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Do original: Good Strategy/Bad Strategy Tradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por United States by Crown Business Copyright © 2011, by Richard P. Rumelt © 2011, Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei n o 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, li vro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação gravação ou quaisquer outros.
Copidesque: Shirley Shirley Lima da Silva Braz Revisão: Edna Edna Cavalcanti e Roberta Borges Editoração Eletrônica: Estúdio Estúdio Castellani Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, 111 – 16 o andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Rua Quintana, 753 – 8o andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP – Brasil Serviço de Atendimento ao Cliente 0800-0265340
[email protected] ISBN 978-85-352-5050-3 Edição original: ISBN: 978-0-307-88625-5
Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta des ta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação,
impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem o autor assumem qualquer qualquer responsabilidade responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação.
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ R889e
Rumelt , Richar Rumelt, Richard d P. Estratégia boa, estratégia ruim [recurso eletrônico] : descubra suas diferenças e importância / Richard P. Rumelt ; tradução de Leonardo Abramowicz. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2011. recurso digital Tradução de: Good strateg strategy y, bad strateg strategy y Formato: PDF Requisitos de sistema: Modo de acesso: ISBN 978-85-352-5050-3 (recurso eletrônico) 1. Planej Planejamento amento estrat estratégico. égico. 2. Livros eletrô eletrônicos. nicos. I. Títul Título. o.
11-3932.
CDD: 658.4012 CDU: 658.012.2
Para Ruthjane
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AGRADECIMENTOS X
Estou em débito com todos aqueles que me ensinaram e trabalharam comigo por todos esses anos. Eles são, literalmente, muito numerosos para mencionar e me limitarei a agradecer mais especificamente àqueles que leram e comentaram porções deste manuscrito. Dan Vivoli, vice-presidente sênior da Nvidia, ajudou-me abrindo as portas da companhia. Ele leu meu capítulo sobre a Nvidia pelo menos duas vezes, fornecendo comentários úteis em cada uma das vezes. Stewart Resnick (presidente da Roll International) foi generoso com seu tempo e ideias. Allen Webb, da McKinsey & Company, leu alguns dos capítulos e ofereceu muitas ideias úteis, assim como Lang Davison, quando ainda estava na McKinsey. Sid Barteau, ex-vice-presidente de vendas da American Can Company, ajudou-me a entender as mais recentes dinâmicas do setor de latas e fez comentários sobre o tratamento que fiz no caso da Crown Cork & Seal. Francesco de Leo, atualmente chairman da Green Comm Challenge, atuou como uma paciente caixa de ressonância. Andy Marshall, diretor de avaliação de rede na DOD, leu e comentou vários desses capítulos. Barry Watts, pesquisador sênior no Center for Strategic and Budgetary Assessments, tem sido um leitor cuidadoso de meu trabalho e ofereceu-me feedback incrivelmente perspicaz. Dan Lovallo, da University of Sydney, leu vários de meus capítulos e dedicou longas tardes de discussões sobre esses tópicos. Estou profundamente agradecido por seu entusiasmo e interesse neste projeto. Charles O’Reilly, da Stanford University, ajudou-me a organizar minhas opiniões sobre visão e liderança. Dentre meus colegas da UCLA, Steve Lippman, John de Figueiredo, Steve Postrel, Craig Fox e John Mamer leram vários capítulos e fizeram comentários incrivelmente úteis.
Quero agradecer à família Kunin, pela doação para a cadeira que ocupo na universidade – a Cadeira Harry e Elsa Kunin em Negócios & Sociedade. Os ganhos com sua doação me liberam do ritual de pedir apoio para pesquisas e me deixam seguir meus interesses. Também quero agradecer pelo apoio do reitor da UCLA Anderson, Judy Olian, que incentivou meu trabalho neste livro. Meu agente literário, Michael Carlisle (InkWell Management), habilmente convenceu-me a efetuar a cirurgia em meu manuscrito que era necessária para torná-lo vendável. Meu editor, John Mahaney, pacientemente conduziu as operações adicionais necessárias para torná-lo legível. Meus agradecimentos a ambos. Eu não teria escrito este livro sem o amor e o apoio de minha esposa, Kate. Ex-professora e pesquisadora em estratégia, Kate leu e releu esses capítulos, sempre com paciência e sempre oferecendo críticas em determinados pontos e, ao mesmo tempo, assinalando as passagens que mais gostou com o desenho de carinhas felizes. Richard Rumelt
UCLA Anderson
[email protected]
O AUTOR X
RICHARD P. RUMELT é um dos mais influentes pensadores sobre estratégia e administração de empresas. A The Economist o coloca na lista das
25 pessoas vivas com maior influência na conceituação de administração e prática empresarial. O McKinsey Quarterly descreveu-o como um “estrategista da estratégia”, “um gigante no campo da estratégia”. Ao longo de sua carreira, vem definindo as tendências da estratégia, tendo iniciado um estudo econômico sistemático a respeito; desenvolveu as ideias de que as companhias que focam em suas competências centrais têm o melhor desempenho, e que o desempenho superior não é uma questão de pertencer ao setor de atividade correto, mas de a empresa apresentar excelência individual. É um dos fundadores da análise da estratégia com base em pesquisa dentro de uma perspectiva que rompe com a tradição do poder do mercado, explicando o desempenho em função de recursos específicos únicos. Recebeu o doutorado pela Harvard Business School, detém a Cadeira Harry e Elsa Kunin na UCLA Anderson School of Management e é consultor de pequenas empresas como a Samuel Goldwyn Company e de gigantes como a Shell International, e de organizações das áreas de educação e do setor de empresas sem fins lucrativos.
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SUMÁRIO X
INTRODUÇÃO OBSTÁCULOS OPRESSIVOS
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PARTE I ESTRATÉGIA BOA E ESTRATÉGIA RUIM CAPÍTULO 1 A BOA ESTRATÉGIA É INESPERADA Como Steve Jobs salvou a Apple • A Introdução à Administração é surpreendente • A estratégia do General Schwarzkopf na Tempestade no Deserto • Por que o “Plano A” ainda é uma surpresa
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CAPÍTULO 2 DESCOBRINDO O PODER Davi e Golias é basicamente uma história sobre estratégia • Descobrindo o segredo do Wal-Mart • A estratégia de Marshall e Roche para competir com a União Soviética
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CAPÍTULO 3 ESTRATÉGIA RUIM A estratégia de segurança dos Estados Unidos se resume a palavras de ordem? • Como reconhecer um floreio • Por que o fato de não encarar o problema gera uma estratégia ruim • O plano 20/20 de Chad Logan confunde objetivos com estratégia • O que há de errado em fazer uma verdadeira bagunça de objetivos? • Como os objetivos de valor duvidoso não atingem o ponto
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CAPÍTULO 4 POR QUE TANTA ESTRATÉGIA RUIM? A estratégia envolve escolha e os gestores da DEC não conseguem escolher • O caminho desde o carisma até a liderança transformadora dentro do estilo de estratégia do modelo de preencher os espaços em branco • O Novo Pensamento desde Emerson até hoje e como ele faz a estratégia parecer supérflua
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CAPÍTULO 5 O CERNE DA BOA ESTRATÉGIA A mistura de argumento e ação que está por trás de uma boa estratégia • Diagnosticando o Starbucks, as escolas K-12, o desafio soviético e a IBM • Políticas orientadoras no mercado da Wells Fargo, IBM e Stephanie • O presidente do European Business Group hesita em agir • Ação incoerente na Ford • Centralização, descentralização e a estratégia de Roosevelt na Segunda Guerra Mundial
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PARTE II FONTES DE PODER CAPÍTULO 6 USANDO A ALAVANCAGEM A previsão da Toyota e os insurgentes no Iraque • Como Pierre Wack antecipou a crise do petróleo e os preços do petróleo • Pontos centrais no 7-Eleven e no Portão de Brandenburgo • Harold Williams utiliza a concentração de esforços para tornar o Getty uma presença mundial nas artes
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CAPÍTULO 7 OBJETIVOS IMEDIATOS Por que a intenção de Kennedy de pousar na Lua foi um objetivo imediato e estratégico • Phyllis Buwalda resolve a ambiguidade sobre a superfície da Lua • Uma escola de negócios regional gera objetivos imediatos • Um piloto de helicóptero explica a hierarquia de habilidades • Por que aquilo que é imediato para uma organização é distante para outra?
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CAPÍTULO 8 SISTEMAS DE ELOS EM CADEIA O anel de obstrução da Challenger e os sistemas de elos em cadeia • Sistemas amarrados na GM e nos países subdesenvolvidos • Marco Tinelli explica como liberar um sistema de elos em cadeia • A IKEA mostra como a excelência representa o outro lado de se ficar amarrado
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CAPÍTULO 9 UTILIZANDO PROJETO Aníbal derrota o exército romano em 216 a.C. utilizando a antecipação e o planejamento coordenado da ação no tempo e no espaço • Como uma estratégia planejada é parecida com um BMW • Planejando a espaçonave Voyager na JPL • A escolha entre recursos e configuração rígida • Como o sucesso leva a recursos poderosos que, por sua vez, induzem à frouxidão e ao declínio • O planejamento se apresenta como a ordem imposta sobre o caos – o exemplo do negócio de caminhões pesados da Paccar
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CAPÍTULO 10 FOCO Os alunos de uma sala de aula lutam para identificar a estratégia da Crown Cork & Seal • Trabalhando de trás para a frente vindo das políticas para a estratégia • O padrão específico de política e segmentação chamado “foco” • Por que a estratégia funcionou?
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CAPÍTULO 11 CRESCIMENTO A busca de crescimento a todo custo quase afunda a Crown • Um consultor pernicioso na Telecom Italia • Crescimento saudável
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CAPÍTULO 12 UTILIZANDO A VANTAGEM Vantagem no Afeganistão e nos negócios • O empreendedorismo em série de Stewart e Lynda Resnick • O que torna um negócio “interessante” • O enigma da máquina de prata • Por que você não consegue ficar rico possuindo uma vantagem competitiva • O que o assentamento de tijolos nos ensina sobre aprofundar uma vantagem • Ampliando a marca Disney • A maré vermelha do suco de romã • Campos de petróleo, mecanismos isolados e ser um alvo em movimento
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CAPÍTULO 13 UTILIZANDO A DINÂMICA Alcançando níveis mais elevados cavalgando uma onda de mudança • JeanBernard Lévy abre meus olhos para mudanças tectônicas • O microprocessador muda tudo • Por que o software é fundamental e a ascensão da Cisco Systems • Como a Cisco cavalgou três ondas de mudança interligadas • Balizamentos para a estratégia em transições • Estados de atração e o futuro do The New York
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Times
CAPÍTULO 14 INÉRCIA E ENTROPIA O efeito asfixiante da rotina obsoleta na Continental Airlines • Inércia na AT&T e o processo de renovação • Inércia por procuração na PSFS e o negócio do DSL • Aplicando gráficos em corcova para revelar a entropia na Denton’s • Entropia na GM
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CAPÍTULO 15 JUNTANDO TUDO Nvidia salta do nada para a posição dominante montada em uma onda de mudança com a utilização de uma estratégia planejada • Como um jogo chamado Quake descarrilou a marcha prevista para os gráficos 3-D • O primeiro produto da Nvidia fracassa, e ela concebe uma nova estratégia • Como um ciclo de lançamento mais rápido fez a diferença • Por que um comprador poderoso como a Dell pode às vezes ser uma vantagem • A Intel fracassa duas vezes em gráficos 3-D e a SGI pede concordata
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PARTE III PENSANDO COMO UM ESTRATEGISTA CAPÍTULO 16 A CIÊNCIA DA ESTRATÉGIA Os engenheiros da Hughes começam a palpitar estratégias • A dedução é suficiente apenas se você já souber tudo o que vale a pena conhecer • O julgamento da heresia de Galileu desencadeia o Renascimento • Hipóteses, anomalias e os bares de café expresso italiano • Por que os americanos bebiam café fraco • Howard Schultz como cientista • Aprendizado e integração vertical
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CAPÍTULO 17 UTILIZANDO A CABEÇA Um comentário desconcertante é resolvido quinze anos depois • Frederick Taylor fala para Andrew Carnegie preparar uma lista • Ser “estratégico” significa principalmente ser menos míope do que o seu lado não ponderado • TiVo e solução rápida • Refletindo sobre a reflexão • Utilizando ferramentas mentais: o cerne, solução de problemas, criar-destruir e o grupo de especialistas
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CAPÍTULO 18 MANTENDO A CABEÇA É possível ser independente sem ser excêntrico, duvidar sem ser rabugento? • A Global Crossing constrói um cabo transatlântico • Construindo por $1,5 e vendendo por $8 • A pior estrutura industrial imaginável • Kurt Gödel e os preços das ações • Por que era quase certa a ocorrência da crise financeira de 2008? • Os paralelos entre 2008, a Inundação de Johnstown, o Hindenburg, as consequências do Furacão Katrina e o vazamento de petróleo no Golfo • Como a visão interna e os rebanhos sociais cegaram as pessoas para a vinda da tempestade financeira • A causa comum dos pânicos e depressões de 1819, 1837, 1873, 1893 e 2008
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NOTAS
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ÍNDICE
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INTRODUÇÃO X
OBSTÁCULOS OPRESSIVOS
Em 1805, a Inglaterra estava com um problema. Napoleão havia conquistado grande parte da Europa e planejava a invasão da ilha. No entanto, para cruzar o Canal, ele precisava tomar dos ingleses o controle dos mares. Na costa sudoeste da Espanha, a frota conjunta de franceses e espanhóis, composta por 33 navios, foi ao encontro de uma frota britânica menor, com 27 navios. As táticas mais bem desenvolvidas da época recomendavam que as duas frotas inimigas ficassem em linha atirando pelos costados uma na outra. Porém, o almirante britânico Lord Nelson teve um insight estratégico. Ele dividiu a frota britânica em duas colunas e conduziu-as em direção à frota franco-espanhola, atingindo-a perpendicularmente. O líder dos navios britânicos assumiu um grande risco, mas Nelson julgou que os artilheiros franco-espanhóis menos treinados não conseguiriam compensar a ondulação pesada daquele dia. No final da Batalha de Trafalgar, os espanhóis e franceses haviam perdido 22 navios, correspondendo a dois terços de sua frota. Os britânicos não perderam nenhum navio. Nelson foi ferido mortalmente, tornando-se, ao falecer, o maior herói naval da Grã-Bretanha. O domínio naval britânico foi assegurado e permaneceu inigualável por um século e meio. O desafio de Nelson era o de estar em desvantagem numérica. Sua estratégia foi colocar em risco seus navios líderes para quebrar a coerência da frota inimiga. Com a coerência perdida, ele refletiu, os capitães ingleses mais experientes iriam prevalecer no meio da confusão que se seguiria. A boa estratégia quase sempre parece assim simples e óbvia e não precisa de uma grossa pilha de slides de PowerPoint para ser explicada. Ela não surge de alguma ferramenta, matriz, gráfico, triângulo ou esquema de “completar os espaços em branco” de “gestão estratégica”. Na verdade, o líder talentoso
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identifica uma ou duas questões fundamentais em uma dada situação (os pontos centrais que podem multiplicar a eficácia do esforço) e depois concentra as ações e os recursos nelas. Apesar do fragor de vozes querendo equiparar a estratégia com ambição, liderança, “visão”, planejamento ou a lógica econômica da concorrência, na verdade a estratégia não é nada disso. O núcleo do trabalho de estratégia é sempre o mesmo: descobrir os fatores críticos em uma dada situação e conceber um meio de coordenar e focar as ações para lidar com esses fatores. A responsabilidade mais importante de um líder é identificar os maiores desafios para o avanço e desenvolver uma abordagem coerente para superá-los. A estratégia é importante em contextos que variam desde a gestão empresarial até questões de segurança nacional. No entanto, estamos tão acostumados com a estratégia como uma exortação que dificilmente piscamos um olho quando um líder declama palavras de ordem e anuncia metas altissonantes, dando o nome a essa mistura de “estratégia”. Eis quatro exemplos dessa síndrome: •
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O evento era um “retiro para montagem de estratégia”. O CEO havia usado como modelo um evento semelhante da British Airways do qual participara vários anos atrás. Cerca de duas centenas de gestores mais graduados vindos do mundo todo se reuniu no salão de um hotel, onde a alta administração apresentava sua visão de futuro: ser a companhia mais respeitada e bem-sucedida em sua área de atividade. Havia um filme especialmente produzido mostrando os produtos e serviços da empresa utilizados em cenários coloridos em todo o mundo. O CEO fez um discurso acompanhado por uma música dramática para destacar as metas “estratégicas” da companhia: liderança global, crescimento e alto retorno para os acionistas. Foram montados grupos menores para permitir a discussão e a adesão. Houve o lançamento de balões coloridos. Houve de tudo, menos estratégia. Como um dos convidados, fiquei desapontado, não surpreso. Especializada em bônus de empresas, a Lehman Brothers havia sido pioneira na nova onda de títulos garantidos por hipotecas que impulsionou Wall Street no período de 2002-2006. Em 2006, foram aparecendo sinais de tensão: as vendas de imóveis nos Estados Unidos atingiram um pico em meados de 2005 e a valorização dos preços imobiliários estava interrompida. Um pequeno aumento nas taxas de juros pelo Fed desencadeou o aumento nas execuções hipotecárias. A resposta do CEO da Lehman,
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Richard Fuld, formalizada em 2006, foi uma “estratégia” de continuar a conquistar participação de mercado, crescendo mais rápido do que o restante do setor. Na linguagem de Wall Street, a Lehman alcançaria esse objetivo aumentando seu “apetite ao risco”. Ou seja, ela assumiria os contratos que seus concorrentes estavam recusando. Operando com apenas 3% de capital próprio e com grande parte de sua dívida fornecida em uma base de curto prazo, essa política deveria ter sido acompanhada por formas mais inteligentes de atenuar o risco ampliado. Uma boa estratégia é aquela que reconhece a natureza do desafio e oferece um meio de superá-lo. Apenas ser ambicioso não é uma estratégia. Em 2008, a Lehman Brothers encerrou seus 158 anos de banco de investimento com uma quebra que colocou o sistema financeiro global em parafuso. Nesse caso, as consequências de uma estratégia ruim foram desastrosas para a Lehman, para os Estados Unidos e para o mundo. Em 2003, o presidente George W. Bush autorizou os militares dos Estados Unidos a invadirem e conquistarem o Iraque. A invasão foi rápida. Com o término da luta entre os exércitos, os dirigentes da administração do governo esperavam supervisionar uma rápida transição para uma sociedade civil democrática no Iraque. Em vez disso, quando uma violenta insurgência ganhou impulso, as unidades militares indi viduais dos Estados Unidos passaram a executar missões de “busca e destruição” a partir de bases seguras – a mesma abordagem que havia fracassado tão gravemente no Vietnã. Houve inúmeros objetivos altissonantes (liberdade, democracia, segurança), mas nenhuma estratégia coerente para lidar com a insurgência. A mudança veio em 2007. Tendo acabado de escrever o Manual de campo da contrainsurgência para os corpos do Exército/Marinha , o General David Petraeus foi enviado para o Iraque, com cinco brigadas de tropas. Mais do que com soldados adicionais, Petraeus foi armado com uma estratégia real. Sua ideia era que só seria possível combater uma insurgência se uma grande preponderância de civis apoiasse um governo legítimo. O truque foi alterar o foco militar, passando a proteger a população, em vez de fazer patrulhas. Uma população que não tivesse medo da retaliação dos insurgentes forneceria as informações necessárias para isolar e combater a minoria insurgente. Essa mudança, substituindo objetivos amorfos por uma estratégia de verdadeiramente resolver o problema, representou enorme diferença em termos de resultados alcançados.
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Em novembro de 2006, participei de uma curta conferência sobre negócios na Web 2.0. A expressão “Web 2.0” supostamente se referia a uma nova abordagem para os serviços na Web, mas nenhuma das tecnologias envolvidas era realmente nova. A expressão foi, na verdade, uma designação dada para o Google, MySpace, YouTube, Facebook e vários outros novos negócios baseados na Web que, repentinamente, se tornaram muito valiosos. Na hora do almoço, sentei-me junto com outros sete participantes em uma mesa-redonda. Alguém me perguntou o que faço. Expliquei brevemente que era professor na UCLA, onde dava aulas e fazia pesquisas sobre estratégia (e que era consultor sobre o assunto em várias organizações). O CEO de uma empresa de serviços na Web estava sentado diretamente à minha frente. Ele pousou o garfo e disse: “A estratégia é nunca desistir até que você ganhe.” Eu discordava completamente, mas não estava lá para discutir ou fazer uma palestra. “Vencer é melhor do que perder”, respondi, e a conversa seguiu para outros assuntos.
A ideia-chave condutora deste livro é a lição duramente aprendida em uma vida inteira de experiências com estratégia trabalhando como consultor de organizações, conselheiro pessoal, professor e pesquisador. Uma boa estratégia faz mais do que nos impelir para a frente em direção a uma meta ou visão. Uma boa estratégia reconhece honestamente os desafios e fornece uma abordagem para superá-los. Quanto maior o desafio, mais a boa estratégia se concentra e coordena esforços para alcançar o efeito de um poderoso avanço em termos de concorrência ou de solução para o problema. Infelizmente, a boa estratégia é uma exceção, e não a regra. Além do mais, o problema está crescendo. É cada vez maior o número de líderes de organizações que dizem possuir uma estratégia, mas que não a possuem. Na verdade, eles adotam o que chamo de estratégia ruim. A estratégia ruim tende a pular os detalhes incômodos (como os problemas). Ela ignora o poder da escolha e do foco, tentando, em vez disso, acomodar uma infinidade de demandas e interesses conflitantes. Agindo da mesma forma que um zagueiro de futebol americano cujo único conselho aos colegas da equipe é “Vamos vencer!”, a estratégia ruim cobre seu fracasso em orientar, abraçando uma linguagem de objetivos amplos, ambição, visão e valores. Naturalmente, cada um desses elementos é parte importante da vida humana. No entanto, por si sós, eles não são substitutos para o trabalho árduo da estratégia.
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A distância entre a boa estratégia e o amontoado de coisas que as pessoas rotulam de “estratégia” tem crescido ao longo dos anos. Em 1966, quando comecei a estudar estratégia empresarial, havia apenas três livros sobre o assunto e nenhum artigo publicado. Atualmente, as prateleiras de minha biblioteca pessoal estão repletas de livros sobre estratégia. Empresas de consultoria se especializam em estratégia, são oferecidos cursos para PhDs em estratégia e há inúmeros artigos sobre o assunto. No entanto, essa enorme quantidade não trouxe clareza. Na verdade, o conceito tem sido esticado a ponto de ficar com uma magreza transparente, na medida em que os especialistas procuram atribuí-lo a tudo, desde visões utópicas até regras para combinar sua gravata com a camisa. Para piorar a situação, para muitas pessoas nas empresas, na área de educação e no governo, a palavra “estratégia” tornou-se um tique verbal. O discurso empresarial transformou o marketing em “estratégia de marketing”, o processamento de dados em “estratégia de TI” e a busca de aquisições em “estratégia de crescimento”. Se você cortar alguns preços, um analista dirá que sua empresa tem uma “estratégia de preços baixos”. Criou-se uma confusão ainda maior ao se equiparar estratégia com sucesso ou ambição. Este foi o problema com o CEO de uma empresa de serviços na Web que afirmou: “A estratégia é nunca desistir até que você ganhe.” Infelizmente, esse tipo de mistura de cultura pop, palavras de ordem motivacionais e chavões em negócios está se tornando cada vez mais comum. Ele provoca um curto-circuito na verdadeira inventividade e não consegue distinguir entre as diferentes tarefas e virtudes da gestão em nível executivo. A estratégia não pode ser um conceito útil se for considerada sinônimo de sucesso. Nem pode ser uma ferramenta útil se for confundida com ambição, determinação, liderança inspiradora e inovação. A ambição é a soma de iniciativa e zelo pela excelência. A determinação é a soma de compromisso com garra. A inovação representa a descoberta e a construção de novas formas de pensar. A liderança inspiradora motiva as pessoas a se sacrificarem pelo próprio bem e pelo bem comum. 1 A estratégia, por sua vez, em resposta à inovação e à ambição, seleciona o caminho e identifica como, por que e onde a liderança e a determinação devem ser aplicadas. Uma palavra que não quer dizer nada perde seu valor. Para dar conteú do a um conceito, devem ser traçados limites, estabelecendo aquilo que ele significa ou não. Para iniciar a jornada rumo a uma maior clareza, seria útil reconhecer que as palavras “estratégia” e “estratégica” são muitas vezes utilizadas
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de forma descuidada para caracterizar decisões tomadas por funcionários do mais alto nível. Nas empresas, por exemplo, muitas fusões e aquisições, in vestimentos onerosos em novas instalações, negociações com fornecedores e clientes importantes e projetos organizacionais em geral são considerados atos “estratégicos”. Entretanto, ao falar de “estratégia”, você não deve apenas querer marcar o grau de autoridade do tomador de decisão. Na verdade, o termo “estratégia” deve significar uma resposta coesa a um desafio importante. Diferentemente de uma meta ou decisão isolada, a estratégia é um conjunto coerente de análises, conceitos, políticas, argumentos e ações que respondem a grandes desafios. Muitas pessoas assumem que a estratégia é um direcionamento geral panorâmico, divorciado de qualquer ação específica. Porém, definir a estratégia com conceitos amplos e, assim, deixar de fora a ação gera um abismo entre “estratégia” e “execução”. Se você aceita esse abismo, boa parte do trabalho de estratégia se torna perda de tempo. De fato, esta é a reclamação mais comum a respeito de “estratégia”. Ecoando muitos outros, um alto executivo me disse em certa ocasião: “Possuímos um processo sofisticado de estratégia, mas há um problema enorme de execução. Quase sempre ficamos aquém das metas que estabelecemos para nós mesmos.” Se você seguiu minha linha de raciocínio, então consegue enxergar o motivo desta reclamação. Uma boa estratégia inclui um conjunto coerente de ações. Elas não são detalhes de “execução”; elas representam o avanço da estratégia. Uma estratégia que não defina uma variedade de ações imediatas plausíveis e viáveis está deixando de fornecer um componente crítico. Os executivos que reclamam dos problemas de “execução” costumam confundir estratégia com estabelecimento de metas. Quando o processo de “estratégia” representa basicamente um jogo de fixação de metas de desempenho (o tamanho da participação de mercado e do lucro, a quantidade de estudantes se graduando no colégio, o número de visitantes do museu), então continua a haver uma distância enorme entre essas ambições e a ação. A estratégia refere-se a como uma organização avançará. Fazer a estratégia é conceber como levar adiante os interesses da organização. Certamente, um líder pode estabelecer metas e delegar para outros a concepção de como fazer. Porém, isso não é estratégia. Se a organização funciona dessa forma, vamos parar de rodeios e sejamos honestos: o nome disso é fixação de metas. X
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O propósito deste livro é despertá-lo para as imensas diferenças entre ter estratégias boas e ruins e lhe dar uma ajuda para a elaboração de boas estratégias. Uma boa estratégia possui uma estrutura lógica fundamental que eu chamo de cerne. O cerne de uma estratégia contém três elementos: um diagnóstico, uma diretriz política e ações coerentes. A diretriz política especifica a abordagem para lidar com os obstáculos identificados no diagnóstico. Assemelha-se às placas de sinalização, marcando a direção a seguir, mas não definindo os detalhes da viagem. As ações coerentes são políticas viáveis coordenadas, comprometimento de recursos e ações concebidas para conduzir a diretriz política. Depois de obter mais facilidade com a estrutura e os fundamentos de uma boa estratégia, você desenvolverá a capacidade paralela de identificar a presença de uma estratégia ruim. Da mesma forma que não precisa ser um diretor para detectar um filme ruim, você não precisa de economia, finanças ou qualquer outro conhecimento hermético especial para distinguir entre a boa e a má estratégia. Olhando, por exemplo, para a “estratégia” do governo dos Estados Unidos para lidar com a crise financeira de 2008, você notará que faltaram elementos essenciais. Especificamente, não havia nenhum diagnóstico oficial sobre a moléstia subjacente. Houve apenas uma transferência de recursos do setor público para os bancos. Você não precisa ser PhD em macroeconomia para fazer esta avaliação; ela demanda compreensão sobre a natureza de uma boa estratégia em si mesma. A estratégia ruim é mais do que apenas a falta de uma boa estratégia. A má estratégia tem vida e lógica próprias: um edifício falso construído sobre bases erradas. A estratégia ruim pode ativamente evitar a análise dos obstáculos porque determinado líder acredita que os pensamentos negativos atrapalham o caminho. Os líderes podem gerar estratégias ruins por, equivocadamente, tratar o trabalho de estratégia como um exercício de estabelecimento de metas, e não como solução de problemas. Ou podem evitar escolhas difíceis por não querer ofender ninguém, gerando uma estratégia ruim que tenta cobrir todas as áreas, em vez de concentrar recursos e ações. A insidiosa disseminação da estratégia ruim afeta a todos nós. Atuando pesadamente com metas e palavras de ordem, o governo americano ficou cada vez menos capaz de resolver os problemas. Os conselhos de diretoria aprovam planos estratégicos que são pouco mais do que manifestações de vontade. O sistema educacional é rico no estabelecimento de metas e padrões, mas pobre em compreender e combater as fontes do baixo desempenho. O único remédio é exigirmos mais de quem lidera. Mais do que carisma e visão, devemos exigir uma boa estratégia.
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PARTE I ESTRATÉGIA BOA E ESTRATÉGIA RUIM A ideia básica da estratégia é a aplicação dos pontos fortes contra os pontos fracos. Ou, se você preferir, aplicar os pontos fortes sobre as oportunidades mais promissoras. O tratamento moderno padrão da estratégia expandiu essa ideia para uma discussão rica sobre pontos fortes em potencial, atualmente chamados de “vantagens”. Há vantagens por ser o pioneiro: escala, escopo, rede, efeitos, reputação, patentes, marcas e centenas mais. Nenhuma está errada em termos lógicos, e cada uma delas pode ser importante. No entanto, todo esse arcabouço de nível intermediário não trata de duas grandes fontes naturais incrivelmente importantes de pontos positivos para as organizações:
1. Ter uma estratégia coerente, coordenando políticas e ações . Uma boa estratégia não se baseia apenas nos pontos fortes existentes; ela gera força pela coerência de sua concepção. Muitas organizações, qualquer que seja seu porte, não fazem isso. Na verdade, elas perseguem múltiplos objetivos que não estão interligados e que entram em conflito entre si. 2. Criar novos pontos fortes através de mudanças sutis de ponto de vista. A reformulação perspicaz de uma situação competitiva pode gerar todo um novo padrão de vantagens e fraquezas. As estratégias mais poderosas surgem dos insights dessa mudança de jogo. Esses dois aspectos fundamentais da boa estratégia são explorados no Capítulo 1 e no Capítulo 2.
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O líder de uma organização em que falta uma boa estratégia pode acreditar que a estratégia é desnecessária. Porém, com muita frequência, a falta se deve à presença de uma estratégia ruim. Como ervas daninhas que ocupam o lugar da grama, a estratégia ruim substitui a boa estratégia. Os líderes que utilizam estratégias ruins não escolheram apenas os objetivos equivocados ou cometeram erros de execução. Na verdade, eles confundiram a visão sobre o que seria uma estratégia e como ela funciona. O Capítulo 3 apresenta as evidências sobre a existência de uma má estratégia e explica suas características distintivas. Tendo sido estabelecida a natureza da boa e da má estratégia, o Capítulo 4 responde a questão óbvia: “Por que tanta estratégia ruim?”. O Capítulo 5, por sua vez, fornece uma análise da estrutura lógica de uma boa estratégia; uma estrutura que atua como guia para o raciocínio e uma verificação contra o desenvolvimento de uma estratégia ruim.
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CAPÍTULO 1 X
A BOA ESTRATÉGIA É INESPERADA A primeira vantagem natural da boa estratégia surge porque as outras organizações geralmente não possuem uma. E porque elas esperam que você também não o possua. Uma boa estratégia tem coerência, ações coordenadas, políticas e recursos de forma a realizar um fim importante. Muitas organizações, na maior parte do tempo, não têm nada disso. Em seu lugar, elas possuem diversas metas e iniciativas que simbolizam o avanço, mas nenhuma abordagem coerente para realizar esse progresso, a não ser “gastar mais e se esforçar mais”.
APPLE Após o lançamento em 1995 do sistema operacional multimídia Windows 95 da Microsoft, a Apple Inc. entrou em uma espiral fatal. Em 5 de fevereiro de 1996, a BusinessWeek colocou o famoso logo da Apple em sua capa para ilustrar a principal reportagem: “A Queda de um Ícone Americano”. O CEO Gil Amelio lutou para manter a Apple viva em um mundo rapidamente dominado pelos PCs baseados no Windows-Intel. Ele cortou a equipe. Reorganizou os muitos produtos da companhia em quatro grupos: Macintosh, dispositivos de informações, impressoras e periféricos, além de “plataformas alternativas”. Um novo Grupo de Serviços na Internet foi acrescentado ao Grupo de Sistemas Operacionais e ao Grupo de Tecnologia Avançada. A revista Wired trouxe um artigo intitulado “101 Maneiras de Salvar a Apple”. Ele incluía sugestões como “Venda a si mesma para a IBM ou Motorola”, “Invista pesadamente na tecnologia Newton” e “Explore sua vantagem
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no mercado de educação K-12.”* Os analistas de Wall Street esperavam e exortavam um acordo com a Sony ou a Hewlett-Packard. Em setembro de 1997, a Apple estava a dois meses da falência. Steve Jobs, que havia sido um dos fundadores da companhia em 1976, concordou em retornar para participar de um conselho de diretoria da reconstrução e para ser o CEO interino. Os fãs incondicionais do Macintosh original ficaram radiantes, mas o mundo empresarial em geral não estava esperando muito. No período de um ano, as coisas mudaram radicalmente na Apple. Embora muitos observadores esperassem que Jobs acelerasse o desenvolvimento de produtos avançados ou construísse um acordo com a Sun, ele não fez nenhuma dessas coisas. O que ele fez foi, ao mesmo tempo, óbvio e inesperado. Ele encolheu a Apple para uma escala e um escopo adequados à realidade de ser um fabricante para um nicho de mercado dentro do negócio altamente competitivo de computadores pessoais. Ele cortou e levou a Apple de volta para um núcleo em que poderia sobreviver. Steve Jobs conversou com a Microsoft sobre a possibilidade de investir $150 milhões na Apple, explorando as preocupações de Bill Gates sobre o que uma Apple falida poderia significar para a luta da Microsoft com o Departamento de Justiça. Jobs cortou todos os modelos de computadores de mesa para apenas um (havia 15). Ele cortou todos os modelos portáteis para apenas um laptop. Eliminou por completo todas as impressoras e outros periféricos. Demitiu engenheiros de desenvolvimento. Cortou o desenvolvimento de software. Cortou distribuidores e eliminou cinco dos seis varejistas nacionais da empresa. Ele cortou praticamente toda a fabricação, transferindo-a para o exterior, para Taiwan. Com uma linha de produtos mais simples fabricados na Ásia, cortou os estoques em mais de 80%. Uma nova loja na Web passou a vender os produtos da Apple diretamente aos consumidores, eliminando distribuidores e representantes. O notável sobre a estratégia de Jobs para a recuperação da Apple é o quanto não passava de “Gestão Básica” e, mesmo assim, como boa parte foi inesperada. Certamente você precisa reduzir e simplificar sua atividade principal, no intuito de sair de uma queda livre financeira. Naturalmente, ele precisava de versões atualizadas do software Office da Microsoft para rodar nos computadores Apple. Sem dúvida, o modelo da Dell de fabricação, com * Nota do Tradutor : Designação utilizada nos Estados Unidos e no Canadá para se referir à soma da educação básica com o ensino médio, compreendendo todo o período de educação gratuita nesses países.
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a cadeia de suprimento na Ásia, ciclos curtos de produção e capital de giro negativo, era o estado da arte no setor e merecia ser imitado. Claro que ele interrompeu o desenvolvimento de novos sistemas operacionais; trouxe consigo da NeXT o melhor sistema operacional do setor. O poder da estratégia de Jobs veio de seu ataque direto aos problemas fundamentais com um conjunto de ações coordenadas e focadas. Ele não anunciou metas ambiciosas de receitas e lucros; não cedeu a visões messiânicas sobre o futuro. Além disso, não cortou em um cego frenesi aleatório – ele redesenhou toda a lógica do negócio em torno de uma linha simplificada de produtos vendidos através de um conjunto limitado de pontos de venda. Em maio de 1998, quando eu tentava ajudar a chegar a um acordo entre a Apple e a Telecom Italia, tive a oportunidade de conversar com Jobs sobre sua abordagem para a recuperação da Apple. Ele explicou o conteúdo e a coerência de suas ideias utilizando poucas frases: A linha de produtos era muito complicada e a companhia estava perdendo dinheiro. Uma amiga da família me perguntou qual computador da Apple deveria comprar. Ela não conseguia entender a diferença entre os diversos modelos e eu também não consegui lhe dar uma orientação clara. Fiquei horrorizado por não haver nenhum computador Apple para o consumidor com preço abaixo de $2 mil. Estamos substituindo todos aqueles computadores de mesa por apenas um: o Power Mac G3. Estamos eliminando cinco dos seis varejistas nacionais – atender à sua demanda significava modelos demais em muitos pontos de venda e com margem muito elevada. Esse tipo de ação focada está longe de ser a norma no setor. Passados 18 meses, fui envolvido em um estudo de grande escala, patrocinado pela Andersen Consulting, sobre estratégias da indústria eletrônica em todo o mundo. Trabalhando na Europa, conduzi entrevistas com 26 executivos, todos eles gerentes de divisão ou CEOs do setor eletrônico e de telecomunicações. Meu plano de entrevista era simples: eu pedia para cada executivo identificar o concorrente líder em seu negócio. Eu perguntava como essa companhia se tornara líder – evocando as próprias teorias sobre aquilo que achavam que funcionava. No fim, perguntava qual era a atual estratégia da empresa deles. Esses executivos, em geral, não tiveram dificuldade em descrever a estratégia do líder em seus setores. A história-padrão era que havia aparecido alguma mudança na demanda ou na tecnologia (uma “janela de oportunidade”
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se abrira) e o líder atual fora o primeiro a pular nesta janela tirando vantagem disso. Não necessariamente o pioneiro, mas o primeiro a acertar. No entanto, quando perguntei sobre a estratégia da empresa deles, houve um tipo bastante diferente de resposta. Em vez de apontar para a próxima janela de oportunidade, ou mesmo mencionar essa possibilidade, ouvi um monte de histórias explicando por que estavam ocupados. A empresa estava fazendo alianças, no momento realizava avaliações de 360 graus, passou a buscar mercados no exterior, estava estabelecendo metas estratégicas desafiadoras, transformava software para programas proprietários, permitia atualizações do programa proprietário pela internet, e assim por diante. Cada um deles me disse a fórmula de sucesso da indústria eletrônica nos anos 1990 (assuma rapidamente uma boa posição quando abrir uma nova janela de oportunidade), mas nenhum deles disse que esse era seu foco ou chegou a mencionar isso como parte de sua estratégia. Dado esse pano de fundo, interessei-me em saber o que Steve Jobs diria sobre o futuro da Apple. Sua estratégia de sobrevivência para a Apple, com toda a capacidade e drama da empresa, não impulsionaria a companhia para o futuro. Naquele momento, a Apple possuía menos de 4% do mercado de computadores pessoais. O padrão de fato era do Windows-Intel e parecia não haver um meio de a Apple fazer mais do que apenas se agarrar a um nicho pequeno. No verão de 1998, tive uma nova oportunidade de conversar com Jobs. Eu disse: “Steve, esta reviravolta na Apple tem sido impressionante. Porém, tudo que sabemos sobre o mercado de PCs nos indica que a Apple não conseguirá realmente avançar para além de uma posição de pequeno nicho. Os efeitos de rede são muito fortes para chegar a perturbar o padrão Wintel. Assim, o que você tentará fazer em longo prazo? Qual é a estratégia?” Ele não atacou minha argumentação. Mas também não concordou. Apenas sorriu e disse: “Vou aguardar pela próxima grande oportunidade.” Jobs não enunciou um crescimento simplista ou uma meta de participação no mercado. Ele não fingiu que, ao empurrar várias alavancas, de alguma forma restauraria magicamente a liderança de mercado da Apple em computadores pessoais. Em vez disso, estava verdadeiramente focado nas fontes e barreiras para o sucesso em seu setor: reconhecer a próxima janela de oportunidade, o próximo conjunto de forças que poderia aproveitar em seu benefício e depois ter a agilidade e a inteligência para atacar isso rapidamente, como um perfeito predador. Não havia a pretensão de que tais janelas se abririam todo ano ou que seria possível forçar sua abertura com incentivos ou truques administrativos.
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Ele sabia como isso funcionava. Já havia ocorrido antes com o Apple II, o Macintosh e a Pixar. Ele tentou forçar com a NeXT e não deu certo. Passariam mais dois anos antes que ele desse aquele salto novamente com o iPod e depois com a música on-line. E, depois, com o iPhone. A resposta de Steve Jobs naquele dia – “aguardar pela próxima grande oportunidade” – não é uma fórmula geral para o sucesso. No entanto, foi uma sábia abordagem para a situação da Apple naquele momento, naquele setor, com tantas novas tecnologias aparentemente logo ali na esquina.
TEMPESTADE NO DESERTO Outro exemplo de surpresa em relação à existência de uma estratégia ocorreu ao final da primeira Guerra do Golfo, em 1991. As pessoas ficaram surpresas ao descobrir que os comandantes dos Estados Unidos realmente possuíam uma estratégia focada para derrotar os invasores iraquianos entrincheirados. Em 2 de agosto de 1990, o Iraque invadiu o Kuwait. Liderados pela tropa de elite fazendo desembarques aéreos e marítimos, e quatro divisões da Guarda Republicana, 150 mil soldados iraquianos entraram e ocuparam o Kuwait. É provável que o principal motivo de Saddam Hussein para a invasão fosse financeiro. Os oito anos de guerra que ele havia iniciado invadindo o Irã em 1980 tinham deixado seu regime com uma dívida enorme junto ao Kuwait e outros países do Golfo. Tomando o Kuwait e declarando-o a 19 a província do Iraque, Saddam conseguiria cancelar sua dívida com esse país e utilizar a enorme receita com petróleo para pagar suas dívidas com outras nações. Passados cinco meses, uma coalizão de 33 países organizada pelo Presidente George H. W. Bush, dos Estados Unidos, estava realizando ataques aéreos contra as forças iraquianas e rapidamente organizando suas forças em terra. O Iraque, por sua vez, aumentou suas tropas no Kuwait para mais de 500 mil homens. Esperava-se que a força aérea, isoladamente, pudesse provocar a resolução do conflito, mas, se isso não ocorresse, seria necessário haver uma ofensiva em terra para reverter a invasão e a ocupação do Kuwait pelo Iraque. Não havia dúvida de que a coalizão teria capacidade para fazer os iraquianos recuarem. Mas a que custo? Em outubro de 1990, o jornal francês L’Express estimou que a retomada do Kuwait levaria cerca de uma semana e provocaria 20 mil baixas entre os americanos. À medida que as forças iraquianas cresciam e construíam posições defensivas, discussões públicas na
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imprensa, na televisão e nos corredores do Congresso começaram a evocar imagens dos combates de trincheiras da Primeira Guerra Mundial. No Congresso, o Senador Bob Graham (Democratas-Flórida) observou que “o Iraque já teve cinco meses para cavar e fortificar e o fez de forma decisiva. O Kuwait possui fortificações que lembram a Primeira Guerra Mundial”. Na mesma linha, o The New York Times descreveu um batalhão da 16 a Infantaria como “os homens que esperam ter o trabalho de lutar nas trincheiras do Kuwait com seus rifles M-16 e metralhadoras M-60 cuspindo fogo”. A revista Time descreveu as defesas do Iraque desta maneira: Em uma área do tamanho aproximado de West Virginia, os iraquianos dispuseram 540 mil homens de seu exército de um milhão de soldados e 4 mil de seus 6 mil tanques, junto com milhares de outros veículos blindados e peças de artilharia... As unidades iraquianas estão entrincheiradas nas suas já tradicionais fortalezas triangulares, formadas por sacos de areia e companhias de infantaria equipadas com metralhadoras pesadas cobrindo cada um dos cantos. Os soldados estão protegidos por abrigos portáteis de concreto ou abrigos de metal e areia. Os tanques estão encravados no terreno e reforçados por sacos de areia. As peças de artilharia estão colocadas no vértice de cada triângulo, apontadas para “zonas de morte” criadas por trincheiras em chamas e minas terrestres.1 Na véspera do ataque terrestre, o Los Angeles Times lembrou seus leitores de que “as tropas iraquianas ao longo da linha de frente estão bem entrincheiradas e atacar posições tão fortificadas é sempre um negócio arriscado. As grandes derrocadas de Cold Harbor, do Somme e de Galípoli são lembranças sombrias do preço do fracasso. Até mesmo o sucesso, como em Tarawa, Okinawa ou Hamburguer Hill pode vir a um preço terrível”.2 O que esses comentaristas não previram é que o General Norman Schwarzkopf, comandante em chefe do Comando Central dos Estados Unidos, tinha uma estratégia para a guerra terrestre; uma estratégia que ele havia desenvol vido no início de outubro. O plano original gerado por sua equipe, um ataque direto ao Kuwait, foi estimado ao custo de 2 mil mortos e 8 mil feridos. Schwarzkopf rejeitou essa abordagem em favor de um plano em duas frentes. Seriam utilizados ataques aéreos para reduzir os recursos iraquianos em 50%. Em seguida, ele planejou um enorme “gancho de esquerda”. Enquanto a atenção do mundo estava concentrada na cobertura de 24 horas da CNN sobre as tropas ao sul do Kuwait,
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a coalizão, secretamente, transferiria uma força de 250 mil soldados bem a oeste do Kuwait e depois iria fazê-los se mover ao norte para posições vazias no deserto do sul do Iraque. Quando a guerra terrestre começasse, essa força continuaria avançando para o norte e depois viraria para o leste, completando o “gancho de esquerda” e atingindo o flanco da Guarda Republicana do Iraque. Os ataques dirigidos ao norte avançando dentro do próprio Kuwait seriam menores. As forças terrestres da Marinha dos Estados Unidos receberam ordens de se mover lentamente para o norte dentro do Kuwait, um estratagema para atrair os iraquianos para o sul e para fora de suas fortificações, onde seriam atingidos lateralmente por parte do enorme gancho de esquerda. Os fuzileiros navais no mar não desembarcariam, com sua presença servindo como manobra para desviar a atenção. A estratégia de gancho de esquerda das forças combinadas de Schwarzkopf foi tão bem-sucedida que a luta intensa em solo durou apenas 100 horas. Um mês inteiro de bombardeio aéreo condicionou as tropas iraquianas a dispersar e esconder seus tanques e artilharia, permanecer fora dos veículos e manter os motores desligados. A rapidez e a violência do assalto terrestre da coalizão, combinando tanques, infantaria, helicópteros de ataque e bombardeios, foram decisivas. As unidades da Guarda Republicana lutaram bra vamente, mas foram incapazes de manobrar ou pedir reforços com a rapidez necessária para responder à velocidade e à ferocidade do ataque. Finalmente, e talvez mais importante, Saddam Hussein ordenou que suas tropas não utilizassem armas químicas. Essas bombas de artilharia, usadas para deter os ataques iranianos durante a Guerra Irã-Iraque, teriam causado milhares de vítimas da coalizão. Os comandantes da Marinha estimaram uma perda possível de 20% a 30% de suas forças se as armas químicas tivessem sido utilizadas contra eles.3 Saddam foi dissuadido: informações no pós-guerra colhidas com os russos revelaram que ele temia uma retaliação nuclear dos Estados Unidos em resposta ao eventual uso dessas armas. O Iraque fugiu do Kuwait com boa parte de seu exército invasor destruído.4 As baixas da coalizão foram leves – no primeiro dia, houve 8 mortos e 27 feridos. O êxito da coalizão com sua estratégia de gancho de esquerda com forças combinadas foi tão gritante que os especialistas, que, em fevereiro, estavam preocupados com a guerra de trincheiras, opinavam em março que a coalizão havia reunido mais forças do que o necessário e que o desfecho foi um resultado esperado. Schwarzkopf revelou para o público a estratégia de guerra terrestre em uma coletiva de imprensa com ampla audiência. A maioria das pessoas que
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viram essa coletiva e o mapa do gancho de esquerda ficou surpresa e impressionada. Os comentaristas da imprensa descreveram o plano como “brilhante” e “secreto”. Poucos haviam antecipado a manobra de envolvimento. Por que não previram? O Ministério do Exército dos Estados Unidos publica manuais de campo completos descrevendo suas doutrinas e métodos básicos. O FM 100-5, publicado em 1986, foi intitulado Operações e foi descrito como “o manual de combate fundamental do Exército”. A Parte 2 do FM 100-5 é dedicada a “Operações Ofensivas” e, na página 101, descreve o “envolvimento” como a forma mais importante de manobra ofensiva (o “Plano A” do Exército dos Estados Unidos). O manual diz: O envolvimento evita a frente do inimigo onde suas forças estão mais protegidas e seus disparos se concentram mais facilmente. Em vez disso, enquanto fixa a preocupação do defensor com a frente através de ataques de apoio ou de desvio da atenção, as forças de ataque manobram seu principal esforço em torno ou sobre as defesas do inimigo para atingir seus flancos e retaguarda. Para ilustrar essa manobra, o FM 100-5 Operações apresenta um diagrama reproduzido na próxima página. Dado o retrato vívido de um ataque simulado pelo meio combinado com um poderoso “gancho de esquerda”, pode-se perguntar: “Como o uso da principal doutrina do Exército dos EUA por Schwarzkopf foi uma surpresa para todos?” Uma parte da resposta está na simulação bem-sucedida. Schwarzkopf quis fazer parecer que o principal ataque seria lançado contra o Kuwait a partir do mar e depois por terra diretamente contra as defesas iraquianas. Isso foi apoiado por uma visível incursão anfíbia sobre a costa do Kuwait e pelas ações para destruir a Marinha do Iraque. A imprensa, involuntariamente, ajudou nessa manobra de distração das tropas iraquianas ao relatar o fotogênico treinamento de desembarque anfíbio, o aumento das forças ao sul do Kuwait e, em seguida, a angústia com a perspectiva de uma guerra de trincheiras semelhante às da Primeira Guerra Mundial. Porém, o elemento fundamental do “Plano A” do Exército dos Estados Unidos (envolvimento) é a ilusão de um ataque direto combinado com o contorno do inimigo com um volume de tropas muito maior. Considerando que o “Plano A” estava disponível a qualquer pessoa que tivesse $25 para enviar ao U.S. Government Printing Office,5 continua intrigante o motivo de o “Plano
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A” ser uma surpresa – surpresa não apenas para o Iraque, mas também para os comentaristas sobre assuntos militares em programas de televisão e para a maioria do Congresso dos Estados Unidos. A melhor resposta para esse enigma é que a verdadeira surpresa foi o fato de que uma manobra tão pura e focada tenha sido efetivamente executada. As organizações mais complexas espalham, ao invés de concentrarem recursos, agindo para aplacar e dar retorno aos interesses externos e internos. Assim, ficamos surpresos quando organizações complexas (como a Apple e o Exército dos Estados Unidos) realmente concentram suas ações. Não por causa do segredo, mas porque a boa estratégia é em si mesma inesperada. ENVOLVIMENTO
No caso da Tempestade no Deserto, o foco foi muito mais do que uma etapa intelectual. Schwarzkopf precisou reprimir as ambições e os desejos da força aérea, da Marinha, de várias unidades do Exército, de cada parceiro da coalizão e da liderança política em Washington. A melhor tropa de infantaria leve do Exército dos Estados Unidos (a 82 a Divisão de Aerotransporte), por exemplo, recebeu a tarefa de fornecer apoio para blindados e infantaria franceses, uma atribuição contra a qual sua liderança protestou. Cerca de 8 mil fuzileiros navais dos Estados Unidos esperaram nos navios para desembarcar nas praias de Kuwait City, mas não o fizeram. Foi uma manobra para desviar
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a atenção. Os comandantes da força aérea queriam demonstrar o valor do bombardeio estratégico (eles acreditavam que a guerra poderia ser vencida através de ataques aéreos sobre Bagdá) e precisaram ser forçados sob rigoroso protesto a desviar seus recursos no sentido de dar apoio total à ofensiva por terra. O Secretário da Defesa, Dick Cheney, queria que a missão fosse realizada com uma força menor e detalhou um plano de ataque alternativo. O Príncipe Khalid, comandante das forças sauditas na coalizão, insistiu que o Rei Fahd fosse envolvido no planejamento, mas Schwarzkopf convenceu o Presidente Bush a assegurar que o Comando Central americano detivesse o controle sobre a estratégia e o planejamento. X
Ter metas conflitantes, destinar recursos a objetivos desconectados e acomodar interesses incompatíveis são luxos aos quais se podem dar os ricos e poderosos, mas isso contribui para uma estratégia ruim. No entanto, muitas organizações não desenvolvem estratégias focadas. Em vez disso, geram listas enormes de resultados desejados e, ao mesmo tempo, ignoram a necessidade de uma competência genuína para coordenar e focar seus recursos. A boa estratégia requer líderes dispostos e capazes de dizer não a uma ampla variedade de ações e interesses. A estratégia trata, no mínimo, tanto do que uma organização não deve fazer quanto do que deve fazer.
CAPÍTULO 2 X
DESCOBRINDO O PODER A segunda vantagem natural de muitas boas estratégias vem da percepção de novas fontes de pontos fortes e fracos. O fato de olhar para as coisas a partir de uma perspectiva nova ou diferente pode revelar novos domínios de vantagens e oportunidades, assim como de fraquezas e ameaças.
UMA PEDRA ARREMESSADA Em cerca de 1030 a.C., o menino pastor de ovelhas Davi derrotou o guerreiro Golias. Quando Golias deu um passo à frente das fileiras dos filisteus e gritou seu desafio, o Exército do Rei Saul tremeu de pavor. Golias tinha quase 3 metros de altura e empunhava uma lança do tamanho de um eixo de tecelão. Seu escudo de bronze e sua armadura brilhavam sob a luz do sol. Davi ainda não tinha idade suficiente para ser soldado como seus irmãos, mas ninguém queria enfrentar o gigante. Saul advertiu Davi de que ele era muito jovem e que o gigante era um veterano experiente, mas acabou cedendo e lhe deu sua armadura. A armadura era muito pesada e Davi a descartou, dirigindo-se para o combate em trajes de pastor. Caminhando na direção de Golias, ele pegou uma pedra e arremessou-a com sua funda. Atingido na testa, Golias caiu morto no local. Davi avançou e cortou a cabeça do campeão tombado. Os filisteus fugiram. Diz-se que a estratégia traz a força relativa para se contrapor à fraqueza relativa. Vamos seguir o conselho de inúmeros artigos e livros e fazer uma lista dos pontos fortes e fracos aparentes de Davi e Golias:
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Davi Golias
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Pontos Fortes
Pontos Fracos
Muito corajoso Enorme, forte, experiente e corajoso
Pequeno, inexperiente ?
Esse descompasso entre eles deve ter sido o motivo da preocupação de Saul quando tentou dissuadir Davi de lutar, tendo cedido depois e entregue sua armadura. Na história, somente após a pedra ser arremessada é que o ponto de vista do ouvinte muda e se percebe que a experiência do menino com uma funda de pastor de ovelhas seria um ponto forte, assim como sua agilidade juvenil. Depois, o ouvinte percebe que Davi descartou a armadura porque ela apenas o tornaria mais lento; se tivesse chegado perto o suficiente para receber um golpe do gigante, a armadura de bronze não o teria salvado. Finalmente, quando a pedra atinge a testa de Golias, o ouvinte de repente descobre uma fraqueza fundamental: a armadura de Golias não protege essa área vital. A arma de Davi reunia vigor e precisão a distância, neutralizando as supostas vantagens de Golias em função de seu tamanho e força. A história nos ensina que nossas ideias preconcebidas sobre pontos fortes e fracos podem ser inadequadas. A vitória da fraqueza aparente contra a força aparente é que dá a esse conto seu ponto de destaque. Mais do que o hábil uso do poder, o ouvinte vivencia a real descoberta do poder em uma situação: a criação ou revelação de uma assimetria decisiva. O fato de conceber como alguém consiga ver aquilo que os outros não conseguem, ou aquilo que eles têm ignorado, e assim descobrir um objetivo fundamental e criar uma vantagem, fica no limite de nossa compreensão, algo que só se vislumbra no recôndito de nossa mente. Nem toda boa estratégia se baseia nesse tipo de percepção, mas aqueles que o fazem geram um impulso extra que separa a “excelência normal” da extraordinária.
WAL-MART Boa parte de meu trabalho com empresas e estudantes de MBA envolve ajudá-los a descobrir o poder oculto em diversas situações. Como parte desse processo, geralmente dou uma aula sobre um caso desde a fundação e ascensão do Wal-Mart até 1986, quando Sam Walton se torna a pessoa mais rica dos Estados Unidos.1 Na aula seguinte, retomo discutindo o Wal-Mart moderno, entrando em áreas urbanas, estendendo-se para a Europa e tornando-
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se a maior empresa do planeta em termos de receita. Porém, o caso mais antigo retrata um Wal-Mart mais simples e mais enxuto: um jovem desafiante, e não o gigante em que se transformou. Ainda que seja difícil acreditar hoje em dia, o Wal-Mart antigamente era o Davi, e não o Golias. Antes de começar a discussão, copio uma frase do caso na lousa e desenho um quadro em torno dela: SABEDORIA CONVENCIONAL Uma loja de descontos em toda a linha necessita de uma base populacional de pelo menos 100 mil habitantes.
A pergunta para o grupo é simples: Por que o Wal-Mart tem tanto sucesso? Para começar, apelo ao Bill, que teve alguma experiência em vendas durante a primeira parte da carreira. Ele inicia com a invocação ritual da liderança do fundador Sam Walton. Sem concordar ou discordar, escrevo “Sam Walton” na lousa e o pressiono um pouco mais: “O que Walton fez que representou a diferença?”. Bill olha para o quadro que desenhei na lousa e responde: “Walton rompeu com a sabedoria convencional. Ele colocou grandes lojas em cidades pequenas. O Wal-Mart tinha diariamente preços baixos. Montou um armazém informatizado e um sistema de transporte para gerenciar a movimentação de estoque nas lojas. Não abriu espaço para os sindicatos de trabalhadores. Apresentava um valor baixo de despesas administrativas.” Leva cerca de 30 minutos para seis outros participantes completarem essa lista. Eles estão dispostos a chutar qualquer tipo de contribuição e eu não os interrompo. Presssiono para obter detalhes e esclarecer o contexto, perguntando: “Qual era o tamanho das lojas?”, “As cidades eram muito pequenas?”, “Como funcionava o sistema de logística computadorizada?” e “O que fez o Wal-Mart para manter suas despesas administrativas tão baixas?”. À medida que as respostas fluíam, três diagramas foram tomando forma na lousa. Aparece um círculo representando uma pequena cidade com 10 mil habitantes. Um grande retângulo desenhado no círculo representa uma loja do Wal-Mart com 4 mil metros quadrados. Surge um segundo diagrama com o sistema logístico. Um quadrado representa o centro de distribuição regional. A partir do quadrado, desce uma linha demarcando o caminho seguido por um caminhão para passar por cerca de 150 lojas atendidas pelo centro de distribuição. No caminho de volta, a linha passa pelos fornecedores, recolhendo caixas de mercadorias. A linha retorna até o quadrado em que um “X” indica a troca de mercadorias para despacho por outro caminhão. Linhas de cores diferentes descrevem o fluxo de dados da loja para o computador central
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e, depois, para os fornecedores e para o centro de distribuição. Finalmente, como discutimos o sistema administrativo, desenho os percursos dos gerentes regionais, pois eles seguem um circuito semanal. Partem de Bentonville, Arkansas, na segunda-feira, visitam lojas, pegam e distribuem informações, e retornam para Bentonville na quinta-feira para reuniões em grupo às sextas e aos sábados. Os últimos dois diagramas são assustadoramente semelhantes: ambos revelando a estrutura de um centro de distribuição eficiente. A discussão diminui. Conseguimos extrair a maior parte dos fatos. Olho em torno da sala tentando incluir todos e digo: “Se as políticas que vocês listaram são os motivos para o sucesso do Wal-Mart e se esse caso foi publicado, vejamos, em 1986, então como a companhia conseguiu crescer tanto em relação à Kmart na década seguinte? A fórmula não era óbvia? Onde estava a concorrência?” Silêncio. Essa pergunta quebra a agradável troca de ideias de apenas recitar fatos do caso. Na verdade, o caso relata quase nada sobre a concorrência, referindo-se amplamente ao setor de comércio com desconto. Porém, os executivos e os estudantes de MBA deveriam ter pensado a esse respeito na preparação para essa discussão. Mesmo assim, é totalmente previsível que não o tenham feito. Porque o caso não coloca o foco na concorrência, nem eles. Eu sei que vai ocorrer desta forma – sempre acontece assim em todos os cursos. Metade do que os participantes atentos aprendem em um exercício sobre estratégia é pensar sobre a concorrência, mesmo quando ninguém lhes diz previamente para fazê-lo. Olhando apenas para as ações de uma empresa vencedora, você só vê uma parte do quadro. Sempre que uma empresa é extremamente bem-sucedida, existe também, ao mesmo tempo, um bloqueio ou ausência de concorrência. Às vezes, a concorrência é bloqueada porque um inovador tem uma patente ou algum outro instrumento legal para conseguir um monopólio temporário. Mas também pode haver uma razão natural pelo fato de a imitação ser difícil ou muito onerosa. A vantagem do Wal-Mart deve decorrer de algo que os concorrentes não conseguem copiar facilmente ou pelo fato de não copiar por inércia e incompetência. No caso do Wal-Mart, o principal fracasso da concorrência era o da Kmart. Originalmente denominada S.S. Kresge Corporation, a Kmart havia sido a líder do varejo de produtos diversos com preço baixo. A empresa gastou muito nas décadas de 1970 e 1980 expandindo-se internacionalmente e ignorando as inovações do Wal-Mart em logística e sua crescente predominância em lojas de desconto de pequenas cidades. Ela acabou entrando com pedido de concordata em 2002.
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Depois de alguns instantes, faço uma pergunta mais contundente: “Tanto o Wal-Mart quanto a Kmart começaram a instalar as leitoras de código de barras nas caixas registradoras no início dos anos 1980. Por que parece que o Wal-Mart se beneficiou mais com isso do que a Kmart?” Inicialmente utilizados em supermercados, os leitores de código de barras nas estações de saída de lojas do varejo agora são universais. Os grandes comerciantes começaram a utilizá-los no início dos anos 1980. Muitos vare jistas viam o leitor de código de barras como um modo de eliminar o custo de mudar constantemente as etiquetas de preços dos itens. No entanto, o Wal-Mart foi mais além, desenvolvendo os próprios sistemas de informações por satélite. Depois utilizou esses dados para gerir seus sistemas logísticos de transmissão de dados e negociou-os com os fornecedores em troca de descontos. Susan, executiva de recursos humanos, de repente fica animada. O isolamento de uma política desencadeou um pensamento. Eu dei uma palestra no dia anterior sobre políticas “complementares” e ela percebe a conexão. “Por si mesmo”, ela diz, “isso não ajuda muito. A Kmart teria de transferir os dados para centros de distribuição e fornecedores. Ela teria de operar um sistema integrado de logística de transmissão de dados”. “Muito bom”, digo e destaco para todos que as políticas do Wal-Mart se encaixam (o código de barras, a logística integrada, as entregas com frequência programada, as grandes lojas com estoques baixos), sendo complementares entre si e se constituindo em um projeto integrado. Esse projeto conjunto (composto por estrutura, políticas e ações) é coerente. Cada parte do projeto é moldada e especializada para as outras. As peças não são partes intercambiáveis. Muitos concorrentes não possuem o que seria um projeto completo, moldando cada um de seus elementos em torno do que seria uma forma imaginada de “melhor prática”. Outros têm mais coerência, mas destinam seus projetos com propósitos diferentes. Em ambos os casos, os concorrentes terão dificuldade para lidar com o Wal-Mart. Não é muito vantajoso copiar pouco a pouco os elementos de sua estratégia. O concorrente precisaria adotar o projeto todo, e não apenas parte dele. Há muito mais a ser discutido: as vantagens de ser o pioneiro, quantificar a vantagem de custo, a questão da competência e do aprendizado desenvolvidos com o tempo, a função da liderança e se esse projeto pode funcionar em cidades. Nós prosseguimos. Faltando 15 minutos para terminar, deixo a discussão arrefecer. Eles fizeram um bom trabalho analisando o negócio do Wal-Mart e eu reforço isso.
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Porém, digo a eles que há mais uma coisa. Algo que não entendo muito, mas que parece ser importante. Tem a ver com a “sabedoria convencional” – a frase do caso que coloquei na lousa logo no início da aula: “Uma loja de descontos em toda a linha necessita de uma base populacional de pelo menos 100 mil habitantes.” Viro-me para Bill e digo: “Você começou argumentando que Walton rompeu com a sabedoria convencional. Mas a sabedoria convencional estava baseada em uma lógica simples e direta de custos fixos e variáveis. São necessários muitos clientes para ratear as despesas gerais e manter os custos e os preços baixos. Exatamente como Walton rompeu com a lógica de ferro dos custos?” Avanço mais, colocando Bill em um papel: “Quero que você imagine ser um gerente de loja do Wal-Mart. É 1985 e você está feliz com a empresa como um todo. Você sente que eles não compreendem sua cidade. Você reclama com seu pai e diz: ‘Por que não compramos a empresa? Podemos nós mesmos dirigir a loja.’ Assumindo que papai tenha os recursos, o que você acha desta proposta?” Bill pisca, surpreso por ser colocado em evidência uma segunda vez. Ele pensa um pouco e responde: “Não; não é uma boa ideia. Não poderíamos dar a partida somente com ela. A loja Wal-Mart precisaria fazer parte de uma rede.” Retorno para a lousa e paro ao lado do princípio dentro de um quadro: “Uma loja de descontos em toda a linha necessita de uma base populacional de pelo menos 100 mil habitantes.” Eu repito a frase dele: “A loja Wal-Mart precisaria fazer parte de uma rede”, e desenho um círculo em torno da pala vra “loja”. Depois espero. Com sorte, alguém consegue. Quando um aluno tenta articular sua descoberta, outros também captam o conceito e eu percebo uma avalanche de “ahas”, como uma panela de pipoca com os grãos de milho começando a estourar. Não é a loja: é a rede de 150 lojas. Assim, os dados fluem e a administração flui e um centro de distribuição faz sentido. A rede substituiu a loja. Uma rede regional de 150 lojas atende a uma população de milhões! Walton não rompeu com a sabedoria convencional; ele rompeu com a antiga definição de loja. Se ninguém percebe isso logo, eu vou dando pistas até que eles consigam entender. Quando você percebe que Walton redefiniu a noção de “loja”, sua visão de como as políticas do Wal-Mart se encaixam passa por uma mudança sutil. Você começa a ver a interdependência entre as decisões de localização. Os locais das lojas expressam a economia da rede, e não apenas a força da demanda. Você vê também o equilíbrio de poder no Wal-Mart. A loja individual
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tem pouco poder de negociação e suas opções são limitadas. Muito mais importante é perceber que a rede, e não a loja, acabou se tornando a unidade básica de gestão do Wal-Mart. Ao transformar a rede integrada na unidade operacional da companhia, e não em loja individual, Walton rompeu com uma sabedoria convencional ainda mais profunda de sua época: a doutrina da descentralização, a de que cada macaco deve ficar em seu galho. Há muito a Kmart aderira a essa doutrina, dando a cada gerente de loja autoridade para escolher as linhas de produtos, os fornecedores, e estabelecer os preços. Afinal, todos nos dizem que a descentralização é uma coisa boa. Mas o custo geralmente esquecido da descentralização é a perda de coordenação entre as unidades. As lojas que não escolhem os mesmos fornecedores ou negociam os mesmos termos não podem se beneficiar de uma rede integrada de dados e de transporte. As lojas que não compartilham informações detalhadas sobre o que funciona ou não deixam de se beneficiar com o aprendizado das demais. Se seus concorrentes também operam esse tipo de sistema descentralizado, pouco pode ser perdido. Mas quando as ideias de Walton transformaram a estrutura descentralizada em desvantagem, a Kmart teve um grave problema. Uma grande organização pode relutar em adotar uma nova técnica, mas tal mudança é administrável. No entanto, quebrar com a doutrina (com sua própria filosofia básica) é raro, a não ser no caso de uma quase-morte. O poder oculto da estratégia do Wal-Mart vinha de uma mudança na perspectiva. Sem essa perspectiva, a Kmart viu o Wal-Mart da mesma forma que Golias viu Davi: menor e menos experiente nas grandes lides. No entanto, as vantagens do Wal-Mart não eram inerentes a sua história ou tamanho. Elas surgiram de uma mudança sutil na forma de pensar uma varejista de descontos. A tradição via a loja de descontos ligada às densidades urbanas, enquanto Sam Walton viu uma maneira de construir a eficiência incorporando cada loja em uma rede de computação e logística. Atualmente isso se chama gestão da cadeia de suprimento, mas, em 1984, foi uma mudança inesperada de ponto de vista. E teve o impacto da pedra arremessada por Davi.
ANDY MARSHALL Encontrei Andy Marshall pela primeira vez em meados de 1990. Ele é o diretor de uma rede de avaliação para o Departamento de Defesa e seu hábitat normal é um pequeno conjunto de escritórios no Pentágono no fim do
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corredor que dá acesso ao secretário de defesa. Desde que o Gabinete da Rede de Avaliação foi criado em 1973, houve apenas um diretor: Andrew Marshall. Seu trabalho desafiador é pensar de forma ampla sobre questões de segurança dos Estados Unidos. Andy Marshall e eu estávamos interessados em como o processo de planejamento molda os resultados estratégicos. Ele me explicou como durante a Guerra Fria o ciclo tradicional de orçamento das Forças Armadas e o Congresso criaram uma mentalidade reativa. “Nosso planejamento de defesa”, ele disse, “passou a ser conduzido pelo processo orçamentário anual”. Ele explicou que a cada ano o Estado Maior desen volvia uma avaliação da ameaça soviética, que era essencialmente uma estimati va de seu estoque de armas atual e planejado. O Pentágono desenvolvia, então, uma resposta à ameaça que se resumia a uma lista de compras. O Congresso apropriava uma fração do que era requerido e o ciclo começava de novo. “Este processo de justificar os gastos em contrapartida aos gastos soviéticos condicionou as ações dos Estados Unidos aos pontos fortes soviéticos, expressos como ameaças, e não nas fraquezas e limitações dos soviéticos. Nós tínhamos uma estratégia de guerra – um espasmo catastrófico –, mas nenhum plano sobre como competir com a União Soviética em longo prazo.” De fala mansa, Marshall olhou diretamente para mim, verificando se eu havia compreendido as implicações de suas afirmações. Ele tirou um documento, um fino maço de papel, e começou a explicar seu significado: “Este documento faz reflexões sobre como realmente utilizar os pontos fortes dos Estados Unidos para explorar as fraquezas soviéticas; uma abordagem bastante diferente.” Intitulado “Estratégia para Competir com os Soviéticos no Setor Militar da Contínua Disputa Militar e Política”,2 ele foi escrito em 1976, perto do final da administração Ford, e possui anotações nas margens efetuadas pelo secretário de defesa do Presidente Carter, Harold Brown. Evidentemente, ele recebera atenção (seus autores foram Andy Marshall e James Roche, que, na época, era seu diretor assistente).* Essa análise fascinante serviu para definir a “defesa” em novos termos – uma mudança sutil no ponto de vista. Ela argumentava que, “para lidar de forma eficaz com o outro lado, uma nação busca oportunidades para utilizar uma ou mais competências distintivas de tal maneira a desenvolver uma *James Roche passou a ocupar cargos de direção na Northrop Grumman e serviu como secretário da força aérea (2001-5).
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vantagem competitiva – tanto em áreas específicas quanto em geral”. Passou depois a explicar que a área crucial de competição seria a tecnologia, pois os Estados Unidos dispunham de mais recursos e maior capacitação nesta área. Mais importante ainda: o documento argumentava que ter uma verdadeira estratégia competitiva significa engajar-se em ações que impusessem custos exorbitantes para o outro lado. Em especial, ele recomendava investir em tecnologias que seriam caras para contrapor e onde a reação não representasse um acréscimo na capacidade ofensiva soviética. Por exemplo, aumentar a precisão dos mísseis ou o silêncio de submarinos forçava a União Soviética a gastar recursos escassos em defesas que não aumentavam a ameaça aos Estados Unidos. Os investimentos em sistemas que tornassem obsoletos os sistemas soviéticos também os forçariam a gastar, da mesma forma que a publicidade seletiva sobre novas tecnologias fantásticas. A ideia de Marshall e Roche foi uma ruptura com a lógica de 1976 sobre o equilíbrio de forças conduzido pelo orçamento. Era simples. Os Estados Unidos deveriam realmente competir com a União Soviética utilizando seus pontos fortes para ter um bom efeito e explorando as fraquezas dos soviéticos. Não havia tabelas ou gráficos complexos, fórmulas obscuras ou falas com modismos cheios de acrônimos: apenas uma ideia e alguns indicadores de como ela poderia ser utilizada – a incrível simplicidade da descoberta do poder oculto em uma situação. Quando eu conversava com Andy Marshall sobre este documento de 14 anos de idade em 1990, a União Soviética estava instável. Um ano antes, ha via caído o Muro de Berlim. Levaria ainda mais 16 meses para que a URSS se dissolvesse. Porém, em 1990, quando discutíamos processos políticos, antes de os revisionistas de todos os matizes começarem a reescrever a história, estava claro que a União Soviética se desestabilizara porque tinha ido além do limite. Ela estava quebrando econômica, política e militarmente. Os mísseis mais precisos dos Estados Unidos, o surgimento dos circuitos integrados e o grande atraso tecnológico, o avanço no posicionamento de mísseis na Europa, a Iniciativa de Defesa Estratégica de Ronald Reagan e os investimentos na vigilância submarina representaram uma pressão de investimento insuportável para a União Soviética. Ao mesmo tempo, seus recursos eram limitados: a Arábia Saudita e o Reino Unido (com sua nova produção no Mar do Norte) trabalharam para manter baixos os preços do petróleo, negando à União Soviética uma margem extra em moeda estrangeira e tornando os europeus menos ansiosos pela compra de gás russo. O status e o sistema fechado da URSS impediram o fácil acesso à tecnologia ocidental. A guerra dos
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soviéticos no Afeganistão enfraqueceu as finanças e o apoio político interno. Por trás de quase todas essas forças e eventos, estava a lógica da competição indireta que Marshall e Roche haviam escrito em 1976: utilize suas vantagens relativas para impor custos fora de proporção para se contrapor e complicar o problema deles em competir com você. Durante toda a minha vida, a União Soviética havia dominado as discussões sobre política, guerra e paz. Eu havia crescido tendo de correr para debaixo de minha carteira da terceira série até ouvir o toque de fim do ataque aéreo e me preocupar com o Sputnik. Durante meus anos de faculdade na University of California em Berkeley, os professores me fizeram ler Karl Marx, Lênin, o vívido relato da Revolução Soviética de John Reed ( Os dez dias que abalaram o mundo ) e artigos sobre a autoadministração operário-camponesa durante a revolução. Hoje sabemos que, durante os cinco anos em que ouvi palestras em Berkeley sobre as maravilhas da revolução (1960-65), cerca de 1,5 milhão de pessoas foram mortas no gulag soviético. Durante todo o período posterior à Segunda Guerra Mundial, a União Soviética assassinou mais de 20 milhões de pessoas (seus próprios cidadãos e outros sob seu controle), uma macabra melhora em relação aos 40 milhões de executados, propositadamente famintos ou que trabalharam até a morte no período de 1917-48. Quando esse império estranho e mortal entrou em colapso, quanto dessa implosão se deveu às contradições internas e quanto aos custos impostos sobre ele pela política dos Estados Unidos? De forma semelhante a qualquer evento complexo, houve muitas causas. Se a estratégia de Marshall e Roche foi uma delas, e acredito que tenha sido, então ela merece nossa atenção. O insight deles foi formulado na linguagem da estratégia de negócios: identifique seus pontos fortes e fracos, avalie as oportunidades e os riscos (os pontos fortes e fracos de seu oponente) e avance utilizando seus pontos fortes. Porém, o poder dessa estratégia derivava da descoberta de uma maneira diferente de ver a vantagem competitiva: uma mudança de pensar sobre a pura capacidade militar para a de buscar maneiras de impor custos assimétricos sobre um oponente. X
A análise de Marshall e Roche incluiu uma lista de pontos fortes e fracos dos Estados Unidos e da União Soviética. Essas listas não eram novas e a resposta tradicional para elas teria sido investir mais para pender a “balança” em seu favor. Porém, Marshall e Roche, da mesma forma que Sam Walton, tiveram um insight que, ao se agir em conformidade com ele, fornecia um modo muito mais eficaz de competir: a descoberta do poder oculto em uma situação.
CAPÍTULO 3 X
ESTRATÉGIA RUIM
Estratégia ruim não é a falta de uma boa estratégia. Ela surge de equívocos específicos e de deficiências da liderança. Quando você desenvolver a capacidade de detectar a estratégia ruim, aumentará substancialmente sua eficácia em julgar, influenciar e desenvolver estratégias. Para detectar a má estratégia, procure por uma ou mais destas quatro características principais: •
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Floreio. Floreio é uma forma de tagarelice disfarçada de conceitos
estratégicos ou argumentos. Ele usa palavras “pomposas” (palavras infladas e desnecessariamente obscuras) e conceitos aparentemente esotéricos para criar a ilusão de uma reflexão de alto nível. Não enfrentar o desafio. A estratégia ruim não reconhece ou define o desafio. Quando não pode definir o desafio, você não consegue avaliar uma estratégia ou melhorá-la. Confundir metas com estratégia. Muitas estratégias ruins são apenas afirmações de desejo, e não planos para superar obstáculos. Objetivos estratégicos ruins . O objetivo estratégico é estabelecido por um líder como meio para atingir um fim. Os objetivos estratégicos são “ruins” quando deixam de abordar questões fundamentais ou quando se mostram impraticáveis.
A ORIGEM DO CONCEITO DE “ESTRATÉGIA RUIM” Cunhei o termo “estratégia ruim” em 2007, em um curto seminário em Washington D.C. sobre estratégia de segurança nacional. Para entender o conceito, seria útil compreender a natureza da desordem que ele descreve.
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Organizado pelo Center for Strategic and Budgetary Assessments (CSBA), o seminário de 2007 contou com nove participantes, incluindo figuras importantes como James R. Schlesinger, ex-secretário de Defesa, secretário de Energia e diretor da CIA, e Fred C. Iklé, membro do Conselho de Relações Exteriores, ex-subsecretário de Defesa para política, diretor do U.S. Arms Control and Disarmament Agency e presidente da comissão bipartidária de Estratégia Integrada de Longo Prazo.1 Não nos reunimos para discutir uma estratégia específica, mas para entender quais seriam os motivos para a queda de qualidade da formulação de estratégias em termos nacionais. Não houve discordância a respeito dos fatos. Durante e após a Segunda Guerra Mundial, especialmente com o advento das armas nucleares, a liderança nacional nos Estados Unidos assumiu com bastante seriedade a estratégia de segurança nacional. Porém, após 1989, quando diminuiu a ameaça de um ataque ofensivo por outra grande potência, a necessidade de uma revisão estratégica integrada para a estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos se tornou evidente. Seria necessária uma nova estratégia para o período posterior à Guerra Fria que pudesse lidar com assuntos como proliferação nuclear, proteção da infraestrutura, uso do espaço, suprimento e uso de energia, mercados financeiros globais, revolução da informática, avanços em biotecnologia, futuro da OTAN, conflitos étnicos e Estados falidos, além de dificuldades com a Rússia e a China. Essa necessidade de uma reconfiguração drástica das estruturas e dos processos institucionais voltados para a segurança dos Estados Unidos tornou-se ainda mais importante após os ataques de 11 de setembro de 2001. Uma análise (Princeton Project on National Security) descreveu sucintamente a situação: “Embora a Estratégia de Segurança Nacional de 2002 da administração Bush tivesse articulado um conjunto de metas e objetivos nacionais para os EUA, não resultou de uma tentativa séria de planejamento estratégico... A articulação de uma visão nacional que descreva o propósito dos Estados Unidos no mundo após o 11 de setembro é útil (na verdade, é vital), mas descrever o destino não substitui o desenvolvimento de um mapa abrangente de como o país atingirá as metas estabelecidas.”2 Apesar da necessidade óbvia, muito pouco tem sido feito. A questão central sobre a mesa era: “Por que não?” Seria um problema de liderança, estrutura institucional ou horizontes de tempo muito curtos? O seminário foi conduzido por um estudo fascinante argumentando que teria havido uma redução geral na competência para se compreenderem e formularem estratégias.3 Ele alegava que “boa parte do que era apresentado como estratégia não
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o era. O problema básico é a confusão entre estratégia e metas estratégicas”. No que diz respeito às recentes edições da estratégia de segurança nacional, ele disse: “Quando você analisa de perto os documentos de 2002 e 2006, tudo que encontra são listas de metas e objetivos, não estratégias.” Lendo os documentos referidos, sou obrigado a concordar. 4 Eles apresentam uma coleção de objetivos amplos e confirmações de valores como democracia e bem-estar econômico. Porém, há pouca orientação sobre como realmente lidar com a situação de segurança nacional. No centro desses documentos, está a drástica nova doutrina do Presidente George W. Bush de responder à ameaça de armas de destruição em massa com a guerra preventiva, se necessário. No entanto, não havia indicações de que essa doutrina tivesse sido transformada em uma estratégia coerente. Ou seja, as condições para seu uso real no sentido de dissuadir, deter e intervir não foram exploradas. Além disso, os problemas gerados por essa política e as possíveis reações a ela não foram pensados. Por exemplo, para evitar fracassos como o que aconteceu em 2003 no Iraque, durante a caça por armas de destruição em massa, uma política de prevenção deve ser apoiada por uma área de inteligência muito mais forte. Para iniciar uma guerra preventiva, seria razoável esperar que se fosse bem além de utilizar a inteligência em segunda mão e que se demandasse a participação ativa das forças dos Estados Unidos na obtenção de provas concretas. Um objetivo fundamental teria sido o de preparar a capacitação para uma operação de produção de provas importantes antes do ataque, mas isso não foi feito. Nem houve evidência alguma de que os formuladores da política tivessem pensado no problema de os Estados Unidos terem sido alimentados por informações falsas ou exageradas de inteligência para induzir a ação militar em benefício de um eleitorado externo (o que ficou claro nas intervenções na Bósnia e no Iraque). Finalmente, uma política de prevenção incentiva os adversários a fazer uso de extremo sigilo, encobrimentos e omissões e de utilizar as armas, em vez de acumular. Estão faltando políticas que antecipem esses padrões previsíveis no comportamento dos outros. Analisando outra seção da estratégia de segurança nacional, encontrei que os Estados Unidos irão “trabalhar com outros para desarmar conflitos regionais”. Isso é uma palavra de ordem política incrivelmente superficial. Afinal, existiria qualquer outra possibilidade de se lidar com conflitos regionais? Parece improvável que os Estados Unidos pudessem agir sozinhos em todo o mundo para desarmar conflitos regionais, e parece igualmente improvável que fosse possível ignorar os conflitos regionais. Estabelecer esta
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palavra de ordem não oferece uma orientação útil para ninguém. Pior ainda: relega ao status de detalhe incômodo o fato de essa abordagem ser cada vez menos eficaz. A OTAN não forneceu boa parte do apoio militar e do desen volvimento prometido para o Afeganistão, e parece que a Organização das Nações Unidas foi incapaz de resolver os problemas no Sudão, Uganda e Nepal, promovendo, na verdade, o conflito palestino-israelense. Alguém poderia supor que a palavra de ordem seria um código para “Desistimos das Nações Unidas e trabalharemos com qualquer que possa ajudar a resolver os conflitos regionais”. No entanto, a disposição geral de trabalhar com outros interessados dificilmente poderia ser elevada ao status de “estratégia”. Uma estratégia teria de explicar por que os conflitos regionais, que, por milênios, têm sido uma constante na atividade humana, passam de repente a ser um grande problema de segurança. Teria de explicar quais instrumentos de poder e de influência dos Estados Unidos deveriam ser utilizados para convencer outros a trabalharem em conjunto em tais cruzadas. Teria também de abordar os critérios para trabalhar com nações que violam os outros objetivos da estratégia de segurança nacional de “dignidade humana”, “livre comércio”, “democracia” e “liberdade”. Como outro exemplo de palavras de ordem que são tomadas por estratégia, considere esta meta fundamental da estratégia de segurança nacional: “Evitar que nossos inimigos ameacem a nós, nossos aliados e nossos amigos com armas de destruição em massa.” De forma importante, o documento de 2006 explica da seguinte forma o objetivo: “Pretendemos convencer nossos adversários de que não conseguirão atingir suas metas com armas de destruição em massa e, assim, detê-los ou dissuadi-los de tentar usar ou até mesmo de chegar a adquirir estas armas.” Fica difícil entender o que o autor dessa passagem tinha em mente. O que “convenceria” os inimigos dos Estados Unidos de que ameaças baseadas em armas de destruição em massa não contribuiriam para seus objetivos? A própria estratégia dos Estados Unidos na Guerra Fria se baseou em ameaças de utilizar armas de destruição em massa, o que deve ser uma prova convincente de que tais ameaças funcionam muito bem. É claro que, por exemplo, se Saddam Hussein possuísse armas nucleares e a disposição em utilizá-las contra forças militares aliadas acampadas na Arábia Saudita em 1991, ou no Kuwait em 2003, seu país não teria sido invadido. Sua ameaça de matar nossos soldados teria sido verossímil, enquanto a ameaça recíproca de assassinar em massa os civis iraquianos teria sido menos convincente. Os agentes de inteligência russos mostraram ter entendido muito bem essa lógica em
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1991 e ficaram frustrados com o fato de seu projeto nuclear secreto na época não ter seguido adiante. Considerando que a Estratégia de Segurança Nacional de 2006 não explica como a eficácia mortal da ameaça nuclear deva ser atenuada, esse “objetivo” específico parece ser apenas uma manifestação de desejo. Uma reação lógica aos pontos fracos desses documentos poderia ser a de que eles são públicos – que as estratégias reais estariam escondidas. Tenho de rejeitar essa explicação. Outros analistas com acesso a informações privilegiadas também destacaram a falta de substância e coerência na Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Além disso, os participantes da conferência do CSBA eram pessoas envolvidas diretamente e que haviam participado da formulação de políticas nacionais nos mais altos níveis e, entre eles, não havia discordância em relação à avaliação de que tentativas recentes de estabelecimento da Estratégia de Segurança Nacional haviam produzido um conjunto de aspirações vagas e novos financiamentos para instituições existentes. Não havia nenhuma política ou programa que pudesse vir a representar a diferença. Meu papel no seminário era o de fornecer uma perspectiva de estratégia corporativa e empresarial sobre essas questões. Minha impressão era que os participantes imaginavam que eu diria que a estratégia corporativa e empresarial era feita com seriedade e com crescente competência. Utilizando palavras e slides, contei ao grupo que muitas empresas realmente contavam com estratégias eficazes e poderosas. No entanto, em minha experiência com a prática empresarial, como consultor e pesquisador de campo, vi uma crescente profusão daquilo que chamei de “estratégia ruim”. Expliquei que a estratégia ruim não é a mesma coisa que não ter estratégia ou ter uma estratégia que fracassa, em vez de ser bem-sucedida. Trata-se, na verdade, de um modo identificável de pensar e de escrever sobre estratégia que, infelizmente, tem ganhado terreno. A estratégia ruim é cheia de objetivos, mas tem poucas políticas ou ações. Ela assume que os objetivos representam tudo que você precisa. Ela apresenta objetivos estratégicos incoerentes e, às vezes, totalmente impraticáveis. Ela utiliza palavras e frases grandiloquentes para esconder suas falhas. Nos vários anos desde esse seminário, tive a oportunidade de discutir o conceito de estratégia ruim com inúmeros executivos de alto escalão. Durante o processo, condensei minha lista de características fundamentais chegando às quatro listadas no início deste capítulo: floreio, não enfrentar o desafio, confundir metas com estratégia e objetivos estratégicos ruins.
