. A enumeração geral é: Deus, mun do, alma. Ao invés de mundo, temos agora liberdade; “alma”: imortalidade. 233 Op. cit., A 407, B 433. 244
A razão, então, faz valer esse seu princípio em cada uma das três direções introduzidas da representação. No campo da representação de objetos como fenômenos, isso significa que a razão exige a representação da totalidade absoluta da síntese dos fenômenos, isto é, a representação da completude incondicionada da unidade do nexo do ente presente à vista. Se, então, consideramos a razão nessa representação exigida por ela, então “mostrase um novo fenôm eno da razão humana”, um natural “conflito entre as leis (antinomia) da razão pura”234, uma dissonância naquilo que a razão pura enquanto tal precisa estabelecer necessariamente. Ao mesmo tempo, precisamente se o princípio da razão se torna manifesto e mostra o seu caráter de princípio, precisamente nesse caso se anunciam “as cenas de dissonância e discórdia”235. Em face de tais declarações de Kant sobre a razão pura, seria simplesmente cegueira e ignorância, se falássemos de maneira fantasiosa e em delírio sobre uma razão pura absoluta e desconsiderássemos que precisamente o conceito de razão em Kant não é nunca apenas o conceito de uma razão humana, mas anuncia ao mesmo tempo a mais profunda finitude do homem e não apresenta, por exemplo, como se interpreta de maneira ex trínseca e falseadora, um traço de infinitude. É só aparentemente que a razão é em sua representação, ou seja, em seus conceitos, superior ao entendimento como a faculdade propriamente dita dos conceitos. No fundo, o que se tem é o inverso; a razão em seu modo de representar é apenas um excesso ilegítimo da essência em si já finita do entendimento , e, com isso, com maior razão ainda, uma finitização, uma “impureza”236, se é que uma representação ilegítima é um sinal de ultrapassagem dos limites e de desm edida, ou seja, uma característica da finitude. Esse ex cesso ilegítimo, porém, não se torna de maneira alguma o sinal 234 Op. cit., A 407, B 434. 235 ídem. 236 Op. cit., A 464, B 492. 245
de uma infinitude por meio do fato de que ele é ainda até mesmo necessário para a natureza humana enquanto tal. Ao contrário, o que é comprovado por meio daí é o fato de sua finitude não ser nenhuma finitude arbitrária e casual, mas sim uma essencial. Kant acentua expressamente que seria necessário observar o seguinte: é só a partir do entendimento que podem surgir conceitos puros, transcendentais, “que a razão não gera propriamente nenhum conceito, mas apenas liberta em todos os casos o conceito do entendimento das restrições inevitáveis de uma experiência possível, buscando, assim, ampliálo para além dos limites do empírico, embora em articulação com ele”.237 Libertar das restrições, no entanto, ainda está longe de se mostrar como uma superação da finitud e. Ao contrário, só pode haver efetivamente finitização, se essas restrições pertencerem à consistência essencial do conhecimento humano e se as tentativas de supressão das restrições conduzirem à ruína da razão! Nós não deduzimos daí apenas a finitude mesmo da razão pura, mas, ao mesmo tempo, o fato de que os conceitos da razão, as ideias, não se ligam nunca diretamente ao ente acessível enquanto tal, mas imediatamente, de acordo com sua origem, apenas ao uso do entendimento. “A direção de uma unidade certa” é prescrita ao entendimento pelas ideias.238 O uso do entendimento no campo da experiência, isto é, no campo do conhecimento dos objetos como fenômenos, anunciase nos princípios da experiência, aos quais também pertencem as analogias, as regras da unidade do nexo (síntese) da multiplicidade dos fenômenos. b) A ideia da liberdade com o “conceito transcendental de natureza”: causalidade natural absolutamente pensada O que significa, então, fazer valer essas determinações do entendimento em relação ao seu princípio, “ó princípio da unidade 237 Op. cit., A 409, B 435eseg. 238 Op. cit., A 326, B 383. 246
incondicionada”239? No fenômeno aparece a multiplicidade do ente presente à vista no nexo de sua presença à vista; nessa reside um acontecimento, uma mudança, a conseqüência de ocorrências, isto é, um nexo dirigido de condições e de algo condiciona do. Se a razão faz valer o seu princípio, então ela requer sob a exi gência da totalidade absoluta o progresso de uma condição para a outra até o incondicionado. Sua sentença fundamental é aqui, de acordo com o seu princípio, a seguinte: “se o condicionado é dado, então também é dada toda a som a das condições, incluindo aí o pura e simplesmente incondicionado, por meio do que apenas aquele condicionado se tornou possível”.240 Se a razão representa a completude da série das condições, então ela segue em frente no interior da série da seqüência de condições e do condicionado e retorna na direção da condição, sem descer e subir na direção das conseqüências, “porque, para a concepção plena daquilo que é dado no fenômeno, nós precisamos dos fu ndamento s, mas não das conseqüências”.2*1 Dito de passagem, isso é em todos os casos válido no interior e para o nexo processual na natureza corpórea, mas não é válido de modo algum para a história, pois uma ocorrência histórica é compreendida em termos essenciais precisamente a partir de suas conseqüências. Para um evento histórico, as con seqüências não são aquilo que nós designamos com o termo, algo ulterior e atrelado, mas, em termos essenciais e, por isso, também categoriais, algo que precisa ser determinado de um modo diverso de uma conseqüência. Nisso reside ao mesmo tempo o fato de que o passado histórico não é determinado por sua posição no sido, mas por meio das possibilidades de seu futuro. Não algo por vir, que se tornou um evento e uma conseqüência depois da entrada em cena de um acontecimento. Ao 239 Op. cit., A 407, B 433. 240 Op. cit., A 409, B 436. 241 Op. cit., A 411, B 438. 247
contrário, determinante é aqui algo por vir enq uan to possível. Por isso, uma história do presente é um contrassenso. O fato de Kant não ter atentado para toda essa dimensão diversamente configurada do ente e, no fundo, não conhecêla, é indiretamente uma prova de como o campo dos fenômenos eqüivale para ele ao âm bito do ente presente à vista, da natureza em sentido mais amplo. “As ideias cosmológicas, portanto, (os conceitos da razão dotados da plenitude do nexo dos objetos como fenômenos) ocupam se com a totalidade da síntese regressiva e caminham in antecedentia, não in consequentia”.242 Agora, então, vimos junto à discussão do princípio da causalidade, que esse princípio está ligado expressamente enquanto um princípio dinâmico a ocorrências, o que significa, à série de acontecimentos dos fenômenos. A razão, portanto, visa precisamente aqui à unidade e à completude dessa série. O nexo das séries, isto é, a relação do condicionado com a condição, é determinado pelo ser causado do condicionado, isto é, por meio do ser causa das condições, por meio da causalidade, que deixa acontecer e emergir uma série de fenômenos. Uma representação da unidade incondicionada dessa série, da relação causai, se elevará, por conseguinte, a algo incondicionado e representará: “A completude absoluta do surgimento de um fenômeno”.243 A representação por parte da razão de uma causalidade incondicionada é a representação de um ser causa que, enquanto tal, não remonta mais a algo precedente, junto ao qual ele, por seu lado, se inicia, mas ao antecedente que inicia ele mesmo pura e simplesmente a série. A representação pela razão de uma causalidade incondicionada nos coloca diante de uma ação originária244, “uma ação que é ela mesma uma origem”, uma ação, um alçarse por si à produção de um efeito, um 242 Idem. 243 Op. cit., A 415, B 443. 244 Cf. op. cit., A 544, B 572.
livre agir. O conceito de razão dessa causalidade incondicionada, que busca representar a unidade dada e a cada vez passível de ser dada dos fenômenos em sua completude, está ligado a algo que torna possível a priori a totalidade do fenômeno, algo transcendental, uma representação de liberdade no sentido transcen dental: ideia da liberdade transcendental. Liberdade como uma espécie de causalidade está ligada à totalidade possível da série de acontecimentos dos fenôm enos em geral. A ideia da liberdade é a representação de algo incondicionado dinâmico que diz respeito à completude do nexo da presença à vista de um fenômeno, isto é, um “conceito transcendental da natureza”.245 Com isso, de uma maneira a princípio rudimentar, percorremos o primeiro caminho, no qual Kant se depara com a liberdade. Esse caminho não caracteriza as motivações historiológicas e as reflexões pessoais de Kant, motivações e reflexões por meio das quais ele chegou à liberdade, mas o nexo material entre a ideia de liberdade e o problem a da possibilidade do conhecimento finito. Esse caminho até a liberdade, por isso, mostra ao mesmo tempo como e como o que a liberdade é estabelecida. Liberdade não é outra coisa senão a causalidade da natureza absolutamente pensa da, ou, como Kant mesmo o diz de maneira precisa, um conceito da natureza, que transcende a experiência como um todo.246 Por meio daí, ele não perde o caráter fundamental de um conceito da natureza, mas esse caráter é mantido e é ampliado e elevado precisamente em direção ao incondicionado. § 23. Os dois tipos de causalidade e a antitética da razão pu ra na terceira antinomia
O conceito, que é propriamente representado na ideia da liberdade transcendental, a causalidade, é produzido pelo 245 Cf. op. cit., A 420, B 448. 246 Cf. op. cit., A 420, B 447eseg. Além disso, A 327, B 384; A 496, B 525. 249
entendimento e pertence às determinações essenciais de uma natureza em geral. O que a representação da razão empreende é apenas a ampliação em direção ao incondicionado. Mas essa ampliação em direção ao incondicionado torna manifesto agora ao mesmo tempo uma discórdia interna da razão. Essa ampliação da representação em direção ao incondicionado traz ela mesma consigo uma discórdia da razão pura. A ideia cosmológica da completude absoluta do surgimento de um fenômeno247 abre em seu próprio desdobramento em direção a proposições a contenda entre uma proposição e o seu oposto. Nessas proposições vem à tona, por sua vez, um conceito que Kant concebe como liberdade transcendental. As duas proposições doutrinárias que se encontram em discórdia são proposições que não dizem respeito as duas a questões arbitrárias, mas se mostram como proposições tais “com os quais precisa se deparar necessariamente toda e qualquer razão humana em seu progresso”,248 proposições doutrinárias das quais cada uma porta em si juntamente com o seu oposto “uma aparência natural e inevitável”. As duas sempre se apresentam por si uma vez mais de maneira inesgotável como sendo a verdade, ainda que se as tenham desmascarado. Na medida em que as duas se encontram contrapostas em termos de conteúdo e em que as duas se fazem valer a cada vez com o mesmo direito como verdadeiras, elas se encontram em uma competição constante e necessária. Deixar ver essa competição e, com isso, a competição interior essencial à razão humana enquanto tal é papel da antitética transcendental. Essas proposições doutrinárias competitivas, mas necessárias para a razão humana, são denominadas por Kant “pseudoracionais”249; elas não podem nem esperar por confirmação, nem temer uma refutação em meio à 247 Op. cit., A 422, B 449. 248 Op. cit., A 422, B 449. 249 Op. cit., A 421, B 449. 250
experiência. A razão pura humana, porém, permanece “inevitavelmente submetida” ao seu conflito.250 A proposição tem ao seu lado para a sua afirmação razões tão válidas e necessárias quanto o seu oposto.251 A ideia transcendental da liberdade encontrase na origem de um conflito da razão pura, do qual Kant trata, na disposição das quatro antinomias, na terceira antinomia. Essa é a antinomia no conceito da razão que diz respeito à totalidade incondicionada do surgimento de um fenômeno. Tratase agora, portanto, da representação da completude de todos os fenôm enos com vistas ao seu surgimento, isto é, à sua condicionalídade causai. Se a razão pura tenta representar algo desse gênero, então ela chega às duas proposições seguintes252: 1. “A causalidade segundo leis da natureza não é a única, a partir da qual os fenôm enos do mundo podem ser deduzidos em seu conjunto. É necessária ainda uma causalidade por liberdade para a explicação desses fenômenos”. 2. “Não se trata de nenhum a liberdade, mas tudo no m un do acontece simplesmente segundo leis da natureza”. Essa segunda proposição estabelece o oposto daquilo que é dito em primeiro lugar. Kant o denomina a antítese em relação à primeira proposição como tese. Para as duas proposições, Kant oferece a cada vez uma prova; provas, que devem mostrar o fato de que na e para a razão pura as duas proposições são igualmente verdadeiras e fundamentáveis. Às provas se segue, então, a cada vez uma observação à tese e à antítese. As provas das proposições são indiretas, isto é, elas partem da suposição do oposto do que é estabelecido na proposição a ser comprovada.
250 Idem. 251 Cf. op. cit., A 420esegs., B 448esegs. 252 Op. cit., A 444esegs., B 472esegs. 251
a) A tese da terceira antinomia. A possibilidade da causalidade por liberdade (liberdade transcendental) ao lado da causalidade segundo a natureza na explicação dos fenôm enos do m undo com o um problema universalmente ontológico Supondo que não haja nenhuma outra causalidade senão a causalidade segundo a natureza, então tudo aquilo que acontece pressupõe um estado anterior, ao qual ele invariavelmente se segue segundo uma regra. Pois bem, o estado anterior mesmo precisa ser algo que aconteceu e veio a ser no tempo e que antes disso não era. Pois se o anterior, como algo que causa, tivesse estado todo o tempo presente, então sua conseqüência também não teria surgido em primeiríssimo lugar, mas sempre teria sido. O ser causa de um acontecimento é sempre ele mesmo algo que aconteceu e tudo o que acontece é sempre ele mesmo algo acontecido e tudo o que acontece aponta de volta para algo que é sem pre ainda mais antigo, ou seja, todo início é apenas “subalterno”253 em relação a algo anterior, subordinado em relação a algo antecedente. Portanto, não há nen hum início primeiro na série de derivação das causas. “Agora, poréip, existe justamente aí a lei da natureza: a lei segundo a qual nada acontece sem uma causa suficiente determinada a priori”.254 Mas precisamente essa lei da natureza na causalidade não conduz a nenhum início primeiro, a nenhuma causa suficiente determinante. A lei da causalidade contradiz a si mesma naquilo que ela exige e oferece. Portanto, no que concerne à representação necessária da completude do surgimento dos fenômenos, a causalidade segundo a natureza não pode ser a única. Por conseguinte, tornase necessária a suposição de uma causalidade, em cujo ser causa a causa não seja mais determinada por uma causa anterior. O ser causa da causa precisa ser enquanto tal por ele mesmo o que ele é, a fim de iniciar por si mesmo enquanto 253 Cf. op. cit., A 444, B 472. 254 Op. cit., A 446, B 474. 252
tal uma série de fenômenos que transcorre segundo leis da natureza. Um tal ser causa, um tal iniciar pura e simplesmente por si mesmo, é espontaneidade absoluta, isto é, liberdade transcendental que se lança para além da série das causas naturais. Sem ela, a ordem serial dos fenômenos nunca é completa. Na observação articulada com a tese, então, Kant caracteriza de maneira mais pormenorizada o conceito de liberdade que emerge na tese e o seu significado. Ao m esmo tempo, ele explicita tudo aquilo que, então, é comprovado juntamente com a prova da tese no que concerne ao ser do mundo e como seria preciso compreender o “primeiro início” de uma ordem serial determinada por liberdade. O conceito de liberdade transcendental que emerge na tese não esgota, em verdade, “todo o conteúdo do conceito psicológico dessa assim chamada liberdade transcendental, [conteúdo] esse que é em sua maior parte empírico”.255 O que significa essa distinção entre o conceito transcendental e o conceito psicológico de liberdade? No conceito psicológico, representase uma alma, uma faculdade da alma, uma vontade qüe é pensada livre, ou seja, um ente totalmente determinado, ao qual não acedemos de maneira alguma a partir da mera representação de um ente, de um ente presente à vista, mas que precisa ser dado para nós. O conceito transcendental de liberdade, em contrapartida, emergiu no contexto da questão acerca da completude dos fenômenos, do ente presente à vista em geral, abstraindose totalmente de como esse ente é segundo o seu conteúdo material. A liberdade transcendental é um conceito ontológico geral, a liberdade psicológica é um conceito regionalmente ontológico.256Mas o ontológico em geral encon255 Op. cit., A 448, B 476. 256 “Geral” não significa aqui “formal”, mas visa àquilo que advém a toda região enquanto região do ente em termos de determinações ontológicas. Aqui só se chega a uma explicitação provisória.
