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Título original: Getulio Vargas of Brazil, 1883-1954 : sphinx of the pampas Copyright © 2012 by Richard Bourne 1ª edição – Abril de 2012 2ª edição – Setembro de 2012 Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Editor e Publisher Luiz Fernando Emediato (LICENCIADO) Diretora Editorial Fernanda Emediato Produtor Editorial Paulo Schmidt Assistente Editorial Erika Neves Capa e Projeto Gráfico Alan Maia Diagramação Kauan Sales Revisão Tilso Duchamp DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bourne, Richard Getúlio Vargas : A esfinge dos pampas / Richard Bourne ; tradução Paulo Schmidt, Sonia Augusto. -São Paulo : Geração Editorial, 2012. Título original: Getulio Vargas of Brazil, 1883-1954 : sphinx of the pampas. Bibliografia. eBook ISBN 978-85-8130-057-3 Print ISBN 978-85-8130-042-9 1. Brasil - Política e governo - 1930-1945 2. Brasil - Política e governo - 1945-1954 3. Brasil - Presidentes - Biografia 4. Vargas, Getúlio, 1883-1954 I. Título. 12-01688
CDD: 923.181 Índices para catálogo sistemático 1. Brasil : Presidentes : Biografia 923.181 GERAÇÃO EDITORIAL Rua Gomes Freire, 225/229 – Lapa CEP: 05075010 – São Paulo – SP
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PARA JONATHAN E TOBY, A FIM DE QUE COMPARTILHEM DO MEU AFETO PELO BRASIL
SUMÁRIO PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA AGRADECIMENTOS 1. Início 2. O presidente provisório 3. Da nova constituição ao Estado Novo 4. Guerra e deposição 5. Getúlio vai para casa 6. Último governo 7. Vargas na História BIBLIOGRAFIA SELETA ÍNDICE
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
S
ão passadas quase seis décadas desde que Getúlio Vargas, no nefasto mês de agosto de 1954, tirou a própria vida com um revólver no Palácio do Catete e, num bilhete suicida cuidadosamente redigido, concluiu: “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”. O Brasil de hoje, com uma população de mais de 200 milhões, um PIB superior ao da Turquia e quase tão elevado quanto o da Rússia, é incomensuravelmente diferente do país que Getúlio deixou. Mas a sua história é importante, e enxergar Vargas, o ditador que cometeu suicídio como presidente democrata, sob uma perspectiva do século XXI, continua sendo um desafio. Assim como o século XX precisou haver-se com a história do único império da América Latina, o qual manteve a escravidão até 1888, da mesma forma o caráter único da era Vargas precisa ser reinterpretado como inerente ao caráter único do Brasil. A biografia que se segue foi escrita em 1974, durante uma ditadura militar que tomou emprestadas algumas ideias e alguns membros do Estado Novo de Getúlio. Citada até hoje na Wikipédia, foi descrita pelo professor Robert Levine, num ensaio bibliográfico de 1998, como “vivaz” e repleta de “detalhes interessantes sobre a vida de Vargas”. O objetivo dela foi o de fornecer aos leitores anglo-saxões um relato acessível sobre um líder e uma sociedade distantes da realidade deles. Quão distante se encontra Vargas da realidade brasileira de hoje? Questões fundamentais nos dias dele agora parecem ultrapassadas — a autonomia dos estados, a predominância dos marginal da nação na comunidade internacional. Desde então, o chamado “país do futuro” chegou ao presente. Porém, há outros aspectos que parecem contemporâneos: uma cultura política de acomodação pessoal, com instituições partidárias fracas, desigualdades sociais e
problemas recorrentes de corrupção na vida pública. Inevitavelmente, o trabalho de historiadores como Boris Fausto, e a publicação do diário de Getúlio, constituíram acréscimos significativos ao material com que trabalhei em 1974. Pesquisas mais recentes têm enfatizado a importância do apoio que o presidente recebeu dos militares e da Igreja Católica, e sua resolução de controlar São Paulo, como fatores determinantes na criação do Estado Novo, em 1937; embora as forças armadas mais tarde tenham se voltado contra ele, na época os seus líderes foram-lhe gratos pela disposição em gastar altas somas na sua equipagem e modernização. Algumas pesquisas modernas também puseram em dúvida os benefícios reais que ele foi capaz de proporcionar, mesmo como presidente eleito nos anos 1950, à classe operária urbana. Os que não eram sindicalizados, e os trabalhadores rurais, não receberam muito do “pai dos pobres”. Possivelmente metade da população adulta era iletrada quando ele morreu, e ele pouco fez para lidar com o permanente déficit educacional do Brasil. O que está publicado aqui é o que foi lançado em 1974, e não creio que seja necessário alterar as linhas gerais do apanhado original. É tentador para mim encarar esta obra como precursora de , minha biografia do presidente publicada nos Estados Unidos e no Reino Unido em 2008, e no Brasil, com muito sucesso, pela Geração Editorial em 2009. Pois Lula tem sido um personagem político tão dominante quanto Getúlio, e a sua promoção do desenvolvimento, de uma identidade brasileira e da melhora de vida dos cidadãos mais pobres, remontam diretamente ao Vargas do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A diferença, no entanto, é que Lula pertenceu a um movimento operário que rompeu com o sistema sindical corporativo herdado do Estado Novo e manipulado pelo PTB. Juntamente com outros, ele ajudou a derrubar a ditadura militar. Enquanto Vargas dirigiu um sistema político vertical, Lula sempre esteve próximo, e precisou do apoio, de organizações populares de todos os tipos, como semterra, arrendatários rurais, grupos comunitários, movimentos negros e feministas. Ele operou em um mundo de livre expressão, não de censura. Contudo, da mesma forma que Vargas viveu sob ataque constante de membros de uma elite cujos privilégios contestou, Lula tem tido opositores implacáveis oriundos de círculos semelhantes. Espero de todo o coração que a tradução e reedição deste livro facultem aos brasileiros mais ovens uma visão renovada da carreira ambígua de Getúlio Vargas, descrito aqui como uma esfinge dos pampas. Mais uma vez eu gostaria de agradecer e expressar meu reconhecimento ao meu editor, Luiz Fernando Emediato, da Geração Editorial, e ao meu tradutor, Paulo Schmidt. Graças a eles este livro encontrará um público novo. Richard Bourne Londres, novembro de 2011
AGRADECIMENTOS
G
ostaria de expressar meu reconhecimento a todos que, direta e indiretamente, incentivaram-me a concluir este livro. As opiniões expressas aqui são minhas, mas desejo mencionar algumas pessoas que me ajudaram de modo particular a reunir informação e formar um conceito. No Brasil, elas incluem: Euclides Aranha Neto, filho do antigo ministro das Relações Exteriores Osvaldo Aranha, Aranha, que me permitiu pesquisar pesquis ar documentos do seu pai numa biblioteca especial estabelecida por ele numa casa da família, no Rio de Janeiro; Alzira Vargas do Amaral Peixoto, a arguta e tenaz filha do finado Suddeutsche Zeitung, Zeitung, e sua esposa Lin, que me permitiram ficar, com alguma inconveniência, enquanto eu colhia material no Rio de Janeiro; e, último em alusão mas não em importância, Hélio Silva, o historiador cuja monumental coleção de documentos pertinentes à era Vargas, publicada em volumes n' O ciclo de Vargas, Vargas, tornou todos os investigadores subsequentes seus devedores. Na Inglaterra, tenho a satisfação de agradecer a Peter Flynn, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos na Universidade de Glasgow, e ao meu editor, Gilbert Phelps, que gentilmente ofereceram sugestões para os meus originais. A oportunidade de fazer pesquisa no Brasil em 1971 surgiu quando eu trabalhava como correspondente de educação para , graças ao admirável sistema de licença para jornalistas há muito em vigor por lá. Por fim, eu gostaria de enfatizar minha gratidão à minha esposa Juliet, que tem padecido por muito tempo, assim como nossos dois filhos pequenos.
1 INÍCIO
Getúlio e Darci, 1911
G
etúlio Dorneles Vargas, “esfinge dos pampas” e também o presidente que, na história do Brasil, exerceu maior influência e ficou mais tempo no poder, nasceu na cidade fronteiriça de São Borja, no estado do Rio Grande do Sul, em 19 de abril de 1883. O Brasil era ainda um império sob o bem-intencionado, mas frequentemente ausente, d. Pedro II, que manipulava um sistema de governo parlamentar pouquíssimo representativo, vagamente calcado em modelos europeus. Pedro reivindicava um “poder moderador”, que lhe permitia equilibrar a balança entre os partidos Liberal e Conservador, substituindo seus ministros quando perdia a confiança neles. Governou o seu estado imenso e expansionista com poderes quase ditatoriais, nomeando funcionários locais e influenciando a composição de conselhos municipais. Mas a maré imperial tornou-se vazante no ano de 1883, e em lugar nenhum mais acentuadamente do que no Rio Grande do Sul, que havia lutado pelo privilégio de fazer parte do Brasil. Durante a Revolução Farroupilha nos anos 1840, assim chamada devido aos farrapos usados por seus partidários, o Rio Grande do Sul havia tentado se separar do Brasil, elaborando sua própria constituição republicana de inspiração francesa. São Borja, na extremidade oeste do estado, é separado hoje da Argentina pelo rio Uruguai, mas foi uma das cidades da missão jesuíta que cobria partes do atual Paraguai, Argentina e Brasil, quando essa ordem estava evangelizando os índios em paternalistas e disciplinadas comunidades nos séculos XVII e XVIII. Com seus pastos verdes ondulantes que inspiram ao mesmo tempo otimismo expansivo e introspecção solitária, o Rio Grande do Sul era psicologicamente mais afim do camponês caubói que do mundo tropical e mulato do Rio de Janeiro ou Bahia. Era território pioneiro árduo, em que se vivia pelas armas e pelo julgamento instantâneo. Os colonizadores portugueses combateram os índios e os de origem espanhola, desbravando o terreno a partir do rio da Prata. Contudo, a despeito de tanta luta esporádica e dos caudilhos locais, era também uma região com pretensões intelectuais, receptiva às últimas ideias vindas da Europa. Após uma década de guerra, de 1835 a 1845, durante a qual Garibaldi lutou pela efêmera República Farroupilha, o Rio Grande do Sul era indiscutivelmente parte do Império Brasileiro. D. Pedro II sentiu-se capaz de empurrar suas fronteiras mais para o sul e fez uma aliança com os colorados uruguaios, a facção “vermelha”, com o Paraguai e com os caudilhos das províncias argentinas de Corrientes e Entre Rios. O resultado dessa aliança bem-sucedida foi que o Brasil obteve mais terra do Uruguai por meio de um tratado, em 1851. No ano seguinte, forças brasileiras levantaram o cerco de Montevidéu, capital do Uruguai, então sitiada pelos seguidores do aguerrido caudilho argentino Manuel Rosas. Embora tanto o Brasil quanto a Argentina teoricamente respeitassem a integridade do seu vizinho Uruguai, invasores brasileiros do Rio Grande do Sul continuaram a fazer incursões armadas na direção sul. Foi deste cadinho de interesses conflitantes na junção do Paraguai, Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul, que emergiu a calamitosa guerra da Tríplice Aliança. De 1864 a 1870 os três aliados, Brasil, Uruguai sob pressão brasileira e Argentina, combateram o Paraguai, então liderado pelo ditador Francisco Solano López. O Paraguai foi completamente arruinado. Exceto para o Brasil, que ganhou mais terra com o novo arranjo, a guerra foi também custosa. O Rio Grande do Sul, cujo flanco ocidental, incluindo São Borja, esteve a certa altura ocupado pelos paraguaios — travaram-se duas batalhas perto da cidade —, contribuiu com cerca de 34
mil combatentes da sua população total inferior a meio milhão. O estado forneceu um quarto das forças brasileiras, e cerca de um terço delas pereceu. Mas enquanto o Rio Grande permaneceu uma província fronteiriça algo turbulenta, nos limites do poder político dos domínios de Pedro, o império em si começava a se deteriorar. Da Guerra do Paraguai emergiu uma áspera tensão civil-militar entre os dois partidos imperiais: os liberais, que não viam propósito em gastar somas vultosas com aparato militar, e os conservadores, com seu herói de guerra duas vezes primeiro-ministro, o duque de Caxias, o qual insistia que um Brasil forte necessitava de um exército e de uma marinha correspondentes. Pedro, que tendia a antagonizar tanto militares quanto civis, teve o mesmo infortúnio com relação à Igreja e a maçonaria, depois que o papa publicou uma encíclica contra os maçons em 1865. Pedro recusou-se a publicar a encíclica no Brasil, como era o seu dever segundo uma concordata com o Vaticano, mas a notícia se espalhou mesmo assim e dois bispos negaram aos seus padres o direito de continuar sendo membros de lojas maçônicas. O imperador encarcerou os dois bispos, mas, embora os anistiasse em 1875, havia afrontado perigosamente ambas as facções. Nos anos 70 e 80, cada vez mais intelectuais e militares se convertiam à ideia de uma república, e Pedro, cujo regime e temperamento não eram repressores, nada fez para suprimir a propaganda republicana. Em 1870, foi fundado no Rio de Janeiro um jornal, A jornal, A República, República, para difundir a causa, e o imperador até nomeou um dos seus mais brilhantes propagandistas, particularmente influente no exército, tutor dos seus netos. Benjamin Constant Botelho de Magalhães não só era republicano, como também positivista, isto é, um seguidor de Augusto Comte. O positivismo, com sua rejeição do sobrenatural, sua fé no progresso ordenado, racional, sua exigência de austeridade entre seus discípulos, e suas inclinações autoritárias disfarçadas de filosofia da determinação e da modernidade, teria um impacto sutil nas elites brasileiras. O sentimento positivista e o republicano foram dois dos muitos grupos de pressão que reivindicavam a total abolição, no império, da escravatura, uma poderosa instituição no centro e no nordeste do Brasil, porém menos importante nos pampas sulinos. A marinha e a diplomacia abolicionista britânicas haviam, teoricamente, interrompido o tráfico de escravos em 1830, e na prática navios negreiros só pararam de chegar ao Brasil depois de 1850. Pedro, que havia libertado seus próprios escravos quando subira ao trono em 1840, era solidário com a Lei do Ventre Livre, aprovada em 1871, pela qual todo filho de mãe escrava nascia livre. Em 1888, após uma intensa luta política entre donos de terras que dependiam de mão de obra escrava, particularmente os cafeicultores de São Paulo, e os abolicionistas urbanos, a emancipação final foi obtida no Parlamento, sem indenização aos escravocratas. Pedro estava na Itália, cuidando de sua saúde, mas sua filha abolicionista e regente, a princesa Isabel, assinou a lei, sancionando-a. A queda do Império sobreveio de modo quase indolor em novembro de 1889, quando o exército, sob o marechal Manuel Deodoro da Fonseca, deu um ultimato a Pedro, forçando-o a abdicar e partir para a Europa. O exército tornou-se uma instituição nacional depois que as suas próprias fileiras haviam sido carcomidas por conspirações republicanas. Com a Igreja
descontente e os latifundiários furiosos por causa da emancipação dos escravos, nenhum dos grupos conservadores teve interesse algum em preservar o regime. Também não ajudou o fato de Pedro, que retornara da Europa em 1888, estar com a saúde precária aos sessenta e três anos, e sua herdeira, a princesa Isabel, assim como o marido francês dela, o conde d’Eu, serem impopulares no Brasil. Embora o Império, uma singularidade na América Latina, tivesse dado aos brasileiros uma independência pouco traumática de Portugal, entre várias outras contribuições, há muito vinha sendo rejeitado por pensadores progressistas; quando os conservadores se voltaram contra ele, desmoronou. O Rio Grande do Sul achava-se intelectualmente preparado para a República, embora nos últimos anos do Império sua política estivesse aparentemente dominada pelo Partido Liberal, sob um dos personagens mais proeminentes da monarquia: Silveira Martins. Mas a chegada de mais colonos alemães e italianos, na segunda metade do século XIX, havia ajudado a desenvolver agricultura de subsistência em pequena escala, e o espírito libertário e individualista da província aliou-se à mescla de pecuária e pequena agricultura para emancipar os escravos locais, de modo voluntário, muitos anos à frente do resto do Brasil. Um pequeno grupo de republicanos radicais, gradualmente liderados por Júlio de Castilhos, resolveu fazer proselitismo entre os gaúchos. Aos vinte e quatro anos de idade, Castilhos tornou-se editor-chefe do novo jornal republicano A Federação, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Positivista alinhado com os jovens oficiais ao redor de Benjamin Constant, ele defendia vigorosamente um Poder Executivo forte, com uma legislatura restrita à supervisão do orçamento, e um Partido Republicano dentro do estado, organizado em diretrizes rigidamente hierárquicas. Depois da proclamação da República, Silveira Martins foi temporariamente exilado e Júlio de Castilhos tornou-se secretário do visconde de Pelotas, o primeiro presidente da província, e em seguida, após desentendimentos, presidente ele mesmo, no ano de 1890. Em nível nacional, Castilhos e seus amigos haviam falhado em aprovar a constituição totalmente positivista que desejavam, mas conseguiram instaurá-la no Rio Grande. Com o slogan de todos os poderes governamentais para o presidente da província, acompanhados das mais amplas garantias de liberdade para os cidadãos, a constituição do Rio Grande apresentava as seguintes diretrizes: eleição direta para presidente da província, que poderia sempre servir em mandatos futuros se apoiado por três quartos do eleitorado; vice-presidente nomeado pelo presidente; uma assembleia de deputados eleitos diretamente com poderes apenas financeiros, embora pudessem discutir outros assuntos; para assegurar a probidade financeira no executivo, o presidente não poderia dissolver a assembleia ou vetar suas resoluções; liberdade de instrução educacional e escola primária gratuita; e, o mais surpreendente de tudo, exercício livre de todas as profissões, independentemente de qualificações e diplomas. Como observou Júlio de Castilhos: “O estado não tem sua própria ciência ou religião”. Contudo, a intransigência de Castilhos dividiu o Partido Republicano estadual, e um número considerável juntou-se a Silveira Martins — de volta do exílio e, ao menos nominalmente, convertido à República — numa poderosa coalizão que clamava por um regime parlamentarista e contra a “ditadura positivista, uma ofensa à constituição federal”. No decorrer de 1892 o Rio Grande foi resvalando perceptivelmente rumo à guerra civil, condição
à qual arrastaria o resto do país. Em fevereiro de 1893 teve início a primeira invasão federalista do Rio Grande por Silveira Martins, porém, após meses de dissimulação, ficou claro que o próprio presidente militar da República, Floriano Peixoto, apoiava os castilhistas, embora inicialmente Floriano tivesse suspeitado que Júlio de Castilhos se opunha ao golpe de estado que o elevara ao poder, em 1891; quando lhe perguntaram sua posição, Castilhos comentara enigmaticamente que “a ordem será mantida”. Em setembro, Floriano, um liberal tornado ditador, foi confrontado também por uma rebelião naval no porto do Rio de Janeiro, e os ataques das colunas federalistas alcançavam a divisa do estado de São Paulo. A guerra civil, empreendida com impiedosa determinação por Floriano e os castilhistas contra oponentes politicamente divididos, foi levada a cabo com sucesso pelo primeiro, em agosto de 1894. Porém, grande parte do Rio Grande, assim como os estados vizinhos de Santa Catarina e Paraná, haviam sido devastados nessa luta. Chefes de guerrilha e caudilhos locais, apoiados de ambos os lados por voluntários argentinos e uruguaios, arrebanhavam cavalos e gado uns dos outros à vontade e cometiam atrocidades contra os vencidos. A Brigada Militar, guarda estadual sob a direção de Castilhos, foi apoiada pelo exército de Floriano; contingentes navais rebeldes, que tentaram um engenhoso ataque surpresa na cidade de Rio Grande — o qual, se bem-sucedido, poderia ter aberto Porto Alegre a uma ofensiva marítima —, cooperaram de má vontade com as guerrilhas federalistas. A disciplina era precária em ambos os lados. Em São Borja, onde o controle da cidade mudava de mãos segundo os desdobramentos da guerra, o caudilho castilhista foi o pai de Getúlio Vargas, Manuel do Nascimento Vargas, e o comandante federalista era Dinarte Dorneles, tio materno de Getúlio. Que uma tal cidadezinha fosse dividida dessa forma por clãs rivais era típico da época. O coronel Vargas, nomeado general por Floriano no decorrer da guerra, comandou uma brigada composta por quatro companhias de provisórios, soldados irregulares recrutados para auxiliar a força estadual da Brigada Militar. Ele lutou na Divisão Norte legalista sob Pinheiro Machado, que haveria de desempenhar um papel fundamental na política brasileira como representante do Rio Grande no Rio de Janeiro, e ajudou a vencer a crítica batalha de Inhanduí no início de 1893. (Numa mensagem otimista a Júlio de Castilhos, Pinheiro Machado e seus colegas líderes telegrafaram: “As glórias de Inhanduí, celebrizadas pelos Farrapos, foram revividas ontem. Revolução estrangulada. Viva a República”.) Dinarte, que também tivera uma guerra aventurosa, acabou expulso para além da fronteira pelo seu cunhado e os castilhistas no final de 1894. A sangrenta guerra civil, rematada por torturas e decapitações, e cujas baixas foram estimadas por um historiador gaúcho em 10 mil no período de trinta e um meses, por fim terminava. Era uma áspera indicação do quanto a cultura política do Rio Grande diferia do resto do Brasil: embora violência local e disputas de clãs não fossem incomuns em outros estados, elas coexistiam com um sistema amorfo e estabilizador, pelo qual grupos divergentes eram reconciliados em nível estadual e federal. No Rio Grande, entretanto, duas alianças políticas rivais, que se estendiam da capital estadual até a municipalidade mais humilde, haviam disputado o poder pelas armas. E esse era um tipo de competição em que o vencedor levava tudo.
Formação e educação de Getúlio
Getúlio Vargas foi o terceiro filho de Manuel Vargas, um soldado que havia se destacado por sua coragem na Guerra do Paraguai, em que fora promovido a coronel (patente originalmente derivada de comando da Guarda Nacional que proprietários de terras brasileiros começaram a outorgar a si próprios, mas que neste caso foi realmente conquistada no exército). Anos depois, quando Getúlio se tornou presidente do Governo Provisório, dizem que uma família de nobres espanhóis, os condes Vargas, pediram ao núncio papal que investigasse sobre um possível parentesco. Getúlio teria respondido: “É melhor não nos aprofundarmos muito nesta questão de antepassados, pois nos expomos ao perigo de terminar no mato ou na cozinha”, ou seja, entre índios ou negros. Se isso é verdade ou não, o fato é que o patriarca Vargas parece ter sido um tipo pioneiro e self-made. Em contrapartida a família Dorneles, cuja filha Candoca ele desposou, era bem estabelecida e viera dos Açores muito tempo antes para fornecer alguns dos fundadores de Porto Alegre. O pai de Candoca morava em São Borja antes da Guerra do Paraguai, da qual Manuel Vargas voltou para construir uma casa e começar a criar gado com suas parcas economias. O parcimonioso Manuel Vargas prosperou como fazendeiro. Possuía fortes interesses políticos e, discutindo a diretriz editorial do A Federação, tornou-se não só um republicano convicto, como também o principal lugar-tenente do Partido Republicano de Castilhos no distrito fronteiriço de São Borja. Como outros republicanos, ele alforriou seus escravos muito antes da abolição, e quando a guerra civil estourou, colocou todos os seus cavalos à disposição dos republicanos. Candoca era uma pessoa quieta, mas de caráter forte. Nunca constrangeu o marido, a despeito de sua posição difícil entre as duas facções políticas, e sua situação incomum parece ter sido respeitada — para benefício dos seus filhos — por ambos os lados na cidade. Getúlio, portanto, passou o que parece ter sido uma infância feliz em meio às pradarias, os caubóis afeitos a armas e a política extremamente imediatista de São Borja. Primeiro ele foi educado ali, numa escola particular dirigida por um negro, Francisco Braga. Depois, por sugestão dos seus irmãos, que estavam estudando engenharia na renomada faculdade de Ouro Preto, no estado de Minas Gerais — cidade repleta da mais bela arquitetura colonial no Brasil e adornada com as inestimáveis esculturas do Aleijadinho —, Getúlio foi mandado a uma escola preparatória perto de lá. Em virtude da comunicação precária entre o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, ele viajou de barco desde Buenos Aires. Por causa da ameaça de febre amarela na capital brasileira, foi transferido por terra a Ouro Preto o quanto antes. Sua carreira estudantil, no entanto, foi abreviada por um incidente envolvendo seus dois irmãos mais velhos, Viriato e Protásio. Viriato e um jovem chamado Prado discutiram num café, e subsequentemente ambas as partes se armaram. A querela atingiu o clímax numa noite em que Prado sacou um revólver contra Viriato, Protásio e dois amigos seus enquanto caminhavam, feriu Viriato e acabou mortalmente baleado. Um tribunal de justiça em Ouro Preto isentou os dois irmãos de culpa, o que não impediu que, mais tarde, historiadores antiGetúlio tentassem envolvê-lo no escândalo e alegassem que os irmãos gaúchos se safaram graças à influência do pai. Getúlio e seus irmãos voltaram para casa. Adolescente introspectivo, que já gozava da reputação familiar de bom ouvinte, Getúlio entrou para o exército em 1898. Não parece tê-lo feito por pressão do pai; ao contrário, o
general Vargas tentou demovê-lo desse intento. Mas o Rio Grande do Sul era, e continuava a ser nos anos 1970, uma importante zona de recrutamento para soldados profissionais, e a vida aventureira do próprio general fascinava o seu jovem filho. Como aqueles que já haviam servido num regimento tinham uma vantagem sobre os civis para ingressar na escola militar, Getúlio alistou-se em São Borja como soldado raso. Em 1899 foi promovido a sargento e no ano seguinte entrou na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, norte do estado. O moral na escola de cadetes e entre os oficiais tutores fora afetado de modo negativo pela guerra civil, com suas lealdades pessoais conflitantes. A permanência de Getúlio durou apenas dois anos e terminou em circunstâncias um tanto curiosas. Quarenta cadetes foram dispensados após um capitão ter sido insultado, uma noite, no quartel. Getúlio não havia participado da altercação e nem foi citado no subsequente inquérito, mas se desligou da instituição em solidariedade aos seus amigos, e talvez também por não gostar do coronel, que havia ofendido a memória de Floriano Peixoto num incidente anterior. Sua partida de Rio Pardo não encerrou sua carreira militar. Ele ainda tinha tempo de serviço e foi transferido para um batalhão de infantaria em Porto Alegre como sargento. Na capital, contraiu peste bubônica e esteve seriamente enfermo, mas tudo fez para que a sua família de nada soubesse até que ele tivesse se recuperado. Por algumas horas ao dia ele era um soldado, mas na maior parte do tempo estava lendo livros jurídicos, assunto que resolveu estudar ao concluir o seu serviço militar. Antes disso, no entanto, ele havia se oferecido para o serviço ativo. Por alguns meses pareceu que o Brasil estava prestes a entrar numa guerra com a Bolívia pela posse do território selvagem do Acre. Em fevereiro de 1903 o entusiasmo patriótico estava em alta, e o 25° batalhão de infantaria, ao qual pertencia Getúlio, marchou pelas ruas de Porto Alegre como se rumo à guerra. O grande Júlio de Castilhos despediu-se pessoalmente das tropas. Acampadas em Corumbá, no Mato Grosso, no extremo sul da fronteira com a Bolívia, Getúlio ficou desiludido ao constatar que as forças estavam sendo mantidas ociosamente estacionadas, peões não-combatentes na estratégia do brilhante ministro das Relações Exteriores, o barão do Rio Branco. Rio Branco, que negociou vários ajustes de fronteiras para benefício do Brasil, concluiu a questão com o Tratado de Petrópolis em novembro, que pacificamente acrescentou mais de 180 mil quilômetros quadrados, ricos em borracha, ao território nacional (ele mesmo seria homenageado no nome da capital do Acre). O jovem Vargas deixou o exército após o tratado, e se matriculou na Faculdade de Direito de Porto Alegre. Foi como estudante de direito que o próprio Getúlio começou a desempenhar um papel na política. Ele e uns colegas formaram um Bloco Acadêmico Castilhista, dedicado a manter vivas as ideias do prematuramente falecido fundador do Partido Republicano estadual. A liderança do partido fora transferida a um personagem durão e cheio de manha, Antônio Augusto Borges de Medeiros, que efetivamente controlou o partido e o estado por cerca de trinta anos. Em agosto de 1906, Getúlio falou como representante estudantil a uma multidão que dava as boas-vindas ao presidente Afonso Pena, de visita ao estado. Os estudantes, que haviam ficado irritados por não terem sido incluídos nas festividades oficiais, decidiram organizar sua própria recepção. Em tons reverberantes, o orador disse: “Hoje somos apenas espectadores do presente, mas seremos juízes do futuro... A democracia é a aspiração comum dos povos civilizados como seu sistema político, mas somente com educação poderemos ter
um povo verdadeiramente capaz de um governo democrático”. Ele disse ao presidente Pena que, a despeito do seu patriotismo, os brasileiros ainda não se haviam fundido para formar uma nacionalidade. O Bloco Acadêmico foi capaz de adquirir relevância como um grupo ativista juvenil próBorges, em circunstâncias nas quais novos ataques eram frequentemente lançados contra o disciplinado Partido Republicano. Em 1907, quando Borges se afastou temporariamente, ocorreu uma pequena disputa ferrenha entre Carlos Barbosa Gonçalves, o candidato borgista, e Fernando Abbott, um castilhista renegado, pela sucessão presidencial. O Bloco Acadêmico — que incluía algumas pessoas talentosas, como João Neves da Fontoura, e obtivera simpatizantes entre militares jovens, como Pedro Góis Monteiro — mergulhou na contenda com prazer, lançando o jornal O Debate, do qual Vargas era um dos editores e colaborador. Embora ele nunca tenha admitido isso, sua filha e outros suspeitaram que foi ele quem dissolveu um comício de Abbott com um tiro para o ar, gerando pânico na multidão. Carlos Barbosa Gonçalves foi devidamente eleito. O período estudantil de Getúlio durou até os seus vinte e seis anos de idade, quando recebeu o diploma de advogado. Essa parece ter sido para ele uma época agradável de leitura, discussão com algumas das mentes jovens mais vivazes de Porto Alegre, e uma introdução à política. Seus interesses literários incluíam Baudelaire — ele costumava recitar Les fleurs du mal — e Nietzsche, assim como Augusto Comte. Mas apesar de influenciado pelo positivismo, não era um convertido. Uma vez observou: “Como método científico, o positivismo me atrai. Juntamente com meu interesse pelo método vem uma incredulidade nele como religião. Não compreendo uma religião sem Deus”. Ele morava num alojamento de estudante e era mantido por uma pequena mesada do seu pai, a qual gastava com parcimônia. Sua recreação favorita, que era jogar bilhar no Centro Castilhista com um charuto na boca, não tinha custo algum.
Ascensão de um político provinciano Getúlio Vargas foi eleito deputado estadual no mesmo ano em que recebeu o seu diploma. Tanto a sua própria capacidade quanto a posição da família Vargas no distrito de São Borja tornaram natural que Borges o quisesse de volta. Porém, a Assembleia Legislativa só se reunia dois meses ao ano, com remuneração, e Vargas precisava de outras fontes de renda. Em qualquer outro estado, ser membro da Assembleia conferia uma grande responsabilidade. A constituição brasileira de 1891 havia assegurado que os poderes mais significativos, incluindo controle de direitos aduaneiros e arrecadação de impostos, cabiam aos estados e não à Federação. Em consequência disso, política nacional e partidos nacionais eram mal desenvolvidos. Os políticos federais estavam preocupados com as coalizões instáveis desses grupos que, através dos partidos republicanos estaduais, detinham de fato o poder no país. Assim, a posição de deputado estadual geralmente conferia uma influência real na tomada de decisões, no clientelismo, e podia oferecer ampla satisfação aos que entretinham ambições políticas. No entanto, no Rio Grande do Sul isso ocorria bem menos, em grande parte porque a constituição de Júlio de Castilhos havia reduzido consideravelmente a importância da Assembleia Legislativa. Como Getúlio não achava que houvesse lugar em São Borja para mais de um escritório de
advocacia, ele começou sua carreira legal como promotor em Porto Alegre. Mas esse emprego não durou muito, talvez porque, entre outras razões, ele se apaixonou pela filha de Antônio Sarmanho, um mercador e estancieiro de São Borja que era um dos amigos mais íntimos de Manuel Vargas. Órfã aos catorze anos, Darci Sarmanho se casou, aos quinze, com Getúlio, treze anos mais velho que ela. A despeito da diferença de idade, a união foi duradoura; Darci, cujo interesse em política talvez nunca tenha sido enorme, foi uma esposa e mãe leal segundo os padrões conservadores dos pampas na sua geração. Manuel deu a Getúlio alguma terra perto das suas na rua 7 de Setembro, em São Borja, bem como dinheiro para ajudá-lo a construir uma casa. O jovem Vargas começou então a praticar advocacia na cidade. Como promotor em Porto Alegre, seu primeiro caso havia sido um de estupro, para o qual ele conseguiu um acordo particular, convencendo ambas as partes a se casarem. Em São Borja foi como conciliador e conselheiro, tanto quanto com litígio, que ele desenvolveu sua prática forense. A fusão entre atividade jurídica e posição política não era incomum na América Latina, e os castilhistas da vizinhança tornaram-se seus clientes. Embora seja incorreto sugerir que ele se tornou um advogado dos pobres, ele pegou nessa época alguns casos que tinham um componente social, e essas experiências em primeira mão, aliadas a postulados mais gerais de nacionalismo e positivismo, levaram-no bem mais tarde a promover reformas sociais destinadas a conceder direitos aos trabalhadores e a incorporar o proletariado na vida nacional. Entre 1913 e 1917, no entanto, a carreira política de Getúlio sofreu uma pausa. Foi o período que coincidiu com o segundo mandato de Borges como presidente do estado, frutífero em obras públicas como a reconstrução de portos, a supervisão de ferrovias, a construção de escolas e a edificação de uma biblioteca, um hospital e um novo quartel-general para a Brigada em Porto Alegre. Porém, no final de 1912, Getúlio se desentendeu com Borges. No seu discurso de demissão na Assembleia ele aludiu a complôs nas sombras, e a razão ostensiva do seu afastamento era a atitude autocrática de Borges para com o corpo estadual, forçando alguns deputados de Cachoeira à renúncia para ceder espaço a outros que ele desejava incluir. A partida de Getúlio se deu com elegância: ele apenas fez barulho suficiente para mostrar ao chefão gaúcho que não era homem a ser tratado levianamente, e não um rompimento dramático que impossibilitaria um acordo posterior. No entanto, a pose de solidariedade de Vargas com os deputados de Cachoeira — cidade natal de João Neves, amigo de Getúlio — também se deveu a intrigas de Borges, que ameaçavam a liderança da família Vargas em São Borja. Para Getúlio esse ostracismo aparente foi uma época de domesticidade, descanso e genuína felicidade. Mais tarde ele diria que foi no Rio Grande que aprendeu a lidar com homens, e a vida de um advogado de cidadezinha, repleta de fofoca e passeios a cavalo, podia ser bem agradável. Contudo, a despeito da sua força, Borges, com os federalistas e seus herdeiros sempre a espreitá-lo, precisava do apoio de uma família como os Vargas e de um jovem talento como Getúlio. A família, afinal de contas, fazia parte da complexa rede de relações e amizades, de gente tão disposta a assumir a administração local quanto de recrutar provisórios para uma contenda a tiros, que constitui a base do poder de todo caudilho. O general Vargas, que uma vez recusara o convite de Borges para se tornar deputado, gozava de autêntico prestígio militar
na fronteira; sua amizade com Pinheiro Machado, assassinado em 1915 mas na época o vértice político para o qual os políticos federais convergiam — numa visita social ele identificara Getúlio como um garoto promissor —, provia-o também de uma percepção da política nacional. Getúlio fortaleceu a posição da família em São Borja ao fazer as pazes com uma família rival, os Escobar, e, depois de o seu irmão Viriato e o seu pai serem prefeitos, ele foi reeleito deputado (tendo já recusado convite de Borges para ser chefe de polícia). O baixinho e sempre sorridente Getúlio usava bigode quando mais uma vez embarcou num trem para Porto Alegre. Desta vez Vargas subiu rapidamente na Assembleia Legislativa. No final da guerra de 191418, ele cunhou um elegante aforismo num debate: toda guerra e violência eram destrutivas, somente o amor podia construir para o futuro. Em 1922, descrito satiricamente como “o matemático do partido”, recebeu a tarefa importantíssima de assegurar a reeleição de Borges de Medeiros mais uma vez. Ele presidiu, na Assembleia, a comissão encarregada de conferir e aprovar o resultado da eleição para presidente do estado, ou, segundo a irritada oposição, de fraudá-lo. Mais uma vez a política do Rio Grande imiscuiu-se criticamente na política federal. Contra a oposição de Borges, a oligarquia de outras lideranças estaduais havia escolhido Artur Bernardes, de Minas Gerais, como seu candidato para suceder o presidente Epitácio Pessoa, em 1922. Todas as eleições nessa época eram fraudulentas, e quando Bernardes recebeu a vitória por uma margem de 150 mil votos, houve considerável descrença nas cidades. O inconformismo militar gerou a lendária revolta de jovens oficiais no Forte de Copacabana, em ulho de 22. O presidente eleito e Borges, que havia apoiado a candidatura do derrotado Nilo Peçanha, não morriam de amores um pelo outro. Bernardes, porém, tinha esperança de que o aborrecimento causado pelo regime infindável de Borges, inflamado pela temível oposição estadual, seria ao menos suficiente para impedir que ele recebesse a maioria de três quartos necessária para a reeleição. Os antigos federalistas, republicanos dissidentes e membros do Partido Democrático do doutor Abbott, haviam-se unido na Aliança Libertadora, por trás da distinta figura de J. F. de Assis Brasil. A eleição foi disputada numa atmosfera de exaltação — um herói da Revolução Federalista foi morto a tiros em Alegrete, no oeste do estado — e quando a comissão do deputado Vargas reconheceu Borges como o vitorioso, a oposição tomou armas e se rebelou, crente que Bernardes interviria a seu favor. Nessa nova guerrilha, republicanos que viriam a desempenhar um papel político importante com Vargas mais tarde, como Osvaldo Aranha e José Antônio Flores da Cunha, destacaram-se como combatentes. A certa altura esses dois, com seus provisórios, foram cercados pelos libertadores em Uruguaiana, cidade fronteiriça no rio Uruguai, 160 quilômetros ao sul de São Borja. Vargas, em uniforme de um coronel da Brigada, recrutou cerca de 250 provisórios sãoborjenses e marchou de noite para levantar o cerco. Chegando em Itaqui, a meio caminho de Uruguaiana, encontrou a ferrovia cortada e nenhuma montaria para os seus cavaleiros. Adalberto, irmão de Osvaldo, contou mais tarde quão persistente, decidido e rápido Vargas foi naquela emergência. Ele conduziu sua tropa para fora da cidade e confiscou barcaças normalmente usadas para transporte de gado. Advertiram-no que com o nível da água tão baixo seria arriscado ir pelo rio, mas diante das notícias tão ruins sobre as dificuldades dos
republicanos em Uruguaiana, Getúlio ordenou o embarque dos soldados. “Vou mandá-los todos, chegarão lá a tempo. Só o impossível me impedirá de socorrer os meus camaradas.” Mas antes que alguma ação efetiva ocorresse, ele recebeu uma mensagem de Borges dizendolhe que abrisse mão do comando militar, pois o partido o havia nomeado deputado federal, para preencher uma vacância, e um deputado só podia comandar tropas com permissão expressa do Congresso. Getúlio, que entregou o comando a um primo, Deoclécio Dorneles Motta, teria uma tarefa mais importante ao tentar restaurar o poder dos republicanos gaúchos na política federal. Bernardes nunca mandou tropas para auxiliar os libertadores e, segundo o acordo de Pedras Altas (nome do rancho de Assis Brasil), a reeleição de presidentes estaduais teve fim, entre outras promessas de revisar a velha e centralizadora constituição do estado.
Situação do Brasil na década de 1920 O Brasil, nos anos 1920, era um país conturbado política e economicamente. Depois da prosperidade trazida pela guerra na década anterior, quando a redução de suprimentos vindos de fabricantes estrangeiros criou um surto de substitutos na indústria local, o Brasil assimilou o progresso incerto e em queda da economia mundial. Internamente, existiam ainda tarifas alfandegárias entre os estados, a liderança política tanto em nível estadual quanto federal estava nas mãos de oligarquias corruptas, que manipulavam a democracia eleitoral sem permitir que ela as rejeitasse. Do banditismo com motivações políticas do Rio Grande do Sul à pilhagem pura e simples de gangues de cangaceiros no Nordeste, nenhuma parte do país podia ser descrita como totalmente segura ou obediente às leis. Na quase totalidade, a agricultura ainda era organizada numa base feudal, e nas cidades pequenas, onde os problemas sociais e o desemprego causavam miséria crescente, qualquer agitação social era reprimida pela polícia. A constituição federal estava depreciada pelo costume, prevalente sob a presidência de Artur Bernardes (1922-26), de re-correr a estados de emergência. Fora das oligarquias políticas, que alternavam a presidência entre as lideranças de Minas Gerais e São Paulo — o paulista Washington Luís assumiu em 1926 sem oposição eleitoral nenhuma —, havia uma descrença cada vez mais profunda no sistema político como um todo. Esse desencanto foi articulado e propagado por um grupo de jovens oficiais do exército, os tenentes. Desde a pequena revolta de curta duração no Forte de Copacabana em 1922 até outubro de 1930, quando ajudaram a empossar Getúlio Vargas no poder à frente de uma revolução nacional, não houve um momento sequer em que membros desse grupo desunido de ovens oficiais não estivessem conspirando. Eles organizavam insurreições sem futuro, faziam escapadas de tirar o fôlego dos seus captores, e eram um ímã constante para outros colegas das forças armadas, subvertendo lealdades institucionais, irritando soldados convencionais com suas proezas militares e adquirindo um prestígio romântico entre cidadãos comuns. Suas duas empreitadas mais sérias foram a rebelião organizada em São Paulo a julho de 1924 e, após um levante mal-sucedido no Rio Grande do Sul em outubro e novembro, a célebre marcha por mais de 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil, que durou mais de dois anos. A rebelião de São Paulo, liderada por Isidoro Dias Lopes com o auxílio significativo de boa
parte da Força Pública ou polícia estadual, deu aos tenentes o controle da cidade por algum tempo e desencadeou combates nas ruas pelo período de três semanas (nenhum dos grupos revolucionários urbanos atuantes no Brasil desde 1964 foi capaz de capturar uma grande cidade dessa forma). Em julho de 1927, quando uma força federal três vezes maior que a deles estava prestes a ser lançada sobre a cidade, três mil dos revolucionários deixaram-na, partindo de trem pelo sudoeste. Contudo, embora Getúlio Vargas no Congresso — então apoiando o governo Bernardes, em concordância com a nova diretriz de Borges — aplaudisse a derrota dos rebeldes, a demonstração mais espetacular destes havia apenas começado. Isso porque, perseguidos por tropas do governo, alguns deles conseguiram recuar até a fronteira do Paraguai, perto das cataratas do Iguaçu. Em março de 1925, uniram-se a cerca de 800 veteranos sob o comando de Luís Carlos Prestes e João Alberto Lins de Barros, que haviam marchado com grande dificuldade pelo campo depois do levante fracassado no Rio Grande. (Essa mixórdia de tenentes e maragatos — ou antirrepublicanos —, chegara a controlar São Borja brevemente, mas fora expulsa do estado pelos fiéis provisórios sob Flores da Cunha.) A longa marcha, que começou quando os revolucionários tomaram um atalho através de um trecho do pouquíssimo populoso Paraguai para reaparecer a oeste, no Mato Grosso, foi importante por várias razões. Ela revelou a ineficácia bem como a corrupção das oligarquias políticas dominantes; criou uma consciência nacional e social ao mostrar que, da fronteira argentina ao Nordeste flagelado pela seca, todos os brasileiros compartilhavam os mesmos problemas de miséria e opressão que o sistema era incapaz de aliviar; e forneceu aos seus seguidores uma educação militar e política que teria uma longa influência, mesmo depois que a Revolução de 1930 obteve êxito. Entre os que faziam parte da marcha estavam Prestes, o “cavaleiro da esperança”, um engenheiro que se converteu ao comunismo nos anos 1930 e liderou o Partido Comunista Brasileiro até a década de 70, quando então sua liderança foi mais nominal que outra coisa; Miguel Costa e João Alberto, que desempenharam funções de comando em São Paulo depois da Revolução de 30; Juarez Távora, que foi vice-rei de Getúlio no Nordeste depois de 1930 e que ainda era uma figura pública de prestígio, a ponto de ser nomeado ministro dos Transportes do primeiro governo após o Golpe de 64; Osvaldo Cordeiro de Farias, que levou o ultimato a Vargas em 1945, anunciando sua deposição e a morte do Estado Novo, e que ainda estava ativo o suficiente para ajudar a conspirar contra Goulart em 1964; e Siqueira Campos, um dos personagens mais românticos entre os tenentes, cuja morte na revolução de outubro foi um golpe para as disposições de Vargas com relação a São Paulo, então e posteriormente. Prestes, cuja inspiração tática ajudou a assegurar a sobrevivência da marcha, parece ter visto o objetivo dela mais claramente como educacional. O que a tornou perigosa foram as batalhas campais contra as tropas do governo, mais bem armadas, sobretudo porque muitos dos participantes da marcha foram acometidos de malária. Em 1925, marchando na direção nordeste, a coluna foi bem-sucedida em escapar das tropas federais sob o major Bertoldo Klinger no Mato Grosso e em Goiás. Percorrendo trechos de Minas Gerais, Bahia e norte de Goiás, eles alcançaram os estados do Maranhão e do Piauí, onde receberam algum auxílio de políticos hostis às administrações estaduais, conseguindo assim novos recrutas. Mas um avanço sobre Teresina, capital do Piauí, foi repelido.
As tropas federais, bem treinadas para a guerra no estilo europeu e constantemente em conflito com as milícias estaduais, eram incapazes de capturar e aniquilar os revolucionários; mas estes encontraram alguns oponentes mais mortíferos no Nordeste. Eram os cangaceiros, cavaleiros com chapéu de couro cujas depredações eram tornadas respeitáveis por um subsídio do governo para que destruíssem Costa e Prestes. Embora essa licença oficial seja um exemplo bem ilustrativo da falência moral de Bernardes e das oligarquias estaduais, o efeito imediato foi dar à coluna alguns aguerridos adversários guerrilheiros que combatiam no seu próprio território. Em meados de 1926, enfraquecidos por baixas e desprovidos tanto de capacidade militar quanto de unidade ideológica para estabelecer uma base firme, como os comunistas chineses no fim da longa marcha deles, as colunas revolucionárias retrocederam. Após mais escaramuças, desbravamentos árduos e travessias fluviais desastradas pelo variegado interior do Brasil, a coluna Costa-Prestes, com 620 homens, finalmente adentrou a Bolívia no início de 1927; um grupo separado de 65, liderado por Siqueira Campos, chegou ao Paraguai no fim de março. Quais eram, pois, as ideias dos tenentes? Eles nunca tiveram um programa detalhado ao qual todos os simpatizantes precisavam subscrever, eram apenas uma miscelânea de indivíduos unidos pelo desejo de uma democracia liberal, livre das deformidades do regime republicano, com pendores para a nacionalização e o corporativismo. Depois que perderam São Paulo em 1924, um dos revolucionários, João Cabanas, liderou uma “coluna da morte”, que matou alguns grandes latifundiários acusados de torturar seus camponeses. Contudo, embora tenha se tornado importante para Luís Carlos Prestes, a reforma agrária não era um objetivo unânime dos tenentes. Eles eram movidos por uma aspiração geral pela grandeza do Brasil, aliada à melhora social do seu povo, a um considerável autoritarismo e a um ressentimento pela perda de influência por parte dos militares, desde que o presidente guerreiro Floriano abrira caminho a uma sucessão de civis extremamente burgueses. (A rebelião seminal no Forte de Copacabana havia resultado de uma série de conflitos civil-militares, incluindo cartas antimilitaristas atribuídas a Bernardes, a prisão do ex-presidente Hermes da Fonseca e o fechamento do Clube Militar.) Uma comparação entre os líderes tenentistas e os líderes políticos de São Paulo e Minas, em particular, indica uma diferença de nível social; de um modo geral, os homens do exército vinham de famílias da classe média menos exaltadas. Mas se a filosofia dos tenentes era confusa, a atividade rebelde deles era incessante, um desafio contínuo à autoridade e legitimidade do regime existente, perturbando a ordem política. Cultural e politicamente, o Brasil, na década de 1920, estava participando da mesma exploração de ideias novas, e da mesma desilusão com as velhas estruturas, tão características da reação violenta à guerra de 1914-18 na Europa e na América do Norte. Por exemplo, a Semana de Arte Moderna em São Paulo marcou uma rejeição dos modelos europeus nas artes plásticas e um renovado nacionalismo artístico. Enquanto ministros da Fazenda lutavam com difíceis problemas monetários do período entreguerras, e um sistema complexo de empréstimos estrangeiros e do Banco do Brasil sustentava as indispensáveis exportações de café, as elites brasileiras se perguntavam como renovar o país pobre e desordenado que haviam herdado.
Político nacional e líder do Rio Grande Subitamente removido de uma guerra civil gaúcha para assumir uma cadeira no Congresso em maio de 1923, Getúlio Vargas, na qualidade de homem de Borges, viu-se numa situação difícil. Seu objetivo no Rio de Janeiro era protelar a ameaça de intervenção federal no Rio Grande e, embora seu primeiro discurso asseverasse que o governo estadual estava sob controle, havia dúvidas na capital de que isso fosse verdade. (Borges fora obrigado a fazer empréstimos particulares no Uruguai para pagar as forças que recrutara.) Ao mesmo tempo, ele teve de reagrupar o bloco de deputados gaúchos no Congresso, que haviam sido algo desmoralizados por um editorial intitulado “Pela ordem” — no qual se argumentava que para a manutenção da ordem pública era necessário aceitar a vitória de Bernardes sobre Peçanha — publicado em A Federação, o órgão republicano de Porto Alegre. É claro que, na verdade, esse editorial foi o sinal de Borges à incipiente administração Bernardes de que ele estava preparado a fazer as pazes com ela, sob a condição de que esta não se aliasse aos libertadores. O sucesso crescente, no campo de batalha, dos chimangos, como os republicanos eram chamados, era mantido por um relacionamento cada vez mais caloroso entre o governo Bernardes e os deputados rio-grandenses na capital. Embora o presidente Bernardes se sentisse obrigado a mandar o seu ministro da Guerra ao Sul para negociar um armistício, e Borges tivesse de abrir mão do direito à reeleição e outros pontos da sua constituição, as posições estavam trocadas à época do pacto de Pedras Altas: os governos federal e estadual estavam unidos em forçar Assis Brasil a aceitar o acordo, que relutantemente engoliu um mandato final para Borges de Medeiros. No entanto, Pedras Altas foi significativo porque pôs fim ao fundamento para a autocracia pessoal contínua, que foi um legado fundamental da constituição de Castilhos e uma influência no desenvolvimento político de Vargas. Vargas, que votou por uma continuação do estado de sítio de Bernardes, tirou sua filha Alzira da escola em novembro de 1924 quando o navio de guerra São Paulo abriu fogo contra o Rio de Janeiro, em solidariedade às rebeliões tenentistas. Afável, ouvindo a todos, meticuloso em manter seus contatos com Borges em Porto Alegre e com os outros políticos no Congresso, Vargas atracou-se pela primeira vez com a cena política no Rio, e depois, gradualmente ocupando palcos mais vastos, tornou-se líder oficial dos deputados gaúchos. Na ausência de partidos nacionais, o Congresso era dominado pela ação recíproca de facções regionais: todos os deputados de cada estado sentavam-se juntos, dando a palavra ora à “bancada paulista”, ora à “ban-cada rio-grandense”. Essas bancadas promoviam suas próprias reuniões e, até certo ponto, acatavam uma disciplina política comum. Pela primeira vez desde Pinheiro Machado, o grupo gaúcho desempenhava um papel que fazia jus à sua posição de terceiro estado mais importante da federação brasileira. A relação com os dois estados principais, São Paulo e Minas Gerais, o café e o leite dos humoristas políticos, era vital. Não foi por acaso que, durante a presidência do mineiro Bernardes — comprometido nominalmente a ser sucedido por um paulista —, Vargas esforçou-se por cultivar a bancada paulista. Assim, quando o paulista Washington Luís elegeuse presidente em 1926, por acordo regional, e formou seu gabinete com as lideranças regionais do Congresso, não foi surpresa para ninguém que o próprio Getúlio fosse nomeado ministro da Fazenda.
Vargas, que outrora se abstivera de participar de um comitê financeiro congressional baseado no fato de que pouco sabia sobre finanças, foi escolhido para esse ministério em parte por sua reputação de probidade fiscal — uma das marcas registradas dos castilhistas. Mas qualquer ignorância sua sobre questões orçamentárias foi plenamente compensada por Washington Luís, que em grande parte desejava ser seu próprio ministro da Fazenda. Em menos de um mês ele havia submetido ao Congresso um projeto de reforma monetária inspirado no de Poincaré na França; o seu objetivo era estabilizar o valor da moeda, mas no processo introduziu um novo tipo de dinheiro para uso interno: ouro sustentava cruzeiros do fundo de estabilização que precisava coexistir com o velho mil-réis do Banco do Brasil. Embora o esquema tenha fracassado na esteira da quebra de Wall Street e da Grande Depressão na Inglaterra, inicialmente foi, em parte graças a um aumento de renda no Brasil proveniente do café, bastante bem-sucedido. O ministro também introduziu um imposto sobre consumo, destinado a reduzir a dependência da federação de receitas aduaneiras. Uma das práticas regulares de Vargas era conceder audiências em que até cem pessoas podiam comparecer e apresentar suas petições, desde requerimentos de deputados a reclamações de gente comum. Sobre essa prática existe uma anedota popular, cuja veracidade foi confirmada pelo próprio Getúlio nas memórias de sua filha. Em certa ocasião, diante de uma longa fila de peticionários, observou um curioso personagem que, sempre que chegava a sua vez, modestamente voltava para o final da fila. Por fim, só sobrou ele, que disse ao ministro: “Sou um anjo e vim em nome de são Pedro dar-lhe os mais efusivos parabéns”. Vargas comentou o extraordinário dessa situação: havia lidado com cerca de cem pessoas, e o único que não lhe pedira nada era um lunático. No ano de 1928, em concordância ao pacto de Pedras Altas, Borges de Medeiros teve de concluir seu longo reinado e delegar o poder a um novo presidente do Rio Grande. Vargas estava muito cauteloso com relação à sucessão, a ponto de proibir que um jornalista admirador escrevesse no Diário de Notícias de Porto Alegre uma simples descrição do modo como ele conduzia suas audiências, a qual poderia ser vista como propaganda eleitoral para a presidência. Conhecendo o caráter autocrata de Borges, a precaução de Vargas era totalmente ustificada: o caudilho controlava a sua sucessão, e qualquer tentativa de obter o poder sem sua autorização poderia ser vetada. A verdade é que havia muitas vantagens a favor do ministro da Fazenda. Em primeiro lugar, o próprio Borges tinha dívidas para com ele, que remontavam ao resultado da eleição de 1923 e sua subsequente atuação como porta-voz gaúcho no Rio de Janeiro. Em segundo lugar, havia a o seu próprio êxito como figura nacional, que não só lhe dava precedência se ele quisesse a sucessão no Rio Grande, mas que também tivera o efeito conveniente de mantê-lo afastado das disputas domésticas no estado. Em terceiro, havia a sua popularidade entre os membros jovens do Partido Republicano, homens como João Neves e Osvaldo Aranha. Em quarto, havia o seu potencial como candidato de conciliação: não só ele era pessoalmente filho de um chimango e de uma maragato, como também a sua postura política fora mediadora, e no Congresso ele sempre reconhecera a coragem dos maragatos, mesmo quando trabalhava pela sobrevivência política de Borges. Em tais circunstâncias, pois, não foi surpresa para ninguém quando Borges escolheu Vargas para seu sucessor, com João Neves como candidato a vice-presidente. Com a
máquina republicana e ausência de oposição, a eleição de ambos estava garantida. Vargas e sua família demoraram nove dias para descer a vapor do Rio até Porto Alegre, e quando chegaram havia uma grande multidão no cais. “É para o arcebispo”, lastimou Getúlio, referindo-se a dom João Becker, que voltava no mesmo barco. “Não é para mim. Sou apenas um candidato.” Depois de sua campanha, ele ficou num rancho em São Borja enquanto o resultado era aprovado. Seu novo gabinete estadual tinha uma atmosfera jovem. Além de João Neves, intelectual e exímio orador, outro personagem notável era Osvaldo Aranha. Os Aranhas, como os Vargas, eram uma das grandes famílias republicanas da região fronteiriça. Osvaldo, homem belo, corajoso e por vezes irascível, seria o mais leal dos conselheiros gaúchos de Getúlio até a morte do presidente, a despeito de diferenças políticas periódicas, e talvez por causa dos seus temperamentos opostos. Orador melífluo e epistológrafo pungente, Osvaldo fora ferido duas vezes na campanha rematada pelo acordo de Pedras Altas, e de novo em 1926, quando ajudou a abafar uma rebelião apoiada pelos tenentes e liderada pelos irmãos Etchegoyen. Agora ele se tornava secretário do Interior e Justiça. Pouco depois de se tornar presidente do estado, Vargas fundou um banco estadual, o Banco do Rio Grande do Sul, cujo principal objetivo era emprestar dinheiro a fazendeiros e pecuaristas. Tomou medidas para incentivar a agricultura, a construção de estradas, a mineração e a educação. Aperfeiçoou os tribunais de justiça. Num gesto de vistas muito largas, patrocinou o crescimento da Varig, linha aérea fundada com um barco voador Dornier Wal em 1927, para servir aos assentamentos alemães no estado. Dificuldades financeiras e de outras ordens atribularam a empresa nos seus primórdios — chegou a ser levada adiante graças à coleção de selos do fundador —, mas em meados da década de 60 era a principal transportadora aérea do Brasil e uma das maiores linhas aéreas internacionais. Toda vez que a empresa pedia ajuda, Vargas provocava seus representantes: “E a rota para São Borja, quando vai ser inaugurada?” Num gesto que os republicanos mais velhos tomaram como pura heresia, ele até levou a sério algumas ideias de Assis Brasil sobre cultura de cereais, da qual foi um pioneiro. Vargas seguia seu próprio caminho, mas não comandava o estado totalmente. Borges de Medeiros continuava líder do Partido Republicano e o presidente do estado precisava consultálo até sobre nomeações relativamente pouco importantes. Apelidado de “gralha”, Borges era pequeno, mirrado e dogmático; embora Pedras Altas tivesse posto fim às suas reeleições como presidente, ele estava determinado a prosseguir sendo o poder efetivo no Rio Grande, por intermédio do seu controle da máquina republicana. Na época da eleição de Vargas, A Federação ainda estava sob o controle de Borges; depois, como um funcionário da firma que publicava o jornal do partido, ele passou bastante tempo conferindo as provas antes da publicação, a fim de assegurar que a linha editorial refletisse a sua política ao invés da de Borges. Sua mais surpreendente inovação política foi fazer as pazes com a Aliança Libertadora, a tal ponto que quando Vargas saiu candidato da Aliança Liberal na eleição presidencial de 1930, foi apoiado por uma frente unida dos dois grupos tradicionais no Rio Grande do Sul. Essa política de conciliação tinha raízes mais profundas do que a sua própria ambição pessoal. As
longas e tradicionais disputas, que periodicamente eclodiam em violência, haviam enfraquecido o estado moral e economicamente. Ele se sustentara sobre rivalidade de famílias por mais de uma geração, de modo que os gritos de guerra de cada lado — da constituição de Castilhos para os chimangos, da representação e liberdade para os maragatos — haviam se tornado menos importantes que a querela em si. Com a partida de Borges, que personificava esse impasse, era possível e necessário pacificar as facções. Inicialmente Vargas fez isso reconhecendo vitórias eleitorais municipais dos libertadores em áreas onde eles sempre haviam sido fortes — mas onde os resultados sempre haviam sido fraudados —, tratando-os com consideração e dando-lhes alguma influência na sua administração.
Vargas às vésperas da presidência Em 1929, aquando do início das negociações que fariam de Vargas primeiro um candidato à presidência do Brasil, depois presidente pela força das armas, ele já estava com 46 anos. O último dos seus quatro filhos nascera onze anos antes — a sua inteligente e vivaz filha Alzira estava descobrindo que ele tinha ideias rigorosas e antiquadas sobre o lugar da mulher — e seu próprio caráter e atitudes políticas estavam fortemente demarcados. Embora sua ascensão na política nacional viesse a ser meteórica, ocorrendo efetivamente durante os quatro anos de mandato do presidente Washington Luís, seu aprendizado tinha sido longo e interessante. O sistema político baseado no Partido Republicano do Rio Grande, testado em batalhas e durável, fornecera uma educação superior, capaz de levar um moço hábil de um serviço local na sua própria cidadezinha a uma responsabilidade representativa no Rio de Janeiro. Embora o partido tivesse uma aparência monolítica, incomum no Brasil contemporâneo, tal educação não era apenas em obediência. A tendência racionalista de Castilhos assegurava que, antes da tomada de decisões no partido, havia ampla abertura para argumentação e discussão; a realidade das comunicações precárias e desafios instantâneos — tanto num tiroteio na fronteira quanto em intrigas pelos corredores do Congresso Nacional — fazia com que muito precisasse ser confiado à iniciativa individual. A experiência de Vargas abrangia dois tipos de Brasil: o Brasil pecuário da fronteira, onde os homens automaticamente portavam armas e onde a rapidez, astúcia e lealdade de uma tropa de provisórios sustentavam não somente políticas partidárias mas também sobrevivência pessoal; e o Brasil de um Congresso corrupto e sofisticado, com suas elaboradas negociações entre os blocos regionais, suas articulações complexas envolvendo representantes confidenciais e cartas entregues pessoalmente, e suas oportunidades para o jogo duplo e a dissimulação. Que tipo de atitude política ele havia adquirido desses anos iniciais? Em primeiro lugar, talvez certa inclinação ao centralismo autoritário mesclado a algum sentido de nacionalismo. O nacionalismo frequentemente floresce entre os que vivem nas bordas de um país, onde o patriotismo é difícil e o interesse da capital não é dos maiores. É provável que Vargas, embora tenha aprendido a navegar pelos diversos grupos de interesses regionais no Congresso, já tivesse desenvolvido certo desdém por aquelas práticas que obstruíam a unificação nacional e o progresso. Em segundo lugar, ele cultivava esse equilíbrio caracteristicamente comtiano entre conservadorismo e progressismo. Isso já fora exibido no campo econômico, onde o ministro da
Fazenda, conhecido por sua cautela em equilibrar o orçamento, tornou-se o presidente estadual do Rio Grande que não tinha medo de iniciativas intervencionistas. Seu modo de lidar politicamente com os libertadores ilustrou essa qualidade: sob a condição de que a ordem fosse mantida, ele estava disposto a incorporá-los, e às ideias deles, ao seu sistema. Em terceiro, ele acreditava que fins nobres justificavam os meios autoritaristas e militaristas, resolução que a experiência da guerra civil tinha endurecido em vez de suavizar. Por mais de vinte anos de vida política ele havia argumentado e lutado em defesa do credo castilhista de esclarecimento, e havia se comprometido pessoalmente com a singular mescla de ditadura, consulta e lealdade que era o Partido Republicano gaúcho. Ele havia aprendido todas as conotações sutis da palavra “ordem”: ordem como senha conservadora, ordem que racionalizava o regime rígido de Borges, ordem que não deixava aos oponentes políticos alternativa além da rebelião, ordem que explicava as mais surpreendentes mudanças de linha — fosse com relação a Floriano, Bernardes ou Assis Brasil — e ordem enquanto pré-requisito para progresso e até mudança social. Esses anos iniciais haviam desenvolvido a sua habilidade política, certo desprendimento filosófico das pessoas e acontecimentos, e um intenso autocontrole. Sua ambição era encoberta por sua gentileza para com as pessoas e por uma estudada frieza nos dramas da esfera pública. Mas a sua paciência não deve ser tomada por inércia ou hesitação, como demonstrou a sua ação rápida com os provisórios de São Borja em 1923; era mais uma sensibilidade apurada em determinar o tempo certo e a oportunidade na política, faceta que ele mais tarde descreveu como esperar o trem dos acontecimentos até o momento certo de colocar-se à frente dele, em posição de dirigi-lo. Duas outras coisas ele trouxe consigo à presidência: um talento para a conciliação, tão valioso no Congresso Nacional quanto fora na prática advocatícia duma cidadezinha, e uma atenuação da linha divisória entre atividade civil e militar na política brasileira. Ao contrário dos políticos civis que dominaram os últimos anos da República Velha, ele veio de uma sociedade em que qualquer político podia ser também soldado, como no caso de Pinheiro Machado, no de seu pai e no seu próprio. A guerra e a manipulação de tropas eram simplesmente a extensão da política por outros meios. Ele estava preparado para usar armas e possuía um conhecimento de artes político-militares que a elite governante no Rio de Janeiro estava ansiosa por esquecer.
