ISSN-0103-5576
revista do migrante Publicação do CEM - Ano XXIV, n° 69, Julho - Dezembro/2011
e d o a s c o c i f á s s o á T r p e coreanos
DEC ECA ASSÉG ÉGUI UIS S idas e vindas - dossiê -
italianos
Q u e b e c zingari
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(11) 3379-7046
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SUMÁRIO Apresentação ..............................................................................................05 Helion Póvoa Neto Lúcia E. Yamamoto Dossiê – Decasséguis: Idas e Vindas
Lugares próprios entre modos de ser distintos? A inserção das crianças que moraram no Japão ....................................07 Laura Satoe Ueno Reordenações na família decasségui: Dilemas e desaos ................... ..................... 19 Victor Hugo Kebbe Revitalização linguística do japonês no Brasil: A atuação dos retornados brasileiros do Japão como professores de língua japonesa ...........................................................................................31 Leiko Matsubara Morales *************
Imigração coreana: A questão da reemigração e do retorno ...............47 Rafael Monteiro Sênia Bastos Na pia batismal: Tradição e identidade étnica nas práticas de transmissão de nomes de batismo em um grupo de imigrantes italianos ....................................................................................57 Fábio Augusto Scarpim A especicidade de Quebec no quadro das Políticas
Migratórias Canadenses ............................................................................71 Marcus Vinicius Fraga Lucia Maria Machado Bógus Tráco de pessoas para exploração sexual: Um esboço de revisão bibliográca .........................................................87
Sidnei Marco Dornelas Resenha ......................................................................................................111 Zingari (crônica) ........................................................................................115 Helion Póvoa Neto
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apresentação ste número da Travessia – Revista do Migrante apresenta um grupo de artigos que formam um dossiê – de iniciativa de Lúcia E. Yamamoto – enfocando especialmente a dinâmica mais recente do movimento migratório entre Brasil e Japão, ora em momento de redenição devido à crise, aos movimentos de retorno da comunidade brasileira e à complexidade da existência de uma geração situada “entre” os dois países. Os artigos seguintes tratam também do retorno, das práticas familiares de representação da migração, das políticas de estado no estímulo a imigrantes, e do debate associado ao tráco de seres humanos. O dossiê “Decasséguis: Idas e Vindas” contém artigos informados pela crise japonesa, na qual ocorre evasão escolar de crianças que, face ao desemprego dos pais, não tendo condições de frequentar as escolas privadas mas apresentando enormes diculdades para acompanhar o ensino nas escolas japonesas, acabam por sair do sistema educacional. No âmbito familiar, são muitos os desaos tanto para as crianças que, no contexto da crise, acompanham o retorno da família ao país de origem dos pais, quanto para as que vivem a situação de famílias separadas, divididas entre Brasil e Japão. Ao mesmo tempo, a educação e vivência da língua japonesa habilitam muitos desses “retornados” a enveredar pelo ensino daquele idioma como perspectiva prossional, no Brasil. O artigo de Laura Satoe Ueno discute os aspectos psicossociais das crianças retornadas e educadas no Japão. A experiência educacional, descontínua e fragmentada, dessas crianças, sugere a necessidade da consideração daqueles aspectos para a compreensão das perdas, conitos e desaos envolvidos nos deslocamentos humanos. A contribuição de Victor Hugo Kebbe sugere a importância de se entender as formas pelas quais os membros de famílias distendidas entre dois países reordenam os papéis familiares e repensam suas estratégias de vida. Caracterizados como famílias transnacionais, os grupos de decasséguis enfocados permitem a compreensão de processos que se generalizam, no contexto global, para muito além desse grupo mais restrito. O último texto do dossiê, escrito por Leiko Matsubara Morales, destaca como o retorno dos Nikkeis brasileiros se associa à revitalização do ensino da língua japonesa no Brasil, através da entrada, nesse campo de trabalho, de pessoas educadas no Japão e procientes nas duas línguas. Os artigos reunidos neste dossiê contribuem para o enriquecimento nas discussões relacionadas à relação entre educação e migração, tema merecedor de maior difusão na comunidade acadêmica brasileira. Ao mesmo tempo, permitem um olhar para aspectos, frequentemente negligenciados, de como crianças, jovens e famílias inteiras vivem o contexto de uma crise internacional que atua fortemente sobre os movimentos migratórios. No caso decasségui, trata-se de processos que incidem fortemente sobre uma comunidade de brasileiros no exterior caracterizada, até muito recentemente, como uma das mais fortemente estabilizadas.
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O tema do retorno está presente também no artigo de Rafael Monteiro e Sênia Bastos, que apresenta a literatura existente sobre os temas da reemigração e do retorno, enfocando as representações, sobre este processo, de um gr upo de coreanos, imigrantes que formam no Brasil uma comunidade bastante expressiva, mas ainda relativamente pouco estudada. O texto de Fábio Augusto Scarpim sugere, por outro lado, como no projeto migratório, pode-se materializar, não a intenção do retorno, mas a rme intenção de permanência na nova terra. A consolidação de tal projeto pode ser lida na análise feita quanto a como imigrantes italianos no Paraná, entre o nal do século XIX e o início do seguinte, atribuíam, à primeira geração nascida na nova terra, nomes evocativos da terra de origem dos pais. O artigo de Marcus Vinicius Fraga e Lucia Maria Machado Bógus destaca outro aspecto, o da migração induzida ou estimulada por políticas de arregimentação dos estados nacionais e, no caso, também por uma província canadense que expressa, em tais políticas, a sua especicidade e busca de autonomia em termos da atração de trabalhadores. A análise da emigração de brasileiros para o Canadá, mais especicamente para o Quebec, oferece a possibilidade de examinar uma forma de articulação destas diferentes escalas de atuação do Estado, ao mesmo tempo que apresenta um caso especíco, ainda pouco estudado, da emigração “qualicada” de brasileiros. A contribuição de Sidnei Marco Dornelas investiga, em profundidade, as diversas questões envolvidas na consideração de um dos temas mais marcantes na migração internacional na atualidade, o do tráco de pessoas para exploração sexual. Sendo uma das primeiras tentativas de sistematização crítica do “estado da arte” da produção bibliográca a respeito no Brasil, o texto articula as dimensões institucional, acadêmica e de organizações da sociedade civil, em especial religiosas. Oferece assim rica demonstração de como uma questão muito sensível e de grande complexidade desdobra-se em diversos planos, desde o reconhecimento da existência de um fenômeno, passando pela sua correta caracterização teórica e empírica, até os debates políticos sobre como a sociedade deve agir quanto ao mesmo. A resenha apresentada por Leonir Chiarello e Lelio Mármora destaca um amplo estudo promovido pela Rede Scalabriniana Internacional de Migrações – Scalabrini International Migration Network (SIMN) – envolvendo os quatro maiores países da América Latina (Argentina, Brasil, Colômbia e México), o qual tece um diagnóstico atualizado de cada país acerca das principais tendências migratórias, das políticas de migrações de cada Estado, bem como o envolvimento da sociedade civil na defesa dos direitos dos imigrantes e na proposição de políticas públicas de migração. Por m, a crônica Zingari , registra uma breve impressão sobre a presença dos ciganos do Leste Europeu no transporte público de Roma e na vida cotidiana da velha cidade. Helion Póvoa Neto Lúcia E. Yamamoto
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dossiê - decasséguis
Lugares próprios entre modos de ser distintos? A inserção das crianças que moraram no Japão
Laura Satoe Ueno*
A experiência migratória se torna parte da história familiar. Quanto às crianças, sabemos qe eas assimiam a jornada de maneira disna dos ados, raandose de uma vivência que marca de modo duradouro seus desenvolvimentos. No enano, pocas pesqisas sisemácas êm se focado nessa parcea da população que migra, especialmente no que toca à saúde emocional. Winnico (1997), pediara e psicanaisa ingês, apono, aiás, ma endência da sociedade a enfaar excessivamene as necessidades corporais, deixando de ado probemas crciais do desenvovimeno psicoógico infan. Nese argo, bscamos conribir com essa discssão necessária qe di respeio ambém, nm níve macro, a poícas púbicas dos países envovidos nos deslocamentos. Parmos do enfoqe da Psicoogia Inercra, em qe o desenvovimeno hmano é compreendido em decorrência da reação diaéca enre o sjeio e os contextos culturais, e que possibilita uma visão ampla dos fenômenos psicossociais. Consideramos, conforme Berry (2004), qe o conao conno entre indivíduos de duas ou mais culturas diferentes por intermédio da migração ocasiona uma ruptura no quadro de referência existencial e uma crise no sendo de perencimeno do sjeio, raendo m processo de mdança psicológica.
* Psicóloga e Mestre em Psicologia Social pela USP. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Crenças, valores, relações e hábitos estão envolvidos nesse processo, faendo-se necessário ma ressociaiação, o aqio qe podemos chamar de “aprender a jogar um novo jogo”, havendo uma complexa interação de variáveis psicológicas e outras – culturais, sociais e situacionais – que levam as pessoas a variados gras de esresse e adapação (BERRY, 2004; BERRY e a. 1992). Desse modo, fatores como idade, mudanças ocorridas no sistema familiar e as possibilidades desse grupo contar ou não com um suporte comunitário serão vistos como relevantes. Nesse contexto, as rupturas ocorridas na rede social e nos laços sociais vitais que precisarão ser reconstruídos aos poucos pelo imigrante no novo ambiente são questões a se considerar, pois é algo que gera sobrecarga e tensões nos membros da família, acompanhadas do luto peo qe foi perdido e o imperavo de se faer novos invesmenos afevos (SluzkI, 1997). Dialogamos também com autores da abordagem psicodinâmica, Donald Winnico (op. ci.); Eri Erison (1976); leon e Rebecca Grinberg (1984) para compreender qais são os desaos imposos em cada fase do desenvovimeno da idendade, nas siações em qe a sociaiação envove cras disnas. lembrando qe, no caso da migração Brasi-Japão, esse processo em se dado não somente entre sistemas simbólicos diferentes, mas concretamente, enre erriórios geográcos disnos e disanes, enre os qais as crianças frequentemente transitam. Em inhas gerais, achamos imporane faer as segines pergnas: Como foi a escolha pela mudança e as circunstâncias de saída da família? Qual o nível de coesão do grpo? Qa o se gra de rigide e exibiidade? Conam com suporte e se sentem pertencentes a redes sociais na comunidade? Qual o nível socioeconômico e edcaciona dos pais? Como é a recepvidade o vivência de discriminação no novo meio? Pensamos nesse conexo baseando-nos em Sáre-Oroco e Sáre-Oroco (2001). Nese argo, iniciamene nos deemos na dinâmica das famíias qe reornam do Japão para o Brasi. Em segida, discmos a bicraidade no processo de desenvolvimento emocional e algumas implicações no espaço insciona escoar. Por m, ecemos agmas reexões gerais.
Famílias transitando entre Brasil e Japão A família nunca deixa de ser importante e é responsável por muitas de nossas viagens. Nós escapamos, emigramos, trocamos o sul pelo norte e o leste pelo oeste devido à necessidade de nos libertarmos. E depois, viajamos periodicamente de volta para casa para renovar o contato com a famíia (WINNICOtt, 1997, p. 59).
Com essas palavras, saiena-se o qano é fndamena a exisência de familiares de quem possamos reclamar, a quem possamos amar, mas também 8
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odiar o emer. Pois, na reação enre pais e ses hos, há sempre aém de amor, ma ampa gama de senmenos presenes. A preservação da atmosfera familiar resulta do relacionamento entre os pais no quadro do contexto social imediato em que vivem e do círculo mais amplo que os envove. No processo de migração, como embram os psicanaisas Grinberg e Grinberg (1984), jsamene a famíia, qe é o enorno imediao de ma criança e qe poderia er a fnção de grpo connene e proeor em meio aos novos esmos, ambém esá esressada e abaada pea experiência do desocameno. lembramos qe, no mndo conemporâneo, várias formas de organiação famiiar podem ser observadas, endo como caraceríscas a diversidade e a ambiguidade. Lembramos, também, que a realidade da família enquanto insição socia permeada por ma consrção hisórica foi apresenada por Aris (1981). Se a famíia ncear como conhecemos hoje em sendo de ‘ar’, de ma nidade esrra, emociona e signicava básica dos indivídos, nem sempre foi assim. Com os movimenos migraórios conemporâneos, podemos armar qe esse mndo próprio, espaço para a inmidade, em se conceio idea e imaginário, em sido, aém do mais, qesonado. uma pesqisa reaiada por Yamamoo (2008) reveo qe no ocane à circulação das famílias brasileiras pelos espaços transnacionais entre Brasil e Japão, esas êm adoado várias esraégias em diferenes fases da vida para idar com as mdanças sociais. A m de se manerem, eas se organiam econômica, sica e sociamene. O fao dos membros se dispersarem em diferenes países mias vees é o qe orna possíve o spore aos hos. uma siação paradoxa tem sido criada quando, para manter a integridade e fortalecimento da família, são prodidas separações. São as crianças que, vistas como dependentes e deslocadas de seus ambienes peas decisões famiiares, cosmam resisr às decisões de reorno. Qano à voa dessas famíias ao Brasi, depois de erem morado no Japão, podemos considerar esse movimento uma nova migração. Costuma envolver tanto esforço e vulnerabilidade psíquica quanto a ida para fora. Conforme DeBiaggi (2004), os esdos indicam qe geramene as pessoas não esão cienes das implicações desse deslocamento que envolve mudanças em si mesmas e na comunidade de origem. Em pesqisa de Mesrado reaiada há agns anos (uENO, 2008), bscamos compreender a vivência de um grupo de pessoas adultas retornadas no que se referia às representações culturais dos países entre os quais transitaram e à experiência de reorno ao Brasi. De modo gera, reornar era vivido com dicdade peos parcipanes. Enre reaos de inasservidade, desorienação e de insasfação com a conjnra do país, agns se senam esrangeiros ano aqi qano á. Para uma criança, após separações temporárias entre os membros da família por meses o anos, a renicação famiiar pode ser ma provação doorosa, onga e desorienadora. Os membros erão qe idar com novas regras, negociar TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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a autoridade parena e combaer senmenos de desconexão. Haverá ainda conios angsanes dos geniores enre maneiras de edcar ma criança nma e nora cra, prácas esas sobre as qais faaremos ogo a segir.
Constuindo-se entre dois modos de ser e agir Família, casamento e as relações sociais entre homens e mulheres, como dissemos, esão inseridos nm conexo hisórico, poíco e econômico. Na sociedade japonesa contemporânea, observamos a permanência de um valor especíco do casameno, havendo ma peciaridade da posição socia e pape maerno da mher. O casa, ao conrário do qe aconece na maioria das sociedades ‘ocidenais’, não esá no cenro da famíia, sendo qe o amor ivre e românco não é considerado com ênfase o principa senmeno amejado de reaiação pessoa. Na ideoogia ainda persisene no Japão, ma famíia bem scedida é aqea qe reaia de modo exempar a divisão sexa do rabaho, sem confsão e nem conio de papéis: a mãe deve ser ineiramene responsáve pea edcação dos hos, com presença consane e insbsíve, ao passo qe o pai deve esar ivre para se dedicar ao sisema prodvo, ao mndo do rabaho externo. Estar às margens dessa norma familiar acarreta uma desvantagem perane a sociedade (HIRAtA, 2002). Esa esrra envove ma edcação de senmenos. Aravés das prácas de ensino/aprendiagem, desde o nascimeno se ransmiem sisemas de vaores e normas da cultura, de indivíduo para indivíduo, de geração para geração, garanndo sa manenção. No Japão, ensina-se desde mio cedo à criança a conformidade ao pape denido para se gênero, idade e ordem de nascimeno. Em reação aos sexos, o treinamento das meninas é mais estrito quanto à expressão de humildade. Prioriar a harmonia inerpessoa e aoconenção, eviando conios com os oros, é ago a qe se aribi vaor aamene posivo. É oportuno, nesse momento, explicarmos um importante conceito da socioogia, o de sociaiação. Esa pode ser denida como o processo onogenéco pelo qual se dá a ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objevo de ma sociedade o de m seor dea. Essa inerioriação ocorre em circnsâncias carregadas de ao gra de emoção e aravés de idencações qe se reaiam nm horione qe impica m mndo socia especíco (BERGER; LUCKMANN, 1978). Em m ineressane exo sobre esos de sociaiação precoce em padrões diversos de cultura, a antropóloga taie lebra (1976) observa qe, enqano a mãe japonesa se comnica mais sicamene qe verbamene com se bebê drane a amamenação e o banho, a mãe ‘ocidena’ faa mais com se bebê drane essas avidades. A primeira ende a carregá-o para aqieá-o e apaigá-o. A segnda procra esmá-o para ser avo. Lebra, professora japonesa que foi viver em solo americano, observa que na 10
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sociedade nipônica e, reavamene, ambém enre descendenes de imigranes japoneses, o iaikan o senmeno de nidade nas inerações inerpessoais ínmas é ago mio apreciado. Nesse conexo se procra desde cedo sensibiiar o sujeito para a interdependência e reciprocidade. A criança é ensinada precocemente a estar limpa e devolver as coisas no gar de origem, a faer as coisas da forma apropriada. A ênfase na ordenação, capricho e mecosidade expressa ma ade qe nessa cra é sina de mene viva, ava e mora. A discipina se inensica qando a criança ange a idade escoar. Daí em diane caberá à escoa edcá-a apropriadamene. Passa a ser encorajada a desenvolver um forte senso de pertencimento total ao grupo, de compromisso e desempenho em relação ao seu papel. Ora, no caso das crianças nipo-descendenes, has de pais/mães trabalhadores brasileiros das linhas de produção japonesas, chamamos a atenção para ma série de desaos qe são imposos no processo de desenvovimeno psíqico. A ambigidade reacionada aos ses fenópos, sas maneiras de ser e agir, bem como as de suas famílias de origem, ou então a própria situação de separação entre membros familiares, por si só podem, inclusive, ser vistas culturalmente de forma equivocada por médicos, professores, psicólogos e outros como inadequadas ou sintomas de uma situação familiar patológica. É por isso qe as expecavas e o conexo imediao no país qe as recebe, seja á o aqui, são elementos potenciais de transição que têm repercussões importantes nesse processo, como veremos.
Travessias e desaos à formação da idendade Se, por um lado, uma criança tem mais habilidades para se deixar impregnar por impressões novas, esá mais abera à aprendiagem e é mais capa de assimiar ma nova ínga e cosmes, por oro, exisem carências especiais, pois não parciparam da decisão dos pais de mdar e geramene não compreendem sas movações. Além disso, a explicação sobre essa situação à criança nem sempre acontece. Nesse sendo, como já dissemos anes, o níve de coesão e o po de comunicação do sistema familiar serão fatores relevantes. É natural, contudo, os pais viverem uma forte ambivalência, na medida em qe processam sas experiências aravés de m qadro dpo de referência: ‘á e aqi’, ‘anes e depois’ da mdança de país. Já para os hos, a referência é dada pea sociedade em qe vivem e o se eso de vida. Conforme Sáre-Oroco e Sáre-Oroco (2001) as ransições são sempre estressantes e, mesmo nas melhores condições, haverá perdas e ambivalência. A absorção mais rápida, pelas crianças, da nova cultura criará níveis assimétricos de compeência cra no meio, sendo a dos hos sperior à dos pais, gerando reversão de papéis e ensões parcares na famíia. Para melhor compreensão em termos psicodinâmicos, raemos as TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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contribições dos psicanaisas Grinberg e Grinberg (1984), para os qais a idade da criança é uma variável importante. Nos primórdios de seu desenvolvimento, o senmeno de conança básica do bebê na própria exisência é possíve pea própria conança dos pais. Esa fnção parena pode car abaada, peo menos temporariamente, quando a criança se vê fora do âmbito conhecido e seguro dos esos de sa própria cra. Pouco mais tarde, num período em que a criança está tratando de armar sa aonomia, a migração, sempre forçada peos maiores, jno com a ameaça persecutória do novo, poderá acentuar a vergonha e dúvidas precoces, minando ma conança básica já adqirida, sobredo qando se esá fragiiado por conios prévios. Ea é exposa a siações em qe se sene diferene e incapa de comper com oras crianças de sa idade no so do idioma, não comparhando a cmpicidade preciosa dos códigos crais secreos. As dúvidas passam pea denição do qe em vaor o não, de qem são os bons ou maus, pois seus conhecimentos prévios não são compreendidos ou não valem muito no novo meio. Conqisada a aonomia, mais o menos ao na do erceiro ano, ocorre ma primeira emancipação em reação à gra da mãe, paraeamene às aquisições na linguagem, locomoção e representação. Ela desenvolve os reqisios prévios para iberação da iniciava não inmidada pea cpa, eapa denro de m cico via descrio por Erison (1976). Pode enconrar pea frene ma série de desaos, pois precisa consrir ma idendade segra qe a orne apa a prosperar em conexos profndamene diversos: em casa, na escoa, no mundo da família extensa e entre os amigos. Ressaamos qe sa idendade será modada, em pare, em fnção de como será visa e recebida. Os esereópos énicos enfrenados por indivídos podem ser aspectos poderosos e corrosivos. Posteriormente, a adolescência será um momento crucial de busca por um novo sendo de connidade e niformidade, qando ressrgem as crises das fases precedentes. As perguntas “Quem eu sou? A que lugar pertenço?” se tornam pngenes (PHINNEY, 1990). uma dúvida prévia, agravada pea esgmaação sofrida aravés das insições, pode cminar nma confsão de idendade, com incapacidade de assumir papéis, abandono escolar ou retraimento em estados inacessíveis.
Línguas, culturas e idendades Com relação à língua, sabemos da sua importância por ser não só um instrumento de comunicação, mas a representação de uma cultura e, segundo Bordie (1994), m insrmeno de poder. Para m ado, a aprendiagem de ma nova ínga reqer mio mais exibiidade. Ana, conforme expica Rev, (apd FREItAS, 2008, p. 220221): “toda enava para aprender ora ínga vem perrbar, qesonar, 12
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modicar aqio qe já esá inscrio em nós com as paavras da primeira ínga”. A ência dos pais e hos em íngas diferenes cria barreiras na comnicação de pensamentos, de emoções mais profundas e no entendimento das intenções do outro. O modo como ma criança é recebida nma escoa o comnidade pode ser decisivo no desempenho dea denro desses novos espaços, onde ades de presgio e despresgio socia reacionadas ambém ao idioma reveam qais as formas de ser que são vistas de maneira preconceituosa. Mesmo quando em casa a famíia reconhece como essencia ransmir a riqea de conhecer ma segunda língua por meio das suas relações, a criança que vive muitas situações preconceituosas prefere deixar de manifestar seu conhecimento na língua da cultura de origem. De acordo com ma pesqisa reaiada por Moraes (2010) com jovens professoras nipo-brasieiras, biínges e reornadas do Japão, as mesmas expressaram dicdades para se adapar ao novo ambiene ingísco, sendo necessárias movações inrínsecas de speração para se acançar ma inegração socia em meio às ransições ingíscas e à impoência acarreada peo domínio imperfeio das íngas. Ineressane qe, nesse sendo, saber faar japonês e poder ensinar a ínga no conexo brasieiro se orno ma facea posiva a ser oferecida. E qe, no caso das enrevisadas, possibiio a consrção de ma idendade prossiona. Concordamos com m pono sobre o qa a aora chamo a aenção: a importância de se preservar a primeira língua em situações de migração.
Escola, microcosmo de uma ordem social mais ampla Em argo anerior nese mesmo periódico (uENO, 2005), apresenamos o processo erapêco e a hisória de Carmem, brasieira de origem indígena e paraguaia, atendida em psicoterapia breve aos quarenta e cinco anos de idade. Observamos a reevância das experiências infans de migração e como ma inserção escoar ramáca pode ser prodora de desconnidades ingíscas, afevas e sociais. O não reconhecimeno e a faa de m espehameno socia posivo desencorajam o modo de ser do oro. O meio escoar merece nossa aenção por ser aqee no qa as crianças iniciam o conao sisemáco com a ora cra. Não à oa, é predominanemene nesse espaço qe os efeios da migração se faem noar, podendo represenar uma situação de intenso sofrimento. Em primeiro lugar, quando pensamos numa sala de aula, devemos lembrar qe sa congração, com sas dinâmicas de poder e desigadade, aparece em cada aspeco com odas as sas parcaridades: no processo edcaciona, no coneúdo das aas, no ambiene sico, no so da ínga, como mencionamos, e nas relações entre quem ensina e aprende. Aém de ser gar de práca socia e poíca, ea é ambém prodora de idendades. De modo qe, no processo de aprendiagem, os aos dos anos TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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provenientes de outros backgrounds, de se sbmeer o de conesar e resisr, revelam a recusa em parcipar de m conexo em qe não são aceios e qe põe em jogo sas idendades. A escoa é m âmbio em qe erão qe enconrar ou fabricar um lugar próprio. Dentro das fases do ciclo vital, a entrada na escola é um período decisivo sociamene, qando a sociedade maior se orna mais signicava. Envove ‘faer as coisas ao ado de oros e com os oros’. A criança procra se igar aos professores e pais de outras crianças, querendo observar e imitar pessoas, se propondo a tarefas e papéis preparatórios para a realidade adulta da produção. Para Erison (1976), a vida escoar precisa ssenar as aqisições das fases aneriores do desenvovimeno da criança e sa vonade de aprender para se senr capa de faer bem as coisas, o irá desenvover m senmeno de inferioridade, com aienação de si mesma e das sas arefas. O edcador deve saber reconhecer e esmar esforços especiais, apoiando m senmeno de compeência, qe é o exercício ivre da desrea e ineigência na execção de arefas sérias. Ago qe será ma base imporane para a parcipação cooperava na vida ada. Como armam Sáre-Oroco e Sáre-Oroco (2001), fenômenos como ansiedade, inibição de capacidades, enavas de conroe obsessivo e manifesações psicossomácas, cosmam ser freqenes e não esão igadas apenas a faores internos dos indivíduos, que sobrevêm em função de sua personalidade. Reacionam-se com ma sensação de iegimidade para parcipação nos espaços de saber nessa nova cultura, representados pelo professor. Pesqisas desses mesmos aores aponam as caraceríscas comns de ma escoa efeva: iderança posiva; boa aoesma da eqipe; expecavas acadêmicas eevadas para odos os anos, independene da origem; vaoriação das cras e das íngas de origem; ambiene socia segro com esrra ordenada. O qe aconece qando ma idendade denida por ma posição de desajse/desencaixe com a cra escoar é assmida? Há o risco de se caminhar para ma progressiva condição de desqaicação socia, viso qe a escoariação deveria ser ambém m meio de garanr ma posição socia bem sucedida no fro para hos de imigranes nma nova sociedade denro da economia global.
Sistemas educacionais em contextos de diversidade “Meu lho é muito nervoso, balança a cabeça várias vezes. A professora disse que ele é hiperavo e precisa de psicólogo. (...) Acho ele muito inocente. As crianças aqui no Brasil são mais espertas.” Essa era a queixa de uma mãe atendida pela autora numa situação de enrevisa inicia em psicoerapia breve no Serviço de Orienação Inercra da USP1. Ea procrava aendimeno para se ho de nove anos. Nipo-brasieira de segnda geração, rabahara drane ree anos no Japão e recém reornara 14
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de lá movida pela crise econômica mundial que causara demissões em massa. A criança nasceu lá e passara por mudanças bruscas, da escola japonesa para a creche brasieira. E agora, vindo pea primeira ve ao país de origem dos pais, entrou na escola pública brasileira. De acordo com o relato apresentado, quando foi dio ao ho qe iriam sair do país em qe moravam, eria baançado a cabeça e protestado “Não quero!” , daí enão passando a manifesar qes nervosos frequentes. Nas reações da mãe aendida com japoneses, percebemos senmenos conianes e siações de discriminação vividas peo fao de ser brasieira. tinha qe acamar o ho porqe ee era irreqieo e faia barho no prédio em qe habiavam, onde não havia oras famíias esrangeiras: “Lá tem que se conter, ter disciplina, criança ca horas numa la sem reclamar.” De voa ao Brasi, ea sena poco apoio do ambiene socia e passava peos estranhamentos culturais. Sente que as coisas aqui no país, incluindo o sistema de edcação, não fncionam como deveriam. Se ho não eria a mesma maícia e não proesava qando a priminha enava rar vanagem nas compeções: “Aqui não é bom ser assim...” Ea e o marido esavam em processo de separação conjga. O pai de se ho, conforme reao maerno, ambém nipo-brasieiro, eria se recsado a comparecer ao atendimento psicológico e não acreditava na relevância das questões emocionais. É descrito como um homem imaturo e irresponsável, que gastava grandes somas de dinheiro com jogos, nunca tendo se preocupado geninamene com o ho. Apesar de oferecermos aernavas exíveis de aendimeno, reforçando a importância de termos uma compreensão do que se passava com a criança e com eles, naquele momento a mãe mostrou dúvida e ambiguidade quanto à própria abertura para os aspectos internos implícitos nas vivências da família enre conexos diferenes, coocando vários empecihos para a connidade do processo erapêco. Enre imposições, irriações, repressões e enavas de conenção e conroe de impsos, permeadas por sisemas crais, a criança se ornara pora-vo de m conio qe parecia envover a famíia como odo. Sas hisórias pessoais de perencimeno e ses desejos foram aravessados por conjnras sociopoícas mais amplas que, como é sabido, vêm deslocando em massa os seres humanos enquanto recursos em circulação no sistema econômico capitalista global. Cabe mencionar qe, no rabaho empreendido por Naagawa (2010) em São Pao, com anos da rede púbica de ensino qe moraram no Japão, a negação das dicdades peas famíias foi ambém reaada. Descreve-se a ocorrência, enre as crianças cjo desenvovimeno fora caraceriado por convivência e inerações inersbjevas imiadas, de m esqecimeno da experiência vivida com o idioma japonês naqee país, aém de senmenos de insegrança e inadeqação. Nesse sendo, as avidades de mediação údica sob a éca do cidado – e não da correção – parecem ter sido essenciais para a saída da condição TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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de invisibiidade e não-perencimeno, possibiiando a emergência da espontaneidade nas relações. Desse modo, alertamos para o perigo de visões educacionais pautadas pelo ajsameno às aas, e qe procram idencar e medicar ‘ransornos’ enre os anos, paoogiando e individaiando fenômenos qe diem respeio à própria dinâmica da insição. A visão taxativa do que se passa com essas crianças, tanto lá quanto aqui em nosso país, revela no fundo uma orientação educacional excludente e pouco preparada para o contexto da diversidade. Afinal, a inserção de um sujeito bilíngue ou bicultural não deveria passar pela exclusão do outro idioma o assimiação da cra ‘esranha’, como crê o senso comm. Nm âmbio poíico, sobredo, se fa premene a percepção da diversidade nestes novos imigrantes estrangeiros em solo brasileiro. Porém, enquanto riqea, não como défici.
Considerações nais Com essas reexões, esperamos er conribído para ampiar as discssões voadas meramene para qesões econômicas e dipomácas qe envovem a migração de populações adultas, lembrando que as crianças representam uma parcela crescente de indivíduos que atravessam fronteiras. As decisões racionais de mudança, apesar de programadas como temporárias, impicam nma perspecva em ongo prao, com criação de víncos sbjevos envolvendo lugares diferentes. Colocam em jogo as habilidades do grupo familiar em idar com os dramas referenes ao processo, enre os qais, os conios enre desejos grupais e individuais. Se, no séco passado, a escoariação represeno m vaor e objevo de alto interesse para as famílias japonesas imigrantes e seus descendentes no Brasil, em contraste, na atualidade, a educação não tem sido considerada importante enquanto estratégia de ascensão econômica e social entre os chamados decasséguis. Observamos qe a reaidade dos rabahadores brasieiros no Japão, caraceriada peo reaivo acesso aos bens e serviços, é, ao mesmo empo, assolada pela relatividade de suas cidadanias e pela vulnerabilidade em relação à vida cultural. Reflete uma realidade global marcada pelo consumismo, acessíve por meio de víncos desenraiados com o mndo do rabaho. Panorama este que tem deslocado gerações e atravessado profundamente seus percursos de vida.
Nota 1 - Aendimeno do Programa de Pós-gradação em Psicoogia Socia do IP-uSP voado para imigrantes, descendentes, brasileiros que vão para o exterior, e brasileiros retornados após morarem fora do país, coordenado pela Profa. Dra. Sylvia Dantas. 16
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os faores sociopoícos são fndamenais na compreensão das perdas, conios e desaos envolvidos nos deslocamentos. No âmbito da educação, temos observado que a escola cosma reprodir desconnidades em ve de assegrar a ‘possibiidade de ser’ da criança na transição entre culturas diferentes. Palavras-chave: crianças; migração de reorno; Japão. ABSTRACT In his paper, we discss how chidren, especiay hose who come bac from Japan, say experience he dierences in cres. We address aspecs of he sociaiaon process in dieren cra conexs, he impicaons of migraon boh in an individa’s psychoogica deveopmen and in famiy dynamics based on heoreca diaoges beween he crosscra and psychodynamics approaches. We consider ha he sociopoica facors are essena o ndersand he osses, conics and chaenges invoved in moving. Wihin he ream of edcaon, we have observed ha he schoo say reprodces disconniy insead of ensring chidren’s “possibiiy of being” beween dieren cres. Keywords: chidren; rern migraon; Japan.
