DOCÊNCIA EM SAÚDE DISTÚRBIOS DO SONO
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Distúrbios do sono / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 162p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-103-2 1. Distúrbio do sono. 2. Medicina do sono. 3. Insônia. I. Portal Educação. II. Título. CDD 616.8498
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ............................................................ ........................................................................................................................... ...............................................................7
2
SONO ............................................................... ..................................................................................................................................... ......................................................................... ...10
2.1
CLASSIFICAÇÃO DOS DISTÚRBIOS DISTÚRBIOS DO SONO SONO............................................................... ..................................................................... ......24
2.2
CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DOS DISTÚRBIOS DISTÚRBIOS DO SONO.......................................27
3
INSÔNIA........................................................... .............................................................................................................................. ......................................................................... ......35
3.1
INSÔNIAS COMUNS.............................................................. ................................................................................................................. ...................................................56
4
AVALIAÇÃO DOS PACIENTES ................................................................... ............................................................................................... ............................60
4.1
TRATAMENTO .......................................................... ........................................................................................................................ ..............................................................64
5
AS FASES DE DESENVOLVIMENTO .......................................................... ...................................................................................... ............................78
5.1
ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO DESENVOLVIMENTO PARA ERIK ERIKSON ................................................81
5.2
ESTÁGIOS CGNITIVOSDE JEAN PIAGET ............................................................. .............................................................................. .................89
5.2.1 Adolescência Adolescência ....................................................................................................................... ............................................................................................................................. ......89 5.2.2 Puberdade .................................................................... ................................................................................................................................. .............................................................90 5.3
GRUPO DE PARES ............................................................... .................................................................................................................. ...................................................91
5.4
TURBILHÃO DA ADOLESCÊNCIA ............................................................... ........................................................................................... ............................92
6
O QUE É PSICOPATOLOGIA? ......................................................... ................................................................................................ .......................................92
6.1
PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA VERSUS PSICOPATOLOGIA PSICOPATOLOGIA DINÂMICA..........................93
6.2
PSICOPATOLOGIA MÉDICA VERSUS PSICOPATOLOGIA EXISTENCIAL ...........................93
2
6.3
PSICOPATOLOGIA COMPORTAMENTAL-COGNITIVISTA VERSUS PSICOPATOLOGIA
PSICANALÍTICA ..................................................................................................................................94 6.4
PSICOPATOLOGIA CATEGORIAL VERSUS PSICOPATOLOGIA DIMENSIONAL .................94
6.5
PSICOPATOLOGIA BIOLÓGICA VERSUS PSICOPATOLOGIA SOCIOCULTURAL ..............95
6.6
PSICOPATOLOGIA OPERACIONAL-PRAGMÁTICA VERSUS PSICOPATOLOGIA
FUNDAMENTAL ..................................................................................................................................96 7
PRINCÍPIOS GERAIS DA ENTREVISTA, ANAMNESE E EXAME DO ESTADO MENTAL ....97
7.1
O EXAME MENTAL OU PSÍQUICO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ..............................97
7.2
ENTREVISTA COM CRIANÇA EM IDADE ESCOLAR .............................................................98
7.3
ENTREVISTAS COM ADOLESCENTES ..................................................................................99
7.4
ENTREVISTA COM A FAMÍLIA................................................................................................100
7.5
ENTREVISTA COM OS PAIS...................................................................................................100
7.6
ENTREVISTAS COM BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS .......................................................100
7.7
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS PAIS.......................................................................102
7.8
EXAME PSÍQUICO OU MENTAL.............................................................................................104
7.9
FANTASIA, IMAGINAÇÃO E DEVANEIO ................................................................................110
8
PRINCIPAIS TRANSTORNOS MENTAIS DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA ................113
8.1
TRANSTORNOS DO HUMOR .................................................................................................113
8.1.1 Epidemiologia ...........................................................................................................................114 8.1.2 Etiologia....................................................................................................................................115 8.1.3 Diagnóstico...............................................................................................................................115 8.1.4 Tratamento ...............................................................................................................................118 8.2
SUICÍDIO..................................................................................................................................118
3
8.2.1 Epidemiologia ...........................................................................................................................119 8.2.2 Etiologia....................................................................................................................................120 8.2.3 Diagnósticos e Características Clínicas....................................................................................121 8.2.4 Tratamento ...............................................................................................................................121 8.3
TRANSTORNO DE ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO ................................................................122
8.3.1 Epidemiologia ...........................................................................................................................123 8.3.2 Etiologia....................................................................................................................................124 8.3.3 Fatores Ligados à Aprendizagem.............................................................................................124 8.3.4 Fatores Genéticos ....................................................................................................................125 8.3.5 Diagnóstico e Características Clínicas .....................................................................................125 8.3.6 Diagnóstico Diferencial .............................................................................................................126 8.3.7 Curso e Prognóstico .................................................................................................................126 8.3.8 Tratamento ...............................................................................................................................127 8.4
TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO .......................................................127
8.5
TRANSTORNO AUTISTA ........................................................................................................127
8.5.1 História .....................................................................................................................................128 8.5.2 Epidemiologia ...........................................................................................................................128 8.5.3 Etiologia....................................................................................................................................129 8.5.4 Critérios Diagnósticos ...............................................................................................................130 8.5.5 Outros Sintomas Comportamentais..........................................................................................130 8.5.6 Diagnóstico Diferencial .............................................................................................................131 8.5.7 Curso e Prognóstico .................................................................................................................131
4
8.5.8 Tratamento ...............................................................................................................................131 8.6
TRANSTORNO DE ASPERGER..............................................................................................132
8.6.1 Etiologia....................................................................................................................................133 8.6.2 Diagnóstico e Características Clínicas .....................................................................................133 8.6.3 Critérios Diagnósticos ...............................................................................................................134 8.6.4 Diagnóstico Diferencial .............................................................................................................134 8.6.5 Curso e Prognóstico .................................................................................................................135 8.6.6 Tratamento ...............................................................................................................................135 8.7
TRANSTORNO DE RETT ........................................................................................................135
8.7.1 Etiologia....................................................................................................................................135 8.7.2 Diagnósticos e Características Clínicas....................................................................................136 8.7.3 Critérios Diagnósticos ...............................................................................................................137 8.7.3.1Diagnóstico diferencial.............................................................................................................137
8.7.4 Curso e Prognóstico .................................................................................................................138 8.7.5 Tratamento ...............................................................................................................................138 8.8
ESQUIZOFRENIA COM INÍCIO NA INFÂNCIA........................................................................138
8.8.1 Epidemiologia ...........................................................................................................................139 8.8.2 Etiologia....................................................................................................................................140 8.8.3 Diagnóstico e Características Clínicas .....................................................................................140 8.8.4 Diagnóstico Diferencial .............................................................................................................142 8.8.5 Curso e Prognóstico .................................................................................................................142 8.8.6 Tratamento ...............................................................................................................................143
5
8.9
RETARDO MENTAL.................................................................................................................144
8.9.1 Classificação ............................................................................................................................145 8.9.2 Curso e Prognóstico .................................................................................................................148 8.9.3 Tratamento ...............................................................................................................................148 8.10 TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE .........................................149 8.10.1 Epidemiologia ...........................................................................................................................149 8.10.2 Etiologia....................................................................................................................................150 8.10.3 Diagnóstico...............................................................................................................................150 8.10.4Critérios Diagnósticos...............................................................................................................151 8.10.5 Diagnóstico Diferencial ............................................................................................................. 151 8.10.6 Curso e Prognóstico .................................................................................................................151 8.10.7Tratamento ...............................................................................................................................152 9
A IMPORTÂNCIA DO SONO: O CLÁSSICO DA LITERATURA.............................................153
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................158
6
1 INTRODUÇÃO
Desde a origem dos tempos, filósofos e médicos tentam explicar o mecanismo do sono. Hipócrates o considerava como uma transferência do sangue e do calor para o interior do corpo; Aristóteles já dizia que o alimento ingerido era a causa imediata do sono. Nos séculos XVII e XVIII o sono foi explicado por conceitos filosóficos e fisiológicos. No século XIX foram usados fundamentos exclusivamente fisiológicos e químicos: falta de oxigênio e isquemias cerebrais (SOUZA & SOUSA, 1998). Depois veio a época científica, com a descoberta do eletroencefalograma, em 1929, por Hans Berger onde o sono era considerado inicialmente como um fenômeno passivo. Em 1937, Bremer pensava que o sono sobreviesse “por deficiência”: o cérebro não receberia mais o influxo nervoso proveniente dos órgãos dos sentidos; o sono era considerado como uma simples diminuição do estado desperto. Em 1953, Aserinsky e Kleitman descobriram o sono paradoxal ou REM ( rapid eyes movement – movimento rápido dos olhos), colaborando com a conversão do estudo dos
distúrbios do sono em uma nova especialidade médica e com a visão do sono como um fenômeno ativo. (VELLUTI, apud REIMÃO, 1996). O interesse dos cientistas e da população em geral em relação ao sono e às suas alterações, tanto quantitativas como qualitativas, tem aumentado aceleradamente nos últimos 20 anos, haja vista a grande quantidade de publicações de livros e de artigos científicos, e de participantes em simpósios e congressos sobre sono, além do aumento do número de Centros de Distúrbios do Sono (ou Laboratórios de Sono) e Sociedades Científicas de Sono em todo o mundo. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, na década de 70, havia menos de 10 centros de distúrbios do sono e, em 1995, havia mais de 200. (LEMMI apud REIMÃO, 1996). A evolução tecnológica, acompanhada da globalização, tem exigido do homem uma maior dinamização e produtividade, na esfera do trabalho, da capacitação profissional e dos estudos. Isso faz com que ele aumente o seu tempo de vigília e, por conseguinte, sacrifique algumas horas de sono. O trabalho pode ser propiciador do adoecer e da saúde (GUIMARÃES,
7
1992), podendo esta mesma assertiva ser estendida à esfera dos estudos (associado ou não ao trabalho).
Reforçando! 8
No mundo globalizado em que vivemos hoje, a tendência é que as pessoas durmam menos por conta da sobrecarga de trabalho, o que pode trazer como conseqüências sérios problemas de saúde.
O ser humano precisa dormir como precisa respirar e se alimentar. O “dormir” não é um ato passivo, mas sim reparador e ativo, portanto, deve ter seu tempo respeitado e o mínimo possível desregulado. Tamanha é a importância do sono que “todas as funções do cérebro e do organismo em geral estão influenciadas pela alternância da vigília com o sono. O sono reinstala ou restaura as condições que existiam no princípio da vigília precedente”. Dentre os distúrbios do sono, a insônia é o mais comum, sendo pouco diagnosticado e nem sempre adequadamente tratado. É um problema de saúde pública, sem a merecida atenção pelos órgãos oficiais. Há de se diferenciar, caso a caso, o tipo de insônia e suas repercussões biopsicossocioambientais e/ou políticas naquele indivíduo, naquele período da sua vida. Dormir pouco pode ser um costume, como os dormidores curtos, short sleepers , porém dormir pouco e/ou mal pode ser prejudicial a todas as funções do organismo. (SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Talvez só o amor e o ódio humano tenham recebido mais atenção dos poetas e escritores do que o sono (CARSKADON & ROTH apud KRYGER et al ., 1994). Cantado em versos e poesias, retratado em pinturas, personagem bíblico, mitológico, de romances e dramas, tema de inúmeras pesquisas e publicações científicas, o sono ainda é uma incógnita para o homem. Muito ainda há de se descobrir acerca deste fenômeno ativo e cotidiano, bem como de seus agravos e consequências à Qualidade de Vida (QV).
Muitos estudos de QV utilizaram esta terminologia sem uma conceituação clara (SPILKER, 1996). Embora o seu conceito esteja em constante mudança, muitas pesquisas e publicações científicas têm abordado este tema de forma mais sistematizada após a criação do Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (OMS), no início desta década. Este grupo criou o questionário World Health Organization Quality Of Life (WHOQOL-100), com o objetivo de interromper a proliferação dos questionários sobre QV e unificar o conceito e os estudos sobre este tema. (FLECK et al ., 1999).
9
2 SONO
O interesse pelo sono e os sonhos existe desde o início da história (CARSKADON & ROTH, 1994); desde o começo da civilização e da criação do mundo, os mistérios do sono têm intrigado poetas, artistas, filósofos e mitólogos. Esse intrigante assunto tem se refletido na literatura, folclore, religião e medicina. Upanishad, em 1000 a.C. (CHOKROVERTY, 1994), em seu famoso Tratado de Filosofia, buscou dividir a existência humana em quatro estágios: a vigília, o sonho, o sono profundo sem sonho e a super consciência (“o puro eu”). Descobre -se a descrição de uma sonolência patológica (possivelmente um caso de Síndrome de Kleine-Levin) no personagem mitológico Kumbhakarna, no grande herói indiano Ramayana (cerca de 1000 a.C.). Kumbhakarna dormia por meses e acordava para comer e beber vorazmente antes de se entregar ao sono novamente. (CHOKROVERTY, 1994). A definição do sono e de suas funções será apresentada em outros tópicos. Aqui cabe apenas ressaltar que por muito tempo o sono foi visto como um fenômeno passivo, semelhante à morte e, por vezes, até confundido com ela, s eja nos textos religiosos como a Bíblia: “[...] sono e morte são similares” (I Samuel, 26:12) e o Talmud: “o sono é um pedaço da morte” (Berachoth 576); e textos poéticos como na Ilíada de Homero, cerca de 700 a. C.: “Afrodite chegou ao sono, o irmão da morte”. Outros exemplos serão citados posteriormente nos tópicos referentes a contribuições da Filosofia e da Mitologia ao estudo do sono. Atualmente, está constituída para a pesquisa e estudos sobre sono a Federação Mundial das Sociedades de Pesquisa de Sono (WFSRS), composta pelos seguintes membros: Associação Australiana de Sono, Sociedade Canadense de Sono, Sociedade Europeia de Pesquisa de Sono, Sociedade Japonesa de Pesquisa de Sono, Sociedade Latino-Americana de Sono e Sociedade de Pesquisa de Sono dos Estados Unidos da América do Norte. Na América Latina, completou-se um século de pesquisa de sono. Considera-se como primeira a publicação anônima de 1895, em Buenos Aires, que discorria sobre insônia, seguida pela tese de GAP Almeida, de 1902, denomina da “Do Somno Natural” , no Rio de Janeiro.
10
(REIMÃO, 1993). Nas décadas seguintes, outros estudiosos se dedicaram ao tema, como Raul Hernández Peón, do México. Seus discípulos e colegas por ele influenciados estão em vários pontos do continente, como Argentina, Brasil, Chile, México e Uruguai. (REIMÃO, 1996).
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VOC SABIA?
A Sociedade Latino-Americana de Sono, hoje denominada Sociedade Latino-Americana para Estudo do Sono, foi fundada em São Paulo, durante o I Congresso PanAmericano de Sono, sob a presidência de Rubens Reimão, na década de 1980. Esta sociedade teve como presidentes: Rubens Reimão (dois mandatos, 1986-88 e 1988-90); Jaime Monti (1990-92); R. Drucker Colín (1992-94); E. Vivaldi (1994-96); Edgar Osuna (1996-98) e Margarita Blanco (1998-2000). (REIMÃO, 1996; WFSRS, 1996).
A definição de sono e suas funções têm frustrado os cientistas desde o início dos estudos acerca deste tema. Moruzzi (1964), descrevendo o desenvolvimento histórico das diferentes hipóteses sobre o sono, citou o conceito Lucrético, articulado dois mil anos antes de Cristo, de que o sono é a ausência de vigília. Uma variação do mesmo conceito foi expressa por Hartley, em 1749, e depois por Macnish, em 1830. Este último definiu sono como a suspensão da força sensorial na qual as funções voluntárias estão ausentes, mas as forças involuntárias, como a circulação ou a respiração, permanecem intactas. Paracelsus (BORBELY, 1984 apud CHOKROVERTY, 1994), um médico do século XVI, escreveu que o sono “natural” dura seis horas, eliminaria o cansaço e relaxaria o dormidor. Falou
também da duração do sono e sugeriu que as pessoas não dormissem bastante nem muito pouco, mas levantassem quando o sol surgisse e fossem para cama no pôr do sol. Estas concepções de Paracelsus são surpreendentemente similares às modernas instruções sobre o sono. As concepções sobre o sono nos séculos XVII e XVIII foram expressas por Alexander Stuart, um médico e fisiologista britânico, e por Albrecht von Haller, médico suíço. De acordo com Stuart, o sono era devido a uma deficiência da “alma do animal”; v on Haller escreveu que o fluxo da “alma”, para os nervos, era bloqueado pelo sangue grosso no coração. Os cientistas do século XIX utilizaram os princípios da fisiologia e da química para explicar o sono. Humboldt e Pfluger pensavam que o sono resultava da redução ou falta de oxigênio no cérebro. Nenhuma das sugestões estava baseada em experiências científicas sólidas, as quais não foram conduzidas até o século XX. Ishimori, em 1909, e Legendre e Pieron, em 1913, observaram a produção de substâncias promotoras de sono no líquido cerebroespinhal dos animais, durante vigília prolongada. A descoberta das ondas eletroencefalográficas em cães, pelo médico inglês Caton, em 1875, e das ondas alfa da superfície do cérebro humano pelo médico germânico Hans Berger, em 1929, iniciou a pesquisa contemporânea sobre sono. É interessante notar que Kohlschutter, um fisiologista germânico do século XIX, afirmou que o sono era mais profundo nas primeiras horas e tornava-se mais leve com o passar do tempo. Os laboratórios de sono modernos confirmam estas observações. (CHOKROVERTY, 1994). Em 1937, com a descoberta dos diferentes estágios do sono, refletidos nas mudanças do eletroencefalograma, pelo fisiologista americano Loomis e colaboradores, iniciaram-se as pesquisas sistemáticas sobre o sono. Em 1953, no laboratório da Universidade de Chicago, a descoberta, por Aserinsky e Kleitman, dos movimentos rápidos dos olhos (REM), no sono, entusiasmou a comunidade científica e impeliu a pesquisa do sono. A isto se seguiram as atuais e famosas técnicas de avaliar o sono, baseadas na eletroencefalografia (EEG), eletromiografia (EMG) e eletro-oculografia (EOG), de Rechtschaffen e Kales, de 1968. Estas técnicas se transformaram no critério padrão de registro do sono ao redor do mundo. (CHOKROVERTY, 1994).
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O sono é um fenômeno biológico, ativo, individual e de sobrevivência, ocupa em média um terço da vida humana, se considerarmos que um adulto jovem dorme, em média, oito horas por dia (KRYGER et al ., 1994). A palavra sono ou sonolência é derivada do latim somnus. (BORBELY, 1984 apud CHOKROVERTY, 1994). O sono é um estado funcional, reversível e cíclico, com algumas manifestações comportamentais características, como uma imobilidade relativa e o aumento do limiar de resposta aos estímulos externos. Em nível orgânico, produz variações dos parâmetros biológicos, acompanhadas por uma modificação da atividade mental, que supõe o dormir. (BUELA, 1984 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999).
VOCÊ SABIA?
A filosofia também trouxe muitas contribuições ao estudo do sono e sonhos, assim como de seus distúrbios. Heráclito (550 – 480 a.C.), pensador grego do século VI a.C., tematizou a realidade e afirmou que “ tudo se move ”, nada permanecendo fixo e imóvel. (MONDIN,
1991). É o responsável pela entrada do sonho e também pelo próprio problema do sono na filosofia. Para ele, o sonho é um voltar-se para dentro subjetivamente. Afirmou que aquilo que é inerente ao pensamento não muda, independente de vivo ou morto, jovem ou velho, acordado ou dormindo. ( SLEEP IN ART , 1993).
Isso adquire um caráter particular, se levarmos em conta que, para este pensador, a essência da realidade é justamente o movimento. Ele considerou a respiração, o beber, o comer e o sono como necessidades básicas do ser humano. Assim, o mesmo principiou a transição do estudo mitológico para o filosófico do sono.
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Aristóteles (384-322 a.C.) apresentou interesse fisiológico no estudo sobre o sono. No sono, a sensopercepção perde a sua força. O sono não é perda de consciência, mas sim um descanso necessário para “recompor” a sensopercepção, haja vista que um indivíduo não pode dar-se ao prazer de locomover-se sempre e continuamente, por exemplo. Aristóteles estudava zoologia, entre muitas outras ciências (é preciso registrar, que, de início, todas as ciências estavam inclusas na Filosofia e que devido à necessidade da especialização estas se separaram da mesma, no entanto, seus axiomas implícitos continuam fundamentados na filosofia) e, de início, nesta obra ( On Sleep and Sleeplessness ) o objetivo seria a pesquisa com animais, mas para ele as causas do adormecer e do acordar seriam as mesmas nos animais e nos homens. Ele afirmou que o sono e o acordar originam-se no coração, sendo atributos deste órgão. Para o cristianismo, o sono é o elemento necessário e misterioso da vida humana; o sono é repouso que regenera o homem e também mergulho na noite tenebrosa. Fonte de vida e figura de morte, apresenta numerosos significados metafóricos. Sinal de confiança e de abandono (Sl 3,6), tempo da visita de Deus (Gn 2, 21; 28, 11-19), é também o tempo dos alarmes e dos perigos noturnos. O simbolismo da vigília e do sono evoca ainda a vida do cristão e a sua esperança na ressurreição. (DICIONÁRIO DE TERMOS DA FÉ, 1997).
REFORÇANDO! O sono é fonte de vida e têm muitos significados abrangendo a filosofia, ciência e religião. Mas toda as ciências de certa afirmam que ele é essencial à vida humana desde os primórdios da humanidade.
