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CONCEITOS BÁSICOS EM GERONTOLOGIA Coordenação – Professora Célia Pereira Caldas
Ementa Esta disciplina é fundamentada no campo teórico da Gerontologia. O conhecimento gerontológico tem muito a contribuir para a cultura e para vida em sociedade. Trata-se de área com ligações com muitas disciplinas, como Psicologia, Ciência Política, Filosofia, Sociologia e História. Muitos teóricos têm gerado conhecimento sobre o que significa envelhecer para aqueles que estão envelhecendo. Estas análises, que operam com conceitos derivados das Ciências H um anas e Sociais Sociais,, são são teori as em ergen tes do en velh velh ecim ent o qu e pr ecisam ser aplicadas em muitas pesquisas para se estabelecerem como referenciais. Desta forma, vão se tornar mais e mais confiáveis e respeitadas à medida que seus conceitos sejam testados com mais precisão e os estudos derivados destas teorias indiquem sua capacidade de prever fatos ou fenômenos. Esta disciplina pretende oferecer a oportunidade para a discussão e o aprofundamento dos conceitos básicos que vão possibilitar a constitui ção ção d e um n ovo paradigm a no qu al os ido sos poss possam ser ser con sider ados cidadãos ativos e participantes. Conteúdo programático e docentes Introdução à Gerontologia – Célia Pereira Caldas. Caldas. Enfermeira, professora adjunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ, vice-diretora da UnATI, mestre pela UERJ e doutora pela UFRJ. Interdisciplinaridade em Gerontologia – Teresinha Mello. Mello . Psicóloga, professora do Instituto de Psicologia da UERJ, doutora pela PUC do Rio de Janeiro.
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O desenvolvimento histórico e teórico da Gerontologia – Célia Pereira Caldas. Caldas. Desenvolvimento e envelhecimento: paradigmas contemporâneos – Célia Pereira Caldas. Caldas. A prática gerontológica na atenção à saúde do idoso – Luciana Motta. Motta. Médica, coordenadora do ambulatório Núcleo de Atenção ao Idoso da UnATI, mestre pela UERJ. Ementas Introdução à Gerontologia – Célia Caldas Nesta aula serão apresentados os conceitos e os princípios básicos em Gerontologia, particularmente aqueles que fundamentam as abordagens da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo as quais o envelhecimento populacional é uma das maiores conquistas da humanidade. As pessoas idosas são uma fonte preciosa de recursos para a nossa sociedade. No entanto, suas contribuições são ignoradas. Podemos responder ao desafio de envelhecer se formos valorizados, em vez de sermos considerados apenas um “peso” para os sistemas econômicos. Para isto, é necessário que organizações multinacionais, nacionais, regionais e locais, públicas, privadas ou não-governamentais estabeleçam políticas e programas que visem um “envelhecimento ativo”. z
Interdisciplinaridade em Gerontologia – Teresinha Mello Os cuidados necessários à pessoa idosa precisam dar conta da complexidade do processo do envelhecimento. Para isso, é necessário todo o conhecimento disponível, em todas as áreas do saber. Nesta aula, serão abordados os conceitos e tipos de práticas interdisciplinares e interparadigmáticas e apontada a possibilidade de uma abordagem transdisciplinar. z
O desenvolvimento histórico e teórico da Gerontologia – Célia Pereira Caldas O propósito desta aula é apresentar o desenvolvimento histórico e as aplicações das teorias do envelhecimento, pois é muito importante a fundamentação teórica nos discursos sobre os problemas do envelheciz
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mento. Vamos procurar integrar as perspectivas evolucionárias biológicas, sociais e culturais numa abordagem transdisciplinar. Desenvolvimento e envelhecimento: paradigmas contemporâneos – Cél ia Per ei r a Caldas A aula vai focalizar a evolução do campo desde a década de 1970, quando começaram a se delinear os paradigmas L if e-Span , em Psicologia, e Life Course , em Sociologia, num contexto intelectual e social influenciado não só pelos avanços científicos precedentes na Biologia, na Sociologia e na Psicologia do Desenvolvimento como também pelo progresso social e pelas mudanças demográficas nos países que produziam conhecimento. Atenção especial será dada aos avanços metodológicos proporcionados pela adoção desses novos paradigmas, pelas teorias contemporâneas e pelos dados empíricos a eles vinculados. z
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A prática gerontológica na atenção à saúde do idoso – Luciana
Motta Esta aula se destina a discutir o processo de avaliação e assistência integral ao idoso, com o objetivo de exercitar o planejamento de intervenção em equipe, de acordo com o paradigma de atenção integral. Será apresentado o m odelo de trabalho desenvolvido n o N AI/ U nAT I/ UERJ.
