Construtivismo ou Construcionismo: Qual é a diferença? Edith Ackermann (MEDIA LAB MIT MIT BOSTON/EUA) –
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Existe alguma diferença entre o construtivismo de Piaget e o construcionismo de Papert? Se a resposta é sim, qual é esta diferença?
Esse ensaio mostra que além do mero jogo de palavras, a distinção desperta interesse, e a integração de ambas as visões enriquece nosso entendimento sobre como as pessoas aprendem e crescem. A abordagem direcionada à genética de Piaget, baseada em seu construtivismo epistemológico, é bem adequada para capturar o que é comum no modo de pensar dos jovens nos diferentes estágios do desenvolvimento cognitivo. Ele descreve como essas semelhanças evoluem com o passar do tempo. A teoria de Piaget enfatiza a progressiva descontextualização do conhecimento, e estabelece os mecanismos internos [reorganizações e re-estruturações] que dirigem o desenvolvimento cognitivo humano. O constr ucionism o de Papert , em em oposição, oposição, fala à art e de aprend er, ou “ap rend er a apren der” e à significância de fazer coisas coisas ao “ap rend er a apren der” . Papert está interessado em como os aprendizes se engajam em um diálogo com suas próprias representações, ou externalizações, e como esses diálogos facilitam a construção de novo conheciment conheciment o. Papert estressa a im im port ância de ferrament as, meios e context context o no desenvolvimento humano. Sua abordagem é mais situada. Integrar as duas perspectivas ilumina os processos pelos quais os indivíduos entendem as suas experiências, otimizando gradualmente suas interações com o mundo. Concluindo, eu discuto o conceito conceito de m icro-m undo como um ‘playground’ para representação criativa e simu simu lação. lação. Argumento, portanto, que tanto o fazer-o-mundo como o estar- no-mundo são igualmente importantes na aprendizagem humana e na construção do conhecimento.
Introdução
A teoria de Piaget fornece uma sólida moldura para entender os modos de pensar das crianças nos diferentes níveis de seus desenvolvimentos cognitivos. Uma de suas maiores
contribuições é mostrar que as crianças possuem suas próprias visões de mundo (que difere daquelas dos adultos), e que tais visões são extremamente coerentes e consistentes. As crianças não são adultos incompletos. Os seus pensamentos têm uma lógica própria, que é na maioria das vezes bem adaptada às suas necessidades e possibilidades presentes. Não significa que a visão da criança sobre o mundo, assim como sobre ela m esma, não m uda atrav és do cont ato com outr as pessoas ou objetos. As visões evoluem continuamente. Além disso, o conhecimento expande e se estabelece (transforma-se e reconfigura-se), internamente, de acordo com leis de auto- organização muito complexas. Para uma criança - ou um adulto - abandonar uma teoria de trabalho corrente, ou um sistema em que se acredita, requer mais do que ser exposto à uma teoria melhor. Mudanças conceituais em crianças, como mudanças de teorias em cientistas, emergem como um resultado das ações das pessoas no mundo, ou experiência, em conjunto com uma série de processos escondidos em jogo para equilibrar, ou compensar, perturbações aparentes (Carey, 1987, Kuhn, 19.). Enquanto captura o que é comum no pensamento das crianças nos diferentes estágios do desenvolvimento - e descreve como essa semelhança se desenvolve com o passar do tempo - a teoria de Piaget tende a omitir o papel do contexto, usos e meios, assim como a importância de preferências ou estilos individuais na aprendizagem humana e na construção do conhecimento. É aí que o “construcionismo” de Papert entra em ação! “Construcionismo - compartilha a visão do construtivismo de aprendizagem como ” construção de estruturas de conhecimento “independente das circunstâncias de aprendizagem. Adiciona, então, a idéia de que isso ocorre especialmente e adequadamente em um contexto onde o aprendiz está conscientemente engajado em construir uma entidade pública, seja um castelo de areia na praia ou uma teoria do universo (Papert, 1991, p.1). Por enfatizar mais o aprender fazendo do que potenciais cognitivos globais, a abordagem de Papert fornece um molde para o estudo de como as
