Etty Hillesum

Etty Hillesum: Cartas 1941-1943 Westerbork, terça-feira, 24 de Agosto de 1943.

Depois desta noite, houve um momento em que senti seriamente que, de futuro, seria pecado voltar alguma vez a rir. Mas lembrei-me então de que, não obstante, alguns haviam partido a rir, embora não muitos, apenas alguns, desta vez. E talvez haja também quem ria de vez em quando na ol!nia, embora não venham a ser muitos deste transporte, creio eu. "uando penso nos rostos daquele pelotão de acompanhamento acompanhamento de guardas guardas de uniforme verde armados - meu Deus, aqueles rostos# $lhei-os um a um, escondida por tr%s de uma janela, e nunca na minha vida houve algo que me dei&asse tão assustada. us em causa as palavras que que const constitu ituem em o leitmotiv da minh minha a vida vida'' E Deus Deus crio criou u o (o (ome mem m ) *ua *ua imag imagem em.. Esta Esta passagem viveu comigo uma manhã dif+cil. DisseDisse-vos vos j% por por divers diversas as vezes vezes que que não não e&iste e&istem m palav palavras ras ou imagen imagenss adeq adequad uadas as para para descrever noites como esta. inda assim, tenho de tentar registar alguma coisa. qui, temos sempr sem pre e a sensa sensaão ão de ser sermo moss os ouvid ouvidos os e os olhos olhos de um peda pedao o de (is (ist!r t!ria ia judaic judaica, a, havendo também a necessidade de, por vezes, sermos uma pequena voz. emos de manternos ao corrente de tudo o que acontece nos quatro cantos deste mundo, cada um deve dar o seu contributo para o grande mosaico estar totalmente preenchido no fim da guerra. o passar de manhãzinha pelo barracão das puni/es, ap!s uma noite no barracão-hospital, senti, por um momento, um al+vio. $s prisioneiros, sobretudo homens, de malas e bagagens, estavam cercados pelo arame farpado0 muitos tinham ar e&pedito e duro. 1m velho conhecido - não o reconheci logo por ter a cabea rapada, o que, por vezes, modifica por completo as pessoas - chamou-me e disse, sorrindo' 2*e eles não me conseguirem matar ) paulada, eu volto3. Mas aqueles bebés, aqueles gritinhos gritinhos penetran penetrantes tes dos bebés que são retirados retirados das suas suas caminhas, a meio da noite, para serem levados para um pa+s distante. enho de escrever tudo de forma desorganizada, rapidamente, porque se dei&ar para mais tarde, j% não conseguirei faz4-lo, não acreditarei que isto aconteceu realmente0 j% é como uma visão que se afasta, flutuando, cada vez mais de mim. $s bebés foram, sem d5vida, o pior. E depois, houve ainda aquela menina paralisada que j% não quis levar um prato consigo e achava tão dif+cil morrer. E o rapaz assustado' julgava estar seguro e foi esse o seu erro0 inesperadamente, também tinha de partir, teve um ataque de loucura e fugiu. $s seus companheiros judeus foram obrigados a ir atr%s dele. *e não o encontrassem, dezenas de outros judeus teriam de partir no seu lugar. 6ão tardaram a cerc%-lo, foi encontrado numa tenda e, porém7porém8, os outros tiveram de partir para, de forma medonha, darem o e&emplo, como se costuma dizer. E assim, o rapaz arrastou consigo v%rios bons amigos. 9om o seu momento de loucura, causou cinquenta v+timas. $u melhor, não foi ele o culpado, mas sim o nosso 9omandante, aquele de quem tantas vezes dizem ser um cavalheiro. 9onseguir% o rapaz viver em paz consigo mesmo, quando se aperceber realmente daquilo que provocou, e como irão reagir todos os outros  judeus no comboio em relaão a ele: $ rapaz passar% por um muito mau bocado. alvez a situaão não se tivesse agravado tanto se nessa noite não tivesse havido tanta actividade aérea; sobre as nossas cabeas0 o 9omandante também deve ter ficado afectado com isso. <=olas, que estes voam bem#>, ouvi um homem dizer para as estrelas, a meio da noite. s pesso pessoas as ainda ainda tinha tinham m a espera esperan na a ingénu ingénua a de que que o transp transport orte e fosse fosse cancel cancelad ado. o. Muita Muitass consegu conseguiram iram assi assistir stir daqui daqui ao bombard bombardeame eamento nto de uma cidade cidade vizinha, vizinha, Emden, Emden, talvez. talvez. E porque não poderiam os carris ser também atingidos e o comboio impedido de partir: 6unca sucedeu nada do género, mas as pessoas continuam a acreditar que algo assim acontecer%, a cada novo transporte e com uma esperana obstinada7 6a noite anterior ao sucedido, caminhei pelo campo. s pessoas estavam agrupadas entre as barracas, sob um céu pl5mbeo. , disse-me o meu interlocutor.
