Ilfll
Coleção
PSICOLOGIA TRANSPESSOAL 5/1
Orientação editorial
DR. PIERRE WEIL
Da mesma coleção: 1. Pierre Weil: A Consciência Cósmica. 2. Swami Krlshnananda: Meditação Oriental. 3. Maria Helena Andrés: Caminhos da Arte. 4. Pierre Weil: Fronteiras da Regressão. Em prepa ro: Leonard G. B.: Educação e Êxtase.
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
P479 Pequeno tratado de psicologia transpessoal / Pierre Weil ... | et al. |. — Petrópolis: Vozes, 1978. (Coleção Psicologia transpessoal; n. 5/1 a V). Conteúdo: Vol. 1: Cartografia da consciência humana. Vol. 2: Mística e ciência. Vol. 3: Psico fisiologia da consciência cósmica. Vol. 4: Expe riência cósmica e psicose. Vol. 5: Medida da cons ciência cósmica. Bibliografia. 1. Psicologia transpessoal I. Weil, Pierre II. Série. CDD — 154 78-0153 CDU — 159 96
CARTOGRAFIA DA CONSCIÊNCIA HUMANA Pequeno Tratado de Psicologia Transpessoal, vol. I PIERRE WEIL ARTHUR J. DEIKMAN KENNETH RING
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{ VOZES
Petrópolis 1978
Os Direitos desta edição revertem em benefício da SÍNTESE (Sociedade de Integração Transpessoal, Estrutural, Social e Energética de Minas Gerais, Av. Álvares Cabral, 441, Belo Horizonte), organização de fim não lucrativo. Foram cedidos por Dr. Jim Fadiman, em nome da Revista Transpersonal Psy chology, dos EUA.
Direitos de publicação reservados à Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25.600 Petrópolis, RJ
Diagramação
Valdecir Mello
SUMÁRIO
Pierre Weil l. AS FRONTEIRAS DA EVOLUÇÃO DO HOMEM, 7 Arthur J. Deikman II. DESAUTOMATIZAÇÃO E EXPERIÊNCIA MÍSTICA, 19 Kenneth Ring III. UMA VISÃO TRANSPESSOAL DA CONSCIÊNCIA: UM MAPEAMENTO DAS MAIS DISTANTES REGIÕES DO ESPAÇO INTERIOR, 53
I AS FRONTEIRAS DA EVOLUÇÃO DO HOMEM
PIERRE WEIL Universidade Federal de Minas Gerals
Onde pára a evolução? Desde o início da Psicologia científica, houve tentativas de reconstituir as verdadeiras fases evolutivas do homem. Já o famoso teste de Binet pode ser considerado como a primeira no domínio dos aspectos intelectuais desta evolu ção, pois implicava em estágios sucessivos que culminavam num platô cuja idade é variável em função da cultura e do nível sócio-econômico. Piaget retomou a questão e reconstituiu as principais fases da evolução do raciocínio a partir das operações concretas, chegando aos estágios finais de operações lógico-abstratas e formais; destes estudos ele tirou toda uma epistemologia genética. Paralelamente a este enorme esforço no domínio intelec tual, um outro grande mestre da Psicologia, Freud, pro curou estabelecer o mapa da evolução da sexualidade, da afetividade e mais particularmente da consciência ou do egoconsciente. Segundo ele, o homem movido originariamente pelas pulsões do id transforma a sua energia ou libido sob influência das pressões familiares e sociais em superego; o ser maduro se caracteriza pelo desenvolvimento de um ego consciente que é uma espécie de administrador ou de árbitro entre as forças dialéticas da natureza representadas pelo id e as da sociedade representadas pelo superego. A Psicanálise consiste justamente em reforçar este ego cons ciente, formando assim o homem maduro.
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o que è homem maduro? Assim o homem maduro, segundo estes grandes mestres da Psicologia ocidental, seria o que, no plano intelectual, chegou a uma plena capacidade de uso das operações ló gicas e, no plano emocional, ao desenvolvimento do seu ego consciente. Mais recentemente, em termos skinnerianos, poderíamos dizer que o homem seria o que é capaz de «autoconhecimento» e «autocontrole». O término da evolução seria assim constituído pelo platô da curva evolutiva intelectual e pela capacidade de tomar decisões e arbitrar o conflito entre a natureza e a cultura, entre o fator sobrevivência e as agências controladoras do comportamento humano. Certos fatos fundamentais, no entanto, parecem indicar que a evolução humana não pára nestes pontos de «ma turidade» intelectual ou emocional. Vamos a seguir enunciar os principais. Einstein e Poincaré: o uso da intuição l 9. As descobertas de grandes leis da Matemática e da Física não foram fruto do raciocínio consciente, mas sur giram na mente dos seus «descobridores» quando menos esperavam. Poincaré nos fala que as suas boas soluções surgiam ao entrar num bonde. Einstein insiste de maneira insofismável que a teoria da relatividade lhe «veio» por intuição; é somente a posteriori que ele usou a inteligência e o raciocínio matemático para demonstrar o acerto de uma concepção cosmológica cuja realidade já não constituía ne nhuma dúvida para ele. Tudo indica, por conseguinte, que existe dentro de nós uma capacidade de percepção da rea lidade superior ao do raciocínio abstrato, cujo mecanismo está fora do alcance da nossa consciência de vigília. Ilusão da noção tempo-espaço 29. A própria teoria da relatividade nos demonstra que a nossa percepção tridimensional do espaço e do tempo
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é falha. A física nos demonstra que a matéria é energia, e que somos, por conseguinte, feitos de uma única «coisa» ou essência. Ora, se nós percorrermos os textos de Freud, Piaget ou Skinner, chegaremos rapidamente à conclusão que «introjetamos» o mundo exterior através da percepção, isto é, dos nossos cinco sentidos; somos condicionados através de estímulos e reforços filtrados pelos nossos cinco sentidos. E estes cinco sentidos são eminentemente falhos, como tudo o indica. Eles nos permitem perceber apenas uma espécie de verdade, mas não a realidade no seu sentido global. Por exemplo, os nossos olhos e o nosso talo percebem a ma téria como «concreta» e densa; enquanto um microscópio nos faz enxergar moléculas e átomos, isto é em última instância energia. Neste nível a dualidade eu-mundo exterior desaparece totalmente.
Natureza-cultura como fenômenos energéticos 3’ . Neste nível desaparece também o conflito naturezacultura, já que tanto a natureza quanto a cultura são fe nômenos energéticos. Pode-se dizer o mesmo da noção freu diana de «objeto» que seria, como o mostrou particular mente Spitz, a condição indispensável à formação de vi vência do eu; no nível energético o eu e o objeto são uma só essência energética. Experiência culminante de Maslow 49. Os trabalhos de Abraham Maslow mostram a existên cia de certos estados superiores de consciência que ele batizou de peak-experience ou experiências culminantes. Estas experiências são caracterizadas, entre outros aspectos, pelo desaparecimento da dualidade eu-mundo exterior. Há uma volta à unidade fundamental, que tem um valor te rapêutico também assinalado por um psicanalista ortodoxo como Sacha Nacht, por exemplo.
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Nestas experiências os indivíduos vivem um estado de paz interior indescritível, estado em que desaparecem as oposições dualísticas, tais como prazer-dor, certo-errado, dominação-submissão, atração-repulsão etc. O ego desapa rece e se funde com a totalidade cósmica. As «experiências culminantes», nós o sabemos hoje, foram vividas por inúmeras pessoas; uma repressão cultural, análoga à do sexo, impede no entanto a estas pessoas de expressar o que viveram. É possível também que a falta de vocabulário adequado e de reforço na cultura faça com que tais experiências caiam no esquecimento.
Psicologia transpessoal e experiência cósmica 59 O mesmo se dá com as chamadas experiências «mís ticas» ou «cósmicas», que são objeto de estudo de um novo ramo da Psicologia: a Psicologia Transpessoal. Estas experiências constituem um grau mais adiantado de evolu ção, além da «experiência culminante». Uma das caracte rísticas essenciais de todas as descrições da experiência mística é a percepção de uma realidade proveniente de uma ampliação do campo da consciência. Estes estados são relatados pelos grandes santos da humanidade e também em homens considerados como muito evoluídos, inclusive contemporâneos, no Oriente e no Oci dente. As análises de conteúdo destas experiências se apro ximam muito das descrições dos grandes físicos e também dos conteúdos de experiências com LSD, que também é um meio de ampliação do campo da consciência. Do id ao self 6’ . Também Jung e sua escola estimam que existe no homem um centro ou «self» que corresponde a uma reali zação completa do ser humano muito perto do místico. Charles Baudouin tentou estabelecer uma síntese entre as instâncias psíquicas de Freud e o modelo de Jung. Ele
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chega a seis níveis, aos quais ele acrescenta um de con cepção própria, mas baseado no «princípio de repetição» de Freud e que ele chama de «autômato». Eis as sete instâncias de Baudouin com o princípio de comportamento correspondente: Instâncias
Princípios de comportamento
Self Superego Sombra Ego Persona Primitivo (ld) Autômato
Autonomia Autoridade Ambivalência Realidade Adaptação Prazer Repetição
Evolução segundo as escolas esotéricas 79. A Antropologia das Religiões, mais particularmente Mircea Eliade, está nos apontando, ao longo da história da humanidade e em todas as culturas religiosas, a existência de escolas ditas «esotéricas», cujo objetivo é desenvolver a plena consciência no homem. Em muitas destas «escolas», das quais existem ainda algumas no Ocidente, encontramse modelos teóricos de evolução do homem. Muitas se asse melham ao de Baudouin. Em nosso livro sobre a Esfinge descrevemos alguns destes modelos. Um deles, bastante atraente para os psicólogos e psiquiatras, o de Ouspenski, um matemático que se ligou ao grande místico que foi Gurjieff, nos afirma que o homem dito normal é apenas um autômato adormecido num dos três seguintes níveis: 1. nível instintivo, 2. nível emocional, 3. nível mental. No quarto nível ele estaria tomando consciência de que estes três primeiros níveis não são suficientes para atingir
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a realidade, e que de fato eles são inconscientes: é preciso despertar a consciência; neste quarto nível começa um tra balho neste sentido. Do quinto ao sétimo nível, vão cres cendo a consciência e o domínio sobre as três primeiras funções correspondentes aos três primeiros níveis. Encontramos descrições análogas nos sete chakras do ioga (níveis de sublimação energética da Kundalini), nas sete moradas de Teresa d’Avila e nos sete palácios de Sepher Hazobar da cabala hebraica.
Sublimação e transmutação sexual 89. Nestes métodos de evolução há uma insistência na função da energia sexual (mulhadhara do ioga, iesod da cabala) que pode ser sublimada ou transmutada, a fim de se chegar aos últimos estágios de consciência. Estamos aqui reencontrando uma idéia tipicamente freudiana; sendo que Wilhelm Reich, através da sua teoria do Orgone, vem muito mais ainda ao encontro das teses esotéricas que afir mam uma ligação íntima entre energia sexual cósmica (ver Chiva e Chakti na tradição hinduísta e Barouch Hou e Shekina na tradição judaica). Tratamos deste assunto num livro a ser traduzido do francês para o português: A Mís tica do Sexo. Todos estes métodos visam ao desenvolvimento da cons ciência cósmica. Ciência e consciência cósmica 9«. A existência de uma experiência chamada consciência cósmica é fato comprovado pela Psicologia transpessoal. Já se conhecem critérios que permitem discriminá-la de outros ASC ( Altered States of Consciousness), mais par ticularmente das alucinações. Estes critérios são entre outros: — unidade — inefabilidade
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— — — — — — —
desaparecimento da dimensão tempo-espaço noética (senso de realidade) desaparecimento do medo da morte vivência da eternidade experiência energética de «iluminação interior» sentido de «sagrado» mudanças posteriores de sistema de valor (do N ao B de Maslow).
Sabe-se também que a experiência provoca certas mo dificações fisiológicas, mais particularmente eletroencefalográficas. Trabalhos de Kamya e sua escola parecem indicar a possibilidade de criar tais estados por meio de feedback eletroencefalográfico, dentro da nova metodologia do biofeedback. Inúmeros métodos são apontados como levando a estados de consciência cósmica: privação de sentidos, jejum pro longado, abstinência sexual, técnicas de respiração rítmica, técnicas de concentração levando ao estado dito de medi tação, repetição de certos sons e palavras, uso de certos estímulos auditivos externos como música, tambores, sinos ou de estímulos olfativos como os incensos e também certas drogas ditas psicodélicas ou psicolíticas como o peyotl me xicano e o LSD, posturas e danças. Muitas destas técnicas integram o ioga, o sufismo, o za-zen, a cabala hebraica, os rosa-cruzes, a teosofia e a maçonaria. O candomblé baiano, a umbanda e o cardecismo, também usam alguns destes métodos, embora nem sempre com o objetivo de se chegar à consciência cósmica, mas para a aquisição de poderes de natureza parapsicológica.
Hipóteses sobre a natureza da consciência cósmica Se a existência da «experiência cósmica» não é mais objeto de dúvida, a sua natureza é objeto de controvérsia. Várias teses se defrontam; teses que vamos tentar resumir a seguir:
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L A tese evolucionista. É a que acabamos de expor sucintamente. A consciência cósmica seria fruto de uma evolução do homem através do seu pró prio esforço. 2. A tese psicofisiológica. A consciência cósmica seria o resultado do despertar da glândula pineal a qual, como já foi comprovado (Simposium da Ciba, Londres 1972), é foto e fonossensível; esta glândula teria a propriedade de perceber fenô menos energéticos fora do alcance da nossa per cepção dos cinco sentidos. 3. A tese hipnológica. A experiência cósmica seria o resultado de um transe hipnótico consciente, que faria voltar o sujeito a um estágio de sono profundo. É no sono profundo que se encontra ria a plena consciência universal. 4. A tese psicanalitica. Freud chamou a consciên cia cósmica de «experiência oceânica» e julga que ela constitui um fenômeno de regressão ao seio materno, de procura por restabelecer o ambiente materno cálido e seguro e a unidade perdida com a mãe. 5. A tese psicodélica. Mais particularmente Leary e Grof, através de mais de quinze anos de con tínuas experiências psicoterápicas e científicas com LSD, confirmam a tese regressiva de Freud. Mas vão além, demonstrando que a consciência cósmica se dá num nível regressivo intra-uterino e provavelmente pré-uterino. Leary emite a hipótese da existência no homem de uma capacidade de percepção direta nos níveis celulares, atômicos e energéticos. 6. Uma tentativa de síntese. Em recente comunica ção, mostramos que nenhuma destas teses se excluem. Se representarmos a evolução do homem na sua ontogênese por um círculo onde uma seta
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parte de um ponto desconhecido, simbolizado arbitrariamente pelo signo do infinito, veremos que ele passa por vários estágios a partir do programa genético até a morte; a regressão con siste em perceber o sentido contrário. Morte
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Evolução ou regressão? Podemos constatar que tanto a evolução como a regressão levam ao mesmo ponto, que coincide provavelmente com a zona do que Lupesco chamou de potencialização da ener gia, em que a atualização da energia é seu movimento para heterogeneização e «materialização». Neste trabalho distinguimos cinco níveis de regressão: — Pós-uterino (genital maduro, fálico, Édipo, anal, oral, respiratório). — Intra-uterino (expulsivo, calvário, idade do ouro, embrião). — Pré-uterino (fecundação, gametas). — Programa genético (ancestral, animal, vegetal, celular, mineral, molecular, atômico e energético). — Metaprograma (potencialização da energia). Tudo indica que ao longo destes níveis há uma continui dade de vida (ver, por ex.. Gesell, Embriologia da Conduta) e existência de Memória contida no ARN.
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A partir de um certo estágio evolutivo, isto é, na entrada da consciência cósmica, se opera uma saída da noção de tempo-espaço, o que torna caduca a noção de evolução ou regressão; não havendo tempo, a noção de evolução cai por si só.
Definição de consciência cósmica Assim sendo, a experiência cósmica seria uma regressão (ou evolução) a uma dimensão fora do tempo-espaço, mais ampla do que a que é percebida pelos nossos cinco sen tidos limitados, no nível da potencialização energética tal como os físicos a concebem. Ela teria como apoio psicofisiológico a glândula pineal e a memória celular. Ela seria uma volta consciente ao estado de sono profundo. Assim sendo, a consciência cósmica é o estado último de consciência que se encontra além da fronteira da evolu ção, da regressão, do sono e da morte. BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA SOBRE A CONSCIÊNCIA CÓSMICA Baudouin, Ch. De Vinstinct à Vesprit, Neuchâtel, Delâchaux e Niestle, 1970. Bucke, R. M. Cosmic Consciousness, Nova Iorque, Dutton, 1969. Castaneda, C. A Erva do Diabo, Rio, Record, 1973. Einstein, A. Conceptions scientifiques, morales et sociales, Paris. Flammarion, 1952. Fadiman, J. e Kewman, D. Exploring Madness, Belmont, 1973. Leary, T. The Politics of Extasy, Londres, Paladin, 1956. Maslow, A. The Farther Reaches of Human Nature, Nova Iorque, Viking, 1971. Naranjo, C. e Ornstein, R. E. on the Psychology of Meditation, Nova Iorque, Viking, 1971. Ouspensky, P. D. Vhomme et son évolution possible, Paris, Deno éditeurs, 1961. Prince, R. Transe and Possession States, Montreal, The Bucke Memorial Soc., 1966. Tart, Ch. e outros. Altered States of Consciousness, Wiley, 1969. Watts, A. Psicoterapia oriental e Ocidental, Rio, Record, 1973. Weil, P. Esfinge, Mistério e Estrutura do Homem, Petrópolis, Vozes, 1973. — A Mística do Sexo, Belo Horizonte, Itatiaia (no prelo), — As Fronteiras da Regressão, Belo Horizonte. Círculo Brasileiro de Psicanálise, 1974. — A Psicologia Transpessoal, Belo Horizonte, Jornada de Psicologia, Univer sidade Católica de Belo Horizonte, 1974. White, J. The Highest State of Consciousness, Nova Iorque, Anchorage, 1972.
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II DESAUTOMATIZAÇÃO E EXPERIÊNCIA MÍSTICA *
• Este texto foi extraído do livro Altered States of Consctousness, a Book of Readings, de Charles T. Tart (editor), Nova Iorque, Londres, Sydney, Toronto, John Wiley <& Sons, Inc., 1969, p. 23-43.
