a
Você e Eu artin Buber, Buber,
Roberto Bartholo Jr.
"... quando eu era criança, li um velho conto judaico que não pude compreender. Ele não dizia mais do que isso: 'Fora dos portões de Roma está sentado um
mendigo leproso, esperando. Ele é o Messias'. Então me dirigi a um ancião, a quem perguntei: 'O que ele está esperando?' E recebi uma resposta que então não consegui entender, somente muito mais tarde. Ele me disse: 'Está esperando esperando você'." Martin Buber Garam ond CDS/UnB
M a r titi n
Buber
nunca
nos
deixou
esque esquecer cer que "... Sion não poderá ser reconstr reconstruíd uída a 'por qualque qualquerr meio', meio', mas somente bamishpat (Isa (Isaía ías s 1, 27), 27), ou
M a r titi n
Buber
nunca
nos
deixou
esque esquecer cer que "... Sion não poderá ser reconstr reconstruíd uída a 'por qualque qualquerr meio', meio', mas somente bamishpat (Isa (Isaía ías s 1, 27), 27), ou seja, na justiça." justiça." Sua visão visão política política vincula indissoluvelmente paz e justiç justiça, a, tanto tanto nas nas relaçõ relações es interi interiore ores s como como nas exteriores às comunidades humanas. Ser um nós, para ele, é reconhecer que a responsabilidade constitui a face ética do diálogo, o cordão umbilical da Criação. Criação. E entend entender er que some soment nte e os que são capazes de dizer um ao outro: tu podem dizer um com o outro: nós.
Ness Nessa a
pers perspe pect ctiv iva, a,
Bube Buberr
pode pode
afirma afirmar: r: "Se todo todos s estive estivesse ssem m bem vestid vestidos os e bem alime alimenta ntado dos, s, então então pela primeira primeira vez o proble problema ma ético ético real passaria a sertotalmente visível." Neste livro temos a rara oportunidade, talvez pela primeira vez por ~ intermédio de um autor brasileiro, de conhecer algo da vida e da obra ' absolutamente absolutamente entrelaçadas entrelaçadas - de Marti n Buber, sem dúvida um dos pensadores mais originais e profundos do século XX.
1
Você e Martin Buber, presença palavra
M a r titi n
Buber
nunca
nos
deixou
esque esquecer cer que "... Sion não poderá ser reconstr reconstruíd uída a 'por qualque qualquerr meio', meio', mas somente bamishpat (Isa (Isaía ías s 1, 27), 27), ou seja, na justiça." justiça." Sua visão visão política política vincula indissoluvelmente paz e justiç justiça, a, tanto tanto nas nas relaçõ relações es interi interiore ores s como como nas exteriores às comunidades humanas. Ser um nós, para ele, é reconhecer que a responsabilidade constitui a face ética do diálogo, o cordão umbilical da Criação. Criação. E entend entender er que some soment nte e os que são capazes de dizer um ao outro: tu podem dizer um com o outro: nós.
Ness Nessa a
pers perspe pect ctiv iva, a,
Bube Buberr
pode pode
afirma afirmar: r: "Se todo todos s estive estivesse ssem m bem vestid vestidos os e bem alime alimenta ntado dos, s, então então pela primeira primeira vez o proble problema ma ético ético real passaria a sertotalmente visível." Neste livro temos a rara oportunidade, talvez pela primeira vez por ~ intermédio de um autor brasileiro, de conhecer algo da vida e da obra ' absolutamente absolutamente entrelaçadas entrelaçadas - de Marti n Buber, sem dúvida um dos pensadores mais originais e profundos do século XX.
1
Você e Martin Buber, presença palavra
Idéias Sustentáveis
Roberto Bartholo Jr.
Coleção dirigida por por
Marcel Bursztyn
Você e
Martin Buber, presença
Garamond
© Capyrigbt 2009, Roberto BartholoJr.
Direitos cedidos para esta edição à Editora Garamond Ltda. Caixa Portal. 16.230 Cep: 22.222-970 Rio de Janeiro; Brasil Telefax: (021) 224-9088 E-niail: garamond@ garanrand. conr. br
Para Marcel e Tomás, Marcel Burr,-,tyn e Bertha K Becker
PRAYARt\Ç10 DE ORIGINAIS
Ari Roitman LllITORAÇAO
LuiZ Oliveira CAPA
Estúdio Garaniond,
Projeto de Paulo Luna sobre detalhe de "O Violinista Verde", de Marc Chagall Ri:v is Ao Henrique Tarnapol.rky CA- rAr.oc„Ac,Ao NA FONTE DO DEPARTM11PNTO NACIONAL DO LIVRO
B287v Bartholo Júnior, Roberto S. (Roberto dos Santos) Você e Eu: Martin Buber, presença palavra / Roberto Bartholo Jr. - Rio de janeiro: Garamond, 2001. 120 p.; 12x21 em. ISBN 85-86435-51-1 l.Filosofia. 1. Título.
CDD-100
Sumário i ....o tempo passou na janela ... 9 II
a felicidade morava tão vizinha ... 15
m ... o mundo rodou num instante, nas voltas do meu coração... 30
IV ... feito tatuagem ... 4 3
v ...
ensina a não andar com os pés no chão...
me
68
vi ... nas discussões com Deus ... 84 VII ... quando eu morrer, cansado de guerra,
morro de bem com a minha terra ... 94
Epígrafes 117
I .... o tempo passou na janela ... * Um dos eventos mais significativos do início do século XX foi a redescoberta do princípio dialógico, uma realidade da qual nossa modernidade' se fez cega. No século passado, os anos vinte deixaram testemunhos diversos de uma silenciosa "revolução copernicana", uma verdadeira migração do "lugar do pensamento" fundada na afirmação de que não é o sujeito a "chance primordial do Ser", mas sim nossa vulnerabilidade à alteridade. Ou, de modo mais cortante: a afirmação de que, sem o Tu, o Eu é impossível. E as tragédias que se seguiram pareceram anular quaisquer vestígios dessas mensagens, que hoje o mundo da globalização excludente tanto carece ouvir. A obra-prima de Martin Buber, Eu e Tu (1921),2 é parte desse empenho. Ela não se ergue em seu tempo como um marco solitário. 9
Roberto Bartholo Jr. Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
tempo está grávido: curar as profundas feridas abertas na face humana pela falsa opção entre o individualismo possessivo e o coletivismo impositivo. Numa coletânea de ensaios descritivos e críticos sobre a filosofia de Martin Buber, Gabriel Marcel escreveu: "... estou particularmente agradado de que este tributo coletivo ao grande pensador Martin Buber me propicie a oport unidade de expressar minha admiração pelo livrinho de valor inestimável, Eu e Tu. Uma tradução francesa dele existia há cerca de vinte anos, mas pareceme que, fora de um pequeno círculo, nós na França não conseguimos nos dar conta da plena importância do livro. Em relação a isso, encontro-me numa posição peculiar. Por uma notável coincidência, descobri a realidade particular do Tu aproximadamente ao mesmo tempo em que Buber escrevia seu livro. Seu nome era bastante desconhecido para mim, como ademais os de Ferdinand Ebner e Friedrich (sic) Rosenzweig, que parecem nos ter precedido nesse percurso. Estamos portanto diante de um daqueles casos de convergência espiritual que sempre merecem atenção. (...) Num tempo em que uma filosofia cada vez mais concentrada exclusivamente em temas do E.cwelt(Mundo do Isso) estava conduzindo a desenvolvimentos tecnocráticos cada vez mais perigosos para a integridade do homem, e mesmo para sua existência física, era certamente inevitável que, aqui e ali, pessoas tenham se movido para trazer à consciência,
longe que eu na elucidação deste aspecto estrutural da situação humana fundamental.` Gerhard Wehr, em sua biografia de Martin Buber,' relata como J.G. H amman, W von Humboldt e L. Feuerbach foram precursores no percurso buberiano. Tampouco nos deixa esquecer que, mesmo J.G. Fichte, um pensador tão correntemente "etiquetado" como a maior expressão da filosofia idealista do Eu, já em 1797 advertia: "... a consciência do indivíduo é necessariamente acompanhada de uma outra, a de um Tu, e somente possível sob tal condição.` Mas quem é afinal Martin Buber? A que denominador é possível reduzir as múltiplas facetas de seu pensamento? Como enquadrálo nos saberes do tempo? Ele próprio não discute isso. E considera equivocadas as tentativas de classificá-lo como filósofo da linguagem, da religião ou da educação, como político ou como místico. Diz: ... não posso tornar minha nenhuma das respostas propostas. Até onde meu autoconhecimento alcança, eu me chamaria de um homem atípico. Pode ser que minha repulsa contra essa usual- e excessiva tipologia venha desse fato." e Focalizar a centralidade do tema Eu-Tu na vida e na obra de Buber implica uma abertura dialogal. Implica, antes de tudo, compreender que falar de Buber e de sua
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Nessa perspectiva, a pessoa da relação Eu-Tu é o su porte relacional que permite fazer da alteridade uma pre-
após ela-, deparei-me com o dever de inserir o arcabouço das experiências decisivas que eu tinha até então na herança
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Nessa perspectiva, a pessoa da relação Eu-Tu é o su porte relacional que permite fazer da alteridade uma presença. Uma possibilidade que vai além do campo das relações estritamente inter-humanas. Em seus Fragmentor autobiográficos' encontramos um notável relato-testemunho dessa verdade, quando Buber nos diz que, quando criança, uma das coisas que mais gostava de fazer era ir à estrebaria, sem que as pessoas percebessem, procurar um cavalo preferido. Não era para ele um prazer qualquer acariciar-lhe a crina. Era mais. Constituía um momento de tanta profundidade que sua lembrança lhe permaneceu fresca na mão, com a vívida sensação do toque. Pois "... o que vivenciei no encontro com esse animal foi o outro, a terrível, a imensa alteridade do outro, que, na proximidade comigo, me deixava tocá-lo. (...) Qua ndo eu passava a mão sobre a poderosa crina, às vezes admiravelmente alisada, outras vezes também espantosamente selvagem, e sentia a vida palpitante sob a minha mão, era como se aproximasse da minha pele o próprio elemento vital. Algo que não era eu, que de modo algum me era familiar; evidentemente o outro, não meramente um outro, mas verdadeiramente o próprio outro, que me deixava aproximar-me, que confiava em mim e que, naturalmente, ficou muito íntimo."" Sem dúvida, Buber não hesitaria em permitir que falássemos hoje sobre ele e sobre seu pensamento. Ele mesmo teve que fazer isso quando, apoiado na palavra escrita, objetivou as vivências da relação Eu-Tu num Isso discursivo. Assim, ele nos diz: "...desde que fiquei maduro para uma vida fundada na própria experiência-um processo que começou pouco antes da Primeira Guerra Mundial e se concluiu logo
após ela-, deparei-me com o dever de inserir o arcabouço das experiências decisivas que eu tinha até então na herança humana do pensamento, mas não como `minhas' experiências e sim como uma perspectiva importante e válida para outros, para homens diversos de mim. E como eu não tinha recebido qualquer mensagem que pudesse ser transmitida de tal modo, mas apenas passado pelas experiências e adquirido as compreensões, minha comunicação teve que ser de tipo filosófico. Precisou relacionar o único e particular com o`geral', possível de ser descoberto por qualquer um em suas experiências. Precisou expressar o que por sua própria natureza é incompreensível em conceitos que pudessem ser usados e comunicados (mesmo se por vezes com dificuldade). Mais precisamente, tive que fazer um Isso do que tinha experienciado num Eu-Tu e como um Eu-Tu." Mas o testemunho mais nevrálgico da radicalidade do princípio dialógico em sua obra é que: "... não tenho nenhuma doutrina. Apenas aponto para algo. Aponto para a realidade, aponto para alguma coisa na realidade que não tinha sido vista, ou o tinha sido muito pouco. Tomo quem me ouve pela mão e o encaminho à janela. Abro a janela e aponto para o que está lá fora. Não tenho nenhuma doutrina, mas mantenho uma conversação." 12
12
Roberto Bartholo Jr.
2 Ver M. Buber, Ich und Du, Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1997 (13' Edição); há tradução brasileira de N. A. von Zuben, Eu e Tu, Ed. Moraes,
Notas
1 Ver H.C. de Lima Vaz, `Religião e Modernidade Filosófica -, in M.C. Luchetti Bingemer (org), O Impacto da ModrrniJadr olrr ,~
Religião, Ed. Loyola, São Paulo, 1992.
13
Roberto Bartholo Jr.
2 Ver M. Buber, Ich und Du, Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1997 (13' Edição); há tradução brasileira de N. A. von Zuben, Eu e Tu, Ed. Moraes, São Paulo, 1977. 3 Ver F Rosenzweig, Stern der Erlõruug, 1921; Star of Redemption, New York, Holt, Rinehart and Winston, 1970; LÉtoile de Ia Redenrption, Paris, Seui1,1982.
II
4 Ver G. Marcel, I and Thou (tradução inglesa de F Williams), in P. A. Schilpp e M. Friedman (orgs.), "The Philosophy of Martin Buber", in Í he I lbrary of Isving Phihropherr, La Salle/Illinois, Open Court, vol. XII, 1991. 5 Ver idem, p. 41.
... a felicidade morava tão vi.Zinha...
6 Ver G. Wehr, Martin Buber, Rohwohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, 1968, em particular o capítulo "Vor dem Horizont des Dialogischen", p. 7.
Martin Buber nasceu em Viena no dia 8 de fevereiro de 1878. Aos três anos de idade, o casamento de seus pais se rompe, de maneira até hoje inexplicada. Sua mãe, Elise Buber, abandona a casa e seu pai fica com a tutela do menino. Em razão dessa ruptura familiar, o pai, Karl Buber, termina deixando o filho viver na casa dos avós em Lwow (Lemberg), então capital da província da Galícia. Essa província sul-oriental polonesa, de densa população judaica, será o território do encontro de Martin Buber com a mística hassídica,' originada em torno do lendário rabi Israel ben Eliezer (1700-1760), - o Baal Shem Tov ("Mestre do Bom Nome'~ - e difundida por seu discípulo, o rabi Dov Baer, que fez do hassidismo um movimento popular, não apenas circunscrito a pequenos círculos de iniciados. Anos mais tarde, Buber publicará coleções de histórias hassídicas, DieErZühlungen der Cha.r.ridim, nas quais dá forma literária a tradições orais, com zelo de joalheiro. Desta lavra é o relato do
7 Ver G. Wehr, idem, p. 7. 8 Ver M. Buber, "Replies to my Critics", in PA. Schilpp e M. Friedman (orgs. ) "lhe Philorophy of Martin Buber, op. cit., p. 689. 9
Com o título Begegnung. Autobiographirche Fragmente, foi publicada em Stuttgart, 1960 uma primeira edição do escrito. Posteriormente houve uma edição revista e ampliada, incluída na coletânea dedicada a Martin Buber que foi publicada na série "Philosophen des 20. Jahrhunderts" por P.A. Schilpp e M. Friedman, em Stuttgart, 1963. Há tradução brasileira dessa edição revista e ampliada, de S. 1. A. Stein: Encontro. FragmentorAutobiográfico.r, Editora Vozes, Petrópolis, 1991.
10 Ver M. Buber, `Autobiographical Fragments", in PA. Schilpp e M. Friedman, The Philoropby of Martin Buber, op. cit., p. 10; e tradução brasileira, op. cit., p. 19. 11 Ver M. Buber, "Rephes to my Critics" , in PA. Schilpp e M. Friedman, The Philorophy of Martzn Buber, op. cit., p. 689.
Í
Roberto Bartholo Jr.
decidiu procurar o rabi e pôr-lhe à prova a sabedoria. Mas se decepciona. O Baal Shem, nos encontros, só lhe diz `banalidades'. Que numa viage dese lhe
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
XVIII, deixara sua marca. Mas esse hassidismo encontrado por Buber já era decadente. Suas comunidades
Roberto Bartholo Jr.
decidiu procurar o rabi e pôr-lhe à prova a sabedoria. Mas se decepciona. O Baal Shem, nos encontros, só lhe diz `banalidades'. Que numa viagem por um deserto lhe faltou pão para alimentar o cocheiro, e então apareceu um camponês e lhe vendeu o pão. Que noutra viagem lhe faltou feno para os cavalos, até vir um camponês e alimentá-los. Frustrado, Dov Baer está decidido a partir. Mas na última hora o Baal Shem chama-o à sua presença para entregar-lhe um texto sobre a natureza dos anjos, pedindo-lhe que o lesse, refletisse sobre ele e depois o interpretasse. Dov Baer assim faz. O Baal Shem lhe diz: `Não tens saber', e em seguida recita-lhe a mesma passagem. Diante de Dov Baer, então, o aposento onde estavam se incendeia e o rumor dos anjos pode ser ouvido por entre as chamas. Dov Baer cai desacordado. Ao recobrar os sentidos, tudo está como antes. O Baal Shem lhe diz: `A interpretação que me deste estava correta, mas não tens saber, pois teu saber não tem alma'. Depois desse encontro, Dov Baer decidiu permanecer para sempre.` Não a fria lâmina da análise, a rigorosa causalidade da lógica e a profusiva erudição, e sim o fogo angélico fundindo justiça e amor, eis o sangue da alma, que anima o saber verdadeiro e distingue a verdade da mera corr eção. E aqui radica o vínculo de Buber com ó hassidismo. A partida para a casa dos avós conduziu Buber para as entranhas da Europa Oriental, ao encontro de comunidades judaicas afastadas do grande cosmopolitismo vienense, enraizadas em suas tradições e nas quais o hassidismo, movimento que teve seu apogeu no século 16
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
XVIII, deixara sua marca. Mas esse hassidismo encontrado por Buber já era decadente. Suas comunidades já não tinham o mesmo vigor de antes, embora tivessem vigor bastante para deixar marca indelével em sua alma. Foi na pequena cidade onde seu pai tinha algumas terras, Zadgora, na província de Bukovina, que Buber teve seu primeiro encontro com os hassidim: "... é bem verdade que a grandeza legendária dos antepassados parecia desaparecida nos tempos. (...) Mas, apesar de tudo, não era possível obscurecer completamente a luz originária, destruir completamente a elevação originária. A nobreza não intencional, espontânea, dos hassidim falava de modo muito mais forte que qualquer pretensão de arbítrio, de juízo, de prescrever condutas, fixando o que se deve fazer e o que não se deve fazer."' A ida de Martin Buber para a casa dos avós, em Lwow, nascera do divórcio dos pais. Nos Fragmentos autobiográficos encontra-se um relato crucial: a filha de um vizinho, falando-lhe da mãe, pronuncia na galeria da casa dos avós as palavras decisivas, "Não, ela não volta nunca mais". Diante do que, Buber declara: "... suponho que tudo o que experimentei, no correr da minha vida, sobre o autêntico encontro tenha a sua origem naquele momento na galeria."4 E continua: "... sei que fiquei mudo, mas também que não nutri nenhuma dúvida quanto à verdade da palavra dita. Ela permaneceu agarrada a mim e agarrava-se, ano após ano, sempre mais ao meu coração. Depois de mais ou menos uma década, comecei a senti-la como algo que na() dizia 17
Roberto Bartholo Jr.
respeito somente a mim, mas também ao ser humano. Mais tarde apliquei a mim
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
dos avós estava impregnada por uma atmosfera de estudos. Salomão Buber era
Roberto Bartholo Jr.
