CICCOPN
2014
CENTRO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS DO NORTE
F UNDAMENTOS UNDAMENTOS DE T OPOGRAFIA OPOGRAFIA
APONTAMENTOS TEÓRICOS
Formador: Rui Guimarães Guimarães Moreira
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A.1 – A TOPOGRAFIA – OBJECTO E CAMPO DE APLICAÇÃO A.1.1 – O QUE É A TOPOGRAFIA? Etimologicamente, a palavra Topografia provém de duas palavras gregas: “topos”, que significa “lugar” e “graphos” que significa “descrição”. Nesta perspectiva, podemos considerar que a Topografia é uma actividade que se ocupa da descrição de lugares da superfície da Terra, ou seja, da representação gráfica de terrenos. No entanto, com a evolução da tecnologia e da ciência, a Topografia sofreu um enorme desenvolvimento pelo que possui presentemente um campo de aplicação muito mais vasto do que aquele que o seu nome sugere numa primeira análise. Fazendo uso de aparelhos e métodos modernos que possibilitam a execução de medições com extrema precisão, a Topografia adquiriu capacidade para realizar um vasto leque de tarefas nas quais a precisão e o rigor são fundamentais, assumindo assim uma importância vital em actividades tão diversas como a construção de obras de engenharia, o controlo de grandes estruturas, a cartografia, o ordenamento do território e as actividades militares entre muitas outras. Numa definição mais completa e consentânea com a realidade actual, podemos afirmar que a Topografia é o conjunto de ciência, método e tecnologia que tem por objectivo executar o levantamento de terrenos com vista à sua representação em planta, a implantação de obras tal como estas se encontram definidas em projecto e o controlo de estruturas para detecção de cedências e deslocamentos.
A.1.2 – O QUE É UM LEVANTAMENTO TOPOGRÁFICO? Designa-se por levantamento topográfico todo um conjunto de operações topográficas que visam medir e registar os dados de carácter qualitativo e quantitativo que caracterizam um determinado terreno e que sejam relevantes para a posterior representação desse mesmo terreno numa planta. Desses dados podemos referir, a título de exemplo, as posições relativas dos objectos existentes (construções, edifícios, estradas, árvores, rios, etc), o relevo do terreno, a toponímia, etc.
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1.1.3 – O QUE É A IMPLANTAÇÃO? A implantação, ou piquetagem, de uma obra é o processo que permite demarcar no terreno todos os pontos fundamentais que servirão de referência para a execução da obra tal como ela se encontra definida no projecto. Estes pontos podem definir, por exemplo, os alinhamentos das paredes de edifícios, o eixo e as bermas de uma estrada, as cristas e as bases de taludes, etc.
1.1.4 – O QUE É O CONTROLO DE ESTRUTURAS? Após a realização de uma obra, torna-se necessário, em muitos casos, proceder à execução de medições periódicas que permitam detectar possíveis cedências ou deslocamentos das estruturas de forma a assegurar a integridade das mesmas. A importância deste procedimento torna-se óbvia se pensarmos nas graves consequências que poderão advir da cedência de um pilar de uma ponte ou do deslocamento da estrutura de uma barragem em virtude das elevadíssimas forças a que estão sujeitas por acção das águas dos rios, por exemplo. O processo de controlo de obras exige uma monitorização permanente dos dados obtidos a partir de medições efectuadas com o máximo rigor, só possível com a utilização de aparelhos topográficos de alta precisão.
1.2 – A GEODESIA Todos os processos aplicados na execução de operações topográficas são devidamente fundamentados em conhecimentos científicos obtidos no âmbito de várias ciências, das quais se destacam a Matemática e a Física. A Geodesia é uma ciência que, pelo seu campo de estudo, assume também uma importância fundamental para a Topografia. Etimologicamente, a palavra “Geodesia” é formada por duas palavras gregas: “geo”, que significa Terra, e “desia”, que significa “divisão”. Tal como o seu nome sugere, o objecto de estudo desta ciência é o próprio planeta Terra. No âmbito da Geodesia, são efectuadas medições para determinação das reais dimensões do nosso planeta, para quantificar os deslocamentos dos Continentes, etc. A Geodesia é também responsável pela criação de sistemas de coordenadas que permitem definir com precisão as posições de pontos da superfície terrestre, permitindo assim a construção de redes geodésicas que servem de referência para a execução dos trabalhos de Topografia.
