EU VOU HIPNOTIZAR VOCÊ O LADO B E O BEABÁ DA HIPNOSE E DOS ESTADOS DE TRANSE
ADRIANO FACIOLI
ÍNDICE Hipn Hipnose: ose : quan quando do é fraude?...... fraude?............... ..............03 .....03 As primeiras impressões........................08 Hipe Hipe rventiland rventilando e e nlouq louque cend ce ndo......... o.........15 15 “Tá podre...”............................................27 Ficando rico com a hipnose....................41 Baixando o santo.....................................57 Ofegante, fora de controle e rindo.........74 Coisas de outro outro mund mundo......... o.................. ..................8 .........844 Bibliografia..............................................95
Hipnose: Hipnose: quando qua ndo é fraude? Penso que existem alguns abusos (fraudes) de alguns que praticam a hipnose, seja profissionalmente ou não:
1. Difundir a hipnose como uma panaceia. Divulgar listas com os inumeráveis benefícios da hipnose, tenham estas listas algum fundamento ou não. Particularmente desconfio das pesquisas vinculadas por sociedades de hipnose. Sinto no ar o cheiro de procedimentos que não dizem respeito ao espírito científico. Pesquisador trabalhando somente para provar a efetividade de sua hipótese não está fazendo ciência. Como sugere a filosofia da ciência: deve também tentar provar que sua hipótese é falsa. Deve possuir a capacidade para levar em conta os dois lados da realidade. Deve estar aberto às duas hipóteses. A hipnose, apesar do razoável volume de pesquisas existentes (e muitas, senão a maioria, repletas de confusões conceituais; portanto suspeitas, na minha concepção), ainda não é um fato consolidado, por diversas razões. As quais pude abordar em detalhe em meu livro (Hipnose: fato ou fraude?).
2. Exagerar sua eficácia. Não falar de seus limites (do que ela é capaz e do que não é). Este segundo ponto é complementar ao primeiro (senão for o mesmo). Há uma tendência, mesmo em muitos profissionais da área, a fazer vista grossa para os limites da técnica hipnótica. A hipnose pode até ser útil em alguns contextos. Mas não deixar claro quais são os seus limites é um procedimento enganoso.
3. Não citar pesquisas e experimentos que demonstram a sua ineficácia em alguns contextos. E estas pesquisas existem. Procuremos, por exemplo, só para começar, pelas pesquisas de Theodore Theodore Xen Xenophon ophon Barber Barber e Nicholas Spanos. Há uma uma ausência ausência enorme enorme de autocrítica entre muitos dos que fazem uso da hipnose. Há uma tendência à mistificação, ao exagero. A hipnose é um mito de grandes proporções. E veja bem, não estou dizendo que ela não existe. Quando digo que “a hipnose é um mito”, estou me remetendo à ideia de que há ainda muito a ser conhecido, de que ainda é tratada como algo fantástico, fabuloso. Ou seja, é um tema envolto em mal-entendidos e mistificações. Quando dizemos que algo é um mito, estamos também dizendo que já não se sabe mais o que é verdade e o que é mentira sobre o assunto. Não tenho dúvidas, a hipnose hipnose é um mito alojado aloj ado dentro da própria pr ópria ciência. Ainda sabemos pouca coisa: “Mais de um século de pesquisa em hipnose não levou a provas conspícuas da existência de um "estado hipnótico", porém há evidências de que comportamentos "dramáticos" associados à hipnose podem ser executados por voluntários não hipnotizados que não mostram evidências de terem estado em um "estado de transe".
Comportamentos hipnóticos seriam mais condizentes com representações dirigidas a metas (goal-directed enactments) e indivíduos altamente hipnotizáveis seriam aqueles capazes de responder a interações interpessoais sutis e ao mesmo tempo se mostrar mais motivados para cumprir com demandas sociais de situações de hipnose para se apresentar como "bons" indivíduos. Sugestões para levantar o braço seriam na verdade sugestões para usar habilidades cognitivas para se comportar como se o braço estivesse levantando por si mesmo; sugestões para amnésia, significariam não apenas falha na lembrança da informação em questão, mas definir-se como tendo esquecido o material e, portanto, criar o cenário contextual que inclua não apenas o comportamento desencadeado, mas a experiência subjetiva apropriada” (Negro-Junior, Palladino Negro Negro e Louzã, Louzã, 1999).
4. Realizar demonstrações de palco com recursos de ilusionismo e depois não esclarecer isto ao público, mostrando onde houve truques (o que ocorre com certa freqüência entre hipnotistas de palco).
5. Utilizar pré e pós-sugestão, por meio delas produzir espetáculo no palco, e depois não explicar como isto foi feito, sob o risco de tudo parecer mágica ou fruto dos poderes excepcionais do hipnotista ou de uma técnica somente acessível a iniciados ou prodígios.
6. Esconder os fundamentos técnicos básicos, camuflados em um arsenal prete ret e nsame same nte infin infinito ito de técn téc nicas, som s omee nte para pod podee r ven ve nde r mais mais e mais cursos.
Ressalto que os ítens de 4 a 6 ainda serão talvez melhor contemplados, em um próximo próximo artigo, fut futuurament ramente. e. Atualmente há dois grandes ramos de pesquisas ou teorias sobre a hipnose: teorias de estado e de não-estado. As primeiras postulam que a hipnose é um estado e uma técnica especial. As teorias de não-estado, por sua vez, postulam que não há nada de especial ou inédito tanto na técnica hipnótica quanto nos estados que ela produz. Há também visões intermediárias, as quais vislumbram a possibilidade de estados especiais (alterações reais de consciência), os quais são atingidos por técnicas simples ou já conhecidas há muito pela humanidade, principalmente no plano religioso. Nesta concepção, a hipnose seria somente o modo criado pela Medicina para produzir alterações de consciência há muito já obtidas, por exemplo, pelas religiões.
As primeiras impressões As primeiras impressões que tive da hipnose datam de minha infância, da préhistória de minha vida. Eram impressões de algo fantástico, completamente fora do comum comum. E levaria levar ia muito muito tempo tempo para deixar dei xar de sê-lo. sê-lo . Eram imagens imagens e histórias históri as de
desenhos animados: um personagem dominava o outro com um olhar magnético, com comandos comandos repetitivos de “você vai va i dorm dor mir” ou “fazer “fazer o que eu quero”. quero”. E este abria abri a mão mão de sua própria vontade, transformando-se em um completo zumbi. Meu sobrinho de seis anos está fascinadíssimo com a possibilidade do tio hipnotizá-lo. O fato de residir em outro país e de não nos vermos há mais de um ano somente reitera e aumenta o mito de que o tio é capaz, como num passe de mágica, de hipnotizar a qualquer ser que se mova. Tio longe é tio mais mistificado ainda. Ele quer ser hipnotizado. Óbvio, passar pela espetacular experiência que os personagens de desenho animado passaram. E depois, talvez, testar em seus amiguinhos na escola. Para a criança, a hipnose é mágica. mágica. Para os o s adultos a coisa coi sa talvez não seja muito muito diferente. Como fazer com que o outro “durma” instantaneamente? Ou que aja como um zumbi, perdendo totalmente o poder que tem sobre si mesmo, sobre suas próprias escolhas? A hipnose é, de certo modo, para muitos, esta mágica. Acaba com tudo o que uma pessoa é e começa tudo de novo. Transforma instantaneamente o outro em um fantoche. Enquanto, durante a infância, a hipnose foi para mim uma coisa de cinema, de televisão; na adolescência não deixou de ser diferente. Somente, durante a faculdade, é que meu entendimento passou a tomar outro rumo. Estudando o percurso de Freud, podíamos ler claram clara mente ente que ele havia feito uso da hipnose. hipnose. E que vários outros outros consagrados psicólogos haviam tido o mesmo tipo de experiência no decorrer da história da Psicologia. Para minha total surpresa, a hipnose não era um mito do cinema ou dos desenhos animados, mas sim um fato presente na história da Psicologia. Porém, passei todo meu período de faculdade sem entender se a hipnose era
realmente possível ou não. As coisas começaram a mudar quando meu irmão mais velho chegou em casa dizendo que estava fazendo um curso de técnicas de hipnose. Ele fazia odontologia. Um professor do quadro ministrava o curso de técnicas de indução hipnótica como um curso de extensão universitária. Edu chegava com alguns colegas de curso em casa, falando do que haviam aprendido. Ele sempre tivera uma percepção muito acurada para fraudes. Vê-lo impressionado com o que ocorria no curso me deixava ainda mais confuso. Chegavam todos e discutiam bastante sobre os fatos ocorridos nas aulas. Percebi que Edu era uma uma das melhores cobaias. c obaias. Colocavam-no Colocavam-no em transe transe e o espetavam espe tavam com facilidade. Agulhas atravessavam sua pele, em diversos pontos do corpo, geralmente sem sangramento e sempre na ausência de qualquer reação aversiva. Edu relatava sentir um estado de completa tranquilidade e que não sentia dor ou que esta não o incomodava. Alguns colegas ainda mantinham-se incrédulos. Diziam que as regiões do corpo envolvidas eram muito pouco sensíveis à dor: as costas da mão, por exemplo. Apesar de confiar no tradicional e saudável ceticismo de Edu, eu não conseguia também deixar de levar em conta as considerações de seus colegas. A hipnose continuava sendo para mim um fenômeno totalmente incompreendido. Certa vez, Edu estava sentado, havia quase uma hora, completamente imóvel, em uma postura de meditação. Pediu para que eu levantasse sua mão, a qual estava apoiada sobre a mesa, mesa, pela pel a pele das costas. cos tas. Ergui-a Ergui-a então então pela pel a pele. pel e. E com a outra outra mão, mão, Edu calmamente atravessou uma grande agulha de costura em si mesmo. Fiquei surpreso com a frieza e com a ausência completa de sangramento. Pensei: “agora há um fato, mas
ainda estou completamente confuso. Como isto é possível? Edu é muito resistente à dor ou a hipnose existe mesmo?”. É evidente que se a hipnose chegasse em casa, deveria chegar pelas mãos de Edu. Sempre tivera muito interesse pelo que é exótico, desde bem pequeno. Foi um ilusionista mirim. Aos 10 anos de idade animava festinhas de criança com seus pequenos pequenos espetáculos de ilusionismo. ilusionismo. Colocava sua roupa de mágico, um paletó de pijama, com dezenas dezenas de desenhos desenhos de escovas escova s de dente dente estampados, estampados, o qual tinham tinham alguns alguns bolsos secretos, costurados costurados por minha inha mãe, e surpreendia a todos, até mesmo esmo aos adultos. Possuía uma destreza manual muito grande. Por ser ambidestro, tudo ficava mais fácil. Era capaz de proezas que poucos acreditavam. Tais como tocar um disco de vinil com a mão. Introduzia o cabo de um pincel no orifício do disco e o girava. Com a outra colocava a agulha, a qual situava-se na ponta de um cone de papel sulfite. Podia-se escutar perfeitamente a canção ali contida em uma transmissão de baixa amplificação, porém exclusivamen exclusivamente te manu anual. al. Estas e outras outras proezas e peripécias peripé cias sempre sempre foram um traço marcante marcante de sua personalidade. pers onalidade. Outro traço a ser ressaltado era sua incredulidade. Por mais contraditório que seja, parecia detestar toda e qualquer espécie de ilusão, enganação, mentira. Tanto que sempre preferiu utilizar o termo ilusionismo em vez de mágica. Talvez sua fascinação pelo ilu il usionismo sionismo fosse justam justament entee esta, a de descobrir descobri r os truques, truques, a desmistificação. desmistificação. Eu tinha pouco mais de cinco anos, ele quase oito e Cako, o mais novo, quatro. Era Natal e meu pai resolveu fazer-nos uma surpresa, trazendo um Papai Noel, talvez um amigo dele. Edu não gostou nada nada daquilo. Sentia-se enganado, pois havia para
ele um fator que destoava dos cenários sublimes do Pólo Norte: o Papai Noel estava calçando um Kichute - um tênis popular, bem baratinho, uma espécie de conga ou Bamba Bamba da época: “Esse Papai Noel é de mentira.” “Por que, meu filho? Não gostou, não?” “Ele tá de Kichute. Papai Noel de Kichute?” Daí dá para se ter uma ideia do quanto Edu já era cético, desde pequeno. E nunca deixou de sê-lo. Aliás, com a passagem do tempo, seu ceticismo foi se refinando. Percebia erros e falhas como poucos. Detestava passar por ingênuo. Entre a ilusão e a desilusão, preferia, por mais amargo que fosse o preço, ficar com a segunda. Ver Edu praticando a hipnose parecia pareci a um contra-se contra-senso. nso. Era novament novamentee o ilusionista a nos ludibriar com seus truques? Ou a hipnose não era somente a fraude que eu pensava ser? A solução seria então pedir a ele que aplicasse a técnica em mim. Se eu fosse também capaz de atravessar uma grande agulha em minha própria pele, sem dor ou sangramento, ou se tivesse alucinações em virtude de seus comandos, pronto: a hipnose passaria passar ia a ser para mim um fato. fato. Edu procedeu então uma indução hipnótica padrão: “Estou amarrando um balão em seu braço direito”. Simulava o movimento de quem amarrava um balão em meu braço direito. “E ele está sendo puxado para cima. Está cada vez mais leve”. Este comando, como manda o manual, era repetido várias vezes e de diversas formas. Sua voz, porém, foi ficando embargada: “o seu braço esquerdo está leve, leve...” e ele começava a trocar os comandos. Primeiro falava “braço direito”, depois
“esquerdo” e tudo foi ficando muito confuso. Pensava comigo mesmo: “Poxa, Edu, é braço esquerdo ou direito?”. direi to?”. Estava difícil ser envolvido por sua fala atrapalhada. Quando ele mesmo resolveu interromper tudo: “Não vai dar, meu irmão. Eu mesmo tô ficando confuso e meio hipnotizado...”. De fato, Edu era muito facilmente hipnotizável...