respeito somente a mim, mas também ao ser humano. Mais tarde apliquei a mim mesmo o sentido da palavra desencontro, com a qual era descrito, aproximadamente, o fracasso de um verdadeiro encontro entre seres humanos.` Na silenciosa espera pelo ansiado retorno de alguém cujo nome os avós nunca pronunciavam em sua presença, Buber forja uma nova palavra alemã: Vergegnung, que podemos traduzir por desencontro, não sem com isso perdermos as mais sutis dimensões evocadas - de um tempo que se esvai em vão. E `:.. quando, após outros vinte anos, revi minha mãe, que viera de longe me visitar, à minha mulher e a meus filhos, eu não conseguia olhar em seus olhos, ainda espantosamente bonitos, sem ouvir de algum lugar a palavra desencontro (Vergegnung), como se fosse dita a mim.` A onipresente ausência da mãe foi fundante para a identidade de Buber, cuja infância transcorreu na expectativa de que cada instante pudesse vir a ser a porta de entrada de seu impossível retorno. Seu avô, Salomão Buber, era pessoa de for te enraizamento na tradição judaica. Não era um judeu secularizado, citadino, conforme predominava nos meios cosmopolitas de Viena. Era um latifundiário, comerciante de cereais, proprietário de minas de fosforita na fronteira austrorussa, além de uma das lideranças da comunidade judaica de Lwow e membro da
Roberto Bartholo Jr. `:.. como participava da vida das pessoas que dependiam dele, de uma ou outra maneira; dos criados da
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
dos avós estava impregnada por uma atmosfera de estudos. Salomão Buber era muito mais um "doutor da lei" do que propriamente um místico. Mas, enraizando o menino na tradição judaica, contribuiu para aproximálo do hassidismo. A avó, Adele, foi figura decisiva na sua formação. Ela era a estrutura da casa, a condição de possibilidade de todo estudo. Era também quem geria os negócios e manuseava os livros de contabilidade. O amor da avó pela palavra empenhada, pela palavra dita e vivida, mais forte que a meramente escrita, deixa em Buber ressonância inesquecível. Um amor que parecia ao menino visceral, incisivo, imediato, espontâneo e devotado. Desde os nove anos, o menino Buber passava todo verão na propriedade do pai. Aos catorze, deixa a casa dos avós para morar na cidade junto a ele, já casado outra vez. Karl Buber era um proprietário rural, que nada tinha em seu perfil que pudesse caracterizá-lo como um homem de letras, um intelectual. A marca mais significativa deixada por ele na formação do adolescente foi a dedicação à natureza e à agricultura sem sentimentalismos românticos, com zelo e responsabilidade social. Como indica Pamela Vermes, não deve ser subestimada na formação de Buber a influência desse homem que um dia declarou que sua única íi -riportância era ser o filho de seu pai e o pai de seu filho.' Aspecto destacado nos Fragmentos
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra como isto poderia ocorrer de outra maneira a não ser através do verdadeiro contato?!" 12
Roberto Bartholo Jr. `:.. como participava da vida das pessoas que dependiam dele, de uma ou outra maneira; dos criados da fazenda, em suas casas ao redor da Quinta, construídas segundo suas instruções; dos pequenos agricultores, que lhe prestavam serviços sob condições criadas por ele, com rigorosa justiça; do caseiro; e de como ele cuidava das relações familiares, da criação e instrução das crianças, das doenças e do envelhecimento de todas as pessoas." $ Dois episódios são expressivos da influência de Karl Buber sobre seu filho. O primeiro ilustra seu zelo e curiosidade pelas novidades técnico-agrícolas: "... quando eu ainda era criança, ele trouxe de uma exposição mundial parisiense um grande pacote de ovos de galinha, de espécies ainda desconhecidas; transportara-os durante toda a viagem sobre os joelhos, a fim de que nenhum fosse danificado.` O segundo era o modo como saudava seus cavalos, cumprimentando um animal após o outro "... não apenas amigavelmente, mas de forma francamente pessoal.`O Na percepção de Martin, seu pai era um homem imerso nas relações diretas, para quem o que verdadeiramente importava era o simples acontecimento das relações "... sem qualquer ação colateral, apenas a existência de criaturas humanas e aquilo que sucede entre elas."" Para Karl Buber não havia "... nenhuma outra ajuda senão aquela de pessoa a pessoa, e esta ele praticava. Na velhice, ainda deixou-se eleger para a`Comissão do Pão' da comunidade judia de Lemberg, e peregrinava sem cansar pelas casas para descobrir os verdadeiros necessitados e suas necessidades;
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra como isto poderia ocorrer de outra maneira a não ser através do verdadeiro contato?!" 12 Até a idade de onze anos, Martin recebe uma educação doméstica, na casa dos avós, dedicada principalmente ao estudo do hebraico, do francês e do latim. Posteriormente, o jovem estudaria no Ginásio Franz Josef, o educandário polonês de Lwow Ali se destaca seu interesse pela filosofia, e dois livros serão os marcos decisivos de sua formação - acontecimentos instauradores de rupturas num processo que até então se constituía numa continuidade sistemática, estruturada sobre uma cuidadosa leitura dos clássicos de Platão. A primeira ruptura foi introduzida pela leitura, aos quinze anos, dos Prole gômeno.r a toda metafísica do futuro de 1. Kant, lidos com a avidez de quem desperta para as inquietações do filosofar, num momento de vida em que "... eu era irresistivelmente impelido a querer apreender o decorrer total do mundo como fáctico, e isto significava compreender o tempo como principiando e finalizando, ou como sem princípio nem fim. Ambos os caminhos mostravam-se, a cada tentativa de supô-lo como realidade, igualmente absurdos." 13 Na leitura de Kant, o rapaz aprendeu que o espaço e o tempo eram apenas "condições formais de nossa intuição sensível humana, e não qualidades reais das coisas em si mesmas." O impacto desse aprendizado foi radicalmente inquietante e libertador, pois "... eu não precisava mais, atormentado, querer qucs tionar o tempo sobre seu fim; ele não se impunha , i mim, ele era meu, pois era `nosso'. A qucst.ìo f(~i, po~r
20
Roberto Bartholo Jr.
sua natureza, declarada insolúvel, mas simultaneamente fui libertado dela,
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
no atemporal? Não estamos na eternidade?" Certamente não teríamos que identificar
Roberto Bartholo Jr.
sua natureza, declarada insolúvel, mas simultaneamente fui libertado dela, libertado da exigência da interrogação. O presente que recebi de Kant, então, foi a liberdade filosófica." 14 A segunda ruptura foi trazida, aos dezessete anos de idade, pela leitura do Assim falava Zaratustra de Nietzsche, cujo efeito foi o de um terremoto. Diversamente do caso anterior, "... não atuou sobre mim na forma de uma dádiva, mas na de um assalto e de um seqüestro, e demorou muito até eu conseguir libertarme." 15 A concepção fundamental da obra se baseia na interpretação do tempo como "eterno retorno do mesmo", vista pelo autor como a mais profunda das doutrinas. O tempo seria assim uma série infinita de durações finitas, essencialmente iguais. Kant foi filosoficamente modesto em sua proposição e renunciou a qualquer pretensão de resolver o enigma: apenas apontou e delimitou o problema da nossa humana dependência às formas do tempo. Já Nietzsche, aos olhos amadurecidos de um Buber mais tardio, teria pretendido colocar, no lugar do manifesto mistério da singularidade de todo acontecer, o pseudomistério do "eterno retorno do mesmo". Mas "... no espírito do rapaz de dezessete anos, embora ele não tivesse aceito essa concepção, e não pudesse aceitála, ocorreu uma sedução negativa." Livrar-se do seqüestro niet,-.rchiano custou a Buber um penoso retorno à
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
no atemporal? Não estamos na eternidade?" Certamente não teríamos que identificar essa eternidade com a fatalidade de que nos fala o Zaratustra de Nietzsche, pois trata-se "... daquela que é incompreensível em si, que despede o tempo e nos coloca naquela relação com ele que denominamos existência. >>is No ginásio polonês Franz Josef, em Lwow, Buber vive tempos de "mútua tolerância sem mútuo entendimento", em que estudavam, juntas, a maioria polonesa e a minoria judia sem que houvesse um "ódio perceptí vel aos judeus". Mas uma recordação não pode ser esquecida: "... todos os dias, às oito da manhã, soava a campainha e um professor subia à cátedra, sob um imenso crucifixo pregado na parede. Os poloneses faziam então o sinal-da-cruz e rezavam em voz alta à Santíssima Trindade, enquanto nós, judeus, ficávamos ali imóveis, em pé, com os olhos baixos.` Essa experiência matinal - prolongada ao longo de oito anos - de sentir-se como "convidado forçado" de uma cerimônia religiosa "da qual nenhuma parcela da minha pessoa podia ou queria participar", deixou marcas profundas na alma do rapaz, por mais que nunca se tivesse feito nenhuma tentativa de converter um dos alunos judeus. O fato é que "... minha antipatia por qualquer missão
Roberto Bartholo Jr. Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
No ginásio de Lwow, Buber aprende a mestria do idioma polonês e sua literatura, e também faz contato com a Ilustração européia. No outono de 1896, com a
mostrava do modo mais perceptível que o lugar onde o espírito habita é o Entre, o lugar da relação, do diálogo, do
Roberto Bartholo Jr. Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
No ginásio de Lwow, Buber aprende a mestria do idioma polonês e sua literatura, e também faz contato com a Ilustração européia. No outono de 1896, com a idade de dezoito anos, matricula-se para o semestre de inverno na Universidade de Viena e, num ambiente cultural impregnado de romantismo - que lhe exercerá forte influência -,21 Buber começa a freqüentar as Tlorle.rungen de filosofia. Em 1896 o jovem está matriculado no curso de Filosofia e História da Arte da Universidade de Viena, onde uma fervilhante vida cultural, aberta a uma vasta pluralidade de influências, vai mergulhá-lo num mundo de cosmopolitismo secularizado, afastando-o das raízes hassídicas deixadas em Lwow. As percepções herdadas da casa do avós ficarão adormecidas. Mais tarde, Buber dirá: "... quando morei na casa de meus avós, estive firme nas raízes, ainda que muitas questões, perguntas e dúvidas pudessem vir até mim. Mas logo, quando saí dessa casa, fui como que tragado pelo redemoinho da época. Até meus vinte anos, e em menor medida ainda depois, meu espírito estava em permanente e múltiplo movimento, impulsionado pelas mais diversas e variadas influências, tomando sempre novas formas, numa troca de tensões e soluções. Mas sem um centro e sem ter em si uma substância que fosse crescente, cumulativa." Nos primeiros semestres universitários, freqüentou as aulas de História da Arte e de Filosofia, conheceu muitos autores e textos, porém a vivência mais significativa nesse período foi outra. O que mais o fascinava era a livre troca de perguntas e respostas. Nela se lhe 24
mostrava do modo mais perceptível que o lugar onde o espírito habita é o Entre, o lugar da relação, do diálogo, do encontro. Emerge nesse mesmo tempo outro elemento fundamental para ele: o teatro. Em suas freqüentes idas a eventos teatrais, o que mais o atraía era a palavra humana em sua incisiva expressão verbal-gestual. No teatro, Buber presenciava a razão de ser da palavra em seu dizer completo, a potência da palavra dita, a genuína diZibilidade vernacular do idioma, sempre maior e mais potente que a linguagem como mera articulação, conceitual e lógica, de elementos informativos. Nos semestres de inverno de 1897-1898 e 1898-1899, Buber deixa Viena e vai estudar em Leipzig, onde completa seu vigésimo ano de vida. Ali, a vivência mais forte vai ser o encontro com a música, e em particular com a música de Bach, cantada e tocada no lugar e modo próprios, "como Bach queria que ela fosse cantada e tocada". Essa majestosa influência modificou sua vida de alguma forma e, "só a partir daí, também o pensamento". Mas "... sou totalmente incapaz de narrar nesses fragmentos autobiográficos coisas tão grandes e misteriosas." O certo é que "... devagar, tímida e persistentemente, cresceu o conhecimento da realidade da existência humana e da frágil possibilidade de fazer justiça a ela. Bach ajudou-me."24 Mais tarde, como um andarilho acadêmico, Buber segue para a Universidade de Zurique, onde realiza uni programa de estudos dos mais diversificados, abrangendo filosofia, filologia, germanística, filologia clássica, história da literatura, história da arte, psiquiatria c cu momii;i.
25
Roberto Bartholo Jr.
Em 1901 vai estudar na Universidade de Berlim com W Dilthey e G. Simmel e
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
po, compreendi a vocação de anunciá-la ao mundo.""
Roberto Bartholo Jr.
Em 1901 vai estudar na Universidade de Berlim com W Dilthey e G. Simmel e ali, em 1904, obtém o título de doutor em filosofia com a tese "Contribuições para a história do problema da individuação". Ocupou-se então com os místicos da Renascença e da Reforma, estudando Nicolau de Cusa, Paracelso e Weigel, e sofrendo forte atração pela figura de Jacob Bõhme. Durante seus anos universitários, Buber participa ativamente do movimento sionista, numa relação intensa e conflitiva. Sua perspectiva era muito mais culturalespiritual do que a hegemônica perspectiva políticoestatal de Theodor Herzl. Mas a aproximação ao sionismo reabre para Buber o que há de essencial no judaísmo. Revitaliza-se o hebraico esquec ido da casa dos avós. E, junto com ele, a reconsideração de tudo o que havia sido abandonado nos anos universitários. Cresce a percepção da dizibilidade hebraica de coisas incomunicadas nas línguas ocidentais. E, com isso, é fecundado o embrião do seu projeto de realizar uma nova tradução alemã da
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
po, compreendi a vocação de anunciá-la ao mundo."" Então começa um tempo de aprofundamento nas tradições judaicas. Por anos, Buber se afasta do movimento sionista, deixa de escrever artigos, de participar de reuniões, discussões, palestras, encontros. Em recolhimento, acumula materiais para um novo projeto. Não apenas conclui sua tese de doutorado, como também desenvolve todo um trabalho de organização, sistematização e escritura das histórias de ensinamento da tradição oral das comunidades hassídicas. Não se trata de mera curiosidade antropológica. Tratase de recriar na escrita a oralidade tradicional, dotandoa de pertinência em novo contexto comunicativo. Num esforço quase alquímico, Buber recria as histórias e a si mesmo, enraizando-se mais profundamente na tradição de seus avós, pois "... trago em mim o sangue e o espírito daqueles que as criaram, e em sangue e espírito elas são renovadas em mim.""
Torá.
Na base de tudo está a revitalização buberiana do hassidismo, centralizada na figura do tsadik (o justo) - o grande rabi Israel Ben Eliezer, Baal Shem Tov. A verdadeira identidade adâmica como "imagem e semelhança" de Deus, Buber a vislumbra na vida do Isadik, e não como um mero conjunto de
Roberto Bartholo Jr. 4 Ver M. Buber, Encontro. Fragmeuto.r/lutohiográfzeo,r (tradução brasi leira de S.I.A. Stein), Ed. Vozes, Petrópolis, 1991, p. 8.
Nota: 1 Ver G. Scholem, Main Trends in Jewish Mistici.rm, New York, Schocken,1954. 2 Ver M. Buber, "Die Erzãhlungen der Chassidim" (1949), in Werke III, Schriften Zum Chassidismus, Munique-Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1963; há tradução brasileira de M. Arnsdorff, T
Roberto Bartholo Jr. 4 Ver M. Buber, Encontro. Fragmeuto.r/lutohiográfzeo,r (tradução brasi leira de S.I.A. Stein), Ed. Vozes, Petrópolis, 1991, p. 8. 5 Ver M. Buber, idem, p. 8. 6 Ver M. Buber, idem, p. 8. 7 Ver P. Vermes, Martin Buber (tradução francesa de E Abergel),
III
Paris, Albin Michel, 1992, p. 36; original inglês: Peter Halban Publishers Ltd., Londres, 1988. 8 Ver M. Buber, Encontro. FragmeutorAutoGiográfaco.r, op. cit., p. 14. 9 Ver M. Buber, idem, p. 13. 10 Ver M. Buber, idem, p. 13. 11 Ver M. Buber, idem, p. 14. 12 Ver M. Buber, idem, p. 14. 13 Ver M.
... o rnundo rodou num
instante, nas voltas do meu coração ...
Buber, idem, p. 22. 14 Ver M. Buber, idem, p. 22. 15 Ver M. Buber, idem, p. 23. 16 Ver M. Buber, idem, p. 23. 17 Ver M. Buber, idem, p. 23. 18 Ver M. Buber, idem, p. 24. 19 Ver M. Buber, idem, p. 15. 20 Ver M. Buber, idem, p. 24.
Como bem assinala Michel Lôwy,' Max Weber foi um dos pioneiros em identificar o caráter potencialmente revolucionário da tradição religiosa judaica,'- pois o mundo da Torá é historicamente provisório e está destinado a ser substituído, numa revolução futura sob ordem e condução de Deus. Karl Mannheim, em Ideologie arnd Utopie, já dizia ser o
21 Ver M. Lüwy, Redenção e Utopia. O judairmo libertário na Europa Central (um estudo de afinidade eletiva), E d. Companhia das Letras,
São Paulo, 1989. 22 Ver M. Buber, Meia Weg Zum Chassidismus, op . cit., p. 966, apud G., Wehr, op. cit., p. 17. 23 Ver M. Buber, Encontro. FrágmeutorAutohiogrcifacor, op. cit., p. 27. 24 Ver M. Buber, idem, p. 28. 25 Ver M. Buber, Meia Weg ~um Char,cidirmur, op . cit., p. 967, apud G., Wehr, op. cit., p. 25. 26 Ver G. Wehr, op. cit, p. 27.
2
anarquismo a forma mais pura de expressão da consciência utópica/milenarista no mundo i-noderno, e identificava no amigo de Buber, Gustav Landauer, a personificação mais completa desta perspectiva e atitude. ; Em ensaio sobre a idéia messiânica no judaísmo, Gershom Scholem afirma mesmo a possível presença de u m e le me nt o d e a n ar qu ia n o p ró pr io s ei o d o messianismo, levando a uma "... negação das antigas restrições, esvaziadas de significado no novo quadro da liberdade messiânica."' Michel Lõwy diz que "... o messianismo contém duas 29
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
restabelecimento de um estado ideal do passado, uma idade de ouro perdida, uma harmonia edênica quebra da, e uma corrente utópica, aspirando a um futuro radicalmente novo, a um estado de coisas que jamais existiu."' Ambas as tendências são no entanto inseparáveis, configurando uma dualidade constitutiva fundamental. Nas palavras de Gershom Scholem, "... mesmo a corrente restauradora veicula elementos utópicos e, na utopia, fatores de restauração estão presentes. (...) Esse mundo inteiramente novo comporta ainda aspectos que dependem claramente do mundo antigo, mas o próprio mundo antigo não é mais idêntico ao passado do mundo; é antes um passado transformado e transfigurado pelo sonho explosivo da utopia.` A maior expressão dessa dualidade na tradição judaica é a idéia de tzkkun, a restauração da harmonia originária, primordial, rompida com a Quebra dos Vasos e a Queda. O advento do Messias é o cumprimento do retorno de todas as coisas ao vínculo originário com a Divindade no mundo do tikkun (Olam Ha-Tikkun), que suprime todo o mal. Como aponta Michel Lõwy,' o pensamento socialista utópico-libertário opera uma dualidade análoga, podendo ser identificada, no núcleo de sua contestação, uma atitude romântica em relação ao passado. É assim que, de modo mais exemplar em Landauer, a utopia revolucionária é acompanhada de uma
Outra característica distintiva do messianismo judaico é que a redenção não constitui um evento subjetivo, processado apenas no estado de alma dos crentes, mas um acontecimento eminentemente histórico, visível, sensório, objetivo. Entre o presente estado de degradação e a redenção há uma ruptura, uma verdadeira "irrupção catastrófica". Como diz Gershom Scholem, polemizando contra as teses de Herman Cohen - que reduziriam o messianismo judaico apenas a um "progresso eterno", secularizado no processo histórico universal - o messianismo judaico é "... em sua origem e natureza uma teoria da c at ás tro fe . Es sa t eo ri a i ns is te no elemento revolucionário, cataclísmico, na transição do presente histórico para o porvir messiânico.` A Torá jamais considera a redenção como fruto de um progresso da história, mas como uma irrupção, "... o surgimento de uma transcendência acima da história, a projeção de um jato de luz a partir de uma fo nte exterior à história."10 A transformação introduzida pelos últimos tempos é universal. Não ocorre nenhum aperfeiçoamento do mundo antigo, mas a ruptura que cria um mundo novo, um mundo que é irredutivelmente outro, expresso na radicalidade das imagens proféticas de Isaías (Is. 65:25): "... o lobo e o cordeiro pastarão juntos, e o leão comerá feno como o boi". Para muitos intérpretes da escatologia bíblica, a instaura ão do novo mundo
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Michel Lõwy afirma que as características anteriormente descritas revelam "... uma notável
lações sociais na Europa Central, principalmente na Alemanha. Nesse período a Grande Transformação` atinge
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Michel Lõwy afirma que as características anteriormente descritas revelam "... uma notável homologia estrutural, um inegável isomorfismo espiritual entre esses dois universos culturais situados em esferas (aparentemente) bem distintas: a tradição messiânica judaica e as utopias revolucionárias modernas, particularmente as libertárias.' 112 Mas essa identificação, em si, não ultrapassa o campo das correspondências e analogias. Para que daí venha a emergir uma autêntica simbiose cultural é preciso que um elemento dinâmico venha a ser incorporado, configurando um processo de "... estimulação e alimentação recíprocas, e mesmo, em alguns casos, de combinação ou fusão dessas duas figuras espirituais." Para tanto, propõe a fecunda hipótese interpretativa de que esse elemento não foi meramente a.reculari.Zação, mas sim "... o novo surto de romantismo, desde o final do século XIX até o início dos anos 30. O termo romantismo não designa aqui um estilo literário ou artístico, mas um fenômeno bem mais vasto e profundo. A corrente de nostalgia das culturas précapitalistas e de crítica cultural à sociedade industrial burguesa, corrente que se manifesta tanto no domínio da arte e da literatura quanto no pensamento econômico, sociológico e político." No romantismo centroeuropeu se entrelaçam a utopia revolucionária futurista e a restauração, como pano de fundo ético-cultural da dinamização da afinidade eletiva entre o messianismo judaico e o soc ialismo utópico libertário. O final do século XIX trouxe consigo uma vigorosa aceleração da industrialização e da monetarização das ré
lações sociais na Europa Central, principalmente na Alemanha. Nesse período a Grande Transformação` atinge escala impressionante. No início da segunda metade do século XIX, a produção alemã de aço era menor que a francesa e muito menor que a inglesa. Em 1910 já era superior à soma dos dois países juntos. Emergem no espaço centro-europeu importantes cartéis na produção siderúrgica, têxtil, química, elétrica. O novo surto de romantismo foi uma reação a este processo, e "... essa Weltan.rchauung irá constituir na Europa Central e sobretudo na Alemanha, na virada do século, a sensibilidade dominante na vida cultural e universitária. O mandarinato acadêmico, categoria social tradicionalmente influente e privilegiada, é uma de suas principais bases sociais: ameaçado pelo novo sistema que tende a reduzi-lo a uma situação marginal e impotente, reage manifestando seu horror ante o que considera uma sociedade sem alma, padronizada, superficial, materialista."" Tema central na crítica romântica é a oposição entre Kultur (domínio de valores éticos, estéticos, religiosos, comunitários, vitais) e Zivilisation (domínio dos valores econômico-mercantis, técnicos, materialistas, mecânicos). A intelectualidade acadêmica centro-européia, tradicionalmente influente na organização da cultura no espaço cultural germânico, acusará a Grande Transformação em curso de engendrar "...uma sociedade sem alma, padronizada, superficial e materialista."" A Grande Transformação centro-européia teve for te impacto também sobre as comunidades judaicas. Cidades como Budapeste, Praga, Viena e Berlim conhecem significativo aumento da população judaica, que,
32 33
Roberto Bartholo Jr.