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Ainda no Antigo Testamento (A.T.) há outro sentido de sono, que se expressa, sobretudo, no Salmo 127 (126): “Quando ele cumula de sono seus amados”. Neste texto, o sono é tido como uma bênção de Deus àqueles que seriam bons, um prêmio. Em contraposição a este, há a citação de Jó (7,4) sobre a insônia como “castigo” de Deus. Em suma, no A.T., o sono e o sonho são tidos como degraus para a salvação ou, num contexto simbólico, identificados ou relacionados com a morte. Tal expressão se promulga no lamento de Davi: “Eu me deito e logo adormeço. Desperto, pois é Iahweh quem me sustenta” (Sl.3,6). Posteriormente, a patrologia, como se verá, identificará a morte ao sono e o despertar à ressurreição. No Novo Testamento (N.T.), muitas são as citações referentes ao sono. Os três evangelhos ditos sinópticos contêm a história de Jesus dormindo na barca no lago do Genezaret. (Mateus 8,24; Lucas 8,24). Nos milagres de Jesus, a morte não é mais do que um sono. Tal se manifesta em Lucas 7,11-15; Lucas 8,52-53 e em Marcos 5,41-42. Outro relato em que está clara esta identificação é o caso de Lázaro, irmão de Marta e Maria, o qual Jesus ressuscitou. O fundamento filosófico da modernidade se particularizou em René Descartes (15961650) e se sistematizou em Immanuel Kant (1724-1804). Mas foi ainda outro germânico, G. W. F. Hegel (1770-1831), quem disse que o homem pode finalmente reger a própria vida mediante o uso da razão, e construir o mundo da liberdade efetiva e, assim, o sono era desconsiderado até que pudesse ser tratado matematicamente pelo eletroencefalograma. (séc. XX, década de 30). O filósofo Nietzsche (1844-1900) afirmou que quando as pessoas dormem estão ausentes da realidade e, quando estão acordadas, preferem agir como se estivessem dormindo,
ou seja, sonham. É muito mais fácil sonhar, dar vazão a produtos da nossa imaginação, uma vez que os homens estão habituados a mentir. (NIETZSCHE, 1987). Sono e mentira caminham juntos. Sono é irrealidade. Quanto às contribuições da filosofia, todas as funções do cérebro e do organismo em geral estão influenciadas pela alternância da vigília com o sono. O sono reinstala ou restaura as condições que existiam no princípio da vigília precedente. Há evidências de que o objetivo final do sono não é prover um período de repouso ao sistema muscular, órgãos viscerais, sistema nervoso autônomo, medula espinal. (VELLUT, apud REIMÃO, 1996). O sono não tem uma única função, mas sim funções. Ainda hoje, nas proximidades do terceiro milênio, pouco se sabe sobre as funções do cérebro. Porém, com o grande avanço das pesquisas e o aumento do contingente de cientistas interessados no estudo do sono e seus
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distúrbios, muito há de ser revelado sobre este tema. Está já bem demonstrado que durante o sono não se observa uma redução generalizada da descarga dos neurônios cerebrais. Os registros unitários na área cortical motora (EVARTS, apud REIMÃO, 1996) e em outras regiões mostram que, ao contrário da anestesia geral, no sono há um aumento de descargas de neurônios, inclusive com níveis maiores do que em vigília tranquila, fato que comprova a veracidade da afirmação de que o sono é um fenômeno ativo. As mudanças fisiológicas rítmicas são bem difusas, tanto nos animais como nos vegetais. A existência de ritmos circadianos é conhecida desde o século XVIII, quando o astrônomo francês Mairan verificou, em uma planta heliotrópica, um ritmo diurno manifestado pelo fechamento das folhas no pôr do sol e a abertura no raiar do sol, até quando as plantas eram colocadas no escuro, protegidas da luz direta do sol. Isto sugeriu a Mairan a existência de um relógio interno na planta. (BORBELY apud CHOKROVERTY, 1994). Em animais foi provada a existência de ritmos de 24 horas, por meio das experiências dos cronobiologistas. (PITTENDRIGH & ASCHOFF apud CHOKROVERTY, 1994). Quando o período de oscilação das mudanças se aproxima ao período de rotação da Terra (24 horas), chama-se ritmo circadiano (do latim circa dia). (HALBERG apud CHOKROVERTY, 1994). Denomina-se relógio biológico ao conjunto de fenômenos que determinam esta ritmicidade. O núcleo supraquiasmático (NSQ) funciona como um relógio do ritmo circadiano em mamíferos; este núcleo é bilateral e recebe informações visuais diretamente. (VELLUTI apud REIMÃO, 1996). Este ciclo circadiano leva aproximadamente 25 horas (no limite de 24,7 a 25,2 horas) ao invés das 24 horas de um ciclo dia/noite. (BORBELY apud CHOKROVERTY, 1994). Questões ambientais de luz e escuro podem sincronizar ou interferir nos ritmos do ciclo noite/dia; contudo, a existência de um ritmo autônomo, independente do meio ambiente, sugere que o corpo humano também tenha um relógio biológico interno. (BORBELY apud CHOKROVERTY, 1994).
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RESUMINDO
Todos nós temos um relógio biológico que ajuda nosso organismo a sincronizar quando está noite e quando está de dia.
Existem muitos outros processos fisiológicos com ritmos diários nos seres humanos. O ritmo da temperatura corporal é sinusoidal; o ritmo de secreção do hormônio de crescimento e do cortisol é pulsátil. (ANCH apud CHOKROVERTY, 1994). Os níveis plasmáticos de prolactina, hormônio do crescimento e de testosterona aumentam durante o sono noturno. (ANCH, apud CHOKROVERTY, 1994). A temperatura corporal diminui durante o sono e aumenta na vigília e durante as atividades diárias. Constatou-se, em certas experiências, uma dessincronização interna, com consequente dissociação do ritmo da temperatura corporal (BORBELY apud CHOKROVERTY, 1994; ANCH apud CHOKROVERTY, 1994), levando à hipótese da existência de mais do que um relógio interno ou circadiano ou oscilador circadiano. (BORBELY apud CHOKROVERTY, 1994). A existência de dois osciladores foi postulada por Kronauer (1982 apud CHOKROVERTY, 1994). Eles sugeriram um ritmo de 25 horas para a temperatura, o cortisol e o sono REM, e observaram que o segundo oscilador é algo lábil e consiste em um ritmo sono/vigília. Outros (DAAN, apud CHOKROVERTY, 1994), contudo, recomendaram que um oscilador pudesse explicar ambos os fenômenos. Os ritmos circadianos podem ser manipulados para se tratar certos distúrbios do sono, daí surgiu a cronoterapia. Como exemplo, as fases adiantadas ou atrasadas dos ritmos do sono e a aplicação de luz brilhante em certos períodos da manhã ou da tarde. (CHOKROVERTY, 1994).
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Outras grandes funções fisiológicas também variam na passagem da vigília ao sono e dentro de cada ciclo de sono. A pressão arterial (PA) diminui durante o sono. (MANCI apud REIMÃO, 1996). Ao despertar, a PA recupera rapidamente seu valor inicial. (LITTLER apud REIMÃO, 1996). A pressão da artéria pulmonar se mantém estável durante todos os estágios do sono. (VELLUTI apud REIMÃO, 1996). A frequência cardíaca se reduz no sono lento (NREM), especialmente nos estágios três e quatro. 18
No sono REM, torna-se variável com incrementos relacionados com as mudanças de fases, como os movimentos oculares e abalos musculares. O débito cardíaco diminui moderadamente no sono REM e NREM. (VELLUTI apud REIMÃO, 1996). O fluxo sanguíneo cerebral aumenta significativamente no sono REM. (GREENBERG apud REIMÃO, 1996). Há uma diminuição do metabolismo de glicose cerebral durante o sono NREM, em 12%, comparado com a vigília. O sono REM produz um aumento geral de 16% no mesmo metabolismo. (FRANZINI apud REIMÃO, 1996). Há de se dormir bem, portanto, para um bom metabolismo de glicose, daí uma função nutricional do sono essencial para os estudantes. Quanto às mudanças respiratórias durante o sono REM e NREM, sabe-se que são reflexos da supressão dos controles ligados à vigília e ao predomínio do controle metabólico no sono NREM e a uma diminuição deste controle no sono REM. Neste, a ventilação não depende mais do controle metabólico, mas de um controle próprio, não homeostático, que se instala no sono REM. (VELLUTI, apud REIMÃO, 1996). No sono REM a frequência respiratória aumenta, considerada muitas vezes maior que a da vigília. (OREM, apud REIMÃO, 1996), e é irregular (VELLUTI, apud REIMÃO, 1996). O adormecimento e o estágio dois de sono NREM provocam uma frequência respiratória instável com sucessivas hipo e hiperventilações, denominado ventilação periódica , por Mosso. ( apud REIMÃO, 1996). Nos estágios três e quatro, a ventilação se regulariza quanto à amplitude e à frequência respiratória, estabilizando-se. (VELLUTI, apud REIMÃO, 1996). Tamanha é a importância da função respiratória para o sono humano que a Síndrome de Apneia do Sono, com apneias (paradas da respiração) de causa central ou não, pode provocar sonolência excessiva diurna no adulto; e, em crianças pequenas, poderia ser uma das causas de acidentes graves (morte súbita do lactente). (VELLUTI apud REIMÃO, 1996).
Quanto à função gastrointestinal, pode-se dizer que ocorrem trocas nas atividades motoras e secretórias. (ORR apud KRYGER et al ., 1994). Pode haver aumento da secreção ácida do estômago e, quanto à motilidade intestinal, os estudos ainda são conflitantes (VELLUTI, apud REIMÃO, 1996); assim como, faltam conclusões definitivas sobre o efeito hipnótico da
ingestão de alimentos. (ORR, apud KRYGER et al., 1994). 19
VOC SABIA?
Em relação à função renal, durante o sono, há uma redução no volume de urina e na secreção de sódio, potássio e cálcio. As mudanças do nível de hormônio antidiurético são responsáveis pelas alterações relacionadas com o sono na função renal. (VELLUTTI, apud REIMÃO, 1996). A sexualidade também se manifesta durante o sono, podendo haver ereções penianas no homem e ereções clitoridianas na mulher, durante o sono REM. (VELLUTTI, apud REIMÃO, 1996).
Os estados de sono e vigília são caracterizados por uma série de três correlatos fisiológicos fundamentais: a atividade das ondas cerebrais (EEG), movimentos dos olhos e tônus muscular. (STERIADE, apud KRYGER et al ., 1994). Para o estudo do sono noturno e diurno, o EEG, o EMG e o EOG têm sido integrados na rotina, como parte principal de um exame chamado polissonografia (PSG), com convenções internacionais. Esse exame consta do registro contínuo e simultâneo de variáveis fisiológicas durante o sono, por exemplo: EEG, EMG, EOG, eletrocardiograma (ECG), movimentos respiratórios,
fluxo de ar respiratório, movimentos dos membros inferiores e outras variáveis de características diversas, como a observação do comportamento, a ereção peniana, as mudanças endócrinas, o controle do relato dos sonhos, entre outros. (VELLUTTI, apud REIMÃO, 1996). Os centros de distúrbios do sono ou laboratórios de sono possuem polígrafos. O número de canais necessários para realizar registros polissonográficos pode oscilar entre quatro (o mínimo imprescindível para registrar o sono normal) e 14. O número e a ordem dos canais utilizados variam segundo os laboratórios. (BUELA –CASAL apud REIMÃO, 1996). Quanto à avaliação polissonográfica computadorizada, nos últimos anos, os aparelhos de PSG têm evoluído, com registro automático do sono, por meio de um computador, com a transformação do sinal analógico procedente do polígrafo em um sinal digital que resulte compreensível ao computador, e saídas para a tela, impressora ou fita magnética. (REIMÃO, 1996). O sono é dinâmico e o EEG mostra uma sucessão bem ordenada e cíclica de frequências de onda, nos estágios do sono. O significado de cada um destes estágios ainda é pouco compreendido, mas estão bem caracterizadas suas relações com as diversas variáveis fisiológicas. (REIMÃO, 1996). No homem, há o sono lento ou NREM, com quatro estágios: estágio um, sonolência; estágio dois, sono “leve”; estágios três e quatro, sono lento propriamente dito. Estes estágios usualmente ocorrem em sequência no tempo, frequentemente com flutuações ao longo da mesma noite. (RICHTER, apud REIMÃO, 1996). E, também, há o sono paradoxal ou sono REM. O termo paradoxal veio da similaridade com os ritmos de vigília no gato, pois o animal de experimentação se encontra comportamentalmente dormindo. (JOUVET, apud REIMÃO, 1996). O início do estágio 1 do sono NREM, em adultos, é marcado pela diminuição das ondas alfa da vigília, no EEG, para menos de 50% no período no qual foram substituídas pelas ondas teta (e algumas beta), acompanhadas por um ritmo lento dos movimentos dos olhos, demonstrado nos registros do EOG. (WILLIAM apud CHOKROVERTY, 1994). Este estágio dura poucos minutos; o tônus muscular é menor do que na vigília. (RICHTER, apud CHOKROVERTY, 1994). O estágio dois é caracterizado pela presença de fusos e complexos “k”. Estes últimos consistem em uma onda bifásica e podem estar associados com os fusos. Ocorrem
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espontaneamente ou relacionados a reações de despertar. (RICHTER, apud CHOKROVERTY, 1994). O EOG não registra movimentos dos olhos neste estágio e o tônus muscular, no EMG, é menor que na vigília e no estágio 1. O estágio dois demora de 30 a 60 minutos. (WILLIAM, apud CHOKROVERTY, 1994). Os estágios três e quatro caracterizam o sono lento propriamente dito. (RICHTER, apud CHOKROVERTY, 1994), com ondas delta, as quais constituem 20 a 50% do estágio três e
mais que 50% do estágio quatro. Quanto ao fim do sono profundo (sono delta), os movimentos do corpo são registrados como artefatos na polissonografia. Os estágios três e quatro são brevemente interrompidos pelo estágio dois, o qual é seguido pelo primeiro sono REM, cerca de 60 a 90 minutos depois do início do sono. (WILLIAM, apud CHOKROVERTY, 1994). O sono REM, também chamado de sono paradoxal, sono desincronizado, sono ativo e sono dos sonhos, nos seres humanos adultos, é identificado pela presença simultânea de um EEG cortical desincronizado (isto é, com uma voltagem relativamente baixa), uma ausência de atividade antigravitacional dos músculos (atonia) e surtos periódicos dos movimentos rápidos dos olhos. (SIEGEL, apud KRYGER, 1994). O primeiro período REM demora apenas poucos minutos e é seguido pelo estágio dois, e então estágio três e quatro do sono NREM, antes que o segundo sono REM se inicie. Um ciclo de sono completo consiste de uma sequência de sono NREM e REM, e cada ciclo dura cerca de 90 a 110 minutos. Em geral, são observados de quatro a seis ciclos durante uma noite de sono. O ciclo do sono REM aumenta do primeiro ao último e o mais longo deles, no fim da noite, pode durar até uma hora. (WILLIAM, apud CHOKROVERTY, 1994). A quantidade de sono varia entre as pessoas de acordo com o sexo, a idade e a constituição biológica. As mulheres dormem de 40 a 50 minutos a mais que os homens e têm maior quantidade de sono profundo. Em relação à idade, o sono diminui durante a vida, seja o NREM como o REM. Enquanto um recém-nascido dorme até 18 horas por dia, um jovem chega a sete ou oito horas, já um idoso pode se satisfazer com cinco horas. (REIMÃO, 1996). Muitas drogas que agem no Sistema Nervoso Central (SNC) são usadas terapeuticamente para modular a atividade dos neurotransmissores clássicos. Elas podem também afetar outros sistemas não tão bem-definidos, como aqueles envolvendo os peptídeos e os que poderiam ser igualmente relevantes para a regulação dos estados de vigília.
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Trata-se da acetilcolina (Ach), 5-hidroxitriptamina (5-HT), dopamina (DA) e norepinefrina (NE), os quais têm um importante papel no controle do sono e da vigília; e a histamina e a adenosina, cujas funções são menos definidas, são também significantes. Os conhecimentos do controle do sono e da vigília são ligados aos estudos com drogas, embora muitas das que são usadas não são inteiramente específicas e podem agir em vários receptores ou neurotransmissores. Isso faz com que a interpretação dos dados obtidos torne-se difícil, porém, as correntes de pesquisas têm ampliado os conhecimentos do controle farmacológico do continuum sono-vigília. (GAILLARD, apud CHOKROVERTY, 1994).
A teoria monoaminérgica (JOUVET, apud REIMÃO, 1996) sugeriu que a serotonina regula o sono de ondas lentas (NREM), já que a lesão dos núcleos cerebrais que a contêm (núcleos da rafe) induz à insônia. No sono NREM, a atividade dos neurônios serotoninérgicos reduz-se cerca de 50% da atividade observada durante a vigília e, aproximadamente, 10% do observado durante o sono REM. (McGINTY, apud REIMÃO, 1996). Mais recentemente, Jouvet (1986) formulou uma nova concepção dos mecanismos do 5-HT no sono, como um neurotransmissor durante o despertar, agindo como um neuro-hormônio e induzindo à síntese ou liberação de fator(es) hipnogênico(s), os quais poderiam ser secundariamente responsáveis pelas ondas lentas e pelo sono REM. A Acetilcolina (Ach) tem um importante papel no controle dos estados de alerta, embora os mecanismos envolvidos não sejam inteiramente claros. Hernández Peón (1965 apud REIMÃO, 1996) sugeriu que a Ach modula o sono REM. Apesar da solidez da teoria colinérgica para a geração do sono, esta só se restringe em explicar a função da Ach no sono REM, porém, não explica sua função nas outras fases do ciclo. A Ach cumpre funções importantes durante a vigília, e uma delas é promover a própria vigília. (GILLIN, apud REIMÃO, 1996). A distribuição de dopamina (DA) difere da de 5-HT e NA, e a presença da enzima dopamina beta-hidroxilase, a qual converte DA em NA, em áreas específicas, indica que a DA tem uma função distinta das outras monoaminas. O envolvimento da DA na manutenção da vigília e, em particular, o comportamento de despertar, é semelhante às observações farmacológicas, bioquímicas e eletrofisiológicas. (WAUQUIER, apud KRYGER et al ., 1994). Os efeitos da anfetamina (GILLIN, apud KRYGER et al ., 1994) e da cocaína (POST, apud KRYGER et al ., 1994) no sono sugerem um papel para a DA e outras aminas na promoção
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da vigília. A anfetamina e os estimulantes aumentam a vigília e diminuem o sono REM, enquanto a abstinência destes estimulantes em usuários crônicos aumenta tanto o sono total como o sono REM. (WATSON, apud CHOKROVERTY, 1994). O efeito da anfetamina no sono pode ser largamente bloqueado pelo tratamento prévio com pimozide, um receptor antagonista dopaminérgico. (GILLIN, apud CHOKROVERTY, 1994). A supressão de noradrenalina (NA) com fármacos, como o DISSULFIRAM, entre outros, suprime o sono REM. (JOUVET, apud REIMÃO, 1996). Já o aumento de NA, pela ação de fármacos inibidores da enzima degradadora de NA, a monoamina-oxidase (MAO), também reduz o sono REM. Esse dado traz a evidência de que a MAO pode ser importante na passagem do sono lento para o sono REM. (JOUVET, apud REIMÃO, 1996). Um efeito consistente da NA no sono NREM não foi ainda descrito. (BLOIS, apud KRYGER et al ., 1994). Quanto à histamina (HA), há de ser ainda descoberta uma típica sinapse histaminérgica (WATANABE,apud KRYGER et al ., 1994); porém, há a proposição de que a HA ocupe um papel neurorregulatório no sono e no despertar, que deriva em grande parte dos estudos farmacológicos nos quais foram descritos os efeitos estimulantes da HA e as ações sedativas e indutoras de sono de algum receptor antagonista H1. (MONNIER & WOLF, apud CHOKROVERTY, 1994). Em humanos, os anti-histaminas H1 diminuem a vigília (BYE, apud CHOKROVERTY, 1994; PECK, apud CHOKROVERTY, 1994), o período de latência do sono, mas têm pouco ou nenhum efeito no sono noturno. (NICHOLSON, ANO apud CHOKROVERTY, 1994). Os antihistaminas H2 não parecem diminuir a vigília (NICHOLSON, apud CHOKROVERTY, 1994), mas causam um aumento no conjunto de ondas lentas do sono e no número de movimentos dentro e fora do sono NREM. (NICHOLSON, apud CHOKROVERTY, 1994). O efeito inibitório da adenosina na liberação de outros neurotransmissores, como a Ach, NA, DA, 5-HT, ácido gama-aminobutírico (GABA) e glutamato, pode levá-la a ser considerada mais como um neuromodulador do que um neurotransmissor. Embora a adenosina preencha os critérios de um neurotransmissor com respeito à síntese, liberação, catabolismo e receptores, neurônios ou sinapses específicas não têm ainda sido identificados no cérebro. (SNYDER, apud KRYGER, 1994).
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Ela é mediadora do sono lento. (RA DULOVACKI apud REIMÃO, 1996). O uso deste composto ou de fármacos que facilitem a sua ação resulta no aumento do sono lento e atraso do sono REM. Já fármacos antagonistas de adenosina, como cafeína e teofilina, reduzem o sono. O efeito indutor de sono da adenosina depende em parte da inibição dos sistemas colinérgicos que regulam a vigília e o sono REM. (GARCÍA, apud REIMÃO, 1996). O ácido gama-aminobutírico (GABA) é o neurotransmissor inibitório mais difundido no cérebro. Ele é liberado em maior quantidade em regiões mesopontinas durante o sono REM. (NITZ, apud REIMÃO, 1996). A administração de muscinol (fármaco GABAérgico), na formação reticular pontina, aumenta a vigília e reduz o sono lento sem alterar o sono REM. (ALVARADO, apud REIMÃO, 1996).
Já a injeção de triazolam, que é uma benzodiazepina (BDZ) que se une ao receptor GABAérgico, induz ao sono quando administrado na área pré-óptica. (MANDELSON, apud REIMÃO, 1996). As BDZ reduzem o sono lento e os movimentos oculares durante o sono REM. (GARCÍA, apud REIMÃO, 1996).
2.1 CLASSIFICAÇÃO DOS DISTÚRBIOS DO SONO
A primeira classificação internacional dos distúrbios do sono foi publicada no número um e dois da revista Sleep, em 1979, por um grupo de investigadores, principalmente da Europa e dos Estados Unidos, pertencentes à Associação dos Centros de Distúrbios do Sono e à Associação para o Estudo Psicofisiológico do Sono. Os distúrbios do sono, assim como outras doenças, são agrupados de acordo com o esquema que relacione entre si certas características comuns ou sintomas similares. Há de se ordenar as alterações já conhecidas com descrições precisas em quadros que lhes deem uma identidade. Além disso, uma classificação adequada facilita o enquadramento e a compreensão do código físico que relatam os pacientes. (BLANCO, apud REIMÃO, 1996). Na introdução da classificação de 1979 tem-se que:
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O sono comprometido e a vigília inadequada são fontes inestimáveis de sofrimento humano. Muitos indivíduos tiveram arruinadas suas chances de um desempenho social favorável, uma vida familiar gratificante ou uma ascensão em seu trabalho pelos sintomas provenientes de seus distúrbios de sono ou despertar. O ímpeto para o desenvolvimento desta Classificação Diagnóstica dos Distúrbios do Sono e Vigília proveio dos pedidos de nossos pacientes aos médicos, durante muitos anos, para que os ajudassem a solucionar seus distúrbios do sono, pedidos estes que, por falta de informação, tradicionalmente, caíam em ouvidos surdos. (BLANCO, apud REIMÃO, 1996). 25
REFORÇANDO!
Noites mal dormidas e períodos de vigília inadequados causam grande sofrimento ao homem que por muito tempo tiveram sua vida pessoal e profissional comprometida, devido aos distúrbios do sono que desconheciam ter.
Isso também nos leva à reflexão de que as classificações diagnósticas, embora com suas críticas consideráveis, são muito úteis para a comunicação entre os profissionais da área de saúde. Houve uma grande difusão dessa primeira classificação nos países do hemisfério norte (Europa e Estados Unidos), levando a um grande avanço nos estudos, diagnósticos, pesquisas e tratamentos dos distúrbios do sono, o que veio a favorecer a reordenação e a ampliação do conhecido, e a criação de uma nova classificação, a de 1990, feita pela Associação Americana dos Distúrbios do Sono (ASDA), em conjunto com as associações similares da Europa, Japão e América Latina. A atual classificação de 2000 não é conhecida no mundo todo, daí a necessidade de uma maior divulgação da mesma em pesquisas e publicações. Ela lista 88 distúrbios do sono –
mais ampla que a de 1979 –, cada qual com detalhes descritivos, diagnósticos específicos, gravidade e critérios de duração. Há códigos informativos para propósitos clínicos e de pesquisa. Os “distúrbios do sono propostos” são categoricamente requisitados pelos rápidos avanços da Medicina do Sono, a qual tem levado a termo o descobrimento de diversos novos distúrbios do sono. (THORPY, apud CHOCKROVERTY, 1994). Os distúrbios do sono propostos não aparecem na classificação de 1979, assim como o conceito de dissonia, que são alterações que produzem dificuldades para o início ou manutenção do sono ou sonolência excessiva. Na Classificação Diagnóstica das Alterações do Sono e Vigília, de 1979, as dissonias se encontravam entre as afecções enumeradas nas duas primeiras seções (“Distúrbio de iniciar e manter o sono - Insônia” e “Distúrbio de sonolência excessiva”). Na classificação de 1990, predominou outra orientação para classificar as patologias do sono; pode-se dizer que os seus termos, na prática clínica diária, geram mais dúvidas ao usuário. Tanto em 1979, como em 1990, há a inclusão de síndromes ou quadros definidos e já conhecidos, como afecções recentemente descritas ou não reconhecidas como tais no espectro de patologias gerais. A classificação de 1979 é mais específica com relação ao fato de que as alterações por sonolência excessiva ou insônia já não surgem em dois grupos independentes, mas sim como parte de quadros descritos distintamente, ou seja, são consideradas como sintomas e não como entidades definidas por caracteres específicos. Surge, em de 1990, o item “ronco primário” e outros temas como a “síndrome de morte súbita infantil” e a “apneia de sono do lactente”. (BLANCO, apud REIMÃO, 1996). Os primeiros sistemas de classificação foram baseados primariamente em sintomas, mas formaram a base para as classificações modernas. A atual foi primariamente desenvolvida para estudos diagnósticos e epidemiológicos e não vem a ser uma listagem de diagnóstico diferencial dos distúrbios do sono (THORPY, apud KRYGER, 1994); ela tem, inclusive, influenciado outras classificações, como a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 (Classificação Internacional de Doenças versão número 10) da OMS e o DSM-IV da Associação Americana de Psiquiatria (APA).
