1. Ao propor propor -me an anali alisar sar as r ela< la<;;6es 6esentre entre autobio autobiog gra raf f ia e petr arqui rquissmo na poesia lfrica de Cam6e m6es, s, nao conceituo «autobiografia autobiografia» » como ur ur n gene nero ro lit liteer irio narrativo com as s as suas uas peculiare peculiaress normas e conv conven< en<;;6e 6ess ssem emaantica nticass e tecni cnico co-f -f ormais ma is.. Em Em r ela la¢o ¢o a Cam6e Cam6ess e a su suaa epoca epoca hist6 hist6ri rica ca,, se sem melh lhaant ntee conc oncei eitto se seria ria anacr6nico nacr6nico,, ja que a autobiografia, como genero lite lit er irio irio, s e constituiu constituiu a pena penass na fe ssii o m d e J . - J . segun egunda da meta metade de d o se seculo culo XVIII XVIII,, sob 0influ influx xo domina dominante d as C on . fess Rousse Rous seaue aue so sob b a ac ac¢ ¢o do ego egotis tismo mo e da ego egolat latria ria de pr e-rom -romaant ntic ico os e ro rom manti nticos cos.. vocibulo o 'autobiografia' parece ter ter sido formado formado e difundid o na lfn lfng gua o pr6prio vocibul inglesae na lfngua alema apenas nos Ultimo s ano noss do seculo XV XVII III, I, f igur igur ando ainda como urn neo ainda ne ologismo em virios dicionirios dicionirios da lfngua lfngua france francesa sa d d atado tadoss d a segun egunda da meta metade de do seculo XIX. I
Todavia, muit Todavi muito o antes antes de se adquir adquirir ir cons consci cieencia, a nive nivel da me metalingu linguaagem do sistem istemaa litera literari rio o, da exis existe tenc ncia ia do ge g ene nero ro na narr rrat ativ ivo o as assi sim m de dessig ign nado do,, a autobiogr afiaja ocor r ria i a na cultur a ocidental como a manife manifessta¢o ta¢o,, ou a r evel evela¢o ¢o,, atravesdo acto da esc es crita literi literiria, ria, da vida - sobre sobretudo tudo da vida intima, intima, da vida es pirituale da vida se sen ntim timen enta talldo eu su suje jeit ito o en enun unci ciad ador or des de sse mes esmo mo ac acto to de
No petrarq uismo,
todavia, para alem do ludismo e da exaspera<;J.o tematico-
-formais dos poetas petrarquistas minores d os seculos )(V e XVI -
ludismo
exas pera<;J.o, aliis, ja pr esentes no Canzoniere do pr 6 pr io Petr ar ca -,
reencontra-
-se a beleza comovid a conf essional e iluminad a
e grave, ao mesmo
tem po
impr egnad a
por urn alor Hrico desrealizante,
da poesia dos grand es petrarq uistas
d o seculo XVI -
a Garcilaso, d e Cam6es a Tor quato
e
d e d ramatismo
d a poesia petr ar qu iana
e
d e Bembo e Miguel Angelo
d e Tasso, d e Shak e speare a John Donne ...
Com ef eito, nos grand es poetas petr arq uistas d o seculo XVI a este res peito, urn excelso exem plo -,
r eencontramos
e Cam6es constitui,
os t6 picos, os estilemas, as
imagens, as metafor as e os esquemas ret6ricos d os petr ar quistas minores anter iores e contemporaneos
(os comentir ios
sentam, neste dominio,
d e Faria e Sousa a s Rimas d e Cam6es re pr e-
uma preciosa fonte d e informa
tambem, em simbiose inextr icivel,
a sua mod ula<;J.o original, a sua transforma<;J.o
idiolectal, enfim, a sua r ecr ia<;J.o. N a Hrica de Cam6es, o per a-se uma sintese genial, complexa e subtil, d a trad i<;J.o literiria do petr arquismo petrarquismo
-
e realce-se que, como escr e ve Amed eo Quond am,
0
e, no seculo XVI, «la letr eratura, nella misura in cui ogni 'omo' che
non sia 'sanza lener e' nel momenta
stesso in cui a ppr end e l'uso d elle letr ere utilizza
empreenderam
escrever a hist6ria das suas vidas -
por exemplo, Gandhi -,
fizeram porque foram «anexados a uma mentalidade
o
impulso autobiografico
associado
desde os poetas elegiacos gregos aos poetas alexandrinos, 0
a poesia
lf rica,
d esd e os poetas elegiacos
latinos aos trovadores provenc;:ais, desd e Petrarca aos romanticos.
a lfrica
0
q ue nao er a a sua».