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se formam e se transformam quando expressas através de diferentes meios, quando tornadas reais em contextos específicos, quando trabalhadas por mentes individuais. A ênfase é na conversa individual dos aprendizes com suas próprias representações favoritas, artefatos, ou objetos com os quais pode-se pensar. Para Papert, projetar exteriormente sentimentos e idéias é a chave para aprender. Expressar/incorporar idéias as tornam tangíveis e compartilháveis, o que por sua vez idéias
informa, molda e afia tais idéias. O ciclo da aprendizagem autodirecionada é um processo
no qual os aprendizes inventam para eles mesmos as muitas ferramentas e mediações que melhor suportam a exploração de seus objetos de inquisição ou interesse. Eles são “construtores de palavras”, para Nelson Goodman. Estressar a importância de externalizações como um meio para valorizar a mente não é algo novo: Vygotsky passou sua vida inteira estudando o papel de “meios de mediação” - ferramentas, linguagem, pessoas - como um recurso para tirar o melhor do potencial cognitivo de cada um. Assim como muitos outros pesquisadores na tradição do sócio-construtivismo (Wertsch, 19xx). Vejo que a diferença está no papel que tais fatores externos têm nos níveis mais elevados do desenvolvimento cognitivo, e mais importante, na iniciativa dada ao aprendiz no projeto de seus próprios “objetos- com- os- quais-pensar”. Creio que o construcionismo de Papert é mais situado e mais pragmático do que o construtivismo de Piaget ou o sócio-construtivismo de Vygotsky, mesmo que o próprio Papert não faça uso explicito desses termos quando descreve seu empreendimento.
Aprendizagem situada e construção do conhecimento
Na última década, um número crescente de pesquisadores têm chegado à conclusão de que o conhecimento é essencialmente “situado” e, portanto não deveria ser desvinculado das situações nas quais é construído e tornado real (e.g. Brown J.B & Collins,(1989), Rogoff & Lave, (1984), Bliss, Saljio & Light (Eds), 1999). O crescente interesse na idéia do conhecimento situado, ou conhecimento extraído de um contexto, tem levado muitos pesquisadores a olhar mais de perto para as singularidades nos modos de conhecer ou se relacionar das pessoas. Os pesquisadores analisam as interações de indivíduos e grupos,
e descrições de citações específicas, e estudam como essas interações e descrições evoluem com o tempo (Inhelder, and al. 19). Consistentes com tal abordagem, outros pesquisadores têm mudado o foco do estudo dos estágios gerais do desenvolvimento cognitivo humano para o estudo de estilos de aprendizagem individuais ou culturalmente relacionados, e/ou caminhos de desenvolvimento que dependem do contexto (Carey,1987; Gilligan, 1987; Fox Keller, 1985; Turkle, 1984). Abordagens situadas na aprendizagem e desenvolvimento humanos são múltiplas e variadas. O que todas elas compartilham é que todas questionam a visão prevalecente entre os teóricos do desenvolvimento de que o pensamento formal é necessariamente a mais elevada forma de desenvolvimento intelectual. Todos afirmam que o pensam ento formal é sem dúvida a
mais poderosa ferramenta, e não necessariamente a mais apropriada em todas as situações. Diferentes indivíduos podem desenvolver suas próprias formas de pensar em situações sugeridas e apesar disso continuarem excelentes no que fazem (Papert and Turkle,1991). Ou mesmo diferentes contextos podem ilicitar respostas mais pragmáticas, funcionais, enfáticas ou lógicas (Blaye, Ackermann, Light,1999). Em todos os casos, abordagens de aprendizagem situada revalorizam o concreto, o local, e o pessoal! Tal mudança tem importantes implicações nos campos da pesquisa cognitiva e da educação. Conhecimento situado é melhor captado pelo que pode ser chamado uma abordagem “diferencial” ou pluralística. Sócio- construtivismo,
Baseado
cultura, e meios
em ação como na teoria de Piaget, ou mediado através da linguagem, como em Vygotsky, a maioria dos modelos construtivistas da inteligência humana permanecem essencialmente centrados na ciência e orientados pela lógica. As teorias do desenvolvimento, em outras palavras, consideram o crescimento cognitivo como um lento mas firme afastamento do intuitivo direcionado ao pensamento racional, ou da
