C oordenação E
dit ori al
Irmã Jacin ta Turolo Garcia C oord ena ção A dm inis tr at iva
Irmã Teresa Ana Sofiatti A sses soria A d m in is tr ativ a
Irmã Adeli r We ber C oordenação d
a C ol eção H ist ór ia
Luiz Eugênio Vcscio C om itê E ditori al A cadêm ico
Irmã Jacin ta Turolo Garcia - Presidente Jo sé Jo bs on de Andrade Arruda Luiz Eugên io Vé scio Marcos Virmond Newton Aqui les von Zuben
Testemunha ocular história e imagem Peter Burke
Em mem ória d e Bob Scri bner
TRADUÇÃO
Vera Maria Xavier dos Santos REVISÃO
TÉCNICA'
Daniel Aarão Reis Filho
EDÜSC Editora da Unlvaraldada do Sagrado Coração
Editora da Unhraraidada do Sagrad o Coração .
B9 59 6t Burke, Peter. Testemunha ocular : história e imagem / Peter Burke ; tradução Vera Maria Xavier dos Santos • revisão técnic a Daniel Aarâo Reis Filho. - Bauru, SP : EDUSC, 2004. 270 p : : il. ; 22,7 cm —(Co leção Hist ória) Inclui bibliografia. Tradução de: Eyewitnessing: the uses of images as historical evi dence, c2001. ISBN 85-7460-192-6 1. História mundial - Obras pictóricas. 2. História - Fontes - Obras pictóric as. 3. Historiografia - Fotog rafia. I. Título. II. Série.
CDD 909 ISBN 1-86189-092-3 (srcinal) by Peter Burk e w as first publi shed by Reaktion Books, London, UK, 2001 Copyright © Peter Burke 2001 Copyright © (tradução) EDUSC, 2004
Eyewitnessing
Tradução realizada a partir da edição de 2001 Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela EDITORA DA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO Rua Irmã Arminda, 10-50 CEP 17011-160 - Bauru - SP Fone (14) 3235-7111 - Fax (14) 3235-7219 e-mail:
[email protected]
No
t a do
E di
t o r
\
Este livro foi objeto de grande publicidade na mídia brasileira em 2003 por causa de graves erros existentes na tradução brasileira. A EDUSC, ciente de suas responsabilidades, imediatamente suspendeu a comercialização, recolheu os exemplares já vendidos e indenizou os leitores. Em seguida, o texto foi encaminhado ao historiador Daniel Aarão Reis Filho, que procedeu minuciosa revisão no texto publicado. Posteriormente, o texto já corrigido foi enviado ao autor, que juntamente com sua esposa, a Professora brasilei ra Maria Lúcia Pallares-Burke, conferiu o trabalho realizado. Este é o livro que entregamos aos leitores brasileiros, acrescido de um prefácio elaborado pelo autor.
O Editor
Ag r a d e c i m e n t o s FOTOGRÁFICOS
. O autor e os editor es desejam expressar seus agrad ecimen tos às se guintes fontes de ilustrações e/ou permissão para reproduzi-las (exceto as fontes às quais são dad os os créd itos com pletos nas legendas): Galeria de Arte Toi o Tamaki de Auckland (oferta do Grupo Rutland): 13; Biblioteca Nacio nal da Franç a, Paris: 9 (Cabinet d’Estampes) , 29 ,3 3 ,3 4 ,7 6 (Cabinet d’ Estampes, Coleção de Vinck); Bildarchiv Marburg: 15; Gerard Blot: 61; fotografia com permiss ão da Biblioteca Britânica, Londr es: 19; fotografia © Museu Bri tânico (Departamento de Impressos e Desenhos): 3,60; Biblioteca da Univer sidade de Cambridge: 64; fotografia © Museu Fitzwilliam, Universidade de Cambridge: 11; fotografia © Museu Britânico (Departamento de Impressos e Desenhos): 3,60; com permissão das autoridades da Biblioteca da Universi dade de Cambridge: 64; Museu de Arte Fogg, Cambridge, MA (legado de Greenv ille L. Winthrop ): 65; Museu N acional de Goethe, Weimar (Nationale Forschung-und-Gedenkstatten der klassi sschen deutsch en Litteratur): 50; Bi blioteca do Congre sso, Washington, DC, D epartamento de Impressos e Fo to grafias (Coleção da Administração de Seguros Agrícolas): 6$; Galeria Nacio nal de Artes, Washington, DC (Coleção Samuel H. Kress): 27 (foto © 2001 Conselho de Curadores, Galeria Nacional de Artes, Washington, DC); Gale ria Nacional, Londres: 52 (oferta de Lorde Duveen através do NACF), 75 (ofe rta de Sir Richard Wallace); B ibliot eca Pública de No va York: 5; Nordiska Museets bi ldbyra: 46; Museu de Arte da Filadélfia (Coleção John G. Jo hn son ): 67 ; foto grafia © Fototecas dos Museus da Cidade d e Paris/Habouzit: 8; RM N, Paris: 1,61; Coleção de Fotografias dos Arquivos Reais, Castelo de Windsor: 74 (fotografia Arquivos Reais © Sua Majestade Rainha Elizabeth II); Statens
Agradecimentos fotográficos
Konstmuseer/O Museu Nacional Estocolmo: 57; Stiftung Wemarer Klassik: 50 ; Tate Britânica, Londres (legado de Agnes Ann B est): 51 (© Tate, Londres, 2000); Biblioteca da Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, PA (Coleção Edgar Fahs Smith: Smith Folio 542.1 G363): 41; Biblioteca da Universidade de Utrecht (Ms.842): 40; V&A Biblioteca de Imagem/© Conselho de Curadores do Museu Victoria e Albert: 39, 55; foto cortesia do Instituto Warburg, Londres: 18.
Su m á r i o
i
Prefácio
à
E diçào Br a sil ei r a
9
Prefácio
e
Agradecimentos
I ntrodução 11
O testemunho das imagens
Ca pit ul 25
o
1
Fotografias e retratos
Capitulo
2
43
Iconografia e iconologia
57
O sagrado e o sobrena tural
73
Poder e protesto
Ca pit ul
Ca pít ul
Ca pit ul 99
o
4
5
o
6
Visões de sociedade
Capítulo 153
o
3
Cultura material através de imagens
Ca pit ul 127
o
7
Estereótipo s do outro
Sumário
Capítulo 8 Narrativas visuais
175
Capítulo 9
De testemunha a historiador
197
Capítulo 213
10 Além da iconografia?
225
A história cultural das imagens
239
B ibl iog r a fia selecionada
253
Índice r emiss ivo
Capítulo
!
11
P r e f á c i o à E dição
B r a si l e i r a
Historiadores tradicionais, ou mais exatamente historiadores céticos quanto ao uso de imagens como evidência histórica, freqüentemente afirmam que imagens são ambíguas e que podem ser “lidas” de muitas maneiras. Uma boa resposta a este argumento seria apontar para as ambigüidades dos textos, especialmente quando são traduzidos de uma língua para outra. Exemplo dis so é o livro que você está começando a ler. Escrito em inglês com o objetivo de atingir um público de língua inglesa, ele às vezes emprega coloquialismos de difícil compreensão para os leitores estrangeiros, ou admite facilmente pressu postos quando seria necessária uma explicação para o outro lado de uma fron teira cultural. É po r isso que acham os necessário reler a tradução. A gradecemos especialmente a Daniel Aarão pelo serviço de revisão que resultou numa nova versão, que po r sua vez foi revisada por mim e por m inha esposa. As imagens também podem ser traduzidas, no sentido de que podem ser adaptadas para uso em um ambiente diferente do que foi inicialmente idealizado (em outros termos, elas podem ser adaptadas para o uso em uma cultura diferente). El as podem até ser trad uzidas erradamente (pelo meno s do ponto de vista do artista srcinal). Um bom exemplo deste tipo de “tradução cultural”, como é normalm ente denominada, nos vem da China do século 16. O missionário jesuíta italiano Matteo Ricci utilizava imagens, principamente gravuras flamengas com cenas da vida de Cristo, procurando atrair a atenção dos chineses para o Cristianismo. Os artistas chineses começaram a copiar es tas gravuras flamengas e adaptá-l as, consciente ou inconsciente mente, ao am biente chinês, mudando as fisionomias o cidentais par a chinesas, por exemplo. Atualmente, estas cópias chinesas são uma evidência importante da “recep-
í
Prefácio à Edição Brasileira
ção” chinesa do Cristianismo, confirmando o que sabemos por outras fontes sobre o modo como os chineses assimilaram uma religião nova a suas crenças tradicionais. Retornamos à questão da importância das imagens para os historiado res com o um a form a de evidência. A respeito deste a ssunto, minha mensagem é a mesma para os brasileiros e para os leitores de outros países, consideran do-se que o objetivo de meu livro foi apresentar conclusões gerais (por mais provisórias que sejam). Eu continuo acreditando que os historiadores devem sempre utilizar imagens junto com outros tipos de evidência, e que precisam desenvolver métodos de “ crítica das fontes” para imagens exatamente co mo o fizeram para os textos, interrogando estas “testemunhas oculares” da mesma forma que os advogados interrogam as testemunhas durante um julgamento. No caso do Brasil, gost aria simplesmente de lembrar aos leitores que já na década de 1930, cinq üenta anos antes qu e os historiadores fizes sem sua “vi rada visual”, Gilberto Freyre sugeria que as imagens fossem igualmente c ons i deradas fontes junto com outras fontes não convencionais tais como as tradi ções orais e anúncios de jorna l. Certo s tipos de i magens têm sido i ntens ame n te estudados por historiadores dedicados ao estudo do Brasil, principalmente as pinturas de Frans Post e os desenhos e gravuras de Jean-Baptiste Debret, e muitas outras imagens podem ser úteis neste sentido. Devo admitir que, en quanto escrevia este livro, eu tinha a esperança de que uma tradução dele fos se publicada no Brasil, e por isso propositadamente terminei o livro com uma fotografia do Rio de Janeiro, tirada por Augusto Stahl em meados do século 19, esperando que isso pudesse servir de estímulo aos historiadores brasileiros para fazerem maior uso de imagens desse tipo, não apenas em seus estudos do século 19, que agora nos parece tão distante, mas também no da história das décadas recentes.
Peter Bu rke
Cambridge, 17 de março de 2004
u
Pr
e f á c io e
A gradecimentos
Conta-se que, na China, um pintor de bambu foi aconselhado por um colega a estudar o bambu por vários dias, mas pintá-lo em poucos minutos. Este livro foi escrito relativamente rápido, no entanto, minh a preocupação com o assunto remonta há mais de trinta anos, quando eu estudava o surgimento de um senso de anacronismo na cultura européia e percebí que, enquanto tex tos podem não suscitar a questão quanto ao passado ser remoto ou distante, pintores não podiam ignorar o assunto e tinham de tomar decisões sobre, di gamos, pintar Alex andre, o Grande, em traje da época em que viviam esses pin tores ou de alguma época diferente. ínfelizmente, a coleção para a qual eu es tava escrevendo na época n ão incluía ilustrações. Desde aquela época, tenho tido muitas oportunidades de usar imagens como evidência histórica e pude até mesmo ministrar um curso sobre o assun to para alunos graduandos de primeiro ano na universidade de Cambridge. A partir daquele curso, idealizado e ministrado com o falecido Bob Scribner, surgiu este livro, uma contribuição para uma coleção da qual Bob foi um dos editores. Esperávamos escrever um livro desse tipo juntos e, agora, dedico-o à sua memória. Gostaria de agradecer a minha mulher Maria Lúcia, que me ensinou o sentido da expressão “meu melhor c rítico”, e também a Stephen B ann e Roy Porter, pelos comentários construtivos sobre a primeira versão do livro, e ain da a José Garcia Gonzáles, por chamar minha atenção para as reflexões sobre equitação p olítica de Diego de Saavedra Fajardo.
9
I ntrodução
O TESTEM UN HO D AS IMAGENS
Ein Bíld sagt meh r ais 1000 Worte.
[Uma imagem vale mais do que mil palavras.] Ku r t T ucholsky
Este livro está primordialmente interessado no uso de imagens como evidência histórica. É escrito tanto para encorajar o uso de tal e vidência, quan to para advertir usuários em p otencial a respeito de possíveis perigos. Nos últ i mos tempos, os historiadores têm ampliado consideravelmente seus interesses para incluir apenas eventosdas políticos, tendências econômicas sociais, mas não também a história mentalidades, a história da vidae estruturas cotidiana, a história da cultura material, a história do corpo, etc. Não teria sido possível desenvolver pesquisa nesses campos relativamente novos se eles tivessem se li mitado a fontes tradicionais, tais como documentos oficiais produzidos pelas administrações e preservados em seus arquivos. Por essa razão, lança-se mão, cada vez mais, de uma gama mais abran gente de evidências, na qual as imagens têm o seu lugar ao lado de textos lite rários e testemunhos orais. Tomemos a história do corpo, por exemplo. Imagens constituem um guia para mudanças de idéias sobre doença e saúde e são ainda mais importantes como evidência de padrões de beleza em mutação, ou da história da preocupação com a aparência tanto de homens quanto de mulheres. Por outro lado, a história da cultura material, discutida no Capítulo 5, tornar-se-ia virtualmente impossível sem o testemunho de imagens, que também oferecem uma contribuição importante para a história das mentali dades, como os Capítulos 6 e 7 tentarão demonstrar.
11
Introdução
A INVISIBILIDADE DO VISUAL? É bem possível que historiadores ainda não considerem a evidência de imagens com bastante seriedade, a tal ponto que uma discussão recente falou da “invisibilidade do visual”. Como observado p or um historiador da arte, “his toriadores ( .. .) preferem lidar com textos e fa tos políticos ou econôm icos e não com os níveis mais profundos de experiên cia que as imagens sondam”, enqua n to outro historiador refere-se à “condescendência em relação a imagens” que isto implica.1 Relativamente poucos historiadores trabalham em arquivos fotográfi cos, comparado ao número desses estudiosos que trabalham em repositórios de documentos escritos e datilografados. Relativamente poucos periódicos históricos trazem ilustrações e , quando o fazem, po ucos colaboradores apro veitam essa oportunidade. Quando utilizam imagens, os historiadores ten dem a tratá-las como meras ilustrações, reproduzindo-as nos livros sem co mentários. Nos casos em que as imagens são discutidas no texto, essa evidên cia é freqüentemente utilizada para ilustrar conclusões a que o autor já havia chegado por outros meios, em vez de oferecer novas respostas ou suscitar novas questões. Por que isso acontece? Num e nsaio em que descreve sua descoberta das fotografias Vitorianas, o falecido Raphael Samuel descreveu-se e a outros his toriadores sociais de sua ger ação co mo “visualmente analfabetos” . Crianç a na década de 1940 , ele foi e perman eceu, usando sua própria expressão , “com ple tamente pré-televisual”. Sua educação, tanto na escola quanto na universida de, fo i um treinamen to em ler textos.12 Apesar disso, uma significativa mino ria de historiadores já estava utili zando a evidência de imagens nessa época, principalmente em períodos nos quais documentos escritos eram escassos ou inexistentes. Seria realmente di fícil escrever sobre ai pré-h istória eu ropéia, po r exemplo, sem a evidência das 1 FYFE, Gordon; LAW, John. On the Invisibility o f the Visual. In: FYFE, Gordon; LA W, John. (Ed.). Picturing Power. London: Routled ge, 198 8. p. 1-14; PORTE R, Roy .Seeing the Past. Past and Present, CXVIII, p. 186-205, 1988; BELTING, Hans. Likeness and Presence (1990). „ London: University of Chicago Press, 1994. p. 3. (Tradução inglesa); GASKELL, Ivan. Visual History. In: New Perspectives on Historical Writing. Edited by Peter Burke. Cambridge, UK: Polity Press, 1991. Segunda edição, Cambridge 2000. p. 187-217; BINSKI, Paul. M ediev al Death. Ritual and Representation. London: British Museum Press, 1996. p. 7. 2 SAMUEL, Raphael. The Eye of History. In : ______ . Theatr es o f memor y. London: Verso, 1994. v. 1, p.315-336.
12
O testemunho das imagens
pinturas das cavernas de Altamira e Lascaux, ao passo que a história do Egito antigo ser ia imensuravelmente mai s pobre, s em o testemunho das pinturas qos túmulos. Em ambos os casos, as imagens oferecem virtualmente a única evidência de práticas sociais tais como a caça. Alguns estudiosos trabalhando em períodos posteriores também levaram imagens a sério. Por exemplo, his toriadores de atitudes políticas, “opinião pública” ou propaganda já estão uti lizando há tempos a evidência de imagens. Em outro exemplo, um renomado medievalista, David Douglas, declarou há quase meio século que as Tapeçarias de Bayeux constituíam "um a fonte primária para a história da Inglaterra” que “merece ser estudada jun to com as narrações Anglo-Saxon Chronicle (Crônica Anglo-Saxã) e de William de Poitiers. O emprego de imagens por alguns poucos historiadores remonta há muito mais t empo. Como desta cado por Franci s Haskell (19 28 -20 00 ) em His tory and its images (A história e sua s imagens), as pinturas nas catacumbas ro manas foram estudadas no século 17 como evidência para a história dos começos do Cristianismo (e no século 19, como evidência para a história so cial).3As Tapeçarias de Bayeux (ilustração 78) já eram levadas a sério como fonte histórica por estudiosos no início deste século 18. Na metade deste sé culo, uma série de pinturas de portos marítimos franceses, realizada por Jo seph Vernet (a ser discutida aqui no Capítulo 5), foi elogiada por um crítico que declarou que, se mais pintores seguissem o exemplo de Vernet, os traba lhos seriam de utilidade para a posteridade porque “nas pinturas seria possí vel ler a história das práticas, das artes e das nações”.4 Os historiadores culturais Jacob Burckhardt (1818-1897) e Johan Hui zinga (1 87 2- 19 45 ), eles próprios artistas amad ores, escrevendo respectivamen te sobre o Renascimento e o “outono” da Idade Média, basearam suas descri ções e interpretações da cultura da Itália e da Holanda em quadros de artistas tais como Raphael e van Eyck, bem como em textos de época. Burckhardt, que escreveu sobre arte italiana antes de se dedicar à cultura geral do Renascim ento, descreveu imagens e monumentos como “testemunhas de etapas passadas do desenvolvimento do espírito hum ano”, objetos “através dos quais é possível ler as estruturas de pensamento e representação de uma determinada época”.
3 DOUGLAS, David C ; GREENAWAY, G. W. (Ed.). English Historical Documents, 1042-1189. London: Eyre & Spottiswoode, 1953. p. 247. 4 HASKELL, Francis. History and its Images. New Haven: Yale UP, 1993. p. 123-124, 138-144; a crítica é citada em LAGRANGE, Léon. Les Vernet et la Peinture au 18? siécle. 2. ed. Paris: [s.n.], 1864. p. 77.
13
Introdução
No que se refere a Huizinga, proferia a conferê ncia inaugural na Univer sidade de Groningen em 1905 sobre o tema “O elemento estético no pensa men to históric o” comparand o a compreen são h istórica à “visão” ou “sensação” (inclu indo o sentido de contato direto co m o passado), e declarando que “o que o estudo da história e a criação artística têm em comum é um modo de formar imagens”. Mais tarde, ele descreveu o método da história cultural em termos vi suais como “o método do mosaico”. Huizinga confessou em sua autobiografia que o seu interesse por história foi estimulado pelo hábito de colecionar moe das na infância, e que foi atraído pela Idade Média porque v isualizava o perío do como “repleto de nobres cavaleiros usando elmos enfeitados de plumas”, e que sua troca de interesse dos estudos orientais para a história da Holanda foi estimulada por uma exibição de pinturas flamengas em Bruges em 1902. Hui zinga também foi um entusiasmado defensor dos museus históricos.56 Outro estudioso da geração de Huizinga, Aby Warbuçg (1866-1926), que começ ou com o um h istoriador da arte no estilo d e Burckhardt, terminou a carreira tentando produzir uma história cultural baseada tanto em imagens quanto em textos. O Instituto. Warburg, que se desenvolveu a partir da biblio teca de Warburg e foi trazido de Hamburgo para Londres após a ascensão de Hider ao poder, continuou a estimular esse enfoque. Assim, a historiadora re nascentista Frances Yates (1899-1891), que começou a ffeqüentar o Instituto no final da déca da de 1930, descreveu- se como sendo “iniciada na téc nica de Warburg que utiliza evidência visual como evidência histórica”.'' A evidência de pinturas e fotog rafias tam bém foi utilizada na década de 1930 pelo sociólogo-historiador brasileiro Gilberto Freyre, (1900-1987), que descreveu a si mesmo c omo um pint or histórico ao estilo de Ticiano e seu en foque da história social como uma forma de “impressionismo”, no sentido de uma “tentativa de surpreender a vida em mov imen to”. Seguindo os passos de Freyre, um historiador americano dedicado a estudos do Brasil, Robert Levi ne, publicou uma série de fotografias da vida na América Latina no final do século 19 e início do século 20 com um comentário que não apenas insere as
5 HASKELL, Francis. History and its Image s. New Haven: Yale UP, 1993. p. 9, 309 ,3 35 -3 46 ,4 75, 482-494; Burckhardt apud GOSSMAN, Lionel. Basel in the Age o f Burckhar dt. Chicago: University o f Chicago Press, 2000 . p. 361 -36 2; sobre Huizinga, cf. STRUPP, Christoph. Joha n Huizinga: Geschichtswissenschaft als Kulturgeschichte. Gottingen: Vandenhoeck und Ruprecht Verlag, 1999. esp. p. 67-74,116,226. 6 YATES, Frances A. Shak espeare ’s L ast Plays. London: Routledge and Kegan Paul, 1975. p. 4; cf. YATES, Frances A. Ideas an d Ideals in the North European Renais sance. London: Routledge & K. Paul, 1984. p. 312-315, 321.
14
O testemunho das imagens
fotografias no contexto, mas tam bém discute os principais problemas suscita dos pela utilização desse tipo de evidência.789 Imagens constituíram -se no po nto de partida para dois estudos i mpor tantes realizados pelo historiador que se autodenominou “Historiador do mingueiro”, Philippe Ariès (1914-1982): uma história da infância e uma his tória da morte, sendo que em ambas as fontes visuais foram tratadas como “evidência de sensibilidade e vida”, igualadas em valor à “literatura e docu mentos de arquivos”. O trabalho de Ariès será discutido mais detalhadamente num capítulo posterior. Seu enfoque foi seguido por alguns historiadores franceses de destaque na década de 1970, entre eles Mic hel Voveíle, que traba lhou sobre a Revolução Francesa e o antigo regime que a precedeu, e Maurice Agulhon, que se dedica especialmente à França do século 19.® Essa “virada pictórica” como a tem denominado o crític o americano Wil liam Mitchell, também é vis ível no cenário do mundo anglofônico.’ Foi no final da década de 1960, como ele próprio confessa, que Raphael Samuel e alguns de seus contemporâneos to maram-se conscientes do valor dç fotografias como evi dência para a história social do século 19, auxiliando-os a constru ir “uma histó ria a partir de baixo”, focalizando o cotidiano e as experiências de pessoas co muns. Entretanto, considerando o influente periódico Past and Present como re presentante de novas tendências em escrita histórica no mundo anglofônico, é chocante a descoberta de que, entre 1952 a 1975, nenhum dos artigos lá publica dos incluía imagens. Na década de 1970, foram publicados no periódico dois ar tigos ilustrados. Na década de 1980, por outro lado, o número subiu para catorze. As atas de um a con ferência de histori adores am ericanos, realizada em 1985, e voltada para “a arte como evidência”, comprovam que os anos 80 sig nificaram uma virada a respeito deste assunto. Publicado numa edição espe cial do Journal o f Interdisciplinary History , o simpósio atraiu tanto interesse que em seguida foi publica do em forma de livro.10Desde en tão, um dos cola-
o f History. 19th and Early 20th Century Latin American 7 LEVINE, Robert M. ImagesDurham, Photographs as Documents. NC: Duke UP, 1989. 8 ARIÈS, Philippe. Un Historien de dimanche. Paris: Seuil, 1980. p. 122; cf. VOVELLE, Michel (Ed.). Iconographie ethis toir e des menta lités . Aix: [s.n.], 1979; AGULHON, Maurice. Mar iann e into Battle: Republican Imagery and Symbolism in France, 1789-1880 (1979). Cambridge: Cambridge UP, 1981. (Traduç ão inglesa). 9 MITCHELL, W illiam (. T. (Ed,). Art an d the Public Sphere. Chicago: University of Chicago Press, 1992. Introdução. 10 ROTBERG, Robe rt L; RABB, Theodore K. (Ed.). Ar t an d History. Images and their Meanings. Cambridge: Cambridge UP, 1988.
15
Introdução
boradores, Simon Schama, tornou-se conhecido pelo seu uso da evidência vi sual em estudòs que vão da exploração da cultura holandesa do século 17, The Embarrassment o f Riches (O incôm odo das riquezas) ( 19 87 ), a uma análise das atitudes ocidentais em relação à paisagem ao longo dos séculos, Landscape and Memory (Paisagem e mem ória) (19 55 ). , A própria coleção Picturing History (Imagem e História"), que foi lan çada em 1995 e inclui o volume que vocêdê agora, é uma evidência adicional da nova tendência. Nos próximos anos, será interessante observar como os historiadores de uma geração expost a a computadores, bem com o à televisão, praticamente desde o nascimento e que sempre viveu num mundo saturado de imagens vai enfoca r a evidência visual em relação ao passa do.'
F ontes
e i n dí c i o s
Tradicionalmente, os his toriadores têm se referido aos seu s docu men tos co mo “fontes”, como se eles estivessem ench endo baldes n o riach o da Ver dade, suas histórias tornando-se cada vez mais puras, à medida que se apro ximam das srcens. A metáfora é vivida, mas também ilusória no sentido de que implica a possibilidade de um relato do passado que não seja contami nado por intermediários. É certamente impossível estudar o passado sem a assistência de toda uma cadeia de intermediários, incluindo não apenas os primeiros historiadores, mas também os arquivistas que organizaram os do cumentos, os escribas que os escreveram e as testemunhas cujas palavras fo ram registradas. Como sugeriu o historiador holandês Gustaa f Renier, (1 89 21962) há meio século, pode ser útil substituir a idéia de fontes pela de indí cios do passado no pre sente." O term o “indícios” refere- se a manuscritos, li vros impressos, prédios, mobíli a, paisagem (com o modificada pela explora ção humana), bem como a muitos tipos diferentes de imagens: pinturas, es tátuas, gravuras, fotografias. O uso de imagens por historiadores não pode e não deve ser limitado à “evidência” no sentido estrito do termo (como discutido especificamente nos Capítulos 5, 6 e 7). Deve-se também deixar espaço para o que Francis Haskell denomin ou “o impa cto da imagem na imaginaçã o histór ica”. Pinturas, está-*1 * (N.T.) 11 RENIER , Gustaaf J. History, its Purpose and Metho d. London: Allen & Unwin, 1950.
16
O testemunho das imagens
tuas, publicações e assim por diante permit em a nós, posteridade , compartilh ar as experiências não-verbais ou o conhecimento de culturas passadas (experiên cias religiosas, por exemplo, discutidas no Capítulo 3). Trazem-nos o que po demos ter conhecido, mas não havíamos levado tão a sério antes. Em resumo, imagens nos permitem “imaginar” o passado de forma mais vivida. Como su gerido pelo crítico Stephen Bann, nossa posição face a face com uma imagem, nos coloca “face a face com a história.” O uso de imagens, em diferentes perío dos, como objetos de devoção ou meios de persuasão, de transmitir informa ção ou de oferecer prazer, permi te-lh es testem unhar antigas formas de religiã o, dé conhecimento, crença, dele ite, etc. Em bora os textos também ofereçam indí cios valiosos, imagens constitu em-se no mel hor guia para o poder de repre sentações visuais nas vidas religiosa e política de culturas passadas.12 Este livro investigará, porta nto, o uso de diferentes tipos de imagem, no sentido em que os advogados cham am de “evidência aceitável” 'para diferentes tipos de história. A analogia legal tem um ponto a seu faVor. Afinal, nos últi mos anos, assaltantes de banco, torcedores de futebol desordeiros e policiais violentos têm sido condenados com base na evidência de vídeos. Fotografias policiais de Cenas de crime são comumente usadas como evidência. Por volta de 1850, o Departam ento Policial de Nova York havia criado um a “Galeria de Marg inais”, perm itind o que ladrõ es fossem reco nhecido s.13Na verdade, antes de 1800, registr os policiais frances es já incluíam retratos de principais sus pei tos em seus arquivos pessoais. A proposta essencial que este livro tenta defender e ilustrar é a de que imagens, assim como textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular. Não há nada de novo a respeito dessa idéia, como demonstra uma famosa imagem, chamada “Retrato de Arnolfini”, de um casal na Galeria Nacional de Londres. Há no retrato uma inscrição (Jan van Eyck esteve aqui), como se o pintor tivesse sido uma testemunha do casamento. Ernst Gombrich escreveu sobre “o princípio do testemunho ocular”, em outras palavras, a regra que ar tistas em algumas culturas têm seguido, a partir dos antigos Gregos, para re
12 HASKELL, Francis. History and its Images. New Haven: Yale UP, 1993. p. 7; BANN, Stephen. Face-to-face with History. New Literary History.XXIX, p. 235-246, 1998. 13 TAGG, John. The Burde n o f Repr esent atio n: Essays on Photographies and Histories. Amherst: University of Massachusetts Press, 1988. p. 66-102; TRACHTENBERG , Alan. Reading Am eri can Photog raphs: Images as History, Mathew Brady to Walker Evans. New York: Hill and Wang, 1989. p. 28-29.
17
Introdução
presentar o que, e somente o que, uma testemunha ocular podería ter visto de um po nto específico num dado mom ent o.14 Em estilo semelhante, a expressão “o estilo testemunha ocular” foi intro duzida num estudo dos quadros de Vittore Carpaccio (c. 1465-c. 1525),ealguns dos seus contemporâneos venezianos, a fim de fazer referência ao gosto pelos detalhes revelado por esses quadros e ao desejo dos artistas e mecenas por “um quadro que parecesse o mais real possível, dç acordo com os padrões vigentes de evidência e prova”.15Os textos algumas vezes reforçam nossa impressão de que um artista estava preocupado em fornecer testemunho preciso. Por exemplo, numa inscrição no verso do seu Ride fo r Liberty (1862) mostrando três escravos a cavalo, homem, mulher e criança, o pintor americano Eastman Johnson (1824-1906) sua opintura como registro de “umTermos incidente ro durante adescreveu Guerra Civil, bservado porom im mesmo.” tais verdadei com o esti lo “docum entário ” ou “etnográfico” também têm sido utilizados para caracteri zar imagens equivalentes de períodos posteriores (abaixo p. 24,162,173). É desnecessário dizer que o uso do tes temunho de imagens levanta mui tos problemas incômodos. Imagens são testemunhas mudas, e é difícil traduzir em palavras o seu testemunho. Elas podem ter sido criadas para comunicar uma mensagem própria, mas historiadores não raramente ignoram essa men sagem a fim de ler as pinturas nas “entrelinhas” e aprender algo que os artistas desconheciam estar de ensinando. evidentes Para utilizar a evidência imagens Há de perigos forma segura, e denesse modoprocedimento. eficaz, é necessário, como no caso de outros tipos de fonte, estar consciente das suas fragilidades. A “crítica da fonte” de documentos escritos há muito tempo tornou-se uma par te essencial da qualificação dos historiadores. Em comparação, a crítica de evi dência visual permanece pouco desenvolvida, embora o testemunho, de ima gens, como o dos textos, suscite problemas de contexto, função, retórica, recor dação (se exercida pouco, ou muito, tempo depois do acontecimento), teste munho de segunda mão, etc. Daí porque certas imagens oferecem mais evidên cia do que outras. por constrangimentos exemplo, desenhados a partir estilo” de ce nasconfiável reais da vida (figs. 1,2) eEsboços, libertos dos do “grande 14 PANOFSKY, Erwin. Early Netherlandish Painting. Cambridge, MA: Harvard UP, 1953.2 v.;cf. SEIDEL, Linda, /an van Eyck’s Ar nolfini Portrait: Stories of an Icon. Cambridge: Cambridge UP, 1993: GOMBR1CH, Ernst H. The Image and the Eye. London: Phaidon, 1982. p. 253. 15 BROWN, Patricia F. Venet ian Narrative Painting i n the Ag e o f Carpaccio. New Haven: Yale UP, 1988. p. 5,125.
18
O testemunho das imagens
(discutidos no Capítulo 8) são mais confi áveis com o testemu nhos do que o são pinturas trabalhadas posteriormente no estúdio do artista. No caso de Eugène Delacroix (1798-1863), esse aspecto pode ser ilustrado pelo contraste entre seu esboço, Deux Fertmies Assises (Duas mulheres sentadas), e sua pintura Les Femmes d ’Alger (As mulheres de Argel) (1 83 4), que parece mais teatral e, ao con trário do esboço srcinal, faz referência a outras imagens.
1. Eugène Delacroix, Esboço para Les Femm es d'Alger (As mulheres de Argel), c. 1832, aqua rela com vestígios de grafite. Museu do Louvre, Paris. 1
1Q
Introdução
2. Constantin Guys, Esboço em aquarela do sultão dirigindo-se à mesquita, 1854. Coleção particular.
Em que medida e de que formas as imagens oferecem evidência confiá vel do passado? Seria insensato tentar produzir uma única resposta geral a tal questão. Um íc one da virgem Maria datado do século 16 e um pôster de Stalin datado do século 20 dizem aos historiadores algo sobre a cultura russa. No en tanto, a despeito de algumas semelhanças intrigantes, existem, é claro, enor mes diferenças tanto com relação ao que essas imagens deixam transparecer quanto ao que elas omitem. Nós ignoramos, e isto é um perigo, a variedade de imagens, artistas, usos de imagens e atitudes para com as mesmas em diferen tes períodos dq história.
V ariedades
d e ima g em
.
Este ensaio está mais voltado para “imagens” do que para “arte”, um ter mo que só começou a ser utilizado no Ocidente ao longo do Renascimento e especialmente a partir do século 18, quando a função estética das imagens, pelo menos nos círculos de elite, passou a dominar os muitos outros usos des ses objetos. Independentemente de sua qualidade estética, qualquer imagem
20
O testemunho das imagens
pode servir como evidência histórica. Mapas, pratos decorados, êx-votos (fig. 16), manequins e os soldados de cerâmica enterrados nas tumbas dos primei ros imperadores chineses têm todos alguma coisa a dizer aos estudantes de história. Para complicar a situação, é necessário levar em conta mudanças no tipo de imagem disponível em lugares e épocas específicos, e especialmente duas re voluções na produção de imagens, o surgimento da imagem impressa (gravura em madeira, entalhe, gravura em água-forte, etc.) durante os séculos 15 e 16, e o surgimento da imagem fotográfica (incluindo filme e televisão) nos séculos dezenove e vinte. Seria necessário um livro bastante extenso para analisar as conseqüências dessas duas revoluções da maneira detalhada que elas merecem, porém algumas observações gerais podem ser úteis de qualquer maneira. Por exemplo, a aparência das imagens mudou. Nos estágios iniciais tan to da gravura em madeira quanto da fotografia, imagens em preto-e-branco substituíram pinturas a cores. Refletindo um pouco, pode ser sugerido, como tem sido feito no caso da transição das mensagens orais para as impressas, que a imagem em preto-e-branco é, usando a famosa expressão de Marshall McLuhan, uma forma mais “serena” de comunicação do que a colorida, que é mais ilusionista, e estimula um certo distanciamento po r parte do observador. Reto ma-se a idéia de que imagens impressas, da mesma forma que as fotografias mais tarde, poderíam ser elaboradas e transportadas mais rapidamente do que as pinturas, de tal forma que imagens de eventos que estavam acontecendo po deríam chegar aos observadores enquanto os eventos ainda estivessem vivos na memória, um ponto que será desenvolvido no Capítulo 8. Outro ponto importante a considerar, no caso de ambas as revolu ções, é que elas possibilitaram um grande aumento no número de imagens disponíveis às pesjoas comuns. De fato, tornou-se difícil até mesmo imagi nar quão poucas imagens estavam em circulação geral durante a Ida de Mé dia, uma vez que os manuscr itos ilustrados que ho je nos são familiares em museus ou em reproduções encontravam-se geralmente nas mãos de parti culares, deixando apenas retábulos de altar ou afrescos em igrejas visíveis para o público em geral. Quais foram as conseqüências culturais desses dois avanços? As conseqüências da imprensa têm comumente sido discutidas em termos da padronização e da fixação de textos em forma permanente, e pon tos semelhantes podem ser levantados sobre imagens impressas. William M. Ivins Jr. (1881-1961), um curador de impressos em Nova York, levantou a
21
Introdução
questão da importância dos impressos do século 16 como “afirmações pictoriais possíveis de serem repetidas com exatidão”. Ivins destacou que os anti gos Gregos, por exemplo, haviam abandonado prática idênticas de ilustrar botânicos devido à impossibilidade de produzir aimagens datratados mesma planta em diferentes cópias de manuscritos do mesmo trabalho. A partir do fmal do século 15, por ou tro lado, er vas e plant as eram sistematica mente ilus tradas com gravuras em madeira. Mapas, que começaram a ser impressos em 1472, oferecem outro exemplo da maneira pela qual a comunicação da infor mação através de imagens foi facilitada pel a possibilidade da repetição a sso ciada com a impressão."1 A era da fotografia, de acordo com o crítico marxista alemão Walter Benjamin (1892-1940) num famoso ensaio da década de 1930, mudou o ca ráter da obra de arte. A máquina “substitui a única existência pela pluralidade de cópias” e produz um deslocamento do “valor cult” da imagem para seu “va lor de exibição”. “Aquilo que murcha na era da reprodução mecânica é a aura do trabalho de arte”. Dúvidas podem existir e foram levantadas a respeito des sa tese. O dono de uma gravura em madeira, por exemplo, pode tratá-la com o respeito devido a uma imagem individual, em vez de considerá-la como uma cópia entre várias. Existe evidência visual de pinturas holandesas de ca sas e estalagens do século 17, por exemplo, mostrando que gravuras em ma deira e entalhes eram colocados em exposição nas paredes, da mesma forma que as pinturas. Mais recentemente, na era da fotografia, como Michael Ca mille apontou, a reprodução de uma imagem pode realmente aumentar a sua aura, da mesma forma que séries de fotografias aumentam o encanto de um astro de cinema em vez de diminuí!lo. Se nós consideramos imagens indivi duais com menos seriedade do que o fizeram nossos antepassados, um aspec to que ainda deve ser provado, isto pode ser um resultado não da própria re produção, mas sim da saturação de nosso mundo de experiência por uma quantidade crescente de imagens.1617
16 Era relação a textos. McLUHAN, Marshall. The Gutenberg Ctiluxy. Toronto: University of Toronto Press. 1962; cf. E1SENSTEIN, Elizabeth. The Printing Press as an Agent o f Change. Cambridge: Cambridge UP, 1979. 2 v. Sobre as imagens, IVINS JR., William H. Prints and Visual Communication. Cambridge, MA: Harvard UP. 1953; cf. LANDAU, David; PARSHALL, Peter. The Renaissance Print 1470-1550. New Haven: Yale UP, 1994. p. 239. 17 BENIAMIN, Walter. The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction (1 936). In: Illuminations. London: Pimlico, 1968. p. 219 -24 4. (Tradução inglesa); cf. CAMILLE, Michae l. The Tres Riches Heures: An Illuminated Manuscript in the Age of Mechanical Reproduction. Critical Inq uiry XVII, p. 72-107, 1990-1991.
22
O testemunha das imagens
23
Introdução
“Estude o historiador antes de começar a estudar os fatos”, disse a seus lei tores o autor do conhecido livro What is history?.1* Da mesma forma, deve-se aconselhar alguém que planeje util izar o testemunho de imagens para que inicie estudando os diferentes propósitos dos realizadores dessas imagens. Relativamente confiáveis, por exemplo, são trabalhos que foram realizados primeira mente com o registros, documentando as ruínas de Roma antiga, ou a aparência e costumes de culturas exóticas. As imagens dos índios de Virgínia pelo artista elizabetano John White (fl. 1584-1593), por exemplo (fig. 3), foram feitas no lo cal, como as imagens de havaianos e taitianos feitas pelos desenhistas que acom panharam o capitão Coo k e outros exploradores, p recisamente a fim de registrar o que havia sido descoberto. “Artistas de guerra”, enviados a campo para retratar batálhas e a vida dos soldados em campanha (Capítulo 8), atiyos desde a expedi ção do imperador Carlos V à Tunísia até a intervenção americana no Vietnã, se não mais tarde, são usualmente testemunhas mais confiáveis, especialmente no que se refere a detalhes, do que seus colegas que trabalham exdusivamente em casa. Podemos descrever os trabalhos relacionados neste parágrafo como “arte documentária”. Apesar disso, seria imprudente atribuir a esses artistas repórteres um “olhar inocente” no sentido de um olhar que fosse totalmente objetivo, livre de expectativas ou preconceitos de qualquer tipo. Tanto literalmente quanto metaforicamente, esses esboços e pinturas registram “um ponto de vista”. No caso de White, por exemplo, precisamos ter em mente que ele estava pessoal mente envolvido na colonização da Virgínia e pode ter tentado passar uma bo a impressão do local, omitind o cenas de nudez* sacrifício huma no e q ual quer outro aspecto que pudesse chocar colonizadores em potencial. Historia dores usando documentos desse tipo não podem dar-se ao luxo de ignorar a possibilidade da propaganda (Capítulo 4), ou a das visões estereotipadas do “outro” (Capítulo 7), ou esquecer a importância das convenções visuais acei tas como naturais numa determinada cultura ou num determinado gênero, tais como o quadro-bat alha (Capítulo 8). A fim de apoiar essa crítica do olho inocente, pode ser útil tomar alguns exemplos nos quais o testemunho histórico de imagens se situa, ou pelo menos parece situar-se, de forma relativamente clara e direta: fotografias e retratos.
' 18 CARR, Edward H. What is History ? Cambr idge: [s.n. ], 1961. p. 17.
24
Capi tulo 1
F ot
r.í: />■
og r af i as e retratos
As fotografias não mentem, mas mentirosos podem fotografar. L ewis H in e
Se você deseja (Compreender cabalmente a história da Itália, analise cuidadosamente os retratos. Há sempre no rosto das pessòas algu ma coisa da história da sua época a ser lida, se soubermos como ler. G iovanni
M orelli
As tentações do realismo, mais exatamente a de tomar uma imagem pela realidade, são particularmente sedutoras no que se refere a fotografias e retra tos. Por essa razão, esses tipos de imagem serão agora analisadas em particular.
R ea ,~gT,
r'...
:
■
l is mo
foto
grá
fi co
Desde o início da história da fotografia, o novo meio de comunicação foi discutido como uma forma de auxílio à história. Numa conferência profe rida em 1888, por exemplo, George Francis recomendou a coleção sistemáti ca de fotografias como “a melhor forma possível de retratar nossas terras, pré dios e maneiras de viver”. O problema para os historiadores é saber se, e até que ponto, pode-se con fiar nessas i magens. Te m sido dito com ffeqüência que “a câ mera nunca mente”. Permanece a inda uma tentação ria nossa “cultura de instan tâneo”, na qual tantos de nós registramos nossas famílias e férias em fil-
Capítulo 1
mes, trat ar pinturas com o o equivalente de ssas fotografias e, assi m, esperar re presentações rea listas tanto da parte de historiadores quanto de artistas . Com efeito, é possível que nossoComo senso sugerido de conhecimento histórico te nha sido transformado pela fotografia. pelo escritor francês Paul Valéry (1871-1945), nossos critérios de veracidade histórica passaram a incluir a pergunta: “Podería tal e tal fato, como foi narrado, ter sido fotogra fado?” Há muito tempo os jorn ais utilizam fotografias como evidência d e au tenticidade. Da mesma forma que imagens de tele visão, essas fotografias constituem -se n uma co ntribu ição poderosa ^ao que o crítico Roland Barth es (19 15 -1 98 0) cham ou o “efeito de realida de”. No caso de anti gas fotografias de cidades, por exemplo, especialmente quando elas são ampliadas para preen cher uma parede, o espectador pode experimentar uma vivida sensação de que ele/ela podería entrar na fotografia e cam inhar p or aquelas ruas.1 O probl ema c om a questão de Valéry „éque ela implic a um contraste e n tre narrativa subjetiva e foto grafia “objet iva” ou “docu men tal”. Essa visão é, ou ao menos costumava ser, bastante aceita. A idéia de objetividade, apresentada pelos primeiros fotógrafo s, era suste ntada pelo argumento de que os próprio s objetos deixam vestígios na chapa fotográfica quando ela é exposta à luz, de tal forma que a imagem resultante não é o trabalho de mãos humanas, mas sim do “lápis da natureza”. Quanto à expressão “fotografia documental”, pas sou a ser utilizada na década de 1 930 nos Estados. Unidos (logo após a expres são “filme documentário”), para referir a cenas do cotidiano de pessoas co muns, çspecialmente os pobrés, como vistos, por exemplo, através das lentes de Jacob Riis (1849-1914), Dorothea Lange (1895-1965) e Lewis Hine (18741940), que estudou sociologia na Universidade de Colúmbia e denominava seu trabalho de “Fotograf ia Social”).12
1 Francis apud BORCHJiRT, James. Alley Life in Washingto n: Family, Community, Religion and Folklife in an American City. Urbana: University of Illinois Press, 1980. p. 271; BARTHES, Roland. The Reality Effect (1968). In: _____ . The Rustle o f Language. Oxford,. UK: Blackwell, 1986. p. 141-148. (Tradução inglesa). 2 STRYKER, Roy E.; JOHNSTON E, Paul H. Documentary Photographs. In: W ARE, Caroline (Ed.). Th e Cultural Appr oach to History. New York: Columbia UP, 1940. p. 324-330; HURLEY, F. J. Port rait o f a Decade: Roy Stryker and the Development of Documentary Photography. London: [s.n.], 1972; STANGE, Maren. Symbol s o f Socia l L ife : Social Documentary Photography in America, 1890-1950. Cambridge: Cambridge UP, 1989; TRACHTENBERG, Alan. Reading American P hotograph s: Images as History, Mathew Brady to Walker Evans. New York: Hill and Wang, 1989. p. 190-192.
26
Fotografias e retratos
Entretanto, esses “documentos” (fig. 63, por exemplo) precisam ser contextualizados. Isso nem sempre é fácil n o caso de fotografias, uma vez que a identidade dos fotografados e dos fotógrafos é muitas vezes desconhecida, e as próprias fotogr afias, srcinalmente - em muitos caso s, ao menos - parte d e uma série, foram separadas do projeto ou do álbum no qual eram inicial mente mostradas, para acabarem em arquivos ou museus. Entretanto, em ca sos famosos como os “documentos” feitos por Riis, Lange e Hine, pode-se di zer alguma coisa sobre o contexto político e social das fotografias. Elas foram feitas como publicidade para campanhas de reforma social a serviço de insti tuições tai s como Charity Organisati on Soçiety, Nationa l Child Labour C om mittee e California State Emergency Relief Administration. Daí seu foco, por exemplo, no trabalho inf antil, em acidentes de trabalho e na vi da em c ortiços. (Fotografias prestaram uma contribuição semelhante para campanhas de eli minação de cortiços na Inglaterra.) Essas imagens eram geralmente desen volvidas para despertar a solidariedade dos espectadores. De qualquer forma, a seleção de temas e até de poses das primeiras fo tografias ffeqüentemente seguiam o modelo das pintur as, gravuras em madei ra e entalhes, ao passo que fotografias mais recentes aludiam às mais antigas. A textura da fotografia também transmite uma mensagem- Tomando o exemplo de Sarah Graham -Brown, “uma fotografia em sépia suave pode produzir um a calma aura de ‘passado’, ao passo que uma imagem em preto e branco pode ‘transmitir um sentido de dura realidade”’.3 O historiador d e cinema Siegf ried Kracaue r ( 189 9-19 66) uma vez com parou Le opold von Rank e (1 79 5-1 86 6), p or um longo tempo o símbolo da his tória objet iva, com Louis Daguer re ( 178 7-1 851 ), que foi prati camente se u con temporâneo, a fim de levantar a questão de que historiadores, da mesma for ma que fotógrafos» selecionam que aspectos do mundo real vão retratar. “To dos os grandes fotógrafos sentem-se livres para sel ecionar tema, moldura , len tes, filtro, emulsão e granu lação d e acordo com suas sensibilidades. A realidade era diferente com Ranke?” O fotógrafo Roy Stryker tinha levantado a mesma questão es sencial em 1940. “No m om ento em que um fotógrafo seleciona um
3 TAGG, John. The Burden o f Repre sent atio n: Essays on Photographies and Histories. Amherst: University o f Massachusetts Press, 1988. p. 117-1 52; STANGE, Maren. Symbols o f Social Life : Social Documentary Photography in America, 1890-1950. Cambridge: Cambridge UP, 1989. p .2 ,10, 14 -15,18-1 9; GRAHAM-BROWN, Sarah. Palestinians and their Soc iety, 1880-194&.A Photographic Essay. London: Quartet Books, 1980. p. 2.
27
Capitulo I
tema, afirmou Stryker, “ele está trabalhando na base de um viés paralelo ao viés expresso por um historiador”.4 Ocasionalm ente, os fotógrafos foram muito além da mera seleção . Antes da década de 1880, na era da câmera de tripé e exposições de vinte segundos, os fotógrafos compunham as cenas, dizendo às pessoas onde deveríam se posicio nar e como se comportar (como até hoje nas fotografias de grupo), tanto no es túdio quanto em fotos ao ar livre. Algumas vezes, eles construíam as cenas da vida social de acordo com as convenções familiares da pintura do gênero, espe cialmente cenas holandesas de tavernas, camponeses, mercados, etc. (Capítulo 6). Considerando a descoberta de fotografias por historiadores sociais britâni cos na década de 1960, Raphael Samuel comentou de forma pesarosa sobre “nossa ignorância dos artifícios da fotografia Vitoriana”, apontando que “muito daquilo que reproduzimos com tanto amor e observamos (como acreditávamos) tão meticulosament e era falso - uma pintura na srcem e intenção mes mo que fosse documentário na forma”. Por exemplo, para criar a famosa ima gem de um moleque de rua tremendo de ffio, feita por G. Rejlander, o fotógra fo “pagou a um menino de Wolverhampton cin co shillings para posar de mode lo, vestiu-o com farrapos e sujou seu rosto com a fuligem apropriada”.56 Alguns fotógrafos interferiam mais do que outros para arrumar os ob jetos e as pessoas. Por exemplo, nas imagens que fez da pobreza rural nos Es tados Unidos na década de 1930, Margaret Bourke-White (1904-1971), que trabalhava para as revistas Fortune e Life, foi mais i ntervencionist a do que Do rothea Lange. Alguns dos “cadáveres” que se podiam visualizar em fotografias da guerra civil americana (fig. 5) eram aparentemente soldados vivos que ti veram de posar para a câmera. A autenticidade da fotografia mais famosa da guerra civil espanhola, Deat h o f a soldier (Morte de um soldado), de Robert Capa, inicialme nte publicada numa revista francesa de 1936 (fig. 4), foi con testada por semelhantes razões. Por isso mesmo argumentou-se que “fotogra fias nun ca são evidência da história: elas próprias são a histó ria”.0 4 KRACAUER, Siegfried. History. The Last Thin gs before the Last. New York: Oxford UP, 1969. p. 51-52; cf. BARNOUW, Dagmar. Critical Realism: History, Photography and the Work of Siegfried Kracauer. Baltimore: Johns Hopkins UP, 1994; STRYKER, Roy E.; JOHNSTONE, Paul H. Documentary Photographs. In: WARE, Caroline (Ed.). The Cultural Approach to History. New York: Columbia UP, 1940. 5 SAMUEL, Raphael. The Eye of History. In : ______ . Theat res o f Memory. London: Verso, 1994. v. 1, p. 315 -336 ,319 . 6 TRACHTEN BERG, Alan. Reading American Photographs: Images as History, Mathers' Brady to Walker Evans. New York: Hill and Wang, 1989. p. 71-118, 164-230; BROTHERS, Caroline.
28
Fotografias c retratos
Essa é certamente uma avaliação' bastante negativa: da mesma forma que outras formas de evidência, fotografias podem ser consideradas ambas as coisas evidência da história e história. Elas são especialmente valiosas, por exemplo, como evidência da cultura material do passado (Capítulo 5). Com relação às fotografias Eduardianas, como salientado pela introdução histórica de um livro de reproduções, podemos perceber como os ricos se vestiam, sua postura e comportam ento, os constrang imentos dos códigos de vestimenta fe mininos da época, o materialismo elaborado de uma cultura que acreditava que riqueza, status e propriedade deviam ser “publicamente ostentados”. A ex pressão “câmera inocente”, cunhada na década de 1920, levanta um aspecto genuíno, embora a câmera tenha de ser empunhada por alguém e alguns fo tógrafos sejam mais inocentes que outros.
4. Robert Capa, Deat h o f a Soldi er (Morte de um soldado), 1936, fotografia.
War an d Photograp hy: A Cultural History. London: Routiedge, 1997. p. 178-185; GRIFFIN, Michael. The Great War Photographs. In: BRENNEN, B.; HARDT, H. (Ed.). Picturing t he Past. Urbana: University of Illinois Press, 1999. p. 122-157, p. 137-138; TAGG, lohn. The Burden of Representation: Essays on Photographies and Histories. Amherst: University of Massachusetts Press. 1988. p. 65.
29
Capitulo I
5. Timothy O’Sullivan (negativo) e Alexander Gardner (positivo), A Harvest o f Death (Uma colhei ta de morte), Gettysburg, Jul. 1863, fig. 36 do Photographic Sketch Book o f the War de Gardner, 2 v. (Washington, DC, 1865-1866).
É essencial haver uma crítica da fonte. Como o crítico de arte John Ruskin (1819-1900) inteligentemente observou, a evidência de fotografias “é de grande utilidade se você souber como interrogá-las”. Um excelente exemplo desse tipo de interrogação cuidadosa é a utilização de fotografia aérea (srci nalmente desenvolvida como forma de reconhecimento de terreno durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais) por historiadores, principalmente historiadores da agricultura medieval e dos monastérios. A fotografia aérea, que “combina os dados de uma fotografia com os de um plano” e registra va riações na superfície da terra que são invisíveis às pessoas que se encontram em terra, revelou o arranjo das faixas de terra cultivadas por diferentes famí lias, a localização de vilarejos desertos e a planta de abadias. Ela torna possível o reconhecimento do passado.7 7 THO MPSON , Paul: HARRELL, Gina. The Edwanlians in Photographs. London: B. T. Batsford, 1979. p. 12; RUSK1N, John. The Cestus of Aglaia (1865-1866), republicado em seu Works. (London: (s.n.j, 1905]. v. XIX, p. 150: KNOWLES, M. D. Air Photography and History. In: ST. JOSEPH, J. K. S. (Ed.). The Use s o f Air Ph otography. Cambridge: [s.n.], 1966. p. 127-137.
30
Fotografias c retratos
O RET RATO, ESP ELHO OU FORMA SI MBÓ LICA? Como no caso das fotografias, muitos de nós possuímos um forte impul so para visualizar retratos como representações precisas, instantâneos ou ima gens de espelho de um determinado modelo como ele ou ela realmente eram num momento específico. É necessário resistirmos a esse impulso por diversas razões. Em primeiro lugar, o retrato pintado é um gênero artístico que, como ou tros gêneros, é composto de acordo com um sistema de convenções que muda lentamente com o tempo. As posturas e gestos dos modelos e os acessórios e ob jetos representados à sua volta seguem um padrão e estão freqüentemente carre gados de sentido simbólico. Nesse sentido, um retrato é uma forma simbólica.'
6. Thomas Gainsborough, Sra. Philip Thicknesse, nascida Anne Ford , 1760, óleo sobre tela. Museu de Arte de Cincinatti.
Em os segundo lugar, as convenções do gênero possuem um propósito: apresentar modelos de uma forma especial, usualmente favorável, embora a8 8 SMIT H, David. Courtesy and its Discontents. Oud-Holland C, p. 2-34, 1986; BURKE, Peter. The Presentation of Self in the Renaissance Portrait. In: ____ . Historic al Anthropology o f Early Mo dern Italy. Cambridge: Cambridge UP, 1987. p. 150-167; BRILLIANT, Richard. Portraiture. London: Reaction Books, 1991.
31
Capitulo I
possibilidade de que Goya estivesse satirizando os modelos em seu famoso Carlos IV e fam ília (1800) nào deva ser esquecida. O duque de Urbino, Federico de que havia perdido um olho num torneio, sempre era Montefeltre, representadododeséculo perfil.15, A mandíbula protuberante do imperador Carlos Vé conhecida pela posteridade apenas através dos relatos nada lisonjeiros de em baixadores estrangeiros, uma vez que pintores (incluindo T ician o) disfarçavam a deformidade. Os modelos geralmente vestiam suas melhores roupas para se rem pintados, de tal forma que os historiadores seriam desaconselhados a tratar retratos pintados como evidência do vestuário cotidiano. É provável que os modelos também estivessem expressando o seu me lhor comportamento, especialmente em retratos feitos antes de 1900, no sen tido de elaborar gestos ou de se deixarem ser representados como se estives sem realizando gestos, que eram mais elegantes do que os gestos habituais. Assim, o retrato não é exatamente um equivalente em pintura à “câmera inocente” mas, antes, um registro do que o sociólogo Erving Goffman descre veu como “a apresentação do eu”, um processo no qual o artista e o modelo geralmente se faziam cúmplices. As convenções da auto-representação eram mais ou menos informais de acordo com o modelo ou também com o perío do. Na Inglaterra, no final do séçulo 18, por exemplo, houve um momento que poderia ser denominado de “informa lidade estilizada”, ilustrado pela pin tura de Sir Brook Boothby deitado no chão numa floresta com um livro (fig. 51). Entretanto, essa informalidade tinha seus limites, alguns deles revelados pelas reações escandalizadas de contemporâneos ao retrato da sra’ Thicknesse de Thomas Gainsborough, que foi representada cruzando as pernas sob a saia (fig. 6). Uma senhora observou: “Eu sentiría muito ao ver alguém que amo retratado de tal maneira”. Por outro lado, no final do século 20, a mesma pose por parte da princesa Diana no famoso retrato de Bryan Organ poderia ser considerada normal. Os acessórios representados junto com os modelos geralmente refor çam suas auto-representações. Esses acessórios podem ser considerados como “propriedades” no sentido teatral do termo. Colunas clássicas repre sentam as glórias da Roma antiga, ao passo que cadeiras semelhantes a tro nos conferem aos modelos uma aparência de realeza. Certos objetos simbó licos referem-se a papéis sociais específicos. Num retrato ilusionista realiza do por Joshua Reynolds, a imensa chave que o modelo segura lá se encontra para significar que aquela pessoa é o governador de Gibraltar (fig. 7). Aces sórios vivos também costumam aparecer. Na arte italiana renascentista, por
32
Fotografias e retratos
7. Joshua Reynolds, Lord Heath fie ld , Governador de Gibraltar, 1787, óleo sobre tela. National Gallery, Londres.
33
Capítulo 1
Joseph-Siffréde Duplessis, Luís em trajes de coroação , c. 1770,
Museu Carnavalet,
exemplo, um cão de grande porte num retrato masculino é geralmente asso ciado à caça e assim à masculinidade aristocrá tica, enqu anto um cãoz inho pequeno num retrato de uma mulher ou um casal provavelmente simboliza fidelidade (implicando que a mulher está para o marido assim como o cão para os humanos).’ Algumas dessas convenções sobreviveram e foram democratizadas na era do retrato de est údio fotográ fico, a partir da met ade do século 19. Cam u flando as diferenças entre classes sociais, os fotógrafos ofereciam a seus clien tes o que foi chamado de “imunidade temporária em relação à realidade”.9 10 Sejam eles pintados ou fotografados, os retratos registram não tanto a reali-
9 COFF MAN , Erving. The Presentat ion o f Self i n Every day Lif e.New York: 1958; os exem plos ingleses em SHAWE-TAYLOR. Desmond. The G eorgians . Eighteenth Century Portraiture and Society. London: Barrie & Jenkins, 1990. 10 HIRSCH , Julia. Family Photographs: Content, Meaning and Effect. New York: Oxford UP, 1981. p. 70.
34
Fotografias e retratos
9. François Girard, Água-tinta se gundo o retrato de estado de Luís Felipe feito por Louis Hersent (originalmentc exibido em 1831, des truído em 1848). Biblioteca Nacio nal da França, Paris.
dade social, mas ilusões sociais, não a vida comum, mas perform an ces espe ciais. Porém, exatamente por essa razão, eles fornecem evidência inestimável a qualquer um que se interesse pela história de esperanças, valores e mentalidades sempre em mutação. Essa evidência é particularmente esclarecedora nos casos em que é pos sível estudar uma série de retratos ao longo do tem po e assim observar mudan ças na maneira de representar os m esmos tipos de pessoa, reis, por exemplo. O enorme retrato de Ricardo II em Westminster é incomum em tamanho, porém a imagem frontal de um rei no trono, usando a coroa e segurando um cetro numa mão e um globo na outra era bastante comum em moedas e selos me dievais. Por mais sem vida que pareça hoje, o famoso retrato de Luís XIV nos seus trajes de coroação, realizado por Hyacinthe Rigaud (1659-1743) deu um passo consciente em direção à informalidade colocando a coroa numa almofa da em vez de colocá-la na cabeça do rei e representando Luís apoiado no cetro como se o mesmo fosse uma bengala. Daí em diante, o retrato de Rigaud tor-
35
Capitulo 1
nou-se exemplar. O que havia sido uma invenção tornou-se uma convenção. Assim, uma série de retratos de estado franceses evocaram a imagem de Luís XIV, pintada por Rigau d, mostrando Luís XV, Luís XV I (fig. 8) e Carlos X to dos apoiados nos cetros da mesma maneira, talvez a fim de enfatizar a conti nuidade da dinastia ou de s ugerir que os reis que se seguiram eram merecidamente sucessores de Luís “O grande”. Por ou tro lado, após a revolução de L830 e a Substituição da monar quia absoluta pela constitucional, o novo monarca, Luís Felipe, foi representado de uma m aneira deliberadame nte modesta, u sando o uniforme da Guarda Nacio nal e não trajes de coroação, e mais próximo do nível ocular do espectador do que havia sido costume, embora o rei ainda permaneça numa plataforma e o tron o tradi cional e ricas cortinas se man tenham (fig. 9) .11O fato de que artis tas, modelos e um certo número de espectadores tivessem consciência e conhe cimento das pinturas anteriores na série aumenta o signifcado até mesmo de pequenas alt eraçãoes do modelo tradicional. No século 20, deixando de lado anacronismos deliberados como o retra to de Hitler como cavaleiro medieval (fig. 30), o retrato de estado foi transfor mado. O retrato de Stalin pintado por Fyodor Shurpin, por exemplo, The Mor ning o f Our Motherl and (A manhã da mãe-pátria) (19 46 -19 48 ), reprod uzido na página 90 deste livro, associa o ditador com a modernidade, simbolizada pelo trato r e pelas torres de transmissão elétrica ao fundo, bem co mo pelo nascer do sol. Ao mesmo tempo, o gênero “retrato de estado” foi ultrapassado pelos acon tecimentos, no sentido de tomar-se cada vez mais associado com o passado na era da fotografia oficial e autografada da imagem em movimen to na tela.
R e fl
e xões
s o b r e r e fl
e xões
*
Pinturas têm sido ffeqüentemente comparadas a janelas e espelhos, e imagens são constantemente descritas como “refletindo” o mundo visível ou o mundo da sociedade. Alguém poderia dizer que elas são como fotografias, porém, como já vimos, mesmo as fotografias não são reflexos puros da reali dade. Assim, como podem as imagens ser utilizadas como evidência histórica?
11 MARRINAN, Michael. Painti ng Politi cs for Louis Philipp e. New Haven: Yale UP, 1988. p. 3. *
No srcinal: reflections on reflections. Em inglês, há na expressão um trocadilho intraduzível. (N.T.)
