Fantástico (MODO) – Filipe Furtado Em português, tal como na maioria das línguas românicas, o termo “fantástico torna!se com fre"uência o#$ecto de emprego am#íguo, dado ser (nem sempre conscientemente) aplicado a, pelo menos, duas ordens diferentes de conceitos no domínio dos estudos literários% &om efeito, surge, n'o raro indiferentemente, a designar "uer um gnero "uer uma no'o de maior a#rangência (de *á muito apontada por críticos como +ort*rop Fre, -rard -enette ou .o#ert /c*oles) "ue, em regra, se denomina modo% Esta e0press'o, por sua 1e2, aplica!se a categorias "ue en1ol1em um ele1ado grau de generalidade e a#strac'o (algo como uni1ersais da arte literária) cu$a 1igência se tem mantido praticamente inalterada atra1s dos tempos a despeito das contingências e muta3es inerentes ao e1oluir dos sistemas sociais e culturais% 4rata!se de constru3es te5ricas decorrentes de re6e03es de índole predominantemente deduti1a so#re os “possí1eis da literatura, nas "uais se procura le1ar em conta as com#ina3es de elementos discur discursi1 si1os os $á reali2 reali2ada adass na prátic prática, a, ass assim im como como deter determin minar ar ante susceptí1 tí1eis eis de ante rem as suscep reali2a'o futura% 7s grandes esferas conceptuais pressupostas pela no'o de modo, têm sido atri atri#u #uíd ídas as outr outras as desi design gna a3e 3es, s, como como “for forma mass natu natura rais is (Naturformen) por -oet*e, “ar"uigneros “ar"uigneros (archigenres) por -rard -enette ou “gneros te5ricos ( genres théoriques) por 421etan 4odoro1% odoro1% Entre as ela#ora3es tipol5gicas #aseadas nesta ordem de considera3es, a triparti'o triparti'o clássica das modalidad modalidades es fundament fundamentais ais da enuncia' enuncia'o o (pica!nar (pica!narrati1a rati1a,, lírica lírica e dramát dramática ica)) consti constitui tui,, se n'o a mais mais corre correcta cta e operat operati1a i1a,, pelo pelo menos menos a mais mais in6uen in6uente te e durado duradoura ura%% 8uando 8uando ass assim im perspe perspecti cti1ad 1ado, o, o modo modo fantás fantástic tico o a#rang a#range e (como, (como, entre entre outro outros, s, .osemar 9ac:son apontou) pelo menos a maioria do imenso domínio literário e artístico "ue, longe longe de se prete pretende nderr reali realista sta,, recus recusa a atri#u atri#uir ir "ual"u "ual"uer er priori prioridad dade e a uma repr represe esenta nta'o 'o rigorosamente “mimtica do mundo o#$ecti1o% .eco#re, portanto, uma 1asta área a muitos títulos coincidente com a esfera genol5gica usualmente designada em inglês por fantasy % 4orna! se, a prop5sito, curial encarar os intuitos representacionais da glo#alidade da literatura como su#di1isí1eis grosso modo em duas gigantescas esferas "ue se poderiam denominar icástica ou realista, por um lado, e fantástica, ou fantasiosa, por outro% 9usti;ca!se igualmente lem#rar "ue as merante >eran te o grande grande no >orm rm,, apesar apesar de muito corrente, corrente, esta e0press' e0press'o o le1anta 5#ices "uanto ? sua plena ade"ua'o aos elementos a"ui considerados% De facto, no seu sentido mais comum e mais lato, dei0a su#entender "ue as entidades ou ocorrências por ela "uali;cadas ultrapassam a nature2a con*ecida, situando!se, de algum modo, num plano simultaneamente e0terior e superior% >or outro lado, o 1ocá#ulo tem ser1ido ao longo de eras para referir uma multid'o *eterognea de elementos, desde as fadas, os espectros ou as di1i di1ind ndad ades es das das di1e di1ers rsas as reli religi gi3e 3ess ao aoss caso casoss de per percep cep'o 'o e0tra e0tra!s !sen enso sori rial al e ?s ;gur ;guras as monstr monstruos uosas as de lendas lendas popul popular