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cognição do dia a dia direcionada ao raciocínio científico. Piaget e Vygotsky não são exceções. Ambos visualizam o extenso caminho em direção à formas mais elevadas de raciocínio ou ‘pensamento operacional formal’ como procedente do local para o geral, do vinculado- ao-contexto para o livre- de-contexto, do apoiado externamente (ou ‘incorporado’) para o dirigido internamente (ou ’mentalizado’). Por conseguinte, as aquisições cognitivas estão avaliadas em termos de três atos de distanciamento: 1. A habilidade de emergir das contingências do aqui-e-agora (característico da inteligência prática), 2. A habilidade de extrai r conhecimento de seu substrato (de contextos de uso e
objetivos pessoais); e 3. A habilidade de agir mentalmente em mundos virtuais, realizando operações na cabeça ao invés de externalizá-las (Ackermann, 1991). Concluindo, Piaget e Vygotsky atribuíram papéis variados para a experiência direta e mediada, para significados pessoais versus culturais e/ou sistemas de suporte. No entanto, apesar dessas diferenças, ambos compartilhavam a visão de que as formas mais
elevadas do pensamento humano emergem da habilidade de separar o que é sabido de como veio a ser sabido e onde pode melhor servir. Para ambos, formas mais elevadas de pensamento são abstratas e estão “na cabeça”. Para ambos, poderíamos afirmar, os m uit os andaim es necessários para constr uir um edifício for m al devem ser t irados no m om ent o em que o edifício possa se sustent ar sozinho! Para Papert , não é assim que funciona. . Em “Epistemological pluralism and the revaluation of the concrete” Papert e Turkle oferecem uma visão muito menos canônica dos mútuos papéis do conhecimento formal e concreto, que prevalece em adultos e cientistas. “A epistemologia tradicional dá uma posição privilegiada ao conhecimento que é abstrato, impessoal, e independente do indivíduo, e trata outras formas de conhecimento como inferiores. Mas intelectuais femininas argumentam que muitas mulheres [e/ou cientistas] preferem trabalhar com um conhecimento mais pessoal e menos independente e o fazem com muito sucesso. Se isso é verdade, elas devem preferir formas de conhecimento mais concretas favorecidas pelo constr ucionism o à for m as de conhecimen to proposicionais [ favor ecidas pela epistemologia tradicional]” (Papert 1991, p.10). Ao reaproveitar a natureza subjetiva (e baseada na experiência) da cognição humana, a abordagem situada para a aprendizagem humana pavimenta o caminho para uma visão mais pragmática da inteligência humana. As crianças não pensam em um vácuo. Pelo contrário, elas desenvolvem estratégias cada
vez m ais sofisticadas para lidar com difer ent es situações. Uma pesquisa at ual sobre o desenvolvimento cognitivo exemplifica tal idéia mostrando que as estratégias de raciocínio e de tomar decisões estão estabelecidas em contextos de uso, e portanto não podem ser avaliadas de acordo com critérios lógicos isolados (Blaye, Ackermann, Light, 1999). Performances e Simulações: Construir- o- mundo/Estar- no- mundo
O talento extraordinário das crianças como aprendizes vem em grande parte de sua habilidade de inven tar par a elas m esmas os suport es e m ediações que precisam para alcançarem seus objetivos, quando quer que as tarefas que enfrentam estejam longe de seus dom ínios. Por volt a de dois anos, a criança se engaj a em um a brincadeira pret ensa e simbólica: Ela monta os palcos que a permite projetar-se seguramente no desconhecido, e arr iscar-se em terr enos confor t áveis: Fazer “com o se” e brin car de “ e se” são técnicas usadas pela criança para alcançar isso. Uma brincadeira pretensa ou simbólica envolve mais do que simplesmente dar forma às idéias. Ela requer trazer essas formas à vida, dando vida (emprestando para elas uma alma). Fingir é tratar seus objetos como se eles fossem [tão vivos e vibrantes] como as idéias que eles representam. Projeção e empatia trabalham para trazer os objetos envolvidos na brincadeira para mais perto do alcance da mente. A brincadeira pretensa ou simbólica não é apenas uma questão da criança. Nem somente um privilégio de artistas e poetas. Pessoas de todas as idades, estágios e estilos engajam- se em recreações simbólicas. Elas o fazem de formas cada vez mais sofisticadas com o passar do tempo.(Ackermann, 2000). Os adultos, dos leigos aos cientistas, usam sua imaginação para projetarem- se dentro das situações. Eles ‘moram’ dentro de sua própria construção mental e, uma vez