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dossiê - decasséguis
Reordenações na família decasségui Dilemas e desafos
Victor Hugo Kebbe *
Para suprir a falta de mão de obra nas indústrias japonesas na década de 1980, e visando casar o menor dano possíve em se ecido socia, o Japão abri sas poras para a imigração dos nieis, descendenes de japoneses nascidos fora do Japão. O xo migraório qe se scede é conhecido no senso comm como o “fenômeno decasségui”, acarretando várias disrupções nas comunidades nieis em odo o Brasi e gerando novas conngências qe são esdadas em vários campos das ciências humanas há mais de vinte anos. Apesar de ese xo migraório ser ampamene debado qano às sas impicações sociais e poícas ano no Brasi como no Japão, são pocos os esdos voados às microdinâmicas sociais qe são codianamene engendradas. Mesmo com anáises socioógicas qe bscam o esdo da idendade (o das idendades, como prero chamar) dos grpos de brasieiros com ascendência nipônica nos dois países, é recene o esforço (YAMAMOtO, 2008) para enender o que ocorre dentro das famílias, lócus privilegiado para a compreensão de agenciamentos1 familiares, parentesco, redes sociais, etc. O presene argo consi, de cera forma, m desdobrameno de meu trabalho de campo voltado para o doutorado, cujo foco é o estudo das famíias decasségis em soo japonês (SIlVA, 2011a, 2011b). Bsqei, aravés da observação parcipane, acompanhar de pero vários decasségis em sas ronas diárias no Japão, omando como eixo noreador o esdo de como esse
* Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Membro do Laboratório de Estudos Migratórios – UFSCar. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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xo migraório interfere no interior da família e a maneira como esses brasileiros dialogam com o novo contexto cultural. Para tanto, adotei como campo empírico a cidade de Hamamas, na província de Shioa, conhecida por er a maior concenração de brasieiros vivendo no Japão. Sendo antropólogo, e adotando um escopo de análise diferenciado – o da família e do parentesco –, pude encontrar uma ampla variedade de agenciamentos ou reordenações familiares para dar conta de famílias que estão distendidas em dois países. No meio dessas reordenações, é possível observar várias questões referenes à edcação dos hos desses brasieiros vivendo no Japão, gerando sérias impicações sociais debadas à exasão peos órgãos ociais, associações e organiações não governamenais de Hamamas. Precisamene por não ser o meu foco de análise no doutorado, pude observar – como alguém de “fora” da discssão poíca sobre Edcação – agmas das nances qe percorrem os projeos de vida de várias dessas famíias brasieiras; e qe impicam em reer sobre alguns dos dilemas e projetos de vida desses brasileiros quanto às maneiras como entendem a educação de ses hos em conno xo enre Brasi e Japão.
O Contexto cultural parcular de Hamamatsu Ese argo em como objevo primeiro esdar as famíias de decasségis vivendo no Japão, com ma meodoogia capa de abordar as microdinâmicas sociais qe nem sempre são percepveis nos esdos radicionais. usando a ideia de campo denso (GEERtz, 1989), enho como objevo compreender, aravés das caegorias navas do campo, as prácas de signicação da experiência de vida desse grpo nese conexo cra parcar, compreendendo as dicdades inerenes a ma pesqisa em Anropoogia urbana (MAGNANI, 2002, 2003, 2005). Através da permanência e do convívio entre famílias de decasséguis, pude observar sas avidades ciadinas no dia a dia — seja no rabaho, nos momenos de aer, no ambiene famiiar, ec. A observação parcipane, em ma cidade japonesa com grande concenração de brasieiros, reveo-se imporane para capar as maneiras como essas pessoas diaogam com o enorno; no caso, m conexo cra basane parcar. Assim como idenca Magnani, qe com o esdo das cidades e da merópoe as froneiras sicas e geográcas são mais borradas do qe nnca, percebi em Hamamas a exisência de m campo extremamente móvel, exigindo a necessidade de acompanhar os vários circuitos rbanos dos brasieiros na cidade (MAGNANI, 2002, 2003, 2005). Em ais circios, pude acompanhar os decasséguis em várias outras dimensões, que não a fábrica, objeo de esdo já ampamene debado e discdo na ierara acadêmica. Adoei como campo Hamamas, na província de Shioa, cidade conhecida por abrigar o maior conngene2 de brasieiros vivendo no Japão nos dias de hoje. Qando de minha permanência na cidade, enre jnho de 2010 e março de 2011, Hamamas nha 16 mi 3 brasieiros na cidade, perfaendo o maior número dentre os esrangeiros. De acordo com as esascas da própria cidade, os decasségis brasieiros foram araídos, iniciamene em 1989, peas indúsrias 20
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nos arredores; enreano, nos dias de hoje, a cidade é conhecida por possir lojas, escolas, bancos, restaurantes e demais estabelecimentos brasileiros. Fixando-me em Hamamas, pde não só criar ma ampa rede de informanes brasieiros, japoneses, americanos e peranos na cidade; como ambém aar em das insições4, como voluntário no ensino de inglês para adolescentes e ados brasieiros na cidade, bscando, assim, compreender as dicdades reais dos brasileiros em suas várias dimensões. A presença brasieira em Hamamas é visíve em oda ma infraesrra do governo oca, enconrando-se pacas de sinaiação em japonês e porgês, sem contar os inúmeros serviços públicos da cidade que são oferecidos nos dois idiomas, sendo para alguns um exemplo de sucesso na recepção de populações esrangeiras no Japão. Em conraparda, jsamene pea grande qandade de serviços presados em porgês, pde vericar em campo qe a maioria dos brasileiros residindo na cidade não fala o idioma japonês nem em nível básico, aspecto observável em entrevistas informais com brasileiros e japoneses e no próprio convívio com essas pessoas diariamene. A não prociência dessa popação no idioma japonês consi objeo de esdo não apenas de organiações não governamenais e da prefeira oca, como ambém do Inso Naciona de línga Japonesa, qe reaio em seembro de 2010 ma pesqisa sobre o níve de entendimento de japonês por parte da população estrangeira na cidade. Noa-se, já nesse momeno, qe o reavo domínio do idioma oca é m importante fator de clivagem e determinante nas próprias relações sociais entre brasieiros e japoneses, deimiando diferenes circios e avidades. Aspeco vericáve em grande número de esdos sobre oros xos migraórios no mndo odo, à primeira visa é facve sgerir qe em Hamamas seria possíve viver em solo japonês com um pequeno conhecimento do idioma, contanto que amparado por inúmeras redes sociais, peo spore do governo e de insições ocais. Esa qesão encerra as avidades sociais de brasieiros na cidade (kAWAMuRA, 2003) e cria o qe os mes próprios enrevisados reaam da “sensação de que brasileiros não se misturam” nem com japoneses, e tampouco com oros grpos migraórios residindo em Hamamas. O senmeno de brasiidade, o a vonade de manenção da cra de origem, qe aoram nesse conexo cra diferenciado (lESSER, 2000, 2003), mosram caramene qe, em meio a esa infraesrra para receber brasieiros no Japão, as conngências e preocupações que surgem na cidade são diversas, evidenciando a diferença de historicidades enre as comnidades nieis no Brasi e os brasieiros vivendo no Japão (kEBBE ; MACHADO, 2007).
Projetos alternavos, novas conngências A questão da ausência dos pais ou de outros parentes numa família transnaciona (BRYCESON; VuOREllA, 2002; MACHADO; kEBBE; SIlVA, 2008) orna-se faor crcia nas “reacionaidades” (CARStEN, 2004), o agenciamenos que são feitos dentro da família. Para permanecerem unidas, as famílias TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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transnacionais são confrontadas com o paradoxo de separarem os seus membros em mais de m país. Mio aém das qesões econômicas e nanceiras, qe certamente são ponto integrante do projeto de emigrar, ou não, a família inteira para o Japão, não podemos deixar de perceber o pape qe as crianças assmem nessa eqação: Onde criar? O país recepor oferece serviços adeqados de saúde, edcação, segrança, ec.? Como ca a esrra famiiar, se avós, pais, os, irmãos, hos e neos esão disendidos dessa maneira? Mosrarei, a segir, casos qe isram como famíias em Hamamas criam agenciamenos, e contornam, assim, a distância entre os dois países. lembro-me qe ma de minhas primeiras enrevisadas já reea sobre o se pape de mãe em Hamamas, pois se ho morava com a avó no Brasi. tendo já escrio a respeio (SIlVA 2011a), reaarei apenas m dos inúmeros exempos enconrados em Hamamas: o caso de Fernanda 5, mãe soeira de 23 anos de idade, terceira geração. Originária de Presidene Prdene, Fernanda foi pea primeira ve ao Japão, aos quatro anos de idade, acompanhada da mãe. Com tudo preparado pelo pai, que fora antes para trabalhar como decasségui, Fernanda aprendeu a falar porgês em sa nova casa no Japão e inicio formamene os ses esdos aos seis anos de idade em uma escola japonesa, sendo um dos vários casos de brasieiros biínges residenes na cidade. Inegrando o qe podemos chamar de família transnacional, por possuir seus membros distendidos em mais de um país, Fernanda eseve em xo enre Brasi e Japão por cinco vees, sempre esando m membro da famíia em cada país para garanr exaamene essa esrra familiar “transnacional”. Durante as idas e vindas, e sofrendo uma série de problemas familiares nos dois países, Fernanda eve a edcação forma inerrompida por várias vees, o qe a fa pensar, aé os dias de hoje, sobre o qano isso pode er inerferido em sua vida atual. Ela me procurou, pouco antes de meu retorno ao Brasil, para que eu a ajudasse com a indicação de um professor de inglês, considerando qe apenas com o aprendiado desse idioma eria chance de garanr m bom emprego no Brasi: “á e não vo sar o japonês pra nada”. Mãe de m ho em idade escoar, Fernanda voo para o Japão aos 21 anos de idade, como decasségui, para tentar reunir a sua família novamente, e foi viver em Hamamas com o pai e o irmão, bscando evanar fndos para com o fro de se rabaho maner ma edcação de qaidade para se ho único no Brasil. Evitando assim o histórico que marcou a sua própria educação fragmenada, Fernanda disende a famíia e se separo de se ho peqeno, mantendo, paradoxalmente, a família unida. Enreano, ea sofre a dor da disância e da sadade de se ho peqeno — atenuada pelo uso constante da internet para a comunicação com a mãe no Brasil —, e considera qe esá perdendo ma fase crcia não só de sa própria vida como mãe, mas também o momento d e crescimeno de se ho, não sabendo de qe forma isso poderá afeá-o no fro. Fernanda reconhece ser asene no acompanhameno dos esdos de se ho, arefa qe cabe emporariamene à 22
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avó. Pouco antes de me despedir, fui com ela a uma loja de brinquedos, no centro de Hamamas, para ajdá-a a escoher m qebra-cabeça para o se ho — m dos evenais presenes qe ea sempre envia ao Brasi; aém das remessas constantes, que, juntamente com a internet, mantêm o “funcionamento” de sua família. Por er aa prociência em japonês, e ambém por faar porgês, ainda que de maneira precária, Fernanda assume o papel de tradutora junto à sua família e amigos próximos. Mesmo por conta de sua educação fragmentada, ea ainda em o qe mios brasieiros em Hamamas não êm: o domínio do idioma japonês. Isso a cooca como radora e nó em ma rede socia basane especíca, sempre ajdando aqees qe pedem e segindo ma hierarqia de prioridades: parenes próximos > parenes disanes > mehores amigos > amigos > rabaho. Observei a exisência em Hamamas de várias oras pessoas com o mesmo per, denoando, assim, m pape especíco qe os manêm como mediadores na comunidade. Ao ser qesonada sobre os possíveis “probemas” qe enfrena ao viver disane do ho e de sa edcação fragmenada, Fernanda percebe caramene qe é m dos mehores agenciamenos possíveis qe ea pôde faer para garanr a nião famiiar, diane de odas as conngências qe srgem para gerir ma famíia em dois países. Ea assim o fa, e paga as sas conas ano no Japão qano no Brasi, apesar de alterar seriamente um projeto familiar tradicional e, ainda mais, alterar a reação enre mãe-ho. Segndo ea, essa ógica própria não confrona de maneira agma com odos os discrsos ociais e de organiações não governamenais envovendo os “probemas das famíias de brasieiros em Hamamas”; discrsos esses que a deixam revoltada, pois diante da facilidade da migração entre Brasil e Japão e com a conna exisência de peo menos m membro da famíia vivendo em cada país, sa decisão é acerada. temporária, mas acerada. Notamos, no entanto, o quanto a ausência dos pais dentro de casa inencia na edcação e formação das crianças em Hamamas, de maneira sem precedenes, exisndo aé poco anes da minha chegada ao Japão, a presença de gangues de brasileiros na cidade, como me informaram alguns entrevistados. Organiações não governamenais e ambém grpos, como a Shidokan Kodama Dojo e a Igreja universa do Reino de Des/IuRD–Hamamas, bscam rerar os jovens das ras, com rondas e programas de avidades especícas para a jvende; sendo qe os indivídos aendidos são, em agns casos, adoescenes não matriculados nas escolas, com tempo ocioso, ou então, sem a presença dos pais denro de casa. Segndo a Associação Brasieira de Hamamas, por conta das longas jornadas de trabalho e dos turnos diferenciados nas fábricas, é crescene o número de probemas egais envovendo as famíias de brasieiros — em especial quanto ao número de divórcios, ou então, com a explosão de uma pascidade nos agenciamenos famiiares, aé enão nnca visos. Como informaram alguns entrevistados, muitos pais permanecem fora de casa o dia odo, nas indúsrias; exisem ambém os casos de pais qe rabaham TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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em turnos alternados, surgindo situações de marido e mulher que não conseguem se encontrar, durante o dia, aspectos estes que oferecem impasses quanto ao cidado dos hos. Diane das necessidades nanceiras e das próprias exigências do trabalho, observamos, então, o quanto o ambiente familiar e a ausência dos pais interferem na educação das crianças. Como exemplo, temos o caso de Mariana, 28 anos, não descendene de japoneses e - oro dado imporane — que não fala o idioma japonês, o que restringe, evidentemente, os círculos e circios sociais dea própria e de sa ha. Com ma ha peqena, e após enfrenar ma compicada separação, Mariana nha peo menos dois empregos, m em Hamamas e oro em Nagoya, sendo qe os rendimenos eram desnados a cobrir as despesas pessoais, dívidas e a edcação da criança. Com o inio de minimiar as dicdades denro de casa em reação à edcação da ha, bem como graças às faciidades da infraesrra para receber brasieiros de Hamamas, Mariana acho ser mehor maricá-a em uma escola brasileira, dadas as diferenças gritantes não apenas no sistema de ensino japonês, como o próprio comportamento, educação corporal, etc. Segndo ea, sa ha é “agiada demais para ma escoa japonesa”; condo, o fato de a mãe não dominar o idioma também pode ser pensado como uma variável importante no cálculo de onde maricar a ha. A mesma percepção ocorre com funcionárias de uma escola brasileira, cujos hos esão odos maricados na mesma insição em qe rabaham. Como pde vericar, em enrevisas com as coordenadoras e professoras, apesar do ao cso, os pais das crianças qe opam peas escoas brasieiras podem car asenes drane a maior pare do dia, enqano ses hos são amparados peas “as” e “professoras”, qe se desdobram no cidado de vários anos e suprem, de forma temporária, os papéis de mãe e pai momentaneamente asenes. Em conraparda, segndo as mesmas coordenadoras e professoras, a asência dos pais no axíio e no acompanhameno da edcação dos hos cria ma carência qe eas nnca observaram no Brasi: com a exposão de parenes asenes, srge ambém ma reação afeva nas crianças qe ambém deve ser considerada. Sejam pais e hos separados enre Brasi e Japão, sejam pais e hos separados na mesma cidade, o “fenômeno decasségi” adenra na famíia desses brasieiros com inúmeras forças. Veremos, a segir, ma breve discussão sobre as diferenças, dilemas e agenciamentos dessas famílias de brasieiros vivendo em Hamamas, endo como eixo as diferenças de escoas e a barreira do idioma.
Escolas japonesas, educação fragmentada e lhos tradutores Quanto aos principais problemas das crianças e adolescentes brasileiros em Hamamas, aponados peas insições ociais e organiações não governamenais, é imporane er em mene as diferenças de ensino e aprendiado nas escoas brasieiras e japonesas, ema ese discdo com mais propriedade por vários outros estudiosos. Das barreiras iniciais, ao adentrar numa escola 24
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japonesa, não podemos nos esquecer da recepção de um aluno estrangeiro que não domina ou domina parcialmente o idioma do país receptor, gerando um impasse dpo na avaiação do níve de aprendiado: aém da avaiação individa de cada ano qe responde direamene ao programa de ensino oca (com sas diferenças e incompabiidades em reação ao Brasi), como edcar m ano que não entende a língua falada em sala de aula? Como, no Japão, o níve de aprendiado escoar é embasado no ano de idade escolar, pude observar em campo que indivíduos que iniciaram seus estudos em escolas japonesas desde muito cedo, possuem não só um rendimento e aprendiado diferenes dos demais brasieiros em oros casos; como acabam assmindo papéis disnos no inerior da famíia, mosrando mais ma inexão do movimeno migraório na consição da famíia. Nma variane qe pde enconrar em Hamamas, deparei-me em agns momenos com brasieiros que, educados desde muito cedo em japonês e “à japonesa”, não sabem o porgês o o faam com reava dicdade, aém de sa própria posra corpora os coocar mais como japoneses, do qe como brasieiros. Nesse sendo, enconrei dois adoescenes brasieiros qe faam, vesem-se e poram-se como adoescenes japoneses; conforme me expico a mãe dees, o fao de os pais serem biínges eva os hos a recsarem o aprendiado do idioma porgês denro de casa. Oros casos simiares envovem ados qe se desprenderam completamente do uso do português, dos hábitos e prenomes brasileiros dentro de casa, não carregando consigo nenhum vínculo ou interesse de retorno ou visia aos parenes deixados no Brasi, como esraégias o iniciavas pernenes ao novo conexo cra em qe esão inseridos. O ao preço pea opção da imigração passa a ser cobrado, seja com o rompimento dos laços com a cultura pré-migraória o, em casos exremos, com os próprios famiiares qe esão no Brasil. Por outro lado, quando os pais não são falantes de japonês, existe o surgimento da “barreira” da ínga denro de casa: assim, ovi de erceiros o medo de agns pais em maricar os hos em escoas japonesas, por não poderem maner a comnicação em casa com os hos, nm fro próximo. Ora possibiidade é a parcipação mais ava dessas crianças e adoescenes maricados em escoas japonesas, nas tarefas familiares, como tradutores ou mediadores. Nesses casos, e como mais um agenciamento familiar propiciado precisamente por conta da migração, são os hos qe assmem o pape dos pais nas siações de conao com a sociedade japonesa, no dia a dia, ou na prefeitura, no hospital, etc. Eles acompanham, assim, os pais e irmãos em consas médicas, ransformando-se em pivôs nas decisões familiares que envolvem contatos externos. Mesmo tendo a edcação fragmenada enre Brasi e Japão — como no caso de Fernanda (e, por isso, sabendo japonês m poco mais do qe os pais e amigos) —, esses indivíduos são amplamente requisitados desde cedo, tomando a posição de nós o nódos nas redes sociais em Hamamas, faendo pare, enão, mais da sócio-lógica oca, do qe na congração de m “probema”. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Escolas brasileiras e a “barreira” do idioma Devido à infraesrra parcar da cidade de Hamamas, à não prociência dos pais no idioma japonês e às variadas conngências com qe êm de lidar diariamente por conta das longas jornadas de trabalho, para muitos dos mes enrevisados ma aernava viáve na cidade consisa em maricar ses hos em escoas brasieiras, exisenes em número expressivo em Hamamas. Apesar do alto custo, tais escolas adotam brasileiros como professores que “sabem lidar com as crianças brasileiras”, e seguindo planos de ensino muitas vees provenienes do Brasi, amejando amorar, assim, agns dos diemas enfrentados pelas crianças, adolescentes e até mesmo professores e outros prossionais de ensino. Porém, a conraação de ores não qaicados como professores cria outras implicações de âmbito mais amplo. Além da ausência de acompanhamento dos pais no aprendiado de ses hos, como em agmas escoas o ensino do idioma japonês não é incenvado, as crianças e adoescenes se encerram em avidades sociais e crais qase qe esriamene “brasieiras”, criando novamente fronteiras nas relações com a sociedade japonesa, salvo alguns casos. Em minhas observações de campo, pude constatar que o contato de adolescentes brasieiros com a sociedade japonesa e oros grpos migraórios de Hamamas é fortemente marcado pelo idioma, a saber, japonês, inglês e espanhol. Como exemplos referentes à criação de agenciamentos por conta do idioma, além dos casos de crianças e adolescentes peruanos que aprendem porgês para se reacionar com os brasieiros (pois, como me disseram informanes peranas, “brasieiro não se misra e não aprende o espanho”), pude observar que adolescentes brasileiros matriculados também em escolas de inglês possuem outra esfera de inserção, expandindo, assim, seu contato não só com os japoneses que sabem ou estudam inglês, como também aumentando sas redes de amigos, namorados, namoradas, ec. Nesse sendo, saber o não o idioma deixa de ser somente um “problema”, para também se transformar em estratégia ou agenciamento. Por m, segndo coordenadores e membros de organiações não governamentais envolvidos em educação e no intercâmbio cultural, quando ocorre a decisão de não maricar os hos em escoa agma, por cona do projeto familiar, ou da previsão de rápido retorno ao Brasil, etc., essas crianças e adoescenes passam a car a maior pare do dia soinhos em casa, onge dos pais ausentes por conta do trabalho. Esta situação de parentes ausentes implica, para muitos dos entrevistados, a imersão das crianças e adolescentes em um “círco vicioso”, marcado peas dicdades de adapação na própria vivência no Japão, revisiando assim as dicdades e probemas enfrenados peos próprios pais. Em casos extremos, segundo as autoridades mencionadas, a situação de asência dos pais em casa e na edcação acaba esmando a marginaiação de crianças e adolescentes. 26
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Contudo, tendo em mente as diferenças de escolas, sistemas de ensino e a inexão do conhecimeno o não do idioma, podemos observar como a infraesrra única de Hamamas oferece às famíias de brasieiros faciidades e novas opções qe inerferem avamene nos projeos famiiares e nas próprias dinâmicas sociais dentro e fora de casa.
Considerações nais - Nadando contra a corrente Dada a dimensão de Hamamas, ano em imporância poíca qano no número da população estrangeira residindo no período de minha estadia, é notável a fore presença de organiações não governamenais e associações japonesas, brasileiras ou mistas, que buscam contornar as implicações enfrentadas nestes vários qadros reacionados às novas gerações de nieis vivendo na cidade. Enquanto umas se debruçam nas questões de “integração” ou “intercâmbio cultural” entre a sociedade japonesa e a população brasileira, outras se voltam jsamene para conrapor as diferenças inerenes à aprendiagem em saa de aula. Como voluntário do Grupo Arace, drane de meses, pde observar a atenção dos coordenadores em auxiliar as crianças e adolescentes com dicdades de aprendiado em escoas japonesas. Sendo odos biínges, esses coordenadores aam como mediadores na compexa reação pai-ano-escoa, buscando como meta encurtar as distâncias e desníveis presentes na educação. Do outro lado do mundo, no Brasil, as discussões acerca das futuras gerações de nieis vivendo no Japão são movo de acaorados debaes e congressos. Se o incenvo e foco na edcação foram e êm sido aspecos crciais na ascensão econômica e socia das comnidades nieis no país (CARDOSO, 1972), mios dos descendenes qe aqi esão não popam crícas qano ao fro da “comnidade brasieira no Japão”, em especia por cona do “descaso” o “descido” dos pais para com os hos, na terra do So Nascene, o qe gera “problemas atrás de problemas”. Para além da existência, ou não, dos inúmeros “problemas” enfrentados peos decasségis no Japão (“probemas” enre aspas, parcarmene porqe alguns dos próprios entrevistados não os encaram como tais, mas apenas como ma conseqência o disposivo acionado pea migração), os íderes das comnidades nieis no Brasi não aenam para as diferenes conngências e preocpações dos brasieiros vivendo no exerior, gerando, mias vees, projeos aernavos de vida e de famíia, qe inerferem, profndamene o não, na edcação dos hos e nas gerações fras. Como já armei em ora opornidade, os brasieiros vivendo no Japão, descendenes de japoneses o não, perfaem ma historicidade bastante diferene da “rajeória da comnidade niei” (kEBBE; MACHADO, 2007), ão ampamene difndida e reinvenada com o Cenenário da Imigração Japonesa para o Brasi, ceebrado em 2008. Nessa historicidade dos decasséguis, notamos que o fenômeno migratório cria novos cenários e múpas forças qe afeam o projeto familiar. Nos casos brevemente apresentados, vemos, por exemplo, TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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como a parcaridade da infraesrra de Hamamas para receber brasieiros, associada às conngências da esfera do rabaho, são apenas dois dos inúmeros aspecos qe adenram as famíias de maneira sem precedenes, obrigando-as a se rearranjarem, se reordenarem e repensarem a vida no Japão. Durante minhas observações de campo, uma pergunta fundamental que eu dirigia a agns de mes enrevisados, no momeno na da conversa, era se ees encaravam ais insâncias e impicações como “probema”, no sendo de idencar sobre o quê e onde ees aocavam a paavra “probema”. Obve ma ampla variedade de respostas, mostrando, assim, que existe uma disputa em orno da referida paavra, por insições ociais, associações e organiações não governamenais, a qa poderia ser da, ave, como esriamene poíca, enevoando esraégias perfeiamene egímas em oros conexos crais. Como impressões de agém “de fora”, percebo, porano, qe se fa mais do que necessário o aumento dos estudos sobre os brasileiros vivendo no Japão; mas esdos qe aenem jsamene para as microdinâmicas sociais qe não são visas à de macroanáises, ma ve qe não compreendemos com precisão qais são os agenciamenos feios peas famíias de brasieiros no Japão: ma anáise qe poderia ser basane frfera no enendimeno dos probemas edcacionais qe envovem as crianças em xo. Assim sendo, mesmo depois de mais de vinte anos do surgimento do “fenômeno decasségui”, longe de esgotado, nosso campo conna mais abero e compexo do qe nunca.
Notas 1 - O so do ermo ‘agenciameno’ consi, na verdade, m desdobrameno de verenes contemporâneas da Antropologia Social no estudo do parentesco. Após os importantes esdos de Schneider (1984), Srahern (1997, 1999, 2006), Wagner (1974) e Carsen (2004), observamos a necessidade de ma revisão críca das eorias de parenesco na Anropoogia Socia. Como aponado por Machado (2010) e Machado, kebbe e Da Siva (2008), a percepção é igamene ú na compreensão de famíias qe são ieramene aravessadas pelas migrações internacionais, hoje amplamente difundidas e espalhadas pelo globo graças às novas ecnoogias de ranspore, comnicação (BAlDASSAR, 2007) e envio de remessas (CANAlES, 2005). Ao raer os ermos “agenciamenos”, “arranjos” e “reacionaidades”, procramos vericar como essas famíias arcam os ses ermos de parenesco sem se prender em denições consoidadas qe, em agns casos, podem aé mesmo não corresponder à reaidade. Sendo o objevo das Ciências Sociais eaborar modeos expicavos com base na reaidade socia (e não o inverso), bsca-se capar deerminadas nances do mndo vivido, para enão pensar em modeos expicavos para a emáca do parenesco, na conemporaneidade. tais qesões são foco e cenro de anáise da minha ese de doorado. 2 - Vae noar qe Aichi-en concenra o maior número de decasségis brasieiros dispersos em toda a província. 3 - É imporane ressaar qe poco anes da crise econômica de 2008, as esascas ociais acerca da popação brasieira em Hamamas giravam em orno de 20 mi habianes. Com a crise e o súbito retorno de muitos desses brasileiros, os órgãos públicos, associações e organiações não governamenais de Hamamas vêm bscando, aé o presene momeno, refaer as esascas, não apenas com o axíio do úmo censo naciona japonês, reaiado em obro de 2010; como ambém através de um censo exclusivo da população brasileira, 28
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reaiado em fevereiro de 2011 pea Prefeira de Hamamas, em conjno com a Associação de Inercâmbio Cra Brasi-Japão. 4 - tendo em mene a práca enográca e as écnicas de observação parcipane, aei como vonário nas aas de ingês para jovens e ados brasieiros, no Projeo Jno à HICE (Fndação para Comnicação e Inercâmbio Inernaciona de Hamamas), onde ambém pde presenciar como observador as aas de japonês para essas rmas. também fi vonário da Organiação Não Governamena ARACE, acompanhando semanamene os rabahos desenvovidos com crianças brasieiras com dicdades no aprendiado em escoas japonesas. 5 - tano “Fernanda”, qano “Mariana”, são nomes ccios, visando assim preservar a idendade das enrevisadas.
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ABSTRACT Characeried in conemporary Anhropoogica theory as “ransnaona famiies” precisey for being consed of members iving apar in more han one conry, deasegi famiies ive wih a paradox and are s ie sdied in Anhropoogy from a dierenaed perspecve encompassing socia micro-dynamics. this arce proposes a brief discssion regarding he deasegi famiies as ransnaona famiies, focsing on he famiy reorganiaons and he diemmas faced by he Japanese Braiian chidren iving in Hamamas ciy. Keywords: ransnaona famiy; deasegi; chidren.
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dossiê - decasséguis
Revitalização linguística do japonês no Brasil A atuação dos retornados brasileiros do Japão como professores de língua japonesa Leiko Matsubara Morales *
Considerações iniciais1 Há cerca de das décadas, diversos argos jornaíscos das empresas São Paulo Shinbun e Nikkei 2 ressaam a qesão do decínio da compeência ingísca dos descendenes de japoneses. ta percepção não é m fao novo, pois já vinha sendo objeto de ampla discussão em diversos simpósios sobre o ensino de língua japonesa no Brasi (AlIANÇA CultuRAl BRASIl-JAPÃO, 1979 e 1982). No qe se refere ao ensino de ínga japonesa no país, a Segnda Gerra Mndia consi m divisor de ágas. No período pré-Gerra, predominava o monolinguismo japonês, por conta da condição em que estavam assentados os imigrantes, como trabalhadores rurais, sem acesso à escola brasileira e com a ideia de voar ao Japão. Já no pós-Gerra, inicia-se o período de biingismo, com a inserção cada ve maior dos descendenes na escoa brasieira e com a ínga japonesa passando para a condição de ínga de herança (MORIWAkI, 1998 e 1999). Assim, a própria denominação das escoas japonesas de nihongakkô (ieramene, escoas japonesas) passo para nihongogakkô (escoas de ínga japonesa), ganhando conornos cada ve mais insrmenais e crais da ínga, na enava de ransmi-a aos descendenes.
* Docente da Universidade de São Paulo, Departamento de Línguas Orientais, Área de Lín gua e Literatura Japonesa. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Nas nihongogakkô, o ensino se baseava na vivência diária e não na gramáca, nem na conversação. Essas insições de ensino cmpriram fnção diferene das escoas brasieiras ao desenvover avidades crais japonesas, aém de incenvar aas de música e cano. Mias vees, as avidades crais eram condidas por pais e mesres, havendo, ainda, mobiiação de oda a associação japonesa local. Essa situação era ideal para o desenvolvimento do bilinguismo, já qe havia dois domínios disnos em das íngas e cras diferenes, de modo qe as crianças aprendiam ambas as íngas pea vivência. Nos nais de semana, as crianças nham a opornidade de enconrar odos os membros da comnidade para avidades crais, esporvas e recreavas. Esse panorama permanece aé nais da década de 1980. Para compreender o funcionamento das nihongogakkô, tomamos empresado o conceio de ‘comnidade de práca’, de lave e Wenger (1991), bem como as denições de Ecer e McConne-Gine (1992): Um agregado de pessoas que se unem em torno de um engajameno nm esforço coevo. Maneiras de faer as coisas, maneiras de falar, crenças, valores, relações de poder; em sma, prácas qe emergem no decorrer desse esforço múo (1992, p. 464). (tradção nossa).
A existência das nihongogakkô era crucial e indispensável para a permanência da comnidade; as escoas eram imporanes gares de convivência, renindo gerações. Ainda conforme Lave e Wenger, a existência da escola é, entre outras coisas, o resado de m esforço coevo dos membros da comnidade qe parham vaores e crenças. Nesse conexo, a gra do professor de japonês era imporane, já qe teoricamente seria uma força propulsora para o bom andamento da escola. Condo, ee nem sempre era reconhecido prossionamene, enre oros movos, porqe o se empenho cava diído no meio dos rabahos vonários dos membros da comunidade. Para o bom êxito das nihongogakkô, havia m rme ripé de ssenação: a parcipação dos pais, dos professores e dos próprios anos. Esse apoio começa a desmoronar com a inegração cada ve maior dos descendenes à sociedade brasieira e com a conseqene perda ingísca, inensicada peo movimeno migratório decasségui, que, num primeiro momento, causou o êxodo de isseis 3, e, a seguir, de descendentes nisseis4 e sanseis5 para o Japão (décadas de 1980 e 1990, respecvamene). Comparando os dados nméricos, a esmava de crianças brasieiras na faixa de 0 a 14 anos regisradas nas cidades japonesas em 1990 era de 2.682; sendo qe em 1992, esse número nha sbido para 12.682. A expicação é qe, em jnho de 1990, foi promgada a reforma da lei de Imigração Japonesa, fato que desencadeou a entrada de brasileiros, acompanhados de suas famílias (YAMAMOtO, 2001 e uRANO, 2002). Desde enão, vine anos se passaram, e a 32
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crise gerada pea qebra do banco lehman Brohers, em 2008, forço o reorno de brasieiros, raendo à ona sas vneráveis condições de rabaho. Cerca de 70 mi pessoas reornaram em 2010, das qais, aé o na do mês de março do mesmo ano, 20.693 saram o sbsídio de ajda oferecido peo governo japonês para o retorno ao país6. Nesse conexo, expica-se o ameno de reornados ados jovens na companhia de ses pais, eses mias vees com idade para se aposenar. Agns desses jovens aegaram ambém probemas na connidade dos esdos, preferindo faer o crso sperior no Brasi.