trase justamente enquanto tal em tudo o que é regionalmente ontológico, e ele constitui junto ao conceito psicológico de liberdade a dificuldade propriamente dita. Por isso, Kant nos diz: “Aquilo, portanto, na questão acerca da liberdade da vonta de, que a razão especulativa estabeleceu desde tempos imemoriais em um impasse tão grande, só é propriamente transcen dental, e diz simplesm ente respeito ao fato de se uma faculdade precisaria ou não ser assumida para que uma série de coisas ou estados sucessivos se iniciasse por si mesma”.257 Em suma, o problema da liberdade, a liberdade da vontade no particular, é propriamente um problem a ontológico geral no interior da ontologia da presença à vista do ente presente à vista em sentido absolutamente amplo, em si, segundo o conteúdo propriamente dito do problema, isto é, não talhado com vistas a um ser volitivo e em geral espiritual. As coisas não se dão de maneira alguma de tal modo, por exemplo, que Kant estabeleceria o ser livre, em verdade, como caráter de um ser espiritual, mas trataria desse ser, então, no horizonte da presença à vista. Ao Contrário, a presença à vista do ente presente à vista mesmo e enquanto tal natureza e ser natural desdobra em si o problema de uma “ação livre”. Nós retornaremos a essa tese de Kant que esclarece tudo e tomaremos Kant ao pé da letra. Em termos gerais, já é possível ver uma coisa: com a mudança fundamental do problema da ontologia alterase o problema da liberdade. A única coisa que pode se mostrar como um problema segundo Kant é se algo do gênero da espontaneidade absoluta precisaria e poderia ser assumido no interior do ser e em relação ao ser do ente presente à vista em sua totalidade (mundo). Como uma tal causalidade seria possível, é tão difícil de compreender quanto como é possível a causalidade da natureza. Pois também em relação à sua possibilidade, nós precisamos nos contentar com a compreensão do fato de que ela é necessária 257 Op. cit., A 449, B 477. 254
como condição de possibilidade da experiência e, com isso, do objeto da experiência. O que, afinal, assim pergunta Kant em seguida na observação à tese, é comprovado na prova dessa tese? Propriamente só se definiu a necessidade de um início puro e simples para a com preensibilidade do mundo, da totalidade dos fenômenos, isto é, um início do mundo a partir da liberdade. Em contrapartida, o mundo que um dia com eçou permanece algo em si efetuado sob a coerção de causas naturais. Isso só deixa em aberto a possibilidade de colocar o decurso de todas as outras ocorrências do mundo completamente sob a causalidade da natureza e sob a sua necessidade. Não obstante, porque agora se comprova de fato a capacidade de se iniciar uma série no tempo, por mais que ela não seja reconhecida, “também nos é permitido daqui por diante”, em pleno curso do m undo, “deixar séries diversas... começarem por si mesmas”, isto é, acolher algo presente à vista, substân cias às quais é aduzida a capacidade de “agir por liberdade”.258 Em outras palavras, com base nessa prova não é impensável que haja no interior do ente presente à vista e em meio ao decurso do seu acontecimento um ente que venha a agir livremente. Também nesse ponto não há nada definido quanto a se são os ho mens ou outros seres, mas, de acordo com o conceito ontológico geral da ação, isso não significa senão que, no interior do decurso do acontecimento do ente presente à vista, algo pode se iniciar completamente por si mesmo. Esse autoinício, porém, não precisa ser nenhum início puro e simples “segundo o tempo”, isto é, ele não exclui o fato de, segundo o tempo, algo diverso ter se mostrado como antecedente e a ação livre se seguir ao antecedente, apesar de não “suceder” a partir do precedente. Por exemplo, diz Kant, quando eu agora “me levanto de maneira completamente livre... de minha cadeira”259, algo pura e simplesmente se inicia no 258 Op. cit., A 450, B 478. 259 Idem. 255
mundo de acordo com a causalidade, não de acordo com o tem po e, com isso, se inicia uma série de outras ocorrências que se seguem daí. “Pois essa resolução e esse feito não residem de maneira alguma no decurso de meros efeitos naturais”.260 Kant oferece por fim ainda um aceno historiológico para a filosofia antiga, cuja explicação do mundo, abstraindose de exceções, também se projeta para além da série de causas naturais em direção a um primeiro motor assim acontece, sobretudo em Aristóteles, com πρώ τον κ ιν ο ΐν α κ ίνη το ν (primeiro m otor imóvel). O modo de ser do movimento desse motor imóvel não é naturalmente esgotado, sim, nem m esmo tocado por meio da espontaneidade absoluta, por meio do despontar sem início, κ ινεί ώ ς έρώ μενον (move com o coisa amada). Isso é justamente uma ratificação da necessidade da razão, tal.como ela se expressa na representação de uma completude incondicionada do surgimento dos fenômenos. É de grande importância atentar para o fato de que a tese e sua prova estão completamente de acordo com a razão pura e com suas reflexões entregues a si mesmas e não possuem nada de imposto e artificialmente inventado. Kant quer dizer com isso que o que é estabelecido na tese e o que é comprovado por meio da prova é pensado e afirmado em seu conteúdo e no modo de condução da prova nas reflexões da razão humana comum em suas mais diversas modulações. Ora, o mesm o vale, então, para a antítese, que afirma o contrário, uma afirmação que se comprova com o tão concludente quanto verdadeira. b) A antítese da terceira antinom ia. A exclusão da liberdade da causalidade do curso do m undo “Antítese: não há nenhuma liberdade, mas tudo no mun do acontece pura e simplesmente segundo leis da natureza”.261 260 Idem. 261 Op. cit., A 445, B 473. 256
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A prova também é aqui indireta, fundamentada com a suposi ção do contrário, ou seja, com a suposição da verdade da tese. Se, com isso, na prova da antítese, a verdade do oposto da tese é comprovada, então a contenda das duas proposições vem à tona como igualmente verdadeira e comprovável. Prova da antítese: “Caso se estabeleça que haveria uma liber dade no entendimento transcendental, como um tipo particular de causalidade”262, então estaria dito com isso que a causalidade com o um deixar se seguir pura e simplesmente se inicia. Para ela, por isso, não há nada a partir do que ela seria ainda ulterior mente determinável, por exemplo, até mesmo segundo leis constantes. Esse ser causa ele mesm o como ação que acontece é um ente. Se, contudo, não há para ela nenhum a legalidade, mas essa legalidade, contudo, pertence à essência e às possibilidades dos fenômenos, do ente presente à vista, então é pensada na liberda de transcendental um ser causa, que não pode ser em geral nada presente à vista, “uma coisa vazia produzida pelo pensamento”.263 Portanto, uma vez que a liberdade transcendental já é oposta à lei causai enquanto lei, só há a natureza. Se a liberdade entrasse na causalidade do curso do mundo, então não entraria nesse curso uma outra legalidade, mais a ausência de leis. A natureza, a cuja essência pertence a legalidade, seria, com isso, em geral suspen sa. Ou, contudo, se a liberdade fosse um tipo de legalidade, então ela não seria justamente outra coisa senão natureza. Portanto, não há nenhum a liberdade. Tudo o que acontece é determinado pela faculdade própria e total da natureza. Com base na verdade da antítese imputase com certeza ao conhecimento um peso constante, a saber, o peso de buscar o início em um ponto sempre mais elevado. Ao mesmo tempo, porém, afastase a fantasmagoria de uma liberdade e o conhecimento é mantido inofensivo para o peso por meio da conser 262 Idem. 263 Op. cit., A 447, B 475
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vação da unidade corrente e legítima da experiência. A liberdade, em contrapartida, é, em verdade, libertação da coerção, mas também do fio condutor de todas as regras, porque com ela enquanto um início puro e simples, que não tem nada anterior a si, o fio condutor das regras arranca da determinação do acontecimento a indicação para o retorno determinante ao anterior. Na observação sobre a antítese, Kant mostra como um defensor da onipotência da natureza se defenderia da doutrina da liberdade. Uma vez que a unidade da experiência torna a todo tempo necessária a permanência da substância, isto é, que sempre tenha havido substâncias no mundo, também não é preciso supor nenhuma dificuldade no fato de que a mudança tenha acontecido o tempo inteiro, de que não haveria ao mesmo tempo nenhum primeiro início. Com certeza, a possibilidade de uma tal derivação infinita não tem com o ser concebida. Tal incompreensibilida de, porém, não é nenhum argumento concludente para eliminar “esse enigma da natureza”. Caso se quisesse ceder a ela, então tam bém seria preciso rejeitar a “mudança”, uma vez que sua possibi 1 lidade também precisa se mostrar como “escandalosa”.264 “Pois, se não se descobrisse por meio da experiência que esse enigma é efetivo, então vós nunca poderíeis imaginar a priori como seria possível uma tal seqüência ininterrupta de ser e nãoser”.265 c) A distinção das ideias cosmológicas na questão acerca da possibilidade da metafísica propriamente dita e o interesse da razão em sua resolução Assim, tese e antítese são igualmente necessárias, igualmente verdadeiras e igualmente demonstráveis de maneira evidente. Seu conflito é uma “impureza”266 interior que pertence à própria razão. Essa impureza não pode ser arrancada e afastada da 264 Op. cit., A 451, B 479. 265 Idem. 266 Op. cit., A 464, B 492. 258
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natureza humana. Resta apenas questionar de maneira mais profunda a sua origem. Antes de Kant se voltar para essa pergunta e encontrar o caminho de uma resolução, não do afastamento dessa antinomia, ele levanta para si a questão: se temos diante de nós esse jogo incessantemente oscilante do conflito da razão pura, será que nós nos encontramos aí de maneira totalmente isenta ou será que preferiríamos de qualquer modo, se nós perguntássemos sobre o nosso interesse, tomar um dos lados? E que lado seria esse?267 Nosso interesse com isso Kant não tem em vista quaisquer necessidades e desejos, mas aquilo pelo que o homem se interessa enquanto homem, aquilo que diz respeito a ele enquanto homem. Nos conceitos puros da razão, nas ideias (alma, mundo, Deus), oferecemse “perspectivas em relação às finalidades últimas (imortalidade, liberdade, Deus), nas quais todos os empenhos da razão precisam finalmente se unir”.268 O conflito, por exemplo, que nós apresentamos, diz respeito de maneira totalmente genérica a todo ente presente à vista. Desse ente também faz parte o hom em singular como uma parte presente à vista da totalidade do mundo. A dissonância inerente à antinomia de saber se há ou não no interior do ente presente à vista algo tal que possa iniciar por si mesmo uma série de acontecimentos, essa dissonância universal transformase, quando o homem particular a articula consigo como um ente presente à vista, na questão de saber “se eu seria guiado livremente em minhas ações, ou, como outros seres, se eu seria guiado pelo fio da natureza e do destino”.269 Será que sou livre ou será que tudo não passa de uma coerção natural? Na medida em que nos decidimos pela tese, que lhe damos a preferência, nós nos decidimos pela liberdade, e, em verdade, não como mera ausência de vínculos, mas precisamente como condição de possibilidade da responsa267 Cf. op. cit., A 465, B 493. 268 Op. cit., A 463, B 491. 269 _Idem. 259
bilidade. Com isso, temos em mente a possibilidade da moralidade em geral. Na decisão pela tese se mostra, então, um certo interesse moral.270 Ao mesm o tempo, porém, mostrase um inte resse especulativo, isto é, puramente teórico, na medida em que o que nos importa é poder dar uma resposta satisfatória, isto é, concludentemente aquietadora à pergunta acerca da totalidade do ente presente à vista, uma possibilidade que não se apresenta do lado da antítese. Como o interesse prático e teórico universal da razão humana tem uma inclinação natural para preferir a tese, seu conteúdo tem uma certa popularidade, que falta à posição oposta. É exigido aqui um ascender sem pausa a causas que se encontram cada vez mais atrás, aqui ó conhecimento nunca chega a um ponto firme, no qual seria possível um aquietamento e uma tranqüilidade, mas o homem se acha aí antes pendurado “no ar todo tempo pelos pés”.271 Assim, com base na antítese, que de certo modo não se mostra como base alguma, uma vez que não confere nada primeiro e nenhum início, não é possível nenhuma instauração de um edifício completo do conhecimento.272 Como, então, “a razão humana..., segundo a natureza,” é “arquitetônica”273, isto é, como ela considera todos os conhecimentos com o pertencentes a um sistema possível, “o interesse arquitetônico da razão leva consigo... uma recomendação natural para as afirmações da tese”.274 Com isso, está dito ao mesmo tempo que a direção principal do questionamento e da resposta metafísicos propriamente ditos, emergindo da “disposição natural” do homem, é dada por meio da tese. Isso, pòrém, considerado puramente segundo o conteúdo, não lhe dá nenhum privilégio diante da antítese, mas indica apenas que a razão humana na maioria '270 271 272 273 274
Cf. op. cit., A 466, B 494. Op. cit., A 467, B 495. Cf. op. cit., A 474, B 502. Idem. Op. cit., A 475, B 503. 260
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das vezes não está nem mesmo em condições de ver seu próprio conflito sem preconceitos. O nexo da tese com o interesse geral do homem aponta, então, efetivamente para o fato de que, “caso se chegasse... ao fazer e ao agir”, “esse jogo da mera razão especulativa” entre tese e antítese desapareceria “como imagens das sombras de um sonho” e o homem “escolheria seus princípios meramente segundo o interesse prático”.275 Por outro lado, “não se pode censurar ninguém, nem se pode impedir alguém de dei xar emergirem as proposições e as proposições opostas, tal com o elas podem ser... defendidas”.276 A partir de tudo isso vem à tona o seguinte: a razão pura não porta apenas esse conflito em si, mas as tomadas de posição possíveis são diversas entre si e possuem uma legitimidade umas em relação às outras. Precisamos abdicar aqui, no contexto de nosso problema, de acompanhar de maneira fundamental o problema das an tinomias que foi desdobrado por Kant e de perguntar sobre ο enraizamento originário desse problema na essência do seraí humano. Isso significa ao mesm o tempo abdicar de questionar criticamente em que medida as antinomias expostas por Kant são pura e simplesmente necessárias, em que medida elas sur gem simplesmente com base no estabelecimento especificamen te kantiano do problema da razão e da questão acerca do homem como necessários. Para nós, o que está em questão é apenas a posição do problema da liberdade no interior da metafísica, ver seu caráter metafísico e unificar esse prim eiro cam inho até a liberdade com o segundo. O problem a da liberdade pertence ao problema do mundo. A problemática cresce com o antinomia de uma ideia cosmológi ca, do conhecimento racional da totalidade absoluta da série do surgimento de um fenômeno. A ideia cosmológica da liberdade, porém, ainda experimenta uma determinação e uma distinção
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275 Idem. 276 Op. cit., A 475eseg„ B 503eseg
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particulares por meio do fato de que as ideias cosmológicas p os suem um significado anterior a todas as outras ideias (as psicológicas e as teológicas) em um aspecto determinado, de tal modo que não é possível se subtrair à tarefa da resolução de seu conflito. A tentação é naturalmente grande. Poderíamos nos reportar ao fato de que seria uma “bazófia descarada” e um “sentimento de superioridade digressivo”277 querer resolver todas as questões e que seria desejável se portar de maneira pura e simplesmente modesta em relação a essas questões derradeiras da razão. A questão é que essa proteção prévia de uma obscuridade impenetrável das questões últimas pode ser possível junto às ideias psicológicas e teológicas e se mostrar como um sinal de uma modéstia e de um recato reais e efetivos. No que concerne às ideias cosmológicas, porém, um tal comportamento não é admissível, isto é, a resolução desse conflito é necessária. Em que medida? O objeto das ideias cosmológicas é a totalidade dos fenômenos. Essa completude do ente presente à vista em sua presença à vista não é, em verdade, empírica e nunca é dada. Não obstante, o que f é denominado e visado tematicamente nas ideias cosmológicas, cosm os, natureza, é, por outro lado, precisamente o objeto possível da experiência. Nessas ideias, o objeto precisa ser pressuposto como dado e as questões, que desencadeiam essas ideias, não dizem respeito justamente a outra coisa senão à completude da síntese da experiência. O objeto é nele mesmo conhecido. O que é dado aqui como conhecido também precisa fornecer o critério de medida para o julgamento das ideias e para o modo como o objeto dessas ideias nos é dado. As ideias cosmológicas não são, em verdade, realizáveis, isto é, a totalidade não é apresentável e não tem como ser dada enquanto tal intuitivamente, mas a sua representação precisa ser de qualquer forma seguida todo o tem po a partir de algo dado e para ele. Poderia ser que essas ideias, no modo como elas mesmas emergem e expõem por si afirma277 Op. cit., A 476, B 504. 262
ções que se contradizem mutuamente, não se mantivessem junto àquilo com o que elas estão relacionadas enquanto ideias cosmo lógicas, os fenômenos, e, antes de tudo, não com o modo como o objeto dessas ideias nos é dado. Se refletimos sobre isso, contudo, então encontramos por fim a chave para a solução e para a origem desse conflito. Se ele se baseasse em uma ilusão, então essa ilusão precisaria se dissolver e seria dado, com isso, um caminho para resolver a querela e inserir positivamente o representado nas ideias na possibilidade da experiência. No entanto, se a querela tivesse que permanecer apesar disso, então precisària ser buscado de qualquer modo algum caminho qualquer para resol vêla. No que concerne ao problema da liberdade, isso significa: a liberdade como ideia cosmológica não fica simplesmente parada como o conceito oposto à causalidade da natureza, mas a contenda entre as duas experimenta uma resolução, de tal modo que a possibilidade da unidade das duas causalidade por liberdade e causalidade segundo a natureza não é ao menos impensável. Mas mesmo nos abstraindo completamente da perspectiva de uma possível resolução da contenda, já se tem algo essencial no fato de que se apresentam uns contra os outros na antitética os argumentos da razão para as suas proposições. Kant denomina esse método um m étodo cético. Ele não serve a um ceticismo, a uma mania de duvidar ou mesmo ao desespero em relação à possibilidade da verdade, mas é ske/vij no significado autêntico da palavra um mero olhar fixo voltado para o umcontrao outro, para que nos dois lados todos os argumentos sejam trazidos à luz e a contenda alcance sua agudeza mais extrema. Pois somente assim é que ela pode ser resolvida, isto é, somente assim ela vem à tona com vistas aos seus pressupostos ou vem à tona o fato de que e em que medida precisa residir nessa contenda uma falsidade. Essa falsidade nos leva uma vez mais por meio daí para uma descoberta da verdade.278 278. Cf. op. cit., A 507, B 535. 263
§ 24. D eterminações preparatórias (negativas) para a resolução da terceira antinomia
a) O engano da razão comum no manuseio de seu princípio Nós vimos, que o conceito transcendental da liberdade emerge no interior de uma formação de ideias, isto é, de uma representação necessária, junto à qual a razão faz valer o seu princípio de uma representação necessária, entre outras coisas justamente no interior daquilo que se remete para os objetos e para a sua multiplicidade, na medida em que essa multiplicidade é uma série da síntese, retrocedendo e acedendo do condicionado para as condições. Nesse aspecto, a liberdade seria uma causalidade incondicionada. Que princípio faz valer aí a razão? Se o condicionado é dado, então toda a série de todas as condições do condicionado também é dada. Se escutamos esse princípio, então pressentimos de qualquer modo uma dissonância qualquer, ainda que não consigamos dizer com toda clareza, onde é que ela possui a sua sede. Só subsiste de início a suposição de que esse princípio é enganador. Em que consiste o engano? De que se fala em geral nesse princípio? De uma condição e do condicionado, da relação do condicionado com a condição. Somente disso? Não, mas também da relação da dação do condicionado com a dação da condição e de toda a sua série, da condição da dação de toda a série das condições. Se fala aí de algo bem diverso e de muitas coisas, e nós notamos agora que, se enunciamos assim o princípio fundam ental, não nos vem à cabeça fazer jus ao seu conteúdo pleno. Apesar disso, acreditamos que simplesmente o compreendemos, percebemos e que podemos aplicálo. Nós isto é, a razão comum. No que consiste o caráter comum na concepção e no manuseio desse princípio fundamental? O comum é o indiferenciado, aquilo que reúne tudo em um e, por isso, sem perceber, toma de maneira homogênea o em si diverso, estabelecendo μ ι pelo outro, por mais que eles sejam completamente diferentes. Por. meio daí, 264
porém, algo é assumido e se faz passar por aquilo que ele não é e viceversa. Nesse caráter comum da razão reside, por isso, simplesmente ilusão e engano. Em que medida esse princípio fundamental da razão se torna comum e indiferenciado? Nós dissemos de saída de maneira genérica que, nesse princípio fundamental, o que está em jogo é o condicionado e a condição. Já o conceito do condicionado traz consigo o fato de que é representada aí a ligação com uma condição. Reside, por conseguinte, no conceito do condicionado a indicação do retorno a uma condição, dito de outro modo, esse retrocesso à série das condições é entregue como tarefa no conceito do condicionado. Essa tarefa já se encontra efetivamente presente na relação em geral que é apenas representada entre a condição e o condicionado, abstraindose completamente do que é dado como condicionado, de se algo em geral é mesmo dado. Essa tarefa subsiste puramente enquanto tal para o determinar pensante, pára o lo/goj. A tarefa distintiva do conceito do condicionado, a tarefa do retorno às condições, é, por isso, um postulado pu ramente lógico. Não obstante, na medida em que ele se mostra como um postulado puramente lógico, ele não apenas não diz faticamente nada sobre a relação de uma condicionado dado com a dação de suas condições, mas ele também não pode em geral dizer nada sobre isso. Se, por isso, o postulado lógico é elucidativo em seu significado e em sua legitimidade o fato de, juntamente com algo condicionado, estar dado o retorno a uma condição então isso não significa de maneira alguma que se pode dizer com razão que: com a dação de algo condicionado também está dada a condição e toda a sua série para frente. Essa diferença fundamental entre a relação do condicionado com a condição, por um lado, e, por outro lado, a relação da dação de algo condicionado com a dação das condições a primeira rela ção é uma relação lógicoconceitual naquilo que é apenas pensado, enquanto essa segunda relação sé mostra como uma relação ôntica e fática no acontecimento temporal da experiência é a 265
primeira coisa a ser desconsiderada pela razão comum e equiparada com algo indiferenciado. Mas a sua igualação vai ainda além. O que acontece quando a razão comum acolhe o princípio fundamental com vistas ao discurso sobre o serdado do condicionado? Um condicionado é dado, isto é, há um ente qualquer (coisas). Se essas coisas são enquanto condicionadas, então é preciso que o condicio nante seja juntamente com elas, ou seja, a série completa das condições e o incondicionado mesmo já precisam ser com ainda maior razão. Aqui, no discurso sobre a dação, não se pergunta de maneira alguma sobre o que, quando e como algo é dado, mas se considera óbvio que aquele que fala assim e que compreende o princípio fundamental, isto é, o homem, simplesmente, de maneira incondicionada e de modo puro e simples, conhece as coisas tal como elas são, e, por isso, pode decidir a sua coexistên cia condicionada e condicionante. O discurso sobre o serdado do condicionado e da condição não se mantém apenas nessa indeterminação, mas essa indeterminação é ao mesmo tempo a obviedade da opinião de que o hom em cognoscente conheceria as coisas de maneira incondicionada, tal como elas são pura e simplesmente nelas mesmas. A razão comum desconsidera que nós, para termos um ente como dado, precisamos alcançar um conhecimento do mesmo, precisamos atingir primeiro o ente e, de acordo com isso, precisamos têlo suficientemente como um ente que já é anteriormente. Nós precisamos deixálo vir ao encontro, a fim de ter enquanto tal aquilo que se mostra. O ente só nos é dado como algo que se mostra, como fenômeno, e esse deixar que se dê se encontra sob condições determinadas, sob aquelas condições nomeadamente, que possibilitam para nós uma representação acolhedora, isto é, intuição. Aquilo que possibilita o acolhimento pertence a ele necessariamente. Se acolhimento é intuição, então aquilo que precisa ser possibilitado também precisa ter o caráter intuitivo. O que possibilita algo é, em face daquilo que é possibilitado, o anterior, o precedente; o
intuir possibilitador precisa intuir desde o princípio aquilo que é por ele representável. Esse deixar que os fenômenos venham a se dar encontra se sob condições determinadas, a saber, eles precisam vir ao encontro no espaço e no tempo, que não são os dois coisas em si as quais também estariam presentes à vista, “ao lado de” e ao mesmo tempo com as coisas intraespaciais e intratemporais, mas que são os dois modos da representação, que pertencem ao homem, de tal forma que ele deixa tudo aquilo que vem ao encontro se mostrar desde o princípio no horizonte de espaço e tempo. Todas as relações do ente que vem ao encontro são, por isso, desde o princípio determinadas como relações temporais. Isso também é válido, então, para a relação entre a dação que vem ao encontro do condicionado e a dação das con dições, isto é, se o condicionado é dado no fenômeno e como fenômeno, então ainda não se segue daí que também estaria dada concomitantemente, isto é, ao mesmo tempo e de uma vez, a unidade da relação temporal do condicionado com a sua condição. Ao contrário, essa série é sempre apenas sucessiva e é dada no tempo com o uma condição depois da outra. Por isso, o princípio fundamental não pode ser: se o condicionado é dado, então toda a série de todas as suas condições também é dada. A única coisa que pode ser dita é que, com a dação de algo condicionado no fenômeno, também é dado o retorno à série das condições e que tais condições não poderiam faltar, mas não que elas estariam presentes em sua totalidade. Assim, vem os o procedim ento comum da razão na concepção e no uso desse princípio fundamental. A fim de apresentar ainda uma vez mais a igualação das diferenças, apresentaremos o princípio fundamental em sua função enquanto princípio, isto é, enquanto premissa maior de um silogismo na unidade com esse silogismo, no silogismo da razão, com cujo auxílio, segundo Kant, a razão chega às suas ideias cosmológicas, dentre elas a ideia de liberdade. Se 267
o condicionado é dado, então também é dada toda a série das condições desse condicionado, o incondicionado. Pois bem, o incodicionado é dado naquilo que surge e se segue a um outro. Portanto, o incondicionado de um tal sucederse é dado, o ser causa pura e simplesmente inicial, isto é, a liberdade. A razão comum equipara de saída a evidência da relação conceituai puramente ontológica de algo condicionado que é e de sua condição essente. O ente é, nesse caso, tomado como coisa em si, isto é, sem levar em consideração as condições de sua dação possível. Justamente esse ente é tomado, então, na premissa menor desse silogismo, como fenômeno, sem naturalmente ser reconhecido com esse significado. O que já é enunciado agora de maneira injusta sobre as coisas em si é transportado em seguida uma vez mais para os fenômenos, retirandose daí uma conclusão, que porta sua ilegitimidade na fronte, supondo que o procedimento comum da razão enquanto tal tenha se tornado transparente. O caráter comum da razão consiste, porém, em última instância no fato de que ela não se afirma sempre apenas nessa sua indiferença com o o que há de mais óbvio, mas impede a si mesma justamente por meio daí de chegar a uma transparência. Assim, Kant pode dizer: a razão comum movi mentase em uma “ilusão totalmente natural”279 com esse princípio fundamental e çom o seu uso na formação cosmológica das ideias, formação essa que conduz para o desdobramento das antinomias. O princípio fundamental, porém, reside tanto à base da tese, quanto da antítese. Por meio da clarificação do engodo que se encontra no princípio fundamental, então, de monstrase o “sofisma”280 das duas proposições no modo como elas se mostram como verdadeiras. De acordo com isso, a pretensão das duas de serem efetivamente demonstráveis e autenticamente demonstradas é rejeitada. 279 Op. cit., A 500, B 528. 280 Op. cit., A 501, B 529. 268
b) A diferenciação entre fenômeno e coisa em si ou entre conhecim ento finito e infinito com o chave para a resolução do problema da antinomia Com certeza, ainda não se provou com isso que elas não te nham razão na coisa mesma, naquilo que elas afirmam enquanto proposições na conclusão do silogismo. Uma proposição pode muito bem ser verdadeira, ainda que a demonstração de sua verdade seja em si frágil e ilegítima. Se esse último ponto tiver sido mostrado também em relação à tese e à antítese, então o conflito continua perdurando de qualquer modo como antes, isto é, os dois sempre podem continuar se “refutando muito bem” mutuamente.281 Por conseguinte, o conflito só pode ser apaziguado, se for mostrado que os dois lados não estão brigando por nada. Uma certa aparência tinge para eles previamente uma realidade efetiva, lá onde no fundo não há nada para alcançar, de tal modo que o conflito é em si nulo. Precisase perguntar que caráter, en tão, tem essa contenda entre tese e antítese. Que tipo de contra ditoriedade (oposição) reside nas antinomias? Para determinar o tipo em questão, procuraremos nos manter junto à terceira antinomia, a única que foi tratada por nós até aqui, colocandoa para esse fim sob uma forma, na qual o conflito vem à tona de maneira mais palpável. A tese afirma a liberdade como causalidade incondicionada, como início originário, em relação ao qual nada se mostra como um antecedente, aquém do qual não há nenhum “e assim por diante” em direção a novas condições. Por isso, também podemos formular a tese assim: a série das causas ordenadas umas sobre as outras é em si finita segundo a sua totalidade. Agora já fica patente o que diz o lado oposto: a série das sínteses regressivas das condições é em si infinita. Dito de maneira breve, a contenda assume agora a seguinte forma: a natureza é finita a natureza não é finita, é in finita. Uma tal contraposição é denominada uma simples contra281
Idem. 269
dição. Na medida em que, então, tomamos o conflito com o uma simples e “direta” contradição, isto é, tal como a razão comum o considera, jogando os lados constantemente uns contra os outros, já pressupomos aí que a natureza (ser mundo) é uma coisa em si, isto é, que ela é pura e simplesmente, e que ela nos é dada em seu todo de maneira absoluta, que ela é absolutamente reconhecida. N essa pressuposição silenciase o fato de que a natureza enquanto conceito fundamental dos fenômenos não constitui de maneira alguma a existência absoluta. Uma vez que ela não é o seremsi, não pode nem ser dito qüe ela é em si finita, nem que ela é em si infinita. O pressuposto das duas proposições, da tese tanto quanto da antítese, é na mesma medida falso. Caso se suprima esse pressuposto falso, isto é, essa ilusão, então o conflito supostamente autêntico se transforma enquanto contradição em um conflito ilusório, isto é, em uma oposição dialética. As duas proposições não se contradizem apenas, mas as duas dizem mais do que é necessário para a contradição; e esse mais reside no fato cie que elas fazem passar aquilo sobre o que elas falam por uma coisa em si, por aquilo que ele não é. Elas trabalham com uma ilusão e, em verdade, como vimos, com uma ilusão tal que é necessária para a razão natural comum .282 O conflito é suspenso por meio da comprovação de uma pressuposição falsa de que os fenôm enos são considerados como coisas em si, isto é, de que os dois não são diversos. Essa diferenciação, contudo, é necessária no que concerne ao interesse da razão, se é que a razão deve tornar a si mesma transparente em suas próprias possibilidades autênticas e, com isso, em suas necessidades. Essa diferenciação, porém, entre fenômeno e coisa em si não é outra coisa senão a diferenciação entre conhecim ento finito e infinito, ou seja, o problema da razão pura precisa ser reconhecido como o problema da razão pura finita. Nisso reside, além disso, o fato de que a finitude da natureza humana também 282 Cf. op. cit., A 506, B 534.