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FLOREIO O floreio é uma reafirmação superficial do óbvio combinada com uma pitada generosa de chavões. O floreio vem disfarçado de especialização, reflexão e análise. A título de exemplo simples de floreio no trabalho de estratégia, segue a citação de um memorando interno sobre estratégia de um grande banco do varejo: “Nossa estratégia fundamental é a de intermediação centrada no cliente.” A palavra pomposa “intermediação” significa que a instituição aceita depósitos e depois os empresta a outros. Em outras palavras, trata-se de um banco. A frase-chavão “centrada no cliente” poderia significar que o banco concorre no mercado oferecendo aos depositantes e aos tomadores condições melhores ou um serviço melhor. Porém, um exame de suas políticas e produtos não revela qualquer diferença nesse aspecto. A frase “intermediação centrada no cliente” é puro floreio. Tirando essa camada de floreio, você fica com a afirmação superficial: “A estratégia fundamental de nosso banco é ser um banco.” O floreio tem suas origens no mundo acadêmico e, mais recentemente, no setor de tecnologia da informação. Nessa área, por exemplo, um relatório recente da União Europeia define “computação em nuvem” como “um ambiente de execução elástica de recursos que envolvem várias partes interessadas e fornecem um serviço medido em múltiplas granulações para um nível específico de qualidade de serviço”. 5 Uma explicação menos floreada é que, quando você faz uma busca no Google, ou envia dados para um serviço de backup na internet, não sabe ou não se incomoda em saber qual computador físico, servidor de dados, ou sistema de software utilizado – existe uma “nu vem” de máquinas e redes, e cabe ao prestador de serviço externo descobrir como o trabalho deve ser realizado e como você será cobrado. No verão de 2000, vi um exemplo nobre de floreio em uma apresentação feita pela agora defunta Arthur Andersen. Naquele momento, a Enron era a queridinha de Wall Street e a Arthur Andersen, sua auditora, estava ocupada tentando atrair novos clientes com base em seu conhecimento sobre a estratégia de negócios da Enron (essa foi uma apresentação feita por uma unidade da empresa de contabilidade Arthur Andersen, e não pelo verdadeiro braço de consultoria da empresa, a Andersen Consulting). A sessão foi intitulada “Estratégias dos que Fazem Acontecer”.6 O apresentador esclareceu que a empresa que “faz acontecer” era a Enron, e a excitação era por causa de seu recente anúncio de que criaria um mercado para negociar banda larga. Nas palavras do orador: “Há nove meses, quando a Enron anunciou pela primeira vez sua estratégia de negociação de banda larga,
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seu valor de mercado deu um salto de $9 bilhões. Hoje, o mercado avalia o negócio de comercialização de banda larga em cerca de $30 bilhões.” A falta de regulamentação em gás e eletricidade havia criado volatilidade de preços nestes mercados. Entretanto, os serviços públicos preferiam preços estáveis em seus insumos. A estratégia da Enron nos negócios de gás e eletricidade fora a de possuir alguns bens físicos e se envolver em “negociação de bases de preço”. Isto é, ela venderia para um serviço público um contrato de entrega futura de gás ou eletricidade a um preço fixo e depois tentaria cobrir o compromisso com uma mistura de seus próprios suprimentos e contratos futuros. Ela utilizou uma barragem de contratos com especuladores e outros negociadores para fazer hedge para clima, preço e outros riscos. Por ter o predomínio na comercialização tanto do gás quanto da eletricidade, ela conseguiu obter informações sobre oferta, demanda e gargalos que lhe deram vantagem em suas atividades comerciais. A questão que deveria estar na mente de todos era se a Enron conseguiria realmente reproduzir essa maneira de fazer negócios no comércio de banda larga. Não havia preço de referência na banda larga para utilizar como base de negociação. Não havia padrão de qualidade para ajudar a definir o resultado final. Não havia uma forma de mandar a banda larga por aí para equilibrar a oferta com a demanda pelos locais geográficos. A Enron queria que todo negociador lidasse diretamente com ela (a companhia não seria uma intermediária), embora seu próprio nó da rede na cidade de Nova York estivesse a alguma distância do nó utilizado por quase todos os demais. Além disso, diferentemente do que ocorria com gás e eletricidade, o custo marginal de uma unidade de banda larga era zero. Isso significava que, uma vez que a capacidade superasse a demanda, o preço para entrega imediata em tal mercado seria perto de zero. Ademais, no verão de 2000 estava ficando claro que a capacidade em fibra ótica instalada superava em muito a demanda. Finalmente, em gás e eletricidade, a Enron negociava o produto final, e não a capacidade. Porém, a banda larga era a capacidade, e não o conteúdo entregue. A Enron não participava do fornecimento de conteúdo: os filmes on-line e outros conteúdos intensivos em banda larga dificilmente seriam commodities. O argumento dado na apresentação foi o de que os mercados de commodities “evoluem” da mesma maneira, portanto as mesmas estratégias de negócio se aplicam a todos. Essa teoria foi resumida pelo diagrama a seguir (uma página tirada do folheto do PowerPoint dessa apresentação). O diagrama parece estar descrevendo algum tipo de “evolução” nesses mercados, desde entrega física até “espaço de conhecimento” e “exóticos”. Havia a implicação que os títulos derivativos (apostas em preços) eram um meio de “extração sofisticada de valor”.
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NOS MERCADOS DE BANDA LARGA DE HOJE, A CONECTIVIDADE FUNDAMENTAL
Informação
Controle sobre elementos constituintes comercializáveis
Produtos agrupados & mercados cativos
Ativos, acesso & conectividade
S O F I S T I C A Ç Ã O
Swing
Swaps
Carteira flexível BANDA LARGA EMISSÕES ELETRICIDADE GÁS PETRÓLEO
Opções
Exóticos
N A
E X T R A Ç Ã O
Índice
D O
Futuro
A termo Bens físicos Espaço (subjacentes) de acesso
V A L O R
Espaço da carteira
Padrão
Espaço da capacidade
Espaço do conhecimento Complexo
DESENVOLVIMENTO DO MERCADO
Em vez de abordar os desafios reais para estabelecer um mercado de banda larga, esse diagrama e a apresentação verbal que o acompanhava representavam puro floreio. Havia, na superfície, a aparência de ser analítico e de resumir um grande volume de informações. No entanto, um exame mais acurado revelava que se tratava de um ensopado de meias-verdades, desenhos complexos e chavões. Os mercados não evoluem necessariamente de “simples” para “comple xos” – eles, muitas vezes, seguem o caminho oposto. Sem dúvida, você precisa de uma base para gerar futuros e opções, mas uma base não precisa ser um commodity ou mesmo um preço. Os operadores no mercado de ações, por exemplo, compram contratos futuros do Chicago Board Options Exchange Volatility Index (VIX), que é uma medida criada para a volatilidade de preço. A comercialização de gás e eletricidade da Enron foi desenvolvida a partir da propriedade de bens físicos, mas isso poderia ser um fenômeno temporário. Os setores de petróleo e agricultura de há muito servem de base para contratos futuros e opções sem uma pesada participação de produtores. Esperando por respostas para minhas questões, fiquei desapontado. O “filé” da apresentação era o diagrama floreado e uma lista das novas “estratégias dos estimuladores do mercado”. As “estratégias” mencionadas se constituíam em ter uma plataforma de negociação eletrônica, ser um corretor de balcão e ser um fornecedor de informações. Elas não eram estratégias – eram apenas nomes, como açougueiro, padeiro e fabricante de castiçal. Se aceita
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que a expressão “fornecedor de informações” descreva uma estratégia de negócios, então você é um cliente preferencial para esse tipo de floreio. Passados 14 meses, ficou evidente que a Enron estava falindo. Com a montanha de endividamento da companhia, as margens de lucro decrescentes, o fracasso de importantes projetos no Reino Unido e no Brasil, além de enormes perdas na comercialização de banda larga, os analistas começaram a duvidar de sua capacidade de honrar seu lado nos contratos. Ninguém quer assinar contratos futuros com uma empresa que pode falir – o que assegura que a empresa vai falir. Quando entrou com pedido de falência em dezembro de 2001, acumularam-se evidências sobre práticas contábeis fraudulentas. O escândalo também carregou junto seu auditor, Arthur Andersen (o braço de consultoria do grupo, Andersen Consulting, mudou o nome para Accenture). Um mercado sistemático para comercialização de banda larga ainda precisaria ser desenvolvido. Uma característica da verdadeira competência e insight é tornar compreensível um objeto complexo. Uma característica da mediocridade e da estratégia ruim é a complexidade desnecessária – uma enxurrada de floreios encobrindo a falta de substância.
NÃO ENFRENTAR O DESAFIO A estratégia é um caminho através da dificuldade, uma abordagem para superar um obstáculo, uma resposta a um desafio. Se o desafio não for definido, fica difícil ou até mesmo impossível avaliar a qualidade da estratégia. Se você não consegue avaliar a qualidade da estratégia, não conseguirá rejeitar a estratégia ruim ou melhorar uma que seja boa. A International Harvester foi outrora a quarta maior corporação nos Estados Unidos. Suas raízes estão na ceifeira Cyrus McCormick, uma máquina que, junto com a ferrovia, desenvolveu as planícies americanas. Em 1977, o Conselho de Diretoria da Harvester trouxe um novo CEO, Archie McCardell, que havia sido presidente da Xerox. O conselho lhe deu um mandato para reverter uma empresa sonolenta. A gestão de McCardell foi a culminação de uma década de modernização. A empresa de consultoria Booz Allen Hamilton redesenhou a organização; a Hay Associates implantou modernas descrições de cargos gerenciais e incentivos. McCardell trouxe consigo um novo quadro de planejadores financeiros e estratégicos. Em julho de 1979, eles produziram um grosso maço de papel intitulado “Plano Estratégico Corporativo”. Era a clássica estratégia ruim.
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O plano estratégico corporativo da Harvester foi uma combinação de cinco planos estratégicos distintos, cada qual criado por uma das divisões operacionais: equipamentos agrícolas ($3 bilhões), fabricação de caminhões ($4 bilhões), equipamentos industriais ($1 bilhão), turbinas de gás ($0,3 bilhões) e componentes ($1 bilhão). A “estratégia” geral consistia em aumentar a participação da companhia em cada mercado, cortar custos em cada negócio e, assim, aumentar a receita e o lucro. Veja a seguir uma página do sumário desse plano confidencial. O gráfico mostrando o lucro passado e previsto forma um quase perfeito “bastão de hóquei”, com recuperação imediata da queda, seguida de contínuo crescimento. Não faltaram textura e detalhes para o plano estratégico. Olhando dentro do grupo de equipamentos agrícolas, por exemplo, existem informações e discussões sobre cada segmento. A intenção geral foi fortalecer a rede de representantes/distribuidores e reduzir os custos de fabricação. A participação de mercado em equipamentos agrícolas foi projetada para aumentar de 16% para 20% em relação aos concorrentes John Deere, Ford, Massey Ferguson e J.I. Case. O problema com tudo isso era ignorar o elefante no elevador. Você não conseguia discernir o elefante ao estudar o plano porque o plano não o mencionava. O elefante era a organização de trabalho manifestamente ineficiente da Harvester; um problema que não seria resolvido com investimento em novos VEN DAS, ATIVOS E LUCROS ANTES DOS IM POSTOS DA IH CORPORATE DE 1977 A 1984 25.600 12.800 5.975
6.664
6.400 3.341
8.252
8.894
4.850
5.495
10.203 6.649
12.472 7.549
14.244 8.412
M E $
16.109 9.420
4.316
3.200 S E Õ H L I M
2.510 2.027 1.546
1.600 1.067
742
800 654
400
382 339
200
1977
1978
Vendas = 14,3%
1979
1980
1981
1982
1983
1984
CRESCIMENTO COMPOSTO 1979-1984 Lucro Antes do Imposto de Renda = 3 1% Ativos = 14,2%
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equipamentos ou pressão sobre os gerentes para aumentar a participação de mercado. As regras de trabalho nas fábricas da Harvester, por exemplo, permitiam que aqueles com antiguidade na casa transferissem trabalhos a vontade, com cada transferência colocando em movimento uma cascata de outras transferências. Em função disso, a margem de lucro da Harvester vinha sendo há muito tempo cerca de metade da de seus concorrentes. Além disso, a Har vester tinha as piores relações trabalhistas da indústria americana. Ela havia sido o eixo de algumas das primeiras disputas trabalhistas nos Estados Unidos, especialmente nos distúrbios de 1886 da Haymarket em Chicago, quando uma bomba dos anarquistas matou policiais e trabalhadores em um comício. Se você não identifica ou analisa os obstáculos, não tem uma estratégia. Em vez disso, tem uma meta ampliada, um orçamento ou uma lista de coisas que deseja que aconteçam. McCardell realmente aumentou os lucros registrados da Harvester por um ano ou dois cortando as despesas administrativas. Mas depois ele forçou a empresa a enfrentar seis meses de greve, em uma tentativa de obter um contrato melhor com o sindicato. Ele não conseguiu obter qualquer concessão significativa e, após o final da greve, a companhia rapidamente entrou em colapso. Durante todo o período 1979-85, a empresa perdeu mais de $3 bilhões, fechou 35 de suas 42 fábricas e demitiu 85 mil trabalhadores, deixando apenas 15 mil empregados. A companhia vendeu seus vários negócios, com os equipamentos agrícolas indo para a Tenneco, para se fundir com sua divisão da J.I. Case. A divisão de caminhões foi renomeada Navistar e sobreviveu. Hoje é um dos líderes na fabricação de caminhões pesados e motores. Atualmente, o planejamento estratégico no estilo do de 1979 da Harvester está fora de moda. Em vez de longas tabelas de números e gráficos de bolhas, existe um tipo diferente de formalismo ritual para produzir “planos estratégicos”. O atual modelo de preencher os espaços em branco começa com uma declaração de “visão”, depois passa para uma “declaração de missão” ou uma lis ta de “valores essenciais”, em seguida prepara uma lista de “objetivos estratégicos”, depois uma lista de “estratégias” para cada objetivo e então, finalmente, uma lista de “iniciativas” (o estilo de estratégia do modelo de preencher os espaços em branco é analisado com mais profundidade no Capítulo 4). Apesar de eles serem enfeitados com frases modernas e palavras de ordem, muitos desses planos estratégicos são tão ruins quanto os da Harvester International. Da mesma forma que o da Harvester, eles não identificam nem enfrentam os obstáculos e problemas fundamentais que estão no caminho da organização. Analisando a maior parte desses produtos, ou ouvindo os
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gestores que os produziram, você encontra uma quase total falta de pensamento estratégico. Em vez disso, encontrará sentimentos dissonantes junto com planos para gastar mais e, de alguma forma, “ficar melhor”. X
A Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA) trabalha para alcançar uma inovação tecnológica radical em apoio à segurança nacional. Como contraponto da Harvester, a estratégia da DARPA se baseia em um lúcido reconhecimento da natureza do desafio. Eis uma afirmação da própria DARPA sobre um problema fundamental abordado por sua estratégia: Um desafio básico para qualquer organização de pesquisa militar é compatibilizar os problemas militares com as oportunidades tecnológicas, incluindo os novos conceitos operacionais que essas tecnologias tornam possíveis. Partes desse desafio são extremamente difíceis porque: (1) alguns problemas militares não possuem soluções técnicas fáceis ou óbvias; e (2) algumas tecnologias novas podem ter consequências militares de longo alcance que ainda não estão claras. A DARPA concentra seus investimentos nesse nicho “DARPA-bruto” – um conjunto de desafios técnicos que, se resolvidos, representarão enorme vantagem em termos de segurança nacional dos Estados Unidos, mesmo que o risco de fracasso tecnológico seja elevado. 7 Para atacar esse desafio, a DARPA foca em projetos que os órgãos militares veem como muito arriscados ou muito fora de suas missões atuais. Ela tenta imaginar o que os comandantes irão querer no futuro, e não o que estão pedindo para hoje, mas restringe seu trabalho para aquele conduzido por pessoas bastante talentosas com ideias muito boas. Alguns dos sucessos da DARPA incluem mísseis balísticos de defesa, a tecnologia para aeronaves não detectadas por radar, GPS, reconhecimento de voz, internet, veículos terrestres e aéreos não tripulados e nanotecnologia. A estratégia da DARPA é mais do que uma diretriz geral. Ela inclui políticas específicas que orientam suas ações cotidianas. Por exemplo, ela retém gerentes de programa por apenas quatro a seis anos para limitar a construção de feudos e para trazer talentos novos. A expectativa é que um novo gerente de programa estará disposto a desafiar as ideias e o trabalho de seus predecessores. Além disso, a DARPA faz um investimento bastante limitado em despesas gerais e instalações físicas para evitar que interesses arraigados frustrem o
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progresso em novas direções. Essas políticas se baseiam em uma avaliação realista dos obstáculos para a inovação. Elas vão muito além de aspirações vagas como “reter os melhores talentos” e “manter a cultura de inovação”. A surpreendente estratégia da DARPA possui forma e estrutura comuns a toda boa estratégia. Ela parte de uma cuidadosa definição do desafio, antecipa as dificuldades a serem superadas no mundo real, evita floreios e cria políticas que concentram recursos e ações na superação destas dificuldades.
CONFUNDIR METAS COM ESTRATÉGIA Chad Logan, CEO de uma empresa de artes gráficas, se apresentou para mim após uma palestra que dei sobre autocontrole e compromisso. Ele me pediu para trabalhar com sua equipe administrativa sobre “pensamento estratégico”. Com escritórios em um edifício comercial no centro da cidade, a empresa de Logan fornecia serviços gráficos customizados para revistas, editoras de livros, publicitários e corporações. Logan foi um herói dos esportes na faculdade que acabou se transformando em artista gráfico, mudando, depois, para vendas. Ele também foi o sobrinho do fundador; quando o fundador morreu há dois anos, Logan se tornou o principal proprietário da empresa. Os escritórios no centro da cidade e os espaços de trabalho eram utilitários; a sala de reuniões do CEO é revestida de madeira. Exemplos fortemente iluminados do trabalho da empresa estão pendurados na parede e refletem na superfície polida da mesa de reuniões. A empresa estava organizada em um grande grupo de projeto e três departamentos de vendas. O de Mídia vendia para revistas e jornais, o Corporativo vendia catálogos e folhetos para corporações, e o Digital vendia principalmente para clientes na Web. Logan explicou que sua meta geral era simples: ele chamava de plano “20/20”. As receitas tinham de crescer 20% ao ano e as margens de lucro ser de 20% ou mais. “Nossa estratégia geral está estabelecida”, ele disse. “Nós vamos crescer, e vamos aumentar a lucratividade. Meu problema é fazer todos se alinharem para este salto. Preciso de alguma orientação profissional para meu pessoal mais graduado. Quero que eles estejam totalmente prontos para acelerar com o pensamento estratégico. Quero habilidades que eles possam utilizar amanhã em uma reunião com um cliente.” Perguntei a Logan se ele havia elaborado quaisquer outros elementos de sua estratégia além dos objetivos de crescimento e margem de lucro. Ele
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deslizou um documento por cima da mesa. Estava intitulado “Plano Estratégico 2005”. Em sua maior parte, era um conjunto de projeções: receitas, custos, lucro bruto e assim por diante. As projeções avançavam quatro anos. Nos últimos quatro ou cinco anos, a empresa manteve sua participação de mer cado, e sua margem de lucro após o imposto de renda vinha sendo de aproximadamente 12%, o que está dentro da média para esse setor de atividade. As projeções foram baseadas em uma margem de lucro de 20% e em um crescimento da receita em 20% ao ano. A primeira página do documento trazia o título “Nossas Estratégias Principais”: NOSSAS ESTRATÉGIAS PRINCIPAIS • •
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Seremos a empresa de artes gráficas escolhida pelos clientes. Deleitaremos nossos clientes com soluções criativas e exclusivas para seus problemas. Aumentaremos as vendas em pelo menos 20% a cada ano. Manteremos uma margem de lucro de pelo menos 20%. Teremos uma cultura de compromisso. Os objetivos da empresa são compromissos que todos nós nos esforçaremos em manter. Incentivaremos um ambiente de trabalho aberto e honesto. Vamos trabalhar para apoiar a comunidade em que vivemos.
“Gastamos cerca de três semanas falando com todo mundo para desenvol ver essas estratégias fundamentais”, disse Logan. “Eu acredito nelas. Acredito que possamos construir uma empresa em que cada um tenha orgulho de fazer sua parte e que valha a pena o esforço necessário para vencer. Houve uma boa adesão a essas estratégias fundamentais.” “Este plano 20/20 representa um objetivo financeiro bastante agressivo”, eu disse. “O que precisa acontecer para isso se realizar?” Logan bateu contundentemente no plano com seu dedo indicador. “A coisa que aprendi como jogador de futebol americano é que, para vencer, são necessários força e habilidade, porém, mais do que tudo, é preciso ter vontade de vencer – a ambição de ter sucesso. Os gerentes e a equipe dessa empresa têm trabalhado arduamente, e a transição para as tecnologias digitais foi bem administrada. Porém, existe uma diferença entre trabalhar arduamente e ter seu olho no prêmio e a vontade de vencer. Certamente, 20/20 é uma boa esticada, mas o segredo do sucesso é definir metas elevadas. Vamos nos mexer e ficar pressionando até chegar lá.”
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Quando perguntei a Logan, “O que precisa acontecer?”, eu estava procurando por algum ponto de alavancagem, algum motivo para acreditar que essa empresa bastante calma pudesse explodir em crescimento e lucros. A estratégia é como uma alavanca que amplia a força. Certamente, você pode mover um bloco de pedra gigante pelo terreno utilizando músculos, cordas e motivação. Porém, é mais sábio construir alavancas e roldanas e depois movimentar a pedra. Tentei novamente: “Chad, quando uma empresa dá o tipo de salto de desempenho que seu plano prevê, normalmente há um ponto forte específico sobre o qual você pretende se desenvolver ou uma mudança no setor que abre novas oportunidades. Você poderia esclarecer qual é o ponto de alavancagem que existirá aqui em sua empresa?” Logan franziu a testa e apertou os lábios, expressando sua frustração por eu não ter entendido o que ele tentara dizer. Ele puxou uma folha de papel de sua pasta e apontou com o dedo para um trecho grifado. “Isto é o que Jack Welch diz”, ele me responde. No texto se lê: “Descobrimos que, alcançando o que parece impossível, muitas vezes fazemos realmente o impossível.” “Isso é o que faremos aqui”, disse Logan. Eu não acreditava que o conceito de Logan de seu objetivo 20/20 fosse um modo útil de proceder. Os objetivos estratégicos devem abordar uma realização ou processo específico, como diminuir pela metade o tempo de resposta para um cliente, ou conseguir trabalhos de várias corporações listadas na revista Fortune 500. Entretanto, não seria produtivo argumentar com ele naquele momento. O cliente precisa, em primeiro lugar, concordar em se en volver em um diálogo antes que um duro questionamento do tipo perguntas e respostas possa ser produtivo. “Está bem”, eu disse. “Percebo de onde você está vindo. Dê-me algum tempo para analisar esses números.” Na verdade, eu não precisava realmente estudar os números. Precisava de algum tempo para pensar em minha própria abordagem para conversar com Logan e ajudá-lo. Embora ele estivesse bem-intencionado, para mim seu plano era apenas de resultados, e não de ações. Pessoalmente, ele acreditava em coragem, arrojo, motivação e ambição. Sua referência a “ficar pressionando até chegar lá” desencadeou em minha mente uma associação com os grandes ataques de 191517 durante a Primeira Guerra Mundial, especialmente em Passchendaele. X
Quando a guerra irrompeu em 1914, multidões eufóricas lotaram as ruas das cidades e rapazes atiraram seus chapéus para o ar enquanto marchavam para
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provar sua coragem. A filosofia da época, adotada com mais fervor entre os franceses, era de que a força de vontade, espírito, moral, élan e agressividade eram as chaves para o sucesso. Por três anos, os generais lançaram homens altamente motivados contra posições fortificadas por metralhadoras, somente para ver dezenas de milhares (e depois centenas de milhares) estraçalhados como carne moída para conquistar um quilômetro de terreno inútil. Em 1917, perto da vila de Passchendaele, em Flandres, o general britânico Douglas Haig planejou um ataque. Ele queria atravessar pelas linhas fortificadas dos alemães e abrir um caminho para o mar, dividindo o exército alemão. Ele havia sido alertado para o fato de que o bombardeio das posições fortificadas alemãs poderia destruir os diques e inundar os campos abaixo do nível do mar. Mesmo assim bombardeou as fortificações alemãs. As bombas destruíram os diques e transformaram o solo em uma argila amarela pegajosa, um atoleiro onde os homens afundavam até os joelhos e cintura. Os tanques, os cavalos e os feridos se afogaram. Haig, atormentado pela morte de 100 mil soldados das tropas britânicas no Somme no ano anterior, prometeu interromper o avanço se ele não caminhasse bem. Não estava caminhando bem, mas mesmo assim a doutrina da motivação e de “uma última tentativa” continuou por três meses, apesar das perdas terríveis. Ao final de um ataque de 10 dias, tropas canadenses pressionaram diretamente contra o fogo das metralhadoras, afundando na lama e em pedaços de corpos de seus camaradas; eles sofreram 16 mil baixas para tomar uma pequena colina. Ao longo de três meses de batalha, foram conquistados 8 quilômetros de terreno e mais de 70 mil soldados aliados morreram na lama. Outros 250 mil foram feridos. Winston Churchill descreveu Passchendaele como “um desperdício sem igual em vidas e valor por futilidade”. No Somme e em Passchendaele, Haig levou uma geração inteira de jo vens britânicos e aliados para a morte – como Joffre fizera com os franceses no Somme e Erich von Falkenhayn, com os alemães em Verdun. Na Europa, os oradores motivacionais não representam a base do circuito de palestras sobre gestão, como ocorre nos Estados Unidos, onde a doutrina de liderança como motivação está viva e atuante. Eis, por exemplo, H. Ross Perot: “Muitas pessoas abandonam quando estão prestes a alcançar o sucesso. Recuam na linha de uma jarda. Elas desistem no último minuto do jogo, a um passo do touchdown* vencedor.” * Nota do Tradutor : O lance descrito no futebol americano seria aproximadamente o correspondente, no nosso futebol, a ter uma penalidade máxima a favor no último minuto do jogo.
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Ouvindo isso, muitos americanos concordam. Muitos europeus, por sua vez, ouvem o eco de “uma última tentativa” em Passchendaele. Lá, as tropas massacradas não sofreram por falta de motivação. Elas sofreram por falta de uma liderança estratégica competente. A motivação é uma parte essencial da vida e do sucesso, e um líder pode, de forma justa, pedir por “uma última tentativa”, mas o trabalho do líder é mais do que isso. O trabalho do líder é também o de criar as condições que tornem essa tentativa eficaz, de ter uma estratégia que valha o esforço solicitado. X
Encontrei-me com Chad Logan alguns dias depois de nossa primeira reunião. Disse-lhe que explicaria meu ponto de vista e que depois deixaria que ele decidisse se queria trabalhar comigo na estratégia. Eu falei: Acho que você tem bastante ambição, mas não possui uma estratégia. Não acredito que seria produtivo, neste momento, trabalhar com seus gerentes em estratégias para atingir a meta 20/20. O que eu aconselharia é você buscar primeiramente as oportunidades mais promissoras para a empresa. Essas oportunidades podem ser internas, corrigindo gargalos e limitações na forma como as pessoas trabalham, ou externas. Para tanto, você provavelmente precisará reunir uma pequena equipe de pessoas e levar um mês para fazer uma avaliação sobre quem são seus clientes, quem são seus concorrentes e quais são as oportunidades existentes. Em geral, uma boa ideia seria analisar bem de perto o que está mudando em seu negócio e onde seria possível dar um salto à frente dos concorrentes. Vocês devem abrir as coisas para que haja o máximo de informações úteis sobre a mesa. Se você quiser, posso ajudar a estruturar parte deste processo e, talvez, ajudar a fazer algumas das perguntas corretas. O resultado final será uma estratégia voltada para a canalização de energia naquilo que parecer ser uma ou duas das oportunidades mais atraentes, em que provavelmente vocês conseguirão fazer grandes progressos ou inovações. Não consigo dizer antecipadamente o tamanho destas oportunidades ou onde elas estarão. Não consigo dizer antecipadamente de quanto crescerão as receitas. Talvez você venha a querer acrescentar novos serviços, ou cortar algumas coisas que não geram lucro. Talvez venha a considerar mais promissor focar em pegar trabalhos gráficos que atualmente chegam diretamente aqui,
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e não nos concorrentes. Mas, no final, você deve ter uma lista bem curta das coisas mais importantes para a empresa fazer. Então, terá uma base para seguir adiante. Isso é o que eu faria se estivesse em seu lugar. Se você continuar pelo caminho em que está, provavelmente contará com a motivação para fazer a empresa avançar. Não posso, honestamente, recomendar isso como um caminho a seguir porque a concorrência nos negócios não é apenas uma batalha de força e vontade; também é uma concorrência de ideias e competências. Minha opinião é que a motivação, por si só, não dará para essa empresa vantagem suficiente para atingir suas metas. Chad Logan agradeceu-me e, uma semana depois, chamou outra pessoa para ajudá-lo. O novo consultor realizou com Logan e seus gerentes de departamento um exercício que chamou de “Imaginando o Futuro”. A essência do exercício era a seguinte pergunta: “Qual o tamanho que você acha que pode ter a sua empresa?” De manhã, eles ampliaram suas aspirações de “maior” para “muito maior”. Depois, à tarde, o facilitador os desafiou a ter uma visão ainda maior: “Pensem o dobro disso”, ele pressionou. Logan ficou satisfeito. Eu fiquei satisfeito por estar envolvido em outros projetos. X
As “estratégias principais” de Chad Logan têm pouco a ver com estratégia. Elas são metas de desempenho. Esse mesmo problema afeta muitos “planos estratégicos” de corporações. Os gestores de empresas sabem que suas organizações devem ter uma estratégia. Mesmo assim, muitos demonstram frustração com todo o processo de planejamento estratégico. O motivo para essa insatisfação é que a maior parte desses planos estratégicos de empresas são orçamentos contínuos para três ou cinco anos combinados com projeções de participação de mercado. Chamar os orçamentos contínuos desse tipo de “plano estratégico” dá uma falsa expectativa para as pessoas de que o exercício venha, de alguma forma, resultar em uma estratégia coerente. Não há nada de errado com o planejamento. Ele é parte essencial da administração. Pegue, por exemplo, uma cadeia de varejo em rápida expansão. Ela precisa de um plano para orientar a aquisição de propriedades, a construção, o treinamento e assim por diante. É isso que um planejamento de recursos faz: ele assegura que os recursos cheguem quando são necessários e ajudam a administração a detectar surpresas. De forma semelhante, uma companhia multinacional de engenharia precisa de um planejamento para orientar
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e organizar suas atividades de recursos humanos, a abertura e expansão de escritórios em várias regiões, bem como suas políticas de financiamento. Você pode chamar esses exercícios anuais de “planejamento estratégico” se preferir, mas eles não correspondem a uma estratégia. Eles não conseguem fornecer o que os gestores graduados querem: o caminho para um desempenho substancialmente maior. Para obter maior desempenho, os líderes precisam identificar os principais obstáculos ao progresso adiante e, então, desenvolver uma abordagem coerente para superá-los. Isso poderá exigir ino vação em produtos, ou novas abordagens de distribuição, ou uma mudança na estrutura organizacional. Ou poderá explorar insights nas implicações das mudanças no ambiente: em tecnologia, gostos dos consumidores, leis, preços dos insumos ou comportamento da concorrência. A responsabilidade do líder é decidir quais destes caminhos serão mais frutíferos e conceber uma maneira de organizar o conhecimento, recursos e energia da companhia para este fim. É importante destacar que oportunidades, desafios e mudanças não costumam vir junto em belos pacotes anuais. A necessidade de se fazer um verdadeiro trabalho de estratégia é episódica, e não necessariamente anual.
OBJETIVOS ESTRATÉGICOS RUINS Se você for um gerente de nível intermediário, seu chefe estabelece suas metas. Ou se trabalhar em uma empresa esclarecida, você negociará com seu chefe sobre suas metas. Em ambas as situações, é natural pensar as estratégias como as ações concebidas para se realizarem objetivos específicos. Porém, levar essa maneira de pensar para uma posição mais graduada é um erro. Ser um gerente geral, CEO, presidente ou outro gestor mais graduado significa ter mais poder e ser menos limitado. Os líderes graduados eficazes não buscam metas arbitrárias. Na verdade, eles decidem quais objetivos gerais devem ser perseguidos. E concebem quais metas intermediárias as várias partes da organização devem trabalhar para alcançar. De fato, a linha de frente de qualquer estratégia é o conjunto de objetivos estratégicos (metas intermediárias) que ela estabelece. Um dos desafios para ser o líder é dominar esta mudança de ter outros definindo suas metas para ser o arquiteto dos propósitos e objetivos da organização. Para ajudar a esclarecer essa distinção, é aconselhável utilizar a palavra “meta” para expressar valores e desejos gerais e a palavra “objetivo” para designar alvos operacionais específicos. Assim, os Estados Unidos podem ter “metas” de liberdade, justiça, paz, segurança e felicidade. A estratégia é que transforma essas metas gerais vagas em um conjunto coerente de objetivos
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realizáveis: derrotar o Taleban e reconstruir uma infraestrutura em decadência. O trabalho mais importante do líder é criar e, constantemente, ajustar essa ponte estratégica entre metas e objetivos. A Chen Brothers, por exemplo, foi um distribuidor regional de alimentos especiais em rápido crescimento. Suas metas gerais incluíam lucro crescente, ser um bom lugar para se trabalhar e ser visto como o distribuidor a ser procurado para alimentos orgânicos. Todas elas eram metas dignas. Nenhuma delas, porém, implicava uma estratégia ou ação específica, embora possam ser vistas como delimitadoras (isto é, esses tipos de “metas” gerais funcionam como as regras do futebol que descrevem muitas ações sem especificar o que cada time deve realmente fazer). A estratégia da Chen Brothers era de focar em varejistas locais de produtos especiais que pagariam um preço maior para expor mercadorias diferenciadas não disponíveis nas grandes cadeias de lojas. A alta administração dividiu seus clientes e clientes em potencial em três grupos e estabeleceu objetivos estratégicos para cada um deles. Os objetivos mais importantes eram de dominar o espaço das prateleiras no primeiro grupo, igualdade de promoção ou maior no grupo intermediário, e crescente penetração no último grupo. O recente crescimento elevado da Whole Foods estava aumentando a pressão nas lojas locais de produtos especiais que vinham sendo o mercado-alvo da Chen Brothers. Em função disso, a administração estava formulando uma no va estratégia de ligar os pequenos produtores locais de alimentos sob uma marca comum que pudesse ser vendida pela Whole Foods. Essa mudança de estratégia não teve impacto nas metas gerais da companhia, mas claramente significou uma reestruturação radical de seus atuais objetivos estratégicos. Em vez de objetivos de penetração para os diferentes grupos de varejistas, a Chen Brothers reuniu uma equipe “Whole Foods” que combinasse produção, comercialização, publicidade, distribuição e conhecimento financeiro. A equipe estava inteiramente focada no objetivo de transformar o novo produto mais diferenciado da Chen Brothers em um contrato nacional na Whole Foods. Quando isso fosse realizado, aí então novos objetivos relativos a outros produtos, espaços de prateleira e participação de mercado poderiam ser estabelecidos. A Chen Brothers não caiu na armadilha de acreditar que a estratégia é uma grande visão ou um conjunto de metas financeiras. Em vez disso, a administração concebeu habilmente um modo de “avançar” que concentrasse a atenção da empresa em um ou dois objetivos mais importantes. Uma vez realizados, novas oportunidades se abririam e objetivos mais ambiciosos poderiam ser estabelecidos.
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Uma bagunça de objetivos A boa estratégia funciona concentrando recursos e energia em um (ou muito poucos) objetivo principal cuja realização gere uma cascata de resultados favoráveis. Uma forma de objetivos estratégicos ruins ocorre quando existe uma mistura de coisas a serem realizadas – uma “bagunça” de objetivos estratégicos. Uma longa lista de “coisas a fazer”, geralmente rotulada erroneamente como “estratégias” ou “objetivos”, não é uma estratégia. É apenas uma lista de coisas a fazer. Tais listas normalmente surgem de reuniões de planejamento em que uma ampla variedade de partes interessadas faz sugestões de coisas que gostariam que fossem feitas. Em vez de se concentrar em alguns poucos itens, o grupo reúne a coleção de propostas do dia todo sob o nome “plano estratégico”. Depois, em reconhecimento de que se trata de uma bagunça, o rótulo “de longo prazo” é acrescentado para que nenhum deles precise ser feito hoje. Como exemplo bastante eloquente, recentemente tive a oportunidade de discutir estratégia com o prefeito de uma pequena cidade no noroeste do Pacífico. Seu plano estratégico do comitê de planejamento continha 47 “estratégias” e 178 itens de ações. A ação de número 122 consistia em “criar um plano estratégico”. Em outro exemplo, o plano estratégico do Los Angeles Unified School District para “escolas de alta prioridade” (discutido adiante) continha 7 “estratégias”, 26 “táticas” e 234 “etapas de ação”, uma verdadeira bagunça de coisas a fazer. Esse padrão é bastante comum no trabalho de estratégia de cidades, distritos escolares e entidades sem fins lucrativos, assim como em algumas empresas de negócios.
Objetivos de valor duvidoso A segunda forma de objetivos estratégicos ruins é aquela de “valor duvidoso”. Uma boa estratégia define um desafio fundamental. Além disso, constrói uma ponte entre esse desafio e a ação, entre o desejo e os objetivos imediatos que estão ao alcance. Assim, os objetivos estabelecidos por uma boa estratégia devem ter uma boa chance de se realizarem, dados os recursos e as competências existentes (ver a discussão sobre objetivos imediatos no Capítulo 7). Um objetivo de valor duvidoso, por sua vez, normalmente é uma simples reafirmação do estado de coisas desejado ou do desafio. Ele passa por cima do fato inoportuno de que ninguém tem uma pista de como chegar lá. Um líder pode identificar com sucesso o desafio principal e propor uma abordagem geral para lidar com esse desafio. Porém, se os consequentes ob jetivos estratégicos forem de valor duvidoso, não se terá obtido muita coisa.
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O propósito de uma boa estratégia é oferecer uma maneira com possibilidade de execução para superar um desafio fundamental. Se os objetivos estratégicos de um líder forem tão difíceis de realizar como o desafio original, houve pouco valor adicionado pela estratégia. X
Em 2006, David Brewer, ex-almirante da Marinha dos Estados Unidos, assumiu a função de superintendente do enorme Los Angeles Unified School District (LAUSD). Sua tarefa assustadora consistia em fazer algo diferente no maior distrito escolar da nação. Na Califórnia, as escolas são medidas em termos de pontuação em um teste estadual unificado – o Academic Performance Index (Índice de Desempenho Acadêmico), ou API. Das 991 escolas de Los Angeles, muitas foram bem nesses testes. Ainda assim, 309 não atingiram as metas do “No Child Left Behind” (Nenhuma Criança Deixada para Trás) do Ministério de Educação dos Estados Unidos. Logo após analisar a situação, Brewer definiu o desafio de melhorar significativamente a pontuação no teste de desempenho das 34 escolas mais fracas do distrito: 17 escolas de ensino básico e 17 escolas de ensino médio, que ele chamou de “alta prioridade”. Sua ideia era trabalhar primeiramente para melhorar essas 34 escolas mais fracas para depois construir sobre o sucesso expandindo os esforços para o restante do sistema. Brewer merece o crédito por criar uma estratégia com um foco: as 34 escolas de alta prioridade que, consistentemente, vinham tendo o pior desempenho nos testes API. Concentrando-se nos 34 piores desempenhos das 991 escolas, havia a oportunidade de romper com o passado e com o sistema de muitas camadas de regulamentação, controle sindical e administração central excessivamente grande. De fato, foi razoável decidir que esse desafio, por si só, merecia se constituir na única pedra angular da estratégia. Concentrandose nesta questão crítica, algo poderia ser realizado. No entanto, vale a pena observar que essa definição de “desempenho” era, em si mesma, “estratégica” de uma forma desagradável. O uso das pontuações no teste API contornava a horrenda taxa de evasão escolar do LAUSD, principalmente entre estudantes negros e hispânicos que juntos formavam a imensa maioria de alunos em Los Angeles (13% e 70%, respectivamente). Dos estudantes negros que entravam nas escolas secundárias do LAUSD, 33% abandonavam. Dos hispânicos, 28% abandonavam. A verdade terrível era que uma das maneiras de aumentar a pontuação API das escolas era incentivar os estudantes mais fracos a abandonarem os estudos (o API media apenas os estudantes frequentando as aulas).
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Quando um líder caracteriza o desafio como um baixo desempenho, ele estabelece o cenário para uma má estratégia. O baixo desempenho é um resultado. Os verdadeiros desafios são os motivos para o baixo desempenho. A menos que a liderança ofereça uma teoria sobre o motivo de as coisas não terem funcionado no passado ou de por que o desafio é difícil, será difícil gerar uma boa estratégia. Por exemplo, uma das sete estratégias principais de Brewer era de “construir equipes de lideranças distritais e escolares que compartilhassem crenças, valores e elevadas expectativas em comum e que apoiassem um ciclo de contínua melhoria para assegurar um ensino de alta qualidade nestas escolas”. Isso seria alcançado desenvolvendo a “capacitação dos gestores e outros líderes escolares... Os líderes transformadores precisam de um programa fortemente focado para definir, aperfeiçoar e aplicar os conjuntos de habilidades essenciais para seu trabalho cotidiano”. Essa estratégia/objetivo é ruim em vários aspectos. Em primeiro lugar, não há diagnóstico dos motivos para essa liderança ser fraca e de as expectativas serem baixas. Uma análise séria dessa questão revelaria que as escolas de alta prioridade vinham caindo há décadas. Um sistema que gasta $25 mil por estudante ao ano8 e que não consegue garantir que alunos da oitava série leiam, escrevam e façam soma e subtração está falido. Embora muitos professores e diretores sejam dedicados, muitos também são incompetentes. Além disso, o sistema altamente burocratizado de sua gestão teve décadas para corrigir o sistema, mas não o fez. Em segundo lugar, o objetivo de pedir por “líderes transformadores” é absurdamente de valor duvidoso quando (1) o texto do plano explica que muitos administradores e líderes têm capacidade limitada para resolver seus problemas cotidianos; (2) ninguém sabe como criar líderes “transformadores”, mesmo nas melhores das condições; e (3) essas escolas permanecem incrustadas em um gigantesco sistema sindical e burocrático que controla tudo. Os chamados líderes transformadores não conseguem mudar a cor do papel que utilizam sem permissão superior, e é praticamente impossível destituir um diretor, mesmo que ele não consiga ser transformador. As soluções propostas (muita coordenação para cima e para baixo na hierarquia, licenças e treinamento no local) se mostram, lamentavelmente, inadequadas e ilustram a esclerose esbanjadora do sistema que se retroalimenta. Um aspecto interessante desta linguagem é a ideia de que as equipes de liderança precisam compartilhar crenças e valores comuns. Isso agora é uma exigência frequente em círculos educacionais. Espera-se que a experiência da Coreia do Norte tenha curado as pessoas da ideia de que forçar que todos acreditem e valorizem as mesmas coisas seja o caminho para o elevado
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desempenho. Ainda assim, dentro da linguagem da educação politicamente correta, esse impossível estado de coisas é constantemente buscado como o caminho para a “mudança transformadora”. Outra “estratégia” consistiu em “desenvolver em cada escola uma comunidade de pais, professores, equipes e parceiros da comunidade informados e com atribuição de responsabilidades que trabalhem em colaboração para apoiar o ensino e o aprendizado de elevada qualidade”. Em especial, o plano determinava a criação de uma posição de “ligação com a comunidade”, a obrigatoriedade de reuniões mensais, reuniões com os pais duas vezes por ano e um programa de pais voluntários. Um elevado grau de envolvimento da comunidade pode ser um estado de coisas bastante desejável, mas, dificilmente, é uma estratégia. Trata-se de um objetivo de valor duvidoso. Boa parte do baixo desempenho dessas 34 escolas aparece no jardim de infância e se aprofunda à medida que os alunos crescem. A principal causa desse baixo desempenho está nas caóticas comunidades atingidas pela pobreza que essas escolas atendem. No LAUSD, muitos estudantes são imigrantes ilegais ou filhos de imigrantes ilegais. Nomes e endereços são, muitas vezes, fictícios, e os pais podem não estar dispostos a se inscrever em programas da escola. Muitos estudantes são filhos de mães adolescentes que nunca concluíram sua própria educação, não leem livros e dispõem de pouco tempo livre ou energia, gastando muitas horas por dia indo e voltando de empregos com baixos salários. Estes são os verdadeiros tipos de desafios que a boa estratégia deveria identificar. X
Conforme vimos com os exemplos da estratégia de segurança dos Estados Unidos, da apresentação da Arthur Andersen, da International Harvester, de Chad Logan e da LAUSD, a estratégia ruim é vazia e superficial, apresenta contradições internas e não define nem aborda o problema. A estratégia ruim desperta a sensação de um aborrecimento incômodo quando você precisa ou vi-la ou lê-la. O próximo capítulo analisa por que existe tanta estratégia ruim.
CAPÍTULO 4 X
POR QUE TANTA ESTRATÉGIA RUIM? Dado o reconhecimento quase universal sobre a importância da estratégia, é natural perguntar: “Por que a estratégia ruim é tão comum?” Para início de conversa, a estratégia ruim não é um erro de cálculo. Estou intimamente familiarizado com uma infinidade de erros e enganos que podem ser cometidos ao avaliar a concorrência, seus próprios recursos, as lições do passado e as oportunidades e problemas apresentados pela mudança e inovação. Entretanto, após anos trabalhando com empresas e ensinando estratégia para executivos e estudantes de MBA, descobri que um treinamento maior nessas áreas fundamentais mal causa um arranhão na propensão a se desenvolver uma estratégia ruim. A má estratégia prolifera porque flutua acima da análise, da lógica e da escolha, mantida no ar pela esperança de que se possa evitar lidar com estes fundamentos complicados e com as dificuldades em dominá-los. Como não se trata de um erro de cálculo, a estratégia ruim é a fuga ativa do trabalho árduo de se planejar uma boa estratégia. Um motivo comum para escolher a fuga é o sofrimento ou a dificuldade da escolha. Quando os líderes não têm a disposição ou são incapazes de fazer escolhas entre valores e lados opostos, a consequência é a estratégia ruim. Uma segunda vertente para a má estratégia é o canto de sereia da estratégia no estilo de preencher os espaços em branco em um modelo: preencher os espaços com visão, missão, valores e estratégias. Este caminho oferece um substituto tamanho único para o trabalho árduo da análise e da ação coordenada. Uma terceira vertente para a estratégia ruim é o Novo Pensamento: a crença de que tudo de que se precisa para ter sucesso é uma atitude mental positiva. Existem outras vertentes para a estratégia ruim, mas estas três são as mais comuns. A compreensão de como e por que estes caminhos são tomados deve ajudar a guiar seus passos para outros lugares.
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A FALTA DE DISPOSIÇÃO OU A INCAPACIDADE DE ESCOLHER A estratégia envolve foco e, portanto, escolha. A escolha significa colocar de lado algumas metas em favor de outras. Quando esse trabalho árduo não é feito, o resultado é uma estratégia fraca e amorfa. No início de 1992, participei de uma discussão sobre estratégia com altos executivos da Digital Equipment Corporation (DEC) que dizia respeito ao futuro direcionamento da empresa. Uma das empresas-líder na revolução dos minicomputadores dos anos 1960 e 1970 e uma inovadora dos sistemas operacionais de fácil manejo pelo usuário, a DEC foi rapidamente perdendo terreno para os novos computadores pessoais de 32 bits. Havia dúvidas sérias sobre se a companhia conseguiria sobreviver sem mudanças drásticas. Embora houvesse várias pessoas importantes nessa reunião, simplificarei a questão resumindo as posições dos participantes através das opiniões de apenas três executivos: “Alec”, “Beverly” e “Craig”, cada um deles argumentando a favor de um direcionamento diferente para a empresa. Alec sustentou que a DEC era e sempre havia sido uma empresa de computadores, integrando hardware e software em sistemas de fácil utilização. Beverly, ironicamente, denominou a preferência de Alec como estratégia das “Caixas-Pretas”. Ela sentia que as “Caixas-Pretas” haviam se tornado uma commodity e que o único recurso real sobre o qual a DEC poderia desen volver-se era o do relacionamento com os clientes. Assim, ela argumentou a favor de uma estratégia que resolvesse os problemas dos clientes, uma estratégia que os outros chamaram de “Soluções”. Craig discordou de ambos sustentando que o coração da indústria de informática era a tecnologia de semicondutores e que a empresa deveria concentrar seus recursos no projeto e desenvolvimento de “Chips” melhores. Craig argumentou que a DEC não possuía uma competência especial para encontrar soluções para os problemas dos clientes. “Temos trabalho suficiente para resolver nossos próprios problemas”, ele disse. Alec e Beverly discordaram da estratégia Chips, acreditando que a DEC não conseguiria alcançar companhias como a IBM e Intel no negócio de chips. Por que não abrir mão dos argumentos e fazer todas três? Havia dois moti vos. Primeiro, se fosse estabelecida a política no sentido de resolver o conflito adotando todas as opções, não haveria incentivo para ninguém desenvolver e aprofundar seus argumentos. Somente a perspectiva da escolha é que inspira os melhores argumentos das pessoas sobre os aspectos positivos de suas propostas e os negativos das outras. Da mesma forma que na área jurídica, o
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conflito disciplinado clama por provas e raciocínios mais fortes. Em segundo lugar, as estratégias Chips e Soluções representavam transformações drásticas na empresa e cada uma delas exigiria o desenvolvimento de capacitações a práticas de trabalho totalmente novas. Ninguém escolheria qualquer uma das alternativas mais arriscadas, a menos que a estratégia Caixas-Pretas do status quo estivesse fracassando. E ninguém escolheria as estratégias Chips e Soluções ao mesmo tempo, porque havia pouco espaço comum entre elas. Não é viável fazer duas transformações profundas diferentes da atividade principal de uma empresa de uma única vez. X
Eis as preferências por ordem de classificação de Alec, Beverly e Craig para as três alternativas colocadas diante da DEC:
Caixas-Pretas Chips Soluções
Alec
Beverly
Craig
1 2 3
2 3 1
3 1 2
Suas classificações criaram o que, em geral, é chamado de paradoxo de Condorcet.1 O paradoxo surge quando os três votam nas estratégias em comparações duas a duas. Em uma primeira disputa entre Caixas-Pretas e Chips, tanto Alec quanto Beverly preferiram Caixas-Pretas; logo, Caixas-Pretas vence. Agora, compare o vencedor desse voto (Caixas-Pretas) com Soluções. Nessa segunda votação, tanto Beverly quanto Craig preferiram Soluções; assim, Soluções vence. Portanto, Soluções venceu Caixas-Pretas, que, por sua vez, venceu Chips. Dados estes resultados, seria possível pensar que o grupo preferiria a vencedora de duas rodadas (Soluções) em relação à perdedora em uma rodada (Chips). Infelizmente, no entanto, na disputa entre Soluções e Chips, Alec e Craig preferiram Chips; assim, Chips venceu Soluções. Esse resultado cíclico, sem ponto final, é o paradoxo de Condorcet. Você poderia imaginar resolver esse problema com um esquema de votação mais inteligente. Talvez os três pudessem dar um peso para suas preferências e fosse possível, de alguma forma, comparar esses pesos. O economista Kenneth Arrow recebeu um Prêmio Nobel em 1972 por provar que essas tentativas se mostraram infrutíferas.2 Esse tipo de irracionalidade de grupo é a propriedade central do voto democrático, um fato não ensinado em aulas de moral e cívica.
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O grupo DEC não realizou um voto formal nessas reuniões. Entretanto, o efeito do paradoxo de Condorcet foi sentido na incapacidade de o grupo formar uma coalizão com maioria estável. Mantendo a simplificação de três pessoas, quando quaisquer dois tentassem concordar com um resultado, formando uma maioria, um deles ficaria tentado a desertar e juntar forças com o terceiro, formando uma maioria diferente mais próxima de seu desejo. Suponha, por exemplo, que Beverly e Craig formassem uma coalizão para apoiar Soluções. Pelo fato de essa política ser a segunda escolha de Craig, ele poderia ficar tentado a desistir e se juntar com Alec em uma maioria apoiando Chips. No entanto, essa coalizão também seria instável, na medida em que Alec também ficaria tentado a desertar e se agrupar com Beverly para apoiar Caixas-Pretas, e assim por diante. X
Com executivos de igual poder discutindo três estratégias conflitantes, a reunião foi movimentada. As opiniões expressas não estavam fundamentadas em motivos pessoais; na verdade, elas expressavam crenças diferentes sobre o que seria bom para a empresa. O CEO da DEC, Ken Olsen, cometeu o erro de pedir para o grupo chegar a um consenso. O grupo era incapaz de fazer isso, porque não havia base na lógica ou na hierarquia para se rejeitarem posições mantidas apaixonadamente por subgrupos. Em vez disso, o grupo chegou a um compromisso em torno de uma declaração como esta: “A DEC está comprometida em fornecer produtos e serviços de alta qualidade e de ser líder no processamento de dados.” Essa declaração floreada e amorfa não era, evidentemente, uma estratégia. Era um resultado político alcançado por indivíduos que, forçados a chegar a um consenso, não puderam concordar sobre quais interesses e conceitos deveriam abrir mão. Assim, eles evitaram o trabalho árduo da escolha, não colocando nada de lado e não ferindo nenhum grupo de interesse ou egos individuais, mas debilitando o todo. O CEO Ken Olsen foi substituído em junho de 1992 por Robert Palmer, que havia chefiado a engenharia de semicondutores. Em resumo, Palmer tornou claro que a estratégia seria Chips. Ele interrompeu as perdas por um tempo, mas não conseguiu deter a maré de computadores pessoais cada vez mais potentes que estava deixando a empresa para trás. A DEC foi adquirida pela Compaq em 1998, e esta, por sua vez, foi adquirida pela HewlettPackard três anos depois.
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O trabalho sério de estratégia em uma organização que já é bem-sucedida pode não ocorrer até que o lobo esteja na porta (ou até mesmo quando as garras do lobo realmente comecem a se arrastar pelo chão) porque a boa estratégia é um trabalho bastante árduo. Na DEC, o lobo estava na porta em 1988, mas, ainda assim, o trabalho árduo de combinar o conhecimento e as opiniões de pessoas com currículo e talentos diferentes foi evitado. Quando, finalmente, o lobo adentrou pela casa, um ponto de vista venceu e colocou os outros de lado. No entanto, já estava com cinco anos de atraso para fazer alguma diferença. X
Já se gastou bastante tinta sobre a lógica interna da estratégia competitiva e sobre a mecânica da vantagem. No entanto, a dificuldade essencial na criação de uma estratégia não é de lógica; a dificuldade é a própria escolha. A estratégia não elimina a escassez e sua consequência, a necessidade de escolha. A estratégia é filha da escassez, e ter uma estratégia (e não aspirações vagas) implica escolher um caminho e evitar outros. Existe um trabalho difícil em termos psicológicos, políticos e organizacionais para dizer “não” a todo um mundo de esperanças, sonhos e aspirações. Quando uma estratégia funciona, tendemos a nos lembrar do que foi realizado, e não das possibilidades que, dolorosamente, foram deixadas de lado. Por exemplo, uma das promessas de campanha feitas pelo Presidente Eisenhower durante a eleição presidencial de 1952 consistia em forçar a União Soviética para fora do leste da Europa. Ele venceu facilmente as eleições. No entanto, passadas as eleições, ele deu início a um estudo (Projeto Solarium) sobre a política nacional em relação à União Soviética; trata-se de um projeto que permanece como um padrão de referência de como fazer uma estratégia de segurança. Tendo estudado o problema e as alternativas, o presidente precisou fazer uma escolha difícil: colocou de lado suas promessas de campanha e escolheu não desafiar as conquistas da União Soviética no leste da Europa. 3 Nós impediríamos os ataques militares da União Soviética contra a Europa Ocidental, mas não haveria retirada. Haveria a Rádio Europa Livre e espiões, mas os países dominados pela União Soviética ao final da Segunda Guerra Mundial permaneceriam sob seu controle. Qualquer estratégia coerente aplica recursos para determinados fins e retira de outros. Isso é uma consequência inevitável da escassez e da mudança. No entanto, essa canalização de recursos para fora dos usos tradicionais é carregada de sofrimento e dificuldades. O CEO Andy Grove, da Intel, relata,
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de modo vívido, as dificuldades políticas, emocionais e intelectuais de modificar a produção da empresa deixando de fabricar memória de acesso aleatório dinâmico (DRAM) e passando a fabricar microprocessadores. A Intel era conhecida como uma companhia focada em memórias de computadores e havia desenvolvido boa parte da complexa tecnologia necessária para projetar e fabricar chips. Em 1984, porém, ficou claro que a Intel não poderia acompanhar os preços de seus rivais japoneses em DRAM. Perdendo dinheiro, Grove lembra, “Nós perseveramos porque tínhamos recursos para isso.” Perdendo cada vez mais dinheiro, a alta administração se envolveu em intensos debates sobre o que fazer. Grove lembra-se do momento da virada em 1985, quando, cheio de tristeza, perguntou ao presidente da Intel, Gordon Moore: “Se nós fossemos demitidos e a Intel trouxesse um novo CEO, o que você acha que ele faria?” Moore imediatamente respondeu: “Ele nos tiraria do mercado de memórias.” Grove lembra que ficou pensativo e, então, finalmente disse: “Por que não saímos nós dois por aquela porta e voltamos para nós mesmos fazer isto?”4 Mesmo após chegar a essa convicção, levou mais de um ano para fazer a mudança. O negócio de memória havia sido o motor que impulsionara a pesquisa, a produção, as carreiras e o orgulho na Intel. O pessoal de vendas se preocupava com a resposta do cliente, e os pesquisadores resistiam em cancelar os projetos baseados em memórias. Grove pressionou pela saída do negócio de memórias e reorientou a empresa para os microprocessadores. O sucesso dos novos chips 386 de 32 bits impulsionou a Intel para ser, em 1992, a maior empresa do mundo em semicondutores (o interessante é que essa geração de chips foi o que provocou a ruína da DEC, discutida anteriormente). As estratégias concentram recursos, energia e atenção em alguns objetivos em detrimento de outros. A menos que a ruína coletiva seja iminente, a mudança de estratégia faz algumas pessoas ficarem em posição pior. Assim, existirão forças poderosas se opondo a praticamente qualquer mudança de estratégia. Esse é o destino de muitas iniciativas de estratégias em grandes organizações. Haverá conversas sobre concentrar o foco nisso ou pressionar por aquilo, mas no final ninguém quer mudar muito o que está fazendo. Quando as organizações não conseguem fazer novas estratégias (quando as pessoas se esquivam do trabalho de escolher entre diversos caminhos para o futuro), então você chega a metas simplórias e idealistas com as quais todos concordam. Essas metas são evidências diretas do insuficiente poder político ou da vontade das lideranças em executar ou fazer cumprir escolhas difíceis. Dito de forma diferente, a adesão universal geralmente sinaliza ausência de escolha.
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Nas organizações e na política, quanto mais tempo um padrão de atividade é mantido, mais ele fica entrincheirado e a alocação de recursos que lhe dá suporte é cada vez mais tida como um direito adquirido. Compare, por exemplo, a inércia do aparato de segurança nacional atual com aquela vivida sob os Presidentes Truman e Eisenhower. Durante a administração de Eisenhower, haviam sido recentemente criados o Departamento de Defesa, uma força aérea independente, a CIA, o Conselho de Segurança Nacional e a OTAN. Pelo fato de as novas estruturas serem mais maleáveis, o Presidente Eisenhower teve poder suficiente para reformular suas missões e induzir alguma coordenação com o Departamento de Estado. Atualmente, porém, passado mais de meio século, o poder necessário para reformular e forçar a coordenação entre essas organizações é muitas vezes maior do que Eisenhower algum dia chegou a precisar usar. Seria necessária enorme vontade política e o exercício de um poder bastante centralizado para se superarem os atuais níveis de resistência institucional à mudança. Certamente, esse poder seria possível, mas exigiria uma crise de proporções épicas para ser engendrado.
A ESTRATÉGIA DE PREENCHER OS ESPAÇOS EM BRANCO EM UM MODELO Estranhamente, o estudo do carisma levou a um tipo comum de estratégia ruim. O caminho começa com o reconhecimento de que os líderes verdadeiramente inspiradores (passando por Moisés, Churchill, Gandhi, Martin Luther King Jr.) ocupam um espaço diferente daqueles que extraem autoridade do nascimento ou da hierarquia organizacional. O caminho passa, então, pela moldagem de barro da sociologia acadêmica antes de chegar às dunas de areia em permanente movimento da consultoria de gestão. A ideia de liderança carismática retroage a Max Weber (1864-1920), pai da Sociologia. Ao descrever os líderes, ele julgou necessário distinguir entre líderes formais e aqueles que lideram por carisma pessoal. Estes últimos, ele escreveu, pareciam “dotados de poderes ou qualidades sobrenaturais, sobrehumanas, ou pelo menos especialmente excepcionais... fora do alcance de pessoas comuns”.5 Tradicionalmente, o carisma estava associado a líderes políticos e religiosos, e não aos CEOs ou diretores de escolas. Isso começou a mudar em meados dos anos 1980. O ponto de virada foi a aparição de dois livros em 1985: Líderes: estratégias para assumir a verdadeira liderança , de Warren Bennis e Bert Nanus, e o influente Transformational leadership: industrial, military and
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educational impact, de Bernard Bass. Esses autores quebraram com a tradição e argumentaram que a liderança carismática (agora “transformadora”) poderia ser ensinada e praticada em cenários que variam de escolas a corporações, passando por museus de arte. Eles argumentaram que o líder transformador libera a energia humana criando a visão de uma realidade diferente e conectando esta visão com os valores e necessidades das pessoas. Estes trabalhos foram seguidos por uma série de livros e artigos com uma linha semelhante: The leadership challenge: how to get extraordinary things done in organizations (1987), The transformational leader: the key to global competitiveness (1990) e Carisma executivo: seis passos para dominar a arte da liderança (2004). Nem todos foram atraídos por essa formulação. Peter Drucker, um dos principais pensadores sobre gestão, disse: “A liderança eficaz não depende do carisma. Dwight Eisenhower, George Marshall e Harry Truman foram líderes singularmente eficazes, embora nenhum deles possuísse mais carisma do que um peixe morto... O carisma, por si só, não garante a eficácia como líder.” A principal inovação nesse veio crescente foi a redução da liderança carismática a uma fórmula. As linhas gerais são as seguintes: o líder transformador (1) desenvolve ou tem uma visão, (2) inspira as pessoas a se sacrificarem (mudarem) pelo bem da organização e (3) transfere responsabilidade para as pessoas realizarem a visão. Alguns especialistas colocam mais ênfase nas qualidades morais do líder, outros no compromisso e outros sobre o líder ser intelectualmente estimulante. Esse esquema conceitual tem sido enormemente popular entre pessoas formadas em faculdades que precisam administrar outras pessoas formadas em faculdades. Isso satisfaz sua noção de que as organizações devam, de alguma forma, mudar e se aperfeiçoar, ao mesmo tempo que também satisfaz seu sentimento contraditório de que é embaraçoso dizer às outras pessoas o que fazer. Seja o que for que você pensar sobre essa definição de liderança, surge um problema quando isso é confundido com estratégia. A liderança e a estratégia podem estar reunidas na mesma pessoa, mas não são a mesma coisa. A liderança inspira e motiva o autossacrifício. A mudança, por exemplo, requer ajustes dolorosos e a boa liderança ajuda as pessoas a se sentirem de forma mais positiva em relação a fazer esses ajustes. A estratégia é a arte de formular quais os propósitos que valem a pena ser buscados e que, ao mesmo tempo, são passíveis de realização. X
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Como exemplo de liderança carismática sem desenhar uma estratégia, considere a famosa Cruzada dos Inocentes. Ela começou em 1212, quando o jovem Stephen, um menino francês pastor de ovelhas, teve a visão de um grupo de crianças viajando até Jerusalém para expulsar os muçulmanos. Em sua visão, o mar se partia diante deles como ocorreu com Moisés. Aqueles que o ouviram falando sobre esta visão e propósito ficaram impressionados com sua paixão e eloquência. A história sobre essa visão de Stephen viajou até a Alemanha, onde um rapaz, Nicolau, organizou a própria cruzada, com a visão de converter os muçulmanos, em vez de conquistá-los. Os dois jovens líderes carismáticos reuniram seguidores e deram início às suas árduas jornadas. O grupo maior de Stephen caminhou por meses, chegando finalmente em Marselha, na costa do Mediterrâneo. Lá, eles conseguiram embarcar em sete navios. Dois afundaram, matando todos a bordo. Os outros cinco foram capturados pelos invasores muçulmanos e vendidos como escravos. Nicolau, iniciando sua jornada para o sul com 20 mil crianças alemãs, alcançou Roma com um número bem menor. Lá, muitos foram convencidos a voltar para casa. Apenas alguns poucos conseguiram. Os pais das crianças mortas enforcaram o pai de Nicolau. Não há que se negar o poder da visão carismática para mover as pessoas. É um meio poderoso de superar a inércia e motivar pela ação e pelo autossacrifício. No entanto, em 1212, como em muitas outras vezes, milhares se sacrificaram por nada. Para atingir grandes objetivos, o carisma e a liderança visionária precisam, com frequência, se juntar a uma cuidadosa atenção aos obstáculos e à ação, como Gandhi conseguiu fazer na Índia. Naquele país, suas demonstrações, marchas e publicidade cuidadosamente organizadas e os períodos na prisão construíram sua base e erodiram a autoimagem de justiça e moralidade dos governantes britânicos. Seu carisma e visão, acompanhados por uma boa estratégia, deram à Índia a independência e uma orgulhosa herança. X
No início da década de 2000, a justaposição de liderança conduzida por uma visão e o trabalho de estratégia produziu um sistema de “planejamento estratégico” no estilo de preencher os espaços em branco em um modelo (entre no Google com “visão missão estratégia” para encontrar milhares de exemplos deste modelo à venda e em uso). Este modelo geralmente se parece com o seguinte:
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A Visão:
Preencha com sua visão exclusiva de como será a escola/ empresa/nação no futuro. As visões exclusivas atualmente populares são a de ser “a melhor” ou “a líder” ou “a mais conhecida”. Por exemplo, a visão da Dow Chemical é a de “ser a mais lucrativa e respeitada companhia química focada em ciência do mundo”. 6 A visão da Enron era de se “tornar a companhia de energia líder no mundo”.
A Missão:
Preencha com declarações altissonantes politicamente corretas o propósito da escola/empresa/nação. A missão da Dow é “inovar com paixão o que é essencial ao progresso humano, oferecendo soluções sustentáveis para nossos clientes”.
Os Valores:
Preencha com uma afirmação descrevendo os valores da companhia. Certifique-se de que eles não despertem controvérsias. Os valores da Dow são “Integridade, Respeito pelas pessoas, Proteção de nosso planeta”. Os da Enron eram “Respeito, Integridade, Informação e Excelência”.
As Estratégias:
Preencha com algumas aspirações/metas, mas chame-as de estratégias. Por exemplo, as estratégias corporativas da Dow são “investir preferencialmente em uma carteira de negócios de tecnologia integrada com desempenho voltado para o mercado que criem valor para nossos acionistas e crescimento para nossos clientes. Administrar uma carteira de negócios constituintes de ativos integrados para gerar valor para nossa carteira de distribuição e venda”.
Esse planejamento seguindo um modelo tem sido entusiasticamente adotado por corporações, diretorias de escolas, reitores de universidades e agências governamentais. Analise cuidadosamente esses documentos e você encontrará afirmações devotas sobre o óbvio apresentadas como se fossem insights decisivos. Há um enorme setor de consultores e autores de livros dispostos a fornecer orientações sobre as delicadas diferenças entre missões, visões, estratégias, iniciativas e prioridades. Desde os pequenos escritórios de consultoria até as grandes empresas de TI que tentam entrar no segmento de estratégia, os consultores descobriram que a execução da estratégia seguindo o estilo
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de preencher um modelo os libera do trabalho oneroso de analisar os verdadeiros desafios e oportunidades diante do cliente. Além disso, orientando a estratégia em termos de aspectos positivos (visão, missão e valores), nenhum sentimento é ferido. Para se ter uma ideia desse gênero, é útil examinar algumas visões e missões específicas: •
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A missão do departamento de Defesa é “dissuadir o conflito – mas, se a dissuasão falhar, combater e vencer as guerras do país”. Será bastante difícil encontrar alguém que não concorde, mas também será igualmente difícil encontrar alguém que se sinta mais bem informado após lê-la. Um desperdício de tinta e papel. A missão da Cornell University é ser “uma comunidade de ensino que busque servir a sociedade educando os líderes de amanhã e ampliando as fronteiras do conhecimento”. Em outras palavras, a Cornell é uma universidade. Isso não é surpresa alguma e, certamente, não é informativo. A declaração não fornece nenhuma orientação para um plane jamento posterior ou para a formulação de políticas. É constrangedor para um adulto inteligente estar associado a esse tipo de obviedade. A California State University em Sacramento (CSUS) anuncia que sua visão é “ser conhecida em toda a Região de Sacramento, e cada vez mais além dela, por seus excelentes e completos programas acadêmicos e extracurriculares. Seremos um dos principais parceiros no desenvol vimento dessa ‘Nova Califórnia’ com ampla diversidade”.7 Seguindo o que ocorre em muitas outras visões oficiais, o padrão de excelência estabelecido é a medida de sucesso da revista People: “ser conhecido”. O plano da CSUS segue estabelecendo várias “prioridades estratégicas”. A primeira é “um esforço focado em todo o campus para melhorar os índices de recrutamento, retenção e graduação”. Em letra miúda, informa ao leitor atento que esta é uma prioridade-chave porque o financiamento estadual está vinculado à quantidade de matrículas. Em outras palavras, em caso de desistência ou reprovação dos alunos, a escola perde receita. Uma das “estratégias” para melhorar a retenção é ter uma “cultura em que a retenção, a conclusão e o sucesso dos alunos em todas as suas formas sejam abraçados e incentivados”. Fica difícil ver qualquer elemento que possa ser transformado em ação nessa exortação floreada. Em comparação, a “estratégia” mais específica de (de alguma maneira) aumentar o índice de conclusão dos cursos de
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57% para 62% é claramente realizável. Entretanto, não há discussão quanto ao conflito óbvio entre a visão de excelência educacional e o objetivo de aumentar o financiamento estatal com a redução do índice de evasão. O último parágrafo é que as verbas maiores obtidas com a redução do índice de evasão serão utilizadas para aumentar o salário dos professores e construir uma nova biblioteca. A visão da Agência Central de Inteligência (CIA) é “Uma Agência. Uma Comunidade. Uma Agência inigualável em sua capacitação essencial, funcionando como uma só equipe, totalmente integrada na Comunidade de Inteligência”.8 Aprofundando um pouco mais, todas as prioridades estabelecidas publicamente pela CIA têm a ver com um melhor trabalho em equipe e com mais investimento em capacitação. Em nenhum lugar se diz que poderia ser importante encontrar Osama bin Laden. Naturalmente, ninguém espera ver as estratégias da CIA em um site público na internet. Mas, se este é o caso, por que publicar tal floreio? Recentemente, compareci à apresentação de uma estratégia em Tóquio feita por um executivo sênior da NEC Corporation. A visão da NEC para a próxima década é a de “ser uma companhia líder global maximizando o poder da inovação para realizar uma sociedade da informação amigável aos seres humanos e ao planeta”. Durante a hora seguinte, fiquei sabendo também que a companhia visa ajudar a desenvolver uma “sociedade em rede universal sustentável que utiliza uma megaplataforma ICT [tecnologia de informação e comunicação] baseada em conhecimento”. A NEC é uma fabricante de computadores e equipamentos de telecomunicações com razoável participação nos negócios locais japoneses, mas que não tem tido tanto sucesso no exterior. Esse mercado de equipamentos é cada vez mais competitivo, com margens baixas para a maioria dos participantes. A NEC está ganhando menos de 2% sobre o capital próprio, e seu lucro operacional é o valor surpreendentemente baixo de 1,5% sobre o faturamento. Ela, certamente, não consegue financiar a P&D. Ela precisa de uma estratégia, e não de um conjunto de palavras de ordem.
Esse tipo de verborragia é uma cria mutante do conceito de liderança carismática e, depois, transformadora. Na realidade, estas são as surpreendentes tentativas dos homens das organizações de transformar a mágica do carisma pessoal em um produto burocrático: “carisma em lata”.
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Seria possível concluir que, se o público para esta verborragia fica feliz, por que se importar? O enorme problema que isso gera é que alguém com a real intenção de conceber e implementar uma estratégia eficaz fica cercado por uma retórica vazia e por exemplos ruins. Além disso, o público em geral ou é enganado ou coloca todos esses pronunciamentos no mesmo escaninho mental da propaganda noturna da televisão.
NOVO PENSAMENTO Anteriormente, descrevi como Chad Logan queria dirigir sua empresa de artes gráficas copiando Jack Welch, destacando que Welch havia recomendado “alcançar o impossível”. O desejo de Logan de copiar Welch era compreensível. Naquele momento, Jack Welch era visto como um dos gestores mais bem-sucedidos da história. Ele havia escrito, falado e sido amplamente entrevistado sobre liderança, estratégia e administração. Entretanto, semelhante a se aprofundar na Bíblia, você poderia encontrar o que quisesse no conteúdo de seu trabalho. É verdade que o pensamento de Welch sobre planejamento estratégico formal era uma perda de tempo, mas ele também disse: “O primeiro passo para tornar real uma estratégia é descobrir o grande ‘aha’ para obter uma vantagem competitiva sustentável – em outras palavras, um insight significativo e importante sobre como vencer.” É verdade que Welch acreditava no esforço, mas ele também disse que, “se você não possui vantagem competitiva, não entre na concorrência”. Welch não pediu para seu pessoal se “esforçar” em eletrodomésticos, ou carvão, ou semicondutores. Ele abandonou completamente esses negócios, concentrando o foco da GE em negócios nos quais acreditava ser possível fazer a diferença. Ele não pediu para aquelas divisões aderirem à visão de serem descartadas. Se você quiser administrar como Jack Welch, preste atenção ao que ele fez, e não ao que ele, ou aqueles que escreviam em seu nome, disseram que ele fez. A citação de Jack Welch sobre “alcançar o que parece ser impossível” é um bordão motivacional bastante padrão, encontrado, literalmente, em centenas de oradores motivacionais, livros, agendas, blocos de memorandos e sites na Web. Essa fascinação pelo pensamento positivo e por suas profundas conexões com o pensamento inspirador e espiritual foi inventada há 150 anos, na Nova Inglaterra, como uma mutação do individualismo do protestantismo cristão. A Reforma Protestante foi fundada sobre o princípio de que as pessoas não precisavam da Igreja Católica entre elas e a deidade. Nos anos 1800,
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iniciando com o “transcendentalismo” de Ralph Waldo Emerson, a teologia americana começou a desenvolver a ideia de que cada comunicação individual de uma pessoa com Deus era possível porque todos tinham uma centelha do divino dentro de si, vivenciada como certos estados de espírito. O próximo estágio do desenvolvimento dessa ideia foi a Ciência Cristã de Mary Baker Eddy, que afirmava que uma mente com crenças e pensamentos corretos poderia recorrer ao poder divino para eliminar doenças. Em 1890, essa cadeia de filosofia religiosa se transformou em um conjunto de crenças místicas sobre o poder do pensamento para afetar o mundo material fora da pessoa. Denominado movimento do Novo Pensamento, ele combinava o sentimento religioso com recomendações para o sucesso mundano. A teoria consistia em que pensar no sucesso levava ao sucesso. E pensar no fracasso levava ao fracasso. Prentice Mulford foi humorista e minerador de ouro na Califórnia antes de se voltar para os escritos inspiradores. Seu livro Thoughts are things, publicado em 1889, foi uma carta de fundação do movimento Novo Pensamento. Eis a sua temática: Quando formamos um plano para qualquer negócio, qualquer invenção, qualquer empreitada, estamos fazendo algo real (embora invisível) a partir desse elemento invisível, o pensamento, como qualquer máquina de ferro ou de madeira. Esse plano ou pensamento começa, assim que foi feito, a atrair para si mesmo, em mais elementos invisíveis, o poder de transportarse para fora, o poder de se materializar em substância física ou visível. Quando tememos uma desgraça, ou vivemos com medo de qualquer doença, ou esperamos a má sorte, fazemos também uma construção do elemento invisível, o pensamento, que, pela mesma lei da atração, atrai para si as forças ou os elementos destrutivos que, para você, são prejudiciais. 9 Nas primeiras duas décadas do século XX, foram publicadas centenas de livros e artigos sobre a mente e o sucesso. Talvez o mais influente tivesse sido A ciência de ficar rico (1910), de Wallace Wattles. Sua temática era que cada pessoa tem poderes divinos, mas ele retirava qualquer referência direta à religião, criando uma série de feitiços quase religiosos: Há uma matéria pensante a partir da qual todas as coisas são feitas e que, em seu estado original, permeia, penetra e preenche os interstícios do uni verso. Um pensamento, nesta substância, produz a coisa que é imaginada
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pelo pensamento. O homem pode formar coisas em seu pensamento e, imprimindo esse pensamento na substância amorfa, pode fazer a coisa que ele está pensando ser criada. Pensar em saúde quando cercado pela aparição da doença, ou pensar em riquezas em meio à pobreza, requer poder; mas aquele que adquire este poder se torna uma MENTE SUPERIOR. Essa pessoa consegue conquistar o destino; consegue ter aquilo que quiser. 10 Ernest Holmes foi o fundador do movimento Ciência Religiosa. Influenciado pela Ciência Cristã, ele ficou limitado por seu foco estreito na saúde. Seu livro Creative mind and success , publicado em 1919, levou as ideias do Novo Pensamento para um público mais amplo e ajudou a estabelecer a igre ja que permanece ativa até hoje. Observe que Holmes insiste que a pessoa bem-sucedida deve banir qualquer pensamento de fracasso: Pensamento não é apenas poder; é também o molde para todas as coisas. As condições que atrairmos corresponderão exatamente a nossos quadros mentais. Portanto, é absolutamente necessário que o homem de negócios bem-sucedido mantenha a mente em pensamentos de felicidade, que produzirão alegrias, em vez de depressão; ele deve irradiar prazer e se encher de fé, esperança e expectativa... Coloque cada pensamento negativo para fora de sua mente de uma vez por todas. Decrete sua liberdade. Saiba que não importa o que os outros digam, pensem ou façam, você é um sucesso e nada pode impedi-lo de alcançar seu objetivo. 11 Como movimento religioso e social, o Novo Pensamento alcançou o auge no início da década de 1920, quando novamente se transformou, deixando para trás as sociedades locais, os curandeiros da fé e as igrejas. Na década de 1930, ele se havia metamorfoseado em um fluxo de livros e palestrantes moti vacionais e sobre pensamento positivo. Nessa linha, estão os ainda populares Pense e enriqueça (Napoleon Hill, 1937), O poder do pensamento positivo (Norman Vincent Peale, 1952), Success through a positive mental attitude (Clement Stone, 1960), The dynamic laws of prosperity: forces that bring riches to you (Catherine Ponder, 1962), Desperte seu gigante interior (Anthony Robbins, 1991) e As sete leis espirituais do sucesso (Deepak Chopra, 1995). A mais recente grande escritora dentro dessa linha é Rhonda Byrne, grande admiradora de Wattles. Seu livro de 2007, O segredo, foi um grande best-seller transformado em filme e elogiado por Oprah. O “segredo” de Byrne é idêntico ao princípio original de Mulford, de que você consegue aquilo em que pensar
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a respeito. Atualmente, essas ideias são chamadas de “Nova Era”, apesar do fato de serem repetições quase textuais de livros publicados há um século. Recentemente, elementos do Novo Pensamento infiltraram-se no pensamento estratégico através da literatura sobre liderança e visão. Boa parte do trabalho nessa área fornece um saudável contrapeso às visões burocráticas e de ações racionais sobre gestão e organização. Porém, recentemente ela assumiu um sabor que lembra o Thoughts are things, de Mulford, publicado em 1889. A analogia promovida por essa colocação é entre um pensamento individual e a visão compartilhada dentro de uma organização. Para perceber essa colocação, pense no livro de Peter Senge que fez enorme sucesso, A quinta disciplina, publicado em 1990. Uma das ideias mais influentes de Senge foi a vital importância da “visão compartilhada”: “É impossível imaginar as realizações da construção da AT&T, Ford ou Apple na falta de uma visão compartilhada... O mais importante é que essas visões individuais se tornaram genuinamente compartilhadas entre as pessoas de todos os níveis de suas empresas – ao concentrar a energia de milhares e criar uma identidade comum entre pessoas extremamente diferentes.” 12 Essa afirmação é bastante atraente para muitas pessoas e, ao mesmo tempo, é evidentemente falsa. Atribuir o sucesso da Ford ou da Apple a uma visão compartilhada em todos os níveis, em vez de atribuí-lo a bolsões de extrema competência misturados com sorte, é uma distorção radical da história. A Apple não inventou o computador pessoal – a tecnologia estava no ar e centenas de empreendedores buscavam projetar e construir “computadores para todos”. O sucesso da Apple derivou, em grande medida, da capacidade de Steve Wozniak de habilmente usar o artifício de fazer o microprocessador Motorola no centro do Apple II dirigir diretamente o vídeo e o disquete (utilizando saídas diretas da CPU) ao invés de construir controladores onerosos. Outra razão foi o advento do VisiCalc, que deu a outras pessoas além daquelas que mexiam com computadores por passatempo, um motivo para comprar um Apple II.13 De forma semelhante, a visão de Ford do “automóvel para todos” dificilmente foi original e não necessariamente era compartilhada pelos empregados nas linhas de montagem com salários de $5 por dia. Detroit era o Vale do Silício de 1907 e havia centenas, talvez milhares, de engenheiros e inventores trabalhando em maneiras de construir e vender automóveis. A genialidade especial de Ford residia nos materiais, na engenharia industrial e na promoção. Curiosamente, Senge insta os líderes a terem um “domínio pessoal”, que é uma jornada espiritual interior. A esse respeito, ele cita a crença mística de
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Ford: “A menor realidade indivisível é, em minha opinião, inteligente e está lá esperando para ser utilizada por espíritos humanos se a alcançarmos e a trouxermos.” Ford foi, de fato, um místico; ele acreditava em reencarnação e atribuía boa parte de seu sucesso à leitura de In tune with the infinite, do escritor Ralph Waldo Trine, do Novo Pensamento, um livro contendo o conselho padrão de evitar pensamentos negativos e formar um quadro claro em sua mente daquilo que você quer. Naturalmente, o respeito de Senge pelas reflexões filosóficas de Ford não se estendia ao ponto de instar os leitores a também estudar os delírios fanáticos antijudaicos de Ford. 14 Da mesma forma que os escritores do Novo Pensamento aconselhavam as pessoas a nunca deixarem que os pensamentos negativos entrassem em sua mente, a escola da visão compartilhada coloca um prêmio para o compromisso – a crença inabalável de que a visão é correta. No livro Guiding growth: how vision keeps companies on course, Mark Lipton escreve: Ainda outro fator desorientador no processo é a exigência de que aqueles envolvidos no desenvolvimento da visão de crescimento suspendam a descrença. Afinal, os executivos passaram anos de formação e experiência aprendendo a ser realistas e pragmáticos. No entanto, a suspensão da descrença é necessária para permitir que os executivos pensem, desde o início, que aquilo que imaginaram pode ser e será alcançado. Embora represente a antítese da praticidade, não deixa de ser uma competência necessária para a liderança executiva. Deve haver não apenas uma crença no sonho, mas também uma crença em sua capacidade de tornar esse sonho uma realidade.15 No trabalho mais recente de Senge, Presença (em coautoria com C. Otto Scharmer, Joseph Jaworski e Betty Sue Flowers), ele cita com admiração Srikumar S. Rao, um editor colaborador da Forbes e chefe do departamento de marketing na University of Long Island. Rao diz: Se você formar e mantiver sua intenção por tempo suficiente, ela se torna verdade... Fica extremamente claro aquilo que você quer fazer... Esse processo de refinamento – pensar muitas e muitas vezes sobre sua intenção – é, em certo sentido, uma difusão da intenção. Quando você difunde tal intenção, há muito pouca coisa a mais para fazer. A difusão da intenção se espalha e faz acontecer. Seu papel é permanecer completamente consciente, pacientemente expectante e aberto a todas as possibilidades. 16
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O aspecto surpreendente sobre o Novo Pensamento é o fato de ele ser sempre apresentado como se fosse algo novo! Não importa quantas vezes as mesmas ideias são repetidas, elas são recebidas por muitos ouvintes com novos sinais de assentimento. Essas recitações rituais obviamente tocam em uma profunda capacidade humana de acreditar que o desejo intensamente focado acaba magicamente recompensado. Eu não sei se a meditação e outras jornadas interiores aperfeiçoam a alma humana. Porém, sei que acreditar em raios que saem de sua cabeça e mudam o mundo material e que, pensando somente no sucesso, você pode se tornar um sucesso, são formas de psicoses e não devem ser recomendadas como abordagens para a gestão ou a estratégia. Toda análise começa pensando-se no que pode acontecer, incluindo os eventos indesejados. Eu não gostaria de voar em um avião concebido por pessoas que focassem apenas na imagem de um avião voando e nunca considerassem as possibilidades de falhas. No entanto, a doutrina de que alguém possa impor visões e desejos sobre o mundo apenas pela força do pensamento conserva um forte apelo para muitas pessoas. Sua aceitação desaloja o pensamento crítico e a boa estratégia.
