RESUMO DO LIVRO “O LABIRINTO DA SOLIDÃO” Octavio Paz Lozano (1914-1988) foi um poeta, tradutor, ensaísta e diplomata mexicano. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1990. Publicou mais de vinte livros e diversos ensaios em literatura, arte e política. O Labirinto da Solidão, publicado pela primeira vez em 1950, trata-se de uma importante
tentativa de situar o homem latino-americano no contexto histórico mundial, considerando seu universo mental e a realidade local daquele povo. Os filhos de Malinche
Paz expõe a imagem do mexicano como ambígua. Não são pessoas de confiança e suas respostas são imprevisíveis e inesperadas. Essa desconfiança provoca distância dos outros; outrora lhes atraem, outrora lhes repelem. Para o europeu, o México é um país a margem da história universal. Tudo o que se encontra distanciado do centro da sociedade aparece como estranho e indecifrável. E isso não é diferente dentro da sociedade mexicana... O autor aponta três agrupamentos que vivem à margem no seu país para o senso comum. Primeiro, os camponeses, que representam o antigo, tudo que é remoto. São arcaicos e parcos. Segundo, as mulheres, que de antemão são figuras enigmáticas, imagem da fecundidade como também da morte. É um mistério supremo. Em várias culturas, as deusas da criação são também da destruição. E terceiro, os operários, que carecem de individualidade, uma vez que, que , a classe é mais forte que o indivíduo no capitalismo moderno, e a pessoa se dissolvem no genérico. Este ainda é despojado de sua natureza humana, pois são instrumentos numa relação de troca de valores e do conhecido fetichismo de mercadoria. Não apenas aos estranhos ou estrangeiros, o mexicano também é enigmático para ele mesmo, imerso na desconfiança, na dissimulação, na ironia e ao se “fechar” para os outros. Apenas na solidão, ele atreve-se a ser.
Para o autor, as explicações históricas trazem este caráter na medida em que o próprio caráter também as explica. O mexicano não quer ou não se atreve a ser ele mesmo. Ele luta contra entidades imaginárias; fantasmas criados por ele mesmo.
Esses fantasmas são vestígios das realidades passadas desde as lutas na Conquista ou contra as invasões francesas. Assim, a história poderá esclarecer a origem de muitos fantasmas, mas não os dissipará. Apenas o mexicano poderá fazê-lo. Assim, para ilustrar esse cenário, o autor analisa uma série de contextos que uma palavra da linguagem cotidiana é aplicada, pelo verbo chingar . Na linguagem cotidiana, há um grupo de palavras proibidas cuja mágica ambiguidade, relatam emoções e reações. São palavras malditas que só pronunciamos em voz alta quando não estamos sob controle de nós mesmos. Cada país tem a sua, e são palavras que variam de significado. “Viva o México, filhos da Chingada!” é uma maneira de afirmar a mexicanidade num grito de guerra, numa afirmação, numa explosão. Essa
expressão é obrigatoriamente gritada no 15 de setembro, no dia da Independência, para se afirmar contra e apesar dos outros. Questiona o autor: mas quem é a Chingada? É uma figura mítica, que sofreu ação corrosiva implícita no verbo que lhe dá o nome. Assim, o autor abre uma discussão enorme sobre o verbo chingar na América hispânica e Espanha em seus múltiplos significados. Chingar pode ser fracasso, sinônimo de incomodar, censurar, enganar. É um verbo agressivo. A pluralidade de significações não impede que a idéia de agressão – em todos os graus, desde o simples de incomodar, picar, humilhar, até o de violar, dilacerar e matar – apresente-se sempre como significado último. O verbo denota violência, sair de si
mesmo e penetrar no outro pela força. E também ferir, rasgar, violar – corpos, almas, objetos – destruir. Quando algo se quebra, dizemos: se chingou. Quando alguém executa um ato desmedido e contra as regras, comentamos: fez uma chingadera (Labirinto da Solidão, p. 72).