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lá, através de seus dublês imaginários, ou extensões deles mesmos, os ’fingidores’ podem agir e sentir através das experiências de seus dublês, e ao mesmo tempo permanecer fisicamente afastado. Em outras palavras, eles podem experiênciar algo indiretamente (Sayeki, 1989). Obviamente, as pessoas com freqüência dão um passo atrás e olham para as coisas de longe. Elas alcançam isso pela mudança de sua postura no mundo, colocando-se nas situações de outras pessoas, ou adotando uma visão divina, uma visão distanciada e toda-abrangente, que reduz os mundos onde elas habitavam há pouco tempo atrás. Realmente, as pessoas são construtoras de mundos estando ao mesmo no mundo: elas criam de uma vez seu habitat, habitam em sua criação, e se tornam “habitadas” por ela. No mundo da imaginação, se tornar alguém e se afastar desse alguém coexistem. Ambos contribuem para promover o crescimento cognitivo e pessoal.
Construir o mundo/Estar no mundo
Tanto os adultos quanto as crianças são extremamente bons em selecionar/criar as ferramentas e objetos melhores apropriados para fazer funcionar idéias importantes. Eles constantemente buscam, reagrupam e reconfiguram aqueles objetos - no- mundo que mais
possibilitam a exploração de um conjunto de questionamentos atuais. As pessoas são os designers naturais de seus próprios ambientes de aprendizagem: elas estabelecem os palcos para recreações simbólicas, ou atuações. Uma vez que o palco é criado, elas criam
seus próprios personagens, colocando-os em movimento e fazendo-os interagir dinamicamente. Elas atribuem características diferentes para cada personagem. Elas mergulham, assumindo o ponto de vista de um personagem (e-se eu fosse um outro), e t rocam papéis. Essas "m isesen scene" de brincadeira são os m uit os laborat órios onde a aprendizagem séria acontece. Se não dermos forma ou expressão para nossas idéias, projetando-as exteriormente, nenhuma exploração pode ser levada muito longe. Se não dermos “vida” à essas formas, as idéias projetadas podem permanecer presas numa pedra. Concluindo, a interação é importante, não porque permite a manipulação direta de objetos reais, mas porque a construção de modelos ou artefatos, nos quais idéias intrigantes (pensamentos e sentimentos) podem ser executadas “para sempre“ em um mundo de faz- de- conta. Micromundos
Playgrounds para ações e simulações: Além de incorporar algumas propriedades fundamentais de um domínio conceitual, os micromundos, na percepção de Papert, oferecem uma união única entre a experiência direta e a mediada. De experiência direta eu chamo a construção real, exploração - ‘botar a mão na massa’. De experiência mediada eu chamo a habilidade para adiar/ difer enciar a ação, suspender a “realidade” ou descrença, e evocar/imaginar coisas “que não estão lá” - coisas na sua ausência. Ambos, micromundos e simulações são “ao invés de” (simulacre). No entanto, enquanto as simulações são geralmente para imitar aspectos da realidade (a ênfase está na correspondência entre modelo e realidade), o propósito dos micromundos é deslocar ou diferenciar a realidade. Os micromundos são projetados para promover a exploração de um evento cognitivo “escondido”, de aspectos de um fenômeno que precisamente não pode ser diretamente observado - experimentado - no “mundo real”. As regras do jogo em um micromundo são geralmente construídas, isto é, o ambiente é projetado de forma
a agir e responder às solicitações dos jogadores de acordo com suas próprias regras intrínsecas, ou sua “lógica”: Quando quer que o aprendiz lance as regras, o que ele fizer oferecerá um “feedback” consistente e confiável. Hoje em dia, as opiniões se divergem em se os micromundos incorporam características essenciais de um domínio. Seria melhor dizer que eles fornecem usos potenciais. Eles oferecem um terreno, mais ou menos favorável, para explorar um número de propriedades pré-estabelecidas. Não posso fazer justiça a esse debate aqui. Deixe-me apenas apontar o trabalho de Constance Camii, que critica as afirmações dos empiricistas de que as manipulações educacionais podem conter ou carregar os conceitos proj et ados para ajudar a explor ar.
