r
...•
I
Revolta da Vacina; O povo contra Oswaldo Cruz.
Ano 2 / nº 13 R$ 6,80 novembro 2004 UMA PUBLICAÇÃO EDITADA
PELA
BIBLIOTECA
NACIONAL
izinhos e parceiros comerciais no Merco,ul, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai foram protagonistas do mais sangrento conflito do continente. Ao longo de seis ~e 1864 e 1870, aproximadamente 130 mil orreram nos quatro países. À exceção da -a. que chegou a cobrar impostos sobre os '":toSenviados para as tropas aliadas, as na..idas sofreram conseqüências econômicas Brasil enterrou nos campos de b~talha um
total de 614 mil contos de réis, o equivalente a 11 anos de orçamento imperial, resultando num déficit público que se arrastaria pelos vinte anos seguintes. Nas próximas páginas, Nossa História leva o leitor de volta à guerra que devastou o Cone Sul, mostrando as origens do conflito, a extrema brutalidade das batalhas, a polêmica participação de negros e mulheres, a visão dos livros e, em especial, o olhar de especiali$tas dos países envolvidos sobre uma guerra que marcou dali em diante a história de um continente.
Combate naval do RiachueJo. pintura de De Martino feita em 1870, exposta no Museu Histórico Nacional do Rio de janeiro
izinhos e parceiros comerciais no Mercosul, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai foram protagonistas do mais sangrento conflito do continente. Ao longo de seis ElOS, entre 1864 e 1870, aproximadamente 130 mil • ~5soas morreram nos quatro países. À exceção da _crgentina, que chegou a cobrar impostos sobre os __primentos enviados para as tropas aliadas, as na~ões envolvidas sofreram conseqüências econômicas .l~ozes. O Brasil enterrou nos campos dégltalha um
total de 614 mil contos de réis, o equivalente a 11 anos de orçamento imperial, resultando num déficit público que se arrastaria pelos vinte anos seguintes. Nas próximas páginas, Nossa História leva o leitor de volta à guerra que devastou o Cone Sul, mostrando as origens do conflito, a extrema brutalidade das batalhas, a polêmica participação de negros e mulheres, a visão dos livros e, em especial, o olhar de especiali\tas dos países envolvidos sobre uma guerra que mar'!"" cou dali em diante a história de um continente.
Combate naval do Riachuelo, pintura de De Martino feita em 1870. exposta no Museu Históríco Nacional do Rio de
18
.ú....V.RM.ILRO 2004
~
Francisco Doratioto
Nova luz sobre a Guerra do Paraguai Estudos recentes mostram que as origens do conflito podem também estar no processo de consolidação dos Estados Nacionais no Rio da Prata} contrariando a idéia de que a guerra foi uma resposta à ação da Inglaterra
51 Solano López em lirografia de 1870: tradicionalmente
visto
como o líder de uma nação desenvolvida, o ditador paraguaio era animado pela sede de poder
Buenos Aires em uma pintura da primeira metade do século XIX, pouco antes da unificação do país sob a República Argentina: a consolidação dos Estados Nacionais na região está na raiz da Guerra do Paraguai
a interpretação de que o imperialismo inglês foi a causa da Guerra do Paraguai, deflagrada em de dezembro de espaço partir da década 1970, ganhou 1864. Segundo essa vertente, o trono britânico teria utilizado o Império do Brasil e a Argentina para destruir um suposto modelo de desenvolvimento paraguaio, industrializante, autônomo, que não se submetia aos mandos e desmandos da potência de então. Estudos desenvolvidos a
partir da década de 1980, porém, revelam um panorama bastante distinto. As origens do conflito, mostram eles, se encontram no processo de construção e consolidação dos Estados Nacionais no Rio. da Prata e não nas pressões externas dos ingleses. Os avanços historiográficos mostram também como o quadro político que se desenhara às vésperas da Guerra do Paraguai aproximou ideologicamente, pela primeira vez na História, o Brasil e a Argentina. A interpretação imperialista apresentava a sociedade paraguaia do pré-guerra como avançada, lide-
rada por Francisco Solano López, governante autoritário mas preocupado com o bem-estar do seu povo. Nada mais distante da realidade. O Paraguai tinha uma economia agrícola, atrasada; nela havia escravidão africana, embora diminuta, e López era movido apenas pela lógica de todos os ditadores, a de se manter no poder. Outro mito que caiu por terra foi a suposta rivalidade do Paraguai com os ingleses. Vai contra a lógica histórica responsabilizar o imperialismo inglês pelo desencadear da guerra. Na realidade, o governo paraguaio mantinha boas relações com a Inglaterra, onde, desde o final dos anos 1850, contratou técnicos, com a finalidade de modernizar suas instalações militares. Era, sim, o Império do Brasil que tinha atritos com a Inglaterra, com a qual rompeu relações diplomáticas em maio de 1863. Elas somente foram restabelecidas, após recuo do
19 ::mo britânico, em setembro de 1865, meses após ~,jo do conflito.
BOLlVIA
~:Y".
~
busca de modernizar o Paraguai, Solano Ló-- -",ntou ampliar a inserção do país no comércio -~acional, exportando produtos primários para -~r as libras esterlinas que viabilizariam seu projePara tanto, necessitava de um porto marítimo, _e não podia ser o de Buenos Aires, antiga capital rual, inclusive do Paraguai. Isso porque os gover-·-tes argentinos resistiam em conceder facilidades --31erciais à nação vizinha. Restava como alternati-
lte autoI seu poaguai tiIda; nela bora di) apenas ldores, a utro mia suposi com os gica hisimperiaadear da governo relações ie o final técnicos, suas mspério do lm a qual de 1863. recuo do
!.y.lbuquerque orte COlmbra . ' ~mbá • Miranda
Chaco
impedindo-as de contar com qualquer tipo de apoio externo. 'tlas, porem, com autor'1zaçào 00 governo uruguaio, utilizavam o porto de Montevidéu para eu comércio, escapando do controle alfandegário de Buenos Aires. Mitre permitiu, então, que o partido
~
·Coxin
BRASIL
~NIOaqUe
argentino pelo Tratado da Tríplice Aliança
=JJ. • .- -lãg~n~"
Território declarado ~
-;.
-
::/' ,:..-:"Dourados
bO
PARAGUAI
Cerro Corá
""'
'
••
_
.•.
I
o , ••
Máxima
,I I
~
I:"" "t_ \\
,1
Aval , .) ~Q/ II I; .• par ••Aj\()./, ,.Hum3lta. /. ,,0 RIO •••. '" ••••••• ~ .. - -,tl" .. -
'~
-~
do
Avanço das tropas paraguaias Area litigiosa entre Argentina e Paraguai Area litigiosa entre Brasil e Paraguai
/" ,',;lSão
-cõrrientes-
ARGENTINA
extensão
controle paraguaio ~
• Assunção
"~t}::ltororó '~~. '
Batalha
•••
Cl..
"'~--•..........
#
.,
~
t:S
-'..para a ampliação do comércio exterior, o porto de .• antevidéu, no Uruguai. .-\.situação política no Uruguai é particularmente portante para entender o desencadear da Guerra do ?araguai. Em 1861, o presidente uruguaio Bernardo 3crro, do partido blanco, se recusou a renovar com o 3rasil o Tratado de Comércio e Navegação, assinado ;':;n 1851. Com essa medida, reduziu a dependência do :"-ruguai em relação ao Império brasileiro. Ao mesmo -empo, instituiu um imposto sobre as exportações de gado em pé para o Rio Grande do Sul, atingindo os i.:lteresses de estancieiros gaúchos, com propriedades :10 país. Por outro lado, o cenário político do Rio da Prata ganhou um novo Estado Nacional em 1862, com o surgimento da República Argentina. A nação nasce 50b a liderança da burguesia de Buenos Aires, tendo Bartolomeu Mitre como presidente. A primeira tareia de Mitre era consolidar a República. Mas, para iso, precisava neutralizar a oposição federalista, principalmente das províncias de Corrientes e Entre Rios,
2004
NOVEMBRO
Atuais fronteiras entre os países
~ Borja
Jataí~
••~ ..-'~taqui ,,~ .
I I ,- Urugualana \
~ ~~
i'o
I
\ , \
I
I I I
= -=
r
'
••
URUGUAI
,
'N 11"
Montevidéu ~'
BuenosAires.~
•
colorado, de oposição a Berro, se organizasse militar-
mente na capital argentina e invadisse, em março de 1863, o Uruguai, iniciando uma guerra civil. Frente a essa situação, o presidente Berro buscou criar um novo equilíbrio de forças no Prata, com o estabelecimento do eixo Montevidéu-Assunção, ao qual poderiam se associar as províncias argentinas dissidentes do governo central. Chefes políticos destas, principalmente Justo José Urquiza, governador
Cronologia
6 de setembro Paraguai alerta Mitre que o apoio argentino a
Flores tem efeito "desastroso" interesses
sobre os
paraguaios.
25 de maio O Império do Brasil torna~se o primeiro
rompe relações
~ 19 de março
presidente d': República Fr~clsco~Solano López assume o governo paraguaio após a morte do
~
outros colorado5,
""
\Q
10 de setembro
~
com a
Grã-Bretanha.
inicia
do uruguaio Bernardo
'
Berro, do Partido Blanco.
j
• _~militar Iniciadanomobilização Paraguai. Fevereiro
rebelião contra o governo
.
pai, Carlos Antonio López.
.----------' .
diplomáticas
Venâncio Flores,junto com
Argentina após sua unificação.
•
-
•.-
.
~
•• r
:NOVJi·'\'1.BRO
20
2004
o apoio
do presidente
argentino
Bartolomeu
Mirre (abaixo,
de Entre Rios, mantinham,
estreitas relações com Solano López. Foi apostando na consolidação desse novo eixo político que o presidente uruguaio enviou Octávio Lápido, do partido blanco, a Assunção, on- , de deveria oficializar uma aliança com o Paraguai. Embora o acordo não tenha sido selado, o governo pa-
reunido
com o seu estadomaior
em Tuiuti) ao
líder da oposição uruguaia
Venâncio
Flores (ao lado) motivou
ameaças
governo
paraguaio
Para piorar o quadro de tensão no Rio da Prata, Souza Neto, representando os fazendeiros gaúchos instalados no Uruguai, se apresentou às autoridades do Rio de Janeiro para denunciar como "abusos" as medidas policiais tomadas por autoridades uruguaias contra cidadãos brasileiros que apoiavam os colorados. A essa altura, o mandato presidencial de Berro
por sua vez,
do em
raguaio passou a apoiar o presidente do Uruguai. Por duas vezes, em setembro e em dezembro de 1863, Solano
1863
López advertiu Mitre sobre o apoio argentino - que era real- ao general Venâncio Flores, líder da rebelião colorada, de oposição a Berro. Em ambas as ocasiões, o governo argentino negou a acusação, dizendo-se neutro. Mas na segunda negativa, em fevereiro de 1864, Mitre, para repelir as veladas ameaças paraguaias, acrescentou que a Argentina poderia adotar outra postura, insinuando o fim da neutralidade e, portanto, o apoio aberto a Flores. GENERAL
D. BARTHOLOMt
MITRE
COM
SEO ESTADO
A1AIOR ... 1869
já havia terminado, em março de 1864. A chefia do Executivo uruguaio, porém, continuava nas mãos do partido blanco, com Atanásio Cruz Aguirre. Souza Neto não fez por menos: solicitou a intervenção do Império no Uruguai. Foram três as razões do governo brasileiro para ceder às pressões dos fazendeiros do Sul. Primeiro, para não ser acusado de omisso. Depois, porque queria evitar que a Argentina colhesse, sozinha, os frutos de uma vitória colorada. E, por fim, para desviar a atenção popular de problemas internos. Desenhava-se uma nova realidade no Rio da Prata, para a qual, após décadas de desencontros, convergiam os interesses do Império do Brasil e da Argentina. Para ambos interessava a vitória dos colorados e havia, pela primeira vez, no liberalismo, identidade ideológica entre os governos brasileiro e argentino. Bartolomeu Mitre era favorável à livre navegação brasileira dos rios platinas, de vital importância para a integridade territorial do Império, já que a província do Mato Grosso, isolada por terra, mantinha contato com o Rio de Janeiro por meio dos rios Paraguai e Paraná. Além disso, como primeiro presidente da Argentina, interessava a Mitre a estabilidade política regional, que certamente contribuiria para a consolidação da República. Foi por isso que ele trabalhou para que seu país
12 de outubro Depois do rompimento
~ 4de agosto Após àenúncias de Souza em de que o governo b/anm no Uruguai
do governo b/anca de Aguirre com o Império e
13 de abril
do governo paraguaio avisar que uma
Após Mirre não permitira
12 de novembro Solano López ordena a
passagem de tropas paraguaias
"atentatória ao equilíbrio dos Estados do Prata",
apreensão, próxima a Assunção, do vapor
por território argentino para
tropas brasileiras
brasileiro Marquês de
entram
Olinda, que levava o novo presidente da província de Mato 'Grosso.
intervenção militar do
desrespei:2va direitos dos fazendeIroS gaÚchos ali
Império
instalados, governo . brasileiro :~:>õe ultimo.tum ao ..:r-.,
no Uruguai
seria
no Uruguai.
sobpenade-~ . militar do Impe"'C.. I
•
•
r
Forças paraguaias tomam o Fone Coimbra, no Grosso. 28 Mato de dezembro
2 á4 de janeiroocupam I~ Forças paraguaias ~ ~
•
invasão d~ R~ Grande do Sul,
Miranda, Dourados,
~
Nioaque e Corumbá, no Mato Grosso.
