Entre o sensível e o comunicacional
Bruno Souza Leal Carlos Camargos Mendonça César Guimarães (Organizadores)
Entre o sensível e o comunicacional
Copyright © 2010 Os organizadores
capa
Diogo Droschi editoração eletrônica
Christiane Morais de Oliveira revisão
Dila Bragança Ana Carolina Lins editora responsável
Rejane Dias Revisado conorme o Novo Acordo Ortográfco. Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfca, sem a autorização prévia da Editora.
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ados nternacionais de atalogação na Publicação (P) (âmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Entre o sensível e o comunicacional / Bruno Souza Leal, Carlos Camargos Mendonça, César Guimarães, (organizadores) . – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2010. Bibliografa ISBN 978-85-7526-502-4 1. Comunicação 2. Estética I. Leal, Bruno Souza. II. Mendonça, Carlos Camargos. III. Guimarães, César. 10-09039
CDD-302.2 Índices para catálogo sistemático: 1. Comunicação 302.2. 2. Comunicação social 302.2
Sumário
AA 7 xperiênciaestéticaecomunicação:apartilha deumprogramadepesquisa BrunoSouzaLeal,CarlosCamargosMendonçaeCésarGuimarães
A1–Daexperiênciaàexperiênciaestética 19
caráterimpessoaldaexperiência LouisQuéré
39
Impessoalidadedaexperiênciaeagenciamentodossujeitos VeraV.França
A2–Aexperiênciaestéticanocampodacomunicação 57
Comunicaçãoeexperiênciaestética Monclar Valverde
73
xperiênciaestética&mediatização José Luiz Braga
89
Asvertigensestéticasdeumcampoemconfguração Eduardo Duarte
105
sstudosCulturaiseosdeslocamentosdodomínioestético João Freire Filho
A3–Modelizaçõesverbaisevisuaisdaexperiência 131
textocomomodelodeexperiência estética:sensaçãooupercepção? Hugo Mari
Decertezasedesvios:aexperiência“modelizada”
145
notextojornalístico Elton Antunes 167
Asemiosealegóricaemtextosverbovisuais Gonzalo Abril
179
xperiênciaesignifcação Carlos Camargos Mendonça
Cristorevisitado:experiênciaestéticaeotojornalismo
189
Paulo Bernardo Vaz
A4–Ver,mostrar,vigiar Aexperiênciadoespectadorouohomemordinário
205
docinemasegundoJeanLouischeer Stella Senra
Asuperíciedocotidiano:umaaproximaçãoa
221
Acidente eUma encruzilhada aprazível Cláudia Cardoso Mesquita
uvejo,eumostroenósvemos:vídeode
241
criaçãoeexperiênciaestética Eduardo de Jesus
Circuitosdavigilância:controle,libidoeestética
253
Fernanda Bruno
A5–xperimentaçõesnasredessociais
277
Poiesis nasredestelemáticas:abricações
midiáticasdepessoascomuns Maria Beatriz Bretas
undamentoestéticodaexperiênciaordináriaem
293
redestelemáticas:uxosintermidiáticos Geane Alzamora
Asensaçãoeacriatividademusicalnainternet:a
309
composiçãomaquínicadaescutaemrede Rodrigo Fonseca e Rodrigues
sautores
315
Apresentação
xperiênciaestéticaecomunicação: apartilhadeumprogramadepesquisa BrunoSouzaLeal CarlosCamargosMendonça CésarGuimarães
Ainvençãodeconceitoseabordagens A relação entre os enômenos comunicativos e a experiência estética se confgura nos dias de hoje como um programa de pesquisa em aberto, para o qual concorrem múltiplas perspectivas e modos de abordagem, provenien-
tes de dierentes disciplinas. Ao organizar um segundo livro em torno desse tema, eito do conjunto dos textos apresentados no II Simpósio Internacional Comunicação e Experiência Estética (promovido pelo PPGCOM-UFMG em outubro de 2007), queremos indicar a nova situação na qual nos encontramos e as expectativas que mantemos quanto aos desdobramentos possíveis dessa indagação compartilhada com outros colegas da comunidade dos pesquisadores em comunicação. Com eeito, este livro é resultante da interlocução mantida entre dois grupos de pesquisa: o Poéticas da Experiência e o Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (GRIS), além de outros pesquisadores convidados para o simpósio, com os quais temos muitas afnidades conceituais e metodológicas. Em um primeiro momento nossos esorços concentraram-se na identifcação dos aspectos intrínsecos à experiência estética, tomada como uma