deixando o tradicional espaço dos guetos e pequenas aldeias, urbanizou-se aceleradamente. Nessas grandes
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
conceituação de Max Weber, seguiam configurando as características de um Pariavolk (povo pária).`
Roberto Bartholo Jr.
deixando o tradicional espaço dos guetos e pequenas aldeias, urbanizou-se aceleradamente. Nessas grandes cidades irá se formar uma ampla "nova classe média"e também uma "nova burguesia" - de origem judaica, com crescente presença nos negócios, comércio, indústria e finanças, e "... na medida em que ela enriquece e são levantadas as restrições civis e políticas (na Alemanha em 1869-71), essa `classe média judaica' passa a ter uma só aspiração: assimilar-se, aculturar-se, integrar-se na na ção germânica."" A corrente assimilacionista mais expressiva era a Central Tlerein DeutscherStaatsbürgerJüdischen Glaubens (As
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
conceituação de Max Weber, seguiam configurando as características de um Pariavolk (povo pária).` Com as portas da universidade no espaço centroeuropeu seguindo abertas, o assimilacionismo judaico empenha-se por ali a formar seus filhos. A partir de 1895, os judeus representarão 10% da comunidade universitária alemã, e pouco mais de 1% da população alemã totaL22 Como aponta Michel Lõwy, está em formação uma nova categoria social, correspondente à definição, proposta por Karl Mannheim, de uma intelectualidade desvinculada (eine so,~ , ,ial freisch2vebende Intelligen,-)
.z3
sociação Central dos Cidadãos Alemães de Confissão judaica). Desse círculo, ao qual pertencia sua própria família, Gershom Scholem dá significativo depoimento: "... reiterava-se a todo momento, com nuanças diversas, que pertencíamos ao povo alemão, no interior do qual formávamos um grupo religioso como os demais. Isso era mais paradoxal na medida em que na maioria dos casos o elemento que deveria constituir nossa única diferença era inexistente, sem nenhuma influência sobre a conduta de vida."" Mesmo um judeu tão enraizado em sua identidade tradicional como Franz Rosenzweig escreveu no ano de 1923, pouco após a publicação de sua obra prima Der Stern der Erló:rung ("A Estrela da Redenção"): "... penso que meu retorno ao judaísmo fez de mim um alemão melhor e não pior."zo Mas o assimilacionismo tinha limites objetivos. Os judeus permaneciam excluídos de fato da administração pública, da magistratura, das forças armadas, e confrontados com um anti-semitismo crescente. Na
Os novos intelectuais judeus emergentes não apresentam vínculos sociais precisos. São, paradoxalmente, assimilados e marginalizados, e, "... em estado de disponibilidade ideológica, logo serão atraídos pelos dois principais pólos da vida cultural alemã, que se poderia associar às duas célebres personagens de A montanha mágica de Thomas Mann, Settembrini, o filantropo liberal, democrata e republicano, e Naphta, o romântico conservador/ revolucionário."z4 Um amplo espectro de jovens intelectuais judeus vai encontrar na referência,Settembrini a configuração fundamental de uma identidade fundada naAufklãrung (Ilustração) germânica e sua perspectiva racional-progressista, de base neokantiana, com o judaísmo reduzido a uma ética monoteísta. Mas outro grande contingente vai encontrar abrigo na referência Naphta. Aqui emergi - um conflito de gerações na forma de um "... rompi mento dos jovens antiburgueses amigos da Kuhui, (Li espiritualidade, da religião, da arte, com seus c•n1 presários, comerciantes ou banqueiros, lihcnu~ ~~ ~~ ~~ I~ i.,
34
35
Roberto Bartholo Jr.
dos, indiferentes em matéria religiosa e bons patriotas alemães."'' No ambiente mântic jov
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
internacionalista na qual as desigualdades sociais e nacionais seriam radicalmente
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
dos, indiferentes em matéria religiosa e bons patriotas alemães."'' No ambiente neo-romântico, os jovens intelectuais rebelam-se contra os valores assimilacionistas da casa dos pais e impulsionam um aburguesados, movimento de parcial dessecularização e desassimilação. Outro elemento do mesmo contexto é a forte atração da intelectualidade judaica pelo ideário socialista internacionalista. Por isso, a "explicação" do anti-semitismo parece simples: o judeu apátrida teria uma pulsão natural para aderir ao internacionalismo comunista. Esse clichê é falso, uma vez que "... os judeus, em sua maioria, eram de fato patriotas alemãs ou austríacos - mas é provável que a situação de assimilação/rejeição/marginalização nacional dos intelectuais judeus o$ tornassem potencialmente mais sensíveis à temática internacionalista do socialismo."" Importante contingente da intelectualidade judaica lançou sobre a realidade centro-européia um olhar e um discurso construídos desde uma perspectiva pária e rebelde, que nega as verdades e certe zas dos no vo s- ri cos. Para a consciênciapária há sempre duas alternativas básicas: a radical negação de si mesmo ou "... um questionamento radical dos valores da sociedade que desvalorizou sua alteridade." Z' Mas é também significativo que, em meio aos judeus párias-rebeldes-
internacionalista na qual as desigualdades sociais e nacionais seriam radicalmente abolidas: o anarquismo, o anarcossindicalismo ou uma interpretação romântica e libertária do marxismo. É tamanha a força desse ideal que ele influencia até os próprios sionistas (Buber, Hans Kohn, Scholem)." Z Em contraste, na Europa Oriental um proletariado judeu se organiza no Bund, organização socialista surgida ao final do século XIX na Lituânia, ou adere às frações bolchevique e menchevique do Partido Operário Social-Democrata Russo. As condições de vida muito mais opressivamentepárias vigentes no Leste e a proletarização e a violência do anti-semitismo dos pogroms engendraram uma forte participação da intelectualidade judaica na militância revolucionária sob o Império czarista desproporcional à sua participação demográfica. Esses militantes apresentam uma característica comum: "... a recusa da religião judaica; (...) a seus olhos, tudo isso não passa de resquícios obscurantistas do passado, ideologias reacionárias e medievalismos de que é preciso desembaraçar-se o mais rápido possível em proveito da ciência, das Luzes e do progresso." A maioria dos intelectuais revolucionários judeus do Leste se origina de famílias "esclarecidas", secularizadas, assimiladas e oriundas de centros urbanos como Odessa, onde foi forte a Haskalá, o movimento de
Roberto Bartholo Jr.
tornando-se permeável a influências neokantianas e neo-românticas. Mas na
$
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
de românticos como Martin Buber, podíamos ver, e sentir, o obscurantismo da
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Roberto Bartholo Jr.
tornando-se permeável a influências neokantianas e neo-românticas. Mas na Rússia isso não ocorreu. Como resposta à crítica dos maskilim (ilustrados), "... o judaísmo rabínico tornou-se conservador, inflexível e repressivo; o hassidismo o acompanhou nesse cami nho."30 Nessas condições, "... o messianismo dos meios ortodoxos (rabínicos ou hassídicos), quietista e indiferente à política, era incapaz de se combinar ou articular com uma utopia secular que eles rejeitavam como um corpo estranho. Era preciso primeiro emanciparse da religião, tornar-se ateu ou `esclarecido', para poder aceder ao mundo externo das idéias revolucionárias."" Assim, no Leste Europeu a Haskalá assumiu uma face predominantemente secularizante. Na Europa Oriental, a ruptura geracional, onde ocorre, é mais radical que na Europa Central, e o jovem rebelde recusa-se a qualquer romantização do tradicionalismo conservador. Isaac Deutscher, dirigente comunista polonês que veio ser o mais famoso biógrafo de Trotski - e construiu seu caminho para a militância revolucionária rompendo com os rumos religiosos que sua família planejara para sua vida -, nos dá sobre isso depoimento expressivo: "... nós conhecemos o Talmud, fomos educados no hassidismo. Todas as idealizações não passam, para nós, de poeira
Roberto Bartholo Jr. 9 Ver G. Scholem, Scholem, "Zum Verstãndnis Verstãndnis der messianische messianischenn Idee in Judentum", in op. cit., p. 12-13; apud M. Lõwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 22.
de românticos como Martin Buber, podíamos ver, e sentir, o obscurantismo da nossa religião arcaica e seu modo de vida inalterado desde a Idade Média. Para alguém com meu background, a nostalgia em moda entre os judeus ocidentais de um retorno ao século XVI, um retorno que supostamente ajudaria a encontrar, ou redescobrir, a identidade cultural judaica, parecia irre al e kafkiana." 3Z
Notas
1 Ver M. Lõttry, Redenção e Utopia. O judai.rmo libertário na Europa Central (um estudo de afinidade eletiva), Ed. Companhia das Letras, São Paulo,
1989, capítulo 2, "Messianismo judaico e Utopia Libertária. Das correspondências à Attractio Electiva", p. 19 e seguintes. 2 Ver M. Weber, Wirt,rebaft und Getelácbaft. Grundriss der Verstehenden So.Ziologie, J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), Tübingen, 1976, p. 301 e seguintes. 3 Ver K. Mannheim, Ideologie und Utopie, Verlag G. Schulte-Bulmke, Frankfurt am Main, 1978, p. 173-4 e p. 224. 4 Ver G. Scholem, "Zum Verstãndnis der messianischen Idee im Judentum", in Judaica, v. 1, Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, 1963, p. 41-42; apud M. Lõwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 20. 5 Ver M. Lõury, Redenção e Utopia, op. cit., p. 20. 6 Ver G. Scholem, "Zum Verstãndnis der messianischen Idcc in Judentum", in op. cit., p. 20; apud M. Lõwy, Redenção e
l'iopi,r, op. cit., p. 22. 7 Ver M. Lõwy, Redenção e Utopia, op . cit., p. 21. 8VerG.Landauer,DieRevodution,RültenundLoeninY„I imi1.hio m, Main, .
39
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra 27 Ver M. Lõwy, idem, p. 39. 28 Ver M. Ltiwy Ltiwy idem, idem, p. 40. 29
Roberto Bartholo Jr. 9 Ver G. Scholem, Scholem, "Zum Verstãndnis Verstãndnis der messianische messianischenn Idee in Judentum", in op. cit., p. 12-13; apud M. Lõwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 22. 10 Ver G. Scholem, idem, p.13, apud M. Lõwy, idem, p. 22. 11 Ver J. Taubes, Studien Zu Geschichte und Syrtem der aGendlàndi aGendlàndirchen rchen Eschatologie, Berna, Rõsch, Vogt und Co., 1947, p. 24, apud M. Lõwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 24. 12 Ver M. Lõwy, Redenção e Utopia, op.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra 27 Ver M. Lõwy, idem, p. 39. 28 Ver M. Ltiwy Ltiwy,, idem, idem, p. 40. 29 Ver M. Lbwy, idem, p. 43. 30 Ver M. Lõwy, idem, p. 45. 31 Ver M. Lõwy, idem, p. 45. 32 Ver 1. Deutscher, The Non jew::rh Jew and other errayr, Londres, Oxford University Press, 1968, p. 46-47; apud M. Lõwy, Redenção Redenção e Utopia, op. cit., p. 46.
cit., p. 24. 13 Ver M. Lõwy, idem, p. 25. 14 Ver M. Lõwy, idem, p. 25. 15 O termo é uma referência deliberada à obra clássica de Karl Polanyi. Ver K. Polanyi, A Grande Transformação. As origens de nossa época (tradução brasileira de I: Wrobel), 2' edição, Ed. Campus, Rio de janeiro, 2000. Original inglês: "1'h,e Great 1 ranrformation, Rinehart & Company, Londres, 1944. 16 Ver M. Lüw}', idem, p. 32. 17 Ver P. Ringer, Ï he Decline of the German Rlandarinr. 1
he Germa German n Academ Academic ic Gommu Gommunit nity y 1890-1 1890-1933 933,,
Cambri dge/M assach usetts, Harvard Harvard Universit Universityy Press, Press, 1969, p.13, apud M. L,õwy, Redenção Redenção e Utopia, op. cit., p. 32. 18 Ver M. Lõwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 33. 19 Ver G. Scholem, "On the social psychology of the Jews in Germany. 1900-1933", in D. Bronsen (ed), Jewr and Germanr
from from 1860 1860 to 1933 1933.. 1 hepm hepmhl hlem emat atzc zcry rymh mhio io.r .rir ir,, Heidelberg, Carl Winter University Verlag, 1979, p.l l.
20 Ver F. Rosenzweig, Briefe, Berlim, Schocken Verlag, 1955, p. 474, apud M. Lõwy, Redenção e Utopia, op.cit., p. 34. 21 Ver M. \Veber, Wirtrchaftund Gerellrhaft, op. cit., p. 300 e p. 371-2, 22 Ver 1. Elbogen, Geschichte der Juden in De:rtrchland, Berlim, E. Lichtenstcin Verlag, 1935, p. 303; e E. Rosenthal, Ïrendr
of lhe Jewir Jewirh h Popnl Popnlnt ntiar iar in Germa Germany ny (1910 (1910-1939), Jewirh Social Stuaies, VI, jun. 1944, p. 257, apud M. Lüwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 179.
23 Ver K. Mannhcim, Ideologie und Utopie, op. cit., p. 135. 24 Ver M. I.üw}', Redrrr¡ìm e Utopia, op. cit., p. 35. 25 Ver M. Lõwy, idem, p. 35. 26 Ver M. Lõwy, idem, p. 38.
4
4
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
IV —feito tatuagem ...
A p ên d ice a s eu s Fragmentos Buberr incl inclui ui o text textoo "Liv "Livro ross e autobiográficos, Bube Homens", no qual fala de sua trajetória de vida partindo de uma situação em que "... se me tivessem perguntado na primeira juventude se preferia lidar apenas com homens ou apenas com livros, eu teria certamente me pronunciado a favor dos últimos. Mais tarde, isso modificou-se cada vez mais.` Essa modificação tem sua raiz na confissão de algo radical, radical, que Buber Buber se vê compelido compelido a tornar tornar explícito explícito,, sem o que considera nunca poder ser compreendido por seus seus interl interlocu ocutor tores: es: "... o mais íntimo do meu coração mais mais ama o mundo mundo que o espír espírit ito.` o.` A confi confissã ssãoo demanda um aclaramento adicional, e Buber afirma: "... Certamente não estou tão à altura da vida com o mundo como gostaria; sempre volto a falhar ao lidar com ela, voltoo sempre volt sempre a ser devedor devedor daquilo daquilo que ela espera espera de mim, em parte porque estou tão preso ao espírito. Estou preso a ele de certo modo como estou preso a mim, porém não o amo verdadeiramente, assim como não me amo verdadeirament verdadeiramente. e. Na verdade, verdade, não amo este aqui que me agarrou com sua garra celeste e que segura No
42
firme, mas sim aquele lá em cima, que sempre vem novamente a meu encontro e me estende alguns dedos, o mundo. Ambos têm dádivas para distribuir. O espírito me dá seu maná, os livros; o mundo preparou um pão integral para mim, em cuja casca quebro os dentes e com o qual nunca fico satisfeito: os homens.` Os livros sempre falam. Já a simples presença dos homens sorri o sorriso vinculante na mudez da criatura. Os homens são "... "... constituí constituídos dos de discurso discurso e mudez; mudez; (...) (...) da mudez mudez humana humana,, por trás trás do discur discurso, so, o espír espírit itoo sussurra em tua direção.` É certo que Buber, em diversos momentos da vida, escolhe a solidão de um quarto a portas fechadas para se dedicar dedicar à leitur leituraa de um livro. Mas faz isso "... apenas apenas porque posso abrir a porta novamente, e um homem levanta os olhos em minha direção.` direção.` E, de modo ainda mais mais agudo agudo,, afir afirma ma:: "... "... eu nada nada sabia sabia de livros livros quando quando me evadia do colo de minha mãe, e quero morrer sem livros, com uma mão humana sobre a minha."6 Destacamos em seguida os mais notáveis encontros inter-humanos que marcaram a vida de Buber. IV .1 ... e a prudência dos sábios nem ousou conter nos lábios o.rorri.ro e a paixão ...
Um primeiro grande encontro foi com Gusta Landauer.
n( ,
Em 1899 Buber conhece o dirigente do círc ub) •( •( romântico Neue Gemeinschaft, do qual particip;ir,í anos berlinenses. O pensamento do judeu ( ~,~~~
43
Roberto Bortholo Jr.
libertário Landauer exercerá forte influência sob sobre a fil filosof osofia ia polí políti tica ca de Bube uber, contribuin contribuindo do decisivame decisivamente nte para fornecer fornecer-lhe um acento anarcomessiânico. Como recorda Pamela Vermes,' feriu a alma de Buber do modo mais profundo profundo a mor te de s s e a mi g o militante revolucionário, ocorrida em 1919 após seu envolv envolvime imento nto em combat combates es de rua, rua, no bojo das convulsões revolucion revolucionárias árias que, que, em território território alemão, alemão, acompanharam acompanharam o fim da Primeira Guerra Mundial. Gustav Landauer nascera em 7 de abril de 1870, filho de uma família judaica de origem burguesa, burguesa, culturalment culturalmente e assimilada assimilada.. Foi um ativ ativo o mili milita tant nte e anar anarqu quis ista ta e escr escrit itor or com impor importa tante nte obra obra nos camp campos os da filos filosofi ofia a políti política ca e da crític crítica a literá literária ria,, assim assim como como redator da revista Der So.~iali So.~iali.rt .rt entre 1909 e 1915. Em abril de 1919 tornou-se, por poucos dias, Comissário do Povo para assuntos culturai turaiss e instr instruç ução ão públi pública ca da breví brevíssi ssima ma República dos Conselhos da Baviera, violenta violentamen mente te reprimi reprimida da pelo pelo exército. exército. Em 2 de maio de 1919 será assassinado. Aos olhos de Landauer, os conselhos operários eram as partes constitutivas orgânicas de um povo que se autodetermina no espírito renovador e profético da Revolução. O romantismo revolucionário de Landauer foi ex posto posto de modo nítido nítido em seu ensaio ensaio Die Revolution, de 1907. Nos papéis do Arquivo Land Landau auer er,, de Jeru Jerusa salé lém, m, enc encont ontra-s ra-se e a significativa afirmação de que em sua pers-
Roberto Bartholo Jr.
O encontro com Buber propicia a Landauer novas bases de aproximação
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Para a pe rs rspec ti tiv a romântic oorevoluc revolucioná ionária ria de Land Landau auer er,, toda toda a era era moderna moderna que se segue segue ao ocaso ocaso da Idade Médi Média a é um temp tempo o de deca decadê dênc ncia ia e transição, transição, uma penosa penosa traves travessia sia entre o eclipse eclipse do espírito espírito comunitário comunitário cristão cristão e a emergên emergência cia do novo espírito espírito comunitá comunitário rio social soc ialist ista a liber libertár tário io.. Nes Nessa sa traves travessia sia,, as revoluções, começando com Thomas Münzer e os anabatistas, são injeções de autenticidade e espírito nas veias de uma humanidade mortificada. Landauer rejeitava a fé progressivista dos socia soc iali lista stass cien cientí tífi fico coss marx marxis ista tass em leis leis anônim anônimas as de movimen movimento, to, expli explicat cativa ivass do devir devir dos proces processos sos histór histórico icos. s. Para Para ele, ele, sempre que a humanidade presenciou algo de elevado elevado e grandi grandioso oso e inovad inovador, or, houve uma ruptura inexplicá inexplicável vel em seu espaço de experi experiênc ências ias.. E é na revolu revolução ção que esse milagre se faz possível. Segundo Segundo Landau Landauer, er, a fé progre progressiv ssivista ista conduz conduzia ia ao impéri império o do maior maior inimi inimigo go da vida e do espírito, o Estado moderno. Contra esse cenário de tendência inercial, ele quer afirma afirmarr a resist resistênc ência ia inovad inovadora ora de uma rede federa federativa tiva de relaç relações ões comuni comunitár tárias ias autônomas, os ais tais de vida vida do socialismo, aptos a "... criar uma Kultur com os meios da Zivili.ration moderna." Na visão visão de Landa Landaue uer, r, os mili militan tantes tes s oc oc ia ialis tta as libertários do presente revivi vivifficam o espírito herético das das revoluções camponesas em luta contra o
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Para Landauer, os judeus têm a missão, a vocação e a tarefa de colaborar com a gênese de uma nova humanidade. Em 1912,
Roberto Bartholo Jr.