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2.2 CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DOS DISTÚRBIOS DO SONO
I) DISSONIAS A) INTRÍNSECAS
1) Insônia Psicofisiológica; 2) Percepção Inadequada do Estado do Sono; 3) Insônia Idiopática; 4) Narcolepsia.
A Narcolepsia, segundo o DSM IV (1995), consiste em ataques irresistíveis de sono reparador, ocorrendo diariamente ao longo dos últimos três meses. Deve ter a presença de um ou ambos dos seguintes sintomas:
Cataplexia (isto é, episódios breves de perda bilateral súbita do tônus muscular,
mais frequentemente em associação com intensa emoção).
Intrusões recorrentes de elementos do sono de movimentos oculares rápidos (REM)
na transição entre o sono e a completa vigília, manifestadas por alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas ou paralisia do sono no início ou final dos episódios de sono.
Este distúrbio não é devido aos efeitos fisiológicos de uma substância (por ex. droga de abuso, medicamento) ou de outra condição médica geral.
5) Hipersonia Recorrente; 6) Hipersonia Idiopática; 7) Hipersonia pós-traumática; 8) Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono; 9) Síndrome da Apneia Central do Sono;
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10) Síndrome de Hipoventilação Alveolar Central; 11) Movimentos Periódicos dos Membros; 12) Síndrome das Pernas Inquietas; 13) Distúrbios Intrínsecos do Sono não relacionados em outras partes.
B) EXTRÍNSECAS 28
1) Higiene do sono inadequada; 2) Distúrbio do sono relacionado ao ambiente; 3) Insônia da altitude; 4) Distúrbio do sono de ajustamento; 5) Síndrome de sono insuficiente; 6) Distúrbio do sono por limite de horário; 7) Distúrbio de associação com o início do sono; 8) Insônia por alergia alimentar; 9) Síndrome do comer/beber noturno; 10) Distúrbio do sono por dependência de hipnóticos; 11) Distúrbio do sono por dependência de estimulantes; 12) Distúrbio do sono por dependência de álcool; 13) Distúrbio do sono induzido por toxinas; 14) Dissonia extrínseca não relacionada em outra parte.
C) RELACIONADAS AO RITMO CIRCADIANO
1) Síndrome do jet lag; 2) Distúrbio do sono do trabalhador de turno; 3) Padrão sono-vigília irregular; 4) Síndrome do atraso de fase do sono; 5) Síndrome de avanço de fase do sono; 6) Distúrbio do sono por sono-vigília diferente de 24 horas; 7) Outros Distúrbios do ritmo circadiano não relacionados em outra parte.
Em relação ao Transtorno do Ritmo Circadiano do Sono (DSM IV, 1995), há um padrão persistente ou recorrente de perturbação do sono, levando à sonolência excessiva ou à insônia devido a um desajuste entre o horário de sono-vigília exigido pelo ambiente e o padrão circadiano de sono-vigília do indivíduo. A perturbação do sono causa sofrimento clinicamente significativo ou comprometimento no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. 29
A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de outro Transtorno do Sono ou outro transtorno mental. O distúrbio não é devido aos efeitos fisiológicos de uma substância (por ex. droga de abuso, medicamento) ou de outra condição médica geral.
II) PARASSONIAS A) DISTÚRBIOS DO DESPERTAR
1) Despertar confusional; 2) Sonambulismo; 3) Terror noturno.
B) DISTÚRBIOS DA TRANSIÇÃO SONO-VIGÍLIA
1) Distúrbios do movimento rítmico; 2) Mioclonias do sono; 3) Sonilóquio; 4) Cãibras noturnas.
C) RELACIONADAS AO SONO REM
1) Pesadelos; 2) Paralisia do Sono; 3) Perda da ereção noturna relacionada ao sono; 4) Ereções dolorosas relacionadas ao sono; 5) Parada sinusal relacionada ao sono REM;
6) Distúrbio de comportamento do sono REM.
D) OUTRAS PARASSONIAS
1) Bruxismo do sono; 2) Enurese do sono; 3) Síndrome de deglutição anormal relacionada ao sono; 4) Distonia paroxística noturna; 5) Síndrome da morte súbita noturna inexplicada; 6) Ronco primário; 7) Apneia do sono infantil; 8) Síndrome de hipoventilação alveolar congênita; 9) Síndrome da morta súbita infantil; 10) Mioclonia do sono neonatal benigna; 11) Outras parassonias não relacionadas em outras partes.
III) DISTÚRBIOS DO SONO ASSOCIADOS A DOENÇAS MÉDICO-PSIQUIÁTRICAS A) ASSOCIADAS A DOENÇAS MENTAIS
1) Psicoses; 2) Distúrbios do humor; 3) Distúrbios de ansiedade; 4) Doença do pânico; 5) Alcoolismo.
B) ASSOCIADAS A DOENÇAS NEUROLÓGICAS
1) Doença degenerativa cerebral; 2) Demência; 3) Parkinsonismo; 4) Insônia familiar fatal; 5) Epilepsia relacionada ao sono;
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6) Estado de mal eletrográfico do sono; 7) Cefaleia relacionada ao sono.
C) ASSOCIADAS A OUTRAS DOENÇAS MÉDICAS
1) Doença do sono; 2) Isquemia cardíaca noturna;
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3) Doença pulmonar obstrutiva crônica; 4) Asma relacionada ao sono; 5) Refluxo gastroesofágico relacionado ao sono; 6) Úlcera péptica; 7) Fibromialgia.
IV) DISTÚRBIOS DO SONO PROPOSTOS 1) Dormidor curto; 2) Dormidor longo; 3) Síndrome de subvigília; 4) Mioclonia fragmentada; 5) Hiper-hidrose do sono; 6) Distúrbio do sono relacionado à menstruação; 7) Distúrbio do sono relacionado à gravidez; 8) Alucinações hipnagógicas assustadoras; 9) Taquipneia neurogênica relacionada ao sono; 10) Laringoespasmo relacionado ao sono; 11) Síndrome de choque noturno. FONTE: Souza e Guimarães, 1999.
Em relação à Classificação Internacional de Transtornos Mentais (CID-10) (OMS, 1993), essa é destinada para o uso clínico, educacional e assistencial em geral. A versão “Critérios diagnósticos para pesquisa”, de 1998, tem propósitos de pesquisa e são proje tados
para serem usados em conjunto com a primeira versão. O glossário bem mais curto, providenciado pelo capítulo V (F) para a própria CID-10, é adequado para uso por codificadores ou escreventes e também serve como um ponto de referência para compatibilidade com outras classificações. Para cada transtorno é fornecida uma descrição dos aspectos clínicos principais e também de quaisquer outros aspectos associados importantes, mas menos específicos. São fornecidas “diretrizes diagnósticas” na maioria dos c asos, indicando o número e o balanço de sintomas usualmente necessários antes que um diagnóstico confiável possa ser feito.
RESUMINDO!
Existem critérios diagnósticos que definem todos os sintomas necessários para que seja feito um diagnóstico preciso e confiável do Distúrbio do Sono.
Essas descrições e diretrizes não contêm implicações teóricas e não pretendem ser proposições completas acerca do estágio atual de conhecimento dos transtornos. Elas são simplesmente um conjunto de sintomas e comentários sobre os quais houve uma concordância, por parte de um grande número de conselheiros e consultores em vários países diferentes. (OMS, 1993). Os distúrbios do sono encontram-se no capítulo F50 - F59 (Síndromes Comportamentais associados a perturbações fisiológicas e fatores físicos). São eles:
F51 – Transtornos não orgânicos de sono:
F 51.0 – Insônia não orgânica;
F 51.1 – Hipersonia não orgânica;
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F 51.2 – Transtorno não orgânico do ciclo sono-vigília;
F 51.3 – Sonambulismo;
F 51.4 – Terrores noturnos;
F 51.5 – Pesadelos;
F 51.8 – Outros transtornos não orgânicos de sono;
F 51.9 – Transtorno não orgânico de sono, não especificado. 33
Essa seção inclui somente aqueles transtornos de sono nos quais as causas emocionais são consideradas como sendo um fator primário. Transtornos de sono de origem orgânica, tais como a síndrome de Kleine-Levin (G 47.8), estão codificadas no capítulo VI da CID-10. Transtornos não psico-orgânicos, incluindo narcolepsia e cataplexia, e transtornos do ciclo do sono vigília, também estão no capítulo VI, como estão a apneia de sono e os transtornos episódicos de movimentos que incluem a mioclonia noturna. Finalmente, enurese está listada com outros transtornos emocionais e de comportamento, com início específico na infância e adolescência, enquanto que enurese primária, a qual é considerada como sendo decorrente de um retardo na maturação do controle vesical durante o sono, está listada no capítulo XVIII da CID-10, entre os sintomas envolvendo o sistema urinário.
VOCÊ SABIA? Em muitos casos, uma perturbação de sono é um dos sintomas de outro transtorno mental ou físico. Sempre que a perturbação de sono está entre as queixas predominantes, um transtorno de sono deve ser diagnosticado. Geralmente, entretanto, é preferível listar o diagnóstico do transtorno específico de sono junto com tantos outros diagnósticos pertinentes quantos forem necessários para descrever adequadamente a psicopatologia e/ou a fisiopatologia envolvida em um dado caso. OMS, 1993 .
Vê-se que a CID-10 não agrupa especificamente os distúrbios do sono, tornando-se difícil tecnicamente o seu uso na clínica e em pesquisas. Fato este comprovado na nota inicial da CID-10, critérios Diagnósticos para pesquisa, seção F 51: há disponível uma classificação dos transtornos de sono mais completa ( International Classification of Sleep Disosders , 1990), no entanto, organizada de modo diferente da CID-10. (OMS, 1998). A CID-10 tem poucos itens, é muito resumida, ultrapassada, se assim se pode dizer, e com poucos distúrbios tipo parassonias. A classificação internacional de 1990 é de mais fácil entendimento, mais ampla e completa, portanto mais prática e mais recomendada no estudo dos distúrbios do sono. O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais é uma publicação da Associação Americana de Psiquiatria (APA), de 1994, e tem relação direta com a CID-10 e com a Classificação Internacional dos Distúrbios de Sono de 1990. O texto do DSM-IV descreve sistematicamente cada transtorno sob os seguintes títulos: “Características Diagnósticas”, “Subtipos e/ou Especificadores”, “Procedimentos de Registro”, “Características e Transtornos Associados”, “Características Específicas à Cultura, à Idade e ao Gênero”, “Prevalência”, “Curso”, “Padrão Familiar” e “Diagnóstico Diferencial”. Quando não há informações disponíveis para uma seção, esta não é incluída. Em alguns casos, quando muitos dos transtornos específicos em um grupo de transtornos compartilham características comuns, essa informação é incluída na introdução geral ao grupo. O texto para cada um dos Transtornos do Sono contém uma seção descrevendo seu relacionamento com transtornos correspondentes na classificação internacional de 1990. De fato, mesmo com esta seção de relacionamento, percebe-se uma deficiência no DSM-IV quanto ao número de distúrbios do sono descrito e à abrangência de suas descrições, como, por exemplo, a Síndrome de Mudança Rápida de Fuso Horário (jet lag), um dos Distúrbios do sono relacionados ao ritmo circadiano, na classificação de 1990. Outro exemplo é a Insônia Primária (Código 307.42 no DSM-IV). Há evidências de que a classificação de 1990 é mais completa, específica e abrangente que o DSM-IV e deve ser a referência para os Centros de Distúrbios do Sono e para os profissionais da área de saúde, tanto clínicos como pesquisadores.
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3 INSÔNIA
Insônia, ou agripnia, é a falta de sono no período quando, por convenção, o indivíduo deveria estar dormindo. Em geral, a condição dura menos que três semanas, é a insônia transitória. A insônia é relatada desde como um personagem bíblico até como um elemento científico. Para muitos autores, a insônia é um sintoma que inclui dificuldade para iniciar o sono, frequentes despertares noturnos, pouco tempo de sono e sono não reparador. Pessoas com insônia têm dois ou mais destes critérios. A “Conferência Internacional de Consenso sobre a Insônia”, realizada em Versailles, na França, de 13 a 15 de outubro de 1996, como uma atividade do Projeto Sono e Saúde Mundial, sob os auspícios da OMS, com a colaboração da WFSRS (Federação Mundial das Sociedades de Pesquisa do Sono), chegou ao acordo de que a definição da insônia como um sintoma aproxima-se do conceito de febre ou de dor de cabeça, nos quais, quando agudos, poderiam ser considerados secundários e tratados de acordo, mas deveriam ser melhor entendidos, avaliados e tratados quando crônicos. Também a “Conferência de Consenso do Desenvolvimento”, organizada pelo Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), dos Estados Unidos, em 1983, concluiu que a insônia é um sintoma; portanto, um diagnóstico diferencial acurado é essencial para o manejo efetivo de pacientes com insônia.
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VOC SABIA?
A inabilidade para manter o sono sugere uma fragmentação causada por agentes externos, como o ruído ambiental, luminosidade excessiva, temperatura ambiente muito quente ou muito fria e um companheiro de cama impaciente ou que ronca. (CULEBRAS, 1996). Na presente pesquisa, a insônia é definida como um sintoma; uma condição subjetivamente inadequada ou um sono não, de duração até duas semanas.
A evolução do sono acompanhou a evolução do homem? Como o sono evoluiu? Estas perguntas podem esclarecer se o sono é necessário ou dispensável. O Dr. Allan Rechtschaffen, pesquisador da Universidade de Chicago, disse que “se o sono não desempenha uma funçã o absolutamente vital, então, ele é a maior falha do processo evolutivo”. O tempo passado na cama reduz um terço da nossa vida ativa. Em outras espécies, a perda é ainda maior: os gatos, por exemplo, dormem o dobro do tempo que passam acordados. A evolução fez grandes esforços para preservar o sono. No entanto, isso não comprova a sua necessidade. Há algumas histórias de disputa do homem com o sono. Suas consequências podem ser desastrosas, tanto física, mental e/ou socialmente. Em 1959, Peter Tripp, um discotecário da rádio WMG, de Nova York, durante uma campanha de levantamento de fundos para instituições de caridade, ficou 201 horas acordado em uma cabine de vidro colocada na Times Square , Manhattan, com visitação pública. Porém, ao fim de seu intento, estava com sinais de deterioração mental; com pensamentos cada vez mais confusos e períodos de irracionalidade;
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alucinações e distorções da visão; não conseguia diferenciar entre o que era pesadelo e realidade.
REFORÇANDO!
Ficar longos períodos de tempo sem dormir é prejudicial à saúde e pode vir a desencadear até mesmo confusão mental.
Outras experiências foram e ainda estão sendo feitas. Liesbeth, uma estudante competidora de uma gincana de perguntas e respostas na Universidade de Leiden, Holanda, que desistiu do jogo após 65 horas sem dormir, com dificuldades para andar e falar, demorava a responder as perguntas, que precisavam ser repetidas várias vezes, mas acertava a maioria das respostas. A privação de sono também tem sido relacionada com a diminuição da temperatura corporal de animais de laboratório, levando-os à morte, como nas experiências de extrema privação de sono do Dr. Allan Rechtschaffen, a mesma em que funcionava o laboratório de Nathaniel Kleitman. Em humanos privados de sono, observa-se aumento do apetite, com ganho de peso no início e perda após longos períodos sem dormir. A temperatura corporal também diminui em torno de 0,5 grau centígrado após dois ou três dias. A privação de sono pode ser usada como tratamento para a depressão, ou como tortura para obter falsas confissões e, quando prolongada, chega a fazer a vítima crer que o que confessou é verdadeiro. O sono é necessário para manter o contato mental com o mundo; quando privados de sono por muito tempo, pode-se morrer devido a consequências físicas ainda desconhecidas. No caso de trabalhadores em turnos, com privações contínuas de sono, elas podem levar risco de vida a eles e a outrem. Como exemplo, médicos, motoristas de caminhão, de ônibus ou pilotos de avião que aumentam o seu tempo de serviço em busca de melhores
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remunerações mensais e/ou para atender às exigências dos patrões. Portanto, a insônia voluntária, não somente a involuntária, vem a ser um problema de saúde pública. Todas as pessoas já experimentaram algumas noites ocasionais de pouco sono, quer sejam causadas por um estresse temporário ou eventos recentes de maior aborrecimento ou estímulo. Estima-se que 35% da população em geral sofrerão de insônia durante a sua vida e metade deste grupo irá considerar o episódio sério o suficiente para consultar um médico. Na clínica diária detecta-se, inúmeras vezes, a insônia por um acaso; ou, então, negligencia-se o seu diagnóstico e a sua importância na vida do paciente, talvez pela pouca preparação dos profissionais de saúde (médicos, psicólogos, entre outros) sobre o sono e seus distúrbios, nos cursos de graduação. As ocasionais noites mal-dormidas, em muitas circunstâncias, não levam a consequências severas. Já a insônia persistente muitas vezes tem efeitos prejudiciais profundos para a vida da pessoa. Os insones, frequentemente, queixam-se de um funcionamento diário prejudicado, incluindo fadiga, irritabilidade, distúrbios do humor, concentração diminuída, performance no trabalho reduzida e sonolência diurna.
VOCÊ SABIA? De todas as queixas relacionadas ao sono, a insônia é a mais prevalente, afetando mais que 60 milhões dos adultos americanos a cada ano. Aproximadamente 30 a 35% dos adultos se referem à dificuldade para dormir e 10 a 15% relatam problemas crônicos ou severos com o seu sono. A Conferência de Consenso do Desenvolvimento, 1983, do NIMH, relatou que 35% de uma amostra nacional dos Estados Unidos queixaram-se de “problemas para dormir no ano que passou”.
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Metade do grupo, 17%, considerou como um problema sério; 47% destes indivíduos tinham níveis elevados de distúrbios psíquicos, ansiedade, depressão e doenças médicas em geral, comparados com somente 11% de indivíduos assintomáticos. Obviamente, a insônia não é somente uma queixa relativamente comum, mas também pode estar associada a outros problemas. Poucos são os estudos epidemiológicos para se detectar a prevalência da insônia na população em geral. Os estudos já realizados se baseiam em amostras pequenas ou não randomizadas e a inclusão de questões limitadas sobre sono como apenas parte de um grande senso. Na maioria destes estudos, somente a população adulta é estudada, geralmente com 30 anos ou mais. Em estudos com pessoas com 18 anos ou mais, as queixas relacionadas ao sono foram encontradas em um terço delas, baseados em amostras de 1000 sujeitos. (KALES apud GUILLEMINAULT & LUGARESI, 1983), 1645 (KARACAN, apud GUILLEMINAULT &
LUGARESI, 1983) e 2347 (THORBY, apud GUILLEMINAULT & LUGARESI, 1983). Um estudo que permite alguma comparação entre idades incluiu sujeitos menores de 18 anos, mas amostrou somente pessoas com 15 anos ou mais. (McGHIE, apud GUILLEMINAULT & LUGARESI, 1983). Os poucos estudos com indivíduos menores têm também apresentado limitações, como o uso de amostras pequenas e não randomizadas (HAURI, PRICE & ZEPELIN, apud GUILLEMINAULT & LUGARESI, 1983), não permitindo assim a generalização de seus resultados. Mais significante ainda é que estes estudos limitam-se a indivíduos somente com 19 anos (HAURI, apud GUILLEMINAULT & LUGARESI, 1983), somente estudantes com 15 a 19 anos (PRICE, apud GUILLEMINAULT & LUGARESI, 1983) e 11 a 18 anos. (ZEPELIN, apud GUILLEMINAULT & LUGARESI, 1983). Não foi encontrado nenhum estudo de follow-up incluindo indivíduos desde a infância até a velhice. Os fatores demográficos associados com a prevalência da insônia entre adultos incluem a idade, o sexo, a situação socioeconômica e a conjugal. A prevalência da insônia entre adultos aumenta com a idade (CHOKROVERTY, 1994); entretanto, pesquisas mais recentes, com amostras mais representativas, têm sugerido que o aumento da insônia associado com a idade é menos dramático do que muitas vezes é estabelecido. (CHOKROVERTY, 1994).
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Lugaresi (1987) mostrou com um estudo consistente que os problemas de sono aumentam com a idade em ambos os sexos. Gillin ( apud CHOKROVERTY, 1994) e Feinberg & Carlsson (apud CHOKROVERTY, 1994), observaram que há mudanças nos hábitos de sono com o aumento da idade, caracterizadas por uma diminuição do tempo total de sono noturno e de sua eficiência, mais um aumento da latência do sono e dos despertares durante a noite. Mcghie & Russel ( apud CHOKROVERTY, 1994) e Lugaresi et al . (apud CHOKROVERTY, 1994) descobriram um aumento dos distúrbios do sono com a idade, particularmente diferentes formas de insônia e especialmente entre as mulheres. Karacan et al . (apud CHOKROVERTY, 1994) e Bergman et al. (apud CHOKROVERTY, 1994) confirmaram esses dados com a constatação de uma porcentagem grande de idosos usando drogas sedativohipnóticas. As queixas de insônia são mais frequentes nas mulheres do que nos homens, aproximadamente 40% e 30%, respectivamente. (CHOKROVERTY, 1994). Gislason ( apud CHOKROVERTY, 1994) constatou a prevalência maior de insônia inicial entre os homens dos 75-79 anos e mulheres dos 70-74 anos. Quanto à insônia intermediária ou de manutenção do sono, houve uma prevalência de 42,2% dos homens entre 75-79 anos e 40,5% das mulheres entre 80-84 anos de idade. O despertar precoce habitual foi apresentado por 16,7% do total e o ocasional por 19,9%. Segundo Mellinger (1985), o aumento da insônia com a idade está mais associado com o tipo insônia severa ou crônica do que com a transitória. Não se sabe a prevalência relativa entre a insônia transitória e a persistente nos Estados Unidos. (CHOKROVERTY, 1994). Há um estudo suíço (ANEST, apud CHOKROVERTY, 1994) com pessoas de 20 a 21 anos, em que 15% tinham episódios ocasionais de insônia transitória e 9% de insônia persistente.
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VOC SABIA?
A insônia parece ser mais comum em pessoas de situação socioeconômica baixa, como também em pessoas divorciadas, viúvas ou separadas, em comparação com os solteiros ou casados (CHOKROVERTY, 1994), mas a idade pode intervir, em parte, com estas descobertas. Em centros de distúrbios do sono, cerca de 15% a 25% dos insones crônicos recebem o diagnóstico de insônia psicofisiológica ASDA.
