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RfVI5TA BRASILEIR.4 DE CIÊNCIAS
CRIMINAIS 201 0
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RBC-C-RIM 8 2
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Rrsum: O Tribunal Conditucional Alemáo manifestou-se recentemente a respeito da constitucionalidade da proibiçáo penal de incesto (5 173 RCB). O fato de o Tribunal não ter reconhecido a inconstitucionalidade do dispsitivo foi apenas a menor surpresa. No presente estudo serão abordados, em primeiro plano, menos esse ~ u t t a d oe os pormenor- dos argum e n t o s que a ele conduziram, do que a tomada de posição do Tribunal a respeito da teoria do k r n jurídico e da utilização do direito penal para o fomento e promoção de "meras" c o n v i c ç k morais. Afinal, a Corte não seguiu, n-ta que parece ter sido a primeira manifestação exprrssa sebre essas questões, a linha que corresponderia 5 tradiGo do likralisrno jurídico-
Asnmcr:
The
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Constitutionat
nality of the criminal prohibition against incest (5 173 SrCB), which was no real surprise. This paper will address les this result and ttie details of the argurnents related to it than the considerations of the Court in regards to the so called theory of legal g d s (Rechtrgutstheorie) and the use o f Criminal Law to fostw and prornote 'merely" moral values. In what seerns to be the fim d i m rnanifestation about these issues, the Court did not follow &e line that would correspond to the liberal tradition i n Criminal Law.
p a l. P-VVE: B e m jurfdico - Incesto Moralismo penal Limites do direito penal - Conceito material de crime.
Gerrnan
Court recently confirmed the constitutie
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Knwoam: Property 1- IncCriminal moralism Limits of criminal law - Material concept of crime.
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SUMÁKLU: 1 A decisão - 2 . Beni jurídico e proteção de convicções morais na decisão - 3. O que está errado no moraliçmo jurídico-penal? - 4. Liberalismo juridico-penal fundado na autonomia e esfera nuclear da vida privada - 5. Qual o futuro da teoria do bem juridico? - 6 . Bibliografia.
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Aos olhos do Tribunal, o tipo penal da conjuncao carnal entre parentes não apresenta, por diversas razões, problemas de cons~itucionalidade. O Tribunal inicia explicitando os critérios com base nos quais procederá ao exa tne de consti tucionalidade. Segundo o Tribunal, para que uma intervenção estatal nos direitos fundamentais seja constitucional, deve ela, formalmente, estar fundamentada em lei e, materialmente, respeítar os limites da esfera nuclear da autonomia da 1. Trad. Alaor Leite e Luís Greco, com pequenas modificaçdes, do original W a s l%st das Bundesver Tassungsgericht von der Rechtsgutslehre übrig? Gedanken anIasslich der Inzesentsc heidung des Bunde~verfassungs~erichts. ZeitschriJt for internationale StraJrechtsdogmatik, 2008,p. 234 e 5s. (Disponivel e m : 1www.zis-online.cornI). Agradeço A Profa. Dra. Auxiliadora Minahim (Universidade Federal da Bahia), ao Frof. Dr. Daniel Pastor (Universidad de fluenos Aires) e ar, ProC. Dr. Paolo Comanducci (Universitá degli Studi di Genova) pela oportunidade de discutir as presentes ideias. Algumas das modificações acrescentadas A presente versão do trabalho são consequência direta dessas discussóes4 2. Eis o teor do § 173 StGB: "Conjunção carnal entre parentes. (1) Aquele que mantiver conjunçao carnal (Beis chlafl com descendente consanguín a , será punido com pena privativa de liberdade de a t t tres anos ou pena de multa. (2)Aquele que mantiver conjuneo carnal com parente consanguineo e m linha ascendente, será punido com pena privativa de liberdade de até dois anos ou pena de multa; o disposto permanece vãlido ainda que a relação de parentesco esteja extinta. Da mesma forma serão punidos o s irmãos ctinsanguíneos que mantiverem conjun-o carnal entre si. (3) Descendentes e irmãos não ser80 punidos de acordo com esse dispositivo se, no momento do fato. ainda não p s s u f r e m 18 anos". 3. D e 26.02.2008; disponivel na integra em: ~www.bundeçverhçsungsgericht,de], fonte a que se referem as citaçóes presentes no texto. PublicaçHo aficial e m BVErjGE 120,224.
&a privada e ser proporcional (n- 32 e s*, 34 e ss. 1. D a teoria do bem jurídico, pelo contrário, não se poderia deduzir qualquer criterio constitucional de limitação do legislador. A disposiçno do § 173 StGE resistiria a um exame fundado nos mencionados cri terios. O dispositivo estaria baseado "em urna norma de proibição difundida internacionalmente e transmitida histó~icoculturalmente" Cn. 2 ) . A proibição não ingressaria na inviolável esfera nuclear da vida privada, uma vez que a conjunção carnal entre irmãos não diria respeito apenas a eles mesmos, m a s também possuiria conçequéncias para a família, para a sociedade como um todo e também para as crianças que eventualmente nascessem da relação sexual incestuosa (n. 40). A disposição teria em vista, em primeiro lugar, a proteção do casamento e da família positivada no art. 6 da Constituiçá~,alemã, jA que o comportamento incestuoso conduziria a uma uperturbação das atribuições de papel qtrq dão estrutura a urna famiLia" In. 42 e S . [451).4 Em segundo lugar. perseguiria a proibição o fim de proteger a autodeterminação sexual, principalmente porque a famdia representaria uma relação institucioml de dependência, cujos &feitosse fariam perceptiveis também após os 18 anos (n-4 7 e S.) Em terceiro lugar, a norrna almejaria a prevenção de doenças genéticas nas novas geraçõeç (n. 49). Em quarto lugar, a disposição "parte de uma das mais sedimentadas conviccões do injusto na sociedade e busp continuar a swteritA-la por meio do Direito Penal* (n.50). Para a mlizaçiio desses obSetivos a disposição seria adequada (id&nea),ne&ria e proporcional em sentido estrito {n. 52 e ss., 59, 60 e S S . ) . ~ Outras objeçiies interpostas pelo reclamante (violaçãr, ao art. 6,parágrafo 1, da Lei Fundamental, isto 15, ao direito dos pais de cuidar e ducar os filhos, ou ao art. 3, par8grafo 1, princípio da igualdade, e &respeito ao principio da culpabilidade) seriam todas injustificadas (n.64 e ss.). No seu voto divergente: Hassemer criticou cada argumento da decisão da maioria. Segundo ele, uma convicç50 social não capaz de legitimar constitucionalmente uma norma juridico-penal (n. 81). A s &õeç genéticas são, por varias motivos, inaceitáveis Cn. 82 e ss.1. O dispositivo rião persegue, tampouco, a proiemo da autodetermimacão
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4. A expressão o ,
de U c i l
maduçZto, é: Beeintrddrtigung der in einer
Faniilie st rilkturgebenden Zuordnungen.