O encontro com Buber propicia a Landauer novas bases de aproximação com o judaísmo. Ocorre aqui uma profunda afinidade, pois não foi pequena a influência da filosofia política de Landauer sobre Buber. E será decisivo para Landauer tomar conhecimento da coletânea de relatos hassídicos organizada por Buber. Para termos idéia de como isso influenciou sua identidade judaica, é preciso mencionar que, em carta escrita ao jornal Zeit- na avaliação de Michel Lõwy, certamente anterior a 1908 -, 13 polemizando com teses anti-semitas, Landauer afirma que sua pertença ao judaísmo é obra de um acaso. Já numa resenha da obra Die Legende des Baal.rchem, datada de outubro de 1910, assegura que `... em nenhum lugar pode um judeu aprender, como no pensamento e na escrita de Buber, o que muitos hoje não sabem espontaneamente e só descobrem por meio de um impulso externo: que o judaísmo não é um acidente exterior, mas uma qualidade interna imperecível, cuja identidade reúne um certo número de indivíduos em uma comunidade." O messianismo judaico não será em Landauer secularizado, no sentido vulgar da palavra. Ocorre uma verdadeira Aufhebung (superação) hegeliana, que dialeticamente conserva e supera a dimensão religiosa, permitindo que ela permaneça presente no imaginário político como um ateísmo místico. Escrevendo em
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Para Landauer, os judeus têm a missão, a vocação e a tarefa de colaborar com a gênese de uma nova humanidade. Em 1912, numa palestra em Berlim sobre "Judaísmo e Socialismo", afirma que a Diáspora judaica liga os dois e que a redenção do judeu só será se for simultaneamente redenção da humanidade. A Diáspora é a condição objetiva que livra o judeu do delírio e.rtati.rta e o ancora objetivamente no socialismo internacional. Em tal perspectiva, Landauer nega tan to o assimilacionismo judaico-germânico quanto o sionismo político de Theodor Herzl, e acolhe calorosamente os eventos revolucionários de outubro de 1917 na Rússia. Em carta a Buber, questiona sua adesão à perspectiva palestinense e, embora aceite participar de um encontro com sionistas-socialistas a ser organizado por Buber em abril de 1919, escreve-lhe: "... meu coração jamais foi seduzido por esse país, e não penso que ele seja necessariamente a condição geográfica de uma Gemein.rchaftjudaica. O verdadeiro acontecimento, que para nós é importante e talvez decisivo, é a libertação da Rússia. (...) Neste momento parece-me preferível, apesar de tudo, que Bronstein não seja professor na Universidade de Haifa, mas que seja Trotski na Rússia.` 6
IV.2 ... vou voltar, .rei que ainda vou voltar ...
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
amigo de Karl Marx, abandonou o marxismo sob influência do movimento nacionalista de unificação da Itália (1861). Em mai
vos e covardes". No mês seguinte, escreveu Der Judenstaat, um curto texto-
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
amigo de Karl Marx, abandonou o marxismo sob influência do movimento nacionalista de unificação da Itália (1861). Em sua mais importante obra, Rom undJerusalem (1862), falava de um estado moderno judeu na Palestina fundado no trabalho produtivo, confiando em que da Europa Oriental sairiam os voluntários para as colônias que lhe assentariam as bases. Mas foi Theodor Herzl o grande artífice do moderno nacionalismo judeu. Nascido em Budapeste no seio de uma família de banqueiros assimilados, e educado em Viena, Herzl formou-se em direito pela universidade local. Com forte vocação literária, escreveu peças teatrais e colaborou como correspondente em Paris do jornal vienense Neue Freie Presse. Evento crítico em sua vida foi a cobertura jornalística do julgamento por corte marcial de Alfred Dreyfus, capitão do exército francês acusado de passar aos alemães segredos militares. Apesar das provas apresentadas, altamente duvidosas, o judeu Dreyfus foi condenado em processo rumoroso, com a marca do antisemitismo. O affaire Dreyfus, somado a episódios mais especificamente pessoais, faz de Herzl - na expressão de Moacyr Scliar"- um judeu novo, dedicado à causa da emancipação do judaísmo. Significativa nesse contexto é sua confrontação em Paris, no mês de junho de 1895, com o barão Maurice de Hirsch, grande empresário com importante obra fi-
vos e covardes". No mês seguinte, escreveu Der Judenstaat, um curto textomanifesto que, com sentido de urgência e concisão jornalística, não apenas diagnosticava a condição judaica como também prescrevia-lhe alternativas. Em seu prefácio, Herzl preocupou-se em manifestar seu distanciamento de qualquer utopismo: "... não se trata aqui de uma dessas utopias amáveis, como numeros os autores desenvolveram antes e depois de Thomas Morus."18 Ele não pretende inventar "... a situação histórica em que se acham os judeus, nem os meios de levar remédio à situação existente." Seu objetivo é utilizar uma força motriz existente na realidade: a angústia dosjudeus, que, "... racionalmente empregada, é bastante poderosa para acionar uma grande máquina e transportar homens e coisas."" Herzl quer ver no Estado judeu um projeto da modernidade, mas "... para isso é preciso, antes de tudo, fazer nas almas tabula rasa de muitas idéias antiquadas, passadistas, atrasadas, confusas e estreitas. Assim, espíritos limitados pretenderão antes de mais nada que a migração, saindo da civilização, deverá dirigir-se ao deserto. Absolutamente! A migração se efetua em plena civilização. Não descemos a um grau inferior; ao contrário elevamo-nos. Não ocupamos choças de barro e palha, mas belas casas modernas." 21 E Herzl publica seu livro-manifesto junto com o apelo:
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
rem as tentativas que fizeram como defeituosas e ineficazes." zz
"... a causa remota é a perda de nossa assimilabilidade, vinda da Idade Média; a causa próxima é nossa super-
Roberto Bartholo Jr.
rem as tentativas que fizeram como defeituosas e ineficazes." zz Há uma certa convergência entre Herzl e Marx no diagnóstico de que "... a situação crítica dos judeus é um anacronismo, (...) um pedaço da Idade Média desgarrado em nossos tempos" z3 e na prescrição de que "... a luz elétrica não foi inventada para que alguns esnobes iluminem seus salões, mas sim para que, à sua claridade, resolvamos as questões que preocupam a humanidade. Uma dessas questões, e não a menos importante, é a questão judaica. Resolvendo-a não trabalhamos só para nós mesmos, mas também para muitas outras igualmente fatigantes e penosas." z4 Há também uma certa convergência com a proposição de Jean-Paul Sartre de que "o judeu é uma invenção do anti-semita": "... a questão judaica existe por toda a parte onde os judeus vivem. (...) Onde não existia foi levada pelos emigrantes judeus. Vamos naturalmente aonde não nos perseguem, e aí, todavia, a perseguição é a conseqüência do nosso aparecimento. Isso é verdade e permanecerá uma verdade por toda parte, (...) por tanto tempo quanto a questão não for resolvida politicamente." zs Herzl afirma que, encarando como judeu, "sem ódio e sem medo", o anti-semitismo de seu tempo, ele pode até mesmo vislumbrar, em meio à vulgaridade da grosseria, inveja e preconceito, um certo "efeito da legítima defesa", vinculado a interesses nacionais. O anti-semitismo cresce em meio aos povos porque suas causas, tanto remota como próxima, continuarão a ser vigentes enquanto não for solucionada a questão judaica. E 50
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
a causa remota é a perda de nossa assimilabilidade, vinda da Idade Média; a causa próxima é nossa super produção em inteligências médias, que não podem nem efetuar seu escoamento, descendo, nem operar o seu movimento ascensional, subindo, ao menos de modo normal. Descendo, tornamo-nos revolucionários, proletarizando-nos, e formamos os suboficiais de todos os partidos subversivos. Ao mesmo tempo, cresce no alto nossa temida potência financeira."" Para Herzl, em estreita sintonia com seu tempo - que exacerbou a afirmação do Estado-nação -, a questão judaica não deve ser considerada "... nem como uma questão social, nem como uma questão religiosa, qualquer que seja aliás o aspecto particular sob o qual ela se apresenta, conforme os tempos e lugares. É uma questão nacional e, para resolvêla, énos preciso, antes de mais nada, fazer dela uma questão política universal, que deverá ser regulada nos conselhos dos povos civilizados." Para solucionar a questão judaica, propõe um projeto que "... na sua forma originária é infinitamente simples, e é preciso que o seja, pois deve ser compreendido por todos. Que nos dêem a soberania de um pedaço da superfície terrestre em relação a nossas legítimas necessidades de povo, e nós nos encarregaremos, nós mesmos, de todo o resto."" Para realizar tal tarefa, duas instituições deveriam ser criadas: a Society of Jews, o corpo político que rc presentará o povo judeu e formulará a estratégia de implantação do seu Estado nacional, e a Jewish Compam ,, concebida à imagem e semelhança das companlii:ts d< • colonização então existentes, como uma s()ci( •dadr 1,()i "...
51
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
ações criada com um capital de um bilhão de marcos, fruto de doações de grandes
a Palestina, poderíamos tornar-nos capazes de regular completamente as finanças da
Roberto Bartholo Jr.
ações criada com um capital de um bilhão de marcos, fruto de doações de grandes banqueiros judeus e também, se necessário e complementarmente, de outros. Nas palavras de Herzl, "...o que a Society of Jews concebeu cientificamente, a Jewish Company o executa pratica men te. " O escrito-manifesto ocupa-se ainda com a questãochave do possível domicílio territorial do Estado judeu, a ser deliberada pela Society of Jews. No texto, duas alternativas são mencionadas, a Palestina e a Argentina, onde "... experiências de colonização judaica dignas de nota se realizaram."" Em qualquer dos casos, a Society of Jews deveria negociar com as autoridades soberanas dos territórios, podendo na negociação "... conceder à autoridade soberana do país de quem queremos fazer a aquisição vantagens enormes, tomar a cargo uma parte da dívida pública, construir estradas de grande comunicação de que nós mesmos temos necessidade, e muitas outras coisas."" Herzl não fixa nenhuma opção. Para ele, a Society of Jews deveria decidir, considerando apenas as manifestações da opinião pública judaica. No livro-manifesto apresenta somente algumas ponderações significativas. Vê na Argentina "... um dos países mais ricos da Terra, de uma superfície colossal, com uma fraca população e um clima temperado." Um país que, em sua opinião, "... teria interesse em ceder-nos uma parte de "33
Roberto Bartholo Jr.
língua um bilhete de estrada de ferro?"" Tampouco qualquer dos jargões corrompidos dogueto, essas ". .. línguas clandestinas
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
a Palestina, poderíamos tornar-nos capazes de regular completamente as finanças da Turquia. Para a Europa, constituiríamos ali um pedaço da fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie. Ficaríamos como Estado neutro, em relações constantes com toda a Europa, que deveria garantir nossa existência. No que concerne aos lugares santos da cristandade, poderíamos encontrar uma fórmula de extraterritorialidade em harmonia com o direito internacional. Formaríamos a guarda de honra em volta dos lugares santos e garantiríamos com a nossa existência o cumprimento desse dever."" N'O Estado judeu, Herzl apresenta ainda diversos detalhes mais ou menos curiosos em sua antevisão da realização do projeto. Detalhes referentes à jornada de trabalho, organização produtiva e meios de.comercialização, organização da migração, forma de governo, bandeira, exército profissional, diplomacia, idioma. É significativo que sua opção política preferencial, uma república aristocrática, negue explicitamente a teocracia: "... teremos, pois, por fim uma teocracia? Não! Pois se a fé nos mantém unidos, o silêncio nos torna livres. Por conseqüência, não deixaremos raízes às veleidades teocráticas de nossos eclesiásticos. Saberemos mantêlos nos seus templos, c om o o s no ss os s old ad os n as suas casernas. (...) E se acontece que fiéis de
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Encontrando algum respaldo em Joseph Cham berlain, secretário britânico para as colônias, que vis-
Roberto Bartholo Jr.
língua um bilhete de estrada de ferro?"" Tampouco qualquer dos jargões corrompidos dogueto, essas ". .. línguas clandestinas dos prisioneiros",37 alusão bastante negativa ao ídiche. A imagem paradimática que Herzl aponta é a de uma federação de idiomas, segundo o exemplo suíço, na qual "... a língua mais útil à circulação geral se estabelecerá sem constrangimento como língua principal." O E.rtadojudeufoi publicado em Viena em 1896. Logo seguiram-se as traduções inglesa e francesa. Mas sua mais calorosa recepção ocorre no Leste Europeu. A censura czarista proíbe o livro, que circula clandestinamente, com grande sucesso, em meio às comunidades menos assimiladas que no Ocidente. Após a publicação de seu livro-manifesto, Herzl dedica-se de corpo inteiro à militância sionista. Para isso, busca imediatamente o apoio de setores influentes e poderosos da burguesia judaica, sem lograr êxito significativo. Também realizou uma ofensiva diplomática junto à Turquia, sendo recebido pelo Grão-Vizir, mas tampouco ali conseguiu licença para seu projeto de colonização da Palestina. Tentando ampliar suas bases de apoio, organizou com sucesso na Basiléia, em 29 de agosto de 1897, o Primeiro Congresso Sionista. Dele participam 204 delegados de quinze países. Foi criada a Society of Jews. E, com cautela diplomática, o documento final pleiteia um Lar Nacional Judaico na Palestina. O movimento sionista cresceu em adesões e influência após a Primeiro Congresso. Herzl insistiu em sua ofensiva diplomática junto ao Império Otomano, mas o dinheiro dos "grandes banqueiros judeus" continuavalhe escasso. 54
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Encontrando algum respaldo em Joseph Cham berlain, secretário britânico para as colônias, que vislumbrava a possibilidade de fazer dos judeus agentes de sua política colonial, Herzl considera a possibilidade de mudar a localização do Estado judeu. Datam desse período considerações no sentido de localizá-lo em Chipre ou no Sinai. Talvez como compensação, Herzl volta a dedicarse à ficção e escreve o romance Altneuland ("Velha Terra Nova"), publicado em 1902, no qual traça o cenário feliz de uma Palestina onde o sonho sionista se faz realidade. Data de 1903 a polêmica proposta apresentada por Chamberlain a Herzl, de implantação do Lar Nacional Judaico em Uganda. Inicialmente recebida com frieza, mais tarde veio a ser pragmaticamente reconsiderada: a violência de pogroms no Império czarista poderia justificar a aceitação de uma solução emergencial, que pudesse oferecer asilo aos perseguidos. Mas diante das fortes discussões que acompanharam a proposta no Sexto Congresso Sionista, Herzl terminou por recuar de tal posicionamento. Em 3 de julho de 1904, aos 44 anos de idade, Theodor Herzl morre de ataque cardíaco. Em 1949, conforme seu desejo expresso, seu corpo foi trasladado do cemitério de Viena para Jerusalém. Martin Buber participou ativamente do movimento sionista, durante anos. Por indicação do próprio Herzl, sucedeu ao amigo Berthold Feiwel como redator do Dá , Welt, órgão oficial do sionismo. O sionismo reenraíza Buber na herança tla (k . seus avós. Mas a perspectiva emmentemcnir (spit ti ti
55
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
al-cultural de Buber logo entrou em conflito com o sionismo político de Herzl,
vem amistosamente e os emigrantes não falam hebraico, mas mantêm a identidade
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
al-cultural de Buber logo entrou em conflito com o sionismo político de Herzl, "... que não sabia hebraico e muito menos se interessava pelas manifestações artísticas, espirituais e intelectuais do judaísmo. Seu único sonho era fundar um lar nacional para os judeus."" E o movimento sionista reconheceu como sua a tarefa de assegurar ao povo judeu a criação de um lar estatal, seguro e legal, na Palestina. A perspectiva hegemônica no movimento era eminentemente política. Em contrapartida, para Buber a idéia de povo está muito mais vinculada à visão bíblica de Povo de Deus, e o sionismo não deveria ser, conforme ele mesmo colocou no Terceiro Congresso Sionista, em 1889, uma questão partidária, mas fundamentalmente uma visão de mundo. Sua divergência com Herzl se explicitou do modo mais público em 1901, com a filiação de Buber à Fração Democrática do movimento sionista, dirigida por Leo Motzkin e Haim Weizmann, e constituída majoritariamente por estudantes russos que exigiam a separação entre sionismo e religião, a organização de atividades culturais e a formação de um fundo voltado para a criação de uma Universidade judaica. Essa Fração Democrática conseguiu de início algum êxito. Foi representada por primeira vez no Congresso Sionista de 1901, porém não logro u mais que onze representantes no de 1904, dentre os quais Weizmann, Feiwel e Buber, e logo desapareceu, após unir-se à
vem amistosamente e os emigrantes não falam hebraico, mas mantêm a identidade lingüística dos diferentes países de origem, Herzl não faz uma apresentação candidamente inocente. Ele polemiza com Ahad Ha'am, um dos pensadores judeus mais influentes de então. E conta para isso com o apoio do amigo Max Nordau. Como relat a Pamela Vermes, este último conduz vigoroso ataque na imprensa judaica contra Ahad Ha'am, "... o que teve como efeito levar Buber, Weizmann e Feiwel a publicarem uma resposta furiosa, assinada por numerosos companheiros no periódico hebreu Ha Zeman ("O Tempo"). Herzl tomou isto como um ato de hostilidade dirigido contra ele e contra o movimento sionista, e as tentativas de Buber de apaziguar o dirigente sionista, escrevendo-lhe durante todo o mês de maio de 1903, não levaram a nada. Eles não se compreendiam.` Uma das últimas comunicações de Herzl ao jovem Buber foi um aconselhamento no sentido de que ele deveria reencontrar o caminho do movimento sionista, "... que, como toda coisa humana, tem certamente seus defeitos, mas que inclui, sobretudo, desde meu ponto de vista, homens de boa vontade e, em nenhum caso, estreitos de espírito." A reação do jovem aumentou o abismo comunicativo entre ambos: "... não temos necessidade de reencontrar o caminho do movimento, pois ali temos nosso próprio lugar tão firme e solidamente como
Roberto Bartholo Jr.
Mais tarde, em Mein Weg .Zum Chassidismus, ele testemunha que no seu caminho o sionismo "... foi apenas o
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
a guerra de 1914 jogou por terra a idéia central de toda a filosofia ocidental: a de um universo racional "...
Roberto Bartholo Jr.
Mais tarde, em Mein Weg .Zum Chassidismus, ele testemunha que no seu caminho o sionismo "... foi apenas o primeiro passo. Apenas a confissão nacional não transforma em nada o homem judeu; este pode, com ela, ainda que não mais sem um paradeiro, continuar tão pobre de alma como sem ela."" Para Buber, o sionismo não podia ser apenas uma designação vinculada a um lugar geográfico, mas sim um movimento eminentemente utópico, ou seja, sem vínculo específico a qualquer lugar determinado, um movimento que em linguagem bíblica expressaria a construção do Reino de Deus sobre toda a humanidade. Nessa perspectiva, fica clara a preponderância do elemento messiânico sobre o político nacional.
IV .3 ... se
tudo foi criado.• o macho, a fêmea, o bicho, a flor ...
O terceiro grande encontro foi com Franz Rosenzweig, o teólogo judeu alemão autor da obra-prima Stern der Erló.rung ("Estrela da Redenção"), cuja escrita foi provocada pela traumática experiência de viver as trincheiras do frontbalcânico da Primeira Guerra Mundial. A obra foi concluída em 1919 e publicada em 1921. Buber conheceu Rosenzweig em 1914, e progressivamente firmou-se entre ambos uma sólida amizade. Filho de um ambiente social culturalmente assimilado, Rosenzweig escreveu antes da guerra um estudo sobre a filosofia política de Hegel, sob orientação de Friedrich Meinecke. Mas a experiência da guerra nos Balcãs foi uma ruptura decisiva. Para Rosenzweig,
58
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
a guerra de 1914 jogou por terra a idéia central de toda a filosofia ocidental: a de um universo racional regido pelo logos, estruturado de acordo com as leis (...) que atribuem ao homem um lugar harmonioso na ordem geral das coisas.' Como bem sintetiza Michel Lõwy, em Stern der Erlõ.rung Rosenzweig recusa "... a concepção especificamente moderna do `progresso' na história, isto é, a idéia de um progresso `infinito', deseja substituí-la pela idéia judaica de que `cada instante deve estar pronto para recolher a plenitude da eternidade'.' 115 O empenho humano por "apressar a vinda do Messias" é um elemento constitutivo da perspectiva espiritual judaica da temporalidade, e aqui radica o sentido radical da prece: "... se não existe tal força, se não existe uma prece capaz de apressar a vinda do Reino, ele não virá eternamente, pelo contrário, eternamente não virá. , A visão de um tempo que porta em si a possibilida de da ruptura radical está na raiz da confrontação entre Rosenzweig e o neokantiano judeu Hermann Cohen, acusado por Rosenzweig de trair a idéia messiânica pela crença na Aafkldrung alemã e suas ideologias do progresso histórico. Michel Lõwy afirma que os escassos escritos mais diretamente políticos de Rosenzweig "... revelam uma visão de mundo apaixonadamente romântica antica pitalista.i ¢7 No pequeno texto Hic et ubigue; de 1919, Rosenzweig vê no capitalismo uma escravidão abomi nável, a ser abolida, e defende o retorno ao artesanai() c "... o abandono do mercado livre e sem resn-iç' E em Stern derErlô.rung afirma uma essencial ()I" entre o povo judeu, que traz em sia d.1 , I. "...