A incidência na população em geral é desconhecida, segundo a ASDA – Associação Americana dos Distúrbios do Sono (1990). Esta é rara em crianças e adolescentes, geralmente se iniciando entre os 20 ou 30 anos de idade e gradualmente se exacerbando; pode haver uma predisposição familiar, sem uma causa genética esclarecida; também é mais comum em mulheres. (ASDA, 1990; APA, 1995). Muito ainda há de se pesquisar sobre os diversos aspectos epidemiológicos da insônia, em todas as faixas etárias; como também deverá se avaliar em que esses dados poderão contribuir para programas preventivos, seja primários, secundários ou terciários. Há questões sociais e ambientais que interferem no sono. O horário de verão, adotado hoje por vários países, foi citado pela primeira vez por Benjamin Franklin, em 1784. Ele observou que se as pessoas adiantassem os relógios no verão poderiam aproveitar mais horas de luz solar e ficar mais ricas, porque economizariam o dinheiro gasto com velas. A sugestão só foi colocada em prática no início da 1ª Guerra Mundial, pela Alemanha, Estados Unidos e GrãBretanha, para economizarem energia. Na 2ª Guerra, a Inglaterra empregou o duplo horário de verão, adiantando o relógio duas horas. (COREN, 1996).
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Atualmente, trinta países adotam o horário de verão; cada qual escolheu diferentes períodos para começar e terminar seus horários. Nos Estados Unidos, começava no último domingo de abril e terminava no último domingo de outubro. Em 1987, ele começou a ser estendido do primeiro domingo de abril até o último domingo de outubro. Na Grã-Bretanha, começa uma semana antes e, em alguns países europeus, a volta à normalidade se dá no fim de setembro. Nos países do hemisfério sul entra em vigor em meados de outubro e termina em fevereiro ou março. No Brasil, começa em outubro e termina em fevereiro. Monk & Folkard (1976 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), da Universidade de Sussex, Inglaterra, constataram que os
padrões de sono dos seres humanos podem sofrer perturbação imediatamente após a mudança de horário de verão e continuar perturbados por cinco dias depois da volta à normalidade. Nesta pesquisa partiu-se da ideia de que a mudança para o horário de verão equivaleria à alteração de um fuso horário para leste ou para oeste, com ganho ou perda de uma hora de sono. Coren (1996) relatou os resultados de sua pesquisa com os atestados de óbito de 1986 a 1988, nos Estados Unidos, em que constatou que nos quatro primeiros dias de horário de verão a perda de sono, embora pequena, provocava um aumento de 6% no número de mortes acidentais, comparando-se com a semana anterior e a semana seguinte. Os dados mostravam que a perda adicional de sono é, sem dúvida, um fato negativo, mas que o acréscimo não é necessariamente um benefício. Muitos males trazidos pelo horário de verão não são considerados e medidos, como por exemplo, pequenos acidentes em casa e no trabalho. Quantas peças defeituosas passaram pelo supervisor sonolento? Quantos leucócitos deixaram de ser contados pelo bioquímico com sono? Quantas informações deixaram de ser fixadas pelo aluno sonolento?
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VOCÊ SABIA?
Na clínica diária, observam-se pessoas que demoram meses para se adaptar ao horário de verão e se queixam de insônia e diminuição de sua produtividade. Mais pesquisas devem ser realizadas e providências tomadas para se ponderar até que ponto o horário de verão é vantajoso e quanto pode trazer de prejuízos para a nossa saúde, em virtude, principalmente, da insônia que ele pode vir a causar, acompanhada de suas consequências biopsicossociais e/ou
Há diversos distúrbios do sono descritos. A Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono de 1990 distingue três grandes categorias: dissonias, as quais resultam em insônia ou sonolência excessiva; parassonias, isto é, comportamentos anormais durante o sono, associados com distúrbios médicos ou psiquiátricos. As dissonias são subdivididas em distúrbios intrínsecos do sono, distúrbios extrínsecos do sono e distúrbios do ritmo circadiano. Cada uma destas categorias inclui vários distúrbios que podem resultar em queixa de insônia. Existem os Distúrbios Intrínsecos do Sono, como é o caso da insônia psicofisiológica ou insônia primária do DSM-IV. Sua característica essencial é uma queixa de dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou de um sono não reparador, que dura no mínimo um mês e causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional, ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo; não ocorre exclusivamente durante o curso de outro transtorno do sono ou de outro transtorno mental, nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. (APA, 1995).
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A insônia psicofisiológica ocorre em aproximadamente 15% dos casos de insônia vistos em Centros de Distúrbios do Sono entre 1970 e 1980. (COLEMAN apud CHOKOVERTY, 1994). O exame de PSG revela objetivamente um período de latência do sono (tempo até adormecer) prolongado, aumento de despertares depois do início do sono e estágio um do sono aumentado. Muitos indivíduos com Insônia Primária têm uma história de sono “leve” ou facilmente perturbado antes do desenvolvimento de problemas de sono mais persistentes. Os fatores que precipitam a Insônia Primária podem diferir dos que a perpetuam. A maioria dos casos tem um início relativamente súbito, em um momento de estresse psicológico, social ou médico. A Insônia Primária frequentemente persiste por muito tempo após a resolução dos fatores etiológicos, devido ao desenvolvimento de maior excitabilidade e condicionamento negativo. (APA, 1995). É subdividida em intrínseca, quando causada por fatores internos do corpo; extrínseca, causada por fatores externos ao corpo; e as que são em consequência a distúrbios do ritmo circadiano. As insônias primárias estão separadas do grande grupo de insônias que são secundárias a distúrbios médicos, neurológicos ou psiquiátricos. (ICSD, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999).
A insônia psicofisiológica persistente é muitas vezes chamada de insônia “aprendida” ou “comportamental”. Esta é diagnosticada em pacientes que se queixam de insônia e diminuição de seu funcionamento em vigília, se o comportamento destes sugere relações com a prevenção do sono. (HAURI apud KRYGER, 1994). Em síntese, os critérios diagnósticos para Insônia Primária ou Psicofisiológica do DSM-IV (APA, 1995) e ICSD (1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) são: a queixa predominante é de dificuldade em iniciar ou manter o sono, ou de sono não reparador, por pelo menos um mês. Há indicações de comportamentos aprendidos de prevenção do sono, como: 1) Duras tentativas para dormir, sugeridas por uma inabilidade de adormecer quando com vontade, mas facilidade durante outras situações monótonas, como assistir televisão ou ler; 2) Despertar condicionado ao quarto ou atividades relacionadas ao sono, indicados por um dormir mal em casa, mas melhor fora de casa ou fora da rotina da cama. Há evidência de aumento da tensão por somatização, exemplo: agitação, tensão muscular, vasoconstrição aumentada. No exame de polissonografia, há um aumento na latência do sono; uma redução da eficiência do sono; um aumento no número e na duração dos despertares; o distúrbio do sono (ou fadiga diurna associada) causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional, ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. Não
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há evidências de outros distúrbios médicos ou psiquiátricos que poderiam causar os distúrbios de sono. O distúrbio não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por exemplo: droga de abuso). Outros podem coexistir com a insônia, por exemplo, higiene inadequada do sono, síndrome de apneia obstrutiva do sono, entre outros. A ICSD (1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) classificou três graus de severidade para os sintomas cardinais de insônia, como se segue:
Insônia leve: é uma queixa de sono insuficiente com um sentimento de mal-estar,
sem afetar as funções diurnas. Esta pode ser associada com ansiedade leve, frustração e fadiga;
Insônia moderada: é a queixa de sono insuficiente com sentimentos de mal-estar
associados com prejuízo moderado do funcionamento. Esta sempre gera irritabilidade, ansiedade e fadiga;
Insônia severa: envolve um sono insuficiente e sentimentos de mal-estar com
comprometimentos severos do funcionamento social e ocupacional. Está associada com irritabilidade, ansiedade e fadiga. Quanto à duração, a ICSD (1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) classificou a insônia em:
Aguda: duração de quatro semanas ou menos;
Subaguda: duração de mais de quatro semanas, mas menos que seis meses;
Crônica: duração de seis meses ou mais.
Há, também, a classificação da insônia quanto à duração como transitória, crônica e intermitente. Assim como, quanto ao momento da noite em que se produz: inicial, intermediária e terminal. (BUELA – CASAL, apud REIMÃO, 1996). Algumas pessoas referem ter insônia, o que não é confirmado nas gravações objetivas de seu sono. Em um estudo, a PSG indicou um período de latência do sono menor que 15 minutos em 44% dos insones que referiam latência do sono habitual de 60 minutos ou mais. (CARSKADON, apud CHOKROVERTY, 1994). A causa da percepção inadequada do estado de sono é desconhecida. Uma pesquisa descobriu que os portadores de percepção inadequada do estado de sono têm sua vigilância diurna prejudicada, comparada com bons dormidores e com outros insones (muitos deles provavelmente com insônia psicofisiológica). (SUGERMAN, apud CHOKROVERTY, 1994).
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REFORÇANDO!
Pessoas que percebem seu sono da maneira diferente de como ele realmente é, tem seu período de vigília durante o dia prejudicado.
O diagnóstico da percepção inadequada do estado de sono requer uma queixa de insônia crônica confiável, evidência de sono normal na PSG (em termos de latência, duração do sono e o número ou duração dos despertares) e a referência do paciente de um sono significantemente prejudicado nas noites dos estudos polissonográficos. Também, a percepção inadequada de sono não é diagnosticada em pacientes portadores de distúrbio psiquiátrico ou distúrbio do sono (como a síndrome das pernas inquietas) que poderiam resultar em uma percepção inadequada do sono. A ICSD estima que menos de 5% dos pacientes que se apresentam com insônia têm percepção inadequada do estado de sono. Trinder (1988 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) lançou dúvidas quanto à validade dessa categoria diagnosticada. Ele argumenta que, como a insônia é, muitas vezes, uma condição intermitente, as leis da probabilidade podem valer para muitos ou todos os pacientes com uma queixa de insônia que dorme bem durante um teste de laboratório. Entretanto, em muitos casos há uma discrepância marcante entre o comprimento do sono definido eletroencefalograficamente (por exemplo, sete horas) e a estimativa subjetiva pós-sono do tempo de sono (por exemplo, duas horas), a qual implica grandemente em um distúrbio na percepção do sono ou uma anormalidade do sono não detectada pelas técnicas de registro padronizadas. (WALSH, apud CHOKROVERTY, 1994). Os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA, 1995) e ICSD (1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) para a Percepção inadequada do estado de sono, em síntese, são: A) O paciente tem uma queixa de insônia; B) A duração e a qualidade do sono são normais; C) A Polissonografia demonstra:
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1) Latência normal de sono, um número normal de despertares, e a duração normal de sono; 2) Um relato de latência de sono maior que 10 minutos. D) Ausência de qualquer distúrbio médico ou psiquiátrico que pudessem produzir a queixa; E) Outros distúrbios do sono que produzem insônia não estão presentes a ponto de explicarem a queixa do paciente. Os graus de severidade e de duração são os mesmos da Insônia Psicofisiológica. Os pacientes com insônia idiopática têm histórias de dificuldade para dormir desde a infância e, em alguns casos, desde o nascimento. Esta classificação foi chamada previamente de Insônia de início na infância. (HAURI apud CHOKROVERTY, 1994). É atribuída primariamente a fatores constitucionais, que não têm sido ainda determinados. Este tipo de insônia provavelmente resulta de vários mecanismos fisiopatológicos. (REGESTEINS, apud CHOKROVERTY, 1994). Teoricamente, os pacientes com este distúrbio podem simplesmente ter fracos mecanismos neurofisiológicos ou neuroquímicos de sono. Alternativamente, uma lesão ou um defeito no mecanismo de despertar poderiam estar envolvidos. Comparados com os pacientes com outras formas de insônia, os portadores de insônia idiopática tendem a ter distúrbios objetivos de sono mais severos, com latência de início do sono mais longa e menor tempo de sono. (HAURI, 1980). Alguns pacientes com insônia idiopática têm anormalidades marcantes na PSG, como um tempo de sono muito curto, pouca eficiência do sono, ou pouca definição dos estágios daquele. Tem-se relatado que o movimento dos olhos durante o estágio REM é menos frequente em portadores de insônia idiopática que em outros insones, sugerindo que alguns insones idiopáticos podem ter defeitos neuroquímicos ou anatômicos nas regiões cerebrais que controlam os movimentos dos olhos e regulam o sono e a vigília. (HAURI, 1980). Também os insones idiopáticos podem mostrar sinais neurológicos leves, como dificuldades de atenção e concentração, dislexia e anormalidades eletroencefalográficas difusas moderadas. (HAURI, 1980). Este distúrbio parece ser raro; foi diagnosticado em somente 0,3% de 1214 casos de insônia em um centro de estudo de sono. (COLEMAN, 1982 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Os critérios diagnósticos para Insônia Idiopática do DSM-IV (APA, 1995) e ICSD (1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), em síntese, são:
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A) Uma queixa de insônia, combinada com uma queixa de diminuição do funcionamento durante a vigília; B) A insônia é longa, tipicamente começando na primeira infância, se não no nascimento; C) A insônia é inexorável, não variando nos períodos de boa ou ruim adaptação emocional; D) A polissonografia demonstra um ou mais dos seguintes: 1) Um aumento na latência do sono; 2) Uma diminuição da eficiência do sono; 3) Um aumento no número e duração dos despertares; 4) Muitas vezes um efeito invertido na primeira noite. E) Nenhuma doença médica ou psiquiátrica pode explicar a insônia de início precoce. F) Outros distúrbios de sono que produzem insônia podem ocorrer simultaneamente, por exemplo, distúrbio de ajustamento de sono. Os critérios de severidade são os mesmos da Insônia Psicofisiológica; mas os de duração têm uma característica peculiar: os de insônia aguda e subaguda não são aplicados, e o de crônica tem duração de um ano ou mais. Hauri (1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) refere que a ICSD (1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) discute somente estes três subgrupos de insônia: psicofisiológica, percepção inadequada do estado de sono e insônia idiopática. Porém, como diz Walsh (1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), as outras dissonias incluem um número de distúrbios que podem resultar em queixa de insônia. A seguir, discutir-se-á, brevemente, alguns destes distúrbios. A narcolepsia é um distúrbio de etiologia genética (DEMENT, TAFTI & MIRNOT, 1994), caracterizado por sonolência excessiva que, tipicamente, está associada com cataplexia e outros fenômenos do sono REM, como a paralisia do sono e as alucinações hipnagógicas (ao adormecer). A sonolência excessiva da narcolepsia é caracterizada por episódios repetidos de cochilos ou lapsos no sono de curta duração (usualmente menos que uma hora). O sono sempre ocorre em situações nas quais o cansaço é comum, como em uma viagem, uma reunião monótona que não requer uma participação ativa, ou ouvindo um jogo, um concerto, cinema ou uma leitura desinteressante. O paciente muitas vezes pode tolerar a
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sonolência se, com muito esforço e atenção, ele consegue ficar acordado. (ISDA, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Há uma possibilidade de ocorrer ataques de sono repentinos e irresistíveis em situações em que o sono normalmente nunca ocorre, como durante um exame; em uma discussão interativa de negócios; durante a alimentação, caminhando ou dirigindo; e quando conversando ativamente. (ISDA, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999).
RESUMINDO O indivíduo com narcolepsia sente muito sono e pode dormir em qualquer situação até mesmo no trabalho ou durante atividades de sua vida diária.
Uma história de cataplexia é um aspecto característico e único de narcolepsia. Esta é caracterizada por uma perda súbita de tônus muscular bilateral provocada por uma forte emoção. A consciência permanece preservada, a memória não é prejudicada e a respiração fica intacta. (ISDA, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A cataplexia frequentemente se desenvolve vários anos após o início da sonolência diurna e ocorre em aproximadamente 70% dos indivíduos com o transtorno. A perda do tônus muscular com a cataplexia pode ser sutil, levando a uma “queda” da mandíbula ou ao fechamento das pálpebras, perda do controle sobre os movimentos da cabeça ou dos braços, imperceptíveis ao observador. A privação do sono tipicamente aumenta a frequência e gravidade dos episódios. (APA, 1995). Na PSG, observa-se, no Teste das Latências Múltiplas do Sono (TLMS), uma latência média de sono inferior a cinco minutos e o aparecimento de sono REM durante dois ou mais
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cochilos, em um TLMS de cinco cochilos. Outros achados incluem despertares transitórios e frequentes, redução da eficiência do sono, aumento do sono do estágio um, sono REM aumentado e maior frequência de movimentos oculares dentro dos períodos REM. A narcolepsia não é uma condição rara. Sua prevalência tem sido calculada em 0,05% na área da Baía de São Francisco (DEMENT, 1972 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) e 0,067% na área de Los Angeles. (DEMENT apud CHOKROVERTY, 1994). Os homens são mais afetados que as mulheres. A idade de início varia da infância até a quinta década e o pico é na segunda década. Uma circunstância especial como uma troca abrupta do ritmo sono-vigília ou um estresse psicológico severo – morte de um parente, divórcio – precede a ocorrência do primeiro sintoma em metade dos casos. (BILLIARD, apud CHOKROVERTY, 1994). Aproximadamente 25 a 50% dos parentes biológicos em primeiro grau de indivíduos com narcolepsia têm outros transtornos caracterizados por sonolência excessiva. (APA, 1995). Os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA, 1995) e da ISDA (1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) são em síntese: A) Ataques irresistíveis de sono reparador ocorrendo diariamente ao longo dos últimos três meses; B) Presença de um ou ambos dos seguintes sintomas: 1) Cataplexia (episódios breves de perda bilateral súbita do tônus muscular, mais frequentemente em associação com intensa emoção); 2) Intrusões recorrentes de elementos do sono de movimentos oculares rápidos na transição entre o sono e a completa vigília, manifestadas por alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas ou paralisia do sono, no início ou no final dos episódios de sono. C) O distúrbio não é devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral. A insônia causada por uma respiração prejudicada durante o sono é muito mais comum em idosos. (KALES & ANCOLI-ISRAE apud CHOKROVERTY, 1994). O mais comum distúrbio deste tipo é a Apneia Obstrutiva do Sono, sempre associada com uma história de ronco e sonolência diurna. (GUILLEMINAULT, 1989 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Entretanto,
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uma minoria dos pacientes se queixa predominantemente de sono prejudicado, especialmente dificuldades na manutenção do sono. Estes pacientes se referem a frequentes despertares que são, muitas vezes, inexplicáveis, mas algumas vezes podem estar associados com dispneia, asfixia ou uma sensação de resfôlego. (GUILLEMINAULT, 1989 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A Apneia do Sono Central pode se apresentar com uma queixa de insônia inicial ou de manutenção. (GUILLEMINAULT, 1973 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Pode ocorrer em uma forma idiopática ou pode estar associada com lesões neurológicas ou distúrbios cardiovasculares, como uma insuficiência cardíaca congestiva. (WHITE, 1989 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Em síntese, os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA, 1995) e da ISCD (1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), para Transtorno do Sono Relacionado à Respiração, são: A) Distúrbio do sono, levando à sonolência excessiva ou insônia, considerado devido a uma condição respiratória relacionada ao sono (por exemplo, a Síndrome de Apneia Obstrutiva ou Central do Sono ou Síndrome de Hipoventilação Alveolar Central). B) O distúrbio não é melhor explicado por outro transtorno mental, nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de outra condição médica geral. A identificação de distúrbios do sono relacionados à respiração, em pacientes com queixa de insônia, é importante. O tratamento com medicação hipnótica pode abrandar as respostas aos estímulos respiratórios do despertar e a ventilação potencialmente intensa durante o sono. (ROBINSON, 1989 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Os pacientes com o distúrbio dos movimentos periódicos dos membros têm episódios repetitivos e estereotipados, movimentos periódicos dos membros durante o sono, que, muitas vezes, resultam em breves despertares. Tipicamente, consistem de extensões do hálux e dorsoflexão do tornozelo, algumas vezes com flexões do joelho e quadril. Cada movimento dura 0,5 a 5,0 segundos e é sempre seguido por outro movimento dos membros em 20 a 40 segundos. (MONTPLAISIR, 1985). Os movimentos podem ocorrer também nos membros superiores, mas isto é muito menos comum. (LUGARESI, 1968).
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A etiologia deste distúrbio é desconhecida, mas um número de fatores causais tem sido postulado, incluindo o distúrbio crônico sono/despertar (COLEMAN, 1980 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), perda da inibição supraespinhal dos tratos piramidais durante o sono (SMITH, 1985 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), perfusão sanguínea periférica inadequada (ANCOLI – ISRAEL, 1986 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), compressão do canal espinhal lombossacral (DZVONIK, 1986 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), anormalidades no sistema opioide endógeno (WALTERS, 1986 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) e alterações na transmissão dopaminérgica central. (MONTPLAISIR, 1985). Um diagnóstico de MPMS requer uma queixa de insônia (ou sonolência excessiva diurna) e evidência de repetitivos e frequentes movimentos periódicos dos membros, usualmente cinco ou mais por hora. O número de movimentos periódicos dos membros pode variar de noite para noite. Muitas pessoas assintomáticas têm movimentos periódicos dos membros, mas o diagnóstico de MPMS não é aplicado a pessoas que não tenham queixas relacionadas ao sono. (WALSH, 1994). O MPMS foi o diagnóstico primário para 13,3% dos pacientes com insônia que se apresentaram em centros de distúrbios do sono (COLEMAN, 1983), mas a sua prevalência na população em geral é desconhecida. Os movimentos periódicos dos membros são muito comuns em idosos (ANCOLI-ISRAEL, 1989 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) e parecem estar associados com um número de outros distúrbios do sono. Eles ocorrem em quase todos os pacientes com Síndrome das Pernas Inquietas, a qual parece ser uma variante mais séria do distúrbio MPMS. (MONTPLAISIR, 1985). Os pacientes com a Síndrome das Pernas Inquietas se queixam de uma incômoda parestesia ou disestesia em suas pernas quando estão acordados, mas inativos. Esta sensação é muitas vezes descrita como um rastejamento ou formigamento nas pernas associado com um desejo irresistível de movê-las. (EKBOM, 1960). Quase todos os pacientes com a Síndrome das Pernas Inquietas têm, também, os MPMS. São observados movimentos irregulares durante a vigília, enquanto o paciente está em repouso. (COCCAGNA, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A Síndrome das Pernas Inquietas é muito menos comum que os MPMS, mas os mecanismos fisiopatológicos das respectivas condições parecem estar relacionados
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(MONTPLAISIR, 1985). Há, muitas vezes, uma história familiar de Síndrome das Pernas Inquietas. Estudos genéticos têm indicado uma herança autossômica dominante com penetrância incompleta. (MONTAGNA, 1983 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; MONTPLAISIR, 1985). As condições que têm sido associadas com a Síndrome incluem a gravidez, anemia ferropriva e várias outras. (MONTPLAISIR, 1985; COCCAGNA, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). 53
A insônia pode ser precipitada ou perpetuada por comportamentos inconsistentes com um bom sono. A prática de um ritmo sono-vigília irregular (como levantar mais tarde que o usual e dormir na manhã seguinte) é um comportamento comum que leva à insônia. Outros comportamentos que prejudicam o sono são: cochilos diurnos; tempo excessivo na cama; uso excessivo de cafeína, álcool ou nicotina; exercícios forçados ou atividade mental próximos ao deitar; uso habitual do quarto para atividades da vigília e uma manutenção inadequada do ambiente de dormir (temperatura, luminosidade e ruído). O diagnóstico de higiene inadequada do sono é aplicado quando um ou mais dos comportamentos incompatíveis com o sono são a causa predominante da insônia. (ICSD, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Há, ainda, a insônia devido à dependência a hipnóticos,
estimulantes ou álcool. A insônia associada com dependência a drogas ou álcool corresponde a aproximadamente 10% dos casos de insônia em centros de distúrbios do sono de 1978 a 1982 (COLEMAN, 1983), mas a prevalência deste tipo de insônia na população geral é desconhecida. Deve-se pontuar que a insônia pode ser um efeito colateral adverso de várias medicações, além dos hipnóticos e estimulantes, como: betabloqueadores (como o propanolol); anticonvulsivantes (como a fenitoína); xantinas (como a teofilina); L-dopa; X-metildopa; reserpina; clonidina; agentes simpaticomiméticos (como a pseudoenfedrina); e corticoesteroides. (BUYSSE, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999).