Hiperventilando e enlouquecendo Éramos bons amigos. Nossa amizade era tranquila e um pouco esculachada. Não havia nove horas entre nós. A amizade entre homens permite a coexistência pacífica de brutali brutalidade dade e solidarie soli dariedade. dade. Há uma certa hostili hostilidade dade lúdica alinhada alinhada a altíssim altíssi mos graus de respeito e fidelidade. São casos onde a polidez e a aparência são dispensáveis. Os homens se respeitam muito mais entre si do que as mulheres. E creio que os homens se respeitam mais justamente pelo risco de sérios danos físicos ou morte. As mulheres se provocam infinitamente, pois o risco de serem seriamente feridas ou mortas por outra mulher é menor. A violência física, a criminalidade, ainda são terrenos prioritariamente masculinos. Os homens costumam resolver ou finalizar desentendimentos extremos na porrada e a dissimulação tem um papel menor do que no unive un iverso rso feminino. feminino. Toda a energia de reserva, que outrora era utilizada na caça ou na guerra, fica disponível também para uma certa hostilidade lúdica. As amizade masculinas são muito frequentemente repletas de gozações. A caricatura é a de que os homens se tratam mal e se respeitam; e que as mulheres se tratam com polidez, mas se apunhalam pelas costas.
Hugo era recém-formado em Psicologia, mas não exercia a profissão. Era aquele tipo que nunca deixaria de ser sempre um universitário. Circulava por todos o meios alternativos, alternativos, devorava livros livr os como ning ninguuém, ém, um rato de biblioteca. bibli oteca. Só para par a se ter uma ideia, havia lido todos os títulos de Nietzsche traduzidos no Brasil. Usava óculos fundo de garrafa. Cabelos curtos, meio dentuço e magro. Sua aparência era a de um típico nerd . Porém, muitas de suas atitudes não se enquadravam em tal estereótipo. Levava uma vida, no sentido literário, de maldito. Vivia a ler os malditos. Gostava do baixo meretríci meretrícioo e raramente raramente dispensava a oportunidade oportunidade de se entorpecer. entorpecer. Tanto era o seu apreço pelos estados alterados de consciência, que aos 16 anos fora internado com uma overdose de noz-moscada. Havia lido, como sempre, em uma revista de divulgação científica, sobre a ação das drogas psicotrópicas, que a nozmoscada era alucinógena. Fez o quê, então? Segundo a dose recomendada na absurda revista, bateu uma vitamina com a noz-moscada. Tomou tudo e continuou lendo, enquanto esperava o início de suas fabulosas visões. Contudo, ao dar sequência à leitura, deparou-se com um dado assustador: a dose alucinógena era extremamente próxima da overdose. Minutos depois, os temíveis efeitos começaram. Tudo à sua volta se amarelou. Passou a enxergar em tons de amarelo e começou a padecer de um desesperador mal-estar: náuseas e vômitos. Além do fato de não mais poder controlar adequadamente seus movimentos e equilíbrio. Tudo se distorceu: visão, audição, equilíbrio, coordenação motora, fala. Mal conseguia articular as palavras e teve de pedir socorro. Emergiu em um pesadelo, o qual só começaria a ter fim já no hospital, tomando soro, depois de algumas horas. Falemos a verdade: culpa da revista.
Àquela época eu cursava o doutorado e dava aulas para a graduação. Hugo me via como como uma uma espécie es pécie de modelo a ser s er segu s eguido. ido. Certo dia, chegou em minha casa um pouco entorpecido: “Adriano, é verdade ver dade que você manja de hipnose?”. “É, um pouco”. “Teria como, uma hora dessas, você me hipnotizar?”. “Sim, “Sim, teria”. teria” . Eu respondia a tudo monossilabicamente. Era parte do jogo tratá-lo com grosseria. Afinal, Afinal, Hugo Hugo gostava de ser esculachado. Fazia sent s entirir-se se importan importante. te. “Então, o que a gente faz, quando pode ser?”. Pensei: ele já está um pouco entorpecido. Talvez o psicotrópico que ele tomou forneça um impulso impulso para par a uma uma indu i ndução ção completa. “Faça o seguinte. Vá para o quarto, deite-se naquele colchão e faça 20 minutos de hiperventilação. Enquant Enquantoo isso, is so, eu termino termino aqui de assistir as sistir a novela”. “Ok. Ah, posso pedir uma coisa?”. “O quê?”, indaguei, já meio impaciente. “Eu gostaria de poder fazer um retorno a vidas passadas. Seria possível?”. “Se é isso que você deseja, podemos tentar”. É desta maneira que devem ser encaradas as coisas. Se existem ou não vidas passadas não é a questão. questão. O mais importan importante te é sempre sempre levar em conta conta o repertório de crenças de quem irá se submeter à hipnose e conduzi-la em função disso. As crenças de nossos pacientes, se boas para a vida deles, devem ser respeitadas. Hugo não tinha crença alguma, se dizia um ateu. Mas tinha curiosidades. Porém,
eis aí uma contradição. Se é mesmo ateu, que história é essa de curiosidades? Não sei, nunca conversei com ele acerca deste aspecto. Talvez fosse uma curiosidade de cunho experimental: “Não acredito, mas não custa nada testar”. E acreditar não é saber. Não confundamos uma coisa com a outra. A crença dá sempre margem a outras possibili possib ilidades. dades. Vidas passadas são uma crença, não um saber. Alguém que dissesse: “Eu sei que existem vidas passadas”, seria somente um tolo que tem fé. Ou o contrário: “Eu sei que não existem vidas passadas”: tolo também que não sabe a diferença entre crer e saber. Portanto, talvez fosse acerca destas outras possibilidades que Hugo estivesse curioso. Assim que terminou a novela, vinte minutos depois, fui até o quarto. Hugo já respirava de modo intenso e rápido por cerca de 20 minutos. Eu estava meio sem paciência: esse e sse negócio negócio de hipnose quase quase nunca nunca dava certo, além de ser muito muito cansativo cansativo e entediante. Boa parte dos métodos de indução demandam muita paciência. Deve-se repetir comandos. A fala deve ser monótona ou ritmada, estabelecendo ciclos de repetição para fazer dormir, dominar, ou focalizar a atenção da presa. Sim, presa. Pois é isto que muitos predadores fazem com suas presas. Ou que as presas fazem consigo mesmas, para sua própria proteção, para não despertarem a atenção de um predador próximo. próximo. Às vezes eu também me sentia um idiota, repetindo comandos simples e óbvios, em tom solene e calmo, para fazer marmanjo dormir. Não me apetecia a ideia de ser o representante sacerdotal de uma mentira, de uma fraude. Mas era preciso conhecer aquilo, e eu estava disposto a utilizar as técnicas dramáticas e de oratória que fossem
necessárias. Se tivesse de encarnar a postura de um padre ou pastor a conduzir seu rebanho em seus sermões escandalosos, o faria, pelo espírito experimental, pela necessidade de teste, para saber se aquilo funcionava em alguma medida. Façamos então o que fazem pastores, padres, xamãs. Tentemos reproduzir a atmosfera dos rituais que conduzem multidões ao delírio. Testemos então a hipnose. Como eu e Hugo éramos bons amigos, não havia a necessidade de qualquer formalidade ou mesmo polidez. Assim, fui bem breve e enérgico. “Você está em um túnel. É um túnel do tempo. Ele gira muito rápido e você gira unto. É um turbilhão. Sua mente está mergulhada neste turbilhão. O túnel vai girando e assim você vai retornando no tempo”. Pedia para que fosse retornando na idade. De vez em quando pedia para que parasse parass e em algum alguma e que revivesse revive sse alguns alguns moment omentos os de sua vida, com a maior intensidade e realidade possíveis. Como eu não estava com muita paciência, até que chegamos bem rápido ao seu nascimento e à sua concepção. Dali em diante seria uma incógnita. “O túnel gira cada vez mais rápido e violentamente. Tudo está extremamente caótico. Seu ser está se fragmentando em milhões de pedaços. Farei uma contagem até cinco, e no final desta contagem ocorrerá uma grande explosão. A explosão de seu próprio própri o ser. se r. Após esta explosão, você acordará a cordará em um um outro outro lugar, lugar, em um um outro outro tempo: tempo: 1...2...3...4...5. Um outro lugar, uma outra dimensão, um outro tempo... Onde On de você está? O que você vê?”. Disse-me que estava numa tribo, na África. Tudo o que faziam era acompanhado de música ou dança. Ainda respirava muito intensamente e tremia bastante. Como
cantavam para tudo o que faziam, pedi para que começasse a cantar. Não foi capaz. Estava tão ofegante e trêmulo que era impossível a articulação de qualquer palavra. Emitia gemidos ao invés de canto. Adentrou um estado frenético de movimentação corporal corpora l descont des controlada rolada.. Seu estado convulsivo convulsivo foi se in i ntensificando tensificando cada vez ve z mais. mais. Não parava de se debater. O caso não era mais preocupante. preocupante. Era desesperador. desesper ador. Perdi o controle da situação, pensei. Por sorte era um grande amigo. Talvez assim os erros fossem mais facilmente perdoados. Além disso, para minha surpresa, fui tomado por um acesso incontrolável de risos. Nossa relação era esculachada, sempre ríamos um do outro por qualquer besteira. Nada mais lógico do que cair na gargalhada gargalhada diante diante do ataque bizarro bizarro pelo pel o qual ele passava. Estava com o corpo todo retorcido, debatia-se e babava em urros ininteligíveis. Era o fim dos tempos de sua sanidade, ali, naquela noite, em minhas mãos. O ridículo agora movia nosso mundo e implorava urgentemente para que baixasse em mim um pastor ou um um pai de santo que que tirasse Hugo Hugo daquele inferno. inferno. Eu estava completamente impotente. A cada palavra que tentava articular transbordava de mim uma infame risada. Minha voz estava toda entrecortada de risos. Risos idiotas e altamente impróprios, diante da aparente gravidade da situação. Eu tinha plena consciência dos difíceis problemas que poderiam brotar dali. Assim, tive uma boa e estranha ideia: “Vou contar até 3. E após o 3 você ficará surdo, completamente surdo, por cerca de 1 minuto. 1,2,3...Surdo, completamente surdo!”. Assim pude permitir a mim mesmo a descarga completa de minha gargalhada
contida. Nestas horas, a tentativa de contenção às vezes se revela pior, pois riso proibido proibi do é riso infinito. infinito. Soltei toda gargalhada gargalhada a que tinh tinha direito. direi to. Ri alto, tranquilo, tranquilo, solto e bem gostoso. Esgotado o riso, a missão impossível agora era salvar Hugo daquele process p rocessoo in i ncontroláve controlávell de enlouquecim enlouqueciment ento. o. Deixei que o espírito de todos os xamãs da história baixassem em mim e fui enérgico com minha pobre cobaia. Ele sairia daquele infeliz estado de possessão, nem que se fosse na porrada. Fiz sugestões no sentido de sua calma e tranquilidade: “Conforme eu vou falando, o tempo vai passando, você vai se sentindo mais e mais relaxado e calmo. Farei uma contagem regressiva de 10 a 0. Quando chegar no 0, você dormirá”. É recomendável que estas contagens sejam sempre feitas de modo paulatino e intercaladas por palavras-chave ou comandos: 10, relaxe, relaxe... 9, cada vez mais calmo... 8, mais tranquilo... E assim caminhamos lenta e tranquilamente até o zero de sua loucura. Hugo agora era um bebê que dormia plenamente em sua bonança, após a tempestade de seu ser. Era hora de despertar: “Farei uma contagem até 3 e no 3 você despertará. Retornará à sua vida normal, de Hugo. Retornará a este mundo aqui, sem quaisquer sequelas ou traumas”. Era necessário assegurar que seu retorno fosse pleno. Era importan importante te que não não restasse r estasse qualquer qualquer resquício r esquício daquele d aquele surto, para que sua recuperação fosse total. Porém, é possível que eu não tenha sido muito enfático. Hugo abriu os olhos e começou a chorar ao olhar para as próprias mãos ainda enrijecidas e contorcidas:
“Minha mão... Eu não consigo mexer... O que aconteceu com a minha mão?”. Chorou como uma criança ao sentir-se impotente para mover as próprias mãos. Não permiti permiti que este este sofriment sofrimentoo se prolong prol ongasse: asse: “Contarei até 3 e no 3 você dormirá, ao toque em sua testa”. Nesta hora, em que a pessoa acabou de despertar, ela ainda está totalm totalment entee suscetível à sugestão hipnótica. Basta um comando simples e imediatamente entra em hipnose. Contagem simples e rápida e toque na testa: Hugo despencou no sono. Parte 2: agora era necessária somente a sugestão de que suas mãos iriam amolecer, voltar ao normal. Feito isto, pedi para que despertasse. Hugo abriu os olhos. Estava fraco, muito fraco. Parecia que tinha acabado de voltar de uma cirurgia ou tomado uma tremenda de uma surra. Não conversamos sobre isso, mas suspeito que ele mesmo concebia aquela experiência como um tratamento para seu espírito. espír ito. Entrar Entrar em transe transe não era coisa nova para ele. Havia lido sobre xamanismo, psicoterapias psicodélicas, além de ter feito o uso recreativo de diversas drogas. O transe, mesmo quando infernal, era visto por ele como uma possibilidade de cura, de acesso ao indiz i ndizível, ível, aos sentim sentiment entos os e visões mais gen genuuínos. Fiquei tão impressionado com o ocorrido que, durante seu surto, fui chamar Marina, minha namorada, para que visse tudo o que estava ocorrendo. Ela adentrou o quarto, intrigada. Afinal, de fora, ouvira gemidos de um homem e risadas descontroladas de outro vindos de um quarto escuro. Nada mais estranho e suspeito para a virilidade viri lidade dos sujeitos em questão. Ela tinh tinha acabado de sair do banh banhoo e ainda ostentava uma toalha enrolada em sua cabeça. Já acordado e completamente desfalecido, Hugo bebia um copo d’água,
prostrado no sofá, contan contando-nos do-nos como como havia se sentido. sentido. “Nossa, quando vi a Marina, pensei que eu estivesse no Egito”, completou.