precisa encontrar a sua determinação a partir e na essência do conhecimento. Demarcar a finitude do conhecimento em sua essência, no entanto, é a tarefa fundamental, que a “crítica da razão pura” coloca para si em sua primeira parte basilar positiva. Por isso, se a dissolução das antinomias enquanto tais ocorre, dissolução essa que só é possível com base na dita diferenciação, então a doutrina das antinomias é para Kant ao mesmo tempo a demonstração indireta daquilo que a estética transcendental tinha de demonstrar positivamente. Kant nos diz isso de maneira inequívoca, anunciando com isso por si mesmo o que está em jogo na “crítica da razão pura”. Agora compreendemos por que o problema das antinomias pôde se tornar o impulso decisivo para a “crítica da razão pura” de Kant: como a meditação sobre a diferença entre coisa em si e fenômeno, entre conhecimento finito e infinito é necessária para a sua solução; dito de maneira mais exata, como esse problema compele a descobrir essa diferença pela primeiríssima vez enquanto tal e a fixálo como o centro de todas as outras problemáticas da metafísica. Naturalmente, também vemos na explicitação crítica da metaphysica specialis a mesma postura fundamental de Kant, tal como ele a perseguiu na demarcação e determinação críticas da metaphysica generalis (ontologia). A finitude do homem não foi decidida e não se mostra fundamentalmente com vistas ao problema de uma fundamentação da metafísica em geral e nos limites desse problema. Na doutrina das antinomias, Kant se satisfaz, e o faz com razão no que concerne às suas finalidades mais imediatas, com a exposição do conflito, com a sua resolução e, com isso, com a referência à ilusão natural que reside na natureza do homem. A razão natural é uma razão comum, na medida em que ela nivela diferenças essenciais, tornandoas comuns, ou não as deixa em geral emergir. Pertence à natureza da razão humana esse caráter comum. Não é preciso apenas mostrar isso de maneira mais abrangente e originária, mas é necessário antes de tudo tornar visível esse caráter comum natural comó um momento essencial da 271
finitude. É preciso mostrar por que esse caráter comum pertence à razão natural e no que consiste propriamente esse caráter. No modo como tentamos interpretar acima o uso do princípio da razão, já tínhamos apontado a direção na qual a resposta tem de ser buscada. O que é que se anuncia em tal apagamento das diferenças entre o lógico, o ôntico e o ontológico, de tal modo que tudo é con siderado de maneira igualmente indeterminada com o “ser”?283 ' i’
§ 25. A dissolução positiva da terceira antinomia. Liberdade como causalidade da razão: ideia transcendental de u ma causalidade incondicionada. Caráter e limites do problema da liberdade no interior do problema da antinomia
a) A dissolução do problema das antinomias para além do problema do conhecim ento finito como problema da finitude do hom em em geral Na resposta a essa pergunta, nós concentraremos o sentido de nossa meditação uma vez mais no problem a da liberdade no interior do problem a das antinomias. Se seguirmos Kant em seu primeiro caminho rumo à liberdade, então encontraremos a liberdade no interior do problema das antinomias. Esse problema assume a forma do problema do mundo como a questão fundamental da resolução crítica da disciplina metafísica tradicional da cosmologia racional. No interior do problema da antinomia e no interior da contenda das duas proposições, o discurso precisa se ater respectivamente nos dois casos à liberdade, e, em verdade, em sentidos opostos: tratase da liberdade ao lado da e na natureza tratase apenas da natureza e de mod o algum da liberdade. A contenda não pode ser decidida de tal modo que a verdade se coloque de um lado daqueles que estão em conflito. Uma decisão 283 Cf. acima, p. 42-3 e 143. A “indiferença” da compreensão de ser, a “ausência de diferenças” era um dos oito caracteres enumerados. 272
só é possível pela via de uma resolução da contenda, isto é, por meio de uma demonstração de que a origem da querela não dá razão alguma a essa querela de exigir para si uma decisão. Muito pelo contrário, a origem da querela não lhe dá senão precisamente o direito de, na natureza humana, lançar tudo em uma constante confusão. A resolução da querela, a consideração da origem, acontece em duas etapas: 1. Mostrase que o princípio, com base no qual as conclusões sofísticas conduzem a proposições conflitantes, no modo mesmo como ele atua enquanto princípio, é enganador. O que é válido para relações puramente lógicas é considerado como válido para relações puramente ônticas e essas relações, por sua vez, são uma vez mais concebidas, ora no sentido de tais relações que só são acessíveis a uma conhecimento absoluto, ora no sentido de tais relações que pertencem ao conhecimento finito. Aquilo que é válido para o conhecimento absoluto não é válido para o conhecimento finito e viceversa. Não é apenas o princípio da demonstração das provas das duas proposições antinômicas e, com ele, as demonstrações mesmas, que são enganadoras, mas o conteúdo material oposto das próprias proposições também é em si nulo, tratase de uma oposição ilusória. 2. Na caracterização mais próxima da oposição se mostra que não há nenhuma autêntica contradição, porque as duas proposições: a natureza em si é finita a natureza é em si in finita, dizem algo sobre a natureza que ela efetivamente não é. As proposições dizem mais do que aquilo que é necessário: uma contradição dialética, porque uma contradição que forma uma ilusão. A conclusão dessa dupla dissolução é a diferenciação entre fe nômeno e coisa em si, diferenciação essa que porta em si o proble ma da finitu de do conhecimento. Essa finitude do conhecimento tornase um problema em m eio à demarcação do ente acessível e da condição de possibilidade de sua a.cessibilidade. 273
O que, porém, significa a ausência de diferenças entre os dois? Tratase apenas de um erro da metafísica tradicional ou tratase de algo essencial. Se o questionamento metafísico pertence à natureza humana, então também pertence a ela essa inversão peculiar, afirmada como necessária pelo próprio Kant. O que é que, na natureza humana, possibilita essa inversão? Nós já o insinuamos: o modo da compreensão de ser, isto é, sua indiferença. De onde vem e por que essa indiferença acontece? É possível vislumbrar ainda a necessidade disso a partir da própria compreensão de ser? Em que medida esse modo de ser é necessário e ele não é mais criticamente questionável por meio de um outro “por quê”? O que isso significa? É preciso trazer à luz a finitude do homem para além da mera finitude de seu conhecimento. É preciso deixar que essa finitude se mostre; não para constatar que e onde estão os limites, onde a coisa chega ao fim, onde tudo cessa, onde se abre o nãoseguiralém, mas para despertar a serenidade e a contenção interna, com a qual e na qual o essencial se inicia e a partir da qual apenas ele subsiste / em seu tempo. Se o problema fundamental de uma fundamentação da me tafísica, tal como ele se mostra na Crítica da razão pura, está no problema da finitude do homem, então quanto mais abrangen temente e totalmente atravessamos a Crítica da razão pura, tanto mais se torna urgente com maior razão e cada vez mais incon tornavelmente o problema da finitude. Nós diremos, porém: esse problema pode ter um significado central. O que nos importa, contudo, é o problema da liberdade. O que conquistamos agora para esse problema a partir da discussão da dissolução das antinomias? Por meio daí, aquilo que buscamos se tornou em alguma medida mais claro, a posição sistemática do problem a da liberdade no quadro da funda m entação da .metafísica? Se a contenda é resolvida da forma indicada, então essa resolução só diz respeito negativamente à sua ilegitimidade e nulidade internas. Nesse caso, porém, o próprio problema da liberdade discutido 274
nas antinomias seria um problema nulo. Ele mesmo desaparece com as antinomias assim dissolvidas? Nós não conseguim os ir além do reconhecimento talvez de cisivo: a liberdade é estabelecida no sentido de um conceito trans cendental de natureza. Com certeza, esse é o resultado nu e cru e, de qualquer modo, não o resultado propriamente dito, aquele que emerge a partir da compreensão propriamente dita do problema. O problema era a resolução da contenda entre causalidade segundo a natureza e causalidade por liberdade. Dissolução da contenda significa com certeza de saída o seguinte: afastamento da impureza, cuidar para que ela não exista e não exista mais. Ou seja: tratase, em certo sentido, de algo negativo. A dissolução propriamente dita da contenda, porém, precisa levar a algo positivo, à possibilidade da unidade dos dois contendores. Per guntarseá: por que? Kant responderia: em primeiro lugar, porque a razão em geral, mesmo enquanto razão finita humana, tem por princípio fundamental a unidade; e, então, porém, porque precisamente as ideias cosmológicas estão ligadas de maneira peculiar com a experiência, que representa ela mesma uma unidade da estrutura legal. Portanto, só se uma unificação positiva tiver sido alcançada, poderemos conceber o cerne metafísico do problema da antinomia e do problema da liberdade. Foi para nos aproximarmos dessa meta que serviram as discussões anteriores; não apenas, por exemplo, para uma complementação extrínse ca do relato historiológico sobre essa obra doutrinária chamada Crítica da razão pura. Na penetração kantiana das antinomias, o que teve até aqui caráter negativo exige uma virada em direção ao positivo. Isso significa que a mera crítica do princípio fundamental e de seu uso por parte da razão com um com as suas conclusões sofismáti cas precisa passar para a constituição daquilo que esse princípio pode ser, que ele precisa mesmo ser, em sua forma correta, se é que precisamente as ideias cosmológicas, de acordo com a sua articulação insigne com a unidade do experienciável, também 275
pode requisitar uma função positiva no interior da possibilidade da experiência. Mostrase com isso que a razão comum desconhece o caráter do princípio fundamental, na medida em que toma esse princípio como uma proposição, na qual algo é dito sobre as coisas em si. Em contrapartida, ficou claro que o princípio fundamental só oferece o progresso do retorno da dação do condicionado para a dação da condição. Nesse caso, contudo, nunca se pode permanecer parado junto a algo pura e simplesmente incondicionado como algo dado e possível de ser dado. O princípio fundamental não diz nada sobre a construção essencial da natureza, sobre a sua constituição. Ele não é nenhum princípio fundamental constitutivo tal como, por exemplo, as analogias da experiência284, mas ele apenas fornece a regra para um procedimento no conhecimento da natureza, de acordo com a ideia de uma perfeição; ele é apenas um princípio regulativo. Formulado de outro modo e expresso com as palavras de Kant: o princípio fundamental não antecipa, não toma de antemão, mas postula, exige apenas enquanto regra aquilo que deve acontecer no regresso. Essa validade regulativa é a única coisa que se mantém positivamente no princípio fundamental; e é de se perguntar agora o que resulta dessa função positiva do princípio fundamental para a resolução positiva das antinomias. N esse contexto, não há com o pôr em conta nenhuma interpretação ôntica da totalidade, mas antes apenas um postulado ôntico em relação à totalidade do conhecimento das experiências. Uma dissolução positiva 284 Essas analogias também não são senão regulativas, elas não são constitutivas, mas, contudo, são autênticas oposições. “Não constitu tivo” é uma expressão ambígua: 1. Em geral, ela não diz nada sobre os objetos enquanto tais, 2. Ela não diz nada sobre o seu conteúdo quididativo, mas antes apenas sobre ó modo de sua presença à vista. Cons titutivo: 1. A expressão diz respeito ao conteúdo quididativo, 2. Ela diz respeito à presença à vista. No sentido do segundo significado, as ana logias também são constitutivas. 276
da contenda interna da razão terá a tarefa de abrir o sentido da consonância possível consigo mesmo, e, em verdade, em relação àquilo que aí se mostrava divergente de maneira conflituosa. Por isso, o que está em jogo agora é a questão da impossibilidade da “contaminação” da causalidade com uma necessidade natural por meio da liberdade. Precisaremos continuar perguntando pelo que, por fim, esse problema da unidade possível de liberdade e natureza está orientado e a partir de onde ele se acha motivado, se ela tem ou não o último fundamento de sua determinação em um interesse pura e simplesmente especulativo, em uma derradeira harmonia do conhecimento e do conhecido, ou se ainda se encontra, por detrás desse, um outro interesse. Logo que, porém, a questão acerca de uma possível resolução da contenda é, então, levantada, não se pode mais partir, nem permanecer parado junto à alternativa: todo efeito no mundo é ou bem por natureza, ou bem por liberdade. Pois com esse ouou já sempre se partiu desde o começo toda e qualquer ponte capaz de levar a uma unificação. Caso a unificação entre natureza e liberdade deva ser estabelecida mesmo que apenas enquanto possibilidade e caso essa possibilidade mesma também deva se mostrar em um primeiro momento como problema, então o questionamento, ao menos para além de um ouou dilacerador, precisa se decidir por um tantoquanto no sentido de que venha a ser explicitada a possibilidade de saber se uma e mesma ocorrência do mundo enquanto efeito não seria determinada tanto por meio da causalidade segundo a natureza, quanto por meio da causalidade por liberdade. Se, porém, uma e a mesma coisa deve remontar enquanto efeito a dois tipos fundamentalmente diversos de cau salidades, então algo desse gênero só é em geral possível porque, em meio à conservação da mesmidade do efeito, no mínimo algo desapareceu no efeito em relação às diversas causas, a saber, justamente essa ligação mesma. As duas coisas, ou seja, a unificação entre natureza e liberdade enquanto causalidades só é de qualquer forma manifestamente possível, se um e o mesmo efeito permitir
enquanto tal que ela seja determinável de maneira causai em uma relação diversa. A possibilidade da unificação das duas causalidades em relação a um e ao mesmo efeito depende, portanto, do fa to de que um efeito admite em si uma dupla relação com a causalidade, isto é, de que ele pode ser considerado com vistas à causalidade da natureza e com vistas à causalidade a partir da liberdade. b) O adiam ento do problema da solução das antinom ias na execução. A questão acerca de um ser causa dos fenôm enos fora dos fenôm enos e das cond ições do tempo. A solução da terceira antinom ia na visão prévia do hom em como pessoa eticamente agente Nós logo percebemos, porém, que, depois de tudo aquilo que foi dito até aqui, o problema agora precisa experimentar um adiam ento na execução fática. Exatamente porque o “tanto quanto” não se encontra em equilíbrio, o peso cai sobre o lado da causalidade natural. Pois essa causalidade já se revelou em sua realidade, isto é, como aquilo que precisa ser estabelecido enquanto pertencente ao conteúdo essencial de uma natureza o que não significa dizer que uma natureza precisaria existir de maneira necessariamente real e efetiva. Pois, de acordo com o próprio Kant, está inabalavelmente firmado na doutrina das analogias da experiência a correção do princípio fundamental da causalidade segundo a natureza. A unificação com a causalidade a partir da liberdade não pode acontecer, por exemplo, pela via de um compromisso, de tal modo que, nessa legalidade do nexo natural e de sua coesão, algo seria tratado. A questão acerca da possibilidade da unificação só pode, por isso, ter a seguinte formulação: saber se, apesar da legalidade da natureza, “a liberdade também poderia ocorrer”.285 Vemos aqui que a instância normativa continua sendo a causàlidade natural e a unidade da multiplicidade dos fenômenos, da presença à vista 285 Op. cit., A 536, B 564. 278
do ente presente à vista. Em meio à questão acerca da unificação possível das duas causalidades, o que está em questão é em última instância uma “salvação da liberdade”286 em relação a e em conexão com um outro que já se encontra inexoravelmente firmado diante dela. O problema precisa, por isso, assumir finalmente para Kant a seguinte forma: efeitos são fenômenos, isto é, resultados e conseqüências que se mostram no fenômeno. Os efeitos permitem, afinal, dois pontos de vista diversos, de tal modo que a diversidade não é uma diversidade arbitrária qualquer, mas uma tal que emerge da diferença das duas causas e corresponde ao seu ser causa, ou seja, fenômenos enquanto fenômenos sempre necessitam de causas que são fenômenos, ou será que há fenômenos que estão ligados enquanto tais a causas, que não são fe nômenos7. Se isso for possível para nós, então isso significará que há causas, que se encontram elas mesmas, em seu ser causa, fora da série dos fenôm enos. No entanto, na medida em que as séries dos fenômenos e, em verdade, precisamente com vistas à causação, são determinadas de maneira causai por meio da ordem temporal, ou seja, por m eio de uma relação temporal, o problema é: no que concerne a algo que se essencia no tempo, que se dá, há, ao lado das causas que são elas mesmas intratemporais, aquelas que são elas mesmas e em seu ser causa fora do tempo ? Kant mesmo admite que, nessa exposição abstrata, o problema seria “extremamente sutil e obscuro”, mas que ele se esclareceria “na aplicação”.287 Isso quer dizer que o esclarecim ento do problema só p ode ser alcançado, se ele não permanecer sendo formulado de maneira ontológica geral, sem levar em conta determinadas regiões do ente, mas se ele for considerado a partir de tais regiões. Nisso se mostra o fato de que o problem a 286 Cf. idem. Cf. também Crítica da razão pura, p. 51 (V, 73) e p. 117 (V, 181). 287 Op. cit., A 537, B 565. 1 279
da resolução das antinomias causais conflui para um ente total mente determinado , em relação ao qual, à guisa de aplicação, a questão acerca da unificação possível entre causalidade segundo a natureza e causalidade a partir da liberdade deve ser discutida. Esse ente é o hom em enquanto pessoa eticam ente agente. No entanto, é preciso atentar para o fato de que Kant não quer demonstrar, por exemplo, reportandose a seres faticamente existentes dotados do modo de ser do homem, que não há faticamente nenhum conflito entre as duas causalidades, mas ele quer inversamente, em uma reflexão que se constrói de modo puramente hipotético, genericamente ontológico, apresentar a possibilidade da unificação das duas causalidades e, a partir daí, a possibilidade da unificação de natureza e liberdade. Como isso, ele espera expor a possibilidade metafísica do homem como um ser do mundo. Tudo o que importa se encontra uma vez mais em ligação com o fato de que os senhores veem os problemas, o modo e a direção do questionamento, e não simplesmente os conteúdos, que ocorrem na questão. O ponto de partida do problema, a direção e o campo de solução, contudo, não são algo extrínseco, meramente formal frente ao conteúdo, mas eles determinam apenas o elem ento propriamente conteudista no conteúdo enquanto o elemento filosófico. Caso não se veja esse elemento, então a filosofia de Kant não se diferencia em nada das discussões mais comuns possíveis sobre a liberdade da vontade. A postura característica de todas as concepções vulgares da filosofia em geral é o fato de que ela só consegue ver matérias doutrinárias e conteúdos do saber. Nós estamos agora na posição, onde podemos visualizar panoramicamente o elemento peculiar da problemática da liberdade característica do primeiro caminho; não de maneira vazia e genérica, mas com base na e em conexão com as discussões concretas. O que deve ser mostrado com vistas à liberdade? Em que horizonte se movimenta a discussão? O que resulta de tudo isso para o conteúdo interno do problema da liberdade? 280
De saída, é preciso dizer que não deve ser demonstrado que a liberdade é efetiva, que e como a liberdade enquanto tal é possível. Ao contrário, a tarefa da dissolução das antinomias é apenas a comprovação da possibilidade da unificação de liber dade e natureza, e, em verdade, em uma orientação normativa pela natureza : salvação da liberdade em relação à natureza em conexão com ela. Por meio desse problema da dissolução determinase o caráter propriam ente dito e, ao mesmo tempo, os limites do problem a da liberdade. Por isso, nessas explicitações de Kant, não ouviremos mais nada de novo em termos de conteúdo, mas o importante é atentar para o modo de ser da problemática. Na medida em que Kant realiza certamente absolução do conflito a partir de uma visão prévia voltada para o homem, oferecese a ocasião de apreender mais concretamente a essência de uma causalidade por liberdade e caracterizar o ser causa desse tipo de causa. Isso traz consigo o fato de que os conceitos até aqui conquistados, conceitos tais como ser causa, ação e outros, ainda recebem uma determinação mais aguda. O significado da solução precisamente dessa terceira antinomia entre as outras já vem à luz por meio do fato de que o texto não é mais pormenorizado, mas é articulado expressamente com vistas ao traço interno da problemática, e, em verdade, em três seções. A primeira prepara o problema da solução da terceira antinomia. Ela diz respeito de maneira totalmente genérica ao conflito na ideia “da totalidade da dedução das ocorrências mundanas a partir de suas causas”.288 A próxima seção289 porta o título: “Possibilidade da causalidade por meio da liberdade, em unificação com a lei universal da necessidade da natureza”. O estilo da formulação do problema é o seguinte. Kant pergunta de saída de maneira ainda totalmente genérica: como é que precisa ser um ente, que deve poder ser determinado ao mesmo 288 Op. cit., A 532esegs., B 560esegs. 289 Op. cit., A 538esegs, B 566esegs.