REFORÇANDO! Podemos dizer que uma pessoa desenvolve a insônia a partir do uso de algum medicamento que pode vir e interferir diretamente no sono.
Desde a década de 70, a insônia vem sendo tratada, predominantemente, com drogas benzodiazepínicas. (MENDELSON, 1987 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Antes destas, a insônia vinha sendo tratada com barbitúricos e outros hipnóticos de ação rápida. Estes agentes resultavam em tolerância e produziam dependência. A abstinência de benzodiazepínicos produz, em certos pacientes, uma ou duas noites de insônia de rebote, isto é, uma insônia mais severa que aquela de antes do tratamento. Há uma assertiva de que alguns pacientes tornar-se-iam dependentes de hipnóticos enquanto tentam evitar a insônia de rebote. (KALES, 1983 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; GILLIN, 1989 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). O risco da insônia de rebote durante a abstinência da droga parece ser maior com doses altas e com hipnóticos de ação curta, e este pode ser reduzido pela diminuição gradativa da dose por algumas noites. A insônia por dependência a hipnóticos é diagnosticada em pacientes que têm usado um hipnótico diariamente, ou quase, nas últimas três semanas, e que tem vivenciado uma exacerbação séria da insônia, quando eles se abstêm da droga hipnótica. (ISCD, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Durante o dia, os pacientes podem ter sintomas da abstinência de hipnótico, com uma ansiedade aumentada, tensão muscular, náusea e dores. O diagnóstico não é feito se outros distúrbios médicos ou psiquiátricos podem estar causando a insônia. Muitas vezes, a insônia
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persiste além dos períodos de abstinência dos hipnóticos e os fatores causais que levam ao uso da droga precisam ser determinados. (WALSH, 1994). Várias substâncias são estimulantes do Sistema Nervoso Central, como cafeína, teofilina, nicotina, drogas simpaticomiméticas, anfetaminas, metilfenidato, pemoline e cocaína. O uso médico dos estimulantes inclui a supressão do apetite, tratamento do distúrbio do déficit de atenção, descongestão e broncodilatação. Os efeitos dos estimulantes no sono incluem o aumento da latência do sono, a diminuição do tempo de sono, o aumento do número de despertares durante o sono e alterações nos estágios do sono, particularmente diminuição no tempo de sono REM. (KAY, 1988 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). O diagnóstico da insônia por dependência a estimulantes depende da determinação de uma associação temporal entre os sintomas da insônia e o uso de um estimulante. Também, a abstinência do estimulante pode estar associada com sintomas de sonolência excessiva. O abuso dos estimulantes pode causar, também, sintomas psiquiátricos, como períodos de hipomania, ideação paranoide e alucinações. (WALSH, 1994). A intoxicação aguda com álcool induz ao sono e é seguida pelos efeitos da abstinência e pela insônia, na segunda metade da noite. O alcoolismo crônico desintegra a arquitetura do sono, enquanto que a abstinência do beber causa ondas lentas no sono e reação no sono REM. O alcoolismo inveterado e severo pode causar uma alteração permanente do sono em geral. (ICSD, 1979 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Muitas pessoas ingerem álcool ocasionalmente para terem sono. (GALLUP ORGANIZATION, 1991 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; ADDISON, 1991 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). O uso crônico de álcool, como um hipnótico, rapidamente leva à tolerância de seus efeitos indutores de sono. Quando o consumo de álcool é diminuído ou encerrado, os efeitos da abstinência incluem um sono fragmentado e despertares com sonhos que são lembrados vividamente, dor de cabeça e boca seca. Uma insônia severa pode ocorrer se um usuário crônico de álcool como indutor do sono interromper o seu uso abruptamente. (WALSH, 1994). O diagnóstico da insônia por dependência ao álcool é aplicado a pessoas com uma queixa de sono que têm consumido álcool para dormir, por uma noite ou mais no último mês. (ISCD, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). O diagnóstico não é feito se o paciente preenche os critérios padronizados para
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alcoolismo. O distúrbio de ajustamento do sono se refere a uma queixa de insônia que é, temporariamente, associada com um estresse agudo, conflitos e trocas ambientais que causam angústia e despertar. A insônia deve se desenvolver em associação com o estressor e é resolvida se o estressor acaba ou se o nível de adaptação da pessoa a ele se equilibra. Muitas experimentam uma ou duas noites deste distúrbio algumas vezes em sua vida. Outras têm vários episódios por ano, com duração de poucos dias a poucas semanas. 56
O distúrbio ambiental do sono refere-se a uma queixa de insônia que é temporária, devido a estímulos físicos ou circunstâncias ambientais. A remoção da condição ambiental resulta na redução da insônia e eventual restauração do sono. Uma variedade de condições ambientais pode causar insônia, como ruído, luminosidade e temperaturas não confortáveis, hospitalização, atividade do parceiro de cama, responsabilidade com um recém-nascido ou um inválido e uma situação que é percebida como potencialmente perigosa. (WALSH, 1994).
3.1 INSÔNIAS COMUNS
A insônia da altitude;
A insônia por alergia alimentar;
Na insônia associada com fatores tóxicos;
A insônia associada com distúrbios psiquiátricos;
Outras doenças neurológicas associadas à insônia.
A insônia da altitude: é uma condição aguda que ocorre em associação com a subida a altas altitudes (usualmente acima de 4.000 m). A insônia pode estar coligada a outros sintomas que ocorrem em altas altitudes, como cefaleia, náusea, taquicardia e fadiga. Esta condição é causada por uma respiração periódica durante o sono, a qual resulta da instabilidade no controle
da respiração devido à hipoxemia e hipocapnia da alta altitude. Os despertares ocorrem durante a fase hiperpneica da ventilação. (WALSH, 1994). A insônia por alergia alimentar : é comum em crianças. Insônia do início e manutenção do sono por resposta a alérgenos alimentares. Podem coexistir agitação, letargia diurna e outras manifestações alérgicas cutâneas, respiratórias, entre outras. (REIMÃO, 1996). Na insônia associada com fatores tóxicos: há interferência no início e na continuidade do sono. Quando removida a causa, o sono se restaura. (ICSD, 1979 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Alguns fatores tóxicos que interferem no sono são: arsênio, mercúrio, cobre, metais pesados, monóxido de carbono, radiação e tabaco. (CULEBRAS, 1996). A insônia pode ser um sintoma dos vários distúrbios do ritmo circadiano, incluindo a síndrome de mudança rápida de fuso horário (jet lag), trabalho em turnos, padrão irregular sonovigília, síndrome de atraso da fase de sono, síndrome de avanço da fase de sono e síndrome de padrão sono-vigília não de 24 horas. (ISCD, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Será detalhada a Síndrome de Atraso e de Avanço de Fase, uma vez que elas são importantes considerações a serem feitas no diagnóstico da insônia crônica. Pacientes com Síndrome de Atraso se referem à dificuldade em adormecer e de despertar quando desejado. Estas dificuldades ocorrem porque as fases de sono do ritmo endógeno de sono-vigília começam horas depois do deitar e termina horas depois do despertar desejado. Quando os pacientes ficam na cama por muitas horas e dormem até despertarem espontaneamente, o sono é essencialmente normal. Esta síndrome é mais comum em adolescentes e adultos jovens. O tratamento com luz intensa pela manhã (ROSENTHAL, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) e cromoterapia (CZEISLER, 1981 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) têm sido tratamentos efetivos para este distúrbio. Os pacientes com Síndrome de Avanço se queixam de dificuldade em permanecer despertos com o avançar da noite e de inabilidade para dormir nas primeiras horas da manhã. Em contraste com a Síndrome de Atraso, a fase do ritmo circadiano ocorre mais cedo em relação às horas desejadas para dormir. É importante se diferenciar os despertares mais cedo pela manhã da Síndrome de Avanço daqueles causados pela depressão, na qual os despertares ocorrem, geralmente, três a cinco horas depois do início do sono, indiferente da hora de deitar. A Síndrome de Avanço é um distúrbio raro, mais comum em idosos. Também a terapia
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com luz brilhante à noite pode ajudar a atrasar a fase de sono do ritmo circadiano. (ALLEN, 1991 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A cronoterapia reversa também tem sido proposta para o
tratamento da Síndrome de Avanço (MOLDOFSKY, 1986 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), entretanto, nenhum tratamento foi validado experimentalmente. Quando a insônia é um sintoma de doenças médicas, esta frequentemente é causada por fatores não específicos, como dor ou dificuldades respiratórias. Também fatores não específicos estão relacionados à insônia associada a distúrbios neurológicos, mas a possibilidade de anormalidades ou lesões nos mecanismos de sono-vigília do SNC deve ser considerada. A insônia associada com distúrbios psiquiátricos : é comum, ocorrendo em aproximadamente um terço de pacientes vistos em centros de distúrbios do sono. (COLEMAN, 1983). O tipo de insônia pode refletir os mecanismos de sono alterados e causados pela mesma fisiopatologia da doença psiquiátrica em questão. (REYNOLDS, 1988 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; HEALY, 1987 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999).
VOC SABIA?
Os pacientes com depressão têm um padrão de sono caracterizado por um início fácil, despertar precoce pela manhã e latência de sono REM curta. Na mania, há uma insônia inicial e sono curto. Em pacientes com psicoses agudas e crônicas, o início e a continuidade do sono são seriamente prejudicados por sentimentos de ansiedade, medo, culpa, suspeita e pressão para pensar. (ISCD, 1979 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Também os distúrbios de ansiedade, como desordens do pânico, podem causar insônia, geralmente do tipo inicial. (ISCD, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999).
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Outras doenças neurológicas associadas à insônia: demência, insônia familiar fatal, parkinsonismo, epilepsias e cefaleias. Outras doenças médicas: isquemia cardíaca noturna, doença pulmonar obstrutiva crônica, asma, refluxo gastroesofágico e fibromialgia. (ISCD, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Há de se considerar, também, que algumas parassonias
podem causar insônia, como o sonambulismo e terror noturno, com despertares parciais (ISCD, 1990), podendo levar à insônia intermediária. 59
4 AVALIAÇÃO DOS PACIENTES
Há de se considerar a melhor e a mais completa avaliação da insônia aquela em que o paciente é visto como único, por meio de uma visão individualizada do mesmo. A idade é o fator que mais influi no ritmo sono-vigília. Determina o tempo total de duração de cada estado, da porcentagem de cada estágio de sono e o período de cada ciclo, podendo ser um ritmo monofásico (próprio do adulto) ou polifásico (na infância). Quando se avalia a dimensão temporal do sono há de se considerar o fator idade. (BUELA –CASAL, 1996 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Além disso, muitos outros fatores, a seguir, são importantes na avaliação da insônia, assim como a percepção própria do indivíduo. Na prática diária, constata-se que uma visão mais eclética possível do paciente torna-se necessária, levando-se em conta que ele é um ser biopsicossocioambiental e histórico-cultural. (SOUZA, 1997). Na avaliação psicológica ou comportamental devem-se utilizar várias medidas, como a entrevista com o paciente, com seu companheiro de quarto, diários de sono, questionários de sono de autopreenchimento ou por terceiros e psicodiagnóstico (BUELA-CASAL 1996), sumariadas a seguir: a) Entrevista com o paciente: Utilizada para se levantar a biografia (anamnese) do indivíduo, com sua história de vida pessoal e familiar, com os dados físicos, psicológicos, sociais e ambientais dele e dos familiares e o seu exame do estado mental (SOUZA, 1997). Deve-se esclarecer os seguintes pontos. (BUELA –CASAL, 1996 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999):
Momento e contexto em que surgiu o problema de sono;
Como evoluiu o sono desde a infância até a atualidade;
Estado de humor e nível de atuação durante o dia;
Estilo de vida do indivíduo: sedentário, ativo, prática desportiva;
Valorização subjetiva de seu problema;
Tratamento que seguiu ou que segue;
Drogas e estimulantes que consome.
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b) Entrevista com o companheiro: A pessoa que dorme com o paciente, na mesma cama, no mesmo quarto e/ou na mesma casa pode fornecer informações de suma importância para a avaliação do sono, como se constata na prática clínica e em pesquisas de campo. (SOUZA, REIMÃO & ALMIRÃO apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Este tipo de entrevista permite elaborar a informação relativa aos hábitos de dormir, possíveis problemas psicológicos, psicossomáticos ou respiratórios. É necessário e mais fidedigno fazer as mesmas perguntas ao paciente (anamnese subjetiva) e ao cônjuge (anamnese objetiva) e comparar os resultados. (SOUZA, 1997). Além disso, consegue-se, assim, comprovar a concordância de sua valorização subjetiva com a do paciente, sobre o distúrbio e seu contexto. (BUELA-CASAL, 1996 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). c) Diários de sono: São registros que o próprio paciente preenche a cada manhã depois de se levantar. Deve ser feito durante um período de pelo menos duas semanas e, baseando-se neles, o examinador fará uma média. Como o próprio nome diz, todos os dias, o paciente relata, entre outras coisas, a hora de deitar, levantar, a latência do sono, vigília noturna (quantos despertares e nível de dificuldade para voltar a adormecer), estado de ânimo ao se deitar e levantar, influência ou não do sono na vigília diária. Há a preferência por registros com respostas fechadas, ou seja, as respostas não devem estar em função da arbitrariedade do indivíduo ao responder. (BUELA-CASAL, 1996 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Porém, na prática clínica diária, pode-se observar que alguns pacientes, em geral com nível de instrução de 2º ou 3º grau completos, preferem e são mais suscetíveis a questões tanto abertas como fechadas em seu diário de sono, com discussões mais esclarecedoras com o examinador. d) Questionários de sono: Estes são formas bastante fidedignas para avaliar os hábitos de sono, o sono normal e seus distúrbios. (GÍGLIO, 1988 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; SOUZA, 1996). Este instrumento serve para avaliar as estimativas que o próprio paciente faz sobre os parâmetros de sono, respondendo de forma genérica sobre o que é habitual e atual. Deve-se diferenciar os períodos de trabalho e lazer. Há de se quantificar a latência do sono, tempo total de sono,
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vigílias noturnas e duração, hora de deitar e levantar, sonolência se incluir outros pontos que permitam valorizar questões qualitativas do sono, como dormir no período diurno, setas, entre outros. Também há estados de humor ao levantar e deitar, relacionamentos sociais, acadêmicos, eficiência do sono. (GIGLIO, 1988 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; SANTIBAÑEZ, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; SOUZA, 1996; KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997; REIMÃO, 1998 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). É muito importante que o questionário tenha o formato de resposta fechada e que as categorias de respostas coincidam ou tenham alguma equivalência com questões colocadas nos diários de sono, pois do contrário ficaria mais difícil comparar ambas as avaliações. (BUELACASAL, 1996 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). e) Diagnóstico psicológico: Convém avaliar a presença de possíveis distúrbios associados à insônia: distúrbios de personalidade, depressão, ansiedade, alcoolismo, psicoses, transtornos neuróticos e psicossomáticos, entre outros. Estes podem ser a etiologia e/ou fator de manutenção da insônia. (BUELA-CASAL, 1996 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Na clínica psicológica diária, vários instrumentos podem ser utilizados como avaliações complementares às anamneses objetiva e subjetiva, como exemplo o questionário de depressão de Beck, escalas de ansiedade e de depressão de Hamilton, a escala de ansiedade manifesta, o questionário de traços de ansiedade, testes projetivos como o Psicodiagnóstico de Rorschach, entre outros. É necessário um exame físico completo, desde os sinais vitais (Pressão Arterial, Frequência Cardíaca e Respiratória, Temperatura Basal), a fim de se detectar alguma doença associada à insônia, como causa ou fator de manutenção da mesma. Os indivíduos com insônia primária podem parecer cansados ou tresnoitados, mas não apresentam outras anormalidades características ao exame físico. Pode haver uma incidência de fatores psicofisiológicos relacionados ao estresse (como cefaleias tensionais, maior tensão muscular, indisposição gástrica, entre outros). (APA, 1995). De acordo com o exame físico, pode haver ou não a necessidade de algum exame complementar, como um eletrocardiograma, um hemograma completo, uma tomografia computadorizada ou por emissão de pósitrons, uma ressonância nuclear magnética, entre outros.
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Deve-se considerar a PSG para pacientes com um problema primário e persistente de manutenção do sono, especialmente se existirem sintomas ou fatores de risco para Apneia de Sono ou Movimentos Periódicos dos Membros durante o sono. Em geral, a PSG produz informações clinicamente úteis em adultos de meia-idade e mais velhos (EDINGER, HOELSCHER & WEBB, apud CHOKROVERTY, 1994), em parte porque os distúrbios primários do sono são mais comuns nesta faixa etária. (ANCOLI-ISRAEL, 1989 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A presença de sintomas de sonolência excessiva diurna também deveria ser considerada uma indicação para PSG. (WALSH, HARTMAN & KOWALL, 1994). A avaliação polifisiológica durante a vigília permite determinar a ritmicidade biológica dos fatores relacionados com o sono. É imprescindível nos casos de insônia produzida por uma alteração do ritmo normal sono-vigília. Aqui devem ser registrados os parâmetros fisiológicos indicadores do nível de ativação, como: pressão arterial, ECG, temperatura, EMG frontal e atividade eletrodérmica. Para detectar o ritmo de ativação devem-se realizar os registros várias vezes ao dia (por exemplo, na primeira hora da manhã, à primeira hora da tarde e à última hora da tarde). Nos casos de insônia por ativação fisiológica, tal tipo de exame tem mais valor para saber qual padrão fisiológico se encontra ativado e, em consequência, deve ser tratado com uma técnica psicofisiológica como a biorretroalimentação. (BUELA-CASAL, 1996 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Há de se levar sempre em conta os fatores sociais, culturais e ambientais no contexto em que se dorme. O ambiente físico propriamente dito tem uma interferência direta no sono, por meio de fatores como a temperatura do quarto (MUZET & LIBERT, 1984 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), os ruídos (VALLET, GAGNEUX & BLANCHET, 1981 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), o tipo de travesseiro, de dormitório e de cama. (DEMING, 1977 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; LOPES & GOLDENBERG, 1986 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Isto tudo deve ser avaliado nas entrevistas e nos questionários de sono, ou por constatações pelo próprio examinador. Algumas sociedades convivem com problemas político-sociais e tendem a se adaptar aos mesmos, como as guerrilhas e conflitos religiosos da Irlanda. Outras circunstâncias, como a sesta pós-prandial, são de costume cultural de alguns países latinos; como também o de dormir junto (co-sleeping ) em populações indígenas. (REIMÃO, SOUZA & MEDEIROS, 1998).