“Tá podre...” Certa vez, em sala de aula, expondo os motivos pelos quais Freud havia abandonado a técnica da hipnose, dispus-me a fazer uma demonstração. Até aquele dia eu havia tentado inúmeras vezes, por anos a fio, mas sem sucesso. Disse aos alunos que era uma técnica muito cansativa e que era muito difícil hipnotizar as pessoas, que a maioria não era hipnotizável. Ou seja, eu estava não somente falando de minha experiência, mas também do que Freud havia relatado há cerca de um século atrás e dos dados científicos consolidados sobre suscetibilidade hipnótica. Eu havia aprendido apr endido os fundam fundamentos entos com meu irm ir mão mais velho, vel ho, o dentista. E tentara, assim como ele, em vão, hipnotizar amigos e familiares. Não tínhamos qualquer reflexão ou concepção teórica sobre o assunto. Como ele havia sido uma excelente cobaia em meio aos dentistas com os quais fizera o curso de hipnose, alimentávamos a expectativa de que poderíamos obter os mesmos resultados com qualquer outra pessoa. Ele havia sido um excelente sujeito para a demonstração de anestesia hipnótica. Seu professor e colegas espetaram agulhas por todo o seu corpo. E esta é geralmente uma espécie de demonstração derradeira, a mais convincente. Uma
coisa é fingir alucinações e delírios, outra, bem mais difícil, é a capacidade de continuar fingindo, mesmo diante de estímulos dolorosos. Havia, para nós, algum alguma realidade reali dade na hipnose. hipnose. Porque, senão, Edu, bom cético que era, teria sido o primeiro a rejeitá-la. E pelo contrário, lá estava Edu sendo trespassado por agulhas em diversas partes de seu corpo. Dando seu valioso testemunho, prático e vivo, de algo fenomenal. Porém, Porém, saindo da dimensão dimensão de excelente excelente sujeito para a hipnose hipnose que era Edu, a coisa ficava bem menos convincente. Era tentar hipnotizar, a quem quer que seja, e os resultados eram sempre bem mais modestos e frustrantes. Nesse aspecto, pelo menos, o determinante mais evidente não é técnica de indução hipnótica, mas sim o próprio própri o sujeito que a ela se submete. submete. Dispondo de sujeitos facilment facilmentee hipnotiz hipnotizáveis, áveis, basta pedir que se concentrem concentrem e todo o processo assim as sim se desenrola. Mas, e se estes sujeitos, sujei tos, tidos como facilm facil mente hipnotizávei hipnotizáveis, s, não tiverem tido qualquer espécie de treinamento hipnótico? Iogues, por exemplo? O que dizer deles? Possuem outros métodos de concentração, os quais podem não ser exatamente os mesmos que nós ocidentais chamamos de hipnose. Ou poderiam ser vistos como fundamentalmente os mesmos? Se forem os mesmos, a hipnose não é a única via para se obter determinados estados de consciência. Neste caso, ela perde sua aura de técnica única, exclusiva, especial. Por outro lado, se os fundamentos forem os mesmos; ou seja, se tanto hipnose quanto ioga, por exemplo, possuírem os mesmos fundamentos técnicos, ela (a hipnose) não representa nada de novo e nem de especial também. Se é diferente, mas obtém os mesmos resultados que outra coisa já existente,
porém mais simples e acessível, acessí vel, por que seria seri a mais vantajosa vantajosa?? E se compartilha compartilha dos mesmos fundamentos técnicos, por que tratá-la como absurdamente diferente? Qual é função de se fazer a mesma coisa que os outros e, contudo, dar um nome diferente? Sim, não podemos esquecer que existem histórias diferentes. Ioga e hipnose nascem em contextos totalmente diferentes e suas especificidades devem ser resguardadas. Porém, por outro outro lado, perceber semelhan semelhanças ças em seus fun fundament damentos os técnicos técnicos pode também também,, por meios comparativos, comparativos, ajudar a compreender compreender melhor melhor estas e stas práticas. práticas . Porém, não há como negar, tanto hipnose quanto ioga são muito mistificadas. A ioga está tradicionalmente mais próxima de práticas religiosas. A hipnose, por outro lado, volta e meia aparece e reaparece reproduzindo mitos dentro até mesmo do próprio própri o un univers iversoo científico. científico. Ch Chega ega com pose de ciência e quebra as pernas de muitos uitos pesquisadores, pesquisadores , expondo expondo ferida feridass metodológicas metodológicas e confusões confusões conceituais. conceituais. O hipnotista ordena e o hipnotizado realiza o que é ordenado. Esta talvez seja ainda uma boa definição: pertinente, objetiva e simples. Ainda não é possível dizer exatamente o que se passa na cabeça dos hipnotizados. Se estão somente colaborando ou se há mesmo significativas alterações de consciência. Há teorias e evidências em ambas ambas as direções. direçõ es. Ainda não há consenso científico. científico. Por que Freud abandonou a hipnose? Este era o tema da aula que comecei a relatar no início. Vamos então aos motivos de Freud: 1. A hipnose não mais servia aos seus objetivos específicos. Sua intenção era recuperar memórias esquecidas, recalcadas. Percebeu que a hipnose deixava os pacientes em um estado muito primário de funcion funcionam ament entoo mental. ental. Fantasias Fantasias eram produzidas produzidas em profu profusão, o que facil facilitava itava a produção de falsas mem memórias órias..
2. A hipnose tinha se transformado para Freud em uma técnica muito cansativa. Não tinha tinha mais paciência para ficar repetindo comandos comandos indefinidam indefinidament ente, e, com o objetivo de fazer com que adultos “dormissem”. Tinha dificuldade em hipnotizar todos os pacientes, além de não concebê-la como uma ferramenta eficaz em termos etiológicos. Ou seja, além de não servir ao seu propósito principal (a recuperação de memórias), emórias ), era também também enfadonha. enfadonha. Sua dificuldade em hipnotizar todos os pacientes é atestada pelas pesquisas de suscetibilidade hipnótica. Somente cerca de 15% das pessoas são facilmente hipnotizáveis. Para o restante, a maioria, é necessário mesmo uma certa dose de paciência. Minhas ideias sobre a hipnose, até aquele dia, naquela aula sobre a relação de Freud com esta técnica, era totalmente endossada pelos argumentos do pai da Psicanálise. “Mas, a hipnose, professor? Existe mesmo?”, perguntavam alguns alunos, mortos de cu c uriosidade. rios idade. “Vocês querem fazer um teste? Podemos realizar um teste. Quem se dispõe a ser sujeito de alguns testes?”, indaguei. Um aluno levantou a mão. Era um rapaz muito jovem. Tinha menos de 20 anos de idade. Cursava o terceiro semestre e sempre aparecia com perguntas ora muito suaves ora constrangedoras, muitas vezes ingênuas e até pueris. Fiz tudo o que recomendam os mestres e manuais da área, com paciência e perseverança. perseve rança. Em um determ determinan inando do moment omento, o, depois de muito uito relaxament relaxamento, o, pedi para que ele me me dissesse dis sesse o que estava vendo. Disse que não via nada, que estava escuro.
“Então acenda a luz”, sugeri, buscando estimular sua imaginação. “Acendeu” e começou a descrever onde estava. Estava em casa, lendo. Pedi para que me me descrevesse descre vesse tudo o que que estava fazendo fazendo e onde onde estava. Passado um certo tempo, resolvi fazer alguns testes, sugerir algumas imagens e sensações. Em um determinado momento peguei um estojo de lápis, feito de borracha, e ordenei que o comesse, pois era uma maçã. O rapaz morde o estojo e o arremessa ao chão. Pensei: falhou novamente! Ele obviamente percebeu que não é uma maçã. Eu sabia! Eu e Freud, juntos, não poderíamos estar duplamente enganados. “O que houve?” “Tá podre!”, podr e!”, respondeu. respondeu. Sim, para meu espanto e de todos os presentes, ele se comportava tipicamente como alguém hipnotizado. Quem observava, como costuma ocorrer neste tipo de situação, ficou perplexo. A partir deste momento, o entendimento do que pode ou não estar ocorrendo geralmente fica comprometido. Os eventos podem se suceder de modo inusitado. Algumas pessoas parecem perder o controle. controle. Podem falar falar ou agir agir de modo modo bizarro. E é exatament exatamentee isso is so o que acho de interessante nas induções hipnóticas. “Quanto mais bizarra é uma experiência, mais proveitosa ela é”. Conheço esta frase, deste modo, há muito pouco tempo. Mas manifestações bizarras sempre me despertaram grande interesse. O diferente, o inusitado, abrem novas perspectivas. São rupturas de padrão, fluidez. Abrir-se para o que é estranho é parte importante de um processo process o de exploração que se expõe a novos novos horizontes, horizontes, mesm mesmoo que ainda não não dotados de sen se ntido.