tempo de maneira una pela causalidade segundo a natureza e pela causalidade a partir da liberdade? Se deve haver algo desse gênero, como é preciso pensar, então, a unidade da causalidade? Isso significa ao mesm o tempo e em particular, com o é que a liberdade mesm a precisa ser determinada nesse caso mais detidamente em seu caráter de causalidade? Kant oferece, com isso, uma construção da solução das antinomias e ele mesm o nos diz algo sobre essa seção: “Tomei por bem projetar em um primeiro mom ento a silhueta da solução de nosso problema transcendental, para que se pudesse visualizar melhor por meio daí de maneira panorâmica o curso da razão na solução desse problema3’.290 Agora, pela primeira vez, ele fornece um tratamento mais concreto do mesmo problema pela via da aplicação dessè problema ao homem. O que está em questão, porém, não é um recurso ao homem como argumento demonstrativo para a construção, mas, ao contrário, a discussão do problema em relação ao homem é simplesmente uma exposição intuitiva. Por isso, Kant dá o seguinte título à última seção: “Explicitação da ideia cosmológica de uma liberdade em ligação com a necessidade geral da natureza”.291 Precisamente se, em m eio à introdução do homem, se tratar de uma prova ex plicitadora e apenas disso, fica completamente claro a partir daí, que a unidade da causalidade por liberdade e da causalidade da natureza, tal como o homem a apresenta de maneira fática e concreta, é apenas um caso da unificação cosmológica geral determ i nada das duas causalidades. Com isso está dito que não é apenas a liberdade por si que é estabelecida como um conceito natural, mas também a unidade do homem enquanto um ser racional e sensível é prelineada metafisicamente a partir da problemática cosmológica. Se designarmos o ser do homem em sua totalidade, assim como a sua propriedade enquanto existência, então resulta daí o seguinte: o problema do homem está articulado com o pro 290 Op. cit., A 542, B 570. 291 Idem.
blema cosmológico geral. De maneira mais aguda ainda é possível dizer: a problemática metafísico-ontológica âa existência não chega a irromper, mas é reprimida na problemática geral e óbvia do ser que é própria à metafísica tradicional. Portanto, aquilo que no homem possivelmente se mostra como nãonatureza e que é diverso segundo o seu conteúdo ontológico também precisa ser determinado da mesma maneira que a natureza de modo causai. O fato de a causalidade ser nesse caso modificada não altera nada no fato de que é a causalidade que está aduzida de maneira primária e solitária à caracterização ontológica fundamental. A crítica a essa metafísica não é nenhuma crítica radical, nem o pode ser, na medida em que Kant não formula a questão do ser a partir do seu fundamento. Nisso está em última instância decidido: o problema da liberdade, por mais central que se torne para Kant, não consegue se colocar na posição metafisicamente decisiva no interior da problemática da metafísica.
c) Caráter empírico e inteligível. O caráter inteligível com o m odo do ser causa da causalidade por liberdade. O caráter duplo do fenômeno e a possibilidade de duas causalidades fundamentalmente diversas com relação ao fenômeno enquanto efeito É importante agora apresentar ainda uma vez brevemente o curso da solução kantiana positiva da terceira antinomia, o que significa, porém, a solução propriamente metafísica do problema da liberdade enquanto u m problema do mundo. Atentamos nesse caso particularmente para algumas determinações complemen tares, que dizem respeito à causalidade em geral. Lembremonos do conceito ontológico geral da ação292: “A relação do sujeito da causalidade com o efeito”. O objeto na relação com o sujeito é nesse caso visado de maneira genericamente ontológica. Em seguida, Kant diz: “Toda causa atuante, porém, precisa ter um 292 Cf. acima, p. 196esegs. 283
caráter”.293 Caráter significa aqui uma lei da causalidade, uma regra necessária do como do ser causa da causa. O caráter regula, então, ao mesmo tempo, o modo da conexão das ações e, com isso, dos efeitos. Pois o caráter como o modo do ser causa determina manifestamente a relação do sujeito do ser causa com o seu efeito, e isso justamente é a ação. Kant distingue, então, dois caracteres, o caráter empírico e o caráter inteligível. É incontornável que se precisa compreender nesse caso a terminologia, sobretudo porque ela não é aqui precisamente inequívoca e conseqüente. Isso não acontece por acaso. Partamos da caracterização do primeiro caráter, do assim chamado caráter “empírico” empiria, e}mpeiri/a, experiência. Algo é empírico, se ele pertence à experiência, o que significa, para Kant, se ele é acessível por meio da experiência, sendo que é necessário atentar nesse caso para o fato de que, para a experiência, enquanto experiência finita, é essencial a intuição sensível, a sensibilidade, enquanto fundamento. Sua essência consiste na receptividade, no acolhimento receptivo. Observemos bem, no entanto: nem todo acolhimento, nem toda intuição, é receptiva. Também há um acolhimento, que acolhe aquilo que a si mesmo se dá, um acolhimento autodoador: intuição pura. Se algo é caracterizado como empírico, então ele é visto aí em relação ao tipo de cog noscibilidade e de conhecimento que se deu. O caráter empírico é aquela legalidade do ser causa, que é empiricamente acessível na experiência, enquanto fenômeno, o ser causa em seu modo de ser como pertencente ao fenômeno, isto é, causalidade da natureza. O caráter inteligível nós já podem os adivinhálo é o modo do ser causa próprio à causalidade po r liberdade. Çom certeza, isso é corretamente adivinhado em termos de conteúdo. Com isso, porém, nada é compreendido. Inteligível é o conceito oposto ao empírico. Visto de maneira aguda, contudo, inteligível não pode ser de maneira alguma o conceito oposto em relação 293
Op. cit., A 539, B 567. 284
a empírico. O empírico diz respeito ao modo de ser do conhecimento do objeto. Inteligível, por outro lado, é uma caracterização dos objetos mesmos. De acordo com isso, Kant escreve em seu texto “De mundi sensibilis atque intelligibilis forma et principiis” (1770), § 3: “Objectum sensualitas ist sensibile; quod autem nihil continet, nisi per intelligentiam cognoscendum, est intelligibile. Prius scholis veterum Phaenomenon, posterius Noumenon audiebat”294. Vemos aqui claramente: 1. Inteligível é uma caracterização do objeto. Por isso, precisamos dizer, em contrapartida, que algo é uma coisa inteligível, quando ele pertence ao âmbito de um tipo determinado de objetos. Seu tipo é naturalmente caracterizado por meio do modo do ser conhecido: intelligentia, intel lectus. O modo de conhecimento próprio aos objetos inteligíveis é puramente intelectual. 2. O conceito oposto ao intelligibile é o sensibile, mas não o “empírico”. É preciso atentar agora para o fato de que Kant denomina o sensibile por meio do empírico e, inversamente, de maneira correspondente, o intelectual por meio do intelligibile, por mais que ele designe também com frequência o intelligibile, o intelectual; e isso precisamente nessa posição da Crítica da razão pura , na qual ele fala da causalidade inteligível como causalidade intelectual. A diferença entre empírico e inteligível movimentase no fundo em planos totalmente diversos. O que foi primeiramente determinado diz respeito ao modo de apreensão de objetos, enquanto o que foi denominado em segundo lugar se refere aos objetos mesmos, naturalmente com vistas à sua apreensibilidade possível. A partir daí é de saída compreensível a estranha term ino logia de Kant. Mas há uma outra razão, puramente material. Essa razão reside no modo como Kant resolve o problema suspenso 294 Em latim no original: “O objeto da sensibilidade é a coisa sensível; aquilo, porém, que não contém senão o que é passível de ser conhecido pelo entendimento, é a coisa inteligível. Os primeiros foram chamados pelos filósofos antigos fenômenos, os segundos, noumenos”. (N. T.)
das duas causalidades e de sua unidade. Kant trabalha e joga conscientemente com a ambigüidade da expressão inteligível e intelectual, e, em verdade, não para velar algo, mas precisamente para tornar visível o entrelaçamento peculiar dos contextos, que ele mesmo não soluciona ulteriormente, porque eles não são uíte riormente solucionáveis para ele mesmo. A ambigüidade cons dente no uso de inteligível e intelectual com relação à causalidade por liberdade baseiase no fato de que esse tipo de ser causa não é apenas algo, que é pura e simplesmente acessível à inteligência e ao entendimento puro sem sensibilidade, não apenas algo intelectual com vistas à apreensibilidade possível. Ao contrário, esse ser causa é ele mesmo em si, segundo o seu modo de ser, inteligência, algo intelectual, algo consonante com o entendimento, isto é, um ser intelectivo. “Denomino inteligível aquilo em um objeto dos sentidos que não é ele mesmo fenômeno”,295 “inteligível, porém, designa objetos em contraposição a intelectual como denominação do conhecimento, na medida em que eles podem ser meramente representados pelo entendimento e não podem se remeter á nenhuma de nossas intuições sensíveis. Uma vez que, contudo, a todo e qualquer objeto precisa corresponder uma intuição possível, seria preciso pensar um entendimento que intuísse imediatamente coisas; de um tal entendimento, porém, não tem os o menor conceito, assim como também não temos do ser intelectivo, ao qual ele deve se remeter”.296 O caráter inteligível, por isso, é o modo do ser causa de uma causa, que precisaria ser reconhecido enquanto tal por meio do entendimento sem sensibilidade, se é que esse modo de ser causa poderia ser reconhecido. Por meio do que, então, Kant é levado, porém, a essa diferenciação do caráter empírico e do caráter inteligível? Justamente 295 Kant, Crítica da razão pura, A 538, B 566. Cf. B 312. 296 Kant, Prolegômenos. § 34, p. 78 (IV, 317). Observação. As “inte ligências” como conceito oposto em relação ao "fenômeno” são iguais aos “seres sensíveis”. Cf. Crítica da razão pura, B 306, 286
por meio do problema geral de uma unificação possível das duas causalidades. Tentemos colocar diante de nossos olhos o problema ainda uma vez mais de maneira totalmente elementar. A unificação possível das duas causalidades exige que um e o mesmo efeito seja determinado de maneira causai em um aspecto diverso. De acordo com isso, é preciso perguntar: um tal efeito é realmente possível? O efeito enquanto algo que se obtém e que se dá é sempre na experiência algo que se mostra, um fenômeno. Assim, o problema assume a seguinte forma: um fenômeno enquanto fenômeno admite se encontrar em uma relação dupla e fundamentalmente diversa? O fenômeno enquanto algo que ocorre no tempo achase manifestamente em relação com fenômenos, que lhe antecedem e sucedem temporalmente. Aqui há, portanto, uma espécie de relação do fenôm eno enquanto tal com algo, a saber, uma vez mais com fenômenos. Com certeza. Todavia, também se esgota com isso a possibilidade de ligações, nas quais um fenômeno pode se encontrar. Será que o fenômeno enquanto tal não tem nenhuma outra relação com algo? O fenômeno, aquilo que aparece, é, porém, o ente mesmo. Com certeza. Mas apenas na medida em que e até o ponto em que ele se mostra para o conhecimento humano. Nós não sabemos o que é aquilo que se mostra, em si, considerado pura e simplesmente, isto é, tomado como um conhecer absoluto. No entanto, já na medida em que não sabemos isso, visamos e pensamos nesse caso justamente naquilo que não sabemos. Ele não é o que aparece, mas o desconhecido, ο X, o objeto transcendental. Ele precisa se encontrar à base dos fenômenos, na medida em que eles não são nada além justamente desse X, uma vez que ele se mostra, ou seja, na medida em que é um não X. A esse X atribuímos de qualquer modo e em todo caso o seguinte: o fato de “ele”, por mais desconhecido que seja para nós, aparecer; “ele” é o que aparece, de tal modo, em verdade, que ele, justamente enquanto algo que aparece, não se mostra “em si”, não é tal como ele é absolutamente, isto é, não é como algo que não 287
aparece.297 Ο X é um objeto, mas totalmente vazio; não obstan te, como esse objeto vazio, ele não é fenômeno, não é sensível, mas inteligível. No entanto, ele é negativamente inteligível, só que não ulteriormente reconhecido. Ο X é o objeto inteligível, o inteligível no objeto. Isso, bem compreendido, de maneira universalmente ontológica, válida para todos. Mas esse X não é nenhum objeto isolado do conhecimento em si mesmo. De acordo com isso, Kant nos diz: “...assim, nada impede que não devamos aduzir a esse objeto transcendental, além da propriedade por meio da qual ele aparece, também uma causalidade, que não é fenômeno, apesar de seu efeito ser encontrado de qualquer modo no fenômeno”.298 O que não é fenômeno, porém, é inteligível. De acordo com essa ligação dupla do fen ôm en o enquanto tal, ele pode se encontrar em relação com outros fenômenos, pode ser efeito de um fenômeno e estar ligado ao mesmo tempo enquanto esse efeito a causaç inteligíveis. A partir da essência do fenôm eno, então, é deduzida a possi bilidade dessa dupla relação no que concerne a um e o mesmo e, aó mesmo tempo, a possibilidade do caráter de petição de duas causalidades fundamentalmente diversas a uma e mesma ocorrência enquanto efeito. O caráter duplo essencial do fenômeno, o fato de ele estar por um lado em conexão com outros fenômenos enquanto fenômeno, mas, por outro lado, ser enquanto fenômeno um fenômeno de algo que aparece (X), contém a possibilidade fundamental da referencialidade de um e o mesmo a algo empírico e não empírico. Essas duas relações fundamentalmente diversas em geral dão a possibilidade para duas relações fundamentalmente diversas do ser causa no sentido do caráter empírico e do caráter inteligível. A possibilidade da unificação das duas 297 Cf. Kant, Crítica da razão pura, A 249esegs., e, em particular, A 251eseg„ sobre o conceito de fenômeno em geral. Além disso, B 307 em relação ao conceito do noumenon no entendimento negativo e positivo. 298 Op. cit, A 538eseg„ B 566eseg. 288
causalidades está, com isso, fundamentalmente comprovada, mas não naturalmente o recurso ao homem. d) A causalidade da razão Liberdade como causalidade inteligível: ideia transcendental de uma causalidade incondicionada. A aplicação da problemática universalmente ontológica (cosmológica) ao hom em como ser mu ndano Antes de Kant transpor a aplicação do que é fundamen talmente conhecido para o homem, ele tenta apresentar sem pre ainda de maneira totalmente universal a conexão estrutural da unidade das duas causalidades. Nós destacamos o essencial. Manifestamente, a ligação de um e o mesmo enquanto efeito a dois tipos de causas não pode ser concebida de tal modo que as causas entrem simplesmente em jogo uma depois da outra, pois uma, dotada de caráter inteligível, é caracterizada justamente por meio do fato de que ela não transcorre no tempo. Por outro lado, ela precisa de qualquer modo, uma vez que se remete para o mesmo enquanto efeito, ter uma relação com a causa citada. Assim, a questão tornase necessária: o ser causa da causa, que é ela mesma fenômeno, ou seja, que possui um caráter empírico, precisa ser necessariamente ele m esm o uma vez mais um fenômeno, ou será que esse ser causa não pode ser ele m esm o efeito de uma causalidade inteligível? O que acon teceria, então? Nesse caso, o ser causa da causa dotada de um caráter empírico em relação à ação seria determinado por meio de algo inteligível. Nós já conhecem os agora a ambigüidade da expressão. O inteligível é ele mesmo uma essência intelec tiva. Onde o fundamento é algo inteligível, aí “o pensar (e agir)” enquanto o elemento determinante funciona “a partir do puro entendimento”.299 Em suma, do mesmo modo que o fenômeno sempre é o que ele é , com o ligado em si a algo que não aparece 299 Op. cit., A 545, B 573. 289
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(X), o caráter inteligível também não pode ser a causa transcendental fenomenal do caráter empírico e, assim, com ele e através dele, um e o mesm o fenôm eno enquanto efeito. O que aparece enquanto fenômeno também pode ser determinado por meio do que não aparece, daquilo que o fenômeno é justamente o que aparece, e do que, por isso, pertence ao fenômeno. A causa inteligível, contudo, sempre se inicia, vista a partir dos fenômenos, por si mesma, é e viabiliza uma ação originária,300 isto é, uma relação com o efeito, a qual acontece por si. Kant disse certa vez em uma reflexão que chegou até nós, que os dois tipos de causas precisariam “ser pensados em todos os seres, mas (que) é apenas na vontade que observam os o últim o tipo”.301 “Em contrapartida, não é possível pensar nenh um a causalidade do elem ento inteligível dos corpos, pois seus fenô m eno s não revelam nenhum a inteligência; portanto, também não é possível pensar nenhuma liberdade de seu substrato intelligibili, e nós não o conhecemos por meio de nenhum predicado”.302 A partir dessas observações deduzim os duas coisas. Por um lado, que a diferenciação das duas causalidades enquanto universalmente ontológica é estabelecida para todo e qualquer ente como válida. Em outras palavras: “inteligências” não são, por exemplo, apenas os homens ou os anjos, mas todo e qualquer ente, na medida em que ele pode ser pensado como ligado justamente enquanto ente a um conhecimento absoluto, a uma inteligência pura, a uma inteligência por si. Um intelligibile também são as coisas materiais o que jamais significa dizer quaisquer seres espirituais pensados em si, duendes. Pois tais representações são precisamente intuitivas, apenas falsamente absolutizadas, 300 Op. cit., A 544, B 572. 301 Reflexões de Kant sobre a Crítica da razão pura. Org. por Benno Erdmann. Leipzig 1884. Reflexão 1404. 302 Op. cit., Reflexão 1531. 290
supostas como objeto do conhecimento absoluto. Desse modo, portanto, com vistas à observação possível das inteligências, só uma observação do volitivamente inteligível nos é possível, daquelas inteligências, que nós mesmos somos. Nisso reside, porém, o seguinte: no que concerne ao nosso si mesmo existe para nós mesmos a possibilidade de “observar” a nós mesmos em nosso ser em si, isto é, de nos tomarmos de maneira formalmente “absoluta”, pura e simples. Tratase, contudo, de uma grande superficialidade do p en samento concluir a partir daí o seguinte: portanto, nós mesmos somos seres infinitos, se é que o conhecimento das coisas em si é a distinção do conhecimento absoluto em relação ao conhecimento apenas finito. É importante fixar o sentido primário da apreensão absoluta, daquilo que o que precisa ser apreendido não encontra previamente dado de maneira alguma, mas antes justamente produz na apreensão. No que concerne ao nosso agir e a um ser fático, porém, nós nos produzimos de certa maneira por meio desse ser para nós mesm os, nós nos criamos para nós m esmos. A questão é que tudo isso não se dá pura e simplesmente, nós não nos damos por nós mesmos, por meio de uma resolução própria, nosso seraí (nossa existência), mas encontramos esse seraí (essa existência) previamente, isto é, nós mesmos somos para nós ao mesmo tempo fenômenos. Nós só somos por assim dizer condicionados, isto é, nós justamente não somos de maneira absoluta, uma determinação que se adéqua mal à essência da infinitude. Com certeza, porém, é o saber em torno do próprio querer enquanto um “eu quero”, em torno do “eu sou” nesse “eu quero”, o que leva Kant a falar aqui da apreensão enquanto tal daquilo que não aparece, mas que forma a si mesmo. Com essas reflexões já chegamos ao âmbito, no qual Kant aplica as suas considerações genericamente metafísicas de maneira explicitativa, ainda que não se tenha como negar o fato de precisamente essa região se encontrar constantemente em vista desde o princípio com o uma região central. Pois o homem não é para
o homem um ser mundano qualquer entre outros, mas aquele que é dado ao homem de antemão ser. Todavia, por mais próximo e por mais premente que o ser homem seja para o homem, é preciso tentar em todo caso, no sentido de Kant, determinar de antemão de maneira totalmente genérica esse ser mundano com vistas à sua essencialidade mundana, isto é, cosmologicamente e não moralmente. Isso significa, porém, considerar o homem cómo um mero caso possível de um ente presente à vista e conquistar sobre ele em um tal mõdo de questionamento geral conhecimentos fundamentais. Pode ser dito desses conhecimentos, tal como Kant o faz segundo a investigação plena da construção cosmológica genericamente transcendental da possibilidade da unidade de natureza e liberdade, o seguinte: “Apliquemos isso à experiência. O homem é um dos fenômenos do mundo sensível”.303 Como fenômeno, o hom em precisa ter um caráter empírico, “assim como todas as outras coisas naturais”.304 Coisas naturais são sempre condicionadas com o fenômenos por fenômenos, e, na medida em que o que aparece nunca se mostra senão na e para a sensibilidade, o acontecimento no caso das coisas naturais é condicionado sensivelmente. Mesmo no caso da “natureza meramente animal e animada, nós não encontramos nenhum fundamento para pensarmos de outra maneira, que não sensivelmente condicionada, uma faculdade qualquer. Só o homem, que conhece de resto toda a natureza simplesmente e apenas por meio dos sentidos, também conhece a si mesmo por meio da mera aper cepção”.305 O homem é uma coisa natural distinta, e, em verdade, por meio do fato de que ele conhece a si mesmo. Dito de maneira mais exata, não o autoconhecimento enquanto tal, a auto consciência no sentido totalmente formal, é o elemento distintivo, mas o tipo desse autoconhecimento “por meio da mera apercepção”. 303 Kant, Crítica da razão pura, A 546, B 574. 304 Idem. 305 Idem. 292
“Meramente” não significa nenhuma falha e nenhuma restrição, mas positivamente um primado: por si só já por meio da, ou seja, tanto quanto “puramente” em face da “apercepção empírica”. O que Kant tem em vista com isso? O conceito da apercepção desempenha um papel preponderante na Crítica da razão pura, e poderseia se sentir tentado a determinar o seu significado a partir de contextos, nos quais ele é tratado aí.306 Também observamos, porém, imediatamente que esse conceito e o que é com isso visado na interpretação de Kant, particularmente do neokantismo, foi incorrigivelmente mal interpretado, o que não teria podido acontecer, caso se tivesse introduzido precisamente a nossa posição em primeiro lugar ou, em todo caso, de maneira decisiva. Pois Kant não discute aqui, em verdade, o significado e a função da apercepção para a fundamentação da metafísica geral, mas é precisamente aqui, com certeza, que ele fornece a caracterização mais geral e mais decisiva de sua essência. “Mera apercepção” com isso têm se em vista “ações e determinações interiores, que ele (o homem) não pod e contar de maneira alguma com o impressões dos sentidos”.307 De acordo com isso, reside na mera apercepção como ação uma causalidade, um deixar se guirse e uma determinação. De que tipo? Uma determinação, cujo elemento determinante e cujas determinações não podem ser contadas como uma impressão dos sentidos, isto é, o que é acolhido e recebido enquanto determinante em seu determinar pelo homem como algo previamente encontrado e previamente encontrável, mas que ele mesmo se dá, o que deixa surgir pela primeira vez um darse e ser por si só em um tal viraser. “Mera apercepção” significa, então, darse a si mesmo, e, em verdade, “pura e simplesmente” na existência,308 não naquilo que eu sou 306 Comparemos a proposição acerca da unidade originariamente sintética da apercepção transcendental. 307 Kant, Crítica da razão pura, A 546, B 574. 308 Cf. op. cit., § 25, B 157esegs., em particular B 157eseg. Observação.