2 O PRESIDENTE PROVISÓRIO
A campanha e a eleição de Getúlio
G
etúlio foi nomeado candidato presidencial da impressionantemente intitulada Aliança Liberal por iniciativa da liderança estadual de Minas Gerais, e também graças a um acordo impulsivo no Rio de Janeiro feito por João Neves, transferido da vicepresidência do estado, em Porto Alegre, para a liderança do bloco gaúcho no Congresso. Em 1929, ano anterior ao das eleições, intrincadas manobras para a sucessão tiveram lugar. Os dois fatos que saltavam aos olhos eram que o presidente Washington Luís se encontrava numa posição forte, capaz de determinar quem tomaria o seu lugar; e que, por razões de personalidade e economia política, ele havia se desentendido com o presidente mineiro, Antônio Carlos de Andrada. Este segundo fato era de importância considerável, pois colocava em xeque a aliança política entre os dois maiores estados, base do regime republicano. Dentro das convenções desse jogo, políticos estaduais alternadamente procuravam pressionar Washington Luís fazendo oposição a ele, em seguida ofereciam o seu apoio incondicional na esperança de que o seu manto recaísse sobre um deles como possível sucessor. Mas na verdade, ao mesmo tempo em que se indispunha com a liderança mineira, o presidente Washington comprometia-se com a candidatura de outro paulista como ele, Júlio Prestes de Albuquerque, então presidente estadual de São Paulo. Era um grande risco para Washington, pois fazer com que o estado mais rico da federação nomeasse o presidente da República por dois mandatos consecutivos punha em dúvida a rotatividade não-oficial para esse cargo. Ao longo do ano de 1929, Vargas tentou manter um pé em ambos os campos — sua ligação com o presidente se dava por intermédio de Flores da Cunha, e o seu vínculo com os mineiros através de João Neves —, mas não há dúvida de que ele teria preferido, acima de tudo, ser escolhido como candidato oficial de Washington Luís. Vargas, que em maio de 1929 assegurara Washington Luís que “o Partido Republicano do Rio Grande do Sul não deixará de lhe dar o seu apoio no momento adequado”, não ficou exultante ao saber do acordo de João Neves com os mineiros em 17 de junho. Mas quando Borges, como líder do partido, deu sua aprovação, Vargas foi capaz de se desculpar junto a Washington por sua mudança de linha sob a alegação de que estava obedecendo ao seu partido. No mês seguinte, o presidente brasileiro respondeu a Getúlio, com a maior tranquilidade, que havia feito seu próprio levantamento entre as máquinas estaduais, descobrindo que todas menos o Rio Grande do Sul, Minas Gerais e possivelmente o estado nordestino da Paraíba, estavam dispostas a apoiar Júlio Prestes. De fato, a Paraíba forneceria o candidato a vicepresidente na chapa de Vargas, na pessoa do seu ativo presidente estadual, João Pessoa. Pessoa era sobrinho de Epitácio Pessoa, presidente do Brasil de 1918 a 1922, um nordestino que havia quebrado a hegemonia paulista-mineira em circunstâncias fortuitas, por iniciativa, curiosamente, de Minas Gerais e Rio Grande. O Nordeste era uma região perpetuamente debilitada, com um interior sujeito a desastrosas secas, e Epitácio foi o primeiro presidente a combater as adversidades naturais por meio de irrigação e obras contra a estiagem. Era de se esperar que algo dessa reputação favorecesse o seu sobrinho e a campanha oposicionista na
região. Mas ninguém, ao ver a aliança Vargas-Pessoa, deixaria de observar que os astutos mineiros haviam feito uma composição que unia duas grandes partes da federação brasileira, igualmente mal representadas e inclinadas ao faroeste. Do ponto de vista do palácio estadual de Porto Alegre, a situação não parecia auspiciosa. Estava muito bem que deputados da Aliança Liberal fizessem discursos inflamados contra Washington Luís na reabertura do Congresso em agosto, quando a campanha começou para valer. Porém, Vargas sabia que, mesmo sendo a sua candidatura mais popular que a de Júlio Prestes, a verdade nua e crua era que, como não existia voto secreto e o presidente Washington era apoiado pela esmagadora maioria dos governos estaduais, ele não tinha chance de ser eleito. Essa consciência, e certa cautela com relação à postura que teria de adotar como governante estadual quando seu adversário tomasse posse no Rio de Janeiro, talvez expliquem a notável falta de entusiasmo na sua atitude pessoal para com a sua candidatura. Ele até concordou com o presidente que não faria campanha fora do seu próprio estado sob a condição de que este aceitasse o resultado da votação, de que Washington Luís e Júlio Prestes não tentassem fazer oposição a ele no Rio Grande, e de que ratificassem os deputados gaúchos mandados ao Congresso. Mas se o candidato era cauteloso, muito barulho era feito em seu nome. Enquanto o governo federal manipulava postos e telégrafos, e impedia que o Banco do Brasil fornecesse créditos para a continuação da campanha da oposição, esta, com apoio financeiro considerável de Minas, percorria o país. Além dos três estados oposicionistas, a Aliança Liberal podia contar com o recém-formado Partido Democrático, na capital paulista, e com o melhor e mais célebre ornal da cidade, O Estado de S. Paulo. Embora os republicanos de Minas estivessem divididos, ameaçando a posição de Antônio Carlos, uma das revelações da campanha foi o entusiástico papel pró-Vargas dos libertadores de Assis Brasil, embora seu líder tivesse ficado quieto em casa. Dando particular ênfase ao elemento dos direitos civis no programa da Aliança, eles mais que justificavam sua parceria na frente unida estabelecida em torno de Vargas no Rio Grande. Enviando caravanas de oradores pelo país afora, incluindo o Nordeste, foram parcialmente responsáveis pelo tom ameaçador e beligerante que a campanha adquiriu; no final de 1929 e começo de 1930, oradores da Aliança começavam a insinuar que, se os seus candidatos fossem derrotados, seria por fraude, o que ustificaria o recurso da guerra civil. Foi o humor cada vez mais agressivo dos seus partidários — assim Getúlio se desculpou num encontro secreto com Washington Luís no Rio, na virada do ano — que o levou a desistir de sua resolução e ir à capital para ler o seu manifesto. Três dias antes da sua chegada, a instabilidade do clima político havia resultado num assassinato em pleno Congresso, quando um deputado gaúcho matou a tiros um adversário pernambucano pró-governo numa discussão. Em 2 de janeiro, num grande comício na Esplanada do Castelo e na presença de João Pessoa, Getúlio leu o seu programa. Ele lia monotonamente o texto datilografado, e a maior parte da multidão não conseguia ouvir. Tratava-se de um catálogo de erros do sistema político, conforme visto tanto pelos liberais quanto pelos tenentes nos anos 1920 — portanto às vezes vago e contraditório —, acrescido de alguns singulares floreios varguistas.
Quando o sistema falava sobre “realidade brasileira”, disse Vargas, a sua atenção se restringia à riqueza, a privilégios que deviam ser censurados, e monopólios. “Nada, ou quase nada, é feito no sentido de desenvolver o valor humano através de serviços de educação e saúde. Os direitos mais elementares asse-gurados pela constituição são um embuste devido à falta de garantias”. A campanha da Aliança Liberal, ele prometeu, “expressa uma tentativa geral e vigorosa de renovação de hábitos políticos e de restauração das práticas democráticas, com ordem, dentro do sistema”. Havia necessidade de uma anistia política completa (que permitiria aos tenentes emergir de sua existência marginal) e de ab-rogar leis que restringiam a liberdade de pensamento. Ele poria fim às fraudes eleitorais introduzindo o voto secreto, listando todos os eleitores alfabetizados, portanto elegíveis, e encarregando juízes federais dos resultados. Era preciso também uma reforma da justiça federal, dar autonomia política à cidade do Rio de Janeiro, implementar mais cursos técnicos e profissionalizantes no ensino superior e estabelecer um Ministério da Educação. Ele falou um bocado sobre questões sociais e a posição das forças armadas. A classe operária merecia proteção que lhe assegurasse conforto e estabilidade relativos. Deveriam existir benefícios que amparassem trabalhadores na doença ou na velhice; maiores restrições ao trabalho de mulheres e crianças em fábricas; políticas de assistência à classe operaria em termos de educação, saúde, alimentação e moradia; a aposentadoria e as pensões para ferroviários (a maioria então trabalhando para linhas pertencentes à Inglaterra) deveriam ter seu paralelo em outras utilidades públicas, como telefonia, eletricidade e transporte coletivo. Era necessário também, ele insistiu, fazer algo pelos camponeses dos sertões: talvez devessem ser agrupados em colônias agrícolas, e as obras do presidente Epitácio Pessoa deveriam ser continuadas, era uma “promessa de honra”. Com relação ao exército, ele disse que o sentimento de dever militar enriquecia a consciência cívica e o espírito de nacionalidade. Era, portanto, forçoso revisar a lei de conscrição de modo que, ao atingir a maioridade, cada homem brasileiro se alistasse para o serviço militar. Esse alistamento também forneceria documento de identidade e título de eleitor. “A cidadania será, assim, uma consequência do serviço militar, como ocorre em outros países”, explicou. Ele criticou a escassez de equipamento militar e disse que indústrias relevantes deveriam ser desenvolvidas no Brasil. Haveria uma lei para regular as promoções militares, uma reforma da justiça militar, e — como se recordasse a sua própria juventude — melhores quartéis e alojamentos. Ele ironizou a penúria da marinha. “Nossa frota é quase um anacronismo... Hoje nossos navios de guerra não navegam, seja por falta de fundos devido ao custo dos exercícios, seja porque eles não preenchem os requisitos da navegação livre e segura.” Ele defendeu tarifas altas para proteger as indústrias brasileiras que utilizavam matériaprima local, mas também prometeu continuar a política financeira de Washington Luís. Com a voz conservadora do ex-ministro da Fazenda, acrescentou que “a necessidade mais importante e mais urgente é a estabilização do valor do dinheiro”. Porém, ao mesmo tempo, e fazendo eco a alguns cafeicultores paulistas, ele não poupou ataques à política de preços do café adotada pelo governo. A estratégia de manter preços elevados para o mercado internacional estava
causando uma redução no consumo, a busca por bebidas alternativas e maior concorrência de outros países exportadores de café. Como o café era responsável por cerca de dois terços da receita das exportações brasileiras, esse fracasso estava tendo consequências drásticas; seria melhor tentar baixar o preço internacional do café brasileiro melhorando o transporte interno, eliminando intermediários, etc. Vargas, que se deparou com mais recepções tumultuosas, ficou sem dúvida muito impressionado pelo fervor e extensão do sentimento antigovernista. Quando João Neves, que vinha arrebatando grandes turbas em Minas, se juntou a um poderoso grupo de oradores da Aliança Liberal no Nordeste, em janeiro, foi advertido pelo candidato para que não falasse muito na possibilidade de uma revolução. Vargas argumentou que isso apenas afastaria aliados em potencial nas eleições; se haveria mesmo uma revolução, por que eles se dariam ao trabalho de votar? Porém, num grande comício no teatro Santa Isabel, em Recife, Neves acabou pressionado por gritos persistentes de “Viva a revolução brasileira”. Embora tenha tentado seguir o cauteloso conselho do candidato, no decorrer do seu discurso sentiu de repente que deixar de corresponder ao entusiasmo do público poderia parecer falta de determinação ou de firmeza e levar à desilusão. Ou Washington Luís permitia uma eleição livre, disse ele, ou os brasileiros empunhariam armas pela democracia e pelos direitos do povo. João Pessoa, que obteve um triunfo pessoal nessa mesma reunião, foi mais evasivo: “Não, meus concidadãos, não somos revolucionários. Os revolucionários são aqueles que criminalmente esvaziam o Tesouro, aqueles que diminuem a nação aos olhos das demais nações, aqueles que colocam a República fora da Constituição e das leis”. Houve pelo menos onze mortes em conflitos eleitorais, mas o pleito a 1º de março de 1930, que coincidiu com o Carnaval, foi sossegado. O candidato da Aliança Liberal, que havia temporariamente confiado o governo estadual a Osvaldo Aranha, aguardou os resultados pacientemente em São Borja. O seu pronunciamento às vésperas da eleição continha uma ameaça disfarçada de otimismo: “Contra as expectativas e o desalento com que a consciência nacional tem sido inoculada, como por um vírus, durante quarenta anos de república, pela fraude, suborno, intimidação e violência, não hesito em reafirmar a nossa certeza da vitória”. Segundo a contagem do governo, Júlio Prestes ganhou com quase o dobro dos votos, mais de 1,1 milhão contra 669 mil. Segundo a contagem oposicionista de João Neves, o resultado verdadeiro foi de l,007 milhão para Prestes e 737 mil para Vargas. Segundo Antônio Carlos, em um telegrama a Osvaldo Aranha de Minas datado de 14 de março, 40 por cento dos votos para Prestes eram falsos, o que dava a Getúlio uma pequena margem de vitória. O problema era que, como de costume, todos estavam trapaceando. Embora os partidários da Aliança Liberal reclamassem que Minas não dera tantos votos a Vargas quanto prometera, ainda assim alegaram que ele havia recebido 307.248 contra 46.492 para Prestes. Correu-se menos riscos ainda no Rio Grande do Sul, onde, conforme Aranha informou ao presidente Washington num telegrama em que virtuosamente acusava todos os estados pró-governo de fraude, Vargas recebeu 287.321 votos e Prestes apenas 789. No Distrito Federal do próprio Rio, com o eleitorado mais instruído e a votação mais transparente, uma pequena margem a favor de Prestes foi anunciada. Quem de fato venceu permanece mera conjectura. Enquanto o resultado ainda era apurado, o Ministério das Relações Exteriores trombeteava a vitória de Prestes pelo mundo afora. Para a Aliança Liberal, como Neves e os demais perceberam, restavam apenas
duas opções: aceitação do veredito oficial ou revolução.
Preparativos para a revolução Mesmo antes da votação, alguns líderes da Aliança Liberal haviam começado a se ocupar dos arranjos práticos para uma revolução. No Rio de Janeiro, revolucionários na clandestinidade como Siqueira Campos, Estilac Leal, João Alberto, Juarez Távora e outros, como Cordeiro de Farias, que havia saído da prisão, estavam em contato com os políticos mais novos e mais determinados na Aliança. No Rio Grande do Sul, Osvaldo Aranha recebeu uma visita do próprio Luís Carlos Prestes, e, em 28 de fevereiro, pouco antes da eleição — num dia em que Távora e dois outros conseguiram escapar de um forte militar no Rio —, o grande líder revolucionário foi ter uma conversa com Vargas. Mais tarde Vargas contaria à sua filha o quanto lamentava que um homem que poderia ter construído tanto tivesse sido fisgado por uma ideologia destrutiva como a do marxismo. Esse encontro marcou uma separação de rumos. O homem cujo apelo público e habilidade revolucionária tornavam-no o candidato à liderança dos políticos mais agressivos, estivera matutando no seu exílio em Buenos Aires — havia recebido um subsídio de Osvaldo Aranha na reunião de ambos em novembro — e se convencera da inadequação do reformismo da Aliança. Qualquer futura revolução de que participasse deveria estar sob seu controle político e militar, e iria mais além na reforma agrária e na nacionalização do que os iguais a Vargas desejariam. Enquanto o próprio Vargas percorria o processo eleitoral, ciente da pregação revolucionária mas sem se comprometer com ela, o seu esquentado e brilhante auxiliar, Osvaldo Aranha, agia como intermediário e inspiração dos revolucionários. Sua própria posição, de alguém ferido pelos revolucionários outrora, mas com um irmão no campo adversário, era interessante. Ele era o tipo de homem que não se importava em distribuir carabinas por trás das costas das tropas federais antes das eleições de março, e abordou o tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, um oficial legalista enviado a Porto Alegre no primeiro dia do ano, com descarada franqueza: “É bom que saibas que as eleições serão fraudulentas, e nós vamos fazer um movimento revolucionário para acabar com esse sistema oligárquico que domina e oprime o Brasil”. Após a eleição, quando Aranha procurou a todo vapor precipitar a revolução, a incipiente divergência de atitudes entre os apoiadores da Aliança Liberal ganhou notoriedade pública. Em 19 de março um jornal, A Noite, publicou uma entrevista com Borges de Medeiros em que o chefe gaúcho parecia destruir qualquer possibilidade de uma revolução. “O Rio Grande do Sul republicano, que é a grande maioria e quase totalidade do estado, reconhecerá lealmente a derrota do seu candidato, que é também o seu presidente. E, portanto, reconhecerá o governo do dr. Júlio Prestes como legal.” Pressionado pelo entrevistador para falar sobre os rumores de que mesmo assim uma revolução estava sendo preparada, Borges declarou que Vargas, seu gabinete e os demais líderes republicanos eram todos contra ela. Ele não via como remediar males com um maior, uma revolução. Todos concordavam que o país atravessava uma grave crise econômica, com o colapso dos produtos brasileiros nos mercados estrangeiros e as próprias fábricas do Rio Grande operando muito abaixo da sua capacidade. O estado ainda se
recuperava dos efeitos de revoluções passadas. “Por que, então, fazer revoluções? Porque perdemos a eleição? Mas se todos que perdessem eleições fossem se revoltar, a nação estaria em guerra civil a cada quatro anos.” Essa entrevista, embora seguisse as linhas do acordo pré-eleitoral com Washington Luís, caiu como uma bomba sobre os seguidores mais exaltados da Aliança Liberal fora do Rio Grande. O próprio Vargas pareceu inclinar-se à aceitação do status quo — embora Neves o advertisse que a hostilidade de Washington Luís e Júlio Prestes era tão grande, que eles o reduziriam à insignificância do dirigente do pequeno estado de Sergipe — e ele se recusou a assinar uma declaração beligerante da Aliança. Por intermédio de outro deputado gaúcho, o general Paim Filho, ele procurou melhorar as suas relações com o governo federal. O resultado disso se viu quando o Congresso retomou suas atividades. Enquanto a maioria governista causava todo tipo de estrago às credenciais das delegações de Minas e Paraíba, onde os governos estaduais pró-Aliança se encontravam sob crescente contestação em casa, os deputados republicanos do Rio Grande assumiam as suas cadeiras quase sem oposição alguma. O progresso da conspiração oscilava para frente e para trás, e por vezes Osvaldo Aranha sentia-se o único homem no país inteiro que queria uma revolução. Getúlio estava dizendo aos mais íntimos que sua tentativa de obter a presidência estava acabada. “Vou agora me dedicar completamente às tarefas do meu governo. Esse negócio do Osvaldo querer fazer uma revolução é por conta dele. O discurso dele ainda é incendiário, mas esse entusiasmo generoso vai acabar esfriando.” Em abril, os líderes mineiros concordaram em apoiar a revolução, e Góis Monteiro prometeu agir como líder militar. Porém Góis, exigindo absoluta obediência, indicou que levaria tempo organizar uma insurreição bem-sucedida. Ele acreditava numa preparação lenta e orgânica que garantiria a remoção de cada ponto fraco, seguida de uma execução rápida e esmagadora. Mas em maio os tenentes, que teriam de fornecer os contatos e o suporte militar para a revolução, tiveram uma experiência traumática. Luís Carlos Prestes, que havia abraçado o marxismo, embora ainda não fosse membro do Partido Comunista, convocou em Buenos Aires uma reunião com os seus melhores tenentes, Miguel Costa, Siqueira Campos e João Alberto, para explicar por que ele estava prestes a lançar um manifesto radical. O apoio de velhos adversários como o ex-presidente Artur Bernardes à revolução havia abalado os tenentes, mas somente Prestes acreditava que a resposta estava em Das Kapital. A discussão foi amarga e dolorosa. Prestes descreveu Juarez Távora, o revolucionário com as atitudes sociais mais conservadoras, como um “falso revolucionário”, e denegriu Deus, Pátria e Família como ficções e ópio do povo. Houve um momento de humor, quando Prestes explicou que o seu programa incluía o não-pagamento da dívida externa do Brasil. “E a esquadra inglesa?”, perguntou Siqueira. “Vamos para o interior”, replicou Prestes. “Ora, Prestes, assim pensaram os índios quando chegou Cabral, e ainda andam pelo interior.” A conferência terminou em discordância, embora os outros persuadissem Prestes a adiar o seu manifesto por um mês. A desordem se instaurou na noite de 9 de maio, quando o avião monomotor francês em que Siqueira Campos e João Alberto voavam de volta ao Brasil caiu no estuário do rio da Prata durante uma tempestade, distante da costa uruguaia. Siqueira Campos,
um robusto nadador que costumava nadar regularmente entre os fortes do exército em cada extremidade da praia de Copacabana, no Rio, subitamente desapareceu sob as ondas. João Alberto, ferido no acidente e convencido de que um peixe havia puxado o seu camarada para baixo, foi o único sobrevivente a alcançar a praia. (Uma autópsia demonstrou que Siqueira sofrera uma parada cardíaca.) O funeral de Siqueira deu oportunidade a demonstrações antigovernistas, mas a publicação do manifesto de Prestes mostrou ao Brasil inteiro quão divididos os tenentes haviam ficado. Távora escreveu uma réplica áspera, tratando o general revolucionário pelo seu quase esquecido título de capitão. Numa mensagem datada de 31 de maio, Vargas comentou sobre as eleições de um modo tipicamente sereno, dizendo que cabia ao povo demonstrar se aceitava ou não o resultado, que ele acreditava que as mudanças estavam a caminho, e que o governo estava sendo ridículo em sua vingança contra Minas e Paraíba. Em junho, o planejamento revolucionário atingiu o seu ponto mais baixo, e Aranha, desgostoso, demitiu-se do gabinete estadual do Rio Grande. Aranha, que estava comprando munição tcheca, havia esperado por uma insurreição nesse mês. Porém, aos adiamentos de Góis Monteiro e às vacilações de Vargas acrescentou-se uma reviravolta devastadora por parte do estado de Minas Gerais, quando Antônio Carlos brandamente negou que o acordo entre os três estados da Aliança de organizar uma revolução havia significado algo mais além de uma coalizão política. A centelha que tornou a revolução possível foi o assassinato de João Pessoa, o ex-candidato presidencial, numa sorveteria no Recife, em 26 de julho. Pessoa, que andara insistindo que os semifeudais coronéis dos sertões deviam começar a pagar impostos, era impopular em alguns círculos. Contudo, foi o lançamento da chapa do partido de Pessoa para as eleições de 1930 que fez com que José Pereira, o coronel em Princesa, rompesse com Pessoa e iniciasse uma pequena guerra civil, fazendo uso dos selvagens cangaceiros. A guerra civil na Paraíba rapidamente se misturou à política federal. Washington Luís forneceu auxílio oculto a Pereira, falou em intervenção federal no estado, e o governo no Congresso endossou os deputados de Princesa em vez dos de Pessoa. (Neves observou que os deputados de Princesa alegavam ter recebido mais votos do que o próprio Júlio Prestes obtivera na Paraíba.) Por outro lado, os estados da Aliança estavam ajudando a contrabandear armas para Pessoa, algumas escondidas em latas de goiabada, e havia questionamentos financeiros sobre os pagamentos de Pessoa serem para essas munições ou para a revolução vindoura. O seu motivo para estar em Recife a 26 de julho ainda é incerto; talvez quisesse ajudar a subornar as autoridades locais para que liberassem a passagem de mais armas, ou talvez fosse por causa de uma cantora por quem o governador da Paraíba tinha um interesse amoroso e que chegava num vapor oriundo do Rio. O seu assassino, João Dantas, pertencente a um poderoso clã que havia sido perseguido pela polícia de Pessoa como resultado do incidente em Princesa, acreditava estar vingando a sua honra ao disparar os tiros fatais. Ele já havia se exilado no estado vizinho quando a polícia fizera uma batida no escritório da sua casa e encontrara diversas cartas comprometedoras, que foram então publicadas no jornal do governo, A União, obrigando uma jovem e atraente poetisa a fugir da Paraíba.
Embora a motivação política por trás do assassinato de Pessoa fosse, na melhor das hipóteses, indireta, o fato foi divulgado por todo o país como sendo da mais alta relevância política. Washington Luís, acusado do crime, sentiu-se obrigado a decretar três dias de luto oficial. Vargas comentou sobre o “crime revoltante em que a vingança política armou um assassino de aluguel”. A capital da Paraíba foi renomeada com o nome do morto. Ultrajados oradores da Aliança Liberal se referiam a ele como mártir e cantavam um arrebatador “Hino a João Pessoa”. Comemorações religiosas e cívicas atingiram o clímax com a chegada do corpo ao Rio de Janeiro, em 7 de agosto. Ironicamente, a notícia do assassinato chegara a Porto Alegre durante um jantar que marcava o afastamento de Osvaldo Aranha do governo estadual. Na onda de comoção que se seguiu, o planejamento da revolução acelerou consideravelmente. Em agosto o próprio Vargas estava convencido, embora um contratempo ocorresse quando Aranha, Góis Monteiro e João Alberto marcaram a insurreição para o dia 26 de agosto. Borges, que era não somente pouco simpático ao projeto como também malinformado sobre o seu grau de preparação, estava prestes a divulgar outra desalentadora entrevista de jornal. Aranha impediu isso a tempo e persuadiu o líder do partido a autorizar a Brigada Militar a se juntar ao movimento; mas o incidente atrasou a deflagração em um mês. Em setembro, um novo presidente estadual assumiu em Minas, Olegário Maciel, que fortaleceu o compromisso do estado. Em 25 de setembro, Vargas, responsável por marcar a data, concordou em lançar a revolução no início da noite de 3 de outubro.
A revolução Todo o cuidadoso planejamento colhia agora os seus frutos. Vargas, que havia escrito o seu manifesto à nação em 30 de setembro, havia se dado ao trabalho de apaziguar o general Gil de Almeida, comandante da 3ª Região Militar, sediada em Porto Alegre, infundindo-lhe uma falsa sensação de segurança. Getúlio disse a ele que não se preocupasse com os rumores revolucionários, e o ministro da Guerra no Rio de Janeiro não quis saber. Na véspera da deflagração, A Federação negava que houvesse qualquer desinteligência entre o presidente estadual e o chefe militar federal: “As relações cordiais sempre mantidas entre o presidente do estado e o ilustre soldado continuam inalteradas”. Por volta das dez horas da noite de 3 de outubro, no entanto, Gil de Almeida, em cujas tropas majoritariamente gaúchas os revolucionários haviam se infiltrado, estava nas mãos deles. Assim, a um custo de vinte mortos, toda a capital também foi dominada. Aranha e Flores da Cunha lideraram um ataque de cinquenta homens, que capturaram o quartel-general e o seu comandante. João Alberto comandou outro assalto, com elementos da Brigada, e tomou o arsenal na colina Menino Deus. Embora o Ministério da Guerra ainda estivesse dizendo aos jornais do Rio de Janeiro, em 8 de outubro, que as guarnições do interior do Rio Grande permaneciam leais, a verdade é que os revolucionários, após 48 horas, controlavam o estado. Um pequeno foco de resistência ficava em São Borja, onde um regimento recusou um convite para se juntar ao movimento, transferiuse para um quartel abandonado às margens do rio Uruguai e resistiu por alguns dias; por fim, quando os ataques se tornaram irresistíveis, as tropas sitiadas jogaram suas armas no rio e nadaram até a aldeia argentina de Santo Tomé.
A revolução prosseguiu sem maiores percalços nos estados adjacentes do Paraná e de Santa Catarina. Houve alguma comoção em Florianópolis, a capital insular de Santa Catarina, onde o almirante Heráclito Belford recusou um apelo de Aranha para juntar-se a ele, e abriu fogo contra uma coluna revolucionária enviada para investir sobre a cidade. Embora os revolucionários tivessem movimentação livre pela maior parte do estado, o almirante Belford, com cinco destróieres, um navio de reconhecimento e um cruzador, endureceu a resistência na capital até 24 de outubro, quando a eletricidade foi cortada. A essa altura começaram as negociações entre o presidente estadual e o almirante legalista. No Paraná, as coisas foram mais diretas: o comandante revolucionário, general Plínio Coutinho, aconselhou Vargas em 5 de outubro de que seria seguro para ele se mudar e estabelecer seu quartel-general no que, dado o avanço rumo norte, era agora o estado na linha de frente. Em Minas, o estado da Aliança Liberal ao norte de São Paulo e do Rio de Janeiro, Olegário Maciel imediatamente emitiu uma proclamação revolucionária aos administradores locais; a polícia estadual deteve certo número de policiais federais em seus lares e locais normalmente frequentados à hora da insurreição. Contudo, o 12º Regimento de Infantaria, bem suprido de munição nos seus quartéis em Belo Horizonte, opôs uma resoluta defesa na capital estadual até 8 de outubro; mensagens vindas do Ministério da Guerra no Rio de Janeiro os haviam informado que os levantes se limitavam ao Rio Grande e à Paraíba, e que o socorro estava a caminho. No Nordeste, a revolução demorou mais a obter o controle, e a um custo mais elevado em termos de vidas e lutas, devido a uma discordância entre Aranha e Juarez Távora com relação ao tempo. Távora, que tinha suas próprias razões, desejava lançar o movimento ao amanhecer de 4 de outubro e acreditava ter autorização para isso; Aranha achava que o fuso tinha sido marcado para as cinco e meia da tarde de 3 de outubro. O resultado foi que os oficiais legalistas no Nordeste foram advertidos por mensagens de rádio sobre a insurreição no Sul antes que os revolucionários locais estivessem prontos para agir. Não obstante, na estratégica cidade do Recife, no estado de Pernambuco, tanto o sagaz presidente estadual legalista Estácio Coimbra quanto os revolucionários ouviram a notícia ao cair da noite e abriram as hostilidades. Sob a liderança de Carlos Lima Cavalcanti, civis na cidade começaram por destruir a estação telefônica. Um ex-policial pernambucano, aposentado por razões políticas, teve a ideia maluca de atacar um depósito de munições em Soledade, à frente de dezesseis homens. As precauções de Estácio Coimbra, contudo, não haviam incluído reforços nesse ponto, e, depois de capturar o depósito, os revolucionários começaram a distribuir armas ao público, assim tornando o Recife um dos poucos centros em que a insurreição teve um caráter em boa parte popular. Ao anoitecer do dia 5, quando colunas encabeçadas por dois dos tenentes da confiança de Távora, Juraci Magalhães e Agildo Barata, estavam entrando na cidade vindas da Paraíba, ela ainda estava sob o controle de Lima Cavalcanti. O combate na cidade teve um custo de 38 mortos e 120 feridos. Enquanto os homens de Távora gradualmente se apoderavam dos estados nordestinos, governadores em fuga partiam para a Bahia, estado que fornecera o vicepresidente da chapa de Júlio Prestes e que agora estava sendo invadido por tropas de Juraci Magalhães.
A mais bizarra ofensiva contrarrevolucionária veio da Bahia. O senador Magalhães de Almeida, um ex-presidente estadual do Maranhão, ofereceu-se no Rio de Janeiro a recuperar o seu estado rebelado para Washington Luís. O inflexível presidente brasileiro, irritado com a fuga de tantos políticos pró-Federação, autorizou o senador, que era também um oficial da marinha, a fazer o que pudesse em cooperação com legalistas no estado adjacente do Pará. O senador, que planejava bombardear São Luís, a capital do Maranhão, a partir do mar, zarpou da Bahia num navio devidamente equipado com canhões. Entretanto, o capitão do navio fez uma transmissão de rádio à junta governativa no Maranhão, e os revolucionários lá responderam dizendo que um número considerável de prisioneiros pró-Federação perderia suas vidas ao primeiro disparo da nave. O senador abandonou a sua expedição e foi preso em Belém quando o navio atracou. Foi no Sul, onde Góis Monteiro havia prudentemente aguardado até 4 de outubro para anunciar que ele era o comandante militar dos insurgentes, que o nocaute ao governo foi preparado. (Às vésperas da rebelião, criptógrafos de Aranha que espionavam as mensagens transmitidas no quartel-general da 3ª Região Militar em Porto Alegre tinham visto um aviso a Góis de que o sedicioso Juarez Távora estava ativo na sua região; Góis, que sabia que ele estava no Nordeste, telegrafou de volta dizendo que tomaria precauções e de fato as tomou; depois precisou explicar a um levemente desconfiado Aranha que aquilo fora apenas um ardil para enganar.) Vargas havia colocado o estado inteiro em pé de guerra. Adolescentes e velhos estavam entre os gaúchos mobilizados por uma onda de patriotismo — “Rio Grande, de pé pelo Brasil”, disse Vargas no seu manifesto —, que foram enviados rumo norte, para a divisa de São Paulo, em transporte ferroviário organizado por João Alberto. Aeroplanos e munição foram trazidos através do Uruguai e da Argentina, e dez tanques estavam sendo construídos em Porto Alegre, sob a supervisão de Aranha. Darci, mulher de Vargas, apelou às esposas do Rio Grande para que ajudassem a revolução. Góis Monteiro sugeriu que Vargas deveria ser visto assumindo o comando da revolução na linha de frente. Este então entregou a presidência do estado a Osvaldo Aranha, alegando que João Neves, o vice-presidente, poderia ainda ser necessário como líder do bloco gaúcho no Congresso, mas talvez porque tivesse mais confiança nas qualidades administrativas e beligerantes de Aranha; Góis particularmente insistiu na necessidade de escolher Aranha. Neves ficou profundamente magoado, e embora Vargas sugerisse que ele poderia servir em algum outro posto importante, resolveu ir à linha de frente como soldado comum. Em 11 de outubro, trajando o uniforme da Brigada, Vargas partiu de Porto Alegre em um trem. A jornada foi vagarosa, e o líder supremo da revolução falou a multidões exaltadas em estações pelo caminho. O quartel-general da rebelião ficava agora num vagão de trem em Ponta Grossa, no estado do Paraná, ao alcance da linha de frente em Itararé, na divisa de São Paulo, onde os exércitos adversários estavam entrincheirados. A atmosfera desses dias é demonstrada em telegramas trocados por Getulio e Aranha, preocupados com suprimentos de armas, perguntando se podiam ou não confiar a generais que haviam se convertido à causa revolucionária no último instante o comando de tropas revolucionárias. Góis, que nomeou o secretário particular de Vargas capitão ali mesmo, desdobrava-se em esforços para lidar com voluntários que chegavam envergando uniformes estranhos, reivindicando patentes que
variavam de capitão a coronel. Num momento de desespero, perguntou a Flores da Cunha sobre um velho que Flores lhe assegurara ter sido um chefe federalista em 1893; ele só queria saber, disse Góis, porque o homem havia chegado com a insígnia de coronel sobre um ombro e a de tenente-coronel sobre outro. Em Ponta Grossa, Vargas foi prestar sua homenagem ao corpo de um rapaz de dezoito anos, um dos primeiros revolucionários da cidade a ser mortos na frente de batalha. Numa cena emocionante, a jovem mãe dele disse: “Dr. Getúlio, por favor, não lamente a morte do meu filho. Se eu tivesse outro, eu o mandaria imediatamente para tomar o lugar dele a fim de ajudar o senhor a vencer e chegar ao Catete (o palácio presidencial no Rio de Janeiro) o mais rápido possível”. Conta-se que nessa ou noutra ocasião semelhante Vargas deitou um lenço branco sobre o corpo, a cor dos chimangos, dos republicanos gaúchos, único ornamento que usava; e que, ao sair da capela, recebeu um lenço vermelho, símbolo dos maragatos, que ele usou até sua entrada triunfal no próprio Rio de Janeiro. Em 21 de outubro, Getúlio escreveu a Aranha de Curitiba, capital do Paraná, para dizer que, mesmo confiante na superioridade numérica na divisa com São Paulo, sabia que o Governo Federal estava gastando pesadamente nessa guerra, e que não havia garantias de que terminaria logo. Embora na teoria fosse o presidente legítimo, fraudado nas urnas, disse a Aranha que estava impressionado pelo desejo amplamente difundido de uma genuína renovação política. O pensamento geral era que não fazia sentido uma revolução apenas para continuar com o sistema de governo herdado de Washington Luís. Sem de fato mencionar os tenentes ele escreveu que, ao construir um novo edifício, seria necessário utilizar os elementos dedicados e sinceros imbuídos de poder de decisão. Por cerca de quinze dias, incluindo uma semana de chuva, as tropas revolucionárias e as legalistas ficaram uma diante da outra, com escaramuças ocasionais, em Itararé. Itararé protegia a linha de trem para São Paulo contra o sul, e se caísse, nada impediria que os revolucionários se derramassem sobre a capital paulista. Vargas justificou a inação nessa linha de frente com o argumento de que um movimento envolvedor estava em preparo, o qual cercaria os legalistas com custo mínimo de vidas. Sem dúvida, também, o comando revolucionário tinha esperança de que Washington Luís, no Rio de Janeiro, fosse derrubado em consequência de traição ou tumultos populares. Por fim, foi marcado um grande ataque a Itararé para 25 de outubro. No entanto, um dia antes, o general Tasso Fragoso liderou um golpe de oficiais no Rio, que depôs o presidente. Itararé, como relembram os humoristas, teria sido a maior batalha na história da América Latina... mas nunca ocorreu. No Rio de Janeiro, onde um emissário gaúcho havia sondado a possibilidade de tal golpe acontecer antes que a rebelião começasse, Vargas ficara algo desapontado com a falta de atividade revolucionária. Enquanto os jornais cariocas se preocupavam com suprimento alimentício e especulação monetária, e “derrotistas e boateiros” eram aprisionados, o obstinado presidente Washington — que havia complacentemente ignorado todas as informações detalhadas sobre a conspiração interceptadas nos cabos telegráficos — resolvia lutar. Em 5 de outubro a Câmara dos Deputados aprovava um crédito de 100 mil contos para abafar a revolução. No dia seguinte, foi declarado um feriado nacional por quinze dias. Em 10 de outubro a imprensa do Rio publicava um manifesto do presidente, em que ele
culpava rebeldes anônimos cuja única política era derramar sangue brasileiro, e contava com otimismo o número de comandantes que ele ainda acreditava leais. A propaganda pró-governo no Rio sugeria que os adolescentes no Rio Grande estavam sendo recrutados à força, e que muitos gaúchos haviam fugido para a Argentina a fim de evitar a conscrição; que Minas e o Rio Grande haviam apoiado o governo totalmente tirânico de Bernardes, e que o perigoso Vargas discursava contra os grandes proprietários de terras. Porém, por volta de 20 de outubro, um leitor cético no Rio podia perceber que os problemas de Washington Luís eram cada vez maiores: embora doze aeroplanos tivessem sido comprados do governo norte-americano, a prometida vitória em Itararé não se materializava, os comunicados oficiais sugeriam que a moeda encontrava-se sob insuportável pressão, e os legalistas estavam com dificuldades em recrutar tropas suficientes. Com o cardeal Leme usando sua influência junto a Washington Luís para fazer o velho deixar o cargo em segurança e com algum decoro, a “junta pacificadora” composta por três homens descobriu que havia desencadeado agitações populares nas ruas do Rio. Embora a unta ordenasse que as tropas governistas depusessem suas armas, tentou negociar alguma permanência no poder. Isso Vargas não toleraria. Enquanto Távora marchava sobre a capital baiana e tropas gaúchas enxameavam São Paulo, Vargas enviou Aranha ao Rio de Janeiro para preparar a transferência do poder para si próprio. Em 31 de outubro, após uma entusiasmada parada em São Paulo, onde tomou uma decisão infeliz de acordo sobre o governo do estado mais rico da Federação, Getúlio Vargas chegou ao Palácio do Catete, no Rio. A aclamação foi tumultuada. Pessoas hoje vivas, posteriormente desiludidas com Vargas como presidente, lembram-se do sentimento inebriante de que uma nova era estava começando. Soldados gaúchos amarraram seus cavalos ao obelisco na capital federal, trazendo um sopro dos violentos pampas à abafada cidade subtropical. Como triunfou a revolução, elevando Vargas à presidência? Além da crescente insatisfação com o regime brasileiro, compartilhada por intelectuais e por jovens oficiais do exército, havia também fatores continentais e globais envolvidos. A queda dos mercados durante a Grande Depressão, com consequente desemprego, havia provocado ondas de descontentamento, de nacionalismo e de agitação trabalhista com um matiz ocasional de comunismo. A América Latina, onde a transferência de poder com o uso da força era lugar-comum, viu governos caírem como castelos de cartas após a quebra de Wall Street. Particularmente influente no Brasil foi a derrubada do governo constitucional de Irigoyen na Argentina, país cujo padrão de vida e respeito pelo modelo britânico de governo representativo faziam dele até então uma exceção à regra na região. Para alguns, a Revolução de 1930 representou o triunfo de um nível mais avançado de desenvolvimento econômico. No entanto, apesar de que os resultados sócio-econômicos viriam a ser surpreendentes, não havia uma percepção clara de que o novo triunfara sobre o velho por meio da revolução. A cidade e o estado de São Paulo, apogeu da experiência capitalista brasileira, era um baluarte do regime vigente. O que se podia dizer, porém, é que na aliança revolucionária do flagelado Nordeste com o pujante e semi-industrializado Rio Grande do Sul, havia uma exigência tácita de que a riqueza e o poder fossem distribuídos com mais igualdade pela nação.
A chegada de uma figura tão aparentemente cautelosa e ortodoxa como Vargas no papel de presidente revolucionário foi, de certa forma, surpreendente. Até certo ponto, sua aparência política convencional era uma vantagem. A história brasileira em 1930 não era de revoluções constantes e precisava de uma campanha política convencional, do tipo que a Aliança Liberal promoveu na eleição, a fim de criar as condições populares para uma mudança de regime. O perigo para Washington Luís na insurreição de 1930, em comparação às revoltas tenentistas anteriores, estava na coalizão política que envolvia três estados em um nível oficial; a autonomia dos estados nesse período era muito grande, e os três na Aliança Liberal fizeram uma boa mistura estratégica. Em terceiro lugar, a cautela de Vargas antes de fazer essa imensa aposta era provavelmente sensata: não havia possibilidade de marchar para dentro do Catete em 48 horas, e eram necessários tempo e cuidado para viabilizar uma conspiração que envolveria milhares de pessoas através de uma vastíssima federação, capaz de efetivamente iniciar-se no tempo certo e sustentar uma campanha militar por diversas semanas. Mas é claro que a sua personalidade e formação gaúcha faziam de Vargas algo muito diferente do político prosaico que ele podia parecer. Ele era, a um tempo, um ex-soldado, um comandante de brigada e um devoto da ordem como Júlio de Castilhos a entendia, com uma frondosa experiência em guerras civis. Era capaz de correr riscos e tomar decisões bem como dissimilar e hesitar. Para os seus íntimos ele admitiu, ao romper da revolução, que essa era uma missão que traria glória ou morte; para ele, de qualquer forma, o fracasso poderia ser fatal.
Governo Provisório Como havia sugerido, de Ponta Grossa, a Aranha, Vargas optou, na sua chegada ao Rio, pela solução “revolucionária” de estabelecer um governo provisório com poderes emergenciais, em vez da solução “constitucional” de agir dentro da Constituição de 1891, como se as eleições houvessem dado vitória a ele e não a Júlio Prestes, e a revolução nunca tivesse ocorrido. Em 11 de novembro ele emitiu um decreto-lei que concedia poderes praticamente ditatoriais ao governo e dissolvia não somente o Congresso, mas também os corpos representativos estaduais e municipais, e lhe permitia ainda nomear e demitir funcionários públicos. Mas apesar desses atributos ditatoriais, observadores estrangeiros, nos primeiros dois anos do governo de Vargas, tiveram considerável dificuldade em avaliar o verdadeiro poder do presidente. Isso se devia, em parte, à sua prática de buscar consenso na política dentro do seu gabinete e entre as lideranças revolucionárias, e ao seu estilo de deixar as decisões emergirem dos debates entre elementos conflituosos, aparentemente sem se esforçar em impô-las. As divergências entre tenentes e políticos civis na Aliança Liberal eram enormes: elas incluíam a questão do governo representativo, ao qual os políticos queriam retornar, mas pelo qual os tenentes nutriam pouco respeito; a questão dos direitos dos estados poder federal, o qual Vargas e os tenentes desejavam estender; e a questão da política econômica nas circunstâncias da depressão, em que vários políticos, incluindo o próprio Vargas inicialmente, tentaram recorrer ao equilíbrio orçamentário e cortes no orçamento, enquanto os tenentes estavam dispostos a abandonar a economia ortodoxa para apoiar obras públicas. Havia outras contestações no regime, bem como discussões sobre até onde a revolução havia
apenas servido para tirar o poder das oligarquias latifundiárias dos estados, e até onde deveria ser um assunto da classe média ou do proletariado. Os militares também se encontravam numa situação confusa. A chegada dos tenentes, após uma campanha em que, podemos dizer, milícias estaduais sobrepujaram tropas federais, deu origem a questões de patente com os oficiais que haviam se empenhado numa tranquila carreira de promoções desde 1922. Juarez Távora, o “Vice-Rei do Norte”, assegurou que tenentes governassem os estados nordestinos direta ou indiretamente, enquanto no Rio de Janeiro um grupo tenentista, o Clube 3 de Outubro, procurava influenciar o governo central. Divisões de política e de personalidade eram enfatizadas na escolha de interventores, nomeados por Vargas para assumir o controle de estados individuais. Isso foi mais notório no caso tortuoso de São Paulo, que veio a encarar a si próprio como um país ocupado, camuflando o seu pesar pela perda de privilégios políticos com uma barulhenta campanha pela sua autonomia política. O primeiro gabinete de Vargas incluiu três gaúchos — Assis Brasil, o velho federalista e especialista em gado se tornou ministro da Agricultura e Osvaldo Aranha ficou com a pasta da Justiça — e somente um paulista, o banqueiro José Maria Whitaker, nomeado ministro da Fazenda. Era um gabinete respeitável e, depois que Távora deixou o Ministério dos Transportes e se retirou para o norte, sem nenhum tenente. Mas tinha duas novas pastas: um Ministério da Educação e Saúde, que foi para um jovem advogado mineiro, Francisco Campos, e um Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que coube a Lindolfo Collor, gaúcho confidente de Borges. Em seu discurso de posse em 3 de novembro, Getúlio anunciou um programa de 17 pontos para a revolução. Em meio a uma variedade de itens, em grande parte tirados da Aliança Liberal, estavam a necessidade de uma anistia e a restauração da saúde física e moral da nação; o estabelecimento de comissões de inquérito para investigar o uso indevido de fundos públicos por parte dos presidentes estaduais depostos; a instituição de um conselho consultivo e de eleições para uma assembleia constituinte; uma administração mais simples e, “se possível”, uma redução do número de funcionários públicos; uma revisão do sistema tributário e o fim da tarifa de proteção para indústrias que utilizavam matéria-prima importada; e a extinção gradual do latifúndio “sem violência”. A 2 de janeiro de 1931, em discurso proferido num almoço militar, Vargas fazia distinção entre fases eleitoral e militar, e o fato da revolução permanente. Ele menoscabou o papel da política tradicional e os partidos regionais, alegando que a Aliança Liberal estivera “fora dos partidos e acima deles”, e que um dos objetivos da revolução era estabelecer a ideia corporativa da representação política por classes. Esse esquema de representar diferentes grupos na comunidade segundo os termos ditados pelo governo e em reação à suposta falta de realismo econômico no sistema de “um homem, um voto” — que de qualquer forma não existia no Brasil por causa dos requerimentos de alfabetização e malversação — era extraído da estrutura estatal corporativa de Mussolini na Itália e do dr. Salazar em Portugal. Era particularmente popular entre os tenentes. Numa entrevista logo após a revolução, Juarez Távora havia dito que um novo Congresso devia ser formado por comissões técnicas — comissões de médicos, industriais, etc.
Enquanto José Maria Whitaker lutava para manter um orçamento equilibrado por um ano, até ser substituído pelo mais experimental Osvaldo Aranha, o Governo Provisório também procurava recuperar a produção industrial e iniciar a proteção ao trabalho e a legislação de bem-estar social que viriam a ser as conquistas mais significativas da era Vargas. Por causa da Depressão, o preço do café brasileiro nos EUA havia despencado de 22,5 centavos de dólar a libra, em 1929, para oito centavos em 1931. A combinação de uma queda das compras do Brasil no exterior com a manutenção de um nível razoável de poder de compra interno — devido à política governamental de auxílio aos cafeicultores — tornou as importações terrivelmente caras e criou as condições para a industrialização interna. A política de Vargas era em parte conscientemente dirigida a esse propósito, e em parte o concretizou sem querer, como subproduto do programa do café. (A abordagem de Whitaker envolvia estocar café não vendido, Aranha defendia cotas de produção reduzidas para os cafeicultores, e periodicamente na era Vargas grandes quantidades foram queimadas.) Em março de 1931, o governo baixou um decreto proibindo a importação de maquinário para todas as indústrias que padeciam de superprodução. Fosse por cálculo político, genuína solidariedade ao proletariado vítima de abusos nas fases iniciais da industrialização, ou a filosofia moderadora de Júlio de Castilhos, Vargas dedicou-se de corpo e alma à torrente de legislação que emergiu do novo Ministério do Trabalho de Lindolfo Collor. O mandato de Collor foi relativamente curto, mas desviou um pouco de atenção do papel de Vargas como mentor e patrocinador da legislação trabalhista. Vargas estava determinado a colocar o trabalhismo numa posição de destaque na política brasileira, assim como forças sociais anteriores haviam sido incorporadas no passado. Em 19 de março de 1931, um decreto regulamentando a organização de grupos de empregados e operários foi emitido — com estatutos a ser aprovados pelo Ministério do Trabalho —, e no mês seguinte um novo decreto estabelecia férias mínimas para funcionários. Uma restrição foi feita à imigração, para proteger os direitos dos trabalhadores brasileiros, e outro decreto insistia que pelo menos dois terços dos empregados em qualquer fábrica tinham de ser brasileiros. Acordos de aposentadoria e pensão, outrora um privilégio para trabalhadores de empresas possuídas por estrangeiros, foram estendidos, numa base financiada pela indústria, a outras categorias de funcionários. A estabilidade no emprego foi fortalecida para empregados com dez anos de serviço, de modo que ninguém podia ser demitido sem uma investigação formal. Em toda essa atividade social e trabalhista ficou claro que a revolução estava impondo novas obrigações e padrões a empregadores e empregados igualmente, como um ato de política nacional. A reorganização que ampliou o Ministério do Trabalho, fundado em novembro de 1930, para incluir a Indústria e o Comércio em fevereiro de 1931, tornou a política social e industrial do governo mais fácil de ser cumprida como um todo. Imediatamente após Vargas assumir o controle no Rio, o Congresso e as assembleias estaduais haviam sido dissolvidas, partidários proeminentes do regime derrubado presos, e o espírito jacobino dos revolucionários encarregado de remover políticos “carcomidos” e membros do Supremo Tribunal. Em dezembro de 1930, uma nova força policial pela “ordem política e social” foi revelada. Duas formas de canalizar o vigor político dos tenentes mais ovens e revolucionários civis foram o Clube 3 de Outubro e a Legião Revolucionária.
No decorrer de 1931 o clube, do qual participavam Aranha e Góis Monteiro, manteve uma influência considerável. Seu espírito motor era o dr. Pedro Ernesto, um médico carioca e simpatizante de longa data dos tenentes, e cuja clínica havia sido automaticamente atacada pelas forças de Washington Luís quando do início do levante. Às noites e adentrando as madrugadas Pedro Ernesto, Aranha e outros se reuniam num “gabinete negro” com Vargas, discutindo sobre suas dificuldades e tentando persuadi-lo a ir mais rápido; ele ouvia pacientemente, comprometendo-se pouco. Demonstrava uma inclinação que se tornou célebre, a de deixar as coisas acontecerem para ver como iam ficar. Ele disse ao seu secretário particular, Vergara, que considerava essas reuniões puramente informativas, bem como uma oportunidade de conhecer as personalidades melhor, a fim de saber lidar mais facilmente com elas. Após um motim num batalhão no Recife, em maio de 1931, Aranha e o general Leite de Castro trouxeram a Vargas o texto para um decreto instaurando lei marcial para motins, com efeito retroativo. Estavam muito irritados e seu texto fora aprovado pelo Clube 3 de Outubro. Vargas mandou-os embora, dizendo-lhes que o reescrevessem, comentando com Vergara que continuaria a protelar o assunto até que os ânimos deles esfriassem. Aranha disse ao secretário: “Esse Getúlio tem uma resistência passiva que é enervante”; mas na época em que o decreto foi assinado, havia perdido o seu efeito retroativo, e foi discretamente arquivado quando houve rumores de conspiração no próprio clube. A Legião Revolucionária surgiu em novembro de 1930 sob os auspícios de Osvaldo Aranha, que achava indispensável a existência de um movimento político nacional para dar suporte à Revolução, mas ele havia perdido interesse nisso em menos de um ano, e embora legiões locais em Minas e São Paulo conservassem alguma importância, a ideia de um partido nacional da Revolução morreu. João Alberto alegou que “nada poderia estar mais distante da verdade” quando alguém sugeriu que a legião era emprestada do fascismo, mas Osvaldo Aranha interessava-se por modelos fascistas à época, e uma das primeiras dissidências ocorreu entre os membros de um grupo equivalente ao Grande Conselho Fascista. Embora os tenentes estivessem ativos no sentido de estabelecer as legiões, Aranha concebeu a noção como um contrapeso ao controle do exército depois que Vargas tomou o poder. Ela enfatizaria a ideia de brasilidade e procuraria substituir partidos regionais. Aranha interessava-se também por elementos morais, como a proibição a jogatinas, álcool e bordéis, assim como por confisco de terras, benefícios de aposentadoria e a substituição do Congresso por conselhos técnicos. Mas na verdade uma única legião tornou-se várias legiões estaduais, entravada em política local — mais clerical e fascista sob Francisco Campos em Minas, mais proletária e orientada aos trabalhadores sob Miguel Costa em São Paulo — e o seu peso não foi suficiente para oferecer reforço significativo a Vargas. Enquanto os tenentes e os políticos civis competiam pelas interventorias dos estados, particularmente em São Paulo, onde houve uma rebelião menor em abril de 1931 e João Alberto renunciou à sua interventoria em julho, Getúlio agia de modo oblíquo. Cresciam as pressões pela “reconstitucionalização” do país, particularmente vindas da frente unida no Rio Grande e no Partido Democrático de São Paulo. Esses políticos relembravam as promessas da Aliança Liberal, e no início de 1931, Vargas cedeu a ponto de convocar uma comissão para preparar uma nova lei eleitoral sob Assis Brasil.
Contudo, discursando a 4 de maio, quando novas comissões legislativas começaram a trabalhar, Vargas demonstrou sua própria simpatia por um estado corporativo. Por causa do capitalismo, que dependia de ganho privado, o consumo não havia aumentado tão rápido quanto a produção; para atingir o equilíbrio econômico a lei deveria “reunir todas as classes numa colaboração eficaz e inteligente”. A sua própria filosofia semifascista e semicomtista ele expressava da seguinte forma: “A velha fórmula política, acentuando os direitos do homem, parece estar decadente. Em vez de individualismo, sinônimo de um excesso de liberdade, e de comunismo, uma nova mentalidade para escravidão, a perfeita coordenação de todas as iniciativas deve prevalecer, circunscritas à órbita do estado; e organizações de classe devem ser reconhecidas como colaboradoras na administração pública”. Mas ele acrescentou uma declaração direta de nacionalização que poucos fascistas europeus poderiam ter pronunciado. A política econômica brasileira deveria começar pela proteção e exploração das fontes permanentes de energia e riqueza do país. “Julgo, portanto, aconselhável a nacionalização de certas indústrias e a socialização progressiva de outras. Esses resultados podem ser obtidos através de um controle rigoroso de serviços de utilidade pública e uma penetração lenta na administração de empresas privadas cujo desenvolvimento pode ser dependente de favores oficiais.” Em outubro de 1931 houve tumultos sangrentos no Recife, onde a revolução havia despertado expectativas em meio à insatisfação numa época de seca e desemprego. Embora o apoio a Vargas estivesse aumentando entre os seus oficiais graduados profissionais — Tasso Fragoso foi nomeado chefe de Estado-Maior —, a campanha por uma constituição democrática e o problema de São Paulo tornavam-se cada vez mais constrangedores. Em fevereiro de 1932, o Partido Democrático em São Paulo juntou-se ao ainda poderoso Partido Republicano, ao qual Washington Luís e Júlio Prestes haviam pertencido, numa frente unida contra Vargas; pouco depois, essa frente unida começou a conspirar contra o regime, fazendo contato, para esse propósito, com a frente rio-grandense e com líderes mineiros, como Bernardes. Um anúncio em janeiro propondo o voto secreto, o voto feminino, representação proporcional e um sistema de tribunais eleitorais idealizados para assegurar a imparcialidade do pleito, incomodou os revolucionários radicais sem convencer os constitucionalistas de que Vargas realmente falava a sério. Os paulistas tornavam-se cada vez mais turbulentos na sua campanha por autogoverno, e a crise piorou drasticamente em março, quando três representantes da frente unida gaúcha — Collor, o ministro da Justiça Cardoso e Luzardo, o chefe de polícia do Rio — demitiram-se em protesto contra a destruição da redação do Diário Carioca, um jornal anti-Vargas, por um grupo de simpatizantes dos tenentes. A frente do Rio Grande pressionava por um programa de sete pontos, incluindo uma investigação sobre a questão do Diário Carioca, o restabelecimento imediato dos direitos civis previstos na Constituição de 1891, um decreto garantindo liberdade de imprensa e a eleição de uma assembleia constituinte no fim do ano. Em maio, Vargas prometeu eleições a 3 de maio de 1933. O sentimento contra a ditadura era forte agora. Em abril Bertoldo Klinger, um general relegado ao desimportante comando do Mato Grosso, aceitou um convite dos líderes paulistas para atuar como o Góis Monteiro da rebelião iminente. Diplomatas estrangeiros no Rio durante esse período pensavam que Vargas não estava no controle dos acontecimentos, e repararam na altercação entre líderes revolucionários e numa
persistente agitação laboral subjacente. Mas o discurso em que ele prometeu eleições era um tema de briga, referindo as conquistas do Governo Provisório, que iam de um orçamento equilibrado a reformas no ensino secundário e superior, observando que a história recente na França e na Inglaterra havia mostrado que um governo com poderes especiais era necessário para combater a crise econômica. Sir William Seeds, o embaixador britânico, acostumado a eremiar nos seus relatórios sobre a situação política para o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Londres, achava incompreensível a conversa de Vargas sobre uma viagem ao Norte naquele momento, e sempre se surpreendia com a fé imperturbável do presidente no seu próprio destino. Num longo comentário ao secretário dos Negócios Estrangeiros, em 1º de julho, véspera do levante paulista, Seeds escreveu: “Tudo é dúvida e apreensão, exceto no Palácio do Catete. Na minha entrevista de despedida com o chefe do governo ontem, Sua Excelência estava no auge de sua forma, fisicamente bem, mentalmente despreocupado, tão pronto a pilheriar sobre os seus ‘tenentes’ quanto sobre o nosso De Valera, e encantado em apontar para o fato indubitável de que, de modo geral, o Brasil é um país mais feliz que provavelmente qualquer outro na atual conjuntura. Pessoalmente nunca deixo de achar a atitude dele contagiante, e nem de confiar não somente na estrela dele, como também na habilidade despretensiosa e muito real que lhe permitiu por tanto tempo manter este governo num ritmo progressivo, se não muito próspero”.
A guerra paulista O furacão da guerra civil foi desencadeado a 9 de julho, quando um movimento popular assumiu o controle de São Paulo em nome de uma constituição livre para o Brasil. A conspiração fora antecipada em uma semana porque o Governo Provisório havia destituído Klinger do seu posto, e tanto o exército quanto a Força Pública estadual apoiavam a rebelião. Os paulistas, aos quais se juntou o seu interventor civil Pedro de Toledo, contavam com a adesão rápida do Rio Grande do Sul, de elementos substanciais em Minas, e com um possível golpe do tipo que havia por fim removido Washington Luís no Rio de Janeiro. Erradamente acreditavam que o ato da insurreição por si só provocaria uma reação em cadeia que removeria Vargas do poder. A primeira semana da guerra civil, em que o conflito militar ficou restrito a pequenas escaramuças nas divisas do estado de São Paulo, foi extremamente complicada para o presidente do Governo Provisório. Uma batalha pela alma de Flores da Cunha, interventor no Rio Grande do Sul, ocorria quase em público: a frente unida local queria que ele se declarasse a favor de São Paulo, ou que ao menos empreendesse uma missão pacificadora que atingisse os objetivos políticos da revolta. Ao mesmo tempo Osvaldo Aranha, em cuja opinião Vargas fora insensível no seu tratamento das queixas paulistas e que agora servia como ministro da Fazenda, não era mais o personagem combativo de dois anos antes. E até mesmo Góis Monteiro, ainda a eminência parda da revolução, bem como homem de vínculos pessoais com alguns políticos paulistas, era levemente suspeito e naturalmente não ia a campo destruir os rebeldes tão rápido quanto poderia. O mais interessante de tudo, nessa época de intriga excepcionalmente densa, são os pequenos indícios de que o próprio Vargas sentia-se deprimido e que a sua resolução oscilava.