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O CERNE DA BOA ESTRATÉGIA
A boa estratégia é uma ação coerente apoiada por um argumento, uma mistura eficaz de pensamento e ação com uma estrutura básica subjacente que chamo de cerne. Uma boa estratégia pode consistir de mais do que o cerne, mas se ele estiver ausente ou desfigurado então há um problema sério. Quando você apreende esse cerne, é muito mais fácil criar, descrever e avaliar uma estratégia. O cerne não se baseia em nenhum conceito de vantagem. Não é necessário um cerne para classificar, entre os jargões legalistas, sobre as diferenças entre visões, missões, metas, estratégias, objetivos e táticas. Ele não separa as estratégias em termos corporativos, de negócios e de produtos. Ele é bastante simples e direto. O cerne de uma estratégia contém três elementos: 1. Um diagnóstico que define ou explica a natureza do desafio. Um bom diagnóstico simplifica a natureza muitas vezes opressiva da realidade ao identificar certos aspectos da situação como fundamentais. 2. Uma diretriz política para lidar com o desafio. Ela é uma abordagem geral escolhida para enfrentar ou superar os obstáculos identificados no diagnóstico. 3. Um conjunto de ações coerentes que são concebidas para conduzir a diretriz política. Eles são passos coordenados entre si para trabalhar em conjunto no cumprimento da diretriz política. Alguns exemplos: •
Para um médico, o desafio surge na forma de um conjunto de sinais e sintomas junto com uma história. O médico faz um diagnóstico
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clínico, identificando uma doença ou patologia. A abordagem terapêutica escolhida é a diretriz política do médico. As prescrições médicas específicas em termos de dieta, terapia e medicação representam um conjunto de ações coerentes a serem adotadas. Em política externa, as situações desafiadoras são normalmente diagnosticadas em termos de analogias com situações do passado. A diretriz política adotada é geralmente uma abordagem considerada bemsucedida em alguma situação no passado. Assim, se o diagnóstico for que o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, seria “outro Hitler”, a guerra poderia ser uma implicação lógica. No entanto, se ele for “outro Muammar Kadhafi”, então uma forte pressão acompanhada de negociação nos bastidores poderia ser a diretriz política. Em política externa, o conjunto de ações coerentes é normalmente composto por manobras econômicas, diplomáticas e militares. Nas empresas, o desafio costuma ser lidar com mudanças e com a concorrência. O primeiro passo na direção de uma estratégia eficaz é diagnosticar a estrutura específica do desafio, em vez de apenas listar metas de desempenho. O segundo passo é escolher uma diretriz política geral para lidar com a situação que se estabelece ou criar algum tipo de alavancagem ou vantagem. O terceiro passo é a concepção de uma configuração de ações e alocação de recursos que implementem a diretriz política. Em muitas grandes organizações, o desafio é muitas vezes diagnosticado como interno. Em outras palavras, os problemas de concorrência da organização podem ser muito mais leves do que os obstáculos impostos por suas próprias rotinas desatualizadas, burocracia, grupos de interesses entrincheirados, falta de cooperação entre as unidades, ou a má gestão. Assim, a diretriz política se encontra no domínio da reorganização e renovação. O conjunto de ações coerentes seria o de mudanças de pessoas, poder e procedimentos. Em outros casos, o desafio pode ser o de construir ou aprofundar a vantagem competitiva forçando os limites da capacidade organizacional.
Eu chamo a combinação desses três elementos de cerne, para enfatizar que se trata do esqueleto central de uma estratégia – a questão mais difícil no núcleo do conceito. Ele deixa de fora visões, hierarquias de metas e ob jetivos, referências a intervalos de tempo ou escopo, bem como ideias sobre adaptação e mudança. Tudo isso são definições de apoio. Elas representam
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maneiras de pensar sobre a estratégia, estimulando a criação de estratégias, incentivando grupos de pessoas, apontando fontes específicas de vantagem, comunicando, resumindo e analisando estratégias, e assim por diante. O conteúdo central de uma estratégia é um diagnóstico da situação em questão, a criação ou identificação de uma diretriz política para lidar com as dificuldades principais e um conjunto de ações coerentes. Analisarei cada um desses três elementos do cerne.
O DIAGNÓSTICO Após meu colega John Mamer deixar o cargo de diretor da UCLA Anderson School of Management, ele queria fazer uma tentativa de ensinar estratégia. Para se familiarizar com o assunto, participou de 10 de minhas aulas. Em torno da aula de número sete, estávamos conversando sobre pedagogia e eu percebi que muitas das lições aprendidas em um curso de estratégia vêm na forma de perguntas feitas como atribuições de estudo e formuladas em sala de aula. Essas perguntas incorporam décadas de experiência sobre aspectos úteis para se pensar na exploração de situações complexas. John me lançou um olhar de soslaio e disse: “Parece-me que, na verdade, há somente uma pergunta que você faz em todos os casos. Esta pergunta é ‘O que está acontecendo aqui?’” O comentário de John era algo que eu nunca havia ouvido alguém dizer de forma explícita, mas que, obviamente, estava correto. Grande parte do trabalho de estratégia consiste em tentar entender o que está acontecendo. Não apenas decidir o que fazer, mas enfrentar o problema mais fundamental de compreender a situação. No mínimo, um diagnóstico dá o nome ou classifica a situação, ligando os fatos a padrões e sugerindo que se dê mais atenção a determinados assuntos e menos a outros. Um diagnóstico especialmente inteligente consegue transformar a visão sobre a situação, trazendo uma perspectiva completamente diferente em apoio. Quando um diagnóstico classifica a situação em certo tipo, ele abre acesso ao conhecimento sobre como situações análogas foram enfrentadas no passado. Um diagnóstico explícito permite avaliar o restante da estratégia. Além disso, tornar o diagnóstico um elemento explícito da estratégia permite que o restante da estratégia seja revisto e modificado quando as circunstâncias mudam. Considere a Starbucks, que evoluiu de um simples restaurante para um ícone americano. Em 2008, a Starbucks estava passando por uma estabilização
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ou queda nas vendas de suas lojas existentes e uma menor rentabilidade, com o retorno sobre ativos tendo caído de generosos 14% para aproximadamente 5,5%. Surgiu uma questão imediata: Qual era a gravidade dessa situação? Qualquer companhia em rápido crescimento deve, cedo ou tarde, saturar seu mercado e diminuir seu ritmo de expansão. A desaceleração do crescimento é um problema para Wall Street, mas é um estágio natural no desenvolvimento de qualquer entidade não cancerígena. Embora o mercado americano pudesse estar saturado, haveria ainda oportunidades de expansão no exterior? O Deutsche Bank opinou que a Starbucks enfrentava grande concorrência no exterior, observando, especificamente, que seus 23 restaurantes na Austrália competiam com 746 estabelecimentos do McDonald’s vendendo café, café com leite, capuccinos e leite batido com frutas com a marca McCafe. 1 Em comparação, a Oppenheimer opinou: “Nós temos a expectativa de que estes mercados [Europa] ainda não tenham sido completamente ocupados, permitindo o crescimento.”2 O mercado externo estava saturado? Ou haveria problemas mais graves? O excesso de estabelecimentos seria um sinal de má gestão? Os gostos dos consumidores estariam mudando mais uma vez? Na medida em que a concorrência aumentava sua oferta de café, estaria desaparecendo a diferenciação da Starbucks? De fato, qual seria a importância da configuração de loja oferecida pela Starbucks em comparação com o próprio café? A Starbucks era uma loja que vendia café ou era um oásis urbano? Sua marca poderia ser ampliada para outros tipos de produtos ou mesmo outros tipos de restaurantes? Na Starbucks, um executivo poderia diagnosticar essa situação desafiadora como “um problema no gerenciamento de expectativas”. Outro poderia diagnosticar como “uma busca de novas plataformas para crescimento”. Um terceiro poderia diagnosticar como “uma erosão de vantagem competitiva”. Em si mesmo, nenhum desses pontos de vista são ações, mas cada um deles sugere uma gama de coisas que podem ser feitas e coloca de lado outras classes de ações como menos relevantes para o desafio. O importante é que não se pode provar que qualquer desses diagnósticos esteja correto – cada um deles é uma avaliação sobre qual questão seria proeminente. Portanto, o diagnóstico é um julgamento sobre o significado dos fatos. O desafio enfrentado pela Starbucks estava mal estruturado. Com isso, quero dizer que ninguém poderia ter certeza sobre como definir o problema, não havia uma lista óbvia de boas abordagens ou ações, e as conexões entre muitas ações e resultados não estavam claras. Tendo em vista que o desafio estava mal estruturado, não seria possível deduzir, de forma lógica, a
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estratégia no mundo real a partir dos fatos observados. Em vez disso, o diagnóstico precisaria ser um palpite provável sobre o que estava ocorrendo na situação, especialmente sobre o que seria fundamentalmente importante. O diagnóstico da situação deve substituir a complexidade opressiva da realidade por uma história mais simples, que chame a atenção para seus aspectos cruciais. Esse modelo simplificado da realidade permite que se entenda a situação e que se envolva mais na solução do problema. Além disso, um bom diagnóstico estratégico faz mais do que explicar uma situação; ele também define um domínio de ação. Enquanto o cientista social busca um diagnóstico que preveja melhor os resultados, a boa estratégia tende a se basear no diagnóstico prometendo alavancagem sobre resultados. Por exemplo, sabemos, a partir de pesquisas, que o desempenho de um aluno é mais bem explicado pela classe social e cultura do que pelos gastos por estudante ou tamanho da classe, mas esse conhecimento não gera muitas prescrições úteis de políticas. Um diagnóstico estratégico bastante diferente foi fornecido por meu colega Bill Ouchi, da UCLA. Seu livro Making schools work diagnostica o desafio do desempenho escolar como o da organização, em vez do da classe, cultura, financiamento ou projeto curricular. 3 Ele argumenta que escolas descentralizadas apresentam um desempenho melhor. Agora, o fato de a organização do sistema escolar explicar ou não a maioria das variações de desempenho nas escolas não é realmente fundamental. O fundamental – e o que torna seu diagnóstico útil para as autoridades – é que a organização explica uma parte do desempenho escolar e que, diferentemente da cultura ou classe social, a organização é algo que pode ser tratado através de políticas. Um diagnóstico é geralmente apresentado através de metáforas, analogias ou referências a diagnósticos ou estruturas que já obtiveram aceitação. Por exemplo, todo estudante de estratégia nacional dos Estados Unidos sabe sobre o diagnóstico associado à diretriz política de contenção da Guerra Fria. Esse conceito teve origem no famoso “longo telegrama” de George Kennan de 1946. Tendo servido como diplomata dos Estados Unidos na URSS por mais de uma década, e tendo visto de perto o terror e a política soviética, ele analisou cuidadosamente a natureza da ideologia e do poder soviéticos. Kennan iniciou com a observação de que a União Soviética não era uma nação-estado comum. Seus líderes definiam sua missão em oposição ao capitalismo e de espalhar o evangelho do comunismo revolucionário por todos os meios necessários. Ele ressaltou que o antagonismo entre as sociedades capitalistas e comunistas era o fundamento central do regime político de Stalin, impedindo
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qualquer acomodação sincera ou acordos internacionais honestos. Porém, ele também destacou que os líderes soviéticos eram realistas em relação ao poder. Assim, recomendou uma diretriz política de contraposição vigilante: Sob a luz do exposto, fica bastante claro que a pressão soviética contra as instituições livres do mundo ocidental é algo que pode ser contido pela aplicação ágil e vigilante de uma força em contrário em uma série de pontos políticos e geográficos em constante alteração, correspondendo às manobras e alterações da política soviética, mas pelas quais não se pode deixar seduzir ou ser convencido de sua inexistência. Os russos alme jam um duelo de duração infinita, e percebem que já obtiveram grandes sucessos.4 O diagnóstico de Kennan para a situação (uma luta em longo prazo sem a possibilidade de uma solução negociada) foi amplamente adotado pelos círculos formuladores de políticas nos Estados Unidos. Sua diretriz política de contenção foi especialmente atraente, pois especificava um amplo domínio para a ação – metaforicamente falando, a URSS foi infectada por um vírus. Os Estados Unidos precisariam impedir que o vírus se espalhasse até que, finalmente, desaparecesse. A política de Kennan é às vezes chamada de estratégia, mas nela falta o elemento de ação. Todos os presidentes, desde Truman até George H. W. Bush, lutaram com o problema de transformar essa diretriz política em objetivos em relação aos quais se pudesse agir. Com o tempo, essa diretriz política de contenção conduziu à OTAN e ao SEATO (The Southeast Asia Treaty Organization – Organização do Tratado do Sudeste Asiático), à Ponte Aérea para Berlim, à Guerra da Coreia, à colocação de mísseis na Europa, à Guerra do Vietnã e a outras ações da Guerra Fria. O poder do diagnóstico de Kennan pode ser visto considerando como a história poderia ter sido diferente se a situação tivesse sido enquadrada de outra maneira em 1947. Talvez a União Soviética pudesse ter sido atraída para a comunidade mundial através de uma política de envolvimento pela inclusão dela no Plano Marshall. Ou talvez não tivesse sido um problema americano, e sim um assunto para as Nações Unidas. Ou talvez a União Soviética fosse uma tirania rivalizando com a Alemanha nazista, e os Estados Unidos devesse ter buscado se opor ativamente a ela, minando-a e libertando sua população. Nos negócios, muitas mudanças estratégicas profundas são provocadas por mudanças de diagnóstico – uma mudança na definição da situação da companhia. Por exemplo, quando Lou Gerstner assumiu o comando da IBM em
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1993, a empresa estava em grave declínio. Sua histórica estratégia bem-sucedida foi organizada em torno de oferecer soluções de informática completas, integradas, globais para corporações e agências governamentais. Entretanto, o advento do microprocessador mudou tudo isso. A indústria de informática começou a se fragmentar, com empresas diferentes oferecendo chips, memórias, discos rígidos, teclados, software, monitores, sistemas operacionais e assim por diante (a desintegração vertical da indústria de informática é analisada no Capítulo 13). À medida que o setor se movia para o computador de mesa e que o computador de mesa da IBM se tornou uma commodity copiada por muitos concorrentes dentro do padrão Windows-Intel, o que a companhia deveria fazer? A visão majoritária na empresa e entre os analistas de Wall Street era que a IBM estava muito integrada. A nova estrutura do setor era fragmentada e argumentava-se que a IBM deveria ser dividida e fragmentada para se igualar. Quando Gerstner chegou, estavam sendo feitos preparativos para as ofertas em separado de ações dos diferentes pedaços da IBM. Após estudar a situação, Gerstner modificou o diagnóstico. Ele acreditava que, em um setor cada vez mais fragmentado, a IBM era a única empresa com conhecimento em todas as áreas. O problema não era o fato de ser integrada, e sim que ela estava deixando de utilizar a capacidade integrada que possuía. Ele declarou que a IBM precisava tornar-se mais integrada, só que dessa vez em torno de soluções para o cliente, e não em torno de plataformas de hardware. O principal obstáculo foi a falta de coordenação interna e agilidade. Dado esse novo diagnóstico, a diretriz política passou a ser a de explorar o fato de que a IBM era diferente (de fato, única). A IBM ofereceria soluções personalizadas aos clientes, ajustadas a seus problemas de processamento de informações, alavancando sua marca e seu amplo conhecimento, mas disposta a utilizar hardware e software de fora na medida do exigido. Resumindo, sua principal ati vidade de valor agregado mudaria de engenharia de sistemas para consultoria em TI, de hardware para software. Nem o ponto de vista de que a “integração é obsoleta” nem o de que “conhecer todos os aspectos de TI é nossa habilidade única” são, por si, estratégias. No entanto, esses diagnósticos levam o líder, e todos que o seguem, para direções bastante diferentes.
A DIRETRIZ POLÍTICA A diretriz política descreve uma abordagem geral para superar os obstáculos apontados pelo diagnóstico. Ela é “diretriz” porque canaliza a ação em certas
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direções sem definir exatamente o que deve ser feito. A contenção de Kennan e a abordagem de Gerstner no sentido de utilizar todos os recursos da IBM para resolver os problemas dos clientes são exemplos de diretrizes políticas. Da mesma forma que as grades metálicas em uma estrada, a diretriz política direciona e limita a ação sem definir integralmente seu conteúdo. As boas diretrizes políticas não são metas ou visões ou imagens do estado final desejado. Na verdade, elas definem um método de lidar com a situação e de excluir uma ampla gama de ações possíveis. Por exemplo, a visão corporativa da Wells Fargo é a seguinte: “Queremos satisfazer todas as necessidades financeiras de nossos clientes, ajudá-los a ter sucesso financeiramente, ser o primeiro provedor de serviços financeiros em cada um de nossos mercados de ser conhecida como uma das grandes companhias americanas.” 5 Essa “visão” comunica uma ambição, mas não é uma estratégia ou uma diretriz política porque não há informação a respeito de como essa ambição será atendida. O presidente emérito e ex-CEO da Wells Fargo, Richard Ko vacevich, sabia disso e estabeleceu a distinção entre essa visão e a diretriz política de sua companhia, no sentido de utilizar os efeitos de rede de venda cruzada. Isto é, Kovacevich acreditava que, quanto mais produtos financeiros diferentes a Wells Fargo pudesse vender para um cliente, mais a empresa conheceria sobre aquele cliente e sobre toda a sua rede de clientes. Essa informação, por sua vez, ajudaria a desenvolver e vender mais produtos financeiros. Essa diretriz política, diferentemente da visão da Wells Fargo, define uma maneira de competir – uma maneira de tentar utilizar a grande escala da companhia como vantagem. Você poderia, corretamente, observar que muitas outras pessoas utilizam o termo “estratégia” para aquilo que estou chamando de “diretriz política”. Descobri que é um erro definir a estratégia apenas como uma ampla diretriz política. Sem um diagnóstico, não se consegue avaliar diretrizes políticas alternativas. Sem trabalhar através de pelo menos uma rodada de ações, não se consegue ter certeza de que a diretriz política possa ser implementada. A boa estratégia não é apenas “o que” você está tentando fazer. É também “por que” e “como” está fazendo. Uma boa diretriz política ataca os obstáculos identificados no diagnóstico criando ou se apoiando em fontes de vantagem. De fato, o cerne da questão em estratégia é geralmente a vantagem. Da mesma forma que uma alavanca utiliza a vantagem mecânica para multiplicar a força, a vantagem estratégica multiplica a eficácia dos recursos e/ou ações. É importante destacar que nem toda vantagem é competitiva. Em situações de políticas públicas e de
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entidades sem fins lucrativos, a boa estratégia gera vantagem ao ampliar os efeitos dos recursos e ações. Em muitos tratamentos modernos sobre estratégia competitiva, é comum agora lançar-se imediatamente em descrições detalhadas sobre fontes específicas de vantagens competitivas. Podem representar fontes de vantagem o fato de ter custos menores, uma marca melhor, um ciclo mais rápido de desenvolvimento de produto, mais experiência, mais informações sobre os clientes, e assim por diante. Tudo isso é verdade, mas seria importante assumir uma perspectiva mais ampla. Uma boa diretriz política pode ser, em si mesma, uma fonte de vantagem. Uma diretriz política gera vantagem ao antecipar as as ações e reações dos outros, reduzir a complexidade e ambiguidade da situação, explorar a alavanca gem inerente em concentrar esforços em um aspecto essencial ou decisivo da situação e criar políticas e ações que sejam coerentes, cada uma construindo sobre a outra, ao invés de se anularem umas às outras (estas fontes de vantagem são discutidas em detalhes no Capítulo 6). Por exemplo, a política de Gerstner de “fornecer soluções aos clientes” certamente aproveitou as vantagens implícitas na profundidade e no conhecimento tecnológico de classe mundial da IBM em quase todas as áreas de processamento de dados. Mas a política em si mesma também gerou vantagem ao resolver a incerteza acerca do que fazer, sobre como competir e sobre como se organizar. Também iniciou o processo de coordenação e concentração dos amplos recursos da IBM em um conjunto específico de desafios. Para analisar mais de perto como funciona a diretriz política, siga o pensamento de Stephanie, uma amiga que é dona de uma mercearia de esquina. Ela faz a contabilidade, administra o pessoal, às vezes trabalha na caixa registradora e toma todas as decisões. Vários anos atrás, Stephanie contou-me sobre alguns dos problemas que enfrentava. Minha amiga tinha dúvida se deveria manter os preços baixos ou oferecer produtos orgânicos mais frescos e caros. Ela deveria estocar mais mercadorias da Ásia para os estudantes asiáticos que moravam na região? A loja deveria permanecer aberta por mais horas? Qual a importância de se contar com uma equipe prestativa e amistosa que passa a conhecer os frequentadores? Vale a pena acrescentar mais uma caixa registradora? Que tal fazer um estacionamento no beco? Ela deveria colocar um anúncio no jornal da faculdade local? Deveria pintar o teto de verde ou branco? Deveria colocar alguns itens em oferta toda semana? Quais? Um economista lhe diria que ela deveria promover ações que maximizassem o lucro, um conselho tecnicamente correto, mas de pouca serventia.
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Nos livros de economia, isso é simples: escolha o índice de giro de produto que gere a maior distância entre receita e custo. No mundo real, porém, “ma ximizar o lucro” não é uma prescrição útil úti l porque o desafio de fazer, f azer, ou ma ximizar, o lucro é um problema mal estruturado. estr uturado. Mesmo em uma mercearia de esquina, existem centenas ou milhares de ajustes possíveis que se podem fazer, e milhões em uma empresa de qualquer tamanho – a complexidade da situação pode ser opressiva. Pensando em sua loja, Stephanie diagnosticou seu desafio como a concorrência com o supermercado local. Ela precisava tirar os clientes de uma loja que ficava aberta 24 horas por dia e que tinha preços mais baixos. Procurando um caminho para seguir, ela refletiu que a maioria de seus s eus clientes era de pessoas que passavam pela frente da loja todos os dias. Eles trabalhavam ou moravam nas proximidades. Ao verificar sua lista de perguntas e alternativas, ela concluiu que existia uma escolha entre atender os estudantes mais conscientes em relação aos preços ou os profissionais mais sensíveis ao tempo. Transcendendo milhares de escolhas individuais e, em vez disso, diss o, enquadrando o problema em termos de escolher entre poucos grupos de clientes, ela conseguiu reduzir significativamente a complexidade. Certamente se ambos os segmentos de clientes pudessem ser atendidos com as mesmas políticas e ações, então a dicotomia teria sido inútil e colocada de lado. No caso de Stephanie, a diferença parecia significativa. A maior parte de seus clientes era de estudantes, mas os profissionais que entravam faziam compras de valores muito maiores. Indo ainda mais longe, Stephanie começou a explorar a diretriz política de “atender o profissional ocupado”. Após mais alguns retoques, Stephanie aprofundou um pouco mais a diretriz política decidindo focar-se “no profissional ocupado que tem pouco tempo para cozinhar”. Não havia como estabelecer se essa diretriz política específica era apenas uma boa alternativa ou a melhor. No entanto, sem uma boa diretriz política, não haveria nenhum princípio de ação a seguir. Sem uma diretriz política, as ações de Stephanie e as alocações de recursos provavelmente seriam inconsistentes e incoerentes, lutando entre si e anulando umas às outras. Sobretudo, a adoção dessa diretriz política ajudou a revelar e organizar as interações entre as muitas ações possíveis. Pensando nas necessidades dos profissionais ocupados com pouco tempo para cozinhar, ela pôde ver que uma segunda caixa registradora ajudaria a dar conta da concentração de clientes às 17 horas. O mesmo valeria para o estacionamento no beco. Além disso, ela percebeu que poderia pegar o espaço atualmente utilizado para vender petiscos aos
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estudantes e oferecer, em seu lugar, comidas prontas de alta qualidade para levar para casa. Os profissionais, diferentemente dos estudantes, não viriam fazer compras à meia-noite, logo não haveria necessidade de ficar aberto até tarde. Os profissionais ocupados gostariam que houvesse um quadro de pessoal adequado após o trabalho e, talvez, na hora do almoço. O fato de haver uma diretriz política ajudou a criar ações que fossem coordenadas e concentradas, focando seus esforços.
AÇÃO COERENTE Muitas pessoas chamam a diretriz política de “estratégia” e param por aí. Isso é um erro. A estratégia refere-se à ação, a fazer algo. O cerne de uma estratégia precisa conter ação. Ela não precisa indicar todas as ações que serão adotadas à medida que os eventos forem se desenrolando, mas deve haver clareza suficiente sobre as ações para trazer os conceitos para a Terra. Para ter eficácia, as ações devem estar coordenadas e se desenvolver umas sobre as outras, focando a energia organizacional.
Passando para a ação A INSEAD, uma escola global de negócios localizada na França, foi ideia do professor de Harvard, General Georges F. Doriot. Na biblioteca da INSEAD, fica uma estátua de bronze de Doriot, onde está inscrita sua observação: “Sem ação, o mundo ainda seria uma ideia.” Em muitas situações, o principal impedimento para a ação é a esperança vã de que certas escolhas ou ações dolorosas possam ser evitadas – que toda a longa lista de “prioridades” pretendidas possa ser integralmente alcançada. O duro ofício da estratégia é exatamente decidir qual prioridade terá precedência. Somente depois é que a ação poderá ser tomada. Curiosamente, não há melhor ferramenta para aguçar as ideias estratégicas do que a necessidade de agir. X
O presidente do European Business Group tinha um discreto escritório pri vado em uma clássica clássi ca casa londrina, a oeste do Parque St. James. Eu estava lá para discutir o progresso da iniciativa “Pan-Europeia” da companhia.
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Fabricante de bens de consumo, a companhia tinha uma organização internacional caracteristicamente complexa. Havia organizações de marketing sediadas nos países; operações de fabricação dirigidas globalmente; e quatro centros de desenvolvimento de produtos: um na América do Norte, um no Japão, um na Alemanha Alemanha e um no Reino Unido. Os gerentes de produto eram responsáveis por coordenar as atividades, mas não tinham autoridade direta. Os produtos tendiam a se adequar ao país ou às diferenças regionais, em parte como resultado de algumas aquisições locais e, em parte, devido à percepção de diferenças locais em termos de gostos. A alta administração acreditava que os negócios europeus da companhia eram muito fragmentados. Ela queria que a maior parte dos produtos ofertados na Europa fosse pan-europeia, explorando maiores economias de escala tanto na produção quanto no marketing. A administração aplicou tempo e esforço para comunicar a mensagem sobre a linha de produtos pan-europeus e criou alguns mecanismos para que isso fosse possível. Os chefes das organizações sediadas nos países foram colocados em um Comitê Executivo Pan-Europeu que se reunia uma vez por trimestre. Os desenvolvedores de produtos da Alemanha e do Reino Unido foram alternados entre os dois locais. Foi criado um grupo de No vos Pro Produt dutos os que dev deveri eriaa con consul sultar tar tod todos os os dep depart artame amento ntoss sobr sobree opor oportun tunida idades des para conceitos e marcas pan-europeias. Parte da avaliação de promoção de cada executivo se baseou em sua contribuição para a iniciativa Pan-Europeia. Apesar dessas medidas, nada mais aconteceu. Os desenvolvedores alemães e britânicos reclamavam que suas iniciativas não eram apoiadas pelos outros. Uma iniciativa conjunta britânico-alemã não foi adotada pelo restante da organização. À medida que íamos discutindo a situação, a frustração de meu cliente se tornava cada vez mais evidente. Eu parei de tomar notas e nós nos levantamos, caminhamos até a janela e ficamos olhando para as casas nas proximidades. “Suponha”, eu disse, “que isso fosse realmente importante, algo crítico, de elevada prioridade. Suponha que você efetivamente precise precis e desenvolver e comercializar alguns produtos pan-europeus nos próximos 18 meses ou tudo entrará em colapso. O que você faria então?”. “Uma coisa, eu faria”, ele disse jogando seus braços para cima e simulando uma rendição. “Eu fecharia um dos grupos de desenvolvimento. Eles passam mais tempo brigando do que desenvolvendo.” Depois ele pensou por um tempo e disse: “Eu fecharia ambas as unidades e abriria uma nova na Holanda. Existe um escritório de teste de mercado naquele país que poderíamos utilizar para iniciar os trabalhos. Poderíamos pegar alguns dos melhores quadros da Alemanha e do Reino Unido e começar
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do zero. Ainda assim, isso não resolveria o problema de incorporar os gerentes dos países.” “E a falta de entusiasmo destes gerentes seria pelo fato de...”, perguntei. “Bem, cada gerente passou anos entendendo as condições especiais de um país, adaptando produtos e programas de marketing para as condições locais. Eles não confiam na ideia Pan-Europeia. Os franceses não querem desperdiçar esforço de marketing em produtos que veem como ‘muito britânicos’ ou ‘muito germânicos’. Na verdade, não houve ainda um produto pan-europeu atraente que todos pudessem apoiar. Se já fôssemos um sucesso s ucesso em três ou quatro países, o restante viria atrás. Porém, todos têm sua atual carteira de produtos para se preocupar.” “Certo”, eu disse. “Em seus empregos eles estão conduzindo o atual sistema baseado nos países, e você quer iniciativas pan-europeias. Você pode usar um sapato para martelar um prego, mas levará um longo tempo. Será que não precisaria de uma ferramenta diferente para concluir essa tarefa? Se fosse realmente importante realizá-la, acho que você sabe s abe como fazer.” “Sem dúvida”, ele disse. “Poderíamos ter um único grupo desenvolvendo, implantando e comercializando produtos pan-europeus, e assumindo a responsabilidade total pelos lucros.” “Ao mesmo tempo”, acrescentei, “você precisaria intervir no sistema com base em países, aplicando acréscimos orçamentários especiais para essa iniciativa, dando promoções para as pessoas que ajudarem no processo e trazentr azendo problemas para a carreira daqueles que não ajudarem”. Voltamos para o centro do escritório e ele sentou à sua mesa de trabalho, t rabalho, uma posição de autoridade. Olhou para mim e disse: “Este será um caminho bem doloroso. Mexerá com a vida de muita gente. Seria melhor convencer as pessoas sobre este ponto de vista do que forçá-las a aceitar.” “Certo”, eu disse. “Você só deve assumir todos esses passos dolorosos se for realmente importante agir conforme este conceito. Somente se for realmente importante.” Passaram-se mais nove meses para que ele decidisse que a iniciativa paneuropeia era, de fato, importante e começasse a reorganizar as operações europeias. Não havia solução mágica para seu problema de querer um marketing forte sediado nos países, iniciativas pan-europeias e não mexer com as pessoas, tudo ao mesmo tempo. Na medida em que a estratégia permanecia em nível de intenções e conceitos, os conflitos em termos de valores e entre a organização e a iniciativa manteve-se tolerável. O imperativo da ação é que forçou a decisão sobre qual aspecto seria realmente o mais importante.
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Este problema executivo foi principalmente organizacional e não um problema de concorrência de produtos e mercados. O entanto, o cerne da estratégia (diagnóstico, diretriz política e ação coerente) se aplica a qualquer situação complexa. Neste exemplo, como em muitos casos, as ações necessárias não são misteriosas. O impedimento foi a esperança de que o sofrimento com essas ações pudessem, de alguma forma, ser evitado. De fato, sempre esperamos que uma ideia brilhante ou uma concepção bastante inteligente nos permita realizar vários objetivos aparentemente conflitantes de um único golpe, e às vezes nos é concedido esse tipo de libertação. Porém, a estratégia refere-se principalmente à decisão sobre o que é verdadeiramente importante e concentrar recursos e ações visando esse objetivo. Trata-se de uma questão difícil, pois a concentração em um objetivo significa desprezar outro.
Coerência As ações dentro do cerne da estratégia devem ser coerentes. Isto é, a distribuição de recursos, as políticas e as manobras que são adotadas devem mostrar-se consistentes e coordenadas. A coordenação da ação propicia a fonte básica de alavancagem ou vantagem disponível na estratégia. Em uma luta, a estratégia mais simples é uma finta para a esquerda e um soco de direita; uma coordenação de movimentos no tempo e no espaço. A estratégia mais simples nos negócios é utilizar o conhecimento adquirido pelas vendas e pelos especialistas de marketing para afetar a capacidade de expansão e as decisões de projeto dos produtos – coordenação pelas funções e pelas bases de conhecimento. Mesmo quando uma organização tem uma fonte básica e, aparentemente, simples de vantagem, como a de ter baixo custo de fabricação, um exame detalhado sempre revelará um conjunto de políticas de apoio mutuamente relacionadas que, nesse caso, mantém os custos baixos. Além disso, descobriremos que esses custos são menores somente para certos tipos de produtos entregues em certas condições. A utilização eficaz dessa vantagem de custo exige o alinhamento de muitas ações e políticas. As ações estratégicas que não se mostram coerentes estão em conflito entre si ou são adotadas na busca de desafios não relacionados. Considere a Ford Motor Company. Quando Jacques Nasser era o CEO da Ford Europe e vice-presidente do desenvolvimento de produto da Ford, ele me disse: “A marca é o fundamental para se lucrar na indústria automobilística.” 6 Promo vido para o posto de CEO corporativo em 1999, Nasser rapidamente agiu no sentido de adquirir a Volvo, a Jaguar, a Land Rover e a Aston Martin.
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Entretanto, ao mesmo tempo, a diretriz política original da companhia de “economias de escala” estava em plena atividade e vigor. Um executivo sênior da Ford me contou em 2000: “Você não consegue ser competitivo na indústria automobilística a menos que produza no mínimo um milhão de unidades por ano em uma plataforma.” Assim, as ações de comprar as fábricas da Volvo e do Jaguar estavam conjugadas com ações concebidas para colocar ambas as marcas sob uma plataforma comum. Colocar a Volvo e o Jaguar sob a mesma plataforma dilui o valor de marca de ambos e irrita as concessionárias, oficinas mecânicas e clientes mais apaixonados. Os compradores de automóveis da Volvo não querem um “Jaguar seguro”. E os compradores do Jaguar querem algo mais especial do que um “Volvo esportivo”. Esses dois conjuntos de conceitos e ações eram mais conflitantes do que coerentes. E o que dizer de uma lista de ações não conflitantes, porém não coordenadas? Em 2003, trabalhei com uma companhia cuja estratégia inicial era (1) fechar uma fábrica em Akron e abrir uma nova planta no México, (2) gastar mais em publicidade e (3) iniciar um programa de avaliação de 360 graus. Todas essas ações podem ter sido boas ideias, mas não se complementavam entre si. Elas eram “estratégicas” apenas no sentido de que provavelmente cada uma delas requeria a aprovação da alta administração. Minha opinião é que fazer essas coisas pode soar como uma gestão operacional, mas não se constitui em uma estratégia. A estratégia coordena ações para atacar um desafio específico. Ela não é definida pelo grau hierárquico da pessoa que autoriza a ação. A ideia de que a coordenação, em si mesma, possa ser uma fonte de vantagem é um princípio bastante profundo. Ela é, muitas vezes, pouco valorizada, porque as pessoas tendem a pensar na coordenação em termos de ajustes mútuos contínuos entre agentes. A coordenação estratégica, ou coerência, não é a execução de ajustes mútuos específicos; é a coerência imposta sobre um sistema através de política e projeto. Mais especificamente, o projeto é a engenharia do ajuste entre as partes, especificando como as ações e os recursos serão combinados (essa abordagem sobre coerência é o assunto do Capítulo 9). Outra maneira eficaz de coordenar ações é pela especificação de um ob jetivo imediato. Por “imediato”, quero dizer um estado de coisas próximo o bastante do alcance das mãos para ser exequível. Se um objetivo for claro e exequível, ele pode ajudar a coordenar tanto a solução do problema quanto a ação direta (você encontrará mais a respeito desta ferramenta importante no Capítulo 7).
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A estratégia é visível como ação coordenada imposta sobre um sistema. Quando digo que a estratégia é “imposta”, quero dizer exatamente isso. Ela é um exercício de poder centralizado utilizado para superar o funcionamento normal de um sistema. Essa coordenação não é natural, no sentido de que não ocorreria sem a mão da estratégia. A ideia de direcionamento centralizado pode desencadear um sinal de alerta em uma pessoa com educação moderna. Por que faria sentido exercitar o poder centralizado quando sabemos que muitas decisões são tomadas de maneira eficiente em uma base descentralizada? Uma das grandes lições do século XX (o mais drástico experimento controlado da história da humanidade) foi que as economias centralizadas são extremamente ineficientes. Mais pessoas morreram de fome sob os regimes centralmente planejados de Stalin e Mao Tse-tung do que foram mortas na Segunda Guerra Mundial. As pessoas continuam a morrer de fome na Coréia do Norte de hoje. Nas economias modernas, trilhões de escolhas descentralizadas são feitas a cada ano e este processo consegue realizar um trabalho muito bom em termos de alocar certos tipos de recursos escassos. Assim, quando o preço da gasolina sobe, as pessoas começam a comprar carros com consumo mais eficiente sem qualquer planejamento central. Após um furacão, quando há muito para reconstruir, os salários aumentam, atraindo mais trabalhadores para as áreas atingidas. No entanto, a tomada de decisão descentralizada não consegue fazer tudo. Em especial, ela pode não funcionar quando os custos ou benefícios das ações não estão diretamente ligados aos atores descentralizados. A divisão entre custos e benefícios pode ocorrer por unidades organizacionais ou entre o presente e o futuro. Além disso, a coordenação descentralizada também é difícil quando os benefícios somente se acumulam e as decisões são apropriadamente coordenadas. Certamente, as políticas concebidas de forma centralizada também podem não funcionar se os tomadores de decisão forem tolos, estiverem a serviço de grupos de interesses especiais ou se escolherem incorretamente. A título de exemplo simples, os vendedores adoram agradar os clientes com pedidos urgentes, enquanto o pessoal de fábrica prefere longos ciclos ininterruptos de produção. Porém, você não pode ter longos ciclos de produção e, ao mesmo tempo, lidar com pedidos urgentes inesperados. É necessário contar com políticas que beneficiem a todos para resolver esse conflito. Visto de um panorama mais amplo, na Segunda Guerra Mundial o Presidente Franklin D. Roosevelt coordenou a política, a economia e o poder
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militar para derrotar a Alemanha nazista, utilizando a capacidade produtiva dos Estados Unidos para apoiar a União Soviética, permitindo, assim, que ela sobrevivesse e solapasse a máquina de guerra nazista antes de os americanos desembarcarem na Normandia. Outro elemento de sua estratégia, com grandes consequências, foi concentrar o grosso dos recursos americanos para primeiro vencer na Europa antes de atacar plenamente no Japão, representando uma complexa coordenação de forças ao longo do tempo. Nenhuma dessas estratégias cruciais teria surgido de uma tomada de decisão descentralizada entre os Departamentos de Estado e da Guerra, os vários conselhos de produção em tempos de guerra e os múltiplos comandos militares. Por outro lado, os ganhos possíveis com a coordenação não significam que a coordenação direcionada de forma mais centralizada seja sempre uma boa coisa. A coordenação é onerosa porque luta contra os ganhos com a especialização, que representa a economia básica em atividades organizadas. Grosso modo, especializar-se em algo implica ser deixado em paz para fazer aquela coisa específica e não ser incomodado por outras tarefas, interrupções e agendas de outros agentes. Como deve ser claro para qualquer pessoa que já pertenceu a um comitê coordenador, coordenador, a coordenação interrompe e promove a não especialização das pessoas. Assim, devemos buscar políticas coordenadas apenas quando os ganhos são muito grandes. Haverá custos na exigência de coordenação porque ela passará por cima de economias advindas da especialização e de respostas locais mais matizadas. O brilhantismo bri lhantismo da boa organização não é o de garantir que tudo esteja conectado entre si. Na sequência, será possível chegar a um estado congelado e desajustado. A boa estratégia e a boa organização estão na especialização das atividades corretas e na imposição de apenas uma quantidade essencial de coordenação.
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PARTEE III I PART FONTTES DE PODE FON PO DERR Em termos bastante gerais, uma boa estratégia funciona mobilizando o poder e aplicando-o onde ele terá maior efeito. Em curto prazo, isso pode significar atacar um problema ou um rival com uma hábil combinação de políticas, ações e recursos. Em longo prazo, pode envolver a utilização inteligente de políticas e comprometimento de recursos para desenvolver capacitações que serão valiosas em disputas futuras. Em ambos os casos, a “boa estratégia” é uma abordagem que amplia a eficáefi cácia das ações, encontrando e utilizando as fontes de poder. Esta parte do livro analisa algumas fontes fundamentais de poder utilizadas em boas estratégias: alavancagem, objetivos imediatos, sistemas de elos em cadeia, projeto, foco, crescimento, vantagem, dinâmica, inércia e entropia. Obviamente, esse conjunto não é exaustivo. Existe muito mais para se conhecer sobre estratégia do que um único volume poderia tratar. As fontes de poder (e problemas) destacadas aqui foram escolhidas tanto por sua generalidade quanto por seu vigor. Boa parte delas se estende para além do contexto de negócios e se aplica também a situações de governo, segurança e entidades sem fins lucrativos. Além do mais, elas exploram situações específicas que acredito serem fundamentais, mas que não têm recebido a devida atenção que merecem. A última parte desta seção, o Capítulo 15, utiliza o exemplo da estratégia da Nvidia no mercado de gráficos em 3-D para ilustrar quase todas as fontes de poder tratadas aqui. Alguns leitores poderão preferir começar por ele e depois retornar para os Capítulos 6 a 14, para uma análise mais profunda de cada assunto.
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A boa estratégia extrai poder de mentes, energia e ações focadas. Este foco, canalizado no momento correto para objetivos centrais, consegue produzir uma cascata de resultados favoráveis. Eu chamo essa fonte de poder de alavancagem.* Arquimedes, uma das pessoas mais inteligentes que já existiram, disse: “Dê-me uma alavanca suficientemente grande, um ponto de apoio forte o bastante e eu moverei o mundo.” O que ele, sem dúvida, sabia, mas não disse, é que, para mover a Terra, sua alavanca precisaria ter bilhões de quilômetros de comprimento.1 Com essa alavanca enorme, um impulso do braço de Arquimedes poderia mover a Terra pelo diâmetro de um átomo. Dada a quantidade de trabalho envolvida, ele teria sido sábio em aplicar sua alavanca em um ponto no qual esse minúsculo movimento faria a maior diferença. Encontrar esses pontos centrais cruciais e concentrar a força neles é o segredo da alavancagem estratégica. Bata em uma pedra angular solta e um arco gigantesco cairá. Aproveite o momento, como fez James Madison em 1787, transformando as ideias do colega Edmund Randolph sobre três poderes do governo com uma legislatura bicameral no primeiro esboço da Constituição e você poderá fundar uma grande nação. Quando a maior companhia de computador do mundo vier bater à sua porta perguntando se você pode fornecer um sistema operacional para um novo computador pessoal, diga: “Sim, nós podemos!” E certifique-se de insistir, como Bill Gates fez em 1980, que, após lhe pagar pelo software, o *De forma mais técnica, a alavancagem é um tipo de vantagem livre de contexto, não estando enraizada na mecânica específica de um negócio, setor de atividade ou situação.
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contrato ainda lhe permita vendê-lo a terceiros. Você pode se s e tornar a pessoa mais rica do mundo. Em geral, a alavancagem estratégica surge de uma mistura de antecipação, insight sobre o que é mais crítico crít ico ou central em uma situação e fazer uma aplicação concentrada de esforço.
ANTECIPAÇÃO O estrategista precisa ter ideia sobre os aspectos previsíveis do comportamento dos outros que podem ser transformados em vantagem. Em termos mais simples, uma estratégia de se investir em um imóvel em Manhattan se baseia na antecipação de que a demanda futura de outras pessoas por esse imóvel aumentará seu valor. val or. Na estr estraté atégia gia de con concor corrên rência cia,, as ant anteci ecipaç paçõe õess fun fundam dament entais ais são ger geralalmente sobre a demanda dos compradores e as reações dos concorrentes. Como exemplo de antecipação, enquanto crescia a mania dos carros SUV nos Estados Unidos, a Toyota investiu mais de $1 bilhão no desenvolvimento de tecnologia de carro híbrido movido a gasolina-eletricidade: uma transmissão de velocidade continuamente variável controlada eletronicamente e seus chips e software para controlar o sistema. Existiram duas antecipações orientando esse investimento. Primeiro, a gestão da empresa acreditava que as pressões para a economia de combustível fariam com que, ao longo do tempo, os veículos híbridos se tornassem uma das principais categorias de produtos. Segundo, a gestão acreditava que, quando se vissem diante da possibilidade de utilizar sob licença a tecnologia da Toyota, os outros fabricantes de veículos o fariam e não investiriam no desenvolvimento de sistemas possivelmente superiores. Até agora, ambas as previsões se mostraram razoavelmente precisas. As antecipações mais fundamentais dizem respeito ao comportamento dos outros, principalmente os rivais. Agora está claro que os planos militares dos Estados Unidos para a invasão do Iraque na primavera de 2003 não anteciparam o surgimento de uma vigorosa insurgência. Conforme afirma a própria avaliação do Exército: “A dificuldade no Iraque em abril e maio de 2003 para o Exército e outros serviços foi que a transição tr ansição para uma nova campanha não foi bem pensada, planejada e preparada antes que começasse. Além disso, os pressupostos sobre a natureza do Iraque pós-Saddam em que a transição foi planejada se mostraram em grande parte incorretos.”2 Ao mesmo tempo, a insurgência iraquiana foi iniciada, pelo menos em parte, por ex-oficiais militares do Iraque que anteciparam o fato de que a
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cobertura da mídia sobre as baixas dos Estados Unidos inclinaria a opinião pública americana a favor da retirada, como ocorreu no Vietnã e, mais recentemente, em Mogadíscio. De fato, de acordo com Bob Woodward, “Saddam encomendou uma tradução em árabe do livro Falcão negro em perigo e imprimiu cópias para seus oficiais graduados”. 3 Assim, em um sentido mais profundo, os planejadores dos Estados Unidos não anteciparam as pre visões iraquianas. Boa parte da antecipação estratégica baseia-se na “consequência” previsível de resultados de eventos, de tendências em andamento, de dinâmicas econômicas e sociais previsíveis ou de rotinas seguidas por outros agentes que tornam previsíveis alguns aspectos de seu comportamento. Algumas das previsões mais notáveis já feitas nas empresas modernas foram desenvolvidas por Pierre Wack e Ted Newland, do Grupo de Planejamento da Shell International. Eu conheci Pierre Wack em 1980. Ele me contou que “certos aspectos dos eventos futuros são predeterminados: se ocorre uma tempestade nos Himalaias, você pode prever de forma confiável que amanhã, ou no dia seguinte, haverá inundações na planície do Ganges”. A inundação que Wack e Newland previram nos idos de 1970 foi o surgimento da OPEP e a crise energética que se seguiu. A tempestade que gerou essa inundação foi detectada no padrão de renda e de população dos principais países produtores de petróleo. Especificamente, Irã, Iraque e Venezuela possuíam elevadas reservas de petróleo, grandes populações em crescimento e metas ambiciosas de desenvolvimento. Wack e Newland previram que esses países estariam fortemente motivados a buscar aumentos de preços. Eles anteciparam que os aumentos de preços, por sua vez, despertariam os países como Arábia Saudita e Kuwait para o fato de que o petróleo no chão valorizaria mais rápido do que os dólares comprados quando ele fosse bombeado e vendido. 4 Em 1981, tive a felicidade de passar uma semana com Pierre Wack, em um retiro para planejamento do Shell Group, em Runnymede, na Inglaterra. Falando sobre cenários, ele me disse: Ao prever “cenários” padrões, você acaba com um gráfico de três linhas marcadas “alto”, “médio” e “baixo”. Todo mundo olha para o gráfico e acredita que prestou a devida atenção às incertezas. Então, naturalmente, eles planejam com base no “médio”! Porém, estão esquecendo o risco. O risco não é que o preço do petróleo possa estar alto ou possa estar baixo. O risco é que ele venha a subir, forçando-o a fazer um grande investimento, e depois vire e mergulhe para baixo, deixando-o com bens inúteis.
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A situação com a qual Pierre Wack se preocupava em 1981 ocorreria ao longo da próxima década, quando o preço do petróleo interrompeu sua tendência ascendente em aproximadamente $36 por barril e depois virou e afundou para $20 o barril. Conforme ele previu, a forte alta dos preços do petróleo no final da década de 1970 estimulou novas perfurações e exploração. Porém, quando as novas descobertas no Mar do Norte e no Alasca vieram à tona, o suprimento maior forçou o preço do petróleo para baixo. As pessoas sem o insight de Wack (como o magnata americano do petróleo, George W. Bush) que investiram pesadamente na perfuração marítima viram seus negócios entrarem em colapso. X
A antecipação não requer poderes psíquicos. Em muitas circunstâncias, a antecipação significa apenas pensar nos hábitos, preferências e políticas dos outros, assim como nas várias inércias e restrições às mudanças. Assim, não espero que a Califórnia venha a equilibrar seu orçamento em breve, mas eu antecipo que continuará a haver um êxodo de talentos do estado. Tenho a expectativa de que haverá um novo ataque terrorista nos Estados Unidos, mas não antecipo que a estúpida cortina de ferro entre a CIA e o FBI venha a ser removida antes de uma guerra total. Tenho a expectativa de que o Google continuará a desenvolver aplicativos voltados aos escritórios que possam ser utilizados on-line através de um navegador, mas não antecipo respostas eficazes da Microsoft, que será contrária a agir como canibal em seu negócio do Microsoft Office baseado em PCs. Antecipo o rápido crescimento da utilização de smartphones, mas também antecipo que isso venha a sobrecarregar a infraestrutura dos telefones celulares, levando a alguma consolidação no setor e a uma estrutura de cobrança baseada no uso.
PONTOS CENTRAIS Para conseguir alavancar, o estrategista precisa ter insight sobre um ponto central que amplie os efeitos da energia e dos recursos concentrados. A título de exemplo de objetivo central, em 2008 eu estava em Tóquio discutindo estratégia competitiva com Noritoshi Murata, presidente e COO (Chief Operating Officer) da Seven & i Holdings. Essa companhia é proprietária de todas as lojas de conveniência da 7-Eleven nos Estados Unidos e na Ásia,
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assim como de supermercados e lojas de departamento no Japão e outros empreendimentos. Tendo como foco o Japão, Murata explicou que a companhia chegou à conclusão de que os clientes japoneses eram extremamente sensíveis a variações de gostos locais e que apreciavam variedade e novidade. “No Japão”, ele me disse, “os consumidores ficam facilmente entediados. Nos refrigerantes, por exemplo, existem mais de 200 marcas e muitos novos a cada semana! A 7-Eleven oferece 50 variedades, com rotatividade de 70% a cada ano. O mesmo vale para muitas categorias de alimentos”. Para gerar alavancagem em torno desse padrão, a 7-Eleven do Japão desenvolveu um método para reunir informações dos gerentes de loja e empregados sobre os gostos locais e para formar equipes de comercialização com resposta rápida para desenvolver ofertas de novos produtos. Para alavancar ainda mais essas informações e as habilidades das equipes, a companhia desenvolveu relações com alguns fabricantes de alimentos de segundo e terceiro escalões e descobriu maneiras de rapidamente trazer novas ofertas para comercializar sob sua própria marca (com preços baixos) utilizando o excesso de capacidade dos fabricantes de alimentos. Ao mesmo tempo, a 7-Eleven estava expandindo suas operações para a China. Naquele país, Murata explicou, sua grande vantagem era o serviço e a limpeza. Os consumidores chineses estavam acostumados a suplicar nos estabelecimentos de varejo, e a tradição do 7-Eleven do Japão, no sentido de apresentar o interior da loja impecável e de ter um pessoal atencioso e educado que cumprimentava os fregueses com mesuras e sorrisos, além de suas refeições saborosas, estava levando ao dobro de vendas por metro quadrado do que o obtido por qualquer concorrente. A estratégia de Murata concentrou a energia organizacional em aspectos decisivos da situação. Não era um plano de lucros ou um conjunto de metas financeiras. Foi o insight empreendedor dentro da situação que teve o potencial de realmente criar e ampliar a vantagem. X
Um ponto central amplia o efeito do esforço. Trata-se de um desequilíbrio natural ou criado em uma situação; um lugar no qual um ajuste relativamente pequeno consegue desencadear forças reprimidas muito maiores. O estrategista de negócios sente esses desequilíbrios de demanda reprimida que ainda precisa ser atendida ou em uma competência robusta que foi desenvolvida dentro de um contexto e que pode ser aplicada com bons resultados em outro.
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Na concorrência direta, o ponto central pode ser o desequilíbrio entre a posição ou disposição de forças de um concorrente e sua capacidade subjacente, ou entre a pretensão e a realidade. Em 12 de junho de 1987, o Presidente Reagan esteve no Portão de Brandemburgo, em Berlim Ocidental, e disse: “General-Secretário Gorbachev, se o senhor busca paz, se o senhor busca prosperidade para a União Soviética e para a Europa Oriental, se o senhor busca a liberalização: venha aqui até este portão! Senhor Gorbachev, abra este portão! Senhor Gorbachev, derrube este muro!” Certamente, Reagan não esperava que Gorbachev fizesse tal coisa. O discurso foi dirigido para os europeus ocidentais e seu propósito era o de destacar, e depois explorar, o desequilíbrio entre um sistema que permitia a livre movimentação de pessoas com outro que restringia seus cidadãos com concreto e arame farpado. Esse desequilíbrio havia existido por décadas. Se Reagan tivesse lançado semelhante desafio para Yuri Andropov em 1983, teria obtido um efeito pequeno. Isso se tornou um ponto central por causa do desequilíbrio adicional entre a afirmação de Mikhail Gorbachev de que a União Soviética estaria liberalizando e os fatos concretos.
CONCENTRAÇÃO Os retornos da concentração surgem quando o foco dos recursos em objetivos menores ou mais limitados gera recompensas maiores. Esses ganhos fluem pela combinação de restrições e efeitos-limite. Se os recursos não fossem limitados, não haveria necessidade de selecionar um objetivo sobre outro. Se os inimigos pudessem facilmente ver nossos movimentos e rapidamente mobilizar respostas, ganharíamos pouco em concentrar sobre fraquezas temporárias. Se a liderança graduada não possuísse cognição limitada, eles não ganhariam nada em concentrar a atenção em poucas prioridades. O “efeito-limite” existe quando há um nível crítico do esforço necessário para afetar o sistema. Os níveis de esforço abaixo desse limite geram recompensas pequenas. Quando há efeitos-limite, é prudente concentrar os objetivos naqueles que possam ser afetados pelos recursos à disposição do estrategista. Por exemplo, parece haver um efeito limite na publicidade. Em outras palavras, uma quantidade muito pequena de publicidade não produz resultado algum. É preciso superar esse obstáculo, ou limite, para começar a obter resposta aos esforços de publicidade.5 Isso significa que pode valer a pena
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que as companhias avaliem sua publicidade, concentrando-a em períodos de tempo relativamente curtos, e não distribuindo-a de modo uniforme. Pode também fazer sentido que uma companhia lance um novo produto região por região, concentrando sua publicidade onde o produto é novo, de modo a estimular a adoção. Devido a forças semelhantes, o estrategista de negócios muitas vezes preferirá dominar um pequeno segmento de mercado a ter um número igual de clientes que representem apenas uma pequena parcela de um mercado maior. Os políticos geralmente preferem um plano que gere um claro benefício para um grupo determinado a outro que forneça benefícios maiores espalhados de forma delegada pela população. Dentro de organizações, alguns dos fatores que dão origem à concentração são os substanciais efeitos-limite ao se efetuarem mudanças e os limites cognitivos e de atenção do grupo da alta administração. Da mesma forma que um indivíduo não consegue resolver cinco problemas de uma só vez, muitas organizações se concentram em umas poucas questões críticas a cada momento. Do ponto de vista psicológico, pode haver retorno em focar ou se concentrar quando as pessoas ignoram sinais abaixo de certo limite (chamado de “efeito relevância” em psicologia) ou quando acreditam no impulso – de que o sucesso leva ao sucesso. Em ambos os casos, o estrategista pode aumentar a percepção da eficácia da ação concentrando o esforço em alvos atentos e formadores de opinião. Pode haver mais impacto na opinião pública, por exemplo, reformulando por completo duas escolas, em vez de fazer 2% de melhorias em 200 escolas. Por sua vez, a percepção que as pessoas têm da eficácia afeta sua disposição em apoiar e tomar parte em mais ações. Um exemplo de concentração em um objetivo eficaz foi a estratégia de Harold Williams para o Getty Trust. Quando o bilionário do petróleo J. Paul Getty morreu em 1976, deixou $700 milhões em custódia para o museu que havia construído e dirigido em Malibu, na Califórnia. Williams, que fora diretor da escola de administração da UCLA, tinha ido para a presidência da Comissão de Valores Mobiliários. Depois, em 1983, ele conseguiu o melhor emprego do mundo: a presidência da Getty Trust. Na época, os investimentos haviam crescido para $1,4 bilhão e havia previsão legal de se gastarem 4,5% de seu principal a cada ano (cerca de $65 milhões). Durante o mandato de Williams, a Fundação Getty cresceu, evoluindo de uma pequena coleção de elite para uma grande força no mundo das artes. Em uma conversa que tive com ele em 2000, três anos após sua aposentadoria, Williams explicou sua estratégia:
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O Getty Trust era uma grande soma de dinheiro e precisávamos gastar uma quantia considerável a cada ano. Nossa área de atividade era a arte, mas eu é que decidia como realmente gastar os fundos. Poderíamos ter construído uma grande coleção, o que teria sido a coisa óbvia a fazer. Comprar arte. Porém, eu não me sentia confortável com esse direcionamento. Tudo que conseguiríamos realizar dessa forma seria elevar o preço da arte e transferir parte dela de Nova York e Paris para Los Angeles. Levou algum tempo, mas comecei a desenvolver a ideia de que a arte poderia ser (de fato, deveria ser) um assunto mais sério do que vinha sendo. A arte não se refere apenas a objetos bonitos; ela é parte vital da atividade humana. Em uma universidade, as pessoas despendem um grande esforço estudando idiomas e histórias. Sabemos tudo sobre contratos de casamento em tribos remotas e histórias de muitos povos. A arte, porém, tem sido tratada como algo de importância secundária. Decidi que a Getty poderia mudar isso. Em vez de gastar nosso rendimento comprando arte, poderíamos transformar o assunto . A Getty começaria a construir um catálogo digital completo de toda a arte, incluindo dança, música e têxteis. Ela desenvolveria programas para formar professores de arte e acolher uma pesquisa avançada sobre arte e sociedade. A Getty acolheria os melhores talentos do mundo em conservação e desenvolveria novos métodos de conservação e restauração. Dessa maneira, decidi que teríamos um impacto bem maior do que apenas fazer exposições de arte. Com $65 milhões para gastar a cada ano, Williams poderia ter comprado arte ou dado dinheiro para escolas e universidades, para seus programas de arte. No entanto, visando transformar o estudo da arte, Williams concebeu um objetivo que era novo e bem dimensionado para os recursos à sua disposição. Resumindo: ele investiu onde seus recursos teriam maior impacto e seria mais visível. Este é o poder da concentração: escolher um objetivo que possa ser decisivamente afetado pelos recursos em mãos. Não há maneira de saber se a estratégia de Williams gerou um bem maior do que uma estratégia mais simples de distribuir dinheiro, mas teve maior impacto e, assim, atraiu mais energia e apoio de empregados e organizações externas.
CAPÍTULO 7 X
OBJETIVOS IMEDIATOS A loucura é a busca direta da felicidade e da beleza. George Bernard Shaw
Uma das ferramentas mais poderosas de um líder é a criação de um bom objetivo imediato – algo que esteja próximo o suficiente em mãos para ser viável. O objetivo imediato indica um alvo que seja razoável esperar que a organização atinja, ou até mesmo supere. Por exemplo, a convocação do presidente Kennedy para que os Estados Unidos colocassem um homem na Lua no final dos anos 1960 é, muitas vezes, apresentada como um impulso ousado rumo ao desconhecido. Junto com o discurso de Martin Luther King Jr., “Eu Tenho um Sonho”, ele tem se tornado quase referência obrigatória em qualquer manual atual de “como se tornar um líder carismático”, exaltando as virtudes mágicas da visão e das metas audaciosas. Na verdade, porém, a descida na Lua foi um objetivo imediato estratégico, escolhido cuidadosamente. O discurso de Kennedy de 1961 sobre esse assunto continua a ser um modelo de clareza. Procure-o na internet e faça uma leitura breve. Você ficará espantado em constatar como o discurso político mudou desde então. Kennedy falou como uma autoridade conversando com adultos, e não como um pregador dirigindo-se a crianças. Em seu discurso, Kennedy diagnosticou a opinião pública mundial como o problema. Ele disse: “As incríveis realizações no espaço ocorridas nas semanas recentes devem ter tornado claro para todos nós, como o fez o Sputnik em 1957, o impacto dessa aventura na mente dos homens em todos os lugares.” Ele argumentou que a estratégia da União Soviética, no sentido de focar seus recursos tecnológicos muito mais pobres no espaço, era o de alavancar, em seu proveito, o interesse natural mundial nessas realizações
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fora deste mundo. Ele argumentou que ser o primeiro a levar o homem até a Lua seria uma forte afirmação da liderança americana. Os Estados Unidos tinham, em última análise, muito mais recursos; era uma questão de alocar e coordená-los. É importante destacar que a missão na Lua havia sido considerada viá vel. Kennedy fez muito mais do que apontar para o objetivo: ele estabeleceu as etapas para atingi-lo – a exploração não tripulada, foguetes propulsores maiores, desenvolvimento em paralelo de foguetes de combustível sólido ou líquido e a construção de um veículo para o pouso. Esse objetivo era viável porque os engenheiros sabiam como projetar e construir foguetes e naves espaciais. Boa parte da tecnologia já havia sido desenvol vida como parte do programa de mísseis balísticos. Além disso, esse objetivo era intensamente estratégico. Ele surgiu diretamente da pergunta de Kennedy: “Como podemos derrotar os russos no espaço?” Em resposta a essa pergunta, o cientista de foguetes Werner von Braun observou que a União Soviética tinha grande vantagem em foguetes pesados. Isso significava que poderiam vencer em uma corrida para colocar um laboratório tripulado em órbita ou colocar um veículo não tripulado na Lua. Porém, argumentou von Braun: Temos uma boa probabilidade de enviar uma tripulação de três homens em volta da Lua antes dos soviéticos (1965-66)... [e] temos uma chance excelente de vencer os soviéticos no primeiro pouso de uma tripulação na Lua (incluindo a capacidade de retorno, claro). O motivo é a necessidade de um salto de desempenho por um fator de 10 sobre seus foguetes atuais para cumprir esta tarefa.1 Embora o lançamento de grandes veículos pela União Soviética tivesse colocado os Estados Unidos em desvantagem para realizar alguns espetáculos espaciais em médio prazo, o pouso na Lua exigiria foguetes muito maiores do que as duas nações possuíam, dando aos Estados Unidos uma vantagem por sua maior base de recursos. Assim, von Braun recomendou o anúncio preventivo do objetivo mais audacioso porque os Estados Unidos tinham uma boa chance de vencer os russos em sua realização. O discurso de Kennedy foi feito um mês após a chegada do memorando de von Braun. O objetivo estabelecido por Kennedy, aparentemente audacioso para o leigo, era bastante imediato. Era uma questão de manobrar os recursos e a vontade política. Atualmente, por exemplo, colocar um americano em Marte até 2020 é um objetivo difícil, embora imediato – haverá problemas por resolver,
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mas nenhum motivo para não esperar sua resolução. Infelizmente, desde os tempos de Kennedy, tem havido uma tendência crescente de se definirem metas que ninguém sabe realmente como atingir, fingindo que são viáveis. Pegue, por exemplo, a Guerra às Drogas. Não importa o quão desejável seja parar com o uso de drogas ilegais, isso não é um objetivo imediato, por não ser viável dentro do atual quadro jurídico e de aplicação da lei. De fato, os enormes esforços direcionados a esse objetivo só conseguem expulsar os traficantes mais insignificantes, aumentar os preços nas ruas e tornar ainda mais lucrativa a atividade para os sofisticados cartéis de drogas. Outro exemplo é o contínuo chamado pela independência energética, um objetivo que permanece inviável na falta de uma política corajosa no sentido de aumentar os preços da gasolina e se comprometer com o desenvolvimento da energia nuclear.
SOLUÇÃO DA AMBIGUIDADE Dois anos após Kennedy haver estabelecido o compromisso dos Estados Unidos de levar o homem para pousar na Lua, eu estava trabalhando como engenheiro no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da NASA. Lá, aprendi que a viabilidade de um bom objetivo imediato faz maravilhas em termos de energia e foco organizacional. Um dos principais projetos no JPL era o Surveyor, uma máquina não tripulada que pousaria na Lua, faria medições, tiraria fotografias e, nas últimas missões, levaria um pequeno veículo para locomoção. O problema mais incômodo para a equipe de projeto Surveyor era que ninguém sabia como seria a superfície lunar.2 Os cientistas trabalharam com três ou quatro teorias de como a Lua havia se formado. A superfície lunar poderia ser macia, consistindo o pó a eras de bombardeamento de meteoros. Poderia ser um ninho de agulhas pontiagudas de cristais. Poderia ser um amontoado de pedras grandes, como uma geleira glacial. O veículo afundaria no pó? Seria perfurado por cristais pontiagudos? Ficaria preso entre pedras gigantescas? Em face dessa ambiguidade sobre a superfície lunar, os engenheiros tinham dificuldade de desenvolver projetos para o Surveyor. Não se tratava de não conseguir projetar um veículo; é que você não conseguia defender qualquer projeto contra a história que alguém formulasse sobre os possíveis horrores da superfície lunar. Naquela época, eu trabalhava para Phyllis Buwalda, que dirigia os Estudos de Futuras Missões no JPL. Tendo sido educada em casa, em um rancho
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no Colorado, Phyllis tinha um intelecto prático e teimoso que conseguia ver a raiz de um problema. Ela ficou mais conhecida por seu trabalho em um modelo da superfície lunar.3 Com essa especificação, os engenheiros e subcontratados do JPL puderam parar de adivinhar e colocar mãos à obra. A superfície lunar que Phyllis descreveu era dura e granulosa, com encostas de não mais do que cerca de 15 graus, pequenas pedras espalhadas e pedregulhos não maiores do que cerca de 60 centímetros de diâmetro, espaçados aqui e acolá. Olhando pela primeira vez para essa especificação, fiquei impressionado. “Phyllis”, eu disse, “isto parece muito com o deserto do sudoeste”. “Parece, não é mesmo?”, ela respondeu com um sorriso. “Mas”, reclamei, “você realmente não sabe como é a Lua. Por que escre ver uma especificação dizendo que é parecido com um deserto aqui perto?”. “As partes mais suaves da Terra são dessa forma, portanto provavelmente esse é um bom palpite sobre o que encontraremos na Lua se ficarmos longe das montanhas.” “Mas você realmente não tem ideia de como seria a superfície da Lua! Pode ser em pó ou de agulhas irregulares...” “Olhe”, ela disse, “os engenheiros não conseguem trabalhar sem uma especificação. Se acabar se mostrando muito mais difícil do que isso, de qualquer forma não pretendemos mesmo passar muito tempo lá na Lua”. Sua especificação sobre a Lua não representava a verdade – a verdade era que não sabíamos. Tratava-se de um objetivo imediato estrategicamente escolhido – um que os engenheiros sabiam como enfrentar, logo, ajudou a acelerar o projeto. Ele também era sensato e inteligente ao mesmo tempo. Você poderia escrever uma tese de doutorado sobre as opções de análise implícitas no insight dela de que se a superfície lunar não pudesse suportar um pouso direto, nós teríamos muito mais do que um problema de projeto – todo o programa dos Estados Unidos de levar o homem para a Lua estaria em apuros. Escrevendo a história do Surveyor, Oran W. Nicks disse: “O modelo de engenharia da superfície lunar realmente utilizado para o projeto do Sur veyor foi desenvolvido após estudar todas as teorias e informações disponí veis. Felizmente, este modelo foi preparado por engenheiros que não estavam emocionalmente envolvidos na geração de teorias científicas, e os requisitos resultantes para o sistema de pouso foram notavelmente precisos.” 4 Essa especificação da superfície lunar absorveu boa parte da ambiguidade da situação, passando para os projetistas um problema mais simples. Não um problema facilmente resolvido, ou para o qual já existisse solução, mas um
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problema que era solucionável. Demandaria tempo e esforço, mas nós sabíamos que poderíamos construir uma máquina para pousar na Lua de Phyllis. Os Surveyors foram construídos pela Hughes Aircraft Company e cinco fizeram pousos bem-sucedidos na Lua em 1966 e 1967. O Surveyor 3 pousou no Oceano das Tormentas em 1967. Um pouco mais do que dois anos depois, a Apollo 12 pousou a 200 metros de distância e o comandante Pete Conrad caminhou até a máquina e tirou esta foto.
O insight de Phyllis, no sentido de que “os engenheiros não conseguem trabalhar sem uma especificação” aplica-se na maioria dos casos de esforço humano organizado. Da mesma forma que as equipes de projeto do Sur veyor, toda organização enfrenta uma situação em que sua complexidade e total ambiguidade são assustadoras. Uma obrigação importante de qualquer líder é absorver grande parte dessa complexidade e ambiguidade, passando um problema mais simples para a organização – que seja solucionável. Muitos líderes apresentam graves problemas em relação a essa responsabilidade, anunciando metas ambiciosas sem resolver um bom pedaço da ambiguidade sobre os obstáculos específicos a serem superados. Assumir a responsabilidade implica mais do que mostrar disposição em aceitar a culpa; significa estabelecer objetivos imediatos e entregar para a organização um problema que realmente possa ser resolvido.
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ASSUMIR POSIÇÃO FORTE E CRIAR OPÇÕES Muitos autores sobre estratégia parecem sugerir que, quanto mais dinâmica for a situação, mais o líder deve analisar com maior antecipação. Isso é ilógico. Quanto mais dinâmica for uma situação, pior será sua capacidade de previsão. Assim, quanto mais incerta e dinâmica uma situação for, mais imediato deverá ser o objetivo estratégico. O objetivo imediato é orientado pelas previsões sobre o futuro, mas, quanto mais incerto for o futuro, mais sua lógica essencial é a de “assumir uma posição forte e criar opções”, e não de analisar bem distante à frente. A descrição de Herbert Goldhamer sobre um jogo entre dois mestres de xadrez descreve, com vivacidade, essa dinâmica de assumir posições, criar opções e construir uma vantagem: Dois mestres tentando derrotar um ao outro em um jogo de xadrez executam, durante boa parte do jogo, movimentos sem outro fim imediato que não o de “melhorar minha posição”. Não se ganha um jogo de xadrez sempre selecionando movimentos visando diretamente aplicar o mate sobre o oponente, ou até mesmo tentando ganhar uma peça específica. Na maior parte do tempo, o objetivo do movimento é encontrar posições para as peças que (a) aumentem sua mobilidade, isto é, ampliem as opções abertas para eles e diminuam a mobilidade de operação das peças do oponente; e (b) imponham padrões relativamente estáveis sobre o tabuleiro que induzam uma força permanente para si mesmo e uma fraqueza persistente para o oponente. Se e quando for acumulada uma suficiente vantagem posicional, ela pode ser trocada com maior ou menor facilidade através de manobras táticas (combinações) contra alvos específicos que não são mais defensáveis ou o são somente a um custo terrível.5 X
Em 2005, fui convidado a ajudar uma pequena escola de negócios com seu plano estratégico. As escolas de negócio ensinam estratégia, mas raramente aplicam o conceito para si mesmas. Nesta escola, a ambição geral do diretor e dos professores era romper com o fato de ser uma escola local e ser classificada entre as melhores da região. O esboço do plano estratégico era típico para o setor: tratava-se de uma lista de áreas em que a escola anunciaria iniciati vas e se esforçaria mais. Ele propunha uma maior visibilidade da pesquisa, mais doações de ex-alunos, criação de um programa de estudos de negócios
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globais, o aperfeiçoamento de seu programa de estudos empresariais e uma iniciativa de sustentabilidade. Olhando mais de perto a situação, podia-se ver que a maior parte dos estudantes conseguia empregos em empresas de contabilidade e em prestadoras de serviço locais de pequeno a médio porte. O planejamento estratégico era de responsabilidade do diretor e do conselho executivo da faculdade. Reuni-me com esse grupo e expliquei os conceitos de questões centrais e objetivo imediato. Depois pedi ao grupo para imaginar que eles só poderiam ter um único objetivo. E que o objetivo precisaria ser exequível. Qual seria esse objetivo único exequível que, quando realizado, alcançaria maior impacto? Após uma manhã de discussões, eles chegaram a dois objetivos. Eles não eram tão viáveis quanto eu gostaria, mas representaram um grande passo adiante em relação à ambição vaga de ser uma das melhores escolas da região. Cerca de metade do grupo chegou a um objetivo óbvio, porém possivelmente crucial: “Fazer os alunos conseguirem empregos melhores.” Argumentou-se que, se os alunos conseguissem empregos melhores, eles seriam mais felizes, os professores ficariam satisfeitos ensinando a alunos mais felizes, os ex-alunos doariam mais dinheiro, alunos melhores seriam atraídos para a faculdade e mais recursos fluiriam para financiar pesquisas e contratações. A outra metade do grupo foi favorável a um objetivo de relações públicas. Eles acreditavam que, ao focar na obtenção de mais cobertura sobre a escola em revistas e jornais de negócios, conseguiriam melhorar seu perfil e gerar alguns resultados favoráveis. O mais importante é que ambos os objetivos representavam um forte posicionamento dentro do campo de ação e traziam opções para futuras estratégias e ações. Elogiei os dois objetivos e pedi para o grupo fazer um deles, ou ambos, serem mais imediatos – mais parecido com tarefas e menos parecido com metas. Ao final do dia, o grupo havia reunido as duas ideias. Eles decidiram que o principal objetivo da escola consistiria em fazer os alunos conseguirem empregos melhores. Eles selecionariam 10 empresas que pudessem contratar seus formandos, mas que atualmente não o estavam fazendo. Seriam criados comitês de professores para estudar as práticas de recrutamento dessas empresas e criar programas para atender a suas necessidades e padrões. Em segundo lugar, em vez de estudos globais e sustentabilidade, a escola se comprometeria com um novo curso de estudos sobre gestão da mídia. A ideia é que tal programa atrairia pessoas da mídia para visitar a escola e, se os estudantes conseguissem empregos na mídia, isso, naturalmente, ajudaria a melhorar o perfil da faculdade. Duas das 10 empresas visadas seriam companhias de mídia.
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HIERARQUIAS DE OBJETIVOS Em organizações de qualquer porte, objetivos imediatos de alto nível criam metas para unidades de graus inferiores que, por sua vez, criam seus próprios objetivos imediatos, e assim por diante, em uma cascata de solução de problemas com cada vez maior refinamento de detalhes.6 Os objetivos imediatos não apenas descem em cascata pelos níveis hierárquicos; eles geram uma cascata no tempo. Por exemplo, quando a Nestlé comprou a companhia de chocolate britânica Rowntree, a alta administração julgou que a capacitação da Nestlé em comercializar alimentos internacionalmente conseguiria pegar as marcas da Rowntree centralizadas na Grã-Bretanha e levá-las para muitos outros países. Os primeiros passos nessa direção foram muito bem-sucedidos e, depois, as gestões integradas desenvolveram objetivos mais sutis e diferenciados. Toda vez que uma companhia entra em um novo negócio ou mercado, existe necessariamente essa cascata de ajustes e de elaboração de objetivos imediatos. Aquilo que é imediato para uma nação, uma organização, ou mesmo para uma pessoa pode estar fora de alcance para outra. Os motivos óbvios são as diferenças em habilidades e recursos acumulados. Minha compreensão a esse respeito foi aguçada durante uma tarde discutindo sobre helicópteros. Um homem que conheço apenas por PJ vive no Cabo Oriental de Baja California, cerca de 50 quilômetros ao norte de San Jose del Cabo, no Mar de Cortez. Atualmente surfista e pescador, PJ já foi piloto de helicóptero, primeiro no Vietnã e, depois, no trabalho de resgate e salvamento. A terra em Baja California não foi invadida por shoppings centers, indústrias, rodovias pavimentadas ou cercas. Sentados no topo de uma colina no quente inverno, conseguíamos ver as baleias cinzentas saltando e ouvir seus rabos batendo na água. Iniciando uma conversa, eu disse que “os helicópteros deveriam ser mais seguros do que os aviões. Se o motor falha, você consegue girar automaticamente até o solo. É como ter paraquedas”. PJ bufou. “Se seu motor falha, você precisa puxar o coletivo todo para baixo, aliviar o pedal esquerdo e pisar fundo no direito para conseguir algum torque. Você tem cerca de um segundo para fazer isso antes de cair muito rápido.” Ele fez uma pausa e acrescentou: “Você consegue fazer, mas é melhor não ter de pensar sobre isso.” “Então, tudo precisa ser automático?”, perguntei. “Não tudo”, ele respondeu. “Quando um motor falha, você tem muito trabalho para fazer. Você precisa se concentrar em onde irá pousar e em manter um caminho suave de descida. Essa atividade requer muita concentração.
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Porém, a ação básica de controlar o helicóptero precisa ser automática. Você não consegue se concentrar na crise se a pilotagem não for automática.” PJ expandiu seu ponto de vista. “Para pilotar um helicóptero, você precisa continuamente coordenar os controles: o coletivo, o cíclico e os pedais, sem falar no manete. Não é fácil de aprender, mas você precisa dominar tudo. Para tornar automático, precisa fazer mais do que apenas decolar e pousar. Após conseguir voar, então você pode aprender a voar à noite – mas não antes! Após conseguir voar à noite com facilidade, então talvez esteja pronto para aprender a voar em formação e depois em combate.” Enquanto falava, PJ esticou os dedos e, com os polegares sobrepostos, mergulhou essa formação em miniatura para ilustrar seu argumento. “Domine tudo isso – torne-o automático – e você pode começar a pensar em pousar em uma montanha sob ventos fortes no final da noite, ou pousar no convés de um navio em movimento no mar.” Enquanto PJ falava, eu conseguia visualizá-lo pousando sobre um navio no mar, analisando as ondas e o movimento do convés. Já tendo dominado há muito tempo a coordenação do cíclico, dos pedais e do coletivo, ele conseguia se concentrar na coordenação entre sua aeronave e o navio. Para se concentrar em um objetivo – para torná-lo sua prioridade –, neces sariamente se assume que muitas outras atividades importantes serão cuidadas. PJ conseguia concentrar-se na coordenação entre seu helicóptero e a embarcação de salvamento porque já possuía muitas camadas de competências de voo que já havia se tornado uma rotina. Após essa discussão, passei a ver as habilidades de coordenação como se fossem degraus de uma escada, com os degraus mais altos ao alcance quando os mais baixos já tivessem sido galgados. De fato, o conceito de PJ de camadas de habilidades explica por que algumas organizações conseguem se concentrar em questões que outras não conseguem. Essa compreensão ajudou a moldar o conselho que ofereço aos clientes. Por exemplo, quando trabalho com pequenas empresas iniciantes, seus problemas normalmente giram em torno de coordenar engenharia, marketing e distribuição. Pedir para o CEO dessa empresa se concentrar em abrir escritórios na Europa pode ser inútil, porque a companhia não dominou ainda o básico da “pilotagem” de seu negócio. Quando a empresa se assenta firmemente neste degrau, pode mover-se para o exterior e desenvolver operações internacionais. Pedir, por sua vez, que uma empresa que recentemente se internacionalizou transfira conhecimentos e habilidades para todo o mundo, como fazem veteranas globais como a Procter & Gamble, também pode ser inútil. Ela precisa, em primeiro lugar, dominar a complexidade de operar em vários idiomas e culturas antes que possa habilmente arbitrar informações globais.
CAPÍTULO 8 X
SISTEMAS DE ELOS EM CADEIA Um sistema tem uma lógica de elos em cadeia quando seu desempenho é limitado por sua subunidade ou “elo” mais fraco. Quando existe um elo fraco, a cadeia não fica mais forte ao fortalecer os outros elos. Para o ônibus espacial Challenger , o elo mais fraco foi o anel de obstrução de borracha sólida. Em 28 de janeiro de 1986, o anel de obstrução do motor de ignição do Challenger falhou. O gás quente cortou a estrutura e o foguete explodiu. O Challenger e sua tripulação (o “orgulho de nossa nação”, como o Presidente Reagan os chamou) caíram do claro céu azul e se espatifaram no oceano a 20 mil quilômetros abaixo. Se uma cadeia não deve falhar, não tem sentido fortalecer apenas alguns dos elos. De forma semelhante, não poderia haver ganho em tornar os motores de ignição mais fortes se o anel de obstrução era fraco. Não havia muito sentido em melhorar a dirigibilidade, ou as comunicações, ou ainda aumentar a qualidade do treinamento da tripulação se o anel de obstrução era fraco. A lógica da cadeia ocorre em situações que variam do alpinismo ao ônibus espacial, passando pelo julgamento estético – situações em que é importante a qualidade dos componentes ou das partes. A qualidade é importante quando a quantidade é um substituto inadequado. Se um empreiteiro de construção descobre que seu caminhão de 2 toneladas está ocupado fazendo outro trabalho, pode facilmente substituí-lo por dois caminhões de 1 tonelada para transportar o aterro. Por outro lado, se um chefe de cozinha três estrelas fica doente, nenhuma quantidade de cozinheiros menos graduados consegue substituí-lo adequadamente. Uma centena de cantores medíocres não se equipara a um cantor de primeira linha. Manter as crianças por mais horas ou semanas em escolas ruins (escolas
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que não conseguem nem educar nem controlar o comportamento) não ajuda e provavelmente aumenta o ressentimento e a desconfiança. Conversando com especialistas em imóveis e empreiteiros sobre reforma de casas, aprendi que, na avaliação do potencial de uma propriedade, devem ser identificados os fatores limitantes. Se uma casa está perto de uma rodovia barulhenta, isso é um fator limitante. Não importa quanto mármore se coloque nos banheiros ou quão luxuosos sejam os armários da cozinha, o barulho limitará o valor da casa. De forma semelhante, se um dormitório tem um piso de madeira com excelente acabamento e uma arquitetura clássica, um trabalho de pintura abaixo do excelente limitará seus atrativos. Como investidor, é preferível encontrar fatores limitantes que possam ser corrigidos, tais como a pintura, a fatores que não podem ser consertados, tais como o barulho de estradas. Se você possuir uma habilidade especial ou ideias de como remover fatores limitantes, então poderá ter muito sucesso.
FICANDO AMARRADO Existem partes de organizações, e até mesmo de economias, que são elos em cadeia. Quando cada elo é, de certa forma, administrado isoladamente, o sistema pode ficar amarrado em um estado de baixa eficácia. O problema surge por causa do nivelamento da qualidade.1 Isto é, se você estiver a cargo de um elo da cadeia, não há motivo em investir recursos para melhorar seu elo se outros gerentes de elos não estiverem fazendo o mesmo. Para complicar ainda mais, lutar por uma qualidade melhor em apenas uma das unidades ligadas pode tornar as coisas piores! A maior qualidade em uma unidade requer investimentos em recursos melhores e insumos mais caros, incluindo pessoas. Considerando que esses esforços para melhorar apenas uma unidade não melhorarão o desempenho geral do sistema de elos em cadeia, o lucro geral do sistema na verdade diminuirá. Assim, o incentivo para melhorar cada unidade fica enfraquecido. Por exemplo, os vários problemas na General Motors de 1980 a 2008 apresentam fortes características de elos em cadeia. Aumentar a qualidade da transmissão de um automóvel de nada adianta se os botões caem do painel frontal e se as placas da porta continuam a chacoalhar. Melhorar o ajuste e o acabamento, junto com o sistema de transmissão, pode oferecer pouca melhoria geral, na medida em que os projetistas continuem a produzir modelos sem imaginação. Melhorar a aparência dos automóveis pode apenas
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aumentar os custos, a menos que seja dominada a complexa tecnologia de se projetar para a fabricação. E assim por diante. A título de mais um exemplo, muitos dos problemas espinhosos do desen volvimento econômico surgem de questões de elos em cadeia: •
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É de pouca utilidade fornecer equipamento avançado para trabalhadores não qualificados, mas também é inútil educar pessoas para empregos que não existem. A burocracia do governo pode ser um peso terrível, mas a melhoria em sua eficácia só pode ser conquistada se existir um setor privado eficiente. Sem corrupção, seria impossível contornar a burocracia asfixiante, mas a burocracia é necessária para se contrapor ao nepotismo e à cultura da corrupção. Melhorar as estradas estabelece uma pressão sobre instalações portuárias ruins – e portos melhores sem boas estradas têm pouco valor. Melhore as estradas e os portos, e funcionários corruptos e os sindicatos exigirão pagamentos para permitir os embarques.
Problemas políticos com lógica de elo em cadeia não estão restritos aos países em desenvolvimento. Nos Estados Unidos, cidades ineficientes do interior, escolas decadentes e sistemas prisionais que institucionalizam gangues, violência e ataques sexuais baseados em raça podem ser, cada um deles, objeto de análise de elos em cadeia. O Departamento de Segurança Interna tem fortalecido as inspeções de passaportes nos aeroportos, uma prática ostensiva que pode gerar pouco retorno total na medida em que 6.500 quilômetros de fronteiras e outro tanto de costa permanecem praticamente sem controle. Não basta impedir dois de três ataques radioativos.
LIBERTANDO-SE O conhecimento especializado não é distribuído igualmente no mundo. Se você busca os fabricantes de automóveis mais eficientes, precisa viajar para a planície de Kanto no Japão, onde eles estão agrupados. Os núcleos especializados no setor químico na Europa estão na Alemanha, França e Suíça. Viaje para o vale de Santa Clara para encontrar especialização em microprocessadores e, para a região central da Inglaterra, para máquinas de corrida da Fórmula 1. Na planície lombarda italiana, onde estão Itália e Suíça, você
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encontrará uma especialização de primeira classe em sistemas mecânicos – desde carros velozes a equipamentos industriais especializados. Marco Tinelli é o gerente-geral de uma companhia de máquinas da Lombardia que funciona na periferia de Milão. Um dia, em 1997, visitei a companhia de Marco e almocei com ele no Savini, o clássico restaurante localizado na Galleria Vittorio Emanuelle II, próximo ao Duomo, em Milão. Degustando um risoto perfeito, Marco explicou a reviravolta na empresa de sua família: Quando meu tio faleceu, a responsabilidade pela empresa passou para mim. As coisas não estavam bem. A qualidade das máquinas havia caído, especialmente quando comparadas com nossos melhores concorrentes. Os custos estavam muito elevados e o pessoal de vendas não era tecnicamente sofisticado. Para vender uma máquina sofisticada com controles de microprocessador, é preciso um vendedor preparado. Se não tivéssemos mudado, lentamente acabaríamos saindo dos negócios. Porém, parecia que tudo precisava ser mudado. Por onde começar? Enquanto ele falava, percebi que o diagnóstico de Marco Tinelli era o de que sua empresa de equipamentos tinha uma lógica de elos em cadeia e que ela estava amarrada. Qualquer retorno advindo de máquinas de melhor qualidade ficava diluído porque a equipe de vendas não conseguia demonstrar com precisão suas qualidades e desempenho. Uma equipe de vendas melhor, por si só, teria acrescentado pouco valor sem que as máquinas fossem melhores. E as melhorias na qualidade e nas vendas não salvariam a empresa, a menos que os custos fossem reduzidos. “Por onde você começou?”, perguntei ecoando sua própria dúvida. Marco explicou: Conduzi três campanhas, uma após a outra. Na primeira campanha, passamos 12 meses trabalhando apenas com a qualidade. Disse aos empregados que tudo que faríamos naquele ano seria tornar nossas máquinas as melhores do setor, as mais confiáveis e as mais rápidas. Quando atingimos a fabricação de máquinas com boa qualidade, passei o foco completamente para a área de vendas. Os vendedores foram envolvidos na campanha de qualidade e, agora, os engenheiros, junto com o pessoal de fábrica, trabalhavam com o departamento comercial para desenvolver habilidades, ferramentas de vendas e linhas de comunicação com a fábrica. Os resultados em termos de mercado foram lentos, mas eu sabia que precisávamos fazer esses investimentos primeiro, para colher os benefícios depois.