López declara guerra à Argentina .
•
21_NOV.h.M
io no Rio ltando os ados no mtoridaa denun-
e o Brasil substituíssem a rivalidade pela cooperação. Assim, em abril de 1864, ao assumir a representação diplomática argentina no Rio de Janeiro, José
idas polildes uru'fasileiros A essa alde Berro , de 1864. ), porém, mco,com o fez por pério no brasileiro do Sul.
conver-
ia Argen%rados
II em Porto
Alegre com farda de general,
em 1865. No
Mármol trazia instruções do chanceler de seu país, Rufino de Elizalde, para "associar com o Brasil os interesses" do governo de Buenos Aires. Essa aliança não se estabeleceu de imediato, sendo construída'
ano anterior,
gradativamente, nos meses seguintes, como resposta aos problemas comuns dos dois países no Prata. Paraguai e Uruguai de um lado. Brasil e Argentina de outro. Estava armado o contexto geopolítico no qual se desenrolaria a Guerra do Paraguai, deixando claro o peso dos problemas internos do Rio da Prata no desencadear do conflito. Nesse contexto, o Império enviou, em abril de 1864, o conselheiro José
Saraiva (abaixo:
antes do
início da guerra,
o
Império
enviou
Uruguai
o conselheiro
litografia
ao
em
de 1853)
para intervir
em um
conflito,
motivo
alegado
pelo Paraguai
para a ação militar contra
o Brasil
Antônio Saraiva como ministro plenipotenciário em missão especial ao Uruguai, acompanhado por navios de guerra comandados pelo vice-almirante Tamandaré. O objetivo declarado da missão era o de proteger os direitos dos brasileiros residentes no país. Mas, na realidade, o que se desenhava era a preparação para uma intervenção militar. No Uruguai, Saraiva se convenceu de que poderia tentar a via da negociação para afastar do governo uruguaio ministros b/ancas que se opunham aos interesses brasileiros, substituindo-os
). Depois, ~sse, SOZl,r fim, panternos. I da Prata, 5,
D. Pedro
..BRO 2004
e
dentidade
argentino. ~açãobraparaamwíncia do ntato com e Paraná.
por políticos c%rados. Acordo nesse sentido foi assinado em Puntas deI Rosário, em 18 de junho de 1864, com representantes desses dois partidos, por Saraiva, juntamente com o chanceler argentino Rufino de Elizalde e o representante britânico em Buenos Aires, Edward Thornton, pois a continuidade da guerra civil prejudicava o comércio inglês.
i\rgentina, :ional, que I da Repúle seu país
Março e maio Quatro mil soldados brasileiros morrem em
epidemia de cólera que se
,de abril
22 de setembro
iÓsMitre não
Aliados atacam posição
rmitira ssagem de Ipas paraguaias Ir território
~entino para
~ l°de maio
rasàodo Rio
anded;
~rg,entina, Brasile Uruguai assinam o Tratado da
5;71,
pezdeelara
Tríplice Aliança, contra o
erra à Argentina.
governo de Solano López.
•
fortificada paraguaia de
11 dejunho
16 de abril
Batalha do Riachuelo, na
Tropas aliadas iniciam
qual a esquadra imperial
invasão ao Paraguai com
paralisando seu avanço por
destrói a marinha
o objetivo de tomar Humaitá, epicentro do sistema defensivo
cerca de um ano.
paraguaia.
Curupaiti e sofrem a maior
derrota da guerra.
paragu~o.
•
•
•
alastrou
entre os aliados.
Em maio a epidemia
atinge o lado paraguaio.
NüVoÓ-M_BAO
2004
22 com o exército paraguaio pelo Rio Grande do Sul, que foi invadido em junho de 1865. O que López não esperava é que o novo presidente do Uruguai, Tomás Villalba - sucessor de Aguirre - fosse ceder às pressões de dentro e de fora do país. Com o apoio do governo da Argentina, o ex-chanceler conservador do Império, José Maria da Silva Paranhos, novo enviado do governo imperial em missão especial ao Prata, conseguiu obter a rendição da capital uruguaia e selar, em 20 de fevereiro, o Protocolo de Paz de Villa Unión. Frustrou-se o projeto Atendendo aos interesses de Brasil e visionário de
Esse documento, porém, foi rejeitado pelo presidente Aguirre. Foi então que Saraiva apresentou um ultimatum exigindo a punição dos funcionários uruguaios supostamente responsáveis por agressões a brasileiros. Outra recusa, advertia ele, teria como resposta a ação militar do Império contra o Uruguai. O Paraguai protestou contra a eventual ocupação territorial de seu aliado. Mas em 12 de setembro, tropas brasileiras cruzaram a fronteira do Uruguai e, no mês seguinte, o vice-almirante Tamandaré assi-
o jornal
paraguaio fi
Centine/a ironiza
autoridades brasileiras, vistas como macacos "em conferência secreta". Da direita para a esq uerda, o marechal Polidoro, o Imperador e o visconde de Tamandaré. Este último assinou o acordo de cooperação militar com os c%rados
uruguaios
em outubro de 1864
nou o Acordo de Santa Lúcia com o general Venâncio Flores, finalmente es-
Argentina, um colarado - o general tabelecendo a cooperação militar ensubstituir Venâncio Flores - chegava ao poder. tre os colarados e as forças brasileiras. a rivalidade Solano López respondeu, em noEm uma ação que seria fatal para argentino-brasileira vembro, a essa iniciativa do Império, os seus objetivos militares no Prata, pela cooperação Solano López invadiu, em 13 de abril mandando aprisionar o vapor brasileiro Marquês de Olinda. No mês sede 1865, a província de Corrientes. guinte, ordenou a invasão do Mato Sonhava ser recebido pelos federalistas Grosso, ocupando o território em argentinos como um libertador. Mas disputa com o Brasil. O ditador estava informado, tudo o que conseguiu foi permitir que o presidente por espiões, que essa província estava indefesa, bem Mitre formalizasse um acordo com o Império do Brasil, o que, em outras circunstâncias, teria levado como sobre a fraqueza militar do Império. Planejava, após garantir a sua retaguarda, derrotar as forças braa um levante popular no interior argentino, que era antibrasileiro. Em maio de 1865, foi assinado o sileiras que ali se encontravam, passando, para tanto, Tratado da Tríplice Aliança, entre Argentina, Brasil e Uruguai. Entre outras medidas, o documento determinava que a guerra somente terminaria com a saída de Solano López do poder. Estabelecia, também, o desmantelamento das fortalezas paraguaias que impediam a livre navegação pelos rios do Prata e definia as fronteiras do Paraguai com o Brasil e a Argentina, cabendo a esses os territórios em litígio. Pouco depois, em novembro de 1865, Rufino de Elizalde escreveu a José
~ 27 de dezembro À vistado exéráto aliado. 5o'ano lópez
~ 14 de agosto Emcarta ao lTÚlÚslro Guerra,
CalCas ~::
5>".•••.
á -
do corc-:o O
2S de julho
er.:r~ em HUmait3.
•
•
•
~I Tropasbrasileiras 10 de janeiro comandadas por. Hermesda Fonseca ocupam Assunção. que estava deserta.
$ 00
•
••••
t:M B RO 2004
: do Sul, )residen: Aguirre i do país. :hanceler lva Paran missão
Para saber mais
) da capifevereiro, a Unión. ~Brasil e ) general iOpoder. 'atal para 00 Prata, 3 de abril )rrientes. deralistas idor. Mas ,residente lpério do ia levado ), que era sinado o na, Brasil nento delana com ;tabelecia, fortalezas e navegaIS franteiúgentina, ~mlitígio. mbra de
veu a José
IZECKSOHN, Vitoe O cerne da discórdia; a Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do Exército. Rio de Janeiro: E-papers, 2002.
_-"ntônio Saraiva que se iniciava, entre a Argentina e Brasil, uma aliança "que lançará profundas raízes
Império em agosto do ano anterior, retomou sua tradicional política de contenção da influência ar-
?ara o bem de nossos países e de nossos vizinhos". ?ara Elizalde, vencido o Paraguai, deveriam ser assinados novos acordos entre os dois países, com o ob:etivo "de fazermos uma aliança perpétua, baseada
gentina no Rio da Prata. Por outra lado, Domingo Faustino Sarmiento, um inimigo da aliança com o Brasil, foi eleito presidente da Argentina. A diplomacia imperial passou então a trabalhar para garantir que, terminada a guerra - o que ocorreu com a morte de Solano López em 1870 -, o Paraguai
na justiça e na razão, que há de ser abençoada por nossos filhos". Vale destacar o importante
ia imperial teve durante a Guerra do Paraguai. No plano militar, garantiu, na Europa, o fornecimento de armamento. No plano político, conteve a tentativa dos Estados Unidos de intermediarem uma paz que seria favorável a Solano López. Os diplomatas brasileiros não obtiveram sucesso, porém, quer no Velho Continente, quer na América, em neutralizar a simpatia de intelectuais e políticos pelo Paraguai. A grande frustração fica por conta da vitória da ala conservadora na definição das relações entre Brasil e Argentina no pós-guerra. Ocupada Assunção por tropas brasileiras, em janeiro de 1869, o Partido Conservador, que retomara ao poder no
Paraguai; como construímos
o conflíto.
São Paulo: Contexto; Cuiabá: Editora da UFMT, 1998.
permanecesse independente e não perdesse todo o território do Chaco para a Argentina, como determinava o Tratado da Tríplice Aliança. As relações brasileiro-argentinas se tornaram tensas, principalmente em 1872, quando o Império assinou o acordo de paz em separado com o Paraguai, o que era proibido pelo Tratado. Frustrou-se, assim, o projeto visionário de Mitre, Saraiva e Elizalde e alguns outros políticos de substituir a rivalidade argentino-brasileira pela cooperação. m
TORAL, André. Imagens em desordem; a iconografía da Guerra do ParaguQ/ (1864-1870). São Paulo: Humanltas,
Bandeira
do Brasil
tremulando FRANCISCO
DORATIOTO
Internacionais
da Universidade
é professor Católica
/10
Curso de Relações
de Brasília
no palácio
de López em
e autor de
Assunção,
Maldita Guerra; nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo:
pelas tropas
Companhia
em 1869
das Letras, 2002.
tomado imperiais
Depois de concedida a demissão do cargo de comandante-em-chefe a Caxias, o imperador lhe concede o único titulo de
sfde;fevereiro ~P6s desmaiar em missa
>asbrasileiras ,andadas por, "es da Fonseca
duque do Império. No dia
na catedral de Assunção, Caxias parte para o Rio de Janeir.o, onde chega
I
ànÔnimo, sem nenhuma recepção .
o visconde
Jurada a
,das forças brasileiras no raraguai, mesmo contra sua vontade.
pelas tropas brasileiras em Cerro Corá, ferido com
de um governo provlsono 2autorizam de junho paraguaio. a organiz~ç~~
uma lança pelo cabo Francisco lacerda e morto
I
Q
OCo
~ 20 de junho
•
raraguai aceita os termos do Tratado da Tríplice
com um tiro de fuzil.
Aliança.
CIO
~
pri~
Governo provisório do
•••••
•
~.
Solano lópez é alcançado
e o chanceler argentino
r
~ 25 de novembro
1° de março do Rio Branco
seguinte o conde O'Eu é nomeado comandante
."
2001.