Fotografias e retratos
A resposta à per gunta, que será elabo i*ada ao longo desse livro, pode s er sint e tizada em três pontos. 1. A boa notícia para os historiadores é que a arte pode fornecer evi dência para aspectos da realidade social que os textos passam por alto, pelo menos em alguns lugares e épocas, como no caso da caça no Egito antigo (Introdução). 2. A má notícia é que a arte da representação é quase sempre menos realista do que parece e distorce a realidade social mais do que refleti-la, de tal forma que historiadores que não levem em consideração a variedade das in tenções de pintores e fotógrafos (sem falar nos patronos e clientes) podem chegar a uma interpretação s eriamente equivocada. 3. Entretanto, voltando à boa no tícia, o processo de distorção é, ele pró prio, evidência de fenômenos que muitos historiadores desejam estudar, tais como mentalidades, ideologias e identidades. A imagem material ou literal é uma boa evidência da “imagem” mental ou metafórica do eu ou dos outros. O primeiro p onto é bastante óbvio, mas o seg undo e o terceiro demandapi um pouco mais de elaboração. Bastante paradoxalmente, a virada dos historiadores para a imagem ocorreu num momento de debate, quando pres suposições triviais sobre a relação entre “realidade” e representações (sejam elas literárias ou visuais) foram desafiadas, um momento no qual o termo “realidade” está càda vez mais sendo usado entre aspas, Nesse debate, os ino vadores levantaram alguns pontos importa ntes em detrim ento dos “realistas” ou “positivistas”. Por exemplo, eles enfatizaram a importância das convenções artísticas e observaram que mesmo o estilo artístico conhecido como “realis mo” tem sua própria retórica. Eles apontaram para a importância do “ponto de vista” em fotografias e pinturas tanto no sentido literal quanto no metafó rico da expressão, referindo-se a ponto de vista físico e também ao que pode ser chamado “ponto de vista mental” do artista. tíu m determinado nível, então, i magens são fonte s não confiáveis, di storcerido espelhos, Contudo, elas compensam essa desvantagem ao oferecer substancial evidênc ia num outro nível, de tal forma que historiadores possam transformar um defeito numa qualidade. Por exemplo, imagens são ao mes mo tempo essenciais e traiçoeiras para os historiadores de mentalidades que se preocupam com pressuposições implícitas bem como com atitudes cons cientes. Imagens são traiçoeiras porque a arte tem suas próprias convenções, segue uma curva de d esenvolv imento interno bem c omo de reação ao mund o exterior. Por outro lado, o testem unho de imagens é essenc ial para historiado -
37
„
)
Capítulo 1
^ res de mentalidades, porque uma imagem é necessariamente explí cita em questões que podem ser mais facilmente evitadas em textos. Imagens podem
,
testemunh ar o que não pode ser colocad o em palavras. As próprias distorções encontradas em antigas representações são evidência de pontos de vista pas sados ou "olhares” (Capítulo 7). Por exemplo, mapas medievais do mundo, tais com o o famoso mapa Hereford que mostra Jerusalém no centro do mun do, são evidências valiosas das visões de mundo medievais. Até mesmo a fa mosa gravação em madeira reproduzindo Veneza, datada do início do século 16 e realizada por Jacopo Barbari, aparentemente bastante realista, pode ser, e tem sido, interpretada com o uma imagem simbó lica, um exemplo de “geogra fia moralizada”.12 Imagens de haréns de autoria de europeus do século 19 (aquelas pin tadas por Ingres, por exemplo) nos dizem pouco ou nada sobre o mundo doméstico do Islã, mas revelam muito a respeito do mundo de fantasia dos europeus que criaram essas imagens, adquiriram-nas ou as puderam obser var em exposições ou em livr os (Ca pítulo 7). 13Mais uma ve z, imagens po dem auxiliar a posteridade a se sintonizar com a sensibilidade coletiva de um períod o passad o. Por e xemplo, a imagem européia do início do século 19 do líder derrotado simboliza a nobrez a ou 0 roma ntism o do fracasso, que foi uma das maneiras como essa época via a si mesma, ou, mais exatamente, uma das maneiras como certos grupos proeminentes viam a si mesmos. Como sugerido pela última observação sobre grupos, pode ser um profuiído equívoco visualizar a arte como uma simples expressão do “espí rito da época” ou Zeitgeist. Historiadores culturais têm sido tentados a tra tar certas imagens, especialmente trabalh os de arte famosos, como represen tativos do período em que foram produzidos. Nem sempre devemos resistir às tentaçõ es, porém esta tem a desvant agem de assumir que períodos his tó ricos são suficientemente homogêneos para serem representados desta forma por uma pintura. certotoque diferenças e conflitos culturais devem existir emúnica qualquer mo Émen histórico. 12 HARLEY, J. Brian. Deconstructing the Map (19 89 ), republicado em Writing Worlds. Edited by T. J. Barnes and lames Duncan. [London : Routledge, 19 92], p. 231- 247 . Cf. SCHULZ, Itirgen . Jacopo Barbari’s View o f Venice: Map Making, City Views and Moralized Geography. Art Bulletin LX, p. 425-474 ,1978. 13 YEAZELL, Ruth B. Hare ms o f dieMind: Passages of Western Art and Literature. New Haven: Yale UP, 2000.
38
Fotografias e retratos
Certamente é possível enfocar esses conflitos, como o fez o húngaro marxista Arnold Hauser, (1892-1978) em sua Social Hist ory o f Art (História Social da Arte), publicado em 1951. Hauser via as pinturas com o múltiplos reflexos ou expressões de conflitos sociais entre a aristocracia e a burguesia, por exemplo, ou entre a burguesia e o prolet ariado. Com o destacado por Ernst Gombrich resenhando o livro de Hauser, esse enfoque é ainda bastante sim ples, para não dizer cruamente reducionista. De qualquer forma, o enfoque melh or se aplica a uma explicação das tendênci as gerais na produçã o artística do que a um a interpreta ção de particu lares image ns.14 Existem, entretanto, formas alternativas de discutir a possível relação entre imagens e cult ura (ou cultura s, ou subculturas) na qual el as foram pro duzidas. No caso dò testemunho de imagens, como em muitos outros casos, as testemunhas são mais confiáve is quand o elas nos contam alguma coisa que elas, nesse caso os artistas, não sabem que sabem. Na sua conhecida discussão sobre o papel dos animais nos primeiros tempos da sociedade inglesa moder na, Keith Thomas observou que “nos entalhes que retratam Cambridge data dos do final do século 17, realizados por David Loggan, há cães em toda a parte ( .. .) O total é de 35” . O que o entalhador e o s espectad ores da época Con sideravam como algo comum tornou-se um assunto de interesse para histo riadores culturais.15
AS ORELHAS DE MORELLI Esse último exemplo ilustra outro ponto relevante para historiadores e detetives, a importância de atentar para pequenos detalhes. Sherlock Holmes certa vez observou que ele solucionava seus casos prestando muita atençã o a pe quenas pistas, da mesma forma que um médico pode diagnosticar doenças, prestando atenção a sintomas aparentemente triviais (lembrando aos leitores que o criado r de Holmes, Arthur Con an Doyle, havia sido estudante d e medic i na). Num célebre ensaio, comparan do o enfoque de Sherlock Holmes ao de Sig-
14 BIALOSTOCK1, Jan. The Image of the Defeated L eader in Romantic Art (1 983) republicado em seu The Message o f Images. Vienna: Irsa, 1988. p. 219-233; HAUSER, Arnold. The Social History o f Art. London: England Rout ledge and K. Paid, 19 51. 2 v.; cf. a crítica de GOM BRIC H, Ernest H. The Social History of Art (1953), republicado em Meditations o n a Hob by Horse. [London: Phaidon, 1963]. p. 86-94. 15 THOMAS, Keith. Ma n an d the Na tural World. London: Allen Lane, 1983. p. 102.
39
Capítulo J
mund Freud no seu Psychopathology o f Everyday L ife (Psicopatologia da vida co tidiana), o historiador italiano Carlo Ginzburg descreveu a busca de pequenas pistas comoUm umcolega paradigma epistemológico, uma alternativa intuitiva para raciocínio. de Ginzburg na Universidade de Bologna, Umberto Eco,o parece estar se referindo a esse ensaio em seu livro The Name o f the Rose (O nome da rosa) (1980) quando introduz seu monge-detetive, Irmão William de Baskerville, na ação de seguir a trilha de um animal. A linguagem dos “vestígios” (Introdução) do historiador holandês Renier expressa uma idéia semelhante.16 Outro observador de detalhes significativos, Como destacou Ginzburg, foi o perito italiano Gio vanni Morelli ( Í8 16 -189 1). Morelli, que possuía treinamen to médico, parece ter sido inspirado pelo trabalho de paleontólogos que tentam reconstituir animais a partir de fragmentos de ossos, realizando o clássico adágio ex ungue leonem (“da garra, o leão”). De forma similar, Morelli desenvolveu um método, que ele deno minou “experimental”, para identificar o au tor de um a de terminad a pintura n o caso de controvérsias na atribuição de autoria s. O método, descrito por Morelli como a leitura “da linguagem das for-í mas”, constituía em examin ar com c uidado pequenos detalhes t ais como as formas de mãos e or elhas, que cada artista - consciente ou inconscientemente - re presenta de uma maneira distinta. Essa análise permitiu a Morelli identificar o que ele denominou de a “forma fundamental” ( Grunãform) da orelha ou da mão em Botticelli, por exemplo, ou Bellini. Essas formas podem ser descritas como sintomas de autoria, os quais Morelli considerava como evidências mais confiáveis dQ que documentos escritos. Talvez Conan Doyle conhecesse as idéias de Morelli, ao passo que o historiador cultural Jacob Burckhardt considerava esse método fascinante. O famoso ensaio de Aby Warburg sobre a representação de Botti celli do cabelo e do movimento dos panos não menciona Morelli, porém, pode ser visto como uma adaptação do seu método aos propósitos da história cultural, uma adaptação que, conforme a citação de Morelli na epígrafe deste capítulo sugere, ele teria aprovado. Esse é o modelo que tentarei observar, tanto quan to puder, nes te livro.17 16 GINZBU RG, Carlo. Clues: Roots of an Evidentia l Paradigm (1 978 ), republicado em seu Myths, Em blems, Clues. [London: Hutchinson Radius, 1990] , p. 96-1 25. 17 MORE LLI, Giovanni. Kunstkrit ische Studien iiber italienische Ma lerei. Von Ivan Lermolieff [pseud.]. Leipzig: F. A. Brockhaus, 189 0-18 93. 3 v„ esp. v. 1, p. 95- 99; cf. HAUSER, Arnold . The Social Histo ry o f Art. London; England Routledge and K. Paul, 1951. p. 109-110 e
40
Fotografias e retratos
Siegfried Kracauer pe nsava de form a semelhant e qua ndo afirm ou que um estudo dos filmes al emães revelaria aspectos da vida alemã que out ras fo n tes não pòderiam proporcionar. “ A com pleta dimensão da vida cotidiana c om seus movimentos infinitesimais e sua profusão de ações momentâneas não podería ser r evelada de forma mais completa do que na tela do cinema ; os fil mes iluminam o reino das bagatelas, dos pequenos acontecimentos”.'* A interpretação de imagens através de uma análise de detalhes tornouse conhecida como “iconografia”. As realizações e os problemas do método iconográfico serão examinados no próximo capítulo.
i
GINZBURG, Carlo. Clues: Roots of an Evidential Paradigm (1978), republicado em seu Myths, Emblems, Clues. [London: Hutchinson Radius, 1990). p. 101-102; WARBURG, Aby. The Renewal of Pagan Antiquity (1932). Los Angeles, CA: Getty Research Institute for the History of art and the Humanities, 1999. (Tradução inglesa). 18 KRACAUER, Siegfried. History o f the German Film (1 942 ), republicado em seu Briefwechsel. Edited by V. Breidecker. [Berlin: Akademie-Verlag, 1996]. p. 15-18.
’
41
C apítulo 2
I c o no g r a f i a e iconologia
[Um] nativo australiano não podería reconhecer o tema da Ültima Ceia ; para ele, a cena apenas evocaria a idéia de um alegre jantar. E rwin Panofsky
Antes de tentar ler imagens “entre as linhas”, e de usá-las como evidên cia histórica é prudente iniciar pelo seu sentido. Porém, pode o sentido de imagens ser traduzido em palavras? O leitor deve ter observado que o capí tulo anterior descreveu imagens como nos “contando” alguma coisa. De uma certa maneira elas assim o fazem; imagens são feitas para comunicar. Num outro sentido elas nada nos revelam. Imagens são irremediavelmente mudas. Como disse Michel Foucault, “o que vemos nunca está no que dizemos”. Como outras formas de evidência, imagens não foram criadas, pelo menos em sua grande maioria, tendo em mente os futuros historiadores. Seus criadores tinham suas próprias preocup ações, suas próprias mensagens. A interpretação dessas mensagens é conhecida como “iconografia” ou “ico nologia”, termos algumas vezes utilizados como sinônimos, porém, em ou tras, distintos, como veremos a seguir. A IDÉIA DE ICONOGRAFIA
Os termos “iconografia” e “iconologia” foram lançados no mundo da história da arte durante as décadas de 1920 e 1930. Para ser mais preciso, eles foram relançados —um famoso livro renascentist a de imagens, publicado p or
43
Capítulo 2
Cesare Ripa em 1593, já era intitulado Iconabgia, ao passo que o te rmo “ico nografia” estava em uso no início do século 19. Por vol ta da'década de 19 30 , o uso desses termos tornou-se associado a uma reação contra uma análise pre domina nteme nte formal de pintura» em term os de composição ou cor, em d e trimento do tema. A prática da iconografia também implica uma crítica da pressuposição do realismo fotográfico em nossa “cultura de instantâne os”. Os “iconografistas”, como seria conveniente denominar esses historiadores da arté, enfatizam o conteúdo intelectual dos trabalhos de arte, sua filosofia ou teologia implícitas. Alguns de seus mais famosos e controversos argumentos dizem respei to a pinturas feitas na Holanda entre os s écu los115 e 18. Tem-se argumentado, por exemplo, que o celebrado realismo de Jan van Eyck ou de Pieter de Hooch (fig. 38) é apenas superficial , escondendo uma meiisagem re ligiosa ou moral através do “simbolism o disfarçado” de objetos, do c otidia no/ Pode-se dizer que para os iconografistas, pinturas não são feitas sim plesmente para serem observadas,' mas também para serem “lidas”. Hoje, essa idéia já se tornou lugar-comum. Uma introdução bastante conhecida para o estudo de filmes tem o título How t o read a film (Como le r um film é){ 1977), enquanto o crítico Roland Barthes (1915-1980) certa vez declarou: “Eu leio textos, imagens, cidades, rostos, gestos, cenas, etc.” A idéia da leitura de ima gens, com efeito, remonta há um longo tempo. Na tradição cristã, era expres sa pelos padres da igreja e principa lmente pelo papa Gregório o Grande (Ca pítulo 3). O artista francês Nicolas Poussin (1594-1665) escreveu sobre seus quadros de israelitas colhendo maná, “leiam a história e a pintura” (lisez 1’histoire et le tableau). De forma semelhante, o historiador de arte francês Emile Mâle (1862-1954) escreveu sobre a “leitura” de catedrais.
A
escola
de
W arburg
O grupo mais famoso de iconografistas seria encontrado em Hambur go nos anos que antecederam á ascensão de Hitler ao poder. Nesse grupo se 1 PANOFSKY, Erwin. Early Netherlandish Painting. Cambridge, MA: Harvard UP, 1953. 2 v.; JONG H, Eddy de. Realism and Seeming Realism in Seventeenth-Century Dutch Painting (1971). In: FRANITS, Wayne (Ed.). Looking at Seventeenth-Century Dutch.Art. Realism Reconsidered. Cambridge: Cambridge UP, 1997. p. 21 -56 . (Tradução inglesa); JON GH, Eddy de. The Iconological Approach to Seventeenth-Century Dutch Painting. In: The Golden Age o f Dutch Painting in Historica l Perspecti ve (19 92 ). Edite d by Franz Grij zenhout and Henk van Veen. Cambridge: Cambridge U P, 1999. p. 200- 22 3. (Tradução inglesa).
44
Iconografia e iconologia
! incluíam Aby Warburg (1866-1929), Fritz Saxl (1890-1948), Erwin Panofsky (1892-1968) e Edgar Wind (1900-1971), estudiosos com boa educação clássi ca e grande intere sse por literatura, história e filosofia. O filósofo E rnst Cassi rer (1 87 4-1 94 5) era outro membro desse círculo de Ham burgo e compartilha va o interesse por formas sim bólicas. Depois de 1933, Panofsky emigrou para os Estados Unidos, enquanto Sad, Wind e até mesmo o Instituto Warburg, com o já v imos, refugiaram-se na In glaterra, daí d ivulgando mais amp lamente o conhecimento sobre o-método iconográfi co. O enfoque de imagens do grupo de Hamburgo foi sinteti zado num fa moso ensaio de Panofsky, inicialmente publicado em 1939, distinguindo três níveis de interpretação correspondendo a três níveis de significado no próprio trabalho.2O primeiro desses níveis era a descrição pré-iconográfica, voltada para o “significado natural”, consistindo na identificação de objetos (tais como árvores, prédios, animais e pessoas) e eventos (refeições, batalhas, procissões, etc.). O segundo nível era a análise iconpgráfica no sentido estrito, voltado para o “significado convencional” (reconhecer uma ceia como a Última Ceia ou uma batalha como a Batalha de Waterloo). O terceiro e principal nível, era o da interpretação iconológjca, distinguia-se da icon ografia pelo fato de se voltar para o “significado in trínse co”, em outras palavras, “os princípios subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, período,oferec uma em classe, religiosa'ou filosófic a”.para É ne os s se nível que um as imagens eviduma ênciacrença útil, de fato indispensável, historiadores culturais. Panofsky estava especialmente interessado no nível iconológico em seu ensaio Gothic Archite cture an d Scholasticism (Arquitetura Gótica e Escolástica) (1951), no qual explorava homologias entre os sistemas filosófico e arquitetônico dos séculos 12 e 13. Esses níveis pictóricos de Panofsky correspondem aos três níveis literá rios distinguidos pelo estudioso clássico Friedrich Ast (1778-1841), um pio neiro na arte da interpretação de textos (“hermenêutica”): o nível literal ou gramatical, nível históricoo do (preocupado o significado) e o nível cultu pe ral, voltado opara a captaçã “espírito ” com ( Geist) da Antiguidade ou outros ríodos. Em outras palavras, Panofsky e seus colegas estavam aplicando ou adaptando para as imagens uma tradição especificamente alemã de interpre tação de textos. 2 PANOFSKY, Erwin. Studies in Iconology. New York: Oxford UP, 1939. p. 3-31.
45
Capitulo 2
Os leitores devem saber que, mais tarde, historiadores da arte que ado taram o termo “iconologia” empregaram-no de formas distintas de Panofsky. Para Ernst Gombrich, por exemplo, o termo refere-se à reconstrução de um programa pictórico, um afundamento significativo do projeto ligado à suspeita de Gombrich de que a iconologia de Panofsky era simplesmente um outro nome para a tentativa de ler imagens como expressões do “espírito da época” ( Zeitgeist ). Para o estudioso holandês Eddy de Jongh, iconologia é uma “tentativa de explicar representações no seu contexto histórico, em relação a outros fenômeno s culturais”.5 Por seu lado, Panofsky insistia na idéia de que imagens são parte de toda uma cultura e não podem ser compreendidas sem um conhecimento da quela cultura, de tal forma que, citando seu próprio e expressivo exemplo, um nativo australiano “não poderia reconhecer o tema da Última Ceia ; para ele essa cena apenas evocaria a idéia de um alegre jan tar”. A maio ria dos leitores pode se deparar com a mesma situação quando se confrontasse com imagens religiosas hindus ou budi stas (C apítulo 3). Para interpretar a mensagem, é ne cessário familiarizar-se com os códigos culturais. Da mesma forma, sem um conhecimento razoável da cultura clássica nós não conseguimos ler um grande número de pinturas ocidentais, reconhe cer referências a incidentes da mitologia grega ou, digamos, da história roma na. Se, por exemplo, não soubermos que o jovem de sandálias e chapéu pontu do no quadro Primavera (Tig. 10) de Botticelli representa o deus Hermes (ou Mercúrio) ou que as três jovens dançando são as Três Graças, é bem provável que não consigamos decifrar o significado da pintura (mesmo com esse conhe cimento, outras dificuldades permanecem). No mesmo sentido, se não perce bemos que os protagonistas na cena de estupro ilustrada por Ticiano (fig. 11) são o rei Tarquínio e a matrona romana Lucrécia, perdemos o principal aspec to da história, narrada pelo historiador romano Tito Lírio com o fito de mos trar a virtude de Lucrécia (que se livrou da sua vergonha cometendo o suicí dio ), e explicar por que os roman os expulsaram o rei e fundaram a república. 3
3 GO MBR ICH, Ernest H. Aims and limits o f Iconology. In : ______ . Symbolic Images. London: Phaidon, 1972. p. 1-25, e p. 6; de IONGH, Eddy de. The Iconological Approach to Seventeenth-Century Dutch Painting. In: The Golden Age of Dutch Painting in Historiatl Perspective (1992). Edited by Franz Grijzenhout and Henk van Veen. Cambridge: Cambridge UP, 1999, cf. KLEIN, Robert. Considerations sur les fondements de I'iconographie (1963), republicado em La Form e el I'intelligiblc. Paris: Gallimard, 1970. p. 353-374.
46
Iconografia e iconologia
10. Detalhe mostrando Mercúrio e as Graças, da obra Primavera de Botticelli, 148 2, têmpera em madeira. Galeria degli Uffizi, Florença.11
11. Ticiano, The Rape o f Luc reáa (O estupro de Lucrécia), 1571, óleo sobre tela. Museu Fitzwilliam, Cambridge.
47
Capitulo 2
O MÉTODO EXE MPLI FI CADO das realizações importantes da escola de Warburg cernemAlgumas a interpretação de pinturasmais da Itália renascentista. Considere-se o casocon da assim chamada Sacred and Profane Love (Amor sagrado e amor profano) (fig. 12) obra de Ticiano. No nível da descrição pré-iconográfica, vemos duas mulheres (uma nua, outra vestida), uma criança e um túmulo, que é usado como fonte, to dos situados numa paisagem. Considerando a iconografia, para qualquer um que esteja familiarizado com arte renascentista é, por assim dizer, brincadeira de criança identificar a criança como Cupido, mesmo que decodificar o que expres sa o resto do quadro não seja tão fácil. Uma passagem no diálogo de Platão o Symposium fornece umaaspista a identidade das duas mulheres; a fala de Pausanias sobre duasessencial Afrodites,para a “celestial” e a “vulgar” , interpretadas
pelo humanista Marsílio Ficino como símbolos do espírito e da matéria, amor intelectual e desejo físico. No nível mais profundo, iconológico, a pintura constitui-se numa exce lente ilustração do entusiasmo por Platão e seus discípulos no chamado movi mento “neoplatònico” da Renascença italiana. Além disso, a pintura oferece substancial evidência para a importância daquele movimento n o meio ambien te de Ticiano, no norte da Itália no início do século 16. A recepção à pintura também nos passa alguma informação sobre a história das atitudes em relação ao’corpo nu, notadamente a mudança de uma atitude de celebração para uma outra, de suspeita. Na Itália do início do século 16 (como na Grécia da época de Platão), era natural estabelecer uma ligação entre o amor celestial e a mulher nua, porque a nudez era vista numa conotação positiva. No século 19, mudan ças nos conceitos sobre nudez, especialmente sobre a nudez feminina, tornaram claro aos espectadores, simples senso comum, pode-se dizer, que a Vènus cober ta representava o amor sagrado, ao passo que a nudez passou a ser associada ao profano. A freqüéncia de imagens do corpo nu na Itália renascentista, compara da sua raridade na Idade Média, oferece outra pista importante respeito dascom mudanças na maneira como os corpos eram percebidos naqueles aséculos. Para além das interpretações e focando no método que elas exemplifi cam, trés pontos destacam-se. O prim eiro é que, numa tentativa de reconstruir, o que é freqüentemente denominado “programa” iconográfico, os estudiosos tém aproximado imagens que os acontecimentos separaram, pinturas que fo ram src inalmente realizadas para serem lidas em conjunt o, porém, en contr amse atualmente dispersas em museus e galerias em diferentes partes do mundo.
48
Iconografia t iconologia
12. Ticiano, Sacred and Profane Love
(Amor sagrado e amor profano), 1514, óleo sobre tela.
Galeria Borghese, Roma.
O segundo ponto está relacionado à necessidade dos iconografistas de prestar atenção aos detalhes, não apenas para identificar artistas, como argu mentado por Morelli (Capítulo 1), mas também para identificar significados culturais. Morelli também estava consciente desse fato e, num diálogo escrito por ele para explicar seu método, criou a personagem de uma velha sábia florentina que diz ao herói que os rostos das pessoas nos retratos revelam alguma coisa sobre a história da sua época, “se soubermos como ler esses rostos”. No mesmo sentido, no caso de Sacred and P rofane Love , Panofsky focalizou a aten ção nos coelhos no fundo do quadro e explicou que el es eram símb olos de fer tilidade, enquanto que Wind focalizou os relevos que decoravam a fonte, in cluindo um homem sendo açoitado e um cavalo sem rédeas, interpretando-os com o referências a “ritos pagãos de inicia ção a morosa”.4 O terceiro poqto relaciona-se à idéia de que os iconografistas geral mente justapõem textos e outras imagens à imagem que eles desejam interpre tar. Alguns dos textos são encontrados nas próprias imagens, na forma de ró tulos ou inscrições, transformando a imagem no que o historiador de arte Pe ter Wagner chama de “iconotexto” que pode ser lido pelo espectador tanto li teral quanto metaforicamente. Outros textos são selecionados pelo historiador numa tentativa de clarear o significado da imagem. Warburg, por exemplo, em
4 PANOFSKY, Erwin. Studies in Iconology. New York; Oxford UP, 1939. p. 150-155; WIND, Edgar. Pagan Mysteries in the Renaissance. New Haven: Yale UP, 1958. Segunda edi<,âo, Oxford 1980. p. 121-128.
49
Capítulo 2
seu enfoque da obra Primavera, observou que o filósofo romano Sêneca havia associado Mercúrio com as Graças, que o humanista renascentista Leonbattista havia erecomendado aos pintores para as queGraças representassem ascircula Graças deAlberti mãos dadas que várias medalhas exibindo estavam em ção em Florença na época de Botticelli. 5 Como podemos ter certeza de que essas justaposições são apropriadas? Será que os artistas renascentistas tinham conhecimento da mitologia clássica? Nem Botticelli nem Ticiano tiveram muita instrução formal e é bem provável que eles nunca tenham lido Platão. Para enfrentar essa objeção, Warburg e Panofsky formularam a hipótese do con selheiro humanista, qu e formulava o pro grama iconográfico de imagens complexas para ser executado pelos artistas. É relativamente raro encontrarmos evidência documentária de tais programas. Por outro lado, os pintores da Renascença italiana ffeqüentemente tinham oportunidade de conversar com humanistas, com Marsílio Ficino, no caso de Botticelli e com Pietro Bembo , no caso de Ticiano. Portanto, não seria implausível sugerir que qma variedade de alusões à antiga cultura Grega e romana pode ser encontrada em seus trabalhos.
O MÉTODO CRI TI CADO O método iconográfico tem sido criticado por ser intuitivo em demasia, I muito ^especulativo para que possamos nele confiar. Programas iconográficos estão ocasionalmente registrados em documentos que foram preservados, po rém, em termos genéricos, temos de inferi-los, a partir das próprias imagens, caso em que a sensação de diferentes peças de um quebra-cabeça se encaixan, do, em bora vivida, é bastante subjetiva. Co mo ilustrado pela intermináv el saga das novas interpretações de Primavera, é mais fácil identificar os elementos de uma pintura do que compreender a lógica da sua combinação. A Iconologia é ainda mais especulativa, e os iconologistas cor rem o risco de descob rir nas ima gens exatamente aquilo que eles já sabiam que lá se encontrava, o Zeitgeist. O enfoque iconográfico também pode ser condenado por sua falta de di mensão social, sua indiferença ao contexto social. O objetivo de Panofsky, que era sabidamente indiferente, se não host il, à histór ia social da arte, era descobrir 5 WARBURG, Aby. The Rene wal o f Pagan Antiq uity (1932) Los Angeles, CA: Getty Research 1999. p. 112-115. (Tradução inglesa).
50
Iconografia e iconologia
“o” significado da imagem, sem levantar a questão: significado para quem? C on tudo, é possível que o artista, o mecenas que encomendou o trabalho e outros espectadores contemporâneos não compartilhassem a mesma visão de uma de terminada imagem. Não se pode assumir que todos eles estavam tão interessa dos em idéias quanto os iconogra fistas e os humanistas. O rei Felipe II da Espa nha, por exemplo, encomendou a Ticiano cenas da mitologia clássica (c.14851576). Tem-se argumentado de f orm a plausível que Felipe interessava-se menos por alegorias neoplatônicas ou por representações de determinados mitos do que por pinturas de belas mulheres. Em cartas ao rei, o próprio Ticiano descre via suas pinturas co mo “poemas”, sem qualquer referência a idéias filosóficas.6 De fato, não seria pertinente assumir qúe as alusões clássicas que Panofsky, ele próp rio um hum anista, tant o apreciava reconhece r, eram apreciadas pela m aioria dos espectadores nos séculos 15 e 16. Algumas vezes, os texto s nos oferecem preciosa evidência de interpretações errôneas, de um deus ou uma deusa ser tomado por outro por espectadores contemporâneos, ou, por exem plo, uma Vitória alad a ser vista com o um anjo p or um espectador que soubes se mais sobre o cristianismo do que sobre a tradição clássica. Como às vezes sabiam, constrangidos, os missionários, pessoas que haviam sido convertidas ao cristianismo mantinham uma propensão a visualizar imagens cristãs de acordo com as próprias tradições, ver a Virgem Maria como a deusa budista Kuan Yin, ou como a deusa mãe mexicana Tonantzin, ou ainda ver São Jorge como uma versão de Ogum, o deus da guerra africano. y m outro problema do métod o iconográfico é que s eus praticantes não têm prestado suficiente atenção à variedade de imagens. Panofsky e Wind pos suíam olhares aguçados para alegorias em pinturas, porém imagens não são sempre alegóricas. Como veremos, a questão levantada a respeito de um pro vável significado oculto para as famosas cenas do cotidiano holandês do sécu lo 17 permanece controvertida (Capítulo 5 ). Whistler lançou um desafio ao en foque iconográfico, denom inando seu retrato de um proprietário de navios d e Liverpool de “Arranjo em preto”, como se seu objetivo não fosse representacional, mas puramente estético. No mesmo sentido, o método iconográfico pode ter de ser adaptado para lidar com pinturas surrealistas, uma vez que pintores como Salvador Dali (1904-1989) rejeitavam a simples idéia de um programa.
6 HOPE , Charles. Artists, Patron s and Advisers in the Italian Renaissa nce. In: Patronage in the Renaissance. Edited by Guy F. Lytle and Stephen Orgel. Princeton, NJ: Princeton UP, 1981. p. 293-343.
51
Capítulo 2
I
coerente e tentavam, em vez disso, expressar as associações da mente incons ciente. Artistas como Whistler, Dali e Monet (discutidos a seguir) podem ser descritos como resistentes à interpretação iconográfica. Esse aspecto sobre resistênci a leva a uma última c rítica do m étodo, que o considera excessivamente literário, ou logocêntrico, no sentido de assumir que as imagens ilustram idéias e de privilegiar o conteúdo sobre a forma, o conselheiro humanista sobre o verdadeir o p intor ou escultor. Essas suposições são problemáticas. Em primeiro lugar, a forma é certamente parte da mensa gem. Em segundo, as imagens ffeqüentem ente despertam emoções bem com o veiculam mensagens no estrito sentido do termo. Quanto à iconologia, os perigos de assumir a idéia de que imagens ex pressam o “espírito da época” têm sido lembrados várias vezes, notadamente por Ernst Gombrich na sua crítica aos trabalhos de Arnold Hauser e Johan Huizinga bem como ao de Erwin Panofsky. Não é razoável adotar a idéia da homogeneidade cultural de uma época. Huizin ga inferiu a existênci a de uma sensibilidade mórbida ou macabra em Flanders no final da Idade Média, por intermédio da literatura e das pinturas da época. Entretanto, o trabalho de Hans Memling (c. 143 5-14 94) tem sid o citado como um contra-exemplo, um pint or que era “bastante admirado” no século 15, sem ter no enta nto, a “preo cupação mórbida” de seus colegas.7 Em resumo, o método específico para a interpretação de imagéns que foi desenvolvido no início do século 20 pode ser considerado falho p or ser excessi vamente preciso e estreito em alguns casos e muit o ,vago' em outros. Para dis cuti-lo em termos gerais, o método incorre no risco de subestimar a variedade de imagens, sem falar na diversidade de questões históricas para as quais as ima gens podem auxiliar a encontrar respostas. Historiadores de tecnologia (diga mos) e historiadores de mentalidade s busca m imagens .com diferentes necessi dades e expectativas. Portanto, os capítulos seguintes focalizarão sucessivamente diferentes domínios tais, comó religião, poder, estruturas sociais e aconteci mentos. Se h á uma conclusão geral a ser destacada neste capítulo, pode-se dizer que os historiadores precisam da iconografia, poré m, devem ir além dela. É ne cessário que eles pratiquem a iconologia de uma forma mais sistemática, o que pode incluir o uso da psicanálise, do estrutu ralismo e, especialmente, da teoria da recepção, enfoques que serão mencionados ocasionalmente, bem como dis cutidos mais completa e explicitamente no capítulo final deste livro. 7 GOMBRICH, Ernest H. In Searc h o f Cultural Hi story. Oxford: Clarendon Press, 1969; M c FARLANE, K. Bruce. Hans Memling. Oxford: Clarendon Press, 1971.
52
Iconografia e iconologia
O PROBLEMA D A PAISAGEM Inicialmente, parece que o segundo e o terceiro níveis de Panofsky são pouco relevantes para a análise da paisagem, mas, por essa mesma razão, pai sagens nos permitem vislumbrar com especial clareza tanto os pontos fracos quanto os fortes dos enfoques i conográfico e iconológico. Estou empregand o o termo “paisagem” de forma deliberadamente ambígua, para me referir não apenas a pinturas e desenhos , mas também à própria terra em si mesma, com o tem sido transformada e m “paisagem de jardinagem” e outras formas de inte r venção humana. Um dos pontos fortes do enfoque iconográfico é o de que ele tem inspi rado tanfp geógrafos quantp historiadores da arte a ler a paisagem física de novas formas. A iconografia da terra em si é particularmente óbvia n o caso de jardins e parques. Existem também as paisagens típicas ou simbólicas que representam determinadas nações através da sua vegetação característica, de carvalhos a pi nheiros Cde palmeiras a eucaliptos. Pode-se medir a importância desse simbolis mo pela indignação causada quand o a Comissão Britânica de Florest as plantou pinheiros onde haviam crescido árvores sazonais e tradicionais inglesas." Se a paisagem física é uma imagem que pode ser lida, então a paisagem reproduzida numa pin tura é a imagem de uma imagem. No caso das paisagens pintadas, parece óbvio o ponto fraco do enfoque iconográfico. Parece não ser mais do que senso comum sugerir que pintores de paisagens desejam oferecer aos espectadores prazer mais do que comu nicar u ma mensagem. Alguns pinto res de paisagens, como Claude Monet (1840*1926), rejeitavam o significado e concentravam -se nas sensações visuais. Quando M onet pintou uma vista de Le Havre em 187 2, denom inou-a simplesmen te de Impression: Sunrise (Impressão: nascer do sol). Ainda assim, o q ue nu ma determinada cultura parece ser “senso comu m” precisa ser analisado pelos historiadores e antropólogos com o parte de um sistema cultural. No caso da paisagem, ár vores e cam pos, rochas e rios , to dos esses elementos comportam associações conscientes ou inconscientes para os espectadores.’ Devemos enfatizar que nos referimos a observ adores de deter minados lugares e períodos da histór ia. Em algumas culturas a natureza selva gem é detestada e até temida, enquant o em outras ela é um obj eto de veneração. 89
8 PAULSON, Ronald. Emblem and Expression. COSGROVE, Denis; DANIELS, Stephen (Ed.). Cambridge UP, 1988.
London: Thames and Hudson, 1975; The Iconography o f Landscape. Cambridge:
9 SCHAMA, Simon. Landscape and Memor y. London: HaperCollins, 1995.
53
Capitulo 2
Pinturas revelam que uma variedade de valores, incluindo inocência, liberdade e o transcendental, foi toda projetada na terra. Por exemplo, o term o “paisagem pastoral” fo i criado para descrever pin turas feitas por Giorgione (c. 1478-1510), Claude Lorrain (1600-1682) e ou tros, porque elas expressam uma visão idealizada da vida rural, especialmente a vida de pastores e pastoras, da mesma fo rma que a tradição ocid ental da po e sia pastoral a partir de Teócrito e Virgílio. Parece que essas paisagens pintadas acabaram influencia ndo a forma de percepção das paisagens reais. Na Inglater ra do final do século 18, “turistas” - com o poeta Wordsworth foi um dos primeiros a cham á-los - com guias de viagem na mão, viam a região do Lake District, por exemplo, como se estivessem tratando de uma série de pinturas realizadas por um Claude Lorrain, comodas “pitoresca*. A nossa idéia de toresco ilustra aspecto geraldescrevendo-a sobre a influência imagens na perpi cepção do mundo. Desde 1900, turistas em Provence têm vindo para observar a paisagem local como se fosse feita por Cézanne. Também a experiência reli giosa, como veremos (Capitulo 3), é parcialmente configurada por imagens. Considerando essas associações pastorais, é provável que a obra de Mo net The Train (1 871,0 trem), com su a paisagem de enfumaçadas chaminés de fábricas, tenha chocado alguns de seus primeiros observadores, ao passo que mesmo os trens diminutos vistos a distância em certas paisagens americanas do século XIX surpresa. Uma questão maisna difícil de se responder é se devem a razão ter pelaprovocado qual os artistas introduziram os trens paisagem se devia ao fato de serem admiradores do progresso, como o pintor mexicano de murais Diego Rivera (1866-1957), cujos afrescos de 1926 celebravam o tra tor e a mecanização da agricultura.101 O último ponto a ser abordado implica que a paisagem evoca associa ções políticas, ou até mesmo que ela expressa uma ideologia, como o naciona lismo. O príncipe Eugênio da Suécia foi um dos numerosos artistas por volta de 1900 que escolheram pintar o que ele denominou “a natureza nórdica, com seu ar límpido, sólidos contornos e cores fortes”. Podemos dizer que a nature za foi então nacionalizada, tornando-se um símbolo da mãe-pátria." Na Ingla10 NOVAK, Barbara. Nature and Culture: American Landscape and Painting 1825-1875. New York: Oxford UP, 1980. Edição revisada. Nova York 1995. 11 ETL1N, R. (Ed.). Nationalism in lhe Visual Arts. London: University Press of New England, 1991; FRYKMAN, lonas; LÕFGREN, Orvar. Culture Builders: A Historical Anthropology of Middle-Class Life (1979). New Brunswick: Rutgers UP, 1987. p. 57-58. (Tradução inglesa); BOIME, Albert. The Unveiling o f the N ational Icons . Cambridge: [ s j i .).* 1994.
54
Iconografia c iconologia
terra do século 20, a terra foi associada com a maneira inglesa de ser, com a ci dadania, e com a “sociedade orgânica” do povoado , ameaçada pela moder nida de, a indústria e a cidade.1231
13. Colin McCahon, Taka ka - Noi te e dia , 1948, óleo sobre tela aplicado na parede. Galeria de Arte Auckland Toi o Tamaki, Nova Zelândia.
No mesmo sentido, observou-se acuradamente que pintores de paisagens inglesas do século 18 desconsideravam as inovações da agricultura e ignoravam os campos recentemente cercados, preferindo mostrar a terra como se supõe que tenha sido(1776-1837), nos bons velhos tempos.1 ’ Da mesma forma, as paisagens John Constable pintadas durante a Revolução Industrial, têm sido de inter pretadas como uma expressão de atitudes antiindustriais pelo fato de que elas não retratam fábricas. As fábricas, certamente, não faziam parte da paisagem de Constable, retratando Essex ou Wiltshire. No entanto, a coincidência em termos de tempo entre o surgimento do gênero de pintura de paisagens e o aparecimen to de fábricas na Inglaterra permanece um fato intrigante e perturbador. O mesmo período viu o surgimento de um novo entusiasmo pela natu reza selvagem, marcado pela crescente popularidade de excursões em busca de montanhas e florestas e pela publicação de um conjunto de livros sobre o as sunto tais como Observações relativas à beleza pitoresca (17 86) , do escrito r Wil-
12 MATLESS, David. Landscape and Englishness.
London: Reaktion Books, 1998.
13 PRINCE, Hugh. Art and Agrarian Change, 1 710-18 15. In: COSGRO VE, Denis; DANIELS, Stephen (Ed.). The Icono graph y o f Landsc ape. Cambridge: Cambridge UP, 1988. p. 98-118.
55
Capitulo 2
liam Gilpin (1724-1804). Parece que a destruição da natureza ou, pelo menos, a am eaça de destruição era uma condiç ão necessária para sua apreciação esté tica. A Inglaterra ru ral já estava adqu irind o o aspecto de um p araíso perdid o.14 De uma maneira mais geral, pelo menos no Ocidente, a natureza freqüentemente simbolizou regimes políticos. O pensador conservador Edmund Burke (1729-1797) descreveu a aristocracia britânica coíno “grandes carvalhos” e contrastou a constituição britânica, que crescia naturalmente como uma árvo re, com a constituição da França revolucionária artificial e “geométrica”. Por ou tro lado, para os liberais, a natureza representava a liberdade, definida contra a ordem e a repressão associadas com a monarquia absoluta e representadas pelos simétricos jardins de Versalhes e suas diversas imitações. As florestas e os fora-dalei que nela habitam, notadámente Robin H ood, constituem-se num antigo sím bolo de liberdade.15 As paisagens do império evocam um outro tema, o da desapropriação. Diz-se que a ausência de formas num a paisagem americana traz “ um significa do mais carregad o do qu e na Europa.” No caso da Nova Zelândia, tem sido s u gerido que “a evocação de uma paisagem vazia não pode ser vista como uma afirmação puramente pictorial ou estética” (fig. 13). Consciente ou inc onscien temertte, o artista apagou os aborígine s, co mo se estivesse ilustrando a idéia de um solo “virgem” ou a doutrina legal de que a Nova Zelândia, como a Austrá lia e a América do Norte, era uma “terra de ninguém”. Dessa forma, a posição dos colonizadores brancos foi legitimada. Aquilo que é documentado pela pin tura pod e ser chamado de “olhar col onia l” (Capítulo 7 ). 16 Mesmo no caso da pais agem, portanto, os enfoqu ès iconográfico e iconológico assumem um papel, auxiliando os historiador es a recon struir sensibi lidades do passado, A função desses enfoques toma-se mais clara no caso de imagens religiosas, a serem discutidas no próximo capítulo.
14 THOM AS, Keith. M an and die Natural World. London: Allen Lane, 1983; BERMINGHAM, Ann. Landscape an d Ideolog y. The English Rustic Tradition, 1740-1860. London: Thames and Hudson, 1986. 15 DANIELS, Stephen. The Political Iconography o f Landscape. In: COS GROV E, Denis; DANIELS, Stephen (Ed.). The Iconography o f Lands cape. Cambridge: Cambridge UP, 1988. p. 43-82; WARNKE, Martin. Political Landscape: The Art History of Nature (1992). London: Reaktion, 1994. p. 75-83. (Tradução inglesa); SCHAMA, Simon. Landscape and Memory. London: HaperCollins, 1995. 16 NOVAK, Barbara. Nature and Culture: American Landscape and Painting 1825-1875. New York: Oxford UP, 1980. p. 189; THOMAS, Nicholas. Possessions: Indigenous Art and Colonial Culture. London: Thames and Hudson, 1 999. p, 20-2 3.
56
C apí tulo 3
O SAGRADO E O SOBR ENATURAL
A br e nonfacimus,$i pe r visibilia invisibilia demonstramus.
[Não nos enganaremos se mostrarmos as coisas invisíveis através das visíveis.] : G regórkvo
grande
Kunst gibt nicht das sichtbar, a ber macht sichtbar.
[A arte não reproduz o visível mas torna visível.] Pa u l K l e e
muitas religiões, imagens desempenham um papel crucialtambém na cria ção da Em experiência do sagrado.1Elas expressam e formam (e assim documentam) as diferentes visões do sobrenatural, assumidas em diferentes culturas e épocas; visõe s de deuses e dem ônios, santos e pecadores, céus e in fernos. É, no mínimo, intrigante saber que imagens de fantasmas eram raras na cultura ocidentahantes do século 14, e imagens do demônio antes do sécu lo 12, emb ora algúmas possam ser encontradas a partir do século 9. A figura do diabo, cabeluda, com chifres, garras, cauda, asas como um morcego e um forcado em uma das mãos, foi elaborada durante um longo tempo.1 2 1 WIRTH, J ean. Vintage médiévale : Naissance et développement. Paris: Méridiens Klincksieck, 1989; DUNAND, Françoise; SPIESER, Jean-Michel; WIRTH, Jean (Ed.). Vinta ge et la production du sacré. Paris: Méridiens Klincksieck, 1991. 2 SCH MITT , )ean-CJaude. Ghosts in the Middle Ages (1994). Chicago: University o f Chicago Press, 1998. p. 241. (Tradução inglesa); LINK, Luther. The Devili A Mask without a Face. London: Reaktion Books, 1995; MUCHEMBLED, Robert. Utje histoire du d iabl e ( 12'-20* siídes ). Paris: Seuil^2000.
57
Capitulo 3
, ' Uma série cron ológica de imagens representando um único tema cons titui-se num a fonte particularmente valios a para o historiador da religiã o. Por exemplo, década o historiador Michel representando Vovelle e sua esposa estudaramnauma sériedede1960, retábulos de altarfrancês da Provença, almas no Purgatório, como fonte para a história das ment alidàdes e também da sen sibilidade, bem com o para a história da devoção, des crevendo as imagens com o “um dos mais importantes registros das atitudes humanas erh relação à morte na medida em que mudam ao longo do tempo.” Nesse estudo os Vovelles analisaram a cro nologia , a geografia e a s ocio logia das imagens observando, por exemplo, que a produção permaneceu mais ou m enos constante entre 1610 e 1850 , o que implica que a Revolução France sa não fo i um marco tão impo rtante, no que se refere às mentalidades provençais. Eles também realizaram uma análise temática das image ns, notando o de clínio de representações dos santos como intercessores e a mudança de ênfase: dos sofrimentos da alma no século 17 para as imagens de salvação no século 18. Os Vovelles também destacaram que as mudanças tendiam a ser iniciadas por ordens religiosas, depois assumidas pelas irmandades religiosas antes de atingir o laicado em geral. Dessa forma, elas contribuíram para a história local da Contra-Reforma.3 Imagens têm sido utilizadas com ffeqüência como um meio dé doutri nação, como objetos de cult os, como estímulos à meditação e como armas em controvérsias. Portanto, elas também são um meio àtravés do qual historiado res podem recuperar experiências religiosas passadas, contanto que eles este jam aptos a interpretar a iconografia. A seguir, serão discutidas, uma por uma, , as quatro funções que acabamos de mencionar.
I magens
e d outr
ina çã o
A necessidade de certos tipos de conhecimento como pré-condição para a compreensão do significado de imagens religiosas está suficientemente eviden te para a maioria dos ócidentais, no caso de imagens de outras tradições religio sas. Decifrar o significado dos gestos da mão de Buda, por exemplo, como tocar o chão com a mão direita para conclamar a terra a testemunhar sua iluminação,
3 VOVELLE, Gaby; VOVELLE, Michel. Vision de la m ort et de Vau - delà en Provence. Colin, 1970. p. 61.
Paris: A.
58
O sagrado
c o sobrenatural
requer algum conhecimento das escrituras budistas. Da mesma forma, é neces sário algum conhecimento do hinduísmo para identificar certas serpentes como divindades; ou para perceber que uma figura humana com a cabeça de um ele fante representa o deus Ganesha; ou ainda para saber que um jovem azul brin cando com as leiteiras é o deus Krishna, sem falar na interpretação do significa do religioso das brincadeiras que ele faz com as garotas. No século 16, europeus que visitavam a índia ocasionalmente percebiam as imagens de deuses indianos como demônios. A propensão para considera r religiões não-cristãs como diabó licas era reforçada pe lo feto de que esses “monstros” com vários braços o u cabe ças de animal quebravam as regras ocidentais para a representação do divino. No mesmo sentido, espectadores ocidentais, confrontados com a ima gem do deus Shiva dançando, um modelo conhecido como Shiva “Senhor da Dança” (Nataraja), podem percebero que se trata de uma simbolizando o ato de criar não ou destruir universo (embora as dança chamascósmica, cómumente representadas ao redor do deus forneçam uma pista para a compreensão do simbolismo) . É ainda meno s provável que eles possam interpretar os gesto s de Shiva, ou ntudras, por exemplo, o gesto de proteção que pode ser traduzido como “Não tenha medo”.45 Entretanto, a tradição cristã é igualmente incompreensível para estrangeiros, como observou Panofsky no caso da Ültima C eia (Capítulo 2). Sem conhecer as convenções da iconografia ou as lendas dos santos, não seria possí vel distinguir almas que queimam no inferno daquelas que queimam no purga tório, ou a mulher que leva seus olhos numa bandeja (Santa Lúcia) da mulher qúe leva seus seios numa bandeja (Santa Ágata). A iconografia era importa nte na época porque imag ens eram uma form a de “doutrinação” no sentido srcinal do te rmo, a com unicação de doutrinas re ligiosas. As observações do Papa Gregório, o Grande, sobre o assunto (c. 540604) foram repetidamente citadas ao longo dos sécul os. “Pinturas são colocadas nas igrejas para que os que não lêem livros possam ‘ler’ olhando as paredes” (in parietibus videndo legant qu ae legere in codicibus non valent)? 4 ZIMMER, Heinrich. Myths an d Symbols in Italia n Art an d Civilisation. Princeton, NJ: Princeton UP, 1946. Segunda edição, Nova York 1962. p. 151-155; MITTER, Partha. Much Maligned Monsters: History of European Reactions to Indian Art. Oxford: Clarendon Press, 1977. 5 DUGGAN, Lawrence G. Was Art really the ‘Book o f the Illiterate? Word and Image V, p. 227251, 1989; ALEXANDRE -BIDON, Danièle. Images et objects de faire croire. Ann ales: Histoire, sciences societies LIII, p. 1115-1190, 1998.
59
Capitulo 3
A idéia de que pinturas eram a Bíblia dos analfabetos tem sido criticada com base na consideração de que muitas imagens nas paredes de igrejas eram excessivamente complexas para serem compreendidas por pessoas comuns. Entretanto, tanto a iconografia quanto as doutrinas que ela ilustrava poderiam ter sido explicadas oralmente pelo clero, a imagem em si agindo como um lembrete e um reforço da mensagem falada, em vez de se constituir em uma única fonte de informação. Considerando a questão da evidência, as discrepâncias entre as histórias contadas através das imagens e as histórias contadas na Bíblia são especialmente interessantes como indícios da forma como o Cristianismo era visto a partir das camadas mais baixas. Assim, as breves referências no evangelho de São Mateus a alguns astrólogos e seus presentes, e no evangelho de São Lucas, ao nascimento de Cristo numa manjedoura, foram ampliadas e tornadas mais vividas em numerosas representações do boi e do burro, e dos três reis magos Gaspar, Baltasar e Melchior, especialmente a partir do século 14. Num nível iconológico, mudanças no estilo de imagens sagradas também oferecem valiosa evidência para historiadores. Pinturas que foram realizadas para despertar emoções podem seguramente ser utilizadas como documentos para a história dessas emoções. Por exemplo, elas sugerem que havia uma preocupação especial com a dor na Idade Média. Esse foi o período em que o culto dos instrumentos da Vaixão, os pregos, a lança e outros, atingiu o clímax. Foi também a época em que o Cristo sofredor, atormentado e patético, substituiu a imagem tradicional calma e digna de Cristo Rei nos cruc ifixos, “ reinando da árvore onde se encontrava” com o as pessoas costumavam dizer na Idade Média. O contraste entre o crucifixo dinamarquês do século 11, conhecido como o “crucifixo de Aaby” e um crucifixo alemão do século 14 que se encontra hoje na região de Colônia (figs. 14, 15) é realmente dramático. No século 17, por outro lado, parece t er havido uma grande preocupação com o êxtase, que atingiu sua mais famosa forma de expressão na escultura de Gian Lorenzo Bernin i, representando o Êxtase de Santa Teresa (1651).* 6
6 MÀLE, Entile. Van rdlgleux de lafin du Moyen Age cn France. Paris: A. Colin, 1908; Id., Vart rcligieux de Ia ftn du seiziitnc sitclc. Etude sur 1’iconographie après le concilc de TVente. Paris: ' A. Colin, 1932; SOUTHERN, Richard W. The Making o f the Middle Ag es. London: [s.n.], 1954; MERBACK, Mitchell B. The Thief, the Cross and the Wheel: Pain and the Spectacle of Punishment in Medieval and Renaissance Europe. London: Reaktion Books, 1999.
O sagrado e o sobrenatural
Aaby”, — *vvU.u 11, retábulo de madeira vestida de cobre. Museu Nacional,
15. Crucifixo, 1304, madeira. S. Maria
I
im Kapitol, Colônia.
61
Capitulo 3
C ultos
d e imagens
Imagens significavam muito mais do que um simples meio de dissemi nação do conhecimento religioso. Eram, por si mesmas, agentes, a que eram atribuídos milagres, e também objetos de cultos. Na cristandade oriental, por exemplo, os íco nes ocupavam (co mo ainda o fazem) um lugar muito especial , tanto sendo exibido s sozinhos quanto com o parte da iconóstase, a tela que es conde o altar dos leigos durante os serviços religiosos. Os ícones, seguindo convenções distantes do realismo fotográfico, demonstram o poder da ima gem religiosa com especial clareza. A pose de Cristo, da Virgem ou dos santos é geralmente frontal, olhando diretamente para os espectadores e, assim, en corajando-os a tratar o objeto como uma pessoa. Lendas de ícones que caíram no m ar e alcançaram a terra por si próprios reforçam a impressão de ssas ima gens como forças autônomas. O culto de imagens também se encontra na cristandade ocidental, da Virgem de Guadalupe no México à Madona Negra de Czestochowa na Polô nia ou a imagem de Santa Maria dell’Impruneta, abrigada numa igreja próxi ma a Florença. Uma água-forte datada de 1620, realizada pelo artista )acques Callot de Lorraine (c. 1592-1635), mostra a feira de Impruneta, uma institui ção que havia se desenvolvido em torno das peregrinações à imagem. A repú blica Veneziana foi colocada sob a proteção duma outra imagem da Virgem, conhecid a com o a Madona de São Lucas e saqueada de Constantinop la no sé culo 13. A partir da Alta Idade Média, indu lgências, em outras palavras, remis são do tempo no pu rgatório, recompensavam as p essoas que orava m para de terminadas imagens, incluindo a “Verônica” ou “imagem verdadeira” de Cris to mostrada na igreja de São Pedro em Roma. Fiéis faziam longas peregrinações para ver imagens, reverenciavamnas, ajoelhavam-se diante del as, beijavam -nas e lhes p ediam favo res. A ima gem de Sartta Maria dell’Impruneta, por exemplo, era freqüentemente levada em procissão a fi m de trazer chu va ou de protege r os florentinos c ontra ame a ças políticas.7Encomendar a artistas a produção de imagens também era uma forma de expressar agradecimento p or favores recebidos, ta is como escapar de um acidente ou curar-se de uma doença. Essas “imagens votivas”, muitas das quais ainda hoje podem ser vistas em alguns altares na Itália, por exemplo, ou
7 TRE XLER , Richard. Florentine Religi ous Experience: Th e Sacred Image. Studies in the Renaiss ance XIX , p. 7-41, 1972.
O sagrado e o sobrenatural
na Provença, foram feitas para cumprir uma promessa a um santo (fig.16). Elas documentam as esperanças e temores de pessoas comuns e testemunham a íntima relação entre o doador e o santo.*
EXVOTO.
>raud J9 U
oucher. Hyère* 1^
« I8 J 3
16. "Ex-voto” para o aprendiz de um açougueiro, 14 de Março de 1853, óleo sobre tela. Notre-Dame de Consolation, Hyères.
As imagens votivas não são unicamente cristãs. Elas podem ser encon tradas em altares japôneses, por exemplo, revelando preocupações semelhan tes com doenças e naufrágios. Elas também eram elaboradas em épocas précristãs. Em Agrigento, na Sicilia, há uma igreja repleta de ex-votos (objetos fei tos para pagamentos de promessas'). Mãos, pernas e olhos de prata (ou de plástico, mais recentemente). Não muito distante, há um museu de antigüidades clássicas contendo objetos semelhantes em terracota, datados de época an terior a Cristo. Essas imagens atestam impor tantes cont inuidades entre o pa- 8 8 COUSIN,.Bernard. Le Miracle et le Quotiilien: Les ex-voto provençaux images d'une sociéte. Aix-en-Provence: Sociétés, mentalites, cultures, 1983: FREEDBERG, David. The Power of Images. Chicago: University of Chicago Press, 1989. p. 136-160.
63
Capitulo y
ganismo e o cristianismo, que podem ter deixado poucos vestígios em textos mas são de grande importância para historiadores da religião.
I magens
e devoção
Imagens parecem ter desempenhado um papel cada vez mais impor tante a partir da Alta Idade Média. Uma série de pinturas ilustrando histórias da Bíbl ia circul ou impressa a partir da déc ada de 1460, ao passo que devoções particulares eram cada v ez mais acompanhadas - por aquele s que podiam pa g a r - por pinturas d e propriedade particular. Essas pinturas diferiam ta nto na forma quanto na função dos ícones descritos acima. Elas focalizavam o que tem sido chamado “cena dramática”, destacando um momento numa história sagrada.’ Um efeito semelhante foi alcançado de uma forma ainda mais dra mática nas cenas do Novo Testamento representadas por figuras coloridas em tamanho natural em santuários como o Sacro Monte de Varallo, uma monta nha sagrada ao norte da Itália, muito visitada por peregrinos, e um santuário repleto de estátuas em fins do século 16. Na presença de tais imagens, é difícil resistir à sensação de que se está realmente, de corpo presente, na Terra Sagra da na época de Cristo.9101 Imagens devocionais também tinham um papel importante no conso lo aos doentes, aos m oribu ndos e àqueles que estav am para ser executados. Na Roma do século 16, por exemplo, era o dever dos irmãos leigos da Arquifratemidade de São Giovanni Decollato (“São João decapitado”) acompanhar criminosos ao local de execução, mostrando-lhes pequenas pinturas da Cru cificação ou da retirada de Cristo da cruz (fig. 17). A prática foi descrita “como uma espécie de narcótico visual para en torpecer o medó e a dor do criminoso condenado durante sua terrível cami nhada ao cadafalso”. Também é importante enfatizar que a imagem encoraja va o condenado a identificar-se com Cristo e seus sofrimentos."
9 R1NGBOM, Sixten. From Icon to Narratiw. Abo: Abo Akademi, 1965; BELTING, Hans. Likeness and Presence (1990). London: Llniversity of Chicago Press, 1994. p. 409-457. (Tradução inglesa). 10 FREED BERG, David. Th e Power o f Ima ges. Chicago: Universi ty o f Chicago Press, 19 89 .p. 192201; cf. MERBACK, Mitchell B. The Th ief, the Cros s and the Wheel: Pain and the Spectacle of Punishment in Medieval and Renaissance Europe. London: Reaktion Boojcs, 1999. p. 41-46. 11 EDGE RTON , Samuel V. Pictures and Punishment: Art and Criminal Prosecution during the Florentine Renaissance. Ithaca: Cornell UP, 1985. i 64
O sagrado e o sobrenatural
17. Descida da cruz, painel do século 16. São Giovanni Decollate, Roma.
As novas formas de imagem sagrada também estão ligadas à dissemina ção de determinadas práticas de meditação religiosa. A obra anônima Meditações sobre a vida de Cristo, datada do século 13 (atribuída ao frei Franciscano St. Bonaventure) envolvia a intensa visualização de eventos sagrados através da ênfase em pequenos detalhes. No caso da Natividade, por exemplo, o texto encoraja os leitores a imaginar o boi, o burro e a Virgem ajoelhando-se ante seu filho. No caso da Última Ceia, ele explica, “você deve saber que a mesa estava próxima ao chão e eles sentavam-se no chão de acordo com o antigo costume”. A razão para esse exercício era explicada por um pregador Italiano do século 15: “nossos sen timentos são melhor despertados por coisas vistas do que por coisas ouvidas”.12 12 MÁLE, Emile. L'art religicux de la fin du Moyen Age cn France. Paris: A. Colin, 1908. p. 28-34; BAXANDALL, Michael. Painting and Experience in Fifteenth-Century Italy. Oxford: Clarendon Press, 1972. p. 41.
65
Capítulo 3
De forma semelhante, trezentos anos depois de St. Bonaventure, no manual deyoçional os Exercícios espirituais, escrito por Santo Inácio de Loyo la (1491-1556) e publicado ém 1548, leitores ou ouvintes eram aconselhados a ver o inferno, a terra sag rada e outro s locais no olho do espírit o, uma prá ti ca que Inácio descreveu como “composição de lugar”. As pessoas eram enco rajadas a produzir “um retrato vivido na imaginação do comprimento, largu ra e profundidade do Infe rno”, as “eno rme s fogueiras ” e as almas “com corpo s em fogo”. O texto de Inácio não era srcinalmente ilustrado, porém, num co me ntário d o século 17 feito por outro jesuíta espanhol, Seb astiano Izq uierdo (16 01 -1 68 1) , gravuras foram aduz idas ao texto a fim de auxili ar os leitores na tarefa da visu alização .13 Entre a meditaçã o consciente sobre uma imagem sagrad a e as visões re ligiosas que aparentemente surgem por si próprias não há uma longa distân cia. Em qualquer caso, v isões religiosas freqüentemente refletem imagens m a teriais. O julgamento de Joana D*Arc (c. 1412-1431) por heresia e bruxaria mostra que seus interrogadores ingleses acreditavam que as visões dela de São Miguel e outros anjos haviam sido inspiradas por pinturas, embora Joana ne gasse essa idéia. Estudos das santas do fina l da épo ca medieval Catarina-de S ie na e Bridge t da Suécia fazem afirm ações senle lhantes.14A rica vida espiritual de Santa Ter esa de Ávila (151 5-1 58 2) também era alimentada por imag ens - sabese que uma determinada imagem do Cristo sofrendo causou-lhe forte impres são. Fica-se a imaginar se uma imagem pode ter inspirado a famosa experiên cia mística que foi por sua vez ilustrada por Bernini, na qual a santa viu um an jo que a trespassou com uma flecha .15D a mesma forma , na Rússia no sécu lo 17, o patriarca Nikon tinha visões nas quais Cristo aparecia para ele da maneira em que se encontrava nos íco nes.16 As imagens positivas dos santos no céu possuíam seus correspondentes negativos nas imagens do inferno e dos demônios , que também m erecem ser es tudadas. Nos dias de hoje, as paisagens do inferno de Hieronymus Bosch 13 MÂLE, Emile. Vart relig ieux de la fin du seizième siè clex Etude sur 1’iconographie après le concile de Trente. Paris: A. Colin, 1932; FREEDBERG, David. The Power of Images. Chicago: University o f Chicago Press, 1989. 14 ME1SS, Millard. Paintin g in Flo rence and Siena after the Black Death. Princeton: Princeton UP, 1951. p. 117, 121; PICKERING, Frederick P. Literature and Art in die Midd le Ages. London: Macmillan, 1970. p. 280. 15 MÂLE, Emile. Vart religieux de la fin du seiziè me siècl e: Etude sur l’iconographie après le concile de Trente. Paris: A. Colin, 1932. p. 151-155,161-162. . 16 BILLIN GTON, James. The Icon an d the Ax. New York: Knopf, 1966. p. 158.
O sagrado e
o sobrenatural
(c. 1450-1516) talvez sejam mais estranhas para nós do que imagens da Lua ou mesm o de Marte. É necessário um certo esforço para perceber que a s pessoas da época acreditavam que poderíam um dia ver lugares do tipo representado por Bosch e que o artista não se baseou apenas na sua imaginação, mas também na literatura popular visual. Emile Mâle-certa vez descreveu as grotescas imagens medievais como surgindo “das profundezas da consciência das pessoas”. Tais imagens oferecem aos historiadores indícios preciosos, se e les conseguem inte r pretá-los, das ansiedades dos indivíduos e grupos em diferentes culturas.17 Imagens mutantes do inferno e do demônio, po r exemplo, podem ajudar os historiadores a construir a histó ria do medo, n a qual alguns deles têm recen temente se engajado18como é o caso, em particular, do estudioso francês Jean Delumeau. Com o vimos, imagens do dem ônio são raras antes do século 12. Po r que razão essas imagens se tornaram comuns nessa época? Poderá a resposta a essa questão ser encontrada em novas convenções para o que pode ou deve ser repre sentado visualmente, ou o surgimento do demônio nos revela alguma çoisa so bre mudanças na religião ou até mesmo nas emoções coletivas? Nos séculos 16 e 17, o surgimento de imagens d os sabás e bruxas (Capítulo 7), combinan do temas festivos com o que parecem cenas do infern o, nos most ram indícios da ansieda de subjacente ao aparecimento dos julgamentos de bruxas no período. Os historiadores encontram-se num terreno um tanto -mais seguro quando analisajn não uma mudança da ausência à presença, mas mudanças graduais ou rápidas na maneira pela qual uma cena tradicional era representa da. No século 17, ilustrações dos Exercícios espirituais de Loyola mostram os tormentos do inferno de form a bem vivida, porém, co m o o texto que ilustr am, omitem as formas monstruosas que povoam as pinturas de Bosch. Será essa mudança específica um indício de uma outra, mais geral?
I magens
po l êm i c a s
-
Os usos devocionais de imagens não agradavam a todos. O temor de que as pessoas pudessem estar adorando as próprias imagens em vez de cultuar o que 17 ABELL, Walter. The Collect ive Dream in Art. Cambridge, MA: Harvard UP, 1957; LINK, Luther. The Devil: A Mask without a Face. London: Reaktion Books, 1995. p. 180. 18 ABELL, Walter. The Collect ive Dream in Art. Cambridge, MA: Harvard UP, 1957. p. 121, 127, 130? 194; DELUMEAÜ, Jean. La peur en O cci dent Paris: Fayard, 1978; NAPHY, W. G.; ROBERTS, P. (Ed.). Fear in early mo dem society. Manchester: Manchester UP, 1997.