ARTHUR J. DEIKMAN
Para estudarmos a experiência mística, devemos voltarnos inicialmente para um material que parece não-científico e se expressa em termos religiosos, e completamente subje tivo. Contudo, esses escritos religiosos são dados e como tais não devem ser desprezados como algo divorciado da realidade da qual se ocupa a ciência psicológica. A pas sagem que oferecemos a seguir, extraída de um tratado religioso do século XIV, The Cloud of Unknowing, descreve um procedimento a ser observado, a fim de se alcançar o conhecimento intuitivo de Deus. Tal experiência é conside rada mística por se processar a sua comunicação numa linguagem verbal totalmente inadequada. Entretanto, uma leitura atenta revelará que tais instruções contêm, dentro de sua linguagem religiosa, idéias psicológicas que se referem ao estudo e à compreensão de uma ampla classe de fe nômenos que não estão necessariamente ligados a conteúdos teológicos: . . . Esquecei todas as criaturas que Deus criou, bem como as obras delas, para que vosso desejo ou vosso pensamento não se dirija ou se estenda a qualquer uma delas, nem em geral nem em par ticular... Logo que o fizerdes, encontrareis uma escuridão e ela será como um mundo desconhecido que não entendereis, a menos que sintais em vós uma vontade nua de D eus... Não podereis vê-lo à luz do conhecimento de vossa razão, nem senti-
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lo na doçura do amor de vosso afeto... Se o vísseis ou o sentísseis como se ele estivesse aqui, deveria estar sempre nesta nuvem e nesta escuri d ão ... Penetrai aquela espessa nuvem do desco nhecimento como uma seta afiada de amor ardente (Knowles, 1961, p. 77). Este conteúdo subjetivo suscita algumas questões espe cíficas: em que se constitui um estado de consciência cujo conteúdo não é um pensamento racional («conhecimento de vossa razão»), afetivo («doçura do amor»), ou sensível («escuridão», «nuvem do desconhecimento»)? De que modo um «esquecimento» ativo e um «ardor» que não se dirige a qualquer objeto produzem um tal estado? Uma compa ração desta passagem com outras da literatura mística clás sica indica que o autor está se referindo a atividades de renúncia e de meditação contemplativa. O presente trabalho oferecerá um modelo psicológico da experiência mística ba seado nas hipóteses de que a renúncia e a meditação são técnicas primárias utilizadas para produzir tal experiência, e de que o processo pode ser conceitualizado como um processo de desautomatização.
Fenômenos da experiência mística Os relatos de experiências místicas podem ser classifi cados como (a) sensações não-treinadas, (b) sensações treinadas e (c) transcendência treinada. As «sensações nãotreinadas» referem-se a fenômenos que ocorrem a pessoas que não se empenham de modo sistemático na meditação, na oração ou em outros exercícios que visam a aquisição de uma experiência religiosa. Estas pessoas provêm de todas as classes e ocupações, e o estado místico que elas relatam é um estado de ocorrência de intensos fenômenos de natureza afetiva, perceptual e cognitiva. Estes fenôme nos parecem ser extensões de processos psicológicos fami
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liares. As drogas e a natureza são os seus mais freqüentes fatores de precipitação. James cita a descrição de Trevor para ilustrar a experiência «natural»:
Por quase uma hora andei pela estrada em direção ao «Cat and Fiddle», e então retornei. No caminho de volta, su bitamente, sem qualquer aviso, senti que estava no céu — um estado interior de paz, de alegria e de segurança de uma intensidade indescritível, acompanhado de uma sensa ção de estar banhado por uma cálida golfada de luz, como se a condição externa tivesse causado o efeito interno — um sentimento de ter ultrapassado o corpo, apesar de a cena ao meu redor se haver tornado mais clara, como se estivesse mais próxima de mim do que anteriormente, devido à luz em cujo centro eu parecia estar colocado. Esta pro funda emoção, embora com intensidade decrescente, durou até que cheguei em casa, e por algum tempo ainda, perdendose de maneira gradual (James, 1929, p. 388). Como um exemplo de experiência causada por droga, James cita a descrição de Seymond a respeito de sua experiência sob o efeito de anestesia de clorofórmio:
Pensava estar próximo da morte, quando, subitamente, minha alma tornou-se cônscia de Deus, que estava, por assim dizer, manifestamente se dirigindo a mim, me guiando, uma realidade pessoal intensa e presente. Senti-o como se fluísse como luz sobre mim . . . Não posso descrever o êxtase que senti. Então, à medida que gradualmente sai do efeito do anestésico, o antigo sentido de minha relação com o mundo começou a voltar, e o novo sentido de minha relação com Deus começou a desvanecer-se (James, 1929, p. 382). Situam-se no mesmo grupo os relatos mais recentes a respeito de experiências com o LSD-25 e com drogas corre latas (Watts, 1962).
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A categoria «sensações treinadas» refere-se essencialmente aos mesmos fenômenos que ocorrem aos religiosos ocidentais e orientais que procuram, de forma deliberada, a «graça», a «iluminação», ou a «união», através de uma longa prá tica em concentração e renúncia (meditação contemplativa, ioga etc.). Um exemplo deste grupo é Richard Rolle, que escreveu:
Estava sentado numa certa capela, e enquanto eu me deleitava em alguma oração ou meditação, senti subitamente em meu interior um fogo agradável e não desejado. Após ter por longo tempo duvidado de sua origem, aprendi pela experiência que ele era proveniente do Criador, e não da criatura, pois o senti mais agradável e mais cheio de calor. .. (Knowles, 1961, p. 57). Uma experiência mais elaborada é descrita por Julian of Norwich:
Neste momento subitamente eu vi gotejar abundantemente por baixo da coroa um sangue quente, vermelho e fresco... E de repente, na mesma demonstração, a Trindade encheu o meu coração da maior felicidade. E assim compreendi que ela deve estar no paraíso sem fim, para todos que lá chegarem (Warrack, 1952, p. 8). Visões, sensações de «fogo», «doçura», «poesia» e «feli cidade» são alguns dos acompanhantes. Os estados de sensações não-treinadas e de sensações treinadas são indistinguíveis fenomenologicamente, com a exceção de que os místicos treinados relatam experiências que se ligam mais intimamente à cosmologia religiosa espe cífica à qual estão familiarizados. Como se poderia esperar, uma experiência que ocorre como resultado de um treina mento amparado por uma estrutura social formal, e que é passível de repetição, tende a ter um efeito psicoló gico mais significativo e duradouro. Entretanto, as expe
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riências de conversão espontânea são também dignas de nota, pela influência que exercem na vida de uma pessoa. Um aspecto típico de toda experiência mística é um desa parecimento mais ou menos gradual de tal estado, que deixa na pessoa somente uma recordação e uma saudade daquilo que foi experienciado. Místicos tais como São João da Cruz e Santa Teresa d’Âvila, comentadores como Poulain, e a literatura mística oriental em geral, dividem os efeitos e estágios através dos quais os místicos evoluem numa experiência inferior de grande emoção e ideação (estágio de sensação) e numa experiência superior, final, que vai além do afeto ou da ideação. É esta última experiência, cuja ocorrência está quase sempre associada a um treinamento prolongado, que caracteriza o grupo de «transcendência treinada». O aspec to transensitivo é tratado especificamente por muitos auto res, tais como Walter Hilton e S. João da Cruz.
A partir do que eu disse podeis compreender que as visões de revelações feitas por espíritos, sejam eles vistos em forma corporal ou na imaginação, e não importando se tal acontece durante o sono ou no estado de vigília, não constituem a verdadeira contemplação. Isto se aplica igual mente a quaisquer outras experiências sensíveis de origem aparentemente espiritual, sejam sonoras, de gosto ou de odores, ou de um calor sentido como se fosse o de um fogo ardente no peito ou em outras partes do corpo, real mente a tudo que possa ser experienciado pelos sentidos físicos (Hilton, 1953, p. 14-15). . . . aquela sabedoria interior é tão simples, tão ampla e tão espiritual que escapa ao discernimento revestido de qual quer forma ou imagem sujeita aos sentidos, e portanto os sen tidos e a imaginação não podem considerá-la ou imaginála (pois ela não se introduziu através deles nem tomou sua forma e cor), nem qualquer coisa que se refira a ela, embora a alma possa ter uma consciência clara de que está
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experienciando ou compartilhando daquela sabedoria rara e agradável (São João da Cruz, 1953, vol. I, p. 457). Uma distinção semelhante, entre estados contemplativos inferiores (sensitivos) e superiores (transcendentes), pode ser encontrada em textos de ioga. A «concentração cons ciente» é um passo preliminar para se alcançar a «concen tração que é não-consciente (de objetos)»:
Pois a prática que se dirige a qualquer objeto-suporte não é capaz de servir de instrumento para esta (concentração não-consciente de um objeto) . . . A substância mental, quando empenhada na prática deste (objeto imperceptível), é como se fosse não-existente e sem qualquer objeto-suporte. Assim (surge) aquela concentração (chamada) sem semen te (que não possui um estímulo sensível), que é nãoconsciente de objetos (Woods, 1914, p. 42). No estado transcendente, desaparece a multiplicidade e ocorre uma sensação de união com o Uno ou com o Todo. Quando todas as coisas e idéias inferiores são transcen didas e esquecidas, e só permanece um perfeito estado vazio de imagens onde Tathagata e Tathata estão mergu lhados na Unidade perfeita... (Goddard, 1938, p. 322). Então o espírito é transportado muito além de todas as faculdades, a um vácuo de uma imensa solidão, do qual nenhum mortal pode falar adequadamente. É a escuridão misteriosa na qual se oculta o Bem ilimitado. Somos aco lhidos e absorvidos de tal modo em algo que é uno, sim ples, divino e ilimitável, que parecemos não ser mais dis tinguíveis dele... Nesta unidade, o sentimento de multi-, plicidade desaparece. Quando, em seguida, estas pessoas voltam a si novamente, elas se sentem possuidoras de um conhecimento distinto das coisas, mais luminoso e mais per feito do que o conhecimento dos outros. . . Esta obscuri dade é uma luz à qual nenhuma inteligência criada pode chegar por sua própria natureza (Poulain, 1950, p. 272).
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Este estado é descrito em todas as literaturas como um estado no qual o místico é passivo, por ter abandonado qualquer luta. Ele vê a «graça» como uma ação de Deus sobre ele e se sente receptivo. Além disso, algumas des crições indicam que os sentidos e as faculdades de pensa mento são como que suspensas, um estado que é descrito na literatura católica como a «ligadura». A variedade humana está refletida nas diferenças super ficiais que existem entre os relatos de vários místicos. Entretanto, um exame cuidadoso destas descrições nos leva a concordar com Marechal, quando escreve:
Surge então um problema psicológico muito delicado: o consenso dos testemunhos a que chegamos é por demais unânime para ser rejeitado. Ele nos força ao reconheci mento de um estado psicológico especial que existe em certos indivíduos e resulta geralmente de uma concentração interior muito severa, sustentada por um intenso movimento afetivo, mas que, por outro lado, não apresenta nenhum sinal de «discursividade», de imaginação espacial, ou de consciência reflexa. E surge uma questão desconcertante: após terem sido abolidos os conceitos, as imagens e o ego consciente, o que subsiste da vida intelectual? A multipli-, cidade terá desaparecido, mas em benefício de que tipo de unidade? (Marechal, 1964, p. 185). Em resumo, a literatura mística sugere que vários tipos de pessoas têm alcançado estados mentais e sentimentos que elas consideram como sublimes, estados que podem ser agrupados em três categorias: sensações não treinadas, sensações treinadas e transcendência treinada. A distinção mais importante parece ser aquela que existe entre uma experiência baseada no afeto, nas sensações e nas ideações habituais, e uma experiência que é considerada como transcendente a estes coisas.
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Técnicas místicas básicas Como a experiência mística é produzida? Para responder a esta pergunta examinarei as duas técnicas básicas apli cadas aos exercícios místicos: a contemplação e a renúncia. A contemplação é, idealmente, uma apreensão nãoanalítica de um objeto ou idéia — não-analítica porque o pensamento discursivo é banido e é feita uma tentativa de deixar a mente vazia, exceto da percepção do objeto em questão. O pensamento é considerado como uma inter ferência no contato direto que permite o conhecimento essencial que provém da simples percepção. A renúncia a objetivos e prazeres mundanos tanto físicos quanto psico lógicos é uma extensão do mesmo princípio de libertação das distrações que interferem com a percepção de realida des superiores e de aspectos mais belos da existência. A renúncia prescrita é bastante radical e explícita em todos os textos. A passagem que inicia este artigo dá a seguinte instrução: «Esquecei todas as criaturas que Deus criou... para que vosso pensamento... não se dirija... a nenhuma delas...» Na Escritura Lankavatra temos o seguinte: « . . . ele deve procurar aniquilar todos os pensamentos e noções errantes pertencentes à aparência das coisas, e todas as idéias de individualidade e generalidade, de sofrimento e de impermanência, e cultivar as nobres idéias de não-eu, de vazio, e de ausência de imagens...» (Goddard, 1938, p. 323). Meister Eckart promete: «Se nos conservarmos livres das coisas que estão fora de nós. Deus nos dará em troca tudo que está no céu. . . Ele mesmo com todos os seus poderes...» (Clark <& Skinner, 1958, p. 104). Em Hilton lemos: «Portanto, se desejares descobrir tua alma, remove teus pensamentos das coisas externas e materiais, esquecendo se possível teu próprio corpo e seus cinco sen tidos...» (Hilton, 1953, p. 205). São João da Cruz exige o banimento explícito da memória: De todas estas formas e espécies de conhecimento a alma há de se despojar e se esvaziar, e se esforçar por perder
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a apreensão imaginativa delas, de tal modo que não seja deixada na alma nenhuma espécie de impressão de conhe cimento ou nenhum traço de qualquer outra coisa, mas antes a alma há de permanecer estéril e nua, como se estas formas nunca tivessem passado por ela, e em total esque cimento e suspensão. E isto não pode acontecer a menos que a memória seja aniquilada em todas as suas formas, se a alma deseja se unir a Deus (São João da Cruz, 1953, p. 227). Na maioria das práticas místicas tanto orientais quanto ocidentais, a renúncia estende-se também à situação de vida presente do místico. A pobreza, a castidade e a vida soli tária são consideradas essenciais para se alcançar a união mística. Entretanto, o zen-budismo vê a vida comum como um veículo adequado para o «satori», na medida em que as paixões e os desejos «mundanos» são abandonados e, com eles, a abordagem intelectual da experiência. «Quando eu estou em meu ser, completamente purgado de todos os sedimentos intelectuais, possuo a minha liberdade em seu sentido primário. . . livre de complexidades intelectuais e de vínculos morais...» (Suzuki, 1959, p. 19). As instruções para a realização da meditação contempla tiva indicam que se faz um esforço bastante ativo no sen tido de serem excluídos os estímulos tanto internos quanto externos, de desvalorização e banimento, e de ao mesmo tempo focalizar a atenção no objeto de meditação. Nesta fase de contemplação ativa, a concentração da atenção sobre objetos, idéias, movimentos físicos particulares, ou sobre exercícios respiratórios é recomendada como uma aju da no sentido de desviar a atenção de seus canais usuais e de restringi-la a um foco monótono.1 Patanjali comenta:
Vincular a substância mental a um lugar é atenção fix a ... A focalização da idéia apresentada em tal lugar é contem 1- Os exercícios de respiração carbono do sangue e assim
podem também afetar a taxa alterar quimicamente o estado
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dedióxido de deconsciência.
plação... Esta mesma (contemplação), apenas como obje to pretendido e esvaziada de si mesma, é concentração.. . As três em um são prisões. . . Contudo estas ( três) coisas são meios indiretos para se alcançar a (concentração) sem semente (Woods, 1914, p. 203-208). Instruções elaboradas para a seleção de objetos para a contemplação e para a utilização adequada da postura e da respiração com o objetivo de se criar condições ótimas para a concentração encontram-se no ioga. Tais técnicas não são geralmente encontradas na literatura religiosa oci dental a não ser na forma de regras para manter o eu orientado para Deus e combater as distrações que são con sideradas como provenientes do demônio ( Exercícios Espi rituais de Santo Inácio, Puhl, 1962, são uma possível exceção). A fase ativa da meditação contemplativa é uma introdu ção ao estágio de plena contemplação, no qual o sujeito é apanhado e absorvido num processo que ele mesmo iniciou mas que agora parece ser autônomo, não depen dendo de nenhum esforço. Ao contrário, solicita-se a passi vidade — auto-renúncia — uma receptividade aberta no meio da «escuridão» resultante do banimento de pensamen tos e sensações, e da renúncia a objetivos e desejos dirigi dos ao mundo.
Quando este esforço ativo de concentração mental é bem sucedido, ele é seguido por um estado de samadhi mais passivo, mais receptivo, no qual o discípulo dedicado entrará na mansão bem-aventurada da nobre sabedoria... (Goddard, 1938, p. 323). Pois se uma tal alma desejar fazer qualquer esforço pró prio com suas faculdades interiores, isto significará a obstru ção e a perda das bênçãos que... Deus lhe está instilando e imprimindo (Hilton, 1953, p. 380).
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Não deveria ser esquecido o fato de que as técnicas de contemplação e de renúncia são praticadas dentro da es trutura de algum tipo de método teológico, usado para interpretar e organizar as experiências que ocorrem. Entre tanto, a doutrina simplesmente não é o bastante. Os textos orientais insistem na necessidade da orientação de um guru (um instrutor experimentado), tanto como medida de se gurança quanto para que se possa atingir o objetivo espi ritual. Na religião ocidental, um «conselheiro espiritual» serve como guia e instrutor. A presença de uma estrutura conceituai motivadora e organizadora, e a assistência e o estímulo de um instrutor, são indubitavelmente importantes para ajudar uma pessoa a persistir nos exercícios de medi tação e a adquirir as notáveis modificações de personali dade que podem ocorrer caso este esforço seja bem suce dido. A modificação de personalidade duradoura é obtida provavelmente pela ênfase na adaptação do comportamen to aos valores e insights associados com a estrutura dou trinária e com os estágios da experiência mística. Como poderíamos explicar os fenômenos e suas relações a estas técnicas? A maior parte das explicações que existem na literatura psicológica e psicanalítica tem sido afirma ções gerais que enfatizam uma regressão à primitiva re lação simbiótica criança-mãe. Estas afirmações vão de uma posição extremada, como a de Alexander (1931), onde o treinamento budista é descrito como uma retenção da libido dirigida ao mundo, que é reinvestida no ego até que seja alcançado um narcisismo intra-uterino — «o narcisismo puro do esperma» — de acordo com a afirmação básica de Freud (1961, vol. 21, p. 64-73), segundo a qual a «sensação oceânica é uma memória de um estado relativa mente indiferenciado do ego infantil». Lewin (1950, p. 149-155) sobretudo desenvolveu este conceito. Nos últimos anos, as hipóteses têm progredido, unindo os conceitos de regressão e de adaptação ativa. Os trabalhos de Kris (1952, p. 302), Fingarette (1963), e de Prince & Savage (1965) ilustram este tipo de abordagem da experiência mística.