sexual, principalmente porque a vítima riem atua de forma irresponçá-. vel, nem se encontra numa situaqào de coação (n. 8 7 e ss.1. A proteçào da família não pode ser a finalidade da norma, vez que esta náo compreende vários casos em que a família é atingida (n.92 e ss.). Por isso, o disposítivo protege "meras convicçõeç morais - existentes ou supo~tas",C para este fim "há instrumentos diversos e mais idôneosn do que o direito penal (n. 98 e ss. [98, 991). Falta à disposiçáo, por estas e outras razões, tanto a adequaçào, como também OS requisitos da necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (n. 103 e ss., 115 e s s . , 121 s s . ) .
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2 . BEM ~ U R ~ D I C EO PROTEÇÃO
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D E CONVIC~ÕFSMORAIS N A DECISÃO
0 s específicos argumentos do Tribunal fazem necessária uma discussã~detalhada, que nâo poderá ser realizada n a presente sede. Sigo no presente texto a tradução que me parece maís difundida na doutrina constitucionalista brasileira (por exemplo, MENDES e t alii. Curso de direito constilucir>nai. 2. ed. Sáo Paulo: Saraiva, 2008,p. 321, 330 e 332) dos termos Geeignetheit. Erforderlichkeit e VerhãltnísmdjSigkeít im engerm Sinne, apesar de, pessoalmente, considerar o termo "adequação" improprio, por ser uma traduçào mais direta de Angemessenhdt, palavra que na doutrina e jurisprud@nciaalemã é usada como sinõnirno da proporcionalidade em sentido estrito. O importante é observar que a Geeignetheit se refere apenas à relação meio-fim, a capacidade de uma restrição de contribuir pa-ra a obtenfão do fim almejado. Por isso que, noutra sede, usei o termo "idoneidade" CGRECO,Luis. Cumplicidde atrav&s de ações n p t r a s . Río de Janeiro: Renovar, 2004, p. 135 e ss.). Utilizando o t e m o *idoneidaden como tradução de Geeignetheit também COSTAANDRADE. A "dignidade penal" e a "carencia de tutela penal" como referência de uma doutrina teleol6gico-racional do crime. Revista Portuguesa de CiCncia Criminal ano 2, fasc. 2, 1992, p. 173 e ss. (p. 186). O Tribunal Constitucional Alemao, como todos os tribunais colegiados desse pais, discute c decide em sessiio secreta, publicando a decisão como ato coletivo do tribunal, assinada por todos os julgadores que a e h contribuiram (8 30 I B u n d e s v ~ ~ s u n g s g e n c h t s g c s ~ tNz )á.o há, portanto. um voto do relator ou dos demais julgadom. como entre nós. Reserva-se,porém, a o julgador c o m opinião divergente a faculdade de publicar seu voto em separado (O 30 11 da mesma lei). faculdade essa que C usa& aperias e m casos excepcionais, como no caso que ora tratamos.
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Que essa discussão seria u m a tarefa um tanto fácil, demonstra não apenas o voto divergente de Hassemer e o comentário de W ~ r n l e co,~ mo também uma primeira e mesmo superficial reflexão. Por exemplo, o argumento de que crianças que nasçam de relaçóes inceçtuoçaç seriam discriminadas (n. 50) poderia conduzir ~arnbéma cnminalizaçáo das relaçfies sexuais ínter-raciaís, desde que se esteja em uma sociedade suficientemente intolerante. Já o argumento de que a instituição da farnilia e atingida em sua estrutura por relações incestuosas fundamenta-se e m razões que igualmente amparariam, em outras circunstãncias, a extensa criminalização do hornossexualismo e, ainda hoje, da troca de casais. No presente estudo, o foco será principalmente a pergunta pelo stacus da teoria do bem jurídico e a possibilidade de proteção da moral por meio do direito penal. Sobre ambas as questões se manifestou o Tribunal, ainda que não inequivocamente e, em razão disso, é preciso realízar algumas reflexões. O Tribunal ocupou-se da teoria do bem juridico ao expor os critérios de que partiria a o avaliar a corutituciona~idadeda intervenção (n. 31 e ss., 39). Em primeiro lugar, o conceito de bem jurídico seria Controverso: "sobre o conceito de bem juridico não há ainda qualquer consenson.Ou se apresentaria como u m "conceito normativo de bem jurídico", que náo diferiria da ratio tegis e, por isso mesmo, seria incapaz de limitar o Legislador, ou então se apresentaria como um "conceito naturalístico de bem jundico" c o m pretensão de suprapositividade, o que estaria em contradição "com o fato de que, segundo a ordem Ba Lei Fundamental, é tarefa do legislador democraticamente legitimado fixar M o s 6 os fins da pena, mas também os bens a serem protegidos por meio do direito penal". Ainda que a teoria do bem jurídico tenha importãncia dogmática ou politico-jurídica, "não fornece ela qualquer parámetro substancial que tenha necessariamente de ser acolhido pelo direito constitucional".Logo são citadas principalmente as investigações de Lagodny e Appel. que chegam a u m resultado similarmente crítico à ideia de bem j ~ r í d i c o Ou . ~ seja, a rigor o Tribunal tem dois argumentos contra a teoria do bem juridico: o problema de definição (o que seria o bem juridico?) e r, problema da 7. WORNLE, Tatjana. Das Verbot des Geschwisterinzests - Verfasçungsgerichtliche Bestãtigung und verfassungsrechtliche Kritik. NJW, 22008,p. 2085 e ss.