orma determinada de racionalidade que não se separa nem se destaca hierarquicamente de outros âmbitos da experiência, como aqueles da vida cotidiana. Naquela ocasião, também destacamos que a experiência estética não se reduz à ontologia dos objetos artísticos, e é guiada por uma dimensão relacional que toma o lugar da ênase comumente atribuída às propriedades imanentes ao objeto, à situação ou ao evento que, em virtude da economia
interna de seus procedimentos expressivos, convoca nossa sensibilidade para experimentá-lo e compreendê-lo. Assim azendo, reivindicamos que a dimensão estética dos enômenos comunicativos não devia buscar sua caução epistemológica exclusiva nem na Estética (como disciplina flosófca) nem nas Teorias da Arte (G; L; M, 2006). 7
Agora, neste segundo volume, gostaríamos de avançar ainda mais na exploração dos dierentes componentes em jogo, quando nos servimos desta partícula aditiva que liga os termos “comunicação” e “ experiência estética”. Se o que importa aí é “a junção da comunicação com o sensível”, como ressaltou Benjamin Picado, não podemos contar – inelizmente – com uma concepção não problemática que sustenta, de saída, uma transparente reciprocidade entre a “dimensão sensível inerente a todos os processos comunicacionais” e uma “concepção essencialmente comunicante de toda sensibilidade”. 1 Com eeito, a experiência estética nem se deixa apreender simplesmente como uma modalidade particular da experiência comunicacional em geral nem tem justifcada sua dimensão estética simplesmente porque os objetos e as situações presentes nas trocas comunicativas acionam componentes de natureza sensível.
É justamente porque não há complementaridade imediata entre os objetos respectivos da Estética e das Teorias da Comunicação que se az necessário construir tanto as zonas de interseção (de compartilhamento de noções e operadores analíticos) quanto as divergências entre os dois pontos de vista. Para nós, mais do que uma convergência harmoniosa, o que esperamos é que tal inter-relação produza um mútuo deslocamento, de parte a parte, e que ele permita a invenção de conceitos e de procedimentos metodológicos. Se um campo científco adquire uma consistência legitimada (aos olhos dos campos vizinhos) em razão do endurecimento de seus conceitos – prontos
para colonizar outros territórios – no caso desse espaço heterogêneo de conuência de estudos, ele permanece povoado por conceitos nômades, necessariamente desterritorializados de seus contextos de origem, porque convocados para dar conta de novos problemas (S, 1987). Como bem notou Benjamin Picado, a discursividade estética que nos interessa nasce da tensão entre dois modos de conceber a experiência estética tal como confgurada – desde a Modernidade – pelas novas relações entre a dimensão técnica dos meios massivos e o socius. De um lado, as reservas e as críticas da Escola de Frankurt diante dos produtos da indústria cultural; de outro, o “alegre proetismo” de MacLuhan, ou então, numa dicção PICADO, José Benjamin. Do elogio da técnica aos padrões de gosto e a experiência sensível:
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matrizes de uma discursividade estética no campo da comunicação. Texto inédito apresentado no Simpósio 10 anos de Filocom: a Nova Teoria nos 44 anos da ECA-USP, promovido pelo Núcleo de Estudos Filosófcos da Comunicação, no período de 22 a 26 de novembro de 2010 na ECA-USP. Agradecemos vivamente a Benjamin Picado, que nos cedeu generosamente esse texto que traduz com muita acuidade as conversações que mantivemos ao longo dos últimos quatro anos no GT “Estéticas da comunicação”, no âmbito da Compós, e posteriormente denominado (desde o ano passado) GT “Comunicação e experiência estética”.