144
1
46
1
59
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
ção, e a falsa eternidade do Estado, cuja verdadeira face não é o direito, mas a violência. Franz Rosenzweig é o fundador, em Frankfurt, da Freies Jüdisches Lehrhaus (Casa Livre de Ensino judaica), em cuja direção permanecerá até o agravamento da enfermidade que pouco a pouco lhe paralisou os movimentos e a fala. De 1916 a 1924, Martin Buber foi editor do periódico DerJude. Data dessa época seu encontro com Franz Rosenzweig, que virá a ser seu parceiro em diversos empreendimentos literários e educativos, entre os quais - o maior deles - a tradução da Torá para o alemão. No verão de 1919 t ev e lu ga r n a c as a d e Bu be r, e m Heppenheim, uma reunião em que foram discutidas, na presença de Rosenzweig, propostas de renovação do sistema educacional para o reenraizamento da comunidade judaica em sua identidade tradicional. Fruto importante desse encontro foi o estreitamento da relação de Buber com Rosenzweig e o ingresso do primeiro no projeto da Freie.rJüdi.rche.rLehrhau.r. Convidado por Rosenzweig, Buber aceitou participar do corpo de professores da Lehrhaus, dedicada principalmente à educação de adultos e à anamnesisde uma comunidade judaica desenraizada de sua identidade tradicional. Em significativa carta dirigida a Rudolf Hallo - que o sucedeu na direção da Lehrhaus -, datada
Em 1922 Buber fez na Lehrhau.r uma palestra sobre "A religião em tanto que presença" e ofereceu cursos sobre textos hassídicos. Em 1923, realizou debates sobre "Formas primitivas da vida religiosa" e deu cursos sobre testemunhos religiosos do Oriente e do judaísmo até o cristianismo. Em seguida ocupou-se com o tema oração, e em 1925 centrou suas atividades na figura do Baal Shem Tov. Em 1926 realizou, junto com o pastor Hermann Schafft, um debate sobre judaísmo e cristianismo. Entre 1926 e 1930, Buber buscou ampliar o raio de influência de tal atividade, publicando, em associação com o teólogo católico Joseph Wittlin e o psicoterapeuta protestante Viktor von Weizsacker, a revista Kreatur, de debate religioso, social e pedagógico. Em 1923, com Eu e Tu já publicado, recebeu convite para tornar-se professor da Universidade de Frankfurt, na cátedra de Ciências da Religião e Ética judaica. Buber, até então distanciado de toda atividade acadêmica formal, cedeu à insistência do amigo Rosenzweig, já então bastante enfermo, e veio a ser o primeiro catedrático de judaísmo numa universidade alemã. Em paralelo a isso, seguiu dedicando-se às tarefas pedagógicas abertas a "grupos livres de aprendizado", tanto na Alemanha como na Holanda e na Suíça. Em 1933 o nazismo ascende. Buber é destituído da função de professor e abandona as
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
tidade após um longo, penoso e frustrante período de assimilação no mundo cultural germânico.
tal para que esse empreendimento viesse a ser efetivamente iniciado. De início, eig era decidida contrári
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
tidade após um longo, penoso e frustrante período de assimilação no mundo cultural germânico. O aprendizado que buscava propiciar nesses centros de educação de adultos tinha por horizonte a realização existencializada de um humanismo bíblico. É um esforço de construção em meio a escombros. A casa de Buber se transforma em lugar de assistência, consolo e conselho. Mas ele viaja constantemente, dedicando-se a fortalecer uma rede de centros de aprendizagem para rabinos, professores, dirigentes de jovens etc. Isto prossegue, em meio a ameaças, até março de 1938, quando Buber, aos 60 anos, emigra para a Palestina. Ali irá assumir a cátedra de Filosofia Social na Universidade Hebraica de Jerusalém, permanecendo nessa função até aposentar-se, em 1951. Antes, em 21 de abril do sombrio ano de 1933, publicara um artigo no jornal Jüdi.rcher Rundschau, posteriormente incluído na coletânea Die Stunde und die Erkenntnis ("A Hora e o Conhecimento", Berlim, 1936): "... A primeira coisa que um judeu alemão necessita nesta prova é uma nova priorização de valores existenciais que o capacite a confrontar-se com a dinâmica da nova situação. Se nos asseguramos do que nos é próprio, ninguém pode nos expropriar. Se somos fiéis à nossa vocação, ninguém pode nos retirar os direitos. Se permanecemos unidos à origem e ao
tal para que esse empreendimento viesse a ser efetivamente iniciado. De início, Rosenzweig era decididamente contrário ao projeto. E ironizava, dizendo que Buber parecia querer ser o Lutero judeu. Este, porém, considerava imprescindível a contribuição de Rosenzweig para o sucesso do projeto. Para Buber, mais importante que conhecer os esclarecimentos da velha e da nova exegese e da crítica literária era ir além deles, recuperando o sentido originário de cada parte do texto: penetrar no elemento mítico para encontrar a essência inconfundível da Escritura. Buber não quer, como tantos dos estudos críticos modernos, operar uma "autópsia" do texto sagrado, pois a pulsão vital comunicativa da Escritura pressupõe o enraizamento religioso-mítico da leitura. E a nova tradução deveria contribuir com esse enraizamento. Nestes termos, Rosenzweig termina por concordar em associar-se a Buber. E após a leitura das primeiras páginas do trabalho conjunto, sua adesão será total. Numa carta de 19 de junho de 1925, escreveu: "... o trabalho em conjunto me demoveu das desconfianças iniciais. Agora eu mesmo acho que o princípio encontrado por você para uma tradução é o certo."" IV .4 ... bem-vinda companheira ...
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
A jovem estudante alemã de germanística, que mais tarde publicou romances com o pseudônimo Georg
6 Ver M. Buber, idem, p. 64. 7 Ver P. Vermes, Martin Buber (tradução francesa de F. Abergel), Paris, Albin Michel, 1992, p. 43; original inglês: Peter Halban Publishers Ltd., Londres, 1988.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Roberto Bartholo Jr.
A jovem estudante alemã de germanística, que mais tarde publicou romances com o pseudônimo Georg Munk, mesmo não nascendo judia se engajou na cam panha sionista e veio a ser a mulher e companheira de Buber por toda a vida. Em 1901, Paula escreveu no periódico sionista vienense Welt o artigo "Betrachtungen einer Philorioni.rtin" ("Considerações de uma Filossionista'), no qual afirma que, após seu encontro com Buber, a tremenda nostalgia, desejo e vontade de todo um povo terminou por invadi-la e arrebatá-la, como uma força elementar primordial. 12 Nunca deve ser subestimada a influência de Paula sobre Buber. As cartas publicadas em Btzefwechrel, organizadas editorialmente por Grete Schaeder, deixam isto transparecer de modo inequívoco. Buber era fortemente dependente dela e, possivelmente, o foi para sempre. Uma carta escrita numa crise de depressão deixa isto manifesto: "... suas cartas são a única coisa que conta para mim. E, fora delas, talvez o pensamento de que há uma mãe em você. Sempre procurei minha mãe.""
Notas
6 Ver M. Buber, idem, p. 64. 7 Ver P. Vermes, Martin Buber (tradução francesa de F. Abergel), Paris, Albin Michel, 1992, p. 43; original inglês: Peter Halban Publishers Ltd., Londres, 1988. 8 Ver Arquivo Gustav Landauer, ms. Var. 432, Biblioteca da Universidade Hebraica de Jerusalém, pasta 14, Die deuttche Romantik in der literatur, apud M. Lõwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 195. 9 Ver M. Lõwy, Redenção e Utopia. O judainno libertário na Europa Central (um estudo de afinidade eletiva), Ed. Companhia das Letras, São Paulo, 1989, p. 112. 10 Ver M. Lõwy, idem, p 114. 11 Ver L. Tolstoi, O Reino de Deus está em Vós (tradução brasileira de C. Portocarrero), Ed. Rosa dos Tempos, Rio de janeiro, 1994, p. 119. 12 Ver M. Lõwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 115. 13 Ver Arquivo Gustav Landauer, ms. Var. 432, pasta 162, Biblioteca da Universidade Hebraica de Jerusalém, apud M. Lówy, Redenção e Utopia, op. cit., p 196. 14 Ver G. Landauer, "Die Legende des Baalschem", in Das Iiterari.rche F.cho, 13, n. 2, outubro de 1910, p. 149, apud M. Lõwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 195. 15 Ver G. Landauer, "Sind das Ketzergedanken?", in Der werdende Mensch. Aufrátze üher Leben und .Schriften, Potsdam, Gustav Kiepenhauer Verlag, 1921, apud M. Lüwy, Redenção e Utopia, op. cit. p.19G. 16 Ver G. Schaeder (org), Briefivechrel aut rieGen Jabr,Zehnten, vol. I(1897 1918), Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1972, p. 258. 17 Ver M. Scliar, "Entre a Lenda e o Estado", prefácio a T Herzl, O F_ rtado Judeu (tradução brasileira de D. J. Pérez), Rio de janeiro, Garamond, 1998.
1 Ver M. Buber, Encontro. Fragmentos Autobiográficos (tradução b rasileira de S.I.A. Stein), Ed. Vozes, Petrópolis, 1991, p. 63. 2 Ver M. Buber, idem, p. 63. 3 Ver M. Buber, idem, p. 64.
18 Ver T. Herzl, O Estado Judeu, op. cit., p. 41. 19 Ver T. Herzl, idem, p. 41. 20 Ver T. Herzl, idem, p. 42. 21 Ver T. Herzl, idem, p. 53-54. 22 Ver T. Herzl, idem p. 43. 23 Ver T. Herzl, idem, p. 47.
4 Ver M. Buber, idem, p. 6 4. 5 Ver M. Buber,
65
idem, p. 64.
Roberto Bartholo Jr. 24 Ver T. Herzl, idem, p. 57. 25 Ver T. Herzl, idem, p. 57. 26 Ver T. Herzl, idem, p. 62. 27 Ver T.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra 49 Ver P. Rosenzweig, Briefe, Schocken, 1935, n. 360, apud P. Ver mes, op. cit., p. 83. 50 Ver M. Buber, Der jade und tein Judentum,
Roberto Bartholo Jr. 24 Ver T. Herzl, idem, p. 57. 25 Ver T. Herzl, idem, p. 57. 26 Ver T. Herzl, idem, p. 62. 27 Ver T.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra 49 Ver P. Rosenzweig, Briefe, Schocken, 1935, n. 360, apud P. Ver mes, op. cit., p. 83. 50 Ver M. Buber, Der jade und tein Judentum,
Herzl, idem, p. 64. 29 Ver T.
GeranamelteAufrãtZe unrl Reden, Colônia, 1963, p. 580. 51 Ver Briefwechrel aus sieben JahrZehnten, G. Schaeder
Herzl, idem, p. 64. 30 Ver T
(org.) , vol II
Herzl, idem, p. 47-8 28 Ver T.
Herzl, idem, p. 65. 31 Ver T Herzl, idem, p. 66. 32 Ver T Herzl, idem, p. 66. 33 Ver T.
(1919-1938), Lambert Schneider Verlag, Heidelberg, 1973, apud G. Wehr, op. cit., p. 39. 52 Ver G. Wehr, Martin Buber, op. cit., p. 25. 53 Ver G. Schaeder (org), Briopechrel aur.rieGeujabr.¿ehnteu,
Herzl, idem, p. 64. 34 Ver T. Herzl, idem, p. 66-67. 35 Ver T Herzl, id em, p. 113-114. 36 Ver T Herzl, idem, p. 113. 37 Ver T. Herzl, idem, p. 113. 38 Ver T. Herzl, idem, p. 113. 39 Ver P. Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 40. 40 Ver P. Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 41. 41 Ver G. Schaeder (org.), Bri fwecbrel aur riebenjahrZehnten,
vol. I(1897 1918), Lambert Schneider Verlag, Heidelberg, 1972, p. 199. 42 Ver idem, p. 200. 43 Ver M. Buber, "Mein Weg zum Chassidismus" (1918), in Werke III, Schrifteu -um Charridi rmu , Munique-Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1963, p. 967, apud G. Wéhr, Martin Buber, RohwoWt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg,19G8, p. 22. 44 Ver S. Mosès, Systême et Révélation. I_aphilorojihze de Fran.Z Rorenaveig, Paris, Seuil, 1968, p. 18. 45 Ver M. Lôwy, Redenção e Utopia, op. cit., p. 56. 46 Ver E Rosenzweig, L Étoile de !a Rederrípk'on, Paris, Seuil, 1982, p. 341. 47 Ver M. Ldw Reden ão e Uto ia, o . cit. . 57. 48 Ver
66
67
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
V. ... me ensina a não andar com os pés no chão...
Num escrito da juventude - do início de 1914 -, Buber coloca-se a pergunta: "... você é um místico?", para responder: "... não, pois ainda dou à razão um valor que o místico tem que negar-lhe. Além disso, me é alheia essa negação do místico. Posso negar convicções, mas nunca a mais ínfima das coisas reais efetivas. O místico logra, real ou aparentemente, aniquilar o mundo inteiro, ou aquilo que ele assim nomeia tudo o que seus sentidos lhe apresentam na percepção ou na memória -, de modo a, com novos sentidos descorporificados, ou com todo um poder suprassensório, avançar em direção a seu Deus. Mas estou enormemente preocupado apenas com este mundo, esta penosa e preciosa pletora de tudo que vejo, ouço, saboreio. Não posso desejar abrir mão de nenhuma parte desta sua realidade. Só posso desejar elevar esta realidade. (...) f? a realidade do mundo experienciado é tanto mais podcrosa quanto mais poderosamente o experiencio e compreendo. A realidade não é uma condi ão fixa, mas uma uantidade
Roberto Bartholo Jr.
grande fundador do hassidismo polonês. Buber destaca que a contribuição maior do rabi Israel Ben
é suficiente como um denominador comum para a comparação e a ordenação das coisas. Mas a realidade maior é outra. E como dar essa realidade a meu mundo senão vendo o visto com toda a força de minha vida, ouvindo o ouvido com toda a força de minha vida e saboreando o saboreado com toda a força de minha vida? (...) O mundo presente é o mundo manifesto, conhecido. E o mundo não pode ser conhecido senão pela resposta dada às coisas pelo sentido-espírito do homem que ama.` Nesse mesmo ensaio, Buber declara ser o racionalismo o seu único "ismo", uma vez que se reconheça que o racionalismo não pode se bastar a si mesmo, pois "... este é o glorioso paradoxo da nossa existência: toda compreensibilidade do mundo é apenas o limiar de sua incompreensibilidade." Z Na primeira década do século XX, Buber pesquisou a mística no Ocidente e do Oriente, focando sua atenção na experiência extática da unidade mística. Em 1909, organizou a publicação de uma coletânea de testemunhos de tais experiências, em diferentes épocas e contextos culturais, no volume Confissões extáticas, uma antologia de escritos de místicos cristãos ocidentais, em sua maioria, mas também judeus, chineses, muçulmanos e hindus. Mas seus escritos enraízam-se cada vez mais numa interpretação do hassidismo. Dessa fase dos chamados rimeiros escritos buberianos 69
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
petfeito, maior é sua consciência íntima de ser uma parte do todo e mais ativo nele o sentimento da comunidade de
Roberto Bartholo Jr.
grande fundador do hassidismo polonês. Buber destaca que a contribuição maior do rabi Israel Ben Eliezer, o Baal Shem Tov (Mestre do Bom Nome), foi ter rompido com a separação entre o religioso e o mundo que marcava o esquema tradicional da Cabala, rejeitando a pretensão dos exercícios cabalistas de serem meritórios em si mesmos. Com isso, insuflou vida nova a uma perspectiva espiritual que apoiava e encorajava os judeus oprimidos a identificarem em suas vidas dignidade e sentido. N'A lenda do Baal,Shem Tov, Buber dedica um capítulo aos seis "conselhos de perfeição" do hassidismo: a vinculação (devegut), a humildade, a intenção santa (kavaná), o serviço de Deus, o ardor e a alegria. A devequt corresponde ao mandamento descrito na Torá - no livro de Josué - instruindo as tribos a"... amar a JHWH, vosso Deus, seguir sempre por Seus caminhos, observar Seus mandamentos, apegando-vos a Ele e servindo-O de todo vosso coração e toda vossa alma" Qosué 22:5). P ara o Baal S hem Tov, isso não implicava qual quer negação, desvinculação ou indiferença para com tudo que não fosse Deus. Pelo contrário; a devequt exige a consciência da presença de Deus em cada coisa, evento, momento e encontro ocorrido na vida cotidiana. Como diz G. Scholem: ".., estar consciente da real onipresença e imanência de Deus é já a concretização de um estado de
devegut."' A humildade, para o hassidismo, não se identifica com qualquer traço de desprezo para consigo mesmo, nem com um fim em si mesmo, mas como um meio de realização do dever do amor, pois "... o indivíduo não é um todo, é apenas uma parte. E tanto mais ele é puro e
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
petfeito, maior é sua consciência íntima de ser uma parte do todo e mais ativo nele o sentimento da comunidade de existência. Este é o mistério da humildade.` Para o judaísmo antigo, o coração era a morada do espírito. A intenção santa (kavaná) repousa na afirmativa talmúdica: "... o Santo, louvado seja Ele, exige o coração" (Sanhedrin 106b). Desde a perspectiva de Buber, o hassidismo é um movimento que desestabiliza qualquer pretensão de reduzir a kavaná à prece e ao ritual - e ao esforço por uma total concentração naquilo que nessas ocasiões é dito e feito. Para isso, vai apoiar-se na distinção entre a intenção de dar e a intenção de receber. A intenção de receber sustenta a aceitação da vida como vinda de Deus e a idéia de que tudo o que encontramos neste mundo merece a maior atenção e respeito em razão das centelhas divinas que ali estão presentes. Também diz respeito particularmente às almas que morrem sem atingir plenitude e perfeição, errando de um mundo a outro em busca da ocasião de reparar os danos de vidas passadas para que todas as almas, centelhas originadas do mesmo Adão e dispersas pelo mundo com a Queda, possam vir a ser novamente reunidas na Alma Primordial. A intenção de dar anseia absorver-se pela palavra recebida do Outro, "... como se as portas do Céu se abrissem e não fosse você quem coloca a palavra em sua boca, mas, ao contrário, você penetrasse na palavra.` Como diz P. Vermes, "... aquele que penetra numa passagem que escu tou ou leu de tal maneira que percebe-lhe o senti(b) cf, retransmite sob uma nova forma literária ou narr,itiva r%ia apto a recriar para o mundo exterior a descohcn:i
(pic li-,, no
70 interior de si mesmo."6
Roberto Bartholo Jr.
Buber afirma que as duas faces da kavaná convergem na participação na dençã do nd lo lo
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
um período de cinco anos de relativo isolamento, passados em parte em
Roberto Bartholo Jr.
Buber afirma que as duas faces da kavaná convergem na participação na redenção do mundo, no zelo pelo uso, consumação e criatividade na relação com os entes. Por séculos, o serviço de Deus foi associado a um serviço no Templo. Após o destruição do Templo, os rabinos indicaram queo caminho do serviço do coração é (Taanit e consiste aprece 2a) essencialmente num apelo de Deus que encontra uma resposta humana. O ardor tem nítida referência ao êxtase, com relação ao qual Buber defende um distanciamento, bem como de estados de transe e consciência alterada, manifestações extremadas do misticismo. O ardor significa também um entusiasmo vigoroso pelo Deus cuja Presença está em toda parte. Há dois tipos de amor a Deus, "... há o amor por intermédio da Torá, da prece e do cumprimento dos mandamentos, que é consumido silenciosamente para não levar à vaidade e ao orgulho. E há o amor no tempo, quando uma pessoa se mistura com as outras, dá e recebe, escuta e fala, e se vincula a Deus em segredo.` A alegria está tão marcadamente presente na Torá que pode ser mesmo vista como elemento-chave no culto judaico. Se os hassidim se alegram neste mundo, é por causa do encontro com Deus que nele ocorre. Em escritos mais tardios,' Buber adiciona aos "conselhos" desses primeiros escritos cinco "conselhos adicionais secundários":
Roberto Bartholo Jr. "... quando eu era criança, li um velho conto judaico que não pude compreender.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
um período de cinco anos de relativo isolamento, passados em parte em Florença. Seu retorno à vida pública é marcado pelo convite de um grupo de estudantes sionistas de Praga, a Bar Kochba Verein, para ministrar-lhes a primeira conferência de uma série anual de três. O grupo, dirigido por Hugo Bergman, que viria a ser o primeiro reitor da Universidade Hebraica de Jerusalém, era composto principalmente por jovens intelectuais ocidentalizados, que acolheram a mensagem de Buber com entusiasmo. Aqui entrecruzam-se Buber, Max Brod e Franz Kafka. Contribuições decisivas foram ainda as de Hans Kohn e de Robert Weltsch, que, com seus escritos e amizade, firmaram a influência buberiana sobre o círcu lo do Bar Kochba. 10 As conferências de Praga foram publicadas em 1911 com o título Drei Reden über das Judentum ("Três Discursos sobre o judaísmo")." Como situa P. Vermes, os discursos: "... são de estilo homilético e dignos de um rabino - o que Buber evidentemente não era -, frutos de elaborada reflexão e inteligentes. Curiosamente, contêm escassas alusões aos textos místicos sobre os quais ele havia trabalhado por tanto tempo, mas se reconhece facilmente a impressão ainda muito viva que lhe causara o hassidismo no modo co mo dá a compreender os temas da renovação, do "
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
"... qual será a natureza dessa futura síntese, como ela nascerá, sobre isso
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
"... quando eu era criança, li um velho conto judaico que não pude compreender. Ele não dizia mais do que isso: `Fora dos portões de Roma está sentado um mendigo leproso, esperando. Ele é o Messias'. Então me dirigi a um ancião, a quem perguntei: `O que ele está esperando?' E recebi uma resposta que então não consegui entender, somente muito mais tarde. Ele me disse: `Está esperando você." 13 O segundo discurso prolonga as proposições do primeiro afirmando que, para além da inteireza com relação ao meio englobante, o judeu deve afirmar a inteireza e a integridade interiores. Lutar pela inteireza, integridade, unidade do eu, da pessoa e da nação, de Deus e do mundo, é um empenho eminentemente judaico. O que o judaísmo tem a oferecer à humanidade é, antes de tudo, a proclamação de um m un do e m q ue o s dualismos serão abolidos, "... um mundo de Deus que precisa ser realizado em ambos, na vida do homem individual e na vida da comunidade". O empenho judaico é por "... uma sempre renovada unificação dos diversos conteúdos humanos, e sempre renovadas possibilidades de sínteses. No tempo dos profetas, ofereceu uma síntese religiosa; no tempo de Spinoza, uma síntes e int ele ctual; no tempo do socialismo, uma síntese so cial ."t4 O terceiro e último dessa série de discursos tematiza a renovação do judaísmo
qual será a natureza dessa futura síntese, como ela nascerá, sobre isso nenhuma palavra pode ser dita. Sabemos que ela virá; não sabemos como. Só podemos estar preparados. Estar preparados, no entanto, não significa esperar impassivelmente. Significa educar-se e aos outros para a consciência do judaísmo, a consciência na qual o processo espiritual do judaísmo se torna manifesto em toda a sua magnitude, em toda a plenitude de sua substância, na pluralidade de transmutações de sua revelação histórica e no mistério sem nome de suas fo rças latentes. Estar preparado significa ainda mais. Significa realizar as grandes tendências do judaísmo em nossas vidas pessoais: a tendência à unidade, moldando nossa alma de modo a fazê-la conceber essa unidade; a tendência à intencionalidade, preenchendo n oss a alma com a incondicionalidade de modo a fazê-la realizar essa intencionalidade; a tendência ao futuro, desvinculando nossa alma das amarras utilitárias e dirigindo-a à meta de modo a fazê-la servir a esse futuro. Nós lemos em Isaías: `... a voz grita: no deserto, preparai os caminhos do Senhor!' (Is. 40:3). Estar preparados significa preparar." O"sionismo espiritual" buberiano é um projeto humano total, referido a uma comunidade com caráter preparatóriopedagógico. Esta perspectiva está "...