Um colega meu dizia assim: “o ridículo move o mundo”. E sempre compreendi da seguinte maneira: agir sem medo de errar, de ser diferente. Assumir nossos próprios defeitos e deles tirar algum proveito. Daí meu apreço pelas formas inusitadas, pelo non-sense, pelo bizarro. Novas formas de expressão e, portanto, de compreensão também. Novas alternativas, brotadas da loucura. Dou valor ao insólito, ao bizarro, na proporção de uma crença que carrego há um certo tempo: tempo: a crença no poder da expressividade. expressivi dade. As psicoterapias psi coterapias,, de modo geral, geral, e as artes, como um todo, possuem esta crença: expressar e, brincar, curam. A expressão é curativa. E o que seria expressar bem? Não seria esta a principal tarefa das artes, expressar melhor? Ou de formas alternativas, que possam abrir novos horizontes de compreensão e, portanto, de solução para uma infinidade de dilemas humanos? Vejo a hipnose como um tremendo recurso expressivo. Acerca disto, para mim, não há qualquer questão. Muito frequentemente expressões inusitadas ou mais intensas são despertadas. Possui um significativo valor catártico. E a catarse, a purgação dos afetos, a qual é popularmente conhecida como desabafo, desempenha um papel muito importante na psicoterapia. Sem desabafo não há terapia. E as artes estão todas aí para nos ensinar a expressar melhor o que sentimos e ainda não sabemos colocar em palavras. palavr as. E esta expressão pode se dar das mais mais variadas var iadas formas. formas. Acredito nisto. Tenho um percurso em Psicanálise. A influência que ela absorveu abso rveu do d o Romantis Romantism mo diz d iz o seguinte: seguinte: a loucura, l oucura, enquanto enquanto método, enqu e nquanto anto caminho, caminho, pode ser de grande grande valia. valia . E o que é sua regra r egra principal, a da associação-l associ ação-livre? ivre? Dizer Dizer tudo o que ocorre à mente, sem restrições, nem ponderações, do modo mais imediato e espontâneo possível. Isto tem nome: loucura, como método, como meio. Jamais pode
ser feito fora de seu ambiente propício, onde o inusitado e o censurável não sejam acolhidos. A associação-livre é um legado romântico que Freud aproveita a favor de seus objetivos psicanalíticos. A loucura como meio (associação-livre), a razão e a saúde como fim. A paranoia freudiana de que nada é por acaso ou de que tudo, em termos inconscientes, tem um sentido, exige a loucura como um meio: deixar o inconsciente fluir. Permitir um pouco de loucura. Ela é o caminho para uma razão libertadora. Para saber melhor o que sentimos, ou o que nos move, é preciso soltar um pouco os bichos. É preciso viver, envolver-se, atuar, relacionar-se. Ou permitir, em sessão, que isto de alguma forma se manifeste. Naquele Naquele dia havia um funcionário funcionário da un univers iversidade idade a observar pelo vidro da porta tudo o que ali se passava. pa ssava. Coment Comentava ava com c om algum algumas as alunas alunas que não não acreditava ac reditava em nada do que estava acontecendo, que tudo não passava de encenação. Terminei a sessão com o aluno e este funcionário adentrou a sala, dizendo que também queria ser submetido à hipnose. “Temos pouco tempo, somente cerca de quinze minutos. Mas podemos podemos tentar tentar...”, ...”, respondi. Ele topou. topou. Pensei: vou pedir para que se recline recli ne na cadeira, para que fique na posição mais confortável possível, que procure dormir. Afinal estávamos praticamente no horário de almoço, um horário muito propício ao sono. Em um mesmo dia, duas situações novas e diferentes. Primeiro um diz que “tá podre” ao morder um estojo estojo de borracha. bor racha. E logo em seguida seguida adentra a sala alguém alguém que que duvidava daquilo tudo, em tom desafiador. O que eu, por sorte, nem havia percebido. Senão nem tentaria nada, pois eu não tinha objetivo nenhum de provar nada, nem de
defender a hipnose como uma técnica eficaz ou legítima. A sessão prosseguiu. E lembro, com ele, de ter feito algo parecido: pedi para que comesse um estojo ou coisa semelhante, dizendo que era um barra de chocolate. Ele fez tudo o que pedi. Mas não tive muita confirmação se somente obedecia ou se estava em um estado alterado de consciência. Quando terminamos, ele disse que havia sido uma experiência fascinante. Não tivemos tempo para conversar mais nada. Era o fim da aula. Fomos todos embora. Dias depois, uma aluna veio me contar que ao perguntar a ele, nos corredores, como fora a experiência, ele descreveu a ela que havia comido, durante a sessão, uma barra de chocolate. “Não. Ele te deu um estojo. Você ficou mordendo um estojo”, respondeu ela. “Que isso? Você tá louca. Não paguei esse mico não. Lembro bem, era uma barra de chocolate.” Ele tinha a firme convicção de que havia comido chocolate e não estojo. A aluna relatou isso em sala. Os alunos ficaram muito impressionados. E eu continuei sem entender nada. Quee mecanism Qu mecanismoo é este? Duvidar, desafiar e em seguida seguida dobrar-se dobrar- se ao a o espetácu es petáculo, lo, à influência de outra pessoa? O que fez com que perdesse sua capacidade de oposição, de ver com os próprios olhos? De sentir por si próprio? Sentiu o que lhe foi ordenado (ou sugerido) sentir. Isto é de fato possível? Foi “hipnotizado” por mim. Ser hipnotizado, segundo algumas teorias que já li a respeito, pode tanto ser fruto de uma sedução quanto de uma opressão, de um medo. Tanto sedução quanto medo são hipnotizantes. Faz o sujeito agir e perceber como queremos. E no caso deste
funcionário, o que aconteceu? O que foi determinante para que ele fosse dominado do modo como foi? A pressão do grupo? : “Colabore conosco. Veja e sinta o que estamos todos ordenando. Senão você será linchado”. Seria esta a mensagem implícita, inconsciente? Ou seria a imagem que ele tinha de mim, o efeito da pré-sugestão, da expectativa expectativa de que o hipnotista hipnotista é infalíve infalível? l? A pré-sugestão, não podemos nos esquecer de seu poder, ela sim é infalível. Penso que muitos hipnotistas se iludem, ao pensar que possuem uma técnica infalível. Pré-sugestão é fundamental. Ela pode ser definida como todo o conjunto de sugestões que bombardeiam o sujeito antes de qualquer procedimento. Está mais do que evidenciada, seja por pesquisa sistemática, seja de modo informal. Quanto maior a expectativa depositada no hipnotista de que ele possui uma técnica eficaz, fulminante e especial, maior a pré-sugestão. Assim, mais da metade do trabalho já está realizado. Muitos hipnotistas já fizeram este teste. Anunciam ao público a apresentação de um “grande” mestre da arte da hipnose. E basta o sujeito a ser hipnotizado depositar bastante autoridade na figura do hipnotista, que este se transforma num grande mestre, independente de quem seja. Se o público acreditar não importa nem mesmo se há experiência na área ou não. Pensam, e dizem: é um grande hipnotista que veio da Europa, dos Estados Unidos, professor e um dos maiores conhecedores do assunto, e com certeza isto já desempenha um papel absurdo na indução. Basta pegar alguém que possua pelo menos a aparência de ser um grande hipnotista. Pode ser simplesmente um leigo. É muito interessante. Isto com certeza demonstra que a técnica não é o mais importante. É mais relevante o valor que as
pessoas depositam no sujeito. Acreditar e confiar confiar constitu constituii a maior parte do processo. process o. Autoridade vale mais do que técnica, habilidade ou conhecimento. E esta autoridade, mesmo que falsa, pode funcionar muito bem. Daí o fato de ser s er geralmente geralmente tão difícil desvincular a hipnose do ilusionism i lusionismo, o, da enganação. Há profissionais que se apoiam totalmente nesse aspecto. Vivem praticament praticamentee da imagem imagem de competência competência que nutrem nutrem diante diante de seu público públ ico ou client cli entes. es. Universo, muito geralmente, em que o parecer vale bem mais do que o ser competente. É o efeito placebo place bo alçado alç ado à sua s ua dimensão dimensão talvez mais mais elevada. elevada . Dias depois, eu uma outra professora, reparamos que aquele funcionário, tido por muitos como como arrogante, arrogante, era agora bem simpático simpático e receptivo para com minha inha pessoa. “Ué, Adriano? Esse funcionário não é simpático assim com ninguém...”, indagou ela, um pouco espantada. “É verdade. Acho que foi a hipnose. É assim mesmo, depois que a gente hipnotiz hipnotiza, a, a pessoa fica apaixon apai xonada.” ada.”
Ficando rico com a hipnose A hipnose é um técnica mergulhada em mistificações. Abordo este tema, detalhadamente, em meu primeiro livro sobre o assunto: “Hipnose: fato ou fraude?”. Antes, porém, tive algumas experiências interessantes. Vi muitos dizerem que se utilizam da hipnose em sua prática terapêutica, sejam psicólogos psicól ogos ou não: médicos, édicos , terapeutas terapeutas alternativos, alternativos, psicólogos, psicól ogos, dentistas dentistas e outros. outros. Infelizmente, boa parte das pessoas com quem tive contato, utilizava a hipnose de modo mistificador e, em alguns casos, até mesmo de modo fraudulento e charlatão. Existem obviamente muitos profissionais conscientes de suas limitações e das técnicas que fazem uso. Porém, a hipnose, com toda sua aura lendária, parece atrair legiões de enganadores. Está muito próxima do truque. O ilusionismo é de certa forma uma espécie de hipnose. Ao chamar a atenção para um ponto específico e produzir a percepção de uma ilusão, é gerado um efeito muito semelhante ao que se faz durante uma indução hipnótica. O objeto muitas vezes já se encontra ali e nem nos damos conta, pois nossa atenção está focalizada em um outro ponto. Isto é muito comum em apresentações de ilusionismo. Deste modo, em algumas práticas, não é estranho que uma coisa comece a se confundir com a outra. Um exemplo. O sujeito faz hipnose de palco e está mais preocupado em impressionar o público do que em fazer compreender o que de fato está ocorrendo ali. O mais importante é mostrar-se como o detentor de um dom espetacular e misterioso, como alguém poderoso, senhor de conhecimentos profundos acerca do controle da
mente e comportamento alheios. Habilidades que somente seriam adquiridas mediante um aprendizado especial, especia l, guardado guardado às sete s ete chaves, por centenas centenas de anos. O sujeito aquece o público com estórias de casos bem sucedidos, de espetáculos já propiciados. Relata curas incríveis. Às vezes possui sotaque estrangeiro, o qual reforça ainda mais a assimetria entre ele, hipnotista, e nós. Possui uma retórica envolvente, provoca carisma e/ou temor. Geralmente bem vestido e dito bem sucedido. Um jogo fulminante de aparências. Ilusionismo e inebriação do começo ao fim. Sem qualquer aviso, será realizada a hipnose de todos. O auditório acaba também sendo hipnotizado, mas assim não concebe. A pessoa já está no palco, sendo submetida a uma indução. O hipnotista começa a sussurrar em seus ouvidos. O que será que diz nestas horas? Quais são as preciosas e “mágicas” palavras que sussurra ao pé do ouvido daquela pobre vítima de seu poder avassalador? Logo, a presa está lânguida e sob o completo controle deste mago. É assim que este tipo de hipnotista quer fazer parecer. Uma vez v ez um deles del es perguntou perguntou ao públi púb lico: co: “Quem aqui acha que não é facilmente hipnotizável, levante a mão.” Algumas pessoas levantaram a mão. Escolheu uma jovem de expressão doce. Utilizava uma técnica de fixação do olhar, na palma de sua mão, bem acima da cabeça da jovem, com o ombro direito dela apoiado em seu peito. Sussurrava em seu ouvido e a abraçava, estando ela de lado para ele. Em poucos minutos, ela já pendia a cabeça em seu peito, caindo cai ndo literalm literal mente ente em seus braços. braço s. Este excesso de proximidade física pode produzir um efeito de opressão ou proteção corporal. corpora l. Retoma Retoma na pessoa hipnotiz hipnotizada ada estados de estar sendo possuída,
seduzida ou dominada. Em termos pavlovianos, é a conquista da presa, o beco sem saída. A consumação de um domínio, de uma caça, de um ato de sedução. O que resta então à presa? Congelar. Freezing Freezing . Percebi que este hipnotista, quase nunca trazia homens ao palco, e se os trouxesse era somente para deixá-los absortos num canto. Com as mulheres era um intenso contato corporal. Com os homens, uma distância fria. “Meu caro colega, você já percebeu que utiliza quase somente mulheres em suas demonstrações?”, indaguei. “É verdade. Às vezes penso que sou guiado pelo meu tesão. Você viu a última menina? Que gracinha. Foi muito bom tê-la nos braços.” Ele se realizava ao perceber que havia hipnotizado uma mulher atraente, que esta havia caído em seus braços, como se tivesse de fato consumado uma sedução. Preferia sempre mulheres bem mais jovens. E não raro enamorava-se de suas alunas ou pacientes. Todas as últimas últimas companh companheiras eiras que tivera tinham tinham sido alunas alunas ou pacientes. Outro detalhe é que sempre fora um sujeito muito ambicioso. Sempre muito atento para seus proventos financeiros. De seu círculo de conhecidos, não havia quem não percebesse percebes se isto. Para piorar, no final, depois de ter hipnotizado a jovem que dissera não ser facilmente hipnotizável, soltou a seguinte pérola: “Pois como eu digo: jamais duvidem do poder de um hipnotizador”. Convenhamos, para ser hipnotista é preciso também ser uma besta? Seu desejo mais íntimo era talvez hipnotizar o mundo todo e dele apropriar-se como seu senhor supremo. E a hipnose não seria um caminho para isso? Não é isto o
que fazem alguns, senão todos os sacerdotes via-satélite, o quais podemos acompanhar a qualquer hora da madrugada adrugada em e m program programas as religiosos r eligiosos transm transmitidos itidos pela televisão? Uma vez, inclusive, eu estava a assistir um destes programas. Alguém chegou. Percebeu que eu perseverava persever ava em assistir assis tir e não enten entendeu. deu. “Ué, Adriano? Por que você tá assistindo isso aí?” “Rapaz, tô aqui tentando compreender quais são as técnicas que esse povo utiliza. Olhe a oratória desse sujeito. A emoção, a música. Tá construindo um mundo inteiro dentro da cabeça do povão somente com a boca. Haja recurso dramático, haja repetição...” Sim, dá pra ficar abismado. E não foi diferente quando, em um curso que fiz, mencionei que o maior centro de hipnose estava ali, ao lado. Mas as pessoas não entenderam. “Sim, gente, aqui, do outro lado da rua. Aquele enorme templo ali, oh, é o maior centro centro de hipnose daqui das redondezas.” redondezas.” Algumas pessoas, não sei por que, ainda não compreendiam. Desculpem-me, mas esses cursos são repletos de antas. “Ou vocês acham que o sacerdote daquele templo utiliza técnicas muito diferentes diferentes das da s que estamos estamos a aprender aqui?” Era bom não insistir muito. Fanatismo também existe fora daqueles templos e rituais histéricos. Aliás, num destes cursos, os quais geralmente são caros e cheios de conversa fiada, vi e ouvi cada uma. Entrei no site do curso, para verificar mais especificamente do que se tratava,
se valeria à pena pagar pra ver. A home page tinha uma concepção visual de última categoria. Além de graficamente pobre, era repleta de clichês. O que talvez seja até meio difícil de se escapar completamente. Para dar um exemplo, a primeira edição de meu livro possui também alguns espirais. Sutis, mas não deixam de ser espirais. E, portanto, portanto, para a área, clichê. cl ichê. Mas o problema não era somente este. Não somente clichê, mas também graficamente pobre, muito pobre. Todo seu conteúdo era voltado para a promoção dos cursos. Faziam também referência a uma associação de hipnose que teriam fundado. E muitos fazem isto. Criar uma associação, mesmo que esteja evidente que é somente de fachada, produz, para muitos, ingênuos, uma outra impressão. Além de site sit e, tinham uma associação. Qualquer um que fizesse o curso já automaticamente ficava inscrito na “associação” de caráter nacional. Verifiquei os preços dos cursos. Caríssim Caríssi mos. Turmas rmas sempre sempre lotadas, sem limite limite de inscritos. Sinalizavam inclusive o recorde de participantes em um de seus cursos. Fiz as contas. Os lucros eram altos, muito altos: um negócio da China. O sujeito tinha criado uma máquina de fazer dinheiro. Mas ainda era um negócio familiar, nada ainda em grande escala, como uma PNL, por exemplo. Alias, não sei por que. Talvez seja até preconceito de minha parte. Mas não confio em nada que venha com um ™ do lado. Inventam um nome e uma embalagem diferente para uma coisa que todo mundo já conhece, para disfarçá-la, e botam lá o famigerado ™. Ainda não me acostumei com este tipo de coisa. Mas já pensaram nisso? Freud lançando seu livro “A interpretação dos sonhos” com a capa assim: “A interpretação dos sonhos™”. Estranho. Muito estranho.