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INTRODUÇÃO À GERONTOLOGIA Célia Pereira Caldas
A Gerontologia é um campo interdisciplinar que visa estudar as mudanças típicas do processo do envelhecimento e de seus determinantes biológicos, psicológicos e socioculturais. É um campo m ultip rofission al e m ultid isciplinar. Emb ora a Gerontol ogia envolva mu itas disciplinas, a pesquisa repousa sobre um eixo formado pela Biologia, pela Psicologia e pelas Ciências Sociais. A Geriatria é o estudo clínico da velhice. Compreende a prevenção e o manejo das doenças do envelhecimento. É uma especialidade em Medicina e também em Enfermagem, Odontologia e Fisioterapia. Em termos biológicos, o envelhecimento compreende os processos de transformação do organismo que ocorrem após a maturação sexual e que im plicam n a dim inu ição gr adual d a prob abilidade de sobr evivência. No entanto, o envelhecimento e o desenvolvimento são processos que coexistem ao longo do ciclo vital. A idade cronológica é uma informação que não diz muito sobre o real envelhecimento humano, embora seja um parâmetro importante para o planejamento de políticas de atenção ao idoso ou para a gestão de serviços. A única característica importante a ser destacada em relação ao processo de envelhecimento humano é a heterogeneidade. Ou seja, cada indivíduo envelhece de maneira própria, pois se trata de um processo multifatorial. Tradicionalmente, considera-se a velhice uma “terceira idade”; a infância é a primeira idade, e a idade adulta, a segunda. Hoje, com o aumento da expectativa de vida já próximo ao limite biológico da espécie humana, fala-se de uma “quarta idade”, que seria um período difícil de se determinar, pois foge ao critério cronológico. A quarta idade seria uma fase da vida na qual o organismo não consegue dar conta das de-
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mandas exigidas pelo meio ambiente e os recursos externos – meios de apoio e suporte – se tornam insuficientes. Ou seja, na quarta idade vale o conceito de idade funcional e não o conceito de idade cronológica. A capacidade funcional é o principal indicador da capacidade adaptativa do ser humano. Sua determinação nos informa sobre a idade ou o envelhecimento funcional do indivíduo, e isso não depende da idade cronológica. Ou seja, existem pessoas jovens cronologicamente e bastante envelhecidas funcionalmente, e vice-versa. Já a idade social é determinada pela atualidade da participação na sociedade. O envelhecimento social ocorre quando existe um desengajamento do indivíduo, que deixa de interagir socialmente. Isto é, quando a sociedade oferece oportunidade para o engajamento e os indivíduos mantêm a capacidade de se adequarem ao desempenho de papéis sociais, o envelhecimento social pode até não ocorrer. A aposentador ia e a chamada “síndr om e do n inh o vazio”, qu e é quand o a mu lher que se dedicou à família se vê só com a partida dos filhos, são situações que podem precipitar o envelhecimento social. Por isso, é muito importante que o indivíduo atualize seus projetos de vida. Idade psicológica e envelhecimento psicológico se referem à relação entre a idade cronológica e as capacidades de percepção, aprendizagem e memória – potencial de funcionamento futuro –, e inclui um senso subjetivo de idade, na comparação com outros. Embora haja uma alteração das funções cognitivas, perceptíveis em testes de desempenho m ental com o avançar da idade, não foi detectada um a alteração m arcant e na personalidade. Destacam-se como características psicossociais do envelhecimento, a vivência de perdas, o declínio físico, a intensificação de reflexões sobre a vida e a diminuição de perspectiva de futuro. São características de um pr ocesso n atur al d e d esenvolvim ent o em fases avançadas da vid a, ou seja, de um envelhecimento normativo. O envelhecimento normativo pode ser sistematizado em dois níveis: o primário, que está presente em todas as pessoas, por ser geneticamente determinado, e o secundário, que varia entre indivíduos e é decorrente de fatores cronológicos, geográficos e culturais. O conceito de envelhecimento bem-sucedido (Rowe & Kahn, 1987) envolve baixo risco de doenças e de incapacidades, funcionamento físico e mental excelente e envolvimento ativo com a vida. Depende da capacidade de adaptação às mudanças físicas, emocionais e sociais. Esta ha-
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bilidade é o resultado da estrutura psicológica e de condições sociais construídas ao longo da vida. Para um envelhecimento bem-sucedido, é necessário que haja a substituição simbólica das inexoráveis perdas por ganhos em outras dimensões; é preciso o atendimento às necessidades sociais, com boas condições de vida e op or tun idades sociocult ur ais, e a reno vação do s pr ojetos de vida. Já o envelhecimento malsucedido se dá quando ocorre perda dos projetos de vida; falta de reconhecimento; dificuldade de satisfazer suas próprias necessidades; sentimentos de fragilidade, incapacidade, baixa estima, dependência, desamparo, solidão, desesperança; ocorrência de ansiedade, depressão, hipocondria e fobias. As doenças que colocam a vida em risco, a morte de pessoa próxima, a saída dos filhos de casa, as mudanças de residência, a privação da autonomia e as perdas materiais são circunstâncias importantes para que se estabeleça um processo de envelhecimento malsucedido. Qualidade de vida pode ser definida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (WHOQOL Group). Na velhice, os principais indicadores de qualidade de vida são a própria longevidade, a saúde biológica, a saúde mental, a satisfação com a vida, um bom desempenho cognitivo, a competência social, a produtividade e a atividade. A fragilidade é outro conceito importante em Gerontologia. É definida como uma vulnerabilidade que o indivíduo apresenta aos desafios do próprio ambiente. Esta condição é observada em pessoas muito idosas, ou naqueles mais jovens, que apresentam uma combinação de doenças ou limitações funcionais que reduzem sua capacidade de se adaptar ao estresse causado por doenças agudas, hospitalização ou outras situações de risco. A fragilidade representa risco de dependência, que se traduz por uma ajuda indispensável para a realização dos atos elementares da vida. Não é apenas a incapacidade que cria a dependência, mas sim o somatório da incapacidade com a necessidade. Por outro lado, a dependência não é um estado permanente. É um processo dinâmico cuja evolução pode se modificar, e até ser prevenida ou reduzida, se houver um ambiente e assistência adequados. Faz-se necessário classificar a incapacidade em graus de dependência: leve, parcial ou total. É exatamente o grau de dependência que
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determina os tipos de cuidados que serão necessários. Para se avaliar o grau de dependência, utiliza-se o Método de Avaliação Funcional. Função é a capacidade do indivíduo de se adaptar aos problemas cotidianos, ou seja, àquelas atividades que lhe são requeridas por seu entorno imediato, o que inclui a sua participação social, ainda que apresente limitação física, mental ou social. Martins Sá (2002), ao apresentar o perfil do gerontólogo, declara que este profissional precisa estar apto a apreender, histórica e criticamente, o processo do envelhecimento em seu conjunto; compreender o significado social da ação gerontológica; situar o desenvolvimento da Gerontologia no contexto sócio-histórico; atuar nas expressões da questão da velhice e do envelhecimento, com elaboração e implementação de propostas para o enfrentamento; realizar pesquisas que subsidiem a formulação de ações gerontológicas; compreender a natureza interdisciplinar da Gerontologia, com ações compatíveis no ensino, pesquisa e assistência; zelar por uma postura ética e solidária no desempenho de suas funções e orientar a população idosa na identificação de recursos para o atendimento às necessidades básicas e de defesa de seus direitos. Referências bibliográficas M ARTI N S DE SÁ, J. L. A for m ação de recursos hu m anos em Gero nto logia: fund am ento s epistemo lógicos e con ceituais. In : FREIT AS, E. V. et al. ( O rg.) . Tratado de Geriatria e Gerontologia . Rio de Janeir o: Gu anabara Ko ogan, 2002. MORAGAS, R. M. Gerontologia social : envelhecimento e qualidade de vida. São Paul o: Pauli n as, 1997. NERI, A. L. Pal av ras-chav e em Geron tologia . Campinas, SP: Alínea, 2001. ROW E, J. W. & KAH N , R. L . Successful aging . New Yor k: Dell T rade Paperback, 1999.
