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Projeto Memória e Caminhada Leitura e discussão – Quarta-feira
É impossível falar de Ética. Wittgenstein. A Ética (…) continua problemática, ou seja, cria problema, o que nos obriga a pensar. Kostas Axelos
A exigência subjetiva*
A ética manifesta-se para nós, de maneira imperativa, como uma exigência moral. O seu imperativo origina-se numa fonte interior ao indivíduo, que o sente no espírito como a injunção de um dever. Mas ele provém também de uma fonte externa: a cultura, as crenças, as normas de uma comunidade. Há, certamente, também uma fonte interior, originária da organização viva, transmitida transmitida geneticamente. Essas três fontes são interligadas como se tivessem um lençol subterrâneo comum. Como Como vimo vimoss (O Método 5), 5), as três instânci instâncias as indi indivídu víduo-soc o-socieda iedade-es de-espéci péciee formam uma tríade inseparável. O indivíduo humano, mesmo na sua autonomia, é 100% biológico e 100% cultural. Apresenta-se como o ponto de um holograma que contém o todo (da espécie, da sociedade) mesmo sendo irredutivelmente singular. Carrega a herança genética e, ao mesmo tempo, o imprinting e a norma de uma cultura. Podemos distinguir, mas não isolar umas das outras as fontes biológica, individual e social. Essas três fontes estão no coração do indivíduo, na sua própria qualidade de sujeito. Aqui, eu me refiro à concepção de sujeito elaborada por mim, que vale para todo ser vivo. Ser sujeito é se auto-afirmar situando-se situando-se no centro do seu mundo, o que é literalmente expresso pela noção de egocentrismo. Essa auto-afirmação comporta um princípio de exclusão e um princípio de inclu inclusão são.. O princí princípio pio de exclus exclusão ão signif signific icaa que nin ningué guém m pode pode ocupa ocuparr o espaço espaço egocêntrico onde nos exprimimos pelo nosso Eu. Dois gêmeos univitelinos podem ter tudo em comum, mas não o mesmo Eu. O princípio de exclusão é a fonte do egoísmo, capaz de exigir o sacrifício de tudo, da honra, da pátria e da família. Mas o sujeito comporta também, de maneira antagônica e complementar, um princípio de inclusão que lhe permite incluir o seu Eu em um Nós (casal, família, pátria, partido) e,
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consequentemente, incluir em si esse Nós, incluindo o Nós no centro do seu mundo. O princípio de inclusão manifesta-se quase desde o nascimento pela pulsão de apego à pessoa próxima. Ele pode conduzir ao sacrifício de si pelos seus, pela sua comunidade, pelo ser amado. O princípio da exclusão garante a identidade singular do indivíduo; o princípio de inclusão inscreve o Eu na relação com o outro, na sua linhagem biológica (pais, (pais, filho filhos, s, famíl família) ia),, na sua comuni comunidad dadee soci socioló ológic gica. a. O princí princípi pioo de inclu inclusão são é instintivo, como o passarinho que sai do ovo e segue a mãe. O outro é uma necessidade vital interna. Assim, tudo acontece como se cada indivíduo comportasse um duplo software, um coman comanda dando ndo “para “para si” si” e out outro ro coman comanda dando ndo “para “para nós” nós” ou “para “para out outro” ro”;; um comandando o egoísmo, o outro comandando o altruísmo. O fechamento egocêntrico faz com que o outro nos seja estranho; a abertura altruísta o torna fraterno. O princípio egocên egocêntri trico co pot poten encia cialme lmente nte inclu incluii a conco concorrê rrênci nciaa e o antag antagoni onismo smo em relaç relação ão ao semelhante, até mesmo ao irmão, o que levou Caim ao assassinato. Nesse sentido, o sujeito carrega em si a morte do outro, mas, num sentido inverso, carrega o amor pelo outro. Alguns indivíduos são mais egoístas, outros mais altruístas e, geralmente, cada um oscila em graus diferentes diferentes entre o egoísmo e o altruísmo. O programa altruísta pode nos reduzir ao Nós, seja no sentido biológico do termo (filhos – pais) quanto no sentido sociológico do termo (pátria, partido, religião); enfim, pode nos consagrar a um Tu amado. Conforme o momento, segundo as circunstâncias, o indivíduo-sujeito muda de programa de referência, o egoísmo podendo recalcar o altruísmo e o altruísmo superar o egocentrismo. egocentrismo. Podemos nos devotar estritamente a nós mesmos, aos outros, aos nossos. Cada Cada um vive vive para para si e para para o outr outroo de mane maneir iraa dial dialóg ógic ica, a, ao mesm mesmoo temp tempo, o, complementar e antagônica. Ser sujeito é associar egoísmo e altruísmo. Todo olhar sob sobre re a étic éticaa deve deve reco reconh nhec ecer er o aspe aspect ctoo vita vitall do egoc egocen entr tris ismo mo assi assim m como como a potencialidade fundamental do desenvolvimento do altruísmo. Todo olhar sobre a ética deve levar em consideração que a sua exigência é vivida subjetivamente. subjetivamente. Embora não haja ritual, culto, religião no sentimento do dever experimentado pelo indivíduo leigo, a especificidade subjetiva do dever dá-lhe um aspecto semelhante semelhante ao do místico: o dever emana de uma ordem de realidade superior à realidade objetiva e parece derivar de uma injunção sagrada. Impõe-se com a força desse tipo de possessão e nos leva a ser possuídos por um deus ou por uma ideia. Esses dois aspectos, místico e possessivo, parecem emanar de uma fé invisível. Talvez o aspecto místico, sagrado, fideísta, intrínseco ao dever seja uma herança da ascendência religiosa da ética. Talvez o aspecto de quase possessão venha do mais antigo, mais profundo, a tripla fonte bio-antropo-sociológica. A fé inerente ao dever experimentado interiormente, no caso em que a ética não tem mais fundamento exterior, é a fé na própria ética. Uma fé que, se utilizamos a palavra “valores”, é uma fé nos valores aos quais ela nos entrega. Uma fé que, como toda fé moderna, pode comportar a dúvida. Steven Ozment sustenta que o humanismo de Liberdade-Igualdade-Fraterni Liberdade-Igualdade-Fraternidade dade tinha uma fonte mística e não racional; acredito que se deve complexificar essa tese cons consid ider eran ando do que que esse esse huma humani nism smoo comp compor orta ta um umaa simb simbio iose se de raci racion onal alid idad adee
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(universalidade) e fé quase mística. Não se pode eliminar nem o componente racional nem o componente místico do universalismo ético; e só se pode destacar o componente fé que aí está contido. Assim, efetivamente, eu tenho fé na minha liberdade, fé na fraternidade. A religação ética.