Tanto sua filha Alzira quanto o general Góis deram a entender que ele passava por um estado mental estranho durante o início da crise. Na noite em que a revolta irrompeu, ele disse a Góis que não tomara nenhuma outra precaução prática além de lhe pedir repetidas vezes que viesse vê-lo. (Góis então mobilizou as tropas do Rio e Niterói na crença de que isso frustraria qualquer complô para fazê-las rebelar-se simultaneamente.) Um ou dois dias depois Góis alegou que Aranha, após ver Vargas, disse que o presidente receava que generais do Rio estivessem planejando a sua deposição e que já tivessem cercado a sua residência, o Palácio Guanabara. Góis disse a Aranha que embora fosse verdade que o general Mariante, comandante substituto da região militar do Rio de Janeiro, fora sondado para tomar parte de um golpe, havia rejeitado firmemente a ideia. As tropas haviam sido posicionadas por ele mesmo, Góis, para a proteção de Vargas. Aranha insistiu que ele verificasse isso e o dissesse a Getúlio verbalmente, porque este chegara ao extremo de se armar com um revólver e de escrever um discurso à nação brasileira, ameaçando cometer suicídio se deposto. Quando chegou lá, continuou Góis, encontrou Getúlio calmo, mas viu o cabo de madrepérola de um revólver e um envelope endereçado à nação brasileira. Alzira, nas suas memórias, conta que Aranha saiu de uma audiência com Vargas dizendo que o pai dela ficava escrevendo num pequeno caderno preto, o qual mantinha escondido, e que ficou preocupado com alguns trechos lidos por Vargas para ele. “Ele me disse que vai resistir até o fim. Fique alerta e cuide dele”, Aranha disse a ela. Apenas um sinal desta crise pessoal emerge do seu manifesto à nação, que surgiu na imprensa censurada do Rio a 12 de julho, que também deu as primeiras notícias da revolta, três dias antes da informação crítica de que Flores da Cunha havia publicamente se aliado ao governo no dia 11. A proclamação do presidente alegava que ele muito fizera para ajudar São Paulo, tanto ao entregar o governo estadual a paulistas quanto ao ajudar com os problemas financeiros do café, e que a justificativa “constitucional” era fajuta. Ele enfatizou o suporte militar que estava recebendo do Rio Grande e do Norte, a sua própria confiança no seu patriotismo, e sua disposição a ser magnânimo com rebeldes que depusessem as armas. Mas concluiu: “Como chefe do governo, prefiro sucumbir lutando em defesa dos ideais da Revolução e na capacidade de um simples soldado, em vez de ceder a ameaças de violência”. No entanto essa crise, a despeito de sua dificuldade, revelou que Vargas e seu governo eram mais fortes do que às vezes pareciam. Em termos políticos, ele foi salvo pela lealdade de três indivíduos e regiões. O primeiro foi Flores da Cunha, que tinha sido objeto de uma missão especial de súplica por parte de Aranha pouco após a irrupção, e que telegrafou a Osvaldo no dia 7, dizendo: “Manterei a ordem aqui a qualquer preço. Eles só tomarão o estado por cima do meu cadáver. Estou tomando as primeiras precauções”. O segundo personagem foi o velho e rijo mineiro Olegário Maciel. O único presidente estadual que sobrevivera à revolução foi, em dado momento, objeto de uma conspiração imatura dos tenentes. Mas quando um soldado tentou removê-lo do cargo, ele exigiu ver a autorização para isso, e a partir daí Vargas adotou a política capital de sempre apoiá-lo firmemente. Esse apoio era agora generosamente retribuído. A terceira fonte de auxílio foi mais geral: as administrações do norte originalmente
estabelecidas por Juarez Távora. Muito rapidamente pessoas como Juraci Magalhães, o tenente interventor na Bahia, ofereceram mandar tropas através de Minas até a divisa norte com São Paulo. Não há dúvida de que três fatores mais abrangentes contribuíram para a capacitação do governo em esmagar a rebelião. O primeiro foi que o ímpeto para a revolta viera de São Paulo, e poderia, portanto, ser interpretado como uma tentativa de restaurar a República Velha. O próprio Vargas tinha certeza de que capitular perante as exigências “constitucionais” em sua totalidade significava devolver o poder às oligarquias regionais simbolizadas pelos partidos republicanos de São Paulo, Minas e Rio Grande. Isso seria particularmente insatisfatório para regiões como o Nordeste, que, sob tenentes vigorosos, ainda que nem sempre habilidosos ou diplomáticos, haviam sido beneficiadas pela Revolução. O segundo fator foi que, com todas as suas tensões e divergências internas, a Revolução era bastante popular e Vargas, com seu estilo pessoal de fazer consultas e tomar decisões por osmose, havia oferecido alguma satisfação tanto aos civis da Aliança Liberal quanto aos tenentes. No registro de quase dois anos de governo, não era possível dizer com convicção que a única forma de obter uma constituição e eleições era derrubando Vargas. O terceiro foi que havia um aspecto social bem real no confronto paulista. O movimento constitucional lá foi predominantemente burguês, e reclamações sobre a proteção de João Alberto a comunistas haviam sido um pretexto para o medo e a hostilidade que a política social da Revolução havia despertado entre os empresários e donos de terras do estado mais rico da Federação. A partida de Collor não havia feito diferença alguma para a política do regime; na verdade, enquanto a conspiração paulista estava amadurecendo, o governo instituía a semana de 48 horas, melhorava as condições para mulheres que trabalhavam, e estabelecia comissões mistas para arbitrar disputas trabalhistas. Todas essas realizações ajudam a explicar por que o moral estava tão bom entre as unidades do exército, da Brigada gaúcha e outras que foram enviadas à frente de combate. Enquanto os paulistas se alimentavam de boatos sobre apoio vindo de fora, além de estarem um pouco decepcionados ao ver que Klinger não trouxera consigo nenhuma tropa do Mato Grosso, o governo começou a tomar suas providências. Em um ou dois dias o general Flores foi capaz de mandar tropas da Brigada, que poderiam ter recebido suas ordens de Borges, através do Paraná até a vizinhança familiar de Itararé. Benjamim Vargas, irmão caçula de Getúlio, recrutou alguns provisórios de São Borja, entre os quais um negro chamado Gregório Fortunato, que futuramente viria a desempenhar um papel sombrio na trajetória varguista. Benjamim serviu sob o coronel Eurico Gaspar Dutra, um oficial para cujos méritos ele chamou a atenção do seu irmão. A frente sul era comandada em nome do governo pelo general Valdomiro Lima, um rival de Góis. Esse foi, talvez, um dos fatores que induziram o próprio Góis Monteiro a deixar a capital e assumir o comando da principal força expedicionária no Vale do Paraíba uns cinco dias antes da insurreição; um de seus primeiros atos foi fazer com que um manifesto aéreo fosse jogado sobre São Paulo, dizendo que ele havia deliberadamente se atrasado a fim de permitir que o bom senso prevalecesse entre os paulistas, mas que agora ele precisava atacar. Vargas, cujo
Tesouro havia liberado 20 mil contos como contribuição ao esforço de guerra, esteve em pessoa na linha de frente em dez dias, durante uma viagem de inspeção, tentando insuflar um pouco mais de beligerância em Góis e nas suas tropas, e jogando água fria num acordo de paz proposto por dom João Becker, o arcebispo de Porto Alegre. Os paulistas perderam sua melhor chance de sucesso nos primeiros três dias, quando o seu comandante no Vale do Paraíba, Euclides Figueiredo, poderia ter marchado sobre a capital federal com quase ninguém para detê-lo. Porém, os insurgentes estavam constantemente aguardando reforços de outros estados, a qualidade combativa dos seus próprios inúmeros voluntários era algo duvidosa — nos primeiros dias a Força Pública Paulista tentou negociar um pacto de não agressão com a polícia estadual de Minas no setor norte — e a munição deles estava acabando. Em breve os paulistas, cuja única chance militar estivera em tomar a iniciativa, viram-se reduzidos a uma guerra defensiva e estática nas trincheiras, com as tropas mais bem armadas e mais numerosas do governo gradualmente fazendo-os retroceder. Uma semana após a irrupção, o cônsul britânico em exercício em Santos, o porto de São Paulo, dizia à embaixada no Rio que, embora nove embarcações tivessem conseguido entrar, havia agora três navios de guerra brasileiros patrulhando a pouca distância pediu permissão para carregar bananas da cidade bloqueada de São Sebastião, alegando que este não era um porto normal; o ministro das Relações Exteriores, Afrânio de Melo Franco, obteve autorização dos ministros da Fazenda e da Marinha sob a condição de que isso fosse mantido em absoluto segredo. O bloqueio foi se tornando cada vez mais eficaz. Embora a guerra não estivesse sendo travada com profunda determinação e as baixas não fossem enormes, ocorreram alguns incidentes bem feios; Góis, reclamando que os rebeldes estavam disparando contra a cidade aberta atrás das suas linhas, ameaçou bombardear cada cidade no seu caminho, incluindo a própria São Paulo. A nova arma da aviação estava sendo utilizada de ambos os lados, e uma das primeiras precauções que os paulistas tomaram foi posicionar metralhadoras sobre edifícios elevados em caso de ataques aéreos. Eles estavam importando aeronaves dos Estados Unidos via Chile, surpreendentemente usando os serviços de Luís Carlos Prestes em Buenos Aires como intermediário. Mas também no ar o governo, cujas forças eram comandadas por um dos heróis tenentistas de 1922, Eduardo Gomes, detinha a vantagem. A grande decepção para os rebeldes, desorientados pela presença do sempre otimista João Neves em São Paulo, foi a falta de auxílio do Rio Grande. Os conspiradores do front unido ali foram pegos pelo início prematuro da insurreição, pelo comportamento tortuoso de Flores, com quem ainda contavam bem depois que a guerra havia começado, e pelo simples fato de que eles não tinham tropas nem armas. Flores, que havia considerado o apelo do governo à “ordem” no sentido castilhista do termo, depois de entregar sua demissão como interventor assumiu o controle da Brigada e tapeou os políticos locais movimentando tropas na direção norte à noite. Borges procurou persuadir Flores a oferecer os seus bons ofícios para conseguir um acordo, e no fim de julho Flores enviou Maurício Cardoso ao Rio. Porém Vargas, cuja posição militar fortalecia-se e que havia perdido Tasso Fragoso, o seu suspeito chefe de Estado-Maior, não estava preparado a fazer quaisquer concessões. Ao fim de agosto Borges, sob forte pressão de outros como Luzardo, que achava que os paulistas haviam sido desertados, proclamou uma rebelião geral. Mas Flores tinha feito todos
os preparativos necessários e varrido os bandos dispersos de rebeldes sem dificuldade. Em 20 de setembro ele comunicou Vargas que Borges, tendo sido rastreado até uma fazenda, fora capturado juntamente com seu alto comando após um combate de três horas. O velho foi posto num barco para o Rio de Janeiro e outros líderes rebeldes, como Luzardo e Pila, foram despachados para a Argentina. No final de setembro, Klinger rendeu-se em nome dos paulistas. O derrotismo havia aumentado entre os rebeldes, as tropas de Góis eram recebidas por unidades da Força Publica com bandeiras brancas, e os invasores de Minas já haviam chegado a 72 quilômetros da própria São Paulo. O fracasso de Borges no Sul fez com que o prolongamento da resistência parecesse despropositado. Enquanto os telegramas de congratulações empilhavam-se sobre a sua escrivaninha, Vargas trabalhava habilmente para desfazer o estrago da guerra, amenizando a rivalidade entre Góis e Valdomiro Lima, lidando com a situação desastrosa da Força Pública, com as paixões ainda inflamadas de alguns paulistas, e, acima de tudo, tratando os derrotados com respeito e evitando qualquer tipo de vingança. Ele pôs a culpa pela insurreição em um bando de conspiradores, honrou os títulos emitidos pelos “constitucionalistas”, e procedeu a restaurar o moral e o bem-estar do estado. O seu talento para a conciliação, já demonstrado como presidente do belicoso estado do Rio Grande e sintetizado no seu mote de que ele nunca faria um inimigo de alguém que pudesse ter como amigo, estava no auge da sua eficácia.
3 DANOVA CONSTITUIÇÃO AO ESTADO NOVO
Criando uma constituição
O
compromisso de Getúlio de dar ao Brasil uma nova constituição, criada por representantes livremente eleitos, fora o principal trunfo político que ele havia usado para abafar a rebelião de São Paulo. Com o prestígio adquirido pela vitória, ele pôde levar adiante a realização das eleições e acabar com o Governo Provisório — ou ditadura, como foi descrito com tanta repugnância por seus oponentes. Entre novembro de 1932 e maio de 1933, uma comissão trabalhou duro para esboçar uma nova constituição. Em 3 de maio de 1933, com um esquema novo e elaborado de registro de eleitores e de “justiça eleitoral”, aconteceu a primeira eleição relativamente honesta da história do Brasil, na qual as mulheres e os maiores de dezoito anos tiveram o direito ao voto. Embora Vargas, cujo estilo neste período fosse o inverso do demagógico, não tenha feito campanha eleitoral, os resultados lhe proporcionaram uma maioria confortável e a quase certeza de ser eleito como o primeiro presidente pela Assembleia Constituinte. As eleições foram disputadas numa base regional, como antes de 1930 e, na maioria dos estados, o interventor conseguiu direcionar o resultado em vantagem do governo. (Uma importante exceção foi São Paulo, onde uma frente unida que herdou em grande parte o programa dos “constitucionalistas” obteve quase todas as cadeiras.) Além disso, Vargas podia contar com o apoio da maioria dos quarenta representantes de classe que haviam chegado, em teoria, para dar voz a todos os setores produtivos e para servir de contrapeso às preocupações regionais dos blocos estaduais, como resultado da máquina corporativa estabelecida pelo Ministério do Trabalho e da Indústria. Embora a censura continuasse e uma das primeiras batalhas da assembleia se focasse na anistia para todos os oponentes de Vargas que haviam fugido para o exterior ou perdido os direitos políticos, os criadores da constituição estavam trabalhando em uma atmosfera de euforia um pouco irreal. Sob a presidência de Antônio Carlos, o articulador inteligente e refinado que fora o primeiro a direcionar Getúlio rumo ao Catete — chegando a ocupá-lo brevemente quando Vargas fez uma visita oficial ao exterior —, a assembleia sentia-se como se estivesse refazendo a estrutura política do Brasil. Os poderes de tributação da Federação os dos estados, parlamentarismo ou presidencialismo, divórcio, o direito à educação, se os militares podiam ou não votar, se a capital devia ou não ser mudada para o interior como prescrito na constituição de 1891 (agora descartada na assembleia como uma irrelevante perda de tempo), o destino de toda a legislação do Governo Provisório... esses assuntos e uma centena de outros enchiam os debates com paixão e retórica, interrompidos apenas pelas reações nas galerias públicas e pelo sino de Antônio Carlos. Embora Getúlio, que tinha reuniões semanais com os representantes do Rio Grande, evitasse interferências óbvias nos trabalhos, Osvaldo Aranha estava coordenando a maioria e diversos membros do governo apresentaram-se diante da assembleia para expressar suas opiniões. Por trás dos debates havia uma batalha recorrente entre os defensores dos direitos dos estados, liderados por São Paulo, cujo governo havia sido um modelo antes da Revolução, e os que, como os tenentes, desejavam um claro rompimento com o passado. Nessa arena relativamente livre para discussão, a maioria das atitudes e feitos do presidente
foram justificados. Vargas reclamou depois que os poderes da própria presidência eram limitados demais, mas que havia pouco apoio para o parlamentarismo e que a Federação estava consideravelmente fortalecida à custa dos estados. O trabalho da Liga Eleitoral Católica, sob a influência do cardeal Leme, possibilitou que a separação entre Igreja e Estado, herdada de 1891, fosse modificada em favor da Igreja. Não só não haveria divórcio, como a nova constituição permitia a instrução religiosa nas escolas públicas. Uma forte corrente nacionalista permeava todo o documento. A regra de que dois terços de qualquer força de trabalho deveriam ser de brasileiros natos foi mantida. Foram impostas restrições à imigração que, durante os debates, destinavam-se em especial aos imigrantes japoneses para São Paulo, mas que na prática foram usadas também contra os judeus que fugiam da Europa. Um ou dois marxistas, como Zoroastro Gouveia, que nunca deixava de marcar um ponto contra o capitalismo na assembleia, conseguiram ser eleitos como representantes de classe. A constituição ampliou a abrangência do Código laissez-faire, permitiu diversidade de sindicatos em vez do sistema de um único sindicato para cada setor, como apresentado pelo Ministério do Trabalho. A jornada de trabalho de oito horas diárias, um salário mínimo, férias remuneradas e restrições ao trabalho infantil foram todos assuntos abordados pela constituição. Góis Monteiro conseguiu descartar uma sugestão de que os soldados comuns tivessem direito ao voto e o governo conseguiu aprovar um artigo pelo qual cinquenta deputados, ou um sétimo do total, deveriam ser representantes de classe no futuro. Enquanto o novo documento estava sendo elaborado, Vargas teve de lidar com uma complexa crise política em Minas e ficou sabendo que ainda havia algumas pessoas conspirando para removê-lo do poder. A crise em Minas irrompeu com a morte de Olegário Maciel, em setembro de 1933. Mal oculta na disputa pela sucessão entre Virgílio de Melo Franco, filho do ministro das Relações Exteriores e um importante conspirador civil em 1930, e Gustavo Capanema, o interventor interino e braço direito de Maciel, havia uma luta por influência e para entrar na linha de sucessão do próprio Vargas. Esta briga ficou entre Aranha, que apoiava Melo Franco, e Flores da Cunha. Vargas, que chegara a nomear Melo Franco, voltou atrás e optou, em vez dele, por um mineiro relativamente desconhecido, mas que era um ouvinte cauteloso e um homem mais a seu gosto. Tratava-se de Benedito Valadares, que viria a ser conhecido como “a velha raposa”. Antônio Carlos, que andara fazendo sondagens para Getúlio, levou-lhe uma lista com oito possíveis nomes; quando perguntaram depois ao presidente qual deles conseguiria o cargo, ele respondeu não sem humor: “o nono”. O acordo foi um bom exemplo da política de dividir para governar. Ele levou à saída de Afrânio de Melo Franco do governo e, em meados de 1934, simbolizando a influência enfraquecida do tenentismo à medida que Vargas entrava em uma era “constitucional”, o próprio Osvaldo Aranha deixou o governo para assumir o posto de embaixador em Washington. Durante todo o período desde a supressão da rebelião paulista até a eleição de Vargas como presidente constitucional houve correntes subterrâneas de conspiração subjugada. Embaixadores e agentes brasileiros em Buenos Aires e Montevidéu ficavam de olho nos movimentos dos exilados nessas cidades. Em 13 de março de 1934, Flores da Cunha alertou Getúlio sobre a atividade entre os militares em quatro estados que se opunham à sua permanência no Catete; na Bahia, o interventor Juraci Magalhães mantinha outra trama sob observação. Este último disse a Vargas em abril: “Criei seis companhias isoladas em pontos
convenientes no interior do estado. É triste que em meio a esta tremenda crise financeira estejamos gastando dinheiro para armar as pessoas, mas talvez os custos sejam menores deste modo”. Depois de uma manobra de última hora realizada pela maioria governista, a assembleia deu uma aprovação post facto a todas as ações do Governo Provisório e, em 17 de julho de 1934, elegeu Vargas o primeiro presidente sob a nova constituição. Ele obteve 175 votos contra 59 de Borges de Medeiros, o velho gaúcho que agora vivia em exílio forçado em Pernambuco. Havia pouca possibilidade de qualquer outro resultado. Getúlio, o homem no comando, havia se transformado no fato inevitável ao redor do qual as marés em turbilhão da intriga brasileira haviam aprendido a fluir. No entanto, embora prometesse, sob aplausos, “manter e submeter-se lealmente à Constituição Federal”, ele havia dito um ou dois dias antes ao escritor gaúcho Moisés Vellinho: “Serei o primeiro a revisá-la”.
Ascensão da esquerda e da direita O início da política sob uma nova constituição desencadeou uma nova fase perigosa e instável. Depois dos políticos manipulados da República Velha, os brasileiros haviam sido envolvidos num turbilhão de mudanças: uma revolução, uma deposição, uma ditadura, uma guerra civil, a primeira nova constituição em quase cinquenta anos… Enquanto a Europa e a Ásia viam o ressurgimento do militarismo e o confronto entre os evangelistas incompatíveis do comunismo e do fascismo, no Brasil a minoria letrada com direito ao voto subitamente teve acesso a uma liberdade com a qual estava desacostumada, bem no momento em que seus pontos de referência estavam desordenados. Vargas, meio irritado por ser limitado pelos procedimentos constitucionais pela primeira vez, não tinha nem o desejo e nem, talvez, os elementos políticos para criar o seu próprio partido nacional. As eleições de outubro de 1934 deram a Vargas uma maioria confortável em nível federal, mas viram um ressurgimento considerável do poder das oligarquias regionais nos estados. Em 1934 e 1935, houve violentas batalhas políticas, às vezes com derramamento de sangue, mantendo o cenário confuso e volátil em diversos estados. Enquanto São Paulo ficava apaziguada, as disposições tenentistas no norte, estabelecidas por Juarez Távora, eram desfeitas em grande medida. Flores da Cunha, que havia comprado uma cadeia de jornais para realizar suas ambições, fazia intrigas por todo o país a fim de promover sua influência. Decepcionado por sua lealdade em 1932 não ter sido mais bem recompensada por Vargas, decidiu obter apoio em outros estados para se tornar o próximo presidente. Ele restaurou as relações amigáveis com São Paulo e obteve uma vitória em meados de 1935, quando Góis Monteiro, que odiava o exército particular de Flores, composto por 26 mil homens da Brigada, com todo o desprezo de um soldado profissional num exército federal até então desfalcado, foi obrigado a se demitir. Góis havia ido longe demais com uma intriga para elevar os soldos militares, contra a legislação, e foi substituído como ministro da Guerra em maio. Vargas começou a ficar realmente furioso com as atividades de Flores durante a longa disputa a respeito de um novo governador para o estado do Rio de Janeiro, onde se situava a capital federal. Flores e o presidente chegaram a um conflito direto e amargo sobre os candidatos ao governo estadual; Flores ordenou que o bloco gaúcho no Congresso entrasse para a oposição,
privando assim Vargas da maioria, e o presidente demitiu o general Pantaleão Pessoa, chefe do Estado-Maior que era amigo de Flores. Mas se os políticos ortodoxos ainda eram incapazes de pensar além das alianças e interesses regionais, havia dois novos grupos radicais nos extremos do espectro que, ao menos, estavam pensando em termos nacionais. Esses grupos eram, à direita, os integralistas, a Ação Integralista Brasileira, cuja atuação principal ocorreu entre 1932 e 1937, e a esquerdista Aliança Nacional Libertadora, cuja vida legal foi de breves quatro meses antes de ser declarada ilegal em julho de 1935. Embora antagônicos, esses dois movimentos se iniciavam a partir de ideias que haviam desempenhado um papel na Revolução de 1930 e tinham algumas atitudes em comum. Os integralistas, mais numerosos, com atuação mais longa e mais influentes que a ANL, usavam camisas verdes, cumprimentavam-se com o slogan tupi “Anauê” e tinham ostentavam insígnias e um aparato paramilitar semelhantes aos dos movimentos fascistas europeus. Seu líder era Plínio Salgado, um escritor sonhador que realmente se dera ao trabalho de aprender o idioma indígena tupi como parte de uma busca por uma nacionalidade distintamente brasileira. Ele voltou de uma visita à Europa, em 1930, muito entusiasmado com a Itália de Mussolini, e achava que Vargas e os revolucionários bem-sucedidos de outubro eram um bando de medíocres. Embora o manifesto integralista de Salgado tenha sido escrito em 1932, foi apenas dois anos depois que o movimento pôde preparar sua primeira marcha com passo de ganso na capital, mas o seu crescimento a partir daí foi bem financiado e organizado. O seu desenvolvimento tão rápido foi um tributo aos medos entre os estudantes e brasileiros ricos e à demanda por uma identidade nacional entre a segunda geração de imigrantes italianos e alemães. Exibições de força e rituais místicos que teriam, em outras circunstâncias, divertido os brasileiros e sido ridicularizados, foram levados a sério pelos ansiosos e temerosos. Os integralistas acreditavam em Deus, na família e no seu país, mas o seu programa, que incluía leis de imigração mais exclusivas, nacionalização do petróleo e das minas, a criação de um Ministério da Aviação e a revisão do papel das empresas estrangeiras e da dívida externa, estava dentro do alcance do programa do Governo Provisório. Eles se esforçaram muito para converter Alzira Vargas, então na universidade, e evitaram qualquer confronto direto com o presidente; quando o governo promulgou a Lei de Segurança Nacional em abril de 1935, dando a si mesmo amplos poderes de repressão, os integralistas aboliram a sua milícia, criando em seu lugar uma Secretaria Nacional de Educação Moral e Física. O encarregado disso foi o principal propagandista e antissemita do movimento, Gustavo Barroso. Os integralistas tinham simpatizantes em diversos lugares — as esposas deles levavam a mensagem aos favelados do Rio por meio de atividades beneficentes — e conseguiram uma penetração significativa na Igreja Católica e entre os militares, especialmente na marinha. Diversas pessoas que, mais tarde, atuariam à esquerda do espectro político brasileiro, como dom Hélder Câmara e San Tiago Dantas, eram simpatizantes. Embora os integralistas fossem vistos com carinho pelos nazistas e fascistas no exterior, havia um conflito de interesses com a embaixada alemã no Rio de Janeiro, que estava tentando organizar os brasileiros de descendência alemã nos moldes do partido e da cultura nazistas; em vez disso, os integralistas eram comprometidos com o conceito de nacionalidade brasileira, que não diferia da ideia de “brasilidade” defendida por Vargas.
A ANL, Aliança Nacional Libertadora, era uma organização de frente popular, no início apoiada e depois dominada pelo Partido Comunista Brasileiro, que havia, com alguma relutância, aceito Luís Carlos Prestes como seu líder. Como os integralistas, a ANL rejeitava a influência estrangeira sobre a vida brasileira, embora naturalmente enfatizasse a dependência do país do capitalismo estrangeiro. Seus cinco pontos básicos exigiam o cancelamento da dívida externa, a nacionalização das empresas estrangeiras, liberdades pessoais plenas, direito ao governo popular e a distribuição dos grandes latifúndios aos camponeses, enquanto garantia os direitos dos médios e pequenos proprietários. Infiltrada por informantes da polícia, a ANL era constantemente importunada pelo governo e não teve tempo para criar raízes. Muito da sua efêmera popularidade se originara da sua demonstração das inadequações da legislação social e trabalhista de Vargas com a realidade, e a repressão policial se intensificou quando a ANL apoiou greves ou agitação operária. A Aliança buscou apoio entre as classes profissionais, os trabalhadores, os estudantes e as forças armadas; sua liderança tendia a exagerar o número de partidários, pensando ser mais forte do que era de fato, e isso foi manipulado pelos agentes do governo e do estado, que quiseram explorar a “ameaça” da ANL. Diversos ex-tenentes e associados do velho Prestes desempenharam um papel importante, inclusive o capitão Hercolino Cascardo, que foi o presidente, e o general Miguel Costa, que ajudou a estabelecer a ANL em São Paulo. A maioria dos envolvidos com a ANL não eram comunistas — o Partido Comunista Brasileiro fora expurgado quando o Comintern acolheu Prestes e era numericamente pequeno —, mas o seu secretário, Roberto Sisson, era um membro do partido e o controle deste aumentou consideravelmente. Vargas, constrangido pela exposição de suas pretensões revolucionárias e determinado, como sempre, a manter a ordem — confrontos entre a ANL e os integralistas eram noticiados regularmente —, resolveu esmagar o movimento. Em seguida à Lei de Segurança Nacional, dirigida principalmente contra a esquerda e rotulada de “lei monstruosa” pela ANL, ele proscreveu a Aliança de vez em julho de 1935. Depois disso, embora houvesse células clandestinas da ANL, elas se fundiram às do Partido Comunista e deviam obediência a Luís Carlos Prestes, que viera secretamente ao Brasil para organizar uma revolução, mais como chefe do Partido Comunista Brasileiro que como presidente honorário da ANL.
Derrota de uma revolução Prestes e um grupo de agentes do Comintern que incluía Harry Berger, um alemão, e Rodolfo Ghioldi, um argentino, estavam então trabalhando duro na tentativa de converter o ímpeto da ANL em uma insurreição comunista. Prestes teve pouco auxílio dos membros veteranos do grupo tenentista que havia abordado, como João Alberto e Pedro Ernesto. Em junho, João Alberto escreveu-lhe expressando seu desânimo diante da situação: “Não há um cidadão que honestamente deseje salvação pública no cenário político atual”, e desejou sucesso à ANL, alegando, porém, estar exausto demais para participar de qualquer empreendimento com Prestes. Esse tipo de reação fez com que Prestes e os conspiradores dependessem de sua rede de oficiais novos e subalternos organizados em células da ANL-Partido Comunista. Esses elementos espalhavam-se em pequenos bolsões ao redor dos quartéis e a tinham pouca
formação política. Embora atraídos pelo programa da ANL e pela reputação de Prestes, suas queixas eram mais talhadas a produzir um motim que uma revolução marxista: a motivação deles era a irritação com o pagamento e as condições de vida, o tédio e oficiais abusivos, a dificuldade de ir para casa visitar suas famílias, etc. Talvez por causa do próprio histórico militar de Prestes e do baixo grau em que o partido havia realmente penetrado na classe trabalhadora e nas organizações trabalhistas, a ênfase principal foi dada a revoltas dentro do exército. Vargas estava bem informado sobre o andamento da conspiração. Em 1935, a Polícia Política e Social chefiada por Filinto Müller, um simpatizante nazista, começava a fornecer ao presidente um serviço de inteligência cada vez mais extenso. Em julho, quando fechou a ANL, Vargas enviou a Benedito Valadares cópias das instruções distribuídas pela Internacional Americana e afirmou que “o governo está alerta e pronto para agir a qualquer momento”. Os agentes da polícia infiltrados no Partido Comunista podem ter ajudado o levante mal planejado a agir prematuramente; segundo o historiador do partido, um ex-membro do Partido Comunista Alemão, chamado Paul Gruber, fora enviado ao Brasil em 1935 pela Gestapo com o conhecimento das autoridades brasileiras. (O serviço secreto britânico também pode ter passado informações por meio do Ministério das Relações Exteriores brasileiro.) A revolta começou em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, que esteve nas mãos dos rebeldes de sábado, 23 de novembro, a quarta-feira, 27 de novembro. Isso foi obra dos sargentos e oficiais subalternos do 21º Batalhão de Caçadores que haviam se rebelado quatro anos antes, quando estacionados em Recife. Primeiro eles capturaram os quartéis, depois a sede da polícia militar e, nas primeiras horas da manhã de domingo, o chefe de polícia estava em suas mãos. O recém-eleito governador do estado, Rafael Fernandes, que representava os grupos oligárquicos do estado que haviam agora retomado o poder após perdêlo na Revolução de 1930, estava em uma cerimônia de graduação escolar no Teatro Carlos Gomes quando o tiroteio começou. De lá, ele e um grupo de autoridades do estado retiraram-se rapidamente, primeiro para a casa de um amigo, depois para a do cônsul honorário do Chile e, talvez ainda, para a propriedade da Latecoère, a companhia aérea francesa. Liderados por homens como o sargento Eliziel Diniz Henriques e um músico analfabeto, o sargento Quintinho Clemente de Barros, os rebeldes instauraram uma junta revolucionária, colocaram os oficiais prisioneiros a bordo de alguns navios mexicanos, assaltaram uma agência do Banco do Brasil para obter fundos e publicaram um novo jornal, A Liberdade. Na unta, um sapateiro foi encarregado dos alimentos, um carteiro local cuidava das finanças e o músico, o sargento Quintinho, ficou responsável pela defesa. Houve alguns saques, mas alegações posteriores de que moças da Escola Doméstica, um establishment educacional da sociedade, haviam sido estupradas, foram negadas pelos pais delas e pelo bispo local. Os soldados confraternizaram com a população e a junta baixou o preço do pão e das tarifas de bonde. Apelando à solidariedade dos soldados em outros estados, os rebeldes enviaram colunas em três direções e tentaram controlar cidades locais. Porém, duas das colunas desistiram ou foram aprisionadas e a terceira foi dizimada em uma emboscada de um chefe do interior, Dinarte Mariz. Isolada, sabendo que o movimento paralelo no Recife havia fracassado e ignorando que um levante estava começando no Rio, a revolta de Natal caiu em 27 de novembro, com tropas e polícia militar vindo apressadamente dos estados vizinhos e o
governador Fernandes recebendo inúmeros telegramas de congratulação. Essa pequena e inocente revolução em um atrasado estado do Nordeste reconheceu a ANL e a liderança de Luís Carlos Prestes. Mas ocorreu num momento tenso depois da vitória eleitoral de Fernandes, e muitos a apoiaram na crença de que ela traria de volta o interventor de Vargas, Mário Câmara; o descontentamento entre os oficiais subalternos havia aumentado com a troca de comandantes após a mudança de liderança política no estado, e por causa da regra de que deviam se aposentar depois de oito anos de serviço ou ao atingir o limite de idade, que havia sido anulada pela Revolução de 1930, mas reimposta com a Constituição de 1934. O levante no Recife começou nas primeiras horas da manhã de domingo, 24 de novembro, com a chegada das notícias de Natal. Estava praticamente esmagado na noite de segunda-feira. Recife, uma metrópole regional com grandes contrastes de riqueza e pobreza, havia sido um terreno fértil para os propagandistas da ANL. Nos meses anteriores, havia ocorrido uma série de greves, em especial entre os trabalhadores da Great Northern Railway, de propriedade britânica. Embora o governador e os principais líderes militares estivessem ausentes naquele fim de semana, a mensagem vinda de Natal, conclamando o 29º Batalhão de Caçadores em Recife a se unirem ao levante, foi interceptada e os rebeldes perderam o elemento surpresa. Embora dominassem a maioria dos quartéis, um pequeno grupo de legalistas sob o comando dos capitães Frederico Mindelo e Everardo manteve a resistência no posto de comando, e apenas uma pequena vanguarda de rebeldes, comandados pelo tenente Lamartine Correia de Oliveira, marchou para o centro da cidade. Eles chegaram até o Largo da Paz, uma grande praça pública, onde encontraram oposição da polícia militar e instalaram uma pesada metralhadora na torre da igreja Nossa Senhora da Paz. A luta nesse local continuou durante o domingo e a segunda-feira com um grupo misto de legalistas, inclusive inspetores de ônibus locais, atirando contra os rebeldes. Porém, na segunda-feira, as forças oficiais haviam recebido armas pesadas e reforços, inclusiva reconhecimento aéreo e dois batalhões regulares de estados vizinhos, além de um batalhão da Brigada de Pernambuco, normalmente enviada para perseguir bandidos no interior. Os rebeldes começaram a fraquejar. Embora houvesse um punhado de irrupções em outras partes da cidade e no domingo de manhã os organizadores trabalhistas comunistas tivessem ocupado temporariamente os quartéis da polícia em Olinda, cidade próxima a Recife, os rebeldes não conseguiram coordenar suas forças e não houve um levante geral da população. A resistência no próprio alojamento do 29º Batalhão de Caçadores, que continuou durante as 48 horas da revolta, demonstrou que os conspiradores nunca levaram todas as suas forças para dominar a cidade. No Rio de Janeiro, os levantes nortistas coincidiram com uma crise política que encontrou Vargas envolvido em uma batalha no Congresso contra Flores e os integralistas. As relações pessoais do presidente com Flores haviam-se deteriorado profundamente durante a disputa da sucessão no estado do Rio e, quando esteve com ele em Porto Alegre em setembro para tomar parte nas celebrações do centenário da República dos Farrapos, Getúlio repentinamente abreviou sua estada e partiu ofendido para São Borja. Depois, explicou o motivo a seu irmão, Protásio Vargas: “Esquecendo que eu era seu hóspede no palácio do governador em Porto Alegre, ele cometeu a imperdoável incorreção de violar minha correspondência cifrada...” Em novembro, oponentes dos integralistas, que haviam pressionado para que o movimento
fosse enquadrado nos mesmos termos da Lei de Segurança Nacional usados contra a ANL, receberam o apoio do presidente para uma moção na Câmera dos Deputados. Essa moção foi aprovada por estreita margem contra os votos do bloco gaúcho de Flores imediatamente antes da chegada das notícias do norte. Prevendo distúrbios no Rio, as autoridades federais tomaram precauções. Na manhã de domingo, a polícia prendeu cerca de 150 pessoas, inclusive Sisson e muitos dos antigos líderes da ANL, mas não Prestes nem os conspiradores clandestinos. Na segunda-feira, dia 25, o Congresso, por recomendação de Vargas, votou o estado de sítio para todo o país, com anuência significativa dos deputados gaúchos. (Salgado, da Bahia, havia informado o apoio total de sua organização ao estado de sítio.) Prestes, temerariamente otimista em relação à perspectiva revolucionária no norte e no resto do país, ordenara uma segunda onda de levantes na noite do dia 26 e no dia 27. Os emissários enviados ao Espírito Santo e a Minas nunca chegaram ao destino e no próprio Rio só houve rebeliões no 3º Regimento de Infantaria (RI) e na Escola de Aviação Militar, em vez da ação planejada em sete unidades. O partidário dos integralistas, coronel Newton Cavalcanti, cuja missão era espionar todos os comunistas e simpatizantes esquerdistas no 2º RI, interceptou as ordens de Prestes, fez prisões imediatas e alertou o general Eurico Dutra. Dutra, como comandante do 1º Distrito Militar, estava encarregado de todas as tropas em serviço ativo na capital federal. No 3º RI, ao qual Prestes havia designado um ambicioso plano de batalha que incluía marchar rumo ao arsenal naval e bloquear o desembarque de tropas navais, ocupar os quartéis da polícia militar e avançar contra o próprio Palácio do Catete, ele contava na verdade com uma célula de apenas 30 de uma força total de 1.700, com o principal conspirador já sob uma forma indulgente de detenção. Porém, contra todas as probabilidades, um punhado de ovens oficiais conseguiu assumir o controle dos quartéis e cerca de dois terços do regimento uniu-se a eles. A resistência dos demais impediu que qualquer grupo se afastasse do promontório da Urca, onde as tropas estavam estacionadas, antes que as forças motorizadas sob controle de Dutra chegassem e assumissem posição no lado oposto aos quartéis. Rejeitando uma nota insolente dos líderes rebeldes, Agildo Barata e Álvaro de Sousa, na qual diziam que não se renderiam até a queda do governo de Vargas, que estava provocando fome e entregando o Brasil aos interesses estrangeiros, Dutra chamou a artilharia. O quartel foi arrasado por bombardeio terrestre e aéreo; por volta das 13h do dia 27, cerca de onze horas depois do início do tiroteio, os rebeldes içaram a bandeira branca. Vargas, cuja calma aparente havia impressionado muito os emotivos cariocas, já visitara a Escola de Aviação, onde um movimento menos grave fora abafado. Ele insistiu em inspecionar o cenário da Urca, apesar de alguns temores por sua segurança, e fez questão de ver os legalistas feridos. Ficou irritado com João Gomes, seu ministro da Guerra na época, e satisfeito com o comportamento determinado de Dutra, cuja promoção fora ativamente solicitada por seu irmão Benjamim Vargas, que havia servido com ele na guerra paulista.
Reação direitista O período de quase dois anos entre a supressão das revoltas lideradas pelos comunistas e a promulgação do Estado Novo de inspiração fascista foi talvez o mais repressivo — certamente para os ativistas políticos de esquerda — de toda a era Vargas. Embora nominalmente o Brasil
fosse governado sob a constituição liberal de 1934, isso era negado de fato pela declaração dos estados de emergência, pela intensa reação anticomunista desencadeada após as rebeliões, pelas atividades arbitrárias com emprego de tortura da polícia de Filinto Müller, e pela crescente atração política exercida pelos integralistas no país e pela Alemanha e Itália no exterior. Embora o general Góis e outros líderes militares desejassem uma constituição mais autoritária e a transferência das milícias estaduais para o controle militar federal, o público em geral e os políticos estavam confusos quanto a quem assumiria o lugar de Vargas na eleição presidencial marcada para 3 de janeiro de 1938. O próprio Getúlio mostrava-se enigmático e intrigante, e sua autoridade aparentemente declinava com a aproximação da eleição. Vargas usou deliberadamente a reação anticomunista para ampliar os poderes presidenciais. Em dezembro de 1935, a Câmara dos Deputados fortaleceu a Lei de Segurança Nacional e aprovou três emendas à constituição: uma dava ao presidente o poder de demissão sumária dos servidores civis, outra lhe permitia o controle de promoções e nomeações militares e a terceira ampliava o alcance de seus poderes de emergência. Explicando essa atitude em uma correspondência, Vargas justificou-se com a alegação não comprovada, mas amplamente usada, de que as tropas revolucionárias haviam disparado contra oficiais adormecidos em suas camas. Para o público, a ameaça comunista foi dramatizada com uma grande caçada a Prestes, finalmente capturado pela polícia de Müller num bairro operário do Rio de Janeiro, em março de 1936; com a movimentação de muitos prisioneiros para o navio Pedro II na Baía da Guanabara, facilmente visível a partir da capital federal capital; e com a criação de uma reacionária Comissão para a Repressão do Comunismo, que incluía o recém-promovido general Newton Cavalcanti, para livrar o país das ideias e simpatizantes “comunistas”. Muitos foram presos sob pretextos duvidosos e houve mais de 15 mil prisões. Graciliano Ramos, o escritor, preso em Alagoas onde estava encarregado da educação estadual, publicou postumamente, em 1954, suas memórias do cárcere, nas quais aponta a confusão e a brutalidade desse período. A própria Alzira Vargas intercedeu junto ao pai em favor de professores da Universidade Federal que haviam sido presos — e recebeu uma resposta que o eximia de responsabilidade pessoal pelo que estava sendo feito em nome do presidente constitucional. Cinco membros do Congresso foram aprisionados e aqueles intimamente envolvidos no complô revolucionário foram tratados sem piedade: Harry Berger, cujo nome verdadeiro era Arthur Ewert, enlouqueceu em consequência das torturas que sofreu, enquanto Victor Allan Barron, um cidadão norte-americano, morreu nas mãos da polícia. Osvaldo Aranha, em Washington, teve de enfrentar uma grande campanha dos comunistas pela libertação dos prisioneiros e indagações sobre a morte de Barron — além de editoriais hostis no New York Times, que não estava convencido de que as insurreições fossem essencialmente comunistas e publicara anteriormente uma matéria inexata afirmando que o governo atirava em prisioneiros insubmissos — e antagonismo devido à censura de mensagens dos correspondentes estrangeiros no Brasil. Aranha escreveu a Vargas em 22 de julho de 1936: “Minha impressão é que o comunismo no nosso país é maior hoje do que era em novembro! Como explicas esse fato? As leis marciais e outras precauções aplicadas estão fracassando? Minha impressão quanto à ação do teu ministro da Justiça é muito ruim. O movimento em novembro era militar e praticamente nenhum elemento civil tomou parte na ação. Porém, o teu ministro e a polícia estão começando a prender civis, professores, mulheres, sem dúvida a dar
líderes e proporções ao movimento, desfazendo o próprio objetivo do governo que é proteger o povo da inquietação, dos alarmas e boatos”. Respondendo em 6 de agosto, Vargas afirmou que as revoltas de novembro não haviam criado o comunismo, mas revelado o perigo da infiltração a que o Brasil estava exposto. “Em consequência, formou-se um estado de opinião, tanto civil quanto militar, que exigia uma reação enérgica e a punição dos responsáveis, que foram perfeitamente identificados e reconhecidos. O ministro da Justiça (Vicente Rao) é um homem inteligente, civilizado e ponderado”, acrescentou. Ele sugeriu levemente que Aranha podia ter se deixado influenciar pelo grande barulho feito no exterior pelos “iludidos do comunismo”. Respondendo no dia 14, Aranha reclamou que toda a sua correspondência diplomática estava sendo aberta e lida pela polícia, e que as autoridades brasileiras estavam positivamente conspirando com uma manobra comunista ao tratar simpatizantes do comunismo como tendo uma responsabilidade igual à daqueles que participaram ativamente em um levante armado. Numa carta particular dirigida a seu irmão Adalberto, Aranha disse que embora confiasse em Getúlio, “cuja sabedoria é providencial”, o mundo todo pensava que o Brasil estava entrando em uma era de inquisição em vez de se unir a uma batalha de ideias. Os brasileiros estavam deixando que policiais decidissem o seu destino. A reação que poderia levar à abertura da correspondência de Aranha deixou um rastro de suspeita em outros postos elevados. O governador de Pernambuco, Lima Cavalcanti, ausente na época do levante no Recife, encontrou-se sob ataque por causa de uma suposta célula da ANL em seu secretariado. O envolvimento do dr. Elieser Magalhães na conspiração do Rio de Janeiro não ajudou em nada o seu irmão, o governador da Bahia. A mais poderosa vítima da caça às bruxas, que havia dito firmemente a Elieser Magalhães que não participaria de uma revolta fadada ao fracasso, foi Pedro Ernesto, o governador do Distrito Federal. Já em 18 de janeiro de 1936, a Comissão para Repressão do Comunismo havia solicitado a prisão de Ernesto, juntamente com a do seu ex-secretário da Educação, o progressista dr. Anísio Teixeira. Ernesto já havia sido obrigado a substituir Teixeira pelo inabalável conservador Francisco Campos, no expurgo imediato das figuras universitárias e ligadas à educação que se seguiu ao levante no Rio. Ernesto, o principal civil no movimento tenentista antes da Revolução de 1930, havia sido leal a suas inclinações mais socialistas quando se tornou primeiro interventor e, depois, foi eleito governador da capital. Inicialmente, ele fora bastante próximo de Vargas, junto a quem atuava como médico de família. Mas sua popularidade no Rio, derivada de suas políticas de bem-estar social, a tentativa de Teixeira de democratizar o sistema escolar, e o seu próprio impulso para criar 11 mil novos leitos hospitalares, parecem ter deixado Vargas com inveja. O presidente não estava preparado para ser suplantado pela esquerda. O filho de Pedro Ernesto havia se envolvido profundamente com a ANL e este não tinha a astúcia política necessária para sobreviver como chefe do Distrito Federal. Em 4 de abril, seus amigos, preocupados com o aguçamento da campanha contra ele, haviam providenciado um almoço especial de homenagem que contaria com a presença de Flores da Cunha, de dois outros governadores de estados e de várias outras autoridades. Porém, na noite anterior, ele foi obrigado a se apresentar em um quartel da polícia militar para prestar
depoimento e o recém-criado Tribunal da Segurança Nacional considerou-o culpado de subversão. Ele foi enviado para a prisão por três anos e quatro meses e sua saúde ficou debilitada. Vargas não pediu desculpas públicas pela campanha de repressão à esquerda. Em maio, ele disse aos ouvintes de A hora do Brasil, o programa de rádio do governo, que, em face do comunismo, os meios comuns para garantir a segurança do estado eram “fracos e ineficientes” e que a luta contra os inimigos internos seria “dura, dedicada e incansável”.
Estado Novo O Estado Novo, anunciado por Vargas em 10 de novembro de 1937, refletia sua própria impaciência com as disposições constitucionais de 1934 e com muitas outras coisas. Expressava a irritação dele com a competição entre demagogia esquerdista e o status quo pré1930 que ele farejava na eleição presidencial marcada para 1938; o seu desejo, partilhado pela liderança militar, de um estado nacional forte que pudesse superar o regionalismo de um Flores da Cunha com seu particularismo armado e altivo que Getúlio, em particular, descreveu como “espanhol”; a sua oportunidade, tomando emprestadas ideias dos pensadores corporativos fascistas, de esmagar os integralistas tanto quanto a esquerda na busca pelo seu próprio amálgama de políticas estatais, nacionalistas e de bem-estar; e a sua própria decisão, uma mistura de ambição pessoal e patriotismo desinteressado, de continuar como governante do Brasil. A campanha pela sucessão começou em 21 de novembro de 1936, quando Juraci Magalhães convidou Getúlio e diversas autoridades à Bahia para inaugurar o Instituto do Cacau e fez um discurso exaltando as virtudes que eram esperadas do novo presidente. Um jornalista, Costa Rego, sussurrou a Getúlio: “Com todos esses requisitos, o candidato de Juraci precisaria ser o Senhor do Céu…” Porém, Juraci disse a um representante de Armando de Sales Oliveira, o governador de São Paulo, que havia ouvido o bastante de Vargas para acreditar que ele tentaria continuar no poder e que os governadores precisavam agir rapidamente a fim de insistir na realização de eleições. No início de 1937, a situação esclareceu-se com o lançamento da candidatura de Armando de Sales, ex-editor do jornal O Estado de S. Paulo ee personificação tanto do setor industrial paulista quanto do persistente desejo deste por um constitucio-nalismo seguro com base regional. Embora fosse objetivamente um candidato de oposição, começou um tipo respeitoso de campanha, falando aos empresários em vez de ao público geral e tentando minimizar qualquer ofensa ao governo federal. Chegou a obter algum apoio de Flores da Cunha. Em maio, um grupo de governadores leais a Vargas, organizado por Benedito Valadares, que havia controlado uma traiçoeira tentação de romper com o governo e apoiar Sales Oliveira, nomeou José Américo de Almeida como o candidato “oficial”. José Américo vinha do lendário estado revolucionário da Paraíba e supostamente representava tanto a influência tenentista quanto o interesse do Nordeste. Porém, talvez devido a sua própria inexperiência política ou à insinceridade de seus principais apoios, sua campanha logo assumiu um tom radical e populista. provocaram desilusão entre os outros governadores e alertas emitidos pela polícia de que sua equipe havia sido infiltrada por comunistas. A questão é que, no clima de 1937, com o governo apoiando-se em poderes de exceção e a campanha anticomunista ainda em plena
atividade, esse tipo de populismo era suicida. “Se os políticos me abandonarem”, ele disse ingenuamente, “não permanecerei só; seguirei com o povo até as urnas e em frente com a revolução”. As organizações trabalhistas e estudantis criadas para apoiá-lo foram fechadas e Getúlio e outras figuras políticas pensaram em persuadir os dois principais candidatos a renunciar em favor de um terceiro. Em junho, Plínio Salgado entrou na campanha, apresentando-se como a resposta de Cristo ao eleitorado. Enquanto isso, aumentava o apoio no exército para uma solução ditatorial, com um estado forte, para os males do Brasil. Houve muitas vertentes nessa pressão, das quais a reação feroz às insurreições de 1935 e a conspiração contínua por parte de Góis Monteiro, o chefe do Estado-Maior, foram apenas duas. Em uma reunião dos generais, logo após as insurreições, houve consenso quanto à necessidade de mudanças constitucionais, e os rumores periódicos de outras atividades comunistas, em parte gerados pelas acusações incontroladas da Comissão para Repressão do Comunismo, incentivaram os generais a persistir nas suas exigências. Por trás disso estava todo o histórico das forças armadas como salvaguarda da política brasileira e sua triste, mal paga e dividida reputação nos anos 1920. Alguns dos oficiais foram atraídos pelos aparentemente jovens e fortes estados nazifascistas que surgiam na Europa — e emissários alemães, propondo acordos de comércio com base no marco alemão atrelados ao crédito fácil, tinham influência entre os militares, bem como entre os civis. Alguns, como o general Newton Cavalcanti, que disse: “Quem não for contra o comunismo é um comunista e um inimigo das instituições”, foram ativamente incentivados e influenciados pelos integralistas. Um fator poderoso para Góis Monteiro e outros oficiais foi a sobrevivência, sob a Constituição de 1934, das milícias regionais, das quais a Brigada gaúcha era a mais numerosa e eficiente. Durante 1936 e 1937, Góis conspirou junto a Vargas para romper a força armada de Flores da Cunha. No final do ano, as forças federais, que 20 anos antes haviam sido menores que essas forças estaduais, eram aproximadamente o dobro de todas as milícias reunidas. Porém, Góis estava determinado a desmantelar a Brigada. Flores tinha mais de 26 mil homens na época em que os provisórios foram incluídos, alguns deles disfarçados como trabalhadores ferroviários e, enquanto o governador gaúcho era acusado de contrabandear armas para seus amigos do norte, Góis pressionou-o com solicitações de pagamento de 16 mil carabinas, 300 metralhadoras e 40 mil cartuchos supostamente devidos às forças federais. Enquanto Flores tentava remover os varguistas da Brigada, Góis, trabalhando com o comandante da 3ª Região Militar em Porto Alegre, aumentou suas forças ali e na divisa norte do estado prontas para uma intervenção federal. Enquanto isso, em 1936 e 1937, o próprio Getúlio jogava um misterioso jogo político. O professor Robert Levine, em um estudo publicado em 1970, acredita que, no início de 1936, Getúlio tinha decidido encontrar algum modo de estender o seu mandato, alterando a constituição. É difícil ter tanta certeza. Em conversas e cartas, ele discutiu onde poderia morar e até mesmo em que tipo de casa moraria quando deixasse a presidência. O modo real de operação de seu governo, com estados de emergência nacional contínuos desde 1935 e um estado de sítio dirigido principalmente contra Flores da Cunha em abril de 1937, estava muito distante das promessas liberais da Aliança Liberal. Ele trabalhou de perto com Góis Monteiro e com Dutra, o ministro da Guerra, bem como com o chefe de polícia Filinto Müller, cujo irmão
recebeu o governo de Mato Grosso. Em abril de 1937, ele se livrou do velho parlamentarista Antônio Carlos, que era presidente da Câmara dos Deputados. Além disso, durante todo esse tempo, ele esteve orquestrando a oposição a Flores na Assembleia de seu estado, em Porto Alegre, por meio de uma correspondência meticulosa com seus parentes e amigos no Rio Grande; seus irmãos Protásio e Benjamim estavam entre os que romperam com os partidários do governador e o ameaçaram com um impeachment quando obtiveram temporariamente a maioria. Getúlio resmungou contra a “pobreza franciscana de ideias” sob a Constituição de 1934 e estava plenamente ciente de que se não organizasse uma, bem poderia ser vítima de um golpe ditatorial vindo do exército. Ele afirmou que não desejava ser outro Hindenburg. Em 18 de setembro de 1937, a engrenagem do plano presidencial que introduziu o Estado Novo foi colocada em movimento quando Vargas teve uma entrevista com seu ministro da Guerra, o general Dutra. Ele indicou o que pretendia fazer, mas disse que não agiria se o exército fosse contra. Dutra prometeu que Getúlio poderia contar com ele, mas que teria de se certificar da atitude do resto do exército. Uma de suas primeiras precauções foi obter a ajuda do general Daltro Filho, encarregado da 3ª Região para confrontar Flores da Cunha em Porto Alegre. Nove dias depois, Dutra convocou uma reunião com Góis, Filinto Müller e três oficiais do primeiro escalão do Ministério da Guerra, na qual se concordou que a iminência de outro levante comunista e a inadequação das leis atuais para defesa do estado justificavam o apoio militar para um golpe presidencial. Apenas o general Manuel Rabelo, o militar socialmente consciente que fora comandante no Recife, sugeriu que a oportunidade deveria ser aproveitada para destruir o extremismo de direita que também desejava destruir as instituições republicanas e as liberdades públicas. O plano começou a se acelerar. Trabalhando em grande segredo para Getúlio e seguindo os conselhos de Góis Monteiro, Francisco Campos, o advogado mineiro conservador, estava preparando um esboço de uma nova constituição corporativa. Em 29 de setembro, o general Dutra, convenientemente armado com o “Plano Cohen” — forjado pelos integralistas e supostamente representando um esboço de uma nova revolta sangrenta comunista — falou no rádio em A hora do Brasil e exigiu um novo estado de guerra. O objetivo era tanto fortale-cer o governo antes do golpe quanto acabar com o exército privado de Flores. Um Congresso domesticado renovou o estado de guerra em uma sessão noturna, anulando muitos dos artigos da Constituição de 1934 que garantiam liberdades pessoais. Na maioria dos estados, os governadores foram nomeados coordenadores da comissão do estado de guerra local, mas no Rio Grande do Sul toda a operação foi montada contra Flores, e em Pernambuco, onde o governador Lima Cavalcanti fora objeto de uma perversa campanha anticomunista, o governador foi proibido de participar da comissão. A questão Flores foi resolvida com facilidade surpreendente durante um fim de semana. A comissão do estado de guerra exigiu a integração da Brigada às forças federais, e Flores, que havia contemplado a resistência e inspecionado suas tropas em uniforme, sentiu-se traído quando o comandante da Brigada reportou-se ao quartel federal. Em uma mensagem de renúncia um tanto magoada, deixada para o povo do Rio Grande enquanto viajava em um voo comercial para o exílio no Uruguai, Flores disse que esperava que o general Daltro Filho estivesse à altura da expectativa dos gaúchos nessa hora difícil “que é ver sua sociedade defendida contra as ameaças do comunismo, bem como sua ordem constitucional e autonomia respeitadas”.
Enquanto isso, Getúlio trabalhava com Benedito Valadares nas preparações políticas para o golpe e, no final de outubro, Negrão de Lima visitou os governadores amigáveis para lhes dar uma ideia do que estava sendo planejado e testar a reação deles. Simultaneamente, a campanha anticomunista estava no auge. Em 1º de novembro, Vargas uniu-se ao general Newton Cavalcanti para passar em revista a marcha dos integralistas; uma semana depois, o Ministério da Educação e a comissão do estado de guerra nacional criaram um comitê conjunto para a defesa da cultura nacional contra o bolchevismo; no mesmo dia, o moderado ministro da Justiça, que havia entrado em conflito com os anticomunistas, renunciou e foi substituído por Francisco Campos. A declaração do novo regime foi tornada pública em 10 de novembro após boatos sobre a missão de Negrão de Lima terem vazado, o porta-voz de Armando de Sales no Congresso ter apelado ao exército para impedir o golpe e José Américo ter proposto um acordo a Dutra pelo qual os dois principais candidatos retirariam sua candidatura, abrindo caminho para um candidato único do exército. Na manhã do dia 10, a cavalaria cercou o Congresso e o presidente do Senado foi informado de que aquele corpo estava dissolvido. A nação aceitou a mudança com calma e o ministro da Agricultura foi o único membro do gabinete a renunciar. Em uma transmissão de rádio, Getúlio disse que o cenário político “permanece restrito aos simples processos de sedução eleitoral”, que os partidos não tinham conteúdo ideológico e que, em períodos de crise partidária, a democracia era uma ameaça à unidade e à estabilidade do país. O atraso legislativo significou que muitas propostas na mensagem presidencial de abril de 1934, incluindo um novo código de minas e um novo código penal, nunca foram feitas. Os caudilhos regionais — ele não mencionou Flores — haviam florescido. Ele oferecia, em vez disso, um empolgante programa de ação, com novas estradas e ferrovias para abrir o interior brasileiro, e a instalação de “uma grande siderúrgica” que poderia usar minerais locais, oferecer empregos e ser a base de diversas indústrias valiosas para a defesa nacional — explicando, ao mesmo tempo, que o projeto do aço exigiria “um vasto plano de colaboração do governo com capital estrangeiro”. Ele afirmou que o Estado Novo iria devolver à nação sua autoridade e liberdade de ação, e que o Brasil estivera à beira de uma guerra civil. Esse seria um regime forte, “de paz, justiça e trabalho” que iria preservar a forma da democracia e um processo representativo. “Tenho experiência suficiente com o lado amargo do poder para não ser seduzido por suas superficialidades e satisfações pessoais”, disse ele. Francisco Campos, verdadeiro autor de boa parte da nova constituição, convocou uma entrevista coletiva na qual disse que seria criado um Conselho Nacional de Imprensa. Ele seria composto por jornalistas profissionais “para coordenação perfeita com o governo no controle das notícias e do material político e doutrinário”. Antiliberal, Campos acreditava que o estado corporativo era o único modo de destruir o comunismo, e que “por mais de 40 anos vivemos em um regime teoricamente constitucional e num estado crônico de inconstitucionalidade”, que a ditadura de uma única personalidade era o resultado lógico de um regime das massas, e que a democracia dos partidos era uma farsa porque a maioria das pessoas não tinha interesse suficiente por política. Logo após a promulgação da nova constituição, ele declarou de modo assaz bajulador que a figura de Vargas havia “passado então do plano em que o valor de um estadista é definido pelos atos normais da política e da administração para a posição histórica
elevada de fundador de um regime e de guia de uma nação”. A constituição era admiravelmente abrangente, considerando-se que fora produzida quase que por um único homem que trabalhara em segredo e às pressas. O artigo 2 prescrevia que deveria haver apenas uma bandeira, um hino e um lema em todo o país — a ser seguido por uma emocionante queima de emblemas regionais numa praça do Rio de Janeiro mais tarde naquele mês. O artigo 25 confirmava que o território nacional era uma unidade alfandegária. O artigo 38 dizia que o poder legislativo seria exercido por um parlamento nacional com a colaboração de um Conselho Econômico Nacional e do presidente da República, e o artigo 46 prometia uma câmara dos deputados eleita por voto indireto. Uma das prerrogativas do presidente seria nomear um dos candidatos à sua sucessão, segundo o artigo 75, e o artigo 122 garantia a igualdade diante da lei, liberdade de religião e liberdade de associação “desde que seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes”. Este último artigo também permitia censura prévia da imprensa, teatro, cinema e rádio. A família, baseada no casamento indissolúvel, estava sob a proteção especial do estado, mas os filhos naturais deviam ser tratados como iguais aos legítimos. A educação primária era obrigatória e gratuita, e embora pudesse haver educação religiosa, esta não deveria ser obrigatória. O trabalho era um dever social, conforme o artigo 136, e os trabalhadores tinham direito a folga dominical, a férias anuais pagas depois de um ano de trabalho ininterrupto, a salário mínimo e a uma jornada diária de oito horas de trabalho. Greves e piquetes foram declarados antissociais, a produção deveria ser regulamentada em corporações, a usura era passível de punição e a “justiça do trabalho” arbitraria entre empregadores e empregados. A exploração do subsolo dependia da aprovação federal e a lei iria regulamentar a nacionalização progressiva — provavelmente significando aqui a propriedade brasileira e também a propriedade do estado — das minas e recursos minerais, energia e setores considerados básicos ou essenciais para a “defesa econômica ou militar da nação”. A imigração foi limitada por uma regra de que as chegadas de um país não podiam ultrapassar em um ano mais de 2% do total de imigrantes provenientes desse país nos 50 anos anteriores. Todas as questões de segurança nacional deviam ser estudadas por um Conselho de Segurança Nacional presidido pelo presidente e formado por ministros militares. Vargas procedeu à introdução do Estado Novo com muita tranquilidade, comparecendo a uma recepção na embaixada argentina na noite do dia 10 como se nada tivesse ocorrido. (Getúlio já havia proposto que os exilados políticos, inclusive o futuro presidente Café Filho, caminhassem pelo jardim enquanto ele estava lá; depois do jantar pediu para ver todas as instalações porque “talvez algum dia eu também precise me refugiar aqui”.) Quando foi sugerido que Souza Costa, o ministro da Fazenda, havia trabalhado desnecessariamente para preparar um discurso sobre o café nos dias precedentes, Vargas observou imparcialmente que isso havia sido apenas para o bem e que ele havia aprendido muito sobre o café. A nova constituição havia ampliado o mandato de Vargas em seis anos e, em 2 de dezembro, um decreto aboliu todos os partidos políticos. A provisão por um plebiscito para aprovar o novo regime foi apenas uma das provisões que foi abandonada imediatamente depois de ser anunciada. O congresso proposto nunca se reuniu. Alzira, a filha do presidente, foi uma das pessoas que não se entusiasmaram com a nova situação, como também os comentaristas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, onde a
opinião também era perturbada pela interrupção dos pagamentos de dívidas externas. Os comentários na Alemanha e na Itália foram bastante favoráveis. Lima Cavalcanti e Juraci Magalhães foram afastados de seus cargos pelo novo regime, porém o conflito mais importante ocorreu com Osvaldo Aranha em Washington, que havia sido inadequadamente informado sobre a mudança iminente devido a uma série de confusões. Aranha disse francamente a Getúlio que pensava que a nova constituição iria impor a escravidão no Brasil e que desejava renunciar. A reação inicial dos editoriais norte-americanos foi avassaladoramente hostil à mudança e, embora o embaixador lutasse publicamente para mudar isso — explorando sua amizade com Sumner Welles, apontando até mesmo erros geográficos em instruções para a imprensa norte-americana e persuadindo a Goodyear e a Ford a parar de anunciar na revista Life depois de esta ter-se referido aos “políticos brasileiros gananciosos e excêntricos” —, sua alma estava torturada. Ele reclamou do trabalho dos comunistas e judeus na imprensa norteamericana e disse a Getúlio: “A Espanha estava calma, o Japão estava ocupando a China, e o sensacionalismo dos jornais norte-americanos transformou o evento brasileiro, na ausência de outros fatos atraentes com os quais excitar o país”. Ele achava que nada devia ser feito para irritar os Estados Unidos, pois o presidente Roosevelt estava fraco e precisava de sua políti-ca de boa vizinhança e, portanto, do Brasil. “A opinião pública neste país não pode viver sem um fato ou atração sensacional que absorva e distraia na hora em que as pessoas voltam do trabalho para ler jornais e ouvir rádio. Portanto, estou convencido de que ele (Roosevelt) irá renovar e intensificar a cruzada de Boa Vizinhança, porque ela tem muito da Cruz Vermelha, do Exército da Salvação, da Fundação Rockefeller, da filantropia religiosa, do puritanismo expansionista, em suma, do corpo e da alma deste país”. Vargas, na verdade, teve o cuidado de tranquilizar o embaixador dos Estados Unidos no Rio, deu algumas entrevistas pacificadoras e disse a Aranha que ele poderia sair quando as boas relações diplomáticas tivessem sido restabelecidas. O que Getúlio pensava do Estado Novo? Para os repórteres dos países democráticos, ele afirmava que, no fundo, o Estado Novo continuava a ser democrático, embora defendesse todas as sentenças autoritárias para o público brasileiro. Para os mais íntimos, ele dizia que isso era “um experimento” — sugerindo que era primariamente uma tática para enfrentar uma situação imediata que seria justificada pelos resultados. Ele disse a sua filha que há tempos sonhava em dar ao Brasil uma constituição verdadeiramente brasileira e que estava cansado de ver as leis de emergência serem criticadas pelos deputados de pouca visão. “Só os países economicamente fortes são realmente livres. E é essa liberdade que desejo dar ao meu país”, ele disse à filha. Quando ela perguntou, cética, o que havia acontecido com o plebiscito, ele respondeu placidamente: “Todo o propósito do golpe de 10 de novembro era evitar qualquer ação eleitoral que pudesse nos prejudicar neste momen-to; e, mesmo assim, tu me perguntas sobre o plebiscito?”