precisamente isso o que é incompreens+vel>, e&clamei, *empre que o infort5nio bate ) porta, as pessoas tendem naturalmente a estender a mão para ajudar e a salvar o que pode ser salvo. Mas, esta noite, eu irei vestir bebés e acalmar mães - e chamar a isso 2ajudar3, quase me podia amaldioar por faz4-lo. *abemos perfeitamente que vamos dei&ar os nossos doentes e desprotegidos ) merc4 da fome, do calor, do frio, da falta de protecão e da destruião e, ainda assim, n!s pr!prios os vestimos e acompanhamos até aos monstruosos vag/es despidos - e aos que não podem andar, carregamo-los sobre macas. Mas que se passa, afinal, que mistérios são estes, em que espécie de mecanismo fatal nos encontramos enredados: 6ão podemos, simplesmente, fugir a esta questão com a desculpa de sermos todos cobardes. 6em somos assim tão maus. Estamos perante quest/es muito mais profundas7 6essa tarde, fiz, uma vez mais, a ronda pelo meu barracão-hospital, indo de cama em cama. "uais as que ficariam vazias no dia seguinte: s listas de transporte nunca são reveladas senão no 5ltimo momento0 ainda assim, alguns sabem antecipadamente se terão de partir. 1ma menina chama-me. Est% sentada na cama, muito direita, de olhos arregalados.  menina tem pulsos finos e um rostinho estreito e transparente. Est% parcialmente paralisada, comeava justamente a reaprender a andar, apoiando-se a duas enfermeiras, passo a passo. <@% sabe: enho de ir>, diz-me, sussurrando. <9omo: u tens de ir:> $lhamos por momentos uma para a outra, incapazes de falar. $ seu rosto como que desapareceu0 ela é apenas olhos. Então, volta a falar, com uma vozinha monoc!rdica e abafada' <"ue pena que tudo o que aprendemos na vida tenha sido em vão, não acha:> E *ubitamente, a e&pressão r+gida forada da sua face esbate-se com as l%grimas e os soluos e ela e&clama' <$h, e o pior de tudo é ter de sair da (olanda#> E <$h, porque não pude morrer antes7> Mais tarde, durante a noite, vejo-a novamente, pela 5ltima vez. 6a casinha das lavagens est% uma mulher pequenina, que segura debai&o do brao um alguidar com roupa a pingar. garra-me. em um ar um pouco desgrenhado. Bana-me um chorrilho de palavras' <6ão pode ser, como é poss+vel: enho de partir e nem sequer vou conseguir secar a roupa para amanhã. E o meu filho est% doente, com febre, não pode fazer com que eu não tenha de ir: E não tenho sequer roupinha que chegue para ele, acabaram de me enviar o fatinho pequeno, em vez do grande, oh, ainda vou dar em doida. E s! nos dei&am levar um cobertor, vamos morrer de frio, ou julga que não: enho c% um primo que chegou ao mesmo tempo que eu, mas ele não tem de ir, por ter os documentos certos, não acha que eles também dão para mim: Diga que não tenho de ir, acha que vão dei&ar os filhos com as mães: ?olte c% esta noite, venha ajudar-me nessa altura0 o que acha, os papéis do meu primo73 *e eu disser que nessa noite estive no Cnferno, o que acham que quererei dizer: firmei-o uma vez para mim mesma em voz alta, a meio da noite, constatando com certa sobriedade' <ois, agora estou no Cnferno.> 6ão conseguimos mesmo saber quem vai e quem não vai, estão quase todos a pé, os doentes ajudam-se entre si a vestirem-se. Muitos não t4m nenhuma pea de roupa, pessoas cuja bagagem se perdeu ou não chegou ainda. *enhoras do 2*ervio de ssist4ncia3 deambulam por a+, distribuindo vestu%rio, não importando se serve ou não, desde que se esteja tapado com alguma coisa. lgumas senhoras idosas estão trajadas de modo patético. reparam-se biber/es de leite para dar aos bebés, cujos gritos de lamento passam por todas as frestas do barracão. 