Contestação à ação de danos morais e materiais Joberto Luiz de Sáles - Advogado O caso - Dona de Salão de Cabeleireiro acusada por cliente de lhe ter imposto danos aos seus cabelos com tratamento inadequado, pelo que reclama danos estéticos, morais e materiais. Processo tramitou em Juizado Especial Cível e guarda certo interesse pela natureza da defesa, sintetizada na presente CONTESTAÇÃO. 1ª PRELIMINAR – DECADÊNCIA, DECADÊNCIA, art. 26, I, CDC O direito de ação da autora, visando a reparação por supostos danos pelos serviços prestados pela ré, efetivamente já decaiu. Com efeito, como é dito na inicial, às fls. 03, “a autora no dia 12/03/2002 foi fazer aplicação de LUZES em seus cabelos com a ré, tendo voltado no dia 13/03/2002 e no dia 14/03/2002. No entanto, a ação proposta pela autora foi protocolada no dia 28/09/2002, seis meses e 18 dias depois dos supostos danos com a prestação de serviço. Ora, o Código de Defesa do Consumidor é claro: Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; du ráveis;
Como se constata, deveria a autora ter impetrado ação até os dias 12, 13 ou 14 de Abril de 2012. No entanto, somente o fez muito tempo depois da previsão legal. Com isso, eventual direito de ação entrou em decadência (dormientibus non succurrit jus), impondo-se, conseqüentemente, a extinção do processo sem o julgamento do mérito em conformidade com o art. 267, CPC e reconhecendo-se reconhecendo-se a decadência do direito de ação. 2ª PRELIMINAR – DA NECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA, INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO e DO DIREITO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO Não bastasse, devido o longo tempo passado após os eventos relatados pela autora, a adequada solução da lide demandaria rigorosa perícia técnica para se determinar com certeza o dano e o nexo causal dos eventos relatados pela autora, sendo certo que os juizados especiais não são competentes para julgar ações que demandam perícia técnica com esse elevado grau de complexidade, tudo isso nos termos da Lei 9099/95 e de farta jurisprudência. Diante disso, o prosseguimento do feito sem que seja possível a realização da perícia técnica implicaria não apenas uma acentuada limitação ao direito de defesa da ré senão que a sua supressão, afrontando o fundamento constitucional, verbis: Art. 5º, CF (omissis...) (omissis...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Por isso mesmo, impõe-se a extinção do processo sem o julgamento do mérito, como previsto no art. 267, CPC, dada a incompetência do juizado para julgar ações que demandam perícia técnica e tendo em vista o direito fundamental da ré à ampla defesa e ao contraditório. Ainda assim,
caso não seja esse o entendimento do i. magistrado, e isso apenas ad argumentandum tantum , cabe expor as razões da contestante à luz do direito e da ponderada reflexão. DO MÉRITO Síntese da Inicial A autora narra na exordial que em 12/03/2002 realizou serviço com a cabeleireira Sra. Formosa de tal, com o objetivo de “retirar o amarelo do cabelo”. Diz que a ré realizou pré-teste do produto no seu cabelo e que “o cabelo começou a emborrachar devido o efeito agressivo do produto”.
No dia seguinte, 13/03/2002, tendo sido orientada pela ré para fazer uma cauterização e uma vez realizado tal procedimento o problema não foi solucionado pois o cabelo “começou a quebrar”. Finalmente, no dia 14/03/200 2, segundo a autora, a ré fez as luzes no cabelo, mas, após isso, o seu “cabelo começou a cair” e “não havia mais cabelo”. Mesmo assim, diz a autora, a ré, “para consertar o dano, fez uma reconstrução”.
Alega ainda que no dia 23/09/2002 esteve no salão da ré para reclamar e esta lhe recomendou que fizesse muita hidratação, alegação essa que constitui uma inverdade, pois o dia 23/09 foi um dia de Domingo e o salão não estava aberto para atendimento. Sendo assim, a autora procurou outro salão no qual passou a tratar suas madeixas, tratamento esse que importou na quantia de R$ 102.100,00 cujo ressarcimento requer a título de danos materiais, mais a quantia de R$ 5.500,00 que teve de gastar para comprar cabelo humano e mais R$ 27.0000,00 que pagou pelo produto à ré (valores fictícios). Argúi a autora que sofreu constrangimento e humilhação após o serviço com a ré por ter sofrido danos em sua imagem, assegurando que tais danos configuram-se como danos morais. Assevera também ter sofrido danos estéticos e cita o artigo 949 do Código Civil para consubstanciar os mesmos, etc. Com base em seu arrazoado, pleiteia a condenação da ré à reparação por danos morais de R$ 45.000,00; danos estéticos no valor de R$ 45.000,00; danos materiais de R$ 105.870,00, totalizando o valor de R$ 222.870,00.