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inteiramente dierente, as apostas utópicas de Walter Benjamin na reprodutibilidade técnica (acrescentamos por nossa conta): De um lado, este sotaque estético se maniestou na ordem de uma reserva de natureza axiológica quanto ao caráter vinculante dos produtos e dos discursos comunicacionais, uma vez dada justamente esta sua ligação de origem com modalidades tecnológicas de comunicação; de outro lado, há um discurso que procura extrair da relação entre os meios e a cultura que eles parecem arrastar consigo, a instituição de um regime experiencial novo, que merecia exame em separado (P, 2010).
Trabalhando tanto a tensão que anima o aastamento entre esses dois modos extremos de conceber a natureza estética dos enômenos comunicativos quanto a possibilidade de não mais tomá-los em separado, procurando novas ormas de articulação entre um e outro, podemos extrair daí um programa mínimo de pesquisa, orientado pelas seguintes questões:
a) A necessidade de desenvolver uma “genealogia da discursividade estética” (nos termos de Benjamin Picado) voltada tanto para o mapeamento das categorias existentes quanto para a invenção de outras, adequadas a um campo inédito de problemas. b) A revisão (de pelo menos parte) das tradições teóricas que se apresentam como constitutivas do campo científco da comunicação social. c) A investigação do(s) conceito(s) de comunicação implícitos na noção de experiência estética, articulada que está a perspectivas flosófcas distintas. d) O aproundamento da compreensão da experiência estética, como enômeno, na sua distinção e vizinhança com outras ormas de relação com o mundo e com outras dimensões que constituem o cotidiano: o real, o banal, o belo, a antasia, a tensão, a monotonia. e) Esorços de natureza aplicada, para delinear e testar operadores que metodologicamente viabilizariam estudos específcos e pontuais. Nesse caso, a questão de undo é da natureza do conceito de experiência estética: terá ele orça bastante para dar conta de variados enômenos empíricos? Se os operadores possíveis advêm de lugares teóricos distintos, exige-se que o teste seja tanto da consistência do conceito quanto da resistência (e capacidade de transormação) de algumas noções que circulam entre nós, tais como texto, narrativa, materialidade, corpo, subjetividade, recepção , entre tantas outras. Os esorços teóricos e metodológicos desenvolvidos nos últimos cinco
anos, compartilhados com pesquisadores da área, permitiram-nos alcançar uma inexão peculiar na abordagem dos vínculos entre os enômenos Ap rese nt ação – Exp eriê nci a est éti ca e co mun icaç ão
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comunicativos e a experiência estética. Permitam-nos citar a ormulação presente na ementa do GT “Comunicação e experiência estética” no âmbito da Compós, ao enatizar o aastamento de uma ontologia do artístico em direção às relações entre os domínios da expressão e as estruturas da sensibilidade e dos aetos no âmbito da experiência cotidiana: O núcleo dos problemas da estética não é assim derivado da artisticidade das maniestações, mas liga-se aos efeitos sensíveis de varias ordens, todos eles de um modo ou de outro derivados das aculdades comunicacionais de produtos e obras. Aetos e percepções não são assumidos aqui como puras paixões, mas adquirem uma orma, que se engendra na interação entre subjetividades, no diálogo com o outro, na presunção de um hori-
zonte vinculante de sentido, no qual a suposta privacidade da ruição estética se torna experiência compartilhada.