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4.1 TRATAMENTO
O tratamento da insônia, assim como a sua avaliação, há de ser integral, com uma visão individualizada do paciente como ser biológico, psicológico, social, ambiental e histórico. A eficácia do tratamento para insônia é determinada por melhorias no sono e no funcionamento diário. Quando possível, o tratamento para insônia deverá ser direcionado para reverter sua causa subjacente, a qual indica a importância de um diagnóstico acurado. As estratégias de tratamento também variam de acordo com a duração da insônia. A maior distinção que deve ser feita é entre a insônia transitória ou de curta duração e a insônia persistente. (WALSH, HARTMAN & KOWALL, 1994). Também há de se classificar o tipo de insônia, além de sua duração. Muitos são os meios possíveis de se tratar a insônia, desde medicações populares (REIMÃO & SOUZA, 1998), técnicas comportamentais, fármacos, higiene do sono, psicoterapias, entre outros, como se verá a seguir. Weyerer e Dilling (1991) constataram que um terço dos pacientes com insônia é tratado com hipnóticos e/ou drogas psicotrópicas e que o uso destas drogas entre insones moderados/severos é significativamente maior em comparação com os com insônia leve. Entre as pessoas pesquisadas que consumiam hipnóticos e/ou drogas psicotrópicas (n=190), 52,6% sofriam de insônia moderada a severa, 24,7% referiam a insônia leve e 22,6% não tinham insônia. Muitos pesquisadores concordam que as medicações hipnóticas não deveriam ser a única forma de tratamento para a grande maioria dos pacientes com insônia crônica. (NIMH, apud CHOKROVERTY, CHOKROVERTY, 1994). Entretanto, há condições condições de insônia incomuns incomuns nas quais a terapia
hipnótica em longo prazo causa um alívio significante (por exemplo, a insônia idiopática e a Síndrome das Pernas Inquietas), se nenhuma alternativa está disponível. (REGESTEIN et al .,., 1987; MONTPLAISIR & GODBOUT, 1989 apud SOUZA SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Para muitas insônias crônicas, as medicações hipnóticas têm um papel coadjuvante e o tratamento dos fatores etiológicos subjacentes é a terapêutica primária. As pessoas com uma anamnese que sugira fatores que condicionem à ansiedade podem se beneficiar de um uso breve de hipnóticos, os quais podem interromper um ciclo vicioso de insônia e reduzir fatores perpetuadores importantes. importantes. Os hipnóticos são mais apropriados para a insônia crônica intermitente que não respondeu à higiene do sono ou outras abordagens comportamentais. Esta insônia, muitas
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vezes, toma a forma de um distúrbio de ajustamento do sono; isto é, uma pessoa suscetível, devido a fatores constitucionais, apresenta insônia em períodos de estresse ou agitação. Há evidências de que a maioria das pessoas com insônia persistente tem um padrão intermitente. (GALLUP ORGANIZATION, 1991 apud SOUZA SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Para estas, o uso de um hipnótico por poucas noites, poucas semanas, parece muito útil. Entretanto, constata-se que a maioria dos usuários de hipnóticos o usa periodicamente, por meses ou anos e não por noites. (MELLINGER, BALTER & UHLENHUTH, 1985). Segundo a Conferência Internacional de Consenso sobre a Insônia (1996), há poucos dados sobre as consequências causadas pela insônia não tratada e pelo uso prolongado de hipnóticos. Um número de questões importantes deve ser avaliado criticamente pelo médico (que na maioria das vezes não é um psiquiatra nem um neurologista) que irá tratar o paciente insone: quando um hipnótico é prescrito, o que determina a sua eficácia? O sono está, realmente, sendo “normalizado” com os hipnóticos ou os efeitos de um hipnótico nos estágios do sono são uma questão relevante? Os hipnóticos não causaram sucesso primariamente porque aliviaram a ansiedade do paciente, por não serem capazes de dormir? E, por fim, a Conferência questiona que se os especialistas em sono continuarem a desencorajar a comunidade médica quanto à farmacoterapia crônica, não seria possível que as consequências desta ação fossem piores, como o risco da automedicação com álcool ou outras substâncias? Na prática clínica, tem-se que ter conhecimento quanto à posologia, indicações, contraindicações, reações adversas e efeitos colaterais dos hipnóticos. Há de se considerar também a idade, desde que não se aborde a insônia da mesma maneira em idosos e crianças. Portanto, o médico especialista, ou não deverá definir se está sendo consultado como cuidado de saúde primária para uma insônia que dura um período curto, ou se o distúrbio de sono deste paciente já foi tratado extensivamente. extensivamente. Em idosos, o aconselhamento é necessário, mas é difícil mudar hábitos de muitos anos; a psicoterapia teria os seus limites, pois implicaria numa revisão crítica de escolhas feitas, pelo menos para alguns deles, até 60 anos atrás. Tais pontos devem ser mantidos em mente, porque implicam na possibilidade de dependência de algumas drogas. Drogas hipnóticas de ação longa podem ser indicadas em insônia transitória somente nos casos com problemas emocionais severos, nos quais a sedação residual diminuiria a ansiedade diurna. Dois problemas devem ser pensados frente a insones idosos ou não: os efeitos residuais durante o dia e suas consequências para as atividades diurnas e o potencial de dependência, ou seja, se o paciente será capaz de suprimir a medicação uma vez que começar
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a utilizá-la. (DREYFUS, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). É necessário avaliar e ponderar com o paciente os efeitos benéficos e maléficos da terapia hipnótica, assim como os seus custos. Os dois sinais de dependência, o aumento da dose e da frequência de uso, não são comuns em muitos dos usuários de hipnóticos benzodiazepínicos. Isto sugere que o risco de dependência está mais relacionado às características individuais do paciente do que à medicação em si. Também, de todos os usuários de hipnóticos, somente 10% usam estas drogas toda noite por mais que um mês. (WALSH, HARTMAN & KOWALL, 1994). Algumas recomendações e precauções são necessárias quando se prescreve um hipnótico, seja ele de qual grupo farmacológico farmacológico for: a) Iniciar com uma dose pequena e manter a dose a menor possível; b) Tomar o comprimido 30 minutos antes de se deitar, em jejum para uma melhor absorção; c) Tomar somente nas noites recomendadas recomendadas e só a dose prescrita. Sempre que possível, não se deve combinar múltiplos benzodiazepínicos como hipnóticos e ansiolíticos. Observar contraindicações como história de ronco ou apneia do sono, gravidez, situações que requerem estado de alerta após acordar durante a noite e uma história de abuso de substâncias. Há risco de uso em portadores de doença pulmonar severa, que pode piorar com a sedação, e em pacientes psiquiátricos, particularmente os psicóticos. (WALSH, HARTMAN & KOWALL, 1994). Deve-se tomar as devidas precauções contra a chamada insônia de rebote, que pode surgir quando há uma interrupção abrupta da medicação hipnótica. (KALES et al., apud CHOKROVERTY, 1994). Isto é mais comum com dosagens altas e, talvez, com o uso contínuo de agentes de ação curta. Os efeitos da retirada podem ser, geralmente, evitados com o uso de doses baixas e a diminuição deve ser gradativa. (GREENBLATT, HARMATZ & ZINNY, 1987 SOUZA & GUIMARÃES, 1999). apud SOUZA Dependendo da causa da insônia, como já foi bem discutido, outros medicamentos podem vir a ser usados no seu tratamento, psicotrópicos ou não, como antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos, estabilizadores de humor, analgésicos, relaxantes musculares, antiinflamatórios, entre outros, de linha alopática ou homeopática, desde que com os devidos cuidados clínicos e éticos. A chamada psicoterapia é um nome genérico no tratamento da insônia, englobando
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dois tipos de técnicas (para o paciente e/ou seus familiares): 1) As diversas linhas psicoterápicas têm sua indicação de acordo com o distúrbio
emocional básico que causa ou mantém a insônia. Também há de se considerar as condições socioeconômicas e culturais do paciente assim como a sua disponibilidade para o tratamento; 2) Técnicas específicas para o sono, como o relaxamento biofeedback , condicionando
o sono quando o próprio fato de entrar no quarto de dormir já provoca uma resposta de insônia. A técnica comportamental visando ao recondicionamento da cama como um instrumento de prazer é utilizada para auxiliar a aliviar as tensões. A cama passa a ser o único lugar em que se fica quando se quer dormir, mas só se o sono ocorrer imediatamente. (DREYFUS, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Além destas, outras recomendações como leituras especializadas têm sido feitas na prática clínica, como autoajuda e/ou esclarecimentos científicos sobre a insônia. Como exemplo, o livro “Vencendo a insônia” (do original No More Sleepless Nights ), Editora Objetiva, 1995 (1ª edição em 1990), do Dr. Peter Hauri, PhD, Diretor do Programa de Pesquisas e Tratamento da Insônia da Mayo Clinic – EUA e da Dr.ª Shirley Linde, Ph.D. Neste livro, os autores apresentam técnicas naturais para o tratamento da insônia sem o uso de medicamento, técnicas de redução e controle do estresse, autoanálise de seu sono, dietas, exercícios e conselhos para um sono melhor. O livro “não traz apenas generalidades vagas sobre relaxamento. Ao contrário, convoca o leitor a ser seu próprio terapeuta. A percorrer as etapas específicas para descobrir os problemas que causam a insônia e, em seguida, trilhar os caminhos da cura” . Porém, na “nota do editor”, há o esclarecimento de que este livro destina se a fornecer informações exatas e autorizadas acerca do assunto abordado. É posto à venda com o entendimento de que os autores e a editora não estão prestando serviços médicos ou profissionais de qualquer tipo. Se houver necessidade de conselhos médicos ou outra assistência especializada, devem ser procurados os serviços de profissionais competentes. O grande risco deste tipo de literatura é que se o leitor não ler as notas iniciais do livro ou mesmo a “nota do editor”, busque o autodiagnóstico da insônia e, o que pode ser pior, o seu autotratamento (como exemplo a automedicação). A mesma crítica cabe às técnicas alternativas como florais, cromoterapia (terapia por meio das cores), aparelhos de estimulação cerebral (luminosos e/ou auditivos), entre outras técnicas não providas de comprovação científica para o tratamento da insônia. Os programas de tratamento comportamental têm sido indicados mais apropriadamente aos pacientes com insônia primária. Pelo novo sistema de classificação, a
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insônia primária corresponde a quatro categorias: insônia psicofisiológica, higiene inadequada do sono, insônia idiopática e percepção inadequada do sono. (ICSD, 1990 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Já nas insônias secundárias, embora o tratamento vise ao distúrbio médico ou psiquiátrico subjacente, o tratamento comportamental poderia servir como um coadjuvante. (STEPANSKI, apud KRYGER et al ., 1994). Dos tratamentos comportamentais existentes, destacam-se a higiene do sono, a terapia de controle de estímulo, a terapia de restrição do sono, de relaxamento, biorretroalimentação, medicação, exercícios de respiração profunda, imagem conduzida e relaxamento progressivo dos músculos. O controle de estímulos não está baseado em teoria, mas em observações práticas com pacientes feitas por Jacobson, em 1938. Hoje em dia, este tratamento se inclui na higiene do sono. A terapia de controle de estímulos foi formalmente descrita por Bootzin, em 1978 (STEPANSKI, apud KRYGER et al ., 1994) e é uma técnica que visa promover a associação do comportamento no quarto com o sono ao invés da vigília.
VOCÊ SABIA?
As instruções essenciais para prevenir a inibição do sono incluem o deitar na cama apenas quando sonolento e levantar se o sono não aparecer em 10 a 20 minutos, tanto no início da noite como durante os despertares no meio da noite. Os pacientes são instruídos a se engajarem em atividades inexpressivas e sem utilidade e a voltarem para a cama somente quando sentirem sono. Este procedimento é repetido no decorrer da noite quantas vezes forem necessárias até quando o paciente tiver capacidade de adormecer rapidamente, ao deitar-se. O horário de levantar pela manhã deve ser sempre o mesmo, independente da quantidade de sono que ocorreu. (BOOTZIN, 1991 apud SOUZA & GUIMARÃES , 1999; WALSH, HARTMAN, & KOWALL, 1994).
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A terapia de restrição do sono é uma técnica que limita o tempo na cama, criando um grau de privação do sono. Esta técnica foi descrita por Spielman (1987 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) e está embasada na concepção de que a privação parcial do sono resulta em um sono mais profundo e mais contínuo, o que ajuda a reverter os fatores condicionantes negativos que perpetuam a insônia e é algo mais restaurador. Os insones primeiro são submetidos aos diários do sono e, com estes dados em mãos, são instruídos a limitar seu tempo na cama a uma média da quantidade de sono que eles subjetivamente estimam que obtêm cada noite, não menos que cinco horas. A eficiência do sono – ES (total de tempo dormido/total de tempo na cama) é estimada subjetivamente cada noite. Quando a ES subir acima de 90%, o tempo na cama é lentamente aumentado, geralmente com aumentos de 15 a 30 minutos. Isto é repetido cada vez que a ES subir acima de 90%, por várias noites consecutivas. Uma desvantagem desta terapia pode ser a sonolência excessiva diurna, que pode ocorrer quando o tempo na cama for significativamente reduzido. (WALSH, HARTMAN & KOWALL, 1994). As técnicas de relaxamento progressivo para o tratamento da insônia vêm sendo formuladas há 50 anos, embora a maioria dos estudos controlados deste tipo de tratamento vem sendo conduzida desde 1970. Um de seus pioneiros foi o Dr. Edmundo Jacobson, 1938. (STEPANSKI, apud KRYGER et al ., 1994). Este tratamento ensina o paciente a reconhecer as tensões fisiológicas e a controlá-las. É treinada uma série de exercícios que consiste primeiro em tensionar e depois relaxar cada grupo de músculos de forma sistemática. O relaxamento progressivo é inicialmente ensinado em sessão de uma hora de treinamento; sessões adicionais são realizadas, se necessário. Os pacientes devem praticar os exercícios duas vezes por dia, sendo a segunda sessão antes de se deitar. (STEPANSKI, apud KRYGER et al ., 1994). Outro tratamento que produz relaxamento fisiológico é a EMG, que pode medir a tensão do músculo frontal. (HAURI, 1981 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Os pacientes são instruídos para técnicas de relaxamento, como a respiração profunda, para detectar os comportamentos que induzem ao relaxamento ou aumentam a tensão. (STEPANSKI, apud KRYGER et al ., 1994). O estímulo cognitivo, por meio de pensamentos ou preocupações, tem também sido associado ao sono ruim em insones. A premissa neste caso é que se o paciente aprender a controlar os seus pensamentos, o início do sono pode acontecer normalmente. A meditação, a imagem induzida e o reforço cognitivo são técnicas que produzem um objetivo neutro e
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agradável, o qual focaliza o processo do pensamento. Estas técnicas são aprendidas em sessões de treinamento e então praticadas pelo paciente, em sua casa, em períodos de 20 minutos diariamente. Apresentam restrições naqueles estudos que tentam isolar um mecanismo específico de ação para estes tratamentos, mas oferecem auxílio na clínica diária, quando a causa do despertar for desconhecida. (STEPANSKI, apud KRYGER et al ., 1994).
Outras abordagens comportamentais são conhecidas, como é o caso da retroalimentação do ritmo sensório-motor, que produz ondas cerebrais na frequência dos fusos de sono. Os elementos deste tratamento são os mesmos da EMG, porém com o EEG. Outra técnica é a da terapia da luz brilhante para as causas circadianas da insônia. Esta pode ser efetiva no controle de distúrbios de fase do sono, como o distúrbio do atraso do sono (muitas vezes caracterizados como uma insônia inicial e dificuldade de levantar num dia normal de trabalho), entre outros. Entretanto, esta técnica pode vir a prejudicar o ritmo circadiano em relação ao ritmo da temperatura corporal (CZEISLER, ALLAN & STROGATZ, 1986 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) e o início da secreção noturna de melatonina. (SINGER & LEWY, 1989 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Este tratamento tem sido promissor, especialmente para indivíduos idosos que experimentam insônia terminal proeminente, apesar de mais investigações clínicas ainda serem necessárias. Esta técnica também pode ser útil nos distúrbios do padrão sono-vigília em idosos demenciados. (CAMPBELL, SATLIN & VOLICER, 1991 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Novos e amplos estudos científicos devem ser realizados com este tipo de técnica terapêutica para a insônia (TERMAN, apud KRYGER et al ., 1994), assim como para as outras abordagens comportamentais, que não demonstram o mesmo nível de sucesso nos resultados dos estudos comparativos com o tratamento farmacológico, o qual tem muito mais estudos padronizados já realizados. (STEPANSKI, apud KRYGER et al ., 1994). Algumas causas socioambientais da insônia, como ruídos externos e internos do quarto, luminosidade e temperatura, entre outras, devem ser tratadas pelos devidos órgãos competentes; se no lar, os familiares; porém, se fora do lar, pela prefeitura, associação de bairro ou órgão responsável. O tratamento vai além dos limites do especialista em distúrbios do sono; torna-se uma abordagem transdisciplinar. (SOUZA, 1997). As questões culturais também devem ser abordadas com cautela pelo especialista, respeitando os critérios de diferenciação do que vem a ser o normal e o patológico para o paciente, no contexto de sua cultura. (SOUZA, 1997).
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Em pesquisas com populações indígenas, por exemplo, tem-se evidenciado a dificuldade em se avaliar os hábitos e distúrbios do sono nestas culturas. Provavelmente, qualquer mudança ou tratamento que venha a ocorrer futuramente terá dificuldade para ser instituído, devido a costumes culturais já arraigados. A insônia transitória ou de curta duração são distúrbios temporários do sono que estão geralmente associados com situações estressantes agudas ou com uma mudança súbita no ritmo sono-vigília e, por definição, estes se resolvem espontaneamente em menos de um mês. Assim, eles não justificam um tratamento, a menos que os episódios tornem-se recorrentes. Entretanto, se o distúrbio psíquico for significante ou ocorrerem prejuízos diurnos, o tratamento pode ser necessário. As insônias transitórias podem ser tratadas com medicação hipnótica ou abordagem comportamental. Se a insônia persistir, mesmo com o tratamento, os fatores causais devem ser reavaliados no contexto de uma insônia persistente. (WALSH, HARTMAN & KOWALL: 1994). O tratamento da insônia persistente depende da precisão do processo diagnóstico. Uma vez feito o diagnóstico, uma terapia específica objetivará reverter a causa subjacente da insônia. Falar em prevenção da insônia é algo inovador e ao mesmo tempo de alta complexidade, em vista das contingências socioeconômicas e culturais atuais, como a globalização, o avanço tecnológico, a inversão de valores morais e éticos, o desemprego, entre outros aspectos. O ser humano está tendo que suportar tudo isso, e muito mais, e ainda "teria" que dormir bem. Inicialmente, cada pessoa deve conhecer qual o seu ritmo sono-vigília, no que se refere à quantidade de horas que lhe são suficientes para acordar bem e disposta biopsico e socialmente (relacionamentos). Para isso, basta confeccionar o seu próprio "diário do sono”; é importante delimitar os seus horários de trabalho, lazer, estudo, atividades em geral de modo que não interfira no ritmo sono-vigília. O relógio biológico específico do sono precisa ser programado. Só assim é possível dormir num determinado horário e ter uma noite realmente relaxante. Se uma pessoa quer dormir às 22 horas, como exemplo, é essencial que ela vá para cama sempre neste mesmo horário. Quem dorme cada noite numa hora não consegue criar uma "disciplina”. Já o horário de acordar é um regulador muito importante do relógio biológico. É essencial que se escolha o horário de dormir em função da hora de acordar. Há de se sintonizar o relógio biológico com o relógio social. (REIMÃO & RANGEL, 1997 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Na prática, vê-se que há de se fazer um acordo entre os parceiros do
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mesmo quarto e/ou da mesma cama, pois uma pessoa pode interferir na sintonização dos "relógios" de outra. A higiene do sono também pode ser usada na prevenção primária da insônia (em pessoas que nunca tiveram este distúrbio) ou na prevenção secundária (em pessoas que já tiveram insônia e não a querem mais para si). Entende-se por Higiene do Sono: As condições e práticas para promover o sono contínuo e eficaz, que incluem regularidade e hora de despertar; adequação do tempo que fica na cama em relação ao tempo necessário para manter o sono adequado para cada indivíduo, ou seja, tempo total suficiente para evitar a sonolência quando acordado; restrição de álcool e cafeína nos períodos antes da hora de adormecer; emprego de exercício, nutrição e fatores do meio ambiente que aumentam o sono repousante. (REIMÃO, 1996).
Uma importância maior dada à Higiene do Sono vem acontecendo nas últimas duas décadas, com o desenvolvimento da Medicina dos Distúrbios do Sono. (ZARCONE, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A seguir, delimitar-se-ão alguns tópicos de suma importância na Higiene do Sono. Há uma variação considerável na duração do sono dos indivíduos normais; não está relacionada às características de personalidade. A média do tempo de sono de adultos jovens é sete horas, com uma variação de uma hora. Isto significa que algumas pessoas podem precisar de seis horas ou menos, ou oito horas ou mais de sono por noite. A tendência ao sono é bifásica, com outro pico de sonolência aproximadamente oito horas depois do término da consolidação do período de sono longo. Cochilos de 10 a 15 minutos durante este pico podem causar efeitos deletérios no sono do próximo período de sono longo; e cochilar 10 a 12 horas depois do período maior de sono prejudica o sono noturno subsequente. (ZARCONE, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Há poucos estudos sistemáticos sobre a variação normal do tempo de dormir em relação ao ciclo luminosidade/escuridão. Como nas doenças afetivas sazonais (LEWY, apud KRYGER, 1987) há a possibilidade de uma variação normal no tempo de sono entre as pessoas que moram ao norte do paralelo 35 0 e de estas terem alguns efeitos no seu rendimento diário e no seu humor. Em adição a estes fatores circadianos e sazonais, há outros efeitos do tempo e ocupação do período de sono no dia de 24 horas. Taub e Berger (1976 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999) relataram que o tempo de sono definitivamente afeta o humor e o rendimento diário, independentemente da duração. Um ritmo menor que três horas pode resultar em um rendimento diminuído. Também, o tempo de exposição à Lua é obviamente significante, particularmente nas latitudes norte e sul.
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Possivelmente, uma fase atrasada pode ser compensada pela administração de meia hora a duas horas de 2500 lux de luzes brilhantes no tempo apropriado no período de 24 horas, que é na primeira hora da manhã. (TERMAN, apud KRYGER, 1994). Uma fase avançada do período de sono, como adormecer mais cedo e acordar mais cedo, pode responder à luz no início da noite para avançar a curva de fase-resposta do homem para achar um período de sono mais normativo e aceito socialmente. (ZARCONE, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). As pessoas com idade acima dos 40 anos precisam ser aconselhadas sobre as trocas fisiológicas normais que ocorrem no sono com o avançar da idade. A eficiência do sono e o número de despertares, e os minutos despertos após o início do sono, diminuem e aumentam precipitadamente, ao mesmo tempo, por volta dos 45 anos. (MILES & DEMENT, 1980 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; REYNOLDS, KUPFER & TASKA, 1985 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A capacidade fisiológica de iniciar o sono a qualquer momento nas 24 horas do dia é grandemente diminuída após os 25 anos de idade. Embora não haja nenhum estudo sistemático sobre a perda da capacidade de avançar a fase do sono ou a reposição do sono perdido nas noites subsequentes, isso provavelmente teria a ver com a perda da capacidade de elaborar as ondas lentas, que ocorre muitas vezes na segunda década de vida. Os indivíduos comumente referem irritação com o fato de que no passado podiam dormir ou avançar sua fase de sono a qualquer momento em relação ao relógio de 24 horas e agora não. (ZARCONE, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Há muitos fatores que condicionam ao despertar no cenário do sono, como têm sido relatados em vários estudos. (COATES & TIIORESEN, 1977 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; HAURI, 1982 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; KIRMIL-GRAY et al ., 1985 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; INSTITUTE OF MEDICINE, 1979 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Muitos deles estão relacionados a “estressores psicológicos", como exames, crises econômicas e conjugais. Tal a importância de se estar atento a um equilíbrio emocional. Alguns deles são simples hábitos que não estão relacionados a nenhum episódio particular de estresse psicológico, como é o caso de alguns indivíduos que prolongam o seu horário de trabalho ou de estudo para além do momento habitual de apagar as luzes e ir para a cama dormir. Outro exemplo são aquelas pessoas que continuam refletindo na cama sobre os eventos do dia anterior ou planejando as ações do dia seguinte. São hábitos que deveriam ser descontinuados. O quarto deve ser escuro e silencioso, sem fatores de distração, como
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televisão, animais de estimação, entre outros. Todos os possíveis estímulos devem ser removidos do quarto, que deve ser usado apenas para dormir. A atividade sexual, dependendo do indivíduo, pode ser sedativa ou estimulante. Caso seja estimulante, convém ser praticada em outro lugar que não o quarto de dormir ou talvez em um horário diferente daquele do maior período de sono. Outro fator estimulante é um relógio às vistas da pessoa, que, se preocupada com o horário de começar ou continuar o sono, apenas intensificará o estado de vigília. O tempo e o tipo de refeição e a quantidade de líquidos ingeridos podem ser fatores importantes, particularmente para a manutenção do sono. (ZARCONE, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999).
Eis alguns efeitos da cafeína, etanol e nicotina no sono: Cafeína: um trabalho que revisou muitos estudos sobre os efeitos da cafeína no sono sintetizou que a mesma tem efeitos deletérios no sono (CURATOLO & ROBERTSON, 1983 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999), que compete com os receptores adenosínicos e, como a adenosina é um neurotransmissor inibitório, há uma rede perdida de inibição depois de seu uso. (PHIÍLLIS & WU, 1982 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A cafeína produz um aumento da vigília e diminui o tempo total de sono durante a noite. A sensibilidade aos efeitos da cafeína pode durar de oito a 14 horas. Há relatos de casos de pessoas que são sensíveis a apenas três xícaras de café. (LUCAS, SCHEVING & HALBERBG, 1982 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A média é de 100 mg de cafeína por xícara de café; uma xícara grande contém 200 mg; os chás e as bebidas com cola contêm entre 50 mg e 75 mg de cafeína, dependendo do tipo. Uma pessoa que consome 500 mg ou mais de cafeína por dia deveria ser encorajada a descontinuar este hábito para se ver quais efeitos seriam obtidos no seu sono noturno subsequente e na ansiedade diurna associada à ingestão de cafeína. (ZARCONE, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Etanol: muitas pessoas comumente bebem, em grandes quantidades, para iniciar o seu sono; isto cria dificuldades na manutenção do sono. Isto é verdade para doses socialmente aceitas de etanol, porque os efeitos dessa substância no sono de alcoólicos crônicos são muito mais profundos. (ZARCONE, 1982 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). O uso de etanol pode diminuir o tempo de latência do sono e causar despertares de sonhos intensos com pavor e dor de cabeça. Estes despertares são parte da secreção de catecolaminas depois de doses até
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moderadas de etanol consumidas próximo à hora de deitar. O etanol é metabolizado na dose aproximada de uma dose por hora. O etanol é prejudicial aos portadores de problemas respiratórios com repercussões no sono, como a Apneia do Sono; assim como nos homens de meia-idade e nas mulheres na pós-menopausa, nos quais o etanol pode ter efeitos importantes na ventilação. Pessoas que roncam profundamente, independente da idade e do sexo, ou mesmo da causa do ronco, devem limitar a sua ingestão de álcool ou outro hipnótico sedativo e prestar a atenção ao tempo da ingestão e do metabolismo da droga em relação ao seu período de sono. (ZARCONE, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Nicotina: muitos estudos de laboratório e populacionais têm indicado que a nicotina tem os mesmos efeitos da cafeína no sono noturno e no rendimento diário subsequente. (BALE & WHITE, 1982 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999; SOLDATOS, KALES & SCHARF, 1980 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). A nicotina tem um efeito bifásico: em baixas concentrações
no sangue é produzida uma sedação leve e relaxamento; em concentrações maiores, o efeito no mesmo mecanismo colinérgico é a produção do despertar. Estes efeitos podem ocorrer em uma sequência tão rápida ao ponto que quando se fuma durante o período de sono há um despertar ao invés de uma sedação desejada. A combinação de nicotina com cafeína desperta e com etanol seda; ambas, obviamente, prejudicam o sono noturno subsequente. Quando o etanol é finalmente metabolizado e os níveis sanguíneos de nicotina e cafeína estão ainda altos, há uma interação de três estados de vigília. A interação pode alterar profundamente a manutenção do sono, particularmente nas pessoas com mais de 45 anos de idade. (ZARCONE, 1994 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). O sono, como já discutido anteriormente, pode ser influenciado por fatores ambientais, tais como luminosidade, temperatura, ruídos, fusos horários, trabalhos em turnos, entre outros. A regularização destes fatores transpõe a atividade dos profissionais de saúde, cabendo a autoridades competentes que, muitas vezes, não dispõem de assessores técnicos na área de saúde pública. Falar em saúde pública e sono no Brasil é algo ainda muito recente e precário, sem um devido controle político eficaz, capaz de orientar e exigir das empresas públicas e privadas horários fixos de trabalhos, ou quando alternados que sejam de forma regular e com intervalos de descanso com o dobro de horas no mínimo; assim como, com o devido apoio técnico aos empregados para que realmente descansem nos períodos destinados a tal.
