ESTÉTICA DO PÓS-COLONIALISMO Teresa Nicolau Teles
Definição do conceito:
Teoria que analisa os efeitos políticos, sociais, culturais e filosóficos do colonialismo principalmente nos países colonizados. Pós-colonialismo é termo que foi amplamente utilizado pelos historiadores a seguir à II Guerra Mundial, para a referência ao período no “após” colonialismo. O estado pós-colonial refere-se especificamente ao período histórico pós-independência pós-independência dos países colonizados. Primeiramente, de cariz fortemente político, a teoria pós-colonial, cedo diverge para a discussão dos efeitos culturais nas sociedades, agora independentes. As questões da identidade e da representação passam a dominar a continua reflexão sobre a arte e a cultura destes países. Utilizado de diferentes formas, o pós-colonialismo tanto se refere ao estudo dos efeitos do colonialismo europeu como às respostas de resistência dos povos colonizados. Existe ainda a preocupação, por parte dos estudiosos dos países do chamado terceiro mundo, em analisar o legado político, económico, social, culturais e filosófico do colonialismo, pela importância da herança deixada após séculos de presença. A questão da língua, da estrutura política e das formas estéticas fundamentais, permanecem como pilares da experiência de qualquer sociedade colonizada. A noção de aculturação é ultrapassada pela noção de História cumulativa, defendida por Claude Lévi-Strauss. Estética:
A partir das leituras de autores como Edward Said, e K. Anthony Appiah e V. Y. Mudimbe, podemos aproximarmo-nos aproximarmo-nos de uma ideia de estética pós-colonial. Se a representação é uma das grandes questões do pós-colonialismo, muitos dos artistas reflectiram, através das suas obras de arte. A partir do Orientalismo, teoria fundadora do próprio pós-colonialismo, Said apresenta-nos estrutura
da representação durante o colonialismo: as sociedades colonizadas eram “recepcionadas” como um todo, o Oriente, que é o outro, o diferente, o exótico, o desconhecido. O direito à imaginação é uma conquista dos artistas, após as independências dos países colonizados. A partir desta mesma herança, a arte pós-colonial passa a representar essa diferença, assimilando a categoria da diferença como herança, forma de reivindicação e resistência. Se nos parece, à partida, contraditório, a capacidade de aprendizagem passa de factor negativo (de acordo com as teses anti-coloniais) a facto positivo (a partir da reflexão pós-colonial). No entanto, a utilização da diferença como categoria difere no conteúdo. Para além de ser outra a origem (podemos dizer que original) também a finalidade é outra: há uma clara re-invenção da representação deste outro, a partir das formas do eu (mundo colonizador) A diferença opera na origem do objecto artístico, ou seja, o autor tem como preocupação essencial ao objectivo estético da obra artística, apresentar ao receptor conteúdos que indiquem o juízo diferenciado da sociedade e da cultura a que se refere no objecto de arte. O agir criativo, dos criadores das sociedades colonizadas, é um processo intencional que tem como função transmitir uma nova/diferente imagem (uma imagem pós-colonial) da verdade estética que caracteriza o seu universo. A arte pós-colonial universaliza-se a partir dos particularismos que representa, através do neotradicionalismo. Segundo K. A. Appiah, o neo-tradicionalismo possibilita a conjugação das formas estéticas ocidentais e não-ocidentais, algo só possível pela experiência estética dos países antes colonizados. Assume-se que África não é apenas um todo isolado, mas uma existência múltipla, somatório de séculos de história e mistura de culturas: a representação de si mesma (África), como o outro (mundo ocidental) e no outro. A celebração da alteridade, através da arte. Re-escrever a herança histórica e tradicional é estratégia assumida pela estética pós-colonialismo, que tem como finalidade protestar contras as mistificações e os exotismos inventados pelo pensamento colonial. Bibliografia: Dicionário de Estética, (2003) org: Carchia, Gianni e outro, col, Lexis, Edições
70, Lisboa Dicionário Prático de Filosofia, (1998) Clément, Elisabeth e outros, Terramar, Lisboa APPIAH APPIAH,, A. K.,(19 K.,(1992) 92),, In my Fath Father er’s ’s Hous House: e: Afric Africa a in the the Philo Philoso soph phy y of Culture, Oxford University Press, London MUDIMBE, V.Y.(1988), The Invention of Africa: gnosis, philosophy and the order of knowledge , Indiana University Press, London SAID, Edward, (2003) W., Orientalismo, Ed. Cotovia. Lisboa SOUSA SANTOS, Boaventura (2001) “Entre Próspero e Caliban: Colonialismo, pós-colonialismo e inter-identidade”, in: Entre ser e Estar: raízes, percursos e
