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lavio Coelho Edler
óticas & Pharmacias
Flavio Coelho Edler
Boticas
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Pharmacias
UMA HISTÓRIA ILUSTRADA DA FARMÁCIA NO BRASIL
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Cl P-BRASI L. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
E25,b Edler. Flavio Coelho, 1960Boticas e pharmácias : uma história ilustrada da farmácia no Brasil / Flavio Coelho Edler - Rio de Janeiro : Casa da Palavra, 2006 i6op.: il.
G iglio
1. Farmácia - Brasil História Obras ilustradas. 2. Farmacêutic os Brasil - Histór ia. 3. Industria farmacêutica Brasil Histór ia. 4. Medicamento s Brasil Histór ia. I. Título.
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Inclui bibliografia ISBN 8 $- 7734 -0 0 4 -X
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Copyright © 2006 desta edição Casa da Palav ra Copyright © 2006 do texto Flavio Coelho Edler Copyrights individuais de fotografias assegurados em conformidade com a Lei 9.610, dc 19.02.1988. E proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.
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Este livro é dedicado ao médico que, antes de tornar-se psiquiatra e pai do autor, fora, por curto período, representante de um laboratório farmacêutico inglês. Nessa ocasião, em meados da década de 1950, eleformulou um remédio - descongestionante nasal - 0 qual, comercializado pelo mesmo laboratório, ganhou largo público país afora. Alas a maior façanha do doutor Nikodem Edler fo i a de manter-se fiel aos seus ideais democráticos e igualitários, li assim tem sido, como médico e cidadão, apesar de todos os pesares.
Sumário 8 Apresentação PARTE1 .) BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL 14
A sociedade luso-brasil eira, suas doenças e condi ções sanitárias
24
A mata é a botica dos índios
30 As ordens religiosas: a assistência médica como caridade 34
Sob o império de Galeno: as doenças e seus tratamentos na tradição médica européia
42
As farmacopéias portugues as e os tratados de naturalistas, médicos e cirurgiões do Brasil colonial
48
O cozinheiro do médico e sua botica
FARMÁCIAS E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS 56 62
Panorama da medicina e da farmácia no século xix A formação médica e farmacêutica
66
Boticários ou farmacêuticos?
68
Velhas boticas: comé rcio e segredos
72
Da fase heróica ao ceticismo terapêutico
76
Farmac opéias, medicamentos, remédios e plantas medicinais brasileiras
80
Reméd ios da moda e distinção social
82
Asso ciaçõe s farmacêuticas na cidade imperial do Ri o de Janeiro
86
Da matéria médica à farmacolog ia
DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA 94
too
O crepúsc ulo da farmácia oficinal e da arte de formular Os sucessos da nova terapêutica Origens e evolução dos medicamentos industrializados no Brasil
110 114
A formação do farmacêutico na República
120
Farmácias e práticas farmacêuticas Órgã os de classe e socieda des farmacêuticas
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Novas respostas aos antigos desafios: tendências atuais
122 Referências bibliográficas 12 ~ Referências iconográficos 12 s Englis/i Version •
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Boticas e boticários no Brasil Colonial »
A sociedade luso-brasileira,
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Medicamentos e terapêutica
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As ordens religiosas e a
sua atuação política antes da
assistência médica na Colônia
vinda da corte portuguesa
A medicina jes uític a e a triaga brasílica
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As doenças e seus tratamentos na tradição medica européia e em Portugal
1.) A sociedade luso-brasileira SUAS
doenças
e
condições
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Qua ndo os portugueses aqui chegaram, em 1500, encontraram uma população indígena pouco heterogênea cm termos culturais e lingüísticos. Tupis-guaranis, tapuias, goitacazes, aimorés e outras etnias se dispersavam pelo litoral e pelo interior. Não eram muitas as doenças de que sofriam os i RIBEIRO, Lourival. Medicina , indígenas no início da colonização do Brasil. O historiador Lourival Ribeiro1 no Brasil colonial. Rio de Janeiro: < cita as “ febres” , as disenterias, as dermatoses, os pleürises e o bócio endêm ico Ed. Sul-americana, 1971, p.187.'
como as moléstias prevalentcs.
Passado o período de exploração da costa, cuja principal atividade econômica era a extração do pau-brasil, a coroa portuguesa inicia, com a expedição de Martim Afonso de Souza (1530-33), o processo de colonização e ocupação territorial. Esse período é marcado pela exaltação da natureza brasílica. Parecia que a doença raramente afligia os habitantes da América. O certo é que, ao findar o período colonial, os poucos índios que viviam sob o domínio português eram pertencentes ao último escalão da sociedade. A escravização e a matança, iniciadas com a captura ou desocupação de terras, contribuíram menos que as doenças importadas para o que os historiadores chamam de catástrofe demográfica da população indígena. Os índios foram vítimas de doenças,'
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como sarampo, varíola, rubéola, escarlatina, tuberculose, febre tifoide, malária, disenteria, gripe, trazidas pelos colonizadores europeus, para as quais não tinham defesa i.b ! \--"-------------------------------- -- ------ --- "--- _,---------.-- f imunológica. Junto com os escravos africanos, aportou também um novo tipo de malária em solo americano.
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As condiçõ es de saúde da pop ulação negra eram igualmente deploráveis. Embora houvesse uma multiplicidade de situações e atividades exercidas pelo escravo africano, bem como formas de tratamento recebidas por parte dos senhores, os cronistas do período colonial sublinham que os negros que prestavam servjço na terra trabalhavam quase sem descanso, sempre mantidos com muito açoite e, em geral, mal alimentados. O regime de trabalho nas minas era totalmente diverso do observado nos engenhos de açúcar. A atividade
: Na cena de Rugendas, escravos trabalham em uma mina de ouro. Assim como os indígenas, os negros trazidos da África viviam em péssimas condições de saúde. Mal alimentados, eram mantidos com muito açoite.
acima
pÁciNA-AO lado : Capa do livro de Guilherme Piso e George Marcgraf, “História natural e médica da índia
”expressa uma natureza idealizada onde se valoriza a diversidade da flora e fauna da América tropical. Ocidental
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BOTICA
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Doenças dos escravos nas minas (...) ospretos, porque uns habitam dentro da água, como são os mineiros que mineram nas partes baixas da terra e veios dela, outros, feito toupeiras, meneirando por debaixo da terra (...); lá trabalham, lá comem e lá dormem muitas vezes, e como estes, quando trabalham andam banhados em suor, com os pés sempre em terra
mineradora exigia uma mão-de-obra mais especializada, permitindo aos cativos
fria, pedras ou água, e, quando descansam ou comem, se lhes constipam os poros e se resfriam de tal modo que dai se lhes srcinam várias enfermidades perigosas, como são pleurises apertadíssimos, estupores, paralisias, convulsões, peripneumonias e outras muitas doenças, para as quais os melhores remédios que se lhes deve dar são sudoríficos, diaforéticos e vulnerários, para que abram os poros e se promova a circulação do sangue e mais líquidos com os remédios que em seu lugar se apontarão
(...) FERREIRA, Luís Gomes (org. Júnia Ferreira Furtado).Erário mineral. Belo Horizonte: Fundação joâo Pinheiro; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002
uma relativa liberdade de ação e mais oportunidades que em outras regiões da América portuguesa. No auge da produção aurífera, em meados do século xvni, a população escrava correspondia a três quartos dos habitantes das Minas, e os riscos para a saúde dos escravos foram aumentando com a gradativa complexidade do trabalho, na busca do ouro que escasseava. No
Erário mineral,
Luís Gomes Ferreira registrou as “crises reumáticas”,
“ as febres com catarros”, as “ chagas nas pernas” que acom etiam os escrav os faiscadores obrigados a permanecer com
metade do corpo submerso nos leit os
pedregosos de rios gélidos durante horas, mergulhando, tirando cascalho e lavando. Hstima-se que p tempo médio de vida nessas condições fosse de sete anos. Nos principais centros urbanos, como Olinda, Recife, Salvador e Rio de \0
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jane iro, os negros exerciam atividades variadas, desde os serviços domésticos até o artesanato, passando pelo comércio ambulante e o carregamento de fardos c mercadorias. A ancilostomíase, conhecida como opilação, as doenças de carência, como o escorbuto, a tuberculose e o maculo, não chegavam a distinguir a população de escravos negros do restante da população de mulatos, brancos pobres, cafuzos que viviam na base da pirâmide social. Quanto às condições de saúde da população branca, é impossível uma generalização, tal era a variedade de situações de vida nesse período. Ser nobre ou plebeu, viver nos grandes centros urbanos ou refugiado em engenhos e fazendas; ser homem de negócios, médico, advogado, pertencer ao clero regular, morar em conventos ou aldeias no sertão, instalar-se em zona de mineração, conduzir tropas de gado, tudo isso afetava o ritmo de vida, o regime alimentar e o padrão de salubridade, a despeito da posição social. Está claro que barnabés, mascates, artesãos, oficiais mecânicos, carreiros, feitores, capangas, soldados de baixa patente, mendigos
BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL
e pobres sitiantes não viviam em condições muito melhores do que algumas categorias de escravos e se distanciavam muito da elite branca, de fidalgos, clérigos e comerciantes. Durante os três primeiros séculos da colonização brasileira, a sociedade branca recorreu indiferentemente às formas de cura trazidas da Europa ou àquelas a que diversas etnias, com as quais se manteve em constante contato, utilizavam para lutar contra os males que as acometiam. Mesmo os portugueses opulentos, muito embora se tratassem com seus médicos, cirurgiões e barbeiros vindos de Portugal, não hesitavam, quando precisavam curar suas feridas, em se servir do óleo de copaíba utilizado pelos indígenas para esse fim. Depois, com a vinda dos escravos africanos, aderiram igualmente a certas curas relacionadas com a magia, como nos revelaram os documentos das visitas inquisitoriais do Santo Oficio. Os próprios franceses conheceram e fizeram uso de plantas medicinais indígenas, no período das invasões francesas comandadas por Villegaignon (1 5 10 -7 1). Um naturalista francês, Jean de Lé ry (1 53 4 -16 11 ),
Bons conselhos do Erário mineral Os medicamentos que se aplicarem às enfermidades das minas sejam sempre de qualidades quentes em sua natureza, ou que inclinem a quentes, porque as doenças do tal clima pela maior parte procedem de causas frias, e, por esta razão, os que são de sua natureza quentes obram excelentemente, como a aguardente do Reino, a água do chá, a água de capeba, de que hei de falar muitas vezes e queira Deus inclinar os ânimos a darem crédito ao que se disser (de que resultarão grandes proveitos), que tudo será com ajuda do mesmo Senhor, verdade lisa e sem dúvida: e outros muitos remedios. Os medicamento que se apli care m aos olhos sempre hão de serfrios, isto é, sem se aquentarem, e pelo contrário, os que se aplicarem aos ouvidos sempre hão de ser mornos: isto. digo para os principiantes e tudo 0 mais para o comum. (Op. cit.)
que esteve no Brasil entre 1555 e 1556, descreveu o tratamento e a gravidade do piã (doença semelhante à sífilis): “ O iurare tem a casca espessa de meio dedo e é muito agradável ao paladar, principalmente quando colhido fresco; os dois botânicos que vieram conosco afirmavam ser um a espécie de guaiaco. Os índios o empregam contra o piã, doença tão grave entre e les como entre nós a bexiga” . Nas correspondências avulsas encetadas entre metrópole e colônia enfatizava-se com freqüência a falta de médicos, remédios e hospitais. Mas, ao contrário da avaliação apressada realizada por alguns historiadores que afirmavam ser a falta de médicos o fator responsável pelo grande número de curandeiros e charlatães, é preciso que se pergunte: quais setores da população se ressentiam da escassez desses profissionais? Ora, o florescimento das demais artes de cura esteve intrinsecamente ligado às diferentes raízes culturais das populações aqui residentes. Além disso, os missionários jesuí tas - principa is suportes da educação colonial que tomaram para si o papel de curadores - aproveitaram muito da medicina indígena, tornando as plantas medicinais brasileiras famosas em todo o mundo. Pelas mãos dos jesuitas, a
triaga brasílica,
uma panacéia composta de elementos da flora nativa, que chegou a ser a segunda fonte de renda da ordem jesuítica na Bahia, ganhou fama internacional. Aos jesuítas deve-se imputar a iniciativa pioneira de intercâmbio entre esses universos da medicina, já que eles também absorviam o saber dos físicos, cirurgiões e boticários, aplicando-os nos precários hospitais da Santa Casa da Miseri córdia .
página
a o lado
, À es quer da : O s
escravos africanos que trabalhavam nas minas de ouro sofriam comumente com "crises reumáticas’’, “febres com catarros” e “chagas nas pernas". Estima-se que o tempo médio de vida do negro que trabalhava na atividade aurífera era de sete anos.
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PÁGINA AO LADO, À DIREITA:
Chegada de portugueses na Baia de Cuanabara: na costa brasileira, eles encontraram vários grupos indígenas. Organizados em tribos, formavam uma população heterogénea em termos lingüísticos e culturais
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: Hans Staden realiza uma sangria em índio adoecido. Europeus que chegavam ao Brasil conheceram c fizeram uso das diversas práticas medicinais de indígenas nativos.
acima
18
BOTICAS
&
PHARMACIAS
Saber erudito e saber popular na medicina colonial Mas que relações mantinham físicos, cirurgiões e boticários portugueses com os demais agentes de cura? Embora geralmentc preconceituosos com rel ação a outros element os pagãos e “ selvagens” da cultura indígena, o s colonizadores se interessaram em recolher informações sobre o procedimento de indígenas e seus pajés para combater as doenças que grassavam no lugar. Observavam, imitavam, experimentavam, descreviam
as propriedades terapêuti cas das
novas espécies c seus usos, e divulgavam-nas na metrópole, ampliando os saberes sobre a matéria médica. Mais tarde, tal saber retornava à Colônia em compêndios de farmacopéia, orientando a atividade de boticários profissionais, religiosos ou leigos. Tal roteiro não foi tão linear, entretanto, como pode parecer. Bernardino Antônio Gomes (1768-1823), médico português e estudioso de nossa flora, em fins do século xvm observou o pouco uso feito pelos médicos portugueses das plantas medicinais do país, entendendo que isso ocorria porque, tendo aprendido medicina das un iversidades européias, eles curavam tudo “ à européia” , desprezando a medicina indíg ena. De todas as práticas terapêuticas, o uso das ervas medicinais brasileiras era a de mais legitimidade popular. Me zinheiro s (vended ores de medicinas, ou mezinhas), curandeiros africanos e pajés utilizavam folhas, frutos, sementes, raizes, essências, bálsamos e resinas, partes lenhosas e brancas que esmagavam entre as pedras, pulv erizavam, carbon izavam , dissolv iam, maceravam. Cozin havam , para ingerir, aspirar , friccionar ou aplicar em cataplasma numa série de extensas doenças. Não se pode esquecer que o emprego dessas plantas tinha um sentido mágico ou místico. Determinados minerais, bem como partes do corpo de animais, eram usados como medicamentos ou amuletos. Se a antropofagia ritual era encarada com horror pelos europeus, a utilização da saliva, da urina e das fezes, humanas ou animais, era compartilhada como recurso terapêutico, embora com significado distinto para as duas culturas. Enquanto a sucção ou sopro dos espíritos malignos, a fumigação pelo tabaco, os banhos, fricções com cinzas e ervas aromáticas e o jejum ritualístico eram desprezados como elementos bárbaros, a teoria das assinaturas, que supunha existir, radicado em cada região, o antídoto das doenças do lugar, autorizava a assimilação da farmacopéia empírica popular. Se em ampla variedade de aspectos o saber erudito e o popular eram indissociáveis na experiência dos distintos estratos sociais, os representantes da arte oficial lutavam ferrenhamente contra os que praticavam as curas na informalidade. Reivindicando para si o controle do corpo doente, a medicina oficial esvaziava o sentido dos conhecimentos terapêuticos populares e reinterpretava-os à luz do saber erudito. A fluidez entre os domínios da medicina e aquele da feitiçaria, com o emprego de cadáveres humanos e de anima is associ ados ao universo demoníaco - como o sapo, WH f \ \ u /y
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BOTICAS li BOTICÁRIOS NO BRASIL COLONIAL
o cão negro, o morcego c o bode - na produção de remédios, impunh a aos portador es de diploma a tarefa de distinguir o procedimento “ científico” das crenças populares “ supersticiosas” . Nessa tarefa encontravam o apoio da Igreja e das Ordenações do Reino. No imaginário popular, os santos, vistos mais como especialistas que como clínicos gerais, seriam responsáveis por um grande número de curas. Fazendo restrições no que dizia respeito à intervenção dos santos e das palavras sagradas, a não ser quando praticados ou recomendados pelo clero, a Igreja e os médicos reforçavam a idéia de que Deus distribuíra com parcimônia o acesso ao domínio do sagrado, vetando-o aos indivíduos rústicos. Em processo semelhante ao que ocorreu com as confrarias, que iriam amolecer a rigidez da fé oficial da Igreja, quebrando a unidade da religião luso-brasileira e tornando-a mais humana e consoladora, para os distintos grupos sociais os curandeiros leigos seriam, até certo ponto, bem tolerados à margem da lei. Durante todo o período colonial, os moradores de cidades e vilas solicitavam aos governantes a presença de médicos. Cartas eram escritas ao rei manifes tando a preocupação constante com a saúde dos súditos, pe la “ grande falta que têm de médico e botica para haverem de ser curados em suas enfermidad es” . Ma s o que imperava era a dificuldade de achar médicos dispostos a vir para a Colônia. A ausência de uma clientela com recursos que justificassem a saída da metrópole condicionava a p erm anên cia no Brasil à obtenção de alguma função ligada sobretudo à tropa ou à Câmara. As poucas vantagens profis sionais que lhes eram oferecidas restringiram-se com a dificuldade em mostrar eficiência longe dos remédios europeus. A carência desses remédios, muitas vezes deteriorados, o desconhecimento da flora local c a concorrência com outras formas de cura, administradas por pajés, jesuitas, fazendeiros e curandeiros africanos, eram outros óbices.
À direita , acima : Ritual Tupinambá do sopro de espíritos malignos . Práticas indígenas desprezadas pelos europeus como elementos bárbaros.
À dir ei ta , aqaixo Aiclc pias curassairca, vulgo Paina de Sapo.
I 9
Regulamentação sanitária No tocante à legislação sanitária, é preciso registrar que desde 1430 o rei de Portugal exigia que todos os que praticavam medicina fossem examinados e aprovad os pelo seu médico, também den omin ado físico. Em 1448, o regimento do cirurgião-mor, sancionado em lei do reino, explicitava dentre os encargos da função a regulamentação do exercício da medicina e cirurgia por meio de licença, legalização e inspeção de farmácias. As Ordenações Filipinas, de 1595 (“ Ordenações do reino de Portugal recopiladas por mandado d’el rei d. Filipe, o Primeiro”), que tratavam de todos os assuntos de interesse da Coroa, ditavam também regras sobre padrões para os pesos e medidas. Podemos ver que, por essa legislação, o boticário era tido como um comerciante submetido às mesmas normas que o peixeiro, o carniceiro, o ourives e os fabricantes de velas , entre outros. O boticário - assim como diversos outros comerciantes - teria de, ao menos uma vez ao ano, no mês de janeir o, “afilar” seus pesos e medidas, ou seja, verificar se eles se mantinham dentro do padrão estipulado. O responsável pelo controle e pela aplicação de penas a quem deixasse de afilar ou de seguir o padrão era o almotacé-mor, ajudado por oficiais. Os pesos e medidas do padrão, em Portugal, que tivessem mais de meia arroba ficavam nas Casas da Câmara, de onde não poderiam sair. Os padrões eram definidos e distribuídos entre os diversos ofícios, como podemos ver a partir de um extrato das Ordenações Filipinas:
42. Os ourives terão uma pilha de quatro marcos, convém, a saber, dois marcos na pilha, e dois outros nos pesos miúdos. (...) 46. Os que fizerem candeia de sebo terão dois arráteis, e um arrátel, e meio arrátel.(...) 49. Os Boticários terão dois arráteis, e meio arrátel, duas quartas de arrátel e 16 onças pelo miúdo, que são arrátel e oito oitavas pelo miúdo, que são tuna onça para passarem as mezinhas.
I
acima : Sem sistema de esgoto canalizado, no período colonial, os escravos, conhecidos como tigres, carregavam as fezes em barris até praias, rios ou lagos, onde eram lançadas.
página a o lado : Em Arte com vida ou vida com arte, obra "muito curiosa,
necessária e proveitosa”, Manoel da Silva Leitão apresenta os princípios higiênicos que deviam ser obedecidos para garantir uma vida saudável.
BOTICAS E BOTICÁRIOS NO BRASII. COLONIAL
2 I
ARTE COM VIDA,
VIDA COM ARTE, MUY CURIOSA, NECESSAR 1 A , E P R O V E IT O S A naó íb a Medico», c Cirtirgiocn», ma» ainda a ioda a pdíbadc qualquer clbtlo , ou corultçiô , que feja , pnncipalm cnte ao» cafado», c mau que a todo*, 30» noivos de pouco tempo, cm a qual(c encontra hum
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POR S EU E SC RA VO
MANOEL DA SYLVA LE1TAÕ. C Al ’A U . £IRO PROFESSO DA ORD EM DF. CJJRI STO , Familiar do Santo Ofício, Medico veda Corte, e Cidades de Lisboa, e do H0fpit.1l Real de Todos os Santos dasmcjtuat Cidades, e delia natural.
LIS BOA OCC I DENTA L . Na QíSc-ra * A NT O N I O
’KDROZO GALKAÓ.
1
Em 1521, já aparece a divisão das atribuições entre as duas maiores autoridades da saúde: o físico-mor e o cirurgião-mor. A Fisicatura era um tribunal. O físico-mor, um juiz. Desde então, já aparece a figura dos juízes comissários no reino e seus domínios. No momento em que se estabelece a administração portuguesa no Império luso-brasileiro, ainda no século x yt , tem-se notícia da designação de licenciados para o cargo de físico (médico) na çidade de Salvador. Onde não houvesse um físico examinador, delegado do físico-mor, os praticantes da arte de curar deviam requerer carta ao físicomor, com atestado das câmaras locais que comprovassem sua experiência e saber. Se aprovados em exame, recebiam licença para exercer a medicina apenas na localidade em que praticavam, e por determinado tempo. Cartas de lei, alvarás e regimentos respondiam a situações particulares, como infrações à legislação sanitária e aos abusos contra os interesses dos súditos. Foi em 1640, logo após a restauração de Portugal, que o fisco lançou suas vistas sobre as boticas. Fquiparou-as às casas de comércio. O Senado da Câmara, estrutura de poder municipal, recebia o imposto. Até a criação da Junta do Protomedicato, cm 1782, cabia ao físico-mor fiscalizar, com o auxílio dc boticários aprovados, as boticas, a qualidade c os preços dos medicamentos. A lei estabelecia que a separação entre físicos, cirurgiões c boticários era completa, cada qual com atribuições restritas ao seu domínio. Como veremos adiante, a definição de limites ao exercício de cada atividade obedecia ao estabelecimento gradual de uma hierarquia de importância entre elas. Já um alvará do século xvi - vedava aos físicos e boticários sociedade comercial nas boticas. I A atuação dos comissários do físico-mor se dava de duas maneiras: pelas visitas e pelos exames. Competia-lhes fazer visitas a cada três anos às boticas da terra e às lojas de drogas, e inspecionar, também, as boticas dos
Boticário O que tem botica, vende drogas medicinais e faz mezinhas. Os boticários são cozinheiros dos médicos; cozem e temperam quando nas receitas lhes ordenam. Nicolau Longio tem grande volume contra os boticários, que não conhecem perfeitamente as qualidades dos simples, vendem uma droga por outra, um medicamento velho e sem virtude por um fresco e que novamente veio do Levante. Por isso proibiu o Imperador Nero todos os medicamentos que vinham de remotos climas. Que necessário seria a visita nas boticas. O agárico se é macho, é mortífero; a coloquintina, se está madura é perigosa; o maná que passa de um ano não presta; a canafistula velha não tem substância; a casca do ruibarbo carcomida não purga. O boticário quando faz mezinhas que o médico ordena se houvera de chamar propriamente medicamentarius. BLUTEAU. Raphael. "Vocabulário português e latino", ed. 1712 apud MARQUES, Vera Regina. Natureza em boiõe s. Medicinas e boticários no Brasil setecentista. Campinas: Ed. Unicamp, 1999, p.i55.
2 2
BOTICAS & PHARMACIAS
navios que chegassem ao porto. Sua tarefa era averiguar, acompanhado de três boticários formados, as cartas de licença e os medicamentos, isto é, seu preço, o estoque de simples e compostos necessários para que se tivesse botica aberta, o bom estado deles, a preparação, incluindo a aferição dos instrumentos que deviam estar concordes com as prescrições de pesos e medidas ordenadas pela Câmara. Na verdade, o comissário, seus auxiliares boticários, o escrivão e o meirinho que os aco mp anh avam em suas diligências constituíam um tribunal itinerante cujos emolumentos e propinas regulares eram acrescidos das multas aos infratores. Os oficiais de botica deviam apresentar uma certidão que comprovasse a prática de quatro anos junto a mestre aprovado e um parecer deste sobre sua competência. O regimento de 1744, elaborado pelo fisico-mor, a ser observado por seus representantes no Brasil, indica a crescente importância que Portugal emprestava aos estados da América. Todo o dispositivo legislativo, que procurava fazer a Fisicatura próxima c presente por intermédio de um pesado aparato burocrático, c as constantes queixas sobre o arbítrio dos comissários, revela que a preocupação central da coroa era com o fisco. A administração da justiça na área médica esmerava -se, então, tanto cm fisca lizar os fiscaliza dores quanto em punir os infratores. Dessa maneira, o regimento fixa os-emolumentos que deviam ser percebidos pelas diferentes autoridades em cada exame e em cada visita regular. Como exemplo, o pagamento do exame, parágrafo 20:
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Terá o mesmo comissário do Físico-mor, (sic) de cada exame que fizer de boticário mil e seiscentos réis, ainda que o examinado não saia com aprovação, porque deve depositar antes do ato do exame, não só estes emolumentos, mas também os do Fisico-mor do Reino, e dos seus oficiais, que importam em nove mil cento e vinte réis, a saber, quatro mil e oitocentos réispara 0 Fisico-mor, quatrocentos e oitenta réis para cadaum dos cinco examinadores da cone, quatrocentos e oitenta réis para o escrivão do juízo, e cargo do dito Físico-mor do Reino, quatrocentos e oitenta réis para 0 meirinho do juízo, e quatrocentos e oitenta para 0 escrivão da vara do mesmo meirinho, e quatrocentos e oitenta de esmola para os santos Cosme e Damião, por ser este o estilo praticado sempre em semelhantes exames. Entretanto, a não-observância do regimento da Fisicatura parece ter
sido a norma nos tempos coloniais, tal como se infere pelo estabelecido na ordem régia de 3 de março de 1717 ao dr. João Nunes de Miranda, que servia, por comissão, de fisico-mor na Bahia:
Porquanto tenho notícias que geralmente costumam nessa cidade da Bahia curarem cirurgiões de medicina dando purgas e outros remédios de que só podem aplicar os médicosformados na Universidade de Coimbra
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BOTICÁRIOS NO BRA
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ou aprovados pelo Fisico-inor do Reino, o que è eni notório dano do comum e ter experiência mostrado suceder mil infortúnios e desgraças pela imprudência dos cirurgiões (...)•2 Não só lojas de barbeiro e boticas vendiam remédios no Brasil. Os estabelecimentos dos ourives, padeiros e outras casas também
MACHADO, Roberto et alli. Danação da norma: medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978, p. 29.
comercia ram remédios específicos. Os próprios m édicos, apesar de o alvar á real proibir que preparassem e vendessem drogas, manipularam e venderam suas próprias receitas. Se os cirurgiões curavam de medicina e os médicos aviavam suas receitas, os boticários receitavam por conta própria. Não se limitava ao controle das atividades mercantis a sanha legislativa da metrópole. Bem antes do período pombalino (1750-77) e do reinado de dona Maria 1 (17 77 -18 08 ), quando o mi nistro da Marinha e Ultramar d. Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812) projetou uma política voltada á v alorizaçã o dos pro dutos naturais da A mé rica portuguesa e às pesquisas em história natural, já era patente o interesse da Coroa pelas plantas que tivessem utilidade médica. O incentivo às obras que descrevessem o quadro das doenças e, em especial, a flora e a fauna de valor medicinal estava já expresso no édito de Filipe n, de 1570, no período da Uni ão Ibérica. Nesse documento, o rei nomeava emissários para se informar sobre a experiência dos nativos sobre o uso, a faculdade e a quantidade de medicamentos, W ISSE NB AC H, Mari a Cristina Cortez.
e simplices da terra: reconhecendo o quanto de beneficio será para este e aqueles reinos a Gomes Ferreira os noticia, comunicação e comércio de alguma planta (sic), ervas, sementes e experiências dos cirurgiões no Brasil-Colónia. In: Erário mineral (org. Júnia Ferreira outras cousas medicinais que possam conduzir à cura e saúde dos corpos Furtado), Belo Horizonte: Fundação João humanos, temos resolvido enviar, algumas vezes, um ou muitos Pinheiro; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo
protomédicos gerais às provindas das índias c adjacentes.3
página a o lado : A imagem de Spix & Martius mostra negra com bócio, doença comum no período colonial, causada por carência de iodo.
acima : Segundo a tradição. Cosme e Damião. os santos padroeiros dos médicos e d os farmacêuticos, formam um exemplo da devoção cristã ao cuidado dos doentes.
Cr uz , 2002, pp. 1 12-3.
2 .) A mata é a botica dos índios
Ap esa r de não termos docum entos escritos pelos pró prio s índios, apenas os registros deixados pelos brancos, muitas vezes preconceituoso
s, o fato é que
portugueses, holandeses e franceses salientaram os conhecimentos indígenas sobre as ervas medicinais, aos quais freqücntemente recorreram. Anotava o jesuíta Sim ão de Vasconcelos , no século xvii, que “ em suas curas ri-se esta gente de medicamentos compostos; só nos simples dos campos têm sua confiança; e estes lhes ensinou a natureza, e o uso, como a arte dos melhores 4 VASC ON CEL OS , Simão de. Crônica da Companhia de Jesus,
médico s” .4Naq uelas sociedades sem esc rita, co m um nível rudimentar d e
Petrópolis: Vozes, 1977, ( i aed. 1663), apttdFrédéric Mauro, Nova história da expansão portuguesa. O Império LusoBrasileiro (1620-1750). Lisboa: Ed. Estampa, 1991, P- 271.
responsável pela sua cura compartilhavam os mesmos pressupostos e crenças
divisão do trabalho c hierarquização social, o enfermo e o indivíduo sobre a estrutura do corpo e suas funções na saúde ou na doença. Em seus esforços para sobreviver em um ambiente natural potencialmente hostil, aquelas sociedades de caçadores-coletores representavam seu mundo como dividido cm um domínio físico e outro espiritual, e adotavam certo número de técnicas para fazer face aos problemas relativos ao sofrimento humano. Essa medicina reunia aspectos mágicos e receitas empíricas, tal como o uso de amuletos, encantamento, mudanças dietéticas e preparados botânicos nem sempre inócuos. Mudanças no comportamento, como repouso e reclusão, eram complementadas com rezas, rituais c confissões. Doenças comuns eram tratadas de um modo puramente naturalístico. Doenças raras e de maior gravidade eram percebidas como grave ameaça à coesão social. Por isso, requeriam maiores e mais espetaculares esforços, envolvendo a manipulação de um domínio compreendido como sobrenatural, voltado à identificação da entidade ou espirito maligno que O tratamento nativo "A respeito das plantas oficinais, uma existe de nome petun, que apresenta a forma da azedeira, um pouco mais alta e de folhas parecidas com as da consolida. Erva de virtudes, os selvagens a colhem em pequenas porções, e a secam em casa. Depois tomam quatro ou cinco folhas que enrolam em forma de cartucho de
de solta de novo pelas ventas e opérculo dos lábios, os sustenta, de forma a lhes permitir passar sem alimentos três e quatro dias, coisa muito útil na guerra. Também o usam para fazer destilar os humores supérfluos do cérebro, e por isso não os vereis nunca sem o competentè cartucho de petun no pescoço." LÉRY, jean de.
especiaria; chegam fogo à ponta mais fina e pela outra sugam uma fumaça que, apesar
Rio de (ançiro: Companhia Editora Nacional, 1926. pp.139-40.