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AULA 2
INTERDISCIPLINARIDADE EM GERONTOLOGIA T eresin ha M ell o da Sil veir a
O número crescente de idosos no Brasil e no mundo conduz a pensar na atenção e cuidados adequados a essa faixa da população. O envelh ecer é um a etapa do ciclo d e vida com perd as e ganh os, inserid a em um momento histórico, sociocultural, econômico e político, como qualquer outra fase da vida. Diante disso, os profissionais de Saúde se vêem confrontados com as demandas da totalidade do sujeito idoso. É nesse contexto que as práticas interdisciplinares se apresentam como um modelo adequado para os profissionais que vão trabalhar com adultos mais velhos na área da Educação e da Saúde. As especializações científicas têm seu apogeu no início do século XX, com o objetivo de possibilitar o aprofundamento do saber. Surgem as ramificações que buscam atingir o nível micro, como o estudo do gene de uma bactéria, por exemplo. A despeito da importância destes estudos, a compartimentalização favorece o esfacelamento do conhecimento se não houver uma ponte para o diálogo e para possíveis ligações. Faz-se necessário estabelecer conexões lógicas em prol de um objetivo maior. Assim, a interdisciplinaridade toma expressão na década de 70 do século passado. Segundo Japiassu (1976), a interdisciplinaridade se faz com a colaboração de disciplinas diferentes ou de setores heterogêneos de uma mesma ciência. Contudo, é preciso que haja interação e um tanto de reciprocidade nos intercâmbios para que cada disciplina, ao final, saia mais enriquecida. O espaço interdisciplinar é, ao mesmo tempo, teórico e prático, se levarmos em conta a complexidade das questões humanas. Assim, tanto a produção de conhecimento – que tem uma dimensão teórica – é favorecida pelo intercâmbio disciplinar como a necessidade de atender às demandas sociopolíticas – dimensão prática – são metas da abordagem interdisciplinar.
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O termo interdisciplinaridade comporta conotações diversas, e varia desde a busca de um consenso, o que nem sempre é possível, até a abertura para acatar o único, o particular, o estranho que poderá levar a novas descobertas. As nomenclaturas variantes, m u l t i , p l u r i e trans disciplinaridade são utilizadas, por vezes, indiscriminadamente. Entretanto, Vasconcelos (2002) dá a cada termo uma definição própria, embora os cite como “práticas inter”. As práticas multi estão presentes nos ambulatórios onde se desenvolvem trabalhos isolados de profissionais de diferentes áreas, sem cooperação e sem intercâmbio, e pode ter uma coordenação que, nesse caso, seria apenas administrativa. As práticas pluri envolvem informações trocadas ou observações feitas a respeito de algo ou de alguém, sem proposta de participação interativa, quer nas reuniões de casos clínicos de caráter informativo quer nas avaliações, ou meta de planejamento de ação, sem pretender acrescentar nada, apenas com interações pontuais. Vasconcelos (2002) chama a atenção para as práticas pluriauxiliares , que dizem respeito à “utilização de contribuições de um campo de saber para o dom ínio de um deles” ( p. 112) . N um enfo que crítico, o autor cita a expressão “paramédica” como ilustrativa dessas práticas. E aponta que elas tendem ao imperialismo epistemológico, na medida em que uma disciplina se mantém hegemônica ao se apropriar da contribuição de outras. As práticas inter são aquelas que, ao levar em conta que existe uma problemática comum, envolvem participação interativa, cooperação, questionamentos, trabalho conjunto de olhares diferentes, e promovem recolocações e mudanças estruturais com geração de reciprocidades. Essas pr áticas, dem andadas po r um a coord enação d e um nível hi erarqu icamente superior, tendem à horizontalização das relações de poder. Neste formato, a coordenação passa a ser estabelecida pela “finalidade maior que redefine os elementos internos dos campos originais” (p. 112). Por fim, o autor cita o campo trans , que seria a radicalização do nível inter “com a estabilização de um campo teórico, aplicado ou disciplin ar d e tipo n ovo ou m ais am plo” ( p. 114), e exem plifica com a Saúde Coletiva e a Ecologia. Jacob-Filho e Sitta (1996) não fazem distinção entre multi, inter e transdisciplinaridade. Eles sugerem que a discussão sobre essas denomi-