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Arte em confronto: quando a estética africana revolucionou a arte europeia
1 – A arte africana libertadora de convencionalismos artísticos Há cem anos, as exposições etnográficas e etnológicas e tnológicas africanas, apresentadas em diferentes cidades africanas, deram a conhecer a cultura do continente africano e influenciaram decisivamente um novo estilo artístico na pintura e escultura europeia. Fascinados pelas possibilidades técnicas, pelo carácter conceptual e simbólico e pela simplicidade geométrica da arte negra, autores como Cézanne ou Picasso captaram esta mensagem e usaram-na numa nova linguagem artística carregada de uma forte carga emocional com as suas máscaras e formas culturais. Na obra As Meninas de Avignon, uma das mais emblemáticas de Picasso, denota-se bem a influência africana com o recurso a máscaras.· Há um século a arte primitiva estava na moda em Paris e outras grandes capitais europeias, uma vez que as correntes colonialistas, apoiadas pelos partidos da mesma tendência impunham cada vez mais a cultura africana na Europa. Para demonstrar o bem que se fazia naquele continente, montaram-se exposições de objectos africanos, com o fim de inculcar na opinião pública a superioridade da nossa civilização relativamente aos autores daquelas peças e a necessidade que estes tinham da presença dos ocidentais. Podemos ver nesta atitude, por exemplo, no artigo 6º da Carta Colonial belga: “ A colonização, colocando homens activos, engenhosos, instruídos, em contacto com as raças primitivas, bastante infantis do ponto de vista intelectual, teria para estes últimos efeitos perigosos se não se lhes outorgasse uma protecção especial”. O sentido proteccionista dos civilizados não reconhecia nos protegidos a capacidade de fazer arte. Assim, com o que se recolheu em ministérios, colecções privadas , museus e outros centros, fizeram-se exposições que proporcionaram os primeiros conhecimentos antropológicos de África. Estas exposições desempenharam um papel muito importante na renovação estética europeia, porque os artistas que as visitaram viram novos modos de expressão que superavam os valores decadentes das correntes pós – impressionistas.
A carga mística e emotiva destas obras africanas seduziu os artistas europeus, que a apelidaram de arte primitiva, uma arte capaz de gerar beleza por caminhos distintos dos ocidentais, empregando técnicas desiguais, baseadas no contacto directo com as mais variadas realidades. Em 1937, Picasso contava ao seu amigo Malraux a emoção sentida depois de ter visitado uma destas exposições no Museu do Homem em Paris “ Toda a gente costuma falar das influências que os negros exerceram sobre mim… as máscaras não eram como as outras esculturas… Eram algo mágico, estavam contra tudo, contra os espíritos desconhecidos e ameaçadores. Continuei a observar os fetiches e entendi. Eu também estou contra tudo. Eu também acredito que tudo é desconhecido”. A atracção suscitada por esta arte africana e a possibilidade de a adquirir fizeram com que muitos artistas enchessem os seus estúdios e stúdios de mostras artísticas de vários países africanos e mediante a sua contemplação e estudo, converteram-se numa fonte de inspiração para algumas das suas obras. Foi uma característica desta época, no auge da moda da Arte Primitiva, comprovar que muitos artistas europeus se cansaram ou decepcionaram com as novas tendências artísticas e decidiram voltar às origens.
2 – Artistas europeus e as influências africanas Gauguin é também exemplo deste fenómeno de absorção da cultura africana. Sendo a arte africana eminentemente escultórica, a primeira influência deu-se nos fauvistas (Matisse, Vlamink, etc.) que fizeram da cor a base de toda a manifestação artística, tendo-se fixado nos africanos pois, diziam que estes aplicavam a cor sem convencionalismos e não atribuíam importância à relação entre esta e sta e o objecto representado. Contudo, foram os fauvistas os primeiros a relegar a arte primitiva, uma vez que não perceberam que para o africano a cor está ao serviço da forma e não o contrário.