História de uma viagem à terra do Brasil.
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BRASIL COLONIAL
penetrara no corpo e devia ser expulso. Um reino geralmente invisível de forças e poderes era concebido para explicar certas enfermidades e aflições. Essas práticas ancestrais de cura eram sempre sagradas e holísticas, reunindo tratamentos que envolviam os indivíduos afetados c o grupo tribal ou parental ao qual pertenciam. Quand o uma doen ça era causada p or divindades sobren aturais , os pajés, líderes religiosos, desempenhavam papéis importantes no diagnóstico e tratamento de uma pessoa tida como sofrendo de um mal. Ao conhecimento das plantas somava-se, na medicina indígena, o uso da sangria, das fricções e massagens e o usó de substâncias quentes, secas ou úmidas. Embora empregassem remédios animais e minerais, os índios utilizavam amplamente asTplantas frescas. Co m o assinalou Von M artiu s, “ a mata é a sua farm ácia” .5
dermatose. Entre ind uramente naturalistico is consideradas mais am a manipulação de 1 ? ordem sobrenatural.
VO N M AR TIUS, Karl Eriedr. Naluresa, doenças, medicina e remédios dos índios brasileiros.Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1939 (1840), pp. 234-5.
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Com os seus saberes sobre a natureza, os índios indiearam aos colonizadores as novas plantas que poderiam servir para alimento e remédio. Como afirmou Sérgio Buarque dc Holanda, o conhecimento de quase todos 6 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e/ romeiras, São Paulo: Companhia das Leiras, I 99 5 >PP- 74 - 89 -
esses produtos foi apropriado pelos bandeirantes paulistas.6Jesuítas e bandeirantes foram, assim, os prim eiros gru pos que aprenderam o valor terapêutico de ervas indígenas. Com o avanço da colonização, médicos, mezinheiros, jesuítas, barbeiros sahgradores, cirurgiões e boticários incorporaram dos ameríndios o uso da “botica da nature za” : Da va-se a fruta do cajá aos doentes com febre. O sumo do caju era usado nas febres e fazia bem ao
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estômago. Da imbaúba, o óleo era cicatrizante e as folhas agiam como purgante, tal como a noz do andá. Com o mesmo fim, porém mais popular, era empregado o óleo de copaíba. A parreira-brava e o malvisco eram antipeçonhentos. No caso de chagas ou doenças de pele, a língua de vaca e o camará eram indicados. A casca e b suco da maçarand uba , as folhas do camará e os “ olhos” da salsaparrilha, eram usados para as boubas, mas tinham bons resultados para os corrimentos, diarréias c doenças venéreas. O ananás dissolvia as pedras, o Ingá teria virtude para o ligado, o maracujá, por ser fruta fria, era boa para as febres. A erva santa ou tabaco servia para os doentes de cabeça, estômago e asmáticos. O sumo matava os vermes tal como a erva de santa maria ou mastruço. A fruta do jenip apo e a ipecacu anha ou poaia eram excelentes mezinhas para deter as câmaras (diarréias). Esses remédios só lentamcnte foram se incorporando às boticas. Eram inicialmente remédios de pobres ou mesmo de desbravadores como os band eirantes paulista s e os mineradores, no contex to do ciclo do ouro na região das Gerais, que aprendiam com os carijós a localizar ervas e improvisar mezinhas. Como relatou, em 1735, o cirurgião Luís Gomes Ferreira, autor do famoso Erário mineral, 7 Apud DIAS, Maria Odila da Silva Dias. “ Sertões do Rio das Velhas e das Gerais: vida social numa frente de povoamento - 1710-1733” . In: FERRE IRA, Luis Gomes, Erário mineral ( Org. Júnia Ferreira Furtado). Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002. p. 53.
os homens bons preocupavam-se em conservar os matos próximos dos arraiais, onde muitos eram “vistos e experimentados cm raizes, ervas, plantas, árvores efrutos, por andarem pelos sertões anos e anos, não se curando de suas enfermidades, (sic) senão com as tais coisas e por terem muita comunicação com os carijós, de quem têm se alcançado coisas boas”.7 O naturalista Von Martius (1794-1868), que esteve no Brasil no período joanino e interessou-se vivamente pela medicina c terapêutica indígenas, comentou o efeito dc certas ervas frescas que um pajé empregou numa “úlcera maligna” no pé de um escravo negro de sua comitiva, “que se
: Na imagem de Chambcrlaín nota-se o método do emplastro aplicado à perna no negro que anda apoiado por um cajal. Trata-se de imagem rara que mostra um escravo machucado com curativo. acima
PÁCINA a o lado : A imagem de Hans Staden descreve a preparação e o uso do cauim. bebida feita a partir da fermentação de alimentos, de caráter entorpecente. Poucos métodos de cura dos indígenas foram incorporados às boticas da cidade.
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Animais que curam Nestas Minas há uns macacos a que chamam de barbados, outros lhe chamam bugios, e são uns que têm papo e são pretos pelo corpo, e pelo fio do lombo têm 0 seu cabel o a modo de ruivo e são conhecidos pelo nome de barbados, e pelo papo, de muita gente: destes, estando ainda vivos, se lhes tira aquela noz redonda a modo de bolazinha, que encaixa no quadril na cova onde joga a perna e há de ser 0 da perna esquerda: esta bolazinha, chamada por algumas pessoas "conta de macaco", (sic) se aperfeiçoa efura para trazer atada no braço esquerdo, de modo que toque na carne: è bastante para se acabarem as queixas de quem for perseguido de almorreimas; a mim me certificou um parente meu. amante da verdade, que só de trazer na algibeira uma conta das ditas acima que lhe deram por ele dizer que padecia suas queixas do tal achaque e a não atara no braço por não ter queixa naquela ocasião, mas que, correndo os tempos, nunca mais sentira moléstia alguma: c indo em uma ocasião à dita algibeira, dera nela com a tal conta efeara na certeza de que estava livre das graves moléstias (...) Erário mineral.
FERREIRA. Lufs Comes (org. Júnia Ferreira Furtado). Erário mineral. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro: Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2002
achava inválido há meses, e havia resistido a muitos med icamen tos” . Alex and re Rodrig ues Ferreira (1 7 5 6 -1 8 15 ), em sua Viagem filosófica, recolhia e descrevia tudo o que achasse interessante sobre a natureza do Brasil; desenhou e nomeou diversas plantas, e freiVeloso (1742—1811), com o mesmo propósito, escrevia:
Não há vegetal algum que não mereça ocupar a atenção de um verdadeiro sábio; nenhum há, por mais desprezível que pareça, de que se não possa esperar alguma utilidade. Eles são estimáveis por suas virtudes medicinais e requerem um particular estudo de todos os que se destinem ao curativo dos enfermos; eles fazem que não haja terreno algum que se possa verdadeiramente chamar estéril, ou incapaz de se aproveitar; fornecem uma grande parte dos nossos alimentos, servem-nos em infinitos usos econômicos e merecem por conseguinte de ser estudados relativamente à agricultura e comércio. Bernar dino Antôni o G omes (176 8-18 23), notável médic o português, residente na Bahia, aprovou o emprego de emplastros de mastruço no tratamento de hérnias.8
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Phil., op.cit.p. 234.
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Calundus e curandeiros africanos Apesar de todo o controle e submissão cultural impostos pelas leis c exercidos pelas autoridades civis e eclesiásticas contra suas crenças e ritos, era talvez na área das curas que as tradições das diversas etnias negras se mantinham com maior intensidade, sobretudo quando se tratava de curar outros negros. Entre os brancos das camadas populares, gozavam os curandeiros negros de grande prestígio, os quais eram procurados sem hesitação. Qsjxmédios das boticas disputavam com ([benzeduras. relíquias e amuletos. A angolana Luzia PintE muito conhecida na freguesia de Sabará no início do século xviii, era bem-sucedida como “calunduzeira, curandeira e adivinheira”. Isso significa que, além de oficiar cultos religiosos, ela sabia preparar tisanas, cataplasmas c ungüentos que aliviavam as dores e curavam doenças, usando como recursos ervas e encantamentos. No Maranhão, um escravo foi chamado para curar a mulher de um barqueiro que se encontrava muito doente. O Diabo foi vencido por meio de ' i. •• invocações em língua natal e português, além do uso de poções com água, ervas e uma pedra que se achava na cabeça de um peixe. Na região mineradora, alguns escravos foram denunciados à Inquisição por praticar a feitiçaria. Um deles tirava ossos e outras drogas dos corpos daqueles a quem curava, chupando-os pela boca. Os brancos atribuíam aos africanos grande conhecimento dos venenos c seus antidotos. Também sabiam curar distúrbios mentais e espirituais. No interior
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da Bahia, o Santo Oficio identificou um senhor que pagou caro por duas escravas curandeiras: com elas montou uma espécie de clínica, onde se praticavam vários tipos de cura. Uma das formas de aculturar o escravo consistia em enquadrá-lo na religião vigente, por meio dos sacramentos do batismo, casamento e extrema-unção. Por intermédio das irmandades, como a de Nossa Senhora do Rosário, puderam os negros recriar suas crenças e tingir o culto aos santos católicos de significados profanos emprestados dos calundus. Çqm a incorporação das culturas ioruba, nagô, daometana, jeje, mina, malê e banto no meio urbano e rural da Colônia, as práticas mágicas e certas noções de doença e cura encontraram fácil assimilação no repertório sobrenatural popular de srcem lusitana. É preciso ter em mente que a população de srcem africana que alcançara grande concentração em torno do Brasil açucareiro, no século xvn, atingiu o máximo de intensidade por voltr de 1750, com a expansão do Rio de Janeiro e o povoamento das Minas, graçaí
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à mineração. Personagem fundamental na perpetuação de tradições terapêuticas africanas, o barbeiro, geralmente mulato ou negro, escravo ou livre, munia-se de uma trouxa ou pequeno baú onde acondicionava os apetrechos indispensáveis ao seu mister: navalha, pente, tesoura, lanceta, ventosa de chifre, sanguessuga s, ungüentos, sabão e bacia de eobre. A influência dos cura ndeiros perante a p opu lação se estendeu a ponto de o fisico-mor do Reino, numa provisão de 1744, ter proibido aos boticários aviar suas receitas, ordenando que seus delegados no Brasil fiscalizassem periodicamente essa prática. A relação dos boticários com os remédios da terra não era, porém, das melhores. Em 1796, o vice-rei, conde de Resen de enviou às autoridades metropolitanas uma carta na qual reclamava dos boticários, afirmando que, embora
houvesse nesta terra infinidade de ervas e raizes conhecidas pelo mesmo nome e atributos das que mandam vir de fora, des são os primeiros em desacreditá-las, não porque assim seja, como todos persuadem, mas porque acham grande conta em faze r misteriosa a sua ocupação, c muito maior em reputar a vinda de ervas importadas, que ver-se-iam obrigados MARQUES, Vera Regina Beltrão. Natureza em boiões; medicinas e boticários no a vender por baixo preço, havendo outras do mesmo país, não deixando, Brasil setecentista. Campinas: Editora da porém, de as plantar, e comprar quase de graça, para as tornarem a Unicamp/ Centro de Memória-Unicamp, vender na estimação das que de fora lhe são remetidas ,9
PÁGINA AO LADO, ACIMA: Os africanos tinham grande conhecimento de venenos e seus antídotos e exerciam na colônia muitas vezes o papel de curandeiro, lançando mão de suas tradições, principalmente para curar outros negros. Na imagem, um escravo sofre de bouba.
PÁGINA AO LADO, ABAIXO:
Amuleto africano.
1999 ,
: Na rara imagem do século xvn vê-se um ritual de calundu. Através da religião e também dos ritos de cura, os negros mantinham vivas, do lado de cá do Atlântico, as crenças africanas. acima
P- 197-
3 .) As ordens religiosas A ASSISTÊNCIA MÉDICA COMO CARIDADE
i^utra poderosa tradição que atuou na conformação da cultura médica heteróclita que marcou o período colonial proveio do catolicismo português, por intermédio do clero regular e das ordens e confrarias religiosas. Como já observamos, não eram poucas as doenças e epidemias que atacavam os colonos e o restante da população indígena e negra. Varíola, disenteria, malária, febres tifóides e paratifóides, boubas, maculo (fístula anal), sífilis, lepra, elefantíase-dos-árabes (filariose) e opilação (ancilostomíase) eram as mais presentes. A imensa maioria dos doentes recebia tratamento em casa. Assim, os que caíam doentes e seus familiares mantinham o controle da situação, ao contrário do que aconteceria num hospital. Em suas casas, eles podiam decidir sobre o tipo de terapia que estariam dispostos a pagar e escolheroslivremente ostal vários tipos agentes Nãodeeram apenas pobres quedentre faziam opção; as de pessoas de terapêuticos. posse cuidavam suas
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doenças em casa, com médicos e cirurgiões, ou então com curiosos c curandeiros, ao passo que as ordens religiosas ou laicas tratavam de seus próprios irmãos. Os brancos pobres, a gente dc cor, escrava ou forra, soldados, marinheiros, forasteiros em geral, quando em estado dc indigência, recebiam assistência espiritual e médica nos hospitais da Ordem da Misericórdia. A Igreja católica era o sup orte da vida cultural da Colônia, e as ordens religiosas constituíam a ponta dc lança da Igreja na propagação da fé e da cultura cristãs, para as quais o bem-estar físico era secundário em face da salvação espiritual. Além do mais, a doença podia ser percebida alternadamente como uma expressão do pecado ou da graça divina. O corpo como o repositório
IMlho -ItflE I D E A S NCI.V !>KIJ> IIENIA l»NAMÍ‘ Omni/ E 1(00 K ? 60 TADll IA DE"; vr líh rSiT KÍNW .' DEVIDA roM AC iíIL ME A DEMEMCOÍ F. ÍVTUÍ.Klii / eleuit FJMV HVM/> MF-IV*l)t'Dn'„CEK)v! ALANIA r/.,«HX/NlVv \T(OA IW\ílio"' t 5TAKlCC05 /KC.l L K MlUlGRO?/- M *1 K5 CAPOV O/MORTE PH tuast/SP* SvW-TtANO «N hí * IIEI.HEUAH VÍÜA if f Í E R m . Hüi r 17 I V -
da alma imortal permaneceu como um legítimo objeto de cuidado. Os ensinamentos bíblicos e o exemplo de Jesus apontavam a devoção aos doentes como uma bênção divina, não restrita apenas a praticantes treinados. A fé cristã enfatizava que o cuidado e a cura deveriam ser uma vocação popular, um ato de humildad e consciente, portanto, um com ponente vital da caritas cristã. A evangelização e a catequese sistemáticas iniciaram-se em 1549 com a vinda do primeir o governador -geral, Tom é de Sousa (4503-79),e de um pequeno grupo de jesuítas. Nos finais do século xvi, foi a Botica de ordem religiosa O boticário será um religioso sacerdote de muita caridade e curiosidade, e que tenha alguma ciência da botica ou experiência dela. ao qual se dará religiosos, ou seculares que o ajudem; procurando sempre haver pessoa que saiba bem da botica pelo que importa à saúde dos religiosos, credito e bom serviço da botica, e assim deve estar o boticário presente à visita pela manhã, e tarde, para notar bem as mezinhas que se mandem dar a cada um, não sefiando nun ca na sua mem ória, pois é coisa de tanta importância a saúde dos enfermos, procurando sempre estar a botica muito provida
necessidades c enfermidades que sobrevivem aos religiosos, fazendo e m andando fazer as águas destiladas, xaropes, pílulas e mais compostos de que se usa, pedindo para isso ao Prelado quem o saiba bem fazer, quando em casa o não houver para tudo ser perfeito; e pedirá ao Prelado todo o açúcar necessário, que terá por rol para dele dar conta por inteiro. Não dará para fora Mezinha alguma sem licença do Prelado, excepto pós comuns, unguentos, e outras coisas semelhantes, de pouco porte, mas nunca xaropes, nem purga, sem o Prelado assinar as receitas do médico constando ser de pobres. Não comprará drogas, nem outras
dos simplices, e mais mezinhas necessárias às
mezinhas sem licença do Prelado, nem sem as
página a o lado : A força da influência do catolicismo português na cultura médica do período colonial fica expressa no uso dos ex-votos, em agradecimento è cura de enfermidade grave, como este dedicado à Nossa Senhora do Carmo.
: Ex-voto em nome de milagre do Bom Jesus do Matosinhos a Cipnano Ribeiro Dias. Em 1745, este doente sangrou pelo nariz durante horas seguidas c ficou curado milagrosamente com a fé. acima
ver quem disso bem entenda, assim para a bondade delas, como para o preço. Dc todos os simplices. c compostos da botica terá muito cuidado, para que não se corrompam, e quando houver d e faze r algum as coisas daquelas, que se costumam fazer de noite, dará conta sempre disso ao Prelado para que saiba a ocasião de sua falta e o que passa naquelas horas, e tempo, e procurará sempre assistir nessa oficina.
Códice existente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, intitulado Uzos das Ceremonias e Louváveis costumes do Ordem de Christo reformados no anno de rjoz.
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vez de os beneditinos, carm elitas e francisca nos se estabelecerem no Brasil. Além dos seminários e das pastorais, o trabalho caritativo, em especial o tratamento dos doentes, era parte essencial de suas ações. Q culto dos santos servia também de escude contra os perigos da vida ou proteção contratos demônios. Muitos eram invocados pela sua .qualidade de'curar. Nas procissões organizadas pelas confrarias, nas igrejas ou no refúgio do lar, orações e preces solicitavam a intervenção dos santos. £ada qual segundo sua especialidade. São Sebastião era invocado para proteger das epidemias. Santa I aicia, contra as dores dêllénies. Contra a peste e quebradura, santo Adrião. Contra possessões, santo Alberto. Santa Agueda, contra dores dos peitos e Santo Am aro , contra os acha ques das pernas e b raços. Santa Ana, contra a esterilidade e santo Anastácio, contra qualquer doença. Uma procissão diária nas cidades coloniais era a do viático levado aos moribundos e doentes. Um -sem-número de devotos compun ha o cortejo, entoando ladainhas. Todas as .igrejas repicavam sinos à sua passagem. Perante as dificuldades e precariedade da vida, a Igreja incentivou os fiéis brasileiros a agrupar-se em confrarias, formadas segundo categorias sociais, para encontrar soluções que abrissem as portas à salvação eterna. Refúgio na vida, segurança em face da morte, gosto da ostentação e exibição de uma posição social numa sociedade rigidamente estratificada, as confrarias foram também garantia de cuidados aos doentes e missas póstumas para o conforto da alma. A confraria mais antiga do Brasil era a da Misericórdia, que, inspirada nos compromissos corporais, realizava obras voltadas à alimentação dos presos e famintos, remia os cativos, curava os doentes, cobria os nus, dava repouso aos peregrinos e enterrava os mortos. Mantida por figurões de grande prestígio social, a ordem se beneficiava dos legados deixad os por seus associa dos e de eventuais recursos diretos da Coroa. Os quatro hospitais abertos no século
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terceiras de São Francisco e do Carmo voltavam-se ao acolhimento exclusivo dos confrades. Os hospitais da Santa Casa da Misericórdia, quase todos modestos e em permanente estado de penúria, assistiam a uma população de indigentes e moribundos, desde o século xvi, em quinze cidades brasileiras. Como a Misericórdia gastava menos com seus hospitais do que corr as festividades religiosas, a instituição vivia na pobreza. Isso pode ser estimado pelo exemplo da mais importante dentre as Santas Casas do século xvn, a da Bahia, onde, durante uma epidemia ocorrida em 1694, 180 doentes foram internados nas seguintes enfermarias: enfermaria das febres, dispondo de 16 catres com colchões rotos, 18 camas de esteira no chão, sem travesseiros,
À e squerda , acima : Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, inaugurada em 1582 pela mais antiga confraria do Brasil, era mantida por figurões de grande prestígio social e eventuais recursos da Coroa.
À es qu erda , abaixo : Pote de teriaga01 triaga. A triaga brasílica era um remédic composto de extratos, gomas, óleos e sais químicos extraídos de 78 tipos de plantas, e que se tornou objeto de cobiça no império português e a segunda maior fonte de renda da Companhia de Jesus no Brasil.
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sem colchão c com lençol; enfermaria de a/ougue, com seis catres para os que estavam em tratamento com unturas; enfermaria das chagas, com vinte catres e 23 camas de esteira no chão, sem travesseiro e sem colchão, com um lençol; enfermaria dos conva lescentes, com 18 catres c 24 camas de esteira no chão; enfermaria das mu lheres, com 17 catres com colchõ es velhos; enfermaria dos incuráveis, com vinte catres sem colchões.10A terapêutica se resumia a uma alimentação à base de canja de galinha, sangrias e purgas realizadas por barbeiros, sangradores e, quando em aperto financeiro, por escravos. Um médico e um cirurgião davam conta do trabalho,
i< RIBEIRO, Louri val. Medicina no lirasil colonial, Rio de Janeiro: Editora Sulamericana, 1971, pp. 40-1.
comparecendo pela manhã e à tarde.
As boticas dos jesuítas c a triaga brasílica A medicina em Portugal, nos séculos xn e xni, era exercida pelos eclesiásticos. Os jesuítas, ao chegarem no Brasil, mantiveram essa tradição de aliar a assistência espiritual e corporal ao trabalho de catequese. Além de receitar, sangrar, operar e partejar, criaram enfermarias e farmácias. Como as drogas de srcem européia e asiática eram raras e tinham um preço exorbitante, valeram-se dos recursos medicinais dos indígenas. Foi assim que a Euro pa conheceu as virtudes da quina, proveniente do Peru e da ipecacuanha, que também encontrou enorme sucesso. As boticas dos jesuítas eram, quase sempre, as únicas existentes em cidades ou vilas.Treze boticários jesuítas se instalaram no Brasil nos anos 1600 e outros trinta no século xvin. As farmácias dos conventos teriam contribuído para a penúria dos boticários •1 a laicos. A botica dos jesuítas do Rio de Janeiro, que funcionava no morro do Castelo, provia as boticas da cidade. A triaga brasílica, pro duzida na botica que os inacianos mantinham em Salvador, alcançou enorme prestígio em todo o Império português e era a segunda fonte de renda da Companhia de Jesus no Brasil. Tal como a
Fórmulas secretas No Arquivo da Companhia de Jesus, em Roma, há um documento que já no prólogo revela a consciência que os jesuítas possuíam do valor simbólico dos remédios secretos. Ami go e c aríssim o leitor, não fi z esta Cole ção de Receitas particulares de nossa Boticas, senão para que se não perdessem tão bons segredos, e estes não andassem espalhados por todas as
triaga optimado Colégio Romano, era um antídoto universal e uma panacéia para todos os males. Antes de entrar em decadência, no século xix, esse remédio, composto de extratos, gomas, óleos e sais químicos extraídos de 78 tipos diferentes de plantas encontradas nas mais diferentes regiões do Império luso-brasileiro, foi objeto da cobiça das autoridades pombalinas. Durante o seqüestro dos bens dos jesuítas da Bahia, em 1760, o desembargador responsável afirmou que haveria na cidade quem desse três ou quatro mil cruzados por ela. Se a história da medicina colonial, e da sua farmácia em particular, não pode ser contada sem referência às religiões indígenas e africanas e às instituições católicas, é na cultura médica européia, em especial na longa uadição legada pela medicina hipocrática c galênica, que devemos encontrar
mãos; poisseja bemdesabes, que revelados estes, ainda que uma Botica para outra, perdem toda a estimação: e que pelo contrário 0 mesmo é estar em segredo qualquer Receita experimentada, que faze rem dela todos um gran de apreço, e esti ma com fa m a, e lucro considerável da Botica a que pertence. Pelo que peço-te, que sejas muito acautelado e escrupuloso em não revelar algum destes segredos: pois em consciência se não pode fazer, advertindo que são cousas estas da Religião, e não tuas. Manuscrito Coleção de várias receitas particulares das principais boticas da nossa
seu lastro principal.
1766, apud Lourival Ribeiro, op. cit., pp. 174-5.
Companhia de Portugal, da India, de Macau, e do Brasil... de autor desconhecido, datado de
Sob o império de Galeno AS D O E N Ç A S N A T R AD IÇAO
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Galeno (130-20 0 d .C.) foi, juntamen te com Hipócrates (460-? a
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figura da medicina antiga. Sua imensa obra exerceu uma influência considerável até o século xvu, tanto no mundo árabe quando no Ocidente cristão. De acordo com a tradição hipocrático-galênica, transformada em dogma pelo ensino escolástico professado nas universidades medievais des o século xiii, o corpo humanoseria constituído por sangue, pituíta, bile amarela tTbile negra. Existiria saúde quando esses princípios estivessem en justa relação de equilibrio (cra se), de força e de quan tidade, em perfeita mistura. Existiria a doença quando um desses princípios estivesse, seja em menor quantidade, seja em excesso, ou, isolando-se no corpo por uma esp de obstrução, não se combinasse harmonicamente com o resto. Eis o grande princípio hipócrático que os jovens doutores cm medicina, formados nas universidades européias, deviam ter em mente enquanto examinavam seus doentes. As doenças seriam causadas por falta (caquexia), excesso (pletora) ou corrupção de um ou mais humores. 'Tratava-se, então, de restaurar o déficit ou, ao contrário, suprimir o excedi podiam taml Mas convinha, antes, evacuar os maus humores. Os humor se desviar, sendo fundamental repô-los em seus caminhos. A febremão seria nem um sintoma nem uma doença em si, mas a expressão do esforço curativo da natureza
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do coração, o calor atuaria no cozimento dos humores corrompidos. A capacidade de discriminar entre os diferentes tipos de febre e atuar no mon certo em auxílio da natureza distinguiriam o talento dos médicos. Em caso 1 febre maligna ou pestilencial, o que compreendia a varíola, a rubéola, a púrj c a peste - todas causadas por humores corrom pidos que exalavam um f ort odor -, impunha-se, além do recurso das ventosas e vesicatórios, o emprege principais drogas: a triaga, o mitridato ou a pedra de bezoar. A varíola, com peste, matava no estado endêmico. O médico nada podia contra esses ílagel O melhor era deixar a natureza fazer o seu trabalho. Suas sangrias, purgas t clisteres apenas faziam agravar o estado de saúde do enfermo.
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O cérebro também tinha suas doenças. O resfriado, considerado afecção cerebral, devia-se ao excesso de frio ou de calor. O médico usava ci a coriza toda uma estratégia. Primeiramente era preciso retirar toda a pituít com a ajuda de poções e pílulas doces. Isso feito, usavam-se os purgativos.! igualmente recomendável o uso de purgantes, seguidos de ventosas, vesicat
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página a o lado : Muito valorizada como remédio contra infecções da pele e tida como excelente vomitório, a pedra de bezoar era encontrada no estômago de alguns animais, como a cabra.
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: Em algumas cidades européias, drogas trazidas do Oriente ou da América eram acumuladas em lojas que armazenavam grandes provisões. Estas boticas abasteciam outras, menores acima
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e cautérios sobre os ombros, atrás das orelhas e no pescoço Nada impedia que se empregasse, também, um esternutatório (remédio que provo cava espirros). Aconselhava-se, outras vezes, tosar a cabeça para aplicação
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de opiato (medicamento composto por extrato de plantas, em que entrava o ópio) sob a forma de emplastro. Para dores de cabeça empregava-se esteva (planta comum em todo o território português) cozida em cinzas quentes. A paralisia cedia friccionando-se o membro paralisado corr o famoso óleo de petits chiens. _Ajrte lancol ia, causada pelo excesso de bile negra, dividia-se em três tipos de acordo com Galeno, çlépendendo da região do corpo onde ocorresse concentração dé atrabile. Por toda parte se podia encontrar a melancolia do amor, comum às jovens viúvas, que podia ágrávar-sc até a mania uterina. Os vomitórios energéticos podiam ser
empregados. o melhor essas que infortunadas encontrar um novo marido: “TJmMas marido é um para emplastro cura todosseria os males das jovens”, dizia um provérbio da época. A gota, reconhecida por quatro sinais - dor, calor, tumor, rubor -, devia-se sempre aos excessos, mas também à ociosidade. Purgas, sangrias e clisteres, sem dúvida. Aconselhavam-se também o leite ainda morno das mulheres e o excremento da vaca, igualmente quente. Algumas águas minerais. Para os males dos pulmões que não apresentassem muita gravidade, usava-se a julepa (preparação líquida ou engomada, açucarada e aromatizada) e xaropes - sobretudo nas bronquites. As p leurisias exigiam medicamentos ainda mais estranhos. Sangue de bode, por exemplo, ou fuligem de ervas e . sangria. Para a tísica, reconh ecida pelo “ humo r acre, aflitivo, corrom pido e apodrecido dentro dos pulmões”, estava-se desarmado. Quanto ao coração, essa víscera nobre, cabia-lhe o comando de tode o sistema humoral. Esse personagem não devia ser incomodado. Bastava, às vezes, um medo, uma alegria, um remorso e ele suspendia seus batimentos. Perdia seu espírito vital e eis a síncope! Era difícil saber o que esse desconhecido queria ou rejeitava. Que medicações lhe oferecer senão julepas calmantes ou tisanas estimulantes segundo o caso. Conheciam-sc melhor o estômago e os intestinos. Nesse domínio triunfavam, evidentemente, as purgas e os clisteres, dosados e compostos de acordo com a necessidade de resfriar, aquecer, umedecer ou ressecar. Sendo a digestão assimilada como uma cocção, na tradição hipocrático-galênica, a açãc terapêutica consistia então em auxiliar ou melhorar esse cozimento por meio de uma verdadeira cozinha farmacêutica em que entrava toda sorte de condimentos. A arte consistia em variar os condimentos segundo o diagnóstico aferido por meio do tipo de indisposição estomacal e intestinal.
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Nos casos em que dores estomacais eram seguidas por vômitos com sangue, anunciados pelas “cóleras úmidas”, acalmava-se a dor com extrato de opiatos, As “ cóleras seca s” , assinaladas pelas flatulências, eram tratadas com a ajuda de extratos de cochonilha. O intestino era menos secreto. O exame das fezes, de visu et odoram,permitia um diagnóstico mais seguro, pois se determinava mais facilmente o humor em causa.
Teorias médicas Iatroquimica
Doutrina médica srcinada da alquimia
Paracelso (1493-1541) foi contemporâneo de Copérnico, Martinho Lutero, Leonardo da Vinci e outras figuras associadas com a crítica ao pensamento medieval e o nascimento do mundo moderno. Seguindo a tradição hermética, ele propunha est udar o homem - o microcosmo - por meio do estudo do macrocosmo, já que o primeiro era a perfeita representação do segundo. Alguns médicos entenderam que ali estava uma nova chave para o seu trabalho. O apelo a novas observações foi entendido como um ato dc devoção. 0
cristão não deveria mais se limitar a estudar as Sagradas Escrituras, mas
também 0 livro da natureza , repleto de revelações divinas. Na tradição alquímica, o trabalho de purificação dos metais era entendido como uma ajuda à natureza no seu processo natural de aperfeiçoamento. Transposto para o plano do microcosmo (o homem), o trabalho do médico seria o de recuperar a saúde, buscando substâncias medicinais existentes na natureza que agiriam por simpatiasobre os órgãos e humores afetados. Paracelso, que queimou em praça pública os livros de Galeno, rejeitava os humores e em seu lugar pôs três novos
página a o lado , acima : Farmacêutico da Basilea macera ervas. Esta era a etapa inicia l do processo de produção de muitos remédios. Aqui, o desenvolvimento de artefatos mecânicos se combinava muitas vezes com métodos mais tradicionais.
a o lado . ABAIXO: Pintura a óleo representando a figura de Hipocrates .
