Escola de Música de Brasília Coordenação de Arranjo Disciplina: Harmonia e Contraponto Prof. Umberto Freitas
ANÁLISE HARMÔNICA HARMÔNICA 1. CAMPO HARMÔNICO OU CENTRO T ONAL
Dá-se o nome de campo harmônico ou centro tonal ao conjunto de acordes diatônicos formados sobre os graus de uma escala maior ou menor. Para efeito da análise harmônica, usa-se a cifragem analítica, que mostra o grau do acorde, em algarismos romanos, seguido do radical de sua cifra alfabética 1. Veja a figura.
EXERCÍCIOS Construir o campo harmônico de todas as tonalidades maiores e menores (essa última, nas três formas: primitiva, harmônica e melódica). Utilize, como acorde básico, a tétrade. 2. ANÁLISE HARMÔNICA
A análise harmônica de um trecho musical consiste na classificação dos acordes da música desde o ponto de vista de sua estrutura e posição de grau dentro do contexto tonal em questão, fazendo uso da cifragem analítica. A figura abaixo mostra o campo harmônico de Dó maior, e uma melodia cifrada (Sambalelê, dom. púb.) juntamente com a análise harmônica dos acordes que a acompanham.
1 Nos
acordes com 7M (sétima maior), quando a fundamental do acorde está na melodia, a sétima é substituída pela sexta, para evitar o intervalo de 2a menor (ou 9ª menor) entre a melodia e a sétima do acorde. Por este motivo, nesses acordes, é costume a cifra analítica apresentar a indicação 7M/6, em razão dessas duas possibilidades de notas da tétrade.
EXERCÍCIOS Construa o campo harmônico das tonalidades dos trechos musicais abaixo, escrevendo a cifra alfabética e analítica de cada acorde. Depois realize a análise harmônica dos acordes da música ( Asa Branca e Assum Preto, de Luiz Gonzaga).
3. ACORDES ESTRANHOS AO CAMPO HARMÔNICO DIATÔNICO
O campo harmônico diatônico ou estrito é formado apenas pelos acordes diatônicos, ou seja, os acordes formados sobre os graus da escala e que utilizam somente notas da escala. O campo harmônico estendido é composto de acordes que não pertencem ao campo harmônico estrito mas que, de alguma forma, se relacionam com esses acordes. Alguns casos comuns e que nos interessam no momento são descritos a seguir .
3.1 DOMINANTES SECUNDÁRIOS Os dominantes secundários são sempre acordes do tipo dominante (maior com sétima menor) e constituem dominantes individuais de qualquer acorde diatônico dentro da tonalidade, com exceção do acorde do I grau, e dos
diminutos. A fundamental de um acorde dominante secundário encontra-se a uma 5ª justa acima (ou 4ª justa abaixo) da fundamental do acorde de resolução. Seu uso não acarreta em mudança de tonalidade (modulação). São representados pela cifra V7 seguida de uma seta encurvada que leva ao acorde de resolução, representação esta que será usada para qualquer progressão de acordes com preparação dominante (inclusive V 7-I)2. Veja o exemplo (Carneirinho, dom. púb.).
O acorde D7(b9) acima cria um efeito de tensão pontual que se resolve no acorde do IIm 7, ou seja, Gm7, constituindo um caso de dominante secundário (V 7-->IIm7, no caso). Sempre é bom ressaltar que o uso de um dominante secundário não acarreta modulação (mudança de tonalidade). Em outras palavras, o acorde de resolução não constitui uma nova tônica, mas continua sendo analisado de acordo à sua função em relação à tonalidade original.
DOMINANTES ESTENDIDOS Uma sequencia de acordes do tipo dominante cujas fundamentais formam entre si, sucessivamente, o intervalo de 5ª justa descendente (ou 4ª justa ascendente) constituem dominantes estendidos. Comumente são dominantes secundários cujos acordes de resolução são transformados em novos acordes do tipo dominante. Um caso bem simples ( A Banda, Chico Buarque) é mostrado abaixo 3 (comp. 6 e seguintes).
3.2 ACORDES DE EMPRÉSTIMO Os acordes de empréstimo, como o nome indica, são acordes tomados de algum modo ou tonalidade com a mesma tônica da tonalidade original. São indicados com a cifra analítica do acorde dentro do modo de onde foram emprestados. IVm em tom maior é um caso muito comum de acorde de empréstimo, como vai exemplificado a seguir ( Gente Humilde, Garoto, Chico Buarque de Hollanda, Vinicius de Moraes), muito frequentemente substituído por bVII 7 (o acorde de F7, no exemplo abaixo).
2 (Guest, 3 Guest
2006, vol. 1, p. 51-52).
(2006, p. 99) dispensa a indicação V 7 para as dominantes estendidos, sendo necessário, tão somente, o uso das setas para demonstrar a relação de dominantes estendidos entre os acordes.
No exemplo acima, o terceiro acorde, Cm6 (IVm6) é tomado de empréstimo à tonalidade homônima Sol menor. Assim como nos casos de dominantes secundários, a utilização desses acordes não gera mudança de tonalidade. Outro exemplo bastante frequente de acorde de empréstimo é o bVI 7M/6. No exemplo a seguir (Triste – de Tom Jobim), que está em Sib maior, o acorde de Gb 7M foi tomado da tonalidade homônima, ou seja Bb menor.