Dèrain, sempre à procura de novas formas artísticas, passou do fauvismo ao cubismo, sendo que muitos estudiosos de arte consideram que esta mudança que se operou na pintura de Dèrain se deveu à influência das obras africanas, que muito admirava, e das quais chegou a ser coleccionador. Os principais seguidores da arte africana foram os impressionistas que encaravam a plástica negra como uma lição magistral de interacção obra – espectador. Encontramos exemplos mais concretos em Paul Klee, representante re presentante da corrente expressionismo – simbolismo, cujo quadro Poster para par a Comediantes (1938) tem analogias concretas com a pintura mangbetu da República Democrática do Congo. Max Ernest, outro famoso expressionista, reproduz na sua Cabeça de Pássaro (1934) uma máscara tusyan, da Costa do Marfim.
Artistas que se queriam manter dentro de uma autonomia artística própria, não hesitaram em colher inspiração nas obras de arte africanas. Outros, não quiseram ficar à margem do que então era uma novidade, tendo deixado algumas obras com claras influências africanas, quando não cópias mais ou menos disfarçadas de esculturas africanas. Amadeo Modigliani, especialmente interessado pela figura humana, desenhou os seus famosos rostos alargados e melancólicos com uma semelhança surpreendente com as máscaras baulé ou fang. Alberto Giacometti, artista cubista e surrealista, criou também a Figura Alta que se assemelha bastante à escultura de madeira comum em toda a África Oriental, principalmente pr incipalmente as esculturas nyamwezi da Tanzânia. O que mais surpreendeu os artistas europeus na arte negra foi o seu aspecto formal e a concepção geométrica dos espaços; estes, dissolvidos em planos configuram conjuntos simples e transparentes, empregando o mínimo de traços possível para representar os objectos. Foi o caso de Cézanne que procurava novas saídas para a pintura, uma vez esgotadas as possibilidades do impressionismo, Cézanne tentou adquirir novas formas de pintura, reduzindo os seus quadros a corpos geométricos que se harmonizassem em volume e estética, de modo que, partindo do cilindro e da esfera se pudessem reconstruir os objectos. Quando se aproximou das reproduções africanas, verificou que este seu objectivo já havia sido concretizado, precisamente pelos artistas africanos. Com este sistema, diversos aspectos do mesmo objecto podem ser representados as formas geométricas, sem qualquer perspectiva e assim nasceu o cubismo, subjacente, em grande escala à escultura africana. Georges Braque, considerado como um dos pais do cubismo, depressa se interessou pela arte negra e adquiriu muitas peças desta arte. Partindo do principio de que “ não há que imitar mas criar” verificou que os artistas negros já o faziam. Juan Gris formou, juntamente com Braque e Picasso, o grande trio cubista. A sua admiração pela arte negra ficou bem patente num artigo de 1920: “ As esculturas negras proporcionam-nos uma prova flagrante da possibilidade de uma arte antiidealista. Animados pelo espírito religioso, são manifestações diversas e precisas pre cisas de grandes princípios e de ideias gerais… como não admitir uma arte que, procedendo desta maneira, chega a individualizar o que é geral e cada vez de uma forma diferente? É o contrário da arte negra, que se baseava no indivíduo para tentar sugerir um tipo ideal”.
Picasso foi quem melhor captou a essência da mensagem da arte negra e quem mais permeável se tornou à sua influência. Como muitos outros, Picasso dedicou-se
a coleccionar objectos africanos com os quais encheu o estúdio de trabalho. Neles encontrou novas possibilidades de expressão formal que se tornaram a obsessão de toda a sua vida. A partir de 1907 padeceu do que se chamou de “crise negra” depois de ter visitado o Museu do Homem e de se sentir fascinado pelo carácter conceptual e simbólico daquelas esculturas e pela sua utilização no emprego dos rasgos anatómicos. As Meninas de Avignon (1907) é a grande obra que resume a influência africana naquela época, cuja manifestação mais evidente é a distorção dos rostos e dos olhos. A influência negra não se fez sentir apenas na obra pictórica de Picasso, mas atingiu também a sua faceta escultórica. Picasso começou a esculpir madeira, material utilizado por todos os artistas africanos, mas que Picasso nunca havia usado, após a sua passagem pelo “velho Trocadero” em Paris. Além de imitá-los na matéria e na forma, também quis que as suas estátuas transmitissem a expressividade que tinha encontrado nas estátuas e státuas africanas, não chegando, contudo, a consegui-lo. Se Picasso e outros artistas se viram atraídos por esta nova dimensão artística, foi pela liberdade que nela encontraram, por isso se pode falar do impacto revolucionário da arte negra, que rompeu com séculos de convencionalismos e estabeleceu outros esquemas plásticos, mais conformes coma dinâmica libertadora do homem actual. Fonte: Revista além – mar, nº 583, ano LLL, Julho – Agosto 2009