ares es como como o lo#iso lo#isomem mem ou o 1ampir 1ampiro% o% >ara al alm m de muito muito di1ersi;cados, estes elementos 1ariam com as pocas e as culturas em "ue surgem e 1igoram% >ortanto, modi;cam!se, desaparecem ou passam a so#re1i1er residualmente nas artes e na mem5ria colecti1a conforme o con*ecimento in1ade o real, e0plorando as largas 2onas de som#ra "ue nele ainda su#sistem% @cresce "ue numerosas narrati1as integrá1eis no modo fantástico, so#retudo as de ;c'o cientí;ca, se reportam a altera3es de ordem espacial ou cronol5gica, situando a ac'o em pocas futuras ou aludindo a foras, e0periências ou in1entos "ue, contudo, est'o longe de poder ser "uali;cados como so#renaturais% &om efeito, em#ora n'o sendo empregados ou, mesmo, con*ecidos na poca de pu#lica'o da o#ra, tais elementos nada têm de al*eio ? nature2a nem contraditam em regra os princípios cientí;cos ent'o aceites% Ama tal di1ersidade torna ine1itá1el recorrer a um conceito mais englo#ante do "ue o de so#renatural, n'o se dei0ando em#ora de empregar este "uando tal se $usti;"ue% Ora, se em "ual"uer poca *ist5rica, as entidades ou ocorrências ditas so#renaturais re1elam um trao de facto comum, ele consiste n'o numa efecti1a fuga ? nature2a, mas no facto de se tornar
B
impossí1el compro1ar de modo uni1ersalmente 1álido a sua e0istência no mundo con*ecido% Daí n'o *a1er grande sentido em denominar tais elementos com #ase em características "ue, na mel*or das *ip5teses, se poder'o considerar meramente presumí1eis% @o contrário, a tentati1a de os "uali;car de1erá ser deslocada para a perspecti1a do su$eito *umano do con*ecimento, tornando!se, portanto, preferí1el su#sumi!los numa categoria mais ampla e apelidá!los de “metaempíricos% Efecti1amente, "uer, por e0emplo, um lo#isomem, uma fada ou o deus >' "uer fen5menos ;ctícios mas possí1eis, em#ora ainda n'o compreendidos ou se"uer detectados pelos 1ários ramos do sa#er, apesar das suas 5#1ias diferenas, correspondem a tal designa'o% Csto, n'o o#stante os elementos do primeiro tipo (de facto so#renaturais, caso e0istissem) rele1arem apenas do imaginário, en"uanto alguns do segundo possam por1entura 1ir a ser detectados e compreendidos mediante no1os dados a esta#elecer no futuro% @ssim, o conceito e0presso pelo termo a"ui proposto reco#re n'o s5 as manifesta3es de *á muito denominadas so#renaturais, mas, ainda, outras "ue, n'o o sendo, tam#m podem parecer ins5litas e, e1entualmente, assustadoras% 4odas elas, com efeito, partil*am um trao comum= o de se manterem ine0plicá1eis na poca de produ'o do te0to de1ido a insu;ciência de meios de percep'o, a descon*ecimento dos seus princípios ordenadores ou a n'o terem, a;nal, e0istência o#$ecti1a% Di1ersas ra23es apontam as 1antagens operati1as do conceito de metaempírico face ao de so#renatural na a#ordagem do modo fantástico% Desde logo, o primeiro a#range uma gama #astante mais ampla de ;guras e situa3es% Depois, permite inferir o teor relati1o e contingente das no3es "ue "uali;ca e da forma como estas têm sido encaradas atra1s da *ist5ria, assim e1idenciando a sua estreita dependência da sucess'o de factores sociais e culturais% >or outro lado, em#ora a e0press'o dei0e depreender "ue, pelo menos na sua grande maioria, essas manifesta3es s'o indetectá1eis e incognoscí1eis, n'o e0clui necessariamente a *ip5tese de algumas delas 1irem a tornar!se o#$ecto de con*ecimento em pocas su#se"uentes% Daí "ue muitas personagens e acontecimentos ins5litos correntes em narrati1as de ;c'o cientí;ca (alienígenas, mundos paralelos, 1iagens interestelares ou no tempo, etc%), situando!se em#ora para lá do âm#ito mais restrito do so#renatural, se$am, com