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O que aprendi vivendo em um mosteiro No meio das montanhas da Califórnia, em um pequeno mosteiro, a designer Carol conviveu com mais sete pessoas. Ela optou por essa jornada solitária, de muita meditação e de silêncio profundo, para aprender a focar melhor seu olhar diante da vida TEXTO E ILUSTRAÇÕES
CarolEnguetsuLe�èvre
Os belos desenhos que ilustram estas páginas foram feitos por Carol, durante sua estadia de três meses no Yokoji, um pequeno mosteiro nas montanhas da Califórnia, EUA. O lugar recebe pessoas interessadas em mergulhar nos ensinamentos do budismo
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��������� �� ����������, arquitetura com inspiração japonesa e estátuas de Buda espalhadas pelo jardim. No caminho do quarto para a sala de meditação, vejo esquilos, ouço o vento nas árvores. Na volta, de noite, o céu impressiona e eu posso acompanhar
a Lua crescendo e minguando. Estou em um Zen Mountain Center chamado Yokoji e vou passar três meses aqui, vivendo e praticando o zen-budismo com mais sete pessoas.
Os sinos indicam que é hora de acor-
Conhecendo o zen
dar, hora das refeições, hora de sentar em zazen, a meditação zen. Serão nove períodos de meia hora de zazen por dia durante um mês e meio de treinamento intensivo e quatro no outro mês e meio. Já pratico o zen-budismo há sete anos, mas como será essa prática extensa e constante? Como será viver numa pequena comunidade que procura seguir o caminho de Buda? Yokoji-Zen Mountain Centerfaz parte da escola Soto Zen, uma das principais escolas do zen-budismo japonês. É um Zen Center de treinamento, similar a um mosteiro, mas não é restrito apenas a monges. Qualquer pessoa que esteja sinceramente interessada em praticar o zen é bem-vinda. Foi fundado em 1982 por Taizan Maezumi Roshi, um dos pioneiros do zen americano. Inicialmente era um espaço de treinamento de verão do Zen Center de Los Angeles e, em 1995, passou a funcionar como um zen center de treinamento durante o ano todo. O abade, reverendo Charles Tenshin Fletcher, é irmão do Dharma da minha mestra brasileira, a Monja Coen. Os dois começaram a prática do zen em Los Angeles, com Maezumi Roshi no início dos anos 80.
A minha história com o zen começou
na Páscoa de 2006 quando eu fui participar de um retiro de zen e ioga com a Monja Coen e a professora Lila Leuzzi no interior de São Paulo. Fui com uma amiga que estava muito preocupada que eu não fosse gostar “daquele papo de monja”. Mal sabia ela que aquele era só o começo de uma longa jornada. De lá para cá, me tornei membro da comunidade Zendo Brasil, fui instrutora do zazen de principiantes, recebi os preceitos budistas ganhando o nome de Enguetsu, participei de diversos seshins (retiros zen, quando praticamos com mais intensidade) e, no ano passado, fiz parte do grupo que fez o retiro de viver por quatro dias nas ruas de São Paulo. Nesse mesmo período em que me envolvi e me dediquei à prática do zen, comecei a ficar insatisfeita com o estilo de vida que levava. Trabalhava num escritório de design gráfico e me sentia aprisionada por passar o dia inteiro sentada na frente do computador. Apesar do trabalho de design ser criativo, sentia que aquela rotina drenava minha criatividade. Passei alguns anos querendo ter uma vida mais livre, sem conseguir. Em
2010, fiz uma viagem de férias para a Turquia. Fui com um amigo, mas por
uma semana viajei sozinha pela costa sul, fazendo zazen nas ruínas esquecidas na paisagem, desenhando e lendo um texto do Mestre Doguen (monge fundador da escola Soto) sobre o tempo, Uji, Ser-tempo. Foi maravilhoso! A volta, dificílima. A Monja Coen me disse “é porque não tem volta”. E dessa volta sem volta nasceu essa minha viagem ao mosteiro. Era um desejo imenso de me aprofundar na prática do zen e também de unir as coisas que mais gosto: viajar e desenhar. Precisei de mais dois anos para me organizar, passei a trabalhar como autônoma e fui avisando as pessoas que eu iria viajar. Aluguei meu apartamento, vendi meu carro, empacotei minhas coisas. Enfim, depois de muito esforço, de lidar com os meus medos, de conseguir ficar confortável mesmo sem saber exatamente o que iria acontecer, cheguei aqui, pronta para essa experiência intensa. Desafios
As primeiras semanas foram de adaptação. Adaptar-me à língua, à rotina, ao uso limitado da internet, a entender as relações pessoais dentro do Zen Center e como me posicionar. A comunicação foi o primeiro desafio. Por mais que o meu inglês fosse bom e que eu já tivesse tido a experiência de viajar e me comunicar em inglês, é muito diferente você falar inglês num albergue com pessoas que também têm o inglês como segunda língua. Quando eu estava conversando apenas com uma pessoa, não era tão complicado, mas quando estavam todosjuntosconversando,um esforço constante! A minha sensação era que o meu entendimento tinha uma certa “miopia”: eu conseguia entender o
Durante uma semana, Carol foi o jikidô, o responsável por marcar o tempo. Era ela quem tocava o sino às cinco para acordar o grupo. Também fazia parte de suas tarefas tocar o han, um instrumento que servia para avisar que a sala estava pronta para a meditação