Outro Ou tro fato int i ntere eressa ssant ntee no site do dito di to curso curso era er a a bibliografia. bi bliografia. A grande grande maiori maioriaa era de livros de autoajuda. Como montar alguma coisa séria com base em livros de autoajuda? Como era um curso totalmente focado em técnicas de indução hipnótica, pensei que seria seri a interessa interessant ntee fazê-lo. fazê-lo. Eu estava mais interessa interessado do no que chamo chamo de layouts de técnicas. Pagaria então pra ver se havia alguma técnica nova, que me
surpreendesse. Com o termo lay-out pretendo pretendo dizer que a estrutura é a mesma e o que muda são somente alguns detalhes, os quais eu não tenho criatividade suficiente para tirá-los da cartola. Existem fundamentos básicos da técnica: repetição, focalização da atenção, privação privaç ão sensorial. Abordo também também esta questão questão em meu primeiro livro livr o (já citado) sobre o tema. Adotando estes fundamentos, o restante é somente uma roupa, uma embalagem diferente em cima de uma mesma coisa, sempre, ou seja: lay-outs, molduras. Fui então em busca de molduras diferentes. Uma hora o sujeito fixa o olhar em sua própria mão, na outra, na mão do hipnotista, em algum ponto do ambiente, pêndulo, pêndulo, com os olhos voltados vol tados para cima cima ou para baixo, em posição posiçã o fatigant fatigante, e, e por aí vai. O curso contudo foi, em termos teóricos, bem fraquinho, sem a menor consistência. A cabeça do professor era totalmente modelada por débeis considerações de livros de auto-ajuda. Incapaz de qualquer questionamento ou reflexão mais profundos. profundos. Uma voz muito uito calma e a retórica mais do que necessária para inebriar muitos dos presentes, já há muito inebriados, talvez pelo tema, ou pela própria pressão do grupo a endossar cegamente os milagres de que era capaz a hipnose. Em muitos momentos a cena beirava a comicidade, o ridículo. Aliás, hipnose,
se não tomarmos cuidado, pode muitas vezes nos mergulhar no ridículo. Não sou muito temeroso com o ridículo, desde que assumido e conscientizado. O que não era o caso. Ele enumerou, e até de modo inútil, uma aparente infinidade de técnicas. Somente aparente. Ao meu lado, um aluno, inconformado com a perda de tempo, a observar tanta debilidade mental, chegou a comentar: “Esse curso é oco, vazio. Não tem nada dentro. Tudo em função somente das aparências, mais nada.” E durante o coffee-break : “Este foi o coffee-break mais mais caro de toda a minha vida.” Outro, mais nervoso, mais revoltado, com um jeito efeminado, também não se conteve: “Vou “V ou pedir pedi r meu dinheir dinheiroo de volta. vol ta. Estou me me sentin s entindo do em e m um um ritual ritual da Seic S eicho-noho-noie. Não vim vi m aqui para isso. i sso. Não estou es tou acreditan acredi tando do nisso.” Fizeram, durante o coffee-break , destilar seu veneno, e queriam minha solidarie soli dariedade dade à sua revolta. Eu não não estava e stava nem um pouco contrari contrariado: ado: “Desculpem-me, mas vocês deveriam ter avaliado melhor do que se tratava antes de terem se inscrito. Dessem uma olhada na bibliografia e logo veriam que a teoria aqui não passaria de conversa fiada.” Para mim não havia surpresa. Sabia que ouviria mesmo muito papo furado. Minha meta eram as molduras, as pinturas eu já as tinha. Não sei se s e o professor pr ofessor assim ass im concebia, concebia, mas muita muita coisa que falava falava colocava colocav a em xeque sua malícia e inteligência: “Minha esposa disse que estava cansada e doida pra estar numa praia. Fiz uma
hipnose com ela e pronto: foi para a praia, sem precisar sair do lugar, sem gastar um tostão”, comentava. E fez aquela lista enorme de curas. Hipnose como remédio pra tudo, como panaceia. A ausência ausência de qualquer qualquer limite, de qualquer qualquer critério. critéri o. Parecia Pareci a um caixeiro viajante, de cidade em cidade, a vender seu tônico miraculoso. E não assim que também agiam os sofistas, vendendo sabedoria de cidade em cidade? E sempre a promessa de mundos e fundos, de resultados imediatos. Sem uma grande promessa, não há bom negócio. Deve-se resguardar muito bem o campo das aparências, da perfumaria, usar e abusar da repetição e da retórica e, por fim, mesmerizar o público, com a anestesia completa de sua capacidade crítica. O rapaz revoltado foi à frente, como sujeito de uma demonstração: “Não estou hipnotizado”, em e m tom tom afetado. afetado. “Foi exatamente isto o que eu disse à primeira vez em que eu havia sido hipnotizado”, respondeu o mestre. Em toda sua dificuldade, o professor tinha uma habilidade: a de não estender uma discussão, de não esquentá-la. Estava sempre em baixíssima temperatura. O que não interessava, ele simplesmente nem dava ouvidos. Calmo, sempre muito calmo. “Não estou hipnotizado”, repetiu um outro. “Está sim, você que não está percebendo...” perce bendo...” Esta sua última réplica retomou à minha memória Milton Erickson, em um de seus livros. Às vezes fazia exatamente esta mesma coisa. Desculpe-me a autoridade de Erickson neste campo, mas isso é patético. O sujeito está dizendo que não está hipnotizado e retrucamos que sim? E fim de papo, sem qualquer justificativa ou
explicação plausível? Não compreendo. compreendo. Tosco. Tosco. As demonstrações deste nosso mestre meio atrapalhado eram também muito rápidas. Queria demonstrar todas as suas “infinitas” técnicas. Então tudo adquiriu um ritmo de amostragem, se é que ele assim concebia. Às vezes parecia pegadinha ou brincadeira de criança, cr iança, de tão idiota. i diota. A pessoa ia i a até a frente, frente, ele lhe passava a mão na na testa, ou fazia qualquer outro sinal e pluft!: “durma, durma”. E claro, a maioria não sentia absolutamente nada, deixando nitidamente de exibir qualquer alteração. Brincadeirinha inócua. O menino efeminado não perdoava: “Palhaçada isso aqui.” Tentei acalmar o rapaz. Mas minhas intervenções o deixavam ainda mais histérico e inconformado. Em outro momento, senti que era importante fazer algumas considerações, pois o professor acreditava acredi tava que a hipnose hipnose fosse uma uma eficient eficie ntee ferramenta ferramenta para a recuperação de memórias. Pedi a palavra e falei de uma questão fundamental: as falsas memórias. Utilizar a hipnose para recuperar memórias é um grande equívoco. Isto está mais do que estabelecido, inclusive em nível experimental: a hipnose pode induzir a produção de falsas mem memórias órias.. Vários autores perceberam isto, inclusive Freud, há mais de um século atrás. Em nível experimental, as pesquisas mais conhecidas são as de Elizabeth Loftus. Realizou uma série de experimentos e pesquisas sobre o tema, além de ter escrito vários artigos artigos e livros l ivros a respeito. r espeito. Em um de seus experimentos mais conhecidos, submeteu diversos sujeitos a um vídeo de curta duração, o qual retrata dois carros se colidindo. Depois, foram
formulados dois tipos de questionamento, para dois grupos diferentes: 1. A que velocidade os carros estavam quando se colidiram? Houve algum vidro quebrado? 2. A que velocidade os carros estavam quando se estraçalharam? Houve algum vidro quebrado? Como se pode ver, a única diferença é entre os verbos “colidir” e “estraçalhar”. Os resultados são significativos. Os sujeitos do segundo grupo tendem a atribuir velocidades maiores aos veículos e a dizer que viram vidros quebrados, apesar de não haver vidros vidr os qu q uebrados no vídeo. Ou seja, foi produzida produzida uma uma falsa memória. emória. Fiz minh minhas as considerações considera ções e deixei claro cla ro sobre sobr e os perigos p erigos de uma uma concepção que confere à hipnose o poder legítimo na recuperação de memórias. Não somente pelas demonstrações experimentais, mas também pelos estragos históricos que já foram produzidos produzidos por este tipo de prática na clínica. Hou Houve ve diversos divers os casos nos Estados Unidos, principalmente na década de 80. Alguns pacientes, submetidos à hipnose para recuperação de memórias, saiam das sessões com a convicção de que haviam sido abusados sexualmente na infância. Os supostos infratores (os acusados) eram geralmente os pais, parentes ou amigos bem próximos. Em alguns casos, o que é ainda mais grave, estes acusados chegaram chegaram a ser presos. pr esos. O professor, sempre muito diplomático e suave, ouviu atentamente minhas considerações e, mesmo que não tenha compreendido nada, endossou tudo para que pudéssemos pudéssemos logo passar adiant adi ante. e. Mestre Mestre da polidez, pol idez, sem dúvida. No final final do curso foi muit muitoo gentil. gentil. Entregava Entregava os certificados cer tificados e abraçava abr açava a todos, sem distinção. Por um momento pensei que eu até poderia ser desprezado ou
hostilizado. Mas não, o sujeito era um doce. Fazia o que tinha de fazer e não olhava muito para os lados. Era um manual de autoajuda ambulante. Sempre sorrindo, sempre educado, otimista. Mas ficou-me a seguinte impressão, a que geralmente tenho quando me deparo com sucessos da autoajuda, sejam livros ou pessoas: era cego, era a vitória completa do auto e do heteroengano. No caso dele, mais especificamente, pareceu-me um autoengano tão estrutural, que o engano dos outros deixava de ter uma aparência tão maquiavélica. E assim foi um final de semana inteirinho. Um festival de ilusões e dogmas cafonas. Nenhum surto, nenhum vexame, nenhuma agulha atravessando a carne de ninguém. Nada muito excitante, a não ser as cifras volumosas que o professor tinha botado no no bolso.
Baixando Baixando o santo Era um churrasco entre amigos, em uma chácara, longe da movimentação da cidade. Muito Muito espaço, campo campo de futebol, futebol, piscina, pis cina, carne à vontade (de todos os gêneros) gêneros) e, o toque toque mágico: mágico: cerveja, cervej a, muit muitaa cerveja. cer veja. A mistura de todos estes ingredientes pode ser muito prazerosa, mas também inflamável. Já estava anoitecendo, meio fim de festa. Até que um amigo teve uma ideia meio perigosa: “Adriano, vamos fazer uma sessão de hipnose?” De repente, eram praticamente todos, em coro: “Ah, vai, somos todos adultos, nos responsabilizamos pelo que der e vier. Será uma atividade de todos nós.” Diziam que a curiosidade era enorme, que deveríamos experimentar, por que não? Se estávamos todos em meio a amigos, por que não experimentar algo novo, curioso e talvez fascinante? Fizemos uma roda de cadeiras. Alguns bem lúcidos, só no refrigerante, outros mais alegres, e alguns já bem alterados pela bebida. Pautei-me novamente pela hiperventilação: respirar rápida e profundamente.