DA CONTESTAÇÃO 1. DA AUSÊNCIA DE PROVAS A pretensão da autora não deve prosperar. Com efeito, verifica-se de plano a inconsistência das alegações e a mais absoluta ausência de provas críveis da existência de danos e, ainda mais importante, a ausência de provas de que os danos foram causados pela ré. Cabe lembrar que o ônus de provar os fatos é da autora, a teor do art. 333 do Código de Processo Civil, verbis: Art. 333, CPC. O ônus da prova incumbe: 1. Ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito.
De fato, cabe a ré provar com clareza que os fatos alegados realmente aconteceram, não se aplicando, nesse ponto, a inversão do ônus da prova. E nesse sentido, o que se verifica é que a autora não apresenta nenhuma prova idônea para sustentar suas alegações. Às fls 2, 3, 4, 5 e 6, são apresentadas, em cada uma delas, 6 fotografias que não podem ser aceitas como provas eis que, além de não possuírem data de quando foram feitas, também não apresentam o dano objetivo bem como nenhum elemento que comprove ter sido o mesmo cometido pela ré. As fotos apenas mostram, despenteadas, as madeixas da autora. As fotografias apresentadas às fl. 6 e fl. 7 mostram a data de 27/09/2002. É claro que isso não comprova que essas fotografias foram feitas realmente no dia 27/09/2002. Mesmo assim, repete-se a ausência da demonstração do dano objetivo bem como o fato de ter sido ele produzido pela ré. De tudo se depreende que a autora alegou, mas não provou suas alegações. E, conforme brocardo jurídico milenar, ALLEGARE NIHIL ET ALLEGATUM NON PROBARE PARIA SUNT, alegar e não provar é o mesmo que não alegar. DA AUSÊNCIA DO NEXO DE CAUSALIDADE A autora deveria provar, em primeiro lugar, o dano efetivo. Em segundo lugar, também provar que esse dano realmente foi produzido por ato da ré. Estaria assim demonstrando o nexo de causalidade, isto é, que o ato antecedente praticado pela ré tenha resultado no fato subseqüente (o dano) suportado pela autora. Nas palavras de Agostinho Alvim, “O dano só pode gerar responsabilidade quando seja possível estabelecer um nexo
causal entre ele e o seu autor , ou, como diz SAVATIER, um dano só produz responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado”.
A autora não conseguiu demonstrar qualquer ato da ré que, necessariamente, tenha produzido dano à autora. Tem-se, assim, que tanto o dano quanto o nexo de causalidade não restaram provados, sendo certo que a ausência dessas provas fulmina a pretensão da autora. Nesse sentido, procede trazer aos autos, recente acórdão prolatado pela 3ª Turma Recursal do Juizado Especial Cível do Distrito Federal, verbis: JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. CONTRATO DE SEGURO RESIDENCIAL. DANO E NEXO CAUSAL NÃO PROVADOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1.CONFORME EXPRESSA DISPOSIÇÃO DO ART. 333, I, DO CPC , A PARTE AUTORA DEVE SE DESINCUMBIR DO ÔNUS DA PROVA DO FATO CONSTITUTIVO DE SEU DIREITO. NA HIPÓTESE, A SEGURADA, ORA RECORRENTE, TERIA ACIONADO O SEGURO SEIS MESES APÓS O ALEGADO DANO. OCORRE QUE NOS AUTOS NÃO LOGROU COMPROVAR O ALEGADO DANO MATERIAL, A SUA EXTENSÃO E O NEXO CAUSAL ACORDE AO CONTRATO ENTABULADO, PARA O RECEBIMENTO DO SEGURO VISANDO O REPARO DO TELHADO DE SUA RESIDÊNCIA, RAZÃO PORQUE A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO ERA MEDIDA INTRANSPONÍVEL AO JUÍZO DE ORIGEM. 2.RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. A SÚMULA DE JULGAMENTO SERVIRÁ DE ACÓRDÃO CONFORME REZA O ART. 46 DA LEI N. 9.099/95. CONDENADA A RECORRENTE AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E DE HONORÁRIOS FIXADOS EM 10% (DEZ POR CENTO) DO
VALOR DA CAUSA, CUJA EXIGIBILIDADE RESTA SUSPENSA EM FACE DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA, NOS TERMOS DA LEI N. 1.060/50. DA CULPA EXCLUSIVA DA AUTORA A autora ao chegar ao salão da Sra. formosa disse que pretendia fazer o serviço chamado “LUZES”, uma vez que não estava satisfeita com suas madeixas. Então foi dito pela Sra. Formosa que seria preciso, antes de tudo, fazer o “teste de mechas” , que consistiu em separar uma mecha do cabelo da autora para a aplicação do produto por um período aproximado de 01h30min, a fim de se determinar a resistência do cabelo ao mesmo. A autora confirma a realização do „teste de mecha‟ em seu cabelo.