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Este artigo tentará dar uma explicação dos fenômenos mís ticos a partir de um ponto de vista diferente, ou seja, a partir dos mecanismos de atenção na percepção e na cognição.
Desautomatização Em estudos anteriores da meditação experimental, aventei a hipótese de que os fenômenos místicos seriam uma con seqüência de uma desautomatização das estruturas que orga nizam, limitam, selecionam e interpretam os estímulos perceptuais. Sugeri as hipóteses de interpretação sensorial, de transferência de realidade e de expansão perceptual para explicar certas percepções incomuns dos sujeitos de medi tação (Deikman, 1966b). Agora tentarei apresentar uma formulação integrada que relaciona estes conceitos às técni cas místicas clássicas de renúncia e contemplação. A desautomatização é um conceito que tem sua origem na discussão de Hartmann (1958, p. 88-91) sobre a auto matização do comportamento motor: Em aquisições bem estabelecidas eles ( os mecanismos motores) funcionam automaticamente: a integração 'dos sis temas somáticos aplicados à ação é automatizada, do mesmo modo que a integração dos atos mentais individuais que nela se supõem. Com o exercido progressivo da ação, seus passos intermediários desaparecem da consciência. .. Não só o comportamento motor como também a percepção e o pensamento mostram uma automatização. . . É óbvio que a automatização pode ter vantagens eco nômicas, poupando cathexis de atenção em particular, e cathexis simples de consciência em geral. .. Aqui, como na maior parte dos processos de adaptação, há a criação de um suprimento útil para outras tarefas. Gill e Brenman (1959, p. 178) desenvolveram o conceito de desautomatização:
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A desautomatização é uma anulação da automatização dos mecanismos — tanto mediadores quanto finais — di rigidos para o ambiente. A desautomatização è, por assim dizer, uma sacudida que pode ser seguida por um avanço ou por um retrocesso no nível de organização. . . Alguma manipulação da atenção dirigida para o funcionamento de um mecanismo é necessária para a sua desautomatização. Assim, a desautomatização pode ser conceituada como uma anulação da automatização, provavelmente através do
reinvestimento da atenção em ações e percepções. O conceito de estruturas psicológicas obedece à defini ção dada por Rapaport e Gill (1959, p. 157-158): AS ESTRUTURAS SÃO CONFIGURAÇÕES QUE POS SUEM UM BAIXO ÍNDICE DE MODIFICAÇÃO. .. DEN TRO DAS QUAIS, ENTRE AS QUAIS E ATRAVÉS DAS QUAIS OS PROCESSOS MENTAIS SE REALIZAM... AS ESTRUTURAS SÃO ORGANIZADAS HIERARQUICA-, MENTE. .. Esta hipótese... é significativa por ser o fun-, damento para as proposições psicanalíticas referentes à di ferenciação ( seja ela resultante de estruturas discretas que são posteriormente coordenadas, ou de uma articulação inter na aumentada de tais estruturas), e por implicar que a qua lidade de um processo depende do nível da hierarquia estrutural no qual ele se realiza. A desautomatização de uma estrutura pode resultar mais numa substituição por uma estrutura inferior em hierarquia, do que numa suspensão total da função envolvida. Meditação contemplativa Refletindo-se sobre a técnica de meditação contemplativa, podemos constatar que ela parece ser constituída de uma manipulação da atenção, semelhante à que é necessária para produzir uma desautomatização. A percepção recebe uma atenção imensa, enquanto que o uso da atenção para
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o pensamento e categorização abstratos é explicitamente proibido. Desde que a automatização normalmente resulta da transferência de atenção de uma percepção ou ação para a atividade de pensamento abstrato, o procedimento de meditação exerce uma força na direção oposta. A cognição é inibida em favor da percepção; o hábito intelectual ativo é substituído por uma percepção receptiva. A automatização é um processo de desenvolvimento hierar quicamente organizado, de tal modo que poderíamos espe rar que a desautomatização resulte numa mudança de orga nização perceptual e cognitiva caracterizada como «primi tiva», ou seja, uma organização que precede ao estilo ana lítico, abstrato e intelectual do pensamento adulto atual. O funcionamento perceptual e cognitivo de crianças e de pessoas de culturas primitivas foi estudado por Werner, que descreve o pensamento e as fantasias primitivas como (a) relativamente mais vivas e sensuais, (b) sincréticas, (c) fisionômicas e animadas, (d) dediferenciadas com res peito à distinção entre sujeito e objeto, e entre objetos, e (e) caracterizada por uma dediferenciação e fusão de mo dalidades perceptuais. Numa afirmação baseada em ima ginações eidéticas de crianças, e também em estudos mais amplos de desenvolvimento perceptual, Werner (1957, p. 152) propõe:
A imagem tomou gradualmente um outro caráter funcio-, nal. Ela se torna essencialmente sujeita às exigências do pensamento abstrato. Uma vez que a imagem muda de função e se torna um instrumento no pensamento reflexivo, a sua estrutura também se modificará. É somente através de uma tal modificação estrutural que a imagem pode servir como um instrumento de expressão na atividade mental abstrata. Por isso, a sensualidade, a riqueza de detalhes, a cor e a vivacidade da imagem devem necessariamente se desvanecer.
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Teoricamente, a desautomatização deveria inverter este desenvolvimento na direção do pensamento primitivo, e é importante que se note que as descrições clássicas da expe riência mística enfatizam o fenômeno da unidade. A unidade pode ser considerada como uma dediferenciação que absorve todas as fronteiras, até que o eu não é mais experienciado como um objeto distinto, e distinções perceptuais e cogni tivas não são mais aplicáveis. Neste aspecto, a literatura mística é coerente com as hipóteses de desautomatização. Se buscarmos evidências de modificações na experiência mística do mundo externo, a literatura clássica será de pouca ajuda, porque a orientação mística é mais interior do que exterior, e os místicos têm a tendência de escrever mais sobre Deus do que sobre a natureza. Entretanto, em certos relatos de experiências não-treinadas existe evidên cia de um aumento de riqueza e de nitidez sensorial. James (1929, p. 243-244), descrevendo a experiência de conver são, afirma: «Uma terceira peculiaridade do estado de se gurança é a modificação objetiva pela qual o mundo parece passar, ‘Uma aparência de novidade embeleza cada obje to’ .. .» . Ele cita o seguinte trecho de Billy Bray: « . . . Eu gritei de alegria, glorifiquei a Deus com todo o meu cora ção . . . Eu me lembro de que tudo me parecia novo, as pessoas, os campos, o gado, as árvores. Eu parecia um homem novo num mundo novo». Um outro exemplo, que agora provém de uma mulher, diz o seguinte: «Roguei piedade e tive uma constatação clara do perdão e da re novação de minha natureza. Quando me levantei (após estar de joelhos), exclamei: ‘As coisas antigas se foram, todas as coisas tornaram-se novas’. Era como entrar num outro mundo, num novo estado de existência. Os objetos naturais eram glorificados. Minha visão espiritual tornou-se tão clara que eu vi beleza em cada objeto material do universo. . . » E novamente: «A aparência de todas as coisas estava alterada, parecia haver um aspecto doce ou uma aparência de glória divina em quase tudo».
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Uma tal modificação na percepção do mundo foi cha mada por Underhill (1955, p. 235) de «uma clareza de visão, um aumento da percepção física», e ela cita a frase de William Blake: «purifica as portas da percepção». É difícil documentar-se esta alteração perceptual, porque os relatos autobiográficos citados por Underhill, James e outros, são uma mistura de sentimento espiritual e da percepção real do místico, que resulta no domínio do conteúdo espi ritual sobre a descrição que ele faz do mundo físico. Con tudo, estas descrições sugerem a ocorrência de uma «nova visão», realçada por uma exaltação interior. Seus autores relatam a percepção de um novo esplendor no mundo, a visão de tudo como se fosse pela primeira vez, de bele zas que anteriormente passavam desapercebidas. Embora tais descrições não provem uma mudança de percepção sensorial, elas implicam grandemente uma tal modificação. Estes fenômenos particulares parecem bastante variáveis e não são mencionados em muitos relatos místicos. Não obstante, foi obtida uma evidência direta disso nos experi mentos de meditação anteriormente mencionados (Deikman, 1963, 1966b). Em tais ocasiões foi possível fazer pergun tas e analisar as descrições dos sujeitos para se obter informações a respeito de suas experiências perceptuais. Os fenômenos relatados pelos sujeitos preencheram comple tamente os critérios de Werner, embora a extensão da mo dificação variasse de um sujeito a outro. Eles descreveram suas reações ao objeto de percepção, que era uma vaso azul, da seguinte maneira: (a) um brilho e uma riqueza acentuados do objeto de percepção — «mais brilhante», «luminoso»; (b) uma animação do vaso, que parecia moverse com uma vida própria; (c) uma diminuição acentuada na distinção sujeito-objeto, que ocorreu naqueles sujeitos que se submeteram por mais tempo aos experimentos: « . . . Eu comecei realmente a sentir como se o azul e eu estivéssemos talvez sendo fundidos numa só coisa, ou que o vaso e eu fôssemos. . . Foi como que todas as coisas estivessem se fundindo...» ; (d) pensamento sincrético e
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uma fusão e alteração dos modos perceptuais normais: «Eu comecei a sentir esta luz oscilando», «Quando o vaso muda de forma, eu o sinto em meu corpo», «Eu ainda não tenho certeza se é um movimento nos anéis ou se são os pró prios anéis (anéis de luz concêntricos, entre o sujeito e o vaso). Mas de certo modo é real... não no sentido de que você possa vê-lo, tocá-lo, cheirá-lo ou sentir-lhe o gosto ou qualquer outra coisa, mas é certamente real no sentido de que você pode experienciá-lo quando está acontecendo». As modificações perceptuais e cognitivas que ocorreram nos sujeitos se dirigiam coerentemente para uma organização mais «primitiva».* Portanto, a evidência disponível sustenta a hipótese de que é produzida uma desautomatização pela meditação con templativa. Alguém poderia ser tentado a chamar esta de sautomatização de uma regressão ao estado perceptual e cognitivo da criança ou do bebê. Entretanto, uma tal con cepção se baseia em hipóteses sobre a experiência do mundo, de uma criança, que não podem ser verificadas. Numa passagem que é freqüentemente citada, Wordsworth (1904, p. 353) escreve:
Houve um tempo em que os prados, os bosques e os riachos A terra, e todos os espetáculos comuns A mim pareciam Vestidos da luz celestial, A glória e o frescor de um sonho. Ele pode estar confundindo, entretanto, a infância com aquilo que geralmente é uma reconstrução baseada na inte ração das capacidades associativas do adulto com a memória do contato sensorial mais direto da criança. «Glória» é provavelmente um produto do adulto. Em vez de falarmos de um retorno à infância, seria mais correto dizermos que a suspensão das estruturas perceptuais e *• Ver capítulo 33. A medida que a diferenciação do vaso progrediu, tendeu a ocorrer uma fusão de objeto e fundo, concomitantemente a uma perda de cor e de nitidez.
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cognitivas permite um ganho na intensidade sensorial e na sua riqueza, à custa da anulação da diferenciação e categorização abstratas. Poder-se-ia chamar esta direção de re gressiva num sentido relativo ao desenvolvimento, mas esta experiência provavelmente não está dentro da esfera psico lógica de nenhuma criança. Ela é uma desautomatização que ocorre numa mente adulta, e a experiência é enrique cida pelas memórias e funções do adulto que agora estão sujeitas a um modo de consciência diferente.
Renúncia A desautomatização produzida pela meditação contempla tiva é realçada pela adoção de uma posição de renúncia como um objetivo e um modo de vida, por uma renúncia que não se resume exclusivamente ao breve período de meditação. A pobreza, a castidade, o isolamento e o si lêncio são técnicas tradicionais prescritas para se prosse guir na vereda mística: «Para experienciar Deus mantém teus pensamentos voltados para Deus, e afastados do mundo e do corpo que te prendem ao mundo». A estratégia mís tica está ligada a todos os aspectos da vida do sujeito. O místico esforça-se por expulsar da consciência os obje tos do mundo, e também os desejos que lhe são dirigidos. Na medida em que as estruturas perceptuais e cognitivas exigem a «alimentação» de seus estímulos habituais para um funcionamento adequado, é de se esperar que a renún cia enfraqueça e até mesmo destrua estas estruturas, ten dendo desta forma a produzir uma experiência incomum (Rapaport, 1951). Um tal isolamento dos estímulos deve ocorrer também internamente. Os sujeitos do experimento de meditação citado anteriormente relataram que houve um decréscimo da responsividade aos estímulos distrativos, à medida em que eles adquiriram uma maior prática. Eles se tornaram mais eficientes, com um menor esforço, na eliminação da consciência daqueles estímulos não deseja dos. Estes relatos sugerem que houve o estabelecimento
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de estruturas psicológicas limitadoras, na medida em que os sujeitos se tornaram mais hábeis (Deikman, 1963, p. 338). Estudos eletroencefalográficos de monges zen tam bém forneceram resultados semelhantes. O efeito de um estímulo distrativo, medido pelo desaparecimento do ritmo alfa, foi mais proeminente nos noviços, um pouco menor naqueles que estavam num estado intermediário, e quase nulo no mestre (Kasamatsu & Hirai, 1963). Pode ser que a prática intensiva e prolongada de meditação crie barrei ras temporárias contra estímulos, barreiras que produzem um estado funcional de isolamento sensorial. * Baseando-nos nos experimentos de privação sensorial seria de se esperar que a privação prolongada (ou a variabilidade diminuída) de uma classe particular de estímulos «alimentadores» cau sasse uma alteração naquelas funções que foram previa mente estabelecidas para lidar com tal classe de estímu los (Schultz, 1965, p. 95-97; Solomon e outros, p. 226237). Estas alterações parecem ser um tipo de desautomatização, como foi definida anteriormente — por exemplo, o brilho aumentado das cores e a diminuição de capaci dades perceptuais tais como a discriminação de cores (Zubek e outros, 1961). Portanto, podemos considerar que a re núncia, isoladamente, pode ser um agente de desautomatização. Quando combinada à meditação contemplativa, ela produz um efeito bastante poderoso. Finalmente, quanto maior for o grau de renúncia alcan çado, tanto maior será a proximidade do místico ao seu objetivo de União ou Iluminação. A sua motivação será ne cessariamente aumentada: por haver abandonado o mundo, ele não tem mais nenhuma esperança de auxílio. ASPECTOS PRINCIPAIS DA EXPERIÊNCIA MÍSTICA Admitindo-se que existe a desautomatização, torna-se ne cessário um esclarecimento a respeito de cinco aspectos 3. McReynolds (1960, p. 296) julga que uma barreira contra estímulos seme-
lhantes pode operar na esquizofrenia.
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principais da experiência mística: (a) realidade intensa, (b) sensações incomuns, (c) unidade, (d) inefabilidade, e (e) fenômenos trans-sensoriais.
Realidade Aqueles que passaram por uma experiência mística, tenha sido ela induzida por anos de meditação ou por uma única dose de LSD, afirmam que a veracidade da experiência é atestada por seu senso de realidade. A crítica dos céticos se defronta freqüentemente com a declaração: «Você tem que experienciá-la em você mesmo e então você compreen derá». Isto significa que a pessoa que passar por esta experiência será convencida por seu imenso sentimento de realidade. «Eu sei que era real porque era mais real do que a minha conversa com você, agora». Mas «realidade» não é evidência. Existem, na realidade, muitos exemplos clínicos de variabilidade na intensidade do sentimento de realidade que não estão correlacionados com uma varia bilidade correspondente na realidade. Um sonho pode ser tão «real» que traga uma convicção ao estado de vigília, embora seu conteúdo possa ser estranho de tal modo que não tenha uma correspondência com este mundo ou com qualquer outro. A psicose é freqüentemente precedida ou acompanhada por uma sensação de que o mundo é menos real do que normalmente, outras vezes de que é mais real, ou de possuir uma realidade diferente. O fenômeno da despersonalização demonstra o potencial para uma alte ração no senso da realidade da própria pessoa, embora o seu eu evidenciai não tenha sofrido nenhuma modificação. Entretanto, no caso da despersonalização, ou da desrealização, a distinção entre aquilo que é externo e aquilo que é interno é ainda clara. O que muda é a qualidade de rea lidade atribuída àquelas representações de objetos. Portan to, parece que (a) o sentimento de realidade representa uma função distinta da função de julgamento de realidade, embora elas geralmente operem sincronicamente; (b) o sen
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timento de realidade não é, per se, inerente às sensações; e (c) a realidade pode ser considerada uma função quanti dade passível de modificações e, portanto, sujeita à inten sificação, redução e de transferência, que afeta todas as variedades de conteúdos ideacionais e sensoriais.4 Do ponto de vista de desenvolvimento, é claro que a so brevivência biológica depende de um sentido seguro daqui lo que é palpável e daquilo que não o é. O senso de rea lidade funde-se necessariamente ao objeto mundo. Quando consideramos que a meditação combinada à renúncia pro picia uma profunda ruptura do relacionamento psicológico normal do sujeito ao mundo, torna-se plausível que a prá tica de tais técnicas místicas estaria associada a uma alte ração significativa do sentimento de realidade. A qualidade de realidade que era anteriormente atribuída aos objetos agora é atribuída às idéias e sensações particulares que entram na consciência durante os períodos de desautomati zação perceptual e cognitiva. Os estímulos do mundo inte rior são investidos do sentimento de realidade que é ordi nariamente conferido aos objetos. Através do que poderia ser chamado de «transferência de realidade», os pensamen tos e as imagens tornam-se reais (Deikman, 1966b, p. 109-111).
Percepções incomuns A ideação e as sensações que ocorrem durante a desautomatização mística são freqüentemente bastante incomuns: elas não parecem pertencer ao continuam da consciência cotidiana. «De repente, sem aviso de qualquer espécie, ele se viu envolto, por assim dizer, por uma nuvem ígnea» (Bucke, 1961, p. 8). Percepções de luz englobante, de energia infinita; visões inefáveis e conhecimento incomuni ** ro ríPí?