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n o alto : Paracelso propôs o estudo do macrocosmo como forma de entender o homem (microcosmo). Grande defensor dos remédios minerais e metálicos, sua nova leitura da medicina influenciou diversos médicos da época.
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elementos: o enxofre, o mercúrio e o sal. Cada doença teria uma terapêutica especifica. ParaVan Helmont (1577-1644), seu seguidor, os processos químicos seriam dirigidos por um espirito denominado blas, equivalente ao archeus de Paracelso. Para essa e outras vertentes da iatroquímica, os estados patológicos deveriam ser tratados quimicamente, valorizando os remédios químicos. Podemos citar: o tártaro sódico potássico (sal de Rochelle), com propriedades laxantes; o sulfato sódico e o sulfato de amónio; o sulfato de potássio (sal policrcsto); o sulfato de magnésio; o carbonato de magnésio (pós do conde de Palma). Os iatroquímicos encontraram rápida acolhida entre os práticos sem diplomas. Nos tempos em que o teatro de Molicre ridicularizava os médicos hipocráticos, cresceu fortemente seu prestígio nas cortes inglesa e francesa, entre reis, nobres e burgueses, a despeito da forte oposição da Faculdade de Medicina de Paris e do Real Colégio Médico de Londres.
Iatromecànica ou iatrofisica - O organismo equiparado a uma máquina A revoluçã o científica do século xvn não se limitou a acrescentar novos fenômenos ainda nã o observados - mudou o quadro do pensamento. O Universo seria, então, concebido como o modelo do relógio, em que as partes que compõem o todo estão submetidas às mesmas leis do movimento. Tal noção pressupõe a concepção de uma matéria-puramente passiva c composta de corpúsculos submetidos apenas às leis do movimento. A física das qualidades cede lugar a uma visão puramente quantitativa da matéria, e a explicação dos fenômenos físicos fica restrita à causa eficiente. A natureza seria submetida às mesmas leis, uniformes. Na França, Descartes (1596-1650) denunciava a ineficácia da medicina contemporânea, propondo um conhecimento causal do corpo com base em princípios mecanicistas. Excluiu os princípios ou faculdades (vegetativa, sensitiva, motora) e passou a explicai-mecanicamente todas as funções do corpo. Ele acreditava na possibilidade de eliminar todas as doenças do corpo e da mente e até as enfermidades da idade, investigando-se suas causas mecânicas. Tal concepção favorecia as pesquisas anatômicas. Posto que tudo era feito de formas geométricas e movimentos, tornou-se essencial conhecer a forma dos órgãos, e os,anatomistas se maravilhavam de reconhecer a cada instante no corpo humano algumas dessas máquinas semelhantes às que os homens fabricavam. Para Boerhaave (1668-1738), o mais prestigioso dos iatromecânicos, o organismo seri a formado por “ apoios, colunas, trave s, vigas, bastões, -tegumentos, ângulos, alavancas, roldanas, cordas, lagares [tanques para espremer sucos], fole s, peneira s, filtros, canais, reservatórios” .T ud o se faz mecanicamente nos corpos vivos, e a fisiologia, utilizando e ultrapassando as descobertas anatômicas, percebe na digestão um fenômeno de trituração, e na secreção glandular, a peneiração de partículas. Mesmo quando a fisiologia faz apelo à química, ela permanece mecânica, posto que interpreta os fenômenos químicos como conseqüência do mecanismo dos corpúsculos.
À es quer da , acima : Na segunda metade do século xvm, surgiu a homeopatia, um sistema terapêutico de inspiração vitalista criado por Samuel Hahnemann.
À es quer da , abaixo : O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, cm sua “viajem Filosófica” à américa Portuguesa do século xvm, registra uma índia inalando paricá, num ritual.
PÁciNA a o lado : Um laboratório moderno: nesta cena vemos o avanço da divisão de trabalho no processo de produção de remédios na Europa Moderna. Enquanto o mestre se atém à receita da farmacopéia, ajudantes e aprendizes utilizam diferentes técnicas.
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A partir do século xvni, à exceção tios alquim istas, cada vez mais raros, dos sábios galênicos, ainda influentes, e de alguns precursores do vitalismo, a hegemo nia era dos adep tos do mecanicism o.
Vitalismo— Principio vital distinto das forças fisico-quitnicas Georg Ernest Stahl ( 16 6 o -1 734), químico e professor d e medicina, propôs . que os fenômenos da vida seriam irredutíveis às leis da física. Para ele haveria lim princípio vital que explicaria os fenômenos orgânicos —o anima seria responsável por todas as funções vitais. Além de defender uma fisiologia vitalista, cr iou a influente teoria do flogísticq para explicar a combustã o, combatida posteriormente por Lavoisier (1743-94). Na segunda metade do século xvm, surgiu a homeopatia, um sistema terapêu tico de inspiraçã o vitalista, criado por Sam uel Hahnem ann . (1755-1843), que ainda goza de amplo prestígio em muitos países. Para "Hahnemann, toda substância que srcinasse no organismo sinais semelhantes aos sintomas de uma doença era suscetível de curá-la. Trata-se de antiga concepção herm ética, já presente em Paracelso: a cura pelo semelhante - _ similia siinilibtts curantnr.A idéia de que o tratamento se alcançaria pela administração de doses ínfimas de substâncias que, de outro modo,
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causariam os sintomas patológicos, torno
u-sc a base de sua terapêutica.
Assim , se a qüina (chinchona) - rem édio usa do contra algumas febres provocava sintomas das doenças contra as quais.agia, ela teria, comprovadamente, propriedades terapêuticas.
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A superação da medicina humoral e as inovações terapêuticas Durante o período da chamada revolução científica, em que se destacam os avanços na astronomia, na física e nas ciências naturais, a medicina também conheceu grandes inovaç ões teórica s e práticas. André Vesálio (1 51 4- 64 ), em seu excelente livro De hmnani corporis fabrica, de 1543, deplorava a separação entre a cirurgia - na época uma tradição artesanal —e a medic ina. Vesálio teria descoberto mais de duzentos erros nos escritos de Galeno. Em seu De moto cordis et sanguinis(1628), Willam Harvey (1 57 8- 16 57 ) descreveu a circulação sanguínea. Seria de esperar que o sucesso dessa e outras descobertas associadas às novas correntes do pensamento médico, como a iatroquímica, a iatrofisica e o vitalismo, acarretassem um colapso no sistema galênico de terapêutica, que era intimamente ligado à'fisiologia humoral, mas isso não aconteceu. O sistema galênico de terapêutica, em razão de seu sucesso prático no tratamento das doenças (é preciso ter em mente que vinha proporcionando uma boa vida aos clínicos havia séculos), sofreu seu maior revés com a introdução dos remédios de srcem química. Numa época em que todos os remédios eram símplices, isto é, derivados de plantas, o rebelde Paracelso (1493-1541) foi um defensor dos remédios minerais e metálicos, pregando a doutrina dos remédios específicos para cada doença - o mercúrio tornou -se um espe cífico para a síf ilis ou mal gálico. Sydenham (1624-89), o chamado Hipócrates inglês, também defendia a idéia dc que toda doença teria seu medicamento específico. Com a descoberta do Novo Mund o, uma droga util izada pelos ind ios, a cinchona também conhec ida como casca peruana ou casca dos jesuítas - foi incorporada à terapêutica médica como antídoto para as maleitas. No século xv
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o reverendo Edmund Stone anunciou a casca do salgueiro como um
poderoso febrífugo (remédio contra a febre), o que foi um primeiro passo no caminho para a aspirina. A exceçã o de algumas droga s, os med icam entos que os doutores de Coimbra usavam não se distinguiam muito da farmacopeia galênica, ainda que eles possuíssem um punhado de específicos e tópicos. Aos médicos não faltavam respostas para os diferentes casos que se apresentavam no curso de suas consultas. Convém lembrar que na medicina humoral não se esperava que as drogas desempenhassem um papel decisivo na cura. O que se esperava de uma boa droga não era tanto que curasse diretamente uma doença, mas
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lr>aotrmnGíxntiaucrniqôtürt trípr auqim mrnrmítiif ííif inhnim mcDMft lünttttlö que, por meio de sua ação ou faculdade vomitiva, purgativa ou sudorífera, ajudasse a natureza a restaurar o equilíbrio entre os humores. Entretanto, com a fixação de químicos e destiladores provenientes do estrangeiro que comercializavam medicamentos químicos e, principalmente, com a publicação da farmacopeia elaborada pelo médico João Curvo Semedo (1635-1719), Polianteia medicinal (1695) - tornado uma espécie de evang elho dos médicos portugueses a comu nidad e médica incor porou a nova terapêutica. Outra obra influente, a Pharmacopeia ulyssiponense, escrita p elo fran cês Jean Vigier (1662-1723), comerciante de drogas estabelecido em Portugal, foi a primeira farmacopéia escrita em português a tratar organizadamente a preparação de medicamentos químicos." Com a inclusão das obras de Paracelso no Index, a Inquisição portuguesa perseguiu os remédios alquimicos. Do ponto de vista doutrinal, a farmácia galênica se opunha às drogas secretas de ampla difusão, pois estas ignoravam as particularidades do paciente: sua constituição, seu temperamento, sua idade e seus hábitos alimentares e higiênicos. O físico galenista, tendo de escolher freqüentemente entre várias indicações terapêuticas, devia levar em conta não apenas a causa da doença, mas também todos os aspectos do paciente e de seu meio. Em Portugal, as medicinas (mezinhas) da farmácia galênica, caracterizada pela produção pelo boticário, mediante a receita do físico, e indicadas para determinado Uocnte, iam de encontro aos remédios secretos e às panacéias, vendidos em larga escala e consumidos como automedicação (água da Inglaterra, água celeste). Condenados pela Reforma pombalina do ensino médico, em 1772, os remédios secretos foram mais perseguidos a partir da criação da Junta do Protomedicato, em 1782.
página a o lado : André Vesálio apontou mais de duzentos erros contidos nos escritos de Galeno e deplorou em sua obraDc humani corporisfabrica (1543) a separação entre cirurgia e medicina.
: Para a latroquímica. cada órgão humano mantinha uma correspondência com um signo zodiacal. Isto explicava a preponderância dc certas doenças em determinadas estações. Para realizar sangrias era preciso reconhecer, em cada ponto, sua relação zodiacal. acima
1 1 As principais refe rencias à história da farmácia em Portugal foram extraídas de PITA, João Rui. História da farmácia, Coimbra: Minerva Editora, 2“ ed., 2000.
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5 .) As farmacopéias portuguesas H O S TRA TAD OS D E NAT UR ALI STA S, MÉDICOS E CIRU RGIÕ ES D O BRASIL C
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A medicina doméstica, com o a profissional, baseava-se, principalmente, em folhas, raízes, sementes ou cascas, denominados simples. As ervas eram moídas, maceradas e diluídas em infusões. Entre os antigos, Celso (séc ulo 1 d.C .), Dioscór ides (sécul o 1 d.C.) e Galeno (século 11, d.C.) compilaram receitas sobre ervas em tratados de matéria médica. Suas obras, muito apreciadas desde a Idade Média, divulgavam o emprego medicinal de substâncias aromáticas como o açafrão, além de óleos e ungüentos. A medicina árabe acrescentou novos preparados de srcem persa, indiana e oriental. Dentre as drogas desconhecidas pelos autores gregos que foram absorvidas pela medicina medieval destacam-se a cânfora, a cássia, a sena, a noz-moscada, o tamarindo, a canela e o cravo. O impulso humanista para a observação direta, valorizando a experiência individual com o forma de conferir a autenticidade de textos antigos, teve sua expressão mais impressionante na história natural do século xvi. Nesse dominio do conhecimento, entendia-se que as cópias dos textos anteriormente referidos tinham um caráter duvidoso. Admitindo-se que as formas das
12 SHAPIN, Steven. /) revolução cientifica.Lisboa: Difel, 1999.
plantas e animais não se alteraram ao longo do tempo, a observação podia ajudar a decidir quais haviam sido, na verdade, as descrições srcinais. Dessa forma, os autores humanistas seguiam as recomendações prescritas pelos antigos. Galeno recomendara aos praticantes da medicina que se tornassem especialistas em toda a matéria médica, examinando pessoalmente a ação terapêutica dos remédios. Tendo realizado a observação direta, médicos, boticários e cirurgiões aproxim avam -se de suas fontes antigas mais bem preparados.1 2A busca pelo realismo em ilustrações botânicas, em oposição ao significado alegórico e função decorativa, reforçava a mensagem, explícita nos textos, de que a experiência pessoal era um guia mais confiável que a autoridade. Outro impulso em direção ao “livro da natureza” veio das tradições hermética de e alquímica Subjacente a essas crenças havia a e convicção que todasjáasmencionadas. criaturas tinham uma infinidade de significados
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pÁciNA a o lado : Na imagem, vé-se a preparação de uma teriaga.
Esta panacéia universal contra todos os venenos e diversos males era elaborada por boticários sob supervisão médica.
: A aplicação de clisteres era usual na terapêutica galèmca. Nesta imagem, que integra o conjunto de painéis de azulejos oitocentistas da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, percebe-se a ambiguidade de intenções dos personagens. acima
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incontáveis conexões de simpatia c antipatia com outras coisas, fossem animais, plantas, corpos celestes, números ou artefatos humanos, como amuletos e moedas. Isso explicava a ação curativa de certas plantas. Aqui a história natural era vista como um meio de exibir as maravilhosas sabedorias, I HENRY, John. A revolução cientifica.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
arte e benevolência do Criador.13 A de scrição de espécies botânica s eng endro u uma vasta rede de cooperação internacional. No Novo Mundo, médicos, farmacêuticos,
I -I Sobre a farmácia nos períodos do barroco, do iluminismo e do romantismo, servimo-nos de P ITA , João Rui, op. cit.
botânicos, diplom atas, viajantes, com ertian tcs c cléri gos foram em busca de ouro e prata, mas também de novas drogas. A matéria médica já tinha os novos produtos exóticos vindos da índia. Garcia da Orta (1501 -68), autor do
-Colóquio dos simples e drogas c cousas medicinais da índia, editado em Goa, em 1563, era fiel ao espírito da tradição renascentista. Ao contradizer os antigos e manifestar sua predileção pelos árabes, ele afirmava ter sido testemunha direta de tudo o que relata, ao contrário de Galeno, que se utilizava muitas vezes de informações de segunda mão. Escrito em português, cada um dos 58 colóquios, ou partes em que se divide sua obra, se dedica a uma ou mais drogas, partindo de uma apresentação etimológica, antes de passar à sua aparência, srcens, preparação e uso terapêutico. Dentre suas descrições encontram-se as da cânfora, da palma, do sândalo, da assa-fétida, do gengibre e da babosa ( aloe vera).Como continuação ao trabalho de Orta, deve-se mencionar o de Cristóvão da Costa, com seu tratado sobre as drogas orientais. Tratado de las drogas e medicinas de las índias Orientais (1568). A prioridade na descrição de vários simples da América coube aos portugueses. Basta citarmos os viajantes Pero de Magalhães Gandavo (?-i57ó), Gabriel Soares de Sousa, autor do famoso Tratado descritivo do Brasil, os missionários José de Anchieta ( I 5 3 4 - 97 ) e Fernão Cardim (1549-1625), que dão notícias sobre doenças, árvores e ervas medicinais do Brasil.Todos participam do mesmo influxo cultural. Com exceção da obra dos físicos holandeses vindos com Maurício de Nass au (160 4-75), Guilh erme Pi so (1611 -78) e George Marcgraf (1611-48),
História natural e médica da índia Ocidental, os primeiros tratados
Transformações no século da Razão No século da Razão, cuja obra mais famosa, a Enciclopédia de Diderot e D'Alembert, louva as ciências e a técnica, dois campos do saber sofreram profundas transformações com implicações diretas para a arte farmacêutica: a história natural e a química. Cari Lineu (1707-78), em Systema naturae (1735), apresentou uma classificação binominal baseada nos órgãos reprodutores de animais ou vegetais, que tornou possível organizar um catálogo coerente do gigantesco inventário de ambos os reinos. No campo da
novo conceito de elemento químico, ajudaria a enterrar a milenar teoria dos quatro elementos fundamentais da natureza: terra, fogo, água e ar. Como salienta o historiador joão Rui Pita,Mum momento crucial de toda essa revolução foi quando Cavendish (1731-1810) combinou o “ar inflamável" com o “ar desflogisticado” para obter água. Após se debruçar sobre o problema da combustão e apresentar o oxigênio, como elemento fundamental nas reações de combustão, afastando a teoria do flogisto, Lavoisier abriu espaço para a revisão de toda a
química, Lavoisier (1743-94) é o nome mais notável de toda uma geração que, ao criar o
nomenclatura química. Com Fourcroy (1755-1809) e Bertholet (1748-1822), as
acima : Cari Lineu criou a base de classificação binomial usada ainda hoje na sistemática.
denominações antigas, como o “ácido vitriólico" e as "flores de zinco", se transformaram em ácido sulfúrico e óxido de zinco sublimado, respectivamente. No final do século xviu e no seguinte, a nova nomenclatura química freqüentaria todo o saber farmacológico. Contudo, os trabalhos químicos não seriam, inicialmente, tão animadores, já que não dariam respostas mais adequadas que aquelas alcançadas pela farmácia galênica. O isolamento de princípios ativos a partir de drogas vegetais começa no início do Oitocentos.
PÁGINA AO LADO, AChMA: Em SCU
PÁGINA AO LADO, ABAIXO: Em I772,
Erário mineral, publicado cm 1735,
Marquês de Pombal promoveu importantes reformas na Universidade de Coimbra.
o cirurgião português Luis Comes Ferreira faz um relato de 35 anos de experiência terapêutica na região das Minas, sintetizando os saberes erudito e popular.
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médicos em língua vernácula sobre as patologias que afligiam os habitantes locais datam dc fins do século xvn e início do xvin. Simão Pinheiro Mourão, médico c cristão-novo, escreveu o Tratado único das bexigas e do sarampo '(t 68J) . João Ferreira da Ro sa de screveu uma epid emia de febre amarela - a qual denominou bex igas - no Tratado único da constituição pestilencial de Pernambuco (1794). Miguel Dias Pimenta, cirurgião e mascate, estudou uma patologia então muito disseminada e hoje desaparecida, o maculo ou mal dei culo, na obra Noticia do que ê o achaque do bicho (1707). Os boticários compulsaram, no Brasil colonial, além de um grande número de transcrições manuscritas de receituários diversos, a obra impressa de Garcia da Orta e as já referidas Polianteia medicinal c Farmacopeia Ulissiponense,galênica e química. Outras farmacopéias importantes, antes da v .
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Reforma pombalina, foram a Farmacopeia lusitana (1704), do cônego Don Caetano de Santo Antônio, que teve outras três edições, ainda no século xvni, e a farmacopéia Tubalense quimico-galência(1736), do boticário Manuel Rodrigues Coelho (1687-?). No século xvni, o verdadeiro século das farmacopéias, o cirurgião português Luís Gomes Ferreira participou da grande corrente migratória que se dirigiu às Minas. Em sua obra, Erário mineral, publicada em 1735, reúne, num estilo muito próximo ao de Curvo Semedo, o relato de todos os segredos dc sua longa experiência terapêutica dc quase 35 anos, em que aparece vivamente uma síntese dos saberes popular e erudito. Em todas essas farmacopéias encontramos inúmeras fórmulas medicamentosas, mais ou menos mágicas: pós de múmia, pós de víbora, pedra de bezoar (concreção extraída do estômago de certos animais), raspadura de unicórnio, triaga de esmeraldas. Todos tidos como poderosos remédios que
O uso das galinhas no tratamento de doenças O Marquez de Pombal, do Conselho de Estado. Faço saber à Junto de Administração da
Real
Fazenda da Capitan ia do Rio de Janeiro que havendo assentado em conferência dc Médicos e Cirurgiões no Hospital Militar desta Corte na conformidade do que se achava determinado no Hospital Real desta Cidade a respeito do alimento que se deve ministrar aos Enfermos depois de ser conhecido por sérias reflexões e multiplicadas experiências e pela prática de todas as nações civilizadas, que 0 uso das Callin hos para aquelle feito era huma preocupação quimérica insubsistente e athé contraditório dos princípios cm que se fundava Pois que confessando-se que os enfermos e os febricitantes devião sustentar-se em mantimentos tênues e de digestam fácil se lhes ministrava na substancia mesma da g allinha 0 fomento da me sma febre. El Rei Meo Senhor 0 mandou etc. Lisboa. 19 de julh o de 1775.
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LUSITANA AUGMENTADA
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“obrão por virtudes c qualidades ocultas e que obrão por simpatia e antipatia”. Nas caixas de botica do viajante naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), em missão científica ao Brasil, incluía-se o sal de víboras. Isto é, já cm fins do século xviu se empregavam pós-viperinos obtidos cortando em pedaços m iúdos, corpos, corações, ligados de víboras, que
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depois eram secos e reduzidos a pó sutil. Delas contavam também olhos de caranguejo, almíscar oriental e triaga. No contexto da chamada ilustração portuguesa, reforçada com a chegada de d. José 1 (1 7 1 4 -7 7 ) ao trono c pela reforma da Universidade de Coimbra de 1772, promovida pelo marquês de Pombal (1699-1782), houve uma reviravolta na orientação dos estudos médicos em Portugal. O galenismo cede terreno à iatromecânica de Boerhaave c à influência do médico inglês Tliomas Sydenham, partidário do uso de ferro, quina, antimônio, mercúrio, açafrão, jalapa, assa-fétida, entre outro s purg antes e diuréticos. Em 1794, foi publicada a primeira farmacopéia oficial portuguesa, denominada Pharmacopcia geral para 0 reino e domínios de Portugal. Dona Maria 1a promulgou em alvará que tornava obrigatório haver um exemplar em cada
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botica ou drogaria. Seu autor, professor de matéria médica e farmácia Francisco Tavares (1750-1812), posteriormente físico-mor, redigiu várias obras científicas. Manuel Joaquim Henriques de Paiva (1752-1828), boticário, com carta desde 1770 e médico pela Universidade de Coimbra, em 1781, um dos maiores divulgadores da ciência moderna em Portugal, membro da Sociedade Literária do Rio de Janeiro, publicou a Farmacopéia lisbonense ou coleção dos símplices, preparações e composições mais eficazes, e de maior uso(1785). Outra obra do período foi publicada pelo mesmo
Henrique de Paiva, a partir das anotações deixadas pelo primeiro professor de matéria médica e farmácia da faculdade de medicina de Coimbra após a reforma, Francisco Leal (1744-86), denominava-se Instituições ou elementos de farmácia (1792). Bernardino Antôni o G omes (176 8-18 23) , médico e ci rurgião d a Armada Real, em barcou em Lisboa, para o Brasil, em 1797, onde perm aneceu durante quatro anos e meio. Destacou-se por suas atividades em diversos ramos da medicina. Em farmacologia pesquisou no domínio da química analítica da época. São exemplos de suas investigações: a ação da romeirabrava e de outras plantas verm ífugas e; a descoberta da cinchonina, o primeiro alcalóide extraído da casca da quina. Ele começou a dedicar-se ao estudo da botânica em sua primeira estada no Brasil, onde realizou observações terapêuticas sobre 16 espécies de plantas brasileiras. Desses estudos resultaram as memórias Sobre a ipecacuanha fusca do Brasil (1801), Sobre a canella do Rio de Janeiro(1798) e Sobre a virtude tenifuga da romeira.
página a o lado : Publicada antes da reforma pombalina, em 1704, a Farmacopéia lusitano teve grande importância na época, contando com outras três edições que seguem, da mesma forma, padrões das farmacopéias da época: reunião de fórmulas medicamentosas galênicas e químicas.
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: Um dos maiores divulgadores da ciência moderna em Portugal, o boticário e médico Manuel Joaquim Henriques Paiva publicou, no contexto da chamada ilustração portuguesa, a Farmacopéia lisbonense. em 1785. acima
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6 .) O cozinheiro do médico e sua botica
No contexto europeu, durante todo o período que compreend e o Império luso-brasile iro, médicos cirurgiões e boticários diplomados formavam uma ínfima proporção de uma vasta comunidade terapêutica. Ocupando formalmente o ápice da pirâmide profissional, as três categorias, além de concorrerem entre si, mantinham um pendor regulamentar e vigilante sobre as atividades dos curadores especialistas em doenças dos olhos, cálculos urinários, hérnias etc. No campo, onde os diplomados eram raríssimo s, padres, comerciantes de panacéias, herboristas, parteiras, magos, feiticeiras e charlatães agiarr com bastante liberdade: A autorid ade dos médico s dip lom ado s era ainda embrionária, geralmente os próprios pacientes ou terapeutas populares tentavam curar as doenças graves ou mesmo de resolver os problemas de caráter cirúrgico. Não se respeitava a hierarquia legal. Junto ao leito do paciente, parentes, amigos e curiosos não se incomodavam de criticar o médico, propor outro tratamento ou sugerir o nome de outro prático mais eficaz para o caso. As divergências sobre as srcens das doenças eram consideráveis. Deus, feiticeiros e astros contavam tanto quanto as causas naturais. Os remédios iam da oração à purga ou à sangria, passando pelos exorcismos, fórmulas mágicas, talismãs, ervas, minerais e substâncias de srcem animal. Para um mesmo fenômeno, os pacientes invocavam explicações múltiplas (a intervenção divina não excluía a ação de causas naturais) e se sentiam livres para chamar todo tipo de terapeutas. A influência dos méd icos licenciad os sobre os gove rnantes não se mostrava sempre eficaz para garantir a regulamentação. Nenhum grupo alcançou o pretendido monopólio do diagnóstico ou tratamento. As práticas médicas mais diversas coabitavam, gerando muitos atritos. Empíricos ou curandeiros da moda podiam quase sempre contar com o apoio de alguma 15 Para a composição desta parte do texto servi-me, cspecialmente, do excelente livro de Vera Regina Beltrão Marques. Natureza em botões. Medicina e boticários no Brasil setecentista.Campinas: Ed. Unicamp, 1999.
: Durante todo o período colonial, os doentes eram atendidos em casa. Apenas os indigentes iam para os hospitais. acima
autoridade nas cortes européias ou em cidades menores. Entre os agentes envolvidos com as práticas de cura, os boticários ocupavam uma posição bem definida na hierarquia profissional. Os historiadores da farmácia'5que estudaram sua srcem asseveram que, desde a época de Galeno, os médicos romanos se valiam de auxiliares na preparação das poções
página a o LAOO, acima : A medicina árabe teve grande influência na formação da medicina portuguesa. Nesta ilustração de um manuscrito do século xv do Cânon de Avicena, são representadas várias práticas higiênicas e terapêuticas , tendo uma farmácia no primeiro plano.
: Nesta típica página a o lado , abaixo ilustração do século xiv, a representação baseou-se em relatos prévios e não na observação direta. Em Portugal, Garcia da Orta inaugura, no século xvi, no Colóquio dos simples, o estudo detalhado das plantas medicinais, fiel ao espírito renascentist a.
BOTICAS
medicamentosas. Essa prática denominava-se pharmaceuiae. Os médicos que se dedicavam, então, à produção dos remédios eram denominados pharmacopoei. A matéria-prima usada em seu preparo era adquirida aos rhizotoiiies(Grécia) ou herbarii (Roma). Adiante vieram os pliannacopoles, que vendiam as preparações de porta em porta - circulalores—ou em lugares fixos — sellularii. A partir do século viu os árabes iniciam uma lenta divisão do trabalho do médico, com a separação das atribuições específicas dos que cuidam dos doentes, diferentes daqueles responsáveis pela obtenção e preparação dos fármacos. Foi em Veneza, a maior cidade comercial da Idade Média, que se tornou hábito distinguir o droguista com o título de apothicaires (guardiões de reservas). Essa cidade acumulava grandes provisões - apothecai- de drogas trazidas de Bizâncio e do Islã. Nas cidades italianas no século xiu, a farmácia laica surge no contexto do aparecimento de novos mercados, aumento da população citadina e enriquecimento da burguesia mercantil. Assim, o apothicaire,que teria libertado o médico do trabalho manual, visto como degradante, torna-se mediador entre o médico e o comerciante de especiarias. Ficou reservada ao médico a tarefa de diagnosticar, prescrever e acompanhar o tratamento do doente, de acordo com o aprendizado doutrinal, feito a partir dos textos canônicos escritos em latim. Essa arte liberal, isto é, condizente com o status de homens livres, tinha supremacia em relação ao trabalho de preparo e venda do medicamento. No século xvi, a formação das Ordens de São Cosme e Damião formalizou a inspeção regular nos estabelecimentos de preparo dos medicamentos. Em Portugal, no século xv, os boticários participavam das procissões ocupando o terceiro escalão, ao lado dos merceeiros e especieiros. Nas corporações, dividiam a bandeira de São Aliguel com livreiros, confeiteiros, caixeiros, azevinheiros é membros de outros ofícios mecânicos. 0 regimento dos boticários, de 26 de agosto de 1497, explicita a posição subalterna desses com relação aos médicos. Os físicos deveriam supervisionar o preparo de todas as mezinhas que contivessem ópio, electuários, pílulas e trociscos. Aos boticários cabia prensar e misturar as drogas previamente selecionadas e pesadas pelos doutores.
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O BRASIL
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Sr PHARMACIAS
À exceção do breve período que se seguiu à Carta de Lei de 22 d abril de 1449, passada pelo rei d. Afonso v (1432-81), num momento em q a peste flagelava Portugal, na qual se concedia aos boticários todas as honra privilégios de que então gozavam os físicos e cavalheiros, o ofício exercido pelo “cozinheiro do médico” manteve-se a este subordinado. Já nas Ordenações Filipinas, de 1603, os boticários encontravam-se confundidos com outros oficiais mecânicos. Boticários, barbeiros, parteiras, algebristas, cristeleiras (aplicadoras de clisteres) oficiavam uma arte mecânica, servil e ministrante, ao passo que o físico, de formação dogmática e doutrinal, possi honras de nobres, com direito a homenagens e uso de armas e sedas — ornamentos simbólicos distintivos da imagem pública do valor nobiliárquict No mundo da Colônia, entretanto, a imposição das linhas hierárquicas entre físicos, cirurgiões e boticários mostrava-se totalmente inoperante. Quando aplicadas, recebiam queixas dos representantes da Co em nome da realidade colonial. O exercício da medicina no Brasil, até a criação d a Junta do Protomedicato no reinado de d. Maria 1 (1 73 4- 18 16 ), 1782, era facultado somente pelos a físicos e cirurgiões de um atestac de habilitação, e licenciados comissários dasportadores duas autoridades média reinóis, o cirurgião-mor e o físico-mor. Esses representantes diretos do poc real residiam, de início, somente nas povoações maiores, mas a partir do século xviii os regimentos sanitários passam a ser mais observados, com a presença de comissários em um número maior de cidades e vilas. Os físicos atuavam como médicos da Coroa, da Câmara e das tropas nas principais cidades e vilas, sendo numericamente pouco expressi No século xviii, em cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, somen três ou quatro físicos exerciam suas atividades. Eles eram responsáveis pele exame, diagnóstico e o receituário para os pacientes, e aos cirurgiões cabia ofícios manuais, considerados socialmente inferiores, que exigiam o uso de [O presente alvará vem coibir a] “(...) desordem, com que nas boticas de meus reinos, e domínio s se fa ze m as preparações , e composições, por falta de uma farma copéia, que sirva para regulamentar a necessária uniformidade das ditas preparações, e composições; e sendo certo, que sem que haja esta uniformidade, é impossível que a medicina se pratique sem os riscos de vida, e saúde de meus fié is vassalos, deixando-se à vontade, e capricho de cada um dos boticários adotar diferentes métodos de compor e preparar remédios..."
Alvará de d. Maria 1, em que se promulga a Farmacopéia geral para 0 reino e domínios de Portugal (1794), apud MARQUES, Vera
Regina Beltrão. Op. cit. pp.77-8.