No alto da página:
23 de março
lejaneiro
pam Assunção, estava deserta.
papel que a diploma-
MEN EZES, Alfredo da Mota. Guerra do
-
•
2004
24
,
~.
ca
o Bonalume Neto
•
Trlp ce esafio Geografia, logística e tecnologia. Três fatores combinados explicam por que a guerra foi particularmente sangrenta e se estendeu por seis longos anos
Exército do Paraguai dispara contra as tropas da Tríplice Aliança em 1866, em detalhe do óleo Trinchera de Curupaytí,
de Cándido López. No ano seguinte, as forças paraguaias já estavam isoladas, forçadas ao improviso, como a construção do canhão
fi
Cristiano (página ao
lado) com os sinos das igrejas de Assunção. A arma de guerra se encontra hoje no Rio de Janeiro
sul do Paraguai é de difícil acesso. Não há boas estradas e a navegação fluvial permanece modo dos mais combates seguro de no se inda hoje ao região chegar em alguns locais do conflito. Naquela época, o rio Paraguai era o grande caminho para se chegar ao país. E o terreno, em grande parte pantanoso, somado ao desconhecimento sobre o território inimi-
SI1
go, dificultava a ação dos aliados brasileiros, argentinos e uruguaios. Como o Paraguai vivia em isolamento, e mesmo os vizinhos o conheciam pouco, os invasores não contavam nem com mapas eficientes e o ataque era feito, literalmente, de forma tateante. Comuns no sul daquele país, os terrenos alagadiços (ou esteros) eram os procurados pelos paraguaios como linhas de defesa: perto desses fossos naturais atacar era ainda mais difícil. Até hoje é possível ver o traçado das antigas trincheiras na região
olhando-se fotos aéreas ou imagens de satélite. A região quente e úmida facilitava o alastramento de doenças. Uma epidemia de cólera em 1866-1867 atrasou em muito as operações militares da aliança. A geografia afetava diretamente a logística, isto é, a arte de suprir os exércitos com o necessário para o combate eficaz, basicamente comida, uniformes, armas e munições. Mas o teatro de operações era distante do Brasil e as tropas, equipamentos e suprimentos precisavam ser transportados primeiro por via marítima e depois fluvial. As operações militares ocorriam assim em torno do rio, e demoravam. A tecnologia também contribuiu para definir a guerra. A revolução industrial do século XIX criou armamentos com maior poder de fogo e fatais, além de inovações que facilitaram a logística - como navios a vapor e ferrovias - ou as comunicações (no caso, o telégrafo). Apesar de as armas serem modernas, nem
25 os militares, dos dois lados do contlito, sa--mo aproveitar todo o seu potencial. Ou, pior subestimavam seu efeito em formações densas êados avançando lado a lado em sólidas linhas. - Guerra Civil Americana (1861-1865) entram a pela primeira vez navios couraçados com --- de ferro, movidos a vapor e com canhões ca~~S de disparar granadas explosivas, bem mais .':'::'rososque os do começo do século. O avanço rio Paraguai foi possível somente após a encopela Marinha brasileira de navios couraçamodernos, alguns dos quais construídos no ~nal de Marinha do Rio de Janeiro. télite. A relmento de 1866-1867
da aliança. ;tica, isto é, ário para o formes, ar5es era disos e supnmelro por es militares ravam.
I
Ia definir a IX criou ar~is, além de o navIOSa
_. guerra pode ser dividida em quatro períodos. rimeiro, a ofensiva paraguaia em 1865, até ser ___lida pelos aliados. Segue-se a invasão do territó;-,araguaio em abril de 1866, e a luta concentraem um pequeno trecho do país devido ao blo_elO provocado pela Fortaleza de Humaitá. A ter':::.rafase, de mais movimento, acon-
Os paraguaios avançaram em vanas frentes uma estratégia temerária, pois dividia as forças disponíveis. Em dezembro de 1864 começa a invasão do Mato Grosso. Outra coluna de tropas entra na Argentina em março de 1865 e captura, em abril, a cidade de Corrientes. Uma terceira coluna vai para o Rio Grande do Sul, tomando Uruguaiana em 5 de agosto de 1865. Nessa primeira fase da guerra acontece uma das batalhas mais decisivas do contlito: em um trecho do rio Paraná, ao sul de Corrientes, a esquadra paraguaia perde a Batalha Naval do Riachuelo, em 11 de junho de 1865. Apesar de a guerra ter prosseguido mais cinco anos, pode-se dizer que ela foi definida então. Com o controle brasileiro do rio, o Paraguai ficou bloqueado e sem possibilidade de receber armas e auxílio do exterior.
ão demorou muito para que os principais avanços paraguaios fossem contidos. De setembro a novembro de 1865, a contra-ofensiva aliada obrigou as forças paraguaias a se retirarem ao longo do rio Paraná. Parte de Mato lópez mandou seus Grosso continuou sob a ocupação dos generais atacarem paraguaios, indicando a dificuldade de os aliados. Travou-se acesso à região por terra (uma das reientão em Tuiuti, em vindicações brasileiras no Tratado da 24 de maio de 1866, Tríplice Aliança era justamente ter o a maior batalha acesso tluviallivre até Mato Grosso). campal da América Em maio e junho de 1867, uma expelatina dição militar brasileira em Mato Grosso fracassou, fato conhecido co-
~-e após a queda de Humaitá em " até a tomada de Assunção, em 9. E a campanha final de guerri-a que só termina com a morte de ano López em 1870. O primeiro ato de guerra ocorreu 12 de novembro de 1864, quando ':inpez, em represália à intervenção do ~rasil na guerra civil uruguaia, manda ,:'risionar o navio a vapor brasileiro •. farquês de Olinda, assim que este parde Assunção. Os paraguaios ini.:laIT1 então sua ofensiva, amparados em forças armanumericamente superiores às dos países vizinhos. _ião há consenso entre os historiadores sobre o núme-
de combatentes, de perdas, e mesmo da população ':os países. O Exército do Paraguai no início da guerra Leriaentre 28 mil e 57 mil homens (mais reservas de mil a 28 mil homens). O Exército do Império bra'leiro em 1863 contava com cerca de 16 mil soldados
:::>
::'oficiais. Os argentinos, com 25 mil a 30 mil homens, ::nas apenas a metade poderia ser usada externamente o resto era mantido de prontidão para impedir revolseparatistas internas). E o Uruguai com 5 mil comatentes. Obviamente, o potencial de mobilização mi;.tar da Tríplice Aliança era bem maior: o Brasil com ~:>milhões de habitantes, a Argentina com 1,5 milhão e o Uruguai com perto de 300 mil. Há autores da época que estimaram a população paraguaia em até 1 mião de pessoas, mas pesquisas modernas apontam u.m número bem menor, 400 mil.
mo a Retirada da Laguna. Como não se conquista uma guerra apenas na defensiva, López mandou seus generais atacarem os aliados quando eles ainda estavam se instalando em território paraguaio. Travou-se então em Tuiuti, em 24 de maio de 1866, a maior batalha campal da América Latina. Os paraguaios tentaram um ataque-surpresa, mas faltou coordenação entre as diversas colunas. Os números ainda geram debates, mas aparentemente 23 mil paraguaios atacaram 35 mil aliados - há autores no Paraguai que falam em "52 mil" aliados. Os paraguaios teriam perdido 12 mil homens, dos quais 6 mil mortos. Esta batalha tem particular importância para a mística interna do Exército brasileiro, pois nela atuaram destacadamente três combatentes que depois se tornariam patronos de armas: Manuel Luís Osório, da cavalaria; Antônio Sampaio, morto então, da infantaria; e Emílio Luís Mallet, da artilharia.
1-004-
Para saber mais
BURTON, Richard F. Cartas dos campos de batalha
do Paraguai. Rio
de Janeiro: Biblioreca do Exérciro, 1997.
CARDOZO, Efraím Breve Historia Dei Paraguay. Buenos Aires: Ediwrial Universitaria, 1965.
CERQUEIRA, Oionísio. Reminiscências
da cam-
panha do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioreca do Exérciw, 1980.
FRAGOSO, Augusro Tasso. História da guerra entre a tríplice aliança e o Paragua/. (Cinco volumes). Rio de Janeiro: Biblioreca do Exérciro, 1956.
WILLlAMS, John Hoyr. The R/se And Fali Of The Paraguayan
Republic,
1800-1870. USA: The Universiry of Texas ar Ausrin, 1979.
Filme Sylvio Back. A Guerra do Brasil. Globo Vídeo, 1987.
SQ\'E\IBRO
26
2004
TENENTf-CORONEl
AUC\J<;TO
FRANCI<;CO
CURt;PAIT"(
hS68
Esquema do ataque à fortaleza paraguaía de Curupaiti, onde a Tríplice Aliança sofreu sua maior derrota, em setembro de 1866. É possivel notar a formação das tropas (em blocos maciços), o posicionamento
dos
canhões paraguaios, a presença dos couraçados e o terreno pantanoso,
{~.~ ·L~,
que dificultou a movimentação
militar
Baltria"
~ ~
i!ll
111I. ~
\11
I~
iJI
I~
Acampamento
OE
ATAQUE nu t\litlc
Br/ilzdeiro
Ilill
:!~ ti,'
cl(,:Il'fLl)(~\-oJ
CURUPAITY
SI'I.·udlrll
111\ S'llItllH\.
de'
I~lili.
~t(H.d"'hL\
'lt~·jll J
27 BATE.
CADÃVERES
PARAGUAIOS.
x
1866
_ Ias o avanço pelo rio também era difícil devido fortificações paraguaias, e foi em frente à de "::..::rupaitique os aliados tiveram seu maior revés, ~ setembro de 1866, com perto de 4 mil baixas, ~-Lre mortos e feridos. Navios também corriam .:-'a\'es riscos e não só de canhões atirando à quei-:;!-roupa - o novíssimo couraçado Rio de Janeiro -:mdou diante das baterias paraguaias, em Curuzu, bater em uma mina explosiva. Essa necessidade vital de dominar o rio Paraguai
=-- clara quando se vê o esforço da Marinha em se _.:;uipar com navios modernos. Os couraçados bra-eiros estavam entre os mais modernos navios de =_erra da época, embora fossem de dimensões mais iaptadas ao combate em rios do que em oceanos. - ram comprados oito no exterior e nove construídos -o Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro.
'-Ilt,
ç
O principal obstáculo era a Fortaleza de Humaitá, mada em uma curva do rio, que selava "hermetica::::ente" a passagem fluvial, segundo o hidrógrafo - ::!JlcêsAmedée Ernest Mouchez, que estivera no 10.=:':': antes da guerra. Para passar ali, só mesmo navios ::.cndados com grossas chapas de ferro. Como trin'--eiras e pântanos barravam o acesso por terra, ape-.2S em 5 de agosto de 1868 os aliados ocuparam -:::maitá, depois que a Marinha do Brasil empregou uraçados e o exército aliado iniciou uma "marcha -=-e danco", isto é, ultrapassou a fortaleza pelo leste. L.-ma das clássicas fotos da guerra mostra, em ::illIlaitá, a bateria de canhões protegidos por casa--Ias conhecidas como "Londres". E mesmo bate".25 não cobertas por pedra eram poderosas, pois a
~roteção de terra tinha a vantagem de absorver o ti-~ dos canhões, seja reduzindo o efeito das explo-5 ou impedindo que as granadas estourassem. ;="c fator, combinado com a pouca familiaridade :.= muitos artilheiros brasileiros com as espoletas :"" novas granadas, fez com que muitas não explo.::-- 'm e fossem pegas pelos paraguaios para arre_5sar contra seus antigos proprietários. =...ogono começo da guerra, o argentino Bartolo-=:1 .\Iitre foi escolhido comandante-em-chefe das :-.:asaliadas, mas a escolha desagradou os militares ::-asileiros, eternamente desconfiados da Argentina. - .;::1 o aumento dos problemas internos da Argen:. e a gradual preponderância das tropas brasileiras 'guerra, Mitre é substituído por um brasileiro, o quês Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de . , que em 13 de janeiro de'1868 assume o co-'-cio aliado. Quebrada a dura noz que era Humaitá, ~dos puderam prosseguir. Em dezembro de 1868,
Caxias vence os paraguaios na série de batalhas conhecida como a "dezembrada"; Itororó, Avaí, Lomas
Cadáveres
Valentinas e Angostura. Caxias, aliás, teve participação fundamental na guerra, não só como estrategista e tático, mas também na reorganização e treinamento do Exército brasileiro, que passou de uma força desmoralizada (inclusive pelo alto índice de doenças) a uma máquina de guerra eficaz. E não faltou coragem pessoal ao futuro patrono do Exército, notadamente no episódio do arroio Itororó, quando se arriscou à frente das tropas e conseguiu, pelo seu exemplo, reanimá-Ias até a vitória. López consegue escapar do cerco em Lomas Valentinas - um caso polêmico, pois há quem afirme que Caxias teria facilitado sua fuga por conta de contatos mútuos na maçonaria -, e vai se refugiar na cordilheira, ao leste de Assunção. No mês seguinte, janeiro de 1869, Caxias ocupa Assunção, considera a guerra terminada, se retira do teatro de operações, e é substituído pelo genro do imperador, o conde D'Eu. O último grande conflito ocorre em agosto de 1869, conhecido como Batalha de Acosta Nu ou
Tuiuti, em 1866, após a
Batalha de Campo Grande. Só em 10 de março de 1870, depois de uma longa caçada, López foi morto em Cerro Corá pelos brasileiros. O resultado da loucura de López foi trágico para o Paraguai. Estudos feitos por Thomas L. Whigham, da Universidade da Geórgia (EUA), e Barbara Potthast, da Universidade de Bielefeld (Alemanha), com base em documentos inéditos de um censo populacional feito em 1870, indicam que 70% da população do país morreram na guerra, principalmente de fome e de doenças. m RICARDO
de S. Paulo.
