Leitura ativa do capítulo XI da Crónica de D. João I Do alvoroço que foi na çidade cuidamdo que matavom o Meestre, e como allo foi Alvoro Paaez e muitas gemtes com ele
Quem dá o alerta é o pajem do mestre. O Page do Meestre, que estava aa porta, como lhe disserom que fosse pella villa segumdo ja era perçebido, começou d'hir rrijamente a gallope em çima do cavallo em que estava, dizemdo altas vozes, braadamdo pella rrua: ─ Matom o Meestre! matom ho Meestre nos paaços da rainha! Acorree ao Meestre que matam!
Estado de exaltação do pajem Utilização do gerúndio – continuidade da ação. Existe o rumor de que matam o mestre, por isso é necessário que todos acorram a fim de o salvar. ”Alvoro Paaez” – homem de confiança
E assi chegou a casa d'Alvoro Paaez, que era d'alli gramde de D. Fernando e defensor de D. João, espaço.
Mestre de Avis (teve um papel importante na rebelião e apoio de D.
As gentes que esto ouviam sahiam aa rrua veer que cousa era; João) e, começamdo de fallar huüs com os outros, alvoraçavomsse Preocupação e atitude do povo: nas voomtades e começavõ de tomar armas cada huü como melhor e mais asinha podia. Alvoro Paaez, que estava prestes e armado cõ huüa coiffa na cabeça, segumdo husamça d'aquell tempo, cavallgou logo a pressa em çima d'huü cavallo que anos aviia que nom cavallgara; e todos seus alliados com elle, braadamdo a quaaes quer que achava dizemdo:
Vontade de salvar D. João; Entrega a esta causa; São capazes de tudo para o defender. Sensorialismo
da
linguagem
=
recurso às sensações Sensação auditiva – recriação do ambiente – permite ao leitor a vivência do momento
─ Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao Meestre, ca Defesa do nacionalismo filho he d'el-rei Dom Pedro. E assi braadavom ell e o Page Sensação auditiva himdo pella rrua.
Importância
do
continuidade da ação
gerúndio
=
Soarom as vozes do arroido pella çidade, ouvimdo todos Sensação auditiva braadar que matavom o Meestre; e assi como viuva que rei Comparação – reforça a relação do nom tiinha, e como sse lhe este ficara em logo de marido, se povo com D. João moverom todos com maão armada, corremdo a pressa pera hu deziam que sse esto fazia, por lhe darem vida e escusar morte. Alvoro Paaez nom quedava d'hir pera alla, braadamdo a todos: ─ Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao Meestre que matam sem por que. A gemte começou de sse jumtar a elle, e era tanta, que era estranha cousa de veer. Nõ cabiam pellas ruas primçipaaes,
Discurso direto – aproxima o leitor da ação Sensorialismo
da
linguagem
=
recurso às sensações
e atravessavom logares escusos, desejando cada huü de seer o Sensação
visual – relatos mais
primeiro; e preguntamdo huüs aos outros quem matava o realistas Meestre, nom mimguava quem rrespomder que o matava o A força e convicção do povo que Comde Joham Fernamdez, per mamdado da Rainha.
apoia D. João
E per voomtade de Deos, todos feitos d'huü coraçom, com tallemte de o vimgar, como forom aas portas do Paaço, que eram ja çarradas, amte que chegassem, com espamtosas Sensação auditiva pallavras começarom de dizer: Frases interrogativas – exaltação do ─ Hu matõ ho Meestre? Que he do Meestre? Quem çarrou estas portas? Alli eram ouvidos braados de desvairadas maneiras. Taaes hi avia que çerteficavõ que o Meestre era morto, pois as portas estavom çarradas, dizemdo que as britassem pera emtrar demtro, e veeriam que eera do Meestre, ou que cousa era aquella.
povo – mostra a sua dedicação e preocupação em relação ao Mestre Estratégias para se certificarem da morte de D. João e para vingar o Mestre
D'elles braadavom por lenha, e que vehesse lume pera Utilização
expressiva/subjetiva
do
poerem fogo aos Paaços e queimar o treedor e a aleivosa. vocabulário – “aleivosa” Outros sse afficavom, pedimdo escaadas pera sobir açima, para veerem que era do Meestre; e em todo isto era ho arroido Sensação auditiva atam gramde que sse nom emtemdiam huüs com os outros, Esta algazarra/confusão só reforça a nem determinavom nehuüa cousa. E nom soomente era isto aa força e crença do povo porta dos Paaços, mas ahimda arredor d'elles per hu homeës e molheres podiam estar. Huüas viinham com feixes de lenha, outras tragiam carqueyja pera açemder o fogo cuidamdo
queimar o muro dos Paaços com ella, dizemdo muitos doestos contra a Rainha. De çima nom minguava quem braadar que o Meestre era vivo, e o Comde Joham Fernamdez morto; mas isto nom queria nehuü creer, dizemdo: ─ Pois se vivo he, mostraaenollo e veelloemos. Emtom os do Meestre, veemdo tam gramde alvoroço como este, e que cada vez se açemdia mais, disserom que fosse sua merçee de sse mostrar aaquellas gemtes, d'outra guisa poderiam quebrar as portas, ou lhe poer o fogo, e emtramdo
“Ver para crer” Este
receio
sentido
pelos
“do