O golpe de estado integralista As medidas ligadas ao Estado Novo foram introduzidas gradualmente no decorrer dos meses seguintes, integrando a administração dos estados na federação, diminuindo o apoio para o café e estimulando a expansão industrial, reforçando a proteção trabalhista e consolidando o
aparelho de repressão e o recém-confirmado poder dos militares. Embora Francisco Campos mostrasse algum desejo por um novo partido ou organização política totalitários, Vargas mostrou pouco entusiasmo; do mesmo modo, uma proposta de um movimento de juventude ao estilo fascista, promovido pelo ministro da Educação, Gustavo Capanema, foi engavetada. Era quase como se Vargas, hábil em manobrar personalidades e perspicaz na administração ordenada, não pudesse ser perturbado com obstáculos organizacionais que pudessem paralisar o seu estilo político. Órgãos da ditadura, como o serviço de informação política de Müller e o Departamento de Imprensa e Propaganda, de Lourival Fontes, entraram em conflito entre si. Embora o período mais brutal da repressão tivesse amenizado depois que as autoridades recuperaram a confiança e obtiveram um monopólio seguro do poder, o tom intelectual do regime permanecia decididamente restritivo. Enquanto uma exposição nazista anti-Comintern era importada da Alemanha, O grande ditador, de Chaplin, era proibido e a entrada de fugitivos judeus só podia ser conseguida com subornos. Osvaldo Aranha voltou ao governo como ministro das Relações Exteriores em 1938 — um lembrete de que a aliança com os Estados Unidos e sentimentos mais liberais mantinham um porta-voz perto do topo do Estado Novo — e o mesmo ano viu uma reforma administrativa que criou o Departamento Administrativo do Serviço Público, conhecido como DASP, um novo órgão planejado para elevar o nível do número crescente de servidores federais. Uma campanha pela “brasilidade” levou à reforma da ortografia do português e ao fechamento de jornais e de escolas de idiomas estrangeiros; os alvos principais desse nacionalismo cultural foram as comunidades alemã e italiana no Sul e as populações italianas e japonesas no estado de São Paulo. Os alemães, alguns dos quais haviam imigrado para o Brasil a fim de fugir do império dos cáiseres, eram simultaneamente atacados pela propaganda nazista de um Reich ressurgente. A chegada do Estado Novo criou um ponto de interrogação à direita. O que Vargas iria fazer quanto aos integralistas? Eles haviam sido úteis para ajudar a criar as condições para o seu golpe, mas no final ele os traiu. O próprio Salgado foi ingênuo: a “marcha dos 50 mil camisas verdes”, que Vargas revistou antes do golpe, foi também o anúncio de Salgado de que estava se retirando da corrida presidencial, e ele recusou uma oferta do presidente para ser ministro da Educação depois de 10 de novembro, mas tentou retomá-la para o seu companheiro Gustavo Barroso quando ela já havia sido retirada. Em 2 de dezembro, quando um decreto aboliu todos os partidos políticos, os integralistas obedientemente se reorganizaram como um corpo social e cultural. Embora Newton Cavalcanti, promovido mais uma vez a marechal, tenha se resignado com o que considerava uma vitória dos integralistas perante o governo, Vargas parecia ter dado de ombros diante da ameaça da direita. Ele havia sido avisado que simpatias integralistas haviam se infiltrado profundamente nas forças armadas, mas ao assumir a liderança de uma mudança do regime para a direita, plenamente apoiada pela liderança militar, ele havia minado seu apoio emocional. Plínio Salgado, com todos os treinamentos que a sua milícia havia recebido e todas as coisas “implacáveis” que havia prometido fazer com os inimigos, foi deixado à deriva nos ecos de sua linguagem bombástica. Mas o presidente não escaparia com tanta facilidade. Mais de uma vez, no início de 1938,
ele foi avisado de possíveis tramas integralistas contra sua pessoa — em março, ele ignorou os conselhos de segurança e inspecionou alguns novos submarinos comprados da Itália — e, na noite de 10 para 11 de maio, militantes integralistas, apoiados discretamente por alguns dos antigos adversários liberais de Vargas, tentaram um golpe espetacular no Rio de Janeiro. Por pouco não tiveram sucesso. O plano apoiava-se pesadamente em um ataque ao Palácio Guanabara, a residência de Vargas, por integralistas armados usando o uniforme dos fuzileiros navais. O tenente Júlio Nascimento, comandante da guarda presidencial, era um dos conspiradores e ficou responsável por deixá-los entrar no terreno do palácio. Porém, os atacantes encontraram alguma oposição dos vigias da casa e a residência foi estimulada a se defender. Os atacantes não chegaram ao alvo de seu ataque embora o presidente ficasse aprisionado efetivamente por três ou mais horas. Embora as linhas telefônicas comuns fossem cortadas, uma linha oficial continuou a funcionar e Alzira Vargas telefonou para Muller, Góis Monteiro, que também estava sitiado em seu apartamento, e outras autoridades civis e militares, tentando conseguir ajuda. Embora Benjamim Vargas tenha ido até lá de carro e Dutra, que estava ligeiramente ferido, fizesse rondas a pé com dois soldados para oferecer auxílio, a história da noite foi de negligência ou ineficácia deliberada, que permitiu que o presidente da República ficasse praticamente indefeso por várias horas. Quando as tropas leais que supostamente estavam em formação ao lado do palácio, no terreno do Fluminense Futebol Clube, impedidas apenas por sua incapacidade de escalar o muro que as separava dos jardins do palácio, Alzira comentou acidamente com Filinto Müller, ao telefone: “O que esse Cordeiro (Cordeiro de Farias, comandante dos reforços) está fazendo que não aparece? Ele está esperando para fazer contato conosco no além?” O resultado do golpe fracassado, com os chefes integralistas prestando respeito a Vargas e o presidente sendo entusiasticamente aplaudido ao entrar em seu escritório como se nada tivesse acontecido, esfriou temporariamente as relações entre Alemanha e Brasil e foi um exemplo curioso da continuação da política familiar sob o Estado Novo. Falando depois sobre o atentado, Vargas referiu-se indiretamente às tentativas estrangeiras para explorar o extremismo vermelho (comunista) e verde (integralista) no Brasil. Ritter, o embaixador alemão, furioso com a proibição governamental das atividades do partido nazista no Brasil e preocupado com a crescente influência dos Estados Unidos, aconselhou Berlim a utilizar o golpe como um exemplo da impopularidade de Vargas. Embora o conselho não tivesse consequências — pois a Alemanha construiu uma posição de supremacia no comércio exterior brasileiro entre 1936 e 1938 —, o embaixador Ritter teve de esperar duas horas para uma audiência com Vargas e foi declarado persona non grata mais tarde, no mesmo ano. Um incidente diplomático que também constrangeu as relações entre Itália e Brasil aconteceu quando Severo Fournier, um dos líderes da conspiração, foi levado para asilo na embaixada Italiana por um carro onde estava, entre outras pessoas o irmão de Osvaldo Aranha. O pai de Fournier persuadiu-o a sair e se entregar, mas Osvaldo Aranha propôs-se a renunciar como ministro das Relações Exteriores, como fizeram outros membros de sua família que ocupavam diversos cargos. Dutra, de sua parte, sentindo que o envolvimento de um membro da família Aranha estava atrasando o devido processo da justiça militar para os conspiradores, também pensou em renunciar. Vargas disse a ambos para relaxarem. Recusando a renúncia de Dutra, ele escreveu que sentia que ele estivesse exausto devido a suas elevadas
responsabilidades. “Acredito, portanto, que um pequeno repouso poderia, em um breve tempo, restabelecer o equilíbrio perfeito em teu organismo, que é saudável e ajustado ao trabalho da tua profissão.” Dizendo a Osvaldo que o envolvimento de seu irmão não era motivo para que ele renunciasse, Getúlio acrescentou: “A tua exuberância de sentimentos, uma das qualidades evidentes do teu caráter, está impedindo que raciocines com a costumeira clareza, afastando-te dos altos padrões de teu intelecto privilegiado... Esfria a tua cabeça, descansa um pouco e volta ao trabalho, porque eu não te demiti”.
Tendências subjacentes da era Vargas Durante toda a década de 1930, Vargas esteve preocupado, além do nível de personalidades e manobras cotidianas, com o problema de construir um estado nação moderno. Enfrentou tarefas comparáveis, em certo grau, com as enfrentadas por Roosevelt, Ataturk ou Mussolini. Ele as encarava com o nacionalismo de um gaúcho, o equipamento mental de um positivista e conhecendo a herança conservadora e não-democrática de seus contemporâneos. Foi um período de industrialização e proteção social, de consolidação da identidade nacional, de ressurgimento dos militares como um importante fator político — e todas essas tendências interagiram para dar um toque ao período e um amplo consenso que era mais do que apenas um produto da habilidade política do presidente. Vargas via com bastante clareza que o desenvolvimento industrial era necessário para um estado nação forte e que o bem-estar social e as garantias trabalhistas precisavam avançar lado a lado com esse processo. A combinação da política do governo e a crise no mercado mundial de café produziram um aumento dramático da industrialização nos anos 1930, em um momento em que a concorrência dos produtores estrangeiros havia diminuído temporariamente. Enquanto apenas 4.697 novos estabelecimentos industriais foram fundados no Brasil entre 1920 e 1929, 12.232 foram fundados na década seguinte. A mudança foi mais notável em São Paulo e isso pode explicar a facilidade com que o estado aceitou a perda relativa de influência política sob Vargas. Por exemplo, Ademar de Barros, nomeado interventor de São Paulo em 1938, e mais tarde famoso por sua corrupção, havia na verdade desempenhado um papel ativo na revolta constitucional seis anos antes; sua força política apoiava-se nos serviços públicos e nas obras que podiam ser financiadas com o crescimento industrial. Embora o Brasil ainda tivesse uma população predominantemente rural, a década de 1930 já havia criado uma base considerável para o progresso industrial, com a importante exceção da siderurgia que seria estimulada pela guerra. Isso não foi só importante para os industriais, que tiveram acesso a Vargas desde o início e estavam representados no Conselho Econômico Nacional inserido no Estado Novo, mas também para os militares. A industrialização para a força nacional fizera parte do pensamento tenentista e era um motivo forte para profissionais como Góis Monteiro. As políticas trabalhista e de bem-estar social foram mais importantes, por contraste, com a privação, antes de 1930 do que por sua inclusão ou eficácia efetivas. Mesmo antes do Estado Novo, houvera uma gama impressionante de decretos abrangendo assuntos como jornada de trabalho máxima para os trabalhadores, condições de trabalho e licença maternidade para mulheres e restrições a turnos noturnos para crianças. Mas essas garantias não foram aplicadas
e o padrão de organização trabalhista, que reverteu a um sindicato registrado por setor depois de 1937, criou um sindicalismo cliente associado ao Ministério do Trabalho que se tornou burocrático e corrupto e foi ineficiente ao desafiar a não-conformidade entre os empregadores. Embora o índice de salários subisse de 230 a 315 pontos entre 1930 e 1938, o custo de vida também subiu paralelamente — de 290 a 490. Porém, o aumento dos orçamentos do Ministério do Trabalho depois de 1936 e o efeito total da redistribuição da receita dos estados para o governo central permitiram o pagamento de benefícios sociais que não existiam antes. Um exemplo dos benefícios mistos concedidos na realidade das políticas de bem-estar de Vargas refere-se aos novos sistemas de seguridade social relativos a doenças e pensões. Esses foram organizados em institutos empregadores-empregados para cada setor. A cobertura que ofereciam variava drasticamente dependendo da riqueza do setor envolvido, enquanto os trabalhadores rurais e diversas categorias de trabalhadores urbanos ficavam fora do sistema. A consolidação de uma identidade nacional era um dos pontos mais populares na plataforma do presidente, apesar da resistência de São Paulo ou de Flores da Cunha ou da comoção envolvida na queima das antigas bandeiras estaduais. O sucesso linguístico do português, a iniciativa dos primeiros brasileiros em ampliar suas fronteiras muito além das permitidas pelo papa Alexandre VI em 1494, quando arbitrou entre Espanha e Portugal no Tratado de Tordesilhas, e a unidade política legada ao estado independente pelo Império, haviam ocultado grandes problemas: a imensidão do Brasil, seu particularismo anárquico local e o modo como os estados haviam dominado a federação, haviam inibido o desenvolvimento de uma consciência nacional sob a República Velha num momento em que outros países estavam conquistando metas comuns por meio do esforço nacional. O problema foi exacerbado porque o Brasil, como os Estados Unidos, funcionou como um cadinho de povos e, em 1930, uma minoria expressiva de brasileiros havia nascido em outros países. Nacionalidades como os alemães e japoneses que, de qualquer modo, tendiam a resistir à assimilação, foram pegos em um fogo cruzado cultural nos anos 1930. A Itália mantinha 53 missões diplomáticas no Brasil no período e a Alemanha tinha 29. Antes de serem fechadas sob o Estado Novo, havia cerca de 2.500 escolas de alemão no Brasil, todas supervisionadas pela embaixada alemã no Rio de Janeiro. Embora houvesse alguma rivalidade militar entre Brasil e Argentina, havia pouca dúvida de que o nacionalismo brasileiro era esclarecido pelo conflito com os vizinhos latinoamericanos. O Estado Novo descrito, em certo momento, como o Estado Nacional por Francisco Campos, deu origem a um sentimento de nacionalismo doméstico. Isso também tinha subtons racistas disfarçados que se refletiam não só nos obstáculos aos imigrantes judeus, mas também no objetivo geral de “embranquecer” a população com a aplicação de uma política de imigração estrita; o exército, o menos exclusivo de todos os serviços, dificultava a promoção dos oficiais de aparência mais negróide. Em 7 de setembro de 1938, em um discurso no rádio, no final da “Semana da Pátria e da Raça”, Vargas disse: “Uma solução rápida precisa ser dada ao problema de fortalecimento da raça, assegurando a preparação cultural e eugênica das novas gerações... As comemorações da Pátria e da Raça devem ser de agora em diante uma demonstração inequívoca de nosso esforço para elevar o nível cultural e eugênico da uventude... Por um Brasil unido, por um Brasil forte, por um Brasil grande”. Outro aspecto da “brasilidade” era a preocupação em desenvolver e povoar o vasto interior. Em visitas, realizadas em 1940, a Goiás, onde Brasília seria erguida depois de sua morte, e à Amazônia,
ele fez discursos sobre esse tema. A 8 de agosto, em Goiânia, ele disse estar satisfeito por uma sociedade chamada “Cruzada ao Oeste” ter sido fundada lá; essa cruzada fora incluída no programa do Estado Novo porque “o verdadeiro sentimento de brasilidade é a marcha para o Oeste”. Essa retórica só traria frutos reais mais tarde. Outra importante característica dos anos 1930, intimamente associada com o desenvolvimento industrial e com um senso mais agudo de nacionalidade, foi o avanço dos militares como força política. A equação do domínio regional com milícias regionais e forças federais enfraquecidas não era difícil de entender e Vargas pôde, portanto, contar com apoio substancial dos oficiais para um programa de centralização e desenvolvimento nacional. Na época, a Revolução de 1930 teve a aparência forte de controle militar, não só por causa dos movimentos de tropas, mas também por causa dos interventores militares em muitos estados. No duelo de sete anos com o regionalismo, concluído finalmente com o Estado Novo, Vargas teve o apoio da maioria dos oficiais; no embate final com Flores de Cunha, pareceu como se Góis Monteiro fosse quase mais perspicaz que ele. Enquanto Góis estava reorganizando pacientemente o exército depois das revoltas nos anos 1920, Vargas era, de modo geral, receptivo às demandas de melhores pagamento, alojamentos e equipamentos. No caso da marinha, ele autorizou a compra de antigos navios de guerra dos Estados Unidos e novos submarinos da Itália. Góis Monteiro, em suas memórias, reclamou que Vargas não gostava realmente dos generais e que sempre conspirava para enfraquecê-los. A acusação de que ele havia se tornado um mestre em intrigas só poderia ser justificada em parte. Em ocasiões importantes nos anos 1930, como no caso da revolução paulista ou na declaração do Estado Novo, Vargas dependeu pesadamente dos oficiais. Depois da indicação de Dutra como ministro da Guerra em dezembro de 1936, sua relação com a liderança militar tornou-se mais estável; além da lealdade um tanto tortuosa do general Góis, ele podia contar com a fidelidade direta de uma figura conservadora e de bom senso que, em ocasiões cruciais em 1932, 1935 e 1938 cumpriu o dever de um soldado com coragem e determinação. Embora sempre houvesse uma pequena possibilidade de que os generais o depusessem — que nenhuma quantidade de consultas nem de cuidados quanto aos interesses deles poderia afastar —, Vargas tinha duas armas poderosas a seu lado. A natureza de sua conquista da presidência em 1930 havia lhe garantido tanto a legitimidade (como o homem que supostamente teria vencido a eleição, mas que havia sido injustamente privado desse reconhecimento) quanto o prestígio do herói militar que havia co-mandado uma revolução vitoriosa. Essas vantagens levariam tempo para ser erodidas.
Vida pessoal nos anos 1930 Vargas, que não era objeto de nenhum tipo de culto à personalidade até depois de estabelecer o Estado Novo, quando a imprensa e o departamento de propaganda entraram em ação e tornouse comum que lojas e casas tivessem sua foto na parede, vivia de um modo tranquilo e privado. Ele jogava um pouco de golfe; durante os anos 1930, admitiu relutantemente que o lugar da mulher nem sempre era no lar; mas ainda disse à filha que só aceitaria a ideia de legalizar o divórcio quando ambos, o cardeal e a mãe reacionária de Osvaldo Aranha, viessem implorar por ele. Apesar de trabalhar muitas horas, continuou em boa forma, apesar de ter desenvolvido
uma grande barriga no decorrer dos anos. Em todos os verões, ele passava algumas semanas em Petrópolis, a tradicional capital de verão, e foi na estrada de Petrópolis em 1933 que ele e a esposa foram feridos quando uma grande rocha caiu sobre seu carro. Por um breve período, os negócios de estado foram governados de um hospital e nunca foi satisfatoriamente esclarecido se havia alguma ação humana envolvida no acidente. Ao ouvir críticas políticas sobre o uso de um carro oficial para levar seus filhos à escola no Rio quando a família estava em Petrópolis, Getúlio, que era austero em seu próprio uso do dinheiro público, ordenou que fosse encontrada uma outra forma de viajar. Além da admirável capacidade de Getúlio para se relacionar em alguns termos até mesmo com inimigos políticos — de modo que não dependia apenas de partidários leais para obter informações políticas —, uma de suas principais qualidades era sua capacidade de trabalho e eficiência como burocrata. Ele não tinha uma grande equipe de assistentes particulares, mas lia e questionava um grande número de documentos oficiais, além de manter uma grande correspondência por cartas e telegramas cifrados. Detestava usar o telefone. Usava um sistema de canetas de diferentes cores para os documentos oficiais e prontamente os mandava de volta aos ministros ou funcionários públicos se não gostasse de algo ou não entendesse alguma coisa. Seu dia de trabalho, segundo Luís Vergara, seu secretário particular, começava às 7h e ia até as 23h ou à uma da madrugada. De manhã, ele trabalhava no Palácio Guanabara, sua residência, e caminhava, depois do almoço, para o Palácio do Catete, que era usado como escritório presidencial. Todos os ministros tinham um dia específico de visita no qual eram discutidos os negócios de seu departamento. Em suas caminhadas de rotina, tanto no Rio quanto em Petrópolis, Getúlio era acessível e parava para conversar com transeuntes e donos de lojas; mas depois de 1938, segundo registros de sua filha, ele se tornou um prisioneiro de suas próprias precauções de segurança e esses contatos fáceis foram restringidos. Foi em 1932 que Alzira, provavelmente a filha favorita de Getúlio, com uma personalidade vivaz, assumiu seus arquivos e começou a ajudar a codificar e a decodificar as mensagens dele. Como alguém que havia estudado direito, Vargas pediu-lhe que o ajudasse a lidar com os pedidos de clemência presidencial. Ele raramente libertava prisioneiros que tivessem cumprido menos de metade de suas penas nem aqueles que haviam tido mau comportamento na prisão; era benevolente com quem houvesse cometido crimes de paixão, especialmente crimes em defesa da “honra”, mas excepcionalmente severo com os ladrões. Depois de se tornar uma pessoa de confiança do presidente, Alzira casou-se com Ernâni do Amaral Peixoto, um ajudante de ordens associado à residência presidencial que foi indicado para interventor no estado do Rio. Embora Vargas na década de 1930 tentasse verificar os desvios no uso das verbas públicas, ele não estava acima do uso de suborno — e parece ter oferecido concessões financeiras a Armando de Sales Oliveira para dissuadi-lo de concorrer como candidato à presidência. Talvez ele fosse menos escrupuloso do que deveria em relação à incorruptibilidade das pessoas indicadas para posições federais, mas as virtudes da probidade sempre tinham de ser avaliadas segundo as vantagens políticas da nomeação. Os poderes e os recursos financeiros ampliados do governo central criavam tentações e Osvaldo Aranha, dos Estados Unidos, expressou ansiedade em relação a algumas das pessoas que rodeavam Getúlio. Em alguma medida, o presidente pode ter ignorado sobre a incidência de corrupção; em algum grau, ele pode ter considerado que ela era inevitável; mas esse aspecto de sua administração quase certamente
piorou na década de 1940 e acabou sendo o calcanhar de Aquiles do seu último governo nos anos 1950. Em público, o presidente prestava respeitos à Igreja Católica; em particular, ele provavelmente era um ateu e deu a um de seus filhos o nome de Lutero e a outro, que depois o trocou, o nome de Calvino. Embora fosse contrário ao divórcio e um marido convencional, ele também tinha suas amantes ao estilo brasileiro. Sua família e seus parentes tornaram-se parte de sua rede de informações políticas, em especial seus irmãos Benjamim, Protásio e Viriato, que ainda moravam no Rio Grande durante a saga de Flores da Cunha. Viriato Vargas, que sob a constituição positivista de Júlio de Castilhos fora capaz de construir uma banca de advocacia bem-sucedida sem jamais ter cursado a faculdade de Direito, viu sua carreira ameaçada quando o Estado Novo acabou com essas idiossincracias provinciais. Em 29 de outubro de 1936, o idoso pai de Getúlio morreu em São Borja; ele havia cavalgado até ter 80 anos, hospedara-se no Palácio Guanabara depois de seu filho se tornar presidente, mas o orgulho pela conquista do filho não havia, de modo algum, interferido com o seu modo espartano de vida. O irmão mais importante para Getúlio era provavelmente Benjamim, o caçula. Para as pessoas de fora, ele parecia um paradigma do irmão mais novo, menos dotado, arrogante e impetuoso de um homem bem-sucedido; ele também parecia sinistro. Apelidado de “Beijo” pela família, esteve envolvido em um tiroteio do outro lado do Rio Uruguai, depois de uma festa na cidade argentina de Santo Tomé. O incidente, ocorrido depois de Vargas tornar-se presidente, provocou dificuldades diplomáticas e teve de ser abafado; foi dito que verbas do Instituto do Café foram usadas para esse propósito. Em 1938, depois do ataque ao Palácio Guanabara, cerca de nove integralistas parecem ter sido mortos a sangue frio sob ordens de Benjamim depois de terem se rendido. Quando Aranha tentou renunciar depois do envolvimento de seu irmão na fuga de Severo Fournier, ele aludiu a embaraços familiares semelhantes que Getúlio havia sofrido. Mas Vargas permitiu que Benjamim ficasse impune a muitos atos, valorizando sua autoconfiança e suas qualidades gaúchas de luta. Homem frio e reservado em alguns aspectos, Getúlio desenvolveu uma imagem pública, com o passar do tempo, de alguém que estava sempre sorrindo, ao mesmo tempo engraçada e objeto de humor. Detestava ser chamado de ditador. Em férias presidenciais em São Borja, certa vez, ele fez uma brincadeira com um jornalista visitante, apresentando-o a uma corpulenta solteirona de meia-idade em um baile e levando-a a pensar que ele era um candidato a casamento. Em um trabalho com queda para hagiografia, impresso depois da morte de Vargas, um jornalista, Queiroz Junior, reuniu 222 histórias que circulavam sobre ele no Rio de Janeiro. Algumas eram verdadeiras, outras eram deturpadas ou falsas. Os aspectos pessoais que elas destacavam eram sua afabilidade, sua capacidade de adiar e sua astúcia — seu gênio para deixar as coisas como estavam para ver como ficariam e para nunca fazer um inimigo que não pudesse vir a ser um amigo. Mas essas eram apenas algumas facetas de uma personalidade complexa.
4 GUERRA E DEPOSIÇÃO
Getúlio e Darci, 1940
Competição pela aliança do Brasil Conforme as nuvens da guerra se agrupavam sobre a Europa e o Extremo Oriente, a espionagem e a pressão diplomática começaram a aumentar no Brasil. Apesar da distância geográfica dos principais centros de guerra militar e ideológica, a América Latina como um todo tinha uma importância estratégica como fornecedora de alimentos e matérias-primas para a Europa e a América do Norte. A possibilidade de envolvimento de alguma de suas nações levou a administração Roosevelt nos Estados Unidos a perseverar com a política de boa vizinhança e os acordos militares que cobriam o hemisfério — planejados para isolar a região sob os auspícios norte-americanos em uma versão moderna da Doutrina Monroe, inicialmente um tipo de extensão pan-americana do isolacionismo dos Estados Unidos. O Brasil, com seu Estado Novo de estilo fascista e a forte posição comercial com a Alemanha, estabelecida imediatamente antes do início da guerra, tornou-se objeto de grande atenção internacional. Ao se inclinar para o Eixo, ele poderia ameaçar o suprimento de matérias-primas para os Estados Unidos e a navegação britânica no Atlântico Sul — tanto a rota do Cabo da Boa Esperança quanto os suprimentos cruciais de carne vindos do Uruguai e da Argentina. Ao cooperar intimamente com os norte-americanos, ele poderia apoiar a situação diplomática e econômica deles na América do Sul — e fornecer as garantias de defesa tão necessárias para a saliência nordeste do continente sulista que estava dentro do alcance de bombardeios vindos do noroeste da África. O envolvimento gradual dos Estados Unidos ao lado dos britânicos e soviéticos, e a independência pan-americana que era a bandeira sob a qual os Estados Unidos promoviam a unidade latino-americana, permitiram que o Brasil se voltasse para os Aliados apesar de uma estrutura política interna muito diferente da democracia do Atlântico ou do comunismo de Stalin. Para Vargas, pessoalmente, não havia motivo particular para que o Brasil se tornasse um participante — o país enviara apenas alguns oficiais comissionados e médicos para a França na 1ª Guerra Mundial —, a menos que houvesse uma clara vantagem nacional a ser obtida; ele podia simpatizar com aspectos das causas Aliada e do Eixo, e até Pearl Harbour sempre houve um elemento de dúvida sobre as preferências dele. O Brasil era oficialmente neutro no início da guerra na Europa. Porém, um importante acordo comercial com os Estados Unidos no início de 1939, seguido pelos primeiros sinais de cooperação militar no mesmo ano, levou à venda de 90 canhões excedentes de 150 mm para o Brasil em março de 1940 e a mais conversas militares em outubro, quando Góis Monteiro visitou os Estados Unidos. Em 1941, estava claro que o ponto mais importante na política exterior brasileira era a aliança com os Estados Unidos, e o Brasil finalmente declarou guerra à Alemanha e à Itália em 21 de agosto de 1942, depois de ataques de torpedo espetaculares a seus navios. O progresso da guerra como um todo, a competição econômica camuflada entre a Alemanha e os Estados Unidos que se centrou no sonho antigo de Vargas de uma siderurgia estatal, a demanda externa pelas matérias-primas brasileiras e o curso da solidariedade pan-americana, ajudaram a ditar o ritmo e os detalhes do envolvimento brasileiro. Embora fosse amplamente suposto que a grande maioria do povo apoiasse a Grã-Bretanha no conflito, a lealdade dos homens que rodeavam Vargas eram cruciais nas condições de ausência de liberdade do Estado
Novo. Os britânicos, acusados por Góis de terem 100 agentes ativos no Brasil, pensavam que valia a pena subsidiar os jornais brasileiros, mas seu apoio era desorganizado. Aranha, como ministro das Relações Exteriores, ainda simpático às ideias de democracia e sempre buscando aumentar o comércio entre Estados Unidos e Brasil, era um dos poucos amigos confiáveis dos aliados no círculo de Vargas. Kenneth McCrimmon, o líder canadense da maior empresa no Brasil, a Light and Power Company baseada no Canadá, cujas boas relações com Getúlio haviam tornado possível escapar à nacionalização, o estava auxiliando do exterior. No ano anterior à irrupção da guerra, quando Aranha fez seu acordo comercial nos Estados Unidos, as relações teuto-brasileiras foram profundamente afetadas pelo empenho do Estado Novo para tornar brasileiras as comunidades alemãs e pelas consequências do golpe de estado de 1938; foi apenas em maio de 1939 que as relações diplomáticas voltaram à base das embaixadas. No entanto, pessoas como Francisco Campos, Dutra, Filinto Müller e Lourival Fontes — os censores do DIP de Fontes tendiam a ampliar as vitórias do Eixo e a diminuir suas derrotas — nutriam alguma simpatia pela Alemanha. As simpatias volúveis de Góis Monteiro dirigiram-se para os Estados Unidos como resultado da persuasão de Aranha; enquanto estava em Washington, em fevereiro de 1939, o ministro das Relações Exteriores agendou uma viagem para Góis na qual ele encontrou Roosevelt pessoalmente, embora Dutra desejasse que ele embarcasse em uma turnê pela Europa que o teria levada à Alemanha entre outros países. O próprio Vargas que, embora admirasse Roosevelt, mesmo assim enviou saudaçÕes a Hitler em 1º de maio de 1941, “bem como votos de vossa felicidade pessoal e de prosperidade da nação alemã”, não deixou de ser afetado pelas manobras dos que o cercavam. Em Blumenau, centro de uma grande colônia alemã, Getúlio enfatizou a neutralidade brasileira em um discurso a 10 de março de 1940. Embora tropas brasileiras estivessem estacionadas entre as comunidades alemãs como parte da política de nacionalidade do presidente no difícil período após o golpe integralista, ele foi recebido de modo esplêndido. Comentando que as crianças de olhos azuis estavam ajudando a criar uma nova geração de brasileiros, ele acrescentou: “O Brasil não é nem inglês nem alemão. É um país soberano que exige respeito a suas leis e que defende os próprios interesses. O Brasil é brasileiro”. Mas em 11 de junho, falando em uma cerimônia naval a bordo do Minas Gerais, ele pareceu apoiar o Eixo em um discurso que continha admiração por conceitos nazifascistas, embora ainda com seus distintos floreios pró-trabalhistas e anticapitalistas. Seus comentários foram feitos dias depois do colapso da resistência francesa diante da invasão alemã, uma derrota que havia sido amargamente lamentada por Roosevelt, que prometera ajuda extra para os aliados francobritânicos em 10 de junho, e pelos britânicos. “Velhos sistemas e fórmulas antiquadas entram em declínio. Isso não significa porém, como os pessimistas e conservadores arraigados sugerem, o fim da civilização, mas o início tumultuoso e frutífero de uma nova era. Povos vigorosos, aptos para a vida, precisam seguir o rumo de suas aspirações em vez de serem retidos pelas coisas que se decompõem e caem em ruínas. É necessário, portanto, entender nossa época e remover os detritos das ideias mortas e ideais estéreis”, disse ele. Argumentando que não havia motivo para se preocupar que a guerra afetasse os mercados do Brasil, ele continuou: “No período em que estamos, apenas as pessoas endurecidas na luta e enriquecidas no sacrifício são capazes de enfrentar as tormentas e vencê-las. As decisões políticas não estão sendo feitas sob a sombra de um humanitarismo vago e retórico que pretende criar uma
sociedade internacional unida e irmanada, sem peculiaridades ou atritos, desfrutando a paz como um bem natural e não como uma conquista cotidiana. Em vez desse panorama de equilíbrio e distribuição justa dos bens da terra, estamos observando uma exacerbação dos nacionalismos, nações fortes impondo-se pela organização que se baseia em um sentimento da pátria e se sustenta pela convicção de sua própria superioridade. A época do liberalismo míope, das demagogias estéreis e das personalidades que são inúteis e semeiam a desordem já passou. A democracia econômica está sendo subs-tituída pela democracia política...” Vargas, cuja intenção pode ter sido em parte estimular os Estados Unidos com relação a um empréstimo para as siderúrgicas, ficou posteriormente irritado com a má recepção que seus pensamentos tiveram entre os seguidores da melancolia das democracias derrotadas. Contra o conselho de Aranha, optou por esclarecer a situação. Mais tarde, no mesmo mês, disse que não havia nenhum tipo de motivo moral ou material que exigisse que o Brasil entrasse na guerra, que a neutralidade estrita devia ser mantida e que era o dever de todo brasileiro patriótico conduzir-se de tal modo a manter seu país fora do conflito; porém, ele enfatizou especialmente o ponto crucial: que para proteger o continente contra os invasores, o Brasil estaria firmemente por trás da defesa pan-americana mútua. De fato, a visita de Góis a Washington, no ano anterior, seguindo-se a uma viagem do general George Marshall, o chefe de Estado-Maior norte-americano, ao Brasil, havia iniciado a tarefa de unir o planejamento militar entre os dois países, mas além da situação política difícil, durante grande parte de 1940 houve também obstáculos militares para a negociação. Os generais brasileiros, sem contato com seus fornecedores alemão (Krupp) e britânicos pela guerra, estavam sobretudo interessados em obter novas armas dos Estados Unidos. Os Estados Unidos, envolvidos em seu próprio programa de rearmamento, achavam que o Brasil tinha baixa prioridade. Mas os generais norte-americanos queriam o direito a bases aéreas e navais no estratégico Nordeste brasileiro, uma ideia que os militares brasileiros tinham dificuldade em aceitar por motivos nacionalistas. O lado econômico do relacionamento entre Estados Unidos e Brasil também não estava inteiramente satisfeito. A expedição seminal de Aranha a Washington em fevereiro de 1939 havia resultado em um acordo pelo qual a assistência técnica norte-americana estava vinculada à retomada dos pagamentos da dívida externa do Brasil. Mas os nacionalistas e o lobby próalemão reagiram asperamente. Aranha quase teve um colapso nervoso e o governo honrou os pagamentos da dívida apenas em parte. Um acordo sobre o preço do café, em 1940, sofreu críticas similares de que o interesse nacional do Brasil estava sendo subordinado ao capitalismo norte-americano por razões políticas. A invasão da França obrigou os Estados Unidos a serem muito mais favoráveis ao Brasil. Uma reunião interamericana de ministros de Relações Exteriores, em julho de 1940, em Havana, incluiu uma declaração de que qualquer ataque por um estado não-americano a um estado americano seria interpretado como um ataque a todos; a cooperação de defesa e assistência econômica dos Estados Unidos receberam um forte impulso e foram tomadas providências contra qualquer transferência de territórios americanos em resultado da guerra — um acordo que fez com que os Estados Unidos, com cooperação brasileira, ocupassem a Guiana Holandesa em novembro de 1941. A nova aliança entre os dois países foi consolidada em setembro de 1940, quando os Estados Unidos autorizaram o Export-Import Bank a emprestar 20 milhões de dólares para a siderúrgica de Volta Redonda, a ser operada por uma
empresa totalmente brasileira depois de a US Steel desistir do seu interesse inicial. No mês seguinte, o general Góis esboçou um acordo com os militares norte-americanos sob o qual os Estados Unidos viriam em socorro do Brasil no caso de um ataque, o Brasil agiria contra os simpatizantes e a espionagem do Eixo, os Estados Unidos trocariam armas por matérias-primas e o Brasil deixaria suas bases disponíveis no caso de um ataque aos Estados Unidos por uma potência não-americana. Mas o desvio contínuo em direção a uma aliança Estados Unidos-Brasil, auxiliado pelas excelentes relações pessoais entre Jefferson Caffery, o embaixador norte-americano no Rio e Getúlio Vargas, teve de superar o embaraço provocado pelo bloqueio britânico à Europa ocupada. Logo a princípio, quando a Grã-Bretanha introduziu seu serviço de controle de contrabando em setembro de 1939, o Ministério das Relações Exteriores brasileiro comentara que tinha “as reservas mais categóricas” sobre o prejuízo que o comércio do país iria sofrer como consequência. Uma série de incidentes embaraçosos no final de 1940 e em janeiro de 1941 criou uma possibilidade real de rompimento das relações diplomáticas entre a GrãBretanha e o Brasil, com um Góis exaltado pedindo aos jornais que noticiassem a possibilidade de guerra e ameaças de sequestro de propriedades britânicas. O problema foi desencadeado por dois casos específicos, em novembro e em janeiro, quando a marinha britânica impediu dois navios brasileiros, o Siqueira Campos e o Bagé, de trazerem armas Krupp de Lisboa. O Siqueira Campos, que foi sequestrado pela Marinha Real com 400 passageiros a bordo e levado para Gibraltar, teve finalmente permissão para prosseguir viagem um mês depois graças aos bons ofícios de Washington. Porém, isso ocorreu com a condição de que seria o último desses carregamentos. Quando os militares brasileiros tentaram trazer mais armas no Bagé, em aneiro, os britânicos obrigaram-no a descarregar em Lisboa e, apesar de um enorme clamor no Rio, não houve mudança. Casos menores também provocaram irritação. Em dezembro, um cruzador britânico parou o Itapé, um vapor brasileiro que navegava entre portos brasileiros e calmamente retirou 23 passageiros alemães e dois italianos. Um caso clássico envolveu a remoção de 70 pacotes do S.S. Buarque em Porto de Espanha, Trinidad, a 27 de novembro de 1940. Em 7 de dezembro, Aranha fez um protesto oficial a Geoffrey Knox, o embaixador britânico No dia 26, Knox respondeu: “Segundo informações que agora recebi do meu governo, parece que 32 dos pacotes consistiam de mercadorias de algodão e 38 de perfumaria. Cinco dos primeiros relacionados com destino a La Guaira foram, lamentamos, removidos por erro, mas foram liberados de imediato. Os 65 pacotes restantes foram retidos não como contrabando, mas em virtude da Ordem de Represálias do Conselho de novembro de 1939, por serem suspeitos de ter origem inimiga. Depois de mais investigações, os demais 27 pacotes de têxteis também foram liberados. As mercadorias de perfumaria foram colocadas a prêmio”. No entanto, esse não foi o final do incidente. Em 10 de janeiro, a embaixada contou generosamente ao Ministério das Relações Exteriores: “A embaixada foi informada agora que os 38 pacotes de perfumaria que foram colocados a prêmio sob a suspeita de serem de origem inimiga foram liberados, tendo em vista evidências subsequentes de que eram, na verdade, de origem argentina”. Entretanto, a efetividade do poder marítimo britânico e as relações mais calorosas entre os Estados Unidos e o Brasil persuadiram este último a cooperar com o bloqueio; no final de maio de 1941, a embaixada alemã reclamou que o Lloyd Brasileiro estava se recusando a
transportar bens de origem alemã sob as ordens da Federal Commission of Merchant Marine, e que o consulado geral britânico estava fazendo com que os expedidores brasileiros assinassem documentos comprometendo-se a não transportar bens alemães nem entre portos brasileiros. Embora os brasileiros ficassem decepcionados com a lentidão com que receberiam as armas norte-americanas, eles assinaram um acordo de matérias-primas com os Estados Unidos em maio de 1941 e um acordo de empréstimo e locação em outubro. Com o ataque japonês a Pearl Harbour em 7 de dezembro, o Brasil foi pressionado a se manifestar e apoiar os Estados Unidos. O país não declarou guerra imediata ao Eixo, como nove estados caribenhos e da América Central, nem rompeu relações imediatamente, como fizeram o México e a Colômbia. Porém, Vargas tinha decidido pessoalmente que o Brasil deveria se unir aos Aliados. Em um discurso para os oficiais da ativa, em 31 de dezembro, ele disse: “As nações, como os indivíduos, chegam a grandes momentos em que é necessário confrontar o destino. Elas devem fazê-lo com firmeza... Estamos tomando uma decisão que corresponde a nosso determinismo histórico”. Embora os embaixadores do Eixo deixassem muito claro que, se o Brasil rompesse relações, o país se veria rapidamente envolvido na guerra, e Góis e Dutra se demorassem afirmando que o exército estava despreparado, Vargas disse a seu gabinete em 12 de janeiro que o interesse nacional mais elevado exigia um rompimento diplomático. O Brasil cooperou de perto com os Estados Unidos na reunião dos ministros de Relações Exteriores das Américas, que aconteceu no Rio três dias depois. Vargas disse a Sumner Welles, o subsecretário norte-americano, que se os Estados Unidos fornecessem armas ao Brasil e prometessem apoio se o país fosse atacado, e se ficassem satisfeitos com uma mera recomendação por um rompimento com o Eixo — com menor probabilidade de antagonizar a Argentina, que demonstrava simpatia pró-Eixo — o Brasil cortaria as relações diplomáticas antes do término da conferência. Abrindo a conferência, ele disse: “Desde 7 de dezembro — uma data que constituirá um novo marco na vida de nossos países, pois ela trouxe a guerra ao continente americano — assumimos uma posição decidida, consoante nossa política externa tradicional e fiel aos compromissos solenes lembrados e reafirmados recentemente”. Ele acrescentou que o Brasil não temia sacrifícios e que todo o continente americano compartilhava tradições cristãs, raízes políticas e interesses atuais comuns. O Brasil rompeu devidamente as relações com o Eixo. A cooperação com os Estados Unidos, em especial em relação às bases no Nordeste, desenvolveu-se mais rapidamente. No entanto, apenas em agosto de 1942 é que Vargas realmente declarou guerra. No dia 18 de agosto, o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) anunciou que cinco navios brasileiros haviam sido afundados na costa nordeste no decorrer dos três dias anteriores. Entre os mortos nos navios leves desarmados estavam pessoas a caminho de um congresso religioso em São Paulo e 120 soldados. O anúncio desencadeou uma onde de tumultos antialemães, especialmente no Sul e no Nordeste. Os telegramas de simpatia recebidos dos governos aliados foram divulgados de modo a promover uma declaração de guerra. Cordell Hull, no Departamento de Estado, escreveu para Aranha: “Essa ação selvagem é mais uma prova positiva de que o Eixo, em sua tentativa cruel mas fútil de dominar o mundo, não irá parar diante de nenhuma medida por mais que ela possa violar todas as regras da decência e as leis... Por favor, tenha certeza de minha contínua apreciação da magnífica cooperação do Brasil em defesa dos princípios tão sagrados a nossos dois países e esteja certo de meu desejo de
colaborar com o governo e o povo do Brasil neste momento crítico em que todos os princípios cristãos da civilização ocidental estão em risco”. Noel Charles, o embaixador britânico, escreveu concisamente: “Meu caro ministro, acabei de receber um telegrama de Mr. Eden pedindo-me que transmitisse ao governo brasileiro a simpatia do governo de Sua Majestade no Reino Unido em relação aos recentes ataques covardes a navios brasileiros, envolvendo perda de vidas nas forças armadas brasileiras…”. A combinação de horror público e de insulto às forças armadas deixou pouca opção ao gabinete e, no dia 22, o governo anunciou que o Brasil estava em guerra com a Alemanha e a Itália. A saída de Muller e de Francisco Campos do governo no mês anterior, depois de uma luta pelo poder só parcialmente ligada à guerra, pode ter contribuído um pouco para esse resultado.
Em guerra A guerra, com a escassez inevitável e racionamento de gasolina, não era especialmente popular. Vargas, que podia ter poucas dúvidas de que o Brasil estava se unindo ao lado vitorioso, usou a nova situação para impulsionar dois de seus objetivos persistentes: industrialização sob um forte controle do governo e unidade nacional que poderia ser promovida diante de um inimigo comum. Falando no estádio do Vasco da Gama no Rio, cerca de 15 dias após a declaração de guerra, ele abordou a necessidade de uma mobilização militar, de unidade nacional em defesa da pátria e de perseguição implacável aos agentes inimigos. Apesar das aparências superficiais, a guerra não foi um presente completo para a economia brasileira. Durante seis anos, de 1940 a 1945, a produção industrial brasileira subiu apenas 37% em comparação com 49% nos seis anos precedentes; a principal razão para a desaceleração foi que a indústria de bens de capital brasileira não estava suficientemente desenvolvida para alcançar um crescimento autônomo e o suprimento de máquinas novas foi interrompido. Os gastos de guerra, excedentes de exportação inúteis e a aliança econômica com os Estados Unidos ajudaram a acelerar a taxa de inflação; enquanto o custo de vida havia mostrado aumentos médios de 6% ao ano entre 1934 e 1940, essa taxa triplicou de 1941 a 1946. A propaganda do governo concentrou-se nas inovações espetaculares como a siderúrgica de Volta Redonda, em construção a partir de 1943, mas que só se tornou plenamente operacional em 1946, depois da queda de Vargas. Uma nova e ampla avenida, que recebeu o nome do presidente, foi aberta no centro do Rio. Como se para simbolizar a nova ênfase da intervenção governamental na economia, Getúlio nomeou um dos tenentes, João Alberto, para se encarregar do esforço industrial de guerra. Porém, não era fácil tentar galvanizar uma economia semi-industrial. Talvez o fracasso mais dramático tenha surgido da tentativa de Alberto de redespertar o setor de borracha natural na região amazônica com os trabalhadores rurais desmotivados e subnutridos do Nordeste. O Brasil havia assinado um acordo para fornecer essa mercadoria, não mais disponível nas plantações japonesas ocupadas no Extremo Oriente, com a US Rubber Reserve Company em 1942. Entretanto, o contrato coincidiu aproximadamente com o fracasso de uma tentativa ambiciosa de simular as plantações orientais no Brasil, que havia sido realizada pela Ford Motor Company. Os nordestinos, que se recusaram a ser transportados nos números planejados, não eram adequados para a ingrata
tarefa de coletar a borracha selvagem das árvores espalhadas pela floresta. E o programa acabou dependente da bondade dos seringueiros, os tradicionais coletores endividados da bacia amazônica, que conseguiram menos de três quartos do suprimento que os Estados Unidos esperavam. A inflação ultrapassou os salários mínimos estabelecidos pela legislação social do regime e os tornou obsoletos. Em 1943, Marcondes Filho, o ministro do Trabalho, consolidou todas as leis trabalhistas e Getúlio aumentou os salários mínimos. Esse código do trabalho de 1943, que em grande parte ainda está em vigor, resumia as realizações de Vargas nessa área. Ele garantia que tanto empregadores quanto empregados fossem inseridos na máquina do estado de tal forma a fornecer garantias mínimas para os dois grupos, mas sem lhes permitir a realização de negociações coletivas livres autônomas. Esse sistema, projetado para preservar a “paz social”, apoiava-se em três instrumentos: o Ministério do Trabalho tinha plenos poderes para conceder ou negar o reconhecimento de um sindicato; o próprio sindicato tinha de ser composto por, pelo menos, um terço das empresas e trabalhadores em um dado setor ocupacional ou industrial (embora pudesse haver divisões arbitrárias aqui); e toda a estrutura era financiada por um imposto sindical, que consistia em um dia de trabalho deduzido de cada empregado coberto e em uma cota de contribuição de cada empresa e cujos fundos eram distribuídos aos sindicatos pelo Ministério do Trabalho. Embora enfatizando seu cuidado com a força de trabalho, o governo explorava sua posição ditatorial para fazer com que os empregados trabalhassem mais pelo esforço de guerra. Assim, havia decretos impedindo que os operários deixassem seus empregos e, em 1944, a jornada de trabalho foi aumentada para 10 horas. A invasão dos norte-americanos — consultores técnicos e empresários, bem como pessoal de serviço — criou tensões e provocou algumas reações nacionalistas. Alguns dos visitantes tendiam a tratar com condescendência ou a menosprezar seus aliados brasileiros, e até mesmo Aranha assumiu uma postura nacionalista que criou obstáculos para a embaixada dos Estados Unidos. Foi o próprio Getúlio quem decidiu que o Brasil devia enviar combatentes para lutar contra o Eixo, na verdade contra os instintos dos Estados Unidos e de seus próprios generais. Ele apresentou a ideia em um discurso para os oficiais no final de 1942. Os norte-americanos, que estavam bem contentes com a contribuição estratégica do Brasil como uma ponte para o norte da África e como fornecedor de matériasprimas,não estavam ansiosos pelo incômodo de treinar e coordenar contingentes de uma nação que não falava inglês. Eles sugeriram que, em vez disso, o Brasil poderia enviar soldados às ilhas portuguesas da Madeira e dos Açores (o dr. Salazar havia abandonado a neutralidade e permitira bases britânicas nos Açores) ou poderia ajudar em uma operação de policiamento em Marrocos. Os generais brasileiros, por outro lado, viam apenas as dificuldades práticas: seus homens tinham o equipamento errado e treinamento inadequado para enfrentar as forças alemãs e italianas na Europa. Mas Vargas utilizou seus contatos com Washington
Manuel e Candoca, pais de Getúlio
Getúlio ao 12 anos
Getúlio em sua formatura
O mandachuva gaúcho Borges de Medeiros
O presidente da República Washington Luís
Getúlio Vargas, presidente do Rio Grande do Sul, com familiares e amigos
Propaganda da Aliança Liberal de 1929
Derrotado, o candidato Vargas mete a viola no saco, em charge da revista O Malho, 1930
O governador da Paraíba, João Pessoa, assassinado
Getúlio durante a Revolução de 1930 no seu quartel-general, um vagão de trem em Ponta Grossa
Miguel Costa, Góis Monteiro, Getúlio Vargas e Francisco Morato na Revolução de 1930
Os revolucionários chegam ao Palácio do Catete em 31/10/1930
João Neves da Fontoura
O recém-empossado presidente provisório com seus ministros, em novembro de 1930
Caricatura paulista que retrata um bandeirante segurando um diminuto presidente Vargas
Batalhões paulistas na Revolução de 1932
O presidente Vargas e Ernesto Geisel, em setembro de 1933
— A nova roupa, Excelência. — Um pouquinho apertada… Os movimentos… compreende... “Novo regime… nova roupa” Charge de Nássara alusiva à Constituição de 1934, que limitava os poderes presidenciais
Plínio Salgado, em caricatura de Alvarus
Manchete sobre a Intentona Comunista de 1935
Getúlio e Osvaldo Aranha
Vargas e Roosevelt no Rio de Janeiro, em 1936
Charge de Belmonte publicada na Folha da Manhã em 22/7/1937
de 10/1/1937, Getúlio joga na frente do Catete cascas de banana destinadas aos candidatos à sua sucessão
Getúlio e o general Góis Monteiro, 1938
Gustavo Capanema e Getúlio
Propaganda do DIP
Getúlio posa para o escultor norte-americano Jo Davidson, enviado em 1942 pelo presidente Roosevelt
Getúlio com soldados brasileiros prestes a embarcar para os campos de batalha da Europa, em agosto de 1942
Vargas vai para a guerra acompanhado de Juca Pato em caricatura de Belmonte, feita em 1942
Caricatura de 1945
Charge de Nássara publicada na revista em 1945
Deposto, Getúlio deixa o Catete em 20/10/1945, ao lado de sua filha Alzira
Getúlio e Samuel Wainer em junho de 1949
Na fazenda de Itu, em São Borja
Getúlio discursa em um palanque na campanha eleitoral de 1950
Cerimônia de posse de Getúlio no Palácio do Catete, a 31/1/1951
O presidente Getúlio em um aeroporto
Ao lado do governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, na inauguração da siderúrgica Mannesmann, em 12/8/1954
Gregório Fortunato
Carlos Lacerda após a troca de tiros na rua Tonelero
Getúlio morto, em 24/8/1954 e com o Pentágono para garantir que o Brasil tivesse uma chance à qual tinha direito por sua contribuição geral. Para seu próprio ministro da Guerra, ele apontou que os Estados Unidos só estavam preparados para fornecer as armas mais modernas àqueles aliados que estavam realmente engajados na luta. Seus objetivos eram provavelmente diversos, indo do simples pensamento de que uma guerra no exterior manteria os militares bem-comportados em casa até o prestígio diplomático que o Brasil poderia conseguir no mundo do pós-guerra. Com a Argentina em um estado de neutralidade pró-Eixo, isso era uma importante peça no jogo do poder latino-americano. Ele também via isso com clareza no contexto de sua política de construção nacional; ele se assegurou de que soldados de todo o país tomassem parte na força expedicionária para que a nação como um todo pudesse se orgulhar de seu progresso. A força brasileira demorou mais para se preparar e embarcou em números menores do que Vargas desejava. O acordo para uma contribuição militar foi alcançado em meados de 1943, mas embora Dutra originalmente planejasse cinco divisões de 100 mil homens, os Estados Unidos só deram aprovação para 60 mil e, de maio de 1944, quando os primeiros brasileiros partiram para a Itália, até o final da guerra, apenas cerca de 25 mil realmente serviram no teatro da guerra. Devido à lentidão da preparação e ao tamanho reduzido dos contingentes, Dutra, que havia esperado atuar no campo, nunca assumiu um comando ativo. Em vez disso, João Batista Mascarenhas de Morais, um homem tranquilo, cuja falta de ambição política agradava a Getúlio, foi nomeado chefe da primeira divisão brasileira e, assim, por padrão, chefe de toda a expedição. Um pequeno grupo de pilotos de caça brasileiros, que incluía Lutero, um dos filhos de Getúlio, complementava as forças terrestres. Os soldados brasileiros, anexados ao 5º Exército do general Mark Clark, entraram nas linhas de frente em setembro de 1944 e tiveram bom desempenho na Itália. Os soldados britânicos e norte-americanos que trabalharam com eles guardaram memórias calorosas de seu moral elevado e senso de humor, e eles suportaram razoavelmente bem os rigores desconhecidos das montanhas nevadas em um inverno italiano. Sua principal ação foi um batalha exaustiva por
Monte Castelo e, depois de vencerem, Mascarenhas de Morais teve a satisfação de aceitar a rendição da primeira divisão alemã a render-se na Itália, em abril de 1945. Vargas nunca inspecionou as tropas na Itália, embora visse os contingentes da força expedicionária quando partiram do Rio. A curiosa situação ideológica desses homens — que lutavam contra o Eixo em nome do Estado Novo — não parece ter afetado seu moral, embora um ou dois oficiais se preocupassem com a possibilidade de entre eles haver simpatizantes do Eixo e de que os democratas puristas no Brasil estivessem obstruindo as preparaçÕes militares. Dos 15 mil que lutaram no front , cerca de 2 mil foram feridos e 450 morreram. Uma das vítimas indiretas no Rio foi o general Góis, cuja saúde era fraca e que achava que Dutra estava fazendo um péssimo planejamento militar; o mais importante político militar desde 1930 renunciou ao posto de chefe de Estado-Maior e assumiu um posto diplomático em Montevidéu, oferecido por Aranha.