BONALUME
NETO
éjornalista, repórter da Folha
fotografados em maior batalha campal da América Latina. Estima-se que 70% da população paraguaia tenha morri do durante
a guerra, a
maioria por causa de doenças e fome
0.200+_28
~
Ricardo Salles
Negros guerreiros Para os estrangeiros, o Brasil tinha um exército de escravos, o que estava longe de representar a verdade
é
Negócios da Guerra, datada de 13 de dezembro de 1869, o marquês de Caxias, com carta confidencialdasaoforças ministro dos mandante-em-chefe militares
brasileiras no Paraguai, depois de louvar feitos de bravura praticados pela tropa brasileira e por seus oficiais, lamentava ter que relatar que assistira a "muitos atos
Membros do 24° Corpo de Voluntários da Pátria da Bahia, formado exclusivamente de soldados e oficiais negros, mas não escravos: os zuavos. Detalhe do quadro Vista do interior da fortaleza de Curuzu tomada de montante, 20 de setembro de 1866, de Cándido lópez
vergonhosos e que altamente depõem contra nosso Exército': Em sua opinião estes fatos se deviam à introdução do elemento servil nas fileiras, com "seus maléficos resultados por meio dos exemplos imorais, e de todo contrários à disciplina e subordinação, dados constantemente por homens que não compreendem o que é pátria, sociedade e família, e que se consideram
29 EXCURSÃO
~2_004
AO PARAGUAI
ainda escravos que apenas mudaram de senhor ...". Caxias se referia aos libertos, isto é, escravos recém-liJertados por seus senhores, no caso com a finalidade de servir no Exército em campanha no Paraguai. A participação de libertos na Guerra do Paraguai é de nossa história. Depois de um longo período em que :oi simplesmente ignorada, a partir dos anos 70 do sé;:ulo XX, sua presença na guerra passou a ganhar grane destaque. Nesta época, consolidou-se uma imagem o exército imperial como composto majoritariamenêe por negros escravos, libertados para fazer a guerra e seus senhores. Estes, diante da convocação militar, mIl dos assuntos mais falados e mais deturpados
:Ta nosso am à inom "seus 1lll0ralS, e
ão,dados eendemo nsideram
~eriam optado por enviar seus cativos para a guerra. ?or um lado, o silêncio e mesmo acobertamento da _>articipação de libertos na guerra realizados pela me:nória oficial, sobretudo militar, com seus heróis e mo:cIumentos grandiosos. Por outro, baseada em testeIa data, 3.897, ou 5,49% do total, eram libertos. O Re;nunhos preconceituosos e racistas de paraguaios, arentretanto, assumia que o mapa era incomplelatório, 5entinos, europeus e mesmo de brasileiros, a crítica to por falta de dados de algumas províncias e que o iácil e sensacionalista de uma versão alternativa que número de libertos deveria ser maior. Entretanto, não 5ê contenta em ridicularizar a nossa história, sempre há por que acreditar que este número tenha sido supe. ta como farsa. Duas versões opostas, mas que rior a 10% do contingente enviado ao Paraguai. Dife.:onduzem a um mesmo resultado cruel: um povo rentes investigações sobre o assunto, examinando do5êm história, ou com uma história envergonhada. cumentação de recrutamento em províncias que mais Logo de início, um primeiro equívoco desta memóenviaram soldados para a guerra, como Rio Grande :ia perversa a ser desfeito: como a grande maioria dos do Sul, Bahia e Rio de Janeiro, confirmam esta afirmasoldados brasileiros era composta por negros e mesção. Mais ainda, sabemos pelas atas de :icos, portanto eram todos escravos. Para evitar a reuniões do Conselho de Estado, reali:::na relação simplificada que esconde zadas na virada dos anos de 1866 para .:::n enorme preconceito, ainda preconvocação, pessoas 5-.."J1te no senso comum e em inúmeros 1867, que foi considerada e, em seguiremediadas pagavam da, descartada a alternativa de se liber::=:rtoshistoriográficos, que equiparam substitutos ou tarem escravos em massa para atender :::egros a escravos. Em 1867, no auge compravam escravos às necessidades da guerra. Segundo a a guerra e do recrutamento, os escraà guerra para irem maioria dos conselheiros, a medida se"os eram 12,4% da população, enem seus lugares ria de difícil execução, muito onerosa 0lanto que negros e mestiços livres reaos cofres do Estado, já que os donos :cresentavam 52,5% deste total. Assim, não há por que assumir, como fizeram dos cativos teriam que ser indeniza?araguaios, argentinos e testemunhas dos, e poderia vir a colocar em perigo a ordem pública. Por tudo isso, o Conselho recomen=strangeiras, que os soldados brasileiros, por serem em dou que a libertação de cativos para a guerra fosse rea_a maioria negros, eram escravos. E os cativos liberlizada de forma controlada. --dos para compor as fileiras do Exército que tanto in:omodavam Caxias? Não seriam uma comprovação c:_ tese de que escravos libertos por seus senhores --mporiam a maioria da tropa que fez a guerra? Um "Mapa dos libertos que têm assentado praça .:.zsdeo começo da guerra': realizado em abril de 1868, ~e consta do Relatório da Repartição dos Negócios da :;~a, pode lançar alguma luz sobre o assunto. Dos -~.9-!3 indivíduos enviados para o Paraguai até aque-
E é exatamente neste ponto que o "Mapa" fornece elementos para se desfazer um segundo equívoco: o de que escravos foram libertados para substituir seus senhores nas fileiras. Os 3.897 libertos arrolados no "Mapa" estão divididos em cinco categorias: da Nação (267); da Casa imperial (67); dos Conventos (95); da Conta do governo (1.806); Gratuitos (753) e Substitutos (889). Escravos da Nação eram os afri-
Combatentes fotografados após o conflito, entre os quais o cabo Francisco Lacerda, ou "Chico Diabo" (de pé, terceiro da esquerda para a direita), que teria matado Solano López: a presença de negros e mulatos do lado brasileiro foi interpretada de forma preconceituosa, considerando todos como escravos
BR-O 2004-
REVISTA
SEMANA
fLW5TRADA.
3o RIO
--- ----....
DE JANEIRO,
11/11/1866
~~ ,-
cio e angariar algum prestígio a seus donos por seu ato patriótico de contribuição ao esforço de guerra. Prestígio que também buscavam os senhores que ofereciam seus escravos como Voluntários da Pátria, sem requerer qualquer contrapartida financeira, como podemos observar na rubrica dos Gratuitos. É na categoria dos Substitutos, pouco menos de um quarto do total, que podemos encontrar os escravos libertados para fazerem a guerra de seus senhores. Esta rubrica continha claramente o caso dos indivíduos que, convocados para a guerra, enviaram um substituto em seu lugar, prática comum na época, no Brasil e em outros países. Não era raro pagar um indivíduo livre como substituto para o serviço militar, inclusive e talvez principalmente nos períodos de guerra. Na sociedade escravista brasileira, poderia ser mais barato comprar um escravo para este fim, ainda que os documentos também revelem o caso de substitutos pagos. É duvidoso, no entanto, que os que assim agiram fossem filhos de fazendeiros, como quer o senso comum, querendo escapar de suas obrigações militares. Famílias ricas dispunham de meios materiais e de prestígio social mais do que suficientes para evitar que seus filhos fossem à guerra como simples recrutas. O mais provável é que se tratasse de pessoas pobres e remediadas, muitas delas pequenos proprietários de escravos, que não tiveram outro recurso para evitar a ida aos campos de batalha. Finalmente, houve um número indeterminado
No alto, escravo é
canos trazidos ilegalmente para o país depois da
libertado e enviado
proibÍ<;:ão do tráfico internacional de escravos em 1850 e apreendidos pelo governo, que os mantinhae a seus descendentes - sob sua custódia. Formal-
para a frente de batalha no Paraguai: a medida dava prestígio social ao seu exsenhor. No outro desenho da Semana lI/u5trada, casal de
negros do Rio de Janeiro se apresentando
para
lutar inspirados no patriotismo dos zuavos baianos
mente livres, na prática eram o que a própria designação deixava transparecer, escravos da Nação. Trabalhavam em obras públicas, eram alugados a particulares e, em 1867, prestaram seu último serviço à Nação, indo morrer e matar no Paraguai. Escravos dos conventos pertenciam a estas instituições, formalmente subordinados ao Estado imperial, e que libertaram seus cativos para a guerra. A categoria Conta do governo, com a maior parcela de libertos enviados para a guerra, representava os escravos libertados por seus donos mediante indenização, parte em dinheiro, parte em títulos públicos. Libertar escravos fujões, insubmissos ou doentes (ainda que as autoridades militares devessem recusar recrutas sem boas condições físicas) para a guerra mediante indenização, mesmo que parcialmente em títulos públicos, poderia representar um bom negó-
de escravos fugidos que se engajaram como homens livres, buscando, assim, se assegurar de que não seriam reconduzidos ao cativeiro, já que, uma vez aceitos pelo Exército, o governo não permitia sua re-escravização. Mesmo que tivesse que indenizar seus antigos senhores. A verdade é que o esforço de guerra foi imenso. Entre 150 e 200 mil homens foram mobilizados, um em cada vinte homens, se levarmos em conta somente aqueles em condições de alistamento, isto é, entre 15 e 39 anos de idade. Em relação à população cativa, um em cada grupo de cem escravos do país foi alistado, se estimarmos em 10% das tropas o número de libertos enviados para a guerra. As conseqüências sociais deste fato ainda não foram de todo analisadas pelos historiadores, principalmente quando consideramos que o recrutamento, além daqueles escravos que foram libertos especificamente para a guerra, incidiu fortemente sobre os habitantes mais pobres, em sua maior parte negros e mestiços, muitos dos quais também libertos, que mantinham relações sociais as mais diversas com a população cativa.
or seu .~
~erra. es que Pátria, xa, caas. nas de 5 escranhares. indivíam um wn mmilitar, ldas de leria ser
Icó, Ceará, 1866. A multidãa cerca a delegacia. Entre eles, pequenas agricultares, funcianárias públicos e autoridades lacais, incluinda a Juiz de Paz e um subdelegada. Exigem a "Iibertaçãa" de um maradar da vila que havia sida "capturada para recruta". Pauco tempa depais, ata. :am a prédia, matam dais saldadas, ferem o chefe de polícia, libertam a recruta e desfilam em triunfa pelas ruas. u d'Alha, Pernambuco, 1867. Um grupa de mais de duzentas hamens armadas .ocupa a cadeia pública, libertanda 31 recrutas e ta das as demais presas que ali se achavam. Em ambas as casas as recrutadas haviam sida aprisia"adas para serem enviadas aa Exército, cam a intuito de servir na Guerra da Paraguai. Recrutar para a Exército fai sempre um problema na Brasil imperial. Durante bÇ>aparte da sécula XIX,farças Ia· cais e um sistema de isenções legais impediam a alistamento. O pequena Exército imperial centrava sua açãa sabre aqueles que nãa contavam cam nenhuma proteçãa: desacupadas, migrantes, criminasas, órfãas e desempregadas. Mas a ataque aa territória brasileiro sem prévia declaraçãa de guerra gerou muita indignaçãa e um farte senti"1enta de patriatisma. Para aproveitar a espantânea mabilizaçãa popular em torna da alistamenta, um decreto
n, ainda de subs-
mperial, em 7 de janeiro de 1865, cria as corpas de Valuntárias da Pátria, coma parte de uma estratégia para torar a Exército um espaça aceitável para brasileiros de todas as classes. A perspectiva de uma guerra curta mativara a maiaria das valuntárias, além das pramessas de terras, empregas públicos e pensões.
que asa quer a I. _ Ingaçaes )s mate-
Cam a prolangamenta da luta e as muitas dificuldades, a estada de espírito fai mudanda. O principal faca de conitos acanteceu com a designaçãa de Guardas Nacianais para a Exército.Ser membro da Guarda Nacianal ainda era, "a década de 1860, um símbala de status e uma das melhares desculpas para escapar aa recrutamento. Além dissa, a :>resrígiode chefes lacais era assaciada à proteçãa que poderiam proparcianar. Aa transferir corpas da Guarda para a
tes para simples ~pessaas prapne:ursa pa-
Irminada
:.0
/ront externa e subardiná-Ias aa Exército,a governa imperial interferia diretamente na autoridade desses hamens. Cam a participaçãa de três segmentas distintas - Voluntárias da Pátria, Exércita de linha e Guardas Nacianais esignadas -, a situaçãa militar se tornau favarável aa Impéria a partir de 1868. Par essa épaca, a libertaçãa de escravas para a alistamenta, com indenização aas danas, já se tornara uma palítica .oficial,e durante as últimas três anas da guerra cerca de 10 mil libertas preencheram as fileiras na Exército. A crise estava encerrada, mas a tema ::lermaneceria em debate até a aprovaçãa da alistamento .obrigatória em 1916. ~ ') R IZEC
hamens e nãa seuma vez
KSO H N
é professor de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de O cerne da discórdia. A
-Juerra da PaTaguai e a núclea prafissianal
da Exércita. Rio de Janeiro: E-papers, 2002.
é, entre
rçãa catipaís fai ; a núme,a
.d
onsequenoda analiquanda !queles esIte para a antes mais
l
Izeebol'rl
Recrutas da pátria
laca, na
,
VILOf
.