E assim prossegue o autor... é um verbo masculino, ativo, cruel: pica, fere, mancha, dilacera. E provoca uma amarga e ressentida satisfação em quem o executa. O poder mágico da palavra se intensifica por seu caráter proibido. Ninguém a diz em público. Somente um excesso de cólera, uma emoção ou um entusiasmo delirante justificam sua expressão franca. A palavra chingar define grande parte de nossa vida e qualifica nossas relações com o resto de nossos
amigos e compatriotas. “Chingar” é um reflexo dos valores da sociedade. Para o mexicano, a
vida se faz na possibilidade de chingar ou ser chingado, ou seja, de humilhar, castigar e ofender, o que gera fatalmente a divisão da sociedade em fracos e fortes. Além disso, quando dizemos, isto é, os mexicanos dizem “vai para a Chingada”,
enviamos a pessoa a um lugar distante e indeterminado, o que faz desta palavra oca, que não quer dizer nada. É o Nada. A Chingada é a mãe aberta, violada e seduzida pela força. O mexicano é o “filho da Chingada”, é o fruto da violação. Estamos sós desde o nascer, o que
representa um sentimento de solidão comum a todos os homens. Além disso, chingar implica uma idéia de poder, de “macho”, ou seja, à vontade sem freios
e sem limites, a solidão que devora. Dessa forma, o autor entra numa discussão sobre a Virgem de Guadalupe que é o ponto máximo do culto do catolicismo mexicano. Ela é
considerada Patrona da Cidade do México, da nação mexicana, da América Latina e Imperatriz da América. A popularidade da virgem representa um fenômeno de volta às entranhas maternas. Com a derrota dos deuses astecas na Conquista e a instauração de um novo reinado divino, produziu-se uma espécie de regresso às antigas divindades femininas, assim, a virgem se popularizou rapidamente, uma vez que se tornou consolo dos pobres - a Mãe dos órfãos. Em contraposição com a Virgem de Guadalupe, a Chingada é a mãe violada e está associada à Conquista. Se a Chingada é uma representação da Mãe violada, não me parece forçado associála à Conquista, que foi também uma violação, não somente no sentido histórico como na própria carne das índias. O símbolo de entrega é doña Malinche, a amante de Cortez. É verdade que ela se entrega voluntariamente ao Conquistador, mas este, mal ela deixa de ser-lhe útil, a esquece. Doña Marina se converteu em uma figura que representa as índias, fascinadas, violadas ou seduzidas pelos espanhóis. E do mesmo modo que a criança não perdoa à sua mãe porque a abandona para ir em busca de seu pai, o povo mexicano não perdoa a Malinche a sua traição (Labirinto da Solidão, p. 80).
Daí o êxito do adjetivo depreciativo “malinchista”, posto em circulação
nas denuncias a todos contagiados pelas tendências estrangeiras no México. Para estes, o país deve se abrir ao exterior. Eles são os verdadeiros filhos da Malinche, que é a Chingada em pessoa. As figuras de Cortéz e Malinche no
imaginário dos mexicanos revelam mais do que figuras históricas: são símbolos de um conflito secreto, que eles ainda não resolveram. Ao repudiar Malinche, o mexicano rompe suas ligações com o passado, renega a sua origem e penetra sozinho na vida histórica. Ele não quer ser nem índio, nem espanhol, tampouco descender deles, nega-os. Torna-se filho do nada e começa em si mesmo num contexto em que a solidão é o plano de fundo. O México está tão só como cada um de seus filhos. O mexicano e a mexicanidade se definem como ruptura e negação. E, portanto, como busca, como vontade de transcender esse estado de exílio. Em resumo, como viva consciência da solidão, histórica e pessoal. Nas palavras de Paz, a história, que não nos podia dizer nada sobre a natureza de nossos sentimentos e de nossos conflitos, pode mostrar-nos agora como se realizou a ruptura e quais foram as nossas tentativas para transcender a solidão. Conquista e Colônia
O povo mexicano está imerso em antigas crenças e costumes. Os espanhóis encontraram civilizações complexas e refinadas. O autor faz referência a Mesoamérica ou América Medial e suas riquezas e culturas, desde os chichimecas, a cultura nahualt e, por fim, os astecas, que foram os últimos a se estabelecer no Vale do México. Nesta região havia uma pluralidade de culturas e cidades, diversidades nos núcleos indígenas, rivalidades, formas políticas e religiosas uniformes e uma síntese e edificação que culminaram num complexo corpo religioso. Com a chegada dos espanhóis, há uma liberação para os povos submetidos aos astecas. Cidades se aliam aos conquistadores e contemplam a queda das rivais. A ruína do Império Asteca se faz numa dúvida íntima que o faz vacilar e perder. Montezuma abre as portas aos espanhóis e, assim, os astecas perdem a partida e sua luta final se compreende no suicídio. Os deuses os
abandonaram. Já havia uma sucessão de eventos e profecias que anunciavam
tal queda. A queda da sociedade asteca abala todo o resto do mundo indígena. Todos estão presos no mesmo horror na fascinada aceitação da morte. Sobre isso surgiram vários relatos indígenas impressionantes. “A conquista do México é um fato histórico onde intervêm muitas e diversas
circunstâncias, mas frequentemente se esquece a que me parece mais significativa: o suicídio do povo asteca. Uma parte do povo asteca desfalece e procura o invasor. A outra sem esperança de salvação escolhe a morte.” (Labirinto da Solidão, p. 87-88).