em mim mesmo. Naquilo que eu mesmo sou, não tenho como me conhecer, somente no fa to de que eu sou: minha existência em seu fatodeque é a única coisa que posso pura e simplesmente conhecer. Por que? Porque já sempre formo o ser“eu” enquanto tal como “eu penso” em todo pensar e em todo determinar, somente no ato desse determinar sou dado pura e simplesmente para mim, nunca antes desse ato como um de términarse em si presente à vista. O modo como a essência do eu, a egoidade, é determinado depende da resposta à questão acerca de sua apreensão e do modo da interpretação e comunicação possíveis.309 A mera apercepção é um agir, que não pode ser contabilizado na receptividade, mas que possui o caráter de uma outra relação da causa com o efeito. Esse agir não é nenhum ser determinado por um outro enquanto tal, mas um ser determinado por si mesmo como um determinar. Tal fa culd ade não receptiva e não empírica, tal fa culd ade inteligível é a razão. Daí se segue, porém, ao mesmo tempo que a razão mesma é caracterizada em seu ser racional como um tipo de causalidade. A partir daí fica claro, então, que a razão tem uma causalidade ou que nós representamos algo desse gênero nela? Nessas ações do “eu penso”, que nós mesm os realizamos, isto é, nesse tipo de atuação, nós estabelecemos regras para as “forças atuantes”. Entregar e estabelecer previamente regras como reguladoras é um tipo de determinação. O que nós damos ao nosso agir é sempre a cada vez para esse agir algo devido. O caráter de regra é, por conseguinte, o dever. “O dever expressa um tipo de necessidade e de ligação com razões, uma necessidade que ocorre de resto em toda a natureza”.310 Ligação com razões visa a uma relação determinada por uma razão enquanto tal; um fundamentar, um causar em um sentido amplo. Na medida 309 Cf. idem, Conclusão da observação. 310 Op.cit.,A 547, B 575. 294
em que a razão se deixa determinar por meio do dever, ela cria para si, em contraposição à ordem da legalidade dos fenômenos, “com completa espontaneidade, uma ordem própria segunda ideias”.311 Pois o que é devido é essencialmente algo tal que ainda não aconteceu ou em geral nunca acontecerá, mas que é dado enquanto devido para a razão, isto é, que é representado enquanto regulador, enquanto universalmente determinante. Representar algo “no universal” significa representálo concei tualmente. Esse representado no universal, o dever enquanto regra, é um conceito. De acordo com isso, o conceito é o fundamento da determinação da ação. “Esse dever expressa, então, uma ação possível, em relação à qual o fundamento não é outra coisa senão um mero conceito; nesse caso em contraposição a uma mera ação da natureza, cujo fundamento precisa ser a qualquer momento um fenômeno”.312 Com isso, a essência da causalidade da razão é clarificada. Seü agir é um atuar, que é determinado enquanto tal por meio do ser desde o princípio representado daquilo que deve ser feito com vistas ao efeito e que se acha em si ligado com um querer. Esse agir que se segue ao dever pode ser muito bem atrelado e adequado, sob o m odo da realização do efeito, ao decurso dos fenômenos. Por isso, onde o agir acontece como no homem na unidade com uma natureza, aí a razão precisa, por mais que ela tam bém seja razão, isto é, causa inteligível, mostrar em si um caráter empírico em si. Esse caráter empírico é “apenas o esquema sensível” do caráter inteligível.313 Com relação a esse caráter não vale nenhum antes e nenhum depois. “Ela, a razão, está presente para todas as ações do homem em todas as circunstâncias temporais e é una com elas. Ela mesma, porém, não se encontra no tempo, e, por exemplo, recai em um novo estado, no qual ela anteriormente 311 Op.cit., A 548, B 576. 312 Op. cit., A 547eseg., B 575eseg. 313 Op.cit., A 553, B 581. 295
não estava; ela é determinante, mas não determinável com vistas a esse novo estado”.314 “A razão, portanto, é a condição constante de todas as ações arbitrárias, sob as quais o homem aparece”.315 A “razão não (está) submetida em sua causalidade a nenhuma condição do fenômeno e do decurso temporal”.316 Uma vez que não se mostram como nenhuma coisa em si, os fenômenos também não são nenhuma causa em si. Só a razão é “causa em si”, por assim dizer causalidade pura. A explicitação da construção metafísica genérica da unidade possível entre natureza e liberdade mostra: há um caso de tais seres mundanos, no qual essa unidade é fática, o caso do homem como um ser vivo racional. Uma vez mais se acentua o fato de que, no sentido de Kant, só a possibilidade metafísica da unidade entre causalidade da na tureza e causalidade da liberdade deve ser pura e simplesmente comprovada. A possibilidade o que significa isso? A pensa bilidade. Ora, mas por meio do que algo é comprovado como pensável? Por meio do fato de que ele pode ser pensado sem contradições? Com certeza. Todavia, a mera pensabilidade lógica, a isenção de contradição, não é precisamente nenhum critério suficiente para a possibilidade metafísica. Esse possibilidade, segundo Kant, é demarcada pelo fato de que o possível é compatível com relação àquilo que a essência da experiência e a essência da razão exigem em unidade. O fu ndam ento metafísico universal essencial da possibilidade da unidad e das dua s causalidades reside no fato de que, dito de maneira breve, o fenôm e no enquanto tal é determinável como sensível e inteligível. Com relação ao ser mundano particular homem, que é previamente encontrável como fenômeno, isso significa: “O homem, que se considera dessa maneira como inteligência, se coloca por meio daí em uma ordem diversa das coisas e em uma relação com 314 Op. cit., A 556, B 584. 315 Op. cit., A 553, B 581. 316 Op. cit., A 556, B 584. 296
fundamentos determinantes de um tipo totalmente diverso, quando ele se pensa dotado enquanto inteligência de um vonta de, consequentem ente de causalidade, e quando ele se percebe com o um fenômeno no mundo sensível (algo que ele efetiva mente também é) e submete sua causalidade a uma determina ção exterior segundo leis naturais”.317 Com isso, chegamos à meta do primeiro caminho até a liber dade. O que veio à tona por m eio de tal consideração? Liberdade é um tipo de causalidade, a saber, um tipo não-empírico, um tipo inteligível, isto é, uma causalidade da razão, cuja unidade com a causalidade segundo a natureza é possível. Com essa concepção do resultado, tal como tem de ser, permanecemos totalmente no interior dos limites da consideração puramente cosmológica do ente, para a qual o ente, que acabamos de conhecer como um ente livre, o hom em, constitui um mero caso de um ente, que não tem nenhum privilégio em relação a outros entes e isso a tal ponto, que esse ente, o homem, não é nem mesmo a motivação principal e decisiva para o problema da liberdade. Esse proble ma emerge muito mais simplesmente da tarefa temática de um conhecimento da totalidade dos fenômenos, do mundo, com o a ideia transcendental da causalidade incondicionada. Chegamos agora, então, ao segundo caminho de Kant até a liberdade.
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317. Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 87 (IV, 457). ( 297
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S E GUNDO CAP ÍTULO
O s e gundo ca minho pa ra a liberda de no siste ma ka ntiano. Libe rd a de prá tica enqua nto distinção específica do homem como um s e r ra ciona l
Se passamos dessa maneira para o segundo caminho de Kant, então isso se dá de maneira extrínseca. Despertase a aparência de que os dois caminhos correriam de forma completamente independente um ao lado do outro e um na direção contrária ao outro, como se nós nos deparássemos agora imediatamente com algo totalmente diverso. Isso é de certa forma pertinente e, contudo, uma vez mais não o é. Pois precisamente a direção do primeiro caminho deixa claro que a ideia da liberdade não emerge apenas em meio à persecução da contenda interna da razão ,n o pensamento do mundo, mas de que justamente esse caminho por assim dizer oferece uma perspectiva em relação à liberdade em um lugar totalmente diverso, para o qual naturalmente esse primeiro caminho nunca consegue conduzir. Esse caminho oferece ainda uma perspectiva em relação à liberdade, e, em verdade, uma totalmente restrita, a saber, como liberdade do homem. Em verdade, nós sempre acentuamos cada vez mais o seguinte: essa liberdade do hom em vista a partir do primeiro caminho é sempre apenas um caso possível da liberdade cosmológica. A questão persiste: é preciso saber se esse modo de ver a liberdade do hom em é o único modo possível, ou se um outro não é do m esmo m odo possível, ou mesm o necessário. Se isso se mostra como pertinente, então está ao inesmo tempo comprovado 299
com isso a imprescindibilidade do segundo caminho. Mas não apenas isso. Se um segundo caminho conduz até a liberdade, e, em verdade, até a liberdade do homem enquanto tal, e esse permanece nesse caso sempre ainda um caso do ser mundano, então também é válido para o segundo caminho aquilo que o primeiro caminho diz sobre a liberdade. Mais ainda. Segundo a própria consideração expressa de Kant, o conteúdo do conceito cosmo lógico de liberdade é até mesmo aquilo que constitui o elemento propriamente problemático no problema da liberdade, na medida em que ele emerge no segundo caminho. Além disso, a partir de tudo o que dissemos fica claro que aquilo que o primeiro caminho trouxe consigo não é insignificante para o segundo, apesar de esse segundo caminho precisar ser totalmente estabelecido por si. Segundo a sua natureza, o se gundo caminho é essencialmente mais breve, ò que não significa naturalmente que os problemas que ele apresenta seriam mais fáceis de serem dominados. No segundo caminho, nós nos encontramos imediatamente diante da liberdade, o que é com certeza um modo de falar inadequado. § 26. A essência do homem como ser sensível e como ser racional e a diferença entre liberdade transcendental e prática
a) A essência do hom em (humanidade) com o pessoa (pessoalidade). Pessoalidade e autorresponsabilidade Em que direção segue, então, o segundo caminho? Ele não tem por meta a liberdade enquanto um tipo de causalidade pos sível no mundo, mas a liberdade enquanto distinção específica do hom em enquanto um ser racional. Na medida, porém, em que o homem enquanto ser mundano cai em geral sob o domínio da ideia de liberdade encontrada no primeiro caminho, a liberdade do homem também já é copensada lá, mas não se transforma expressamente em problema como distinção específica. Se isso 300
deve acontecer, então o homem também precisa ser visualizado de maneira diversa do que na explicitação cosmológica, e justamente com vistas àquilo que o distingue. E o que é isso? Sua pessoalidade. Kant usa essa expressão com um significado terminológico totalmente determinado. Nós falamos, por exemplo, do fato de que, em uma sociedade, estariam presentes diversas “personalidades”, pessoas que “são algo” ou das quais se diz, em todo caso, que elas “seriam alguém”. Não é neste sentido que Kant fala de pessoalidade. Para Kant, a pessoalidade significa aquilo que constitui a pessoa enquanto pessoa, o ser pessoa. A essência, porém, é apenas e unicamente de alguém e, por isso, só pode ser designada no singular. Assim, de maneira correspondente, a animalidade tem em vista o que há de específico ao animal, a humanidade, o que há de específico ao homem, e não, por exemplo, a soma de todos os homens. O que constitui, então, a pessoalidade de uma pessoa? Nós compreendemos isso, se considerarmos a pessoalidade em sua diferença em relação à humanidade e à animalidade do homem.318 Tudo aí constitui o todo dos elementos da determinação da essência plena do homem. Em verdade, a definição tradicional do homem conhece apenas dois elementos desta determinação: homo animal rationale, o homem é um animal dotado de razão. Por conseguinte, é a animalidade que caracteriza o homem enquanto ser vivo. A razão é o segundo momento, que não constitui agora naturalmente o conteúdo daquilo que Kant denomina a humanidade, mas a huma nidade é aquilo que caracteriza o homem enquanto um ser vivo e, ao mesmo tempo, enquanto um ser racional. No conceito da humanidade reside concomitantemente a ligação com a animalidade. Aquilo que Kant concebe por animalidade é em certa medida o conteúdo da definição tradicional. Mas a essência do homem não é esgotada em sua humanidade, mas ela se consuma pela primeira vez e se 318 Cf. Kant, A religião no interior dos limites da razão pura. WW (Cassirer), VI, 164. Parte I, Seção II. 301
determina propriamente na pessoalidade. Ela transforma o homem em um ser racional e, ao mesmo tempo, em um ser imputável. Um ser, ao qual algo pode ser imputado, precisa poder ser em si responsável por si mesmo. A essência da pessoa, a pessoalidade, consiste na autorresponsabilidade. Kant acentua expressamente que a determinação do homem como um ser vivo racional não é suficiente, porque racional também pode ser um ser, que não possui a possibilidade de ser praticamente por si mesmo, de agir em virtude de si mesmo. A razão poderia ser uma razão meramente teórica, de tal modo que o homem refletiria, em verdade, com o auxílio da razão em seu fazer, mas deduziria todos os impulsos de seu agir, porém, de sua sensibilidade, de sua animalidade. A essência do homem, se ela não se confunde com a sua humanidade, consistiria, então, precisamente em ir além de si, enquanto pessoa, na pessoalidade. Assim, Kant também determina a “pessoalidade” como aquilo “que eleva o homem para além de si mesmo (como uma parte do mundo sensível)”.319 A essência do homem, a humanidade, não consiste, por conseguinte, em sua humanidade, caso entendamos por tal humanidade a unidade de razão e sensibilidade, mas ela se encontra para além dessa sensibilidade na pessoalidade. O ser homem propriamente dito, a essência da própria humanidade, reside na pessoa. Assim, Kant também utiliza a expressão humanidade de maneira formal com o termo para o ser todo, propriamente dito do hom em, e fala da “humanidade em sua pessoa”.320 Se tomarmos o homem não como ser sensível e como ser mundano, não cosmologicamente, mas se o compreendermos a partir daquilo que o distingue, a partir de sua pessoalidade, então o teremos em vista como um ser responsável por si. Respon sabilidade po r si é, nesse caso, o modo fund am en tal do ser, que determina todo fazer e deixar de fazer, o agir hum an o especifica 319 Kant, Crítica da razão pura, p. 101 (V, 154). 320 Op. cit., p. 102 (V, 155 e 157). 302
mente distinto, a práxis ética. Em que medida e de que maneira nós nos deparamos com a liberdade, se considerarmos o homem segundo a sua pessoalidade, segundo o ser pessoa?
b) O segundo caminho para a liberdade e a diferença da liberdade transcendental em relação à liberdade prática. Possibilidade e efetividade da liberdade É válido, então, para a discussão do segundo caminho, com uma agudeza em nada atenuada, aquilo que foi requisitado para o primeiro caminho e para a sua compreensão: atentar para o modo da problemática e não para o mero conteúdo daquilo que ganha a linguagem. Esse último é o caso, quando nos satisfazemos com uma constatação ou com uma discussão também bastante abrangente da diferença entre os dois caminhos da seguinte maneira. No primeiro caminho, nós nos deparamos com a liberdade no contexto de uma consideração teórica das coisas presen tes à vista, da natureza em sua totalidade: liberdade no conceito da filosofia teórica (especulativa). No segundo caminho, onde se tem em vista o ser mundano particular homem, e, em verdade, enquanto pessoa, isto é, como um ser prático autonomamente agente e responsável, nós nos deparamos com a liberdade como conceito da filosofia prática. No primeiro caminho, o conceito de liberdade surge no contexto da pergunta: o que precisa se dar, para que a totalidade dos fenômenos enquanto tal possa ser determinada? Uma tal pergunta é uma pergunta “transcendental”, pois toda questão e todo conhecimento que estejam direcionados para aquilo que torna possível desde o princípio o conhecimento do objeto enquanto tal é denominado por Kant “transcendental”. O con ceito que surgiu no primeiro caminho é o conceito de liberdade transcendental. O conceito de liberdade, ao qual deve conduzir o segundo caminho, que está ele mesmo orientado pela prá xis ética, é, então, denominado por Kant o conceito de “liber dade prática ”. Em verdade, de acordo com todas as discussões 303
precedentes, compreendemos essa diferença e os termos de uma maneira mais determinada e viva do que era possível nos primeiros encontros, nos quais introduzimos esses dois conceitos de liberdade de Kant a princípio apenas à guisa de exemplo. A questão é que ainda não compreendem os com isso precisamente o elemento específico do segundo caminho, isto é, a problemática que se encontra encoberta na expressão “liberdade prática”. Enquanto nos faltar essa compreensão, também não será no fundo compreendida a problemática desse primeiro caminho, apesar de precisamente esse caminho parecer ser independente do segundo, o que, inversamente, não pode ser aparentemente dito do segundo. Assim, o próprio Kant acentuou certa vez na Fundamentação da metafísica dos costumes, que a “filosofia especulativa”, isto é, o tratamento do problema das antinomias, “criaria uma via livre para a filosofia prática”.321 Como é que nos aproximamos, então, da problemática específica do segundo caminho? Será que o primeiro caminho não pode nos fornecer também quanto a isso um fio condutor para a compreensão, supondo que não vislumbremos simplesmente o resultado do primeiro caminho, mas também a sua problemática? Com o é que o primeiro caminho ainda perguntava sobre a li berdade? Ele perguntava sobre a possibilidade de sua unificação com a causalidade da natureza. Ao mesmo tempo, tratase aqui em geral apenas de uma possibilidade em relação à liberdade, isto é, não da liberdade real e efetiva ou mesmo da liberdade real e efetiva totalmente determinada no homem . De acordo com isso, o problema do segundo caminho será discutir e comprovar a liberdade real e efetiva, e, em verdade, do homem agente enquanto eticamente agente. O primeiro caminho trata da liberdade possível de um ente presente à vista em geral, o segundo trata da liberdade real e efetiva de um ente presente à vista determinado, do homem enquanto pessoa. 321 Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 86 (IV, 456). 304
§ 27. A realidad e efetiva da liberdad e hu man a (prática)
a) Liberdade com o fato A factualidade (realidade efetiva) da liberdade prática na práxis ética e o problema de sua “experiência”. A realidade prática da liberdade Em que medida a liberdade real e efetiva da pessoa deve e pode ser problematizada? Se algo real e efetivo se torna problema enquanto tal, isto é, se ele se torna questionável, então encontrase sob investigação e deve ser decidido, se ele é ou não real e efetivo. Uma tal questão só pode ser em última instância de tal modo decidida, que o real e efetivo afirmado ou contestado enquanto um tal seja apresentado ou se torne acessível. Caso, porém, essa demonstração da realidade efetiva da liberdade deva conquistar um significado fundamental, então ela precisa se desdobrar em direção à indicação e à demarcação do modo, no qual a realidade efetiva em questão a qualquer momento, na medida em que e até o ponto em que ela é efetivamente real, pode se tornar e permanecer acessível. O importante, portanto, quando a questão acerca da liberdade real e efetiva do hom em é colocada, é comprovar a liberdade como um fato no homem, e isso significa no homem efetivamente existente, enquanto propriedade que efetivamente ocorre. Essa é vista de maneira formal exatamente a mesma tarefa que se teria, caso fosse exigido levar a termo a prova de que o homem come carne. Em verdade, nem todos fazem isso. Esses são justamente, então, as exceções. As coisas não se mostram de outro modo, porém, no caso da liberdade. Pois acontece de qualquer modo em múltiplos aspectos de os homens, que podem agir livremente, não agirem livremente, por exemplo, na loucura, em uma situação na qual eles se encontram hipnotizados ou em outras situações do gênero, acontece de os homens não serem imputáveis em seu fazer. Manifestamente, é só na e a partir da experiência que se pode decidir quanto à liberdade prática real e efetiva do homem. O conceito de liberdade prática é, por conseguinte, um “conceito empírico”. Não, diz Kant, “esta
liberdade (a prática) não (é) nenhum conceito empírico”.322 Nós “não podemos demonstrar essa liberdade como algo real e efetivo nem mesmo em nós mesmos e na natureza humana”.323 A liberdade prática não se deixa comprovar de maneira alguma “como algo real e efetivo”. Isso significa, então, justamente que a realidade efetiva dessa liberdade não se mostra absolutamente como problema algum. No que concerne a essa liberdade, de maneira correspondente ao que acontecia com a liberdade cosmológica, nós também só podemos perguntar sobre a sua possibilidade. Mas sua possibilidade é de qualquer modo precisamente decidida, no primeiro caminho. Na medida em que esse primeiro caminho mostrou que a liberdade de um ser mundano é possível na conexão Com a natureza, também está comprovada, com isso, a possibilidade da liberdade da pessoa em conexão com a natureza animal do homem. Querer demonstrar a liberdade prática enquanto algo real e efetivo é impossível. Comprovar a liberdade prática como algo possível é supérfluo. Com isso, um segundo caminho para a liberdade perde em geral todo direito e todo e qualquer sentido. / Se, então, porém, existe um segundo caminho até a liberdade, na medida em que Kant trata de qualquer modo de uma liberdade prática e não trata dela no primeiro caminho, então se levanta a questão: em que sentido, então, a liberdade prática pode se tornar problema7. Assim, encontramonos em meio às maiores dificuldades. O que se apresenta como uma diferenciação tranqüila e inequívoca, quando lemos apenas os resultados e constatamos opiniões, a diferenciação entre liberdade cosm ológica e liberdade prática, é algo inteiramente questionável, logo que nos lembramos efetivamente do fato de que aqui filosofamos. Nós não apenas não sabemos como a liberdade real e efetiva deve ser determinada, mas também não sabemos nem mesmo como é, afinal, que 322 Op. cit., p. 85 (IV, 455). 323 Op. cit., p. 77 (IV, 448).