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REVISTA BRASILftRrZ 1 l F
C ~ E N C ~ A S CRIMINAf5 2 0 1 0 -
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DIREITO PENAL
fundarnentaçao ou da democracia (com que direito querem os penalistas posíùonar-se acima do legislador democraticamente legitima-
do?). Corno já foi mencionado anteriormente, fala o Tribunal também "de u m a convicção do injusto çedirnentada na sociedade", que deveria ser reforçada peIo direito penal (n. 50). Aqui aparece uma passagem de difícil compreensão: a discussão que se trava no direito penal a reçpeito da diferenciação entre norrnaç penais que se fundam apenas em representações morais e normas que protegem bens jurídicos náo seria relevante aos olhos do Tribunal, já que "a proibi@o do incesto (se justificaria) em r a s á o de uma conjunção de vários objetivos plausíveis para a punição, vistos no contextn da convicção social histórico-culturalmente tundada e ainda hoje perceptível de que o incesto é merecedor de pena, o que se confirma também numa comparaçào internacionaln. <..
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- .- cesto: "ego debilitado (vemindrrtes Seibsibewusstsein), dkfunçóes sexuais na idade adulta. inibição na lonmção da identidade pessoal (gchemrntc Individuatim), déficits na busca de identidade sexual e na capacidade de relacionar-se, promiscuidade sexual. marginaliração e isobmento social" (n.44); até provavelmente algumas décadas atrás, atas consequências poderiam ocorrer no caso de filhos de homossexuais e podem ainda hoje ser atribuidas a filhos de prostitutas ou atoreç de filmes pornográficos. Isso quer dizer que, diante de qualquer comportamento (hoje ou antigamente considerado) imoral será possi-
vel descobrir razões que não sejam unicamente referidas à moral, a parrir das quais será pmsível justificar a proibiçao pernil. Embora se vá retomar a esse ponto, já é possível apresentar uma primeira wnclusão: a 'mera imoralidaden de que E a h os penalistas não passa de algo puramente teõrico, no sentido pejorativo deçte preg ficado, já que, nsa p d t i a , a possibilidade de que comportamentos imorais conduzam indiretamente a lesões de interesses relevantes mio sb não poderá *r descartada, como será bastante piauçivd- Por isso, quando a ciEncia do direito penal fala e m "meras convicwes morais", deve estar quereindo dizer algo diverso do que sugere o significado lirem1 da expr;eçsáo- D e outra forma não seria possível defender a nãc PuniçFio do hom0ssexuaFismo enm homens adultos com erst argumento, ainda mais se se recordar que o Tribunal Constitucional Alemáo alegou. alem da imoralidade dessa conduta. a proteção dt menopara fundamentar a constitucioddade desta proibia^.^ E e s s é exatamente zi razão pela qual a Tribunal, não obmnw deckai d o ter tomado partido quanto 5 possibilidade de punição de " m m convicçües morais", no fundo aceita s s a possibilidade.
Provavelmente, deve a passagem ser assim interpretada: quanto a pxore@o de uma mera convic~âomoral já basta pam justificar uma proibição penal, u, dito de outro modo, quanto a se a irnoralidade de u m cornpo rnento é já u m a ruzdo sujciente para atestar a c~ti~onalidad dee sua criminaliaçso, prefere o Tribunal não se manifkstar. No entanto, pode-se dizer que, para o Tribunal, a imoralidade de uni comportamento possui, no rnfnimo, stahrs de razão adicional nutonomamente relevante para uma criminalizaçk, e que por isso merece u m posto ao lado das outras razões justificadoras (prote@o do maáimónio e da famllia, da autdeterminaçáo sexual e a prevençáo de dermidades e m novas geraç&s)a
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hmmalidade; 437: proteç8o indireta de m e nores); vide tamMm o Projeto Governamenpl ,de a o Penal, Enr wurf 1962, p. 376 e S., que mantinha a lincrimim@o dl
9. BVerfGE 6, 309 (426,4*
8. Nao deixa de ser irbnico que trabalhos que se propbem a ser uma sistem a t i z a @ ~da jurispndtncia constitucional sejam agora cimdos por esça mjurispnad&ic& para alicercar suas prbpria~posic-. e m u m cir-
culo de c i t a ç h .
A verdade é que a diferença entre essas duas teses parece apenas na teoria. N a pdticl, quase tudo que e visto como imoral produzirá consquências indiretas similares as que foram mencionadas pelo Tribunal Constitucional Alemão pn legitimar a proibi@o do in-
&tir
A disposiçáo do 3 173 StGB cumpriria ainda uma "função de apelo, de estabilizaçáo da norma e, com &o, preventivo-geral". A passagem e difícil de compreender, na medida e m que não fica claro o que difmncia uma convicçao fundada histbrica e culturalmente a respeito do merecimerico de pena de um determinado comportamento da açsim chamada "mera" convic@o moral.
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h o m o d b n o e a fundamentava com base nesses mesmos argumen tos.