A carta do Atlântico e o front doméstico Para Vargas, a declaração de guerra pode ter sido uma demonstração pública no que diz respeito à sua própria posição política. Enquanto os anglo-americanos falavam sobre a Carta do Atlântico e as quatro liberdades, o fato era que o Brasil nunca teve um plebiscito em relação à Constituição de 1937, e até mesmo as eleições para o congresso corporativo de Francisco Campos nunca chegaram a ocorrer e nenhuma assembleia desse tipo tomou posse. Sob o DIP e a polícia política não havia liberdade de imprensa, de expressão nem de reunião. Devido às condições de guerra, o presidente estendeu seu tempo no cargo sem oposição. A aliança indireta com a União Soviética criou novas anomalias para um regime que havia celebrado o início da guerra na Europa com uma nova série de prisões dos comunistas em massa. Os exilados comunistas que voltaram ao Brasil depois de Vargas declarar guerra ao Eixo descobriram que não eram especialmente bem-vindos. Foi, talvez, surpreendente que ele tenha se unido aos Aliados. Como Aranha escreveu a Góis em 1944: “Deus sabe como eu tirei Getúlio da estrada para a derrota em que ele estava levando o Brasil no conflito mundial”. O presidente, preocupado em vencer a guerra e com o esforço nacional necessário para isso, tendeu a deixar de lado seus problemas políticos domésticos, embora incentivasse Marcondes Filho, o ministro do Trabalho, a enfeitar sua política social e trabalhista como se fosse uma filosofia importante de Trabalhismo. Em outubro de 1943, afinal de contas, o coronel Perón havia assumido o Departamento do Trabalho na Argentina e começou a estabelecer a base de um movimento de massa com as bases dos sindicatos. Vargas não gostou nada da ação de diversas figuras proeminentes de Minas Gerais — inclusive Virgílio de Melo Franco — que assinaram um manifesto em outubro de 1943, exigindo a redemocratização do país. Melo Franco perdeu seu cargo no governo e o mesmo aconteceu com diversos outros signatários. Um discurso do presidente na inauguração de um novo prédio para o Ministério das Finanças atacou aqueles que pediam a democracia, usando termos emprestados das controvérsias dos anos 1930; enquanto prometia ajustar a estrutura política no momento certo para refletir os desejos do povo, ele reclamava da perda de tempo das discussões sobre as eleições, de dar prioridade na representação nacional aos trabalhadores, empregadores, fazendeiros e industriais — “novas classes, cheias de vigor e de esperança” — e sugeriu que os que desejavam as reformas combinavam as piores características dos constitucionalistas de São
Paulo e da Aliança Nacional de Libertação: reação e falta de prática. Em certo sentido, Vargas podia se dar ao luxo de assumir uma visão relaxada dessas agitações, enquanto os militares estavam totalmente ocupados com a preparação para a guerra e a máquina ditatorial ainda estava intacta. De modo significativo, no entanto, o primeiro sinal de grave mal-estar entre os servidores do Estado Novo veio das bases aéreas do Nordeste. Aqui, o contato com as ideias e o pessoal norte-americanos ocorreu primeiro e a Força Aérea Brasileira, embora acabasse por receber um ministério próprio de Vargas, não tinha nem a posição conservadora da marinha nem o apoio ao regime que havia sido construído no exército. O modo levemente antiquado e sem percepção com que Vargas respondeu à crescente pressão por democracia bem pode ter refletido as limitações de sua própria experiência política, seu instinto por adiar a ação e a fadiga que sentia depois de cerca de 13 anos no centro dos acontecimentos. Em meados de 1942, ele ficou de cama por mais de dois meses após um acidente de carro no qual seu maxilar, mão e coxa foram quebrados. No início de 1943, a família teve uma perda arrasadora provocada pela morte, por doença, do filho que também se chamava Getúlio. Era um jovem de vinte e poucos anos e sua morte teve um efeito sutilmente depressivo em Getúlio e em sua esposa, Darci. A tristeza de Darci converteu-se em um compromisso sincero com obras beneficentes; sua inteligência e juventude relativa haviam sido um apoio constante para o presidente nos anos anteriores. Vargas porém estava cada vez mais se apoiando em seu irmão Benjamim, o ex-farmacêutico, que havia criado uma guarda pessoal presidencial formada por gaúchos fortes vindos de São Borja depois do golpe integralista em 1938. A guarda realizava suas funções de quase polícia de vigilância dos adversários suspeitos, bem como de proteger o presidente em casa e nas aparições públicas. Benjamim tinha uma boa inteligência política, mas seu estouvamento, seus contatos com o submundo e seus interesses de negócios em jogos e em casas noturnas, chamavam a atenção dos estrangeiros para o pior lado do regime. Em 1943-1944, foi travada uma batalha interessante em relação a uma Sociedade dos Amigos da América. Essa sociedade estava estabelecida no Rio, com filiais por todo o país, com o general Manuel Rabelo como presidente e Aranha como vicepresidente; ela se transformou em um refúgio para democratas, adversários tradicionais de Vargas e comunistas. Os anticomunistas entre os militares chamaram a atenção de Dutra, que arrasou a sociedade, e o fracasso em conseguir permissão para uma reunião no Rio, na qual Aranha poderia aceitar a vice-presidência, colocou o ministro das Relações Exteriores em uma posição ridícula. Depois de ser ignorado por Dutra, que deixou de informá-lo sobre uma visita próxima à Europa, Aranha, que estava trabalhando duro para reabrir as relações diplomáticas com Moscou e às vésperas de outra visita a Washington, renunciou em 24 de agosto de 1944. Vargas não iria se manifestar para criar um foco para a oposição, que poderia se desenvolver em um partido político; ele também pode ter temido que Aranha, que havia se considerado um futuro presidente no início dos nos 1930, estivesse demonstrando uma ambição renovada. Depois de sua renúncia, Aranha recebeu uma carta de um dos poucos advogados especializados em casos de liberdades civis, sugerindo que ele poderia ter se dissociado decorosamente do Estado Novo ainda mais cedo. Em correspondência com o general Góis, a quem dissuadiu de renunciar o seu posto em Montevidéu em solidariedade à sua própria renúncia, Aranha argumentou que os elementos totalitaristas na Constituição de 1937 haviam traído a Revolução de 1930. Ele
afirmou que havia apenas servido o regime como ministro das Relações Exteriores por amizade a Getúlio e por patriotismo. No entanto, embora os Amigos da América fossem vencidos e Aranha renunciasse, as pressões por algum tipo de iniciativa política com aparência democrática estavam aumentando inexoravelmente. Em abril de 1944, num discurso à imprensa, Vargas já havia prometido em termos muito vagos que, quando a guerra terminasse, o povo poderia eleger seus representantes livremente; em um toque agradável, falou sobre completar “os órgãos institucionais que ainda não estão funcionando”. De fato, o presidente tinha pedido a Marcondes Filho que trabalhasse com as possibilidades políticas. Inicialmente, o ministro do Trabalho havia pensado em uma assembleia política eleita pelos sindicatos que estavam na verdade sob o controle de seu ministério; ele também sugeriu que, como Vargas havia suspendido o seu mandato de seis anos sob a Constituição de 1937 com a declaração de guerra, ele havia garantido para si mesmo um ano no governo depois que a guerra acabasse e, durante esse ano, um plebiscito poderia ser realizado a respeito das revisões constitucionais necessárias. Essas propostas eram transparentes demais para persuadir alguém de que havia a intenção de realizar uma mudança de direção verdadeira e, conforme o ano passou, elas foram superadas pelas opiniões entre os servidores públicos e entre os membros influentes do público. Mais tarde, no mesmo ano, foram feitos os primeiros movimentos para lançar o brigadeiro Eduardo Gomes, o comandante da Força Aérea que havia sobrevivido ao levante dos tenentes em Copacabana em 1922, como o candidato presidencial da oposição. Ao retornar ao país, Góis Monteiro foi assediado com solicitações dos oficiais do exército no Sul do Brasil para se posicionar contra o Estado Novo e Dutra, renovado por sua visita aos campos de batalha na Itália, havia chegado a uma conclusão similar. Vargas ainda tinha popularidade junto ao público; as ovações que recebeu durante a Semana da Pátria em setembro de 1944 persuadiram Vergara, seu secretário particular, a lhe sugerir que devia assumir a liderança na redemocratização do país. Góis, por acordo com Dutra, viu Getúlio em 1º de novembro e lhe disse, em tom grandiloquente, que havia voltado “para terminar o Estado Novo” e que deveria haver uma assembleia constituinte assim que possível. Vargas, demonstrando suas lembranças amargas da última assembleia desse tipo, respondeu que se opunha totalmente a uma outra, embora estivesse interessado em uma mudança de regime. Ele acrescentou que daria a Marcondes Filho a incumbência de esboçar um novo esquema e cooperar com Dutra e Góis nessa tarefa. A indicação mais clara de que algo estava para mudar em breve ocorreu mais adiante nesse mês, quando o versátil Francisco Campos, que depois viria a se desculpar pela duração do Estado Novo, disse a Getúlio que ele precisava se posicionar ao mesmo tempo em favor da democracia e da liberdade de imprensa. Em janeiro e fevereiro de 1945, com a guerra na Europa entrando na sua última fase, a estrutura do Estado Novo repentinamente desmoronou. Vários fatores foram responsáveis por isso: a queda na aprovação militar que havia sustentado o regime desde 1937 foi seguida imediatamente pela rivalidade entre as facções militares que pretendiam promover candidatos específicos; intelectuais e jornalistas, que há anos estavam irritados com as restrições, aproveitaram a nova situação para escapar aos censores e recuperar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão; todos os oponentes de Vargas, dos comunistas aos reacionários mais
conservadores, e todos aqueles que haviam se afastado de Getúlio em algum ponto do caminho do palácio estadual em Porto Alegre — de Juraci Magalhães a Aranha —, agora pressionavam para que a mudança acontecesse. Em 26 de janeiro, um Congresso de Escritores Brasileiros, realizado em São Paulo, exigiu completa liberdade de expressão e um governo eleito pelo “voto secreto, direto e universal”; quase um mês depois os censores do DIP foram enganados e a imprensa publicou uma entrevista com José Américo de Almeida, realizada por um jovem ornalista chamado Carlos Lacerda, na qual o candidato silenciado em 1937 exigia eleições presidenciais e dizia que era inadequado que Getúlio concorresse. Enquanto isso, o governo estava preso às dificuldades técnicas de satisfazer o clamor por eleições livres dentro da constituição do Estado Novo. Em janeiro, Dutra e Góis Monteiro disseram a Marcondes Filho que uma proposta por eleições diretas nos municípios seguidas por uma eleição indireta para presidente seria uma farsa. Vergara, o secretário de Vargas, não tinha ficado muito impressionado com um dossiê completo preparado pelo ministro que o presidente lhe dera para analisar no mesmo mês. O dossiê propunha que todos os ministros assinassem um manifesto declarando que o problema político de um retorno à legalidade constitucional estava agora aberto à discussão, junto com atos que preparassem a eleição de um presidente e um congresso e o esboço de uma nova lei eleitoral. Vergara apontou que a ideia de um manifesto ministerial tenderia a desacreditar a própria autoridade do presidente e isso foi deixado de lado. O restante se transformou na emenda constitucional número 9 à Constituição de 1937, publicada em 28 de fevereiro, logo depois de a candidatura de Gomes ter se tornado uma proposição formal na imprensa recém-liberada. A emenda estabelecia a eleição direta do presidente, do Congresso, dos governadores e dos legisladores dos estados. Dentro de 90 dias Vargas anunciaria as datas da eleição e o novo presidente e o novo congresso teriam a liberdade de alterar a constituição e de submeter essas propostas a um plebiscito. Os acontecimentos começaram a se acelerar conforme Vargas se voltava para uma solução que iria afirmar sua última e democrática fase de atividade política: ele estabeleceu as bases de dois partidos que refletiriam sua herança e optou firmemente por uma posição pró-trabalhista. Em março, fez algo raro: realizou uma grande coletiva de imprensa em sua casa de verão em Petrópolis, na qual explorou o golpe de 1938, em uma tentativa de mostrar que sempre havia sido hostil aos “nazifascistas”, apontou que o Brasil nunca tivera um partido oficial, nem uma religião perseguida nem fizera do racismo um princípio cardinal, e defendeu a Constituição de 1937 nos termos “democráticos” que havia praticado diante dos críticos estrangeiros. Fez um aceno aos comunistas — cujo líder, Luís Carlos Prestes, ainda estava na prisão —, dizendo que era impossível continuar a ignorar a Rússia e que estava pronto a considerar uma anistia para o prisioneiro famoso. Ele também foi evasivo em relação a ser ou não candidato à presidência, embora em 11 de março, após alguns tumultos no Rio e em Recife, anunciasse que não concorreria. Getúlio mudou as posições em seu gabinete, tirando o Ministério da Justiça de Marcondes Filho, que ficou com o do Trabalho, e nomeando Agamemnon Magalhães, um amigo de Dutra, para a pasta da Justiça e, portanto, para as preparações eleitorais. Marcondes Filho e Dutra não se davam bem e esse fator pessoal ajudou a explicar o estranho desenvolvimento de dois partidos varguistas: o Partido Trabalhista Brasileiro, que se baseava
na máquina sindicalista de Marcondes Filho, e o Partido Social Democrático (embora não tivesse nada em comum com os partidos europeus de mesmo nome), baseado nos interventores nos estados. A escolha de um brigadeiro da Força Aérea para coordenar a oposição definiu a posição de Vargas em favor de Dutra como candidato oficial; o presidente gostava dele porque era inexpressivo e havia se mostrado um colaborador leal, poderia contar com o exército e tinha o apoio de chefes dos estados, como o de Valadares em Minas. Também em março, João Alberto tornou-se chefe de polícia no Rio e anunciou que Prestes poderia receber visitantes.
Queda do ditador No final de 1945, com ataques da imprensa a Vargas e uma campanha presidencial em processo, o presidente que se retirava parecia um pouco confuso com o que estava acontecendo. Às vezes, ele sugeria que iria renunciar e se retirar para São Borja tão rápido quanto possível e que a última coisa que desejava fazer era ter de cooperar com um congresso ou uma assembleia constituinte. Em outros momentos, dizia que o Brasil era como um barril de pólvora e que seu dever patriótico era manter-se por um ano, apesar dos ataques pessoais sofridos. Havia uma leve sensação de 1937 no ar, conforme Vargas mostrava que tinha tão pouca fé em Dutra como candidato oficial quanto tinha tido em José Américo antes. Parecia estar à deriva dos acontecimentos, com frequência ansioso para sair, mas aberto às pressões de seus amigos no movimento queremista — assim chamado por causa do slogan“Queremos Getúlio” — que desejavam que ele permanecesse no cargo. Porém, a situação não era como a de 1937: os militares estavam comprometidos com as eleições livres; em vez da aceleração do totalitarismo, na prática havia agora o inverso, e a memória de como Vargas havia convertido uma possível derrota eleitoral, em 1930, em 15 anos de governo, havia deixado muitos conscientes e céticos em relação a qualquer ato que pudesse permitir a permanência dele. Em abril, Vargas deu anistia a todos os prisioneiros políticos e começou a girar as engrenagens diplomáticas para o reconhecimento e o intercâmbio de representantes com a União Soviética. Ao mesmo tempo, os exilados no estrangeiro, de diferentes tendências políticas, tiveram permissão para retornar ao país. Um dos principais resultados foi transformar o Partido Comunista Brasileiro em uma organização política legítima e testar a força da máquina sindical do Ministério do Trabalho. Quase uma década de repressão havia deixado os comunistas divididos e dispersos. No entanto, Luís Carlos Prestes, torturado, humilhado e isolado depois de vários anos na prisão, ainda era uma lenda popular. Nas circunstâncias, com uma trégua entre os Estados Unidos e os soviéticos, os comunistas no Brasil podiam esperar uma expansão e a posição que Prestes tomou seria crucial. Vargas, até então celebrado com uma estátua no Rio de Janeiro por um de seus pronunciamentos anticomunistas, não era um candidato óbvio ao apoio de Prestes. No entanto, os tempos eram peculiares. Todos estavam em busca do apoio dos comunistas, em parte porque eles desfrutavam de prestígio, em parte porque podiam oferecer uma mercadoria rara e valiosa: uma organização política nacional. Inicialmente, a União Democrática Nacional, mostrando-se como os evangelistas brasileiros dos aliados vitoriosos, haviam estado em contato com os comunistas e pareciam ter probabilidade de se beneficiar. Dutra, que estava buscando ter um apelo universal — propondo mais para as classes trabalhadoras, mais garantias de liberdades civis e amizade sólida com os
Estados Unidos — estava também tentando desfazer seu próprio passado anticomunista. Em uma carta datada de 17 de abril, publicada na imprensa do Rio um pouco depois, ele disse: “Minha posição em relação ao comunismo é a única que julgo correta para qualquer homem com responsabilidade na vida pública nacional: reconheço que ele tem pleno direito à existência legal. Que ele pode organizar-se, que ele age como qualquer outro partido, lutando pelo poder por meio das eleições e que deseja, por meio de seus representantes, influenciar a vida administrativa e política do país”. Porém, menos de dez dias depois, Prestes rejeitou os dois candidatos existentes, falou vagamente sobre um terceiro e indicou que os comunistas, de qualquer modo, não estavam muito ansiosos por eleições rápidas. Isso lançou uma nova linha no partido comunista na qual o partido iria se tornar o mais aberto partidário de Vargas, incentivando a campanha para a criação de uma assembleia constituinte enquanto Getúlio ainda era presidente. Foi um casamento de conveniência — de fato, pode-se duvidar de quanto o presidente buscou ativamente esse apoio —, mas isso indica, por parte do partido, uma apreciação da popularidade de Vargas entre a classe trabalhadora e uma necessidade de se ajustar à máquina trabalhista do governo. Na metade do ano, Vargas pareceu tender para a esquerda em sua política doméstica com um decreto antimonopólio, emitido em junho, que a UDN pensou ter parcialmente como alvo Assis Chateaubriand, o anti-Vargas proprietário de uma cadeia de jornais, mas o presidente também adiou a implementação do decreto. Os jornais da oposição acusavam Marcondes Filho de instigar greves a partir do Ministério do Trabalho, apesar da ilegalidade delas sob a Constituição de 1937. Com o final da guerra, havia um desejo geral, tanto entre os grupos das classes trabalhadoras quanto das classes mais ricas, de se afastar das restrições econômicas do Estado Novo. O período de guerra havia intensificado as conexões econômicas entre os Estados Unidos e o Brasil, expondo os brasileiros ao desempenho superior da economia norteamericana e aos valores intervencionistas do capitalismo norte-americano. A UDN veio a sintetizar uma campanha dupla por uma democracia liberal com maior liberdade para o investimento capitalista e para as empresas norte-americanas. Estas empresas, com uma percepção melhor do potencial brasileiro, naturalmente incentivaram tais políticas através de seus aliados locais. A demanda de consumo reprimida entre as classes mais abastadas, que aspiravam a uma escolha mais ampla de bens de consumo, era considerada como certa em uma economia capitalista avançada como os Estados Unidos, enquanto os grupos mais pobres foram levados a esperar uma melhora de vida simplesmente com a negociação mais livre de salários. Em 1º de maio, Vargas, falando em um grande comício num estádio de futebol no Rio, elogiou Dutra a pedido deste e explicou que sua própria missão estava praticamente concluída. No dia 28 do mesmo mês, assinou um decreto que marcava a eleição presidencial para 2 de dezembro, enquanto a eleição de governadores e deputados estaduais ocorreria a 6 de maio de 1946. Isso poderia ter sido um golpe para seus próprios amigos e, em especial, para o PSD: as probabilidades dos governadores no poder definirem sua própria sucessão seriam muito mais elevadas se as eleições estaduais ocorressem na mesma data que a presidencial. Embora a campanha presidencial de Dutra estivesse enfrentando dificuldades, sem muito impacto público, ele permanecia como ministro da Guerra e Vargas suspeitava das intenções dele.
Dutra esperou até agosto antes de renunciar a sua pasta, como era exigido pela emenda 9 à Constituição de 1937 e, então, Góis Monteiro assumiu o ministério, como sugerido por ele e por Vargas. Enquanto isso, Vargas havia sugerido que a candidatura de Dutra fosse abandonada e proposto diversos nomes, inclusive o de Góis, como possíveis substitutos. Até agosto, o PTB, o partido da classe trabalhadora, que havia nomeado Vargas seu presidente honorário, não havia demonstrado interesse em apoiar nenhum dos candidatos militares. O general Góis aceitou o Ministério da Guerra sob duas condições. A primeira era de que Vargas garantisse que as eleições seriam realizadas em 2 de dezembro. A segunda era de que o governo não fizesse nenhum acordo com o Partido Comunista. Esta última era um tanto falsa, pois o próprio Góis havia conversado com Luís Carlos Prestes em uma tentativa de interessar o partido na candidatura de Dutra. O que as duas condições de Góis refletiam era a considerável suspeita entre os militares graduados em relação à capacidade de Vargas para fraudar as eleições. Isso não era de surpreender, pois ele havia sido pressionado a mantê-las. Em agosto e setembro, a popularidade de Vargas pareceu aumentar conforme os soldados da força expedicionária começavam a voltar para casa, e um novo movimento queremista rapidamente ganhou força. Os emotivos cariocas estavam orgulhosos dos soldados que tinham ido para além-mar e gratos por tê-los em casa em segurança novamente. Foi um apogeu para a política de brasilidade do presidente. Porém, em suas visitas à zona portuária, Vargas intencionalmente levava Góis ou Mascarenhas de Morais como acompanhantes, em vez de levar Dutra. A imprensa sem controle e majoritariamente de oposição atribuía os piores motivos ao presidente, enquanto os queremistas começavam a fazer demonstrações e inundavam as ruas com seus pôsteres. Os queremistas não pareciam ter muito incentivo por parte de Vargas, pelo menos no início; eles representavam um tipo de clube de partidários, que se baseavam no Ministério do Trabalho, a origem do PTB e, com a ajuda dos comunistas que reviviam, das pessoas com interesses no aspecto trabalhista do regime que buscavam lucrar com a popularidade de Getúlio junto ao público. Eles teriam pouco a se beneficiar com Eduardo Gomes ou com Dutra. A UDN de Gomes, embora fosse uma coalizão estranha que unia elementos tão díspares quanto Flores da Cunha, Otávio Mangabeira, que havia sido expulso pela Revolução de 1930, e a simpatia de Osvaldo Aranha, era essencialmente um partido de classe média e do livre empreendimento, que tinha pouco apreço pela organização sindical ou pelos grandes gastos do governo. O PSD de Dutra também era heterogêneo. Ele combinava vários dos interventores do sistema de Vargas para administrar os estados, juntamente com grandes proprietários de terras, novos industriais e as classes médias urbanas mais nacionalistas e administrativas que tinham começado a se desenvolver à sombra das políticas centralizadoras e industriais de Vargas. No entanto, esse agrupamento, com seus fortes vínculos militares, não merecia confiança em relação a manter as políticas de bem-estar social e trabalhista que haviam permeado, como um fio firme e paternal, todos os governos de Vargas, de Lindolfo Collor a Marcondes Filho. Os queremistas apelavam a um compreensível sentimento de conservadorismo entre a crescente classe trabalhadora urbana. Vargas fora presidente por tanto tempo que o Brasil podia parecer inseguro sem ele. Em 7 de setembro, depois do prazo em que os possíveis candidatos presidenciais deviam renunciar aos cargos que ocupavam, Vargas repetiu que pretendia manter a ordem para as
eleições e, depois, se aposentar. Porém, em 3 de outubro, aniversário da Revolução de 1930, cerca de 100 mil queremistas fizeram um comício no Rio e marcharam para o Palácio Guanabara, desafiando a permissão policial. Eles não só levavam cumprimentos ao presidente como também uma declaração de que a eleição de 2 de dezembro deveria visar a uma assembleia constituinte. Vargas, que se sentia cansado e pressionado por amigos e inimigos, pensou seriamente em renunciar na hora. Segundo Alzira, ele havia preparado uma declaração que teria forte semelhança com seu depoimento derradeiro de despedida em 1954. Ele teria se referido a “poderosas forças reacionárias, algumas ocultas, algumas abertas” que o impediam de servir aos brasileiros como ele teria desejado. No entanto, Góis, João Alberto e Agamemnon Magalhães aconselharam-no a não renunciar. Em vez disso, de modo fatalista, ele disse à multidão que os acontecimentos não mais dependiam de sua vontade, que era a vontade do povo; embora não fosse candidato, ele achava que a solução de uma assembleia constituinte sob sua presidência era preferível ao caminho que o governo estava seguindo. Ele acrescentou de modo sombrio: “Devo dizer-vos que existem forças reacionárias poderosas, algumas ocultas, algumas abertas, opostas à convocação de uma assembleia constituinte. Posso afirmar que, até onde as coisas dependam de mim, o povo pode contar comigo”. Durante todo o mês de outubro houve um senso crescente de deriva na política brasileira. Vargas não demonstrou nem capacidade nem desejo de imprimir sua vontade sobre os eventos enquanto as intrigas se multiplicavam a seu redor. Os queremistas esperavam criar uma tal maré na opinião pública que sua solução se tornasse inevitável. A UDN e, em menor escala, o PSD consideraram um golpe militar para remover o embaraço de um presidente que não era confiável nem estava no controle. O próprio Vargas ainda estava pensando em se aposentar, embora não estivesse totalmente surdo aos pedidos dos que se chamavam seus amigos. Enquanto isso, uma crise política dramática e relevante estava em desenvolvimento na Argentina. Em 1º de outubro, Juan Domingo Perón, vice-presidente, ministro da Guerra e secretário para o Trabalho e Bem-Estar Social, foi incentivado a renunciar e, no dia 9, foi anunciado que ele havia renunciado a todos os seus postos depois de um golpe no interior do regime militar. No dia 13, ele foi capturado no local em que se escondia. Demonstrações favoráveis a Perón, patrocinadas pela máquina do sindicalismo estabelecida nos últimos anos pelo secretariado do trabalho e do bem-estar social irromperam por todo o país. No dia 17, depois de uma demonstração maciça, que durou todo o dia, diante do palácio presidencial no centro de Buenos Aires, o frágil governo do general Edelmiro Farrell cedeu e libertou Perón que, a partir daí, tornou-se o principal poder no país e o candidato oficial à presidência. Tudo isso foi observado atentamente pelo Brasil. Batista Luzardo, o gaúcho que era na época embaixador brasileiro em Buenos Aires, havia conscientemente atravessado um cordão policial para apresentar seus respeitos à futura Eva Perón na noite do dia 16. Vargas, depois de receber seu relatório, disse a um Góis cético que o retorno de Perón demonstrava o poder das massas. No Brasil, a crise se acelerou em 10 de outubro, quando Vargas alterou abruptamente as regras eleitorais ao adiantar a data das eleições estaduais para 2 de dezembro. Supostamente, este era um movimento favorável ao PSD e a Dutra e, portanto, a um modo eleitoral de lidar com a crise iminente; mas para a UDN e a imprensa de oposição, isso significava que se Vargas pudesse mudar as regras uma vez, poderia fazê-lo de novo, e os queremistas foram convenientemente incentivados. Uma noite, nessa época, Góis visitou o Palácio Guanabara e
descobriu que Benjamim havia colocado a guarda pessoa em alerta máximo e que o lugar estava repleto de precauções de segurança. Benjamim disse que havia uma conspiração em andamento. Góis respondeu que não havia causa para alarme, ele poderia garantir a segurança do presidente. Com Getúlio estimulando os trabalhadores a se filiar ao PTB, os queremistas fazendo mais demonstrações e Góis, como ministro da Guerra, prometendo publicamente garantir as eleições, a crise chegou ao auge no final do mês. A polícia, comandada por João Alberto recusou permissão para uma reunião queremista no dia 27. Vargas, portanto, decidiu fazer uma troca de postos que tornaria João Alberto o prefeito do Rio de Janeiro e levaria seu irmão Benjamim ao cargo de chefe de polícia. Benjamim vangloriou-se de sua próxima indicação — ele supostamente disse que teria trinta novos leitos na Casa de Detenção para uso dos generais conspiradores —, e João Alberto estava pronto, a princípio, a aceitar a troca de posição. No entanto, logo ficou claro que as mudanças encontrariam hostilidade militar. No dia 25, Getúlio disse a seu secretário, Vergara, que os generais estavam conspirando sob a liderança de Góis. “Agora o pretexto é a nomeação de ‘Beijo’ para chefe de polícia. Não concordam e pretendem dirigir-me um ultimato, exigindo revogá-la. É uma posição de confiança para o chefe de governo, mas não posso nomear para ela o meu próprio irmão, que em matéria de confiança não pode deixar de ser o mais indicado”. A versão de Góis é diferente. Segundo seu relato, ele não ouvira definitivamente falar da alteração planejada antes do dia 29, quando João Alberto telefonou-lhe em casa, de manhã, e lhe explicou as mudanças enquanto se dirigiam de carro para o trabalho no centro do Rio de Janeiro. De novo, segundo Góis, ele lançou um violento ataque a Vargas, afirmou que a indicação de Benjamim era uma ruptura de seu entendimento com o presidente e que o presidente não poderia mais permanecer em um governo que estava mantendo com dificuldade. Após chegar ao Ministério da Guerra, Góis escreveu uma carta de renúncia. Ele também colocou comandos militares em alerta por todo o país e declarou-se comandante supremo da Força Aérea e da Marinha. O homem que por tanto tempo fora a eminência parda dos governos de Vargas e que tantas vezes fora acusado de querer o poder supremo iria agora desfrutá-lo brevemente. Enquanto os tanques cercavam o Palácio Guanabara, corriam os boatos de que os queremistas iriam convocar uma greve geral, foram feitas diversas tentativas de uma conciliação entre os generais e Vargas. Agamemnon Magalhães e João Alberto tentaram persuadir o presidente a não escolher seu irmão, e o próprio Benjamim foi recebido de modo rude por Góis quando ligou para ele como o novo chefe de polícia. Significativamente, Dutra apoiou os generais e, em harmonia com o Ministério da Guerra, concordou com Eduardo Gomes que José Linhares, presidente do supremo tribunal, deveria ser um presidente interino até que as eleições terminassem. Essa era uma fórmula que a UDN apoiava há alguns meses, mas naquelas circunstâncias, era um garantia para Dutra de que Góis não iria se tornar o senhor do Brasil. Magalhães fez todo o possível para persuadir Góis a falar diretamente com Vargas. Em certo ponto, ele parecia pronto para ir, mas um outro general, Alcio Souto, temia que o presidente conseguisse negociar sua saída da crise e disse: “Não, Góis. Você não vai sair daqui. Ainda há muito para por em ordem”. Dutra ligou para Getúlio, apenas para descobrir que ele estava irredutível quanto à escolha do seu irmão. “Se não tenho liberdade para escolher nem um chefe de polícia em quem confie, isso significa que não sou mais presidente.” A
recusa de Getúlio em negociar levou os generais a uma definição. Osvaldo Cordeiro de Farias, ex-tenente, interventor no Rio Grande do Sul e comandante na Força Expedicionária Brasileira, aceitou com relutância a missão de levar um ultimato ao presidente. Getúlio foi muito cordato, mas falou em morrer lutando se o palácio fosse bombardeado. Cordeiro de Farias enfatizou que os militares não permitiriam que nada de tão dramático acontecesse. Com o palácio cercado, os generais poderiam só fazer com que Vargas parecesse ridículo. Na verdade, eles estavam dispostos a dar plenas garantias a ele e a sua família. Depois de alguns minutos de contemplação, Vargas concordou em renunciar à presidência, pedindo apenas para ser levado de avião a São Borja. Recebeu um ou dois dias de prazo para fazer as malas. Seguindo o conselho de João Alberto, ele escolheu o mais brando dentre dois manifestos pessoais para publicar quando de sua partida. Enquanto isso, Linhares tornou-se o presidente interino e, sob firmes garantias de Góis, a campanha eleitoral continuou sem mais rumores sobre haver primeiro uma assembleia constituinte.
Por que Vargas caiu O relato da queda de Vargas feito pelo general Góis, conforme as suas reminiscências a Lourival Coutinho, certamente contou apenas parte da história. Embora Góis tivesse pavio curto, a ideia de que a derrubada de Vargas tenha surgido espontaneamente no banco de trás de um carro em 29 de outubro não é nada convincente. Ela ignora o fato de que Góis deve ter sabido das mudanças iminentes até quatro dias antes — embora ele possa não tê-las ouvido do próprio Vargas — e que havia rumores de conspiração militar contra o presidente pelo menos desde o início do mês. Pode muito bem ter ocorrido que o próprio Góis estivesse tentando minimizar sua agitação. Por outro lado, Estilac Leal, um oficial pró-Vargas que comandava a Brigada no Rio Grande do Sul, afirmou que, desde agosto, Góis tinha inundado os comandos regionais com referências sombrias à situação política e com solicitações para que as tropas fossem mantidas em prontidão máxima. A indicação do impopular Benjamim foi um pretexto conveniente para um manobra que, sem a menor dúvida, já havia sido objeto de muita reflexão. Vargas, em especial se estivesse tentado a retomar um papel político no crepúsculo da sua presidência, era um embaraço para os militares. Embora divididos entre dois candidatos, eles estavam unidos no desejo por uma eleição. Além disso, para Dutra e Góis, a queda de Getúlio foi um tipo de catarse histórica, uma expiação para o agora impopular Estado Novo. Eles e o exército haviam tornado possível a ditadura de 1937 e eram eles agora que desferiam o golpe de misericórdia em seu criador. Porém, seus atos tinham outro significado: o próprio exército, crucial para a derrubada do Império em 1889, mas posteriormente enfraquecido e que só retomara sua importância política com o próprio Vargas, havia então assumido o poder, mesmo que apenas temporariamente, por direito próprio. Igualmente, ao se mover contra Vargas e assim esmagar os queremistas, o establishment militar estava impedindo qualquer solução peronista no Brasil, qualquer aliança entre os militares e os trabalhistas e quase garantindo que houvesse um confronto. Os motivos de Getúlio na crise são difíceis de isolar, pois ele parecia estar praticando a arte do adiamento — de deixar como está para ver como é que fica —, o que tornou enigmáticos seus objetivos reais. Foi por causa desse traço, demonstrado durante quinze anos, que algumas
pessoas começaram a suspeitar dele quando prometeu presidir as eleições e quando parecia ceder aos queremistas. Em um nível pessoal, o lado fatalista e resignado do seu temperamento era o oposto completo de suas tendências ditatoriais para “ordem”. Embora a situações política fosse inteiramente diferente, ele parece ter sido perturbado exatamente pelo mesmo tipo de dúvidas e angústia mental que teve em 1937, quando julgou que seu tempo de governo estava por terminar. Para seus oponentes, tudo isso se resumia a um simples fato: o ditador não queria se afastar do poder. Em essência, isso era provavelmente verdadeiro, embora para Vargas parecesse que havia motivos patrióticos tentando-o a engolir suas objeções à ideia de trabalhar com uma assembleia constituinte novamente. Ele não tinha em alta conta Dutra e os políticos brasileiros que poderiam assumir depois das eleições presidenciais e, quando falou das forças reacionárias, ele se referia exatamente a que, depois de seu afastamento, suas leis econômica e trabalhista pudessem ser revogadas. Devido ao golpe militar, é claro, a questão principal nunca foi respondida: se permanecesse na presidência, Vargas teria permitido que as eleições presidenciais ocorressem em 2 de dezembro? O confronto definitivo em relação à indicação de Benjamim tinha um quê de inevitabilidade. O que pareceu um movimento agressivo para os generais desconfiados, que tinham motivos para serem hostis pessoalmente a ele e também ao movimento queremista, foi também parcialmente defensivo. Getúlio não tinha esquecido que na época do golpe integralista, quando as tropas regulares haviam sido visivelmente lentas em vir a seu socorro, Benjamim havia desempenhado um papel decisivo na defesa do Palácio Guanabara. A partir daí ele havia desenvolvido a guarda pessoal com seu próprio serviço de inteligência. Não foi de surpreender que, no final de 1945, com uma nova conspiração contra ele, Vargas se voltasse para o irmão mais novo para que este assumisse a polícia da capital para protegê-lo. Quando os militares se recusaram a aceitar Benjamim, o orgulho do presidente foi atingido. No entanto, embora possa parecer verdade que se ele não pudesse escolher o próprio irmão para um cargo importante ele não era mais o presidente de fato, ele não teria reagido de modo tão pessoal em outros períodos de seu governo. Um dos segredos de seu sucesso anterior havia sido a atitude de consulta que ele havia adotado para os cargos politicamente importantes. Era seu estilo divulgar diversas possibilidades e, se houvesse algum veto, escolher outra pessoa. No famoso caso do interventor de Minas, Getúlio havia, na verdade, anunciado a indicação de Virgílio de Melo Franco em um decreto em 1933, antes de voltar atrás e optar por Valadares. O fato decisivo na derrubada do presidente foi a perda mútua de confiança entre ele e os oficiais graduados. Do ponto de vista de Vargas, o problema era que a guerra e as eleições haviam politizado as forças militares de um modo sem precedentes. Pela primeira vez em sua época, todas as seções da classe dos oficiais havia se envolvido na política, em alguma medida em oposição a ele, ajudando a planejar programas e a construir apoio civil ao redor dos candidatos militares rivais. Era irônico que as eleições livres tivessem exposto essa inimizade militar e levado as facções militares a se unir para derrubar o presidente. Porém, isso realmente se originou da supressão dos partidos civis realizada por Vargas e de sua dependência do exército quando ele criou o Estado Novo. A falta de figuras públicas civis atualizadas e a necessidade de agradar às forças militares, havia levado a nova UDN a escolher Eduardo Gomes como seu candidato. À luz dessa escolha, e por motivos bastante similares, Vargas então apresentou a candidatura de Dutra; na época, ele comentou que escolheria uma espada
para lutar contra outra espada. Vargas sempre havia estado em parte à mercê do exército — e isso havia ficado óbvio na época da rebelião de São Paulo —, mas os acontecimentos políticos que levaram às revoluções de 1930 e de 1937, haviam lhe dado uma posição de domínio. Em uma situação de política semiaberta, um civil poderia se transformar em um ditador apoiado pelos militares; em uma situação de ditadura que estava se abrindo para a democracia, o civil poderia ser descartado a fim de abrir caminho para um presidente militar eleito porque a verdade era que, desde 1930, quando tivera a Brigada gaúcha sob seu comando, Vargas não havia tido controle direto de uma força armada. A autonomia das forças militares havia se ampliado conforme elas se fortaleceram nos anos 1930 e participaram da guerra. A cooperação militar com os Aliados, incluindo missões de treinamento e de compra nos Estados Unidos e a participação na luta sob comando norte-americano em um teatro longe do Brasil, haviam aumentado a autoconfiança dos generais e sua disposição para examinar novas ideias. Na companhia mais esclarecida que mantinham agora, impregnados com a visão anglo-saxã de democracia, eles não podiam deixar que considerar que o sistema brasileiro de Vargas era decrépito e restritivo. Porém, havia também verdade no contra-ataque de Vargas — de que ele estava cercado por forças reacionárias. O movimento das ideias políticas nas forças militares não é fácil de mapear, mas existe pouca dúvida de que alguns dos tenentes de 1930 haviam se tornado muito mais conservadores, por volta de 1945, em termos de sua conversão ao capitalismo de livre empreendimento, em toda sua postura quanto a questões econômicas e sociais. Alguns, como Juarez Távora, sempre haviam sido bastante conservadores. Enquanto Vargas admirava em Roosevelt o forte líder nacional e o reformador social, os militares que se encontravam sob a influência norte-americana estavam impressionados com a livre empresa, o capitalismo internacional e a democracia. O presidente estava certo em suspeitar que, por trás da preocupação com a democracia, havia também uma hostilidade à intervenção econômica do estado do tipo que estava construindo a siderúrgica de Volta Redonda, e uma falta de simpatia por suas políticas trabalhista e de bem-estar social. De certo modo, essa era a mesma batalha que ele havia lutado contra os paulistas em 1932, mas com a passagem do tempo, essa mistura de ideias havia se espalhado entre os militares bem como entre os civis com consciência política. Seria possível dizer que os militares, que ainda eram uma classe rebelde em 1930 e em 1932, haviam se transformado no establishment social depois de 1937; mas de uma forma estranha, Vargas, o revolucionário conservador de 1930, havia não só preservado, mas até mesmo ampliado seu status como revolucionário social. Enquanto o fenômeno do peronismo provocava rejeição em pessoas como Góis, que poderiam ver nele também uma ameaça à supremacia das forças armadas, para Getúlio essa era uma demonstração empolgante do poder das massas. Quer fosse por fadiga ou por falta de imaginação política, Vargas era incapaz de administrar a transição do país para fora do Estado Novo e da guerra. Era inevitável que o fim da guerra visse uma grande busca por novas formas de expressão política — testemunhada pelo surgimento dos governos comunistas na Europa Oriental, da Democracia Cristã na Europa Ocidental ou do governo Trabalhista na Grã-Bretanha —, e Vargas, que era enfraquecido por sua associação com o status quo, hesitou fatalmente entre seu desejo de se aposentar e seu desejo quase automático de permanecer no poder. Ele foi uma baixa da paz tanto quanto uma
pessoa totalmente diferente: Winston Churchill. Mais surpreendente, talvez, fosse o fato de Vargas não ter sido derrubado antes, nem no ponto em que o Brasil entrou na guerra, nem em maio de 1945, quando terminou a guerra europeia. Ele não era um Stalin, com uma máquina ditatorial de ferro que poderia se alinhar obedientemente a mudanças drásticas de política. Os interventores, bem como os líderes militares, eram bastante autônomos e, apesar da censura de imprensa, ainda havia gradações de tom nos comentários publicados sob o Estado Novo. A sobrevivência de Vargas por tanto tempo devia-se à habilidade dele para resolver os conflitos de interesse e ideológicos que o rodeavam, e a sua própria capacidade de personalizar uma ideia do interesse nacional concebida de forma serena. Assis Chateaubriand descreveu-o como um “animal telúrico” e, embora certamente não fosse um democrata modelo, ele tinha uma facilidade incomum para representar os desejos profundos dos brasileiros comuns. Sua grande correspondência política, seu uso da família e de informantes casuais e sua atenção às piadas políticas que corriam entre os cariocas durante a ditadura significavam uma tentativa persistente e cuidadosa de se manter à frente dos movimentos da opinião pública. Parecendo alguém de mente aberta e capaz de persuasão nas questões que afetavam os interesses vitais do Brasil, Vargas não era, portanto, um homem que parecesse necessário depor meramente para seguir uma política particular. Em menor escala, o mesmo se aplicava às personalidades: Ademar de Barros e Batista Luzardo foram apenas dois de seus antigos oponentes que se transformaram em colaboradores importantes. O gracejo de Vargas de que nunca faria um inimigo de alguém que não pudesse ter como amigo era uma afirmação cínica extremamente significativa. Em um extremo isso explicou por que um outro general poderia ter medo de que, se Góis Monteiro se encontrasse com o presidente, mesmo quando ele e o exército pareciam totalmente comprometidos em tirálo do poder, Vargas pudesse, de algum modo, encontrar um meio-termo. Por outro lado, isso explicava por que Aranha estava disposto a se tornar ministro das Relações Exteriores embora convencido de que o presidente cometera um grave erro ao declarar o Estado Novo. O caminho independente e nacionalista de Vargas inspirava respeito, por mais erradas que algumas políticas específicas pudessem parecer ou por mais que ele desse a impressão de comer suas palavras ao mudar de direção. Ele havia adotado políticas de melhoria social enquanto, simultaneamente, destruía a ANL; havia declarado o Estado Novo e, depois, sobrevivido a um golpe dos integralistas; havia incentivado o Eixo, em especial os italianos, a crer que lhes era simpático e, depois, enviara tropas para lutar ao lado dos Aliados. Em uma época de consciência nacional áspera, ele havia dados aos brasileiros, com percepção e com certo custo emocional no trato com o Rio Grande do Sul, o núcleo de um estado industrial moderno e um senso de nacionalismo do século XX, em vez do particularismo local do Império brasileiro. Porém, em 1945, o exército decidiu colocar um fim à figura de Pai da Pátria. Vargas fez o que periodicamente dizia desejar: retirou-se para a fazenda de Itu, em São Borja.
5 GETÚLIO VAI PARA CASA
G
etúlio tinha mais de sessenta e dois anos ao ser levado de volta para São Borja. O mundo, o Brasil e até mesmo São Borja haviam mudado consideravelmente nos vinte e dois anos passados desde que Getúlio saíra de lá. Durante a maior parte do tempo que se passou até que retornasse à presidência, Getúlio viveu uma vida calma, provinciana e retirada — não muito diferente do estilo caseiro de seu pai, o general. Não demonstrou desejo de viajar pelo mundo nem de escrever memórias justificativas. Em vez disso, preferia ter a família à sua volta, conversar sobre política calmamente com os vizinhos, tomar um gole do chimarrão, andar a cavalo de vez em quando e plantar árvores cujas flores sabia que seriam vistas apenas pelos seus netos. Depois das longas horas passadas no Palácio do Catete, com responsabilidades perenes e a permanente sensação de crise, o tempo em Itu foi para ele um repouso merecido. Não estava próximo o suficiente do Rio de Janeiro para ser importunado frequentemente e sem motivo por visitantes políticos importantes. Não estava ostensivamente se preparando para a retomada do poder, como De Gaulle em Colombey-les-Deux-Églises. Durante vários meses, Getúlio ficou esquecido nos pampas, livre para ruminar suas memórias longe dos olhos da história. Mas na sua chegada a Itú, quando a casa do rancho ainda não estava construída segundo suas determinações, Getúlio ainda representava um fato político de algum peso. O governo interino de José Linhares se distanciava cada vez mais de sua política, especialmente na área econômica, e a campanha eleitoral ainda estava em pleno vigor. Dutra estava preocupado com suas chances no novo contexto e o PTB desorientado pela renúncia de Vargas. Linhares deu vários cargos à UDN, retirou o decreto antitruste de Vargas e iniciou o processo pelo qual o saldo de guerra em dólares e libras esterlinas poderia ser usado para a importação de bens de consumo, e não para equipamento industrial segundo os planos de Getúlio, além de alterar a data das eleições estaduais. Este último item foi um movimento irônico em vista das queixas da UDN em relação às mudanças dessas datas por Vargas. O governo interino fez uma verdadeira limpeza entre os interventores getulistas nos estados, e a expectativa geral nos círculos políticos era que Eduardo Gomes ganharia de lavada em 2 de dezembro. Dutra, que não possuía carisma nem era bom orador, tinha apenas a garantia duvidosa de que a sobrevivência de Góis Monteiro no gabinete de Linhares promoveria eleições justas. Nessas circunstâncias, apesar dos quinze anos passados desde que Getúlio havia concorrido a um cargo eletivo, a única fonte certa dos votos que poderiam resgatar a candidatura de Gaspar Dutra estava perdida em algum lugar na fronteira com a Argentina. Getúlio divertia-se com o espetáculo. Apesar dos conselhos do general Góis Monteiro para que se abstivesse de concorrer a qualquer cargo nas eleições, aceitou a nomeação do PSD do Rio Grande do Sul para uma vaga no Senado. Também nos outros estados, o PTB entendeu o sinal de que deveria indicá-lo em suas chapas locais, e assim Getúlio acabou roubando votos de candidatos locais graças ao seu carisma. Foi cortejado de perto pelos defensores de Dutra. Dentre os que tentavam persuadi-lo a seguir este caminho, estava o seu antigo companheiro de O Debate, João Neves, e um especulador de algodão que havia sido líder queremista no PTB, Hugo Borgui. Entretanto, Vargas não foi facilmente persuadido. Não tinha grande admiração por Dutra como possível presidente, apesar de sua fidelidade no cargo de ministro da Guerra. Por outro
lado, caso Gomes ganhasse, poderia haver represálias contra o ex-presidente e seus principais seguidores, ocasionadas por um excesso de zelo democrático e antifascista. Vargas também mantinha laços próximos com membros da campanha de Dutra, como por exemplo seu genro, Ernâni do Amaral Peixoto. Com um pouco de atraso, Getúlio emitiu uma mensagem ligeiramente rancorosa e dúbia, apoiando Dutra em 28 de novembro. Declarou que a abstenção nas eleições seria um erro, que jamais teria se recusado a entregar o governo após as eleições e que os eventos de 29 de outubro haviam sido “o resultado de erros e confusões cujos responsáveis deveriam se perdoar mutuamente”. As forças armadas deveriam estar acima de qualquer facção suspeita e não poderiam ser consideradas sob risco nas lutas entre partidos. Relembrando que havia recentemente aconselhado trabalhadores a apoiarem o PTB, acrescentou que o general Dutra “já havia provado que fazia parte do programa do PTB e que merecia o nosso voto”. Mas, argumentava, “me oporei a ele como presidente se não cumprir as suas promessas como candidato”. Apesar da máquina de justiça eleitoral montada por Getúlio dificultar a falsificação em massa de votos tão característica da República Velha, ainda havia certo nível de suborno em áreas urbanas e intimidação na zona rural. O sufrágio era restrito pela qualificação do alfabetismo, mas isso também podia se transformar em um abuso fraudulento. Os latifundiários, os “coronéis” de antanho, ainda conseguiam direcionar ou desviar votos para seus dependentes. Na política do sufrágio negociado, o PSD — veículo dos interventores de Vargas — levava uma vantagem considerável mesmo que o governo de Linhares tivesse diminuído seu apoio nos meses que antecederam as eleições. Apesar da confusa campanha eleitoral e da falta de coerência ideológica entre os partidos, os resultados foram de uma clareza surpreendente. Dutra ganhou com uma maioria incontestável e o PSD se tornou o maior partido único dentro do Congresso. Dutra recebeu 55% dos votos (3,25 milhões), Gomes teve 35% (2,04 milhões) e um insípido engenheiro que havia sido prefeito de Petrópolis mas que nem comunista era, Yeddo Fiuza, teve impressionantes 10% (0,13 milhões) com o apoio do Partido Comunista. O próprio Vargas foi eleito senador pelo Rio Grande e São Paulo, além de ter recebido votos como deputado em seis estados e na capital do Rio de Janeiro. Acabou aceitando o cargo no Senado pelo PSD do Rio Grande do Sul e outros candidatos do partido ocuparam as outras vagas. Portanto, o efeito geral das eleições foi trazer ao Brasil uma razoável medida de continuidade, pois o país passou de uma ditadura a um sistema eleitoral. Os eleitores também prestaram sua homenagem a Getúlio. Não apenas foi eleito em diferentes domicílios eleitorais, como também restaram poucas dúvidas de que Dutra não teria ganhado sem seu endosso. A votação do PTB para o Congresso foi relativamente baixa. O partido ganhou apenas 10% destes votos, um por cento apenas à frente do Partido Comunista, comparados com 26% da UDN e 42% do PSD. Mas os dois partidos inspirados em Getúlio tiveram entre eles a grande maioria dos votos populares. A conclusão foi tanto um incentivo quanto um aviso para o ex-presidente. Por um lado, sua influência sobre o sistema partidário que ele mesmo havia criado sobreviveu à sua deposição. Por outro lado, a crítica ao golpe de Estado implícita nos votos sugeria um possível confronto futuro entre as forças armadas e os eleitores de Vargas.
O governo Dutra
O governo Dutra foi considerado medíocre tanto na ocasião quanto em retrospecto. Isso foi em parte consequência da simplicidade e franqueza do presidente, em parte se deveu à situação mais calma de um Brasil pacificado, sob outra constituição liberal. Apesar do sistema partidário ter se disseminado entre 1945 e 1950 — havia catorze partidos competindo nas eleições estaduais de 1947 —, o PDS de Dutra tinha a maior parte dos assentos nas duas casas do Congresso. Como indicação adicional do modo conservador e apartidário com que Dutra queria governar, trouxe membros da UDN como Raul Fernandes, que era um dos seus ministros das Relações Exteriores, para servir em seu gabinete. Dutra transformou em fetiche a sua observância da Constituição de 1946, que ocupou a atenção do Congresso de fevereiro a setembro. Getúlio Vargas jamais concordou em assinar esta constituição. Inevitavelmente, os debates foram coloridos pela reação contra o Estado Novo e o desejo de retomar as discussões deixadas de fora em 1934. A nova constituição preservou a maior parte da legislação social do Estado Novo, porém reduzindo o controle governamental sobre os sindicatos. Dos Estados Unidos veio a inspiração para as comissões parlamentares de inquérito. Apesar de ter eliminado o direito do governo federal de intervir nos estados em caso de não-conformidade com as leis federais — uma desculpa frequentemente usada por Vargas para quebrar a autonomia dos estados —, a nova alocação de impostos e das receitas alfandegárias foi benéfica para o governo central. Reduziu o período do mandato presidencial dos seis anos teóricos do Estado Novo para cinco anos e introduziu o vice-presidente — Nereu Ramos, um experiente político de Santa Catarina que naquele momento estava no PSD e tampouco era carismático. Com um olho nos comunistas, a nova carta incluiu um procedimento segundo o qual os partidos antidemocráticos poderiam ser excluídos da legalidade política. Retornou também à fórmula das Constituições de 1891 e 1934, expurgada em 1937, que dizia que as forças armadas somente deveriam obedecer ao presidente “dentro dos limites da lei”. De forma bastante interessante, foram os civis e não os militares que insistiram em inserir este veto militar sobre a ação política. Reteve a invocação a Deus no preâmbulo, legalizou a aquisição estatal de propriedade privada em troca de remuneração justa e assegurou que as eleições para o Congresso e a Presidência não acontecessem simultaneamente. Os primeiros sinais da Guerra Fria coincidiram com a emergência dos comunistas brasileiros como um elemento a ser seriamente considerado. A inflação e a escalada de preços nos dois primeiros anos do governo Dutra, juntamente com um certo exagero nas diferenças sociais, já que os ricos podiam mais uma vez usufruir dos bens de consumo importados, criaram condições para que o Partido Comunista começasse a reunir uma massa de seguidores. O escopo aumentado dos sindicatos, a respeitabilidade adquirida pela União Soviética durante a guerra e a popularidade duradoura do próprio Luís Carlos Prestes ajudaram o partido. A deposição de Vargas e a visível fraqueza do PTB criaram circunstâncias que permitiram que o Partido Comunista se apresentasse como a voz autêntica da classe trabalhadora urbana, sem a mácula de nenhuma associação fascista. Apesar de fortemente controlado pelo exército e pela polícia, nas eleições estaduais de 1947 o Partido Comunista Brasileiro reteve sua posição como o quarto maior partido, com representantes em quinze assembleias estaduais. De forma bastante significativa, ultrapassou a UDN, tornando-se o terceiro partido mais votado em São Paulo e conseguiu eleger a maioria dos membros da câmara municipal do próprio Distrito
Federal. O avanço comunista foi motivo de extremo desagrado não apenas para o próprio presidente Dutra, mas também para o seu ministro da Guerra, general Caronbert Pereira da Costa, e para toda a organização militar. A queda de Getúlio mostrara que o Brasil, não familiarizado com os processos democráticos normais, poderia rapidamente produzir o que seria o maior Partido Comunista da América Latina. No início de 1946, Luís Carlos Prestes teria dito que, em caso de guerra entre o Brasil e a União Soviética, ele tomaria partido desta última. Isso foi o equivalente a jogar sal nas feridas de Dutra e, mesmo enquanto se organizava a chegada do primeiro embaixador soviético, o governo exonerou os funcionários filiados ao partido em maio de 1946. Em 1947, por decisão judicial solicitada pelo governo, o Partido foi declarado ilegal. No ano anterior, a polícia e o exército haviam coibido reuniões públicas e, por decisão udicial, o governo fechou a Confederação dos Trabalhadores do Brasil e interveio em uma série de organizações sindicais individuais nas quais o Partido Comunista era forte. O embaixador soviético voltou para casa e houve poucos protestos contra a proscrição. O episódio demonstrou o permanente anticomunismo das elites brasileiras, agora justificado pela aliança com os Estados Unidos que persistiria no período da Guerra Fria, além do raso comprometimento democrático liberal. Por outro lado, a maior parte dos membros e simpatizantes do Partido não foi afetada pelas proibições e não houve uma campanha de represálias pessoais como a que ocorreu em 1935 e intermitentemente durante o governo Vargas. Luís Carlos Prestes apelou a Getúlio para que ajudasse a preservar o seu partido, mas o apelo foi ignorado. O ex-presidente, que havia exercido um papel ativo na campanha do PTB nas eleições de janeiro de 1947 pelas vagas nas assembleias estaduais e no Congresso, havia discernido uma ameaça no Partido Comunista Brasileiro e fez o possível para afastar o PTB dele. Os comunistas poderiam roubar seus votos; qualquer ligação com eles poderia diminuir suas chances de retornar ao poder com a aprovação dos militares, e ele próprio jamais gostara deles mesmo. Segundo Getúlio, eles eram “desprovidos de idealismo construtivo”. Na ausência dos comunistas, o PTB seria muito mais forte entre as classes operárias urbanas. Em 1947, o governo Dutra reverteu sua política econômica liberal. Esta mudança inesperada foi praticamente imposta ao governo pelo desperdício de recursos públicos quando se permitiu que receitas em divisas estrangeiras do país fossem usadas para importar bens de consumo. O governo estabeleceu então um controle rígido sobre as importações, protegendo o mercado doméstico para os manufaturados e priorizando a importação de equipamentos e matériasprimas que não eram produzidos no Brasil. O novo sistema veio acompanhado por leilões de câmbio promovidos pelo governo, que logo passaram a ser criticados pelas oportunidades para corrupção que ofereciam. Candidatos a importadores tinham que dar lances para comprar moeda estrangeira de acordo com as prioridades estabelecidas pelo governo. Mas o efeito desta abordagem, juntamente com a melhoria marcante nos termos comerciais dos contratos para os produtos primários brasileiros — parcialmente induzida pela Guerra Fria, pelo rearmamento e pela demanda pós-guerra por café — foi o surgimento de uma nova onda de crescimento econômico. O Produto Interno Bruto, que teve taxa de crescimento de 4,7% entre 1940 e 1945, passou a 7,3% nos cinco anos seguintes. O crescimento anual da produção industrial passou de 6,2% a
8,9% nos mesmos períodos. A taxa de câmbio supervalorizada para o cruzeiro, aliada aos altos preços do café, criou a energia necessária para a expansão de um mercado doméstico protegido. O preço do café, que havia caído para US$5,25 por libra em 1938, reverteu para uma tendência ascendente no final da guerra. Entre 1946 e 1955, o preço do café praticamente triplicou e os termos comerciais em geral melhoraram em 150% para o Brasil. Entretanto, um dos lados negativos desta política foi a eliminação quase completa do recém-estabelecido negócio das exportações dos produtos manufaturados brasileiros. Graças às condições comerciais praticadas em tempos de guerra e à bonança nas vendas de tecidos de algodão, o país ganhou US$113 milhões com produtos manufaturados em 1945, com quase um quinto vindo de exportações. Em 1943, um ano recorde, praticamente um quinto dos tecidos brasileiros foram vendidos para fora do país — metade das exportações foi para a África do Sul — e João Alberto, o coordenador econômico, teve que tomar ações drásticas para proteger os brasileiros mais pobres dos altos preços no setor de vestuário. Mas o efeito das decisões econômicas tomadas pela administração Dutra em 1947, apesar de terem encorajado o crescimento industrial doméstico e a substituição de importações, foi o de fixar o Brasil fortemente no cenário mundial como país produtor exclusivo de matérias-primas primárias durante os vinte e três anos seguintes. O valor das exportações de manufaturados só conseguiu quebrar o recorde de 1945 em 1967. Em um paralelo com a administração Vargas, torna-se evidente que a política econômica dos últimos anos de Dutra ficou marcada por uma clara continuidade. Apesar de Dutra não ter se mostrado disposto a adotar um planejamento central nos moldes do estabelecido pelo Estado Novo, houve em 1948, no Plano SALTE, um esforço para coordenar os gastos públicos numa base quinquenal. Ao mesmo tempo, o Banco do Brasil emprestava dinheiro para empresas privadas numa tentativa de fomentar iniciativas industriais estratégicas — como no caso do empréstimo à fábrica de celulose Klabin no Paraná — e comissões regionais foram formadas para promover o desenvolvimento na região atingida pela seca no Vale do São Francisco e nas planícies alagadas e subdesenvolvidas da Amazônia. O governo deu certa atenção às obras públicas e às concessionárias, melhorando portos, ferrovias e rodovias. Fundos em libras esterlinas que haviam sido acumulados e bloqueados durante a guerra foram usados para comprar ferrovias dos ingleses. Os anos Dutra ofereceram ao Brasil a oportunidade de praticar a democracia liberal, mesmo que isso tenha acontecido sob a hegemonia da mesma máquina cristalizada sob o governo de Vargas e do Estado Novo. As boas intenções dos redatores da Constituição de 1946 foram minadas pelo baixo nível de instrução política dos novos eleitores convidados, naquele momento, a entrar na política, e pelas estruturas partidárias sem princípios estabelecidas para acolhê-los. A política tinha muito mais a ver com personalidades e com as questões dos estados individuais do que com ideologia partidária ou com as ações do Governo Federal. Mesmo os grandes partidos como a UDN ou o PSD adotavam políticas e alianças eleitoreiras contraditórias em diferentes estados. O sistema de representação proporcional incentivava o crescimento de uma multiplicidade de partidos, o que por sua vez permitia negociações escusas entre eles. Acima de tudo, a expansão populacional e as mudanças sociais significavam que apenas uma minoria dos que tinham direito a voto no fim dos anos 40 já havia experimentado o sufrágio antes, quer na República Velha ou no breve interlúdio constitucional da década de 30. Foi nestas condições que uma nova geração de políticos, com um novo estilo de carisma e
de administração, começou a causar impacto: os populistas. O principal exemplo deste tipo de político foi Ademar de Barros, de São Paulo. Médico e filho de boa família, Ademar permaneceria no poder na política paulista até um pouco depois do golpe militar de 1964, que ele apoiou como governador do estado na ocasião, mas que não o amava particularmente. Ele devia muito da sua carreira política a Getúlio, que o nomeara interventor em São Paulo e subsequentemente o demitira. Logo após a queda do ditador, Ademar despontou como figura política forte por seus próprios méritos. Nas eleições estaduais de 1947, foi eleito governador após um pacto explícito com os poderosos comunistas locais, derrotando o ex-porta-voz do queremismo, Hugo Borgui. Ademar não se encaixava no perfil de candidato “reformista” e o apoio dos comunistas foi um golpe de oportunismo por parte destes. Sem representar ameaça real às classes conservadoras no estado, prometeu aumentar a extensão dos benefícios da previdência social para as classes trabalhadoras e investir muito em obras públicas. Usou uma variante da fórmula política de Getúlio, porém sem o radicalismo, e uma política clientelista para a massa de eleitores do estado industrialmente mais avançado do Brasil. Apoiadores mais sinceros diziam: “Ele rouba, mas faz”. O Partido Social Progressista foi sua criação e não tinha conteúdo político além dele próprio. Era sabido por todos que sua ganância por votos havia atraído o apoio de elementos corruptos e escusos dentro do estado — não apenas policiais e funcionários públicos venais, mas também uma corja criminosa ligada à prostituição e ao jogo do bicho. Ademar recebeu votos da burguesia e dos trabalhadores em 1947. Sua ascensão não apenas representou uma ameaça ao legado de Vargas, mas também desagradou profundamente o governo Dutra. O presidente foi pressionado a intervir em São Paulo para evitar que Ademar tomasse posse, sob alegação de corrupção e aliança com comunistas, mas se recusou a fazê-lo. A ilegali-dade do Partido Comunista fortaleceu ainda mais a posição de Ademar e ele continuou a gastar generosamente para ganhar amigos no estado, ignorando completamente as políticas anti-inflacionárias de Gaspar Dutra. Em novembro de 1947, Ademar infligiu uma importante derrota política a Getúlio e confirmou sua supremacia em São Paulo. O governador, para tentar recompor com Gaspar Dutra, incluiu o genro do presidente, Luiz Novelli Junior, como vice-governador na sua chapa. O mais provável é que com isso Ademar desejasse obter o endosso de Dutra para a sua candidatura à sucessão presidencial em um cenário onde pudesse simultaneamente garantir a sucessão de Novelli como governador. Contra Ademar e Novelli, concorria Carlos Cirilo Junior, candidato do PTB que talvez estivesse recebendo algum tipo de apoio oculto dos comunistas, a esta altura já desiludidos com Ademar. Getúlio foi persuadido a fazer aparições em São Paulo para apoiar o candidato do seu partido. Isso não era necessário para ele, já que o cargo em jogo nem era tão importante. Mas caso Getúlio desejasse se manter como uma figura significativa, com um papel a cumprir na sucessão de Dutra, seria desejável ter alguma influência em São Paulo. Mas a campanha paulista foi um desastre para Getúlio. Foi importunado por multidões antigetulistas, que a polícia de Ademar nada fez para conter, e parecia que todas as antipatias represadas desde a deposição dos presidentes paulistas em 1930 agora vinham à tona. Carlos Cirilo Junior perdeu, Ademar se fortaleceu e Vargas voltou para São Borja amargurado com a democracia de massas.