Júlia, uma menina inteligente, cheia de malícia, resolveu levantar-se. Afinal, não estava acontecendo nada com ela. Foi até seu carro buscar um CD. Outros foram desistindo, pois nada ocorria. E eu ali fazendo um esforço enorme para aquele povo dormir, dormir, concentrar-se concentrar-se de modo intenso, intenso, relaxar rela xar,, imergir imergir talvez em um um outro estado, ter visões, obedecer meus comandos, não me deixar fracassar, colaborar, fingir, encenar, ter um ataque histérico ou psicótico, ou seja, tudo o que pudesse sinalizar de algum modo a existência da hipnose ou coisa parecida. Pelo menos que se parecesse pareces se com a hipnose. Como Como ficaria meu show sem s em a entrega entrega cega, sem alguém alguém que que despirocasse? Sem que o artista ou o médium brotasse em alguém e explodisse seu espetáculo a olhos vistos? Logo um efeito tomou conta de uma pessoa. Ademir estava absorto. Cheio de cerveja na cabeça, Ademir, um negro de mais cem quilos de puro músculo, lutador de diversas artes marciais, fazia tudo o que eu ordenava. Estava numa guerra. Corria, pulava, rastejava, atirava e se assustava com os horrores que via. Ademir Ademir era agora nosso soldado. Um rapaz muito sociável e de bem com a vida, mas sempre muito discreto, não dado a qualquer tipo de baixarias. E estava ali, para que todos vissem, encarnado em um soldado no meio da guerra. Este é um dos eventos mais surpreendentes na hipnose de palco: a transmutação que sofrem algum algumas pessoas. pe ssoas. Às vezes aquele sujeito tranqüilo, discreto, discr eto, tímido, tímido, parece pa rece se transformar em outra pessoa. Alguém que nunca se expõe, logo está lá, para que todos vejam, atuando de modo nunca antes visto. Andrew Colman (1993), em seu belo e esclarecedor ensaio sobre a hipnose, também chama a atenção para este fato. Quando tinha onze anos de idade assistiu a uma demonstração de hipnose de palco. Ficou muito
surpreso ao ver uma colega de sala, muito tímida e inteligente, expor-se de modo inesperado. Sempre procuro de algum modo investigar se as pessoas estavam ou não encenando. Apesar de não ser um procedimento absolutamente confiável, após as demonstrações costumo indagar se estavam encenando e o que sentiam. Obviamente, o relato subjetivo não confirma nada. Mesmo quando digo que já fui hipnotizado, isso não prova nada. Uma evidência que não seja pública, públi ca, passível passí vel de constatação constatação un univers iversal, al, objetiva, não serve ser ve como dado conclusivo conclusivo para coisa c oisa algum alguma. Já ouvi disparates até mesmo de doutores. Um deles, pesquisador em Biologia, disse que havia obtido a prova de que existem espíritos, pois teria se comunicado com eles. Reclinou-se em uma poltrona, em uma posição bem confortável e relaxante. Passado um certo tempo, já bem relaxado, começou a fazer perguntas, assim como naquele procedimento em que o copo desliza sobre letras, dando respostas às questões dos presentes. Conforme fazia as perguntas, para sua surpresa, segundo seu relato, elas começaram a ser respondidas com incrível precisão. Procurava demonst demonstrar rar que as respostas respos tas eram dadas do modo mais objetivo possível. Neste caso, não faz muita diferença. Nem que um ET tenha entrado na casa dele, ou que as panelas todas da cozinha tenham voado para a sala, e nem que houvesse outras testemunhas. Enquanto um estudo não pode ser replicado por uma fonte independente, nada feito, nada de conclusivo pode ser estabelecido. Isso pode provar algum alguma coisa cois a para ele, em e m nível pessoal, pessoa l, mais nada. Tentar provar que algo existe pelo simples argumento de que viu não é suficiente. Uma outra colega e também, por incrível que pareça, doutora, soltou esta
pérola: pérola : “Deus “Deus existe, está provado, tal filósofo provou...” Citou um nome nome que ningu ninguém ém ali tinha tinha ouvido falar. Este seria ser ia o tal filósofo. Porém, isto pouco importava. O mais importante era o argumento, as evidências. “Sim, “Sim, mas qual é a teoria, o argum argumento, ento, as razões, as evidências?”, indaguei. “Ele diz assim”, respondeu ela: “Deus “Deus existe, simplesment simplesmentee porque eu o vi”. O que, convenham convenhamos, os, não é muito diferente difer ente do “experim “experi mento” de nosso doutor doutor em Biologia. Biologia. Se ver algum alguma coisa co isa comprovasse comprovasse a sua existência, então existiriam sacis, cabras-cegas, duendes, etc. O fato de alguém ter dito que viu não prova nada. Houve alguns episódios de minha adolescência que também merecem ser narrados. Um colega nosso, morador da mesma esma rua, colecionador col ecionador de revistas revis tas de UFOs, tinha várias estórias sobre discos-voadores. Teria, em várias ocasiões de sua vida, tido contato com óvnis. Era chegarmos de viagem e ele dizia ter visto um, bem perto de casa. E uma coisa eu, com 14 anos de idade, não entendia: nós nunca estávamos por perto para poder dividi d ividirr com ele aquelas experiências fabulosas. Por que ele detinha detinha tal privilégio? privi légio? Sonhei Sonhei a vida toda em ver um UFO. Passei minha infância e adolescência todinhas a olhar para o céu, esperando pelo grande momento e nada. Um dia, este colega, Rogério, chega com uma suposta foto de um óvni, a qual ele mesmo teria tirado, durante os dias em que estávamos viajando. Cako, meu irmão
mais novo, chegou fascinado, contando-me tal estória. Ora bolas, eu também queria ver a foto. Dias depois vieram até mim com a dita cuja nas mãos. Para minha própria surpresa, fiquei decepcionado com o que via. Era simplesmente uma foto queimada. Fundo negro com um borrão no meio. “Gente, me me desc d esculpe, ulpe, mas isto i sto é somente somente uma uma foto queim quei mada.” ada. ” Meus comentários foram prontamente desqualificados. Porém, cerca de um mês depois, a mentira foi desvelada. “É, negão, você tinha razão. O pilantra do Rogério confessou. Era mentira. Era mesmo uma foto queimada”, reconheceu Cako. Outra também interessante foi quando fizemos a brincadeira do copo, aquela para chamar chamar e conversar com os espíri es píritos. tos. Um amigo amigo tinha tinha o tabuleiro próprio própri o para pa ra tal procedim procedi mento. ento. Havia comprado comprado uma uma coleção coleçã o chamada chamada “Ciências proibidas”, proibi das”, em um banca de jornais, e o tabuleir tabuleiroo vinha vinha junto. junto. Era uma coleção coleçã o de revistas revis tas com c om temas temas de ciências ocultas. Este fascículo, especificamente, tinha um demônio na capa. Dava medo só de olhar para aquilo. Mesmo com todos os medos e riscos sobrenaturais e eternos envolvidos, resolvemos encarar. Iríamos fazer a brincadeira macabra do copo. Resolvi então colaborar. Sugeri que a vizinha, a qual era mãe-de-santo, participasse. Combinamos hora e lugar (a casa do Tijela, um grande amigo de infância). A mãe do Duda, o dono do tabuleiro também viria. Ela era médium em um centro espírita. Trouxemos flores. Passamos talco no tabuleiro, por onde o copo deslizaria. Éramos então uns cinco adolescentes mais uns quatro adultos, sendo que uma era mãe-de-santo e a outra médium. Ou seja, tudo em altíssimo estilo.
Antes de começarmos, liderados pela mãe do Tijela, rezamos todos um Pai Nosso e uma Ave Maria. Todos concordávamos concordávamos que era necessário o máximo áximo de respei res peito to com gente gente de outro mun mundo, do, com os mortos. Diziam que o copo andaria sozinho, que era assim que costumava ocorrer. Fiquei muit muitoo ansioso para ver tal espetáculo. Se eu visse aquele copo andando andando sozinho, sozinho, acreditaria também. Por que não? Ficamos ali cerca de duas horas. E nada do copo andar sozinho. Mas muitos já estavam bem impressionados e satisfeitos. Os supostos espíritos respondiam a algumas coisas, na base do sim e do não. Mas nada de copo andar sozinho, nada de poltergeist polte rgeist . Aliás, o bichinho estava é com preguiça. Quase não andava. E o tédio começava a tomar conta de todos. Então, chegou um momento que resolvi comandar o copo. Perguntavam e eu respondia. Eu mesmo guiava o copo para onde quisesse. Percebi que estavam muito abismados e confessei: “Gente, perdão. Até agora fui eu que respondi. Como o copo praticamente não andava, resolvi fazer um teste e ver a reação de vocês.” Contudo, Contudo, o mais marcante arc ante daquela noite foi a reação rea ção de Tijela Tijel a e sua mãe, logo no início, quando viram o copo deslizando sobre o escorregadio tabuleiro, pavimentado pavimentado de talco: “Tá abismado, filho?”, ela indagou-lh indagou-lhe. e. E Tijela ijel a estava de boca aberta, olhos arregalados e quase babando. Parecia Pareci a mesmo mesmo estar vendo e conversando com espíritos. Cako, Cako, durante durante dias, ria e olhava para Tijela, ijel a, completando: completando: “Tá abismado, filho?” Indagação Indagação que frequentou frequentou nossas bocas boca s durante anos. Momento Momento que se
eternizou em mais uma troça. Porque para Cako tudo sempre foi motivo de troça, sejam as coisas de Deus ou do Diabo. A hipótese de que, em hipnose, as pessoas possam estar encenando, obedecendo ou colaborando com o hipnotista, devem, no atual estado da arte, ser sempre levadas em consideração. Para tanto, muitas pesquisas estabelecem o seguinte e importante procedim procedi mento: ento: a utili utilização zação de simuladores. simuladores. Os dados não são conclusivos. Porém, em 1971, Martin Orne e Frederick Evans[1] Evans[1] fizeram fizeram um experimento, intitulado “o hipnotizador desaparecido”, utilizandose de dois grupos de sujeitos: altamente hipnotizáveis e simuladores. Realizaram primeirament primeiramentee o procedim procedi mento ento de indução indução hipnótica hipnótica padrão e os próprios própri os experimentadores simularam então uma interrupção de energia. Retiraram-se, como se fossem à busca da solução s olução de falta de energia elétrica, elé trica, abandonando abandonando os sujeitos na sala. O resultado é que, após um certo tempo, os simuladores abriram os olhos, pararam parara m de represent repres entar ar e também também deixaram a sala. Diferentem Diferentement entee dos sujeitos altamente hipnotizáveis, os quais permaneceram prostrados em seus lugares e, somente muito uito mais mais tarde e aos pou po ucos, vieram vi eram a abrir abri r os olhos, levantar-se e também também sair. Por outro lado, os resultados sobre os efeitos anestésicos da hipnose são mais conclusivos. Foram evidenciados tanto por pesquisadores céticos quanto os nãocéticos[2] céticos[2].. Porém, também não podemos desprezar contribuições como as de Theodore X. Barber, o qual propõe, segundo suas evidências experimentais, que a hipnose não seria nenhum estado especial. Segundo ele, a hipnose não seria uma condição extraordinária obtida por uma técnica peculiar. Seria somente uma intensa focalização sensorial obtida
por uma uma tarefa motivacional mais prolongada. prolongada. O chamado chamado transe transe hipnótico hipnótico nada mais seria do que estados que experimentamos cotidianamente, tais como, por exemplo, a compenetração ao se assistir a um filme, o mergulho em determinadas atividades, as quais nos absorvem absorve m, bloqu bloq ueando todo o restan res tante te de nossa percepção. pe rcepção. Posso, apesar das limitações científicas de tal procedimento, falar também da minha experiência de ter sido hipnotizado ou ter estado em transe. Em uma delas, o objetivo do condutor da vivência era somente fazer uma sessão de relaxamento. Estávamos num grupo com cerca de 10 pessoas. Colocou uma música relaxante e sugeriu diversas imagens: riacho, vale, montanha. Porém, quando disse que subiríamos a montanha, passo a passo, entrei em transe. Dali em diante as visões foram tão nítidas e vivas como num sonho. Contudo eu sabia que estava ali, naquela sala, com aquelas pessoas. pess oas. De acordo acor do com os proponentes proponentes das teorias de dissociação, houve de fato uma dissociação mental. Minha cabeça parecia pareci a ter se dividido dividi do em duas: uma uma subia a montanh ontanhaa e a outra outra estava naqu naquela ela sala. Senti-me imerso num sonho. Era muito real. Quando simplesmente imaginamos, não passa de algo que está soment somentee dentro dentro de nossa cabeça. Entretan Entretanto, to, eu estava imerso, imerso, vivendo passo a passo pass o aquilo tudo tudo ao meu redor. Somente vim a ter novamente tais sensações intensas quando bebi ayahuasca, o chá alucinógeno ingerido nos rituais de algumas religiões oriundas da Amazônia, tais como o Santo Daime e a União do Vegetal. Não foi muito diferente do que senti quando fui hipnotizado na sessão de relaxamento. Houve diferenças, talvez, de gradação e em relação à possibilidade de retorno. Com o chá você entra em transe e não tem simplesment simplesmentee à sua mão mão a opção de d e abrir abr ir os olh ol hos, reagir, r eagir, e sair quan quando do quiser. O efeito
da ayahuasca é fulminante. Trata-se comprovadamente de um psicotrópico. Tiro e queda. Quando alguém diz que possui um desejo enorme de experimentar o transe, mas não sabe se é hipnotizável, logo penso na ayahuasca. Sendo hipnotizável ou não, não há como fugir de seus efeitos alucinógenos. A experiência que tive com a ayahuasca foi muito intensa e proveitosa. Fui acometido por imagens inusitadas, a torrente das imagens de um sonho tomou conta de minha mente e meu corpo. Fui tragado por um turbilhão de sensações e visões surpreendentes, as quais mexeram muito com minha estrutura psíquica. Ao ponto de imaginar que de fato o potencial de mudança deste tipo de vivência seja realmente grande. grande. Depois que bebi o chá passei a ouvir os relatos de mudan mudança ça pessoal pes soal com menos menos desconfiança. Os relatos de quem vivenciou o transe intenso, independentemente do contexto, seja ele religioso ou não, são de arrebatamento e pungência. A minha impressão é a de que não há como passar incólume por este tipo de experiência. Mobilizam muitas estruturas de nosso ser. Para os religiosos a coisa acontece no nível mais profundo possível: possív el: o espiritu espir itual. al. E, de fato, fato, mexe com nosso espírito. espír ito. Balança tudo o que está lá dentro. Somos postos de cabeça pra baixo e por vezes virados pelo avesso. Parece uma busca extrem extremaa de algo perdido nos meandros meandros de nosso nosso destino e de nossa nossa alm al ma. Não era muito diferente difer ente do que o Padre Padr e Johann Gassner[3] (1727 1727-1779)) fazia com seus fiéis. Ele protagonizava um ritual exorcístico de cura em que o 1779 sujeito era conduzido a vivenciar sua própria morte e renascimento. Sem dúvida, uma experiência extrema e arrebatadora. Após a vivência desse horror, os pacientes
costumavam relatar melhoras. Mesmer (1734 (1734--1815 1815), ), inspirado nas observações que teve dos procedimentos de Gassner, passou a realizar o mesmo ritual, só que em um outro ambiente (o consultório médico) e com um outro nome. Provocava ataques convulsivos em seus pacientes. Conduzia-os Conduzia-os até seu lim l imite, ite, ao êxtase. êxtase. Ou seja, eram “postos de cabeça para baixo”, “virados pelo p elo avesso”. avess o”. É portanto possível que as pessoas adentrem estados mais descontrolados quando postas em hipnose. Podem “surtar” e exibir comportamentos bizarros. Porém, não me esqueço de uma frase da qual não me lembro mais o autor: “quanto mais bizarra uma uma experiência, mais proveitosa pro veitosa ela el a é”. E foi exatamente isto o que ocorreu neste churrasco. No momento em que eu comandava Ademir, nosso valente soldado em sua batalha campal, apareceram alguns colegas, desesperados: “Adriano, corre aqui! Acode Acode aqu aq ui!” Apontavam para o estacionamento, onde já havia um certo tumulto. Era Mariana, a moça que havia abandonado nossa roda de hipnose porque não estava sentindo nada. Com ela não estava funcionando. E agora Mariana estava lá, deitada no chão do d o estaci e stacionam onamento, ento, tendo um ataque mesmeri mesmeriano. ano. “Sai de mim...!!! im...!!! Sai de mim...!!! im...!!! Sai...!! Sai... !!!” !” Chorando, Ch orando, babava, raspava ra spava o rosto no chão, chão, caia cai a e pedia pe dia sofridam s ofridament entee para algo sair de dentro dela. Todos logo interpretaram aquilo como uma espécie de possessão. Queriam que eu fizesse alguma coisa. Olhavam pra mim na expectativa. Eu é quem teria de liderar qualquer que fosse o procedimento a ser adotado. Não era a primeira vez que
eu tinha um cenário fora do controle em minhas mãos. Pensei: o negócio vai ser então combater combater isto is to no terreno dela. “Gente, vamos segurá-la. Não deixemos que caia ou se machuque. André, você! Fique de lá que eu fico de cá!”. Ela estava de lado para mim e André, entre nós dois. Comecei a passar as mãos de sua cabeça até o final de seus braços, nas mãos, em um movimento de retirada. André fez o mesmo. “Saaaaiiiii “Saaaaii iii!! !!!! Sai desse dess e corpo!! corpo !!”, ”, gritávamos, gritávamos, bem alto, várias vezes. Ela foi ficando cada vez mais calma. No final das contas, estava prostrada, como no final de uma batalha. O desespero havia ido embora. Acabara de ter um ataque, de passar maus bocados. Era isso o que dizia sua aparência. Tomava um copo d’água, d’água, recolhida r ecolhida e constrang constrangida. ida. Eu havia gritado tanto, que ficara rouco. Disse que era espírita, que isto já havia ocorrido no centro que frequentava. Esta explicação tornava as coisas c oisas mais compreensíveis compreensíveis para nós. Porém, aquele aquele cenário c enário todo parecia não ter qualquer ressonância com a pessoa de Mariana, sempre crítica e tão senhora de si. Mas também, convenhamos, contradições fazem parte da vida de todos nós. “O que houve, Mariana?”, perguntavam todos, atônitos. “Não sei, gente. Só sei que de hipnose eu não brinco mais”, finalizou.