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Se alguém não internalizou o conceito de nivelamento de qualidade e os problemas de mudança em sistemas de elos em cadeia, então as explicações de Marco sobre suas ações parecerão banais: ele identificou os três problemas e trabalhou neles em sequência. Mas se a pessoa tiver esses conceitos em mente, então a afirmação de Marco é densa em significado. O primeiro problema lógico em situações de elos em cadeia é identificar os gargalos, e Marco fez isto: qualidade, competência técnica do pessoal de vendas e custo. O segundo (e maior) problema é que a mudança incremental pode não dar retorno e até piorar as coisas. Por isso os sistemas ficam amarrados. A solução de Marco para esse problema foi assumir pessoalmente a responsabilidade pelo resultado final e direcionar a atenção dos demais para os três gargalos, um após o outro. Não houve retorno imediato para a primeira campanha, mas ele não interrompeu o processo nem operou um sistema que lançasse a culpa em seus gerentes de departamento. Na verdade, ele os cumprimentou por atingir o objetivo imediato da primeira campanha e partiu para a segunda. Há pouco ou nenhum retorno para melhorias incrementais em sistemas de elos em cadeia, mas Marco evitou esse problema desligando o sistema normal de medição e recompensa local e recolocando o foco na mudança em si mesma como o objetivo. Uma das tarefas do entrevistador é ouvir aquilo que não é dito. Marco não disse: “Nós revertemos a situação aumentando a pressão por lucros.” Ele não disse: “Nós desenvolvemos novas medidas de qualidade e exigimos melhorias.” Ele não disse: “Eu trouxe gerentes novos mais experientes.” Em vez disso, Marco descreveu uma reviravolta em que forneceu a definição geral do que precisava ser feito e na qual ele antecipou e absorveu os custos da mudança. Em qualquer organização, há sempre uma tensão administrada entre a necessidade de ação autônoma descentralizada e a necessidade de direcionamento e coordenação centralizados. Para produzir uma reviravolta em um sistema de elos em cadeia, Marco Tinelli pendeu fortemente a balança (pelo menos por algum tempo) no sentido de um direcionamento e uma coordenação centralizados. A explicação de Marco para sua terceira campanha também foi interessante. Em especial, Marco viu conexões lógicas e temporais que determina vam que a campanha de redução de custo viesse por último: Finalmente, passamos nove meses trabalhando apenas com os custos. Não havia outra meta no curso dessa terceira campanha. Deixei o corte de custos para o final porque queria que a campanha de redução de custos funcionasse com o tipo de máquinas que construímos (e não que definisse a máquina a ser construída). Para reduzir custos, revisamos cada
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componente e cada etapa do processo de fabricação. As grandes melhorias vieram da retirada de linha de dois produtos e de realizar internamente algumas ferramentas e matrizes que vínhamos comprando de outras empresas. Ao fazer nossas próprias matrizes, aumentamos a velocidade das máquinas e, assim, aumentamos seu valor para os clientes. O preço da máquina não caiu, mas o custo para o usuário diminuiu. Foi preciso contar com uma sofisticada equipe de vendas e engenharia para mostrar esse ponto aos clientes, outro motivo, portanto, para se deixar esse tipo de redução de custo como última etapa. Os esforços de Marco valeram a pena e a empresa familiar passou a ser um negócio lucrativo e em crescimento com excelente reputação no setor. Os sistemas de elos em cadeia podem ser alterados e ficar excelentes. É preciso refletir sobre os gargalos fundamentais. Além disso, é preciso haver liderança e disposição para absorver perdas de curto prazo na busca de ganhos futuros. Na empresa de Marco Tinelli, ele, pessoalmente, assumiu a responsabilidade pelos custos da mudança e seguiu adiante, guiado pelo eventual estado final a ser alcançado do que pelo lucro mensal ou trimestral.
EXCELÊNCIA Conforme aprendemos com Marco Tinelli, para promover uma reviravolta em um sistema de elos em cadeia é preciso haver liderança direta e um pro jeto. Inversamente, é difícil reproduzir a excelência alcançada por um sistema de elos em cadeia bem administrado. Considere a IKEA. Fundada na Suíça, em 1943, a companhia projeta móveis prontos para montar e os vende através de lojas especiais da IKEA anunciados em seus próprios catálogos. Gigantescas lojas situadas nos subúrbios permitem uma ampla escolha e facilidade de estacionamento para os clientes. Nas lojas, os catálogos essencialmente substituem os vendedores. Seus projetos de móveis em embalagens práticas não apenas reduzem os custos de transporte e armazenamento, como também ajudam a manter estoques nas lojas e permitem que os clientes levem diretamente suas compras para casa, eliminando a longa espera pela entrega. A companhia projeta boa parte dos móveis que vende, contratando fora a fabricação, mas administrando seu próprio sistema de logística mundial. A estratégia da IKEA é um meio eficaz de coordenar políticas, mas dificilmente se trata de um segredo. Outras empresas não veem como ela funciona
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e tentam copiá-la, talvez até melhorando o processo? A explicação para sua contínua excelência e falta de qualquer concorrência eficaz é que sua estratégia se baseia na lógica de elos em cadeia. A hábil coordenação de políticas da IKEA é um projeto mais integrado do que o de qualquer outra empresa no setor de móveis. Os varejistas tradicionais de móveis não mantêm grandes estoques; os fabricantes tradicionais não possuem suas próprias lojas; os varejistas normais não especificam seus próprios projetos nem utilizam catálogos no lugar de vendedores; e assim por diante. Pelo fato de as muitas políticas da IKEA serem diferentes do normal e pelo fato de se ajustarem em um projeto coerente, o sistema da IKEA dispõe de uma lógica de elos em cadeia. Isso significa que não adianta adotar apenas uma dessas políticas – isso só acrescentaria despesas para a empresa concorrente, sem representar uma concorrência real para a IKEA. Pequenos ajustes não funcionariam: para concorrer efetivamente com a IKEA, um rival existente precisaria praticamente começar do zero e, na verdade, concorrer com seu próprio negócio existente. Ninguém fez isso. Atualmente, mais de 50 anos após a IKEA ter sido pioneira em sua nova estratégia no setor de móveis, ninguém efetivamente reproduziu o processo. Para que o conjunto de políticas da IKEA seja uma fonte sustentável de excelência competitiva, três condições precisam ser mantidas: •
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A IKEA precisa realizar cada uma de suas atividades essenciais com notáveis eficiência e eficácia. Essas atividades essenciais precisam estar suficientemente encadeadas para que um rival não consiga tirar o negócio da IKEA adotando somente uma delas e realizando-a bem. Ou seja, um fabricante tradicional de móveis que acrescente uma linha de móveis prontos para montar não representa uma ameaça real para a IKEA, nem o fabricante tradicional que adicione um catálogo. As atividades encadeadas devem constituir-se em um agrupamento incomum, de forma que o conhecimento e a experiência em uma delas não se convertam facilmente em conhecimento e experiência nas outras. Assim, um varejista de móveis tradicional que adicione um catálogo ainda precisará dominar o projeto e a logística e construir lojas muito maiores para começar a concorrer com a IKEA. Além disso, olhando para além das companhias tradicionais de móveis, não existem concorrentes em potencial que possuam essa combinação de recursos e competências.
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A IKEA nos ensina que, ao construírem vantagens estratégicas sustentá veis, os líderes talentosos buscam criar constelações de atividades que sejam encadeadas. Isso adiciona maior eficácia para a estratégia e torna difícil a imitação pela concorrência. O fascinante nesta questão é que tanto a excelência quanto o fato de ficar amarrado são reflexos da lógica de elos em cadeia. No caso da excelência, como na IKEA, um conjunto de atividades encadeadas é mantido com alto nível de qualidade, cada uma delas se beneficiando da qualidade da outra e o todo mostrando-se resistente a uma fácil imitação. Por outro lado, quando um conjunto de atividades encadeadas tem baixa qualidade, como no caso da General Motors em 2007, o sistema pode ficar amarrado, porque há pouco ganho em se melhorar somente uma parte das atividades. O sucesso de Marco Tinelli demonstra que, para libertar um sistema amarrado de elos em cadeia, um líder forte deve possuir a visão e a coragem para realizar os investimentos necessários em cada elo dessa cadeia.
CAPÍTULO 9 X
UTILIZANDO PROJETO
A palavra “estratégia” chegou a nós através dos assuntos militares. Infelizmente, os homens têm aplicado mais esforço, junto com mais tempo, para pensar sobre a guerra do que sobre qualquer outra questão. Boa parte desse conhecimento nos acrescenta muito pouco sobre a estratégia em situações que não sejam militares. Em especial, a principal maneira de as empresas de negócios concorrerem é colocando suas ofertas diante dos compradores, cada qual tentando oferecer o acordo mais atraente. Esse é um processo mais parecido com um concurso de dança do que com uma batalha militar. As empresas não bombardeiam as fábricas nem matam os empregados entre si. Enquanto os empregados podem demitir-se a qualquer momento, os soldados são vinculados através de contratos. Não se espera que os empregados mantenham-se firmes e deem sua vida para proteger a empresa. Além disso, o impacto do porte é radicalmente diferente. Considerando que os outros aspectos sejam iguais, o exército maior possui uma vantagem, enquanto a empresa vencedora tende a ser aquela cujas ofertas são preferidas pelos clientes, com seu porte sendo mais a consequência do que a causa de seu sucesso. Apesar de todas essas precauções, acredito que, se for cuidadoso em relação ao nível de abstração, você pode pegar certas lições fundamentais da história militar e ser mais sábio ao fazê-lo.
O PAI DA ESTRATÉGIA Para começar do início, os exércitos, junto com as estruturas de autoridade que lhe dão sustentação, surgiram inicialmente na Idade do Bronze, em
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paralelo às complexas sociedades urbanas. Da mesma forma que os homens descobriram que a agricultura organizada gera grandes dividendos, eles também descobriram que os lutadores aumentavam em muito seu efeito quando organizavam e coordenavam suas ações. Organizados e liderados de forma apropriada, homens comuns conseguiriam vencer guerreiros habilidosos que lutavam individualmente ou em grupos pequenos. O exemplo clássico do projeto de uma estratégia de batalha, e que ainda é estudado atualmente, é a vitória de Aníbal sobre o Exército romano em Canas, em 216 a.C. Naquela época, a república romana controlava uma série de territórios e cidades-estado na Itália. Cartago era uma cidade-estado dos fenícios localizada no que hoje é a Tunísia. Cinquenta anos antes, Cartago havia perdido uma guerra contra Roma pelo controle do sul do Mediterrâneo. Buscando restaurar o poder e a honra de Cartago, Aníbal pegou em armas contra a Espanha, depois contra a Gália (França) e cruzou os Alpes em direção à Itália. Lá, ele invadiu cidades acima e abaixo da península italiana, buscando condições favoráveis de Roma. Cansado da política de evitar lançar-se em batalhas, o Senado romano escolheu os cônsules Varrão e Paulo e lhes deu um exército sem precedentes, com oito legiões, para derrotar Aníbal. 1 O local da batalha foi um campo aberto perto das ruínas de uma fortaleza chamada Canas, no Mar Adriático. Para encontrar o ponto em um mapa moderno, procure pelo Monte de Canas, situado na parte de trás do tornozelo da bota da Itália. Ao alvorecer de 2 de agosto, 85 mil ou mais soldados romanos enfrentaram cerca de 55 mil soldados da tropa de Aníbal. A linha de frente de cada exército tinha aproximadamente 1,5 quilômetro de comprimento, e os dois exércitos estavam a cerca de 700 metros de distância. Aníbal organizou suas tropas em um amplo arco, formando a inclinação no centro em direção aos romanos. Nessa saliência central, Aníbal colocou tropas da Espanha e de Gales, formadas por soldados libertados do domínio romano ou contratados durante sua marcha da Espanha para a Itália e ao longo do Rio Pó. Nos flancos, ou lados, dessa saliência central, ele colocou sua infantaria pesada de cartagineses. Quando a tropa avançada dos romanos alcançou o Exército de Aníbal, o arco exterior central da linha de frente de Aníbal foi o primeiro ponto de contato. Nele, os gauleses e os espanhóis lentamente recuaram, não mantendo a linha, exatamente como Aníbal havia ordenado. Encorajado, o Exército romano moveu-se adiante com gritos de vitória, correndo para explorar essa aparente fraqueza. Simultaneamente, a cavalaria de Aníbal, colocada nas laterais de seu Exército de 1,5 quilômetro, começou seu galope planejado em
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um amplo arco de 3 quilômetros em torno dos flancos do Exército romano, enfrentando e derrotando a menor cavalaria romana. Enquanto as legiões romanas forçavam o centro cartaginês, o arco externo original foi invertido, e ele começou a se inclinar para dentro, sob pressão. Com a linha central se curvando para dentro, as unidades de infantaria pesada de Aníbal posicionadas nas extremidades do arco central mantiveram suas posições, mas não se envolveram na luta inicial. Então, a um sinal de Aníbal, reforços se moveram para fortalecer o centro cartaginês inclinado para dentro. As tropas do centro pararam de recuar e firmaram posição. Seu aspecto havia mudado de bárbaros em pânico para aquele de tropas disciplinadas e firmes. Os flancos de infantaria pesada de Aníbal se movimentaram, então, para enfrentar as laterais do Exército romano, que agora estava cercado por três lados. Em seguida, a cavalaria de Aníbal cavalgou por trás e fechou também a retaguarda dos romanos. A genialidade impiedosa da estratégia de Aníbal foi então revelada. Além de o Exército romano ficar cercado, à medida que o número superior de tropas ia pressionando cada vez mais o centro em arco de Aníbal para dentro, as fileiras de romanos ficaram espremidas. Eles ficaram tão apertados que muitos soldados romanos não conseguiram se mover para erguer suas armas. Os romanos perderam coerência e mobilidade. Cercados e comprimidos, sua superioridade numérica fora anulada. Os homens no centro da massa comprimida esperaram, impotentes, pela morte, incapazes de se mover. Os romanos não se renderam nem pediram por misericórdia. Pelo menos 50 mil soldados romanos morreram naquele dia, mais soldados mortos em um único dia de batalha, antes ou depois, do que em Gettysburg ou no Somme. Um décimo desse número das tropas de Aníbal morreu. Dentre os mortos romanos, estavam Paulo, vários ex-cônsules, 48 tribunos e 80 senadores. Em poucas horas, um quarto da liderança eleita da República foi massacrada em Canas. A derrota de Roma foi tão grande que muitas cidadesestado do sul da Itália declararam lealdade a Aníbal. As cidades gregas na Sicília passaram para o lado de Aníbal, assim como a Macedônia a leste. Para entender a magnitude da derrota, imagine que o Exército alemão em 1944, comandado pelo General Erwin Rommel, tivesse destruído totalmente as Forças Aliadas na Europa, que um quarto do Congresso dos Estados Unidos tivesse sido morto e que a Rússia, o Norte da Europa e o Leste Europeu tivessem se aliado aos alemães. Roma e Aníbal lutaram na Itália por 10 longos anos após Canas, e Aníbal obteve mais vitórias importantes, nunca perdendo uma batalha sequer. 2
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O biógrafo Theodore Dodge chamou Aníbal de “pai da estratégia” porque, durante esse longo conflito, Roma aprendeu e, gradualmente, passou a dominar a estratégia, através dos dolorosos ensinamentos de Aníbal. 3 A sociedade romana se endureceu e se militarizou por meio desse prolongado conflito, e Roma surgiu para conquistar e dominar o mundo conhecido por 500 anos. Por sua vez, o resto do mundo ocidental aprendeu estratégia com os romanos. X
O conceito de estratégia tem muitas faces e existem algumas que não vemos na história de Canas. A história dessa batalha nos diz pouco sobre considerações de mais longo alcance e pouco sobre como a estratégia foi criada. O projeto completo dessa batalha, pelo menos nas histórias disponíveis, parece ter sido desenvolvido por Aníbal, e a execução ocorreu através de seu comando pessoal. Pelos historiadores romanos, ficamos sabendo que Aníbal era considerado nobre e que foi admirado por todos os homens que o conheceram, até mesmo pelos romanos. Fora isso, sabemos muito pouco de suas habilidades ou métodos nas relações pessoais. Em especial, perguntamo-nos como ele persuadiu os gauleses e os espanhóis em seu arco central a encenarem um recuo simulado, uma ação que esses homens provavelmente teriam visto como onerosa tanto em termos de sangue quanto em termos de honra. Não sabemos. No entanto, aquilo que efetivamente vemos na história de Canas são três aspectos da estratégia em claro relevo, apresentados em suas formas mais puras e essenciais: premeditação, antecipação do comportamento dos outros e o projeto intencional de ações coordenadas.
Premeditação Canas não foi uma improvisação; ela foi concebida e planejada antecipadamente. Aníbal executou essa coreografia de estratégias não apenas uma vez, mas muitas vezes em seus anos de guerra contra Roma. Há furiosos debates sobre o melhor equilíbrio, em estratégias, entre a orientação prévia e a adaptação e a improvisação na hora; mas há sempre alguma forma de orientação prévia. Por definição, a improvisação não é uma estratégia.
Antecipação Um ingrediente fundamental em uma estratégia é a análise ou antecipação em relação aos pensamentos e/ou comportamento alheios. A maneira mais
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simples de analisar Canas é que Aníbal cercou, ou envolveu, os romanos. Porém, isso está incompleto, pois as legiões romanas representavam a infantaria com maior mobilidade naquele campo. Na verdade, as legiões foram induzidas a ficar envolvidas, atraídas para uma armadilha, com sua própria mobilidade, coragem e até mesmo iniciativa se virando contra elas. A própria essência de Canas foi que as barras da armadilha, a compressão das fileiras das legiões, foram forjadas, em parte, pela vigorosa resposta dos próprios romanos aos engodos de Aníbal. Na teoria de jogos, a pessoa presume que o oponente seja tão racional quanto ela mesma. É claro que Aníbal não fez essa presunção. Embora, individualmente, os romanos pudessem ser considerados racionais, Aníbal viu o Exército romano como uma organização com história, tradições, doutrina e treinamento padronizado. Além disso, os líderes dessa organização tinham motivações e tendências identificáveis. O Cônsul Varrão, por exemplo, era conhecido por ser orgulhoso e impetuoso. Aníbal sabia dessas coisas porque Cartago havia lutado contra Roma 10 anos antes e acabou compreendendo seu sistema militar. Filho de uma família de militares, Aníbal foi altamente educado e escreveu vários livros em grego e cartaginês. Além disso, parte do comportamento romano em Canas foi previsível porque Aníbal havia agido para moldá-lo, atacando o campo de Varrão na noite anterior, irritando e envergonhando o cônsul diante de suas tropas, atiçando-o a buscar pela batalha imediata. Por fim, elementos do comportamento romano eram previsíveis porque a batalha se desenvolveu rapidamente, dando pouco tempo para os romanos estudarem a situação e nenhum tempo para aprenderem novas lições e alterarem seus métodos.
Projeto de ações coordenadas A estratégia de Aníbal em Canas foi uma construção incrivelmente hábil de ações coordenadas orquestradas no tempo e no espaço. Em 216 a.C. a fórmula fundamental para o sucesso militar era extremamente básica: manter a formação, manter a disciplina e evitar que as tropas entrassem em pânico e corressem. Assim, quando os romanos perceberam o recuo do inimigo, entenderam como se fosse a vitória. A ideia de que um comandante pudesse convencer os guerreiros gauleses e espanhóis a simularem um recuo era quase impensável. Além disso, o padrão normal nas batalhas antigas era que a cavalaria, após derrotar a cavalaria inimiga, caçaria cavaleiros e soldados desorganizados em fuga. Não se esperava que voltassem a entrar em formação
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e atacassem o corpo principal da infantaria. A competência e a disciplina do Exército cartaginês em conduzir um conjunto complexo de movimentos por diferentes unidades (unidades fisicamente separadas, mas que agiam com uma coesão planejada previamente em torno de um projeto central) foram uma surpresa. Nenhum exército antes de Aníbal havia executado essa coreografia de múltiplos movimentos no tempo e no espaço.4 Muitas vezes, diz-se que a estratégia é uma escolha ou decisão. As pala vras “escolha” e “decisão” evocam a imagem de alguém analisando uma lista de alternativas e, em seguida, selecionando uma delas. Existe, de fato, uma teoria formal de decisões que especifica exatamente como fazer uma escolha identificando ações alternativas, avaliando resultados e calculando a probabilidade de eventos. O problema com essa visão, e o motivo de quase não aliviar a carga de um líder, é que você raramente tem em mãos um conjunto claro de alternativas. No caso em questão, Aníbal certamente não recebeu informações em uma reunião de equipe apresentando quatro opções organizadas em slides do PowerPoint. Na verdade, ele encarou o desafio e concebeu uma resposta nova. Atualmente, como naquela época, muitas estratégias eficazes resultam mais de projeto do que de decisões – são mais construídas do que escolhidas. Nesses casos, montar uma estratégia é mais parecido com projetar uma aeronave de elevado desempenho do que decidir qual empilhadeira comprar ou o tamanho da nova fábrica. Quando alguém diz que os “gestores são tomadores de decisões”, não está falando sobre mestres em estratégia, pois um mestre estrategista é um projetista.
AS PARTES DE UM TODO A estratégia empresarial e corporativa lida com problemas do tipo estratégia em larga escala. Quanto maior for o desafio, ou quanto maior o desempenho buscado, mais interações precisam ser consideradas. Pense, por exemplo, no que é preciso para dar ao carro BMW 3 Series aquela sensação de “máquina de dirigir”. Chassi, direção, suspensão, motor e os controles hidráulicos e elétricos: todos esses componentes têm de ser ajustados uns aos outros. Você pode fazer um carro a partir de peças de prateleira de alta qualidade, mas ele não será uma “máquina de dirigir”. Em um caso como esse, há um ganho acentuado em se coordenarem, cuidadosamente, as partes em um todo. 5 Forme uma imagem em sua mente do motorista de um BMW; imagine-o fazendo as curvas na sinuosa rodovia Angeles Crest. Olhe para seu rosto e
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imagine-o sentindo prazer ou desagrado com o automóvel. Agora comece a variar o projeto. Faça o carro maior, mais silencioso, com reação um pouco mais lenta, porém mais potente e mais pesado. Agora mais leve, mais rápido e com menor tempo de resposta. Para tanto, você precisa mudar o chassi, o peso do motor e o torque, a suspensão, o conjunto de direção, e assim por diante. Ele balançará menos e agarrará na estrada; o volante dará uma resposta tátil maior. Agora ajuste o chassis; torne-o mais rígido para atenuar a torção longitudinal e alivie apenas um pouco a suspensão dianteira para reduzir o choque na estrada. Variando 40 ou 50 parâmetros, você acabará encontrando um ponto ideal, em que tudo funciona junto. O motorista sorrirá e gostará do carro. Porém, há mais coisas. Seu prazer de dirigir depende do preço pago; então, começamos a incluir o custo em nosso projeto. Passamos a nos concentrar em seu sorriso por dólar gasto. Muitas outras interações precisam ser levadas em conta para que se encontre o ponto ideal, que gere o maior sorriso por dólar. Você não pode pesquisar em todo o espectro de possibilidades; seria complexo demais. Mas provavelmente conseguirá, com algum esforço, produzir uma boa configuração. Para ficar mais sofisticado, você deve também incluir o prazer obtido pelo motorista em comprar uma marca diferenciada, apoiada pela publicidade da imagem e pelo aparato das concessionárias. Você também deve considerar a experiência da compra, a confiabilidade esperada e o valor de revenda do carro. Mais elementos do projeto para se ajustar, mais interações a serem consideradas. Depois, naturalmente, deve refletir sobre os outros motoristas com outros gostos e rendimentos: um enorme passo no aumento da complexidade e da interação. Esse exercício difícil foi relativo ao projeto. Mas, na busca pelo melhor sorriso por dólar gasto, costumamos assumir uma posição de monopólio. É verdade que fomos além do produto para incluir a fabricação e a distribuição no projeto, mas nossa estratégia foi ajustada para agradar o cliente, e não para lidar com a concorrência. Para lidar com a concorrência, amplie novamente sua visão para incluir outras companhias de automóvel. Agora você está buscando um ponto ideal competitivo. Você precisa ajustar o projeto (a estratégia) para colocar mais sorriso por dólar gasto no rosto de um motorista do que ele conseguiria obter dos produtos concorrentes. 6 Esse motorista pode não ser o jovem que imaginamos inicialmente na Rodovia Angeles Crest. Outra empresa pode atender às suas demandas com mais facilidade; assim, uma questão crítica passa a ser a identificação de um conjunto específico de compradores (nosso mercado-alvo) em que temos uma vantagem diferencial. A estratégia competitiva ainda é projeto, mas agora existem mais parâmetros
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(mais interações) para se preocupar. As novas interações são as ofertas e estratégias dos rivais. Muito rapidamente, você passará a focar naquilo que sua empresa pode fazer mais eficazmente que os outros. Em geral, a concorrência fará você focar em um subconjunto muito menor de modelos de carro, instalações de fábrica e clientes. Estou descrevendo uma estratégia como um projeto, e não como um plano ou uma escolha, porque quero enfatizar a questão do ajuste mútuo. Em problemas de projeto, em que vários elementos precisam ser organizados, ajustados e coordenados, pode haver um ganho acentuado ao se obterem a combinação certa e custos acentuados se ela for a errada. Uma boa estratégia coordena políticas pelas atividades para focar na eficácia competitiva. X
Descobri pela primeira vez a área de projeto em meu primeiro emprego ao sair da faculdade, trabalhando como engenheiro de sistemas no Jet Propulsion Laboratories. Foi o emprego dos sonhos, preparando projetos conceituais para uma missão a Júpiter; um projeto que, mais tarde, seria chamado de Voyager. O JPL estava organizado em torno dos subsistemas de uma nave espacial: comunicações, energia, estruturas, controle de atitude, computação e sequência de prioridades, e assim por diante.* Eu estava na divisão de sistemas, onde o trabalho do engenheiro de sistemas era a arquitetura geral da nave espacial e a elaboração da coordenação entre as especificações de todos os subsistemas diferentes. Nossa restrição básica era o peso. Esperávamos que o foguete Titan IIIC pudesse lançar cerca de 500 quilos na trajetória em direção a Júpiter. Se pudéssemos utilizar o Saturn IB, que era maior, então poderíamos planejar uma nave espacial de 1.400 quilos. Ao longo de um ano, esbocei dois projetos. Cada um deles era uma configuração diferente baseada em um orçamento de peso diferente. Com 1.400 quilos para trabalhar, o projeto foi relativamente fácil. Essencialmente, conseguíamos colocar juntos subsistemas relativamente bem conhecidos. Em consequência, as divisões não precisariam coordenar muito porque o desafio em termos de projeto foi relativamente baixo. Porém, tendo *Controle de atitude se refere a manter a nave espacial orientada de forma que os painéis solares (se houver) apontem para o Sol, sua antena para a Terra e suas câmeras e equipamentos científicos para o alvo.
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somente 500 quilos para trabalhar, as coisas ficaram mais difíceis. As interações passaram a ter um grande papel. Boa parte do trabalho de projeto de sistemas é descobrir as interações, ou escolhas, como são chamadas. No momento em que você tenta otimizar uma parte isolada, esta escolha imediatamente levanta problemas para outras partes. A restrição do peso transformava todo o processo em uma rede de necessidades concorrentes, e tudo isso precisava ser considerado em conjunto. Cortar o peso da unidade de energia térmica radioativa significava menos energia para o rádio, limitando-o a aproximadamente 35 watts. Para compensar o rádio com menor potência, podíamos tentar uma antena parabólica de foco mais concentrado e buscar maior precisão ao apontar a antena para a Terra. Isto significava sensores melhores, uma lógica de controle mais complexa e mais combustível para controle de atitude onde fosse necessário. Ao tentar cortar a blindagem da nave espacial para colocar a fonte de energia radioativa em um dispositivo mais comprido, descobríamos que esse dispositivo balançava, tornando mais difícil manter a orientação. Cada parte do sistema precisava ser reconsiderada e moldada conforme as necessidades do restante do sistema. Grande parte do trabalho era tentar criar configurações inteligentes que evitassem duplicações desnecessárias. Por exemplo, se um único dispositivo pudesse realizar múltiplas tarefas, atuando como proteção para a luz solar e para os micrometeoritos, além de servir como recipiente para o propelente, então conseguíamos economizar peso. De forma semelhante, buscávamos maneiras de diminuir a disputa entre os subsistemas pela energia elétrica através de uma programação inteligente das operações. Nada do que aprendi na faculdade de Engenharia em UC Berkeley me deu preparação para pensar sobre esse tipo de problema de projeto. Na escola, aprendi como fazer modelos matemáticos dos sistemas para depois minimizar algo, tal como o custo ou o erro quadrático. No entanto, esse trabalho no JPL era diferente. Eu precisava aprender o suficiente sobre todos os subsistemas e suas possíveis interações, e gravar tudo em minha mente para poder imaginar a configuração que seria mais eficaz. Isso era difícil, para dizer o mínimo. Não sabia na época, mas eu estava começando a aprender estratégia. O Voyager 1 foi lançado 14 anos após esses estudos iniciais. Ele pesava 720 quilos (mais do que 500 quilos, por conta das melhorias no veículo lançador Titan IIIC). Ele tirou fotografias e fez medições de Júpiter e Saturno. O plano da missão sabiamente utilizou uma das câmeras de televisão de pesquisa científica para ajudar na navegação enviando imagens das posições das luas de Júpiter contra o pano de fundo das estrelas. Ele ainda é operacional
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e, atualmente, está a 12,5 bilhões de quilômetros do Sol, além da borda do sistema solar. O Voyager 2 pegou um caminho mais lento, mas visitou Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
O compromisso de escolha A lição que extraí da engenharia de sistemas no JPL é que o desempenho é o resultado conjunto da capacidade e do projeto inteligente. Especificamente, dadas as capacidades existentes, tais como o peso do foguete lançador ou a eficiência no suprimento de energia, para obter um maior desempenho do sistema você precisava integrar seus componentes e subsistemas de forma mais estreita e mais inteligente. Por outro lado, se a capacidade (tecnologia) pudesse ser melhorada, diminuía a demanda por uma integração mais estreita e mais inteligente. Isto é, foguetes lançadores mais potentes ou componentes mais leves nos permitiriam atender as restrições de peso com menos trabalho, em função de integrações estreitas. Essa maneira de pensar sobre o projeto em termos de compromisso de escolha tornou-se central em minha visão sobre estratégia: Uma estratégia do tipo projeto é uma hábil configuração de recursos e ações que gera vantagem em uma situação desafiadora. Dado um conjunto definido de recursos, quanto maior o desafio competitivo, maior a necessidade de uma integração estreita e inteligente de recursos e ações. Considerando determinado nível de desafio, os recursos de maior qualidade reduzem a necessidade de uma estreita integração de recursos e ações. Esses princípios significam que os recursos e a coordenação estreita são substitutos parciais, um para o outro. Se a organização dispõe de poucos recursos, o desafio somente poderá ser enfrentado com uma integração estreita e inteligente. Por outro lado, se estiverem disponíveis mais recursos, então será necessário haver uma integração menos estreita. 7 Em outras palavras, quanto maior o desafio, maior a necessidade de uma boa e coerente estratégia do tipo projeto. Nestes princípios está implícita a noção de que a integração estreita ocorre a um custo determinado. Ou seja, nem sempre se procura um nível muito estreito de integração em um projeto de uma máquina ou em um negócio. É mais difícil gerar um projeto mais estreitamente integrado, tem foco mais dirigido, é de uso mais frágil e responde com menos flexibilidade à mudança. Um carro de corrida da Fórmula 1, por exemplo, é um projeto estreitamente
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integrado e é mais rápido na pista do que o Subaru Forester, mas o Forester menos estreitamente integrado é útil para um espectro muito mais amplo de propósitos. No entanto, quando o desafio competitivo é muito elevado, talvez seja necessário aceitar esses custos e projetar uma resposta estreitamente integrada. Com um desafio menor, é melhor um pouco menos de especialização e integração para poder abordar um mercado mais amplo.
O ARCO DO EMPREENDIMENTO As companhias compram caminhões, equipamentos de escritório, fresas verticais, equipamentos para processos químicos e contratam os serviços de armazéns, massas de formandos do ensino médio e da faculdade, advogados e contadores. Nenhum desses insumos normalmente são recursos estraté gicos. Esses tipos de bens e serviços em geral não conseguem conferir uma vantagem competitiva, porque os concorrentes têm acesso a bens e serviços praticamente idênticos, sob os mesmos termos. O recurso estratégico é um tipo de bem bastante duradouro que foi construído e desenvolvido ao longo do tempo, concebido ou descoberto por uma empresa e que os concorrentes não conseguem duplicar sem sofrer perda econômica. Um recurso estratégico de alta qualidade gerando poderosa vantagem competitiva representa uma grande simplicidade estratégica. Considere as patentes da Xerox sobre cópia de papel comum. Em meados dos anos 1950, essas patentes eram bastante sólidas e estava claro que os compradores se disporiam a pagar $3 mil ou mais por uma máquina Xerox – um equipamento cuja fabricação custa aproximadamente $700. Dada essa grande e protegida vantagem competitiva, a Xerox fez o óbvio: fabricou e vendeu máquinas Xerox. A Xerox construiu fábricas, produziu fotocopiadoras Xerox e construiu redes de vendas e serviços. Ela não sofreu nenhuma concorrência significativa de qualquer empresa com o antigo processo de fazer cópias. Ela produziu documentos chamados “planos estratégicos”, mas eles eram apenas projeções financeiras. Seu desafio era baixo. Ela não precisou muito de uma estratégia do tipo projeto porque sua posição em termos de recursos (sua patente) a isolava da concorrência e porque o valor do produto para os compradores era muito maior do que o custo de fabricá-los. Os recursos estão para a atividade coordenada assim como o capital está para o trabalho. É preciso muito trabalho para construir uma barragem, mas os serviços da barragem podem ficar disponíveis, por um tempo, sem trabalho
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adicional. Da mesma maneira, a poderosa posição da Xerox em termos de recursos (seu conhecimento e patentes das copiadoras de papel) foi o resultado acumulado de anos de atividade inventiva inteligente, focada e coordenada. Depois, como na barragem, quando foi alcançada esta posição bem protegida em relação aos recursos, ela se manteve por muitos anos. Conforme me contou um executivo da Xerox em 1977: “A fábrica vendia suas máquinas para a divisão de vendas a um preço de transferência que era o dobro do custo total de produção. Depois, a divisão de vendas dobrava ou triplicava esse custo de transferência para estabelecer o preço para o cliente.” Assim, uma forte posição em termos de recursos pode evitar a necessidade de uma sofisticada estratégia do tipo projeto. Se, por outro lado, existe somente uma posição moderada em termos de recursos (talvez a ideia de um novo produto ou um novo relacionamento com o cliente) o desafio passa a ser o de construir uma estratégia sensata e coerente em torno deste recurso. Finalmente, as estratégias mais inteligentes, aquelas que estudamos ao longo dos anos, começam com muito poucos recursos estratégicos, obtendo seus resultados através de uma hábil coordenação de ações no tempo e pelas funções. O risco de uma posição muito forte em termos de recursos é que o sucesso chega, então, sem um cuidadoso e contínuo trabalho de estratégia. Basta possuir a patente original da fotocopiadora de papel, ou a marca Hershey, ou a franquia do sistema operacional Windows, ou a patente do Lipitor e muitos anos se passarão durante os quais os lucros fluem para dentro da empresa quase independentemente de como você organize a lógica de seu negócio. É verdade que houve um gênio inventivo por trás desses recursos estratégicos, mas os lucros gerados por esses recursos podem ser mantidos, por um tempo, sem nenhuma genialidade. Os recursos existentes podem representar a alavanca para a criação de novos recursos, mas também podem representar um impedimento para a inovação. As empresas bem administradas devem, de tempos em tempos, pôr de lado os recursos antigos, da mesma forma que aposentam os equipamentos obsoletos. No entanto, os recursos estratégicos estão profundamente incorporados dentro do tecido humano de um empreendimento e a maioria das empresas consideram isso uma manobra difícil. A Xerox, por exemplo, construiu um serviço de manutenção e conserto de primeira classe e de resposta rápida para cuidar da base instalada de máquinas copiadoras. Assim, seu recurso inicial (a patente de copiadora de papel) foi utilizado para criar um novo recurso estratégico. Mas o valor do sistema de serviços residia em manter funcionando a base de máquinas alugadas sujeitas a quebras. E seu complemento foi o negócio lucrativo de papéis “especiais” com a marca Xerox,
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que travavam as copiadoras com menos frequência. O próximo passo deveria ter sido o de construir um equipamento de primeira classe no manuseio de papel. Isso teria aberto as portas para logo se posicionar em copiadoras pessoais, impressoras, máquinas de fax, e assim por diante. No entanto, também teria reduzido o valor imediato do recurso da Xerox de sistema de serviços. Dormindo à sombra dos louros conquistados, a Xerox deixou a Canon, a Kodak e a IBM desenvolverem uma tecnologia superior para o manuseio de papel, enquanto ela se afastava na busca fútil de um caminho para entrar no negócio de computadores com uma base de recursos especializada em torno de fazer a manutenção de equipamentos mecânicos sujeito a quebras. Uma posição muito poderosa em termos de recursos produz lucros sem grande esforço, e faz parte da natureza humana que a vida fácil gere a frou xidão. Também é da natureza humana associar o lucro atual com as ações recentes, muito embora devesse estar evidente para todos que a abundância atual resultava da colheita de um período de plantio feito há muito tempo no passado. Quando os lucros chegam, os líderes apontam para cada uma de suas ações com orgulho. Livros são escritos recomendando que os outros adotem imediatamente as regras de vestimenta da empresa bem-sucedida, sua política de férias, suas políticas referentes à caixa de sugestões e seu método para alocar vagas de estacionamento. Certamente, essas conexões são ilusórias. Se fossem assim tão simples as conexões diretas entre ações atuais e resultados atuais, a estratégia seria muito mais fácil. Seria também muito menos interessante, pois é a desconexão entre os resultados atuais e as ações atuais que torna tão difícil a análise das fontes de sucesso e, no final das contas, tão recompensadora. O sucesso leva à frouxidão e à preguiça, e estas levam ao declínio. Poucas organizações conseguem evitar esta sequência trágica. Porém, é esta trajetória bastante previsível que abre as portas para empresas novatas estratégicas. Para ver uma estratégia eficaz do tipo projeto, você precisa normalmente des viar o olhar das empresas com longo histórico de sucesso para companhias que invadem seu espaço de mercado com eficácia. Nela, você encontrará um conjunto de ações e políticas bem elaborado e integrado. Veja a Canon, por exemplo, trabalhando em torno das patentes da Xerox e criando um modelo de negócio radicalmente novo, baseado em copiadoras confiáveis acopladas aos computadores de mesa, e não em copiadoras centrais com alta velocidade e volume. Veja a jovem Microsoft superando a IBM; o jovem Wal-Mart superando a Kmart; a jovem Dell tirando negócios da HP, Compaq e IBM; a novata FedEx colocando de lado as tradicionais operadoras de frete aéreo; Enterprise Rent-A-Car concorrendo eficazmente contra a Hertz e a Avis com
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um novo modelo de negócio; a Nvidia vindo do nada para tirar da Intel o predomínio no mercado de chips gráficos; e o Google redefinindo o negócio de buscas e tirando-o da Microsoft e do Yahoo!. Em cada caso, você encontrará uma novata gerando uma estratégia competitiva estreitamente coordenada. Em nosso desejo de imortalidade, ficamos esperando que essas novatas estratégicas mantenham seu sucesso para sempre – a antiga busca quixotesca do empresário por vantagem competitiva sustentável. Mas a frouxidão e a inércia da companhia estabelecida no mercado que propiciaram uma abertura para essas novatas também se aplicam a elas. Com o passar do tempo, muitas perderão sua firme integração e começarão a se basear mais nos recursos acumulados e menos no projeto inteligente do negócio. Apoiandose nos lucros devidos aos recursos acumulados elas perderão a disciplina da estreita integração e permitirão que feudos independentes floresçam e acrescentem tantos produtos e projetos que a integração se torna impossível. Diante da natural desaceleração do crescimento com o tempo, elas tentarão criar uma aparência de jovem vigor com aquisições complementares. Em seguida, quando sua base de recursos eventualmente se tornar obsoleta, elas também estarão expostas a outra geração de novatas. Trata-se do ciclo da vida. A lição importante a extrair disso é que devemos aprender a estratégia do tipo projeto a partir das primeiras conquistas das novatas, em vez de buscar na postura das empresas maduras. Estude como Bill Gates superou a gigante IBM ou como a Nucor se tornou líder na indústria siderúrgica em declínio, e aprenderá a estratégia do tipo projeto. Estude a Microsoft hoje e você verá uma empresa madura gigantesca, colhendo os frutos das vitórias do passado, mas tão amarrada à sua base instalada e à rica mistura de iniciativas e padrões conflitantes como estava a IBM em 1985.
ORDEM A PARTIR DO CAOS Um exemplo de boa estratégia em que você pode ver os elementos coordenados do projeto é o negócio de caminhões pesados nos Estados Unidos. A Daimler AG é líder em participação de mercado (38%). Ela obteve essa grande vantagem comprando o problemático negócio de caminhões pesados da Ford em 1977. O próximo grande fabricante é a Paccar (25%), seguida pela Volvo (20%) e depois a Navistar (16%). Exatamente no meio de uma indústria de baixo crescimento, madura e muito competitiva, a Paccar, no entanto, apresenta um sólido desempenho. Seu retorno sobre o capital ao longo dos
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últimos 20 anos teve uma média de 16%, comparado com um retorno médio de 12% de seus concorrentes. Ainda mais importante: os lucros da Paccar têm se mantido notavelmente estáveis em uma indústria assolada por fortes crescimentos e retrações de demanda. A Paccar não perde dinheiro desde 1939 e os lucros continuam entrando, apesar da recessão de 2008-09. O elemento condutor da estratégia da Paccar é a qualidade, com suas marcas Kenworth e Peterbilt sendo amplamente reconhecidas como as dos caminhões de maior qualidade fabricados na América do Norte. A Paccar recebeu prêmios J.D. Power por seus caminhões pesados e pela área de ser viços. Em função disso, a empresa mantém sua forte posição de mercado apesar dos preços maiores. Como você consegue vender um caminhão por preços maiores? Em teoria é simples: seus caminhões devem rodar melhor e durar mais para que o custo de operação pelo proprietário seja menor. Os operadores de frotas analisam diferenças de frações de centavos por quilômetro ao tomar decisões de compra, e as variações nos custos se concentram principalmente em combustí veis e salários. Por exemplo, se você compra um Kenworth T2000 2008 por $110 mil e roda com ele por 200 mil quilômetros naquele ano, provavelmente pagará outros $115 mil por ano em despesas operacionais de combustível, manutenção, conserto e seguro. Esses valores antes dos salários e benefícios. Por isso a Kenworth foi pioneira há 30 anos em cabines de caminhão com baixo arrasto aerodinâmico como forma de cortar custos com combustível. Não é fácil manter esse tipo de liderança na qualidade por três grandes motivos. Em primeiro lugar, ninguém acreditará que você possui os caminhões de maior durabilidade até que eles já tenham durado bastante tempo na estrada. Essa é uma reputação que leva algum tempo para ser obtida e que pode se perder rapidamente. Em segundo lugar, projetar uma máquina de qualidade muito elevada não é um problema abordado em livros didáticos. Os projetistas aprendem com outros projetistas ao longo do tempo, e a companhia acumula esse conhecimento propiciando um local de trabalho bom e estável para engenheiros talentosos. Em terceiro lugar, normalmente é bastante difícil convencer os compradores a pagarem lá na frente um preço maior em função de uma economia futura, mesmo quando esses números são claros. As pessoas tendem a ser mais míopes do que a teoria econômica sugere. A estratégia de Paccar – seu projeto – é sua forma de lidar com esses três obstáculos para ser líder na qualidade. O primeiro elemento de sua estratégia é uma mudança sutil de ver a qualidade puramente em termos de custo operacional. Na verdade, a Paccar olha a qualidade sob a perspectiva do motorista
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proprietário. Os motoristas proprietários aumentam seus salários exigindo mais de si próprios, dirigindo 16 horas por dia ou mais. Os motoristas proprietários se preocupam com a eficiência, mas também olham além do custo por quilômetro porque o caminhão é sua casa, seu escritório, sua sala de estar e sua sala de televisão na estrada. Além disso, os motoristas prezam o toque especial de um estilo clássico americano (uma aura do tipo Harley-Davidson) associado às marcas Paccar, ainda que os interiores tenham agora a aparência mais de um Lexus. Os motoristas proprietários compram caminhões Kenworth a Peterbilt de concessionárias experientes que utilizam computadores 3-D para escolher dentre centenas de soluções customizadas. A Paccar fabrica cada caminhão conforme o pedido, mantendo baixos estoques e utilizando uma rede de fornecedores para suas principais peças e componentes. Os caminhões são projetados com o maior número possível de peças em comum. Os operadores de frota de caminhões não se preocupam muito com a aura; eles se preocupam com a rotatividade e o tempo ocioso dos motoristas. Os gerentes de frota acreditam que, utilizando dois motoristas, o tempo ocioso é cortado pela metade ou mais. Isso significa que um dos motoristas está dormindo ou descansando no compartimento de repouso durante boa parte do tempo, le vantando as mesmas preocupações sobre conforto que as do motorista proprietário. Além disso, quando os caminhoneiros se encontram em uma parada, os motoristas proprietários possuem status maior e suas opiniões têm mais peso. A beleza do posicionamento da Paccar é que embora os compradores de frota prestem mais atenção ao custo por quilômetro do que os motoristas proprietários, muitos são levados para algumas das mesmas direções pelas preferências de seus caminhoneiros. Independentemente da opinião dos proprietários de frotas, muitos de seus motoristas preferem caminhões Paccar. A estratégia da Paccar se baseia em fazer algo bem e de forma consistente por um longo período. Isso gera recursos difíceis de serem copiados: sua imagem, sua rede de concessionárias experientes, os clientes leais e o conhecimento incorporado em suas equipes de projetistas e engenheiros. Essa posição e esses tipos de recursos de lento desenvolvimento não estão disponíveis às empresas, presas ao mercado de ações, que querem grandes resultados em 12 meses. A abordagem flexível quanto à fabricação faz os custos variáveis da Paccar serem maiores do que os dos concorrentes, mas gera estabilidade para seus projetistas e engenheiros. Além disso, suas margens maiores criam uma rede de concessionárias maior e mais dedicada. Tudo isso funciona, em parte, porque não se trata de uma indústria em crescimento acelerado que atraia grandes investimentos novos de fora. Para atacá-la diretamente, um concorrente
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precisaria criar novas marcas e novos projetos e, muito provavelmente, cadastrar novas concessionárias. O segmento superior do mercado não é grande o suficiente para garantir esse tipo de investimento. O projeto da Paccar é expresso em ações que são consistentes com seu posicionamento e que são consistentes ao longo do tempo. Ela não fabrica caminhões pequenos, somente grandes. Dentro do segmento de caminhões grandes, ela não fabrica caminhões mais econômicos. O foco produto-comprador é mantido por seus projetistas, engenheiros e concessionárias. Por não ser diversificada, a conversa e o conhecimento nas salas de projeto, na fabricação e na área executiva são sobre caminhões e caminhões pesados. Eles não precisam contratar uma empresa de consultoria para descobrir sua principal competência ou para descobrir quem são seus compradores. Os vários elementos da estratégia da Paccar não são objetivos gerais – eles são concebidos para se encaixar e se constituir em um todo especializado. O projeto fica mais claro se você imaginar um fabricante de caminhões constituído de pedaços genéricos de várias companhias de caminhões (uma companhia de caminhões monstro, do tipo Frankenstein). Com projetos de caminhões de preço médio destinados a compradores de frotas, concessionárias voltadas para motoristas proprietários exigentes, e engenheiros projetistas treinados para cortar custos até os ossos, essa empresa não deve durar muito tempo. A boa estratégia é um projeto, e o projeto trata de encaixar vários pedaços para que funcionem como um todo coerente. Não há nada de mágico na estratégia da Paccar. Trata-se do clássico “defender e manter seu melhor posicionamento”. Esse sistema defensivo provavelmente poderá ser mantido desde que não haja mudanças estruturais significati vas na economia do setor ou no comportamento do comprador. A concorrência do dia a dia no setor é sempre importante, e a Paccar precisa introduzir novas características e modelos, lutar para melhorar a qualidade e reduzir os custos, bem como manter a flexibilidade. No entanto, a boa estratégia olha para além dessas questões, em busca daquilo que é fundamental. Dessa perspectiva, as ameaças para a empresa não são representadas por novos produtos ou alterações competitivas específicas, mas por mudanças que questionem a lógica de seu projeto. Se, por exemplo, o tratado do NAFTA incentivar cada vez mais transportadores a utilizar caminhões mexicanos, em vez de motoristas proprietários dos Estados Unidos, a posição da Paccar fica em risco. De forma semelhante, a nova venda sofisticada através de computadores introduzida nas concessionárias pode ser necessária, mas existe uma preocupação de que isso reduza a importância do conhecimento e da experiência dos representantes.
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FOCO
É uma clara manhã de abril e minha próxima sessão é do MBA para executivos. Alguns já estão lá, navegando na internet, lendo jornais ou estudando. O caso de hoje é o da Crown Cork & Seal, um fabricante de recipientes de metal.1 Esse é um de meus casos mais antigos da coleção sobre estratégia. Atualizado muitas vezes, o caso de hoje leva a empresa até 1989. Meus objetivos não são o de mostrar para a classe como administrar uma fábrica de latas ou até de como desenvolver uma boa estratégia. Na verdade, os objetivos consistem em (1) ensinar como identificar a estratégia de uma empresa, (2) aprofundar suas habilidades em analisar informações qualitativas, e (3) explorar uma mistura específica de políticas e posicionamento chamada de foco. A estratégia da Crown foi bem elaborada no início dos anos 1960, por John F. Connelly, cuja gestão avarenta da Crown tornou-se praticamente uma lenda no mundo dos negócios americanos. Ela era, por exemplo, uma das favoritas do legendário analista de ações Peter Lynch, gerente do Fidelity’s Magellan Fund. Ao longo de 35 anos, a companhia alcançou um registro fantástico, fornecendo um retorno médio de 19% ao ano aos acionistas – um desempenho especialmente impressionante, dada a intensa concorrência no setor. Qual era o segredo da Crown? O caso repete o consenso de que a Crown se especializara em recipientes para produtos difíceis de guardar, tais como aerossóis e refrigerantes. Embora, certamente, correspondesse à verdade, essa descrição não era completa nem excepcionalmente útil para entender como a Crown competia. No entanto, muitos analistas paravam aqui, aceitando, de bom grado, essa descrição da estratégia da Crown. Eles não teriam notado que os detalhes das políticas da Crown apontavam também em outras
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direções. Em geral, as pessoas não avançam mais porque a análise de informações não estruturadas é difícil, consome tempo e requer um profundo conhecimento dos fatos e habilidades bem desenvolvidas em termos de lógica, dedução e indução. Hoje, minha prédica é sobre a diferença previsível entre as análises feitas pelos participantes do curso e o que pode ser feito com um esforço mais disciplinado. Inicio dizendo: “Nosso trabalho hoje é a identificação de estratégia. Para começar a identificar a estratégia de uma empresa, normalmente é mais útil examinar o ambiente da concorrência. Em outras palavras, olhar como se conduzem os principais concorrentes. Vamos iniciar com as três maiores companhias de latas: Continental Can, National Can e American Can. O caso diz que ‘muitas companhias de bebidas possuem pelo menos duas fontes de fornecimento de lata. Além disso, os fabricantes de latas muitas vezes estabelecem plantas para suprir um cliente específico’.” 2 Para ilustrar que uma companhia de bebidas deve ter dois fornecedores comprometidos, eu desenho um diagrama na lousa. Ele tem um quadro no centro, no qual escrevo “Miller Brewing”, e desenho dois fornecedores de lata, representados por círculos em ambos os lados do quadro.
NCC
Miller Brewing
CCC
Apontando para o diagrama, digo: “Não é preciso ser PhD em Economia industrial para ver que isso é uma terrível estrutura industrial. Há muita concorrência direta entre fabricantes de lata próximos, cujos produtos precisam ser essencialmente indistinguíveis. Além disso, há a constante ameaça de que o comprador possa adquirir uma linha de produção de lata e fazer o trabalho sozinho. Por que diabos uma empresa investiria em um cenário tão difícil? Após alguma discussão, a classe conclui que os grandes fabricantes de lata aceitavam ser produtores cativos pelas vantagens de produção em ciclos de lotes iguais – há um grande custo em se mudar a linha de produção de um tipo de lata para outro. Ao mesmo tempo, eles observam que os principais fabricantes de lata possuem rentabilidade bastante baixa: de 4% a 5% de retorno sobre os ativos.
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Eu digo: “Este é um setor difícil com baixo retorno para os principais participantes. Mas a Crown Cork & Seal” – faço um suspense buscando no caso os números de seu desempenho – “supera as três grandes por uma margem substancial. Em média, ela parece ser de 50% a 60% mais lucrativa. Ela faz algo certo – algo que chamamos estratégia”. “Qual é a estratégia da Crown Cork & Seal?” Todd, incorporador de imóveis, afirma que a “Crown é um fabricante com baixo custo”. Ele segue argumentando: “Você não consegue diferenciar uma lata, logo, o motivo para ganhar mais dinheiro obrigatoriamente é o dos custos serem menores. Ela mantém os custos baixos operando suas plantas durante 24 horas sem interrupção e ficando perto do cliente.” Ele está completamente enganado, pois o custo por lata da Crown é certamente maior, e não menor, do que o custo por lata de seus concorrentes. Eu não digo nada e escrevo “fabricante com baixo custo” na lousa. Martin, um executivo do setor de entretenimento, diz: “A Crown se especializou em aplicações em produtos difíceis de guardar – aerossóis e refrigerantes. Eles exigem uma excelente prestação de serviço aos clientes. Há necessidade de muita assistência técnica e grande agilidade na resposta, com ênfase na velocidade. No caso, Connelly, o CEO, se dispõe a saltar em um avião para ajudar a resolver o problema de um cliente.” “Excelente, Martin. Isso é exatamente o que o caso diz. Na verdade, existe uma seção intitulada ‘Estratégia de Connelly’, onde se diz que a companhia foca em latas para aplicações em produtos difíceis de guardar – refrigerantes e aerossóis. Ele também diz que a empresa enfatiza a prestação de serviço ao cliente e a assistência técnica.” “Assim, acho que terminamos.” Vou até o palanque e começo a reunir minhas anotações; então, faço uma pausa e olho à minha volta. “A menos que alguém levante algum problema com a explicação oficial.” Melissa, na primeira fileira, balança lentamente a cabeça. Raramente ouço-a se manifestar e, antes mesmo que ela levante a mão, chamo: “Melissa?” “Bem”, ela começa olhando para Martin, “eu realmente não vejo que o fato de colocar refrigerante em uma lata seja uma grande façanha técnica. A Crown não é a única empresa que consegue fazer isto. Por que então seria um negócio de lucro elevado?”. Então, eu aceno afirmativamente e recoloco meus papéis no palanque. Com um pouco de encorajamento, Melissa deu um grande passo. Ela questionou a opinião consensual e de Martin. Ela notou que uma lata para uma aplicação em um produto difícil de se guardar não é necessariamente difícil de se fabricar.
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Eu digo: “Suponham que a revista Fortune, os autores de casos da Harvard Business School e os analistas de ações digam que a estratégia da Crown é o foco em aplicações em produtos difíceis de guardar – refrigerantes e aerossóis. Suponham também que sejamos muito teimosos. Queremos fazer nossa própria análise. Se vocês estudam com seriedade o trabalho de estratégia, de vem sempre fazer as próprias análises. Uma estratégia não é necessariamente aquilo que o CEO pretende ou aquilo que algum executivo diz que seja. Às vezes, eles escondem a verdade, algumas vezes estão enganados a respeito dela e, outras vezes ainda, assumem uma posição como líderes sem realmente saber os motivos para o sucesso de suas companhias.” “Se não vamos automaticamente aceitar as opiniões dos outros, como podemos identificar independentemente a estratégia de uma empresa? Fazemos isso olhando cada política da empresa e observando aquelas que são diferentes da norma do setor. Em seguida, tentamos descobrir qual o objetivo comum dessas políticas distintas – em torno do que estão coordenadas para realizar.” Vou até a lousa e escrevo “política” sobre as duas políticas que Martin levantou – assistência técnica e resposta rápida. Depois insiro uma nova coluna na direita chamada “Objetivo”. Política
Objetivo
Assistência técnica Resposta rápida Todos devem ter notado que a Crown enfatizava a assistência técnica e a resposta rápida, mas, da mesma forma que Martin, devem ter pensado nessas políticas somente como “coisas boas” que a empresa faz. Mas não devem ter percebido que nem todos os clientes precisam ou se beneficiam com essas políticas. Agora vem o trabalho real de descobrir o foco da empresa. “Comecemos com a assistência técnica”, digo. “A Melissa destacou que colocar refrigerante em uma lata não é uma ciência complexa. Que tipo de cliente necessitaria de ajuda técnica para colocar seu produto em uma lata?” Minha pergunta suscita olhares vagos. Dei palestras sobre como lidar com questões aparentemente sem forma como esta. O primeiro truque é substituir substantivos gerais por exemplos específicos. Espero um momento e depois faço isso por eles, apresentando um exemplo concreto de substituição do abstrato pelo concreto. “Que tal a Coors; ela precisa de assistência técnica dos fabricantes de lata?” O truque funciona. Algumas mãos se erguem. Reza é um engenheiro aeroespacial cujas contribuições costumam ser substanciais. Ele diz: “As grandes companhias de cerveja provavelmente conseguem
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ensinar algo para os fabricantes de latas. Na verdade, foi a Coors que descobriu como fazer latas de alumínio em duas partes com dobra dupla. São as empresas menores que precisam de assistência técnica – empresas sem grandes equipes técnicas e sem experiência própria interna sobre enlatamento.” “Ok”, respondo e escrevo: “Empresas menores” ao lado de “Assistência técnica” na coluna “Objetivo”. “E a política de resposta rápida? Ela também está focada em empresas menores?” “Certamente”, responde Reza. “As companhias pequenas devem possuir uma demanda menos estável e um planejamento pior.” A segunda resposta de Reza é rápida, mas não cuidadosa. Quando, diante de uma questão ou problema para o qual não há uma resposta óbvia, faz parte da natureza humana aceitar a primeira resposta aparentemente razoável que surja na mente, como se fosse um salva-vidas em um mar agitado. A disciplina da análise é não parar na primeira ideia, e sim de testá-la contra as evidências. A explicação de Reza de que a resposta rápida favorece as empresas pequenas está de acordo com alguns dos fatos sobre a mesa, mas não todos. Não escrevi nada na lousa. Houve uma pausa desconfortável. Então, um estudante diz: “Talvez o objetivo sejam os produtores sazonais.” Movo-me lentamente na direção da lousa. Outro indaga: “Novos produtos?” Estou na lousa com o marcador posicionado. Pergunto: “Um verão mais quente do que o normal, um novo produto... isso significa?” Dois ou três alunos dizem juntos “Pedidos urgentes”. Eu escrevo “Pedidos urgentes” ao lado de “Resposta rápida” e sob “Objetivo”. “Muito bem”, elogio. “Estamos fazendo progresso. A política de assistência técnica parece ter as pequenas empresas como objetivo e a política de resposta rápida parece ter os pedidos urgentes como alvo. Esses dois objetivos não representam exatamente a mesma coisa. Vamos analisar outra política”. E acrescento: “Fabricação” na coluna de políticas do lado esquerdo. A informação sobre a política de fabricação está espalhada por todo o caso. Leva um pouco de tempo pata trazer à tona o básico: as fábricas da Crown são menores que a de seus concorrentes; nenhuma das fábricas da Crowm é cativa – cada uma tem pelo menos dois clientes. A Crown tinha linhas em excesso preparadas para receber novos pedidos. David, analista de fundos de investimento, vinha trabalhando em uma planilha e ajuda a esclarecer as implicações. “Em comparação com as grandes”, ele diz, “as fábricas da Crown são menores, mas possuem muito mais clientes. Assim, a produção de latas por cliente da Crown deve ser bem menor do que a dos grandes concorrentes. Além disso, como as receitas por fábrica são maiores, o preço por lata da Crown deve ser consideravelmente maior do que os preços médios das grandes – talvez de 40% a 50% superiores”.
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Escrevo na lousa “Velocidade” e “Menos produção por cliente” como os objetivos do conjunto de políticas de produção. Agora é a hora de reunir as informações. Aponto para a lista de objetivos das políticas na lousa e pergunto: “Dado tudo isso, qual é o foco da Crown Cork & Seal?” A classe tem todas as peças, mas eu quero que eles amarrem essas peças com a economia fundamental do setor. Não é fácil ver esse padrão e não espero que alguém reúna tudo de uma só vez. Assim, continuo a falar, dando algumas pistas de orientação: “O que amarra todas essas coisas? Clientes menores... pedidos urgentes... velocidade... produção menor por cliente... preços maiores?” Espero uns 20 segundos, uma eternidade de silêncio em uma sala de aula. Então, pergunto: “O que levou os grandes a aceitarem a proposta de se tornar produtores cativos?” A última pista é suficiente. “A Crown faz produções menores”, exclama Julia, uma empresária. “As grandes aceitam produções maiores de itens padronizados para evitar transições onerosas. A Crown faz o oposto e tem o foco em produções menores.” Digo “Muito bem”, enquanto desenho um grande círculo em torno dos elementos da lista de objetivos – clientes pequenos, pedidos urgentes e menos despachos por cliente – e dou o nome de “Produções menores” para o círculo, e registro o nome de “Julia”, reconhecendo seu insight indutivo. A expressão “Produções menores” amarra o foco da empresa com o problema fundamental enfrentado pelos fabricantes no setor: o custo muito elevado para se trocar uma linha de latas de um produto para outro, ou até mesmo de imprimir um rótulo e depois mudar para imprimir outro. “Assim, descobrimos que, além de a Crown se especializar em latas de refrigerantes e aerossóis, também possui POLÍTICA
OBJETIVO
e s õ u ç s d P r o n o r e m e i a l u J
Assistência técnica
Pequenos negócios
Resposta rápida
Pedidos urgentes
Fabricação Fábricas menores Mais clientes por fábrica Excesso de capacidade para pedidos urgentes Mantém estoque para os clientes
Velocidade Produção menor por cliente
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um foco complexo em torno de produções menores. Essas produções podem ser menores pelo fato de se tratar de um cliente menor, de ser um produto novo, de ser um produto de valor maior com volume menor, ou por se tratar de um pedido urgente para cobrir uma demanda sazonal ou inesperada, e assim por diante.” Após verificar essa ideia comparando com as políticas de outras empresas, retomo a questão do custo. Todos, agora, conseguem ver que as produções menores significam mais transições de produtos. Isso e as políticas da Crown de excesso de capacidade, muita assistência técnica e resposta rápida levam os custos para cima, e não para baixo. Assim, temos uma companhia focada em produções menores, com custos maiores por lata contrabalançados por preços maiores. Eu digo: “Seria ótimo se o foco sempre significasse mais lucros. Mas não é assim. Chegou a hora de pensar como tudo isso permite que a Crown tenha margens maiores.” Vou para a lousa e desenho um círculo representando a Crown Cork & Seal com um anel de quadros a seu redor, cada qual representando um cliente. O contraste com o quadro da “Miller Brewing” ao lado com seus dois fornecedores é bastante acentuado. “Sabemos que nenhuma das fábricas da Crown é cativa. Quem está em melhor posição? A American Can vendendo para a Miller Brewing ou a Crown vendendo um pedido especial para uma engarrafadora local de refrigerantes?” Cheryl, analista financeira da Sony, vai direto ao ponto: “A Crown. Por focar em produções menores, a Crown evita a pressão por ser cativo. Em vez de um cliente com vários fornecedores concorrentes, a Crown é um fornecedor com vários clientes por fábrica. O fato de ter partido para produções em
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volumes maiores tornou as grandes cativas. A Crown não abriu mão de seu poder de barganha como fizeram as cativas.” Utilizando os diagramas para enfatizar, resumi o que descobrimos. A Crown e as grandes estão no mesmo setor, mas jogam com regras diferentes. Ao se concentrar em uma parte do mercado cuidadosamente selecionada, a Crown, além de se especializar, aumentou o poder de barganha em relação aos seus clientes. Assim, se apropria de uma fração maior do valor que ela gera. Os grandes, por sua vez, possuem volumes maiores do negócio, mas se apropriam de frações muito menores do valor que criam. Assim, a Crown produziu uma vantagem competitiva em seu mercado alvo. Ela não é a maior fabricante de latas, mas gera mais dinheiro. Esse padrão específico (atacar um segmento do mercado com um sistema de negócios que fornece mais valor para este segmento do que os outros participantes do mercado conseguem oferecer) é chamado de foco. Nessa situação, a palavra “foco” tem dois significados. Em primeiro lugar, ela denota a coordenação de políticas que gera mais poder pelos efeitos de interação e sobreposição. Em segundo lugar, ela denota a aplicação deste poder no objetivo correto.* Quando os alunos descobrem o foco da estratégia da Crown Cork & Seal há uma sensação de surpresa. A lógica interna fica visível após nossa análise, embora não o estivesse inicialmente. A lógica dessa estratégia não estava visível na própria descrição da empresa e nem nos pronunciamentos dos analistas de Wall Street. Não era um segredo: só que é um trabalho árduo encaixar todas as peças. Praticamente se afogando em uma barragem de 24 horas de notícias e comentários, os alunos ficaram surpresos que o mundo real possa às vezes ter uma lógica interna que não seja um segredo, mas que permaneça sem ser notada. “É sempre dessa maneira?”, um aluno me pergunta. “Se você trabalhar bastante, consegue descobrir a lógica estratégica real de todo negócio?” “Não”, respondo, “não de todo negócio. Se o negócio for realmente bemsucedido, então normalmente existe uma boa lógica estratégica por trás deste sucesso, estando ela oculta ou não. Mas a verdade é que muitas empresas, principalmente as grandes companhias complexas, realmente não possuem estratégias. Em sua essência, a estratégia refere-se a um foco, e muitas organizações complexas não focam seus recursos. Na verdade, elas buscam múltiplos objetivos ao mesmo tempo, não concentrando recursos suficientes para alcançar uma inovação em nenhum deles”. *Esse significado de “foco” foi introduzido por Michael Porter em seu livro Estratégia competitiva.
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CRESCIMENTO
Em 1989, John Connelly, com problemas de saúde, deixou a gestão ativa da Crown Cork & Seal, nomeando como substituto no cargo de CEO seu protegido de longa data, William Avery. Um ano depois, Connelly morre aos 85 anos. Assim que assume a liderança na Crown, Avery começa imediatamente um programa de crescimento através de aquisições. Entrevistado quatro anos depois, ele lembrou: “Quando me tornei presidente em 1989, eu tive de atiçar o fogo e fazer a companhia avançar novamente. O crescimento da empresa havia desacelerado nos anos 1980.” 1 O fogo aceso por Avery foi alimentado por pessoas com experiência em fusões e aquisições. A nova equipe reunida por ele era liderada pelo especialista em aquisições Alan Rutherford, que veio do escritório em Bruxelas para assumir o cargo de diretor financeiro da Crown. Além dele, Craig Calle veio do banco de investimento Salomon Brothers para se tornar tesoureiro na Crown, e Torsten Kreider deixou o banco de investimento Lehman Brothers para dirigir o planejamento e a análise. Durante 1990 e 1991, Avery dobrou o tamanho da Crown com a aquisição dos negócios domésticos e externos da Continental Can. Em 1992 e 1993, a Crown gastou $615 milhões para comprar a Constar, líder na fabricação de embalagens plásticas para as indústrias de refrigerantes e de água engarrafada, e outros $180 milhões na Van Dorn, fabricante de embalagens de plástico, metal e de materiais compostos. Ela pagou $62 milhões pela Tri Valley Growers, um tradicional fabricante de latas de metal para alimentos. Em 1995, a Crown deu início a um esforço de 18 meses para adquirir a CarnaudMetalBox S.A., maior fabricante de embalagens plásticas e de metal
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da Europa. A CarnaudMetalBox resultou de uma difícil fusão entre a empresa MetalBox, de 200 anos de idade, do Reino Unido, e a Carnaud, da França. Ela era líder na fabricação de latas nos dois países, com boa parte de sua produção girando em torno de latas de metal para alimentos. Comentando sobre o propósito dessa negociação, Avery declarou: “Queremos ficar maiores e utilizar melhor nossos recursos. Como líder global nos segmentos de metal e plástico da indústria de embalagens... teremos uma base no mundo todo para um contínuo crescimento internacional.” 2 Poucos executivos haviam sido tão claros em afirmar que querem crescer para ter uma plataforma para mais crescimento. Em 1997, a equipe de Avery havia concluído 20 aquisições, e a Crown se tornou o maior fabricante de embalagens do mundo. Avery previu que seu tamanho permitiria obter preços melhores dos fornecedores e que a tradicional competência da Crown em controle de custos permitiria cortar o excesso de custo e de capacidade da CarnaudMetalBox dirigida pelos franceses. Ninguém mencionou o fato estranho de que a tradicional competência da Crown estava na flexibilidade e nas produções menores, e não no controle de custo. Em 1998, começaram a aparecer os problemas. A incursão da Crown em embalagens de plástico havia seguido em paralelo com o rápido crescimento deste negócio. A nova embalagem moldada de polietileno tereftalato (PET) estava tirando parcelas significativas de negócios das embalagens de vidro e metal em refrigerantes e certas categorias de alimentos (por exemplo, catchup e molhos de salada). Esse crescimento, no entanto, não foi impulsionado pelo aumento básico da demanda por embalagens. Na verdade, ele ocorreu pela substituição do metal e do vidro pelo plástico. O crescimento baseado na substituição tem um limite claro e, quando a conversão pelo substituto é concluída, o crescimento sofre uma parada súbita. Isso aconteceu no negócio de PET da Crown exatamente quando a Crown se tornou o maior produtor mundial. E não apenas foram concluídas as conversões de metal por plástico, como também as vendas unitárias de embalagens PET começaram a diminuir quando grandes embalagens de refrigerante começaram a substituir várias embalagens menores. Para complicar ainda mais a situação, embora a gestão e os analistas esperassem preços mais firmes em função da consolidação da indústria de latas de metal, os preços começaram a cair, ao invés de subir, cortando drasticamente os lucros. Vários fatores são responsáveis. Nenhum concorrente estava disposto a fechar suas fábricas na Europa, cada um tendo de enfrentar
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problemas trabalhistas caso a fábrica fechasse e cada um querendo aumentar sua participação de mercado. Além disso, a concorrência das embalagens PET mais baratas estava praticamente eliminando as margens já apertadas nas tradicionais latas de metal. Tudo isso (a redução do crescimento, o excesso de capacidade da indústria, a transmissão da concorrência de preços do plástico para as latas de metal) representa uma análise básica do setor e poderia ter sido facilmente previsto pelo uso do popular modelo das Cinco Forças desenvolvido por Michael Porter. 3 Entre 1998 e 2001, o preço das ações da Crown caiu catastroficamente, passando de $55 para $5 (ver o gráfico a seguir). Em meados de 2001, Avery se aposentou e foi substituído por John Conway, funcionário de longa data na Crown, com formação em economia e direito. A era da expansão rápida através de aquisições estava concluída e caberia a Conway encontrar alguma maneira de fazer a agora gigantesca Crown voltar a dar lucro. Enquanto o mantra de Avery havia sido o de crescer, Conway enfatizou o custo, qualidade e tecnologia. De 2001 até o final de 2006, as vendas e os lucros se mantiveram essencialmente constantes, cerca de $1 bilhão em empréstimos foi pago e o valor da ação ordinária subiu gradualmente de $5 para $20, aproximadamente $5 superior ao que era há 17 anos, quando teve início o programa de expansão. Conforme já citado, quando Avery assumiu a Crown, reclamou que “o crescimento da companhia havia desacelerado”. É verdade. Durante os 10 anos (1980-89) antes de Avery se tornar CEO da Crown, as receitas cresceram a uma média de apenas 3,1% ao ano. No entanto, ela gerou um retorno médio anual para os acionistas de 18,5%, percentual muito superior aos 8,6% obtidos pelo S&P 500 no mesmo período. Durante os 17 anos após a saída de Connelly, de 1990 a 2006, a companhia cresceu rapidamente, tornando-se líder mundial na fabricação de embalagens. Porém, o proprietário de uma ação ordinária da Crown recebeu um retorno de apenas 2,4% ao ano, muito abaixo dos 9% propiciados pelo Índice S&P 500. O gráfico a seguir mostra como a rápida evolução na receita com vendas foi acompanhada por uma drástica queda no retorno sobre o capital – a relação entre lucro e investimentos.4 Esse retorno sobre o capital (ROC) era de respeitáveis 15,3% quando Avery assumiu, mas caiu quase imediatamente para abaixo de 10% e depois para menos de 5% com a aquisição da CarnaudMetalBox. O longo histórico da Crown de desempenho superior sob a liderança de Connelly se apoiou em sua estratégia cuidadosamente concebida, que, atra vés de um conjunto coordenado de políticas, focou a companhia em produtos
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Vendas (milhões)
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e compradores onde o poder de barganha dos clientes era menor. Quando Avery assumiu a liderança na Crown, deparou com as novas garrafas PET fazendo grandes incursões no mercado para embalagens de refrigerantes. Os custos para a troca de produtos com as embalagens de plástico eram muito menores do que com metais, e isso erodia as bases da tradicional vantagem da Crown. O que fazer? Avery escolheu o crescimento da corporação pela aquisição, com ênfase no negócio de PET, atraído pelo crescimento desta indústria. O problema é que ele deixou para trás a tradicional vantagem competitiva da companhia sem substituí-la por algo novo. Questionado sobre a perda de foco, o CFO (Chief Financial Officer), Calle, não demonstrou preocupação, interpretando o foco como meramente uma restrição na linha de produto: “Atualmente é moda falar em foco, mas nós sempre estivemos com ele. Operamos em um setor de $300 bilhões e atendemos apenas a parcela de plástico e metal, que representa de $150 a $200 bilhões.”5 Ele não optou por entender o significado mais profundo de foco: uma concentração e uma coordenação de ação e recursos que criam vantagem. Em vez disso, ele e o CEO, Avery, estavam fascinados pelas perspectivas da expansão.
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O problema de mergulhar na crescente indústria do PET está no fato de que o crescimento em uma commodity (tal como cimento, alumínio ou garrafas PET) é um fenômeno do setor impulsionado por crescimento na demanda geral. A crescente demanda puxa o lucro para cima, e este, por sua vez, induz as empresas a investirem em novas instalações. Porém, boa parte dos lucros dos concorrentes em crescimento é ilusória, pois eles são rein vestidos em novas fábricas e equipamentos à medida que o negócio cresce. Se os lucros elevados nesses investimentos pudessem ser mantidos após a redução do crescimento, então tudo estaria bem. No entanto, em um setor de commodities, assim que se desacelera o crescimento da demanda, o lucro desaparece nas empresas sem vantagem competitiva. Semelhante a um tipo de buraco negro econômico, a indústria de commodities em crescimento absorve mais dinheiro do concorrente comum do que algum dia conseguirá devolver. A proposição de que o crescimento em si mesmo gera valor está tão profundamente entranhado na retórica dos negócios que passou a ser um artigo de fé quase inquestionável o fato de que o crescimento é uma boa coisa. A descrição do CEO, Avery, sobre seu problema (“O crescimento da companhia desacelerou nos anos 1980”) e seus objetivos (“Queremos ficar maiores... teremos uma base no mundo todo para um contínuo crescimento internacional”) representa pouco mais do que a repetição da palavra “crescimento” – invocação mágica do nome do objeto de desejo. X
O problema em se engendrar o crescimento através de aquisições é que, ao comprar uma companhia, principalmente de capital aberto, você normalmente paga demais. Você paga um ágio sobre seu valor de mercado normal (em geral, cerca de 25%) mais comissões. Tendo bancos de investimento e credores amigáveis, você pode crescer à velocidade que quiser através de aquisições. Porém, a menos que possa comprar empresas por menos do que elas valem, ou a menos que você esteja especificamente posicionado para adicionar mais valor ao objetivo do que todos os demais, nenhum valor é gerado com essa expansão. Os líderes corporativos buscam o crescimento por muitos motivos. Eles podem (erroneamente) acreditar que os custos administrativos caem com o tamanho. Um motivo ruim, mas comum, para as aquisições é transferir executivos importantes para a periferia, em vez de deixá-los sair da empresa. Os
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líderes de grandes empresas tendem a ser mais bem remunerados. E, em uma companhia descentralizada, fazer aquisições é muito mais divertido do que ler relatórios sobre o desempenho das divisões. Em acréscimo a todos esses motivos, os principais consultores empresariais (banqueiros de investimento, consultores, empresas de advocacia de fusões e aquisições, e qualquer um que possa reivindicar uma “comissão de negócio”) podem ganhar um bom dinheiro sendo “úteis” em um grande negócio. Em 1998, fui contratado pela Telecom Italia como consultor especial em estratégia. A Telecom Italia era, na época, a quinta maior operadora de telecomunicações em linhas fixas e a maior e mais inovadora operadora de linhas móveis na Europa. Ela fora privatizada em uma série de etapas, começando em 1994 e terminando com a venda de ações para o público em 1997. Naquele momento, os problemas estratégicos enfrentados pelas operadoras europeias tradicionais de linha fixa eram consideráveis. Muitas ainda ganha vam as suculentas margens brutas típicas de operadoras nacionais em regime de monopólio, mas o futuro trazia a possibilidade de um drástico aumento de concorrência e de mudanças tecnológicas. A desregulamentação estava permitindo o ingresso de estrangeiros nos mercados nacionais e a internet estava florescendo. As companhias do tipo da Telecom Italia tinham grandes fluxos de caixa baseados em investimentos do passado e uma questão crítica era saber onde investir aquelas sobras de caixa. Investir em mais linhas fixas não parecia ser inteligente. Anéis de fibras óticas em torno das cidades parecia ser um investimento promissor, mas três empresas estrangeiras já tinham planos para centros regionais como Milão. Concorrer com eles seria corroer as receitas dos negócios existentes. A internet estava crescendo rapidamente, mas o rendimento era pequeno – seu crescimento se baseava em preços muito baixos, muito inferiores aos praticados para tráfego de voz ou de dados tradicionais. O presidente e CEO da empresa, Gianmario Rossignolo, vinha falando sobre uma aliança com a Cable & Wireless, uma companhia fundada no século XIX como fornecedora de ligações telegráficas submarinas por todo o Império britânico. Nacionalizada em 1947, ela havia voltado a ser privatizada em 1981 por Margareth Thatcher. O CEO da Cable & Wireless, Richard Brown, era um americano trazido para quebrar um impasse político interno que mantivera a companhia operando como um conjunto de feudos independentes. Brown vinha buscando uma grande aliança, primeiro flertando com a British Telecom, depois com a AT&T e, em seguida, com a Sprint. O argumento (floreado) era que as telecomunicações estavam se globalizando e que haveria valor em uma marca global.
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Brown e Rossignolo haviam iniciado as discussões a respeito de aliança conversando sobre uma série de participações cruzadas na França, no Caribe e em outras localidades. No final do verão, suas propostas informais evoluíram para o que efetivamente seria uma fusão das duas companhias, com Richard Brown surgindo como presidente. Rossignolo fora colocado em sua posição como diretor geral da Telecom Italia pela influente família Agnelli, que liderava o pequeno grupo de “principais” acionistas. No início de 1998, porém, alguns membros do conselho, incluindo os agentes de Agnelli, tinham se desencantado com ele. Eles estavam especificamente preocupados com a eventual fusão proposta com a Cable & Wireless. Nesse contexto, pediram que eu me reunisse com Joseph Silver (não é seu verdadeiro nome), um diretor administrativo do Morgan Stanley Dean Witter, que era o banco de investimento líder envolvido no acordo. Um membro do conselho me disse que “Wall Street tem a visão global da indústria”. Minha missão era descobrir o raciocínio do Morgan Stanley para a fusão. Reuni-me com Joseph Silver em uma sala de reuniões comum, em Milão. Comecei a discussão com uma questão simples e direta: Na opinião dele, qual seria a lógica para o acordo proposto? “Economia de escala”, ele respondeu. “Mas essas empresas operam em regiões completamente diferentes”, repliquei. “Onde está a economia de escala em se unir uma operadora no Caribe com outra na Itália ou no Brasil?” “A Telecom Italia”, ele respondeu, “precisa mover o tráfego da América do Sul para a Europa. A Cable & Wireless possui cabos que podem conduzir esse tráfego”. Tal argumento me surpreendeu. Era uma resposta para uma perguntapadrão em exame de meio de ano de um curso do MBA que poderia levar à reprovação. Você não precisa ser dono de uma fazenda de gado para obter fertilizante para seu jardim de rosas e não precisa de uma fusão de $50 bilhões para promover o tráfego de comunicações. Um contrato seria suficiente. “Parece-me”, disse, “que poderíamos assinar um contrato, neste exato momento em que estamos sentados, para movimentar o tráfego da Telecom Italia por alguns cabos da Cable & Wireless. Não precisamos de uma ampla fusão para conseguir isso”. “Na verdade, professor”, ele disse, “a questão é maior do que apenas o tráfego. A lógica fundamental para a fusão é realmente... economias de massa”.
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“Não estou familiarizado com esse termo.” “O que quero dizer com ‘economias de massa’ é que as duas companhias serão bem maiores em conjunto. A companhia resultante da fusão terá um fluxo de caixa muito maior.” Mais uma vez, fiquei surpreso com seu argumento. A junção de quaisquer duas companhias soma seus fluxos de caixa – isto é aritmética. Não é um argumento que explique por que um acordo específico vale o preço. “A Telecom Italia”, eu disse, “já dispõe de um fluxo de caixa substancial. De fato, o principal motivo para o preço de suas ações não ser maior é que os analistas e os investidores têm dúvidas quanto ao bom uso de todo esse dinheiro pela empresa. Por exemplo, a Telecom Itália acaba de oferecer um preço exagerado em um leilão importante na América do Sul. Sua oferta foi $1 bilhão acima do segundo maior lance. A Cable & Wireless está mais ou menos na mesma posição, gerando mais caixa do que consegue investir sabiamente. Não vejo qualquer ‘economia de massa’ na combinação desses dois fluxos de caixa”. Joseph Silver fechou sua fina maleta. Claramente não estava interessado em mais discussão. Ele me olhou como se eu fosse uma criança, alguém que não entende os grandes negócios. Disse então: “Com mais fluxo de caixa, você consegue fazer negócios maiores.” Em seguida, deixou a sala. Pressionado a explicar por que o acordo fazia sentido, Silver só conseguiu sugerir que ele seria um portão de acesso para um negócio ainda maior. Certamente, o Morgan Stanley estava pronto para cobrar uma excelente comissão, proveniente dos bilhões que fluiriam desse acordo e de quaisquer negociações maiores que se seguiriam. Passados dois dias de nossa reunião, o conselho rejeitou a fusão proposta e, em uma sessão tumultuada, aceitou o pedido de demissão de Gianmario Rossignolo. X
O crescimento saudável não é projetado; resulta da demanda crescente por recursos especiais ou por uma capacitação estendida ou ampliada. Ele resulta de a empresa possuir produtos ou competências superiores. Ele é a recompensa para o sucesso na inovação, habilidade, eficiência e criatividade. Esse tipo de crescimento não é apenas um fenômeno do setor de atividade. Ele normalmente aparece como um ganho na participação de mercado que é simultâneo a um índice de lucratividade maior.
CAPÍTULO 12 X
UTILIZANDO A VANTAGEM
Dois jogadores de xadrez igualmente habilidosos estão sentados esperando a partida começar – qual deles tem a vantagem? Dois exércitos idênticos se encontram em uma planície descampada – qual deles tem a vantagem? A resposta a essas questões é “nenhum deles”, porque a vantagem está enraizada nas diferenças – na assimetria entre os rivais. Na rivalidade real, existe um incontável número de assimetrias. O trabalho do líder é identificar quais assimetrias são fundamentais – quais podem transformar-se em vantagens importantes.