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nações, na prática, deixa de ser importante, e valorizam o conceito mais amp lo de equipe . Par a eles, “ se falar m os de múlti p los profissionais inter a tivos, com interesse de trans ferir conh ecim entos em tod os os sentid os, estamos falando de uma equipe, tenha ela o adjetivo que tiver, e não de um conjunto de profissionais” (p. 440). Numa equipe multidisciplinar não existe hierarquia de papéis. Profissionais de diversas áreas do saber, com diferentes propostas de trabalho e atuações variadas, agem dentro dos seus limites e interseções, num exercício constante – a interdisciplinaridade é uma construção. Ela deve ser desenvolvida de tal forma que as “ações sejam planejadas e executadas segundo um código de ética e de organização comum a todos os integrantes” (p. 442). O trabalho com ido sos, em seu m od elo m ais atual, se concr etiza na interdisciplinaridade. No entanto, não se trata de quem está com a razão e sim qual é o objetivo de cada profissional. A prática da interdisciplinaridade implica numa tentativa constante de acrescentar algo ao conhecimento de um determinado especialista, em prol da totalidade da pessoa que procura um atendimento. Torna-se necessário uma visão de conjunto, na qual olhares diferentes contribuem para a compreensão de um ser global. Falar em ser global faz lembrar que a interdisciplinaridade se torna mais relevante como um apelo aos estudiosos para se preocuparem com o homem enquanto humano. Assim, a interdisciplinaridade, para além do técnico e do científico, tem uma chamada ética. Ela inclui uma postura de abertura, de cooperação, de exercício de uma boa comunicação, de respeito às diferenças em prol do que se propõe. Desta forma, a interdisciplinaridade transcende o conhecimento e, na medida em que envolve o portador desse saber, ela só é plenamente reconhecível quando é possível vivê-la. Por fim, cabe-nos dizer que o exercício da interdisciplinaridade exige esforço, já que posições diferentes geram conflitos que podem e devem ser geridos pelo grupo, quando não solucionados. Contudo, alguns fatores favorecem e outros dificultam, ou mesmo obstruem, o fluir da prática em equipe. De fato, é preciso que os participantes sejam razoavelmente maduros e construtivos, diminuam as lutas pelo poder e equilibrem competição e cooperação, fenômenos sempre presentes nos grupos. É preciso que haja competência e segurança para que os participantes não se sintam ameaçados de perder sua identidade profissional
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e mantenham atitudes corporativistas. Resta-nos lembrar que, se a instituição tiver uma outra ideologia de trabalho, as equipes interdisciplinares estão fadadas a fracassar. Referências bibliográficas JACOB FILH O , W. & SIT TA, M . C. Interprofissionalidade. In: PAPALÉO NET TO , M . et al. Gerontologia: a velhice e o envelhecimento em visão globalizada. São Paulo: Atheneu, 1996. p. 440-450. JAPIA SSU , H . Interdisciplinaridade e patologia do saber . Rio de Janeiro: Imago, 1976. VASCONCELOS, E. M. Complexidade e pesquisa interdisciplinar : epistemologia e metodologia operativa. Rio de Janeir o: Vo zes, 2002.
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AULA 3
O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E TEÓRICO DA GERONTOLOGIA Célia Pereira Caldas
A preocupação com o envelhecimento existe desde a Antigüidade. Referências podem ser encontradas em textos arcaicos em sânscrito, em evidências arqueológicas, na Bíblia, nas pinturas em cavernas, nos dramas clássicos, na poesia e alegorias medievais, nos relatos do início da era médica moderna e nos achados dos alquimistas. Mas foi apenas no século XIX que se disseminou um pensamento gerontológico. Adolphe Quetelet e Jean-Martin Charcot são personagens importantes para o d esenvolvimento da Geronto logia no século X IX . Adolp he Quetelet (1842) defendia que “o homem nasce, cresce e morre de acord o com certas leis qu e pr ecisam ser in vestigadas”. Jean -M arti n C h arcot (1867), em sua obra Doenças dos idosos e suas enfermidades crônicas , chamo u a atenção nos Estados Unidos para o envelhecimento, pois propunha paradigmas etiológicos e técnicas modernas. O início do século XX foi marcado pelas formulações de Elie Metchnikoff, com suas obras A natureza do homem ( 1903) e O prolon gamen - to da vida (1908). A Geriatria surge a partir de 1914, quando I. L. N ascher pub licou Geriatria . Embora no formato se pareça muito com o compêndio de Charcot, o trabalho de Nascher é um precursor da Sociolo gia médi ca. Seu sub títul o As doenças da velhice e seu tratamento, incluindo o envelhecimento fisiológico, o cuidado domiciliar e institucional e relações médico- legais atesta a orientação transdisciplinar. Esta obra introduz o termo
Geriatria e estabelece a agenda para análises abrangentes e integrativas das condições de vida na velhice. Em 1922, G. Stanley H all pu blicou Sen escên cia . Metade desta obra recupera os modelos pré-modernos de envelhecimento. Utiliza o conceito de “senectude bem-sucedida”, e critica os arranjos sociais contempo-