Ofegante, fora de controle e rindo Em meus cursos de técnicas de hipnose procuro, antes de tudo, desfazer alguns mitos. Demonstro aos alunos que a hipnose é uma técnica como outra qualquer. É importante ressaltar que o Conselho Federal de Psicologia autoriza a sua utilização como uma técnica auxiliar [4] e [4] e não como uma abordagem. Uma psicoterapia não pode se reduzir ao fetiche da simples utilização da hipnose. É um processo muito mais abrangente, no qual a hipnose pode desempenhar o que lhe cabe: um papel coadjuvante. Faço questão de demonstrar a meus alunos que a hipnose não é uma panaceia, e que podemos sim utilizá-la de modo mais crítico. Ou seja, atentos a seus limites. Acho altamente suspeitos os cursos que se divulgam por meio de uma lista infinita dos males que a hipnose pode curar. Se usarmos um pouco do nosso bom senso, logo nos damos conta de uma proposta séria não propõe o infinito. A hipnose não é eficaz nem boa pra tudo. Isto é evidente. A técnica, em si, também é muito explorada. Há um mito muito grande sobre como colocar as pessoas em transe. Não faltam cursos ou pacotes que prometem a melhor técnica, a infalível, a mais rápida. rápida .
Segundo a compilação de pesquisas realizadas por Nash e Fromm (1992), a resposta à hipnose depende mais da suscetibilidade do sujeito e da relação estabelecida com o hipnotizador do que da técnica utilizada. Ou seja, a promessa de uma técnica diferenciada, muito superior às outras, é bobagem, enganação. Mas este tipo de propaganda sempre reaparece. O mito de se poder hipnotizar qualquer pessoa com facilidade é muito sedutor e, portanto, vendável. É um mito de poder: o de d e cont c ontrolar rolar a vontade vontade e a ação a ção dos outros outros no mun mundo. do. Então, Então, faço questão de ressaltar: “A propaganda de uma técnica mais eficiente ou instantânea de indução hipnótica é enganosa. Não é isso o que dizem os dados científicos até o momento”. No curso que ministro procuro também também desmistificar desmistificar a ideia de que existem inúmeras técnicas para os mais diversos contextos. A enumeração infinita esconde os princípios fundam fundament entais, ais, as leis básicas básica s de procedim procedi mento, ento, dando a falsa impressã impressãoo de que sempre pode surgir algo novo, melhor dizendo, um produto novo. Há um roteiro básico a ser seguido, independentemente da abordagem ou enquadre enqu adre adotados: • A utilização de voz serena e monotônica. • Repetição exaustiva de comandos. • Fixação da atenção, a qual é geralmente adotada como a do olhar fixo em um ponto ponto específico. especí fico. • Utilização de contagens, após as quais frequentemente se estabelece um sinal hipnógino. Este sinal é geralmente composto por um toque, seja na testa ou em outra parte do corpo, durante durante o qual é ordenado ao sujeito que “durma” “durma” ou “relaxe” “rel axe” profundam profundament ente. e. O objetivo do estabelecim estabeleci mento ento deste sinal é o condicionament condicionamento. o. O
sujeito entraria em hipnose cada vez com mais facilidade, praticamente bastando este sinal e seu comando correspondente. Em um de meus cursos, primeiro procedi uma triagem no grupo de participantes. O objetivo era saber qual era, aproximadamente, o nível de suscetibilidade de cada um dos presentes. Pedi para que, em pé e de olhos fechados, estendessem os braços à frente, com as palmas das mãos voltadas para baixo. “Em seu braço esquerdo e squerdo está sendo se ndo amarrado amarrado um barbante preso à balões de gás hélio. Eles flutuam e puxam seu braço para cima. Há uma força intensa que puxa seu braço para cima, cima, deixan de ixando-o do-o bem leve, bem be m leve... Há então então uma tendência tendência muito uito forte de que seu braço esquerdo es querdo vá subindo, subindo....Ele subindo....Ele sobe, sobe, sob e, sobe...” “Por outro lado, sobre seu braço direito são colocados pesos. Há um saco de arroz sobre seu braço direito e ele vai ficando mais e mais pesado e cansado... Mais e mais pesado e cansado... Tende a mover-se para baixo, a descer. Assim, vai descendo, descendo, descendo... desce ndo...”” Para reforçar o comando, é também interessante sugerir ao sujeito que diga mentalmente para si mesmo o que está sendo ordenado: “Diga mentalmente para si mesmo: meu braço está pesado, muito pesado. Pesado... pesado...” Isto pode ser realizado em poucos minutos. De três a cinco minutos são suficientes. Basta seguir o roteiro básico: a utilização de voz serena e monotônica; e a repetição exaustiva exaustiva de d e com c omandos. andos. Os efeitos, em algumas pessoas, são muito rápidos. Vão de fato movimentando seus braços conforme vamos ordenando.
Após uns três ou cinco minutos, alguns exibem uma diferença enorme entre a posição posiçã o dos braços. braços . O esquerdo esquerdo pode estar es tar apontado apontado e direcionado dir ecionado para cim ci ma, enquant enquantoo o direito pode estar quase que junto ao corpo. Quanto maior esta diferença de posicionam posici onament ento, o, maior maior a suscet s uscetibil ibilidade. idade. Eram somente cerca de dez pessoas. O que é um número pequeno para uma hipnose de palco, a qual vise uma demonstração fabulosa, impactante. Quanto maior o número de sujeitos presentes, mais facilitado é o espetáculo. De 10 a 20% das pessoas são altamente suscetíveis à hipnose. Então, para obtermos quatro bons sujeitos é necessário um público de, no mínimo, 40 pessoas. É incrível, mas falou-se em hipnose, estamos falando em gente querendo ver espetáculo. Não adianta nada falar em hipnose e não realizar uma demonstração espetacular, impactante. Pois é exatamente isso o que intriga a todos. Portanto, faço demonstrações de palco e depois, na medida do possível, as desmascaro. Hipnotistas de palco geralmente iludem a todos, observadores e hipnotizados. Utilizam tili zam também também técnicas de ilusionismo. il usionismo. Dramatizam em excesso, fazem cena. Por exemplo. Depois de uma demonstração, pede-se para que o sujeito acorde, saia do transe e volte ao seu lugar. A interação com ele, depois que “saiu do transe”, é instantânea. Para hipnotizá-lo novamente basta alguns comandos rápidos, pois ainda se encontra sob nosso poder de sugestão. Fazer isso, e dar a entender que existe uma técnica fulminante responsável por tal resultado, é ilusionismo. É iludir o público que assiste assis te à dem de monstração. onstração. Neste dia, éramos éramos soment somentee cerca de dez pessoas. pessoas . Eu mesmo esmo não estava me iludindo quanto à possibilidade concreta de eventos impactantes e inusitados. Porém,
cerca de três pessoas demonstraram alta suscetibilidade. E com estas foi possível demonstrar efeitos mais intensos. Choravam diante da sugestão de que se lembrassem de algo muito marcante e emocionante em suas vidas. Manifestavam a expressão de diversas sensações sugeridas: frio, calor, medo, alegria, tristeza, alucinações positivas e negativas, incapacidade de falar, embriaguez, e outras. Como era um curso de técnicas, houve um momento em que comecei a demonstrá-las somente por amostragem, para poupar tempo e tornar a aula mais prática. Não havia a necessidade de esperar que cada um entrasse entrasse em hipnose. hipnose. Feitas algum algumas demonstrações reais, depois bastavam amostras de outros procedimentos que obteriam os mesmos resultados. Assim, em nível de amostragem, convoquei para demonstração um rapaz que havia apresentado baixa suscetibilidade na triagem inicial. Era somente uma amostra. Não era esperado esper ado que ele entrasse entrasse em transe transe ou coisa semelhan semelhante. te. “Estenda um de seus braços à frente. Feche a mão, e erga somente seu polegar. Olhe atentamente para ele. Conforme você o observa fixamente, seu braço vai pesando. O tempo vai passando e seu braço vai ficando cada vez mais pesado. Há um peso muito grande em seu braço. Diga isto mentalmente a si mesmo (que seu braço está pesado, muito pesado). Assim, há uma tendência de que ele vá descendo, descendo... E ele vai, devagar, devagar, descendo, desc endo, descendo. Quando Quando por fim irá tocar sua pern per na. E ao tocar sua perna, eu tocarei sua testa e você entrará em hipnose.” Conforme o tempo foi passando, o sujeito, com o olhar fixo em seu polegar, foi abaixando bem vagarosamente o braço, como o esperado. Porém, também ficava cada vez mais ofegante. Seu braço ia abaixando e ele ia ficando cada vez mais ofegante. Foi
muito rápido. Em menos de um minuto sua respiração se acelerou de modo incontrolável e passou a ter acessos explosivos de uma risada insólita. Ofegante, rindo assustado e fora de controle. Era este o cenário. Os outros alunos ficaram nitidamente tensos. Algo parecia estar saindo fora do script scrip t . Era uma manifestação intrusa, não esperada e claramente bizarra. Opa, deviam pensar, a hipnose é muito interessante... Até sair do controle. Até o momento em que explode em um surto. Por outro lado, muitos uitos psicólogos psi cólogos irão ir ão ver uma uma virtu vi rtude de nestes descontroles, ou a evidência de que a hipnose existe mesmo. Não tenho dúvida de uma coisa: é um tremendo de um recurso expressivo. Às vezes é capaz de produzir um índice extremo de expressividade e descarga afetiva e inconsciente. Mesmo que a hipnose não exista e seja somente uma simulação entre dois personagens personagens (o hipnotista hipnotista e o hipnotiz hipnotizado), ado), não há como como neg negar ar a expressividade expressivid ade que toma conta de muitos hipnotizados. E esta expressividade, real ou encenada, não importa, pode ser muito útil para um trabalho psicoterápico. Porque, antes de tudo, ela está fazendo com que a pessoa se expresse, flua, aconteça. Um dos fatos mais importantes a serem resgatados e estimulados em uma psicoterapia é a expressão. Por meio dela muito uito materia materiall inconsciente inconsciente pode ser coletado e trabalhado. trabal hado. As expressões inusitadas e explosivas produzidas por uma indução hipnótica servem de alimento para o desenrolar de uma psicoterapia. Abrem portas, fornecem a valiosa permissão para que desejos e percepções mais profundos apareçam e tenham voz. Assim, a espontaneidade pode brotar, revelando conexões antes encobertas pelos recalques e comedimentos de nosso regrado cotidiano. Brotam o absurdo, o bizarro e
com eles a verdade. E assim, de forma descontrolada, se comportava este aluno, após sua indução. Ofegante, fora de controle e rindo. Quem não está acostumado, estranha. Os outros alunos ficaram tensos. Afinal seu colega estava tendo um ataque. Por sinal, os pacientes de Mesmer se curavam após ataques convulsivos. As sessões de magnetismo animal eram geralmente em grupo. Eram induzidos ataques. E após estes advinha alguma resolução, resposta ou apaziguamento. Sua respiração era cada vez mais rápida. Parecia que ia entrar em um colapso. Cada vez mais ofegante. Seu estado era desesperador, para quem não soubesse que induções de hipnose podem também resultar nisso. E que se assim o fosse, bastava não se esquecer de uma coisa: tudo está sob nosso controle, do hipnotista. Basta ter autoridade, ser enérgico no momento certo. E depois acolhedor. “Vou contar até cinco, e no cinco você irá dormir.” Era necessário fazê-lo dormir. Entrara repentinamente em uma movimentação intensa. Seu estado frenético demandava tranquilização imediata. “Durma... durma... durma...” Comandos firmes, simples e repetitivos são suficientes. O rapaz rap az enfim relaxou. rel axou. Todos Todos olhavam atônitos. “Professor, afinal, o que ocorreu aqui?”, perguntaram. “Não tenho a menor ideia...”