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(Camii, 19..). Sendo dito isso, esses ambientes criado pelo homem realmente fornecem diferentes graus de liberdade ou diretriz, e oferecem mais ou menos espaço para explorar, expressar e comunicar idéias. Alguns ambientes nos convidam para entrar neles enquanto outros nos mantém operando à distância. Alguns nos levam em uma carona enquanto outros urgem para que assumamos o assento do condutor. Alguns ambientes nos permitem mantermos controle de nossas explorações, re-editar e reorganizar traços, outros não. Alguns são infinitamente maleáveis, tomando qualquer forma dada a eles, outros são altamente limitados, e não permitirão que sua estrutura seja alterada. Em suma, a interatividade como tal não é garantia para uma aprendizagem construtiva. Pelo contrário, é o tipo de controle, assim como a natureza do feedback fornecido que promovem uma experiência de aprendizagem mais rica ou menos
atraente. Essas qualidades variam enormemente de um cenário interativo para o próximo. Diferentes pessoas, em diferentes momentos e lugares, podem favorecer um ou outro.
Piaget e Papert: Objetivos semelhantes, abordagens diferentes
Como vimos, cada um, Piaget e Papert representa uma visão forte no debate entre as teorias de aquisição de conhecimento (a descontextualizada e a situada). Ao mesmo tempo, eles compartilham background comum suficiente para uma nova comparação ser significat iva. Em efeito, e resum indo: Piaget e Papert são am bos constr ut ivist as quand o visualizam as crianças como construtoras de suas próprias ferramentas cognitivas, assim como de suas realidades externas. Para eles, tanto o conhecimento quanto o mundo são construídos e constantemente reconstruídos através da experiência pessoal. Cada um ganha existência e forma através da construção do outro. O conhecimento não é meramente uma comodidade a ser transmitida, codificada, retida, e reaplicada, mas uma experiência pessoal a ser construída. Semelhantemente, o mundo não está simplesmente
sentado esperando para ser descoberto, mas é progressivamente modelado e transformado através da experiência pessoal da criança, ou do cientista.9 Piaget e Papert
são ambos desenvolvimentalistas quando compartilham uma visão da construção de conhecimento orientada no progresso. O objetivo comum é ressaltar os processos pelos quais as pessoas expandem suão visões correntes do mundo, e constroem entendimentos mais profundos sobre elas mesmas e o ambiente ao seu redor. Em suas investigações empíricas, Piaget e Papert estudam as condições sob as quais é provável que os aprendizes mantenham ou modifiquem suas teorias de um dado fenômeno através de interagir com ele durante um significante período de tempo. Apesar dessas importantes convergências, as abordagens dos dois pensadores diferem. Entender tais diferenças requer uma clarificação sobre o que cada pensador chama de inteligência, e sobre como ele escolhe estudá-la. Aparentemente, ambos, Piaget e Papert definem a inteligência como uma adaptação, ou habilidade para manter um equilíbrio entre a estabilidade e a mudança, fechamento e abertura, continuidade e diversidade, ou, nas palavras de Piaget, entre assimilação e acomodação. Ambos vêem as teorias psicológicas como tentativas de modelar a maneira como as pessoas lidam com tais difíceis equilíbrios. Em um nível mais profundo, a diferença é que o interesse de Piaget estava principalmente na construção de estabilidade interna (la conservation et la reorganisation
des acquis), enquanto Papert está mais interessado nas dinâmicas de mudança (la decouverte de nouveaute). Permita-me elaborar: a teoria de Piaget relata como as crianças se tornam progressivamente desvinculadas do mundo de objetos concretos e contingências locais, se tornando gradualmente capaz de manipular mentalmente objetos
simbólicos dentro de uma esfera de mundos hipotéticos. Ele estudou a crescente habilidade das crianças para extraírem regras das regularidades empíricas e construírem invariantes cognitivas. Ele enfatizou a importância de tais invariantes cognitivas como meio de interpretar e organizar o mundo. Poderíamos dizer que o interesse de Piaget estava no polo de assimilação. Sua teoria enfatiza todas as coisas necessárias para manter a estrutura e organização internas do sistema cognitivo. E o que Piaget descreve particularmente bem é precisamente a estrutura interna e organização do conhecimento em diferentes níveis de desenvolvimento. A ênfase de Papert está no polo quase oposto.