Paul Federn (1J955, p. 241-260) de que a sensação normal de
realidade exige um investimento adequado de energia (libido) nos limites ego, aponta para a noção de uma quantidade de "realidade”. Avery weissman (1958) desenvolveu e ampliou esta idéia, mas prefere o conceito mais englobante de “campos libidinais” para tais limites do ego.
cável são dignos de nota por serem aparentemente distin tos das percepções dos fenômenos do «mundo natural». De acordo com os místicos, estas experiências são dife rentes porque pertencem a uma realidade superior e trans cendente. Diz-se que aquilo que é percebido provém de outro mundo, no mínimo de uma outra dimensão. Embora tal possibilidade não possa ser excluída, muitos dos fe nômenos podem ser compreendidos como representando um modo incomum de percepção, mais do que como estí mulos externos inusitados. Nos estudos de meditação experimental já mencionados, dois sujeitos que tiveram um treinamento prolongado rela taram experiências nítidas de luz e força. Por exemplo: . . . logo comecei a sentir um movimento, e uma osci lação de luz e escuridão, à medida que ele se tornava cada vez mais forte. Agora quando isto acontece, acontece não só em minha visão, mas também como se fosse uma espé cie de coisa física. Está ligado a sentimentos de atração, expansão, absorção e subitamente minha visão se fixou num lugar particular e . . . Eu fui dominado por uma sensação muito poderosa e isto tornou-se o centro (Deikman, 1966b, p. 109). Este relato sugere que a percepção de movimento e de oscilação luz-escuridão pode ter sido a percepção do «mo vimento» de atenção entre vários conteúdos psíquicos (in dependentemente do que pudesse ser tal «movimento»). «Atração», «expansão», «absorção», refletiriam desta forma o esforço de focalizar a atenção — o foco bem sucedido é experienciado como: «Eu fui dominado» por uma força poderosa. Um outro exemplo é o seguinte: « . . . quando o vaso muda de forma... Eu o sinto em meu corpo e particularmente em meus olhos... Há uma espécie de sen sação física real de que alguma coisa que se move recria a forma do vaso» (Deikman, 1966b, p. 108-109). Neste exemplo, o sujeito pode ter experienciado a percepção de
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uma ressíntese, ocorrendo em seguida à desautomatização da percepção normal; ou seja, a percepção do vaso estava sendo reconstruída fora da consciência normal, e o processo de reconstrução foi percebido como uma sensação física. Denominei este modo perceptual hipotético de translação sensorial, definindo-a como a percepção da ação psíquica (conflito, repressão, resolução de problema, atenção etc.) através das sensações relativamente não-estruturadas de luz, cor, movimento, força, som, cheiro ou gosto (Kris, 1952; Deikman, 196615, p. 108-109). Este conceito está relacio nado ao conceito de fenômenos hipnagógicos de Silberer (1951), mas difere deste quanto às suas origens e refe rências. No estado hipnagógico e no sonho, ocorre uma transferência simbólica de idéias e da atividade psíquica. Embora luz, força e movimento possam desempenhar um papel nas construções hipnagógicas e oníricas, as percep ções predominantes são complexas imagens visuais, verbais, conceituais e de atividade. A «translação sensorial» referese à experiência de equivalentes perceptuais não-verbais, simples e concretos da ação psíquica.* O conceito de translação sensorial oferece uma explica ção intrigante para o uso ubíquo de luz como uma me táfora para a experiência mística. Pode não ser somente uma metáfora: a «iluminação» pode se derivar de uma experiência sensorial real que ocorre quando se realiza uma liberação de energia no ato de unificação, ou quando ocorre a solução de conflitos inconscientes, permitindo assim uma experiência de «paz», de «presença», e outras semelhantes. A energia liberada, experienciada na forma de luz, pode ser a experiência sensorial central do misticismo. Se a hipótese da translação sensorial for correta, ela apresentará o problema porque a translação sensorial ocorre em uma situação particular. 5. Alguns conceitos de alguma forma relacionados a este, embora sejam de “ma esfera completamente diferente, foram desenvolvidos por Michaux (1963, p- *-9), sugerindo que a experiência freqüente de ondas ou vibrações em estados de drogas alucinógenas é o resultado da percepção direta das “ondas cerebrais medidas pelo EEG; e também os de Leary (1964, p. 330-339), que sugere que as drogas alucinógenas permitem uma “consciência direta dos processos que os físicos e os bioquímicos e os neurologistas medem”, como P°r exemplo os elétrons em órbita ou a interação das células.
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Em geral, parece que a translação sensorial pode ocorrer: (a) quando uma atenção aumentada é dirigida para as vias sensoriais, (b) na ausência do pensamento analítico controlado, e (c) quando a atitude do sujeito é de recep tividade aos estímulos (abertura, em vez de defesa ou sus peita). O treinamento de meditação contemplativa é diri gido especificamente à obtenção de um estado que possui estas características. Laski (1961) relata que experiências místicas espontâneas podem ocorrer durante atividades di versas, como parto, a visão de paisagens, quando se escuta música, ou durante uma relação sexual. Embora seus su jeitos tenham dado poucas descrições dos seus processos de pensamento anteriores aos êxtases, no momento de sua ocorrência todos estavam envolvidos em intensas atividades sensoriais, nas quais as três condições acima relacionadas tenderiam a prevalecer. Tais condições parecem também se aplicar às experiências místicas associadas ao LSD. O estado mental induzido por alucinógenos é descrito como um estado de atenção sensorial aumentada acompanhada por uma diminuição ou perda de diferentes funções intelec tuais (Crocket e outros, 1963; Watts, 1962; Michaux, 1963). Com relação ao critério de receptividade, se ocorrem rea ções paranoides durante o efeito da droga, elas são adver sas a uma experiência extática. Por outro lado, quando os sujeitos drogados perdem a sua atitude de defesa e de suspeita, de tal modo que aceitam a sua situação, mais do que lutam contra ela, segue-se freqüentemente a experiên cia transcendente (Sherwood e outros, 1962). Portanto, o contexto psicológico geral pode ser descrito como uma concentração perceptual. Neste estado de consciência espe cial, o sujeito torna-se consciente de certos processos intrapsíquicos que ordinariamente são excluídos ou ficam fora do campo da consciência. O veículo para esta percepção parece ser uma sensação amorfa, que é tornada real por um deslocamento do sentimento de realidade («transferên cia de realidade») e que desta forma é mal interpretado como sendo de origem externa.
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Unidade A experiência do eu como formando uma unidade com o universo ou com Deus é o «carimbo oficial» da expe riência mística, independentemente do contexto cultural em que ela ocorra. James (1929, p. 410) coloca-o da seguinte maneira: A superação de todas as barreiras usuais que existem entre o indivíduo e o Absoluto é a grande aquisição mística. Nos estados místicos nós tanto nos tornamos um com o Absoluto, quanto nos tornamos conscientes da nossa própria singula ridade. Esta é a constante e triunfante tradição mística, dificilmente alterada por diferenças de clima ou de credo. No induísmo, no neoplatonismo, no sufismo, no misticismo cristão, no whitmanismo há o mesmo sinal constante, de tal modo que existe uma unanimidade eterna nos relatos místicos que deveriam fazer o crítico parar e pensar, e que nos leva à constatação de que os clássicos místicos não possuem nem idade nem terra natal, como tem sido dito. Falando perpetuamente da unidade do homem com Deus, seus discursos antecedem as línguas e também não envelhecerão. Já me referi às explicações deste fenômeno dadas em termos de regressão. Deveriam também ser consideradas duas hipóteses adicionais: por um lado, a percepção de unidade pode ser a percepção da própria estrutura psíquica do sujeito; por outro lado, a experiência pode ser a per cepção da estrutura real do mundo. É um lugar comum a afirmação de que nós não experienciamos o mundo diretamente; muito pelo contrário, temos uma experiência de sensação e de memórias a ela associadas, das quais inferimos a natureza do objeto estimulador. Como ninguém pode afirmar qual é a real substância da percepção, atualmente é a atividade eletroquímica que constitui a percepção e o pensamento. Deste ponto de vista, os conteúdos da consciência são homogê neos: são variações da mesma substância. Se a consciên
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cia se voltasse para si mesma, como é postulado para a translação sensorial, esta homogeneidade fundamental (uni dade) da realidade percebida — a atividade eletroquímica — deveria ser experienciada como uma verdade em rela ção ao mundo exterior, mais do que em relação ao mundo interior. A unidade, ou seja, a idéia e a experiência de sermos um com o mundo ou com Deus, constituiria por tanto uma percepção válida na medida em que pertence à natureza dos processos de pensamento, mas não é ne cessariamente, por si mesma, uma percepção correta do mundo externo. Logicamente,também existe a possibilidade de que a percepção de unidade avalie corretamente o mundo exte rior. Como foi descrito anteriormente, a desautomatização é a anulação de uma estrutura psíquica que permite a experiência de detalhes e de sensações acentuadas ao preço de uma atenção maior. A partir de uma tal atenção, é possível que a desautomatização permita a conscientização de novas dimensões do estímulo total — um processo de expansão perceptual. Os estudos de Werner (1957), Von Senden (1960) e Shapiro(1960)sugerem que o desen volvimento da infância à idade adulta é acompanhado por uma organização do mundo perceptual e cognitivo que tem como preço a seleção de alguns estímulos e qualidades de estímulos em detrimento de outros. Se a automatização que é subjacente àquela organização é invertida, ou sus pensa temporariamente, aspectos da realidade, que anterior mente não estavam disponíveis, podem então entrar na cons ciência. A unidade pode ser de fato uma propriedade do mundo real, que se torna perceptível através das técnicas de meditação e de renúncia, ou sob condições especiais, ainda desconhecidas, que criam as experiências místicas, breves e espontâneas, de pessoas não treinadas.
Inefabilidade As experiências místicas são inefáveis, impossíveis de serem comunicadas a outra pessoa. Embora algumas vezes
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os místicos escrevam longas descrições, eles sustentam que a experiência não pode ser comunicada por palavras ou por referência a experiências semelhantes da vida comum. Eles sentem a falta de palavras adequadas para comunicar a intensa realidade, as sensações incomuns e a cognição de unidade já mencionada. Contudo, um exame cuidadoso dos fenômenos místicos indica que existem, no mínimo, vários tipos de experiências, em que todas são «indescri tíveis», embora cada uma delas difira substancialmente em conteúdo e em características formais. O erro e a confu são são os resultados do agrupamento desses vários esta dos de consciência sob o título de «a experiência mística», que é baseado em sua característica comum de inefabilidade. Para começar, um tipo de experiência mística não pode ser comunicado em palavras porque ela se baseia, prova velmente, em memórias primitivas, e está também relacio nada a fantasias de uma experiência sensorial pré-verbal (infantil) ou não-verbal. * Certos relatos de místicos que falam de terem sido envolvidos, consolados e banhados pelo amor de Deus são bastante sugestivos do «estado indiferenciado» prototípico, a união de bebê e seio, enfa tizada pelas explicações psicanalíticas dos fenômenos mís ticos. Na verdade, parece altamente plausível que tais fan tasias e memórias primordiais possam ser reexperienciadas em conseqüência de (a) uma regressão nos processos de pensamento que resulta da renúncia e da meditação con templativa, e (b) da ativação de desejos infantis feita pela promessa religiosa — isto é, «que uma divindade bene volente recompensaria uma resignação inocente com uma euforia permanente» (Möller, 1965, p. 127). Além disso, as condições de isolamento sensorial funcional associadas Schachtel (1959, p. 284) considera os prlmórdios da infância irrememoráveis por razões estruturais: “Não é simplesmente devido à repressão de um con teúdo específico, tal como a experiência sexual precoce, que existe a amnésia infantil generalizada; o processo de organização da memória que é influen ciado biológica, cultural e socialmente resulta na formação de categorias \ esquemas) de memória que não são veículos adequados para receber e reproduzir experiências da qualidade e intensidade da infância primordial", egue-se que as estruturas verbais seriam do mesmo modo “inadequadas".
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ao treinamento místico podem contribuir para um aumento da lembrança e da nitidez de tais memórias (Suraci, 1964). Existe um segundo tipo de experiência mística que é igualmente inefável, mas surpreendentemente diferente — uma revelação demasiado complexa para ser verbalizada. Tais experiências são freqüentemente relatadas por aquelas pessoas que têm experiências místicas induzidas por drogas. Em tais estados, o sujeito tem uma revelação do significado e das inter-relações de muitas dimensões de vida; ele se torna consciente, simultaneamente, de vários níveis de signi ficado e «compreende» a totalidade da existência. A questão de se tal conhecimento é real ou ilusório permanece sem resposta; contudo, caso ocorresse realmente uma compreen são de múltiplos níveis, ela seria de uma expressão verbal difícil, talvez impossível. A linguagem comum é estrutu rada para acompanhar o desenvolvimento lógico de uma idéia de cada vez e poderia ser completamente inadequada para expressar uma experiência que englobasse simultanea mente um grande número de conceitos. William james su geriu que «os estados de intuição mística podem ser so mente prolongamentos amplos e muito súbitos do ‘campo de consciência’ comum». Usou a imagem de uma ampla extensão de praia coberta pela maré cheia que se revela quando baixa o nível da água (James, 1920, p. 500-513). Contudo, a revelação mística pode ser inefável devido não só à súbita ampliação de consciência que James sugere, como também devido a uma nova organização «vertical» dos conceitos.'' Por exemplo, uma pessoa pode se tornar consciente do imenso panorama da história de uma civili zação, por algum tempo, após a leitura da obra O Declínio e a Queda do Império Romano, do modo como Gibbon a recriou. Esta experiência seria dificilmente alcançada, a não ser através do próprio livro e, nesta medida, ela é inefável, sendo uma versão simplificada da consciência am pliada de James. Suponha que alguém lesse a obra Guerra 7. Uma distinção semelhante referente a um escutar de música "vertical” è feita por Ehrenzweig (1964, p. 385-387).
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e Paz e adquirisse a perspectiva de Tolstoi dos fatos his tóricos. Novamente, esta é uma experiência de difícil expres são sem que sejam feitas referências à estória. Suponha agora que alguém pudesse «ver» não só estas visões de mundo individualmente, como também as inter-relações entre as estruturas conceituais individuais. E então suponha que esta pessoa acrescentasse a estes estratos conceituais a perspectiva bioquímica expressa pela obra The Fitness of the Environment (Henderson, 1958), que se ocupa, entre outras coisas, das propriedades vitais e singulares da mo lécula de água. Então as inter-relações verticais desses amplos esquemas poderiam realmente estar além da expres são verbal, além das capacidades conceituais comuns — em outras palavras, elas se aproximariam do inefável. Fenômenos transensoriais Um terceiro tipo de experiência inefável é aquela que descrevi anteriormente como a experiência mística de «transcendência treinada». O autor da obra The Cloud of Unknowing, São João da Cruz, Walter Hilton e outros, são muito específicos na descrição de uma nova experiên cia perceptual que não inclui sensações de calor, doçura, visões ou quaisquer outros elementos da experiência sensorial ou intelectual familiar. Eles enfatizam que a expe riência ultrapassa as vias sensoriais, as idéias e as memó rias costumeiras. Como mostrei, eles descrevem o estado como não sendo, definitivamente, inexpressivo ou vazio, mas como um estado pleno de uma percepção intensa, profunda e nítida, que eles consideram como o objetivo final da via mística.8 Se aceitarmos as suas descrições como fenomenologicamente corretas, nos defrontaremos com o pro 8.
Ehrenzweig (1964, p. 382) propõe que a “inexpressividade” mistica se deve a uma limitação estrutural: " . . . a verdadeira prece mística torna-se vazia, embora seja plena de experiência... Este vazio pleno... é o resultado direto da falha de nossa consciência em alcançar a imaginação formada em níveis jnais primitivos de diferenciação... Devido às suas formas incompatíveis, (estas imagens) cancelaram-se mutuamente no caminho da consciência e assim produzem em nossa superfície uma imagem vazia "abstrata” ainda repleta de fantasia inconsciente".
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blema de explicar a natureza de tal estado e o processo pelo qual ele ocorre. Seguindo as hipóteses anteriormente apresentadas neste trabalho, eu gostaria de sugerir que tais experiências são o resultado da operação de uma nova capacidade perceptual que reage a dimensões do estímulo que eram previamente ignoradas ou que estavam bloquea das da consciência. A meditação contemplativa anula a organização lógica da consciência. Ao mesmo tempo, o mís tico é motivado a perceber alguma coisa. Se existem ca pacidades perceptuais não desenvolvidas ou não utilizadas, parece provável que elas seriam mobilizadas e viriam a operar sob tais condições. A experiência perceptual que então se daria estaria fora das referências verbais ou sen soriais costumeiras. Ela seria inidentifícávd e, conseqüente mente, indescritível. O alto valor, a significação e a inten sidade que são relatadas a respeito de tais experiências sugerem que a percepção tem um alcance diferente daquele da consciência normal. A perda do «eu», que é caracterís tica da experiência transensorial, indica que não há a associação de um novo modo perceptual à consciência re flexiva: o «eu» da consciência normal é suspenso.
CONCLUSÃO A experiência mística é a produção de um estado de consciência incomum. Este estado é produzido pela desauto matização de estruturas hierarquicamente ordenadas, que ordinariamente conservam a energia atencional para uma eficiência máxima na aquisição dos objetivos básicos do indivíduo: sobrevivência biológica, enquanto organismo, e sobrevivência psicológica, enquanto personalidade. A seleção perceptual e a configuração cognitiva estão a serviço destes objetivos. Sob condições especiais de disfunção, tais como na psicose aguda ou em estados lisérgicos, ou condições de objetivos especiais tal como existe na mística religiosa,
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os sistemas pragmáticos de seleção automática são postos de lado ou então rompem-se em favor de modos de cons ciência alternativos, cujo processamento de estímulos pode ser menos eficiente do ponto de vista biológico, mas cuja ineficácia pode permitir a experiência de aspectos do mundo real que eram anteriormente excluídos ou ignorados. A extensão de uma tal modificação é uma função da motiva ção do indivíduo, de seu estado neurofisiológico particular, e das condições ambientais que facilitam ou dificultam tal modificação. Deveria ser feito um comentário final. O conteúdo da experiência mística reflete não só o seu modo de consciên cia incomum como também os estímulos particulares que são processados através de tal modo. A experiência místi ca pode ser beatífica, satânica, reveladora ou psicótica, dependendo dos estímulos predominantes em cada caso. Esta explicação não diz nada de conclusivo com relação à fonte dos estímulos «transcendentes». Deus oü o Incons ciente aqui tem as mesmas possibilidades e a interpretação de cada um refletirá os seus próprios pressupostos e cren ças. A visão mística é de unidade e a física moderna for nece algum apoio para esta percepção, quando afirma que o mundo e as suas formas vivas são variações dos mes mos elementos. Contudo, não existe evidência de que a separação e as diferenças sejam ilusões (como afirma o Vedanta), ou de que exista Deus ou uma realidade trans cendente (como afirmam as religiões ocidentais). A evi dência científica de que dispomos tende a apoiar a visão da experiência mística como uma experiência de percepção interna, que pode ser extática profunda ou terapêutica por razões puramente internas. Além disso, para a ciência psi cológica, o problema da compreensão de tais processos internos é dificilmente menos complexo do que o problema teológico da compreensão de Deus. Na verdade, a despeito de qual possa ser a direção que alguém tome para buscar conhecer a realidade, um sentimento de respeito, de beleza.