Todo olhar sobre a ética deve perceber que o ato moral é um ato individual de religação: religação com um outro, religação com uma comunidade, religação com uma sociedade e, no limite, religação com a espécie humana. Assim, existe uma fonte individual da ética, no princípio de inclusão, que inscreve o indivíduo na comunidade (Nós), impulsionando-o à amizade e ao amor, levando-o ao altruísmo e tendo valor de religação ( Anschlusswert ( Anschlusswert ). ). Há, ao mesmo temp tempo, o, um umaa font fontee soci social al nas nas norm normas as e regr regras as que que im impõ põee aos aos indi indiví vídu duos os um comportamento comportamento solidário. É como se existisse uma harmonia preestabelecida que estimula os indivíduos a aderir a uma ética de solidariedade dentro de uma comunidade e leva a sociedade a impor aos indivíduos uma ética de solidariedade. Também se poderia dizer que a moral é “natural” ao homem, pois corresponde à natureza do indivíduo e à da sociedade. Mas é preciso corrigir essa afirmação, visto que indivíduo e sociedade possuem uma dupla natureza. O indivíduo tem o princípio poderoso do egocentrismo, que o estimula ao egoísmo, enquanto a sociedade comporta rivalidade, competição, lutas entre egoísmos, podendo até mesmo o seu governo ser ocupado por interesses egoístas. As sociedades não conseguem impor as suas normas éticas a todos os indivíduos. Estes não podem ter comportamento ético que sempre supere o egoísmo. Esse problema se torna mais grave nas sociedades muito complexas nas quais a integração dos vínculos tradicionais de solidariedade é inseparável do desenvolvimento do individualismo. As font fontes es da étic éticaa tamb também ém são natu natura rais is no fato fato de sere serem m ante anteri rior ores es à humanidade: o princípio de inclusão está inscrito na auto-sócio-organização biológica do indivíduo e se transmite por via genética. As sociedades mamíferas são, ao mesmo tempo, comunitárias e rivais: contêm, ao mesmo tempo, o enfrentamento conflitual dos egocentrismos e a solidariedade em relação aos inimigos exteriores. Comunitárias na luta contra a presa ou o predador; rivais, sobretudo entre os machos, nos conflitos pela primazia, pela dominação, pela posse das fêmeas. Os indivíduos dedicam-se à prole, mas também podem, às vezes, comer os próprios filhos. As sociedades humanas desenvolveram e complexificaram esse duplo caráter sociológico: sociológico: o de Gesellschaft (relações de interesse e de rivalidade) e de Gemeinschaft (comunidade). O sentimento de comunidade é e será fonte de responsabilidade e de solidariedade, sendo estas, por seu turno, fontes de ética. Graças à linguagem, a ética de comunidade torna-se explícita nas sociedades arcaicas, com suas prescrições, seus tabus e seu mito de ancestral comum.
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Como vere veremo moss na quar quarta ta part partee dest destee li livr vro, o, a étic éticaa da comu comuni nida dade de,, nas nas sociedades históricas, foi, ao mesmo tempo, inoculada nas mentes pela força física e introjetada pela submissão psíquica. A primeira (polícia, exército) faz valer o medo à coerção; a segunda entra nos espíritos pela interiorização dos mandamentos conjuntos de uma religião dotada de potência sagrada e de um poder de Estado divinizado. As prescrições desse Superego bicéfalo bicéfalo inculcam nas mentes as normas do bem, do mal, do justo, do injusto, produzindo o imperativo do dever. Tentar resistir ao dever suscita culpa e angústia. Assim, nas sociedades fechadas da Antiguidade, a relação desequilibra-se em detrimento do indivíduo, que não dispõe de autonomia moral. A autonomia moral. O surgimento de uma consciência moral individual relativamente autônoma exigiu o progresso da individualidade, algo que se manifestou claramente na Atenas do século V, antes da nossa era. Posso aqui usar a metáfora de Jaynes sobre o espírito bicameral. Jaynes supõe que nos impérios teocráticos da Antiguidade uma câmara da mente era dominada pelo poder e obedecia cegamente às suas ordens; a outra câmara esta estava va volt voltad adaa para para a vida vida priv privad ada. a. As duas duas câma câmara rass não não se comu comuni nica cava vam. m. A consciência individual (consciência intelectual e, ao mesmo tempo, moral) aparece quando uma brecha se opera entre as duas câmaras; daí vem a democracia ateniense, na qual a deusa Atena não governa, mas protege; o governo das cidades depende dos cidadãos, cujo espírito pode então atuar criticamente em relação ao mundo social. A cons consci ciên ênci ciaa mo mora rall indi indivi vidu dual al emer emerge ge tamb também ém hist histor oric icam amen ente te do desenvol desenvolvime vimento nto complex complexific ificador ador da relação relação trinaria trinaria indi indivídu víduo/es o/espéci pécie/so e/socied ciedade. ade. Cont Contri ribu buii para para unir unir indi indiví vídu duo/ o/so soci cied edad ade/ e/es espé péci ciee a desp despei eito to das das opos oposiç içõe õess e antago antagonis nismos mos desse dessess três três termo termos, s, supera superando ndo-os -os até certo certo ponto ponto.. Repõe Repõe o espíri espírito to individual, num nível superior, no circuito trinário. Há comp comple lexi xida dade de,, ou seja seja,, conc concor orrê rênc ncia ia e anta antago goni nism smo, o, na rela relaçã çãoo indiví ind ivíduo duo/so /socie cieda dade/ de/esp espéci écie. e. Essa Essa comple complexi xidad dadee se desen desenvol volve ve nas nas socie sociedad dades es comporta comportando ndo muit muitaa diversid diversidade ade e autonomi autonomiaa indi individu