LUTANDO COM O GORILA Em 2000, eu estava trabalhando com uma companhia iniciante que havia desenvolvido um novo material microporoso em que os poros se ajustam com a temperatura. A esperança é que a roupa, ao incorporar esse material, proteja da chuva, como o Gore-Tex, mas também seria mais quente em condições de clima frio, e seria mais fresca quando estivesse muito quente. Tratando-se de uma iniciante, isso tem sido a única atividade da empresa e, de maneira justa, a equipe estava orgulhosa com sua realização. Eles estavam animados com a possibilidade de pegar sua ideia patenteada e desenvolver uma linha de tecidos e de roupas esportivas. Já haviam escolhido um nome e estavam negociando com designers. Na empresa de capital de risco que havia apoiado a iniciante, Susan vinha sendo a maior defensora deles e a que mais conhecia a equipe e sua tecnologia. Porém, quando a equipe da empresa iniciante se reuniu com Susan para
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trabalhar na terceira rodada de financiamento, ou mesmo numa oferta pública inicial de ações, ela não se mostrou entusiasmada. “Acho que seria mais inteligente”, ela disse, “pegar nossas amostras e preparar contratos de licenciamento. Ou vender direto a empresa para uma grande companhia têxtil”. A equipe da empresa iniciante reagiu. O CEO liderou a carga, argumentando: “Já mostramos do que somos capazes. Esta é uma oportunidade real para se construir uma grande companhia.” “Vocês realizaram um trabalho fantástico”, respondeu Susan. “Desenvol veram uma incrível tecnologia nova. Ninguém pode negar a competência de vocês nesse desenvolvimento – o produto é de primeira classe. Porém, construir uma companhia têxtil ou uma fábrica de roupas é um jogo completamente diferente.” O ar na sala ficou tenso com a frustração. Susan poderia estar certa, mas eles queriam seguir adiante. Eles já não haviam provado do que eram capazes? “Olha”, Susan disse, “é parecido com o seguinte. Vocês ganharam uma medalha de ouro nas Olimpíadas na corrida de 1.500 metros. Vocês têm boa chance de vencer a corrida de 10 mil metros e eu darei meu apoio nisso. No entanto, vocês querem trocar a modalidade esportiva de corrida para luta com gorilas. Isso não é uma boa ideia e não poderei dar meu apoio”. A poderosa imagem de Susan ajudou a convencer a equipe. Eles queriam seguir adiante, mas, certamente, não queriam lutar com o gorila. X
Ninguém tem vantagem em tudo. Equipes, organizações e até mesmo países possuem vantagens em certos tipos de competições, em condições específicas. O segredo para se utilizar a vantagem é entender essa particularidade. Você deve pressionar quando tem vantagem e sair de lado em situações nas quais não possui. Você deve explorar as fraquezas de seus rivais e evitar expor as suas próprias. Após o 11 de Setembro, os Estados Unidos formularam o objetivo de destruir a liderança da al Qaeda estabelecida no Afeganistão e o governo do Taleban, que os vem protegendo. Em conflitos militares, os Estados Unidos dispõem de enormes recursos e competências que lhe permitem rapidamente mobilizar uma quantidade estupenda de força. Os Estados Unidos tinham um ponto forte bastante claro e o utilizaram para matar agentes da al Qaeda e tirar o Taleban do poder. Os dirigentes de alta patente falharam, porém, ao utilizar essa vantagem e permitir que Osama bin Laden escapasse de seu esconderijo nas montanhas em Tora Bora, fugindo para o noroeste do Paquistão. 1
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Passados nove anos do 11 de Setembro, Osama bin Laden ainda permanecia foragido e os Estados Unidos envolvidos em uma contínua guerra de baixa intensidade no Afeganistão contra os Talebans. A estratégia dos Estados Unidos no Afeganistão se baseava em virar a população contra os Talebans e a favor do governo central. Essa abordagem tinha sua origem no Iraque, onde a população estava acostumada com um forte governo central. O Afeganistão, por sua vez, é uma sociedade baseada em senhores de guerra medievais, em que a lealdade e o poder é local. Após anos de apoio dos Estados Unidos, o governo central do Afeganistão continua corrupto e ineficaz fora de Cabul. Assim, as táticas de terror do Taleban contra a população são brutalmente eficazes porque qualquer proteção contra o Taleban só consegue ser temporária e geograficamente limitada. De maneira ainda mais grave, o Taleban não é um exército, não possui uniforme e todo mundo no Afeganistão está armado e provavelmente tem relação com alguém do Taleban. Todos esses obstáculos podem ser superados com tempo e recursos. Porém, todo cidadão comum e o Taleban sabem que os Estados Unidos se retirarão. O país se retirará por razões políticas e porque permanecer no Afeganistão é estupendamente caro. O Exército dos Estados Unidos, cuidadosamente concebido para infligir uma força esmagadora de alta intensidade, gasta $1 milhão por ano para colocar cada soldado no Afeganistão. Você não vai querer ter sido um apoiador dos Estados Unidos quando essas forças forem embora e o Taleban retornar ao poder. No Afeganistão, os Estados Unidos “lutavam com o gorila” porque se permitiram entrar em conflito ao dar apoio a um aliado quase inexistente, e a vantagem está com o lado mais paciente e com menor sensibilidade às perdas e aos danos colaterais. Nessa situação, o Taleban tinha a vantagem e estava utilizando-a.
VANTAGEM COMPETITIVA NOS NEGÓCIOS A expressão “vantagem competitiva” tornou-se uma expressão sobre a arte da estratégia em negócios com o brilhante livro de Michael Porter de 1984 sob esse mesmo título. De fato, Warren Buffett disse que avalia uma empresa procurando por uma “vantagem competitiva sustentável”. A definição básica de vantagem competitiva é simples e direta. Se sua empresa consegue produzir a um custo menor que os concorrentes, ou se consegue entregar um produto que gere uma maior percepção de valor do que os concorrentes, ou uma mistura desses dois, então você tem vantagem competitiva. A sutileza surge quando você percebe que os custos variam com
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o produto e a aplicação, e que os compradores diferem em suas localizações, conhecimento, gostos e outras características. Assim, muitas vantagens só valem até determinado ponto. Por exemplo, a Whole Foods tem vantagem sobre os supermercados Albertsons somente para certos produtos e apenas entre os clientes de produtos de mercearia com boa renda e que dão grande valor a alimentos orgânicos e naturais. É complicado definir “sustentabilidade”. Para que uma vantagem seja sustentável, seus concorrentes não podem conseguir copiá-la. Ou, mais precisamente, não podem conseguir copiar os recursos que estão por trás dela. Para tanto, você precisa possuir aquilo que chamo de “mecanismo de isolamento”, tal como uma patente que dá a seu proprietário o direito legal de monopolizar o uso de uma tecnologia por um tempo. 2 Algumas formas mais complexas de mecanismo de isolamento incluem reputação, relações comerciais e sociais, efeitos de rede,* grandes economias de escala e conhecimento tácito e competência obtida através da experiência. A título de exemplo, o negócio do iPhone da Apple é protegido pelas marcas Apple e iPhone, pela reputação da empresa, pelo serviço complementar do iTunes e pelos efeitos de rede de seu grupo de clientes, principalmente no que diz respeito aos aplicativos do iPhone. Cada um desses recursos foi criado pelos executivos da Apple e colocado em prática como parte de um programa para a construção de vantagem competitiva sustentável. Esses recursos são escassos, na medida em que os concorrentes encontram dificuldades, se não impossibilidade, de desenvolver recursos comparáveis a um custo razoável. As afirmações na publicidade ou no discurso de venda de que determinado sistema ou produto ou programa de treinamento de TI trará uma vantagem competitiva representam um uso incorreto da expressão, já que uma “vantagem” na venda para todos os interessados é uma contradição em si mesma.
VANTAGENS “INTERESSANTES” Stewart Resnick, presidente da empresa privada Roll International Corporation, e sua esposa, Lynda, são empreendedores em série. Eles não apenas fundaram diversas empresas bem-sucedidas, como também utilizaram sua riqueza *O “efeito de rede” aumenta o valor de um produto quando aumenta o número de compradores ou usuários. É como uma economia de escala, mas, em vez de reduzir o custo do produtor, ele aumenta a disposição do comprador em pagar. Nós vemos efeitos de rede bastante fortes em negócios, como a Amazon e o Facebook.
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para financiar pesquisa médica, educação e artes. Ser capaz de desenvolver estratégias bem-sucedidas, não apenas uma vez, mas várias seguidas, é uma habilidade rara. Além disso, fica claro que sua competência não se restringe a um único setor – eles conseguiram obter sucesso em serviços de alarme, entrega de flores, objetos para colecionadores, agronegócio e água engarrafada. Enquanto dirijo até o escritório central da Roll em West Los Angeles, fico revendo o que sei a respeito dos Resnick. O pai de Stewart foi proprietário de um bar em New Jersey, e o primeiro negócio de Stewart foi um serviço de limpeza utilizando a enceradeira de um amigo. O negócio cresceu, pagando seus estudos na faculdade de Direito da UCLA. Ele vendeu o negócio em 1969, por aproximadamente $2,5 milhões, e investiu o dinheiro em uma empresa de alarmes de segurança. O primeiro negócio de Lynda foi uma agência de publicidade e, quando Stewart vendeu a empresa de alarmes de segurança, eles trabalharam juntos para adquirir a Teleflora em 1979. Para a Teleflora, Stewart e Lynda criaram o conceito de arranjos de flores em recipientes especiais de recordação, abordagem que aumentou, de modo significativo, os lucros para eles e seus floristas. Em 1985, compraram a Franklin Mint, um produtor de moedas para colecionadores. Lynda comandou a expansão para lembranças da cultura pop, miniaturas de carros, e uma série de outros itens (os Resnicks venderam a Franklin Mint em 2006). Durante a década de 1980, os Resnick começaram a investir em agronegócios: pomares de cítricos, pistache, amêndoas e romãs. Com o tempo, esses negócios se tornaram seus maiores geradores de lucros. Atualmente, a Roll é a maior produtora de cítricos na Califórnia e o maior produtor de castanhas do mundo. Durante os anos 2000, a Roll começou a comercializar suco de romã pura e outros sucos sob a marca POM Wonderful. Ela adquiriu a Fiji Water, uma companhia de água engarrafada de aquíferos nativos de Suva, no Fiji. Comprou também a Suterra, um fabricante do Oregon de feromônios que interrompem o comportamento de acasalamento dos insetos, protegendo as plantações sem a necessidade de inseticidas. Hoje, a Roll International é uma das 200 maiores companhias privadas dos Estados Unidos. A sede da Roll é um oásis de arte e escultura em um bairro comercial normal de West Los Angeles. Stewart é descontraído, de fala mansa e autoconfiante. Sua compreensão dos detalhes de cada um dos negócios da Roll é pouco comum para o presidente de uma empresa do tamanho e da complexidade da Roll. Stewart me conta que a Teleflora vinha concorrendo em termos de preços quando ele adquiriu o negócio. “Nós mudamos para um modelo de serviços”, ele diz, explicando que a Teleflora fornece floristas com a maior rede de
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associados, um sistema de TI baseado na internet, vasos de recordação para guardar e colocar flores, serviços de hospedagem na Web, serviço de processamento de cartão de crédito e tecnologias de ponto de venda. “Existe mais concorrência agora do que nunca”, ele diz, “mas a Teleflora é um negócio muito mais bem-sucedido do que quando nós a compramos. Na época, ela era um décimo do tamanho da FTD; agora é duas vezes maior.” Eu pergunto a ele se existe uma lição comum que possa ser extraída de negócios tão díspares como a Teleflora e a Fiji Water. Stewart abre suas mãos com a palma para cima e inclina a cabeça para o lado, em um gesto que quer dizer “Como posso explicar?”. Após uma pausa, ele diz: “Oferecendo mais valor, você evita ser uma commodity. O setor de água engarrafada está lotado de empresas, mas Lynda viu algo exclusivo neste produto: água de um aquífero profundo no Fiji que vem sendo naturalmente filtrada por várias centenas de anos. Água que se acumulou no solo antes da era industrial, antes da poluição e dos produtos químicos. É uma oferta exclusiva que os proprietários originais não exploraram.” Compreendo a questão de se evitar ser uma commodity. No entanto, a Roll se tornou o maior produtor de cítricos da Califórnia e o maior produtor de amêndoas e pistache do mundo. Eu pergunto: “Por definição, esses produtos agrícolas não são commodities?” Stewart diz que começou a comprar terras agriculturáveis em 1978, como um investimento passivo para se proteger da inflação. A ideia surgiu quando ele percebeu que esses negócios eram, na verdade, bastante “interessantes”. “Interessante?”, pergunto. Se os ouvidos humanos pudessem ficar arrebitados, os meus ficariam. Após pensar por um instante, Stewart diz: “Para mim, um negócio é ‘interessante’ quando vejo maneiras de aumentar seu valor. O fazendeiro típico de castanhas não consegue controlar seu próprio destino. Ele aceita o que as árvores produzem e os preços de mercado.” “Um pequeno fazendeiro de castanhas não consegue bancar os investimentos necessários para desenvolver o mercado ou para pesquisar a produção ou fazer um processamento eficiente. Nós, no entanto, tínhamos uma grande holding. Éramos grandes o suficiente para recuperar os custos de pesquisa em produção e qualidade. Além disso, percebi que, se pudéssemos estimular a demanda por amêndoas e pistaches, então haveria um benefício real. Certamente, todos os fazendeiros de castanhas da Califórnia se beneficiariam com uma demanda maior, mas nós éramos os únicos produtores com porte para fazer o investimento valer a pena. E funcionou. O consumo continua crescendo e as exportações estão subindo. Nossa marca ‘Wonderful’
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permite um preço maior. Amêndoas e pistaches são aperitivos saudáveis e ainda há um enorme potencial para expansão.” Sugiro que o estímulo da demanda por castanhas fornece apenas um benefício temporário para a Roll. A vantagem não se dissiparia quando outros produtores aumentassem suas produções para igualar a demanda maior? “As coisas não acontecem com a velocidade da luz na agricultura”, explica Stewart. “Leva de 7 a 10 anos para árvores recém-plantadas amadurecerem. Isso nos deu tempo para investir no plantio, na marca, no processamento e na comercialização. Em seguida, quando a demanda cresceu, desenvolvemos agressivamente nossa capacidade de processamento de castanhas. A economia de escala no processamento torna difícil que os fazendeiros menores desenvolvam suas próprias instalações de processamento. A menos que você possa processar, empacotar, comercializar, divulgar a marca e distribuir, não vale a pena comprar mais terras e plantar novas árvores.” Pude constatar que a abordagem de Stewart no negócio de castanhas era uma manobra complexa e coordenada ao longo de uma década. Seus recursos originais em larga escala permitiram que ele se apropriasse da parte do leão dos benefícios de seus investimentos em pesquisa, desenvolvimento de mercado, publicidade e promoção. O intervalo de 7 a 10 anos na resposta da concorrência permitiu o financiamento da operação e uma janela de oportunidade para construir instalações de grande porte para o processamento de castanhas. As economias de escala propiciadas pelo processamento impediram que os concorrentes de menor porte atingissem custos equivalentes. É preciso ter nervos de aço para esperar 9 anos para que a estratégia funcione. “Você ainda está buscando horizontes de cinco a 10 anos à frente?”, indago. “Esta é uma das grandes vantagens de ser uma companhia privada. Quando comprei essas terras de grandes companhias de petróleo, eles olhavam adiante, em busca de apenas um trimestre ou um ano. Eles queriam manter os ativos ‘fora dos livros’, para fazer os índices financeiros parecerem melhores. Nós podemos fazer mais com esses negócios porque não sofremos essas pressões malucas de uma companhia aberta.”
Algumas vantagens são mais “interessantes” do que outras Quando outra pessoa fala, você pode ouvir mais ou ouvir menos do que realmente quer dizer. Menos, porque nenhum de nós consegue expressar toda extensão de nossa compreensão, e mais, porque aquilo que o outro diz está
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constantemente se misturando e interagindo com nosso próprio conhecimento e mistificações. Quando Stewart Resnick explicou o que torna um negócio “interessante” para ele, eu fiz uma inesperada conexão com aspectos do conceito de vantagem competitiva que vinham me intrigando por algum tempo. Senti que algo se encaixou em minha mente. Para explicar, preciso recuar no tempo até 2002, quando, com meu colega da UCLA, Steven Lippman, desenvolvi um experimento mental sobre vantagem competitiva. Nosso experimento mental* referia-se a uma “máquina de prata” imaginária deixada para trás por um OVNI que passava. Ela podia produzir $10 milhões por ano de prata pura sem nenhum custo (não utilizava insumos como energia, materiais ou trabalho). Não havia impostos, e a taxa de juros constante era de 10%. A primeira pessoa a encontrar a máquina de prata vendeu-a a um novo proprietário por $100 milhões. Nós perguntávamos então se o novo proprietário tinha vantagem competitiva no negócio de prata. O problema da máquina de prata transformou-se em um quebra-cabeça comum no campo da estratégia. A máquina de prata era obviamente um produtor de baixo custo – podendo chegar até mesmo a ter custo zero. O dilema era que essa vantagem não tornava seu novo proprietário mais rico. É verdade que a máquina gerava $10 milhões por ano, mas isso era apenas um retorno de 10% sobre o que havia sido pago para comprá-la. Sua vantagem competitiva parece ter se evaporado com a troca de dono. Ainda assim, a máquina continuava a produzir prata a um custo zero.3 Levou algum tempo, mas consegui resolver o enigma. A máquina de prata efetivamente tem vantagem competitiva no negócio da prata. 4 O dilema desaparece quando você, cuidadosamente, distingue entre vantagem competitiva e ganho financeiro – muitas pessoas assumem que eles representam a mesma coisa, mas isso não é verdade. Porém, foi Stewart Resnick quem me ajudou a ver outro fato ainda mais importante sobre a máquina de prata: que sua vantagem, embora real, não era interessante. A vantagem da máquina de prata dá valor a ela, mas essa vantagem não é interessante porque não há uma maneira de o proprietário engendrar um aumento desse valor. A máquina não pode tornar-se mais eficiente. A prata pura não pode ser algo diferenciado. Um pequeno produtor não consegue incentivar a demanda global por prata. Você não consegue aumentar o valor da máquina de prata mais do que conseguiria engendrar um aumento no valor de um título do tesouro do governo. Assim, possuir essa vantagem não é mais interessante do que possuir um bônus do governo. *Um experimento mental testa ideias em função de consistência lógica e implicações lógicas.
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Para Stewart Resnick, e agora para mim, uma vantagem competitiva é interessante quando se pode pensar em maneiras de aumentar seu valor. Isto significa que devem existir coisas que você possa fazer, por si só, para aumentar seu valor. Para ver um exemplo de uma grande vantagem competitiva que atualmente não está aumentando em valor, pense no eBay. Deve ser óbvio que o eBay tem uma considerável vantagem competitiva no negócio global de leilões entre pessoas. O eBay inventou esse negócio e permanece, de longe, a empresa líder mundial nessa atividade. Mais especificamente, a vantagem competitiva do eBay está em sua inigualável capacidade de oferecer a solução menos cara e mais eficaz para qualquer pessoa que deseja comprar ou vender um item pessoal on-line. Sua ampla base de usuários, seu software fácil de usar e seus métodos de classificar os vendedores lhe dão uma considerável vantagem sobre qualquer plataforma concorrente. Ao longo dos anos, o eBay tem sido bastante lucrativo. Durante o ano encerrado em dezembro de 2009, a companhia tinha um fluxo de caixa operacional de $2,9 bilhões, uma margem de vendas após os impostos de 26% e um saudável retorno após os impostos sobre os ativos de 13%. No entanto, apesar de sua vantagem competitiva, o valor de mercado da companhia tem se mantido estagnado ou declinante por mais de sete anos. Pela operação, o eBay definitivamente fornece um serviço cujo custo da prestação está bem abaixo do valor atribuído a ele por seus clientes, e faz isso de forma tão eficaz que os outros não conseguem entrar para concorrer em sua atividade principal. No entanto, a empresa não está gerando mais riqueza para seus proprietários. Da mesma forma que a máquina de prata, o valor do eBay tem se mantido estático, indicando que sua vantagem competitiva continua estática. Entretanto, o eBay é bem mais “interessante” do que a máquina de prata. Embora não existam maneiras de alterar a vantagem da máquina de prata (por definição), há uma infinidade de maneiras de mudar os serviços do eBay (sua eficiência) e os usos para os quais estão colocados seus recursos e competências. Portanto, a vantagem do eBay tem o potencial de ser interessante. Ela se tornará verdadeiramente interessante quando alguém tiver ideias especiais sobre meios ainda não explorados de expandir o valor das vantagens competitivas já consideráveis do eBay.
MUDANÇAS NA GERAÇÃO DE VALOR Muitos especialistas em estratégia têm igualado a vantagem competitiva com a alta rentabilidade. O exemplo do eBay (e da máquina de prata) mostra que
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isso não é necessariamente verdade. Apesar de toda a ênfase na “vantagem competitiva” no mundo da estratégia dos negócios, você não pode esperar ganhar dinheiro (ficar mais rico) pelo simples fato de ter, possuir, comprar ou vender uma vantagem competitiva. A verdade é que a conexão entre vantagem competitiva e riqueza é dinâmica. Em outras palavras, a riqueza au menta quando a vantagem competitiva aumenta ou quando a demanda pelos recursos por trás dela aumenta. Em especial, o aumento do valor requer uma estratégia para avançar em pelo menos uma de quatro frentes diferentes: • • • •
aprofundar as vantagens; ampliar a extensão das vantagens; criar uma demanda maior para produtos ou serviços com vantagens; ou fortalecer os mecanismos de isolamento que bloqueiem uma fácil imitação ou reprodução pelos concorrentes.
Aprofundar vantagens Comece definindo vantagem em termos de excesso – o intervalo entre o valor para o comprador e o custo. Aprofundar uma vantagem significa ampliar esse intervalo aumentando o valor para os compradores, reduzindo os custos, ou ambos.* Seria tolice tentar resumir a ampla variedade de métodos e abordagens que podem ser utilizados para fazer melhorias nos custos e/ou valor. Seria mais útil destacar as duas principais razões para esse processo parar. A primeira é que a gestão pode, equivocadamente, acreditar que a melhoria seja um processo “natural” ou que possa ser executada apenas por pressão ou incentivos. Conforme Frank Gilbreth destacou em 1909, os pedreiros vêm assentando tijolos por milhares de anos sem qualquer melhoria nas ferramentas ou na técnica.5 Estudando cuidadosamente o processo, Gilbreth conseguiu mais do que dobrar a produtividade sem aumentar a carga de trabalho de ninguém. Colocando o estrado de suprimento de tijolos e argamassa na altura do peito, evitaram-se centenas ou milhares de movimentos por dia em separado para erguer os tijolos por parte de cada pedreiro. Utilizando andaimes móveis, pedreiros qualificados não precisavam perder tempo carregando tijolos pelas escadas. Garantindo que a argamassa estivesse com a *Ao analisar os custos, inclua o custo do comprador para a busca do produto, sua avaliação, viajar para comprá-lo ou esperar sua chegada, a troca por ele, sua instalação e o aprendizado de como utilizá-lo.
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consistência correta, os pedreiros poderiam assentar e nivelar um tijolo com uma simples pressão da mão, em vez de consagrar um tempo precioso para múltiplas batidas com uma espátula. A lição de Gilbreth, ainda atual, é que não são suficientes apenas os incentivos; é preciso reexaminar cada aspecto do produto e do processo, colocando de lado o confortável pressuposto de que todos sabem o que estão fazendo. Atualmente, essa abordagem para o fluxo de informações e para os processos empresariais é às vezes chamada de “reengenharia” ou “transformação do processo da empresa”. Independentemente de como seja chamada, o princípio subjacente é que as melhorias surgem do reexame dos detalhes de como o trabalho é efetuado, e não apenas pelo controle de custos ou incentivos. As mesmas questões que surgem na melhoria dos processos de trabalho também aparecem na melhoria de produtos, exceto que a observação dos compradores é mais difícil do que examinar seus próprios sistemas. As companhias que se destacam no desenvolvimento e melhoria de produtos estudam cuidadosamente as atitudes, as decisões e os sentimentos dos compradores. Elas desenvolvem uma empatia especial pelos clientes e antecipam os problemas antes que ocorram. A segunda razão para as empresas não se envolverem em um processo de melhoria é quando os mecanismos de isolamento em torno de métodos importantes são fracos. As companhias em tais situações sensatamente esperam para pegar uma carona nas melhorias dos outros. Para se beneficiar de investimentos em melhorias, estas devem ser protegidas ou incorporadas em um negócio que seja suficientemente especial para que seus métodos sejam de pouco uso para os concorrentes.
Ampliar a extensão das vantagens A extensão de uma vantagem competitiva a traz para novos campos e novas áreas de concorrência. Por exemplo, as operações bancárias através de telefone celular representam um fenômeno crescente fora dos Estados Unidos, principalmente em países menos desenvolvidos. O eBay dispõe de uma competência significativa em sistemas de pagamento embutidos em seu negócio PayPal. Se o eBay pudesse basear-se nisso para criar vantagem competitiva em sistemas de pagamento através de telefone celular, estaria estendendo uma vantagem competitiva. A extensão de uma vantagem competitiva requer olhar para além dos produtos, compradores e concorrentes, buscando as competências especiais e
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os recursos que estão por trás de uma vantagem competitiva. Em outras palavras, “construir sobre seus pontos fortes”. A ideia de que alguns recursos da empresa possam ter um bom uso em outros produtos ou mercados provavelmente é a mais fundamental em estratégia corporativa.6 Sua verdade é inegável, ainda que seja fonte de grandes prejuízos. Confusas com a ideia de que os pontos fortes competitivos de sua companhia estejam em quiméricas generalidades como “transporte”, “produtos de consumo pela marca”, ou “gestão”, as empresas podem acabar diversificando para produtos e processos dos quais não conhecem nada a respeito. A base para extensões produtivas geralmente reside no interior de grupos complexos de conhecimento e know-how. Por exemplo, a DuPont começou como especialista em explosivos. Após a Primeira Guerra Mundial, suas competências em química e na fabricação de produtos químicos levaram-na a produzir celulose, borracha sintética e tintas. O trabalho com sintéticos permitiu novas capacitações em química de polímeros, que, por sua vez, levaram ao Lucite e ao Teflon em 1935. Outros desenvolvimentos na área de polímeros levaram ao náilon, Mylar, Dacron, Lycra e assim por diante. Padrões semelhantes de acumulação e extensão de recursos tecnológicos podem ser encontrados na General Electric, IBM, 3M e muitas companhias farmacêuticas e eletrônicas. As extensões baseadas no próprio know-how se beneficiam do fato de que o conhecimento não é “esgotado” quando é aplicado; ele pode até ser aperfeiçoado. Em comparação, as extensões baseadas em crenças dos clientes, tais como nome da marca, relacionamentos e reputação podem acabar diluídas ou prejudicadas por extensões descuidadas. Embora algumas vezes possa ser criado um grande valor com a extensão desses recursos, um fracasso na nova área pode repercutir prejudicando a atividade central. Um bom exemplo do cuidado que a gestão precisa ter ao estender suas marcas e reputação é o da Walt Disney Company. Há muito tempo ela tem desfrutado de substancial vantagem competitiva na indústria do entretenimento por causa de sua capacidade e reputação na diversão voltada para a família. Para avaliar a magnitude dessa vantagem, observe que nenhuma outra companhia cinematográfica consegue trazer espectadores para seus filmes somente em virtude da marca. Muitas crianças vão ou são levadas para assistir ao mais novo filme da Disney sem saber muito a respeito de seu conteúdo. Por outro lado, ninguém vai para o cinema porque o filme é da Sony Pictures Studios ou porque foi produzido pela Paramount. Essas marcas têm algum poder em círculos financeiros, mas nenhum com os consumidores.
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O valor da marca surge pela garantia de certas características do produto. Porém, não é fácil definir essas características. O que seria exatamente um filme da “Disney”? Até onde uma marca pode ser estendida sem perder valor? Mark Zoradi é presidente da Walt Disney Motion Pictures Group (antiga Buena Vista Motion Pictures Group), que comercializa e distribui filmes sob as marcas Walt Disney, Touchstone e Miramax. Ela também supervisiona as operações dos estúdios de animação da Disney e da Pixar. No final de 2008, conversei com Mark sobre a marca Disney e as estratégias para estendê-la. Ele me disse o seguinte: A coisa mais valiosa que temos é a marca Disney. Há vários anos, Dick Cook [na época, presidente da Walt Disney Studios] nos levou a pensar seriamente sobre como construir utilizando esse ponto forte, mas sem diluí-lo. Algumas pessoas acreditam que um filme da Disney deve ser apropriado para crianças muito pequenas. Mas esquecem que a Disney produziu 20.000 Léguas Submarinas, um filme que provavelmente era muito assustador para crianças pequenas. Nós olhamos para toda a lista dos filmes de maior sucesso na história e descobrimos que teríamos ficado orgulhosos de lançar um número surpreendente deles sob o nome Disney: filmes como E.T., Superman e a série do Indiana Jones. Para manter a fé e ainda expandir a marca, desenvolvemos três diretrizes básicas. Sem palavrões. Tudo bem as pessoas ficarem irritadas ou com o rosto vermelho, mas sem falar palavrões. Nenhuma situação sexual incô moda. Nós queremos romances, mas deixamos os filmes sujos para outros. Sem violência gratuita. Somos todos favoráveis a aventureiros fanfarrões, mas sem decapitações e sangue jorrando. É esta visão mais ampla que nos fez lançar Piratas do Caribe, A Lenda do Tesouro Perdido e As Crônicas de Nárnia sob a marca Disney. As três diretrizes de Mark Zoradi pretendem ajudar a companhia a estender a marca Disney no gênero cada vez mais bem-sucedido de filmes de ação e aventura, mas sem prejudicar o valor da marca em seu setor mais tradicional.
Criar uma demanda maior Uma vantagem competitiva se torna mais valiosa quando o número de compradores cresce e/ou quando aumenta a quantidade demandada pelos
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compradores. Tecnicamente, é a escassez de recursos por trás da vantagem que aumenta em valor. Assim, uma quantidade maior de compradores para aviões de pequeno porte aumenta o valor da marca Embraer (Brasil) e de suas competências especializadas em projeto e construção. Observe que a demanda maior aumenta os lucros em longo prazo somente se um negócio já possui recursos escassos que criam vantagem competitiva estável. Em função de muitos teóricos em estratégia terem equivocadamente equiparado a estratégia de criação de valor com o fato de “ter” uma vantagem competitiva estável, eles vêm ignorando o processo de engendrar aumentos de demanda. Na verdade, engendrar maior demanda para os serviços de recursos escassos é um dos estratagemas mais fundamentais em termos de negócios. O negócio do suco de romã POM Wonderful, de Stewart e Lynda Resnick, é um exemplo de como agir criativamente para gerar mais demanda. Em 1987, eles compraram 8 mil hectares de pomares de castanhas da Prudential Life Insurance. Entre as árvores de amêndoas e pistache, havia 50 hectares de arbustos de romã. “Primeiramente eu quis replantar esta área com árvores de castanhas, mas decidimos manter os arbustos”, lembra Stewart. “Nossa companhia registra os resultados em separado para cada cultura e eu notei que, de forma consistente, ganhávamos mais dinheiro por hectare com as romãs do que com as castanhas.” Na década de 1990, as romãs representavam uma cultura agrícola muito pequena nos Estados Unidos, e os americanos estavam muito pouco familiarizados com elas. O fruto tinha suas origens no Oriente Médio e muitos o associavam com a propriedade de ser revigorante. Em 1998, os Resnick começaram a financiar uma pesquisa sobre as propriedades das romãs. Os pesquisadores constataram que o suco continha ainda mais antioxidantes do que o vinho tinto. Estudos adicionais sugeriram que o suco poderia reduzir a pressão arterial, e que sua concentração de flavonoides ajudava a prevenir o câncer de próstata. Desde 1998, os Resnick doaram mais de $30 milhões para a pesquisa sobre os benefícios da fruta para a saúde. Os Resnick desenvolveram uma estratégia para aumentar substancialmente a demanda nacional por romãs. Da mesma forma que no sucesso anterior com as castanhas, isso geraria valor se eles tivessem uma fração significativa da produção de romãs e se uma nova produção competitiva não aparecesse rapidamente. Para implementar sua estratégia, os Resnick começaram a comprar mais hectares. Em 1998 eles tinham 2.500 hectares comprometidos com a futura produção de romãs – um aumento de seis vezes na capacidade de produção dos Estados Unidos.
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A companhia também começou a estudar maneiras de embalar e comercializar suco de romã. A abordagem-padrão do setor era a de diluir o suco caro com forte sabor com quantidades bem maiores de sucos com sabor mais brando de uvas brancas, maçãs e peras. Era assim que a Ocean Spray vendia seu suco de amora. Lynda Resnick sugeriu um conceito diferente. Sua principal oferta de suco de romã seria 100% pura, sem outras misturas. Ele forneceria 100% de seus benefícios para a saúde. Ele não seria comercializado como refrigerante ou como suco sem açúcar para crianças. Na verdade, ele pertenceria a uma nova categoria: suco fresco, refrigerado e antioxidante, distribuído ao lado de produtos frescos. O nome da marca seria POM, com o “O” tendo o formato de um coração. Os Resnick decidiram apostar no conceito de Lynda. O presidente da POM, Matt Tupper, lembrou recentemente que as grandes plantações, colhidas em 2000-2001, criariam a ameaça de uma “maré vermelha” de suco de romã não vendido se a estratégia de aumentar substancialmente a demanda não funcionasse. “Foi assustador”, ele disse. “Todos nós tivemos de participar. Lynda trabalhou incansavelmente para formular o conceito, a embalagem e a abordagem de venda. Ela escreveu, deu entrevistas e apresentou o POM para todo formador de opinião de sua enorme rede de contatos. Funcionou. A demanda subiu. Em 2004, éramos os principais produtores de uma nova categoria de produto que estava na moda. E melhor ainda: ele é bom para você.”
Fortalecer os mecanismos de isolamento Um mecanismo de isolamento inibe os concorrentes de copiar seu produto ou os recursos por trás de sua vantagem competitiva. Se você puder desenvol ver novos mecanismos de isolamento, ou fortalecer os existentes, conseguirá aumentar o valor de seu negócio. Esse valor maior fluirá da diminuição da imitação pela concorrência e de uma consequente erosão mais lenta do valor de seus recursos. A abordagem mais óbvia para fortalecer mecanismos de isolamento é trabalhar com patentes mais fortes, proteções de marca e direitos autorais. Quando um novo produto é desenvolvido, sua proteção pode ser fortalecida esticando uma marca já poderosa para cobri-lo. Quando um mecanismo de isolamento se baseia no know-how coletivo de grupos, pode ser fortalecido reduzindo a rotatividade. Quando as proteções não são claras, a legislação ou as sentenças dos tribunais podem esclarecer e fortalecer certas posições.
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Um exemplo de ação coletiva para fortalecer direitos de propriedade é a história da indústria petrolífera nos Estados Unidos. Logo que o petróleo começou a ser bombeado na Pensilvânia, em 1859, a questão da propriedade veio à tona. No caso de um mineral como o carvão, a regra era clara: uma pessoa era proprietária do carvão sob suas terras. Mas o tribunal decidiu que o petróleo se movia e fluía como um animal selvagem: ninguém poderia realmente dizer de onde tinha vindo uma gota específica de óleo. Aplicando a antiga “regra anglo-saxônica da captura”, o petróleo pertenceria legalmente a quem o bombeasse para fora do solo. Pelo fato de os reservatórios de petróleo se estenderem para além das fronteiras de uma propriedade, muitos poços são perfurados no que equivale a ser um grande reservatório em comum. Considerando que a regra da captura dizia que o petróleo pertencia a quem o bombeasse, cada perfurador de sucesso precisava bombear o mais rápido possível. Se um poço não bombeasse, os outros acabariam esvaziando o reservatório. Isso gerou as florestas de perfuradoras de petróleo e as fantásticas taxas de exploração nos primeiros campos de petróleo dos Estados Unidos onde o excesso de bombeamento era a regra do dia. Por exemplo, logo após o grande campo East Texas ter sido descoberto em 1930, havia 44 poços em separado bombeando em um único quarteirão na cidade de Kilgore. Em 18 meses, o preço do petróleo havia caído de $1 para $0,13 por barril, a pressão do campo havia desabado e a água estava se infiltrando no reservatório. Muitos membros da indústria queriam encontrar um meio de interromper essa “corrida armamentista”, mas os tribunais descartaram os planos de controlar a produção, considerando-os uma fixação ilegal de preços. No final de 1931, o governador do Texas declarou lei marcial no campo East Texas e utilizou a Guarda Nacional para interromper a produção. No final, após décadas, os produtores de petróleo, junto com governadores de estado e o governo federal, lutaram para elaborar as atuais regras de controle dos campos de produção de petróleo e de divisão da receita entre os donos da propriedade. A tarefa foi complicada porque nem todos os produtores de petróleo tinham os mesmos interesses ou informação. Em especial, os maiores investidores tinham informações melhores sobre o total de reservas em um campo.7 No entanto, os obstáculos foram superados. Neste caso, foi preciso haver uma ação cooperativa para alterar os mecanismos jurídicos de isolamento protegendo as descobertas de cada perfurador. Outra abordagem ampla para fortalecer os mecanismos de isolamento é ter um alvo em movimento para os imitadores. Em um cenário estático cedo
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ou tarde os rivais descobrirão como copiar boa parte de seu know-how e outros recursos especializados. Entretanto, se você conseguir continuamente aperfeiçoar, ou alterar, seus métodos e produtos, os concorrentes terão muito mais dificuldade para imitar. Considere, por exemplo, o sistema operacional Windows da Microsoft. Se ele permanecesse estável por um longo período de tempo há poucas dúvidas de que programadores inteligentes em todo o mundo poderiam, com o tempo, criar um substituto com funcionalidade equivalente. No entanto, ao mudar continuamente o programa (mesmo quando as mudanças não são aperfeiçoamentos), a Microsoft torna muito caro desenvolver uma série contínua de equivalentes funcionais. O Windows é um alvo em movimento. Seguindo a mesma linha, é mais difícil imitar fluxos contínuos de ino vações em métodos e produtos quando eles próprios se baseiam em fluxos de conhecimento interno. Por exemplo, uma companhia que inova utilizando conhecimento científico terá, em geral, mecanismos de isolamento mais fracos do que aquela que combina ciência com informações obtidas com os principais clientes ou com informações específicas recolhidas em suas operações internas.
CAPÍTULO 13 X
UTILIZANDO A DINÂMICA
Na estratégia militar clássica, o defensor prefere o terreno mais elevado. É mais difícil de atacar e mais fácil de defender. O terreno elevado se constitui em uma assimetria natural que pode formar a base de uma vantagem. Boa parte da teoria acadêmica sobre estratégia se refere cada vez mais a intrincadas explicações sobre os motivos de certos tipos de economia em posições melhores serem valiosos. No entanto, essas discussões deixam de lado uma questão ainda mais importante: como você atinge essa posição mais vantajosa? O problema é que, embora essas posições sejam valiosas, os custos para conquistá-las são ainda maiores. Além do mais, uma posição fácil de conquistar também cairá com a mesma facilidade em relação ao próximo invasor. Uma maneira de encontrar um novo terreno elevado que não esteja sendo defendido seria criá-lo você mesmo através de pura inovação. As grandes invenções técnicas, tais como a Gore-Tex, ou inovações em modelos de negócios, tais como o sistema de entrega da noite para o dia da FedEx, geram novos terrenos elevados que podem durar anos antes que os concorrentes apareçam diante das muralhas. A outra maneira de pegar o terreno elevado (a maneira que é meu foco neste capítulo) é explorar uma onda de mudança. Tais ondas de mudança são praticamente exógenas: elas estão, em grande parte, fora do controle de qualquer organização. Nenhuma pessoa ou organização cria essas mudanças. Elas resultam de uma infinidade de alterações e avanços na tecnologia, custo, concorrência, política e percepções dos compradores. Ondas importantes de mudança são como um terremoto, criando novos terrenos elevados e ni velando o que vinha sendo um terreno elevado. Essas mudanças conseguem
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perturbar as estruturas existentes de posições competitivas, apagando as antigas vantagens e permitindo o surgimento de novas. Elas desencadeiam forças que podem fortalecer ou radicalmente enfraquecer os líderes existentes. Elas podem viabilizar estratégias totalmente novas. Uma onda de mudança exógena é como o vento em uma corrida de barcos a vela: fornece um poder puro, às vezes turbulento. O trabalho do líder é propiciar o insight, habilidades e inventividade que consigam aproveitar esse poder para um propósito. Você explora a onda de mudança compreendendo a possível evolução do panorama e, em seguida, canalizando recursos e inovação para posições que se tornarão terrenos elevados (valiosos e defensáveis), à medida que as dinâmicas vão se desenrolando. Para começar a ver a onda de mudança, é útil ter alguma perspectiva. As conversas no mundo dos negócios constantemente nos fazem lembrar de que o ritmo das mudanças está aumentando e que vivemos em uma era de contínua revolução. Ouve-se que a estabilidade é um conceito antiquado, relíquia de uma época do passado. Nada disso é verdade. Muitos setores econômicos, na maior parte do tempo, são bastante estáveis. Naturalmente, sempre existe mudança, mas acreditar que as mudanças atuais sejam enormes, superando as do passado, reflete uma ignorância sobre a história. Por exemplo, compare as mudanças durante sua vida com aquelas ocorridas durante os 50 anos entre 1875 e 1925. Durantes aqueles 50 anos, a eletricidade iluminou a noite pela primeira vez e revolucionou fábricas e residências. Em 1880, a viagem de Boston para Cambridge representava uma jornada de dia inteiro a cavalo. Somente cinco anos depois, a mesma viagem passava a ser feita em 20 minutos em um bonde elétrico; com o bonde, veio o transporte para o trabalho e para os bairros dos subúrbios. Em vez de utilizar um único motor gigantesco a vapor ou um moinho de água para gerar energia para as fábricas, os industriais trocaram por motores elétricos que traziam energia para todos os recantos. A máquina de costura colocou roupas decentes ao alcance de todos. Além disso, a eletricidade também alimentou o telégrafo, o telefone e, logo depois, o rádio, desencadeando a primeira aceleração significativa nas comunicações desde as estradas romanas. Durante esse período de 50 anos, ferrovias interligaram todo o país. O automóvel passou a ser de uso comum e revolucionou a vida dos americanos. O avião foi inventado e comercializado. Foram construídas modernas estradas pavimentadas e a agricultura foi mecanizada. A primeira máquina automática de tabulação da IBM foi desenvolvida em 1906. Uma enorme onda de imigração mudou a face das cidades. Foram desenvolvidos novos padrões de publicidade, de varejo e
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de marcas para o consumo – centenas de marcas famosas como a Kellogg’s, Hershey’s, Kodak, Coca-Cola, General Electric, Ford e Hunt’s datam desta época. Foram estabelecidas as bases do que atualmente vemos como “mundo moderno”, e os grandes impérios industriais que ainda hoje continuam de pé. Tudo isso ocorreu naqueles 50 anos entre 1875 e 1925. Peguemos agora outro período mais moderno de 50 anos. Desde que nasci, em 1942, a televisão revolucionou a cultura americana, as viagens de avião a jato abriram o mundo para as pessoas comuns, a queda no custo do transporte em longa distância gerou uma maré crescente de comércio global, lojas de varejo do tamanho de campos de futebol agora ocupam a paisagem, computadores e celulares estão em todos os lugares, e a internet tornou possível trabalhar, buscar entretenimento e fazer compras sem sair de casa. Milhões podem instantaneamente enviar tweets sobre aquilo que no momento gostam ou deixam de gostar. Ainda assim, apesar de tudo, as mudanças dos últimos 50 anos tiveram menor impacto na vida cotidiana e na condução dos negócios do que as significativas mudanças que ocorreram de 1875 a 1925. A perspectiva histórica o ajuda a fazer julgamentos sobre importância e significado. Após a passagem de uma onda de mudança, é fácil identificar seus efeitos, mas, então, é muito tarde para tirar vantagem de seu impulso ou para fugir de sua destruição. Portanto, procure perceber e enfrentar uma onda de mudança em seus primeiros estágios de desenvolvimento. O desafio não é prever, e sim entender o passado e o presente. Da infinidade de alterações e ajustes que ocorrem a cada ano, alguns são pistas sobre a presença de uma substancial onda de mudança e, quando reunidos dentro de um modelo, apontam para as forças fundamentais em ação. As evidências estão à vista de todos, esperando que você leia seus significados mais profundos. Quando as mudanças ocorrem, muitas pessoas focam nos principais efeitos: os surtos de crescimento de novos tipos de produtos e a queda na demanda de outros. Você precisa cavar por baixo desta realidade superficial para entender as forças por trás do principal efeito e desenvolver um ponto de vista sobre as mudanças derivadas e de segunda ordem que foram postas em movimento. Por exemplo, quando a televisão apareceu na década de 1950, estava claro que, no final, todos iriam possuir um aparelho e que o entretenimento “gratuito” da televisão exerceria forte concorrência para o cinema. Surgiu um efeito mais sutil porque a indústria cinematográfica já não poderia mais atrair o público para fora de suas casas com “apenas outro faroeste”. Os estúdios tradicionais de Hollywood haviam se especializado em torno da produção de um fluxo contínuo de filmes de categoria B e não se adaptaram
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facilmente. No início dos anos 1960, a frequência aos cinemas estava encolhendo rapidamente. E o que fez Hollywood renascer foi a mudança para a produção independente, com os estúdios atuando como financiadores e distribuidores. Os produtores independentes, livres do nepotismo e das rotinas dos estúdios tradicionais, puderam focar em reunir uma equipe de primeira linha para fazer um filme que fosse bom o suficiente para tirar o público de seus confortáveis sofás em casa. Assim, um efeito de segunda ordem da tele visão foi o aparecimento da produção independente de filmes.
DETECTANDO O INÍCIO DA ONDA Estamos em um úmido dia de inverno em 1996 e eu dirigi desde meu escritório em Fontainebleau até Paris para me reunir com executivos da Matra Communications. Vários anos antes, o governo francês vendera sua participação majoritária no Matra Group, uma grande corporação na fabricação de equipamentos militares de alta tecnologia, eletrônicos, aeroespaciais e de telecomunicações. A Northern Telecom, sediada no Canadá, havia comprado uma participação de 39% na Matra Communications, subsidiária do grupo na área de equipamentos para telecomunicações. Jean-Bernard Lévy, presidente e CEO da Matra Communications, recebeu-me em seu escritório. Com 40 anos, ele é jovem para sua posição, pelos padrões americanos. Porém, o sistema francês é diferente. Aqueles que são muito inteligentes e muito bons em matemática conseguem educação gratuita de primeira classe em uma das Grand Écoles e praticamente garantem uma rápida evolução no governo ou na indústria. Lévy trabalhou no governo e na France Telecom e foi gerente geral do negócio de satélites da Matra por vários anos. Em 2002, tornou-se CEO da Vivendi, conglomerado da mídia que controlava a Universal Music Group, Canal+, Activision Blizzard e outros negócios; em 2005, tornou-se presidente do Conselho de Administração da Vivendi. Lévy, seu diretor financeiro e eu discutimos os desafios enfrentados pela Matra Communications no mundo das telecomunicações em rápida mudança. Ele explica que “o negócio das telecomunicações tem sido, junto com a computação em unidades centrais, um setor em que as economias de escala (em termos globais) têm sido determinantes. Se uma companhia não tiver uma presença importante no mercado em pelo menos dois pés da tríade [Japão, Europa e América do Norte], então tenta fazer o máximo atendendo a um nicho e ofertando equipamentos bastante especializados”. Então, com
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um sorriso irônico, ele acrescenta, “Ou ela depende do governo forçar o monopólio local de telefonia a comprar do fornecedor local”. Digo, então, que “isso parece colocar a Matra em uma posição difícil. Ela não é um dos 10 maiores fabricantes de equipamentos de telecomunicações no mundo”. “Não, ela não é”, ele diz, “mas há grandes oportunidades pela frente. A telefonia celular vai agitar o setor. A desregulamentação europeia mudará as regras do jogo. E a internet vai descaracterizar os limites entre comunicações, dados e entretenimento”. “Então, a rede eletrônica e o equipamento celular serão as principais oportunidades?” “Estas são as mudanças imediatas. Outras virão.” A mudança pode significar oportunidade. Considerando que as mudanças recentes não foram especificamente boas para a Matra, faço uma pergunta contundente: “Estou tentando entender as forças que estão mudando a estrutura do setor. Por exemplo, veja o incrível sucesso da Cisco Systems. Ela está bem na interface entre telecomunicações e computação – uma posição que todos acreditavam que seria o grande campo de batalha entre a AT&T e a IBM. No entanto, em vez de uma batalha de titãs, temos esse principiante agarrando o negócio.” “Conforme você mesmo disse, a barreira fundamental para se tornar um participante importante em equipamentos de telecomunicações e computação tem sido a escala”, continuo. “No entanto, a Cisco Systems, fundada por dois membros da equipe da universidade, atravessou direto a ‘barreira’ da escala. Ela agarrou o mercado de equipamentos de conexão entre redes bem debaixo dos narizes de gigantes como IBM, AT&T, Alcatel, NEC e Siemens. Além da Matra. Como isso aconteceu?” O financeiro argumenta que a Cisco ofereceu incentivos de opções em ações da companhia que estavam fora do alcance de empresas maiores já estabelecidas. Isso permitiu que a Cisco atraísse os maiores talentos técnicos do mundo. Jean-Bernard Lévy sacode a cabeça. Ele tem um ponto de vista diferente sobre o assunto. “Tivemos engenheiros da Matra trabalhando em equipamentos para conexões entre redes. Os princípios básicos são bem conhecidos. No entanto, não conseguimos repetir o desempenho dos roteadores de rede Cisco em multiprotocolo.” “Existem patentes importantes?”, pergunto. “Existem patentes, mas elas não representam o aspecto fundamental”, ele responde. “O coração do roteador da Cisco é o programa permanente – um
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software armazenado na memória de leitura ou implementado em matrizes programáveis. O produto da Cisco incorpora, talvez, 100 mil linhas de programação que foram habilmente escritas. O software foi desenvolvido por uma equipe muito pequena – talvez de duas a cinco pessoas. Nesse pedaço de programação bastante inteligente é que está a vantagem do produto.” Mais tarde naquela noite, de volta ao meu escritório, transcrevi minhas notas da entrevista e refleti sobre aquilo que me disseram. Eu sabia que o roteador era, na verdade, apenas um pequeno computador – ele usava microprocessadores, memória e portas de entrada e saída para administrar o fluxo de dados de uma rede digital. Seu desempenho tinha pouco a ver com os microprocessadores, memória e chips de lógica específicos dentro dele. Afinal, todos no setor tinham acesso a chips semelhantes. A parte do roteador da Cisco difícil de reproduzir era o software. Na verdade... era a habilidade incorporada no software que era difícil de reproduzir. Então consegui perceber. Venho falando da Cisco como se ela fosse um único exemplo de habilidade se contrapondo à escala. Mas as forças que a Cisco aproveitou em seu benefício eram muito mais profundas do que as habilidades de qualquer companhia, muito mais amplas do que qualquer indústria. Nos setores de equipamentos para computação e telecomunicações, o sucesso econômico vinha, tradicionalmente, se baseando na capacidade de coordenação de grupos de engenheiros em vastos projetos de desenvolvimento de bilhões de dólares e de gestão de grandes equipes de trabalho na fabricação de complexos equipamentos eletrônicos. Esta tem sido a base do poder da IBM e da AT&T e tem sido crucial para o êxito com o uso intensivo de engenharia pelo Japão. Porém, em 1996, a base do sucesso em muitas áreas mudou para o software – para a inteligência de trechos em código escritos por equipes pequenas. Foi uma mudança da economia de escala para o knowhow e a habilidade de indivíduos isolados. Era como se, de repente, a disputa militar deixasse de ser entre grandes exércitos e passasse a ser de combates individuais. Eu sentia um calafrio subindo e descendo pela minha espinha. Era a sensação inquietante de forças subterrâneas ocultas em funcionamento, modificando a paisagem. Três anos depois, eu passava vários meses trabalhando em Tóquio. Na época, a convicção de que o Japão seria a superpotência econômica do século XXI estava vívida e forte. Mas agora o local da inovação se deslocara para as equipes pequenas de cultura empreendedora no Vale do Silício. Minha mente viu essa onda de mudança se espalhando para afetar máquinas-ferramenta,
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máquinas de fazer pão, fornos, torradeiras e até mesmo automóveis. As forças em ação não estavam apenas alterando os destinos das empresas; alteravam a própria riqueza das nações.
DISCERNINDO OS FUNDAMENTOS O trabalho de discernir se há mudanças importantes em andamento envolve entrar no terreno arenoso dos detalhes. Para fazer uma boa aposta sobre como se desenvolverá uma onda de mudança, você precisa adquirir conhecimento suficiente para poder questionar os especialistas. Quando as mudanças começam a ocorrer, o ar se enche de comentários sobre o que está acontecendo, mas você precisa conseguir cavar abaixo dessa superfície, a fim de descobrir as forças fundamentais em ação. Os líderes que permanecem “acima dos detalhes” podem se sair bem em períodos estáveis, mas cavalgar uma onda de mudança requer um sentimento íntimo sobre suas origens e dinâmicas. Por muitos anos, as telecomunicações vinham sendo um dos setores mais estáveis. Mas, em 1996, quando eu discutia a Cisco Systems com Jean-Bernard Lévy, a estrutura da indústria de computação e de telecomunicações havia subitamente ficado fluida e turbulenta. Das tendências visíveis, a ascensão do computador pessoal e da rede de dados estava no radar de todos. A desregulamentação das telecomunicações e sua mudança para a tecnologia digital já vinham sendo previstas há muito tempo. As duas mudanças mais misteriosas foram a ascensão do software como fonte de vantagem competitiva e a desmontagem da indústria tradicional de computadores. Isso parece óbvio quando visto em retrospectiva. Tanto a ascensão da importância do software quanto a desmontagem da indústria de computadores tinham uma causa em comum: o microprocessador. No entanto, essas conexões eram bem menos óbvias no início. Todos os envolvidos em alta tecnologia podiam ver o microprocessador, mas compreender suas implicações era uma questão muito mais difícil. Deixe-me compartilhar com você minha opinião pessoal sobre algumas etapas ao longo do processo.
Vantagem do software Como o software se tornou uma fonte tão importante de vantagem? A resposta é que milhões de microprocessadores incorporados em tudo, desde PCs, termostatos, máquinas de pão, até mísseis balísticos, significavam que seus programas é que determinariam o desempenho dos equipamentos.
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Quando eu era aluno universitário estudando na UC Berkeley, em 1963, duas das principais áreas de entusiasmo dentro da engenharia elétrica eram a de circuitos integrados e de computadores. Os primeiros circuitos integrados apareceram em 1958, e dispositivos desenvolvidos para o projeto de mísseis Minuteman integraram centenas de transistores em um único chip. Com relação à computação, não havia nada de misterioso em fazer um processador central de computador – os modelos de circuitos já eram conhecidos desde os anos 1950. Todos os meus colegas em Berkeley compreendiam que, se alguém conseguisse ampliar a integração de centenas de transistores para milhares de transistores em um único chip, seria possível ter um chip processador de computador. Os historiadores sobre o Vale do Silício e os advogados de patentes adoram discutir sobre quem “inventou” o primeiro microprocessador, mas a ideia de colocar todos os componentes de uma unidade processadora em um único chip já estava no ar desde que os circuitos integrados apareceram. De qualquer forma, o primeiro microprocessador colocado à venda foi o 4-bit 4004 da Intel em 1971, contendo 2.300 transistores. Naquela época, o mercado de chips possuía dois segmentos. Chips padronizados como portas lógicas e memória eram produzidos em volumes elevados, mas eram commodities. Chips proprietários especializados ou grupo de chips forneciam margens muito maiores, mas só eram produzidos por encomenda em pequenas quantidades. Os direitos sobre um complexo chip proprietário pertenciam ao cliente que o havia encomendado (e, às vezes, projetado). Significativamente, e muitas vezes de forma triste, muitas decisões fundamentais não parecem ter sido decisões na época. Na verdade, os gerentes aplicam procedimentos operacionais padronizados para determinada situação. Dentro da Intel, o microprocessador 4004 foi classificado como um pro jeto especializado proprietário e, assim, os direitos sobre ele pertenciam ao cliente Busicom, que pretendia embuti-lo em sua linha de calculadoras. Por um golpe de sorte, a Busicom ficou sob pressão de lucros e pediu para a Intel uma redução no preço. A Intel baixou o preço em troca do direito de vender o chip para outros. Em seguida, surpreendentemente, esse padrão se repetiu com o próximo microprocessador da Intel, o 8-bit 8008. Esse microprocessador foi desenvolvido como chip proprietário para a CTC, fabricante dos terminais de computador Datapoint. Ao ficar sem dinheiro, a CTC trocou os direitos sobre o projeto do 8008 pelos chips de que ela precisava. Neste caso, a CTC havia realmente concebido o conjunto de instruções do chip – você ainda consegue ver ecos desse conjunto de instruções nos mais avançados processadores x86 da Intel.
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Levou anos para que a gestão da Intel, junto com o restante do setor, pudesse avaliar plenamente as implicações de um chip de uso geral que pudesse ser especializado através de software. Em vez de cada cliente pagar pelo desenvolvimento de um chip proprietário especializado, muitos poderiam utilizar o mesmo microprocessador de uso geral e criar o comportamento proprietário através de software. Assim, o microprocessador poderia ser fabricado em grande quantidade. Em vez de ser uma fabricante para os projetos de outras empresas, a Intel poderia ser uma companhia de tecnologia baseada em produtos. Falando sobre o 4004, e os microprocessadores em geral, o presidente Andy Grove disse: “Acho que ele deu um futuro para a Intel, e durante os primeiros 15 anos nós não percebemos isso. Ele se tornou a área de negócios da Intel. Mas... talvez pelos primeiros 10 anos, olhávamos para ele como sendo de importância secundária.” 1 O cofundador da Intel, Gordon Moore, ficou famoso por sua “lei” prevendo o ritmo de progresso na velocidade e nos custos de fabricação de circuitos integrados. Ele ficou bem menos conhecido por sua observação de que os custos de projeto para chips customizados estavam ficando maiores do que os custos de fabricação e continuavam aumentando em um ritmo insustentável. Ele escreveu: “Duas coisas romperam a crise para os fabricantes de componentes semicondutores... o desenvolvimento da calculadora [microprocessador] e o advento de dispositivos de memória semicondutores.” Para Moore, a beleza desses dispositivos era que, embora complexos, eles podiam ser vendidos em grandes quantidades. Em uma conversa com um grupo de gerentes na Qualcomm, um fabricante de chips para telefones móveis, abordei essa questão de Moore sobre o aumento dos custos dos projetos de chips com propósitos especiais cada vez mais complexos. Um gerente ficou intrigado e me perguntou se também não era caro desenvolver softwares. Ele perguntou, de forma retórica: “Os engenheiros de software são menos caros do que os de hardware?” Era uma boa pergunta. Ninguém tinha uma resposta imediata. Aprofundei a questão com um exemplo a partir de minha própria experiência. A Rolls-Royce queria desenvolver uma unidade sofisticada para monitoramento e controle de combustível, a fim de melhorar a eficiência de seus motores a jato. Ela poderia realizar isso incorporando a lógica necessária no hardware proprietário, ou utilizar um microprocessador de uso geral e expressar suas ideias proprietárias escrevendo um software para programá-lo. Seja optando por utilizar um microprocessador mais o software, seja adotando os chips de hardware proprietário, haveria necessidade de muito trabalho de engenharia para apenas alguns milhares de instalações. Por que preferir o software?
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Como, em geral, é o caso, ajudou muito reformular a questão geral em termos específicos. Rapidamente desenvolvemos uma resposta que, desde então, tem servido como critério de análise para outros grupos técnicos: os bons engenheiros de software e de hardware são igualmente caros. A grande diferença está no custo de fazer um protótipo, de atualizar e, principalmente, de corrigir um erro. O projeto sempre envolve certa quantidade de tentativa e erro, e tentativas e erros em hardware são muito mais onerosos. Se um projeto de hardware não funciona corretamente, isso pode significar meses de uma onerosa reformulação. Se um software não funciona, um engenheiro de software corrige o problema digitando novas instruções em um arquivo, compilando e tentando novamente em alguns minutos ou em poucos dias. Além disso, o software pode ser rapidamente corrigido e atualizado, mesmo após o produto ter sido entregue. Assim, a vantagem do software vem da rapidez do ciclo de desenvolvimento do programa – o processo de passar do conceito para o protótipo e o processo de encontrar e corrigir erros. Se os engenheiros nunca cometessem erros, os custos para a realização de um projeto complexo em hardware ou em software seriam comparáveis. Porém, considerando que eles efetivamente cometem erros, o software se tornou o meio de maior preferência (a menos que se requeira velocidade inovadora do hardware puro).
POR QUE A COMPUTAÇÃO SE DESCENTRALIZOU? Em 1996, logo após minha conversa com Jean-Bernard Lévy em Paris, o presidente da Intel, Andy Grove, publicou seu perspicaz livro Só os paranoicos sobrevivem. Grove baseou-se em sua experiência nos negócios e em tecnologia para descre ver, com veemência, como os “pontos de inflexão” podem atrapalhar indústrias inteiras. Em especial, ele descreveu a “inflexão” que transformou a indústria de computadores, passando de uma estrutura “vertical” para “horizontal”. Na antiga estrutura vertical, cada fabricante de computador fazia seus próprios processadores, memória, discos rígidos, teclados e monitores, e cada um escrevia seus próprios softwares de sistemas e aplicativos. O comprador fazia um contrato com um fabricante e adquiria tudo daquela fábrica. Você não conseguia ligar um disco rígido HP em um computador DEC. Em comparação, na nova estrutura horizontal, cada uma dessas atividades se tornou uma indústria em si mesma. A Intel fazia processadores, outras empresas faziam memória, outras discos rígidos, a Microsoft fazia software de sistemas, e assim por diante. Os computadores eram montados misturando e combinando peças de fabricantes concorrentes.
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Grove estava absolutamente certo ao entender que, “além de as bases da computação terem mudado, a base da concorrência também havia mudado”. 2 Ainda assim, como estrategista, eu queria saber mais. Por que a indústria da computação se descentralizara, passando a ser horizontal? Andy Grove escre veu: “Mesmo em retrospecto, não consigo apontar onde ocorreu exatamente o ponto de inflexão da indústria da computação. Foi no início dos anos 1980, quando os PCs começaram a surgir? Foi na segunda metade da década, quando as redes baseadas na tecnologia de PCs começaram a aumentar em número? É difícil dizer.”3 Fiquei intrigado com as causas da descentralização da indústria dos computadores. Então, quase um ano depois, o motivo apareceu em foco. Eu estava entrevistando os gerentes técnicos de um cliente quando um deles disse que havia sido engenheiro de sistemas na IBM. Então explicou que perdera seu emprego porque os computadores modernos não precisavam muito de engenharia de sistemas. “Por que não?”, perguntei sem refletir muito. “Porque agora os componentes individuais são todos inteligentes”, ele respondeu. Foi então que percebi. A origem do ponto de inflexão de Andy Grove foi o próprio produto da Intel – o microprocessador. A transformação da indústria dos computadores em módulos veio quando cada componente importante passou a ser capaz de conter o próprio microprocessador – cada peça ficou “inteligente”. Em muitos computadores tradicionais, e nos primeiros computadores pessoais, a CPU – o coração ativo da máquina – fazia quase tudo sozinha. Ela examinava o teclado, buscando por uma tecla. Quando sentia uma, analisava a linha e a coluna da tecla no teclado para determinar a letra ou o número que havia sido pressionado. Para ler um rolo de fita, a CPU constantemente controlava a velocidade do rolo e a tensão da fita, parando e iniciando o rolo à medida que ia interpretando os dados vindos da ou sendo armazenados na memória. Para imprimir com uma impressora “margarida”, a CPU controlava o giro da peça e a programação de cada batida isolada do martelo. Em alguns casos, os programadores desenvolviam mini-CPUs customizadas para administrar esses periféricos, mas a integração entre esses dispositivos permanecia complexa, não padronizada e consumindo boa parte da capacidade de engenharia dos sistemas. Após a chegada dos microprocessadores baratos, tudo isso mudou. O teclado moderno tem um pequeno microprocessador embutido nele. Ele sabe quando uma tecla foi tocada e envia uma mensagem simples e padronizada para o computador: “A letra X foi pressionada.” O disco rígido também é inteligente, de forma que a CPU não precisa saber como ele funciona. Ela envia uma
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mensagem para o disco rígido dizendo “Pegue o setor 2032” e o subsistema do disco rígido retorna com os dados desse setor, tudo de um golpe só. Além disso, microprocessadores em separado controlam as telas de vídeo, memórias, processadores gráficos, unidades de fita, portas USB, modems, portas Ethernet, controles de jogos, fontes de alimentação de backup, impressoras, scanners e controladores do mouse que compõem os computadores modernos. A existência de componentes inteligentes operando dentro de sistemas operacionais realmente padronizados quer dizer que o trabalho de integração de sistemas se tornou quase trivialmente simples. As competências em integração de sistemas que a IBM e a DEC desenvolveram ao longo de décadas não eram mais necessárias. Foi por essa razão que meu engenheiro informante perdeu o emprego. Com a cola da engenharia de sistemas proprietários não mais tão importante, a indústria desmontou suas partes. Os módulos não precisavam mais ser concebidos de forma customizada para trabalhar com cada uma das outras peças. Para obter um sistema funcional, os clientes não precisavam mais comprar tudo de um único fornecedor. Começaram a aparecer empresas especializadas que fabricavam e vendiam somente memórias. Outras fabricavam e vendiam apenas discos rígidos ou teclados ou monitores. Outras ainda fabricavam e vendiam placas de vídeo ou controladores de jogos ou outros dispositivos. Atualmente, há muitos pesquisadores acadêmicos que olham para a indústria de computadores e veem uma rede de relacionamentos, cada qual como um canal através do qual uma empresa se coordena com outra. A ideia de uma rede encanta principalmente os sociólogos reducionistas modernos, que contam as conexões entre pessoas, pulando as questões antiquadas e difíceis de quantificar sobre conteúdo e significado. No entanto, em se detendo nesta rede de relações fracas, confunde-se o pano de fundo com o primeiro plano ausente. O que realmente surpreende sobre a moderna indústria de computadores não é a rede de relacionamentos, e sim a ausência de uma empresa altamente integrada que faça toda a engenharia de sistemas (toda a coordenação) internamente. A teia atual de “relacionamentos” é o remanescente fantasmagórico do antigo programador em carne e osso da IBM.
A CISCO SYSTEMS CAVALGA A ONDA Conforme mencionei para Jean-Bernard Lévy naquele dia em 1996, a Cisco Systems era uma iniciante que havia “agarrado o mercado de equipamentos
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de conexão entre redes bem debaixo dos narizes” de gigantes da indústria. A história de como a Cisco Systems surgiu e de como veio a superar gigantes demonstra claramente o poder de se utilizarem ondas de mudança para obter vantagem. As ondas específicas utilizadas pela Cisco foram a ascensão do software como competência essencial, o crescimento das redes de dados corporativos, a alteração para redes IP e a explosão da internet. No início dos anos 1980, Ralph Gorin, diretor das instalações de computação da Stanford University, queria encontrar um meio de interligar as redes distintas dos computadores Apple, Alto e DEC, assim como várias impressoras. Cada tipo de rede de computadores utilizava espécies diferentes de fios, conexões, programação e, principalmente, protocolos proprietários diferentes para codificar informações. A demanda de Gorin era encontrar uma maneira de interligar essas redes proprietárias. A solução, chamada de blue box, foi engendrada pelos membros da equipe de Stanford Andy Bechtolsheim a William Yeager.4 Dois outros membros da equipe de Stanford, Len Bosack e Sandy Lerner, começaram a refinar a blue box, transferindo os projetos aperfeiçoados para sua empresa recém-formada, a Cisco Systems. Após uma amarga separação de Stanford em 1987, a Cisco Systems recebeu os direitos jurídicos integrais sobre o software em troca de um pagamento para Stanford de $167 mil e a promessa de descontos sobre produtos Cisco. Acreditava-se que a Cisco venderia algumas de suas caixas, agora chamadas roteadores, para outras uni versidades de pesquisa, mas não havia expectativa de que viesse a ganhar muito dinheiro. Certamente ninguém esperava que a Cisco viesse a se tornar a empresa mais valiosa no mundo (por um breve momento em 2000). Logo após receber sua primeira injeção de capital de risco em 1988, a gestão da Cisco foi transferida para profissionais. John Morgridge foi CEO de 1988 a 1995, seguido por John Chambers. Os dois CEOs conduziram habilmente a Cisco para aproveitar as poderosas forças em ação em sua indústria. Durante o período de 1988-93, a Cisco cavalgou em três ondas simultâneas. A primeira onda foi a do microprocessador e sua implicação fundamental: o papel central do software. A Cisco terceirizou a fabricação de seu hardware, concentrando-se em software, vendas e serviços. Ralph Gorin destacou que a “Cisco, de forma inteligente, vendia um software que, ligado na parede, tinha um ventilador e ficava quente”. A segunda onda que levou a Cisco em seus primeiros dias foi a ascensão das redes corporativas. Da mesma forma que em Stanford, as corporações descobriram a necessidade de interligar equipamentos centrais, computadores
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pessoais e impressoras que utilizavam protocolos de rede diferentes. O roteador da Cisco com capacidade de lidar com múltiplos protocolos tinha uma demanda crescente. A terceira onda foi a rede IP (Internet Protocol). Em 1990, muitos protocolos de rede eram patrocinados ou pertenciam a corporações. A IBM tinha a SNA (Systems Network Architecture), a Digital Equipment Corporation tinha a DECnet, a Microsoft tinha a NetBIOS, a Apple tinha a AppleTalk, a Xerox tinha desenvolvido a Ethernet, e assim por diante. Por sua vez, o IP foi criado no final dos anos 1970 para lidar com o tráfego na ARPANET, precursora da internet. O IP era pura lógica – não possuía fios ou conectores, especificações de temporização ou hardware. Além disso, era gratuito e não pertencia a nenhuma companhia. Quando as corporações começaram a interligar computadores diferentes em redes, os departamentos de TI das empresas começaram a perceber o valor de um protocolo que era neutro em termos de fornecedor. Cada vez mais, as corporações colocaram o IP como a espinha dorsal de protocolo de rede e, ao mesmo tempo, a Cisco começou a tornar o IP protocolo central em seus roteadores. O importante é que nenhum dos participantes na indústria pulou para ocupar com veemência este espaço. Cada um deles tinha o próprio protocolo de rede proprietário e cada um deles se mostrava avesso a abandoná-lo totalmente. Além disso, cada um deles era ainda mais avesso a produzir equipamentos que ajudassem o equipamento dos concorrentes a se ligarem na rede. Se essas três ondas não foram suficientes, a Cisco literalmente explodiu sob a força de uma quarta onda que a atingiu em 1993: a ascensão do uso da internet pelo público em geral. Dentro das corporações, os usuários de computadores passaram a querer acesso à internet. Não apenas o acesso discado por um modem, mas uma conexão direta permanente à rede IP. As universidades e as corporações se esforçaram para que isso acontecesse, o IP venceu a batalha dos padrões internos de rede e os roteadores Cisco conquistaram dois terços do mercado de rede corporativa. Ao mesmo tempo, o tráfego na internet subia como um foguete e a Cisco estava lá fornecendo os roteadores de alta velocidade para lidar com o fluxo dos dados da internet em escala continental. Onde houvesse obstáculos por causa da concorrência, a Cisco manobrava em torno deles. Em 1992-94, a Cisco trabalhou com a IBM para adicionar suporte ao protocolo SNA proprietário da IBM em seus roteadores e trabalhou com a AT&T e outros para garantir que seu equipamento atendesse aos protocolos da indústria de telecomunicações (por exemplo, Asynchronous Transfer Mode e Frame Relay).
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Quando se veem diante de uma história de sucesso corporativo, muitas pessoas perguntam: “Quanto deste sucesso foi competência e quanto foi sorte?” A saga da Cisco Systems ilustra com clareza que a mistura de forças é mais rica do que apenas competência e sorte. Sem as poderosas ondas de mudança varrendo a computação e as telecomunicações, a Cisco teria permanecido uma pequena empresa atendendo um nicho de mercado. Os técnicos e gerentes da Cisco foram bastante habilidosos em identificar e explorar essas ondas de mudança e tiveram sorte de não cometer erros fatais. Um de seus principais concorrentes, a IBM, estava renovando as forças após 13 anos de litígios em ações antitruste. A internet veio na hora certa para acelerar a escalada da Cisco. E vários participantes no mercado ficaram em cheque por sua própria inércia, suas estratégias de apoiar um único protocolo ou um protocolo proprietário e pela grande rapidez da mudança.
ALGUNS BALIZAMENTOS É difícil mostrar sua habilidade com um barco a vela quando não há vento. De forma semelhante, é nos momentos de transição na indústria que as habilidades em estratégia se mostram mais valiosas. Nos períodos relativamente estáveis entre transições episódicas, é difícil para os seguidores alcançarem o líder, assim como é difícil para que um entre dois ou três líderes salte muito à frente dos demais. Porém, nos momentos de transição, a velha hierarquia entre os concorrentes pode ser alterada e uma nova ordem passa a ser possível. Não há uma teoria simples ou um modelo para se analisarem as ondas de mudança. Nas palavras de meu professor de física no primeiro ano de faculdade em UC Berkeley, ganhador do Prêmio Nobel Luis Alvarez: “Este curso é chamado de ‘avançado’ porque não o entendemos muito bem.” Ele explicou: “Se houvesse uma teoria clara e consistente sobre o que está acontecendo neste campo, chamaríamos esse curso de física ‘elementar’.” Trabalhar com mudanças em todo um setor ou em toda a economia é ainda mais avançado do que a física das partículas – entender ou prever padrões dessas dinâmicas é difícil e incerto. Felizmente, um líder não precisa estar totalmente correto – a estratégia das organizações só precisa estar mais correta do que as de seus rivais. Se você perscrutar o nevoeiro da mudança e conseguir ver 10% mais claramente do que os outros, então poderá ter uma vantagem. Dirigir ou esquiar no nevoeiro é inquietante sem nenhuma fonte de orientação. Quando um simples objeto reconhecível torna-se visível na névoa,
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proporciona um repentino e reconfortante ponto de referência: um balizamento. Para ajudar minha própria visão em um nevoeiro de mudança, utilizo alguns balizamentos mentais. Cada balizamento é uma observação ou maneira de pensar que merece atenção. O primeiro balizamento delimita uma transição na indústria pela escalada nos custos fixos. O segundo alerta para uma transição gerada pela desregula mentação. O terceiro destaca tendências previsíveis em antecipações . O quarto marca a necessidade de se avaliar, apropriadamente, a reação dos participantes atuais no mercado às mudanças. Finalmente, o quinto balizamento é o conceito de um estado de atração.
Balizamento 1. Custos fixos crescentes A forma mais simples de transição é desencadeada por substanciais aumentos nos custos fixos, principalmente os custos de desenvolvimento de produto. Esse aumento pode forçar o setor a se consolidar porque somente os concorrentes maiores conseguem cobrir esses encargos fixos. Por exemplo, na indústria de filmes fotográficos, a passagem dos filmes em preto e branco para filmes em cores na década de 1960 fortaleceu os líderes do setor. Uma análise perspicaz sobre os aspectos dessa onda de mudança é que, na indústria já madura dos filmes fotográficos em preto e branco, havia poucos incentivos para os concorrentes investirem pesadamente em P&D porque a qualidade dos filmes já excedia as necessidades da maioria dos compradores. 5 No entanto, havia grandes retornos na melhoria da qualidade e na facilidade de processamento de filmes em cores. À medida que iam subindo os custos em P&D de filmes em cores, muitas empresas foram forçadas a sair do mercado, incluindo a Ilford no Reino Unido e a Ansco nos Estados Unidos. A onda de mudança deixou para trás uma indústria consolidada em menos empresas (porém grandes), dominada pela Kodak e pela Fuji. Uma dinâmica semelhante foi a ascensão da IBM no domínio da computação no final dos anos 1960, impulsionada pelo aumento dos custos de desenvolvimento de computadores e sistemas operacionais. Outra ainda foi a transição do pistão para motores a jato mais sofisticados, reduzindo o grupo de participantes do mercado para três: GE, Pratt & Whitney e Rolls-Royce. Balizamento 2. Desregulamentação Muitas transições de vulto são desencadeadas por importantes mudanças nas políticas governamentais, principalmente a desregulamentação. Nos últimos
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30 anos, o governo federal mudou significativamente as regras impostas aos setores de aviação, finanças, sistema bancário, TV a cabo, transporte rodo viário e telecomunicações. Em cada caso, o terreno competitivo alterou-se profundamente. É possível fazer algumas observações gerais sobre este tipo de transição. Em primeiro lugar, os preços administrados são quase sempre estabelecidos para subsidiar alguns compradores à custa de outros. Os preços administrados das passagens aéreas ajudaram os passageiros da área rural à custa dos viajantes transcontinentais. A estrutura de preços de telefonia também subsidiou, de forma semelhante, os clientes rurais e suburbanos à custa dos clientes empresariais e urbanos. Os depositantes em poupança e os clientes de hipotecas foram subsidiados à custa dos depósitos comuns em bancos. Quando passou a ocorrer concorrência de preços, esses subsídios diminuíram muito rapidamente, mas os participantes do mercado recentemente sem regulamentação buscavam o que costumavam ser os segmentos mais lucrativos muito tempo depois de o diferencial ter desaparecido. Isso aconteceu por causa da inércia na rotina das empresas e dos mapas mentais do terreno, e por causa dos dados ruins sobre custos. De fato, as companhias fortemente regulamentadas não conhecem seus próprios custos – elas desenvolvem sistemas complexos para justificar seus custos e preços, sistemas esses que escondem os custos reais até delas mesmas. Leva anos para que uma companhia anteriormente regulamentada, ou uma ex-monopolista, elimine de seu sistema a despesa de pessoal em excesso e outros custos, e faça seus contadores pararem de alocar arbitrariamente as despesas gerais em atividades e produtos. No entanto, esses desvios mentais e contábeis fazem essas empresas continuarem reduzindo algumas linhas de produtos que, na verdade, são rentáveis e investindo em alguns produtos e atividades que não oferecem retornos reais.
Balizamento 3. Tendências previsíveis Ao analisar o que está em curso durante uma mudança, é útil entender que você será cercado por tendências previsíveis na antecipação. Por exemplo, as pessoas raramente preveem que um negócio ou tendência econômica atingirá um pico e depois cairá. Se as vendas de um produto estão crescendo rapidamente, prevê-se que o crescimento continuará a ocorrer, com a taxa de crescimento caindo gradualmente até níveis “normais”. Esta previsão pode ser válida para produtos comprados com frequência, mas pode estar bem distante da realidade
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no caso de bens duráveis. Para produtos duráveis (tais como televisões de tela plana, máquinas de fax e cortadores de grama), ocorre uma rápida expansão inicial nas vendas quando o produto é ofertado pela primeira vez, mas, após um período, todos os interessados já terão adquirido uma unidade e as vendas podem passar por uma forte queda. Depois disso, as vendas acompanham o crescimento populacional e a demanda por substituição. Não é difícil prever a existência desses picos, embora o momento certo não possa ser determinado até que a taxa de crescimento comece a diminuir. A lógica da situação vai contra a intuição para muitas pessoas: quanto mais rápida for a absorção de um produto durável, mais cedo o mercado ficará saturado. Muitos gestores acham esse tipo de antecipação pouco confortável e até mesmo perturbador. Conforme me disse um cliente em determinada ocasião: “Professor, se você não consegue considerar esse salto nas previsões, posso encontrar outro consultor que consiga.” Outra tendência é que, diante de uma onda de mudança, a previsão padrão será a de uma “batalha de titãs”. Essa previsão de que os líderes brigarão pela supremacia eliminando as empresas de pequeno e médio porte pode, às vezes, ser considerada correta, mas tende a ser aplicada em quase todas as situações. Por exemplo, a “convergência” entre computação e telecomunicações foi prevista há muitos anos. Uma das mais influentes previsões a esse respeito foi feita em 1977 pelo presidente da NEC, Koji Kobayashi, que teve a visão de uma “C&C” (computadores e comunicações). Ele achou que a aquisição de um fabricante de comutador de comunicações pela IBM e a aquisição de um fabricante de computadores pela AT&T ilustravam bem o caminho nessa direção. Ele imaginou sistemas telefônicos com apoio de computação – telefones que traduziriam as frases ditas em um idioma para outro. Ele previu que a convergência seguiria em paralelo aos avanços na tecnologia de circuitos integrados (integração em larga escala, integração em escala muito grande, e assim por diante). Com essa visão de convergência em mente, Kobayashi empurrou a NEC na direção de um poder de computação cada vez maior. A NEC buscou construir supercomputadores cada vez mais rápidos e compactos. O governo dos Estados Unidos desregulou a AT&T em parte visando prepará-la para sua antecipada batalha com a IBM. O problema que a NEC, a AT&T, a IBM e outros grandes participantes do mercado encontraram foi o fato de a convergência não ter ocorrido da maneira como se “supunha” que ela acontecesse. Semelhantes a dois lutadores de sumô, a AT&T e a IBM avançaram para o centro do ringue se preparando para lutar. Então, foi como se o chão por baixo delas ruísse, jogando as duas
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dentro de um buraco. As próprias bases sobre as quais elas se apoiavam foram levadas pelas ondas de mudança: microprocessador, software, descentralização da computação e internet. Ter um destino comum não era o tipo de convergência que havia sido imaginada. Seguindo a mesma linha, muitos especialistas estavam prevendo em 1998 o surgimento de gigantescas transportadoras de dados globais que dominariam o mundo das comunicações. Tais companhias, pressagiadas pela joint-venture Concert Communications Services entre a AT&T e a British Telecom, ofereceriam um transporte contínuo e global de dados através de complexas redes com gerenciamento inteligente. Certamente, não existe mais motivo para uma única companhia ser dona das redes em todo o mundo do que para a UPS ser proprietária de todas as estradas nas quais seus caminhões trafegam. Uma terceira tendência comum é que, em tempos de transição, o conselho padrão dado pelos consultores e outros analistas é o de adotar as estratégias daqueles concorrentes que atualmente sejam os maiores, os mais lucrativos ou que estejam mostrando maiores índices de valorização no preço de suas ações. Ou, preveem que os futuros vencedores serão (ou serão parecidos com) os aparentes atuais vencedores. •
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Quando a aviação deixou de ter o controle governamental, os consultores aconselharam as empresas aéreas a copiarem a estratégia da Delta de sistema radial entre centro e periferia, tendo Atlanta como base. Infelizmente para os copiadores, os lucros da Delta vinham dos preços subsidiados das rotas regionais para cidades rurais que ela atendia a partir de Atlanta – subsídios que estavam desaparecendo com a desregulamentação. Enquanto os preços das ações da WorldCom disparavam, os consultores exortavam seus clientes a copiarem a companhia e entrarem no jogo de colocar anéis de fibra ótica ao redor de cidades (21 ao redor de Denver!). “Com 10% do volume, a WorldCom já está superando a AT&T em custos de rede por unidade”, alegava um relatório. 6 Esse conselho precisou ser retirado quando as companhias telefônicas acordaram e começaram a cortar os preços. A WorldCom, então, quebrou espetacularmente. Em 1999, o conselho para as iniciantes na Web era de criar um “portal” como o do Yahoo! ou da AOL – um site que atuaria como um guia para a internet e forneceria um “playground” protegido para páginas
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especializadas na Web que os usuários seriam levados a utilizar. Porém, embora essas companhias fossem as estrelas do momento, suas estratégias iniciais de captar e canalizar o tráfego na Web logo se tornaram obsoletas, em razão da enorme escala de expansão da internet.
Balizamento 4. Reação dos participantes no mercado Este balizamento aponta para a importância de entender a estrutura das reações dos participantes no mercado a uma onda de mudança. Em geral, esperase que as empresas participantes em um mercado resistam às transições que ameacem minar as competências complexas e as posições valiosas que acumularam ao longo do tempo. Os padrões de inércia dos participantes atuais do mercado estão discutidos em detalhes no Capítulo 14.
Balizamento 5. Estado de atração Ao pensar em mudança, encontrei bastante utilidade no conceito de estado de atração. Um estado de atração de uma indústria descreve como ela “de veria” trabalhar à luz das forças tecnológicas e da estrutura de demanda. Ao utilizar o termo “deveria”, quero enfatizar uma evolução na direção da eficiência – atender às necessidades e demandas dos compradores com a maior eficiência possível. Ter um ponto de vista claro sobre o estado de atração de uma indústria ajuda a cavalgar a onda de mudança com maior elegância. Durante o período de 1995-2000, quando a indústria das telecomunicações estava em turbulência, a visão estratégica da Cisco Systems do “IP em todos os lugares” era, na verdade, a descrição de um estado de atração. Nesse futuro possível, todos os dados se deslocariam como pacotes IP, seja pelos Ethernets residenciais, pelas redes sem fio, pelas redes ATM das companhias telefônicas ou pelos cabos submarinos. Além disso, todas as informações seriam codificadas em pacotes IP, independentemente de serem por voz, mensagem de texto, fotos, arquivos ou uma videoconferência. Outras empresas vislumbravam um futuro em que os transportadores de dados forneceriam redes “inteligentes” e “serviços com valor agregado”; expressões que, na verdade, significavam que os transportadores de dados forneceriam protocolos especiais, hardware e software para apoiar serviços como os de videoconferência. Por outro lado, no estado de atração “IP em todos os lugares”, a “inteligência” na rede seria fornecida pelos dispositivos ligados em suas extremidades – a rede em si seria um duto de transporte de dados padronizados.
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Um estado de atração fornece um sentido de direção para a evolução futura de uma indústria. Não existe nenhuma garantia de que esse estado venha a existir, mas ele representa uma força semelhante à gravidade. A distinção fundamental entre um estado de atração e muitas “visões” empresariais é que o estado de atração se baseia na eficiência geral, e não no desejo de uma única empresa ficar com a maior parte do bolo. A visão “IP em todos os lugares” foi um estado de atração porque era mais eficiente e eliminava as margens e ineficiências acopladas a uma mistura de padrões proprietários. Dois complementos à análise de estado de atração são as identificações de aceleradores e os impedimentos de movimentos na direção de um estado de atração. Um tipo de acelerador é o que chamo de efeito demonstração – o impacto de uma evidência sobre as percepções e os comportamentos do comprador. Por exemplo, a ideia de que canções e vídeos eram apenas dados não passava de uma mera questão intelectual para muitas pessoas até o aparecimento da Napster. Então, de repente, milhões de pessoas perceberam que uma canção de três minutos era um arquivo de 2,5 megabytes que podia ser copiado, transferido e até mesmo enviado por e-mail, conforme sua vontade. Como exemplo de impedimento, considere os problemas do setor de energia elétrica. Dada a limitada capacidade de absorção da atmosfera para os compostos de carbono queimado, o estado de atração óbvio para o setor elétrico é a energia nuclear. O caminho mais simples seria substituir as caldeiras a óleo ou carvão por caldeiras nucleares modernas, de terceira ou quarta geração. O maior impedimento para o setor elétrico dos Estados Unidos se mover nessa direção é o processo de licenciamento complicado e altamente incerto – em cada estágio, devem ser envolvidas as autoridades locais, estaduais e federais, assim como os tribunais. Enquanto são necessários cinco anos para se obter a licença e construir toda uma usina nuclear na França, provavelmente levaria 10 anos ou mais para uma companhia de serviço público nos Estados Unidos conseguir realizar apenas uma troca de caldeiras. Seria possível fazer uma análise interessante do estado de atração para o setor de jornais. A complexidade especial de jornais, televisão, sites da internet e de muitas outras mídias surge de sua estrutura indireta de receitas – elas obtêm boa parte de sua receita através da publicidade. O desafio é especialmente sério para o líder The New York Times, com uma circulação em dias de semana de aproximadamente um milhão de exemplares. O grande volume de assinaturas do jornal e as vendas em bancas renderam $668 milhões em 2008, valor mais do que suficiente para cobrir os custos administrativos e da redação. O problema é o custo de se imprimir
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fisicamente e distribuir o jornal. Esses custos representam quase o dobro ou o triplo da receita com assinaturas e têm sido cobertos pelos anúncios. Mas, em 2009, as receitas com publicidade tiveram uma forte queda. As forças em ação são duas. A primeira é que a leitura está diminuindo porque os leitores de hoje têm acesso gratuito aos noticiários, acesso gratuito on-line às manchetes principais e acesso gratuito on-line a milhares de blogs e artigos oferecendo comentários e análises. Da mesma forma que as lojas de departamento de meados do século das grandes cidades ficaram espremidas entre os shoppings dos subúrbios e as grandes lojas de descontos, os leitores agora podem trocar o jornal mais generalista por outro de custo mais baixo ou de temas mais fascinantes. A segunda é que a publicidade em jornais vem caindo desde meados dos anos 1980. Os anunciantes de hoje estão cada vez mais interessados em uma mídia dirigida que possa ir além dos dados demográficos e identificar interesses específicos dos consumidores. Este é o poder do Google – a capacidade de utilizar o conteúdo das solicitações de pesquisa para identificar os interesses de seus usuários. Os jornais de caráter geral sofrerão sob essa onda de mudança. As novas mídias podem diferenciar-se em três dimensões básicas: territorial (mundial, nacional, regional, local), de frequência (horária, diária e assim por diante) e de profundidade (manchete, reportagem especial, análise profunda de especialistas). Acredito que o estado de atração para os noticiários contém especialistas para cada uma dessas dimensões, e não generalistas tentando ser todas as coisas para todas as pessoas. Com o acesso eletrônico às informações, não há um bom motivo para continuar a agrupar as notícias locais, nacionais e mundiais, e ainda adicionar a isso tudo t udo previsão do tempo, esportes, quadrinhos, palavras cruzadas, opinião e conselhos pessoais. Acredito que, à medida que caminharmos para esse estado de atração, os jornais diários de ampla circulação com foco mais geral irão desaparecer. Os noticiários locais e a mídia com notícias mais especializadas continuarão a existir ou até mesmo a florescer. O desafio desafi o estratégico para o The New York Times e o Chicago Tribune não é “passar a ser on-line” ou ter t er “mais publicidade”, mas separar suas atividades. Nesse estado de atração descentralizado, é bem provável que haja um mercado permanente para jornais diários de notícias locais, previsão do tempo e esportes, embora ele tenha de operar com menos despesas administrativas e com menor pretensão do que o atual The New York Times . E provável que o veículo apropriado para análise aprofundada de notícias e jornalismo investigativo venha a ser uma revista semanal, entregue a leitores digitais (e
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disponíveis gratuitamente on-line após um mês). Por outro outr o lado, as principais notícias nacionais e mundiais serão mais apropriadamente distribuídas online, principalmente para plataformas móveis. Um complemento interessante seria um canal de notícias a cabo. Para reduzir os custos, ajudaria fechar parcerias com os principais jornais locais e com jornalistas independentes em todo o mundo (uma estratégia que utilizaria a marca The New York Times como instrumento de negociação). Existirão oportunidades semelhantes online para a cobertura de negócios, política, políti ca, artes e ciência. No deslocamento para um modelo on-line, um grande jornal tradicional precisará colocar muito mais ênfase em agregar conteúdo de uma variedade de fontes e escritores do que depender de uma equipe de jornalistas contratados. A mídia on-line bem-sucedida apresentará aos usuários um conjunto cuidadosamente selecionado de links para artigos, reportagens, blogs e comentários. Até agora, não existe para a mídia on-line bem-sucedida outra fonte de receitas que não seja a publicidade. Quanto mais a publicidade puder ser segmentada com base em dados demográficos dos usuários e em seus interesses, mais o site de mídia poderá cobrar pela colocação do anúncio.