67
Capítulo
J
elas representavam gerou movimentos de iconoclastia em diferentes lugares e pe ríodos.” As observações de Gregório, o Grande, sobre as razões para se colocarem quadros em igrejas, citadas acima, foram escritas em reação à notícia de um in cidente iconoclástico em Marselha. Em Bizâncio, houve uma grande explosão de iconoclastia no século 8o. Na Europa ocidental, houve grandes ondas de icono clastia durante as décadas de 1520 e 15 60.0 crescente interesse por esses movi mentos, demonstrado pelos historiadores nas últimas décadas, está muito rela cionado com o surgimento da “história a partir de baixo”. Atos coletivos de des truição nos auxiliam a recuperar as atitudes de pessoas comuns que não deixa ram evidência escrita de suas opiniões. Esse tipo de evidência para as reações dos espectadores será discutido mais detalhadamente no capítulo final deste livro. Uma estratégia alternativa em relação ao culto e à destruição de imagens sagradas é usar a mídia visual como arma na polêmica religiosa. Os protestan tes fizeram largo uso de imagens, especialmente gravações em madeira que eram baratas e fáceis de transportar, nos primeiros anos da Reforma alemã. Eles assim o faziam numa tentativa consciente de atingir a maioria da popula ção que era analfabeta ou semi-analfabeta. Imagens eram feitas “com o objeti vo de atingir crianças e pessoas simples”, como foi dito por Martinho Lutero “que estão mais facilmente inclinadas a recordar a história sagrada através de pinturas e imagens do que através de meras palavras ou doutrinas”.” Portanto, essas fontes visuais registram a Reforma do ponto de vista de pessoas comuns, oferecendo uma perspectiva que raramente é visível nas fontes impressas que eram produzidas por membros da elite letrada. Os Protestantes que realizavam impressões baseavam-se num rico' repertório do humor popular tradicional para imagens que podiam destruir a igreja católica, tornando-a um elemento de chacota. O trabalho deles ilustra vivamente a teoria do crítico russo Mikhail Bakhtin sobre o poder subversivo do riso.19201 Amigo de Lutero, o artista Lucas Cranach (1472-1553) e sua oficina em Wittenberg produziram muitas impressões polêmicas, como o famoso Cristo
19 FREEDBERG, David. The Power of Images. Chicago: University o f Chicago Press, 1989; GRUZINSKI, Serge. La guerre des images. Paris: Fayard, 1990; CHRISTIN, Olivier. Une r á olution symboliquc: L'iconoclasme huguenot et la reconstruction catholique. Paris: Minuit, 1991. 20 SCRIBNER, Robert W. For the $ake o f Simple Fol k. Cambridge: Cambridge UP, 1981. Segunda edição, Oxford 1995. p. 244. 21 BAKHTIN, Mikhail. The World o f Rabelai s (1965). Cambridge, MA: MIT Press, 1968. (TVaduçào inglesa); SCRIBNER, Robert W. For the Sake o f Simp le Folk. Cambridge: Cambridge UP, 1981. p. 62, 81.
O sagrado e o sobrenatural
pairuj iufiOjtflh onb
3M4w# m.
«•awrfi
gá|S
35
«**ss»
CJpÉ«d g i y ú fb tfX n n péi l é y t o *Jrf«ugmig
u * T"«n g ntofitx €^ tfm vfffto i« t f * » o.»a
18.
Lucas Cranach, Par de grava-
çôes em madeira da obra Cristo (Wittenberg: J. Grunenberg, 1521).19 Passional eAnticristo
19. Hans Baldung Grien, “Lutero como um monge com um halo e uma pomba”, detalhe de uma gravação em madeira em Acta et res gesuie... in comitis princip l e Wormaciae (Estrasburgo: J. Schott,
1521). Biblioteca Britânica, Londres.
Capítula 3
Passion al e Anticristo que contrastava a vida simples de Criáto com a magnifi
cência e o orgulho de seu “Vigário”, o papa. Assim, uih par de gravações em m a deira mostra Cristo fugindo dos judeus porque e ks estão tentando torn á-lo seu rei, enquanto o Papa, por outro lado, defende com a espada a tese do poder temporal sobre os estad os da igreja (um a clara referê ncia ao papa belige rante Julio II, que morreu em 1513). Do mesmo modo, Cristo foi coroado com espi nhos, o papa com a coroa tripla ou tiara. Cristo lavou os pés de seus discípu los, mas'o papa apresenta o pé para ser beijado pelos cristãos. Do mesmo modo, Cristo viaja a pé, ó papa é carregado, e assi m por diante (fig. 18).22 Assim, a imagem do papa era visualmen te associada à ganância pelo di nheiro, ao orgulho do poder , ao demôn io, etc. Lute ro, por outro lado, com o o falecido Bob Scribner sublinhou, foi transform ado em um heró i ou até mesmo num santo, usando um halo e acompanhado por uma pomba para mostrar que, da mesma for ma que os autores dos Evang elhos, ele foi insp irado pelo Es pírito Santo (f ig .l9 ).230 uso de gravações em madeira para dissemi nar mais amplamente a mensagem reformista teve algumas conseqüências inesperadas. Por volta da década de 1520, o crítico dos cultos de santos estava, ele próprio se tornando o objeto de um cultos semelhante. É possível que não seja alheio ao assun to falar de “foldorização” do protestanti smo, sua assimil ação no mun do imaginado dos iletrados. Numa cultura de alfabetização diminuta, as ima gens oferecem u ma evidência muita mais rica desse processo do que os textos.
A CRISE DA IMAGEM
Alguns historiadores, Hans Belting, por exemplo, sugeriram que a Re forma foi um momento de uma “crise da imagem”, uma mudança do que po demos chamar de “cultu ra de imagem ” para “cultura textual”.24 O surgim ento da iconocespecialmente lastia na Europa século sustenta e ssa interpretação. Em alguns lugares, nasdo partes calvi16nistas da Europa no final daquele sécu22 SCRIBNER, Robert W. For th e Sake o f Si mple Folk 149-163.
Cambridge: Cambridge UP, 1981. p.
23 Ibid., p. 18-22. 24 BELTING, Hans. Likeness and Presence (1990). London: University of Chicago Press, 1994. p. 14,458-490. (TVadução inglesa); COLLINSON, Patrick. From Iconoclas m to Iconoph obia: The Cultural Impact o f the Second Re formation. Readin g: Univer sity of Reading, 1986.
O sagrado e o sobrenatural
f
lo ,h á evidência n ão apenas de mom entos de iconoclastia, mas também do que tem sido den omin ado “icon ofob ia” no sentid o do “total repúdio a ima gens”.25 Entretanto, não seria razoável âmpliar a tese de Belting para incluir toda a população da Europa de ssa época. Iconoclastas e iconófobo s eram pro vavelmente uma minor ia. Outr os estudiosos, David Freedberg, po r exeirtplo, argumentam que imagens sagradas retiveram muito do seu poder tanto na Europa protestante quanto na católica. O argumento é apoiado pelo fato de que, mesmo depois da década de 1520, a grande década da polêmica visual alemã, imagens religiosas continuavam a desempenhar um papel na cultura Luterana. Pinturas de cenas do Novo Testamento datadas dos séculos 16 e 17 ainda podem ser vistas em igrejas na Alemanha e na Escandinávia. Testemunho ainda mais vivi do da sobrevivê ncia da imagem n o m ündo protestante vem das visões. Na década de 1620, um luterano alemão, Johan Engelbrecht, tinha visões do céu e do inferno, “os anjos sagrados como uma grande quantidade de chamas, e as almas escolhidas como muitas fagulhas brilhantes ou iluminadas”. Poucos anos mais tarde, outra protestante de ori gem polonesa, Kristina Poniatowá, tinha visões nas quais vislumbrava leões vermelhos e azuis, um cavalo bran co e uma águia com duas cabeç as. Essas v i sões heráldicas sugerem q ue os lu tera nos e&távam desenvolvendo sua próp ria cultura de imagem. Uma impressão semelhante é passada por pinturas e im pressos dos séculos 18 e 19. A cultura de imagem católica .também mudou, freqüentemente acen tuando os aspectos que os protestantes haviam criticado. O Concilio de Tren to (1545-1563), que tanto fez para redefinir os primórdios do catolicismo mo derno, solenemente reafirmou a importância de imagens sagradas da mesma form a que as peregrinações e o culto de relíquias sagradas. As próprias imagens cada vez mais reafirmaram doutrinas que os protestantes haviam desafiado. O êxtase e a apoteose dos santos, por exemplo, parecem ser projetados par a esma gar o espectador e salientar a diferença entre pessoa s santas e comun s mo rtais. A crescente freqüênd a de representações de São Pedro e Santa Maria Madale na vertendo lágri mas de arrependimento tem sido interpretada com o um a res posta visual aos ataques dos pro testantes a o sa cramen to da confissão.26
25 COLUNS ON, Patrick. From Iconodasm to Iconophobia: The Cultural Impact of the Second Reformation. Reading: University o f Reading, 1986. p. 8. 26 MALE, Emile. L’ar t religieux de la fin du seiz itm e siècUr. Etude sur l’iconographie après le concile de Trente. Paris: A. Colin, 1932.
71
Ca pítulo 3
O crescente estilo teatral de imagens na época do Barroco era certa me nte parte da mensagem . Entre outras coisas, o estil o teatral ou retórico ex pressava a consciên cia da nece ssidade de persuadir o espectador , uma preo cu pação que era menos aguda antes de Lutero, se é que de alguma forma existia. Assim, complementando o clássico enfoque iconográfico com idéias da psica nálise, podemos descrever essâs imagens como respostas aos argumentos dos -protestantes num nível emocional, subconsciente, ou, poderiamos dizer, su bliminar, Elas também podem ser descritas como “propaganda” para a igreja católica. A idéia de propaganda e o uso político de imagens constituem-se no tema do próximo capítulo.
Capítulo 4
P oder
e pr o t e s t o
Ceux qui on tgouv erné lês peuples dans tons lês temps ont touj aurs fait usage des peintures et statue s pou r leur m ieux inspirer des sentiments qu ’ils vouloien t leur donner. [Em todas as épocas, aqueles que governaram os povos sempre uti lizaram pinturas e estátuas, para melhor inspirar as pessoas com os sentimentos que lhes desejavam dar.] Th e
C heva
l ie r
Jacourt
A arte religiosa discutida no capítulo anterior desenvolveu-se nos pri meiros séculos da cristandade pela apropriação de elementos da arte imperial romana. A pose frontal de imperadores e cônsules nos tronos foi adaptada para representar C risto o u a Virgem “em pose de majestade ”, enquanto que os halos imperia is foram transferi dos para os santos.1 Da Idade Média até o presente, por outro lado, tem havido uma mu dança na direção oposta, um longo processo de “secularização” no sentido de apropriação das formas religiosas e adaptação das mesmas para propósitos mundanos. Assim, a pintura de Ricard o I I éntronado no hall de Westminster é modelada na imagem de Cristo em Majestade, completando a rota circular de utilizações de imagens com propósitos mundanos a religiosos e vice-ver
1 GRABAR, André. Christian Iconography. A Study of its Origins. Princeton, NJ: Princeton UP, 1968. p. 78-79; ELSNER, Jas. Imperial Rome and Christian Triumph: The Art of the Roman Empire, AD 100-450. Oxford: Oxford UP, 1998.
73
Capítulo 4
sa. Como um exemplo ainda mais vivido de secularização, pode-se citar um impresso de um francês realista, intitulado O novo calvário (1792), mostran do o rei Luís XV I recém -guilhotinado pendurado na cruz . Há outros exemplos mais sutis. A mostra de imagens de governantes em público, cada vez mais freqüente a partir do final da Idade Média, parece ter sido inspirada pelo culto de imagens de santos. Retratos de Elizabeth I como a Rainha Virgem, produzidos em massa.com o auxilio de matrizes no final do século 16, substituíram retratos da Virgem M aria e podem ter dese m penhado algumas de suas funções, preenchendo o vácuo psicológico criado pela Reforma.2D e acordo com um guia contemporâne o de etiqueta, os retra tos do rei Luís XIV da França expostos no palácio de Versalhes deveríam ser trata dos com o me smo respeito qüe se mostra ria ao rei, se e le pró prio estiv esse na sala onde se encontrav am os retratos. Os especta dores não tinham perm is são para ficar de costas para ess as imagens.3 Estudos de propaganda visual estão geralmente voltados para a Revolu ção Francesa ou para ò século 2 0 ,focalizando a Rússi a Soviética, a Alemanha nazista, a Itália fascista ou as imagens polêmi cas das duas guerras mundiais.4 A seguir, vou m e basear ness es estudos, porém tentarei colocá -los de ntro da íiis tória das imagen s na pplítica por um período muito mais longo, de Augusto a Luís XIV. Alguns historiadores têm dúvidas sobre a pertinência de se usarem conceitos mod ernos tais com o “propaganda” para se referir ao período anterior a 1 789. Co ntudo, quer a s pinturas e estátuas tenham fornec ido uma im por tan te contribu ição para a manutenção de determinados regim es ou não, acreditava-se largamente que elas assim o fizeram. Não foi apenas em nossa época que governantes sentiram a necessidade de uma boa “imagem pública”. Como o cavalheiro Jaucourt escreveu no artigo sobre “pintura” na Encyclopédie, “em to das as épocas, aqueles que governaram sempre utilizaram pinturas e estátuas, para melhor inspirar as pessoas com os sentimentos que lhes desejavam dar” (ver p. 180). Deve-se acrescentar que tanto a medida pela qual os governantes
2 YATES, Frances A. Astra ea: The Imperial The me in the Sixteenth Centu ry. London: Routledge and K. Paul, 1975. p. 78, 101,109-110. 3 BURKE ..Peter. The Fabrication o f Louis XIV. New Haven: Yale UP, 1992. p. 9. 4 CLARK, Toby. Art an d Propaganda in the 20* Century. The Political Image in the Age of Mass Culture. London: [s.n.], 1977; ZEMAN, Zbynek. Selling the War. Art and Propaganda in World War II. London: Orbis Books, 1978; TAYLOR,JL Film Propaganda. London: Croom Helm, 1979; WELCH, David. Propaganda and the German Cinema, 1933-1945. Oxford: Clarendon Press, 1983; G OLOMSTOCK , Igor. Totalitarian A rt I n th e Soviet Union, the Third Reich, Fascist Italy and the People’s Republic of China. London: Collins Arvill, 1990.
74
Poder e protesto
utilizam imagens quanto as formas como o fazem variam consideravelmente em períodos diferentes, como tentará demonstrar este capítulo. Com o no caso do sagrad o, o capítulo distinguirá e tentará fa zer a leitu ra de diferentes tipos de imagens, estejam elas focadas em idéias ou indiví duos, ou sejam elas projetadas para m anter ou subverter uma dad a ordem p o lítica. Imagens que c ontam a história de acontecimen tos políticos serão deixa das de lado até o Capítulo 8.
I magens
d e i d éi a s
Um enfoque possível para a leitura de imagens é ver “o artista com o um filósofo político”, paraafresc citar oo do título de um artigo de Quentini Skinner reinterpretando um famoso pintor Ambrogio Lorenzett no Palazzo Pubblico em Siena. Ê claro que o problema de tomar visíveis os conceitos abstra tos, de tom á-lo s concretos, não é um problema apena s dos artistas. A metáfo ra e o símbolo há m uito desempenham um pape l importante na própria polí tica.5A imagem de Jânio Q uadros, recém-eleito presid ente do Brasil em 1961, segurando uma vassoura para simbolizar o desejo de varrer a corrupção não foi apenas o aproveitamento oportuno de uma imagem televisiva, mas o revi ver de uma velha tradição. Uma metáfora tradicional é a do navio do estado, com o governante ou seu primeir o-mi nistro comp piloto, uma figura de l inguagem tornada visív el no corte jo fúnebre do imperador Carlòs V em 1558, por ex emplo, quando um navio de tamanho real foi puxado pelas ruas de Bruxelas. A metáfora foi cla ramente adapta da numa caricatura de março de 1890, feit a por Sir Jo hn Tenniel (1820-1914) mostrando o Kaiser Wilhem demitindo seu chanceler Otto von Bismarck, com a legenda “deixando cair o piloto”. Outra metáfo ra antiga para simbolizar dom ínio é a do cavalo e do cava leiro, uma comparaçã o implícita nas estátüas eqüestres de governantes discuti das abaixo e tornada mais explícita nas pinturas de Velázquez de Don Baltasar Carlos, filho e herdeiro de Felipe IV da Espanha, na escola de equitação. Pode 5 SKINNER, Quentin. Ambrogio Lore nzetti: The Artist as Political Philosopher. Proceedin gs o f the British Academy LXXII, p. 1-56, 1986; WALZER, Michael. On the Role of Symbolism in Political Thought. Political Science Quarterly LXXXII , p. 191-204,1967; EDELMAN, Murray. Politic s as Symbolic Action . London ; [s.n.], 1971; GONZÁLEZ GARClA, José M. Metáfo ras del Poder. Madrid: Alianza, 1998.
75
Capitulo 4
ser esclarecedor justapor essa pintura com um tratado Espanhol da época so bre o pensamento político, a Idéia de um príncipe cristão (1640), de Diego de Saavedra Fajardo, que desenvolve a metáfora, recomendando ao príncipe “do mar o potro do poder”, através “de um tanto de vontade ( ...) do freio da razão, das rédeas da política, da chibata da justiça e da espora da coragem”, e, acima de tudo, “dos estribos da prudência”. Na época da Revolução Americana, um cartunista britânico deu à velha metáfora uma nova versão através da produ ção de uma imagem do “Cavalo América derrubando seu Senhor”. Conceitos abstratos tém sido representados através da personificação desde a época da Grécia antiga, se não antes. As figuras da Justiça, da Vitória, da Liberdade, etc. são usualmente femininas. Num famoso dicionário renas centista de imagens, Iconologia (1593), de Cesare Ripa, até mesmo a “Virilida de” era representada por uma mulher. Na tradição ocidental, o número dessas personificações tem crescido gradualmente. A Britannia’, assim como seu equivalente masculino, John Bull", datam do século 18. A partir da Revolu ção Francesa, foram feitas várias tentativas de tr aduzir em linguagem visual os ideais de liberdade, iguald ade e fraternid ade. Liberdade, por exem plo, era sim bolizada pelo boné vermelho, uma nova versão do barrete frígio associado na época clássica com a libertação dos escravos. A Igualdade era mostrada em gravuras revolucionárias como uma mulher segurando duas balanças, como a imagem tradicional da Justiça porém sem a venda/ A Liberdade, em especial, desenvolveu uma iconografia característica, baseando-se na tradição clássica, porém transformando-a de acordo com as circunstâncias políticas em mutação bem como com os talentos individuais dos artistas. Os três exemplos seguintes ilustram o que pode ser denominado “três conceitos de liberdade”, ampliando a expressão de Sir Isaiah Berlin. O quadro Liberda de guiando o povo (fig. 20) de Eugene Delacroix, apre senta, sem sombra de dúvida, a mais famosa das muitas imagens de liberdade que já apareceram em pintura, gesso e bronze no período que sucedeu à insur reição parisiense de 27-29 de julho, mais tarde conhecida como a Revolução de 1830, que depôs o rei Carlos X. Delacroix mostra a Liberdade meio deusa *
* Grà-Brelanha personificada. (N.T.) ** A personificação do povo inglês típico. (N.T.) 6 GOM BRICH, Ernst H. Personification. In: BOLGAR, Robert R. (Ed.). Classical Influences on European Culture. Cambridge: Cambridge UP, 1971. p. 247-257 : WARNER, Marina. Monumen ts and Maidens: The Allegory of the Female Form. London: Weidenfeld and Nicolson. 1985; COLLEY, Linda. Britons: Forging the Nation. 1707-1837. New Haven: Yale UP, 1992.
Po Jer r protest o
20. Eugène Delacroix, Liberdade guiando o povo Louvre, Paris.
, 1830-1831, óleo sobre tela. Museu do
(modelada numa estátua grega da Vitória), meio mulher do povo, a bandeira tricolor numa mão e um mosquetão na outra, os seios descobertos e o barre te frígio (uma referência clássica) simbolizando a liberdade em nome da qual a revolução foi feita. Quanto ao “povo” o homem usando cartola algumas ve zes é interpretado como um burguês por causa do chapéu. De fato, cartolas eram usadas por alguns franceses da classe trabalhadora da época. De qual quer forma, um exame mais detalhado de sua vestimenta, especialmente o cinto e as calças, revela tratar-se de um trabalhador manual, num outro exem plo da importância de pequenos detalhes. A pintura nos oferece uma interpre tação contemporânea dos eventos de 1830, associando-os com os ideais da re volução de 1789, aos quais o novo “rei-cidadão” Luís Felipe prestou homena gem quando restaurou o uso da bandeira tricolor como símbolo da França.
77
Capitulo
4
21. Frédéric Auguste Bartholdi, Estátua da Liberdade, Nova York, 1884-1886.
Em 1831, Liberdade gui ando o povo foi adquirido pelo governo francês, como se sua interpretação dos acontecimentos recentes tivesse sido oficialmente aceita. Sua posterior história será discutida adiante (Capítulo 11).7 A Estátua da Liberdade (fig. 21), projetada pelo escultor francês Frédé ric Auguste Bartholdi (1834-1904) e apresentada ao público em 1886, é ainda mais celebrada, combinando a imagem de um moderno Colosso de Rhodes guardando o porto de Nova York com uma mensagem ideológica. Ainda assim, Marina Warner está seguramepte certa ao contrastar a figura “grave e matro nal”, como ela a denomina, à mulher obviamente mais liberada pintada por Delacroix. Mais uma vez, alguns dos detalhes iconográficos reforçam a mensa gem da estátua. As correntes quebradas a seus pés, um atributo tradicional de Liberdade, revelam sua identidade, ao passo que a luz na mão refere-se à con cepção srcinal do escultor de “Liberdade iluminando o mundo”. A mensagem política da estátua torna -se explícita, para aq ueles que conseguem lê-la, pela ta buleta que ela segura, onde se lê “4 de julho de 1^76”. Quaisquer que tenham sido as idéias do escultor francês, os indícios iconográficos levam à conclusão de que a Revolução Americana está sendo publicamente celebrada, antes que a Francesa. O halo, substituindo o barrete frígio, confere à Liberdade a feição de uma santa, de tal forma que é tentador especular se imigrantes italianos ou po loneses aproximando-se da ilha de Ellis, onde eram "processados” antes de en-
7 AGULHON, Maurice. Mariann e into Ba ttle. Republican Imagery and Symbolism in France, 1789 -188 0 (1 97 9). Cambridge: Cambridge U P, 1981. p. 38-61 . OVaduyâo inglesa); quanto ao barrete, EPSTEfN, lames. Understanding the Cap of Liberty: Symbolic Practice and Social Conflict in Early Nineteenth-Century England. Past and Present CXXI1, p. 75-11 8, 1989.
78
Poder e p rotesto
trarem nos Estados Unidos, não podem ter pensado que estavam observando a Virgem Maria, patrona dos m arinheiros, “A Estrela do mar”.' Ecoando a Estátua da Liberdade em alguns aspectos, mas divergindo dela em outros, a deusa da democracia, de 10 metros de altura (ou, de acordo com outras fontes, 8 metros), apresentada publicamente na praça Tian-anMen em Pequim no dia 30 de maio de 1989 por estudantes da Academia Cen tral de Arte (fig. 22), é uma testemunha reveladora da criatividade da recep ção, bem como dos ideais políticos dos manifestantes. A figura, feita de gesso, arame e espuma de estireno, era conhecida na época como a deusa da demo cracia, da liberdade ou da nação. Alguns observadores ocidentais foram rápi dos - talvez muito rápido s - em assimilar a estátua ao protótipo americano , revelando não apena s seu etnoc entrism o, mas também, mais uma vez , o cará-
22. Uma estátua chinesa da Deusa da Demo cracia, 1989, gesso. Praça Tien-an-Men, Pe quim (destruída).8
8 TRACHTE NBERG, Marvin. The Statue o f Libe rty (1974), republicado em Harmondsworth: (s.n.), 1977; WARNER, Marina. Monuments a nd M aidens: The Allegory of the female Form. London; Weidenfeld and Nicolson, 1985. p. 3-17.
79
Capitulo -I
23. Diego Rivera, A refinaria de açúcar (1923) do ciclo de afresco Uma Cosmografia do México mo derno, 1923-1928. Ministério da
Educação (Tribunal do Trabalho), Cidade do México.
ter esquivo da iconografia e a necessidade de análise contextual. Os meios de comu nicação oficiais na China oferec eram uma interpretação semel hante por razões opostas, uma vez que a analogia com a estátua americana permitia-lhes denunciar a imagem dos estudantes como estrangeira, uma invasão da cultu ra chinesa provinda do exterior. Contudo o estilo socialista-realista da estátua, seguindo a tradição estabelecida durante os anos de Mao Tse Tung, de uma certa form a solapa essa interpre tação. Pode-se dizer que a de usa está aludindo ao cultoOamericano da liberdade sem, no entanto, ele." tan nacionalismo é relativamente fácil de seridentificar-se expresso em com imagens, to caricaturando estrangeiros (como no caso do avarento de Hogarth) quan to celebrando os maiores eventos da história de uma nação. Contudo uma ou- 9
9 MITCHELL, William (. T. The Violence of Public Ar t Do the Right Thing (199 0), republicado cm MITCHELL, W. J.T. (Ed.). Art an d the Public Sphere. Chicago: University of Chicago Press, 1992. p. 29-48; ZHANG, Longxi. Mighty Opposites. Stanford: Stanford UP, 1998. p. 161-172.
80
Poder e p rotesto
tra maneira de expressar sentimentos nacionais ou nacionalistas é evocar a história da arte folclórica da região, como no chamado “estilo regional” (Heimatstil) dos pintores alemães e suíços do início do século 20. Ainda uma ou tra é retratar a paisagem característica da região, como no caso da “natureza nórdica” mencionado num capítulo anterior (Capítulo 2). O Socialismo também foi traduzido em forma visual por artistas na URSS e em outros lugares, seguindo o modelo do “Realismo Socialista” e ce lebrando o trabalho em fábricas e em fazendas coletivas (Capítulo 6). Do mesmo modo, os murais de Diego Rivera e seus companheiros, encomenda dos pelo governo mexicano pós-revolucioná rio a partir d a década de 1920 , fo ram descritos pelos próprios artistas como “uma arte educativa, de luta”, uma arte para o povo que traz mensagens tais como a dignidade dos índios, os males do capitalismo e a importância do trabalho (fig. 23). Como foi o caso na Rússia, as imagens visuais eram algumas vezes re forçadas com textos didáticos ou exortativos tais como “aquele que deseja co mer precisa trabalhar” (el que quiera comer , que trabaja). Mais uma vez, um icon otexto era considerad o com o mais efetivo do que uma imagem apen as.10
I magens
d e i n di ví du o s
Uma sol ução mais comum para o problema de tornar concre to o abs trato é mostrar indivíduos como encarnações de idéias ou valores. Na tradi ção ocidental, um conjunto de convenções para a representação do gover nante como heróico, na verdade um super-homem, foi estabelecida na Antigüidade clássica. Desviando sua atenção dos monumentos individuais para “a totalidade de imagens que uma pessoa da época teria exp erim enta do”, o historiador da Antigüidade Paul Zanker argumentou que o surgimento do império romano na época de Augusto (reinou de 27 a.C. a 14 d.C.) reque reu uma nova linguagem visual padronizada correspondendo aos objetivos centralizadores do novo império. Augusto, antes chamado de Otávio, foi re tratado de forma idealizada a partir de 27 a.C. A mais conhecida de suas imagens é a estátua de mármore em tamanho maior do que o natural que atualmente se encontra no Museu Gregoriano Profano (fig. 24). 10 ROCHFORT, Desmond. Mexican Muralistr. Orozco, Rivera, Siqueiros. London: Laurence King, 1993. p. 39 el seq.
81
82
Poder e protesto
Nessa imagem memorável, Augusto é representado usando uma arma dura, segurando uma lança ou um estandarte e levantando a mão como se es tivesse proclamando vitória. Os peq uenos detalhes da cena representada na sua couraça reforçam a mensagem, para espectadores que se encontrem perto o su ficiente para vê-los, que m ostram os Partas derrotados devol vendo os estand ar tes romanos que eles haviam capturado anteriormente. Os pés descalços do soberano não são um sina l de humildade, como pode pensar o espectador mo derno, mas um meio de assimilar Augusto a um deus. Durante seu longo rei nado, a imagem oficial de Augusto permaneceu a mesma, como se o impera dor tivesse descoberto o segredo da eterna juventude." Imagens de governantes são freqüentemente em estilo triunfante. A clás
'
sica iconografia do triunfo expressada em ritual, bem como em escultura e ar quitetura, incluía arcos, tal como o Arco de Constantino em Roma, e também um número de detalhes decorativos, como coroas de louro, troféus, desfiles e personificações de vitória (uma mulher alada) e fama (uma figura com uma trombeta). O tamanho das estátuas, algumas vezes colossal, era parte da formulação que faziam, como no caso da cabeça do imperador Consta ntino que ainda pode ser vi$ta no Palazzo dei Conservatori em Roma, ou da estátua de Luís XTV construída na Praça Luís, o Grande, em Paris, tão grande que durante a fase de construção os trabalhadores podiam almoçar den tro da barriga do cavalo." Estátuas eqüestres com o a do imperad or Marco Aurélio (reinou de 121 a 180 d.C.) de manto e cabelos encaracolados, por longo tempo exibida no capi tólio em Roma, agora substituída por uma cópia, tomaram visível e palpável a metáfora de governar com o cavalgar (fig. 25). O monu mento eqüestre foi revi vido na Itália na Renascença, afirman do autoridade sobre a praça na qual se en contrava da mesma forma que o príncipe o fazia em seus domín ios. A partir do século 16, esses “cavaleiros de bronze”, como os denominava Alexander Pushkin, espalharam-se por toda a Europa - Grão-d uque Cos imo de Mediei na Piazza della Signoria em Florença; Henrique IV, Luís XIII e Luís XIV em Paris; Felipe III e Felipe IV em Madri; o “grande eleitor” Frederick William de Brandenburg (governou entre 1640 e 1688), em Berlim, e assim por diante. Esse reviver da tra- 12
11 ZANKER, Paul. Augustus an d the Power o f Images (1987). Ann Arbor: (s.n.], 1988. p. 3, 98. (Tradução inglesa); ELSNER, las. Imperial Rome and Christian Triumph: The Art of lhe Roman Empire, AD 100-450. Oxford: Oxford UP, 1998. p. 161-172. 12 ELSNER. las. Art an d the Ro ma n Viewer. Cambridge: Cambridge UP, 1995. p. 159; BURKE, Peter. The Fabrication o f Louis XIV . New Haven: Yale UP, 1992. p. 16.
83
Capítulo 4
25.
Estátua do Impera
dor Marco Aurélio (121180 d.C.), bronze. Mu seu Capitolino, Roma.
dição clássica era também uma alusão à tradição clássica, como o hábito de cha mar até mesmo principetes de novos Alexandres ou segundos Augustos. A maioria dos governantes se contentava com uma dessas estátuas., mas os conse lheiros de Luís XIV organizaram o que se chamou de uma “campanha de está tuas” na qual figuras do rei foram erigidas não apenas em Paris, mas também em Arles Caen, Dijon, Grenoble, Lyon e em outros lugares.” Uma das mais me-13
13 MARTIN, Michel. Les m om tm ails équcst rvs dc Louis XI V. Paris: Picard, 1986.
84
Poder f protesto
moráveis da longa série de estátuas eqüestres é o srcinal “cavaleiro de bronze” da expressão de Pushkin, a estátua de Pedro, o Grande, encomendada pela im peratriz Catarina ao escultor francês Etienn e-Mau rice Falconet e apresent ada ao público em 1782. Os próprios governantes eram vistos como imagens, como ícones. O traje, a postura e as propriedades que os rodeavam transmitiam um senso de majestade e poder, como no caso dos retratos pintados e esculpidos. A analo gia foi feita por alguns observadores modernos, como o embaixador inglês Chris tophe r Tunstall, que declarou ser o imperador Carlos V “tão imóvel quan to um ídolo”, ou o teór ico político ita liano Traiano Boccalini que descreveu o vice-rei de Nápoles como tão sério e estático “que eu nunca saberia se se trata va de um homem ou de uma figura de madeira”. Essas observações oferecem pistas aos espectadores modernos. Deve mos o lhar para estátuas reai s ou “retratos de estado ” não co mo imagens ilusio nistas de indivíduos como pareciam na época, mas como teatro, como repre sentações públicas de um eu idealizado. Os governantes geralmente não são re presentados em suas roupas normais, mas em trajes romanos antigos, em ar maduras, ou em vestes de coroação, o que lhes confere um caráter de maior dignidade. A figura eqüestre ffeqü ente mente esmaga os inimigos, sejam eles es trangeiros ou internos, personificações de rebelião e desordem bem como de países rivais. Um famoso exemplo é a estátua em ta manho natural de C arlos V, realizada pelo escultor italiano Leone Leoni, na qual o imperador, l ança em pu nho, está em pé sobre uma figura acorrentada, e legendada de “Fúria”. Um ou tro exemplo é a figura de Luís XTV, em pé, recebendo uma coroa de louros de uma figura alada (representando a Vitória), pisando num cão de três cabeças (que representa a Tripla Aliança dos inimigos de Luís, o Império, a Inglaterra e a Holanda), e acompanhado de cativos agrilhoados. Essa estátua antigamente podia ser vista na Praça das Vitórias, em Parjs. Destruída em 1792, ela está re gistrada numa gravura da década de 1680 (fig. 26). Os exemplos até aqui citados foram retirados da época da monarquia pessoal, da crença no “direito divino” dos reis para governar, e do “absolutismo ”, em outra s palavras, a teo ria de que o governante estav a acima da lei. O que aconteceu com as imagens quando o sistema político mudou, especial mente após 1789? Como poderíam as convenções do retratismo rea l adaptarse à ideologia do progresso, à modernid ade, à liberdade, à ig ualdade e à fra ter nidade? Várias soluções foram propostas para esse problema durante os sécu los 19 e 2 0 .0 traje e o olhar de Luís Felipe (discuti dos no Capítulo 1) evocam
85
Capítulo 4
26. Nicolas Arnoult, gravura de uma estátua de Luís XIV (já des truída). A estátua foi feita por Mar tin Desjardins, c.1686, e anterior mente encontrava-se na Praça das Vitórias, Paris.
o apelido de família de “Igualdade”(figa/úe,). Alguns anos antes, o quadro de Napoleão em seu escritório (fig. 27), pintado por Jacques-Louis David (17481825), apresentou um aspecto relativamente novo do poder, o governante com o b urocrata, preso à m esa me smo nas primeiras horas da manhã (há uma vela acesa e o relógio mostra quatro horas e quinze minutos). O quadro de David tornou-se um modelo para representações de governantes tão diversos quanto Luís XVIII em seu gabine te (1824) de Gérard, e Stalin em seu escritório, de Reschetnikov. Uma outra forma de adaptação à época da democracia foi a de enfatizar a virilidade, a juventude e o caráter atlético do líder. Mussolini, por exemplo, gostava de ser fotografado correndo, em uniforme militar, ou com o torso des nudo (fig. 28). Alguns presidentes americanos foram fotografados jogando g ol fe. Tais imagens fazem parte do que pode ser chamado um estilo “demótico” de governo. Esse estilo também pode ser ilustrado por fotografias de visitas a fábri-
86
27.
O Imperador Napoleão em seu escritório no palácio das Tuileries,
1812. Quadro de Jac
ques-Louis David, óleo sobre tela. Galeria Nacional de Arte, Washington, DC.
87
Capitulo 4
28. Mussolini correndo na praia em Riccione, década de 1930, fotografia.
cas nas quais o chefe de Estado conversa com trabalhadores comuns e lhes aper ta a mão, ou imagens de “banhos de povo” em que políticos beijam bebês, ou aind a, pinturas demonstrand o quão acessível é o governante, com o em Campo neses reivindicam em visita a Lenin de Vladimir Serov (fig. 29), um quadro que mostra o homem mais poderoso na Rússia ouvindo atentamente três campone ses, dois deles sentados à sua mesa, e anotando cuidadosamente suas demandas. Os novos meios de comunicação tam bém deram sua contribuiç ão à for m ação de mitos sobre governantes . As imagens de Hitler, Mussolini e Stalin são tão inseparáveis dos muitos pôsteres que os representavam em estilo heróico quanto do rádio que amplificava suas vozes. O cinema (Capítulo 8) também fez sua contribuição. O filme Triunfo da vontade, de Leni Riefenstahl (1935), feito com o incentivo pessoal de Hitler, mostrava o Führer sendo idolatrado p or seus fiéis seguidores.14 Hoje, os fotógrafos da imprensa e as equipes de te-
14 WELCH. David. Propaganda and the German Cinetna, 1933-1945. 1983. p. 147-164.
Oxford: Clarendon Press,
88
Poder f protesto
levisão produzem imagens de líderes políticos que são tão influentes quanto efêmeras. A sua iconografia seria uma garantia de sucesso para estudos deta lhados. Por exemplo, fotografias de candidatos em campanha para a presidên cia dos Estados Unidos poderíam ser colocadas em série a fim de tornar mais claras mudanças ta is como a crescente importâ ncia da esposa do candidato , es pecialmente no período que vai de Jackie Kennedy a Hillary Clinton. Deve-se enfatizar a importâ ncia do que pode ser chamado “ organização da imagem”. EmTriunfo da vontade, Hitler foi fotografado de baixo para cima e
29. Camponeses reivindicam em visita a Lenin Galeria Estadual Tretyakov, Moscou.
, de Vladimir Serov, 1950, óleo sobre tela.
Capítulo 4
’ Fyodor Shurpin, The Mornin g o f Our Motherland (A manhã da niae-patria), 1940-1948. State Tretyakov Gallery, Moscow.
mostrado contra o céu, para que sua imagem parecesse mais alta e mais herói ca. O mesmo expediente foi adotado no retrato de Stalin feito por Fyodor Shur pin. Mussolini, outro ditador de baixa estatura, costumava ficar em pé num escabelo quando passava em revista as tropas e recebia a saudação fascista. Da mesma forma, os retratos fotográficos de Nicolau Ceause scu sofreram processo de retoque e remoção das rugas antes de poderem ser publicados no Scinteia , o jornal do partido comunista rumeno. Ceausescu também era de baixa estatura, e grandes esforços eram feitos para conseguir esconder o fato. De acordo com seu intérprete inglês, “as fotos de Ceausescu em aeroportos junto a dignitários estrangeiros sempre eram tiradas de um ângulo próximo para certificar-se de que ele parecesse do mesmo tamanho ou maior do que a outra pessoa”.*15G ta ndo um exemplo mais doméstico, uma comparação entre as fotografias da famí lia real na Inglaterra e em jornais estrangeiros deveríam ser suficientes para evi denciar a importância da autocensura. * Imagem retirada da capa srcin al do livro: Eyewitnessing - The Uses o f Image s as Histor ical Evidence, de Peter Burke, editora Reaktion Books. 15 Sergiu Celac, apud SWEENEY. John. P ie Life an d Evil Times o f Nicolae Ceaus escu. London: Hutchinson, 1991. p. 125.
90
Poder e p rotesto
30. Hubert Lanziger,Hitler c orno porta -band eira, 1930(?), óleo sobre tela. Coleção de Arte do Exército Americano, Washington, DC.
91
Cap ítulo 4
As continuidades entre os Estados modernos e os antigos regimes são tão importantes quanto as mudanças que ocorreram desde 1789. “Organização da imagem” pode ser uma .nova expressão, porém não se trata de uma nova idéia. Luís XTV, por exemplo, usava saltos altos e não era representado muito próximo de seu filho, pois o delfim era mais alto. Napoleão fez-se pintado três vezes em trajes de coroação (por David, por Ingres e por Gérard), coloca ndo-se assim na série de retratos de Estado descrita no Capítulo 1, embora quebrasse as conven ções pelo fato de usar uma coroa de louros no lugar de uma coroa real e segu rar um cetro do tamanho de uma lança. No século 20 o grande líder foi freqüentemente representado em uniforme (o equivalente moderno de uma armadura) e, algumas vezes, também a cavalo. Mussolini foi representado como se fosse um soldado de capacete, e Hider, literalmente, como um cavaleiro numa brilhante armadura (fig. 30), para sugerir seu engajamento numa espécie de cruzada. A tradição clássica do colosso, associada a Alexandre, o Grande, foi re vivida na URSS. Houve um plano para en cimar o palácio dos sovietes em M os cou com uma estátua de Lenin de 100 metros de altura (como no caso de Ale xandre, o Grande, o projeto nunca foi concretizado). Embora Napoleão não fosse a primeira pessoa a ser retratada com a mão por dentro do colete, o ges to acabou ficando associado a ele (fig. 27). Por essa razão, muitos governantes que se seguiram adotaram a pose, entre eles Mussolini e Stalin (fig. 31). Algumas vezes, o líder é representado como se fosse um santo. David, por exemplo, representou o líder revolucionário assassinado Marat como um mártir, de fato, como Cristo, o corpo sem vida na banheira na pose tradicio nal de Cristo descido da cruz. Alguns anos antes, Benjamin West havia repre sentado a morte do General Wolfe de maneira similar. No século 20, Lenin al gumas vezes foi mostrado como um santo, foi fazendo um gesto eloqüente contra um fundo de nuvens, como na obra Lenin na Tribuna , de Aleksander Gerasimov (1930), ou como estátua num nicho em O líder, professor e cam arada, de Grigory Stregal (1937). Enormes retratos de Lenin, Stalin (fig. 31), Hitler, Mussolini, Mao, Ceausescu e muitos outros líderes foram ffeqüentemente carregados pelas ruas durante desfiles como tantos outros ícones. Essas representações foram algumas vezes descritas com o “arte totalitária”.10As se melhanças entre as imagens políticas comunistas e fascistas em meados do sé culo 20 são impressionantes, embora certamente valha a pena acrescentar que, 16
16 GOLOMSTOCK, Igor. Totalitarian An: In lhe Soviet Union, the Third Reich, Fascist Italy and the People's Republic of China. London: Collins Arvill, 1990.
92
Podar e p rotesto
31. Boris Karpov, O retrato d e Stalin, 1949, óleo sobre tela. Localização desconhecida.
93
Capitulo 4
como nos faz lembrar a imagem de Augusto (fig. 24), nem a adulação nem a idealização são invenções do século 20. Os regimes democráticos dão preferência a retratos de primeiros-mi nistros; os regimes socialistas, em geral, às imagens idealizadas de trabalhado res. Estes são usualm ente trabalha dores típ icos de fábricas ou de fazendas, mas algumas vezes um indivíduo modelar pode ser escolhido. Gregor Stakhanov, por exemplo, um mineiro de carvão cuja enorme capacidade para o trabalho tornou-o “Stakhanovista srcinal”. Seu retrato foi pintado por Leonid Kotlyanov em 1938. Muitos heróis menores são celebr ados com estátuas em locais públicos, de tal forma que um censo da população de estátuas de uma deter minada cidade como Londres ou Paris, observado o balanço entre generais, políticos, poetas e outros tipos sociais, pode revelar algo de importância a res peito da cultura política local (mediado, certamente, pelos comitês que enco mendaram as estátuas aos escultores.) Por exemplo, em Paris, o “panteão a o ar livre”, como foi cham ado, ex i be intelectuais como Voltaire, Diderot (no Boulevard St. Germain) e Rous-
32. Richard Westmacott,
Charles
James Fax, 1810-1814, bronze. Bloomsbury Square, Londres.
oa
Poder e protesto
seau. Em Antuérpia, Rubens tornou-se proeminente desde que sua estátua foi erigida em 1840, logo seguida pela de Rembrandt em Amsterdã (1852). Em Londres, por outro lado, provavelmente, em primeiro lugar, se pense em Nel son em sua coluna em Trafalgar Square (1843) e talvez em Wellington no Hyde Park Comer (1846), embora exista também um grande número de ou tros generais. Pode nos revelar algo significativo sobre a cultura política britâ nica, o fato de que os políticos radicais também tém o seu lugar nas praças de Londres, de Charles James Fox (fig. 32) em Bloomsbury (1816), a priméira es tátua de um estadista contemporâneo, ao Major Cartwright nos Jardins Cart wright (1831) e Oliver Cromwell do lado de fora do Parlamento (uma estátua erigida em 1899, para celebrar o terceiro centenário de se u nascim ento ). He róis da literatura e da arte, tais como Shakespeare em Leicester Square (1874) e Joshua Reynolds do lado de forá da Academia Real (1931), surgiram um pouco mais tarde e permanecem bastante menos visíveis do que soldados e es tadistas. A população de estátuas é, sem dúvida, predominantemente mascu lina, sendo as mais notáveis exceções a regra a Rainha Vitória, Florence Nigh tingale na estação de Waterloo (1915) e Edith Cavell na praça de St. Martin (1920). As duas últimas mulheres conquistaram seu lugar no clube das está tuas pelo fato de que foram enfermeiras que participaram de guerras impor tantes. A enfermeira Cavell é celebrada porque foi alvejada por alemães en quanto ajudava soldados britâ nico s a escapar da Bélg ica.17 A forma como essas figuras são representadas transmite várias mensa gens. A sobrevivência do monumento eqüestre bem avançado o século 20, com o no caso do marechal de cam po Haig em Whitehall (1 93 7) , revela algo sobre os valores tradicionais das elites inglesas, mesmo depois da Primeira Guerra Mundial. O m esmo se aplica à sobrevivência dos traj es romano s n o sé culo 19. Por exemplo, o escultor Richard Westmacott (1775-1856) mostrou Charles James Fox (fig. 32) numa toga romana. Como seus contemporâneos, o artista ficou relutante em retratar um estadista vestindo calças (em 1770, o pintor americano Benjamin West havia chocado alguns espectadores quando representou a morte do general Wolfe no uniforme militar que ele estava usando quando foi m orto ). A organização da imag em de Westmacott também foi observada. Fox é representado sentado porque ele era “muito corpulento
17 YARRiNGTON, Alison. The C omm emorat ion o f the Hero , 1800- 1864: Monuments to the British Victors of the Napoleonic Wars. New York: Garland, 1988. p. 79-149, 277-325; BLACKWOOD, I. London's Imm ortals. London: Savoy Press, 1989.
95
Capitulo 4
para parecer dignifi cado em pé”. A mensagem política do mo num ento é reve lada pelo pergaminho tia mio de Fox representando a liberdáde na forma da Magna Carta. O local onde o monum ento foi erigido, próximo ao museu br i tânico, merece ser enfatizado. A estátua foi erigida em “território Whig” em Bloomsbury, uma vez que nessa época, como destacado por Nicholas Penny, Fox tinha se tornado o objeto de um culto Whig.1*
I magens
s ubver
s iva s
A iconoclastia não é simplesmente um fenômeno religioso. Há também iconoclastia política ou “vandalismo”. O último termo foi cunhado Henri Grégoire (1750-1831), um partidário da Revolução Francesa,pelo masabade um opo nent e ao que ele considerava seus excessos. Ainda assim, Grégoire reconh e ceu o ponto fundamental levantado pelos iconoclastas, e retomado novamente neste capítulo, que é a idéia de que imagens propagam valores. Ele descreveu os monum entos do an tigoregim e co mo “contaminados pel a mitolog ia” e levando “a marca do regalismo e do feudalismo”. Apoiou a remoção dos monumentos, mas desejava què fossem colocados em museus em vez de serem destruídos. De foto, alguns monum entos foram destruídos em 1792, entre eles as duas estátüas de Luís XIV mencionadas anteriormente, uma na Praça Luís, o Grande, cujo nom e foi modificad o para Praça Vendôme, e a ou tra ná Praça das Vitórias.” Muitas outras resoluções destruíram monumentos associados ao regime anterior. Durante a com una de Pari s de 1871, o pintor Gus tave Courbe t foi res ponsável pela demolição da coluna na Praça Vendôme e sua estátua de Napoleão, que havia substituído a de Luís XIV. A Revolução Russa foi acompanhada péla destruição de estátuas dos czares, parcialmente registrada em filme na épo ca, e a Revolução Hú ngara de 1956 pela destruição do monu men to de Stalin em Budapeste. A queda do muro de Berlim foi marcada pela queda de muitas está tuas a part ir de 1989, incluindo as do chefe da polícia secreta Felix Dzer zhinsky (em Varsóvia e Moscou) e de Lenin (em Berlim, Bucareste e em muitos outros 189
18 PENNY, Nicholas. The Whig Cult of Fox in Early Nineteenth-C entury Sculpture . Past and Present LXX, p. 94 -10 5,9 4,1 00 , 1976. ' 19 SPRIGATH, Gabriel. Sur le vandalisme révolutionnaire (179 2-9 4). Annates H istor iqu es de la Révolution Française LII,' p. 510-535, 1980; WAGNER, Anne M. Outrages. Sculpture and T he Kingship in France after 1789. In: BERMINGHAM, Ann; BREWER, John. (Ed.). Consumpti on o f Cult ure. London: Routledge, 1995. p. 294-318.
rt/i
Poder e protesto
lugares). Na China, por outro lado, embora algumas estátuas de Mao Tse Tung que se encontravam em campi universitários fossem tombadas em 1988, o ato de iconocfastia mais conhecido foi mais conservador do que radical: um traba lho do exército que destruiu a deusa da democracia erigida na Praça Tian-anMen em 1989 apenas alguns dias após ela ter sido mostrada.20 Alternativamente, o trabalho de subversão pode ser realizado pelas próprias imagens. Até mesmo um monumento público pode ocasionalmente ser subversivo. Nos dias de hoje, turistas que freqüentam o Campo dei Fiori em Roma podem considerar a.estátua de Giordano Bruno no centro da praça algo normal, se é que eles vão realmente notá-la. Na época, porém, a edifica ção da estátua em 1889, após déc adas de contrové rsia, foi u m gesto dramáti co. Essa imagem de um líder herege foi deliberadamente colocada no local onde ele havia sido queimado em 1600, e foi erigida desafiando o Papa quan- , do o Primeiro-Ministro er a um deísta e um maçon. Era de uma certa manei ra um monu ment o ao a nticlericalismo.21 Mais recente mente, t em havido uma reação contra for mas m on um en -. tais. O estilo minimalista anti-heróico de certos monumentos públicos ou “contra-monumentos” tanto expressa quanto encoraja o ceticismo no que tange a visõe s heróicas de história e política. Um fam oso exemplo da nova ten dência é o Monumento contra o Fascismo (1986) em Hamburgo, projetado po r Joch en e Esther Gerz. Sua coluna m al apoiada, como se estivesse em que da, foi planejada deliberadamente para ser efêmera em vez de eterna e para desaparecer da vista por volta de 1990. Parecería que a épo ca dos “heróis a ca valo” tivesse finalment e chegado a termo.22 Ainda num outro exemplo de secularização, o arsenal de técnicas de senvolvido para a polêm ica religiosa durante a Reforma (Capítulo 3 ) foi ap ro priado para usos políticos. A campanha de imagem contra Luís XIV conduzi da por artistas holandeses após a invasão de seu país por tropas francesas em 1672 foi uma continuação da guerra por outros meios, parodiando as meda
20 GAMBONI, Dario. The D estruction o f A rt fconoclasm and Vandalism since the French Revolution. London: Reaktion Books, 1997. p. 51-90. 21 MANZI, P. Cronistori a di un monu m ento: Giordano Brun o in Campo de’ FiorL Nola: [s.n.], 1963; BERGGREN, Lars; SJÕSTEDT, Lennart. L'ombra dei grandi: Monumen ti e politica monumen tale a Roma (1870-1895). Roma: Artemide Edizioni, 1996. p. 29-35,123-136,161-182. 22 YOUNG, lames E. The Counter -Monum ent: Memory again st Itself in Germany Today. In: MITCHELL, W. J. T. (Ed.). A rt an d th e P ub lic S phere. Chicago: University of Chicago Press, 1992. p.49-78 .
97
Capitulo 4
lhas oficiais e mostrando o “rei sol” como Faettmte, um condutor incompeten te'cu ja carruagem celestial espatifouse .25
Naassociado Inglaterra, surgimento dedeimpresses políticos na ao década de 1730 tem sidô aooaparecimento uma oposição oficial governo. Na França, eles estavam ligados à Revolução de 1789, outra guerra de imagens (Capítulo 8), na qual mais de 6.000 impressos foram produzidos, ampliando assim a esfera pública e estendendo o debate político às cl asses não letradas. N Após 1789, nã o é mais anacrôn ico falar-se de “propaganda”. O jorn alista revo lucionário Camille Des moulins (17 60 -1 79 4) , por exe mplo, comparou “ a pro paganda do patriotismo” com a do cristianismo, ao passo que os realistas no exílio denunciavam a “p ropaganda” da Revolução. Desde 1789 , a propaganda visual ocupou um grande espaço na história política moderna.2 324 Nãò obstante, o u so político de imagens não de^ e ser reduzi do a ten tativas de manipulação da opinião pública. Entr e a inve nção do jorn al e a in venção da televisão, por exemplo, caricaturas e desenhos ofereceram uma contribuição fundament al ao debat e político, desmisti ficando o poder e in centivando o envolvimento d e pessoas comu ns no s assuntos de Estado. Rea lizaram tais tarefas apresentando assuntos controversos de uma maneira simples, concreta e notável e os principais atores no palco político como mortais não heróicos e passíveis de erros. Daí porque o trabalho do cartu nista Jame s Gillra y ( 17 56- 181 5), po r exemplo, hoje oferece aos hist oriadore s preciosos ângulo s da p olítica inglesa do século 18 vista a partir dé baixo. Honòré Daumier (18 08 -19 79 ), crítico feroz do rei Lu ís Fel ipe, oferece â ngulos semelhantes das atitudes francesas do século 19, e David Low (1892-1963), o criador do Coronel Blimp, faz o mesmo em relação ao povo inglês na pri meira metade do século 20. A popularidade dessas caricaturas quando fo ram publicadas pela primeira vez sugere que elas alcançaram grande eco. Por essa razão podem ser usadas com alguma segurança para auxiliar a re con stru ir mentalidades ou atitudes políticas que desapare ceram.
23 BURKE , Peter. The Fabricat ion o f Louis XI V. New Haven: Yale UP, 1992. p. 143. 24 GEORGE, M. Dorothy. English Political Caricature: A Study of Opinion and Propaganda. Oxford: Clarendon Press, 1959. 2 v.; ATHERTON, Herbert M. P olitical Prints in the Age o f Hogarth: A Study of the Ideographic Representation of Politics. Oxford: Clarendon Press, 1974; JOUVE, Michel. Naissance deMa caricature politique moderne en Angleterre (17601800). In: RETÁT, Pierre (Ed.). Le journa lism e d ’ancien régime. Paris: [s.n.], 1981. p. 167-182; VOVELLE, Michel (Ed.). Les Images de la Revolution Francaise. Paris: Publications de la Sorbonne, 1988; LEITH, James A. The Id ea o f Art as Propaganda in France, 1750- 1799 , Toronto: University o f Toronto Press, 1965.
98
C apí tulo 5
C ultura
ma
t e r ia l
ATRAVÉS DE IMAGENS
“Jamais consigo fazer com que você perceba a importância das mangas... ou das gra ndes quest ões que podem
depender de um
ca-
darço de b ota.”
Hol mes para Watson e m
U
m
caso
d e
i d enti
d ad
e
d e Arthur
Conan Doyle
Os dois últimos capítulos concentraram-se no que as imagens revelam ou implicam a respeito de idéias, a titudes e mental idades em diferentes per ío dos. Aqui, em contraste, a ênfase recairá na evidência num sentido mais lite ral do termo, em outras palavras, no uso de imagens no processo da recons trução da cultura material do passado, tanto em museus quanto em livros de história. Imagens são especialmente valiosas na reconstrução da cultura coti diana de pessoas comuns, suas formas de habitação, por exemplo, algumas ve zes construídas com materiais que não eram destinados a durar. Para esse pro pósito, o quadro de John White retratando uma aldeia i ndígena na Virgínia na década de 1850 (fig. 3), por exemplo, é indispensável. O valor de imagens como evidência para a história do vestuário é in questionável. Alguns itens da vestimenta sobreviveram por milênios. No en tanto, para mudarmos o foco do item isolado para o conjunto, para saber o que se usava com o que, é necessário recorrer a pinturas e gravuras, assim como a alguns manequins de moda remanescentes, principalmente do século 18 ou de um pouco mais tarde. Assim, o historiador francês Fernand Braudel (19021985) baseou-se em pinturas com o evidência pa ra a dissemi nação da moda es-
99
Capitulo 5
panhola e francesa na Inglaterra, Itá lia e Polônia nos séculos 17 e 18. Outro hi s toriador francês, Daniel Roche, utilizou não apenas inventários, mas também pinturas, como a farrtosa A refeição dos camponeses (fig. 61), de 1642, para a re constituição da história da vestimenta na França. A rica série do que restou dos ex-votos de Provença, discutida no capítulo 3, que representa cenas do cotidia no, permite ao historiador estudar a continuidade e a mudança nas roupas de diferentes grupos soci ais naquela região. Um de Hyères em 1853, po r exemplo, mostra como os açougueiros vestiam-se para o trabalho (fig. 16).' Do mesmo modo, a história da tecnologia ficaria muito empobrecida se os historiadores fossem obrigados a se basear apenas em textos. Por exem plo, as carruagens usadas milhares de anos antes de Cristo na China, no Egito e na Grécia podem ser reconstruídas através de modelos que subsistiram e pinturas em túmulos. O aparelho para ve r estrelas construído para o a strôn o mo dinamar quês Tycho Brahe (15 46 -16 01 ) em seu obser vatório d e Uranibor g foi colhido numa gravura que foi reproduzida várias vezes em histórias da ciência precisamente pela falta de outras fontes. O aparelho usado para espre mer suco da cana-de açúcar nas plantações do Brasil, pelo mesmo princípio utilizado pelas calandras que se encontravam nas copas das cozinhas, está cla ramente ilustrado numa água-tinta do artista francês Jean-Baptiste Debret, no qual dois homens sentados alimentam a máquina enquanto dois outros for necem a energia que mantém a máquina em movimento (fig. 33). Historiadores da agricultura, da tecelagem, da impressão de papéis, da guerra, da mineração, da navegação e das outras atividades práticas, a lista é virtualmente infinita, têm-se baseado intensamente no testemunho de ima gens para reconstruir as maneiras pelas quais arados, teares, máquinas im pressoras, arcos, ar mas de fogo, e ass im p or diante, eram utilizados, bem com o para mapear as mudanças súbitas ou graduais por que passaram as con cepções desses instrumentos. Assim, um pequeno detalhe na pintura de A B atalha de San Romano, de Paolo Uccello (1397-1475), é um entre outros teste munhos da forma como um soldado segurava sua “besta” enquanto recoloca va munição nela. Pinturas japonesas em forma de rolo, datadas do século 18, não apenas fornecem as medidas precisas de diferentes tipos de juncos chine- 1
1 BRA UDE L Fernand. T he Struct ures o f Everyday L ife (1979). London: Collins, 1981. p. 318. (Tradução inglesa); ROCHE, Daniel. The C ulture o f Clot hes (1989). Cambridge: Cambridge University Press, 19% . Cfraduçáo inglesa); COUSIN, Bernard. Le M iracle el le Q uotidi en: Les ex-voto provençaux images d'une société. Aix-en-Provence: Sociétés, mentalités, cultures, 1983. p. 17-18.
inn
Cultura ma terial através d e imagens
33. Jean-Baptiste Debret, ‘‘Pequeno moinho de açúcar portátil” (máquina para extrair suco de cana-de-açúcar), água-tinta de \riage m pito resca e históri ca ao Brasil (Paris 1836-1839).
ses, mas também permitem aos histori adores observar o equipamento em de talhe, das âncoras ao canhão e das lanternas aos fogões de cozinha.' Quando a Associação Nacional de Registro Fotográfico foi fundada na Inglaterra em 1897, para fazer fotografias e colecioná-las no Museu Britânico, os fundado res da entidade pensavam especialmente em registros de prédios e outras for mas tradicionais da cultura material.' Uma vantagem particular do testemunho de imagens é a de que elas co munica m rápida e claramente os detalhe s de um processo complexo, com o o da impressão, por exemplo, o que um texto leva muito mais tempo para descrever de forma mais vaga. Daí os vários volumes de gravuras na famosa Ettcyclopédie francesa (1751-1765), um livro de referência que deliberadamente colocava o conhe cimen to de artesãos no m esmo nível que o de estudiosos. Uma dessas gra- 23 2 PARET, Peter. Imag ined B attler. Reflections of War in Europen A rt. Chapel Hill: Univ ersity of North Carolina Press, 1997. p. 24; OBA, Osamu. Scroll Paintings of Chinese funks. M ariner's M irror LX, p. 351-362, 1974. 3 GOWER, H. D.; (AST, L. Stanley; TÜPLEY, W. W. The Camera as Historian. Marston, 1916.
London: S. Low,
101
Capitulo 5
34. Gravura da sala de composição de uma gráfica ( Imprimerie X de “Recueil des planches” (Antologia de Pranchas) (1762) da Encyclopédie (Paris, 1751-1765).
vuras mostrava aos leitores como os livros eram impressos, retratando a oficina de uma gráfica durante quatro diferentes estágios do processo (fig. 34). tratar como uma reflee xão nãoÉ seguramente problemática perigoso do estado da ilustrações tecnologia desse num tipo determinado lugar numa determinada época sem empreender uma crítica das fontes, identifican do os artistas (no caso L.-J.Goussier) e, ainda mais importante, as fontes nas quais os artistas se basearam. Nesse caso, acorre que várias gravuras contidas na Encyclopédie não foram baseadas em observações diretas. Elas são versões revisadas de ilustrações anteriores, da Cyclopedia de Chamber, por exemplo, ou da obra ilustrada Descrição d as Artes, publicada pela Academia Francesa de Ciências.4Como sempre, é necessária a crítica das fontes, mas a justaposição e comparação de gravuras gráficastecnológica. entre 1500 e 1800 fornecem ao especta dor a impressão nítida dade mudança Dois tipos de imagem ilustrarão esses pontos mais detalhadamente: vistas externas de cidades e vistas de interiores.
4 PROUST, Jacques (Ed .). L’Encyrlopidie. Paris: [s.n.], 1985. p. 16.
102
Cultura material através de imagens
“P aisagens
” de
cidades
*
Historiadores urbanos há muito tempo se dedicam ao que eles chamam de “a cidade como artefato”.' A evidência visual é particularmente importante para esse enfoque de história urbana. Por exemplo, existem pistas valiosas sobre a aparência de Veneza no século 15 como pano de fundo de pinturas ao “estilo testemunha ocular” (ver Introd ução), co mo em Milagre ern Rialto, de Carpaccio (fig. 35), que mostra não apenas a ponte de madeira que antecedeu a atual de pe dra (construida no final do século 16) mas também detalhes tais como um tipo raro de chaminé em forma de funil, que desapareceu até mesmo de palácios re manescentes da época e que em certo tempo dominaram o horizonte veneziano .
Em mead os século 17, “paisagens” de cidades, com o as paisagens pro priamente ditas, tornaram-se um gênero pictórico independente, que surgiu na Holanda com vistas de Amsterdã, Delft e Haarlem e disseminou-se ampla- 5
* O autor empregou no original townseapcs, trocadilho intraduzivel. Recorremos então ao termo paisagens colocando as aspas. (N.T.) 5 HANDL1N, Oscar; BURCHARDT, |ohn. (Ed .). The Historian and the City. Cambridge. MA: M1T Press, 1963. p. 165-215; DE SETA, Cesare (Ed.). C itta J ’Europa-. Iconografia e vedutismo dal XV al xviii secolo. (Naples); Electa Napoli, 19%.
103
Capítulo 5
mente no século 18.° Giovanni Antonio C analetto (16 97 -17 68 ), um dos mai s conhecidos expoentes do gênero, conhecido na Itália como “vistas” ( vedute), trabalhou em Veneza e por alguns anos em Londres. Seu sobrinho Bernardo Bellotto (1721-1780) trabalhou em Veneza, Dresde, Viena e Varsóvia. Impres sos da vida citadina também eram populares na época, bem como gravuras ou água-tintas de determinados prédios ou tipos de prédios, como as vistas das faculdades de Oxford e Cambridge publicadas pelo artista David Loggan em 1675 e 1690 e por Rudolph Ackerman (como Loggan, um imigrante da Europa Central), em 1816 .0 ascenso desses gêneros nessa época em particu lar por si só já nos revela algo sobre atitudes urbanas, por exemplo, o orgu lho cívico. O fato de que os artistas da república holandesa estivessem entre os primeiros a pintar vistas externas de cidades e interiores domésticos, para não mencionar natureza morta, é uma valiosa pista para a natureza da cultu ra holandesa no período. Nessa cultura, dominada por cidades e mercadores, a observação do detalhe “microscópico” era altamente valorizada. Com efeito, foi um holandês, Comelis Drebbel (c. 1572-1633), quem inventou o microscópio e um outro holandês, Jan Swammerdam (1637-1633), quem primeiro utilizou um microscópio para descobrir e descrever um novo mun do de insetos. Como sugeriu a historiadora da arte americana Svetlana AJpers, a cultura holandesa do século 17 era uma cultura que encorajava uma “arte de descrever”.67 No caso de vistas externas de cidades, os detalhe s de determinadas ima gens algumas vezes possuem especial valor como evidência. A velha cidade de Varsóvia, litera lment e arrasada em 194 4, foi reconstru ída após a Segunda Guerra Mundial com base no testemunho de materiais impressos e também de pinturas de Bernardo Bellotto. Historiadores da arquitetura fazem uso re gular de imagens a fim de reconstruir a aparência de prédios antes de sua de molição, ampliação ou restauração: a velha catedral de São Paulo em Londres (antes de 1665), a antiga prefeitura em Amsterdã (antes de 1648), etc. Por sua vez, historiadores urbanos ffeqüentemente utilizam pinturas, impressos e fotografias para imaginar e possibilitar que seus leitores imagi nem a antiga aparência das cidades - não apenas os prédios, mas tamb ém os
6 LAWRENCE, Cynthia. G errit Bcrckhcyde. Doornspijk, The Netherlands: Davaco, 1991. 7 ALPERS, Svetlana. The A rt o f Descri bing: Dutch Art in the Seventeenth Century. Chicago: University of Chicago Press, 1983.
104
I
Cultura ma terial através de imagens
porcos, cães e cavalos que vagueavam pelas ruas ou as árvores que se enfileiravam num lado de um dos maiores canais de Amsterdã no século 17 (fig. 36), o Herengracht , como no desenh o de Gerrit Berck heyde (16 38 -16 98 ). Fotogra fias antigas são especialmente valiosas para a reconstrução histórica de cor tiços que foram destruídos, revelando a importância da vida de ruelas e becos em cidades como Washington e detalhes específicos tais como a localização das cozinhas.*
36. Gerrit Adriaensz Berkheyde,
Um a curva no H ere ngracht , Amsterdã, antes de 1685(?),
aquarela e tinta nanquim. Gemeentearchief, Amsterdã.