este, inteiramente englo#á1eis no conceito mais lato de metaempírico% >ortanto, as narrati1as de "uase todos os tempos em "ue elementos a ele circunscritos assumem uma fun'o central no desen1ol1imento da intriga constituem (desde a epopeia de Gilgamesh ?s modernas *ist5rias fantásticas) o "ue se poderá denominar “;c'o do metaempírico, a;nal outra designa'o possí1el do modo fantástico% Dado todas as o#ras integrá1eis neste or ;m, o fantástico adopta uma posi'o indecisa, am#ígua, entre as duas, sem a;rmar ou negar plenamente a e1entualidade da sua coe0istência com o mundo con*ecido% >ortanto, com #ase nas diferentes reac3es perante o metaempírico adoptadas nas o#ras, possí1el di1isar no modo fantástico algo como um espectro ou um continuum susceptí1el de a#ranger pelo menos três gneros= o estran*o, o fantástico e o mara1il*oso% Esta se"uência implica um duplo crescendo% Ele surge, em primeiro lugar, no grau de alteridade conferido a certas personagens ou situa3es prodigiosas% Depois, na intensidade do cepticismo ou da crena "uanto ? efecti1a e0istência da"uelas e1idenciados pelo narrador ou por outras ;guras ;ctícias% Daí "ue, estendendo!se desde te0tos cu$o contrato implícito de leitura os compromete ainda a uma representa'o t'o mimtica "uanto possí1el do mundo o#$ecti1o, o continuum a"ui considerado a#ran$a, no e0tremo oposto, o#ras onde a"uele o#$ecto da mais completa e ar#itrária distor'o% Daí, tam#m, "ue a demarca'o entre os gneros este$a longe de ser nítida, n'o raro se 1eri;cando em narrati1as de transi'o um acentuado sincretismo de caracteres e uma conse"uente 6uide2 de fronteiras% Em#ora $á inicie a sua progress'o em certas narrati1as incluí1eis no gnero misterioso, o crescendo de alteridade n'o ultrapassa um teor “natural e admissí1el de ins5lito antes de alcanar a 2ona limítrofe com o estran*o% , por e0emplo, $á not5rio em certos thrillers ou em
*ist5rias de terror n'o so#renatural, o mesmo se 1eri;cando em romances policiais como Ten Little Niggers (BGH) de @gat*a &*ristie, onde, alm dos crimes, parece tomar forma algo "ue se presume impossí1el face ?s leis da nature2a% >orm, s5 nas o#ras circunscritas ao estran*o certas manifesta3es comeam a re1estir uma aparente índole metaempírica, a "ual, contudo, 1em, antes do ;nal, a ser o#$ecto de completa racionali2a'o% Cnserem!se neste domínio as *ist5rias de terror de so#renatural e0plicado (entre as "uais se contam romances g5ticos de diferentes pocas), a par de grande parte da ;c'o cientí;ca mais concordante com os princípios do mundo físico% @ partir da 2ona limítrofe entre o estran*o e o fantástico, o so#renatural, em#ora n'o plenamente aceite, nunca negado em de;niti1o% Entre os te0tos "ue mais claramente e1idenciam a constante inde;ni'o e o conse"uente e"uilí#rio da am#iguidade fantástica, poder!se!'o apontar “Ia Jnus dK Clle (BLN) de >rosper Mrime e The Turn of the Screw (BLL) de enr 9ames% Finalmente, apenas no mara1il*oso se 1em a 1eri;car a admiss'o sem reser1as e, n'o raro, sem regras do metaempírico em "ual"uer ní1el da narrati1a, o "ue, naturalmente, proporciona uma enorme latitude no tocante a efa#ula'o% @t certo ponto por isso, a"uele gnero mostra!se de longe o mais prolí;co entre os a"ui considerados, tendo re1elado uma e0trema adapta#ilidade a muitos e di1ersos condicionalismos socioculturais durante a sua longuíssima 1igência *ist5rica% Daí a e0tremamente grande 1ariedade de classes de te0tos em "ue su#di1isí1el% De facto, estende! se por uma 1asta gama, desde os mitos, os contos de fadas ou o romance g5tico de so#renatural aceite a diferentes áreas da ;c'o cientí;ca, como as denominadas heroic fantasy ou sword and sorcery %