Perl dos professores e língua de aquisição Faendo m breve rerospeco hisórico, em 1963, 56% dos professores eram navos qe nham chegado ao Brasi no período pré-Gerra, 36% eram navos do pós-Gerra, e 5,1% eram nisseis, grpo ese formado excsivamene de mheres. Na época, o niverso de professores de japonês era de 336 pessoas, enqano o de anos era de 14.829 (FEDERAÇÃO DAS ESCOlAS DE ENSINO JAPONÊS NO BRASIl, 1966). Em 2004, essa reaidade já se congrava de maneira diferene, com cerca de 1.200 professores e 20.000 anos (FuNDAÇÃO JAPÃO, 2006). Há, no enano, ma diferença qaiava, se compararmos a época aa com a década de 1960, qando a esmagadora maioria dos professores condia as aas em sisema de casses msseriadas, com crianças de faixas eárias e níve de conhecimeno ingísco diversos, com fncionameno diário nos dois períodos aernavos à escoa brasieira - o qe presspõe ma jornada onga de rabaho, aém das avidades crais e recreavas qe se esendiam aé nos nais de semana. A despeio das mdanças raidas peo empo, esse radiciona cosme permanece nas nihongogakkô, e a comnidade espera parcipação dos professores. De modo gera, aamene, há maior exibiiação nos horários e opções diversicadas de insições de ensino; porém, isso só ocorre em grandes capitais como São Paulo, visto que no interior, as mudanças são lentas. Apresenamos, a segir, o per dos professores, segndo a ascendência (abea 1) e formas de aqisição da ínga, para israr a predominância de navos e descendenes (abea 2). Tabela 1 Ascendência do professor Mesços
1
0,1%
Não descendentes
13
2%
Não especicado
43
7%
Navos e descendenes
587
91%
tOtAl
644
100%
Fone: CBlJ / Cenro Brasieiro de línga Japonesa – Gia Escoar 2004
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Tabela 2 Tipo de aquisição da língua japonesa línga de Herança (descendenes; japonês como l2 7 em comnidade)
257
41%
Primeira ínga (l1)8 (navos japoneses)
248
40%
Não Especicado
97
15%
Língua Estrangeira
20
3%
4
1%
Reornados brasieiros (kikokushi ) tOtAl
626
Fone: Cenro Brasieiro de línga Japonesa – Censo para cercação de Professores 2004-2005.
Podemos dier qe, aé o ano de 2004, o per predominane ainda era de navos e descendenes (91%). No caso dos descendenes, a aqisição da ínga foi por meio nara, como ínga de herança (lH 9), em casa o na comnidade, e não como LE 10 No referido ano, os professores reornados consíram apenas 1% do oa, mas esse número vem crescendo, como se pode observar no qadro a segir: Tabela 3 – Perl dos inscritos no Curso de Formação de Professores de Língua Japonesa do CBLJ - Centro Brasileiro de Língua Japonesa (2006 a 2010). Geração
2006
2007
2008
2009
2010
Isseis (old comers)11
2
3
4
3
2
Nisseis
2
4
5
5
5
Sanseis
2
2
2
2
5
Yonseis
1
0
0
0
0
Não-descendenes
1
1
1
0
0
New comers 12
2
0
0
0
0
Retornados
3
2
3
1
5
1
2
1
16
13
18
1
4
2
Não respondidos toa
13
12
Decasséguis Fone: Cenro Brasieiro de línga Japonesa (2010)
Tipos de aquisição de língua e possíveis efeitos didácos Em escala mundial, de acordo com os dados da Fndação Japão (2006), 29,8% dos professores de japonês eram navos; em 2004/2005, a porcenagem de professores no Brasi era de 40% e, se somados os descendenes, cja maioria havia adqirido o japonês na forma de aqisição nara, chegava-se a 81% do oa. Mio erroneamene, acredia-se qe a ência de m navo garane m bom prossiona de lE, mas é imprescindíve qe sejam desenvovidas habiidades didácas por pare de ais professores. Desses, mios acrediam poder transferir 34
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a sua própria experiência de aprendiado ao exercício da docência, sem erem de passar por crsos de desenvovimeno de habiidades qe gerem reexões sobre o processo de ensino e aprendiagem de lE.
Comunidade de professores de japonês do Brasil Ao esmiuçar a comunidade, vemos que, grosso modo, os navos old comers (isseis) e, agmas vees, os descendenes (nisseis e sanseis), evenamene, sam de forma indiscriminada a variedade ingísca Koroniago13. Por outro ado, os descendenes biínges faem code-switching14 em sala de aula, e ambém prodem “erros” ineringíscos. Ocorrências desse po ambém podem ser observadas nos professores não descendenes (MORAlES, 2009). Não qesonamos o vaor das variedades ingíscas em si; mas saienamos a necessidade de reconhecê-as nas dimensões inra e ineringíscas, com o inio de qe o professor – como m bom prossiona de ensino de lE e/o l2 – saiba empregá-as, visando a m mehor efeio comnicavo em siação rea, além de orientar os alunos sobre o cumprimento da função social da linguagem, para qe ees não sejam esgmaados peo so de deerminadas variedades em contextos diferentes.
Método de coleta Reaiamos enrevisas qaiavas com rês informanes, em siação de informaidade, qe foram gravadas em IC recorder e, posteriormente, transcritas. Para ober maior enrosameno enre os parcipanes da pesqisa, no sendo de coear dados mais esponâneos, pedimos qe as informanes P2 e P3 comparecessem jnas à enrevisa, e P1 viesse soinha, pois ea já conhecia a enrevisadora, de qem havia sido ana. todas as enrevisas foram feias em m café, em cima de desconração. Qano à avaiação da compeência ingísca, não hes foi apicado nenhm po de prova o ese de ínga; baseamo-nos em depoimentos individuais de autoavaliação para evitar constrangimento e, ao mesmo empo, poder medir o níve de percepção qe cada ma nha sobre sas habiidades ingíscas.
Perl das informantes Não foi nosso objevo faer qaqer disnção de gênero, mas, coincidenemente, somente as mulheres atenderam à nossa solicitação. São três jovens com idade enre 22 e 27 anos, com períodos simiares de permanência no Japão, mas com diferenças em reação à idade qando da ida ao Japão e ao apoio recebido peas respecvas famíias. todas eas rabahavam, no momeno da enrevisa, como professoras de japonês em diferenes insições da cidade de São Pao. Em destaque, itens que julgamos importantes do ponto de vista da formação biínge e qe apresenamos no qadro-sinopse: TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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P1
P2
Geração
Idade atual
Permanência no Japão (anos)
yonsei (4ª geração)
23
12
sansei (3ª geração)
P3 Mesça
Idade de ida ao Japão 3
22
11
4
27
15
8
Formação acadêmica
Movação para estudo da língua portuguesa
Tempo de retorno ao Brasil: Ago/2010
2º. Ano de Letras
cursinho mãe e irmã
há 8 anos
aulas de formada em reforço, economia cursinho, amigos spevo 2 gesações e completo o crescimento no Japão dos hos
há 7 anos
há alguns meses
tabação nossa.
Modo de aquisição das línguas Reavamente ao modo de aquisição das línguas, cabe destacar alguns ponos: P3 foi a informane qe passo mais vees por mdanças de ambiene ingísco, e eve menos assisência da famíia drane o “período críco” 15. Seu hisórico de ransição revea qe aos 8 anos foi evada pea primeira ve ao Japão, qando ocorre a mdança do idioma porgês para o japonês; a segnda mdança foi aos 11 anos, ainda no Japão, qando foi ransferida para a escoa brasieira, onde só se faava porgês; nova mdança aconece aos 15 anos, qando voo emporariamene ao Brasi; a qara e úma mdança foi aos 27 anos, ocasião em qe voo denivamene ao Brasi. É cero qe mdanças ingíscas podem aé ser m faor posivo na vida de ma pessoa, desde qe ea enha assisência e acompanhameno da famíia e da escoa; porém, no caso em esdo, P3 cona qe passo por mas raos na escoa japonesa (ijime) e eve m período de siêncio (cja dração não sobe precisar), drane o qa não conseguia se comunicar com professores ou colegas. O impaco negavo das mdanças ingíscas pode ser menor, se eas ocorrerem em idade mais enra. Foi o qe aconece com P1 e P2, qe não senram nenhma dicdade nas creches japonesas. Aiás, esdos feios no Japão saienam qe as creches daqee país são espaços qe propiciam maior inegração socia (KAWAMURA, 1995). traa-se, condo, de ma siação de biingismo sbravo, ma ve qe no ambiene das creches, a criança será monoínge em japonês, em derimeno do porgês, sa l1. De fao, qando as informanes voaram ao Brasi, veram de esdar o porgês como se fosse ma lE. Para qe ocorresse m ensino biínge, seriam necessárias poícas púbicas de manenção da l1 das crianças. Pocos pesqisadores, como Mcmahi (2010), desacam a imporância do ensino da ínga porgesa nas escolas japonesas. 36
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Aportes teóricos para esta pesquisa Do ponto de vista da aquisição de LE, diversos trabalhos discutem os efeitos do ambiene ingísco para se ober ma mehor aqisição da ínga-avo: o ensino em sala de aula e em ambiente natural, assim como a importância de ter os dois ambienes (MORIYAMA et al., 2008). Diversos rabahos nesse sendo foram discdos na década de 1980, como por exempo: krashen (1982); Pica (1983); long (1980); e lighbown (1983). Há ainda faores sócio-hisóricos, geográcos, emocionais, ingíscos e crais. O fao é qe a inserção das crianças em processo de migração desencadeia uma série de estratégias para a sua adaptação em m novo ambiene ingísco e cra, não só de ordem ingísca, mas ambém psicoógica; e nem sempre os professores de escoas normais qe esão em contato com essas crianças, possuem conhecimento de ensino como LE. Cabe escarecer qe para reaiar a referida pesqisa, é egímo bscar apoio em esdos de Cmmins (1987 e 1991) com hos de imigranes no Canadá, denro do conexo escoar do país-hospedeiro. Esse aor esabeece ma diferença enre as noções de BICS (Basic Interpersonal Communicave Skills) e de CAlP (Cognive Academic Language Prociency ), drane o processo de adapação ingísca em conexo de migração. A primeira raa da ingagem inerpessoa e a conversação do dia a dia para resover qesões do codiano; enqano a segnda consi a ingagem acadêmica especíca para ser sada em assuntos da escola, e trata de procedimentos intelectuais que propiciarão o desenvovimeno cognivo da criança. Segndo observações empíricas, o ciado pesqisador consao qe no qe se refere à BICS, eva-se de dois a rês anos para a criança adqirir em conao com o novo ambiene ingüísco; enqano em relação à CALP, a criança pode levar de cinco a sete anos para se desenvolver como m navo (CuMMINS, 1980). O seja, se ma criança é desocada do se conexo ingísco e passa a sar ma ínga diferene, é preciso qe os adultos ao seu redor tenham compreensão desses conceitos e percebam que nem sempre as das compeências caminham ado a ado; aém de ambém ser necessário evitar comparar a criança com monolíngues da mesma faixa etária, respeiando-se, assim, o empo de qe eas necessiam para chegar a m níve ingísco condiene e esperado.
Estágio de bilinguismo das informantes Segndo as informanes P1 e P3, o japonês é a ínga dominane, já qe eas preferem er exos jornaíscos e/o disseravos nessa ínga; porém, em alguns casos, dependendo do nível de familiaridade com o assunto, elas chegam a sar ‘esraégias de comnicação’, como o emprésmo de expressões em ínga porgesa, como veremos adiane. P2 considera-se ene nas das íngas e não incide em aernância de código ingísco. Entre as informantes, ela é a única que preserva o discurso formal, usando adequadamente o marcador de poide (desu e masu), aando em siações socioingíscas e inerpessoais. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Redes de apoio Mapeamos as redes de apoio de modo a evidenciar a assistência da família, marcando, assim, as condições de estudo e recursos materiais e pessoais que caram disponíveis para as informanes, ao ongo da vida escoar no Japão e no Brasil. Teve movação para Material de Escolas o estudo da língua Apoio especiais portuguesa?
Meios de superação
Inuências
P1 Sim, pois sempre queria voltar a morar no Brasil, mas as crícas negavas dos parentes foram bastante contundentes.
Livros que a sa a, professora de uma escola pública, conseguiu providenciar para estudar.
4 anos de cursinho, que a ajudaram a gostar de estudar, faciiandolhe o entendimento do conteúdo.
Amigos Parentes e pais do colégio ajudavam na prova. Incenvo da família, por meio de apoio psicológico e também custeio do cursinho.
P2 Não mio; a vontade de estudar com seriedade só veio durante o período de preparação para o vesbar.
Os ivros eram da escola, ou adquiridos com recurso próprio.
Colégio parcar, com cursinho no úmo ano do coégio; mas o que realmente a ajudou foi resolver estudar seriamente.
Apenas copiava o conteúdo estudado, mesmo sem compreender o que estava escrevendo.
Spevo no Japão (3 a 4 meses).
Não comentou Aparentemente, a respeio; não nenhuma. sen ana necessidade de esdar no Japão e no Brasil.
P3 Não apresentou Não nenhuma resposta comentou. para esa pergna; contudo, seu empenho em aprender a língua japonesa estava diretamente ligado ao trabalho que fe de inérpree durante o período em que esteve desempregada no Japão.
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Amigos e colegas da escola.
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As informanes P1 e P2 veram basane apoio da famíia; ao conrário de P3, qe não eve pracamene nenhm. A informane P2, qe recebe maior assisência, cono sempre com serviços prossionais de professores parcares para acompanhar os esdos; aém disso, o chefe de sa famíia viajo ao Japão como execvo de ma empresa, em siação conforáve em ermos nanceiros e sociais, diferenemene do qe ocorre na maioria das famílias de decasséguis. P1 não percebe diferença na mdança ingísca, pois foi aos 4 anos de idade para o Japão, e aprende facimene a ínga, ao ingressar nma creche japonesa. Sa primeira experiência com l2 ocorre no reorno ao Brasi, aos 13 anos de idade, qando eve de aprender ma ínga nova. Primeiramene, ela foi matriculada numa escola estadual, sem receber atenção especial por ser estrangeira, e só se interessou pelos estudos quando ingressou no curso preparaório para o vesbar, no qa “os professores explicavam bem, nham vontade de fazer a gente entender ”. Com esse grande pono de inexão, ea passo a reamene gosar de esdar, empenhando-se, incsive, em ser aprovada no crso de leras da universidade de São Pao (uSP). Sa adapação à escoa brasieira foi m poco dici no começo, porqe ea era considerada “ingênua” peos coegas brasieiros, sendo freqenemene avo de goações, ao não entender as brincadeiras e nem as piadas. Ao mesmo tempo, porém, ela teve amigos qe a ajdaram na fase de adapação: “eram amigos que faziam prova no meu lugar ”, “ passava a folha de resposta inteirinha respondida de questões de história”. Drane o crso preparaório para o vesbar, ea só consegi enfrentar mais um ano de curso graças ao apoio da mãe e da irmã, pois, no total, foram quatro anos frequentados. P3 reao qe não crso o ensino médio, e só freqeno m crso spevo no Japão; porém, mesmo sendo aprovada, considera qe esse crso “não foi suciente para aprender todo o conteúdo que deveria ter estudado ”. Ela não reao nenhm po de esforço para esdar, e armo qe isso se devia ao fao de se senr “ protegida” por ser estrangeira e os professores japoneses não exigirem dela os mesmos resultados. Durante a entrevista, porém, ela demonstrou alto grau de interesse, e seu nível de concentração aumentou ao falar de assuntos de rabaho: começara a rabahar cedo, aos 17 anos; sendo qe drane o período de qase m ano em qe co desempregada, maneve-se com rabahos de intérprete, acompanhando gestantes a consultórios médicos, sabendo, assim, dier vários ermos da área de ginecoogia e obserícia, demonsrando dominar o jargão técnico da área, pouco usado na linguagem do dia a dia.
Pontos de inexão P1 sena-se mio injsçada, qando os parenes com os qais morava faiam crícas sobre o se porgês, em reação a erros de conjgação e faa de marcação do pra. Mias vees, ees he dirigiam paavras desencorajadoras TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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qano à sa obsnação em presar o vesbar da FuVESt (Fndação universiária para o Vesbar). tais crícas passaram a ser ma movação para as qaro enavas de passar nesse cerame. Depois de er ingressado na carreira desejada, podemos dier qe a sa baaha conna com a prodção de exos disseravos, como ambém demonsra er dicdades para er exos eóricos qe reqerem maior reexão. Hove, incsive, ma ocasião em qe P1 não consegi decodicar os caraceres japoneses, o qe parece ê-a consrangido a ponto de pedir à sua orientadora a entrega antecipada do texto para preparar a leitura. No caso de P2, embora a própria informane não enha mencionado o fato, parece terem surtido efeito os anos de acompanhamento com professores particulares em casa, e também o fato de ter frequentado colégios particulares. Contudo, ela confessou que nunca sentiu motivação para estudar, e que a mudança só veio ao se sentir desafiada pelos colegas do coégio, qe diiam qe “não prestariam vestibular fácil como o de Letras, só para dizer que entraram na USP ”. Assim, apesar de a intenção inicial ser prestar vestibular para Letras, ela mudou para uma carreira mais concorrida (Economia), “ para não fazer feio ”. P1 e P2 demonsraram qe o “desao” consi ma força propsora para o enfrenameno de sas imiações e o engajameno nos esdos. Já, P3 não esboço essa preocpação em sperar dicdades provocadas pea língua, mesmo tendo passado por diversas experiências de bullying escolar. um dado ineressane a noar é qe P3 parece er m níve mio ao de resiiência, ma ve qe diane das adversidades peas qais passo, manevese mio serena. Desaqe-se, ainda, qe P3, na ocasião em qe parcipo da nossa pesqisa, esava recém-separada do companheiro, pai de ses dois hos menores. Quando a pesquisadora lhe perguntou sobre como será a educação ingísca dos hos, ea disse qe jamais permiria qe ses hos passassem pelo que ela passou.
Ocorrências Linguíscas Em ermos de ocorrências ingíscas, podemos apreendê-as por diversos ângulos. Destacamos alguns aspectos merecedores de atenção no âmbio do ensino. P3 foi a qe apreseno maior número de ocorrências ineringíscas, denominadas ‘Esraégias Comnicavas’ (ECs). Esas são recrsos freqenemene iados por aprendies de lE; qando hes faam paavras para se faer enender, recorrem à l1. Noa-se qe o ineressane é qe, no caso de P3, sa ínga dominane é o japonês; no enano, qando he faltam palavras no repertório, ela compensa com a expressão equivalente na língua portuguesa, já que essa é a língua de comunicação entre os membros da família. Para ilustrar o exemplo, apresentamos, a seguir, um fragmento da enrevisa; convém armar, porém, qe ais pos de ocorrências diferem do qe 40
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os estudos bilíngues denominam de code-switching, uma alternância de códigos pica de biínges enes, sem qebras de sinaxe, sinagmas, e nem mesmo de unidades lexicais. As palavras que faltavam no transcurso da conversa de P3 eram inseridas em porgês, para ssenar a comnicação. Essa pode ser uma estratégia comumente usada entre os familiares, o que pode prejudicar a aaiação do vocabário aravés de novas expressões. A segir, apresenamos rechos seecionados: no caso, as paavras ‘poícia federa’ e ‘enrar em greve’ são precedidas de arga hesiação, segida de ‘preenchedores de pasa’ (anô...), o qe reforça a evidência de qe ao faar, a entrevistada está em busca de ma paavra, e qe por não enconrá-a na ínga em uso, ela acaba recorrendo à EC. Enrevisador: 2003-nen ni Brajir ni modoe...soreara, maa, Nihon e? P3 – Ah, sô, shigas ni aea oi wa, mô sono oi wa ninshin 7-ages de...de, odomo ga ....ni-san-ages ni naara maa Nihon ni aer aer yoei daandes edo, anô, anô, polícia federal oa, enb , entrou em greve, e pasupôto ga orenaaashi, waashi no bia ga iree, Nihon e ia oi mo shia no o ga issai-han, 2005-nen nni o Brajir ni ie, de, maa, 2005-nen maa, Nihon...2005-nen 2-gas, Nihon e ie, de, ooshi, a, yonen, 2009-nen ni aee...
Enrevisador (tradção): Voo para o Brasi em 2003 e depois, novamene ao Japão? P3 – Ah, é, qando voei em abri, e já esava com see meses de gravide, enão, me programei para voar ao Japão assim qe a criança compeasse dois o rês meses, bem..., então..., por exemplo, a polícia federal , tudo entrou em greve, e não consegi rar o passapore, me viso expiro; qando fi ao Japão, o ho mais novo já esava com m ano e meio. No ano de 2005, qei direo no Brasi, e em 2005, em fevereiro de 2005, fi ao Japão, e ese ano, não, ano passado, em 2009, voei ao Brasi.
As três informantes armaram er do dicdades para se adapar ao novo ambiene ingísco, mas parece haver ma correação enre o número de erros ineringíscos e o gra de percepção de sas “fahas ingíscas”. Percebemos qe em P1 e P2 há m cidado para faar, m maior conroe na exposição de sa faa, ave, porqe a enrevisadora seja professora da leras, o porqe sabem se raar de ma pesqisa. A informane P2, por gostar de línguas, ingressou num programa de intercâmbio para estudar inglês no Canadá, o qe mais ma ve conrma a imporância das decisões pessoais em relação às línguas envolvidas. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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P3 ambém não consegi ssenar ma conversação qe reqeresse m nível de vocabulário elevado, além de demonstrar que o seu japonês tem uma fore inência da variane diaea da região de Aichi, percepve aé mesmo aos ovidos daqees qe não são navos japoneses.
Escolha da prossão Qano à escoha prossiona de ser professor de japonês, P1 e P3 disseram ter escolhido essa carreira porque “era a única coisa que sabia fazer ” (P3); o “era a coisa que mais sabia fazer ” (P1). Somene P2 nos cono, em om cerimonioso, como se esvesse pedindo descpas, qe a escoha foi esraégica, já qe havia selecionado “a carreira mais rentável em curto prazo”; aém de esa ser “o caminho mais curto para trabalhar com língua”, pois o que ela queria de fato faer era segir a carreira de radora-inérpree, o em reações inernacionais. Das rês, P2 é a qe sa a ínga como insrmeno para angir oro objevo maior, enqano P1 e P3 parecem esar “reféns da língua”. Qando pedi para qe dissessem qa ínga era a dominane, P1 disse qe as das íngas eram fores. Já, P3 não sobe precisar esse pono, armando qe não nha domínio em nenhma dessas íngas. De acordo com sas paavras, tudo está “na metade do caminho”, ou seja, chûtohanpa. Somene P2 nos de ma descrição precisa e objeva da sa aoavaiação, reaando qe faia os relatórios e trabalhos da faculdade sem problemas, chegando a avaliar que, em se raando de reaórios, nha noção de qe o se porgês era mehor do qe o japonês, pois drane o crso de Economia faia eiras eóricas e operações ingíscas mais soscadas em porgês. Por sa ve, P1 reao enfrenar desaos para “adquirir o vocabulário acadêmico para escrever textos dissertavos” - fao esse qe veio a ser comprovado, poseriormene, peas anotações de campo, que apontam muito mais para problemas na estruturação do texto e da sintaxe, do que no vocabulário em si.
Considerações nais Foi imporane esdar ais pers, endo em visa o ensino de ínga japonesa, na medida em qe esa pode consir a ínga dominane, o ser ma ínga em desenvovimeno. Nesse sendo, com a emergência desse novo per - qe é diferente dos old comers (isseis) e dos new comers -, os organiadores de crsos de formação devem evar em cona o po de aqisição de ínga, bem como agns fndamenos do biingismo, como, por exempo, ma formação ingísca fragmenada; aém de ainda incorporar qesões da variação ineringísca (esraégia comnicava, code-switching, ec), em ve de resringir-se ao aspeco inraingísco (regisro, aspecos socioingíscos), endo em visa a enorme diversidade que pode ser encontrada em qualquer língua. Hisoricamene, por er sido ma lH, adqirida naramene no convívio familiar e comunitário, o idioma japonês não é para muitos uma LE, que requer 42
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anos de estudo com dedicação e conhecimento de metodologia de ensino e aprendiagem. Isso gera poca vaoriação enre a comnidade, para com a gra do professor de nihongogakkô como prossiona. O fao é qe, com a chegada desses reornados, esá havendo ma sensíve reviaiação do japonês faado no Brasil, que é carene de pessoas com maior ência, aravés da aaiação do repertório em relação à variante local, e do aporte de informações culturais do dia a dia do Japão. Em nome da diversidade ingísca no Brasi, é imporane qe o japonês conne a ser ensinado como lE, e qe a comnidade nipo-brasieira conne invesndo nas condições de rabaho dos professores de japonês, pois só assim consegiremos angir m níve mais eevado de prossionaiação do professor da nihongogakkô. Não devem ser desperdiçadas as oportunidades que o retorno desses jovens oferece para a reviaiação do ensino de ínga japonesa no Brasi.
Notas 1 - A primeira versão dese rabaho foi pbicada nos Anais da BRASA (Braiian Associaon Sdies), em Brasíia, em 2011. 2 - tradicionais veícos de comnicação da comnidade Niei em avidade no soo brasieiro, escritos majoritariamente em língua japonesa. 3 - Japoneses navos; ieramene, primeira geração. 4 - Descendenes de segnda geração. 5 - Descendenes de erceira geração. 6 - Jornal Nikkei , 20.4.2010. 7 - Há ma disnção, na ierara, sobre o ambiene ingísco de ma ínga em aqisição. Normamene, a l2 se refere a ma ínga com a qa o aprendi em conao no dia a dia, como meio de comunicação, mesmo não sendo a sua primeira língua. É o caso dos brasileiros qe esão no Japão, aprendendo o japonês como l2. No presene rabaho, o ermo será coextensivo aos descendentes japoneses que vivem no Brasil, em virtude de eles terem crescido em comnidades qe nham o japonês como ínga de comnicação, mesmo havendo redção na qaidade dos insmos ingüíscos, se comparados aos do Japão. 8 - A l1 é a ínga maerna o nava de ma pessoa. A l1é a ínga qe ma pessoa aprende por meio de aquisição natural. 9 - O conceio de línga de Herança (lH) pode se referir à ínga ransmida de pai para ho, em siação de biingismo, como ínga minoriária frene à ínga ocia faada majoritariamente no país em que a criança nasceu, ou para o qual emigrou. No caso em estudo, raa-se de descendenes japoneses, hos de imigranes japoneses qe nasceram no Brasi, mas qe por viverem em comnidade de japoneses, faavam a ínga dos ancesrais. O ermo pode, ainda, referir-se à primeira ínga da criança qe se mda para oro país, e qe em conao com m novo ambiene ingísco erá de aprender ma nova ínga, mas sem deixar de faar a primeira (qe, no caso, poderá ser denominada de lH). Assim, o ermo é coexensivo àqueles que nasceram no Brasil e aprenderam o japonês num contexto comunitário e familiar, e ambém àqees qe para cá vieram e roxeram sa primeira ínga. Há vários ponos de inersecção enre lH e l2; enqano o primeiro em a possibiidade de reaiação ingísca redida por esar em oro país, o l2 é a ínga majoriária do novo ambiene ingüísco, e é m ermo abrangene para dier qe se raa de ma segnda ínga aém da primeira. 10 - O conceio de ínga esrangeira refere-se àqea qe é aprendida peo ano em siação de saa de aa. Mias vees, o esdo se imia à gramáca e à conversação fnciona em sala de aula, e o aluno não está no país em que se fala essa língua. A língua não é o meio de TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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comnicação direo no se dia a dia, e os insmos ingíscos são conroados, por ocorrerem em ambiente de sala de aula. 11- Em conrase a new comers, cosma-se empregar o ermo old comers para os isseis, navos japoneses qe chegaram ogo da reomada da imigração pós-Gerra, a parr de 1953 aé a década de 1980. 12- O conceio de new comers pode variar, de acordo com os pesquisadores. No nosso enendimeno, ee abrange os navos qe vieram ao Brasi a parr da década de 1990. 13 - É ma denominação dada à ínga japonesa faada no Brasi, com sas varianes em reação ao japonês padrão faado no Japão, por cona dos emprésmos ingíscos, novas criações resanes do fenômeno de conao ingísco e maes semâncas. Sobre a variane em qesão, os dados ingíscos podem ser conferidos em kuYAMA (1999; 2000) e DOI (2002; 2006; 2009). 14 - termo sado no biingismo, para se referir à mdança de código ingísco qe os faanes biínges faem freqenemene ao ongo da sa conversação, qe pode ser movada por diversos faores, ais como: mdança de ópico do assno, idencação com o inerocor, situação de informalidade. 15 - traa-se de ma hipóese qe ssena haver ma idade idea para a aqisição da ínga. Esdos como o de lennerberg (1967) e Piner (1994) bscaram bases bioógicas para ssenar qe crianças êm idade deerminada para aprender ma ínga. O primeiro dene essa fase enre 3 e 14 anos; e, o segndo, aé os 6 anos. Oros preferem sar o ermo “período sensíve” (BYAlIStOk e HAkutA, 1999).
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RESUMO Ese rabaho em como objevo raer à ona a emergência de m novo grpo de professores de japonês, qe são os brasieiros reornados do Japão, em conseqência do xo migraório conhecido como decasségi. São pessoas qe foram evadas para o Japão ainda em idade tenra, ou nasceram lá, e passaram pela educação escolar no país. Enquanto a maioria de descendentes jovens no Brasil não se interessa pela docência em língua japonesa, os reornados bscam a ocpação jscando qe “ensinar o japonês é a única coisa que sabem fazer ”. Diane da escasse de pessoas enes no idioma em qaro habiidades ingüíscas, e ambém da demanda reprimida de professores dessa ínga no Brasi, esse novo per vem conribir para a sa reviaiação. A pesqisa anaiso, qaiavamene, o reao de rês informanes, endo em visa o se hisórico de migração, nos segines aspecos: níve de biingismo, circnsâncias de aqisição e aprendiagem das das íngas (japonês e porgês), movações pessoais, aém do desempenho ingísco. Palavras-chave: biingismo; decasségi; formação de professores.
ABSTRACT this wor aims a bringing o igh he emergence of a new grop of Japanese eachers who are Braiians ha have rerned from Japan wih a schoo edcaon in Japan, as a res of he migraon ow nown as deasegi. they are peope ha when chidren were aen o Japan a an eary age, or were born here and wen hrogh Japanese Edcaona sysem. Whie mos yong descendans in Brai are no ineresed in eaching he Japanese angage, rernees searching for jsfy his choice by saying ha “teaching Japanese is the only thing they know how to do.” Given he shor sppy of peope en in he angage, an nme demand for eachers of his angage in Brai, hese new proes have come o conribe o angage reviaiaon. the research examined qaiavey he proe of hree informans, in view of heir migraon hisory concerning he foowing iems: eve of biingaism, circmsances of acqision and earning of he wo angages (Japanese and Porgese), persona movaons, as we as angage performance. Keywords: biingaism; deasegi; eacher raining.
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coreanos
Imigração coreana A questão da reemigração e do retorno
Rafael Monteiro * Sênia Bastos **
Desde o início das primeiras evas emigraórias signicavas de coreanos na década de 1860 para a região da Manchúria, na China, a penínsa da Coreia vi milhões de habitantes deixarem sua terra natal em busca de melhores condições de vida. No que se refere à imigração coreana na América do Sul, especialmente no Brasi, concenra-se no período da emigração Pós-Gerra da Coreia. A emigração coreana para o Brasi eve se início na década de 1960, qando o governo coreano adoo ma poíca emigraória com o inio de diminir a concenração demográca e os conios sociais no país. Foi m processo nanciado e organiado pea popação civi, qe após a Revoção Miiar de 1961 foi em busca de prosperar em terras estrangeiras. Entre os países americanos que mais receberam imigranes coreanos a parr da década em qesão, o Brasi esá em erceiro gar, precedido apenas peos Esados unidos e Canadá (MERA, 2005). Apesar de enavas não mio bem scedidas de inserção dos coreanos recém-chegados na agricra, foi no meio rbano qe esse grpo reamene se esabeece. Desde a fase ocia da imigração coreana, em 1963, aé a fase da imigração irregar, na década de 1980, ees se concenraram principamene em bairros centrais da cidade de São Paulo, e se dedicaram a uma série de diferenes avidades econômicas aé se esabiiarem no ramo da confecção e comerciaiação de ropas pronas.
* Mestre em Hospitalidade e bacharel em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi. ** Doutora em História pela PUC/SP, Profª. do Mestrado em Hospitalidade da Universidade Anhembi Morumbi. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Há ambém o caso de imigranes coreanos qe, insasfeios com sa condição nanceira no Brasi, o com a siação econômica do país, especiamene na década de 1990, resoveram reemigrar para os Esados unidos, principamene, o retornar para a sua terra natal. Com o crescimento rápido da economia coreana a parr do na da década de 1980, mios coreanos senram-se enados a reornar para a Coreia, no enano, a maioria já enraiada permanece no Brasi. O objevo do presene rabaho é apresenar a discssão os resados dos esdos exisenes na ierara especiaiada sobre o ema da reemigração e do retorno dos coreanos, tendo em vista que não há publicações sobre o assunto em porgês. É ambém objevo anaisar o coneúdo de enrevisas com imigranes coreanos para enriquecer e esclarecer a discussão já desenvolvida. Para ano, foram reaiadas enrevisas semiesrradas com nove imigranes coreanos, nascidos enre os anos 1942 e 1977, dos qais dois são do sexo mascino. Esse grpo seecionado chego ao Brasi enre os anos 1965 e 1984, e ses inegranes dedicam-se à reaiação de avidades econômicas qe variam da confecção e do comércio à educação.