Como se poderia esperar, o emprego de imagens como evidência dessa forma não deixa de ter seus perigos. Pintores e tipógrafos não trabalhavam tendo em mente futuros historiadores e o que os interessava, e a seus clientes, podia não ser a exata represen tação da rua de uma cidade. Artistas como Ca naletto algumas vezes pintavam fantasias arquitetônicas ou capricci , constru ções esplendorosas que nunca foram além do esboço; ou eles se permitiam rearranjar uma determinada cidade na imaginação, como no caso de várias composições de imagens que combinavam as principais vistas de Veneza. 8
8 DE SETA, Cesare (Ed.). Città d'Europa: Iconografia e vedutismo dal xv al xviii secolo. (Naples): Electa Napoli, 1996; BORCHERT, (ames. A lley L ife in W ashington: Family, Community, Religion and Folklife in an American City. Urbana: University o f Illinois Press, 1980); Id., Historical Photo-analysis: A research method. H istorical M ethods xv, p. 35-44, 1982.
105
Capítulo 5
37. Claude-Joseph Vernet,The Port o f La Rochelle (O porto de La Rochelle), 1763, óleo sobre tela. Museu do Louvre, Paris.
Mesmo que os prédios fossem apresentados com aparente realismo, como rtos trabalhos de Berckheyde, as cidades podem ter sido limpas pelos ar tistas, o equivalente aos pintores de retratos que tentavam mostrar seus mo delos da melhor forma possível. Esses problemas de interpretação da evidên cia estendem-se à fotografia. As primeiras fotografias de cidades mostram com ffeqüência ruas implausivelmente desertas, para evitar os borrões nas imagens causados pelo movimento rápido, ou representam pessoas em poses estereotipadas, como se os fotógrafos tivessem sido inspirados por pintores antigos (Capítulo 1). De acordo com suas atitudes políticas, os fotógrafos es colhiam representar as casas mais deterioradas, a fim de apoiar a campanha pela extinção dos cortiços, ou as de melhor aparência, para se oporem a isto. Para um exemplo nítido da importância de recolocar as imagens nos contextos srcinais para que não se faça uma interpretação errônea das suas mensagens, podemos considerar a pintura do porto de La Rochelle (fig. 37), de Claude-Joseph Vernet (1714-1789), parte de uma série de quinze trabalhos dedicados aos portos da França, uma série que atraiu considerável interesse, como testemunhado pela ótima venda das reproduções em gravura. A cena
106
Cultura m aterial através de imagens
portuária com a floresta de mastros ao longo do rio e os homens trabalhando em primeiro plano tem alguma coisa do imediatismo de um instantâneo. En tretanto, o artista mostrou o porto bastante movimentado numa época (mea dos do séc ulo 18) em que, s egundo outras fontes s ugerem, o comé rcio n o p or to de La Rochelle estava de fato em declínio. Qual seria a razão? A questão pode ser respondida inserindo-se a pintura no seu contexto político. Como outros trabalhos da série, ele foi pintado por Vemet por encomenda do marquês de Marigny em nome do rei Luís XV. Até o itinerário do pintor foi oficialmente planejado. Marigny escreveu a Vemet criticando uma das vistas, do porto de Cette, pelo fato de a beleza haver sido alcançada à custa da “verossimilhança” (ressemblance) lembrando ao pintor que a inten ção do rei era “ver os portos do reino representados de maneira realista” (au naturel). Por outro lado, Vernet nãó podia se dar ao luxo de ser excessivamen te realista. Suas pinturas deveríam ser exibidas como uma forma de propagan da do poder marítimo francês.’ Se as cartas e outros documen tos que esclare cem a situação não tivessem sido conservados, historiadores econômicos bem poderíam ter usado essa pintura como base para conclusões superotimistas a respeito das condições do comércio francês.
In
t e r i o r e s e s ua s mo b í l i a s
No caso de imagens de interiores de casas, o “efeito realidade” é ainda mais forte do que nas de vistas. Recordo-me nitidamente da minha própria reação, ainda menino visitanto a National Gallery em Londres, em relação às pinturas de Pieter de Hooch (1629-1694), que se especializou em interiores e pátios de casa s holande sas, repletos de mães, cri ados, crianças, h omen s b ebe n do e fumando cachim bos, baldes , barris, arca s de roupa de cama, etc. (fig. 38). Na presença de tais pinturas, os três séculos separando o espectador do pintor parecem evaporar por um momento, e o passado quase pode ser sentido e to cado, bem como visualizado. 9
9 LAGRANGE, Léon. Les Vemet et la pcintu rc au ISc siéclc. 2. ed. Paris: [sai.], 1864. p. 69-70, 85-87, 104, 115, cf. HELD, Jutta. M onu m ent un d Vottc. Vorrevolutionãre Wahmehmung in Bildern des ausgchenden Ancien Regime. Kõln: Bòhlau, 1990.
107
Capitulo
5
38. Pieter de Hooch, Pátio de uma casa ern Delft , 1658, óleo sobre tela. National Gallery, Londres.
108
Cultura material através de imagens
A porta de entrada, a. fronteira entre as áreas pública e privada, é o cen tro de interesse de várias pinturas holandesas do século 17. Um artista, Jacob Ochtervelt (1 63 4-16 82 ), especializou-se nessas cenas: músicos de rua tocando à porta ou pessoas vendendo cerejas, uvas, peixe ou aves (fig. 81). Olhando para pinturas como essas, torna-se mais uma vez difícil reprimir a impressão de se estar vendo um instantâneo, ou mesmo de se estar entrando numa casa do sé culo 17.'° De forma semelhante, casas bem preservadas como Ham House em Surrey, ou os chalés preservados e exibidos em museus ao ar livre, como Skansen, próximo a Estocolmo, repletos de mobília da época em que foram cons truídos, oferecem ao espectador uma impressão de contato direto com a vida no passado. Precisamos fazer um esforço para lembrarmos que esse imediatismo é uma ilusão. Não podem os entr ar num a casa do século 17. Aquilo que vemos quando visitamos um prédio assim, seja a cabana de um camponês ou o pa lácio de Versalhes, é inevitavelmente uma reconstituição na qual uma equipe de museólogos agiu como historiadores. Eles se baseiam na evidência de in ventários, pinturas e materiais impressos para descobrir que tipo de mobília pode ter sido apropriada numa casa desse tipo e como ela teria sido arrumada. Quando o prédio é modificado em séculos posteriores, como no caso do pa lácio de Versalhes, os restauradores têm de decidir se sacrificam detalhes do século 17 em favor do 18 ou vice-versa. De qualquer forma, o que vemos hoje é em grande parte uma reconstituição. A diferença entre um prédio “autênti co” e um falso do século 17 no qual uma parte substancial da madeira e pedra foi substituída por moderna carpintaria e tijolos é seguramente uma diferen ça de grau, mais do que uma diferença em nível de tipo." Com relação às pinturas de interiores domésticos, devem ser vistas como um gênero artístico com suas regras próprias em relação ao que deve ou não ser mostrado. Na Itália do século 15, tais interiores aparecem como pano de fundo para cenas religiosas, como no caso das vistas externas das cidades. Assim, Anunciação (1486), de Cario Crivelli, que ainda pode ser visto na National Gallery de Londres, mostra a Virge m Maria lendo numa niesa de ma *1
10 KURETSKY, Susan D. The Paint ings o f Jacob Ochter velt. Oxford: Phaidon. 1979; SCHAMA, Simon. The Em barrassment o f Rich er. An Interpretation of Dutch Culture in the Golden Age. London: Harper Collins, 1987. esp. p. 570-5%.
11 THO RNT ON, Peter. Seventeenth-C entury Interior Decoration i n England, France and Holland. New Haven: Yale UP. 1978.
109
Capitulo
39. Jan Steen,
O lar em des or dem,
5
1668, óleo sobre tela. Apsley House (Museu Wellington),
Londres.
deira, com livros, castiçais e garrafas numa prateleira às suas costas, enquanto num plano superior vemos um tapete oriental pendurado num parapeito.12 Na Holanda no século 17, imagens dos interiores de casas tornaram-se um gênero distinto com suas próprias convenções. Freqüentemente considera das simples celebrações da vida cotidiana, vários desses interiores têm sido in terpretados por um expoente hist oriador de arte holandês, Ed dy de Jongh (Ca pitulo 2), como alegorias morais nas quais o que estava sendo celebrado era a virtude da limpeza ou do trabalh o árdu o.13 O lar em desordem de fan Steen
12 JARDINE, Usa. Worldly Goods: A New History of the Renaissance. London: is.n.], 1996. p. 6-8. 13 (1971). JONGH,In:Eddy de. Realism and(Ed.). Seeming Realism in Seventeenth-Century FRAN1TS, Wayne. Looking at sevenleenth-Centuiy Dutc Dutch h A rt Painting Realism Reconsidered. Cambridge: Cambridge UP, 1997. p. 21-56. Clhidução inglesa), SCHAMA, Simon. The Em barrassment o f Riches: An Interpretation of Dutch Culture in the Golden Age. London: Harper Collins, 1987. p. 375-397.
110
Cultura m aterial através de imagens
(1626-1679) (fig. 39), por exemplo, com cartas de baralho, conchas de ostras, pedaços de pão e até mesmo um chapéu engenhosamente jogado no chão, traz uma clara mensagem sobre as ligações entre ordem e virtude, desordem e pe cado. A pintura também pode servir para advertir espectadores do século 21 que um artista não é uma câmera, mas um comunicador ou comunicadora com sua própria agenda. Mesmo na cultura da descrição, as pessoas, ou pelo menos algumas pessoas, continuavam a se preocupar com o que estava debai xo da superfície, tanto da superfície das imagens quanto da do mundo mate rial que as imagens representavam.14 Tendo em mente esses problemas, entretanto, muito ainda pode ser aprendido através do estudo cuidadoso de pequenos detalhes em imagens de interiores - casas, tavernas, cafés, sa las de aula, lojas, igrejas, bibliote cas, tea tros, etc. O rápido esboço dos espaços interiores do Teatro Swan em South wark durante a apresentação de uma peça, feito por um visitante estrangeiro em Londres por volta de 1596 (fig. 40), mostrando uma casa de dois andares situada ao fundo de um palco a berto e a platéia rodeando os atores, é um pre- Il
14 HON1G, Elizabeth A. The Space o f Gender in Seventeenth-Century Dutch Painting. In: FRANITS, Wavne. (Ed.). Looking at se\’entecnth-Century Dutch Art. Realism Reconsidered.
Cambridge: Cambridge UP, 1997. p. 187-201.
Ill
Capitulo
5
k
4 1 .1. P. Hofinann, Gravura mostrando o laboratório de química de Justus von Liebig em Giessen, da obra Das Chemiche Laboratorium der Ludwigs-Universitdt zu Giessen
(Heidel
berg, 1842).
cioso elemento de evidência na qual historiadores do teatro na época de Sha kespeare têm freqüentemente se apoiado. Eles estão certos ao fazer assim, uma vez que um conhecimento da planta do teatro é essencial para a reconstitui ção das antigas representações, o que por sua vez é necessário para a com preensão do texto. Visualizar a organização de objetos, cientistas e assistentes num laboratório (fig. 41) é aprender algo a respeito da organização da ciên cia, assunto sobre o qual os textos são silenciosos. Representar cavalheiros usando cartolas no laboratório desafia a concepção de uma atitude de “mãona-massa” em relação à pesquisa. No mesmo sentido, a Tapeçaria Bayeux tem sido descrita como “uma esplêndida fonte para compreensão da cultura material do século 11”. A cama com dossel mostrada na cena da morte do rei Eduardo, o Confessor oferece um testemunho que não pode ser igualado por nenhum outro documento da épo ca.1’ Mesmo no caso do século 19 melhor docum entado, imagens captu ram aspectos da cultura material que seriam muito difíceis de serem reconsti tuídos de outra forma. Os montes de palha e as camas de relva onde dormiam alguns dos h abitan tes de cabana s irlandesa s, nessa época há muito já desa-15
15 WILSON, David M. Th e Bayeux Tapestry. London: Thames & Hudson, 1985. p. 218.
112
Cultura material através de imagem
42. Vittore Carpaccio, Santo Agostinho em seu escritório , 1502-1508, óleo e têmpera sobre tela. Scuola di S. Giorgio degli Schiavoni, Veneza.
parecidos, mas ainda podem ser visualizados graças às aquarelas pintadas por artistas da época, principalmente visitantes estrangeiros que ficavam impres sionados - negativamente na maior parte - pelas condições que artistas locais provavelmente consideravam normais."’ Pinturas renascentistas, esboços e gravações em madeira de estudiosos em seus escritórios, especialmente os santos estudiosos, Jerônimo e Agostinho, têm sido utilizados como evidência para o equipamento dos escritórios dos humanistas, suas mesas de trabalho, prateleiras de livros e es tantes. No caso da obra Santo Agostinho em seu escritório, de Carpaccio (fig. 42), por exemplo, a chamada “cadeira giratória” tem atraído especial atenção, embora mereçam ser observados a presença de estatuetas, uma concha, um astrolábio e um sino (para chamar os criados), bem como livros e material para escrita. Outras representações italianas de escritórios, do São Jerônimo de Antonello da Messina ao esboço de um jovem cardeal feito por Lorenzo Lot- 16
16 KINMONTH, Claudia. Irish Vernacular Furniture: Inventories and Illustrations in Interdisciplinary Methodology. Regional Furniture x, p. 1-26, 19%.
113
Capitulo 5
to, confirmam a precisão de alguns dos detalhes de Carpaccio, bem como acrescentam outros.1718 Também poderia ser elucidativo comparar o Agostinho de Carpaccio com imagens de escritórios em outras culturas ou períodos. Para uma com paração distanciada e contrastante, poderiamos nos voltar para os escritórios de estudiosos chineses, por exemplo, que são freqüentemente representados em pinturas e gravações em madeira numa forma padronizada que presumi velmente representa o ideal cultural. O escritório típico fica voltado para um jardim. A mobília incluía um sofá, prateleiras de livros, uma mesa na qual fi cavam os “quatro amigos” do estudioso (pincel para escrita, suporte para o pincel, recipiente de tinta e conta-gotas para a água) e talvez alguns bronzes antigos ou também exemplos de bela caligra fia. O escr itório era mais um sím bolo de status na China do que na Europa, uma vez que era das fileiras da cha mada “elite rural letrada” que os governantes do país eram recrutados. Para uma comparação mais próxima, poderiamos justapor a imagem de Carpaccio à igualmente famosa gravação em madeira de São Jerônimo em seu escritório (1514), de Albrecht Dürer (fig. 43), para saber se o que aparece é a di ferença entre pintores individuais ou um contraste mais geral entre escritórios na Itália e na Alemanha. Dürer mostra uma sala que pode nos parecer um pou co vazia, mas que era em alguns aspectos luxuosa para o período, com almofa das macias na cadeira e nos bancos, a despeito do bem conhecido ascetismo de lerônimo. Por outro lado, como apontou Panofsky, a mesa está vazia, e “sobre ela nada se encontra, a não ser um tinteiro e um crucifixo”, além da tábua in clinada na qual o santo está escrevendo." A presença de livros é pequena, e, no caso de um bem conhecido estudioso, essa ausência é certamente expressiva. Pode-se cogitar se um pintor, que viveu numa época em que a imprensa era uma invenção nova e excitante, não estaria destacando um aspecto histórico sobre a pobreza da cultura do manuscrito na época de Jerônimo. Por contras te, uma gravação em madeira de Erasmo e seu secretário Gilbert Cousin traba lhando juntos, mostra uma estante repleta de livros atrás do secretário.
17 GLEDION, Siegfried. M ech an izatio n Tftkcs C om m and: A Contribution to Anonymous History. New York; Oxford UP, 1948. p. 288; THORNTON, Peter. The Italian Renaissance Interior. London: Weidcnfeld and Nicolson, 1991; THO RNT ON, Dora. The Scholar in his Study. New Haven: Yale UP, 1998. 18 BRAY, Francesca. Technology and Gender. Fabrics of Power in Late Imperial China. Berkeley: University of California Press, 1997. p. 136-139; PANOFSKY, Erwin. Albrecht Dürer. Princeton, NJ: Princeton UP, 1948. p. 155; GIEDION, Siegfried. M ech anization Takes Com m an d: A Contribution to Anonymous History. New York: Oxford UP, 1948. p. 303.
114
Cultura material através iirimagens
43. Albrecht Dürer, São Jerônimo em seu escritório, 1514, gravura.
P u bl
ic id a d e
As imagens usadas em publicidade podem auxiliar historiadores do futuro a reconstituir elementos perdidos de cultura material do século 20, de automóveis a vidros de perfume, mas no presente, seja como for, elas são mais úteis como Tontes para o estudo de atitudes passadas em relação a mercadorias. O Japão foi de modo bem pertinente um dos pioneiros nesse aspecto; prova está nas referências a produtos de marca, como o saquê, em certos impressos de Utamaro (1753-1806). Na Europa, o final do século 18 testemunhou o aparecimento da publicidade através de imagens tais como o novo tipo espreguiçadeira (chaise longue) ilustrado num periód ico ale mão especialmente dedicado a inovações no mundo do consumo, o Journ al des Luxus und des Moden (fig. 44). Um segundo estágio na história da publicidade foi atingido no final do século 19 com o surgimento do pôster, uma litografia colorida em tamanho
115
Capitulo 5
44. G.M. Kraus (?), gravura de uma espreguiçadeira (chaise-longue) com uma mesa de lei tura acoplada, publicada no Jou rnal des Luxus und des M oden (1799).
grande, exposta nas ruas. Jules Chéret (1836-1932) e Alphonse Mucha (18601939), ambos trabalhando em Paris durante a belle époque, produziram uma série de pôsteres fazendo propaganda de peças, salões de dança, bicicletas, sa bão, perfume, creme dental, cerveja, cigarros, máquinas de costura Singer, champ anhe Moét et C handon, querosene “Saxoleine” para lampeões, etc. Lin das mulheres eram mostradas junto a todos esses produtos como forma de persuadir os espectadores ao ato de comprar. Entretanto, foi no século 20 que os publicitários voltaram-se para a psi cologia “profunda” a fim de apelar ao inconsciente dos consumidores, fazen do uso das chamadas técnicas “subliminares” de persuasão por associação. Na década de 1950, por exemplo, flashes de duração de segundos de publicidade de sorvete eram mostrados durante a apresentação de filmes nos Estados Uni dos. A platéia não se dava conta de que havia visto essas imagens, mas, apesar disso, o consumo de sorvete aumentava. Pode ser interessante empregar o termo “subliminar” num sentido mais amplo para referir à maneira pela qual a imagem mental de um determi nado produto é construída associando vários objetos c om sua imagem visua l. Este é um processo de manipulação consciente por parte das agências de pu blicidade, seus fotógrafos e seus “analistas motivacionais”, no entanto é larga-
116
Cultura material através de imagens
45. Publicidade de um sabonete italiano da déc ada de 1950.
Anche chi riescr * conqimUrt nn tesoro d'trtc |MÒ essere conquistito dal fascino Cama;
Quel fascino Camay che fa girar Iatesta
mente inconsciente para os espectadores. Dessa maneira, o carro esporte, por exemplo, há tempos tem sido associado com poder, agressividade e virilidade, qualidades simbolizadas por nom es co mo “Jaguar”. Propagandas de cigarro costumavam mostrar imagens de cowboys a fim de explorar uma gama semelhante de associações masculinas. Essas imagens testemunham os valores que são projetados em objetos inanimados na nossa cultura de consumo, o equivalente, talvez, aos valores projetados em paisagens nos séculos 18 e 19 (Capítulo 2). Considerem os o caso da publicidade de perfume das d écadas de 1950 e 1970 respectivamente, décadas que estão ago ra suficientemente longe para serem vistas com certo grau de distanciamento. A propaganda do Camay (fig. 45) representa o interior de uma elegante sala de leilão (o nome “Sotheby’s” está visível no catálogo) na qual um homem de boa aparência e bem vestido tem atenção desviada dos trabalhos de arte que ele está admirando pela visão,
117
Capítulo
5
- ou será o per fume? - da moça que usa o produ to (Capítulo 10).19A garota Camay é bonit a, porém an ônima. Ao contrá rio, algu mas publicidades do per fum e Chanel n° 5 justapunham o perfume à atriz Catherine Deneuve. Seu en canto faz quase que des aparecer o produto, encorajan do espectad oras do sexo femi nino a identificar-se com ela e seguir o seu exe mplo. Ou talv ez, num a ela boração mais ambiciosa, “O que o rosto de Catherine Deneuve significa para nós no mundo de revistas e filmes, o perfume Chanel n° 5 tenta significar no mundo dos bens de consumo”. Como no caso de certas publicidades analisa das por Róland Barthes, a interpretação da imagem de Camay por Umberto Eco e da imagem de Chanel por Judith Williamson segue as linhas de um en foque estruturalista ou semiótico (a ser discutido mais detalhadamente a se guir, no Capítulo 10), em vez de um enfoque iconográfico, concentrando-se na relação entre diferen tes elementos na imagem e con siderando-a em term os de opo siçõe s binárias.20
P roblemas
e soluções
Os exemplos discutidos nas duas seções anteriores levantam proble mas com os quais o leitor já estará familiarizado, como o problema da fór mula visual. As representações de mo bília na Tapeçaria Bayeux, por exemplo, têm sido descritas com o “formulaicas” . Mais uma .vez, há o problem a das in tenções do artista, seja para representar o m undo visíve l de form a fiel ou para idealizá-ló ou até mesmo fazer uma alegoria. Um terceiro problema é o da image m'que se refere a ou “cita” out ra im agem ,'o equivalente visual da intertextualidade. O casamento barato, de David Wilkie (1818), que é repleto de detalhes de cultura material, está sem dúvida baseado nas observaçõe s da sua cidade natal Fife, porém também se percebem empréstimos ou alusões a pin turas ou materiais impressos holandeses do século 17. Assim, até que ponto e de que maneiras as pinturas podem ser uSadas por historiadores sociais da Escócia do século 19? Ainda um outro problema refere-se à possível distor ção. Como observado anteriormente, artistas podem arrumar as salas e lim-
19 ECO, Umberto. La struttura assente: Introduzione alia ricerca semiologica. Milano: Bompiani, 1968. p. 174-177. 20 WILLIAMSON, Judith. Decoding Advertisements: Ideology and Meaning in Advertising. London: Marion Boyars, 1978. p. 25; cf . GOFFMA N, Erving. G enderA dvert isements. London: Macmillan, 1976.
118
Cultura material através de imagem
par as ruas nas suas pinturas. Outras imagens divergem ainda mais do coti diano. Usando a evidência de publicidades, de pôsteres a comerciais de TV, historiadores do ano 2500 podem ser tentados a assumir que o padrão de vida de pessoas comuns na Inglaterra no ano 2000 era consideravelmente mais elevado do que ocorria de fato. Para usar a evidência com segurança, eles precis ariam se familiarizar co m a convenção da televisão vigente na épo ca, de representar as pessoas em casas melhores e rodeadas de itens mais ca ros do que aquele s que na prática elas poderíam possuir . Em outras ocasiões, a desórdem e a miséria dos quartos podem ser exa geradas pelos artistas, seja conscientemente, como Jan Steen, a fim de salientar uma determinada retórica ou aspecto mo ral, ou inconsciente mente, porque eles estão representando uma cultur a cujas regras não con hecem por dentro. Interio res de cabanas na Suécia no século 19, com o na Irlanda, eram geralmente esbo çados por pessoas de fora, qu e poderíam ser estrangeiras ou de qualquer man ei ra oriundas da classe média. Um desenho representand o um sítio sueco no iníl cio do dia, 5 horas da manhã (fig. 46 ), ilustra notavelmente afa lta de privacida de dos fazendeiros, com cubículos nas paredes em vez de quartos de dormir. Mais especificamente, o que se prostra é a falta de privacidade como era perce bida pelos ç>lhos da classe média, incluindo os do artista Fritz von Dardel.21 Temos então ò problema do capriccio, disc utido anteriormente. Pin to res de vistas algumas vezes gostavam de criar fantasias arquitetônicas, como o fez pinturas da atenção vida de Santa Ürsula.cadeira No casocom do seu Carpaccio Agóstihhoem emsuas seu famosas escritório, chamou a “estranha apoio para leitura e a não menos curiosa mesa de escrever”, das quais nada de análogo sob reviveu.22 Teria sido esse um caso de mob ília criada na imaginação, ou podemos acreditar que esses objetos um dia existiram? Um exemplo.mais complexo dos problemas envolvidos na leitura de imagens de interiores advém das séries de interiores de igrejas pintados por um artista holandês d o século 17, Pieter Sae nredam (15 97- 16 65 ). Poder-se- ia ter pensado que não havería problemas na representação dessas igrejas, po rém um exame cuidadoso suscita algumas questões difíceis. Na época, essas igrejas est avam soid o usadas para o culto calvinista. Entretanto, algumas ima gens católicas são visí veis nas pinturas e até m esmo, ocasion almente, pessoas 21 FRYKMAN, Jonas; LÕFGREN , Orvar. Culture Builders: A Historical Anthropology of Middle-Class Life (197 9). New Brunswick : Rutgers UP, 1987. p. 127 -12 9. (Tradução ingles a). 22 THOR NTO N, inferior, fig. 317.
119
'
Capitulo 5
46. Fritz von Dardel, O despertar da manhã cm Orsa>
1893, aquarela, Museu Nordiska,
Estocolmo.
engajadas no que parece ser um ritual católico, tal qual o batismo representa do como tendo lugar na ala sul da igreja de São Bavo em Haarlem (fig. 47). Um exame dos pequenos detalhes mostra que o celebrante não é um pastor protestante, mas um padre católico vestido numa sobrepeliz e estola. Sabe-se que Saenredam era amigo dos católicos em Haarlem (havia muitos católicos na República Holandesa no século 17). Nas pinturas o artista “restaurou” as igrejas no seu antigo aspecto católico. As imagens de Saenredam oferecem me lhor evidência da persistência do catolicismo holandês do que a aparência contemporânea das igrejas holandesas. Elas não são simples observações, mas “estão carregadas de sugestões históricas e religiosas”.23 Num ângulo positiv o, imagens freqüen temente revelam detalh es da cu l tura material que as pessoas na época teriam considerado como dados e deixa do de mencionar em textos. Os cães em igrejas ou bibliotecas holandesas ou
23 SCHWARTZ, Gary; BOK, Marten J. Pieter Saenredam, the Painter and his Time London; G. Schwartz/SDU, 1990. esp. p. 74 -76. ( Tradução inglesa).
120
(1989).
Culturu material através de imagens
47. Pieter )ansz Saenredam, Interior da Igreja de
S<5oBavo em
Haarlem, 1648, óleo sobre painel. Galeria
Nacional
da
Escócia,
Edimburgo.
nas gráficas Loggan das faculdades de Oxford e Cambridge dificilmente teriam sido representados se não fossem comumente encontrados nesses locais, e, as sim, foram usados para apoiar a tese sobre a onipresença de animais na vida cotidiana da época .’4 O testem unho de imagens é ainda mais valioso porque elas revelam não apenas artefatos do passado (que em alguns casos foram pre servados e podem ser diretamente examinados) mas também sua organização; os livros nas prateleiras de bibliotecas e livrarias (fig. 48), por exemplo, ou os objetos exóticos arrumados em museus, ou “cabinetes de curiosidades” como eram descritos no século 17 (fig. 49), os animais empalhados e peixes pendu rados no teto, o s vasos antigos no chão, uma estatueta n um plinto, objetos me nores organizados nas prateleiras e outros ainda menores em gavetas.2 425
24 THOM AS, Keith. M an an d th e N atu ral W orld. London: Allen Lane, 1983. 25 POMIAN, Krzysztof. Collectors and Curiosities (1987). Cambridge, UK: Polity Press, 1990. p. 49-53. (Tradução inglesa): FINDLEN, Paula. Possessing Nature: Museums, Collecting and Scientific Culture in Early Modern Italy. Berkeley: University o f California Press, 1994.
1 21
Capítulo 5
48. Vista interior da Nova e espaçosa livraria de John P. Jewett 8c Co., Rua Washington, n“ 117, Boston, gravuras deGleason’s Pictorial, 2 de dezembro 1854.
Imagens também revelam como os objetos eram usados, a exemplo da besta em A batalha de San Romano, mencionada anteriormente, ou a s lanças re presentadas na Tapeçaria Bayeux (fig. 78). Neste último caso, às bordadeiras pode ter faltado a necessária perícia militar, porém, elas presumivelmente rece beram de homens a informação sobre como se seguravam essas armas. Um exemplo análogo quase mil anos mais tarde advém de filmes da Primeira Guer ra Mundial, que atraem a atenção do espectador para as limitações técnicas dos primeiros tanques mostrando-os em movimento." Para um estudo de caso sobre o emprego de imagens como testemunho para os usos de outros objetos, podemos considerar a história do livro ou, com o é agora conhecida, a história d a leitura. Imagens romanas antig as nos re velam como segurar um rolo de papel enquanto o lemos, uma arte que foi per dida após a invenção dos volumes manuscritos. Gravuras francesas do século 17 mostram homens lendo em voz alta em frente à lareira ou para um grupo 26
26 ROADS, Christoph er H. Film as Historical Evide nce. Journ al o f the So ciety o f Archivists III, p. 183-191, 187, 1965-1969.
122
Cultura materia l através dc imagem
49. Giovanni Battista Bertoni, Gravação em madeira do Museu de Francesco Calzori, de Benedetto Cerutti e Andrea Chiocco. Musaeum Fr an ce sa Calceolari Iunioris Veronensis (Verona, 1622)..
de homens e mulheres reunidos para o serão (veilléc), transformando o traba lho no turn o numa atividade social. Imagens do s séculos 18 e 19 preferem mo s trar a leitura no círculo familiar e o leitor é ocasionalmente uma mulher. Um historiador alemão de literatura, Er ich Schõ n, fez um uso conside rável de pinturas e impressos e até mesmo de silhuetas para apoiar e também ilustrar seu argumento sobre mudanças nos hábitos de leitura na Alemanha por volta de 1800. Sua tese sobre uma "revolu ção da leitura” no per íodo, o sur gim ento de uma form a de leitura m ais “sent ime ntal” ou “empá tica”, fiindamenta-se no aparecimento de imagens de pessods lendo ao ar livre ou em po ses mais informais, reclinadas numa espreguiçadeira (chaise longue), deitadas no chão ou, como no esboço de Goethe feito por Tischbein, equilibrando-se numa cadeira com um livro no colo e as pernas afastadas do chão (fig. 50).
123
Capitulo 5
50. J. H. W. Tischbein, Esboço de J. W. von Goethe lendo próximo à janela da sua residên cia em Roma, na sua primeira viagem à Itália, c. 1787. Goethe-Nationalmuseum, Weimar.
Outra imagem famosa é a da pintura de Sir Brooke Boothby, feita por Joseph Wright. Sir Boothby está deitado numa floresta com um livro intitu lado Rousseau, a antecessora de tantas outras imagens posteriores de leitores estiradòs no chão (fig. 51). Boo thb y27 está excessivamente bem ves tido para o ambiente rural, o que sugere que a imagem (ao contrário de muitas das que se seguiram deve ser lida de forma mais simbólica do que literal. Ela é a 27 SCHÕN, Erich. D ie Verlust tier Sinn lichke it oile r di e V crwatuilutigcn des Lesers. Stuttgart: KlettCotta, 1987. esp. p. 63- 72.
124
Cultura m aterial através de imagens
51. Joseph Wright (‘de Derby’), Sir Brooke Boothby lendo Rousseau, 1781, óleo sobre tela, Tate Britain, Londres.
translação em termos visuais do ideal de Rousseau de integrar-se à nature za. Observar parágrafo no que se refere à história da cultura material, o tes temunho de imagens parece ser mais confiável nos pequenos detalhes. Ele é particularmente valioso como evidência da arrumaç ão dos ob jetos e de seus usos sociais, não tanto a lança, ou garfo, ou livro em si, mas a maneira como empunhá-los. Em'outras palavras, imagens nos permitem reinserir velhos artefatos no contexto social srcinal. Esse trabalho de reinserção também exige que os historiadores estudem as pessoas representadas nessas imagens, o tema central do capítulo a seguir.
125
Capítulo 6
V i sõ
e s d e s o c i e da d e
( . . . ) assegurar ( . . . ) que nossas características sociais e políticas exibidas diária e anualmente não serão perdidas no lapso do tempo por falta de um registro de arte que lhes faça inteira justiça. G eorge
B ingham
e m seus o biet ivo s c o MO pintor
A ambição do fotógrafo alemão August Sander, cuja coleção “Espelho dos alemães” (Deutschenspiegel) fo i publicada em 1929, era retratar a socieda de através de fotografias de indivíduos típicos. Da mesma forma, o fotógrafo ame ricano Roy Stryker apres entou o que ele denomino u de fotogr afias “docu mentárias” a historiadores como uma nova forma de “capturar itens impor tantes porém fugazes na cena social”. Stryker convidou os historiadores a exa minarem “quase toda a história social contando os adjetivos e as passagens descritivas”, descrevendo essas técnicas literárias como “uma tentativa de evo car imagens gráficas que as fotografias podem oferecer diretamente e de for ma muito mais precisa”. Por semelhantes razões, George Caleb Bingham, o pintor americano de cenas do cotidiano do século 19, foi descrito como um “historiador social” do seu tempo.1 A comparação pode/obviamente ser ampliada. Muitos pintores po deríam ser descritos como historiadores sociais pelo fato de que suas imagens
1 STRYKER, Roy E.; JOHNSTONE, Pau l H. Documentary P hotographs. In: WAR E, Caroline (Ed.). T he Cu ltural A pproach to History. New York: Columbia UP, 1940. p. 324-330, esp. p. 327; DEMOS, John. George Caleb Bingham: The Artist as Social Historian. Am erican Q ua rterly XVII, p. 218-228, 1965.'
127
Capítulo 6
registram formas de comportamento social, cotidianas ou de eventos festivos: li m ia r a casa; sentar para Uma refeição; particip ar de procissões religiosas ; vi sitar mercados e feiras; caçar; patinar; descansar à beira mar; ir ao teatro, ao hipódrom o, ao ço ncerto ou à ópera; participar de e leiçõe s, comparecer a bai les e jogos de críquete. Historiadores da dança, do esporte, do teatro e outros especialistas, todos estudaram a evidência dessas imagen s com cuidado e aten ção para cada detalhe. Sem elas, a reconstituição da prática do futebol na Florença renascentista, por exemplo, seria literalmente impossível.2 Os artistas holandeses do século 17 eram mestres desse gênero. Séculos mais tarde, o fotógrafo William Henry Fox Tálbot (1800-1877) referiu-se ao trabalho deles como um precedente: “Nós temos autoridade suficiente na es cola holandesa de arte para tomar como temas .de representação cenas do co tidiano e fatos familiares”.3De modo sèmelhante, Thomas Hardy considerou seu romance Under the Greenwood Tree (1872) uma tentativa de retratar os costum es de um a geração anterior, “ uma pintura rural da escola holandesa” . Desconhecemos a razão pela qual alguns artistas holandeses escolhe ram esses temas e decidiram pintá-los dessa forma, porém George Bingham afirmava tér pr oduzido do cum entos h istóri cos, um “registro de arte”, com o ele costumava dizer, da vida social e política dos seus dias que ele Ana em termos pictoriais “ exibidos” diária e anualmente. A pintura, de acordo c om Bingham , tinha o poder de “perpetu ar um registro de acontecimentos com uma clareza que é sobrepujada apenas pela que advém da observação direta”.4 Os próprios trabalhos de Bingham retrataram a vida da sua região, Missouri, os co mercia ntes de pele, os co ndu tore s de chatas e a Arida das peq ue nas cidades especialmente por ocasião dos festejos que ocorriam durante as eleições polít icas. Com o n o caso de David Wilkie (Capítulo 5 ), as pinturas de Bingham eram bas eadas em observações de pri meira m ão, mas não apenas em observações. Suas cenas de eleição, por exemplo, são reminiscências de ima gens de Hog arth, as q uais Bingham provavelmente conh eceu atravé s de mate riais impressos. Ele deveria ser visto como alguém que adaptou uma tradição pictór ica a u ma situaç ão local, em vez de simplesmen te registr ar ou refletir a
2 BREDEKAMP, Horst. Florentiner Fussball: Renaissance der Spfele. Frankfurt: Campus, 1993. 3 TALBOT, W. H. Fox. The P encil o f Nature . London: Longman, Brown, Green, & Longmans, 1844. 4 Apud DEMOS, John. Ge orge Caleb Bingham: Th e Artist as Social Hist orian. A m erican Qu arterly XVII, p. 218,1965 .
128
Visões de sociedad e
vida do seu ambiente e da sua época. Também August Sander tinha visões so bre a sociedade alemã de sua época, e sua coleção de fotografias foi descrita como capaz de oferecer não apenas um arquivo, mas “uma resolução imagi nária” da crise social
C r ia n ç a s
Fotografias de crianças têm ocasionalmente sido analisadas por histo riadores sociai s, ummdos quais observou, exemplo, quepareciam crianças de Washington estava relativaiqente bem por vestidas, porém te rua r pou em cos brinquedos.6 Entretanto, o uso de imagens de crianças p or historiadores tem objetivado acima de tudo documentar a história da infância, em outras pala vras, as mud ailças n a visão q ue os adultos tê m das crianças1. Philippe Ariès, cujo trabalho já foi mencionado na Introdução, foi um pioneiro da história da infância, bem como no uso de imagens como evidên cia.7Esse fato não é acidental. Como as crianças não aparecem com muita freqüéncia nos documentos preservados em arquivos, para escrever sua história, foi necessá rio encontrar novas fonte s - diários, cartas, roman ces,pintura s e ou tras imagens. Ariès estava especialmente impressionado por uma lacuna, pela escassez de representações de crianças nos primórdios da arte medieval, bem como pelo fato de que as imagens medievais de crianças mostram-nas como adultos em miniatura. A partir dos séculos 16 ou 17, entretant o, na França e em outros lugares, o surgimento de retratos e túmulos para crianças torna-se per ceptível, junto com a crescente atenção dada aos sinais do que poderiamos cha mar de “infantilidade”, e a crescente separação entre os mundos sociais da criança e do adulto. De acordo com Ariès, todas essas mudanças constituíamse em preciosos sinais para os historiadores, consistentes com a evidência lite5 JOHNS, Elizabeth. Am erican G enre Painting. New Haven: Yale UP, 1991. p. 92; JONES, Andy. Reading August Sander’s Archive.Ox ford A rt Journ al XX III, 1-22,2000. 6 BORCHERT, James. A lley L ife in W ashington: Family, Community, Religion and Folklife in an American City. Urbana: University of Illinois Press, 1980. p. 293-2 94. 7 ARIÈS, Philippe. Cent uries o f Chil dhood ( 1960). London: [s.n.], 1965. (TVadução inglesa).
129
Capitulo 6
52. William Hogarth, As crianças Grah am, 1742, óleo sobre tela. National Gallery, Londres.
rária e sugestivos de que os adultos estavam desenvolvendo uma percepção mais aguda da infância como uma forma de vida diferente da deles. A primeira edição do livro que e le publicou em 1960, conhecido na In glaterra com o Séculos de infância, apresentava 26 pinturas, incluindo rei feitos por Hans Holbein e Philippe de Champaigne e pinturas de géne: Jan Steen e dos irmãos Le Nain, embora muitas outras imagens fossem discu tidas no texto, as quais os editores não se sentiram em condições de incluir na obra. Entre os argumentos que Ariès usou com referência a essas fontes visuais está o da falta de segregação por idade no antigo regime, ilustrado por uma cena de uma taverna no século 17 na qual crianças e adultos se misturam. Muitos quadros dos séculos 17 e 18, incluindo alguns não menciona dos por Ariès, parecem confirmar seus argumentos. Como observado por Si-
Visões Jc sociedad e
mon Schama, a imagem de A criança doente, do pintor holandês Gabriel Metsu (1629-1669), obra que se encontra hoje no Rijksmuseum em Amsterdã, mostra uma preocupação por crianças que se espera certamente que o espec tador compartilhe. No mínimo, é improvável que o quadro tenha sido pinta do para celebrar a história de uma família. O retrato de William Hogarth d’As crianças Graham (fig. 52 ), pintado em 1742, tem s ido descr ito com o “um dos relatos precisos da infância no século 18”, oferecendo informações sobre as brincadeiras infantis e mo strando também as diferenças de personal idade das quatro jovens irmãs, a menina mais velha, por exemplo, retratada com “uma espécie de autoconsciéncia maternal marcada por uma expressão solene”.' Contudo, Séculos de infância tem sido freqüentemente criticado duran te os quarenta e tantos anos desde sua publicação. Por exemplo, o argumento de que as crianças costumavam ser vistas como adultos em miniatura, apoiado pelo testemunho de imagens de crianças vestindo versões em miniatura de roupas de adultos ( um argum ento que havia aparecido antes de Ar iès, mas que é central em seu trabalho), revela indiferença em relação ao contexto, mais pre cisamente uma falha no sentido de levar em conta o fato de que nem crianças nem adultos vestiam suas roupas do cotidiano quando posavam para retratos. Duas críticas de caráter geral sobre o trabalho de Ariès são particular mente importantes. Em primeiro lugar, ele é acusado de negligenciar a histó ria das mudanças nas convenções de representação, um aspecto a ser discuti do mais amplamente a seguir (Capitulo 8). Esse aspecto talvez seja mais óbvio no ca so dos começ os dos anos da Idade Média. A riès ficou imp ressio nado pela ausência de crianças nos começos da arte medieval e explicou essa ausência em termos de uma geral falta de interesse por crianças, ou mais precisamente pela infância. Uma investigação posterior e mais detalhada do assunto, por outro lado, argumentou que as primeiras imagens medievais na verdade mos traram “um real interesse pela infância como tal”, sua inocência e-vulnerabilidade, embora esse interesse possa ter sido ocultado dos espectadores não habituados à “maneira linear da primeira arte medieval, conceitualista e de cert o m odo a bstrata”. Em outras palavras, Ariès não conseguiu efet uar a leitu ra das convenções visuais do início da época medieval, uma linguagem artís tica que está extremamente distanciada da nossa, nem avaliar que temas eram consid erados apropriados para represen tação visual naquela época, assuntos 8
8 B1NDMAN, David. Hogifrth. London: Thames and Hudson, 1981. p. 143-144.
1 31
Capitulo 6
religiosos* na sua maioria, nos quais crianças, com exceção de Cristo menino, não se encaixavam facilmente. Na Renascença, por outro lado, houve uma ampliação geral em relação ao que se considerava que valesse a pena ser pin tado, incluindo crianças (que de qualquer forma haviam sido representadas num a maneira “ moderna” na anti ga arte greg a e rom ana), mas de forma algu m a limitando-se a elas. Ariès tamb ém te m sido criticad o p or subestimar a s. funções o u os usos das imagens. Crianças eram geralmente representadas de duas maneiras. Em primeiro lugar como parte de grupos familiares: mesmo retratos de crianças po r elas me smas, como As crianças Grahanf, seriam provavelmente pendura dos jun to com outros refratos da família. Ne sse caso, as imagens testemunha riam mais a história de um sentido de família mais do que de um sentido de infânc ia. Em segundo lugar, nos séculos 17 e 18, crianças eram cada vez mais consideradas símbolos de inocência , è certas pinturas de crianças eram alegó ricas, ou quase alègór icas.’ A despeito das críticas, o exemplo dado por Ariès estimulou um con ju nto de pesquisas sobre imagens de crianças, por historiadores sociais e tam bém por pesquisadores em galerias e museus, como no Museu da Infância ; Bethn al Green e m Londres.15A evidência de retratos e imagens não foi to tal mente desconsiderada, mas reinterpretada. No longo capítulo sobre crianças em séu Embarrassment o f riches (Desconforto das riquezas), Simon Schama, por exemplo, apoiou-se na rica evidência visual remanescente da república holandesa do século 17 sem assumir que as imagens eram realistas. Ao contrá rio, como de Jongh no caSo dos interiores holandeses discutidos no capítulo anterior, ele descreveu as imagens como “carregadas de todos os tipos de préconcepções morais e preconceitos”." 910
9 GARN IER, François. L’iconographie de l’enfant au Moyen Age. Annales de D ém ographie Historique, p. 135 -13 6,19 73, apóia o pont o de vista de Ariès; FORSYTH, Ilene H. Children in Early Medieval A rt Ninth through Twelfth Centuries. Journ al o f Psychohistory IV , p . 31-70, 1976, os critica, cf. BURTON, Anthony. Looking Forward from Ariès? Continui ty and Change IV , p. 203-22 9,1989. 10 DURA NTINI, Mary Frances. The Child in Seventeenth-Century Dutch Painting. Ann Arbor: UMI Research Press, 1983; SCHAMA, Simon . The Em barrassment c f Riches: An Interpretation of Dutch Culture in the Golden Age. London: Harper Collins, 1987. p. 481-561; BURTON, Anthony. Looking Forward from Ariès? Continuit y and Change W , p. 203-229,1989 . , 11 SCHAMA, Simon. The Em barrassment o f Ric hes: An Interpretation of Dutch Culture in the Golden Age. London: Harper Collins, 1987. p. 483.
132
Visões de so ciedade
Um estudo de crianças no retratismo da família americana entre 1670 e 1810 adotou em enfoq ue serial (mais sistemático do que o d e Ariès), exami nando 334 retratos representando 476 crianças e observando o aumento nas representações de brinquedos e outros sinais de infância. O autor concluiu que a infância estava começando a ser mais claramente distinguida cfô idade adulta, bem com o mostrada de uma forma mais positi va.12Em o utras pala vras, a memorável imagem de Hogarth As crianças Graham é parte de uma tendência mais ampla. A tendência positiv a prosseguiu ainda ao longo do sé culo 19, tanto que um bem conhe cido historiador das idéias dedicou um livro ao que denominou “culto da infância” nessa época. O culto pode ser ilustrado através de imagens tais como Bolhas (1886), de Sir John Millais (1829-1896), uma imagem que se tornou ainda mais popular depois de ter sido adaptada com o um pôste r para publicidade do sabon ete Pears.13
M ulheres
n a vida
'
c ot i di a n a i
É um lugar-comum da história da s mulheres que - como a história da infância — freqüentemente teve de ser escrita a contrap elo das fonte s, especial mente das fontes de arquivo, criadas pelos homens e expressando os interes ses masculinos. Como no caso de historiadores do Egito antigo ou dos primórdios da Idade Média, o silêncio dos documentos oficiais estimulou histo riadores de mulheres a voltarem -se para imagens que representam ativid ades às quais as mulheres se deçlicaràm em diferentes lugares e épocas. Alguns exemplos da China , Japão e índ ia podem servir para ilustrar esse ponto. Cenas de rua, por exemplo, mostram que tipos de pessoas se espera en contrar em públicQ.num determinad o período e cultura. Ass im, um rolo de pa pel pintado representando um a rua na cidade de Kaifeng na China p or volta do ano 1100 mostra uma população de nua predominantemente masculina, em bora uma mulher de posses sentada numa liteira possa ser vista passando no primeiro plano (fig. 53). Um historiador da Chimf da época Song conclui que 12 CALVERT, Karin. Children in American Family Portraiture, 1 670 to 1810. W illiam and M ary Q uarterl y XXXIX, p. 87-113,1982. 13 BOAS, George. The C ult o f Chil dhood. London: Warburg Institute, 1966; H1GONNET, Anne. Pictures o f Innocence: The History and crisis of Ideal Childhood. London: Thames and Hudson, 1998.
133
Capitulo
6
de primav era no rio, rolo 53. Zhang Zeduan, detalhe de uma cena de rua em Kaifeng, Festival de
de papel feito à mão, inicio do século 12, tinta e cor sobre seda. Museu do Palácio, Pequim.
“homens podiam ser vistos em todos os lugares nas zonas comerciais da capi tal; mulheres eram uma raramente vistas”. Em contraste, um impresso japonês da década de 1780 representando uma rua em Edo (atual Tókio) à noite mos tra mulheres numa muhidão de “atores, espectadores, passantes e comercian tes”. O material impresso, de Utagawa Toyoharu, deve certamente ser contextualizado. Os pôsteres em exibição identificam a rua como parte da zona tea tral, e as mulheres, incluindo uma que se encontra no primeiro plano com um sofisticado corte de cabelo, provavelmente eram cortesãs .11 Para conhecer o lugar de diferentes tipos de mulheres na vida da cida de no Ocidente, poder-se-ia atentar para as 132 cenas de Viena gravadas pelo artista alemão Salomon Kleiner entre 1724 e 1737. Elas mostram muitas mu lheres na rua, a ma ioria delas a pé, algumas bem vestidas e representadas cu m primentando umas as outras. Como observou um historiador urbano, “Se nhoras com leques encontram-se em elegante conversação”, enquanto “tran- 14
14 EBREY, Patricia. The Inner Qu art ers : Marriage and the Lives of Chinese Women in the Sung Period. Berkeley: Universityof California Press, 1993. p 21-22; LANE, Richard.M as ter s o f th e lapan ese Pri nt. London; Thames and Hudson. 1962. p. 237-240.
Visões dc sociedade
seuntes observam com interesse duas feirantes arrancarem os cabelos uma da outra”'5Qualquer que tenha sido o caso na Europa mediterrânea da época, a particip ação das mulheres de Viena ou Amsterdã ou Londres na vida de rua (como ilustrado nos impressos de Hogarth, por exemplo) representa um con traste com a China tradicional e até mesmo com o Japão. Imagens oferecem evidência particularmente valiosa dos tipos de traba lho que se esperava que as mulheres realiza ssem, muitos deles na ec onomia in formal que escapa ffeqüenteme nte à docum entação oficial. Um rolo de perga minho chinês do século 10° mostra ho mens num banquete ouvindo uma mu lher (provavelmente uma cortesã) tocando um instrumento de cordas. Um pergaminho chinês do século 13 mostra mulheres bobinando seda. Uma im pressão japone sa do século 18 mostra uma m ulher em pé do lado de fora de um restaurante, tentando atrair um transeunte para seu estabelecimento. Uma outra (fig. 54) mostra uma mulher mascateando livros, mascateando um paco te de volumes amarrados a suas costas, e um maço de materiais impressos numa das mãos. Pinturas da índia Mughal mostram mulheres trabalhando em canteiros de obras, quebrando pedras, peneirando areia (fig. 55) ou subindo ao 15
54. Torii Kiyomasu,
M u lh er v en d ed ora d e liv ro s, c. 1717, impressão em toras de madeira,
colorida á mão.
15 OLSEN, Donald f. The City as a Work o f Art. New Haven: Yale UP, 1986. p. 246-247.
135
Capitulo 6
55. Pinturas em miniatura de A kbam am a , mostrando a construção de Fathpur Sikri. sécu lo 16. Victoria & Albert Museum, Londres.
1 56
Visões de sociedad e
56. Relevo em mármore mostrando uma mulher vendendo legumes, final do século 2o e início do século 3o d.C. Museu Ostiense, Roma.
telhado com cargas pesadas na cabeça. Antigas fotografias do Oriente Médio apresentam mulheres capinando nos campos e debulhando trigo, ao passo que em cenas urbanas, por contraste, elas estão ausentes das ruas e cafés.16 Em relação à Europa, historiadores sociais poderíam se basear em tes temunhos semelhantes se assim o desejarem, tomando as precauções usuais. Como um lembrete da necessidade de precaução poderiamos tomar uma imagem inglesa do século 14 de trés mulheres trabalhando na colheita, o que está em conflito com uma impressão formada com base em outros tipos de evidência de que as mulheres normalmente não se engajavam nessa atividade na época. A presença de mulheres na iluminura foi explicada por Michael Ca mille com o argumen to de que, por se tratar da ilustraçã o de um texto d’Os Salmos, a colhe ita em q uestã o seria es piritua l.17 Existem inúmeras cenas de rua e cenas de gênero que recompensariam um estudo cuidadoso, por olhos atentos, de representações de espaços e pa-
16 QAISAR, Ahsan Jan. Building Construction in Mughal India: The Evidence from Painting. Delhi: Oxford UP, 1988; GRAHAM-BROWN, Sarah. Pa lestinians and the ir Society. 18 80-1946: A Photographic Essay. London: Quartet Books, 1980. p. 49,52, 132. 17 CAMILLE, Michael. M irror in Parchm ent. The Luttrell Psalter and the Making of Medieval England. London: Reaktion Books, 1998. p. 196.
137
Capitulo 6
57. Emmanuel de Witte, Mu lher veruiendo aves no me rcado de Amsterdã, óleo em painel. Museu Nacional, Estocolmo.
péis femininos. A tradição remonta há muito tempo: um relevo em mármore de Roma antiga procedente de Ostia, há mais ou menos mil e oitocentos anos, representa uma mulher vendendo legumes numa barraca (fig. 56). Pinturas holandesas do século 17 têm muito a nos dizer sobre esse aspecto da vida co tidiana. Emmanuel de Witte especializou-se em cenas desse tipo, tais como uma barraca de venda de aves na qual os dois clientes em potencial e o vende dor são todas mulheres (fig. 57). Especialmente valiosas para um historiador social são as várias cenas de gravuras ou água-fortes que ofereciam inventários pictoriais das ocupações exercidas na cidade. Os Gritos de Lon dres , por exemplo, ou as sessenta água-fo r tes de Os comércios ambulantes de ru a da cida de de Veneza publicada por Gaeta no Zomp ini em 1785, sete das quais mostram mulheres trabalhadoras, venden do leite, água, frituras e roupas de segunda mão, lendo a sorte e oferecendo cria dos ou assentos no teatro ou na ópera. A crescente popularidade desse gênero no século 18 sugere que aspectos da vida da classe trabalhadora estavam come çando a ser percebidos como “pitorescos” pelos olhos da classe média.
138
Visões de sociedade
É graças ao crescimento desse gênero europeu que informações sobre a vida urbana na China foram registradas na forma de imagens. Algumas pintu ras e desenhos chineses produzidos em Cantão para o mercado europeu repre sentam uma ampla gama de atividades urbanas. Ai se incluem a centena de pinturas a guache do final do século 18 de Puqua e os 360 desenhos a tinta da década de 1830 de Tinqua que se encontram hoje no Museu Peabody Essex nos Estados Unidos. Entre as ocupações femininas mostradas nessas pinturas e de senhos estão costura, cerzido de tecido, tecelage m da seda, conserto de sapatos, arranjos de flores e transporte de baldes de excrementos para fertilizar a terra. Alguns problemas ainda permanecem. O historiador não pode se dar ao luxo de esquecer que essas imagens foram produzidas num determinado con texto, por artistas locais trabalhando para estrangeiros. É bem possível que es ses artistas tivessem tomado con hecimento de materiais impressos europeus na tradição dos Gritos de Londres. Mesmo que eles não copiassem cegamente essa tradição, podem ter incluído determinadas imagens a fim de satisfazer as ex pectativas do observador europeu.1* A instrução da mulher bem como o seu trabalho podem ser acompanha dos através do tempo graças a imagens, a partir da Grécia antiga. Um vaso gre go mostra duas moças de mãos dadas e inclui um pequeno detalhe significati vo. Uma das figuras está carregando suas tábulas de escrita presas por uma tira, como se houvesse a expectativa de que algumas moças aprenderíam a escrever (fig. 58).'* Algumas das primeiras imagens modernas de escolas mostram a se gregação de gêneros, com rapazes e moças ocupando carteiras em lados opos tos, como na gravura de uma escola rural francesa do século 18 (fig. 59). Devese notar que os rapazes possuem uma mesa de apoio para escrever, ao passo que as moças sentam com as mãos no colo, como se fossem simples mente escutar, o que implicaria que estariam aprendendo a ler mas não a escrever. Mulheres lendo, por outro lado, são freqüentemente representadas. Na Idade Média e na Renascença, várias imagens da Anunciação mostram a Vir- 189 18 HONIG, Elizabeth A. The Space of Gender in Seventeenth-Century Dutch Painting. In: FRANITS, Wayne (Ed.). Looking at Sesentecnth-Century Dutch Art. Realism Reconsidered. Cambridge: Cambridge UP, 1997. p. 187-201; ZOMPINI, Gaetano. Le Arti chc vanno per via Venezia: [s.n.], 1785, republicado cm Miláo, 1980; HUANG, Shijian; nella cilia di Venezia. SARGENT, William (E d.). Custo ms an d Co nditi ons o f C hinese City St ree ts. Shanghai: Shanghai gu ji chu ban she. 1999. 19 GOLDEN. Mark. Children and Childhood in Classical Athens. Baltimore: Johns Hopkins UP, 1990. p. 73-7-1.
139
Capitulo
6
58. A figura vermelha grega Vaso pintado pelo “Pintor de Bolonha" mostrando duas mo ças. (fl. 480-450 AC). Museu Metropolitano de Arte, Nova York.
gem Maria lendo um livro. O dec línio das imagens d a Virgem lendo após 1520 parece ter sido uma das primeiras respostas ao que pode ser denominado “demonização” da leitura pela igreja católica que se seguiu à Reforma, quando o cres cime nto da heresia foi atrib uído a o acesso aos livros por parte dos leigos.2 0 Por outro lado, imagens de outras mulheres lendo tom aram -se gradualmente
20 SMIT H, Lesley. Scriba, Femina: Medieval Depictions of Women Writing. In: SMITH ; Lesley; TAYLOR, lane H. M. (Ed.).Women and the Boo h Assessing the Visual Evidence. London: British Library, 19%. p. 21-44; cf. KELLEY, Mary. Reading WomenAVomen Reading: The Making of Learned Women in Antebellum America.Jou rn al o f Am erican H istory LXXXIII, p. 401-424,19% .
140
\
Visões Je sociedade
59. “Sejam boas, crianças! Porque para aquele que faz o mal a chegada da morte é terrível!”, gravura de uma esCola de povoado, de Nicolas- Edmé Rétif de la Bretonne, La vie de mon père (Neufchátel e Paris, 1779).
mais freqüentes a partir dessa época. Rembrandt pintou sua mãe lendo a Bí blia. As pinturas de Jean-Honoré Fragonard (1732-1806), e de outros, de mu lheres segurando livros têm sido utilizadas como evidência da disseminação da leitura na França do século 18/‘ A gravura da livraria de Jewett na Boston do século 19, mencionada no capítulo anterior (fig. 48 ), mostra várias mulhe res freqüentando o estabelecimento.
G ê n er o
Como mostraram alguns críticos de Ariès, os historiadores sociais não podem dar-se ao luxo de ignorar as convenções de determinados gêneros visuais, nem tampouco as de literários. Se considerarmos visões da sociedade, as conven21
21 SCHON, Erich. D ie Verhist de r Sinn lichkeit ode r die Verwandhmgen des U sers. Stuttgart: Klett-
Cotta, 1987.
141
i
Capítulo 6
ções de cenas do cotidiano, o gênero visual què se passo u a descrever desde o fi nal do século 18 como “gênero”, requerem atenção especial.22Pinturas de gênero emergiram com o um tipo de imagem independente na Holanda no século 1 7.0 exemplo holandês foi seg uido por artistas na França do século 18 (Chard in, por exemplo), na Escócia do século 19 (Wilkie) e nos Estados Unidos (Bingham). Não é comu m chama r os impressionistas franceses de pintores de gênero , mas as imagens da vida de lazer em Paris ou na s cercanias da cidade no final do século 19 nas pintur as de Edoua rd Manet (18 32 -18 83 ), Claude Mone t e Auguste Renoi r (18 41 -191 9) , todas oferecem novas variações sobre o tema, dos barqueiros no rio na La Grenouillère às dançarinas no 'Moulin de la Galette.23 A despeito da expressão de Bingham “registros de arte”, historiadores sociais não podem assumir que imagens como essas são documentos impes soais. O enfoque moralizador d e Jan Steen no seu La r em desor dem, por exem plo, já*foi registrado (Capítulo 5). No caso de certas pinturas de gênero feitas por Steen e seus contemporâneos, o prob lema é ainda mais complicado . Temse argumen tado que algumas pinturas h olande sas de charlatães não represen tam cenas da vida urbana, mas cenas apresentadas no palco, destacando per sonagens de humor da commedia deli’arte., Neste caso, òs charlatães que acreditávamos estar observando diretamente não passaram apenas por um, mas por um duplo filtro de moralização. Retomamos ao problema do “realismo aparente” (Ca pítulo 5).24 Um problema análogo é o do elemento satírico em certas imagens de casamento. A idéia pode ser pressentida no Casamento de camponês de Pieter Brueghel (Capítulo 7), no Casamento barato de Wilkie e em outr os casos. A sá tira é especialmente clara na série de pintura s e gravuras de Hogar th con hec ida como Marriage à la Mode (Casam ento à mod a), nos qua is a primeira cena representa o encontro das duas famílias com os advogados. Os dois pais são mostrados no centro da imagem, numa mesa, enquanto o par que vai se ca sar, de costas um para o o utro ,está localizado no lado direi to da pintu ra,sim bolizando a sua posição subordinada na tran sação.25
22 LANpDON , Helen. Genre. In: D ictionary o f A rt X II. London : [s.n.], 19% . p. 286-298. 23 CLARK, Timothy J. The Pai nting o f M odem Lif e: Paris in the Art o f Manet and h is Followers. New Haven: [s.n.], 1985; HERBERT, Robert L. Impressionism: Art, Leisure Mid Parisian Sodefy. New Haven: Yale UP, 1988. 24 GUDLAUGSSON, S. ]. D e com edian ten b ij Jan Sten en zijn Ttjdgenooten. The Hague: [s.n.], 1 945. 25 PAULSON, Ronald. Th e Art o f Hogar th. London: Phaidon, 1975. p . 30-40.
1A^
N
Visões d e sociedad e
Focalizemos por um momento uma imagem que à primeira vista, pelo menos, pode parecer mais objetiva e documental: a gravura de Abra ham Bosse (1602-1676) intitulada Le mariage à la ville (O casamento na ci dade) (fig. 60) . A ação oc orre em volta de uma mesa na qual os dois pares de pais negociam o trato, enquanto o tabelião anota (o gesto da mão de uma das mulheres e a expressão arguta da outra sugere que ambas estão partici pando tão ativamehte quanto os homens da negociação). Em primeiro pla no, mas bem de lado, como se estivessem literalmente marginalizados em re lação ao que está se p assando , sentam -se os noivos, de mãos dadas, um ges to que talvez sighifique que sua palavra foi empenhada e não necessaria mente que eles estejam apaixonados. Duas criança^, um menino e uma me nina, presumivelmente o irmão e a irmã mais novos do noivo ou dà noiva, brincam perto da mesa como se não percebessem seus futuros papéis num drama social semelhante (a máscara do menino traz ao espectador a fami liar metáfora teatral). A gravura é cuidadosa nos detalhes de códigos de ves timenta e mobiliário e nos permite localizar a cena no mundo social da alta burguesia, não se explicitando se as famílias consideradas fizeram fortuna com o comércio ou com a lei. Conhec emos alguns detalhes da vida de Bosse, incluin do-se o fato, de que ele pertencia à minoria protestante da população e, também, que ele se engajou em prolongado con flito com a Academia Real de Arte francesa, de talhes que aumentam a possibilidade de que sua gravura tenha um signifi cado de crítica moral e social. As observações satíricas sobre o comércio (compra e venda) de noivas, num romance da metade do século 17, Burgueses roman os (16 66 ), de Antoine Furetièr e, torna ainda mais p lausível a inter pretação moralista da imagem de Bosse. Furetière estampa em seu romance o que ele chama qma “tarifa” de dotes, de acordo com a qual uma moça com cem mil écus (escudos) ou mais encontra-se em condições de se casar com um duque, ao passo que uma outra com apenas entre vinte a trinta mil livres (libras) tem de se contentar com um advogado. Mais uma vez, a leitura de uma imagem da sociedade como um sim ples reflexo ou instantâneo fotográfico acaba conduzindo a uma interpreta ção errônea. A gravura d e Bosse aproxima-se m ais de Marriage à la M ode de Hogarth do que parece à primeira vista, e pode mesmo tê-lo inspirado.
143
Capítulo
6
60. Abraham Bosse, Le'mariage à Ia ville (O casamento na cidade), 1633, gravura. Museu Britânico, Londres.
O REA L E O IDEAL Por um lado, então, historiadores sociais precisam estar conscientes das sugestões satíricas das imagens. Por outro lado, não podem esquecer a possibili dade de idealização. Por exemplo, observou-se uma mudança na maneira de re presentar pessoas mais velhas na arte francesa do final do século 18. Estava-se ini ciando um processo de ênfase na dignidade da idade avançada em vez de desta car-se seus aspectos “grotescos”. Como no caso de imagens da infância, devemos levar em consideração os possíveis usos simbólicos de um homem ou de uma mulher idosos. Ainda assim, as modificações no longo prazo nas convenções de representações parecem ser significativas. É improvável, de qualquer forma, que as pessoas idosas estivessem mudando, mas havia uma mudança na atitude em relação aos mais velhos. Nesse aspecto, fontes literárias confirmam a impressão oferecida pelas imagens.-'’26 26 TROYANSKY, David G. O IJ Age in lhe OU Regime. Image and Experience in EighteenthCentury France. Ithaca: Cornell UP, 1989. p. 27-49.