devemos ainda que apenas perguntar sobre ela. Negativamente e de maneira provisória, por meio de enunciados inequívocos do próprio Kant, a única coisa que está clara para nós é: a liberdade prática não é nenhum conceito empírico. Não obstante, mesmo a essa explicação se encontra contraposta uma declaração de Kant, que afirma diretamente o contrário. Kant diz na Crítica da faculdade de julgar, § 91: a liberdade prática é um “fato”.324 Essa declaração foi feita com certeza cinco anos depois (1790) em relação àquela que citamos primeiro (1795). Liberdade é um fato e, com isso, ao mesmo tempo um fato experienciável e: a liberdade prática não é nenhum conceito empírico. Como é que as duas coisas podem ser compatibilizadas? Elas podem ser em geral unificadas? A mais trivial informação em tais casos, nos quais não se consegue reunir imediatamente teses essenciais de uma filosofia, é a que afirma que o filósofo mudou o seu ponto de vista. Algo desse gênero pode ocorrer, e a filosofia de Kant é rica em “reviravoltas”. Justamente essas reviravoltas, porém, não têm como ser captadas com o método fatal do entendimento comum, que considera algo desse gênero como uma alteração de ponto de vista, isto é, que contrapõe dois resultados diferentes. Uma autêntica reviravolta, suportada por uma necessidade material, é, ao contrário, incessantemente o sinal de uma continuidade interna e, por isso, só pode ser concebida por uma apreensão da problemática, na qual o todo da transformação é abarcado. Em todo caso, precisamos, com isso, em face dos dois enunciados que se encontram contrapostos, nos empenhar por conceber o problema. Então se mostra que não se pode falar de nenhuma mudança de ponto de vista. Gostaríamos de tentar, por meio da resposta à pergunta sobre se é ou não possível unificar as declarações opostas de Kant sobre a liberdade prática enquanto conceito empírico e enquanto 324 Kant, Crítica da faculdade de julgar (Vorlánder). Leipzig (Dürr), 3a edição, 1902. § 91, p. 358 (V, 456). i 307
fato, determinar o problema da liberdade prática, ou seja, preli neálo, tal como pode e deve ser perguntado sobre a liberdade efeti va do hom em em contraposição à pergunta sobre a possibilidade de uma liberdade em relação aos seres mundanos em geral. Liberdade não é nenhum conceito empírico liberdade é um fato. O que é um fato? Kant distingue três tipos de “coisas cognoscíveis”, isto é, três tipos de coisas: “opiniões”, “fatos” e “crenças”.325 Res facti (fatos) são “objetos para conceitos, cuja realidade objetiva (entre objetos presentes)... pode ser comprovada”.326 Se podem os comprovar, por exemplo, aquilo qúe nos representamos em geral, por exemplo, uma casa, como ocorrendo entre objetos presentes à vista ou com o pertencentes à presença à vista dos objetos, então o representado é um fato. A realidade é uma realidade objetiva. O real de uma representação é o seu con teúdo quididativo. A prova do pertencimento aos objetos, àquilo que é real e efetivo e que pode se tornar, assim, manifesto para qualquer um como presente, acontece de tal maneira que o de saída representado conceitualmente por meio de uma intuição correspondente à sua realidade, ao seu conteúdo quididativo, é apresentado: que se tem o apresentar do que é universalmente pensado em um representar imediato de um particular presente à vista correspondente. O modo imediato que nos é conhecido da apresentação in tuitiva, isto é, da adução do próprio ente presente à vista correspondente, é a experiência, seja essa uma experiência própria ou alheia, que nos é intermediada por testemunhos. A apresentação intuitiva, porém, também pode acontecer por meio da pura razão, e, em verdade, “a partir de dados teóricos ou práticos da mesma”.327 Em todo caso, a prova da objetividade de algo real precisa ser sempre uma apresentação intuitiva, isto é, precisa 325 Op. cit., p. 357 (V, 454). 326 Op. cit., p. 358 (V, 456). 327 Idem. 308
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levar algo a ocorrer nele mesmo. O modo da dação pode ser nes se caso diverso. Kant diz aqui que dados da razão prática e da ra zão teórica seriam encontráveis. Nós escutamos anteriormente, em meio à preparação do problema das antinomias, algo sobre representações peculiares, sobre as ideias. Nelas, é pensada de tal modo uma totalidade, uma incondicionalidade, que essa totalidade e essa incondicionalidade ultrapassam em seu conteúdo tudo aquilo que é experimentável. Uma ideia, portanto, não pode ser de maneira alguma apresentada intuitivamente por meio de uma experiência. Liberdade, porém, é uma ideia, por liberdade compreendemos efetivamente uma causalidade incondicionada. Agora, Kant nos diz: “O que, porém, é muito estranho, é que se encontra até mesmo uma ideia da razão... entre os fatos, e essa ideia é a ideia da liberdade ”.328 Essa tese significa, portanto, o se guinte: o que representamos conceitualmente por liberdade pode ser apresentado em uma intuição correspondente. Manifesta mente, essa intuição apresentadora do que é pensado na ideia de liberdade não pode ser uma experiência. Pois pertence à essência da ideia o fato de que ela é excessiva em face de toda experiência, de que ela nunca é apresentada intuitivamente por meio de uma apresentação intuitiva consonante com a experiência. Mas Kant acentua expressamente o fato de que a apresentação intuitiva consonante com a experiência não seria a única. Isso significa, então: não há fatos apenas no âmbito da experiência entre as coi sas naturais presentes à vista. A partir daí fica claro o seguinte: a liberdade pode ser muito bem um fato e não precisa, contudo, ser um conceito empírico. Os dois enunciados: a liberdade é um fato a liberdade não é nenhum conceito empírico, não se excluem mutuamente. Com certeza, permanece ainda indeterminado até aqui com o, então, essa factualidade (realidade efetiva) não identi ficável em consonância com a experiência deve ser compreendida, essa factualidade que advém segundo Kant à liberdade; e, sobre 328 Op. cit., p. 358 (V, 457).
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tudo, porque Kant também fala, por outro lado, do fato de que a ideia da liberdade pode ser demonstrada na experiência. Ao novo conceito da factualidade também corresponde, então, um novo conceito de experiência. Agora, poderseia dar uma guinada em todo o problema, guinada essa que conduziria ao mesmo tempo para uma solução simples. Poderseia apontar para o fato de que Kant não diz: a liberdade é um fato, mas sim: “a ideia de liberdade” é um fato. Isso significa, porém, o seguinte: é um fato que nós temos a ideia da liberdade, que o ato da representação da liberdade também ocorre em nossa representação como um nexo de acontecimentos de atos psíquicos, que isso é factual, o que, contudo, não diz nada sobre a factualidade do representado nesse representar factual. A ocorrência da representação e do pensamento de uma liberdade prática deixase comprovar a qualquer momento por meio de uma experiência psicológica. Uma tal interpretàção de Kant, contudo, seria completamente equivocada. Em verdade, Kant diz: a ideia da liberdade é um fato, mas isso significa justamente que o*representado conceitualmente nessa ideia, que o que é com isso objetivamente visado, se deixa comprovar intuitivamente como algo real e efetivo. Kant diz expressamente em relação à ideia de liberdade: ela é “a única entre todas as ideias da razão pura, cujo objeto é um fato, e que precisa ser computada entre as scibilia”.329 O problema da liberdade real e efetiva é, portanto, a compro vação de sua realidade efetiva. A questão é que isso significa algo diverso de verificar apenas um caso passível de ser encontrado na experiência de um ser livre real e efetivo. Significa mostrar o tipo de realidade efetiva da liberdade e de identificação intuitiva que lhe é pertinente. Liberdade é fato, isto é, a factualidade desse fato é precisamente o problema decisivo. Se Kant diz que não podemos demonstrar a liberdade “como algo real e efetivo 329 Op„ cit., p. 357 (V, 454). Diferença entre opinabile, scibile, mere credibile. Cf. acima p. 238. 310
nem mesmo em nós mesmos e na natureza humana”330 então isso significa apenas que ela não é experimentável como uma coisa natural presente à vista. Sua realidade é sempre uma realidade objetiva, isto é, seu conteúdo quididativo é encontrável nos objetos efetivos da experiência espáciotemporal. Se a liberdade não é nada desse gênero, mas se mostra de qualquer modo com o um fato, então isso significa que a realidade da liberdade, isto é, aquilo como o que ela precisa ser representada essencialmente, é apresentável de uma outra maneira, não por meio da experiência da coisa natural. A realidade da liberdade exige um outro tipo de realidade efetiva do que aquele que é mostrado pelos objetos naturais: ela não é nenhuma realidade objetiva. Ou, caso se continue concebendo a realidade efetiva tal como Kant o faz, como realidade efetiva objetiva, então a realidade objetiva da liberdade é distinta com vistas à sua objetividade em face da objetividade das coisas naturais. A factualidade, que corresponde à realidade da liberdade, é a factualidade da práxis. No agir prático, voliti vo, aquilo que temos em vista por liberdade é experimentável. A liberdade tem uma realidade prática ou sua realidade é prática com vistas à sua objetividade. Agora compreendemos a sentença de Kant: “entre os fatos” também se encontra “a ideia da liberdade, cuja realidade, enquanto um modo particular de causalidade, pode ser comprovado por meio de leis práticas da razão pura, e, de acordo com essas leis, em ações reais e efetivas, ao mesmo tempo que na experiência”.331 A partir daí temos ao mesmo tempo uma indicação, em cuja direção precisa ser estabelecido o problema da liberdade efetiva, isto é, de sua realidade efetiva, para a qual precisamos nos voltar, para que possamos tomar o segundo caminho. A realidade da ideia de liberdade, aquilo que é representado no conceito essencial liberdade, pode ser comprovado como algo real e efetivo “por meio de leis práticas da razão pura”. 330 Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 77 (IV, 448). 331 .Kant, Crítica da faculdade de julgar, § 91, p. 358 (V, 457). 311
Em resumo: o segundo caminho coloca o problema da liberdade real e efetiva, o que significa agora, levantase a questão acerca áa realidade efetiva da liberdade. Na resposta a essa pergunta determinase ao mesmo tempo o modo do saber possível em torno da liberdade efetiva, o problema da essência específica da “experiência” de algo assim como a liberdade no agir volitivo. O primeiro caminho pergunta sobre a possibilidade de uma unidade da liberdade com a natureza, o segundo pergunta sobre o tipo de realidade efetiva de uma liberdade assim possível, o que significa dizer, contudo, ao mesmo tempo para Kant, que ele pergunta sobre o modo no qual a ideia da liberdade pode ser identificada com vistas à sua realidade enquanto liberdade efetiva. Ela é identificável por meio das leis práticas da razão pura. Sua realidade é prática, a liberdade pertence, segundo o seu conteú do essencial, à realidade efetiva do prático. Demonstrar a realidade da liberdade, por conseguinte, significa descobrir razões, que comprovam o “fato de que essa propriedade (causalidade por liberdade) cabe de fato à vontade humana (e, assim, também à vontade de todo e qualquer ser racional)”.332 Isso sempre soa uma vez mais, como se a presença à vista da liberdade devesse e pudesse ser comprovada empiricamente como fato. O problema, porém, segundo tudo aquilo que foi dito até aqui, é o seguinte: como é que precisa em geral ser compreendida a realidade efetiva (factualidade) da liberdade? Pois manifestamente essa pergunta precisa antes de tudo de uma resposta, se é que a liberdade efetiva, factual mesma, deve se transformar em problema. Caso consigamos determinar como seria preciso compreender a factualidade da liberdade, então estaria dado, com isso, o preline amento do modo como precisa ser uma “experiência”, que deve poder tornar acessível a liberdade factual enquanto tal. O agir prático é o modo de ser da pessoa. A experiência da liberdade prática é uma experiência da pessoa enquanto f
332 Kant, Crítica da razão prática, p. 16 (V, 30). 312
pessoa. Pessoalidade é a essência propriamente dita do homem . A experiência da pessoa e ao mesmo tempo a experiência essencial do homem, o modo de saber, no qual o homem se torna manifesto em sua realidade efetiva propriamente dita. Kant não fala naturalmente de “experiência” da pessoa enquanto tal. A “experiência” em geral é reservada para o tornarse manifesto do efetivamente real das coisas naturais. E, contudo, esse modo de falar se encontra necessariamente na direção de sua problemática. Kant não foi mais além. Por isso, o problema da factualidade da liberdade permaneceu cercado por dificuldades e incompreensões. Essas dificuldades e incompreensões estão hoje muito longe de serem superadas, isto é, não se chega hoje nem mesm o a olhálas nos olhos. O desvio em direção à filoso fia dos valores é uma inversão completa do problema kantiano propriamente dito.
b) Sobre a essência da razão pura enquanto razão prática. A razão pura prática enquanto a pura vontade A tese kantiana com vistas à realidade efetiva da liberdade pode ser formulada de maneira totalmente genérica da seguinte forma: a realidade objetiva da liberdade só pode ser comprovada por meio de leis práticas da razão pura. Com essa tese, a tarefa propriamente dita do segundo caminho e, ao mesmo tempo, a problemática específica são fixadas. A factualidade da liberdade só se deixa identificar a partir da e na factualidade da legitimidade prática da razão pura. Em suma, o fato da liberdade só é acessível na compreensão da facticidade da liberdade. A factici dade da liberdade só é comprovável e esclarecível a partir da.fa c ticidade da razão pu ra enquanto razão prática. Assim, a questão mais imediata e primeira passa a ser: qual é a essência de uma razão pura enquanto razão prática? E a outra questão é: que tipo de factualidade é própria à razão pura prática com base em sua essência? A essência de uma coisa prescreve o modo de sua factualidade, de sua realidade efetiva. í 313
Nós dissemos na transição do primeiro para o segundo caminho que esse segundo caminho tinha por meta a liberdade enquanto distinção do homem no sentido de um ser racional. A distinção do homem, porém, reside na pessoalidade, a essência dessa pessoalidade, por sua vez, se baseia na responsabilidade por si. A partir dessa responsabilidade, por isso, a essência propriamente dita da humanidade do homem precisa se tornar compreensível e, com isso, a essência de uma razão pura enquanto razão prática. Nós já introduzimos nesse contexto a tese de Kant e a tarefa que se encontra aí contida: a realidade objetiva da liberdade só pode ser comprovada por meio de leis práticas da razão pura. Nós perguntamos: qual é a essência da razão pura enquanto razão prática? Nessa pergunta se encontra embutida a questão geral: o que é em geral uma razão prática? O que significa “prático”, práxis? Práxis significa ação. Mas nós sabemos que a ação em geral é a relação de um sujeito da causalidade com o efeito. Práxis é um tipo particular de ação, aquela que é possível por meio de uma vontade: ela é uma relação tal, na qual a relação do sujeito enquanto causalidade, enquanto o elemento determinante, com o efeito é caracterizada pela vontade. Vontade é “uma faculdade de atuar segundo conceitos”. Conceito designa a representação de algo no universal, que pode atuar e querer atuar segundo algo assim representado enquanto tal. O determinante é, por exemplo, a representação da formação científica do homem. Esse representado pode determinar um agir enquanto representado. Uma atuação assim determinada é uma atuação volitiva, é práxis. Em uma máquina, segundo Kant, também é dado um agir, mas o que determina aí o movimento de uma parte não é representado por essa parte determinada como o determinante, de tal modo que o ser representado do determinante copertenceria ao tipo de sua determinação, isto é, a máquina e as partes particulares não podem agir volitivamente, não há nesse caso nenhuma atuação segundo e por meio de conceitos. Vontade é a faculdade do agir no sentido da práxis. À vontade, porém, pertence a faculdade do agir no sentido da práxis. 314
À vontade, contudo, pertence essa representação de algo no universal enquanto algo determinante. Uma representação conceituai é coisa do entendimento. Na medida em que o representado funciona como algo determinante, enquanto princípio, reside na representação uma faculdade da relação com princípios, isto é, a razão. Onde há vontade, aí há razão, e, em verdade, como um representar que determina a atuação, um atuar ligado à práxis. Vontade não é outra coisa senão razão prática e vice-versa. Razão prática é vontade, isto é, uma faculdade de atuar segundo a representação de algo enquanto princípio. Kant fala muitas vezes da “razão prática” ou da “vontade de um ser racional”.333 A razão é prática como “uma causa que determina a vontade”.334 Vontade é “causalidade por meio de razão”,335 isto é, razão praticamente usada, razão prática. “Conhecimento prático” é, por conseguinte, um conhecimento tal “que ele só tem algo em comum com fundamentos de determinação da vontade”.336 No que concerne à tese de Kant, nós perguntamos sobre a essência de uma razão prática. Se “consideramos”337 uma razão universalmente prática, então levamos em conta a razão não em sua relação com objetos, mas estamos antes lidando com uma vontade. Nós consideramos a razão em relação com a “vontade e sua causalidade”,338 isto é, em relação ao m odo como a razão determinaria a vontade. Se perguntarmos sobre uma razão puramente prática, então perguntaremos: o que significa em geral o fato de uma razão pura ser prática? Razão pura é uma representação de algo em geral, que é aí representado, mas que não é 333 334 335 336 337 338
Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 77 (IV,448). Op. cit., p. 90 (IV, 459). Observação. Op. cit., p. 92 (IV, 461). Kant, Crítica da razão prática, p. 22 (V, 36). Op. cit., p. 17 (V, 32). .Idem. i 315
haurido da experiência, nem está ligado com a experiência. Se eu represento para mim homens de posse de uma formação configurada de maneira totalmente determinada e se essa representação enquanto tal determina meu agir, então esse agir é um agir volitivo, prático, mas não um agir por meio de uma razão pura. Pois o elemento determinante, um certo critério oriundo de um a formação determinadamente configurada, esse representado enquanto determinante, é conquistado a partir da experiência ou em relação ao experimeritável, conquistado junto a homens efetivamente presentes com propriedades determinadas. O que determina a vontade e a transforma em vontade, isto é, aquilo que a determina enquanto vontade, é êsse ente experimentável, ou esse ainda não ente, enquanto algo a ser produzido. A vontade não é determinada a priori, não é livre da experiência, isto é, ela não é uma vontade puramente determinada. Quando é que uma vontade é determinada a priori? Quando é que uma razão prática é, enquanto razão pura , prática? Nes se caso, se a vontade em geral não é determinada por meio daquilo que ela efetua e institui ou por meio da representação de algo a ser efetuado ou instituído, mas por meio de por meio do que então? Ainda há, então, para a vontade enquanto tal em geral algo que poderia determinála, se é que ela não se deixa determ inar por meio de um efeito desejado? O efetuável a ser efetuado na vontade como uma faculdade é sempre algo a ser realizado, algo real e efetivo, algo empírico. A vontade é “uma faculdade de... ou bem produzir objetos correspondentes às representações, ou bem, contudo, determinar a si mesm a para a efetuação desses objetos..., isto é, para determinar a sua causalidade”.339 Vontade é a faculdade de determinar a sua causalidade, de se determinar em seu ser causa. Por meio do que? Ou bem por meio de algo a ser efetuado representável, ou bem por meio do que, afinal? O que a vontade ainda teria como aquilo a partir do que ela 339 Op. cit., p. 16 (V, 29eseg.). 316
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poderia se determinar? Pois bem, se ela é a faculdade de deter minar o seu próprio ser causa, então reside na vontade a possi bilidade de se determinar em seu ser causa por meio de si mes mo. O que isso significa? A vontade enquanto faculdade de atuar segundo representações é em si o movimento de representar a razão possível de determinação de seu querer. A determinação volitiva é em si “dirigida” para si mesma. Na representação vo litiva, portanto, o querer é sempre e necessariamente correpre sentado. Esse, o querer enquanto tal, também pode, por isso, ser fundamentalmente representado com o o determinante. Se isso acontece, então o querer enquanto tal é o determinante da von tade. Com isso, porém, o querer não retira o fundamento de sua determinação de algum lugar qualquer, mas de si mesmo. E o que o querer retira de si mesmo? A si, em sua essência, a si mesmo. A vontade é para si mesma o determinante. Ela se deter mina a partir daquilo que ela mesma é, sua própria essência. A essência da vontade é, então, para o querer, o determinante. Um tal querer determinase pura e simplesmente apenas a partir de si mesmo, não por meio de algo experimentável, não empiri camente, mas puramente a partir de si. Uma tal vontade é pura vontade. Uma vontade pura é um a razão pura, que se determina apenas por si para o agir volitivo, isto é, para a práxis. Vontade pura é razão pura, que é prática para si apenas. A partir daqui, podemos compreender, por exemplo, a proposição com a qual Kant abre a discussão temática de sua Fundamentação da meta física dos costum es : “Não há em parte alguma nada no mundo, na verdade, nem mesmo fora dele, que pudesse, sem restrição, ser considerado como bom a não ser uma boa vontade ”.340 Sem restrição, aquilo que é pura e simplesmente bom é aquilo que precisaria ser avaliado em si mesmo. “A boa vontade não é boa por meio daquilo que ela efetua ou institui, nem por meio de sua capacidade para atingir uma finalidade qualquer pressuposta,
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340 Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes. P. 10 (IV, 393).