BOTICAS U
BOTICÁRIOS NO
BRASIL COLONIA
ferros de lancetas, tesouras, escalpelos, cautérios e agulhas. A atuação dos cirurgiões estava restrita às sangrias, à aplicação de ventosas, à cura dc feridas e de fraturas, sendo-lhes vetada a administração de remédios internos, privilégio dos médicos formados em Coimbra. A criação das escolas dc medicina, cm 1808, veio romp er com essa prática de cerceamento, feita pela metrópole, possibilitando a form ação de médico s no país. Apena s em 1826 o corpo docente das escolas médicas passou a controlar a emissão de diplomas para 0 exercício da medicina. Os físicos e cirurgiões, cm sua maioria cristãos-novos de srcem judaica, não ocupavam uma p osição de relevo na sociedade até a metade do século xvi 11, quando, já formados em universidades européias e membros de academias literárias e cientificas, passaram a alcançar uma posição mais privilegiada.Trabalhavam muitas vezes de graça e seus ganhos financeiros não eram igualmente vantajosos, fazendo com que muitos desses profissionais saíssem cm busca de clientes em outras localidades. Adotavam, para orientar suas receitas, as farmacopéias européias, destacando-se os tratados de plantas medicinais e as coleções de receitas de Garcia da Orta e de João Curvo Semedo. Os barbeiros, além dos cortes de cabelos e das barbas, praticavam sangrias, aplicavam ventosas, sanguessugas e clisteres, faziam curativos, arrancavam dentes etc. Da mesma forma que os boticários, os barbeiros necessitavam da Carta de examinação para habilitá-los ao exercício de seu oficio. Os barbeiros geralmente eram portugueses e castelhanos, muitos deles cristãos-novos, sendo que a partir do século
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já se incluíam negros e
mestiços nesse oficio.
PÁGINA AO LADO, À ESQUERDA!
cupana. vulgo Guaraná.
Poullinio
PAGINA AO LADO. ABAIXO! O Estado 0 a Igreja se unem no combate à feitiçaria. Nesta imagem, mulher acusada de sortilégio é queimada
i ma : Os barbeiros negros se somaram aos portugueses e castelhanos, a partir do século xv ii i . Além dos cortes de cabelos e barbas, praticavam sangrias, aplicavam ventosas, sanguessugas, clisteres e faziam curativos. ac
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BOT ICA S & 1‘HARMAC
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Os boticários brasílicos A botica foi uma das instituições ocidentais que aqui aportaram com os portugueses. O cirurgião-barbeiro, os jesuítas e o aprendiz de boticário, que chegaram aqui com os primeiros colonizado res, trouxeram as “caixas de botica” , uma arca de madeira que continha certa quantidade de drogas. Cada “entrada” ou “bandeira”, expedição militar ou científica, no caso dos viajantes naturalistas, os fazend eiros, senhores de engenho c também os médicos da tropa ou senado das câmaras municipais todos as possuíam com um bom sortimento de remédio para os socorros urgentes. At é prin cípios do Imp ério , os barbeiros concorreram com as boticas no comércio das drogas, suas lojas venderam mezinhas, aplicaram, alugaram ou venderam sanguessugas, ou bichas, e manipularam receitas. Nos tempos coloniais existiram poucas boticas. Os jesuitas e os hospitais militares tinham as únicas com que muitas vilas e cidades podiam contar. Os boticários eram oriundos geralmente de famílias humildes *e‘obtinham seus conhecimentos nas boticas tornando-se ajudantes e aprendizes de um encartado. Para a obtenção da Carta de examinação, que lhes possibilitaria o exercício do oficio, submetiam-se a um exame junto aos comissário do físico-mor do reino. Alguns alcançavam bons resultados financeiros, pois conseg uiam constitui r uma grande clientela, tendo em vista o fato de serem numericamente insuficientes para o atendimento da população. Em fins do século xvn, algumas boticas já tomavam a aparência das boticas do reino. Situadas nas principais ruas, ocupavam dois compartimentos. O boticário e sua família residiam nos fundos. Num cômodo ficavam as drogas expostas à venda. Sobre as prateleiras de madeira viam-se boiões de boa louça, e potes com decorações artísticas continham pomadas e ungüentos; frascos e jarros de vidro ou de estanho, etiquetados, guarneciam xaropes e soluções. No outro cômodo, estava o laboratório da botica. Mesa, potes, frascos, balança, medidas de peso (quartilho, arrátel ou libra, canada, onça, oitava, escrópulo, grão), copos graduados, cálices, botijas, cântaros, funis, bastões de lou ça, alm ofarizes, alamb ique, destiladores, cad inh os, Polianteia medicinal, de Curvo retortas, panelas, tenazes e uma edição da Sem edo - essencia l para preparar a mezinha receitada por um físico, ou cirurgião, ou padre, ou curandeiro.
: Painéis de azulejos oitocentistas da Reitoria da Universidade Federal da Bahia. ac ima
página
a o lado
para maceração.
; acima
: Potes
página
a o lado
. abaixo
:
Vasilhames para armazenagem de substâncias farmacêuticas.
BOTICAS
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E BOTICÁRIOS NO
BRASIL COLON
primeiro boticário a trabalhar no Brasil foi contratad o por Tom é
de Sousa. Ele recebia 15 mil réis por ano para cuidar da caixa de botica. Fugindo da Inquisição, a maioria dos boticários que aqui aportaram, nos séculos xvi e xvii, eram cristãos-novos, de srcem judaica, como Luís Antunes, que possuía uma botica em Recife, em frente ao hospital da Misericórdia, e Gaspar Rodrigues, estabelecido na capitania da Paraíba , em 1595. Os cirurgiões que formavam a maior parte dos profissionais de saúde também atuavam como boticários. No século xvni, como os boticários não tinham formação em química farmacêutica, os droguistas passaram a controlar o preparo e o comércio dos preparados químicos, como sais, tinturas, espíritos, extratos e várias preparações de mercúrio. Dessa forma, os Vallabella, droguistas italianos radicados em Lisboa, enriqueceram enviando drogas para 0 Rio de Janeiro e a Bahia. Uma importante fonte de renda para os boticários era 0 fornecimento para naus de guerra e fragatas. Não se mediam esforços para conseguir das autoridades essa mercê. A preparação de caixas de botica, bem sortidas para tropas o u em socorro a capitanias com epidemia s, podia render boa soma aos boticários brasílicos. Em função da possibilidade de ganhos que o monopólio da fabricação e comércio de remédios lhes garantia, os boticários foram acusados de zelarem mais pelos próprios interesses que pela saúde de seus semelhantes. O conde de Resende os acusava de utilizarem “ (...) vegetais e drogas já corruptas, conservando-as enquanto não lhes dá saída,
a fim de não perderem o lucro das que mandem vir do Reino por alto preço, talvez já em mau estado (...)” Eles seriam igualmente 'dão ignorantes quanto maliciosos, não tendo aqueles remédios que constam das receitas que devem prontificar, ou os não ajustam às composições, ou os substituem por outros indiferentes quando não são mais perniciosos " .16 Entre 1707 e 1749, 89 boticários prestaram exames no Brasil. No período de d. Maria 1, foram registrados 14, ao passo que no período joanino, isto é, entre 1808 e 1821, 148 boticários foram examinados pela fisicatura-mor. Em suas boticas jogava-se e conversava-se muito. Spix c Martius, em suas viagens pelo Brasil, observaram que nos cafés e em certas boticas se reuniam, de portas cerradas, sociedades particulares para se entregarem apaixonadamente a jogos de cartas e de dados. N o século xvni, discussões políticas ou religiosas, além de simples confabulações, ocorriam nesses locais. Vários boticários que eram membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro usavam o espaço de suas boticas para reuniões em que se discutiam temas proibidos. O boticário Amarantc abrigou os inconfidentes, no Rio de Janeiro, em 1794. A devassa promovida pelo conde de Resende informou que nesses lugares liam-se os autores iluministas que pregavam ofensas à religião e rendiam homenagem ás idéias republicanas vindas da França. Não havendo imprensa, as boticas tornavam-se um dos poucos espaços para a divulgação das idéias que viriam a ameaçar 0 próprio estatuto colonial, abrindo os caminhos que levariam à Independência. Mas aqui já estamos nas portas do século xix.
I Apud M ARQ UES, Ver a Regina Beltrão, Op.cit., pp. 198-9.
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Farmácia e farmacêuticos no Oitocentos >)
As transformações culturais e
))
cientificas advindas da
A terapêutica: da fase heróica ao ceticismo
transferência da corte portuguesa para o Brasil
))
Farmacopéias, medicamentos, remédios e plantas
))
Panorama das instituições
medicinais brasileiras
médicas: clínica, cirurgia, farmácia e medicina popular no século xix
>)
Remédios da moda e distinção social
)) A legislação sanitária e a higiene pública
>)
As associações farm acêuticas e o Primeiro Congresso Farmacêutico
))
A formação médica e farmacêutica nas faculdades de medicina e na
>)
Avanços na ciência farmacêutica: o aparecimento das
Escola de Farmácia de Ouro Preto
d rogas indu stria lizada s ))
>)
Boticas e farmácias: continuidades e rupturas
>)
A homeopatia e a dosimetria
As farm ácias oficinais
))
A revolução pasteuriana
como espaço de sociabilidade
e suas repercussões no Brasil
1 .) Panorama da medicina e da farmácia no século xix A transferência da corte portugue sa para o Brasil, em novembro de 1807, sob o comando do príncipe regente d. João vi (1767-1826), em fuga das tropas napoleônicas, é considerada justamente um acontecimento de enormes conseqüências na história da medicina e da farmácia no Brasil. Após breve passagem por Salvador, a comitiva real zarpou para o Rio de Janeiro, centro administrativo da Colônia. Em meio a uma população formada por pelo menos 2/3 de negros e mulatos, um dos primeiros problemas a serem resolvidos pelos recém-chegados era encontrar alojamento para os mais de dez mil cortesãos, formados por ministros,’ conselheiros, j uizes da Corte Suprema, funcionários do Tesouro, patentes do exército, da marinha e membros do alto clero. Nunca, até então, a cidade do Rio de Janeiro experimentara tantas transformações em sua fisionomia. As numerosas litografias de Debret (1768-1848),Thomas Ender (1793-1875) e de Chamberlain (1796-1844) fornecem uma idéia dos tipos que perambulavam pela capital do Reino Unido de Portugal, Br asil e Algarves. A abertura dos portos às “ nações amigas” , em janeiro de 1808, que beneficiou principalmente a Inglaterra, foi um dos primeiros atos a ter forte impacto modernizador. Com a frota portuguesa, desembarcaram uma máquina impressora, os arquivos do governo e várias bibliotecas que seriam a base da Biblioteca Na cional do Rio de Janeiro. Esboçou-se, então, certa agitação cultural, com o acesso aos livros antes proibidos, e uma relativa circulação de idéias. Além de imigrantes de várias nações européias, que formariam uma classe média de profissionais e artesãos qualificados, chegaram ao Brasil cientistas estrangeiros, como o naturalista e mineralogista inglês John Mawe (1764-1829), o zoólogo bávaro Spix, o botâ nico Ma rtius e o naturalista francês Saint-Hilaire (1 7 7 9 -1 8 5 3 ), que deixaram importantes registros sobre as virtudes medicinais das plantas nativas e precon izara m o emp rego de muitas d elas. Em 1816, desemba rcou a Missão Artística Francesa. A capital concentrou ainda instituições científicas como a Academia Real Militar, que daria srcem à Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874), o Real Horto (1808), mais tarde denominado Jardim Botânico, concebido como local de aclimatação de plantas de srcem africana
: Com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808. instalaram-se no Rio de janeiro diversas instituições cientificas, como o Real Horto, mais tarde batizado jardim Botânico. acima
página a o lado , acíma : Louis Pasteur desenvolveu a revolucionária teoria microbiana das doenças. Antes dele, as causas das enfermidades eram atribuídas ao clima, desregramentos alimentares, sexuais ou emotivos, ou aos ‘'miasmas".
página a o lado . abaixo : Paulicourea maregravi, vulgo Erva de Rato.
FARMÁCIA
ou asiática, o Gabinete de Mineralogia (1810), que depois seria o núcleo do Museu Imperial (1818). Em 1812, cri ou-se o Laboratório Químico Prático, onde eram preparados os candidatos à habilitação profissional para as boticas, até a criação dos cursos de farmácia (1832).
Medicina, cirurgia c farmácia No tocante à medicina, regulamentou-se o ensino médico-cirúrgico, com a instalação de dois cursos de cirurgia e anatomia nos hospitais militares de Salvador e do Rio de Janeiro. Iniciava-se, assim, uma forte tradição clínica marcada pela figura do médico de família que atuava ora como clínico, ora como cirurgião, ora como conselheiro higienista. A prática médica continuava essencialmente clínica. Tal como em Paris, o principal centro de formação médica, o registro de casos, à beira do leito dos enfermos, era a principal fonte de informações sobre o diagnóstico. A patologia repousava na descriç ão dos sintomas próprios a cada doença. As causas das doença s, até o advento da revolucio nária teoria micro biana das doenças, desenvolvida por Louis Pasteur (1822-95), eram atribuídas ao clima, aos desregramentos alimentares, sexuais ou emotivos, ou aos “ miasmas” . Dura nte a primeira metade do século xix, a tradição anatomoclinica francesa universalizou um conjunto de procedimentos voltados a correlacionar os sinais e sintomas com lesões orgân icas localizadas em determinadas partes do corpo. Nesse período, entretanto, os médicos tinham uma formação generalista. Com a reforma do ensino médico de 1880 criaram-se novas cadeiras clínicas. No Hospital da Santa Casa da Misericórdia e na Policlínica Geral do Rio de Janeiro inauguraram-se as enfermarias voltadas ao ensino de oftalmologia, clínica das crianças, dermatossifiligrafia, medicina legal, obstetrícia e psiquiatria. Em 1809, criou-se a cadeira de matéria médica e farmácia, destinada à formação dos cirurgiões. Os primeiros compêndios para uso dos alunos das Academias Médico-cirúrgicas, publicados pela Imprensa Régia, eram traduções de tratados de autores franceses. Embora a influência
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BOTICAS & PIIAKMACIAS
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francesa tenha marcado amplamente o saber e as instituições médicas oficiais ao longo de todo o período monárquico, convém não esquecer que o ambiente médico era herdeiro de uma multiplicidade de práticas, conceitos e métodos reproduzidos de modo artesanal pelas diferentes etnias que aqui interagiam. Circunscrita aos centros urbanos de apenas algumas províncias, e relativamente cara, a assistência médica oficial era inacessível para quem se encontrava à margem das confrarias religiosas ou das redes de clientclismo promovidas pelos membros da elite senhorial, por intermédio dos hospitais das Santas Casas da Misericórdia. Para o grosso da população brasileira, dispersa nas vastas regiões rurais, na carência de médicos, os livros de medicina auto-instrutivos seriam o principal instrumento de penetração da cultura médica acadêmica. O primeiro livro do gênero a ter boa acolhida foi o Man ual de medicina doméstica, deWilliam Buehan (1729-1805), traduzido por Manuel Henriques de Paiva, em 1802. Em seguida apareceram os compêndios de Jean-Baptiste Alban Imbert, médico formado em Montpellier, e membro da Academia Imperial de Medicina (a im ), Manual do fazendeiro ou tratado doméstico sobre as doenças dos negros (1834) e Guia médico para as mães de família (1843). Outro médico francês residente na corte, e também membro da a i m , Louis-François Bonjean (1808-92) publicou O médico e o cirurgião da roça ou Tratado completo de medicina e cirurgia domésticas, adaptado à inteligência (1875). Entretanto, nenhum desses livros superaria de todas as classes do povo em popularidade o Formulário e guia médico, que teve 19 edições entre 1842 e 1926, e o Dicionário de medicina popular e ciências acessórias, do dr. Pedro
Luis Napoleão Chernoviz (1812-81). I) ICEI ONA RIO MEMCI.YV POPULAR
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n o alto : N o século xix no Brasil, as práticas mais avançadas da medicina dividiam espaço com métodos caseiros. Na imagem do viajante Auguste Biard vê-se uma cabocla tirando-lhe um bicho de pé.
Legislação sanitária “para inglês ver” Ain da na primeira metade do século xix, ocorreram algumas mudanças significativas no ambiente médico. Em 1829, criou-se a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, embrião da Academia Imperial de Medicina (1835-89). Em 1832, as duas escolas médico-cirúrgicas foram transformadas em faculdades de medicina, com o direito de expedir diplomas de parteira, medicina e farmácia. Desde 1826 o imperador d. Pedro 1 já lhes havia concedido o monop ólio dos diplomas em ciru rgia. Em 1828, foi extinta a fisicatura-mor que substituíra a Junta do Protomedicato como órgão do governo responsável pela fiscalização sanitária e regulamentação das artes terapêuticas. Sangradorcs e curandeiros foram definitivamente postos na ilegalidade. Desde a Independência, a fiscalização das farmácias esteve a cargo das câmaras municipais, até que, finda a fisicatura, os inspetores de saúde dos governos provinciais iniciaram a fiscalização, que se voltava para a aferição dos pesos, exame da qualidade e estado das
A es quer da , abaixo : Nas Academias Médico-cirúrgicas eram usadas, então, traduções de grandes compêndios europeus, já o Dicionário de medicina popular e ciências acessórias, de Chernoviz, teve grande importância nos lares brasileiros.
a o lado : Na imagem de Debret, vê-se uma loja de barbeiro sangrador. Muitos terapeutas populares sangravam, aplicavam sanguessugas e propalavam todo tipo de cura com ervas ou remédios secretos, concorrendo com médicos, boticários e cirurgiões.
pÁciNA
O galenista ataca os homeopatas Nos anos 1840, as polémicas entre os homeopatas e os representantes dos saberes médicos e terapêuticos acadêmicos enchiam as páginas dos jornais de maior circulação, como o Jo rn al do Cornm ercio.
drogas, verificação d o asseio c preços das mesmas. Finalmente, em
1850,
em seguida à primeira epidemia de febre amarela, foi criada a Junta Central de Higiene Pública. Pela lei, o diploma de farmacêutico deveria ser registrado nas câmaras municipais. Entretanto, boa parte dessa legislação era “ para inglês ver” , como se dizia na época. Não se inspecionavam as boticas nem a venda de remédios e drogas. Para os mais diversos males, elixires e drogas secretas de srcem européia, principalmente francesa, tiveram livre entrada após a abertura dos portos. Elas abarrotavam boticas e outros estabelecimentos comerciais. SaintHilairc narrou que, em 1819, em C ab o Fr io, na capitania do Rio de Janeiro, os remédios eram encontrados nos negócios das fazendas e víveres. Xavier Sigaud (1796—1856) afirmou que era costume adquirir medicamentos para os escravos nas casas de ferragens e instrumentos de lavoura. No Diário de Pernambuco, uma loja de louças de Recif e anunciava, em 1841, a venda de uma poderosa droga secreta, vinda da França. Na corte ou nas províncias pululavam os vendedores ambulantes de remédios secretos. A população não associava competência terapêutica com os diplomas oficiais, e as autoridades faziam vista grossa à multiplicidade de anúncios que ofereciam, para os mais diversos males, remédios que prometiam curas imediatas. A historiadora Tâ ni a Salgado Pimenta doc ume ntou a ampla oferta de anúncios em que terapeutas populares, em meados do século, propalavam a cura de pernas inchadas, cancros, carbúnculos, moléstias dos olhos, surdez, escrófulas, embriaguez e morféia (lepra). Num artigo presente no periódico Archivo Médico Brasileiro, em 1848, seu autor atestava que, na corte, a cura da bebedeira era monopólio dos curandeiros. Uma “velha do Castelo” administrava um remédio composto de urina de gato e assa-fétida. Um morador da Prainha indicava à sua clientela negra uma infusão com “fedorenta” seguida de uma purga com aloés para curar o vício da cachaça.
A homeopatia tornara-se tema também para vários artigos do periódico da Academia Imperial de Medicina, os Anna es dc Me dic ina Brasiliense, que a denunciavam como prática de charlatães. No jornal O Anti-C harlal ào, publicado e distribuído gratuitamente por farmacêuticos c médicos da Academia Imperial de Medicina, mantidos no anonimato por meio de pseudônimos, a homeopatia era exposta ao ridículo Em suas páginas, o galenista, provavelmente Ezequiel Corrêa dos Santos, denunciava os abusos cometidos pela homeopatia "contra a indústria e os interesses dos farmacêuticos que as leis protegem...”. De fato, muitos homeopatas. além de não serem diplomados em medicina, acumulavam as atividades clinica e farmacêutica, contrariando a legislação sanitária. O Anti-Charlatão chegava a sugerir que o homeopata francês Benoit Jules Mure, um dos fundadores e presidente do Instituto Homeopático do Brasil, tazia uso de pito de pango, isto é, da maconha, cujo comércio e uso. muito difundidos entre os negros, foram proibidos pelo código de postura de 1838. Com a criação da Escola Homeopática do Brasil e, posteriormente, da Academia Médico-homeopática do Brasil (1847). um grupo importante de homeopatas passou a defender a obrigatoriedade de titulação pela faculdade de medicina para o exercício da homeopatia, dividindo os seguidores de Hahnemann. Em 1851, foi criada a Academia Homeopática do Rio de janeiro, que propunha a separação da atividade farmacêutica da médica, provocando mais uma dissidência no grupo. A partir da década de 1850, houve um aumento das boticas homeopáticas no município da Corte, as quais passaram a ocupar espaço significativo nas páginas da Revista das Notabilidades Projissíonacs Comer ciais e Industriaes do Rio de Janeiro , no Ah nan ak Laem rnert e nos jornais de maior
circulação como Correio Mercantil, Diãrio do Rio de Janeiro e Jo rn al do Com mc rcio .
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BOTICAS
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Na rua dos ciganos, um “ negro de An gola” também curava a embriaguez com certa raiz que trouxera de Alinas Gerais.'7
17 Ver PIMENTA,Tânia Salgado. “Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a
No citado Diário de Pernambuco, a famosa coluna do Carapuceiro dava conta, em 1832, dos “milhare s de curandeiros e curand eiras” que
primeira metade do Oitocentos” . In: História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. i i (suplemento 1) Rio de Janeiro: fiocruz, 2004, pp.67-92.
prometiam curar da noite para o dia as moléstias mais complicadas. “ Se me queixo de uma dor de cabeça, surge dali uma velha, que muitas vezes também serve de parteira, e logo me repete uma ladainha de mezinhas para dor de cabeça, todas prodigiosas, e quer aplicar-me clisteres de quanta erva contém o infinito reino vegetal.(...)” Os remédios mais drásticos seriam prodigalizad os pelos curandeiros, “ que alguns boticários dão sem receita de
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facultativos, como se fosse cev ada ou água de flor” (...). “A gente do povo, que acredi ta em duendes e lobisomens” , arremata o mesmo articul ista, “ como não acred itará cm mezinheiros ?” . Noutra crônica, em 1837, o mesmo
KELATORIO
Carapuceiroridicul arizava as ações terapêut icas de “ negros boçais” , “ caboclos
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estúpidos” e “velh as comadres” procura dos pela população para “ tomar sangue com palavras”, “atalhar frouxos”, “curar nervo torto e carne quebrada” , “ erisipelas e hidropisia s” , e que em geral desprezavam “ os medicamentos de homens que est udaram ex professo a medicina” .
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Higiene pública A criação de uma Junta Central de Higiene Pública, em 1850, não representou o ápice do poder político dos higienistas brasileiros, como querem alguns historiadores. Além de esvaziar o poder da Academia
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Imperial de Medicina, a criação daquele órgão subordinou as ações oficiais nos campos de saúde pública e polícia médica à pauta política e administrativa mais geral, o que gerou queixas c lamúrias por parte de acadêmicos e da imprensa médica da corte e da Bahia, que ecoaram até as reformas do ensino e da saúde pública da década de 1880. A obra de José Francisco Xavier Sigaud, Dtt climal et des maladies dit Brêsil ou siatistique
mêdicale de cet empire, publicada em Paris, no ano de 1844, que almejava a i m , contém várias denúncias contra as autoridades que nada faziam para proibir a ação dos terapeutas não diplomados. Consultados pelos ministros e pela câmara municipal, os médicos da corte imputavam os surtos epidêmicos a toda sorte de problemas higiênicos. Se as autoridades queriam fatos explicativos, cabia às instituições médicas produzi-los, e nisso a Academia de Medicina foi prolífica: águas estagnadas nas ruas; esgotos que não escoavam os dejetos humanos por falta de declive; as sepulturas no interior das igrejas; os abatedouros em bairros populosos; indústrias reputadas nocivas, no centro da cidade; o desprezo pelas regras higiênicas no interior das casas, a ausência de árvores nas praças ser a expressão dos trabalhos dos membros da
: Criada 0011850. a junta Central dc Higiene Pública era criticada pelos médicos por não inspecionar as boticas nem a venda de remédios e drogas que aconteciam em estabelecimentos diversos, até mesmo em casas de ferragens e louçáST^ acima
página a o lado : O Hospital da Santa Casa da Misericórdia da Corte possuía uma botica onde se fabricavam os remédios usados pelos pacientes. Em suas enfermarias eram ministradas as aulas práticas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
públicas, a ventilação insuficiente causada pelos morros do Castelo e de Santo Antônio, a falta de bulevares; enfim, a permanência de mangues na Cidade Nova, local considerado pestilencial por excelência. A partir de meados do século xix, a irru pção de duas epidemias alterou o padrão de enfermidade dos séculos anteriores, com grande repercussão na organização sanitária: a febre amarela apareceu em dezembro de 1849, quando atracou no porto do Rio de Janeiro o vapor norte-americano Navarro, vindo de Salvador. A cólera faria suas primeiras devastações em Salvador e no Rio de J aneiro, em 1855. Am bas “ se aclimataram” perfeitamente às condições insalubres dos centros urbanos do império tropical, ceifando a vida de indivíduos de todas as raças e condições sociais. A eclos ão de ambas as epidem ias, atribuídas alternativamente aos “miasmas deletérios”, aos fatores meteorológicos ou ao contágio, gerou uma imagem internacional do Império como uma região insalubre e arriscada para o comércio. Grandes esforços foram feitos para mudar essa representação. Desde 1828, com a criação da Inspetoria de Saúde dos Portos, as autoridades sanitárias concentraram suas atenções nas medidas higiênicas que respondessem aos interesses dos comerciantes c da agroindústria escravista exportadora. Apesar das alterações da técnica sanitária, de que foram campeões ingleses e franceses, interessados em introduzir aqui seus capitais, seus aparelhos, suas máquinas, seus canos de água e esgoto, seus novos '•' 1 * processos de pavimentação de ruas, somente com a vitoriosa campanha sanitária de Oswaldo Cruz (1872-1917), na primeira década do século xx, sob o regime republicano, a imagem de país enfermo se esvaneceu. Outra preocupação da Junta Central de Higiene Pública foi com a difusão da prática de vacinação contra a varíola. Desde o início do século xix, as Juntas Vacínicas aplicavam o método desenvolvido por Edward Jcnner (1749-1823), que consistia em introduzir o pus vacínico em individuos sãos para conter o avanço da “ bexiga” . Apesa r das limitações no cam po da organiza ção sanitária, o período também foi marcado pelo desenvolvimento do ensino e das pesquisas sobre a flora medicinal brasileira e pela elevação do staius do farmacêutico e de algumas farmácias. Como veremos adiante, uma elite profissional se organizaria em torno de sociedades e periódicos científicos, preocupando-se com o aprimoramento das instituições de ensino.
2 .) A formação médica e farmacêutica
A medicina acadê mica do século xix tem uma história mais rica e complexa do que geralmente se pensa. Algumas de suas crenças e instituições moldam, ainda hoje, a formação e a prática dos profissionais da saúde. A França e, em seguida, a Alemanha formaram os principais cenários catalisadores das duas inovações que iriam revolucionar o saber acadêmico: a medicina hospitalar, ou anatomoclínica, e a medicina experimental. Os historiadores catalogaram os elementos da medicina hospitalar francesa que se impuseram tanto no cenário acadêmico quanto no exercício profissional: auscultação, percussão, patologia tissular, instrução clínica sistemática, autópsia e estatística médica. A neces sidade de aprend er os métodos de diagnósticos clínicos, particularmente o uso do estetoscópio - criado por Laennec
(178 1-182 6)
tornou necessário o ensinamento individualizado junto ao leito do paciente, ao mesmo tempo que revelou a inadequação do método de leitura anteriormente dominante. Uma vez que a proficiência no manejo de certos instrumentos se tornou essencial, o método de transmitir ensinamentos clínicos perdeu a antiga passividade. Para proporcionar esse tipo de treinamento foi necessário transformar o hospital numa instituição de ensino. Tal fato contribuiu para a convergência entre os saberes cirúrgico e clínico, em fins do século xvni. No Brasil, a Academia Imperial de Medicina (1829-89) foi o principal fórum de debates sobre o ensino médico e a saúde pública imperial e a principal trincheira voltada a defender o modelo anatomoclínico francês e as idéias higienistas. A transformação das academias médico-cirúrgicas em faculdades de medicina, por meio da lei de 3 de outubro de 1832, foi obra sua. A formação médica no ambiente hospitalar tornou-se fundamental. Não à toa o núcleo que criou a Acade mia de Me dicina era formad o por méd icos que exerciam seu tirocínio no hospital da Santa Casa da Misericórdia, que se tornou o cenário privilegiado do aprendizado clinico a partir daquele período.
FARMÁCIA
E FARM ACÊU TICOS
NO OIT OCE NTO S
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No final do Império, as reformas do ensino médico levantaram a bandeira do ensino experimental. Nesse contexto, a fisiologia experimental de Claude Bernard (1813-78) e a patologia celular de Rudolph Virchow (1821-1902), que viriam a produzir uma medicina de laboratório, medicina sem doentes, estavam se consolidando no horizonte da clínica.
Ensino farmacêutico nas faculdades de medicina do Império A reforma do ensino de 1832, inspirada no modelo francês, previa a criação do curso farmacêutico junto às faculdades de medicina do Império. As disciplinas a serem ministradas eram divididas por três anos: i ano: física médica, botânica médica e princípio s elementares de zoologia; 2oano: botânica médica e princípios elementares de zoologia, e química médica e princípios elementares de mineralogia;
página a o lAOO: Estandarte da Faculdade de Medicina da Bahia. Criada em 1808, por D. João vi, a Escola Médico-Cirúrgica da Bahia foi. juntamente com a do Rio de Janeiro, transformada em Faculdade de Medicina, em 1832, durante o Periodo Regencial.
A Escola Superior de Farmácia As reformas do ensino médico, levadas a cabo nos anos 1880, deram ênfase ao ensino prático e livre voltado para uma medicina
janeiro. Fundada em 1884, contou com recursos do próprio Instituto Farmacêutico do Rio de janeiro, angariados de seus sócios farmacêuticos, droguistas e médicos. Na lista
experimental. Por meio da criação de novas disciplinas, institutos e laboratórios, e da contratação de preparadores, conservadores e assistentes, o ensino farmacêutico ganhou nova face. Uma lei de 1884 exigia conhecimentos em física, química e história natural para o ingresso no curso farmacêutico e facultava aos doutores, farmacêuticos e dentistas, mediante a aprovação da Congregação das Faculdades de Medicina, a possibilidade de organizar cursos livres sobre as disciplinas que formavam o ensino oficial. Além disso, em 1883 era criado o Laboratório Municipal que contratou farmacêuticos por meio de concurso. A nova legislação favoreceu a criação de uma Escola Superior de Farmácia, ligada ao Instituto Farmacêutico do Rio de
das subscrições figurava em primeiro lugar o imperador Pedro 11, que cedeu a velha Igreja de São Joaquim para nela ser instalada a Escola, cujos laboratórios ficaram constituídos por material importado da França e da Inglaterra. De acordo com seus estatutos aprovados em 1885, o curso da Escola Superior de Farmácia seria distribuído em quatro séries Entretanto, o seu funcionamento foi breve. Faltaram-lhe alunos e recursos suficientes. Em 1887 fecharam-se suas portas. O esvaziamento do Instituto Farmacêutico do Rio de Janeiro e o término de sua Escola coincidiam com a crise do Império. Na verdade, a proposta de duração de quatro anos para o curso farmacêutico só se consolidou com a Reforma de Ensino Rocha Vaz, em 1925.
À direi t a , acima : Nesta tela de Araújo Porto Alegre, D. Pedro 1 concede à Escola Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro, em 1826, o direito de conferir diploma. A partir de 1832, as faculdades de medicina diplomavam médicos. farmacêuticos e parteiras.