ças, mUlham relaçãa cativa.
"O Pader Maderadar fazenda seleçãa de farçadas para metamarfaseá-Ias
e
defensares da pátria charge publicada no semanário Bahla lllustrada em sete de 1867: recruta militar era caso polícia
3.2
NOY.E.M:BRO 2004
Para saber mais IZECKSOHN, Viwr. O cerne da discórdia. A Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do Exército. Rio de Janeiro: E-papers, 2002.
KRAAY. Hendrick. "Escravidão,
cidadania
e
serviço militar na mobilização
brasileira
para a Guerra do Paraguai': in Estudos Afro-Asiáticos,
n. 33,
setem bro de 1998.
SOUSA, Jorge Prata de. Escravidão ou morte. Os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Mauadl ADESA, 1996.
No alto: Voluntários da Pátria retomam Paraguai recebidos
do
e são com festa
em 1870, no traço inconfundível Angelo o esforço
de
Agostini.
de guerra, e ex-
homens
pobres
escravos
tiveram
nova inserção sociedade
Após
uma
na
brasileira
A guerra equiparou todos - ex-escravos libertos, escravos fugitivos, substitutos pagos, recrutas do Exército e da Guarda Nacional, brancos, negros e mestiços pobres, jovens patriotas de classe média e de famílias abastadas - como Voluntários da Pátria. O Rio Grande do Sul foi a província que mais combatentes mandou para o Paraguai, 34 mil soldados, 17% de sua população masculina. Localizada em área fronteiriça, contava com uma estrutura militar, baseada na organização de corpos da Guarda Nacional, mais permanente. Por isso o número de Voluntários da Pátria foi relativamente pequeno, 3.200 soldados. A Bahia enviou pouco mais de 15 mil soldados, em torno de 2% de sua população masculina, um percentual semelhante à média nacional. Nove mil deles eram Voluntários da Pátria, majoritariamente negros e mestiços, sendo os libertos algo em torno de 10% do contingente mobilizado. A Corte, coração político e cultural do Império, enviou 11.461 soldados, ou 8% de sua população masculina. Destes, 2.482 eram libertos, 22% do total! Depois da guerra, a sociedade imperial escravista não seria mais a mesma. O governo tivera que contar pesadamente com o concurso de setores sociais antes excluídos da cidadania restrita: negros e mestiços livres e mesmo com uma parcela simbólica e socialmente significativa de escravos. Já então libertos e, mais importante
e inusitado, cumprindo
o pri-
meiro dever cívico de cidadãos do Império: a defesa da pátria. A sociedade passara por uma experiência única de mobilização de recursos materiais, mas 'principalmente humanos e ideológicos que abalaria sua estrutura social hierarquizada e traria conseqüências diretas para a crise da escravidão e do Im- ~ pério, abrindo caminho para o movimento abolicionista que tomou conta dos corações e mentes de escravos, libertos e pessoas livres na década de 1880. É esta memória da guerra, que não deixou apenas vestígios estáticos nos nomes de logradouros públicos em nossas cidades, no bronze frio dos monumentos ou mesmo nas referências em obras de literatura e teatro, que é importante resgatar. Uma memória viva, sofrida e vivida, que se perpetuou em cantigas folclóricas, em ditos populares, como os recolhidos por Manoel Querino, ele mesmo um negro recrutado para a guerra e que, mais tarde, se tornou grande folclorista: Sou soldado da Pátria aguerrida muito embora nascido na paz nasci livre, qual águia no ninho ser escravo outra vez, não me aprazo CI RI CA RD o SA LLES de Janeiro Janeiro imagens.
(UERJ)
(Uni-Rio)
é professor
na Universidade
e na Universidade e autor de Guerra
Rio de Janeiro:
Biblioteca
Estadual
do Rio
Federal do Estado do Rio de do Paraguai. Nacional,
2003.
Memórias
e
OV.aM"",O
2004
34
r:;::y
Guido Rodríguez
Alcalá
Recordações familiares à sombra de lópez Num texto exclusivo para Nossa História} escritor paraguaio conta o drama de sua própria família sob a tirania de Solano López
Família paraguaia fotografada durante o período da guerra. Diferente da memória oficial do país, os relatos familiares revelam uma população aterrorizada por López
m 1868, temendo a ocupação de Assunção pela esquadra brasileira, o marechal Francisco Solano López ordenou o abandono da cidade. Anciãos, mulheres e crianças de pouca idade tiveram que deixar seus lares - homens e adolescentes já tinham ido para o Exército. A ordem não constituía um fato insólito durante a guerra, já que numerosas localidades foram abandonadas por ordem do marechal para impedir que servissem de alojamento ou de ponto de apoio para o inimigo. Assim, milhares de mulheres se transformaram em residentas,
menores e vários parentes próximos. Em 1870, ao final da guerra, a família se encontrava em Espadín, perto da Cordilheira de Mbaracaju, onde havia chegado depois de uma difícil marcha de centenas de quilômetros na qual morreram vários de seus membros. Um dos sobreviventes era o meu bisavô Vicente Lamas, então
ou seja, seguiam a família acompanhando a marcha do Exército paraguaio, em condições muito precárias. O monumento a ias residentas, que chama a atenção
com nove anos, que sua mãe mantinha entre as meninas (vestido como uma delas), para que não fosse levado para o Exército, que recrutava meninos ainda
do viajante hoje, erguido à margem da Rodovia Aviadores deI Chaco que vai do aeroporto internacional até Assunção, rende homenagem àquelas mulheres. Entre as pessoas que abandonaram Assunção em 1868 estavam minha tataravó Teresa Silva, seus filhos
conta z
~odoviaAviainternacional mulheres. i\ssunção em ia, seus filhos 1870, ao final
spadín, perto 1 chegado de-
e quilômetros bros. Um dos Lamas, então :ntre as meni: não fosse leleninos ainda
35
enores, num esforço desesperado para aumentar xus escassos efetivos. Já no final da guerra, o Exército
sição mais vantajosa. Leituras posteriores de análises militares me confirmaram o essencial da
?esmal armados, com insuficiente formação militar,
versão daquela anciã que não conheci. Ainda' que a história rigorosa não possa confirmar todo o conteúdo da informação oral. Co-
~muitos dos improvisados soldados eram crianças. A historiografia patriótica exaltou essas mulheres e aleninos e, se as tradições familiares valem alguma coisa, posso dizer que aquelas heroínas e heróis infan. não pareciam sentir-se à vontade no papel que lhes :oi destinado para a posteridade; ainda que fosse con"eniente expressar o contrário para evitar castigos se'·eríssimos. Num ato público (dos muitos organizados durante a disputa), minha antepassada Teresa Silva pronunciou um discurso afirmando que "depois de perder o marido e seus irmãos no campo de bata:ha, oferecia à pátria a única coisa que lhe restava: suas ·óias". A oradora passou para a história oficial como um exemplo de patriotismo, porém tenho provas de que não estava dizendo o que pensava. Mais tarde, na intimidade, dizia d. Teresa a seus filhos sobre a Batalha de Tuiuti, em maio de 1866: "Para o inimigo, aquilo foi como um concurso de tiro ao alvo".Esta é a yersão que chegou através de várias gerações. De acordo com a tradição familiar, vi a Batalha de Tuiuti como a matança de soldados paraguaios que marchavam para a derrota atravessando pântanos, quando a pólvora então se umedecia, para atacar um inimigo superior em número, armamento, e em po-
N.OV.EM.-B-RU 20,04
mo na seguinte anedota em que o marechal López diz, em 1868, à minha antepassada: "Comadre, espero-a para tomar um trago em Santa Cruz". Isto confirmaria os rumores de que López pensou em fugir para a Bolívia quando se viu perdido. Incorporados à história escrita, esses boatos não foram provados, porém indicam que muitos de seus contemporâneos estimavam pouco o marechal do século XIX, declarado herói máximo no século XX. As dúvidas de d. Teresa a respeito da capacidade, valor e humanidade de Solano López representavam
Teresa Lamas. avó do
uma opinião mais generalizada do que certa historiografia posterior pretendia. Em 1865, o cônsul francês no Paraguai relatava a seu governo, por exemplo, que as mulheres do mercado de Assunção tinham realizado uma manifestação de protesto contra uma guerra que matava todos os seus homens. Os informes de autoridades policiais paraguaias também registravam inúmeras mulheres encarceradas por afirmar que a guerra estava perdida. Os poucos testemunhos escritos por residentas denunciam o que hoje chamaríamos de violações dos direitos humanos.
residenta. Seu pai teve
autor e neta de
que se disfarçar de menina para escapar ao recrutamento,
que
não poupava crianças do sexo masculino, como pode ser visto na charge da Semana '"ustrada de 1865
NOVl.MBRO
ACERVO
2004
36
PARTICULAR
A xilogravura publicada no jornal paraguaio Cabichuí em 1867 mostra mulheres acompanhando
as
tropas do país. Ao contrário do que diz a hístoríografia tradicional, elas foram forçadas a seguir para o combate
Nascido após o segundo casamento de d. Dolores, Juan Emiliano O'Leary maldisse o "tirano López" em seus escritos juvenis, mas depois o exaltou tanto a ponto de se converter em seu "reivindicador" por excelência. As razões? O dinheiro oferecido por Enrique Solano López, de acordo com as explicações oferecidas pela família. Deixando de lado a má vontade familiar, o fato é que, em 1883, Enrique Solano López, filho do marechal e de Elisa Lynch, voltou da Europa (onde havia estado durante a guerra e na década seguinte) com o propósito de reclamar os bens familiares confiscados pelo governo paraguaio. Segundo o historiador norte-americano Harris Gaylor Warren, tratava-se de uma fortuna, pois os López possuíam a metade do país. As estimativas exatas são impossíveis de se dizer, mas as de Warren não se afastam muito da verdade, pois, ao final de 1869, o marechal López doou a Elisa Alicia Lynch 3.317.500 hectares de terras ao norte do rio Apa, no atual território brasileiro do Mato Grosso; 5,7 mi-
Não vi, porém me disseram e acredito, que outro parente meu, Juan Emiliano O'Leary (1879-1969), chamado depois o "Reivindicador'; esteve no meu batismo, o que é plausível. Ele era primo de minha avó lhões de hectares ao sul do rio Apa, no Paraguai; e 400 mil hectares na província argentina de Formosa. paterna Teresa Lamas - neta daquela Teresa Silva que caminhou desde Assunção até Mbaracaju como resi- A reclamação do herdeiro chegou aos tribunais dos três países e foi rechaçada pelos tribunais paraguaios denta - e grande amigo de meu avô materno. A mãe em 1888, pelos brasileiros em 1902 e pelos argentinos de O'Leary, Dolores Urdapilleta, também percorreu em 1920. De qualquer forma, a campaesse caminho, porém em circunstânNa intimidade, dizia nha de reabilitação histórica empreencias mais difíceis, pois ela não era residenta, mas destinada (enviada), ou d. Teresa a seus filhos dida em conjunto com a reclamação seja, pertencia a família proscrita pojudicial seguiu adiante e teve êxito. sobre a Batalha de Naquela altura, remando contra a liticamente. Esse tipo de situação Tuiuti, em maio de corrente anti-López, O'Leary iniciou a acontecia porque no Paraguai até 1866: "Para o partir de 1900 uma campanha de exal1870 estavam em vigor as Leis de inimigo, aquilo foi tação, sem nenhum fundamento his"Sete Partidas'; leis espanholas do sécomo um concurso culo XlII. Como no direito medieval tórico, mas com muitos recursos retóde tiro ao alvo" existia a responsabilidade penal colericos. O "reivindicador" insistia que o tiva, o erro de uma pessoa comprometia toda a sua família, sem distinção de sexo ou de idade. D. Dolores, por seu parentesco com réus políticos, passou a ser destinada, que equivalia a "traidora': Aplicadas regularmente no Paraguai, as Leis das "Sete Partidas" prescreviam a tortura, a pena de morte, o confisco de bens e o desterro por motivos políticos. O delito de d. Urpadilleta foi ter sido esposa do juiz Bernardo Jovellanos, que se negou a proferir uma sentença de acordo com as ordens de López, o que lhe valeu o cárcere onde morreu de doença e maus-tratos. D. Dolores também pertencia à família Urdapilleta, na qual havia vários "réus traidores da Pátria'; segundo a terminologia oficial. Por isso, ela foi "enviada" a diferentes lugares do país e viu morrer vários de seus filhos com Jovellanos.
patriotismo era uma questão meramente afetiva, como o amor à mãe "Não é possível que o filho tenha direito de discutir a honra de sua mãe" -, e que patriota e "Lopista" eram sinônimos. Transformou-se assim num dos expoentes do chamado revisionismo histórico do Rio da Prata, que no juízo negativo de Jorge Luis Borges (1899-1986) consiste em revisar a história em busca do tirano favorito, que pode ser o tirano argentino Rosas ou qualquer outro. O terreno ainda não era propício para o revisionismo, mas a situação mudou radicalmente por causa da guerra com a Bolívia (1932-1935), que conferiu ao Exército paraguaio um poder político enorme até a queda de Stroessner, em 1989. A força armada buscava uma justificativa ideológica e a
37
d. Dolores, López"em ou tanto a ar" por ex, por Enricações ofená vontade lue Solano I, voltou da na e na dénar os bens paragualO. mo Harris ma, pOlS os estimativas 5 de Warren ao final de icia Lynch rio Apa, no 5S0; 5,7 miParaguai; e He Formosa. ribunais dos t
.