Migração Transnacional A fase da migração coreana iniciada na década de 1960 aé os dias aais ocorre drane m período em qe a mobiidade sica e a comnicação já não eram grandes barreiras como no início do século passado. A possibiidade de ocomover-se com mais faciidade e conforo em menos empo, somada aos avanços dos meios de comnicação, permie (e já permia há peo menos das décadas, porém, de forma diferene) maior exibiidade em se opar por migrar em momenos de crise o de opornidade. A perspecva de ampiação de negócios, de desenvovimeno acadêmico e prossiona no exerior passou a ser uma opção mais real ao redor do mundo. Enre os coreanos, hoje, verica-se a exisência de negócios inernacionais, famíias espahadas peo mndo, hos sendo enviados para oros países para compear ses esdos, evidenciando novos pos de ransnacionaismo, o seja, mdanças nos angos formaos de migração. Par (2009), em m esdo sobre migrações ransnacionais enre coreanos-ano-americanos, raça as roas migratórias feitas por seus entrevistados, que chegam a ter seis ou mais etapas, como é o caso da roa Coreia do S-Paragai-Argenna-Brasi-EuA-México-EuA. Hoje há grandes diferenças qe faciiam e movam migrações ransnacionais. levi e a. armam qe essas diferenças não se imiam ao fao de qe novas tecnologias em transportes e comunicação permitem conexões mais rápidas e menos caras, mas ambém noa-se qe “em comparação ao passado, qando a assimilação era exigida de forma mais vigorosa, há um contexto social mais oerane à diversidade énica e a conexões ransnacionais de ongo prao” (2003, p. 569 – radção ivre) 1. Criosamene, a noção de ma igação fore enre o migrane e o gar sico, seja ele uma cidade, uma vila, etc., não está mais necessariamente vinculada 48
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à armação de sa idendade, endo em visa qe a parcipação em grpos énicos e reigiosos pode ocorrer em níveis ocais, regionais e nacionais (lEVItt e a., 2003). Isso qer dier qe, m imigrane coreano, por exempo, pode parcipar avamene nas avidades da comnidade coreana em São Pao sem apresenar eadade ao se gar de origem, e sim às prácas crais do grpo. E ao mencionar o grpo, noa-se qe há membros com diferenes hisóricos migraórios, qe raem consigo m reperório cra único. Muitos dos coreanos que chegaram diretamente ao Brasil nas décadas de 1960 e 1970 não permaneceram aqi, enqano oros aqi chegaram após erem passado por oros países anes de acançar se desno na, qe para alguns foi o próprio Brasil e, para outros, os Estados Unidos, por exemplo. Em fnção da dicdade na obenção de visos de permanência, agmas famíias foram antes para países como Paraguai e Bolívia, onde permaneceram por pouco empo aé consegirem (de forma ega o não) enrar no Brasi e na Argenna. Dados compiados por Choi (1991) aponam qe medidas resrivas imposas peo governo brasieiro à enrada de coreanos em 1972 apenas mdaram a direção dos xos de imigranes. De acordo com a abea 1, o número de ingressos no Brasi em 1972 foi de 2.635, segido por ma brsca qeda em 1973, com apenas 194 ingressos. No enano, o número de ingressos no Paragai ameno drascamene a parr de 1972, passando de 94 naqee ano, para 6.727 ingressos em 1976. tendo em visa qe a esmava da popação coreana no Paragai era de 10 mi pessoas em 1999 (PARk, 1999) e de 6 mi aamene, de acordo com o Minisério das Reações Inernacionais e Comércio da Repúbica da Coreia 2, o número de coreanos que permaneceu no Paraguai é muito menor do que o apresenado na abea 1, qe conabiia apenas nove anos de enradas na América do S. Par (2009) ra ainda informações de qe aproximadamene 40 mi coreanos chegaram a se esabeecer no Paragai, conrasando com o número mio menor de 6 mi coreanos vivendo no país aamene. Mera (2005) ambém apresena em se esdo informações de oros aores qe armam qe pracamene meade dos coreanos qe foram para o Paragai reemigraram para o Brasi e para a Argenna. No enano, a ierara mosra qe, em fnção de insabiidades poíco-econômicas havidas na Argenna já no na da década de 1970, qaro vees mais coreanos qe passaram peo Paragai reemigraram para o Brasi (PARk, 2009). Tabela 1: Entradas de coreanos no Brasil e no Paraguai / 1970-78. Ano Brasil Paraguai 1970 1.775 52 1971 1.393 11 1972 2.635 94 1973 194 192 1974 184 714 1975 136 2.391 1976 107 6.727 1977 71 1.211 1978 41 1.515 Total 6.536 12.907 Fone: Minisério das Reações Exeriores da Repúbica da Coréia, 1985 apd CHOI, 19 91.
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O caso da famíia da Enrevisada 9 isra bem a qesão da transnacionalidade. Em função de um problema de saúde do pai, a família resolveu mudar para um país com temperaturas mais amenas e, inicialmente, década de 1970, panejava ir para os Esados unidos. tendo o viso negado, a famíia deixo a Coreia em 1976 e foi para o Paragai, onde permanece por aproximadamene rês meses, aé consegir reemigrar para a Argenna. Nese úmo país, ses inegranes permaneceram por qase see anos, porém, em função da situação do país e da saúde do pai, reemigraram para o Brasil, onde mannham conao com ma igreja oca, e se xaram denivamene. Desde qando residiam na Coreia, dedicavam-se ao rabaho com bordados, e assim segiram ao ongo de sa rajeória na América do S. trabaharam no ramo da confecção em Benos Aires, e em São Pao veram ocina de cosra, de caseado, de bordado e também trabalharam com loja. No caso da reemigração para os EUA, é sabido que há uma grande atração por pare dos coreanos peo eso de vida nore-americano, pois represena m referencia de scesso prossiona e nanceiro mio vaoriado pea sociedade coreana. Somado aos problemas socioeconômicos pelos quais o Brasil passou nas décadas de 1980 e 1990, mios coreanos senram-se movados a persegir o tão sonhado American dream. Par (1999) menciona qe aproximadamene a meade dos qinhenos o seiscenos esabeecimenos de ropas iados ao Korean Garment Wholesalers Associaon in the United States 3 são operados por coreanos do Brasil. Como um grande número de coreanos que reside no Brasil trabalha na indústria da confecção e já possui a experiência da área, eles tentam xar-se no mesmo po de negócio ao reemigrarem. Pode-se ainda israr o fao da reemigração da América do S para os EuA com a segine ciação: Baseado em esmavas da comnidade, acredia-se qe 20.000 dos 300.000 imigranes coreanos no s da Caifórnia, aproximadamene de por ceno da popação, são imigranes secndários de países s-americanos. Geramene, esses coreanos viveram de qine a vine e três anos na América do Sul antes de mudarem para os Esados unidos (PARk, 1999, p. 669 – radção ivre) 4.
Em agns casos, arma Joo (2007), a emigração para o Brasi já era pare de um plano, de acordo com o qual permaneceriam aqui temporariamente ao sair da Coreia, como um estágio intermediário antes de conseguirem emigrar para os Estados Unidos ou Canadá. Para agns, o movo da reemigração para os EuA pode variar mio, mas enre os aponados por Joo (2007) enconram-se a vonade de oferecer aos hos a opornidade de ma mehor edcação e perspecva de vida, panos de viver em m país mais avançado e a cerea de qe irão prosperar nos negócios como o eram no Brasi. Aém disso, inci-se o caso dos imigranes qe se estabelecem na América do Norte e conseguem levar o restante dos familiares 50
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consigo para er a famíia nida, segindo assim as radições. Par (2009) discorre ambém sobre casos de famíias qe mandam ses hos para esdar nos EuA e, posteriormente, conseguem levar a família toda para se estabelecer lá, e também casos de coreanos qe deixam o Brasi por movos de segrança. “Mia gene em aqee sonho porqe as mehores niversidades esão á [EuA], enão, mia gene mando os hos para á para esdar, ganhava o dinheiro aqi e mandava o ho para os Esados unidos para esdar. Aí os hos acabam cando e chamam os pais” (E7). A Enrevisada 3 reaa o caso da sa famíia, em qe o irmão, ho mais veho, formado em medicina no Brasi, foi para os EuA faer m eságio e acabo se estabelecendo lá por ter conseguido uma boa oportunidade de trabalho. À medida qe o irmão se xo conforavemene nos EuA, evo os pais qe já esavam aposenados no Brasi. Noa-se, nese caso, o vaor famiiar coreano em qe o primogênio se responsabiia por cidar dos pais qando acançam cera idade. Soma-se, ainda, o fao de qe aém do irmão, a enrevisada possi ambém ma irmã mais nova, o seja, os pais haviam cado no Brasi com as das has, condo, qando as has casam, de acordo com a radição, eas endem a car mais próximas da famíia do marido. Esse é m caso no qa os vaores crais inenciam a migração de renião famiiar. Drane a década de 1980, ambém conhecida como a década perdida na América lana, a esagnação da economia brasieira e os aos índices de inação, segidos pea insabiidade poíco-econômica do início dos anos 1990, foram movos signicavos para qe coreanos recém-esabeecidos no Brasi pdessem enar ma nova vida nos Esados unidos. Par (2009) arma qe, nesse caso, muitos coreanos simplesmente seguiram os passos de muitos outros brasileiros que tentaram emigrar para outros países em busca de melhores condições de vida. É reaado no rabaho de Par qe o fao do imigrane coreano já er do vivências disnas em oros países anes de chegar aos Esados unidos he confere maior vantagem em relacionamentos pessoais e maior tolerância em qesões sociais, como descrio abaixo: O conceio de cra ransnaciona ambém ajda a explicar porque imigrantes coreanos da América do Sul conseguem desenvolver um papel mais estratégico em bairros ménicos nos EuA qe oros imigranes coreanos. Enquanto outros imigrantes avaliam a sociedade americana de ma perspecva coreana o não coreana, imigranes ransnacionais raem consigo oros qadros de referência para questões que levam a uma variedade de soções execáveis (1999, p. 671 – radção ivre) 5.
Por outro lado, há aqueles que resolvem retornar ao Brasil depois de ter reemigrado para os Esados unidos. Os movos do reorno variam, segndo Par TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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(1999), no enano, denre ees desacam-se os de ordem socia. Os coreanos sentem, por exemplo, que a questão racial no Brasil é levada menos a sério e, por isso, aqi são avo de menos preconceio. também percebem qe a cultura coreana não é tão respeitada nos EUA e, por isso, diferentemente dos descendentes coreanos lá nascidos, os que nasceram na América do Sul, por apresenarem mais habiidades no idioma e por incorporarem mais caraceríscas da cra coreana, enconram-se mais exposos. Por sa ve, ma minoria acabo reornando para a Coreia, e segndo Joo (2007), mios dees são idosos, o seja, imigranes qe chegaram ao Brasi em idade ada e veram mais dicdades em adapar-se aqi. A Enrevisada 7 di er conhecimeno de vários imigranes coreanos com idade a parr de 60 anos que retornaram para a Coreia após terem juntado dinheiro no Brasil, ou mesmo para a reaiação de raamenos médicos, pois á se senem mais conforáveis para se comunicarem. Oro caso é aqee dos coreanos qe chegaram ainda jovens ao Brasi, o mesmo aqueles da segunda geração e que acabam retornando para a Coreia. Nesta úma siação, os reornados coreanos-brasieiros endem a enconrar mais dicdades no processo de adapação por já esarem mais famiiariados com os cosmes e eso de vida brasieiros. Eses return migrants, como chamados por Joo, enfrenam mais dicdades em se readapar à nova reaidade e em redenir sa idendade énica, ora considerando-se brasieiros, ora coreanos. Noa-se, incsive, qe aamene os jovens coreanos qe residem no Brasi, na sa maioria da segnda geração, vaoriam mais a cra e a idendade coreana do que aqueles que chegaram aqui vindos de um país onde viviam muito precariamene. Nesse sendo, a Enrevisada 4 reaa: [...] na década de 1990, a Coreia sbi mio de paamar, e jno com isso as mídias eerônicas, inerne, DVD, tV por satélite começaram a mostrar uma Coreia diferente, melhor do que o Brasil. Então, a juventude de agora tem como modeo de país a Coreia. [...] os pais não precisam falar para os coreanos agora que eles são coreanos, que eles não podem esquecer que são coreanos, porque o próprio jovem fala “eu sou coreano, a Coreia está melhor agora”; ees crem mais música coreana. Isso é possíve por causa da internet.
Em ma pesqisa reaiada em 2008, por m grpo de esdanes da Universidade de São Paulo para o projeto The Korean Immigraon in the Americas da University of California – UCLA (IM et al., 2009), sobre a segnda geração de coreanos no Brasi, foram apicados 106 qesonários com brasieiros hos de pai e mãe coreanos, com idade enre 15 e 18 anos. Noo-se qe poco mais da meade (56%) se considera mais coreano do qe brasieiro, mosrando evidência do forte vínculo dos jovens com a cultura coreana. 52
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Mesmo apresenando a níve de idencação com a cra coreana, a grande maioria dos jovens enrevisados (86%) responde qe não gosaria de emigrar para a Coreia. Enende-se qe, mesmo sendo mio jovens para decidir se gosariam o não de se mdar para o país naa de ses pais, noa-se qe m adoescene nessa idade esá foremene enraiado em se país, em sa cidade, aos seus hábitos, e muito vinculado às pessoas com quem se relaciona. Ao ser pergnada sobre a qesão do reorno, a Enrevisada 7 responde que, em sua percepção, um coreano que vive no Brasil preferiria reemigrar para os Estados Unidos a retornar para a Coreia. A entrevistada acredita que coreanos qe vivem e já esão acosmados ao eso de vida ocidena enconram mia dicdade em se adapar à vida na Coreia aa, em sas paavras: “do é mio apressado, tudo é muito corrido, então a gente se sente meio sufocado quando vai para á. [...] é meio acinane, de compeção. E as pessoas á, acho qe são mais frias, por casa da compeção inensa” (E7). Mesmo no caso de alguns adultos, é muito complexo o retorno para a Coreia o a reemigração para oro país. O enrevisado 6 di qe gosaria o ave devesse retornar para a Coreia, especialmente por conta do crescimento do país e pelo fato da maioria da sua família ainda estar lá, mas acrescenta que já teve sas raíes reradas e não pode mais voar. Em sas paavras: “[...] ma ve qe você ro rai, se coocar em oro gar, ora erra, se coocar rai errado não dá para sobreviver. Pensava... é mehor agenar aqi”. Incsive para esse indivído qe já em hos ados no Brasi, deixar do aqio qe foi consrído no país que o acolheu, após ter saído de sua terra natal em busca de melhores condições de vida, a ideia do retorno é um grande risco. Ao discorrer sobre o impaco do reorno desses coreanos-brasieiros na Coreia, Joo (2007, p. 169 – radção ivre) ssena qe os coreanos do Brasi “manveram sa cra e ses cosmes mais do qe qaqer oro grpo da diáspora coreana”6. No rabaho da aora, enende-se qe a fao se dá peo movo das comnidades imigranes no Brasi goarem de reava oerância, o qe hes permie maner sas prácas crais com menos inerferência da sociedade local, em oposição ao caso das comunidades coreanas nos Estados Unidos e Europa, que enfrentam problemas mais sérios de discriminação. Mas a questão do retorno à terra natal não se resume ao simples fato de estar de volta entre os seus e em lugar familiar após ter conseguido a estabilidade social e econômica ambicionada ao deixar a Coreia. Enconram-se por rás desse processo diversas implicações na situação do emigrante/imigrante, da população receptora e da popação deixada. O impaco socia e individa (psicoógico) é imenso. Para Sayad, o retorno é fato intrínseco à ideia de emigração/imigração, e iando-se de ma meáfora, o aor isra qe “o reorno é naramene o desejo e o sonho de odos os imigranes, é como recperar a visão, a qe faa ao cego, mas, como cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só hes resa, enão, refgiarem-se nma inranqia nosagia o sadade da erra” (2000, p. 11). TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Nesse sendo, ssena o aor, o reorno envove reações com o empo, com o espaço e com os grpos – aqee qe o acohe (não necessariamene aribindo a esse conao o adjevo hospiaeiro), e o grpo qe ee deixo. As relações com o tempo e com o espaço implicam a noção de poder voltar ao pono e ao gar de parda, assim como qando foram deixados. No caso do espaço, signica ainda a sacraiação do gar, onde somene nee o emigrane acredita estar em contato consigo mesmo. Já a reação com os grpos envove a necessidade de se adapar e aoarmar para conseguir seu novo espaço na sociedade receptora. No caso da sociedade qe é deixada, bscam-se jscavas e descpas peo fao de ê-a abandonado, e carrega-se ainda afevamene consigo o senmeno de faer pare do grpo. Assim, o imigrante coreano que deixa o Brasil e retorna à terra natal busca o contato com aquilo que acredita ser a sua essência. No entanto, não se pode ignorar o fao do imigrane er vivenciado conjnras e er do experiências qe engendraram mdanças sbsanciais ao caráer e eso de vida do indivído. Acredia-se qe mesmo para aqees qe no Brasi viveram nos chamados enclaves étnicos7, o contato, mesmo que mínimo, com a cultura brasileira, ransformo-os de agma maneira. Por isso, mesmo que o retorno à Coreia ou a reemigração, após a experiência da imigração no Brasil, possam ter sido facilitados pela internet e pela realocação dos vínculos sociais aravés da famíia e de amigos, o processo conna sendo ramáco e dooroso. Notas 1 - “[…] today migrants encounter a social context that is much more tolerant of ethnic diversity and long-term transnaonal connecons compared to the past when assimilaon was demanded more strenuously” (lEVItt e a., 2003, p. 569). 2 - hp://www.mofa.go.r Acesso em: 11 nov. 2010. 3 - Associação Coreana de Aacadisas de Vesário dos Esados unidos. 4 -“Based on a community esmate, 20.000 of 300.000 Korean immigrants in Southern Cali fornia, almost 10 percent, are said to be secondary migrants from South American countries. Generally, these Koreans lived for een to twenty-three years in South America before relocang to the United States” (PARk, 1999, p. 669). 5 - “The concept of transnaonal culture also helps explain why Korean remigrants from South America can beer play a strategic role in mulethnic U.S. neighborhoods than other Korean immigrants. While other immigrants evaluate U.S. society in either a Korean or a non-Korean way, mulply-displaced immigrants bring addional frames of reference to quesons, leading to varied workable soluons” (PARK, 1999, p. 671). 6 - “[…] retained their culture and customs more than any parts of the Korean diaspora ( JOO, 2007, p. 169).” 7 - Caraceriado como m padrão de errioriaiação de minorias nas cidades, onde há “concenração de grpos especícos baseada em escohas vonárias, como o desejo de consição de reações de viinhança, manenção de eemenos de cra o reigião, proximidade de eqipamenos de comércio e serviço especícos, direio à manenção da ínga nava” (CYMBAlIStA e XAVIER, 2007, p. 121). 54
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Referências CHOI, kem Joa. Além do arco-íris: a imigração coreana no Brasi. Disseração (Mesrado em Hisória Socia) – FFlCH-uSP, São Pao, 1991. CYMBAlIStA, Renao; XAVIER, Iara. A comnidade boiviana em São Pao: denindo padrões de territorialidade. Cadernos Metrópole 17, 1º sem. 2007, p. 119-133. IM, Yn Jng e a. The second generaon of Koreans in Brazil: a porrai. korean Sdies Grop - universiy of São Pao. uClA Cener for korean Sdies, 2009. Disponíve em: . Acesso em: 6 jn. 2010. JOO, Jong-taic. korean rern migrans from Brai: ehnic and economic aspecs. Korea Journal. Smmer, 2007. lEVItt, Peggy e a. Inernaona Perspecves on transnaona Migraon: An inrodcon. Internaonal Migraon Review, New Yor, v. 37, nº 3, p. 565-575, 2003. MERA, Carolina. Diáspora coreana en América Lana. Pbicación de II Encenro lanoamericano de Esdios Coreanos, 2005. Disponíve em: . Acesso em: 19 jn. 2010. PARk, kyeyong. “I am oang in he air”: creang of a ransnaona space among koreanano American remigrans. Posions. De universiy Press, vo. 7, nº 3, 1999. PARK, Kyeyoung. A rhizomac diaspora. transnaona passage and he sense of pace among koreans in lan America. 2009. Disponíve em: . Acesso em: 28 j. 2010. SAYAD, Abdemae. O reorno. Eemeno consvo da condição do imigrane. Travessia – Revisa do Migrane, São Pao, ano XIII, número especia, jan. 2000.
RESUMO O presene argo bsca discr os emas da reemigração e do reorno no processo de imigração coreana no Brasi. Objeva apresenar a discssão exisene na ierara especiaiada sobre o tema da reemigração e do retorno dos coreanos, bem como as representações de nove imigranes coreanos sobre esse processo. Consaa-se qe o conao, mesmo qe peqeno, com a cra brasieira, ransformo-os de agma maneira e, apesar da faciidade advinda da tecnologia que permite a aproximação e a realocação dos vínculos sociais pela família e amigos, o processo conna sendo ramáco e dooroso. Palavras-chave: imigração coreana; reemigração; reorno.
ABSTRACT this arce discsses he processes of remigraon and rern of korean immigrans in Brai. I aims o presen he discssion in he exisng ierare on he sbjec of remigraon and he rern of koreans, as we as he represenaons of nine korean immigrans on his process. I appears ha ahogh he conac wih Braiian cre is no so signican, i has somehow changed them. Despite the fact that technology has made it easier for them to get closer social es and he reocaon of he famiy and friends, he process connes o be ramac and painf. Keywords: korean immigraon; remigraon; rern.
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italianos
Na pia batismal Tradição e identidade étnica nas práticas de transmissão de nomes de batismo em um grupo de imigrantes italianos Fábio Augusto Scarpim *
O nome próprio é m dos primeiros eemenos de diferenciação e individaiação qe ma pessoa recebe. Ao mesmo empo, ee é m poderoso meio de integração do indivíduo a uma família ou a um grupo social, e um signo mio imporane na denição da idendade. Em mias sociedades, os nomes são pensados como m parimônio. Assim, as prácas de nomeação (o ao de aribir nomes de basmo) êm caráer signicavo para o esdo das radições, da circação de bens simbóicos e principamene da consição da idendade, seja individa o coeva. O objevo dese argo é enender como se processaram as prácas de ransmissão de nomes de basmo no inerior de m grpo iaiano, anaisando a frequência dos prenomes dados a meninos e meninas no decorrer de cinquenta anos. Para isso, emos como foco de anáise agmas deenas de famíias qe emigraram do Venêo no na do séco XIX e se insaaram em coônias no mnicípio de Campo largo, no Paraná; e formaram ma paróqia 1. A base docmena iada é formada basicamene por regisros paroqiais (aas de casameno e basmo qe foram sisemaados pea meodoogia Fery-Henry (1985) de reconsição de famíias, orinda da demograa hisórica. Ao anaisar o esoqe onomásco iado peo grpo percebemos qe a perpeação dos mesmos prenomes no inerior da inhagem era comm. Isso se dava porqe era cosme no grpo em esdo iar os mesmos nomes dos
* Mestre em História pela UFPR. Professor Colaborador da Universidade Estadual do CentroOeste UNICENTRO/IRATI. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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membros da famíia (avós, os, padrinhos, pais) o prenomes devocionais (sano do dia, padroeiro da região de origem enre oros). Esse padrão esá de acordo com as chamadas sociedades tradicionais e, em diferentes momentos da história podem ser vericados.
Os nomes e sua frequência As prácas de nomeação se consem em m dos signos acionados pelo grupo iaiano no processo de consrção de sa idendade coeva e das idencações énicas. A anáise das informações dos regisros paroqiais, sisemaados pea meodoogia de reconsição de famíias, reveo qe as escolhas dos prenomes não foram aleatórias, muito pelo contrário, estavam inenciadas pea herança cra raida da sociedade de origem. Conforme Rober Rowand, “independene dos nomes em si, a exisência de ma distribuição regular dos nomes próprios em qualquer população, ou a persistência dessa disribição ao ongo do empo, consi m indício segro do caráer sociamene signicavo das prácas de nomeação” (ROWlAND, 2008, p.18). A maior frequência de determinados prenomes, assim como a menor de outros, está diretamente ligada a mecanismos de ordem social, cultural ou religiosa. Como todo agir humano, o ato de nomear acontece para alcançar um objevo, e é deerminado por conhecimenos, por avaiações e movações, qe são “condicionados pea sociedade como m odo e peo grpo socia” (EICHlER apd SIEMENS, 1992, p. 40). Assim, a escoha do prenome de ma criança não deveria atender apenas aos interesses dos pais, mas também ser reconhecida dentro de uma esfera válida, de uma determinada ordem, para todo o grupo. Anes de raar da disribição dos prenomes de basmo no decorrer do período anaisado, é imporane ressaar as dicdades e as imiações das fones iadas. O primeiro probema refere-se à maneira de grafar os prenomes nos regisros paroqiais. Desde o início da cooniação, os nomes, incsive dos imigrantes, são geralmente apresentados na forma portuguesa e não na forma vêneta. Exempo disso é qe a maior pare dos noivos qe nasceram na Iáia e se casaram em Campo largo, e mesmo de ses pais, em ses nomes radidos no regisro de marimônio. O inrigane é o fao qe, savo os regisros paroqiais dos primeiros anos de uma das colônias, os demais foram feitos por padres italianos. Qa o movo? Regisrar os prenomes dos imigranes em porgês parece er se consído nma endência generaiada dos sacerdoes para faciiar sa inserção na sociedade, o mesmo poderia ser ma deerminação da Igreja. Segndo Sérgio Odion Nadain, na Comnidade Evangéica lerana de Criba, consída por imigranes aemães e ses descendenes, os pasores aemães geramene mannham os nomes originais, seja no basmo e, mias vees, no casameno. Por oro ado, mias crianças baadas com nomes grafados em aemão nham ses nomes aporgesados no casameno e (o) por ocasião do sepameno (NADAlIN, 2004). No caso dos italianos, diferentemente dos 58
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alemães, a impressão que temos é que os noivos italianos estariam perdendo na hora do casameno sa idendade basma, considerando o diáogo necessário com a sociedade maior, so-brasieira. Nesse sendo, os padres iaianos contribuiriam para a integração dos noivos na sociedade receptora. O argo de m regameno da Capeania Crada iaiana, insição criada em 1888 para aendimeno espiria dos imigranes iaianos insaados em Criba e região ra a segine informação em reação à manenção dos ivros de regisro: Na capelania é preciso ter os livros seguintes, os quais serão abertos, numerados, rubricados e fechados pelo Chanceler do Bispado. Um livro de tombo para registrar aquilo que scede na capeania; m ivro para regisrar as visias pasorais, ordens, avisos do bispo diocesano. três ivros para regisrar, os baados, os casamenos e os óbios. O regisro desses ivros será feio em ínga porgesa, conforme a ordem do Ordinário. Como, porém, o bispado não tem o seu pessoal adequado, damos ordem ao capelão cura superior para abrir, numerar e fechar estes livros conforme o cosme da diocese (AzzI, 1987, p. 268).
No trecho acima podemos destacar que a recomendação era para que os livros fossem feitos em língua portuguesa. Até que ponto essas determinações não deveriam ser apicadas ambém aos nomes? De qaqer forma, acredia-se qe, para o grpo em esdo, o nome podia se apresenar de maneiras disnas no meio público e privado. Assim, na esfera pública, para facilitar a inserção na sociedade recepora, poderia ser iado em porgês, enqano no âmbio famiiar e coonia permaneceria a como era na erra naa. A não-niformidade dos regisros paroqiais no qe oca à forma de grafar dica o enendimeno de quando os contatos culturais entre o grupo italiano e brasileiro se estreitam a pono de modicar o so do prenome nos dois âmbios. Referimo-nos a essa inconsância, porqe na década de 1920, o padre Jorge Boroero, qe redigi as aas de basmo drane m cro período 2, registrou a maior parte das crianças com os prenomes em iaiano. também no ivro de regisro da Caixa Morária da coônia Campina da paróqia em esdo, percebe-se qe na maior pare dos casos, aé o ano de 1937, os nomes são escrios na ínga de origem 3. Ao contrário das atas paroquiais, esse livro não era redigido pelo sacerdote, mas sim por agm morador da coônia, responsáve pea adminisração da insição. Em reação ao ro de indivídos isados nese docmeno, percebe-se qe somene a parr da década de 1910 começam a aparecer os primeiros prenomes radidos. Aé enão, embora mios esvessem grafados com erros, eses eram escrios na forma iaiana (o mehor, vênea) como, por exempo, o prenome Piero (grafado no diaeo). A parr desses indícios, acredia-se qe o processo de “aportuguesamento” dos nomes foi lento, e que se iniciou quando da maior necessidade de iação dee no ambiente público ou quando os contatos TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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inerénicos se inensicaram, sendo qe no ambiene domésco e comniário, prevalecia como era na língua de origem. Dessa maneira, é possível que as atas paroqiais vessem m caráer mais púbico, daí a radção do prenome para a forma porgesa. É caro qe esse caráer “mais púbico” deve ser reaviado, pois ao comparar o regisro paroqia com o civi, o úmo em m caráer mio mais púbico do qe o primeiro. O recho do depoimeno a segir isra como a menção ao nome pode se dar em esferas disnas. (...) me pai era Giacomo, nem muito bem o italiano, veja Jacó é Giacomo, mas chamavam de Giaco, então não era muito pelo nome em italiano, era o nome como chamavam. Meu avô se chamava Piero, Domingos se chamava Menigo, e Francisco, Francesco, Keiko no dialeto, Antonio, Toni, José, o Giuseppe virava Beppi4.
Da mesma maneira m conjno de apeidos qe era comm no codiano das coônias iaianas: Andin, Angein, Angio, Basan, Bepi, Bepo, Cana, Firi, Gigio, Gso, Iaco, Iiha, Ina, Ia, lecio, lei, loo, Maneco, Marica, Marieta, Mariquinha, Mênega, Mênego, Meni, Mingo, Maneco, Nina, Nino, Pipea, tao, tcha, tiqeo, toni, tonico (CEQuINEl e a. 2006, p. 244).
Embora em siações formais, como na escoa, no carório e na Igreja na hora do regisro, nos negócios o na vida poíca, os nomes fossem apresenados na forma porgesa, no codiano da coônia e na famíia, prevaecia a referência da ínga maerna, na qa ees ransmiam sas crenças, ses hábios e cosmes. Nas situações informais, nem era o prenome italiano que predominava, mas sim apeidos o formas abreviadas do nome na ínga origina. A própria repeção de nomes rerados da inhagem gerava ma série de apeidos, sendo qe m mesmo prenome poderia er diferenes variações. Esse processo é ango; segndo Benne ciado por Jac Goody, a diminição dos nomes e o ameno popaciona a parr da época das reformas dos sécos XI e XII agdiaram o problema dos homônimos, o que veio favorecer o desenvolvimento dos apelidos como meio spemenar de idencação (GOODY, 1995, p.183). Embora não seja objevo desse argo discr a forma como o grpo idava com o so dos prenomes no se codiano o mesmo o so do nome por esses indivídos ao longo de sua vida, é importante destacar que essas “corruptelas” geradas pelo próprio sisema de ransmissão dos prenomes ambém faem pare dos códigos crais do grpo e por sa ve da enicidade. Independene da forma grafada o faada, a escoha por esse o aqee prenome respondia aos costumes e desejos da família, e num âmbito maior, do grpo. Embora mios dos nomes de basmo sejam apresenados nos regisros 60
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escrios, em porgês, a origem da sa escoha refere-se a eemenos simbóicos, caraceríscos do grpo de perencimeno, da sociedade origina. Enre os anos de 1878 e 1937, nos 2.023 meninos baados foram iados 310 diferenes prenomes e nas 1.948 meninas 278 variados nomes de basmo 5. Para os nomes dpos, apareceram 242 combinações diferenes para os meninos e 248 para as meninas, iadas em 359 e 308 casos, respecvamene. As abeas qe se segem, mosram qais foram os de prenomes femininos e mascinos preferidos peos imigranes e ses descendenes. Os recores cronoógicos foram feios em decênios, para vericar se há mdanças no so de deerminados prenomes na passagem de uma geração a outra. As tabelas a seguir levaram em consideração também a frequência dos prenomes, independente de estes serem iados de forma única o combinada. TABELA 1 – FREQUÊNCIA DOS PRINCIPAIS PRENOMES MASCULINOS ESCOLHIDOS PELO GRUPO (1878-1937). Nomes
1878-1899 1900-1910 1911-1920 1921-1930 1931-1937
1878-1937
#
%
#
%
#
%
#
%
#
%
#
%
Angelo
45
6,6
22
4,0
20
4,0
27
4,5
15
4,6
129
4,9
Antonio
86
12,6
76
14,0
68
13,5
83
13,7
38
11,7
351
13,2
Augusto
5
0,7
8
1,5
9
1,8
15
2,5
9
2,8
45
1,7
Bapsta
29
4,3
21
3,9
11
2,2
13
2,1
8
2,5
82
3,1
17
2,5
11
2,0
9
1,8
9
1,5
8
2,5
54
2,1
19
3,0
18
3,3
23
4,6
8
1,3
5
1,5
73
2,7
97
14,2
61
11,2
67
13,3
80
13,2
25
7,7
330
12,4
69
10,1
60
11,0
45
9,0
39
6,4
11
3,4
224
8,4
25
3,7
26
4,8
27
5,4
26
4,3
9
2,8
113
4,2
Pedro/Pietro 33
4,8
25
4,6
18
3,6
19
3,1
16
4,9
111
4,2
Subtotal
425 62,4
328
60,2 297 59,1 319 52,6 144
44,2 1512 56,8
Outros
256 37,6
217
39,8 206 40,9 288 47,4 183
55,8 1150 43,2
Total
681 100
545
100
100
Domingo/ Domenico Francisco/ Francesco João/ Giovanni José/ Giuseppe Luis/Luigi
503
100
607
100
326
2662 100
FONtE: Regisros de Basmo, Acervos das Paróqias de São Sebasão e Nossa Sra. da Piedade (Campo largo/PR).