DIREITO PENAL
O u seja, o Tribunal Consritucional Alernào acabou ahiihuindo ao direito penal a tarefa de manutençào e fortalecimento de convicções morais. Esta é uma tarefa em princípio estranha à tradição liberal, pois os esforços de vários ~enalisíasdesde Feuerbach, passando pela Escola Moderna até o Projeto alternativo do Código Penal alemão dirigia no sentido de separar Direito e Moral. A questáo que ora se coloca é a da razão dessa distância da postiira liberal face a o moralis-
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&g&unal pode ser subsumida sob uma determinada ddini@o. e nào e+b outra; é necessário perguntar pelas razõc. que f a z e m de uma poç wra caracterizável por meio de u m a definição algo correto ou incorrem. Por que consíderam~scorreta a tese liberal e recusamos a m e V
Uma possível razão é fornecida por Hassemer em seu voto divergente. Hassemer pensa que o direito penal é u m m i o inidõneo para proteger convic~õesmorais. "O fortalecimento ou a manutenMo de um consenso social sobre valores - no presente caso, sobre a proibi&o da conjunção carnd entre parentes - m ã o pode, porém. ser o obje. Avo direto de uma norma penal. Para tanto, há instrumentos diversos è mais idôneos que o direito penal, segundo as termos do princípio da &irna r a i o e da proporcionalidade como limites cansdtucionaiç a intervenções por meio do direito penal. O reforço de convicções morais pode, no máximo - indiretamente - ser eçperado como o resultado que a longo prazo decome de u m a justip penal justa, racional e com+ tante" In. 100). Independentemente do queçtionamento a respeito das mlqoes entre essas consíderações e o critério do "acordo normativo" (normative Vers~ndigung)anteriormente avançado por Hassmer como fundamento de legitimaçãci de incriminações," é de se notar um defeito fundamental nessa argumentação. Ela transforma o liberalismo juaidíco-pena2 numa tese eqirica e contingente. O di~eitopenal não poderia servir a prote@o da moral, porque ele n ã o o conseguiria fazer de modo eficiente. Mas como g d e estar Hassmer @o certo disso? Não se poderia atribuir ao direito penal, c o m pelo menos id?ntim plausibilidade, u m a "&&ia moldadom de cmtumes" (sictdildende Krrrftt),12urna funçáo de "conservação dos vaIoreç ético-sociais de ánirno" l 3 OU nas palavras do TTibunal Cançtituciona1 - uma "função ck apelo, de estabilização da norma e corn isso preventivo-geral" (n. 50)? As ciencias m p í r i c a s não dão qualquer
mo jurídico-penal.
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3. 0 QUE ESTA t K R A W
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N O M O R A L I S M O IUR~DICO-PENAL?
&fina-se moralismo jur~dico-penalcomo a tese segundo a qual a imoralidade de um comportamento é unia boa razão, isto é, uma razao adicional e intrinsecamente relevante, para incaíminá-10. Essa t e e foi defendida pela Corte Constinicisnal Alemã, primeiramente com a consideração acima mencionada de que s e u m comportamento afeta intereçses relevantes da comunidade, nada pode impedir que se Faca aluao também à imoraIidade da conduta para fundamentar a incrirninaçao.Um segundo argumento, em princípio independente deste prirneiro, é o da democracia: os fins do recurso ao direito penal devem çer fixados MO pelos penalismç R sua teoria do bem jurídico. e sim pelo "legisladordemocraticamente legitimado" (n. 393.
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Por definimo, pode-se entender liberalismojuxfdico-gmal como a tese cantrãria, a saber, a tese segundo a qual, entre outras coisas mais, a imoralidade de u m comportamerito não tem quaiqmer releváncia para justificar a decisão e incriminá-lo.1° Estã claro que não essa a posiçáo do Tribunal. 30 basta, porem, alegar que a decisao do
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10. Uma tal definicá0 é proposta por: FEINBERG, Jm1. Harm ro Others. New York/Oxford, 1984, p. 14 e ss. Parece-me que, para seguirmos enn frente corn as pr-fies reflexos, não é nec&rio dd~nirde modo mais chro o conteúdo do termo 'm r a l ", por exemplo fazendo r e í e m c i a a alguma teoria de ktica nomativa. Tentei u m a tal precisáo na minha tese de doutorado, e m que o termo moral, no contexto de discussdes como a presente, foi reconstruido como 0 conjunto de e x í g a c i a s de comportamento fundadas de modo não consequenáalista, o que entendi como sinanimo de exigências de comportamento fundadas de modo deontoIbgico ou segundo uma & t i a de virtudes CGKECO. Lu%. kbendigcs d Totes in Ftwrbachs Strafihtoet. BerIin: I)uncker &Y Hnmblot, 2 W ,p. 120). Para uma definiçáo de ctinsequencialismo cf. abaixo nota 20. I
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11. H E S E M ~Thwrk . und Soziologie dts Vmbre~hens.Frmddua-t a M-, 1973, por exemplo p. 229 e ss. 1 2 MAYER,Hdmuth- Das Stmfrechr dcs D a t s c h o i Vohkes. Stutagart, 1936, p. 26. den substantie1lm 3egriFf ~ E SStrafgesetzes. In: 13. WEIZEL,Hans .Ablumdhmp zum Strafrecht und mr Rechpliilobophie. Berlid Mew York; 1975,p. 224 e ss. Ip. 529).