paragualos ISargentinos na, a campa~a empreenI reclamação ~veêxito. Ido contra a
I
!ary 1l1lClOU a anha de exallamento hisfc~rs.os retónSlstla que o I _ lestao meramor à mãeto de discutir
-obriu
convenientemente
no militarismo
de
_eary, fortalecido pelas idéias de ultramar (espeente da Alemanha e da Itália). Pouco depois de . ada a guerra com a Bolívia, em 17 de fevereide 1936, o coronel Rafael Franco deu o golpe de o que o manteria por um ano no poder. Franco foi cruel mas não deixava claro se queria ser so'sta ou fascista: por um lado, propunha a reforagrária; por outro, manifestava sua admiração enhor Hitler, um dos valores mais puros da Eu:'a contemporânea". ~a natural que, em 10 de março desse mesmo Franco fizesse trasladar ao Panteão Nacional Heróis os restos mortais de Francisco Solano - ?ez, proclamado por decreto herói máximo. Era mral, também, que a cerimônia fosse presidida --r O'Leary, que ainda conheceria uma glória =:uor: alo de março de 1955, na praça adjacente à ::- Panteão dos Heróis, o general Stroessner mandaerguer a estátua do "reivindicador" O'Leary, que ....:;.e havia solicitado esse monumento. Para retomar às questões familiares, direi que -'quele 10 de março de 1936, junto a O'Leary, esta_ presente no Panteão sua prima, Teresa Lamas, ~eta de uma residenta, e que não estava ali para ren::.er homenagem a López, pois dele havia formado ..::::Iapéssima opinião ouvindo os relatos de sua avó. ~ representava as mulheres católicas, já que o Pan--=0 Nacional dos Heróis era também o local do .atório da Virgem, propósito para o qual foi ini. da sua construção. Como o Paraguai era um país .:ztólico e o povo reclamava que não se podia usar o ~plo para sepultura de um excomungado, Franco .:--idiu dar um "jeitinho", deixando a Virgem e o ti-
Para saber mais ALCALÁ,Cuido Rodríguez. Cabal/era, Pono Alegre: Ediwria Tchê', 1994.
rano sob o mesmo teto, apesar das restrições de ordem religiosa - López não podia repousar em terreno consagrado porque, em vida, havia fuzilado dezenas de sacerdotes além do bispo Palácios, ato pelo qual acabou excomungado. Mas a Igreja não quis atrito com o Exército e aceitou a explicação de um intelectual católico: não existia possibilidade de que os ossos trazidos de Cerro Corá, onde estavam numa tumba anônima desde 1870, fossem os do exco-
___
o
Ideologia
Assunção:
autoritária.
RP Ediciones, 1987.
___
o
Residentas,
destinadas
y traidoras.
Assunção: RP Ediciones, 1987.
mungado, não sendo, assim, violada a lei canônica. O "Iopismo" como dogma de governo se impôs no Paraguai como conseqüência do militarismo e da difusão de idéias fascistas, em meados da década de 1930. Por volta de 1960, ganhou legitimidade devido a um erro da teoria da dependência, que viu no marechal López um herói antiimperialista. Felizmente, novos historiadores, como Francisco Doratio to, nos permitem ter uma visão mais exata do conflito e do ditador paraguaio. m
No alto, o Panteâo Nacional dos HerÓIS,
GUIDO
Ro
em Assunção,
DR ÍG UEZ
e Literatura
ALCALÁ
é escritor,formado
e Ciências
Políticas
em Direito
nos Estados
Unidos.
para onde o coronel Rafael Franco, golplsta e de tendência fascista. mandou trasladar os resws mortais de lopez: em 1936. Tentava-se apagar a memóna das famílias paragualas
~ e num "Lopista" dos histórico do
I~m
e Jorge Luis sar a história e ser o tirano ara o reVlSlOalmente por 32-1935), que poder político 1989. A força deológica e a
forçadas a se d como as da fotu" San Pedra a durante o c
BRO
2004
38
~
\aria Teresa Garritano
DOdr JLO
Tropas femininas em marcha Presença extra-oficial nos fortes e acampamentos militares, as mulheres brasileiras formavam um exército invisível que se tornou
indispensável
no desenrolar da Guerra do Paraguai
Guerra de homens: esta foi a visão tradicional sobre a maior campanha bélica da América do Sul. Entretanto, pesquisas recentes mostram os papéis das mulheres nos dois lados da guerra. Ao lado, o conde D'Eu (mão na cintura) com o seu estado-maior
no
Paraguai
:4
lhas e acampamentos militares, repletos de soldados, armas, violência e morte,
não incluitradicional mulheres que e crianças. Nobataenimagem se tem de tanto, várias brasileiras, entre mães, esposas, prostitutas, comerciantes, prisioneiras e escravas, desempenharam papel ativo na guerra travada contra o Paraguai, entre 1864 e 1870. Atuando sobretudo na retaguarda, enfrentaram, junto com os homens, os horrores de um conflito bélico.
Brasileiras de origem humilde, especialmente esposas ou aparentadas de soldados, muitas vezes optavam por acompanhar as tropas com os filhos a tiracolo, quando se viam desprotegidas e sem meios de sobrevivência. Como não havia abastecimento
regular nos acampamentos, algumas delas, conhecidas como vivandeiras, se dedicavam à venda de artigos de primeira necessidade e, com freqüência, à prostituição. Essas vivandeiras, e demais andar ilhas que seguiam os batalhões, criavam modos de vida e sobrevivência na retaguarda, cuidando das crianças, da comida e das roupas. Assim como os homens, sofriam com a marcha extenuante, o sol, o frio, a fome e as doenças que assolavam os acampamentos desprovidos das mínimas condições de higiene. Em alguns casos, as mulheres nas tropas também pegavam em armas e socorriam feridos, fazendo curativos e conduzindo-os até os hospitais. Esse tipo de auxílio foi registrado pelo general brasileiro Dionísio Cerqueira em 1870, nas suas reminiscên-
39
da guerra: "Nas linhas de atiradores que combaencamiçadas, vi-as [mulheres] mais de uma vez ~ar-se dos feridos, rasgarem as saias em atadu?'ll"alhes estancarem o sangue, montá-los na garuseus cavalos e conduzi-los no meio das balas". A retirada da Laguna, narrativa romanceada re uma expedição brasileira na fronteira entre o -o Grosso e o Paraguai, o autor, Alfredo Taunay, as agruras vividas pelos segmentos femini- ~s.,discriminados e sem direito a remédios, cuida~
elas, conhecivenda de arti-
freqüência, à lÍs andar ilhas dos de vida e
das crianças, os homens, 1, o frio, a folmpamentos higiene. pas também tos, fazendo
lÍs. Esse tipo 11 brasileiro reminiscên -
A história ganhou as páginas dos jornais e se tornou um dos mais conhecidos casos de
- -- crianças de peito ou pouco mais velhas. Por he-~.:.na passava uma e todas a apontavam, quando :.-.::1 soldado paraguaio ao tentar lhe arrancar o fitomou de uma espada largada no chão, e num to matara o assaltante." O autor encerra o relato .:.2endo que, embora essa mãe houvesse adquirido 5fatus de heroína por sua bravura, seu nome não
Jaguaribe, e morrido na batalha de Acosta Nu.
ou abrigo em caso de doença. Nessa expedição, _= não suportou nem dois meses de luta devido à :a.de abastecimento e à virulência da cólera, cou-
as mulheres o papel de coadjuvantes anônimas, _~~o se vê no seguinte trecho. Eram setenta e uma mulheres, todas a pé, exceuas, montadas em bestas; carregavam quase to:=:
:-i registrado
em lugar algum. _\0 longo de toda a guerra, pouquíssimas mulhe-=s do povo obtiveram algum reconhecimento a :-_nto de sair do anonimato. Eram, quando muito, :onhecidas apenas pelo primeiro nome ou apelido. -::~ Episódios militares, o general-de-brigada Joa.-:.2im Silvério de Azevedo Pimentel menciona duas -ulheres que o impressionaram: a gaúcha Florisbee a pernambucana Maria Francisca da Conceição, ~ _.laria Curupaiti. Florisbela, sobre quem não se co--~ece o nome completo nem a família, envolvia-se lutas e auxiliava nos hospitais, ao passo que MaCurupaiti, a esposa de um cabo-de-esquadra, lu:.:"a ao lado dos homens sempre vestida de soldado.
:1
,
'
2,°04
Outra mulher de origem humilde que obteve destaque foi a piauiense Jovita Alves Feitosa, a sargenta Jovita. Em resposta à campanha veiculada pela imprensa conclamando os jovens "a servir ao Brasil", apresentou-se incógnita ao Exército, aos 17 anos, vestida de homem e com os cabelos cortados.
alistamento de voluntários da pátria. Taunay chegou a comentar o fato com misto de preconceito e ironia: "Chegaram os retratos do Viegas, o meu antigo inspetor, e da interessante Jovita que me pareceu muito engraçada nos seus trajes de primeira-sargenta': Não se conhece toda a trajetória de Jovita após o alistamento nem as circunstâncias de sua morte, em 1867. Segundo uma versão, ela teria se suicidado em 9 de outubro daquele ano, inconformada com o esquecimento a que foi relegada, apesar do recebimento de homenagens e presentes quando retomara dos combates. Outra versão conhecida é a de
~~5
o Paragua'
,~OV..li.MB1LQ
que teria embarcado
para o Paraguai, no vapor
Histórias como a de Jovita são exceções. As raras mulheres lembradas pelos memorialistas com direito a nome e sobrenome eram casadas com homens pertencentes à elite imperial. Sobre elas predomina quase sempre o retrato da esposa corajosa, fiel e abnegada, como Ludovina Portocarrero, casada com o comandante do Forte de Coimbra, em Corumbá, às
Jovita Feitosa, no alto, vestiu-se de homem e foi ao Paraguai como voluntária. Abaixo, movimentação do Exército brasileiro em Tuiuti, segundo gravura da época: a presença feminina nas tropas era constante
margens do rio Paraguai. Ludovina ganhou destaque por sua participação no grupo de resistência à invasão do forte por tropas paraguaias em 1864. Cerca de setenta mulheres, quase todas esposas de militares, fabricaram 3.500 balas de fuzil adaptando os cartuchos de menor calibre com pedaços de suas roupas. Segundo informações do major César Lucios Mattos
.' '.1
t
1 N.O\·l~[URO
2004
40
Fernando Lóris Ortolan
Guerreiras paraguaias Acuada com a aproximação dos soldados brasileiros, a Para saber mais
CERQUEIRA, Evangelista de Castro Oionísio. Reminiscências da Campanha
do
Paraguai, 7865-7870. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1929.
SOUZA, Luiz de Casno. A
Medicina na Guerra
do Paraguai.
Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1971
TAUNAY, Alfredo O'Escragnolle. A retirada da Laguna. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1997.
Cartas da Campanha
de Matto
Grosso: 7865 a 7866. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca Militar, 1944.
paraguaia Francisca Cabrera se escondeu no mato com os quatro filhos pequenos. Armada com apenas um punhal, mas disposta a não sucumbir ao inimigo, recomendou às crianças que continuassem lutando caso morresse. Assim o jornal paraguaio Cabichuí relatava em agosto de 1867 o ato de bravura de Francisca, "uma mulher pertencente à estirpe dos guaranis". Em junho de 1868, o mesmo jornal estampara uma manchete ainda mais espetacular. Duas mulheres, Bárbara Alen e Dolores Caballero, armadas apenas com um cinto e um pedaço de pau, haviam matado um tigre e saído ilesas da luta. Se as paraguaias eram capazes de tamanha bravura com poucos recursos, o que não fariam contra os inimigos da pátria devidamente armadas, indagava o autor do artigo. Fantasiosas ou não, essas "notícias" sobre a valentia das mulheres tinham um propósito bem definido: difundir o espírito patriótico e conquistar o apoio dos paraguaios para a guerra empreendida. Apesar de haver controvérsias entre historiadores, mulheres de fato participaram do conflito e existem até registros de algumas que pegaram em armas. Os regimentos femininos, formados por esposas, companheiras, prostitutas ou parentes dos soldados, se encarregavam de tarefas domésticas, enterro dos mortos, transporte de materiais bélicos e apoio na construção da defesa militar. Muitas mulheres participaram de campanhas militares contra os exércitos aliados de forma voluntária enquanto
outras, especialmente as de classe baixa, se viram obrigadas pelas circunstâncias a ingressar nas fileiras. Foi o caso das residentas, parentas de soldados ou moradoras das localidades por onde passavam as forças de López. A presença dessas mulheres elevava a moral da tropa, pois ajudava a evitar a deserção e criava um ambiente familiar. No entanto, elas não tinham direito a nada nos acampamentos, nem mesmo aos alimentos distribuídos. Quando faltava cerca de um ano para o finalda guerra, as residentas, bem como outras figuras femininas, as destinadas,
começaram a ganhar destaque na imprensa. As destinadas eram integrantes da elite paraguaia que haviam sofrido perseguição por terem algum traidor ou conspirador na família. Levadas para campos de concentração, vivenciaram situações degradantes, inclusive violações. Seus testemunhos contribuíram para a destruição da imagem de Solano López como herói nacional. Igualmente vítimas das atrocidades e desmandos de López, as residentas foram alvo de uma construçâo mítica após o término da guerra. A história e literatura paraguaias começaram a atribuir a elas a imagem de heroínas que reconstruíram o Paraguai. Relatos de viajantes, porém, oferecem uma idéia real das mulheres ao término da guerra: descalças, malvestidas, vagando pelas ruas de Assunção, implorando comida e se prostituindo para sobreviver. FERNANDO
LÓRIS
ORTOLAN
Universidade
é mestre em História
pela
do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos.