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mas apenas por meio do querer, isto é, ela é em si boa”.341 Uma boa vontade é, enquanto vontade, ou seja, na medida em que ela quer apenas o querer e só assim propriamente quer, pura e simplesmente boa. Uma boa vontade é, enquanto uma vontade pura e simplesmente boa, um a vontade pura. Assim, expusemos agora a essência de uma razão pu ra prá tica enquanto vontade pura. E, contudo, ainda não estamos suficientemente preparados para compreendermos a tese de Kant de que a realidade objetiva da liberdade só poderia ser comprovada por meio de leis práticas da razão pura.342 Quais são essas leis? Como chegamos a essas leis? Elas pertencem à razão pura prática, ou seja, à vontade pura. Em que medida essa vontade tem em geral algo em comum com leis e qual é a lei da vontade pura, a lei fundamental da râzão pura prática? c) A realidade efetiva da razão pura prática na lei m oral Vontade pura é aquele querer, que consegue agir pura e simplesmente com base no ser determinado por meio do ser representado da essência da vontade enquanto tal. Vontade pura é: querer é o ser próprio da vontade. O determinante para a vontade pura, o ser causa para ela mesma, reside em sua própria essência, na medida em que essa essência é representada como determinante, isto é, é querida puramente. O ser causa, a càusa lidade de algo, é, segundo a sua essência, porém, sempre a regra, a lei do seraí, da existência de algo. Isso significa, nas próprias palavras de Kant, que “o conceito de causalidade contém incessantemente a ligação com uma lei, que determina a existência do múltiplo na relação de um com o outro”.343 A lei da vontade pura não é esse ou aquele representável, efetuável determinado, mas a 341 Op. cit., p. 11 (IV, 394). 342 Cf. Kant, Crítica da faculdade de julgar, § 91, p. 358 (V, 457). Cf. acima p. 271. 343 Kant, Crítica da razão prática, p. 104 (V, 160). ' 318
lei determinante para a existência da vontade, isto é, a vontade é o próprio querer. A pura vontade, porém, a essência da vontade como representando de maneira determinante o puro querer, é o modo da legislação. Tudo o que é determinante não contém outra coisa senão a maneira e a forma como o querer quer puramente em si e por si. Essa maneira com o pura, a forma do modo como, é a maneira da legislação para o querer. Se ela apenas é o determinante, então a lei da vontade pura não é outra coisa senão a forma da legislação para uma vontade pura. Assim, obtémse daí o seguinte: a lei fund am enta l da von tade pura , da razão pura prá tica, não é outra senão a form a da legislação. Esse é o sentido da proposição, segundo a qual a lei fundamental da eticidade é uma lei formal. Formal é o conceito oposto a material. Caso se compreendam essas expressões no sentido vulgar, isto é, caso não se reconheça o seu significado metafísico propriamente dito, então isso significa formalmente o mesm o que “de acordo com uma fórmula”, vazio, não preenchido por matéria, por materialidade. O formal é, então, o vazio, o indeterminado. Uma lei ética formal é, então, uma lei vazia, isto é, ela não diz propriamente nada sobre aquilo que eu devo fazej em termos materiais. Uma ética construída sobre uma tal lei moral formal precisa, portanto, fracassar justam ente no que concerne ao agir moral prático efetivo, que sempre exige decisões determinadas. Uma tal ética permanece presa ao formalismo. Ao invés disso, buscase hoje construir uma ética material dos valores (Max Scheler, Nicolai Hartmann) e rejeitar a ética kantiana como formal. Essa interpretação não é apenas equivocada em muitos aspectos, ela desconhece em geral o problema decisivo no conceito do formal, pois a factualidade da razão pura prática não se transforma em um problema cen tral. Formal é com certeza a lei da vontade pura, mas essa lei não é vazia. Ao contrário, a forma da lei significa aquilo que, na lei, na regulação, no ser causa, constitui o elemento determinante, o elemento propriamente dito, e decisivo. O formal não 319
é o vazio indeterminado, mas precisamente o “determinante” (forma, ίδ ). O propriamente legislador para o querer é o querer puro real e efetivo mesmo e nada além disso. Uma tábua valorativa, por mais ricamente articulada e abrangentemente material que ela seja, permanece um puro fantasma sem nenhuma legalidade comprometedora, se o puro querer enquanto o propriamente real e efetivo de todo agir ético não quiser efetivamente a si mesmo. Esse querer a si mesmo é o suposto vazio. No fundo, porém, ele é o unicamente concreto e o maximamente concreto junto à legalidade do agir ético. Essa lei supostamente vazia é uma lei fundamental precisamente pelo fato de que, se ela determina efetivamente o agir, esse já sempre sabe a cada vez no instante e para ele o que ele deve fazer, o que sempre significa primariamente como ele deve agir. A eticidade do agir consiste não no fato de que eu realizo um assim chamado valor, mas no fato de que eu efetivamente quero, isto é, me decido, quero no ter me decidido, ou seja, assumo a responsabilidade sobre mim e me torno um / existente nessa assunção. Não obstante, a essência do querer esse querer em sua essência não é, contudo, de fato algo vazio? Que tipo de vontade é esse, afinal, que quer puramente a si mesma? Uma tal vontade determina seu próprio querer inevitavelmente, isto é, necessariamente. Uma tal vontade não pode ser senão consonante consigo mesma, com sua essência pura, isto é, não pode ser senão boa. Uma vontade, contudo, que não pode ser outra coisa senão boa, é uma vontade boa perfeita, ou, como diz Kant, uma vontade sagrada, divina. _ Todavia, onde a vontade pura não segue incontornavel mente a sua essência, mas pode e é determinada por outros impulsos, tal como no caso de um ser finitq, a cuja constituição pertence a sensibilidade, aí a legislação pura da vontade tem o caráter da imposição, do comando, do imperativo. A fórmula de um comando é o “tu deves”. Para a vontade sagrada, isto é, para 320
a vontade necessariamente boa, a lei é o próprio querer, o querer simples da vontade. Para a vontade contingentemente boa, a lei é o dever da vontade pura. O que é devido é o puro querer, isto é, um querer tal, que não é mais querido com vistas a algo diverso, que só poderia vir a ser alcançado por meio da vontade. A lei da vontade, portanto, não tem a forma: tu deves, a saber, se tu queres atingir isso e aquilo, ou seja, não, por exemplo: tu deves dizer a verdade, se tu queres ser estimado na sociedade humana. Ao contrário, a lei da vontade fala: tu deves simplesmente agir de tal modo, sem se e porém. Ora, na lógica, uma proposição sob a forma: se a é, então b é, é uma proposição condicional, hipotética (u{po/qesij, pressuposição); em contrapartida, uma proposição sob a forma “a e” é uma proposição categórica. De maneira correspondente, há um “tu deves” que se encontra sob condições: “tu deves, se...” Um tal imperativo é um imperativo hipotético. Um “tu deves” incondicional, contudo, que exige apenas o dever do puro querer, é um imperativo, que pode ser denominado categórico. Portanto, o princípio fun da m en tal de um a vontade pura finita, isto é, de uma razão pura prática é um imperativo categó rico. Nós perguntamos, então, de maneira involuntária: como é que se acha formulado esse imperativo? A questão é que nós não podemos perguntar de modo algum dessa forma. Por que não? Meditemos novamente sobre nossa tarefa e sobre aquilo que realizamos até aqui a seu serviço. O que importa é compreender a tese344: a realidade objetiva da liberdade só pode ser comprovada por meio de leis práticas da razão pura. Mas nós acabamos de en contrar agora a lei fundamental da razão pura prática e, com isso, alcançamos a base, a partir da qual apenas podemos comprovar a factualidade da liberdade segundo Kant. Nós conquistamos efetivamente a lei fundamental da razão pura prática? Podemos efetivamente ter conquistado essa 344 Compreender significa aqui: 1. Produzir para si aquilo que se tem em yista e que se exige, 2. Preenchér essa requisição. 321
lei? Como procedemos até aqui? Nós explicitamos aquilo que pertence em geral à ideia de uma vontade pura, o que é em geral uma razão pura prática. Além disso, nós discutimos como é que a lei de uma vontade pura precisa ser, na medida em que essa vontade é determinada ao mesmo tempo enquanto finita pela sensibilidade. Nós vimos que a lei precisaria ser um imperativo categórico. Não obstante, ainda não provamos que há de fato uma tal lei dotada do caráter do imperativo categórico. Nós nem mesm o mostramos que existe uma razão prática finita, pura. * d) O imperativo categórico. Sobre a pergunta de sua realidade efetiva e de sua “validade universal” Segundo tudo o que precedeu, precisarseá dizer: com certeza, essa comprovação de que uma razão prática pura finita existe ainda não foi expressamente levada a termo por nós. Pois isso é completamente supérfluo o homem “é”, sim, um ser vivo racional finito; não sabemos se ele é o único desse tipo. Não é mesmo importante definir aqui se há tipos diversos de seres racionais finitos. É suficiente mostrar que um tipo, os homens, existem faticamente. Ou será que isso ainda precisa ser primeiro colocado à prova? Não se vê de maneira alguma como nós homens devemos oferecer uma prova factual de que estamos faticamente presentes. A exigência de uma tal prova é sem sentido. Com certeza. Daí, contudo, se segue que nós existimos ou apenas que é absolutamente óbvio que nós existimos? Todavia, se supusermos isso alguma vez, será que se segue daí a existência de uma razão pura prática? Isso é questionável. Nós não apenas não sabemos se, uma vez que os homens estão presentes, também há factualmente uma vontade pura: nós também não sabemos, sobretudo, o que é de saída muito mais essencial, o que deve significar: uma vontade pura é de fato existente. Pois, por fim, a factualidade de uma pura vontade, o existir no puro querer e enquanto um puro querer, é algo totalmente diverso da mera presença à vista de um ser mundano chamado homem. D e acor-
do com isso, as coisas também estão dispostas de uma maneira totalmente peculiar no que concerne à factualidade da lei fundamental da razão pura prática, em torno da realidade efetiva de um imperativo categórico. Está atrelada com a demonstração do fato de uma razão pura prática a possibilidade da demonstração da factualidade da liberdade prática. A liberdade “tornase manifesta por meio da lei moral”.345 Essa lei, portanto, precisa se tornar ela mesma patente enquanto algo real e efetivo. Se resulta de sua realidade efetiva a factualidade da liberdade, então está ao mesmo tempo decidido, juntamente com a realidade efetiva da liberdade, a sua possibilidade. O que é real e efetivo precisa ser possível. Na medida em que a realidade efetiva da liberdade a ser comprovada a partir da factualidade da lei moral é uma realidade efetiva peculiar, a possibilidade pertinente também precisa ser. Com relação ao primeiro caminho, isso significa que a possibilidade da liberdade prática enquanto tal não eqüivale simplesmente à possibilidade da liberdade transcendental. Assim, acentuase adicionalmente o problema específico do segundo caminho. Com a construção realizada até aqui da ideia de uma vontade pura, de uma vontade perfeita, necessária, e de uma vontade contingentemente pura, com a construção do tipo pertinente a essa vontade de legalidade (imperativo categórico), nós continuamos sem nos encontrarmos junto à factualidad e a ser comprovada de um a razão pura prática. Só sabemos em relação ao que devemos demonstrar a factualidade e o fato de que essa factualidade justamente é uma factualidade peculiar, de que ela não coincide com a presença à vista do hom em. De que tipo é essa factualidade mesma? Como é, porém, que a factualidade específica da vontade pura, da razão pura, deve ser comprovada? De acordo com tudo o que dissemos, não neces sitamos de uma demarcação suficientemente ampla conceituai da essência dessa factualidade peculiar da pura vontade? Ou será que 345 -Kant, Crítica da razão prática, p. 4 (V, 5). 323
o que há de mais imediato e unicamente frutífero é simplesmente tentar demonstrar que, no homem, uma vontade pura é um fato, adiando como uma problemática posterior a questão sobre o que a essência desse fato seria, isto é, a facticidade do homem enquanto pessoa existente? Com certeza, para a razão prática enquanto fato, não é incondicionalmente necessário ter um conceito desdobrado e universalmente fundamentado da facticidade desse fato e da factualidade desse estado de fato. Por outro lado, não é de modo algum possível empreender mesmo que apenas a tentativa de uma demonstração de que a vontade pura no hom em é um fato, sem compreender já desde o princípio de maneira préconcei tual a essência dessa factualidade. É importante mostrar que, no homem, uma razão pura é efetivamente por si apenas prática, de que uma razão pura, sem se ter em vista um efeito desejado ou uma vantagem alcançável, determina efetivamente por si a vontade, de que uma razão pura quer em si praticamente uma vontade pura, isto é, exigea em si. É importante mostrar que o homem sabe efetivamente se colocar sob um querer puro. Se o homem quer efetivamente em si uma vontade pura se ele quer, por exemplo, dizer a verdade então isso significa: a regulamentação de seu querer reside unicamente na representação de uma vontade pura. Representação de regras do agir prático é sempre coisa da razão. Se, então, até mesmo a pura vontade, ou seja, não apenas essa ou aquela vontade empiricamente determinada de tal e tal modo, é representada como reguladora, então essa regra e legislação são uma regra e uma legislação da razão pura. Nesse caso, a razão é, na medida em que ela se determina para a ação, isto é, ela é prática, puramente por si. Mas se a vontade pura é determinante, então sua obrigatoriedade também não está atrelada a se a lei está ou não ligada a um homem casual em uma situação casual do agir. A lei da vontade pura é, ao contrário, obrigatória para todo hom em enquanto tal, de ma neira universalmente válida, ou, como Kant diz, ela não é uma 324
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lei subjetivamente condicionada, mas uma lei objetiva. A pureza do querer eleva a vontade do particular acima das casualidades. de sua disposição e situação particulares. A pureza do querer é o fundamento da possibilidade da validade universal da lei vo litiva. Não é a pureza do querer, por exemplo, que se mostra, ao contrário, como uma conseqüência da validade universal de uma lei seguida. Se esse querer da pura vontade se eleva acima da casualidade do agir empírico, ligado firmemente a impulsos casuais, então a elevação não tem em vista um perderse na abstração vazia de uma forma em si válida da legalidade, na qual permaneceria completamente indeterminado o que se teria de fazer a cada vez, mas, ao contrário, a elevação ao nível da pura vontade é a entrada em ação do querer concreto propriamente dito, que justamente é o único a se mostrar como concreto por meio do fato de que ele quer efetivamente o querer e apenas ele. Se, em contrapartida, o homem se dá uma lei, que ele considera como simplesmente válida para a sua vontade subjetiva particular, então um tal princípio fundamental apenas subjetivo é uma “máxima”. “Caso alguém diga, por exemplo, que precisaria trabalhar e.poupar na jnvpntnHp passar necessidades na velhice: éntão essa é uma prescrição correta e ao mesmo tempo importante da vontade. Vêse facilmente, porém, que a vontade é remetida aqui para algo diverso”.346 A vontade pura, isto é, o querer que é enquanto tal uma lei para si mesmo, é em seu caráter de lei, uma vez que não é cond icionada por nenhum estabelecimento subjetivo determinado de metas, uma lei objetiva, não uma máxima. Em contrapartida, se agirmos de tal modo que o fundamento de determinação de nosso querer, isto é, a nossa máxima, seja a todo momento de uma tal maneira que essa máxima possa determinar necessariamente todo e qualquer querer enquanto tal, então agimos de acordo com a lei fundamental objetiva de nossa vontade. Ou seja, a lei 346 Op. cit., p. 23 (V, 37). 325
fundamental objetiva da razão pura prática, que precisa ter o caráter de um mandamento incondicionado, de um imperativo categórico, é: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer ao mesmo tempo a qualquer momento como princípio de uma legislação universal”.347 Nós repetimos a nossa questão diretriz: em que a razão pura se comprova em nós de fato como prática? Por meio do fato de que o imperativo categórico se comprova como factual, como um fato.348 Mas o que isso significa agora? Temos aqui a posição decisiva para a compreensão do problema como um todo. Kant diz que podemos “nos conscientizar imediatamente” da lei moral “... logo que projetamos para nós máximas da vontade”.349 O imperativo categórico se nos impõe por si mesmo.350 O fato dessa lei “é inegável”.351 “O entendimento mais comum” consegue vêla “sem instrução”.352 “Esse princípio fundamental, porém, não carece de nenhuma busca e de nenhuma invenção; ele esteve durante muito tempo presente na razão de todos os homens e se incorporou em sua essência. Tratase do princípio fundamental da eticidade’.353 Essas proposições e, em particular, a última proposição soam todas muito estranhas e extremamente difíceis de compreender. O imperativo categórico um fato inegável, imediatamente compreensível, e, em verdade, compreensível para a mais comum razão humana, incorporado na essência do homem? Ou seja, algo que podemos encontrar previamente a qualquer momento como presente, mais ou menos do modo como nós constatamos a 347 348 349 350 351 352 353
Op. cit., p. 36 (V, 54). Op. cit., p. 37 (V, 56). Op. cit., p. 122 (V, 188). Cf. Op. cit., p. 36eseg. (V, 56). Op. cit., p. 37 (V, 56). Op. cit., p. 31 (V, 49). Op. cit., p. 122 (\ζ 188). 326
qualquer momento o fato de que temos nariz e ouvidos? E, em verdade, com o mais comum entendimento? Não se necessita, portanto, de maneira alguma de uma ocupação filosófica, especu lativa e de disposições particulares de uma metódica particular. Coloquemos à prova a afirmação kantiana. Se observarmos a nós mesmos de maneira totalmente concreta agora aqui sentados, de modo imediato e isento, sem qualquer auxílio de um saber e de conhecimentos filosóficos, então encontraremos em nós como um fato o imperativo categórico? Nós encontramos aqui algo do gênero do fato daquela exigência: “Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer a qualquer momento ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”? Não encontramos nada disso. Nós encontramos muito mais e já encontramos com certeza logo em meio à primeira apresentação dessa lei o fato de que esse princípio fundamental, filosofica mente pensado, vem à tona no interior de um sistema filosófico determinado. O que podemos encontrar é no máximo a explicação de que precisamente Kant decaiu nesse imperativo categórico. Já faz muito tempo também que as pessoas encontraram essa explicação históricoespiritual, e se costuma tornar compreensível a coisa mesma com o seu auxílio. O imperativo categórico da razão prática isso pertence à era do Esclarecimento, ao tempo do Estado Prussiano de Frederico, o Grande. Expresso com os meios do modo de pensar atual: o imperativo categórico é uma ideologia éticofilosófica determinada, condicionada sociologicamente de maneira peculiar, mas de modo algum a lei mais universal do agir humano em geral ou mesmo do agir de cada ser racional finito, tal como Kant gostaria de ver essa lei fundamental concebida. Nós abdicaremos aqui de discutir até que ponto uma explicação sociológica conduzida em termos históricoes pirituais pode contribuir em alguma medida para a compreensão material de uma problemática filosófica. Nós admitimos sem qualquer problema que o Esclarecimento, que o Estado Prussiano e coisas desse gênero foram poderes atuantes em relação à 327
2. Ela é, então e apenas então, a realidade efetiva, que é verdadeiramente própria à nossa vontade enquanto vontade. A factualidade desse fato não se encontra diante de nós e contraposta a nós, mas se acha unicamente em nós mesmos, de tal modo, em verdade, que somos a cada vez requisitados para a possibilidade dessa realidade efetiva, e, com efeito, não em uma requisição qualquer, mas somos requisitados a nos inserirmos com a nossa essência. Quando Kant diz que mesmo o entendimento mais comum conseguiria se assegurar desse fato do imperativo categórico, então ele não quer dizer com isso que esse entendimento comum, que decai no campo das discussões teóricas sob a ilusão e o uso enganoso dos princípios, seria a faculdade apropriada para a apreensão do fato da lei moral. Ao contrário, ele quer antes dizer que o que estaria em questão em meio a essa apreensão em geral não seria o modo e o grau do saber teórico ou mesmo filosófico, mas que o decisivo seria o querer. Ao querer, como um atuar segundo a representação do querido, pertence concomi tantemente o saber em torno do fundamento de determinação do agir. Um querer real e efetivo é sempre em si um ter clareza e ter conquistado clareza quanto aos fundamentos de sua determinação. Um querer real e efetivo é um tipo próprio de saber e compreender reais e efetivos, que não podem ser substituídos por nada, muito menos por conhecimentos sobre o homem, por exemplo, conhecimentos psicológicos etc. Logo que queremos, podemos experimentar aí o fato de que, como diz Kant, a razão humana, “incorruptível e coagida por si mesm a, m antém a máxim a da vontade em um a ação a qualq uer mom ento junto à pu ra vontade, isto é, em si mesma, na medida em que se co nsidera pratic am ente a priori”.355 No querer real e efetivo experimentamos o fato de a essência do querer, o querer em virtude d a pró pria vontade, exigir ser querido. Se a re alização daquilo que é assim querido tem faticam ente sucesso ou 355 Op. cit., p. 37 (V, 56).
não, isso é secundário; é suficiente que, no querer real e efetivo, o fato do dever se anuncie. No querer real e efetivo, nós colocamos a nós mesmos na situação de precisarmos nos decidir de um modo ou de outro quanto ao fundamento de determinação de nosso agir. Mas, dirseá, tudo se transpõe agora para o querer real e efetivo. Só se esse for real e efetivo, há a realidade efetiva da razão pura prática; caso não queiramos real e efetivamente, então essa realidade efetiva não há. Tal como uma cadeira nunca po de se encontrar presente à vista se não for produzida. Todavia, já decaímos aqui uma vez mais sob o peso da opinião equivocada que mensura a realidade efetiva da vontade a partir da realidade efetiva de uma coisa presente à vista. Mesmo que não nos decidamos, mas antes, nos pressionemos, ou tentemos nos convencer e deixar enlevar por pseudo motivações de nosso agir, nós nos decidimos, a saber, nós nos decidimos a rejeitarmos o dever. Nessa rejeição do dever reside precisamente a mais forte experiência, a experiência de que ele é, enquanto dever, um fato. Nesse nãoquerer enquanto um tipo determinado de querer reside um saber determinado em relação ao fato de que nós propriamente devemos e ao que nós propriamente devemos. A realidade efetiva do querer não se inicia lá onde um ato de vontade está presente à vista, e também não cessa com maior razão lá onde nós não queremos seriamente. Esse nãoquererseriamente, isto é, esse deixarimpelirse e esse deixarquetudogireemtornodisso é precisamente um modo insigne e talvez até mesmo o mais freqüente da realidade efetiva do querer, razão pela qual nós desconsideramos de maneira tão fundamental na maioria das vezes essa realidade efetiva e nos equivocamos com ela. Agora, deve ter ficado claro o seguinte: enquanto nós observarmos e analisarmos apenas nos movendo de um lado para o outro como entes presentes à vista, nós nunca encontraremos o fato do dever, mesmo que observemos o nosso agir e o nosso querer de tal maneira que o tomemos como ocorrências físicas. 331
A realidade efetiva do querer é apenas no querer dessa realidade efetiva. N isso experimentamos o fato de que a razão pura é práti ca para si mesma, isto é, de que a vontade pura se anuncia como essência da vontade enquanto fundamento de determinação da mesma. Com certeza, poderseia dizer, esse fato de um compromisso incondicionado pode. existir, e, evidentemente, ele está em conexão com aquilo que nós denominamos consciência moral. É possível admitir ainda mais que reside aqui evidentemente uma factualidade totalmente peculiar de fatos, factualidade essa que não pode ser reunida com a factualidade das coisas presentes à vista, razão pela qual também é sem sentido, por exemplo, querer constatar algo por meio de questionários, quer algo desse gênero esteja ou não presente à vista tal como a consciência moral. Ou querer demonstrar por meio de investigações etnológicas, em termos de uma psicológica dos povos, que certas estirpes populares não têm nenhuma consciência moral ou nenhuma palavra para designar algo assim ou coisas do gênero. Como se a etnologia pudesse demonstrar algo assim, como se ela dissesse algo em faVor ou contra a factualidade da consciência, quando se constata: não há por toda parte e em qualquer tempo a consciência moral. Todavia, se mantemos afastados de nós todas as más interpretações como essas, não se segue de qualquer modo daí que a lei fundamental da razão pura prática precisaria ganhar a formulação do imperativo categórico kantiano. Com certeza, o que está em questão não é certamente a fórmula. Também não se tem em vista que aquele que age eticamente, para agir eticamente, precisaria por assim dizer se manter preso à fórmula e têla pronta expressamente. A fórmula é sempre uma interpretação filosófica e há muitas dessas interpretações que são possíveis, assim como nós também encontramos, afinal, em Kant mesmo, uma série de interpretações diversas. Sem levarmos em conta a diversidade possível das formulações e direções da interpretação, porém, todas elas têm de qualquer forma em vista algo essencial e decisivo, que diz respeito à facticidade do fato do homem na proprieda332
de de sua essência. E apenas essa essência é que se encontra em questão para o nosso problema. Enquanto as pessoas naturalmente se mantiverem presas à letra do texto e considerarem a filosofia kantiana tanto quanto toda e qualquer outra grande filosofia autêntica de maneira anti quária, como um ponto de vista talvez digno de atenção que foi tomado um dia; enquanto elas não ousarem se lançar decididamente em meio à confrontação filosofante no acontecimento de uma filosofia, tudo lhes permanecerá cerrado. Quando um tal acontecimento prospera, as pessoas encontram, então, algumas opiniões e pontos de vista peculiares, em relação aos quais elas não estão dispostas a entender a razão pela qual eles são oferecidos com tanto esforço em termos de trabalho conceituai e como um fenômeno único da humanidade. Quando uma confrontação é colocada em curso, porém, então já se tornou indiferente, como no nosso caso, saber se o imperativo categórico é formulado por Kant ou por um outro homem. Naturalmente, confrontação não significa aqui, como acha o entendimento comum, crítica do outro e mesmo refutação do outro, mas antes devolver o outro e, com maior razão, a si mesmo, para o elemento originário e derradeiro que, como algo essencial de si mesmo, é o comum e não necessita de nenhuma irmanação comum ulterior. Confrontação filosófica é interpretação enquanto destruição. b) O fato da lei moral e a consciência da liberdade da vontade Para retirar da interpretação kantiana da essência da lei m o ral a aparente estranheza, gostaria de discutir ainda de maneira breve um a formulação do imperativo categórico. Ela se encontra na Fundam entação da metafísica dos costumes e nos diz: “Age de tal modo que tu utilizes a humanidade, tanto na tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro, sempre ao mesmo tempo como fim, jamais como meio”.356 A humanidade é, de acordo 356 Kant, Fundamentação da metafísica,dos costumes. P. 54 (IV, 429).