Assim, se a experiência estética é da ordem do cotidiano, ela se apresenta como um acontecimento de qualidade peculiar. Consequentemente, envolve a oscilação de quadros estáveis de percepção, em sua amplitude (como sig-
nifcação, sensação, sensualidade, direção, emoção vivida e sensorialidade). Como identifcar essa peculiaridade? A experiência estética, assim como qualquer enômeno, pode ser defnida conceitualmente por dierentes campos do conhecimento, o que envolve também operadores analíticos específcos. Como então qualifcar e avaliar uma experiência como estética? De quais critérios dispomos? Como azê-lo a partir de um “olhar comunicacional”? Tais perguntas implicam movimentos reexivos aparentemente contraditórios; por um lado, pode-se partir da experiência estética como uma ormulação teórica e qualifcá-la em suas implicações epistemológicas; por outro, pode-se partir de uma percepção do enômeno da experiência estética, qualifcando-o teórica e metodologicamente. Os artigos reunidos neste volume enrentam direta ou indiretamente, se não todas, pelo menos parte dessas questões. De certa orma, sugerem que não há outro modo de deslindar essa relação ainda nebulosa entre a comunicação e a experiência estética que não seja através da prospecção conceitual,
do conronto com os produtos comunicacionais – e o arcabouço teórico dos modos já constituídos de sua apreensão –, da revisão de perspectivas tradicionais e da proposição de modelos explicativos outros. Ou seja, não há como ugir do debate intelectual como espaço produtivo de interlocução e criatividade. Nesse sentido, o leitor deste volume não deve se surpreender
ao se deparar, nos artigos que o compõem, com proposições e modos de entendimento bastante distintos da relação comunicação/experiência estética. Mais que um conjunto harmonioso, que oereceria uma proposta disciplinar 10
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ou teórico-metodológica unifcada, este livro tem o debate como ponto de partida e proposta de leitura. As intervenções aqui presentes se distribuem em dois grandes gestos complementares: há reexões de caráter teórico-especulativo, que discutem aspectos específcos dos modos de apreensão da experiência estética como enômeno comunicacional, seja através da revisão de conceitos-chave, como experiência e mediatização, seja através do entendimento do campo disciplinar da comunicação. Trata-se sobretudo de discussões em torno de categorias
pertinentes para a investigação das dimensões sensíveis dos enômenos comunicativos e da comunicabilidade da ruição estética. Há outros textos que tentam apreender as maniestações da experiência estética em objetos comunicacionais diversos, tais como notícias impressas, otografas jornalísticas ou publicitárias, sites da internet, imagens audiovisuais. Podemos alar então dos diversos modos de aparecer do enômeno estético no âmbito dos objetos (antigos e novos da comunicação). Certamente, cada objeto apresenta demandas e reconfgurações bastante peculiares da relação mais geral entre comunicação, experiência e estética. Esta é uma das conclusões mais instigantes que a leitura dos artigos pode
oerecer: para uma confguração das dimensões da experiência estética na comunicação, é preciso antes redimensionar os sentidos e os modos de apreensão de alguns conceitos-chave, que, então, precisam ser investigados quanto a seu alcance e sua pertinência. Esse debate, porém, não ocorre em um espaço abstrato, como um construto ideal, cego às orças históricas que o atravessam, as possibilidades que o habitam, os poderes que o cercam. Faz-se necessário,
portanto, delinear o contexto no qual desejamos intervir. Se reivindicamos a invenção de conceitos e abordagens como um campo de trabalho para o pesquisador interessado na dimensão estética dos enômenos comunicativos, é preciso caracterizar de que maneira essa atividade se situa em relação a um horizonte, mais próximo ou mais distante, mais amplo ou mais circunscrito.