viduais. ais. As sociedad sociedades es históric históricas as experime experimentam ntam desloca deslocament mentos, os, falhas, falhas, fading, entre entre essa essass três três instâ instânci ncias as da ética ética.. Antago Antagonis nismos mos manif manifest estamam-se se entre entre as étic éticas as dos grupos grupos englo englobad bados os e a étic éticaa do conjunto social englobante. Manifestam-se também entre o imperativo do amor pelo irmão e o da obediência à cidade (Antígona e Creonte). Manifestam-se entre a ética da comunidade fechada e a ética universalista da comunidade humana. A autonomização do espírito permite ao filósofo, embora a respeitando, superar a ética comunitária; essa superação é potencial nas sabedorias antigas orientais orientais e ocidentais. ocidentais. A universalização universalização da ética para todo ser humano, seja qual for a sua identidade, só começará com as grandes religiõe religiõess transcul transcultura turais is como o budismo, budismo, cristianism cristianismo, o, islamism islamismoo e, enfim, enfim, com o humanismo europeu; mas esse universalismo universalismo permanecerá limitado, com lacunas, frágil e será incessan incessanteme temente nte acuado acuado pelos pelos fanatism fanatismos os religios religiosos os e pelos pelos etnocen etnocentris trismos mos nacionais. nacionais. Os progressos da consciência moral individual e do universalismo universalismo ético estão ligados. A modernidade ética: os grandes deslocamentos.
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Os tempos modernos produziram deslocamentos e rupturas éticas na relação trinaria indivíduo/sociedade/espécie. A laicização retira da ética de sociedade a força do imperativo religioso. Certo, a nação moderna impõe o seu próprio culto e os seus imperativos sagrados nas guerras em que a pátria corre perigo; mas em períodos de paz as competições, competições, as concorrências concorrências e as tendências egoístas ganham terreno. Certo, e era planetária aberta com os tempos modernos suscita, suscita, a partir do humanismo laico, uma ética comunitária em favor de todo ser humano, seja qual for a sua identidade étnica, nacional, religiosa, religiosa, política. A ética de Kant realiza a promoção de uma ética universalizada que se pretende superior às éticas sociocên sociocêntrica tricass particul particulares ares.. Liberdade Liberdade,, equidade equidade,, solidar solidarieda iedade, de, verdade verdade e bondade bondade tornam-se valores que merecem por si mesmos a intervenção, até mesmo a ingerência, na vida social e, por extensão, na vida internacional. Mas esses desenvolvimentos continuam minoritários e marginais. Os tempos modernos estimularam o desenvolvimento desenvolvimento de uma política política autônoma, de uma arte autônoma, levando a um deslocamento da ética global imposta pela teologia medieval. Certo, a política nem sempre obedecia à ética. Mas, desde Maquiavel, a ética e a política acham-se oficialmente separadas, visto que o príncipe (o governante) deve obedecer à lógica da utilidade e da eficácia, não à moral. A economia comporta, claro, umaa étic um éticaa dos dos negó negóci cios os,, exig exigên ênci ciaa de resp respei eito to aos aos cont contra rato tos, s, mas mas obed obedec ecee aos aos imperativos do lucro, o que leva à instrumentalização e à exploração de outros seres humanos. A ciência moderna alicerçou-se sobre a separação entre juízo de fato e juízo de valor, ou seja, entre, de um lado, o conhecimento e, de outro, a ética. A ética do conhecimento pelo conhecimento à qual a ciência obedece não enxerga as graves consequê consequência nciass geradas geradas pelas pelas extraordi extraordinária náriass potência potênciass de morte morte e de manipula manipulação ção susci suscitad tadas as pelo pelo progre progresso sso cient científ ífic ico. o. O desen desenvol volvim viment entoo técni técnico, co, insep insepará aráve vell do desen desenvol volvim viment entoo cient científ ífic icoo e econô econômi mico, co, permit permitiu iu o hiper hiperdes desenv envolv olvime imento nto da racionalidade racionalidade instrumental, que pode ser posta a serviço dos fins mais imorais. Também as artes se emanciparam progressivamente de toda finalidade edificante e rejeitam qualquer controle ético. Certo, todas essas atividades atividades necessitam de um mínimo de ética profissional, profissional, mas elas só excepcionalmente carregam uma perspectiva perspectiva moral. Em todo todoss os camp campos os,, o dese desenv nvol olvi vime ment ntoo das das espe especi cial aliz izaç açõe õess e dos dos compar comparti timen mentos tos buroc burocrát rátic icos os tende tendem m a encer encerrar rar os indiv indivídu íduos os num domíni domínioo de comp compet etên ênci ciaa parc parcia iall e fech fechad ado, o, de onde onde deri deriva va a frag fragme ment ntaç ação ão e a dilu diluiç ição ão da responsabilidade e da solidariedade, o que vimos, por exemplo, na França, nos casos dos bancos de sangue contaminad contaminado, o, de 1982, e das mortes por causa do calor calor excessivo durante o verão de 2003. Como bem viu AM Batista, “toda conexão profunda entre o indivíduo e a coletividade, com objetivo de aperfeiçoamento moral, individual ou coletivo, está definitivamente rompida”. Tugendhat diz o mesmo de outra maneira: “A consciência moral fracassa diante da realidade fragmentada do capitalismo, da burocracia e dos Estados”. O individualismo ético Ao mesmo mesmo tempo, tempo, a autonomi autonomiaa do desenvol desenvolvime vimento nto indi individu vidual al acarreto acarretouu a autonomia e a privatização da ética.