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Por vezes, a mídia noticia acidentes de trânsito ou aéreos e de trabalho provocados pela sonolência dos envolvidos (por exigência dos patrões, por necessidade financeira ou por solidariedade a algum colega, ou qualquer outro motivo). Há de se exigir dos funcionários a devida prudência quanto aos horários de trabalho dobrados e coibir ao máximo esta prática, principalmente quando coloca em risco a vida do empregado e/ou de outrem. Os arquitetos, projetistas, engenheiros civis e ambientais, entre outros profissionais, devem estar atentos aos aspectos relacionados à luminosidade, temperatura e ruídos dos quartos das casas e apartamentos que serão construídos. É fundamental ter um quarto com condições mínimas para propiciar o sono. Em primeiro lugar, o local deve ser escuro. Se o indivíduo gosta de claridade, convém dispor de uma luz em um corredor ao lado de seu quarto. A temperatura deve ser mantida nem muito fria nem muito quente, entre 15 e 25ºC; caso contrário, a pessoa pode acordar com uma terrível sensação de incômodo. Se necessário, pode-se dispor de um ar-condicionado ou ventilador no verão e um aquecedor no frio. (REIMÃO & RANGEL, 1997 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Quanto aos ruídos internos e externos da casa, os quartos devem estar localizados longe dos mesmos. Se for preciso, para diminuir o barulho no quarto, pode-se colocar abafadores de som (vidro duplo ou espuma) nas janelas ou portas. Isto funciona como uma barreira para o ruído externo (carros na rua, vizinhos, cachorros, estação de trem por perto, rodovias de grande fluxo, boates por perto, entre outros) e interno (conversas em outros aposentos, crianças chorando, ruído das panelas, entre outros). Cabe aqui ressaltar que a prefeitura municipal é o órgão que, teoricamente, deveria normatizar e fiscalizar os locais adequados para a instalação de boates, casas de shows, entre outros locais públicos que produzem ruídos capazes de atrapalhar o bom sono dos vizinhos. Por fim, a escolha da peça fundamental para uma boa noite de sono, a cama, deve ter a participação do arquiteto e do decorador, a fim de se ter escolhido a sua melhor localização no quarto; esta não deve ser nem macia nem dura demais, nem com ruído. (REIMÃO & RANGEL, 1997 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999). Outro aspecto importante que depende em parte do indivíduo são as constantes viagens com mudança de fuso horário, que prejudicam o ritmo sono-vígília das pessoas, provocando privações de sono ou um fenômeno mundialmente conhecido como jet lag . A seguir, algumas regras básicas que ajudam a pessoa a se adequar ao novo horário em qualquer parte do mundo, evitando assim, a insônia ou outro distúrbio do ritmo sono-vigília:
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1) Logo que se entrar no avião ou no navio, ou em outro meio de transporte, deve-se arrumar o relógio de acordo com o horário do local para onde se está viajando. Quanto mais rápida for a mudança, mais rápida será a adaptação; 2) Informe-se se a companhia de transporte já não faz a mudança logo na partida. Ou seja, serve refeições e deixa os passageiros dormirem e acordarem a bordo como se já tivessem chegado ao seu destino; 3) “Não se deve ingerir álcool nem refeições pesadas” durante a viagem, para não boicotar ainda mais o sono; 4) Logo que chegar, deve-se tentar dormir e acordar no ritmo dos anfitriões; 5) Não se devem marcar compromissos importantes no primeiro dia, pois se estará um tanto cansado para tal, com necessidade de cochilar; 6) No primeiro dia, deve-se evitar passeios cansativos ou visitas demoradas, pelo mesmo motivo do item 5; 7) Se a pessoa viaja para competições, os cuidados devem ser redobrados. Não se deve entrar em jogos nos primeiros dois dias, pelo menos, devido ao mesmo motivo do item 5; 8) Quando já no destino, deve-se evitar dormir prolongadamente. Isto dificulta o sono noturno no novo horário. Se estiver cansado da viagem, procura-se dormir no máximo duas horas, com a ajuda de um despertador; 9) Convém se expor à luz solar, no primeiro dia, pois ela inibe a produção de melatonina (hormônio responsável pelo sono). Pode-se fazer um passeio ao ar livre para se ajustar o relógio biológico em seu novo horário. Não convém usar a melatonina sintética, pois o seu uso ainda não está aprovado. 10)
Deve-se se alimentar de forma regular e com comidas leves (frutas e verduras).
Viagens de longa distância alteram os ritmos circadianos da alimentação e digestão, podendo provocar distúrbios gastrointestinais, enjoos, diarreia ou obstipação intestinal. (REIMÃO & RANGEL, 1997 apud SOUZA & GUIMARÃES, 1999).
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5 AS FASES DE DESENVOLVIMENTO
Na infância e adolescência muitos dos distúrbios mentais comprometem o sono e causam problemas. Na criança, há de se ter certa cautela no diagnóstico das doenças mentais, observando-se as características individuais do desenvolvimento infantil e, também, os conhecimentos básicos da psicopatologia. O conceito de normalidade em psicopatologia é questão de grande controvérsia. Obviamente, quando se trata de casos extremos, cujas alterações comportamentais e mentais são de intensidade acentuada e longa duração, o delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático. problemático. (DALGALARRONDO, 2000). Há vários critérios de normalidade e anormalidade em psicopatologia. A adoção de um ou outro depende de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas do profissional. Há de se atentar para que a ciência prevaleça sobre qualquer tipo de dogma, quando se tratar dos transtornos mentais. A seguir alguns critérios designados pelo Prof. Dr. Paulo Dalgalarrondo (2000), da Universidade Estadual de Campinas:
1) Normalidade como ausência de doença:
Normal seria aquele indivíduo que simplesmente não é portador de um transtorno mental definido. Tal critério é bastante falho e precário, pois, além de redundante, baseia-se em uma ‘definição negativa’, ou seja, define -se a normalidade não por aquilo que ela supostamente é, mas, sim, por aquilo que ela não é, pelo que lhe falta. (DALGALARRONDO, 2000). Os pais, por exemplo, tendem, às vezes, a comparar os comportamentos de seus filhos com os de outras crianças. O que não é correto, haja vista que cada ser humano é único. 2) Normalidade ideal:
Normalidade aqui é tomada como certa “utopia”. Estabelece -se arbitrariamente uma norma ideal, o que é supostamente “sadio”, mais “evoluído”. Tal norma é, de fato, socialmente
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constituída e referendada. Depende, portanto, de critérios socioculturais socioculturais e ideológicos arbitrários, dogmáticos e doutrinários. (DALGALARRONDO, 2000).
3) Normalidade estatística: 79
A normalidade estatística identifica norma e frequência. É um conceito de normalidade que se aplica especialmente a fenômenos quantitativos, com determinada distribuição estatística na população geral (como peso, altura, pressão arterial, horas de sono, quantidade de sintomas ansiosos e outros). O normal passa a ser aquilo que se observa com mais frequência. Os indivíduos que se situam, estatisticamente, fora (ou no extremo) de uma curva de distribuição normal, passam, por exemplo, a ser considerados anormais ou doentes. É um critério falho em saúde geral e mental, pois nem tudo o que é frequente é necessariamente ‘saudável’, assim como nem tudo que é raro ou infrequente é patológico. (DALGALARRONDO, 2000). Aqui se aplica, também, o erro da comparação de condutas e comportamentos entre as crianças, em casa ou na escola.
4) Normalidade como bem-estar :
A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu, em 1958, a saúde como o completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente como ausência de doença. É um conceito criticável por ser muito vasto e impreciso, pois bem-estar é algo difícil de definir objetivamente. Além disso, esse completo bem-estar físico, mental e social é tão utópico que poucas pessoas se encaixariam na categoria “saudáveis”. “saudáveis”. (DALGALARRONDO, 2000).
Um adolescente, aqui, seria considerado, muitas vezes, um doente.
5) Normalidade funcional:
Tal conceito irá assentar-se sobre aspectos funcionais e não necessariamente quantitativos. quantitativos. O fenômeno é considerado patológico a partir do momento em que é disfuncional, disfuncional, provoca sofrimento para o próprio indivíduo ou para seu grupo social. 80
6) Normalidade como processo:
Neste caso, mais do que uma visão estática, consideram-se os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das desestruturações e reestruturações ao longo do tempo, de crises, de mudanças próprias a certos períodos etários. (DALGALARRONDO, 2000). Aqui, ressalta-se a necessidade do conhecimento do desenvolvimento neuropsicomotor normal da criança.
7) Normalidade subjetiva:
É dada maior ênfase à percepção subjetiva do próprio indivíduo em relação ao seu estado de saúde, às suas vivências subjetivas. O ponto falho deste critério é que muitos indivíduos que se sentem bem, ‘muito saudáveis e felizes’, como no caso de pessoas em fase maníaca, apresentam de fato um transtorno mental grave. (DALGALARRONDO, 2000).
8) Normalidade como liberdade:
Alguns autores de orientação fenomenológica e existencial propõem conceituar a doença mental como perda da liberdade existencial. A saúde mental vincular-se-ia às possibilidades de transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio destino. (DALGALARRONDO, 2000).
9) Normalidade operacional:
É um critério assumidamente arbitrário, com finalidades pragmáticas explícitas. Definese a priori o que é normal e o que é patológico e busca-se trabalhar operacionalmente com tais conceitos, aceitando-se as consequências de tal definição prévia. (DALGALARRONDO, 2000). 81
10)
Critério do sofrimento:
“Anormal seria aquele que em função de seu estado anômalo, sofre ou faz sofrer a sociedade”. (DALGALARRONDO, 2000).
11)
Adaptabilidade:
“É a capacidade do organismo para funcionar eficientemente em co ndições distintas das habituais”. (DALGALARRONDO, 2000).
Em alguns casos, pode-se utilizar uma associação de vários critérios de normalidade ou doença, de acordo com o objetivo que se tem em mente. Essa é uma área da psicopatologia que exige uma postura permanentemente crítica e reflexiva dos profissionais. (DALGALARRONDO, 2000).
5.1 ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO PARA ERIK ERIKSON
Baseado na psicologia freudiana, Erik Erikson desenvolveu um estudo sobre o desenvolvimento humano. Erikson foi além da puberdade, pois acreditava que as experiências da idade adulta também determinam a personalidade. Para Erikson, o foco do desenvolvimento do ego é mais do que o resultado de desejos intrapsíquicos, é também uma questão de regulagem mútua entre a criança em crescimento, a cultura e as tradições da sociedade.
Sendo assim, a mais importante contribuição de Erikson é ter formado uma teoria do desenvolvimento que cobre todo o ciclo vital desde a primeira infância até a velhice e senescência. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Descreveu os seguintes estágios do desenvolvimento humano:
ESTÁGIO 1: “Confiança Básica versus Desconfiança Básica” (do nascimento até cerca 82
de 1 ano).
Coincide com o desenvolvimento oral em Freud, onde a boca é a zona mais sensível do corpo. O bebê procura preencher suas necessidades, localizando o mamilo, sugando-o e ingerindo outros alimentos. A mãe induz confiança atendendo assiduamente a essas necessidades, deste modo prepara o terreno para futuras expectativas acerca do mundo. Esta interação permite ao bebê desenvolver um sentimento de confiança de que suas necessidades serão satisfeitas ou, se a mãe não foi atenta e carinhosa, de que não irá obter o que precisa, tornando-se desconfiado. Entretanto, se a confiança básica é forte, a criança desenvolve a virtude esperança solucionando sua primeira crise. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
REFORÇANDO!
É nesta fase que a mãe começa a preparar o bebê para o mundo o cerca desenvolvendo no bebê sentimentos de confiança e segurança.
ESTÁGIO 2: “Autonomia versus Vergonha e Dúvida” (de 1 a 3 anos, aproximadamente).
Neste estágio, os bebês adquirem um sentimento de que são separados dos outros. A autonomia permite o domínio sobre si mesmo e sobre seus impulsos. Coincidindo com o estágio anal em Freud, a criança tem a opção de reter ou liberar as fezes, ambos os comportamentos têm um efeito sobre a mãe. Ao permitir que a criança funcione com alguma autonomia, sem superprotegê-la, ela adquire autoconfiança e sente que consegue controlar a si mesma e ao mundo ao seu redor. Porém, se a criança é punida por ser autônoma ou é excessivamente controlada, sente-se irada e envergonhada. Ao equilibrar esta crise a criança desenvolve a virtude da vontade. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
REFORÇANDO!
Nesta fase o bebê começa a perceber que ele é um ser único e separado de seus pais, desenvolvendo o sentimento de autonomia.
ESTÁGIO 3: “Iniciativa versus culpa” (dos 3 aos 5 anos). Este estágio corresponde à fase fálico-edípica de Freud.
O reforço à iniciativa depende de quanta liberdade física as crianças recebem e do quanto sua curiosidade intelectual é satisfeita. Conflitos sobre a iniciativa podem impedir que as crianças em desenvolvimento experimentem todo o seu potencial e podem interferir em seu senso de ambição, que se desenvolve neste estágio. Ao final deste estágio, a consciência (superego) da criança é estabelecida.
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A criança aprende não apenas que existem limites para seu repertório de comportamentos, mas também que os impulsos agressivos podem ser expressos de formas construtivas, tais como na competição saudável, em jogos e no uso de brinquedos. Punições excessivas podem restringir a imaginação e iniciativa da criança. Se bem resolvida esta fase, desenvolve as virtudes responsabilidade, confiabilidade e autodisciplina. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). 84
REFORÇANDO!
É nesta fase que a criança que inicia a construção dos valores morais e a constituição do superego da criança.
ESTÁGIO 4: “Indústria versus Inferioridade” (6 ao 11 anos).
Equivale ao período de latência em Freud. É também o período da idade escolar, quando a criança começa a participar de um programa organizado de aprendizagem. O principal ponto deste estágio é a indústria ou capacidade de trabalhar e adquirir habilidades adultas. A criança aprende que é capaz de fazer coisas, de dominar e realizar uma tarefa. Em contrapartida há um senso de inadequação e inferioridade, o potencial negativo deste estágio, que pode advir de pais e professores que não encorajam as crianças a valorizarem sua produtividade e perseverarem em um empreendimento difícil. Como valorizava as situações sociais, Erikson acreditava que um ambiente escolar que deprecia ou desencoraja a criança, pode diminuir sua autoestima mesmo que os pais em casa recompensem sua produtividade. Superando esta crise, a criança desenvolve a virtude da habilidade. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
REFORÇANDO!
É nesta fase que a criança começa a desenvolver suas habilidades e sua capacidade de aprender diversas coisas em
ESTÁGIO 5: “Identidade versus Difusão de papéis” (dos 11 ao final da adolescência). adolescência).
A principal tarefa deste período é desenvolver o senso de identidade, no entanto, esta fase coincide com a puberdade e a adolescência. As características que estabelecem quem é o indivíduo e para onde está indo, definem a identidade. Sendo que a identidade saudável é construída a partir da passagem bem-sucedida pelos estágios anteriores. O adolescente pode fazer vários “falsos começos” onde seus valores podem mudar, porém, um sistema ético é por fim consolidado em uma moldura organizacional coerente. Ao final deste estágio é desenvolvida a virtude da fidelidade. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
REFORÇANDO!
É nesta fase que o indivíduo começa a definir seus papéis e sua identidade.
85
ESTÁGIO 6: “Identidade versus autoabsorção ou isolamento” (dos 21 aos 40 anos).
Neste estágio o adulto procura intimidade, que é o transcender a exclusividade das dependências anteriores e estabelecer uma reciprocidade por meio de relacionamentos sexuais, amizades e todas as associações profundas, consequentemente desenvolve a virtude do amor se tiver com sua crise de identidade resolvida. Sem uma companhia, o indivíduo pode se tornar muito pensativo sobre seus próprios problemas, deixando crescer em si um senso de isolamento que pode atingir proporções perigosas. perigosas. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
REFORÇANDO!
É nesta fase que o indivíduo começa a buscar relacionamentos sólidos e começa a refletir sobre seus problemas.
estagnação” (dos 40 aos 65 anos). ESTÁGIO 7: “Geratividade versus estagnação” Geratividade não é somente o gerar filhos, mas também envolve o fato de criar e orientar as gerações seguintes, desenvolvendo assim a virtude do cuidado. Para isso, é necessário que os pais tenham adquirido identidades próprias e bem-sucedidas. Do contrário, são adultos que não possuem interesse em guiar as gerações seguintes e optam pelo estado estéril, estagnando-se pela incapacidade de transcender e falta de criatividade. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). É comum verificarmos, na prática clínica, alguns “falsos adolescentes” de 40 ou 50 anos, que ainda dependem econômica e afetivamente de seus pais.
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REFORÇANDO!
É nesta fase que nasce no indivíduo seu envolvimento e comprometimento com os aspectos geracionais.
ESTÁGIO 8: “Integridade versus desespero” (terceira idade). Este estágio é descrito como o conflito entre a integridade e o desespero, sendo o primeiro um senso de satisfação ao se refletir sobre uma vida produtivamente vivida, e possibilitando ao idoso aceitar a própria vida, permitindo aceitação da morte e desenvolvendo, assim, a virtude da sabedoria. O seguinte refere-se ao senso de que a vida teve pouco valor, recaindo o desespero e o desgosto pela incapacidade de revivê-la. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Uma grande contribuição de Erik Erikson é podermos compreender o desenvolvimento do ser humano em todos os ciclos de sua vida. Compreendendo o que, teoricamente, seria normal, facilitar-nos-ia reconhecer o anormal e o patológico. Este último envolveria os fatores prejudiciais à pessoa e/ou a outrem, nos aspectos físicos, psicológicos, sociais, ambientais, culturais, históricos e/ou espirituais.
REFORÇANDO!
Na terceira idade o indivíduo faz uma reflexão de sua vida, onde adquiri-se virtude
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5.2 ESTÁGIOS COGNITIVOS DE JEAN PIAGET
Piaget descreveu o desenvolvimento cognitivo como uma série de estágios. Em cada estágio, a criança desenvolve uma maneira de pensar e de responder ao ambiente. Assim, cada estágio constitui uma mudança qualitativa de um tipo de pensamento ou comportamento para outro. Cada estágio é calcado no anterior e constrói os alicerces para o seguinte. (PAPALIA & OLDS, 2000). O primeiro estágio é o sensório-motor , se estende do nascimento aos dois anos de idade. “O bebê gradualmente torna-se capaz de organizar atividades em relação ao ambiente. Aprende mediante atividade sensória e motora”. Os bebês aprendem a “coordenar informações que recebem dos sentidos e progredir da aprendizagem de tentativa e erro, para o uso rudimentar de ideias para resolver problemas simples”. O estágio pré-operacional se estende dos dois aos sete anos de idade e compreende o período em que “a criança desenvolve um sistema representacional e usa símbolos, tais como palavras para representar pessoas, lugares e even tos”. “Entre os avanços do estágio pré-operacional estão a função simbólica, a compreensão de identidades, a compreensão de causa e efeito, a capacidade de classificar e a compreensão de número”. Segundo Piaget, as crianças não têm capacidade de pensar logicamente até o estágio das operações concretas na terceira infância. Muitos professores, na prática diária, podem discordar desta afirmativa, principalmente, na era da informática e da robótica, na qual vivemos. No estágio das operações concretas, dos sete aos 12 anos de idade, “a criança pode resolver problemas de maneira lógica se eles estiverem voltados ao aqui e agora”. Nesta fase, as crianças
[...] têm melhor compreensão da conservação, da diferença entre aparência e realidade, e dos relacionamentos entre os objetos; elas são mais proficientes com os números; e são mais capazes de distinguir a fantasia da realidade.
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Porém, “ainda não são capazes de pensar em termos hipotéticos, sobre o que poderia ser em vez de sobre o que é”. O estágio das operações formais tem início aos 12 anos de idade e se estende até a vida adulta. “A pessoa pode pensar em termos abstratos, lidar com situações hipotéticas e pensar em possibilidades”. As operações formais dão uma nova maneira de manipular (ou operar com) a informação. Eles (adolescentes) não estão mais limitados ao aqui e agora, podendo pensar em termos do que poderia ser verdade e não apenas em termos do que é verdade. Eles podem imaginar possibilidades, testar hipóteses e formar teorias.
5.2.1 Adolescência
A adolescência é um estágio de início e durações variáveis, é o período situado entre a infância e a idade adulta e caracteriza-se por profundas alterações do desenvolvimento biológico, psicológico e social. O início biológico da adolescência é marcado pela rápida aceleração do crescimento esquelético e do desenvolvimento social. O início psicológico se caracteriza por uma alteração do desenvolvimento cognitivo e uma consolidação da formação da personalidade; socialmente a adolescência é um período intensivo para a idade adulta jovem, que vem a seguir. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
5.2.2 Puberdade
O início da puberdade varia. Em geral, sua idade média é 11 anos para as meninas e 13 para os meninos. É ativado pela maturação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenalgonadal, levando à secreção dos esteroides sexuais. Esta atividade hormonal produz manifestações da puberdade tradicionalmente categorizadas como características primárias e secundárias.
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VOCÊ SABIA?
Os hormônios sexuais aumentam lentamente durante toda adolescência e correspondem às alterações corporais; assim como o hormônio foliculoestimulante (FSH) e o luteinizante (LH). A testosterona é responsável pela masculinização dos meninos, ao passo que o estradiol é responsável pela feminização das meninas.
Os dois também influenciam o funcionamento do sistema nervoso central, incluindo humor e comportamento. Cabe ressaltar que durante o sono são produzidos 70% do hormônio do crescimento. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
5.3 GRUPO DE PARES
A experiência escolar altera e intensifica o grau de separação da família. A casa é a base, o mundo real é a escola, e os relacionamentos mais importantes, além da família, são com as pessoas de idade e interesses semelhantes. Os adolescentes procuram estabelecer uma identidade pessoal distinta de seus pais, porém, suficientemente próxima para que a estrutura da família seja incluída, frequentemente veem a si mesmo por meio dos olhos de seus pares, e qualquer desvio na aparência, modo de
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se vestir ou comportamento pode resultar em uma diminuição da autoestima. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Quando não há algum transtorno mental mais sério, como a anorexia nervosa e/ou a depressão.
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5.4 TURBILHÃO DA ADOLESCÊNCIA
As oscilações de humor e impulsividade desta fase devem ser diferenciadas de um diagnóstico de transtorno mental. Há o que muitos chamam de “Síndrome Normal da Adolescência”. Este período envolve um pico do desenvolvimento biológico, a assunção de novos papéis, que envolvem as capacidades de aprendizado e atividades necessárias para o bom desempenho e, por fim, a assunção de um self e estrutura de vida adulta. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
VOC SABIA?
É no período da adolescência que muitos transtornos mentais podem se eclodir e, quanto mais precoce o seu diagnóstico e o tratamento, melhor será a evolução do quadro clínico. Porém, nos países latinos, incluindo o Brasil, muitas vezes o preconceito e o estigma em relação à doença mental imperam sobre qualquer conduta preventiva ou de intervenção precoce, cronificando alguns transtornos que poderiam ser curados logo no seu início.