DIREITO PENAL
resposta conclusiva,^' e o senço comum, a verdadeira fonte da imagem de mundo da qual parte o jurista,15 deixa u m espaço bastante reduzido para u m ceticismo nos moldes de Hassemer. Mas o Tribunal tem uma soIuçào para tais situaçoes de insegumcp, a çaber, o recurso à prerrogativa de avaliação do legislador, topos que aparece repetidamente na decisão que ora comentamos. Simp~ificadamen te, a chama& prerrogativa de avaliaçao (Einschtruiigsprarrogufive) designa a faculdade que a Corte reconhece ao legislador de formular suas próp-
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mentemente, no problema de fundamentação (de onde r e ~ r aa teoria o bem jurídico sua pretendida aut~ridade?)'~ - problemas aos quais, corno vimos, também alude a decisão do Tribunal Constitucional Aled o . O problema que nos interessa está num nível ainda mais fundamental e persistiria ainda que as dificuldades com a definiçào e a hndamenta@o da ideia fossem resolvidas. Esse problema, que já foi insinuado ao criticarmos a ideia da "mera imoralidade". é o caráter cmsequencialisra do argumenta do bem j u r í d i ~ o Ao . ~ dizermos que %= -0 podemos punir um comportamento porque ele não afeta qualquer 2gbem jurídico. estamos afirmando que a punição d w e comportamento & inGtil, náo nos IXKZ qualquer benefício. A punição n5o produziria mnsquEndns positivas, ou seja, ela seria, segundo i perspectiva
suposiçòes ernpíriças, especialmente quando diante d e situaçdes e m piricamente pouco claras. que envolvam, por exemplo, prognwç dificeis ou avaliaç6es referidas ao plano m a c r a s s ~ c i a l . Questionar '~ a idoneidade do direito penal para proteger a moral é questionar apenas a verdade de uma proposição empírica, com o que o liberalismo juridico-penal é entregue tanto as contingências das ciências empjricas e do semo comum, como também à premoga tive de avaliaçao do legislador.
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N a ciência do direito pena1 se encontra também outra fundarnentação da postura Iiberal, a saber, o recuso a teoria do b m jurídiC O . Segundo ~ ~ essa postura, o direito penal não pode proteger a moral, porque a sua tarefa se esgota na proteção de bens jurádicos, e a moral não é um bem jurídico. 'Meras imoralidades" nào são assunto, do d f mito penal. Esta çolução tem u m a série de mas ao mesmo tempa imaficiEnciaç incuráveis, que a rigor m a l foram vistas, nem m m o pelos numerosos críticos da teoria. A crítica a teoria-do bem jurídico concentrouse, até agora, predominantemente no problema de definiçao (o que & deve entender por bem jurídico?) e, mais
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14. Dúvidas principalmente e m
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17. Por exemplo R o x r ~ .Klaus. Rechtsgtkterçchutz als Aufgabe des Strafrechtsi In: HEFENDEHL (coord.). Empinsche und dqgmntische Fundamente, ~ r i m i n a 2 p o ~ i t í s clmpettcs, h~ KDlri, 2005, p. 135 e ss. (144 e S.); WIH. K b u s . Strufrccht,Allgemeiner Tid.4. ed. Mnnrhen, 2006,vol. 1, 5 U7; ~ C ~ ~ N E M A N NB, m d Das Rechtsgricerschutzprimip als Fiuchrpunkr der verfasçungsrechtlichen Grenzer~der Straftatbestãnde und ihrer Interpretation. h:HEFEFJDEEIL; WOHLERS; VONHIR~CH (mo&). Dit Rechtsgubsthcorie~Baden BQden, 2003, p. 133 e ss.; HFFEHDEH~, RohdMit Tangem Atem Der Begriff des Rechtsguts. GA, 2007,p- X e a.; -na Argentina: ZAFFA~ONI, Eugenio Raiil; AIAGIA.Alejandro; SWUR, Alejanh.Deracho petmal. Parte general. 2. ed. Buenos A&. 2002. p. 128;entre d s : TAVAILES. Juarez Criterios de s e l e 0 de crimes e cominaFgo d e penas. RBCCrirn O, Silo Paulo: Ed. KT, 1992,p. 75 e sa (p. 78 e 5s.); tamMm eu defendi essa postura, por exemplo: G m , Luís. fTindpio da oãensividade e d m e ç de perigo abstrato. RBCCrím 49, =o Paulo: Ed. RT,2004,p. 88 e S. (p. 97 e S.). 18. Vide abaiio, item S. 19- Exemplos do primeiro gênero de críticas: ma% a n r í p e n t e , wMANN. Paul Vtvm S i m der Strafe, PieidefimgerJahrbucher 5,1961,p. 25 e ss. @. 26 e S.); atualmente, STRA-TH. Ganter. Zum Eegdf des *Rechtsgutesn. In: ESER et alii (coosds.). Fests&ri.t fir Lenckner. Muw chen. 1998. p. 377 e ss. (p. 388). Exemplos do segundo gEnem: L ~ c o w, O t t ~ Schrunken . der Grudmchte. T~bingen,1996, p. 144; Vmm, joachim %dkchtsgüter und Rechtsgfkterschutz durch S t d r e c h ~im Spiegel der Rechtçprechu~gd a Bttnd~erfassungsgedchts,StV, 1996. p- 110 e ss. (p. 112); A-, Ivo. Vmfmsung und Strafe,BerZia, 1998, p. 206; AFPEL, lvo., Rechtsgat~hutzdurch Smfrecht? KxitY 82,1999,p.