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
A fase dos primeiros escritos se encerra com o poema em prosa Daniel Ge.rrãche
A um outro amigo que se queixa do medo que lhe causa a ausência de
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
A fase dos primeiros escritos se encerra com o poema em prosa Daniel Ge.rrãche von der Tlenvirklichung("Daniel. Diálogos sobre a Realização")," de 1913, o último escrito buberiano importante publicado antes da Primeira Guerra Mundial, que antecipa teses centrais da formulação do Eu e Tu. É uma obra curta, nitidamente influenciada pelo romantismo alemão, sob a forma de diálogos do personagem Daniel com cinco interlocutores diferentes. Ali, Daniel diz à sua companheira que deve descobrir a única e singular direção que lhe é destinada, "... aquela que não está acima, nem em volta, nem entre as coisas, mas em cada coisa, na experiência de c ada c oi sa. "" É assim que, para conhecer uma árvore, não basta recolher informações que a classifiquem segundo uma tipologia. É preciso com ela identificarse, fazendo de seus frutos seus filhos e de sua casca, s ua pele. Mais tarde a parábola será retomada no Eu e Tu, mas agora sem qualquer recomendação de uma identificação. Em Daniel, Buber trabalha a polaridade entre a reali-aFão e a orientação em termos que antecipam a futura formulação da dualidade dos modos relacionais Eu-Tu e Eu-Isso. Ainda segundo Pamela Vermes, "... realizar, fazer acessar à realidade, significava para Buber a associação de um objeto, indivíduo ou evento com nada além dele mesmo, enquanto a orientação significava a atitude que ele mais tarde
A um outro amigo que se queixa do medo que lhe causa a ausência de significado da vida, Daniel aconselha que viva cada evento e cada encontro do modo mais autêntico possível, para descobrir a mensagem que este lhe traz, pois o sentido não é independente disso, tampouco é certo e estável - sempre se faz no risco da surpresa, na abertura ao desconhecido. É assim que: "... perigo, perigo, perigo! - diz-lhe Daniel. Que sua divisa seja: Deus e o perigo. Pois o perigo é a porta que dá para a realidade mais profunda, e a realidade é a suprema recompensa da vida e o eterno nascimento de Deus. Você não tem segurança neste mundo, mas tem uma direção e um sentido. E Deus deseja ser realizado, o Deus dos audaciosos está sempre perto de você."" Após Daniel, passa a se dedicar ao esforço de expressar na linguagem conceitual filosófica a perspectiva fundamental ali expressa. Este projeto só será realizado com a elaboração do Eu e Tu. No posfácio para a nova edição do livro, escrito em 1957 em Jerusalém, Buber afirma que fez o primeiro esboço da obra impulsionado por uma necessidade interior: "... uma visão que desde a minha juventude sempre me procurava, mas sempre ficava turva, finalmente conquistou nítida clareza, e isso mostrou-se tão evidentemente não ser fruto de um ato pessoal meu, que imediatamente soube que
Roberto Bartholo Jr.
Como desdobramentos do Eu e Tu merecem men
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
uma obra de metafísica ou de teologia sistemática. Nela encontramos uma
Roberto Bartholo Jr.
Como desdobramentos do Eu e Tu merecem men ção alguns escritos sobre o princípio dialógico, tais como Zzvie.írache (1930),` Die Frage an den Ein.Zelnen (1936),` Das Problem des Menschen (1943) ,13 e ainda Elemente des Zivi.rchenmen.rchlichen (1953), result ado de uma série de programas de rádio depois transformados em livro. Num segundo apêndice incluído por PA. Schilpp e M. Friedman nos Fragmentos autobiográficos, escrito em 1955, Buber declara: "... perguntado sobre qual poderia ser a conclusão principal, expressável em li ng uag em c on ce it ual , de mi nhas experiências e observações, não posso dar out ra respo sta senão confess ar o conhecimento compreendendo a quem pergunta e a mim mesmo: ser homem é ser o ente que está face a face. A percepção desse fato simples cresceu ao longo da minha vida. Foi expressa em diversas outras teses de tema semelhante e construção similar, e certamente sustento que muitas delas não são incorretas; meu conhecimento conduz apenas a uma coisa, no entanto: é essa confrontação face a face que importa. Nessa tese, o artigo é definido e plenamente acentuado. Todos os entes da natureza são de fato postos a ser-comoutros, e em cada vivente isso entra em operação como percepção de outros e ação voltada a outros. Mas o peculiar ao homem é
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
uma obra de metafísica ou de teologia sistemática. Nela encontramos uma fenomenologia da palavra e uma ontologia da relação que fundamentam uma antropologia e uma ética do inter-humano. Buber diferencia duas atitudes fundamentais do homem diante do mundo, traduzíveis pelas duas Grundworte (palavras-fundantes): Eu-Tu e Eu-Isso, cada uma expressando um modo de existir. O par Eu-Tu manifesta o encontro de parceiros na reciprocidade e na mútua confirmação, e o par Eu-Isso, a objetivização, a requisição utilitária. Cada dualidade é uma totalidade em que os "eus" não são idênticos, mas expressam diferentes possibilidades existenciais: a relação ontológica Eu-Tu e a experiência objetivante Eu-Isso. A GrundzvortEu-Tu é o suporte da vida dialógica, na qual o eu é uma pessoa. No Eu-Isso, o eu é um sujeito qu e s e defronta com um objeto. Nesse encontro dialógico, o Eu e o Tu estão presentes frente a frente, em reciprocidade e simultaneidade. No relacionamento Eu-Isso, a presença do Isso para o Eu não se dá na alteridade. Somente no Eu-Tu o Eu está presente como pessoa e o Tu como o outro. O mundo do Isso é indispensável para a vida humana. Sem ele, seria inviabilizada a possibilidade de se assegurar a continuidade da vida humana, suprindo as necessidades vitais por meio de toda uma variada gama de atividades técnicas, econômicas, institucionais, jurídicas etc.
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
disponibilidade para o encontro com o outro, e dissolvendo no anonimato a
Buber reafirma também que a relação com o Deus pessoal é indispensável para
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
disponibilidade para o encontro com o outro, e dissolvendo no anonimato a pessoalidade da condição humana. O homem precisa do mundo do Isso para viver, mas quem vive somente a relação Eu-Isso se desumaniza. O Isso pode ser qualquer ente tomado como objeto de ex pe rim en taç ão , conhecimento ou uso de um Eu. E o Tu não se limita à esfera do inter-humano apenas. Diz respeito a todo o âmbito do interpessoal, que não se restringe apenas a relações com pessoas humanas, mas com entes que são suportes da presença de uma irredutível alteridade, perante a qual me confronto face a face, em condição de vulnerabilidade. Alteridade e vulnerabilidade são o selo das relações do tipo Eu-Tu. Eu-Tu e Eu-Isso são dois modos de existência. So bre eles o homem é reiteradamente chamado a escolher, em liberdade e responsabilidade, ao longo de sua vida. Essa decisão do Eu não é uma pseudocriação do outro: é o Tu que sempre se antecipa como oferta na situação dialógica. Cabe ao Eu a decisão de ir a seu encontro, acolhendo-o em sua irredutível e inefável alteridade, que sempre ultrapassa as possibilidades da objetivização e das descrições conceituais. Num tardio po.rt.rcriptum, datado de outubro de 1957, Buber retorna ao velho texto do início da década de 20 para afirmar que todo vínculo Eu-Tu "... no
Buber reafirma também que a relação com o Deus pessoal é indispensável para alguém que, como ele, não entenda por "Deus" um princípio, uma idéia, um conceito. O Deus-Pessoa é o Tu eterno que entra em relação imediata conosco e nos possibilita entrar em relação imediata com Ele. O Tu eterno é pessoa abso luta, "... que porta consigo sua absoluticidade na relação que estabelece com o homem."" Por isso, o homem no encontro com Deus não prec is a ab and on ar as d em ais relaçõ es Eu -Tu, mas "... as conduz legitimamente a Ele e as deixa que se transfigurem diante da face de Deus." É assim que a palavra que o Tu eterno nos dirige penetra na vida pessoal, no mundo, na história, fazendo da Criação "mensagem e exigência". Para Buber, falar de Deus é permanecer no domínio do relacionamento Eu-Isso. O Deus-Isso é reduzido a um objeto comparável a outros, passível de requisição utilitária feita em nome de um sistema dogmático, de uma religião. Nesse aspecto, destaca-se a aguda observação que ele fez em 1961, numa entrevista à rádio BBC: "... devo confessar que não gosto muito de religião e fico muito contente de que essa palavra não se encontre na Bíblia." 28 O crucial não é falar de Deus, mas falar com Deus. Falar com Deus é tesbuvá, conversão, evento-fruto que brota nesse caminho misterioso de aproximação que é a história humana, na qual "... cada espiral de
iE
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra 15 Ver M. Buber, "Renewal of )udaism", in Onjudai.au (N. Glatzer, ed.), op. cit., p. 55.
Notas
iE
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra 15 Ver M. Buber, "Renewal of )udaism", in Onjudai.au (N. Glatzer, ed.), op. cit., p. 55.
Notas
1 Ver M. Buber, Poirrting the Ira) ,: Collected F..rrau, M. Friedman (trad. e org.), New York, Harper and Brothers, p. 28, citado por Hugo Bergman, "Martin Buber and Mysticism", in P. A. Schilpp e M. Friedman (org.), Ïhe Philo.ropbj of Martin Buber Open.Court, LaSalle, Illinois, 1991, p. 297. 2 M. Buber, Poiuting the Way, op. cit., p. 27. 3 Ver G. Scholem, TGe Messianic Ideei in Judairm, p. 209, apud P. Vermes, Martin Buber (tradução francesa de f? llócrgel), Paris, Albin Michel, 1992, p. 66. 4 Ver M. Buber, Werke III, .Schrifteu ~nr Cha.r.ridt:vuu.r, Lambert Schneider Verlag, Munique - Heidelb erg, 1963 , p. 534, apud P. Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 67. 5 Ver M. Buber, W e r k e
III, op.
cit., p. 37, apud P Vermes, p. 69. 6 Ver P
Vermes, NLartirr Buber, op. cit., p. 70-71. 7 Ver P. Vermes, idem, p. 72-73. 8 Ver M. Buber,Tbe IFa}' of d1au, i1 ccordiug to lhe Ï eacbirt~.r of Ha.rirlirnr, Londres, Routledge & Kegan Paul, 1951; HaridirIn nud Modern Mau, New York, Horizon Press, 1958. 9 Ver P. Vermes- Martin Buber, op. cit., p. 74-76. 10 Ver o Nachwort (Posfácio) de R Weltsch, redigido em 1961 para o estudo sobre os primeiros cinqüenta anos de vida de Buber escrito por H. Kohn: Martin Buber. Seiu Leben uud seine Zeil, Hellerau, 1930 (nova edição: Melzner Verlag, Colônia, 1961).
16 Ver M. Buber, "Daniel. Gesprãche von der Vetwirklichung", Leipzig, Insel Verlag, 1913, in Werke 1, Schrifteu tiur Philo.ropbie, Munique-Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1962, p. 1276. 17 Ver INL Buber, in If~'erke I, op. cit, p. 14, apud P. Vermes, op.cit., 80. 18 Ver P Vermes, op. cit., p. 80-81. 19 Ver M. Buber, in Werke I, op. cit., p. 45, apud P. Vermes, op. cit., p. 81. 20 Ver M. Buber, Ich uncíDu, Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1997 (13.' Edição), p. 145. 21 Ver M. Buber, in IFerke I, op. cit. 22 Ver M. Buber, idem. 23 Ver b'I. Buber, idem. 24 Ver M. Buber, "Autobiographical I'ragments, Appendix 11, A Tentative Answer", in P. A. Schilpp e M. Friedman (org.), Th e Philorophy of Martin Buber, Open Court, LaSalle, Illinois, 1991, p. 35. 25 Ver M. Buber, Nacbwort, in Ich und Du, op. cit., Heidelberg, Lambert Schneider, 1997, p. 156. 26 Ver M. Buber, idem, p. 159. 27 Ver M. Buber, idem, p. 159. 28 Apud N. A. v. Zuben, na introdução à tradução brasileira de Eu e'1'u, op. cit., p. LXV. 29 Ver M. Buber, Icb
und Du, op.
cit., p. 141.
11 Ver M. Buber, Drei Kedeu üher dar Jucleutunr, Frankfurt am Y1ain, Rütter & Loening, 1911, incluído na tradução inglesa editada por N. Glav,cr, Orr ]udcrírni byMarfiiu Bube r, New York, Schocken, 1973. 12 Ver P. Vermes, JL Buber, op. cit., p. 78. 13 Ver M. Buber, ")udaism and the)ews", in OnJudainu (N. Glatzer, ed.), op. cit., p. 21. 14 Ver M. Buber, ")udaism and i\lankind", in Oujudai.u11 (N. Glatzer, ed.), op. cit., p. 32.
82
83
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
... nas discussões com Deus ...
Poucos anos antes de sua morte, Buber decidiu publicar a coleção de seus escritos organizando-os em três volumes, classificados tematicamente como escritos sobre filosofia, sobre hassidismo e sobre a Bíblia. Quase todos os textos incluídos nos volumes sobre filosofia e hassidismo foram escritos antes de seu trigésimo aniversário. Os escritos sobre a Bíblia concentram em si textos de elaboração mais tardia, e mesmo sua publicação só ocorreu dois anos após os outros volumes, o que, aos olhos de Buber, torna ainda mais evidente que: "... primeiro tinha que amadurecer para então dedicar-me ao serviço da Bíblia.` Para ele, o desafio maior é "... suportar de modo dialógico-responsável nossas situações atuais em fidelidade para com a Palavra bíblica.` Com seu trabalho sobre as Escrituras sagradas, ele visava a prestar um serviço ao homem de seu tempo e, em particular, a tantos judeus centroeuropeus que, imersos em ambiente hostil
Roberto Bartholo Jr.
Em suma, o projeto buberiano é contribuir para o reencontro do homem
da Torá era ofertada a uma comunidade desenraizada das fontes tradicionais, que não mais compreendia o sentido original do texto hebraico. A questão chave para a tradução buberiana da Torá é a "dizibilidade vernacular" originária da Palavra revelada. Essa tradução buscava contribuir para recuperar nas comunidades de língua alemã a capacidade de percebê-la como uma locução que lhes é pessoalmente dirigida. Precisamente esta, para Buber, é a qualidade mais fundamental do texto hebraico, pois a Torá é, em primeiro lugar, uma voz que me fala. Por isso sua tradução não quer ser apenas lida. Quer ser primordialmente ouvida e dita. Como aponta P. Vermes, para Buber as diversas versões da Bíblia "... dela fizeram um palimpsesto. As palavras antigas foram recobertas com um verniz de origem semiteológica e semiliterária, que devia ser retirado para redescobrirmos a verdadeira significação. Ademais era necessário um esforço para reencontrar a dizibilidade da Bíblia. Ela havia sido transmitida oralmente durante gerações, não somente os Salmos e os Provérbios, mas também a Lei e as passagens narrativas. Deus não disse a Josué para não afastar a Bíblia de seus olhos, mas sim de sua `boca', constata Buber. Se a nova versão alemã devia igualmente servir a uma leitura em voz alta, era preciso velar por se permanecer róximo da forma das frases hebraicas or
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
tina, já haviam aparecido quinze fascículos. Seguiu-se uma prolongada interrupção do trabalho, só muito mais tarde
Roberto Bartholo Jr.
Em suma, o projeto buberiano é contribuir para o reencontro do homem moderno com a To r á- em particular as ameaçadas comunidades judaicas desenraizadas da Europa Central -, por meio da redescoberta da "dizibilidade" que habita na Escritura hebraica. Em maio de 1925, Lambert Schneider encomendoulhe a tradução alemã da Bíblia judaica, como um trabalho inaugural de sua recém-fundada editora. Buber aceitou a encomenda, principalmente porque a parceria com Rosenzweig já estava então assegurada.' Logo ficou evidente ser impraticável a intenção preliminar de Rosenzweig, de valerse da tradução de Lutero como ponto de partida e referência comparativa no projeto: "... tentei, com empenho sincero, preservar aquilo que do primeiro capítulo do livro Gênese na tradução de Lutero se deixasse preservar. A tentativa fracassou, nada se deixou preservar. Frase por frase, uma após outra, tudo foi refeito desde a base.` Após a leitura das primeiras páginas da tr adução, Ros enzw eig ader ir a c om entusiasmo ao projeto, sepultando todo o ceticismo anterior. Mas seu estado de saúde rapidamente se deteriorava. As condições de sua participação ativa na tradução tornaram-se precárias. Quando o trabalho estava no capítulo 53 do segundo livro de Isaías, morre Rosenzweig, em 10 de dezembro de 1929; Buber decide então
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
tina, já haviam aparecido quinze fascículos. Seguiu-se uma prolongada interrupção do trabalho, só muito mais tarde retomado, quando Jacob Hegner oferece ao já septuagenário Buber a publicação na íntegra da finalmente completa tradução. Em fevereiro de 1961 uma pequena celebração doméstica comemora o término da tarefa. O amigo Gershom Scholem comenta então: "... quando Rosenzweig e você se dedicaram a este empreendimento, havia uma comunidade judaica alemã sobre quem o seu trabalho poderia ter um efeito vivificante. (...) Mas para quem afinal irá essa tradução hoje servir? Em que meio ela será ativa? Os judeus para quem foi inicialmente imaginada não existem mais. As crianças que conseguiram escapar dessa tragédia não vão mais ler alemão. A própria língua alemã, nesta geração, transformou-se tão profundamente! (...) O que será que os alemães poderão fazer com sua tradução? Quem ousaria dizer isso?" 6 A tradução buberiana da Torá torna-se mais estranha por não querer fazer qualquer atualização do texto sagrado que busque enquadrá-lo nos clichês cotidianos da contemporaneidade, como é o empenho maior de tantas traduções "modernas". H. Kohn' observa que, na tradução buberiana, a língua alemã foi movida e reconfigurada pelo espírito da língua hebraica. Para Buber, a palavra da Escritura é a fala do Tu divino que quer ser ouvida, e
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra Roberto Bartholo Jr.
que fala é também parte do movimento por recuperar, para as ameaçadas comunidades, a interlocução com a Palavra
êxtase, para que o mistério de Deus fixe domicílio em nossas vidas ordinariamente comuns. E o convertido se sabe, em cada
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra Roberto Bartholo Jr.