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Sua contribuição é lembrar-nos que a inteligência deve ser definida e estudada in- situ; ou seja, que ser inteligente significa estar situado, conectado, e sensível às variações no am bient e. Ao contr ário de Piaget , Papert cham a nossa aten ção para o fat o de que “mergulhar” nas situações ao invés de observá-las de longe, conexão ao invés de separação, são meios poderosos de obter entendimento. Tornar-se um com o fenômeno sob estudo é, em sua visão, uma chave para a aprendizagem. Sua função principal é colocar a empatia a serviço da inteligência. Concluindo, a pesquisa de Papert focaliza em como o conhecimento é formado e transformado dentro de contextos específicos, modelados e expressados por diferentes meios, e processado na mente de diferentes indivíduos. Enquanto Piaget gostava de descrever a gênesis da estabilidade mental interna como sucessivos períodos de equilíbrio, Papert está interessado nas dinâmicas de mudança. Ele ressalta a fragilidade de pensamento durante períodos de transição. Ele se preocupa em como diferentes pessoas pensam quando suas convicções se quebram, quando as visões alternativas não aparecem, quando é necessário ajustar e expandir suas visões de m undo atu ais. Papert sempr e apont a para essa fr agilidade, contextualidade e flexibilidade do conhecimento sendo construído. Por último mas não menos importante, o tipo de “criança” que Piaget e Papert descrevem em suas teorias são muito diferentes e muito sintonizadas com os estilos pessoais e interesses científicos de cada pesquisador. A “ criança” de Piaget, freqü ent emen t e refer ida como um sujeit o epistê mico, é uma representante das formas de pensar mais comuns em um dado nível de desenvolvimento. E a “forma comum de pensar” que Piaget captura em sua descrição é a de um jovem cientista cujo propósito é impor estabilidade e ordem sobre um mundo físico que está em constante mudança. Gosto de pensar na criança de Piaget como um jovem Robinson Crusoé na conquista de uma ilha inabitada mas rica em natureza. A conquista de Robinson é solitária ainda que extremamente excitante já que o próprio explorador é um personagem internamente motivado, muito curioso e independente. O objetivo final de sua aventura não é a exploração como tal, mas a alegria de dar um passo atrás e ser capaz de construir mapas e outras ferramentas úteis para melhor ter domínio e controlar o território sendo explorado. A “criança” de Papert, por outro lado, relaciona-se mais e gosta de estar sintonizada com outras e com situações. Ela parece o que Sherry Turkle descreve como um mestre “soft” (Turkle, 1984). Como o Crusoé de Piaget, ela gosta de descobrir novidades, ainda que diferente dele, goste de permanecer em contato com situações (pessoas e coisas) 11 pelo simples prazer de sentir-se uma com as mesmas. Como Robinson, ela aprende mais pelas experiências pessoais do que pelo que lhe é dito. Diferente dele (Crusoe), ela aprecia mais ganhar entendimento de casos singulares do que extrair e aplicar regras gerais. Ela gosta de estar engajada em situações e não distante delas. Ela pode ser melhor em apontar o que entende enquanto ainda em um contexto do que contar o que ela experienciou em retrospecto. Ela é o que Schoen chama de um “praticante reflectivo.”