À direita , abaixo : Desenho da Academia Imperial de Medicina.
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BOTICAS
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3° ano: química médica e princípios elementares de mineralogia, matéria médica, sobretudo a brasileira, e farmácia e arte de formular. Para obter o título de farmacêutico, o aluno deveria praticar, pelo mesmo período de três anos, numa botica de um boticário diplomado. Durante o curso ou posteriormente. Em 1838, Manoel Francisco Peixoto, diplomado farmacêutico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no ano anterior, em discurso pronunciado na Academia Imperial de Medicina, reclamava a respeito do esvaziamento do curso farmacêutico em contraste com o curso médico. Ale gav a que o fato de o Cor po Legislati vo do Império ter revalidad o os exames de farmácia, feitos à moda antiga, para a, obtenção do título de boti cário teria pro voc ado uma corrida para se titularem, esva zian do os ban cos
FARM ÁCIA
E FARMACÊUTICOS
NO OITOCENTO
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da escola. Os farmacêuticos pertencentes à Academia Imperial de Medicina e às associações farmacêuticas que se formaram a partir dos anos 1850 reivindicavam que as faculdades deveriam ter o monopólio da concessão dos diplomas como forma de restringir o exercício da farmácia aos homens de ciência de formação acadêmica.
A Escola de Farmácia de Ouro Preto Além dos cursos farma cêutico s oferec ido s pelas duas única s faculdades de medicina no Império - a do Rio e a da Bahia
em 1839 foi criada pela
Assem bléia Leg islativa Pro vinc ial de Minas Gerai s a Escola da Farmácia de Ouro Preto. Em 7 de setembro de 1840, foi proferida a aula inaugural pelo médico Eugênio Celso Nogueira. Os seus dois primeiros professores foram Manoel José Cabral, farmacêutico diplomado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro que lecionou botânica e matéria médica, e Calixto José Arieira, que ministrava aulas de química e de farmácia. As
farmácias “ Arieira” , na
rua do Rosário, e “ Cab ral” , na rua Direita, de propriedade dos respecti vos lentes, eram dois dentre os estabelecimentos disponíveis para os alunos cumprirem os dois anos de prá tica obriga tória para se titul arem. Até 1883, o diploma de farmacêutico emitido pela Escola era reconhecido só nos limites da província mineira. Grande parte do seu corpo docente, durante o Império, fico u constituído por farmacêuticos, diferindo
nesse ponto dos
cursos ministrados pelas faculdades de medicina, em que o magistério era exercido somente por médicos, ou farmacêuticos diplomados também em medicina. As mudanças freqüentes de sede por que passou a Escola até finais do século xix expressaram a precariedade e as dificuldades nos seus primeiros anos de funcionamento. No entanto, ela sobreviveu até os dias de hoje, sendo inco rpor ada , em 1969, como uma das unida des da Universidade Federal de Ouro Preto. A partir da pro mu lgação da Primeira Constitu ição Rep ublicana, em 1891, que propôs um sistema educacional descentralizado, o ensino farmacêutico estendeu-se a outros estados. A estes foi concedida permissão para organizar os seus sistemas escolares completos, o que propiciou o surgimento de várias escolas de nível superior na área médica. A escassez de recursos para a implantação de escolas de medicina explicaria em parte a escolha pelas escolas menores, menos dispendiosas. Em muitos casos, as escolas de medicina se srcinaram a partir de escolas dc farmácia e odontologia.
a o lado . acima : A Escola dc Farmácia dc Ouro Preto, Minas Gerais, criada em 1839, ^0I 0 Pr,rneiro centro no Brasil dedicado exclusivamente ao ensino da prática farmacêutica. página
À direita : Dependências e equipamentos da Escola de Farmácia de Ouro Preto, em atividade até os dias de hoje c referência nacional. Em 1969. a instituição foi incorporada à Universidade Federal de Ouro Preto.
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3 .) Boticários ou farmacêuticos?
Em 1875, o farmacêutico Manoel Hilário Pires Ferrão proferiu conferência intitulada “ Da farmácia no Brasil e de su a importância: meios de p romover o seu adiantamento e progresso” . Nessa ocasião, chamou a atenção para a distinção que deveria ser feita entre boticário e farmacêutico. Boticário podia ser qualquer um que resolvesse abrir uma botica e comercializar a retalho vários remé dios sem ter direito para isso. C ita va a F ran ça como um exemplo a ser seguido, pois desde finais do século
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adotara o nome de farmacêutico
para designar aqueles que eram formados em cursos regulares de farmácia. Oficina ou laboratório farmacêutico substituíram o termo botica. Acreditava que, naquele país, a farmácia mantinha “um paralelismo de dignidade e proficiência com a classe médica”
. Pires Ferrão assi nalava a importância da
farmácia como estabelecimento que lidava com a saúde, e que por isso deveria ter um tratamento diferenciado de outras casas comerciais, no que se refere à cobrança de impostos e jurisdição. Nota-se, assim, o desenvolvimento de uma elite farmacêutica ansiosa cm equiparar-se aos médicos e diferenciar-se dos outros curadores e do estigma das velhas boticas. Entretan to, a designação de “ boticário” continuou a ser usa da pela população para se referir ao farmacêutico diplomado. Apesar de a lei de 3 de
Cirino e os boticários curandeiros Nas vilas do interior, era bastante comum a figura do boticário andarilho, como o personagem Cirino do romance inocência (1872), do Visconde de Taunay (1843-99). Natural do interior da província paulista e filho de um vendedor de drogas, Cirino fora criado na cidade de Ouro Preto por um tio que, por intermédio de contatos, conseguiu matricular o sobrinho no conceituado colégio interno do Caraça. Com a morte do tio, Cirino ficara desamparado, empregando-se como caixeiro de uma botica, onde aprendeu a aviar receitas e a receitar utilizando um velho e encardido Formulário Chernoviz. Abandonando a botica de pouco movimento, saiu a percorrer as imediações da cidade a
precioso Formulário, em busca de clientes. Rapidamente passou a ser reconhecido como doutor pela população assistida, o que o incentivou a matricular-se na Escola de Farmácia de Ouro Preto para obter o título oficial de farmacêutico, conferido pelo presidente de província. No entanto, em dificuldades financeiras, adiou tal objetivo e decidiu viajar pelos sertões a "medicar, sangrar e retalhar", sendo recebido sempre como doutor. Essa com certeza era a história de muitos dos boticários curandeiros que andavam pelos sertões garantindo sua sobrevivência e preenchendo a falta de assistência médica e hospitalar no Império. Portadores de um conhecimento que se adquiria na prática
cavalo, munido de algumas drogas armazenadas em sua caixa de botica e do
cotidiana, que se passava de pai para filho ou de mestre para aprendiz.
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outubro dc 1 832 estabelecer que nin guém po deria “ curar, ter botica, ou partejar'’ sem título conferido ou aprovado pelas faculdades de medicina, muitos proprietários de boticas pagavam farmacêuticos diplomados para dar nome a seus estabelecimentos, prática que se estendeu até o século xx. A maioria deles era cons tituída, geralmen te, de práticos ou apenas meros comerciantes ou cirurgiões-barbeiros que se associavam a farmacêuticos, embora esse upo de associação já fosse proibido no regulamento da Junta Central de Higiene Pública, de 1851. As boticas ou farmácias, mesmo nos centros urbanos da época, como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Ouro Preto e Recife, acabavam funcionando como locais de assistência médica c farmacêutica, incluindo a prescrição e manipulação dos medicamentos c, provavelmente, a aplicação de procedimentos terapêuticos usuais na época. Ali se realizavam sangrias, com o emprego de ventosas, lancetas, sarjadeiras ou sanguessugas, instrumentos que se encontravam muitas vezes à venda nas próprias farmácias. Era costume os médicos clinicarem clandestinamente nos fundos das farmácias para escapar aos impostos. Dependendo das circunstâncias, todo boticário ou farmacêutico acabava se fazendo um pouco de médico, c este, por sua vez, também se fazia de boticário ao preparar remédios por ele próprio vendidos. Logo, a designação de boticário, no dia-a-dia, podia ser bastante abrangente. José do Patrocínio: da farmácia ao jornalismo 0 acesso aos raros cursos farmacêuticos oferecidos pelas faculdades de medicina do Rio e da Bahia, e pela escola de Ouro Preto., era bastante restrito mesmo para quem habitava nessas cidades. Não tendo atrativos financeiros para os jovens oriundos de famílias de posição, era geralmente perseguido pela população de poucas posses, que dependia de alguma bolsa de estudo, ou do auxílio de algum padrinho que
custeava os estudos do afilhado. Muitas vezes, a vontade de ser médico era transferida para o diploma de farmacêutico, por este ser menos oneroso. Foi o caso de José do Patrocínio (1854 1905), negro, filho de padre e vindo da vila de Campos para o Rio de Janeiro sem recurso algum. Conseguiu ingressar como aprendiz na farmácia do Hospital da Santa Casa da Misericórdia e, depois, no curso
diplomando-se em 1874. Para isso, obteve apoio de vários personagens influentes na corte, entre os quais o conselheiro Albino Rodrigues de Alvarenga, seu conterrâneo. Mas, ao diplomar-se, não tendo recursos financeiros suficientes para montar uma farmácia, acabou enveredando pelo jornalismo. Muitos teriam destinos semelhantes, optando pelo aluguel da cart de farmácia e exercendo outras atividades
farmacêutico da Faculdade dc Medicina,
paralelas para sobreviver.
página a o lado : Imagem de sanguessuga, aplicada para cura dc enfermidades em boticas e farmácias de centros urbanos do Brasil do século xix, que acabavam servindo como locais de assistência médica.
n o alto : Botica européia portátil do século XIX.
Potes, também denominado boiòcs, onde eram armazenados os extratos de plantas medicinais e outros produtos de uso farmacêutico.
À DiRfciTA:
4 .) Velhas boticas COM ÉRC IO E SEGRED
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Durante o Império as boticas mantiveram um pouco da feição dos tempos coloniais. Nelas, não eram vendidos apenas remédios. Os seus donos, como outros comerciantes da época, moravam no mesmo prédio do estabelecimento, nos fundos (ou no andar de cima, quando era um sobrado).
Ter serventes e caixeiros E não lhes pagar o salário É ser ladrão, ser tirano E do boticário... O regra Boticário : periódico crítico, joco-sério e corretivo, RJ, 1852. 18 Antiqualhas c memórias do Rio deJaneiro. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1921-1927 (separata da Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro).
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O historiador do Rio antigo Vicira-Fazenda,18ao se referir ao quarteirão das boticas situado na rua Direita, entre a rua do Ouvidor e o beco dos Barbeiros, fala de alguns boticários que se tornaram populares, como foi o caso de Brandão, que em finais do século costumava vender os chamados franguinhos de botica para os convalescentes, possuindo em seu estabelecimento um arsenal de ervas e drogas e até caldo de víboras. Nessa mesma rua, depois chamada de Primeiro de Março, instalaram-se nos anos 1870 as farmácias Silva Araújo e a Granado, importantes fabricantes de remédios e cosméticos nacionais, sendo fornecedoras da Casa Imperial. Am bas tinham laboratórios próprios e tipografias que editavam revistas, xv
ii i
almanaques e catálogos de produtos de seus estabelecimentos que atravessaram o século xix. Costumavam ser frcqüentadas não só por professores e alunos da faculdade de medicina, como também por politicos e toda a intelectualidade da época. Com a vinda de laboratórios estrangeiros para o país e a crescente desnacionalização da nossa indústria farmacêutica, a Casa Granado, como tantas outras, foi perdendo terreno no campo da produção farmacêutica. Assim, aos poucos foi parando de fabricar vários produtos que deixavam de ser competitivos, focando sua produção nos mais tradicionais, como o polvilho antisséptico, que vem sendo fabricado desde 1903 e hoje se caracteriza como o produto-símbolo da empresa. Atualmente a Granado mantém fábricas no Rio de Janeiro e em Belém do Pará, onde também são fabricados vários outros produtos, destacando-se os sabonetes Granado e Phebo.
FARMÁCIA E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS
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de 1925. A revista brasileira de medicina e voltava-se para a classe médica e atingiu a espetacular tiragem de vinte mil exemplares, sendo distribuída peias mais diversas regiões dos país. Em suas páginas, além dos reclames dos produtos, eram veiculadas matérias médicas versando principalmente sobre terapêutica. As dificuldades para a importação de produtos farmacêuticos estrangeiros durante a Primeira Guerra Mundial favoreceu as atividades da empresa, que aumentou sua produção. Como resultado, em 1917 a Granado se expandia para a zona norte do
farmácia
A drogaria Granado Em 1870, o português José António Coxito Granado comprou a antiga Botica de Barros Franco, no centro do Rio de Janeiro. Surgia a Imperial Drogaria e Pharmacia de , Granado & Cia. No início, sua atuação teve como base a importação de produtos europeus, principalmente os de toalete, muito procurados pela elite chique que circulava pelo centro da então capital do Império. Em pouco tempo a nova drogaria era um sucesso comercial, transformando-se
página
a o lado
considerada
num ponto de encontro da elite da corte. No inicio da República, seu sucesso permaneceu inalterado. Em 1897 a empresa adquiriu um novo prédio e nele instalou um bem equipado laboratório, que produzia várias especialidades antes trazidas da Europa e produtos de beleza. Nesse mesmo ano lançou a revista O pharol da medicina. que foi publicada até a década de 1940 com o mesmo objetivo de incentivar a venda de seus produtos. Além dessa revista,
Rio de de Janeiro, abrindo uma filial naPena rua - , Conde Bonfim - na praça Saens na Tijuca. Instalada num prédio construído especialmente para abrigá-la, essa filial transformou-se numa marca tradicional do bairro, nela subsistindo por longos anos. No auge de suas atividades, na década de 1940, o Laboratório Chimico-Pharmaceutico Granado produzia em torno de trezentos especialidades farmacêuticas e contava com mais de seiscentos funcionários, sendo considerado um dos maiores da América do Sul. Além de filiais e distribuidoras em São Paulo, Belo Horizonte, Campos, Porto Alegre e Salvador. Também contava com representantes cm vários países
a empresa passaria a publicar outra a partir
da América Latina e África Oriental.
; A salsaparrilha er
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um efi caz depurativo e
tônico do sangue, além de atuar sudorífero e estimulante
com o
n o alto , à es querda : Foto de Marc Ferrez retrata a Imperial Pharmacia e Drogaria Granado. A partir de 1870. comercializava produtos europeus e se tornou ponto de encontro da elite da corte, além de fornecedora da Casa Imperial.
NO ALTO, À DIREITA; PlStiloS pertencentes ao acervo utilizadas para mace
da Gran
ado
ração de ervas
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BO TICAS
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As boticas permaneceram como importantes espaços de sociabilidade, onde se discutiam e se planejavam movimentos políticos, jogava-se gamão e tomava-se conhecimento das últimas novidades. Daí a atualidade da quadrinha: “A botica vende tudo./
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19 EDMUNDO, Luis. O Rio de Janeiro no tempo dos vicc-reis (1763-1808). Brasília: Scnado Federal. (Conselho Editorial), 2000, p. 430. 20 Notas sobre o Rio deJaneiro c partes meridionais do Brasil 1808-1818. São Paulo, 1942.
Vende da purga ao sudário./ Só não vende, por cautela, / à língua do boticário...” .19 Não é de estra nhar, assim, a ocorrência de reuniões em algumas boticas, nos acontecimentos qúe antecederam a abdicação de d. Pedro 1, em 1831, no município da Corte. Entre essas, destacavam-se: a de Ezequiel Corrêa dos Santos, à rua das Mangueiras, na Lapa; a de Estevão Alves de Magalhães, à rua dos Pescadores, atual Visconde de Inhaúma, e a de Juvêncio Pereira Ferreira, na praça da Constituição, atual praça Tiradentes. Ezequiel Corrêa dos Santos firmou-se como uma das lideranças do grupo dos liberais exaltados, tornando-se proprietário e redator Nova luz brasileira, entre 1829 e 1831. Em suas do jornalanunciava páginas, sua botica como o local onde se fazia a respectiva assinatura. Em 1835, esses boticários ingressariam na seção de farmácia da Academia Imperial de Medicina. Em Fortaleza, os chefes políticos locais ligados ao Partido Conservador se reuniam, em meados do século, na farmácia de Antônio Rodrigues Ferreira , daí o nome “ Partido d a Farmá cia” . Mas as velhas boticas eram também lugar onde se aviavam receitas. A sua arquitetura, tão bem descrita ou mesmo pintada por alguns viajantes europeus que aqui estiveram durante o século xix, dava uma certa aura de mistério a esse ato quase alquímico de produzir com as mãos possiveis curas para doenças. De acordo com o comerciante inglês John Luccock20 ( ? - i 82o ), os seus balcões, que se assemelhavam a altares, além de todo arsenal de boiões, vidrarias de porcelana pintadas, expostas nas prateleiras em torno, as diferenciavam das outras casas comerciais. Uma balaustrada separava os fregueses, que tinham a opção de sentar-se enquanto esperavam o remédio ficar pronto, o que lhes dava a oportunidade de conversas cotidianas. Do outro lado, ficava o balcão-altar e o boticário que prestava atendimento. Na parte atrás do balcão-altar localizava-se a oficina ou laboratório, onde eram manipuladas as substâncias no preparo do medicamento, ato não visível aos fregueses. A clássica aquarela pintada por Jean-Baptiste De bre t de uma botica na Corte, datada de 1825, nos mostra a figura de um freguês escravo diante desse cenário, que revela a figura de são Miguel posta sobre o balcão-altar, além da presença de um oratório no alto entre as prateleiras, conferindo-lhe um ar religioso. Conforme a tradição portuguesa, são Miguel era o santo
protetor das corporações de ofícios de livreiros, confeiteiros, caixeiros e boticários. As boticas expressavam, assim, um com ércio que se misturava a
FARMÁCIA
0 FARMACÊUTI
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NO OITO CENT OS
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segredos e crenças... A comercialização dos chamados remédios secretos, dos quais não eram divulgadas as fórmulas e cujos anúncios enchiam as páginas dos jornais de maior circulação, alimentava essa aura de mistério que cercava a terapêutica, na esperança da obtenção da cura. Por meio da Tabela de remédios, instrumentos e livros, estabelecida pela Junta Central de Higiene Pública como obrigatória e aprovada pelo Aviso do Ministério do Império de 7 de outubro de 1852, observamos o que se projetava para o bom funcionamento das boticas. Tratava-se de uma lista de remédios, cm sua maioria de srcem vegetal, estando presentes alguns dc srcem mineral e animal. A estes se acrescentava um arsenal de instrumentos que sugeriam um trabalho artesanal intenso com suas caçarolas, bacias, almofarizes, grais, peneiras, espátulas, alambiques. Os formulários e farmacopéias portugueses e franceses indicados visavam a orientar os boticários nos seus afazeres provisoriamente, até que fosse organizado o código farmacêutico brasileiro. Essa imagem das velhas boticas perduraria, com algumas modificações, até as primeiras décadas do século xx, quando a industrialização
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crescente dos produtos farmacêuticos, a pressa dos fregueses e a venda do remédio já pronto inviabilizaram sua existência.
Tabela de medicamentos, vasilhames, instrumentos, utensílios e livros, organizados pela Junta Central de Higiene Pública para as boticas do Império (aprovado pelo Aviso do Ministério do Império de 7 de outubro de 1852) Remédios indispensáveis: acetatos de cobre, de morfina, de potassa, arsenioso; águas destiladas de canela, louro, cerejo, de melissa; água de Labarraque, água inglesa;
goma-arábica; goma-guta; erva-cidreira; ervamoura; massa das pílulas de Le-Roy; maná comum e em lágrimas; magnésia calcinada; mirra; nitrato de bismuto, de prata, de mercúrio: noz-moscada; óxido de mercúrio, de zinco; pastilhas de enxofre, de ipecacuanha, de vichy; pau-pereira, pereirina; pomada citrina, pomada rosada; várias raízes; raspas de ponta de veado; resina de pinho, de jalapa; Rob de Laffecteur; sementes
areòmetros para ácidos, espíritos e xaropes; bacias e canecas de pó de pedra; balanças grandes; cadinhos; campanas de vidro; cápsula de porcelana e de vidro; caçarolas de folha e de ferro esmaltadas; coadores de algodão, lã e linho; copos de vidro graduados; cuba para água; escumadeiras, espátulas de ferro, marfim, osso e vidro; estufas; fornalhas: frascos tubulados; funis de louça, metal e vidro; grais de mármore e
alecrim; almíscar;composto; alcoolatosantimônio; de canela,aniz alecrim, melissa estrelado; assa-fétida, açafrão oriental; avença; bálsamos de Arceu, de enxofre simples, peruviano, opodeldoch; beladona, benjoim; caroba; cantáridas (inseto); cânfora; cápsulas de óleo de copaíba, de rícino e de óleo de fígado de bacalhau; ceroto de Galeno; ceroto de Saturno; cevada; clorureto de mercúrio a vapor (calomelanos); cipóchumbo; creosote; digitális; dormideiras, dulcamara; emplastros de cicuta, de mercúrio, de cantáridas; extratos de alcaçuz, de genciana, de ópio, de quina, de ruibarbo; de salsaparrilha, de noz-vômica; flores de altéia, de arnica, de alfazema, de camomila,
de aniz, de terebintina angelim; estrienina; de quinina; líquida. sulfato (PIRAGIBE, Alfredo. Noticia histórica da legislação sanitária do Império do Brasil: desde 1822 até 1878. Rio dc Janeiro: Typ. Universal de E. & H. Laemmert, 1880)
vidro; grosas máquinas e limas dede aço; máquinas de fazer pílulas; estender emplastros; pedras de porfirizar, peneiras de crina e de seda. (Op.cit.)
de malva, de tília, de rosas, de papoulas;
ou deslocação para tinturas e extratos;
Instrumentos: vasilhames; vasos de diferentes materiais; vidros de diversas capacidades, de boca larga e estreita, e de rolhas da mesma substância; vasos de porcelana ou outra louça, caixas de madeira hermeticamente fechadas e latas de folhasde-flandres; alambiques de cobre estanhado e de vidro, almofarizes de bronze; tubos fusiformes de vidro; aparelho de lixiviação
página a o lado : Aquarela de uma botica na corte pintada por Debret. A figura de são Miguel aparece sobre o balcão. A imagem data dc 1825.
Livros obrigatórios: Pharmacopée universelle, de Jacques-Louis Jourdan, 1840; Nouve au formu laire magist rale, de Apollinaire Bouchardat, 1840; Pharmacopea geral para 0 reino e dominios de Portugal (1794, 1824); Traité de matière medicale et de terapeutique, de François Foy, 1843; Código farmacêutico e farmacografia, de Agostinho Albano da Silveira Pinto (1846, y ed.). (Op.cit.)
acima : N o mesmo ano da Granado à criada a farmácia Silva Araújo, com laboratório próprio. Entre as publicações da casa. está o Catálogo de extratosfluidos dos laboratórios Silva Araúj o: segredos e química.
5 .) Da fase heróica ao ceticismo terapêutico
Um dos aspectos mais marcantes da terapêutica médica no século xix referese à atuação do médico diante do paciente agonizante. Atento aos sintomas e sinais característicos, o clínico assumia uma fisionomia grave diante de um diagnóstico que exigia sua atuação imediata e contínua revestida de grande dramaticidade. O emprego de uma terapêutica heróica era um dos rituais distintivos daquela medicina que rompera com a atitude expectante do hipocratismo, mas carecia de remédios mais eficazes. Um exemplo dessa terapêutica podemos extrair do relato que o dr. Cuissart comunicou à Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, na sessão de 13 de janeiro de 1833. Nessa ocasião, um negociante do Rio de Janeiro procurou-lhe com certa dificuldade de respirar. Pareceu-lhe, então, um caso de “febre intermitente perni ciosa ” . O tratamento consistiu em uma-sangria, que foi reali zada imediatamente. Embora a respiração parecesse melhorar, havia o risco de uma sincope, o que forçou o médico a estancar o sangue da veia, e prescreveram-se “ quarenta sanguessugas do lado direito do tórax, vesicatórios nos joelhos e sinapismos nos pés. O estad o de deg lutição não recomendava o uso de nenhum remédio oral. Em duas horas o pneumotórax havia diminuído pela metade, mas os sintomas descritos ainda existiam” . Ao consultar outros colegas, foi- lhe sugerido que ainda era preciso “ repetir a sangria, aplicar sanguessugas no ânus, renovar aquela s anteriormente prescritas para o lado direito do peito, administrar uma lavagem purgativa e, assim que o doente pudesse engolir, fazê-lo tomar 15 grãos de calomel anos em trê s doses ” . Diante de medidas tão drásticas, que freqüentemente conduziam ao óbito, generalizou-se certo ceticismo quanto à eficácia do instrumental alopático. O desenvolvimento da estatística clínica e o avanço na compreensão dos aspectos fisiopatológicos das doenças vieram, ao longo da segunda metade do século xix, a reforçar, também na literatura médica, certas dúvidas quanto aos remédios consagrados. Apesar dos avanços da medicina experimental, a matéria médica, base da terapêutica, permanecera praticamente inalterada. Em alguns círculos se falava em niilismo terapêutico.Boa parte da propaganda homeopática se beneficiava exatamente do contraste que seu método suave se apresentava diante de sangrias, eméticos, sanguessugas, catárticos. Cronistas e literatos da época expressaram esse sentimento. O carapuceiro,apesar de sempre defender os médicos contra os terapeutas
FAR MÁC IA K
pÁciNA a o i ao o : Imagem mostra os vários usos do tabaco. Um homem de nítida influência árabe traga enquanto outro cheira rapé; hábitos também comuns no Império brasileiro.
: A procissão do viático constituía um ritual sacramenta! administrado aos fiéis cm artigo de morte, com certa solenidade. A través do clero secular e das confrarias e ordens religiosas, o catolicismo am parava c confortav a os enfermos e moribundos. acima
FARMACÊUT
ICOS NO OITOCENTOS
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BOTICAS & l
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ACIAS
populares, clamava : “ Ku tremo quando em qualquer enfermidade um professo r passa a mão da pena para receitar” . Dur ante o perío do colonial, os médicos, diante de um insucesso letal, geralmente responsabilizavam os boticários pela man ipulação de remédios cor rom pid os. N o Impé rio, desconfiava-se, também, de um conluio entre médicos e farmacêuticos que enriqueciam diante dos avanços das epidemias. O padre Lopes Gama (1791 -? ) - o Carapuceiro - denunciava a “ alquimia” descoberta pelos boticários de Recife. “ Folhas secas, grav etos, maravalhas, beso urin hos (cantáridas), raspas de pau, estrume, lixo, tudo se lhes converte em dinheiro.” A própria competiç ão entre os esculápios em torn o da pou ca clínica rendosa ajudava a difundir desconfianças sobre o efeito das terapias. O autor do folhetim Crônica médica, publicado na Gazeta médica do Rio de Janeiro, em princípios de 1862, fazia pilhéria da extrema aflição aparecida entre os médicos “ pelo lisonj eiro estado sanit ário em que se encontra a cidade do R io de Janeiro” .
“ Desesperados com tão prolongada adversidade, vingam-se uns dos outros, procurando cada um deslocar 0 colega de alguma boa casa de partido, prometendo fazer o mesmo serviço mais baratinho, censurando as receitas do outro. (...)” Já cm fins daquele séc ulo, Mac hado de Assis (18 39 -19 08 ), “ lendo nos diários alguns atestados sobre a excelência do Xarope Cambará” e mirando os remédios “vivos e eficazes” de então, compartilhou com os leitores de A semana a seguinte indagaçã o: “ Por que os remédios mo rrem?” . Ele próprio se recordava da elevada estima que em seu tempo tiveram “ o colírio que Antônio Gom es vendia em sua ca sa, na rua dos Borbonos, n° 26” , o “ rapé Grim stone” , outro bom específico para as molést ias dos ol hos. As “ pílulas universais americ anas” , vendidas na farm ácia de Lo ur en ço Pinto Moreira, justamente por serem universais tratavam das inflamações dos olhos,
FARMÁCIA E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS
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Dri. S f . m . — Meu Deus! meu Deus !__ não vejo nos jornaes senão annuncios cmais annuncios de xaropes, pilulas e ítilhas para curar a humanidade! . . . . M o l .— E no entanto, ainda não se descobriu o remedio de que mais carece a humanidade, isto é, pilulas para curar raalmente ós parlado)es barrigudos. Dava-lhe um abraço, Dr. Ayer, se descobrissetaes pilulas. mas também curavam sarnas, úlceras antigas, erupções cutâneas, erisipela c até hidropsia. D o mes mo m odo, desaparece ram as “pílulas catárticas do farmacêutico Carva lho Júnior”, que cobriam
igualme nte amplo espectro
de doenças, com a particular idade de “ dissiparem a melancolia ” . A lista dos remédios outrora eficazes de q ue se lembrava reunia, ainda, o “ elixir antiflegmáti co”, o “ bálsamo homogêneo” e o “xarope do Bosque” . Uns tiveram uma vida longa; outros, mais breve. Como explicar então que drogas eficazes no principio do Oitocentos fossem tidas por inúteis em seu crepúsculo? A resposta do bruxo do Cosmc Velho é de fina ironia. Não seriam os doentes, os médicos e os farmacêuticos que se enganaram. Tudo se explicaria pela ação lenta da própria natureza. Mudariam os remédios porque se alterou a natureza das doenças.
pÁciNA a o lado : A sátira ao estado sanitário do Rio de janeiro.
página
a o lado
,
à es quer
da
:
Nos jornais e revistas do Império, o estado sanitário e o descontentamento com as autoridades e a terapêutica médica eram satirizados em folhetins e charges.
: Charge ilustra a desconfiança sobre as terapias. No Império, desconfiava-se de um conluio entre médicos e farmacêuticos que enriqueceriam com doenças e epidemias. acima
6 .) Farmacopéias, medicamentos, remédios e plantas medicinais brasileiros Ap esa r do esfo rço da elite dos farma cêutico s brasileiros em estabele cer uma farmacopeia oficial, ape nas em 1926 publicou-se a Fannacopéia dos Estados
Unidos do Brasil. Assim, durante todo o século xix, ao lado de farmacopéias lusitanas, das coleções de receitas, dos tratados de matéria médica e dos formulários de Chernoviz c Langaard, os boticários podiam lançar mão do Codex medicamentariasgallicus (farmacopéia francesa oficial), recomendado pela Junta Central de Higiene Pública. Já na República, Pires de Almeida publicou um Formulário oficial e magistral (1889-92), compreendendo cerca de seis mil fórmulas. O mais difundido compêndio de farmácia, o Formulário e guia médico, conhecido popularmente como
“ Chernoviz” , nome de s eu autor, c ontinha a descrição dos m edicamentos, suas propriedades, suas doses, as moléstias em que deviam ser empregados; as plantas medicinais indígenas, as águas medicinais estrangeiras e nacionais; a arte de formular e a escolha das melhores fórmulas. Entre os médicos, botânicos e farmacêuticos que se empenharam na pesquisa das plantas medicinais brasileiras destacam-se os professores da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro Francisco Freire Alemão (1797-1874) e Joaquim Monteiro Caminhoá (1835-96), que também dirigiu o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e escreveu, para fins didáticos, o Elementos de botânica geral e médica (1877). Ezequicl Correia dos Santos e Theodoro Peckolt (1822-1912) tiveram papel relevante como lideranças profissionais e científicas. O primeiro, juntamente com Jean-Marie Soullié Chernoviz e o avanço científico na medicina e na farmácia Luís Napoleão Chernoviz tinha preocupação constante com a atualização de seus manuais. Assim, ao contrário do anátema de repositório de crendices populares que lhe lançaram posteriormente, as edições de seus livros eram constantemente revistas e até mesmo novas seções eram incorporadas. Com o Dicionário de medicina popular e ciências acessórias, o autor se coloca decididamente do lado das Luzes, e sua ação pode ser entendida dentro do ideal
pretendia, com sua obra, "difundir os bons preceitos de saúde, precaver o público contra o charlatanismo, destruir os erros populares a respeito da medicina, inculcar o que se deve fazer nos acidentes súbitos e ensinar o tratamento de várias moléstias que podiam ser realizados na ausência de um médico". Constantemente revisto e ampliado, até a sexta e última edição de 1890, odmpca não apenas se apresentava como uma espécie de vade mecum do saber médico estabelecido, como tinha uma postura pioneira, sancionando algumas inovações pouco
explica o enorme sucesso alcançado entre os boticários. A terceira edição, de 1852, já recomendava a retirada, nas receitas, das abreviações e sinais referentes às dosagens, conforme regulamento da Junta Central de Higiene Pública, decretado em 1851. Ao obrigar os facultativos a escrever suas receitas por extenso, em português, a autoridade pública contribuía de certa forma para apagar alguns traços simbólicos que ainda ligavam os médicos oitocentistas aos físicos fidalgos do século xviu, cuja erudição se media pelo uso do latim e adoção de
pedagógico do lluminismo racionaiista. Carregando o pesado fardo da civilização, ele
consensuais para a época. No Formulário e guia médico, o zelo pela atualização cientifica
sinais aJquímicos inacessíveis aos leigos.
acima : O sumo do caju era usado no caso de febres e, acreditava-se, também fazia bem ao estômago.