que fala é também parte do movimento por recuperar, para as ameaçadas comunidades, a interlocução com a Palavra celeste. Para isso serviam os círculos de estudos que Buber organizara pela Al em an ha a nt es d e emigrar para a Palestina. E também diversos trabalhos seus,8 como Kõnigtum Gottes ("O reino de Deus"), de 1932, Der Glaube der Propheten ("A fé dos profetas") e Mores ("Moisés"), ambos de 1940, que na verdade tiveram coroamento com a tradução alemã da Bíblia hebraica. Robert Weltsch, no Posfácio para o li vro d e H. Kohn (1961), afirma com admirável poder de síntese: "... principalmente com respeito à Bíblia, mais do que em qualquer outro lugar, o princípio dialógico é a chave para a compreensão.` Para Buber, o traço mais distintivo da Torá é o diálogo entre o Céu e a Terra. Repetidas vezes Deus interpela o Homem e é pelo Homem interpelado. Nesse diálogo, Deus desvela ao Homem Sua vontade e chama-o para ser protagonista de sua realização. O silêncio também é parte do diálogo: nos livros proféticos, é freqüente a resposta muda da alma, e nos salmos muitas vezes encontramos a palavra orante sem indicação da resposta divina. O ponto nevrálgico não é o silêncio ou o som da fala: é a situação dialógica da pessoa. Trazer esse ponto nevrálgico para o cotidiano da vida vivida é não ver no "reli ioso" uma exce ão um tem o es a o
êxtase, para que o mistério de Deus fixe domicílio em nossas vidas ordinariamente comuns. E o convertido se sabe, em cada hora mortal de sua existência, chamado à exigência e à responsabilidade. Mesmo sabendo-se longe de estar à altura desse chamado, pode sempre dizer: "... sei, porém, que sou solicitado pela exigência e posso responder à responsabilidade, e sei quem fala e quem exige resposta. Muito mais, não sei."" Desse saber envolto numa "nuvem de desconhecimento", Buber tira a consequência: "... se isto é religião, então ela é simplesmente tudo, o simples todo vivido na sua possibilidade do diálogo."" Nem Deus, nem a vida são para Buber redutíveis a conceitos abstratos. O Deus de Buber não é "o deus dos filósofos", é o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, é o Deus dos profetas, é "... Aquele a quem podemos chamar de Tu". A comunidade, para Buber, é o lugar por excelência de afirmação da vida, não apenas fundada em instrumentalidade, interesses e poderes. Ela é o lugar do diálogo e dos encontros, onde as pessoas têm o EuTu - e não o Eu-Isso - como horizonte maior de possibilidade de suas relações. Nos Fragmentos autobiográficos, c, Buber inclui o relato de um significativo encontro/diálogo com o filósofo Paul Natorp (1854-1924), professor na Universidade de Marburg ao lado de Hans Kohn. O episódio também é referido em carta a Franz Rosenzweig, datada de 14 de março
Roberto Bartholo Jr.
discutir Eu e Tu. Lá estávamos nós sentados pela manhã..."" quando Buber ouve do velho professor a
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
E tira a conseqüência: ".. nós não podemos limpar a palavra
Roberto Bartholo Jr.
discutir Eu e Tu. Lá estávamos nós sentados pela manhã..."" quando Buber ouve do velho professor a crítica: "... como consegue o senhor falar `Deus' tantas vezes? Como pode esperar que seus leitores entendam a palavra no sentido em que o senhor acha ter entendido? Aquilo a que se refere com ela eleva-se, entretanto, acima de toda apreensão e compreensão humanas, e é precisamente a esse Ser tão elevado que se refere; entretanto, no momento em que profere essa palavra, o senhor a lança à apreensão humana. Que palavra da linguagem humana foi usada com tanto abuso, foi tão manchada, tão profanada como esta? Todo o sangue inocente que foi derramado por ela roubou-lhe o brilho. Toda injustiça que, para ser congruente, ela teve que sofrer, sujou o seu caráter. Quando o ouço nomear o supremo `Deus', parece-me por vezes uma blasfê mia." , 3 A resposta de Buber começa com o reconhecimento de que esta é a mais manchada e dilacerada de todas as'palavras humanas, degradada pelos povos por vidas e mortes monstruosas, povos que "desenham caretas e escrevem `Deus' embaixo, que se assassinam mutuamente e dizem que é`em nome de Deus'." Em seguida, coloca o dedo no nervo da questão, expondo-a doloridamente a nossos olhares: "
Roberto Bartholo Jr.
relação dialogal, que estão na essência do judaísmo, pois: "... o judeu ousa, vinculado ao
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
E tira a conseqüência: "... nós não podemos limpar a palavra `Deus', e não podemos torná-la inteira; podemos, porém, manchada e dilacerada como está, levantá-la do chão, numa hora de grande preocupação." O encontro culmina no gesto-palavra do ancião, recordado com alegria: Natorp põelhe a mão sobre o ombro e diz: Vamos nos chamar de tu. Buber recorda: "... a conversa estava terminada. Pois onde dois estão verdadeiramente juntos, eles estão reunidos em nome de Deus." O diálogo com Natorp data da época da redação do prefácio de Buber à edição de Reden über das Judentum (1923), verdadeira confissão e tomada de posição "conforme meu próprio caminho para a clareza". Nele Buber nos diz: "... eu me refiro a algo que acontece entre o ho mem e Deus, na realidade do contato, na realidade da ação recíp roca de Deus e do homem. Com isto, porém, já está dito que quando digo `Deus' não me refiro a uma idéia metafísica, a nenhum ideal ético, a nenhuma `projeção' de uma construção psíquica ou social, nem a qualquer coisa `criada' ou `desenvolvida interiormente' pelo homem. Eu me refiro a Deus, a quem o homem somente possui em idéias e imagens, mas essas idéias e imagens não são trabalho de criação livre; são produtos dos encontros humano-divinos, das tcn tativas do homem de dar conta do
Você e Eu: Mortin Buber, presença palavra
13 Ver M. Buber, Encontro. Fragmentorfiutabiográfrco , op . cit., p. 49. 14 Idem, p. 49-50.
Roberto Bartholo Jr.
relação dialogal, que estão na essência do judaísmo, pois: "... o judeu ousa, vinculado ao mundo, preso ao mundo, relacionar-se com Deus na imediatez do Eu e Tu - como judeu. Esta é a realidade primordial do judaísmo."
Você e Eu: Mortin Buber, presença palavra
13 Ver M. Buber, Encontro. Fragmentorfiutabiográfrco , op . cit., p. 49. 14 Idem, p. 49-50. 15 Idem, p. 50. 16 Idem, p. 50. 17 Ver M. Buber, Prefácio a "Reden uber das Judentum", in N. Glatzer (ed), OnJudairm byMartin Buber, Schocken Books, New York, 1973, p. 4. 18 Ver idem, p. 9.
Notas
1 Ver M. Buber, Werke II, Schriften Zur Bibel, Munique-Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1964, p. 7. 2 Ver M. Buber, "Der Mensch von heute und die jüdische Bibel", in lYlerke II, op. cit., p. 869.
3 Ver P. Vermes, Martin Buber (tradução francesa de E Abergel), Paris, Albin Michel, 1992, p. 120. 4 Ver Lambert Schneider: Rerheracbaft 1925-1965. F.iu Almanach, Heidelberg, 1965, p. 9-10, apud G. Wehr, Martin Buber, Rohwohlt Taschenbuch Verlag, Reinbek bei Hamburg, 1968, p. 134. 5 Apud G. Wehr, Martin Buber, op. cit., p. 40. 6 Ver G. Scholem, "An einem denkwürdigen Tage", inJudaica Frankfurt am Main, 1963, p. 214, apud G. Wehr, Martin Buber, op. cit., p. 4142. 7 Ver H. Kohn, Martin Buber. Sein Leben und reiue Zeit , Hellerau, 1930 (reedição Melzner Verlag, Colônia, 1961). 8 Ver M. Buber, Werke II, Schriften Zur Bibel, Munique-Heidelberg, Lambert Schneider Verlag. 9 Ver R. Weltsch, "Nachwort" (Posfácio), in H. Kohn: Martin Buber. Seja Leben und reine Zeit, Melzner Verlag, Colônia, 1961, p. 421, apud G.
Wehr, Martru Buber, op. cit., p. 43. 10 Ver M. Buber, Encontro. Fragmentor.4utobiográficor (tradução brasileira de S.I.A. Stein), Ed. Vozes, Petrópolis, 1991, p. 43. 11 Idem, p. 43. 12 Ver G. Schaeder (org), Briefwechrel atos sieben Jabr7ehuten, vol . II , 19181938, Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1973, p. 161.
9
9
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
VII ...
quando eu morrer, cansado de guerra,
morro de bem com a minha terra ...
Nos anos 20 Buber considerou a idéia de emigrar para a Palestina, mas desistiu, escrevendo em carta ao amigo Hans Kohn: "... não posso me hebrei.Zarnum sentido produtivo, e devo me contentar em viver e morrer como guarda-fronteira."' Até 1938, Buber dedica-se a uma intensa atividade pedagógica e literária junto à comunidade judaica alemã. Em 1932 publica Kônigtum Gotte.r ("O Reino de Deus"), obra de forte acento acadêmico que deveria ser parte de um amplo painel sobre as origens do messianismo judaico, mostrando como nasceu a concepção de um rei humano, sucessor do rei JHWH, Seu ungido e Seu Messias. Mas nesse primeiro livro Buber não vai além de um estudo sobre o rei JHWH, buscando mostrar como era real para o Israel arcaico "... a concepção de Deus visto essencialmente como uma divindade que marchava diante deles, permanecendo em meio a eles, guiando-os e sustentando-os.
Com a ascensão do nazismo, teve que abandonar a cátedra na Universidade de Frankfurt. Nos anos que se seguem à publicação do Kõnigtum Gottes há intensa troca de cartas entre ele e Gershom Scholem, que em Jerusalém empenhava-se para que Buber para lá fosse integrar a Universidade Hebraica. Mas quando o reitor Juda Magnes confirmou o convite, a reação de Buber não chegou a ser das mais entusiasmadas. Grande e manifesta era sua preocupação com a situação política alemã. Após 1933, dedica-se a elaborar o projeto da Reich.rvertretung der deutrchen Juden (Representação imperial dos judeus alemães) e funda a Mittelrtelle für jüdi.rche Envach.renenbildung (Central para a educação judaica de adultos). Em seguida assume a direção da Mittelrtelle. Buber tinha a percepção de que o problema fundamental para as comunidades judaicas de seu tempo e seu lugar era a educação, tanto para resistir como para preparar a nova vida na Palestina. Por isso, no período de 10 a 13 de maio de 1934, organiza um Encontro reunindo cerca de sessenta pessoas, de vinte a sessenta anos, incluindo rabinos, professores, dirigentes de movimentos de juventude e de organismos judaicos diversos: ficava então constituído o corpo docente da Mittelrtelle. Nessa época retornara de Jerusalém, para onde havia emigrado em 1928, seu antigo companheiro da Lehrhaur de Frankfurt e co-
Roberto Bartholo Jr.
santes viagens por toda a Alemanha, ministrando cursos e palestras. Isso perdura até fevereiro de 1935, quando é
VII.1
Roberto Bartholo Jr.
santes viagens por toda a Alemanha, ministrando cursos e palestras. Isso perdura até fevereiro de 1935, quando é proibido de falar em público nas reuniões judaicas. Em março essa proibição se estende ao ensino, e somente após difíceis negociações lhe será permitido lec ionar, e apenas no âmbito restrito da Mittelrtelle. Diante das condições cada vez mais adversas, Buber e Paula emigram para a Palestina em março de 1938, após uma visita em maio de 1937. Lá, ele assumirá a cátedra de filosofia social da Universidade Hebraica de Jerusalém. Em maio de 1938, porém todos os seminários livres que promovia na Alemanha foram proibidos. De início Buber sentiu-se comprometido a regressar, mas, após a Noite dos Cristais de 9 de novembro de 1938, desistiu. Antes de su a emigr aç ão , ainda conseguiu publicar, em 1936, um último livro importante na Alemanha: Die Frage an den Ein.Zelnen ("A questão colocada ao ú ni co ") , o br a e m qu e, d es de u ma perspectiva filosófica, combate as bases do totalitarismo. Ali Buber desenvolve a concepção de pessoa apresentada no Eu e Tu e critica o único, o indivíduo de Kierkegaard, isolado do mundo, preocupado com seu Deus e suas dores, e o indivíduo de Stirner, divorciado de tudo que não lhe sirva para nutrir o ego. Buber faz a apologia da pessoa e da verdade, e nt ão g ra ve me nt e ame aç adas pela
VII.1 ...
outra realidade menos morta ...
Os anos palestinenses de Buber são de intensa atividade focada na prática da educação popular e do empenho pela paz e pelo equilíbrio político, com viagens à Europa e à América. Crescem as tensões entre judeus e árabes, até desdobrarem-se em atos terroristas. Radicaliza-se o confronto entre os sionistas e o nacionalismo árabe, que se recusa a entregar aos judeus uma terra habitada por árabes há no mínimo 1.300 anos. Numa carta ao amigo Hans Trüb, datada de 1° de agosto de 1938, diz: "... aqui tudo é mais alarmante, mais caótico, mais cruel e mais inocente do que se possa imaginar. Você devia vir um dia. A experiência que aqui se pode ter da realidade e da Imanência `no meio de nossa impureza' não se pode, provavelmente, ter em nenhum outro lugar.` Buber se empenha por fazer respeitar pelos judeus os direitos dos árabes, sem deixar de reconhecer que os descendentes das doze tribos e a terra dos Patriarcas se pertencem mutuamente. À sua volta, "... a Palestina estava em efervescência: aos ataques sangrentos cometidos por terroristas árabes respondiam as terríveis represálias do grupo Stern e do Irgun, dirigido por Menahem Begin. O terror nutria o terror..."4
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Já fora apenas após muita negociação que Buber conseguira incluir no protocolo do
Uma submissão que será completa na era messiânica, pois o Estado só perdurará "...
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Já fora apenas após muita negociação que Buber conseguira incluir no protocolo do Congresso Sionista de 1921 o expresso reconhecimento de que devia ser buscada uma sincera compreensão com o povo árabe, que não deveria ter seus direitos e necessidades prejudicados pelos colonos judeus. Em posicionamento bem mais tardio, publicado em 1958 na Congress Weekly, órgão do Congresso Mundial Judaico Americano, ele afirmava reconhecer o Estado de Israel que nasce do pós-guerra como sendo seu Estado, mas que também considerava um dever irrecu sável se rvir ao espírito e corrigir os erros, o que impõe a disponibilidade para a reconciliação com os vizinhos inimigos. Para Buber, a capacidade de orientar-se para o concreto e nele agir é constitutiva da autêntica espiritualidade. Conhecer não é uma mera contemplação exterior de um objeto-espetáculo. É um movimento de iniciação que penetra o desconhecido. Por isso critica os que estudam sem a intenção de agir. Mas sua atitude não deve ser confundida com um ativismo, pois as ações têm que ser guiadas pelo conhecimento se não quiserem se afogar no abismo do momento. Já nos anos 1916-17, quando da polêmica contra Hermann Cohen - o filósofo neokantiano de Marburg defensor da "consciência de Estado"-, Buber amadureceu sua visão político-religiosa:
Uma submissão que será completa na era messiânica, pois o Estado só perdurará "... até que o Reino (Malkhut Shamayim) se estabeleça na Terra; até que, com a forma messiânica do mundo humano, a criatividade e a ordem, o povo e o Estado, se fundam numa nova unidade, na Gemein.rchaft (comunidade) da salvação." Em 1939, ele não é complacente com as correntes n ac io na li st as n o s ei o d a comun idade judaica palestinense: "... cada dia vê um número crescente dos nossos declarar: o tempo do amor dos homens acabou! Não se pode nadar contra a corrente! Esse anúncio messiânico, essa exigência de justiça não são mais que a expressão de nossa fraqueza! Daqui por diante, sejamos fortes! Os que dizem isso têm um só desejo: juntar-se à mati lha." ' O horizonte buberiano é sempre utópicouniversal, afirmando que "... a emancipação de um povo não é senão um signo e um caminho para a emancipação do mundo."' Se nos anos 30, na Alemanha, Buber havia-se empenhado por fortalecer os vínculos da solidariedade judaica e difundido o sionismo, na Palestina se empenha por esfriar os radicalismos nacionalistas. Foi assim que em 1942 formou, junto com Judah Magnes, Ernst Simon, Haim Kalvarisky, Henrietta Szold, Gavriel Stern e Moïse Smilansky, um movimento de fraterniza ão udaico-árabe o Ihud 6
Roberto Bartholo Jr.
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
nascido viveria em verdadeira comunidade. A proposta do Ihud fracassou. Em 29 de novembro de
Após a proclamação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, eclode a violência
Roberto Bartholo Jr.
nascido viveria em verdadeira comunidade. A proposta do Ihud fracassou. Em 29 de novembro de 1947, as Nações Unidades definem a partição da Palestina e a internacionalização de Jerusalém. A resposta árabe é a guerra. O Ihud cessa temporariamente de existir. Reor ganizado nos anos 50, foi dissolvido em 1964. A posição do Ihud sempre foi extremamente minoritária em meio aos judeus. Mesmo assim, para Buber, dele ter participado foi um "grande dom da vida", como expressa em carta a Judah Magnes: "... numerosos anos se passaram assim, até que vim a Eret.Z Israel e vejo seus esforços por fazer avançar a causa fundamental da colaboração judeu-árabe, luta que nosso Ihud encarnou em seguida. Que você o tenha feito, o modo como o fez, foram para mim um grande dom da vida. Você me permitiu mais uma vez operar politicamente ainda no contexto, e em nome de um grupo político, sem sacrificar a verdade. Você compreende o que quero dizer. A pureza e a salvação de minha alma não me interessam; se alguma vez devesse chegar - o que é impossível, pela natureza das coisas - a ter que escolher entre a salvação de minha alma e a de meu povo, sei que não hesitaria. A questão é não violar a verdade, pois cheguei a saber que a
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Após a proclamação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, eclode a violência e o êxodo maciço de árabes, estimulado pelos países vizinhos - que se recusam a aceitar o novo Estado judeu e esperam destruí-lo no confronto bélico. Mesmo durante esses tempos, Buber continuou sendo respeitado em meio aos árabes. Quando ele completou setenta anos, Judah Magnes publicou seus votos num número especial do periódi co Be áyol "... a tragédia atual não é que, depois das danças e do júbilo que acolheram a decisão da ONU (de 29 de novembro de 1947 sobre a partição da Palestina e a internacionalização de Jerusalém), reinem a confusão e a ansiedade, nem a perda irrevogável de preciosas vidas humanas, nem os combates, sempre mais numerosos, cujo fim não se pode prever. A tragédia é que hoje, como nos dias do profeta Miquéias, os chefes da casa de Jacó e os magistrados da casa de Israel edificam Sião com o sangue (Mq 3, 9:10). (...) Em Eret.Z Israel nasceu uma nação da Casa de Israel, que é semelhante a todas as outras nações e não crê na eleição, na religião e na missão ética do povo de Israel. Você vê a jovem geração, e seus professores, sacerdotes e profetas marchando diante dela, criar seus deuses à sua própria imagem e, rejubilando-se e dançando, proclamar como Deus o bezerro que eles mesmos fundiram: este é teu Deus, ó Israel! Você vê com que
Roberto Bartholo Jr. Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
portar os tormentos do espírito, quando lhe parece claramente que no povo de Israel seu próprio povo, o espírito não
tal. Só podem ser experienciadas "pacificações", impostas pela força superior
Roberto Bartholo Jr. Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
portar os tormentos do espírito, quando lhe parece claramente que no povo de Israel, seu próprio povo, o espírito não tem efeito real, somente os punhos cerrados e a violência o têm. (...) Estes são, em todo caso, os votos que lhe faço hoje: que você não deixe obscurecer a sua coragem, que lhe seja dado prosseguir como sempre o combate a verdadeiro, que uma longa vida lhe seja concedida, e que você possa ver Seu retorno sobre a Terra de Sion, na verdade e na misericórdia." Para Buber, a verdadeira paz, a pa.Z nasce de uma orgânica ou vital "solidariedade profunda". Seria um erro grave pensar que todos os laços das pessoas humanas pudessem ser redutíveis às noções de poder, dominação e formas organizacionais de institucionalização. A imperativa necessidade de se salvaguardar a "espontaneidade social" veta-lhe a aceitação de sistemas filosóficos como o hegelianismo, grandiosos mas cegos para o valor precioso da "... solidariedade, ajuda mútua, amizade leal, entusiasmo ativo na realização de um empreendimento conjunto. (...) Toda aquela espontaneidade social criad or a que, apesar de não s er unificada e controlável como o é a força do Estado, existe em abundância em um grande número de fenômenos sociais." B ub er a fi rm a q ue a " au to ri da de social" se vê deslegitimada por uma unidimensionalização da autoridade olítica. Nesse contexto, a sociedade passa "
tal. Só podem ser experienciadas "pacificações", impostas pela força superior dos vitoriosos. Realizar a paz vital exige a árdua tarefa de "arrebatar do princípio político a soberania sobre o social", sem no entanto se deixar iludir com conciliações a qualquer preço. Buber afirma de modo inequívoco: "... não sou um pacifista radical; não creio que sempre se deve responder à violência com a não-violência. Eu sei o que a tragédia implica; quando há guerra, ela tem que ser lutada." 12 O caminho do "bom combate" ao mal é o exercício da solidariedade, no aprendizado da alteridade. Somente entre seres que se sabem outros e se aceitam solidariamente na alteridade ele pode ser trilhado. Só pessoas capazes de dizer, em autenticidade e verdade, "tu" uma à outra são também capazes de dizer uma com a outra: "nós". VL 2 ... Lu.Z!Quero lu.Z! Muito além das
cortinas ... O primeiro livro de Buber após a emigração é originalmente publicado na Holanda, em 1940: Het Geloof van Lrrael,13 contribuição judaica a um projeto coletivo de estudo das religiões conduzido pelo professor G. van Leeuw, da Universidade de Gron ingen. A obra apresenta um painel da religião dos profetas, mediadores de um 1
Roberto Bartholo Jr.
um profeta, sendo nela vigente e dissolvendo-se numa outra distinta,
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
têm piedade dos fracos, seres humanos se associando com outros seres humanos.""