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râneos. Em seu texto, ele mescla resultados da pesquisa básica sobre o envelhecimento com sugestões práticas para os idosos. Nos anos anteriores à Segunda Grande Guerra, as abordagens holísticas ganham força nos Estados Unidos. Os cientistas se preocupam com o estabelecimento de uma “grande teoria” que abrangesse todo o conhecimento de outras disciplinas para explicar o envelhecimento. A realização mais destacada deste período foi a obra Problemas do envelheci- mento , de 1939, organizada e editada por E. V. Cowdry, com recrutamento de 25 cient istas e apoio fin anceiro do Con selho N acion al de Pesqui sa. Esta obra permanece como um marco, pelo qual se pode avaliar os esforços subseqüentes para a construção teórica gerontológica. Ao longo de todo o século XX houve uma polarização entre os teóricos e os cientistas que se preocupavam com o envelhecimento: alguns especialistas afirmaram que o envelhecimento resultava de “doenças degenerativas” enqu anto out ro s consider avam o envelh ecim ento com o um processo natural, sem relação com qualquer particular patologia. Joh n D ewey, o m ais im po r tante filó sofo n or te-amer icano n esta épo ca, enfatizava a dificuldade inerente ao fato de se desconectar dados “científicos” do contexto “social”. Ele foi um precursor do reconhecimento de que, não importam os mecanismos subjacentes, as expressões das nuanças dos contextos sociais podem traduzir a diferença entre o que Rowe & Kahn (1987) se referiram meio século após como envelhecimento “normal” ou “envelhecimento bem-sucedido”. Na segunda edição de Problemas do envelhecimento , em 1942, Lawrence Frank apontou que “o problema é multidimensional e irá requerer para sua solução não apenas uma abordagem multidisciplinar, mas também uma correlação sinóptica de diversos achados e diversos pontos de vista”. Estas posições emolduraram a agenda do desenvolvimento da Gerontologia no século XX. Os esforços de Cowdry, John Dewey e Lawrence Frank para construir teorias baseadas na multidisciplinaridade não foram continuados pelas gerações subseqüentes de pesquisadores do envelhecimento. A maioria dos gerontólogos construiu sua reputação ao se aprofundar nos temas relativos ao envelhecimento, em sua especialidade de origem. A partir de então, teorias inovadoras passaram a surgir do trabalho realizado no interior de campos específicos e não de investigações conduzidas com lógica interdisciplinar. A American Geriatrics Society, fundada em 1942, complementaria a missão da Gerontological Society of América
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(1945), mas se subscreve aos cânones das Ciências Médicas e endossa apenas secundariamente os princípios da pesquisa transdisciplinar. O esforço para gerar teorias ressurge no pós-Guerra. Só que agora cada área se preocupa com seus objetos próprios, sem buscar uma integração de saberes com os outros campos de conhecimento. Assim, a Biologia desenvolve as teorias biológicas do envelhecimento e as Ciências H um anas e Soci ais aper feiço am as teo r ias p sico ló gicas e soci ais. Os biólogos assumem como definição de envelhecimento “uma série de mudanças letais que diminuem as probabilidades de sobrevivência do indivíduo” e passam a se preocupar com a busca pelos determ in antes ou m arcado res do envelh eciment o. As teori as bio lógicas mais conhecidas são as seguintes: Teoria do Envelhecimento Celular (Weismann, 1882); Teoria do Uso e Desgaste (Pearl, 1928); Teoria dos Radicais Livres (Harman, 1956); Teoria da Mutação Somática (Curtis, 1961); Teorias Imunológicas (Walford, 1969; Finch & Rose, 1995); e Teorias Hormonais – Relógio Biológico (Denckla, 1975). Nas Ciências Sociais, principalmente na Psicologia e na Sociologia, observa-se maior esforço para gerar teorias do envelhecimento. Na Sociologia, há três gerações distintas de conceituações. A primeira, de 1949 a 1969, caracterizou a Gerontologia Social, cujos precursores são as obras P e r s o n a l A d j u s t m e n t i n o l d A g e ( C a va n , B u r g e ss, H a vi n g h u r s t & Goldhammer, 1949) e Older People ( H avingh ur st & Alb recht, 1953). São os marcos teóricos da Gerontologia Social. Estes esforços se alinhavavam com as abordagens da Psicologia Social e tratavam das várias formas de atividade e da satisfação de viver. Para explicar o ajuste em face do suposto declínio entre os idosos, estas abordagens se baseavam em fatores de nível micro, como papéis, normas e grupos de referência. As teorias desta geração destacam o indivíduo com o a un idade d e an álise, no seu esfor ço de exp licar os padr ões ótim os e os padrões não funcionais de ajuste. Estas teorias foram apresentadas como modelos aplicáveis universalmente, independentes de arranjos contextuais ou sociais. Virtualmente sem exceção, os primeiros esforços se concentraram no ajuste individual, com os fatores sociais considerados como inquestionavelmente dados. São alguns exemplos de teorias sociológicas da primeira geração: Teoria do Desengajamento (Cumming & Henry, 1961); Teoria da Atividade (Havig hurst, 1968); Teoria da Modernização (Cowgill & Holmes, 1972); e Teoria da Subcultura (Rose, 1965).