1ma jovem mãe diz-me como que a pedir desculpa' <$ meu bebé não costuma chorar0 é quase como se soubesse o que vai acontecer>. ira o menino, um lindo bebé de oito meses, de um bero primitivo e sorri para ele. <*e não te portares bem, não podes viajar com a mamã#> ala-me de alguns conhecidos. <"uando os homens de verdeF foram busc%-los a mesterdão, os filhos choraram terrivelmente. Então, o pai disse-lhes' <*e não se portarem bem, não vão poder ir no carro verde, este senhor de verde não vos leva.> E isso ajudou-os mi5dos acalmaram-se>. isca-me o olho corajosamente, uma mulher franzina, morena, de rosto vivo, cor de azeitona. em vestidas umas calas compridas cinzentas e uma camisola de lã verde. <6ão sou assim tão forte>, diz, .

 mulher da roupa molhada est% ) beira da histeria. <6ão pode esconder o meu filho: or favor, esconda-o, est% com febre alta, como posso lev%-lo comigo:> ponta para um pequenino de carac!is louros e rostinho escarlate, a arder, que se debate numa caminha de madeira crua.  enfermeira quer que a mãe vista mais uma camisola de lã por cima do vestido. Ela recusa. <6ão vou levar nada, de que me serve:7 o meu filho>. *olua, e prossegue' <iram-nos os filhos doentes e não voltamos a v4-los3. 1ma mulher apro&ima-se dela, uma mulher do povo pesada, de rosto bondoso e de traos rudes, pu&a a mãe desesperada, fazendo-a sentar-se consigo ) beira de um dos catres de ferro e fala com ela com um sotaque popular quase melodioso. <u também não passas de umajudia, não é: or isso, também vais ter de ir, não é assim:7> 1mas camas adiante deparo, subitamente, com o rosto macilento e sardento de uma colega. Est% de c!coras junto ) cama de uma mulher moribunda que engoliu veneno e que é sua mãe. , dei&o escapar. A aquela mulherzinha do povo querida de Goterdão. Est% gr%vida de nove meses. Duas enfermeiras tentam vesti-la. Encosta o corpo enorme ) caminha do filho. Hotas de suor escorrem-lhe pela face. $lha para o vazio, para onde não posso seguir-lhe o olhar, e diz numa voz sem entoaão, gasta' <(% dois meses, ofereci-me para ir com o meu marido para a ol!nia. 6essa altura, não me dei&aram ir, por ter sempre partos dif+ceis. E agora, tenho mesmo de partir7 s! porque alguém tentou fugir esta noite7> $ choro dos bebés torna-se mais forte, enchendo todos os cantos e recantos do barracão banhado por uma luz fantasmag!rica. "uase não d% para aguentar. $corre-me um nome' (erodes. 6a maca, a caminho do comboio, comearam as dores de parto, e então permitiram que a mulher fosse levada para o hospital, em vez de para o comboio de mercadorias - o que, esta noite, parece um raro acto de humanismo7 asso pela cama da menina paralisada, que j% est% parcialmente vestida, graas ) ajuda de terceiros. 6unca vi uns olhos tão grandes num rosto tão pequeno. <6ão consigo conformarme>, sussurra-me. lguns passos adiante, est% a minha russinha corcunda, de quem j% vos falei. 9omo que presa numa teia de tristeza.  menina paralisada é sua amiga. Mais tarde, confidencia-me, lamentando-se' . Est% diante de mim, com um quimono de seda verde em volta da sua pequena figura deformada. em olhos de criana, puros e muito s%bios. rimeiro, fica a observar-me silenciosamente durante muito tempo, com olhar perscrutador, e, por fim, diz, irrompendo com emoão' <$h, quem me dera, mas quem me dera poder escapar para um mundo melhor, nadando nas minhas l%grimas>. E <"ue saudades terr+veis tenho da minha boa mãe>. IEsta boa mãe morreu de cancro h% uns meses, neste campo, na casinha das lavagens perto das retretes0 foi ali que encontrou um espao onde pJde ficar sozinha por momentos, para poder morrer.K  Biubutsca pergunta-me, com o seu estranho sotaque e a voz de uma criana que pede perdão, Depois, afasta-se de mim, num gesto quase encantador de tristeza infinita, e durante toda a noite vejo uma figura disforme de seda verde movendo-se por entre as camas, prestando pequenas ajudas a todos os que estão prestes a partir. Ela ainda não tem de ir, pelo menos, não desta vez7 Estou a preparar sumo de tomate para encher biber/es para os bebés. o pé de mim est% uma  jovem mulher0 parece empreendedora, pronta para a viagem, e arranjou-se com esmero. *oa quase como um grito de libertaão, quando e&clama, abrindo os braos num gesto largo' . 