1.3 – SUPERFÍCIES DE SUBSTITUIÇÃO Como vimos atrás, é no âmbito da Geodesia que se procura criar sistemas de coordenadas que permitam definir as posições de pontos da superfície terrestre. No entanto, a irregularidade da superfície terrestre torna esta tarefa extremamente complicada, senão mesmo impossível. Para que tal seja possível é necessário, antes de mais, substituir o planeta por uma superfície homogénea, sobre a qual seja possível definir, matematicamente, a posição de qualquer ponto. Estas superfícies de substituição podem ser muito simples, como é o caso do plano, ou mais complexas, como acontece com o elipsóide.
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1.3.1 – O PLANO O plano foi o primeiro modelo que o Homem idealizou como sendo representativo da forma do planeta em que habitava e, graças à sua simplicidade, ainda hoje é utilizado para representar a Terra em algumas aplicações. Uma vez que a Topografia exerce a sua acção em áreas que podemos considerar muito limitadas quando comparadas com a superfície total da Terra, podemos dizer que, se desprezarmos a curvatura da superfície terrestre em terrenos com poucos quilómetros de raio, os erros cometidos na determinação das posições horizontais relativas entre os vários lugares serão praticamente nulos. Desta forma, as medições entre os pontos do terreno são feitas como se estes se encontrassem sobre um plano horizontal (plano topográfico), sobre o qual se define um sistema de coordenadas rectangulares que permitem definir matematicamente as posições desses pontos.
1.3.2 – A ESFERA Ainda que os cálculos para determinar distâncias e direcções sobre a esfera sejam mais complicados do que os cálculos efectuados no plano, este modelo é mais aproximado à forma real da Terra. A esfera é pois uma excelente superfície de referência para um grande número de aplicações, tendo em conta que a diferença entre os eixos polar e equatorial do nosso planeta é relativamente pequena, ou seja, aproximadamente 21 km. Repare-se que, se reduzíssemos a Terra ao tamanho de uma bola de futebol tendo em conta as respectivas proporções entre os seus diâmetros equatorial e polar, verificaríamos que a diferença entre os mesmos seria de cerca de 1 milímetro apenas.
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Outro aspecto interessante é que a diferença de altitude entre o ponto mais alto do planeta (o cume do Evereste com ±8844,43m de altitude) e o ponto mais baixo (a fossa das Marianas, com ±11034m de profundidade), corresponderia apenas a cerca de meio milímetro.
Monte Evereste
Fossa das Marianas
Para o modelo esférico é geralmente considerado o raio médio da Terra, ou seja, 6374km.
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GRANDES FIGURAS DA HISTÓRIA ERATÓSTENES Eratóstenes nasceu em Cirene (actual Líbia) em 276 a.C. Foi astrónomo, matemático, historiador, geógrafo, filósofo, poeta e crítico teatral. Escreveu muitos livros, mas a sua maior contribuição para a Ciência foi, sem dúvida, o cálculo que efectuou do raio da Terra. Desde há muitos séculos, o Homem percebeu que o planeta em que vive tem uma forma esférica. Eratóstenes verificou que a projecção dos raios de Sol sobre o planeta, em dois pontos distantes e num mesmo momento, originavam sombras diferentes, o que nunca poderia acontecer se a Terra fosse plana. Ao meio-dia do dia 21 de Junho (Solstício de Verão), verificou que a luz do Sol iluminava o fundo de um poço localizado na cidade de Siena (actual Aswan), o que significava que a luz incidia verticalmente sobre o mesmo. No mesmo momento, na cidade de Alexandria, Egipto, foi medida a sombra projectada por uma torre sobre o solo. A sombra projectada pela torre no solo fazia 7º de inclinação com a vertical. Sabendo que a distância entre as duas cidades era de 800km, Eratóstenes calculou que o raio seria 6267km. Uma vez que, presentemente, o raio médio da Terra é considerado como sendo 6374km, verificamos que o erro de Eratóstenes foi de apenas 107km, um feito admirável se atendermos à época em que esta experiência se realizou.
1.3.3 – O ELIPSÓIDE A partir do momento em que se verificou que a Terra apresentava um diâmetro equatorial superior ao polar, assemelhando-se a uma esfera ligeiramente achatada nos pólos, surgiu um modelo com o formato de um elipsóide de revolução. Este modelo não coincide totalmente com a superfície terrestre em toda a sua extensão mas, sendo o modelo mais aproximado e que se presta suficientemente bem ao tratamento matemático, é a superfície de referência relativamente à qual são estabelecidas as coordenadas geográficas dos lugares da Terra e também a que é utilizada como superfície de referência cartográfica na construção de cartas de escala pequena. Numerosos elipsóides foram utilizados como superfícies de referência geodésica a partir do início do século XIX, desde o elipsóide de Everest (1830) até ao WGS84, utilizado nos sistemas globais de posicionamento por satélite (GPS). Cada um destes elipsóides tem características diferentes no que respeita às suas dimensões, podendo ser utilizados de forma a que os seus parâmetros se adaptem melhor à situação a que se destinam. O elipsóide internacional de Hayford, aprovado internacionalmente em 1924, é o modelo sobre o qual ainda assenta a maior parte da cartografia mundial. Contudo, com o desenvolvimento dos sistemas de posicionamento globais, verifica-se uma tendência no sentido de o substituir por outros modelos, designadamente o WGS84.