Integrando as visões
Eu posiciono minha própria perspectiva na interseção das visões acima. Juntamente com Piaget, visualizo a separação através da descentralização progressiva como um passo para alcançar uma melhor compreensão. Distanciar-se de uma situação não implica necessariamente em desengajar-se, mas pode constituir um passo necessário para relacionar-se até mais intimamente e sensivelmente com pessoas e objetos. Pareceria que em qualquer situação, há momentos onde precisamos projetar exteriormente parte de nossa experiência, nos separar dela, e então nos revincularmos à ela. Essa visão de separação pode ser enxergada como um meio provisório para se obter uma compreensão
mais próxima. Isso não exclui o valor de estar inserido em nossa própria experiência. Eu compartilho a idéia de Papert de que mergulhar em situações desconhecidas, com o risco de experimentar uma momentânea sensação de perda, é parte crucial da aprendizagem. Quando um aprendiz viajou através de um mundo, adotando diferentes perspectivas ou colocando “óculos” diferentes, um diálogo entre experiências inicialmente incompatíveis pode ter início. Tanto o “habitar na” como o “distanciar-se” podem ser igualmente importantes para dar prosseguimento à tal dança cognitiva. Como as pessoas poderiam
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aprender de suas experiências enquanto estão totalmente imersas nelas? Existe um momento onde é necessário traduzir a experiência através de uma descrição ou modelo. Uma vez construído, o modelo ganha uma vida dele próprio, e pode ser referido “como se não fosse eu”. A partir daí, um novo ciclo pode iniciar, porque tão logo o diálogo tenha
início, é montado o palco para novas e mais profundas conexões e entendimentos. Em seu livro, The Evolving Self, Kegan elabora a noção de que inserir-se e distanciar-se são ambos necessários para alcançar compreensão de si mesmo e do outro. Para Kegan, o desenvolvimento humano é uma vida inteira de tentativas por parte do sujeito para resolver a tensão entre imersão e o desvincular- se (Kegan, 1982). De forma semelhante, vejo o crescimento cognitivo como uma vida de tentativas pelo indivíduo para formar e constantemente reformar um equilíbrio entre a proximidade e a separação, abertura e fechamento, mobilidade e estabilidade, mudança e invariação. Conclusões
Em seu livro sobre Mudança conceitual na infância, Susan Carey aponta um risco maior de abandonar o modelo genético do desenvolvimento da criança de Piaget: Uma nova visão do desenvolvimento cognitivo está surgindo, uma que desafia a descrição de Piaget sobre o desenvolvimento da criança (Carey, 1983; Fischer, 1980; Gelman and Baillargeon, 1983). Muitos que estudam o desenvolvimento cognitivo sentem agora que não há m udanças influ enciant es na natur eza do pensament o da criança. A nova visão nega que exista o pensamento pré- operacional ou operacional…desejo enfatizar uma conseqüência extremamente indesejável dessa nova visão: a teoria de Piaget trouxe ordem para desenvolvimentos diversos e confusos. Ao abrirmos mão de tal teoria, nos resta traçar grandes números de migalhas de desenvolvimentos através dos anos da infância...Esse é um alto preço para se pagar por uma nova visão, e sem dúvida explica, em parte, porque muitos psicólogos têm resistido a abandonar a teoria de Piaget (Carey, 1987, pp. 13-14). Por outro lado, temos visto que a teoria de Piaget é uma construção idealizada, e assim sendo, não dá conta de como aprendizes individuais, usando diferentes abordagens ou estilos, evoluem em contextos específicos. A teoria de Piaget oferece uma moldura normativa que pode ser útil aos psicólogos, contanto que eles não caiam na armadilha de achar que o pensamento formal é necessariamente a forma mais madura de raciocínio, em aprendizes individuais. O trabalho de Papert, com seu foco em pluralismo epistemológico e revalorização do concreto, oferece uma contribuição para todos os psicólogos interessados em entender os movimentos de mentes individuais no contexto. Integrar as abordagens de Papert e Piaget permite um modelo de desenvolvimento que é suficiente para evitar a explosão mencionada por Carey, flexível o