AO lado , n o alto : O botânico Francisco Freire Al emão (1797-1874), professor da Faculdade de Medicina do Rio de janeiro, se dedicou largamente ao estudo da botânica brasileira, registrando em aquarelas plantas de uso medicinal ou não. página
FAR MÁC IA K
(1800-79) c Jcan-Louis Alexandre Blanc (?—1869), pioneiros da indústria químico-farmacêutica no Brasil, isolou o alcalóide “pereirina” do pau-pereira. Deve-se a Theodoro Peckolt, que esteve à frente do Laboratório Químico do Museu Nacional na década de 1870, o mérito de ter realizado o maior número de análises químicas da flora medicinal brasileira. Destacam-se, na sua vasta obra, os livros: Análises da matéria médica brasileira (1868) e História das plantas medicinais e tileis do Brasil (1888-1914), esta última escrita em colaboração com seu filho, Gustavo Peckolt (1861-1923). Sua descrição da “ doliarina”, usada como vermífugo, purgativo, depurativo e anti-sifi litico, princípio ativo do Fictts dolaria, a gamelcira, dava prosseguimento aos estudos de Martius e Freire Alemão sobre o leite da gameleira, muito usado por curandeiros no tratamento da opilação (ancilostomíase). Fntre as drogas indígenas que estudou, destacam-se os seguintes produtos: agoniadina, anchietina, andirina, angelina e carobina, que iriam compor muitas fórmulas magistrais. O médico mineiro José Agostinho Vieira de Matos (1809-75) isolou da quina-da-serra, a “ vieirinha” . Um a auto-homenagem para um suposto antifebril. Em 1873, a Sociedad e Velosiana pub licou os manuscritos deixados pelo médico e botânico Manuel Arruda Câmara (1752-1810), contendo a descrição dos vegetais brasileiros e sua aplicação à medicina. Graças ao amplo levantamento feito pelo historiador Lycurgo de Castro dos Santos Filho, sabemos que muitos farmacêuticos se destacaram pelo pioneirismo na indústria farmacêutica. Além dos já citados Soullié e
FARMACÊUTICOS N
O OITOCENTOS
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BOTICAS &
• PHARM
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Blanc, Eugênio Marq ues de Holanda fabr icou a “ tintura de salsa, caroba e manacá”, um depurativo do sangue e fortificante. Seu Laboratório da Flora Brasileira produzia o afamado “ vinho ferrugino so quinado de ananá s” e as “ pílulas depurativas de velamina” , anunciados em almanaques de distribuição gratuita. Rodolfo Marcos Tcófilo ( 185 3-19 32 ) preparou vacina cont ra a varíola. Ao lado dos med icam entos cha mados officinaes (xaropes, vinhos, extratos, tinturas, conservas, emplastros e ungüentos), cujas fórmulas se achavam nos códigos farmacêuticos sancionados pelas leis e encontrados já prontos nas farmácias e cujo prestígio variava de acordo com a época, os doentes também podiam dispor das receitas magistraes.Estas últimas eram preparadas segundo as fórmulas de cada médico e as necessidades especificas do pacient e. Eram poções, cozim entos, colírios, pílul as, emulsões, linimentos, cataplasmas... Na produção dos medicamentos distinguiam-se, nas fórmulas, a base, isto é, o agente principal do medicamento que conteria o princípio ativo; o adjuvante, que serviria para aumentar as propriedades ou virtudes da base; o corretivo, cuja finalidade era enfraquecer o sabor ou o cheiro, podendo também reduzir a atividade ou ação corrosiva; o excipiente, substância que serviria de veículo às outras três, e, por fim; o intermédio, que servia para tornar o medicamento miscível em água ou outro excipiente. Assim, por exemplo, na mistura balsâmica dc Fuller: Copaíba - 2 onças Gemas de ovo - n.2 Xarop e de bálsamo de Tolu - 2 onças Vin ho bra nco - 6 onças
FARMÁC IA li
A copaíb a seria a b ase; o xa rop e, o corretivo; as gema s de ovo, o intermediário e o vinho branco, o excipiente. Quanto à sua forma, os medicamentos eram classificados em bálsamos, catap lasm as, cáusticos, clisteres, elixires, empla stros, emulsões, espíritos, extratos, sangrias, sanguessugas, sinapismos, vesicatórios e ventosas. Desse arsenal,.utilizado no período da terapêutica heróica, o Formulário dc Chernoviz nos oferece uma detalhada descrição. As informações técnicas sobre sua variada composição, formas de emprego e de manutenção são verdadeiras relíquias sobre as artes méd icas da época. Folhea ndo as páginas dessa seção, ficamos sabendo que os cataplasmas, medicamentos externos em forma dc papas, eram geralmente elaborados com farinha de linhaça, féculas de batata ou miolo de pão. Nos vesicatórios ou cáusticos, aplicados como emplastros ou cataplasmas em afecções gangrenosas ou mordedura de animais peçonhentos, visando a produzir uma secreção serosa e empolar a pele, além de mostarda e trovisco, empregava-se freqüentementc uma papa elaborada a partir da maceração de um pequeno inseto, a cantárida. Dentre os tipos de ventosas - pequenos vasos destinados a f azer vácuo na superfície d a pele, com o fim de atrair sangue ao lugar em que se aplica -, um tipo recomendado era fabricado com chifre de boi perfurado no ápice, por cujo furo se operava com a boca a sucção do ar, sendo, em seguida, tapado com cera quando estivesse aderente à pele. Aplicadas com o mesmo fim que as sangrias, as sanguessugas, ou bichas, como eram popularmente conhecidas, deviam ser aderidas a qualquer parte do corpo, à exceção das plantas dos pés e das palmas das mãos. Nas mulheres, recomendava-se não aplicar nas partes visíveis do corp o (pe scoço, parte sup erio r do peito, antebraço e costas da mão). Os lugares indicados eram ás membranas mucosas facilmente acessíveis como a gengiva, a vagina e o colo do útero. Uma sanguessuga vigorosa retirava em torno de meia onça (15 gramas) de sangue. Também com relação a essa curiosa criatura, ficamos sabendo que nem todas eram importadas da Europa, pois já havia lugares de criação no Rio de Janeiro. As sanguessugas, facilmente encontradas nas lojas dos barbeiros, eram conservadas em vasos de vidro, contendo água até 2/3 de sua capacidade e três litros serviam para trinta delas, ou em caixas com barro úmido. Os medicamentos eram distinguidos entre 21 tipos, conforme sua ação específica voltada a restabelecer a harmonia ou equilíbrio fisiológico: adstringentes, antiperiódicos, antiflogísticos, antiescorbúticos, antissépticos, antiespasmódicos, anti-sifilíticos, calmantes, diaforéticos, diuréticos, eméticos, emolientes, estimulantes, febrífugos, darcóticos, purgativos, sudoríferos, tônicos, temperantes, vermífugos e vomitivos. A arte de purgar, tão complexa e tão amplamente empregada quanto a de sangrar, exigia que o praticante soubesse diferenciar plenamente os purgantes, segundo sua intensidade, entre a ampla variedade de substân cias laxantes, catárticas ou drásticas - estas últimas as mais intensas.
página a o lado : O botânico Frei José Mariano da Conc eição Veloso foi diretor da Oficina de Arco do Cego. criada em 1799. que editou muitas obras cientificas. Interessado em matéria médica, estudou as plantas brasileiras quando aqui esteve no período joanino.
: Potes de Farmácia contendo tinturas.
acima
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7.) Remédios da moda E DISTI
NÇÃO
SOCIAL
As desigualdades sociais e culturais, herdadas do período colonial e acentuadas até o limite com a escravidão, se refletiam também no uso dos remédios. O acesso aos produtos das farmácias, boticas e drogarias - muitos d eles import ados - era quase sempre uma prerrogativa dos brancos ricos. Os setores subalternos, formados pela imensa população de pobres e escravos, contavam com remédios caseiros, fórmulas feitas com ervas nacionais e outros produtos recomendados ou administrados por curandeiros, mezinheiros, barbeiros e sangradores. No período monárquico, os médicos brasileiros já reconheciam o fato de que as doen ças se distribuíam dcsigualmente entre os setores sociais. Havia doenças de negros e doenças de brancos. Doenças de rico e doenças de pobre. A opilação (ancilostomíase) era uma dessas doenças amplamente condicionadas pelas péssi mas condições de vida a que estavam expostos escravos e sitiantes das lavouras de cana ou café, como bem assinalou o dr. Cruz Jobim (1802-78), diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em estudo que fez sobre “as moléstias que mais afligem a classe pobre do Rio de . Janeiro’’, publicado em 1841, na Revista médica brasileira, órgão da Entre a ciática, doença de cavaleiros, c a opilação, uma ampla gama de doenças compunha o inventário de representações simbólicas que serviam para distinguir os atributos e vícios privativos da classe senhorial do restante dos hábitos, gestos, insígnias e estilos de vida das camadas remediadas. Ao lado dos tipos de habitação, alimentos, divertimento s, trajes, devoçõ es c gostos estéticos, as doenças e os remédios ajudavam a confirmar a rígida hierarquia da sociedade patriarcal. O banzo e os vícios de comer terra, barro, cinza e pó de café, o de mascar tabaco, de fumar maconha e beber cachaça eram associados à gent e de classe, r aça c religião “ inferiores” . As doenças que deles resultavam eram “v ergonhosas” . As doenças venéreas, de que se gabavam os rapazes brancos de famílias senhoria is das regiões agrárias a i m
lembra insígnias queLouis revelavam virilidade ~~ j Gilberto■Freyre -, eram " O biólogo Co ut ya(18 54 -84 )precoce registrou,
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PEDRO LUIZ \ APOLE.tO BflERNOVIZ I-"J1 j.
em 1883, que, ao contrário dos “homens louros e de olhos azuis”, os negros e mestiços não se queixavam “nem do fígado, nem do baço, nem dos pulmões”, nem morriam “dos nervos, nem de histeria”. Com o abrandamento da escravidão, além do uso do rapé e de outros hábitos de brancos, acabaram se transferindo para as cam adas populares e à “ gente de cor” o direito dc ostentar doenças consideradas privativas da elite, como o “ direito de ser anêm icos” , o “ direito de sofrer de reumatismo” , o “direito de morrer do coração e de febre amarela” . Direitos considerados biológica ou naturalmente superiores. Gilberto Freyre21 observou, ainda, que foram vários os remédios dc negro, de caboclo, de matuto, de caipira, ou sertanejo desprezados pelos “civilizados” como indignos de gente fina ou delicada. Nas áreas mais requintadas em cultura européia, alimentos, bebidas e remédios caros, importados da Europa, constituiam indícios que expressavam a ostentação senhorial. Para essa “ gente sup erior de raça fina” , os remédios rústicos pareciam produzir maior dano que as próprias doenças. Nos anúncios de jornais eram freqüentcs os remédios recomend ados para “ pessoas delicadas” , •• D * “ fidalgas” ou “ nobres” . Isso explica por que a dinâmica da moda se instalou na terapêutica, afetando o comércio, o consumo e o preço dos remédios. O “Elixir tônico anti-cholérico de Guilhié”, o remédio Le Roy, indicados inicialmente para as senhoras e os fidalgos, acabariam, depois de certo tempo, desprezados por ambos e vendidos em garrafas só “para as roças e para os negros” . Já em 1835, Xavie r Sigaud (17 96 -18 56 ), no art igo “A moda do s remédios ou os remédios da moda”, publicado no Diário de saúde, comentava sobre o término do longo reinado das sanguessugas, que chegaram a ser importadas aos milhares por ano, e à época já não gozavam de ampla adesão. Não apenas os remédios e drogas entravam e saíam de moda. O famoso Formulário e guia médico do doutor Chernoviz, que gozou de amplo prestígio nas farmácias do Império e era apreciado pelos médicos dc então, já na Primeira República foi duramente criticado como repositório de crendices integrado ao universo popular de cura.
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8 .) Associações farmacêuticas NA CIDAD
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Na década de 1850, foram criadas duas associações próprias dos farmacêuticos que, apesar de terem tido curta duração, conseguiram algumas conquistas e certo prestígio no Império. Localizadas na capital, procuravam articular-se com associações similares de outras províncias e do exterior. As suas principais propostas giravam em torno da regulamentação do oficio de farmacêutico a partir da promoção da melhoria do ensino, do combate ao exercício ilegal da farmácia e da elaboração de um código farmacêutico brasileiro com o intuito de padron izar a preparação de med icamentos e sua utilização, de acordo com as necessidades locais. A Socied ade Farma cêutica Brasileira foi inau gura da em 30 de março de 1851, sendo presidida pelo boticário Ezequiel Corrêa dos Santos. O seu presidente, assim como outros sócios farmacêuticos, como Manoel Francisco Peixoto e os franceses J oão Maria Soullié e J oão Francisco Blanc, já vinha m atuando na Seç ão de Farmácia da Academ ia Imperia l de Med icina O seu quadro de sócios ficou constituído inicialmente de sessenta boticários farmacêuticos e de dez doutores em medicina, num total de setenta sócios.
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Grande parte dos seus sócios farmacêuticos eram proprietários de boticas no
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■NOTABILIDADES
município da Corte, e outros trabalhavam em boticas particulares ou nas dos hospitais Militar, da Marinha e da Misericórdia, sendo alguns deles titulados pela Faculdade de A-ledicina do Rio de Janeiro. O periódico da Sociedade Farmacêutica Brasileira circulou entre os anos de 1851 e 1855 com o nome de Revista pharmaceulica e, depois de uma interrupção, voltou, entre os anos de 1862 e 1864, com o nome A abelha. Esta última denominação expressava a identificação que os farmacêuticos faziam entre o seu trabalho cotidiano nas boticas, a sua reunião em sociedades e o trabalho coletivo das abelhas operárias, que retiravam da natureza material para o sustento da colméia. Os que praticavam o exercício ilegal da farmácia ou que especulavam comercialmente as drogas c remédios
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eram identificados como os
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das industriosas abelhas. Alg uns acon tecimentos dem onstravam o créd ito e prestigi o que a Sociedade e os seus gestores adquiriram diante das instituições médicas da época. A partir de agosto de 1852, a drogaria organizada pela Sociedade
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Farmacêutica passou a fornir medicamentos para o novo Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, o que lhe garantia uma renda extra.
: Anúncio da Pharmacia Ezequiel. de propriedade do boticário Ezequiel Corrêa dos Santos, também presidente da Sociedade Farmacêutica Brasileira, criada em 1851. ac ima
página a o lado : Exemplar do periódico A A belha, publicado pela Sociedade Farmacêutica Brasileira, entre 1862 e 1864. O nome faz referência ao trabalho cotidiano dos farmacêuticos.
FARMÁCIA E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTOS
â illiâ PERlODICO DA SOCIKDADi: PHARMACEUT1CA UIUS1LKIR.I Redigido j*lo íocio contribuinte iI j omnu
IGNACIO JOSÉ MALTA Plurnuccutko pela Phjricatura Mór do Reino, Gívalleiro , da liM|xriil Ordem da nos», Membro do Instituto j llon.mopatl.icodo Prasil, da SociedadeYcliosiana, da ( Sociedade AusiKadora daIndustria Nacional, J da Socicdadedo Mcdicba-Homoeopatliica dc Paris, ■ dl Scciedadc Auiiliidora da Agricultura, Commcrcioe ' v Artes da P roriocia dc S . P aulo, J d» CoogregaçJo Medica-lIomceopatLica Flumiacnse. clc., etc., etc. 1
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Em 1861, era formalizado o acordo entre a congregação da Faculdade de Medicina do Rio dc Janeiro e o presidente Ezequiel Correia dos Santos para cessão do laboratório químico-farmacêutico de sua propriedade, onde era ministrada a cadeira de farmácia prática. A reivindicação dc criação de uma cadeira de farmácia prática nas faculdades de medicina, dirigida pela associação à Sua Majestade Imperial em abril de 1852 e prevista pela reforma do ensino de 1854, agora se concretizava tendo à frente da cadeira Ezequiel Corrêa dos Santos Júnior. Todavia, essas conquistas foram provisórias, pois dependiam de acertos políticos. O Instituto Farmacêutico do Rio de Janeiro, criado estrategicamente no dia do aniversário da princesa Isabel, em 29 de julho de 1858, conseguiria alguns patrocínios do governo por intermédio das figuras do imperador e da princesa. Ele mobilizou a elite farmacêutica e médica em torno de suas iniciativas, principalmente as voltadas para o ensino farmacêutico. A partir dos anos 1870, terminada a Guerra do Paraguai, sobressaiam, entre seus sócios, alguns farmacêuticos militares, como o alferes Augusto César Diogo, que a partir de 1877 ficaria encarregado do Laboratório Químicofarmacêutico, órgão do Serviço de Saúde do Exército. Como na Sociedade Farmacêutica, cujo período áureo correspondeu à gestão do boticário Ezequiel, que a presidiu até o seu falecimento, em 1864, a história do Instituto foi marcada pela trajetória de seus dois mais importantes gestores (ver anúncios dos seus estabelecimentos - Almanaque Laemmeri). O primeiro, que exerceu o cargo durante 24 anos, o francês Eduardo Júlio Janvrot, veio ainda criança para o Brasil, diplomando-se
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Dulcamara: personagem e remédio Em 1844, a ópera italiana Elixir de amor, de Caetano Donizetti (1797-1848), estreava na capital do Império, no teatro São Pedro da Alcântara, localizado na praça da Constituição, atual praça Tiradentes. O libreto da ópera de autoria de Felice Romani (1788-1865) contava uma história de amor cujo principal personagem é Dulcamara. Ele é vendedor de um elixir do amor e convence o apaixonado Nemorino a comprá-lo para conquistar a mulher amada, Adina. Crédulo nas propriedades milagrosas da poção, Nemorino não desconfia que a herança que recebera era a verdadeira causa da súbita atenção de Adina. Essa sátira à figura do charlatão foi explorada pela elite farmacêutica e médica reunida na Academia Imperial de Medicina, em suas denúncias à prática dos homeopatas.
farmacêutico em 1854 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Proprietário de botica, depois transformada em farmácia e drogaria, preparava e importava diversas especialidades farmacêuticas. Eugênio Marques de Holanda, natural do Piauí, ocupou a presidência do Instituto de 1882 até seu término, em 1887. Era farmacêutico, também formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1860, e proprietário de botica emTeresina e no Rio de Janeiro, sendo que em 1881 inaugurou o Laboratório da Flora Brasileira com a presença do imperador Pedro 11. Ambos foram farmacêuticos da Casa Imperial e pertenceram à Academia Imperial de Adedicina e a várias associações nacionais e estrangeiras. Entre 1858 e 1874, as ações do Instituto Farmacêutico, tal como as da Sociedade Farmacêutica Brasileira que o precedeu, voltaram-se, principalmente, para a elaboração de representações dirigidas ao governo imperial, denunciando as irregularidades cometidas no exercício da farmácia na corte. Nessas iniciativas agiam juntamente com os médicos filiados à Academia. Durante o ano de 1874, quando a cidade carioca foi acometida novamente por uma epidemia de febre amarela, o Instituto conseguiu criar uma escola preparatória para o ingresso no curso de farmácia das faculdades de medici na - a Escola de Humanidades e Ciências Farmacêuticas. Quando escasseavam as verbas provindas do Instituto e do governo imperial, lançavase mão do beneficio teatral que consistia na apresentação de peças, cujo valor recolhido era revertido para a Escola. Embora de curta duração, a Escola chegou a reunir 193 alunos em 1875 no seu curso de humanidades, tendo início no ano seguinte o curso de ciências farmacêuticas.
O Congresso Farmacêutico de 1877 Entre maio e junho de 1877, a Tribuna Phamiaceulica e alguns jornais de maior circ ulação notici avam o 1 Congr esso Farm acêutico realizado no Bra sil, nos dias 17 e 27 de maio. Entre os motivos apresentados pelo Instituto Farmacêutico para a sua realização, destacavam-se: O desânimo a que essa infeliz classe se tem deixado chegar, em
detrimento de seus próprios interesses, de ciência e de saúde pública; a facilidade com que se contrariam direitos adquiridos; a opressão que leva essa mesma classe a abandonar seus arraiais para filiar-se em outras profissões. (Jornal do commercio, Rio de Janeiro, 21/05/1877) Os farmacêuticos do Instituto depositavam naquele evento a esperança de alcançar os seus propósitos de conquistar a autonomia profissional do farmacêutico principalmente com relação aos médicos. Estes tinham exclusividade no ensino farmacêutico ministrado pelas faculdades de medicina e eram apontados como infratores das leis, pois compravam
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ÍSM' IWW-SmWiiSKA««'»»?! farmácias, comercializavam medicamentos e muitas vezes ocupavam atividades que cabiam aos farmacêuticos. O Congresso Farmacêutico teve como um dos resultados o encaminhamento de uma petição à Câmara dos Deputados que propunha a criação de um curso superior de farmácia na capital do Império, desvinculado da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e que tivesse auxílio do Estado Imperial. iVlesmo obtendo uma resposta negativa da Comissão de Saúde Pública da Câmara dos Deputados cm 7 de outubro de 1877, o Instituto, entre os anos de 1877 e 1882, investiu em estudos de história natural, química e botânica com o intuito de preparar professores para o ensino superior da farmácia. Durante o período de transição do regime político do Império para a República, os farmacêuticos ficaram praticamente sem representação corporativa, embora algumas tentativas fossem feitas nesse sentido. Em 1893, era criado o Centro Farmacêutico Brasileiro, por iniciativa do general farmacêutico Augusto César Diogo e do farmacêutico Antônio Silva Braga. No entanto, somente em 1916 seriam retomadas algumas das reivindicações levantadas pelas associações durante o Império, com a criação da Associação Brasileira dos Farmacêuticos no dia 20 de janeiro daquele ano. Presidida pelo farmacêutico Luiz Oswaldo de Carvalho, a proposta de criação de uma escola superior de farmácia e da elaboração do código farmacêutico brasileiro voltavam à cena. Em 1926, era oficializado o código farmacêutico brasileiro intitulado Fannacopéia dos listados Unidos do Brasil, de autoria do farmacêutico militar Rodolfo Albino Dias da Silva, sócio e ex-presidente da entidade. A sua edição foi patrocinada pela Associação, tornan do-se de uso obrigatório a partir de 15 de agosto de 1929. Entre as suas realizações, merece destaque também a promoção de congressos farmacêuticos, como o de 1922, na capital da República e o de 1928, na capital paulista.
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9 .) Da matéria médica à farmacologia
O aparecimento das drogas industrializadas se deve à emergência da profissão farmacêutica. Ao combinar as habilidades e competências dos boticários, botânicos e :* * íè ss *
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as drogas. Uma descoberta científica, a síntese em laborató rio da uréia, em 1828, por Fricd rich Wõhler (1800-82) marcou ao mesmo tempo o crepúsculo do vitalism o e a história da farmácia, pois abriu as portas
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para a síntese de substâncias orgânicas. A morfina, poderoso sedativo e narcótico, foi retirada do sal de ópio, em 1817, por Friedrich Sertürner (1783-1841), a quem se atribui a descoberta da existência de drogas orgânicas
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compostas de sais com ácidos. Tais substâncias foram chamadas de alcalóides por se assemelharem aos álcalis
inorgânicos. Seguindo o postulado de François Magendie (1783-1855), que pregava ser mais eficaz a droga mais pura, o farmacêutico Pierre-Joseph Pelletier (1788-1842) isolou da ipecacuanha a emetina, usada como vomitório. D a no z-vô mica, o vene no convuls ivo estrienina foi extraído e indicado como tônico. A partir de então, ampla série de alcalóides foi isolada: a quinina (1820), a atropina (1831), a codeína (1832), a digitalina (1844), a papaverina (1848), a cocaina (1858). Com a grande profusão dos remédios químicos, o ensino e os tratados de farmacologia eclipsaram os velhos compêndios de matéria médica.
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Justus Von Liebig (1803-73) lançou as bases da farmacodinâmica moderna ao descobrir as ações farmacológicas e químicas do organismo,
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sobretudo os fenômenos metabólicos. Medicamentos de uso comum passaram
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a ser inves tigados , principalmente na Alemanha, para
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atuavam nos tecidos. A colaboração entre químicos e fisiologistas tornou-se ,An“
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um procedimento básico para a demonstração de que os princípios ativos tinham os mesmos efeitos das drogas srcinais. Os estudos em farmacologia requeriam ensaios em “ anima nobilis”, o que era feito nos hospitais, transformados em locais de pesquisa e inovação terapêutica. Joseph Orfila (1787-1853), no seu famoso
Tratado dos venenos (1814), afirmou que os
venen os se distinguiam das drogas tera pêuticas.apenas em suas dosagens. Claude Bernard (1813-78) mostrou em seu estudo sobre o curare, usado
FARMÁC IA E FARMACÊUTICOS NO OITOCENTO
PÁCINA AO LADO. ACIMA
Propaganda da Agua de Scltz, do laboratório Fritz. Mack &. cia, mostra um produto feito de maneira industrializada O desenvolvimento dc drogas industrializadas foi resultado direto da aproximação entre a farmácia e a química no ambiente universitário europeu.
: Farmácia homeopática do século xix. montada com frascos c instrumentos de época, no Museu Histórico Nacional. acima
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vGsm m m sasm como veneno pelos indios brasileiros, que as drogas atuam em partes específicas do corpo e não de modo dilusó. A toxicologia se desenvolveria, desde então, ligada à fisiologia experimental e à farmacologia. Dessa época datam ainda outras descobertas, ligadas, em parte, à quimioterapia sintética: o bicarbonato de sódio (Rose, 1801), o iodo (Coutois, 1811), o iodofórmio (Serullas, 1822), o clorofórmio (Souberain, 1831), o cloral (Liebig, 1832), o fenol (Runge, 1834), a pepsina (Schwann, 1834), o ácido salicílico (Kolbe, 1860), o ácido acetilsalicílico (Gcrhardt, 1853; Dresner, 1899).
Homeopatia e dosimetria Apenas referida em alguns trabalhos méd icos, antes de 1840, a hom eopatia foi introduzida no Brasil por Benoit Mure (1809-58). Mure, socialista utópico, conseguiu aprovação do imperador d. Pedro 11 para fundar um falanstério no Sul do país. A colonização, porém, fracassa e o discípulo de Hahnemann, juntamente com o médico João Vicente Ma rtins (180 8—54), inicia no Rio de Janeiro o ensino, a prática e a propagação da homeopatia. Ainda em 1844, ambos fundaram o Instituto Homeopático do Brasil, que oferecia diploma, embora o exercício clínico fosse restrito aos médicos aprovados pelas faculdades oficiais. Apesar da forte oposição das faculdades de medicina e da Academia Imperial de Medicina, no final do século xix a homeopatia foi abraçada pelo movimento positivista brasileiro, por intermédio de seus adeptos do Instituto Militar de Engenharia, no .Rio de Janeiro. Disso resulta um grande apoio oficial do governo republicano à homeopatia e a
lado : Em seu tratado de venenos, Orfila afirmou que eles se distinguiam das drogas terapêuticas apenas em suas dosagens. a o
n o alto E pÁciNA a o lado : Os anúncio' de diferentes fórmulas terapêuticas revelam a mistura entre fórmulas industrializadas e matérias primas naturais, como as cascas de laranja amarga utilizada para a composição do “bitter estomacal” Hesperidina.
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ENTOS
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conseqüente proliferação de farmácias homeopáticas por todo o território nacional. Entre seus divulgadores destacam-se Domingos Azeredo Coutinho Duque Estrada (1812-1900) e Emílio Gerson, autor de um
Manual
homeopático.O prestígio da homeopatia cresceu com a chegada da lebre amarela ao Brasil. A população via com desconfiança e medo a medicação alopátiea. Mais barata, a terapia hahnemaniana foi muito usada no tratamento dos escravos. Desde o início, ocorreram cisões entre os homeopatas. Os “puros”, seguidores da doutrina srcinal, se opuseram às modificações que os “ evolucionistas” realizava m, ao incorporar certos princípios alopáti cos. Em fins do século xix, muitos médiuns espíritas, formados ou não cm medicina, praticaram a homeopatia. Muitos manuais e boticas homeopáticos foram anunciados nos jornais da Corte e das províncias. Na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro uma enfermaria homeopática funcionou sob a direção de Saturnino Soares de Meirelles. A dosim etria era um mé todo tera pêu tico criado po r Adolph e Burggraeve (1806-96), médico belga.Tinha em comum com a homeopatia a •• ' crença vitalista. Para ele, a matéria orgânic a seria regulada pelas “ leis das
O 1 Congresso de Far macêuticos Anuncia-se um congresso farmacêutico. Esta notícia, dissimulada entre os pedidos doJo rn al do com mc rcio , fez-me tremer e desmaiar. Porque motivos um congresso de farmacêuticos a reunirem seus pensamentos e vontades? Curiosidade e mistério! Os congressos geralmente causam-me susto. Quando os mercadores de batatas, por exemplo, ou de azeite ou de qualquer outro produto, anunciam que vão reunir-se e fazer um convênio de mercadores não , se destina a favorecer o adversário. Ora, o comprador é o adversário irreconciliável, eterno, eternissimo, do vendedor. Não é certamente a mesma coisa um congresso de farmacêuticos. Seus fins são indiferentes do preço das drogas. São intuitos científicos. Ah! Se não fossem intuitos científicos!
Na medicina, cirurgia e farmácia, o que faz medo é a parte científica. As outras partes não valem nada. Um bisturi, por exemplo, não tem nada que faça tremer a passarinha: é um instrumento especial, liso, bonito. Nas mãos do cirurgião em contato com o nosso pêlo, é quase uma visão da eternidade. Por isso tremo da ciência. A ciência é objeto especial e único do próximo congresso. Vai tratar-se dos efeitos do quinino e da pomada mercurial. Vamos saber em que dose o arsênico, feito em pílulas, pode dar saúde ou matar. Enquanto essas coisas ficam nos gabinetes interiores das farmácias, a gente vive feliz, recebe as pílulas, absorve-as, passeia, cria forças, sara. Mas tratadas à luz do dia a coisa muda muito de figura. Depois de um longo debate
arsênico em pílulas, com que cara as olharei eu? Que trazes tu, pílula? Direi em forma de monólogo: a mão do farmacêutico escorregou no arsénico? Trazes a vida ou a morte? Vou passear até a esquina ou até o Caju? Pílula, és tu pílula ou comparsa da Empresa Funerária? It is the rub... Sc a voz de um cliente pode ter algum peso no ânimo dos cirurgiões e dos farmacêuticos, nada de congressos, ou, se houver congressos, nada de discussão pública. Dizem que cozinha e política não devem ser feitas às claras, porque faz perder o gosto... do jantar. Penso que é a mesma coisa na farmácia. Fé dos padrinhos: é a última palavra da experiência humana. (Crônica de Machado de Assis, na Ilustração Brasileira, sob o pseudônimo "Manasses",
do congresso, se o meu médico me receitar
Iode junho de 1877)
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vibraçõe s moleculares5', espe cíficas dos seres vivos. Na s moléstias, os organismos perdem sua vitalidade, podendo chegar à morte depois de passar por quaü"o fases ou períodos consecutivos: o dinâmico, o preparatório, o constitutivo (de reparação ou de desorganização) e o de convalescença. A chave da terap êutica era a administração de medicam entos, sob a forma de grânulos, contendo o princípio ativo das substâncias medicinais em doses precisas de acordo com os diferentes sintomas apresentados pelo paciente. Teve adepto s no Brasil e, em 1883, quan do o hospital da Beneficên cia Portuguesa abriu uma enfermaria para a medicina dosimétrica, Machado de Assis ridicularizou o que chamou de “ nova reli gião” .