144
Visões Jc sociedade
No mesmo sentido, imagens francesas de multidões mudaram de uma forma bastante notável após a revolução de 1830. Antes dessa época, indiví duos na multidão eram geralmente mostrados, como na Inglaterra de Ho garth, na forma de desordeiros, pedintes ou bêbados, com expressões beiran do o grotesco. Após a revolução, por outro lado, cada vez mais se representa vam indivíduos de uma multidão limpos, bem vestidos e idealistas, como na imagem de Delacroix Liberdade guiando o povo (Capítulo 4). É difícil acredi tar que uma grande alteração em atitudes sociais tenha ocorrido tão rapida mente. É bem mais provável que o que realmente mudou tenham sido as con cepções do que se denomina hoje de “politicamente correto”. O sucesso da re volução de 1830 exigiu a idealização do “povo” que se supunha tê-la feito.2728 Da mesma forma, a imagem da escola de um povoado com sua organi zada segregação dos sexos (fig. 59) pode representar um ideal em vez da con fusa realidade. A imagem, freqüentemente representada nos séculos 18 e 19, do pai lendo para a família também pode ser uma idealização, uma expressão de nostalgia pelos dias em que a leitura era um ato mais coletivo do que indivi dual e os livros apropriados eram escolhidos pelos paterfamilias. Fotografias da vida rural tiradas na Inglaterra por volta de 1900 bem podem expressar um certo anseio pela “comunidade orgânica” da pequena cidade tradicio nal, susci tando não apenas um sorriso dos protagonistas , mas enfatizando também os implementos tradicionais à custa dos novos maquinários. Essa nostalgia tem sua própriaPor história, provavelmente com srcens bem anteriores à Revolução Industrial. exemplo, as imagens rurais representadas nas iluminuras do in glês do século 14 Luttrell Psalter, que se encontram hoje na Biblioteca Britâni ca, foram recentemente descritas como elementos que oferecem uma “visão nostálgica” do mundo rural antes da crise do sistema feudal.2* Uma única imagem estudada em close-up pode tornar mais visível o processo de idealização. Uma conhecida pintura de Louis Le Nain, atualmen te no Louvre, Le repas des paysans (A refeição dos camponeses), representa camponeses frances es à mesa (fig. 61) . Pierre Gou bert, um histo riador que de dicou a vida ao estudo dos camponeses franceses do século 17, chamou aten27 NEWMAN, Edgar. L’image de la foule dans la revolution de 1830. A nn alcs H istorúju cs tie hi Réi-olution Française LJI, p. 499-509, 1980; GREW, Raymond. Picturing the People. In: ROTBERG. Robert L; RABB, Theodore K. (Ed.). A rt an d H istor y. Images and Their Meanings. Cambridge: Cambridge UR 1988. p. 203-231, csp. p. 226-231. 28 CAMILLE, Michael. M irr or in P ar ch m en t: The Luttrell Psalter and the Making o f Medieval England. London: Reaktion Books, 1998. p. 192.
1 45
Capitula
6
ção para a “toalha de mesa branca, o pão dourado, o vinho tinto suave e a sim plicidade honesta da maneira de vestir e do mobiliário”, argumentando que “a toalha e o vinho estão fora de lugar e o pão é demasiadamente branco”. Goubert acredita que o objetivo do pinto r era fornecer uma versão popular da Ú l tima Ceia. Outros críticos vêem a imagem como uma alusão à história narra da no Evangelho de São Lucas (24) sobre a ceia dos discípulos na cidade de Emaús com uma pessoa que acaba se revelando ser Cristo. Le repas des paysans tornou-se uma pintura-problema. Nesse ponto, tornou-se óbvia a necessidade d e inserir a pintura no con texto. Os irmãos Le Nain, que freqüentemente realizavam o trabalho de pin tura em cooperação, vieram de Laon, próximo à fronteira flamenga onde sua família possuía terra e vinhedos. Em outras palavras, eles conheciam de den tro a vida dos camponeses. O problema reside em descobrir que tipo de ima gem eles desejavam produzir. Infelizmente, desconhecemos para quem a pin tura foi srcinalmente realizada. Uma hipótese é de que teria sido feita para uma instituição de caridade, numa época, início do século 17, em que havia uma ascensão da caridade cristã organizada na França. . Outra sugestão esclarecedora é de que a imagem oferece expressão vi sual a visões religiosas do tipo expresso alguns anos mais tarde por um escri tor religioso francês, Jean-Jacques Olier. Em seu La journée chréti enne (1657) (A jornada cristã), Olier escreveu sobre a santificação da vida cotidiana e re comendou a seus leitores que lembrassem a Última Ceia quando se sentas sem para a refeição vespertina. Se realmente a imagem se referisse às idéias de Olier, isso fornecería mais um exemplo de uma pintura de gênero que não re presentava a vida cotidiana apenas pelo próprio valor, mas como símbolo re ligioso ou moral, como se argumentou no caso das pinturas holandesas dis cutidas anteriormente. Entretanto, um crítico da época, André Félibien, que pertencia a um grupo social mais elevado do que o dos irmãos Le Nains, te ceu um comentário desfavorável sobre a “falta de nobreza” do quadro. Parece que ele não consider ou a pintura com o sim bólica, mas apena s como uma cena de gênero, do tipo produzido pelos holandeses.-” v
29 GOUBERT, Pierre. The French Peasantry in the Seventeenth Century (1982). Cambridge: Cambridge UP, 1986. p. 82 (Tradução inglesa); MAcGREGOR, Neil. The Le Nain Brothers and Changes in French Rural Life. Art H istory II , p. 401-412, 1979; cf. ROSENBERG, Pierre. Lc Nain. Paris: Flammarion, 1993, e DEYON, Pierre. Peinture et charité chrétienne. An nates E. S. C. XXII, p. 137-153, 1967.
146
Visões de socieda de
61. Louis Le Nain, Le repas des paysans (A refeição dos camponeses), 1642, óleo sobre tela. Museu do Louvre, Paris.
Os dignificados camponeses do quadro pintado por Le Nain encontram correspondentes em trabalhos posteriores de Jean-François Millet, ele próprio proveniente de uma família de camponeses da Normandia. Por exemplo, The Sower (1850) (O semeador ). The Gleaners (1 857) (As respigadoras) e, o mais co nhecido de todos, The Angelas (1857-1859) (Ave-marias), no qual um homem e uma m ulher estão pm pé no cam po orando, todos representam trabalhadores rurais num estilo monumental.® Nessa época, uma imagem positiva dos cam poneses tinha se tornado mais amplamente aceitável do que o fora no século 17. Na Itália, Alessandro Manzoni tinha transformado dois jovens camponeses em herói e heroína de seu romance I Promessi Sposi (Os pr ometidos) (1 825 -182 7), embora tivesse sido criticado pelo fato. Os intelectuais da classe média tinham passado a ver os camponeses como os guardiões da tradição nacional. Numa época em que a industrialização e a urbanização ameaçavam a tradicional or30 BRETTELL, Richard R.; BRETTELL, Caroline B. Painters an d P easants i n th e N inet eenth Century. Geneva: Skira, 1983.
147
Capítulo
6
dem rural, os camponeses, antes vistos pelas classes superiores como grotescos (Capítulo 7), estavam sendo cada vez mais humanizados e até mesmo idealiza dos. Isso nos faz lembrar da história da paisagem - de forma bastante perti
*
nente, uma vez que os espectadores urbanos consideravam que os camponeses como parte da paisagem. Um outro tipo de imagem de camponês enfatiza a harmonia do siste ma social, por exemplo, After Harvesting (Após a colhe ita), de Petr Zabolotsky, que mostra servos russos dançando no pátio da casa grande, enquanto o pro prietário e sua família observam, a posição física no alto de um lance de esca das simbolizando a superioridade social. A nostalgia é ainda mais clara nas aquarelas de Mariamna Davydova, que representam a vida numa propriedade rural russa do ponto de vista do prop rietári o, com cenas de uma carruagem, a visita do padre, um piquenique na floresta (fig. 62), etc., a propriedade sen do retratada mais como um centro de atividades de lazer do que como uma empresa. Pintadas após 1917, essas imagens evocam o mundo que Davydova e os que pertenciam a sua classe haviam recentemente perdido." Tão idílica
62. Mariamna Davydova, Urn piqueniqu e nu floresta próximo à Kam enka, década de 1920, aquarela. Localização desconhecida.
31 ROOSEVELT,Priscilla. Life on the Ru ssian C ountry Estate. Haven: YaleUP. 1995. p. i 21,287.
148
A Social and Cultural History. New
V ftõts de sociedade
quanto a pintura de Zablotsky, a despeito da diferença de contexto político, é a imagem da vida numa fazenda coletiva feita pelo pintor soviético Sergei Ge rasimov (18 55- 19 64 ), um lembret e de que o e stilo conhecido com o “Realismo Socialista” - que poderia ser mais precisamente descrito com o “Idealismo S o cialista” - teve paralelos em per íodos anteriores. Justapor essas últimas imagens às fotografias dos pobres da área rural dos Estados Unidos nos anos da depressão é visualizar um perfeito contraste. As fotografias de Margaret Bourke-White e de Dorothea Lange mudam o foco do grupo para o indivíduo e enfatizam tragédias pessoais por meios tais como doses de uma mãe e seus filhos (fig. 63). Por contraste, olhando para o passa do, mesmo as pinturas mais favoráveis à classe camponesa parecem impes soais. é tarefada fácil interpretar Será o novo de comuni cação Não o causador diferença? Ou aodiferença. fato de que essas duasmeio fotógrafas eram mulheres? Ou o de que elas vêm de uma cultura que enfatiza o individualis mo? Ou o de que elas trabalhavam para um projeto governamental, a Farm Security Administration (Administração da Seguridade Rural)? Este capítulo começou levantando a difícil questão da tipificação. Da mesma forma que romancistas, pintores representam a vid a social escolhendo indivíduos e pequenos grupos que eles acreditam serem típicos ou represen tativos de um conjunto maior. A palavra “acreditam” deve ser aqui sublinha da. Em outras palavras, como no caso de retratos de indivíduos, representa ções da sociedade nos dizem algo sobre uma relação, a relação entre o realiza dor da representação e as pessoas retratadas. A relação pode ser igualitária, mas no passado ela freqüentemente foi hierárquica, um aspecto que será de senvolvido no próximo capítulo. As pessoas retratadas podem ser vistas com maior ou menor distância, num enfoque respeitoso, satírico, afetuoso, cômico ou desdenhoso. O que ve mos é uma opinião “pintada”, uma “visão de sociedade” num sentido ideoló gico mas também visual. Fotografias não se constituem em exceção a essa re gra, uma vez que, como argumentado pelo crítico americano Alan Trachten berg, “um(a) fotógrafo(a) não tem necessidade de persuadir um espectador a adotar o seu ponto de vista, porque o leitor não tem esco lha; na fotografia ve mos o mundo pelo ângulo da visão parcial da câmera, da posição em que ela estava no momento em que o dispositivo para bater a chapa foi acionado”.” 32 TRACHTENBERG.Alan. Rcail ing A m erican P hotographs: Image as History, Mathew Brady to Walker Evans. New York: Hill and Wang, 1989. p. 251-252.
149
Capítulo
6
150
Visões de sociedad e
Ponto de v ista nesse sentido literal obviamente influencia - mesm o que não determine —o ponto de vista no sentido metafórico. A importância da distância social ou cultural é particularmente clara nos casos em que o artista ou fotógrafo é um estranho à cultura que está sen do retratada. A essa altura podemos retornar ao desenho de Dardel usado an teriormente como evidência do interior de uma cabana sueca (fig. 46). Se não se trata exatamente de uma caricatura, há um elemento côm ico ou grotesco no esboço, implicando uma certa distância entre um artista da classe média e as pessoas cuja cultura material e vida cotidiana ele estava mostrando. Imagens desse tipo, imagens do “Outro”, serão o foco da atenção no próximo capítulo.
151
Cap ít ulo 7
Es t
e r e ó t i p o s d o outro
Cristãos estão ce rtos e pagãos èstâo errados. A
canção
d e
R olando
O Oriente é o O riente e o O cidente é o O cidente e ambos nun ca se encontrarão. R udyard
K ipl ing
Não faz muito tempo que historiadores culturais tornaram-se interes sados pela idéia do “Out ro”, com um O mai úscu lo, ou talvez um A maiúsc ulo, uma vez que foram os teóricos franceses que de ram início às discussões so bre YAutre. Podería ser mais esclarecedor pensar em pessoas diferentes de nós no plural em vez de transformá-las num Outro não diferenciado, mas, visto que o processo de homogeneização é tão comum, historiadores culturais ne cessitam estudá-lo. Ess e nóvo interesse d eles corre paralelo ao aum ento d o in teresse pela identidade cultural e encontros culturais, apenas um exemplo en tre tantos das preocupações atuais, tais como o debate sobre multiculturalismo, q ue instiga os estudiosos a levantar novas que stões sobre o passado. No caso de grupos confrontados com outras culturas, ocorrem duas reações opostas. Uma seria negar ou a ig nora r a distância cultural, assimilar os outros a nós mesmos ou a nossos vizinhos pelo uso de analogia, seja esse ar tifício empregado consciente ou inconscientemente. O outro é visto como o reflexo do eu. Assim o guerreiro muçulmano Saladino era percebido por cer tos cru zado scom o um cavaleiro. O explorador Vasco da Gama, entrando num templo indiano pela primeira vez, interpretou uma escultura de Brahma,
153
Capítulo 7
Vishnu e Shiva como uma imagem da santíssima trindade (da mesma forma que os chineses, um século mais tarde, interpretariam imagens da Virgem Ma ria como representações da deusa budista Kuan Yin.) O missionário jesuíta São Francisco Xavier, defrontando-se com a cultura japonesa pela primeira vez em meados do século 16, descreveu o imperador (que possuía alto status, mas pouco poder) como um “papa” oriental. É através da analogia que o exó tico se torna inteligível, domesticado. A segunda reação comum é o reverso da primeira. É a construção cons ciente ou inconsciente da outra cultura co mo oposta à nossa própria. Nessa óti ca, seres humanos como nós são vistos como “outros”. Assim, a Canção de Rolando descreveu o Islão como uma inversão diabólica do cristianismo, e apre senta uma imagem de muçulmanos adorando uma trindade infernal composta de Apoio, Muhammad e um certo “Termagant”. O historiador grego Heródoto apresentou uma imagem da antiga cultura egípcia como o inverso da grega, ob servando que no Egito as pessoas escreviam da direita para a esquerda, em vez de da esquerda para a direita, que os homens carregavam cargas na cabeça e não nos ombros, que as mulheres urinavam sentadas e não em pé, etc. Ele também descreveu os Persas e os Citas em alguns aspectos como a antítese dos gregos. Nos últimos parágrafos o termo “imagem” foi usado no sentido de uma imagem mental, e a evidência veio através de textos. Para recuperar ou re cons truir essas imagens mentais, o testemunho de imagens visuais é obviamente indispensável, a despeito de todos os problemas de interpretação suscitados pelas pinturas. Enquanto os escritores podem esconder suas atitudes sob uma descrição impessoal, os artistas são forçados pelo meio em que trabalham a adotar uma posição clara, representando indivíduos de outras culturas como semelhantes ou diferentes deles próprios. Dois exemplos notáveis do primeir o processo descrito acim a, a assimila ção do outro, provém de gravuras holandesas do século 17. Num deles, um ín dio brasileiro foi equipado com um clássico arco e flechas. Dessa forma, os ín dios foram identificados com as bárbaro s do Mundo Antigo, mais familiares ao artista e ao espectador do que os povos das Américas. Numa outra gravura, ilus trando um relato da embaixada da Companhia Holandesa Oriental da índia na China, um lama tibetano foi representado como um padre católico, e seu colar de orações como um rosário (fig. 64). O texto que acompanha a ilustração vai além na direção da assimilação, a versão inglesa descreve o chapéu do lama com o “bastante parecido com o de um cardeal, com abas largas”, ao passo que a ' versão francesa, visando a um público ca tólico, também compara as largas man-
154
Estereótipos do outro
64. Gravura mostrando um embaixador tibrtano com um “rosário”, de Ian Nieuhof, L’Am-
hassadc de la Compagnie Orientate des Provinces Unies vers VEmpereur de la Chine (Embaixada da Companhia Oriental das Províncias Unidas junto ao Imperador da China)
(Leiden: J. de Meurs, 1665).
gas do lama às de um frei franciscano, e o seu “rosário”, aos dos dominicanos e franciscanos. O chapéu representado na gravura, a propósito, difere do pontu do chapéu tradicional dos lamas, que um viajante italiano do início do século 18, numa outra tentativa de assimilar o desconhecido ao con hecido, comparou à mitra de um bispo; Ao contrário de outras imagens de culturas distantes aqui ilustradas (fig. 3, por exemplo), parece que a gravura foi feita com base no tex to escrito e não em esboços provenientes de observações diretas. Em outras palavras, quando ocorrem encontros entre culturas, é prová vel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada. A palavra “estereótipo” (srcinalmente uma placa da qual uma imagem podia ser impresa), com o a palavra clichê (srcin alment e o termo francês para a mesma placa), é um sinal claro da ligação entre imagens visuais e mentais. O estereótipo pode não ser complet amente falso, mas ffeqü entemente exagera alguns traços da rea lidade e omite outros. O estereótipo pode ser mai s ou m enos tosco, mais ou m e-
155
Capítulo 7
nos viólento. Entretanto, necessariamente lhe faltam nuanças, uma vez que o mesm o modelo é aplicado a situações culturais que diferem consideravel mente umas das outras. Tem-se observado, po r exemplo, que gravur as européias de índiosí americanos eram muitas vezes composições que combinavam aspectos de índios de diferentes regiões para criar uma única imagem geral. Ao analisar tais imagens, é difícil fazê-lo sem o conceito do “olhar” (gaze), um termo novo, tomado emprestado do psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), para o que teria sido descrito anteriormente cbmo “pon to de vista”. Seja quando pensamos sobre as intenções dos artistas, ou sobre as maneiras pelas quais diferentes grupos de espectadores olhavam para os tra balhos desses artistas, é inter essante refletir em term os do o lhar ocide ntal, por exemplo, o olhar científico, o olhar colonial, o olhar do turista, ou o olhar masculino.1O olhar ffeqüentemente expressa atitudes sobre as quais o espec tador pode não estar consciente, sejam elas de medos, ódios ou desejos proje tados no outro. O pleito por interpretações psicanaÜticas de imagens, um en foqu e a ser discutido em ma iores detalhes no Capítulo 10, é forteme nte apoia do nas imagens de alienígenas, no estrangeiro ou no proprio país. Alguns desses estereótipos são positivos, como no caso do “nobre sel vagem”, uma expressão usada em 1672 pelo poeta e dramaturgo inglês John Dryden. A imagem tornou-se um clássico que foi revivido no século 16 e de' senvolveu-se jun to co m a imagem do seu oposto, a do canibal. Gravuras, in cluindo as gravações em madeira na obra História de uma viagem ao Brasil (1578) do missionário francês protestante Jean de Léry, ilustraram esse con ceito. A época áurea da idéia do nobre selvagem foi o século 18. Foi nessa épo ca que a cultura de Taiti, por exemplo, era vista como remanescente dos anos dourados. P articularmente os habitantes da Patagôni a e da Polinésia eram vis tos por viajantes europeus sob o ponto de vista da tradição clássica como “exemplares modernos das austeras vidas virtuosas vividas nos tempos clássi cos por povos como os espartanos e os citas”,12 1 BRYSON, Norman. Vision andPainting: The Logic o f the G aze. London: Macmillan, 1983; MASON, Peter. Portrayal and Betrayal: The Colonial Gaze in Seventeenth-Century in Brazil. Culture and H istory VI, p. 37-62,1989; KERN, Stephen. Eyes o f Love-. The Gaze in English and ■French Paintings and Novels, 1804-1900. London: Reaktion Books, 1996; SCREECH, Timon. T he Western Scientifi c Gaze and Popu lar Im agery in Later Edo J apan . Cambridge: Cambridge UP, 1996. \ 2 SMITH, Bernard. European Vision and the South Pacific (1960). 2nd ed. New Haven: Yale UP, 1985. p. 24-25, 37-38.
156
Estereótipos d o outro
Infeli zmente, a maioria dos estereótipos de outros - judeus vist os por não-judeus, muçulmanos por cristãos, negros por brancos, camponeses por pessoas d a cidade, soldados por civis, mulheres por hom ens, etc. - era ou é hostil, desdenhosa, ou no mínimo condescendente. Um psicólogo provavel mente buscaria o medo subjacente ao ódio e também a projeção inconsciente de aspectos indesejáveis do eU no outro. Talvez seja por essa razão que_ os estereótipos muitas vezes tomam a forma de inversão da auto-imagem do espectador. Os estereótipos mais gros seiros estão baseados na simples pressuposição de que “nós” somos humanos ou civilizados, ao passo que “eles” são pouco diferentes de animais como cães e porcos, aos quais eles são ffeqüentemente comparados, não apenas em lín guas européias, mas também em árabe ou chinês. Dessa forma, os outros são transformad os no “Outro ”. Eles são transformados em exó ticos e distanciados do eu. E podem mesmo ser transformados em monstros.
AS RAÇAS MONSTRUOSAS O exemplo clássico e antigo desse processo é o do asSim denominado “raças monstruosas”, que os antigos gregos imaginavam existir em lugares dis tantes como a índia, Etiópia ou Catai.3Essas raças incluíam pessoas com ca beça de cachorro ( Cinocephal ); sem cabeça ( Blemtniaey, com apenas uma per na ( Sciopods ); canibais ( Anthropophagi ); pigmeus; a raça marcial de m ulheres de apenas um seio (Amazonas), etc. A História Natural do antigo escritor ro mano Plínio transmitiu esses estereótipos para a Idade Média e épocas poste riores. Por exemplo, a referência em Otelo a pessoas “cujas cabeças crescem abaixo dos om bros” é uma clara alusão aos Blemmiae. As raças monstruosas podem ter sido inventadas para ilustrar teorias sobre a influência do clima, revelando a pressuposto de que pessoas que ha bitam lugar es extremamente frios ou quentes não podem
ser totalmen te hu-
3 WITT KOW ER, Rudolf. Marvels o f the East: A Study in the History of Monsters. Jou rn al o f th e ' W arburg and Cou rtauld Inst itutes V. p. 159-197, 1942; FRIEDMAN, John B. The M onstrous Races in M edieval Art and Though t. Cambridge, MA: Harvard UP, 1981;HASSIG, Debra. The Iconography of Rejection: Jews and Other Monstrous Races. In: Image and B elief. Edited by Colum Hourihane. Princeton, NJ: Index o f Christian Art, Dept, o f Art and Archaeology, Princeton University in association with Princeton UP, 1999. p. 25-37.
157
65. “A ilha e o povo que foram descobertos pelo rei cristão de Portugal ou seus súditos". Gravura alemã em madeira mostrando canibais brasileiros, c. 1505. Bayerische Staatsbiblio✓ . thek, Munique.
manas.4Contudo, pode ser esclarecedor tratar essas imagens não como sim ples invenções,remotas. mas como exemplos de percepção distorcida estereotipada de sociedades Afinal, pigmeus ainda existefn e certose povos comem carne humana em certas ocasiões. Na medida em que a índia e a Etiópia se tornaram mais familiares aos europeus nos séculos 15 e 16 e nem Blemmiae , Amazonas ou Sciopods puderam ser encontrados, os estereótipos foram realocados no Novo Mundo. Por exemplo, a srcem do nome do rio Amazonas está relacionada à crença de que as Amazonas habitavam aquela região. Po vos de lugares remotos eram vistos de maneira monstruosa física e moral mente, como no caso dos canibais que se acreditava habitarem o Brasil, a África central e outros lugares.5 4 HASSIG, Debra. The Iconography of Rejection; lews and Other Monstrous Races. In: Image and Belief . Edited by Colum Hourihane. Princeton, N|: Index of Christian Art, Dept, of Art and Archaeology, Princeton University in association with Princeton UP, 1999. 5 ARENS, William. The M an-Eati ng M yth: Anthropology and Anthropophagy. New York: Oxford UP, 1979.
158
Estereótipos d o outro
Para uma imagem vivida do canibalismo, que expressa e sem dúvida divulga o estereótipo, podemos considerar uma famosa gravação em madei ra que circulava na Alemanha cerca de seis anos após a chegada dos portu gueses ao Brasil no ano de 1500 (fig. 65). No centro da gravura vemos frag mentos de um corpo humano mutilado pendurado num galho de árvore, enquanto o selvagem na extrema esquerda devora um braço humano. O exemplo ajuda a esclarecer o processo de estereotipagem. A afirmação que ele faz não é exatamente falsa. Alguns dos índios brasileiros, os machos adul tos da tribo tupinambá, por exemplo, cujos costumes foram descritos deta lhadamente por alguns viajantes europeus no final do século 16, realmente comiam carne humana, notadamente a de seus inimigos em certos momen tos ritualizados. No entanto, a gravura deixa passar a falsa impressão de que a carne humana era a comida cotidiana de todos os indígenas. Essa idéia aju dou a definir os habitantes de todo um continente como “canibais”. Nesse sentido, houve uma contribuição para o que se tem denominado “mito do homem devorador de homem”, para o processo no qual uma cultura (não necessariamente a ocidental) desumaniza a outra pela alegação de que seus membros devoram pessoas. Atualmen te, os leitores podem achar difícil levar a sério a idéia das ra ças monstruosas, reconhecer que nossos ancestrais acreditavam na sua exis tência ou pelo menos na possibilidade dessa existência em algum lugar. Tal ceticismo é um tanto paradoxal, consideradas as imagens correntes de alie nígenas provindos do espaço, que talvez pudessem ser vistos como o deslo camento final do estereótipo de Plínio. Assim, continuamos a perceber gru pos culturalmente distantes de nós em termos estereotipados. Um exemplo bastan te claro é o do “terroris ta”, um term o que atualm ente evoca uma im a gem de viol ência extrema e irraciona l. Se ess es “terroristas” - iraniano s, pa lestinos, c urdos, etc . - forem redefinidos com o “guerril heiros", eles recupe ram seus rostos humanos e também causas compreensíveis, para não falar de ideais. Imagens de terroristas muçulmanos em especial tornaram-se co muns em filmes, principalmente na década de 1990, depois do declínio do “outro” comunista após a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. “Terrorismo” está associado com termos pejorativos igualmente mal definidos tais com o “fanatism o”, “extre mis mo ” e, mais recente me nte, “fundamentalismo”. Essas imagens hostis do Islã estão ligadas ao que é fr equentemente descrito como mentalidade “oriental”.
159
Capitulo 7
O r ie
n t a l ism o
Nos últimos vinte anos do século 20, o conceito de “orientalismo”, an tes um termo neutro empregado para descrever ocidentais especialistas nas culturas do Oriente Próximo, Médio e do Extremo Oriente, tornou-se pejora tivo.”A mudança de significado deve-se principalmente a um homem, o criti co literário Edward Said, e seu livro Orientalismo , srcinalmente publicado em 1978. Said descreveu seu tipo de Orientalismo como “a instituição homogênea para tratar do O riente” que se desenvolveu no O cidente a partir do final do sé culo 18. Por outro lado, ele se referiu ao ter mo como um “discurso”, ou (citan do o historiador britânico Victor Kiernan) como “a fantasia coletiva européia do Oriente”, ou como “um estilo ocidental de dominar o Oriente” contra o qual o Ocidente definia a si próprio.678 Said trabalhou com textos e decidiu não discutir os es tereótipos cultu rais do que ele chamou “o quadro do gênero oriental”, mas suas idéias podem ser - e tém sido - usadas para analisar a s pinturas do Oriente Médio realiza das por Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867), Théodore Géricault (17 91 -18 24 ), Jea n-Léon Géróme (182 4-1 904 ) e Delacroix, bem como por ar tistas ingleses, alemães, italianos e espanhóis.' Não seria difícil reunir um corpus substancial de pinturas ocidentais do Oriente Médio que estão repletas de estereótipos e focalizam o sexo, a crueldade, a preguiça e a “luxúria orien tal”, harém, banhos, odaliscas, escravos, etc. O quadro A grande odalisca (fig. 66), de Ingres, é bastante típico do gênero, oferecendo ao espectador do Oci dente a sensação de penetrai' um harém e assim visualizar os segredos mais íntimos de uma cultura estranha. Essas imagens visuais ilustram ou correm paralelas aos estereótipos li terários ocidentais do Oriente, tais como as Cartas Persas (1721), de Montes quieu. Na verdade, sabemos que alguns artistas voltavam-se para a literatu ra a
6 SCHWAB, Raymond. The Oriental Renaissance (1950). New York: Columbia UP, 1984. (Tradução inglesa); SAID, Edward. Orientalism. New York: Pantheon Books, 1978. Segunda edição, Londres 1995. 7 SAID, Edward. Orientalism. New York: Pantheon Books, 1978. Segunda edição, Londres 1995. p. 3,52 . 8 SAID, Edward. Orientalism. New York: Pantheon Books, 1978. Segunda edição, Londres 1995. p. 26; ROSENTHAL, Donald A. Orientalism: The Near East in French Painting 1800-80. Rochester, NY: Memorial Art Gallery of the University of Rochester, 1982; MACKENZIE, |ohn M. Orientalism: History, Theory and the Arts. Manchester: Manchester UP, 1995.
160
r Estereótipos do outro
66. Jean-Auguste-Dominique Ingres, A gran de odálisca, 1814, óleo sobre tela. Museu do Louvre, Paris.
fim de buscar um toque de “cor local”, da mesma forma que Ingres recorreu às cartas da Istambul do século 18 escritas pela senhora Mary Wortley Mon tagu. Ingres transcreveu algumas das cartas, incluindo um trecho em que Mary descreve sua visita a um banho turco, como preparação para a pintura
Banho turco (1862-1863). ’ Fotografias dos séculos 19 e 20 de cenas da vida no Oriente Médio, tiradas por europeus visando a um público europeu, perpetuaram alguns desses estereótipos.9 10 Da mesma form a o fizeram filmes, princ ipalm ente O ieque (1921) no qual o papel principal de Ahmed Ben Hassan era estrelado pelo ator ítalo-americano Rodolfo Valentino, como se para os olhos dos WASP’ americanos todos os homens de pele cor de oliva fossem intercambiáveis. A longa vid a dos estereótipo s, bem com o a sua m ultiplic ação, suge9 Comparar GROSRIC HARD, Alain. Structure du serail : La fiction du despotisme asiatique dans I'occident classique. Paris: Seuil, 1979, e YEAZELL, Ruth B. Hare ms o f the Mind: Passages of Western Art and literature. New Haven: Yale UP, 200 0. 10 GRAHAM -BROWN, Sarah. Images o f Wome n: Photography of the Middle East, 1860-1950. London: Quartet, 1988. * WASP no srcinal, aerograma ingles, com o seguinte significado: White, Anglo-Saxons, protes tantes, ou: brancos, anglo-saxòcs e protestantes. (N.T.)
161
Capitulo 7
re que esses exemplos de fantasia coletiva ou do “imaginário” respondiam a desejos voyeuristas dos espectadores. Os parágrafos tentaram uma análise das éima gens ocidentais sobre anteriores o Oriente Médio, nosmostrar termosque propostos por Said, es clarecedora. No entanto, o enfoque tanto esclarece o assunto quanto o torna obscuro. As atitudes ocidentais em relação ao “Oriente” não eram mais mo no líticas do que o próprio Oriente, porém variavam de acordo com o artista e o gênero. Delacroix e Géricault, por exemplo, expressaram ambos entusiasmo pelas culturas da África do norte. Havia diferenças de grau, mas para compli car ainda mais o assunto é possível encontrar o que pode ser denominado “orientalistas orientais” . O pro prietário da obra Ban ho turco de Ingres era o di plomata ano Khalil Bey,em ao Paris passocom que Hamd i Bey (18 42cenas -19 10de), um rtis ta turco otom que havia estudado Gérôme, pintou sua apró pria cultura ao estil o ocidental. Parecería que a modernização do impér io oto mano requeria que ele fosse visto através de olhos Ocidentais, ou, de alguma forma, ocidentalizados. Outra distinção importante a ser feita é entre um estilo “romântico” exótico e o que tem sido denomin ado estilo “documental”, “de reportagem ” ou “etnográfico”, que pode ser encontrado em certas pinturas do século 19 sobre o Oriente Médio, assim com o nos primeiros trabalhos d e John White na Virgí nia (fig, 3) ou de panhá-lo John Webber (1752-1798) no Pacífico, pelo ecapitão Cook para acom na sua terceira viagem a fimescolhido de “preservar trazer de volta” imagens das “cenas mais memoráveis das nossas transações”. Exemplos desse estilo etnográfico, o equivalente ao “estilo testemunha ocular” discutido na Introdu ção inclue m Duas mulheres sentadas de Delacroix (fig. 1), o desenho do sultão otomano indo para a mesquita (fig. 2) feito pelo repórter e artista francês Constantin Guys (1802-1892) e a Cena de Rua, Damasco (fig. 67) feita por Alberto Pasini (1 82 6-18 90 ), que incluía cava leiros, ambulantes, f iguras de véu e turbante e uma casa magnífica, sobressaindo-se na rua com as janelas co bertas por treliças, de tal forma que as mulheres dentro da casa podiam ver o que se passava fora da casa sem serem vistas." Mesmo cenas como essas, a despeito do forte “efeito de realidade”, de vem, como fotografias posteriores, ser utilizadas com cuidado como evidên- 1 11 SMIT H, Bernard. European Vision and the South Pacific (I960). 2nd«d. Ne\v Haven: Yale UP, 1985. p. 108-114; ROSENTHAL, Donald A. Orientalism: The Near East in French Painting 1800-80 . Rochester, NY: Memorial Art Gallery o f the University of Rochester, 1982.
162
Estereótipos do outro
67. Alberto Pasini, Cena de rua. Damasco, óleo sobre tela. Museu de Arte da Filadélfia.
cia da vida social no m undo muçu lmano no século 19. Os artistas freqüen temente utilizavam modelos judias porque as mulher es muçulman as eram ina cessíveis. Algumas vezes eles admitiam o que estavam fazendo, como no caso da obra Um casamento jude u no Marrocos (outro trabalho de Delacroix), mas em outras ocasiões não o faziam. A identidade das mulheres em Duas mulheres senta das tem sido freqüentemente discutida. Elas podem ser judias, mas os detalhes do vestuário sugerem que elas são de fato árabes muçulmanas, con firmando a versão de que um francês conhecido do artista, um engenheiro que trabalhava no porto de Argel, persuadiu alguém do seu pessoal de operá rios para que permitisse que Delacroix desenhasse suas mulheres de forma. realista.1" Um ou tro problema da imagem documen tal é o seu foco no qu e é típico, em detrimento do individual. Aquilo que é considerado típico de uma determinada cultura pode ser o resultado de anos de observaçã o, mas também pode ser fruto de uma leitura apressada ou de puro preconceito. O que Said batizou ou rebatizou “orientalismo” é um caso especial de um fenômeno muito mais amplo, a percepção estereotipada de uma cultura por outra ou de indivíduos de uma cultura por indivíduos de uma outra. Ima gens norte-européias feitas sobre o sul, especialmente da Espanha e da Itália, 12
12 YEAZELL, Ruth B. Harems o f the M ind: Passages o f Western Art and Literature. New Haven: Yale UP. 2000. p. 25-28.
163
Capitulo 7
não tão diferentes - especialmente s e o cenário era a Andaluzia ou a Sicilia de imagens do Oriente, poderíam ser descritas como exemplos de “Meridionalismo”. Imagens do extremo norte da Europa, incluindo a Lapònia e a Fin lândia, poderíam ser descritas como “Borealismo”. Imagens européias da Áfri ca desenvolveram-se paralelas a imagens do Oriente. Na América do Norte e do Sul, artistas representaram escravos negros numa forma mais ou menos estereotipada. Entre os retratos mais favoráveis de affo-americanos estava uma série realizada por Eastman Johnson (1824-1906), um nortista, nascido no Maine, que apoiava a abolição da escravatura. Sua mais conhecida abordagem do as sunto, Vida dos negros no sul, foi pintada em 1859, às vésperas da guerra civil americana. A cena dos escravos descansando após o trabalho, um homem to cando banjo, mães brincando com os filhos, um jovem flertando com uma moça encantador a, foi desc rita na época co mo o equivalente pictórico de A cabana do pai Tomás (o romance de Harriet Beecher Stowe havia surgido sete anos antes, em 1852). A obra de Johnson foi elogiada por se tratar de uma au têntica representação “das afeições, do humor, da paciência e serenidade que redimem da brutalidade e ferocidade os civilizados embora subjugados africa nos”. Mais recentemente, as imagens de Johnson sobre affo-americanos têm sido descritas como “não estereotipadas”. Contudo Vida dos negros no sul é composta de poses típicas e atributos - o banjo, por exemplo - associados aos escravos. Eu preferiría dizer que as figuras são estereotipadas de uma form a re lativamente suave e simpática.15 Imagens não européias dos europeus como “o outro” também carre gam um eloqüente testemunho de estereótipo cultural. Os chineses, assim como os europeus, tinham visões de raças monstruosas, como sugerido por algumas gravações em madeira datadas do século 17 (fig. 68), incluindo uma figura fantástica como o clássico Blemmiae (um caso de difusão cultural ou invenção indepen dente?). Uma garraf a japonesa do século 16 (fig. 69 ), tal qual um grupo de telas pintadas, alguns anos mais tarde, mostra os portugueses com seus calções estufados como balões, sugerindo que as roupas dos euro peus - da mesma forma que s eus grandes narizes - eram vistas como particu larmente exóticas. Imagens africanas dos portugueses fizeram algo semelhan te (fig. 7 0). Nesse sentido, podem os falar de “oc identalismo”, mesm o que ele13 13 CARB ONE , Tbresa; HILLS, Patricia (Ed .). Eastman Johnson: Painting America. New York; Brooklyn Museum o f Art in association with Rizzoli International Publicat ions, 1999. p. 121-12 7.
164
Estereótipos do outro
69. Frasco de pólvora com uma imagem japonesa do povo português, século 16. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.
165
Capitulo 7
70. Placa de bronze da nigeriana (Benin), mostrando dois homens portugueses do século 16. Coleção Particular.
nunca fosse o que Said chamou de “uma instituição homogênea” a serviço da domina ção política e eco nô mi ca.14 No Ocidente, a xenofobia era freqüentemente expressa por imagens que aprese ntavam os povos d e outras nações com o monstruosos ou à beira da monstruosidade. O portão de Calais (c. 1748) de Hogarth, por exemplo, está centrado na tradição dos estereótipos ingleses sobre os franceses. O francês emaciado lembra ao espectador que pobreza e monarquia absoluta estavam intimamente ligadas na mente dos britânicos, ao passo que o alegre e gordo frade olhando para a carne, a mão roliça no peito, evoca a imagem negativa dos padres e o que os intelectuais protestantes do século 18 costumavam chamar de “hipocrisia cleric al”.
14 CARRIE R, lames (Ed.). Occidentalism. Oxford: Clarendon Press, 1995.
166
I
Estereótipos Jo outro
i uacit ofc
t ub
Loiipoy cBAUitAJti-omw» H m\
Ví.
IW9 FORCES.
71.
John Tenniel, “Duas Forças” caricatura, de Punch, 29 de outubro de 1881.
Capítulo 7 .
i
Da m esma forma , em caricaturas ingles as e americanas do século 19, os irlandeses eram muitas vezes representados como parecendo macacos, ou, apoiando-se na ficção científica da época, como mo nstr o, trazido à existê ncia pelos britâ nico s, eum quenovo agoraFrankenstein, os ameaçavaum . De al gum modo, essas imagens relembram a tradição de se personificar a rebelião ou a desordem (um dos irlandeses símios desenhados pelo cartunista John Tenniel na figura 71 usa um chapéu onde está escrito “Anarquia”). De qual quer form a, o im pulso xenófob o é inco nfundível.15
O OUTRO EM NOSSO PRÓPRIO PAÍS Um processo semelha nte de dife renciação e distanciamento ocor re n o interi or de uma determinad a cultur a. O s hom ens têm muitas v ezes se defi ni do, em contraste à imagem da mulh er, afir mando, po r exempl o, que “hom ens não choram”. Os jovens definem-se em contraste com os velhos, a classe mé dia, com a classe trabalhadora,'o norte (seja na Inglaterra, Franç a ou Itália) em contraste com o sul. Essas diferenças estão materializadas em imagens, de forma que pode ser interessante falar do “olhar masculino”, por exemplo, ou do “olhar urbano”. Certos artistas especializaram-se n a prod ução de imagens do CÁltro, com o David Tenier, o jov em, que pintava bruxas, cam poneses e alquim istas, ou tro alvo favorito dos hum oristas da épo ca.16 Essas diferenças tomam-se mais visíveis em imagens polêmicas, religio sas ou políticas, mas não há uma linha bem definida entre a caricatura polêmi ca e distorções inconscientes, uma vez que o caricaturista tanto apela para, quanto reforça, preconceitos existentes. O ponto pode ser ilustrado por repre sentações de judeus em pinturas e impressos na Alemanha e em outros lugares a partir da Idade Média (visto que a cultura judia é antiicônica, normalmente não é possível comparar ess as representações com auto-imagens de j udeu s ou imagens judias dos não judeus). U m estudo recente desenvolvido pela historia dora americana Ruth Mellinkoff observa como os judeus eram considerados “outros” na arte medieval. Eles eram representados em amarelo, por exemplo, usando cartolas ou chapéus pontudos e fazendo gestos vulgares, tais como exi ts CUR TIS JR, L. Perry. Apes and Angels: The Irishman in Victorian Caricature. Newton Abbot David and Charles, 1971. 16 DAVIDSON, Jane P. D avid T eniers th e Younger. London: Thames and Hudson, 1980.
1A8
Estereótipos do outro
bindo as línguas. Eraqi freqüentemente mostrados física e moralmente próxi mos ao demônio. Sua sub-humanidade era demonstrada aos espec tadores atra 8 vés da associação dos judeus com porcos e a imagem recorrente do Júdensau.171 Algumas dessas associações reaparecem em outros contextos. Nas cari caturas p roduzidas durante a revolução frances a, o rei Luís XV I e ra ò casionalmente retratado como um porco. Também em forma de porcos aparecem os capitalistas obesos e abomináveis nas pinturas de Georg Grosz (1893-1959), por exemplo, ou de Diego Rivera. Distorções menos grosseiras e talvez menos conscientes p odem ser encontradas em muitas imagens de mulher es - produ tos do olhar masculino - que as represen ta como estranha s, sejam as imagens sedutoras ou repulsivas. Imagens de prostitutas são o exemplo mais claro de estereótipo s alienantes. No ângulo sedutor, há o exemplo imed iato de Man et, cuja famosa obra Olímpia claramente evoc a a imagem d as odaliscas do (M en te. No sent ido oposto, pode-se citar E dgar Degas ( 18 34 -19 17 ), cujas imagens, enfatizando ás características menos atraentes das mulheres, têm sidq descri tas com o “brutais e brutalizantes”, ou as de Grosz, que caricat urou as mulhe res da cidade como harpias predadoras.18 1 Um caso ainda mais extremo do “estranhamento” da mulher po r parte do homem é a imagem da bruxa, usualmente feia e muitas vezes associada a animais, como cabras e ga tos bem com o ao diabo. Uma gr avação em madeira feita pelo artista alemão Hans Baldung Grien representa uma bruxa como. uma mulher nua voando pelos ares nas costas de uma cabra. Nos séculos 16 e 17, bru xas' estavam com eçand o a ser representadas mais freqüen temen te como cozinhand o o u devorando bebês. A acusação é recorrente em textos da época, mas a mudança n a imagem visual da bruxa pode ter surgido em parte como resultado do que podería ser denominado de “contaminação” pelas
17 TRACHTE NBERG, loshua. The D evil and the Jews: The Medieval Conception o f the Jew and its Relation to Modem Antisemitism. New York: Yale UP, 1943. p. 67; GILMAN, Sander L, T he Jew ’s Body. New York: Routledge, 1991; MELLINKOFF, Ruth. Outcasts: Sign s o f Otherness in Northern European Art of the Later Middle Ages. Berkeley: University of California Press, 1993; HASSIG, Debra. The Iconography of Rejection: Jews and Other Monstrous Races. In: Image and B elief. Edite d by Colum Hourihane . Princeton, NJ: Index of Christian Art, Dept, o f Art and Archaeology, Princeton University in association wit h Princeton UP, 1999. 18 DUPRAT, Annie. La dégradation de l’image royale dans la caricature révolutionnaire. In: VOVELLE, Michel (Ed.). Images de la Revolution Française. Paris: Publications de la Sorbonne, 1988. p. 167-1 75, ARMST RONG , C. M. Edgar Degas and the Representation o f the Female Body. In: Th e Fem ale Bo dy in Weste rn Cultur e. Edited by S. R. Suleiman. New York: (s.n.J, 1986; CLAYSON, Hollis. Painted Love: Prostitution in French Art of the Impressionist Era. New Haven: Yale UP, 1991.
169
Capitulo 7
72. Uma gravado em madeira do início do século 19 mostrando uma bruxa.
imagens de canibais no Brasil e em outros lugares, conforme se discutiu ante riormente. Imagens literárias e visuais algumas vezes desenvolvem-se inde pendentemente ou de forma semiindependente uma da outra. A metamorfo se final da bruxa, nos séculos 18 e 19 transformou-a numa velha usando um chapéu pontudo, com uma vassoura (fig. 72), rodeada por pequenos demô nios, a imagem que persiste até ho je na imagina ção pop ular.1'1 Como no caso da acusação de devorar bebês, dirigida tanto a bruxas quanto a judeus, o chapéu pontudo nessa gravação, e o nariz adunco da mulher, ilustram a migração de estereótipos. O chapéu pode não mais evocar imagens de judeus, mas no passado evocava. A evidência para essá afirmação inclui a lei promulgada em Buda, em 1421, que estabelecia que qualquer um que fosse pre-19
19 DAVIDSON, lane P. The W itch in Northern European An . London: [s.n.], 1987, cf. HULTS, Linda C. Baldung and the Witches of Freiburg: The Evidence of Images. Jou rn al o f Inter-D isciplinary History XVIII , p. 249-276, 1987-1988 e Z1KA, Charles. Cannibalism and Witchcraft in Early Modem Europe: Reading the Visual Evidence.H istor y W orkshop J ourn al XUV , p. 77-106,1997.
170
Estereótipos tio outro
so pela primeira vez sob acusação de bruxaria era obrigado a aparecer em pú blico usando um chapéu chamado “chapéu-de-judeu”. Na Espanha do início da época moderna, hereges presos pela Inquisição eram obrigados a usar chapéus semelhantes. A confusão entre bruxas e judeus é reveladora e testemunha uma idéia geral do Outro e do que tem sido chamado de “um código visual geral expressivo de sub-humanidade”.MA desumanizaçào é certamente o ponto de as sociaçã o de outros grupos co m animais - macacos, porcos, cabras ou gatos —em imagens e também em insultos verbais.
O CAMPONÊ S GROTES CO Para um outro estudo de caso de imagens do outro na própria cultura podemos nos voltar para representações urbanas dos habitantes do campo.
73. Pieter Brueghel, o velho. Banquete de casamento do camponês Museu Kunsthistorisches, Viena.
, c.1566, óleo sobre tela.
20 HASSIG, Debra. The Iconography of Rejection: Jews and Other Monstrous Races. In: Image and Belief. Edited by Cotum Hourihane. Princeton, N): Index of Christian Art, Dept , o f Art and Archaeology, Princeton University in association with Princeton UP, 1999. p. 33.
171
Capitulo 7
A partir do século 12, imagens ocidentais de pastores e camponeses freqtientemente os representavam de maneira grotesca, distinguindo-os assim claramente das pessoas de status mais elevado que iriam observar as imagens. Certos exemplos notáveis da Inglaterra do século 14 podem ser encontrados nas páginas do fam oso Luttrell Psalt er. A disseminação de tais represe ntações negativas de camponeses nos séculos 15 e 16, retratarido-os com corpos obe sos, de baixa estatura e em gestos vulgares, sugere que a distância cultural en tre a cidade é o ca mpo estava aum entan do com a urbanização .21 Algumas das mais memoráveis dessas imagens ocorrem nas pinturas de Pieter Brueghel, o velho, ele próprio um habitante da cidade e simpatizante dos humanis tas, e sugerem qüe se supunha que as pinturas fossem vistas com o c on tribuições a uma tradiç ão de sátira urbana.22 O famoso Banquete de casamento do camponês (fig. 73 ) pode à prim eira vista parecer um exemplo da “arte de des crever” (Capítulo 5), mas alguns pequenos detalhes sugerem uma intenção cô mic a ou satírica. H á a criança em prim eiro plano, por ex emplo, usando um cha péu muito grande par a ela; o homem no extremo da mes a enterrando a cabeça n<> jarro; e talvez o hom em que carrega os pratos com uma c olher n o chapéu (provavelmente um sinal de vulgaridade no século 16, comó o lápis atrás da ore lha na G rã-Bretanh a há uma geração). E ssa tradição cô mica foi leva da até o sé culo 17 nas imagens de feir as de camponeses e de camponeses dançando em estalagens, bebendo, vomitando e brigando. Seria um erro homogeneizar uma tradição que deixava espaço para variações individu ais. Com o sugerido por um crític o, “as pinturas de Adriaen Brouwer e o s últimos trabalh os,de Adriaen van Ostade apresentam imagens m uito diferentes do campesinato - uma, rude e não civilizada; outra, próspera e antes estupidamente auto-satisf eita”.23No e n-. tanto , a tradição visual negativa era disseminada e poderosa. Nos séculos 18 e 19, essa tradição foi gradualmente substit uída por ou tra. O camponês — com o o “selvagem” - foi enobrecido e idea lizado (veja
21 CAMILLE, Mich ael. M irror in Parchm ent. The Luttrell Psalter and the Making òf Medieval England. London: Reaktion Books, 1988. p. 210; MELLINKOFF, Ruth. Outcasts: Signs of Otherness Press, in Northern Art of the Later Middle Ages. Berkeley: University of California 1993. p.European 231. 22 ALPERS, Svetlana. Realism as a comic mode: Low-life painting seen through Bredero’ s eyes. Simiolus VIII, p. 115-39,1975-1976; MIEDEMA, Hessel. Reatysm and Comic Mode. Simiolus IX, p. 205-219, 1977; SULLIVAN, Margaret, B rueg hel’s P easants. Cambridge: Cambridge UP, 1994. 23 SUTTON, Peter C. Pieter de Hooch. Oxford: Phaidon, 1980. p. 42.
172
Estereótipos do outro
acima). Por outro lado, como no caso de alguns pintores “orientalistas”, o olhar do artista não era idealizador nem grotesco, mas etnográfico, voltado para uma representação fiel das vestimentas e costumes (o termo espanhol para descrever esse tipo de pintura ou literatura era costumbristà).24 O olhar etnográfico também pode ser percebido muitas loucas, fotografias dos fosse séculos e 20 retratando trabalhadores, criminososem e pessoas embora ge19 ralmente menos objetivo e menos científico do que acreditavam seus prati cantes. Os fotógrafos - a classe média tirando fotografias de trabalhadores, a polícia fotograf ando, crimino sos e os sãos fotografando os insanos - geral mente concentravam-se em aspectos que eles consideravam típicos, reduzin do as pessoas individuais a espécimes de tipos a serem exibidos em álbuns como borboletas. O que eles produziam foi denominado por Sander Gilman de “imagens de diferença”.25O paralelo com a idéia dos ocidentais produzindo imagens do beduíno ou do sikh é bastante óbvio. O explorador David Livings tone pediu a seu irmão Charles, que estava fotografando, para “registrar bem espécimes característico s das diferentes tribos ”.26 De alguma form a, o oposto da visão das raças monstruosas, o olhar científico, perseguindo a objetivida de, pode ser quase igualmente desumanizador. Imagens do outro, carregadas de preconceitos e estereótipos, parecem m i nar a idéia de que vale a pena considerar com seriedáde a evidência fornecida por elas. Mas, como sempre, precisamos fazer uma pausa e perguntar: evidência de quê? Como evidência do que outras culturas ou subculturas realmente eram, muitas das imagens discutidas nesse capítulo não possuem muito valor Por ou tro lado, o que elas realmente documentam muito bem é um encontro cultural e as reações a esse encontro p or m embros de uma determinada cultúra. Num nível mais profundo, essas imagens podem ter ainda mais para nos revelar sobre o Ocidente. Muitas das imagens aqui examinadas represen taram o outro como uma inversão do eu. Se a visão do outro é mediada por estereótipos e preconceitos, a visão do eu implicada por essas imagens é ainda mais indireta. Contudo, oferece precioso testemunho se ao menos pudermos aprender como lê-las. A observação de Ruth Mellinkoff sobre a Europa .do
24 BRETTELL , Richard R.; BRETT ELL, Caroli ne B. Painters and Peasants in the Nineteenth Century. Geneva: Skira, 1983. ~ 25 GILMAN, Sander L. H ealth a nd Ill ness: images o f Difference. London: Reaktion Books , 19 95. 26 RYAN, J. R. Picturi ng E mp ire. London: Reaktion Books, 1997. p. 146.
173
Capítulo 7
norte no final da Idade Média certamente tem uma aplicação bem mais am pla. “Um a ma neira de penetrar no âma go dessa s ociedade e da su a men talida de é questionar c om o é onde foram estabelecidas as fr onteiras que distinguem quem está dentro e quem está fora.” O que as pess oas num determinado lugar e tempo vêem como “sub-humano” nos revela muito a respeito da maneira com o elas vêem a condiçã o hum ana.27
27 MELLINKOFF, Ruth. Outcasts: Signs of Otherness in Northern European Art of the Later Middle Ages. Berkeley: University of Californ ia Press, 19 93. p. li.
174
C apítulo 8
N ar r at iv as v isu a i s
Toda im agem conta um a hist ória.
Até aqui este livro teve pouco a dizer sobre acontechjnentos históricos. Imagens têm evidência a oferecer sobre a organização e o cenário de aconte cimento s grandes e pequenos: batal has, cercos; rendições; tratados de paz; gre ves; revoluções; concílios da igreja; assassinatos; coroações; as entradas de go vernantes ou embaixadores em cidades; execuções e outras punições públicas, e assim por diant e. Cite-se, por exemplo, a pintura do Co ncilio de Trento reu nido na catedral feita por Ticiano, na rendição de Breda pintada-por Veláz quez, na coroação de Napoleão, segundo David, nos pelotões de fuzilamento pintados por Goya e Manet, na punição dos hereges num auto da fé em Ma dri em 1680, como vista pelo pintor Francisco Rizi. A era do daguerreót ipo produziu imagens memor áveis, tai s com o o en contro dos cartistas em Kennington Comm on em 1848 (fig. 74), q ue registra a aparência ordeira da classe média via como um momento subversivo. Na era da fotografia, a lembrança de determinados acontecimentos tómou-se cada vez mais intimamente associada com suas imagens visuais. Em 190 1, um im portante jor nalista brasileiro, Olavo B ilac, previ u que sua profiss ão estava con denada porque a fotografia logo substituiría a descrição através da escrita de qualquer recente acontecim ento. Na era da televisão, a percepção de aconte ci mentos em curso é virtualmente inseparável das imagens mostradas na tela. A quantidade dessas imagens e a velocidade com a qual elas se transmitem são novidades, mas a revolução televisual na vida cotidiana não nos deve fazer es quecer a importância de imagens de acontecimentos em períodos anteriores.
175
Capitulo 8
74. William Edward Kilburn, O grande encontro dos cariistas cm Kennington Common, 10 de abril de 1848, daguerreótipo. Castelo de Windsor, Berks.
Na era do cinema, tornou-se possível para os espectadores imaginarem que estavam assistindo à ascensão de Hitler. Antes da câmera, gravações em madeira e gravuras já desempenhavam funções semelhantes.
I magens
d e a co nt e ci m e nt os
correntes
No início deste livro (Introdução), sugeriu-se que uma das mais impor tantes conseqüências das imagens impressas foi tornar possível a produção de imagens de acontec imento s em curso e a sua venda enquanto a lembra nça des ses eventos ainda estava ainda recente, transformando essas imagens no equi valente pictórico de jornais ou folhas de notícias, uma invenção do início do século 17. Algumas imagens desse tipo podem ser encontradas em períodos
176
Narrativas visitais
anteriores, imagens de Lutero na Dieta de Worms, por exemplo, ou da coro ação de Carlos V em Bolonha. Entretanto, a produção aumentou consideravelmente durante a Guerra dos Trinta Anos ( 16 18 -1 64 8), na qual tantos e uropeus envolveram-se em todos os níveis da sociedade. Gravuras ilustravam as folhas de notícias contando os principais acontecimentos da guerra à medida que acon teciam, ou eram vendidas separadamente, como as imagens do incêndio da ci dade de Oppenheim em 1621, ou o assassinato do general Albrecht von Wal lenstein em 1634, ambos ilustrados por um dos principais artistas gráficos da época, Matthaus Merian (1593-1650).' Certas pinturas também eram encomendadas precisamente a fim de com emo rar acontec imentos em curso. A revolta de Nápoles em 1647, por exemplo, liderada pelo pescador Masaniello, foi registrada numa pintura de
75. Gerard Ter Borch, A prestação de Juram ento da ratificação da paz de Münster em 15 de maio d e 1648 , óleo sobre cobre. National Gallery, Londres.1
1 COUP E, William A. The German Illustrated Broadsheet in the Seventeenth Century. Baden: Heitz, 1966. 2 v. t
Baden
177
Capitulo 8
Michelangelo Cerquozzi (1602-1660), feita para .um simpatizante da revolta, o cardeal anti-espanhol Spada. Um conjunto grande de pinturas foi encomen dado por ricos holande ses para com emo rar o Congresso de Westphalia e a Paz de Münster, que finalmente pôs um fim à Guerra dos Trinta Anos, incluindo Oficiantes celebrando a paz de Münster de Bartholomeus van der Heist; A proclamação da p az de Münster em Haarlem, de Cornelis Beelt; e A prestação de juram ento da ratificação d a pa z de Münster, de Gerard Ter Borch (fíg. 75). Será possível ver que Ter Borch teve o cuidado de mostra r o m aior n úme ro de participantes possível no mesmo nível, uma tarefa tão importante quanto di fícil, considerando os conflitos de precedên cia que frustr avam as conferências de paz no século 17 e início do 18. Também é interessant e observar a proem inênçia dada aos próprios documentos. / Do me smo mo do, o pintor amer icano John Trumbull (1756-184 3), en corajado po r Thom as Jefferson, Jransformou no trabalho de toda a sua vida a tarefa de representar os acontecimentos mais importantes da luta pela inde pendência. Sua pintura da Declaração de Independência, po r exemplo, ut ilizou infor mação forn ecida po r Jefferson, q ue |tinha participado d o evento; A respeito de outra pintura histórica de Trumbull, tem sido argumen tado que “não é nem pretendia ser o relato de uma testemunha ocular”, uma vez que o pinto r aceitou- as convenções da pintura narrativa em grande estilo, o que significava omitir qualquer coisa que pudesse diminuir a dignidade da cena, nesse caso uma batalha.2Pode-se levantar o m esmo po nto a respeito d as convenções literárias associadas com a doutrina da “dignidade da história”, que du rante muitos séculos exc luiu referências às pes soas comuns. Ter Borch, por outro lado, pintou claramente no estilo testemunha ocular (fig. 75). O artista passou três anos na cidade de Münster durante a conferência de paz, na companhia dos holandeses e mais tarde do emissário espanhol. Sua Ratificação oferece uma descrição sóbria de uma ocasião espe cial. A gravação contemporânea da pintura é descrita na legenda como “uma imagem de extrema exatidão” ( icon exactissima).3 O estilo testemunha ocular tem sua pr ópria retórica, como já vimos (Introdu ção), e Te r Borch bem pode 2 JAFFÉ, Irma B. John Trumbull: Patriot-Artist of the American Revolution. Boston: New York Graphic Society, 1975. p. 89. 3 KETT ERIN G, Alison. Gerard ter Borch’s “Beschwõrung der Ratifikation de s Friedens von Münste r” als Historiebild. In: BUSSMANN, K laus; SCHILLING, Heinz (Ed .). 1648: Krieg und Frieden in Europa. Mu nich: Veranstaltungsgesellschaft 350 Jahre Westftlischer Friede, 1998. p. 605-61 4.
178
Narrativas visuais
ter organizado a cena para que parecesse mais ordenada, como fazem atual mente os fotógrafos de grupos, mas ele se permitiu menos liberdade do que Trumbull. Em qualqu er caso, confer ências de pa z oferecem menos opo rtuni dades do que batalhas para brechas n o cenário,
L endo
na rr at iv as
Pinturas narrativas trazem problemas de sua própria natureza tanto para os pintores quan to para os leitores - a metáfora da “ leitura” de imagens é especialmen te apropriada ne sse caso. Por exemplo, há o problema da represen tação de uma seqíiência dinâmica na forma de uma cena estática, em outras palavras, do uso do espaço para substituir ou para representar o tempo. O ar tista tem de condensar ações sucessivas numa única imagem, geralmente um mom ento de clímax, e o espectador tem de estar consciente des sa condensação. O problema está na representação de um processo enquanto se evita a impres são de simultaneidade.4 A redução de seqüência para cena deixa os espectadores com vários problemas interpretativos, como o da distinção entre partidas e chegadas, ou - como no caso da famosa pintura de Watteau retr atando a loja de um marchand - entre o ato de colocar o retrato de Luís XIV numa caixa ou o de reti rá-lo. Algu mas yezes o con texto oferece a resposta, com o no caso de Watt eau, uma vez que o trabalho foi pintado após a morte do rei na atmosfera muito diferente da R egência. Guardar o ret rato de Luís XIV no po rão faz sentido nes se contexto político, ao passo que tirá-lo para exposição, não. Em muitos casos, antecipando dificuldades como essas, o pintor ofe rece explicações na-forma de inscrições, legendas ou subtítulos (antigamente conhecido como tituli), transforma ndo a imagem no q ue o historiador de arte Peter Wagner chama de “iconotexto” (Capítulo 2). Assim, a primeira cena de Marriage à la Mode (Casamento à moda) de Hogarth, discutida no capítulo anterior, inclui u m papel na mão do pai da moç a onde se lê “Acordo de Casa mento do mu i respeitável Lorde Viscond e Squanderfi eld” que não apenas per4 PANOFSKY, Erwin. Style and Medium in the Moving Pictures. Transition, p. 121-133, 1937; HAUSER, Arnold. The S ocial History o f Art. London: Bigla nd Routledge and K. Paul, 1951.2 v, o último capítulo em 'the film age’; PÀCHT, Otto. Th e Rise o f P ictorial N arrative in TWelfihCentury England. Oxford: Clarendon Press, 1962.
179
Capitulo 8
mite aos espectadores identificar a cena mas também alerta, através do termo “squander” (desperdício, esbanjamento), para a presença da ironia. Leitores de imagens que vivem numa cultura ou num período diferen tes daqueles no qual as imagens foram produzidas se deparam com problemas mais sérios do que leitores contemporâneos à época da produção. Entre os problem as está o da identificação das convenções narrativas ou “ discurso” seja o fato de figuras de destaque poderem ser representadas mais de uma vez na mesma cena, por exemplo (abaixo p. 192), ou o fato de a história ser con tada da esquerda para a direita ou vice-versa, ou mesmo, como no caso de um manuscrito grego do século 6o conhecido como a Gênese de Viena, alternar da esquerda para a direita e da direita para a esquerda. Convenções narrativas também incluem elementos estereotipados que poder íam ser descritos, segun do o modelo de uma análise clássica de narrativas orais, O cantor de contos, de Albert Lord (I 9 6 0 ), c omo “fórmulas” e “temas”. Quando uso o termo “fórmulas”, refiro-me a esquemas em pequena es cala, tais como uma figura numa determinada pose, uma figura típica no sen tido de que seria parte de um repertório do artista e que poderia ser utilizada quando necessário e adaptada a diferentes encomendas. Um exemplo bem co nhecido é o da figura de Cristo sendo descido da cruz, adaptada por pintores do século 18, como visto n o Capítulo 4 , nos casos de Wolfe e Marat. Temas, em contraste, são esquemas em larga escala, cenas “típicas” como batalhas, conse lhos, reuniões, banquetes, procissões e sonhos, elementos recorrentes em nar rativas longas tais como a Tapeçaria Bayeux, que será discutida com detalhes abaixo. Os filmes de Hollywood têm sido freqüentemente criticados como baseados em “formulas”, e essa característica algumas vezes tem sido explicada em termos de produção em massa. Entretanto, é apenas razoável reconhecer que a maioria, se não todas as narrativas, se baseiam em fórmulas de algum tipo, mesmo histórias que tentam supreender a expectativa dos seus leitores. Esse ponto é relevante não apenas para seqüências narrativas, mas também para tentativas de congelar a ação, de captar a história numa única imagem.
I magens
únicas
Na Roma antiga, moe das seguidamente a ludiam a acontecim entos con temporâneos, e algumas vezes seu testemunho desses eventos é tudo o que resta (especialmente em meados do terceiro sécul o d.C ., quando fontes literá-
180
1
Narrativas visuais
76. “Récit Memorable du Siège de la Bastille”, xilogravura colorida. Paris. Biblioteca Nacional da França.
rias remanescentes são escassas).5Tanto a escolha de acontecimentos a serem comemorados quanto a maneira como são apresentados testemunham a na tureza do regime no qual foram produzidos, ao passo que as análises de toda uma série de moedas antigas a longo prazo revela mudanças inconscientes ou no mínimo semiconscientes na percepção de acontecimentos. Na Europa dos séculos 16 e 17, é possível discernir um aumento no nú mero de imagens da vida pública. Um gênero novo, a medalha política, mode lada em moedas antigas, foi desenhada especialmente para comemorar impor tantes eventos públicos. Medalhas eram distribuídas por governos a embaixa dores e outras pessoas importantes. Suas inscrições ofereciam àqueles que as observavam instruções sobre como ler as imagens, da mesma forma que agora possibilitam aos historiadores acesso à maneira como o regime que produziu a moeda via a si mesmo. Em bora o termo ainda não tivesse sido cunhado , as me dalhas produzidas em número crescente para soberanos tais como a impera dor Carlos V e o rei Luís XIV podem com razão ser descritas como fazendo “propaganda”, uma vez que ofereciam interpretações oficiais de eventos especí ficos, bem como os imprecisos elogios de soberanos que haviam sido habituais
5 lONESt A. H. M. Numismatics and H iston1. In: Essays in Roman Coinage presented to Harold M attingly. Oxford: Oxford UP, 1956. p. 13-33.