Vargas na oposição
Mesmo enquanto liderava a campanha presidencial pela Aliança Liberal, Getúlio jamais se sentiu feliz no papel de líder oposicionista e, durante o primeiro ano do governo Dutra, evitou qualquer coisa que pudesse ser interpretada como crítica direta. Apesar de seu cargo no Senado, parece ter visitado o Rio apenas duas vezes em 1946, e sua influência parlamentar acabou decrescendo. Em sua primeira visita, em junho, havia uma grande multidão no aeroporto para saudá-lo, e a UDN imediatamente armou uma reação, congratulando o exército por tê-lo deposto no outubro anterior. Getúlio, ansioso por manter uma imagem apartidária, ficou irritado com as dissensões e insultos. Mesmo sob a nova constituição, ainda não havia muito o que os legisladores brasileiros pudessem fazer, pelo menos sob o ponto de vista de alguém que havia passado tantos anos no poder executivo. Estava velho demais para aprender as minúcias congressistas e toda a sua mentalidade, desde a juventude positivista no Rio Grande do Sul, tendia a vaciná-lo contra os prazeres retóricos do debate parlamentar. O homem que nos anos 1920 havia se mostrado tão afeito às intrigas de coxia das delegações regionais, agora estava exasperado e entediado. Apesar de raramente sair do Rio Grande do Sul, o senador do PSD ainda assumia alguma responsabilidade pelo PTB e periodicamente discursava em seu estado natal para promover o partido. Seus esforços nesta direção chegaram na hora certa, já que o que havia sempre sido um estado agrário com um nível de industrialização sempre abaixo do de São Paulo, Minas Gerais ou a Capital Federal, iniciava agora uma transformação comercial que na década de 60 o transformaria em um dos maiores centros de manufatura do Brasil. Em um interessante discurso numa reunião pública em Porto Alegre, a 31 de maio de 1946, defendeu longamente seu próprio governo como um instrumento efetivo de desenvolvimento econômico. Fez também um apelo psicológico, alegando que como filho do estado periférico do Rio Grande do Sul, ninguém melhor que ele para pensar em âmbito nacional, no Brasil como um todo. Nisso, não diferia muito dos membros do Partido Nazista, cujo germanismo era alimentado pela origem nas periferias do território alemão, nem do imigrante canadense lorde Beaverbrook na Inglaterra, cujos sentimentos imperialistas foram estimulados por suas raízes como estrangeiro vindo de longe. Vargas destacou o que havia tentado fazer pelas várias regiões: o Banco da Borracha na Amazônia, o Instituto do Açúcar e do Álcool no Nordeste, a Companhia Vale do Rio Doce, que misturava capital brasileiro e norte-americano para desenvolver os depósitos de minério de ferro em Itabira, os novos prédios dos ministérios no Rio de Janeiro, a siderúrgica de Volta Redonda e a drenagem das águas pestilentas no estado do Rio. A retórica ultrapassava um pouco a realidade quando se referia à Fundação Brasil Central, que supostamente deveria ter aberto caminho para o centro inexplorado do país: “A marcha para o Oeste não é só um nome”, gabava-se. Falou sobre as novas fábricas de aviões e motores que havia fundado mas que ainda não estavam em produção, do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional que protegia os maravilhosos tesouros artísticos da capital de Minas Gerais no século XVIII, Ouro Preto. Não esqueceu que o Rio Grande do Sul se orgulhava do seu papel como território fértil para o recrutamento das forças armadas. Ele as havia reformado. Passando de um orçamento risível antes de 1930, segundo ele, as forças armadas “hoje consomem um terço do orçamento geral, sem contar os créditos especiais”. Mencionou suas leis sociais, a justiça trabalhista e os restaurantes baratos subsidiados para os pobres. Rebateu as críticas “democráticas”: “O ditador tão criticado deu à sua pátria o voto feminino e o voto secreto,
duas das medidas mais democráticas que nenhum governo antes de 1930 tivera a inspiração de promover”. Destruiu o sistema dos coronéis, “que mantinha no Brasil um regime artificial até 1930, uma fachada de democracia”. E se ateve ao seu credo: “Um governo não deve ser ulgado pelas teorias ou opiniões a ele atribuídos, mas pelo que alcançou em fenômenos práticos, pela sua produtividade em ações”. Em discurso de apoio ao candidato do PTB ao governo do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, 29 de novembro, mais uma vez defendeu a bandeira do nacionalismo econômico, do antiamericanismo e da justiça social. Ao mesmo tempo em que alegou que na sua derrubada ele foi “vítima de agentes financeiros internacionais que queriam manter o país na situação de uma mera colônia, exportando matérias-primas básicas e comprando produtos industrializados importados”, declarou que o PTB continuaria a apoiar Dutra. Sua diatribe sobre finanças internacionais inevitavelmente trazia um sabor antiamericano, com uma única exceção: ele conseguia lembrar-se de apenas um estrangeiro que realmente queria ver um Brasil forte — somente um em todo o século — “e ele se chama F. D. Roosevelt. Sem ele, Volta Redonda amais teria sido construída”. Há uma passagem que ilustra a transição, tanto segundo os valores do mundo à sua volta, quanto segundo os próprios pensamentos políticos de Vargas, que o levaria a ser descrito como fascista em 1930 e socialista no fim da década de 1940. “A velha democracia liberal e capitalista encontra-se em franco declínio porque está baseada na desigualdade. A ela pertencem, repito, vários partidos com diferentes títulos, mas a mesma substância. A outra democracia é a democracia socialista, a democracia dos trabalhadores. Eu pertenço a ela”, declarou. Vargas havia adotado o hábito de mandar, ao final de cada ano, mensagens para os trabalhadores brasileiros. Mas o seu afastamento do Senado e a derrota sofrida por seu candidato em São Paulo, em novembro de 1947, reduziram suas atividades e relevância políticas. Agora era o momento de ruminar seus próprios pensamentos nos pampas, brincar com seus netos e repousar nos louros de um estadista idoso. Um visitante ocasional em Itu era seu devotado e discreto ex-secretário, Luís Vergara. Em 1946, Getúlio admitiu a ele que já se sentia traído pelo general Góis Monteiro antes mesmo do golpe que o havia derrubado. “Ele parecia um mentiroso, mas eu confiava em Góis Monteiro”, comentou ironicamente sobre o mais dissimulado dos comandantes militares — e ainda há familiares de Getúlio que não perdoam Góis pelo que consideram um ato de traição. Em 1947, Vergara viu Getúlio de novo e sugeriu enfaticamente que se candidatasse à sucessão de Dutra. “Candidato? Ora, essa é uma hipótese que não pode ocorrer. Não me tenta de forma alguma. Ou tu achas que devo abandonar a paz que aqui recuperei trocando-a pelas trepidações tempestuosas do Catete?”, respondeu. Esta era uma daquelas perguntas que tanto surpreendiam e intrigavam seus subordinados durante os anos de presidência. Neste período, seria impossível dizer se ele realmente desejava a aposentadoria completa, se queria apenas manter uma participação modesta na política e especificamente no crescimento do PTB, ou se desejava secretamente retornar à presidência caso houvesse oportunidade. Muito possivelmente, ele próprio não sabia a resposta. Conforme o seu costume, Getúlio esperava pelos acontecimentos. Quer gostasse ou não, não podia eliminar o fato de que era um monumento político, ainda verdadeiro por causa da dependência de tantos indivíduos e instituições de um passado em que ele havia sido o líder supremo.
Em fevereiro de 1948, ficou claro que seria bom sondá-lo sobre os planos do PSD para as eleições presidenciais de outubro de 1950. A pedido de João Neves, Vergara procurou Getúlio mais uma vez para saber o que ele pensava de Nereu Ramos, o vice-presidente, como possível candidato. O próprio Dutra estava sendo evasivo. Vargas respondeu firmemente: “Vamos ser claros. Eu nada tenho a ver com os problemas do PSD e do Dutra. O meu partido é o PTB”. Sem ajudar em nada, declarou que o PSD deveria tomar suas próprias decisões e então ele e o PTB fariam sua escolha. Nada era mais óbvio de que o senador do PSD, apesar das relações amistosas com o partido ao qual pertencia nominalmente, apostava inteiramente no PTB.
Vargas disputa a presidência No início de 1949, Samuel Wainer, um jornalista perspicaz que trabalhava para a rede de ornais Diários Associados de Assis Chateaubriand — o qual, aliás, assinava uma coluna hostil a Vargas —, foi até São Borja para cobrir o cenário político. Foi um reconhecimento de que na corrida pré-eleitoral Getúlio, o homem que havia virado a balança em favor de Dutra em 1945, teria sua contribuição a dar. Isso também beneficiou Vargas. Wainer, que era judeu, tinha sido um dos inimigos do Estado Novo. Agora, tornava-se parte do círculo do ex-presidente em São Borja, exposto ao charme e talento reconciliatório de Getúlio. Apesar de o próprio Chateaubriand continuar se portando de forma pouco amistosa, o texto político da maior cadeia de jornais do país começou a assumir uma vaga tendência getulista. Dutra, que era um presidente honesto mas não era páreo para os políticos volúveis de então, amais conseguira impor uma disciplina militar sobre seu partido, o PSD. Em vários estágios, havia tentado concretizar uma fusão entre o PSD e a UDN, mas encontrou oposição de ambos os lados. Dentro do PSD, sempre houve uma ala representada por pessoas como Amaral Peixoto, o genro de Getúlio, que preferiam manter contato com Getúlio e o PTB. A UDN, por outro lado, associava o Estado Novo ao PSD quase tanto quanto desgostava do PTB. Apesar de amais ter se conformado com as mudanças sociais da era Vargas, agarrava-se às esperanças de que as eleições de 1945 haviam sido uma aberração. Tinham certeza de que à medida que os brasileiros se acostumassem com a democracia, voltar-se-iam para a UDN, e por este motivo seus líderes estavam pouco dispostos a fazer concessões ao PSD. Desde o final de 1948, os amigos de Getúlio já haviam começado a importuná-lo para que se tornasse candidato à presidência, e, em abril de 1949, Vergara disse francamente que ou ele enterrava sua carreira política de uma vez por todas, ou concordava em levar sua candidatura adiante. Os amigos, que haviam transformado São Borja em uma Meca para a peregrinação de políticos em 1949, tinham frequentemente seus próprios interesses em mente. Precisavam desesperadamente que Getúlio promovesse suas carreiras, atraindo votos e criando uma legenda nacional que, num passe de mágica, gerasse cargos e posições de gabinete. O PTB ainda estava fraco e não tinha nenhuma vida independente sem o seu mentor; seu radicalismo político ainda tendia a ser esporádico e moderado. Alberto Pasqualini, um dos colaboradores mais próximos a Vargas na criação do PTB no Rio Grande do Sul — derrotado como candidato do PTB para o governo do estado em 1946 e 1955 —, explicou posteriormente sua posição a um repórter: “Não sou um homem de esquerda ou de direita. Com certeza, não sou socialista. Só acho que os burgueses deveriam dar um pouco mais. Há muito egoísmo entre os
ricos. Parece que os burgueses se tornam cada vez mais cegos e surdos”. Mesmo que o PTB tivesse uma base eleitoral constituída entre a classe trabalhadora urbana, o partido também era uma coleção de personalidades com visões divergentes, assim como os outros partidos que haviam brotado com a morte do Estado Novo. O PTB estava tão distante do seu irmão, o Partido Trabalhista Britânico, quanto o PSD estava dos Partidos Sociais-Democratas europeus. Getúlio não se fez de surdo aos apelos de seus amigos, mas manteve sua tradicional cautela. Apesar da ideia de um líder político forte ter sempre sido muito atraente na América Latina, nem sempre foi apreciado o fato de que o líder fosse tão dependente das qualidades e lealdade de seus amigos quanto estes o eram dele. No caso de Getúlio, quaisquer que fossem as dúvidas que ele próprio pudesse ter sobre arriscar sua reputação política em outra eleição, ele tinha também a consciência da sua dívida com seus admiradores e da responsabilidade com as pessoas cuja política fora inspirada nele próprio. Mesmo assim, continuou resistindo aos elogios e atenções o quanto pôde. Por um lado, tinha o desejo humano de reivindicar sua carreira de volta — para provar nas urnas que era, como sempre mantivera, um democrata de coração que poderia ser a escolha dos brasileiros. Por outro lado, não tinha mais o desejo, aos sessenta e sete anos anos, de passar por outra derrota desnecessária. Em São Paulo, já havia aprendido que há mudanças de humor e reviravoltas no negócio da democracia de massa. Contava com a hostilidade da maior parte da imprensa — pessoas tão diferentes quanto o divulgador de escândalos, reais ou imaginários, Carlos Lacerda, e o proprietário Assis Chateaubriand, escreviam diatribes contra ele — e a atitude de Dutra e dos militares permanecia duvidosa. No final de 1949, um intermediário foi enviado ao general Góis Monteiro, agora senador do PSD por Alagoas, mas ainda considerado influente junto às altas patentes, para perguntar qual seria sua reação a outra candidatura de Vargas. Monteiro sinalizou que não se oporia, mas comentou que Vargas tinha de ser cuidadoso para não atacar Dutra demasiadamente. Em sua mensagem de fim de ano aos trabalhadores, Getúlio não fez ataques diretos ao presidente, apesar de criticar duramente os especuladores financeiros que, segundo ele, lucravam com a inflação e com as minguantes reservas de ouro do país. Mais uma vez, migrando da retórica do facismo para a retórica do socialismo, defendeu um plano econômico nacional para lutar contra a falta de produção e consumo que faziam parte de uma pseudodemocracia dominada por parasitas. Isto era uma tarefa para técnicos, e não para defensores de interesses específicos. Achava que deveria haver uma reforma agrária — algo que nunca havia tentado nos seus longos anos no poder — e apelou uma vez mais para o espírito da juventude, da vitalidade e da luta. Decepcionou o PTB ao não anunciar claramente que estava pronto a se candidatar à presidência. Nos primeiros meses de 1950, ficou cada vez mais evidente que o PSD e a UDN não conseguiriam chegar a um candidato comum. O grupo varguista dentro do PSD fazia o que podia para sabotar qualquer tentativa, ao passo que a UDN suspeitava que o PSD e sua forte ala mineira poderiam tentar cortá-los do acordo, cortejando parte do PTB. Era o clássico triângulo amoroso no qual a confiança mútua é mínima. Parece ter sido encerrado independentemente por Dutra e pela UDN. A UDN, com seu comprometimento com a livre iniciativa e sua hostilidade ao legado de Vargas, ficou alarmada com as notícias de que o PSD estava fechando um acordo com o PTB no qual o PSD nomearia o candidato presidencial e o
PTB colocaria seu presidente executivo Salgado Filho como vice. Se isso era verdade ou não amais saberemos — Salgado Filho, que poderia ter sido o candidato do PTB à presidência, morreu em um acidente aéreo antes que Vargas concordasse em concorrer —, mas foi o suficiente para persuadir a UDN que deveria continuar sozinha. O partido decidiu apoiar mais uma vez o ascético Eduardo Gomes, que já havia aceito a nomeação de um dos partidos menores. Dutra, insatisfeito com as manobras políticas incompreensíveis, parecia ter chegado à conclusão de que apoiaria apenas o candidato do seu próprio partido. Vargas e o PTB sinalizaram que apoiariam apenas alguém que enfatizasse o nacionalismo econômico e os trabalhadores urbanos — uma posição que o nomeado por Dutra no PSD dificilmente defenderia. O cenário portanto se desenhava como um páreo de três cavalos numa corrida em que claramente um dos concorrentes era manco, a partir do momento que o PSD optou por Cristiano Machado, uma nulidade idosa de Minas. Um tributo divertido à descrença generalizada nessa candidatura foi o fato de que “ser cristianizado” tornou-se sinônimo de “ser crucificado” no vocabulário político brasileiro, em referência ao nome do candidato. Um fator relevante que nem a UDN nem o PSD conseguiriam recrutar foi Ademar de Barros e sua máquina eleitoral pessoal, o PSP. São Paulo constituía um dos grandes blocos eleitorais do país, com uma representatividade maior devido ao alto nível de alfabetização no estado, ao poder da indústria e do café. Como se tornou frequente desde a Revolução de 1930, São Paulo se tornou um estado cada vez mais excêntrico em termos de política. Ademar já havia provado sua força no estado e ambicionava a presidência. Mas nem a UDN e nem o PSD gostavam dele, por causa da corrupção. Mais especificamente o genro de Dutra, o vice-governador que Ademar havia ajudado a eleger, voltava-se agora contra ele, levando certa insegurança à sua base. Por este motivo, e porque o PSP não era um partido nacional, Ademar decidiu que o máximo que poderia almejar em 1950 era um lugar na coalizão vencedora. Em março, visitou Getúlio em São Borja. Chegou a um entendimento, segundo o qual prometeu apoiar Vargas para a presidência em troca de influência sobre algumas nomeações de cargos financeiros de seu interesse particular em São Paulo — o Ministério das Finanças e a presidência do Banco do Brasil. Contava também com o apoio imediato de Vargas em São Paulo e em uma futura candidatura à presidência, mas resta a dúvida se o líder do PTB assumiu alguma obrigação de longo prazo. Por outro lado, o PSP também teria direito à nomeação do vice-presidente na chapa de Vargas e ao gabinete dos Transportes e Comunicações. Este encontro com Barros parece ter sido o fator decisivo na persuasão de Vargas a concorrer pela presidência, apesar de que quando membros do PSP vazaram prematuramente a notícia da candidatura, Vargas negou firmemente. Depois da divisão entre o PSD e a UDN, uma aliança com Barros dava a Getúlio uma chance real de vitória que ele não podia negar. Vargas anunciou sua candidatura em uma atmosfera de exaltação popular, lembrando algumas de suas decisões aparentemente espontâneas do passado. Em seu sexagésimo sétimo aniversário, disse a um grupo de manifestantes que se sacrificaria pelos trabalhadores e, aos que imploravam para que se candidatasse, disse: “Levai-me convosco”. A manifestação aconteceu em um sítio vizinho pertencente a João Goulart, filho de um velho amigo de Getúlio e natural de São Borja. O mais jovem dos irmãos Goulart ganhou o apelido de “Jango” e havia se aproximado do ex-presidente nos anos de retiro, ajudando a construir o PTB no Rio Grande
do Sul. Os laços próximos que se formaram entre os dois — que levaram Goulart a um cargo de confiança sob Vargas e posteriormente à presidência — causaram rumores de que Jango poderia ser filho ilegítimo de Vargas. De fato, a relação dos dois foi um exemplo do modo como as amizades podem se entrelaçar na estrutura familiar estendida que sobrevive no Brasil até o período moderno — de forma que não é incomum crianças sem laços de parentesco serem criadas por famílias mesmo sem a adoção — e que pode influenciar alianças políticas. O anúncio de Vargas foi feito em 19 de abril e a nomeação foi oficializada pelos delegados do PTB em junho. Apesar de vários oponentes terem chamado atenção para o perigo que era a UDN e o PSD divididos, a UDN estava demasiado comprometida com Eduardo Gomes para apoiar Cristiano Machado. O arranjo final não ficou desprovido de peculiaridades. Dentre os que apoiavam Gomes, estava Plínio Salgado, o antigo integralista que havia fundado um novo partido, o Partido da Representação Popular, que supostamente favorecia o governo estadual corporativo mas se opunha ao fascismo e ao nazismo assim como ao comunismo. Dentre os que seguiam o desafortunado Cristiano Machado estavam alguns comunistas clandestinos — quer por protesto ao anticomunismo de Vargas no pós-guerra ou como resultado de uma ajuda financeira do PSD, ou ambos. Enquanto Luís Carlos Prestes defendia o voto nulo, outros membros do partido também tentavam se eleger sob outras legendas. Getúlio sondou o general Góis Monteiro como possível candidato a vice-presidente em sua chapa. Teria sido uma forma perspicaz de reconciliar os militares — Góis já havia provocado o Senado no último outubro, declarando que estavam menos propensos a celebrar a deposição de Vargas —, mas o ex-chefe militar declinou. Apesar da emotiva reconciliação com Vargas no início da campanha presidencial, talvez tenha achado que não seria sábio endossar um ex-ditador em vista dos sentimentos militares envolvidos. Alegou motivos de saúde e seu próprio compromisso com o PSD para a recusa. Foi escolhido então um membro do PSP, João Café Filho, como companheiro de chapa de Getúlio. Apesar de não ser um grande político, Café tinha algumas virtudes que favoreciam Vargas. Era nordestino, e a candidatura de Vargas não era muito forte nessa região. Era também um símbolo de reconciliação — um antigo inimigo com educação socialista que pedira asilo político na Embaixada Argentina no dia em que o Estado Novo havia sido declarado. A campanha presidencial de Vargas aconteceu entre agosto e setembro e foi bem diferente da de 1930. Esta seguiu muito mais os moldes norte-americanos, conduzida em ritmo de alta pressão, com muitos discursos agendados e muitas viagens marcadas. Depois dos tediosos anos Dutra, o reaparecimento de Getúlio com seu lendário sorriso representou uma inebriante mistura de cores, nostalgia e otimismo. O povo compareceu massivamente, tanto nas pequenas cidades quanto nos centros urbanos como São Paulo e Belo Horizonte, para ver em carne e osso o homem que havia sido ao mesmo tempo tão remoto e tão onipresente durante seu longo reinado. Muitos brasileiros comuns trabalharam espontaneamente para ele em um esforço que transcendeu as barreiras flexíveis entre os partidos. No coração da campanha estavam inúmeros antigos colaboradores como João Neves, Luís Simões Lopes, o ex-chefe do Departamento Administrativo do Serviço Público, assim como figuras menores como Lourival Fontes, o censor dos tempos de guerra. O fiel Vergara liderou uma equipe de redatores de discurso que operava no apartamento de Alzira, na avenida Rui Barbosa, Rio de Janeiro, que Getúlio também usava para dormir na capital.
Em termos eleitorais, Getúlio contava com um apoio considerável nas cidades e um amor quase que incondicional em seu estado natal do Rio Grande do Sul, onde o PSD estadual veio a ele massivamente e um conterrâneo e ex-interventor, general Ernesto Dorneles, foi eleito governador pelo PTB. Além disso, no estado do Rio de Janeiro, feudo de seu genro Amaral Peixoto, a máquina eleitoreira local o beneficiaria, mas a perspectiva geral não era extraordinária. Seu objetivo era converter sua aliança com Ademar no maior número possível de votos no estado de São Paulo, ganhar uma ampla pluralidade entre os eleitores instruídos da Capital Federal, dividir a máquina entrincheirada do PSD em Minas Gerais e fazer aparições pessoais e discursos suficientes nos estados menos populosos para garantir a vitória. Lançou sua campanha em São Paulo, em uma manifestação emocionante que expurgou as lembranças de 1947, sem falar de 1930 e 1932. Passou mais uma semana lá em setembro. Em um discurso três anos depois, relembrou: “Minha candidatura não foi favorecida pelo apoio oficial nem se baseou nos métodos demagógicos e corrosivos da oposição sistemática”. Mesmo que Getúlio mudasse sua ênfase de acordo com o público ao qual se dirigia, havia vários pontos fortes em seu programa. Prometeu renovar a campanha pela industrialização com o suporte do estado que o governo Dutra havia comprometido através da dissipação dos fundos acumulados durante a guerra; quase que em todos os lugares onde falava era capaz de apontar alguma iniciativa industrial que havia incentivado durante seus quinze anos de governo; em relação a este tema, atacava a inflação, o desmando fiscal do Ministério das Finanças e do Banco do Brasil e a falta de progresso real nos ganhos dos trabalhadores. Apesar da inflação nos anos Dutra não ter aumentado tão rapidamente como o fez mais tarde, e apesar da constante depreciação da moeda brasileira ser uma característica já antiga na história do país, estima-se que o índice de preços pulou de 100 em 1945 para 165 em 1950. Este movimento foi o suficiente para causar preocupação em algumas facções mais conservadoras, e antipatia entre os trabalhadores industriais cujos salários não acompanhavam a inflação. Foi sugerido que o valor real dos salários sofreu uma queda de 13% entre 1940 e 1949. Vargas consequentemente prometeu um esforço renovado para proteger o proletariado com medidas relacionadas à previdência social. Entretanto, a despeito das referências a uma reforma agrária em seu discurso de final de ano, em geral Getúlio manteve silêncio sobre questões rurais em sua campanha presidencial. Isso se deu porque contava com os votos dos chefões locais do PSD e respectivos seguidores latifundiários e coronéis, que ainda controlavam uma parcela significativa dos votos rurais. Uma das muitas boas intenções irrealizadas do Estado Novo tinha sido o salário mínimo rural decretado em 1º de maio de 1943, que simplesmente não era pago pelos latifundiários. Um dos estados em que a pobreza rural era mais escandalosa era Pernambuco, que continha tanto desertos quanto as plantações de açúcar que dominavam o nordeste. Mas em Pernambuco, Getúlio selou um acordo eleitoral com a UDN local e, depois de se tornar presidente, nomeou o líder local da UDN, João Cleofas, ministro da Agricultura. Nada poderia indicar mais claramente sua falta de radicalismo a este respeito. Deixou claro em sua campanha que acolheria os investimentos estrangeiros, mas também defendeu o direito do Brasil de explorar suas reservas de petróleo e minerais. Este último ponto estava de acordo com suas próprias ações e políticas do passado, mas também estava muito em voga naquele momento e o colocou em uma boa posição frente aos nacionalistas econômicos. Uma onda de protestos políticos estourou em 1948 quando o governo Dutra tentou alterar a
legislação de Vargas que estabelecia que a exploração e desenvolvimento do petróleo deveriam permanecer como monopólio nacional. Especialistas estrangeiros haviam declarado antes da 2ª Guerra Mundial que o Brasil não tinha reservas de petróleo, mas durante o Estado Novo, Getúlio criou o Conselho Nacional do Petróleo, com considerável apoio militar, e logo foi encontrado um campo de petróleo na Bahia. Depois da guerra, as grandes multinacionais do petróleo tentaram se beneficiar da troca de comando e pressionaram Dutra a permitir sua entrada no ramo de exploração e desenvolvimento. Argumentaram que a existência de um monopólio estatal era um obstáculo para a rápida expansão da produção e o governo comprou sua causa. Entretanto, uma ampla mobilização popular foi organizada pela esquerda, reunindo o PTB e nacionalistas de diferentes origens, liderada pelo general Horta Barbosa, que havia presidido o Conselho do Petróleo sob Vargas, e foi bem-sucedida na medida em que o projeto de lei de Dutra jamais chegou ao Congresso. Entretanto, politizou a questão dos recursos naturais e esse foi um dos fatores que possibilitou a Vargas tentar um retorno. Surpreendentemente, amigos nas grandes petroleiras estrangeiras mantiveram esperanças de persuadi-lo a mudar de opinião. Vergara tem registrado o fato de que enquanto Vargas preparava um discurso sobre petróleo que seria feito na Bahia, um rascunho apareceu misteriosamente, alterando toda a sua posição sobre o monopólio estatal. Ele o ignorou. A política externa era apenas uma questão subsidiária na campanha, mas não deixava de ser importante em vista da Guerra da Coreia e da inveja em alguns setores brasileiros ao saber que os fundos do Plano Marshall estavam sendo gastos em economias de estados anteriormente inimigos na Europa. Havia rumores de que o governo Dutra estava se preparando para mandar tropas brasileiras para se reunir à ONU na Coreia. Mas Vargas esclareceu que manteria o país neutro nesta luta. Declarou que apoiava a ONU e levou os créditos pela participação do Brasil quando a organização mundial estava sendo montada, mas enfatizou que não poderia se esperar que o Brasil fizesse sacrifícios em um conflito militar para o benefício de outros. Se forasteiros desejavam a ajuda do Brasil, deveriam estar preparados para cooperar em assuntos como a questão do petróleo. A posição de Getúlio espelhava a que adotou durante a guerra, onde sua amizade com os Aliados foi dada em troca do dinheiro de Volta Redonda. Conforme a campanha evoluiu, a moral dos voluntários de Vargas aumentou. Uma das notícias mais animadoras foi a evidência de que em Minas, centro da candidatura de Machado, o ex-ditador estava ganhando muitos votos do PSD. Este, por sua vez, havia feito um acordo com Juscelino Kubitschek, ex-prefeito de Belo Horizonte que agora concorria como candidato do PSD ao governo de Minas. Vargas o apoiaria em troca de alguma ajuda na região. A data da eleição, 3 de outubro, era auspiciosa: o vigésimo aniversário da revolução que o havia colocado no poder. Entretanto, os seguidores de Eduardo Gomes, convencidos pela enorme vantagem do seu candidato anunciada no rádio e na TV, acharam que ganhariam. Vários brasileiros se surpreenderam ao descobrir que Vargas, que descansava no sítio de Batista Luzardo em Uruguaiana durante a contagem, havia ganhado com maioria quase generalizada. Teve 3.849.040 votos contra 3.342.384 de Eduardo Gomes e 1.697.193 de Machado. Café Filho ganhou por uma margem abaixo de 200 mil de Odilon Braga, o candidato da UDN, como vice-presidente. O sucesso de Vargas foi um voto nacional de confiança. Mesmo que praticamente um quarto de seus votos tenha vindo de São Paulo, ganhou facilmente na Capital Federal e ficou em
terceiro em Minas. O tamanho da margem de Getúlio praticamente inviabilizou qualquer tentativa de privá-lo dos frutos da vitória. João Neves, encarregado pelo lado de Vargas da transição em 31 de janeiro de 1951, encontrou Dutra determinado a obedecer à constituição e passar a faixa ao seu sucessor. Qualquer hostilidade militar foi enfraquecida pelo sucesso da chapa esquerdista e nacionalista nas eleições para os oficiais do Clube Militar em 1950. O Supremo Tribunal Eleitoral rejeitou uma liminar que dizia que Vargas não deveria ser empossado pois não tinha a maioria absoluta. Menos de seis anos após sua deposição, ele era mais uma vez presidente.
6 ÚLTIMO GOVERNO
E
m 26 de janeiro de 1951, dia em que a vitória de Getúlio nas eleições presidenciais foi formalmente confirmada pelo Supremo Tribunal Eleitoral, a temperatura no Rio de Janeiro era de 39°C. Um dos juízes desmaiou e o próprio Vargas cambaleou na cerimônia. Gregório Fortunato, que assumira a responsabilidade de organizar e comandar a guarda pessoal do novo presidente, trocou algumas palavras ásperas com o general Ciro de Resende depois que este expulsou um dos guardas por dar um empurrão num juiz. A cerimônia deu fim à escassa esperança da UDN, único grupo político inabalavelmente contrário ao retorno do ditador, de que o tribunal eleitoral decidisse que a eleição à presidência pelo sufrágio popular tivesse de ser por maioria absoluta ou, caso contrário, por votação no Congresso. Cinco dias depois, com o tempo ainda muito quente, Vargas tomou posse no Palácio Tiradentes, lar do Congresso que, durante o Estado Novo, fora ocupado pelo DIP. Em seguida, fez um discurso à imensa multidão na rua. Disse que ficara calado durante a onda de calúnias após deixar o cargo em 1945, mas que o povo compensara tudo levando-o de volta à presidência. Não viera semear ilusões nem fazer maravilhas e milagres como um messias recém-chegado. Mas a multidão não estava disposta a ser admoestada por um político. Todos tinham ido dar vivas à lenda nacional e ao Pai dos Pobres. Uma marchinha que mandava trazer de volta o antigo retrato de Getúlio — do tipo que fora praticamente obrigatório exibir em lojas e por toda parte durante o Estado Novo — captou a mistura de saudade e esperança. Houve alegria inédita nas ruas, um engarrafamento caótico prendeu os embaixadores estrangeiros nas ruas antigas e estreitas em volta do Palácio do Catete e uma massa de humanidade comum circulava pelas escadas do próprio palácio presidencial. Enquanto o New York Times dava ao novo governo um leve tapinha nas costas, o presidente Vargas já recebera, antes da posse, conselhos muito mais pessimistas do ex-secretário Vergara. Este ressaltou que a economia não ia bem e que não restava praticamente nada da reserva de moeda estrangeira acumulada no período da guerra. Vargas, que cometera uma gafe atípica ao descrever o seu gabinete como “experimental”, fez nomeações heterogêneas. Deu ao PTB uma única pasta, o Ministério do Trabalho, que coube a Danton Coelho. O PSD ficou com a maioria dos ministérios, entre eles o das Relações Exteriores, com João Neves, e o da Fazenda, com Horácio Lafer. O partido de Ademar de Barros ocupou o Ministério dos Transportes, e Ademar ajudou a conseguir a nomeação de Ricardo Jafet, líder da comunidade árabe de São Paulo e um dos maiores contribuintes financeiros da campanha de Vargas, para a presidência do Banco do Brasil. O esforço insistente de Getúlio para cortejar a UDN e atraí-la para o seu governo de conciliação nacional foi rejeitado; mas João Cleofas, de Pernambuco, cujo esforço seria violentamente criticado por polemistas da UDN, foi para a Agricultura. A escolha dos ministros militares foi considerada controvertida pelas armas. Estilac Leal, do Ministério da Guerra, fora um dos tenentes e vencera as eleições do Clube Militar com uma chapa nacionalista. Nero Moura, no Ministério da Aeronáutica, era um varguista convicto na arma mais contrária a Vargas; embora tivesse boas credenciais militares como comandante da força aérea na Itália durante a guerra, também foi piloto pessoal de Getúlio durante certo tempo e pedira a reforma em protesto contra a derrubada do presidente em 1945. Embora Vargas reiterasse que ambos os ministros eram populares entre os oficiais inferiores, o perigo era que nenhum dos dois conseguisse representar ou dominar em nome do governo as sensíveis forças armadas. No total, as nomeações ministeriais não causaram boa impressão aos observadores. A
forte adesão ao PSD e o aparente desdém pelo PTB indicavam uma política mais conservadora e menos radical e anticapitalista do que alguns discursos de Vargas durante a campanha haviam prometido. Por outro lado, mostrava a disposição de trabalhar com a maioria do Congresso, o que poderia estimular os que desconfiavam da “democracia” de Vargas. A partir da grande esperança da posse, o governo findou com desilusão generalizada em meados de 1954. Durante esse período, sofreu ataque acirrado da imprensa de oposição. Carlos Lacerda, cujo sensacionalista Tribuna da Imprensa se concentrava em escândalos reais ou imaginários dentro do regime, escreveu, pouco antes de Vargas tomar posse, que o seu governo seria como a loja recém-inaugurada da Sears Roebuck no Rio: grande expectativa de preço mais baixo seguida por imensa desilusão. Mas, na verdade, apesar da propaganda da UDN, das dificuldades econômicas e da postura ambivalente de Vargas em questões trabalhistas e nacionalistas importantes para grande número de partidários, a credibilidade do governo não correu risco grave a não ser perto do fim. Por exemplo, em setembro de 1952 o presidente teve uma recepção popular entusiástica em Porto Alegre — embora a polícia local tivesse prendido comunistas que distribuíam panfletos descrevendo-o como traidor. No início de 1953, um jornalista do diário francês Combat comentou que Vargas dominava o Brasil como senhor absoluto, acalmando espíritos agitados, respeitando escrupulosamente a constituição, estimulando intrigas em proveito próprio. “Sem escrúpulos, sem doutrina, sem ternura, Getúlio só obedece à necessidade”, comentou o observador Marc Aubin. Em essência, o segundo governo Vargas se dividiu em três períodos. O primeiro caracterizou-se pela política anti-inflacionária de Horácio Lafer, na qual a tentativa de controlar os preços e a concessão de crédito se combinou à busca entusiástica do auxílio financeiro dos Estados Unidos. Essa fase terminou em meados de 1953, quando ficou claro que, em parte devido à política financeira incoerente do governo, a inflação não fora controlada e grupos tão variados quanto os sindicatos, os nacionalistas de esquerda que lutavam pela nacionalização do petróleo e os investidores norte-americanos tinham perdido a fé na política brasileira. Em junho e julho de 1953, Vargas reorganizou o ministério e começou uma segunda fase. Nela, uma característica importante foi a chegada de três antigos personagens que, em várias ocasiões, trabalharam por ele e contra ele: Osvaldo Aranha, que assumiu o Ministério da Fazenda para impor um programa mais eficaz contra a inflação e que tinha a vantagem adicional de simbolizar amizade e familiaridade para os empresários norteamericanos; José Américo de Almeida, que coordenava o controle das secas no Nordeste e agora ia para o Ministério dos Transportes; e o advogado paulista Vicente Rao tornou-se ministro das Relações Exteriores. Mas, ao mesmo tempo, Vargas autorizou um chamamento muito mais forte ao trabalhismo ao substituir, no Ministério do Trabalho, Segadas Viana pelo ovem João Goulart, compatriota de São Borja. Essa segunda fase, com maior polarização em questões nacionalistas e trabalhistas e hostilidade crescente do exército, culminou com o memorando de protesto assinado por oitenta oficiais em fevereiro de 1954, que levou à demissão de Goulart e do ministro da Guerra. Isso, por sua vez, preparou o palco para a crise final da presidência, que terminou com a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda e o suicídio de Vargas em agosto.
A Petrobras e as questões nacionalistas
Vargas, o pai de Volta Redonda, ainda se dispunha a usar empresas estatais em prol do desenvolvimento nacional. Em 1951, ao chegar ao poder, pensou na ideia de transferir a capital federal do Rio de Janeiro para o interior, como Juscelino Kubitschek faria alguns anos depois na construção de Brasília. Getúlio, que falara da marcha para o Oeste nos seus dias de Estado Novo, via as vantagens dessa mudança ao estimular o desenvolvimento econômico das áreas central e norte do interior do Brasil, vasto mas de povoação irregular. Mas decidiu que o volume de esforço necessário seria grande e que essa tarefa ele deixaria para homens mais ovens que viessem depois. A sua principal iniciativa econômica nacionalista seria a Petrobras, a sucessora de Volta Redonda. Em dezembro de 1951, Getúlio enviou ao Congresso um projeto de lei que criava uma empresa petrolífera nacional com maioria acionária pertencente ao Estado. Ela teria o monopólio da extração do petróleo brasileiro e de todas as novas refinarias, embora as refinarias existentes pudessem continuar em mãos privadas, juntamente com a distribuição de gasolina e subprodutos. Para o presidente, a Petrobras era uma questão de princípio nacionalista e de investimento estratégico que ajudaria a transformar o Brasil num Estado tecnologicamente avançado. Em 31 de dezembro de 1951, ele disse: “Não nos opomos, como se costuma insinuar, à vinda de capitais estrangeiros para o Brasil. Ao contrário, desejamos que venham. Somos contrários, sim, à entrega de nossos recursos naturais, de nossas reservas ao controle de companhias estrangeiras, em geral a serviço do capital cosmopolita. [...] Já disse e repito solenemente que quem entrega o seu petróleo aliena a sua própria independência”. Essa era a questão do petróleo na época da nacionalização das refinarias de Abadã por Mussadeq, bem antes que a grande participação dos governos árabes nos lucros do petróleo se tornasse lugar-comum. De um lado, a recuperação do mercado de petróleo na Europa e na América do Norte deixava as empresas internacionais famintas por novas reservas. De outro, o sucesso medíocre na exploração e na produção obtido pelo Conselho Nacional de Petróleo do Estado Novo fez com que fosse essencial um novo órgão, estatal ou privado, para que o Brasil viesse a se beneficiar dos seus recursos energéticos. O debate, útil para o presidente porque desviava a atenção do esforço simultâneo do programa econômico anti-inflacionário, continuava o que se iniciara no governo Dutra e se radicalizou cada vez mais. O controle estatal tinha apoio considerável entre os elementos modernizadores e nacionalistas do Exército e acabou atraindo muitos grupos da classe trabalhadora urbana, entre os quais havia um público predisposto à demonologia dos cartéis estrangeiros que mantinham o Brasil num estado de servidão colonial. Os nacionalistas à moda antiga e os habitantes das áreas rurais também acharam possível apoiar a ideia da Petrobras. Os comunistas e outros esquerdistas que desconfiavam do real radicalismo de Vargas ou o viam com cinismo usaram deliberadamente a emoção gerada pelo tema para forçar o governo mais para a esquerda. O resultado da campanha da Petrobras, que se tornou questão dominante da vida política em 1952 e 1953 — o projeto se tornou lei em outubro de 1953 — foi abrangente. Ajudou a convencer Vargas, que adotara uma postura mais conservadora depois da eleição, a optar de forma mais definitiva pelo apoio à esquerda e à classe trabalhadora, ao mesmo tempo que afastou os investidores estrangeiros que cortejara em 1951. Em termos nacionais, a campanha, com a qual o próprio Vargas só contribuiu de vez em quando, foi um visível sucesso. Com ela, o poder da Petrobras e os elementos de controle estatal se fortaleceram. Até
a UDN foi tomada pelo sentimento popular e, em 1953, propôs emendas ao projeto determinando que o Estado nacionalizasse as refinarias privadas existentes. O toque final do presidente foi magistral. Depois que o projeto se tornou lei, ele convidou Juraci Magalhães, antigo tenente e interventor da Bahia que rompera com Vargas e ajudara a fundar a UDN, para ser o primeiro presidente da nova instituição. Uma iniciativa paralela cujas bases foram lançadas por Vargas foi a Eletrobras. Essa despertou bem menos interesse público e avançou bem menos durante a vida do presidente. Mas era o projeto de uma empresa elétrica nacionalizada que, tanto nos imensos empreendimentos hidrelétricos quanto na importância estratégica para a industrialização, teria papel importante a desempenhar no futuro. Ao avançar nessa direção, o presidente demonstrava a crença de que o controle público do aço e da energia era fundamental para um país em desenvolvimento. Mas também avançava no controle estatal mais do que ousara quando ditador do Estado Novo. Naquela época, ele fora amigo de McCrimmon, o canadense anglófilo que presidia a empresa de energia elétrica Light, no Rio. Embora as empresas de energia elétrica pertencentes a estrangeiros sempre tivessem certa medida de impopularidade, na época Vargas fora cauteloso na questão do seu descarte. Depois da guerra, ele achou que estavam preocupadas demais com a redução do lucro a curto prazo e pouquíssimo dispostas a investir no aumento da capacidade que seria necessário numa economia em expansão. Mas as empresas elétricas estrangeiras, canadenses e outras, mais profundamente enraizadas no Brasil do que as empresas petrolíferas internacionais e com clientela própria de políticos e advogados amigos, resistiram muito. No seu epitáfio, Vargas se queixou de que a Eletrobras fora “obstaculada até o desespero”. A atitude de Vargas diante do capital estrangeiro merece discussão posterior. Mas um campo que poderia ter despertado a opinião nacionalista do país seria a questão agrária — caso o abordasse a sério. A britânica Vestey estava entre os proprietários de terras estrangeiros que possuíam extensões consideráveis de território brasileiro para criação de gado e outros propósitos. Mas, embora esse governo Vargas tivesse com esses grandes fazendeiros algumas relações nascidas da preocupação de aumentar a oferta de alimentos e reduzir os preços nas cidades, o tema da reforma agrária não era levado a sério na pauta. Durante a campanha eleitoral, ele fizera um discurso em São Paulo no qual dissera ser necessária uma nova lei de reforma agrária que exigisse que a propriedade de terras servisse a fins sociais, e, em 1951, o seu governo criou uma comissão nacional sobre política agrária para realizar estudos e projetos relacionados à reforma da legislação. Num discurso de 8 de abril de 1952, quando falava da “batalha da produção agrícola”, ele afirmou que os estudos para a reforma agrária estavam bem avançados. Mas essas palavras pouco significaram. Em parte, isso se deveu às contingências políticas do momento: à dependência, principalmente no Congresso, do apoio dos fazendeiros do PSD e à presença até meados de 1954 de João Cleofas, udenista nada revolucionário, no Ministério da Agricultura. Mas também diz algo sobre o próprio Vargas e as atitudes do seu tempo. Para ele, a terra não era escassa no Brasil — parecia um problema maior que vastas regiões do país estivessem desocupadas —, e ele definia os problemas do desenvolvimento econômico como requisitos para o progresso urbano e industrial. A sua origem no Rio Grande do Sul de pequenos proprietários e relativa abertura a pioneiros como o seu pai pode tê-lo deixado cego para a existência de um problema agrário e provocado
solidariedade semiconsciente com os proprietários existentes. Muitos colaboradores gaúchos seus, como Osvaldo Aranha e Batista Luzardo, eram fazendeiros; em 1961, quando se tornou presidente, o gaúcho João Goulart, seu protegido, tentou ao mesmo tempo começar a reforma agrária e aumentar suas propriedades rurais.
Economia e trabalho Durante o último governo Vargas, os ministros lutavam contra a inflação e outras dificuldades econômicas para as quais não tinham solução real. Aos poucos, o custo de vida se acelerava. De acordo com W. Baer e Isaac Kestenetzky, organizadores de Inflation and growth in Latin merica, o custo de vida no Rio de Janeiro, tomando 1940 como 100, foi de 179 em 1945, 299 em 1950 e 550 em julho de 1954. Ao comparar essa mudança com as alterações do salário mínimo, eles levantam a questão importante de que o seu poder de compra caiu quase à metade entre 1945 e 1951, depois triplicou com o aumento que entrou em vigor em janeiro de 1952; um ano e pouco depois, perdeu um quinto do valor, e, em seguida, aumentou em cerca de 60% quando se tomou a contestada decisão de dobrar o salário mínimo em julho de 1954. Vargas, que confessara não ser economista quando se tornou ministro da Fazenda no governo Washington Luís e que criticara a inflação do governo Dutra, teve de lidar, insatisfeito, com os efeitos políticos de um fenômeno econômico que não podia controlar. Como em 1930, quando iniciou o primeiro período na presidência com uma política de conservadorismo fiscal, Getúlio, em 1951, começou com o objetivo de reduzir a taxa de inflação e estimular o investimento na indústria de base e em energia, portos e ferrovias. A estratégia podia ter as suas contradições desde o princípio, mas as más relações entre Horácio Lafer, o ministro da Fazenda, e Ricardo Jafet, o presidente do Banco do Brasil, fizeram com que não fosse aplicada com coerência. A generosa política de crédito de Jafet tornava sem sentido os planos de Lafer de diminuir a inflação, e, para pelo menos um observador da imprensa, esse era um exemplo da tática do presidente de emparelhar opostos em proveito próprio. A princípio, Lafer, que anunciou um plano quinquenal de um bilhão de dólares em setembro de 1951, teve algum sucesso. O governo Vargas herdara de Dutra os planos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o desenvolvimento econômico, que funcionou de ulho de 1951 a dezembro de 1953. Embora em parte fosse uma operação técnica que visava a identificar obstáculos ao progresso econômico do Brasil, a comissão também era um compromisso tácito de ajuda dos Estados Unidos por meio de instituições como o ExportImport Bank e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento. Apesar do passado um tanto ambíguo de Vargas, a princípio a sua eleição foi considerada sinal de estabilidade e segurança para os investimentos norte-americanos. Os valores citados por Miguel Arraes, que admirava Vargas com algumas reservas e era forte crítico do investimento estadunidense, em Brasil: o povo e o poder indicam que, depois de uma entrada média de 44 milhões de dólares por ano entre 1946 e 1950, o fluxo de investimentos estrangeiros subiu para 63 milhões em 1951 e 94 milhões em 1952. Em 1951, na sua mensagem ao Congresso, Vargas especificara que o seu governo facilitaria “o investimento de capitais privados estrangeiros, sobretudo em associação aos nacionais, uma vez que não firam os interesses políticos fundamentais do nosso país”.
Mas, embora Getúlio afirmasse, num discurso de outubro de 1953, que impusera um controle rígido das despesas que realmente produzira superávits orçamentários em 1951 e 1952, a verdade era que, na época, uma combinação de fatores já o forçara a mudar o ministério e tentar uma nova política econômica. O primeiro fator foi que, embora supostamente a Guerra da Coreia favorecesse os produtores primários, a situação da balança de pagamentos do Brasil piorou drasticamente em 1951 e no ano seguinte. Em parte isso se devia aos brasileiros que estocavam deliberadamente com o temor de que a luta na Coreia fosse o prelúdio de um confronto mundial; em parte, porque o câmbio oficial do cruzeiro foi ultrapassado pela depreciação interna, e essa taxa de câmbio falsa estimulava a remessa elevada de lucros. Tudo isso levou Vargas a fazer críticas ao papel e às atividades dos investidores estrangeiros em vários pronunciamentos que, embora populares junto à esquerda e aos setores nacionalistas, contrariavam os afagos que fizera aos investidores. Depois de dizer à nação, no final de 1951, que os investidores estrangeiros sangravam o Brasil com a remessa excessiva, ilegal e escandalosa de lucros, ele mudou as regras em janeiro de 1952, de modo que o limite de 8% das remessas se aplicasse apenas ao capital originalmente trazido e não ao lucro reinvestido no Brasil. A sua frustração com a posição do Brasil no comércio internacional — numa época em que o governo alimentava esperanças exageradas no aumento do preço do café e via com inveja os Estados Unidos injetarem dinheiro na Europa com o Plano Marshall — uniu-se à consciência da insatisfação nacional com a inflação para torná-lo cada vez mais desinibido a respeito do investimento externo. “E vamos restituir o quê?”, perguntou certa vez. “O que não devemos; restituir o que não recebemos, o que é nosso, o que foi majorado por simples magia de cifras, a fim de supervalorizar o capital estrangeiro, em detrimento dos valores do trabalho brasileiro e da produção brasileira.” Essa atitude era adequada à postura nacionalista do seu governo no início da década de 1930, que insistia que o interesse brasileiro tinha de estar na frente do pagamento de empréstimos a credores europeus. Mas, no início da década de 1950, quando o governo Truman nos Estados Unidos foi substituído pelos republicanos de Eisenhower com o compromisso de reduzir o auxílio estrangeiro, o resultado era previsível. Em 1953 e 1954, houve uma queda acentuada da entrada de investimentos externos, que caíram quase à metade entre 1952 e 1954. Ao mesmo tempo, a ajuda oficial por meio da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o desenvolvimento foi questionada no final de 1952; em 1953, a operação foi cancelada num clima de relações feridas entre americanos e brasileiros, com estes achando que tinham obtido menos da metade da ajuda que foram levados a esperar. Análises mais recentes do efeito do investimento externo em países em desenvolvimento demonstraram a frequência com que essa relação é avassaladoramente vantajosa para os investidores estrangeiros, distorce a estrutura econômica do país receptor e sobrecarrega-o com dívidas e uma remessa maior de capital. No entanto, naquela época de apogeu do poderio norte-americano no mundo em geral, os dogmas dominantes numa área como a América Latina, que se mantinha firme na esfera de interesses dos Estados Unidos, tendia quase automaticamente a favorecer os valores da livre empresa e do investimento externo. O poder dos Estados Unidos na América Latina no início da década de 1950, tanto o poder formal nas relações entre Estados quanto o poder informal em consequência da atividade de empresas e subsidiárias norte-americanas, era enorme. Pode-se ter uma ideia do que estava envolvido em
termos de intervenção local para promover os interesses estadunidenses com as revelações, no inquérito do Congresso norte-americano em 1973, de até que ponto a gigantesca empresa americana International Telephone and Telegraph se dispunha a ir em aliança com a CIA para impedir que o presidente Allende assumisse o poder no Chile em 1970. Embora alguns detalhes dos conflitos de Vargas com os interesses comerciais norte-americanos permaneçam obscuros, há poucas razões para duvidar quando ele disse, no decorrer do último governo, que se envolvera em algumas lutas difíceis com eles. A insatisfação nacional com a inflação e a taxa de crescimento econômico um pouco mais baixa do que no governo Dutra foram o segundo fator que levou Vargas a demitir Lafer e começar nova iniciativa trabalhista com Goulart. A inflação estimulava uma sensação geral de amargura e insegurança e a polarização entre grupos da classe trabalhadora e da classe média. As tentativas de controlar o preço dos alimentos em meados de 1951 foram ineficazes e o PTB reclamou que os aumentos salariais e a correção pelo custo de vida vinham sempre atrasados demais. Um dos aspectos impressionantes dos primeiros dois anos e meio de Vargas na presidência foi como perdeu apoio entre os eleitores da classe trabalhadora. Um mês depois de se tornar presidente, ele deu uma festa para os trabalhadores no estádio do Maracanã, com atores e jogadores de futebol para divertir o público. Mas esses floreios populistas e a intenção anunciada de avançar rumo à social-democracia de linha britânica ou escandinava não conseguiram superar a desilusão crescente. O ministro do Trabalho Danton Coelho renunciou em protesto contra o não cumprimento das promessas do governo. Antes de partir, ele mudou o sistema para que integrantes do Partido Comunista pudessem ocupar cargos nos sindicatos patrocinados oficialmente. O ressurgimento dos comunistas, que atacaram Vargas por ser cauteloso demais no caso da Petrobras e por fazer muito pouco pelos assalariados, engrossou uma corrente subterrânea de insatisfação com a inflação; o Partido Comunista Brasileiro, ainda oficialmente ilegal, se opôs a Vargas durante todo o seu último governo. O próprio Vargas, apelando aos trabalhadores para que tivessem paciência e colaborassem com o programa de estabilização do governo, corria o grave risco de ser ignorado por eles e flanqueado pela esquerda. Ao mesmo tempo, o apoio da classe média a Vargas vinha se desgastando. Segundo uma opinião, a Revolução de 1930 poderia ser descrita como burguesa e, sob a proteção das medidas industrializadoras e de bem-estar social do ditador, houve uma expansão dos empregos comerciais e burocráticos com status para a classe média. Mas, embora Vargas usasse a linguagem do “trabalhismo”, nos anos do pós-guerra esses grupos de classe média, inseguros com a inflação e com o conservadorismo fortalecido pela ideologia da Guerra Fria e a desconfiança com o peronismo, tendiam a se tornar mais céticos e hostis. Havia um público ávido por reportagens sobre corrupção e ineficiência na imprensa antivarguista. A classe média temia a manipulação política da mão de obra urbana e não via com bons olhos um sistema político baseado principalmente em amizades, clientelismo e parentesco; desprezava o desperdício e a desorganização das empresas estatais e de órgãos burocráticos como os institutos de previdência social que Vargas pretendia unificar e racionalizar mas nunca conseguiu reformar. O Exército, cujos oficiais eram da classe média, provavelmente representava melhor os seus sentimentos do que qualquer partido surgido no sistema pós-1945, e mesmo assim a resistência tão firme da UDN às tentativas de diálogo depois da eleição
presidencial foi um alerta para Getúlio. No início de 1953, houve uma extraordinária manifestação da profundidade do descontentamento da baixa classe média com o sistema Vargas e em particular com o reinado de Ademar de Barros em São Paulo, quando Jânio Quadros, um forasteiro desconhecido, foi eleito prefeito da cidade. Jânio, um personagem carismático, investiu contra a corrupção da cidade grande e pregou a moralidade do trabalhador dedicado, do pequeno poupador e das famílias com aspirações sociais e educacionais. Na década de 1950, havia muitas razões para os seguidores de Jânio criticarem Vargas; a campanha tonitruante de denúncias que unia a melhor imprensa do Brasil mostrava um caminho de oposição que atraiu cada vez mais pessoas como eles. A mudança do governo em meados de 1953 não deu fim às contradições da política oficial e foi planejada para devolver ao presidente o apoio político que visivelmente lhe fugia. A chegada de Osvaldo Aranha ao Ministério da Fazenda — num exemplo da lealdade pessoal que Vargas inspirava através de discordâncias políticas e uma longa carreira — pretendia tranquilizar empresários brasileiros e investidores norte-americanos. A sua tarefa era controlar a inflação, dar um jeito na taxa de câmbio irreal do cruzeiro e evitar a crise crescente da balança de pagamentos. Ele deu um ímpeto característico à tentativa. Outro “Plano Aranha”, apresentado em outubro, restringiu o crédito, aboliu as autorizações de importação e, com um sistema de câmbio múltiplo, buscou tornar as importações mais caras enquanto dava às exportações brasileiras a vantagem competitiva do cruzeiro desvalorizado. Toda essa política seria desafiada pela tentativa de Goulart de aumentar a renda dos operários industriais, mas a princípio ele recebeu reação favorável dos setores empresariais. O aspecto de menor sucesso foi a estratégia para manter o ganho cambial do café. Um reflexo do nacionalismo da livre empresa que caracterizou o início do governo Eisenhower nos Estados Unidos foi uma investigação do Senado sobre o alto preço do café; isso bateu de frente com o plano de Aranha de comprar café nos leilões de Nova York para maximizar o preço. O surgimento de novos produtores africanos e latino-americanos que ofereciam vários tipos e qualidades de café também minou a estratégia de Aranha, baseada no domínio do mercado pelo Brasil antes da guerra. No início de 1954, a política de apoio se voltou para o Brasil, onde o Instituto Brasileiro do Café retomou a prática de comprar as safras para mantê-las fora do mercado internacional. Aranha conseguiu combater a redução de receita do comércio exterior brasileiro, que caíra cerca de 30% entre 1951 e 1953. Mas não era mágico, e não foi possível reverter a queda instantaneamente. O aspecto interno mais notável da mudança ministerial foi a promoção de João Goulart, popularmente conhecido como “Jango”, a ministro do Trabalho. Ele ajudara a criar o PTB no Rio Grande do Sul e fora recompensado com a Secretaria Estadual do Interior quando o candidato petebista, general Ernesto Dorneles, foi eleito governador em 1950. Tendo em vista que Dorneles era parente de Getúlio, a natureza íntima do PTB gaúcho fica ainda mais visível quando se nota que Leonel Brizola, cunhado de Goulart, era secretário de Obras do mesmo governo estadual. Devido à associação íntima com Vargas, Jango tinha acesso livre ao Catete e, antes da nomeação como ministro, tramara uma greve de estivadores que provocara embaraços a Segadas Viana, então ministro do Trabalho. Logo ele foi alvo de ataques ferozes da imprensa direitista que o acusava de cooperar intimamente com os comunistas nos
sindicatos, de tentar transformar os sindicatos em poder dominante no país segundo o modelo peronista e de atuar de modo geralmente suspeito aproveitando-se do clientelismo do seu ministério e dos vínculos presidenciais. Parte disso era verdade. Mas a ligação íntima entre o Ministério do Trabalho e as lideranças sindicais, que sobrevivera à mudança da constituição depois do Estado Novo, tornava inevitável que um governo que desejasse adotar uma política favorável aos trabalhadores começasse a usar a sua influência para apoiar os sindicatos em negociações salariais. No final de 1953, Goulart elaborava um decreto para dobrar o salário mínimo. A sua tarefa fora desfazer o desapontamento que os trabalhadores urbanos sentiam em relação ao governo enquanto a inflação corroía o aumento de janeiro de 1952. Num discurso importante de 31 de aneiro de 1954, Vargas endossou uma política de redistribuição. Ao afirmar que, embora o salário dos trabalhadores tivesse quase dobrado entre 1947 e 1952, o volume dos lucros das empresas quase triplicara, ele acrescentou que “é necessário um reajuste entre esses valores para obter o equilíbrio indispensável à paz social”. Ele atacou exploradores e especuladores e continuou: “Não é mais possível manter uma sociedade dividida entre o pequeno grupo do capital, que tem tudo, e a imensa massa do trabalho, que não tem nada. Não queremos uma sociedade sem classes, porque negaria o valor da iniciativa individual, mas desejamos uma sociedade sem privilégios e monopólios que criam injustiças e desigualdades. Não é mais possível permitir a penúria em meio à opulência, a escassez em meio à abundância, a condição de alguns que não têm para as necessidades da vida e a ostentação de outros que têm sobras para desperdiçar”. O projeto de dobrar o salário mínimo, que o deixaria no mesmo nível do soldo de um segundo tenente do exército, passou rapidamente a dominar a vida pública. Foi uma prova para a opção de Vargas entre o trabalho e a estabilização econômica. Foi uma prova do poder e da capacidade de sobreviver à campanha hostil da imprensa para Jango Goulart. E também se tornou uma prova das relações de Getúlio com as forças armadas. Em meados de fevereiro de 1954, oitenta e dois coronéis que serviam na região do Rio enviaram ao então ministro da Guerra, general Ciro do Espírito Santo Cardoso, um memorando com queixas sobre a inflação e o abandono do exército. O documento fora atenuado antes de ser levado a instâncias superiores e não era especificamente hostil a Vargas. Mas provocou uma crise. Os vinte coronéis e sessenta e dois tenentes-coronéis que assinaram o protesto misturaram várias reclamações: falta de equipamento militar, inadequação crescente do soldo, temores pela situação dos oficiais, preocupação com a subversão dos trabalhadores e a corrupção nos negócios e na política e a suposta desmoralização dentro do próprio Exército. O documento vazou para a imprensa e foi recebido com aprovação pelos líderes da UDN e por vários generais. O Correio da Manhã, respeitável diário carioca, comentou: “Se o país continuar vivendo como atualmente, num ritmo de colapso e ruína, os signatários não veem como o exército conseguiria conter o descontentamento que cresce nos escalões inferiores da hierarquia”. Embora o ministro da Guerra descrevesse tranquilamente o memorando como “contribuição valiosa”, Vargas o culpou por não avisá-lo antes da agitação que aumentava. A tempestade atropelou a proposta de dobrar o salário mínimo para 2.400 cruzeiros por mês que Goulart apresentou formalmente em 22 de fevereiro. Ele embasou a recomendação com a afirmação pró-trabalhista intransigente de que o aumento do custo de vida exigia salários mais
altos e que os exploradores apuravam lucros excessivos. Mas, apesar de várias greves que vinham acontecendo e de uma campanha com cartazes unindo Vargas e Goulart, a crise mostrou que o movimento sindical tinha importância bem menor do que as forças armadas. Meras 2 mil pessoas apareceram num comício a favor do aumento do salário mínimo realizado diante do Ministério do Trabalho; ao mesmo tempo, o Ministério da Marinha tinha metralhadores de plantão ali perto e a guarnição do exército na capital ficou de prontidão. A ameaça de greve geral nunca se materializou. Tanto Goulart quanto o ministro da Guerra renunciaram, o primeiro a ser substituído por um funcionário público, o segundo pelo general Zenóbio da Costa, herói de guerra da campanha italiana, anticomunista convicto e um dos oficiais superiores que garantiram que o exército aceitaria calmamente o retorno de Vargas à presidência em 1951. Mas, embora parecesse que Vargas abandonara as suas políticas sociais e trabalhistas sob pressão dos militares e da oposição, não foi isso que aconteceu. Apesar das recomendações do Conselho Econômico Nacional, de industriais e de Aranha, em 1º de maio Vargas anunciou que concederia integralmente o aumento de Goulart. Ao falar em Petrópolis, no dia tradicional dos comícios trabalhistas — houve simultaneamente uma grande marcha de trabalhadores em São Paulo — o presidente elogiou o ex-colega e defendeu o seu próprio desempenho. “Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número”, disse ele aos trabalhadores. “Constituís a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo.” A batalha pelo aumento salarial ainda não acabara. Os adversários recorreram ao Supremo Tribunal Federal, afirmando que o aumento era inconstitucional, e ele foi temporariamente suspenso; nos sindicatos, os comunistas acusaram Vargas de tentar enganar os trabalhadores e houve várias assembleias de protesto até que o tribunal decidiu, por quatro votos contra um, que o aumento estava dentro da lei. A sequência inteira do memorando dos coronéis à duplicação do salário mostrou como o Brasil vinha se dividindo e como, para Vargas, ficava cada vez mais difícil cumprir o seu papel instintivo de árbitro pessoal. Para os oficiais e os setores de classe média, sem dúvida o aumento era inflacionário e, talvez, revolucionário; para os trabalhadores urbanos organizados, parecia muito atrasado e era uma garantia de que ainda havia significado na retórica trabalhista de Vargas.