1ma mulher que se encontra diante dela interrompe o seu discurso, dizendo amargamente' . $bservo por instantes a jovem mulher ao pé de mim. Est% c% s! h% alguns dias, vinda do barracão das puni/es. Emana fora e independ4ncia e torce a boca pequena num trejeito de desafio. Desde o in+cio da noite que est% a postos para a partida, de calas compridas e uma camisola e casaco de lã. 6o chão, junto a ela, encontra-se uma mochila pesada e um cobertor enrolado. enta engolir algumas sandu+ches. Estão bolorentas. 2rovavelmente, hei-de comer

pão bolorento mais vezes3, diz, rindo. <6a prisão, não comi nada durante dias>. 1m pouco da sua hist!ria nas suas pr!prias palavras' <@% estava no fim do tempo quando me atiraram para a prisão. E como escarneceram e me desprezaram# ive a infelicidade de dizer que não podia estar de pé, por isso, fizeram-me estar assim horas a fio, mas aguentei sem um quei&ume>. Bana um olhar desafiador. <$ meu marido também l% esteve. i, como o trataram mal, mas ele foi tão forte# 6o m4s passado, mandaram-no embora. inha tido o meu bebé h% tr4s dias e não pude ir com ele. Mas ele mostrou-se tão forte#> "uase irradia com uma espécie de orgulho carinhoso. rossegue' <$ bebé morreu aqui. alvez volte a encontrar o meu marido>. Gi-se em tom de desafio. <odem arrastar-nos pela lama, mas acabaremos por ultrapassar todas as adversidades#> $lha para os bebés que choram em redor e diz' <6ão vou ter mãos a medir, no comboio0 ainda tenho leite.> <$ qu4:  senhora também:>, pergunto, de repente, estupefacta.  figura de uma mulher alta surge por entre os beros virados dos bebés agitados e chorosos, com as mãos pelo ar em busca de apoio. 1sa um vestido longo, preto, antiquado. ossui um semblante nobre e usa o cabelo branco ondulado apanhado em cima. $ marido faleceu aqui h% algumas semanas. @% passa em muito dos L anos, mas aparenta ter menos de N. *empre a admirei pelo modo aristocr%tico como se reclinava no seu catre miser%vel. Gesponde numa voz roufenha, <*im. 6ão me dei&aram partilhar o t5mulo do meu marido>. $h, e ela também# A a enérgica mulher do gueto que costumava ficar na cama, com fome, por nunca receber alimentos. E tinha c% sete filhos. 9orre em passinhos mi5dos de um lado para o outro com as suas pernas curtas, muito decidida e atarefada. <ois, veja bem, tenho sete filhos e eles precisam de uma mãe corajosa que os acompanhe, isso lhe garanto eu#> 9om gestos %geis, enche o saco de juta com os seus pertences. <6ão vou dei&ar c% nada, o meu marido partiu h% um ano e os meus dois mais velhos também j% foram>. E acrescenta, com ar radiante' <$s meus filhos são pFra mim uns aut4nticos tesouros#> Ela corre, apressa-se, emala, tem uma palavra de coragem para todos os que passam por ela. 1ma mulher do gueto, bai&a, feia, de cabelo negro oleoso, abd!men pesado e pernas curtas. em um vestido pobre e escuro, de meia manga, que julgo que costumava usar quando lavava a roupa na tina na Jodenbreestraat . E agora parte como mesmo vestido para a ol!nia, numa viagem de tr4s dias, com sete filhos. <ois, veja bem, vou partir com sete crianas e elas precisam de ter uma mãe corajosa que os acompanhe, isso lhe garanto eu#> inda se nota que, outrora, aquela jovem mulher estava acostumada ao lu&o e que era muito bonita. 