181
i Capítulo 8
antes daquela época.6É bastante óbvio o triunfalismo das medalhas cunhadas para comemorar eventos tais como a vitória de Carlos V sobre os príncipes protestantes em Míihlberg (1547) ou a travessia do Reno feita por Luís XTV (1672). De for ma similar, a destruição da Armada espanhola foi celebrada e in terpretada na Holanda e na Inglaterra por uma medalha que proclamava que “Deus soprou e eles foram dispersados” (Flavi t et dissipati sunt) . Imagens desse tipo eram, de uma certa forma, agentes históricos, uma vez que não apenas registravam acontecimentos mas também influenciavam a maneira como eles eram vistos na época. O papel das imagens como agentes é ainda mais óbvio no caso das revol uções. Revoluções sempre foram celebradas , por meio de imagens, desde que obtivessem sucesso, como as de 1688,1776, 1789, 1830, 1848, e assim por diante.7Entretanto, pode-se argumentar que a função das imagens é ainda mais importante enquanto a revolução está acon tecendo. Elas têm muitas vezes contribuído para politizar pessoas comuns, es pecialmente - mas não excl usivamente - , em sociedades pouco letradas. Um famoso exemplo de imagem em ação refere-se à tomada da Bastilha, que foi quase que imediatamente representada em materiais impressos'que cir cularam largamente - eles eram baratos,,e quem não tinh a condições de comprálos, podia visualizá-los nas vitrinas de gráficas. Uma dessas imagens já estava à venda em 28 de julho de 1789, ou seja, apenas duas semanas depois do aconte cimento que ela representava. A imagem estava cercada de textos justificando o ataque à fortaleza-prisão. Numa gravação em madeirá posterior, o texto anexo colocava grande ênfase nos- temas da liberdade e do povo, contribuindo assim para a criação do que pode ser denominado de “mito” da tomada da Bastilha, agora apresentada como o símbolo de um antigo regime repressivo. Menos rea lista e mais esquemática, uma “representação partida” (para usar a expressão de Lévi-Strauss), na qual o lado da mão direita refletè o esquerdo invertido, uma se gunda gravação em madeira (fig. 76) tem sido apropriadamente descrita como “uma imagem política religiosa”. Ela de fato está bem no estilo de gravações francesas de santos feitas em madeira, conhecidas como “imagens de Épinal”, que 6 BURK E, Peter. Th e F abrication o f Lou is XTV. New Haven: Yale UP, 1992. p. 4-5. 7 KUNZLE, David. The Early Comic Strip. Berkeley: University of California Press, 1973; LEITH, lames A. The Ide a o f Art as P rop agan da in Fran ce, 1750-1799. Toronto: University of Toronto Press, 1965; Id., Ephemera: Civic Education through Images. In: Revolution in Print. Edited by Robert Damton and Daniel Roche. Berkeley: University of California Press in col laboration with the New York Public Library, 1989. p. 270-289; CLARK, Timothy ). Im ag e o f the People: Gustave Courbet and the 1848 Revolution. London: Thames and Hudson, 1973.
182
Narrativas visuais
ainda eram produzidas em grande número na época e também ao longo do sé culo 19. A peça, ao retratar event os reais, era men os precisa do que outras, porém mais nítida e, sem dúvida, mais efetiva como uma ilustração do mito.’
O QUADR O- BA TAL HA Entre retratos de acontecimentos, a peça de batalha ínerece lugar de destaque. Em parte po r se tratar de um a tradição bastante antiga, pelo m enos tão antiga quanto a batalha de Til-Tuba representada num baixo relevo assí rio do século 8o a.C. E também pelo fato de que, durante séculos, especial mente de 1494 a 1914, tantos artistas europeus criaram imagens de batalhas, geralm emrequisitadas terra , mas algumas vezes no de Lepe anto a Trafalgar. Essas imagensente eram por soberanos, pormar, governos também por publi cações. Se pinturas a óleo eram vistas po r relativamente poucas pessoas, mes mo na era das exibições públicas de arte no século 19, muitas delas tiveram ampla circulação na forma de cópias gravadas. A representação dessas cenas lévantou problemas difíceis, expressos de form a epigramática pelo histqriador br itânic o John Hale: “As batalhas am pli aram-s e. A arte condensava”. Uma possível solução para o problema da am pli ação era concentrar a atenção nas ações de alguns indivíduos, fragmentando a grande narrativa em várias narrativas menores. O pintor Horace Vernet foi criticad o pelo poeta Baudelaire por produzir cenas de batalha que “ consistiam apenas de uma gama de pequenas anedotas interessantes”.’ Como uma crítica de Ver net em particular, o comentário não se justi fica, mas ele realmente destaca um problema recorrente do gênero. A dificul dade de se observar um c omba te de um a pequena dist ância e o desejo de pro duzir imagens heróicas estimulou o uso de figura s típicas, fórmulas tiradas da escultur a clássica (as batalhas represent adas na coluna de Trajano e n o arco de 89 8 REICHARDT, Rolf. Prints: Images of the Bastille. In: Revolution in Print. Edited by Robert Damton and Daniel Roche. Berkeley: University of California Press in collaboration with the New York Public Library, 1989. p. 223-251; cf. LÜSEBRINK, Hans-Jürgen; REICHARDT, Rolf. Die 'Bastille': Zur Symbolik von Herrschaft und Freiheit. Frankfurt am Maim Fischer Taschenbuch Verlag, 1990. 9 HALE, John R. Artists an d W arfare in th e Renaissance. New Haven: Yale UP, 1990. p. 137; PARET, Peter. Imagined Battles: Reflections of War in European Art Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997. p. 5,22; A citação de Baudelaire na página 81.
183
Capítulo 8
Constantino, por exemplo) e também de pinturas mais antigas, “gênero bolo”, com o Hale as denomina, que os arti stas podiam “ retirar do bol o de clichês vi suais quase que automaticamente” 1.0 Para um exemplo da fórmula, ao mesmo tempo literária e visual, poder-se-ia considerar Vida dos artistas inicial mente publi cado em 1550 por Giorgio Vasari (1511-1574), e observar sua descrição do afresco perdido de Leonardo da Vinci retratando a batalha de Anghiari, incluindo o detalhe de dois cavalos “com as patas da frente entrelaçadas, lutando com oS dentes de maneira não menos impetuosa do que a que utilizam seus cavaleiros ao lutar pelo estandarte”. Ao escrever alguns anos antes, o historiador Francesco Guic ciardini (1483-1540) havia incluído em seu relato de uma outra batalha italia na, em Fom ovo, uma expressiva nota de “cavalos lutando co m patadas, m or didas e golpes, não menos que os homens” Mais tarde, no mesm o século, Tor quato Tasso, no poema épico Jerusalém libertada, descreveu o'início de uma batalha com as palavras “cada cavalo tam bém se prepara para lutar”. O uso de tais fórmulas suge re que o objetivo tanto dos poetas quanto dos pintores e his toriadores era representar o ato de lutar de forma tão dramática quanto pos sível e não o de buscar detalhes específicos de determinada batalha. Imagens de combates são uma forma clara de propaganda que oferece a oportunidade de retratar o comandante de uma maneira heróica. As ima gens renascentistas de batalha tenctem a mos trar os pró prios líderes engajados nas frentes de batalha. Imagens posteriores, que corre spondem a. mudanças na organização da s operações militares, mostram o comandante olhando o cam po de batalha após a vitória, como no caso de Napoleão em A batalha de Eylau de Anto ine-Jean Gros (1 771-1 835 )." Diferentemente, como num grande número de cenas de guerra de Luís XTV, encomendadas pelo rei, o comandante é representado observando o pro gresso da batalha do alto de uma colina, recebendo notícias da luta e ordena n do ações de acordo com o que lhe é reportado. Ele e stá literalménte bem com o metaforicam ente acima da batalha. A narrativa foi substituída pelò retrato de um homem de poder contra um cenário militar ou panorama.1 012 10 SALIS, Arnold von. A ntike und R ena issan ce. Zürich: E. Rentsch, 1947. p. 75- 88; HALE, John R. Artists an d W arfare in the Renaissan ce. New Haven: Yale UP, 1990. p. 191. 11 PRENDERGAST, Christopher. N apoleon a nd H istory Pai nting. Oxford: Clarendon Press, 1997. 12 LALUM1A, Matthew P. Realism a nd P olitics in Victo rian Art o f the C rimean War. Epping: [s.n.], 1984. p. 22, 35; PARÈT, Peter. Imagined Battl es: Reflections of War in European Art. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997. p. 41.
184
Narrativas visuais
Com o um gênero pictórico, o panoram a, feito para ser mostrado num espaço circular, surgiu no final do século 18. Cenas de batalha rapidamente conquistaram seu lugar entre as mais populares formas de pano rama , a Batalha d e Abouki r (1799), por exemplo, de Robert Barker (1739-1806), ou a B atalha de Waterloo , de seu filho Henry Aston Barker (1744-1856). Finalmente,
havia- se encontr ado um meio de transmitir ao esp ectador uma idéia da co m -1 plexidade de uma bata lha, se nã o da sua confu são.13 Qualquer discussão sobre o valor de imagens de batalha como evidên cia precisa estabelecer distinções. Algu ns artistas tentaram apenas representar uma batalha g eneralizada. Outros, com o Horace Vernet (17 89 -1 86 3) , filho de Joseph Vernet (discutido num capítulo anterior), deu-se ao trabalho de con versar com participantes da batalha de Valmy sobre suas impressões d^ luta, antes de pintar a cena de batalha. Henry Barker fez o mesmo na sua pesquisa sobre a batalha de Waterloo. No mesmo sentido, certos artistas não possuíam experiência pessoal de luta, porém, out ros, como a suíço Ni klaus Manuel (c .14 84 -1 53 0) , haviam ser vido com o soldados. Alguns fora m enviados ao cam po de baltalha precisamen te a fim de testemunhar e registrar os acontecimentos. O pintor flamengo Jan Vermeyen (c. 1500 -1559) foi envi ado para ac ompanha r o imperador Carlos V na sua expedição, à África do Norte por essa razão, ao pa sso que outr o flame n go, Adam van der Meulen (163 2-16 90 ), acom panhou Luís XTV em campanha.. Nos séculos 19 e 20 o artista de guer ra, còmo o fotógrafo de guerra, torno u-se uma instituição. Por exemplo, Louis-Franço is Le Jeune foi testemunha ocular da batalha de Marengo no no rte da Itália em 1800, onde Napoleão derrotou os austrí acos, e registrou suas impressões em esbo ços feitos no loc al.14O fotógra fo Mathew Brady testemunhou a guerra civil americana e realizou um conjunto de foto grafias que ele descreveu como “uma histó ria pictoria l completa da luta da no s sa nação”. Na época, Brady foi elogiado por essas fotos, “que terão mais impacto do que as 4escrições mais elaboradas”, como previu um contemporâneo seu, “para perpetuar as cenas daquela breve campanha”. O veredicto de um outro contemporâneo sobre Brady foi que “ele está para as campanhas da república como Vandermeulen esteve para as guerras de Luís XIV”.15 13 COMMENT, Bernard. The Panora m a (1993). London: Reaktion Books, 1999. (Tradução inglesa). 14 MARRINAN, MichaeL Painti ng Polit ics fo r Louis P hilippe. New Haven: Yale UP, 1988. p. 187. 15 TRACHT ENBERG, Alan. Reading Am erican P hotogr aphs : Images as History, Mathew Brady to Walker Evans. New York: Hill and Wang, 1989. p. 72.
185
Capítulo 8
Da mesma form a, a guerra da Criméia (18 53- 18 56) foi “reportada” vi sualmente pelo pintor francês Constantin Guys e também por um verdadèiro pelotão de artistas britân icos, envi ados por jorna is, marchands e editores entre os quais Edward Armitage, Joseph Crowe, Edward Goodall e William Simp son .16 O fo tógrafo Roger Fenton tam bém estava em serviço. A part ir dessa época, nenhuma guerra importante prescindiu de seu corpo de fotógrafos ou, mais recentemente, suas equipes de televisão. Revendo imagens ocidentais de batalha d o século 16 ao 20, destacam -se duas grandes mudanças. A primeira, iniciada no século 16, mas melh or explici tada no 17, foi um a mudança na fprma de representar “uma” batalha, qualquer batalha, para uma preocupa ção com um acontecimento único, digamos a bata lha de White Mountain ou a batalha de Waterloo, com sua estratégia e táticas es pecíficas. Essa mudança deu-se, em parte, como resultado de um crescente in teresse no registro visual, exemplificado po r uma ampla gama de imagens, des de desenhos de plantas até esboços da vida cotidiana em outras culturas. A mudança também correspondeu a modificações na arte bélica, a cha mada “revolução militar”. Após a invenção do treinamento militar, as batalhas podiam ser vistas menos como uma aglomeração de combates individuais e mais como ações coletivas nas quais grupos de soldados marchavam, ataca vam ou atiravam como se fossem um único homem. A nova tendência picto rial, acompanhan do os desenvolv imentos militares , era mostrar uma cena que podia ser lida como um diagrama - e foi na verd ade influenciada pelos dia gramas impr essos em livros sobre a arte da guerr a.17Uma outra forma de des crever a mud ança no estilo é dizer que image ns “quentes”, que se supunha e n volveríam emociona lmente o espectador, estavam sendo substituídas ou, pelo menos, complementadas por imagens “frias” que objetivavam informar. O ganho em legibilidade obtido pelo novo estilo de peça de batalha não deveria ser igualado a um ganho em termos de realismo. Com efeito, ele pode ter sido alcançado à custa do realismo, atra vés de uma recusa deliberada de le var em c onsideração a confusão ou “amplia ção” das operações militares n a rea lidade. A mudança nas convenções da narrativa visua l permit iu que mais in for 16 LALUMIA, Matthew P. Reali sm a nd Politi cs in V ictorian Art o f the Crim ean War. Epping: [s.n.], 1984, super enfatizando o lugar da Guerra de Crimea n neste desenvolvimento, p. 5455,69,107. 17 OMAN, Charles C. Early Military Pictures. A rch aeolo gical Jou rn al XCV, p. 337 -35 4, esp. p. 34 7,1 93 8; CEDERLÕP, Olle. The Battle Painti ng as a Historic al Source. Revue Internationale d'H istoire M ilitaire XXVI , p. 119-144,1967.
186
N arrativas visuai s
mações de um determinado tipo pudessem ser c omunicadas, à custa de um ou tro tipo de informação menos visível do que antes, privilegiando o que se su punha ter acontecido e m vez daquilo qu e realmente acontecerá. Mais uma vez, os historiadores precisam estar alerta para não tomarem imagens idealizadas pela realidade que elas dizem representar. A segunda maior mudança em imagens de batalha foi a alteração de um estilo heróico para um anti-heróico ou real. Não se deve estabelecer uma data muito precisa para essa alteração, a guerra da Criméia, por exemplo, uma vez que estilos alternativos coexistiram em diferentes tendências ao longo dos sé culos. A “cena de batalha sem herói”, por exemplo, já estava sendo produzida em Nápoles em meados do século 17. No máximo podemos falar de uma revi ravolta gradual contra o que o escritor am ericano Stephen Crane, que foi, além de escritor, fotógrafo (1871-1900), mais conhecido por seu relato não heróico da guerrá em The red badg e.of courage (A medalh a vermelha da coragem), cha mou de “as distorções românticas de gerações de pinturas de batalhas”.1891 Os horrores da guerrá - algumas vezes enfatizados pelos artistas do lado derrotado numa espécie de contra-ofensiva vis ual - foram m ostrados em impressionantes detalhes nas água-fortes de Jacques Callot (c. 1592-1635) e Francisco de Goya (1746-1828). Nás séries de água-fortes publicadas por Cal lot em 1663, Les misère s et les malheurs de la guerre (As misérias e as tragédias da guerra), o artista mo stra cenas com o a destruição de um convento, o saque de uma fazenda e o incêndio de u m vilarejo, junto com a p unição de solda dos indisciplinados por enforcamento, pelo pelotão de fuzilamento, na fogueira e no suplício da roda. Depois de 1800, esses horrores invadiram a própria cena de batalha, como no famoso close do agonizante granadeiro prussiano em A batalha de Eylau, ou a famosa fotografia da batalha de Gettysburg na guerra civil amer i cana, Uma colhei ta d ê morte (fig. 5 ), ou algum ís da? imagens da guerra da Cri méia feitas por artistas britân icos que haviam eles mesmos observado su as condições. Alguns poucos artistas e fotógrafos permaneceram nos limites do estilo heró ico, mas outros rep resentaram soldado s comuns, inválido s ou gene rais apanh ados em atitudes não her óic as.1’
18 SAXL, Fritz. A Battle Scene without a Hero. Journ al o f the W arburg an d C ou rtau ld Institu tes III, p .7 0 -8 7 ,1939-1940; Ste phen Crane apud WA1CUTT , C. Am erican N aturalism. London: [s.n.], 1956. p. 89. 19 LALUMIA, Matthew P. Realism an d Politics in Victor ian Art o f the Crim ean W ar. Epping: [s.n.], 1984. p.67,71.
187
77. Hung Cong Ut, Ataque de Nap alm, 1972, fotografia.
O estilo heróico sobreviveu à Segunda Guerra Mundial em certos lu gares, em pinturas encomendadas por clubes de oficiais britânicos, por exem plo, ou pelo governo da União Soviética. Entretanto, nessa época, a maioria dos artistas e fotógrafos de guerra do século 20 estava expressando os valores de cul turas civilistas, democráticas ou populistas na escolha de estilos alternativos. As batalhas eram cada vez mais vistas de baixo. Gassed (Gazeados) ( 19 19 ), de lohn Sargent, como a famosa fotografia de Rober t Capa de um soldado de infantaria republicano espanhol (Capítulo 1, fig. 4), representa a tragédia do soldado co mum, ao passo que a igualmente celebrada fotografia de Hung Cong Ut, Napalm Attack (Ataque de Napalm), mostrando crianças vietnamitas, uma de las completamente nua, correndo pela estrada e gritando (fig. 77), apresentava as conseqüéncias da guerra para os civis.20 Historiadores usando essas imagens como evidência deparam-se com a habitual bateria de problemas. O problema de fotografias fabricadas, por
20 BROTHERS, Caroline. War ami Photography. p. 178-185.
188
A Cultural History. London: Routledgc, 1997.
Narrativas visuais
exemplo, discutido anteriormente (Capítulo 1) com base em exemplos mili tares e outros. No caso da pintura de batalha heróica, as pressões dos que encomendam - freqüentemente príncipes o u generais - precisam ser lembra das, ao passo que no caso da fotografia anti-heróica, o historiador não pode se dar ao luxo de esquecer as pressões de editores de jornais e estações de televi são, preocupados com h istórias qu e tenham “interesse huma no”. Mesmo assim, imagens freqüentemente revelam detalhes significativos que reportagens ver bais omitem. Elas oferecem aos espectadores distanciados no espaço ou no tempo algum senso da experiênc ia de batalha em diferentes períodos. E las tam bém atestam de forma nítida as mudanças das atitudes em relação à guerra.
AS SÉRIES Alguns dos problemas que surgem da tentativa de transformar uma história numa cena podem ser evitados com a exposição de duas ou mais imagens do mesmo acontecimento. A antítese, tão eficazmente empregada por Cranach (Capítulo 3) - ou por Hogart h em seus contrastes entre Beer Street e Gin Lane o u en tre os aprendizes laboriosos e o s preguiçosos - pode ser adaptada para a narrativa do “antes” e “depois”. Um lugar comum, mais tarde, na história da publicidade, a técnica já estava em uso em 1789 para ilustrar as conseqüéncias da Revolução Francesa. No primeiro de um par de imagens impressas anônimas, um camponês cambaleia sob o peso de um pa dre e um nobre. No segundo, ele cavalga nas costas deles e anuncia que sem pre soube que um dia chegaria sua vez (como no caso das medalhas, o uso de um texto como guia para a leitura de materiais impressos de cunho político vale a pena ser considerad o). Pares de imagens de sse tipo solicitam análise es trutural em termos de oposições binárias, embora também se possa argu mentar que a existência desses materiais impressos implica que o estruturalismo não é realmente algo novo (Capítulo 10). Os gráficos políticos representando incidentes na revolta dapouco Holanda (1568-1609) e as guerras de religião na França (1562-1589) eram um mais complexos. Por exemplo, a ilustração dos assassinatos “bárbaros e cruéis” da poderosa família dos Guise, ordenados pelo rei Henrique III da França, di vidia a história em oito cenas, incluindo dois closes dos corpos dos irmãos Guise trespassados por adagas e alabardas. Uma imagem desse tipo sensibili za o historiador-espectador para a tentativa de apelar para as emoções das
189
Capítulo 8
pessoas comu ns na época, a “retórica d o ódio” também revelada na lingua gem dos panfletos da época, e assim m ostra um aspecto impor tante do c onflito .21 Para narrativas ainda mais complexas podem os considerar um a série de imagens ilustrando diferentes episódios numa guerra ou num reino. Callot, por exemplo, dedicou s eis água-f ortes, publicadas em 1628, ao c ercó espanhol de Breda na Holanda, e mais sei s, publicadas em 1631, ao cerco da cidade fran cesa protestante de La Rochelle pelas tropas do rei Luís XIII. Imagens feitas com propósitos de propaganda freqüentemente empre gavam o recurso da série. Jan Vermeyen, por exemplo, representou a campa nha do imperador Carlos V na África do N orte em desenhos para tapeça rias que mostravam incidentes tais como o imperador reunindo suas forças em Barcelona; a queda da fortaleza de La Goleta; o ataque a Tunis e a libertação de 20.000 cristãos cativos. Da mesma forma uma série de tapeçarias foi reali zada para celebrar as vitórias de Luí s XIV, um a série conhecida na época co mo “a história do rei” (VHisto ire du r oi)” (Os inimigos1de Luís, os britânicos e os holandeses encomendaram uma série rival de tapeçarias retratando a vitória do duque de Marlborough). Gravuras das trezentas medalhas avulsas emitidas para glorificar os eventos do reino de Luís XTV foram reunidas num livro in titulado a história “medá lica” (ou “metálica”) do reino. Elas se constitu em em testemunhos vivos da “versão oficial” da história da França sob o reino de Luís, a maneira como o regime queria que os acontecimentos fossem percebi dos e lembrados.22 T
i r a s na rr a ti v as
De uma série de imagens distintas, falta apenas um passo para uma tira contínua, como os relevos assírios de Nínive, a procissão no friso do Partenon ou a coluna de Trajano em Roma, onde os relevo s em espiral em volta da colu na contam a história das campanhas romanas contra os Dácios (101-106 d.C.). Á partir da Renascença, as esculturas nas colunas de Trajano têm sido usadas 21 KUNZLE, David. The Early Comic Strip. Berkeley: University of California Press, 1973; ANGLO, Sydney. A Rhetoric of Hate. In: CAMERON, Keith (Ed.). M on taign e a n d his Age. Exeter: University of Exeter, 1981. p. 1-13. 22 HORN, Hendrik J. fa n Corn elisz Vermeyen : Painter of Charles V and his Conquest of Tunis. Doornspijk: Davaco, 1989.2 v.; BURKE, Peter. Th e Fabrication o f Louis XIV. New Haven: Yale UP, 1992. p. 97.
190
Narrativas visuais
com o fontes não apenas para a históri a da campanha, mas também para a do vestuário e do equipamento do exército romano. No século 16, a importância dos cortejo s tanto, na vida política com o na religiosa, junto com o desenvolvi mento da arte da gravura, encorajaram a produção de várias tiras impressas ilustrando acontecimentos como a chegada de Carlos V em Bolonha para sua coroação (1530) e a procissão do doge de Veneza pelas ruàs da cidade por oca sião dos festivais mais importantes. No caso da entrada imperial em Bolonha, houve até o equivalente a uma trilha sonora, uma referência no texto anexo aos gritos de “César” por parte dos espectadores. Imagens desse tipo, gravadas ou pintadas, como no caso do Registro do Grande-Torneio, de 1511, são extremamente úteis na reconstrução dos aconteci mentos , embo ra não se possa assumir que sejàm registros completos ao invés de resumos do que ocorreu. Elas são ainda mais úteis para a reconstrução do que deveria ter acontecido, uma vez que os rituais nem sempre se realizam de acor do com o planejado. Aqui, como èm toda a parte, o elemento de idealização no registro pictorial não deve ser esquecido. Nem se deve esquecer o elemento de propaganda, uma vez que as gravuras da coroação de Carlos, por exemplo, foram encomendadas por sua tia Margaret da Áustria. Bolonha era uma cidade papal, e a relativa proeminência das comitivas imperial e papal era um assunto para de licadas negociações na época. As gravuras dão a impressão de que o imperador tinha umà posição favorecida, mas confiar no testemunho dessas imagens a res peito de um assunto tão controvertido seria temerário, para dizer o mínimo.23
A T apeçaria
B ayeux
Uma tira narrativa excepcionalmente importante, com mais ou menos 70 metros de comprimento, é a Tapeçaria Bayeux, e seu testemunho tem segui damente sido usado por historiadores interessados na conquista da Inglaterra pelos normandos e nos eventos que levaram a essa conquista. Relatos moder nos da batalha de Hastings, por exemplo, geralmente descreve m a m orte do rei Hàrold como resultante de um ferimento feito com uma flecha que lhe furou o olho. O detalhe provém em primeiro lugar não de uma fonte literária, mas de . 23 ANGLO, Sydney (Ed.). Th e G reat Tournament R oll o f Westminster. Oxford: Clarendon Press, 1968. esp. p. 75-79; JACQUOT, Jean (Ed.). Fètes et .Cérem onies au temps d e C harles Q uint. Paris: Editions du Centre natio nal de la recherche scientifique, 1960.
1 91
Capitulo 8
78. Detalhe da morte do rei Harold durante a batalha de Hastings, da Tapeçaria Bayeux, c. 1100. Museu da Tapeçaria, Bayeux.
uma cena na Tapeçaria Bayeux (fig. 78) na qual vemos um guerreiro tentando tirar uma flecha do olho com uma inscrição onde se lê “aqui o rei Harold foi morto” (HIC HAROLD REX INTERFECTUS EST). A história aparece pela primeira vez numa fonte escrita por volta do ano de 1100, mas a versão escrita pode muito bem ter sido inspirada por uma leitura da imagem, uma leitura memorável na qual até mesmo a inscrição, como observado por um comentarista recente, “é agressivamente penetrada pelas estocadas das lanças e flechas dos normandos”. A despeito da inscrição, o significado da cena não é completamente claro. Alguns estudiosos têm argumentado que a imagem não representa Harold de maneira alguma, e que o rei moribundo é na verdade representado pela figura que está no chão à direita do guerreiro. Por outro lado, ambas as figuras podem representar Harold, uma vez que as mortes de seus irmãos Leofwine e Gyrth também são mostradas duas vezes. Duplas imagens desse tipo são um recurso narrativo bastante comum para representar o passar do tempo, os dois “instantâneos” representando dois momentos diferentes da mesma história. O testemunho da Tapeçaria não pode evidentemente ser aceito como um valor integral. Em primeiro lugar, como já vimos, contar a história através de imagens seria impossível sem a utilização de fórmulas visuais. Sua função é a de facilitar a tarefa do espectador bem como a do narrador, tornando certas ações mais reconhecíveis, ao custo da eliminação de algo da sua especificidade. É também necessário contextualizar a narrativa. Em outras palavras,
192
Narrativas visuais
historiadores - como de costume - têm de se qu estionar sobre quem est ava contando a história, deste modo, e para quem, e quais poderíam ter sido suas intenções ao assim fazê-lo. A Tapeçaria Bayeux foi tecida na Inglaterra, mas as instruç ões provavel mente vieram da Normandia. De acordo com a tradição, a Tapeçaria de Ba yeux foi encomendada pelo irm ão de William, o Conquistador, Bispo O do de Bayeux, e a proeminéncia dada a Odo na narrativa apóia essa história. As ce nas que representam a ida de Harold a William, culminando no seu famoso juramento de fidelidade feito sobre relíquias sagradas, têm sido descritas como “deliberadamente arranjadas” para mostrar o poder de William e as obrigações de Harold para com ele. O que vemos é uma história com um prin cípio moral, “a história da justa retribuição ao perjúrio de Harold”. Em outras palavras, embora a tapeçaria pareça ter sido bordada por agulhas inglesas, constitui-se num exemplo espetacular de história escrita pelos vitoriosos/4
F i l me como
evi dên
c ia
Para uma narrativa mais fluente e um “efeito de realidade” ou “ilusão de realidade” ainda maiores, podemos considerar o cinema , os filmes con tem porâneos da gue rra Boer e da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, e o s fil mes de atualidades semanais que floresceram entre 1910 e a década de 1950, quando a televisão assumiu a função desses filmes e passou a transmitir as no ticias diariamente. Há muito tempo se percebeu o potencial do filme, bem com o o da fotogr afia imóvel, como fontes históricas. Por exe mplo, em 1920, a Academia Holandesa pediu a lohn Huizinga para aconselhá-la sobre o valor de um projeto para um arquivo de filmes documentários. Huizinga, a despei to de seu enfoque Visual para a história (Introdução), opinou contra o proje to baseado na idéi a de que o filme não apresentava nenhuma co ntrib uiçã o sé ria para o conhecimento histórico, uma vez que o que essas imagens mostra vam era destituído de importância ou já de domínio público.2 425 24 GIBBS-SM1TH, C H. The Death of Harold. History Today, p. 188-191, I960: c£ LEWIS, Suzanne. The Rhetor ic o f Pow er in the B ayeux T apestry. Cambridge: Cambridge UP, 1999. p. 127128; STENTON, Frank. The Historical Background. In: STENTON, Frank (Ed.). H ie Bay eux Tapestry. A Comprehensive Survey. London: Phaidon Press, 1957. p. 9-24; PÃCHT, Otto. Th e Rise o f Pictorial Narrative in T\velfth-Century England. Oxford: Clarendon Press, 1962. p. 9. 25 STRUPP, Christoph. Johan H uizinga: Geschichtswissenschaft als Kulturgcschichte. Gottingen: Vandenhoeck und Ruprecht Verlag, 1999. p. 249.
193
Capítulo 8
A melhor maneira de refutar a objeção de Huizinga é oferecer exemplos concretos. Um arquivista do Museu Imperial de Guerra teceu um comentário sobre um filme que tratava da Insurreição da Páscoa em Dublin em abril de 1916: “Pode-se ver a extensão do estrago, o comportamento e os equipamen tos das tropas envolvidas e até mesmo a atitude do povo de Du blin”. Filme s de atualidades britânicos têm sido usados como fonte para a história da guerra civil espanjiola, e um filme apreendido pelo exército britânico em Belsen em abril de 1945 foi usado como evidência nos julgamentos de Nuremberg. Numa época em que o holoc austo está sendo negado em alguns lugares, o tes temunho do cinema vale a pena ser lembrado. Da mes ma form a, se a história oral gravada em cassetes é levada a sé rio com o fon te, seria estranho consi derar fitas de vídeo co m me nos seriedade, como os testemunhos sobre colaboração e resistência em Clermont-Ferrand durante a Segunda Guerra Mundial coletados por Marcel Ophuls na década de 1960, alguns dos quais foram usados no seu filme Le chagrin et la pitié (1971). Quanto à história social, o exemplo dos filmes antropológicos mostra como o novo meio de comunicação foi usado a partir do início do século 20 para registrar costumes sociais. Franz Boas, por exemplo, règistrou as danças do povo Kwakiutl num filme çm 1930, ao passo que Gregory Bateson e Ma rgaret Mead f ilmaram os balineses alguns anos mais tard e. Um pioneiro em fil mes etnográficos, Robert Gardner, afirmou que eles ofereciam evidência “de um tipo direto e não ambíguo, sendo a realidade capturada instantaneamen te e não sofrendo distorções devido a falhas de vista, memória ou interpreta çãosemântica”.26 ' O problema, mais uma vez, é avaliar essa forma de evidência, desenvol ver um tip o de crític a da fonte que possa l evar em co nta as características espe cíficas do meio de comunicação, a l inguagem da imagem em movim ento. Co mo no caso de outros tipos de documentos, o historiador precisa enfrentar o pro blem a da autenticidade. Será que um determinado filme ou uma cena de um fil me fora m produzidos a partir da vida real ou foram montados no estúdio usan do atores ou modelos em chama, por exemplo)? Mesmo filmes ro dados no local podem (de n ãoprédios ser completamente confiáveis como um registro. Por razões técnicas Franz Boas, por exemplo, foi forçado a filmar as danças notur-
26 ROADS, Christopher H. Film as Historical Evidence. Jou rn al o f the Society o f Archivists III , p. 183-191, esp. p. 187, 1965-1969; ALDGATE, Anthony. Cinema and History. British Newsreels and the Spanish Civil War. London: Scolar Press, 1979. esp. p. 1-16; RUBY, Jay. Picturing C ulture: "Explorations o f Film and Anthropology. Chicago: University of Chicago Press, 2000. p. 97.
194
'
Narrativas visuais
nás de Kwakiutl durante o dia, de tal forma que o que agora vemos é o registro não de um a dança, mas de um a especial “perfomance encomendada”. No caso do cinema, o prpblema de se detectar interpolates é particu larmente crucial, dada a prática de m ontagem e relativa facilidade com a qual, imagens de diferentes lugares e eventos podem ser introduzidas na seqüênda. Isso pode ser feito a fim de enganar os espectadores, dando a impressão, por exemplo, de que o proprietário da firma Krupp de manufatura de armas era um amigo do Kaiser. Por outro lado, a interpolação pode ser feita de boa-fé. Os filmes dê Robert Gardner sobre rituais guerreiros entre os Dani da Nova Guin é dão a impressão d e registrar lutas específicas, mas - a despeito da sua orgulhosa observaç ão sobre “realidade capturada instantaneamente” - os fil mes são realmente constituídos de tomadas de lutas diferentes combinadas numa única bat alha. Mesmo se o filme é autêntico, no sentido de ser compos to por fotografias tira das no lo cal, os problemas permanecem. Por exemplo, o movim ento rápido era difícil de fotografar no início do século 20 xassim o fil me do Ministério de Guerra Britânico sobre a batalha de Somme usou cenas de “antes” e “depois”para substituir a própria ação.27 ' No caso de filmes de guerra, a locação exata é crucial. Trata -se dó fron t ou de uma área atrás das linhas de batalha que está send o m ostrada ao espec tador? Houve r estrições aos mov imento s da equipe de filmage m. Co m relação às imagens em si, o fo co, a ilum inação e a compo sição são várias maneiras de enfatizar certos aspect os do a ssunto à custa de outros. Um outro processo de seleção e elaboração acontece no estúdio. Como jornalistas - e historiadores - , os diretores de filmes editam seu, “texto”, esco lhendo certas imagens e omitindo outras. Como no caso da Tapeçaria Bayeux, fórmulas conhecidas podem ser escolhidas porque facilitam ao espectador acompanh ar a história. O diretor tam bém pode estar sujeito a pressões externas, sejam elas pressões políticas do censor ou pressões econôm icas de bilheteria. De uma certa forma, o próprio meio dé comunicação é enviesado no sentido de ser bem adaptado à representação da superfície dos eventos, em vez de representar o processo de tomad a de decisão subjacente. Em qualquer
27 RUBY, Jay. Picturing Culture: Explorations of Film and Anthropology. Chicago: University of Chicago Press, 2000. p. 97-100; HUGHES, William. The Evaluatión of Film as Evidence. In: T he H istorian an d Film . Edited by Paul Smith. Cambridge: Cambridge UP, 1976. p. 49 -79; PRONAY, Nicholas. The Newsreels: The Illusion o f Actuality. In: The H istorian an d Film . Edited by Paul Smith. Cambridge: Cambridge UP, 1976. p. 95-119; PARFT, Peter, imagined Battl es: Reflections of War in European Art. Chapel Hill: University o f North Carolina Press, 1997. p. 84.
195
Capítulo 8
caso, as pessoas que fazem filmes têm suas próprias visões dos acontecimentos. Consideremos o caso de Triunfo da vontade (1935), por exemplo, o filme de Leni Riefenstahl do Congresso nazista de Nuremberg d e 1934. R iefenstahl alegou ter realizado um documentário, mas a retórica do filme é bastante óbvia. A diretora, el a própria u ma ad mirado ra de Hitler, fez uso de várias técnicas visua is (descritas anterio rmen te, Capítulo 4 ) para apresentar o líder sob um ponto de vista heróico» O próximo capítulo explorará de uma forma um pouco mais aprofundáda a idéia de que produtores de imagens são intérpretes do passado.
i
196
\
Capítulo
9
D E TESTEMUNHA A HIS TORIAD OR
A tarefa que estouentando t fazer é antes de tudo fazer vocês ve rem. D. W. G
r iffith
Filmes deveríam ser um meio como qual quer outro, talvez mais va lioso que qualquer outro,de escrever história. R ob
ert
o
R oss
ell
i ni
No último capítulo, consideramos o uso de narrativas visuais como evidência histórica, como uma fonte ou recurso (para historiadores quando eles escrevem seus livros. Certas narrativas visuais podem também ser consi deradas como a própria história (como o diretor Roberto Rossellini sugeriu na entrevista mencionada acim a), recriando o passado por me io de imagens e interpre tando -o de diferentes maneiras. A seg uir, discuti rei dois gêneros a par tir desse ponto de vista: a pintu ra histórica e o filme histórico.
O
PI NTOR COMO HIS
TORI ADOR
Embora a tradição de representar acontecimentos históricos em ima gens venha de lon ga data, como v imos, o interesse dos pintores na recons tru ção precisa das cenas do passado foi especificamente acentuada, no Ocidente, no período compreendido entre a Revolução Francesa e a Primeira Guerra
197
Capítulo 9
Mun dial.1A as censão da pintura histórica , num sentido relativamente estrito, coincidiu com o crescimento do'romance histórico de Sir
Walter Scott (17 71 -
1832) e Alessandro Manzoni (1785-1873), um gênero literário no qual o au tor não somente contava a história acontecida no passado recente ou remoto, mas também tentava evocar e descrèver a forma de yida e a mentalidade das pessoas que viviam na época. Esta espécie de pintura histórica exigia pesquisa considerável, como um certo número de artistas reco nheceu. Por exemplo, o pintor pré-Rafaelita, Wil liam Holman Hunt (18 27-1 910 ) foi à Pales tina por volta dé 1850 para dar às suas cenas sobre a Bíblia a "cor local” apropriada. Pintores que escolheram assuntos militares, tão populares no século 19, algumas vezes desenvolveram pesquisas cuidadosas sobre os uniform es e equipa mento s dos soldados que eles estavam pint ando, coino o francês Em est Meiss onier (18 15 -189 1) que se es pe cializou na era napoleônica, o alemão Adolf Menzel (1815-1905), que se con centrou na época de Frede rico, o Grande, ou Franz Roubaud (1 85 6-1 92 8), que pintou panoramas da batalha de Sebastopol e a batalha de Borodina1 2 Esses pintores podem ser vistos como historiadores de pleno direito. Eles aprenderam a partir do traba lho dos historiadores profiss ionais que eram enco ntra dos em número cada vez maio r nas unive rsidades do século 19, mas fizeram também suás contribuições para a interpretação do passado. A histó ria que eles, ffeqüentemente, representavam era a.história nacional, movida pelo nacionalismo . Meisson ier pintou as vitórias f rancesas (oú , mais rara men te, derrotas honrosa s), enquanto Menzel pintou as alemãs. Os pintores suecos Gustaf Cederstrõm (1845-1933) e Carl Hellqvist (1851-1890) representaram cenas da vida e morte de dois dos mais famosos monarcas suecos, Carlos XII e Gustavo Adolfo. O pintor polonês Jan Matejko (1838-1893) representou al gumas das mais famosas cenas da história polonesa, incluindo a famosa ima1 gem de Stanczyk, um bo bo da corte do século 16, o que l evou a pintu ra o mais longe possível na direção de interpretar a história e não,, simplesmente, de mostra r cenas do pa ssado. Enquanto o resto da corte rejubil a-se com as notí cias da guerra contra Moscou, uma guerra.que levaria a Polônia à derrota,
1 PARET, Peter. Imagined Battles: Reflections of War in European Art. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997. p. 65. 2 PARET, Peter. Imagined Battler. Reflections of War in European Ajrt. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997. p. 85; COMMENT* Bernard. The Panorama (1993). London: Reaktion Books, 1999. p. 232-2 40. (Tradução ingle sa).
198
De testemunha a historiador
Stanczyk, a quem Matejko deu suas próprias feições, senta-se melancolicamente em um canto, porque ele, e somente ele, prevê as conseqüências que a guerra traria em sua dinâmica. Dois aspectos dessas interpretações pintadas do passado merecem ênfa se. Em pr imeiro lugar, os paralelos implícitos entre o passado e o presente. Por exemplo, no Salão de Paris de 1831, o pintor francês Paul Delaroche (17971856) exibiu uma pintura de Cromwell com o corpo de Carlos I, referindo-se, de forma indireta, à história da França com Luís XVI num paralelo óbvio com Carlos. Crómwell é mais do que um quebra-cabeça, dadas as divergências en tre as histórias francesa e inglesa. Ele deve ser identificado com Napoleão, come alguns contemporâneos pensaram? Ou ele é, como Francis Haskell uma vez argumentou, o rei pós-revolu cionário Luís Felipe?3 Um segundo aspecto das pinturas tiistóricas do século 19 foi a mudança gradua l em direção à hist ó ria social ou aos aspectos sociais da política. As sim, em um de seus mais con he cidos quadros, David Wilkie escolheu representar não a batalha de Waterloo, mas os aposentados de Chelsea alegrando-se co m as notícias da batalha. A pin tura foi descrita como “a assimilaçao da pintura da história pelo gênero popu lar”, tornan do-â, porta nto, acessível a um público mais amplo.45
F il me como
in t e r pr e t a ç ã o
É surpreendent e saber que já em 1916 foi publicado um livro na Ingla terra com o título A câm era com o historiadorafr Dada a importância da m ão que segura a câmera e do olho e do cérebro que a direcionam, seria melhor dizer o cinegrafista com o historiador. O u, m elhor ainda, falar de “ cinegrafistas” no plurãl, uma vez que um filme é o resultado de um empreendimento coletivo no qual o ato r e a equipe de filmagem desempenha m seus papé is ju n to ao diretor, sem falar no autor do roteiro, oú no livro em que o filme se baseia tanta s vezes - de forma que os event os históricos alcançam o especta dor somente depois de ter passado por um duplo filt ro, o literário e o c inema3 HASKELL, Francis, The Manufacture of the Past in Nineteenth-Century Painting. Past and Present LIII, p. 109-120, esp. p. 111-112,1971. 4 JOHNSON, Edward D. H. Paint ings o f die Briti sh S ocial Sce ne from H ogart h to Sickert . London: Weidenfeld and Nicholson , 1986. p. 152. 5 QOWE R, H. D.; JAST, L. Stanley; TOPLEY, W. W. The Camera as Historian. Marston, 1916.
London: S. Low,
199
Capítulo 9
tográfico. Além disto, filmes iconotextos mostrando mensagens impressas para ajud ar ou influenciar a interpre tação das imagens pelo espectador. Entre, os iconotextos um dos mais importantes é o título do filme, que influencia as expectativas dos que o verão antes que tenham visto uma única imagem. Um exemplo notável é Birth o f Nation (O nascimento de uma nação ) (19 15 ), o fa mo so f ilme sobre a Gue rra Civil America na. Em uma frase que aparece na tel a, durante a apresentação, o significado do tít ulo é reforçado com as palavras “A agonia que o. Sul suportou para que uma nação pudesse nascer”. O pod er do filme é que; ele propo rcio na ao espectador um a sensação de testemunhar os ev entos. Este é também ò perigo do medi um com o nó caso da fotografia instantânea porque esta sens ação de testemunha è ilusó ria. O diretor molda a experiência embora permanecendo invisível. E o diretor está preocupado não somente com o que aconteceu realmente, mas também em contar uma história que tenha forma artística e que possa mobilizar os sentidos de muitos espectadores. O termo híbrido “docudrama” é uma lembrança muito viva da tehsão entíe a idéia do drama e a idéia do documento, entre os anticlímaces e o caráter inacabado do passado e as necessidades do diretor . com o as dq escritor, ou do pinto r„de atender à form a .6
O p onto essencial é que uma história fil mada, com o um a história pinta da ou escrita, é um ato de interpretação. Justapor The Bir th o f a Nation (O nascimento de uma nação), dirigido por D. W. Griffith (1875-1948) com Gone with the Wind (E o vento le vou) (193 9) , por exemplo, é ver a Guerra Civil Americana e o período posterior da Era da Reconstrução de duas maneiras bas tante diferentes, mesmo os dois filmes apresentando os acontecimentos do pon to de vista dos brancos sulistas (Griffith era do Kentucky, e seu filme é baseado em u ma novela, The Clansman (O hom em do clã), de um pastor protestante su lista, Thom as Dixon, que se vi a com o u m cruzado contra o “perigo negro” ).7 Da mesma forma, a imagem gloriosa da Revolução Francesa projeta da pelo filme La Révolution fran çaise (A Revolução Francesa) (1989), dirigi da por Robert Enrico e Richard Heffron, sendo parte das celebrações do bi6 HERLIHY, David. Am I a Camera? A m erican H istorica l Review X CIII, p. 1186-1192, 1988; ROSENSTONE, Robert A. History in Images/History in Words (1988), republicado em ROSENSTONE, Robert A. Visions o f the Past. Cambridge, MA: Harvard UP, 1995. p. 19-44; WHITE, Hayden. Historiography and Historiophoty. A m erican H istorica l Review X C III , p. 1193-1199,1988. 7 Cf. ROGI N, Michael. “The Sword Became a Flashing Vision”: D. W. Griffith’s Th eiBi rth o f a Nation. Representati p. 150-1ons 95,1985. IX , i
200
De testemunha a historiador
centenário, está em contraste muito claro com a visão subjacente ao Danton de Andrzej Wajda (1 98 2) , com suas reflexões pessimistas sobre o que Carly le cham ou de a revoluçã o “com endo os próprio s filhos” e o sacrifício de ideais em nome da ambição pelo poder. Sua decisão de começar com o terror, e não com os episódios iniciais mais positivos da Revolução, torna o sentido de sua interpretação bastante claro. Parafraseando E. H. Carr (Introdução), poder-se-ia argumentar que, antes de estudar o filme, você deve estudar o diretor. Wajda é um polonês com uma longa história de filmes que discutem os acontecimentos de seu tempo, desde Ashes and Diamonds (Cinzas e diamantes ) (1 95 8), que se passa em 1945, Man o f M arble (O homem de mármore) (1977), que trata de um trabalhador Stakhanovista na Polônia do pós-guerra. Seus filmes históricos, como as pin turas históricas de Delaroche e outros artistas já discutidos, podem ser inter pretados como comentários indiretos sobre o presente. Em seu Danton , o pa pel da polícia secreta, os expurgos, e os julgamentos-show tomam suas inten ções alegóricas bem daras. .Existe até mesmo uma referência à reescritura da história por razões políticas , na cena em que o pintor David è mostrado no ato de remover Fabre, um revo ludonário que está se tomando uma não-pessoa, do afresco pintando para co mem orar a revolução. Um filme histórico é uma interpretação da história, se feito por um dire tor profissional, com o é norm almen te o caso, ou por um historiador profissional como Anthony Aldgate, que dirigiu um filme sobre a Guerra Civil Espanhola para a Universidade de Edimburgo, ou o grupo da Universidade de Leeds, in cluindo John Grenville e Nicholas Pronay, que fez A crise d e M unique (1968 ).89 Como no caso dos reis-filósofos de Platão, o diretor ideal necessita estar igual mente à vontade em dois papéis virtualmente incompat íveis. Apesar deste pro blema, a história filmada oferece uma solução atraente para o problema de trans form ar as imagens em palavras, fato que nós já enc ontramos a nteriqrmente nes te livro (p. 43). Aquilo que o crítico americano Hayden White chama “historio photy” definida com o “a representação da história e nosso pensame nto sobre ela em imagens visuais e discurso filmado”, é complementar à “historiografia”.’ Naturalmente, como já vimos, muitos historiadores trataram as ima gens como subordinadas aos textos, quando não as ignoraram totalmente. 8 ALDGATE, Anthony. Cinema and History. British Newsreels and the Spanish Civil War. London: Scolar Press, 1979; GRENVILLE, John. The Historian as Film-Maker. In: Th e H istorian an d Film . Edited by Paul Smith. Cambridge: Cambridge UP, 1976. p. 132-1 41. 9 WH ITE, Hayden. Historiography and Historiophoty. Am erican H istorica l Review XC111.
201
Capítulo 9
Será seu testemunho levado mais a sério agora que os próprios historiadores têm a opo rtunidade de usar imagens? Existem c ertos sinais su gerindo que este é o caso, o que inclui tanto críticas de filmes em revistas históricas como um debate sobre história e filme publicados na American Historical Review, enw 1988 , cujas contribuições já foram citad as. Por exe mplo, em 1998, o Journ al o f American History incluiu avaliações sobre dois filmes de Steven Spielberg,
Amistad (Amizade) e Saving Private Ryan, (O resgate do soldado Ryan) na seção regular “Crítica de Cinema”. Am bos o s crític os ficaram impressionados com o poder das imagens de Spielberg, mas chamaram a atenção para as re presentações equívocas, num caso de indivíduos na história, e em outro das tropa s american as, representadas c om o “indisciplinada s” e “covardes”.10 O p otencial do filme para faze r o passado parecer estar presente e para suscitar o espírito de uma época pass ada, por m eio de superfícies e espaços, é bastante óbvio. O problema, assim como no caso do romance histórico, é se o potencial foi explorado e com que sucesso. Nesta linha de pensamento pode ser esclarecedor fa zer comparações e contra stes entre filmes que se passa m em período s relativ amente remotos - o, equivalente a Ivanhoé de Sir Walter Scott - com filmes de p eríodo s recentes - o equiv alente ao seu Waverley. Filmes que se passam no passado relativamente recente são geralmente mais precisos do po nto de vista histórico, especialmente em relação ao estilo do período. A cul tura material das classes altas no século 19 é relembrada de forma deslum brante nas cenas da elegante Palermo em The Leopard (O Leopardo) (1963b de Lu chino Viscon ti, por exemplo, ou nas cenas da elegant e Nova York de Age o f Innocence {A época da inocên cia) (19 93 ), de Martin Scors ese, ou da nobre za provincial em Pride and Prejudice (Orgulho e preconceito) (1995), ou da classe trabalhadora em 1930, na cena do restaurante em Roma (1972) de Fre derico Felliai. Por outro lado, é relativamente difícil encontrar um filme que trate de um péríodo anterior ao século 18 que faça uma tentativa séria de evocar uma época passada como um país estrangeiro com uma cultura material, organi 10 HERLIHY, David. Am I a Camera? A m erican H istorica l Review , ROSENSTONE, Robert A. History in Images/History in Words (1988) republicado em ROSENSTONE, Robert A. Visions o f the Pas t. Cambridge, MA: Harvard UP, 1995; WHITE, Hayden. Historiography and Historiophoty. A m erican H istorical Review , WYATT-BROWN, Bertram; SU1D, Lawrence H. Jou rn al o f Am erican H istory IXXXV , p. 1174 -117 6,198 8 (Amistad) e 1185-1186 (Ryan). Sobre A m istad, cf. DAVIS, Natalie Z. Slaves on Screen : F ilm and Historical Vision. Toronto; Vinta ge Canada, 2000. p. 69-9 3.
707
De testemunha a historiador
zação social e mentalidade (ou mentalidades) muito diferentes das nossas próprias. Na minha experiência pessoal, é muito difícil para um historiador ver um filme que se passa em um período anterior de 1700 sem ficar desconfortavelmente consciente dos anacronismos, nas cenas e gestos bem como na linguagem ou nas idéias. Alguns destes anacronismos podem ser necessários, como uma forma de fazer o passado imediatamente inteligível para o presente. Outros podem ser deliberados, uma observação sobre os paralelos entre acontecimentos mais antigos e mais recentes à maneira dos pintores históricos discutidos acima, e como no caso de Ivan, o terrível, Parte II, de Sergei Eisenstein (feito em 1946, mas somente liberado para a exibição cinematográfica em 1958, na época da desestalinização) . De qualquer forma, certos anacronismos encon trados m es mo nos filmesem históricos, ser o resultado da falta de cui dado oumelhores de uma falha perceberparecem em o quanto atitudes e ou valores mudaram ao longo do tempo. Alguns poucos filmes narrando acontecimentos de séculos atrás estão mais ou me nos isentos dess as críticas. Wmstanley, de Kevin'Brownlow (1975), por exemplo, que evoca o mu ndo dos Diggers (Cavadores) , na Inglaterra, du rante a Guerra Civil. Brownlo w baseou sua história na novela Com rade Jacob (Camarada Jacob), do historiadpr David Caute, mas ele queria faze r um filme “baseado nos fatos”, como disse, de forma que leu panfletos da época bem como consultou Christopher Hill a respeito de aspectos históricos e tomou emprestadas armaduras da Torre de Lon dres." Certos filmes do diretor japon ês Akira Kur osawa, que se passam no Ja pão, antes de sua modernização, no fim do século 19, também oferecem uma interpretação séria do passado. Os “sentimentos muito intensos de Kurosawa pelo Japão pré-moderno” foram observados por um crítico, bem como sua “ligação esp ecial com o mundo dos samurais ” - ele estudou a esgrima tradi cional quando jovem. A maioria dos filmes sobre samurais mostra o período Tokugawa (1600-1868), um período de paz, quando a função do samurai era mais buro crática do que militar, mas Kuro sawa preferia a ação. “Eu a cho que sou o único ”, ele dizia, “que(Sete fez filmes sobre as guerras civis Fortre do sécu 16”. Sam urai ss lo Nos Seven samurai s) (195 4) e H idden (Fortaleza Escondida) (19 58 ) fortaleza, por exemplo, Kurosawa consegue transm itir uma 1
11 TIB BE TT S, John C. Kevin Brownlow’s Historical Films. H istorical Journal o f Film , R adio and TVXX, p. 227-251,2000. ,
203
Cap itule 9
nítida sensação de insegurança e confusão d o período anterior à reunificação do Japão pela dinastia Tokugàwa. Ele apresenta um quadro vivo, simpático, tanto das habilidades quanto do ethos do ideal samurai, cuja tranqüila con centraçã o deve muito à tradição do Z en Budismo . Entretanto, Kuro sawa tam bém mostra como a nova tecnologia da pólvora significou o fim da tradicio nal classe dos guerrèiros e assistiu à passagem do feudalismo para a moderni dade. Aqui, bem c om o ao lon go de seu trabalh o, ele estava oferecendo aos seus espectadores um a interpretação consciente da história japon esa.12
O Luís XIV
de
Ro
s s el l i n i
Outra tentativa séria de trazer de volta o sentimento de uma época re mota é o filme de Roberto Rossellini Luís XIV toma o poder {La pri se de pouvoir de Louis XIV, 1966). Como base para o filme, Rossellini usou a biografia de Luís, publicada pelo historiador francês Philippe Erlanger em 1965 e emp re gou Erlanger como consultor histórico. Ele também usou textos do período, tais como as máximas de La Rochefoucauld, que Luís aparece lendo, e as me mórias do Duque de Sain t-Simon, descrevendo os rituais da corte que o, filme tão vividamente mostra. O filme Luts XIV é feito com o que se poderia chamar de um estilo “testemunha ocular”, rejeitando montagens de cenas, por exem plo, e dando o papel principal para um ator amador. Faz também efetivo uso de evidências das imagens do século 17, principalmente retratos contemporâ neos dos protagonistas, embora o diretor pareça haver baseado a cena do leito da mo rte d o Cardeal Mazarin, numa pintur a do século 19 de Paul Delaro che.13 Num certo p onto de sua carreira, Rossellini decidira fazer filmes his tó ricos como uma forma de educação populár, com o propósito de ajudar as pessoas a entenderem o presente por meio do passado. Ele havia já feito The Age o f Iron (A idade de ferro) e estava pretendendo fazer filmes sobre De scar tes, Pascal, Sócrates, os Apóstolos, Agostinho, e A Época de Cosimo de M édici. No caso do seu Luís XIV, a intenção didática do diretor é particularmente apa rente no uso que faz do artificio tradicional de um estranho à corte fazer per
12 DESSER, David. The Sam urai Films o f Akira Kurosaw a. Ann Arbor: UM I Research Press, 1983; PRINCE,, Stephen. The Warrior's Camera : The Cinema of,Akira Kurosawa. Princeton, NJ: Princeton UP, 1991. p. 200-249. esp. p. 202-205. 13 BANN, Stephen. Historical Narrative and the Cinem atic Image. XXVI, p. 47-6 7, p. 67, 1987.
204
History & Theory Beiheft
De testemunha a historiador
guntas sobre o significado daquilo que observa e obter respostas como, por exemplo, que a rainha batia palmas no quarto real para anunciar que o rei cumprira suas responsabilidades conjugais. Como história, seu Luís XIV é particularmente notável por duas razões. Em primeiro lugar, sua preocupàção com acontecimentos do dia-a-dia, em uma época, nos anos 1960, em que a “história do cotidiano” não era ainda levada a sé rio por historiadores profissionais. Isto ilustra daram ente o p onto destacado por Siegfried Kracauer: “A dimensão total da vida diária com seus movimentos infinitesimais e suas muitas ações passageiras somente podería ser desvelada na tela ( ...) filmes iluminam o reino das bagatelas, dos pequenos acontecimen tos”.14 Por exemplo, o filme in ida com uma cena inventada de pessoas comuns, nas margens do rio, discutindo acontecimentos políticos. Mostra regulamente o trabalho em andamento, Versalhes sendo construído, por exemplo, bem como produtos acabados. Nós não somente assistimos às grandiosas refeições reais, mas tam bém damos uma olhada rápida na cozinhas, na s quais elas estão sendp preparadas. Barqueiros, cozinheiros, pedreiros e empregados têm seu papel no filme e na história assim como reis e cortesãos. Também animàis, especialmente cães, tanto nas cenas de interiores como nas externas (observe a nota dtada anteriormente neste livro, no Capítulo I, sobre a presença de cães nas faculda des de Oxford e Cambridge no século 17). Em certos mom entos, objetos mate riais como urinóis ou pratos cobertos se t ransformam em centro de atenção. Em segundo lugar, o diretor concentrou-se na forma pela qual Luís foi ca pf c de tomar o poder e mantê-lo, sendo seu foco o teatro da corte em Ver sa lhes e a forma como o rei usou -o para dom ar a nobre za. Uma rápid a observação do embaixador de Veneza sobre capas para cortesãos desenhadas pelo rei, cita da na biografia de E rlanger, tornou -se a base da famosa cena do filme entr e Luís e seu alfaiate, quando o rei lhe dá ins truções so bre as roupas caras e espetacula res que os cortesãos deveríam usar a part ir de então. A cena final do filme , talvez inspirada por um famoso desenho de Luís XIV feito pelo novelista William Thackeray, mostra Luís em seu estúdio tirando suas roupas grandiosas e sua pe ruca e, neste pr ocesso, transformando-se em uma pessoa comum contemp lan do sua mortalidade. Em outra s palavras, Rossellini usou o espetáculo com o uma maneira de analisar o pr óprio espetáculo, seus usos políticos e e feitos.15 14 KRACAUER, Siegfried. History. The Last Things before the Last. New York; Oxford UP, 1969. 15 Cf. BRUNETTE, Peter. Roberto Rossellini. New York: Oxford UP, 1987. p. 281-289; BONDANELLA, Peter. Th e Filths o f R oberto R ossellini. Cambridge: Cambridge UP, 1993. p. 125-137.
205
Capítulo 9
Ainda outro filme histórico sério foi Martin Guerre (1982), de Daniel Vigne, que conta uma história verdadeira que se passa no sul da França, no sé culo 16, em que um camponês abandona a esposa e sua fazenda para tornar-se um soldado. Anos mais tarde, um homem retornou, dizendo que era Martin, tendo sido inicialmente aceito pela esposa de Martin Bertrande, como seu ma rido, mas a história não convenceu a todos na família. Mais tarde, outro perso nagem chegou, e o primeiro h omem foi desmasc arado como um ce rto Arnaud du Tilh, sendo executado. Enquanto o filme era filmado, a historiadora ameri cana Natalie Davis atuou como consultora da parte histórica para o diretor. Ao mesmo tempo, ela teve a oportunidade de observar o processo de filmagem. Alguns dos atores leram livros sobre o período e fizeram-lhe perguntas sobre os personagens que estavam representando. “Não posso imaginar porque Ber trande esp erou tanto tempo antes de voltar-se contra o impostor no julg ame n to”, disse um deles. “Por que deveria uma camponesa arriscar sua sorte?” A per gunta foi respondida pela historiadora da seguinte forma: “A verdadeira Ber trande não esperou tanto tempo”. Embora Davis estivesse preocupada com certas liberdades que o filme tomara em relação ao “registro histórico”, anotou-se que ela teria dito: “ver Gé rard Depardieu encontrar seu caminh o no papel do falso Martin Guerre de u-me novas maneiras de pensar sobre os feitos do real impostor, Arnaud du Tilh”, e isso contribuiu para seu próprio estudo, em forma de livro, The Return o f Martin Guerre (O retomo de Martin Guerre) (1983).'6Como um simples espectador, eu gostaria de prestar homenagem semelhante a Depardieu e confessar que olhálo representando o personagem Danton, no filme de Andrzej Wajda de mesmo nom e, discutido anteriormente, aju dou-m e a entender o caráter do grande rev o lucioná rio - sua generosidade, seu calor hum ano, sua avidez e seu egoísmo - e assim compreender m elhor o papel que desempenhou na história frances a.
H ist ó r ia
Con
t e m po r â n e a
A maioria dos bons filmes históricos trata do passado relativamente re cente. A seguir, portanto, concentrar-me-ei na história do século 20 e no pa-
16 DAVIS, Natalie Z. Who Owns History? In: OLLILA, Anne (Ed.). H istorical Perspect ives on M em ory. Helsinki: SHS, 1999. p. 19-34, esp. p. 29; DAVIS, Natalie Z. Th e Retu rn o f M artin Guerre. Cambridge, MA: Harvard UP, 1983. p. viiL .
906
P e testemunha a historiador
pel que os diretores de cinema tiveram de ajudar seus contemporâneos a in terpretar eventos que todos experimentaram; 1917, 1933, 1945, 1956 e assim por diante, tendo como foco dois filmes dirigidos, respectivamente por Gillo Pontecorvo e Miklós Jancsó. The Battle o f Algiers (A batalha de Argel), de Gillo Pontecorvo , apareceu em 1966, logo após os acon tecim ento s narrados pelo filme. O filme não utiliz a nenhum, e ainda assim dá a impressão de um jornal cinematográfico —em ou tras palavras, um relato de testemun ha ocula r - graças ao estilo fotogr áfico e ao uso de muitos atores não profissionais (fig. 79). As cenas dos franceses tortu rando e matando terroristas suspeitos foram baseadas em pesquisas feitas nos arquivos policiais e tornaram-se possíveis pela cooperação do governo argeli no. Como o filme do mesmo diretor, Queimada (1969), que se passa no Cari be, no iníc io do século 19, o filme A batalha de Argel oferece uma poderosa imagem da interpretação marxista do processo histórico como uma luta entre opressores e oprimidos, na qual os últimos estão destinados à vitória. Ao mes mo tempo, Pontecorvo evitou a tentação de apresentar todos os rebeldes como bons e todos os apoiadores do regime colonial como maus. A tela mostra cla ramente as atrocidades cometidas por ambos os lados na luta. Pontecorvo tornou sua história mais complexa dando um papel imp ortante a uma figura simpátic a do lado "erra do”, o coron el M athie u, um homem de bravura e elegante soldado (personagem baseado em parte em uma figura histórica verda deira, o Gene ral Massu). Ou tro recurso usado pelo
79. Um fotograma do filme de Gillo Pontecorvo A b atalha de Argel (1966).
207
Capitulo 9
direto r foi a sua esc olha do final, ambíguo m ais do que triunfante. No final do filme, os espectadores ficam sabendo que , no m om ento de sua vitória sob re os franceses, os rebeldes já se dividiam em grupos rivais, cada um tentando tom ar o poder dos o utros.17 Da mesma forma que A batalha de Argel, o filme do diretor húngaro Miklós Jancsó The Red an d the W hite (Os verm elhos e os brancos) (1967, srcinaímente denominado “Estrelas e Soldados”, Csillagosok ka toná k), evita apre sentar a Guerra Civil Russa de uma forma simples, vendo somente um lado, apesar do fato de que o filme foi encomendado pelo governo soviético para com em ora r ò 50 ° anivers ário da Revolu ção Russa. A técnica, desta v ez, é esco lher um ponto de vista local, um vilarejo que é tomado e retomado pelos Ver melhos (incluindo aí um grüpo de volunt ários hú ngaros ) e o s inimigos Bran cos. Nestas suc essivas ondas de i das e vindas, o próprio lu ga r- â vila, as flores tas que a rodei am e um convento e o hospital de campanha - oferece m o úni co p ont o fixo. Vistas a partir deste po nto, as atrocidades cometidas pelos dois lados parecem igualmente terríveis, embora seus estilos sejam diferentes em detalhes importantes - a violência dos Bran cos, por exemplo , que eram geral mente soldados profissionais, parece menos espontânèa e mais disciplinada do que a dos Vermelhos, que não o eram. Comp no filme anterior de Jancsó, 77íe Round-up (1965, com o título srcinal “Poor Yo ung Men”, Szégenylegények), que sç referia à repressão a um band o de foras-da-lei que haviam toma do parte na revolu ção de 1848 (fazen do entã o um a referência indireta ao levante húngaro d ei 1956, ainda muito pre sente na mente das pessoas), a tela maior e as longas tomadas presentes em Os Vermelhos e os brancos fazem com que os indivíduos pareçam relativamente sem importância e, portanto, estimulam os espectadores a focalizar sua aten ção no processo histórico. Ap esar disso, graças a sua locali zação n o vilarejo ou perto dela, o fil me também contribui para a “ micro-histór ia” - um term o usa do de form a corre nte entre os historiadores a partir dos anos 1970 , mas já usa do no s anos 196 0 pelo historiador do cinem a e crítico Siegfrie d Kracauer. Outra micro-história foi ofe recida pelo filme de Bo Widerberg Âdalen 31 (1 96 9) , sobre uma greve em uma fábrica de pap el em uma pequena ci dade da Suécia, em 1931, que perdurou por vinte e cinco semanas e terminou tragica
17 M1CHALCZYK, John J. Th e Itali an Po litical Füm -Makers . London: ts.n.], 1986. p. 190-199,, DAVIS, Natalie Z. Slaves on Screen: Film and Historical Vision. Toronto: Vintage Canada, 2000. p. 43-44.