41
2.004
Mulheres voluntárias, segundo o periódico Semana /Ilustrada, do Rio de Janeiro, em setembro de 1865: as vivandeiras cuidavam
, viram obrigaras. Foi o caso 'adoras das 10-
da comida, das roupas, socorriam os feridos e, não raro, se prostituíam
López. A pre'opa, pois ajute familiar. No acampamen11
da guerra, as
..as destinadas,
As destinadas sofrido perselor na família. lciaram situamunhoscon!nOLópez co:idades e deslma construia e literatura n de heroinas ntes, porém, 10 da guerra:
ssunção, imver.
Ôriapela )s - Unisinos.
_
A violência do aprisionamento o
sofrimento das mulheres que seguiam as tropas era ainda maior quando caíam nas mãos do inimigo. Graças à análise de documentos no Arquivo Histórico do Itamarati, no Rio de Janeiro, historiadores puderam também conhecer dificuldades vividas por algumas brasileiras aprisionadas pelo inimigo na região. fronteiriça ao Mato Grosso, chamada Baixo Paraguai. Além de sofrerem violências sexuais, viviam aterrorizadas com a possibilidade de degola, forma de execução usada pelo inimigo. Precisavam plantar, lavar, cozinhar e transportar mercadorias para as tropas paraguaias ali estacionadas. Passavam fome e frio e eram mantidas a ferro como castigo. Essas informações constam nas respostas dadas à polícia, em 1865, por 14 homens que haviam conseguido fugir do local tomado pelos paraguaios. Segundo testemunho de alguns desses homens, chamados respondentes, "Os paraguaios em grande número cercaram a fazenda do Mangabal, e feitos prisioneiros mais de trezentas pessoas que ali existiam estacionadas, e que nessa ocasião observaram muitas imoralidades praticadas pelas forças paraguaias com as famílias brasileiras que foram prisioneiras, sendo arrastadas as senhoras brasileiras, casadas, e donzelas para fins libidinosos': Esseclima de terror perdurou durante toda a guerra.
,Catalina,
Bessa, do 110 RC MEC de Ponta Pora, era pOSS1Vel naquela época fabricar cartuchos artesanalmente, utilizando pequenos pedaços de tecidos e pólvora. Dentre todas as mulheres registra das pela história na Guerra do Paraguai, porém, a mais conhecida é a enfermeira voluntária Ana Néri. Viúva de um homem
acompanhou as tropas uruguaias e morreu em Paissandu. Apesar de relatos pontuais, sabese muito pouco sobre a
de projeção na época, o capitão-de-fragata Isidoro Antônio Néri, Ana acompanhou e cuidou dos três filhos combatentes até o Paraguai. Na época em que residiu em Corri entes, Humaitá e Assunção, tratou de doentes e feridos em hospitais e amargou a perda de um filho e um sobrinho. Por sua atuação, ficou conhecida como a "mãe dos brasileiros" e recebeu uma coroa de ouro de um grupo de senhoras onde se lia Infelizmente, sabe-seaspouco a presença "à heroína da caridade, baianassobre agradecidas".
mulher indígena que
presença das mulheres nos campos de batalha
r::,,'
I'fi r'. y.
na quantidade dedos documentos a res- '(..J . feminina na Guerra dorelatos Paraguai devido peito, A maioria foidisponíveis feita porà peque-' homens que mal mencionam a participação de mulheres ou o fazem com ironia e preconceito. Historiadores são obrigados a rastrear e analisar trechos esparsos sobre o assunto deixados em cartas, memórias, reminiscências e diários escritos por combatentes, a fim de traçar um panorama real do que se passou. m MARIA
TERESA
GARRITANO
DOURADO
é mestre em
História pela Universidade Pederal de Mato Grosso do Sul e professora na Faculdade de Ciências Administrativas (PAP), Mato Grosso do Sul.
de Ponta Porã
'''~-~ri'~, l" (;jTI
':il,'\ 'rtIJ"'..:.' '\
J' t> \I
'~'{k,.\-.t .' , .. ""I ~'1" ,.
,~
.B RÚ'
2004
4-2
~
Rosendo
Fraga
Uma guerra e muitas versões Manuais adotados
nos países do Mercosul ainda contam
histórias diferentes sobre a Guerra do Paraguai
Solano lópez na charge "Estátua do Nero do Século XIX" foi comparado, pela imprensa brasileira, ao cruel imperador que massacrou milhares de cristãos, em Roma. No Paraguai, a imagem que permaneceu nos manuais de história é a de um grande herói
"Guerra do Paraguai" ou "Guerra da Tríplice Aliança"? Não só os nomes variam. Até hoje essa guerra, que causou um forte impacto nas relações entre as partes diretamente envolvidas Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai -, é ensinada de modo diferente aos jovens desses países. Se nos livros paraguaios ela tem mais importância que a Independência, é estudada sumariamente na maior parte dos manuais brasileiros e argentinos, enquanto os livros uruguaios a tratam como episódio circunstancial, quase estranho à história do país. Mas se os argentinos ainda mostram visões desencontradas, os manuais brasileiros já revelam a manipulação inglesa para impedir o desenvolvi-
mento autônomo do Paraguai, e também os interesses expansionistas de Argentina e Brasil. Um breve exame de alguns dos manuais usados nesses países nos últimos anos mostra essas diferenças, certamente devidas aos efeitos distintos em cada um - no caso do Paraguai, à considerável influência do conflito na formação da consciência nacional. Na Argentina, profundamente dividida na época, o conflito até hoje gera polêmicas. O livro didático destinado ao ensino secundário Textos-Fuentes-Cartografia, de Francisco C. Rampa (Editorial AZ), embora admita que a guerra "comoveu profundamente o país" e influenciou "em todos os aspectos da vida nacional", dá mais importância à resistência ao conflito no interior do país, onde a guerra era impopular: "Alguns velhos federalistas alimentaram a idéia de alçar-se contra o poder presidencial e acreditaram ver em Urquiza [Gen. Justo José Urquiza] o homem indicado para depor o primeiro mandatário. Entretanto, o caudilho entrerriense apoiou o presidente (...)". Já o alentado manual do cientista político Torcuato Di Tella, Historia argentina (Ed. Troquei, 1994), procura contextualizar o episódio: "Uma luta entre esses dois países, se hoje pode parecer totalmente desproporcionada, não
43
o era naquela época. Ainda que a população do Brasil fosse muito maior do que a do Paraguai, estava quase totalmente concentrada no litoral. Praticamente, para as
ltam
tropas brasileiras a única forma de chegar ao Paraguai era pelo rio da Prata (...)". Na Argentina, observa, era difícil manter a disciplina no exército aliado, e a carnificina na frente de combate provocava resistências ao recrutamen-
Paraguai, e xpansionisiil. : alguns dos s países nos essas difelevidas aos da um-no onsiderável , na formasional. undamente conflito até ) livro didá10 secundártografia, de I
(
Edito rial
lue a guerra ente o país" os os aspecdá mais imI ao conflito 1de a guerra 1Svelhos fen a idéia de ~r presidenem Urquiza uiza] o holepor o printretanto, o ~ apoIOU o ual do ciento Di Tella, ~d. TroqueI, ~xtualizar o entre esses ,ode parecer :ionada, não
to. Urquiza não conseguia controlar vários batalhões, e no interior a resistência à guerra, além da simpatia do Partido Federal pelo regime de López, fomentou a guerra civil. Quanto ao Paraguai, observa que, ao final do conflito~ estava completamente exaurido, mas suspeita de exagero no número de adultos do sexo masculino mortos. "Os partidários do conflito naquela época - e seus simpatizantes atuais - discordam em estabelecer cifras e culpabilidades. O certo é que foi uma das piores hecatombes de nossa história (... Já a História do Brasil, de Anto-
r.
racy T. Araújo (Editora do Brasil, 1995), conta que ao governo do Império, como também à Inglaterra, interessava a manutenção do equilíbrio entre Paraguai, Argentina e Uruguai. na bacia do Prata, o que facilitaria a livre na-
vegação e o acesso a Mato Grosso. Segundo esse autor, a guerra foi tramada pela Inglaterra para aumentar sua influência na região. Desde a independência, em 1811, o excepcional desenvolvimento paraguaio - indústria naval e rede ferroviária, enquanto as "fazendas da pátria" controlavam o comércio exterior - incomodava os ingleses, porque o Paraguai lhes vendia mate e não comprava nada. Também a força militar, criada pelos governos anteriores a López, ameaçava, pOlS permitiria concretizar o sonho
'r. o~.
rios Uruguai e Paraguai, então sob o controle paraguaio -, aos desejos argentino (anexar o Paraguai) e inglês (destruí-lo), pois sua autonomia "poderia contaminar outros países da América do Sul, dependentes do capital inglês': O final da guerra foi cruel para o Paraguai perdeu metade do território, dois terHo
ços da população, reduzida a velhos,
1f:.hI:JIUr• tU""
o"
;re
expansionista do "Paraguai Maior". A influência inglesa teria levado à formação da Tríplice Aliança (Argentina, Brasil e Uruguai); para fazer frente aos três países, o Paraguai teve de comprar armamentos dos próprios ingleses, aumentando sua dívida com bancos britânicos. Por sua vez, o livro didático História do Brasil, de Florival Cáceres (Editora Moderna, 1994), atribui o conflito ao expansionismo brasileiro - que obteve do Uruguai e da Argentina facilida-
2004
des de navegação na bacia platina, tornando possível a chegada a Mato Grosso e às cabeceiras dos
oIo
'l_r-.
NOVEMiUl-O
oro
mulheres, crianças e inválidos, e a autonomia econômica e política -, enquanto o Brasil "saiu endividado
com a Inglaterra, porém com o território ampliado, pois anexou quase metade dos atuais estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul". Já no Paraguai, cuja devastação feriu profundamente a consciência nacional, a tendência é atri-
Livros de história usados nas escolas dos países do Mercosul: na Argentina e no Uruguai a "Guerra da Tríplice Aliança" é ensinada
buir toda a responsabilidade pelo conflito à Argentina e ao Brasil. Assim o manual Estudios Sociales, de Irmina C. De Lazcano, identifica como causas da "Guerra da
enquanto no Paraguai o acontecimento tem
Tríplice Aliança" as questões de
do pais
superficialmente,
mais importância do que a Independência
OV~lB
RO
2004
44 dos
nas
Historia,
María
escolas, Aprendiendo de Mariela Amejeiras e C. Siniscalco (Editores
Monteverde), trata apenas dos antecedentes do conflito. Afirma que tanto os comerciantes de Buenos Aires e do Rio de Janeiro, quanto os capitalistas europeus, "viam com inquietude o crescimento do Paraguai, cujo exemplo podia ser copiado pelo restante da América", e que Brasil e Argentina ambicionavam territórios paraguaios. Quanto ao Uruguai, entrou na A Batalha do Avaí, óleo
fronteira; a invasão do território
meiro momento até Cerro Corá".
de Pedra América,
uruguaio por tropas brasileiras e o veto argentino à passagem de tropas paraguaias pelo seu território, para acudir o Uruguai. Esses acontecimentos teriam rompido a "doutrina (paraguaia) do equilíbrio de forças" (isto é, da desunião) entre seus dois vizinhos, Argentina e Brasil, o que ameaçava a autonomia nacional.