9hegou recentemente ao campo. Esteve na clandestinidade por causa do bebé. E agora est% aqui, por ter sido denunciada, como tantos outros clandestinos. $ marido encontra-se no barracão das puni/es. D% pena olhar para ela. $ cabelo pintado de louro dei&a entrever, aqui e ali, ra+zes negras com um brilho esverdeado. ?estiu muitos conjuntos de roupa interior e outras peas de vestu%rio umas por cima das outras, pois não se pode carregar tudo, sobretudo se se tiver um filho pequeno para levar também ao colo. gora tem um aspecto disforme e rid+culo. $ rosto est% manchado. $bserva todos com um olhar velado e inquiridor, como uma cria indefesa e abandonada. "ue aspecto ter% esta jovem mulher, que j% est% totalmente desorientada, quando for despejada ap!s tr4s dias naquele vagão superlotado, apertada entre homens, mulheres, crianas e bebés, sacos e malas e apenas com um barril ao centro como pea de mobili%rio: rovavelmente, eles irão parar a outros campos transit!rios, de onde serão novamente transportados. Estamos a ser perseguidos de morte por toda a Europa7 9aminho um pouco perdida por entre outros barrac/es. asso por cenas que surgem com muitos e n+tidos pormenores diante dos meus olhos e que, ao mesmo tempo, parecem vis/es antiqu+ssimas e j% indistintas. ?ejo um velhote moribundo a ser carregado, a recitar o *hem% para si mesmo. Gecitar o *hem% é dizer uma prece pelo moribundo. 9onsiste principalmente na invocaão constante do nome de Deus e é feita quando o pr!prio moribundo ainda est% em condi/es de participar na oraão. ?ejo um homem idoso a ser carregado num andor para o comboio, dizendo o *hem% para si mesmo7 vejo um pai, prestes a partir, a abenoar a mulher

e o filho e a ser, por sua vez, abenoado por um rabino de idade, de barba imaculadamente branca e perfil de profeta inflamado. ?ejo7oh, não consigo descrev4-lo7 Entretanto, são N'0 o comboio parte )s 88 e estão a comear a ench4-lo de pessoas e mochilas. $s caminhos que a ele levam foram vedados por homens do Ordnungsdienst . odos os que não estão envolvidos no transporte devem dei&ar o terreno livre, devendo permanecer nos barrac/es. Escapo-me para dentro de um que fica perto do comboio. , ouo dizer alguém, com cinismo. @% desde ontem que o campo est% dividido em duas partes pelo comboio' uma fila sombria de vag/es de mercadorias despidos, vazios, e um vagão de passageiros ) frente e outro atr%s para o pelotão de escolta. lguns t4m colch/es de papel no chão, para os doentes. ?4-se cada vez mais movimento na estrada alcatroada que acompanha os carris. (omens daliegende !olonne, de fatos-macacos castanhos, transportam bagagem em carrinhos de mão. Entre eles descubro, por e&emplo, alguns bobos da corte do 9omandante' o comediante Ma& Ehrlich e o compositor de m5sica popular OillP Gosen, que parece a personificaão da morte. Em tempos, figurou irrevogavelmente na lista de transporte0 porém, noites antes, ainda cantou até ) e&austão para um p5blico entusiasta, entre o qual se encontrava o 9omandante e a sua comitiva. Cnterpretou, entre outras, "#$ kann es ni#$t verste$en, dass die %osen bl&$en, e outras can/es em voga. $ 9omandante, grande apreciador de arte, achou a actuaão espl4ndida e o cantor recebeu uma '(erre0 teve até direito a uma casinha, onde vive agora por tr%s de cortinas aos quadrados vermelhos com a sua mulher de cabelo pintado de louro que passa os dias a trabalhar com a calandra na lavandaria escaldante. A o pr!prio Gosen que aqui anda, de fato-macaco castanho-amarelado, empurrando um carrinho de