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A segunda geração das teorias sociológicas do envelhecimento, de 1970 a 1985, adotou uma abordagem estrutural no nível macro e incluiu a estratificação por idade e teorias de modernização. O foco estava nas for m as pelas qu ais as con di ções estr utu rais cambi antes di tam os par âmetr os do processo de envelhecimento e a situação do idoso como uma categoria coletiva. Como reação aos seus pares da primeira geração, os teóricos da segund a geração sugerem qu e o foco n o n ível ind ividual é redu cion ista e desnecessário. Nesta abordagem, considera-se que as pessoas envelhecem de acordo com a maneira que a sociedade se organiza, com a agenda política, e com o posicionamento dos indivíduos na hierarquia social. A unidade de análise nesta concepção é a circunstância estrutural e não os atributos derivados do indivíduo. São alguns exemplos das teorias sociológicas da segunda geração: Teoria da Continuidade (Atchley, 1989); Teoria do Colapso de Competência (Kuypers & Bengtson, 1973); Teoria da Troca (Dowd, 1975); Teoria da Estratificação por Idade (Riley, Johnson & Foner, 1972); e Teoria Político-Econômica do Envelhecimento (Walker & Minkler, década de 1980). A terceira geração de teorias sociológicas do envelhecimento, na década de 1990, busca uma posição intermediária. Os atores são vistos como contribuintes ativos para os seus próprios mundos. A perspectiva é fazer a síntese das duas gerações anteriores. A terceira geração incorpora a preocupação estruturalista com a distribuição de recursos, com aspectos econômicos, e com os rumos da economia; mas também reconhece que os atores criam significado e até a estrutura tem nuanças distintas, de acordo com o modo como é vista pelos atores. Talvez a transição mais importante tenha sido o reconhecimento de que o envelhecimento é um processo baseado em experiências, não ocorre isoladamente, e é altamente influenciado pelas condições do entorno. Exemplos de teorias sociológicas da terceira geração: Teoria do Construcionismo Social; Teoria Crítica; Perspectiva do Curso de Vida. N a Psicologia, o en velhecim ento é visto com o p arte do pr ocesso d e desenvolvim ento hu m ano. Algu m as teorias psicológicas do envelh ecim ento visam características amplas, como a personalidade, enquanto outras exploram facetas particulares da percepção ou memória. Em qualquer caso, o p ro pó sito da Psicologia de D esenvolvim ento Ad ulto e do Envelhecimento é explicar como o comportamento se organiza no adulto e em que circunstâncias se torna ótimo ou desorganizado. As teorias psicológicas do envelhecimento podem ser sistematizadas em três paradigmas:
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Paradigma da Mudança Ordenada (Bühler, 1935; Jung, 1930; Erikson, 1950); Paradigma Contextualista (Neugarten, 1969; Havighurst, 1951); e Paradigma do Desenvolvimento ao Longo de Toda a Vida ( L if e-Span Development ), de orientação dialética (Riegel, 1973, 1975, 1976). Referências bibliográficas H END RICKS, J. & ACH ENBAU M , A. H istor ical developm ent of theories of aging. In : BENGT SON , V. L . & SCH AIE, K. W. (Eds.). H an dbook of theories of agin g. New York: Springer Publishing Company, 1999. NERI, A. L . Pala vr as-chav e em Geron tologia. Cam pi n as, SP: Alín ea: 2001. ____. Par ad igm as con tem p or ân eo s sob r e o d esen vo lvim en to h u m an o em Psicologia e em Sociolo gia. In : ____. (O rg.) . Desenvolvimento e envelhecimento . Campinas, SP: Papirus, 2001. ____. T eo r ias p sicológi cas d o en vel h ecim en to. I n : FREI T AS, E. V. et al . Tratado de Geriatria e Gerontologia . Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. ____. RO WE, J. W. & KAH N , R. L . Successful Aging. N ew York : Dell T rade Paperback, 1999. SIQ U EIRA, M . E. C. Teor ias sociol ógicas do envelhecim ento . In : FREIT AS, E. V. et al . T rat ado de Geri atr ia e Geront ologia . Rio de Janeir o: Guan abara Koogan , 2002.
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AULA 4
DESENVOLVIMENTO E ENVELHECIMENTO: PARADIGMAS CONTEMPORÂNEOS Célia Pereira Caldas
O Paradigma do Desenvolvimento ao Longo de Toda a Vida ( L i fe-Span Developmen t ) é reconhecido como fundamental para a investigação gerontológica mais atual. Embora seja uma abordagem originada na Psicologia, esta perspectiva teórica é fruto de uma síntese entre as perspectivas sociológicas e psicológicas. Suas formulações têm origem nas óticas do Ciclo de Vida – da Psicologia – e do Curso de Vida – da Sociologia. Na Psicologia, a perspectiva do Ciclo de Vida, proposto por Erik Erikson na década de 1950, adota o critério de estágios como princípio organizador do desenvolvimento – Paradigma da Mudança Ordenada. Na Sociologia, o ponto de vista do Curso de Vida – a partir de 1970 – entende que a sociedade constrói percursos de vida na medida em que prescreve expectativas e normas de comportamento apropriado para as diferentes faixas etárias – teorias sociológicas de segunda e terceira geração. Ainda na Psicologia, Erikson (1950) consagrou o termo “Ciclo de Vida” quando o utilizou em sua teoria de desenvolvimento sobre as oito idades do homem. Em sua concepção, as idades representam ciclos; também a vida humana, uma vez completa, representa um ciclo. O autor exerceu influência sobre os teóricos dos modelos de Curso de Vida – Sociologia – e L i fe-Span – Psicologia. Na Sociologia, a perspectiva do Curso de Vida começa a se firmar na década de 1970 e é usada para se analisar questões como a natureza dinâmica e processual do envelhecimento; como o envelhecimento é moldado pelo contexto, pela estrutura social e pelos significados culturais; e como o tempo, o período histórico e a coorte acomodam o processo de envelhecimento, tanto para indivíduos como para grupos sociais.