aparece imemorialmente
gunda metade do seculo XVI, se reconheceu
s6
Quando,
na se-
estatuto de gener o literar io
comparavel, pela sua relevancia intrinseca e extrinseca, ao genero e pico e ao genero dramatico,
foram-lhe atribuidos caracter es tecnico-formais
tativos, ou indiciadores,
d aq uele im pulso auto biograf ico:
e semanticos
manif es-
na lf ri ca, a penas f ala a
persona do poeta e 0ob jecto d a mimese lirica id entif ica-se com urn conceit o do poeta (em vez do termo romanticos
maneir ista
e barroco
falarao d e «sentimento»
Os teorizadores como Mintur no,
e preceptistas
d e «conceito»,
os pre-romanticos
e
e d e «paixao»).3 liter a rios da segunda metad e d o seculo XVI,
que assim caracterizaram
a lfrica com marcas semicas e formais
pr6prias do modo d a escrita autobiografica, tinham em mente, como parad igmatica r ealizac;:aohist6rica do genero lfrico, a poesia do C a nzoniere de Petrar ca e a poesia d os grand es petr arquistas quatrocentistas euro peias,
como e sabido,
e quinhentistas.
petrarquismo
0
repr esenta
Na hist6ria das literaturas urn d os mais singulares
3. Em Cam6es,
ocorr em
com alguma frequencia
afir ma<;:6es d e que a sua
poesia lirica dimana d e verdades acontecid as e vivid as pelo pr o prio poeta -
quanto
mais de vagar vos contaria / d e minha lar ga hist6 r i a, e nao alheia? (pag. 379)11 -, ex pr ime um drama existencial, narra a historia dum homem, em suma, para utilizar as palavr as end ere<;:ad as por Petrarca a Giacomo
Colonna,
que nao e constituid a
por fiet a car mina e simulata sus pir ia. No soneto liminar de l.a ed i<;:[o(1595) das Rhythmasse analisam as r ela<;:6esentre poetico -,
amor , a cria<;:[o d a poesia e a rece p<;:ao d o texto
0
Cam6es, dir igindo-se [... ] Quando
urn soneto em que
aos seus potenciais leitor es, ad ver te:
lerdes
num br eve livro casos tao diversos, verdad es pur as sao, e nao d efeitos ... (pag.117) No soneto C o nver s afao domestica af e if o a,
poeta comrap6e as «conjectur as",
0
que sao apenas pr etexto par a «d elicadas escritur as", d o s seus ver sos, distinguind o
a verd ad e
experiencial e fremente
assim uma poesia formalista, fundad a numa imit a t io
st ili , de uma poesia conteudista, enraizad a numa im it a t io vitae.
como poeta que mod elarmente
realizara a sua obra poetica como urn «espelho de
vida» (nao se excluindo d e ste juizo uma positiva valora~o
etica).
A difusao do principio da imit a tio vitae no petrarq uismo
pres-
de que a poesia irrompe da histOria dum
sup6e, em primeiro
lugar, a convic~o
homem,
pelos acontecimentos
modelada
quinhentista
da sua biografia intima;
em segund o
lugar, implica a ideia de que a poesia de Petrarca esta placentariarnente vinculada 1 1 matriz da sua vida, 1 1 matr iz de urna exem plar historia de ar nor r ealmente acontecid a e
a s vicissitudes psicologicas, morais e espirituais que entr etecerarn
esse romance
de arnor .
o proprio
Petrarca, como e sa bido, perante as cepticas interroga<;6es d e alguns
dos seus arnigos e contemporaneos sobr e a existencia r eal d e Laura e, portanto, sobre a ver acidad e
d o seu ar nor , r e jeitou com veemencia
poesia Fosse fingimento simula<;6es poeticas -
e de que os seus sofrimentos
a sus peita d e que a sua
de ar nor se r eduzissem
f ict a carmina, simulat a sus piria-, sublinhando
a
com vigor
persuasivo a unid ad e profund a e incindivel da sua poesia e d a sua ex periencia vital.s A pr o pria arq uitectur a d o seu Can zoniere, tr a balhosa, paciente e calculadamente esta belecid a,9 pr ocura espelhar simbolicamente
nurn itiner ar io
poetico os
eventos e as vicissitud es fulcrais d e urn itinerar io auto biografico. Desd e Bembo
a diver sos
comentar istas
d o
Can zoniere
no seculo
1525
de
Pili volte Ar n or m'avea gia d etto: «Scrivi, scrivi quel che ved esti in 1ettr e d 'or o [... ]» (XCIII)
Gr an tiem po ha que arnor me dice: «Escribe, escribe 10 que en ti yo tengo escrito de letra que jarnas sera borrada.»16 De modo originariarneme ageme, cabendo misteriosarneme
semelhante,
Cam6es
concebe
0 poema
como
urn texto
escrito na alma pelo arnor , pela saudade ou por algum secreto ao poeta
a tarefa de copiar
ou transcrever
esse texto assim
conformado: Nem eu escrevo mal tao cosrumado, mas n' alma minha, triste e saudosa, a saud ad e escrevo, e eu tras1ado. (pag. 238)
A «tao 10nga historia» de tragico e paradoxal
desconcerto
arnoroso
evocada e
analisada na canyao Mand a -me AmOT que cant e docemente e trans1adada pelo poeta
e biogr afico d a lf rica camoniana, compraz em requintes
cond enando,
ao mesmo tempo, a poesia que se
e low;:anias verbais: «Quier e d ezir , pues, el P. que en esta
ex pression d e sus penas amor osas tr ata d e la verdad , y no de cer nir palabr a s es pejad as, o joyantes: por que el no atend er a esto es la mayor sefial d e fino enamorado.