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consequencialista,incorreta, de modo que não a devemos impor. Essa postura tem u m a série de implicaçõles. A primeira delas é que tambkrn ela faz do liberalismo jurídico-penal algo mpfrico-contingentc Afinal, é uma questao parcialmente empírica se u m a proibição protege ou não bens jurídicos, e neste aspecto a situaeo é a mesma que a da argumentaçào de Hassemer. que é impotente diante da prerrogativa de ava1iar;ao do legislador. Tambem aqui se concede ao legislador, ainda que não o direito de apelar diretamente a imoralidade do comportamento incriminado. o de formular com vasta liberdade prognoses e m píricas a respeito das consequências do comportamento para os mais diversos bens. E como já vimos, em praticamente todo comportamento imoral poder-çe-ái encontrar consequências danosas indiretas para bens jurídicos. Em segundo lugar, e ainda mais gmve, e aquilo que a teoria do bem juridico não v&, por assim dizer, seu ponto cego. A melhor maneira d e enxergar o problema é reportando-se ao exemplo da deçcrirnimlizagiào do hornossexualisrno, que na Alemanha era punível até 1975 (no antigo § 175 StGB). A suposra razão para deixar de punir o homoaexualismo era a de que tal comportamento não afetaria qualquer bem jurídico. Mas isso significa que não puniremos mais o homossexualísmo, porquc com isso nada ganhamos. Se eçse argumento procede ou não, deve ficar aqui e m aberto - recorde-se somente que o Tribunal Consritucional manifestou o p i ~ ã contrária o a respeito desm q u e s t parcialmente ~ ernpíri~as-~l O decisivo, porém, é aquilo que o argumento não enxerga, seu ponto cego, a s a k r , que pessoas adultas tem o direito de praticar tais atividades. airida que isso não nos agrade e que tenhamos de suportar eventuais desvantagens. Nautras palavras: a teona do bem jurídico, enquanto teoria 18 Entendendo-se aqui por cunsequetuialismo a tese segundo a qual uma a e o será moralmente correta a depender unicamente de suas wnsequ€?nàas,d.: S w , William. The Consequentialist Pmpedve. In: DREIER, J. (oord.1 Contemponuy Debates in Moral Thcory, Mdden, 2006,p. 5 e ss. (p. 5);betn similar: BLRNBA~IER, Dieter. Analytischc E&fihmng in die Efhik, BerlirdNew York, 2003,p. 173;FREY,R. G . Act-UtiIEtarianism. In: L A ~ L E T T E (coord.1. The blachel1 gude te ethícal theory, h l d e n : Blackwell, 2000. S. 165 f. (f. 165); UMM, F. M. Nonconsequentiiilimi. In: ~FOUEI-TE Icoord.). T)1e blackwell s i d e to d i c a 1 theory, Malden: Bhckwdl, 2000, p. 205 e sç. (p 205). 21. Vide aãma nota 1 0 .
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Mnsquencialism, enxerga apenas as vantagens e desvantagens que decorrer de proibipaes penalmente ssncionadas. N u m a Ibgica mnsequencialista, t simplesrnent e impossfvel operacionalizar a ideia de que há direitos que operam como trunfos contra qualquer apelo ao krn ou como limites colaterais (side constrairrts) A promoção de quaIquer fim,23pois tais consideraçfies são não conwquencialistas, dizem respeito a barreiras que têm de s e r respeitadas, e m o a consequEncias que têm de ser maximizadaç. Desde uma perspectiva mnseqziencialista, direitos de u m indivíduo são no mãximo "contrainteresses" " paçsiveis de ponderação, que, portanto, s6 serão respeitados, enquanto os outros não tiverem um interesse suficientemente forte no sentido de que esses direitos sejam desconsiderados. Para uma prova adicional da incapacidade da teoria de bem jurídico de excluir as 'meras imoralidades" do direito penal, basta pensar no que seria da decição se o Tribunal tivesse utilizado a linguagem da teoria bem jurídico. O Tribunal não poderia mais recorrer a proibicão d e corrvicç6es morais. nem tampouco a certos aspectos da proteção do rnauim6nio e da iamilia (principalmente no que diz respeito aos papéis estruturadores desças irrstituíç6es). Enquanto isso, todos os demais aspectos mencionados pelo Tribunal contkuariam relevantes, de modo que o Tribunal, ainda que se valesse da teoria do bem j-dico, m w g u i r i a justificar a proibição penal do incesmE com essa observaflo já nos encontramos a meio caniinho de urna fundamentação adequada da posição liberal*Essa fundamentação tem de evitar as insuficiências das duas alternativas que acabamos de &-r: ela não pode depender de dados empírims, pois isso a coloaria a dispas-o do legislador e de sua prerrogativa de avaliaçiio; c eh não pode ser cousaquencialista, porque içça faria dela algo parcialmente empírico, o que geraria os problemas apontados, e levaria a que
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22. UWORKPI, Ronald. Rights as Truznps. In: WALDRON Iword.). Tkieories of Rights. Odord, 1984, p. 153 e ss. 23. Nesçe sentido, fundamental: NOZIQE, Robert. Anamhy, S t e , Utoph. Malden, 197% p. 28 e S. 24. Para o direíto penal, fundamental: S c ~ i ~ m s ~ Friedrích nn, Znr Probk-
m t i k der tekologischen l3egriffÇbIldungirn Smafrecht. FesLáchrifr der LcipPger Juristenj&ukl#fir IEíçhard Schmidt. Leipzig, 1936,p. 49 e sS. (p 56 e ss. e 64).
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não se consiga mais levar e m conta a existência de direitos inipondergveis. Tais ~ i g e n c i a ssão atendidas por uma perspectiva que parta da autonomia dos cidadãos. Para essa perspectiva, o que inzereçsa em primeira linha não é nem que a proteçao da moral pelo dirdto penal seja de reduzida eficácia, nem que ela produza poucos benefícios, e sim a sua incompatibilidade com o respeito pela autonomia dos cidadãos, Em certas esferas, ainda que bem reduzidas, o cida&o é soberano abs o l ~ r o Principahente .~~ no que diz respeito a questões referentes a chamada 'boa vida", qualquer intervenção eslatal signifiará um desrespeito a essa autonomia, entendida aqui grosseíramente como o direito de viver segundo seu próprio plano de vida e sua própria ideia de uma "boa vida". O homossexuaIismo não é um delito, porque e um direito do homossexual ser como ele é. O mesmo se diga do incesto. A i a que o ieproche social dessa pratica seja ainda mais decidido que o dirigido ao homossexualismo, pessoas adultas tem o direito de pratilar relacões sexuais com pessoas adultas, de próximo parentesco ou ~ oPela . mesma razão é. sim, de reconhecer-se - contra o Tribuna1 Constitucionalzb u m direito de se drogar. Ainda que majoritariamente mão admiremos o "rnaconheiro",ainda que ele onere nosso sistema de saúde isso não autoriza a utilizaqáo do direito penal mntra a posse de tbxicos, mas no máximo uma certa rem- a medidas assistenciais. Só o argumento da autonomia pode superar o a p l o do moraliçça a consequêncías indiretas decorrentes do exercicio de u m direito,afirmando que elas justamente nãlo vem ao caso.