suficiente para permitir a multiplicidade dos caminhos do desenvolvimento, e específico o suficient e para levar em conta as difer enças do indivíduo. É aí novam ent e que Kegan entra em ação: Seus princípios de funcionamento são universais, não porque eles ignoram as diferenças individuais, mas porque eles oferecem um modelo unificante para levar em conta as diferenças tanto do indivíduo como do contexto. Kegan define o desenvolvimento humano como: “uma história de sucessivas exclusões (diferenciação)) para melhor relacionar-se (integração)” (Kegan, 1982, p. 31). As pessoas crescem através da viagem por uma sucessão de ciclos, durante os quais elas tentam resolver as tensões sem fim entre a imersão e a separação. Os indivíduos desenvolvem preferências,
é claro, por conexão ou separação, dependendo de quão confortável ou ameaçados eles se sintam em determinados momentos e situações. E as preferências se tornam e stilos quando se solidificam com o tempo. Não estou afirmando que as pessoas não podem, por ajuda externa ou delas mesmas, aprender a deslocar um conjunto de domínios, modificar as formas que estabelecem seus pressupostos, e portanto otimizar suas interações com o mundo. O modelo de Kegan é útil para repensar o desenvolvimento cognitivo. No início, poderíamos dizer, os mundos eram dispersos e nossa relação com esses mundos - pessoas e objetos - era funcional: nós estávamos [dentro] deles. Chegou então o momento em que quisemos remover-nos de nossa experiência, e colocá-la em algum tipo de descrição. Nos distanciamos e dissemos a nós mesmos e a outros o que tínhamos feito (através de palavras, escritos ou rituais). Uma vez que o modelo foi
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construído, ou a descrição alcançada, ganhou vida própria. Daí em diante, um novo ciclo pôde iniciar, pois assim que o diálogo começou, o palco foi montado para um entendimento mais profundo e conectado. Esse ciclo pontua nossas interações com o mundo, e simultaneamente determina nossa forma de pensar: conhecimento situado é o conhecimento que ajuda a tornar-nos mais inteligentemente conectados por sermos sensíveis às variações do ambiente. Conhecimento descontextualizado nos ajuda a dominar situações complexas à distância, dando forma a elas. E o crescimento cognitivo é alcançado através de uma progressiva ampliação do campo da experiência na prática de ambos.
Apêndice:
Exemplo de um Micromundo: a geometria da tartaruga. Nossos corpos sustentam um certo conhecimento sobre o espaço em seus movimentos. No entanto, muito desse conhecimento permanece implícito, escondido em atividades e experiências habituais. Um dos grandes insights de Papert ao projetar a Geometria da Tartaruga, um “micromundo” para construir formas geométricas, foi explorar as intuições das crianças sobre seu próprio movimento no espaço, e trabalhar nesse conhecimento para aprofundar a exploração de relações espaciais e transformações geométricas. Na geometria da tartaruga, as crianças “instruem” uma criatura computacional, representada pelo cursor da tela ou um brinquedo mecânico, a tartaruga, para desenhar formas movendo em direções prescritas. As crianças se comunicam com a tartaruga usando uma linguagem compreendida pela tartaruga. Podemos mover uma tartar uga digitando comandos no teclado. FORWARD 100 faz a tartaruga mover-se numa linha reta em uma distância de 100 passos de tartaruga de aproximadamente um milímetro cada. Os comandos são cuidadosamente selecionados para possibilitar a geração de muitas figuras relevantes e intrigantes. Os princípios são simples e se encaixam com minha visão sobre a utilidade da empatia. As tartarugas podem ser vistas como extensões da própria criança que ela controla usando as palavras. Dar direções à tartaruga a encoraja a refletir sobre seu próprio know-how e expressar isso de modo que a máquina possa ler e executar. “Ao ensinar ao computador como pensar, a criança embarca em uma exploração sobre como elas mesmas pensam”. (Papert, 1980, p.19).
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[email protected] An extended version of this paper appears in French in (Ducret, Ed.) "Constructivismes: Usages et perspectives en éducation. Actes du colloque tenu à Genève du 4 au 8 septembre 2000". Geneve: SRED. 2001 [In press]
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