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que se passava, mas sem precisão. Às vezes, uma palavra me fazia perder o significado de toda a conversa. Mas como parte da prática zen é entender as coisas como são, perceber-se e decidir a maneira de agir, resolvi não lutar contra esse desconforto linguístico. Foquei a atenção no que se passava ao meu redor e em perceber o que me deixava ansiosa, triste e também confortável. Me dei conta de que a questão da língua dava o tom à adaptação, e que mesmo se estivesse no Brasil teria esse esforço de me achar nesse ambiente diferente. Outro aspecto foi a rotina. Quando cheguei, o treinamento era intenso. Acordar às 5h, zazen das 5h30 às 7h20; depois cerimônia e café da manhã. Às 9h, início do trabalho; 12h30, almoço; de tarde, zazen das 15h30 até 17h20; cerimônia e jantar às 17h30. E zazen novamente das 19h até 20h50. Prece de encerramento e apagar as luzes às 21h30. No domingo e na segunda, havia algumas mudanças nessa rotina. E o único dia livre era a terça-feira, mas, mesmo assim, havia zazen das 7 às 8 da manhã e às 15h30. No final da primeira semana, a sensação era que eu tinha um emprego: fazer zazen. O fato de já estar acostumada a períodos de prática intensa ajudou bastante. E a parte �ísica não foi a mais di�ícil, mas estar sempre no horário, dar conta de cuidar das minhas coisas, me manter em contato com as pessoas do Brasil, foi realmente um desafio. E o tempo livre parecia passar em segundos. Trabalho bom ou ruim
Numa semana eu fui jikidô, que é quem marca o tempo no Zen Center, responsável por acordar a todos às 5h e, antes disso, já ter feito café. Ou seja, o meu horário de acordar
foi às 3h45 para ter tempo de chegar à cozinha às 4h15 para preparar o café, acender as velas nos diversos altares e tocar o sino de acordar no horário exato. Também é função do jikidô preparar a sala de zazen e tocar um outro instrumento chamado han, que anuncia que a sala está pronta e todos devem ir para o zazen. No primeiro dia, cheguei à cozinha às 4h30. Por sorte, tive a ajuda da praticante líder que me auxiliou com o café. No segundo dia, cheguei às 4h20 certa de que estava super no horário, quando a mesma praticante me avisou que eu estava um pouco atrasada. ���� �����? 4h20 da manhã e eu atrasada? Mas marcar o tempo foi um exercício zen maravilhoso. Fazer o que deve ser feito, não ter tempo para mais cinco minutos na cama, estar presente. E prestar atenção no toque dos sinos, perceber o movimento do braço, a intensidade do som e tocar no minuto em que deve ser tocado. Outro aspecto é o ir e vir de pessoas. O ambiente é o mesmo e completamente diferente dependendo de quem está aqui. Quando chegam novas pessoas, a comunidade cresce, pequenos ajustes vão acontecendo. E nem sempre sem conflito. Culturas, classes sociais, idades e expectativas diferentes geram atrito. A Mon ja Coen, uma vez, falandosobre a experiência dela no Japão, disse que a vida comunitária em um mosteiro era como colocar pedras pontiagudas em uma caixa e sacudir bastante. Aos poucos as pedras vão perdendo as pontas. Aqui na Califórnia não é diferente. A sensação é de que, com a convivência, a comunidade se torna um só corpo. O que acontece com um mexe com todos. Da mesma maneira que, quando temos uma dor de dente, não é o dente que sofre, nós sofremos.
O trabalho também faz parte da prática: em Yokoji, toda a manutenção e o cuidado são feitos pelos residentes. Eu fui a encarregada da faxina. Toda semana tenho de limpar os quartos e os banheiros. No frio, preciso ligar o aquecimento, colocar os lençóis e, depois, retirar os lençóis, desligar o aquecimento, trazer o lixo, lavar os lençóis. Fui descobrindo e valorizando esse trabalho. Aprendendo a olhar o que precisava ser feito, qual a melhor maneira e quando fazer. Fui abrindo meu olhar e deixando de lado o que seria “trabalho bom” e “trabalho ruim”. E simplesmente passei a fazer o que precisava ser feito. E então os limites entre o que é meditar e o queé trabalharforamdesaparecendo. Fui apreciando estar presente e cuidar do que precisava ser cuidado. Aos poucos fui me sentindo profundamente parte do grupo e da vida de Yokoji. Ao mesmo tempo, fui aprendendo a conhecer meus limites e necessidades. Em São Paulo, gosto aos domingos de ir ao cinema na Avenida Paulista, caminhar, olhar as pessoas. Aqui, saio para caminhar no fim da tarde, olhar a paisagem, me deixar estar nesse lugar. Saber da minha vontade de estar junto e sozinha. Apreciar a programação e os dias de folga, me deixar estar no tempo s em pressa, usufruindo de cada segundo. No fim dos três meses, vejo que a vida é o que vivemos no nosso presente, que estar na cidade ou na montanha não é o que faz a diferença. E como devemos viver então? Olhando para dentro e para fora, em plena atenção. Por mim e por todos. CAROL ENGUETSU LEFÈVRE é designer
e decidiu fazer um mergulho profundo no budismo e dentro de si mesma .
Era na sala de zazen que a designer passava boa parte de seu tempo. Na primeira metade de sua estadia no mosteiro, eram nove meditações de meia hora por dia. Depois, passaram a ser quatro sessões por dia