mão bai&o no qual é obrigado a transportar a bagagem dos seus companheiros judeus0 parece a personificaão da morte. E ali est% outro bobo da corte' Erich Qiegler, o pianista favorito do 9omandante. Geza a lenda que é tão virtuoso que consegue tocar a 6ona *infonia de =eethoven em versão  )a** , o que tem seguramente que se lhe diga7 De repente, a estrada asfaltada fica repleta de homens de uniforme verde0 não entendo de onde sa+ram tão depressa. Mochilas e armas sobre os ombros. Estudo-lhes as figuras e os rostos, tento olhar para eles sem preconceito. Em transportes anteriores, ainda se viam indiv+duos inocentes e bondosos que caminhavam fumando cachimbo com olhar espantado e falavam no seu dialecto incompreens+vel, e com os quais ninguém se importava de ir viajar. Desta vez, sinto um arrepio de terror da cabea aos pés. Gostos rudes e escarninhos nos quais se tenta em vão vislumbrar o trao mais ténue de humanidade. Em que frentes foram educados estes indiv+duos: Em que campos de castigos terão treinado: final, este é um transporte punitivo, não é: lgumas jovens mulheres j% se encontram dentro dos vag/es de mercadorias, com os seus bebés ao colo, as pernas pendendo do lado de fora - desejam aproveitar todo o ar fresco que puderem. $s doentes são levados para ali em macas. A um transporte punitivo. "uase dou por mim a rir' a disparidade entre guardas e guardados é demasiado absurda. $ meu companheiro8, que observa pela janela, a meu lado, estremece. (% meses, trou&eram-no de mersfoort, desfeito. <*im, aqueles tipos são assim>, diz, <é o ar deles>. lgumas crianas espreitam de narizes achatados contra o vidro. $uo a sua conversa ser+ssima. <orque é que aqueles homens porcos e maus se vestem de verde, porque é que não usam preto: $ preto também é uma cor m%, não é:>, <$lha, vai ali um doente#> 1m tufo de cabelo grisalho ao cimo de um cobertor revolvido, sobre uma maca. <$lha, ali vai outro>. E, apontando para os 2verdes3' 9ada vez mais pessoas enchem os espaos vazios dos vag/es. 1ma figura alta e solit%ria surge pelo caminho alcatroado, com uma pasta debai&o do brao. A o chefe do chamado  Antragstelle. enta até ao 5ltimo momento retirar pessoas das garras do 9omandante. $ regateio dura até ) hora da partida. A poss+vel tirar pessoas que j% estão no comboio. $ homem da pasta tem a fronte de um jovem rato de biblioteca e ombros cansados, muito cansados. 1ma velhinha curvada de chapéu preto antiquado sobre o cabelo grisalho eriado barra-lhe a passagem, gesticulando e agitando alguns papéis diante do nariz deste. Ele escuta-a por momentos, depois abana a cabea e afasta-se de seguida, de ombros ainda um pouco mais curvados do que o habitual. Desta vez, não ser% poss+vel tirar muitos do comboio

na hora (. $ 9omandante est% arreliado. 1m jovem judeu teve a ousadia de fugir0 não pode chamar-se uma real tentativa de fuga, ele escapuliu-se do hospital num momento de confusão, um casaco fino por cima do pijama azul, e, de modo desajeitado e quase infantil, escondeu-se numa tenda, onde logo foi encontrado, ap!s uma busca pelo campo inteiro. Mas, sendo-se  judeu, não se pode permitir fugir nem ser-se tomado de loucura.  