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TABELA 2 – FREQUÊNCIA DOS PRINCIPAIS PRINCIPAIS PRENOMES FEMININOS ESCOLHIDOS PELO GRUPO ITALIANO ITALIANO (1878-1937). Nomes
1878-1899
1900-1910 1911-1920 1921-1930 1931-1937 1878-1937
#
%
#
%
#
%
#
%
#
%
#
%
Angela
40
7,0
32
6, 8
18
3, 3
14
2,3
13
3, 8
117
4, 6
Anna
11
2,0
22
4, 7
8
1, 5
14
2,3
9
3,0
64
2, 5
Antonia
24
4,2
12
2, 6
35
6, 5
16
2,6
15
4, 4
102
4, 0
Caerina/ Caarina Joana/ Giovanna Luiza/Luigia
21
3,7
27
5, 8
17
3, 2
19
3,1
8
2, 3
92
3, 6
17
3,0
9
1, 9
22
4, 1
9
1,5
6
1, 7
63
2, 5
20
3,5
17
3, 6
22
4,1
22
3,6
8
2, 3
89
3, 5
Magdalena
16
2,8
8
1, 7
9
1,7
8
1, 3
2
0, 6
43
1,7
Maria
94
16,4
89
19,0 100 18,6 108 17,8
63
18,3
454
1 8, 0
Rosa
37
6,5
23
4,9
33
6,1
30
4, 9
13
3, 8
136
5,4
Teresa
16
2,8
20
4,3
26
4,8
15
2, 5
24
7, 0
101
4,0
Subtotal
296
51,8
259 55,2 290 54,0 255 42,0 161 46,8 1261 50,0
Outros
262
48,2
224 47,8 248 46,0 352 58,0 183 53,2 1269 50,0
Total
572
100
469
100 538
100
607
100
344
100
2529 100
FONtE: Regisros de Basmo, Acervos das Paróqias de São Sebasão e Nossa Sra. da Piedade (Campo largo/PR).
De acordo com as tabelas acima percebemos que para todo o período anaisado os de prenomes mais freqenes, com exceção do úmo para os meninos e dos dois úmos para as meninas, correspondem a mais da meade dos nomes de basmo em so. Enreano, à medida qe as gerações se scedem há ma maior diversicação dos prenomes. Para as mheres, esse fenômeno se processa principamene a parr dos anos 1920 e para os homens a parr dos anos 1930. Esse descenrameno poderia ser resado do impaco das poícas de nacionaiação dos esrangeiros e ses descendenes, propagadas peo Esado brasieiro a parr dos anos 1920. Enreano, apesar dos dois úmos períodos indicarem o início de ma mdança no esoqe onomásco iado peo grpo, nma eira gera das das abeas, percebe-se qe o fao de eses de prenomes isados acima serem iados com basane freqência esá direamene direamene igado à forma como os imigranes e descendenes nomeavam ses hos. um dos principais movos é o fao de qe as fones de referência mais comm eram, sobretudo, a família e a religiosidade conforme a tradição da sociedade de origem. A perpeação deses cosmes ra como resado direo m grpo resrio de prenomes como os mais iados. A anáise comparava das abeas 1 e 2 mosra qe a diferença de gênero ao longo do período estudado, em reação r eação ao conjno dos de prenomes mais 62
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freqenes e o grpo dos “oros prenomes” é basane signicava. Por meio das abeas acima observa-se qe para odo o período anaisado o percena dos prenomes escohidos, fora do grpo dos de mais voados, foi de 43,2% para os homens e 50% para as mheres. A diferença de conração no esoqe de prenomes masculinos e femininos indica que o sistema de nomeação no interior do grupo está de acordo com os valores e as formas de sociabilidade por eles desenvovidos qe priviegio o pariarcaismo. pariarcaismo. Dar nomes é ambém ambém ransmir vaores, esados e posições no inerior da famíia o inhagem. Os imigranes italianos eram portadores de uma tradição camponesa patriarcal, na qual a transmissão de bens materiais e simbólicos se daria especialmente pela via mascina. Dessa maneira, noa-se qe a radição se maném mais fore para os homens, pois são ees os herdeiros da inhagem. Segndo Jac Goody, na Europa mediterrânica a supremacia da linhagem se manteve forte até o século XIX (GOODY, (GOODY, 1995, p. 26). Como nesse sisema o par conjga cava incorporado dentro de uma unidade maior, a autoridade masculina prevalecia e recebia o apoio do grupo gr upo de parentesco. Como a mulher, mulher, pelo casamento, passaria à outra linhagem, as regras de transmissão do patrimônio simbólico não eram tão rígidas quanto para os homens. Os prenomes mais iados peo grpo para baar ses hos esão de acordo com o esoqe onomásco raido peos imigranes. Assim, os principais prenomes qe a geração de pioneiros poravam são pracamene os mesmos iados por ses descendenes. A abea a segir mosra os prenomes mais iados enre os imigranes iaianos qe cooniaram Campo largo. Os percentuais entre o conjunto total dos prenomes mais votados em relação aos “oros” evidenemene são maiores nas abeas 1 e 2 , pois o número oa de nomes nesas das é bem maior qe a 3. TABELA 3- PRENOMES MAIS FREQUENTES ENTRE OS IMIGRANTES ITALIANOS ITALIANOS Prenome Angelo Antonio Bapsa Domenico Francesco Giovanni Giseppe Luigi Pietro Santo Oros toa
# 24 54 11 21 31 58 57 32 31 16 196 531
% 4,5% 10,2% 2,1% 4,0% 5,8% 10,9% 10,7% 6,0% 5,8% 3,0% 37% 100,0%
Prenome Angela Anna Antonia Caerina Domenica Giovanna Luigia Maria Regina teresa Oros toa
# 42 17 12 34 12 15 22 109 18 17 206 504
% 8,3% 3,4% 2,4% 6,7% 2,4% 3,0% 4,4% 21,6% 3,6% 3,4% 40,8% 100,0%
FONtE: livros de Regisros de Cadasro de Imigranes enrados peo Poro de Paranagá (DEAP), (1877-1891).
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Outra observação a ser destacada em relação ao rol de prenomes listados acima é a noória percepção de qe os mais iados iados se reacionam aos principais personagens da Igreja, ano dos meninos qano das meninas, embora dos primeiros seja mais acenado. No nore iaiano, a Igreja Caóica era m fore eemeno de idencação coeva, o mehor, mehor, ma das únicas insições capaes de congregar a comunidade num âmbito maior que o da aldeia. A difusão dos nomes dos grandes paronos reigiosos seria reexo do movimeno empreendido pea Igreja de crisaniar os nomes próprios. Dessa maneira, mios dos nomes dados às crianças esavam esavam impregnados do senmeno reigioso. Mudanças e permanências no uso de determinados prenomes podem ser observadas a parr de diferenes evenos hisóricos, exempo disso pode ser reacionado nas abeas 1 e 3. Nesas, vemos qe José ou José ou Giuseppe está Giuseppe está entre os mais iados. Conforme m esdo sobre os prenomes na repúbica orenna, a parr de censos de domicíios, ao ongo de 250 anos (1282-1532) , o prenome Giuseppe pracamene não exise nessas isas . Essa mudança provavelmente provavelmente está igada às ações da Igreja pós-ridenna em reação às gras da sagrada famíia. É claro que a comparação está sendo feita entre períodos temporalmente distantes. distantes. Mas, por outro lado, se levarmos em consideração que na referida pesquisa sobre a Forença dos sécos XIII ao XVI, o prenome Ant prenome Antonio onio está está entre os mais usados, assim como no grpo em esdo, vericamos qe o nome do sano medieva atravessou atravessou séculos como um dos preferidos entre os italianos do norte . Da mesma forma, Piero, Giovanni e Francesco 9 , que estão entre os mais usados em Florença na Idade Média, ambém encabeçam a isa dos nomes mais freqenes enre os imigranes iaianos iaianos e descendenes em Campo largo nos sécos XIX e XX. A perpeação de deerminados cosmes, como o de ransmir nomes de famiiares, ceramene conribi de forma signicava para a esabiidade do esoqe de prenomes. Na abea 2, observamos qe o prenome Maria é soberano entre as meninas durante todo o período. Seja de forma simples ou combinada, foi argamene iado peos imigranes e descendenes. Maria é m prenome de origem semíca o hebraica (GuÉRIOS, 1973, p. 171) e sempre foi mio iado peos diversos povos eropes. O se so recorrene pode esar associado à progressiva difsão do co mariano a parr da Idade Média. Entretanto, Dominique Schnapper alerta que não se pode concluir que sua proiferação esá associada somene à crescene inência da Igreja, oras casas ambém podem esar associadas (SCHNAPPER, 1984, p.114). No grpo em estudo, o prenome Maria é Maria é mio iado ano de maneira simpes como em combinações, como, por exemplo, exemplo, Maria Madalena, Maria de Lourdes, Maria Anunziata, qe Anunziata, qe podiam esar associado ao senmeno reigioso, o, em oras ocasiões, a nomes de m famiiar, famiiar, o ser iado por oro movo. O cosme de se reper os mesmos nomes de basmo pea famíia faia com qe deerminados prenomes fossem iados com basane freqência enre os coonos iaianos. Enreano, oros qe não gram enre os de mais iados peo grpo ambém ambém têm a mesma explicação. Plácido, Plácido, por exemplo, aparece, enre os anos de 1888 e 1920, nove vees, e odos os meninos baados 6
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com esse prenome têm um ancestral comum, ou seja, são netos do imigrante Plácido Zampieri. Da mesma forma, os de meninos designados por Cipriano no mesmo período são todos netos do imigrante Cipriano Cunico. Na colônia Campina, há m grande número de meninas baadas como Carolina, sendo que quase todas se relacionam a uma ancestral comum. Aém de expressar vaores famiiares e reigiosos, o a idendade do grpo, a escoha de m nome ambém pode esar associada a m signicado conoavo. Segndo a denição de Sonderegger, o signicado conoavo é a soma das associações, imagens e senmenos igados a ee, qer sejam posivos, qer neros, qer negavos. Essa conoação pode ser evocada peo corpo sonoro, pea forma escrita do nome, pelo portador, pela capacidade de imaginação do ouvinte, ou, até mesmo, peo se signicado emoógico, na medida em qe for possíve idencáo (SONDEREGGER apd SIEMENS, 1992, p.34). Enre os descendenes de iaianos do grpo em esdo era comm a modicação de deerminados prenomes a parr do nome de basmo de m famiiar. Nessa direção, principamene para o gênero feminino, há muitos prenomes terminados em “Ina” , como: Paolina (de Paola), Orsolina (de Orsola), Carmelina (de Carmela), Pasqualina (de Pasqua), Angelina (de Angela), Rosalina (de Rosa), Sanna (de Santa). O objevo dessa práca parece ter uma dupla função, ao mesmo tempo que se buscava a inovação, a escolha de m prenome poco comm e assim sbinhar a idendade do indivído, homenageava-se m membro da famíia. Era escohido m nome diferene, mas qe não deixava de evocar m parene. Dio de ora forma, a própria repeção gerava essas novas formações, tendo em vista a conciliação entre a tradição e a criação de ma nova idendade para a criança por meio do nome. Os prenomes rerados de m deerminado esoqe famiiar, o do caendário iúrgico, consem a maior pare do ro daqees iados. Entretanto, apesar de esporádicos, alguns nomes bastante inusitados chamam a aenção. O so de Itália ou Ítalo como nome de basmo parece não er sido fao incomum aos diversos núcleos coloniais do sul do Brasil. Conforme cita o padre Henriqe Vieer, em Siveira Marns, no Rio Grande S, foram consanes as as dos sacerdoes paonos para a “crisaniação” de agns nomes próprios demasiadamene igados ao nacionaismo iaiano. “Os iaianos mias vees davam o nome de Ítalo aos meninos, e Itália às meninas, e contra isso nada se podia faer. Para eviar ongas discssões e hes diia: ‘omemos São José por proeor’, e baava o menino com o nome de José Ítalo. As meninas também merecem uma grande padroeira, e lhes dava o nome de Maria Itália, com o qe os coonos se senam mio sasfeios” (VIEtER apd POSSAMAI, 2004, p. 147). Embora, denro do grpo em esdo, fossem pocas as meninas baadas como Itália10, tanto de forma simples como combinada, o caso de uma família especíca merece ser desacado. O segndo e erceiro ho do casa Domingo Bianco e Maria Vechiato, um menino e uma menina, receberam os prenomes de Vitório e Itália, respecvamene. Esses prenomes parecem não ser herdados de nenhum parente próximo, mas provavelmente referências ao país de origem de seus pais. Vitório poderia ser uma referência ao primeiro nome do rei italiano (Viore Emanuelle) e o da menina, a menção à própria pária de origem. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Além dessas menções à terra de origem dos imigrantes, há outros casos qe ambém chamam a aenção, como, por exempo, do menino baado como Brasilino, qe parece sadar a pária recepora. também há agns prenomes qe, no esoqe oa iado pea comnidade, foram raros como Crescencia, Fedenziana, Persilio, Ovídio, Tarsilla, Feliciano, Landilino ou Vicenza. O qe queriam esses pais quando escolheram esses nomes? Seriam referências a membros da famíia, coisas, gares, senmenos o poderiam ser invenados? Em algumas situações, o desejo de inovar, ou mesmo sublinhar a individualidade da criança, parece ter se sobreposto aos costumes tradicionais. Por outro lado, os oros casos vão no sendo oposo, pois apresenam ma cara conoação reigiosa, como: Apostolo, Santa, Santo, Christao, Arcangelo, Anunziata, entre oros, e qe são nomes caraceríscos da região de origem dos imigranes. O hábio de iar nomes menos comns, derivados de m prenome em arga iação como aqees ciados acima, invenados o combinados, pode er sido aernavas enconradas por agns pais para individaiar a criança nm período em qe as famíias nham m grande número de hos 11. Por exempo, em 1914 o casa Antonio Carlesso e Luiza Massocheo bao se primeiro menino com o prenome Bernardino (nome do avô paerno), menos de dois anos depois, Pietro, irmão de Antonio, também escolhe para seu primeiro menino o prenome do avô paterno, só que ao invés de Bernardino, coloca Bernardo combinado com Carlos (nome do avô maerno). A escoha de m nome dpo poderia ser ma maneira de individaiar crianças de idade próxima e qe moravam reavamene pero mas das oras? Com exceção de agns prenomes que foram usados com maior frequência, os nomes duplos geralmente são escohidos a parr de deerminadas inências. Na Forença renascensa, por exemplo, estes representavam a necessidade de conciliar nomes da linhagem com o do parono reigioso. também serviam para soidicar os aços enre as das famíias (da mãe e do pai), assim como era ma forma de enriqecer o esoqe de prenomes em so (klAPISCH-zuBER, 1980, p. 87-88). Vejamos qais prenomes combinados foram uiados mais freqenemene peo grpo. TABELA 4 – FREQUÊNCIA DOS PRINCIPAIS PRENOMES DUPLOS MASCULINOS ESCOLHIDOS PELO GRUPO ITALIANO (1878-1937). nomes Nomes
1878-1899
1900-1920
1921-1937
1878-1937
João Bapsa Anonio li Angelo Antonio
# 13 1 2
% 11 1 2
# 21 6 6
% 16 5 5
# 18 0 0
% 17 0 0
# 52 7 8
% 15 2 2
João Anonio Santo Antonio Oros
4 2 99
3 2 81,0
1 3 96
1 2 71
1 0 86
1 0 82
6 5 281
2 1 78
toa
121
100
133
100
105
100
359
100
FONtE: Regisros de Basmo, Acervos das Paróqias de São Sebasão e Nossa Sra. da Piedade (Campo
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largo/PR).
TABELA 5 – FREQUÊNCIA DOS PRINCIPAIS PRENOMES DUPLOS FEMININOS ESCOLHIDOS PELO GRUPO ITALIANO (1878-1937). 1878-1899
1900-1920
1921-1937
1878-1937
#
%
#
%
#
%
#
%
Maria lia
9
8
5
5
2
2
16
5
Maria Madalena
6
5
4
4
5
5
15
5
Maria Antonia
4
4
5
5
3
3
12
4
Maria de Lourdes
0
0
0
0
11
10
11
3
Maria Rosa
0
0
7
7
1
1
8
2
Oros
96
83
80
80,0
85
79
261
81
toa
115
100
101
100
107
100
323
100
Nomes
FONtE: Regisros de Basmo, Acervos das Paróqias de São Sebasão e Nossa Sra. da Piedade (Campo largo/PR).
Nas tabelas acima, consaa-se qe são pocas as combinações qe foram iadas em maiores proporções peo grpo. Para os meninos, João Basta é o único prenome duplo que pode ser denido como de grande iação. Enreano, indaga-se aé qe pono ese pode ser omado como prenome dpo, pois na graa iaiana, Giovanbasta mias vees se apresentava como um só prenome12. Para um povo de grande devoção ao santo, poderíamos atribuir a sua freqência à inência do parono reigioso. Aém desse, as demais combinações se relacionam aos prenomes mais recorrentes. No decorrer do período analisado, das 245 combinações mascinas, Antonio aparece em 42 deas, João em 47, José em 33 e Angelo em 24. É ineressane como agns prenomes dpos adqirem ma cara conoação reigiosa como: Santo Antonio, Santo Paulo, Santo Tobias, João Santo, entre outros. Aliás, o uso corrente do prenome Santo é caracerísco da Iáia, sendo poco comm em oras regiões da Eropa. também foram os iaianos os precrsores da iação de Maria como segundo nome masculino, principalmente junto com o prenome João (FuCIllA, 1949, p. 4-6). Em reação aos nomes dpos femininos, percebe-se qe Maria está entre os mais iados. Das 254 combinações, esse prenome aparece em 99 casos. Agns arranjos já são tradicionais como Maria Madalena, que remonta à personagem bíblica, também Maria Luiza, qe é ma combinação iada por diferenes grupos. Por meio da tabela acima, é notório que o nome Maria de Lourdes passa a ser iado somene a parr da década de 1920. Aé enão, não havia ocorrido nenhm caso. Seriam reexos do co à N.ª Sr.ª de lordes difndido na Eropa a parr da segnda meade do XIX13? O próprio prenome Lourdes pracamene não foi iado de forma única anes desse período. Aém de Maria, outros prenomes ambém foram basane sados em combinações, ais como: Rosa em 21 prenomes dpos, Angela em 18 e Antonia em 19. Assim como os meninos, nomes combinados com conotação religiosa também apareceram: Maria Santa, Santa Caarina, Santa Inês, entre outros. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Para naiar, embora a docmenação paroqia enha apresenado imiações para a anáise das formas de nomear as crianças no momeno do basmo, enendese que os prenomes dados pelos imigrantes e seus descendentes estão de acordo com códigos crais especícos qe faem a pone com o mndo ancesra deixado para rás. A manenção do mesmo esoqe onomásco de prenomes reee o desejo do grpo perpear as radições qe os niam à pária Iáia. Por oro ado, as ransformações vericadas nas prácas nomeavas como a adoção de prenomes considerados “raros” no estoque em uso, podem indicar uma série de mdanças como: aproximação do grpo com a sociedade recepora, o abandono de parte das tradições por algumas famílias ou mesmo o desejo de sublinhar a idendade da criança com nomes da moda o considerados “novos”.
Notas 1 - As coônias iaianas formadas no mnicípio de Campo largo e qe consíram nosso objeo de pesqisa são: Anônio Reboças, Campina, Mariana e Rondinha. A paróqia em esdo é a paróqia de São Sebasão ocaiada na úma coônia. 2 - Regisros de basmo rbricados por esse cra compreendem o período de seembro de 1926 a março de 1927. 3 - A Caixa Morária era ma associação exisene no meio coonia com o objevo de angariar fundos para as despesas funerárias dos seus membros. A Associação registrava os óbitos dos moradores em livro próprio. 4 - Enrevisa concedida ao aor em 23/12/2008 por D. Pedro Fedao. 5 - Os números (310 e 278) referem-se a prenomes simpes. 6 - Ver: Acesso em: 14 jn. 2009. 7 - Nessa isa dos 165 mi prenomes, Giseppe aparece apenas das vees. 8 - Anonio aparece 8.412 vees sendo o erceiro nome mais iado. 9 - Piero, Giovanni e Francesco aparecem 7.973, 13.259 e 11.300 vees sendo o qaro, primeiro e segndo, respecvamene, dos mais iados. 10 - Drane odo o período enconramos see meninas baadas como Itália e nenhum menino Ítalo. 11 - Dominiqe Schnapper mosra qe a iação crescene de prenomes composos e múpos esá igada ao processo de rbaniação, ocorrido na Eropa enre o séco XVIII e o início da Primeira Gerra Mndia, qe poderia ser inerpreado como ma resposa à dpa necessidade de individaiar o sjeio no inerior de sa famíia e da sociedade, e de disngir o indivíduo e sua família da sociedade. 12 - Há discssões em reação aos procedimenos a serem omados qando se disnge prenome simpes de prenome combinado. Enreano, essa é ma qesão ingísca, qe no momeno não emos condições de resovê-a. Agns aores, como Jean Boer em se argo sobre a toscana do séco XVI, ambém saienam as dicdades e os probemas reavos aos nomes simpes e combinados. O aor considera “Giovanbasa” como primeiro prenome, e assim para oros, como “Marcanonio” e Marcaréio” (BOutIER, 1988, p. 143-163).. Como a maior pare dos prenomes se apreseno radida para o porgês no regisro de basmo, adoamos por criério considerar como prenome combinado. Assim João Basa foi incído na isa de nomes combinados. Da mesma forma procedemos para oros casos como Mariana foi disngido de Maria Ana, no primeiro caso um prenome simples e, no segundo, um combinado. 13 - Em 1907 o papa Pio X esende a ceebração de Nossa Senhora de lordes a oda a Igreja Universal. 68
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RESUMO O presene argo em como eixo cenra a anáise das prácas de nomeação em m grpo de imigranes e descendenes de iaianos no mnicípio de Campo largo, Paraná, no na do séco XIX e início do XX. O objevo dese argo é enender como se processaram as prácas de ransmissão de nomes de basmo no inerior do grpo, anaisando a freqência dos prenomes dados a meninos e meninas no decorrer de cinquenta anos. A análise da frequência dos prenomes mascinos e femininos no inerior do grpo foi reaiada a parr dos regisros paroqiais (aas de basmo, casamenos e óbios) sisemaados pea meodoogia de reconsição de famíias, orinda da demograa hisórica. Palavras-chave: nomes de basmo; imigranes iaianos, idendade.
ABSTRACT the presen arce has, as he main scops, he anaysis of nominaon pracces in a grop of Iaian immigrans and descendans in Campo largo, Paraná, in he earier XIX cenry and a he begining of XX cenry. the objecve of his arce is o ndersand how he pracces in ransmission of bapsm names occrred inside he grop, anaysing he freqence of he rs names given o boys and girs dring a y years inerva. the anaysis of he freqency mae and femae names in he grop was carried o from he parishes regisers (bapsm, marriage and deah mines) and sysemaed for he mehodoogy of famiy reconson, originaed from historical demography. Keywords: bapsm names; iaian immigrans; ideny.
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quebec
A especifcidade de Quebec no quadro das Políticas Migratórias Canadenses Marcus Vinicius Fraga* Lucia Maria Machado Bógus**
A parr dos anos 1980, os xos emigraórios ganharam imporância crescene e passaram a consir m fenômeno demográco reevane para o Brasi. A principa hipóese, no conexo de ma economia poíca das migrações (PAtARRA; BAENINGER, 1996) é qe a forma pea qa o fenômeno ocorre no Brasi nos anos 1980 expresso, enre oros faores: a) o esgoameno das migrações inernas como meio de acomodação das qesões fndiárias não resovidas, já qe ma reforma agrária qe objevasse aender às reivindicações dos movimenos de a peo direio à iação coeva da erra, de fao não foi execada; b) os anseios por maior mobiidade socioeconômica de segmenos popacionais residenes nas cidades. Nese caso, apesar dos avanços raidos pea impemenação de poícas de redisribição de renda, como o programa Bosa Famíia, as poícas púbicas incsivas não consegiram sperar o diema da ampiação das desigadades sociais; c) a recongração econômica do país frene a m capiaismo nanceiro internacional que promoveu o surgimento de uma classe trabalhadora mndiaiada.
* Jornalista graduado pela Universidade Estadual de Londrina; especialista em política e relações internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo; mestrando em Ciências Sociais pela PUC/SP. ** Professora titular do Departamento de Sociologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC/SP. Coordenadora do Observatório das Metrópoles de São Paulo. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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O crescimeno dos xos migraórios inernacionais foi, por oro ado, favorecido tanto pelo desenvolvimento e barateamento dos custos de transporte, como pela diminuição do tempo de deslocamento e a maior segurança das viagens. Nos anos 1960, as eorias migraórias enendiam o fenômeno da aração de outros cidadãos como uma forma vantajosa de alguns países enfrentarem a queda na taxa de crescimento populacional. Naquele momento, presenciávamos um período de forte crescimento econômico das principais economias mundiais, aiado a m incenvo à imigração, o qe favorece a formação de grandes xos migratórios e o estabelecimento de redes. Após a crise energéca em 1973, observo-se, no enano, ma depressão econômica qe roxe mdanças conjnrais nas poícas migraórias aé enão adotadas pelas principais economias mundiais. A opinião pública de grande parte dos países desenvolvidos passou a se posicionar contrariamente ao ingresso de novos imigranes, mias vees cpabiiados pea precariação das condições econômicas e sociais nas regiões de desno. O desgase eeiora dos poícos favoráveis ao ivre xo de pessoas provoco ma mdança de posicionameno e o cso poíco-econômico evo ao esabeecimeno das barreiras de enrada, que passaram a se chocar com os xos resanes de redes migraórias já estabelecidas. As fronteiras passaram então a funcionar mais incisivamente como barreiras endo em visa eviar ma “enxrrada” de não-cidadãos nos principais países recepores. Conforme zoberg, “(...) Dadas as disparidades enre os países do mndo, o esabeecimeno de enradas ivres casaria xos iimiados, evando a ma drásca mdança qe raria a eqaiação mndia, e, porano, ma qeda violenta nos níveis de emprego e consumo entre os países mais desenvolvidos” (zOlBERG, 1989, p. 409, radção nossa). A transformação das fronteiras como mecanismo de controle dos acessos segi, a parr de enão, m processo de jdiciaiação da perença, o seja, a necessidade de possuir um status comprobatório frente ao Estado, e, as decisões egisavas, ancoradas na avaiação da opinião púbica, passaram a embasar, cada ve mais, as poícas migratórias nos diferentes países do mundo. Nas úmas décadas, as democracias capiaisas êm rearmado as sas poícas de imigração de ongo prao que, no geral, estabelecem barreiras contra a imigração, mas com pequenas portas de entrada que permitem xos especícos. uma das poras foi criada para permir a aqisição de ceros pos de xos e ora para ingresso de m peqeno número de asiados. As caraceríscas das migrações internacionais dependem em grande medida de como essas aberras são denidas (zOlBERG, 1989, p. 406, radção nossa).
Ese argo preende discr, a parr do esdo de m caso concreo, em qe medida as froneiras e as poícas de ingresso podem gerar fores 72
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externalidades econômicas, poícas e sociais. Para isso, nos propomos faer ma anáise da poíca de imigração de Qebec e de sas conseqências para o imaginário e as expecavas migraórias dos anos de ma escoa de ínga francesa qebeqense em São Pao, com fore apeo à emigração. Para reaiar a primeira eapa da proposa, parmos dos rabahos de agns ciensas sociais canadenses buscando perceber como eles abordam o fenômeno das migrações para o Canadá e sa reação com as poícas púbicas do governo da província franco-canadense de Qebec. Na segnda eapa, reaiamos m evanameno com estudantes de francês dessa escola de língua francesa, por meio da aplicação de m breve qesonário socioeconômico.