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A ética tornou-se, portanto, laica e individualizada: com o enfraquecimento da responsabilidade e da solidariedade, impõe-se uma distância entre a ética individual e a ética da cidade. A vulgata de moralidade dos “bons costumes” quase se dissipou,o que pode pode ser atest atestado ado pela pela evoluç evolução ão do direi direito. to. Os bons bons costu costumes mes constr constrang angia iam m os indivíduos a obedecer as normas conformistas (condenação moral do adultério, do comportamento dissoluto, da homossexualidade, etc.) e a sua decadência está ligada ao reconhecimento de comportamentos individuais antes condenados como desviantes ou perversos. Como veremos, o progresso do individualismo produziu a emancipação dos indivídu indi víduos os em relação relação às lim limitaç itações ões biol biológic ógicas as da reproduçã reproduçãoo (coito (coito interrompi interrompido, do, aborto, barriga de aluguel); no fim do século XX, na França, uma ética do direito da mulher superou, por um lado, o direito da sociedade de proteger a sua demografia e, por outr outroo lado lado,, a étic éticaa do resp respei eito to inco incond ndic icio iona nall à vida vida.. O dese desenv nvol olvi vime ment ntoo do individu indi viduali alismo smo apresenta apresenta dois aspectos aspectos antagôni antagônicos: cos: o enfraque enfraquecim cimento ento da tutela tutela comunitária conduz, ao mesmo tempo, ao universalismo ético e ao desenvolvimento do egocentrismo. O individualismo, fonte de responsabilidade pessoal pela sua conduta de vida, é também fonte de fortalecimento do egocentrismo. Este se desenvolve em todos os campos e tende a inibir as potencialidades altruístas e solidárias, o que contribui para a desinte desintegraçã graçãoo das comunida comunidades des tradici tradicionai onais. s. Essa situaçã situaçãoo favorece favorece não apenas apenas o primado do prazer ou do interesse em relação ao dever, mas também o crescimento de uma necessidade individual de amor em que a busca da felicidade pessoal a qualquer preço transgride a ética familiar ou conjugal. Enfim, há erosão do sentido sagrado da palavra dada, do sentido sagrado da hospitalidade, hospitalidade, ou seja, de uma das raízes mais antigas da ética. A profanação do que foi sagrado acarreta a sua profanação. A crise dos fundamentos Os fundamentos da ética estão em crise no mundo ocidental. Deus está ausente. A Lei foi dessacralizada. O Superego social já não se impõe incondicionalmente e, em alguns casos, também está ausente. O sentido da responsabilidade encolheu: o sentido da solidariedade enfraqueceu-se. A crise dos fundamentos da ética situa-se numa crise geral dos fundamentos da certeza: crise dos fundamentos do conhecimento filosófico, crise dos fundamentos do conhecimento científico. A razão não pode ser considerada considerada como o fundamento do imperativo categórico. Segundo Tugendhat, “a tentativa de Kant com vistas a definir o imperativo categórico como um imperativo da razão e dar-lhe um fundamento absoluto racional deve ser considerada como um fracasso”. A referência aos “valores” revela e mascara, ao mesmo tempo, a crise dos fundamentos. Como pensa Claude Lefort, ela revela que a palavra “valor é o indicativo de uma impossibilidade impossibilidade de designar uma garantia válida para todos: a natureza, a razão, Deus Deus,, a Hist Histór ória ia.. É o indi indica cati tivo vo de um umaa situ situaç ação ão na qual qual toda todass as figu figura rass de
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transcendência apagaram-se”. Estamos, doravante, fadados ao que Pierre Legendre chama “ self-service normat normativ ivo”, o”, em que que podemo podemoss escol escolher her os nossos nossos valore valores. s. Os “valor “valores” es” ocupam ocupam o lug lugar ar deixa deixado do vazio vazio pelos pelos funda fundame mento ntoss para para forne fornecer cer uma referência transcendente transcendente intrínseca que tornaria a ética auto-suficiente. auto-suficiente. Os valores dão à ética a fé na ética sem justificação exterior ou superior a ela mesma. Na realidade, os valores tentam fundar uma ética sem fundamento. A crise dos fundamentos éticos é produzida por e produtora de: - Aumento da deterioração deterioração do tecido social em inúmeros campos; - Enfraquecimento, no espírito de cada um, do imperativo comunitário e da Lei coletiva; - Fragmentação é, às vezes, dissolução da responsabilidade na compartimentação e na burocratização burocratização das organizações organizações e empresas; - Um aspecto cada vez mais exterior e anônimo da realidade social em relação ao indivíduo; - Hiperdesenvolvimento do princípio egocêntrico em detrimento do princípio altruísta; - Desarticulação do vínculo entre indivíduo, espécie e sociedade; - Des-moralização que “culmina no anonimato da sociedade de massa, na avalancha midiática e na supervalorização do dinheiro”; As fontes da ética quase não irrigam mais: a fonte individual é asfixiada pelo egocentrismo; a fonte comunitária é desidratada pela degradação da solidariedade; a fonte social é alterada pela compartimentação, burocratização, atomização da realidade social e, além disso, atingida por diversos tipos de corrupção; a fonte bioantropológica bioantropológica é enfraquecida pelo primado do indivíduo sobre a espécie. O dese desenv nvol olvi vime ment ntoo do indi indivi vidu dual alis ismo mo cond conduz uz ao niil niilis ismo mo,, que que prod produz uz sofrimento. A nostalgia da comunidade desaparecida, a perda dos fundamentos, o desaparecimento do sentido da vida e a angústia que disso resultam podem acarretar a voltaa aos antigos volt antigos fundamen fundamentos tos comunitá comunitários rios,, nacionai nacionais, s, étnicos étnicos e/ou religios religiosos os que trazem segurança psíquica e religação ética. O comunismo foi, para muitos intelectuais naufragando na angústia niilista, niilista, uma religião da salvação (terrestre), comportando uma integração da ética na finalidade suprema: “Tudo o que serve à revolução é moral”. O século XX, século do individualismo, individualismo, viu muitas adesões dos indivíduos indivíduos mais críticos à fé nacional e à fé totalitária, que integram totalmente a pessoa e fornecem-lhe uma certeza ética. Num outro sentido, uma parte da adolescência contemporânea, na deterioração do teci tecido do soci social al,, na perd perdaa da cons consci ciên ênci ciaa de um umaa soli solida dari ried edad adee glob global al,, no desaparecimento de um superego cívico, recria uma microcomunidade de tipo arcaico num bando ou numa gangue comportando uma ética envolvente (a defesa do território, a honra, a lei de talião). Assim, uma ética comunitária reconstituiu-se na ausência de uma ética cívica.