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Nesta visão, critérios de classe social, etnia, profissão e educação se entrelaçam com a idade para determinar a posição dos indivíduos e dos grupos na sociedade. Pode ser identificada a partir da Teoria da Estr atificação p or Id ade – segund a geração –, m as se firm a com o u m a perspectiva de terceira geração – década de 1990. É influenciada pelas teorias psicológicas do relógio social e das tarefas evolutivas – Paradigma Contextualista, em Psicologia. A perspectiva de Curso da Vida apresenta os seguintes elementos: o envelhecimento acontece desde o nascimento até a morte – não há um foco exclusivo na velhice; o envelhecimento envolve processos sociais, psicológicos e biológicos; a experiência de envelhecer é marcada por fatores históricos de coorte. O primeiro teórico a propor uma visão dialética no âmbito da Psicologia do Desenvolvimento foi Klaus Riegel, ao apresentar a perspectiva dialética da cognição (Riegel, 1973). Esta teoria se refere à capacidade de se viver em meio a contradições e à habilidade que o ser humano tem de sintetizar o conhecimento como resultado de uma longa experiência de vida. Neste ponto de vista, os idosos podem não ser bemsucedidos em operações formais em testes cognitivos, mas têm êxito em avaliações dialéticas. Operações formais não representam a medida da inteligência na maturidade. O pensar, em qualquer idade, é essencialmente dialético. Riegel (1975, 1976) também contribuiu com este paradigma por meio de outra abordagem: a perspectiva dos Eventos da Vida, que considera que a pessoa vai mudando à medida que a estrutura social se transforma. Assim, a situação pessoa–ambiente é totalmente passível de intervenção por meio de medidas físicas, psicológicas e sociais. O desenvolvimento é influenciado pelos seguintes processos: processo biológico interno de maturação e declínio sensorial na idade avançada; processo extra-físico de maturação, que envolve eventos traumáticos; processo de maturação psicológica; e processo de maturação sociológica. Os dois últimos envolvem a capacidade de interagir em sociedade. Em 1987, Baltes propõe o Paradigma L i fe-Span , de orientação dialética. Para isso, Baltes sintetiza as idéias de Riegel, a perspectiva contextualista – Teoria do Relógio Social e Teoria das Tarefas Evolutivas da Vida Adu lta e da Velhice – e a Teori a da Ap ren dizagem Social, e as integra com o Paradigma da Mudança Ordenada (Bühler e Erikson), o que resulta na proposição de que existem três classes de influência sobre
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o desenvolvimento: a) normativas, graduadas por idade; b) normativas, balizadas por história; e c) não-normativas. As variáveis normativas graduadas por idade são as influências biológicas e socioculturais claramente associadas à passagem do tempo. Por exemplo, maturação física; casamento, etc. As variáveis normativas ligadas à história são eventos de alcance genérico, que são vividos por indivíduos de uma dada unidade cultural e que guardam relações com mudanças biossociais que afetam todo o grupo etário. São exemplos, a guerra, as crises econômicas, etc. As variáveis não-normativas podem ser de caráter biológico ou ambiental e não atingem a todos os indivíduos de um grupo etário ao mesmo tempo. Podemos exemplificar com desemprego, divórcio, adoecer repentinamente, etc. A descrição do envelhecimento cognitivo como um duplo processo que prevê o aperfeiçoamento da inteligência cristalizada e, ao mesmo tempo, o declínio da inteligência fluida exemplifica essa questão. O Paradigma de Desenvolvimento ao Longo de Toda a Vida – L i fe-Span – adota uma perspectiva de “declínio com compensação”. De fato, há prejuízos nas capacidades biológicas e comportamentais. No entanto, o declínio é moderado por experiências sociais que produzem capacidades socializadas estáveis ou até crescentes. Para Baltes (1987, 1997), a idade cronológica não causa o desenvolvimento nem o envelhecimento, mas é um importante indicador. Na verdade, o desenvolvimento se estende por toda a vida. Trata-se de um processo finito e limitado por influências genético-biológicas, determinantes que o indivíduo na velhice seja cada vez mais dependente dos recursos da cultura e, simultaneamente, cada vez menos responsivo às suas influências. Com o envelhecimento, diminui a plasticidade comportamental, definida como a possibilidade de mudar para se adaptar ao meio. Fica resguardado o potencial de desenvolvimento, dentro dos limites da plasticidade individual, a qual depende das condições históricoculturais. Cada idade tem sua própria dinâmica de desenvolvimento. Referências bibliográficas NERI, A. L. Paradigmas contemporâneos sobre o desenvolvimento humano em Psicologia e em Sociolo gia. In : NERI, A. L. ( O rg.). Desen vol vi mento e en velhecimen- to . Campinas, SP: Papirus, 2001. ____. T eorias psicoló gicas do en velh ecim en to . I n: FREIT AS, E. V. et al. ( O rg.) . Tratado
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de Geri atr ia e Geront ologia .
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. SIQ U EIRA, M . E. C. Teori as Socioló gicas do Envelh ecim ento. I n: FREIT AS, E. V. et al. (Org.). Tratado de Geriatria e Gerontologia . Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
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A PRÁTICA GERONTOLÓGICA NA ATENÇÃO À SAÚDE DO IDOSO L uciana Bran co da M otta
A interdisciplinaridade é intrínseca à constituição do campo da Gerontologia, pois o processo de envelhecimento permeia todos os aspectos da vida, do biológico ao social, e demanda um trabalho em equipe para sua operacionalização. Martins de Sá (1998) trabalha a definição de Gerontologia como ciência e explicita que ela utiliza conteúdos científicos e técnicos de outros campos, dos quais participam dimensões biológicas, psíquicas, sociais, culturais e estéticas. “Não se pode fragmentar o objeto porque a parte que ela isola ou arranca do contexto originário do real – o velho e o processo de envelhecimento – só pode ser explicada efetivamente na integridade de suas características” (p. 43). Assim , a Geron tolo gia não se lim ita a um a incor po ração d e saberes, mas é um processo de criação contínua de novas estruturas conceituais e operacionais. Estes conhecimentos, ao romperem com as estruturas disciplinares de origem, são recombinados, reconstruídos e sintetizados de forma a configurar uma nova totalidade. Portanto, a interdisciplinaridade é característica do processo de estudo da Gerontologia, com troca permanente de conhecimentos, movimento constante e estabilid ade din âmica. A estru tur a teór ico-m etodol ógica pode ser explicada como um conjunto de procedimentos interligados, interdependentes e coerentes. Outro autor, Bass (2000), também analisa o conceito de Gerontologia, e lista suas bases de conhecimento: estud o científico do envelh ecim ento, p erpassa por várias disciplinas incluindo a biologia, psicologia, sociologia, ciência política, hi stór ia, antro pol ogia, econo m ia, hu m anid ades, ética, sendo in te-