O contexto de Quebec na políca canadense de imigração O Canadá foi o primeiro país do mndo a adoar, em 1971, o mcraismo como ma poíca de Esado (CAMERON, 2004). Ao ongo de sa hisória, o país prospero baseado na diversidade e em ma coexisência pacíca enre ses cidadãos de diversas procedências. Esta diversidade foi o produto de decisões racionais tomadas por seus habitantes e dirigentes, os quais, em sua maioria, consideram a imigração e a diversidade de etnias um orgulho nacional. Na história canadense, a imigração está associada à construção de uma nação e, mais especicamene, ao desenvovimeno de ma economia robsa enraiada em m vaso erriório. Ese ímpeo por desenvover o país evo à construção de um modelo de imigração de larga escala ao longo de todo o séco XX. A inenção de arair m grande conngene popaciona baseava-se, sobredo, na necessidade de consir m mercado inerno fore qe pdesse absorver a prodção indsria canadense (CAMERON, 2004). Atualmente, com a aceleração das trocas e a ampliação do comércio ultramarino, essa necessidade premente de criação de um grande mercado inerno, não se cooca com a mesma imporância, o qe prodi ma aeração signicava na poíca de imigração canadense, hoje mais focada na aração de imigranes qaicados, qe spram a demanda em avidades carenes de mão de obra naqee país (BIlES; BuRStEIN; FRIDERES, 2008b). Por oro ado, os reqisios do mercado de rabaho êm se mosrado cada ve mais complexos provocando um aumento dos custos de treinamento e ampliando os problemas de inegração dos imigranes. “(...) as connas dicdades dos imigrantes em ter o reconhecimento de suas habilidades educacionais e laborais adquiridas antes da entrada sugerem que, sem estratégias robustas de integração objevando redir as barreiras, os programas de imigração vão connar a se debaerem” (BIlES; BuRStEIN; FRIDERES, 2008a, p. 8, radção nossa). Além disso, há um consenso entre os pesquisadores canadenses de que hoje em dia o poder de comnicação nas íngas ociais do país consi ma barreira que o imigrante precisa superar para conseguir se inserir no mercado de rabaho: somene com os conhecimenos ingíscos é qe m imigrane TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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aamene qaicado consegirá radir para o se dia a dia os conhecimenos qe já possi em sa ínga maerna (BIlES; BuRStEIN; FRIDERES, 2008b). De uma maneira geral, o aumento de oportunidades de trabalho, decorrente da gobaiação, os raados de ivre comércio (NAFtA) e a compeção inernaciona são faores qe ampiam as dicdades para arair imigranes qaicados. É por isso que o Canadá se apresenta ao mundo destacando suas vantagens comparavas em reação a oros desnos – como m país qe possi ma exceene infraesrra sica, boas esradas, aeroporos, ferrovias; exceene ambiene ineeca, com niversidades inernacionamene reconhecidas; m ensino fundamental e médio gratuito, bilíngue e de qualidade, e com um sistema de saúde modeo. Isso do em ma amosfera de pa e oerância socia. A diversidade étnica e cultural é considerada no Canadá o instrumento de criação de um círculo virtuoso sustentado pela imigração de trabalhadores qaicados e por ma rede de spore socia. Esa rede baseia-se na ofera de escoas, hospiais, e empregos ao imigrane, ao mesmo empo em qe endades civis do erceiro seor e os governos (federa, provinciais e mnicipais) rabaham para criar m ambiene aravo e acohedor. Enreano, m desao a ser enfrenado ainda peo Canadá di respeio à taxa de retorno aos países de origem ou mesmo de reemigração para outros países, de conngenes expressivos de imigranes permanenes. Mais de 1/3 dos homens imigranes em idade de rabaho deixam o país em aé 20 anos após a chegada. Mas o dado qe chama mais a aenção é qe aproximadamene 60% dos qe deixam o país o faem ainda no primeiro ano após a enrada. Por m ado, pode-se dedir qe a exisência dessa axa de reorno poderia signicar que o mercado de trabalho canadense não está oferecendo os ganhos que os imigrantes esperavam auferir. Por outro, as dimensões de ordem cultural, emociona e geográca, por exempo, ornam a qesão mio compexa, dicando a carea anaíca a respeio dos faores movacionais desse reorno (SWEEtMAN; WARMAN, 2008). Do ponto de vista econômico, a imigração contribui para elevar o Produto Inerno Bro do Canadá. Mas, isso não signica qe se eeve o PIB per capia. As pesqisas econômicas condidas sobre o ópico da imigração divergem sobre se o impaco da poíca imigraória é posivo o negavo. Mas, odas chegam à concsão de qe, mesmo qe o impaco seja posivo ee em sido peqeno, pois a qandade de imigranes qe enram por ano no Canadá é mio peqena para gerar conseqências deeérias na esabiidade do modeo poíco e econômico adoado peo país (SWEEtMAN; WARMAN, 2008). A poíca de imigração é concebida como poíca púbica visando ameniar agns probemas decorrenes da base demográca do Canadá, sem, no enano, resovê-os. Sa efevidade se ancora em qaro ponos imporanes: - primeiro, ajda a combaer o cso da geração baby boomer (os nascidos após a Segnda Gerra Mndia aé meados dos anos 1960). Como oros países desenvovidos, o Canadá presencio m crescimeno 18% acima do esperado 74
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nos nascimenos enre 1945 e 1960. Esa geração esá se aposenando e gerando csos para a previdência socia do país (SWEEtMAN; WARMAN, 2008); - segndo, benecia-se ao arair imigranes qaicados qe não são prodidos peo sisema edcaciona canadense. É imporane saienar qe m imigrane qaicado represena m cso mio baixo para o país qe o recebe, pois sa rajeória prossiona não foi cseada peo país recepor; - erceiro, como os imigranes geramene não rompem oamene a reação com o país de origem, isso ampia as perspecvas de reações econômicas qe podem incremenar as exporações; - qaro e úmo, a economia do país se benecia ao receber o capia e/ o o espírio empreendedor dos imigranes qe chegam com a perspecva de se estabelecer. A opinião púbica canadense aprova a poíca de imigração do país (JEDWAB, 2008). Pesqisas condidas peo governo mosram qe mesmo drane os aaqes de 11 de Seembro, nos Esados unidos (o momeno de maior ensão na reação com os imigranes), a poparidade da poíca de imigração do país se manteve estável. A porcentagem de nascidos no Canadá que acreditam que o número de imigrantes que entram no país, a cada ano, é pequeno ou adequado nnca foi menor qe 60%, nem mesmo drane os aaqes errorisas às orres gêmeas do Word trade Cener, em Nova Iorqe. Nos úmos anos, esse dado se maneve inaerado. Assim, “Os canadenses parecem ser mais propensos a concordar qe os imigranes êm ma inência posiva do qe os cidadãos da maioria dos oros países recepores” (JEDWAB, 2008, p. 221, radção nossa). O Canadá é ma democracia federava mcra no sendo de qe vaoria a diversidade énica como ma bandeira da nação. Qebec é visa pelos pesquisadores canadenses como um ponto de análise essencial para compreender o qe signica “ser canadense”. O nacionaismo de Qebec é algo levado extremamente a sério no Canadá, sendo parte principal do que evo à formação de ma poíca mcra no país. Mias das demandas pea aonomia poíca de Qebec persisem desde a fndação do país e são caraceriadas peos pardários de Qebec como ma espécie de consenso enqano objevo de a poíca. No caso do Canadá, a faa de ma idendade naciona nicadora – possivemene gerada pea diversidade ingísca esabeecida errioriamene – gera qesonamenos qano à egimidade do poder federa e perpea ma a por reconhecimeno consciona por pare de Qebec. Por não exisr ma nidade énica, os conios no modeo canadense de federaismo fgiram da radiciona dispa egaisa de eqiíbrio de poder, como a qe se congro nos Esados unidos (GAGNON; IACOVINO, 2007). Conforme Gagnon e Iacovino (2007), os modeos “pros” de federaismo esadnidense e aemão foram criados para imiar os excessos do poder execvo. No Canadá, o modelo foi criado para acomodar a diversidade de nacionalidades. Ao ongo da consição hisórica de Qebec, a província consi m pono TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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de resisência cra francesa e reivindica aonomia poíca e econômica. Na primeira conferência inerprovincia, em 1887, co caro aos habianes de Quebec qe a noção de consrção de m país fndado no daismo cra (ma pare francesa e ora ingesa) e na sa coexisência, dicimene seria respeiada. Aé porqe as oras províncias iavam a dorina do daismo para resringir o acesso à edcação em ínga francesa à minoria franco-canadense espahada pelos territórios não quebequenses. Nesse qadro, a província franco-canadense passo a se considerar como m geo de resisência, onde poderia ser assegrada a represenação insciona à maioria popaciona francesa. A grande depressão dos anos 1930 favorece o srgimeno de reivindicações e consenmenos pea cenraiação da poíca econômica e por m “New Dea” canadense orqesrado peo poder federa e a ser executado em todo Canadá como a única salvação plausível. Enreano, poicamene, Qebec conno rme em sa concepção do princípio federal do dualismo, que conserva até os dias de hoje. A Comissão Rea de Inqério sobre Probemas Conscionais, de 1956, ambém conhecida como Comissão trembay, foi criada por Qebec e defende a connação do respeito à divisão dos poderes do compromisso original dualista por conta da disnção das comnidades crais qe evaram à formação do federaismo canadense. Até então, as outras províncias rejeitavam que Quebec pudesse negociar direamene com Oawa (cidade capia e sede do governo cenra canadense) mais aonomia em m momeno em qe a inervenção do governo federal vinha crescendo rapidamente. Duas visões dominantes em Quebec dividem a corrente principal de seus pensadores nacionaisas nos anos 1960. A primeira enxerga qe o federaismo assimérico poderia adeqadamene sasfaer às necessidades de esabiidade e nião no Canadá sem sobrepjar a diversidade do país. Para isso, cinco préreqisios deveriam ser respeiados em ma renovação consciona: 1 – o reconhecimeno expício em m preâmbo da Consição Canadense de qe Qebec é ma sociedade disna; 2 – a concessão de maior poder para Qebec execar as poícas púbicas de imigração visando à adminisração do recrameno e inegração dos recémchegados; 3 – a parcipação de Qebec na nomeação de rês membros da Sprema Core de Jsça com especiaiação em civil Law (sisema jrídico no qa os tribunais fundamentam suas sentenças nas disposições de códigos e leis. Em oposição, o restante do Canadá adota o common Law, pracado por países ango-saxões, no qa o cosme prevaece sobre o direio escrio). 4 – imiações ao poder de gasos federais; 5 – o reconhecimeno do direio de Qebec a vear qaqer emenda consciona qe venha a afeá-a. Os pardários da assimeria acrediavam qe o modeo simérico, aé enão vigene no Canadá, não poderia mais operar ma ve qe os cidadãos e os 76
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governos das províncias do restante do país olhavam para o governo federal e o “enxergavam” como o governo nacional, dotado de um instrumento principal de crescimento, enquanto este não era o caso dos cidadãos de Quebec. A segunda visão entre os nacionalistas quebequenses era a de que o experimeno federa havia fahado e qe Qebec só consegiria reaiar se projeo a parr de m rompimeno com o resane do Canadá. Como decorrência, um novo acordo entre Quebec e o Canadá estaria fora da instância do federalismo. Esta visão acreditava ser possível estabelecer dois países disnos qe manvessem formaidade e proximidade econômica (GAGNON; IACOVINO, 2007). Essas duas propostas foram apresentadas no âmbito das negociações Meech lae – nos anos 1980 – qe preendiam eaborar ma nova Consição. Como ambas recomendações qebeqenses não foram acaadas na racação do acordo, Qebec se recso a assinar a decisão. A parr daí, srgi a Comissão sobre a Poíca e o Fro de Qebec, esabeecida em seembro de 1990 pea Assembeia Naciona de Qebec. Os esdos da Comissão chegaram às mesmas concsões eaboradas peos pardários de Qebec no âmbio do acordo Meech lae e foram pbicados em 1991. Qebec não foi signaária do acordo Meech lae, opando, assim, peo rompimeno com a federação, o qe evo à reaiação de pebiscios pea província a respeio da separação poíca (e não econômica) ou não do Canadá. Nos úmos anos, odos os pebiscios qe ocorreram em Qebec aponaram para a existência de uma grande divisão na população entre aqueles que optam por uma independência e um rompimento unilateral, e os outros que acreditam que manter o atual status quo é a mehor aernava para a província. O ano de 1995 é do como o marco hisórico no sendo de esfriar o senmeno nacionaisa franco-canadense. Nese ano, m pebiscio indagando se Qebec deveria se separar do Canadá foi derrotado por uma margem muito estreita de 49,42% “sim” para 50,58% “não” (GAGNON; IACOVINO, 2007). Antes desse momento histórico, no entanto, o governo federal já previa a possibilidade de rompimento como concreta e contava com apoio da população da província. Assim, nma enava de ameniar os ânimos, o governo federa e o de Qebec rmaram m acordo em 1991 (MINIStèRE DES RElAtIONS AVEC lES CItOYENS Et l’IMMIGRAtION, 1991). Qebec negocio exasvamene para consegir aoridade para eaborar sas poícas migraórias. Esas são pensadas como corroboradoras da resistência cultural da nação baseada no foraecimeno e disseminação da iação do francês. A preocpação dos cidadãos de Quebec tem por base o receio frente a um poder central que ao longo da história demonstrou claramente seus interesses em indexar Quebec não só territorialmente, mas, sobretudo, culturalmente. A preservação da ínga francesa é da como o principa faor para o orescimeno de ma idendade cra qebeqense. “A parr do decínio alarmante da taxa de natalidade em Quebec, o Estado passou a se preocupar TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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com a endência de ses habianes aos pocos migrarem ingiscamene e se tornarem uma comunidade anglófona. Assim, a imigração e a integração ornaram-se inerigadas ao desno da nação Qebec” (GAGNON; IACOVINO, 2007, p. 97, radção nossa). A vaoriação e exigência de qe os imigranes aprendam o francês se jsca por essa mesma ógica. O governo de Qebec invese em crsos de francês gratuitos para os imigrantes da província – após o processo de solicitação e aceite do viso permanene de imigração – objevando ma compea arcação e inegração dos mesmos à sociedade franco-canadense. Aém disso, para arair rabahadores qaicados, o governo de Qebec esabeece escriórios de imigração voltados ao atendimento e ao recrutamento de imigrantes em todas as regiões do mndo: Magreb (em Monrea), Ásria (em Viena), Bégica e França (em Paris), México (na Cidade do México), Síria (em Monrea), Hong kong (na própria cidade), Canadá (em Monrea), e Brasi (em São Pao). Aravés deses postos avançados de recrutamento, agentes de imigração do governo da província minisram paesras e faem a primeira riagem dos candidaos. O púbico-avo é formado por jovens de aé 35 anos, casados o não (ser casado aribi mais ponos), com hos o sem (er hos aribi mais ponos ainda), qe enham formação niversiária e dois anos comprovados de aação prossiona na área de formação, nos úmos cinco anos precedenes à daa de preenchimeno do formulário de solicitação. É necessário que tenham pelo menos o nível inermediário de francês (qem sabe faar ingês ambém recebe mais ponos). Agmas prossões nas qais a província possi carência de mão de obra – como enfermagem, análise de sistemas, engenharias, etc., – possuem uma tramitação do visto de imigrante permanente mais acelerada e dessa forma os solicitantes com poco esforço são aceios. Com essas informações, é monado m raning objevo de recrameno1. Os imigranes consem, hoje, aproximadamene 10% da popação de Qebec. Minorias visíveis são qase 50% dos imigranes qe desembarcam na província a cada ano. A perspecva é de qe aé 2017 aproximadamene 20% da população do Canadá seja formada por minorias visíveis. Quebec recebe a cada ano por voa de 50 mi imigranes (o Canadá ineiro recebe aproximadamene 225 mi). Ora caracerísca qe precisa ser mencionada é a aeração da composição dos países de origem dos imigranes. Aé a década de 1970, a maior pare dees era de origem eropeia. Hoje o qe vemos é ma diminição da porcenagem de parcipação dos imigranes eropes e m ameno de asiácos, dos orindos do connene americano – ano-americanos, principamene – e africanos, os qais já conam mais da meade (CONSEIl DES RElAtIONS INtERCultuREllES, 2008). Ser um imigrante em Quebec representa aceitar e adotar os preceitos de vaoriação da idendade da nação francófona. Desde qe respeiem a ei, os imigranes podem maner ses cosmes e cra, diea, vesmena, preferências sexais e ceebrações. Iso porqe é a ínga francesa qe maném em Quebec a base de uma sociedade coesa. 78
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Com essa perspecva em mene, orna-se economicamente interessante o empreendimento de uma escola de língua francesa quebequense em São Paulo. Atraídos pela proposta de aprender o francês com o sotaque e meandros culturais do oca para onde preendem emigrar, jovens ados qe se encaixam no per bscado pea poíca imigraória de Qebec passam a bscar o conhecimeno ingísco qe hes faa para sperar a barreira de acesso ano ao viso de residente permanente como ao mercado de trabalho canadense, assim que chegarem à província. Na sequência, detalharemos melhor esse fenômeno.
Os estudantes e o projeto migratório Fundada em 2006 pea franco-canadense Caherine Povin, a École Québec é ma escoa especiaiada no ensino do francês para as pessoas qe desejam emigrar para Quebec. Além do ensino da língua, aspectos culturais da província canadense são apresentados aos estudantes. A escola funciona como um primeiro contato do provável futuro imigrante com a cultura quebequense e foi criada por iniciava pessoa de sa proprieária. O esabeecimeno desa “rede migraória” inicio-se qando Povin, administradora de empresas com mestrado, vislumbrou a oportunidade de abrir seu próprio empreendimento. A escola não possui qualquer vínculo com o escritório do governo de Quebec, em São Paulo, e recebe aproximadamente cem estudantes por ano, sendo que desde sua fundação Potvin acredita que por voa de denos de ses anos emigraram (aproximadamene 35% do oa dos maricados no período de 2006 a 2011); percena basane eevado, mas qe ambém indica qe a maioria dos ex-anos não migro para Qebec. Visiamos a École Québec nos dias see, oio e one de jnho de 2011. Reaiamos, primeiramene, ma enrevisa com a proprieária do esabeecimeno no dia see e iniciamos a disribição dos qesonários socioeconômicos, após o consenmeno da mesma. Foram preenchidos 48 qesonários, correspondendo à quase totalidade dos estudantes matriculados na ocasião, que concordaram em parcipar do evanameno. Cada qesonário connha 13 pergnas fechadas e das aberas indagando: 1- qais os movos qe o(a) evaram a bscar meios para emigrar do Brasi? 2- qais os movos qe o(a) evaram a escoher Qebec como desno? Sempre que entrávamos em sala de aula para solicitar o preenchimento dos qesonários, informávamos qe se raava de ma pesqisa acadêmica, sobre o per socioeconômico dos brasieiros qe bscam o processo de imigração para Quebec. Além disso, explicávamos que se tratava de uma coleta de dados anônima e, porano, não era necessária a idencação dos informanes. Ao longo da coleta dos dados, nos deparamos com dois estudantes equatorianos que imigraram para o Brasil e agora estão pensando em Quebec como m novo desno migraório. Resovemos incí-os já qe se raava de residentes permanentes no Brasil. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Compseram a amosra 28 homens e 20 mheres – odos com idade superior a 22 anos – dos qais 39 se aodecararam brancos, 5 se decararam pardos, 1 negro, 2 orienais-asiácos, e oro não responde. Qano ao níve de escoaridade, 26 possem ensino sperior compeo, 15 possem pós-gradação compea (incindo especiaiação, mesrado o doorado), cinco possem pós-gradação incompea, m decaro er ensino médio compeo e oro não respondeu. Qano ao esado civi, 30 se decararam casados, 15 soeiros, 2 em nião esáve, 1 separado, e nenhm divorciado o viúvo. Para criar um padrão para a análise dos dados coletados, resolvemos separar os qesonários em cinco grpos de idade: de 21 a 25 anos, de 26 a 30 anos, de 31 a 35 anos, mais qe 36 anos, e m úmo grpo para aqees qe não responderam a idade. No primeiro grpo, havia 3 soeiros e 1 casado. No segndo, 5 soeiros e 10 casados. No erceiro, 2 soeiros e 14 casados. No qaro grpo, 2 soeiros, 4 casados, 1 separado, e 1 em nião esáve. Dos qe não informaram idade 3 eram soeiros, 1 casado e 1 em nião esáve. Em reação à presença de hos, cabe informar qe dos casados com idades enre 31 e 35 anos, rês possem m ho e m possi dois hos. Dos soeiros enre 31 e 35 anos, m possi m ho. Dos mais vehos qe 36 anos e casados, odos possem hos (sendo dois com m ho apenas, m com dois hos e m com rês hos). um dos qe se decararam em nião esáve informo qe em m ho. todos decaram preender imigrar com sas proes para Qebec. A grande maioria dos enrevisados (46) esá inserida no mercado de rabaho e, denre os empregados, 37 possem vínco empregacio forma (com careira de rabaho assinada). Qano às prossões, foram decaradas: anaisa de sistemas, analista programador, analista de comércio exterior, analista de conroadoria, adminisrador de empresas, esasco(a), engenheiro qímico, engenheiro de qaidade, engenheiro civi, projesa eerônico, engenheiro mecarônico, engenheiro de aimenos, consor de SAP (Systems Applicaons and Products.), programador(a) de compação, edcador(a) sico(a), psicóogo, densa, enfermeira, biomédico, designer gráco, professor(a) niversiário(a), consor(a) de imóveis, médico, miiar da marinha, e edior(a) de mes. O qesonário ambém indagava sobre a renda famiiar bra (oa de ganhos de odos os membros da famíia), dividida em cinco faixas, evando-se em cona qe o saário mínimo no Brasi no mês de jnho de 2011 era de R$ 545,00 (qinhenos e qarena e cinco reais): a) acima de 20 saários mínimos (sperior a R$ 10.900,00); b) enre 10 e 20 saários mínimos (enre R$ 5.450,00 e R$ 10.900,00); c) enre 4 e 10 saários mínimos (enre R$ 2.180,00 e R$ 5.450,00); d) enre 2 e 4 saários mínimos (enre R$ 1.090,00 e R$ 2.180,00); e) aé 2 saários mínimos (aé R$ 1.090,00). As respostas apontaram para um nível de rendimento familiar bastante sasfaório, indicando qe a emigração viria aender aém da expecava de 80
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maiores saários, a bsca de mehor qaidade de vida para a famíia, ma ve qe 10 enrevisados responderam à aernava “a”; 19 responderam “b”; 14 responderam “c”; 4 responderam “d”; m enrevisado não responde e nenhm responde à aernava “e”. Quanto ao nível de conhecimento do idioma, todos que assinalaram as resposas (apenas m não responde) armaram possir agm níve de conhecimeno de francês e ingês. Dos qe possem níve básico de francês (30), cinco ambém êm o níve básico de ingês, 10 o níve inermediário, 10 o níve avançado e cinco o nível superior. Dos que possuem nível intermediário de francês (17), cinco ambém êm o níve básico de ingês, rês o níve inermediário, cinco o nível avançado e quatro o nível superior. No qesonário apicado, foram feias das pergnas discrsivas para enar idencar as raões sbjevas indicadas como movos para deixar o Brasi e ambém os movos para imigrar para Qebec. As faas apresenaram cera niformidade em reação aos movos para deixar o Brasi, desacando-se: a busca de melhor qualidade de vida, de mais segurança pública, a existência de menores problemas de mobilidade urbana, a oferta de serviços públicos de qaidade, o sisema de jsça mais eqânime, a menor desigadade socia, a menor corrupção em diferentes esferas da sociedade, o maior reconhecimento prossiona, ec. Qano à escoha do desno desaca-se a aceiação do imigrane pela sociedade quebequense, a possibilidade de viver uma experiência de vida e de trabalho no exterior, um local com qualidade de vida para toda a família. Seguem abaixo algumas das manifestações dos entrevistados, referentes à intenção de emigrar. 1 – Raões para sair do Brasi: • “Faa de respeio dos governanes para com o povo brasieiro”; • “Vioência do Brasi, rânsio de São Pao, a poíca brasieira (tiririca na poíca ningém merece). Isso incomoda. Emprego aqi em, mas a insegurança de viver num país injusto e violento incomoda muito mais”; • “O preço qe se paga peos prodos no Brasi: aqi se em mio imposo”; • “Corrpção, aos imposos, poícas púbicas inecaes, poíca exerna do governo federa inadeqada”; • “A busca por uma sociedade mais justa, onde você tem retorno dos imposos qe paga, sem er qe pagar por isso das vees, como ocorre no Brasil. E você vê que nada vai mudar, porque a sociedade se acomodo”; • “As eis qe não fncionam”; • “O ranspore púbico de péssima qaidade”; • “Desrespeio no rânsio e prioridade dos aomóveis”; • “Faa de poíca de preservação do meio ambiene”; TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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• • • •
“Pessimismo em reação às condições econômicas e sociais do Brasi”; “Os ricos são favorecidos”; “Poca vaoriação da carreira e do prossiona. Saários baixos”; “tenho o sonho de er ma famíia e aqi (no Brasi) isso não é viáve. Estou desiludida com meu país, corrupção, violência, má educação da população, falta de respeito com o próximo”.
2 – Raões para emigrar para Qebec: • “Poder dar mais iberdade para minha ha, esar nma cidade mais ranqia e er mais qaidade de vida”; • “Qebec em o Programa de imigração único no mndo (mais fáci e o apoio do governo do Qebec)”; • “A qualidade dos serviços públicos, a facilidade e as portas abertas para receber o imigrane qaicado me fe qerer ir para Qebec”; • “Quebec possui todas as qualidades que buscamos para a manutenção esáve de nossas vidas”; • “Faciidade de [ober] viso de rabaho”; • “Boas niversidades”; • “Mesmo fso horário do Brasi”; • “Não acho o francês ma ínga dici, dicdade qe e nha com o ingês”; • “também porqe vejo mio esemnho de brasieiros sobre as opornidades qe exisem á”; • “Viver em ma sociedade com vaores qe jgo serem imporanes na formação de m ho”; • “Admiração pea sociedade de Qebec e sa cra”; • “Possibiidade de imigrar e consegir recoocação prossiona em m níve eqivaene, aém de ser m povo mais recepvo a esrangeiros”; • “um país com m Esado mais presene e menos corrpo”; • “O processo de imigração é bem viso peo [povo] oca, redindo o risco de preconceio”; • “A facilidade para imigrar. Quebec está dando oportunidade para imigrar egamene”; • “Pode-se aé ganhar menos á, mas a vida é mais digna”; • “Garana de m sisema de saúde eciene”; • “O fao de a edcação qe será oferecida aos mes hos será púbica e de qaidade”; • “Preocpação com o meio ambiene”; • “O país precisa de enfermeiras”; • “E achei o processo [de imigração] caro e bem organiado. É ma província segra e com qaidade de vida”; • “O cso de vida não é ão ao e mesmo com o saário mínimo as pessoas conseguem sobreviver”. 82
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Considerações Finais O na da década de 2010 roxe m senmeno renovado de aoconança e omismo em reação ao Brasi; o senmeno de qe o país namene poderá dar cero e angir sa saga desenvovimensa. Parece qe a máxima de qe os países em desenvovimeno não seriam capaes de oferecer emprego e poder de consmo (ver esse argmeno em: zOlBERG, 1989) para ses cidadãos cada ve menos se apica ao Brasi. Enreano, isso não parece ser sciene para brasieiros (incímos aqi os dois esdanes eqaorianos) qaicados prossionamene se “agarrarem” a esse senmeno fanisa de qe “agora o Brasil vai dar certo”. Por que mesmo com emprego e poder de consumo esses brasileiros buscam o processo de imigração para Quebec? Essa é uma pergunta qe não em apenas ma resposa e qe demanda múpas hipóeses. O discrso comm dos esdanes da École Québec expressa a desilusão com a qaidade dos serviços púbicos e garanas sociais no Brasi – segrança, saúde, educação, desigualdade social, transporte público precário, corrupção poíca, ec., – ma espécie de insegrança qano ao conrao socia vigene na sociedade brasieira. A emigração aparece, assim, como ma enava de escapar desse desencano. Observamos qe esses brasieiros bscam ser tratados pelo Estado como cidadãos, conseguindo ter acesso a serviços públicos e ser respeiados peo rabaho qe reaiam – ees aegam qe não possem o devido reconhecimeno qe reivindicam. O per sociodemográco dos estudantes da École Québec mosra qe ees se enqadram no modeo pico da pirâmide demográca brasieira hoje, com o predomínio de jovens em pena fase prodva e reprodva. Percebemos qe m dos principais objevos de Qebec ao impemenar resrições de enrada esá em minimiar o crescimeno de ensões sociais criadas pea presença de m grande número de imigranes: em democracias iberais, geramene as poícas púbicas reeem ineresses capiaisas. Há fores indícios de qe o níve de escoaridade é m dos faores direamene ligados à forma como alguém aceita, ou não, os problemas da sociedade brasileira. Pertencer a uma sociedade é uma das necessidades fundamentais dos seres hmanos. A faa desse senmeno pode raer conseqências sicas e psicoógicas ao desenvovimeno do bem esar de m cidadão (DOVIDO e a., 2010). Cases (2008) arma qe ma das ambivaências dese início de séco XXI é ee commene esar associado à ide e aberra proporcionadas peas melhorias nas infraestruturas de transporte e comunicações, levando as pessoas a pensarem frequentemente na permeabilidade das fronteiras dos estados nacionais, ao mesmo empo em qe o ameno do xo migraório gera o comportamento contrário por parte dos países potencialmente receptores, que cada ve mais evanam mros para barrar o acesso dos indesejáveis. O aor também mostra que grande pare do xo goba dese séco qe se inicia deverá er o sendo s-nore. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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O recrameno inernaciona de pessoas aamene qaicadas é considerado posivamene em pracamene odos os países, enqano rabahadores poco qaicados são vistos como fora de propósito em um contexto de economia pós-indsria. […] Hoje em dia, o discrso poíco dominane é de qe a migração é um problema que precisa ser corrigido através de poícas púbicas apropriadas (CAStlES, 2008, p. 2, grifo do aor, radção nossa).
A movimenação de imigranes qaicados é commene associada à mobiidade prossiona. Oro pono imporane a ser ponderado em reação ao fenômeno das migrações é que o desenvolvimento dos países periféricos não ende a redir os xos de pessoas. Com menor disparidade socia enre os países, o xo migraório com visas à ascensão econômica e socia enderá a ser menor. Enreano, a migração é m fenômeno mcasa e oras circnsâncias poderão se ornar aavancadoras dos xos. Ana, “(...) a migração fa pare das reações sociais normais” (CAStlES, 2008, p. 4, radção nossa). O modeo neocássico de anáise da migração esá baseado em nma relação de custos e perdas na qual o migrante avalia se, de acordo com seus critérios individuais, é mais vantajoso permanecer ou mudar. “De acordo com esse modeo anaíco, a mera exisência de disparidades econômicas enre deerminadas áreas é sciene para gerar xos migraórios” (CAStlES, 2008, p. 7, radção nossa). Dessa forma, eses xos enderiam a raer, no médio prao, m eqiíbrio das desigadades. Consideramos qe as poícas de imigração, assim como a adoada por Quebec, levam essa questão econômica em conta para a elaboração das barreiras de entrada, mas esta não é a única variável que deve ser levada em cona para a anáise desas poícas, pois ese modeo eórico faha em idencar oros faores movacionais. São ees: iner-reações enre os diferenes xos migraórios, as migrações forçadas, a imporância da hisória individa e da bagagem cra de cada indivído, a compexa narea ransnaciona e em vários níveis da migração (econômica, poíca e geográca, por exempo), e, sobredo, a imporância das reações inerpessoais qe alteram profundamente sua dinâmica conforme bem demonstra a teoria das redes (CAStlES, 2008). Nesse sendo, não podemos esqecer qe a gobaiação afeo direamene essa dinâmica ao gerar um intercâmbio cultural jamais experimentado até então na história da humanidade. A migração deve ser vista não apenas como uma consequência das transformações sociais, mas também como uma de suas causas. E, como não se trata de um problema local, mas, sim, transnacional, deve ser pensada gobamene. A migração, como nos aera Baman (2009), é ma das qesões mais imporanes da pós-modernidade. 84
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Nota 1 - Mais Mais informações sobre o processo de recrameno de imigranes qaicados podem ser obdas aravés do sie .
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RESUMO O argo oferece ma discssão inrodória sobre a poíca de imigração da província de Qebec, no Canadá, a parr da eira de rabahos de ciensas sociais canadenses e brasieiros e da egisação daqee país reava ao assno. Apresena-se ambém como essa poíca de imigração vem incenvando esdanes de ma escoa de ínga francesa qebeqense, em São Pao, a bscarem o viso de residenes permanenes. Enfoca-se ainda agns eemenos do per socioeconômico desses esdanes. Como ponos de parda e de chegada, as migrações internacionais são tratadas como uma das questões mais importantes da atualidade. Palavras-chave: Poíca de imigração; Qebec; migração inernaciona.
ABSTRACT the arce maes an inrodcory discssion on Qebec’s migraon poicy, in Canada, from he anaysis of Canadian and Braiian socia sciens’s wors, as we as from he conry’s reaed egisaon. We aso presen how his migraon poicy has given incenves o sdens of a Qebecois French angage schoo in São Pao in order o mae hem oo for permanen residen visas. We aso expose some eemens of he sdens’ socioeconomic proes. We sar from and arrive a he concsion ha he inernaona migraons are one of he mos imporan isses of he presen word. (Tradução (Tradução de Nina Maria Pinheiro de Brio). Brio ). Keywords: migraons poicy; Qebec; inernaona migraon.
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tráfco de pessoas
Tráfco Tráfco de pessoas para exploração sexual Um esboço de revisão bibliográfca Sidnei Marco Dornelas *
A discssão sobre o ráco de seres hmanos vem se ampiando nos úmos anos e araindo a aenção de diferenes seores da sociedade, seja pelo que existe de apelo sensacionalista da Mídia sobre o caráter de violência oca em orno da orescene indúsria do sexo, seja peas caraceríscas polêmicas dessa vertente da mobilidade humana, envolvendo a questão de gênero, a ação do crime organiado ransnaciona, o probema ambígo da “vimiação”/“criminaiação” da pessoa do migrane. traa-se de m campo vasto e complexo, complexo, e que ainda se encontra em movimento, em plena formação, o qe dica qaqer “esado da are” mais sereno o denivo. É, sobredo, um território extremamente polêmico, em que o caráter intrinsecamente poíco da qesão migraória se manifesa de maneira aé mesmo esridene. No emaranhado da qesão do ráco de pessoas exise m embae em orno de diferenes diferenes concepções: sobre poícas de sexaidade e de gênero; de gesão das migrações; dos direios hmanos; a egimidade de ceras formas de rabaho; a criminaidade e a vioência; a indúsria do rismo, do aer e do sexo; bem como de ma congração mcra da sociedade. Por isso, o qe enamos faer aqi não passa do qe poderíamos chamar de “esboço” “esboço”.. Seria uma temeridade ter a pretensão de delinear um retrato completo e exasvo de m erreno de pesqisa e discssão poíca, acadêmica e miiane, que se encontra em plena ebulição. Não seria possível abarcar tudo o que é * Missionário scalabriniano e membro do Setor Pastoral da Mobilidade Humana (CNBB). TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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prodido por diferentes organismos nacionais e internacionais, governamentais e de ONGs, circando pea inerne, discdo em Seminários e Congressos, e qe se orna maéria jornaísca, e porvenra acaba sendo pbicado em ivro o revisa cienca. No enano, é ambém “esboço” no sendo de qe se busca não tanto uma revisão completa da literatura sobre esse tema, mas sim a elaboração de um instrumento que permita uma orientação nesse campo vasto de discssão. Assim, ao mesmo empo em qe conexaiamos a prodção literária, basicamente com documentos acessíveis via internet, procuramos aponar rês pbicações qe, de maneira reevane, coocam o ema do ráco de pessoas na mesa de discssão: de caráer jrídico, socioanropoógico, e miiane peas endades de apoio aos migranes “vímas” de ráco. Dessa forma, nese ensaio de revisão bibiográca, começamos enando recperar o qe seria a ierara insciona, de caráer jrídico-poíco, de endades nacionais e inernacionais, ONGs, o de caráer púbico, em orno do ema do ráco de pessoas. Em segida, repassamos diferenes esdos na área da sociologia, da antropologia e dos estudos culturais, que buscam conhecer empírica e eoricamene a reaidade do ráco de pessoas para ns de exporação sexual, com foco nas mulheres migrantes atuando no chamado “mercado do sexo”. Esdos de caráer cienco, mas ambém de agma maneira miiane, raem qesonamenos de oda ordem qano à abordagem insciona e sociopoíco-assisencia dessa qesão, visando, em pare, endades qe enam “socorrer” migranes qe se enconrariam racadas. Nesse sendo, dedicamos a úma pare à ierara prodida por essas endades qe aam no campo da assistência aos migrantes. Entre outras, damos atenção àquelas qe, denro de ma movação de ordem reigiosa e sociopoíca, se remeem à práca pasora da Igreja Caóica.
Literatura instucional: abordagem jurídico-políca O aconecimeno marcane qe gavanio a aenção para o ráco de pessoas, enão ainda ma denido em ermos inscionais, foi a promgação do “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relavo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráco de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças”, mais conhecido como Protocolo de Palermo (2000). Segndo a denição rmada, tráco de Pessoas seria: O recrameno, o ranspore, a ransferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamenos o benecios para ober o consenmeno de ma pessoa qe enha aoridade sobre ora para ns de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prosição de orem o oras formas de exporação 88
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sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou prácas simiares à escravara, a servidão o a remoção de órgãos (Argo 3º, aínea A).