com essa passagem, fim e apenas fim no agir humano. O que significa fim? Nós o sabemos, sem que tenhamos discutido até aqui expressamente o conceito de fim. Fim é aquele elemento representado desde o princípio na vontade, que é enquanto tal fundamento de determinação para a realização do objeto visado na representação. O que é fim tem o caráter daquilo que é desde o princípio determinante. O que é apenas fim e nunca deve ser meio é o primeiro e extremo, que não pode ser outra coisa senão determinante, o que não é mais ele mesmo determinante em virtude de um outro, o que, assim, determina enquanto fim a essência: “a humanidade na pessoa”, isto é, a essência do homem enquanto pessoalidade. O imperativo categórico significa, portanto, o seguinte: esteja a qualquer momento ao mesmo tempo em tua ação, ou seja, em primeiro lugar essencialmente em tua essência. A essência da pessoa é essa auto evidência: vincularse a si mesmo, não egoisticamente e em relação ao eu contingente. Ser responsável por si, apenas responder, o que significa, a princípio, sempre apenas perguntar sobre a essência do si mesmo. Dar a palavra em primeiro lugar e em tudo a esse si mesm o, querer o dever do puro querer. De maneira simples e rápida demais esgueirase aqui a sofistica e tenta abrir uma discussão teoricamente especulativa sobre o que seria a essência do homem e sobre o fato de que nós não conheceríamos essa essência e, em todo caso, não a conhe ceríamos de tal modo que todo homem já estaria de antemão em acordo quanto a ela. As pessoas transpõem, com isso, o querer e o agir reais e efetivos para o ponto temporal, no qual antes de tudo essa concordância deveria ser obtida em um saber teoricamente buscado, em um ponto temporal, que nunca admitirá precisamente a temporalidade do homem; isto é, as pessoas se pressionam diante daquilo apenas que promove a realidade efetiva do homem e forma a sua essencialidade. Formulado de outro modo, nós nos empenhamos em primeiro lugar por um progra ma e, então, reunimos para tanto aqueles que o defendem e se 334
ligam a ele, isto é, aqueles que, de qualquer modo, devem querer propriamente, e, em seguida, nos espantamos com por que é que, assim, nunca é alcançada a unicidade e a comunidade, do mesmo modo que a força concludente do seraí. Como se isso fosse algo que pudesse ser instituído de fora e ulteriormente. Nós não compreendemos que é apenas um querer real e efetivo, isto é, um querer essencial, por si, em si e a partir de seu fundamento, que coloca em acordo com os outros; uma comunidade que só é por força do segredo, do querer real e efetivo cerrado do singular. Se compreendemos tudo isso, então fica ao mesmo tempo claro o seguinte: a intelecção decisiva na compreensão da lei m oral não reside no fato de nós chegarmos a saber uma fórmula qualquer ou no fato de mantermos diante de nós um valor qualquer; uma fórmula, que, introduzida até mesmo ainda em uma tábua de valores, pairaria sobre nós e em si acima de todos os homens, de tal modo que os homens particulares seriam apenas os realizadores da lei, assim como as mesas particulares realizam ao seu modo a essência da mesa. Nós não chegamos a saber uma fórmula e uma regra, mas aprendemos precisamente a compreender o caráter da realidade efetiva única daquilo que se torna real e efetivo e é no agir e enquanto agir.357 Com certeza, Kant permanece muito distante de transformar essa factualidade enquanto tal expressamente em um problema metafísico central e, por essa via, conduzir a penetração conceituai dessa factualidade até o seraí do homem, a fim de alcançar, com isso, o umbral de uma problemática fundamentalmente diversa. Essa é ao mesmo tempo uma das razões, pelas quais as visões de Kant permaneceram enquanto tais inócuas no decisivo para a problemática filosófica enquanto tal. Apesar de tudo isso, porém, precisamos insistir no seguinte: Kant experimentou de maneira central a peculiaridade do que 357 Cf. a relação do “bem” e da lei moral. O “bem” determina-se por meio da lei moral, não o contrário. I í
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há de real e efetivo volitivamente enquanto fato e determinou essencialmente a partir dessa experiência a problemática da razão prática, nos limites que ele considerou como possíveis e necessários. A factualidade do fato de uma razão pura prática encontra-se a qualquer momento em nós mesmos e sempre a cada vez apenas ju nto a nós mesmos. Isso de tal modo que nós nos decidimos pelo puro querer devido, isto é, de tal modo que nós efetivamente queremos; ou de tal modo que nós nos decidimos contra ele, isto é, não queremos; ou ainda de tal modo que misturamos em confusão e indecisão querer e não querer. Essa factualidade do querer é ela mesma sempre apenas acessível em uma experiência e em um saber, que provêm de tal querer e não querer, melhor ainda, que já sempre consistem nesse querer. A realidade efetiva da pura vontade não demarca um âmbito de um ente presente à vista que é indiferente diante de nós, ao qual nós nos entregamos ou não, no querer ou nãoquerer. Ao contrário, esse querer ou nãoquerer deixam esse real e efetivo acontecer pela primeira vez e ser à sua maneira. Esse puro querer é a práxis, por meio da qual e na qual ape nas a lei fundamental da razão pura prática tem a sua realidade efetiva. A vontade pura não é uma ocorrência psíquica, que se comporta segundo uma assim chamada visão do valor de uma lei que é em si, visão essa que se dá de acordo com essa lei mesma, mas a pura vontade constitui sozinha a factualidade da lei da razão pura prática. Somente na medida em que e porque ela quer é que há a lei. A partir daqui compreendemos a factualidade de uma razão pura prática e de sua lei. Nós compreendemos que se trata de uma e mesma coisa, quando e com o há aqui fatos e como eles podem ser alcançados, e quando e como o fato da razão pura prática e de sua lei se mostra como demonstrável e demonstrado. Agora pela primeira vez estamos suficientemente preparados para a tarefa envolvida na tese diretriz: na tese de que a realidade objetiva, isto é, a realidade prática, a factualidade específica da t
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liberdade, só se deixa comprovar por meio da factualidade da lei da razão pura prática. Qual é o curso que a condução da demonstração precisa tomar? Se perguntamos assim, então não compreendemos o problema. Não devemos, portanto, nos preocupar de maneira alguma amplamente com o modo de ser da condução da demonstração? Devemos nos preparar simplesmente para conduzir efetivamente a demonstração da factualidade da liberdade? Também isso é uma incompreensão do problema. Pois a demonstração já foi conduzida. Compreender isso é o mais essencial para a compreensão real e efetiva de todo o problema da liberdade prática e de sua realidade objetiva. Eu disse anteriormente que a demonstração da factualidade da liberdade prática seria breve, a saber, tão breve que, quando se compreende a tarefa dessa demonstração, a demonstração não é de maneira alguma apresentada, na medida em que se compreende por tal demonstração a exposição teórica de uma liberdade presente a partir da presença à vista anteriormente comprovada da lei prática. A demonstração da realidade prática da liberdade consiste apenas e só pode mesmo .consistir em compreender o fato de que essa libcrcmcK So e enquanto o querer real e efetivo do puramente devido. Pois esse devido, o fato de o querer só deixar o querer ser sua própria essência, a vontade pura, o fundamento da determinação para si mesma, a lei, no querer real e efetivo, não é outra coisa senão o tornarse real e efetivo e o ser real e efetivo da liberdade prática.358 Do caráter da factualidade do fato da liberdade prática também deduzimos agora a essência da liberdade: liberdade prática é legislação sobre si mesmo , vontade pura, auto nomia. Ela desentranhase agora como condição de possibilida de da factualidade de u m a razão pura prática. Liberdade prática 358 Importante de maneira fundamentalmente metafísica: a factuali dade diante da possibilidade. Cf. Aristóteles, Metafísica Θ . Cf. acima p. 133eseg. ί 337
enquanto autonomia da pessoa humana, a essência propriamente dita, a humanidade do homem. Assim vem à tona o seguinte: vontade pura razão pura prática legalidade da lei fundamental do agir fático responsabilidade por si pessoalidade liberdade. Tudo isso é o mesmo. O mesmo não em uma mesmice que flui indeterminadamente, mas o mesm o enquanto em si necessariamente copertinente. Por meio daí obtêmse relações próprias condicionais entre a razão pura prática e a liberdade. A razão prática e sua lei são “a condi ção..., sob a qual podemos nos conscientizar pela primeira vez da liberdade (enquanto autonomia)”,359 isto é, a lei é o fundamento da possibilidade do conhecimento da liberdade (ratio cognoscen di). Inversamente, a liberdade é ofund am en to da possibilidade do ser da lei e da razão prática, a ratio essendi da lei moral. “Pois, se a lei moral não fosse pensada antes claramente em nossa razão, então nunca nos consideraríamos justificados a supor algo como a liberdade (ainda que essa liberdade não se contradissesse). Se não houvesse nenhuma liberdade, porém, então a lei moral não teria de maneira alguma como ser encontrada em nós ”.360 “Liberdade e uma lei prática incondicionada remetem, então, alternadamente uma para a outra. Assim, não pergunto aqui se elas também seriam diversas de fato e se uma lei incondicionada não seria muito mais apenas a autoconsciência de uma razão pura prática, sendo que essa razão pura prática seria idêntica ao conceito positivo da liberdade”.361 Kant não pergunta sobre isso nessa passagem, mas toda a analítica da razão prática tem justamente essa tarefa, a tarefa de mostrar “que esse fato (da razão pura prática) está indissoluvelmente ligado com a consciência da liberdade da vontade, e é, sim, idêntico a ela”.362 359 360 361 362
Kant, Crítica da razão prática, p. 4 (V, 5). Observação. Idem. Op. cit., p. 34 (V, 52). Op. cit., p. 50 (V, 72). 338
CONCLUS ÃO
A dim e nsão ontológica própria da libe rda de ■M* -
O e nra iza m e nto da questão do s e r na pe rgunta s obre a e ss ê ncia da Liberdade huma na Libe rda de como funda m e nto da ca usa lida de
§ 29. Os limites da discussão kantiana da liberdade. A vinculação kantiana do problema da liberdade com o problema da causalidade
Nós chegamos à meta do segundo caminho kantiano rumo à liberdade. Os dois caminhos precisaram ser efetivamente percorridos, a fim de que pudéssemos experimentar a sua completa diversidade. E isso é necessário, se é que todo o peso do problema da liberdade deva ser pressentido, um problema que se encontra implicado nos dois caminhos no fato precisamente de que eles foram escolhidos e percorridos. A interpretação do problema kantiano da liberdade tornou se necessária, porque reconhecemos que a questão acerca da liberdade na tradição da metafísica aponta para a pergunta acerca de um tipo de causalidade. Ora, mas Kant tratou o problema da liberdade enquanto um tipo particular de causalidade da maneira mais radical possível. A confrontação com ele não é apenas incontornável, mas ela precisa se encontrar em primeiro lugar, 339
logo que o problema da liberdade é compreendido, como um problema metafísico. Se a liberdade é compreendida enquanto tal problema, então também já se coloca em questão, se a liberdade precisa ser concebida como uma espécie de causalidade ou se não é muito mais inversamente a causalidade que se mostra como um problema da liberdade. Com as coisas se encontram em relação a isto? O que aconteceria se esse último caso fosse o pertinente? Causalidade é, enquanto categoria, um caráter fundamental do ser do ente. Se levarmos em consideração o fato de que o ser do ente é concebido de saída e na maioria das vezes como presentidade constante e nisso reside produtibilidade, produção, fabricação, em sentido mais amplo, realização, que abriga em si causar e ser causa , então fica patente o seguinte: a causalidade é precisamente no sentido do entendimento tradicional do ser do ente, no entendimento vulgar tanto quanto na metafísica tradicional, a categoria fundam ental do ser enquanto presença à vista. Se a causalidade é um problema da liberdade e não o inverso, então o problema do ser em geral é em si um problema da liberdade. O problema do ser é, porém, tal com o mostramos na consideração prévia, o problema fundamental da filosofia em geral. Portanto, a pergunta acerca da essência da liberdade hum ana é a questão fun da m en tal da filosofia, na qual até mesmo a per gunta acerca do ser está en raizada. Essa, contudo, é a tese que enunciamos na conclusão da consideração prévia e na passagem para o problema da liberdade enquanto causalidade. O problema da liberdade enquanto causalidade foi explicitado agora. Mas não foi mostrado que a causalidade é um problema da liberdade, isto é, que a questão acerca do ser está embutida no problema da liberdade. Nossa tese fundamental não está demonstrada. Com certeza não, e, no entanto, concebemos algo essencial, se é que efetivamente o compreendemos: o fato de que se trata de uma coisa própria na realidade efetiva da liberdade e, com isso, evidentemente em toda a problemática que a tem por meta, 340
e, por meio daí, com maior razão em todas as demonstrações, que devam ou possam ser conduzidas aqui. Essa tese fundamental, com a qual irrompemos de maneira aparentemente violenta na filosofia, não é, então, nenhuma proposição que seria teoricamente demonstrável com os pequenos meios de uma ciência. Ela não o é, porque ela em geral não enuncia nada sobre algo presente à vista constatável. Mas ela fala de qualquer modo sobre a essência. E no que diz respeito à essência e ao nexo essencial não podem os vislumbrar a essência e o nexo essencial de modo absoluto? Não! A essência permanece para nós cerrada, enquanto nós mesmos não nos tornarmos essenciais na essência. Inicialmente buscamos uma simples caracterização dos dois caminhos kantianos em relação à liberdade, na medida em que dissemos que o primeiro caminho tratava da possibilidade da liberdade, enquanto o segundo caminho tratava da realidade efetiva da liberdade. Nós rejeitamos anteriormente a caracterização. Agora, no momento em que conhecemos a problemática dos dois caminhos, podemos acolher uma vez mais a caracterização. Ela permite agora, concebida corretamente, uma concentração decisiva de todo o problema. No segundo caminho, a realidade efetiva da liberdade prática é de fato um problema, na medida em que se trata de comprovála como praticamente real e efetiva e de expor a peculiaridade de sua demonstrabili dade. A questão é que a realidade efetiva dessa liberdade real e efetiva não se torna problema precisamente de tal modo que se pergunta de maneira expressa e efetiva sobre a essência desse ser específico, que se anuncia no agir volitivo da pessoa do homem. Realidade efetiva da liberdade: é disso realmente que se trata. No entanto, não dela no sentido metafísico propriamente dito, não dela enquanto um problema do ser. No primeiro caminho, a possibilidade da liberdade é o problema. Todavia, ela é o problema sob a form a determinada, segundo a qual se pergunta sobre a possibilidade da compatibilidade entre liberdade e causalidade da natureza. Isso dá im-
pressão de que a possibilidade da liberdade seria propriamente o problema, isto é, nós temos essa impressão porque justamente a liberdade é desde o princípio uma espécie de causalidade, mas ser causa está em si relacionado com algo diverso de determinável, efetuável . Por isso, a pergunta acerca da possibilidade de uma liberdade assim concebida não pode ser outra coisa senão a pergunta acerca da compatibilidade dessa causalidade com uma outra. Não obstante, a possibilidade da liberdade não se mostra precisamente como problema dessa maneira. Não se pergunta expressa e propriamente sobre a essência do ser específico do ente, que é estabelecido enquanto possível compatibilizado em e por meio das duas causalidades. Nos dois caminhos perm anece reprimida a questão acerca do caráter ontológico do real e efetivo e do possível que se encontram em questão. O caráter de possibilidade tanto quanto o caráter de realidade efetiva da liberdade enquanto liberdade permanecem indeterminados e, com maior razão, a relação aqui dominante dos dois, apesar de se tratar dela constantemente e de só se tratar dela o tempo inteiro. í
§ 30. Liberd ade como condição de possibilida de da manifestabilidade do ser do ente, isto é, da compreensão de ser
A questionabilidade desses dois caminhos e de sua unidade, porém, é velada pelo fato de, nas duas vezes, o problema ser colocado sob a determinação diretriz da categoria da causalidade, mas de a própria causalidade não se transformar em problema no sentido de uma explicitação radical do problema do ser aí contido. O que precisaria acontecer, se a causalidade, de saída ainda totalmente no sentido de Kant, se tornasse problema? Tal como as outras categorias do ente presente à vista no sentido mais amplo, causalidade é, segundo Kant, um caráter da objetividade dos objetos. Objetos são entes, na medida em que eles se tornam acessíveis na experiência teórica enquanto tal experiên342
cia do ser humano finito. As categorias são, então, o caráter do ser do ente assim manifesto, determinações do ser do ente, que possibilitam o fato de um ente se tornar manifesto em seus diversos aspectos ontológicos nele mesmo. O ente, porém, só pode se mostrar por ele mesmo e até mesm o se encontrar contraposto como objeto, se a aparição do ente e, com isso, em primeira linha, aquilo que possibilita no fundo uma tal aparição, a compreensão de ser, se essa compreensão de ser tiver em si o caráter do deixar contraporse de algo. Deixar contraporse de algo como dado, fundamentalmente: manifestabilidade do ente na obrigatoriedade de seu ser de tal modo e de seu fato de ser só é possível lá onde o comportamento em relação ao ente enquanto tal tem o traço fundamental da concessão àquilo que possivelmente se torna manifesto, quer em meio a um conhecimento teórico ou prático, quer de um outro modo qualquer, desde o princípio da obrigatoriedade. Concessão prévia de obrigatoriedade, porém, é um vincularse originário, deixar ser um vínculo como obrigatório por si, isto é, kantianamente, dar para si uma lei. Deixar o ente vir ao encontro, comportamento em relação ao ente em todo e qualquer modo da manifestabilidade só é possível, lá onde há liberdade. Liberdade é a condição de possibilidade da manifes tabilidade do ser do ente, da compreensão de ser. Uma determinação do ser do ente entre outras, contudo, é a causalidade. A causalidade se fun d a na liberdade. O problem a da causalidade é um problema da liberdade e não o inverso. Fundamentalmente, a questão acerca da essência da liberdade é o problema fundamental da filosofia, se é que a questão diretriz da filosofia está incluída na questão acerca do ser. Todavia, a tese fundamental e sua demonstração não é coisa de uma discussão teóricocientífica, mas de uma concepção em conceitos, que sempre abarca concomitantemente desde o princípio aquele que concebe, requisitandoo na raiz de seu seraí. Para que? Para nada menor, nem nada maior, do que : se tornar essencial no querer real e efetivo da própria essência. 343
Se um ser livre e um querer reais e efetivos determinam a partir do fundamento da essência a postura fundamental do filosofar e, com isso, o conteúdo da filosofia, então vale para ela a sentença de Kant na Fundamentação da metafísica dos costumes: “Aqui vemos, então, a filosofia de fato colocada em um posição precária, que deve ser firme,sem que encontre nem no céu, nem na terra nada a que possa se atrelar ou em que possa se apoiar. Aqui, ela deve demonstrar a sua pureza como autossustentadora de suas leis, não como arauto daquelas leis que lhe são segredadas por um sentido inato ou não sei que outra natureza tutelar...”363
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363 Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes. P. 49eseg. (IV, 425). 344
P OS F ÁCI O DO EDI TOR
O presente volume 31 da Obra Completa de Martin Hei degger apresenta o texto da preleção de quatro horas semanais dada no semestre de verão de 1930 (começo em 29 de abril). Base da edição desse volume foram o manuscrito da preleção tanto quanto uma cópia redigida por Fritz Heidegger, que foi juntado ao manuscrito. A cópia foi completada por uma quantidade de observações marginais e inserções oriundas do manuscrito, que não tinham sido acolhidas por Fritz Heidegger. As citações foram com algumas exceções verificadas no exemplar manuscrito de Martin Heidegger. As indicações bibliográficas encontramse respectivamente na primeira citação das respectivas edições. A partir das anotações marginais no manuscrito é possível perceber em parte que Heidegger as tinha utilizado para a elaboração dessa preleção. O manuscrito não dividido da preleção, tirando duas exceções, foi expressamente dividido pelo editor de acordo com as indicações de Martin Heidegger para a edição da obra completa. Os dois títulos que subdividem de maneira rudimentar o texto corrido do manuscrito, “Causalidade e liberdade” e “A segunda analogia”, foram empregues para a determinação do título tanto quanto a intitulação de dois anexos e de uma síntese separada. Para além disso, o estabelecimento dos títulos aconteceu amplamente sob a aplicação de passagens decisivas do texto. Em meio à comparação com os dois pósescritos disponíveis da preleção pertencentes a Helene Weiss e Heinrich Ochs ner mostrouse que faltava uma cópia de uma discussão mais longa sobre o óv ώ ς ς (Aristóteles, Metafísica Q 10), inserida por Heidegger com base em questões oriundas da audiência. Nó manuscrito encontrase apenas uma referência a um 345
adendo correspondente. Por meio de uma busca direcionada nos manuscritos póstumos, esse adendo pôde ser achado. Ele estava em uma parte separada do texto “Aristóteles, Metafísica ”, as sim como em uma cópia redigida por Fritz Heidegger. Martin Heidegger tinha elaborado esse adendo no âmbito da presente preleção e também o tinha apresentado, deixandoo, contudo, para a preleção dada dois semestres mais tarde (semestre de verão de 1931) sobre Aristóteles, Metafísica 13, e, mais tarde, juntandoo a esse convoluto. > A cópia do adendo foi do mesmo modo coligida com o manuscrito e introduzida com o complemento de algumas passagens não copiadas na passagem inequivocamente designada por Martin Heidegger no manuscrito. O adendo complementa a interpretação, dada lá com o auxílio dos significados de ser real e efetivo, quididade e ser movido, da exegese grega do ser (ούσία) no horizonte da presentidade constante com uma exegese do significado insigne de ser do ser verdade. Heidegger busca comprovar por meio da interpretação do capítulo Θ 10 da Metafísica de Aristóteles que e como não apenas na exegese do ser com o significado de ser real e efetivo, quididade e ser movido, a presentidade funciona como horizonte inexpresso da interpretação grega do ser, mas também e precisamente na exegese do ser com o significado de ser verdadeiro (verdade, α λή θεια ). A exegese desse capítulo predominante na filologia clássica obriga, além disso, a uma explicitação da copertinência desse capítulo ao livro , que inclui, com base na conexão entre a questão material (óv ώς άληθές χ ο μ ο κυ ριώ τα τα óv) e a questão textual, uma confrontação com as teses de Jaeger e Schwegler. *
A preleção caracterizada no subtítulo pelo próprio Heidegger como “introdução à filosofia” oferece em sua prim eira parte, que desdobra a questão acerca da essência da liberdade humana a partir da questão diretriz da metafísica, questão essa elaborada 346