Roberto Bartholo Jr.
um profeta, sendo nela vigente e dissolvendo-se numa outra distinta, proclamada por um novo profeta. Buber empenha-se por evidenciar que, por mais distintas que elas sejam, todas procedem de uma mesma concepção da natureza divina. O que muda nesse encontro é a "margem humana", pois "... o Deus de Israel, Ele mesmo, permanece um e idêntico a Ele mesmo, qualquer que seja a forma temporária que assuma. Ele é sempre JHWH, cujo Nome, segundo as próprias palavras dirigidas a Moisés, significa Ele é lá. Ele está presente como alguém que está presente. Ele é Aquele que é Presente, cuja presença toma toda forma que Ele mesmo escolha tomar."14 Buber enfatiza que JHWH exige de Si mesmo a presença perante Seu povo, como espera de Seu povo a presença diante de Si, na medida de suas capacidades. E no fim do livro, ao referir-se ao Deus dos .rofredore.r, ao mistério da redenção messiânica e ao sofrimento dos inocentes, apóia-se na condenação de Jeremias aos "adoradores do Templo" (Jr. 7:3), para afirmar sua própria posição de distanciamento com respeito à "religião". Para Buber, o Deus dos Profetas dispensa a"religião": "... outros deuses precisam de uma casa, de um altar, de sacrifícios, sem os quais não seriam, pois consistem no que os seres terrestres lhes dão. Mas o Deus vivo e Rei -
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
têm piedade dos fracos, seres humanos se associando com outros seres humanos."" A segunda obra mais significativa do período palestinense, publicada em hebraico no periódico Davar, em 1941, foi Gog eMagog, posteriormente convertida em livro. É uma crônica apoiada em material de contos hassídicos do século XIX e tecida por diálogos, que mostram como as comunidades reunidas em torno do tradik faziam das crenças e ensinamentos vida vivida. O título faz referência aos debates sobre se as guerras napoleônicas de então seriam ou não o prenúncio apocalíptico anunciado pelo profeta Ezequiel. Em 1943, Buber publica, também em hebraico, o ensaio de antropologia filosófica Que é o homem?, basea do em pensadores clássicos, antigos e modernos (a tra dução inglesa será mais tarde incluída na coletânea Bettveen Man and Man.)" Buber retoma ali as teses cen trais do Eu e Tu e de A questão colocada ao único, critican do a antropologia individualista dos que pretendem pensar a relação no interior de si e referida a si. Para Buber, essa cegueira para com o primado da alteridade e da vulnerabilidade interpessoal à sua presença bloqueia as 10 5
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra Roberto Bartholo Jr.
que se expressa nas possibilidades relacionais interpessoais do Entre-Dois. É
ca entre parênteses o peso do sentido da vida, que nos interpela para ser traduzida em ato no
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra Roberto Bartholo Jr.
que se expressa nas possibilidades relacionais interpessoais do Entre-Dois. É assim que a antropologia filosófica buberiana vai sempre reafirmar a dialogicidade e a responsabilidade como inerentes à condição humana autêntica. Segue-se uma obra de gr ande densidade: Moisés, publicada em hebraico, em 1945, e logo em seguida em tradução inglesa. Na relação entre o Príncipe-do-Povo e Aqueleque-lhe-dá-Sua-Lei são retomados os temas d'A Fé dos Profetas, pois o Deus de Israel "... comunica sua palavra aos homens que apelam, e de tal modo que ela neles ressoa, e eles se tornam a`boca' de Deus..." Nessa obra Buber desenvolve, analisando a narrativa da sarça ardente, a mais detalhada apresentação de sua interpretação do Nome de Deus na Torá. Quando, entre 1923 e 1925, Buber e Franz Rosenzweig trabalharam na tradução alemã do livro Êxodo, ambos concordaram em que a tradução corrente Sou-O-Que-Sou não corresponde ao sentido original, que enfatizaria uma noção de presença. Por isso optaram pela tradução Sou/.rerei-LÁ-Tal-ComoSou/.rerei-Lá, com o verbo no o riginal hebraico podendo tanto ser compreendido no presente como no futuro. Trata-se de uma crucial diferença, pedra angular do curso oferecido por Buber em 1922 na Freies Jüdisches Lehrhau.rde Frankfurt sobre a religião em tanto que presença, que permite agregar à montagem do "
ca entre parênteses o peso do sentido da vida, que nos interpela para ser traduzida em ato no presente. Não é nenhuma doutrina que nos abre o acesso ao encontro com o Tu. Tampouco dele nos desvincula. Nós o acessamos na Palavra dialogada. Nós o pode mos acessar em nossa abertura dialogal à alteridade do Outro. Pois "... a palavra da Revelação é: Sou Lá-Tal-Como-Sou-Lá. O que se revela é o que se revela. O ser que é, é lá, nada além. A fonte eterna de força jorra, o contato eterno nos espera, a voz eterna ressoa. Nada além."" Buber se coloca a questão: por que os homens preferem substituir a força da revelação por um código de conduta, o encontro com Deus pela religião? E responde: porque anseiam possuí-1'O no tempo e no espaço de suas vidas humanas, preferindo a suposta segurança de um Isso no qual se crê às incertezas e riscos da relação c om um Tu in con tro láve l, imprevisível e irredutívelmente outro. Em hebraico, o verbo ehyeh - que, no diálogo de Êxodo 3, Deus dirige a Moisés: ehyeh contigo -, é traduzido por Buber como: Sou/Serei Lá 10Contigo. Quanto à pergunta: "... se eles me perguntarem: `Qual é Seu nome?', que lhes direi?" (Ex. 13:3), na interpretação de Buber, Moisés
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
trabalho de transposição da tradição oral para a forma escrita, concluindo a
para ser autêntica, uma comunidade deve ser uma comunidade de necessidade, e por
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
trabalho de transposição da tradição oral para a forma escrita, concluindo a organização de sua coletânea de histórias hassídicas. Nesse mesmo ano, faz sua primeira viagem de retorno à Europa, onde visita seis países e dá sessenta conferências, inclusive junto à Sorbonne e à London School of Economics. Também data de 1947 a primeira edição hebraica de uma o bra destinada a encontrar grande ressonância, mesmo em meio a um público não familiarizado com seus outros escritos. Trata-se de Netivot Beutopia, traduzido para o inglês no ano seguinte." Buber vincula o utopismo com o desejo de justiça, que só pode se realizar em comunidade. O utopismo tem uma "margem humana", realizada no exercício da vontade política eticamente fundada, mas tem também uma dimensão messiânicoescatológica. Na modernidade, esse utopismo associado à Revelação foi progressivamene cedendo espaço para a noção de que a vontade de realizar o "espaço social perfeito" se consubstancia na técnica. No livro, Buber apresenta de modo sistemático as perspectivas dos utopistas clássicos Saint-Simon, Fourier, Owen, e depois Proudhon e Kropotkin, para culminar o painel com a perspectiva de seu amigo Gustav Landauer. Como observa Pamela Vermes, Landauer
para ser autêntica, uma comunidade deve ser uma comunidade de necessidade, e por essa razão uma comunidade de espírito. Ela deve ser uma comunidade de esforços e de trabalho, e por essa razão uma comunida de de salvação." 23 Em seguida, Buber confronta-se com a perspectiva do autoproclamado .rociali.rmo científico, dedicando capítulos a Marx, Engels e Lênin. Sua crítica é serena mas aguda, afirmando que, mesmo exercendo tão forte hegemonia sobre as forças de mobilização e organização do movimento operário, o marxismo "... não levou em conta as formas que já existiam da nova sociedade. Não se esforçou seriamente para fomentar, influir, dirigir, coordenar, federar os ensaios já feitos, ou estavam em vias de formação, nem tampouco levou a cabo um trabalho conseqüente de dar vida a células e mais células e a federações de células de uma comunidade viva. Apesar de toda sua grande força, não se aplicou a dar forma à nova existência social do homem que pretendia liberar pela revolução."" No capítulo final do livro, Buber se dedica a apresentar um outro experimento, a experiência comunitária do kibut.Z em Israel, comparando-a com o quadro vigente na Rússia soviética. A visão de Buber do kibut~ é otimista, destacando que ele deve sua 10 9
Roberto Bartholo Jr. Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Data de 1951 a edição de Two Type.r of Faith, ZS antecedida por um prefácio que hom ei Rudolf B ltm Alb rt
mente expresso na atitude espiritual do testemunho do apóstolo Tomé (Jo. 20:24-8),
Roberto Bartholo Jr. Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Data de 1951 a edição de Two Type.r of Faith, ZS antecedida por um prefácio que homenageia Rudolf Bultmann, Albert Schweitzer e Rudolf Otto, e faz explicita menção à coragem do teólogo de Zürich Leonhard Ragaz, que previa "...um futuro ainda inimaginável de compreensão entre o núcleo duro da comunidade de Israel e uma autêntica comunidade de Jesus, que se ergueria não sobre as fundações judaicas ou cristãs, mas sobre a mensagem comum a Jesus e aos profetas concernente à teshuvá do homem e ao Reino de Deus". 26 Buber aponta para as discrepâncias entre os ensinamentos de Jesus e de Paulo. Jesus demonstrava um tipo de fé, a emuná, tipicamente judaica, que é uma aceitação da soberania divina que se manifesta na obediência à vontade de Deus na vida cotidiana. Todo aquele que possui a emuná se encontra numa comunidade cujo vínculo com Deus também o inclui. Em contrapartida a Jesus, Paulo não insiste em falar nem no amor de Deus nem na imediatez da relação entre o homem e Deus. Para Buber, é como se Paulo construísse um muro em torno da Divindade, enquanto que Jesus dizia pede e receberás, bate na poria que ela será aberta. E se, para Paulo, Deus deu a Isr ael uma Lei que "endureceu" uma parte de Seu povo, "... até chegar à plenitude dos gentios" (Rm. 11:25), Buber afirma que "... quando olho para esse Deus, não reconheço o Deus de Jesus." Z' Para ele, seria mesmo
Roberto Bartholo Jr.
em sua contemporaneidade a realidade das crenças se constitui apenas numa idéia que
mente expresso na atitude espiritual do testemunho do apóstolo Tomé (Jo. 20:24-8), que recebe a resposta de Jesus: "... porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram!" Qo. 20:29). Para Buber, "... a espontaneidade essencial de uma religião pessoal corre o risco de um empobrecimento num século de eclipse de Deus como o nosso, que pode ser seguido por elementos de pistis de natureza parcialmente racional e parcialmente mística. Além disso, o divórcio entre a santidade pessoal e a santidade nacional coloca uma tensão entre a vida pessoal do cristão e a vida engajada na nação. Nessa tensão habitaria o perigo de permitir que o engajamento do cristão se coloque fora da nação." O último escrito denso de Buber, O eclipse de Deus. Estudos sobre a relação entre religião e filo.rofia, teve sua tradução inglesa publicada em 1953. 28 O livro é essencialmente fruto de conferências realizadas em diversas universidades americanas (Yale, Princeton, Columbia, Chicago, dentre outras) nos meses de novembro e dezembro de 1951. Buber decidiu apresentá-las antecedidas de um ensaio cuja redação data de 1932, Informe sobre duas conversações, e incluir também os ensaios O amor a Deus e a idéia de Divindade, escrito em 1943, e Religião e filosofia, baseado em passagens de ronunciamento feito em Frankfurt am Main,
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães, em 1953. Na entrega solene deste último, realizada na igreja de São Paulo, em
Roberto Bartholo Jr.
em sua contemporaneidade a realidade das crenças se constitui apenas numa idéia que os homens julgam possuir e manipular. Assim, "... nossa irrealidade se manifesta na medida em que nós pensamos religião ao invés de agi-la."" Além disso, a religião na modernidade tardia se mes cla com elementos de magia, no empenho por desvelar o Mistério e viabilizar uma apropriação utilitarista. No cerne da irrealidade atual da religião está a irrealidade da prece, a incapacidade de se estabelecer uma comunicação face a face com o Tu eterno, de se estar presente para acolher a presença do Outro. O eclipse de Deus se instaura sob o império do Mundo do Isso, quando o Eu da relação Eu-Isso ameaça sufocar a pessoalidade da condição humana. Ele então pretende tudo possuir e tudo realizar, tornando-se incapaz de dizer tu, de se encontrar verdadeiramente com um ser. O Eu do Mundo do Isso não pode ser apto para "... reconhecer Deus, nem nenhum absoluto genuíno que se manifeste aos homens como de origem não humana. É ele que se interpõe e nos esconde a luz do céu."" Para Buber, Deus não está morto, mas nossa presente incapacidade de experienciarmos o verdadeiro encontro nos obscurece Sua presença. Cabe-nos recuperar o face a face, afastando o que se interpôs no entre, pois "... o eclipse da luz
Você e Eu: Martin Buber, presença palavra
Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães, em 1953. Na entrega solene deste último, realizada na igreja de São Paulo, em Frankfurt am Main, apresenta discurso sobre o "Diálogo genuíno e a possibilidade da paz"," mais tarde incluído em Nachle.re, 33 por ele considerado uma coletânea de seus melhores escritos. Embora a opinião pública em Israel tenha criticado muito suas viagens à Alemanha, Buber reafirmava sempre acreditar no diálogo genuíno. Em 1962, finalmente, é editada a tradução completa da Bíblia judaica. Em 1962, 1963 e 1964, os três volumes de suas Obras, organizados tematicamente de modo a reunir em volumes diversos os escritos sobre filosofia, os sobre hassidismo e os sobre a Bíblia. Também em 1964 é publicado um outro volume, reunindo seus escritos sobre o judaísmo. Em 1960 Buber é eleito primeiro presidente da Academia de Ciências e Humanidades de Israel. Em 1963, viaja à Holanda para receber o Prêmio Erasmo, ocasião em que apresenta um discurso sobre "O humanismo crente", também incluído em Nachle.re. j4 A última homenagem que recebeu, em 1964, foi a medalha Albert Schweitzer. Em 1958, aos oitenta anos de idade, Buber viajou por última vez aos Estados Unidos. Quando, no dia 2 de agosto, embarcaria em Veneza de volta para Israel, Paula sofreu um ataque de trombose. O quadro agravou-se, e apesar dos cuidados
Roberto Bortholo Jr.
Após a morte de Paula, a saúde de Buber se deteriora significativamente. Em seus últimos meses de vida sofre agudas crises
5 Ver G. Schaeder (org.) Briefwechsel atos sieben Jahr~ehnten, vol. III, 1938 -1965, Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1975, p. 14.
Roberto Bortholo Jr.
Após a morte de Paula, a saúde de Buber se deteriora significativamente. Em seus últimos meses de vida sofre agudas crises renais, provocadas por deficiências já crônicas, além do estorvo de uma fratura de fêmur, seguida de operação. Em texto incluído no Nachle.re, Buber escreveu: "... Não sabemos nada da morte. Nada além do fato de que morremos. Mas que significa morrer? Não o sabemos. Convém portanto que o aceitemos como o fim de tudo que podemos imaginar. (...) A verdadeira crença diz: não sei nada da morte, mas sei que Deus é eternidade, e sei também que Ele é meu Deus. Saber se o que conhecemos como tempo continua para além da nossa morte perde toda importância ao lado desse saber que temos de pertencer a Deus, que não é 'imortal' mas eterno."" Martin Buber morreu no dia 13 de julho de 1965, aos 87 anos de idade. Em seu túmulo pode ser lido o versículo 23 do Salmo 73: "... permaneço sempre contzgo ".
5 Ver G. Schaeder (org.) Briefwechsel atos sieben Jahr~ehnten, vol. III, 1938 -1965, Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1975, p. 14. 6 Ver P Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 135. 7 Ver M. Buber, "Zion, der Staat und die Menschheit. Bemerkungen zu Hermann Cohens Antwort"', in Der fude, 1, 1916-7, p. 427-8, apud Michel Lõwy, Redenção e Utopia. O judairmo libertário na Europa Central, Ed. Companhia das Letras, São Paulo, 1989, p. 52. 8 Ver M. Buber, idem, p. 428. 9 Ver M. Buber, trecho de conferência proferida em Jerusalém em 1939, in Judairme, p. 152, citado por M. Lõwy, op. cit., p. 182. 10 Idem, p. 55. 11 Ver G. Schaeder (org), Briejwechrel atos rieben Jahr.~ehnten, vol. III, 1938-1965, Heidelberg, Lambert Schneider Verlag,1975, p. 135. 12 Ver G. Schaeder (org), Briefivechrelaurrieben /ahr.~ehnten, vol. 111, 19381965, Heidelberg, Lambert Schneider Verlag, 1975, p. 167-168. 13 Ver M. Buber, "Entre a Sociedade e o Estado", in A Face do Homem. Estudos de Antropologia Filosófica (original hebraico de 1965), apud M. Dascal, "A Idéia de Paz na Filosofia de M. Buber", in M. Buber, Do Diálogo e do Dialógico (tradução brasileira de M.E. S. Queiroz e R. Weinberg), Ed. Perspectiva, São Paulo, 1982, p. 21. 14 Ver M. Buber, "Israel and the command of the spirit", in Israel and lhe Wor/d. Er.ray.r in a Time of Cri.ri.r (tradução inglesa de M. Friedman), Schocken, New York, 1963, p. 256, apud M. Dascal, op. cit., p. 26. 15 Ver P. Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 137. 16 Ver M. Buber, l he Prophetic Faith, New York, Macmillan, 1949, p. 171-172, apud Pamela Vermes, M. Buber, op. cit., p. 139. 17 Ver P. Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 142.
Notas
18 Ver M. Buber, Moses, East West Library, Oxford, 1946, p. 8, apud Pamela Vermes, op. cit., p. 145. 19 Ver P. Vermes, Martin Buber, op.cit., p. 111.
1 Ver M. Buber, Het Geloof Van Israel, H. Meulenhof,
Amsterdam, 1940. 2 Ver M. Buber, Between Man and Man, Londres, Paul Kegan 1947. 3
Ver
G.
Schaeder
(org),
Briefivechrelau.rtiebenJahrZehnten, vol. II, 19181938,
Heidelber , Lambert Schneider Verla , 1973, . 242,
Roberto Bartholo Jr.
24 Ver M. Buber, Caminos de Utopia (tradução espanhola de ).R. Armengol), Ed. Fondo de Cultura Económica México 1992, 136. Há tradução
I
20 Ver M. Buber, Ich und Du, Lambert Schneider Verlag, Heidelberg, 1997, p. 132. 21 Ver M. Buber, Pathr in Utopia, tradução inglesa de R.EC. Hull, Routledge & Kegan, Londres, 1949. 22 Ver P. Vermes, Martin Buber, op. cit., p.1G1-2. 23 Ver P. Vermes, idem.
Roberto Bartholo Jr.
24 Ver M. Buber, Caminos de Utopia (tradução espanhola de ).R. Armengol), Ed. Fondo de Cultura Económica, México, 1992, 136. Há tradução brasileira de P. Civelli: M. Buber, 0 Socialismo Utópico, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1986. 25 Ver M. Buber, T wo Zyper of Faith (tradução inglesa de N.P Goldhawk), Routledge & Kegan, Londres, 1951.
Epígrafes
26 Ver M. Buber, T wo Typer of Faith, op. cit., p. 15, apud Pamela Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 1689. 27 Ver M. Buber, idem, p. 89, apud Pamela Vermes, idem, p. 170. 28 Ver M. Buber, Eclipse of God. Studies in the Relation between Religion and Philo.rophy (tradução inglesa de M. S. Friedman et. al.), New York, Harper & Brothers, 1953. 29 Ver P Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 173. 30 Ver M. Buber, Eclipse de Dios. F.rtudior sobre Ias relaciones entre religión yfilorofiá (tradução espanhola de Luís Fabricant), Fondo de Cultura Económica, México, 1993, p. 163. 31 Ver M. Buber, Eclipse de Dios, op. cit., p. 164. 32 Ver M. Buber, Das echte Gerpmch und die Môglichkeit des Friedens, Lambert Schneider Verlag, Heidelberg, 1953. 33 Ver M. Buber, Nachkse, Lambert Schneider Verlag, Heidelberg, 1964. 34 Ver M. Buber, "Glãubiger Humanismus", in Nachle.re, op. cit., p. 113. 35 Ver M. Priedman, Martin Buberf Life and Workr, vol. III, p. 241, apud Pamela Vermes, Martin Buber, op. cit., p. 167. 36 Ver M. Buber, Nach Dem Tod. Anhvort auf eine Rundfrage (1927), in Nacb/ere, op. cit., p. 259.
1. ... o tempo
passou na janela ... "Carolina", de Chico Buarque de Hollanda II. ... a felicidade morava tão vi!~inha .... "Até Pensei", de Chico Buarque de Hollanda
III. ... o mundo rodou num instante, nas voltas do meu coração ... "Roda Viva", de Chico Buarque de Hollanda IV ... feito tatuagem ... "Tatuagem", de Chico Buarque de Hollanda e Rui Guerra 1V1 ... e a prudência dos sábios nem ousou conter nos lábios o sorriso e a paixão .... "Rosa dos Ventos", de Chico Buarque de Hollanda IV 2... vou voltar, sei que ainda vou
1V3 ... se tudo foi criado, o macho a fêmea, o bicho a flor.. "Sobre Todas as
1V3 ... se tudo foi criado, o macho a fêmea, o bicho a flor.. "Sobre Todas as Coisas", de Chico Buarque de Hollanda e Edu Lobo 1V4 ... bem-vinda companheira... "Samba e Amor", de Chico Buarque de Hollanda V... me ensina a não andar com os pés no chão... "Beatriz", de Chico Buarque de Hollanda e Edu Lobo
VI. ... nas discussões com Deus ... "Sem Fantasia", de Chico Buarque de Hollanda VII. ... quando eu morrer, cansado de guerra, morro de bem com a minha terra ... "Assentamento", de Chico Buarque de Holanda