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A tabela seguinte mostra alguns dos principais elipsóides definidos ao longo dos tempos, bem como os seus parâmetros: eixo maior (a), eixo menor (b) e o achatamento (f), sendo f=(ab)/a. Elipsóide Everest 1830 Bessel 1841 Clarke 1866 Clarke 1880 Hayford 1924 Krasovsky 1940 WGS72 1972 WGS84 1984
a (km) 6377.276 6377.397 6378.206 6378.249 6378.388 6378.245 6378.135 6378.137
b (km) 6356.075 6356.079 6356.873 6356.515 6356.912 6356.863 6356.751 6356.752
f 1/300.8 1/299.2 1/299.0 1/293.5 1/297.0 1/298.3 1/298.3 1/298.3
1.4 – O GEÓIDE A determinação das cotas ou altitudes é fortemente afectada pela curvatura terrestre, mesmo em áreas pequenas. É por esse motivo que o posicionamento altimétrico dos pontos é calculado tendo em conta, não as superfícies de substituição que referimos antes, mas sim uma outra superfície de natureza completamente distinta: o geóide. É sabido que a Terra exerce uma força de atracção sobre os objectos que se encontram nas suas proximidades, força essa que designamos por gravidade. O campo gravitacional não é uniforme, bem pelo contrário. Existem diversos factores que afectam a força da gravidade nos vários pontos do globo, tais como, por exemplo, a acção da gravidade da Lua, a distribuição dos materiais no interior do globo terrestre, a constituição das camadas superiores do planeta, etc. Também as águas dos mares se mantêm “pousadas” graças à atracção da gravidade. Como o campo gravitacional é heterogéneo, também a superfície dos mares adquire uma configuração ondulada, de acordo com as variações da força da gravidade em cada região do planeta. Nas regiões em que a força da gravidade é mais fraca, a superfície dos oceanos é mais elevada; nas zonas em que a gravidade é mais forte, a superfície dos oceanos é mais baixa. Por definição, o geóide é a superfície equipotencial do campo gravitacional da Terra que mais se aproxima do nível médio das águas do mar. Apesar de não coincidir totalmente com a superfície dos mares (existem pontos onde a diferença é da ordem dos 3 metros) podemos considerar que o geóide é semelhante ao modelo da Terra que obteríamos se esta fosse completamente coberta por água.
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Modelo do geóide As tonalidades identificam regiões de diferente altura do geóide
O geóide é assim a superfície que nos serve de referência para a determinação das altitudes dos pontos da Terra. Na prática, as entidades responsáveis pela Geodesia de cada país procedem à determinação do nível médio das águas do mar (NMAM) na sua costa marítima. Este processo é realizado a partir de medições das marés efectuadas em estações de medição denominadas marégrafos. Um marégrafo é constituído basicamente por uma bóia colocada na água, à qual se encontra ligado um dispositivo automatizado que lê e regista as variações da maré. A partir do NMAM, são construídas redes compostas por pontos materializados no terreno, cujas altitudes são determinadas por nivelamento topográfico e posteriormente corrigidas devido à ondulação do geóide. As redes de nivelamento estendem-se pelo território do país, servindo de referência altimétrica para a execução dos diversos trabalhos de Topografia. Inicialmente, existiram marégrafos localizados em vários pontos da costa portuguesa. Posteriormente, os marégrafos foram sendo desactivados, permanecendo presentemente um único em funcionamento: o marégrafo de Cascais.
1.5 – CONCEITOS GEOGRÁFICOS EIXO DA TERRA O eixo da Terra é uma linha imaginária em torno da qual a Terra executa o seu movimento de rotação. A Terra demora sensivelmente 24 horas para executar uma volta completa em torno do seu eixo e demora um ano para completar uma volta completa em torno do Sol. A trajectória que a Terra descreve em torno do Sol assemelha-se a uma elipse e designa-se por eclíptica. Ao longo deste movimento anual, o eixo da Terra mantém-se paralelo a si mesmo.