A Espanha é a representação máxima de defesa da fé católica. É uma nação ainda medieval , ao mesmo tempo que a descoberta e a conquista da América são eventos modernos. Os conquistadores não são mais repetições do guerreiro medieval que luta contra mouros e infiéis. São aventureiros que se arriscam pelo desconhecido. O conquistador é uma figura inconcebível no medievo. A monarquia espanhola nasceu de uma violência na diversidade de povos e nações submetidos ao seus domínios. Contemple-se a Conquista da perspectiva indígena ou espanhola, este acontecimento é expressão de uma vontade unitária. Apesar das contradições que a constituem, a Conquista é um fato histórico destinado a criar uma unidade, da pluralidade cultural e política pré-cortesiana. Diante da variedade de raças, línguas, tendências e Estados do mundo pré-hispânico, os espanhóis postulam um único idioma, uma única fé, um único senhor. Se o México nasce no século XVI, é preciso convir que é filho de uma dupla violência imperial e unitária: a dos astecas e a dos espanhóis (Labirinto da Solidão, p. 92).
E prossegue o autor, “a história do México, e mesmo a de cada
mexicano, provém precisamente desta situação. Assim, o estudo da ordem colonial é imprescindível. A determinação dos pontos mais relevantes da religiosidade colonial nos há de mostrar o sentido na nossa cultura e a origem de muitos dos nossos conflitos posteriores.” (Labirinto da Solidão, p. 93) O catolicismo é o centro da sociedade colonial, é uma fonte de vida que nutre as atividades. Graças à religião, a ordem colonial não é uma mera superposição de novas formas históricas e sim um organismo vivo. Com o batismo, abriram-se as portas da sociedade. Pela fé católica, os
índios rompidos com suas antigas culturas encontram lugar no mundo. “A fuga dos deuses e a morte dos chefes deixou o indígena numa solidão tão completa quanto difícil de imaginar, para um homem moderno. O catolicismo fá-lo reatar seus laços com o mundo e o além-mundo. Devolve o sentido a sua presença na terra, alimenta suas esperanças e justifica sua vida e sua morte.” (Labirinto da Solidão, p. 94)
A Nova Espanha é uma sociedade satélite, não criou uma arte, um pensamento nem formas de vida originais. Suas únicas criações são précolombianas. Sua originalidade é escassa, uma vez que o mundo colonial era uma projeção de uma sociedade que já tinha atingido sua maturidade e estabilidade na Europa. Todas criações, inclusive a do seu próprio ser, são reflexos da Espanha. O fervor religioso mexicano se contrasta com a relativa pobreza de suas criações. A religião e a tradição se oferecem como formas mortas que mutilam a singularidade daquele povo. Os relatos indígenas constituem uma superposição religiosa com uma presença marcante dos mitos antigos; é uma mistura do catolicismo com as antigas culturas. A respeito dessas criações escassas coloniais, o autor faz uma ampla análise de escritores e poetas daquele momento e outros contemporâneos a ele, como Siguenza y Góngora, Sor Juana, Menéndez y Pelayo, Damaso Alonso, Gracián, Quevedo. O destaque se faz em Sor Juana que era uma mulher. Sobre sua obra, Octávio Paz escreve: “a Respuesta não é apenas um auto-retrato e sim a defesa de um espírito sempre adolescente, sempre ávido e irônico, apaixonado e reticente. Sua dupla solidão, de mulher e de intelectual, condensa um conflito também duplo: o da sua sociedade e o da sua feminidade. Sua obra é uma defesa da mulher” (Labirinto da Solidão, p. 104). Sor Juana é uma figura de solidão. Na sua obra, a sociedade colonial se expressa e se afirma, no seu silencio a mesma sociedade se condena. Fazer esta defesa e atrever-se a proclamar o seu entusiasmo pelo pensamento desinteressado fazem dela uma figura moderna. Se, na sua afirmação do valor da experiência, não é ilusório ver uma reação instintiva contra o pensamento tradicional da Espanha, na sua concepção do conhecimento há uma defesa implícita da consciência intelectual (Labirinto da Solidão, p. 105).
É uma ordem colonial implacavelmente fechada a qualquer expressão pessoal, a qualquer aventura. Mundo fechado ao futuro. Para sermos nós mesmos, tivemos de romper com esta ordem sem saída, mesmo sob o risco de ficarmos na orfandade. O século XIX será o século da ruptura e, ao mesmo tempo, o da tentativa de criar novos laços com outra tradição, se mais longínqua, não menos universal que a que nos ofereceu a Igreja católica: a do racionalismo europeu.
Referências Bibliográficas
PAZ, Octavio. Labirinto da Solidão. Paz e Terra: São Paulo, 2006.