Aexperiênciaestéticanohorizontedamediatização Utilizado de muitas maneiras em nossa área de conhecimento, a extensão lógica do termo "mediatização" tem variado em unção do modo como se concebem as variadas articulações entre o campo dos media e os diversos setores da vida social, desde a economia e a política, passando pelo entre-
tenimento e pela inormação, até alcançar os modos de subjetivação e as ormas de sociabilidade. Foi como um elemento de um enômeno como esse que o termo "estético" ez uma de suas primeiras aparições no campo Ap rese nt ação – Exp eriê nci a est éti ca e co mun icaç ão
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de estudos da comunicação. Não como um modo de compreender os enômenos comunicativos – uma angulação –, mas simplesmente como um de seus aspectos. Biace como Janus, essa maniestação do estético no seio da vida social, graças à inervação mediática do cotidiano, não demorou para encontrar sua natureza dual: tomado ora como revitalizador do liame social (como é caso de Michel Maesoli), ora responsável pelo seu esgarçamento extremo (como é o caso de Jean Baudrillard). Não é conveniente retomar aqui o ponto de vista desses autores que ganharam vários seguidores entre nós. Por ora importa apenas notar que a mediatização também se vê em meio a uma disputa conceitual por parte dos analistas, e o estético volta a comparecer nesse debate, novamente em sua ace ameaçadora (ao minar o ethos), numa estranha aliança entre o espetáculo e o virtual secretado pelas novas tecnologias. Para alguns, a noção de espetáculo oi encaixada em novas problemáticas e tornou-se o obscuro sinônimo de uma mediatização invasiva (quanto ao mundo da vida), processo avassalador e onívoro que ameaça destruir todas as ormas de mediação simbólica. Se a comunicação é esse lugar onde se tece o liame simbólico na vida das sociedades, então a predominância da estesia midiática só poderia conduzir ao seu enraquecimento ou à sua ruína. No campo dos estudos em comunicação – desde as discussões em torno da imagem e das atitudes do espectador, até a caracterização das relações entre mídia e política, passando pelos modos de subjetivação –, o uso do termo
"espetáculo" tem sido requente, aparecendo ora estreitamente vinculado ao modelo explicativo de Debord, ora mantido a certa distância, mas ainda imantado às explicações totalizantes que ele pressupõe e induz ortemente. Em outras situações, promove-se a conjunção entre outros quadros explicativos e alguns eeitos ou consequências típicos da sociedade do espetáculo, adotando-se o diagnóstico debordiano sem colocar em causa seus principais pressupostos. Tanto em Antropológica do espelho (2008) quanto em As estratégias sensíveis (2006), Muniz Sodré adere à descrição debordiana do espetáculo, na esteira da perspectiva de Giorgio Agamben. No primeiro ala-se em uma “reexividade acrítica entre mundo virtual e real-histórico” que transmutou o “espetacular” em “especular”, no qual “a própria comunicatividade, a interatividade, o ser
imagístico do homem”, se rendem à exibição narcísica (2008, p. 109). No segundo, ala-se igualmente da imagem-espetáculo como “uma espécie de orma fnal da mercadoria, que investe de orma diusa ou generalizada a trama do relacionamento social, reorientando hábitos, percepções e sensações” (2006,
p. 81). Tanto numa como noutra caracterização, um dos traços principais da mediatização é o seu caráter expropriador da experiência dos sujeitos (a 12
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começar pela linguagem, como quer Agamben na sua releitura de Debord), assim como da memória e dos saberes, como vê Muniz Sodré (2006, p. 123): No bios virtual (pelo menos nesse que, até agora, tem se mostrado como uma antropotécnica a serviço do mercado), o ethos humano parece submergir numa estesia telecomandada, onde o indivíduo é expropriado da experiência e da singularidade, portanto da vontade, da escolha criativa e da partilha simbólica, logo de uma corporeidade própria e ativa, geradora de sentido, que tende hoje a ser cada mais genética e culturalmente controlada – apesar da exaltação do corpo do consumidor pelos automatismos sensoriais da mídia.