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grada a profissões como saúde pública, enfermagem, serviço social, direito e medicina, entre outras. (p. 97)
O debate acadêmico acerca da interdisciplinaridade surge como crítica à fragmentação do saber e da produção de conhecimento. O reconhecimento d a realidade como com plexidade organizada im pli ca que se bu sque com pr eendê-la m ediante estratégias din âmicas e flexíveis de organização da diversidade percebida, de modo a se compreender as múltiplas interconexões nela existentes. (L ück, 2002)
Desse modo, a Gerontologia objetiva trabalhar com uma visão de realidade que ultrapasse os limites disciplinares e conceituais do conhecimento e extrapole a síntese de conhecimento simpl esmente por integração dos seus campos de origem, com vista à associação dialética entre dimensões polares como teoria e prática, ação e reflexão, conteúdo e processo. A prática interdisciplinar permite a superação da fragmentação, da linearidade e da artificialização, tanto do processo de produção do conhecimento como do ensino e do afastamento em relação à realidade (Lück, 2002). No campo da ciência, a interdisciplinaridade mostra a necessidade de se superar a fragmentação da produção de conhecimento. Seu objetivo é ultrapassar a visão restrita de mundo e compreender a complexidade da realidade, e com isso resgatar a centralidade humana na realidade e na produção do conhecimento como ser determinante e determinado. Representa uma nova consciência da realidade, do pensar, e ambiciona a troca, a reciprocidade e a integração entre diferentes áreas, com o objetivo de resolver os problemas de forma global e abrangente. A realidade é construída mediante uma teia de eventos e fatores que ocasionam conseqüências encadeadas e recíprocas, é dinâmica, em contínuo movimento, e construída socialmente. A verdade é relativa, pois o que se conhece depende diretamente da ótica do sujeito, não tem significado próprio, que é atribuído pelo ser humano. Desta forma, a interdisciplinaridade vem como uma reação a esta fragmentação em diversos campos, como o da Ciência, no qual pretende contribuir para a superação da dissociação do conhecimento produzido. Na Educação, representa uma condição para a melhoria de qualidade pela superação
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contínua da sua clássica fragmentação disciplinar, uma vez que orienta a formação global (Lück, 2002). É necessária uma mudança de atitude individual e institucional para que a interdisciplinaridade floresça. No campo da Saúde, a interdisciplinaridade acena com a possibilidade da compreensão integral do ser humano e do processo saúde–doença (Feuerwerker, 1998). A construção da interdisciplinaridade ultrapassa a renovação da estratégia educativa. E necessita ser consolidada por uma reestruturação acadêmica e institucional comprometida com a formação do profissional adequado para prestar atendimento eficaz, humano, baseado nas demandas do processo saúde–doença (Sobral, 1990). Vasconcelos (2002) contextualiza e define tipos de “práticas” de produção de conhecimento e interpretação da realidade como multi , inter e transdisciplinares . A prática multi é composta por campos de saber simultâneos, que mantêm um objetivo único, porém sem cooperação, e realiza um tr abalh o isolado e sem tr oca de info rm ações. Na pluri, há uma ju stap osição de cam pos em u m m esm o n ível, n o qu al ap ar ecem as r el ações existentes entre eles, com objetivos múltiplos e cooperação, porém sem coordenação. Na trans, há a estabilização de um campo teórico, aplicado ou disciplinar de tipo novo ou mais amplo em relação aos que lhe embasam. E na inter, na qual a interação participativa constrói um eixo comum a um grupo de saberes, há apresentação de objetivos múltiplos, com horizontalização das relações de poder e coordenação. Há uma busca de mudança estrutural que gere reciprocidade, identificação de problemática comum, um trabalho conjunto que coloque os princípios e conceitos básicos dos campos originais, um esforço de decodificação em linguagem mais acessível e de tradução de sua significação para o senso comum que incorpore o interesse na aplicabilidade do conhecimento produzido. Portanto, há uma recombinação dos elementos, o que permite, com o tempo, a criação de campos novos de saber: teóricos, práticos ou disciplinares. Para Vasconcelos (2002), as práticas inter se desenvolvem em campos como as disciplinas, teorias, paradigmas, campos epistemológicos, profissões e campos de saber e fazer. Porém, o termo “disciplina” é utilizado mais freqüentemente para exprimir este contexto – a interação entre fronteiras de saber. Vasconcelos (2002) ressalta os obstáculos e limitações encontrados. No campo das profissões e instituições, o conflito se deve ao processo de
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inserção histórica – na divisão social e técnica do trabalho e na constituição dos saberes enquanto estratégia de poder – e ao mandato social sobre um campo de saber. A formalização das profissões se acompanha do reconhecimento de reivindicações de um saber e competência exclusivos, aos quais é atribuído um mandato social para tomar decisões, realizar tarefas específicas, controlar recursos e responsabilidade legal, e cristalizar uma divisão social e técnica do trabalho. A legislação profissional e assistencial influencia as práticas profissionais e também as políticas sociais, a sociedade civil e o Estado. A institucionalização de organizações corporativas, como sindicatos e conselhos, que estabelecem fronteiras de saber e competência, exerce controle na formação e prática, nas normas éticas, e defende interesses econômicos e políticos de cada grupo. A cultura profissional tende a assumir valores culturais, imaginários e identidades sociais, preferências técnicas e teóricas, estilos de vida, padrões de relação com a clientela, com a sociedade e com a vida política. Outro fator de dificuldade é a precarização das condições de trabalho, nas quais os vínculos informais e frágeis, a multiplicidade de ocupações, a competitividade e a introdução de tecnologia levam a uma situação na qual a estruturação e o desenvolvimento da equipe se tornam difíceis. Referências bibliográficas FEUERWERKER, L. C. M. & SENA, R. R. Interdisciplina ridade, trabalho m ulti pr ofission al e em equ ipe. Sin ôn im os? Com o se relacion am e o que têm a ver com a nossa vida? Olho M ágico , ano 5, n. 18, p. 5-6, mar. 1998. L Ü C K , H . Pedagogia interdisciplinar : fundamentos teórico-metodológicos. 10 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. 92 p. MARTINS DE SÁ, J. L. Gerontologia e interdisciplina ridade: fundamentos epistemológicos. Gerontologia , v. 6, n. 1, p. 41-45, 1998. VASCONCELOS, E. M. Complexidade e pesquisa interdisciplinar : Epistemologia e Metodologia operativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. 343 p.