Os militares Para Vargas, que encabeçara uma revolução militar bem-sucedida em 1930 e fora derrubado por um golpe de Estado em 1945, o memorando dos coronéis de fevereiro de 1954 era símbolo de uma grave degeneração do apoio militar. A política de Getúlio e os movimentos autônomos de opinião no oficialato se combinaram para tornar vulnerável a sua posição. Enquanto tendia a adotar uma orientação trabalhista mais radical conforme o governo avançava, o sentimento da maioria dos oficiais se voltava contra o nacionalismo econômico, era hostil ao peronismo e ao comunismo e via o próprio papel em termos muito mais protetores e conservadores do que os tenentes de 1930. Em nenhum aspecto Vargas restabeleceu com os comandantes e com o grosso do oficialato a relação que gozara durante quase todo o seu primeiro período como presidente. Em termos de classe social, pelo menos três quartos dos oficiais do Exército vinham da classe média do início da década de 1940; a maior exigência acadêmica depois da
guerra teria o efeito de enfatizar a natureza burguesa dos oficiais e realmente aumentaria o ingresso de oficiais recém-formados que eram filhos de oficiais. Com o desenvolvimento da filosofia do “trabalhismo” de Vargas, que, em essência, era um apelo à proteção e à redistribuição de renda a favor da classe trabalhadora urbana, houve um explosivo conflito de classe entre o presidente e os militares. As divergências políticas que se desenvolveram entre Getúlio e os oficiais representavam uma luta muito mais fundamental pelo poder social. Embora Estilac Leal e Horta Barbosa encabeçassem uma chapa nacionalista que, em 1950, venceu as eleições do Clube Militar, o início da Guerra da Coreia ajudou a promover um clima anticomunista que também se voltou contra as iniciativas econômicas estatizantes. Estilac Leal e a ala nacionalista do Exército — a arma mais forte e menos conservadora — apoiavam a lei da Petrobras, não desejavam se envolver na Coreia e faziam reservas à demasiada adesão à política externa americana. Mas, antes do final de 1950, Estilac Leal, presidente do clube e ainda não nomeado ministro da Guerra, foi forçado a ficar na defensiva quando o compeliram a suspender a Revista do Clube Militar; a reação conservadora a um artigo que defendia que os Estados Unidos eram responsáveis pela Guerra da Coreia foi forte demais. As eleições do clube em 1950 foram a primeira prova de força de um fator que se tornaria importantíssimo na vida política e militar brasileira: a Escola Superior de Guerra. Essa escola fora fundada no ano anterior pelo general Osvaldo Cordeiro de Farias, cabeça da chapa conservadora que perdeu as eleições de 1950 do clube. Seguia a linha das escolas de estadomaior americanas e europeias, dava cursos de um ano aos oficiais mais capazes e era administrada por militares e civis de alto nível intelectual. A sua importância foi dar às forças armadas um centro próprio de aprendizado e debate com vínculos íntimos com alguns setores civis conservadores, como industriais, professores universitários e jornalistas. Com o tempo, a ESG viria a desenvolver opiniões influentes sobre segurança nacional que teriam importância na época da derrubada do presidente Goulart e depois dela. Mas, desde o começo, ela exibia certas características: um enfoque político e econômico pró-estadunidense e anticomunista, ênfase na tradição cristã do Brasil e no papel de liderança das suas forças armadas, um laço de união do oficialato na experiência da frente italiana da 2ª Guerra Mundial e cinismo e hostilidade profundos por Getúlio Vargas. Tanto Cordeiro de Farias quanto Juarez Távora, seu sucessor como comandante da ESG, tinham sido tenentes que abandonaram Vargas durante a primeira presidência. As eleições de 1950 do Clube Militar mostraram que as armas estavam divididas e a nomeação dos ministros militares de Getúlio nada fez para curar as feridas. Como ministro da Guerra, Estilac Leal teve de enfrentar uma oposição guerrilheira e competente e, embora o veterano Góis Monteiro fosse chamado do Senado para ser mais uma vez chefe do estadomaior, estava velho e doente demais para reimpor o antigo controle. No início de 1952, Zenóbio da Costa, que comandava as tropas do exército na região do Rio, deixou o cargo em protesto contra a suposta brandura de Estilac Leal com o comunismo. Zenóbio era ambicioso e Estilac Leal estava longe de ser um esquerdista extremado, mas Vargas achou prudente aceitar ambas as demissões. Góis Monteiro, que estava doente, saiu no mesmo ano, e o general Espírito Santo Cardoso, o novo ministro da Guerra, mostrou-se incapaz de pôr os oficiais sob o controle do governo.
Mas, em maio de 1952, houve uma demonstração drástica da rejeição da posição econômica nacionalista pelos oficiais do exército. Estilac Leal e Horta Barbosa tinham sido convencidos por um grupo de jovens oficiais nacionalistas a concorrer de novo ao Clube Militar. Contra eles foi montada uma chapa encabeçada pelos generais Alcides Ecthegoyen e Nelson de Melo, apoiada por uma “Cruzada Democrática” e pelo grupo da Escola Superior de Guerra. Este último apoiava o investimento estrangeiro privado e a liderança dos Estados Unidos na Guerra Fria.Venceram com 8.288 votos contra 4.489. Foi um ótimo teste de opinião entre os oficiais politizados — e era objetivo da ESG dar a todos os oficiais superiores um entendimento melhor da política —, que Vargas não levou em conta adequadamente. No seu pronunciamento de fim de ano, em 31 de dezembro de 1952, ele exprimiu a confiança de que as armas manteriam a neutralidade política e permitiriam as reformas sociais do governo. Depois de apelar à tolerância e à compreensão cristã, ele avisou aos “que têm o privilégio de possuir grandes fortunas” que não deviam esperar que as forças armadas se transformassem em “instrumento de servidão”; o poder do Estado não deveria ser chamado a “servir a interesses egoístas com vistas a perpetuar desigualdades ou injustiças sociais”. Mesmo assim, as atitudes da classe dos oficiais ainda tendiam a se afastar de Vargas; e, em 1955, estimava-se que quase metade dos oficiais generais tinham passado pela ESG. As eleições de maio de 1954 no Clube Militar confirmaram a predominância dos elementos antivarguistas. Na esteira do memorando dos coronéis e com a questão ainda candente do salário mínimo, a chapa dos generais Canrobert da Costa e Juarez Távora derrotou o general Paes Leme por uma margem quase tão grande quanto a de dois anos antes. Canrobert da Costa, ministro da Guerra de Dutra e anticomunista inabalável, descreveu o memorando como “de grande importância e interesse nacional”; Juarez Távora, vice-rei do Norte em 1930, foi um dos tenentes partidários de Vargas que divergiram dele em meados daquela década. Mais importante para mostrar até que ponto esse resultado foi uma derrota de Vargas foi o fato de Paes Leme ter sido auxiliado por uma coalizão da antiga facção de Estilac Leal e do novo ministro da Guerra, Zenóbio da Costa. Zenóbio, com o seu anticomunismo e a experiência na guerra italiana, tinha muito em comum com a liderança da ESG. A única diferença é que ele considerava adequado servir sob o comando do presidente Vargas. A dissonância desenvolvida entre Vargas e as forças armadas no seu último governo foi importantíssima para ele e para a história brasileira. Em parte, refletia uma mudança maciça ocorrida na situação específica do Exército. De classe insurgente quando aconteceu a Revolução de 1930, os seus oficiais se tornaram uma instituição política. O processo de ascensão da década de 1930, com tenentes administradores, domínio das milícias estaduais e a instituição do Estado Novo, culminou com a participação numa guerra internacional e a derrubada de Vargas em 1945. Até então, o poder das forças armadas se desnudara e, em certo sentido, se manteve com a presença de Dutra na presidência. Vargas pode ter sido erroneamente levado, pela ideologia de democracia em 1945, a esquecer o fato do poder do Exército e de que seria atingido pelo conservadorismo do poder. Por ter sido eleito por boa maioria em 1950, há razões para imaginar que pressupusesse a lealdade militar, qualquer que fosse a política que implantasse. Mas setores importantes das Forças Armadas tinham se desencantado decididamente com Vargas no período próximo à queda do Estado Novo; embora vestisse o manto da democracia,
basicamente ele ainda não era digno de confiança. A Guerra da Coreia e a experiência contemporânea do peronismo também levaram os oficiais a desconfiarem do presidente. Embora ninguém soubesse disso melhor do que Vargas, que compartilhava do anticomunismo constante da liderança militar e o manipulava, a 2ª Guerra Mundial induzira um forte sentimento pró-estadunidense e um ponto de vista mais global. Com a Guerra da Coreia em andamento, muitos oficiais achavam genuinamente que uma nova guerra mundial estava prestes a eclodir. Nesse caso, o Brasil se veria lutando ao lado dos Estados Unidos, ex-aliado e fornecedor da tecnologia militar que ajudava a dar prestígio aos oficiais. Com isso em vista, o nacionalismo econômico de alguns pronunciamentos de Vargas e a crítica aos investidores norte-americanos que também ajudavam indiretamente a sustentar o padrão de vida de um grupo de poder nacional pareciam absolutamente odiosos. O exemplo peronista, com o qual a imprensa antivarguista não parava de assustar os leitores, era outra advertência aos oficiais críticos. Ali, achavam possível perceber aonde o “trabalhismo” do presidente poderia chegar: o Exército tendo de dividir o poder com o movimento sindicalista e tornando-se até subordinado a ele. A rixa sobre a questão do salário mínimo, com sua clara ameaça ao diferencial militar, foi o momento decisivo para o exército. A corrupção e a cooperação com os comunistas envolvidas nas tentativas do PTB de estimular o movimento trabalhista provocavam desprezo nas forças armadas. O fato de o regime semifascista da Argentina ter ficado fora da 2ª Guerra Mundial e de o presidente Perón deixar bem claro que se manteria neutro no choque entre o capitalismo norte-americano e o comunismo internacional que poderia levar à terceira, aumentou o abismo que separava do PTB do segundo governo Vargas a ESG e os seus seguidores. Finalmente, certos fatores humanos que afetavam as relações do presidente com o Exército não devem ser ignorados. Ao envelhecer, ele perdeu o contato com as personalidades envolvidas. Enquanto viveu semiaposentado em São Borja, houve uma considerável rotatividade do pessoal. Por um lado, alguns oficiais mais nacionalistas tinham sido transferidos de postos importantes, e, por outro, como estavam no exterior e ele no Rio Grande do Sul, Vargas nunca chegou a conhecer os que tiveram destaque na Itália. Os personagens com quem trabalhou intimamente no passado, como Góis e Dutra, também estavam perdendo contatos e não tinham mais relações muito amistosas com ele.
Relações exteriores No segundo governo, Vargas não teve de enfrentar uma guerra mundial, mas ela era uma possibilidade. Como antes, a sua diplomacia foi estritamente subserviente a considerações políticas internas e à visão de interesse nacional à qual elas o levavam. Ao contrário da situação na década de 1930, era claro que, em 1951, a maior superpotência do mundo ficava na América. Enquanto antes o nacionalismo antiestrangeiros do Brasil se voltava contra a GrãBretanha ou a Alemanha nazista, em 1951 o Brasil, inevitavelmente, se envolvera na órbita de atração e repulsa dos Estados Unidos. Getúlio fora o arquiteto da aliança do Brasil durante a guerra, mas a mudança das circunstâncias o deixou mais ambivalente em relação aos EUA. No decorrer da campanha eleitoral de 1950, ele fizera propaganda do suposto papel do embaixador Berle na sua derrubada em 1945, referindo-se ao apelo público do então embaixador por
eleições; mas mesmo antes da vitória, o semanário americano Christian Science Monitor noticiou que o Departamento de Estado recebera asseverações de sua futura atitude de amizade; e Vargas conversou com o embaixador Herschel Johnson e com Nelson Rockefeller a respeito da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos antes de assumir a presidência. Em 1951, quando João Neves, ministro das Relações Exteriores de Vargas, compareceu a uma conferência de ministros do Exterior em Washington, sugeriu-se que o Brasil mandasse soldados à Coreia. Vargas, com o apoio do sempre cauteloso Góis, que disse que haveria problemas técnicos e de instrução, rejeitou a ideia. Os comunistas brasileiros faziam manifestações contra a proposta, que seria contrária à política do próprio Getúlio. No entanto, em março de 1952 João Neves e o embaixador norte-americano assinaram um pacto de ajuda militar entre o Brasil e os Estados Unidos, restrito à defesa mútua nas Américas. Foi uma importante renovação de acordos militares existentes. Enfrentou a oposição da ala esquerda e antiamericana do PTB e levou um ano para ser aprovado pelo Congresso. É importante lembrar esse acordo quando se avalia a validade da crítica direitista do segundo governo Vargas. Ele não imaginaria travar uma guerra mundial com a Rússia contra os Estados Unidos, nem mesmo manter a neutralidade caso os EUA fossem atacados no hemisfério ocidental. Na verdade, parece que, como na 2ª Guerra Mundial, na cabeça de Vargas o acordo militar estava intimamente ligado à ajuda econômica norte-americana e ao trabalho da Comissão Mista. O fato de a comissão não trazer ajuda depois da vitória republicana em Washington levou a um clima de antiamericanismo amargurado nos círculos oficiais do Rio de Janeiro. Era inevitável que a piora da relação entre Vargas, preocupado com a “desnacionalização” do Brasil, e as empresas privadas norte-americanas lançasse uma mortalha sobre as relações intergovernamentais quando Eisenhower se tornou presidente. Na imprensa de oposição, houve especulações constantes sobre algum acordo que Vargas e Perón estariam prestes a concluir. Na verdade, a imprensa peronista fora extremamente simpática a Vargas durante a campanha eleitoral e o dr. Hortensio Quijano, vice-presidente argentino, ligara para ele em outubro de 1950 pouco depois de ficar óbvio que recebera a maioria dos votos. No entanto, embora houvesse especulações de que poderia haver o renascimento da antiga aliança “ABC” entre Argentina, Brasil e Chile — que poderia ter um sabor anti-ianque com Perón, Vargas e Ibañez —, nada disso aconteceu. A pista mais digna de crédito de que havia algo no ar surgiu quando, em abril de 1954, o ex-ministro das Relações Exteriores João Neves se queixou de que Batista Luzardo, mais uma vez embaixador do Brasil em Buenos Aires, negociara com Perón pelas suas costas. Mas não havia muito que Brasil e Argentina pudessem oferecer um ao outro. A postura do Brasil na política externa fora dominada pelo tratado com os Estados Unidos. Provavelmente era verdade que Vargas se sentia fascinado pela política pró-trabalhista e de massas de Perón. Mas, para qualquer líder brasileiro, principalmente se tivesse a experiência de Getúlio, não valia a pena parecer devedor da Argentina.
Corrupção As acusações veementes de corrupção no governo não eram, de modo nenhum, monopÓlio da Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda e de sua “Aliança Popular contra o Roubo e o Golpe”.
Lacerda era meramente o explorador mais persistente e desenfreado de temas que outros portavozes e jornais da UDN abordavam de tempos em tempos. Por um lado, é provável que tenha havido mais corrupção no segundo governo Vargas do que nos anteriores desde 1930; por outro, a UDN, a classe média e os setores militares que levantavam a questão misturavam várias objeções, algumas hipócritas e outras puramente políticas. A campanha incluía o desejo de um padrão mais elevado de moralidade pública e a sensação de que a corrupção fazia parte do ciclo de subdesenvolvimento que mantinha o Brasil atrasado; hostilidade às políticas trabalhistas, estatistas e de bem-estar social patrocinadas pelo governo; e simples inveja porque os bolsos que enriqueciam não eram os certos. A imensa variedade de alegações começou a lhes conferir credibilidade e a dar ao governo um ar cansado e desgastado. Atribuía-se ao Banco do Brasil, alvo tradicional que o próprio Vargas atacara quando fora do poder, toda uma gama de práticas suspeitas. Sob a presidência de Ricardo Jafet, que acabou substituído pelo presidente, não havia dúvida de que os empréstimos eram concedidos segundo critérios não estritamente econômicos, um círculo de especuladores algodoeiros teve lucros fraudulentos e o jornalista Samuel Wainer obteve empréstimo para fundar um jornal favorável ao governo com condições não disponíveis a outros. Wainer convencera Vargas de que, agora que a censura acabara e com a maior parte da imprensa contrária ao novo presidente, era necessário um jornal amistoso. O Última Hora, vespertino que fundou no Rio de Janeiro, apoiava Vargas e o PTB e, além disso, foi um sucesso de circulação. Mas o seu financiamento e o suposto fornecimento preferencial de papel provocou uma briga tremenda com o Tribuna da Imprensa de Lacerda chegando ao ponto máximo em meados de 1953. Lacerda alegava que Wainer falsificara o local do seu nascimento para contornar a lei que exigia que os proprietários de meios de comunicação fossem nascidos no Brasil. A campanha venenosa não conseguiu fechar o Última Hora, mas Wainer ficou algum tempo preso e, em agosto de 1953, o direito do seu grupo a uma estação de rádio no Rio foi cancelado. Os critérios não econômicos também tomaram conta da Carteira de Exportação e Importação até que, em outubro de 1953, Aranha deu fim ao antigo sistema de licenças de importação. Enquanto naturalmente os críticos do governo se queixavam de corrupção, o próprio Vargas acusava as subsidiárias estrangeiras de mentir sobre o lucro para remeter mais recursos para o exterior. Houve acusações de outro tipo de corrupção, com efeito mais imediato sobre o povo comum, que envolvia o mau uso das verbas dos institutos de pensão e o adiantamento injustificado de cerca de 300 mil libras a um comitê central de preços, responsável pelo suprimento de carne da capital. Essa foi a acusação usada na tentativa de cassar Vargas, derrubada por 136 votos contra 37 em junho de 1954. Alguns anos antes, a incapacidade de assegurar o suprimento adequado de carne e outros alimentos foi uma questão importante no ataque ao governo. Finalmente, e mais traiçoeira em suas consequências, houve a corrupção que cercava a guarda pessoal do presidente, comandada por Gregório Fortunato, negro alto e forte do Rio Grande do Sul. Esse grupo extraordinário de policiais e brutamontes tinha oitenta e três integrantes quando foi dissolvido em agosto de 1954. Embora a sua criação não parecesse insensata logo após a tentativa de golpe de 1938, na década de 1950 a guarda parecia anacrônica e ajudou a dar a Vargas o ar de um caudilho dos pampas. Fortunato, analfabeto que
fazia fortuna, supervisionava um sistema de propinas pagas por solicitantes que queriam fazer contato com o gabinete presidencial. Ele tinha ligações com o crime organizado e participação no jogo do bicho. Também agia com alto nível de sofisticação para subornar autoridades e obter licenças de importação, e conseguiu um empréstimo do Banco do Brasil para comprar em São Borja a fazenda de Manoel Antônio, um dos filhos de Getúlio. Os detalhes das operações de Fortunato e da guarda pessoal do presidente só vieram à luz em agosto de 1954. Mas, desde que Vargas voltara ao Catete, o palácio cheirava mal. Quanto o presidente sabia? Ainda na década de 1930, Aranha o acusara de não ter cuidado suficiente nas nomeações que fazia e, na de 1950, ele não dedicava a mesma atenção persistente aos detalhes burocráticos que antes fora o seu forte. Nas circunstâncias mais democráticas em que voltara ao cargo, Getúlio também era quase um monumento nacional e corria mais riscos com o comportamento dos partidários. Não estava em condições de impor uma disciplina ditatorial. Tinha de trabalhar ao lado de homens como Ademar de Barros ou o seu indicado para o Banco do Brasil. Ninguém que soubesse algo sobre Ademar ignoraria a sua disposição de subornar como parte da tática política. Mas, embora em 1943 o tivesse demitido do cargo de interventor em São Paulo, em 1950 Vargas dependia do seu apoio para se eleger. No segundo governo, é quase certo que não soubesse de boa parte da corrupção e pode ter desdenhado com demasiada facilidade as campanhas da oposição por terem motivação política. Mas também estava cansado demais ou confiante demais para fazer as perguntas certas.
Às vésperas da tragédia Em meados de 1954, Vargas encabeçava um governo sem muita força, sem muito sucesso e impopular, sob feroz ataque com propósitos eleitorais. As eleições parlamentares de deputados estaduais e federais e de um terço dos senadores estavam marcadas para 3 de outubro; também seriam eleitos os governadores de dez estados. Vargas tirara do ministério todos que fossem candidatos, como Cleofas, ministro da Agricultura. O sentimento antivarguista era mantido em fogo alto para aumentar as chances de candidatos de oposição como Carlos Lacerda, apoiado por uma coalizão na capital. Assomando sobre tudo isso estava o fato das eleições presidenciais de 1955; ninguém sabia quem Vargas apoiaria, mas Ademar de Barros já lançara a sua campanha. A tentativa de cassar o presidente, rejeitada em junho na Câmara dos Deputados, foi um produto do clima eleitoral. O embasamento apresentado pela UDN eram as alegações de Neves de um trato com Perón, de mau uso do orçamento e de adiantamento financeiro para a antiga Comissão Central de Preços do Rio de Janeiro. Os discursos sobre esse processo não convenceriam os deputados imparciais de que havia acusações claras que exigissem a cassação do presidente. A UDN conseguiu menos da metade dos votos na Câmara e o PSP de Ademar se uniu aos partidos governistas. O ex-presidente Dutra, ainda uma força moral no PSD, rejeitou a ideia de cassação com as palavras: “Fiquemos com Getúlio até o amargo fim. Façamos com que siga o caminho da lei”. Em termos de classe social, ainda era bastante verdadeiro que a oposição a Getúlio vinha de grupos de classe média ligados a empresas privadas e às subsidiárias brasileiras de empresas norte-americanas e internacionais. E, apesar de toda a importância do apoio do PSD em várias regiões do país, o núcleo da lealdade a
Vargas concentrava-se firmemente na classe trabalhadora urbana. Devido à estrutura da imprensa e do rádio, portanto, a oposição a Vargas era constantemente exagerada em termos de extensão numérica. Embora, como em 1945, o resultado das eleições pudesse dar a esses fatos a devida proporção, a campanha contra o presidente constituído parecia mais substancial do que talvez fosse. Outras duas características do período foram o início da conspiração contra o governo e um tropeço desastroso na política de apoio ao café de Osvaldo Aranha. Em maio, Luís Vergara telefonou para Getúlio e lhe contou consternado que soubera, por um amigo da Aeronáutica, que havia uma conspiração em andamento na base do Galeão, no Rio de Janeiro. Vargas aceitou isso com equanimidade. Disse que confirmava muito do que sabia e que o seu ministro da Aeronáutica estava falhando no seu serviço. Mas disse a Vergara que ambos já tinham passado por coisas igualmente ruins. Em certo sentido, não surpreendia que houvesse conspirações na Aeronáutica, a arma mais antivarguista, numa época de polarização social e agitação política. Alguns jovens aeronautas eram muito próximos de Carlos Lacerda, que chegara a defender um golpe preventivo para evitar que Vargas tomasse posse. Embora fosse a arma mais democrática em 1945, o duplo fracasso eleitoral do representante da Aeronáutica, Eduardo Gomes, deixara os oficiais mais jovens muito dispostos a derrubar a insegura democracia do Brasil. A tática do café que deu errado foi um revés de curto prazo, mas entendido como mais um sinal da incompetência econômica do governo numa época em que o programa antiinflacionário fora prejudicado pelo aumento do salário mínimo e a oposição estava em pleno clamor contra a corrupção. Em 3 de junho, o Brasil estabeleceu um preço mínimo elevado do café na Bolsa de Nova York, seguido por um boicote drástico dos compradores norteamericanos nos dois meses seguintes. Em agosto de 1954, o Brasil só exportou um sexto da quantidade de café que mandara para o exterior no mesmo mês de 1953, a pouco mais de um quinto do preço. Agora, em que condições estava o presidente Vargas, que fizera setenta e um anos em abril? Alguns observadores, inclusive Vergara, achavam que estava cansado. Em 1953, escorregara e fraturara o braço e a perna, e a filha Alzira avaliou que ele precisava de mais companhia. Ele sofria de insônia e, em surtos periódicos de depressão, falava em renunciar e voltar para Itu, em São Borja. Quando ditador, uma das suas melhores características era o talento de fazer contato até com aqueles que discordavam profundamente dele. Agora, o ódio de que era alvo em alguns setores tornava isso impossível. Apesar dos temores de que seria difícil trabalhar com o Congresso no sistema pós-1945, na verdade isso não se confirmou. O PSD e o PTB tinham maioria em ambas as câmaras e, embora a pressão do PSD ajudasse a remover Goulart do Ministério do Trabalho, Gustavo Capanema, ex-ministro da Educação que agora era líder da maioria no Congresso, conseguiu preservar a força legislativa do governo. Era mais grave a confiança do presidente em políticos da geração de 1930, como Osvaldo Aranha, numa época em que a população crescia depressa e a atitude dos políticos jovens mudara de forma marcante. Mas, entre os jovens com acesso livre ao Catete, os padrões de talento e integridade não eram muito altos. Embora ficasse satisfeito com a criação da Petrobras e tivesse esperanças no projeto de lei
da Eletrobras, apresentado ao Congresso em abril, Vargas chegara a um estágio em que não havia muito mais a esperar. Algumas das suas panaceias, como a industrialização e a substituição de importações, talvez não permitissem aplicação indefinida nem fossem, por si sós, soluções seguras. As políticas incompatíveis em questões econômicas e sociais, atraentes para grupos de partidários, iam além do seu poder de conciliação. Acima de tudo, o governo se mostrava incompetente e, segundo a Constituição de 1946, o presidente não podia suceder a si mesmo. Para um homem que sentia ter feito tanto pelo país e que agora se aproximava do final do mandato sendo ferozmente criticado, aquele era um fim frustrante. Vargas estava em situação semelhante à das vésperas de sua derrubada em 1945, e, mais uma vez, a imprensa de oposição afirmava que ele planejava um golpe para continuar no poder. Não há o menor indício de que fosse essa a sua intenção em meados de 1954. As suas expectativas eram restritas e sombrias.
Assassinato e suicídio Era 0h45min de 5 de agosto quando alguns tiros soaram na rua Tonelero, rua residencial do bairro chique de Copacabana, no Rio. O atirador fugiu num táxi. Carlos Lacerda ficou levemente ferido. Sérgio, o filho adolescente, saiu ileso. Mas o major Rubens Vaz, do grupo de ovens oficiais da aeronáutica que se revezavam acompanhando o jornalista em campanha contra o governo, morreu. O atentado, na mesma hora interpretado como tentativa de assassinato que falhara no objetivo principal mas conseguira envolver diretamente a Força Aérea, causou sensação instantânea. Ferido na perna enquanto se despedia diante de casa, Lacerda ficou furiosíssimo. Mais tarde, no mesmo dia, escreveu, num artigo assinado na Tribuna: “Acuso apenas um homem de ser responsável por este crime. É o protetor dos ladrões cuja impunidade lhes dá audácia para atos como o de hoje. O homem se chama Getúlio Vargas”. Eduardo Gomes expressou a sua indignação e, em 24 horas, cerca de 500 pessoas fizeram uma manifestação diante do Catete com faixas dizendo: “Confiamos que os assassinos serão punidos”. Com apenas duas exceçÕes — Última, pertencente ao governo, que aconselharam paciência —, toda a imprensa do Rio de Janeiro, dos jornais mais conservadores ao comunista Imprensa Popular, clamaram pela prisão rápida dos assassinos. Os soldados ficaram em alerta no Rio na noite de 6 para 7 de agosto e, no Aeroclube, uma assembleia de 2 mil oficiais resolveu realizar inquérito próprio. Logo, em 8 de agosto, o caso se tornou mais ameaçador para o governo quando foi noticiado que Climério Euribes de Almeida, da guarda pessoal do presidente, fora preso por suspeita de cumplicidade. Tinha sido encontrado por quatro oficiais da aeronáutica escondido numa fazenda perto da capital. A imprensa hostil já insinuara que só elementos governistas teriam motivos para o atentado. Gustavo Capanema, o líder da maioria, contou que Getúlio disse que “agora os seus maiores inimigos são esses assassinos que vieram perturbar a paz e provocar, contra a sua pessoa e o seu governo, essa onda de suspeitas injustificadas”. A acusação de que o governo poderia ter retardado deliberadamente as investigações nas primeiras horas depois do atentado, para dar aos assassinos tempo de fugir, ganhou credibilidade quando ficou demonstrado com certeza que a guarda pessoal do presidente estava envolvida. Em 9 de agosto
Carlos Lacerda dizia na Tribuna, que Vargas devia entregar o poder ao seu substituto legal, o vice-presidente Café Filho. No mesmo dia, o presidente manteve longas conversações com Osvaldo Aranha e com os três ministros militares; o chefe de polícia da capital se demitiu e a guarda pessoal foi dissolvida. O general Zenóbio da Costa se recusou a atender ao pedido dos oficiais superiores antivarguistas, como Juarez Távora e Eduardo Gomes, de pedir a renúncia do presidente. Nisso a campanha pela renúncia de Getúlio ganhava ímpeto. Em 10 de agosto, na sede da polícia, Carlos Lacerda examinou quarenta e sete integrantes da antiga guarda pessoal do presidente numa delegacia, e o coronel Paulo Torres, novo chefe de polícia, disse que o inquérito mostrava que “personalidades e funcionários do palácio presidencial” tinham participado do atentado. No dia 11, alguns personagens importantes como Dutra e Gomes compareceram à missa de sétimo dia do major Vaz. Uma multidão estimada entre 2 e 3 mil pessoas fez uma manifestação contra o governo no centro do Rio, rasgando cartazes eleitorais de Lutero, o filho do presidente que concorria contra Lacerda nas eleições parlamentares, queimando um carro do PTB e tentando atacar a redação de um jornal favorável ao governo. O gás lacrimogêneo dispersou a multidão diante da sede do PTB. Até então, parecia que Vargas reagia de maneira paralisada e incompreensível enquanto a crise se desenrolava e a autoridade do seu governo se esvaía. Francisco Campos já dissera que ele ficava irremediavelmente indeciso nas crises. Nem sempre isso era verdade. Mas, politicamente, o assassinato de Vaz o pegou no contrapé, com a sensação de ter sido traído. “Sinto que estou no meio de um mar de lama”, observou. Em 12 de agosto, ele saiu da política úmida da capital e foi para Belo Horizonte, em Minas, onde Juscelino Kubitschek, o dinâmico governador do PSD, inauguraria uma nova siderúrgica de capital alemão. Ao falar na inauguração da Mannesmann, que muito mais tarde se envolveria num escândalo financeiro, o presidente tentou defender a sua posição. Disse que tinha fé no patriotismo e na disciplina das forças armadas. “As minhas preocupações com o bem público não me deixam fugir ao dever, onde quer que tenha de ser cumprido. E eu o cumprirei até o fim.” Ele não renunciaria. Continuou alegando que havia um esforço para “subverter a força e o prestígio da autoridade” e para “gerar a confusão pela mentira, para levar o país à desordem, ao caos e à anarquia”. Declarou ter fé na reação saudável da opinião pública e na atitude das forças armadas. “Empenharei a autoridade e a honra do Governo para que a ordem seja mantida, as garantias constitucionais asseguradas e as próximas eleições realizadas num clima de ordem e tranqüilidade”, continuou. “As injúrias que me lançam, as pedras que me atiram, a objurgatória, a mentira e a calúnia não conseguirão abater o meu ânimo, perturbar a minha serenidade, nem me afastar dos princípios de amor e humildade cristã por que norteio a minha vida e que me fazem esquecer os agravos e perdoar as injustiças. Por outro lado, não terei condescendência para aqueles que se fazem agentes do crime ou instrumentos da corrupção.” Os jornais da oposição consideraram um tanto exagerada a afirmativa de Getúlio de ter seguido os princípios de humildade cristã mas Samuel Pope Brewer, correspondente do, New York Times, achou que o presidente poderia superar a crise. Mas, pouco depois que Vargas voltou ao Rio, as forças armadas, que tinham praticamente assumido a busca dos assassinos, pegaram o homem que dera os tiros fatais, um pistoleiro de
aluguel chamado Alcino João do Nascimento. O popular Diário da Noite disse que ele declarou: “Eu queria ferir Lacerda na perna e só matei o comandante porque achei que vinha atrás de mim...” Em 17 de agosto, de manhã cedo, depois de uma busca que chegou a São Borja, Climério Eurides de Oliveira, ex-guarda presidencial, foi preso, exausto, num bananal nos arredores do Rio de Janeiro. No mesmo dia, homens da Força Aérea que já tinham assumido o policiamento de trânsito revistaram o Palácio do Catete e acharam uma montanha de indícios comprometedores sobre as atividades de Gregório Fortunato, o ex-comandante da guarda pessoal. Suborno de autoridades para obter alvarás, compra por Fortunato de uma fazenda em São Borja pertencente a Manoel Antonio Vargas, filho do presidente, com um empréstimo do Banco do Brasil — tudo isso e mais um pouco logo vazaram para a imprensa contrária ao governo. Especificamente, os números de série das notas de cruzeiro encontradas com Fortunato, agora preso na base aérea do Galeão, combinavam com as achadas com Climério. Já em 11 de agosto, dois oficiais superiores da Aeronáutica tinham sido presos diante do Aeroclube por dizer que Lutero, filho do presidente no PTB carioca, ordenara o atentado. Lutero, que não estava envolvido, negou terminantemente a acusação, mas se sentiu obrigado a se apresentar aos investigadores no Galeão. Nisso a Força Aérea estava quase em estado de motim, e, no dia 16, Nero Moura, ministro da Aeronáutica, renunciou e foi substituído pelo brigadeiro Epaminondas Gomes dos Santos, partidário do governo. Mas era tarde demais para pôr os militares na linha. Em 20 de agosto, seis suspeitos de cumplicidade no atentado contra Lacerda tinham sido presos e as investigações estavam quase terminadas. No dia seguinte, sábado, o vice-presidente Café Filho sugeriu a Vargas que ambos renunciassem, para que um presidente interino fosse escolhido pelo Congresso e marcadas novas eleições para dali a 30 dias. Vargas lhe disse que se decidira a não renunciar e que não sairia do Catete antes que o mandato terminasse, a menos que estivesse morto. Naquela noite, os oficiais superiores da Aeronáutica foram informados do resultado dos inquéritos sobre o atentado e a corrupção. No domingo, 22 de agosto, o clima na Força Aérea chegou ao ponto máximo. Trinta brigadeiros assinaram um curto manifesto que afirmava: “Os abaixo-assinados oficiais da FAB, reafirmando sua determinação de permanecer dentro da ordem, da disciplina e dos preceitos constitucionais, consideram que a presente crise nacional só pode ser resolvida satisfatoriamente com a renúncia do presidente da República”. A mensagem foi levada a Getúlio naquela noite pelo marechal Mascarenhas de Morais, chefe do estado-maior. Um sinal da gravidade da crise foi que, pela primeira vez, os oficiais superiores ficaram de prontidão na área da capital federal. Agora parecia que os militares poderiam ir às vias de fato quanto à questão da renúncia de Vargas. O interesse público no caso, ampliado pelas revelações de corrupção descritas com brilho pela imprensa e pela verve apaixonada de Lacerda e outros antivarguistas, era imenso. Os ex-presidentes Dutra e Bernardes tinham apelado ao presidente para que renunciasse, assim como entidades não políticas como a Ordem dos Advogados e autoridades universitárias. Agora a morfologia da crise nas Forças Armadas era fundamental. Embora a posição da Aeronáutica fosse clara, a atitude antivarguista da Marinha não ficava atrás. O almirante Muniz Freire já fora preso por exigir que Vargas se fosse e, embora o ministro da Marinha se unisse a Zenóbio da Costa na rejeição à proposta de renúncia conjunta de Café Filho, a
Marinha era tradicionalmente conservadora. Os gestos proletários de Vargas e a questão da corrupção bastavam para deixar os oficiais da Marinha dispostos à hostilidade. Havia a possibilidade real de que a Marinha e a Aeronáutica se envolvessem numa rixa pública com o Exército, onde Zenóbio da Costa e Mascarenhas de Morais tinham, até então, sucesso considerável na manutenção da linha governista. O ministro da Guerra e o seu chefe do estadomaior fizeram várias reuniões com os generais e mantiveram o apoio ao ponto de vista de que Vargas era o presidente legítimo, que não fora pessoalmente incriminado pelos últimos acontecimentos e que era dever do Exército apoiá-lo enquanto quisesse permanecer no cargo. Vargas deixou bem claro ao ex-comandante da Força Expedicionária Brasileira que não tinha intenção de abreviar o mandato. Não cometera nenhum crime e não fugiria. Mesmo que fosse abandonado pelas forças armadas e pelos amigos, resistiria sozinho. “Vivi muito. Agora posso morrer. Nunca darei, entretanto, uma demonstração de pusilanimidade. E assim, se quiserem me depor, farei um manifesto à nação e morrerei resistindo, de arma na mão. [...] Sou velho demais para ser intimidado, e agora não tenho razões para temer a morte”, disse ele. Parece que Vargas vinha pensando num manifesto e no possível suicídio pelo menos desde que voltara de Belo Horizonte. Na noite de 13 de agosto, a filha Alzira, que vinha passando muito tempo no Catete durante a crise, ficou preocupada ao ver um bilhete escrito a lápis pelo pai. Dizia: “À sanha dos meus inimigos deixo o legado da minha morte. Levo o pesar de não ter feito por esse bom e generoso povo brasileiro, principalmente os mais pobres, tudo o que desejava. Mentiras, calúnia, as mais vis invencionices foram inventadas pelo despeito de inimigos rancorosos e gratuitos [...]” Na manhã seguinte, ela o questionou a respeito, mas numa resposta confusa ele disse que não pensava em suicídio mas pretendia resistir sozinho à humilhação. Na verdade, com a ajuda de José Soares Maciel Filho, jornalista e redator de discursos, ele trabalhava no esboço de um manifesto suicida usando o procedimento normal de rascunhos que era a sua rotina em todos os discursos importantes. Embora fosse um homem que frequentemente tinha apenas uma curta noite de sono, dormia cada vez menos enquanto a crise se aproximava do clímax. Em 23 de agosto, soldados ocuparam a sede da Companhia Telefônica, no Rio de Janeiro, e os navios de guerra se prepararam na baía de Guanabara, junto à capital. Zenóbio da Costa, que assumira o comando pessoal da Vila Militar, principal base do Exército na capital, fez um pronunciamento à nação. Avisou que o Exército estava no controle da situação, que não pretendia interferir com o funcionamento do governo civil e que rechaçaria qualquer tentativa de golpe de estado. Mas, durante o dia 23, Café Filho tornou público o fato de que propusera a renúncia conjunta e que Vargas a recusara. No mesmo dia, a existência de um “manifesto à nação” assinado por 27 generais que exigia a renúncia de Vargas se tornou amplamente conhecida. Os brigadeiros da Força Aérea tinham buscado o apoio das outras armas para o seu manifesto anterior, mas era típico da independência, do poder e da autoestima do Exército que houvesse uma iniciativa separada dos antivarguistas de lá. Na época, as notícias sobre o número de signatários do manifesto do Exército foram conflitantes e muitos nomes, na verdade, não exerciam comando de tropas. Mas o efeito moral desse documento foi decisivo porque mostrava, pelo menos, que os comandantes do Exército estavam divididos numa situação em que as duas outras armas eram quase uniformemente hostis, e os nomes divulgados eram mais representativos do que apenas uma lista composta de Juarez Távora e
dos antivarguistas confirmados. Depois da meia-noite, na madrugada de 24 de agosto, Zenóbio, Mascarenhas de Morais e o general Odylio Denys foram ao Catete informar Vargas da situação que se deteriorava no exército. Além de ouvir pedidos de renúncia, ele soube que alguns generais sugeriam que se afastasse temporariamente da presidência. Sem dar opinião, Vargas decidiu convocar uma reunião do ministério. O Catete estava lotado de gente. Os jardins do palácio estavam cheios de soldados para prevenir alguma possível operação golpista. Uma multidão contrária a Getúlio se reunira na rua, do lado de fora. Enquanto ministros e assessores de reuniam, Vargas assinou duas cópias do manifesto suicida, uma das quais deu a Jango Goulart, que tinha viagem marcada para o Rio Grande do Sul naquele mesmo dia. Mais ou menos às 3 horas da madrugada, começou a reunião de emergência do ministério. O famoso sorriso de Vargas estava fixo como o de uma esfinge, e ele parecia tranquilo enquanto perguntava a cada um dos ministros o que achava que se devia fazer. Zenóbio da Costa estava pessimista; embora fosse possível organizar a resistência, muitas vidas se perderiam e o resultado seria incerto. Tancredo Neves, ministro da Justiça, disse que a lei cuidava dos criminosos da rua Tonelero, a crise militar era falsa, o governo nada fizera para se envergonhar e que, se soldados viessem depor o presidente, deveriam encontrar resistência. Mas José Américo de Almeida apelou a Vargas para que fizesse “um grande gesto”, sem especificar que deveria renunciar. Osvaldo Aranha, sentado ao lado do presidente, observou que havia três possibilidades: a resistência pessoal ao custo da própria vida, da qual ele era defensor; a tentativa militar do governo de rechaçar os que questionavam a constituição; e, finalmente, a opção de abdicar, que era uma questão muito pessoal sobre a qual quem estivesse de fora não poderia dar conselhos. Alzira, a filha beligerante do presidente, deu um toque viperino aos conselhos. Depois de três noites seguidas passadas no Catete, naquela ela fora para casa, a residência do governador em Niterói, e de lá voltou com o marido Amaral Peixoto quando soube da reunião de emergência. Interveio com grande determinação e disse a Zenóbio da Costa e aos outros ministros militares que exageravam a força da oposição, ainda essencialmente política, e que a Vila Militar continuava leal do governo. A sua energia alterou o tom da reunião, que então começou a favorecer a ideia de resistência. Então, o general Zenóbio da Costa saiu da sala para comandar um golpe governista; pediu aos ministros da Marinha e da Aeronáutica que assumissem o posto e disse que poria nas ruas as tropas leais. Amaral Peixoto, mostrando a destreza delicada pela qual o PSD era famoso, sugeriu uma conciliação de resistência e renúncia: um período de licença presidencial. Foi amplamente aprovado. Então, Getúlio, que parecia distante enquanto escutava a discussão em volta, interrompeu. “Como não conseguem decidir, decido eu”, disse com serenidade. “As minhas instruções aos ministros militares são: mantenham a ordem e o respeito à constituição. Nessas condições, estou disposto a pedir uma licença até que a questão da responsabilidade seja esclarecida. Caso contrário, se desejarem usar de violência e marchar sobre o Catete, só encontrarão aqui o meu cadáver para remover.” Às 4h45 da madrugada, a notícia da licença do presidente foi anunciada à nação. Nisso, Getúlio, sem interesse pelo texto do comunicado, subira para dormir no terceiro andar. Vários incidentes interromperam o descanso de Vargas nas próximas três horas e meia. Em certo momento, o irmão Benjamim o acordou para dizer que tinha sido convocado a apresentar provas aos investigadores militares no Galeão. Há dúvidas de que os oficiais encarregados da
investigação tenham mesmo pedido o comparecimento de Benjamim, mas na época parecia que a licença do presidente não impediria a perseguição vingativa à família e aos auxiliares mais próximos. Getúlio lhe disse que não fosse. “Se querem te ouvir, podem vir aqui ao Catete”, aconselhou. Mais tarde, Benjamim o acordou de novo para lhe contar o resultado de uma reunião de generais com Zenóbio da Costa no Ministério da Guerra. Os generais temiam que Vargas tentasse voltar ao poder depois que todos os problemas legais advindos do assassinato de Vaz passassem. Zenóbio explicou que a licença era apenas uma fórmula bem educada: a renúncia de Vargas era irrevogável. Getúlio, a quem disseram, antes da reunião do ministério, que o cargo de ministro da Guerra fora oferecido a Zenóbio num governo de Café Filho, perguntou a Benjamim: “Então fui deposto?” “Não sei. Só sei que é o fim”, respondeu o irmão mais novo. De pijama, Getúlio foi do quarto para o escritório, inclinando a cabeça para Zaratini, um criado idoso que se levantou quando ele apareceu. Pegou uma cópia do manifesto e a levou de volta consigo. Quando o barbeiro Barbosa bateu à porta do quarto para lhe fazer a barba, Getúlio disse que não precisava dele. Com um revólver Colt 32, Vargas deu um tiro no coração e foi declarado morto pelo filho Lutero, que era médico, às 8h30min da manhã de 24 de agosto. Alzira, enlouquecida, acusou o cadáver de ter traído a promessa do pai de não se suicidar. Aranha, chamado ao telefone por Benjamim, chorou no local, e foi Amaral Peixoto que notou o envelope que continha a mensagem de despedida do presidente. Transmitida para toda a nação dentro de uma hora, ela dizia: Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizouse o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu
sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História. O dramático suicídio de Getúlio, depois de uma vida inteira de frieza estudada e o seu firme apelo nacionalista e populista no final de uma carreira de equilíbrio e concessões provocaram um terremoto de emoções. Diante do Catete, a multidão crescente que gritara pela renúncia de Getúlio nas primeiras horas do dia 24 demonstrou pesar e compaixão quando soube da sua morte. Enquanto Café Filho formava um governo de emergência, a multidão varguista atacou os jornais de oposição, depredou a embaixada norte-americana no Rio, o escritório do serviço de informações estadunidense em Belo Horizonte e conseguiu pôr fogo no consulado dos Estados Unidos em Porto Alegre. O prédio do Ministério da Aeronáutica foi atacado e Lacerda, levado ao Galeão para a sua própria proteção. Milhares incontáveis prestaram homenagem ao caixão no velório no Rio de Janeiro, e 12 mil pessoas conseguiram chegar a Itu para o enterro, onde Osvaldo Aranha fez o discurso fúnebre. O presidente Eisenhower, de Denver, no Colorado, mandou uma mensagem a Darci Vargas: “Por favor, aceite minha profunda solidariedade pessoal à senhora e à família pela morte do presidente seu marido”. A Cuba de Batista decretou três dias de luto oficial.
7 VARGAS NA HISTÓRIA
Getúlio e Juscelino
omenageado com estátuas em muitas cidadezinhas do Sul do Brasil, Getúlio Vargas hoje faz parte da experiência comum dos brasileiros. Seu sorriso, seu notável autocontrole, sua tragédia final, passaram à corrente sanguínea nacional, assim como o solene diletante Pedro II, ou Floriano Peixoto, o marechal de ferro que salvou a república incipiente da desagregação, ou Rui Barbosa, o eloquente orador que se opunha à influência dos militares na política. Na era Vargas começaram a ser erguidos os elevados edifícios de apartamentos diante da praia de Copacabana, o cartão-postal do Rio como capital de indolência e glamour; a revolução na arquitetura brasileira, que atingiria o seu apogeu com a mudança para Brasília, estava emergindo simultaneamente. Os elementos de um estado industrial, dedicado ao desenvolvimento econômico e ao aumento da riqueza do país, foram lançados, embora durante o seu período o PIB per capita permanecesse baixo, e uma riqueza nababesca coexistisse com desemprego e miséria abismais. O café continuou sendo o principal produto de exportação na sua época, porém o seu poder político foi domado e a industrialização permitiria que o Brasil, em mais algumas décadas, se libertasse da dependência de um único produto, que vinha sendo sua sina desde a colonização portuguesa. Os governos de Vargas promoveram progresso apenas modesto em campos como saúde pública ou educação, e no seu tempo havia menos operários industriais, por quem ele fez muito, do que operários rurais, por quem ele fez muito pouco. O banditismo organizado no Rio Grande e no Nordeste desapareceu, mas novos impérios criminosos emergiram nos subúrbios proletários das grandes cidades, e na zona rural o policiamento era inadequado ou corrupto demais para proteger arrendatários e posseiros contra maus tratos de latifundiários, ou índios contra abusos de pioneiros. As políticas trabalhistas e sociais de Vargas tendiam a auxiliar a grande minoria negra e pobre no Brasil, mas como esta era, na prática, detentora das piores oportunidades de trabalho, além de vítima de preconceito, aquelas permaneceram em grande parte letra morta. O racismo moderado do Estado Novo tampouco ajudou, embora a preferência deste por indígenas em vez de trabalhadores imigrantes na indústria tenha ajudado. A chamada Lei Afonso Arinos de julho de 1951 tornou a discriminação racial em estabelecimentos públicos, educacionais e nas contratações uma ofensa criminal, punível com prisão ou multa. Foi na era Vargas que o crescimento populacional começou a acelerar, que telecomunicações começaram a unificar um país disperso, que o Brasil começou a ter relevância na cena política mundial. A figura baixa e corpulenta, com sua aparente elasticidade no que se referia a pessoas e ideologias, encerrava em si uma experiência de mudança social, de modernização e de nacionalismo construtivo.
Herança política de Vargas Vargas, que viveu até menos que o seu antigo patrono Borges de Medeiros, não morreu sem herdeiros. O trauma nacional da sua morte, que fez os brasileiros considerarem agosto um mês
nefasto, garantiu a sobrevivência da sua obra. As reais circunstâncias do assassinato de Vaz nunca foram totalmente esclarecidas, embora em 1956 Gregório tenha sido sentenciado a vinte e cinco anos de prisão, e tanto Climério quanto Alcino a trinta e três anos. Gregório tentou implicar o general Mendes de Morais, Danton Coelho e Euvaldo Lodi como mandantes do atentado à vida de Lacerda, porém mais tarde ele retirou essas alegações. Se alguém no Catete, além de apenas vilipendiar Lacerda em conversações cotidianas, de fato instigou Gregório a se envolver no complô, provavelmente nunca saberemos. Apesar de seus outros defeitos, a lealdade pessoal a Getúlio era a principal inspiração de Gregório, e não é impossível que uma pessoa mais ardilosa tenha sugerido ao segurança que as invectivas do jornalista eram fatais ao presidente. O negro gaúcho nunca pôde depor em circunstâncias mais tranquilas: foi assassinado por um colega preso em 1962. A consequência imediata da última deposição de Vargas foi a instauração de um governo interino sob o presidente Café Filho, repleto de políticos da UDN, incluindo Eduardo Gomes como ministro da Aeronáutica, e dedicado à estabilização econômica. As eleições para o Congresso em outubro revelaram, surpreendentemente, pouquíssima mudança. O PTB ganhou apenas cinco cadeiras extras na Câmara, e tanto Lutero Vargas quanto Carlos Lacerda foram eleitos deputados. Café Filho e o seu ministro da Guerra, o resoluto legalista general Henrique Lott, estavam determinados a fazer com que eleições presidenciais ocorressem em 1955. A despeito dos protestos da ala de Lacerda da UDN, eles não estavam preparados para suspender o processo eleitoral a fim de purgar o Brasil do legado de Vargas. O fato de Juarez Távora, agora chefe da Casa Militar, ter sido escolhido como candidato da UDN à presidência, serviu como garantia de que as eleições teriam lugar. Nessas circunstâncias, e com Ademar de Barros também como candidato, os dois partidos varguistas se uniram. O PSD escolheu o empreendedor e galante governador Kubitschek, que estava acelerando a industrialização de Minas, como seu candidato presidencial; o PTB, para irritação dos oficiais anti-Vargas, selecionou Jango Goulart para candidato a vice-presidente na mesma chapa. Essa coalizão foi um testemunho notável da durabilidade do cacife político de Vargas. Carlos Lacerda acusou Kubitschek e Goulart de construir uma campanha sobre um cadáver. Mas foi a última vez que essa fórmula política funcionou adequadamente. Kubitschek e Goulart foram eleitos... por pouco. Kubitschek venceu com apenas 35,6 por cento dos votos, e a sua vitória foi ratificada por um golpe “pró-legalidade” do general Lott, que efetivamente depôs tanto o enfermo Café Filho quanto o presidente em exercício, Carlos Luz. Até um extremo surpreendente Juscelino Kubitschek seguiu a política varguista, durante o seu mandato de cinco anos, de 1956 a 1961. Seu estilo era o de um político de consenso, e ele dedicou enorme empenho e perspicácia no seu programa de industrialização. Seu monumento nacional foi Brasília, projeto que descendia diretamente de Volta Redonda, Petrobras e a “marcha para o Oeste” de Getúlio. Mas os interesses e diferenças políticas entre os dois grupos varguistas, simbolizadas pelos conflitos entre Aranha e Goulart sob Vargas, ficaram piores e acarretaram uma inflação ainda mais intensa. Os industrialistas do PSD estavam preparados para tolerar inflação a fim de financiar crescimento econômico precipitado; o aparto sindical do PTB lutava constantemente para capacitar os trabalhadores industriais a acompanhar o custo de vida. A generosa acolhida de Kubitschek a investidores estrangeiros aborreceu a esquerda nacionalista, enquanto sua má vontade em reduzir a inflação cortando investimentos
públicos e salários reais começou a incomodar interesses financeiros internacionais. Essa situação culminou, em meados de 1959, com a ordem dele à delegação brasileira em Washington para encerrar conversações com o Fundo Monetário Internacional, que insistia em um novo programa de estabilização; o destino de um empréstimo de 300 milhões de dólares do governo norte-americano dependia da aprovação do FMI às medidas brasileiras. Kubitschek fez um apelo fortemente nacionalista ao público em casa: “O Brasil tornou-se adulto. Não somos mais os parentes pobres relegados à cozinha e proibidos de entrar na sala de visitas”, disse ele ao Clube Militar. Como sob Vargas, havia uma persistente campanha da UDN contra corrupção em círculos governamentais, mas não chegou a derramar sangue. O general Lott, condestável do regime no estilo de Dutra anos antes, conservou a posição de ministro da Guerra e manteve severa disciplina nas forças. Contudo, por trás do otimismo e da imagem positiva cultivada pelo presidente, novas questões sociais começavam a vir à tona, desafiando a coalizão de capital e trabalhismo urbano sobre a qual Juscelino, assim como Getúlio, embasava a sua posição política. O problema agrário não podia ser relegado ao segundo plano para sempre. A inquietação da classe média e dos autoritários oficiais anticomunistas e anticorrupção havia apenas sumido de vista temporariamente. Ao passo que, com a Revolução Cubana tendo início, o próprio Goulart começava a ser atacado por fazer muito pouco pelos operários e camponeses, e a boa fé do PTB era posta em dúvida. A fórmula de Vargas foi derrotada na eleição presidencial de 1960. Jânio Quadros, o carismático forasteiro político de São Paulo adotado como candidato da UDN, obteve 48 por cento dos votos. Venceu com folga o marechal Lott, candidato do PSD, embora Goulart tivesse vencido de novo como vice-presidente na chapa de Lott e as forças do PSD-PTB continuassem a ter maioria no Congresso. Quadros, que havia lutado numa plataforma anticorrupção e por mais benefícios sociais para a classe operária e grupos de classe média baixa, teve um mandato breve e anticlimático. Ele irritou Carlos Lacerda e o seu eleitorado ao flertar com a Revolução Cubana; sua tentativa de eliminar a corrupção e a burocracia brasileira deparou-se com obstáculos e gerou impopularidade, e o seu moralismo pareceu um pouco ridículo quando ele procurou banir lança-perfume no Carnaval e o uso de biquínis nas praias cariocas. Em 25 de agosto de 1961, no dia seguinte ao de um ferino ataque no rádio feito por Lacerda, o presidente Quadros subitamente renunciou. Ele fez alusão a “forces ocultas, terríveis”, que o impossibilitavam de realizar os seus planos de governo — claramente imitando o testamento suicida de Vargas —, mas não houve reação comparável. Se ele havia esperado por apoio público e militar que lhe permitiriam passar por cima do Congresso, desapontou-se. Sua renúncia, no entanto, teve um efeito devastador nos setores udenistas militares e civis que haviam aplaudido a sua eleição: ela não apenas destruiu a fé deles no processo eleitoral do Brasil contemporâneo, como também os obrigou a engolir Jango Goulart, o mais proeminente herdeiro político de Vargas, como o próximo presidente. Embora ausente numa viagem à China, Goulart pôde assumir a presidência após uma demonstração pró-legalidade por parte do comandante em Porto Alegre, onde o seu cunhado, Leonel Brizola, era agora governador. Mas um grupo de antivarguistas, formado pelo alto
comando militar sob Quadros — incluindo o marechal Odylio Denys, o almirante Sylvio Heck, o brigadeiro Grun Moss e o general Cordeiro de Farias — conseguiram impor um sistema parlamentar em que o presidente perdia muitos dos seus poderes, e teve de aceitar um primeiro-ministro que respondia ao Congresso. Assim como Vargas em 1951, Goulart, em 1961, começou sua presidência com moderação e cautela. Em abril do ano seguinte ele viajou a Washington, onde falou numa sessão conjunta do congresso norte-americano, anunciando sua oposição ao regime de Fidel Castro em Cuba e indicando que daria tratamento razoável às empresas estrangeiras no Brasil, cuja expropriação estava se tornando um dos mais discutidos tópicos nacionalistas. No entanto, apesar de os EUA fornecerem 131 milhões de dólares em auxílio ao Nordeste brasileiro, Goulart não foi capaz de modificar o ceticismo do Fundo Monetário Internacional. O principal objetivo do presidente em casa, no qual foi apoiado pelo seu primeiro-ministro com mais tempo de serviço, Tancredo Neves, era obter a devolução de todos os poderes presidenciais pra si. No segundo semestre de 1962, o sistema parlamentarista parecia se esfacelar, na medida em que os primeiros-ministros nomeados pelo presidente não conseguiam maioria no Con-gresso. A situação tornou-se tensa quando a crise institucional coincidiu com as muito disputadas eleições para o Congresso em outubro, com uma tentativa de greve geral e uma escassez de alimentos. Goulart começava a adotar as chamadas por “reformas básicas” que brotavam à sua esquerda; no dia 1º de maio ele propusera uma reforma agrária e uma emenda ao requerimento constitucional de que donos de terra deveriam ser indenizados em dinheiro. Graças a uma intervenção do ex-presidente Kubitschek, que ainda estava de olho na presidência para 1966, e a uma clara iniciativa por parte de generais pró-Goulart, concordou-se em marcar um referendo em 6 de janeiro de 1963. O público apoiou a restituição de todos os poderes presidenciais na proporção de cinco por um. O retorno a uma presidência forte — uma das plataformas de Getúlio do começo ao fim — foi a grande prova da força de Goulart. Nos seus primeiros dezoito meses ele agira astutamente para desarmar os temores dos oficiais mais velhos, explorando as fraquezas do sistema parlamentarista para dar vazão à repulsa deles por políticos em geral, e promoveu seus próprios simpatizantes. Contudo, sua conversa sobre reformas básicas, particularmente de reforma agrária sem indenização, atingiu duramente o PSD, que começou a fazer causa comum com a UDN contra ele; as eleições congressuais de outubro de 1962 não tinham visto nenhum avanço significativo da esquerda. Fora do Congresso, no entanto, a esquerda, conquanto dividida e desorganizada, fazia progresso e fugia ao controle do presidente. O movimento estudantil brasileiro e o seu cunhado Brizola radicalizavam-se, pressionando Goulart a agir mais firmemente com relação a nacionalização, desapropriação de terras e à necessidade de passar por cima da constituição, se necessário. Num cenário de inflação que atingia 80 por cento ao ano, havia uma crescente agitação rural, patrocinada no Nordeste pelas ligas de camponeses, e inquietação trabalhista nas cidades. Embora Goulart tentasse acompanhar as lideranças sindicalistas, tornava-se cada vez mais óbvio que estas estavam adquirindo poder autônomo; os críticos da UDN, recordando a situação herdada pelo Estado Novo, na qual os sindicatos eram subsidiados por uma cobrança sobre os salários supervisionada pelo Ministério do Trabalho, acusaram Goulart de fomentar greves, quando na
verdade elas frequentemente o constrangiam. Num período cacofônico, que continha elementos de 1945 e de 1954, Goulart apresentou, em 1963, o lado anti-inflacionário de um ambicioso programa trienal de desenvolvimento, com a partida do seu hábil ministro da Fazenda, Santiago Dantas, e com a sua posição militar enfraquecida pela transferência do general Amaury Kruel, um ministro da Guerra centrista pessoalmente leal ao presidente. Brigas sobre a desapropriação de empresas estrangeiras, invasões de terras, uma lei severa sobre remessas de lucros ao estrangeiro e uma polarização política galopante pavimentaram o caminho rumo a um golpe militar. Quando Brizola pareceu estar ganhando na sua influência sobre Goulart, a UDN adotou como candidato presidencial Carlos Lacerda, que alegou que o governo estava embarcando num estado de guerra revolucionária. Na atmosfera inflacionária, a velha questão sobre o salário mínimo versus diferencial salarial militar veio à tona outra vez. O clímax sobreveio em março de 1964. No dia 13, discursando numa plataforma usada uma vez por Getúlio, o “Hamlet gaúcho” pareceu optar definitivamente pela esquerda. Num comício de 150 mil pessoas no Rio, o presidente assinou dois decretos: um nacionalizando todas as refinarias de petróleo particulares, outro tornando todos os latifúndios improdutivos próximos a estradas e ferrovias federais, represas e obras de irrigação, sujeitos a desapropriação. Ele também prometeu um decreto sobre controle de renda, e no mesmo comício Brizola eletrizou a multidão, e a audiência mais rica das televisões, ao convocar uma assembleia constituinte para substituir o Congresso, e um plebiscito sobre reformas básicas. Uma mensagem de Goulart ao Congresso em 16 de março mostrou que isso tudo não era apenas retórica. Ele propôs uma emenda constitucional que previa a expropriação sem ressarcimento imediato, a extensão do voto aos analfabetos (de grande importância na medida em que o governo estava apoiando programas de alfabetização, em parte para fortalecer sua base política), a elegibilidade de oficiais subalternos e soldados rasos para concorrer a cargos políticos (um desafio às opiniões de oficiais graduados sobre disciplina), uma apropriação de poderes legislativos pela presidência, e a legalização do Partido Comunista. Enquanto cerca de meio milhão de homens e mulheres marchavam por São Paulo a 19 de março num protesto contra a política do governo, a polarização através do Brasil ia ficando intensa. Num comunicado confidencial a oficiais graduados, o general Humberto Castelo Branco, chefe do Estado-Maior, falou que a ideia de uma assembleia constituinte equivalia a um passo rumo à ditadura e à subversão, e que a legalidade não mais exigia que os militares apoiassem o governo. Por si só uma assembleia constituinte nada tinha de inconstitucional, mas o sufrágio e a divisão de poder existentes eram altamente convenientes para os grupos conservadores. Foi, de fato, uma crise na marinha, em que uma associação não oficial de marinheiros e fuzileiros forçou a demissão do ministro da Marinha durante o período da Páscoa, que precipitou o desenlace. A concessão do presidente aos amotinados navais, acrescida do pendor aparentemente revolucionário da política governamental, forçou os oficiais mais moderados, incluindo Amaury Kruel, a se juntar aos conspiradores anti-Goulart. O estandarte da revolta foi erguido em Minas Gerais a 30 de março, e, com bom trabalho de equipe por parte dos rebeldes e confusão por parte do governo, o regime de Goulart foi
derrubado quase sem derramamento de sangue em pouco mais de 48 horas. O aparato oficial de comandantes graduados supostamente leais, somado ao apoio extraoficial de oficiais subalternos, sindicatos e outros grupos de esquerda, não foram páreos para as bem organizadas tropas intermediárias do exército, lideradas pelo estado-maior de Castelo Branco. De abril de 1964 ao início de 1985 o Brasil foi governado por militares. O presidente Castelo Branco, que morreu num acidente de avião pouco após aposentar-se, foi sucedido pelos presidentes Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Civis foram utilizados como ministros, Francisco Campos ajudou a redigir o primeiro Ato Institucional e Filinto Müller foi líder do governo num Congresso emasculado. Até 1965 eleições diretas foram permitidas nos estados, mas pouco depois o Brasil se tornou uma ditadura que fez bem mais prisioneiros políticos que o Estado Novo. Censura, intervenção nos sindicatos, aumento de poderes para o executivo, reestruturação de partidos políticos, cassação dos direitos políticos de opositores, tortura de guerrilheiros urbanos reais ou apenas suspeitos... tudo isso pareceu trazer o Brasil de volta aos aspectos mais condenáveis da ditadura de Vargas. Mas a política econômica e outras mudaram à medida que o regime se desenvolvia. Enquanto apoiava a iniciativa privada e dava as boas-vindas ao investimento e às subsidiárias do capital estrangeiro, lançava um plano para integração social e um programa para desenvolvimento da educação na tradição do paternalismo social de Vargas. Sua tentativa de explorar os recursos da Amazônia, de dar ao Brasil um programa espacial, de adquirir um limite marítimo de 200 milhas, estava em sintonia com o nacionalismo varguista, assim como o discurso ufanista de fazer do Brasil uma superpotência. Mesmo a aliança com os EUA, que tem sido uma pedra angular de estratégia ideológica e econômica, tem suas raízes na aproximação de Vargas com Roosevelt. Um dos slogans do regime no início da década de 70 — o comentário do presidente Médici de que “ninguém segura este país” — foi um empréstimo direto do discurso de Getúlio anunciando o seu programa de governo em 31 de janeiro de 1951, quando ele disse: “Hoje ninguém mais pode deter a marcha do Brasil”. Outra coisa interessante é que os presidentes Costa e Silva, Médici e Geisel eram gaúchos, e a experiência do Rio Grande do Sul, fosse em virtude de nascimento ou de serviço militar, constituiu um fator significativo entre os oficiais graduados envolvidos nos sucessivos governos militares. Na História, o nome de Vargas foi utilizado de forma algo abusiva. Os nacionalistas de esquerda da era Goulart citavam-no em proveito próprio, esquecendo o seu anticomunismo, o seu flerte com o fascismo, com o estado corporativo, e a sua crença na ordem. Eles relembravam somente Volta Redonda e a Petrobras, seus ataques intermitentes ao capitalismo estrangeiro e a sua carta-testamento. Por outro lado, brasileiros que se consideram democratas sentem-se desconfortáveis caminhando sob a sombra de Vargas: não conseguem perdoá-lo pelo Estado Novo. Em contrapartida, os generais brasileiros, que poderiam ser considerados os verdadeiros herdeiros de Vargas, participaram de toda uma história de desavença desde 1945, o que os torna incapazes ou pouco dispostos a reconhecer sua dívida política para com ele. Até que ponto 1964 foi a inevitável culminação do fracasso do estado político de Vargas? A fraqueza da democracia brasileira de 1945 a 1964 e a tensão entre a classe dos oficiais e a classe trabalhadora organizada deveram muito a ele. A sua própria eliminação de duas
constituições em 1930 e 1937, bem como suas intenções duvidosas em 1945, dotaram o experimento democrático posterior de uma aura de incerteza. Seu próprio estilo de presidente acima de partidos, sua atitude desdenhosa para com partidos políticos depois de 1945, impediram que a democracia brasileira deitasse raízes institucionais profundas. Ao mesmo tempo, Vargas foi o progenitor de um sério conflito institucional entre os militares, a quem ele cultivara e muito fortalecera na década de 30 e início da de 40, e o aparato trabalhista que veio a competir com os oficiais por status e recursos nos anos 50 e 60. Ele estimulou exigências trabalhistas e sociais que não podia satisfazer. Exacerbados por questões de ideologia e personalidade, Getúlio e o seu pupilo politicamente inferior Goulart descobriram que não podiam prevalecer sobre os interesses militares, embora nos anos 1930 Vargas tivesse conseguido esmagar interesses regionais poderosos. Muitos outros fatores também acarretaram a crise de 1964, nem todos eles responsabilidade de Vargas. Mas em 1954 ele já havia demonstrado que o caráter fraco e pouco representativo da democracia no Brasil era incapaz de deter a inflação em condições de livre negociação salarial, e uma greve geral em São Paulo em 1954 havia mostrado que, em condições mais livres, o PTB podia facilmente perder o apoio do trabalhismo organizado. O sistema político pós-1945 era simplesmente incapaz de instaurar as “reformas básicas” que Goulart preconizava. A representação excessiva de donos de terras e industriais na UDN e no PSD, e a restrição do direito a voto aos alfabetizados, tornavam virtualmente impossível fazer passar significativas reformas agrária ou de distribuição de renda pelo Congresso. Portanto Goulart, assim como Vargas, viu-se dependente, no governo, do PSD, embora antes de chegar à presidência, em 1951 e 1961, cada um deles tivesse sido capaz de adotar a postura mais radical do PTB. Embora os governos militares pudessem não aproveitar a oportunidade, somente eles foram, em 1964, capazes de fazer mudanças sociais e econômicas substanciais — e, como em 1937, tiveram que rasgar a constituição existente para começar. Mas é claro que, por definição, os militares brasileiros dificilmente fariam mudanças que pudessem enfraquecer a sua própria supremacia. Em 1964, as tensões prestes a explodir de um país subdesenvolvido que tinha uma ideologia oficial favorecendo desenvolvimento econômico em condições em que isso não podia ser realizado, quebraram a herança política inviável de Vargas. O cenário era o da rivalidade do comunismo, vestido agora na América Latina como a Revolução Cubana, e o capitalismo internacional baseado nos EUA, usando a máscara da Aliança para o Progresso. Tanto Goulart quanto os conspiradores heterogêneos que se reuniram em volta do general Castelo Branco procuraram se afastar da Constituição de 1946 e modificar o seu experimento democrático até que ficasse irreconhecível. Foram os generais que ganharam.