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O abismo niilista resultante da individualização extrema e a decomposição do tecido social surgida às margens da civilização determinam, portanto, pela reintegração no seio de uma comunidade, restaurações éticas de caráter regressivo. As gangues juvenis e os retornos à religião revelam, cada um à sua maneira, a crise ética geral em nossa civilização. Essa crise tornou-se visível, há alguns anos, com o surgimento de uma necessidade de ética. A desintegração social, o crescimento de todo todoss os ti tipo poss de corr corrup upçã ção, o, a onip onipre rese senç nçaa dos dos aten atenta tado doss à civi civili lida dade de e o desencadeamento da violência suscitam a demanda ingênua de uma “nova ética” para ocupar o vazio que já não pode ser preenchido pelo costume, pela cultura, pela cidade. Não menos ingênuo é o desejo de adaptar a ética ao século em lugar de pensar uma dupla adaptação em círculo: adaptar o século à ética, adaptar a ética ao século. A ética, isolada, não tem um fundamento anterior ou exterior que a justifique, embora possa continuar presente no indivíduo como aspiração ao bem ou repugnância ao mal. Só tem a si mesma como fundamento, ou seja, seu rigor, seu sentido do dever. É uma emergência que não sabe do que emerge. Certo, a ética, como toda emergência, depende das condições sociais e históricas que a fazem emergir. Mas é no indivíduo que se situa a decisão ética: cabe a ele escolher os seus valores e as suas finalidades. Nutrir a ética nas suas fontes. A ética tem fontes, raízes, está presente como sentimento do dever, obrigação moral; permanece virtual dentro do princípio de inclusão, fonte subjetiva individual da ética. Doravante a ética só tem a si mesma como fundamento, mas depende da vitalidade do circuito indivíduo/espécie/sociedade, cuja vitalidade depende da vitalidade da ética. Vale repetir: o ato moral é um ato de religação: com o outro, com uma comunidade, com uma sociedade e, no limite, religação com a espécie humana. A cris crisee étic éticaa da noss nossaa époc épocaa é, ao mesm mesmoo temp tempo, o, cris crisee da reli religa gaçã çãoo indivídu indi víduo/so o/socied ciedade/ ade/espé espécie. cie. Importa Importa refundar refundar a ética: ética: regenera regenerarr as suas suas fontes fontes de responsab responsabilid ilidade-s ade-solid olidarie ariedade dade signific significa, a, ao mesmo mesmo tempo, tempo, regenera regenerarr o circuit circuitoo de relig religaçã açãoo ind indiví ivíduo duo-es -espéc pécie ie-soc -socie iedad dadee na e pela pela regene regeneraç ração ão de cada cada uma dessa dessass instâncias. Essa regeneração pode partir do despertar interior da consciência moral, do surgimento de uma fé ou de uma esperança, de uma crise, de um sofrimento, de um amor e, hoje, do que se chama vazio ético, da necessidade que vem da deterioração ética. Não se trata, portanto, para nós, de encontrar um novo fundamento para a ética, mas, ao mesmo tempo, de dar-lhe novas fontes novas energias e de regenerá-la no circuito Indivíduo —> espécie —> sociedade ↑ ←
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Haveria, fora dessa retomada de forças pelo retorno às fontes e dessa religação antropológica, um retorno às origens e uma religação quase primordiais, vindas da origem do mundo através de 15 bilhões de anos-luz? É o tema do nosso próximo capítulo. 1. II.
Retorno às fontes cósmicas.
Que coisa terrível essa maneira Que Deus tem de dispersar aqueles Que foram tocados pela força do amor Hölderlin
Um mundo só pode advir pela separação e só pode existir pela relação entre o que é separado. Se o que precede (e envolve?) nosso mundo é o não-separado, um infinito ou indefinido chamado pelos cosmólogos de “vazio”, desconhecendo espaço e tempo, então o mundo surgiu de uma ruptura, de uma deflagração desse vazio ou infinito. O espaço e o tempo, grandes separadores, apareceram com o mundo, o nosso mundo. As fontes de religação. Forças de separação, dispersão e aniquilação continuam a desencadear-se. Mas, quas quasee simu simult ltan anea eame ment nte, e, na agit agitaç ação ão inic inicia ial, l, surg surgir iram am as forç forças as de reli religa gaçã ção, o, fraquíssimas na origem, provocando a formação de núcleos de hidrogênio ou de hélio, gênese dos primeiros agregados gigantes e informes de partículas — as protogaláxias. Desde a agitação térmica inicial, uma dialógica indissociável acontece entre aquilo que separa, dispersa, aniquila e o que religa, associa, integra. As interações entre partículas traduzem-se por colisões e destruições (as partículas de matéria parecem ter cometido um genocídio contra a antimatéria), mas também por associações e uniões. Quatro ou três três grande grandess ti tipos pos de inter interaç ação ão permit permitem em,, no centro centro da desord desordem em da agita agitaçã ção, o, o surgimento de uma ordem física na e pela formação de organizações — núcleos, átomos, astros: •
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As interações nucleares fortes que garantem a formação e a coesão dos núcleos atômicos; As interações eletromagnéticas que garantem a formação e a coesão dos elétrons em torno dos núcleos; As interações gravitacionais que juntam a poeira das partículas em galáxias e estrelas, as quais se formam quando a sua concentração gravitacional atinge o ponto de combustão.