Esta
es la verd ad ; y tod o 1 0 otr o es em beleco. No se hallad cosa d e es pir itu en hombr e que and e a caza de pala bras.»12 3. No C a nzonier e de Petr ar ca, a facticidade autobiogr afica ficcionalmente subjacente -
ao alor lfrico compona
narrativa d a cena d o enamor amento ter a d ecorrido:
subjacente -
como elemento
ou
relevante a
e a ref erencia ao tempo e ao lugar em que ela
soneto III (Era il giorno ch 'al sol si scowrar o) eo soneto CCXI (Voglia
0
mi s pr ona , Amor mi guida e scorge) assinalam a este episodio, nuclear tanto na historia auto biogr afica
como na urd idura lfrica, a d ata d e 6 d e Abril d e 1327, sexta-feir a d a
paixao d e Cr isto.13 Cam6es, sem minud enciar
como Petrar c a as circunstancias
cronologicas
d o
evento, inscreveu na sua lf rica, no soneto 0 culto divinal se celebrava e na estancia 2. a d a canc;:aoVII (No Touro entrava Febo e Progne vinha) , data e d o lugar d o seu enamoramento14
-
0
topos petrar quista
enamoramento
da
q ue tambem teria
acontecid o em A bril, mes simbolico por nele ocor rer , em regra, a cele brac;:aolitlir gica d a paixao e da ressurreic;:ao d e Cristo e por nele se manif estar,
em conformid ad e
cuidando
no que poria,
vi Arnor q ue me dizia: -
Escr eve, q ue eu notarei. (pag. 7)
Tal poetica pr e ssup6e necessariarnente sempre
do sofrido -
a anterioridad e
em re la'rao ao escrito,
do vivido -
ou, para nos servirmos
quase d e uma
homologia lexematica e semantica estabelecida pelo pro prio Carn6es, a anter ioridad e do «sangue» e do « peito» em r ela¢o promana
de uma hi pertensao
canto harmonioso para
0
a
«tinta» e ao « pape!». 17 E e por qu e a poesia
vivencial que a objectiva¢o
que transf igur a em «concer to»
autor urn meio privilegiado
d o texto poetico, do
«d esconcerto» d a alma, constitui
0
de autocatarse
ou, segundo
consagr ad a desd e Dante e Petrarca,18 de «desafogo» aos tormentos arnor: N'alma
tenho contino urn fogo vivo,
que, se nao respir asse no que f alo, estar ia ja feita cinza a pena; (pag. 304)19
a terminologia e a s agonias do
o biogr af lsmo
psicologista
mod o em factor d eterminante
q ue ex plica a genese d o poema volve-se d este
d a inteligi bilid ad e
e d a comunica bilid ad e
do mesmo
poema. 5. A poesia petrar quiana, porque e -
ou pr etend e esteticamente ser -
es pelho
d e uma vid a e d as vicissitud es psicologicas e mor ais d e uma historia d e amor e por que a vid a humana, sujeita aos acid entes d o tempo e do destino, e labil e incerta, tern na r ecord ayao do passad o, na recuperayao pela memoria dos dados existenciais irr emediavelmente
consumidos
seus nucleos tematicos instr umentos hermeneutas angustiante
pelo fluir d o tempo biografico e cosmico, urn dos
mais significativos
e urn dos mais fecundos e sortilegos
da sua r etorica e d a sua estillstica. Como observa urn dos mais sagazes da «ex periencia
poetica"
d e Petr a rca,
perante
a fungibilid ad e
d a vida e a violencia assolador a do tempo e da morte, «la salvezza, la
soluzione e off erta d alla 'memor ia': una ca pacita davvero di fermare il tempo intorno a certi punti vivi, riscattarli, in una diversa esistenza, ormai assoluti e sicuri".20 Nos poetas petr ar qu istas com
0
pr eciosismo
e
0
d o s seculos XV e XVI, fr equentemente
ludismo
estillstico-f or mais
e as argucias
fascinad os e subtilezas