O exo do proocoo frisa ambém qe o consenmeno da “víma” seria irreevane na caraceriação daqio qe seria a práca do crime de “ráco”, o o desocameno para ns de exporação o sfro do corpo do migrane. Essa denição consensa em níve de Nações unidas, feia no sendo de combaer o “crime organiado transnacional”, veio condicionar tudo o que seria pbicado poseriormene. Percebe-se qe a aenção voa-se, principamene, para o “conrabando” de migranes, se desocameno forçado com a naidade de exporação sexa, em primeiro gar, mas ambém para prácas de rabaho análogo à escravidão, ou para a remoção de órgãos. São todas formas de usufruto abusivo do “corpo” do migrante. Desde o princípio, porém, o foco principal parece ser a inserção de migrantes no mercado do sexo comercial. Oras naidades, em parcar as mias formas de escraviação moderna, embora ão graves qano a exporação sexa, caram em segndo pano. É verdade que algumas instâncias internacionais, em seus documentos e relatórios, procraram er ma visão mais ampa do ráco de pessoas, incindo odas as formas exremas de exporação sica do migrane. É o caso do reaório preparado peo Escriório de lisboa da Organiação Inernaciona do trabaho (OIt), “Combate ao tráco de seres humanos e trabalho forçado: estudos de casos e respostas de Portugal ” (PEREIRA; VASCONCElOS, 2007), qe fa m esdo ampo de casos de ráco de rabahadores migranes envovendo inúmeros ramos de avidades, incsive o ramo do sexo comercia. Igamene, o Deparameno de Estado dos Estados Unidos, em seu relatório “Tracking in Persons Report – 2010” (DEPARtMENt OF StAtE uSA, 2010), nm evanameno da siação do ráco em odos os países do mndo, nas páginas dedicadas ao Brasi, desaca o ráco desnado ao rabaho anáogo à escravidão no inerior do Brasi, sem deixar de considerar os casos de mheres e adoescenes desnadas ao mercado do sexo no exerior, e os imigranes ano-americanos em siação de rabaho degradane na cidade de São Pao. Oro exempo de abordagem mais ampa e diversicada da compexa qesão do ráco enconra-se na série de pbicações da Goba Aiance Agains trac in Women (GAAtW), “Beyond Borders” (2010), qe, embora dando desaqe à qesão do ráco para ns de exporação sexa, aborda oras dimensões, como as poícas migraórias e a bsca de rabaho. No Brasil, porém, apesar da clara associação da migração interna temporária com os casos de rabaho anáogo a escravo (REzENDE, 2004), evidenciados peas reporagens veicadas pea ONG Repórer Brasi nos úmos anos e peas várias campanhas mobiiadas pea Comissão Pasora da terra1, o mesmo dos conhecidos casos de redução de imigrantes bolivianos à condição de trabalho degradane em cidades como São Pao, qando se raa de ráco de pessoas, a aenção de represenanes do poder púbico, miianes de ONGs e mesmo acadêmicos interessados no tema parece se direcionar unicamente para a questão TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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da exploração sexual, em que seriam arregimentadas mulheres e adolescentes, desnadas para o exerior. Mesmo nm esdo sobre a migração e rabaho degradane, preparado com o apoio do Minisério do trabaho e Emprego (DIAS; MAttOS, 2009), cjo foco principa é a probemáca das condições de rabaho de hispano-americanos em siação irregar na cidade de São Pao, qando, em dois ópicos, raa do ema do ráco, envereda-se pea discssão orosa da qesão do ráco de mheres e adoescenes para a indúsria do sexo. Nesse conexo é qe srgem as primeiras abordagens orienando-as para o ema do ráco para ns de exporação sexa no Brasi. Em sinonia com o protocolo de Palermo, na área dos direitos humanos, aparecem estudos exporaórios sobre o ráco de pessoas (IIDH, 2003). Porém, é na perspecva jrídica do Direio Pena qe aparece ma primeira obra bscando faer m baanço mais ampo sobre o assno. traa-se do ivro de Damásio de Jess, “Tráco internacional de mulheres e crianças – Brasil ” (2003), endo como sbo, “Relatório elaborado pelo autor para o colóquio preparatório do XVII Congresso Internacional de Direito Penal ”, de abri de 2002. O ivro reprod ma pesqisa qe eve como reaora gera Ea Wieco Vomer de Casho, e como objevo, “consoidar as informações prodidas por órgãos ociais, as nocias divgadas pea imprensa brasieira e os dados prodidos por organiações da sociedade civi qe aam em Direios Hmanos”. Denro dessa perspecva, após rês capíos em qe inrod a pesqisa e a emáca do ráco inernaciona de pessoas como nova forma de escravidão, cenra sa aenção no ráco inernaciona de mheres e o ráco de crianças no Brasi. De fao, em dois ongos capíos, ese rabaho apresena grande qandade de informações, tanto sobre a evolução da legislação, como o histórico de casos documentados até aquele momento, sobretudo na década anterior. Ressalta que, até então, o que ganhava destaque nas preocupações dos movimentos sociais – no que di respeio ao combae da criminaidade – era o ráco e exporação sexa de crianças e adoescenes, ano em níve de ráco inerno, como inernaciona. A invesgação ganha parcar densidade ao recperar odo o dossiê de inqérios sobre adoção irregar de crianças ao ongo da década de 1990, caraceriando-a como ma práca de “comerciaiação de crianças” o ma “indúsria da adoção”, em ocaidades ão diferenes como Iabna (BA) e Jndiaí (SP), e esados como Ceará, Goiás o Roraima. Cia ma Comissão Paramenar de Inqério de 1990, em qe se consao mais de 1900 processos fradenos de adoção inernaciona. tena descrever como se dá a exporação sexa infano jveni no Brasi, nas várias ramicações da chamada “indúsria do sexo”: prácas sexais mediane pagameno, pornograa na inerne, rismo sexa. Àqea altura, a pesquisa constatava que, do universo de casos documentados, apenas 1,83% desnavam-se para o ráco inernaciona de crianças e adoescenes. Na verdade, o qe se coocava em casa era predominanemene o ráco inerno. O ivro ainda ra dois capíos mais cros sobre a jrisprdência do ráco de 90
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mheres e crianças, e as iniciavas de prevenção e repressão no Brasil, seguidos de ma onga seção de anexos anenes à própria reaiação da pesqisa. O per jrídico, de caráer pena, desa primeira pbicação mais consisene sobre a qesão do ráco de pessoas, di bem sobre o modo como essa emáca, reavamene nova no campo dos esdos de migração e mobiidade hmana no Brasi, esava sendo percebida. Esa seria ambém a perspecva dominane nas pesqisas pioneiras, especiamene focadas nessa qesão, reaiadas a parr de 2002 pea Pesqisa sobre tráco de Mheres, Crianças e Adoescenes (PEStRAF). Foi m primeiro diagnósco sobre a incidência do ráco nos esados de São Pao, Ceará, Rio de Janeiro, Goiás, a parr do esdo de inqérios poiciais e processos aberos pea Poícia Federa. Àqea ara, eriam sido idencadas 241 roas nacionais e inernacionais. Oros esdos e desdobramenos da pesqisa PEStRAF se scederam nos anos segines, focaiando deerminadas regiões o ocais, como o Aeroporo de Garhos (SP) e o esado do Rio Grande do S, bem como focaiando grpos especícos, como as mheres deporadas e não admidas. Nesse meio empo, o Brasi racava o Proocoo de Paermo (2004), criava a Poíca Naciona de Enfrenameno ao tráco de Pessoas (2006) e, poseriormene, eaborava o Pano Naciona de Enfrenameno ao tráco de Pessoas (2008), ambos pbicados peo Minisério da Jsça. Nesse conexo, ao ado das pesqisas PEStRAF, oras pbicações foram ançadas peo governo federa (Minisério do trabaho e Emprego, Minisério da Jsça, Minisério das Reações Exeriores), em parceria com a Organiação Inernaciona do trabaho (OIt) e nanciadas pea Agência Nore-Americana para o Desenvovimeno Inernaciona (uSAID), procrando dar cona do fenômeno do ráco. todas essas iniciavas de pbicação enconramse no qadro do Projeo de Enfrenameno ao tráco de Pessoas (tIP), renidas nm CD-ROM2. O Governo brasieiro, desa forma, se ainha a m esforço comm a oros países ano-americanos na eaboração de poícas de combae ao ráco de pessoas. Como exemplos deste empreendimento, temos desde publicações ociais, ambém em parceria com organiações como a Organiação Inernaciona das Migrações (OIM), no Paragai (2005, 2007), na Boívia (2007), na Coômbia (2006), aé esdos mais ampos abordando grandes bocos regionais como a região do Caribe (OIM, 2010) e o Mercos (SPRANDEl, 2004; BID, 2006). ta esforço se enquadra nas linhas postuladas pelos grandes organismos internacionais que orienam o combae ao tráco de Pessoas, e procra corresponder a ma demanda de caráer predominanemene repressivo, como ca evidene nos docmenos do Oce on Drgs and Crime das Nações unidas (uNODC, 2006 e 2009), o mesmo nos relatórios publicados anualmente pelo Departamento de Estado dos Estados unidos (2010). ta orienação se difnde em oras áreas chaves de aação, como a coberra feia pea Mídia, exempicada pea pbicação nanciada pea Organiaon for Secriy and Cooperaon in Erope (2008), confeccionada para ser m mana para giar a aação de jornaisas e prossionais de imprensa. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Recenemene, a Secrearia Naciona de Jsça, no qadro do Pano Naciona de Enfrenameno do tráco de Pessoas, anço o Prêmio liberas, com o objevo de esmar a divgação de esdos, pesqisas e reaos de experiências sobre a qesão do ráco, no sendo de ampiar o conhecimeno do ema. Evidenciam a preocupação do governo brasileiro por um diálogo maior com as Universidades para o conhecimeno dessa qesão. Em sa primeira edição, em 2010, os trabalhos premiados evidenciam essa busca em alargar o debate, mas ainda se mosram exremamene vincados à abordagem jrídico-poíca. Essa bsca, no entanto, é bem visível no primeiro colocado entre os graduados, que estuda a condição dos “ravess” no conexo da migração ransnaciona para o mercado de serviços sexais na Eropa (AGNOlEttI, 2010); o, em exos exporaórios sobre o modo como a caegoria de “ráco” vem sendo sada peos agenes poícos envovidos no Pano Naciona de Enfrenameno ao tráco de Pessoas (SIlVA; BlANCHEttE, 2010); o no modo como a imprensa espanhoa vem conoando o combae ao ráco de pessoas (VENSON, 2010). Os demais exos enreaçamse em considerações sobre a egisação e a práca poíca do enfrenameno ao ráco (SAlES; AlENCAR, 2010; FRISSO, 2010; ARRuDA, 2010). Enm, essas pbicações de cnho mais ocia se desdobram nm vaso eqe de peqenos sbsídios e exos desnados a m púbico mais argo, seja no sendo de ornar mais conhecida a reaidade do ráco de pessoas, seja na bsca de sbsidiar a ação de grpos ocais, organiações não-governamenais e oros aores sociais e poícos. Dessa maneira, emos peqenas carhas como as qe são nanciadas peo Consado dos Esados unidos no Brasi (MASSulA; MElO, s.d.), pea OIM (CEMlA; SAVE tHE CHIlDREN, 2006) e pea Secrearia Naciona de Jsça (2009). Aém desses, srgem ambém esdos de divgação na área do Direio (BARBOSA, 2010). Denro desse qadro ampo de cooperação enre essas agências e endades da sociedade civi, podemos conexaiar a parceria da Conferência Naciona dos Bispos do Brasi (CNBB) com o Minisério da Jsça, evando à pbicação do coneúdo de m Seminário sobre tráco de Pessoas reaiado peas das endades em 2008 (Seor Pasorais da Mobiidade Hmana, 2010).
Interpretação das ciências sociais: sociologia, antropologia e estudos culturais A paa das pbicações de caráer insciona, rápida e argamene difundida, não demorou a provocar uma forte demanda por estudos de caráter mais anaíco qe bscassem m ohar a parr de ma base empírica mais sóida. A reaidade do ráco mosrava-se exremamene opaca e compexa, inerpeando os ciensas sociais à procra de indicavos mais consisenes para m esdo mais ampo e profndo das qesões ssciadas. Nesse sendo, a série de pbicações já ciadas da GAAtW (2010), é m demonsravo caro do esforço na produção de trabalhos que proporcionassem respostas adequadas às 92
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mias verenes srgidas em orno do ráco de pessoas: sas reações com as qesões de gênero, com a gobaiação e as poícas de segrança, com o mndo do rabaho, com as dinâmicas migraórias e as poícas mobiiadas para geri-as. Em parcar, os esdos qe diversos pesqisadores prodiram ao ongo dos úmos anos, nas mais diversas áreas, procram dar ma maior fndamenação empírica sobre o qe signica socia e poicamene o ráco de pessoas, e, sobredo, qem seria essa pessoa “racada”, o a “víma” do ráco. Um exemplo dessa trajetória de busca por uma melhor compreensão da reaidade do ráco, de sas impicações sociais, poícas e econômicas, assim como das pessoas envolvidas, principalmente migrantes mulheres e adolescentes, enconramos na revisa pbicada pea OIM, a Internaonal Migraon. Em 2005 foi ançado m número especia inado “Data and Research on Human Tracking: a Global Survey ” (lACzkO; GOzDzIAk, 2005), cjos argos nham por m jsamene discr os desaos meodoógicos proposos pea pesqisa empírica na área do ráco de pessoas, sobredo no qe di respeio ao evanameno de dados conáveis. um eenco de argos fa ma revisão dos esdos qe enão se desenvoviam nas grandes regiões do panea: Oriene Médio, África Sb-saariana, América lana e Caribe, Ásia, ec. Cinco anos depois, oro número seria ançado, em 2010, raendo ma renião de exos de horiones discipinares variados, com diferenes perspecvas eóricas, e prodidos a parr de referenciais empíricos disnos. Enconramos ai m esdo qe aborda as dicdades meodoógicas nas pesqisas qaiavas com as pessoas “vímas” de ráco, e as sas impicações écas, a parr de ma amosragem com mheres reornadas na Modávia (BRuNOVSkIS; SuRtEES, 2010); m ensaio sobre as possibiidades de ma abordagem qe reacione a qesão do ráco com as eorias de desenvovimeno hmano, como esraégia de speração de sa principa casa, a pobrea (DANAIlOVA-tRAINOR; lACzkO, 2010); ma anáise do discrso dos aores inscionais em orno do ráco, a parr do insrmena anaíco do “gerenciameno biopoíco” e do “cáco econômico”, e a conseqene prodção das “vímas” do ráco de pessoas como forma de esgmaação e conroe das migrações (BERMAN, 2010); m ensaio qe bsca dissecar aqio qe seria m modeo econômico do ráco de pessoas (WHEAtON e a., 2010); ma invesgação sobre a ambigidade da condição dos rabahadores migranes conraados no Oriene Médio (JuREIDINI, 2010); a apresentação de uma pesquisa sobre o crescente número de menores viajando desacompanhados pelos aeroportos europeus, como possível grupo de risco (DERluYN e a., 2010). Em odos ees percebe-se a bsca por m veio de anáise que permita uma aproximação e compreensão mais profunda da complexidade dessa reaidade, seja pea invesgação empírica, seja peo so de m variado reperório de insrmena eórico. temos assim ma rajeória em qe vários caminhos levam à proposição de novos quadros referenciais para o estudo e trabalho de campo, e, sobretudo, para alcançar uma maior precisão e consenso nos conceitos empregados. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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Na Eropa, onde as reações enre o ráco de pessoas e a indúsria do sexo vêm coocando qesonamenos crescenes, seja pea ação da Mídia sensacionalista, seja pela presença crescente de mulheres migrantes nesse nicho de trabalho, os estudos acadêmicos igualmente se empenham por um maior aprofndameno do insrmena eórico, assim como pea soide na anáise empírica. Nm coóqio inernaciona reaiado pea universidade de Nice, na França, em 2007, ma de sas mesas nha jsamene essa emáca: “Industrie du sexe et tracs: une voie pour les migrant(e)s? ” Com efeito, a discussão dessa reação enre migração e a indúsria do sexo, mias vees marcadamene polêmica, se mostraria rica em ensinamentos sobre a complexidade da migração no erreno mfaceado e conradiório da gobaiação, principamene qando se considera a condição do migrante. No conjunto de trabalhos apresentados, emos: ma anáise de como o “corpo” vimiado da mher prosída e migrane é consrído ideoogicamene, criminaiando a migração, sobredo em se tratando de migrantes oriundas do Leste europeu, brancas, para uma Eropa Ocidena igamene branca (RuSSEl, 2007); ma anáise da qesão da aeridade do corpo da mher migrane, em qe se impicam diaecamene a prosição de migranes, reações de gênero e modeos crais (MASSARI; SIEBERt, 2007); m esdo das rajeórias e ógicas de circação de dançarinas migranes por cabarés da Síça (tHIÉVENt, 2007); m esdo da circação das mheres migranes peo seor de serviços, enre o rabaho domésco e o serviço comercia do sexo (GuIllEMAut, 2007). também enconramos essa preocpação por uma compreensão da condição de gênero dos migrantes, num leque maior de análise, em estudos recentes como os publicados pela revista Mondi Migran (PISCItEllI; tEIXEIRA, 2010; PEluCIO, 2010), com foco especia sobre os ravess brasieiros na Iáia e Espanha, e pea revisa Migraciones (GIRONA, 2009), nm estudo rico em informações, sobre os casamentos de mulheres migrantes com espanhóis, oriundos do contexto do chamado “turismo sexual”, e outro sobre a invisibilidade dos menores migrantes viajando desacompanhados pela Espanha (DIEGO, 2010). Na América lana, com ma ênfase menor, a qesão do ráco vem se colocando, principalmente relacionada com o fenômeno crescente da feminiação das migrações. É nessa perspecva qe foram eaborados agns esdos pbicados pea Comisión Económica para América lana (CEPAl), em que predomina um enfoque que privilegia a análise socioeconômica de caráter macroestrutural, sobre a condição das mulheres migrantes e o respeito aos direitos humanos. Sendo predominantemente uma região de origem das migrações, ais esdos inserem a qesão do ráco nm qadro hisórico mais amplo, em que se discutem as relações econômicas e sociais às quais as mheres sempre esveram sbmedas, o srgimeno recene de ma migração predominantemente feminina, as violações aos direitos humanos, os insrmenais jrídicos e programas sociais qe poderiam ser mobiiados em sa defesa (CAStEllANOS, 2005; CHIAROttI, 2003). No caso brasieiro, 94
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o desdobrameno do esdo da qesão do ráco, a parr das mobiiações inscionais para coibir essa forma de “crime ransnaciona” (Proocoo de Paermo), orieno-se em orno das denúncias crescenes sobre a exporação sexual de crianças e adolescentes no interior do país, da existência do chamado turismo sexual e da constatação de que uma vertente importante da recente emigração brasieira era consída por mheres desnadas para agns países da Europa, principalmente para o setor de serviços, incluindo os serviços de sexo comercial. Agns argos foram pbicados ainda no conexo da década de 1990, seja como denúncia da condição vivida por mheres brasieiras prosídas na Síça (HuBER, 1996), seja como ensaio procrando reacionar expiciamene a realidade dos migrantes brasileiros no exterior, a questão de gênero e o turismo sexa (lEItE, 2000). O amadrecimeno da discssão eórica de ordem socia e poíca, no enano, com as qesões emergenes qe he são decorrenes, só veio poseriormene, no bojo do qesonameno da ação insciona de repressão ao ráco, enconrando m pono de referência imporane no Núceo de Esdos de Gênero da universidade de Campinas (uNICAMP), e se veíco de expressão nos Cadernos Pagu. Em se nº 25, do segndo semesre de 2005, m dossiê apresena argos propondo-se a qesonar a inha predominane com que vêm sendo tratados temas sensíveis como a migração de mulheres, a prosição e o chamado rismo sexa: ma anáise do “esado da are” do debate internacional, cuja hegemonia vem sendo disputada por diferentes correntes do movimento feminista, e pelos interesses dos países ricos do Ocidene, em especia dos Esados unidos, raendo impicações probemácas para os países mais pobres em ermos de raça e gênero (kEMPADOO, 2005); oro argo qe anaisa o modo como o debae vem sendo consrído no Brasi, conagiado por m esado de “pânico mora”, qe reee ineresses exógenos ao conexo de origem da emigração brasieira (GRuPO DAVIDA, 2005); a abordagem antropológica de um estudo de caso, feito numa danceteria de Copacabana, sobre como se daria nesse gar especíco as reações enre clientes do “turismo sexual” e garotas de programa, com suas estratégias para viabiiar se próprio projeo migraório (SIlVA; BlANCHEttE, 2005); m esdo cenrado na prodção do discrso esgmaador sobre as imigranes que trabalham na indústria do sexo europeu, e que, contraditoriamente, não percebe, o obscrece, a práca do chamado rismo sexa (AGuStIN, 2005); m argo qe disce as poêmicas enre vários grpos, incindo feminisas, na caraceriação do rabaho sexa, em parcar aqee qe impica a presença de imigranes na Eropa (JulIANO, 2005). Esse posicionameno críco foi aprofndado nm dossiê ançado no nº 31, do segndo semesre de 2008, inado “Trânsitos”, coordenado por Adriana Pisciei e Márcia Vasconceos, e reprodido poseriormene no CD-ROM “Combate ao Tráco de Pessoas: trabalho em liberdade ”, ançado pea OIt, e já mencionado anteriormente3. É ineressane observar qe cinco dos see argos TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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pbicados nese dossiê êm o se foco no debae sobre as caegoriações mobiiadas no combae e repressão ao ráco de pessoas, como a qesão da “criminaiação” e/o “vimiação” das mheres migranes, os direios hmanos, as reações de gênero, as prácas do apareho jdiciário e poicia nesse âmbio, aém da críca ao discrso sobre o ráco mobiiado peas insições inernacionais e governamenais brasieiras. Assim, emos m argo qe se inscreve dentro do quadro de um estudo do Direito Penal aplicado à situação das mheres envovidas nesse po de desocameno (FARIA, 2008); ma anáise na linha de uma criminologia dos processos judiciais envolvendo denúncias de ráco, procrando discernir como se cooca a qesão de gênero (CAStIlHO, 2008); oro, a parr dos reaos de mheres migranes regressadas ao Aeroporo de Garhos, em São Pao, expõe a vioação dos direios hmanos no conexo do ráco e a imporância de disc-os nma perspecva de gênero (ASBRAD, 2008); m esdo qe reaciona noções como “rabaho forçado” e “ráco de pessoas”, considerando suas interfaces com a questão de gênero no mundo da migração (VASCONCElOS; BOlzON, 2008); m esdo críco da adminisração da jsça, em Direio Pena, considerando siações de prosição e ráco de pessoas, e sa reação com o respeio aos direios hmanos (OlIVEIRA, 2008). Dois oros argos parecem bscar ma inha de anáise mais abera, qe saem desse per críco mais esrio em reação à poíca de enfrenameno ao ráco, embora não deixem de qesonar os condicionamenos poícos da abordagem das ciências sociais qano ao ráco: a condição das ravess na Iáia, e sa reação com o combae e repressão à prosição (tEIXEIRA, 2008); e m exo de Pisciei (2008), no qa disce os percaços da consrção do processo de conhecimeno nessa área, com ma enava de faer m baanço dos mios dilemas e entraves postos a uma discussão mais isenta sobre o tema. Aliás, no Brasil, Adriana Piscitelli tem se revelado uma referência importante no estudo dessa área, envolvendo a questão de gênero, a emigração de mulheres, o rismo sexa, a práca da prosição o do mercado do sexo em soo erope. Direcionando sa avidade de pesqisa na área da anropoogia, os argos qe vem publicando contribuem, sobretudo, quando se quer considerar o ponto de visa das e dos migranes envovidos na dinâmica socia do ráco de pessoas. Em 2002, no nº 19 dos Cadernos Pagu, publicou um texto exploratório sobre as represenações qe cercam as narravas de viajanes, “risas” à procra de sexo, em países considerados exócos, discndo como noções de sexaidade, exosmo e aencidade esariam permeados pea qesão de gênero. A parr dessa mesma época, em qe esaria parcipando da reaiação das pesqisas PEStRAF, iniciaria m percrso qe resaria nm conjno de esdos cenrados na condição das mulheres migrantes envolvidas no mercado do sexo em países como Iáia e Espanha. Aém do qe vem pbicando nos Cadernos Pagu, e tendo parcipações em congressos e seminários, enre os qais podem ser ciados: abordagens da trajetória migratória de mulheres originárias do “turismo sexual” em Foraea, para a Iáia, onde se inserem no mercado do sexo o consegem 96
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mesmo conrair agma forma de marimônio (2004; 2007a); m esdo sobre as brasileiras no mercado do sexo na Espanha, recuperando suas trajetórias e represenações, em parcar qano ao sendo do so do corpo, do consmo eróco e das inerações de raça e nacionaidade no sexo comercia (2007b); outro estudo sobre as várias formas de inserção e circulação de brasileiras no âmbio da ransnacionaiação dos mercados sexa e marimonia, em países como Espanha e Iáia (2009). Em odos ees, exise essa bsca por recoher as percepções dos migrantes, e de dar valor ao modo como representam sua própria inserção no meio socia em qe normamene se dennciam os casos de ráco de pessoas. Esse viés de anáise ra qesonamenos sérios para o modo como as insições sociais, governamenais o não, se reacionam com as chamadas “vímas” do ráco, mesmo qando preendem defendê-as. Nesse campo especíco de discssão se insere o esdo críco da aação das organiações não-governamenais qe se propõem a resgaar as “vímas” do ráco de pessoas. A grande referência nesse campo é o rabaho de lara Maria Agsn, inado “Sex at the margins: migraon, labour markets and the rescue industry ” (2007). traa-se de m esdo rico em inições sobre o modo como se apresenta o mundo da mobilidade humana nesse início do século XXI, posando, porém, ma reexão basane poêmica qano à reaidade das rabahadoras migranes do sexo no connene erope. A aora possi ma rajeória de edcadora socia na América lana e Caribe, em parcar direcionada a migrantes e populações em risco social, como mulheres prosídas. Migrando para a Eropa, persevero nesse campo de aação e militância, passando também a desenvolver estudos nessa área, em que começo a qesonar de maneira críca as ONGs qe se propnham apoiar e resgaar migranes em siação irregar. Segndo Agsn, os agenes de serviço social constantemente negam o agenciamento dos trabalhadores migrantes por meio de m movimeno ao mesmo empo eórico e práco, cjo objevo é o gerenciameno e o conroe desses grpos sociais. O resado é ma vimiação da rabahadora migrane da indúsria do sexo, visa como víma invonária e passiva, e não como pessoas em busca de oportunidades de trabalho e ascensão social, mesmo que sob condições de trabalho ilegais e degradantes. tendo essa posra como pono de parda, e coocando-se na inha dos chamados “estudos culturais”, neste livro, a autora trabalha na intersecção de dois grpos: o dos migranes qe se desocam para a Eropa a m de se inserir no seor informa (domésco, serviços, enreenimeno, sexo...); e os qe rabaham no serviço socia jno aos imigranes, considerando-os como grpos de risco (ONGs, serviços púbicos). Os dois primeiros capíos discem de forma insgane as consrções eóricas qe procram compreender o modo como se congram aamene sob a gobaiação, ano o mndo da mobiidade humana, como o setor econômico dos serviços, no qual se insere a indústria do sexo. O primeiro capío rabaha com a ide de caegorias como “migração”, “rismo”, “viagens”, “rabaho”, para caraceriar as ambigidades das múpas TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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siações qe marcam ma mobiidade qe se desdobra de forma cada ve mais variada e híbrida, fgindo a qaqer caegoriação mais rígida. Nm conexo de xos cada ve mais imprevisíveis, não se em mais a possibiidade de denir de maneira clara o que seria migração para trabalho, ou viagem para turismo, tempo e espaço de aer e de rabaho, reações de gênero, nem propriamene qem seria o migrante. A experiência do migrante é marcada por uma simultaneidade crescene de papéis sociais, ocaiações e referenciais crais. Em meio a anas indenições, esraégias múpas, informais e híbridas de desocameno, como denir de maneira cara o qe seria ma siação de ráco? Em qe medida o migrane é “víma” o agene de se próprio desocameno? Igamene, no segndo capío, cooca em discssão as indenições sobre a mfaceada economia informal, designada de maneira genérica como sendo de “serviços”. A autora, ao mesmo tempo em que mostra como os empregos informais, de reconhecimento duvidoso, são necessários socialmente, demonstra também a importância desse setor informal, mesmo que invisível à contabilidade nacional, para o fncionameno da economia forma gobaiada. A chamada “indúsria do sexo”, qe se ramica nma enorme gama de “serviços”, qe excedem a pra e simpes “prosição”, é m dos mehores exempos de como ese seor informa, de lucros exorbitantes, ajuda a movimentar o ramo de entretenimento, hotelaria, gastronomia, de comunicações, entre outros. Ao setor informal, e dos serviços sexais em parcar, se dirige pare consideráve das mheres migranes, dando sendo à crescene feminiação das migrações, e a aora recpera vários de seus depoimentos, assim como de seus clientes. As mulheres migrantes, nesse seor margina da economia gobaiada, repropõem de maneira conradiória questões referentes à alteridade de gênero, raça, cultura, bem como formas aernavas de agenciameno de ses projeos migraórios. Nos capíos segines, Agsn enra propriamene no se ema: osrgimeno do seor socia, parcarmene aqee qe bsca de agma forma resgaar sociamene as mheres em siação de prosição. Nm capío dedicado à recperação hisórica do srgimeno desse seor na Eropa, drane o séco XIX, fa ma geneaogia dos processos sociais qe fndaram a anropia moderna, e de como está associada estreitamente com a emancipação das mulheres de classe média, da burguesia ascendente, para ocuparem posições no espaço púbico, por meio de insos e avidades qe, conradioriamene, se propõem a disciplinar e reeducar socialmente mulheres oriundas da classe trabalhadora, sendo as prosas m púbico avo por exceência. Dessa forma nasceria a aa “indúsria do resgae”, represenada peas inúmeras endades qe se propõem, em nome da emancipação das mheres e armação de ses direios, resgaar as mheres migranes, “vímas” do ráco. Em se inerário de anáise críca, a aora, aravés da observação parcipane e ma “m-ocaiada-enograa” reaiada na Espanha, bsca ovir a vo das migranes aando nesse nicho de rabaho, serviços sexais, e qesonar o campo de aação, as represenações, a meodoogia de inervenção socia e os posicionamenos poícos dessas ONGs. 98
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Para ano, em sa seção mais imporane, o ivro recpera oio narravas de aação dessas ONGs: na ra enre os grpos de mheres migranes; na ação de prevenção ao HIV; em grandes congressos sobre o combae ao ráco; em casas de acohida; no conao com donos de cabarés. A autora conclui mostrando como, no propósito de resgatar as imigrantes exploradas pela indústria do sexo, atualmente, o setor social tende a construir o se próprio objeo, o ráco de pessoas e sas vímas, para esdá-o, organiáo, debaê-o, geri-o e servir-se dee, reprodindo assim a desigadade e os esgmas qe marcam as mheres migranes, e perpeando as condições de difsão de sa própria avidade. A proposa da aora é a de redenir as qesões a parr da esca dos próprios migranes, considerando sa demanda por documentação, para sair da candesnidade e enconrar condições de rabaho dignas, para agenciar soções com a sa parcipação, sem perder de visa a reaidade de se desocameno, nm mndo de rabaho exíve, inserido na diáspora de um mercado transnacional. A tendência da autora em fgir de qaqer discrso moraiane, em bsca de soções pragmácas qe se ajustem às demandas das migrantes, no caso de sua inserção voluntária no mercado do sexo, é objeo de crícas, na medida em qe desconsidera os diferentes níveis de violência implícitos nos mecanismos sociais e econômicos que regem esse mercado, e que não necessariamente transparece em suas represenações. traar a qesão éca de maneira nicamene pragmáca ende para ma “miopia” qe não percebe a banaiação do ma impício nas prácas econômicas qe condicionam a vida de odos nm conexo de gobaiação, mas qe desqaicam, sobredo, os mais pobres. Revear as represenações neocolonialistas presentes no mercado do sexo e no setor social, ou se propor a assmir o proagonismo dos migranes, não jsca coocar a discssão éca nm segndo pano. No enano, Agsn apona para ago fndamena: como as endades da sociedade civi e sas mediações inscionais, não só agem na formação de ma caegoria socia, a “víma” do ráco, mas como ambém lidam com as pessoas que vivenciam de maneira contraditória essa condição. tais endades ambém êm se modo próprio de expressar sa visão do ráco, seu engajamento e posicionameno socia e poíco.