Se Agamben elege o campo de concentração como o novo nomos biopolítico do planeta, Muniz Sodré az da mediatização o nomos da modernidade tardia, governada pela velocidade e pela uidez dos processos alimentados pelas novas tecnologias e pelas ormas da comunicação em rede (A, 2002b, p. 56). O grande problema de uma concepção como esta (que Sodré toma emprestado a Agamben) é que, conorme notou Didi-Huberman (2009, p. 74-76), aquilo que é um regime do próximo, designado empírica e imanentemene como um enômeno determinado, surge constantemente misturado ou sub-repticiamente colado a um regime do longínquo (sob o modo de uma transcendência). Porém, enquanto para Agamben esse horizonte longínquo remete a uma redenção apocalíptica (cujo undo judaico-cristão é atravessado pelo messianismo benjamiano), em Sodré (2008, p. 14-15) o horizonte é mais baixo e estreitíssimo, conormado pelo “ordenamento mercadológico do mundo”, o “plano sistêmico da estrutura de poder”, enfm, pelas orças do capital turbinado pelas novas tecnologias. Tudo se passa como se o longínquo soresse uma compressão brutal e se dobrasse sobre o próximo, suocando-o. Se o que o autor chama de bios virtual (isto é, a vida qualifcada pela mídia) é realmente uma nova orma de vida, dele está ausente justamente o traço defnidor que Agamben concede ao termo. Uma orma-de-vida, escreve o flósoo, é aquela na qual “todos os modos, os atos e os processos do viver não são nunca apenas atos, mas sempre e antes de tudo, possibilidades de vida, sempre e antes de tudo, potências” (A, 2002a, p. 14). No processo da mediatização descrito por Sodré não há lugar algum para a experiência estética, rebaixada à condição de estesia generalizada ou de sensorialidade exarcerbada. Nessa caracterização ecoam ortemente as teses de Debord: o caráter enganador das aparências sensíveis, a anulação do sujeito (que quanto mais contempla menos é), separado da verdade, desalojado do mundo pelo espetáculo, que está em toda parte. Ap rese nt ação – Exp eriê nci a est éti ca e co mun icaç ão
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De nossa parte, preerimos lidar com a mediatização naquela acepção que lhe concedeu José Luiz Braga, a saber: de uma mudança em curso na sociedade atual, na qual os processos sociais de interação mediatizada tornaram-
se reerência para a construção social da realidade. Uma noção como essa tem a vantagem de não derivar (de modo determinista) a mediatização dos componentes tecnológicos dos meios de comunicação (como se suas propriedades se disseminassem ubiquamente pelo tecido social) e de não proclamar a hegemonia da mídia sobre o mundo da vida. Para Braga (2007, p. 159), o
processo de mediatização inclui, justamente, “procedimentos interacionais para resistir e subtrair-se à lógica sistêmica” e se apresenta como um processo permeado por lacunas, inacabado e incompleto (mas desprovido de um télos que o conduzisse, necessária e inalivelmente, a uma realização irremediável). Dentre os seis traços indicadores da “incompletude estrutural” da mediatização identifcados pelo autor, destacamos dois, de especial interesse para as nossas discussões: (a) o rearranjo e a construção de campos de signifcação que deslocam os limites habituais entre “entretenimento e aprendizagem-educação;
política e vida privada; economia e aetos; essência e aparência; cultura e diversão”; (b) o ato de que as interações midiatizadas não subsumiram todos os setores da vida social: em muitos deles prevalecem processos de interação
governados pela oralidade e pela escrita (B, 2007, p. 161-163). Assim entendida, a midiatização torna-se o lugar mesmo no qual se maniestam as
múltiplas ormas expressivas (encarnadas em distintas materialidades) e as práticas que confguram a sua ruição, sem que a relação direta com os produtos midiáticos seja eleita o vetor único de apreensão da natureza estética dos enômenos comunicativos. Porém, para além desse campo empírico de maniestação de obras, produtos, eventos e situações estéticas, a comunicação está na base da experiência sensível, naquilo que nela há de partilhável. Compreendida somente desse modo, podemos esperar que a experiência estética venha a criar uma “paisagem inédita do visível, ormas novas de individualidades e de conexões, ritmos dierentes de apreensão do dado”, bem como escalas novas para compreender e habitar um mundo em comum, como escreve Jacques Rancière (2008, p. 72). Para dar a ver o conjunto das
possibilidades conceituais, analíticas, metodológicas e heurísticas oerecidas pelos estudos que investigam os vínculos entre a comunicação e a experiência estética, distribuímos os artigos deste livro em cinco seções, tratando dos seguintes temas: (I) como as noções de experiência e de expe-
riência estéticas, reconfguradas sob uma visada relacional e pragmática, podem nortear a investigação em torno da natureza estética dos enômenos comunicativos?; (II) como conceber a experiência estética como uma das 14
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