O balanço da guerra feito pela autora deixa mal a Tríplice Aliança: o Paraguai devastado e a população reduzida de 1,3 milhão para 300 mil habitantes, em sua maio-
presente em muitos livros didáricas brasileiros, rornou-se uma imagem clássica para representar a glória do Império e exalrar alguns personagens envolvidos na Guerra do Paraguai
O livro dedica mais atenção às operações militares do que os manuais argentinos e brasileiros, tratando detalhadamente suas "doze etapas': Solano López, "herói indiscutível da Guerra da Tríplice Aliança", é exaltado pela autora, que se apóia em depoimentos do poeta paraguaio J. Natalício González e do argentino José Batista Auberdi. O primeiro afirma que Lópe7 "é o símbolo soberbo de sua direta estirpe. (...) sua personalidade é um estranho amálgama de Fogo e Pensamento. Toda uma raça nele se encarnou (... )". Para Auberdi, "Solano López não tinha paralelo nem com Bolívar, nem com San Martín, nem com os mais belos tipos de constância indomável e grande que apresenta a história da América. Quando a nacionalidade se viu ameaçada soube fazer frente ao inimigo em admirável união com um povo que o acompanhou desde o pri-
ria mulheres, crianças e anciãos. Já o compêndio Mi Manual, de uma equipe de professores (Editorial EV.D., 1990), atribui a conflagração às pretensões anexionistas da Argentina e do Brasil e ao conflito surgido no Uruguai. Também divide a guerra em etapas, destacando o episódio conhecido como "os meninos mártires de Acosta Nu", em 16 de agosto de 1869, quando, já no final da . . guerra, Jovens paragualOs, em sua maioria de 14 e 15 anos, sucumbem na heróica batalha de Acosta Nu. Os autores também destacam a figura de Solano López: perseguido por tropas brasileiras, refugiou-se em Aquidabán-Nigüi, onde, intimado a se render, teria dito: "Morro com minha pátria!" Foi, então, executado juntamente com o vice-presidente Sánchez e com seus dois filhos: o coronel Juan Francisco López e José Félix López, de 11 anos. Por fim, o Uruguai, onde também as cisões políticas na época resultaram em divergências de interpretação sobre a guerra e um certo descaso. Um dos livros usa-
guerra por iniciativa de Venâncio Flores, que havia chegado ao poder com a ajuda de Brasil e Argentina. Também destaca as enormes perdas paraguaias, além do pagamento aos vencedores de multimilionária dívida de guerra. Outro manual, Mi libra de historia escolar, de Schurmann Pacheco e Coolighan Sanguinetti (Editores Monteverde), também atribui a guerra a conflitos de fronteira que motivaram a invasão do Mato Grosso pelo exército paraguaio, e a participação uruguaia à pressão argentina e brasileira. Seu balanço da guerra mostra igualmente as exageradas vantagens obtidas pelos vencedores, inclusive o Uruguai . Como se vê nesta breve e despretensiosa amostra, há muito o que debater e ajustar sobre a guerra que devemos contar aos jovens dos países que tragicamente a fizeram. E isso hoje já não é tão difícil, pois os espíritos estão mais desarmados e a produção acadêmica deu saltos imensos em direção a interpretações mais isentas. Não seria o caso, então, de as autoridades educacionais, os editores, autores e professores de alguma forma se falarem e se esforçarem por contar essa história direito? m ROSENDO
FRAGA
é diretor do Centro de
Estudos Nueva Mayoría, na Argentina.
2004
48
o pintor tinha 25 anos ao se alistar como voluntário no Batalhão San Nicolas da Guarda Nacional. Ele mesmo destaca em uma carta: "Ao apresentar-me como voluntário na defesa de minha pátria numa guerra nacional, me propus também a servir como historiador com o pincel". Cândido é nomeado oficial e participa desde o início da campanha. Em Uruguaiana, seu batalhão chega a ser felicitado pelo imperador Pedro II e Bartolomeu Mitre - por sua atuação na liberação da cidade. Possuidor de um extraordinário senso descritivo, desde o início da longa campanha Cándido junta em seus cadernos desenhos a lápis, que complementa com as anotações em seu diário. Preso à obsessão pelos mínimos detalhes, procura não deixar espaços vazios em sua grande investigação pictórica, e durante as marchas recolhe No detalhe da tela
ramos, folhas e flores que lhe permitem documentar a flora da re-
pasaje dei Arroyo San
joaquín. soldados seminus atravessam as águas: o esforço documental de Cándido lópez recusa a pintura épica oficial
gião. Esses desenhos se transformarão em pinturas, nas quais o primeiro plano nunca se impõe em importância. Na tela Pasaje deZ Arroyo SanJoaquín mostra inúmeros soldados seminus que tentam
deslocando-se até o front - uma beleza dinâmica difícil de superar.
Quando as tropas da segunda divisão terminaram sua passagem, veio ajudar-me meu assistente. Ele tomou um grande lenço de quadrados brancos e colora dos para fazer sombra. Logo uma granada estourou ao nosso lado e um dos
Algumas de suas pinturas recriam magnificamente o assalto da 1" e 2" colunas brasileiras avan-
estilhaços feriu mortalmente meu estimado González, cujo lenço caiu sobre a minha ferida':
çando, resolutas, até as defesas de Curupaiti. Cándido também pintará o ataque realizado pela 3" coluna argentina, no qual participou como protagonista. No ensolarado meio-dia de 22 de setembro de
Cándido López teve seu antebraço direito amputado para evitar a gangrena. Tinha 26 anos e sua carreira de pintor mudaria drasticamente. De volta a Buenos Aires,
atravessar as águas sem molhar as roupas ... Algo, sem dúvida, sem valor épico. Mas o conjunto é monumental. Impressiona o relato visual dos aliados em movimento,
1866, o capitão Cándido López e seus soldados do Batalhão San Nicolas avançam para as fortificações paraguaias de Curupaiti. O próprio pintor narra em diário as peripécias dessa jornada: "Ao atravessar o canal, um estilhaço de granada me despedaçou a mão. Tomei a espada com a mão esquerda e continuei marchando na frente da companhia, aproximando-me até umas trezentas jardas da trincheira, onde fui tomado de insuportável fraqueza pelo derramamento de sangue. (...) Senteime ao pé de um tronco e com um lenço comecei a atar a ferida.
ele se torna membro do Corpo de Inválidos. Dono de uma enorme força de vontade, reeduca sua mão esquerda para continuar pintando. Nessa época conhece Emilia Magallanes, jovem viúva, com quem se casa, em 1872, e tem 12 filhos. A família viveria nos arredores de Buenos Aires, passando sempre dificuldades econômicas. Mas o artista continuou pintando naturezas-mortas e retratos, enquanto planejava realizar um ambicioso conjunto de noventa pinturas que registraria as imagens da Guerra do Paraguai. Abre-se para o pintor uma etapa de longos anos de obsessiva e febril atividade, até que um inesperado mecenas bate à sua porta: o dr. Norberto Quirno Costa (1844-1915), futuro chanceler e vice-presidente argentino, que procurava então terras para arrendar, conhece López e se mostra assombrado por suas pinturas da guerra. Quirno o estimula em sua "vocação patriótica" e financia casa e estúdio. No total, Cándido pintou pouco mais de cinqüenta telas sobre o conflito. Não é possível rotular a obra de Cándido López no movimento pictórico de sua época. As grandes dimensões panorâmicas e horizontais de suas pinturas só encontram paralelo com a série de bata-
49
,10>1.-:1,1.;
gunda
di-
Onde apreciar López
passagem, stente. Ele
As imagens de Cándido lópez refletem o conflito em sua dimensão trágica e exuberante, empregando uma narrativa visual que tem algo de saga homérica. As
o de quaados para
mais importantes podem ser apreciadas em Buenos Aires, no Museu Nacional de Belas-Artes (Av. libertador 1.473, Recoleta), graças a doações feitas por seus descendentes em 1963, e no Museu Histórico Nacional (Defensa 1.600, Parque
a granada e um dos lente meu ujo
ia."
Para saber mais
lezama), também na capital argentina. O retrato que lópez pintou de Bartolomeu Mitre se encontra no Museu Mitre (San Martín, 336), enquanto a recém-inaugurada filialdo Belas-Artes, em Neuquen, conta com outras pinturas do artista.
lenço
DUJOVNE, Marcae SOLÁ,MarcaGiL
seu ante) para evianos e sua
lhas de Urquiza - oito grandes telas
iria drasti-
que o artista
~nos Aires,
nuel Blanes (1830-1901)
I Corpo de
pedido do presidente
Ia enorme
ração Argentina entre 1856 e 1857. Na obra de Cándido, a visão am-
:a sua mão
ar pintanece Emilia
iúva,
com
~tem 12 filOS
arredo-
pla, distante,
uruguaio
Juan Mapintara
a
da Confede-
quase aérea dos fatos,
documental,
elogiaria
o patriotismo
de seu
Cándido
López durante
pe-
posição
Un sigla de Arte en Ia Ar-
lo inválido
boa
gentina
(Um
de guerra.
Com
a lhe atribuir
Argentina).
algumas
qualidades
como
o interesse por suas pinturas.
Mas ninguém
encomendou
pintor. nada a
Pouco a pouco,
foi fruto da própria
iniciativa. Em-
vanguardas
bora fosse comum
que os gover-
do happening se entusiasmam
um olho ades-
trado por sua experiência
como fo-
resse pela descrição da realidade. Por iniciativa de Quirno Costa,
López. Sua titânica
nos, desejosos de destacar determinados acontecimentos, solicitassem a pintores
suas pinturas de um
grima, e Bartolomeu
Mitre lhe es-
bre-se para
creve: "Seus quadros
são verdadei-
iconografia
mento
o"
oficial.
dedica
a
Cándido Museu
López: o Nacional
por
liza, em 1971, uma grande
brança dos fatos que apresentam'~ Frente às críticas de seus contem-
inicia gestões para
trospectiva
que o governo ad-
obra do pintor.
porâneos pelo uso e manejo da cor, Cándido contesta: "Sacrifico a
quira as suas telas. Depois de vários anos, em 1887 as autoridades
históricos,
rão para conservar
rto Quirno aro chance-
,entino, que
por
gráfica, e contribui-
para arrenmostra as-
harmonia
linturas
verdade histórica".
a gloriosa lem-
da arte pictórica
LUlaem sua
sua tela Embarque
financia ca-
pela
E a respeito
de
Premido
concedem,
graças à ajuda de mui-
tos ex-camaradas,
desejosos
de au-
muitos
críticos
l, Cándido
que "teria obtido melhor
ga a ser realizada
~ cinqüenta
tístico suprimir
cores, mas aí estão os quatro batalhões orientais
[uruguaios],
os três
brasileiros, os nove argentinos, cada um com vestuários distintos, para que o historiador anos reconheça
através dos
os uniformes
foram usados naquela
época'~
que
gentino
no Pavilhão Ar-
da Praça San Martín,
em
1898. Cándido continuará pintando até o último dia de sua vida, em 1902, sem terminar que se propusera. triunfo
muito
te, quando,
e original
da história,
valorização
Por esses "o maneta
por fim recebeu
a
de gerações posteriores
e sua obra mereceu
maior atenção
que a dada a outros pintores da Argentina
dos fins do século XIX.
m
a totalidade
E só alcançaria
o
depois de sua mor-
em 1936, o crítico de
arte José Leon Pagano
a dizer
argentino
de Curupaiti"
de
E
nuinamente
uma exposição
efeito ar-
da
chegariam
de todo o seu período.
Paso de Ias Libres, o artista explicou tanta variedade
re-
foi o único pintor ge-
paradoxos
de suas obras che-
mostra
que Cándido
xiliar um aleijado com 12 filhos. E
de tropas em
"descobre"
HERNÁN
SANTIVÁNEZ
Cándido López.
dei Paraguay (com
texto de AugustoRoa Bastos).Milão:Franco MariaRicci,1984. Váriosautores. Cándido López. BuenosAires:
EdicionesBancoVelox, 1998.
que a Ar-
gentina
problemas econômicos, Cándido
ros documentos
~cenas bate
rie de bata-
Acon-
de Belas-Artes rea-
sua fidelidade
só encon-
para
tece, então, o primeiro reconheci-
o caso. A polêmica Guerra do Para-
RICCI,FrancoMaria.
com o valor
época.
Belas-Artes,1971
Imagenes de Ia Guerra
excepcional sua
o"
ongos anos ividade, até
lS
cresce
do pop-art e
e reconhecem
criador
realização. Não foi
imagens da
y Es-
argentinas
sua
)venta pin-
de suas pinturas
obra
na
Na explosão da livre criação artística dos anos 60, os críticos e as
Suas telas revelam
Cándido
guai não figurou entre os temas da
As grandes ;as e hori-
de Arte
chegaram
em 1885 no Club Gimnasia
novimento
século
vontade,
ele expõe parte
ar a obra de
a seleção
de algumas de suas telas para a ex-
autor e a firmeza demonstrada
LI pintando tratos, enar um am-
da
a tarefa
exibe o domínio da perspectiva e a clara vontade de mostrar tudo.
tógrafo, tanto em seus enquadramentos como no minucioso inte-
passando :onômicas.
A imprensa
Cándldo López. Buenos Aires:Coleçõesdo MuseuNacionalde
VIEYRA
é
diplomata argentino, escritor e professor de Relações Internacionais na [;iliversidade Católica de Buenos Aires.
Noalto, CândidoLópez em auto-retrato de 1858: o pintor esteve ativo até o últimodia
de sua vida,massó teve sua importância reconhecidamaisde trinta anosapós a sua morte