Coisas Coisas de outro o utro mundo Não tem jeito, basta saberem que você voc ê trabalha com hipnose hipnose e aparece todo o tipo de pessoas, curiosas com as possibilidades de tratamento. “Eu vim aqui porque eu quero fazer uma regressão, doutor.” “Sim. “Sim. Mas o que você está querendo dizer com ‘regressão’?” ‘regressão’? ” Esta senhora ficou espantada. Pois, para ela, eu deveria, afinal de contas, já saber de antemão antemão o que ela estava es tava querendo querendo dizer di zer com o termo termo “regressão”. “re gressão”. Esta palavra pode, por sua vez, significar tantas coisas. É uma volta no tempo, mas esta pode ser dar em memória (mentalmente) ou em ato (comportamento). Para a Psicanálise é em ato. É geralmente um retorno a formas remotas de comportamento. É comportar-se como em uma fase anterior do desenvolvimento. Resumindo, regredir, neste sentido, é agir como criança. Para as chamadas terapias de regressão é a recuperação de memórias esquecidas. Para tanto é utilizada a hipnose. O paciente é hipnotizado e assim seria feita a recuperação do que foi esquecido. Contudo, o senso comum vai mais além. Quando algum leigo diz que quer fazer
regressão, geralmente está dizendo que deseja recuperar memórias de uma vida passada. Fazer regressão é, neste neste sentido, sentido, “ir”, “ir” , “retornar” a uma uma outra outra vida. E este retorno a uma outra vida teria, por si só, propriedades curativas. Lá estariam todas as razões. E bastaria somente saber quais são para que a mudança venha a ocorrer espontaneamente. A pessoa informa-se de quem foi em outra vida ou de como foi sua morte e isto i sto já seria s eria suficiente suficiente para a sua cura. cura. O mecanismo é mais ou menos assim. Ouvem dizer que certo profissional trabalha com hipnose e logo l ogo já associam associ am com regressão, a qual, por si só é eficaz. Aí eu tento tento esclarecer esclar ecer algum algumas coisas c oisas important importantes es a esta pessoa: pess oa: “Veja bem. O termo “terapia de regressão” não é reconhecido pelo Conselho de Psicologia. A chamada regressão, para a própria vida, é uma recuperação de memórias por meio da hipnose. E este procedim procedi mento ento é comprovadamen comprovadamente te perigoso, pois pode implica implicarr na produção de falsas memórias memórias...” ...” E eu tenho paciência, explico tudinho: “O transe hipnótico é um estado psíquico muito primitivo e de intensa fabulação. É um estado de sonho, propenso aos mais diversos tipos de fantasias e invenções de nosso inconsciente. Logo, a evocação de memórias sob este estado é perigoso, um equívoco. E isto possui comprovação comprovação con co nsolidada...” soli dada...” “Então quer dizer que o senhor está vendendo uma coisa na qual não acredita?”, indagou, certa vez, indignada, uma senhora vestida de joias até os dentes e com ar de superioridade. Eu era um mero psicólogo-funcionário de uma clínica grande em um bairro onde residiam muito segmentos da alta sociedade de Brasília. Ela queria fazer a regressão,
de qualquer jeito, não importava importava o que aquilo quisesse dizer, e que que eu a obedecesse. obedeces se. Declinei, encaminhando-a à recepção. Saiu, pisando duro, sem compreender qualquer qualquer palavra pal avra do d o que eu dizia. dizia. Outra coisa que também já ocorreu, mais de uma vez, é aparecer homossexuais querendo querendo se converter, converter, por meio da hipnose, para a heterossexualida heterossexualidade. de. Também costumo declinar desta complicada proposta. Tanto os conselhos de Medicina quanto os de Psicologia são claros em alertar que a homossexualidade não deve, em hipótese alguma, ser concebida como doença. Portanto, qualquer procedim procedi mento ento que se aproxime aproxime deste tipo de concepção, pode despertar penalizações severas ou dores de cabeça desnecessárias. desnecessárias. Mas o fato interessante é a crença nos poderes miraculosos da hipnose. O sujeito chega em nosso consultório com a firme esperança de que sua estrutura psicológica psicol ógica e humana umana mudará, mudará, de modo rápido, por completo. completo. É realm real mente ente espantoso espantoso o poder de um mito, do que vira moda. Funcion Funcionaa como como uma uma onda. As pessoas mal avaliam e já estão disponíveis para se submeter a algo que foi dito ser bom. Uma onda mesmo. esmo. Passa e carrega carr ega todo todo mun mundo. do. Passa por cim ci ma do razão, r azão, do espírito espír ito crítico. Por outro lado, algo fundamental não deve ser desconsiderado: o sofrimento. E muitas dessas pessoas estão, por este ponto de vista, sendo sensatas. Estão tentando de tudo para conseguir alívio para seus males. Nesta situação, praticamente todas as tentativas são válidas. Porém, o que pretendo enfatizar aqui é a associação entre hipnose e algo miraculoso. Do ponto de vista da verdade, isto não é bom. A ideia de algo miraculoso não cheira à ciência. Está mais próxima do sensacionalismo, da ilusão, da enganação,
do marketing . Para quem possui bom senso, promessas em excesso são sempre alvo de desconfiança. Geralmente, onde há muita promessa, há também muito desejo de poder. Como paciente, como alguém que precisasse de cura ou alívio para algum tipo de enfermidade eu também procuraria todas as alternativas possíveis. Não iria esperar os demorados resultados conclusivos da ciência. Obviamente, se algo ainda não teve sua eficácia comprovada pela ciência, isto não quer necessariamente dizer que não é eficaz. A ausência de provas não implica necessariamente em prova de ausência. Porém, um pouco de espírito crítico também não faz mal a ninguém. Informar-se um pouco mais, agir com um pouco de malícia, também facilita muitas coisas nessa vida. Ajuda a encontrar bons profissionais, a reconhecer de longe o que é conversa fiada, o que são prom pr omessas essas infun infundadas dadas e qual tipo de discurso dis curso é charlatão. A hipnose é uma dentre várias técnicas das quais a Psicologia dispõe. Não é miraculosa e possui limites de eficácia e aplicação. Não cura tudo e não serve para todo e qualquer tipo de problema. Deve-se desconfiar de profissionais que exageram sua eficácia, principalmente aqueles que costumam fazer uma lista infinita de curas da hipnose. Ou seja, fazem a propaganda de que a hipnose é uma panaceia, de que pode curar tudo. Este tipo de abordagem não possui consistência, é enganadora. Contudo, o mito em torno da hipnose, ao mesmo tempo em que alimenta o desconhecimento, também parece facilitar algumas reações dos pacientes, as quais podem ser muit muitoo fecundas fecundas em uma psicoterapia. psicoterapi a. Tive uma uma paciente, a qual apareceu aparece u na clínica, interessa interessada da em submeter-se submeter-se à hipnose para poder fazer fazer um retorno a outras outras vidas. Pretendia Pretendia descobrir descobri r o que havia ocorrido em suas vidas passadas, e acreditava que com isso encontraria as
respostas necessárias ao alívio de seus males. Era kardecista, e sentia muita falta do rituais em que podia incorporar outros espíritos. O centro que frequentava não mais realizava este tipo de ritual. Estava ali à busca de preencher esta lacuna. Dizia que a incorporação sempre sempre fora mu muito importante importante para sua saúde espiritu espir itual. al. Compreendi. Compreendi. Era perfeitament perfeitamentee compreensível. compreensível. As religiões reli giões e seus rituais são uma valiosa válvula de escape, de expressão. Rituais em que o transe ocorre geralmente tiram um peso enorme da vida destas pessoas. A incorporação, o sair de si, são extremamente catárticos. Propiciam níveis profundos de descarga afetiva. Permitem que o sujeito expresse todo o absurdo de sua existência. Estimulam a expressão (o chamado desabafo) em níveis extremos, radicais, profundos. Uma religião sem rituais é um corpo de crenças morto. O ritual é a parte experiencial e viva das religiões. É onde as coisas acontecem. Onde o drama humano é encenado e elaborado da forma mais autênt autêntica ica possível. possíve l. Procedi Proc edi uma uma indução hipnótica convencional. Ela entrou rapidamen rapi damente te em transe. E assim que incorporou, o negócio foi violento, escandaloso. Começou chorando, muito, muito. Seu choro era convulsivo. Berrava. Em ganidos estridentes, ora muito altos ora bem baixinhos, entremeados por fortes soluços. E de repente, no meio do choro, uma estridente gargalhada irrompeu. Assim foi: gargalhava e esta instantaneamente transmutava-se em choro, sem escalas, somente esta absurda mudança brusca e incompreensível. incompreensível. Era nitidamente nitidamente uma uma entidade, alguma alguma coisa coi sa que havia tomado tomado conta dela. Fiz as perguntas que o script mandava: “Quem é você? você ? O que você quer?”
“Margarida “Margarida”, ”, respondeu, agressiva, com a voz distorcida. distorcida . “E o que você quer, quer, Margarida? Margarida?”” “Ela roubou meu marido. E agora ela não vai se casar! Não vai conhecer o amor de sua vida! Isso pra ela aprender a não roubar o amor dos outros. Irá padecer. Jamais Jamais amará! Ah Aha-há-há-há-há-h a-há-há-há-há-há-há! á-há!!” !” E sempre sempre finalizava finalizava assim, em uma risada risa da diabólica, diaból ica, estrondosa. Um espetáculo espe táculo acontecia diant dia ntee de meus olhos. Personagen Per sonagenss e mais personagens personagens entravam entravam em cena. Fossem eles espír e spíritos itos legítimos legítimos ou não, não, eu nem nem pensava nisto. Entrei também em cena. Meu papel era mediar um diálogo ponderado e sensato entre Margarida e minha paciente. Outros espíritos compareciam, geralmente tentando ajudar. Era muito difícil conversar com Margarida. Estava cega por um ódio eterno. Dissera não somente ter perdido o marido, como a tudo que tinha. Sofrera inclusive um acidente, devido a estes infortúnios, o qual queimara-lhe o rosto, deixando-a deformada. Enfim, morrera na solidão, em extremo sofrimento, e o pivô disso tudo era a alma da senhora que acabara de entrar em meu consultório. Prossegui, Pros segui, tentando tentando apaziguar. Mas, antes, deixei dei xei que Margarida Margarid a falasse e expressasse tudo o que lhe estava engasgado em séculos de sofrimento contido. Fosse Margarida a expressão de alguma faceta da própria paciente, botar pra fora deveria também ajudar. Esta primeira sessão foi inteira inteiram mente ente voltada à catarse, à expressão quase irrestrita de tudo o que vinha sendo contido durante muito tempo. O trabalho de interpretar e trazer estes conteúdos para sua própria vida seria mais lento e gradual, e disposto dispos to em várias sessões sessõe s subsequentes. subsequentes.
E foi exatamente exatamente isto que passou pass ou a ocorrer, ocor rer, com o passar pass ar do tempo. tempo. Ela mesma começou a trazer seus conteúdos de “vidas passadas” mais para perto de sua vida atual. Aos poucos foi percebendo que poderia trabalhar aqui e agora para a construção de seu próprio destino, que as determinações de outras vidas não eram e nem deveriam deveria m ser irrevogáveis. irre vogáveis. Margarida Margarida acalmou-se. acalmou-se. Desapareceu das sessões. sessões . E é assim que An Ana, a, esta senhora, foi emergindo. Ela era uma quarentona bem conservada e solteira. Tinha uma vida financeira estável, porém ainda morava com a mãe, com a qual tinha diversos problem proble mas de convivência. convivência. Trazia um forte sentim sentiment entoo de ter sido s ido mal amada amada pelos pel os pais pai s e pela família, a vida toda, o qual desdobrava-se por várias esferas de sua existência. E foi, predominantemente sobre estes aspectos, que sua psicoterapia caminhou. De volta à sua primeira sessão, é ainda interessa interessant ntee mencionar encionar como como ela se encerrou. Foi uma sessão movimentada, composta por diversas entidades. Ora a paciente chorava, sofrida e convu convulsiva lsivam mente, ente, ora dava gargalhadas vigorosas e diabólicas. Eram oito horas da noite. A clínica estava completamente vazia. Na recepção havia somente Alex, o funcionário do turno noturno. Católico praticante e muito temeroso quanto a questões e assuntos sobrenaturais. Tinha verdadeiro pavor de espíritos e almas penadas. Terminada a sessão, me despedi da paciente, e ela saiu discretamente. Olhei para Alex e sua sua aparência era próxima próxima ao pavor. “Doutor, Nossa Senhora, o que estava acontecendo lá dentro? Ecoou por todo o prédio...” prédio ...” “Psicoterapia, “Psicoterapi a, Alex. Soment Somentee isto: is to: psicoterapia...” psicoterapi a...”
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