708
De testemunha a historiador
mente quando tropas vieram para proteger a fábric a, e abriram fogo contra uma manifestação pacífica atingindo cinco trabalhadores. Widerberg fez seu filme de mod o a discutir o geral por meio de u m foco preciso no particu lar, englobou as ligações bèm como os conflitos entre os dois lados da disputa utilizando indiví duos como Kjell, um trabalhador que tinha um relacionamento co m Ana, a filha do gerente da fábrica. Pontos de vista locais são também centrais ao filme Heitiiat ( 1984), de Edgar Reitz, um filme de longa metragem (feito para a televisão alemã) que se passa em um vilarejo na região do Reno. Heimat mostra, na maior parte do tempo, a época de Hitler e a for ma pela qual o regime nazi sta e a Segun da Guerra Mundial foram percebidos no período, num nível local. Abarcando o período de 1919 a 1982, o filme també m oferece tanto uma noção quanto uma interpretação da mudança social, do processo de modernização e da perda do sentido de comunidade que acompanhqu as mudanças.18 Como na história escrita, assim também nos filmes, o foco preciso no particular traz perdas e ganhos para a compreensão dos fatos. Em aipbos os gêneros, pode-se argumentar que seria desejável a constru ção de pontes entre os níveis micro e o macro. Tal ponte é oferecida no filme dfe Bernardo Berto lucci, Novecento (1976), um filme que traz no título algo a tespeito da ambi ção do diretor1de interpretar a história. Como Rossellini, Bertolucci assinou um manifesto dos diretores italianos, em 1965, declarando seu desejo de fazer filmes que indicassem à humanidade as tendências fundamentais de sua his tória. Novecento combina um estudo das relações entre proprietários de terra e trabalhadore s agrícolas em um a única propriedade , em Emilia, região na ti va de Bertolucci, concentra ndo- se em um conf lito entre dua s famílias e esten dendo-se , a partir daí, pa ra um a visão mais ampla da história da Itália na pri meira metade do século 20. Todos estes filmes ilustram, cada um a seu modo, a importância do po nto de vista na narrativa visual. El es conseguem muitos de seus efeitos mais notáveis e memoráveis alternando filmagens em close com filmagens de grandes planos, tomadas de cena a partir “de baixo” com outras a partir “de cima”, imagens associadas com o que um determinado personagem está pen sando e imagens de outro nível não particular. Se existe uma única lição que todo s estes filmes ensinam, é que existem diferenças eiitre as forma s pelas quais indivíduos ou grupos diversos vêem os mesmos acontecimentos. Em um filme
18 GARTON ASH, Timothy. The Life o f Death (198 5), republicado em GARTON ASH, Timothy. The Use s o f Adversity. 2nd ed. Harmondsworth: Penguin Books, 1999. p. 109-129.
I
209
Capítulo 9
de não-ficção sobre os ianomâmis, The Ax Fight (1971), o diretor Timothy Asch mostrou este aspecto por meio da discussão de interpretações alternati vas acontecimento no próprio filme. A lição que os filmes ensinam é algumas vezes desc rita com o “ò efeito Rasho mon”, um t ribu to ao filme de Akira Kuro sawa, Rashotnon (1950), qile mostrou, em termos visuais assombrosos, dois contos de Ryunosuke Akutagawa, nos quais u ma narrativa s obre a m orte de um samurai e o estupro de sua esposa é recontada por diferentes participantes sob vários pontos de vista divergentes.1’ Um aspecto similar sobre a variedade de possíveis perspectivas em re lação ao passado foi apresentado no contexto da história recente da Argenti na n o filme de Luis Puenzo, La historia oficial (A história o ficial ) (1984), cuja protagonista é Alicia, uma professora de história de classe média em uma es cola em Buenos Aires que apresenta a seus alunos, apesar do ceticismo de alguns, a versão oficial da história gloriosa da nação. A história contada por Puenzo m ostra a percepção grad ual d^ professora sobre as torturas e os assas sinatos perpetrados pelo regime e, por implicação, sobre uma versão não-oficial da história da Argentina. Desta forma, o próprio filme estimula os espec tadores a tornarem-se mais conscientes de histórias alternativas e, neste pro cesso, demonstra o poder do cinem a para desmistificar e para consci entizar. , Permanece o problem a de desmisti ficar o filme, de resist ir ao “efeito de realidade” que é ainda mais intenso em filmes do que em fotografias ou pin turas realistas. O dramaturgo Brian Friel uma vez observou que o que molda o presente e o futuro não é tantó o passado, mas sim “as imagens do passado incorporadas na linguagem”. Imagens incorporadas em filmes são ainda mais poderosas. Uma forma de libertação deste podería ser encorajar alunos de his tór ia a assumi r o controle e faze r os próp rios filmes com o um a forma de com preender o passado. Nos anos 1970, por exemplo, alguns alunos da Escola Politécnica de Portsmouth (Inglaterra) foram estimulados por seu professor de história, B ob Scribner, a faz er filmes sobre a Reforma Alemã . Resenhas crí ticas de filmes em periódicos históricos, uma prática que gradualmente está s e tomando mais comum, são um- passo na mesma direção. Uma colaboração em termos iguais entre um historiador e um diretor, da mesma forma que é
19 JARVIE, Ian C. Rashomon : Is Truth Relative? In : _____ s_-Phil osophy o f the Fi lm. London: Routledge and Kegan Paul, 1987. p. 295-307; HEIDER, K. G. The Rashomon Effect. A m erican A nth rop olog ist XC, p. 75-81, 1988; RUBY, Jay. Picturing Culture : Explorations of Film and Anthropology. Chicago: Unive rsity of Chicago Press, 2000 . p. 125-129 .
210
De testemunha a historiador
feita entre antropólogos e diretores, em certos filmes etnográficos, podería ser outra forma de usar o cinema para estimular a reflexão sobre o passado. Apesar do interesse de Panofsky pelo cinema, exemplificado por um a r tigo no periódico Transition sobre Style and Medium in the Moving Pictures (Estilo e medium em filmes) (1 93 7), os problemas d e interpretar f ilmes pare cem nos ter levado muito longe do método iconográfico associado com ele, um método que foi discutido no Capítulo 2. Até que ponto é necessário para historiadores que empregam imagens como evidência ir além da iconografia - e em que direç ão - será o tema dos capítulos fina is deste livro.
211
Capítulo 10
A l é m d a i c o no g r a f i a ?
Eu leio textos, imagens, faces, gestos, cenas, etc. R oland
B arthes
Depois de examinar difere ntes tipos d e imagem sucessi vamente - im a gens do sagrado, imagens de poder, imagens da sociedade, imagens de acon tecimentos e a ssim por diante - , é o momento de retom ar aos prob lemas de método, srcinalmente suscitados no capítulo sobre iconografia. Erwin Panofsky pu bliêou um famoso ensaio sobre a iconografia “Hercules at the CrossRoads” (Hércules na encruzilhada), confrontado com a decisão que determi naria sua carreira poster ior. Um simpósio recente adaptou seu título para uma discussão da “Iconography at the Cross-Roads” (A Iconografia na encruzilha da) e suscitou o questionamento sobre a possibilidade de os historiadores de imagens continuarem a seguir ou não a linha de trabalho de Panofsky.1 Algumas críticas sobre o método de Panofsky já foram mencionadas (Capítulo 2). A questão a ser discutida, aqui e no Capítulo 11, é se existe algu ma alternativa para a icono grafia e a iconològ ia. Existem três possibilidades ób vias; o enfoque da psicanálise, o enfoque do estruturalismo ou da semiótica e o enfoque (mais precisamente os enfoques no plural) da história social
da arte.
Todos estes enfoques apareceram mais de uma vez em capítulo s ante riores e to dos eles têm paralelos na história da crítica literária. Eu os chamo de “enfo
1 CASSIDY, Brendan (Ed.).' Iconography.at the Cross-Roads. Princeton, NJ: Index o f Christi an Art, Dept, of Art and Archaeology, Princeton University, 1993.
213
Capítulo 10
ques” e não de “métod os” pelo fato de que eles representam não tanto proce di mentos novos de pesquisa quanto novos interesses e novas perspectivas.
Ps
ic a
n á l is e
O enfoque psicanalíticò para imagens está não nos significados cons cientes, privilegiados por Panofsky, mas nos símbolos e associações in conscien tes do tipo que Freud identificou em sua obra Interpretation o f Drea ms (Interpretação dos Son hos) (18 99). Este enfoque é de fato tentador. É difícil ne gar que o inconsciente tem um papel impo rtante na criação de ima gens ou tex tos. Ffeud não ofereceu, frequentemente, interpretações de imagens específicas - a não ser pelo seu celebrado e controve rtido ensaio sobre Leo nardo da Vinci - , mas sua preocupação com pequenos detalhes, especialnfente na Psychopathology o f Everyday L ife (Psicopatol ogia da vida cotidiana), parece a de Giovanni Morelli (Capítulo 1), como Carlos Ginzburg observou.2Al gumas das observa ções de Freud sobre os sonhos oferecem pistas para a interpretação de pintu ras. Por exemplo, os conceitos de “deslocamento” e “condensação”, que Freud desenvolveu ao longo da análise do “trabalho do sonho”, são também relevan tes para narrativas visuais.3A idéia do símbolo fáliço tem obviamente relevân cia para algumas imagens. Eddy de Jongh, por exemplo, tem argumentado que os pássaros, cherivias e cenouras que aparecem tão frèqüentemente no gênero de pintura holandesa e alemã dos séculos 16 e 17 deveríam todos ser interpre tados dessa forma.4 Confrontado com os exemplos discutidos no Capítulo 7 em particular, um psicanalista podería sugerir que algumas imagens este reotipadas, tais com o o harém, são visualizações de fantasias sexuais, enquanto ou tras - imagens de canibais, por exemplo, ou de bruxas - são projeçõ es sobre o “outro” de desejos auto-reprimidos. Não é necessário ser um freudiano assumido para entender as imagens forma. em Como já vimos(ou (Capítulo 2), atitudes valores são al gumas vezesdesta projetados paisagens na própria terra, ouena sua imagem pintada), da mesma forma que elas são projetadas nas manchas do fam oso tes- 2 GIN ZBUR G, Cario. Clues: Root s o f an Ev ident ial Par adigm (1978), republicado em GINZBURG, C. M yths, E mblem s, 0 u e s . London: Hutchinson Radius, 1990. p. 96-125. 3 MARIN, Louis. Etudes sémiologiques. Paris: Klincksieck, 1971. p. 36-37. 4 JONG H, Eddy de. Erotica in vogelperspectief. Simiolus III, p. 22-72,1968 .
214
Aléni-da iconografia?
te de Rorschach. A discussão de imagens sagradas também suscitou questões sobre fantasias e persuasão inconscientes. Aqui, novamente, a discussão sobre publicidade, no capítulo da cultura material, conduziu a uma observação so bre o enf oque “subliminar”, em outr as palavras, sobre a tentativa de criar asso ciações entre os produtos e os sonhos mais ou men os inconscientes do espec tador a respeito de sexo e poder. , Apesar de tudo, mesmo se deixarmos de lado as controvérsias sobre o estatuto científico da psicanálise e os conf litos entre diferentes escolas de aná lise desde Carl Gustav Jung a Jacques Lacan, ainda permanecem sérios obstá culos no caminho dos historiadores que desejam seguir este enfoque para analisar as imagens. Sob quais critérios alguém decide se um obje to é um sím bo lo fálico? Não poderia o falo ser usado, por sua vez, como símbo lo de algu ma outra coisa? O filólogo suíço do século 19 Johann Jacob Bachofen olhava o falo como uma imagem do sagrado, pelo menos na arte clássica. Existem dois obstáculos em especial para esta espécie de psicanálise histórica, problemas que não estão confinados a imagens mas que exemplifi cam as dificuldades gerais de praticar o que se tornou conhecido como “psico-his tória”. Em prime iro lugar, psic analistas trabalham com indivíduos v ivos, enquanto historiadores não podem colocar atores mortos no sofá e ouvir suas associações livres. Podemos, como o diretor espanhol Luis Bunuel, ver Santa Teresa de Bernini (Capítulo 3 ) com o um a interpretação do êxtas e religioso em term os sexuais, mas todas as evidência s que temos estão contidas som ente no mármore. As fontes que de Jongh usou em seu famoso artigo sobre simbologia sexual na arte dos Países Baixos vieram principalmente de provérbios e poemas, em outras palavras, de atitudes expressadas de forma consciente. Em bora suas conclusões possam ter sido diferentes, ele não divergiu de Panofsky em seus métod os.
*
Em segundo lugar, os historiadore s estão, principalmente, preocupados com culturas e sociedades, mais com aspirações coletivas do que individuais, enquanto que, depois de Freüd, os psicanalistas e outros psicólogos têm sido menos bem-sucedidos, ou mais especulativos, nesta área. Freud, por exemplo, dedicou seu ensaio sobre Leonardo da Vinci à relação entre a “fixação mater na” do artista e suas pinturas de mulheres sorridentes, sem levar em conta a natureza da cultura do século 15. Por exemplo, ele fundamentou suas conclu sões sobre a personalidade de Leonardo em sua representação de Santa Ana, a mãe da Virgem Maria, como tendo mais ou menos a mesma idade de sua fi
21 5
Capítulo 10
lha, sem dar-se conta de que isto era uma convenção cultural da época. Holly wood foi descrita como uma “fábrica de sonhos” por uma antropóloga, Hortense Powde rmaker, em 1950, mas o pro cesso de produção e recepção dess as fantasias ainda aguarda uma anál ise. Mu ito po uco , relativamente, tem sido es crito sobre a história das imagens como expressões de desejos ou medos cole tivos, embora , com o vimos (Capítul o 3) , possa se r esclarecedor examinar ima gens cambiantes do céu e do inferno a partir desta perspectiva.5 As conclusões parecem ser que, na medida em que se refira a historia dores usando imagens, o enfoque psicanalítico é ao mesmo tempo necessário e impossível. É necessário porque as pessoas de fato projetam suas fantasias inconsc ientes nas imagens, mas é impos sível justif icar este enfoque em r elação ao passado de acordo com critérios acadêmicos normais porque as evidências cruciais fo ram perdidas. Interpretar imagehs desse ponto de vista é inevitavel mente especulativo. Existe claramente um elemento de especulação em todas as tentativas de uma análise i cono lógica - e em m uitos aspectos da s análises iconográ ficas também - , mas o elemento de espe culação é ainda maior qua n do os significados inconscientes das imagens estão em discussão. A melhor coisa a fazer é, provavelmente, ir adiante e especular, mas sempre lembrando que é isto que estamos fa zendo - especulando.
E nfoques
e s t r utur
a li s t a
e
PÓS-ESTRUTURALISTA
O enfoque que melhor se poderia vèr como “método”, razoável senso do termo estrito, é o estruturalismo, também conhecido como “semiologia” ou “se miótica”. Estes últimos termos foram cunhados para descrever a “ciência geral dos signos” com a qual alguns lingüistas sonharam no início do século 20 .0 mo vimento estruturalista tomou-se mais amplamente conhecido nos anos 1950 e 1960, graças particularmente ao antropólogo Claude Lévi-Strauss e ão crítico Roland Barthes, que eram muito interessados em imagens. Lévi-Strauss, por exemplo, escreveu sobre a arte dos povos ameríndios, como os Tsimshian do Ca nadá, especialmente sobre o fenômeno da “duplicação”, no qual um lado da pin tura de um animal, digamos, é uma imagem espelhada do outro. 5 ABELLi Walter. Th e Co llective Dream in Art. Cambridge, MA: Harvard UP, 1957.
216
Além d a iconografia?
(Quanto a Barthes, os ensaios reunidos em Mythologies (Mitologias) (19 57) discutem úma ampla g ama de imagen s, incluindo filmes sobre a Roma antiga, publicidade de sabão em pó, fotografias de acontecimentos chocantes e ilustrações de revistas contemporâneas, incluindo o que ele chamou de “mito visual” do soldado negro prestando continência à bandeira tricolor na capa de uma edição da revista Paris-Match (25 de junho/2 de julho , 195 5). “Eu estou na barbearia” , Bartheus conta , “e um a cópia da Paris-Match m e é o fere cida” (presumivelmente um respeitado intelectual francês da época não se permitir ía ser visto comp rando um nú mero desta revista popular). “Na capa, um jovem negro em um uniforme militar francês está prestando continência, com os olhos levantados, provavelmente fixos em uma dobra da bandeira”. Barthes leu a imagem - que elê não reproduziu - com o querendo dizer que “a França é um grande Império, em que todos os seus filhos sem qualquer dis criminação de cor servem fielnlente a bandeira”.6 Do ponto de vista deste capítulo, duas das formulações òu teses dos estruturalistas são éspecialmente importantes. Em primeiro lugar, um texto ou uma imagem podem ser vistos, para usar sua frase favorita, como um “siste ma de signos”, enfatizando o que o h istoriado r de arte americano Meyer Schapiro ch ama de “elementos não mim éticos”.7Tal preocupação desvia a atenção da relação do trabalho em questão para a realidade externa que ele parece re presentar e tambiém do seu contexto social, bem como dos elementos que os iconógrafos dizem decodificar ou interpretar. No lado positivo, olhar uma imagem ou um texto desta forma significa focalizar a atenção na organização interna do trabalho, mai s especialmente nas oposições binárias entre s uas pa r tes ou as várias maneiras pelas quais estes elementos podem ecoar o u inver ter um ao outro. Em segundo lugar, ò sistema de signos é visto como um subsistema de um todo maior. Este todo, descrito pelos l ingüistas com o latigue (linguagem), é o repertó rio a partir do qual os falantes individu ais fazem suas escolhas (pa role), Desta forma, o foldor ista rus so Vlad imir Prop p (1 895 -19 70) analisou as 6 LÉVI-STRAUSS, Claude. S pilt Representation in the Art o f Asia and America. In :_______. / Structural Anthropology (1958). New York: Basic Books, 1963. p. 245-268. (Tradução inglesa); BARTHES, Roland. M ytho logies. Paris: Seuil, 1957. Tradução inglesa, London: J. Cape, 1972. p. 116- 119; sobre esta imagem, BAKER, S teve. The Hell o f Conn otation . Word and Image /, p. 164-175,1985. 7 SCHAPIRO, Meyer. On Some Problems in the Semiotics o f Visual Art. Sem iótica I, p. 223-2 42, 1969;
217
Capitulo 10
80. Pôster do filme de Bernardo Bertolucci 1900 ÍNovccento) (1976).
lendas folclóricas ru ssas como permutas e combina ções de 31 elementos bási cos tais como “O Herói consegue o uso de um instrumento mágico”. Estrutu ralmente, de acordo com Propp, é a mesma função (n° 14) se a princesa dá ao herói um anel ou o rei dá a ele um cavalo. Quais são as conseqüèncias de enfocar imagens como “textos figurati- ~ vos” ou “sistemas de signos”? Entre outras coisas, o enfoque estruturalista esti mula a sensibilidade a oposições inversões. Imagens do “outro”,oupor exem plo, podem muitas vezes ser lidasoucomo inversões do observador como a auto-im agem do pintor. As oposições binárias ent re pares de imagens, como no caso das “antíteses” de Cranach entre Cristo e o Papa (fig. 18), ou numa ima gem única, como no caso de Calais Gate, de Hogarth, como já foi observado anteriormente (p.166), ou o Carnival and Lent, de Pieter Brueghel, adquirem uma importância nova quando as olhamos com os óculos estruturalistas. É particularmente esclarecedor analisar narrativas visuais em termos estruturalistas, sejam tapeçarias, gravuras ou filmes. Retornando a Novecento de Bertolucci (Capítulo 9; fig. 80), sua descrição de duas famílias, uma de pro prietários de terr as e a outra de trabalhadores rurais, é uma combina ção c om plexa de similaridades e oposições. Os protagonistas, Alfredo e Olmo, nasce ram no mesmo dia, cresceram jun tos e são profundamente ligad os um ao ou tro, mas estão destinados ao conflito. Seu relacionamento é, de várias manei ras, uma repetição, mas, de outras formas, o exato oposto da relação entre seus avós, o Alfredo velho e Leone.
218
Além da iconografiai
Um enfoque estruturalista preocupa-se também com as associações entre um signo e outro, um carro e uma garota bonita, por exemplo, associa ções estas criadas na mente do espectador por meio de ffeqüentes justaposi ções dos dois elementos. Quanto à ênfase dada pelo estruturalismo ao siste ma, algumas publicidades foram analisadas, como vimos (Capítulo 5), para mostrar como cada novo exemplo refere-se a exemplos anteriores e por sua vez, acrescenta algo ao patrimônio comum. Um aspecto similar poderia ser apontado sobre outros con junt os de imagens. Por ex emplo, as pinturas, escul turas, gravuras, medalhas e outras imagens produzidas no século 17, para glo rificar Luís XIV, formaram um sistema auto-referencial. Uma medalha foi cu nhada para comemorar a ereção de uma estátua para o rei, uma imagem da medalha foi publicada em um livro de gravuras e assim por diante.* Como um exemplo único, concreto, poderiamos tomar a análise estru turalista de Umberto Eco sobre a publicidade do Camay, já discutida no Ca pítulo 5 (fig. 45). Eco descreve a mulher como bela (“de acordo com os pa drões atuais”), de aspecto nórdico (“um sinal de status” uma vez que esta é uma propaganda italiana), rica e cultivada (uma vez que ffeqüenta a So theby’s); “se ela não for inglesa deve ser uma turista de ciasse alta”. O homem é viril e autoco nfian te, mas “não tem uma aparê ncia inglesa”. Ele é um ho mem do mundo, rico, cultivado, e um homem de bom gosto. Ele acha a mulher fas cinante e a legenda sugere que a marca de sabonete mencionada na propagan da é a fonte da fascinação/’ •Michel Foucault foi também um tipo de estruturalista, embora não nas mesmas linhas formuladas por Lévi-Strauss. Ele estava interessado em sistemas de “representações” da mesma forma que se interessava por sistemas de pensa mento. Por “representação” Foucault entendia uma imagem verbal ou pictórica de algum objeto, feita de acordo com um determinado conjunto de convenções, que interessavam a ele mais do que a maior ou menor fidelidade com a qual o objeto foi descrito ou pintado. Sua famosa análise da pintura de Velázquez, Las Meninas , seguiu estas diretrizes, descrevendo-a como “a representação (...) da representação clássica” em uma época em que os elos tradicionais entre signos 89
8 BARTHES, Roland. M yth ologies. Paris: Seuil, 1957. (TVaduçào inglesa. London: I. Cape, 1972); WILLIAMSON, ludith. Decoding Advertisements: Ideology and Meaning in Advertising. London: Marion Boyars, 1978: BURKE, Peter. The F abri cati on o f Louis XIV. New Haven: Yale UP, 1992. p. 15. 9 ECO, Umberto. La struttura assente: Introduzione alia ricerca scmiologica. Milano: Bompiani, 1968. p. 174-177.
219
Capítulo 10
eo bjet os que eles significavam haviam sido rompidos. Na e steira do trabalho de Foucault, nos anos 1960 è 1970 , a idéia de representação foi aprop riada por his toriadores de arte, críticos literários, filósofos, sociólogos, antropólogos e histo riadores. O sucesso do termo contribuiu, sem dúvida, para o sucesso do pe riódico interdisciplinar Representations (fundado em 1983) e vice-versa.101 Outro aspecto do enfoque estruturalista merece ser comentado aqui. A preocupação com o ato de selecionar de um repertório não somente destaca a importância das fórmulas vi suais e temáticas (C apítulo 8) , mas tam bém atrai a atenção sobre o qúe não é escolhido, o que é excluído, um tema que foi par ticula rmente apreciado por Foucault. Ao longo deste estudo, já tivemos a op or tunidade de observar a importância de tais pontos cegos* o equivalente aos si lêncios no discurso oral; a ausência de crianças nas imagens medievais, por' exemplo (Capítulo 6), a dos habitantes indígenas da Nova Zelândia na paisa gem de McC aho n (Capítulo Z) e a falta de atribu tos reais tradicionais da coroa e do cetro no retrato de Luís Felipe (C apítul o 1). Estes pont os cegos devem ser diferenciados dos “brancos ” que o produ tor de imagens deixa, consc ientem en te, o espectador preencher, como a imagem da bandeira tricolor ausente que o espectador infere da continência, no caso da capa da Paris-Match, analisada por Barthes. Intérpretes de imagens precisam ser sensíveis a mais de um tipo de ausências.11 Problemas subsistem, como alguns dos mais importantes adeptos do enfoq ue estrutura lista admitem. A idéia de “linguagem” de imagens ou de pinturas como “textos” não seria nadatnais do que uma metáfora brilhante? Existem “desanalogias” bem como analogias entre arte e linguagem? Existe uma linguagem ou “código” para as imagens, ou existem de diferentes lingua gens, o equivalente ao i nglês (por exem plo), ao árabe ou ao chinês? O código é conscient e ou inconscient e? Se inconsciente, é n o estrito senso freudiano do que é reprimido ou é no sentido comum da linguagem querendo dizer algo que é aceito por todos como dado? Para alguns críticos, o enfoque estrutural parece ser intoleravelmente reducionista, sem nenhuma margem para ambigüidades ou pa ra a iniciati va humana. Em uma das críticas mais conh ecidas e
10 FOUCAULT, Michel. The Order o f Things (19 66 ). London: Tavistock Publications, 1970. p. 316. (Tradução inglesa), cf. ALPERS, Svetlana. Interpretation without Representation. Representations I, p. 30-42,198 3. 11 KEMP, Wolfgang. Death at Work: A Case Study on Constitutive .Blanks in NineteenthCentury-Painting. Representations X, p. 102-123,1985.
22 0
Além da iconografia?
/
mais duras, o antropólogo ame ricano Clifford Geertz conclui q ue, “para ser de uso efetivo no estudo da arte, a semiótica precisa ir além da consideração dos signos de àcomunicação, ser decifrado; avançarcomo em meio direção consideraçãocomo dos código signos acomo maneiraseladeprecisa pensar, como idiomas a serem inte rpretados”.12 Minh a própria visão desta quest ão controvertida é que a prática da aná lise estrutural de imagens, como um método alternativo para a iconografia, está de fato aberta às críticas sumarizadas acima, mas que os estruturalistas fi zeram uma contribuição importante para o patrimônio comum da interpre tação com sua ênfase nos paralel os e nas oposições formais. Um ponto que nos leva à novidade re ivindicada por este enfoque. A análise estru tural é certam en te mais inov adora - é mais chocante - no caso da narrativa literária do que n o caso das imagens. A literatura, como o crítico alemão Gottfried Ephraim Les sing explicou em sua obra Laoíwott (1766), é uma arte que implica tempo, diferentemente das imagens visuais; no entanto, os estruturalistas, deliberada^ men te, ignoram este contraste e lêem narrati vas a contrapelo, como n o caso da análise de Lévi-Strauss do mit o de Édipo, que o reduz a um ]W to únic o, repe tido várias e várias vezes. No caso da pintura, por ou tro lado, uma arte espacial , uma preocupação com relações internas, com aquilo que os artistas e críticos chamam “composi ção”, é tradicional, uma leitura mais a favor da corrente do que a contrapelo . Se a estrutura encon tra-se abaixo da superfície em trabalhos literários, onde lemos ou ouvimos palávra por palavra, esta estrutura encontra-se na superfície das imagens, pelo menos se elas forem vistas a distância. Uma preocupação com as relações internas foi de fato expressa pela análise “formal” ou “formalista” em voga, em 1900, aproximadamente, o enfoque contra o qual Panofsky reagiu, destacando a importância do significado (ele intitulou uma coleção de seus en saios de “O significado nas artes visuais”):'Da mesma forma qué os formalistas, os estruturalistas diferem de Pa nofsky por mostrarem m enos interesse na decodificação de elem entos específicos da imagem do que na relação entre eles. Eles enfatizam o que o crítico Hayden White chamou o “conteúdo da forma”. De qualquer maneira, na medida em que de fat o o que eles re almente analisam são elementos específicos das imagens, Lévi-Strauss, Barthes e Eco poderíam ser todos descritos como autores que fazem iconografia mais do rompe m com ela. A análise estrutural d e uma série de gravu ras do Novo Mun 12 GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. New York: Basic Books, 1983. p. 120.
221
Capítulo 10
do de Bernadette Bucher foi inspirada tanto por Lévi-Strauss como por Panofsky. Por seu lado, Lévi-Strauss uma vez descreveu Panofsky como “um grande estruturalista”. Da mesma forma, imagine-se o que Panofsky teria dito sobre á publicidade do Cama y. Quão d iferente te ria sido ^úa iconogra fia e iconologia da semiologia de Ec o? A idéia de Ba rthes de ler cultura, brilhan teme n te exemplificada em Mitologias, no seu famoso ensaio sobre a luta como uma performan ce de sofrimento e justiça, tem seu paralelo na fradição hermenêu tica da leitura igualmente famosa de Clifford Geertz sobre a rinha de galos balinesa. Ambos os intérpretes tratam os eventos esportivos como textos e os comparam a dramas, ainda assim, um deles, supostamente, emprega um en foque estruturali sta e o outro, um enfoqu e hermenê utico.'5 Como vimos, os estruturalistas são criticados por uma falta de interes se em imagens específicas (que eles reduzem a simples padrões), e também por uma falta de preocupação com a mudança. Em reação contra este enfo que desenvolveu-se úm movimento conhecido como “pós-estruturalista”. Se os iconóg rafos enfati zam a produção con sciente de sig nificado e os estrutura listas, como os freudianos, destacam os significados inconscientes, o foco do pós-estruturalismo recai na indeterminação, na “polissemia” ou no que Jac ques Derrida chamou de “jogo infinito de significações”. Eles estão preocupa dos com a instabilidade ou multiplicidade de significados e com as tentativas dos produtores de imagens de controlar esta multiplicidade por meio, por exemplo, de rótulos e outros “ iconotexto s” (discutidos acima, no Capítulo 2).1314 Com o o despotismo e a anar quia, poder-se-ia afirmar que o estruturalismo e o pós-estruturalismo poss uem pon tos fortes e pontos fracos opostos. A fraqueza do enfoque estruturalista é a propensão de presumir que as imagens têm “um” significado, em que não existem ambigüidades, em que o q uebra-ca beça tem uma solução única, em que existe um código a ser quebrado. A fra queza do enfoque pós-estruturalista é o inverso, a presunção de qye qualquer significado atribuído a um a imagem é tão válido como qualquer outr o. 13 BUC HER , Bernadette. Icon an d Conqu est-. A Structural An alysis of the Illustrations o f de B ry’s Great Voyages (19 77). Chicago: Unive rsity o f Chicago Press, 1981 . p. xiii-xvi. (tra du ção ingle sa); LÉVI-STRAUSS, Claude. Struct ural Anthropology I I (1973). London: [s.n.], 1977. p. 276. (Tradução inglesa); BARTHES, Roland. M yth ologies. Paris: Seu il, 1957. Tradução inglesa, London: J. Cape, 1972. p. 15-25; GEERTZ, Clifford. Deep Play. In: ______ . Th e Interpretat ion o fC ultures. New.York: Basic Books, 1973. p. 412- 453. 14 WAGNER, Peter. Reading Iconotexts: From Swift to the Frenc h Revolution. London: Reaktion Books, 1995.
222
Além d a iconografia?
Outra questão a fazer sobre a ênfase na ambigüidade do enfoque pósestruturalista é se ele é realmente novo ou, mais precisamente, até que ponto e de que forma ele difére de movimentos anteriores. Pelo menos alguns dos adeptos do enfoque iconográfico “clássico” há muito tempo estiveram cons cientes d o problem a da polisse mia ou “multivocàlidade”.15 També m Roland Barthes estava consciente deste problema, apesar do fato de que aceitar a po lissemia enfraquece a decodificação estruturalista das imagens, ou pelo menos as mais importantes formulações feitas por este enfoque. Aqui, mais uma vez, os estudo s da propaganda há m uito chamaram a atenção para o uso de in scri ções - em moedas romana s ou medalhas renas centistas, põr exe mplo - como um me io de levar os espectadores a “ler” a imagem de form a correta. O que é novo em nossos dias é essencialmente a ênfase na indeterminação e a alegação de que os produtores d e imagens não podem fixar ou con trolar seus significados, embora tentem muito arduamente fazê-lo, seja por meio de inscrições ou outros meios. Esta ênfase combina bem com o movi mento pós-modemista em geral e em particular com a análise da “recepção” de imagens, um enfoque que será discutido no próximo capítulo.
15 ANGLO, Sydney.Spectacle , Pag eantry and Early Tudor Pol icy. Oxford: Clarendon Press, 1969. p. 81.
223
Capítulo 11
A HISTÓ RIA CU LTURAL DAS IMAGENS
A análise das imagens difundida pela televisão (...) deveria ser complementada pelo estudo daquilo que o consumidor cultural constrói c om estas imagens. M ic h el d e C erteau
A discussão do significado das imagens disse pouco até agora sobre uma questão fundamental: significado para quem? Erwin Panofsky, como já vimos , teve pouc o tem po para a hist ória social da arte, praticada em seus dias por marxistas, como Frederick Antal e Arnold Hauser, que se preocupavam com as condiçõe s de produção e consum o do atelier ao mercado de arte. Ain da assim pode ser razoavelment e argumentad o, tanto contr a iconó grafos clás sicos quanto contra pós-estruturalistas, que o significado das imagens depen de do seu “contexto social”. Estou utilizando esta expressão num sentido am plo, incluindo aí o “contexto” geral, cultural e político, bem como as circuns tâncias exatas nas quais a imagem foi encomendada e também seu contexto material, em outras palavras, o lugar físico onde se pretendia srcinalmente exibi-la. Nesta visão resumida de enfoques mais ou menos novos para á ima gem, há um lugar para a história social e cultural.
H is t ó r ia s s o c ia is d a
arte
A expressão “a história social da arte” é, na verdade, semelhante a um guarda-chuva aberto sobre uma variedade de enfoques que competem entre si
225
Capítulo 11
ou se complementam. Alguns estudiosos, Arnold Hauser por exemplo, viam a arte como um reflexo de toda uma sociedade. Outros, como Francis Haskell, concentraram a atenção no pequeno mundo da arte, mais especialmente, na relação entre artistas e patrocinadores. Dois enfoques mais recentes sobre ima gens, inspirados pel a teoria feminista e pela teoria da recepção , podem ta mbém ser incluídos sob este guarda-chu va. Por “enfoque feminista” eu en tendo a análise da história social da arte em termo s não de classe social, mas de gênero, mesmo se o foco estiver no gê nero do artista, do patrocinador, dos personagens representados no próprio trabalho, ou na audiência pretendida ou real. Figuras pioneiras, neste campo em expansão, incluem Linda Nochlin e Griselda Pollock. Como outros histo riadores do “imaginário” e da fantasia, elas se perguntam “De que imaginá rio?” ou “De que fantasia?” Para responder a estas perguntas elas dedicaramse a expor e a questionar o olhar masculino agressivo e “dominador”, ao qual elas associam uma “cultura falocêntrica”. Da mesma forma que os estruturalistas, as feministas enriqueceram muito o patrimônio interpretative comum no sentidó de que se tomou vir tualme nte impensáv el ignorar o tó pico do gênero sexual , quando se analisam imagens, da mesma forma que era muito difícil, anteriormente, ignorar a questão das classes sociais. O enfoque ou série de enfoques para o estudo das imagens, em termos de gênero, já foi ilustrado por discussões anteriores de re presentações de mulheres leitoras, por exemplo, do trabalho das mulheres, das bruxas edosharéns (Capítulos6 e 7).1 ' Uma segunda e rece nte abordagem da história social da arte tem o seu foco na história das respostas às imagens ou na recepção dos trabalhos artís ticos; este enfoque coloca-se de forma paralela aos movimentos sobre estu dos literários conhec idos c omo “teor ia da recepção” e “ resposta do leit or”. A The Power o f Images resposta é o tema principal da obra de David Freedberg (O poder das imagens) (1989), por exemplo. Nesta forma de história social da arte, Marx é, em um certo sentido, virado de cabeça para baixo. O estudo
1 POLLOCK, Griselda. What’s Wrong with Images o f Women?, republicado em Framing Feminism. Edited by Rozsika Parker and Griselda Pollock. London: Pandora, 1977. p. 132-138; POLLOCK, Griselda. Vision an d D ifference. London: Routledge, 1988; Id., What difference does feminism make to art history? In: Dealing with Degas. Edited by Richard Kendall and Griselda Pollock. London: Pandora, 1992. p. 22-39; NOCHLIN, Linda. Women, Art. and Power. In: Visual Theory. Edited by Norman Bryson, Michael Holly and Keith Moxey. Cambridge: Polity, 1991. p. 13-46; NOCHLIN, Linda. Representing Women. London: Thames and Hudson, 1999.
226
A história cultural das'imagens
dos efeitos das imagens na sociedade tomou virtualmente o lugar das análi ses sobre a influência da sociedade ná elaboração da imagem. A história da relação física entre o espeçtador e a imagem foi também estudada de forma Absorbtion and Theatricality notável por Michael Fried em sua obra (Absorção e. Teatralidade) (198 1) . ' Certos histori adores e críticos, nes te grupo ou escola, preocup am-se com a,imagem que o artista elabora sobre o especta dor, um paralel o visual do que os críticos literários denominam de “leitor implícito”. Eles examinam o que Barthes descreveu-como “a retórica da imagêm”, as formas pelas quais ela' opera para persuadir ou obrigar os espectadores a fazer determinadas inter pretações, estimulando-os a identificar-se ou com o herói ou com a vítima, por exemplo, ou altemativam ente (c om o foi argumentado no caso de al gumas pinturas históricas do sécul o 19), colocan do o espectador na posição de teste munha ocular do acontecimento representado.2 Outros, como o próprio Freedberg, investigam mais as respostas, reais às imagens do que as previstas através do estudo de textos: folhetos que tra tam de devoção, por exemplo," ou diários de viajantes, ou descrições do com portamento de peregrinos ou de grupos vendo filmes ou cartoons políticos. É este enfoque que, na minha visão, promete ser o de maior valor nos p róximos anos. Ele poderia ser descrito como “a história cultural da imagem”, ou ainda a “antropologia históric a da imagem”, um a vez que pretende reconstru ir as re gras ou convenções, consci entes o u inconscientes, que reage m a percepção e a interpretação de imagens numa determinada cultura. O aspecto essencial é a reconstrução daquilo que o historiador de arte britânico Michael Baxandall chama de “olho da época”. Em seus próprios estudos das pinturas italianas do século 15 e das esculturas alemãs do século 16, ele explorou o efeito na per cepção das imagens de práticas culturais contemporâneas tais como a calibragem de armas, as danças e a caligrafia.3 As práticas estudadas po r Baxandall são prátic as que con dicion am p er cepções da forma das imagens. Outras práticas culturais ti veram mais in fluên ; cia na forma com que os espectadores viram o conteúdo das imagens, suas 2 FREEDBERG, David. The P ower o f Images . Chicago: University of Chicago Press, 1989; FRIED, Michael. A bso rbtion a n d T heatric ality: Paintin g and Beho lder in the A ge of D ide tot Berkeley: University o f California Press, 1980 ; KEMP, Wolfgang. Death at Work: A Case Study on Constitutive Blanks in Nineteenth-Century Painting. Rep resentations X , 1985. 3 BAXANDALL, Michael. Paint ing and Experience in Fiftee nth-Century Italy. Oxford: Clarendon Press, 1972; Id., Limew ood Sculptor s o f Renais sance Germany. New Haven: Yale UP, 1980.
227
Capítulo 11
mensagens. Tomemos um exemplo que tenha a ver com o tema deste livro, o da prática cultural do testemunho autoconsciente. John Bargrave (1610168 0), cônego da Igreja de Cristo de Canterbury, foi um estudioso, um viaja n te e um colecionador. Em Inn sbruck, em 165 5, ele testemunhou a recepção da Rainh a Christina da Suécia na Igreja Cató lica e registr ou sua aparência em um desenho que pôs eín gravura. Em Roma, èm 1660, ele comprou uma série de gravuras do Papa Alexandre VI I e seus car deais e colo u-os em um livro, acres centando suas próprias anotações, geralmente com o seguinte sentido: “esta pintu ra é m uito p arecida com ele”, “extrao rdinariam ente parecida com o as pessoas”, e assim por diante. A referência à revolta de Nápolés, em 1647, fez com que ele escrevesse “desta última passagem em Nápoles eu, que escrevo isto, fui uma testemunha ocular” . O interesse de Bargra ve rios acontecim entos de seu tempo e o seu interess e em c olecion ar gravuras e ram m uito ligados. El e considerou seriamente estas imagens como testemunhas do passado recente.4 Respostas negativas a imagens oferecem evidências tão valiosas quanto as positivas. Como vimos, Ivan, o terrível, Parte II, de Eisenst ein, foi escondi da do público pelo governo até a morte de Stalin. A famosa pintura de Goya da execução de 3 de maio de 1808 foi guardada por anos nos porões do Mu seu do Prado por razões políticas. Em outro exemplo, o destino contemporâ neo da pintura de Delacroix, Liber dade guiando o povo (Capítulo 4), foi uma espécie de termômetro, medindo a temperatura política. Em 1831, a pintura foi comprada pelo governo; em 1833, foi escondidá em um porão; em 1849, reapareceu rapidamente, somente para ser banida de novo depois de Luís Na poleão assumir firmemente o poder. O ponto a ser destacado é que, para cer tos espectadores contemporâneos, a imagem lembrava a república instalada em 1792, depois da execução de Luís XVI, sendo, desta forma, um incômodo para os regimes monárquicos. O julgamento de Daumier, em 1832, e sua pri são po r seis meses por fazer uma caricat ura d o Rei Luís Felipe, també m escla recem as atitudes morais e políticas da época, como o julgamento de Flaubert .por haver publicado M adam e Bovary (1857).5
4 BARGRAVE, John. Pope Alexander VII and the C ollege o f Cardinals . Edited by. James C. Robertson. Lon don: [s.n.], 1862. p. 8 ,4 1 ; cf. BANN, S tephen. Under the Sign: John Bargrave as Collector, Trav eler and Witness. Ann Arb or: University o f Michigan Press, 1994. esp. p. 106, 115-116. 5 WILLIAM S, Gwyn A. Goya and the Impossible Revolution. London: Allen Lane, 1976. p. 5; AGULHON, Maurice. M ariann e into B attle : Republican Imagery and Symbolism in France, 1789-1880 (1979). Cambridge: Cambridge UP, 1981. p. 38-61. (Tradução inglesa).
228
A h istória cultural das imagens
A história do cinema oferece alguns exemplos semelhantes de reações contemp orâneas que esclarecem as formas pel as quais certos fil mes foram óriginalmente percebidos. A proibição de exibir The Bir th o f a Nation (O nasci mento de uma nação) em alguns estados dos Estados Unidos auxilia a poste ridade a entender como as imagens de Griffith foram interpretadas na época. Assim também se entende ò protesto feito pela Associação Nacional para a Melh oria das Condições de Vida de Pesso as de Cor c ont ra cenas consideradas “racistas” em E o vento levou.6 Em ce rtos mom entos, estes textos rev elam que o significado de um a de termina da mensagem f oi “mal co mpreen dido”. A história da recepção de im a gens, da mesma forma que a dos textos, enfr aquece a noçã o de senso comu m, de má compreensão , mostrando q ue diferentes interpret ações do mesm o ob je to, óu ainda do mesmo acoiitecimento, são normais e não aberrações, e que é difícil encontrar boas razões para descrever uma interpretação como “certa” e outras como “e rradas” De qual quer maneira, o conceito de má compreensão pode ainda ter seus usos como uma maneira de descrever as diferenças, algu mas vezes agudas, entre intenções e efeitos, entre a mensagem como é difundi da (por governos, missionários , pintores e outros ), e a mensagem com o é rece bida por diferentes grupos de espectadores, leitores ou ouvintes. Neste sentido, Vasco da Gama, p or exemplo, “enganou-se” tomando um templo indiano por uma igreja cristã (Capítulo 7). Como vimos (Capítulo 2), cronistas e embaixadores que assistiram a espetáculos públicos tais como entradas reais em cidades nem sempre inter pretam os event os da forma com o os que m ontaram o espetácul o pretendiam. Eles perderam alusões ou enganaram-se, tomando uma deusa clássica por outra. Ainda temos esse problema atualmente. Como foi observado (Capítu lo 4 ; fig. 2 2) , a famosa “Deusa da Democra cia”, na Praça Tian-a n-M en , foi in terpretada de formas diferent es, em 1989, oficialmente e não oficialmente, por estrangeiros e por chineses. A evidência d e respostas a imagens não é somente literária, mas pic tó rica tam bém. As figuras represent adas em imagens, sejam elas pinturas em sa las de estar ou gravuras em paredes de tavernas, nos dizem algo sobre os usos de imagens e sobre a história social das preferências de gost o. Rasuras também têm histórias para contar. Um exem plo not ório de uma tal história é a da pin-
6 NOBLE, Peter. Th e Negro in Filins. London: S. Robinson, 1948.
229
Capítulo 11
tura de Velazquez do herdeiro do trono, príncipe Baltasar Çarlos, na escola de equitação. Na primeira versão da pintura o.primeiro ministro, o Conde-Duque de Olivares, pode ser visto à esquerda da pintura a mei a distância, mas de pois de cair em desgraça e ser banido, em 1643, Olivares transformou-se em uma “não-pessoa” e sua figura foi removida. Para ser mais exato, ele foi sim plesmente deixad o de fora na últim a versão da pintura, qu e pode atualmente ser vista na Coleção Wallace. Em outra história, David teve de repintar seu quadro Coroação de Napoleão pois “foi considerado prudente não m ostrar Na poleão coroando-se a si mesmo”. Depois da restauração dos Bourbon em 1815, a imagem de Napoleão na cúpula do Panteão foi substituída pela do Rei Luís XVIII. Durante a revolução de 1848, a pintura Retrato oficial de Luís Felipe, de Hersent, foi destruída (fig. 9).7 Testemunhas das respostas dos espectadores também incluem iconocíasmos ou vandalismos de diversos tipos, ações qué estimulam a posteridade a re fletir sobre as características das imagens que provocaram reações tão violentas. Existe o vandalismo religioso, por exemplo, como no caso dos espectadores anônimos que arrancaram fora os olhos de Judas, nas representações medievais da Últim a Ceia. Existe o vandalismo teológico dos bizantinos ou dos protestan tes que esmagaram imagens r eligiosas com o argumento de que elas eram antes obstáculos do que meios de comu nicação entre cristãos e seu Deus (Capítulo 3 ). Existe o vandalismo político, seja ele direcionado c ontra as estátuas públicas de Luís XIV, r exemplo, emcont 1792, ou c ontra Stalin, cujano estátua Praga foi des truída nospo anos 1960, ou ra Nelson, cuja estátua alto deemuma coluna em Dublin foi explodida pelo IRA em 1966, tratando o Almir ante como um sím bolo da hegemonia britânica. Existe também o iconoclasmo feminino, exemplificado no famoso ata que na assim denominada Vênus ao espelho de Velázquez na National Gallery em Londres em 1914, feito por uma suffragette (sufragista) que desejava cha mar a atenção para a causa, e o iconoclasmo estético, cpmo no caso de certos ataques em esculturas modernas, do Pensador de Rodin, ao Prisionei ro políti co desconhecido de Reg Buder. Alternativamente, em uma versão mais branda de iconoclasm o, estátua s foram removidas de pr aças públicas e colocadas em 7 HARRIS, Enriqueta. Velázquezs Portrait o f Prince Baltasar Carlos in the Riding School. Burlington Magazine CXVIII , p. 266-275, 1976; ELLIOTT, John H. The Count-Duke of Olivares. New Haven: Yale UP, 1986. p. 676; BROOKNER, Anita. David. London: Chatto & Windus, 1980. p. 153.
230
t
A história cultural das imagens
museus ou em parques de estátuas. Isto foi o que aconteceu com imagens de heróis comunistas em Budapeste, depois da mudança de regime na Hungria, em 1989 (o parque de estátuas em Budapeste foi aberto em 1993); foi o mes mo que houve com estátuas da rainha Vitória depois de a Índia haver se tor nado independente em 1947.® Com o grafite, estes atos de iconod asm os fornecem um rico veio de evi dências para a história das respostas às imagens. Depois de erigir seu “antimonumento”, em Hambu rgo (Ca pítulo 4 ), os escultores convidaram o pú blico para responder escrevendo no monumento, esperando expressões escritas de solida riedade, mas na prática susdtaram uma gama muito maior de respostas desde “Fascismo nunca mais” a “Fora estrangeiros” e “Eu amo todas as garotas”.89 Não é de admirar, pois, que os produtores de imagens tentem controlar as interpretações dadas aos seus artefatos pelo público, dando a ele chavesde diferen tes espécies. Algumas destas tentativas de controle são pictóricas, formulando dis positivos como, por exemplo, a ênfase dada a um a pessoa e não a outra por dife renças em tamanho ou cor. Outro dispositivo é a imagem dentro da imagetp, como a justaposição do pregador Sacheverell e o bandoleiro MacHèath na mesma gravu ra de Hogarth, convidando os espectadores a fazer a comparação entre eles. Alternativamente, as respostas dos espectadores podem ser influencia das ou manipuladas por meio s textuais, d as inscriçõe s em medalhas às legen das em fotografias. Um certo número de iconotextos deste tipo já foi discuti do neste livro,icar daso inscrições na Tapeçaria Bayeux que permitem aosHarold, espectaa os dores identif guerreiro com u ma flecha no olho como o rei dos murais de Diego Rivera que tornam claro que os afrescos de cenas de tra balho manual foram feitos para estimular os espectador es a trabalhar. No caso das medalhas, com pequenas imagens que são difíceis de serem vistas pelos es pectadores a olho nu, as inscrições são particularmente importantes. Em um livro sobre imagens oficiais de Luís XTV, eu sugeri que as inscrições nas meda lhas comemorando eventos do reino podem ser comparadas a m anchetes de jornais tanto na forma como na função. Exemplos incluem “Vinte cidades no Reno tomadas pelo delfim em um único mês” (1686) e “Argel fulminada por 8 FREEDB ERG, David. TheP owero fImag es. Chicago: Unive rsity of Chicago Press, 1989. p. 378428; GAMBONI, Dario. The D estruct ion o f Art. IconOdasm and Vanda lism since the French . Revolution. London: Reaktion Books , 1997. 9 YOUNG, James E. The C ounter-Mo numen t: Memory against Itself in Germany Today. In: MITCHELL, William J. T. A rt an d the Pub lic S phere. Chicago: University of Chicago Press, 1992. p.49-78 .
1231
Capitulo 11
raio” (Algeria Fulminata), referindo-se ao bombardeio francês na cidade em 1683 e apresentando as ações da França com o uma for ça da natu reza.101 As últimas páginas sugeriram que estudiosos, desde Panofsky, têm não apenas apontado a fragilidade dos enfoques iconográfico e iconológico, mas também feito por sua vez algumas sugestões construtivas. Sé'suas recomenda ções positivas devem ser tratadas como um método ou métodos alternativos é um pergunta difícil, a qual minha própria resposta seria “não” pela razão de que é possível fazer uma síntese entre os elementos do enfoque iconográfico e elementos das alternativas a ele apresentadas. O ponto de vista que eu utilizei para escrever este livro é que as imagens não são nem um reflexo da realidade social nem um sistema de signos sem relação com a realidade social, mas ocu pam uma variedade de posições entre estes extremos. Elas são testemunhas dos estereótipos, mas também das mudanças graduais, pelas quais indivíduos ou grupos vêm o mundo social, incluindo o mundo de sua imaginação. Chegou a h ora de fazer uma síntese da mensagem deste li vro que tr ata de imagens como evidências. Como vimos, o testemunho das imagens tem sido freqüentemente ignorado e algumas vezes negado. O crítico Stephen Ba nn, dan do voz a um ceticismo mais geral, recentemente escreveu que “as imagens vi suais hão prova m nada - ou se provam qualquer coisa é tão trivi al que não p o de ser levada em c onta co mo compon entes da análise histórica”.110 testemunho das imagens é algumas vezes descartado pela razão de que tudo que elas mos tram são convenções para representações correntes em um a determinada cultu ra, Existe uín conflito permanente entre “positivistas”, que acreditam que as imagens veiculam informações confiáveis sobre o mundo exterior, e os céticos ou estruturalistas, que afirmam que não. Os últimos focalizam a atenção na imagem e somen te nela, na sua organização interna, nas relações entre suas par tes e entre uma imagem e outras-do mesmo gênero, enquanto os positivistas tentam perscrutar através da imagem para perceber a realidade além dela. Há m omentos em que este debate parece-me um diálogo de sur dos, ou para empregar uma imagem mais visual, parece a imagem chamada “pato-co elho”, o desenho tão bem pode ser visto com o um coelho ou como um pato, mas
10 WAGNER, Peter. ReadingMaren. Icon otexts: From London: Reaktion Books, 1995; STANGE, Symbol s o fSwift Socialto Lifthe e: French Social Revolution. Documentary Photography in America, 1890-1950. Cambridge: Cambridge UP, 1989. p. 44, 117-118; BURKE, Peter. The Fabrication o f Louis XIV. New Haven: Yale UP, 1992. p. 97 -9 8,1 02 . 11 BANN, Stephen. Under the Sign: John Bargrave as Collector, Tr aveler and Witness. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1994. p. 122.
232
A história cultural das imagens
não ao mesmo tempo. Entretanto, eu acredito que uma “terceira via” está abe r ta para quem quiser trilhá-la. Tomar esta t erceira via não signific a caminh ar n o ' meio da estrada, mas sim fazer cuidadosas distinções, como eu tentei fazer ao longo deste livro, evitando alternativ as simples, trazendo para a discussão a c rí tica mais pertinaz da prática histórica tradicional e reformulando as regras do método histórico para dar conta desta crítica. Em vez de descrever imagens como confiáveis ou não confiáveis, adep tos da terceira via estão preocupados com graus ou formas de confiabilidade e com confiabilidade para propósitos diferentes. Eles rejeitam a simples opo sição entre a visão da imagem como “espelho” ou “fotografi a instantâ nea”, por um lado, e a visão da imagem como nada mais do que um sistema de signos ou convenç ões, por outro. Eles alegam que no caso d as imagens - com o no caso de textos - as convenções filt ram informações s obre o m undo exterior mas não excluem. Somente em casos raros, como no caso das “raças mons truosas” (Capítulo 7), é que os estereótipos são tão grosseiros que excluem toda a informação. Ao ler algo de um viajan te ocidental ou de um historiador do século 19, por exemplo, ou observar o trabalho de um pintor do mesmo período, nós podemos muito bem estar conscientes das convenções individuais ou coleti vas pelas quais todos os três representam uma cultura alienígena, o império chinês, por exemplo; no entanto, isto não impede que .muitos detalhes sobre aquele império sejam transmitidos a nós, bem como informações sobre atitu des, valores e preconceitos do século 19. Em outras palavras, os testemunhos sobre o passado oferecidos pelas imagens são de valor real, suplementando, bem como apoiando, as evidências dos docum entos escritos. É verdade que, especialmente nõ caso da hist ória dos acontecimentos, elas freqüentemente dize m aos historiador es que conhecem os documen tos algo qtle essencial mente eles já sabiam. Entretanto, m esmo nestes casos, as imagens têm algo a acrescentar. Elas oferecem acesso a aspectos do passado que outras fontes não alcançam. Seu testemunho é particularmente valioso em casos em que os text os disponíveis são poucos e ralos, o caso da eco nomia informal, por exemplo, ou o ponto de vista das de baixo, ou as muda n ças na sensibilidade. As pinturas e gravuras de coroações ou tratados de paz transmitem algo sobre a solenidade da ocàsião e de com o a cerimôn ia deveria ter sido percebida, ao passo que a ênfase em acontecimentos rituais ou ritualizados, nas imagens do século 17, por exemplo, nos lembram da importância do ritual aos olhos dos contemporâneos.
233
Capítul o 1 1
No caso da história social ou econômica, as imagens oferecem evidências particularm ente valiosas de práticas como o comé rcio de rua que raramente fo ram registradas devido a sua natureza relativamente não oficial, portanto com plementando os testemunhos dos registros de guildas. Imagens de outras cultu ras podem ser imprecisas e preconceituosas, como vimos muitas e muitas vezes, mas como evidências dos próprios preconceitos elas não poderíam ser melho res. A não menor vantagem de usar a evidência das imagens, conforme obser vou o historiador Peter Paret, é o fato de que esta evidência “pode ser examina da pelo leitor e pelo autor juntos”. A evidência documental está disponível ape nas para alguém preparado para visitar arquivos nos quais ela esteja guardada, e que possa levar muitas horas para lê-la, enquanto uma pintura ou uma foto grafia muitas vezes é facilmente acessível, especialmente em reproduções, e sua mensagem pode ser esquadrinhada com relativa rapidez.12 Naturalmente, como no caso de textos, qualquer um que queira usar imagens como evidência, necessita estar constantemente em guarda para o as pecto - muito óbvio, ainda que al gumas vezes esquecido - de que a maioria delas não foi produzida com este propósito. Algumas delas o foram, como já vimos, mas a maioria foi feita para cumprir uma variedade de funções, reli giosas, estéticas, políticas e assim por diante. Elas, ffeqüentemente, tiveram seu papel na “construção cultural” da sociedade. Por todas estas razões, as imagens são testemunhas dos arranjos sociais passados e acima de tudo das maneiras de ver e pensar do passado. Perma nece o problema de com o ler estes testemunhos. Eu espero que os leitores deste livro não tenham se aproximado dele como se fosse um tra tado de “receitas” para decodificar imagens, como se elas fossem quebra-cabe ças com soluções simples e definitivas. Ao contrário, o que este livro tentou mostrar é que as imagens são muitas vezes ambíguas ou polissêmicas. E levou algum tempo provando que é fnuito mais fácil generalizar sobre como não ler imagens, e as armadilhas que aguardam nossos enfoques. A variedade foi um tema recorrente, tanto a variedade de imagens como a variedade de usos aos quais os seus testemunhos podem se prestar por historiadores com diferentes preocupações - historiadore s de ciência, de gên ero, de guerra, de pensamento político e assim por diante.
l í PARET, Peter. Imag ined Battles : Reflections of War in European Art. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997. p. 14.
234
A história cultural da s imagens
81. Jacob Ochtervelt, Músicos tie
rua à porta tie urna cast), 1665, óleo sobre tela. The Art Mu seum, St Louis Art Museum.
Até mesmo os historiadores culturais divergem entre eles no uso de _ evidências visuais. Burckhardt por exemplo, no seu ZeitKonstantins (Époc a de Constantino), bem como em seu Kultur der Renaissance (Civilização do Re nascimento), usou o testemunho do estilo e da iconografia para auxiliá-lo a caracterizar o espírito da época, interpretando a ornamentação cada vez mais rica como um sinal- de decadência, ou a ascensão do retrato como um sinto ma de individualismo. Outros historiadores examinam as imagens à procura de pistas para os pequenos detalhes da vida social em vez de examinar toda uma época. Tomemos, por exemplo, a série de pinturas de portas e salas de entra da do artista holandês do século 17 Jacob Ochtervelt. Para um historiador de música, o quadro dos músicos de rua é uma evidência valiosa do lugar da mú sica na vida holandesa na época (fig. 81). Para um historiador econômico, as mercadorias que os ambulantes estão oferecendo de porta em porta são de in teresse. Elas são, em sua maioria, produtos perecíveis tais como peixes e frutas
2?5
Capítulo 11
(uvas e cerejas). As pinturas atestam a prática das vendas de porta em porta destes itens, o que outros tipos de documento não registram. Para um histo riador social, as identidades dos ambulantes são de particular interesse, uma vez que os homens vendendo peixe e aves e as mulheres vendendo frutas su gerem uma divisão de trabalho baseada no gênero. Simon Shama, como vi mos (Capítulo 5), interpreta estas pinturas em seu Embarassement o f Riches (O desconforto das riquezas) como sinais das fronteiras separando os incluí dos e excluídos, o privado e o público, a casa e a rua. Sua observação sobre fronteiras está ligada a um dos temas principais deste livro, a construção da identidade holandesa no século 17.** Entretanto, Schama é cuidadoso e não tira conclusões diretamente de pinturas individuais para generalizar a respeito de “ser holandês”. A força de sua análise está na leitura minuciosa de imagens específicas. Em contraste, o mesmo autor de Landsc ape and Memory (Paisagem e Memória) faz um inven tário fascinante das associações históricas provenientes de florestas, rios e ro chas, tendendo a citar imagens simplesmente para ilustrar generalizações, como Burckhardt fez, embora estas generalizações digam respeitp mais à me mória humana do que a períodos específicos. Apesar dos contrastes, tanto nas técnicas analíticas como nos propósi tos de diferentes historiadores, alguns poucos aspectos gerais emergiram da análise de exemplos específicos em capítulos anteriores, e com a devida cau tela poderíam ser representados aqui, não como princípios universais, mas simplesmente como síntese dos problemas de interpretação que regularmen te reaparecem em difere ntes context os.1314Os problema s não es tão, é claro, co n finados aos testemunhos das imagens, embora “contexto”, por exemplo, tome um sentido um tanto diferente quando as imagens, em vez de textos, estão sendo examinadas . , 1. As imagens dão acesso não ao mundo social diretam ente, mas sim a visões contemporâneas daquele mundo, a visão masculina das mulheres, a da classe média sobre os camponeses, a visão dos civis da guerra, e assim por diante. Os historiadores não podem dar-se ao luxo de esquecer as tendências
13 De acordo com HASKELL, Francis. Visual Sources and The Embarrassment o f Riches. Past and Present CXX, 216-226, 1988. 14 LEVINE, Robert M. Images o f Hist ory. 19th and Early 20th-Century Latin American Photographs as Documents. Durham, NC: Duke UP, 1989. p. 75-146 , no qual discute proble mas do metodo na forma de respostas a um questionário.
236
.•thistó
ria cultural Jaí
imagfm
82 . August o Stahl, Rua da Floresta, Rio de Janeiro, c. 1865, álbum impresso. C o le to Parti cula r.
opostas dos produtores de imagens para idealizar e satirizar o mundo que o representam. Eles são confrontados com o problema de distinguir entre representações do típico e imagens do excêntrico. 2. O testemunho das imagens necessita ser colocado no “contexto”, ou melhor, em uma série de contextos no plural (cultural, político, material, e assim por diante), incluindo as convenções artísticas para representar as crianças (por exemplo) em um determinado lugar e tempo, bem como os interesses do artista e do patrocinador srcinal ou do cliente, e a pretendida função da imagem. 3. Uma série de imag ens oferece testem unho mais confiável do que im agens individuais, seja quando o historiador focaliza todas as imagens ainda existentes que os espectadore s pod eríam ter visto em lugares e époc as espec íficas (na expressão de Zanker, “a totalidade de imagens que um contemporâneo poderia ter experimentado”), seja quando observa as mudanças nas imagens
237
Capitulo 11
do purgatório (por exemplo) ao longo do tempo. O que os franceses chamam “histó ria serial” vem a ser extrem amente útil em determinadas ocasi ões.15 caso de imagens, no caso demas textos, o historiador necessita ler nàs 4. entrelinhas,Noobservando os deta como lhes pequenos significati vos - in cluindo ausênci as significativas - usando-os com o pistas para informações que os produtor es de imagen s não sabiam que eles sabi am, ou para suposições que eles não estavam conscientes de possuir. A identificação por Morelli dos autõres de pinturas específicas pelo estudo das formas das orelhas ou mãos pintadas (Capítulo 1) tem importantes implicações para historiadores. Ppr exemplo, uma fotografia de uma rua no Rio de Janeiro, feita pelo fotógrafo Augusto Stahl, em 1865 aproximadamente, mostra um grupo de pessoas dentro foraparte de uma casa da de fotogra negóciosfia,(fig. vez do, queé aimpr loja o ocupa som enteeuma menor no 82). cantoUma esquer vável que o fotógrafo tenha tido o tr abalh o de dizer ao grupo de pess oas com o se posic ionar ou o que usar (co mo era o caso , às vezes, nas fotografia s sociais do século 19, como vimos). Dado o fato de que um dos homens no grupo usa um chapéu, mas não usa sàpátos, pode ser tomado como evidência das con venções do vestir dessa classe social, nesse lugar e tempo determinado. Estas convenções podem muito bem parecer um pouco estranhas para um europeu atualmente, para quem um chapéu pode parecer supérfluo e sa patos, uma necessidade. No Brasil do século 19, entretanto, o contrário era verdadeiro, devido a causas como o clima e razões sociais. Um chapéu de pa lha era barato, mas sapatos de couro eram relativamente car os. Nó s lemos so-: bre afro-brasileiros que compravam sapatos como um símbolo de status , mas preferiam! não u sá-los, caminhando nas ruas carregand o-os nas mãos. A fot o grafia oferece, portánto, um exemplo final de um tema recorrente neste estu do. Com o Erwin Panofsky costumava dizer (citando Flaubert e Warburg), “L e. bon Dieu est dans le détail” (O bom Deus está no detalhe).
j
15 ZANKER, Paul.Augustus an d the Po w er o f Im ag es (1987). Ann Arbon [s.n.], 1988. (Tradução inglesa); VOVELLÉ, Michel; VOVELLE, Gaby. Vision d e la m ort et d e l ’au -delà en Provenc e. Paris: A. Colin, 1970;VOVELLÉ, MicheL (Ed.).Iconog raphie et H istoire des m entalit és. Paris: CNRS, 1979.