A palavra das endades no terreno de atuação Em um de ses argos, “Entre as ‘máas’ e a ‘ajuda’ ” (2008), Adriana Piscitelli expõe os muitos percalços que têm acompanhado os estudos da qesão do ráco. tais percaços provêm jsamene da gama de ineresses poícos qe vêm envovendo o enfrenameno desse probema, desde a formação do Proocoo de Paermo, aé a impemenação de poícas nos diversos países, caraceriando o ráco como crime ransnaciona, aém da fragiidade dos dados à disposição e generaiações indevidas, criando assim m estado de confusão conceitual que vem embaralhando o esclarecimento das várias qesões ssciadas. Como ese nosso “esboço” de revisão críca vem TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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mostrando, tal forma de posicionar o problema tem condicionado a literatura a respeio do ráco, ransiando enre a “criminaiação” e/o “vimiação” dos e das migranes, e a defesa de ses direios fndamenais. O qe aores como Agsn aponam é para a necessidade do diáogo com a visão de mndo dos migranes envovidos na qesão do ráco de pessoas. Enreano, percebemos como esses mesmos condicionamentos da produção de conhecimento sobre o ema ambém inenciam a ação de inúmeras ONGs, e embora as observações de Agsn aponem para a necessidade de ma aocríca por pare deas, essas endades ambém êm ma conribição signicava a aporar, como mediação para aceder ao mundo dos migrantes. Com efeito, como conhecimento mediado inscionamene, a consaação da condição de vioência em qe vivem migrantes explorados pela indústria do sexo, permite conhecer outras dimensões de suas vivências, que os próprios migrantes não se permitem revelar com tanta faciidade. Na verdade, não exise campo de invesgação cienca, em siações ão marcadas por conios de ineresses, enredando odas as pares envovidas, que seja completamente isento e transparente. O qe a experiência brasieira em mosrado, considerando seja as diversas reaidades de nosso país, seja o modo como enre nós o ráco de pessoas em se desdobrado em ramicações inernas, aém das inernacionais, abarcando vários ramos de rabaho desqaicado aém do mercado do sexo (core de cana, derrbada de maa, pasagem, serviço domésco, consrção civi...), é qe ave os qadros de enendimeno da experiência eropeia não possam ser facimene ransferíveis para o nosso país. O mehor, mesmo qaicando de maneira adequada o deslocamento de mulheres para o mercado do sexo transnacional, não se pode abstrair inúmeras situações de violência que acompanham a sa diversicada rajeória migraória. um ivro preparado sob os aspícios de ma rede de ONGs de rês países (Brasi, Sriname e Repúbica Dominicana) apresena m qadro de exporação de mheres qe afnda sas raíes no hisórico de injsças desses países, e qe ganha ma dimensão mais ampa, no circio da mobiidade ransnaciona. traa-se do ivro “Invesgación Triparte sobre trata de mujeres: Brasil. Republica Dominicana y Surinam: una intervención en red ” (2008), coordenado por Marce Hae, e organiado com o apoio de várias redes de endades como a Sociedade de Defesa dos Direios Sexais no Amaonas (SoDireios) do Brasi, qe coordeno o desenvovimeno da pesquisa, e a Red Lanoamericana y Del Caribe contra La Trata de Personas (GRAtW e a REDlAC). O propósio qe orieno o projeo foi o de consrir ma rede de inervenção qe considerasse a dimensão ransnaciona do ráco, por meio de ma aproximação enre as ONGs dos diferenes países, qe são “pone” para m processo de invesgação e prodção de conhecimeno, a parr do reao e do ponto de vista das pessoas envolvidas. Ese rabaho, de fao, procra renir informações a parr de diferenes perspecvas, por meio dessa rede de organiações qe se inserem diferenemene em ses países de referência, e qe por sa ve ambém apresenam qadros 100
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diversos em sa inserção nas ramas do ráco de pessoas. Iniciamene, a posição adoada é a de armar qe exise o ráco e qe ee consise nma práca criminosa, e por isso o primeiro capío visa jsamene apoiar-se no marco ega inernaciona, na bsca de enqadrá-o como a: o Proocoo de Paermo e a conceiação da OIt qe qaica o rabaho escravo e degradane como práca vioena e crime conra a iberdade. Em segida, xa as inhas comns qe conexaiam a invesgação: a siação de vnerabiidade socia das mheres racadas (gravide precoce, pobrea exrema, faa de opornidades e perspecvas, baixa escoaridade, insabiidade famiiar e conjga, vioência domésca, perda o abandono dos pais, ec.); conexo de gobaiação a parr de países periféricos; processo de deserrioriaiação da exporação econômica, desenraiando pessoas, amenando a insegrança e a perda de referenciais sociais; ma sbjevidade sbjgada, em qe a reação de gênero reee ma condição de permanene sbordinação. O ráco de pessoas apenas recongra ma siação de exporação hisoricamene incorporada e naraiada, ornando o corpo de mheres e de adoescenes objeo de sfro, ransformado em “coisa”, reaaiando o circio de escravidão em níve ransnaciona. Os capíos cenrais descrevem a siação de cada m dos países envovidos, desembocando no ráco e exporação sexa nos cbes noturnos da capital do Suriname ou nas minas e garimpos em seu interior. No capío correspondene a cada país, é dado m qadro gera geográco e hisórico, sa congração énica e socia, o marco ega qe em regado o combae ao ráco e o respeio aos direios hmanos. O capío mais exenso é aquele reservado ao Brasil, desenvolvendo longamente os dados colhidos dos relatos das informantes entrevistadas, entrevistadas, e também é aquele que oferece o quadro mais deahado das rajeórias de vida das mheres racadas, e as condições de sbjgação qe caraceriam o mercado sexa em Sriname. O ivro encerra com m ongo capío com concsões sobre a reaidade do ráco de pessoas nos rês países em qesão, e recomendações qe as ONGs indicam para o enfrenameno do probema e poícas púbicas direcionadas para as mheres e famílias mais vulneráveis socialmente, para que não sejam “presas” fáceis da ação dos arregimenadores do ráco para exporação sexa. Apesar de agmas fragiidades conceiais e anaícas, ese rabaho demonsra bem o poencia qe possem as ONGs no erreno de ação para conribir não só para a speração do ráco, mas ambém para a prodção de conhecimeno aênco sobre ee. Demonsra ambém como a reaidade do ráco possi diversas faces, conforme se desdobra o circio de desocameno, as trajetórias daqueles que se submetem a essa forma de trabalho, e as diversas regiões em que se desenrolam diversas modalidades de violência e exploração. Exisem várias oras endades no Brasi, organiadas em redes de coaboração, dos mais diferenes maes ideoógicos, qe desenvovem rabahos nessa área, como o Projeo trama, renindo ONGs como a Organiação de Direios Hmanos Projeo lega; o Inso Brasieiro de Inovações em Saúde Socia TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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(IBISS); CRIOlA (ma organiação de mheres afro-brasieiras); e a universidade do Grande Rio (uNIGRANRIO); o a paaforma Movimeno Conra o tráco de Pessoas (MCtP); a Associação Brasieira de Defesa da Mher, da Infância e da Jvende (ASBRAD); o Cenro Hmaniário de Apoio à Mher (CHAME), aém do já ciado SoDireios, enre mios oros grpos. todos ees possem ampo maeria divgavo, divgavo, em várias mídias, e aam, sobredo, na área da prevenção e da incidência poíca, moniorando e acompanhando a ação governamena de enfrenameno ao ráco. Porém, não se em conhecimeno de pbicações com estudos mais aprofundados quanto à proposta teórica ou ao levantamento levantamento empírico, por pare dessas endades e sas redes de ação, qe permissem ma forma aernava de aproximação da qesão. Denre as endades não-governamenais qe esão envovidas no enfrenameno ao ráco, nos ineressaria em parcar aqeas de caráer pasora, ainhadas à Igreja Caóica. Posando-se de forma aernava às divisões no seio do movimento feminista, que tem se dividido em sua militância para inenciar na orienação dada ao combae ao ráco, vários grpos e endades pastorais católicos, atuando em rede, têm uma inserção entre as mulheres marginaiadas, vneráveis ao ráco de pessoas. Em níve inernaciona, exise ma rede de insos de vida consagrada inensamene arcada: a Rede “thaia km”. Em vários países, redes de caráer naciona êm se organiado no combae ao ráco, e no Brasi arca-se em orno da rede “um Grio pea Vida”. Em parceria com a OIM, a unione dei Speriori Maggiori d’Iaia (uSMI) e a Inernaona union of Speriors Genera, a rede “thaia km” pbico m programa de formação (VOlPICEllI, 2004) com objevo de orienar os agenes pastorais atuantes principalmente na área de assistência e acompanhamento das “vímas” resgaadas do ráco. No Brasi, os grpos e endades ocais igados ao “um Grio pea Vida”, assim como as agenes da Pasora da Mher Marginaiada (PMM) o da Comissão Jsça e Pa – CNBB Regiona Pará e Beém, êm aado no erreno, na inha da prevenção e conscienação, o na incidência sobre os organismos púbicos de repressão ao ráco. Exise ainda pouco trabalho, e consequentemente pouca documentação e publicações, na inha da assisência às migranes envovidas no ráco desnado à exporação sexa. O qe exise de mais signicavo é a pbicação de ma carha pea rede “um Grio pea Vida”, Vida”, e viabiiada pea Conferência dos Reigiosos do Brasi (CRB, 2009), qe se propõe a ser m insrmeno de reexão para os reigiosos agenes de pasora engajados no compromisso de erradicação do ráco de pessoas. Recenemene, os Grpos de trabaho (Gts) sobre trabaho Escravo e tráco de Pessoas da CNBB, organiaram m II Seminário de Enfrenameno do tráco de Pessoas (Brasía, 11 a 13/08/2011), em parceria com o Minisério da Jsça e a Cahoic Reief Services (CRS), para ma maior arcação enre esses grpos e m aprofndameno da qesão do ráco, ambém nma óca pasora. Nesse meio, ambém há ma grande dicdade de organiação e de prodção de conhecimento mais aprofundado sobre a questão. 102
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Enm, m “esado da are” sobre o qadro aa de esdos e pbicações sobre o ráco de pessoas para exporação sexa, mesmo qe parcia e não passando de um “esboço”, revela um terreno de disputa ideológica ainda basane acirrada, condicionada pea qaicação do ráco como crime e peas ambigidades qe cercam a “vimiação” dos migranes. Não chega, porém, a revear em oda sa nide como os migranes vivenciam as várias formas de vioência qe cercam se projeo de migração, e de qe maneira se poderia faer emergir de fato sua cidadania, neste contexto marcado por tantas coerções. tampoco se pode inferir com carea como endades da sociedade civi, como as orindas da ação pasora da Igreja, de cnho caóico, poderiam coaborar para esse m, no respeio à aeridade dos migranes inseridos nesse meio. Ainda nesse sendo, seja como processo de prodção de conhecimeno, seja como engajamento pelo respeito da dignidade humana na pessoa do migrante, permanece sendo algo como um “canteiro de obras”, da construção de um “objeo” marcado marcado por dispas ideoógicas, em qe m dos desaos, com cerea não dos menores, seria o de aprender a escar a vo e discernir a condição vivida pelos migrantes.
Notas 1 - A ONG Repórer Brasi veica nocias e anáises sobre a qesão do rabaho escravo no Brasi, aravés de sa página: www.reporerbrasi.org.br, www.reporerbrasi.org.b r, e vem animando a campanha de prevenção e conscienação “Escravo, nem pensar”. A Comissão Pasora da terra (CPt), desde sas origens nos anos 1970, denncia ocorrências de rabaho escravo no meio rra brasieiro, e vem faendo campanhas de conscienação, denúncia e incidência poíca para a erradicação do rabaho escravo. Peo coneúdo veicado por essas denúncias, percebese como a questão da incidência do trabalho escravo está intrinsecamente associada com o fenômeno da migração temporária rural. 2 - O conjno é formado por 14 docmenos, renidos nm CD-ROM inado “Combate “Combate ao Tráco de Pessoas: Trabalho em Liberdade”, Liberdade ”, prodido sob os aspícios da Organiação Inernaciona do trabaho (OIt), e coordenado por thais Dmê Faria. Inci qaro docmenos reprodindo os resados e anáises da pesqisa PEStRAF, e oros de caráer ocia: “Passapore para a liberdade – m gia para brasieiros no exerior” (2007); “Pesqisas em tráco de Pessoas: I – Diagnósco sobre ráco de seres hmanos” (2004); “Gia para ocaiação dos ponos vneráveis à exporação sexa infano-jveni ao ongo das Rodovias Federais Brasieiras” (2004); “Brasieiras e Brasieiros no Exerior – Informações Úeis” (2007); “Pesqisa em tráco de Pessoas – O ráco de seres hmanos no Rio Grande do S” (2006); “Pesqisa em tráco de Pessoas: II – Indícios de ráco de pessoas no niverso de deporadas e não admidas qe regressam ao Brasi via Aeroporo de Garhos” (2006); “Pesqisa em tráco de Pessoas: III – tráco inernaciona de pessoas e ráco de migranes enre deporados(as) e não admidos(as) qe regressam ao Brasi via Aeroporo Inernaciona de São Pao” (2007); “Cidadania, Direios Hmanos e tráco de Pessoas: Mana para Promooras legais Popares” (2009); “Conribições para a Consrção de Poícas Púbicas voadas à Migração para o trabaho” (2009); “Cooperação e Coordenação Poicia no Mercos e Chie para o Enfrenameno do tráco de Pessoas” (2009); “tráco de Pessoas para ns de Exporação Sexa” (2006); “Enfrenameno ao tráco de Pessoas no Brasi – crso para poiciais” (2008); “Revisa Mercopo – capaciação e cooperação poicia no Mercos” (2007). Aém desse maeria de origem ocia, o CD-ROM ra ambém m número dos Cadernos Pag, TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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com m dossiê coordenado por Adriana Pisciei e Márcia Vasconceos, inado “trânsios”, com esdos inerdiscipinares, ineiramene dedicados à qesão do ráco de pessoas. Adriana Pisciei em se desacado no esdo anropoógico dessa emáca, qe é abordada na segnda pare dessa revisão bibiográca, e acompanho a coordenação cienca das pesqisas PEStRAF. 3 - Os argos aqi ciados dos Cadernos Pagu podem ser acessados também on line pela página da SCIElO Brasi.
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RESUMO O argo bsca faer m ensaio de revisão bibiográca sobre o ema do ráco de pessoas para exploração sexual, tendo presente que se trata de um campo de debates intenso e polêmico, ainda em formação. Divide-se em rês pares: exposição da ierara insciona, em qe predomina ma abordagem jrídica e poíca de organismos inernacionais e nacionais; a inerpreação das ciências sociais, na inha da socioogia, anropoogia e esdos crais; a prodção de ONGs e endades da sociedade civi, em especia da Igreja Caóica, qe se manifesam a parr de sa inserção no erreno de ação. As pbicações anaisadas são predominantemente acessíveis pela internet, procurando dar atenção especial para três publicações relevantes na área do direito penal, dos estudos culturais e de uma pesquisa mobiiada por ma rede inernaciona de ONGs, enre o Brasi, a Repúbica Dominicana e o Suriname. Palavras-chave: ráco de pessoas; exporação sexa; migração inernaciona.
ABSTRACT the arce aims o mae a ierare review on he heme of peope racing for sexa expoiaon, having in view ha his is an inense and poemic ed of discssion, s in formaon. I is divided in hree pars: presenaon of he insona ierare, in which predominaes a jridica and poica approach of naona and inernaona organiaons; a socia science inerpreaon, as in socioogy, anhropoogy and cra sdies; NGOs’ and civi sociey organiaons’ prodcon, especiay he Cahoic Chrch’s, ha come p from heir acon in he ed. the pbicaons in anaysis are mainy avaiabe onine, and we gave specia aenon o hree reevan pbicaons in he area of crimina aw, cra sdies and of a research condced by an inernaona newor of NGOs from Brai, Dominican Repbic and Sriname. (tradção de Nina Maria Pinheiro de Brio). Keywords: peope racing; sexa expoiaon; inernaona migraon.
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Resenha
LAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE MIGRACIONES Y LA SOCIEDAD CIVIL EN AMÉRICA LATINA Los casos de Argenna, Brasil, Colombia y México Leonir Mario Chiarello (coordinador) New York: SIMN, 2011, 644p.
La cresciente brecha económico-social entre los países, el empobrecimiento de amplios sectores de la población, la inequidad social, la falta de cohesión social, las crisis económicas, el lento crecimiento de las ofertas laborales que repercute en el desempleo, los desastres naturales y la violencia se encuentran entre los principales factores de la emigración de millones de latinoamericanos hacia el norte del continente americano o hacia otros países de la región. Por otra parte, en algunos de los países de destino de los migrantes, las políticas restrictivas obligan a millones de personas a vivir en situación de irregularidad migratoia, a la cual se vinculan los problemas de explotación laboral, violación de derechos humanos, vulnerabilidad social, tráfico humano y trata de personas, entre otras consequencias. En este complejo contexto, la gestión de los flujos migratorios requiere políticas públicas sobre migraciones que sean explícitas y que incluyan a las poblaciones migrantes. Uno de los elementos indispensables para la definición, puesta en práctica y evaluación de las políticas públicas sobre migraciones es el diagnóstico de los elementos vinculados a los procesos migratorios y sus impactos en las sociedades de origen, trásito y destino. El desconocimiento de los mismos genera, en muchos casos, políticas públicas ineficientes para la recepción e integración de las poblaciones migrantes. Asimismo, la gobernabilidad adecuada de los flujos migratorios exige la corresponsabilidad entre los gobiernos y los actores de la sociedad civil de los países de origen, tránsito y destino de los migrantes en la definición y desarrollo de plíticas y programas tendientes a garantizar la dignidad y TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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los derechos de los mismos migrantes y sus familias. En este sentido, el consenso entre los actores gubernamentales y los actores de la sociedad civil es una condición sine qua non para garantizar la legitimidad y eficacia de las políticas públicas sobre migración. La participación creciente de la sociedad civil en la definición, ejecución y evaluación de las políticas y programas de migraciones implica un cambio sustantivo en el carácter que tienen tales políticas y programas. Así, desde la concepción de las políticas públicas de migraciones como “políticas de Estado”, la activa intervención de la sociedad civil y sus resultados permiten definirlas en la actualidad como “políticas de Sociedad”. El carácter más amplio que han asumido estas políticas, tanto en términos de los actores sociales que participan, como en cuanto a las temáticas que constituyen sus fundamentos, permite observar cambios importantes tanto el la normativa internacional, como en la posición que sobre el tema han adoptado algunos países. En este sentido, la gama de fundamentos que sirven de base a la definición de las políticas públicas de migraciones se ha ampliado, yendo desde la perspectiva de la seguridad (en general, principal argumento de los países receptores), a la del costo-beneficio de las migraciones, o a aquellas que privilegian los derechos humanos de los migrantes, tal como se observa en la mayoria de países de América Latina. El papel privilegiado acordado a los fundamentos éticos en la definición y ejecución de las políticas públicas de migraciones permite observar el desplazamiento que está llevándose a cabo desde una concepción definida como “política de Estado” a otra que podría entenderse como “política de humanidad”. El futuro de las políticas públicas de migraciones va a enfrentarse a un especial desafío en la forma en que se articule la relación entre la sociedad civil y los gobiernos. Esa articulación puede orientarse tanto hacia la negación de derechos al migrante, como se observa en forma creciente en la opinión pública de gran parte del mundo desarrollado, como a la aceptación del principio de desarrollo humano de la persona migrante como base de toda política, la cual ha sido ya asumida por diferentes organizaciones de la sociedad civil comprometidas en la defesa de tales derechos. Para responder a estos desafíos en la definición, ejecución y evaluación de las políticas públicas sobre migraciones, la Rede Scalabriniana Internacional de Migración (SIMN, por su sigla en inglés – Scalabrini International Migration Network ) ha implementado un sistema de monitoreo de las políticas públicas sobre migraciones y de vinculación permanente entre los tomadores de decisión sobre migraciones. 112
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Una de las actividades específicas de este sistema de monitoreo es la realización de investigaciones sobre los aspectos críticos de las migraciones internacionales y sus vinculaciones con las políticas públicas. Después de haber realizado un estudio exploratorio sobre las políticas públicas sobre migraciones en el continente americano1, el SIMN promovió la presente investigación sobre las políticas públicas sobre migraciones y la participación de la sociedad civil en la definición, ejecución y evaluación de tales políticas en los cuatro mayores países de América Latina: Argentina, Brasil, Colombia y México. Esta investigación ofrece un diagnóstico actualizado de las principales tendencias de los flujos migratorios y las iniciativas que están llevando a cabo los actores políticos y sociales que trabajan en el campo de las migraciones en estos cuatro países, lo que permitirá a los tomadores de decisiones en materias migratorias contar con nuevos elementos para la definición e implementación de nuevas políticas públicas y programas sobre migraciones. En el primer capítulo de la presente investigación, Lelio Mármora, con la colaboración de Gabriela Altilio, María Laura Gianelli Dublanc y Yamila Vega, presenta las principales tendencias de las migraciones en Argentina, las políticas y leyes sobre migraciones implementadas a lo largo de la historia de este país y, finalmente, una panorámica amplia de las actividades promovidas por los actores de la sociedad civil vinculadas a la definición, implementación y evaluación de las políticas públicas y programas argentinos sobre migraciones. En el segundo capítulo, un equipo de investigadores coordinado por Neide Patarra e integrado por Duval Magalhães, Paolo Parise, Dirceu Cutti, Helion Póvoa Neto y Mariana Aydos, con la colaboración de Elizângela Lacerda, presenta un diagnóstico sobre las migraciones a lo largo de la historia de Brasil, así como los principales instrumentos normativos e institucionales a través de los cuales se ha basado la gobernabilidad migratoria en el país, para concluir, finalmente, con una exposición de las principales percepciones y acciones de los actores sociales en Brasil en lo que concierne a la promoción de los derechos de los migrantes y de políticas públicas sobre migraciones. En el tercer capítulo, Roberto Vidal, Rosa María Martín, Beatriz Eugenia Sánchez y Marco Velásquez presentan el extenso panorama de 1 – MIRKIN, Barry. La migración internacional en el Hemisferio Occidental: un estudio exploratorio. New York: Scalabrini International Migration Network, 2011. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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la migración, el refugio y el desplazamiento en Colombia, la descripción de las políticas públicas sobre migración, desplazamiento y refugio que se han desarrollado, y el detalle del marco normativo de la participación ciudadana en la definición de políticas públicas sobre migración, desplazamiento y refugio en este país. En el cuarto capítulo, después de la exposición de Jorge Durán de las principales tendencias de la inmigración, emigración, transmigración y refugio en México, Cecilia Imaz presenta el marco jurídico e institucional de las políticas públicas mexicanas. Posteriormente, Rodolfo Casillas analiza la labor humanitaria al servicio de los migrantes promovida por las organizaciones de la sociedad civil, focalizando su atención en la experiencia de los albergues y casas de migrantes. Finalmente, Florenzo María Rigoni presenta una lectura sapiencial sobre los flujos migratorios centroamericanos en México. La investigación sobre las políticas públicas sobre migraciones y la sociedad civil en Argentina, Brasil, Colombia y México revela que los hombres, mujeres, jóvenes, niños y niñas que migran, que son desplazados o refugiados son sujetos de derecho y también actores centrales en la construcción de una cultura de convivencia en la cual todos pueden disfrutar de los derechos inalienables que poseen de forma inherente por el mero hecho de ser lo que son: seres humanos. En este sentido, la concertación y la coordinación entre los actores del Estado y de la sociedad civil, incluidos los migrantes, son una prioridad en la agenda política y social de estos países. Leonir Chiarello Lelio Mármora
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Crônica
Zingari Em Roma, é praticamente impossível andar de metrô, de trem, de bonde, e não topar com eles. A atenção ao jornal ou à paisagem na janela é interrompida pela breve saudação em forte sotaque estrangeiro, ao mesmo tempo em que instrumentos musicais são retirados de mochilas e bolsas. Começam então a tocar e cantar em meio ao vagão, num espetáculo que precisa ser rápido, olhos e ouvidos atentos à possível intervenção da segurança do sistema de transportes, que quando os surpreende obriga a parar e a descer. O copinho é passado ao fim da apresentação-relâmpago, e ao depositar a moeda a pergunta “de onde vêm?” recebe sempre a mesma resposta: romenos, todos, aparentemente sem exceção. E, naturalmente, ciganos. O que não é dito mas está implícito. Tocam violino, acordeom, címbalo, guitarra, gaita, e alguns portam também à cintura o modernoso acompanhamento de uma bateria eletrônica. Um repertório que não varia muito: O Sole Mio, La Cumparsita, Cielito Lindo, Torna a Sorrento, a Marcha Turca de Mozart, Besame Mucho. Às vezes, também, uma canção cigana. Poucas, infelizmente. Tudo misturado e emendado, atendendo, no limite de tempo entre duas estações, ao que imaginam ser o gosto do público. Ouve-se também, frequentemente, o Tico-Tico no Fubá, que sabem ser do Brasil. Além de uma original versão de “Água de beber” com violino e acordeom, ouvida uma vez a caminho da Piazza del Popolo. Embora alguns sejam músicos estupendos, a qualidade da execução TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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nem sempre é das melhores. Sem falar nos que apelam, como aquele casal com uma criança de colo que, enquanto o pai sola sofrivelmente na gaita o “Cielito lindo”, a mãe instiga a menina – que não deve nem saber falar – a fazer o “ai, ai, ai ai”. Alguns passageiros torcem o nariz, fazem qualquer comentário hostil ou abrem a janela para arejar o ambiente, insinuando que os artistas não primam pela higiene pessoal. Mas há também olhares atentos, sorrisos contidos de satisfação, e muitos contribuem com um trocado, reconhecendo que a música ajuda a entreter a viagem. O que não elimina um juízo bastante generalizado de que os zingari são, além de sujos, tutti ladri . Enganadores, raptores de crianças, hipnotizadores. Uma gente que colore um pouco a ocre paisagem romana, mas em quem não se deve confiar. Opinião por sinal compartilhada tanto pelos italianos quanto pelos romenos não-ciganos, indignados com a possibilidade de serem confundidos com “aqueles”. Que na sua maior parte habitam barracas precárias e trailers nos campos nômades da periferia, visíveis da janela dos trens pendulares. São áreas degradadas, próximas aos grandes eixos viários de acesso a Roma, onde predomina uma relação tensa com os vizinhos, com casos de expulsões violentas e de acampamentos incendiados.
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Os assentamentos, porém, não param de se expandir e multiplicar. Mesmo rejeitados, os ciganos continuam a chegar do Leste, onde por décadas se ofereceu a imagem do Ocidente capitalista como terra das oportunidades. Buscando por vezes a concessão de asilo político, ou simplesmente enfrentando a situação de ilegalidade, saem de terras nas quais seus antepassados foram vendidos e escravizados por séculos, durante um período por sinal quase coincidente com o da escravidão africana na América. Onde, aliás, os ex-escravos também se notabilizaram, entre outras coisas, pela arte musical. Mas essa é outra história. Quem mora em bairro distante e vai para casa tarde da noite também os encontra nos ônibus, carregando os instrumentos depois de um dia de trabalho, e às vezes ameaçando transformar a viagem numa improvisação coletiva, liberados que estão, a essa hora, de tocar apenas o trivial mais conhecido dos italianos. E, aí sim, executam algumas peças dos taraf , grupos de músicos das aldeias na Romênia. Quando isso acontece, fica difícil descer no ponto certo, a tentação é seguir viagem ao lado deles. Muitas vezes, confesso, fiquei dividido. Talvez nos campos nômades toquem noite adentro, cantando em sua própria língua, talvez dancem junto à fogueira. Quem sabe? Acompanhada dos estereótipos sempre presentes, persiste a curiosidade, quase fascínio, que despertam. Como indesejáveis, invasores, mas também como a surpresa sonora que surge em meio ao trem superlotado. Um mundo que parece impenetrável, um caráter que suscita desconfiança. Mas o copo de papel, apresentado no fim, bem que merece a moedinha. Grazie, buon viaggio signore . Helion Póvoa Neto
Roma, maio de 2003
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Espaço aberto à divulgação de livros doados à Biblioteca do CEM Serão divulgados apenas os livros que se enquadram nos critérios de catalogação da Biblioteca do CEM, especializada em migrações.
Neste estudo Henrique Manoel da Silva busca
acompanhar o signicado da ocupação da fronteira oriental paraguaia, não só como fenômeno de expansão da fronteira, típica do modelo brasileiro, mas também em sua singularidade, a de ser transnacional. Se, por
um lado, os princípios que nortearam a moderna expansão da fronteira agrícola brasileira foram, em grande medida, reproduzidos no processo
de colonização paraguaio, por outro, essa reprodução não se fez sem uma acomodação às circunstâncias e peculiaridades do universo
social, político e econômico paraguaio. Entretanto, constata-se uma maior vinculação ao Brasil, e, os próprios imigrantes brasileiros continuam rearmando seus laços identitários com o país e suas comunidades de origem.
Este livro, de autoria de Marcelo Cintra de Souza, fartamente ilustrado, é fruto de iniciativa do Memorial do Imigrante, em parceria com
a Imprensa Ocial do Estado de São Paulo. Mostrar quem fez e quem faz a imprensa
imigrante em São Paulo, desde os primeiros Periódicos que apareceram no Brasil, até as mais tradicionais e inuentes publicações dirigidas para esse público, que ainda circulam no mercado paulista, é o objetivo desse trabalho.
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O migrante, o refugiado, o deslocado, o
fronteiriço, o habitante da periferia urbana, todos vivem superando limites, reconstruindo mundos
em seus movimentos. Como saber de seus caminhos no passado, acompanhar os seus passos no presente e imaginar o seu futuro?
São perguntas difíceis de responder dentro de limites restritos a uma única disciplina do campo
cientíco. Tais questões dizem respeito aos pesquisadores, aos que se movem pela causa dos migrantes, bem como aos que sofrem a
violência do deslocamento forçado ou a restrição do seu direito à livre mobilidade.
Este livro, organizado por Ademir Pacelli Ferreira, Carlos Vainer, Helio Póvoa Neto e Miriam de Oliveira Santos reúne 29
contribuições apresentadas durante o III Seminário promovido pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios-NIEM, em 2008.
En esta obra, Loreta Ortiz Ahlf, una vez esbozado el contenido del derecho de acceso a la justicia y el concepto de inmigrante irregular y su régimen internacional, analiza
la problemática del derecho de acceso a la justicia de los inmigrantes irregulares en el derecho internacional, en el derecho de la
Unión Europea, así como lo relativo al acceso a la justicia a los sistemas regionales de
protección de los derechos humanos europeo y americano.
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Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes é procuradora do trabalho no Ministério Público brasileiro desde 1998. Este livro é fruto de sua tese doutoral em Direitos Humanos e Desenvolvimento, defendida na Universidade
Pablo de Olavide, em Sevilla. Com base em sua experiência, a autora busca compreender o estatuto do estrangeiro a partir dos Direitos Humanos. O estatuto do estrangeiro é um tema extremamente relevante no contexto
atual devido as graves violações que sofre. Este trabalho torna-se um instrumento na luta pela dignidade humana, especialmente do estrangeiro.
O estudo está divido em cinco capítulos com os seguintes temas: Ideologia e crítica das migrações; A nacionalidade como critério de exclusão; As migrações no Direito Internacional; Aspectos sociojurídicos da i(e)migração brasileira; Legislação brasileira sobre “estrangeiros” e regras de nacionalização do trabalho. Segundo a própria autora, o presente estudo busca evidenciar a tentativa de superar normas jurídicas, que desconsideram os Direitos Humanos como eixo princ ipal.
Este livro resulta de um abrangente estudo concebido e coordenado por pesquisadores do
Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas
Gerais (Cedeplar/UFMG) e do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo/Unicamp). O objetivo consistiu em traçar um diagnóstico da atual conjuntura nacional e traçar as dimensões futuras dos processos demográcos e a diversidade migratória da América Latina. O estudo comporta duas partes: a primeira
apresenta a transição demográca, as políticas sociais, os desaos, as possibilidades e o crescimento demográco na conjuntura nacional. A segunda aponta a situação das migrações internacionais, diagnósticos dos uxos migratórios, o contexto da América Latina e outros movimentos de migração. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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O livro de Maciel Cover é fruto da elaboração de sua dissertação de mestrado na Universidade Federal da Paraíba/UFPB. Seu livro foi premiado pala Associação Brasileira de Estudos do Trabalho – ABET, através do Prêmio “Mundos do Trabalho em perspectiva Multidisciplinar – 2011”. O texto em referência analisa o trabalho dos migrantes sazonais no corte de cana.
Trabalhadores que se deslocam – todos os anos de abril a dezembro – do Nordeste do Brasil (sertão da Paraíba e do Ceará) para as usinas de cana-de-açúcar do Estado de São Paulo (região de Campinas e Piracicaba). O autor fundamentou-se no método etnográco, com participação nos locais de trabalho e nos alojamentos, “Roça” e “Barraco” como já revela o título. Analisando uma turma de quarenta trabalhadores.
“El Centro Integrado de Atención al Migrante (CIAMI) – Un espacio de inclusión social para las mujeres migrantes en Santiago de
Chile” retrata uno de los tantos servicios a los migrantes por parte de los Misioneros
Scalabrinianos. Este libreto es el resultado de un trabajo teórico-práctico de Pe. Isaldo Antonio Bettin (pe. Beto), director actual de CIAMI. En el centro de este estudio están los servicios otorgados a las mujeres migrantes extranjeras, como a las provenientes de distintas regiones
del país durante los diez años de historia de CIAMI. Además, también se dedica a la descripción de la actual realidad migratoria mundial y chilena. 126
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Esta obra, organizada por Loraine Slomp Giron e Roberto Radünz reúne trabalhos do
II Simpósio Internacional sobre Imigração Italiana e o X Fórum de Estudos ÍtaloBrasileiros, realizados através de convênio entre a Universidade de Caxias do Sul e a Universidade de Padova, em 2005, por ocasião da comemoração dos 130 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul, contando com a
presença de professores italianos. O livro foi lançado em 2007, ano em que a Universidade de Caxias do Sul comemorou 40 anos de fundação. A trajetória da Universidade foi marcada pelo estudo da imigração italiana e, posteriormente, por convênios com várias universidades italianas. Os quinze artigos que formam a obra tratam
dos seguintes eixos temáticos: Cultura, língua e religião.
Las autoras de este libro, Isabel Berganza S. y Judith Purizaga G., investigan y describen la macro región norte de Perú, compuesta por las regiones de Tumbes, Piura, Lambayeque y Cajamarca, una zona con fuerte movilidad migratoria, tanto de carácter regional (costasierra-selva) como externo, en especial a Ecuador, hacia donde migraron más de treinta mil peruanos. Esta realidad también fue evaluada bajo la mirada macro internacional.
Han utilizado tanto la metodología cuantitativa como la cualitativa, a través de entrevistas
en profundidad. Las conclusiones permiten subsidiar los equipos pastorales de Movilidad Humana y de Derechos Humanos. TRAVESSIA - Revista do Migrante - Nº 69 - Julho - Dezembro / 2011
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