Meestre” reforça o poder que o povo enquanto personagem coletiva tem
assi demtro per força, nom lhe poderiam depois tolher de fazer o que quisessem. Alli sse mostrou ho Meestre a hüa gramde janella que viinha sobre a rrua omde estava Alvoro Paaez e a mais força de gemte e disse: ─ Amigos, apacificaae-vos, ca eu vivo e saão soom a Deos graças. E tamta era a torvaçam d'elles, e assi tiinham ja em creemça Sentimentos partilhados pelo povo ao que o Meestre era morto, que taaes aviia hi que aperfiavõ que nom era aquelle; porem, conheçendo-o todos claramente,
longo de toda esta ação
ouverom gram prazer quamdo o virom, e deziam huüs comtra os outros: ─ Oo que mall fez! pois que matou o treedor do Comde, que nom matou logo a alleivosa com elle. Creedes em Deos aimda
Crítica ao Mestre – o povo considera que D. João devia ter morto D. Leonor
lhe ha de viinr alguü mall per ella. Oolhae e veede que maldade Teles. tam gramde, mamdaram-no chamar omde hia ja de seu caminho, Expressividade e subjetividade da pera o matarem aqui per traiçom. Oo alleivosa! ja nos matou linguagem – “aleivosa” huü senhor, e agora nos queria matar outro; leixaae-a, ca Insinuação de que foi D. Leonor quem ainda ha mall d'acabar por estas cousas que faz. E, sem duvida, se elles emtrarom demtro, nom sse escusara a Rainha de morte, e fora maravilha quamtos eram da sua parte e do Comde poderë escapar. O Meestre estava aa janella, e todos oolhavom comtra elle dizemdo: ─Oo Senhor! como vos quiserõ matar per treiçom! Beemto seja
matou D. Fernando
Deos que vos guardou desse treedor! Viimde-vos, daae ao demo esses paaços, nom sejaaes la mais. E, em dizemdo esto, muitos choravom com prazer de o veer Sentimentos partilhados pelo povo ao vivo. Veëdo el estomçe que nehuüa duvida tiinha em sua longo de toda esta ação segurança, deçeo afumdo e cavallgou com os seus, acompanhado de todollos outros que era maravilha de veer. Os quaaes mui ledos arredor d'elle, bradavom, dizemdo: ─ Que nos mandaaes fazer, Senhor? Que querees que
Completa dedicação a D. João
façamos? E ell lhes rrespomdia, aadur podemdo seer ouvido, que lh'o gradeçia muito, mas que por estomçe nom avia d'elles mais mester. E assi emcaminhou pera os paaços do almiramte, hu pousava o Comde Dom Joham Affonsso, irmaão da Rainha, com que avia de comer. As donas da çidade, pella rrua per hu ell hia, sahiam todas aas janellas com prazer, dizemdo altas vozes:
Sensação auditiva
─ Mantenha-vos Deos, Senhor! Beemto seja Deos, que vos guardou de tamanha traiçom, quall vos tiinham basteçida! Ca nenhuü por estomçe podia outra cousa cuidar. E hindo assi ataa emtrada do Ressio, e o Comde viinha cõ todollos seus e outros boõs da çidade que o aguardavom, assim commo Affomss' Eanes Nogueira, e Martim Affonsso Vallemte, e Estevam Vaasquez Phillipe, e Alvoro do Rego, e
Apoiantes de D. João
outros fidallgos; e, quamdo vio o Meestre hir d'aquella guisa, foy-o abraçar com prazer e disse: ─ Mamtenha-vos Deos, Senhor! Sei que nos tirastes de gramde cuidado, mas vos mereçiees esta homrra melhor que nos. Amdaae, vaamos logo comer. E assim forom per os paaços hu pousava o comde.
D. João não mostra grandes rasgos
E estamdo eles por sse asseentaraa mesa, disserom ao de
personalidade
nem
atitudes
Meestre como os da çidade queriam matar o Bispo, e que faria intensas. Aceita e adequa-se às bem de lhe hir acorrer; e o Meestre quisera allo hir. Disse circunstâncias, aceitando as entomçe o Conde: Nom curees disso, Senhor, se o matarem, orientações que lhe são dadas e quer o matemquer nom; ca posto que ele moira, nom mimguara outro Bispo portuguees que vos serva melhor que ele. Ao dito do
manifesta carinho pelo povo.
Conde çessou o Meestre de sua boa voomtade, e o Bispo foi morto desta guisa que sse segue.
Notas finais/gerais: - Fernão Lopes manifesta a sua parcialidade/subjetividade através da empatia com o povo e do retrato que faz de D. Leonor Teles. - Fernão Lopes utiliza a “técnica da reportagem” na medida em que descreve de forma minuciosa e realista os acontecimentos como se também ele fosse parte atuante. - As
suas crónicas mostram uma visão objetiva e cinematográfica dos
eventos, já que as descrições feitas são pormenorizadas, assumindo planos mais gerais e outros particulares. - O recurso ao sensorialismo da linguagem é uma constante, o que confere uma maior verdade ao relato, ou seja, torna a prosa mais realista, permitindo ao leitor “ver”, “ouvir”, “tocar”, “cheirar” e “saborear” o mesmo que os participantes da ação. - O papel do povo, enquanto personagem coletiva, é crucial para a vitória de D. João. É a sua força, crença e espírito de sacrifício que permitem que a história seja assim feita. A união do povo é símbolo de poder e atribui poder a esta causa. Tudo isto é possível devido à coragem e patriotismo sentidos pela multidão.