Contraditoriamente, a autora diz que após o teste seu cabelo “começou a emborrachar”. Isso é uma inverdade porque se isso tivesse ocorrido a Sra. formosa não teria dado continuidade ao serviço. E, obviamente, a autora não teria permitido que se realizasse o serviço. O que o teste revelou foi que o cabelo da autora precisava de uma Reconstrução, um tratamento para fortalecer o cabelo e torná-lo resistente para o procedimento de LUZES. Assim, feita a reconstrução, foi recomendada à autora que voltasse no dia seguinte para se fazer o serviço de LUZES, como de fato ocorreu. Esse serviço é sempre feito de forma minuciosa e cuidadosa, como de fato foi feito com a autora. E primeiro lugar, a Sra. formosa colocou uma toca na autora e, pouco a pouco, foi puxando alguns fios, aplicando o produto e aguardando o clareamento por um período aproximado de 01h30min. Após esse longo processo foi realizado outro procedimento, chamado Cauterização, para selar os fios e garantir que o cabelo da autora ficasse saudável e sem risco de ocorrência qualquer dano. A cauterização possui uma durabilidade de aproximadamente 02 meses. Além disso, a Sra. Formosa orientou a autora a fazer um tratamento contínuo para manter o cabelo saudável, recomendando um produto para hidratação que foi comprado pela autora para que seus cabelos não corressem o risco de danificarem-se. Como se vê Exa., a Sra. Formosa foi extremamente cuidadosa com os cabelos da autora, sendo possível afirmar que, desse modo, tornou-se impossível que tenha ocorrido os danos alegados pela autora. A prática da Sra. Formosa está amparada em uma experiência de quase 10(dez) anos de efetivo exercício da profissão de cabeleireira na localidade de Formosina. Também há quase 10(dez) anos ela está ali estabelecida profissionalmente, depois de haver concluído o Curso de Cabeleireiro no SENAC, em 2000. E ao longo desse tempo, ela veio se atualizando e mantendo a sua qualificação profissional, como se pode ver através dos certificados. Por tudo isso a Sra. formosa ganhou o reconhecimento das pessoas da localidade por ser uma profissional competente, sendo certo que jamais houve qualquer demanda judicial questionando a qualidade de seu trabalho. Assim, Exa., aliando profissionalismo, qualificação, talento e perícia a Sra. Formosa vem angariando uma grande clientela em reconhecimento de seu trabalho. E o alto padrão dos serviços realizados na autora pela Sra. Formosa torna rigorosamente impossível que tenha causado qualquer dano à mesma. Dos outros serviços feitos pela autora com outra cabeleireira Não obstante, a autora junta aos autos alguns elementos que mostram que ela própria agiu de modo tal que pode ter levado, eventualmente, a resultados danosos em suas madeixas. De fato, às fls. 28, a autora apresenta uma relação de serviços realizados tanto pela ré quanto por outra
cabeleireira. Observa-se que no dia 31/03/2002, cerca de 20 dias depois de ter sido atendida pela Sra. formosa, a autora fez uma aplicação de bottox nos cabelos com a Sra. Formosura. Ora, em que pese o uso desse produto ter se disseminado entre as mulheres no Brasil, não carece lembrar os efeitos nocivos que o mesmo produz nos cabelos, principalmente devido ao uso da substância química „formol‟. Por isso mesmo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária já se manifestou contra o uso desse produto como alisante capilar. Diz a ANVISA: “Seu uso (do formol) como alisante capilar é ilegal e pode causar, em quem aplica ou recebe o
tratamento, problemas de saúde, como queimaduras no couro cabeludo, queda de cabelo e sérios problemas respiratórios”.