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de reverência e de humildade parece ser o produto de seus próprios esforços. Desde que estas emoções são caracterís ticas da experiência mística, a questão da validade epistemológica de tal experiência pode ter uma importância menor do que a que foi inicialmente suposta. Tradução de Ricardo de Britto Rocha
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UMA VISÃO TRANSPESSOAL DA CONSCIÊNCIA Um mapeamento das mais distantes regiões do espaço interior
KENNETH RING University of Connecticut
Com o surgimento da Psicologia Transpessoal (Sutich 1968, 1969, 1972), uma vez mais a pesquisa psicológica voltou a se ocupar particularmente com o estudo da cons ciência. Desde os primeiros momentos da Psicologia e pro vavelmente em todo ò período da Psicologia ocidental, nunca se deu tanta atenção à questão da natureza da consciên cia quanto atualmente, como se vê no interesse pela mani pulação dos estados da consciência. Uma das primeiras lições aprendidas pelos modernos es tudiosos da consciência é o estado rudimentar em que estão as nossas concepções ocidentais de consciência. Charles Tart (1969) observa que, de acordo com Frederick Spiegelberg, em sânscrito existem vinte palavras para diferenciar estados de consciência; nós, porém, estamos acostumados a fazer uma única distinção entre o consciente e o inconsciente. A tremenda crueza da maioria das formulações ocidentais vieram a se familiarizar com as concepções de consciên cia mais altamente diferenciadas do mundo oriental. Uma das conseqüências dessa descoberta é o reconhecimento de que uma das tarefas mais urgentes a serem realizadas pelo estudioso da consciência é a construção de um mapa da consciência mais adequado. Tal empreendimento é absolu tamente essencial para se evitar o tipo de equívoco que surge quando uma experiência «distante» de consciência é total mente interpretada de maneira errônea, ou completamente rejeitada como «irreal», pois quem ouve o relato da expe-
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riência tenta enquadrá-la no leito procustiano das concep ções ocidentais de consciência. A necessidade de um mapa da consciência mais adequado não é de hoje. R. D. Laing, em sua Política da Experiên cia (1967), deplora a falta de empenho por um mapea mento do espaço interior. Timothy Leary, atualmente mais conhecido como proponente e vítima da revolução psicodélica do que como um teórico da consciência, apresentou, há dez anos atrás (Leary 1963, 1970), um mapa da cons ciência muito sugestivo, talvez altamente especulativo. Seria muito bom se os psicólogos o estudassem. Mais recente mente, o cientista John Lilly vem contribuindo para o avanço do desenvolvimento do campo da cartografia mental através da exploração sistemática da sua própria consciência. Estas experiências levaram-no a oferecer um mapa detalhado da consciência baseado no trabalho de um professor chileno, hoje bastante conhecido, chamado Oscar Ichazo, que se tornou, por assim dizer, uma figura de culto espiritual. O relato do próprio Lilly a respeito de suas explorações pode ser encontrado no seu notável livro The Center of the Cyclone (1972). Contudo, o meu objetivo aqui não é enumerar nem fazer uma revisão das contribuições de outras pessoas que se têm ocupado com a necessidade do desenvolvimento de mapas da consciência mais adequados. Ao invés disso, quero propor um novo mapa construído a partir do trabalho de outros que possa servir de base, como espero, para maio res investigações teóricas e empíricas no campo da Psico logia Transpessoal. Desejo fazer uma menção especial, neste ponto, ao trabalho de Stanislav Grof, particularmente a seus trabalhos originais publicados na Revista de Psicologia Transpessoal (1972, 1973), sem os quais meus próprios esforços teriam sido impossíveis.
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UM MAPA CONCÊNTRICO DA CONSCIÊNCIA 0 mapa esquematizado na figura 1 será a base da dis cussão que se segue. Ao vermos o mapa, é útil imaginar que estamos olhando para uma estrutura piramidal, do alto para baixo, na qual a consciência de vigília comum está no ápice e os outros níveis se situam em forma des cendente. Uma vez que este trabalho se ocupa primaria mente com a apresentação de perspectiva transpessoal da consciência, serão destacadas as regiões transpessoais do mapa no comentário que apresentaremos. Já estamos bas tante familiarizados com os planos da consciência represen tados no centro do mapa, pois a maior parte da teoria psicológica ocidental tem uma preocupação preponderante com ele. Seguindo o traçado de cada uma das regiões do mapa, examinaremos algumas das proposições. Finalmente comentaremos as implicações e aplicações do mapa.
CONSCIÊNCIA DE VIGÍLIA No centro do mapa está a consciência de vigília comum. Durante a maior parte do tempo a maioria das pessoas funciona neste chamado estado normal de consciência — que será o ponto de referência em relação ao qual todos os outros estados de consciência, à exceção do préconsciente, serão considerados como «alterados». Embora a consciência englobe uma vasta quantidade do funciona mento mental, as propriedades deste estado são suficien temente bem conhecidas a partir da evidência fenomenológica cotidiana e não requerem, pois, maiores comentá rios. Com relação ao mapa, entretanto, poder-se-ia notar que esta é a única região na qual o indivíduo está nor malmente consciente dos conteúdos da região. São tipica mente inconscientes os conteúdos de cada uma das regiões, que a cercam no mapa.
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VACUO
Fig. 1 Mapa concêntrico da con sciência.
O PRÉ-CONSCIENTE Esta região está intimamente ligada à consciência de vigí lia normal. O termo pré-consciente se encontra na teoria freu diana, onde ele caracteriza conteúdos que estão momenta neamente fora do campo da consciência, mas poderiam tornar-se conscientes a qualquer hora. Uma metáfora usada por Freud é a da luz de um farol (representando a consciên-
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cia) que, esquadrinhando as trevas do pré-consciente, pode iluminar algo que estava temporariamente fora do campo da visão. A experiência de relembrarmos subitamente o nome de uma pessoa é um bom exemplo de um conteúdo pré-consciente que passa para a região da consciência comum. O conceito de região pré-consciente é também parte de outras formulações. Na psicossíntese, por exemplo, Assagioli (1971) se refere a ela como sendo o «incons ciente médio».
O INCONSCIENTE PSICODINAMICO Esta região se refere àquilo que é comumente compreen dido como o inconsciente ou o inconsciente freudiano. Na verdade, é a região da mente já bastante ligada às explo rações da psicanálise ortodoxa, dirigidas pelas próprias investigações pioneiras de Freud. A amplitude desta região é fartamente demonstrada no Ocidente pela pesquisa psicanalítica, e atualmente temos como certo que este incons ciente é a fonte de memórias, impulsos e desejos impor tantes que levam carga emotiva.
O INCONSCIENTE ONTOGENÉTICO Quando alcançamos o inconsciente ontogenético, começa mos a encontrar fenômenos que não podem ser abordados dentro da estrutura freudiana. Os tipos de experiência que refletem a influência desta região, contudo, foram elabo rados, pelo menos em parte, por alguns psicanalistas, notadamente por Otto Rank (1929). A ligação entre os aspec tos do estado intra-uterino e processo de nascimento e as experiências adultas posteriores nesta região da mente le varam Grof (1972, 1973) a se referir a tais fenômenos como sendo* perinatais. O inconsciente ontogenético é im portante não somente porque ele lança muita luz em expe-
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ríências de difícil reconciliação com as descrições ociden tais tradicionais da mente, mas também porque ele repre senta uma zona de transição da consciência, entre o pessoal e o transpessoal. Grof emprega agentes psicodélicos para aclarar o fun cionamento da mente e relata que as experiências que ema nam desta região do inconsciente estão relacionadas a pro blemas ligados à dor física, à agonia, à morte, ao nasci mento biológico, à idade, à doença e à decrepitude. Como podemos imaginar, estas experiências — que trazem um indivíduo a um encontro irresistível do ponto de vista emo cional com a finitude humana — podem ser totalmente devastadoras para a pessoa que passa por elas, mas podem ser também a ocasião para uma profunda transformação interna. Inevitavelmente, o encontro perturbador com estes aspec tos críticos da existência humana e a profunda constatação da fragilidade e da impermanência do homem como cria tura biológica são acompanhados por uma crise existencial cheia de agonia. O indivíduo vem a constatar, através destas experiências, que, a despeito do que ele possa fazer em sua vida, ele não pode escapar ao inevitável: ele terá de deixar este mundo despojado de tudo o que acumulou, adquiriu ou ao qual está emocionalmente apegado. A se melhança entre o nascimento e a morte — a constatação chocante de que o começo da vida é igual ao seu fim — é a maior conseqüência filosófica que acompanha as expe riências perinatais. A outra conseqüência importante do cho cante encontro emocional e físico com o fenômeno da morte é a abertura de dimensões espirituais e religiosas que pa recem ser uma parte intrínseca da personalidade humana; elas são independentes da base e da programação cultural e religiosa do indivíduo. Em minha experiência, aquele que alcança experiencialmente estes níveis desenvolve insights convincentes com relação à máxima relevância das dimen sões espirituais e religiosas no esquema universal das coisas. Mesmo os materialistas mais convictos, os cientis
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tas de orientação positivista, os céticos e os cínicos, os ateus descompromissados e os cruzados anti-religiosos tais como os filósofos marxistas, tornaram-se subitamente inte ressados na busca espiritual, após terem confrontado estes níveis em si mesmos (Grof, 1973, p. 25; grifo meu). De acordo com Grof, uma das razões pelas quais estas experiências são tão dominantes é o fato de se basearem nas condições intensamente afetivas que cercam o parto: memórias ou «resíduos psíquicos» do estado intra-uterino e do processo de nascimento. Grof afirma que o LSD (ou outras técnicas como a terapia primai) podem capacitar um indivíduo a reexperienciar estes eventos, embora ordi nariamente se pense que o acesso a eles esteja além da capacidade de uma pessoa. Uma vez que estas experiên cias mostram uma descontinuidade enorme no funcionamento normal, e as emoções associadas a elas são tão primitivas e poderosas, o indivíduo no qual elas são suscitadas pro vavelmente será totalmente tomado por elas. Grof nota que o indivíduo freqüentemente associa, de forma espon tânea e intuitiva, estas experiências com o processo de nascimento, sem que qualquer interpretação externa tenha sido sugerida para o fato. Num nível profundo, muitos sujeitos aparentemente «fotografam» estes eventos e os consideram como absolutamente autênticos, e não como meras possibilidades hipotéticas ou imaginárias. Em seu trabalho de 1972 Grof distingue cinco tipos de experiências perinatais, cada uma das quais parece correlacionar-se a um estado ou estágio diferente da seqüência do nascimento. Discute também experiências embrionárias e fetais. Tudo isso pertence àquilo que eu chamei de in consciente ontogenético e, para transmitir uma compreen são mais específica desta região, cada um destes tipos de experiência será brevemente descrito.
Unidade cósmica: Esta experiência parece estar associada com um estado de «útero agradável», uma condição intrauterina caracterizada pela ausência de estímulos nocivos.
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Aqui, criança e mãe têm uma relação de unidade simbiótica. Experiencialmente, Grof caracteriza o estado de uni dade cósmica como « . . . transcendência da dicotomia sujeito-objeto, afeto positivo excepcionalmente forte (paz, tranqüilidade, serenidade, bem-aventurança), um sentimento do sagrado especial, transcendência de espaço e de tempo, experiência do ser puro («eternidade agora e infinito aqui»), e uma riqueza de insights de relevância cósmica. Este tipo de êxtase, livre de tensões,pode ser denominado de «êxta se oceânico» (Grof, 1972, p. 51). Os leitores familiarizados com a experiência mística, por conhecimento direto próprio ou por meio da literatura sobre o assunto, estarão conscientes de um conjunto óbvio de paralelos entre aquele tipo de consciência e a variedade de experiências perinatais aqui em discussão. Realmente, uma comparação deste tipo de «êxtase oceânico» com as categorias básicas da experiência mística (Panhke e Richards, 1960) revela muitas correspondências curiosas.
EngoIfamento cósmico: Esta experiência se relaciona com um estado de «útero ruim» ou com o começo do parto. Em ambos os casos, a condição uterina estável é pertur bada por sinais alarmantes de uma natureza muscular ou bioquímica. Subjetivamente, é uma experiência de perigo iminente. A ansiedade é alta e não específica. Pode ocorrer a ideação paranóide. O indivíduo pode sentir que está sendo tragado por um redemoinho, que está sendo engolido ou devorado por um monstro terrível. «Sem saída» ou inferno: Esta experiência se relaciona com o estágio em que o feto é comprimido por contrações uterinas, mas em que o colo do útero ainda está fechado. Experiencialmente, existe em geral uma escuridão impressio nante no campo visual. Grof diz que as cores são bastante sinistras e ominosas. O indivíduo sente-se completamente preso numa situação claustrofóbica «sem saída» e experiencia incríveis torturas psicológicas ou físicas. A situação não é somente intolerável, mas parece ser sem esperança
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e sem fim. Não existe nenhuma possibilidade de fuga. Re sumindo, o que está sendo experienciado aqui é a condição do inferno eterno. A este respeito vale notar que no mapa hierárquico da consciência de John Lilly (1972) existe um estado deno minado «— 3» que, em parte, é descrito assim: «Esta é a quintessência do mal, o inferno mais profundo que se pode conceber. Pode ser um estado de energia extrema mente alta de duração eterna, embora da perspectiva do relógio comum a pessoa fique lá somente por alguns minu tos». «Nenhuma esperança neste estado. Nenhuma espe rança de fuga. É ficar aí para sempre» (Lilly, 1972, p. 149). As correspondências entre as descrições de Grof e Lilly são surpreendentes. Parece que estes dois investigadores, utilizando diferentes meios de exploração da consciência, descreveram independentemente o mesmo estado. A diferença é que Grof relaciona-o a um estágio específico do processo do nascimento, Lilly não. Grof comenta que esta expe riência do inferno pode ter muitos aspectos diferentes. A existência humana pode parecer totalmente sem sentido, sem significado ou absurda. Podem surgir sentimentos do lorosos de isolamento, alienação, impotência, desespero, inferioridade ou culpa. Aparecem diferentes imagens do in ferno, dependendo do background individual em termos cul turais e religiosos. As observações de Grof fazem com que seja quase im possível resistirmos à especulação de que certas formas de pensamento existencialista (especialmente o existencialismo pessimista) estão enraizadas neste tipo de visão infer nal. Isto não quer dizer, realmente, que a riqueza da filo sofia existencialista seja redutível a esta forma de funcio namento perinatal, mas somente que ela pode ter nele as suas origens experienciais. Num nível individual, estudos de jovens alienados, tais como The Uncommitted de Keniston (1965), parecem mostrar este tipo de realização experiencial como sendo decisivo para o desenvolvimento da alienação psicológica.
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Luta morte-renascimento: Aqui, segundo a seqüência do nascimento, continuam as contrações uterinas, mas o colo do útero está aberto, levando à propulsão gradual e difícil através do canal do nascimento. Experiencialmente, o padrão é complexo. A característica mais importante é a de uma luta titânica. Existe freqüentemente uma liberação explo siva de uma energia imensa e sentimentos de poderosas correntes de energia fluindo através do corpo. A imagem de um vulcão em explosão representa algumas vezes este tipo de experiência. Uma excitação sexual excessiva fre qüentemente misturada com uma agressão intensa e visões de orgias selvagens também simbolizam este aspecto. Este estado, diz Grof, representa o limiar entre o êxtase e a agonia e, ao mesmo tempo, de alguma maneira, a fusão de ambos. Ele é descrito em termos de «êxtase vulcânico» em contraste com o êxtase oceânico da união cósmica. Existem muitos paralelos fascinantes entre os aspectos deste estágio do nascimento e a fenomenologia deste estado li gada à purificação e à escatologia, mas as limitações de espaço indicam que elas devem ser apenas notadas e não tanto discutidas. Experiência de morte-renascimento: Finalmente, o bebê é propelido através do canal do nascimento e a enorme tensão associada ao nascimento é seguida por um alívio e um relaxamento súbito. No nível psicológico, o sofrimento e a agonia terminam na aniquilação total — o indivíduo experiencia uma morte do ego. Esta experiência parece envolver uma destruição instantânea de todos os pontos de referência do indivíduo. Mas neste ponto acontece algo verdadeiramente terrível e a descrição de Grof merece ser citada com alguma extensão: Após o sujeito haver experienciado a profundi dade da aniquilação total e haver «alcançado o fundo cósmico», ele é atingido por visões de uma luz ofuscante, branca ou dourada, e experiencia a descompreensão libertadora e a expansão do espa-
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ço. O Universo é percebido como indescritivelmen te belo e radiante; a atmosfera geral é de liberta ção, redenção, salvação, amor e perdão. O sujeito se sente purificado e purgado e declara haver sido despojado de uma quantidade incrível de «lixo», culpa, agressão e ansiedade. Sente um amor transbordante por seus semelhantes, aprecia as relações humanas afetivas, a amizade e o amor. Neste esta do, as ambições irracionais e exageradas, como também as ânsias por dinheiro, status, prestígio e poder, parecem absurdas e irrelevantes. A apre ciação de belezas naturais é grandemente aumen tada, e um modo de vida sem complicações e sim ples, em íntimo contato com a natureza, parece ser a mais desejável de todas as alternativas. Qualquer coisa de origem natural é experienciada com o má ximo prazer, através das vias sensoriais ampla mente abertas. Sentimentos de fraternidade por todos os semelhantes são acompanhados de sen timentos de humanidade e por uma tendência de engajamento no serviço e nas atividades de caridade. A experiência do renascimento é freqüentemente seguida por aquilo que geralmente se descreve como uma experiência de «união cósmica» e pa rece estar intimamente relacionada às experiências do «útero agradável» e do «seio agradável» e a felizes recordações infantis. O indivíduo sintoniza do nesta área experiencial geralmente descobre dentro de si valores positivos genuínos, tais como senso de justiça, apreciação da beleza, sentimentos de amor, auto-respeito e respeito pelos outros. Neste nível, estes valores, como também as moti vações para buscá-los e agir de acordo com eles, parecem ser uma parte intrínseca da personalidahumana. Eles não podem ser explicados, satisfato riamente, em termos de formações reativas a ten dências opostas ou como sublimações de drives
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instintivos primitivos. O indivíduo os experiencia como partes intrínsecas à ordem universal (Grof, 1972, p. 56-57). Uma vez mais será instrutivo compararmos o relato de Grof com um de Lilly, que tenta ilustrar um certo nível de consciência designado em seu esquema por «+ 12»: o corpo bem-aventurado que compartilha. Ele descreve um fato que se deu no Chile, enquanto fazia parte de um grupo que estudava com Oscar lchazo: Foi como se um interruptor tivesse sido ligado em algum lugar dentro de mim, levando-me a um novo espaço. Houve esta mudança — súbita e abrupta — mover-me no novo espaço. Tudo ficou cintilante, reverberante e agradável. Eu quis trazer outras pessoas para este estado belo, bem-aventuradò. Vi no ar coisas cintilantes como bolhas de champanhe. A sujeira do chão parecia um pó dou rado; um pássaro cantando tornou-se uma voz, movendo-se pelo cosmo e refletindo o centro galátH co. Minha própria voz, dizendo «Om», foi uma coisa parecida. Tudo se tornou transparente. Eu vi a energia cósmica entrando no meu corpo, sendo enviada aos outros a partir de todo o meu corpo. Vi 8f minha própria aura; vi a aura dos outros. Eu më senti perfeito: nada de errado havia em mim, na terra ou nos seus povos. Tudo era perfeito; todas as coisas estavam vivas; todas as pessoas eram preciosas e agradáveis. As horas passavam e eu viajei num táxi através da cidade para juntar-me ao grupo e fazermos exercícios em conjunto. i Fui para o «feliz país idiota». Eu ria e chorava de alegria. Nancy, uma das pessoas do grupo, «j eu tivemos uma espécie de intercâmbio pessoal to-* talmente sem sentido. Eu comi uma maçã — muito
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devagarinho, com um prazer extremo, sentindo a energia da maçã sendo transformada dentro de mim para meu uso e de outras pessoas. A maçã era «energia cósmica armazenada» para mim e para outras pessoas. Subitamente tive uma compaixão tremenda por todas as pessoas do grupo, por todas as pessoas do mundo e me desloquei para novas áreas de apreciação de minha espécie (Lilly, 1972, p. 179-180). As semelhanças entre estas duas caracterizações nova mente merecem ser notadas. Devemos ressaltar que no caso de Lilly a experiência não foi induzida por qualquer droga, reforçando-se a afirmação de Grof de que qualquer estado disparado por um agente químico pode ser também alcançado por outros meios. São convergências como estas que levam a sugerir que estes estados de consciência re sidem em estado latente no sistema nervoso e não são o resultado simplesmente de fatores perceptuais de idios sincrasia, ou então a história experiencial única do indi víduo que fornece estas descrições.