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A l a disso, só o recurso à autonomia pode servir de baluarte w r ~ t r aa fundmtientapo ~ u c r d t i c adn tese moralista elo Tribunal Constitucional A l e m o . Muitas podem ser as "competênciasdo legisIador demmraric8mente legitimado", ainda assim não pode ele tocar no inmaível.
A fundamenta@o da tese liberal na ideia de respeito a autonamia C, portanto, superior tanto a tentativa eficientista de Hassmer, quanto ai teoria do bem juridica. Além dissa, a tese aqui avançada possui uma
vantagem estratkgica - decisiva para o doutrinador ale-o e &o de todo irrelevante para o obçerrador estrangeiro - sobre a teoria do bem
de soberania extensamente: F~NBERG, Joel. HQW to Sclf. Ncw YorWOxfmd, 1986,p. 52 e 5s. 2 6 BV-E 90,145 (172). 25. Sobre o conceim
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ser facilmente reconduzida a iam topas de cada vez em recentes decisões do Tribunal Constitucional esfera nuclear da vida privada. IICO-PENAL F U N D A W NA AUTONOMIA E ESFERA NUCLEAR
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Respeitar a autonomia do individuo significa reconhecer-Ihe uma esfera demo de cujm limitrs só ele pude tomar decis6es. Est5 dar0 que essa ideía guarda ampla cor-pond~ncia com a figura da d e r a nuclear da vida privada, de crescente relevância na juriçprudência constimcional alemã. Isso significa que a aqui proposta hndamenmção da tese liberal na ideia de autonomia encontra guarida na jiinçpmdéncia constitucianal alemã, superando, pelo menos para o . direito alemáo, a segunda das acima apontadas dificuldades da teoria do bem jurídico, a que chamamos de problema de fundamenta@o. Porque enquanto a teoria do bem jriridico sempre se viu diante do desafio de prestar contas da fonte de sua pretensão de autoridade, e agora ainda terá de sobreviver ao forte golpe de uma expressa quase recusa peh jurispmd~nciaconstitucional, a Meia de que o indivíduo
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dkqõe de uma esfera intocãvel de autonomia aparece e m algumas das mais importantes recenlei d e c H e do Tribunal Constimçionaà Ale-
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O Tribud declarou, por exemplo, permitido que u m preso fideclara@cs Iesivas i honra na correpondencin'dirigidaa w parente próximo, ainda que ambos saibam que essa correspondCnçia con~rola& e que as -1 ii honra chegarão, portanto, ao conheci-
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-to da vítima. O Tribunal iâlou aqui da n e c d d a d e de garantir um "espaço L..) e m que o individuo esteja entregue apenas a si mesmo, san qualquer vigiMncia externa, ou em que ele possa se relacionar
ctym pessoas de sua especial confiança sem levar e m conta expectativas sociais de comportamento e sem medo de sanções estataisn." E na deciao sobre a; escuta domiciliar, medida polemicamente chamada de grosser L-xtisch~gnfl(tradução literal. e deselegante &grandeataque da escwta"), i q & so Tribunal claros limites: "O desenvolvimen~oda persoflálbikdade na d e r a nuclear da vida privada pressupõe a
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possibilidade de expressar eventos internos, como sensações e sentirnenms, bem como reflexões, opiniões e experiências de caráter personalíssimo (...I Pertencem a essa esfera também expressões de sentimento, de experiências inconscientes e fornias de manifestação da s e x ~ a l i d a d e "Também .~~ a decisão que ora conientamos so passa a ocupar-se da proporcionalidade depois que examina e exclui uma violaçáo dessa esfera nudear (n. 40). Mas por que chega o Tribunal, ainda que partindo do mesmo critério, a uma solução diversa da aqui defendida? Urna análise mais detida revela que o Tribunal aplicou erroneamente seu critério da esfera nuclear da vida privada. "A conjunção carnal entre irmãos não diz respeito apenas a eles mesmos, mas também possui cunsequenciaç para a família, para a sociedade c o m o um todo e também para as c r i a n ~ a sque eventualmente nasçam da relaqão sexual incestuosa" (n. 40). Uma tal argumentação reduz a esfera nuclear inrocavel a algo n a prática inexistente. pois - como se observou repetidamente acima toda ação, por mais privada que seja, pode ter consequências indiretas para outros. Com essa dificuldade jA teve de se deparar o próprio S t u a r t Mill, ao propor que se diferenciassem comportamentos referidos a o próprio atuante de comportamentos referidos a terceiros.29 Quando se começa a perguntar pelas consequências, abandonou-se o campo dos imperativos de respeito e com isso o âmbito do intocável e imponderável. Respeitar a autonomia significa que se leve a sério o ser humano porque ele 6 u m ser humano, e não só porque isso nos convém. , Ainda assim, e * erro da decisão deve seMr de alerta, porque aponta para um problema que, h& de se admitir, a opiníáo aqui defendida ainda tem de superar. De um lado, a nos= posiçáo, por sua I
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referência direta a jurisprudência constitucional alemã, consegue 50lucionar o acima denominado problema de fundamentação que asso, lava a teoria do bem juridico. O problema de definição, isto é, a q quesráo de delimitar a intensa0 e principalmente a extensão do conceito utilizado, permanece por resolver. A Constituição outorga a doutrina, portanto, a nova tarefa de traçar em detalhes o mapa do intocável e imponderável, E a prova de que essa tarefa é realizável nos é fornecida pelas numerosas certezas de que aqui já dispomos: por exemplo a proibição da escravidão, do genocidio ou da torturah30 Essas rnanifeçtaçòes do indisponível demonstram, também, que nem sempre se trata de salvaguardar a esfera privada do cidadh. A esfera nuclear da airtonomia pode ser desrespeitada também publicamente. Por isso, deve-se cuidadosamente ir além da tese do Tribunal ~onstitucional,pois as razões que levam ao reconhecimento d e uma esfera nuclear da vida privada s ã o justo aquelas que impõem o respeito à autonomia do cidadão.