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Assim, o nosso universo constitui-se num tetragrama dialógico de interações nas quais se combinam de maneira, ao mesmo tempo, antagônica, concorrente e complementar: Ordem → Desordem → Interações → Organização ↑
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Como desde o começo, sob o efeito da deflagração originária, originária, o universo tende a se dispersar, as forças de religação travam uma luta que consideramos patética contra a disper dispersão são,, conce concentr ntrand andoo núcle núcleos, os, átomos átomos,, estre estrela las, s, galáxi galáxias. as. Certo Certo,, as forças forças de religação são minoritárias em relação às que separam, aniquilam, dispersam. Certo, as organizações das estrelas e até as dos organismos vivos estão, no fim, condenadas à dispersão e à morte, de acordo com o segundo princípio da termodinâmica. Mas são essas forças de religação que, depois dos núcleos, dos átomos e dos astros, criaram na Terra as moléculas, as macromoléculas, a vida. Num minúsculo planeta perdido, feito de um agregado de detritos de uma estrela desaparecida, fadado aparentemente às convulsões, tormentas, erupções, terremotos, a vidaa surgi vid surgiuu como como uma vitór vitória ia inusi inusita tada da das das virtu virtudes des da religa religaçã ção. o. Um turbi turbilhã lhãoo interligando macromoléculas, gerando a suma própria diversidade ao interligá-la à sua unidade, teria criado a partir de si mesmo uma organização de complexidade superior: uma auto-eco-organização, de onde emergiram todas as qualidades e propriedades da vida. As prim primei eira rass bact bactér éria iass unic unicel elul ular ares es sepa separa rara ram-s m-see e dive divers rsif ific icara aramm-se se permanecendo em ligação e tendo a capacidade de oferecer uma às outras receitas informativas sob a forma de hélices de DNA. Alguns se associaram estreitamente para formar as células eucarióticas, de onde vieram os seres policelulares, organizados na e pela religação entre células. Vegetais e animais diversificaram-se, e os ecossistemas, organizações organizações espontâneas oriundas das interações interações entre unicelulares, vegetais, animais e meio geofísico, desenvolveram-se: o conjunto formou a grande eco-organização autoregulada que é a biosfera. O apog apogeu eu dess dessas as reli religa gaçõ ções es acon aconte tece ceuu com com nova novass sepa separa raçõ ções es,, novo novoss antago antagonis nismos mos e novos novos confl conflit itos. os. Se, por um lado, lado, as cooper cooperaçõ ações es comuni comunitá tária riass desenvolveram-se em sociedades animais, a predação também desencadeou-se entre as espé espéci cies es:: o conf confli lito to e a mo mort rtee alim alimen enta tara ram m a cade cadeia ia tróf trófic icaa que que alim alimen enta ta os ecossi ecossist stema emas; s; assim assim,, os animai animaiss herbív herbívoro oross comem comem planta plantass e fruta frutas; s; os pequen pequenos os carnívoros comem os herbívoros; os grandes carnívoros comem os pequenos carnívoros e os herbívoros; a decomposição proveniente da morte dos carnívoros alimenta insetos necrófagos, vermes, unicelulares; e os sais minerais residuais são tragados pelas raízes dos vegetais. O ciclo de morte é, ao mesmo tempo, ciclo de vida. As socie sociedad dades es anima animais is de verte vertebra brados dos e mamífe mamíferos ros conse consegui guiram ram associ associar ar princ princíp ípios ios de religa religaçã çãoo comuni comunitá tária ria em vista vista dos perig perigos os ou ini inimi migos gos extern externos os e princípios de regulação das rivalidades no interior do grupo. As sociedades humanas, como vimos, são, ao mesmo tempo, rivais e comunitárias e organizam-se na união pela discórdia ou pela concórdia.
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Da mesma forma, na escala dos indivíduos ou na da história humana, vivemos na dialógica (dicotomia) de criação-destruição: Ordem → Desordem → Interações → Organização ↑
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As religações só puderam desenvolver-se de forma minoritária no universo; a matéria organizada só reuniria 4% do cosmos; a vida representa apenas uma pequena espuma da casca terrestre; os seres dotados de cérebro são minoritários e a consciência humana é, ao mesmo tempo, fragilíssima e hiperminoritária. Vale também observar que as religações só conseguiram desenvolver o que têm de complexo pela integração dos seus inimigos: a destruição e a morte. Assim, as estrelas vivem graças a um fogo que as faz existir e, ao mesmo tempo, as devora; a vida delas é uma agonia radiante visto que elas alimentam o seu brilho com a combustão das próprias entranhas, ou seja, “morrem de vida” até alcançar a morte irreversível. O mesmo ocorre com os ecossistemas, que “vivem de morte”. Também é assim conosco, os animais, mamíferos, primatas, seres humanos, vivemos, pela morte e pela destruição delas, da regeneração permanente das nossas células e moléculas. O mesmo vale para as nossas sociedades, que se regeneram educando as novas gerações enquanto morrem as antigas. “Viver de morte, morrer de vida, enunciou Heráclito. A vida deve pagar duplo tributo à morte para subsistir e desabrochar. Bichat definia a vida como o conjunto das funções que resistem à morte. Precisamos completar e tornar dialético o seu enunciado: “A vida resiste à morte utilizando a morte”. Há, ao mesmo tempo, luta mortal e cópula entre Eros e Tânatus. Daí a trajetória frágil, acidentada, dolorosa, da religação no universo. Há, certamente, um “gênio” da organização e da criação na geração de formas e de seres de extrema diversidade e de extrema complexidade. A organização obtém a unidad uni dadee do múl múlti tiplo plo e garant garantee a mul multi tipli plicid cidade ade no uno: uno: produz produz as emergê emergênci ncias, as, qualidades e propriedades desconhecidas no nível dos seus componentes isolados — engendra metamorfoses. metamorfoses. Sem organização, organização, o universo não passaria de dispersão. A primeira virtude da organização é de integrar a religação no seio de uma autono autonomia mia que a salva salvagua guarda rda e prote protege ge do meio meio exteri exterior. or. A religa religaçã çãoo nucle nuclear ar é extremamente forte e torna muito difícil a dissociação. As religações eletromagnéticas são menos fortes e nelas as dissociações são, certamente, mais fáceis, mas a organização interna é mais flexível e facilita a integração da diversidade que determinará a variedade dos átomos. Quanto aos organismos, as células dispõem de uma relativa autonomia interna mesmo estando ligadas umas às outras por comunicações e sinais. A segunda virtude, a da organização viva, liga a sua autonomia ao meio. Assim, a organização viva necessita da energia exterior para se regenerar e da informação externa para sobreviver. Por isso, pode-se conceber a organização viva como a autoeco-organização eco-organização que opera uma religação vital com o seu meio ambiente. ambiente. E o seres mais complexos, os humanos, organizam a sua autonomia a partir das suas dependências em relação às suas culturas e sociedades: quanto mais as sociedades são complexas, mais elas se organizam a partir de múltiplas dependências em relação à biosfera.