Um exemplo de empréstimo modal pode ser encontrado no uso de bII em tonalidade maior, como no trecho musical abaixo ( Asa Branca, Luiz Gonzaga), proveniente do modo frígio homônimo. 4
O uso de Im7-IV7 também é um caso de empréstimo modal. No caso, o IV 7 é proveniente do modo dórico. Veja o exemplo abaixo (Tarde em Itapoã – Toquinho e Vinicius).
3.3 CASOS DE ACORDES DIMINUTOS 3.3.1 DIMINUTO COM FUNÇÃO DE DOMINANTE (DE PASSAGEM/DE APROXIMAÇÃO) 5 Trata-se de acorde que tem efeito de preparação ao acorde seguinte. Funciona como um VII o7 (ou V7(b9), com fundamental omitida) secundário do acorde seguinte. Indica-se com a cifragem analítica correspondente. O exemplo a seguir é a música Esse seu olhar , de Tom Jobim.
4 Este
acorde, porém, pode ser considerado também como empréstimo tonal, uma vez que pode ser classificado, na tonalidade menor homônima (no caso, Dó menor), como antirrelativa da subdominante. 5 Guest
(2006, vol. 1, p. 68) classifica esses acordes como de passagem ou de aproximação conforme sejam os acordes atingidos, respectivamente, por movimentação cromática ascendente ou por salto. Consideramos aqui essa classificação desnecessária, uma vez que a função do acorde será a mesma em ambos os casos, ou seja, de um VII o7 que prepara o acorde seguinte – equivalente a um V7(b9) (com a fundamental omitida) do acorde de resolução.
3.3.2 DIMINUTO CROMÁTICO 6. É um acorde diminuto que prepara o IIm 7, usualmente precedido por IIIm 7 ou I7M/6 (este último comumente na 1ª inversão) em tonalidade maior. Sua cifra é bIIIo7. Veja o exemplo abaixo (Gente Humilde, de Garoto, Chico Buarque, Vinicius de Moraes).
3.3.3 DIMINUTO AUXILIAR 7 Acorde diminuto que se alterna com acorde de tipo maior (resultante de cromatismo na terça e na quinta deste último acorde). É muito comum a alternância com o acorde do I grau, em tonalidades maiores, como no exemplo abaixo (Você e eu, Carlos Lyra e Vinicius de Moraes). Não tem função preparatória.
3.4 IIm 7 -V 7 OU IIm 7( b 5) -V 7 CADENCIAIS O encadeamento IIm7-V7 ou IIm7(b5)-V7 é bastante comum na música popular e equivale a uma preparação dominante, apenas conferindo um pouco mais de movimento à harmonia. Considere a seguinte harmonia:
Dependendo do que acontece na melodia, a harmonia do segundo compasso poderia ser reescrita como IIm 7-V7, conferindo mais variedade e movimento do ponto de vista dos acordes 8. A indicação do IIm 7-V7 cadencial se dá
6 Conf.
Pease; Pullig, 2001, p. 60. Guest (2006, p. 71) chama este acorde diminuto em direção descendente.
7 (PEASE;
PULLIG, 2001, p. 60; GUEST, 2006, p. 71).
8 Procedimento
retirado de aulas de Harmonia com o guitarrista e professor Paulo André Tavares, durante aulas no Curso de Arranjo da Escola de Música de Brasília.
unindo-se a cifra analítica do II grau ao do V7 com um "colchete" horizontal, e o de V 7 ao acorde de resolução com o traço curvo usual9. Veja o exemplo.
O IIm7-V7 cadencial pode também ser usado para preparar outros acordes que não o de tônica (I grau), sendo, nesse caso, chamado II-V secundário. Desse modo, na passagem acima, o IIm 7 do segundo compasso (Dm 7) poderia ser preparado pelo seu IIm 7-V7 secundário, substituindo-se o acorde de C 7M do primeiro compasso por Em 7(b5)-A7, dando ainda mais fluência e sofisticação à harmonia, por causa do ritmo harmônico de dois acordes por compasso, como é mostrado abaixo. (Sempre é importante examinar as notas da melodia, para ver se a substituição é possível.)
3.5 SubV 7 Trata-se aqui de um acorde do tipo dominante (maior com sétima menor), situado meio-tom acima do acorde de resolução e que funciona como substituto do V 7 respectivo. Indica-se com seta tracejada curva em direção à cifra analítica do acorde de resolução.
Desde o ponto de vista teórico, trata-se de um acorde V 7(b5), com a 5ª diminuta situada no baixo. Diversas tensões são possíveis de acordo à ocasião. BIBLIOGRAFIA E LEITURAS RECOMENDADAS
GUEST, Ian. Harmonia. Método Prático. Vols. 1 e 2. Rio de Janeiro: Lumiar, 2006. PEASE, Ted; PULLIG, Ken. Modern Jazz Voicings. Arranging for Small and Medium Ensembles. Boston: Berklee Press, 2001.
9 (Guest,
2006, p. 62).