decisão do 9omandante é implac%vel. 9omo repres%lia, dezenas de outras pessoas estão a ser inesperadamente enviadas para o transporte, incluindo algumas que pensavam estar firmemente ancoradas aqui. Este sistema funciona, pura e simplesmente, ) base de castigos colectivos. $s muitos avi/es que esta noite passaram por cima das nossas cabeas não devem ter contribu+do para melhorar a disposião do 9omandante, embora ele não se pronuncie muito sobre esse assunto. $s vag/es j% estão, digamos, cheios. A o que se julga. Meu Deus, é preciso fazer entrar ainda essa gente toda: *urge um novo grande grupo. $s mi5dos continuam de nariz colado ao vidro0 não lhes escapa nada. <$lhem ali, estão a sair uma data de pessoas0 de certeza que dentro do comboio t4m calor>. De s5bito, um deles e&clama' <$ 9omandante#> Ele surge no in+cio do caminho de asfalto, como uma estrela famosa fazendo a sua entrada durante um grand finale de uma pea de revista. "uase j% se teceram lendas em redor desta figura. A senhor de muito charme e das melhores inten/es relativamente aos nossos. ara 9omandante de um campo de judeus, tem umas ideias estranhas. Gecentemente, decidiu que precis%vamos de uma dieta mais variada, e logo tivemos direito a ervilha-mi5da em vez de couve. ambém é, por assim dizer, o mentor da vida art+stica aqui e um fiel frequentador das noites de revista. 6uma ocasião, veio assistir ao mesmo espect%culo tr4s vezes seguidas e riuse sempre das mesmas piadas gastas. R*ob os seus ausp+cios, formou-se um coro masculino que )s suas ordens cantou +ei mir bist du s#$n. eve um impacto arrebatador aqui na charneca, h% que diz4-lo. or vezes, chega a convidar artistas a irem a sua casa e conversa e bebe com eles até altas horas. E, uma noite, não h% muito tempo, acompanhou uma actrizS até casa e, ao despedir-se, segurou-lhe na mão0 imagine s!, na mão# ambém dizem que nutre uma adoraão especial por crianas. Elas devem ser bem tratadas. 6o hospital, até recebem um tomate por dia. 6ão obstante, muitas morrem ) mesma. té agora, nenhum perito conseguiu descobrir o motivo. oderia continuar a contar imensas hist!rias sobre o 2nosso3 9omandante. alvez ele se veja como um soberano misericordioso perante os seus muitos e humildes s5bditos. *abe Deus como ele se v4. 1ma voz por tr%s de mim diz' <ivemos em tempos um 9omandante que costumava correr com as pessoas para a ol!nia ao pontapé. Este f%-lo com um sorriso>. Ele percorre o caminho paralelo ao comboio a passo militar, um homem relativamente jovem que prosperou na sua carreira, se se pode cham%-lo assim. A dono e senhor da vida e morte dos judeus holandeses e alemães aqui nesta charneca na prov+ncia de Drente. rovavelmente, h% um ano, ele não fazia ideia da e&ist4ncia de tal lugar. *inceramente, eu também não. Esta manhã, ele envia cinquenta judeus a mais no transporte porque um rapaz de pijama azul se escondeu numa tenda. ercorre o caminho ao lado do comboio, o cabelo grisalho cuidadosamente penteado surge na nuca, sob o boné verde-claro, achatado. quele cabelo grisalho, que contrasta de modo tão romTntico com o seu rosto bastante jovem, arranca suspiros a muitas rapariguinhas tontas, por aqui - embora elas não se atrevam, claro est%, a admiti-lo publicamente. 6esta manhã cruel, a sua face est% quase da cor do ao. A uma face que ainda me custa muito a decifrar. or vezes, parece-me uma estreita cicatriz na qual cresceram em conjunto repressão, falta de alegria e falsidade. ara mais, é daquelas pessoas cuja apar4ncia oscila entre o barbeiro cuidado e o cliente habitual de um café boémio. orém, a repressão e a rigidez forada predominam. 9aminha a passo militar junto dos vag/es a abarrotar de pessoas. Cnspecciona as suas tropas' doentes, bebés, mães jovens e homens de cabeas rapadas. razem mais alguns doentes em macas. Ele esboa um gesto de impaci4ncia0 estão a demorar demasiado. tr%s dele, segue o seu secret%rio judeu, trajando um elegante par de calas de montar beges e um bla*er desportivo castanho. em a apar4ncia aprumada, desportiva e, porém, ine&pressiva de um bebedor de $isk ingl4s. De repente,  junta-se-lhes um bonito cão de caa castanho, vindo a saltitar sabe-se l% de onde. $ secret%rio