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ECLÍPTICA
EQUADOR O equador é o círculo máximo definido pela intersecção de um plano perpendicular ao eixo da Terra com a sua superfície, no ponto em que a divide em duas metades. A estas metades dáse o nome de hemisfério Norte e hemisfério Sul PÓLOS GEOGRÁFICOS Os pontos de intersecção do eixo da Terra com a sua superfície designam-se por pólos geográficos. Temos assim o pólo Norte e o pólo Sul geográficos. PÓLOS MAGNÉTICOS O planeta Terra gera em torno de si um campo magnético com dois pólos opostos, funcionando assim como um gigantesco íman suspenso no espaço. Este campo magnético não é uniforme e estende-se até 300000km de distância da Terra no seu ponto mais afastado devido à acção dos ventos solares.
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As linhas de força do campo magnético terrestre estendem-se entre os dois pólos magnéticos, agindo sobre os objectos que se encontram entre eles.
Desta forma, se suspendermos uma agulha metálica magnetizada sobre o seu ponto médio, esta será atraída pelo campo magnético da Terra e orientar-se-á sempre segundo a mesma direcção: o Norte magnético. É neste princípio que se baseia o funcionamento das bússolas. A bússola é um instrumento de navegação composto essencialmente por uma agulha metálica magnetizada suspensa no interior de uma pequena caixa na qual se encontra gravada uma escala angular com os pontos cardeais a que chamamos rosa-dos-ventos.
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DECLINAÇÃO MAGNÉTICA Na época dos descobrimentos, os navegadores portugueses usavam, entre outros instrumentos, bússolas para se orientarem no mar. No entanto, à medida que avançavam nas suas viagens de descoberta do Mundo, foram verificando que as indicações fornecidas pelas bússolas nem sempre concordavam com as posições calculadas matematicamente. Isto acontecia porque, nessa época, ainda se desconhecia que o pólo Norte magnético não coincide exactamente com o pólo Norte geográfico. Na verdade, os dois pólos estão distanciados um do outro em cerca de 1000km, o que origina uma diferença angular entre a direcção do Norte verdadeiro e a direcção indicada pela bússola. À diferença angular existente entre as direcções observadas para o Pólo Norte Magnético e para o Pólo Norte Geográfico num determinado ponto da Terra dá-se o nome de declinação magnética. Em Portugal, a declinação magnética é da ordem dos 12º Oeste.
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GRANDES FIGURAS DA HISTÓRIA PEDRO E JORGE REINEL Entre muitos tesouros guardados na Sala das Descobertas do Museu de Marinha, em Lisboa, existe uma cópia da carta mais antiga assinada por um cartógrafo português, Pedro Reinel, datada de 1504. Nela vemos desenhadas as costas do Mediterrâneo central e ocidental, o Noroeste de África e a Terra Nova, que aparece pela primeira vez depois de o célebre mapa de Cantino registar o seu descobrimento dois anos antes. Ao lado, outra carta de seu filho Jorge, feita em 1510, é ”um dos mais antigos e valiosos documentos originais da cartografia portuguesa” e ”a mais antiga carta do oceano Índico feita segundo o levantamento dos pilotos”, e não com base nas fantasias herdadas dos antigos. Alem de revelarem a extensão do Mundo conhecido à época em que foram feitas, estas cartas testemunham uma fase importante da história da navegação, numa altura em que os cartógrafos se debatiam com o problema de representar a esfera terrestre num plano. Os historiadores dão como certa a presença de Jorge Reinel em Sevilha, cerca de 1519, ultimando os preparativos para a expedição de Fernão de Magalhães, que partiria ainda nesse ano para a primeira viagem de circum-navegação. Mas não era essa a única razão da sua permanência em terras de Espanha. Rezam os velhos arquivos que andava fugido de Portugal por devaneios da juventude, e que seu pai, o renomado ”mestre de cartas e agulhas de marear” de D. João II, teria ido a Sevilha buscá-lo com a promessa de um perdão real. ”A mais antiga carta do oceano Índico” feita por Jorge Reinel em 1510 fora, anos antes, uma afronta à proibição de colocar nas cartas as novas terras descobertas ao revelar as rotas das naus da Índia. Mas o rei preferia ter um rebelde por perto do que um cartógrafo que sabia demasiado a viver em Castela. Para apressar o regresso, Pedro Reinel terá ajudado o filho a concluir as cartas que este traçava para Magalhães, nomeadamente um planisfério com iluminuras representando todo o Mundo conhecido até então. Sabemos, por uma carta de um feitor português em Sevilha ao rei D. Manuel, que a ”terra de Maluco eu vy assentada na poma e carta que ca fez o filho de Reynell, a qual no era acabada quando caa seu pay veo por ele, e seu pai acabou tudo e pos estas terras de Maluco, e per este padram se fazem todallas cartas...”