Experiências embrionárias e fetais: Grof relata que os indivíduos que tomam LSD algumas vezes experienciam eventos que eles acreditam terem se passado quando esta vam in utero. Por exemplo, uma tentativa de aborto ou a relação sexual de seus pais. Naturalmente, é difícil con seguir-se uma confirmação independente para estes eventos, e por isso o próprio Grof prefere rotulá-los de experiên cias em vez de memórias. Deixemos a Grof, cujo trabalho iniciou esta seção, dar a última palavra. Falando de suas conclusões, baseado em dezessete anos de pesquisa, com relação à natureza das experiências transpessoais, ele escreve: Após anos de cuidadosa observação e análise destas experiências em sessões de LSD de outras pessoas, como também nas minhas, existe pouca
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dúvida em minha mente de que elas representem fenômenos sui generis que se originam no incons ciente profundo, em domínios não reconhecidos nem compreendidos pela psicanálise clássica. Elas não são explicáveis em termos freudianos e não podem ser reduzidas a qualquer outra categoria de ele mentos psicodinâmicos (Grof, 1973, p. 31, 34). O INCONSCIENTE TRANSINDIVIDUAL Com esta região, alcançamos o primeiro dos domínios transpessoais da consciência. No nível transindividual exis tem vários subtipos diferentes de experiências que têm como elemento comum a transcendência dos limites do ego do próprio indivíduo — o sine qua non da experiência trans pessoal — e a identificação com outras pessoas ou com tipos universais (aquilo que Jung denominou arquétipos). Os principais subtipos das experiências transindividuais são: 1) experiências ancestrais; 2) experiências de encarnações passadas; 3) experiências coletivas e raciais; 4) experiências arquetípicas.
Experiências ancestrais: Nesta experiência o sujeito sente essencialmente que está explorando a sua própria linhagem genética e revivendo episódios das vidas de seus ancestrais. Algumas vezes estas experiências parecem regredir a uma ou duas gerações, mas às vezes elas remontam a vários séculos. Desta forma, por exemplo, um judeu que vive atualmente pode experienciar episódios dos tempos bíblicos, ou um escandinavo contemporâneo pode reviver cenas das aventuras dos seus ancestrais vikings. Stanislav Grof, cujo trabalho será citado de novo às vezes nesta seção, propõe que uma característica impor tante que diferencia a experiência ancestral das experiên cias coletivas e raciais é a convicção que o sujeito tem de que ele é confrontado com elementos reais da sua própria história individual, lendo o seu próprio código genético (Grof, 1972, p. 60).
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Experiências de encarnações passadas: Aqui, os indiví duos relatam experiências vivas, dramáticas e convincentes de cenas ou fragmentos de cenas que tiveram num outro tempo e lugar da história. As emoções que acompanham estas experiências costumam ser muito fortes e freqüente mente negativas. Na experiência de Grof, elas estão unidas a um sentimento de que estes eventos realmente aconte ceram em uma das vidas passadas do indivíduo. Além disso, nas experiências de reencarnação induzidas por LSD o sujeito freqüentemente alcança uma compreensão com pulsiva e intuitiva, da Lei do Karma, como também uma apreensão direta do fenômeno da reencarnação. Estas expe riências geralmente ultrapassam as linhas biológicas here ditárias e violam as leis genéticas. Assim, é crença de alguns pesquisadores, que acreditam na validade destes epi sódios de reencarnação, o fato de que o indivíduo tem uma ligação não só com os seus próprios ancestrais pessoais como também um vínculo com a evolução da sua própria consciência. O seguinte exemplo — um entre centenas, provavelmente milhares, que podem ser encontrados na literatura do assun to —■encontra-se num livro popular sobre a reencarnação, chamado Here and Hereafter, escrito por Ruth Montgomery (1968), escritora muito conhecida e versada em problemas de ocultismo. O sujeito da experiência não é identificado, mas descrito como «uma eminente cientista cujo nome é familiar à maioria dos americanos adultos». O método uti lizado foi regressão por hipnose, que é uma técnica popular entre aqueles que trabalham com fenômenos de reencarna ção.1 A sessão foi realizada na casa do próprio sujeito, dirigida por um psicólogo identificado apenas como «Major Arthur Knight». O sujeito recebe aqui o pseudônimo de Jane Winthrop. 1. Usei uma técnica semelhante em diversos amigos meus com resultados seme lhantes aos abaixo relatados, com exceção de que os sentimentos elicitados não foram tão fortes e os detalhes não tão bons.
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Os amigos que estavam em volta de mim cessa ram de existir, do mesmo modo que a sala — re corda ela — e eu ainda me sentia completamente eu mesma na vida comum. Eu era meramente um outro eu, e o tempo parecia quase como se fosse «agora». Eu estava sentada numa imensa rocha, balançando os meus pés descalços contra uma cor rente impetuosa, limitada por rochedos cinzentos. Diretamente debaixo de mim um velho caminho levava, através de um solo irregular ensolarado, revestido por uma grama rala, a uma pequena ca bana coberta de sapé, totalmente cercada por uma floresta tão densa, que nenhum pequeno raio de sol penetrava através dela para iluminar o chão escuro. Nunca eu havia visto uma floresta tão es pessa e escura, nem árvores tão imponentes, cujos galhos mais baixos estavam a uma distância do solo de no mínimo vinte pés. Vários anos mais tarde, porém, ao visitar Bruxelas pela primeira vez, senti que a Floresta do Rei, na orla daquela cidade, era quase idêntica à que eu havia visto sob hipno se. Eu queria que Art me interrogasse a respeito daquela cabana, mas ele continuou a fazer per guntas a respeito da minha idade, sexo, e a res peito da minha aparência. Pela primeira vez tive consciência da minha aparência, que era muito glamorosa. De certa maneira soube que eu era um homem de uns vinte anos, que a minha camisa ver melha de pano caseiro estava aberta no pescoço e que minhas apertadas calças azuis estavam rotas nos joelhos. Eu sabia que eu tinha uns olhos azuis claros e sobrancelhas louras, um rosto simples e uns ombros assustadoramente grandes, um cabelo ruivo que parecia nunca ter sido lavado, penteado ou cortado. Seria difícil imaginar um capiau mais grosso.
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Obtida finalmente a permissão para descrever a cabana, Jane o fez detalhadamente, descrevendo o assoalho cujas tábuas haviam sido acertadas à mão, os banquinhos de madeira, a localização dos quartos, os buracos no chão que serviam de fogão e as panelas. «Parecia que eu era um filho único e que meus pais e eu havíamos vivido toda a nossa vida nesta pequena cabana, pensa ela, eu havia me casado muito cedo, mas tanto minha mãe quanto minha mulher já haviam morrido. É uma experiên cia estranha você se ouvir falando com uma voz desconhecida, as palavras saindo com uma ausência total de pensamento precedendo-as ou sem um co nhecimento prévio daquilo que deve ser dito. Cada pequena informação surge como uma surpresa, fa zendo com que a coisa se pareça a v
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Durante um outro experimento, uma loura bonita e esbelta de Nova Iorque «viu-se» de pé numa ponte sobre o rio Tâmisa em Londres. Sua história surgiu gradualmente com as perguntas que lhe foram feitas. «Eu sou uma mulher. Acho que tenho cinqüenta e cinco anos. Sou realmente baixa e terrivelmente gorda. Vejo grandes massas de gor dura em meus braços». Acariciou o antebraço e afagou o que lhe parecia um imenso ventre. Su bitamente deu alguns gritos penetrantes que devem ter assustado os vizinhos de Winthrop, e quando o Major Knight tentou inquiri-la, ela soluçou: «Estou com medo. . . estou com medo. Roubei algu ma coisa. . . um saco de alguma coisa. Estou com medo. Estou escondida num vão de porta, depois de uma esquina. Existem pedras na rua. Um sol dado está vindo. Eu não sei se ele me vê». Um terror absoluto apareceu no seu olhar enquanto ela gaguejava: «Eu... não... sei». Sua voz sumiu e, após uma longa pausa, ela murmurou incredulamente: «eles me enforcaram». Segundo sua descrição, era o ano de 1737, e após regredir a uma vida anterior para determinar por que ela havia encontrado uma morte tão trá gica, disse agressivamente: «Um menino pequeno. Eu o empurrei dentro de um rio. Há homens em barcos dirigindo-se para ele, mas ele já se afogou». Inquirida por que havia feito tal coisa, ela murmu rou numa voz dura e amarga: «Porque ele não era meu. Eu não podia ter nenhum». O psicólogo, virando-se para o grupo, ressaltou: «Acontece muitas vezes em regressões a estados anteriores ao nascimento. Se uma pessoa tem uma morte violenta, ela quase sempre tirou a vida de alguém numa encarnação anterior. Isto ocorre tão freqüentemente, que aprendi a verificar a realidade.
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Quase que literalmente este fato parece estar pro vando a verdade bíblica: ‘O homem colhe aquilo que semeia’» (Montgomery, 1968, p. 40-41).
Experiências coletivas e raciais: As pessoas freqüente mente experienciam episódios provenientes de várias cultu ras que existiram na história da humanidade. Neste subtipo de consciência transindividual, contudo, a própria experiên cia parece ser independente do background racial do sujei to, da sua tradição cultural, do seu treinamento, educação ou interesse. Assim, por exemplo, um anglo-saxão pode experienciar episódios ligados à cultura oriental. Novamen te, os detalhes são freqüentemente muito sutis, e, de acordo com Grof, eles podem às vezes ser verificados através de referências a fontes independentes — fontes freqüentemente tão especializadas e difíceis de serem encontradas, que difi cilmente o sujeito poderia ter tido acesso a elas. O que distingue estes relatos tanto das experiências an cestrais quanto das de reencarnação é a crença subjetiva do indivíduo de que ele não está explorando a sua própria história pessoal. Ele está «mergulhado», por assim dizer, na coisa — como se existisse um inconsciente coletivo ou racial que contém toda a história humana, à qual, em certas condições, pode-se ter acesso. Experiências arquetipicas: Estamos no domínio do incons ciente que identificamos com o trabalho de C. G. Jung e sua idéia do inconsciente coletivo. Esta idéia implica que, além do próprio inconsciente individual (que identifiquei com as regiões psicodinâmicas e ontogênicas), existe um repositório do desenvolvimento histórico e cultural do homem, independente de qualquer indivíduo particular, de qualquer situação, ou período histórico — uma forma de consciên cia transindividual. Como é bem sabido, para Jung os con teúdos do inconsciente coletivo são constituídos por sím bolos universais da experiência humana aos quais ele de nominou arquétipos (ou imagens primordiais), por exemplo, a anima, a sombra, o velho sábio, a mãe dual etc. É des
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necessário dizer que a noção de um inconsciente coletivo habitado por arquétipos está longe de ser geralmente aceito. A pesquisa de Grof, entretanto, forneceu evidências de que alguns indivíduos experienciam de forma clara fenômenos arquetípicos sem possuírem uma familiaridade anterior com os escritos ou o pensamento de Jung. No nível do incons ciente transindividual parecemos entrar num domínio com posto de formas ou padrões universais que independem de qualquer cultura ou época histórica particular. A idéia pa rece trazer um parentesco conceituai com as Leis das Formas de Platão, exceto que neste contexto nos ocupamos so mente das formas que afetam a psique humana.
O INCONSCIENTE FILOGENÉTICO Este domínio da consciência nos leva totalmente para além das formas humanas. Nesta região, parecemos encon trar o nosso próprio desenvolvimento evolutivo e capaci tados a delineá-lo até o próprio começo da vida. Nós nos experienciamos — não é só um conhecimento intelectual — como vida animal e vida vegetal: parecemos recapitular experiencialmente toda a seqüência evolutiva da vida neste planeta! Timothy Leaiy nos deu, talvez de uma forma extrava gante, um relato vivo do sentimento desta experiência que transmite alguma coisa de sua essência: Os correlatos psicodélicos destes conceitos evolu tivos e genéticos se encontram nos relatos de quase todo viajante de ácido lisérgico. A experiência de ser uma criatura unicelular se arrastando tenazmen te; a de ser o código do DNA desenrolando solu ções multicelulares harmoniosas; a experiência dire ta e imediata da alegria invertebrada; a de sentir a formação de seu esqueleto e das guelras; a de ser um peixe com guelras resplandecentes, ao som de antigas palpitações fetais murmurando o ritmo
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da vida; a de se esticar e serpentear numa força muscular de mamífero, de agitar-se com podero sos e fortes músculos; a de sentir os pêlos cres cendo em seu corpo à medida que se vai deixando o calor da água em busca da terra firme. Será totalmente inconcebível que as nossas células corticais ou o mecanismo dentro do núcleo celular registrem, através da cadeia ininterrupta de trans formações elétricas que une cada um de nós ao limo pré-cambriano? Você acha impossível? Leia um texto de genética. Leia e reflita a respeito da cadeia de DNA de moléculas de proteínas complexas que o consideram como um organismo unicelular no momento da concepção, tendo planejado em si cada estágio do seu desenvolvimento natural. Metade daquele projeto genético lhe foi entregue intacto por sua mãe e metade por seu pai, e então se encontraram naquele incrível processo de fusão ao qual denominamos concepção. Você, seu ego, seu bom e antigo eu social ameri cano, foram treinados para registrar certos marcos cruciais do jogo secular: sua formatura do cien tífico, o dia do seu casamento. Mas não é possível que outras das 10 bilhões de células cerebrais que você tem «registrem» outras encruzilhadas crí ticas da sobrevivência, como a concepção, os even tos intra-uterinos, o nascimento? Eventos para os quais a nossa linguagem possui poucos ou nenhum termo descritivo? Cada célula de seu corpo é o transmissor de uma energia que remonta a trans formações de milhões de gerações. Você se lembra daquele código genético? (Leary, 1970, p. 24-25). Indubitavelmente Leary pode ser criticado por aquilo que caridosamente se poderia chamar a sua ciência especulativa, mas no nível fenomenológico parece existirem poucas razões para considerarmos como exceção a sua versão deste estado
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de consciência. Outros pesquisadores (por exemplo, Masters & Houston, 1966) confirmaram a argumentação de Leary, de que este tipo de «viagem» evolutiva é experienciado por uma proporção relativamente grande de sujeitos que tomam LSD. Grof, que parece ser um pesquisador tão metódico e cuidadoso quanto Leary é extravagante, chegou também independentemente a conclusões que são quase idênticas: Neste tipo de experiência (filogenética ou evolu tiva) o sujeito se identifica com seus ancestrais animais de diversos níveis de desenvolvimento; isto é acompanhado por um sentimento realista de que o sujeito está explorando a sua própria árvore ge nealógica evolutiva. A identificação é bastante com plexa, completa e autêntica; ela envolve a imagem corporal (body image), uma variedade de senti mentos físicos e de sensações fisiológicas, emoções específicas e uma nova percepção do meio ambien te. Por vezes, os sujeitos relatam insights de fatos zoológicos ou etnológicos que excedem em muito o seu nível de educação nas ciências naturais. Além disso, as experiências em questão são relativamen te diversas das experiências humanas e freqüen temente parecem mesmo transcender os limites da fantasia e da imaginação humanas. O sujeito pode ter, por exemplo, um insight esclarecedor a res peito do que parece o sentimento de uma cobra faminta, de uma tartaruga excitada sexualmente, ou de um salmão respirando através de suas guelras. A identificação é mais freqüente com outros mamíferos, com pássaros, répteis, anfíbios e várias espécies de peixes. Às vezes o sujeito relata uma identificação com formas de vida muito menos diferenciadas, tais como celenterados, ou até mesmo organismos unicelulares. As experiências evolutivas são algumas vezes acompanhadas por modificações nos reflexos neurológicos e por certos
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fenômenos motores anormais que parecem relacio nados com a ativação de vias nervosas arcaicas (Grof, 1972, p. 63-64). A experiência filogenética é uma coisa, mas também pa rece que os sujeitos podem se descobrir em uma forma específica de consciência subumana. É como se alguém tomasse o Expresso Evolutivo numa certa estação antes de alcançar o fim da linha. De fato, podemos distinguir várias destas estações. A seqüência abaixo se fundamenta, mais uma vez, nas categorias descritas por Grof.