Realizações de Vargas Vargas disse, após ter sido deposto em 1945, que ele deveria ser julgado por seus feitos, não por questões ideológicas abstratas. De fato, em um nível mais propalador que as discussões sobre “comunismo”, “fascismo” ou “democracia”, ele fez uma contribuição poderosa às crenças professadas pelos brasileiros. A primeira forma pela qual ele fez isso foi equipando seus compatriotas com um sentimento
moderno de nacionalismo. O seu próprio sentimento nacionalista remontava aos dias de estudante e era tão sincero quanto sólido. Mas para o Brasil como um todo, com sua extensa geografia, uma identidade nacional vinha sendo impossível enquanto os estados individuais cobrassem taxas aduaneiras uns dos outros, e alemães, bem como outros colonos, pudessem manter enclaves culturais autônomos. Na época a importância da sua campanha pela brasilidade foi provavelmente depreciada — vista como truque publicitário de uma ditadura e associada às restrições de liberdade de expressão e de consciência —, mas fazia parte de uma tentativa deliberada de fazer o povo pensar e agir como brasileiros. Foi uma das razões pelas quais ele achou que, tendo declarado guerra ao Eixo, o Brasil deveria arcar com os riscos e despesas de enviar tropas à frente de batalha. Um aspecto inevitável do seu nacionalismo foi que na década de 1930 ele precisou trabalhar lado a lado com o exército. A classe dos oficiais, como os tenentes haviam demonstrado, era uma das forças no país com uma perspectiva nacional e capaz de modernizar a administração e outras estruturas numa direção nacionalista. Outro aspecto distintivo do seu nacionalismo foi a sua consciência de que, no século XX, patriotismo não bastava, um país precisava ser economicamente forte. Isso o levou não apenas a incentivar a industrialização, mas também a promover o empresariado estatal. Por causa da carta-testamento de Getúlio e do uso do seu nome feito por radicais após a sua morte, o seu estatismo pode ter parecido um pouco mais forte do que realmente era. Na verdade, ele não procurou inicialmente fazer de Volta Redonda um exercício de empresa pública, embora achasse que o Brasil devia ter uma grande siderúrgica. As suas iniciativas com a Petrobras e a Eletrobras nos anos 50 foram de certa forma uma crítica da sua própria incapacidade de criar instrumentos nacionalizados no “curto período de quinze anos” em que estivera anteriormente no poder. Porém, tanto no aço quanto no petróleo ele estava mais à frente que muitos nãocomunistas fora do Brasil na sua disposição de nacionalizar indústrias básicas. Se ele foi ou não obstaculizado pelo capital internacional na extensão que alegou na sua carta-testamento, sua posição a respeito das remessas de lucros demonstrava que, na década de 50, ele havia entendido claramente que o nacionalismo, num país subdesenvolvido, precisava impor a condição econômica de que o investimento estrangeiro devia estar subordinado ao interesse nacional. Nessa época, quase uma década antes de conceitos como o “Socialismo Africano” ou mesmo de “Terceiro Mundo”, essa era uma consciência corajosa e avançada. A sua segunda grande contribuição para o comportamento brasileiro, no tocante ao nacionalismo moderno, foi sua ideologia do “desenvolvimento”. Esse culto, transformado pelo presidente Kubitschek e pelos governos militares desde 1964 numa era em que valores industrializantes entraram em conflito com questões ambientalistas, tem sido excepcionalmente forte no Brasil. Foi usado como justificativa para industrialização e mudança administrativa; foi invocado em auxílio da iniciativa privada e por radicais que desejam desapropriar propriedade e empresas privadas. Ele construiu Brasília e fomentou a construção de estradas através das partes mais impenetráveis da Amazônia. Sua origem remonta diretamente à glorificação da siderúrgica de Volta Redonda, feita por Vargas, e à batalha política deste pelo controle do petróleo brasileiro nos anos 1950. A abordagem brasileira ao desenvolvimento tem sido mais otimista que o comum em alguns países asiáticos e africanos; em vez de ser a única alternativa à miséria e à fome, é visto como uma filosofia por meio da qual o país poderá se tornar um paraíso terreno. Sob esse aspecto, o
Brasil ainda é visto por seus cidadãos como uma terra para pioneiros, que apenas começou a dar seus frutos, e não como um território colonizado por europeus durante mais de quatro séculos com um ciclo obstinado de pobreza afetando milhões de pessoas. Até certo ponto, no processo de industrialização e da mudança gradual do Brasil de uma sociedade rural para uma sociedade urbana, Vargas foi apenas o homem no poder no momento em que mudanças seculares ocorriam; mas em certa medida, até onde foi possível para ele, o presidente fomentou a mudança. O modo como ele promoveu o credo não-oficial do desenvolvimento foi significativo e deveu algo às influências positivistas da sua juventude. Desenvolvimento, para ele, justificava a restrição à liberdade e os atalhos políticos; justificava os seus poderes ditatoriais nos anos 1930 e fez com que seus opositores temessem que ele passasse por cima de interesses políticos e latifundiários nos anos 1950; e criou amplos precedentes para a repressão política dos governos militares depois de 1964. É possível também que o desenvolvimento lhe permitisse ignorar práticas oficiais relacionadas a empréstimos, por exemplo, que os seus críticos descreveriam como corruptas; e o seu orgulho pelas realizações tangíveis pode tê-lo tornado menos crítico com relação à eficácia da sua legislação trabalhista e social do que teria sido, digamos, um membro britânico da Sociedade Fabiana. Mas no condimento pioneiro que ele anexou aos seus projetos de desenvolvimento, Vargas estava adotando um tom de Novo Mundo que criou um problema não resolvido para ele e seus sucessores. Vargas ajudou a estabelecer no Brasil a ideia de que desenvolvimento era a aquisição de uma economia e modo de vida norte-americanos; foi consequência do empréstimo oculto no acordo de Volta Redonda e da aliança na guerra. No entanto, como demonstrou a Petrobras, o desenvolvimento do Brasil estava fadado a entrar em conflito com os interesses estadunidenses. Ser um nacionalista lutando por desenvolvimento econômico no Ocidente não era fácil numa época em que os Estados Unidos eram a maior superpotência mundial. 1954 foi também o ano em que a CIA apoiou uma bem-sucedida rebelião contra o coronel Jacobo Arbenz, o presidente esquerdista da Guatemala, que teve a temeridade de redistribuir terra pertencente à United Fruit Company como parte da sua reforma agrária. Em todos os níveis oficiais e extraoficiais, os Estados Unidos e seus cidadãos exerceram pressão sobre os estados latino-americanos no sentido de fazê-los adaptar-se às necessidades dos EUA e do seu sistema econômico. O terceiro modo pelo qual Vargas modificou as ideias de seus contemporâneos e sucessores foi na sua insistência de que nacionalismo e desenvolvimento econômico em meados do século XX requeriam um novo acordo sobre bem-estar social e trabalhismo. Na década de 1920, questões sociais eram assuntos para a polícia; nos anos 50, Vargas podia alegar ser um socialdemocrata ao estilo escandinavo ou britânico, diligentemente criando um estado de bem-estar social. Os métodos que ele usou foram frequentemente defeituosos. O aparato trabalhista do Estado Novo fazia parte de um experimento corporativo projetado para neutralizar o trabalhismo e evitar antagonismo de classe; os líderes sindicalistas geralmente eram escolhidos no Ministério do Trabalho e o objetivo era estabelecer uma disciplina isenta de greves. Três quartos dos sindicatos existentes antes de 1930 deixaram de ser registrados quando o ministério foi fundado. Isso estava longe de constituir um exemplo de sindicalismo democrático e podia, naturalmente, levar ao aparecimento de líderes sindicais corruptos ou pelegos, fracasso em defender os interesses dos trabalhadores, e rebeliões entre diferentes grupos de trabalhadores sempre que surgisse uma oportunidade. O que importava, no entanto,
é que pela primeira vez o governo assumia alguma responsabilidade por salários mínimos e segurança no trabalho. Num período em que o Brasil estava começando uma revolução industrial, os trabalhadores deixados à própria sorte poderiam estar em situação muito pior. Empregos urbanos eram ainda escassos numa economia basicamente agrária, e as pressões do desemprego barateavam o poder negocial do trabalho. De forma semelhante, as disposições de Vargas para bem-estar social marcaram um avanço relativo: as garantias podiam não ser bem policiadas, numerosas pessoas deixavam de ser cobertas pelos institutos de segurança social, as pensões e benefícios fornecidos pelos institutos podiam variar consideravelmente segundo a atividade coberta; mas comparado ao pouco que existia antes, tudo isso foi suficiente para dar a Getúlio uma reputação de Pai dos Pobres. Vale a pena, no entanto, enfatizar as deficiências, pois elas ajudam a explicar por que o sistema de Vargas começou a desmoronar nas condições mais abertas dos anos 1950, e por que ele acabou forçado a uma postura mais radical. Em 1º de maio de 1944, por exemplo, ele admitiu num comício em São Paulo que menos de um sexto dos trabalhadores da cidade estavam organizados em sindicatos. No mesmo estado industrialmente avançado, as leis sobre horas de trabalho, o emprego de mulheres e crianças e até o salário mínimo, não foram rigorosamente implantados no início da década de 40. A inspeção estatal para o trabalhismo e o bem-estar social tinha suas raízes, para Vargas — assim como anteriormente para José Batlle, no Uruguai —, no positivismo: o controle do capital e do trabalho nos anos 1930 permitiria a melhora, dentro da ordem, do padrão de vida dos trabalhadores. Isso também se tornou uma iniciativa política, planejada para neutralizar o apelo dos comunistas e acumular apoio adicional para Vargas. Na década de 50 o princípio básico de que um estado aspirante a moderno devia prover segurança para os seus membros mais fracos estava bem estabelecido no Brasil, e corria mais rápido que Vargas à medida que a inflação acelerava. Mas fora uma luta aguerrida. Grupos burgueses e industriais haviam tido uma visão acanhada sobre as suas responsabilidades sociais. Em 1945, Eduardo Gomes fizera campanha para rasgar a legislação trabalhista e social de Vargas; até na eleição presidencial de 1950 ele defendia seriamente o repúdio à lei do salário mínimo. A abordagem de Getúlio ao trabalhismo era tão paternalista quanto radical. Ao tentar aliciar e incorporar a nova classe operária que se desenvolvia como resultado da industrialização, ele estava exercendo uma arte que vinha fazendo parte da cultura política brasileira desde o Império. Grupos de elite haviam, no passado, subornado ameaças e resolvido diferenças através de aliciamentos relativamente pacíficos. Aplicando esta abordagem ao trabalhismo industrial e aos beneficiários da sua nova máquina burocrática, Getúlio os estava transformando numa espécie de elite. A posse de empregos com garantias estatais significativas era uma vantagem tremenda numa época de desemprego generalizado no Brasil, quando havia ainda consideravelmente mais trabalhadores mal pagos no setor rural do que na indústria. Contudo, se Getúlio deixou algumas realizações produtivas, houve também outras consequências do seu governo bem mais ambíguas nos seus benefícios. A primeira dessas foi a situação física e política muito mais forte dos militares, especialmente da classe dos oficiais do exército. Após liderar uma revolução bem-sucedida contra as forças legalistas em 1930,
Vargas acabou deposto por elas duas vezes, e quando os seus autoproclamados herdeiros políticos foram derrubados em 1964, o exército resolveu tomar o poder para si. Em comparação aos presidentes civis da República Velha, o gaúcho Getúlio era ele próprio um soldado. O fato de ter usado o uniforme da Brigada em seu trajeto de Porto Alegre ao Catete era um símbolo visível de uma realidade psicológica. Uma vez no poder, ele continuou precisando do apoio militar, para fornecer um novo grupo de administradores leais à Revolução de 30, e para esmagar rebeliões regionais, como a que ocorreu a 1932 em São Paulo, além de ter sido ameaçado por Flores da Cunha em 1937. Com o advento do Estado Novo, complô planejado por Vargas e pelas lideranças militares, as forças armadas vieram a ocupar o centro estratégico da política. A derrubada de Vargas em 1945 — por generais tão profundamente implicados no Estado Novo quanto ele — e a subsequente eleição do presidente Dutra, sinalizavam a predominância pública da milícia. A renovada deposição de Vargas em 1954, e as intervenções militares efetivas em 1955 e 1961, demonstraram como todo o período “democrático” de 1945 a 1964 foi uma concessão dos generais. Por que Vargas, o único homem forte e astuto o suficiente para colocar os oficiais sob controle civil, patrocinou e permitiu a ascensão de um estado militarista tão poderoso? O primeiro motivo é, talvez, o de que ele de fato apreciava e aprovava o exército como um instrumento nacional valioso e um baluarte da ordem; o segundo pode ser a sua disposição negativa para com as trapaças e a deslealdade dos políticos civis e do Congresso, e o seu desinteresse no aparato de partidos políticos. A segunda realização duvidosa de Vargas foi a sua contribuição para a ruptura e a desintegração sociais no Brasil. Uma das curiosidades da sua era foi que um homem que chegou ao poder determinado a promover uma ordem social moderna, preocupando-se com os trabalhadores num estado industrial contemporâneo, acabaria acusado de semear caos e inflação. A ironia foi que a aparente harmonia social do Estado Novo só foi explodida quando os militares forçaram Vargas a operar dentro de um sistema mais aberto e democrático. Muitas das políticas e estruturas com as quais Vargas trabalhava eram inerentemente instáveis e promotoras de instabilidade. Uma política de industrialização, quando pouco além de obras contra cheias e secas eram fornecidas ao campo, tendia a estimular uma debandada para as cidades. Um maquinário trabalhista, que transformava trabalhadores sindicalizados em clientes do Ministério do Trabalho, criava ciúmes entre a classe média e os industriais, e desejos insatisfeitos nos trabalhadores que achavam que o estado deveria fazer mais do que podia ou queria. A posição ambígua dele com relação a investimentos estrangeiros e relações com os EUA em particular, significava que na década de 50 a economia do Brasil encontrava-se num infeliz estado de dependência satelitizada — Vargas não queria promover nacionalização a toda velocidade e estava protegendo industriais brasileiros emergentes, porém ao mesmo tempo atacava deliberadamente as empresas estrangeiras. O efeito cumulativo desses movimentos variados, exacerbado pelo interesse egoísta de um exército a cujos oficiais era temporariamente negado o poder supremo, foi um abismo cada vez maior entre os partidos varguistas do capital e do trabalho, inflação desmoralizadora e intervenção militar. O terceiro benefício duvidoso de Vargas está na área da máquina administrativa. Aqui também a sua reputação sofreu uma mudança adversa. Quando chegou ao Catete em 1930, ele tinha um bom nome associado a probidade, no melhor sentido castilhista, bem como grande
entusiasmo por reforma da administração pública. Contudo, à época de sua morte, ele era atacado por causa de burocracia, excesso de pessoal, corrupção e ineficácia no serviço público e em organismos semipúblicos. Embora a inimizade política tenha distorcido essas acusações, elas contêm alguma verdade. A raiz do problema está, em parte, na personalidade de Vargas, em parte nas oportunidades para administração leiga fornecidas pelo Estado Novo, e em parte nos mecanismos de uma sociedade subdesenvolvida. O próprio Vargas, embora tenha estabelecido a organização de serviço civil DASP para elevar o padrão entre os servidores públicos, era às vezes descuidado nas nomeações que fazia. Embora ele trabalhasse de modo prodigiosamente árduo, seu gabinete presidencial relativamente pequeno não era capaz de monitorar suborno e ineficácia através do Brasil. Sob o Estado Novo não havia canais para críticas ou debates públicos que pudessem expor contravenções e manter os administradores na linha. Além do mais, em certo sentido as necessidades de emprego para uma sociedade em desenvolvimento, o patronato e o clientelismo que haviam sido tradicionais na estrutura política e social brasileira, apoderaram-se e perverteram para os seus próprios fins o programa getulista de industrialização e reforma administrativa. A administração do pitoresco Ademar de Barros em São Paulo, que governou com amigos e malversação, mas ofereceu empregos e realizações visíveis, era apenas um exemplo flagrante do populismo corrupto gerado pelo Estado Novo. Nos anos 1950, Vargas estava por demais cansado e endividado com seus amigos para tentar seriamente qualquer operação saneadora; ele pode também ter justificado sua inação com o argumento de que por trás dos apelos estridentes da UDN por moralidade administrativa havia apenas a hostilidade dos ricos, invejosos da sua política de industrialização, emprego e bem-estar social. Os malfeitos da guarda presidencial, revelados pouco antes do suicídio de Vargas, forneceram munição extra aos seus críticos. A existência de uma guarda particular de brucutus armados nos anos 50 fazia Getúlio parecer um anacrônico caudilho gaúcho. Na verdade a origem da guarda, estabelecida na esteira da tentativa de golpe em 1938, era bastante compreensível e de modo algum rara mesmo na moderna América Latina. Por exemplo, no Chile da década de 70 o presidente Allende possuía uma guarda particular que incluía vários seguidores políticos. Mas o modo como a guarda foi restabelecida após as eleições de 1950 — parece que Gregório Fortunato efetivamente ofereceu seus serviços a Vargas quando ouviu os resultados — demonstrou certa imprevidência por parte de Getúlio. Não há dúvida de que nos anos 50 o exército e a polícia poderiam ter fornecido uma tropa satisfatória para a proteção do presidente. Ao autorizar uma força privada, leal apenas a ele, Vargas tornava-se alvo de críticas. Nem ele nem ninguém mais tinha tempo para assegurar que tal grupo agisse dentro dos limites adequados, mas não era necessária imaginação demais para perceber o quão provável era que este embolsasse subornos em troca de favores palacianos.
Estilo político Em sua longa carreira, o estilo de Vargas alterou-se consideravelmente. O austero presidente estadual do Rio Grande do Sul, mestre nos trâmites internos do Partido Republicano gaúcho, mas com pouco carisma pessoal, transformou-se imperceptivelmente no Getúlio popular e sorridente da eleição de 1950. Em parte essa foi a diferença entre a política restrita da
República Velha e o sistema mais aberto da década de 50, em parte produto do culto à personalidade durante o Estado Novo, em certa medida deveu-se à aura proletária cultivada pelo PTB, e sem dúvida também à crescente familiaridade do público para com o próprio Vargas. Durante os seus anos com poderes ditatoriais a sua abordagem foi completamente diferente das de contemporâneos seus, como Hitler ou Stalin: ele não se permitiu ficar obstruído por máquinas partidárias, usou mais conciliação e esperou menos obediência férrea do que eles. Sua paciência, atenção às características de personalidades diferentes e desejo de não fazer um inimigo de alguém que poderia se tornar um amigo, eram a negação das atitudes ditatoriais típicas. Questionado durante o Estado Novo, Vargas alegou ser um democrata instintivo. Porém, uma das acusações mais sérias contra ele foi que ele seria um cínico manipulador de credos e partidos, mais interessado em pessoas do que no jogo político, mais interessado em permanecer no poder do que em qualquer outra coisa. Com certeza ele tem alguma responsabilidade pelas raízes pouco profundas do experimento democrático brasileiro de 1945 a 1964. Ele traiu alguns dos ideais da Aliança Liberal em 1930 durante o governo provisório formado após a Revolução; ele destruiu a ANL e os integralistas em meados da década de 30 sem tentar criar nenhuma organização política nacional. Em 1945 tomou uma decisão que, embora tenha talvez refletido sua própria ambiguidade política, não ajudaria muito o sistema partidário do pós-guerra a começar com o pé direito: ele encorajou seus seguidores a formar dois partidos distintos. Daí em diante, teve uma atitude displicente para com disciplina partidária e diferenças ideológicas. Ele abertamente estimulou o PTB enquanto era oficialmente um senador pelo PSD; fez um governo predominantemente do PSD em 1951, após parecer que fazia do PTB a pedra angular do seu apelo. A despeito de sua origem no bem definido Partido Republicano gaucho, Getúlio não foi, posteriormente, um bom homem de partido. Mesmo já nos anos 1950 ele procurou preservar a imagem nacional, acima de partidos, que havia cultivado na década de 30. Embora, como foi visto antes, Vargas seguisse algumas políticas consistentes, é compreensível que críticos dos anos 50 duvidassem das suas intenções democráticas. A comparação que ele fez do seu governo de 1951 com os governos social-democratas do pós-guerra na Grã-Bretanha e na Escandinávia não foi totalmente implausível — por exemplo, a Petrobras e a nacionalização das minas de carvão britânicas tinham algo em comum —, mas ele não poderia ser descrito exatamente como um socialista. Nem sempre ele julgava bem o caráter das pessoas, mas empenhava-se muito em compreender as personalidades de políticos proeminentes, e jogava uns contra os outros com a perícia de um ex-jogador de bilhar. Nas condições caóticas do Governo Provisório ele escutava até tarde da noite enquanto Góis, os tenentes e outros discutiam sobre as medidas que o Brasil necessitava. Ele explicou em particular que isso não era tanto fazer política quanto era fazer uma avaliação do elenco misto que o rodeava. Mais tarde ele usou sessões de golfe e de pôquer para propósitos semelhantes. O imenso trabalho que ele se deu para se informar sobre a situação no Rio Grande do Sul durante a batalha final contra Flores da Cunha — e as intrigas locais que ele patrocinou — eram típicas do seu estilo presidencial anterior. É possível que
esse magistral malabarismo com personalidades houvesse se deteriorado à época em que ele retornou à presidência, em 1951. Contudo, embora ele fosse hábil na intriga, era também profundamente capaz de angariar lealdades pessoais. Algo dessa sua qualidade ajudou a explicar o apelo junto às massas que ele demonstrou em 1950. Mas com colaboradores próximos, gente tão variada como Vergara ou Aranha, o sentimento de amizade e lealdade pessoais era intenso. Aranha, que era brilhante e opiniático, sempre creditou patriotismo e sagacidade ao quieto Getúlio. Foi por lealdade baseada nesses sentimentos, tanto quanto por ambição pessoal, que ele esteve disposto a servir Vargas como ministro das Relações Exteriores após a instauração do Estado Novo, ou a participar do seu último governo quando a política econômica deste estava desviada. Também constitui crédito para Vargas o fato de que João Neves, o líder da Aliança Liberal que se sentira tão amargamente injustiçado pelo resultado da Revolução de 30, ter resolvido cooperar com ele e até ter assumido uma pasta no gabinete de 1951. O próprio Vargas explorou essa facilidade para amizades pessoais, como por exemplo em seus apelos a Aranha para que permanecesse na embaixada em Washington após a declaração do Estado Novo. No caso de Góis em 1945, ele se sentiu obviamente decepcionado com o desaparecimento de uma lealdade assumida. Os seus laços com Góis, que também era um complexo intriguista, foram alguns dos mais críticos da sua carreira. Góis demonstrou muita cautela ao organizar a insurreição de 1930 e ao entrar na batalha contra os rebeldes paulistas em 1932, mas em cada ocasião ele serviu Getúlio fielmente no final. Ele recebeu uma lição em 1935 quando obrigado a se demitir do cargo de ministro da Guerra quando nem todos os generais estiveram dispostos a cooperar com ele numa tática de demissão coletiva cujo objetivo era pressionar o Congresso e Vargas por melhores salários militares. Mas ele continuou sendo importante para o presidente como chefe do Estado-Maior, mesmo quando o mais simplório Dutra se tornou ministro da Guerra, e ele inevitavelmente teve um papel importante no planejamento do Estado Novo. Vargas tolerava as conspirações e estratagemas de Góis na crença de que essencialmente eles tinham um forte interesse na sobrevivência mútua; ambos haviam feito untos a Revolução de 1930 e estavam colaborando para tornar o Brasil um estado moderno com um exército forte. Em 1934, por exemplo, quando Góis estava tentando promover sua própria candidatura presidencial, Vargas disse a Alzira que Góis “sabia o que estava fazendo”: era mais uma estratégia para roubar votos de Borges de Medeiros do que para veicular a ambição pessoal de Góis. Porém Góis, cuja sutileza era uma garantia de que ninguém mais nas forças armadas tentaria uma conspiração bem-sucedida, era ele mesmo ambicioso; pode ter sido por essa razão que Getúlio preferiu o confiável Dutra como ministro da Guerra. Em 1945, embora Vargas tenha se magoado com a deserção de Góis, seu outrora amigo talvez tenha lhe prestado um serviço maior do que ele imaginava, pondo fim a uma crise que parecia além da capacidade de Getúlio, e assegurando proteção ao ditador deposto contra perseguição — uma década depois, por exemplo, Perón teria de fugir da Argentina após sua deposição —, tornando possível que um Vargas democratizado ressurgisse. E em 1950-51 Góis, com quem Vargas teve um reencontro emotivo, foi um dos fatores militares que possibilitou a sua volta à presidência. Em um nível pessoal, Vargas deve ter se irritado com Góis, mas preservou sua discrição e genialidade. Sua própria formação fronteiriça pode tê-lo ajudado a sopesar um homem cujo
estado natal de Alagoas era um dos mais miseráveis e violentos do Nordeste. Para Getúlio, a arte de governar era em grande extensão a arte da administração. Por esse motivo, ele se interessava pela ideia das comissões politicamente neutras de especialistas e técnicos, na assistência de industriais ou “representantes de classe” ao processo de governar, no despacho ordeiro dos negócios no Catete; muito desse aparato técnico e burocrático sobreviveu a ele. Também por essa razão ele não se interessava pela ideia do Congresso ser, em qualquer sentido prático, um auxiliar do governo, e achava difícil adaptar-se à democracia multipartidária do final dos anos 40. Em sua ênfase na administração, com seus lápis de cores diferentes para documentos de estado em estágios apropriados, e com sua correspondência sistemática por carta ou telegrama, ele permanecia fiel à sua formação gaúcha. Um dos elementos mais significativos da constituição de Júlio de Castilhos era a importância da legislatura estadual. Mas Getúlio também era fiel à ideia de consultar os seus apoiadores e instrumentos políticos, em vez de impor de imediato e sem remorsos as suas próprias diretrizes. Quando havia divergências bem definidas, ele observava qual tendência era a mais forte e então a apoiava, ou tentava de algum modo contornar o conflito. Onde o confronto era irreconciliável, como foi entre os queremistas e os militares em 1945, ele ficava abandonado à mercê dos acontecimentos. Sua preocupação com administração, realizações tangíveis e relacionamentos pessoais ajuda a explicar por que os seus dois períodos de ditadura não foram fortemente institucionalizados, e por que a democracia após 1945 carecia de fundações sólidas. O modo como o Estado Novo foi instaurado em 1937 foi uma operação clássica de um hábil manipulador de uma rede de relacionamentos pessoais, trabalhando dentro de uma margem estreita de participação política real: ele obteve o apoio de Dutra e Góis Monteiro, conseguiu que Francisco Campos redigisse uma constituição em estilo fascista contemporâneo, e fez com que Negrão de Lima aliciasse a aprovação da maioria dos governadores estaduais. A sua noção de tempo foi brilhante. Da mesma forma, o surgimento do PTB em meados da década de 40 não foi a emanação política de disputas dentro das fábricas: foi, isso sim, o produto paternalista do Ministério do Trabalho e do Catete. O ímpeto para o PTB gaúcho em particular estava concentrado em um punhado de amigos e conhecidos muito distantes do proletariado. O uso do conceito de ordem e o estilo governamental de Getúlio incluíam uma certa insensibilidade: nos anos 1930 ele quase não demonstrou sentimento algum por liberdades civis — embora a tivesse usado como mote de campanha para a Aliança Liberal — e ele prontamente tolerou aprisionamentos arbitrários, tortura e censura. Por um lado ele não queria saber dessas coisas, por outro, talvez maior, ele as justificava sob o pretexto da ordem, da ameaça subversiva do comunismo, etc. Em termos humanos, ele parece ter feito vista grossa para o sofrimento físico e mental que o seu governo causou antes e durante o Estado Novo; no entanto, ao finalizar a questão de São Paulo em 1932, ele praticou o máximo possível de clemência e conciliação. A sua própria formação e temperamento parecem ter castrado toda uma área de sentimento e experiência políticos, enxertando de volta na história brasileira a crueldade casual dos chimangos e maragatos do Rio Grande do Sul. Foi uma contribuição estranha e maligna de um homem em quem as aptidões para a amizade e a conciliação eram tão altamente desenvolvidas; e juntamente com a sua popularidade e sua atitude cética para com constituições e ideologias, essa foi a principal causa da hostilidade implacável que ele
evocou em alguns círculos na década de 1950. Seria errado atribuir a Getúlio qualquer ideologia política fixa, embora ele tenha sido influenciado por muitas, e haja explorado os efeitos delas sobre outros. Em ocasiões diferentes era possível defini-lo como um positivista, um constitucionalista, um fascista, um nacionalista, um democrata e um socialista, sempre com um toque particular. As idas e vindas da sua carreira e a flexibilidade que ele podia mostrar significam que a qualquer momento ele podia parecer uma coisa, mas para ele e os seus críticos, havia sempre a possibilidade de ele ser tudo o mais. Sob muitos aspectos ele sempre foi conservador. Sua preocupação com “ordem” e sua relutância em interferir com propriedade privada refletiam uma faceta do seu caráter. Ao mesmo tempo, ele era fascinado por ideias de renovação e com o alistamento de novas forças sociais, e não há motivo algum para duvidar que ele fosse sincero em suas políticas sociais ou no seu nacionalismo radical. Isso gerava uma mistura política poderosa e adaptável. Ele agia dentro do espírito do lema positivista brasileiro “ordem e progresso”. Gostava de ser um presidente com poderes extraordinários, mas para ele a ditadura não era desculpa nem para a inércia, nem para reacionarismo. À medida que envelhecia, sua compaixão pelos milhões de brasileiros pobres aparentemente se fortalecia, embora no seu último governo ele procurasse manter um pé em ambos os lados da guerra de classes, tal como fizera em seus dias de governo provisório. Boa parte da sua trajetória política exibiu um matiz de meio-termo, certa recusa em se comprometer com uma diretriz exclusiva, uma disposição de tomar emprestado um conjunto de ideias para algum propósito totalmente diferente, apostando em ambos os lados e sentindo as realidades implícitas em qualquer situação. Ele usou os integralistas para destruir a Constituição de 1934, depois calmamente os esmagou. Ele declarou guerra ao Eixo em evidente desconsideração à sua própria compleição política. Da época em que ele era presidente estadual em Porto Alegre ao período em que estava formando o seu último governo, sempre esteve pronto a unir adversários políticos em inesperadas coalizões. Teriam o seu último ano de mandato e a sua carta-testamento refletido uma conversão final, uma mudança do meio-termo para um radicalismo integral e desafiador? A sua demissão de Goulart mostrou o velho traço contemporizador, mas sua eventual aceitação da proposta de Goulart de dobrar o salário mínimo foi um ato de fé radical em circunstâncias que ele não entendia e não podia controlar. A carta-testamento foi sua tentativa de escrever o seu próprio obituário, uma obra dramática realizada para situar o seu próprio lugar na História. Sem dúvida havia verdade na sua afirmação de que ele havia combatido as pressões de grupos financeiros internacionais e a exploração do povo brasileiro. Não era toda a verdade, mas era a descrição de despedida do modo como Getúlio desejava ser lembrado. E, em parte por causa do seu suicídio, é assim que ele tem sido lembrado por muitos brasileiros. É por isso que a sua memória tem sido uma ferramenta política tão poderosa, mesmo depois do Golpe de 64. Mesmo em 1971, sua filha Alzira e políticos do tolerado partido de oposição MDB (Movimento Democrático Brasileiro) sentiram que valia a pena fazer um comício e uma comemoração no seu túmulo em São Borja. No final, Vargas preocupava-se com a sua reputação; o que quer que tenha vindo antes, o seu suicídio foi um ato radical e definitivo.
Personalidade
Getulio Vargas, com menos de 1,60 metro de altura, gostava de filmes de caubói e a estranha cuia de chimarrão. Tinha uma testa enorme, olhos castanhos e um agudo senso de humor. Ao longo de sua vida, sua personalidade pareceu um enigma, porém sua filha Alzira deu testemunho de que ele era uma pessoa muito mais categórica do que os outros imaginavam. O seu surpreendente autocontrole, numa sociedade em que atitudes impulsivas são muito frequentes, não foi obtido facilmente; segundo Alzira, ele era às vezes impaciente e de pavio curto, embora se esforçasse, com êxito, para não demonstrar. Apesar de despretensioso sob muitos aspectos — fazia piadas sobre o seu golfe medíocre e não dava a mínima para os atributos pessoais da ditadura —, era também um homem orgulhoso. A imagem mais popular que ele estabeleceu após a guerra obscureceu o fato de que em seus primeiros anos no Rio de Janeiro, no início da sua presidência, ele parecia por vezes um personagem distante, com um verniz de formalidade à moda antiga. Seu orgulho é ilustrado pelo modo áspero como ele reagiu às críticas públicas no fim do Estado Novo. O desejo de se ustificar foi, talvez, o motivo que finalmente o persuadiu a concorrer à presidência em 1950. Por trás de sua procrastinação e indecisão periódica havia um homem de muita coragem. Ele assumiu riscos de vários tipos, da deflagração da revolução em 1930 à sua retomada da presidência nas circunstâncias muito diferentes da década de 50, das suas atividades como provisório gaúcho à sua recusa em temer possíveis atentados integralistas à sua vida em 1938. Mas a razão pela qual explicações psicológicas sempre foram procuradas está nos múltiplos paradoxos do caráter de Getúlio. Poucos ditadores na História foram tão afáveis e conciliadores, tão dispostos a ouvir os outros e tão relutantes em revelar suas próprias opiniões. Poucos foram os que, alegando ser democratas em seu coração, foram capazes de demonstrar sua popularidade genuína no que o seu país podia conseguir de mais próximo a uma eleição usta. Poucos políticos foram tão difíceis de classificar em termos de Esquerda ou Direita, e poucos governantes mantiveram, por um período tão longo, uma compreensão tão boa dos sentimentos da gente comum. Após a morte dele, Carlos Lacerda descreveu Vargas como um caudilho latino-americano, dotado de uma tendência acentuada ao paternalismo e acometido pela ilusão de que sindicatos e uma avançada legislação social podiam servir aos propósitos de um caudilho moderno. Com certeza o general Perón na Argentina, cuja política social tinha algum parentesco com a de Vargas, vinha de uma linhagem de caudilhos a cavalo do século XIX. Como Vargas era oriundo da região gauchesca do Rio Grande, com suas influências hispânicas, seus críticos o viam facilmente como um caudilho, uma figura estrangeira no Brasil. Embora Vargas tivesse a sua roda de ajudantes à maneira de um caudilho tradicional, o seu estilo de liderança e de comando foi mais sutil e menos autoritário. Enquanto Perón parecia um ditador quando era na verdade um presidente eleito, Vargas agia como um presidente representativo quando seus poderes eram ditatoriais. A característica de Getúlio que mais fazia lembrar um típico ditador era a sua relutância em entregar o poder supremo a qualquer outra pessoa. Esse fator emergiu mais claramente em 1937 e 1945; as circunstâncias nas quais ele foi forçado a renunciar em 1954, antes do término do seu mandato, foram bem diferentes. Em 1937 podemos dizer que o golpe de Vargas não foi simplesmente produto de ambição pessoal; a situação política estava extremamente instável e, se o próprio Vargas não tivesse intervindo,
provavelmente o exército o teria feito. Porém, em 1945, quando era inquestionavelmente do seu interesse demonstrar que se comprometia com as regras eleitorais que havia estabelecido para a escolha do seu sucessor, ele hesitou fatalmente diante dos apelos dos queremistas. Ficou realmente parecendo que ele não sabia como transmitir a presidência a outra pessoa. Mas se ele era orgulhoso e convicto de ser insubstituível como o líder do Brasil, havia também um traço fatalista, abdicativo, quase suicida na sua personalidade. Suicídio e ditadura são aparentados na mentalidade que requer controle total ou extinção total. Mas na vida de Vargas houve diversas ocasiões em que ele pareceu aguardar o desenrolar dos acontecimentos para tomar uma decisão. Góis Monteiro disse que ele cogitou o suicídio na época da insurreição paulista; Alzira relatou que ele entretinha pensamentos fatalistas aquando do ataque de 1938 contra o Palácio da Guanabara; ele estava disposto a abdicar, referindo-se a forças semiocultas que conspiravam contra ele, em 3 de outubro de 1945; e por fim, em 1954, ele cumpriu sua palavra de que não sairia vivo do Catete. Assis Chateaubriand, o jornalista e proprietário de jornal, descreveu Vargas como um soberbo animal telúrico: o elemento do fatalismo, de ser conduzido pelos acontecimentos e pelas pessoas, era um elemento dos seus poderes quase sobrenaturais de compreensão e sobrevivência política; mas também determinou a sua queda em 1945, e, em 1954, quando o seu governo havia perdido o controle e a sua deposição foi determinada pela segunda vez, ele preferiu dar fim à própria vida. Getúlio Dorneles Vargas foi uma figura extraordinária. Se o Brasil padeceu sob uma ditadura de vinte anos, foi um pouco por culpa dele. Mas se o Brasil tiver um dia uma revolução socialista, o nome dele terá um lugar no seu panteão. Houve coisas que ele poderia ter feito melhor para assegurar a prosperidade do seu povo ou para melhorar a sua capacidade de autogoverno. Houve também muitas medidas benéficas que somente ele teve a imaginação para enxergar ou, na maioria dos casos, a engenhosidade de realizar. Na sua juventude o Brasil era um país pobre, desestruturado e desorganizado, com uma população majoritariamente ignorante e sem confiança nacional. A sua era no poder não aboliu a pobreza, mas criou confiança. Na década de 1920, o Brasil estava bem abaixo da Argentina em termos de economia e esfera de influência na América do Sul; cinquenta anos mais tarde, essa situação inverteu-se visivelmente. A personalidade de um baixinho da cidade fronteiriça de São Borja, no extremo sul do Brasil, havia transformado um arremedo de país numa área tão vasta quanto os Estados Unidos menos o Alaska. Ele ocultava o seu poder por trás de um sorriso fácil, e a sua determinação sob camadas de paciência. O obituário publicado a 25 de agosto de 1954 no Manchester Guardian foi incrivelmente perceptivo para um jornal que não morria de amores por Vargas: “A julgar pela recente oposição ao seu governo, ele poderia ser considerado um fracasso. Mas a verdade é que nenhum presidente brasileiro realizou tanto. Fisicamente diminuto”, prosseguia o obituário, “a sua estatura moral o habilitou a governar um país tão grande quanto a Europa durante tantos anos. Suas reformas sociais e econômicas foram sem precedentes no Brasil. Porém, acima de tudo, ele criou uma consciência nacional ao fortalecer a administração federal à custa dos quase vinte estados quase autônomos e, ao contrário dos seus predecessores, viajando muito até os rincões mais remotos da república. Até 1930 o Brasil tinha sido um país; Vargas transformou-o numa nação”. Essa opinião era incomum no mundo anglo-saxão e durante a sua vida, em parte devido ao desinteresse que havia pela América Latina, em parte
devido aos preconceitos estereotipados que tornavam mais fácil comparar Vargas a Mussolini do que a Franklin Roosevelt. Ele não era um modelo de perfeição e abusos ocorreram durante seus mandatos. Mas quando, como jovem legislador na assembleia de Porto Alegre, ele repudiou a 1ª Guerra Mundial com sua observação de que só o amor podia construir para o futuro, estava manifestando o sentimento pessoal de toda uma vida. Ele nutria um amor ardente por seu país e pelo seu povo, e foi um mestre construtor.
BIBLIOGRAFIA SELETA
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ÍNDICE Abbott, Fernando, 31, 36 Ação Integralista Brasileira, 105 Alemanha, 115, 129, 131, 134, 138, 147-150, 157, 249 Aliança Liberal, 48, 55, 57-59, 61-65, 69, 71, 78, 80-82, 86, 92, 123, 203, 297, 299, 302 Aliança Libertadora, 36, 48 Ver também ANL, 105, 107 Aliança para o Progresso, 286 Aliança Popular contra o Roubo e o Golpe, 251 Allende, 235, 296 Almeida, Climério Euribes de, 258 Amaral Peixoto, Ernâni do, 142, 193 Amazônia, 139, 200, 204, 284, 288 Américo de Almeida, José, 120, 125, 168, 171, 226, 265 ANL, 105, 107-109, 111, 113, 118, 187, 297 anticomunismo, 198, 214, 246-247, 284 Aranha, Adalberto, 117 Aranha, Osvaldo, 15, 36, 46-47, 63-65, 69, 74, 81-82, 85, 90, 101-102, 116, 129, 131, 134, 141-142, 175, 226, 231, 237, 255256, 259, 265, 270 Arbenz, Jacobo, 290 Argentina, 20-21, 73, 76, 78, 96, 138, 148, 156, 161, 163, 177, 192, 214, 248, 250-251, 300, 306, 308 Arinos, Afonso, 274 Arraes, Miguel, 233 assembleia constituinte, 81, 88, 167, 170, 172, 176, 180, 182, 282 Assis Brasil, J. F. de, 36-37, 43, 48, 51, 58, 81, 86 Assis Chateaubriand, 173, 186, 207, 210, 307 Aubin, Marc, 226 Baer, W., 231 Banco da Borracha, 204 Banco do Brasil, 42, 45, 58, 110, 200, 212, 216, 224, 232, 251, 253, 261 Banco do Rio Grande do Sul, 47 Banco Internacional para Reconstrução e De-senvolvimento,
233 Barata, Agildo, 72, 114 Barbosa, avenida Rui, 215 Barbosa, Rui, 273 Barron, Allan, 116 Barros, Ademar de, 136, 187, 201, 212, 224, 237, 253, 254, 276, 295 Barros, João Alberto Lins de, 39 Barros, Quintinho Clemente de, 110 Barroso, Gustavo, 106, 132 Becker, dom João, 46, 94 Belford, Heráclito, 70 Berger, Harry, 108, 116 Berle, embaixador, 249 Bernardes, Artur, 35, 38, 66 Bloco Acadêmico Castilhista, 30-31 Borges de Medeiros, Antônio Augusto, 30, 35, 43, 45, 48, 64, 103, 275, 300 Borghi, Hugo, 193, 201 Braga, Francisco, 28 Braga, Odilon, 219 Brasil Central, Fundação, 204 Brasília, 139, 227, 273, 276, 288 Brewer, Samuel Pope, 260 Brigada Militar, 25-26, 69 Brizola, Leonel, 239, 279, 280-282 Cabanas, João, 41 Café Filho, João, 214 Caffery, Jefferson, 153 Câmara, Dom Hélder, 106 Câmara, Mário, 111 Campos, Francisco, 81, 85, 118, 124-126, 131, 138, 149, 157, 163, 167, 259, 283, 302 Campos, Siqueira, 40-41, 63, 66-67, 154 Capanema, Gustavo, 102, 131, 256, 258 Cardoso, Ciro do Espírito Santo, 240 Cardoso, Maurício, 95 Carlos de Andrada, Antônio, 55 Cascardo, Hercolino, 108 Castelo Branco, Humberto, 282-283, 286 Castilhos, Júlio, 24-26, 30, 79, 83, 143, 301 Cavalcanti, Newton, 113, 116, 122, 125, 132 Caxias, duque de, 21 CIA, 290 Charles, Noel, 157 Chateaubriand, Assis, 173, 186, 207, 210, 307 Chile, 95, 110, 235, 250, 296 Cirilo Junior, Carlos, 202-203 Cleofas, João, 217, 225, 231, 254 Clube 3 de Outubro, 80, 84-85
Clube Militar, 42, 219, 225, 243-246, 277 Coelho, Danton, 224, 236, 275 Coimbra, Estácio, 72 Collor, Lindolfo, 81, 83, 175 Comissão para Repressão do Comunismo, 116, 118, 121 Comte, Augusto, 22, 31 comunismo, 40, 78, 86, 104, 117, 119, 122, 125-126, 148, 172, 214, 243, 245, 248, 286, 287, 302 Congresso, 37, 39, 42-46, 49, 50-51, 55, 57-58, 65, 68, 74, 79, 82, 84-85, 105, 112-113, 116, 124-125, 129, 156, 163, 169-170, 194-196, 198, 218, 223, 225, 227, 231, 233, 235, 249, 256-257, 262, 268, 275, 278-280, 282-283, 286, 294, 300-301 Congresso de Escritores Brasileiros, 168 Conselho Nacional de Imprensa, 126 Conselho Nacional do Petróleo, 217 Conselho de Segurança Nacional, 128 Constituição de 1891, 79, 88, 100 de 1934, 111, 122-124, 303 de 1937, 163, 166, 169, 173, 174 de 1946, 195, 200, 257, 286 Constituição de Castilhos, 43, 48 Copacabana, 67, 167, 257, 273 Copacabana, Forte de, 35, 38, 42 Cordeiro de Farias, Osvaldo, 40, 63, 133, 180, 244, 279 Costa, Caronbert Pereira da, 197 Costa, Miguel, 40, 66, 86, 108 Costa, Zenóbio da, 241, 245, 246, 259, 262-267 Costa e Silva, 283, 284 Coutinho, Lourival, 180, 312 Cruzada ao Oeste, 139 Cuba, 270, 279 Dantas, João, 68 Dantas, Santiago, 281 Denys,Odylio, 265, 279 Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) 131, 295 Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), 149, 156, 163, 168, 223 Diário Carioca, 87-88 Diários Associados, 207 Diniz Henriques, Eliziel, 110 Dorneles, Dinarte, 26 Dorneles, Ernesto, 215, 239 Dutra, Eurico Gaspar, 93, 113-114, 123-125,
133-135, 140, 149-150, 156, 161-162, 165, 167-168, 170-175, 178-182, 184, 192-200, 202-203, 205-208, 210-212, 214, 216-219, 228, 232, 235, 246-248, 255, 259, 262, 277, 293, 300, 302 educação, 31, 47, 59, 60, 100, 127, 274, 284 Eisenhower, Dwight, 234, 238, 250, 270 eleições de 1922, 35 de 1930, 68 de 1933, 88-99 de 1934, 103-104 de 1945, 208 de 1947, 195, 197, 198, 201, 202 de 1950, 244, 296 de 1951, 223 de 1954, 176, 246 de 1955, 254, 276 de 1960, 278 de 1962, 280 Eletrobras, 229, 230, 257, 268, 288 Ernesto, Pedro, 84, 108, 118 317 Escola Superior de Guerra (ESG), 244-246, 248 Estado de S. Paulo, O, 58, 120 Estado Novo, 9, 11-13, 40, 115, 119, 123, 126, 128, 130-132, 134, 136, 138-140, 143, 147, 149, 162, 164, 166-168, 173, 181, 184-187, 195-196, 200, 208-209, 214, 217, 223-224, 227-228, 230, 239, 246247, 274, 281, 283-284, 290, 293-295, 297, 299-302, 305 Estados Unidos, 13, 95, 129-131, 134, 138139, 147-153, 155-156, 158-161, 171173, 184, 196, 198, 226, 232-235, 238, 244-245, 247, 249, 250, 270, 290, 308 Farrapos, Revolução dos, 26, 113 Farrell, Edelmiro, 177 fascismo, 85, 104, 214, 284, 287 fascistas, 85, 115, 131, 147, 197, 206, 302-303 Federação, A, 24 Fernandes, Rafael, 110 Fernandes, Raul, 195 Fiuza, Yeddo, 194 Flores da Cunha, José Antônio, 36, 39, 56, 70, 74, 89, 91, 102-104, 119-120, 122-123, 137, 143, 175, 293, 298 Fonseca, Hermes da, 42 Fonseca, Manuel Deodoro da, 23 Fontes, Lourival, 131, 149, 215 Força Aérea Brasileira, 164, 167, 170, 179,
258, 261, 262, 264 Força Expedicionária Brasileira, 180, 263 Força Pública, 38, 89, 94, 96 Ford, indústria, 129 Fortunato, Gregório, 93, 223, 253, 261, 296 Fournier, Severo, 134, 144 Fragoso, Tasso, 76, 87, 95 Fundo Monetário Internacional, 277, 279 gaúchos, 24, 29, 37, 43-44, 47, 58, 73, 75-77, 81,113, 125, 165, 231, 284 Ghioldi, Rodolfo, 108 Góis Monteiro, Pedro Aurélio de, 31, 64, 66-67, 69, 73, 84, 88, 90, 93, 102, 104, 121-124, 133, 136, 139, 148, 150, 167-168, 174, 187, 192, 206, 210, 214, 244, 244-245, 302, 307 Golpe de 64, 40, 201, 304 Gomes, Eduardo, 95, 167, 175, 179, 184, 192, 211, 213, 219, 256, 258-259, 275, 292 Gomes, João, 114 Gonçalves, Carlos Barbosa, 31 Goodyear, 129 Goulart, João, 213, 227, 231, 238 Gouveia, Zoroastro, 101 Governo Federal, 58, 65, 75, 120, 196, 201 Gruber, Paul, 109 Guatemala, 290 guerra civil, 25-26, 28-29, 42, 51, 58, 65, 68, 89, 104, 126 Guerra da Coreia, 218, 233, 243-244, 249 Guerra Fria, 196, 198-199, 237, 245 Guiana Holandesa, ocupação da, 153 Horta Barbosa, Júlio, 218, 243, 245 Hull, Cordell, 157 Inhanduí, batalha de, 26 Instituto do Açúcar e do Álcool, 204 Instituto do Café, 144 integralistas, 105-108, 112-113, 115, 119, 122, 124-125, 132-134, 144, 187, 297, 303, 305 Itália, 23, 82, 105, 115, 129, 133-134, 138139, 149, 157, 161-162, 167, 225, 248 Itararé, 74-77, 93 Jafet, Ricardo, 224, 232, 251 japoneses, imigrantes, 101 judeus, refugiados, 101 Kestenetzky, Isaac, 231 Klinger, Bertoldo, 40, 88-89 Knox, Geoffrey, 154 Kruel, Amaury, 281, 283 Kubitschek, Juscelino, 219, 227, 260, 276-277,
280, 288 Lacerda, Carlos, 168, 210, 225, 227, 251, 254255, 257, 259, 276, 278, 281, 306 Lafer, Horácio, 224, 226, 232 Leal, Estilac, 63, 181, 225, 243-246 Legião Revolucionária, 84-85 Lei de Segurança Nacional de 1935, 106, 108, 113, 115 Leme, cardeal, 77,101 Levine, Robert, 12, 122 Liberdade, A, 110 Life, 129 Liga Eleitoral Católica, 101 318 Lima Cavalcanti, Carlos, 72, 118, 124, 129 Lima, Valdomiro, 93, 96 Linhares, José, 179, 192 Londres, 13, 88, 313 Lopes, Isidoro Dias, 38 Lott, Henrique, 276-278 Luís, Washington, 38, 44-45, 49, 55-58, 60-61, 65, 68-69, 72, 75-78, 84, 87, 89, 232 Luzardo, Batista, 87, 95-96, 177, 187, 219, 231, 250 Machado, Cristiano, 211, 213-214 Maciel, Olegário, 69, 71, 91, 102 Maciel Filho, José Soares, 264 Magalhães, Agamemnon, 170, 176, 179 Magalhães, Benjamin Constant Botelho de, 22, 24 Magalhães, Juraci, 72, 92, 103, 120, 129, 168, 229 Magalhães de Almeida, 72 Manchester Guardian, obituário do, 308 marcha para o oeste, 139, 205, 227, 277 Marcondes Filho, 159, 163, 166-168, 170, 173, 175 Mariz, Dinarte, 111 Marshall, George, 152 Martins, Silveira, 23-25 Mascarenhas de Morais, João Batista, 161-162, 175, 262-263, 265 McCrimmon, Kenneth, 149 Movimento Democrático Brasileiro, 304 Médici, 283-284 Melo Franco, Afrânio de, 94, 102 Melo Franco, Virgílio de, 102, 163, 183 Minas Gerais, 28, 35, 38, 40, 44, 55-57, 67, 150, 163, 204-205, 215, 283 Mindelo, Frederico, 112
Ministério da Educação e Saúde, 81 Ministério do Trabalho, 81, 83-84, 100, 137, 159-160, 171, 173, 175, 224, 227, 239, 241, 256, 281, 291, 294, 302, 312 Moura, Nero, 225, 261 Müller, Filinto, 109, 115, 123, 133, 149, 283 Nascimento, Alcino João do, 261 Natal, rebelião em, 110-111 nazifascistas, 121, 150 Nazistas, 107 Negrão de Lima, 125, 302 Neves, Tancredo, 265, 279 Neves da Fontoura, João, 31 New York Times, 116, 224, 260 Noite, A, 64, 258 Novelli Junior, Luiz, 202
Oliveira, Lamartine Correia de, 112 Partido Comunista, 66, 108-109, 174, 194 197, 202, 236, 282 Partido Comunista Alemão, 109 Partido Comunista Brasileiro, 40, 107-108, 171, 197-198, 236 Partido Comunista da América Latina, 197 Partido Conservador, 19 Partido Liberal, 19, 23 Partido Republicano, 24-25, 27, 30-31, 46, 48 49, 51, 56, 87, 297-298 Partido Social Democrático ver também PSD, 170 Partido Social Progressista, 202 Partido Social Democrático ver também PTB, 13, 170 Partido Trabalhista Britânico, 209 Pasqualini, Alberto, 209 Peçanha, Nilo, 36, 43 Pedras Altas, acordo de, 37, 43, 45, 47-48 Pedro II, 19-20, 116, 273 Peixoto, Floriano, 25, 29, 273 Pereira, José, 68 Perón, Juan Domingo, 163, 177, 248, 250, 254, 300, 306 peronismo, 185, 237, 243, 247 Pessoa, Epitácio, 35, 57, 60, 311 Pessoa, João, 57, 59, 61, 67, 69 Petrobras, 227-229, 236, 243, 257, 268, 276, 284, 288, 290, 298 Pinheiro Machado, 26, 35, 44, 51 Plano Cohen, 124 Plano Marshall, 218, 234
Plano SALTE, 200 política de “boa vizinhança”, 129-130, 147 Porto Alegre, 24, 26, 27, 29, 30-31, 33-35, 43, 44, 46, 55, 57, 64, 69, 70, 73-74, 94, 112 113, 122-123, 168, 204-205, 226, 270, 279, 293, 304, 309, 312-313 positivismo, 22, 32, 292 Prado, assassinato de, 28 Prestes de Albuquerque, Júlio, 56 319 Prestes, Luís Carlos, 39, 41, 63, 66, 95, 107 108, 111, 169, 171, 174, 197-198, 214 1ª Guerra Mundial, 148, 309 PSD. Ver também Partido Social Democrático, 173, 175, 177-178, 193-196, 201, 204, 207-216, 218-219, 224-225, 231, 255, 256, 260, 266, 276-277-278, 280, 286, 298 PTB. Ver também Partido Trabalhista Brasileiro, 13, 174-175, 178, 192-194, 197 198, 202, 204-205, 207-209, 211-213, 215, 217, 224-225, 236, 239, 248-249, 252, 256, 259, 261, 275-278, 285-286, 297-298, 302 Quadros, Jânio, 237, 278 queremistas, 175-179, 181-182, 301, 307 Rabelo, Manuel, 124, 165 racismo, 169, 274 Ramos, Graciliano, 116 Ramos, Nereu, 196, 207 Rao, Vicente, 117, 227 Rebelião de 1924, 38, 41, 44 Rego, Costa, 120 Reino Unido, 13, 157 Revolução de 1930, 39, 78, 105, 110-111, 118, 139, 166, 175-176, 212, 236, 246, 300 Rio de Janeiro, 15, 20, 22, 25-26, 28, 43-44, 46, 49, 52, 55, 57, 59, 63, 69-72, 75-77, 80, 89, 90, 96, 105, 107, 112, 116, 118, 127, 133, 138, 144, 171, 178-179, 191, 194, 204, 215, 223, 227, 231, 250, 252, 254 255, 258, 261, 264, 270, 305, 311-313 Rio Grande do Sul, 19-21, 23-24, 28-29, 32, 37-38, 47-48, 56, 62-64, 78, 89, 124, 180 181, 187, 193-194, 203-205, 209, 213, 215, 231, 239, 248, 253, 265, 284, 296, 298, 302, 312 Roosevelt, Franklin D., 129-130, 135, 147, 150, 185, 206, 284, 308 Salgado, Plínio, 105, 121, 132, 213 Sales Oliveira, Armando de, 120, 125
São Paulo, 12, 22, 25, 38, 40-42, 44, 56, 71, 73-75, 77-78, 81, 85-87, 89, 91, 92-96, 99-101, 104, 108, 120, 132, 136-137, 156, 164, 168, 184, 194, 197, 201-204, 206, 210, 212, 215, 219, 224, 230, 237, 242, 254, 278, 282, 285, 291, 293, 295, 302 2 ª Guerra Mundial, 217, 244, 247-248, 250, 312 Seeds, Sir William, 88 Segadas Viana, 227, 239 Simões Lopes, Luís, 215 Sisson, Roberto, 108, 113 Sociedade dos Amigos da América, 165-166 Sousa, Álvaro de, 114 Souto, Alcio, 179 Távora, Juarez, 40, 63, 66, 71, 73, 80, 82, 92, 104, 185, 244, 246, 259, 265, 276 Teixeira, Anísio, 118 Totalitarismo, 171 Trabalhismo, 83, 163, 227, 236, 243, 247, 277, 285, 290, 292 UDN. Ver também, 225, 251-252, 258-259 Tribunal de Segurança Nacional, 119 União Democrática Nacional, 173, 175, 177-179, 184, 192, 195, 197, 201, 203, 208, 211-213, 217, 219, 223-224, 225, 229, 237, 240, 251, 254, 275-278, 280-281 286, 296 Última Hora, 252, 258 União Democrática Nacional, 172 União Soviética, 163, 171, 197 Valadares, Benedito, 102, 109, 120, 125 Vale do Rio Doce, 204 Vale do São Francisco, 200 Vargas, Alzira, 15, 106, 116, 133, 312 Vargas, Benjamim, 93, 114, 133 Vargas, Candoca (Dorneles), 27-28 Vargas, Darci (Sarmanho), 33 Vargas, Lutero, 276 Vargas, Manoel Antônio, 261 Vargas, Manuel do Nascimento, 26 Vargas, Protásio, 113 Vargas, Viriato, 143 VARIG, 47 Vaz, Rubens, 257, 259, 267, 275 Vergara, Luís, 141, 206, 255 Volta Redonda, 153, 158, 185, 204, 206, 218, 227, 276, 284, 288-290 Wainer, Samuel, 207-208, 251-252 Welles, Sumner, 129, 156 Whitaker, José Maria, 81-82
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