de ilustres per sonagens historicos, 0 tema da memor ia, na Hr icacamoniana, esta drarnaticamente associad o a ac<;iod estr uid ora do tem po, do d estino e d a morte, e, muito especialmente,a la bilid ad e do arnor . Plurivocamente, a memor ia e a faculd ad e humana que retem e conserva tudo quanto ocorre e se exaure no tem po; e a per du ra bilid ade d os eventos no es pfrito d os homens, quer enquanto pr esen~ ou reconstitui<;io d o passad o, quer enq uanto pro jec<;iono f uturo; e 0canto poetico e o seu magico pod er tanto de r ecriar e transf igurar 0 ja vivid o como d e fixar miticamente, r esgatand o-as d o fluxo intermino d o tem po, as experiencias vitais ja tr anscor ridas. No plano e pico como no plano Hr ico, a memoria e indissociavel da hist or ia - d a historia da comunid ad e nacional e dos seus herois e da historia- biogr afia de ur n homem - e, ao mesmo tempo, da pr ecaried ad e e d a exemplaridade, eufor ica ou disf orica, dessa mesma historia. E signif icativo que, na maior parte d as suas ocorr encias em posi<;:aod e fim de verso, 0 lexema «memoria» se encontre r imaticamente corr elacionado com 0 lexema "historia», embora seja d e admitir que, neste como noutr os casos similares da poesia camoniana, actua parcialmente ur n mecanismo d e estereotipia rimatica (embor a, em ultima instancia, este automatismo se ja ger ad o por urn factor d e natureza semamica). A " verdad j r mim pa ada lhid d moria
fund amentos
e pelos ef eitos que pr ocura alcanc;:ar , tanto na estrutura
como na consciencia d o leitor, esr a inextricavelmente
do poema
conexionad a com a conce p¢o
d a poesia como im it a t io vit ae . 5. A hermeneutica Cam6es contribui
awis d elinead a
d e alguns as pectos d o petrarquismo
par a esclar ecer , segund o penso, a r azao por que ao longo dos
seculos, d esde Far ia e Sousa ate Aquilino R i beiro e Jose Hermano verificad o tao r e petid amente
a tenta¢o
uma d as r az6es f undamentais
a agud eza analitica e a engenhosidad e
leirur as, tal tenta¢o
ter n r ed und ado
Saraiva, se tern
d e ler a Uricacamoniana em clave biogr afica,
ao mesmo tempo q ue ajuda a compreend er nao o bstante
de
por que,
exegetica d e algumas dessas
sistematicamente
em inexitos interpr etativos
da Ifrica camoniana
tern sido fr equentemente
e cr f ticos. Os exegetas e comentar istas o bjecto daquela tenta¢o, d e numerosos
por que os pr o pr ios textos da Ifrica camoniana, atraves
sinais, quer d a forma
do conteud o,
quer da forma d a ex pr essao, e
atr aves de algumas afir mac;:6es que se podem consid erar uma poetica
ex plf cita,
insinuam, solicitam
peculiares da ficcionalid ad e
liter aria -
tod avia, as marcas de conf essionalidade d
lo m
rte da ad
-
como conformantes
solicitam
ur na d ecodifica¢o
em termos ilocutivos de teor biogr afista. Se,
e d e auto biografismo do
t
de
a logic
da Ifrica de Cam6es d
det rminado
como a cans;ao X (V in d e cd , meu t ilo certo secr e t d r io) eo soneto 0 dia em que eu nasci
mou r a e perera ... 6. No termo d este breve estudo d e alguns aspectos do petrarquismo camoniana,
nao posso d eixar d e sublinhar a r elevancia do principio
pertinemememe
fundamemad o
e analisado pela semi6tica
d a lfrica
tea rico, tao
d a escola d e T artu,
pela linguf stica textual e pela estetica da r eceps;ao, segundo a q ual a conceps;ao do texto liter ario tao-so como co-te xto, para utilizar a terminologia
de Pet6fi, como
emidad e monadica q ue apenas em si comeria a sua ratio, como urn dado substantivo e originario sem conex6es semioticas com a instancia da sua pr od us;ao e a instancia da sua rece ps;ao, cur iosameme, tao esteril,
uma tese falsa do formalismo
(formalismo
que,
se mescla muitas vezes com urn estr ito positivismo). Urn formalismo no plano
ind eterminas;ao incomrolavel
constitui
hermeneutico,
d o texto liter ir io
como
a nova «ortod oxia» fund ada
e que dissolve
prolifer as;ao d e leituras ...
0
co-texto numa vertiginosa
na e