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Representará a decisáo do Tribunal Constitucional o fim da teoria do bem juridico? Que função pode essa teoria cumprir, além da já dada pelo critério da autonomia ou da esfera nuclear da vida privada e pelo exame de proporcionalidade? A resposta já foi dada por alguns defensores da teoria do bem juridico, como i i a s s m e r : a rigor. o exame de proporcionalidade já pressupõe uma teoria do b e m juridico, pois necessário u m ponto de referência para avalirir se um comportamento é adequado, necessário e proporcional em sentido estrito.3i Uma intervenção tem de ser id6nea e necessária para alcançar algo e ela tem de ser adequada e m ~elaçãoa algo. O fato de que n8o se pode
28. BVcrfGE 109, 279 (313); aprofundadamente: ROXIN, Klaus. Gro3er huschangriíf und Kernbereich privater Lebensgestaltung. Ln: S C H ~ Met alii (coordç.). Festschrifi jür BBttcher, Berlin, 2007, p. 159 e 5s. com ul-
tenores referencias. 29. Mim. John Stuart. On Iíberty. London: Penguin Books, 1985 (pnmeiramente publicado e m 1859), cap. 1 (p- 68 e S.); vide j A a critica do seu contemparãnco: FITZJAMES STEPHEN, James. Libmfy, Equnlity, Fraternity. Cambridge, 1967 (reimp. 2. ed.. 1874). p. 28. Mais detalhes, com refe-
rencias: GRECO,Luis. A crftica de Stuarc Mil1 ao paternalismo. Revista Brasileira de Filosofia 5 4 , 2007, p. 321 e 5s. Ip.331 e ss.)
30, Apesar de que esta última proibição esteja sendo atualmente - e erroLuís. As regras por t r k da neamente - questionada, a respeito: GREGO, exceção: reíiexóes sobre a tortura nos chamados "casos de bomba-reldgiow.RBCCrim 78, Sao Paulo: Ed. RT, 2009,p. 7 e ss. 31, HASEMER, Darf-eç Straftaten geben, die ein strafrechaches Rechwgut nicht in Mitleideuschaft ziehen? In: HEFEND~L; WOHLERS; VON HZRSCH (coords.). Die Ik-chtsgutstheorie,Baden Baden, 2003,p. 57 e SS. Cp. 60).
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autonomia acima exposto.
deç Re&tgutç in der Lehre vem strafrechtlicha HEFENDEHL; WOHLERS; VON HIRSCH(cmr&-)+ aheorie. Baden Baden, 2003. p. 155 e 5s. (171 ess-1tz durch Strafrecht? Krit 82. 1999,P-278 e
da
tewhutz.
teoria do bem juridico resta ainda a importante e maioritarismente Sequer rt.cnnhtcida tarefa de clisttnguir bem jurídicos (coletiVOS)
os a f o r ~ m de ROXIN. C ~ SWrafiecht, A Q ~ I I I Q ~f ~ i i~ ~T 4. 4.. Münchcn. 2mMv~lf , 9 2 n. 46 e ss., 76 e SS.; % m ~ wmçl~ ~
ng, in die Ethik-
Unw-r=hicht- Z U Ok-híchtstrafrecht. ~ Ein Pamdig--hel moraIischen Anspruch? h:KWNE; MIYAZAWA ( m ~ d ~ Alte . ) . Swafr~chlsstmkturenund neue ~ i k h a f i t i c h HerausJor&mng e in j a p a D e u t s c h l d , 2000, P- 15 e 5s. (p. 26, 28); SCHONEMAI*IN,Bemd Das Rechtsgúterschutzprimip ais Fluchtpunkt der verfassunwech tlickn Grenzen der Straftatbestáride und ihrer Inkvremríon. In: HEFE~D-; WoM~Em; V m HIRSCH ~ M o T ~ s - ) .Die Rech&g~&the~k,&den &den, 2003, P- 14% AMELWNG. K ~ U LDer Begriff des Rechtgu& in der h h vem stmfmchtlichen Rechtsgli rerschutr. In: HEFEND-; WOH-; vm HI-H ( ~ m r & - ) .Die Rechsgutaheorie, Baden & d a , 2003, p. 155 e m, (P. 171 e ss-); H ~ = ~ ~ ~ t f ~ oKoFlektive r a n d Rechb-~ im s t 4 r e C h t , mO2- P. 139 e 5s.; HORNLE, Grob anst&siges Verhaltm. Frankfun Kalnp
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A decisno do Tribuiial Conscit ucions1 ~ l e m à o exagera, porUnro, ao recusar de aoda a teoria do brm jurídico. Exceprionsndo-r pam arWmemto da ProteÇãão do rnatrimfinio e da família (n+42 e ss-, especialmente a menção a s "atribuíçfies que dão estrutura a uma fam?ia"*n-45) e a expressa referência à proteção da moral (". 501, o mrto da decisão não e ouira coisa que uma avaliaç~ofundada na teoria do hmjurídico. O rrro da d ~ c i s j onão é o não aplicar a teoria do bem jurfdico. e sim de esquecer a rese do libemlisino jurídico-pena~, gundo a qiial a imoralidade de um comportamento não é uma razão Para puni-lo, (7 de desconhecer O potencial da própia teoria da esfera nuclear da vida privada. A correta aplicaçaa desm deiatorna* desnecessários tanta o exame de prop~rcíonalidad~, quanto o à teoria do bem jurídico.
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