Mas a autora parece que não estava preocupada com isso, pois repetiu essa aplicação nos dias 05/05/2002; 05/06/2002; 07/07/2002; 04/08/2002; 08/09/2002. Ora, como a autora passou a fazer uso sistemático do produto “Bottox” em seus cabelos, assumiu, conseqüentemente, o risco
de eventuais danos aos mesmos pelo uso de substância proibida pela ANVISA. Registre-se que a autora, somente impetrou ação judicial no mês de setembro, após contínuas aplicações de “Bottox” em seus cabelos por outra cabeleireira, como ela mesma mostra às fls. 18 e 19. DANOS MORAIS RESTAM PREJUDICADOS Os Danos Morais alegados pela autora não são configurados nessa ação. Com efeito, a autora não consegue demonstrar nem mesmo danos oriundos do serviço prestado pela ré. Assim, não tendo a ré sequer demonstrado que seus cabelos foram danificados, nem que esse dano foi produzido pela ré, como falar de Danos Morais? Na realidade, eventuais danos morais restaram prejudicados dado que as alegações da autora não foram provadas, sendo certo que danos morais não podem ser deduzidos do nada. Assim, requer a ré seja julgado improcedente o pedido de danos morais. DANOS ESTÉTICOS RESTAM PREJUDICADOS Da mesma forma, se a autora não conseguiu demonstrar qualquer dano aos seus cabelos como decorrência da ação da ré, como falar de danos estéticos? Também aqui, a pretensão de indenização por danos estéticos restam prejudicadas eis que os próprios danos aos cabelos da autora não são provados, muito menos como decorrentes da ação da ré. A autora alegou e não provou e, por isso, não há que se falar de danos estéticos, por isso mesmo, requer a ré que esse juízo julgue improcedente o pedido de reparação por danos estéticos. INEXISTÊNCIA DE DANOS MATERIAIS A autora não prova o dano objetivo em seu cabelo, nem o nexo causal que evidenciasse que esse mesmo dano tenha decorrido, necessariamente, de ato da ré. Tudo leva a crer, tal como indicado mais acima, que eventuais danos nos cabelos da autora tenham decorrido do uso sistemático de substância proibida pela ANVISA, como atesta listas apresentadas pela própria
autora às fls. 18 e 19. Sem a demonstração inequívoca por parte da autora da ocorrência do dano e do nexo causal, não há que se falar de danos materiais. Por outro lado, ainda que o dano tenha ocorrido e ainda que fosse a ré a responsável por ele, apenas ad argumentandum tantum, não há nos autos documentos idôneos que provem os gastos da autora, uma vez que a listas apresentadas às fls. 28 e 29 não possuem nenhum elemento de validade pública, nem assinatura, enfim, carece da mais ínfima credibilidade para fins de comprovação de danos materiais. Além disso, a ré impugna a declaração de fl. 30, uma vez que se trata de terceira interessada por ser concorrente da r é, o que fica claro quando atribui culpa sem qualquer prova à “danos e estragos causados” pela ré. Sendo assim, vem a ré requerer a improcedência do pedido de danos materiais feito pela autora.
Conclusão Ante o exposto, vem a contestante requerer: . A procedência da 1ª preliminar, reconhecendo-se a decadência do direito de ação da autora e, conseqüentemente, a extinção do processo sem o julgamento do mérito; . Ou a procedência da 2ª preliminar, para declarar a incompetência do juizado para julgar a ação dada a necessidade de perícia técnica in casu, sendo certo que eventual prosseguimento do feito com o afastamento da possibilidade de realização da perícia configura cerceamento do direito da ré à ampla defesa e ao contraditório; . A improcedência do pedido de Dano Moral, vez que a autora não logrou provar qualquer dano, nem eventual nexo causal, sendo certo que, assim, resta prejudicada a ocorrência de danos morais; . A improcedência do pedido de Danos Estéticos, vez que a autora não logrou provar qualquer dano, nem que a ré o tenha produzido em face da mesma, restando, assim, prejudicado tal pedido; . A improcedência do pedido de danos materiais, vez que, não tendo sido provado o dano aos cabelos da autora, nem o nexo de causalidade, não há que se falar em ressarcimento de danos materiais; . Concessão da gratuidade de justiça; . Protesta provar o acima alegado por todos os meios de prova admitidos em direito em particular as provas documentais apresentadas e a oitiva de testemunhas que desde já requer e que serão apresentadas no momento oportuno. N.Termos, P.Deferimento. 05 de Novembro de 2002.
Nota: O caso foi exposto com a alteração do nome das partes, das datas e dos valores que foram demandados e impugnados.