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Assim a auto-eco-organização auto-eco-organização opera a união da religação e da autonomia: autonomia: a vida é a união da união e da separação.
A humana religação. religação.
A socie sociedad dadee humana humana chega chega a uma nova ordem ordem de religa religação ção.. Essa Essa ordem ordem comporta o mito social que, estabelecendo um ancestral comum para cada comunidade e insti institui tuindo ndo o seu cult culto, o, põe os seus seus membro membross em situa situaçã çãoo de frate fraterni rnida dade. de. As sociedades mais evoluídas, as nações, fundam no mito materno-paterno da Pátria a fraternidade comunitária dos “filhos da Pátria”. Como vimos antes, as sociedades mais complexas comportam, ao mesmo tempo em que a própria religação comunitária, antagonismos, antagonismos, rivalidades, desordem, todos inseparáveis inseparáveis das liberdades. liberdades. Além disso, no espíri espírito to dos dos indiv indivídu íduos, os, as relig religaçõ ações es acont acontec ecem em a parti partirr da respon responsab sabil ilid idade ade,, da inteligência, da iniciativa, da solidariedade, do amor. Muitas sociedades históricas consideraram vital religar-se ao cosmos pelo culto aos soberano soberanoss celest celestes es,, Sol e Lua, Lua, e pela pela reali realiza zação ção de rituai rituais, s, não apenas apenas para para beneficiarem-se da ajuda e da proteção dos deuses, mas também para renovar as energias cósmicas, como nos rituais astecas de sacrifício de centenas de adolescentes par paraa ajud ajudar ar o So Soll a se rege regene nera rar. r. O vínc víncul uloo entr entree mo mort rtee e rege regene nera raçã çãoo está está profundamente enraizado em nossos mitos; os sacrifícios são ritos em que se mata para rege regene nera rar. r. Toda Todass as gran grande dess fest festas as asso associ ciam am a vita vitali lida dade de das das soci socied edad ades es à morte/nascimento das estações e dos anos. A palavra “religação” não significa apenas religação entre os membros de uma mesma mesma fé, fé, mas ind indic icaa també também m a relig religaçã açãoo com as forças forças superi superiore oress do cosmo cosmos, s, especialmente com os seus supostos soberanos, os deuses. Neher tinha razão em lembrar a “vocação ritualista e cósmica do homem”. Sem dúvida é a Religação das Religações que celebram os cultos e os rituais das religaçõ religações, es, das cerimôni cerimônias as sagradas sagradas,, inconsci inconsciente entement mentee adoradora adoradorass do mini ministéri stérioo supremo da Religação cósmica. Participamos do jogo (tetragrama) cósmico entre forças de religação e forças de separação, forças de organização e forças de desorganização, forças de integração e forças de desintegração, submetidos às astúcias do diabolus (o separador) e praticando as astúcias que consistem e utilizar utilizar esse diabolus para diabolus para religar através da separação, para além da separação, e utilizar a morte (irremediável separação de átomos e moléculas) para nos regenerar. “Tudo o que é cósmico diz respeito essencialmente ao homem, tudo que é humano diz respeito essencialmente ao cosmos”. O cosmos nos fez à sua imagem. Nascendo, o mundo trouxe a sua morte. Nascendo, a vida carrega a sua morte. O homem deve, ao mesmo tempo, endossar e recusar todas essas mortes para viver.