. Pedro Reinel desenhara na carta as ilhas Molucas – as tão cobiçadas ilhas das especiarias, actualmente no arquipélago da Indonésia – colocando-as dentro da esfera de influência espanhola delimitada por Tordesilhas. Nesta altura já os navegadores portugueses se aventuravam no mar alto, onde não havia qualquer referência a partir da qual pudessem determinar a sua posição, para além das estrelas. Da navegação de rumo e estima praticada no Mediterrâneo durante séculos, os navegadores desenvolveram a navegação astronómica, adaptando antigos instrumentos e saberes e apoiados, nos ”bastidores”, por matemáticos e cartógrafos incumbidos de passar para o papel as suas observações. Daí a enorme importância histórica do mapa que Pedro Reinel fez em 1504, a partir das informações recolhidas das viagens de Corte Real à Terra Nova. Nessa carta, além da escala de latitudes desenhada no meridiano central (Pedro Reinel foi o primeiro a incluir nos seus mapas um meridiano graduado), vemos outra escala mais pequena, oblíqua, ao lado da Terra Nova, com as latitudes medidas pelos navegadores ao longo daquela costa. Aparentemente, estas não correspondiam às latitudes estimadas para aquelas paragens, e a segunda escala destinava-se a corrigir essa diferença, provocada pela declinação magnética da Terra que eles ainda R UI G UIMARÃES M OREIRA
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não sabiam existir. À medida que as caravelas avançavam pela imensidão dos oceanos, definiam-se os contornos das novas terras descobertas, tornando menos distorcida a visão do Mundo desenhada pelos cartógrafos. Ao esquadrinhar continentes longínquos, davam nomes aos sítios que colocavam sob a bandeira das quinas, registando a expansão da civilização ocidental pelo Globo. 0 traço do cartógrafo estende-se aos confins mais recônditos, apropriando-se a pouco e pouco de todos os cantos do Planeta, e lançando as sementes do processo de globalização a que hoje assistimos a uma velocidade acelerada. As cartas seiscentistas eram muito mais do que simples mapas. Continham todas as informações pertinentes acerca das terras conhecidas, incluindo ilustrações de animais fantásticos e da flora exuberante dos países exóticos. Abarcavam o Mundo de um só golpe de vista. Texto de Rosário Sá Coutinho, intitulado “O Mundo numa folha de papel”, publicado na National Geographic de Outubro de 2001
PARALELOS Os paralelos são círculos menores originados pela intersecção de planos paralelos ao equador com a superfície da Terra. MERIDIANOS Os meridianos são círculos máximos originados pela intersecção de planos que contém o eixo da Terra com a sua superfície. Todos os meridianos passam pelos pólos.
Modelos da Terra em vista lateral e superior
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VERTICAL DO LUGAR A vertical de um lugar é a linha imaginária que representa a força da gravidade terrestre num determinado ponto. Esta linha é sempre perpendicular ao geóide em qualquer ponto do Globo e é materializada pelo fio-de-prumo. ZÉNITE E NADIR Ao ponto de intersecção da esfera celeste com a vertical do lugar de observação no sentido ascendente da mesma, dá-se o nome de Zénite. Ao ponto que se encontra na posição oposta, dá-se o nome de Nadir. AZIMUTE DE UMA DIRECÇÃO Consideremos que nos encontramos num ponto do terreno A e que, a partir deste, visamos um outro ponto B. Chama-se azimute da direcção A-B ao ângulo horizontal medido entre a direcção do Norte e a direcção observada A-B, no sentido dos ponteiros do relógio. O azimute pode variar de 0º até 360º.
1.6 – COORDENADAS GEODÉSICAS LATITUDE GEODÉSICA A Latitude geodésica é o ângulo formado pelo plano do equador e a normal ao elipsóide que passa pelo ponto considerado. A latitude mede-se a partir do equador e varia de 0º a 90º Norte e de 0º a 90º Sul conforme o hemisfério em que se encontra o ponto considerado.
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LONGITUDE GEODÉSICA A longitude de um ponto é o ângulo formado pelo meridiano do ponto considerado e o meridiano de referência. Por acordo internacional, estipulou-se que o meridiano de referência seria o de Greenwich, em honra do observatório astronómico existente nessa localidade dos arredores de Londres. A longitude mede-se a partir do meridiano de Greenwich e varia de 0º a 180º Este e de 0º a 180º Oeste, conforme o ponto considerado se encontra para a direita ou para a esquerda do meridiano de Greenwich, respectivamente.
ϕ = latitude geodésica λ = longitude geodésica ψ = latitude geocêntrica
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