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I NÉRC RCIAIA E E NTRO ROPP IA
Mesmo com seus motores em reversão total, um superpetroleiro pode levar até 2 quilômetros para parar. Essa propriedade da massa (resistência a uma mudança de movimento) é a inércia. Nos negócios, a inércia é a incapacidade ou falta de disposição de uma organização em se adaptar às novas circunstâncias. Mesmo com os programas de mudança operando a todo vapor, pode levar anos para se alterar o funcionamento básico de uma companhia. Se a inércia organizacional fosse todo o problema, uma empresa que estivesse bem adaptada continuaria saudável e eficiente, desde que o mundo exterior permanecesse inalterado. Porém, outra força também está atuando: a entropia. Em ciência, a entropia mede o grau de desordem de um sistema físico, e a segunda lei da termodinâmica estabelece que a entropia sempre aumenta em um sistema físico isolado. De forma semelhante, as organizações mal geridas tendem a ficar menos organizadas e focadas. A entropia torna necessário que os gestores constantemente trabalhem na manutenção dos propósitos, forma e métodos de uma organização, mesmo que não haja mudanças na estratégia ou concorrência. A inércia e a entropia possuem várias implicações importantes para a estratégia: •
As estratégias bem-sucedidas muitas vezes devem bastante à inércia e à entropia dos concorrentes. Por exemplo, a Netflix deixou para trás a agora concordatária Blockbuster porque esta última não pôde (ou não quis) abandonar seu foco em lojas de varejo. Apesar de ter uma grande liderança desde o início em sistemas operacionais de telefones móveis, a lentidão da Microsoft em aperfeiçoar seu software propiciou enorme
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abertura para a concorrência, por onde a Apple e o Google rapidamente penetraram. Entender a inércia dos rivais pode ser tão vital quanto compreender seus próprios pontos fortes. O maior desafio para as organizações pode não estar representado pelas ameaças externas ou as oportunidades, e sim pelos efeitos da entropia e da inércia. Em situações tais, a renovação organizacional se torna uma prioridade. Transformar uma organização complexa é um desafio estratégico bastante intenso. Os líderes devem diagnosticar as causas e os efeitos da entropia e da inércia, desenvolver uma política sensata de orientação para efetuar mudanças e conceber um conjunto coerente de ações com o objetivo de alterar rotinas, cultura e a estrutura de poder e influência.
INÉRCIA A inércia organizacional geralmente recai em uma das seguintes três categorias: inércia da rotina, inércia cultural e inércia por procuração. Cada uma delas tem implicações diferentes para aqueles que desejam reduzir a inércia ou para aqueles que procuram ganhar atacando um rival com reação mais lenta.
A inércia da rotina O coração de qualquer negócio de porte considerável é a pulsação rítmica dos procedimentos padronizados para compra, processamento e comercialização de bens. Suas ações mais conscientes são guiadas por caminhos menos rítmicos, mas ainda bem marcados. Mesmo a incansável busca de um novo cliente importante, o dimensionamento de uma nova fábrica e a formulação de planos são movimentos familiares em um jogo que já foi jogado antes. Uma organização com algum porte e idade se assenta em várias camadas de conhecimento e experiência compactados, encapsulada em rotinas: “A forma como as coisas são feitas.” Essas rotinas não só limitam a ação para aquilo que é familiar, como também filtram e moldam a percepção das questões pelos gestores. As rotinas e os métodos padronizados das organizações agem para preservar as antigas formas de categorização e tratamento das informações. A inércia gerada pelas rotinas-padrão pode ser revelada por choques externos repentinos: triplicação do preço do petróleo, invenção do microprocessador, desregulamentação das telecomunicações, e assim por diante. O choque
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altera a base da concorrência em uma indústria, criando uma distância significativa entre as velhas rotinas e as necessidades de um novo regime. A desregulamentação da aviação civil nos Estados Unidos, inaugurada em 1978, foi um desses choques. As rotinas para dirigir companhias aéreas e os conceitos sobre concorrência se haviam estabelecido ao longo de décadas de forte regulamentação. A desregulamentação agiu liberando subitamente muitas restrições para a ação, mas boa parte dos movimentos efetuados nos primeiros anos foi guiada pelas velhas regras de ouro, e não pela realidade da nova situação. Passados dois anos da desregulamentação da aviação civil, a Continental Airlines pediu-me para ajudá-la com algumas questões estratégicas, incluindo a compra de novas aeronaves. A companhia tinha uma grande frota de aviões DC-10, mas buscou ajuda para pensar em suas opções no gasto de aproximadamente $400 milhões em novos equipamentos. O CEO, Al Feldman, acabara de chegar à Continental, vindo da posição de CEO da Frontier Airlines, onde atuara como forte defensor da desregulamentação. Nas décadas de regulamentação, o governo fixava tarifas e designava rotas para as companhias aéreas; a concorrência ficava mais ou menos limitada a imagem, refeições e serviço pessoal. A unidade-padrão de produção na indústria da aviação é a ASM (Available-Seat-Mile – Assento Disponível por Quilômetro). Pegue um assento, leve-o a 10 mil metros de altitude, movimente-o por 1 milha e você terá produzido um ASM. Os custos operacionais por ASM de uma companhia aérea caem com a distância da viagem porque muitos dos custos são fixos. Os custos de manutenção de uma aeronave, uso e desgaste, limpeza, alimentos e mesmo alguns custos da tripulação não dependem muito da distância de viagem. Uma viagem de 600 quilômetros entre Los Angeles e Phoenix pode custar $0,22 por ASM, enquanto uma viagem bem mais longa de 3.200 quilômetros para Detroit pode custar somente $0,09 por ASM. O Congresso queria promover as viagens aéreas para cidades pequenas; assim, na época em que havia regulamentação, o Civil Aeronautics Board (CAB) estabeleceu tarifas que ficavam abaixo do custo em rotas curtas e forçou as companhias aéreas a voar nestes trechos. As perdas nas rotas curtas eram cobertas pelas rotas de longa distância, onde o CAB fixou preços acima do custo. Certamente o CAB forçava cada companhia aérea a voar em uma combinação dessas rotas. Trabalhando com uma equipe pequena, desenvolvi uma visão sobre o futuro próximo para o setor. Minha análise foi que as tarifas não mais regulamentadas iriam passar a se aproximar dos custos. Os preços e as margens em
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rotas curtas iriam aumentar e, nas longas distâncias, iriam cair. A implicação seria que, com a desregulamentação, os lucros seriam obtidos somente de duas maneiras: uma estrutura operacional de baixo custo ou esperteza em pegar rotas curtas que não tivessem volume suficiente para permitir uma forte concorrência. Naquela época, o sentimento dominante no setor era que as estratégias de baixo custo atrairiam atrair iam muitos consumidores, mas os que viajam a negócios permaneceriam relativamente insensíveis ao preço. Meu pensamento era diferente. É claro que o passageiro a negócios queria viagens frequentes, convenientes e confortáveis, mas muitos muit os não pagavam pelas passagens – seus empregadores é que o faziam. Esses empregadores estariam mais interessados no custo da viagem do que no conforto. Os viajantes a negócios queriam conforto, mas suas companhias pagariam um ágio por isso? Nós pensamos que a queda nos preços das longas distâncias os tornaria menos dispostos a fazê-lo. Minha previsão era que, mesmo com o aumento da ocupação, os preços e as margens cairiam. Esse ponto de vista contradizia diretamente a opinião dominante no setor que recentemente havia passado pela desregulamentação. As viagens de longa distância sempre foram lucrativas. Apenas alguns meses atrás, Dick Ferris (o espirituoso CEO da United Airlines) conversara com analistas de Wall Street dizendo que sua estratégia seria eliminar as rotas curtas de baixo retorno e “concentrar-se nas rotas longas, onde está o dinheiro”. Ele fez a United se comprometer a gastar $3 bilhões para montar uma nova frota para longas distâncias, centrada em Chicago. A Braniff International também t ambém reagiu à nova era acrescentando novas rotas de longa distância. Eu esperava que nossa análise mostrasse como a Continental poderia ser mais esperta. Minhas ideias não foram bem recebidas pelo comitê executivo. A conclusão, vinda de cima, foi que “você entendeu tudo errado. Nós já rodamos um modelo de planejamento e sabemos que as tarifas costa a costa devem subir, e não cair. A questão é definir quais novos equipamentos devemos comprar: Boeing, Airbus, ou McDonnell Douglas?”. Em momentos como este, nunca se sabe o que pensar. Talvez eu tivesse perdido algo. O que era esse “modelo de planejamento” que previa preços maiores para longas distâncias? Levou um mês para eu conseguir o modelo e sua previsão. Efetivamente, lá estava escrito com todas as letras: as atuais tarifas de longo curso estavam fora de equilíbrio e foi previsto um aumento. O “modelo de planejamento” da Continental era um programa de computador denominado Boeing Fleet Planner. O programa foi fornecido pela Boeing para ajudar as companhias aéreas a tomarem decisões sobre aquisição
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de equipamentos. Dados uma estrutura de rotas e o perfil do equipamento, ele trabalhava os custos operacionais e cuspia previsões das demonstrações financeiras. A Continental utilizava aviões da McDonnell Douglas, mas o programa Fleet Planner conhecia as características operacionais de todas as principais aeronaves. Sentei ao lado do especialista do departamento de finanças, que me explicou como o programa funcionava. Para rodar o programa, é preciso dizer quais rotas serão percorridas, projetar uma participação de mercado em cada uma delas e especificar o equipamento. O programa combinava isso com os dados de custos operacionais e calculava o custo por ASM em cada rota. Estimando que 55% dos assentos serão ocupados (fator ocupação), ele então considerava um retorno sobre o patrimônio de 12% e projetava uma tarifa. Esta era a tarifa que “precisava aumentar, e não cair”. Incrédulo, eu disse: “Esta é a tarifa prevista? Mas é apenas o custo mais uma margem!” “Temos utilizado esta ferramenta por um longo tempo”, o especialista respondeu friamente. “Ela tem sido bastante confiável.” Fiquei atônito. “O que acontece com esses números; para onde eles vão a partir daqui?”, perguntei. “Eles vão para o CAB, junto com um monte de outras coisas, como parte do planejamento de tarifas”, ele disse. O sistema da Continental, de projetar tarifas aéreas para a nova era de concorrência, era o mesmo que havia utilizado por todo o período de regulamentação para sugerir e justificar tarifas em negociações com o CAB. Essa projeção nada tinha a ver com concorrência, suprimento, demanda, capacidade ou forças de mercado. Ela pegava custos e acrescentava uma margem de lucro. Ela “previu” o que o CAB faria para fixar tarifas . O Boeing Planner era uma boa ferramenta, mas não previa tarifas, a menos que você tivesse um regulador garantindo que sua companhia teria 12% de retorno voando com metade da ocupação nos aviões. Apesar da desregulamentação e dos discursos animados do CEO sobre como a companhia tinha um novo espírito competitivo e uma postura agressiva assumida pelo grupo de gerentes seniores, o planejamento da empresa, o estabelecimento de preços e as rotinas de marketing continuavam os mesmos da época da regulamentação. Novo espírito competitivo era pura agressividade, desligada da realidade. Levou mais um mês para se descobrir outro peso morto, embora ainda agindo, de outra regra de ouro do período de regulamentação. Ao estabelecer
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tarifas para permitir às companhias aéreas o valor “justo” de 12% de retorno sobre o patrimônio, em que o patrimônio era o capital próprio mais a dívida, o CAB tinha garantido que os juros da dívida de uma companhia aérea sempre seriam pagos. Tudo que a empresa precisaria fazer era não se desviar demais da norma geral. Os bancos tinham uma regra semelhante sobre a dívida das companhias aéreas ter um bom risco de crédito. Isso representava uma grande influência na atitude em relação a novos equipamentos. Quando as companhias aéreas passaram de motor a hélice para jatos e quando novamente passaram de aeronaves estreitas para as de maior fuselagem, bilhões de dólares foram gastos em novos aviões, adicionando uma capacidade de transporte tremendamente maior. Em um setor normal, uma onda de novos equipamentos colocados em serviço por todos os concorrentes teria forçado uma queda nos preços e grandes perdas. Além disso, em um setor normal, os concorrentes não podem todos acrescentar capacidade ao mesmo tempo, a menos que haja um fantástico aumento de demanda. Porém, no setor de aviação, o CAB dava uma mão, sustentando os preços ou até mesmo aumentando-os, nesses períodos de excesso de capacidade. A renovação dos equipamentos pelas companhias aéreas na época de regulamentação não era um problema estratégico. Uma única regra era suficiente: renove o equipamento quando todos os demais o fizerem . A desregulamentação significou que as regras de ouro se tornariam obsoletas. Procure as rotas de longo curso, veja se as tarifas cobrirão o custo total e renove o equipamento quando todos os demais o fizerem , isso não iria mais funcionar no futuro. De 1979 a 1983, as principais companhias continuaram adotando as regras antigas. Em 1981, a United, a American e a Eastern perderam, juntas, $240 milhões, enquanto todas as companhias em rotas mais curtas (Delta, Frontier, USAir e assim por diante) tiveram lucro. Ao longo das duas décadas seguintes, somente a Southwest seria consistentemente lucrativa. Em 1984 e 1985, as tarifas nas rotas de longa distância caíram 27%. Nas rotas curtas com baixo volume, as tarifas aumentaram 40%, mais do que cobrindo os custos. A análise de nossa equipe estava essencialmente correta. Não se trata de nada extremamente complexo, mas contradiz as regras de ouro de longa data. Estar correto nem sempre ajuda o tomador de decisão. No caso da Continental, uma greve desagradável desviou a atenção dos gestores das dinâmicas do mercado. O plano de comprar novas aeronaves afundou quando as tarifas não aumentaram e as perdas se acumularam. Então, percebendo a situação da empresa, o empresário Frank Lorenzo da Texas Air iniciou uma aquisição
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hostil da companhia. A alta administração não podia acreditar que a minúscula Texas Air tivesse condições de assumir uma grande companhia aérea. Frustrado, irritado e sofrendo de profunda depressão secreta, o CEO da Continental, Al Feldman, se matou com um revólver em sua mesa de trabalho, em agosto de 1981. Em 1982, Frank Lorenzo fundiu a Continental com a Texas Air, em uma aquisição reversa. Um ano mais tarde, a companhia pediu concordata, em parte como tática para separar o equipamento dos antigos contratos sindicais. Uma nova Continental Airlines surgiu da concordata em 1986 e logo se uniu com Frontier, People Express e New York Air. Frank Lorenzo vendeu sua participação em 1990. X
A inércia decorrente de rotinas obsoletas ou inapropriadas pode ser corrigida. Os obstáculos são as percepções da alta administração. Se os gestores mais graduados se convencem de que as novas rotinas são essenciais, a mudança pode ser rápida. Os instrumentos-padrão consistem em contratar gerentes de empresas que utilizam métodos melhores, adquirir uma empresa com métodos superiores, utilizar consultores ou redesenhar as rotinas da empresa. Em qualquer um desses casos, provavelmente será necessário substituir pessoas que investiram muitos anos desenvolvendo e utilizando os métodos obsoletos, assim como reorganizar as unidades de negócio em torno de novos padrões de fluxo de informações.
A inércia cultural Em 1984, pude olhar de perto para um dos epicentros da inércia cultural corporativa daquela época: a AT&T.* Como empresa inventora do Unix, que hoje está por trás do programa com código-fonte aberto Linux e dos sistemas operacionais Mac OS X da Apple, a AT&T deveria ter sido um dos principais *Naquele momento, a AT&T havia sido apartada de seus negócios históricos de telefonia. Eles consistiam das unidades de pesquisa do Bell Labs, as divisões de fabricação da Western Electric, os negócios de produtos para consumo, produtos de computação, serviços e sistemas de rede, e serviços de telefonia em longas distâncias. Atualmente, a marca AT&T se aplica a uma companhia bastante diferente – uma combinação de serviços de longa distância, serviços nacionais de rede sem fio, e várias das companhias originais de telefonia local. O Bell Labs e a Western Electric pertencem hoje à Alcatel-Lucent. As comunicações para área empresarial e os serviços de rede foram desmembrados, tornando-se a Avaya Inc.
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participantes do mercado, principalmente na área de comunicações por computador. Contratado como consultor de estratégia, trabalhei com a companhia em novos produtos e estratégias em computação e comunicações. Dentre os planos estratégicos que ajudei a AT&T a formular, incluíamse o desenvolvimento e a interligação de pacotes fundamentais de software sob a marca AT&T.1 Além disso, planejamos tornar esses pacotes e módulos complementares disponíveis para venda eletrônica, por linhas telefônicas, com “computadores de comunicação” da AT&T.* Finalmente estávamos interessados no desenvolvimento de uma versão mais simples do Unix da AT&T para a plataforma PC que começasse a servir de apoio para uma interface gráfica com o usuário. Enquanto eu desenvolvia um relacionamento de trabalho na AT&T, alguns gerentes mais graduados me introduziram no que viam como um segredo constrangedor. A AT&T não era competente no desenvolvimento de produto. É verdade que a companhia era a orgulhosa proprietária do Bell Labs; inventora do transistor, da linguagem de programação C e do Unix; e era um lugar maravilhoso que investigou profundamente os fundamentos da natureza. Mas não havia competência dentro da AT&T para fabricar produtos de consumo. Uma história que foi contada referia-se a telefones celulares. Começando em 1947, o Bell Labs desenvolveu as ideias básicas para a telefonia móvel. Entretanto, o primeiro teste para o mercado, em 1977, teve de ser feito com um equipamento da Motorola. Outra história tratava do videotexto. Em 1983, a AT&T tinha uma joint-venture com a cadeia de jornais Knight Ridder para testar um sistema de videotexto (Viewtron). O sistema forneceria notícias, previsão do tempo, horários de companhias aéreas, resultados de esportes e informações para a comunidade através de texto em uma tela de televisão residencial. Porém, o Bell Labs não conseguiu entregar um software capaz de lidar até mesmo com as menores demandas de um teste de mercado. O software para rodar o sistema foi desenvolvido por uma pequena empresa (Infomart) trabalhando sob contrato para a Knight Ridder. Minha experiência pessoal a esse respeito ocorreu com o “computador de comunicação”: um PC ligado por um modem à rede de serviços (isso foi uma década antes de a internet passar a ser amplamente utilizada pelo público). Eu *Em 1983-84 a internet era uma curiosidade acadêmica. O desenvolvimento de uma infraestrutura nacional de internet não ocorreu até que a National Science Foundation começou a financiá-la, em 1986.
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queria demonstrar para um gerente sênior o potencial de venda de software via computador. A metáfora era de um elevador: primeiro piso, jogos; segundo piso, serviços; terceiro piso, cálculos; e assim por diante. Falamos com o Bell Labs da AT&T sobre um programa simples no PC para demonstrar esta interface. Eles orçaram em três milhões de dólares e dois anos de prazo de execução. Sugeri uma abordagem mais simples e um representante da Bell Labs me disse para “não interferir em nossas prerrogativas de projeto”. Frustrado, escrevi, sozinho, em três semanas, um programa simples para demonstração. O problema na AT&T não era a competência dos indivíduos, mas a cultura: as normas e a mentalidade de trabalho. O Bell Labs fazia pesquisa básica, e não desenvolvimento de produto. A reação para a solicitação de desenvolver um programa de demonstração foi igual à que teríamos se houvéssemos pedido para que os engenheiros da Boeing projetassem aviões de brinquedo. Da mesma forma que nas grandes universidades, a inventividade de um pequeno número de indivíduos bastante talentosos era usada para justificar a vida contemplativa de milhares de outros. Nas muitas décadas durante as quais a AT&T havia sido um monopólio regulamentado, essa cultura cresceu e prosperou. Agora, com a desregulamentação, a concorrência, e as crescentes oportunidades em computação e comunicações de dados para mercados de massa, essa maneira de fazer as coisas era um enorme impedimento para a ação. Para piorar ainda mais, essa enorme inércia do sistema não estava sendo combatida. Sem um real entendimento sobre tecnologia, muitos gerentes graduados da AT&T não compreendiam ou avaliavam corretamente o problema. E aqueles que o faziam praticamente não tinham nenhuma chance de mudar o caráter do Bell Laboratories, uma das joias da coroa do P&D americano, um centro de desenvolvimento que produziu vários laureados com o Prêmio Nobel. O trabalho de estratégia que fiz na AT&T em 1984-85 foi um desperdício. A lição duramente aprendida foi que uma boa estratégia produto-mercado é inútil se importantes competências (assumidas como presentes) estão ausentes e se seu desenvolvimento é bloqueado por uma cultura longamente estabelecida. Os objetivos aparentemente inteligentes que ajudei a elaborar eram inviáveis. Seria necessário ainda pelo menos uma década antes que a AT&T ficasse mais leve e ganhasse suficiente agilidade de engenharia para apoiar o trabalho de estratégia competitiva. A Western Electric e boa parte do Bell Laboratories da AT&T foram desmembradas para constituir a Lucent Technologies em 1996. Wall Street adorou a nova companhia e levou o preço de suas ações de $8 para $80 antes que a falta de lucros ficasse evidente e seu preço despencasse, caindo para
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abaixo de $1 em 2002. O fabricante francês de equipamentos de telecomunicações Alcatel fundiu-se com a Lucent em 2006. Desde a fusão, o valor da Alcatel-Lucent caiu 70%, devido, principalmente, a perdas nas operações da Lucent. X
Nós utilizamos a palavra “cultura” para marcar os elementos de comportamento e significado social que são estáveis e fortemente resistentes às mudanças. Como exemplo claro e contundente, o líder Pol Pot, do Khmer Vermelho, matou um quinto da população cambojana, executou quase todos os intelectuais, queimou quase todos os livros e proibiu a religião, os bancos, a moeda e a propriedade privada, mas, ainda assim, não alterou muito a cultura do Camboja. As culturas das organizações são mantidas de uma forma mais leve do que as de nacionalidade, religião ou etnia. Ainda assim, é perigoso pensar que a cultura organizacional possa ser mudada fácil ou rapidamente. O primeiro passo para quebrar a inércia da cultura organizacional é a simplificação. Isso ajuda a eliminar as rotinas complexas, os processos e as barganhas ocultas entre unidades que mascaram o desperdício e a ineficiência. Tire as camadas em excesso de administração e interrompa as atividades não essenciais – venda-as, feche-as, faça uma cisão ou terceirize os serviços. Os comitês de coordenação e uma infinidade de iniciativas complexas precisam ser dissolvidos. A estrutura mais simples começará a iluminar as unidades obsoletas, a ineficiência e o comportamento ruim que estava oculto da visão por complexas sobreposições administrativas e de interesses próprios. Após a primeira rodada de simplificação, talvez seja necessário fragmentar as unidades operacionais. Este será o caso em que as unidades não precisam trabalhar em estreita coordenação – quando basicamente elas são passíveis de separação. Tamanha fragmentação quebra as coalizões políticas, corta o conforto de subsídios cruzados e expõe um número maior de unidades pequenas à análise de suas operações e desempenho pela liderança. Após essa rodada de fragmentação (e mais simplificação), é necessário realizar uma triagem. Algumas unidades serão fechadas, algumas serão corrigidas e algumas formarão o núcleo de uma nova estrutura. A triagem precisa se basear tanto no desempenho quanto na cultura – você não pode se dar ao luxo de ter uma unidade de alto desempenho com uma cultura terrível infectando os outros. O terço a ser “corrigido” das unidades que sofreram a triagem precisa, então, passar por uma transformação individual e por manobras de renovação.
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Mudar a cultura de uma unidade significa mudar as normas de trabalho de seus membros e os valores relacionados ao trabalho. Essas normas são estabelecidas, mantidas e reforçadas diariamente por pequenos grupos sociais que seguem o exemplo do membro de elevado status no grupo: o alfa. Em geral, para mudar as normas do grupo, o membro alfa precisa ser substituído por alguém que expresse normas e valores diferentes. Tudo isso pode ser acelerado se uma meta desafiadora for estabelecida. O propósito do desafio não é o desempenho em si, mas a construção de novos hábitos e rotinas de trabalho dentro da unidade. Quando o grosso das unidades operacionais estiver trabalhando bem, será chegado o momento de se instalar uma nova camada de mecanismos de coordenação, revertendo parte da fragmentação que foi utilizada para quebrar a inércia.
Inércia por procuração A falta de resposta nem sempre é uma indicação de rotinas pegajosas ou de uma cultura congelada. Uma empresa pode escolher não responder à mudança ou ao ataque porque a resposta poderia prejudicar fluxos de lucros ainda valiosos. Esses fluxos de lucros persistem por causa da inércia dos clientes – uma forma de inércia por procuração. A título de exemplo, a taxa de juros básica em 1980 atingiu 20%. Com a liberdade na época de criar contas-correntes remuneradas para os clientes, como reagiram os bancos? Os bancos menores e mais novos em busca de crescimento no varejo ficaram felizes em oferecer este novo tipo de conta corrente com juros elevados. Porém, muitos bancos mais antigos com clientes de longa data não o fizeram. Se seus clientes tivessem sido mais ágeis, buscando rapidamente e trocando para contas com juros elevados, os bancos teriam que oferecer essas contas remuneradas ou desapareceriam. Mas seus clientes não eram assim tão ágeis. Fui consultor da Philadelphia Savings Fund Society (PSFS) na época e me perguntaram sobre sua estrutura de taxas de juros sobre depósitos. Um vice-presidente tentou encontrar o trabalho descrevendo as contas bancárias remuneradas com taxas maiores e depois desistiu. Ele disse: “Nosso depositante médio é uma pessoa aposentada e não muito sofisticada. Os fundos desses depositantes se constituem no último agrupamento gigantesco de dinheiro a 5% que restou no planeta!” Ele queria dizer que podia emprestar o dinheiro de seus depositantes e ganhar 12% ou mais, enquanto pagava
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somente 5% para os depositantes. Certamente alguns depositantes partiriam, porém a maior parte ficaria e os lucros sobre sua inércia eram enormes. A implicação importante para os concorrentes era que, naquele momento, um concorrente poderia pegar clientes da PSFS sem desencadear uma reação competitiva. Em um exemplo das telecomunicações, as companhias operadoras regionais da Bell variavam no número de clientes empresariais que atendiam. Com o advento da internet, quais foram os primeiros a oferecer serviços de linhas para assinantes digitais? A principal oferta de dados das companhias telefônicas para empresas era a de linhas T1, com preço de aproximadamente $4 mil por mês e oferecendo 1,5 mbp. Em 1998, as velocidades do DSL representavam cerca de um terço das velocidades do T1, mas os preços do DSL eram 30 vezes menores. Isto é, um cliente poderia replicar uma linha T1 com três DSLs por um décimo do custo. Em vez de corroer seu negócio bastante lucrativo de linhas T1, as companhias telefônicas atendendo Nova York, Chicago e San Francisco fizeram uma aposta: não ofereceram linhas DSL. Estas companhias telefônicas perderam a cada ano cerca de 10% de seu negócio de transmissão de dados corporativos para as companhias da nova onda (WorldCom, Intermédia Communications e dezenas de companhias competitivas locais de troca de dados, ou CLECs), mas os lucros bastante elevados do negócio de T1 compensaram essa perda de clientes.* Volto a insistir que a inércia aparente das companhias telefônicas era, na verdade, uma inércia por procuração, induzida porque seus clientes eram muito lentos para mudar de fornecedores, mesmo diante de grandes diferenças de preços. Essa inércia por procuração enganou centenas de companhias e investidores. A fantástica taxa de expansão de companhias de comunicação com “novas redes” foi tomada como evidência de superioridade competiti va, desencadeando um frenesi de investimentos e de valorização das ações. Quando as companhias telefônicas finalmente começaram a responder em 2000, a bolha estourou. Com o início de uma concorrência de fato, acabou havendo uma verdadeira debandada. Nenhuma CLEC sobreviveu. X
*O entendimento desse equilíbrio lhe permitiria prever que a primeira companhia telefônica a oferecer serviços DSL seria a U.S. West, a antiga Mountain Bell, sediada em Denver. A U.S. West possuía o menor número de linhas T1 alugadas e atendia aos mercados de residências e de empresas com elevado crescimento. Ela foi uma companhia inovadora em criação e oferta de serviços DSL para empresas.
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A inércia por procuração desaparece quando a organização decide que é mais importante adaptar-se às novas circunstâncias do que manter os velhos fluxos de lucros. Isso pode ocorrer muito rapidamente, como no caso das telecomunicações após 1999. Os invasores que haviam tirado negócios de companhias aparentemente adormecidas podem encontrar-se, de repente, sem nenhum lucro. Esse efeito pode ser ampliado porque os clientes que saíram das empresas tradicionais inertes são (por sua própria característica) os mais sensíveis a melhores ofertas. Por outro lado, se o invasor tiver tido sucesso em construir laços de lealdade e custo com seus clientes recém-conquistados, então o retorno das empresas tradicionais a uma postura competitiva talvez não seja suficiente para a reconquista dos consumidores perdidos.
ENTROPIA Não é difícil ver a entropia em ação. Com o passar do tempo, grandes trabalhos de arte ficam manchados e se desintegram, com a intenção original se desvanecendo, a menos que restauradores habilidosos façam seu trabalho. Caminhe por uma rua dos subúrbios e é fácil localizar uma casa abandonada. As ervas daninhas crescem no jardim, a pintura da porta descasca. De forma semelhante, é possível perceber uma empresa que não vem sendo cuidadosamente administrada. Sua linha de produtos fica menos focada; os preços são estabelecidos em valores baixos para agradar o departamento de vendas e os prazos de entrega são muito longos, agradando somente a fábrica. Os lucros são levados para casa como bônus para executivos cuja única realização é suplantar o executivo da porta ao lado em uma competição interna pela generosidade da sorte e da história. A entropia é uma grande vantagem para a gestão e para os consultores de estratégia. Apesar de todos os conceitos de alto nível formulados pelos consultores, o feijão com arroz de todo negócio de consultoria é desfazer a entropia: limpar os escombros e as ervas daninhas que crescem em todo jardim organizacional.
Denton’s Em 1997, fui contratado por Carl e Mariah Denton para analisar o desempenho geral e o valor de sua empresa familiar. A companhia, Denton’s Inc.,
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operava uma cadeia de lojas de materiais para jardinagem e paisagismo em quatro estados. A Denton’s surgiu nos anos 1930, quando alguns varejistas se juntaram como forma de sobreviver à Grande Depressão. Originalmente atendendo apenas comunidades rurais, ela também se expandiu ao longo dos anos para áreas dos subúrbios. As 28 lojas de varejo operavam sob três marcas diferentes, mas, na verdade, eram todas bastante semelhantes. Cada estabelecimento tinha um prédio da loja que vendia materiais e ferramentas para jardinagem e uma grande área externa que vendia plantas, árvores, terra e materiais de paisagismo. A Denton’s era proprietária direta de 20 de suas lojas e alugava as oito restantes. Carl e Mariah eram ávidos jardineiros e sua casa poderia ter servido de propaganda para os produtos e serviços da companhia. Sentia-se o ar perfumado com o cheiro das flores e uma cachoeira artificial descia por degraus de pedras e rochas. Sob a sombra de uma grande árvore, conversamos sobre a companhia e o desejo deles de fazê-la “entrar em forma” para ser transferida aos filhos no futuro. Eles me entregaram um CD-ROM contendo cinco anos de resultados financeiros de cada loja e da companhia como um todo. Estudando os demonstrativos financeiros comecei a desenredar as camadas de complexidade. A principal fonte de confusão era o tratamento do capital. A medição do retorno sobre o capital da companhia para cada loja misturava maçãs com laranjas. Um local comprado em 1950 custou $5 mil por hectare, enquanto outro comprado em 1989 custou $95 mil por hectare. Os números computados para o retorno sobre o investimento para esses locais faziam o mais velho parecer um enorme campeão comparado com o mais novo.2 Essa forma de medir o desempenho dos negócios confundia o varejo com os ganhos em investimentos imobiliários. Para colocar cada local em bases comparáveis, desenvolvi uma nova medição do lucro operacional que chamei de ganho operacional (GTO, da sigla em inglês), a qual estava ajustada para essas diferenças e para as várias localidades.3 A melhor loja da Denton’s tinha um GTO de $1,05 milhão e a pior, um GTO negativo de $0,97 milhão. Isto é, fechando essa loja, haveria geração de $0,97 milhão a mais por ano do que mantendo sua operação. A cadeia inteira da Denton’s mostrou um GTO de $0,32 milhão, um quadro bastante diferente do que os $8 milhões de lucro líquido que a contabilidade mostrava. O gráfico que preparei para Carl e Mariah Denton está reproduzido a seguir. Para construir esse gráfico, classifiquei os estabelecimentos na ordem de seus ganhos operacionais, com o estabelecimento 1 como o maior e 28 como o menor. As barras mostram para cada posição o ganho acumulado de
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se operarem todos os estabelecimentos naquela classificação ou melhores. Assim, a primeira barra na esquerda representa o melhor estabelecimento da cadeia – seu GTO foi $1,05 milhão por ano. A próxima barra representa o GTO do estabelecimento 1 mais o do estabelecimento 2, acumulando um GTO total de $1,05 + $0,63 = $1,68 milhão. O terceiro maior estabelecimento ganhou $0,5 milhão, portanto a terceira barra mostra o GTO acumulado dos estabelecimentos 1, 2 e 3 (1,05 + 0,68 + 0,5 = $2,18 milhões). Os estabelecimentos 4 até 14 adicionaram outros $2,5 milhões ao total acumulado, trazendo-o até o valor de $4,68 milhões. Porém, começando com o estabelecimento 15, GTOs negativos começaram a reduzir o total acumulado. Na verdade, os GTOs negativos dos estabelecimentos 15 a 28 totalizaram $4,4 milhões, quase anulando completamente as contribuições das lojas com GTOs positivos. Conforme você pode ver, o GTO do estabelecimento 1 foi maior do que o de toda a cadeia dos 28!
GANHO OPERACIONAL ACUMULADO AJUSTADO DA DENTON’S (MILHÕES DE $) Estabelecimentos classificados em ordem decrescente de ganhos operacionais 5,0 4,5 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0
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Chamo isso de gráfico em corcova. Sempre que puder atribuir lucro ou ganho a produtos, estabelecimentos, áreas, segmentos ou qualquer outra porção individual do total, você pode construir um gráfico em corcova. Eu construí meu primeiro gráfico em corcova em uma análise dos produtos da Western Electric anteriores à desregulamentação. Desde então, analisei e ajudei a construir gráficos em corcova para planejar o fechamento de bases militares, para os produtos da Sony, para clientes de companhia telefônica e para uma variedade de outras situações. Se não houver subsídios cruzados, as
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barras subirão suavemente até atingir um máximo. Porém, se algumas operações, produtos ou locais são subsidiados por outros, haverá uma verdadeira “corcova” no gráfico – as barras subirão até um máximo e depois começam a cair, à medida que as operações com perdas forem puxando os lucros do conjunto para baixo. Se as operações puderem ser separadas, então uma corcova bem definida, mantida ao longo do tempo, indica falta de gestão. Essa é uma maneira de ver a entropia em ação. Na Denton’s os subsídios cruzados ficavam obscurecidos pelo sistema de medição e foram institucionalizados ao longo do tempo. Por exemplo, além das distorções causadas pelas medições ruins dos custos de espaço e terrenos, a Denton’s media o desempenho mensal e anual de cada local por seu “lucro operacional comercial”, um número que omitia os incentivos aos empregados e os pagamentos de bônus. Pelo fato de os pagamentos de incentivos serem definidos a cada ano pela gestão corporativa, a lógica era que não deveriam onerar diretamente cada loja. No entanto, com o passar de muitos anos, os pagamentos de bônus e incentivos se tornaram quase direitos adquiridos e eram pagos com base no lucro total corporativo, criando, assim, um subsídio dos locais mais lucrativos para os menos lucrativos. Carl e Mariah ficaram chocados com o gráfico em corcova. “Você não pode estar sugerindo que fechemos metade das lojas”, Mariah disse. “Não”, respondi. “Mas faria muito sentido fechar os estabelecimentos com os piores desempenhos. Se fizerem isso e corrigirem os outros oito locais fracos, conseguirão dobrar o total de ganhos.” A melhoria do desempenho dos locais mais fracos levou dois anos. Os métodos foram a gestão direta através dos dados e a transferência das melhores práticas de outras lojas. O aspecto fundamental na Denton’s foi descobrir por que algumas localidades apresentavam melhor desempenho que outras. As vendas por metro quadrado representavam um dos fatores determinantes para o desempenho e eram fortemente afetadas pela localização, pela proximidade de um Home Depot concorrente, pelo layout do viveiro e pela apresentação do paisagismo. Descobrimos que os estabelecimentos com melhor desempenho haviam superado o layout em rede do estilo antigo e se pareciam mais com jardins. As plantas não eram apenas rotuladas, mas descritas em detalhes junto com sugestões para plantação e ideias de combinações com outras plantas. As plantas eram apresentadas em conjuntos atraentes, promo vendo a compra por impulso. Os materiais para paisagismo não eram apenas empilhados, mas mostrados em arranjos previamente montados, novamente ajudando os clientes a visualizarem como utilizar esses materiais em suas
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próprias casas. As atividades de vendas nas áreas de loja, jardinagem e paisagismo ficavam separadas porque as bases de conhecimento para o pessoal de vendas diferiam muito em cada uma delas. Ao final de dois anos, os ganhos operacionais da Denton’s haviam subido de $100 mil para mais de $5 milhões, e seu lucro contábil havia dobrado. Cerca de metade do aumento veio do fechamento de cinco estabelecimentos mais fracos e a outra metade do programa, de melhores práticas. Nenhuma dessas melhorias veio de um profundo insight empreendedor ou de inovações. Toda ela deveu-se apenas à gestão – somente desfazendo a bagunça e o desperdício acumulados por anos de entropia em ação. Planejar e plantar um jardim são sempre mais interessantes e estimulantes do que remover as ervas daninhas, mas, sem esse trabalho constante e a manutenção, o padrão que define um jardim (a imposição de uma ordem especial para a natureza) se desvanece até desaparecer.
General Motors Um dos exemplos mais claros de entropia em negócios foi a decadência gradual imposta à General Motors inicial de Alfred Sloan. Nesta decadência, é possível perceber o valor da gestão competente por sua ausência. De fato, você não consegue entender por completo o valor do trabalho diário dos gestores, a menos que se aceite a tendência geral de as estruturas humanas mal administradas se tornarem menos ordenadas, menos focadas e mais imprecisas. 4 Em 1921, Henry Ford detinha 62% do mercado americano de automó veis, tendo construído uma empresa gigantesca em torno do Modelo T. O sucesso de Ford veio principalmente do baixo preço do Modelo T, alcançado por uma engenharia industrial de primeira classe de cada aspecto da fabricação do automóvel. A General Motors era menor do que a Ford e se havia constituído a partir de algumas aquisições. Em abril de 1921, o presidente da companhia, Pierre du Pont, pediu que Alfred Sloan (na época, vice-presidente de operações) empreendesse um estudo sobre “política de produtos” para a companhia. Naquele momento, a companhia produzia 10 linhas de veículos que, juntas, detinham 12% do mercado de automóveis. Conforme é possível constatar no diagrama a seguir, as divisões Chevrolet, Oakland, Oldsmobile, Sheridan, Scripps-Booth e Buick da GM ofertavam automóveis na faixa de $1.800 a $2.200. Nenhuma delas produzia um item que competisse com o Modelo T de $495 da Ford. Além disso, o Chevrolet, o Oakland e o Oldsmobile estavam muito no vermelho.
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A GM em Abril de 1921
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Preço no Varejo
Passados dois meses, Sloan apresentou sua política de produtos para o comitê executivo. Sloan insistiu que “a linha de carros da General Motors deveria ser integral; que cada carro da linha deveria ser adequadamente concebido em sua relação com a linha como um todo”. Mais especificamente, ele queria “concorrência em termos de qualidade contra carros abaixo de determinado preço de tabela e concorrência de preço contra carros acima daquele preço”. 5 O plano de Sloan não cortou apenas os preços dos carros da linha, mas deu a cada marca uma faixa exclusiva de preços para trabalhar. Essa nova política reduziu drasticamente a concorrência dentro da própria companhia e a confusão de produtos. Sob a conceituação de Sloan, não havia nebulosidade ou confusão sobre a diferença entre um Chevrolet, um Buick e um Cadillac. Analise o diagrama seguinte e perceba a lógica e a ordem imposta pelo projeto de Sloan. O comitê executivo adotou o plano de Sloan, vendeu a Sheridan Motors e dissolveu o Scripps-Booth. Sloan se tornou presidente em 1923. O Oakland passou a ser o Pontiac cinco anos depois. Em 1931, a General Motors se tornara o maior fabricante de automóveis e uma das corporações líderes no mundo. Durante as décadas de 1940 e 1950, o conceito de Sloan tornou-se parte da cultura americana. Caminhando por uma vizinhança nos subúrbios, você poderia dizer quem vivia em cada casa pelo carro estacionado na frente: pessoas comuns dirigiam Chevrolets; o chefe, um Pontiac; o gerente, um Buick; e o CEO, um Cadillac.
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Política de Sloan de 1921
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A política de produtos de Sloan é um exemplo de projeto e de ordem imposta sobre o caos. Para fazer esse plano funcionar, é preciso mais do que um plano escrito sobre uma folha de papel. A liderança corporativa precisa trabalhar a cada trimestre, a cada ano, a cada década, para manter a coerência do projeto. Sem uma atenção constante, o projeto entra em decadência. Sem uma manutenção ativa, as linhas que demarcam os produtos se tornam nebulosas, e a coerência é perdida. Se a companhia for totalmente descentralizada, esta indefinição de fronteiras é fadada a acontecer e o projeto original baseado em marcas definidas em torno de faixas de preços fica enterrado sob um amontoado de novos produtos. Por exemplo, os executivos que dirigiam a divisão Chevrolet sabiam que poderiam aumentar as vendas e os lucros dessa divisão ofertando alguns modelos com preços maiores. Este movimento poderia tirar alguns negócios da Chrysler, mas também tirava negócios do Pontiac e do Oldsmobile. Por outro lado, os executivos que dirigiam a divisão Pontiac viam que poderiam aumentar as receitas de sua divisão se oferecessem alguns modelos a preços menores; assim, forçaram nessa direção. Parecido com os pais que devem oferecer resistência à vontade de seus filhos com 14 anos de consumir cerve ja nas festas, o trabalho da gestão corporativa é resistir a essas imprecações e preservar o projeto. Se o projeto se torna obsoleto, o trabalho da gestão consiste em desenvolver uma nova maneira de coordenar os esforços para que a energia competitiva seja direcionada para fora, ao invés de para dentro. Nos anos 1980, o projeto de Sloan tinha praticamente se desvanecido, em um claro exemplo do poder da entropia. A General Motors não apenas estabelecera uma confusão entre suas marcas e divisões, como tinha se envolvido
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em uma espécie de engenharia de crachá, ofertando essencialmente o mesmo veículo sob vários nomes de modelos e marcas. Administrações mais recentes trabalharam para reduzir a quantidade de sobreposições. Em 2001, a divisão Oldsmobile foi fechada, em claro reconhecimento de que seus modelos haviam perdido qualquer distinção, seja no estilo ou no preço. As ações judiciais de concessionárias que perderam a representação do Oldsmobile tornaram a proposta muito onerosa. A linha de produtos da General Motors em 2008 é mostrada no diagrama a seguir, ao lado da linha de produtos do concorrente Toyota. Pelo fato de a composição de produtos da GM ser muito mais complexa em 2008 do que foi em 1921, são mostrados apenas os sedans e coupês, omitindo os SUVs, as vans, os veículos com motor híbrido e todos os caminhões. Embora o Oldsmobile não existisse mais em 2008, projetei as faixas de preços de seus modelos ajustando às dos carros de 2000 pela inflação geral dos preços da GM pelos próximos oito anos. Conforme é possível observar, os modelos se agruparam em torno da fai xa entre $20 mil e $30 mil do mercado de massa. De fato, pelo preço de $25.500, a General Motors ofertava nove veículos (dois Chevrolets, um Saturno, quatro Pontiacs e dois Buicks). A Toyota, por sua vez, ofertava dois carros por esse preço. A perda de coerência na linha de produtos da General Motors aumentou significativamente a concorrência interna entre suas marcas. Os líderes empresariais tendem a ver a concorrência como um vento de limpeza, soprando para longe o desperdício e o abuso. No entanto, o mundo não é assim tão simples. Se você investir em propaganda ou em desenvolvimento de produto para tirar negócios de um concorrente, isso pode aumentar o pedaço da empresa no bolo. Porém, se investir para tirar negócios de uma marca ou divisão irmã, isto pode fazer o bolo da empresa ficar menor. Além de os investimentos em publicidade e desenvolvimento terem sido parcialmente desperdiçados, você provavelmente acaba empurrando para baixo os preços de ambas as marcas. Em junho de 2009, a General Motors entrou com pedido de concordata e foi socorrida pela administração Obama, fazendo o Tesouro dos Estados Unidos se tornar majoritário na companhia. Sob a proteção da concordata, a companhia abriu mão das marcas Saturno, Pontiac e Hummer. Reverter os efeitos da entropia na Denton’s deu trabalho, mas o problema não estava agravado por uma substancial inércia. Quando as questões se tornaram evidentes, tanto os líderes quanto a maioria dos gerentes estavam
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MODELOS DA TOYOTA E DA GENERAL MOTORS EM 2008
TOYOTA
Lexus
Toyota GENERAL MOTORS
Cadillac Buick Oldsmobile (projetado) Pontiac Saturn Chevrolet
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PREÇO DE TABELA NA CONCESSIONÁRIA
Cada barra é um modelo e as marcas estão reunidas dentro dos retângulos trace jados. Esse diagrama deixa de fora SUVs, veículos híbridos, vans e todos os caminhões. A divisão Oldsmobile da General Motors foi fechada em 2001. Os produtos “projetados” mostrados sob a marca Oldsmobile correspondem aos modelos do ano 2000 com os preços corrigidos até 2008 pela inflação. O componente de maior preço da Chevrolet é o Corvette.
dispostos a corrigir a situação. Em comparação, os problemas que afetavam a General Motors em 2008 foram criados por décadas de entropia associada à inércia devido a rotinas obsoletas incorporadas, cultura congelada e sistemas de elo em cadeia. A concordata pode não ser suficiente para corrigir esta situação difícil. Acredito que a companhia se fragmentará ainda mais e venderá marcas valiosas ao longo da próxima década.
CAPÍTULO 15 X
JUNTANDO TUDO
Nvidia, uma projetista de chips de gráficos 3-D, teve ascensão muito rápida, ultrapassando, em poucos anos, empresas aparentemente mais fortes, inclusive a Intel, e dominando o mercado de chips de gráficos 3-D de alto desempenho. Em 2007, a revista Forbes escolheu a Nvidia como a “Empresa do Ano”, explicando que, “desde que Huang [CEO e fundador] abriu o capital da empresa em 1999, o preço das ações da Nvidia se multiplicou por 21, desbancando até mesmo a poderosa Apple nesse período”. 1 A Nvidia saltou do nada para praticamente dominar seu mercado utilizando unicamente uma boa estratégia. Acompanhe a história da Nvidia e você verá com clareza o cerne de uma boa estratégia em funcionamento: diagnóstico, diretriz política e ação coerente. Você também perceberá quase todos os elementos constituintes de uma boa estratégia: antecipação inteligente, uma diretriz política que reduziu a complexidade, poder do pro jeto, foco, utilização de vantagem competitiva, pegar uma onda dinâmica de mudança e o importante papel desempenhado pela inércia e a desorganização dos rivais.
São feitos alguns comentários e análises ao longo desta história. Eles estão impressos em letras menores e sua aparência é exatamente como a deste texto. Esses comentários visam destacar algumas das considerações estratégicas reveladas pela história que podem não ter ficado evidentes em uma primeira leitura.
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GRÁFICOS 3-D, UTAH E SGI O domínio em gráficos 3-D pela Nvidia nada tem a ver com a utilização de óculos especiais ou com imagens que saltam para fora da página ou da tela do cinema. O “3-D” em gráficos 3-D descreve o processo utilizado para criar uma imagem que aparece em um monitor de computador. Se você estiver olhando para uma imagem parada, pode não ficar óbvio que ela foi criada com a tecnologia de gráficos 3-D – é apenas uma imagem parada gerada por pontos coloridos. Entretanto, quando você obtém controle em tempo real sobre a posição a partir de uma câmera imaginária, a diferença é brutal. Utilizando um mouse ou um controle de jogos para controlar a câmera imaginária, você consegue explorar uma cena em 3-D, vê-la de posições diferentes, mover seu ponto de vista em torno de objetos para poder enxergá-los por trás ou por cima e se movimentar à vontade dentro de recintos ou espaços. Isso é possível porque o computador “conhece” a estrutura tridimensional de toda a cena. Muitos dos componentes fundamentais da moderna tecnologia de gráficos 3-D foram desenvolvidos na University of Utah, como parte de uma sequência de estudos iniciados pelos professores Ivan Sutherland e David Evans no final dos anos 1960. Enquanto outros programas de ciência de informática ensinavam altas teorias, o programa de Utah focou-se no desafio prático de produzir imagens 3-D e construir simuladores de voo. O programa gerou um número impressionante de grandes estrelas em gráficos de computadores, incluindo John Warnock, fundador da Adobe Systems; Nolan Bushnell, fundador da Atari; Edwin Catmull, um dos fundadores da Pixar; e Jim Clark, fundador da Silicon Graphics e do Netscape. Jim Clark estava em Stanford quando fundou a Silicon Graphics Inc. (SGI) em 1982. Desde a sua concepção, a SGI visava fazer as estações de trabalho com gráficos de alta resolução mais rápidas do planeta. A influência da SGI no setor de gráficos foi imensa. Além de proporcionar hardware com gráficos de mais alto desempenho, ela também desenvolveu uma linguagem gráfica especial (GL) que se tornou padrão para muitos no setor. Juntos, o hardware da SGI e o GL enquadraram o problema de gráficos 3-D de uma forma que se tornou a lógica dominante em gráficos 3-D. Chamada de pipeli ne de gráficos, essa abordagem se baseava em quebrar as imagens da cena em triângulos, processar cada triângulo separadamente e, em seguida, reuni-los mais uma vez para formar a imagem final. Um uso famoso desta tecnologia foi o de processar os velociraptors em Jurassic Park – O Parque dos Dinos sauros. Em 1992, a SGI finalmente colocou todo o pipeline de gráficos em
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hardware: um sistema de bancos de processadores ligados a um “barramento triangular”. Chamada de Reality Engine, a máquina tinha mais de 1,20 metro de altura e custava aproximadamente $100 mil.
JOGOS No início da década de 1990, já estava claro que os chips teriam velocidade suficiente para fazer bons gráficos 3-D em um PC. Mas as pessoas utilizariam esse recurso? E, se o fizessem, para que ele seria utilizado? Os especialistas opinavam que, talvez, as pessoas fizessem viagens virtuais para cidades distantes via gráficos 3-D, ou que corretores imobiliários utilizariam os gráficos 3-D para fazer passeios virtuais em residências com os clientes prospectivos. Acontece que o mercado foi conduzido para outra aplicação. O súbito crescimento dos jogos de ação violentos em 3-D para PCs puxou os chips 3-D para dentro desse mercado. Em certa ocasião, visitando um amigo em sua casa, observei seu filho adolescente, Paul, brincando com um jogo chamado Myst em um computador pessoal. O monitor de Paul mostrava uma imagem parada da cena. Paul clicava na imagem de uma ponte e o CD-ROM girava por alguns segundos antes de a imagem mudar para uma visão a partir da ponte. A música tocava, mas nada se movia e cada cena nova levava alguns segundos para aparecer. Estávamos no verão de 1994 e o Myst, na época, era um jogo bastante popular em computadores pessoais. Passadas duas semanas, eu o visitei novamente e dessa vez Paul estava jogando Doom. A imagem na tela mostrava um monstro entrando em um recinto a partir de uma plataforma descendente. O mostro atirava contra Paul bolas de fogo vermelhas que riscavam o recinto. Paul utilizava o mouse e o teclado para se inclinar e se desviar das bolas vermelhas. Não havia atrasos na imagem. Com o movimento de seu pulso, a imagem mudava enquanto ele corria em torno do espaço tridimensional. Ele saiu por uma porta e desceu um corredor. O monstro o seguiu. Paul se abaixou atrás de um nicho, pulando para o corredor a fim de atirar com uma pistola e voltar para o nicho, para se proteger do tiro em resposta. Ele repetiu três vezes esse movimento e matou o monstro. Os efeitos visuais eram rápidos e o efeito geral era o de uma corrida pela sobrevivência, com muita adrenalina. O pai de Paul era um cientista de computação na prestigiosa École des Mines de Paris em Fontainebleau. Comentando sobre Doom, ele disse: “É
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realmente impressionante. Eu não teria adivinhado que os gráficos 3-D seriam utilizados tão rapidamente em computadores pessoais. Existem programas em 3-D para PCs, mas eles levam minutos, ou até mesmo horas, para criar uma cena, não milésimos de segundo.” O Doom foi idealizado por John Carmack e John Romero, que haviam fundado a id Software em 1991. Suas criações de sucesso, especialmente Doom e Quake, redefiniram os jogos de ação, introduziram novas tecnologias inteligentes para apresentar cenas em 3-D em PCs e moveram o centro de gravidade da inovação em jogos de computador do setor de consoles para o da plataforma PC. Além disso, a id Software foi uma das primeiras empresas a explorar habilmente a internet, que, na época, era nova. Ela distribuiu sem custo o Doom, junto com nove níveis de jogo, via on-line. Tendo se viciado no jogo, o usuário poderia adquirir a versão registrada e jogar níveis adicionais. Com distribuição gratuita pela florescente internet, o Doom transformou-se em sensação da noite para o dia. Em 1996, a id Software acrescentou a disputa on-line em seu jogo Quake recém-lançado. Um jogador em um PC, rodando o Quake localmente, poderia ser conectado via internet com outros jogadores e compartilhar o jogo com os demais. Cada jogador podia mover-se e ver os movimentos dos demais em tempo real – e atacá-los. Após o Quake, a maioria dos jogos de ação em PC incluiu o recurso de jogar on-line. Os jogos disputados pela internet fizeram a qualidade dos gráficos 3-D se tornar uma questão fundamental para os jogadores. Se você fosse um executivo de empresa lendo relatórios de pesquisa sobre o setor de recursos gráficos ou estudando estatísticas sobre as vendas de chips, não perceberia essa crescente necessidade. Por outro lado, se você jogasse Quake on-line, rapidamente descobriria que ter um sistema de gráficos ruins significava que sua visão sobre a situação estava confusa e desatualizada (“atrasada”, no jargão dos jogadores) e você acabava morrendo várias vezes. Não há nada como o risco de “vida ou morte” para gerar demanda por avanço, e essa luta on-line entre adolescentes gerou uma demanda altamente focada por chips de gráficos 3-D de alto desempenho. A primeira companhia a atender a essa demanda e, assim, ganhar dinheiro com gráficos 3-D para PCs, foi a empresa iniciante 3dfx Interactive, em 1994. Fundada por três engenheiros, todos formados na Silicon Graphics, a primeira placa de vídeo 3-D, chamada Voodoo, estava amarrada à sua própria linguagem proprietária de gráficos, Glide. Glide era uma versão resumida da linguagem GL da Silicon Graphics, de forma a poder rodar nos chips
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dedicados da 3dfx sem ajuda do processador central. O primeiro jogo escrito para utilizar o Glide foi o Tomb Raider, e as imagens em 3-D de Lara Croft em tempo real da placa Voodoo alcançaram grande sucesso na Electronic Entertainment Expo de 1996.
Quando um produto dá vantagem ao comprador em relação aos demais competidores, há uma absorção especificamente rápida dele. Quando, por exemplo, apareceu a primeira planilha eletrônica VisiCalc em 1979, ela propiciou uma vantagem aos estudantes de MBA, analistas financeiros e outros profissionais que a utilizavam. O VisiCalc foi rapidamente adotado e ajudou a trazer os computadores pessoais de seu nicho de hobby para o de uso mais generalizado. De forma semelhante, os jogos 3-D interati vos on-line criaram demanda pela vantagem propiciada por gráficos 3-D mais rápidos e melhores. A ideia da 3dfx de estabelecer um padrão de fato veio diretamente das páginas do influente livro de Geoffrey Moore de 1991, Crossing the chasm: marketing and selling technology products to mainstream customers. Esse livro popularizou os conceitos acadêmicos de “externalidades da rede” e “padrões fixos” e foi uma bíblia para as pessoas que queriam ser, ou se colocar, como a próxima Microsoft. Se um número suficiente de autores de jogos começasse a usar a linguagem Glide da 3dfx, ela se tornaria um padrão de fato em jogos 3-D e se tornaria a “formuladora da arquitetura padrão”.
ESTRATÉGIA NA NVIDIA A Nvidia foi fundada em 1993 por Jen-Hsun (pronuncia-se Jen-Sun) Huang, Curtis Priem e Chris Malachowsky. Huang havia sido engenheiro na LSI Logic. Priem e Malachowsky tinham sido, respectivamente, diretor de tecnologia e vice-presidente de engenharia de hardware na Sun Microsystems. Naquela época, o setor estava animado com as conversas sobre a próxima revolução multimídia. Porém, naquele momento as placas de áudio existentes funcionavam com alguns softwares, e não outros. Não existia uma maneira padronizada de comprimir ou de mostrar vídeos. Os CD-ROMS não estavam totalmente padronizados e não havia nenhuma norma para os gráficos 3-D.
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O Windows 95 da Microsoft e o amplo uso de navegadores na internet ocorreriam ainda dali a vários anos no futuro. O vice-presidente executivo de vendas da Nvidia, Jeff Fisher, lembrou que “o sonho original era ser o Sound Blaster da multimídia”. O primeiro produto da empresa, o NV1, lançado em 1995, pretendia estabelecer um novo padrão multimídia. Porém, seus consideráveis recursos de áudio não eram melhores do que os de grande saída dos concorrentes, e sua abordagem peculiar aos gráficos 3-D não pegou. O NV1 foi um fracasso comercial. Diante do fracasso do primeiro produto da empresa e da rápida ascensão da 3dfx, Jen-Hsun Huang reformulou a estratégia da companhia. As ideias fundamentais vieram de um conselho técnico consultivo temporário constituído por especialistas internos e externos.2 A nova estratégia era uma forte mudança de direção. Em vez de multimídia, a empresa se concentraria em gráficos 3-D para PCs de mesa. Em vez de sua abordagem proprietária inicial para os gráficos, a companhia adotaria o método de triângulo da SGI. A única coisa que praticamente ficaria inalterada era o compromisso da Nvidia de ser uma companhia de chips “sem fábrica própria”, focando sua atividade no projeto e terceirizando a fabricação. O progresso no setor de semicondutores estava baseado na redução do tamanho de um transistor. Transistores menores significavam mais transistores por chip. Além disso, transistores menores eram mais rápidos e consumiam menos energia. Toda a indústria de semicondutores girava em torno de apro ximadamente a cada 18 meses se alcançar um nível maior de integração, baseado em transistores menores. Este ritmo de avanço era chamado de lei de Moore. Ninguém conseguia saltar muito à frente desse ritmo porque todas as tecnologias (desde fotolitografia, projeto ótico e deposição de metal para testes) precisavam avançar em conjunto. O setor chamava esse padrão de avanço coletivo de “mapa do caminho”. A alta administração da Nvidia e seu conselho de tecnologia esboçaram um “mapa do caminho” diferente, que levaria o desempenho dos gráficos 3-D a um ritmo muito mais rápido do que o previsto pela lei de Moore. Havia dois fatores fundamentais para que isto ocorresse. Primeiro, eles previram um grande salto de desempenho colocando cada vez mais pipeline de gráficos em um único chip. Segundo, muitos fabricantes, como a Intel, não enfiavam o maior número possível de transistores em um chip – eles se aproveitavam do aumento de densidade para fazer mais chips por pastilha de silício, cortando, dessa forma, o custo de um chip. A Nvidia, por sua vez, planejou utilizar essa densidade extra para adicionar mais processadores em paralelo, aumentando
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o desempenho – uma consequência da utilização da ideia de “barramento triangular” de Utah-SGI. Do lado da demanda, a gestão da empresa considerou que o mercado compraria praticamente todo o poder de processamento gráfico que pudesse ser fornecido. Não havia uma forte demanda por processadores de texto ou planilhas eletrônicas que rodassem 100 vezes mais rápido, mas havia uma demanda muito forte por gráficos mais rápidos e mais realistas. O cientista chefe, David Kirk, explicou desta forma: “Existe uma demanda praticamente ilimitada por maior poder de computação em gráficos 3-D. Dada a arquitetura do PC, existe um limite para o que você consegue fazer com uma CPU mais potente. Porém, é fácil utilizar até um teraflop de poder de computação gráfica. O GPU [unidade de processamento gráfico] será o centro da tecnologia e do valor agregado na informática para consumidores.” Em relação à linguagem para gráficos, a gestão da Nvidia considerou que seria autodestrutivo trabalhar com o Glide da 3dfx. Assim, apostaram que o novo DirectX da Microsoft (ainda não testado) se tornaria um padrão viável para gráficos de alto desempenho. A gestão fez essa avaliação após se reunir com a equipe do DirectX e constatar que eles eram grandes entusiastas de gráficos e que queriam avançar as fronteiras o mais rápido possível. Finalmente, o CEO Jen-Hsun Huang acreditava que a Nvidia poderia construir uma vantagem ao quebrar o ciclo de 18 meses da indústria. Ele raciocinou que, pelo fato de ser possível avançar o poder gráfico a uma velocidade três vezes maior do que o poder da CPU, a Nvidia poderia fornecer um aumento substancial no poder gráfico a cada 6 meses, em vez de 18 meses. Esse é o ponto em que uma estratégia ruim teria envolvido o conceito de ciclo de desenvolvimento mais rápido em palavras de ordem sobre velocidade, poder e crescimento, e em seguida teria buscado ganhar dinheiro abrindo o capital da empresa. Em vez disso, a equipe da Nvidia concebeu um conjunto de políticas e ações coesas para transformar em realidade sua diretriz política. O primeiro passo na execução da diretriz política foi o estabelecimento de três equipes de desenvolvimento em separado. Cada uma delas trabalharia para um ciclo de 18 meses de colocação no mercado. Com sobreposição de programações, as três equipes poderiam entregar um novo produto a cada 6 meses. Um atraso de 2 meses em um ciclo de 6 meses era muito mais grave do que o mesmo atraso em um ciclo de 18 meses. Em função disso, o segundo conjunto de políticas visava reduzir substancialmente os atrasos e a incerteza no processo de desenvolvimento.
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Uma fonte importante de possíveis atrasos era um erro de projeto. Após projetar um chip, a companhia passava o desenho para um fabricante. Apro ximadamente após um mês, os engenheiros recebiam de volta as primeiras amostras dos chips reais. Se fossem encontrados defeitos nesses chips, o projeto precisaria ser alterado, novos moldes precisariam ser criados e, então, teria início uma nova rodada de fabricação. Para enfrentar essa fonte de possíveis atrasos, a Nvidia investiu pesadamente em técnicas de simulação e emulação e organizou o processo de projeto de chip em torno desses métodos. Essas ferramentas representavam o ponto forte do fundador Chris Malachowsky, e ele implementou o uso dessas ferramentas para a verificação formal da lógica de um chip. No entanto, mesmo que o projeto lógico esti vesse correto, poderiam surgir problemas no funcionamento físico do chip – questões relacionadas a defasagens no tempo do fluxo de elétrons e com a degradação do sinal. Para se proteger contra esses tipos de problemas, a companhia também investiu na tarefa mais difícil de simular as características elétricas do chip. Outra área de atraso e preocupação era o desenvolvimento de softwares de controle. Tradicionalmente, esses programas eram escritos pelos fabricantes de placas, que só podiam começar o desenvolvimento do programa de controle após receber os chips prontos do produtor de chips. Além do problema de atraso, os novos métodos de gráficos 3-D exigiam programas de controle muito mais sofisticados. Além disso, os fabricantes de placas conta vam com incentivos contraditórios em comunicar problemas para o produtor de chip. Por exemplo, se a Nvidia estava vendendo chips para dois fabricantes de placas, cada um tenderia a guardar seu aprendizado e os consertos de defeitos para si mesmo, visando não beneficiar o outro fabricante de placas. Finalmente, a prática corrente gerava programas de controle distintos para chips idênticos em placas diferentes, complicando em muito as tarefas de manter os programas de controle atuais e de ajudar os usuários a atualizar os programas mais antigos. Para enfrentar esses problemas, a Nvidia assumiu o controle de criação e gerenciamento dos programas de controle para seus chips, desenvolvendo uma arquitetura unificada do programa (UDA). Todos os chips Nvidia utilizam o mesmo software de controle, facilmente baixado pela internet. O software de controle se adaptaria a cada chip, consultando-o sobre as ações que ele permitiria e depois adequando seus comandos àquele chip. Essa abordagem simplificaria em muito as coisas para os usuários porque eles não
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precisariam se preocupar em compatibilizar os programas de controle com os chips. Também significou que a construção e a distribuição do programa de controle pertenceriam à Nvidia e sairiam das mãos dos fabricantes de placas. Para acelerar o desenvolvimento de programas de controle, a companhia fez um significativo investimento em instalações de emulação. 3 Elas eram “maquetes” complexas de novos chips que permitiam o início do desenvol vimento de programas de controle de quatro a seis meses antes que ficasse pronto o primeiro chip físico.
A vantagem de um ciclo mais rápido é que o produto será o melhor de sua classe com mais frequência. Comparado com um concorrente trabalhando em um ciclo de 18 meses, o ciclo de 6 meses da Nvidia significava que este chip seria o melhor produto em cerca de 83% das vezes. Além disso, há o excitamento constante cercando os lançamentos de novos produtos, que servem de substituto para uma publicidade cara. Ainda como vantagem adicional, os engenheiros de uma empresa mais rápida obterão mais experiência e, talvez, aprenderão mais sobre os truques relativos a transformar a tecnologia em produto.
Na execução dessa estratégia, a Nvidia investiu o restante do dinheiro em equipamento para emulação e no desenvolvimento de um novo chip. Lançado em agosto de 1997, com o nome de RIVA 128, ele recebeu notas elevadas dos avaliadores por sua velocidade e resolução, porém muitos consideraram que o rival Voodoo da 3dfx tinha imagens mais suaves. O chip teve um sucesso moderado, mantendo a empresa viva e gerando fundos para pagar por mais desenvolvimento. Com o novo chip seguinte, o RIVA TNT, lançado em 1998, a Nvidia começou a acertar o rumo. Aparecendo junto com o novo DirectX 6 da Microsoft, ele foi o primeiro chip a utilizar a nova arquitetura unificada do programa. O TNT e sua “atualização da primavera”, o TNT2, se equipararam ou ultrapassaram a concorrência em muitos aspectos. Passados 7 meses do TNT2, a Nvidia lançou o GeForce 256, levando o setor de gráficos 3-D para um novo território. O GeForce 256 tinha quase 23 milhões de transistores, com o dobro de complexidade do Pentium II CPU da Intel. Sua capacidade de cálculo de ponto flutuante era de 50 gigaflops, equivalente ao
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supercomputador Cray T3D. O cientista chefe David Kirk me disse: “Na Nvidia nosso caminho técnico tem sido o de avançar pelo pipeline de gráficos. A cada estágio, colocamos mais operações especializadas em silício, em que o desempenho foi 10 vezes melhor em comparação com a CPU... Com o GeForce, colocamos todas as etapas do pipeline da Silicon Graphics em um único chip de $100, rodando mais rápido do que o Reality Engine, que custou $100 mil em 1992.” Quando a Nvidia obteve liderança em desempenho, ela começou a focar ainda mais intensamente nos problemas de retardos, programas de controle e custos adicionais criados por seus fabricantes de placas. Primeiramente, a gestão tentou negociar um novo acordo com a Diamond Multimedia, mas foi repelida porque a Diamond não queria ver uma diminuição em suas margens. Uma equipe especializada viajou então para a Dell e fez uma apresentação. Eles descreveram os obstáculos criados pelas práticas atuais da indústria, mostraram as vantagens econômicas da arquitetura unificada do programa e destacaram a redução de preços que os fabricantes de placa contratados poderiam oferecer. A Dell reagiu positivamente e concordou em oferecer placas com os chips Nvidia fabricados pela Celestica Hong Kong Ltd. Nos meses e anos seguintes, a Nvidia baseou-se cada vez mais na contratação de indústrias eletrônicas para a produção e distribuição. Os fabricantes contratados estavam liberados para colocar a marca que quisessem nas placas; a maioria escolheu enfatizar o nome Nvidia. Ao longo dos próximos cinco anos, a Nvidia continuou seu padrão de fazer lançamentos rápidos, expandindo os recursos em gráficos 3-D. Durante o período de 1997-2001, a Nvidia obteve ganhos extraordinários com a integração do pipeline gráfico em um único chip, alcançando um ganho anual médio de 157% em desempenho.* De 2002 a 2007, ela atingiu um ganho médio anual de desempenho de 62%, quase o máximo possível, dado o movimento geral da tecnologia de semicondutores. Os CPUs da Intel, por exemplo, aumentaram seu poder de processamento (milhões de operações por segundo) praticamente à mesma taxa ao ano durante esse período. A diferença é que os efeitos do aumento de desempenho da Intel têm sido substancialmente embotados pelos gargalos de hardware e software que ela não consegue controlar. Por sua vez, como previram os gestores da Nvidia, o desempenho dos chips gráficos é apreciado direta e imediatamente pelos usuários. Os adeptos continuam a aguardar ansiosamente cada nova melhoria. *Neste caso, o desempenho é medido como “fillrate” – o número de saída de pixels por segundo.
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Uma mudança na tecnologia muitas vezes coloca em movimento uma mudança na estrutura da indústria. Neste caso, alterou-se a relação entre o fabricante de chip e o fabricante de placa. Curiosamente, poucos previram a importância dessa alteração. Uma abordagem-padrão para tal problema em setores já estabelecidos seria fazer certos fabricantes de placas trabalharem diretamente com emuladores da Nvidia mais cedo no ciclo de desenvolvimento. Isso, porém, aumentaria o poder de barganha do fabricante de placa e o vazamento de conhecimento interno para os concorrentes. Com relação à Diamond Multimedia, a gestão da Nvidia acreditava que a mudança de gráficos 2-D para 3-D havia eliminado boa parte do tradicional valor agregado da Diamond. No entanto, as empresas não avançam calmamente para a escuridão. A Diamond deveria ter feito acordo com a Nvidia, mas ela preferiu tentar manter suas margens elevadas (cerca de 25%). As análises tradicionais do setor classificariam compradores podero sos do porte da Dell como negativo para a Nvidia. Porém, sem poderosos fabricantes de PC como a Dell e a HP, a Diamond teria mantido sua posse sobre os canais de varejo. Foi o poder desses compradores concentrados que permitiu que a Nvidia contornasse a marca estabelecida da Diamond. Observe que, em geral, com um produto “igual”, você prefere compradores fragmentados no varejo. Por outro lado, se você possui um produto melhor, um poderoso comprador como a Dell pode ajudá-lo a ver a luz do dia.
A CONCORRÊNCIA Para que a estratégia da Nvidia em gráficos 3-D funcionasse, outras empresas teriam de ficar pelo caminho, não conseguindo acompanhá-la. Em grande parte, foi exatamente isso que aconteceu. Sempre que uma empresa tem um grande sucesso, existe uma história complementar sobre a incapacidade de reação dos concorrentes. Às vezes, o impedimento é a patente ou outra proteção do inovador, porém, com mais frequência, é uma falta de disposição ou incapacidade de reproduzir as políticas do inovador. A Nvidia apostou que conseguiria rapidamente ampliar o pipeline de gráficos, mas também
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apostou que os principais rivais não conseguiriam reproduzir seu rápido ciclo de lançamentos. A rival 3dfx seguiu o conselho espúrio de Wall Street e os instintos mercadológicos de um novo CEO, partindo para o mercado de massa. Em vez de capitalizar sua liderança entre os adeptos, ela alocou engenheiros fora do desenvolvimento de ponta para trabalhar em placas de menor tecnologia, desencadeou uma publicidade imitando a campanha “Intel Inside”, e adquiriu o fabricante de placas STB Systems. Espalhando seus recursos muito magros, ela tentou compensar puxando as metas de seu próximo chip de alto desempenho para além das competências de seu processo de desenvolvimento. Nos últimos meses de 2000, a 3dfx fechou suas portas e vendeu suas patentes, marcas e estoques para a Nvidia, onde muitos de seus talentosos engenheiros acabaram indo trabalhar. Uma leitura superficial da história faz parecer que a 3dfx tenha estabelecido muitas mudanças de direção para si própria. A realidade mais profunda foi que o ciclo de rápidos lançamentos projetado pela Nvidia induziu respostas menos coordenadas da 3dfx. Da mesma forma que Aníbal fez com Roma em Canas, a Nvidia induziu o rival a extrapolar seu limite. A rival Intel não conseguiu competir no mercado de gráficos 3-D de alto desempenho. Uma das grandes companhias do mundo, uma potência tecnológica, a Intel não era, porém, infinitamente flexível. De acordo com o analista do setor, Jon Peddlie: “A Intel desenvolveu o i740 com os mesmos processos e a mesma abordagem que utilizou para desenvolver suas CPUs. Isso não funcionou na indústria extremamente competitiva dos gráficos 3-D. O ciclo de desenvolvimento na Intel era de 18-24 meses e não de 6-12 meses. Ela não se adaptou a esse ciclo de desenvolvimento rápido. Não se tratava de refazer todo o processo de fabricação e desenvolvimento só por causa de um negócio paralelo.”4 No entanto, a Intel teve êxito em dominar o negócio de gráficos 2-D ao incorporar suas ofertas no conjunto de circuitos integrados da placa-mãe. Em 2007, a Intel anunciou um segundo plano para entrar no negócio de gráficos 3-D de alto desempenho, mas depois cancelou o projeto em dezembro de 2009. Na rival Silicon Graphics, o fundador Jim Clark deixou a companhia em 1994. O novo CEO, Ed McCracken, visando que a empresa vendesse grandes estações de trabalho e servidores para o setor empresarial americano, instruiu seus comandados a “pensarem de forma criativa e imaginarem como crescer 50%”.5 Eles tentaram engendrar o crescimento através da aquisição de uma série de empresas que fabricam estações de trabalho.
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O desafio para a SGI e as empresas que adquiriu era que as estações de trabalho baseadas na combinação Windows-Intel estavam ganhando poder e superando as estações baseadas em processadores e sistemas operacionais proprietários. A estratégia de aglomeração não representou nada em termos de enfrentar esse desafio. A Silicon Graphics, fonte de tantas ideias e de pessoas que desencadearam os gráficos 3-D, nunca entrou em gráficos 3-D para PCs. Embora tendo uma capitalização de mercado de mais de $7 bilhões, ela entrou com pedido de concordata em 2006.
O “crescimento de 50%” de McCracken é uma clássica estratégia ruim. É o tipo de falta de bom-senso que passa como uma estratégia em muitas empresas. Em primeiro lugar, ele estava definindo uma meta, e não concebendo, uma maneira de lidar com o desafio de sua empresa. Em segundo lugar, o crescimento resulta de uma estratégia bem-sucedida, e as tentativas de engendrar crescimento são exercícios de pensamento mágico. Nesse caso, o crescimento da SGI foi obtido pela incorporação de uma série de outras empresas cujas estratégias na área de estações de trabalho também perderam energia. Um concorrente sério da Nvidia era (e continua sendo) a ATI Technologies. No início, a ATI parecia ter ficado para trás pelo ciclo de lançamento a cada seis meses da Nvidia. Então, em 2000, ela comprou a ArtX, uma companhia formada por outro quadro de engenheiros da ex-Silico Graphics. O sangue novo fez diferença imediata. A ATI passou para um ciclo de lançamentos a cada seis meses e começou a lançar chips que se equiparavam com os da Nvidia em desempenho. Em 2006, o fabricante de CPUs, Ad vanced Micro Devices (AMD), arquirrival da Intel, orquestrou uma fusão com a ATI.
Não adquirir a ArtX foi um erro estratégico da Nvidia. A rede de capital humano era esparsa e bem conhecida. Se existissem muitos bolsões de talentos como a ArtX, adquiri-la não teria muito sentido. Porém, embora a Nvidia não necessitasse de mais especialistas, o fato de adquirir a empresa impediria que essas escassas competências fossem para um concorrente.
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O QUE VEM EM SEGUIDA? O campo escolhido pela Nvidia é um dos mais rápidos e mais competitivos do planeta. Sua estratégia bem-sucedida no período 1998-2008 não assegura um sucesso permanente. Em 2009, as ondas de mudança que a Nvidia explorou em seu início estavam diminuindo. O pipeline da SGI estava plenamente realizado. A maioria dos jogadores não espera mais, ansiosa, pelo próximo chip de gráficos. A DirectX se tornou tão complexa que poucas empresas de jogos conseguem dominar todos os seus recursos. Estrategicamente, hoje a Nvidia está envolvida em um movimento de pinça em duas vertentes. Uma iniciativa tem sido a de abrir acesso ao poder de computação de seus chips de gráficos. Cada processador de gráficos contém centenas de processadores de ponto flutuante isolados. Seu novo hardware contendo esse conceito é chamado Telsa e proporciona supercomputadores de mesa. Em novembro de 2010, pesquisadores chineses anunciaram o supercomputador mais rápido do mundo – acionado por chips gráficos Tesla da Nvidia. O segundo braço da pinça é o Tegra – um sistema completo em um chip. Essa tática é chamada “ruptura de baixo para cima” e visa incomodar a hegemonia Intel-AMD-Windows construindo em uma plataforma muito mais simples e eficiente. O chip está voltado para fabricantes de smartphones, netbooks e consoles de jogos. A Nvidia mostrou um equipamento leve baseado no Tegra capaz de exibir um filme de alta definição por 10 horas com uma única carga de bateria. Esse movimento em pinça oferece duas formas de se obter sucesso e cria problemas para os concorrentes. No entanto, há dificuldades em ambos os caminhos, e ambos estão longe de ser algo absolutamente certo.
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PARTE III PENSANDO COMO UM ESTRATEGISTA Ao desenvolver uma estratégia, geralmente é importante assumir o ponto de vista dos outros, vendo como a situação se mostra para um concorrente ou para um cliente. Os conselhos para se adotar esse procedimento são frequentemente dados e aceitos. No entanto, este conselho omite o que possivelmente seria uma mudança mais útil de ponto de visão: pensar sobre o próprio raciocínio. Nossas intenções não controlam totalmente nossos pensamentos. Estamos bem conscientes disso quando tentamos suprimir reflexões indesejadas sobre risco, doença e morte.* Grande parte do pensamento humano não é intencional – ele acontece. Uma consequência é que os líderes costumam gerar ideias e estratégias sem prestar atenção em seu processo interno de criação e verificação. Esta seção do livro apresenta algumas maneiras de refletir sobre o pensamento que podem ajudar a criar estratégias melhores. O Capítulo 16 explora a analogia entre uma estratégia e uma hipótese científica. Cada uma delas é um salto indutivo que precisa ser submetido a testes lógicos e empíricos antes de sua validade poder ser verificada. O Capítulo 17 apresenta algumas técnicas específicas que podem ser úteis na expansão do escopo de seu pensamento sobre estratégia e em sujeitar suas ideias a uma crítica mais profunda. O Capítulo 18 é concebido para aguçar sua sensibilidade para a necessidade de estabelecer um *Ver, por exemplo, James S. Uleman e John A. Bargh (orgs.), Unintended thought (Nova York: Guilford Press, 1989).
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julgamento independente sobre questões importantes. Ele conta as histórias do fracasso da Global Crossing e da crise financeira de 2008 para ilustrar a maneira como muitos líderes e analistas abandonaram sua capacidade de julgamento em função dos entusiasmos das multidões.
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CAPÍTULO 16 X
A CIÊNCIA DA ESTRATÉGIA
A boa estratégia é construída sobre o conhecimento prático acerca do que funciona, do que não funciona e por quê. O conhecimento prático geralmente disponível é essencial, mas, por estar disponível a todos, raramente consegue ser decisivo. O conhecimento prático mais precioso é proprietário, disponível apenas à sua organização. Uma organização gera conjuntos de conhecimentos práticos proprietários ao explorar ativamente sua arena escolhida em um processo chamado empirismo científico. A boa estratégia se apoia em uma base arduamente conquistada deste conhecimento, e qualquer nova estratégia apresenta a oportunidade de gerá-lo. Na linguagem da ciência uma nova estratégia é uma hipótese, e sua implementação é um experimento. Quando os resultados aparecem, os bons líderes aprendem mais sobre o que funciona ou não e ajustam suas estratégias de acordo com isso.
A ESTRATÉGIA É UMA HIPÓTESE Parado nas instalações de fabricação do tamanho de um hangar da Hughes Electronics, fico maravilhado com o enorme satélite de comunicações. Ele brilha e reluz como uma joia, cada peça montada com extrema precisão. Uma catedral moderna, o equipamento de 8 toneladas incorpora as maiores competências e conhecimentos de minha civilização. Dentro dele, as tecnologias de mecânica orbital, energia solar, orientação em três eixos e cálculos sofisticados, assim como recepção, amplificação e irradiação de ondas eletromagnéticas, estão entrelaçadas em uma harmonia funcional que deverá durar por décadas de forma autônoma em órbita estacionária, a 36 mil quilômetros acima da superfície da Terra.
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Estou trabalhando com a Hughes Electronics para ajudar os gerentes a desenvolverem estratégias para seus negócios: satélites de comunicação, satélites espiões, sistemas de mísseis e várias outras atividades aeroespaciais. Meus clientes são engenheiros que ascenderam a posições gerenciais por sua habilidade em realizar, organizar e dirigir trabalhos técnicos. Comecei fazendo com que analisassem vários exemplos de estratégia competitiva. Um mês depois, fizemos um pequeno estudo sobre o negócio de comunicações por satélite. Hoje estamos nos aprofundando no problema de criar estratégias para as várias unidades de negócios. À medida que tentamos progredir, vai surgindo uma crescente sensação de frustração. No meio da sessão, Barry, um experiente gerente de engenharia, fala por vários outros dizendo: “Esta coisa de estratégia não faz sentido. Dá um tempo! Não há uma teoria clara. Veja, o que precisamos é de um meio de descobrir o que acontecerá se fizermos A, em comparação com o que acontecerá se fizermos B. Depois poderemos elaborar o que seria a melhor estratégia. Somos realmente muito bons em planejar aqui nesta empresa. Você não consegue construir um grande sistema aeroespacial sem um planejamento meticuloso. Mas esse material de estratégia parece muito vago.” O ataque de Barry atingiu em cheio. Eu já fui um engenheiro e sei que um engenheiro não projeta uma ponte que poderia aguentar sua carga. Um engenheiro começa com a complexidade e projeta com a certeza. Eu sabia o que significava ser cuidadoso e ponderar literalmente milhares de considerações ao fazer um sistema funcionar. Eu sabia a loucura que era sair deste mundo para a área administrativa, onde um executivo poderia escolher uma ação com base em seu instinto e, mesmo após um ano, ninguém saber se realmente foi uma boa escolha. Busquei uma resposta em minha mente. Na luta por uma boa réplica, estabeleci uma conexão entre a estratégia empresarial e o processo da ciência: De onde vem o conhecimento científico? Vocês conhecem o processo. Um bom cientista vai até o limite do conhecimento e depois o atravessa formando uma conjectura (uma hipótese) sobre como as coisas funcionam neste território desconhecido. Se o cientista evitar esse limite, trabalhando com aquilo que já é conhecido e estabelecido, a vida será confortável, mas não haverá respeito nem fama. Da mesma maneira, uma boa estratégia de negócios lida com o limite entre o conhecido e o desconhecido. Na verdade, é a competição com outros que nos leva ao limite do conhecimento. Somente lá é que podem
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ser encontradas as oportunidades para ficar à frente dos rivais. Não há como evitar isso. Esta sensação desconfortável de ambiguidade que você manifesta é real. É o cheiro da oportunidade. Em ciência, primeiro você testa uma nova conjectura contra as leis conhecidas e a experiência. A nova hipótese contradiz os princípios básicos ou os resultados de experimentos do passado? Se a hipótese sobrevive ao teste, o cientista precisa imaginar uma verificação no mundo real (um experimento) para ver como a hipótese se comporta. De forma semelhante, testamos a ideia de uma nova estratégia contra os princípios bem estabelecidos e contra nosso conhecimento acumulado sobre os negócios. Se ela passar por esses obstáculos, ficamos diante da expectativa de experimentar e ver o que acontece. Como estamos trabalhando no limite, perguntar se é garantido que uma estratégia funcione é como perguntar ao cientista se é garantido que uma hipótese seja verdadeira – é uma pergunta sem sentido. O problema de se elaborar uma boa estratégia tem a mesma estrutura lógica do problema de se elaborar uma boa hipótese científica. A diferença fundamental é que a maior parte do conhecimento científico é amplamente compartilhada, enquanto vocês trabalham com a sabedoria acumulada sobre seu negócio e seu setor de atividade que é diferente da de todos os demais. No final, uma boa estratégia é uma hipótese sobre o que funcionará. Não uma teoria maluca, mas uma consideração equilibrada. E não há ninguém mais conhecedor desses negócios do que o grupo presente nesta sala. Este conceito quebrou o impasse. Após alguma discussão, o grupo começa a trabalhar com a noção de que estratégia é uma hipótese (um palpite abalizado) sobre o que funcionará. Passado algum tempo, Barry começa a articular suas próprias considerações, dizendo: “Acho que em minha área nós podemos...”. Quando os engenheiros utilizam um sistema dedutivo belo e claro para resolver um problema, chamam isso de girar a manivela . Com isso, querem dizer que pode ser um trabalho árduo, mas a natureza e a qualidade do resultado dependem da máquina (o sistema de dedução escolhido), e não da habilidade daquele que gira a manivela. Mais tarde, olhando para trás, percebi que o grupo esperava que a estratégia fosse um exercício de girar a manivela. Eles esperavam que eu lhes desse uma “máquina lógica” que pudessem utilizar para deduzir planos de negócios – um sistema para gerar previsões e ações.