Consciência de órgão, de tecido e de célula: Grof diz que neste tipo de experiência o sujeito relata um sentimen to de autenticamente sintonizar a consciência de uma certa parte do seu corpo: no nível de órgão, de tecido ou de célula. Leaiy, às vezes, também dedica uma atenção con siderável a este nível de consciência filogenética e sua versão está muito de acordo com a de Grof. Consciência animal: Aqui a pessoa é identificada com uma certa espécie, e funciona com a consciência do animal com a qual ela se identificou. Existe um bom exemplo disto no primeiro dos livros de Don Juan de Castafíeda {The Teachings of Don fuarí), quando Castafíeda está apren dendo a olhar como um corvo. Consciência vegetal: Grof nota que esta experiência é muito menos comum do que a identificação animal. Aqui o indivíduo pode ter uma experiência totalmente convin cente de certos processos como a germinação de sementes, polinização, fotossíntese etc. Unidade com a vida e com toda a criação: Aqui o indi víduo se identifica com a totalidade da vida no planeta. Ele experiencia a complexidade do desenvolvimento filogenético de todas as formas de vida. Consciência da matéria inorgânica: O indivíduo pode identificar-se com uma grande quantidade de materiais inor
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gânicos: desde um átomo até uma estátua. Grof observou, além do mais, que a identificação com formas estáveis e duradouras (p. ex., estátuas) era freqüentemente acompa nhada por um sentimento de sacralidade. Dentro da estru tura desta experiência, a própria consciência aparece ao indivíduo como uma propriedade básica do universo, sendo a consciência comum meramente uma das suas manifestações.
Consciência planetária: Alcançada por poucos, este nível de consciência engloba todos os fenômenos deste planeta, tanto orgânicos quanto inorgânicos. O INCONSCIENTE EXTRATERRENO Aparentemente existem domínios da consciência que se estendem para além do nosso planeta, no espaço que eu denominei de inconsciente extraterrestre. Ocorre uma va riedade de experiências nesta região, mas todas elas envolvem elementos difíceis de serem coordenados com o plano físico e com as chamadas leis naturais, como nós a compreendemos. Os três tipos principais de fenômenos que aparecem aqui são: 1) experiências de estar fora do corpo, incluindo o encontro com entidades espirituais e guias, e viagens para outros locais do universo; 2) fenô menos de percepção extra-sensorial, como telepatia e cla rividência; 3) fenômenos mediúnicos, como escrita automá tica e possessão por espírito. Uma vez que a maioria das pessoas está geralmente familiarizada com exemplos das duas últimas categorias, a discussão nesta seção se ocupará em grande parte com experiências relacionadas a episó dios «fora do corpo». Antes de voltarmos a nossa atenção para as experiências «fora do corpo», contudo, dever-se-ia notar que os três tipos de fenômenos estão associados a um único campo de consciência. John Lilly, em seu mapa da consciência, delineia um estado que ele chama «+ 6» (o ponto do
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seif): «+ 6: Fazendo o Buda. Um ponto fonte de cons ciência, energia, luz e amor. Ponto de consciência, viagem astral, clariaudiência de viagem, clarividência de viagem, fusão com outras entidades no tempo» (Lilly, 1972, p. 148). É bastante interessante que o segundo mais alto estado de consciência na hierarquia de Lilly é a penúltima região definida do espaço interior, no nosso mapa. Tais coinci dências apóiam a nossa esperança de que possa haver em breve uma convergência de concepções do ordenamento dos espaços da consciência. O primeiro exemplo provém do livro fourneys out of the Body («Viagens Fora do Corpo») de Robert Monroe (1971). Monroe é um homem de negócios, bem sucedido, que en controu casualmente a experiência de deixar o seu corpo. Perplexo e intrigado pela primeira de tais experiências, começou uma série sistemática de experimentos, usandose como o seu próprio sujeito, na tentativa de compreender este fenômeno e as condições que o facilitam. Seu livro registra dúzias de tais casos nos mínimos detalhes. Monroe afirma ter tido a experiência de sair do corpo centenas de vezes. Permitiu-se prontamente também a ser estudado por pesquisadores independentes tais como Charles Tart. Não existe nada em seu livro que sugira outra coisa senão uma honestidade escrupulosa em seus auto-relatos. Além do mais, existem milhares de exemplos registrados em outros livros e artigos a respeito do assunto de projeções astrais e de experiências de saída do corpo, muitos dos quais se parecem impressionantemente às características das «viagens» de Monroe. É provável que alguns destes relatos sejam fraudulentos, mas seria um ceticismo ridículo suporse que todos são fantasiosos ou de origem fraudulenta. Este primeiro exemplo, que poderíamos chamar de uma viagem astral de parque de variedades, está baseado num apontamento do diário de Monroe. 3/5/59, de manhã. Num motel em WinstonSalem: Acordei cedo e saí para tomar café às sete e meia, voltei ao meu quarto pelas oito e meia e
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deitei-me. Enquanto eu me relaxava, vieram as vi brações e uma impressão de movimento. Logo em seguida, parei e a primeira coisa que vi foi um menino andando, lançando no ar e pegando uma bola de beisebol. Uma mudança rápida, e vi um homem tentando colocar alguma coisa no banco de trás de um carro, um grande sedan. A coisa era um aparelho esquisito, que eu interpretei como sendo um pequeno carro de rodas e um motor elé trico. O homem virou-se e ligou o aparelho e fi nalmente passou para o banco traseiro do carro e bateu a porta. Uma outra mudança rápida e eu estava parado ao lado de uma mesa. Havia pes soas sentadas ao redor da mesa, com vários pratos. Uma pessoa estava mexendo com algo que parecia ser grandes cartas brancas de jogar, mostrando para os outros na mesa. Achei estranho jogar cartas numa mesa cheia de pratos e admirei-me do tamanho e da brancura das cartas. Outra mu dança rápida e eu estava nas ruas de uma cidade, a mais ou menos uns quinhentos pés de altura, procurando a minha «casa». Então avistei a torre de rádio e lembrei-me de que o motel ficava pró ximo à torre, e quase instantaneamente eu estava de volta ao meu corpo. Sentei-me e olhei ao redor. Tudo parecia normal. Resultado importante: Na mesma tarde, visitei alguns amigos, o Sr. e a Sra. Agnew Bahnson, em casa. Eles estavam parcialmente cientes das minhas «atividades» e, numa súbita intuição, eu soube que o fato daquela manhã tinha alguma coisa a ver com eles. Eu perguntei-lhes a res peito de seu filho, e eles o chamaram à sala e perguntaram a ele o que ele havia feito entre as oito e meia e as nove horas daquela manhã. Ele disse que estava indo para a escola. Quando eu lhe perguntei o que ele estava especificamente fa-
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zendo pelo caminho, ele disse que estava jogando para cima e pegando a sua bola de beisebol. (Em bora eu conhecesse bem o menino, eu não sabia absolutamente que ele se interessava por beisebol, pois se poderia supor isto.) Em seguida, decidi falar a respeito do carro. O Sr. Bahnson ficou atônito. Disse-me que exatamente àquela hora ele estava colocando um gerador Van De Graff no banco de trás do seu carro. O gerador era uma aparelho esquisito com rodas, um motor elétrico e uma plataforma. Ele me mostrou o aparelho. (Foi bem estranho para mim ver fisicamente algo que eu havia observado somente com o Segundo Corpo.) Em se guida, contei a respeito da mesa e das grandes cartas brancas. Sua mulher ficou inquieta. Pela pri meira vez em dois anos, em razão de todos have rem chegado tarde, ela trouxera a correspondên cia daquela manhã para a mesa de lanche e dis tribuíra as cartas enquanto as selecionava. Grandes cartas brancas de jogar! Eles estavam muito in quietos com o fato, e estou certo de que não esta vam zombando de mim (Monroe, 1971, p. 48-50). Uma outra ocorrência comum, quando se está funcionan do neste nível de consciência, é o encontro de «entidades». Embora algumas vezes sejam benevolentes, elas são mais freqüentemente ameaçadoras e tentam obter o controle sobre o corpo ou sobre a consciência do indivíduo. Existem muitos casos de tais possessões tentadas ou realizadas na literatura do espiritualismo, da magia, da feitiçaria e da loucura, mas no Ocidente rejeitamos estes sintomas de pos sessão considerando-os como alucinações. A consciência, quando funcionando na região extraterres tre, aparentemente pode ir a qualquer lugar do universo! Isto parece fantástico somente porque estamos acostuma dos a pensar em nós como corpos que possuem a pro priedade de consciência. Se, ao invés disso, nos imaginar-
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mos essencialmente como consciência e não como corpos, e se pudermos acolher a crença de que a nossa consciência pode operar independentemente dos nossos corpos, então a noção de nossa consciência viajando para distantes espa ços do universo pode ser considerada como uma possibili dade teórica. Descrevendo este estado, John Lilly observa que a consciência aqui foi condensada num ponto único, móvel. Escreve ele: Mais 6 é aquele estado em que a pessoa focaliza sua consciência num ponto muito pequeno. A pe quenez do ponto é uma questão de escolha que a pessoa faz, dependendo de aonde ela quer ir... Uma vez que ela se moveu para o ponto, ela torna-se o ponto e pode voltar ao corpo, pode ir até às cabeças ou corpos de outras pessoas, ou mesmo sair do planeta, para o espaço exterior, para a galáxia, para o cosmo. Enquanto a pessoa se mantiver como uma identidade, um único ponto, ela permanece no estado mais 6, a despeito da distância, ou da profundidade em que está (Lilly, 1972, p. 198-199). Já falamos anteriormente de encontros com «entidades» características do funcionamento da consciência do domínio extraterrestre. Embora estas entidades freqüentemente pare çam malévolas, isto não é a regra geral. Grof, em sua pesquisa com o LSD, descobriu que as pessoas são às vezes abençoadas pela presença de seres que parecem supra-humanos, espirituais, e ter o papel de guias ou de protetores. De modo algum tais visitas estão restritas àque les que ingeriram um agente psicodélico — elas potencial mente acontecem a qualquer pessoa que entre nesta região da consciência, qualquer que tenha sido o meio. Freqüen temente o encontro se dá quando o indivíduo está próximo da morte. Esta foi a condição de John Lilly, que nos for neceu o seguinte exemplo de um encontro com uma enti dade supra-humana:
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A dor de cabeça martelante, a náusea e o vô mito que ocorreram me forçaram a deixar o meu corpo. Viajei para outros espaços e encontrei outros seres, entidades ou consciências. Encontrei-me com duas delas que haviam se aproximado de mim através de um grande espaço vazio e me olharam, me sentiram e me transmitiram pensamentos de orientação e de ensinamentos. É muito difícil colocar em palavras esta expe riência, porque não houve qualquer troca de pala vras. Pensamento e sentimento puros estavam sendo transmitidos e recebidos por mim e por estas duas entidades. Tentarei transmitir em palavras o que ocorreu. Estou num lugar amplo e vazio, nada havendo nele, exceto luz. Existe uma luz dourada penetrando todo o espaço, por todo lugar, em todas as direções, saindo para o infinito. Sou um simples ponto de consciência, de sentimento, de conheci mento. Eu sei que eu sou. Isto é tudo. É um espaço pacífico, bonito e reverenciai, no qual eu estou. Eu não tenho nenhum corpo. Eu não tenho nenhuma necessidade de ter um corpo. Não existe corpo. Eu sou somente eu. Completo com calor, amor e resplendor. Subitamente à distância aparecem dois pontos de consciência semelhantes, fontes de resplendor, de amor, de calor. Sinto a presença deles. Vejo a presença deles, sem ter olhos, sem ter um corpo. Eu sei que eles estão ali; portanto, eles estão ali. A medida que eles se movem na minha direção, sinto sempre mais cada um deles, interpenetrando o meu próprio ser. Eles transmitem pensamen tos confortantes, reverenciais, bonitos. Compreendo que eles são seres bastante maiores do que eu. Começam a me ensinar e me dizem que posso ficar neste lugar, em que deixei meu corpo, mas que posso retornar a ele se eu assim desejar. Então
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me mostram o que aconteceria se eu abandonasse o meu corpo atrás — um caminho alternativo para mim. Também me mostram onde posso ir se eu ficar neste lugar. Dizem-me que ainda não é tempo de eu deixar permanentemente o meu corpo, que eu ainda tenho uma opção de voltar a ele. Dão-me uma confiança total e absoluta, uma certeza total da verdade do meu ser neste estado. Sei com uma certeza absoluta que eles existem. Não tenho qual quer dúvida. Não existe mais qualquer necessidade para um ato de fé; é daquela maneira e eu a aceito. Dizem-me que são os meus guardiães, que eles estiveram comigo anteriormente em momentos crí ticos e, na verdade, sempre estarão comigo, mas que eu geralmente não estou num estado em que possa percebê-los. Estou num estado em que posso percebê-los, quando estou próximo à morte do corpo. Neste estado, não existe tempo. Existe uma per cepção imediata do passado, do presente e do futuro como se fossem o momento presente. Fiquei neste estado por muitas horas do tempo da terra. Então voltei ao meu corpo no hospital (Lilly, 1972, p. 25-27). De forma bem clara este espaço é bastante longínquo. Como veremos, a ligação entre tais estados exaltados e o processo da morte e a morte dificilmente é acidental. Embora este estado seja tão transcendente, existem expe riências até mesmo mais arrebatadoras encontradas na últi ma região definida do espaço interior, que consideraremos em seguida. O SUPRACONSCIENTE Na medida em que chegamos a estas regiões mais exter nas do mapa, temos cada vez menos a dizer, pois enquanto
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alcançamos o próprio limite da consciência, as experiên cias tornam-se sempre mais inefáveis. Não obstante, po demos afirmar que a natureza das experiências neste do mínio envolve um profundo êxtase espiritual. Enquanto a consciência está centrada aqui, o indivíduo se convence de que está experienciando a força última do universo. Um dos modos em que esta experiência tem sido des crita é o de que o indivíduo sente a sua consciência fun dida com a da Mente Universal. Diz-se que a experiên cia é a de uma existência infinita, de sabedoria infinita e de infinita bem-aventurança. Durante o tempo em que o indivíduo permanece neste estado de consciência, todo o processo da criação pode ser compreendido. Grof diz que esta experiência — alcançável unicamente sob o emprego supervisionado do LSD, e que mesmo assim é muito rara — é semelhante (e inconfundível) à expe riência de êxtase oceânico que ocorre associada à condi ção do «útero agradável» do estado perinatal. Embora a natureza desta experiência seja considerada geralmente sem continuidade com a experiência humana comum que permita qualquer tradução para o modo verbal, podemos apesar disso transmitir alguma coisa deste estado de consciên cia. A primeira é de Lilly, que designa este estado de -1- 3 o mais alto estado de consciência em seu sistema. Ele cita observações feitas como damos abaixo: Eu sou uma fina camada de todos aqueles seres em 3, misturando-se, ligados um ao outro em uma superfície esférica ao redor do universo inteiro. Nossas «costas» estão viradas para o vácuo. Es tamos criando a energia, a matéria e a vida na face entre o vácuo e toda a criação que é co nhecida. Estamos olhando para o universo conhe cido criando-o, preenchendo-o. Sou uma unidade com eles — distribuídos numa fina camada ao redor da esfera, com uma pequena concentração, ligeiramente maior, de mim, numa pequena zona.
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Sinto a potência da galáxia fluindo através de mim. Estou seguindo o programa, o programa de con versão do vácuo em espaço, em energia, em maté ria, em vida, em consciência, em nós, os criadores. Do nada, de um lado, para o tudo criado no outro lado. Eu sou o próprio processo da criação, incri velmente forte, incrivelmente poderoso. . . Estou voltando do nível + 3. Existe um bilhão de escolhas do lugar onde aterrissar. Estou cons ciente, na descida, de todas as escolhas, simulta neamente. Finalmente estou em minha própria ga láxia com milhões de escolhas abandonadas, cen tenas de milhares no meu próprio sistema solar, dezenas de milhares em meu planeta, centenas em meu país e então subitamente desci para duas, uma das quais é este corpo. Neste corpo eu olho para cima, vejo a árvore-de-escolhas, da qual desci__ Os outros criadores no nível + 3 são de todo o universo, não somente do planeta terra e do sistema solar. Sendo cada um uma unidade uni versal substituível, anônima, ele pode estar traba lhando em + 3 ou num veículo de viagens inter planetárias ou em qualquer parte do universo em que for necessário, sempre em ligação com todos os seus companheiros. A única coisa que não per mite conhecer a minha essência durante o tempo todo é uma tela de programas que impede a minha visão (Lilly, 1972, p. 210-211). A segunda narrativa aparece num clássico moderno de ioga, a Autobiografia de um Iogue (1946) de Paramahansa Yogananda, um dos primeiros iogues da índia a trazer para os Estados Unidos os ensinamentos do ioga (Ele morreu em 1952.) O episódio que ele descreve abaixo se deu quando Yogananda estava estudando com seu mestre, Sri Yukteswar.
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Todos os objetos que estavam dentro da minha visão fixa, panorâmica, estremeceram e vibraram como filmes rápidos. Meu corpo, o do Mestre, o pátio cheio de pilastras, o mobiliário e o chão, as árvores e a luz do sol, por vezes tomaram-se violentamente agitados, até que tudo se fundiu num mar luminescente como cristais de açúcar coloca dos dentro de um copo d’água se dissolvem depois de agitados. A luz unificadora alternava-se com materializações de formas, a metamorfose revelan do a lei de causa e efeito na criação. Uma alegria oceânica dilatou-se nas praias in findáveis da minha alma. O Espírito de Deus, como vim a compreender, é a Bem-Aventurança eterna; seu corpo são incontáveis tecidos de luz. Uma crescente glória dentro de mim começou a envolver cidades, continentes, a terra, os sistemas solar e estelar, tênues nebulosas e universos flu tuantes. O cosmo inteiro, graciosamente luminoso, como uma cidade vista à noite, à distância, vis lumbrada dentro da infinitude do meu ser. A luz maravilhosa além das linhas de contorno do globo terrestre, fortemente marcadas, desvaneceram-se li geiramente nas margens mais distantes. Vi então um brilho agradável, sempre constante, indescriti velmente sutil: as figuras planetárias eram forma das por uma luz mais grosseira. A divina irradiação emanava de uma Fonte Uni versal, delineando as galáxias, transfiguradas com auras inefáveis. Cada vez mais vi os raios criado res condensarem-se em constelações, transformandose então em lâminas de chama transparente. Por uma reversão rítmica, sextilhões de mundos passa ram por um esplendor diáfano, então o fogo tornouse o firmamento. Conheci o centro do firmamento como um ponto de percepção intuitiva no meu coração. Um es-
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plendor irradiante brotava do meu núcleo para cada parte da estrutura universal. Um amrita de feli cidade, néctar da imortalidade, pulsou através de mim com uma fluidez semelhante à do mercúrio. A voz criadora de Deus, escutei-a soando como AUM, a vibração do Motor Cósmico (Yogananda, 1946, p. 165-168). O que poderia estar por detrás deste tipo de experiência cósmica na qual a pessoa está sintonizada com o próprio processo da criação? A resposta parece ser: O vácuo — o universo em sua forma não manifestada.