de bege brinca com ele com gestos graciosos, é tal e qual como uma ilustraão de uma revista de sociedade inglesa. $ pelotão verde fica a olhar; de olhos esbugalhados. rovavelmente pensa - embora essa não seja a palavra mais adequada U que os judeus daqui t4m um aspecto bastante diferente daquele em que as imagens das suas revistas educativas os levaram a acreditar. lguns dirigentes judeus do campo também caminham paralelamente ao comboio. <ambém se dão ares de importantes>, murmura alguém por tr%s de mim. 2 boulevard dos transportes3 digo eu em voz alta. <9onseguir% alguma vez alguém descrever ao mundo e&terior o que aconteceu aqui:>, pergunto ao meu companheiro. $ mundo e&terior provavelmente pensa que somos uma multidão cinzenta, uniforme e sofredora de judeus, nada sabendo das brechas, abismos e diversidades e&istentes entre os indiv+duos e os grupos0 talvez jamais venham a compreend4-los. $ Oberdienstleiter   juntou-se agora ao 9omandante, que, de s5bito, parece pequeno e insignificante. $ primeiro é um judeu alemão bem constitu+do. =otas pretas, boné preto, gibão militar preto com estrela amarela. em uma boca cruel e um pescoo poderoso. (% um ano, ainda cavava no *ervio E&terno. Em redor da sua mete!rica ascensão desenrola-se um interessante pedao da (ist!ria da mentalidade da nossa época que as pessoas deveriam analisar mais tarde. $ 9omandante verde-claro e r+gido, o secret%rio bege impass+vel e a herc5lea figura negra doOberdienstleiter desfilam paralelamente aos vag/es. brem caminho para dei&%-los passar, mas não tiram os olhos deles. Deus do céu, vão mesmo conseguir fechar todas as portas: *im, vão. echam as portas, comprimindo a multidão de pessoas amontoadas e empurradas para tr%s. elas estreitas aberturas no topo, v4em-se cabeas e mãos que mais tarde acenarão para n!s quando o comboio partir. $ 9omandante percorre novamente de bicicleta o caminho a todo o comprimento do comboio. Depois esboa um breve gesto como um monarca numa opereta e um pequeno ordenana apressa-se a ir buscar respeitosamente a bicicleta. $ comboio solta um silvo cortante e um comboio com 8; judeus dei&a a (olanda. Desta vez, a quota não foi das mais e&igentes' apenas um milhar de judeus, sendo os vinte reservas e&tra para a viagem, pois h% sempre a eventualidade de alguns morrerem ou serem mortos por esmagamento durante o caminho, o que, desta vez, ser% mais do que certo, j% que seguem tantos doentes, sem uma 5nica enfermeira. $s ajudantes junto do comboio vão desaparecendo gradualmente, vão procurar os seus lugares para dormir. antos rostos e&austos, p%lidos e sofredores. Mais uma vez, parte do nosso campo foi amputada. ara a semana, ser% outra parte. A ao que temos vindo a assistir h% j% mais de um ano, semana ap!s semana. Estamos aqui com alguns milhares que restaram. (% j% cerca de cem mil holandeses da nossa raa a debater-se sob um céu desconhecido ou a apodrecer num solo desconhecido. 6ada sabemos do seu destino. alvez fiquemos a sab4-lo em breve, cada qual a seu tempo, pois ser% esse o fado que nos espera a todos, não duvido disso nem por um momento. Mas agora tenho de ir dormir um bocadinho. Estou um pouco cansada e tonta. Mais tarde, terei de ir ) lavandaria procurar uma luva de banho que se perdeu. Mas primeiro, tenho de dormir um bocadinho e, de resto, estou firmemente decidida a voltar para voc4s ap!s algumas errTncias. or agora, muitos beijos, meus queridos.

EttP (illesum nasceu a 8V de janeiro de 8W8X, em Middelburg, (olanda, e morreu a S de novembro de 8WXS, aos ;W anos, no campo de concentraão de uschYitz, ol!nia. EttP (illesum "n 9artas - 8WX8-8WXS, ed. ss+rio Z lviim