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Estamos na extremidade da patética luta da religação contra a separação, a dispersão, a morte. Nessa situação, desenvolvemos a fraternidade e o amor. A ética é, para os indivíduos autônomos e responsáveis, a expressão do imperativo da religação. Todo ato ético, vale repetir, é, na verdade, um ato de religação, com o outro, com os seus, com a comunidade, com a humanidade e, em última instância, inserção na religação cósmica. Quan Quanto to mais mais somo somoss autô autôno nomo mos, s, mais mais deve devemo moss assu assumi mirr a ince incert rtez ezaa e a inquietude e mais temos necessidade de religação. Quanto mais tomamos consciência de que estamos perdidos no universo e mergulhamos numa aventura desconhecida, mais temos necessidade necessidade de nos religarmos com os nossos irmãos e irmãs da humanidade. Em nosso mundo de homens, no qual as forças de separação, recolhimento, ruptura, deslocamento, ódio, são cada vez mais poderosas, mais do que sonhar com a harmonia geral ou com o paraíso, devemos reconhecer a necessidade necessidade vital, social e ética de amizade, de afeição, de amor pelos seres humanos, os quais, sem isso, viveriam de hostilidade hostilidade e de agressividade, tornando-se amargos ou perecendo. As religações universalistas, abertas em princípio a todos os seres humanos, eram e são religações fechadas que exigem fé em suas próprias revelações, obediência aos próprios dogmas e ritos. Trata-se de uma religação de tipo superior da qual os filhos deste planeta necessitam. Visto que o mais complexo comporta a maior diversidade, a maior autonomia, o maior grau de liberdade e o maior risco de dispersão, a solidariedade, a amizade e o amor são o cimento vital da complexidade humana. Alcançamos a religação cósmica pela religação biológica, que nos chega pela religação antropológica, que se manifesta na solidariedade, na fraternidade, na amizade e no amor, que é a religação antropológica suprema. O amor é a expressão superior da ética. Segundo Tagore, “o amor verdadeiro exclui a tirania, assim como a hierarquia”. Existe uma necessidade vital, social e ética de amizade, de afeição e de amor para que os seres humanos se realizem. O amor é a experiência fundamental de religação dos seres humanos. Em nível da mais alta complexidade humana, a religação só pode ser amorosa. Mas não podemos esquecer que o amor pode perverter-se, transformar-se no seu contrário, dedicar-se a ídolos e fetiches. Conforme veremos mais adiante, o amor sempre necessita, mesmo ou sobretudo na sua exaltação, de uma consciência racional vigilante. Precisamos também “descongelar a enorme quantidade de amor petrificada em religiões e abstrações, destinando-o não mais ao imortal mas ao mortal.” “A humanidade não sofreu apenas com a falta de amor. Ela produziu arroubos de amor que desab desabara aram m sobre sobre deuses deuses,, ído ídolos los e ideia ideias, s, recain recaindo do sobre sobre os seres seres humano humanoss como como intol int olerâ erânci nciaa e terro terror. r. Quanto Quanto amor amor e quant quantaa frate fraterni rnida dade de perdid perdidos, os, extra extravi viado ados, s, enganado enganados, s, desnatur desnaturados ados,, apodreci apodrecidos, dos, endureci endurecidos! dos! Quanto Quanto amor tragado tragado pela tão freq freque uent ntem emen ente te im impi pied edos osaa ideo ideolo logi giaa da frat frater erni nida dade de”. ”. Quan Quanto to amor amor fada fadado do à impossibilidade eterna.
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O amor, resistência a todas as crueldades crueldades do mundo, originou-se da religação do mundo e exalta as virtudes da religação do mundo. Conectar-se ao amor significa conectar-se à religação cósmica. O amor, último avatar da religação, é desta forma e força superiores: “Forte como a morte”, segundo o Cânticos dos cânticos.
No coração do mistério.
A relação entre religação e separação não é uma simples relação antagônica, como como a do Ahur Ahuraa Masd Masdaa e de Arim Arimã, ã, de Eros Eros e Tâna Tânatu tus. s. Ela Ela é inse insepa pará ráve vell e complementar. O cosmos surgiu de um acontecimento inusitado de morte-nascimento; nasce na morte daquilo que lhe deu origem: produz a sua existência produzindo morte (segundo o princípio da termodinâmica) e, desde a sua origem térmica, está fadado à morte. Como eu já escrevi: “É pela sua desintegração que o universo se organiza. É se organizando que ele se desintegra”. A criação contínua de galáxias e de estrelas se acompanha de destruição contínua de galáxias e de estrelas. Estrelas, seres vivos, biosfera, sociedades, indivíduos, todos são trabalhados a cada instante pela morte e trabalham a cada instante para e pela regeneração. Eros e Tânatus. Masda e Arimã, religação e separação estão presentes um no outro. Durante muito tempo, foi possível perguntar se, no antagonismo entre as forças de dispersão e as de religação, a ação da gravitação não iria superar a dispersão e impedir a morte do universo. Mas parece, hoje, que a força de uma formidável energia negra negra condu conduzz inexo inexorav ravelm elment entee o uni univer verso so para para a deband debandada ada e que a morte morte está está inexorave inexoravelmen lmente te inscrita inscrita no seu horizont horizonte. e. Contudo, Contudo, uma das consequê consequência nciass mais surpreendentes da física quântica, demonstrada desde a experiência de Aspect, é que todas as partículas que interagiram no passado estão religadas de maneira infratemporal e infra-espacial, como se o universo fosse sustentado por uma religação invisível e universal. Assim, encontramos a dupla presença antagônica de uma dispersão que separa ao infinito, dilatando o espaço-tempo e de uma religação que ignora a separação do tempo e do espaço. De um lado, uma extraordinária força de separação mais forte do que todas as forças de atração; de outro lado, uma extraordinária força de religação que mantém a união na dispersão e conecta de maneira inacreditável todos os elementos do universo. Daí o paradoxo inconcebível: tudo o que está ligado está separado; tudo o que está separado está ligado. Eros está no diabolus e diabolus está no Eros. Não sabemos se a reli religa gaçã çãoo se mant manter erá, á, quan quando do tudo tudo esti estive verr disp disper erso so,, como como test testem emun unho ho fantasmagórico fantasmagórico do esforço formidável iniciado iniciado nos primeiros instantes instantes do universo para resistir à desintegração e à dispersão… Poderemos, um dia, compreender o mistério da religação encoberta? O mistério da separação invisível? Ética da religação.
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O noss nossoo espí espíri rito to carr carreg ega, a, dora dorava vant nte, e, não não apen apenas as a cons consci ciên ênci ciaa da mo mort rtee previsível do nosso Sol, logo de toda a vida terrestre, mas também, adquirida mais recentemente, a da morte da dispersão do cosmos, morte final à qual não escaparemos, mesmo que consigamos no futuro migrar para outros planetas em outras galáxias. galáxias. A vida, mais ainda o ser humano, resiste à morte. A ciência, a medicina, a técnica, a higiene, enfim, prolongam as vidas individuais e poderão fazê-lo ainda mais: haverá reconstituição e regeneração dos órgãos, prolongação indefinida da vida, mas isso não elimina a morte por catástrofe ou explosão; de qualquer maneira, retardar a morte humana abre-nos o abismo da morte da Terra, da morte do Sol, da morte do cosmos. Assumir o nosso destino cósmico, físico, biológico é assumir a morte mesmo combatendo-a. Não há refutação para a morte. Todo destino de um ser é trágico. Mas sabemos e experimentamos uma afirmação humana do viver na poesia, na religação e no amor. A ética é religação e religação é ética.
*MORIN, Edgar. O Método 6: Ética. Porto Alegre, RS: Sulina, 2006.