O VACUO De acordo com Grof, o vácuo é experienciado como subjacente a toda a criação: «Ele está além do tempo e do espaço, além de qualquer mudança, além das pola ridades, do bem e do mal, da luz e da sombra, da esta bilidade e do movimento, da agonia e do êxtase (Grof, 1972, p. 75). Resumindo, é um estado além de qualquer conteúdo. Como é natural, Grof relaciona ao conceito bu dista de Nirvana, termo geralmente (embora inadequada mente) traduzido por «extinção». Daniel Goleman, autor de diversos trabalhos a respeito da teoria e meditação bu dista, escreveu que no Nirvana a consciência tem como objeto a cessação da consciência. Conseqüentemente, quando se alcança o Nirvana, esta viagem para longínquas regiões da consciência — uma viagem que começou com a cons ciência de vigília comum — chega a um termo.’
2. Pode-se notar que existe aparentemente um ser considerado como transnirvânico. Pouco denominado nirodh (Goleman, 1972). Nirodh um estado de consciência; é antes um estado
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estado de existência que pode conhecido no Ocidente, ele è não deve ser concebido como de puro ser.
HIPÓTESES SUBJACENTES À CONSTRUÇÃO DO MAPA Uma suposição evolucionária implícita orienta a cons trução deste mapa. De forma específica, ela supõe que as regiões mais centrais são as mais recentes, e as mais remotas são sempre mais antigas. O processo evolutivo requerido, entretanto, não é, estritamente falando, um pro cesso biológico, mas de evolução da consciência. A cons ciência do homem moderno, portanto, está escondida na consciência comum de vigília — mas os segredos da vida têm de ser encontrados nas regiões antigas. Enquanto a humanidade permanecer complacentemente convencida da visão de mundo fornecida pela consciência comum de vi gília, ela está sujeita a ter uma ignorância total daquilo que pode ser chamado somente de a ordem divina das coisas. Por causa disto é que cada caminho de desenvol vimento espiritual vincula uma exploração destas longín quas regiões do espaço interior. A assimilação (não mera mente o relancear) da essência destas regiões parece ser indispensável para a meta final de muitos sistemas de cres cimento espiritual: ter capacidade para funcionar em qual quer região da consciência que as circunstâncias possam exigir. Ligadas a esta primeira suposição, existem duas outras. Uma é a de que a exploração da consciência tem seme lhanças com uma viagem — uma viagem através do espa ço interior, por assim dizer. A viagem não é a esmo ou sem objetivo, mas possui um destino último — pode ser chamada de uma viagem à fonte. A segunda suposição subsidiária não tem nada a ver com a direção da viagem, mas com o significado de qualquer das regiões definidas dentro do mapa. A metáfora da prisão esclarece melhor. Dito de maneira simples, estar alguém em alguma região do mapa é como estar numa prisão. Isto é talvez mais óbvio para a condição da consciência comum de vigília. A pessoa se encontra cercada pelas paredes deste estado de consciência, e por mais brilhante ou focado que esteja
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o raio de luz da pessoa (a consciência), tal fato não ajuda muito. A única «iluminação» que se pode receber com a consciência centrada aqui é a de algum aspecto da prisão. Realmente, se uma pessoa viveu na prisão durante toda a sua vida (como os prisioneiros na Caverna de Platão), ela pode não reconhecer que é uma prisão. O que não é tão óbvio é que os outros domínios representam prisões também, e eles não devem ser mais valorizados do que a masmorra da realidade ordinária. Realmente, a maioria dos sistemas previne o indivíduo dos perigos de ele se prender aos «benefícios» das regiões mais externas da cons ciência, especialmente àquelas que o capacitam a fazer uso de poderes tais como os de projeção astral ou telepatia. O perigo está em a pessoa se prender a um certo ponto e se esquecer da meta final. A grande vantagem de se explorar estes domínios distantes é que eles ajudam a pessoa a ver mais claramente as limitações das prisões que a pessoa construiu. E uma vez que ela vê aquelas limitações, geralmente fica motivada a transcendê-las, a romper com elas.
IMPLICAÇÕES E APLICAÇÕES O poder integrativo deste mapa pode ser expresso atra vés de uma breve consideração de quatro estados de cons ciência aparentemente dissemelhantes: estados induzidos por drogas, meditações, psicoses e a morte. Começamos com uma suposição de que todos os estados alterados de cons ciência podem ser relacionados a uma ou mais regiões do mapa. Além disso, cada região envolve algum tipo de viagem ou de jornada. De acordo com o mapa, cada um destes estados pode ser considerado como vinculado a uma jornada da região central para um domínio transpessoal de consciência. As diferenças entre estes estados não residem tanto no território coberto, como na essência da jornada.
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Drogas: No caso de estados induzidos por drogas — especialmente os primeiros poucos casos — a viagem tem a probabilidade de ser altamente sem controle. O indivíduo se encontrará atirado em alguma região distante do espaço interior, com poucas possibilidades de absorver ou mesmo de notar as regiões intervenientes. A droga, por assim dizer, pega a consciência da pessoa e a atira para um domínio desconhecido da consciência. Sem uma preparação adequa da, o viajante pode se sentir totalmente desorientado. Numa ocasião subseqüente, a viagem pode ser igualmente não controlada, mas a direção da jornada e dos espaços em que o viajante entra podem ser completamente diferentes. Em princípio não existe limite do número de regiões em que se pode entrar usando drogas. A pesquisa de Grof revelou que todas as regiões distinguidas pelo mapa, in cluindo o vácuo, eram acessíveis via LSD ou outros psicodélicos, e não havia espaços aos quais as drogas sozinhas pudessem propiciar a entrada. Além de ser relativamente incontrolada, a viagem de droga é freqüentemente conta minada por vários efeitos químicos colaterais, alguns dos quais podem ser incorretamente identificados como atribu tos do domínio de consciência que a droga abriu para o indivíduo. Finalmente, com as drogas, a viagem é de du ração limitada. A pessoa sempre vem abaixo, ou retorna. Meditação: A jornada empreendida pelo meditante pa rece englobar os mesmos espaços, mas a viagem é muito mais gradual e está mais sob o controle do meditante. Uma vez que a jornada é necessariamente mais lenta e sistemática, parece ser mais fácil se assimilarem os insights que vêm através da meditação. Realmente, através dos anos, este tipo de integração parece ocorrer quase que automa ticamente, de acordo com a velocidade das mudanças no sistema nervoso do meditante e com o seu desenvolvimento psicológico. Desde que não existe o envolvimento de pro dutos químicos — na verdade, a meditação parece resultar numa tendência diminuída de se utilizar meios químicos de se alterar a consciência — a meditação é geralmente
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considerada como favorecendo uma viagem mais pura. Com relação a isto, Andrew Weil (1972) assinalou que muitos indivíduos mudam das drogas para a meditação, mas a poucos acontece o contrário. Uma outra vantagem da me ditação é que, com a meditação constante, torna-se possível aprender a dirigir a consciência de uma para outra região.
Psicose: Consulte a figura 2 para ver como o mapa pode ser usado para iluminar os fenômenos associados à psicose. Três categorias psiquiátricas convencionais — normalidade, neurose e psicose — foram relacionadas a diferentes do mínios do mapa. Supõe-se que o comportamento normal parta das três regiões centrais: a consciência comum de vigília, o pré-consciente e o inconsciente psicodinâmico (freudiano). Esta última região também inclui desordens neuróticas; o mesmo se diga do inconsciente ontogenético. Este portão de entrada para os domínios transpessoais exteriores, bem como o inconsciente psicodinâmico, «dão passagem nas duas direções» e são também fontes de alguns distúrbios psicóticos, especialmente com relação à esquizofrenia. Finalmente, e este é o ponto principal, as características psicóticas são assumidas grandemente pelo autor como localizadas nas regiões transpessoais da cons ciência. Os sintomas tradicionais da psicose: ouvir vozes, ter visões, adotar sistemas ilusórios de crenças, sentir-se possuído, pretender poderes divinos etc., são todos expli cáveis como fenômenos transpessoais. Casos de possessão3, por exemplo, como os citados no corajoso trabalho de Wilson van Dusen (1972), podem ser facilmente compreen didos como manifestações da consciência, que ocorrem quando a consciência da pessoa viajou para a região extraterrestre. Neste aspecto, a psicose pode ser encarada como um caminho: como a ingestão de drogas e a meditação, ficar 3. No meu próprio ponto de vista, muitas das afirmações feitas por "doentes mentais” de que eles estão possuídos por entidades estranhas são melhor compreendidas como representando uma descrição acurada daquilo que acon teceu a eles. É hora de começarmos a considerar com seriedade em vez de desprezá-lo, tomando-o como uma superstição ou uma alucinação.
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louco é um caminho de exploração do espaço transpessoal. Existem certamente algumas propriedades importantes deste tipo de viagem que o distinguem dos outros. 1) A jornada psicótica parece ultrapassar o domínio psicodinâmico, le vando o indivíduo diretamente para as regiões transpessoais do espaço interior. As rotas da droga e da meditação envolvem uma passagem através da zona psicodinâmica. 2) O viajante geralmente pára em algum ponto. Ele não pode retornar nem continuar. O psicótico está, por assim dizer, perdido no espaço. 3) Ao contrário das drogas e da meditação, a viagem psicótica é empreendida involun tariamente. Laing (1967) propõe que a psicose não é sim plesmente um colapso do ego, mas uma oportunidade para uma ruptura, para um avanço. Como um caminho de autotranscendência, a psicose é ainda seguramente um meio que
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acontece ao indivíduo e não um meio que é procurado. 4) Finalmente, os mapas do espaço para este tipo de via gem são muito pobres, quase não existem. Aparentemente, a maioria dos psiquiatras nem mesmo a vêem como uma viagem, e muito menos nos fornecem um mapa. Sem com preendê-lo, freqüentemente tentam parar o indivíduo, impe dir que ele complete a sua viagem — através de um desejo bem intencionado de «curá-lo» da sua «doença». Dada a atmosfera cultural e psiquiátrica dominante, não há dúvida de que esta é uma viagem aterrorizante e assim tantas pessoas a terminam completamente perdidas. * Estes pontos de diferenciação também tornarão claro o quanto a experiência psicótica deve ser distinguida da experiência mística. A diferença essencial, como Kenneth Wapnick indicou (1969), não é tanto em termos de con teúdo, mas de preparação. O místico geralmente se prepa rou para a sua jornada, nela embarca voluntariamente, e em geral possui no mínimo uma idéia daquilo em que ele está se lançando. Além disso, freqüentemente esta jornada é empreendida em algum tipo de ambiente acolhedor e/ou auxiliador (p. ex., um convento ou um «ashram»). Final mente, não poucas vezes existe alguém que, devido à sua própria experiência anterior, pode dar alguma orientação ou direção à jornada do místico. O que é coisa bem di ferente do que sucede à pessoa atirada, sem querer, nas regiões exteriores da consciência, sem conselho ou prepa ração, sem qualquer idéia daquilo que a espera, com a sua família e amigos freqüentemente confusos, num clima ins titucional que o tacha de doente, nem compreende aquilo que está se passando dentro dela, sem uma pessoa compe tente para guiá-la através da sua perigosa jornada. Esta é a situação da pessoa que em tal cultura recebe o estigma de psicótica. A. O trabalho e os escritos de pessoas como R. D. Laing (1967), Stanislav Grof (1973), Claudio Naranjo (1971) e Chôgyam Trungpa (1969), entre muitos outros, ressaltaram uma consciência de um paradigma de tratamento alternativo, mais de acordo com os principios da Psicologia Transpessoal.
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o morrer e a morte: Atualmente existem evidências fortes de que a experiência de se estar próximo à morte é algu mas vezes associada a experiências profundamente transcen dentes. E, de acordo com a tradição religiosa e com a pes quisa moderna a respeito da matéria (p. exemplo, Crookall, 1970, Bayless, 1971), a morte do corpo físico anuncia uma variedade de experiências numinosas, que vão desde visões atormentadoras do inferno às indescritíveis delícias do céu. A evidência fenomenológica coletada de muitas fontes independentes por muitos pesquisadores neste século, baseada em experiências de quase-morte, de projeções astrais, nas visões de médiuns e clarividentes, em psicografia etc., é impressionantemente congruente com os anti gos ensinamentos religiosos associados com diversas doutri nas diferentes. Em suma, este corpo de evidências sugere que a consciência continua após a morte do corpo físico, que em algum sentido viaja para um outro plano, encon trando diversas entidades espirituais pelo caminho, e que pode vir a residir numa esfera em que o tempo parece não existir e cujas outras propriedades oferecem uma se melhança notável com a concepção cultural de céu que o indivíduo tem! Para colocar esta jornada da alma dentro da estrutura do nosso mapa, parece razoável propor que, ao se aproxi mar da morte e ao experienciá-la, a consciência do indi víduo se liberta do seu centro de vigília comum, e, ao invés de cessar, é propelida para a região extraterrestre do espaço interior. Pois tanto quanto podemos penetrar nessas realidades, as propriedades deste domínio particular correspondem mais intimamente aos relatos fenomenológicos associados com a morte. Esta hipótese pode ser melhor avaliada agrupando-se evidências experienciais independen tes relativas aos atributos da consciência extraterrestre e não comparando-as com aquilo que poderíamos chamar de fenomenologia da morte. outras implicações: Algumas implicações do mapa dizem respeito a fenômenos de «consciência de fusão», tais como
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estados místicos de união e de telepatia. Estas implicações são mais perspectivas fornecidas pelo mapa do que teorias explicando como funcionam estes fenômenos. A idéia essen cial pode ser entendida através de um exame da figura 3 .4 Os mapas são apresentados como se estivéssemos olhando para eles na vertical. O triângulo dividido em quatro partes representa o campo da consciência pessoal, que está liga do ao nosso ego separativo e individual. Na parte inferior, nos níveis transpessoais, o ego se dissolve e a nossa cons ciência individual fica submersa em um ou outro estrato de uma consciência ainda diferenciada, mas universal. Tal concepção poderia muito bem estar subjacente a fenômenos de outra forma confusos como: contatos com o inconscien te coletivo, comunicação telepática entre indivíduos e esta dos de união mística. Certamente esta formulação abre um novo significado para o antigo clichê da literatura mística: «Todos somos um». Na opinião do escritor, esta concep ção poderia levar a um importante trabalho teórico e ga rantir um maior interesse.
CONCLUSÕES Esta tentativa de cartografia mental nos deu uma ocasião de não somente considerarmos muitas características exó ticas e muitas vezes estranhas da consciência, mas, o que é mais importante, deu-nos a oportunidade de relacionar mos estes fenômenos numa estrutura coerente que, segun do acreditamos, reside subjacente ao todo da experiência humana. Minha esperança é a que, à medida que as rela ções significativas entre estes fenômenos se tornarem sem pre mais evidentes, nós ocidentais estaremos preparados para adotar uma visão muito mais diferenciada e tolerante da natureza da consciência.
5. Esta maneira de construir os mapas, bem como as suas implicações, foram inicialmente indicadas a mim por Lance Pruyn.
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REGIÕES PESSOAIS DA CONSCIÊNCIA
in c o n sc ien te t r a n sin d iv id u a l in c o n sc ien te filo g e n et ic o
REGIÕES TRANSPESSOAIS
in c o n sc ien te e x t r a t e r r e s t r e
DA
SUPERCONSCIENTE
CONSCIÊNCIA
VÁCUO
Flg. 3
O título deste trabalho é «Uma Visão Transpessoal da Consciência». O objetivo «transpessoal» não se refere ape nas às regiões externas do mapa. Antes, seguindo Sutich (1973), primus movens da Psicologia Transpessoal, o termo é aqui empregado para indicar que em cada homem existe um impulso para uma autotranscendência, para a aquisi ção daquilo que só insatisfatoriamente pode ser chamado de estado último. Isto significa que o mapa apresentado neste trabalho não é simplesmente um diagrama abstrato da geografia da consciência. Mais essencialmente, ele se refere à viagem que todos nós algum dia em nossas vidas estamos destinados a fazer, pois em última instância cada um de nós viajará para as mais distantes regiões do espaço interior. Tradução de
Ricardo de Britto Rocha
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COLEÇÃO PSICOLOGIA TRANSPESSOAL/5 Pequeno tratado de Psicologia Transpessoal VOLUME I
A Psicologia Transpessoal cujo objetivo principal é estudar o fe nômeno da consciência cósmica por meio demetodologia científica está penetrando recentemente no Brasil. Havia necessidade de co locar à disposição do público, mais especialmente dos psicólogos, psiquiatras, médicos, filósofos e sacerdotes, assim como de to dos os interessados nos aspectos das descobertas mais recentes no campo tradicionalmente conhecido como “ experiência m ística” ou “transcendental", um pequeno manual que contenha textos hoje já considerados clássicos, dos pesquisadores mais recentes e mais conhecidos no assunto. Foi pensando nisso que a Vozes fez um acordo com a SÍNTESE (Sociedade de Integração Transpessoal, Estrutural, Social e Energé tica) para publicar a tradução ou originais em português de arti gos reunidos em cinco volumes que constituem as grandes linhas atuais deste novo ramo da Psicologia: Volume I: Cartografia da Consciência Humana Volume II: Mística e Ciência Volume III: Psicofisiologia da Consciência Cósmica Volume IV: Experiência Cósmica e Psicose Volume V: Medida da Consciência Cósmica Quais as fases e fronteiras da evolução da consciência no homem? Como abordar a experiência mística de modo científico e quais as relações atuais entre m ística e ciência? Quais äs pesquisas já realizadas no sentido de medir os concomitantes fisiológicos da experiência cósmica? Como distinguir o autêntico estado de cons ciência cósmica e os estados ditos psicóticos e quais as relações entre psiquiatria, Psicopatologia e psicologia transpessoal? Como usar estatística e métodos de psicometria e psicologia experimen tal em psicologia transpessoal? A estas e a outras perguntas é que estes cinco volumes procuram ajudar a encontrar uma resposta.
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