A revolução pasteuriana *•*1 V Com o sucesso da aplicação da vacina anti-rábica, criada por Louis Pasteur em 1885, no pequeno Meister, que fora mordido por um cão raivoso, inicia-se a história da imunologia e da soroterapia contra a ação deletéria de bactérias e vírus. No mundo todo, apare ceram os “ caçadores de micróbios” . Ficaram famosas as experiências realizadas pelo médico carioca, professor de química da Faculdade de Medicina da Corte, Domingos Freire (1843-99), que produziu soluções srcinais visando à profilaxia e cura da febre amarela. A pre ocu pação com a escalada mortífera da febre amarela levou o imperador
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| PRODUCTOS VEGETAES
d. Pedro 11 a convidar Pasteur para vir ao Brasil. Este só desistiu quando soube que não poderia empregar prisioneiros condenados à morte em suas experiências. No Brasil, explicou-lhe o imperador, fora abolida a pena de morte. Isso abriu espaço para Domingos Freire, que pretendia matar o
Moléstias Cap ilares
Cryptococus xanthogenicus,suposto microrganismo causador da febre amarela, com aplicações de injeções hipodérmicas de salicilato de sódio. Em seguida, propôs e produziu em larga escala uma vacina preventiva. Entretanto, somente no século xx, com a descoberta da vacina antitifóide (Vincent, 1913) e com a vacina b c g (Calmette e Guérin, 1922), contra a tuberculose,
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iniciou-se de fato a produção de medicação contra as doenças infecciosas.
página a o lado : Produto nacional: xarope de abacaxi, feito em Pernambuco, em duas versões de rótulos, com diferentes idiomas, 1888.
n o alto : Anúncio do tônico medicinal Quina Laroche - Elixir Vinoso, de 188 8.
, à direita : Anúncio de tônico feito com extratos vegetais para combater moléstias capilares. 1888. acima
PARTH
Desenvolvimentos da farmácia contemporânea O crepúsculo da farmácia
»
Novas práticas farmacêuticas
»
A propaganda dirigida aos
oficina/ e da arte de formular médicos e ao grande público
Os avanços na ciência farmacêutica e o sucesso da
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nova terapêutica
»
Das farmácias às drogarias
Origens e evolução dos
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Os órgãos de classe e sociedades f a rmacêut icas
medicamentos industrializados no Brasil >)
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Desafios e tendências atuais
A s transformações da indústria farmacêutica nacional
>) A form ação do farmacêutico no
contexto republicano
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O crepúsculo da farmácia oficinal E DA AR TE DE F OR MU LA R
No final do século xix, as farmácias ainda mantinham boa parte do instrumental tecnológico herdado das boticas. Na sala da frente, prateleiras repletas de frascos de louça, brancos ou negros, de tamanho uniforme e inscrições douradas gravadas a fogo, onde eram guardadas as substâncias postas à venda. Nas dependências dos fundos, vedadas aos clientes, boiões, frascos de vidro e grandes potes de louça ou de barro encerravam o material sólido ou em pó. Lá também ficavam os instrumentos: almofariz para a maceração, cortador de raízes, tachos de bronze e coadores diversos; utensílios fundamentais para o preparo das receitas solicitadas pelos médicos, ou muitas vezes indicadas pelos próprios farmacêuticos. Estas ainda tinham como base os purgativos, supurativos e tônicos reconstituintes que, em sua maior parte, eram preparados com diferentes substâncias vegetais, animais e minerais. N o decorrer do século xx, ess es tradicio nais estabelecimentos passariam por um longo processo de transformação, que acabaria por excluir do seu perfil as atividades artesanais de preparo de substâncias empregadas na arte de curar, confiando à sua responsabilidade a comercialização de medicamentos industrializados, agora utilizados pelas ciências da saúde. Esse processo se relacionou, principalmente, ao desenvolvimento da produção de medicamentos e às conseqüentes modificações nas suas formas de distribuição e comercialização ocorridas nas últimas décadas do século xix. Até então, a medicina tinha como suas principais armas terapêuticas um pequeno número de medicamentos eficazes contra algumas doenças e uma grande quantidade de misturas, de efeito duvidoso, muitas vezes usadas de forma irrestrita contra diversas doenças. O advento da microbiologia, as investidas da terapêutica no campo da quimica e o distanciamento do pensamento médico das concepções hipocráticas que atribuíam uma força curativa à natureza transformariam esse cenário, possibilitando o desenvolvimento de um grande número de novos medicamentos, cada vez mais eficazes na proteção e no combate a doenças específicas. No entanto, a produção desses novos compostos muitas vezes
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A Farmácia Silva Araújo Luiz Eduardo Silva Araújo, o fundador da Farmácia Silva Araújo, era sobrinho do boticário Francisco Manoel, antigo dono da botica que, mais tarde, se transformaria na famosa Drogaria Granado. Nela trabalhou durante algum tempo. Em 1870 criou sua própria farmácia, na mesma rua Direita, em frente à antiga. Com o passar dos anos, a Farmácia Silva Araújo se transformou num estabelecimento muito bem conceituado, sendo pontoe de encontro de dosmedicina médicos,da estudantes professores corte que ali iam debater seus casos clínicos e encomendar suas receitas. Em 1891, Luiz Eduardo, junto com seu irmão, o também farmacêutico Francisco Manuel, montou um laboratório farmacêutico no então distante subúrbio do Rocha, para fabricar extratos vegetais da flora brasileira. Logo começou a editar uma revista com o rol dos produtos que fabricava, que em 1908 ganhou o nome de Boletim Farmacêutico. Com a morte de Luiz Eduardo, seus filhos passaram ao comando da empresa. Em 1910, Paulo Silva Araújo a ela agregou um laboratório clínico para a elaboração de diagnósticos, o qual obteve uma forte expansão a partir da década de 1920.
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a o lado , acima Imagem dc Marc Ferrez documenta o laboratório de histologia da Faculdade de Medicina do Rio de janeiro, após reforma da Instituição, ocorrida em 1880. Com o laboratório de bromatologia e toxicologra o ensino dc farmácia alcança novo patamar. página
do Percé#
página a o lado . abaixo . Farmácia de um posto de profilaxia rural do Departamento de Saúde Pública no início do período republicano.
. Anúncio do Laboratório Clínico Silva Araújo, montado no subúrbio do Rocha, cm 1891. Com a morte de Luiz Eduardo Silva Araújo, fundador do empreendimento, seus Filhos criaram, em 1910. um laboratório clinico para elaboração de diagnósticos. acima
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BOTI CAS
& PHAR MACIAS
Médicos, farmacêuticos e médicos de farmácias Se a botica do século xix foi um espaço social de convívio, as farmácias das primeiras décadas do século xx foram
requeria conhecimentos especificos, distantes do dominio do farmacêutico,
muitas vezes espaços de prática médica, abrigando consultórios onde jovens clínicos, ainda sem uma clientela consolidada, davam consultas à população local. Estes muitas vezes trabalhavam em troca de porcentagem sobre o que receitavam, ou recebiam dos donos das farmácias pelo número de consultas efetuadas. Além de se mostrarem como uma forma de iniciar na carreira os médicos recém-formados que tinham menos recursos, esses consultórios mantidos em várias farmácias eram, muitas vezes, a única maneira de levar os serviços médicos às regiões mais distantes dos centros urbanos. (Vieira, 1962)
ampliar sua capacidade de produção, transformando-se em laboratórios farmacêuticos, produtores em maior escala das primeiras especialidades
ou demandava laboratórios e instrumentais sofisticados, impossíveis de seren instalados nas farmácias. Nesse contexto, algumas farmácias brasilei ras conseguiriam
farmacêuticas que começavam a surgir. Bons exemplos desse processo são da Farmácia Silva Araújo, no Rio de Janeiro, e a Casa Baruel, em São Paulo. A primeira foi criada por Lu iz Edu ard o Silva Araújo em 1870 e em pouco tempo se transformou num ponto de encontro dos médicos da Corte. Seu maior desenvolvimento teve início em 1891, quando passou a contar com urr laboratório para a produção de extratos vegetais. Vinte anos depois, contava também com um laboratório para diagnósticos e uma publicação para levar a público seus produtos, caracterizando-se como uma das mais reputadas farmácias da capital federal. A Casa Baruel foi fundada em 1892. Instalada n; rua Direita, na região central da cidade de São Paulo, especializou-se na venc de produtos de toalete importados da Europa. Nos últimos anos do século xi passou por uma grande ampliação e se transformou em um laboratório farmacêutico voltado para a elaboração de produtos médicos. Da mesma forma que essas duas instituições, algumas outras farmácias conseguiram se transformar -se cm laborató rios farmacêuticos ou entrepostos de distribuição de medicamentos prontos, diferenciando-se
da maioria das farm ácias, aind a
voltadas exclusivamente para a form ulaç ão de medicam entos. A produ ção industrial de medica men tos foi lenta mente se multiplicando. Segundo o farmacêutico Antenor Rangel Filho, quando foi proclamada a República havia 3$ laboratórios farmacêuticos funcionando no país. O censo de 1907 já mostrava a existência de sessenta estabelecimentos desse tipo. Embora não fossem muitos, e ainda mantivessem processos artesanais de trabal ho e pouca especialização técnica, quando comparados a seus similares europeus, fabricavam em grande escala, obtendo lucros maiore do que as farmácias tradicionais. Além disso, muitos passaram a elaborar produtos até ent ão restr itos à indú stria farmacêutica européia - como as ampolas inj etáveis, comprimidos e drágeas - ou montaram uma incipiente estrutura para a importação c distribuição de medicamentos. Deixando de monopolizar a produção de medicamentos, as farmácias começaram a voltar-se também para a comercialização de drogas importadas ou que começavam a ser produzidas nos laboratórios nacionais. Ass im, passaram a integrar uma nova estrutura de mercado também composta por casas depositárias, especializadas na distribuição dos produtos e na importação de medicamentos e produtos de beleza estrangeiros. De caráter diferenciado, mas integrando o mesmo setor de medicamentos, encontravam-se os estabeleciment os hom eopáticos, voltados exclusivamente para a manipulação de produtos hahnemanianos. Até o final do século xix já
À esquerda : Na imagem, anúncio do laboratório estrangeiro Hees, um dos muitos que passaram a comercializar seus produtos no Brasil.
página a o lado : Propaganda do fortificante elaborado pelo farmacêutico Cândido Fontoura pouco antes da abertura de seu estabelecimento em São Paulo, em 1910. O nome do remédio foi sugestão de Monteiro Lobato.
DESENVOLVIMENTOS D
A FARM ÁCIA
CONTEMPORÂNEA
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Biotônico Fontoura Em 1910, o farmacêutico Cândido Fontoura (1885-1974) fundou na capital de São Paulo um laboratório para fabricar um fortificante que concebera pouco tempo antes. Segundo o próprio Fontoura, a idéia surgiu depois do sucesso obtido com a fórmula no tratamento de sua esposa, que apresentava a saúde frágil. O remédio foi batizado de Biotônico Fontoura, por sugestão de Monteiro Lobato, seu colega de trabalho no jornal O Estado de S. Paulo, onde Fontoura colaborava com escritos no campo das ciências. Fontoura havia indicado o remédio ao colega, que reclamava de fraqueza. Lobato utilizou-o e sentiu-se revitalizado. Animado com o produto, ele criaria o "Almanaque do jeca Tatu" como peça de marketing para o Laboratório de Fontoura. O almanaque de Lobato divulgava ao público como se dava o ciclo de infestação pelo ancilostoma e os sintomas da ancilostomose. ensinando medidas de educação sanitária para a proteção contra a doença. Ao mesmo tempo, fazia propaganda do Biotônico Fontoura, que por conter ferro era útil no combate aos sintomas da ancilostomose. Em suas páginas o Jeca Tatu era apresentado como um caboclo, magro, fraco, triste e preguiçoso que se tornava saudável e ativo obedecendo às medidas sanitárias e utilizando o biotônico Fontoura.
PARA 1 9 2 4 haviam sido fundadas 23 farmácias desse tipo no Rio de Janeiro, grande parte permanecendo em atividade e contando com uma grande clientela nos primeiros anos do século xx. No final da década de 1920, os consultórios de farmácia foram muito criticados pelo Sindicato dos Médicos, que via nessa estrutura uma inaceitável submissão da medicina à farmácia. Nas duas primeiras décadas do século xx, as farmácias, além de preparar as receitas indicadas pelos médicos, dedicavam-se à fabricação de elixires, vinhos e licores reconstituintes, pomadas e produtos de beleza. Já as drogarias e casas depositárias importavam produtos estrangeiros e distribuíam
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BOTICAS & PHARMACIAS
PULMONAL
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os produzidos pelos primeiros laboratórios nacionais, apresentando um sortido leque de produtos das mais diversas procedências. Eram águas minerais vindas das cidades de Caxambu e Lambari; extratos fluidos de plantas, analgésicos à base de cocaína e outros componentes químicos; sais de quinina, morfina e diversos produtos injetáveis. A maioria desses produtos era importada, trazida para o país por representantes comerciais dos grandes laboratórios que começavam a surgir. A Drogaria J. Amarante, por exemplo, apresentava-se nos jornais como representante dos laboratórios Baiss Brothers, Bourgogne, Clin Vial, Cario Erba, Lamman & Kemp etc. A drogaria Silveira, com o “ importadora direta da França, Alemanha, Portugal, Itália, Inglaterra e Estados Unidos”. Nas revistas médicas e farmacêuticas da época destacam-se, ainda, os anúncios dc laboratórios estrangeiros como Clin & Cia., Laboratório Blancar e J. E Laroze dc Paris, Hess e Huber, entre outros. Até o início da Primeira Gu erra Mu ndial, a importação de medicamentos estrangeiros foi sempre crescente. Os fabricantes, que acabariam por se transformar nas maiores multinacionais do setor de medicamentos, enviavam muitos de seus produtos para os depositários nacionais. A casa Hoffman La Roche, a Rhone-Poulcn c outros grandes da indústria de medicamentos estavam cada vez mais presentes em nosso mercado, sendo comum encontrar seus produtos em nossas farmácias. Com relação aos produtos comercializados, observa-se nesse período
FARMÁCIA
DESENVOLVIMENTOS DA
CONTEMPORÂNEA
o incremento dos medicamentos à base de extratos de órgãos animais e analgésicos, em detrimento dos antigos vinhos e elixires. O desenvolvimento dos laboratórios farmacêuticos e o consequente aumento da utilização de medicamentos prontos, nacionais ou importados transformaram, aos poucos, o perfil das farmácias, que, cada vez mais, foram assumindo características próprias dos estabelecimentos comerciais voltados para a venda no varejo. Utilização de cartazes e panfletos de propaganda apresentando as virtudes dos produtos industrializados; exposição desses produtos nos espaços mais visíveis dos estabelecimentos; veiculação de anúncios nos jornais da cidade, mostrando as principais especialidades comercializadas. Essas e várias outras técnicas de marketingpassaram a fazer parte da realidade das principais farmácias dos centros urbanos. Nesse contexto, cada vez mais a identidade visual desses estabelecimentos foi se transformando. Os laboratórios de preparação perderam espaço c sofisticação à medida que menos receitas eram prescritas pelos médicos. Os frascos de estocagem de substâncias para o preparo dos medicamentos diminuíram de quantidade e o convívio com a freguesia se tornou mais rápido, visto que o consumo de medicamentos prontos era cada vez mais frequente. Já o farmacêutico, assumia cada vez mais o papel de vendedor e “consultor” dos clientes no que tange às formas de utilização das especialidades industrializadas. Essas transformações se deram de forma diferenciada em diversas regiões. Nas zonas centrais das cidades, muitas farmácias se tornaram ainda mais sofisticadas, a fim de atender principalmente às senhoras das elites locais, cada vez mais interessadas nos produtos de beleza, que, •• 11 a partir do final do século xix, se transformaram em uma das principais vedetes desses estabelecimentos. Na s regiões mais distantes dos centros urbanos, onde médicos, hospitais ou qualquer outra instituição de saúde eram raros, muitas farmácias acabaram se transformando cm espaços de prática médica, abrigando consultórios clínicos, onde eram oferecidas consultas à população local. Todo esse processo não parece ter gerado grandes dificuldades às farmácias nas duas primeiras décadas do século xx. Apesar de não monopolizarem mais o preparo de medicamentos para a medicina oficial, elas continuaram a manter uma clientela significativa, composta não somente pelos clientes dos médicos que prescreviam as receitas a serem aviadas, mas também por uma grande freguesia composta por clientes dos diversos agentes que disputavam com a medicina oficial o direito de tratar os doentes e por pacientes que se automedicavam ou que preferiam seguir indicações terapêuticas do próprio farmacêutico.
PÁGINA AO LADO. A ESQUERDA: AriÚndO publicado no Formulário de Chernoviz. com remédios compostos à base de cocaína. No mesmo Formulário o autor alerta sobre os riscos do psicoativo.
PÁGINA AO LADO, NO ALTO: AnÚnCIO
do xarope Pulmonal, indicado para tuberculose.
i ma : Estratégias dc marketing passaram a fazer parte da realidade d> principais farmácias de centros urbanos. Par3 anunciar o Contratossc, o laboratório compara o produto às grandes maravilhas do mundo: criatividade com olho no mercado ac
9 9
2 .) Os sucessos da nova terapêutica i ! Ü s I
Até o início do século xix, a terapêutica era o ramo da medicina de menor desenvolvimento científico, tendo os médicos como principais aliados no processo de cura remédios elaborados a partir do extrato de vegetais c de alguns minerais. De comprovada eficácia, só existiam alguns poucos medicamentos, como a digitali na, util izada para problemas cardíacos, a quinina, usada no tratamento da malária, a casca do salgueiro, como febrífugo, e o mercúrio, muito utilizado no tratamento da sífilis. No decorrer do século xix, essa situação começaria a se transformar, principalmente pela aproximação da terapêutica com a química e a biologia. O marco de aproximação da pesquisa quimica com a medicina se deu com a síntese da uréia, desenvolvida por Friedrich Woehler em 1828. Sua descoberta possibilitou o desenvolvimento da química de síntese orgânica permitindo não somente a criação de substâncias análogas aos princípios ativos naturais, mas o desenvolvimento de produtos sintéticos totalmente inéditos, muitos voltados para uso terapêutico. A partir de então, cada vez mais, a indústria química, em forte expansão, principalmente na França e na Alem anha, aproximou-se da medicina, crian do uma farm acologia científica e redirecionando esforços para o lucrativo campo da produção de medicamentos. A eficácia das substâncias provenientes dos laboratórios foi fundamental nesse processo, sendo o sucesso comercial da aspirina desenvolvida pela compa nhia alemã Baye r, cm 1900, seu melhor exemplo. A aproximação da terapêutica com a biologia ocorreu, principalmente, por meio do processo que ficou conhecido como revolução pasteuriana. A partir de 1880, os trabalhos do químico francês Louis Pasteur e de seus seguidores mostraram ao mundo o papel dos microrganismos na transmissão das doenças, e a possibilidade de uma ação protetora contra esse; males pelo contato prévio dos organismos com os micróbios de virulência atenuada. Surgiam, assim, as vacinas. Estas possibilitariam a profilaxia de diversas doenças transmissíveis que desde tempos imemoriais dizimavam milhares de vidas em suas ferozes epidemias. Outra descoberta, também proveniente do desenvolvimento da medicina dos micróbios, seria ainda mais importante para a terapêutica médica. Trata-se da sorologia, iniciada a partir dos trabalhos do cientista Emile Roux (1853-1933) sobre a difteria. Seus estudos mostraram que algun animais, quando inoculados com microrganismos patogênicos, produziam em
: O s trabalhos do cientista Émile Roux (1853-1933) sobre a difteria foram de fundamental importância para o desenvolvimento da terapêutica médica da sorologia. acima
página a o lado : Na imagem de Augusto Malta, de 1914, vé-se laboratóri carioca preparado para larga produção. No início do século xx a medicina e pesquisa química já caminham juntas no âmbito de uma farmacologia científica voltada para o lucrativo camp da fabricação de medicamentos.
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seu sangue anticorpos que, aplicados em pessoas afetadas pela mesma doença, conseguiam impedir seu desenvolvimento pela destruição do microrganismo agressor. Logo surgiram vários soros capazes de curar os acometidos por doenças infecciosas como a peste bubônica e o tétano, ou mesmo atuar como antídoto contra o envenenamento por mordidas de animais peçonhentos. Ap esa r de terem seu uso prioritariam ente volta do para a saúde públic a, as vacina s e sobretudo os soros passaram a fazer parte tam bém do arsenal dos clínicos e da linha de produção dos laboratórios farmacêuticos. No Brasil, as possibilidades ãbettâs pelo advento da microbiologia ocasionaram a criação de institutos voltados para a produção de soros e vacinas. Alg uns deles, em especia l a Fund açã o Osw aldo Cru z e o Instituto Butantã, se transformaram em grandes centros de medicina experimental voltad os para a pesquisa biomé dica em diversas áreas e para a pro dução de soros, vacinas, reagentes e medicamentos diversos. A patir da segunda década do século xx, vários técnicos formados nessas instituições fundaram diversos laboratórios farmacêuticos privados, contribuindo fortemente para a ampliação desse campo da indústria nacional. No início do século xx, a aproximação entre a imunologia e a química das drogas sintéticas possibilitou a elaboração de medicamentos capazes de agir selet ivament e contra microrganismos e specíficos, sem produzir grandes males aos organismos dos doentes. O primeiro e mais importante deles foi o 606, mais conhecido como Salvarsan, elaborado pelo químico alemão Paul Ehrlich (1854-1915), prêmio Nobel de medicina cm 1908, para tratamento da sífilis. Embora sua descoberta tenha entusiasmado fortemente a comunidade médica, que imaginou o surgimento de compostos sintéticos, capazes de agir contra várias doenças infecciosas, só em 1932, com a descoberta do Prontosil pelo alemão Gerard Domagkor, pesquisador da Bayer, veio à luz um novo quimioterápico eficaz contra doenças bacterianas. Em 1935, a Bayer colocou o Prontosil no mercado e quatro anos depois seu descobridor ganhava o prêmio Nobel dc medicina pela magnitude de seu feito. O Prontosil foi utilizado com sucesso contra a erisipela e outras doenças. Alg uns anos depo is, pesquisas realizadas no Instituto Pasteur de Paris pelos
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pesquisadores Fourneau,Tefouel, Nitty e Bovet mostraram que um de seus compon entes, a sulfanilamida, er a o responsável por sua açao contra a infecção por estreptocócieos. Em pouco tempo, drogas à base de sulla passaram a ser muito utilizadas no tratamento da pneumonia, da meningite e de infecções puerperais. Ain da em 1928, u ma des cob erta inesperada daria src em a mais uma revolução no campo da terapêutica. Observando uma colônia de estafilococos degradada pela ação do fungo
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nela se instalou, o médico Alexander Fleming (1881 -1955) concluiu que esse fungo exercia uma ação destrutiva contra os estafilococos e outras bactérias patogênicas. Somente na década de 1940, a descoberta de Fleming se transformaria num medicamento: a penicilina. Sua elaboração deve-se aos estudos dos médicos Howard Florey e Ernst Chain e de sua posterior associação com indústrias químicas norte-americanas. No contexto da Segunda Grande Guerra, a ação antiinfecciosa da penicilina mostrou-se muito importante, p rincipalmente nó tratamento das pneumonias, das doenças venéreas e dos ferimentos dos soldados das tropas Aliadas. Em pouco tempo, sucedâneos desse medicamento voltados para doenças causadas por germes gram-negativos, como as cstreptomicinas, ou de amplo espectro de ação, como as tetracilinas, passaram a ser utilizados contra diversas doenças bacterianas.
PÁGINA AO LADO, À ESQUERDA:
PÁGINA AO LADO, NO ALTO!
Fundação Oswaldo Cruz e Instituto Butantà, dois centros criados no Brasil em 1900, voltados para pesquisa e produção de soros e vacinas, e que se tornaram importantes pólos de medicina experimental.
Atendimento médico feito em pedestre, cm uma rua do Rio de Janeiro, em 1910. Na ambulância do Posto Central de Assistência Pública, seguiam o motorista, c um médico com uma caixa com medicamentos, à semelhança das antigas boticas portáteis.
n o alto : Laboratórios nacionais como o de Oliveira Junior e o de Pedro Dona, que anunciam seus produtos Crindelia contra tosse e rouquidão e Elixir Doria, composto estomacal, disputam espaço com laboratórios estrangeiros poderosos, como Baycr c Merck.
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No final do século xix começaram a surgir os primeiros laboratórios farmacêuticos nacionais. Mas foi a partir da segunda metade da década de 1910 que ocorreu um maior e mais duradouro desenvolvimento da nossa indústria farmacêutica. Em 1913, o Brasil contava com 765 estabelecimentos produtores de medicamentos. Ao findar-se a Primeira Gu err a Mu nd ial, em 1918, esse número já era de 1.181 estabelecimentos, chegando a 1.329 em 1930. Essa expansão se deveu a dois fatores. Um deles foi a escassez de produtos farmacêuticos, determinada pelo início da Primeira Grande Guerra, que acabou potencializando a produção nacional. Nesse momento, muitos laboratórios já existentes foram ampliados c algumas farmácias passaram a se constituir como pequenos laboratórios produtores. O outro fator foi a existência de um grande contingente de técnicos, formados em instituições públicas, interessados em organizar novos laboratórios privados de produção de medicamentos. Toda essa história tem início no final do século xix, momento em que foram criados laboratórios públicos ou filantrópicos para a elaboração de soros e vacinas contra as principais epidemia s que atacavam o país. Instalados nos centros economicamente vigorosos da região Sudeste, alguns deles conseguiram sobrepujar sua conformação srcinal de estabelecimentos fabricantes de produtos para a saúde pública e se transformaram em verdadeiros centros de pesquisa experimental no campo da biomedicina. O Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e os Institutos Butantã e Pastcur, em São Paulo, são os melhores exemplos desse processo. Criados em 1900 para combater um surto de peste bubônica que surgiu no porto de Santos e ameaçava alcançar as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, os Institutos Butantan e Oswaldo Cruz (naquela época denominado Instituto Soroterápico Federal) iniciaram sua trajetória de forma modesta, reunindo alguns técnicos dedicados aos exames laboratoriais,
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DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA
I OÇ
à produção de soros c vacinas e às pesquisas biomédicas. Em pouco tempo, graças à sólida formação e iniciativa de seus técnicos, à conjuntura favorável e à profícua liderança de Oswaldo Cruz (1872-1917), no Rio de Janeiro, e Vital Brasil (1 865- 19 50), em São Paulo , essas instituições consegu iram pôr em marcha importantes linhas de pesquisa e formação de pessoal nos mais diversos ramos da medicina experimental. Na década de 1910, esses institutos já se afiguravam como reco nhe cidos centros de pesq uisa s, pro duzindo, além de vacinas e soros, vários outros produtos farmacêuticos oriundos de suas pesquisas. Em 1904, surgiria ainda o Instituto Pasteur de São Paulo, instituição privada de caráter filantrópico, mas largamente subsidiada pelo estado. A partir de 1906, sob a direção do italiano Antonio Carini, o Instituto Pasteur de São Paulo começou a produzir um grande número de trabalhos científicos e elaborar diversos produtos biológicos, tendo grande produtividade até 1915, quando foi encampado pelo estado e transformado num posto de vacinação anti-rábica. Muitos técnicos dessas instituições iriam se transformar nos
Farmacopéia A farmacopéia é o código oficial farmacêutico de uma determinada região. Estabelece as especificações técnicas dos medicamentos, como a matéria-prima utilizada, os processos de preparo, a embalagem adequada para cada substância. Seu objetivo é definir um padrão de qualidade a ser obedecido obrigatoriamente pelos medicamentos.
de grande porte que fabricava centenas de especialidades e exportava
A farmacopéia brasileiradeé Revisão elaborada Comissão Permanente dapela Farmacopéia Brasileira ( cp rfb ), uma comissão oficial nomeada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Durante muito tempo, a palavra farmacopéia se referia a tratados para a elaboração de medicamentos, voltados principalmente para as matérias-primas a serem utilizadas e sua dosagem. A primeira proposta de organização de uma farmacopéia nacional surgiu em 1906, mas não chegou a se concretizar. Nesse período, os farmacêuticos brasileiros utilizavam a farmacopéia francesa para guiar a fabricação de seus medicamentos. Somente em 1929 o país
medicamentos para vários países latino-americanos. Na década de 1960,
teria sua farmacopéia nacional.
principais protagonistas da criação
de novos laboratórios farmacêuticos
na primeira metade do século xx, sendo que os pesquisadores oriundos das instituições paulistas seriam os mais bem-sucedidos na criação de grandes laborat órios produtores de medicamentos. Em 1912, alguns pesquisadores do Instituto Pasteur de São Paulo, liderados pelo médico Ulisses Paranhos, fundaram o Laboratório Paulista de Biologia. Aproveitando a experiência anteriormente adquirida, el es passar am a oferecer produtos e serviços semelhantes aos do Instituto Pasteur, ainda fabricados de forma artesanal. Com a dificuldade de importação de produtos causada pela Primeira Guerra Mundial, as vendas do laboratório se ampliaram bastante, sendo que na década de 1920 este já era uma empresa
PÁCINA AO lado : Vital Brasil, na imagem com Bonilha de Toledo e Arthur Mendonça, liderou pesquisas no Instituto Butantã, em São Paulo. Na década de 1910, 0 centro, além de produzir vacinas e soros, passou a elaborar diversos produtos farmacêuticos.
: Frascos de fórmulas produzidas na Granado.
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A m m i- M i l ,. o Oswíldo t um tal mto. OíKubriu que o mosquit o ' meu ,-rvidur e ujo (]uiW5—r. um meirinho B c r o n ic a . —Qual ; faz cousa m elhor; caç« rato» com a trotpbcu. e* taixa. E* um gatAo' a r ío l a V -Po ia com o meu app.at eci meMO, nao querendo elle reponsabil taar t. a mosca» e b crianças com ferros e nvenenados, a t al vaccina obrigatona. E um pav jo*
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o Laboratório Paulista dc Biologia já ocupava o posto de sexto maior laboratório farmacêutico nacional. Em 1919, pesquisadores do Instituto Butantan , liderados por Vital Brasil, seriam os artífices da criação de outro laboratório farmacêutico. Após alguns desentendimentos com a diretoria do Serviço Sanitário dc São Paulo, à qual o Butantan estav a subord inado, Vital Brasil deixo u a instituição que por quase duas décadas dirigira e se transferiu para a cidade de Niterói, no Rio dc Janeiro, onde fundou o Instituto Vital Brasil, instituição voltada prioritariamente para a produção de soros e outros produtos biológicos. Por meio de acordos com o governo do Rio de Janeiro, o instituto obteve algumas vantagens fiscais em troca da obrigação de produzir algumas vacinas para o estado. Em alguns anos o Instituto Vital Brasil se consolidou como importante instituição fluminense de produção de imunobiológicos e medicamentos, só vindo a entrar cm decadência na década dc 1950, 110 contexto mais geral da crise da indústria farmacêutica nacional. Com um perfil semelhante ao do Instituto Vital Brasil, foi criado, em 1925, o I nstituto Pin heiros. Dirigid o po r Eduardo Vaz e Mario Augusto Pereira, técnicos vind os dos Institutos Butantan e Vital Brasil, o Pinheiros especializou-se na fabricação de produtos biológicos, como a vacina anti-rábica, a
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e os soros antiofidicos, antitetànico e antidiftérico.