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RENASCIMENTO E CIÊNCIA Se não forem necessários insights ou ideias, a dedução é suficiente. Pode haver momentos em que os resultados são bons, quando parece que não se desenvolveram novas oportunidades e que não apareceram novos riscos. Então, a resposta lógica para a questão de estratégia é “Mantenha tudo igual, faça mais do mesmo”. Porém, em um mundo em fluxo e em mudança, “mais do mesmo” raramente é a resposta correta. Em um mundo em mudança, uma boa estratégia precisa ter um componente empreendedor . Isto é, ela precisa incorporar algumas ideias ou insights em novas combinações de recursos para lidar com novos riscos e oportunidades. O problema de se tratar a estratégia como um exercício de “girar a manivela” é que os sistemas de dedução e cálculo não produzem novas ideias interessantes, não importando com que afinco se gire a manivela. Mesmo na matemática pura, o sistema dedutivo por excelência, estabelecer e provar um novo teorema interessante representa um ato profundamente criativo. Tratar a estratégia como um problema de dedução implica assumir que tudo o que vale a pena saber já é conhecido – que só é preciso calcular. Da mesma forma que no cálculo, a dedução aplica um conjunto fixo de regras lógicas para um conjunto fixo de fatos conhecidos. Por exemplo, dada a lei da gravidade de Newton, pode-se deduzir (calcular) o período da órbita de Marte em torno do Sol. Ou, dados os custos e a capacidade dos tanques, oleodutos e refinarias, pode-se otimizar o fluxo de petróleo e de produto refinado dentro de uma companhia petrolífera integrada. Se tudo o que vale a pena saber já é conhecido, o problema da ação se reduz a girar a manivela. O pressuposto de que todo o conhecimento importante já é sabido, ou disponível através de consulta às autoridades no assunto, mata a inovação. Este pressuposto é que reprime a mudança em sociedades tradicionais e bloqueia o aperfeiçoamento em organizações e sociedades que passam a acreditar que sua maneira é a melhor maneira. Para gerar uma estratégia, é preciso pôr de lado a segurança e o conforto da pura dedução e se lançar nas águas mais turvas da indução, analogia, julgamento e insight. X
Hoje, achamos difícil compreender que a razão tivesse ficado adormecida no mundo ocidental por mais de mil anos. Após a queda de Roma, a investigação ficou bloqueada pelo pressuposto onipresente de que todo o conhecimento
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importante já havia sido revelado. A energia intelectual foi canalizada para a fé, a arte, as guerras e a autodisciplina. Então, no século XVII, algo verdadeiramente notável aconteceu: a Europa Ocidental deparou com a discussão e o debate. Homens buscavam princípios básicos em ciências, política e filosofia, propositadamente colocando de lado a autoridade do poder, da fé e do costume. O período se tornou conhecido como Renascimento (1630-1789). Os líderes do Renascimento (Descartes, Hobbes, Hume, Jefferson, Leibniz, Locke, Newton, Paine, Smith e Voltaire, para citar alguns) foram os primeiros a superar o ponto elevado da investigação racional atingido dois mil anos antes, na época de Platão e Aristóteles. O desencadeador intelectual do Renascimento foi o julgamento de heresia de Galileu Galilei. Nascido em Pisa, na Itália, Galileu ocupava uma posição em matemática em Veneza. Em 1609, ficou sabendo de uma luneta inventada pelos holandeses. Pensando sobre a ótica de um instrumento como este, ele desenvolveu lentes para construir sua própria luneta, melhor do que qualquer uma que os holandeses pudessem possuir. Olhando para o céu durante a noite, fez descobertas surpreendentes em questão de semanas: foi o primeiro a ver e relatar montanhas na Lua, as estrelas individuais na Via Láctea, as fases de Vênus e as quatro maiores luas de Júpiter. Na época, duas teorias distintas sobre os movimentos celestes competiam pela aceitação: a de Ptolomeu (às vezes chamado de Aristotélico) sustentava que a Terra era o centro imóvel e que os céus giravam sobre ela. Por sua vez, a visão de Copérnico sustentava que o Sol era o centro, a estrela imóvel, e que a Terra e outros planetas giravam em torno dele. A maioria dos astrônomos praticantes era favorável a Copérnico porque o sistema gerava previsões mais precisas. Embora o modelo heliocêntrico contrariasse algumas passagens bíblicas, a igreja em Roma tratava o uso da teoria pelos astrônomos como um conjunto de procedimentos para cálculo, e não como uma visão de mundo. Com a fama se espalhando das descobertas de Galileu, as conversas europeias nos jantares se voltaram para a astronomia e para a teoria de Copérnico. Para Galileu, as fases e o movimento de Vênus mostravam que ele girava em torno do Sol, e não da Terra, e suas cuidadosas medições dos períodos das luas de Júpiter sugeriam que a Terra fazia o mesmo. Em 1616, Galileu escreveu a “Carta à Grande Duquesa Christina”, atacando o sistema de Ptolomeu. Os cardeais da Inquisição determinaram que a posição de Galileu era proibida, mas não tomaram atitude alguma. Em 1630, Galileu escreveu novamente sobre o assunto. Dessa vez, a Inquisição o condenou à prisão pelo resto da vida. Ele foi ordenado a não acreditar no sistema de Copérnico ou escrever a respeito dele.
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A história de Galileu se espalhou pela Europa. O nome de Galileu se transformou em um grito de guerra para aqueles que buscavam quebrar os grilhões impostos ao pensamento pela igreja e pelo Estado. Ele morreu em prisão domiciliar em 1642. Naquele momento, John Locke, o imponente filósofo do Renascimento, estava com 10 anos e, quase um ano depois, Newton nasceu.* Newton inventaria o cálculo numérico e mostraria que as órbitas dos planetas em torno do Sol obedeciam a uma lei natural mais precisa e menos tolerante do que os comandos de qualquer cardeal, papa ou rei. Locke estenderia o conceito dessas leis naturais para a sociedade e proclamaria: “A liberdade natural do homem é ser livre de qualquer poder superior na Terra, e não estar sob a vontade ou autoridade legislativa do homem, mas ter somente a lei da Natureza governando-o.”1 Foi a liberdade natural de Locke que, um século depois, Thomas Jefferson registrou na história americana quando escreveu: “Sustentamos que estas verdades são autoevidentes, que todos os homens foram criados iguais, que eles são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis; que, dentre eles, estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.” Se o pensamento está liberto das amarras da autoridade humana, como as pessoas sabem em que acreditar? A resposta do renascimento foi o empirismo científico: nós acreditamos que nossos sentidos e os dados de nossos instrumentos registram nossos sentidos. Um cientista verifica uma crença pelo experimento ou pela análise de dados do mundo real. Com as falsas crenças deixadas de lado, devemos acabar ficando com a verdade. Esse é o ponto crucial do pensamento científico – a ideia da refutação. A menos que uma ideia possa eventualmente ser provada como falsa por um fato observável, não é científica. Outros tipos de conhecimento, tais como o autoconhecimento e o insight espiritual, não são descartados, mas não são científicos. Em ciência, uma nova ideia ou teoria é chamada de hipótese, uma palavra extravagante para uma explicação que pode ser testada em algo que acontece (naturalmente, os melhores cientistas formulam hipóteses melhores). A nova teoria não pode ter sido deduzida a partir do conhecimento existente, ou então não seria nova! Ela surge como insight ou análise criativa. O âmago do método científico é que o valor de uma hipótese é determinado pelos dados empíricos extraídos do mundo físico, e não pela autoridade, posição social ou riqueza do autor. Esta é uma revolução radical desencadeada pelo Renascimento. *A data-padrão para o nascimento de Newton é 25 de dezembro de 1642. Entretanto, o calendário inglês na época era o juliano, e o do Vaticano era o gregoriano. No calendário gregoriano, Galileu morreu em 8 de janeiro de 1642 e Newton nasceu em 4 de janeiro de 1643, não exatamente um ano depois.
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Da mesma forma que uma hipótese científica, uma estratégia é uma pre visão abalizada sobre como o mundo funciona. Em última instância, o valor de uma estratégia é definido por seu sucesso, e não por sua aceitação por um conselho de filósofos ou de editores. O trabalho de formulação de uma boa estratégia é necessariamente empírico e pragmático. Especialmente nos negócios, quaisquer que sejam os grandes conceitos que uma pessoa venha a ter sobre os produtos ou serviços que o mundo possa precisar, ou sobre o comportamento humano, ou sobre como as organizações devam ser gerenciadas, aquilo que realmente “não funciona” não sobrevive por muito tempo. Na ciência, buscam-se explicações para amplas classes de eventos e fenômenos; nos negócios, busca-se entender e prever uma situação mais específica. Porém, a falta de universalidade não tira a base científica dos negócios. A ciência é um método, e não um resultado, e o método básico de um bom empresário é ter grande atenção aos dados e ao que funciona.
ANOMALIAS Uma anomalia é um fato que não se encaixa na sabedoria comum. Para certo tipo de mente, uma anomalia é um defeito irritante na pele perfeita de uma explicação. Mas, para outros, uma anomalia marca uma oportunidade de aprender algo; talvez algo muito valioso. Em ciência, as anomalias representam a fronteira, o lugar no qual a ação está. Quando eu era estudante de pós-graduação vivendo com um orçamento apertado, uma fotografia ampliada da M31, a Grande Nebulosa de Andrômeda, servia como decoração em minha sala de estar. Esta imagem conhecida mostra uma espiral achatada inclinada para a direita em 30 graus, com um bulbo brilhante no centro. A M31 é uma galáxia – uma coleção de estrelas, gases e poeira rodando lentamente no espaço. A galáxia típica contém bilhões de estrelas, e o universo visível, cerca de 125 milhões de galáxias. A uma grande distância, nossa própria Via Láctea deve parecer-se um pouco com a M31. Na Via Láctea, nosso Sol fica cerca de um terço afastado do centro, no que é chamado de Braço de Orion. O Sol e seus planetas giram em torno do centro da galáxia uma vez a cada 240 milhões de anos, viajando a uma velocidade de 220 quilômetros por segundo. As estrelas mais afastadas do centro levam mais tempo do que o Sol para completar a revolução; aquelas mais próximas do centro completam mais rapidamente suas órbitas em torno do centro.
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Desde a minha época na escola de pós-graduação, uma grande anomalia foi descoberta em relação a galáxias como a nossa e a M31. Pelo fato de a maior parte da massa da galáxia ficar em seu denso centro brilhante, a teoria da gravidade prediz que as estrelas mais afastadas do centro não só levam mais tempo para orbitar o centro, como devem viajar mais lentamente através do espaço em suas longas órbitas ao redor do centro. Mais precisamente, a velocidade de uma estrela em seu movimento ao redor do núcleo deve ser proporcional ao inverso da raiz quadrada de sua distância até o centro. Uma estrela que se encontra na metade da distância ao centro em relação ao Sol deve viajar pelo espaço com uma velocidade quatro vezes maior que a velocidade do Sol. No entanto, no início da década de 1980 começaram a aparecer medições de muitas galáxias mostrando que quase todas as estrelas na espiral efetuam suas órbitas praticamente com a mesma velocidade, independentemente de sua distância ao centro! As “curvas de rotação” galácticas eram planas. Isso é verdadeiramente uma enorme anomalia. Algo básico sobre nossa visão de mundo parece estar errado. Este enigma da rotação galáctica provoca uma grande quantidade de pesquisa moderna na astronomia. Duas hipóteses atualmente investigadas. A favorita é que a matéria estelar brilhante que fotografamos é apenas cerca de 10% do universo físico; o restante seria de “matéria escura”: não apenas matéria apagada, mas um tipo de matéria que não interage com a luz. Ao imaginar as galáxias como incorporadas em uma bolha invisível de matéria escura, a anomalia é resolvida pela gravidade dessa massa escura oculta. Certamente, isso deixa em aberto uma grande quantidade de outras questões sobre essa hipotética matéria escura. A outra teoria, menos popular, é que as teorias da gravidade existentes (de Newton e de Einstein) estariam erradas. Assim, fatos simples da estrutura galáctica levam para direções surpreendentes: a de que a maior parte do universo seja constituída de matéria escura invisível ou de que a teoria da gravitação esteja incorreta. Uma anomalia desse tipo aparece através de comparação. O fato de olhar para a M31 não sugere enigmas outros que não o mistério geral da criação. No entanto, como disse Sherlock Holmes a Watson: “Você vê, mas não observa.” As anomalias não estão na natureza, mas na mente do observador cuidadoso, reveladas pela comparação entre os fatos e as expectativas mais refinadas.
ANOMALIA DO CAFÉ EXPRESSO Em 1983, Howard Schultz observou uma anomalia e, desse insight, acabou surgindo um novo negócio fascinante. Naquela época, Schultz era o gerente
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de marketing e operações de varejo de uma minúscula cadeia de lojas de Seattle vendendo grãos de café torrado. Em uma visita à Itália, Schultz descobriu o café expresso italiano. Ele se lembra de sua primeira visita a um bar com café expresso em Milão: Um senhor alto e magro me cumprimentou efusivamente, “ Buon giorno!” enquanto pressionava uma alavanca de metal, deixando escapar um enorme silvo de vapor. Ele entregou uma pequena xícara de porcelana com café expresso para uma das três pessoas que estavam lado a lado de pé no balcão. Em seguida, veio um cappuccino artesanal, coberto por uma perfeita camada de espuma branca. O barista se movia graciosamente, parecendo que moía os grãos de café, extraía xícaras de expresso e fervia o leite, tudo ao mesmo tempo, enquanto conversava alegremente com seus clientes. Era um grande teatro... Foi nesse dia que descobri o ritual e o romance dos bares de café na Itália. Vi como eles eram populares e como eram vibrantes. Cada um deles tinha uma característica exclusiva, mas havia um traço em comum: a camaradagem entre os clientes, que se conheciam bem, e destes com o barista, que desempenhava seu papel com desenvoltura. Naquela época, havia 200 mil bares de café na Itália, sendo 1.500 apenas em Milão, uma cidade do tamanho de Filadélfia. 2 Com um olho de varejista, Schultz também notou a alta rotatividade de clientes nos bares de café expresso e os preços relativamente caros pagos pelo café. Para Schultz, a experiência em Milão foi uma anomalia. Em Seattle, o mercado para grãos de café torrado do tipo arábico era um nicho, ocupado por um grupo pequeno, mas crescente, de compradores com paladar diferenciado. Porém, a maioria das pessoas em Seattle, e nos Estados Unidos (mesmo as de maior poder aquisitivo), bebia café barato e fraco. Em Milão, o café caro de alta qualidade não representava um nicho de mercado, mas um produto de massa. Havia ainda mais uma anomalia: nos Estados Unidos, fast-food significava comida barata e embalagens de plástico. Em Milão, ele viu “fast-coffee” que era caro e servido em uma agradável atmosfera social, muito diferente do que ocorria nos estabelecimentos comuns dos Estados Unidos que serviam refeições e café. Os americanos, principalmente os do noroeste do país, eram pelo menos tão ricos quanto os italianos. Por que deveriam tomar café “ruim” e não desfrutar dos prazeres de um expresso com leite em um ambiente social? Schultz elaborou uma hipótese de estratégia: a experiência de tomar um café expresso italiano poderia ser reproduzida nos Estados Unidos e o público
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iria adotá-la. Ele voltou para Seattle e explicou sua ideia aos dois proprietários da companhia em que trabalhava – a Starbucks Coffee Company. Eles ou viram e lhe deram um pequeno espaço para fazer uma experiência, mas não compartilharam de sua crença no projeto. Eles achavam que os pontos fortes da Starbucks e seu propósito era o de comprar, torrar e vender cafés finos do tipo arábico, e não o de conduzir um negócio de venda de café expresso. Além disso, achavam que os estabelecimentos de café expresso não representavam nenhuma novidade, sendo um nicho de mercado frequentado por boêmios, beatniks, hippies e notívagos da geração X,* dependendo da época.
DIVERGÊNCIA NO CAFÉ Quando Howard Schultz defendeu sua proposta para os proprietários da Starbucks, os bares de café não representavam uma ideia nova. Os árabes começaram a comercializar café há 600 anos, e a primeira loja de café europeia abriu suas portas em Oxford, na Inglaterra, em 1652, quando Isaac Newton estava com dez anos de idade. A causa do Renascimento pode ter sido a revolução de Copérnico e a Reforma Protestante, mas o café foi seu combustível diário. Na Inglaterra, as casas de café desenvolveram uma cultura exclusiva, bem diferente daquela das tavernas. Nas casas de café, um centavo pode comprar uma mesa para o dia todo, com entrada permitida para qualquer pessoa bem vestida. Em vez de uma farra inebriante ou de uma autorreflexão melancólica, as casas de café estimulavam a conversa e a discussão animadas. Nelas, ficavam disponíveis livros e jornais, e muitas pessoas utilizavam as casas de café como seu endereço postal. Newton frequentava o Grecian (onde foi visto dissecando um golfinho); John Dryden aparecia no Will’s. Muitos anos depois, Adam Smith concluiu seu A riqueza das nações no British Coffee House (localizado na Rua Cockspur), que era um ponto de encontro dos intelectuais escoceses em Londres. Joseph Addison, Alexander Pope e Jonathan Swift frequentavam o Buttons. Na Inglaterra, no final o chá substituiu o café como a bebida diária escolhida. Em Londres, as casas de café gradualmente desapareceram transformando-se em clubes privados, restaurantes e estabelecimentos comerciais. A casa de café Edward Lloyd se tornou o Lloyds of London e a casa de café * Nota do Tradutor : Designação para as pessoas da geração de americanos nascidos no período entre o início dos anos 1960 e o final dos anos 1970.
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Jonathan em “Change Alley” passou a ser a Bolsa de Valores de Londres, onde os mensageiros ainda são chamados de “garçons”. Nos Estados Unidos, a história tomou um caminho diferente. O Boston Tea Party, a Revolução e a Guerra de 1812 interromperam o comércio de chá, reavivando o interesse em café. Os americanos descobriram no café um substituto barato ao chá que podia ser bebido em quantidade. Em 1820, a transição se completou e os Estados Unidos se tornaram o maior mercado do mundo para o café. No início do século XX, uma alternativa ao café original etíope (arábica) foi encontrada no Congo – a planta do café robusta. A planta robusta crescia mais rápido, era mais resistente às pragas, mais fácil de cultivar e continha mais cafeína. Ela também tinha um sabor mais áspero, menos suave. Porém, a mistura do grão arábica com o robusta tirava bastante da aspereza, principalmente se você adicionasse açúcar e creme. O novo grão mais barato foi fundamental para alimentar o crescente hábito do americano pelo café. O café instantâneo foi o passo final no caminho que levou as práticas americanas de tomar café a uma grande distância de suas origens europeias. Enquanto os americanos desenvolviam o robusta e o café instantâneo, o italiano Luigi Bezzera inventava a máquina de café expresso (1901). Este equipamento preparava um copo de café passando vapor quente por um punhado de pó de café torrado e moído. A reação entre o vapor e o café produzia uma bebida de sabor muito rico. A teoria era que a preparação rápida evitava a extração dos óleos de café amargo e reduzia a quantidade de cafeína. Uma pequena xícara de porcelana de expresso italiano tem um creme espumoso marrom em sua superfície, que desaparece em um minuto. A camada cremo sa prende os sabores aromáticos e voláteis. A bebida não podia ser preparada facilmente em casa, pois precisava vapor em alta pressão, um equipamento caro e era bastante trabalhoso. Os bares de café expresso italianos se tornaram lugares populares para um rápido encontro e interações sociais urbanas.
TESTANDO A HIPÓTESE Um grande problema enfrentado por Schultz era que sua visão exigia uma mudança radical de hábitos e costumes dos consumidores. Aquilo que ele observou em Milão não era apenas um modelo de negócios diferente, mas o resultado de várias centenas de anos de história social divergente. Nos Estados Unidos, o café surgiu como um substituto para o chá para ser bebido em
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refeições e em pausas durante o dia. No sul da Europa, o café era um substituto do álcool, tomado em pequenas doses fortes, em “bares” animados. Sabendo disso ou não, o que Schultz queria era fazer mais do que apenas abrir uma loja de café; ele queria mudar os hábitos e o paladar americano. O segundo problema de Schultz é que parecia não haver nada de novo sobre café, expresso, bares de café ou lojas de café expresso. Milhões de outros americanos já haviam viajado para a Itália e experimentado os bares de café expresso. O conhecimento sobre esse negócio não era nada privilegiado. Para esperar ganhar dinheiro com um novo negócio, o empreendedor deve saber algo que os outros não sabem, ou ter o controle de um recurso escasso e valioso. A delicadeza da situação era que a informação exclusiva de Schultz era apenas um vislumbre em sua mente, um estado de espírito, um sentimento. Outras pessoas expostas a exatamente a mesma informação e experiência não tiveram esse insight ou sentimento. A privacidade de seu insight era, ao mesmo tempo, uma bênção e uma maldição. Se ele fosse facilmente compartilhado por outros, o próprio Schultz teria sido irrelevante. No entanto, pelo fato de não poder ser inteiramente compartilhado, era difícil convencer os outros a apoiarem o projeto. Felizmente para Schultz sua hipótese poderia ser testada sem um grande investimento. A abertura de um único bar de café expresso custaria várias centenas de milhares de dólares, mas não centenas de milhões ou bilhões que alguns empreendimentos exigem. Após algum tempo, Schultz deixou a Starbucks para começar seu próprio negócio (Il Giornale). A nova loja era uma cópia direta de um bar de café expresso italiano. Dentro dela, ele “não queria que nada diluísse a integridade do expresso e da experiência do café italiano”.3 O espaço com 65 metros quadrados tinha decoração italiana e não oferecia cadeiras – era um bar para se ficar de pé, exatamente como os bares em Milão. As doses de café eram servidas em pequenas xícaras de porcelana. Uma ópera tocava ao fundo, os garçons vestiam camisas formais e gravata-borboleta, e o menu trazia algumas expressões em italiano. Se Schultz tivesse ficado preso ao seu conceito inicial, o Il Giornale teria permanecido um único e pequeno bar de café expresso. Mas, como um bom cientista que, cuidadosamente, estuda os resultados de seus experimentos, Schultz e sua equipe ficaram atentos às reações dos clientes. O Il Giornale, uma vez iniciado, tornou-se um experimento vivo. Um dos recursos mais importantes que um negócio pode ter é a valiosa informação privilegiada – isto é, saber algo que os outros não sabem. Não há nada de obscuro ou ilícito sobre esta informação – ela é gerada diariamente em todos os negócios em funcionamento. Todo empresário atento consegue
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saber mais sobre seus clientes, seus produtos e sua tecnologia de produção do que qualquer outra pessoa no mundo. Assim, quando Schultz iniciou as operações de seu negócio, começou a acumular informações privilegiadas. privilegiadas. À medida que o conhecimento se acumulava, ele alterou alt erou as políticas. Ele tirou o italiano do menu e, em seguida, eliminou a ópera. Ele sabia que os baristas eram fundamentais, mas se livrou de seus coletes e gravatas-borboleta. Ele se afastou do modelo milanês e colocou cadeiras para as pessoas se sentarem. Passado mais algum tempo, Schultz descobriu que os americanos queriam levar os cafés; assim, ele introduziu os copos de papelão. Os americanos queriam leite desnatado em seu café com leite; então, após uma grande procura, ele permitiu o leite desnatado. No jargão técnico dos negócios internacionais, ele gradualmente “posicionou” o bar de café expresso italiano dentro dos gostos dos americanos. Em 1987, sua companhia comprou as operações de varejo da Starbucks e adotou o nome Starbucks. A nova empresa combinava o velho negócio de venda de grãos de café torrado do tipo arábica com o novo de operação de bares de café expresso. Em 1990 a companhia estava tendo lucros. Em 1992, ela abriu o capital com 125 lojas e 2 mil empregados. Em 2001, a Starbucks tornou-se um ícone í cone nos Estados Unidos, com 4.700 estabelecimentos em todo o mundo e $2,6 bilhões em receitas. O grosso de seu faturamento vinha da venda de bebidas com café – a empresa as chamou de bebidas artesanais. O restante vinha da venda de grãos de café, alguns outros itens de comidas em seus bares de café, e contratos de licenciamento com empresas de serviços de alimentação. Somente alguns anos antes, o “café” custava $0,75 e era servido em copos de plástico. Agora a paisagem urbana está repleta de estabelecimentos Starbucks e a visão de jovens profissionais saboreando seu café com leite de $3 em pequenos copos para viagem se tornou bastante comum. Howard Schultz imaginou um bar de café expresso italiano em Seattle. Ele testou sua hipótese e descobriu que seria aceita. Mas o teste gerou informações adicionais e, assim, ele modificou sua hipótese e voltou a testá-la. Após centenas de interações, a hipótese original havia desaparecido, sendo substituída por uma infinidade de novas hipóteses, cada uma cobrindo alguns aspectos do crescente negócio em evolução. Este processo de aprendizado (hipótese, dados, anomalia, novas hipótese, dados, e assim por diante) é chamado de indução científica e é um elemento fundamental em todo negócio de sucesso.
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CAPTANDO INFORMAÇÃO PROPRIETÁRIA Um elemento do sucesso da Starbucks foi que muitas pessoas estavam dispostas a pagar preços maiores por suas bebidas “artesanais” servidas em verdadeiros oásis urbanos. Porém, você deve sempre pensar na concorrência. O que manteve a concorrência a distância por tantos anos? Buscando uma resposta para essa questão, viajei até Paris e conversei com Joe Santos. Joe era na época professor de estratégia na INSEAD, a escola internacional de administração de empresas na França. Antes de se tornar acadêmico, Joe Santos havia sido CEO da Segafredo Zanetti, uma grande companhia de café italiana e importante fornecedora europeia de café torrado para restaurantes e bares de café expresso. Perguntei a Joe: “O café expresso era sua especialidade e a especialidade de algumas grandes companhias europeias. Por que a Starbucks pegou essa oportunidade, em vez de uma das grandes empresas na área de torrefação de café expresso? Certamente você viu o que estava acontecendo no final dos anos 1980.” Em resposta, Joe explicou que era difícil reagir porque esse setor de atividade na Europa tinha dificuldade em compreender a Starbucks: Estávamos cientes da Starbucks, mas você precisa entender a questão de escala. A Segafredo fornece para mais de 50 mil cafés e restaurantes diferentes a cada semana. Este é um volume enorme, e a Starbucks era bastante pequena. E as grandes empresas na área de torrefação (Kraft, Sara Lee e P&G) estavam todas focadas no mercado de massa.* Era difícil, de uma perspectiva europeia, entender o que a Starbucks representava exatamente. Na Europa, os torrefadores de café eram distintos de rede de restaurantes. Embora a Starbucks fosse conhecida como uma companhia de café, ela era na verdade um varejista. O McDonald’s é um varejista, mas ele nunca é confundido com uma companhia do setor de “carne”! No entanto, a Starbucks foi chamada de “companhia de café”, e os americanos pareciam acreditar que seu s eu café era especial. Os europeus vêem a Starbucks como um “café americano”. Os americanos pensam que a Starbucks é um bar de café expresso italiano. Porém, em *A principal marca da Kraft era a Maxwell House. As da Sara Lee (MJB, Hills Bros., Chase & Sanborn) foram adquiridas em 1998, da Nestlé e do Café Pilão. A principal marca da P&G era a Folgers, vendida para a Smucker’s em 2008. A P&G começou a fabricar e comercializar café com a marca Dunkin’Donuts em 2007.
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um bar de café expresso italiano, todos bebem de pé no balcão; quase todos tomam um pequeno copo de café expresso puro em minúsculas xícaras de porcelana. O café com leite é somente para o café da manhã ou para as crianças. Não existe embalagem para viagem; não existem mesas. O café não é uma marca de restaurante, mas é fornecido por uma das grandes companhias de café, como a Segafredo. Finalmente, os bares de café expresso italiano são pequenos negócios de família, e não partes de uma cadeia gigantesca. Em comparação, na Starbucks as pessoas bebem café em mesas ou le vam para viage viagem. m. Elas tomam em copo coposs de pape papelão lão e existe um longo e complexo cardápio de bebidas do qual os europeus nunca ouviram falar – nem mesmo quiseram ver. O café leva a marca Starbucks e a loja é de propriedade da companhia. Além disso, quase todas as bebidas têm como base o leite. Na verdade, visto da Europa, a Starbucks é muito mais uma companhia de leite do que de café e muitas de suas bebidas são leite com sabor de café. Finalmente, a Starbucks reuniu não apenas cafés com restaurantes, mas também a inclinação americana por cadeias de lojas e empresas de capital aberto. Ela se expandiu muito mais rápido do que as companhias europeias. Quando começamos a entender a Starbucks, ela já estava es tava bem estabelecida. Porém, você também deve entender que a Starbucks ainda é um participante pequeno no negócio mundial de café. Os comentários de Joe Santos implicam considerar que as empresas participantes do mercado tinham dificuldade em entender a Starbucks porque ela possuía integração vertical – porque ela torrava, colocava sua marca e servia seu próprio café em seus próprios estabelecimentos. A Starbucks não promoveu a integração vertical com a intenção de confundir a concorrência. Ela fez isso para poder ajustar mutuamente os vários elementos de seu negócio e para captar as informações geradas por estes es tes elementos da operação de seus negócios. A integração nem sempre é uma boa ideia. Quando uma empresa consegue perfeitamente comprar produtos e serviços de fornecedores externos, em geral é um desperdício passar pelas despesas e problemas de dominar um novo conjunto de operações do negócio. Entretanto, quando o núcleo de uma estratégia da empresa exige um ajuste mútuo de vários elementos, especialmente quando existe um aprendizado importante a ser captado nas interações entre os elementos da atividade, então pode ser vital controlar e ser dono desses elementos da composição do negócio.
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UTI LIZAN LIZANDO DO A CABEÇA CABEÇA
Tenho 25 anos e estou nervoso. Cada estudante de doutorado na Harvard Business School precisa escrever casos baseados em entrevistas de campo. Assim, no verão de 1967 estou em Los Angeles com a atribuição de escrever um caso sobre estratégia. Sentado diante de um gerente sênior, seguro um bloco de papel e uma caneta esferográfica, mas não tenho nenhuma ideia de como proceder. Ninguém me orientou sobre como entrevistar executivos seniores a respeito de estratégia. Fred Fletcher, gerente-geral da divisão de Estruturas Avançadas da Fansteel Inc., não mostra nenhum sinal de ter notado minha juventude ou inexperiência. Ele me pergunta como devemos começar. Eu precisava dizer algo e, então, falei: “Vamos começar com aquilo que você está tentando realizar na empresa. Qual é o objetivo da divisão de Estruturas Avançadas?” Fletcher me conta que a divisão está encarregada de integrar as atividades de seis empresas recém-adquiridas, cada uma delas especializada em fazer coisas com um material de alta alt a tecnologia (por exemplo, titânio, nióbio, tungstênio, compostos em fibra epóxi e principalmente cerâmica). A ideia é trazer mais de uma base científica para essas empresas essencialmente artesanais e agir como um empreiteiro geral em relação aos principais contratantes aeroespaciais. Fiquei surpreso de saber que esses negócios de alta tecnologia eram conduzidos por pequenas empresas. Fletcher explica que elas se desenvolveram na área de Los Angeles em apoio à indústria aeroespacial. As universidades não ensinam sobre questões reais de fabricação, nem as escolas técnicas. As grandes empresas estabelecidas têm competências em projeto, mas pouco conhecimento sobre moldar objetos com materiais exóticos. Basicamente,
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cada uma dessas empresas é dirigida por alguém que tem um jeito especial com um material específico, como o de fazer peças fundidas de alta precisão de tungstênio, ou o corpo blindado em cerâmica, ou o revestimento de um tanque de combustível em nióbio. Eu pergunto sobre suas experiências tentando reunir essas habilidades ou vendendo em conjunto essas capacitações. Pergunto sobre a concorrência. Pergunto sobre os pontos fortes e fracos de sua divisão. Peço para ele descre ver as questões administrativas mais difíceis que ele enfrenta. Somando tudo, pergunto seis ou sete questões e preencho 15 páginas do bloco com observações. A entrevista toda dura cerca de três horas. Quando termina, Fletcher se levanta e me cumprimenta. “Não sabia o que esperar”, ele diz, “mas foi a conversa mais útil que tive em todo este ano”. Por semanas, fiquei pensando nesse desconcertante comentário e o examinando, girando-o em minha mente como um objeto de formato estranho. Não houve uma verdadeira discussão. Apenas formulei questões óbvias sobre estratégia e escrevi as respostas. Como isso is so pode ter sido a conversa mais valiosa do ano? Talvez, pensei, Fletcher estivesse feliz de ter alguém para con versar que não fosse seu chefe, seus subordinados ou um cliente – alguém com uma agenda simples e que se contentava apenas em ouvir.
FAÇA UMA LISTA Passaram-se 15 anos até eu genuinamente entender o comentário de Fletcher. A oportunidade foi um almoço em Pittsburgh, na sala de jantar executi va da Republic Steel. Durante a manhã fiz uma apresentação apresentação para o conselho de diretores da empresa de seguros da Republic Steel, uma joint-venture com a Hogg Robinson sediada no Reino Unido. No almoço, nossa conversa se voltou para os dias gloriosos de Pittsburgh e para Andrew Carnegie, o homem que já foi o mais rico ri co dos Estados Unidos e criador da U.S.Steel. “Já que você é um consultor”, meu anfitrião comentou, “você vai apreciar esta história”. Era 1890 e estava sendo oferecido um coquetel aqui em Pittsburgh. Todos os empresários e pessoas influentes estavam presentes, incluindo Carnegie. Ele se manteve em um canto da sala fumando um charuto. Foi apresentado a Frederick Taylor, o homem que estava se tornando famoso como especialista em trabalho de organização.
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“Meu jovem”, disse Carnegie voltando um olhar desconfiado para o consultor, “se você conseguir me dizer algo sobre gestão que valha a pena ouvir, eu lhe envio um cheque de $10 mil”. Em 1890, $10 mil era uma grande quantia. As pessoas em volta pararam de conversar, esperando para ouvir o que Taylor diria. “Senhor Carnegie”, Taylor disse, “eu o aconselharia a preparar uma lista das 10 coisas mais importantes que o senhor pode fazer. E, em seguida, começar fazendo a de número um”. Depois de uma semana, segue a história, Taylor recebeu um cheque de $10 mil. Minha reação imediata em relação à história foi de perplexidade. Era uma piada? Por que Carnegie pagaria $10 mil por esse conselho? Fazer uma lista é um conceito básico em administração. Pegue qualquer livro de autoajuda, sobre se organizar, ou sobre detalhes práticos de como dirigir um escritório ou organização, e lá estará este conselho: “Faça uma lista.” Como isso poderia ser de alguma utilidade real para um empresário experiente: era simples demais. É verdade que todos nós fazemos listas de compras, mas Andrew Carnegie, um titã da indústria, teria realmente se beneficiado pelo fato de preparar uma lista das 10 coisas mais importantes a fazer? Mais tarde naquela noite, vi que havia uma verdade mais profunda na história. O benefício para Carnegie não veio da lista em si. Ela veio do fato de efetivamente construir a lista. A ideia de que as pessoas possuem metas e que, automaticamente, vão atrás delas como algum tipo de míssil guiado é completamente equivocada. A mente humana é finita e seus recursos cognitivos são limitados. A atenção, como o facho de uma lanterna, ilumina um assunto somente escurecendo outro. Quando enfrentamos um conjunto de questões, perdemos outros de vista. As pessoas podem esquecer de telefonar para alguém. Você pode esquecer de comprar leite no caminho para casa porque ficou prestando atenção na estrada, em vez de pensar em compras. E principalmente, as pessoas podem esquecer seus objetivos maiores, distraídas pela força dos eventos imediatos. Um profissional ocupado, voltado para a construção de sua carreira, pode prestar pouca atenção no casamento e nos filhos, retomando o senso de prioridades somente depois que o dano já foi feito. Um CEO, bloqueado pela competição com outro concorrente por uma empresa, pode perder de vista as razões mais amplas para aquela aquisição. Recebendo o conselho de Frederick Taylor, algumas pessoas poderiam ter listado as contas a pagar ou as pessoas que precisam encontrar. Pode-se
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apenas dar um palpite sobre a lista de Carnegie, mas o pagamento de $10 mil sugere que não foi apenas uma lista de afazeres simples. Levada a sério, a orientação de Taylor não foi apenas fazer uma lista de assuntos importantes. Não foi apenas fazer uma lista de tarefas. E não foi apenas preparar uma lista do que poderia ser importante. O conselho de Taylor foi o de pensar na interseção entre aquilo que era importante e aquilo que seria realizável. Carnegie pagou porque o exercício de Taylor de preparar a lista o forçou a refletir sobre seus propósitos mais fundamentais e, por sua vez, encontrar formas de fazê-los avançar. O comentário de Fletcher, feito 15 anos atrás, de repente passou a fazer mais sentido. Quando perguntei sobre os objetivos de sua divisão, seus pontos fortes e fracos, e as questões administrativas que enfrentava, ele precisou refletir e trazer esses assuntos para o primeiro plano. A entrevista o lembrou de sua situação mais ampla e das coisas que precisava fazer para seguir adiante. Em essência, ele foi lembrado de sua “lista” e de várias prioridades durante nossa conversa. Fazer uma lista é uma ferramenta básica para superar nossas próprias limitações cognitivas. A lista em si se contrapõe ao esquecimento. O ato de fazer a lista nos força a refletir sobre a urgência relativa e a importância dos assuntos. Além disso, preparar uma lista de “coisas a fazer, agora”, ao invés de “coisas para se preocupar”, nos força a transformar preocupações em ações. Atualmente nos é ofertado uma variedade impressionante de ferramentas e conceitos para ajudar na análise e construção de estratégias. Cada uma dessas ferramentas vê o desafio de uma forma um pouco diferente. Para algumas, en volve reconhecer as vantagens; para outras, compreender a estrutura do setor de atividade. Para algumas, significa identificar tendências importantes; para outras, significa levantar barreiras contra a imitação. No entanto, existe um desafio mais fundamental comum a todos os contextos: o desafio de trabalhar em torno de nossas próprias limitações cognitivas e tendências – nossa própria miopia. Nossa própria miopia é o obstáculo comum a todas as situações estratégicas. Ser estratégico é ser menos míope (ter visão menos curta) do que os outros. Você precisa perceber e levar em conta aquilo que os outros não o fazem, sejam eles seus colegas ou rivais. Ser menos míope não é o mesmo que fingir que você pode ver o futuro. Você precisa trabalhar com os fatos em mãos e não com o vago contorno de um futuro distante. Seja em seu insight sobre estruturas e tendências do setor, antecipar ações e reações dos concorrentes, insight sobre suas próprias competências e recursos, ou ampliar seu pensamento para cobrir mais bases e resistir às suas próprias tendências, ser “estratégico” significa principalmente ser menos míope do que seu lado não ponderado.
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TIVO* Às 8 horas o grupo de 17 gerentes se acomoda na sala. É um dia chuvoso de outono em 2005, o segundo dia de um programa de três dias. A cada manhã, estou trabalhando com o grupo sobre estratégia. O executivo mais graduado está sentado no centro da primeira fila, o que é um bom sinal. Quando a pessoa graduada senta no fundo da sala ou na lateral, aprendi que isso geralmente sinaliza uma saída mais cedo, e não envolvimento. Hoje estamos estudando a TiVo, uma situação muito mais complicada do que o caso de ontem. Começo a sessão brincando que vi algumas festas tarde da noite e que estava preocupado com a possibilidade de que ninguém tivesse preparado os materiais. Pergunto: “Todos prepararam o trabalho?” Todos acenam positivamente ou dizem: “Sim.” O trabalho foi escrever um parágrafo descrevendo uma recomendação de estratégia para a TiVo. As respostas estão agora empilhadas ordenadamente no palanque em frente da sala. Aponto para a pilha e digo: “Então, todos vocês devem ter visto a solução fácil e rápida para os problemas da TiVo!” Eles riem porque todos avaliam que a situação enfrentada pela TiVo é espinhosa. Existem questões de tecnologia, concorrência, propriedade intelectual, eficiência na fabricação, padrões, negociar com fornecedores de TV a cabo e por satélite, privacidade e o papel da televisão no marketing. Dei uma breve olhada em suas recomendações, tendo planejado comparar essas propostas anteriores às discussões com suas opiniões após as discussões, como uma maneira de medir a contribuição da discussão. Porém, olhando para estas recomendações curtas de um parágrafo fiquei mais uma vez impressionado com a variedade de avaliações mesmo dentro de um grupo homogêneo como este. Ontem este grupo havia se mostrado excepcionalmente franco e aberto, procurando se proteger menos do que a maioria. Decidi trabalhar com eles sobre a reflexão e a avaliação. “Antes de entrarmos na situação da TiVo”, digo, “quero recuar um passo e lhes perguntar algo que não estava na tarefa para hoje. Quero perguntar como vocês chegaram às suas recomendações. Como vocês chegaram à sua resposta para esta tarefa?”. Não era uma pergunta que eles estivessem esperando, e houve um longo momento de silêncio. As pessoas se mexiam em suas cadeiras e olhavam umas * Nota do Tradutor : Marca popular de gravador de vídeo digital nos Estados Unidos que permite gravar programas de televisão excluindo os comerciais.
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para as outras. Olhei de forma significativa para o executivo mais graduado. Ele diz que precisou “ler o caso e fazer algumas anotações nas margens”. “Enquanto liam o caso”, perguntei, “o que vocês pensaram?”. “Ele estava pensando em pegar uma cerveja!”, um colega brinca. Todos nós damos risada. “Além da necessidade de uma Sam Adams”, eu pressiono, “em que vocês pensaram?”. “Na verdade, é difícil lembrar. Acho que eu estava principalmente pensando que se trata de um grande produto, de uma real inovação, ainda que a empresa esteja perdendo dinheiro por causa do custo de fabricação das caixas.” “Muito bom. Você começou focando na fabricação.” “Sim, acho que eles precisam parar de subsidiar a fabricação dessas unidades. Eu acho...” “Bom”, eu digo. “Não vamos entrar ainda nos detalhes de sua recomendação. Quero ficar em como você chegou a este insight.” Ele olha para sua cópia do caso. Ele tem algumas anotações na margem direita do texto. Quero ver se realmente conseguimos falar sobre de onde suas ideias vieram. Eu chamei o conselho dele de “insight” para lhe sugerir que não precisa elaborar uma grande história sobre sua proeza analítica. “Na realidade, é apenas experiência ou, pelo menos, minha experiência. Eu vi estas grandes perdas. E elas parecem dever-se à fabricação... Na verdade, não. Para ser honesto, pensei inicialmente que muitos clientes estavam pagando por um disco rígido gigante do qual eles não precisam. Se você quer mudar apenas o horário para assistir a dois programas, então não precisa armazenar toda uma temporada. Assim, pensei por que não utilizar discos menores e fazer somente os usuários mais intensivos pagarem por versões mais complexas de hardware?” “Assim, sua ideia inicial foi... uma intuição... sobre uma ação. Desmembre a capacidade do disco e talvez o preço possa ser diferenciado?” “Isso. Isso mesmo.” “Fantástico. Muito interessante. Você seguiu outros caminhos?” “Não... Espera aí! Você só queria um parágrafo!” Agradeço sua contribuição. Honesta e interessante. Certamente, só porque pedi por uma única recomendação, isso não quer dizer que ele estivesse restrito a considerar somente uma abordagem. Mas eu não quero destacar isso agora. Viro-me para outro membro do grupo que estava com a mão quase erguida. Ela diz: “Eu pensei sobre a situação e cheguei a uma recomendação. Ela praticamente surgiu quando eu estava pensando sobre o problema. Percebi que se outras empresas viessem a dominar o segmento de TV a cabo,
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enquanto o TiVo mantivesse o segmento de TV por satélite, ela iria perder a batalha pela escala”. “De onde veio esta ideia?”, pergunto. “Realmente não me lembro.” “É dessa forma que as boas ideias chegam até nós”, eu digo. “Há muitas ferramentas práticas sobre o trabalho de estratégia apregoadas pelas ruas, mas as boas ideias não vêm por instrumentos mecânicos. As ferramentas conceituais podem nos ajudar orientando-nos, mas, no final, as boas ideias basicamente surgem em nossa mente. Isso é chamado ‘insight’.” Ela gosta dessa resposta, mas tenta parecer modesta. “Alguma outra abordagem para o problema surgiu em sua cabeça, ou apenas esta?”, pergunto. “Deixe-me ver... não me lembro de nenhuma. Foi apenas esta.” “Ótimo. É importante serem honestos consigo a esse respeito.” Comecei com os executivos mais graduados para dar aos mais jovens a oportunidade de serem honestos. Outro participante quer contribuir. Ele diz: “Lendo o caso da TiVo, tive a sensação imediata de que a companhia está tentando com afinco entrar em acordo com o setor de televisão. Porém, esta não é uma aliança natural. A TiVo ajuda a alterar o horário da programação, ajuda a evitar os comerciais e interfere na lealdade aos canais. Ela fornece um benefício aos consumidores, e não às redes de televisão. O problema é que ela vem de fora do setor – não ilegal como o Napster, mas igualmente amada pelo consumidor e odiada pela indústria.” Mais uma vez, precisei lembrá-los de que estávamos tentando descobrir como esses pontos de vista se desenvolveram. “O que o levou a esta visão?”, pergunto. “Eu não sei”, ele diz. “Acho que estava pensando sobre o comentário feito pelo membro do Conselho da FCC,* Michael Powell, de que a TiVo é uma máquina de Deus. Tantas pessoas a amam e, ainda assim, ela está tendo problemas comerciais.” Sua recomendação de um parágrafo repete essa descrição do problema, mas avança pouco no sentido de efetivamente fazer alguma recomendação. Esta ausência é uma questão diferente e deixo o assunto para depois. Enquanto percorro a sala, somente uma pessoa relata ter feito algo mais do que uma breve referência a mais de um curso de ação. A maioria deles * Nota do Tradutor : O Federal Communications Commission é o órgão regulador da radiodifusão e telecomunicações nos Estados Unidos.
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identificou primeiramente uma área de problema (fabricação, companhias de TV a cabo, concorrentes em software, e assim por diante) e, em seguida, desenvolveu uma recomendação visando essa área. Nenhum dos que utilizaram esta abordagem em duas etapas voltou ao caso e pensou em refletir novamente sobre a identificação inicial da principal área com problemas. E nenhum deles investigou mais de uma resposta para cada problema. Voltei a me posicionar na frente da classe e procurei falar sobre o que acabamos de aprender: Ao se prepararem para esta aula, cada um de vocês leu o mesmo material. Porém, alguns focaram em determinado assunto e outros em algo diferente. Alguns focaram na fabricação, alguns no software, alguns no relacionamento com os fornecedores de TV a cabo, e assim por diante. Chegando à recomendação para um curso de ação, quase todos escolheram a primeira em que pensaram. Isso é previsível. A maioria das pessoas, na maior parte do tempo, resolve os problemas agarrando a primeira solução que aparece em suas cabeças – o primeiro insight. Em um grande número de situações, isto é razoável. Trata-se de uma maneira eficiente de seguir pela vida. Não temos tempo, energia ou espaço mental para fazer uma análise total e completa de cada questão que enfrentamos. Meus comentários fazem as pessoas se sentirem pouco confortáveis. Um participante levanta a mão e diz: “De acordo com Blink, uma primeira avaliação pode ser melhor.1 Gladwell diz que as pessoas fazem avaliações complexas sem saber como chegaram a isso. O fato de tentar analisar tudo pode conduzir a decisões ruins.” Este é um bom ponto. O Blink, de Malcolm Gladwell, é um livro excelente e fascinante. Ele argumenta que todas as pessoas têm a habilidade de processar rapidamente certos tipos de informações complexas chegando a uma avaliação, e mesmo assim sem saber como chegamos a ela. Todos nós sabemos que isto é verdade, principalmente em relação a tomar decisões sobre outras pessoas e contextos sociais, e sobre como encontrar padrões – ver que algo tem características que nos fazem lembrar de outra coisa. Esses são os cálculos feitos com rapidez fulminante. Gladwell defende que devemos confiar nessas avaliações feitas num piscar de olhos, principalmente quando realizadas por pessoas com boa experiência. Nossos instintos podem produzir avaliações surpreendentemente boas. Mas nossos instintos também nos dizem, incorretamente, que nossos instintos
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estão sempre certos. Você precisa identificar as situações que exigem uma reflexão mais profunda. Os concorrentes ou a natureza estão nos levando para uma armadilha? Podemos montar uma armadilha para os adversários menos cautelosos? Explico que as avaliações Blink podem funcionar em situações envolvendo pessoas e certos tipos de comparação de padrões. Infelizmente, também existe uma boa quantidade de pesquisas revelando que muitas pessoas são ruins ao fazer muitos tipos de avaliações, seja num piscar de olhos ou em um mês. Especialmente preocupantes são as avaliações sobre a probabilidade de eventos, sobre suas próprias competências em relação às de outros, e sobre relações de causa e efeito. Ao estimar a probabilidade de um evento, mesmo profissionais experientes exibem tendência na previsão. Por exemplo, as pessoas tendem a colocar mais peso sobre exemplos de maior intensidade do que em dados estatísticos gerais.2 Cada um de meus alunos de MBA prevê que obterá uma nota que o colocará na metade superior da classe, mesmo após essa informação ser devolvida a eles. 3 Ao raciocinar sobre dados naturais, as pessoas tendem a ver padrões onde só existe a aleatoriedade, tendem a ver causas, em vez de associações, e tendem a ignorar informações que entrem em conflito com a teoria defendida. Voltando-me para o participante que levantou a questão do Blink, pergunto: “Você quer que o presidente dos Estados Unidos decida ir para a guerra num piscar de olhos? Você acha apropriado que um CEO decida sobre uma fusão sem cuidadosamente pensar sobre custos e benefícios?” Estas são questões retóricas e ele concorda que alguns assuntos parecem ser muito importantes e complexos para se admitir uma intuição instantânea. “Assim”, continuo, “no trabalho de estratégia, esta solução rápida pode nos trazer problemas. Quase por definição, a estratégia refere-se a questões muito difíceis, ainda que muito importantes. Por serem situações importantes, elas devem merecer mais do que uma solução rápida em torno de nosso primeiro palpite. Vocês sabem disso. E por saberem disso, ficamos diante de um enigma. Por que executivos experientes, como vocês, vão para soluções rápidas em situações envolvendo estratégia? ”. Após alguns instantes, um participante diz: “Não há tempo suficiente.” “Isso sempre é um problema”, concordo. Mas continuo aguardando a classe. “Trata-se de uma avaliação pela experiência”, outro deixa escapar. “Não há ‘resposta’ para esse tipo de coisa; há somente a avaliação de alguém sobre o que faz mais sentido. São muitas peças em movimento...”.
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Essa é uma observação arguta. Todos nós conhecemos a abordagem formal básica para a tomada de decisão. Liste as alternativas, calcule o custo ou o valor associado com cada uma delas e escolha a melhor. No entanto, em uma situação como a da TiVo você não consegue realizar este tipo de análise para uma “decisão” clara. O caso é muito complexo e muito mal estruturado. Portanto, os executivos mais experientes são, na verdade, os que percebem mais rapidamente que uma real situação estratégica é impermeável à assim chamada análise decisória. Eles sabem, no final, que lidar com uma situação de estratégia tem tudo a ver com fazer boas avaliações. Assim, eles fazem uma avaliação baseada na experiência. “Está certo”, digo. “É uma avaliação. No final, aquilo que recomendamos representa nossa melhor avaliação, baseados no que sabemos. Ainda assim, por que não rever esta avaliação e gerar visões alternativas? E por que não, em seguida, avaliá-las comparando umas com as outras? Por que a solução excessivamente rápida com base na primeira avaliação?” Eu não espero por uma resposta a essa pergunta. Levanto-me e começo a caminhar na frente da sala. Eu lhes digo que tenho observado e pensado a esse respeito por muitos anos e que tenho uma opinião sobre o que acontece conosco: Enfrentar uma situação complexa como esta faz muitas pessoas não se sentirem confortáveis. Quanto mais seriamente analisar, mais você percebe que se trata de um desafio real e difícil que requer uma resposta coerente. Essa percepção, por sua vez, faz você se sentir ainda menos confortável. A situação é tão mal estruturada. Existem tantas variáveis, tantos fatores, tantos aspectos desconhecidos; não há listas simples de ações possíveis e nenhuma maneira de fazer ligações claras entre ações e resultados. Você nem mesmo tem certeza sobre qual seja o problema. Parecido com um nadador que se lança em águas muito agitadas, é difícil de se orientar. Sob pressão para desenvolver uma maneira de sair da dificuldade, a primeira ideia é um alívio bem-vindo. Graças a Deus, eis algo onde se apoiar! É muito melhor conseguir se orientar. O problema é que pode haver ideias melhores por aí, logo além do limite de nossa visão. Mas nós aceitamos a primeira solução porque é doloroso e desconcertante passar por uma avaliação. Para buscar um novo insight, é preciso colocar de lado o conforto de se sentir orientado e, mais uma vez, se lançar em águas agitadas para encontrar uma nova fonte de estabilidade. Há o medo de voltar com as mãos vazias. Além disso, não é natural e chega a ser doloroso questionar nossas próprias ideias.
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Assim, quando temos uma ideia, tendemos a aplicar mais esforço justificando-a do que a questionando. Isso parece ser da natureza humana, mesmo com executivos experientes. Em resumo, nossa mente se esquiva do trabalho penoso de questionar liberando nossa primeira avaliação e nós não ficamos conscientes desta evasão. Disposto a fazê-los entenderem, eu digo: “Mas vocês não precisam ficar presos a esta evasão inconsciente. Podem escolher como abordar um problema; vocês podem guiar sua própria reflexão sobre ele.” Quero que eles percebam que este é o âmago da questão. Essa capacidade pessoal é mais importante do que qualquer um dos chamados conceitos, ferramentas, matriz ou quadro analítico sobre estratégia. Trata-se da capacidade de refletir sobre a própria reflexão, para avaliar as próprias avaliações.
ALGUMAS TÉCNICAS Para desenvolver uma estratégia em qualquer área, é preciso um grande conhecimento sobre detalhes específicos. Não existe substituto para a experiência de campo. Essa experiência se acumula na forma de associações entre situações e “o que funciona” ou “o que pode acontecer” nessas situações. Da mesma forma que os médicos prescreviam aspirina para dor de cabeça e febre sem saber como ela funcionava ou da mesma forma que os romanos antigos lidavam com seguro de vida sem qualquer teoria de probabilidade, assim também você deve normalmente trabalhar com padrões e analogias. Em alguns casos, nosso conhecimento é ainda maior e possuímos teorias sobre a estrutura causal da situação – sobre o que causa o quê. No trabalho de estratégia, o conhecimento é necessário, mas não suficiente. Existem muitas pessoas com profundo conhecimento ou experiência que são ruins em estratégia. Para guiar sua própria reflexão sobre o trabalho de estratégia, você precisa de três habilidades ou hábitos essenciais. Em primeiro lugar, precisa ter uma variedade de ferramentas para lutar contra sua própria miopia e para guiar sua atenção. Em segundo lugar, você precisa desenvolver a habilidade de questionar a própria avaliação. Se o seu raciocínio não consegue resistir a um ataque vigoroso, não se pode esperar que sua estratégia se mantenha diante de uma concorrência real. Em terceiro lugar, você precisa cultivar o hábito de fazer e registrar avaliações para poder melhorar. Na sequência, apresento algumas técnicas que considero úteis para liberar a mente da rotina, visando ajudar a verificar se as estratégias têm alguma
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coerência e melhorar sua capacidade de fazer avaliações e de criticá-las. Certamente, existem outras maneiras de orientar suas reflexões. À medida que descrevo essas técnicas, você reconhecerá algumas que já tenha usado ou com que tenha deparado. Em vez de permitir que este reconhecimento brilhe e desapareça, poderia ser útil preparar uma lista.
O cerne O cerne é uma lista nos lembrando de que uma boa estratégia tem, no mínimo, três componentes essenciais: um diagnóstico da situação, a escolha de uma diretriz política geral e a concepção de uma ação coerente. O conceito do cerne define a lógica de uma estratégia – o esqueleto mínimo. Para que a estratégia tenha alguma eficácia, precisa traçar uma direção baseada em um diagnóstico da situação. Sem um diagnóstico, não é possível julgar a própria escolha de uma diretriz política geral, muito menos a escolha de outra pessoa. A estratégia precisa também traduzir a diretiva geral em ações coordenadas focadas em pontos fundamentais de alavancagem na situação (o conceito de cerne e seus elementos são analisados em maior profundidade no Capítulo 5). Quando alguém tem um insight inicial sobre o que fazer em relação a uma situação desafiadora, ele nunca ocorre na forma de uma estratégia completamente desenvolvida. Na verdade, o raio do insight atinge um dos três elementos do cerne. Pode ser um insight sobre a ação, como no caso do participante que queria colocar discos rígidos menores nas máquinas TiVo. Pode ser um insight sobre a diretiva geral, como ocorreu com o participante que queria mudar o foco para o segmento de TV a cabo. Ou o insight pode surgir na forma de um diagnóstico, como no caso do participante que viu a TiVo como algo do interesse do consumidor, mas também como um espinho do tipo do Napster do lado da indústria. Não há nada de errado com um insight localizado. Não temos um controle real sobre o processo de insight e devemos ficar felizes quando ele funciona. Porém, o cerne nos faz lembrar que a estratégia é mais do que um insight localizado. Ela é um argumento internamente consistente que leva dos fatos no campo para o diagnóstico, depois para uma diretiva geral e, em seguida, para a ação. O cerne nos leva a expandir o escopo de nosso pensamento para incluir todos os três elementos. Existem aqueles que preferem começar sua abordagem da estratégia pela ação. Porém, meus próprios insights normalmente não começam pela ação. Tendo a utilizar uma estrutura de abordar primeiro o problema. Para mim,
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é melhor começar com um quadro ou diagnóstico da situação e depois trabalhar nos elementos do cerne voltados para a diretriz política e a ação. No início da maioria dos trabalhos de consultoria, o cliente quer uma avaliação de um curso de ação específico ou um conselho sobre o que fazer. Eu quase sempre retrocedo um pouco e tento desenvolver um diagnóstico melhor da situação antes de entrar nas recomendações.
Solução de problemas Muitas tentativas de estratégia carecem de bons diagnósticos. Portanto, é útil dispor de ferramentas mentais para trabalhar recuando da diretriz política para o domínio do diagnóstico e dos fatos. Não há nada de profundo neste processo a não ser perceber que ele pode e deve ser feito. As pessoas normalmente pensam na estratégia em termos de ação – uma estratégia é o que uma organização faz. Porém, a estratégia também incorpora uma abordagem de se superarem algumas dificuldades. A identificação das dificuldades e dos obstáculos lhe dará um quadro muito mais amplo do padrão das estratégias existentes ou possíveis. E principalmente, você ganhará acesso à avaliação de como a mudança de alguns fatores pode alterar radicalmente a composição de estratégias eficazes. Para conseguir essa mudança de perspectiva, mude sua atenção saindo daquilo que está sendo feito para o porquê de estar sendo feito, saindo das direções escolhidas para os problemas que essas escolhas procuram resolver. Aplicar essa metodologia de solução de problemas na situação da TiVo significa identificar os obstáculos que ela está tentando superar. Uma visão simples de engenharia seria a de que ela tenta permitir que os consumidores alterem o horário da programação da televisão e, talvez, pular os comerciais. Outras maneiras de abordar esse problema (soluções que competem com a solução TiVo) são os VCRs, pay-per-view e aluguel ou venda de DVDs, principalmente temporadas inteiras de seriados sem comerciais. Uma perspectiva ligeiramente diferente é obtida ao definir o problema como o controle de conteúdo dos decodificadores. Companhias como Comcast, Time Warner, DirecTV e EchoStar reúnem seus serviços de televisão nos decodificadores. Essas caixas fornecem, no mínimo, acesso a canais normais ou especiais e a qualquer outro serviço pago ou interativo que é oferecido. Elas também podem incluir, normalmente por um preço maior, recursos de gra vação de vídeo digital (DVR) com vários níveis de sofisticação. Para que uma caixa TiVo seja uma solução econômica para o consumidor médio, ela precisa
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acessar canais normais e especiais, assim como baixar informações sobre a programação através de ligação por cabo ou satélite. 4 Ela só consegue fazer isso mediante contrato assinado com a companhia de TV a cabo ou satélite. A capacidade dessas companhias no sentido de reunir o aluguel de decodificadores com contratos de serviços, e as posições de monopólio das companhias de TV a cabo, permitem que extraiam boa parte dos possíveis lucros da TiVo. Os monopólios que utilizam os pacotes de serviços para restringir a concorrência são histórias antigas na luta antitruste, como ilustrado pelos casos da IBM, das companhias telefônicas regionais e da Microsoft. Quando o monopólio das companhias a cabo pode formar pacotes, sempre será extremamente difícil para as empresas de fora agregarem valor ao ato de assistir à televisão. Essa perspectiva sugere que a TiVo acabe gastando menos em marketing e mais em um ataque jurídico contra a estrutura do setor. Para esse tipo de ataque, ela precisa de muitos aliados maiores e importantes.
Criar-Destruir Superar a solução rápida é simples em tese: você procura por mais insights e estratégias. Porém, na maior parte das vezes, quando instadas a gerar mais possibilidades, as pessoas acrescentam uma ou mais alternativas superficiais ao seu insight inicial. Consciente ou inconscientemente, elas parecem resistir à ideia de desenvolver várias estratégias robustas. Em vez disso, muitas pessoas pegam sua ideia original e a modificam um pouco, adicionando uma alternativa falaciosa ou incluindo opções como “abandonar” ou “mais estudo” que são genéricas e valem para qualquer situação, em vez de responderem às circunstâncias específicas em mãos. Uma nova alternativa deve fluir pela reconsideração dos fatos da situação, e também deve abordar as fraquezas de quaisquer alternativas já desenvol vidas. A criação de novas alternativas de alta qualidade exige que se tente firmemente “destruir” as alternativas existentes, expondo suas falhas e contradições internas. Eu chamo esta técnica de criar-destruir . Tentar destruir suas próprias ideias não é fácil ou prazeroso. É preciso ter força mental para desmontar seus próprios insights. Em meu caso, eu me apoio na ajuda externa – invoco um grupo de especialistas que carrego em minha mente. Esse grupo de especialistas é uma reunião de pessoas cujas avaliações respeito. Utilizo um diálogo mental interno com eles para criticar minhas ideias e estimular as novas. Tento fazer isso antes de expor minhas ideias a outras pessoas.
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O truque do grupo de especialistas funciona porque somos peritos em reconhecer e compreender personalidades humanas bem integradas. Pensar em como um especialista específico bem conhecido responderia a um problema pode ser uma fonte mais rica de crítica e conselho do que teorias abstratas e estruturas de análise. Meu próprio grupo virtual de especialistas contém executivos respeitados que conheci e para quem dei consultoria, pessoas que me ensinaram e me treinaram, colegas com quem trabalhei ao longo dos anos e certas pessoas cujos pontos de vista surgem claramente de seu trabalho escrito ou de sua biografia. Quando enfrento um problema ou gero um primeiro palpite, virome para o grupo de especialistas e pergunto: “O que há de errado com essa abordagem para a situação? O que vocês fariam neste caso?” O professor Bruce Scott, que presidiu minha banca de dissertação em 1971, participa de meu grupo de especialistas. Em minha imaginação, consigo vê-lo inclinando-se em sua cadeira e me pedindo para explicar por que eles deveriam ouvir-me e para contar qual seria a implicação daquela ação... e é bom que haja uma! Também presente está o Professor Alfred D. Chandler Jr., que faleceu em 2007, mas que vive em meu grupo de especialistas. Sem se deixar impressionar por estratégias de lucro rápido e foco estreito, Chandler fala em termos de tendências históricas amplas e do poder da escala e do escopo para construir empreendimentos duradouros. Para conselhos sobre estratégia em tecnologia, como no caso da TiVo, posso contar com David Teece e Steve Jobs. David Teece, amigo e colega de longa data, é mestre em Estratégia, Economia, Direito e Negócios. Nunca falei com ele sobre a TiVo, mas em minha imaginação seus olhos se contraem e ele diz: “Eles não possuem um bloqueio da tecnologia de DVR, portanto haverá outras empresas ofertando software e hardware semelhantes. As companhias de cabo e satélite estão em posição muito mais forte, controlando áreas complementares importantes. Eles provavelmente deveriam licenciar o software, em vez de tentar construir equipamentos. Eles estão tentando ganhar dinheiro com publicidade, mas, se houver dinheiro real nessa proposta, as empresas de cabo e satélite acabarão ficando com ele.” Steve Jobs, um dos fundadores da Apple, fundador da NeXT e CEO da Pixar até ela ser adquirida pela Walt Disney Company, é o empreendedor mais conhecido do Vale do Silício. Desde que conduziu o desenvolvimento do computador Macintosh, os princípios operacionais básicos de Jobs se transformaram em uma espécie de lenda: (1) imagine um produto que seja “incrivelmente fantástico”, (2) reúna uma pequena equipe dos melhores
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engenheiros e projetistas do mundo, (3) faça o produto visualmente deslumbrante e fácil de usar, colocando novidades na interface com o usuário, (4) conte para o mundo como o produto é moderno e legal através de uma publicidade inovadora. Steve Jobs é muito bom em fazer críticas. Arrogante e inteligente, ele vai ao âmago da questão sem esforço algum. Em 1997, utilizamos a Apple como “caso atual” no curso de MBA sobre estratégia da UCLA Anderson. Junto com vários outros membros da universidade, encontrei-me com Jobs para discutir as perspectivas futuras da Apple. “Eu conheço Stanford”, ele disse, “mas não estou muito familiarizado com a UCLA Anderson”. Meu colega e chefe de departamento Jack McDonough respondeu apresentando a ideia geral sobre a escola: “Gostamos de pensar que somos uma escola de empreendedores.” “Interessante”, disse Jobs. “Quais empreendedores do Vale do Silício saíram de seu programa e eu poderia conhecer?” Jack fez uma careta e respondeu com sinceridade: “Não há nenhum.” “Então vocês não foram bem-sucedidos”, disse Jobs com determinação. Naquele dia, ele passou a fazer parte de meu grupo de especialistas. O que Jobs pensaria da TiVo? O que você obtém de uma pessoa não é uma estrutura conceitual ou uma teoria, mas uma opinião integrada em uma personalidade. Penso que Jobs não iria gostar do negócio da TiVo – a companhia não controla uma quantidade suficiente das variáveis para propiciar uma experiência verdadeiramente “legal”. Mesmo que você coloque a melhor equipe de projetistas do mundo para fazer um produto TiVo melhor, boa parte da funcionalidade dependeria de como a máquina interage com o fornecedor de cabo ou satélite. Se você pudesse se integrar verticalmente com a DirecTV ou a Comcast, talvez conseguisse efetivamente fornecer algo interessante. Não apenas filmes, mas música sob demanda. Não apenas um controle de televisão, mas um sistema integrado de internet sem fio. Da mesma forma que fez com o iPod e o iPhone, Jobs iria querer integrar a máquina, a experiência do usuário e os recursos do produto em algo bastante uniforme. Ouvindo os conselhos imaginários de Teece e Jobs, sou lembrado de que as boas estratégias são normalmente “soluções laterais”. Isto é, elas enfatizam o foco em vez do compromisso. Elas focam em um aspecto da situação, não tentando ser todas as coisas para todas as pessoas. Como Jobs provavelmente argumentaria, a TiVo poderia ser uma proposta muito mais interessante se estivesse associada a uma grande plataforma, fornecendo algo mais integrado do que a atual oferta de DVR. E como Teece observaria, eles já estão
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tentando fazer muitas coisas conflitantes; coisas que os colocam em concorrência com seus clientes da plataforma. Aprender com outros pode ser mais do que ouvi-los, vê-los ou ler o que escrevem. Ao construir seu próprio grupo de especialistas, você dá um passo adiante, tentando moldar a compreensão dos ensinamentos deles em uma personalidade virtual. Quando funciona, é porque os homens possuem, embutido, um software para entender outros homens; esse software é mais especializado em reconhecer e lembrar personalidades do que em fazer praticamente qualquer outra coisa.
PRATICANDO A AVALIAÇÃO Um marinheiro tem de avaliar o vento e um esquiador precisa julgar a textura da neve. Em negócios e política, e em muitos aspectos da estratégia militar, muitas das avaliações importantes são sobre pessoas, principalmente sobre antecipar suas ações e reações. A avaliação começa com você conhecendo a si próprio, suas habilidades e tendências. Depois ela se estende para conhecer outros indivíduos. Muito mais complexo é avaliar grupos pequenos e como eles reagirão em resposta a informações e desafios – o domínio de muitos gerentes, advogados e líderes de pelotão. Finalmente, existe a avaliação sobre grandes grupos de pessoas e mercados – o domínio dos especialistas de marketing e propaganda, gestão corporativa e liderança política. A boa avaliação é difícil de definir e mais difícil ainda de adquirir. Certamente, alguma parte da boa avaliação parece ser inata, conectada com o fato de possuir um caráter equilibrado e uma compreensão sobre outras pessoas. Ainda assim, estou convencido que a avaliação pode ser aperfeiçoada com a prática. Para que essa prática seja eficaz, você deve primeiro se comprometer a escrever suas avaliações. Uma maneira de ver a necessidade de se comprometer previamente é imaginar uma estudante de MBA que estudou e preparou um caso de negócios para a aula. Lendo e pensando sobre o caso, muitas questões diferentes cruzaram sua mente. Ela terá pensado em várias maneiras de lidar com a situação do caso, e existiriam algumas que ela preferiria a outras. Então, em uma discussão de caso de uma hora, é provável que cada questão que ela identificou tenha sido mencionada e cada ação que ela considerou também tenha sido exposta. Quando essas questões e ações são examinadas e avaliadas, ela pensa: “Eu pensei nisso.” Quando a classe finalmente estreita as
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interpretações defensáveis da situação e a amplitude da ação útil, ela prova velmente pensará: “Sim, pensei em tudo isso.” Essa estudante perdeu a oportunidade de se comprometer previamente com uma posição e, assim, consequentemente, avaliar seu próprio julgamento. Comprometer-se com uma avaliação implica escolher uma interpretação de quais questões sejam críticas ou não e depois escolher uma ação implícita. Ao se comprometer com uma avaliação (principalmente um diagnóstico), você aumenta a probabilidade de não concordar com algumas das avaliações dos outros e, assim, aumentar a chance de aprender algo. O mesmo princípio se aplica a qualquer reunião de que você participe. Quais questões você espera que surjam na reunião? Quem assumirá determinada posição? Procure se comprometer antecipadamente consigo mesmo com algumas avaliações sobre essas questões e você terá oportunidades diárias de aprender, aperfeiçoar e calibrar sua capacidade de julgamento.
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MANTENDO A CABEÇA Se você puder manter a cabeça quando, em relação a você, Todos perdem as deles... “Se”, Rudyard Kipling*
A boa estratégia evolui de uma avaliação cuidadosa e independente da situação, aproveitando o insight individual para fins cuidadosamente concebidos. A estratégia ruim segue a multidão, substituindo os insights por palavras de ordem populares. Ser independente sem ser excêntrico e duvidar sem ser rabugento são algumas das coisas mais difíceis que uma pessoa pode fazer. Não tenho a pretensão de possuir a fórmula para alcançar esse equilíbrio sutil, mas lhe contarei duas histórias que podem ajudar. Elas devem alertá-lo para não ser levado junto com a forte corrente da multidão. A primeira história é sobre a Global Crossing e a principal lição é sobre como avaliar os fundamentos. O mercado de ações estava equivocado a respeito da Global Crossing e não era preciso informações internas para ver isso. A segunda história é sobre a crise financeira de 2008 e os fortes papéis desempenhados pelo rebanho social e uma tendência chamada visão interna.
GLOBAL CROSSING Após uma década de tentativas, o primeiro cabo Atlântico bem-sucedido foi lançado em 1866, graças ao zelo empreendedor de Cyrus Field nos Estados Unidos e Charles Bright e os irmãos Brett na Grã-Bretanha. O evento foi * Nota do Tradutor : If you can keep your head when all about you / Are losing theirs... / “IF”, RUDYARD KIPLING
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recebido com grandes desfiles e alegres comemorações de ambos os lados do Atlântico. Antes disso, as mensagens entre o velho e o novo mundo eram conduzidas por barcos a vela e a vapor, em viagens de duas a três semanas pelo oceano. Guerras eram vencidas ou perdidas e reinos podiam cair em duas semanas. De repente, com o cabo de Cyrus Field e através do milagre da eletricidade, a pressão em uma tecla de telégrafo na Inglaterra gerava um “clique” nos Estados Unidos. A comunidade do Atlântico estava repentinamente unida por um fino fio de cobre. Passados 90 anos, em 1956, o primeiro cabo telefônico transatlântico foi lançado. A um custo de $250 milhões, ele forneceu 30 circuitos de voz entre os Estados Unidos e o Reino Unido. Durante os 40 anos seguintes, mais de uma dezena de novos cabos de telefone cada vez mais sofisticados foram lançados através do Atlântico. Cada um desses novos projetos de cabo era conduzido por um consórcio de companhias nacionais de telefone. Na conclusão de cada projeto, a capacidade do cabo era compartilhada entre os membros do consórcio. Nenhum dos cabos ou das companhias nacionais de telefone concorria entre si. Todos os preços eram fixados pelos reguladores ou por acordos internacionais, e não havia alternativas aos operadores nacionais para cuidar do tráfego internacional. Em 1997, dois ex-gerentes da AT&T (William Carter e Wallace Dawson) buscavam financiamento para um projeto de cabo privado que eles chamaram de Atlantic Crossing. Para esse empreendimento, trouxeram sua experiência pessoal e um contrato de empreitada global com a AT&T para a realização do trabalho de construção e manutenção do cabo. Carter e Dawson conversaram com a GE Capital sobre o financiamento, mas o pequeno Pacific Capital Group sediado em Los Angeles trabalhou mais rápido. Gary Winnick e seus três sócios na Pacific Global montaram um negócio: $75 milhões em capital e $660 milhões em empréstimos financiariam a construção e as operações iniciais. Uma nova corporação, Global Crossing, foi formada para conduzir o projeto, com Winnick como seu presidente. O Atlantic Crossing 1 (AC-1) era uma sequência de 14.300 quilômetros de fibras óticas interligando os Estados Unidos com o Reino Unido e a Alemanha. O novo cabo mais do que dobrou a capacidade sob o Atlântico. O setor telefônico media a capacidade em STM-1, com um STM-1 sendo a taxa de dados suficiente para conduzir informações contidas em 2.016 circuitos de vozes. O AC-1 tinha uma capacidade inicial de 256 STM-1, e esperava-se que o avanço tecnológico logo dobrasse isso para 512 STM-1: cerca de 80 gigabits por segundo ou aproximadamente 1 milhão de circuitos de voz.
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O custo de um cabo submarino dependia mais de seu comprimento e da profundidade do oceano do que de sua capacidade de dados. O custo total do AC-1 foi de $750 milhões, cerca de $1,5 milhão por STM-1. Ele levou 15 meses para ser concluído e as operações começaram no verão de 1998. A Global Crossing ofereceu os 256 STM-1s para venda a um preço reduzido de $8 milhões cada.* Isso era consideravelmente menos do que o preço de $18 a $20 milhões cobrado pelo projeto mais recente de um consórcio de companhias telefônicas. Ao final de 1998, 35% da capacidade do AC-1 havia sido vendida, totalizando $950 milhões e, assim, mais do que pagando o custo de construção de $750 milhões. Após seis meses de operações, a Global Crossing abriu o capital e o valor resultante das ações gerou um preço de mercado da empresa de espantosos $19 bilhões. Passados mais seis meses, ela foi avaliada em $38 bilhões, mais do que a Ford Motor Company. Boa parte do entusiasmo pela Global Crossing surgiu do crescente tráfego na internet. Os cabos submarinos eram digitais, conduzindo tráfego de voz ao convertê-lo para dados e conduzindo o tráfego de dados diretamente. Diziase que o tráfego pela internet dobraria a cada ano, e os analistas não previam mudanças nessa tendência. George Gilder, guru da alta tecnologia, escreveu o seguinte no relatório anual da Global Crossing de 1998: Com o crescimento do número de usuários internacionais da internet superando rapidamente o crescimento dos Estados Unidos, o tráfego submarino crescerá várias vezes mais rapidamente do que o tráfego terrestre. Acredite em mim. Nos próximos cinco anos, a porção submarina da internet se mostrará um ponto agonizante de estrangulamento. Assim, a Global Crossing ocupa uma posição verdadeiramente cósmica como fornecedora do elemento faltante que completa o sistema global. Olhando para o futuro, a Global Crossing planejou um segundo cabo Atlântico (AC-2), projetado para novamente custar $750 milhões, mas dessa vez fornecendo 2.048 STM-1 de capacidade, a um custo unitário de apenas 25% daquele do AC-1. Essa incrível redução nos custos resultou dos avanços na tecnologia de multiplexação ótica – mais cores de luz por fibra e mais capacidade básica por fibra. Essas tecnologias não pertenciam à Global Crossing e estavam disponíveis para qualquer construtor de cabo. De fato, um novo consórcio de operadores nacionais estava planejando um cabo com *A venda era tecnicamente para 25 anos de direito de uso sobre a capacidade.
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capacidade de 4.096 STM-1 e o projeto privado 360atlantic planejava um cabo que acrescentaria outros 4.096 STM-1 ao longo de quatro anos. Na verdade, os engenheiros esperavam que, apenas mudando os circuitos eletrônicos em cada extremidade do atual AC-1, a capacidade do cabo poderia ser novamente quase duplicada para 1.000 STM-1. Além disso, os engenheiros previam que, em 2001, um cabo de quatro fibras totalmente novo (parecido com o AC-1) teria a capacidade de 20.480 STM-1. X
Fiquei interessado na Global Crossing em 1998, quando examinava o aumento global do investimento na indústria de telecomunicações. Eu queria saber como os novos participantes do mercado, como a Global Crossing e outros, poderiam ter uma valorização tão elevada no mercado de ações. Buscando por um insight, visitei David Cleevely, diretor administrativo da Analysys em Cambridge, Inglaterra. Ele era um analista bem conceituado sobre a nova economia do setor de telecomunicações. “O aspecto fundamental para entender”, disse-me Cleevely, “é a grande vantagem do duto gordo”. Por “duto gordo”, ele queria dizer os canais de fibra ótica de alta capacidade. Dirigiu-se até um pequeno quadro em seu escritório e desenhou dois círculos, um pequeno e um grande. Cleevely escreveu “300 M£” embaixo de cada um e continuou. “O custo para instalar a fibra é basicamente o do direito de passagem e a escavação. Ou o de colocá-lo no fundo do oceano. Os avanços recentes nos permitem instalar uma enorme capacidade a um custo não muito maior do que um duto estreito. As economias de escala do duto gordo são decisivas. O duto gordo vence.” As economias de escala sempre desempenharam papel crucial no pensamento estratégico. A lógica parece simples – os dutos gordos dos construtores e operadores da nova onda das telecomunicações lhes propiciam custos unitários médios muito menores. Enquanto meu táxi enfrentava o trânsito bastante ruim do final de tarde em Londres, eu pensava sobre dutos gordos, economias de escala e ligações telefônicas. Qual seria o “custo” de conduzir uma ligação telefônica, ou um megabyte de dados, sob o Oceano Atlântico? O conceito de custo é delicado. As pessoas falam como se os produtos tivessem custos, mas isso é uma simplificação que facilmente gera confusão. As escolhas, e não os produtos, é que têm custos. O custo de escolher fazer mais uma unidade de um produto é às vezes chamado de custo marginal, ou variável. O custo (por unidade) de escolher produzir a uma taxa fixa por ano é
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chamado custo médio. O custo por unidade de escolher construir uma fábrica e produzir a uma taxa fixa é chamado custo médio de longo prazo . O custo de cumprir uma rodada de fabricação ou um pedido especial não tem um nome específico, mas claramente existe. Na verdade, não existe essa coisa de um único “custo” correto de um produto. Tudo depende da decisão: do que está sendo comparado com o quê. O custo de “decidir” conduzir mais uma ligação telefônica foi somente o da corrente elétrica necessária – essencialmente zero. O custo de decidir conduzir mais uma ligação todo dia por um ano ainda era muito próximo de zero. O custo de decidir utilizar um cabo e conduzir milhares de ligações todos os dias por um ano começou a incluir a manutenção e as despesas administrativas, mas não o custo de capital do equipamento. Comecei a perceber que o “custo” de movimentar dados por todos esses cabos era essencialmente zero, sejam eles estreitos ou gordos. E, com o advento da concorrência em um setor anteriormente monopolizado, não havia nada que impedisse que os preços caíssem até chegarem ao custo. O tópico introdutório ensinado em qualquer curso moderno sobre estratégia de negócios é a conexão entre a estrutura do setor de atividade e o lucro. Esse tópico normalmente recebe o nome de “Cinco Forças”, seguindo a análise pioneira de Michael Porter sobre a estrutura do setor de atividade, publicado em 1980. Um sumário rápido é que um setor de atividade terrível se parece com isso: o produto é uma commodity sem diferenciação; todos têm os mesmos custos e acesso às mesmas tecnologias; e os compradores se mostram sensíveis aos preços, bem preparados e dispostos a trocar de fornecedor a qualquer momento para obter um acordo melhor. No início de 1999, pedi para que uma classe de alunos do MBA da UCLA analisasse a entrada da Global Crossing no negócio de cabo transatlântico. Passo a passo, os alunos analisaram cada aspecto do setor. •
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Um STM-1 em um cabo transatlântico está tão próximo de uma commodity perfeita quanto a mente humana foi capaz de criar. Isso não é bom. A capacidade de um operador é essencialmente indistinta da de outro. Isso não é bom. A Global Crossing introduziu a concorrência no negócio e três outras companhias privadas anunciaram planos para entrar. Isso não é bom. A tecnologia não é exclusiva. Isso não é bom. A tecnologia está tornando cada vez mais barato acrescentar enormes quantidades de capacidade nova: o excesso de capacidade é quase uma certeza. Isso não é bom.
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Os custos de capital dos cabos transatlânticos estão quase que literalmente “afundados”. Se os preços não cobrirem os custos de capital, mesmo assim os cabos antigos continuarão a operar. Isso não é nada bom.