238
B ibl io g r a f ia s e l e c io n a d a
ABELL, Walter. The Collective Dream in A rt Cambridge, MA: Harvard UP, 1957. AD ES, Dawn et al . (Ed.). Art and Power. Londo n: [s.n.], 1996 . AGULHO N, Mauric e. M arianne into Battle: Republican Imagery and Sym bolism in Fran ce, 1 789-188 0. (1 979 ). Cambridge: Cambridge UP , 1981. (Tradução ingl esa) . ALDG ATE, Anth ony. British News reel s and th e Spanish G v il War. History IV III, p. 60-63, 1976. _______ . Cinema an d History: B ritish Newsre els and the Spanish Civil Press, 1979.
ALEXANDRE-BIDON, Danièle. Sociales LIII, p. 1155-1190, 1998.Images et objets de faire croire.
War. London : Scolar
Annales Histoire Sciences
ALPERS, Svetlana. The Art o f Describing: Dutch Art in the Seventeenth-Century. Chicago: University o f Chicago Press, 1983. _______ . Interpretation without R
epresentation.
Representations I, p. 30-4 2,1983 .
_______ . Realis m as a co m ic m ode: Low -lif e painting seen throug Vm, p. 115-139,1975-1976.
h Bredero’ s eyes . Simiolus
AN DERSO N, Patri cia. The Printed Ima ge and the Transf ormation o f Popular Culture, 17901860. Oxford: Oxford UP, 1991. AR IÈS, Phili ppe. Centuries o f Ch ildhood .(l960 ) London: [s.n.], 1965. (Tradução inglesa). _______ . The H our o f Our D eath. (197 7) London: Alle n Lane, 1981. (Tradução ingl esa ). _______ . Un Historien de Dimànche. Paris: Seuil,1980. _______ . Images of Man and Death. (1983) Cambridge, MA: Harvard UP, 1985, (Tradução inglesa).
239
Bibliografia selecionada
«
%
AR M STR ON G, C . M. Edgar Deg as and t he R epresentati on o f the Female Bo dy. In: male Body in Westerly Culture.Edited by S. R. Su leiman. New York: [s.n.], 198 6.
The Fe
ATHERTO N, Herbert M. Political Prints in the Age o f Hogarth: A Study o f the Ideographi c Representation of Politics. Oxford: Clarendon Press, 1974. BAK ER, St eve . T he Hell o f Connotation. BANN, Stephen. Face-to-Face with History.
Word and Image I, p. 164-175,1985. New Literary History XXIX,p. 235 -246,1998 .
■ His tor ic al Na rrative an d the Cin emat ic Ima ge . History & Theory B eiheft XXVI, p. 47-67,1987. ^ BARNOUW, Dagmar. Critical Realism:'Histo ry, P hotogr aphy and the W ork o f Siegfr ied Kracauer. Baltimore: Johns Hopkins UP, 1994. BARNO UW ,'Eri c. Documentary: A History o f the Non-Fiction F ilm. New York: O xford UP, 1974. BARRELL, John. BARTHES, Roland.
The Dark S ide o f the Landscape. Cambridge: Cambridge UP, 1980. Camera Lu cida.(1980) London: [s.n.], 1981. (Tradução inglesa).
Image, Music, Text.Ed. Stephen Heath. New
York: Hill and Wa ng, 19 77. p. 32-5 1.
_______ . Mythologies. Paris: Seuil, 1957: Tradu ção inglesa, Lond on: J. Cape, 19 72.
_______ . Th e Reali ty Ef fect. (1968). In: ÍA RT H ES , Rola nd. UK : Black well, 1986. p. 141-14 8. (Tradução inglesa) . BAXAND ALL, Michael. UP, 198Ò.
The R ustle o f Language. Oxford,
The Lim ewood S culptors o f Renaissance German y. New Haven: Yale V
_______ . Painting and Experience in Fifteenth-Century Italy. Oxford: Clarendon Press, 1972. BELTIN G, Hans. Likeness and Presence. (19 90 ) L ondon: Univer sit y o f Chicago Pres s, 1994. (Tradução inglesa). BENJAM IN, Wa lter. The W ork o f Art i n the Ag e o f Mechanical Re product ion. (19 36 ). In: Illuminations. London: Pim lico, 1968. p. 21 9-2 44 . (Tradução ingl esa) . BER GG REN , Lars ; SJÕSTED T, Lennart . L'ombra dei grandi: Monum enti e pol itica m onu mentale a Rom a (187 0-189 5). Roma: Art emide Ed izi oni, 1996.
Landscape and Ideology: The English Rustic Tradition 1740-1860. BERMINGHÁM, Ann. •London: Tham es and Hudson, 1986. BIALOSTOCKI, Jan. The Image of the Defeated Leader in Romantic Art. (1983): republi cado em BIALOSTOC KI, J an. The Message o f Images,Vienna: Irsa, 1988. p. 219-23 3. BIN SKI, Paul. M edieval Death: Ritual and Representation. London: British Museum Press, 1996. BLUNT, Antony.
Poussin. London: [s.n.], 1967. 2 v.
240
Bibliografia selecionada
*
BO IM E, Alber t. The Unveiling o f the National Icons. Cambridge: [s.n.], 1994. BOND ANE LLA, Pete r. The Films o f Roberto Rossellini. Cambridge.: Cambridge UP, 1993. BORCHERT, James. Alley Life in Washington: Family, Comm unity, Religion and Folklife in an Am erican Ci ty. Urbana: Un iversi ty o f Illi nois Press, 1980.
_______ . Historical Photo-Analysis: A Research Method. 1982.
Historical Methods XV, p. 35-44,
BREDEK AM P, Hors t. Florentiner Fussball: Renaissance der Spiel e. Frankfurt: Cam pus, 1993. BRETTELL, Richard R.; BRETTELL, Caroline B. Century.Geneva: Skira, 1983. BRILL IAN T, Richard. The
Bayeux Ta pest ry. Word and Image VII, p. 98-126,1991'.
_______ . Portraiture. London: Reaktion Books, 1991 .
Painters and Peasants in the Nineteenth
.
. Visual Narratives: Storytelling in Etruscan and Roman Art, Ithaca: [s.n.], 1983.
BRO THE RS, Caro line. War and Photography: A Cultural History. London: Routledge, 1997. BROWN, Patricia F. UP, 1988.
Venetian Narrative Painting in the Age o f Carpaccio. New Haven: Yale
BRUBA KER, Les lie. Th e Sacred Image. In: The Sacred Image. East and West. Edit ed by Ro bert O usterhou t and L. Brubaker . Urbana: U niversi ty o f Illi nois Press, 1995. p. 1-24. BRUNETTE, Peter.
Roberto Rossellini. New York: Oxford UP, 1987.
BRYSON, Norman.
Vision and Painting: The Logi c o f the Gaze. London: M acmillan, 1983.
BUCHER, Bernadette. Icon and Conquest: A Structur al Anal ysi s o f the Illustrat ions o f de Bry ’s Great Vo yages. (19 77 ) Chicago: U niversit y of Chicago Press, 1981 . (Traduçã o inglesa) BURKE, Peter.
The Fabrication o f Louis XIV. New Haven: Ya le UP, 1992.
CAM ERON , Averil. Th e Langu age o f Image s: The Rise of Icons a nd Christi an Representa tion. In: The Church and the Arts. Edited by Diana Wood. Oxford: Blac kwell, 1992. p. 1-42 . CAM ILLE, M icha el. Mirror in Parchment. T he Lut trefl' Psalt er and the M aking o f Medieval England. London: Reaktion Books, 1998.
_______ . Th e Très Riche s Heures : An illuminated Manuscript in the production. Critical Inquiry XVII, p. 72-107,1990-1991.
Age o f Mechan ical Re
CARTERAS, S. P. Images o f Victorian Womanhood in English Art. London: Associated University Presses, 1987. CASSIDY, Brendan (Ed.). Iconography at the Cross-Roads. Princeton, NJ: Index o f Christ ian Art, Dept, o f Art an d Archaeol ogy, Princeton Unive rsity, 1993. CE DE RL ÕF , Olle. Th e Battle Painting a s a Historical Source. re M ilitaire XXVI, p. 119-144 ,1967.
Revue Internationa le d ’Histoi-
241
‘
Bibliografia selecionada
CHRISTIN, Olivier.!Une révolution symbolique: L’iconoclasme huguenot et la reconstruction catholique. Paris: Minuit, 1991. CLARK, Tim othy J. The Absolute Bourgeois: Arti sts and Politi cs i n France, 1 848 -1851 . Lon don: Tham es and Hudson, 19 73.
_______ . Image o f the People: Gust ave Cou rbet and the and Hudson,
1848 Revolut ion. London: Thames
1973 .
_______ . The Painting o f Modem Life: Pari s in the A rt o f Manet and his Fol lowers . New Ha ven: [s.n.], 1985.
Art and Propaganda in the 20h Century: The Political Image in the Age of
CLA RK, Toby. Mass Culture.
London : [s.n.], 1977.
CLAYSON , H oll is.
Painted Love: P rostit ution in Fre
nch A rt o f the Im pressionist Era. New
Haven: Yal e UP, 1991.
From Iconoclasm to Icono phobia: Th
CO LLINSO N, Pat ri ck.
e Cultur al Impact o f t he Second
R eform atioa Readi ng: Univer sit y of Readi ng, 1986. CO M M ENT, Berna rd .
The Panorama.
(1993). London: Reaktion Books, 1999. (Tradução
inglesa).' CO SGR OV E, Denis; DANIELS, Step hen (Ed .).
The Iconography o f Landscape.
Cambridge:
Cambridge UP, 1988. CO UP E, W il liam A.
The German Illustrated Broadsheet in the Seventeenth-Century. Baden-
Bade n-Bad en: Heitz , 19 66 .2 v.
Le M iracle'et le Quotidien: Les ex-v
COUSIN, Bernard. té. Aix-en-Proven
'
ce: Sociét és, mentalités, c
CURTIS JR., L. Perry.
oto proVençaux im ages* d’un e soc ié-
ultures, 1983.
Apes and Angels: T he
Iri shm an in the Vict orian Carica ture. Newton
Abbot: D avid and Charl es, 1971.
David Teniers the Younger.London: Tham
DAVIDSON, Jane P.
es and Hudson, 1980.
_______ . The Witch in Northern European Art.London: [s.n.], 1987. DAVIS, Natalie Z.
Slaves on Screen:Film
and H istori cal Vision. Toronto: Vmtage Canada, 2000
.
DE SETA, Cesare (Ed.). Città d ’Europa: Icono grafia e vedu tis mo dal xv al xvii i secolo. [N a ples]: Electa Napoli, 1996. '
The Samurai Films of Akira Kurosawa. An n Arbor: UM
DESSER, David.
DILLENBERGER, John.
Images and Relics: Theological Perception and Visual Images in
Sixteen th-Ce ntury Europe. New DO W D, D. L.
Yor k: Ox ford UP, 1999.
Pageant-Master o f the Republic: Jacques Loui
tion. L incoln, NE: Universit DUFFY-, Eamon.
I Researc h Pre ss, 1983.
s David and the fre n ch Revolu
y o f Nebra ska Press , 1948.
The Stripping o f the Altars. New Haven: Yale UP, 1992.
242
Bibliografia selecionada
DURANTIN I, Mary Frances. The C hild in Seventeenth-Century Dutch Painting. Ann Arbor: UMI Research Press, 1983. ECO, Umberto. La struttura assente: Introduzione alia ricerca semiologica. Milano: Bompiani, 1968. EDGERTON, Samuel Y. Pictures and Punishment: Art and Criminal Prosecution during the Florentine Renaissance. Ithaca: Cornell UP, 1985. ELSNER, Jas. Art and the Roman Viewer. Cambridge: Cambridge UP, 1995.
__ _____ . Imperial Rome and Christian Triumph: The Art of the Roman Empire, AD 100450. Oxford: Oxford UP, 1998. ETLIN, R, (Ed.). Nationalism in the Visual Arts.London: University Press o f New England, 1991. FERRO, Marc. Cinema and History. London: [s.n.], 1988. (Tradução inglesa). FORSYTH, Ilene H. Children in Early Medieval Art: Ninth through Twelfth Centuries.
Journal o f Psychohistory IV, p. 31-70,1976. FOUCAULT, Michel. The O rder o f Things. (1966) London: Tavistock Publications, 1970. (Tradução inglesa). FOX, Celina. The Development o f Social Reportage in English Periodical Illustration du ring thje 1840s and Early 1850s.Past and Present LXXTV, p. 90-11 1,1997 . FRANITS, Wayne (Ed.). Looking a t Seventeenth-Century Dutch Art: Realism Reconsidered. Cambridge: Cambridge UP, 1997.
_______ . Paragons o f Virtue. Cambridge: Cambridge UP, 1993. FREEDBERG, David. The Power o f Images. Chicago: University of Chicago Press, 1989. FRIED, Michael. Absorbtion and Theatricality: Painting and Beholder in the Age of Dide rot. Berkeley: University of California Press, 1980. FRIEDMAN, John B. The Monstrous Races in M edieval Art and Thought. Cambridge, MA: Harvard UP, 1981. GAMBON I, Dario. The Destruction o f Art: Iconoclasm and Vanda lism since the French Re volution. London: Reaktion Books, 1997. • * GARTON ASH, Timothy. The Life of Death. (1985): republicado em GARTON ASH, Timdthy. The Uses o f Adversity. 2nd ed. Harmondsworth: Penguin Books, 1999. p. 109-129. GASKELL, Ivan. Tobacco, Social Deviance and Dutch Art in the Seventeenth Century. (1987): republicado emFRANITS, Weyne (Ed.). Looking a t Seventeenth-Century Dutch Art: Realism Reconsidered. Cambridge: Cambridge UP, 1997. p. 68-77.
______ . Visual History. In: New Perspectives on Historical Writing.Edited by Peter Burke. Cambridge, UK: Polity Press, 1991. Segurtda edição, Cambridge 2000. p. 187-217.
213
Bibliografia selecionada
GEORGE, M. Dorothy. English Political Caricature: A Study of Opinion and Propaganda. Oxford; Clarendon Press, 1959.2 v. GILMAN, Sander L. Health and Illness: Images of Difference. London; Reaktion Books, 1995. _■
The Jew ’s Body. New York: Routledge, 1991.
GINZBURG, Carlo. Clues: Roots of an Evidential Paradigm. (1978): republicado em GINZBURG, C. Myths, Emblems, Clues. [London: Hutchinson Radius, 1990]. p. 96-125. GOFFMAN, Erving. Gender Advertisements. London: Macmillan, 1976. GOLOMSTOCK, Igor. Totalitarian Art: In the Soviet Union, The Third Reich, Fascist Italy and th e People’s Republic of China. London: Collins Harvill, 1990. GQM BRICH, Ernst H. Aim s and Limits o f Iconology. In : don: Phaidon, 1972. p. 1-25/ _______ . T he Im age and the Ey e. London: Phaidon, 1982.
.
Symbolic Images. Lon
/
. Personification. In: Classical Influences on European Culture. Edited by Robert R. Bolgar. Cambridge: Cambridge UP, 1971. p. 24 7-2 57 .
_______ . In Search o f CulturaLHistory. Oxford: Clarendon Press, 1969.
______ . The Social Histor y o f Art. (195 3): republicado em GOM BRICH, E. M editations on a Hobby Horse [London: Phaido n, 19 63]. p. 86-94 . GRABAR, André. Christian Iconography: A Study of its Origins. Princeton, NJ: Princeton UP, 1968. . GRAHAM-BRO WN, Sarah. Images o f Women: Photography o f the Middle East, 18 60-1 950 . Lqndon: Quartet, 1988.
_______ . Palestinians and their Society, 1880-1946: A Photographic Essay. London: Quartet Books, 1980. \
GRENVILLE, John. The Historian as Film-Maker. In: The Historian and Film. Edited by Paul Smith. Cambridge: Cambridge UP, 1976. p. 132-141. GREW, Raymond. Picturing the People. In: Art an d History: Images and Their Meanings. Edited by Robert I. Rotberg and Theodore K. Rabb. Cambridge: Cambridge UP, 1988. p. 203-231. GRUZINSK I, Serge. La guerre des images. Paris: Fayard, 1990. GUDLAUGSSON, S. J. De comedianten bij Jan Steen en zijn Tijdgenooten. The Hague: [s.n.], 1945. HALE, John R. Artists and Warfare in the Renaissance. New Haven: Yale UP, 1990. HARLEY, J. B. Deconstructing the Map. (19 89 ): republicado em Writing Worlds.Edited by T. J. Barnes and James Duncan [London: Routledge, 1992], p. 231-247.
244
Bibliografia selecionada
HARRIS, Enriqueta. Velázquez’s Portrait of Prince Baltasar Carlos in the Riding School. Burlington Magazine CXVUI,p. 266-275,197 6. HASKELL, Francis. History and its Images. New Haven: Yale UP, 1993. ______ . The Manufacture of the Past in Nineteenth-Century Painting. Past and Present LIII, p. 109-120,1971. HASSIG, Debra. The Iconography o f Rejection: Jews and Other Monstrous Races. In : Ima ge an d Belief. Edited by Colum Hourihane. Princeton: Princeton UP, 19991 p. 25-37.
HAUSER, Arnold. The Social Hist ory o f Art. London: England Routledge and K. Paul, 1951.2 V. HELD, Jutta. Monument und Volk: Vorrevolutionãre Wahrnehmung in Bildem des áusgehenden Ancien Regime. Kõln: Bõhlau, 1990. HERBERT, Robert L. Impressionism: Art, Leisure and Parisian Society. New Haven: Yale UP, 1988. HERDING, Klaus; REICHARDT, Rolf (Ed.). Die Bildpublizistik der FranzSsischen Revolu tion. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989. HERLIHY, David. Àm I a Camera? Am erican Historical Review XCIII, p. 1186-1192,198 8. HIGONNET, Anne. Berthe Morisot’s Images o f Women. Cambridge, MA: Harvard UP, 1992. ■
Pictures o f Innocence: The history and crisis of idea l childhood. London: Thames
and Hudson, 1998. HIRSCH, Julia. Family Photographs: Content, Meaning and Effect. New York: Oxford UP, 1981. HOLLIDAY, Peter J. (Ed.). Narrative an d Event in Ancient Art. Cambridge: Cambridge UP, 1993. HONIG, Elizabeth A. The Space of Gender in Seventeenth-Century Dutch Painting. In: FRANITS, Wayne (Ed.). Looking at Seventeenth-Century Dutch Art: Realism Reconsidered. Cambridge: Cambridge UP, 1997. p. 187-2Ó1. HONOUR, Hugh. The First Golden Land: European Images of America. London: [s.n.], 1975. HOPE, Charles. Artists, Patrons and Advisers in the Italian Renaissance. In: Patronag e in the Renaissance. Edited by Guy F. Lytle and Stephen Orgel. Pfinceton, NJ: Princeton UP, 1981. p. 293-343. HORN, Hendrik J. Jan Cornelisz Vermeyen: Painter of Charles V and his Conquest of Tu nis. Doomspijk: Davaco, 1989.2 v. HUGHES, Diane O. Representing the Family. In: Art and History. Edited by Robert I. Rotberg and Theodore K. Rabb. Cambridge: Cambridge UP, 1988. p. 7-38.
,245
«
Bibliografia selecionada
HUGHES, William. Th e Evaluation of Film as Evidence. In: The Historian a nd F ilm. Edited by Paul Smith. Cambridge: Cambridge UP, 1976. p. 49-79. Theinglesa). Autumn o f the M iddle Ages. (1919), Chicago: University of Chicago HUIZINGA,Johan. Press, 1996. (Tradução
HULTS, Linda C. Baldung and the Witches of Freiburg: The Evidence of Images. Jou rnal o f Inter-Disciplinary History X V III, p. 249-276,198 7-1988.
HURLEY, F. J. Portrait o f a Decade: Roy Stryker and the Development of Documentary Photography. London: [s.n.], 1972. IVINS, William M: Prints and Visual Communication. Cambridge, MA: Harvard UP, 1953. . JAFFÉ, Irma B. John Trumbull: Patriot-Artist of the American Revolution. Boston: New York Graphic Society, 1975. JARVIE, Ian C. Seeing through Movies. Philosophy o f Social Science VIII, 1978. JOHNS, Elizabeth. American Genre Painting. New Haven: Yale UP, 1991.
______ . The F armer in the Works o f William Sidney Mount. In: Art and History. Edited by Robert I. Rotberg and Theodore K. Rabb. Cambridge: Cambridge UP,1988. p. 257-282, JOHNSON, Edward D. H. Paintings o f the British Social Scene from Hogarth to Sickert. Lon don: Weidenfeld and Nicholson, 1986. JONGH, Eddy de. Erotica in Vogelperspectief. Simiolus III, p. 22-72,19 68. . The Iconological Approach to Seventeenth-Century Dutch Painting. In: The G ol den Age o f Dutch Painting in Historical Perspective. Edited by Franz Grijzenhout and Henk van Veen. (199 2) Cambridge: Cambridge UP, 1999 . p. 200-223. (Tradução inglesa). ______ . Realism and Seeming Realism in Se venteenth-Century Dutch Paint ing. (1 971). In: FRANITS, Weyne (Ed.). Looking at seventeenth-Century Dutch Art: Realism reconsidered. Cambridge: Cambridge UP, 1997. p. 21-56. (Tradução» inglesa). JOUVE, Michel. Naissance de la caricature politique modeme en Angleterre (1760-1800). In: Lejo um alism e d ’anciett régime. Edited by Pierre Rétat. Paris: [s.n.], 1981. p. 16 7-182 . KEMP, Wolfgang. Death a t Work: A Case Study on Constitutive Blanks in Nineteenth -Cen tury Painting. Representations X, p. 102-123,1985. KERN, Stephen. Eyes o f Love: The Gaze in English and French Painting and Novels 18041900. London: Reaktion Books, 1996. KESTNE R, Joseph. Masculinities in Victorian Painting. Aldershot: Scolar Press, 1995. KINMONTH, Claudia. Irish Vernacular Furniture: Inventories and Illustrations in Inter disciplinary Methodology. Regional Furniture X, p. 1-26,1996. KLEIN, Robert. Considérations sur les fondements de I’ic onographie. (196 3): republicado em KLEIN, Robert. La Form e et Vintelligible. Paris: Gallimard, 1970. p. 353-374.
246
Bibliografia selecionada
KRACAUER, Siegfried. History of the German Film. (1942): republicado em KRACAUER, Siegfried. Briefwechsel. Edited by. V. Breidecker. Berlin: Akademie-Verlag, 1996. p. 15-18. _______ . History: The Last Things before the Last. New York: Oxford UP, 1969.
KUNZLE, David. The Early Comic Strip. Berkeley, CA: University of California Press, 1973. KURETSKY, Susan D. The Paintings o f Jacob Ochtervelt. Oxford: Phaidon, 1979. LALUMIA, Matthew P. Realism and Politics in Victorian Art of the Crimean War. Epping: [s.n.], 1984. LANDAU* David; PARSHALL, Peter.The Renaissance Print 1470-1550. New Haven: Yale UP, 1994. LANE, Richard. Masters o f the Japanese Print. London: Thames and Hudson, 1962. LAWRENCE, Cynthia. Gerrit Berckheyde. Doornspijk: Davaco, 1991. LEITH, James A. Ephemera: Civic Education through Images. In: Revolution in Print. Edited by Robert Damton and Daniel Roche. Berkeley: University of California Press in collaboration with the New York Public Library, 1989. p. 270 -89. , _______ . The Idea o f Art as Propaganda in France, 1750-1799. Toronto: University o f Toronto
Press, 1965. LEVINE, Robert M. Images o f History: 19th and Early 20th Century Latin American Pho tographs as Documents. Durham, NC: Duke UP, 1989. LÉVI-STRAUSS, Claude. Split Representation in the Art of Asia and America. In: _____ _ . Structural Anthropology(1958). New York: Basic Books, 1963. p. 245-268. (Tradução inglesa). Reading Images: LEWIS, Suzanne.Cambridge: Narrative ted Apocalypse. Cambridge UP,discourse 1995. and reception in the 13th illumina
______ ÇThe Rhetoric o f Power in the Bayeux Tapestry. Cambridge: Cambridge UP, 1999.
LINK, Luther. The Devil: A Mask without a Face. London: Reaktion Books, 1995. LÜSEBRINK, Hans-Jiirgen, REICHARDT Rolf. Die ‘Bastille’: Zur Symbolik von Herrschaft und Freiheit. Frankfurt am Main: Fischer Taschenbuch Verlag, 1990. MACKENZIE, John M. Orientalism: History, Theory and the Arts. Manchester: Manchester UP, 1995. MÂLE, Emile. L’art religieux de la fin da Moyen Age en France. Paris: A. Colin, 1908. _______ . L’art religieux de la fin da seizième siècle: Etude sur l’iconographie après le condle
de Trente. Paris: A. Colin, 1932. _____ . The Gothic Image: Religious Art in France of the Thirte enth Century. (190 2). New York: E. P. Dutton, 1913. (Tradução inglesa).
MARIN, Louis. Etudes sémiologiques. Paris: Klincksieck, 1971.
247
Bibliografia selecionada
MARRINAN, Michael. Painting Politics fo r Louis P hilippe. New Haven: Yale UP, 1988. MASON, Peter. Portrayal and Betrayal: The Colonial Gaze in Seventeenth-Century Brazil. Culture and History VI, p. 37-62,1989. MATLESS, David. Landscape and Englishness. London: Reaktion Books, 1998. MEISS, Millard. Painting in Florence and Siena a fter th e Black Death. Princeton: Princetoh UP, 1951. • ' MELLINKOFF, Ruth. Outcasts: Signs of Otherness i n Northern European Art of the Later Middle Ages. Berkeley: University of California Press, 1993. MERBACK, Mitchell B. The Thief, the Cross and the Wheel: Pain and the'Spectacle of Pu nishment ih Medieval and Renaissance Europe. London: Reaktion Books, 1999. MICFiALCZYK, John J. The Italian Political Film-Makers. London: [s.n.], 1986. MILES, Margaret R. Image as Insight Boston: Beacon Press, 1985. MITCHE LL, William J. T. Iconology. Chicago: Universi ty of Chicago Press, 1986. ______ ..
(Ed.) Landscape and Power. Chicágo: University o f Chicago Press, 1994.
MITTER, Partha. Much Maligned Monsters: History of European Reactions to Indian Art. Oxford: Clarendon Press, 1977. MONACO, James. How to Read a Film. New York: Oxford UP, 1977. NEWMAN, Edgar. L’image de foule dans la révolution de 1830. Annales Historiques de la i . Révolution Française U I, p. 499 -509 ,198 0. NOCHLIN, Linda. Representing Women. London: Thames and Hudson, 1999
______ . Women, Art and Power. In: Visual Theory. Edited by Norman Bryson, Michael Holly and Keith Moxey. Cambridge: Polity, 1991. p. 13-46. NOVAK, Barbara. Nature and Culture: American Landscap e and Painting 1825 -1875 . New York: Oxford UP, 1980. (Edição revisada, Nova York 1995). PÀCHT, Otto. The Rise o f Pictorial. Narrative in Twelfth-Century England. Oxford: Clarendon Press, 1962. PANOFSKY, Erwin. Early Netherlandish Painting. Cambridge, MA: Havard UP, 1953.2 v. . Gothic Architecture and Scholasticism. Latrobe, Pa: Archabbey Press, 1951. (Re
publicado antiNova York).
_______. Studies in Iconology. New York, Oxford UP, 1939. ______ . Style and Medium in the Moving Pictures. Transition, p. 121-133, 1937. PARET, Peter. Art as History: Episodes from 19th-Century Germany. Princeton, NJ: Princeton UP, 1988.
248
Bibliografia selecionada
______ Imagined Battles: Reflections o f War in European Art. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1997. PICKERING, Frederick P. Literature and A rt in the M iddle Ages. London: Macmillan, 1970. POLLOCK, Griselda. Vision and D ifference. London: Routledge, 1988.
____ _ . What difference does feminism make to art history? In: Dealing with Degas. Edited by Richard Kendall and Griselda Pollock. London : Pandora, 1992. p. 22 -39.
______ . What’s Wrong with Images o f Women? Republicado em Framing Feminism- Edited by Rozsika Parker and Griselda Pollock. London: Pandora, 1977. p. 132-138. POMIAN, Krzysztof. Collectors and Curiosities. (19 87) . Cambridge, UK: Polity Press, 1990. (Tradução inglesa). v PORTER, Roy. Seeing the Past. Past and Present CXVIII, p. 186-205,198 8. PRENDERGAST, Christopher. Napoleon and History Painting. Oxford: Clarendon Press, 1997. PRINCE, Stephen. The Warrior’s Camera: The Cinema o f Akira Kurosawa. Prince ton, NJ: Princeton UP, 1991. • PRONAY, Nicholas. The Newsreels: The Illusion of Actuality. In: The Historian and Film. Edited by Paul Smith. Cambridge: Cambridge UP, 1976. p. 95-119. QAISAR, Ahsan Jan. Building Construction in Mughal India: The Evidence from Painting. Delhi: Oxford UP, 1988. RABB, Theodore K; B ROWN, Jonathan. The Evidence o f Art: Images and Meaning in His tory. In: ROTBERG, Robert; RABB, Theodore K. (Ed.). Art an d History: Images and their Meanings. Cambridge: Cambridge UP, 1988. p. 1-7. REICHA RDT, Rolf. Prints: Images of the Bastille. In: DARNTON, Robert; RO CHE , Daniel. Revolution in Print. Berkeley: University of California Press in collaboration with the New York Public Library, 1989. p 223 -251. RINGBO M, Sixten. From Icon to Narrative. Abo: Abo Akademi, 1965. ROADS, Christopher H. Film as Historical Evidence. Journal o f the Society o f Archivists III, p. 183-191, 1965-1969. \
ROCHFORT, Desmond. The Murals õ f Diego Rivera. London: South Bank Board in colla boration with Jorne y man, 1987. ROGIN, Michael. The Sword Became a Flashing Vision: D. W. Griffith’s The Birth o f a Na tion. Representations IX, p. 150-195,1985. ROSENBERG, Pierre. Le N ain. Paris: Flammarion, 1993. ROSENSTONE, Rob ert A. Visions o f the Past. Cambridge, MA: Harvard UP, 1995. ROSENTHAL, Donald A. Orientalism: The Near East in French Painting 1800-80. Roches ter, NY: Memorial Art Gallery of the University of Rochester, 1982.
?49
Bibliografia selecionada
ROTBERG, Robert I.; RABB, Theodore K. (Ed.). Art and History: Images and their Mea nings. Cambridge: Cambridge UP, 1988. RUBY, Jay. Picturing Culture: Explorations o f Film and Anthropology. Chicago: University of Chicago Press, 20Ò0. RYAN, J. R. Picturing Empire. London: Reaktion Books, 1997. SAID, Edward.Orientalism.NewYork: Pathebn Books, 1978. (Segunda edição, Londres 1995). SAMUEL, Raphael. The Eye of History. In: ______ . 'Theatres o f Memory. London: Verso, 1994. v. I, p. 315-336. SAXL, Fritz. A Battle Scene without a Hern. Journa l o f the Warburg and Courtauld Institutes III, p. 70-87,1939-1940. SCHAMA, Simon. The Domestication o f Majesty: Royal Family Portraiture, 15 00-1 850. In: Art and History: Images and their Mea ROTBERG, Robert Cambridge I.; RABB, Theodore nings. Cambridge: UP, 1988.K.p.(Ed.). 155-184. _______ . The E mbarrassment o f Riches: An Interpretation of Dutch Culture in the Golden Age. London: Harper Collins, 1987. _______ . Landscape and Memory. London: HaperCollins, 1995.
SCHAPIRO, Meyer. On Some Problems in the Semiotics of Visual Art. Semiótica I, p. 223242,1969. SCHÕN, Erich. Die Verlust der Sinnlichkeit oder die Verwandlungen des Lesers. Stuttgart: Klett-Cotta, 1987. ' SCHUL^, Jürgen. Jacopo Barbari’s View of Venice: Map Making, City Views and Moralized Geography. Art Bulletin LX, p. 425-474,1978. SCHWARTZ, Gary; BOK, Marten J. Pieter Saenredam: The Painter and his Time. (1989 ). Maarssen: G. Schwartz/SDU, 1990. (Tradução inglesa). SCREECH, Timon. The Western Scientific Gaze and Popular Imagery in Later Edo Japan. Cambridge: Cambridge UP, 1996. SCRIBNER, Robert W. For the Sake o f Simple Folk. Cambridge: Cambridge UP, 1981. (Segunda edição, Oxford 1995). SEIDEL , Linda. Jan van Eyck’s Amolfini Portrait: Stories o f an Icon. Cambridge: Cambridge UP, 1993. • «SHAWE-TAYLOR, Desmond. The Georgians: Eighteenth-Century Portraiture and Society. ' London: Barrie 8c Jenkins, 1990. SKINNER, Quentin. Ambrogio Lorenze tti: Th e Artist as Political Philosopher, Proceedings o f the British Academy LXXI I, p.1-56,1986. SMIT H, Bernard. European Vision and the South Pacific. (1960). 2nd ed. New Haven: Yale UP, 1985.
250
Bibliografia selecionada
SMIT H, David. Courtesy and its Discontents. Oud-HoUand C, p. 2-34,198 6. SMIT H, Lesley. Scriba, Femina: Medieval Depictions o f Women Writing. In: SMI TH , Les ley, TAYLOR, Jane H. M . (Ed.) . Women and the Book: Assessing the Visual Evidence. Lon don: British Library, 1996. p. 21 -44 .
- 1
SPRIGATH, Gabriel. Sur le vandalisme révolutionnaire (1792-94). Annales Historiques d e la Révolution Française LII, p. 510-535,1980. STANGE, Maren. Symbols of Social Life: Social Documentary Photography in America, 1890 -1950. Cambridge: Cambridge UP, 1989. SULLIVAN, Margaret.Brueghel’s Peasants. Cambridge: Cambridge UP, 1994. SUTTON, Peter C. Pieter de H ooch. Oxford: Phaidon, 1980. TAGG, John. The Burden o f Representation: Essays on Photographies and Histories. Amherst; University of Massachusetts Press, 1988. TAYLOR, R. Film Propaganda. London: Croom Helm, 1979. THOM AS, Keith. Man and the Natural World. London: Allen Lane, 1983. THOMA S, Nicholas. Possessions: Indigenous Art and Colonial Culture. London: Thames and Hudson, 1999. THOMPSON Paul; HARKELL Gina. The Edwardians in Photographs. London: B. T. Batsford, 1979. . THORNTON, Dotst. The Scholar in his Study.New Haven: Yale UP, 1998. * THORNTON, Peter. The Italian Renaissance Interior. London: Weidenfeld and Nicolson, 1991.
*
______ Seventeenth-Century Interior Decoration in England, France and Holland. New Ha ven: Yale UP, 1978.
TRACHTENBERG, Alan. Reading Am erican Photographs: Images às History, Mathew Brady to Walker Evans. New York: Hill and Wang, 1989. TRACHTENBERG, Joshua. The Devil and the Jews: The Medieval Conception of the Jew and its Relation to Modern Antisemitism. New York: Yale UP, 1943. TRACHTENBERG, Marvin. Ih e Statue o f Liberty. (1974): republicado em Harmonds worth: [s.n.], 1977. , TREXLER, Richard. Florentine Religious Experience: The Sacred Image. Studies in the Re naissance XIX, p. 7-41,1972. VECCH I, Alberto. II Culto delle immagini n ellestam pe popolari. Firenze: L. S. Olschki, 1968. VOVELLE, Gaby; VOVELLE, Michel. Visionde la mort et de l ’au-delà en Provence. Paris: A. Colin, 1970. VOVELLE, Michel (Ed.) Iconographie et histoire des mentalités. Paris: CNRS, 1979.
251
Bibliografia selecionada
• .(Ed.) Les Images de la Révolution Française. Paris: Publications de la Sorbonne, 1988. WAGNER, Peter. Reading Iconotexts: From Swift to the French Revolution. London: Reaktion Books, 1995. WARBURG, Aby. The Renew al o f Pagan Antiquity. (1932) Los Angeles, CA: Getty Research Institute for the History of Art and the Humanities, 1999. (Tradução inglesa). WARNKE, Martin. Political Landscape: The Art History of Nature. (1992). London: Reaktion, 1994. (Tradução inglesa). ^ WELCH, David. Propaganda and the German Cinema, 1933-1945. Press, 1983.
Oxford: Clarendon
WH ITE , Hayden. Historiography and Historiophoty. American Historical Review XCIII, p. 1193-1199,1988. \
WILLIAMSON, Judith. Decoding Advertisements: Ideology and Meaning in Advertising. London: Mario n Boyars, 1978. WIND, Edgar. Pagan Mysteries in the Renaissance.New Haven: Yale UP, 1958. (Segunda edição, Oxford 1980). ■ WIRTH, Jean. Uimage médiévale. Naissance et développement. Paris: Méridiens Klincksieck, 1989. YARRINGTON, Alison. The Com mem oration o f the Hero, 1800-1864: Monuments to the British Victors o f the Napoleonic Wars. New York: Garland, 1988. YATES, Frances A. Astraea: The Imperial Theme in the Sixteenth Century. London: Routledge and K. Paul, 1975. * YEAZELL, Ruth B. Harems o f the Mind: Passages o f Western Art and Literature. New Ha ven: Yale UP, 2000. ZANKER, Paid. Augustus and the Power o f Images. (1987). Ann Arbor: [s.n.], 1988. (Tradução inglesa). ZEMAN, Zbynek. Selling the War: Art and Propaganda in World War II. London: Orbis Books, 1978. ZIKA, Charles. Cannibalism and Witchcraft in Early Modern Europe: Reading the Visual Evidence. History Workshop Journal XLIV,p. 77-106,1997. ZIMMER, Heinrich. Myths and Symbols in Indian Art and Civilisation. Pripceton, NJ: Princeton UP, 1946. (Segunda edição, Nova York 1962).
252
V
\
ÍNDICE REMISSIVO
A Ackermann, Rudolf (17641834), entalhador a lemão, 104. Aldgate, Anthony, historiador bri tâniccj, 201. Alpers, Svetlana, historiadora de arte americana, 104. Antal, Frederick (18871954), historiador de arte húngaro, 225. Ariès, Philippe (19141984), historiador francês, 15,12933,141. Asch, Timothy, diretor de filmes americano, 210. Ast, Friedrich Cl7781841), estudioso de clássicos alemão, 45. Augusto (governou de 27 a.C. a 14 d.C.) imperador romano, 81, 834,94. Ausências, 56,114,220. B
Bachofen, Johann Jacob (1815 1887), filólogo suíço, 215.
Bakhtin, Mikhail (18951975), teórico cultural russo, 68. Bann, Step hen ( 19 42 ), crítico e historiador inglês, 17,232. Barbari, Jocopo (morto c. 1516), artista veneziano, 38. Ba rg ra ve , John (1 61 01 68 0) cônego da Igreja de Cristo, 228. Barker, Henry Aston (17741856), pintor britânico, 185. Ba rker, Robe rt (17 39 18 06 ), pintor britânico, 185. Barthes* Roland (19151980), se mió ti co f ra nc ês , 26 ,44 ,2 13 ,21 6 , 2223,227. Bartholdi, Frédéric Auguste (1834 199 4), escultor francês, 78. Baxandall, Michael (1933), historiador de arte francês, 227. Ba yeu xTip o de ta peç ar ia , 13,112, 118,122,1912. Bellotto, Bernardo (17211780), pintor veneziano, 104.
253
índice remissive)
Belting, Hans, historiador de arte alemão, 70. Benjamin, Wal ter (18 92-1 940 ), crí
Bruno, Giordano (1548-1600), herege italiano, 97. Budi smo, 58 ,20 4.
tico alemão, 22. Berckheyde, Gerrit (1638-1698), pintor alemão, 105-6: Bernini, Gian L orenzo (159 8-1 68 0), escultor romano , 6 0,6 6,2 15 . Bertolucci, Bernardo (1940-), dire tor de filmes italiano, 209,218. Bilac, Olavo (1865-1918), jornalista brasileiro, 175. Bingham, George Caleb (1811187 9), artis ta americ ano, 127-8. Boas, Franz (1858-1942), antropó logo alemão-americano, 194. Bosch, Hieronymus (c. 1450-1516), pintor dos Países Baixos, 66.
Bunuel, Luis (1900-1983), diretor de fil mes espanhol, 215 . Burckhar dt, Jacob (18 18 -18 97 ), his toriador cultural suíço, 13-4,40, 52,235. Burke, Edmond (1729-1797), pen sador político irlandê s, 56.
Bos se, Abr aham (160 2-16 76), enta lhador francês, 143. Botticelli, Sandro (1445-1510), pintor florenti no, 40- 7, 50. Bourke-White, Margaret (19041971), fotógrafa americana, 28, 149. Brady, Mathew (1823-1896), fotó grafo americano, 185. Brahe, Tycho (1456-1601), astrô nomo dinamarquês, 100. Brasil, 75,100,154,156,159,238. Braude l, Fe rnand (19 02-1 985 ), his toriador francês, 99. Brownlow, Kevin (1938-), diretor de filmes inglês, 203. Brueghel, Pieter, o Velho (c: 15201569), pintor dos Países Baixos, 171-2,218.
254
C
Callot, Jacques (c. 1592-1635), ar tista de Lo rrain e, 62 ,1 8 7 ,1 9 0 . Cam ille, Michae l, historiado r de ar te americano, 22,137. Campon eses, 14 8-9,1 71 -2. Canal, Giovanni Antonio (“Cana letto”, 1 69 7-1 76 8), pinto r Veneziano, 104. Canção de Rolando , 1 53-4. Canibais, 157-9. Cap a, Rober t (19 13-1 954 ), fot ógra fo húngaro-americano, 28-9. Cari cat ura, 98 ,15 1. Carlos V (reinou de 1516 a 1555), imperador, 32, 75, 85, 177, 181, 185,190-1. Carpaccio, Vittore (c. 1465-1525), pintor veneziano, 16, 103, 113, 118. Carr, Edward H. (1892-1982), his tori ador bri tânic o, 2 4,2 01 . Cassirer, Ernst (1874-1945), filóso fo alemão, 45. Cavell, Edith (1865-1915), enfer m eira ingl esa, 95.
índice remissive*
Ceausescu, Nicolae (1918-1989), ditador romeno, 92.
Daumier, Honoré (1808-1879), ar tista fr ancê s, 98 ,22 8.
Cederstrõm, Gustav (1845-1933), pintor sueco, 198. Cerquozzi, Michelangelo (1602-
David, Jacques-Louis (1748-1825), pintor francês, 86-7, 92, 175,
1660 ), pintor ital iano, 178. Certeau, Michel de (1925-1986), teórico francês, 225. Chéret, Jules (18 36 -19 32 ), projetis
Davis, Natalie Z. (1929-), historia dora americana, 206. ' Debret , Jean-B apt iste (17 68 -18 48 ), ' artista francês, 100.
ta francês de pôsters, 116. China, 80, 114, 133, 135, 139, 154, 164. Constable, John (1776-1837), pin tor inglês, 55.
Degas, Edgar (1834-1917), artista francês, 169. Delacroix, Eugène (1798-1863), pintor francês, 19, 76-7, 160, 162-3,228.
Constantino (reinou de 312-337
Delaroche, Paul (1797-1856), pin tor francês, 199. Delumeau, Jean (1923-), historia
d.C.) imperador romano, 83. Contexto, 225-238. Cranach, Lucas (1472-1553), artis ta al emã o, 68 -9 ,18 9,2 18 . Crane, Ste phe n (18 71-1 90 0), escri tor americano, 187. Crianças, 129-33, 141. Cri vel li, C ario ( c. 14 30-1 495 ), pin tor veneziano, 105. Cultura de instantâneo, 25.
201, 230.
dor francês, 67. Deneuve, Catherine (1943-), atriz francesa, 118. Depardieu, Gerard (1948-), ator francês, 206. Derrida, Jacques (1930), filósofo francês, 222. Desconstrução,
221 -2.
Desjardins, Martin (1637-1694), D
escultor flamengo-francês, 86.
Dague rre , Lo uis (178 7-18 51 ), fran
Desmouli ns, Cami lle (17 60 -179 4),
cês, inventor do daguerreótipo, 27. Dali, Salvador (1904:-1989), pintor espanhol, 51-2.
jo rn alista fran cê s, 98 . Detalhes significativos, 40; 65, 768, 99-100, 114, 124-5,238.
Dardel, Fritz Ludwig von (18171901), soldado suefco e artista, 119-20,151.
Douglas, David (1898-1982), his toriador britânico, 13. Doyle, Sir Arthur Conan (18591930), escritor brit 99 .
ânico, 39-4 0,
255
índice remissivo
Drebbel, Cornells (c. 1572-1633), inventor holandês, 104. Dryden, John (1631-1700), poeta
F Falconet, Etienne-Maurice (17161791), escultor francês, 85.
inglês, 156. Dürer, Albrecht (1471-1528), artis ta ale mão, 114-5. Duplicação, 182-3,216. Duplessis, Joseph-Siffred (1725180 2), pintor francês, 34.
Eco, Umberto (1932-), semiótico e
Félibien, André (1619-1695), críti co de arte francês, 146. Fellini, Frederico (1920-1993), di retor italiano, 202. Feminismo, 226. Fenton, Roger (1819-1869), fotó grafo inglês, 186. Fó rmul a, 118 ,180 ,183-4,19 2,195 . Fotog rafia aér ea, 30.
pov elista italian o, 4 0 ,1 1 8 ,2 1 9 . Efeitos reais, 26. Eisenstein, Sergei (1898-1948), di ret or rus so, 20 3,2 28 . Elizabeth I (reinou de 1558 a 1601), rainha da Inglaterra, 74. Erlanger, Philippe (1903-), histo riador francês, 204. Ester eótipo (veja fórmula) 155-173.
Fotografia social, 26. Foucaul t, Mic hel (192 6-19 84), filó sof o franc ês, 43,2 19 -20 . Fox, Charles James (1749-1806), político inglês, 95-6. Fox Talbot, William Henry (18001877), fotógrafo inglês, 128. Fragonard, jean-Honoré (17321806), artista francês, 141.
Est ilo de anti- herói, 97 ,18 7 . Esti lo de documentári o, 1 7-8 ,26 -7, 162,199-200. Estilo etnográfico, 18,162. Estilo heróico, 81-5, 90-2, 185-8, 195-6. Estruturalismo, 116-8, 182-3, 189, 216-22. Estudos, estudiosos em, 113-4.
Frederick, William of Brandenburg (governou de 1 640 -88 ), d “Gran de Eleitor”, 83. Freedberg, David, historiador de arte britânico, 71, 22Ó-7. Freud, Sigmund (1856-1939), psi canalista austríaco, 4 Ò, 21 4- 5. Freyre, Gilberto (1900-1987), sociólogo-historiador brasileiro, 14.
Eugênio da Suécia (1865-1947), príncipe e artista, 54. Eyck, Jan van (c. 1389-1441), pin tor flamengo, 17.
Fried, Michael, historiador de arte americano, 227. Friel, Brian (1929-), teatrólogo da Irlanda do No rte, 210.
E
256
índice remissivo
G
Gainsborough,
Thomas
(1727-
Goffiman, Erving (1922-1982), so ciólogo americano, 32.
1788 ), pintor inglês , 32. Gama, Vasco da (c. 1469-1525), viajante português, 153.
Gom bric h, Erns t H. (19 09 -), hist o riador de arte austríaco-b ritâni-
Gardner, Robert, diretor de filme
Goubert, Pierre (1915-), historia
co, 17,3 9,4 6, 52 .
americano, 195. Geertz, Clifford (1926-), antropó
dor francês, 145. Goya, Francisco de (1746-1828),
logo americano^ 221 -22.
pintor espanhol, 32, 175, 187,
Gen êro, 139-43 ,199-200. Géra rd, Franç ois (17 70-1 837 ), pin
228. Graham-Brown, Sarah, historiado ra de fotografias, 27.
tor francês, 86. Geras imov, Aleksan dr (1 88 1-1 96 3),
Greenville, John (1928-), historia
pinto r russo, 92. Gerasimov, Sergei (1885-1964),
dor britânico, 201. Grégoire, Henri (1750-1831), padre
pintor russo, 149. Géricault, Théodore (1791-1824),
revoluci onário francês, 96. Gregório, o grande (c. 540-604), papa, 44, 57, 5 9, 68 .
pintor francês, 160.
,
Gérôme, Jean-Léon (1824-1904),
Grien, Hans Bal dung ( c. 1 476 -15 45 ),
pintor fran cês, 160-2. ' Gerz, Jochen e Esther, escultores
artista alemão, 169. Griffith, D. W. (1875-1948), diretor
alemães, 97. Gillray, James (1756-1815), artista
americano, 197, 200, 229. Gros, Antoine-Jean (1771-1835),
inglês, 98. Gilman, Sander, historiador de arte
pintor francês, 184. Grosz, Georg (1893-1959), artista
americano, 173.* Gilpi n, Will iam ( 17 24 -18 04 ), éscri -
alemão, 169. Guicciardini,
Francesco
(1483-
1540), historiador italiano, 184. tor inglês , 56.(1939-), historia Ginzburg, Cario
Guys, Constantin (1802-1892), ar tista francês, 20,162,186.
dor i tal iano , 40,2 14 . Giorgione (c. 1478-1510), pintor veneziano, 54. Goethe, Johann Wolfgang von (1749-1832), escritor alemão, 123.
H
Hale, John (1923-2000), historia dor inglês, 183.
257
índice remissivo
Hamd i, Osman (“Hamdi Bey ” 1842191 0), pintor otomano, 162. Haskell, Francis (1928-2000), his toriador de arte britânico, 13, 16,199,226. Haus er, Arnold (1 89 2-19 78), histo riador de arte húngaro, 39,225. Hellqvist, Carl (1851-1890), pintor sueco, 198. Heródoto (c. 484 - c. 420 d.C.), hi s toriador grego, 154. Hersent, Louis (1777-1860), pintor francê s, 35,2 30 . Hill, Christopher (1912-), historia dor britânico, 203. Hindu ísmo, 59,1 53 . Hine, Lewis (1874-1940), fotógrafo americano, 25-6. Hitler, Adolf (1889-1945), ditador alemão, 88-9,91-2.
Ico nol ogi a, 43 ,45 .
*
Iconotextos, 49,179,200,222,231. Icons, iconost asis, 67-8 . Idealização, 29-32, 144-47, 191, 236-7. Imprensa, 20-2,101-2. Ingres, Jean-Auguste-Dominique (178 0-18 67 ), pintor fr ancê s, 92, 16(1-1. Instituto Warburg, 45. Interpretações errôneas, 51,229. Int ert ext uali dade , 1 18 ,12 8-9 , 229. Ivins, William H. Jr (1 88 1-1 96 1), ad ministrador de impressos ameri cano, 21-2. Izquierdo, Sebastian (1601-1681), jesu íta espanhol, 66 . J
Jancsó, Miklós (1 92 1 -), diretor de filmes húngar o, 2 07-8 .
Hogarth, William (1697-1764), ar tista inglês, 128, 130-1, 142-3,
Japã o, 10 0, 115, 133-7 , 15 4, 203,
166, 179 , 189, 218 , 231. Holmes, Sherlock, detetive de his
209-10. Ja uco urt, Louis (1 704-1779), estu
tóri as de fic ção, 3 9 ,99 . Hooch , Pi ete r de (162 9-16 84 ), pin
dioso francês, 73-4. Jo ana D’Arc (c . 1412-1 431), m u
tor holandês, 107-8. Huizinga, Johan (1879-1945), his toriador cultural holandês, 134,52,193. Hunt, Will iam Holman (18 27-19 10), pintor inglês, 198.
lher santa francesa, 66. Johnson, Eastihan (1 824-1 906), p in tor americano, 18,164. Jo ngh, Eddy de, historaidor de arte ho lan dês, 46 ,11 0,1 32 . Judeus, 168 -9.
I
K
Icono clasmo, 68 -70 ,96 ,23 0.
Kle e, P aul (18 79 -194 0), artist a suí
Iconografia, 43-56.
ço, 57. N
258
índi ce remissive
Kleiner, Solomon (1703-1.761), ar tista alemão, 134.
Luís XIII (reinou de 1610 a 1643), rei da Fr ança, 8 3,1 90 .
Kracauer, Siegfried (1889-1966), historiador de filmes e teórico alemão, 27,41,205,208. Kurosawa, Akira (1 91 0-1 99 8), dire tor de fil mes japonês, 20 3-9 . L Lacan, Jacques (1901-1981), psica nalista francês, 156.
LuísreiXIV de -61643 da F(reinou rança, 35 ,73 a-4 1715) ,83 ,85 , 92,96. Luís XV (reinou de 1715 a 1774), rei da França, 36 ,10 7. Luís XVI (reinou de 1774 a 1792) rei da França, 34, 36, 74,169. Luís XV III (reinou de 1815 a 1824), rei da Franç a, 86 ,23 0.
Lange, Dorothea (1895-1965), fo tógrafa americana, 26,149. Leitura de imag ens 44 ,1 7 9 ,14 9 -5 0 Leitura de imagens de, 122-5, 13941. Le Nain, irmãos (Antoine, Loius e Mathieu, fl. c. 1620-48) pintores franceses, 1 30 ,145 -7.
Luís Felipe (reino u de 1830 a 184 8), rei da Fraiiça, 3 6 ,77 ,85 ,98 ,22 8 . Low, David ( 18 92 -1 96 3) ,cartuni sta francês, 98. Loyola, Inácio (1491-1556), santo espanho l, 66-7 . Lutero, Martinho (1483-1546), re formador alemão, 68-9,177.
•Lenin, Vladimir Ilych (1870-1924), revol uci onári o russ o, 88 -9 4 ,96 . Leon ardo d a Vinci (14 52-1 519 ), ar tista tosc ano, 1 84 ,214 . Lessing, Gottfried Ephraim (17291781), crítico alemão, 221. Lévi-Strauss, Claude (1908-), an tropólogo francês, 182, 216, 219-21. Levine, Robert, historiador ameri cano, 14. Liberdade, 76-80,182-3. Loggan, David (1634-1692), entalhador alemão, 39, 104. Lorrain, Claude (1600-1682), pin tor da Lorraine, 54.
M Male, Emile (1862-1954), historia dor de arte francês, 44. Manet, Edouard (1832-1883), pin tor francês, 142,169,175. Manuel, Niklaus (c. 1484-153Ó), pintor suíço, 185. Manzoni, Alessandro (1785-1873), escri tor i taliano , 14 7,1 98 . Mao Ts e Tu ng (1 89 3-1 976 ), dit ador chinês, 97. Mapas, 22,38. 'Marco Aurélio (reinou de 161 a 180 a.C.), imperador romano, 83-4.
259
índice remissive)
Matejko, Jan (1838-1893), pintor polonês, 198. McCahon, Colin (191 9-198 7), pin tor neozelandês, 55. Medalhas, 180-91,223. Meissonier, Ernest (1815-1891), pintor francês, 198. Mellinkoff, Ruth, historiadora americana, 168,173. Menzel, Adolph (1815-1905), pin tor alemão, 198.
N Napoleão Bonaparte (1769-4821), imperador francês, 86-7,92,96, 184-5,230. Nelso n, Horati o (175 8-1 80 5), almi rante britânico, 95. Nightingale, Florence (1820-1910), enfermeira inglesa, 95. Nikon, patriarca russo (16051681), 66. Nochlin, Linda, historiadora de
Merian, Matthaus, o Velho (15931650), entalhador suíço, 177. Metsu, Grabriel (1629-1669), pintof holandês, 131. Millais, John (1829-1896), pintor britânico, 133. Millet, Jean-François (1814-1875), pintor francês, 147. Mitchell, William, crítico ameriça-
arte am ericana, 226. Nudez, 48.
no, 15. Monet, Claude (1840-1926), pin tor francês, 53-4,142. , M ontag u, Lady M ary W ortley (1689-1762), viajante britânica, 161. Morelli, Giovanni (1816-1891), perito italiano, 25, 39-40, 49, 214. Mucha, Alphonse (1860-1939), de senhista de pôstere s checo, 116. Mul her es, 1 33 -41 ,169 , 226 . Multidões, 145. Mussolini, Benito (1883-1945), di tador italiano,- 86-9 2. 260
O Ochter vel t, Jacob (1 63 4-1 68 2), pin tor h olandês , 10 9,2 35 . Òlhar, 156,168. Olhar inocente, 24. Olho da ép oca, 227. Olier, Jean-Jacques (1608-1657), escritor religi oso francês, 146. Olivareá, Conde-Duque (15871645), estadista espanhol, 230. Ophuls, Marcel (1927-), diretor de filmes francês, 194. Organização de imagens, 92,95. Orientalismo, 160: Organ, Bryan (1935), pintor britâ nico, 32. O’Sullivan, Timothy (1840-1882), fotógrafo americano, 30. P
Pagamentos de promessas, 63.
índi ce remissivo
Paisagens, 53-6.
R
Panofsky, Erwin (1892-1968), his
Raças monstruosas, 1 57-9.
toriador dè arte alemão, 43-5, 211-13,222, 225. Panorama, 184-5,198. Paret, Peter historiador americano, 234. Pasini, Alberto (1826-1899), pintor itali ano, 162 -3. Penny, Nicholas (1949-), historia dor de arte inglês, 96. Pit ore sco, 5 5,1 38 . Plínio, o Velh o (23 a 79 d.C .), escri tor romano, 157.
Ranke, Leopold von (1795-1886), historiador alemão, 27. Realismo (veja também Realismo Social ist a), 37 ,18 6. Refor ma, 68-70 . Registros policiais, 17. Reitz, Edgar (19 32 -), diretor de fil mes alemão, 209. Rejlander, Oscar Gustav, fotógrafo . sueco, 28. Rembrandt (1606-1669), pintor holandês, 95,141. Ren ier, Gustaaf (18 92- 196 2), h ist o
Pollock, Griselda (1940-), historia dora de arte, 226. Pontecorvo, Gillo (1919-), diretor de filmes itali ano, 2 07.
riador holandês, 16. Renoir, Auguste (1841-1919), pin
Ponto de vista 37-8,150-1. Pous sin, Nic olas (1 59 4-1 66 5), pin tor francês, 44. Programa pictórico, 46. Pron ay, Nichol as, historiador b ritâ
Representação partida, 182,216-7. Representaç ões, 219 . Retrat os, 31-6 . Rey nolds, Jos hua (1 72 3-1 79 2), p in tor in glê s, 32 ,95 .
nico, 201. Propaganda, 7 2,9 8,1 07 ,18 1,1 91 . Propp, Vladimir (1895-1970), foldorista russo, 21 7-8 . Psicologia, psicanálise, 116, 156, 214-5. Pub licidade, 11 5-7 ,13 3,2 19 . Puenzo, Luis (1945-), diretor de fil mes argentino, 210. Q Quadros, Jânio (1917-92), presi dente do Brasil, 75.
tor francês, 142.
Ricardo II (reinou de 1377 a 1399),. rei da I nglaterra, 35, 73. Riefenstahl. Leni (1902-), diretor de filmes francês, 88. Rigaud, Hyancinthe (1659-1743), pintor francês , 35. Riis, Jacob A. (1849-1914), fotó grafo dinamarquês-americano, 26-7. Ripa, Cesare (c. 1555-1622, escritor italiano sobre arte, 44, 76. Rivera, Diego (1886-1957), pintor mexicano, 54,80-1,169.
261
índice remissive
Rizi', Franci sco (16 14 -16 85 ), pintor
Scott, Sir Walte r (1 77 1-1 83 2), escri
espanhol, 175. Roche, Daniel (1935-), historiador
tor escocês, 198, 202. Scribner, Robert (1941-1998), his toriador australiano, 70,210. Semiótica, 116-8, 182-3, 188-9,
francês, 100. Rossellini, Roberto (1906-1977), diretor de filmes italiano, 197, 204-5. Roubaud, Franz (1856-1928), pin tor alemão, 198. Ruskin, John (1819-1900), crítico de arte britânico, 30. S
Saavedra Fajardo, Diego de (15841648), pensador político espa nhol, 76. Saenredam, Pieter (lí>97-1665), pintor holandês, 119-20. Said, E dward (1 93 5- ), crítico palestino-americano, 160,166.
215-23. „ Sér ie de imagens, 58 -9,1 89 ,215 -23 . Serov, Valdimir (1910-1968), pin tor russo, 88-9. Shurpin, Fyodor (1994-), pintor russo, 36 ,90 . Skinner, Quentin (1940-), historia dor inglês, 75. Socialismo-Realismo, 81,149. Spielberg, Stephen (1946-), diretor americano, 202. Stahl, Augusto, fotógrafo brasileiro, 238. Stakhanov, Gregor, mineiro russo, ■94, 201.
Samu el, Raph ael (19 34 -19 % ), his tori ador social inglês, 1 2 ,1 5 ,2 8 .
Stal in, J osep h ( 187 9-19 53), dit ador russo, 36,86,88,92-3,96, 228.
Sander, August (1876:1964), fotó grafo alemão, 127-9.
Steen, Jan (1626-1679), pintor ho landês, 110-1, 130. Stryker, Roy (188 2-1 97 5), fotógrafo
Sátira pictórica, 31-2, 143-5, 14950 ,180 , 236- 7. Saxl, Fr itz (18 90 -19 48 ), his toria dor ' de arte alemão, 45. Schama, Simon (1945-), historia
americano, 27,127. Swammerdam, Jan (1637-1680), anatomista e entomologista ho landês, 104.
dor britânico, 15-6,130-2, 236. Schapiro, Meyer, historiador de arte americano, 217. Schõn, Erich, historiador literário alemão, 123. Scorsese, Martin (1942-), diretor americano, 202.
Tasso, Torquat o ( 15 44 -15 95 ), poet a italiano, 182. Tenniel, John (1829-1914), artista inglês, 75,167.-8.
índi ce remissivo
Ter Borch, Gerard (1617-1681), pintor holandês, 178. Teresa de" Ávil a (1 51 5-1 58 2), santa espanhola, 66, Testemunhas (veja estilos docu mentais e etnográficos), 16,178, 204,227-8. Thomas, Keith (1933-), historiador britânico, 39. Tibet, 154-2. Tipicalidade, 124-7,149-1. Tischbein, Wilhelm (1751-1829), artista alemão, 123. Ticiano (c. 1488-1576), pintor veneziano, 32 ,46-5 0,17 5. Torii Kiyomasu (1697-1722), artis ta japonê s, 135. Trachtenberg, Alan, crítico ameri cano, 149. Trumbull, John (1756-1843), pin tor america no, 178-9.
Uccello, Paolo (1397-1475), pintor florentino, 100. V Valentino, Rodolfo (1895-1926), ator i talianó-americano, 161. Valéry, Paul (1871-1945), poeta francês, 26. Vandalismo veja iconoclasmo, 96, 230-1. Van der Meule n, Adam-Frans (1 632 1690), artista de guerra flamen go, 185.
Vasari, Giorgio ( 15 11 -15 74 ), art ista toscano, 184. Velázquez, Don Diego de Silva y (1599-1660), pintor espanhol, 75,175,219,230. Vermeyen, Jan (c. 1500-1559), ar tista de guerra flamengo, 185, 189-90. Vernet, Hora ce (1 78 9-1 86 3), pintor francê s, 18 3,18 5. Vernet, Joàeph (1714-1789), artista francês, 13,106-7,185. Vigne, Daniel (1942-), diretor de filmes francês, 205. Visconti, Luchino (1906-1976), di retor italiano, 202. Vovelle, Michel (1933-), historia dor francês, 58. W
Wagner, Peter, historiador de arte, 49* 179. Wajda, Andrzej (1926-), diretor de filmes polonê s, 201 ,20 6. Wallenstein, Albrecht von (15831634 ), gene ral da Boêm ia, 177. Warburg, Aby (1866-1929), histo riador cultural alemão, 14, 40, 44,49-50,238. Warner, Marina (1946-), escritor inglês, 78. Webber, John (1752-1798), dese nhista inglês, 162. Well ington, Duque (1 769 -18 52 ), 95. West, Benjamin (1738-1820), pintor amer ica no, 9 2 ,9 5 .
■>m
tndke remissivo
Westmacott, Richard (1775-1856),
Wright , Jo sep h (173 4-17 97 ), pi ntor
escultor inglês, 94-5. inglês, 124-5. Whistler, James A.M. (1834-1903), pintor americano, 51. X W hite, Hayden ( 19 28 -), críti co am e- . Xavier, Francisco (1506-1552), san rican o, 20 1,22 1. to espanhol, 154. W hite, John (fl. 1 58 4-93 ), artista in glês, 23 -4,9 9,1 62 . Widerber g, Bo (19 30 -19 97 ), dir eto r suecó, 209. Wilkie, David (1785-1841), pintor escocês, 11 8,14 2,1 99 . Williamson, Judith, 117-8. W ind, Ed gar (190 0-1 97 1), hi stori a dor de arte alemão, 45. Witt, Johannes de, holandês, visi tante a Londres, 111-2. Witte, Emmanuel de (c. 16171692), pintor holandês, 138.
Z
Zabol otsky, Petr Efimovich (c. 180 3•18 66 ), pintor russo, 146. Zanker, Paul, alemão, estudioso da história antiga, 81, 237.
Zeitgeist, 38,46,50. Zhang, Zeduan, artista chinês, 133-4. Zompini , Gae tano (1 700 -179 8), ar tista veneeiano, 138.
264
Sobre o Livro Formato
16x22.7 cm
Tipologia Minion (texio)
M ini on {títulos) '
Papel Recicl ato 70g/ mz (miolo)
Cartão Suprem o 250g/m z (capa) Impressão
Sob demanda
Acabam ento Costur ado e colado Tiragem 1.000
Equipe de Realização Coordenação Executiva
luzia Bianchi
Produção G ráfica Renato V alderr amas Edição d e Texto Renata Vieira e Villas Bôas Assistentes de Edição d e Texto Beatriz Rodrigues de Lima
Fernanda Godoy Tarcinall Valéri a Biond o Revisão Beatri z R odrigues de Lima
Cecíl ia M oreira Jú lio F urta do Criação da Capa Renato Valderramas Projeto Gráfico
Catalogação e Referências B ibliográficas Diagramação
Eliane de Jesus
Charret
Angela dos Sa ntos Luiz Jú lio F u rta d o
Impressão e Acabamento BANDEIRANTES ON
DE MANO
Gráfica Bandeirantes S/A
i