Estabelecendo uma grande rede de distribuição voltada também para
: A charge de agosto de 1904 página a o lado : Farmácia do mostra a preocupação com as epidemias Laboratório Central do Exército. que assolavam o pais. Em 1902, Oswaldo Cruz passou a dirigir o Instituto Soroterápico Federal e no ano seguinte ficou à frente do Departamento Ceral de Saúde Pública, de onde combateu a peste bubônica, a varíola e a febre amarela que ameaçavam a capital da República. acima
DESENVOL
VIMENTO
as regiões rurais, o instituto chegou a suplantar alguns institutos públicos na venda de vacinas e outros produtos de saúde pública para as diversas unidades federativas do país. Em menos de duas décadas, o Instituto Pinheiros havia ampliado fortemente suas atividades, transformando-se no maior fabricante nacional de produtos biológicos. No final da década de 1950, situava-se entre as vinte maiores indústrias farmacêuticas do país, mantinha 12 filiais e mais de 1.200 funcionários.
As transformações da indústria farmacêutica nacional Esses laboratórios, como muitos outros que floresceram no país, começaram a passar por fortes dificuldades a partir da década de 1940. Até então, os problemas decorrentes da Segunda Grande Guerra faziam com que as importações de medicamentos fossem restritas. Além disso, até a década anterior não havia uma diferenciação muito grande entre as especialidades fabricadas pelos laboratórios nacionais e as produzidas pelos estrangeiros. No entanto, essa realidade rapidamente se transformaria. A produção dos antibióticos e de outros medicamentos baseados em sínteses químicas possibilitou um grande desenvolvimento de diversos laboratórios norteamericanos e europeus. Seu crescimento era fruto de anos de continuados investimentos em pesquisa e se traduziu na capacidade de desenvolver e colocar rapidamente no mercado novas drogas de real eficácia para diversas doenças. Num caminho diferenciado, as empresas nacionais eram pouco afeitas a investimentos em pesquisas dirigidas à elaboração de novos produtos, contando com poucos profissionais com formação em alto nível em bioquimica e farmacologia e com a dificuldade de obtenção da matéria-prima necessária para a produção das novas especialidades. Dessa feita, não lograram esse mesmo desenvolvimento, o que as levou a ocupar posições secundárias nos mercados de medicamentos na chamada “era dos antibióticos”. Nesse contexto, os laboratórios nacionais começaram a entrar em crise. O Instituto Vital Brasil, por exemplo, passou por diversas dificuldades nesse período, até ser encampado pelo governo do estado do Rio de Janeiro em 1956, e se transformar em instituição pública de produção de medicamentos. Num movimento contínuo à crise que se instalava na indústria farmacêutica nacional, as corporações multinacionais começaram a comprar nossos laboratórios farmacêuticos. Õ Laboratório Paulista de Biologia resistiu até a década de 1970, quando foi vendido para o Instituto Pinheiros. Este, atingido pelas mesmas dificuldades de seus congêneres nacionais, foi incorporado à multinacional Sintex do Brasil em 1972. Para se ter uma idéia da magnitude desse processo, podemos observar que em 1957, entre os vinte maiores laboratórios farmacêuticos existentes no Brasil, cinco eram nacionais,
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ou associados a capitais nacionais: Pinheiros, Moura Brasil,Torres, Fontoura e Lafi. Cinco anos mais tarde, após a compra do Instituto Pinheiros pela Sintex, nenhum laboratório nacional constava dessa lista. Desde então, a produção farmacêutica brasileira tem como principais produtores as empresas internacionais instaladas no país. Além disso, na década de 1990 ampliou-se bastante a importação de medicamentos dos países-sede dos grandes laboratórios multinacionais, que interromperam a produção nas filiais brasileiras. Com relação aos produtos aqui fabricados, essas empresas, na maioria das vezes utilizam tecnologia transferida por parceiras internacionais ou pagam wyalties para as que detêm as patentes. Segundo dados atuais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, somente uma média de 20% do faturamento do setor farmacêutico se srcina de empresas de capital nacional. No entanto, a lei que regulamenta a produção e a comercialização dos genéricos tem estimulado a produção local, promovendo a ampliação da participação dos laboratórios nacionais em nosso mercado. Nos últimos anos, entre os dez maiores produtores de medicamentos no país, encontravam-se duas empresas de capital nacional (Aché e Km s -S igma Pharma). Hoje já são quatro (recentemente Medley e Eurofarma). Apesar desse crescimento, o grande contingente de laboratórios nacionais de produção de medicamentos (85%) é composto por pequenas e microempresas. Além desses se destacam laboratórios oficiais, na sua maioria filiados à Associação Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob), que fabricam 10% dos da produção nacional.
, À esquerda : Imagem de um laboratório caseiro, no Rio de Janeiro, infeio do século xx, com diversos instrumentos de preparos.
acima
n o alto : Criada em tgoo pela companhia alemã Baycr, a aspirina encontrou um rápido sucesso de vendas, consolidado com uma eficaz estratégia comercial.
página a o lado : Anúncio do laboratório Paulista de Biologia criado em 1912 por pesquisadores do Instituto Pasteur de São Paulo. Profissionais ofereciam produ tos - soros e v acinas em propagandas que apelavam para imagens que conjugavam ciência c aparelhos tecnológicos sofisticados.
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A formação do farmacêutico na República Entre o final do Império e os primeiros anos da República, a profissão de farmacêutico passou por várias transformações, provenientes de mudanças nas leis que regulamentavam o ensino médico e a saúde pública. Umas favoreciam os interesses dos profissionais formados nas faculdades ; outras, pareciam desmerecê-los, demonstrando que o setor ainda estava longe de obter o reconhecimento que objetivav a. Durante o Império, a elaboração de
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medicamentos e a administração das farmácias não se limitavam aos farmacêuticos formados nas faculdades de medicina. Os práticos tinham o direito de exerc er essas funções a título precário. Fortemente combatida pelos
farmacêuticos diplomados, a concessão desse tipo dc licença seria reduzid a ao prazo dc dez anos, em 1890, c definitivame nte abolida em 1894. Ainda nesse ano os farmacêuticos passaram a ter lugares reservados no serviço de saúde federal, espaço até então reservado a médicos. No sentido contrário aos seus interesses, uma reforma do ensino médico ocorrida em 1901 reduziu a duração dos cursos de farmácia de três para dois anos, limitando-os a quatro cadeiras: química médica e história natural no primeiro ano e matéria médica e farmacologia no segundo. Além disso, a facu ldade dc med icina da capital federal, que , desd e 1891 , tinha a denominação oficial de Faculdade de Medicina e Farmácia, passou a chamar-se somente Faculdade de Medicina. Novas mudanças ocorreram somente em 1910, no âmbito de uma reforma do ensino superior posta em marcha pelo governo federal. Pela nova legislação, as instituições de ensino superior criadas pela iniciativa privada ficavam em igualdade de condições com as antigas faculdades oficiais, podendo organizar livremente seus cursos e expedir diplomas. A nova lei do ensino teve como resultado o surgimento de várias faculdades no país, muitas oferecendo cursos de farmácia. Segundo muitos farmacêuticos, a nova legislação desarticulou o ensino de farmácia, permitindo a instalação de diversos cursos que não contavam com infra-estrutura e competência acadêmica necessárias. Em alguma medida, sua crítica tinha fundamento, pois muitas dessas escolas tiveram duração efêmera, não chegando a se
: Sociedade Portuguesa de Benificênci a. acima
a o lado , A es quer da : Laboratório Farmacêutico do Estado de São Paulo. Lá estudantes de farmácia aprendiam a preparação magistral.
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a o lado , à direita : Fachada da Escola de Farmácia de São Paulo.
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DESENVOLVIMENTOS
constituir como verdadeiras instituições de ensino. Por outro lado, algumas conseguiram se institucionalizar. Bons exemplos são a Faculdade de Farmáci a de Minas Gerais, que s e originou em 19 11 de um cur so da Escola Livre dc Odontologia de Belo Horizonte, e a Faculdade de Farmácia da Universidade do Paraná, criada e m 1912 como curso de farmácia d a Universidade do Paraná. > ' # No que tange à organização curricular dos cursos de farmácia, a nova legislação procurou modernizá-los segundo o figurino das escolas existentes na Europa e nos Estados Unidos, que mantinham uma maior vincula ção da químic a à m edicina . As sim , os cursos de farm ácia voltaram a compreender três anos de estudos, sendo as cadeiras de química analítica, química industrial, bromatologia e toxologia incorporadas aos seus currículos. Em 1915, uma nova reorganização do ensino superior (lei n° 1 1.530) restringiu a possibilidade de criação e manu tenção de escol as livres, que passariam a ter seus cursos fiscalizados pelo Conselho Federal de Ensino como requisito para a validação dos diplomas que outorgavam. A nova lei ex igia , entre outras medidas: um program a minimo dos curs os ministrados, aprovado pelo fiscal do Conselho; rigorosos exames vestibulares; bons laboratórios; um cor po docente esco lhido por con curso públic o de provas. No que tange ao currículo de farmácia, essa legislação separou a bromatologia da toxo logia e criou a ca deira de microbiologia em conformidade com o desenvolvimento que essa disciplina vinha tendo no pais a partir da criação de institutos biomédicos públicos e de sua crescente importância para a atividade farmacêutica.
DA FAK MÁC IA CONTEMPORÂNEA
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A Escola de Farmácia de São Paulo Em 1894, momento em que a sociedade paulista fervilhava, movida pela força econômica do café, foi fundada, na capital do estado, a Sociedade Farmacêutica de São Paulo. Primeira associação paulista voltada para as questões de saúde, ela foi responsável, em 1898. pela criação da Escola Livre de Farmácia. Instituição particular, subvencionada pelo estado, foi inaugurada em 11 de fevereiro de 1899, tendo como diretor o médico Bráulio Gomes. Embora tivesse um caráter privado, a faculdade gozava de todas as regalias dos demais institutos de ensino superior do estado de São Paulo, contando inclusive com financiamento do governo estadual. Durante muitos anos a Escola Livre de Farmácia de São Paulo foi a principal instituição de ensino da área médica em São Paulo. Somente a partir de 1912, com a criação da Faculdade de Medicina do Estado, essa situação se alterou. No entanto, a Escola continuou com sua trajetória autônoma por várias décadas. Em 1934, com a criação da Universidade de São Paulo, a Escola de Farmácia foi a ela anexada.
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Si PHARMACIAS
Escola Livre de Farmácia e Química Industrial de Porto Alegre Embora o ensino médico nos primeiros anos da República estivesse restrito às faculdades do governo federal existentes no Rio de Janeiro e na Bahia, o final do século xix foi marcado por algumas tentativas locais de implantação de cursos no campo da saúde fora da órbita do governo central. No Rio Grande do Sul, onde eram muito bem-vistas as concepções positivistas de liberdade profissional, essas iniciativas se mostrariam frutíferas. Em 1894 foi criada a Sociedade de Farmacêuticos, Proprietários de Farmácias e Droguistas da cidade de Porto Alegre. No ano seguinte, a sociedade levou a cabo um dos seus mais propalados objetivos: a criação de uma Escola de Farmácia. Inicialmente dirigida pelo farmacêutico Alfredo Leal, a Escola Livre de Farmácia e Química Industrial iniciou seu curso em 1897, em salas cedidas pelo governo do estado. No ano seguinte, seus dirigentes resolveram aproximá-la do curso de partos, que funcionava nas dependências da Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre. A união das duas instituições srcinou a Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre, que passou a oferecer cursos de farmácia, medicina, odontologia e obstetrícia.
Em 1925, no governo Arthur Bernarde s (19 19 -2 2) , uma nova reforma do ensi no - Reforma Rocha Vaz - equiparou os cursos de farmácia e de odontologia das faculdades oficiais (e das escolas submetidas à fiscalização do Conselho Superior de Ensino) aos cursos-universitários de medicina, engenharia c direito. Os cursos de farmácia passaram a exigir exames preparatórios das diversas disciplinas científicas, tiveram seu currículo ampliado para quatro anos, aumentado o número de suas matérias, e foram instituídos sistemas de avaliação baseados em exames escritos, freqüência às aulas e estágios. A partir da década de 1930, o ensino de farm ácia no Brasil passaria por várias m udanças curriculares, relac ionadas principalmente às transformações da prática farmacêutica.
Pretendia-se, agora, aproximar a
formação profissional das novas atividades industriais e de serviços no campo da produção de medicamentos e alimentos e na área dos exames laboratoriais. Com esse objetivo, em 1962 o Conselho Federal de Educação criou um currículo mínimo para os cursos de farmácia. Com a reforma universitária de 1968, esse currículo passou por ligeiras mudanças, mas manteve sua característica essencial: a formação diferenciada. Pela nova legislação, o currículo mínimo para a formação de farmacêuticos compreendia um ciclo pré-profissional formativo; um ciclo básico comum, para a formação de todos os farmacêuticos, e um ciclo diversificado, voltado para a formação de farmacêutico industrial ou de farmacêutico bioquímico. Com algumas alterações, essa estrutura permanece até hoje em vigor. Ela tem por objetivo assegurar ao farmacêutico e ao farmacêutico bioquímico condições de exercer atividades em laboratórios de saúde pública, de manipulação magistral farmacêutica (farmácias, hospitais, drogarias), empresas industriais farmacêuticas, indústrias alimentícias, ervanários etc.
DESEN VOLV IMENT OS DA FARMÁCIA
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página a o lado : Professor instrui alunos durante aula na faculdade de farmácia da Universidade do Brasil.
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: Tradicional firma do ramo médico-hospitalar e odontológico. a Casa Lohner produziu o primeiro aparelho destinado a realizar exames pulmonares em série no Brasil, na década de 1930. acima
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CONTE MPORÂ NEA
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5 .) Farmácias e práticas farmacêuticas
A partir da déca da dc 1930, a exp ans ão dos laboratórios farmacêuticos nacionais e estrangeiros e a conseqüente ampliação da utilização de suas especialidades geraram uma verdadeira revolução na organização da farmácia e na prática dos farmacêuticos. Sc até os anos 1920 a utilização dc medicamentos prontos ainda era pequena, nos anos 1930 passa por forte incremento, fazendo com que a procura por produtos elaborados pelos farmacêuticos em seus estabelecimentos se reduzisse fortemente. Vários fatores se relacionam a essa mudança. No âmbito mais geral observamos que o processo de t i l
modernização do 'país; caracterizado pela forte industrialização e urbanização, aos poucos transformou os hábitos de consumo da população, tornando-a cada vez mais afeita ao con sum o de pro dutos industria lizados, elaborados por grandes empresas que passaram a incorporar em suas estratégias de mercado a forte utilização da propaganda. No campo específico do consumo de medicamentos, esse processo se relaci onou à revolução terapêutica iniciada, em 1935, com a fabricação em escala industrial da sulfanilamida pela Baycr, sendo posta em marcha com o desenvolvimento dos antibióticos na década seguinte. O aparecimento desses produtos tornou obsoleta boa parte dos medicamentos então em uso, determinando a ampliação do consumo de especialidades elaboradas em grandes laboratórios. A ação dessas empresas logo ultrapassou os limites de seus países de srcem. De início, com a exportação de seus produtos. Em seguida, com a montagem dc filiais em diversas partes do mundo. No Brasil, a presença das multinacionais dos medicamentos se inicia no final do século xix, e se intensifica bastante na década de 1930. Nesse período, sete grandes laboratórios farmacêuticos europeus se instalaram no pais: a Bayer, em 1890; a Rhodia, em 1919; o Lab ora tório Beech am , em 1922; a Merck, no ano seguint e; a And roma co, em 1928; a Roche, em 1931; a Glaxo, em 1936; e a Ciba, em 1937. Além desses vieram os norte-americanos Sidn ey Ross , em 1920; Johnson & Johnson, em 1936; e Ab bo t, em 1937.
DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA
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Guarde este livrinho com cuidado: eüe lhe prestará serviços inestimáveis nos momentos de aiiliçâo. Vld» pagina
página a o lado : Propaganda do laboratório Silva Araújo. A partir dos anos 1930 há um expressivo aumento da procura por produtos industrializados.
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ACIMA, IMAGEM MAIOR: Como
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estratégia de marketing, farmácias e laboratórios retomam a antiga tradição dos almanaques.
Almanaque Cuaraina
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Venda de remédios: do reclamo ao
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Os médicos foram um dos principais agentes responsáveis pela ampliação do consumo dos produtos farmacêuticos, receitando, cada vez mais, medicamentos prontos, em substituição aos elaborados nas farmácias. A ação dos médico s em fav or dos novos produtos também era fruto de uma nova forma de propaganda que inVadia o mercado dos medicamentos. Até então, a propag and a dos med icam entos era feita de forma ampla, tendo como alvo os consumidores. Nesse periodo, os laboratórios estrangeiros passaram a também pôr em prática uma propaganda exclusivamente voltada para os méd icos. Esses deve riam ser os novos mediadores do consumo, indicando aos seus pacientes medicamentos de fabricantes específicos. A eles era dirigida toda uma propaganda que se concentrava em mostrar o valor terapêutico dos novos produtos, sua forma de elaboração e as vantagens que trazia em relação a seus concorrentes. Amostras grátis, bônus, brindes e forte atuação de representantes comerciais eram as principais armas para atrair o interesse dos médicos. Além disso, os medicamentos desses laboratórios passaram a conter uma novidade: as bulas. Esse detalhado conjunto de instruções auxiliava o médico, ao apresentar a composição do medicamento, e também era de grande valia ao consumidor final, por indicar a forma de utilização c armazenamento do produto. O esforço para atingir os médicos não representou o abandono da propaganda popular. Pelo contrário, esta ganhou sofisticação e agressividade, com belas imagens, textos bem construídos e utilização maciça dos mais diversos meios de comunicação, voltando-se prioritariamente para produtos sintomáticos de ampla utilização.
Das farmácias às drngstores: nova fórmula, nova rotulagem Tudo isso colocava cm xeque o papel das farmácias e farmacêuticos. No âmbito da nova terapêutica, era impossível disputar com os modernos laboratórios a liderança na fabricação de medicamentos. As farmácias não poderiam contar com instalações, instrumentos e pessoal qualificado suficientes para produzir as especialidades cada vez mais receitadas pelos médicos. Além disso, sofriam uma forte concorrência das drogarias que
DESEN VOLVI MENT OS
: Almanaque do página a o lado laboratório norte-americano Sidney Ross, que chegou ao Brasil em 1920.
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: Almanaque Capivarol.
DA FARMÁCIA
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compravam os produtos por atacado dos laboratórios e os revendiam por preços mais elevados para as farmácias e o grande público. Nesse contexto, a transformação das farmácias em estabelecimentos voltados exclusivamente para o comércio de medicamentos industrializados e produtos variados parecia inexorável. Mas essa possibilidade era extremamente frustrante para os farmacêuticos, já saudosos do passado glorioso de sua profissão. Em meio à crise que cada vez mais parecia se ampliar, eles apresentavam diferentes diagnósticos e propostas para transformar a situação. Para alguns farmacêuticos, boa parte dos problemas se devia ao fato de pessoas sem a formação universitária em farmácia poderem ser proprietários, ou estar à frente, de estabelecimentos farmacêuticos. No seu entender, a possibilidade de práticos e licenciados sem diploma superior administrarem farmácias desqualificava a profissão e os estabel ecimentos farmacêuticos. Outros acreditavam que as dificuldades se relacionavam ao excesso de farmácias existentes nas grandes cidades e à desunião dos profissionais fa rmac êuticos, *que não se entendiam com relação a quais estratégias deveriam ser utilizadas para valorizar a profissão. A literatura sobre o tema, escrita à épo ca, está repleta de sugestões para a elaboração de uma legislação que limitasse o número de farmácias e aumentasse a fiscalização sobre as existentes. O farmacêutico Cândido Fontoura, dono do Instituto Medicamenta e presidente honorário da União Farmacêutica de São Paulo, chegou a elaborar um questionário indagando a opinião dos farmacêuticos sobre a limitação do número de farmácias nas diversas regiões do país e sobre a ampliação do comércio de produtos diversos (não-terapêuticos) nas farmácias existentes. Seu questionário foi enviado a mais de seis mil farmacêuticos brasileiros. Da s 248 respostas obtid as, apenas a metade dos farmacêuticos que emitiram opinião era favorável à regulação do número de farmácias, e 22% viam com bons olhos a ampliação do comércio de produtos diversos nas farmácias. As respostas c comentários ao questionário foram enfeixados num livro sobre o tema, pub licado em 1938, que discorria sob re os problemas das farmácias no período, enfatizando a questão da perda do monopólio da formulação e conclamando os farmacêuticos a se organizarem em entidades que lutassem pela valorização de sua profissão. Havia ainda um grupo de farmacêuticos que via no processo cm curso um conluio entre os médicos e a indústria farmacêutica estrangeira, que deveria ser combatido com uma legislação que obrigasse os médicos a receitar produtos elaborados nas farmácias, sempre que fosse possível. Essa proposta foi pela primeira vez apresentada sob a forma de moção pelo Congresso
DESENVOLVIMENTOS DA FARMÁCIA CONTEMPORÂNEA
Farmacêutico, reunido em São Paulo cm 1928. No entanto, ela foi várias vezes rechaçada pelos médicos, principalmente aqueles liga
dos ao Sindicato Mé dico
Brasileiro, que achavam a postulação xenófoba e denunciavam uma nostalgia dos velhos tempos em faee do progresso e da eficiência terapêutica, então representados pelos produtos dos laboratórios estrangeiros. N o con text o de nacionalism o crescente dos anos 1930, a inelutável dinâmica do desenvolvimento da produção de medicamentos e suas conseqüências para as farmácias foram muitas vezes relacionadas à chegada dos laboratórios estrangeiros. No entanto, os problemas vividos pelos farmacêuticos brasileiros não se relacionavam a essa questão. Fabricados por empresas nacionais ou estrangeiras, os novos medicamentos retiravam dos farmacêuticos seu papel como agente coadjuvante do processo de cura, transformando-os em técnicos, muito mais voltados para a consultoria na produção e comercialização de medicamentos e outros produtos químicos. No âmbito das farmácias, as mudanças em curso cada vez mais as transformavam em drugstoresou drogarias, voltadas prioritariamente para a comercialização das especialidades elaboradas nos laboratórios farmacêuticos e produtos diversos de beleza, alimentação e utilidades do lar. Cândido Fontoura, em seu livro Farmácias e farmacêuticos no Brasil (1938), resume bem esse proeesso, apontando o caminho já trilhado pelos Estados Unidos como o mais viável para as nossas farmácias:
Há vinte anos me pareciam mais adaptáveis ao nosso pais as leis da farmácia européia. Mas tudo se modificou profundamente (...) e a farmácia não poderia fugir a essa grande revolução universal. Por exemplo: os médicos dos paises civilizados preferem no seu receituário os produtos injetáveis e as especialidades (remédios industrializados). Raramente formulam. Terão para isso razões fones, que não nos compete examinar. Mas essas preferências do médico e do público pelas especialidades modificaram profundamente a farmácia, e o farmacêutico tem de se adaptar, quer queira, quer não, a essa nova situação de que ninguém tem culpa. Junte-se a isso novos métodos de cura que não precisam da farmácia alopática, como sejam a eletwlerapia, hidroterapia, homeopatia, psicoterapia, espiritismo curativo etc. Fssa tremenda modificação que ora estamos sentindo, os norte-americanos já sentiram muito antes, razão pela qual, sem prejudicar a parte cientifica, enveredou a farmácia norte-americana pela ampliação de seu comercio, para a melhor garantia de tudo e de todos. Bem compreenderam que a miséria è péssima conselheira. Precisamos meditar e não nos iludir, afim de que 0 encontro da melhor saida se torne menos difícil.
página a o laoo : Uma farmácia no subúrbio do Rio avisa que não tem filiais. A essa altura, estabelecimentos farmacêuticos já estavam voltados apenas para a venda de produtos industrializados: perda da função social do farmacêutico e de um passado glorioso.
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direita
, acima
:
Capas dos almanaques
Brasilidades e Colírio Moura Brasil.
I I I)
6 .) Órgãos de classe E SOCIEDA
CÂNDIDO
DES FARM
ACÊ UTIC AS
No início do período republicano, encontramos associações farmacêuticas no Distrito Federal e em algumas importantes cidades no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em São Paulo. Já na década de 1930, oito estados apresentavam associações. Nesse mesmo período, Cândido Fontoura contabiliza 19 revistas farmacêuticas. A União Farmacêutica de São Paulo é a mais antiga dessas entidades ainda em funcionamento. No ano de 1916, foi criada na capital da República a Associação Brasileira de Farmacêuticos, que mantém atualmente uma biblioteca e um museu da farmácia. Além de promover cursos e congressos, vem estimulando o estudo de plantas, drogas c matérias-primas nacionais, e incentivando o intercâmbio cultural e profissional entre os pares, no Brasil e no exterior. Desde 1922, essa entidade realiza os Congressos Brasileiros de Farmácia. Também é de sua responsabilidade a edição da Revista Brasileira de Farmácia, que mantém sua periodicidade desde 1920. FONTOURA A primeira Farmacopeia brasileira, surgida em 1926, e tornada obrigatória a partir de 1929, foi patrocinada por essa associação. Os Conselhos Federal e Regionais de Farm ácia, criados por lei, em 1960, destinam -se à defesa dos interesses profissionais e a zelar pelo seu código de E ética. O Conselho Federal, além de habilitar os profiss ionais farm acêuticos, expede resoluções relativas
PHARMACIA
PHARMACEUTIC05 NO BRASIL
/A /S T /T U T O M E D /C A M E N T A ESTABE L EQ/ MEN TO SC/ ENT/F/CO - /NOUSTR/ AL SAO PAULO -BRAS/L-K}38.
à interpretação da legalidade de suas atribuições e competências, colaborando também com as autoridades sanitárias. A revista Pharmácia Brasileira, publicada desde 1996, é de sua responsabilidade.
7.) Novas respostas aos antigos desafios T E N D ÊN C I A S AT L A I S
Hoje são vários os desafios de inovação para a indústria farmacêutica. No campo dos produtos de uso profilático, a elaboração de vacinas para as novas epidemias virais como a gripe e as febres hemorrágicas é um deles. Além disso, a reemergência de doenças bacterianas, como a tuberculose e a malária, mostra a necessidade de novos imunizantes mais eficazes contra esses antigos males que pareciam destinados a desaparecer pelo desenvolvimento das práticas de higiene. No campo curativo, a meta é a elaboração de antivirais maiscontra eficientes eprimordial menos tóxicos, que possam ser utilizados a Aids e venham a dom esticar uma possível epidemia de influenza. Com a ampliação da utilização dos medicamentos modernos, a farmácia cada vez mais foi se consolidando como espaço de comercialização de produtos industrializados, em sua maioria voltada para a saúde e a higiene, mas muitas vezes também relacionados à beleza e pequenas utilidades domésticas. A partir da década de 1950, esgota-se o longo ciclo da farmácia oficinal, em que o renome do farmacêutico era o principal motivador da escolha por uma determinada farmácia. Agora , as estratégias administrativas e comerciais, diretamente relacionadas à ampliação do consumo, tornaram-se mais importantes para o sucesso no setor. No que tange à organização técnica dos estabelec imentos farmacêuticos, o decreto 20.377 de 19 de janeiro de 1931 definiu que o comércio de medicamentos não seria mais privativo de farmacêutico. Apesar das diversas modificações na legislação do setor, essa premissa vigora até os dias de hòje. Embora as farmácia;, _, 0 a estar sob a responsabilidade técnica de um profissional farmacêutico, não é ele que as dirige, tampouco a propriedade desses estabelecimentos está a ele vinculada. A legislação que dispõe sobre o com ércio de medicamentos também não determina a localização dos estabelecimentos farmacêuticos por .............
critérios populacionais. Assim, sua criação e manutenção se vinculam
a o lado : Em 1938. Cândido Fontoura publica Farmácia c farmacêuticos no Brasil, contabilizando 19 revistas farmacêuticas no pais. A partir de 1920. a Associação Brasileira de Farmacêuticos edita a Revista brasileira de farmácia. página
acima : Remédios cm larga escala: desafio da indústria hoje é a produção de antivirais mais eficazes c menos tóxicos, que possam ser utilizados contra doenças como a Aids.
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prioritariamente aos interesses de mercado, sem precisar levar cm conta as demandas de populações especificas. No primeiro ano deste século, existiam no país cerca de 50 mil farmácias, sendo o Brasil o país com o maior número desses estabelecimentos no mundo. Levando-se em consideração uma população de 173 milhões de habitantes
( ibge
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país contava com uma proporção de 3,17 farmácias
por 10 mil habitantes. Embora essa cifra seja bastante elevada, a distribuição irregular desses estabelecimentos muitas vezes dificulta o acesso da população aos medicamentos. Por outro lado, a forte concentração de farmácias é responsável pela busca de melhores políticas de preços. A partir das últimas déca das do século xx, o setor de vend a de medicamentos passou por uma nova transformação, agora caracterizada pela formação de grandes redes de farmácias c drogarias. Centralizando e informatizando seus estoques e racionalizando seus pontos-de-venda, algumas empresas se consolidaram como as principais redes de venda de medicamentos no varejo do país. O ganho em eficiência obtido por um novo tipo de empres a - a distribuidora de medicamentos - permitiu a muita s farmácias atenderem melhor seus clientes e garantiu assim a expansão desse serviço e, em decorrência, a consolidação de grandes redes. Ap esa r da expans ão das redes de farm ácias e drog aria s, a maior parte do faturamento do setor de venda de medicamentos ainda é proveniente de farmácias independentes, que também permanecem ampliando seu número de unidades, principalmente nas periferias das regiões
acima e PÁciNA a o lado : Cenas da larga produção da indústria farmacêutica no Brasil. Segundo pesquisa, no primeiro ano deste século existiam no país cerca de cinquenta mil farmacias, número que coloca o país na liderança de estabelecimento do gênero no mundo.
DESENVOLVIM
metropolitanas, normalmente não assistidas pelas grandes redes. Por trás dessa expansão encontra-se o florescimento, no mesmo período, de um grande número de centrais de distribuição de medicamentos. Também contando com estoques automatizados e grandes estruturas logísticas e de distribuição, dezenas de empresas desse tipo se espalharam pelas diversas regiões do pais, abastecendo as farmácias com os produtos dos diferentes laboratórios. As redes e farmácias independentes somam-se, ainda, um pequeno número de farmácias de manipulação, voltadas para o atendimento de um público com maior poder aquisitivo, consumidor de produtos individualiz ados, principal mente os de beleza e os homeopáticos. De olho no consumidor, os estabelecimentos farmacêuticos apresentam algumas tendências em processo de consolitiação. Uma delas é o oferecimento de serviços diversificados à população. Se antigamente o público procurava as farmácias para aplicação de injeção ou verificação de pressão arterial, agora podemos pagar contas de eletricidade ou o telefone em muitas delas. Esses serviços funcionam como um atrativo a mais, uma vez que grande parte dos que deles fazem uso acaba comprando algum produto do estabelecimento. Outra tendência do setor é a diversificação dos produtos comercializados. Acompanhando o formato das dnigsiores norte-americanas, as farmácias brasileiras têm nesse •• \
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mecanismo uma forma de ampliar as vendas e tornarem-se mais competitivas com relação à concorrência. Outra característica que cada vez mais se amplia no setor é a utilização de marcas próprias. Tal qual as grandes redes de supermercados, as redes de farmácias vão cada vez mais ampliando suas marcas, principalmente no comércio de produtos de beleza e higiene, de preço menos elevado. Soma-se a essas tendências algumas outras já mais consolidadas, como a entrega domiciliar e a multiplicidade de formas de pagamento, já presentes em grande parte dos estabelecimentos. Neste início do século xxi, as farmácias não apresentam quase nada do perfil que detinham até meados do século passado. O farmacêutico preparador e seu tradicional estabelecimento deram lugar a modernas casas comerciais, preocupadas principalmente com qualidade de atendimento, politica de preços e diversidade de produtos. As farmácias atuais permanecem, assim, prestando um valioso serviço, pois são elas as responsáveis pela maior parte da distribuição de medicamentos à população brasileira.
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