É difícil imaginar uma estrutura pior para um setor de atividade. “Mas a internet está dobrando de tamanho a cada ano”, diz um aluno. “É verdade”, concordo. “Mas a capacidade está crescendo ainda mais rapidamente, e o custo da capacidade está caindo mais rapidamente ainda do que isso. Vejam: dada a análise de vocês, o final do jogo está claro. Haverá excesso de capacidade, os preços cairão aos níveis do custo (que é próximo a zero), e ninguém lucrará.” “Não é isso o que o mercado de ações está dizendo”, comenta outro aluno com desdém. Jogando o argumento que parecia ser um trunfo em 1999, ele disse: “Não me importo com o que diz a análise do setor; o mercado está dizendo que esta é uma das melhores oportunidades de lucro de todos os tempos.” X
Sempre se entendeu que os preços das ações refletiam as expectativas sobre os lucros futuros. Porém, a doutrina de que os preços das ações representariam estimativas confiáveis e precisas sobre os lucros futuros surgiu na década de 1970 e estava a pleno vapor em 1999. Eis um exemplo de como essa lógica moldou a análise. Em 1998, um relatório da Lehman Brothers estimou que a capacidade total dos sistemas de fibras terrestres nos Estados Unidos era 70 vezes maior do que a capacidade em operação em 1998, que era, por sua vez, um pouco maior do que a demanda existente. Em um setor normal, os possuidores de excesso de capacidade concorrem entre si tentando ganhar um pouco de receita e isso traz os preços para baixo. Havia um excesso de capacidade instalada no setor de fibras óticas? O analista da Lehman escreveu: Para começar a ocupar a capacidade potencial, seria necessário crescer a necessidade de banda larga por usuário, o número de usuários e o uso mensal. Se cada linha telefônica do país fosse atualizada para um T1 [1,5 megabits por segundo], então a capacidade da rede aumentaria somente em 24 vezes (com níveis constantes de uso). Assim, para chegar a aumentos de 70 vezes, seriam necessários velocidades ainda maiores e um uso maior [sic].1
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Neste ponto, um bom analista concluiria que parece haver excesso de capacidade. Mas o mercado de ações estava dizendo outra coisa. Assim, o parágrafo seguinte do relatório da Lehman apresenta uma quebra de raciocínio quase psicótica, expressando uma fé sublime na voz do mercado acionário: Acreditamos que o comércio eletrônico crescerá exponencialmente, ajudando a incentivar a demanda por banda larga maior para a internet e serviços de dados. Os especialistas da indústria de PCs preveem o dia em que cada pessoa terá agentes eletrônicos permanentemente na rede trazendo dados para o PC que estarão customizados para o usuário individual. Além disso, há a possibilidade de conectar praticamente cada eletrodoméstico com um chip à internet para aumentar a utilização do aparelho e comunicar informações para os usuários e fabricantes. Em uma conferência no final de 1999, discuti esse assunto durante um almoço com consultores de estratégia. Eles puseram de lado o problema imediato de concorrência de preço. “Os novos participantes como a Qwest e a Global Crossing têm anos pela frente para conquistar participação de mercado em relação aos antigos operadores nacionais com preços elevados”, opinou um consultor do Boston Consulting Group. Em uma conversa informal todos se referiram ao grande desempenho da Qwest, WorldCom, Global Crossing e outros participantes da nova onda em telecomunicações no mercado de ações. As enormes valorizações no mercado acionário foram consideradas forte comprovação de que possuem estratégias de mercado sólidas, e até mesmo brilhantes. Naquela época, muitas apresentações de consultores eram apenas comparações entre os desempenhos das ações de companhias que seguem determinada abordagem em relação às demais. Por que se preocupar com o trabalho árduo de avaliar a lógica de uma estratégia de negócio se o mercado de ações, que sabe de tudo, faz um trabalho melhor? Se as ações da WorldCom se valorizam mais do que as da Sprint e da MCI, então acumular linhas de fibras deve ser melhor do que atuar como operador de uma ampla rede. Como a voz de uma deidade, o “mercado” falou. X
Na primavera de 2001, comecei a escrever um caso sobre a Global Crossing.2 Eu estava pessoalmente fascinado com a situação enfrentada por Gary
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Winnick. Ele havia ganhado um lucro enorme com o AC-1, mas esse empreendimento tinha a estrutura de um negócio imobiliário isolado. Ele havia construído o “edifício” por $750 milhões e vendido os “apartamentos” por mais de $2 bilhões e, surpreendentemente, acabou com uma companhia avaliada em $30 bilhões. Eu me perguntava por que seus clientes sofisticados da área de telecomunicações estavam tão dispostos a pagar um preço adicional. Por que pagar $8 milhões para a Global Crossing por um STM-1 quando o custo para criar um novo STM-1 era inferior a $1,5 milhão? Os investidores realmente achavam que a empresa conseguiria continuar atuando dessa forma? O que você faz, eu me perguntava, quando suas ações parecem estar escandalosamente com excesso de valorização? Terminar o caso da Global Crossing passou a ser uma corrida contra o tempo. Minha última entrevista marcada com Winnick foi cancelada porque a companhia entrou com pedido de concordata naquele dia de dezembro de 2001. Atualmente, anos após o colapso do setor de telecomunicações, os jornais e as revistas de negócios reduziram aquela época a uma lista de CEOs desonestos, com Winnick no meio dessa lista. Porém, essa análise é tão tola quanto foram as extravagantes expectativas de 1999. O que aconteceu com a Global Crossing foi um microcosmo do que ocorreu para todo o conjunto de operadoras de telecomunicações da nova era: trilhões de dólares de um faturamento esperado que nunca chegaram a se materializar. As empresas de telecomunicações construíram uma capacidade muito grande em fibras óticas. Quanto é “muito grande”? A soma dos planos em andamento para o Atlântico em 2001 totalizava 16.384 STM-1s. Essa capacidade seria suficiente para permitir que 35 milhões de pessoas, metade na Europa e metade nos Estados Unidos, transmitissem continuamente entre si vídeos em tempo real cobrindo suas vidas pelo período de 24 horas por dia, 7 dias por semana. De maneira grave, quando aumentou a capacidade na rota transatlântica, um mercado secundário logo se desenvolveu. Presos a uma grande quantidade de capacidade não utilizada, os clientes originais, principalmente as operadoras nacionais, tentaram ganhar um pouco de dinheiro ofertando a capacidade ociosa para revenda ou locações em prazos curtos. Uma feroz concorrência de preços logo se tornou a norma. No final de 1999, o preço de um STM-1 havia despencado de $6,5 milhões para $2 milhões. No início de 2002, era possível comprar um STM-1 transatlântico por $325 mil, somente 4% do preço original ofertado pela Global Crossing! O que aconteceu com as receitas extremamente elevadas e crescentes esperadas para a internet? Duas coisas deram errado. Em primeiro lugar,
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contrariamente à previsão de George Gilder, o tráfego da internet pelos cabos submarinos cresceu muito mais lentamente do que o tráfego terrestre. Boa parte do tráfego pela internet era local, e não internacional. Além disso, a necessidade de tempos de resposta mais rápidos pressionou muitos websites com grande procura a duplicarem seus servidores de cidade a cidade, eliminando a necessidade de muita banda larga intercontinental. Em segundo lugar, apesar de sua taxa de crescimento, o tráfego da internet não gerou uma receita alta. O setor de telecomunicações estava acostumado a cobrar preços elevados no manuseio de “dados corporativos” e acabou não pensando o óbvio: o rápido crescimento do tráfego da internet resultou em grande parte pelo fato de seu preço ser próximo de zero. Ele explodiu por causa da navegação individual, da pornografia e da pirataria de música (e agora, vídeo). A ideia absurda de que as grandes corporações seriam as impulsionadoras do crescimento, ou que os consumidores pagariam taxas elevadas para as companhias que movimentavam o tráfego pela internet, teve uma morte confusa. Os custos e os preços caíram a um ritmo ainda maior do que o do crescimento do tráfego3. O colapso dos preços poderia ter sido previsto por qualquer um que fizesse uma análise simples das Cinco Forças. Por que essa análise foi ignorada? Porque o mercado acionário prometia algo melhor. Consultores, investidores, analistas e estrategistas foram enganados pelos valores de mercado das novas operadoras de rede. “Sim, seus produtos parecem commodities perfeitas”, alguém me disse, “mas algo novo está em curso. O mercado está lhes dando um voto de confiança”. Assim, sumiu a capacidade de julgamento. X
Por séculos, os matemáticos acreditaram que, dentro de qualquer sistema axiomático (tais como geometria, aritmética ou álgebra), cada afirmação só pode ser verdadeira ou falsa. Em 1931, o matemático vienense Kurt Gödel provou que essa intuição estava errada. Ele mostrou que sistemas lógicos suficientemente complexos são “incompletos”. Isto é, eles contêm afirmações e proposições que não podem ser consideradas verdadeiras ou falsas dentro da lógica do sistema. Para julgar se é verdade, é necessário olhar para além do sistema, segundo o conhecimento externo. 4 Eu acredito que essa ideia se aplica, de forma metafórica, aos sistemas humanos. Especificamente, quando os executivos e especialistas investem e administram somente com base em sinais recentes do mercado de ações,
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o fluxo de informação das decisões de investimento das empresas para os operadores das bolsas e para os preços das ações, e depois de volta para as decisões das empresas, se torna um círculo fechado. O “axioma” da exatidão do mercado ancora o centro do círculo. No negócio de fibra ótica, esse ciclo foi fechado porque os analistas mediam o “crescimento” olhando para o aumento de capacidade instalada. Dentro desse sistema fechado, uma pergunta como “Os cabos transatlânticos representam um negócio de commodity com excesso de capacidade?” tornou-se o que Kurt Gödel chamaria de proposição indeterminada. Para responder a essa pergunta, a pessoa precisaria olhar para fora do sistema fechado e fazer uma estimativa independente da situação. Círculos fechados semelhantes ocorrem quando os líderes políticos criam políticas públicas com base em pesquisas de opinião. “Seria inteligente ter grandes agências governamentais empenhadas em fazer um número rapidamente crescente de empréstimos hipotecários altamente alavancados?” A pergunta é indeterminada dentro da lógica da opinião pública e das campanhas eleitorais. Somente analisando cuidadosamente o passado e as experiências de outras nações é que a questão pode ser respondida. Outro círculo fechado ocorre quando as escolas concebem currículos baseados nas avaliações dos estudantes, e os estudantes se inscrevem nas escolas com base em avaliações anteriores. Em escolas modernas de administração de empresas, por exemplo, a pergunta “Deve-se exigir que os alunos de pós-graduação leiam livros?” tornou-se indeterminada. Para quebrar a lógica circular, deve-se olhar para os conhecimentos e princípios que estão mais profundamente arraigados do que a opinião popular atual.
REBANHO SOCIAL E VISÃO INTERNA A crise econômica e financeira de 2008 foi o estouro de uma imensa bolha de crédito, considerada a maior da história. Em uma bolha de crédito, os padrões para empréstimos ficam cada vez menos rigorosos. O crédito fácil, por sua vez, ajuda a elevar os preços dentro de uma classe de ativos, normalmente imóveis ou ações. Esses valores de ativos recém-majorados compõem, então, as garantias para mais empréstimos. A recente bolha de crédito teve um grande componente imobiliário, mas estendeu-se para uma ampla variedade de contratos: aquisição de empresas com empréstimos, grandes fusões, associações de empresas em setores, certos fundos hedge, e assim por diante.
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Pode haver bolhas de ativos sem crédito fácil. No final dos anos 1990, os preços crescentes das empresas pontocom atraíram cada vez mais compradores para suas ações, provocando uma subida de preços ainda mais veloz. Mas, com a pouca alavancagem, a quebra de 2000 nos preços das ações pontocom teve apenas um impacto menor na economia como um todo. O crédito fácil demais (que aparece na forma de mutuários extremamente alavancados) é que transmite os choques de empresa para empresa, de pessoa para pessoa, de setor para setor e de país para país, transformando o que, de outra forma, seriam perdas individuais em uma calamidade coletiva.5 Quando o Bear Stearns entrou em colapso em 2008, sua alavancagem registrada era de 32 para 1. Isto é, ele possuía $1 de capital próprio para cada $32 de empréstimo (a alavancagem típica do Bear Stearns era, na verdade, mais parecida com 50 para 1, mas a instituição seguia a política de reduzir a alavancagem no final de cada mês para apresentar nos relatórios). Alguns de seus fundos hedge estavam com alavancagem de 85 para 1. O Lehman Brothers estava quase tão alavancado quanto o Bear Stearns. Citigroup, Merrill Lynch e os demais de Wall Street não estavam muito atrás. Os primeiros proprietários a fazerem empréstimos com garantia do imó vel no final de 2006 faziam uma primeira hipoteca de 90% e um segundo empréstimo “complementar” para cobrir os 10% de pagamento. Além disso, tomavam empréstimos dando os imóveis como garantia para comprar mó veis novos e outros bens de consumo. Em 2007, as posições extremamente alavancadas se tornaram epidêmicas em Wall Street e entre boa parte dos proprietários de imóveis. Da mesma forma que em outras bolhas de crédito, em outras épocas e em outros lugares, as coisas parecem caminhar bem enquanto o valor dos bens dados em garantia continua com seu preço subindo (dentro da bolha). Nesse caminho para cima e enquanto os valores dos bens sobem, os negociantes, as empresas, os proprietários de imóveis e os bancos sentem que os empréstimos estão “garantidos” pelos preços dos ativos – ações, imóveis e companhias. Eles sentem que há chão sob seus pés. Nos desenhos animados do Papa-Léguas, há um momento em que o Wile Coiote, equivocadamente, corre para além de um penhasco, mas continua pairando no ar com seus pés se agitando. Somente quando olha para baixo e vê que não há nada sob seus pés é que ele começa a cair. Nas bolhas de crédito, esse momento surge quando os preços dos bens começam a diminuir. Basta um esvaziamento suave da bolha de preços dos bens para desencadear o colapso. Quando os preços dos bens iniciam seu caminho de descida, os
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investidores que recentemente compraram bens com preços inflados utilizando uma elevada alavancagem repentinamente percebem que não há chão sob seus pés. Os mais ágeis correm para vender antes que seu capital desapareça. Essas vendas, por sua vez, levam os preços ainda mais para baixo. Essa nova guinada descendente deixa em pânico uma quantidade ainda maior de proprietários excessivamente alavancados e eles também correm para vender. Esse processo é chamado de “correção” ou “desalavancagem”. Quando um grande número de pessoas tenta se desfazer de seus bens ao mesmo tempo, a pressão de venda faz os preços dos ativos caírem ainda mais acentuadamente. Os banqueiros (de repente, retomando sua sanidade) também começam a desalavancar, reduzindo o volume de crédito disponível na economia. A desaceleração da economia provoca uma inadimplência ainda maior e vendas angustiadas de bens. Esse encadeamento do endividamento com os preços dos bens, gerando uma queda nos preços dos bens e voltando a provocar mais inadimplência e ainda mais vendas de bens, é chamado de “deflação da dívida”. Ela foi explicada pela primeira vez por Irving Fisher em meio à Grande Depressão. O crédito fácil acelera o boom econômico, e suas consequências aceleram o estouro da bolha. Olhando para o gráfico a seguir, é possível ver a onda crescente de endividamento das famílias em relação à renda. No gráfico, o endividamento das famílias inclui hipotecas, empréstimos para compra de carros e crédito ao consumidor. Em 1984, a família média devia 60% de sua renda anual após os impostos. Em 2007, esse valor havia aumentado para 130% da renda após os impostos. Embora a cobertura-padrão da imprensa durante boa parte dos anos 1980 e 1990 tivesse se concentrado na dívida do governo, é impressionante constatar que, em relação à economia como um todo, não foi o governo que entrou em uma onda de empréstimos. Foi o endividamento das famílias e das instituições financeiras que explodiu. O endividamento das famílias começou a subir em 1984. Em 1988, o endividamento das famílias superou a dívida total do governo e continuou a subir até a recessão de 2008. Pode-se querer culpar os cidadãos tolos e os mercenários corretores de hipotecas, mas essa crise foi produto das decisões tomadas em Washington e em Wall Street. Washington, supostamente, deve fiscalizar a estabilidade geral e a saúde da economia, especialmente do setor financeiro. Wall Street supostamente deve ser especialista no estabelecimento de preços e de riscos de pacotes financeiros. Neste caso, ambos falharam miseravelmente. Como isso aconteceu? O que eles estavam pensando?
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RELAÇ O ENTRE O ENDIVIDAMENTO DAS FAM LIAS E A RENDA DISPON VEL 160%
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60%
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20%
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1979
1989
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Reserve (Fed – o banco central dos Estados Unidos), Fluxo de Fundos, BEA, Faskler & Parket, Blake & Gordon
Esse desastre (como a inundação de Johnstown, o incêndio do Hindenburg , os dias seguintes ao Katrina* em New Orleans, o vazamento de petróleo da BP no Golfo e muitos outros desastres provocados pelo homem) foi o resultado de cinco erros entrelaçados de avaliação e comportamento humanos. 1. Havia uma engenharia exagerada, em que projetistas construíram sistemas cujos modos e consequências de falhas superavam sua capacidade de compreender ou analisar. Os novos instrumentos financeiros criados na década que levou à crise de 2008 tinham modos de falhas que ninguém entendeu ou previu. 2. Havia o que eu chamo de falácia da navegação suave, quando as pessoas assumem que a falta de tremores e tempestades recentes significa que não há risco. Essa falácia foi institucionalizada pela doutrina do setor financeiro *A inundação de New Orleans foi causada pela ressaca da tempestade, que teria sido impedida pelas áreas úmidas naturais se não tivessem sido “ocupadas” por habitações ao longo dos anos. Além disso, os diques de proteção contra a ressaca de tempestades foram indevidamente projetados e construídos.
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de medir o risco analisando as vibrações de preços no passado. Um sistema com uma falha de projeto fundamental (como o Hindenburg, os diques de New Orleans ou a formação de uma montanha de títulos com a premissa de que os preços imobiliários nunca caem) não necessariamente apresenta essa falha até que entre em colapso. O colapso é praticamente certo, mas não é sinalizado por um histórico de abalos ou vibrações. É importante destacar que o colapso não se deve a eventos totalmente imprevisíveis ou quase impossíveis – coisas que a comunidade financeira tende a chamar de “cisnes negros”6 ou “distribuição não normal”. Dadas as falhas de projeto do sistema, um colapso era inevitável. 3. Existem muitas organizações e indivíduos trabalhando sob um sistema de incentivos associados ao risco . Sempre que você tem muito lucro se as coisas vão bem e outras pessoas ficam com o prejuízo se as coisas vão mal, você se torna alguém que busca o risco. A origem desses incentivos ruins tem sido a disposição do governo de resgatar grandes entidades com dívidas impagáveis: a cidade de Nova York em 1975, o Continental Illinois em 1984 e, principalmente, o Long-Term Capital Management em 1998. Esses resgates encorajam os excessos ao assumir riscos no futuro. Além disso, o setor de serviços financeiros flutua em um mar de acordos de remuneração de altos executivos e estruturas de comissões dos intermediários somente com vantagens e nenhuma desvantagem. Considerando que todos esses envolvidos não são apenas atores passivos, os incentivos funcionam no sentido de efetivamente aumentar o risco na economia. 4. Existe um comportamento de rebanho social. Quando temos desconhecimento de algo, pode ser sensato olhar o comportamento de outros, assumindo que pelo menos alguns deles sabem coisas que não sabemos. Porém, se todos os demais fizerem o mesmo, então esse processo de mútua calibração pode resultar em todos os membros de um grupo assumindo ações sem informação ou acreditando que o “outro sujeito” está prestando atenção nos fundamentos. 5. Finalmente, existe a visão interna, um nome dado pelo ganhador do Prêmio Nobel Daniel Kahneman e pelo coautor Dan Lovallo à tendência de se ignorarem dados pertinentes relacionados – de acreditar que “este caso é diferente”.7 O quarto e quinto problemas – rebanho social e visão interna – merecem atenção especial, principalmente em relação à crise financeira de 2008. Uma
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virtude importante de um bom líder é colocar a situação em perspectiva e fazer avaliações com a cabeça fria. Ambas as virtudes ajudam a reduzir a tendência inerente de agir como rebanho social e de visão interna. A visão interna descreve o fato de que as pessoas tendem a ver a si próprias, seus grupos, projetos, empresas ou nações como especiais e diferentes. Assim, por exemplo, atualmente, muitas pessoas estão cientes da estatística da visão de fora de que conversar ao celular ao mesmo tempo que se dirige o carro aumenta o risco de acidentes em cinco vezes (aproximadamente o mesmo que para dirigir bêbado). Porém, a visão interna da situação é a seguinte: “Eu sou bom motorista; essas estatísticas não se aplicam a mim.” De forma semelhante, embora saibamos que muitos restaurantes novos fracassam, cada empreendedor acredita que seu restaurante novo é diferente. Na crise econômica e financeira de 2008, tais premissas de visão interna foram amplamente mantidas e expressas, elevando-se acima de simples afirmações e tornando-se doutrinas (princípios que embora improváveis, servem de base para argumento, política e ação). Em especial, a crença de que as histórias econômicas de outras nações e de outras épocas tinham pouca relevância para os Estados Unidos dos dias atuais desempenhou papel fundamental. Em segundo lugar, havia a crença de que a experiência do Fed em administrar taxas de juros eliminara o risco de grandes oscilações econômicas – que os tempos haviam mudado. Havia uma crença no poder dos mercados financeiros americanos “fortes e líquidos” para resistir e absorver choques. E havia uma crença na eficácia das novas ferramentas de Wall Street para administrar, estabelecer preços e dividir riscos. Todas essas doutrinas bloquearam a simples percepção de que o que aconteceu com outros, e o que aconteceu aqui várias vezes antes, estava ocorrendo novamente. Os preços dos imóveis estavam em alta e muito crédito fácil estava sendo oferecido em todas as frentes. A visão de fora da situação não era nada complexa. A evidência internacional é clara: problemas econômicos agudos em seguida a fortes expansões no crédito, principalmente boom de crédito ligado a boom imobiliário, são frequentes e extremamente prejudiciais. De fato, durante os últimos 50 anos houve 28 ciclos graves de boom e estouro de bolha nos preços de imóveis e 28 crises de crédito em 21 países avançados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 8 Conforme observaram Richard Herring e Susan Wachter, da Wharton School da University of Pennsylvania, “os ciclos no setor imobiliário podem ocorrer sem crises bancárias. E crises bancárias podem ocorrer sem ciclos imobiliários. Porém, os dois fenômenos estão correlacionados em um número considerável de casos, estendendo-se
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sobre uma ampla variedade de acertos institucionais, tanto em nações avançadas quanto em economias emergentes”. 9 Olhando em retrospectiva para a história dos Estados Unidos, descobre-se que a perigosa mistura de crédito fácil e boom imobiliário apareceu repetidas vezes por causa das raízes culturais e políticas mais profundas do país. Por quase dois séculos, o governo federal dos Estados Unidos perseguiu uma ampla agenda de colonizar campos abertos, promover a propriedade de pequenas fazendas e agora incentivar a posse da casa própria. Este é um programa que une os populistas com aqueles que veem uma nação de proprietários livres como um baluarte contra as tiranias da oligarquia e do coletivismo. Ele une Democratas e Republicanos, ricos e pobres, Wall Street e o setor empresarial. Os trabalhadores comuns e os imigrantes que são os alvos desse programa raramente possuem riqueza suficiente para comprar uma propriedade à vista, em geral faltando até os fundos necessários para uma entrada. Assim, constantemente existiram políticas e “inovações” financeiras em métodos para estender o crédito para colonos, agricultores e futuros proprietários. Em tempos ruins, esses empréstimos ficam inadimplentes e, por um tempo, toda a economia sofre. A primeira depressão dos Estados Unidos, em 1819, foi resultado direto da venda pelo governo de grandes extensões de terras públicas com crédito fácil. Essas vendas ficaram principalmente concentradas no Tennessee, Mississipi e Alabama. Atraídos pelos preços elevados de algumas culturas, especialmente algodão, os colonos tomaram pesados empréstimos de bancos estaduais alavancados para adquirir terras e suprimentos. O consequente grande aumento na produção, juntamente com a gradual recuperação da agricultura europeia da devastação causada pelas guerras napoleônicas, desencadeou um colapso nos preços em 1819. Em 1818, o algodão era comercializado a $0,68 por quilo; em 1819, estava na metade disso e, em 1831, caiu a $0,17 por quilo. Os preços das terras acompanharam a queda e uma enorme inadimplência se seguiu. A crise foi agravada pela política do Second Bank of the United States de cobrar os empréstimos e exigir o pagamento em espécie.* A crise se espalhou para as cidades e, na Filadélfia, os preços dos imóveis caíram 75%. Milhares definharam em prisões para devedores. Dezoito anos depois, o pânico de 1837 teve suas origens na venda pelo governo federal de 12 milhões de hectares de terras públicas. Uma área de terrenos que constituem uma grande parte do que é hoje o Centro-Oeste. O *Isto é, ouro ou moeda totalmente garantido por reservas em ouro.
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financiamento para essas vendas de terras veio de novas legiões de bancos estaduais e locais e foi feito principalmente na forma de notas bancárias. Estados como Indiana e Illinois começaram a antecipar receitas futuras de impostos dessas novas terras e tomaram emprestado contra essa renda esperada para financiar o desenvolvimento de projetos, principalmente a construção de canais. Quando houve perda de confiança nessas notas bancárias, o colapso que se seguiu levou quase metade dos bancos do país, devastou os valores das terras e deu início a seis anos de depressão. Após o fim da Guerra Civil, os Estados Unidos começaram a construir estradas de ferro em escala transcontinental. Querendo colonizar e desenvolver o Oeste, o governo federal abriu mão de vastas extensões de terras para companhias que construiriam ferrovias interligando as duas costas. A Northern Pacific, por exemplo, recebeu doações de terras iguais em área à Nova Inglaterra, espalhadas ao longo da rota entre Chicago e o Oceano Pacífico. Essas companhias ferroviárias emitiram títulos que foram vendidos com desconto por redes de corretores, operadores e vendedores por toda a América do Norte e Europa. O conceito de negócio foi incrivelmente corajoso: a Northern Pacific venderia grandes parcelas de seus impérios de terras doadas a colonos americanos e imigrantes pobres. Isso povoaria o Oeste, e a nova demanda dos colonos por transporte ferroviário comercial iria, no final, fazer esses maciços investimentos se pagarem. Em 1870, mais de $1 bilhão em títulos de ferrovias dos Estados Unidos havia sido vendido na Europa. Os agentes da Northern Pacific vasculharam o norte da Europa em busca de imigrantes acostumados com invernos rigorosos – os ancestrais dos moradores da fictícia Lake Wobegon descrita pelo escritor Garrison Keillor. À medida que os imigrantes iam colonizando essas terras, mais crédito era oferecido para financiar suas aquisições de terras, sementes e gado, e a construção de suas casas e cidades. Quando estourou essa gigantesca bolha de crédito, as consequências foram devastadoras. Em setembro de 1873, a Bolsa de Valores de Nova York fechou por 10 dias e uma reação em cadeia de falências de bancos e colapsos de empresas se seguiu. Aproximadamente 18 mil empresas faliram, incluindo 25% das ferrovias dos Estados Unidos. O desemprego alcançou 14% e o movimento trabalhista dos Estados Unidos começou para valer. Vinte anos depois, o pânico de 1893 foi desencadeado pelo não pagamento de títulos ferroviários e por falências de fazendas. Fazendas recém-alavancadas faliram em grande número, à medida que os preços das safras foram entrando em colapso. O mergulho dos preços não foi uma flutuação, mas o resultado inevitável do aumento da produtividade agrícola e da crescente quantidade de
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terras do oeste que passaram a ser cultivadas. O desemprego subiu para mais de 12% e a economia nacional não se recuperou por sete anos. Na mesma época, um fantástico boom de terras (e posterior estouro da bolha) ocorreu durante o final do século XIX em Melbourne, Austrália. Começando em 1880, o governo pegou empréstimos para investir em ferrovias, portos, sistemas de água e transporte urbano. Embora não houvesse escassez de terras, e embora em 1896 Melbourne fosse uma das maiores cidades do mundo em termos geográficos, um boom especulativo forçou os preços para níveis bem acima daqueles em Londres ou Nova York. O magnífico livro de Michael Cannon, The land boomers, conta isso (página 18): A euforia de compra de terras da década de 1880 assumiu duas formas principais. A primeira foi baseada em um conjunto de sociedades construtoras cujos funcionários otimistas acreditavam que cada família na colônia conseguiria simultaneamente construir suas próprias casas, manter em dia os pagamentos nos bons e maus momentos, e apoiar um exército de investidores que recebiam altas taxas de juros pelo uso de seu dinheiro. A segunda forma da euforia foi a crença profundamente arraigada de que era impossí vel perder dinheiro investindo em terras, uma crença que persiste até hoje. O estouro da bolha em 1891 foi devastador. As terras em Melbourne ficaram quase totalmente ilíquidas, não havendo compradores em dinheiro para qualquer preço. Os preços das ações entraram em colapso – o preço da ação da companhia Tramway da cidade caiu em 90%. 10 Bancos e empresas faliram em grande número e a economia entrou em depressão. Teve início um estridente movimento sindicalista e o crescimento e a confiança em Melbourne pararam no meio do caminho por pelo menos uma geração. Nos Estados Unidos, a crise de crédito do século XIX surgiu de iniciativas destinadas a colonizar terras no Oeste e ao mesmo tempo ampliar as ferro vias. Durante boa parte do século XX, o foco mudou para a compra de casa própria. No setor habitacional, uma infinidade de políticas governamentais, isenções de impostos, regulamentações, organizações de fiscalização e outros instrumentos promoveram ao longo de gerações um índice cada vez maior de aquisição de casa própria. O ideal original de Jefferson era o de uma nação de cidadãos fazendeiros, cada qual como dono dos meios para sua própria sobrevivência. Atualmente, essa visão se transformou para a de uma nação de proprietários de casa própria, cada um trabalhando 100 dias por ano para pagar seus impostos e outros 125 dias por ano para pagar suas hipotecas.
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O pontapé inicial nas campanhas de aquisição de casa própria foi dado em 1922 pelo programa “Own Your Own Home”,* de Herbert Hoover. A batalha se tornou séria quando Franklin D. Roosevelt criou o Federal Housing Administration** e a Fannie Mae.*** Isso se acelerou quando Harry Truman aprovou a GI Bill.**** A ênfase moderna na posse de casa própria pelas minorias começou com Bill Clinton. Em 1995, ele prometeu elevar o número de famílias com casa própria de 65% para 67,5% até o ano 2000, um aumento de vários milhões. Sua Estratégia Habitacional Nacional visava “cortar os custos de transação... reduzir exigência de pagamento de entrada... [e] aumentar a disponibilidade de produtos financeiros alternativos no mercado imobiliário em todo o país”.11 Sob a liderança de Henry Cisneros, secretário do Housing and Urban Development, o governo reduziu os padrões de exigência para que uma hipoteca se qualificasse para obter seguro federal. Em vez de cinco anos de renda estável, agora seriam suficientes três anos. Em vez de entrevistas pessoais com os tomadores de empréstimo, agora seria suficiente uma papelada. Em vez de escritórios concretos de filiais, os financiadores só precisariam agora de um telefone. Quando George W. Bush assumiu o governo, ele pisou ainda mais no acelerador, revelando um plano para aumentar o número de negros e hispânicos com casa própria em 5,5 milhões. Apesar da grande quantidade de evidências históricas e internacionais de que esses booms imobiliários com crédito facilitado têm finais tristes e onerosos, as autoridades, os economistas e os líderes do setor financeiro defenderam o status quo com uma variedade de argumentos e doutrinas de visão interna. Por exemplo, mesmo quando a crise das hipotecas começou a se revelar no final de 2007, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, continuou a exaltar os mercados financeiros “fortes e líquidos” e pregar as vantagens de nosso sistema em relação à China: A economia dos Estados Unidos também enfrenta desafios no mercado imobiliário e nos mercados de capitais, na medida em que o risco está sendo reavaliado e recebendo um novo preço. Enquanto atravessamos esse * Nota do Tradutor : “Seja Dono de Sua Própria Casa”, em tradução livre. ** Nota do Tradutor : Agência criada para oferecer seguro de hipotecas para empréstimos apro vados em todos os Estados Unidos. *** Nota do Tradutor : Nome pelo qual é conhecida nos Estados Unidos a Federal National Mortgage Association, autorizada a conceder e garantir empréstimos hipotecários. **** Nota do Tradutor : Lei ampla contemplando os veteranos da Segunda Guerra Mundial, que, entre outras coisas, fornecia vários tipos de empréstimos para compra de casas.
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período, os mercados de capitais fortes e líquidos dos Estados Unidos desempenham papel vital na manutenção da estabilidade, da mesma forma que o fizeram para fornecer o financiamento que permitiu o acesso de 69% das famílias dos Estados Unidos à casa própria. A China, por sua vez, precisa abrir mais seu setor financeiro para desenvolver mercados de capitais que possam fornecer acesso ao capital de que ela necessita para o contínuo crescimento econômico com inclusão de camadas da população.12 A confiança de Paulson foi fortalecida pelo comportamento de rebanho social entre os barões de Wall Street, economistas acadêmicos e líderes políticos. Ao elogiar os mercados financeiros “fortes e líquidos” dos Estados Unidos, o rebanho, convenientemente, deixou de considerar a bolsa gigantesca de gás inflamável que mantém esses mercados agitados – crédito fácil, excesso de alavancagem, ampla expansão de títulos derivativos cujos preços são difíceis de estabelecer, bens de longo prazo financiados por empréstimos de curto prazo de contrapartes com gatilho rápido e enormes bônus para os altos executivos por assumirem riscos ocultos. Em paralelo a essa confiança nos mercados financeiros “fortes e líquidos”, estava a crença na competência do Fed. De fato, muitos especialistas minimizaram o crescimento da alavancagem porque acreditavam que as políticas monetárias do Fed haviam reduzido o risco geral na economia. Eis, por exemplo, Ben Bernanke, na época presidente do conselho de governadores do Fed, falando em 2004 para a Eastern Economic Association: Uma das características mais marcantes da paisagem econômica ao longo dos últimos 20 anos ou mais tem sido a substancial redução na volatilidade macroeconômica... A dispersão do crescimento trimestral pela produção real (medida pelo seu desvio-padrão) diminuiu pela metade desde meados de 1980, enquanto a dispersão da inflação trimestral diminuiu em aproximadamente 67%. Vários escritores sobre o assunto têm chamado essa redução notável na dispersão da produção e da inflação de “Grande Moderação”. 13 Quando ele falava em 2004, a taxa básica de curto prazo do Fed era mantida em um valor bastante baixo de 2,25%, os empréstimos hipotecários cresciam e os preços dos imóveis aceleravam rumo ao desconhecido. Por que os sinais de alarme não estavam soando? Porque o governo não incluía os preços dos imóveis em seu índice de inflação – o índice incluía apenas os aluguéis das casas. Como os proprietários esperavam ganhos de capital maiores no
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futuro, as taxas de aluguel não aumentavam. Além disso, uma inundação de roupas, produtos eletrônicos, móveis e outros bens com baixo custo importados, principalmente da China, mantinha os preços aos consumidores em níveis baixos nos Estados Unidos. E o número crescente de imigrantes pobres vindos do México e da América Central ajudou a cortar os salários dos trabalhadores fora do setor público. Assim, para o pessoal do Fed, esse era um mundo novo e maravilhoso, no qual eles podiam constantemente “manter” a economia com baixas taxas de juro sem produzir choques de alta nos preços dos bens de consumo ou nos salários. Além de acreditar que o Fed tinha tudo sob controle, as autoridades e os líderes financeiros colocaram grande dose de confiança no valor da recente explosão na engenharia financeira matemática e nos títulos derivativos (títulos baseados em outros títulos). Embora houvesse algumas vozes alertando para o fato de que esses novos veículos financeiros ainda não haviam sido testados, a posição predominante era a de que a economia estava crescendo com o setor financeiro prosperando, e que, portanto, essas inovações financeiras deviam estar fazendo algo de benéfico. Eis Alan Greenspan, na época presidente do Conselho do Fed, falando em 2005: Os avanços conceituais para estabelecer preços em opções e outros produtos financeiros complexos... baixaram significativamente os custos e expandiram as oportunidades de riscos de hedging que não se alteravam facilmente em décadas anteriores... Após o estouro da bolha do mercado acionário em 2000, diferentemente dos períodos anteriores que se seguiram aos grandes choques financeiros, nenhuma grande instituição financeira ficou inadimplente e a economia se manteve bem melhor do que muitos esperavam.14 Seguindo a mesma toada, Timothy Geithner, na época presidente do Federal Bank of New York e atualmente secretário do Tesouro, disse, em 2006: Estamos agora em meio a outra onda de inovação em finanças. As mudanças agora em andamento são mais acentuadas no rápido crescimento dos instrumentos para transferência e gestão de riscos, no aumento do papel desempenhado pelas instituições financeiras não bancárias em mercados de capitais em todo o mundo, e na integração muito maior dos sistemas financeiros nacionais.
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Esses desdobramentos fornecem vantagens substanciais para o sistema financeiro. As instituições financeiras conseguem medir e administrar o risco com muito mais eficácia. Os riscos são distribuídos mais amplamente, por um grupo mais diversificado de intermediários financeiros, dentro e através de países.15 O Velho Testamento ensina: “O orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo, antes da queda.”16 Em retrospecto, podemos ouvir a arrogância nas afirmações de Bernanke, Greenspan e Geithner. As vantagens das novas ferramentas inovadoras do sistema financeiro dos Estados Unidos foram alegadas sem provas suficientes. Só porque havia uma grande quantidade de swaps inteligentes e de novos títulos, e apenas por não terem ainda fracassado completamente, isso não significa que não poderiam ou iriam chegar a esse ponto. É preciso um longo tempo de teste de estresse no mundo real em ampla variedade de condições (com altas e baixas nos mercados imobiliários, altas e baixas nos ciclos econômicos, altas e baixas taxas de juros, alta e baixa inflação, e outras condições), junto com várias combinações de todas elas para garantir o tipo de confiança que esses notáveis das finanças vinham apregoando. X
O comportamento de rebanho social nos pressiona a pensar que está tudo bem (ou que não está bem) porque todo mundo está dizendo isso. A visão interna nos pressiona a ignorar as lições de outros tempos e outros lugares, acreditando que nossa empresa, nossa nação, nosso empreendimento ou nossa época seja diferente. É preciso resistir contra essas tendências. Você consegue fazer isso prestando atenção nos dados do mundo real que refutam a cantoria em eco da multidão – e aprendendo as lições ensinadas pela história e por outros povos em outros lugares.
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NOTAS INTRODUÇÃO 1. Utilizei a expressão “liderança inspiradora” para demarcar o aspecto da liderança relativo à motivação e à ligação das pessoas com valores compartilhados. Utilizo o termo mais geral “liderança” para me referir a toda e qualquer das funções dos líderes, incluindo planejamento, estratégia e assim por diante. CAPÍTULO 1 1. Bruce W. Nelan, “Strategy: Saddam’s Deadly Trap”, Time, 11 de fevereiro de 1991. Disponível no endereço www.time.com/time/magazine/article/0,9171,972312,00.html. 2. “As the History of Warfare Makes Clear, Potential for Catastrophe Remains”, Los Angeles Times, 23 de fevereiro de 1991, 20. 3. Durante a Tempestade no Deserto, os Estados Unidos destruíram depósitos de armas químicas iraquianas em Tallil. Em 1998, a UNSCOM havia eliminado ou supervisionado a destruição de mais de 8 mil munições químicas e toneladas de agentes químicos a granel. 4. Surgiu uma grande polêmica sobre se a guerra terminara muito cedo, pois duas divisões da Guarda Republicana escaparam para a cidade de Basra. Esse debate em geral ignorou o fato de que o Iraque havia mantido mais de 20 divisões do Exército (770 mil soldados) no Iraque, posicionados em segurança, a uma boa distância do palco de operações. 5. A publicação atual equivalente é o FM 3-0. Ela pode ser encontrada on-line no endereço http://www.globalsecurity.org/. CAPÍTULO 2 1. Pankaj Ghemawat, “Wal-Mart Stores’ Discount Operations”, Harvard Business School, estudo de caso 9-387-018, 1986. 2. Andrew Marshall e James G. Roche, “Strategy for Competing with the Soviets in the Military Sector of the Continuing Political-Military Competition”, manuscrito datilografado, 1976. Agora não mais secreto, esse documento pode ser visto no endereço www.goodstrategybadstrategy.com/. CAPÍTULO 3 1. Também presentes estavam David M. Abshire, CEO do Center for the Study of the Presidency, ex-embaixador dos Estados Unidos na OTAN e conselheiro especial do Presidente Reagan; Tenente-general David W. Barno, ex-comandante do Comando das Forças Combinadas no Afeganistão; Andrew Krepinevich, Presidente da CSBA, autor de The Army and Vietnam, uma análise da estratégia dos Estados Unidos no Vietnã, e ex-membro do National Defense Panel e do Transformation Advisory Board do Comando das Forças Conjuntas; Andrew Marshall, diretor do Department of Defense’s Office of Net Assessment; Capitão Jan van Tol, pesquisador sênior do CSBA e ex-assistente especial do vicepresidente e comandante do USS Essex; e Barry Watts, pesquisador sênior do CSBA, ex-
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oficial da força aérea, diretor da Northrop Grumman’s Analysis Center e chefe do DOD’s Office of Program Analysis and Evaluation. Michele A. Flournoy e Shawn W. Brimley, “Strategic Planning for U.S. National Security: A Project Solarium for the 21st Century”, Princeton Project on National Security, 2005, 1, http://www.princeton.edu/~ppns/papers/interagencyQNSR.pdf. Barry D. Watts, “Why Strategy? The Case for Taking It Seriously and Doing It Well”, Center for Strategic and Budgetary Assessments, 2007. Barry Watts é um pesquisador sênior da CSBA. Ver também a versão atualizada, “Regaining Strategic Competence”, CSBA, 2009, por Andrew F. Krepinevich e Barry D. Watts, disponível em http://www.csbaonline.org/. A Casa Branca, “The National Security Strategy of the United States of America”, 2002 e 2006; e o Departamento de Defesa, “The National Defense Strategy of the United States of America”, 2005. Estes documentos foram impressos pela Casa Branca e enviados ao Congresso, mas não foram oficialmente publicados pelo governo. Eles estão disponíveis nos endereços georgewbush-whitehouse.archives.gov/nsc/nss/2002 e georgewbush-whitehouse.archives.gov/nsc/nss/2006. Lutz Schubert, Keith Jeffrey e Burkhard Neidecker-Lutz, “The Future of Cloud Computing”, European Commission on Information Society and Media, 2010. Disponível em cordis.europa.eu/fp7/ict/ssai/docs/cloud-report-final.pdf. Ciara Ryan, “Strategies of the Movers and Shakers”, Arthur Andersen, Risk Consulting, 15 de agosto de 2000. Disponível no endereço www.goodstrategybadstrategy.com/. “Bridging the Gap”, Defense Advanced Research Projects Agency, fevereiro de 2007. Disponível no endereço www.darpa.mil/Docs/DARPA2007StrategicPlanfinalMarch14.pdf. O número oficial da LAUSD é $11.000 por estudante. Isso, porém, omite os gastos com transportes, aumentos de investimento, construção e juros sobre empréstimos em bônus da escola.
CAPÍTULO 4 1. Nicolas de Condorcet, filósofo e matemático francês, foi o primeiro a analisar matematicamente as regras de voto democrático. Ele morreu na prisão após a Revolução Francesa. 2. Kenneth Arrow, Social choice and individual values (Nova York: John Wiley and Sons, 1951). 3. NSC 162/2, “Basic National Security Policy”, 30 de outubro de 1953. Disponível no endereço www.fas.org/irp/offdocs/nsc-hst/nsc-162-2.pdf. 4. Essa conversa está relatada em Andrew S. Grove, Só os paranoicos sobrevivem: como tirar melhor proveito das crises que desafiam as empresas (São Paulo: Futura, 1997), p. 89. 5. Max Weber, “The Sociology of Charismatic Authority”, in Max Weber: Essays in sociology (org. e trad. H. Gerth e C. W. Mills). Londres: Routledge and Kegan Paul, 1948. 6. Dow Chemical Company, Relatório Anual para Acionistas 2009, 24. 7. Strategic Planning Council, “Strategic Plan”, California State University, 2007, 2. 8. “CIA Vision, Mission & Values”, última revisão em 12 de abril de 2007, https://www.cia. gov/about-cia/cia-vision-mission-values. 9. Prentice Mulford, Thoughts are things (Londres: G. Bell and Sons, Ltd., 1908), 96. Reimpresso por Kessinger Publishing (Whitefish, MT), 1996. Ênfase acrescentada. 10. Wallace D. Wattles, A ciência de ficar rico (São Paulo: Best Seller, 2007), 14. Originalmente publicado em 1910, esse trabalho está agora sob domínio público. 11. Ernest Holmes, Creative mind and success (Nova York: G. Putnam’s, 1997), 17. Primeiramente publicado por R. M. McBride, 1919. 12. Peter M. Senge, A quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende (São Paulo: Best Seller, 2009), 207.
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13. Steven Wozniak, cofundador da Apple Computer, atribuiu boa parte da ascensão de sua empresa ao VisiCalc: “VisiCalc e o disquete levaram esta companhia para a posição número um... Após o VisiCalc, percebeu-se que 90% de todos os Apple II vendidos estavam indo para pequenas empresas... Originalmente, éramos um computador doméstico de passatempo. Agora, repentinamente, as pequenas empresas estavam comprando o Apple II”. Citado em Gregg Williams e Rob Moore, “The Apple Story”, Byte, janeiro de 1985, 173-74. 14. O jornal de Ford, Dearborn Independent, publicou uma longa série de artigos criticando a influência dos judeus na vida norte-americana. Esses artigos foram reunidos em um livro intitulado The international jew: the world’s foremost problem. Em sua autobiografia, Ford explica a crítica aos judeus como defesa contra um “orientalismo que, insidiosamente, afetou cada canal de expressão”. Ver Henry Ford, My life and work (Garden City, NY: Doubleday, 1922), 251-52. Ver também Anne Jardin, The first Henry Ford: a study in per sonality and business leadership (Cambridge, MA: MIT Press, 1970). 15. Mark Lipton, Guiding growth: how vision keeps companies on course (Boston: Harvard Business School Press, 2003), p. 81. 16. Peter Senge, C. Otto Scharmer, Joseph Jaworski e Betty Sue Flowers, Presença: propósito humano e o campo do futuro (São Paulo: Cultrix, 2007), pp. 134–35.
CAPÍTULO 5 1. “Castles in the Sand”, Deutsche Bank, Global Markets Research, 30 de julho de 2008, p. 3. 2. “Starbucks Corporation: Slower Growth De-levers Margins, but Greater EPS Visibility Ahead”, Oppenheimer Equity Research, 31 de julho de 2008, 4. Disponível no endereço www.goodstrategybadstrategy.com. 3. William G. Ouchi e Lydia G. Segal, Making schools work: a revolutionary plan to get your children the education they need (Nova York: Simon and Schuster, 2003). 4. X [George Kennan], “The Sources of Soviet Conduct”, Foreign Affairs, julho de 1947, 566–82. 5. “The Vision and Values of Wells Fargo”, Wells Fargo, 2007. Disponível no endereço www. goodstrategybadstrategy.com. 6. Conversa privada, 1995. CAPÍTULO 6 1. Os gregos antigos mediram com precisão o diâmetro da Terra. Também mediram a distância até a Lua, mas chegaram ao valor errado porque seu método era extremamente sensível a erros na medição do ângulo entre o Sol e a Lua em quarto crescente. 2. Donald Wright e outros, On Point II: transition to the new campaign (Fort Leavenworth, KS: Combat Studies Institute Press, 2008), p. 568. 3. Bob Woodward, State of denial (Nova York: Simon and Schuster, 2006), p. 122. 4. Essas previsões foram descritas em Pierre Wack, “Scenarios: Uncharted Waters Ahead”, Harvard Business Review, setembro-outubro 1985, pp. 73-89. 5. É difícil observar esse efeito nos dados porque poucas empresas são tolas o bastante para fazer publicidade abaixo do limite. Para um projeto de pesquisa bastante inteligente que observa o efeito limite em publicidade, ver Jean-Pierre Dubé, Günther Hitsch e Puneet Manchanda, “An Empirical Model of Advertising Dynamics”, Quantitative Marketing and Economics 3, n. 2 (2005): 107-44.
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CAPÍTULO 7 1. Wernher von Braun para o vice-presidente dos Estados Unidos, 20 de abril de 1961, NASA Historical Reference Collection, Escritórios centrais da NASA, Washington, DC. 2. A primeira fotografia melhor da superfície foi tirada pelo Ranger 7 em 1964, a uma altitude de aproximadamente 300 metros antes de se espatifar na superfície. A foto contribuiu pouco no debate entre duro-macio-afiado e mostrou apenas objetos que eram maiores do que cerca de 1 metro. 3. “Tentative Model for the Lunar Environment”, Documento 61-263 do JPL, 1961. 4. Oran W. Nicks, Far Travelers: The Exploring Machines (Washington, DC: Scientific and Technical Information Branch, National Aeronautics and Space Administration, 1985), 3. 5. Herbert Goldhamer, “The Soviet Union in a Period of Strategic Parity”, RAND R-889-PR, 7 de novembro de 1971, citado por Watts, “Why Strategy?” 5. 6. A desvantagem óbvia desse processo de elaboração é que as pessoas que ficam nos escritórios do quinquagésimo andar podem ter ideias pouco realistas sobre o que realmente se consegue fazer no solo. A primeira cura melhor para isso é que algumas pessoas no quinquagésimo andar tenham tido experiência no solo. A segunda melhor solução é muita comunicação para cima e para baixo no edifício à medida que a estratégia for sendo elaborada. A terceira melhor solução é mudar o objetivo quando houver forte evidência de que ele não pode ser alcançado. Isso, porém, raramente ocorre sem uma mudança na liderança. Uma das razões é o ego, mas a maior parte é o bom-senso. Nem todo mundo gosta ou concorda com qualquer caminho estratégico, e há sempre aqueles dentro das organizações que prefeririam ou se beneficiariam com uma mudança de direção. Se você tiver uma política de mudar de direção sempre que atingir um problema, tais pessoas ficarão felizes em criar os problemas necessários. CAPÍTULO 8 1. A lógica de nivelar a qualidade não é óbvia à primeira vista, mas é por essas deduções que os estudiosos ganham seu sustento. Ver Ver Michael Kremer, “The O-Ring Theory of Economic Development”, Quarterly Journal of Economics, 108, 1993: 551–575. CAPÍTULO 9 1. A República Romana elegia membros do Senado e dois cônsules que eram, ao mesmo tempo, executivos e magistrados do governo, cada um deles podendo vetar o outro. Em tempos de guerra, pelo menos um dos cônsules era normalmente um general e liderava o Exército. Em tempos de extrema emergência, o Senado pedia para os cônsules indicarem um ditador que governava com autoridade absoluta durante um mandato de seis meses. 2. O que aconteceu em seguida também é fascinante. Aníbal enviou embaixadores para con versar com Roma, esperando um tratado de paz que reconhecesse seus ganhos territoriais. Roma recusou-se a conversar. Todo e qualquer movimento no sentido de promover a paz foi cortado pela raiz quando o Senado proibiu a palavra “paz”. Todo cidadão do sexo masculino foi mobilizado e Roma voltou a estabelecer a política de continuar a assediar Aníbal, mas evitando grandes batalhas na Itália. Após algum tempo, um hábil comandante romano, Públio Cornélio Cipião, recebeu carta branca para conquistar a Espanha e o fez, tirando de Aníbal uma de suas principais fontes de homens e suprimentos. Em seguida, Cipião levou suas tropas através do Mediterrâneo, atacou a própria Cartago e conquistou-a. Aníbal nunca perdeu uma batalha sequer na Itália, mas Cartago perdeu a guerra. Após derrotar Cartago, Roma subjugou a Macedônia, Siracusa e o Império Selêucida. 3. Theodore Ayrault Dodge, Hannibal: a history of the art of war among the Carthaginians and Romans down to the Battle of Pydna, 168 B.C., with a detailed account of the Second Punic War (Nova York: Da Capo Press, 1995), 633. Publicado primeiramente em 1891.
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4. Alexandre da Macedônia alcançou vitórias impressionantes utilizando táticas, formações e armas desenvolvidas por seu pai, Filipe. Sua vitória contra Dario em Gaugamela um século antes foi estrategicamente tão brilhante quanto Canas, além de ser mais ousada, embora menos orquestrada e se baseando menos em muitas ações coordenadas. 5. A palavra técnica para esses ganhos em várias combinações de partes ou recursos é “complementaridade”. 6. Tecnicamente, a melhor medida para se trabalhar é o de excedente: a diferença entre o que o comprador está disposto a pagar pelo carro e o custo para produzi-lo e entregá-lo. A disposição para pagar é maior nos compradores mais ricos e naqueles que valorizam especialmente as características diferenciadoras do produto. 7. Steve Postrel defende esse mesmo ponto com relação ao conhecimento. Para fazer um projeto, ele argumenta, as equipes precisam de conhecimento especializado e saber como as especialidades se encaixam. Porém, ele também argumenta que você pode conseguir o mesmo desempenho tendo mais de um e menos do outro. Veja seu artigo “Islands of Shared Knowledge: Specialization and Mutual Understanding in Problem-Solving Teams”, Organizational Science 13, n. 3 (maio–junho de 2002): 303–20. Em nível básico, a ideia de fatores sendo substitutos parciais surgiu na economia clássica. David Ricardo argumentou que era possível aumentar a quantidade das colheitas aplicando mais trabalho na terra existente ou fazendo com que o atual número de agricultores trabalhasse em mais terras. Ver David Ricardo, “On the principles of political economy and taxation”, The Works and Correspondence of David Ricardo, 3ª ed., org. por P. Sraffa (Cambridge: Cambridge Uni versity Press, 1821). Impresso novamente em 1951.
CAPÍTULO 10 1. James S. Garrison, “Crown Cork and Seal Company, Inc.”, rev. Stephen Bradley e Sheila M. Cavanaugh, Harvard Business School, estudo de caso 378-024, 1987. 2. Essa afirmação foi na primeira versão do caso. Eu forneci esta e outras informações em um suplemento que entreguei. CAPÍTULO 11 1. Meena Panchapakasen, “Indecent Expansion”, Financial World, 6 de julho de 1993. 2. Mark Tran and Mark Milner, “Americans Plan to Wrap Up World in Pounds 3.3 Bn Deal”, Guardian, 24 de maio de 1995. 3. Michael Porter, Estratégia competitiva (Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2005). 4. Para esse gráfico, medi o retorno sobre o capital como a relação entre o EBIT após os impostos (algumas vezes chamado de NOPAT) e a defasagem investida mais o ágio. Assim, o numerador é o lucro que teria sido obtido se o endividamento fosse substituído por capital próprio, e o denominador são os bens menos o passivo circulante sem ônus. 5. “An In-House M&A Team Reshapes a Company”, Global Finance, março de 1997. CAPÍTULO 12 1. “Tora Bora Revisited: How We Failed to Get Bin Laden and Why It Matters Today”, Relatório para os Membros do Comitê de Relações Externas do Senado dos Estados Unidos, 30 de novembro de 2009. De acordo com essa análise, o comandante-geral dos Estados Unidos, Tommy Franks, não utilizou todas as forças disponíveis porque “temia perder os aliados afegãos”. 2. A frase vem da biologia e descreve qualquer obstáculo ao cruzamento. Ver Ver Richard Richard Rumelt, “Towards a Strategic Theory of the Firm”, em Competitive strategic management (org. por R. Lamb). Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1984, pp. 556–70. Reimpresso em Resources, firms, and strategies: a reader in the resource-based perspective, org. por N. J. Foss. Nova York: Oxford University Press, 1998.
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3. Um argumento equivalente era que a “vantagem” não gerava nenhum bem para o proprietário porque ele poderia, a qualquer momento (em nosso cenário imaginário), vender a máquina por $100 milhões, investir o dinheiro obtido e ganhar $10 milhões em juros. 4. O custo de oportunidade da máquina, propriamente definida, é zero porque ela não tem nenhum valor de uso fora da indústria da prata. O retorno sobre o capital investido está somente “acima da média” quando os principais recursos não foram recentemente avaliados a preços de mercado. 5. Frank B. Gilbreth, Bricklaying system (Nova York: Myron C. Clark Publishing, 1909). Gilbreth, junto com Frederick Taylor, são considerados os pais da gestão científica. 6. A ideia é tão ampla e geral que resiste a uma atribuição específica. Em 1951, Edith Penrose introduziu aos economistas a ideia de que as empresas cresciam e se expandiam por causa dos recursos e das competências subutilizadas. Em minha dissertação de 1972, chamei o conhecimento por trás das ligações entre os negócios de competências centrais. Passados 18 anos, escrevendo com muito mais persuasão e utilizando exemplos melhores, Gary Hamel e C.K. Prahalad extraíram a expressão “competência central” diretamente dos círculos de especialistas e a lançaram no uso comum. 7. Steven N. Wiggins e Gary D. Libecap, “Oil Field Unitization: Contractual Failure in the Presence of Imperfect Information”, American Economic Review, 75, 1985: 368–85.
CAPÍTULO 13 1. Citado em Michael Kanellos, “Intel’s Accidental Revolution”, CNET News.com, 14 de novembro de 2001. 2. Grove, Só os paranoicos sobrevivem, 45. 3. Ibid., 44-45. 4. Bechtolsheim concebeu o hardware e Yeaker escreveu o software. Enquanto estava em Stanford, Bechtolsheim também fez seu projeto inicial para a estação de trabalho Sun 1, antes de sair para ser um dos fundadores da Sun Microsystems. Yeager se juntou a ele na empresa. 5. John Sutton, Technology and Market Structure (Cambridge, MA: MIT Press, 1999), cap. 5. 6. Boston Consulting Group, “The Transition to a New Environment Has Begun”, 1997. Naquela época, a rede da AT&T era mais de 10 vezes superior em relação à da WorldCom, e tinha, sobretudo, uma tecnologia mais antiga. A diferença no custo médio por unidade nada tinha a ver com a capacidade da AT&T de desenvolver uma capacidade moderna semelhante à da WorldCom. CAPÍTULO 14 1. “Strategic Plan for the Consumer Computer Market”, AT&T Consumer Products, Strategic Planning and Consumer Information Products Section, julho de 1983. Informações confidenciais da companhia. 2. A medida bastante popular do valor econômico adicionado (EVA), pertencente à Stern, Stewart & Co., tem o mesmo problema, pois também se baseia na medição de “capital investido” pelo custo histórico. 3. “Ganho operacional” foi definido como lucro operacional em conta-corrente (após os impostos) menos o fluxo de caixa calculado para um período de um ano que poderia ter sido obtido com o fechamento do estabelecimento, vendendo-se os estoques e alugando (ou sublocando) a propriedade pelos preços de mercado. No cálculo do lucro em contacorrente, eliminei as várias despesas de juros e de hipotecas que a companhia cobrava de cada estabelecimento. Não fiz a alocação de “despesas indiretas”, que, na verdade, eram os salários e benefícios dos donos da empresa, e a lancei às demais despesas corporativas
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com base no custo dos bens vendidos, e não do metro quadrado. Também acrescentei os pagamentos de incentivos às folhas de salários de cada local. 4. O termo formal para isso é “corrupção” – a decadência em relação a uma forma original. No entanto, essa palavra perdeu o significado original e agora designa uma perversão moral. 5. Alfred Sloan, My years with General Motors (Nova York: Doubleday, 1990), p. 67.
CAPÍTULO 15 1. “Vidia” é um amálgama de “vídeo” com “via”, a partir das palavras latinas significando “ver” e “caminho” ou “estrada”. A letra “N” é uma abreviação da palavra latina natus, que significa “vir a existir”. 2. Ed Catmull (Pixar), John Carmack (id Software), Doug Kay (Mondo Media, Web graphics), e Pat Hanrahan (Stanford Computer Graphics Lab). David Kirk (Crystal Dynamics) foi contratado para ser cientista chefe. 3. Embora a simulação tenha sido realizada por programas de software rodando em computadores de uso geral, a emulação foi feita pela configuração de chips especiais para se comportar como o chip alvo. Apesar de mais lento do que seria o chip real, a emulação é muito mais rápida do que a simulação. 4. A Jon Peddle Research é uma empresa de consultoria técnica em administração e marketing, especializada em recursos gráficos e multimídia. 5. Citação de Way Ting, ex-vice-presidente da SGI, em Robert Hof, Ira Sager, e Linda Himelstein, “The Sad Saga of Silicon Graphics”, BusinessWeek, 4 de agosto de 1997. CAPÍTULO 16 1. John Locke, Second Treatise on Government, 1690, cap. 4, disponível no site http://www. constitution.org/. 2. Howard Schultz e Dori Jones Yang, Dedique-se de coração (São Paulo: Negócio Editora, 1999), pp. 50–51. 3. Ibid., 87. CAPÍTULO 17 1. Malcolm Gladwell, Blink: a decisão num piscar de olhos (Rio de Janeiro: Rocco, 2005). 2. Isso é chamado abandono da taxa básica. Pode ser explicado pela representatividade heurística. Ver Daniel Kahneman e Amos Tversky, “On the Psychology of Prediction”, Psychological Review 80, n. 4 (julho de 1973): 237–51. 3. Esse é provavelmente um exemplo da tendência de visão interna aplicada em ambientes competitivos. Ver Daniel Kahneman e Dan Lovallo, “Timid Choices and Bold Forecasts: A Cognitive Perspective on Risk Taking”, Management Science 39, n. 1 (janeiro de 1993): 17–31, assim como Colin Camerer e Dan Lovallo, “Overconfidence and Excess Entry: An Experimental Approach”, American Economic Review 89, n. 1 (março de 1999): 306–18. 4. Uma caixa autônoma do TiVo duplica funções já fornecidas pelo decodificador e precisa baixar informações de programação pela linha telefônica ou por uma conexão da internet, em vez de buscar diretamente na ligação da TV a cabo. Esses custos adicionais e complicações impedem que ela seja uma solução para o mercado de massa. CAPÍTULO 18 1. Garrahan, Bath, e Stricker, “Emerging Network Companies: Exploiting Industry Paradigm Shifts”, Lehman Brothers, 27 de outubro de 1998. 2. R.P. Rumelt, “Global Crossing (A) and (B)”, Anderson School da UCLA, estudo de caso, 2002, www.goodstrategybadstrategy.com.
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3. Para uma análise detalhada e sutil sobre a bolha da capacidade de fibras óticas, ver Andrew Odlyzko, “Bubbles, Gullibility, and Other Challenges for Economics, Psychology, Sociology, and Information Sciences”, University of Minnesota School of Mathematics, 2010, http://www.dtc.unm.edu/~odlyzko. 4. Ver Torkel Franzén, Gödel’s Theorem: an incomplete guide to its use and abuse (Wellesley, MA: A K Peters, Ltd., 2005). Gödel mostrou que sistemas lógicos pelo menos tão comple xos quanto a aritmética eram incompletos. 5. Para uma análise, ver Nobuhiro Kiyotaki e John Moore, “Credit Cycles”, Journal of Political Economy 105, n. 2 (abril de 1997): 211–48. Eles dizem: “A interação dinâmica entre limites de crédito e preços dos ativos acaba sendo um poderoso mecanismo de transmissão por meio do qual os efeitos dos choques persistem, amplificam e se espalham para outros setores”. 6. Essa expressão foi popularizada por Nassim Taleb em seu livro A lógica do cisne negro: o impacto do altamente improvável (Rio de Janeiro: Best Seller, 2008). Porém, conforme argumentou Taleb em seu blog, a crise financeira não foi um “cisne negro” porque não era “altamente improvável”. 7. Daniel Kahneman e Dan Lovallo, “Timid Choices and Bold Forecasts: A Cognitive Perspective on Risk Taking”, em Fundamental Issues in Strategy: A Research Agenda (org. por Richard Rumelt, Dan Schendel e David Teece (Harvard Business School Press, 1994), pp. 71–96. 8. A OCDE, descendente do Plano Marshall, contém 33 países avançados. Seu propósito consiste em fomentar o progresso econômico e o comércio. 9. Richard J. Herring e Susan Wachter, “Real Estate Booms and Banking Busts: An International Perspective”, Wharton Financial Institutions Center, documento 99-27, 1999. 10. “Australia Frightened; the Results of an Abnormal Land Boom”, The New York Times, 15 de agosto de 1892. 11. U.S. Department of Housing and Urban Development, Urban Policy Brief, no 2, agosto de 1995. 12. Henry M. Paulson Jr., “Open Statement at the Meeting of the U.S.-China Strategic Economic Dialogue”, U.S. Department of the Treasury, comunicado à imprensa hp727, 12 de dezembro de 2007. 13. Ben Bernanke, “The Great Moderation”, observações para a Eastern Economic Association, 20 de fevereiro de 2004. 14. Alan Greenspan, “Economic Flexibility”, observações para a National Association for Business Economics, 27 de setembro de 2005. 15. Timothy F. Geithner, discurso para a Global Association of Risk Professionals (GARP) Seventh Annual Risk Management Convention, Nova York, 28 de fevereiro de 2006. 16. Provérbios 16:18.
ÍNDICE ação: coerente, 73, 83-89 coordenada, 122-123 passando para a, 83 Accenture, 39 Addison, Joseph, 238 Advanced Micro Devices (AMD), 225 Afeganistão, 152–153 Agnelli, família, 148 al Qaeda, 152–153 alavancagem, 81, 93–100 e antecipação, 94–96 e concentração, 98–100 e pontos centrais, 96–98 Alcatel-Lucent, 197n, 199 Alexandre da Macedônia, 289n4 Alvarez, Luis, 182 Amazon, 154n ambição, 5 ambiguidade, resolvendo, 103–105 Amelio, Gil, 11 American Airlines, 196 American Can Company, 136 Andersen Consulting, 13, 39 Andropov, Yuri, 98 Aníbal, 118–122, 223 anomalias, 234–236 Ansco, 183 antecipação, 81, 94–96, 121–122 antecipação, tendências em, 184–186 AOL (America Online), 186 Apple Inc., 11–15, 153, 180, 197 e concorrência, 11, 14, 192 sucesso da, 70 Arábia Saudita, 35 Aristóteles, 233 Aristotélica, teoria, 233–234 ARPANET, 180 Arquimedes, 93
Arrow, Kenneth, 58 Arthur Andersen, 36, 39 ArtX, 224, 225 AT&T, 181, 186 e cabo transatlântico, 262 e concorrência, 257 e desregulamentação, 185 inércia da cultura na, 197–199 ataques de 11 de setembro, 32–33, 152 ATI Technologies, 224–225 Atlantic Crossing, 262 atração, lei da, 68 avaliação/julgamento, 254, 260–261 Avaya Inc., 197n Avery, William, 143–147 baixo desempenho, 53 barramento triangular, 217, 218 Bass, Bernard, 62 batalha de titãs, 185 Bear Stearns, 272 Bechtolsheim, Andy, 180 Bell Laboratories, 197n, 198–199 Bennis, Warren, 62 Berlim, Ponte Aérea, 78 Bernanke, Ben, 282, 283 Bezzera, Luigi, 239 bin Laden, Osama, 67, 153 Blockbuster, 191 blue box (roteador), 180 BMW, 123 boa estratégia: cerne da, ver cerne e concorrência, 11 natureza da, 6, 9, 11 núcleo da, 2 simplicidade da, 1–2, 12, 81 superando desafios na, 2, 4 Boeing Fleet Planner, 194–195
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bolhas de ações, 272 bolhas de crédito, 272, 278 Bolsa de Valores de Londres, 238 Booz Allen Hamilton, 39 Bosack, Len, 180 BP, vazamento de petróleo no Golfo, 274 Braniff International, companhia aérea, 194 Braun, Werner von, 102–103 Brett, irmãos, 262 Brewer, David, 52–53 Bright, Charles, 262 British Airways, 2 British Telecom, 186 Brown, Harold, 28 Brown, Richard, 148 Buffett, Warren, 153 Bush, George H. W., 15, 20, 78 Bush, George W., 3–4, 32–33, 96, 281 Bushnell, Nolan, 213 Buwalda, Phyllis, 104–105 Byrne, Rhonda, 69–70 Cable & Wireless, 148 Cabo Atlântico, 262–267 California State University em Sacramento, 65 Calle, Craig, 143, 146 Camboja, Khmer Vermelho no, 200 Canas, 118–123 Cannon, Michael, The land boomers, 279 Canon, 130 carisma, 61–63, 63, 101 Carmack, John, 215 Carnegie, Andrew, 245–246 Carter, William, 262 Catmull, Edwin, 213 Celestica Hong Kong Ltd., 221 cerne, 73–75, 255–256 ação coerente no, 73, 83–89, 255 diagnóstico no, 73, 75–79, 255 diretriz política no, 73, 79–83, 255 elementos do, 7, 73 Challenger, anel de obstrução, 110 Chambers, John, 180 Chandler, Alfred D. Jr., 258 Chen Brothers, 50 Cheney, Dick, 20 Chopra, Deepak, 69 Churchill, Winston, 46, 61 CIA (Agência Central de Inteligência), 65–66, 96
ciência, 229–243 anomalias em, 236 como método, 234 e Renascimento, 233–234 hipóteses em, 234 refutação em, 234 Ciência Cristã, 68, 69 Ciência Religiosa, movimento, 69 científica, indução, 241 científico, empirismo, 229, 234–234 Cinco Forças, modelo das, 145, 266, 269 Cipião, Públio Cornélio, 288n2 Cisco Systems, 172–173, 174, 179–182, 187 Cisneros, Henry, 278 cisnes negros, 275 Citigroup, 272 Civil Aeronautics Board (CAB), 193, 195, 196 Clark, Jim, 213–214, 223 Cleevely, David, 265 Clinton, Bill, 278 Coca-Cola, 170 coerência, 73, 81, 83–89, 255 de políticas e ações, 9 perda de, 1 Coiote, Willy, 273 Comcast, 259 companhias aéreas: Continental, 193–197 Desregulamentação das, 186, 193–194, 195–197 Compaq, 130 competências centrais, 290n6 competitiva, vantagem, 29, 81, 153–154 complexidade, reduzindo, 81 computação em nuvem, 36 concentração, 98–100 concorrência, bloqueando, 225, 257 Condorcet, paradoxo de, 57–58 condução centralizada, 87–88 conhecimento, 255 já conhecido, 232–233 Connelly, John F., 135, 143, 145, 146 Conrad, Pete, 110 contenção, 77–78 Continental Airlines, 193–197 Continental Can Company, 136 Continental Illinois, resgate, 275 Conway, John, 145 Cook, Dick, 162
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coordenação, 87, 89, 109 Coors Brewing Co., 139 Copérnico, teoria de, 233–234, 238 Cornell University, 65 correção, 273 corrupção, 291n4 crescimento, 143–150 e estratégia, 223 motivos para o, 147 por aquisição, 147 saudável, 150 valor gerado no, 146–147 criar-destruir, 257–259 crise de energia, 95–96, 103 Crown Cork & Seal, 135–142, 143–147 Cruzada dos Inocentes, 63 CSBA (Center for Strategic and Budgetary Assessments), 32 cultura: inércia da, 197–201 uso da palavra, 200 custos: custo médio de longo prazo, 266 do comprador, 160n fixos, 183 marginal (variável), 266 médios, 266 Daimler AG, 131 DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), 41–42 Davi e Golias, 21–22 Dawson, Wallace, 262 DEC (Digital Equipment Corporation), 56–59, 60, 178, 180 decisões, teoria formal de, 122 deflação da dívida, 273 Dell, 12, 130, 221, 222 Delta Airlines, 186, 196 demanda, criação de, 163–165 democracia, irracionalidade de grupo na, 58 demonstração, efeito, 188 Denton, Carl e Mariah, 203–204, 206 Denton’s Inc., 203–207, 211 Departamento de Defesa dos Estados Unidos, 27–30, 65 depressões: (1819), 278 crise financeira (2008), 276 pânico de 1837, 278 pânico de 1893, 279
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desafios: fracasso em enfrentar, 31, 39–42 mal-estruturados, 77 superando, 2, 4 desalavancagem, 273 Descartes, René, 233 descentralização vertical da indústria de informática, 79 desregulamentação: companhias aéreas, 186, 193–194, 195–197 telecomunicações, 183–184, 185, 193 determinação, 5 diagnóstico, 73, 75–79, 255 Diamond Multimedia, 222 dinâmicas, 168–190 e terreno mais elevado, 168–171 ver também ondas de mudança DirecTV, 259 direitos autorais, 165 direitos de propriedade, 165–166 diretriz política, 73, 79–83, 255 Disney Company, 162–163 distribuição não normal, 275 dívida das famílias, 272–274, 277–278, 278–281 Dodge, Theodore, 121 domínio pessoal, 71 Doom (jogo para PC), 214–215 Doriot, Georges F., 83 Dow Chemicals, 64 Drucker, Peter, 62 Dryden, John, 238 du Pont, Pierre, 207 DuPont, 161–162 Eastern Airlines, 196 eBay, 158–159 economias de escala, 265 Eddy, Mary Baker, 68 efeito limite na publicidade, 99 efeito limite, 99 Einstein, Albert, 236 Eisenhower, Dwight D., 59, 61, 62 Embraer (Brasil), 163 Emerson, Ralph Waldo, 67, 71 empreendimento, arco do, 128–131 energia nuclear, 188 engenharia exagerada, 275 Enron, 36–39, 64 Enterprise Rent-A-Car, 130
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entropia, 203–211 definição científica de, 191 Denton’s, 203–207 GM, 207–211 escolha, 82–83 e teoria da decisão, 122 estratégia como, 59, 61 incapacidade de fazer, 56–61 especialistas, grupo virtual de, 257–259 espécie, 278 esquiar no nevoeiro, 182 estados de atração, 187–190 estratégia: ciência da, 229–243 coerência da, 9 como escolha, 59, 61 como hipótese, 229–231, 234 componente empreendedor da, 232 confundindo metas por, 31, 43–49 criar-destruir, 257–259 e avaliação, 260–261 e crescimento, 224 e liderança, 63 estilo de preencher os espaços em branco em um modelo, 55, 61–66 ideia básica da, 9 natureza da, 6–7, 63 pensando sobre, 227–228 solução de problemas, 256–257 soluções laterais, 259 uso incorreto do termo, 5–7 ver também estratégia ruim; boa estratégia estratégia ruim, 31–54 características da, 31 confundindo metas com estratégia, 31, 43–49 detecção da, 7 e evitar trabalho árduo, 55 e o Novo Pensamento, 55, 67–72 estilo de preencher os espaços em branco em um modelo, 55, 61–66 fato comum, 55 floreado, 31, 36–39 fracasso em enfrentar o desafio, 31, 39–42 incapacidade de escolha, 56–61 natureza da, 4, 7, 35 objetivos ruins, 31, 49–54 origem do conceito, 32–35 European Business Group, 83–85
Evans, David, 213 excedente, 289n6 excelência, 115–117 Exército dos Estados Unidos: manobra de envolvimento pelo, 18–19 manual de campo do, 3–4 experiências, 254–255 Facebook, 154n Fahd, rei da Arábia Saudita, 20 falácia da navegação suave, 275 Falkenhayn, Erich von, 46 Fansteel Inc., 244–245 fatores limitantes, 111 Fed (Banco Central dos Estados Unidos), 281–283 FedEx, 130 Feldman, Al, 193, 197 ferramentas, 255 Ferris, Dick, 194 fibras óticas, canais de, 265, 269 Field, Cyrus, 262 Fisher, Irving, 273 Fisher, Jeff, 217 Fletcher, Fred, 244–245, 247 floreado, 31, 36–39 Flowers, Betty Sue, 71 foco, 135–142, 146 Ford Motor Company, 86, 170 Modelo T da Ford, 207 Ford, Henry, 70–71, 207 fracasso em enfrentar o desafio, 31, 39–42 fragmentação, 200 Franklin Mint, 154 Frontier Airlines, 196, 197 Fuji, filmes, 183 Fuld, Richard, 3 Galileu Galilei, 233–234 Gandhi, Mahatma, 61, 63 ganho operacional (GTO), 204–205 Gates, Bill, 12, 94, 131 Geithner, Timothy F., 283 General Electric (GE), 170, 183 General Motors (GM): entropia na, 207–211 modelos e preços, 208, 209, 210, 211 pedido de concordata da, 211 questões de elos em cadeia na, 111–112, 117 Gerstner, Lou, 79, 80
ESTRATÉGIA BOA/ESTRATÉGIA RUI M
gestão da cadeia de suprimento, 28 Getty Trust, 100 Getty, Fundação, 100 Getty, J. Paul, 100 Gilbreth, Frank, 160 Gilder, George, 269 girando a manivela, 231 Gladwell, Malcolm, Blink, 251 Glide (linguagem), 216, 218 Global Crossing, 262, 262–269 Gödel, Kurt, 270 Goldhamer, Herbert, 106 Google, 96, 130, 189, 192 Gorbachev, Mikhail, 98 Gore-Tex, 151 Gorin, Ralph, 179–180 gráfico em corcova, 205–206 Graham, Bob, 16 gravidade, teorias da, 236 Greenspan, Alan, 282 Grove, Andy, 60, 176 Só os paranoicos sobrevivem, 177–178 Guerra às Drogas, 103 Guerra da Coreia, 78 Guerra do Golfo (1991), 15–20 Guerra do Vietnã, 3, 78, 95 Haig, Douglas, 46 Hay Associates, 39 Heliocêntrico, universo, 233–234 Herring, Richard J., 277 Hershey’s, 170 Hindenburg, desastre do, 274, 275 hipotecas, 272–274, 275, 278–282 hipóteses: como estratégia, 229–231, 234 em ciência, 234 Hobbes, Thomas, 233 Hogg Robinson, 245 Holmes, Ernest, Creative mind and success, 69 Hoover, Herbert, 278 HP (Hewlett-Packard), 12, 59, 130, 222 Huang, Jen-Hsun, 212, 216, 217, 218 Hughes Electronics, 229–231 Hume, David, 233 Hunt’s, produtos da, 170 Hussein, Saddam, 15, 17, 35, 95 IBM, 79, 169 e concorrência, 130, 131
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e mudança, 177–178, 179, 180, 181, 183 litígios em ações antitruste, 181, 185, 257 id Software, 215 IKEA, 115–117 Iklé, Fred C., 32 Ilford, 183 impulso, 99 incentivos associados ao risco, 275 índice de inflação, 282 inércia: da cultura, 197–201 da rotina, 192–197 definição de, 191 e concorrência, 191–192, 193 por procuração, 201–203 revelações da, 193 informação: privilegiada, 240 proprietária, 241–243 Inglaterra, Batalha de Trafalgar, 1 Iniciativa de Defesa Estratégica, 30 inovação, 5, 168 Inquisição, 234 INSEAD, 83 insight, 250, 251 localizado, 256 mudança de jogo, 10 instinto, 251 integração vertical, 243 Intel: e concorrência, 130, 177, 218, 221, 223–224 e Windows, 11, 14, 79, 224, 225 escolhas na, 60 “Intel Inside”, campanha, 223 primeiro microprocessador da, 175–176, 178 interligação em rede: empresas, 180 IP, 180–181 protocolos proprietários na, 181 Intermedia Communications, 202 International Harvester, 39–41 internet: ascensão da, 181, 185, 186, 264, 267, 268, 269 jogos para PC na, 215 Internet Protocol (IP), rede, 180–181, 187–188
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Irã, e Iraque, 15, 17 Iraque: invasão do Kuwait, 15–17 invasão pelos Estados Unidos, 3–4, 94–95 e armas de destruição em massa, 33 e Irã, 15, 17 irracionalidade de grupo, 58 Jaworski, Joseph, 71 Jefferson, Thomas, 233, 234, 278 Jobs, Steve: e a Apple, 12–15 e próxima grande oportunidade, 14–15 no grupo de especialistas do autor, 258, 259 Joffre, Joseph, 46 jogos, e gráficos 3-D, 214–216, 225 Johnson, Lyndon B., 102 Johnstown Flood, 274 Jurassic Park (filme), 214 Kahneman, Daniel, 276 Katrina, Furacão, 274, 275 Kellogg’s, 170 Kennan, George, 78–79 Kennedy, John F., 101–103 Kenworth, caminhões, 131–132 Khalid, príncipe (Arábia Saudita), 20 Khmer Vermelho, 200 King, Martin Luther Jr., 61, 101 Kipling, Rudyard, 262 Kirk, David, 221 Kmart, 25, 27, 130 Knight Ridder, 198 Kobayashi, Koji, 185 Kodak Corporation, 170, 183 Kovacevich, Richard, 80 Kreider, Torsten, 143 Kuwait: armas no, 35 invasão iraquiana do, 15–17 Lehman Brothers, 2, 272 lei da atração, 68 Leibniz, Gottfried Wilhelm, 233 leis naturais, 234 leitoras de código de barras, 25 Lerner, Sandy, 180 Lévy, Jean-Bernard, 171–173, 174, 177, 179
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liderança: carismática, 61–63, 63, 101 responsabilidade da, 2 e estratégia, 63 transformadora, 53, 62 uso da expressão, 285n1 inspiradora, 5–6 Lippman, Steven, 157 Lipton, Mark, Guiding growth, 71 listas, preparando, 51, 245–247 Lloyd, Edward, 238 Lloyds of London, 238 Locke, John, 233, 234 Logan, Chad, 43–45, 47–48, 67 Long-Term Capital Management, 275 Lorenzo, Frank, 196–197 Los Angeles Unified School District (LAUSD), 51, 52–54 Lovallo, Dan, 276 lucro: fluxos de, 201 ganho operacional (GTO), 204–205 gráfico em corcova, 205–206 lutando com o gorila, 151–152 Lynch, Peter, 135 M31 galáxia, 236 Madison, James, 93 Malachowsky, Chris, 216, 219 Mamer, John, 75 Mao Tse-tung, 87 mapa do caminho, uso da expressão, 217 Marshall, Andy, 27–30 Marshall, George C., 62 matéria negra, 236 Matra Communications, 171–174 McCardell, Archie, 39, 41 McCormick, Cyrus, 39 McCracken, Ed, 224 McDonald’s, 76 McDonnell Douglas, 195 McDonough, Jack, 258–259 mecanismos de isolamento, 165–167 mercado de ações, como um círculo fechado, 270 Merrill Lynch, 272 metas: confundindo com estratégia, 31, 43–49 estabelecimento de, 6–7 objetivos versus, 50
ESTRATÉGIA BOA/ESTRATÉGIA RUI M
microprocessadores: e computadores inteligentes, 178 e ondas de mudança, 185 e software, 180 primeiro, 175–176, 178, 193 Microsoft: DirectX, 218, 221, 225 e Apple, 12 e concorrência, 130, 131, 177, 192, 257 e Departamento de Justiça, 12 e Google, 96 Windows, 11, 14, 79, 166, 224, 225 missão, 63 Mogadíscio, 95 monopólios, 257 Moore, Geoffrey, Crossing the chasm, 216 Moore, Gordon, 60, 176 Moore, lei de, 176, 217–218 Morgridge, John, 180 Moses, 61, 63 mudança: ajustes para, 63 como objetivo, 114 e perspectiva, 169 em tecnologia, 222 ondas de, ver ondas de mudança principais efeitos da, 170–171 que gera valor, 159 reengenharia, 160 resistência à, 61 Mulford, Prentice, Thoughts are things, 68, 70 Murata, Noritoshi, 96 Muro de Berlim, queda do, 29 Myst (jogo para PC), 214 Nações Unidas, 34 NAFTA, 134 Nanus, Bert, 62 Napoleão Bonaparte, 1 Napster, 188, 250 NASA, Jet Propulsion Laboratory (JPL), 103–106, 125–128 Nasser, Jacques, 86 National Can Company, 136 Navistar, 131 NEC Corporation, 66, 185 Nelson, Horatio, visconde, 1 Nestlé, 107 Netflix, 191 New York Air, 197
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Newland, Ted, 95 Newton, Isaac, 233, 234, 236, 238 NeXT, 13, 15 Nicks, Oran W., 110 nivelamento da qualidade, 111, 114 Northern Pacific, 278 Northern Telecom, 171 Nova Era, ideias, 70 Nova York, resgate da cidade de, 275 Novo Pensamento, 55, 67–72 núcleos, 112 Nucor, 131 Nvidia, 212–213 e concorrência, 130, 223–225 estratégia na, 216–222 fundação da, 216 o que vem em seguida?, 225 Tesla, chips gráficos, 225 objetivos: de valor duvidoso, 51, 53 estratégia ruim, 31, 49–54 hierarquias de, 107–109 imediatos, 87, 101–109 longo prazo, 51 metas versus, 50 mudança em si como, 114 uma bagunça de, 51 viáveis, 106 objetivos estratégicos ruins, 31, 49–54 objetivos imediatos, 87, 101–109 criando opções, 106–107 hierarquias de, 108–109 resolvendo ambiguidade, 103–105 Ocean Spray, 164 Olsen, Ken, 58–59 ondas de mudança: balizamentos para, 182 cavalgando as, 171–174 custos fixos crescentes, 183 discernindo os fundamentos das, 174–177 e desregulamentação, 183–184 em telecomunicações, 177–182 estados de atração em, 187–190 exógenas, 168–170 nos primeiros estágios, 170 principais efeitos das, 170–171 respostas dos participantes do mercado às, 187 tendências de previsão em, 184–186
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RICHARD P. RUME LT
OPEP, 95 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 276 OTAN, 32, 34, 78 Ouchi, Bill, Making schools work, 77 Paccar, 131–134 Pacific Capital Group, 262 pacotes de serviços, 257 Paine, Thomas, 233 Palmer, Robert, 59 patentes, 165 Paulson, Henry M. Jr., 281 Peale, Norman Vincent, 69 Peddie, Jon, 223 Penrose, Edith, 290n6 pensamento: anomalias do, 234–236 hipóteses, 229–231, 234 sobre o raciocínio, 227–228 técnicas, 254–259 pensamento positivo, 55, 69–70, 71, 72 People Express, 197 Perot, H. Ross, 46 perspectiva, 169 pesquisas de opinião, círculos fechados de, 270 Peterbilt, caminhões, 131–132 Petraeus, David, Manual de Campo da Contrainsurgência para os Corpos do Exército/Marinha, 3–4 petróleo: crise de energia, 95–96, 103 e direitos de propriedade, 165–166 preço do, 193 Philadelphia Savings Fund Society (PSFS), 201 pipeline de gráficos, 213–214, 218, 221, 225 Pixar, 162 PJ (piloto), 108–109 planejamento, 48–49 Platão, 233 poder: descoberta do, 22 e alavancagem, 93–100 fontes de, 90 Pol Pot, 200 POM Wonderful, 156, 156, 163–165 pontos centrais, 96–98
Pope, Alexander, 238 Porter, Michael, 145, 153, 266 Powell, Michael, 250 Pratt & Whitney, 183 preços das ações, e expectativas, 267–268, 269 Priem, Curtis, 216 Primeira Guerra Mundial, Passchendaele, 45–47 Princeton Project on National Security, 32–33 procuração, inércia por, 201–203 projeto, 118 antecipação, 121–122 compromissos de escolha em, 126, 127 custos do, 176, 177 da ação coordenada, 122–123 e concorrência, 130 e entropia, 209–210 natureza do, 128 o arco do empreendimento, 128–131 ordem a partir do caos, 131–134, 209 partes de um todo, 123–128 premeditação, 121 tentativa e erro em, 177 Projeto Solarium, 59 proteções pela marca, 165 Ptolomeu, teoria de, 233–234 Quake (jogo para PC), 215 Qualcomm, 176–177 Qwest, 268 Randolph, Edmund, 93 Rao, Srikumar S., 71–72 razão, e Renascimento, 233–234 Reagan, Ronald, 29, 98 rebanho social, 275–276, 283 recuo estratégico, 2 recursos estratégicos, 128–130 rede, 26–27, 179 rede, efeito, 154n Reed, John, Os dez dias que abalaram o mundo, 30 reengenharia, 160 Reforma Protestante, 67, 238 Reforma, 67, 238 refutação, 234 Renascimento, 233–234, 238 rentabilidade, 159 Republic Steel, 245
ESTRATÉGIA BOA/ESTRATÉGIA RUI M
República Romana, 288n1 Resnick, Lynda, 154–156, 163–165 Resnick, Stewart, 154–158, 163–164 Ricardo, David, 289n7 RIVA TNT, chip, 220, 221 Roche, James, 29–30 Roll International Corporation, 154–157 Rolls-Royce, 177, 183 Romero, John, 215 Rommel, Erwin, 121 Roosevelt, Franklin D., 88, 278 Rossignolo, Gianmario, 148, 150 rotação galáctica, 236 rotina, inércia da, 192–197 Rowntree, 107 Rutherford, Alan, 143 S. S. Kresge Corporation, 25 saliência, efeito, 99 Santos, Joe, 242, 243 Saul, rei de Israel, 21 Scharmer, C. Otto, 71 Schlesinger, James R., 32 Schultz, Howard, 236–241 Schwarzkopf, Norman, 16–20 Scott, Bruce, 258 SEATO, 78 Segafredo Zanetti, 242 Segunda Guerra Mundial, condução centralizada na, 88 segurança nacional, 32–35, 61 semicondutores, 217 Senge, Peter: A quinta disciplina, 70, 71 Presença, 71 setor de jornais, 188–190 Seven & i Holdings, 96 7-Eleven, 96 Shaw, George Bernard, 101 Shell International, 95 Silicon Graphics Inc. (SGI), 213–214 e concorrência, 224 e pipeline de gráficos, 221, 225 e barramento triangular, 217, 218 simplificação, 200 sistemas de elos em cadeia, 110–117 excelência, 115–117 ficando amarrado, 111–112 libertando-se, 112–115 Sloan, Alfred, 207–209 Smith, Adam, 233, 238
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software: ciclo de desenvolvimento do, 177 vantagem do, 174–177 Solução de problema, 256 Sony, 205 Southwest Airlines, 196 Sputnik (1957), 101 Stalin, Joseph, 87 Starbucks: anomalia e, 236–237 captando informação proprietária, 241–243 desafio mal-estruturado da, 76–77 e concorrência, 242 e divergência, 238–239 fundação da, 237 integração vertical, 243 testando a hipótese da, 239–241 Surveyor, pouso na Lua, 103–105 sustentabilidade, 153 Sutherland, Ivan, 213 Swift, Jonathan, 238 Taleban, 152–153 Taylor, Frederick, 246, 247 Teece, David, 258, 259 Tegra, sistema, 225 Telecom Italia, 13, 147–150 telecomunicações: Cabo Atlântico, 262–267 Cisco Systems, 172–173, 179–182, 187 convergência de computação e, 185 desregulamentação das, 183–184, 185, 193 duto gordo, 265 e internet, 180–181, 187–188 economia das, 265–266 Global Crossing, 262, 262–269 inércia por procuração nas, 202–203 Itália, 13, 147–150 Matra, 171–174 pontos de inflexão nas, 177–179 Teleflora, 154–156 Tempestade no Deserto, 15–20 tendências, previsíveis, 184–186 termodinâmica, segunda lei da, 191 terreno elevado, 168–171 Texas Air, 196–197 Thatcher, Margaret, 148 The New York Times, 188–190 Tinelli, Marco, 112–115, 117