6 O QUE É PSICOPATOLOGIA?
A Psicopatologia é uma ciência autônoma com diversos conceitos básicos. Estes, por vezes, podem ser confundidos entre si, como “entrevista”, “anamnese”, “exame mental” e outros. Daí a necessidade de um glossário simples e objetivo para um melhor entendimento destes e de outros termos corriqueiramente distorcidos. A psicopatologia, em uma acepção mais ampla, pode ser definida como o conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano. É um conhecimento que se esforça por ser sistemático, elucidativo e desmistificante. Como conhecimento que visa ser científico, não inclui critérios de valor, nem aceita dogmas ou verdades a priori. O psicopatólogo não julga moralmente o seu objeto, busca apenas observar, identificar e compreender os diversos elementos da doença mental. Rejeita qualquer tipo de dogma, seja ele religioso, filosófico, psicológico ou biológico; o conhecimento que busca está permanentemente sujeito a revisões, críticas e reformulações. A psicopatologia tem boa parte de suas raízes na tradição médica (na obra dos grandes clínicos e alienistas do passado), que propiciou, nos últimos dois séculos, a observação prolongada e cuidadosa de um grande número de doentes mentais. Em outra vertente, a psicopatologia nutre-se de uma tradição humanística (a filosofia, a literatura, as artes, a psicanálise) que sempre viu na “alienação mental”, no pathos do sofrimento mental externo, uma possibilidade excepcionalmente rica de conhecimento de dimensões humanas que sem o fenômeno “doença mental” permaneceriam desconhecidas.
Apesar de se beneficiar das tradições neurológicas, psicológicas e filosóficas, a psicopatologia não se confunde com a neurologia das chamadas funções corticais superiores (não se resume, portanto, a uma ciência natural dos fenômenos associados às zonas associativas do cérebro lesado), nem com uma hipotética psicologia das funções mentais desviadas. A psicopatologia é uma ciência autônoma, não é nem um prolongamento da neurologia nem da psicologia. (DALGALARRONDO, 2000).
O mesmo Professor Paulo Dalgalarrondo diferencia as principais escolas
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psicopatológicas.
6.1 PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA VERSUS PSICOPATOLOGIA DINÂMICA
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Para a descritiva interessa fundamentalmente a forma das alterações psíquicas, a estrutura dos sintomas, àquilo que caracteriza a vivência patológica como sintoma mais ou menos típico. Para a dinâmica interessa o conteúdo da vivência, os movimentos internos dos afetos, desejos e temores do indivíduo, sua experiência particular, pessoal, não necessariamente classificável em sintomas previamente descritos. A boa prática em saúde mental implica uma combinação hábil e equilibrada de uma abordagem descritiva, diagnóstica e objetiva e uma abordagem dinâmica, pessoal e subjetiva do doente e sua doença.
6.2 PSICOPATOLOGIA MÉDICA VERSUS PSICOPATOLOGIA EXISTENCIAL
A perspectiva médico-naturalista trabalha com uma noção de homem centrada no corpo, no ser biológico como espécie natural e universal. Assim, o adoecimento mental é visto como um mau funcionamento do cérebro, uma desregulação, uma disfunção de alguma parte do “aparelho biológico”. Já na existencial, o doente é visto principalmente como “existência singular”, como ser lançado a um mundo que é apenas natural e biológico na sua dimensão elementar, mas que é fundamentalmente histórico e humano. O ser é construído pela experiência particular de cada sujeito, na sua relação com outros sujeitos, na abertura para a construção de cada destino pessoal. A doença mental não é vista tanto como disfunção biológica ou psicológica, mas, sobretudo, como um modo particular
de existência, uma forma trágica de ser no mundo, de construir um destino, um modo particularmente doloroso de ser com os outros.
6.3 PSICOPATOLOGIA COMPORTAMENTAL-COGNITIVISTA VERSUS PSICOPATOLOGIA PSICANALÍTICA
No enfoque comportamental, o homem é visto como um conjunto de comportamentos observáveis, verificáveis, regulados por estímulos específicos e gerais, bem como por certas leis e determinantes do aprendizado. Associada a essa visão, a perspectiva cognitivista centra atenção sobre as representações cognitivistas conscientes de cada indivíduo. As representações conscientes seriam vistas como essenciais ao funcionamento mental, normal e patológico. Os sintomas resultam de comportamentos e representações cognitivas disfuncionais, aprendidas e reforçadas pela experiência sociofamiliar. Na visão psicanalítica, o homem é visto como ser “determinado”, dominado por forças, desejos e conflitos inconscientes. A psicanálise dá grande importância aos afetos que, segundo ela, dominam o psiquismo; o homem racional, autocontrolado, senhor de si e de seus desejos é, para ela, uma enorme ilusão. Na visão psicanalítica, os sintomas e as síndromes mentais são considerados formas de expressão de conflitos, predominantemente inconscientes, de desejos que não podem ser realizados, de temores a que o indivíduo não tem acesso. O sintoma é aceito, nesse caso, como uma “formação de compromisso”, certo arranjo entre o desejo inconsciente, as normas e as permissões culturais e as possibilidades reais de satisfação desse desejo. A resultante desse emaranhado de f orças, dessa “trama conflitiva” inconsciente é o que identificamos como sintoma psicopatológico.
6.4 PSICOPATOLOGIA CATEGORIAL VERSUS PSICOPATOLOGIA DIMENSIONAL
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As entidades nosológicas ou transtornos mentais específicos podem ser compreendidos como entidades completamente individualizáveis, com contornos e fronteiras bem demarcados. As categorias diagnósticas seriam “espécies únicas”, tal qual espécies biológicas, cuja identificação precisa seria uma das tarefas da psicopatologia. Em contraposição a essa visão “categorial”, a visão “dimensional” em psicopatologia seria hipoteticamente mais adequada à realidade clínica. Haveria, então, dimensões como, por exemplo, o espectro esquizofrênico, que incluiria desde formas muito graves, tipo “demência precoce” (com grave deterioração da personalidade, embotamento afetivo, muitos sintomas residuais), formas menos deteriorantes de esquizofrenia, formas com sintomas afetivos, chegando até o polo de transtornos afetivos, incluindo formas com sintomas psicóticos até formas puras de depressão e mania.
6.5 PSICOPATOLOGIA BIOLÓGICA VERSUS PSICOPATOLOGIA SOCIOCULTURAL
A psicopatologia biológica enfatiza os aspectos cerebrais, neuroquímicos ou neurofisiológicos das doenças e sintomas mentais. A base de todo transtorno mental são alterações de mecanismos neurais e de determinadas áreas e circuitos cerebrais. “Doenças mentais são (de fato) doenças cerebrais” . Em contraposição, a perspectiva sociocultural visa estudar os transtornos mentais como comportamentos desviantes que surgem a partir de determinados fatores socioculturais, como a discriminação, a pobreza, a migração, o estresse ocupacional, a desmoralização sociofamiliar e outros. Os sintomas e síndromes devem ser estudados, segundo tal perspectiva, no seu contexto eminentemente sociocultural, simbólico e histórico. É nesse contexto de normas, valores e símbolos culturalmente construídos que os sintomas recebem seu significado e, portanto, poderiam ser precisamente estudados e tratados. Mais que isso, a cultura, nessa
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perspectiva, é elemento fundamental na própria determinação do que é normal ou patológico na constituição dos transtornos e nos repertórios terapêuticos disponíveis em cada sociedade.
6.6 PSICOPATOLOGIA OPERACIONAL-PRAGMÁTICA VERSUS PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
Na visão operacional-pragmática, as definições básicas dos transtornos mentais e dos sintomas são formuladas e tomadas de modo arbitrário, em função de sua utilidade pragmática, clínica ou para pesquisa. Não se questiona a natureza da doença ou do sintoma ou os fundamentos filosóficos ou antropológicos de determinada definição. É o modelo adotado pelas modernas classificações de transtornos mentais, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 4ª edição (DSM-IV), da Associação Americana de Psiquiatria e a Classificação Internacional de Doenças, versão número 10 (CID-10), da OMS. O projeto de psicopatologia fundamental, proposto pelo psicanalista francês Pierre Fedida, objetiva centrar a atenção da pesquisa psicopatológica sobre os fundamentos de cada conceito psicopatológico. Além disso, tal psicopatologia dá ênfase à noção de doença mental enquanto pathos, que significa sofrimento, paixão e passividade. O pathos é um sofrimento/paixão, que ao ser narrado a um interlocutor, em determinadas condições, pode ser transformado em experiência e enriquecimento. Ficará a cargo de o profissional estabelecer critérios e os momentos corretos de escolha da melhor escola psicopatológica, ao avaliar seu cliente. A maioria das psicopatologias tem início com os distúrbios mais clássicos de nossa manutenção vital, o sono. É comum encontrar como queixa principal esta observação do paciente ou parceiro (a), família, amigos e outros.
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7 PRINCÍPIOS GERAIS DA ENTREVISTA, ANAMNESE E EXAME DO ESTADO MENTAL
Os pais, quando procuram uma consulta psiquiátrica ou psicológica para o filho, geralmente já passaram por momentos de dúvida quanto à sua necessidade ou não, muitas vezes, tentando eles mesmos resolver situações extremas, para só depois procurarem ajuda de um prof issional. Quando não foram submetidos a “tentativas esotéricas” de soluções dos seus problemas. Para muitos pais, ir a um psiquiatra ou a um psicólogo gera constrangimento; ao pediatra não. Para uma avaliação mais dinâmica e abrangente de uma criança, deve ser incluída entrevista clínica com os pais, a criança e a família, embora alguns profissionais prefiram entrevistar primeiramente os pais da criança e esta, sozinha, num outro momento. Outros acreditam que a entrevista feita com todo o grupo familiar favoreça a observação de como interagem entre si. (PORTO, 1997). Os educadores auxiliarão em um segundo momento.
7.1 O EXAME MENTAL OU PSÍQUICO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O entrevistador deve estar bastante familiarizado com o desenvolvimento normal de uma criança de qualquer idade, para que as suas respostas possam ser colocadas de maneira apropriada. Por ex.: o desconforto com a separação dos pais em uma criança pequena e a falta de clareza envolvendo a finalidade da entrevista em uma criança em idade escolar são perfeitamente normais e não devem ser erroneamente interpretados como sintomas psiquiátricos. Além disso, o comportamento normal em uma criança de qualquer idade, tal como ataques de raiva aos dois anos, assumem um diferente significado se estiver presente, por exemplo, em um adolescente de 17 anos.
97
REFORÇANDO!
É extremamente necessário que o profissional conheça todas as fases do desenvolvimento humano para que possa fazer um exame
Para que a criança se sinta à vontade, a primeira tarefa consiste em que o observador desenvolva um vínculo, de maneira que a criança sinta-se confiante. Cabe ao entrevistador descobrir o que a criança pensa a respeito da necessidade da entrevista e, também, questionar a criança sobre como seus pais lhe passaram a informação. O entrevistador deve, então, descrever brevemente a razão da entrevista, de maneira que a criança entenda, e transmitir-lhe apoio e segurança. No transcorrer da entrevista, o entrevistador deve tomar conhecimento sobre o relacionamento da criança com os membros de sua família e seus amigos, academicamente como a criança está funcionando em termos de comportamento na escola e o que ela gosta de fazer. Uma visão global do funcionamento cognitivo da criança faz parte do exame do estado mental. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Constituem-se em dois erros graves o enganar ou mentir para a criança sobre quem é o profissional e o considerá-la como uma “miniatura” de adulto.
7.2 ENTREVISTA COM CRIANÇA EM IDADE ESCOLAR
As crianças em idade escolar são capazes de ficar à vontade ao conversarem com um adulto; outras se sentem impedidas pelo medo, ansiedade, fracas habilidades verbais ou oposição. As crianças em idade escolar geralmente conseguem tolerar uma sessão de 45 minutos. A sala deve ser suficientemente espaçosa para dar liberdade aos movimentos da
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criança, mas não tão grande a ponto de reduzir o contato íntimo entre o entrevistador e a criança. Parte da entrevista pode ser reservada para jogos não estruturados e uma variedade de brinquedos pode ser oferecida, para capturar os interesses da criança e trazer à tona temas e sentimentos. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
7.3 ENTREVISTAS COM ADOLESCENTES
Embora alguns adolescentes possam discordar quanto ao motivo da avaliação, em geral eles conseguem oferecer um relato cronológico dos eventos que o levaram à avaliação. O entrevistador deve comunicar o valor de ouvir os fatos sob a ótica do adolescente e deve ter o cuidado de reservar seus julgamentos e não atribuir culpas. Os adolescentes podem preocupar-se acerca do sigilo e o entrevistador deverá garantir-lhe que será solicitado sua permissão antes de qualquer informação específica ser compartilhada com os pais, exceto em situações envolvendo perigo para o adolescente ou outros, em cujo caso o sigilo será sacrificado. Os adolescentes podem ser abordados de uma forma aberta, mas, quando ocorrem silêncios durante a entrevista, o entrevistador deve “quebrar o gelo” e tentar trazê-los de volta. O entrevistador deve explorar a crença do adolescente, acerca de quais serão os resultados da avaliação (mudança de escola, hospitalização, renovação de casa, remoção de privilégios). Cabe ao entrevistador estabelecer limites apropriados e adiar ou interromper a entrevista, caso se sinta ameaçado ou se o paciente se tornar destrutivo com o patrimônio ou consigo mesmo. A entrevista deve sempre incluir uma exploração de pensamentos suicidas, comportamento agressivo e relacionamentos sexuais. Uma vez que tenha estabelecido o rapport, muitos adolescentes apreciam oportunidade de contarem a sua versão da história e podem revelar coisas que não foram reveladas a qualquer outra pessoa. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Algumas estatísticas mostram que o suicídio é a segunda ou a terceira causa de morte entre os adolescentes.
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7.4 ENTREVISTA COM A FAMÍLIA
Uma entrevista envolvendo o paciente e os pais juntos pode ser realizada por primeiro ou como parte posterior da avaliação. Uma entrevista envolvendo toda a família, inclusive os outros filhos pode ser esclarecedora. A finalidade consiste em observar os comportamentos e atitudes dos pais para com o paciente e as respostas afetivas dos filhos para com seus pais. A tarefa do entrevistador é manter uma atmosfera não ameaçadora, na qual cada membro da família possa falar livremente, sem sentir que o entrevistador esteja aliando-se a alguém da família em especial. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
7.5 ENTREVISTA COM OS PAIS
A entrevista com os pais ou responsáveis é necessária para a obtenção de um quadro cronológico do crescimento e desenvolvimento da criança. Uma história detalhada de quaisquer eventos importantes que tenham influenciado o desenvolvimento da criança deve ser obtida. A visão dos pais sobre a dinâmica familiar, sua história conjugal e seu próprio ajuste emocional também devem ser conseguidos. Os pais podem ser os melhores informantes sobre as doenças médicas e psiquiátricas anteriores da criança, avaliações e tratamentos e sobre a duração e severidade de quaisquer problemas preexistentes. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
7.6 ENTREVISTAS COM BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS
100
Com bebês, geralmente, as entrevistas iniciam com seus pais presentes, já que as crianças pequenas podem sentir medo da situação da entrevista. A entrevista na presença dos pais é útil para que o entrevistador observe a interação entre pais/bebê. Os bebês podem ser encaminhados por uma variedade de motivos, incluindo alto nível de irritabilidade, dificuldade para ser consolado, perturbações alimentares, falta de engajamento em brincadeiras, fraco ganho de peso, perturbações do sono, comportamento retraído e atrasos no desenvolvimento. As áreas do funcionamento a serem avaliadas incluem o desenvolvimento motor, nível de atividade, comunicação verbal, capacidade para envolver-se em brincadeiras, habilidades de resolução de problemas, adaptação às rotinas diárias, relacionamentos e resposta social. A capacidade dos pais para oferecerem um ambiente estimulante, seguro e apoiador para a criança é avaliada pela observação e discussões com eles. O desenvolvimento adequado da anamnese será facilitado pelo conhecimento das etapas do desenvolvimento emocional da criança, das suas manifestações e repercussões nas funções do corpo e no seu próprio comportamento. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
VOC SABIA?
A
catamnese
consiste em uma revisão de
prontuários anteriores; é uma “caça” de dados
sobre a vida do paciente, geralmente, obtida junto de colegas médicos. Segundo o dicionário médico Andrei significa “informações obtidas
após o fim do tratamento, o que permite acompanhar a evolução de uma doença e estabelecer o prognóstico”.
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7.7 ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS PAIS
Identificação da criança: nome, idade, data de nascimento, sexo, cor e ano
escolar;
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Identificação dos pais (e/ou responsáveis): nome, idade, cor, grau de instrução,
profissão, estado conjugal, residência, religião;
Encaminhamento: quando e de quem partiu o encaminhamento (um ou ambos os
pais, médicos, por meio de amigos, da imprensa, outros);
Motivos da consulta: sintoma atual, época em que surgiu, circunstâncias
ambientais (afastamento de um dos pais, nascimento de irmão, outros);
Ordem de nascimento: idade, posição na família, situação dos irmãos (idade,
sexo, escolaridade), relacionamento entre eles, abortos (provocados e espontâneos), outros;
Gravidez e condições de nascimento: gravidez desejada ou não? Ideia de aborto,
sexo preferido, condições físicas e emocionais da mãe, uso de álcool e drogas, pré-natal, outros;
Período neonatal: depressão materna ou outros transtornos emocionais. Teve
ajuda nos cuidados iniciais com o filho? Dificuldades de adaptação mãe/criança? Agitação? Chorava muito? Medicamentos?
Alimentação: amamentação materna ou artificial? Rigidez de horário? Sugava bem
ou não? Cólicas? Vômitos? Desmame, quando? De forma abrupta ou não? Outros;
Sono: histórico de dificuldades de dormir (desde recém-nascido). Foi modificado?
Condições atuais (tranquilo ou agitado)? Dorme em quarto próprio? Com luz acesa? Houve período em que dormiu com os pais? Em que circunstâncias? Medos? Pesadelos? Terror noturno? Sonilóquio (falar dormindo)? Sonambulismo? Enurese noturna (urinar na cama)? Outros;
Desenvolvimento psicomotor : observar a evolução cronológica e procurar saber
sobre suas atividades motoras, a exploração do ambiente, o interesse em brincar com os objetos. Saber quando sustentou a cabeça, sentou sem e com apoio, engatinhou, e sobre sua coordenação e habilidades motoras (vestir-se, abotoar as roupas, colocar e dar laços nos sapatos, recortar, chutar bola);
Controle dos esfíncteres: já caminhava quando teve início o treinamento? Como
foi? Qual a reação da criança e a atitude dos pais? Quando adquiriu o controle diurno e noturno de ambos os esfíncteres? Encoprese? Enurese? Outros;
Linguagem: aquisição e evolução (fase da lalação intensa? Longa? Primeiras
palavras e frases), dislalias, gagueira (saber da reação dos familiares), características atuais;
Atitudes educacionais: castigos comumente adotados pelos pais, divergência
entre eles, exigências disciplinares, reações da criança ao castigo e à disciplina;
Independência: observar a independência nas atividades elementares. As
iniciativas costumam partir da criança ou de quem a cuida? Sabe comer sozinha? Tem hábitos de higiene? Sabe vestir-se ou calçar-se? Observar as atitudes ambientais: de superproteção, desleixo ou exigências de uma independência precoce;
Sexualidade: masturbação e brincadeiras sexuais. Reação dos pais. Curiosidade
sexual e curiosidade de um modo geral. Faz perguntas sobre sexo? Saber sobre os esclarecimentos que fornecem ao filho sobre o tema;
Escolaridade: Quando entrou para a escola? Como foi o período de adaptação?
Quanto tempo foi necessário? Reações da criança. Reações dos pais. Motivação para entrada na escola (nascimento de irmão? Retorno materno ao trabalho? Idade da criança?). Relação com os amigos e com os professores. Bom rendimento? Dificuldades: início e fatores circunstanciais (Problemas de comportamento? Hiperatividade? Falta de atenção? Agressividade? Outros);
Socialização: a criança tem ou teve dificuldades em aceitar limites? Reação dos
pais. Como a criança reage a frustrações. Comporta-se diferentemente em casa ou fora? Há diferença de comportamento e no trato com pessoas? Seu comportamento parece adequado à idade? Consegue ficar bem sem os pais, fora de casa? Tem amigos? Defende seus interesses? Participa de atividades em grupos?
Brinquedos e diversões: atitudes com os brinquedos. Atitude com os
companheiros. Capacidade de distrair-se só? Insatisfação nas brincadeiras (interrompe facilmente, reclama, não sabe perder?). Quais os brinquedos, brincadeiras e companheiros preferidos? Adequados às idades? Prefere a companhia de crianças mais velhas? Menores? Do mesmo sexo? Destrutividade? Agressividade?
Antecedentes patológicos pessoais: no primeiro ano de vida (convulsão, cólica,
anorexia, insônia, choro excessivo, otite de repetição, eczemas, alergia, aleitamento materno).
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Relação com fatores ambientais. Atitudes familiares. Ansiedade da criança e da família frente às doenças. Traumatismos graves? Internação? Junto com a mãe? Cirurgia?
Antecedentes patológicos familiares: doenças hereditárias? Doenças crônicas?
Doença mental na família? Alcoolismo? Acidentes?
Dinâmica familiar : dados da personalidade de cada membro da família,
relacionamento entre si e com a criança. Discussões? Separações? Motivos e época. Impressão do entrevistador sobre a família (integração de cada pessoa em seus respectivos papéis familiares. Áreas de entendimento e conflito. Família em estruturação ou desestruturação?). FONTE: PORTO, 1997.
Cabe aos profissionais de saúde interpretarem e avaliarem estes dados. Os pais, responsáveis e/ou educadores serão, apenas, informantes.
7.8 EXAME PSÍQUICO OU MENTAL
Apresentar-se-ão, aqui, os aspectos gerais do exame psíquico ou mental da criança e do adolescente.
Ao contrário do exame físico, que é descritivo, o exame psíquico tende a ser menos descritivo e mais compreensível, ou seja, a não se transformar em um observador e um observado. O entrevistador deve saber que ele é uma variável de grande significado e que o exame é uma interação entre duas pessoas. Seus sentimentos naquele momento se influenciam mutuamente, e grande parte dessa influência ocorre de uma forma que ambos não se dão conta, ou seja, inconscientemente.
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No exame psíquico da criança procura-se colher dados necessários para traçar o perfil de seu estado ou funcionamento mental. Este perfil será o resultado da observação de um conjunto de funções psíquicas que correspondem, na sua maior parte, à vida consciente da criança. Grande parte das funções psíquicas da criança está sob o domínio do ego, por isso são chamados de funções do ego. Elas são responsáveis pelo controle das funções motoras, desenvolvimento da fala, memória, percepção, atenção, inteligência, noção de realidade e pensamento. No bebê estas funções estão embrionárias, mas ele possui uma predisposição genética para desenvolvê-las. No exame da criança interessa ao entrevistador a observação das funções psíquicas porque elas revelam, em parte, o caminho seguido pela criança e os fatores que estariam influenciando esse desenvolvimento. No transcorrer do exame psíquico, prioriza-se o funcionamento mental. O ideal seria que a criança fosse avisada, um ou dois dias antes da entrevista, de que irá ao médico e lhe seja informado também o motivo. As explicações deverão ser simples e claras, respeitando a idade da criança. Os pais deverão orientá-las de que se trata de uma consulta diferente, que o médico estará interessado em conhecê-la para poder ajudá-la em suas dificuldades. Dizer que o médico irá colocar à sua disposição jogos, material de desenho, brinquedos que poderá usar, ou, caso preferir, poderá conversar, e não será obrigada a fazer nada que não queira. O entrevistador deve estar atento ao que ocorre com a criança desde o momento de sua entrada na sala até a sua saída. No exame da criança, três variáveis importantes entram em jogo: o entrevistador, a criança e o próprio local do exame. Deve-se dar preferência a um consultório cujo ambiente lembre mais uma sala comum do que uma sala de exames com seu mobiliário convencional. O espaço deve ser suficiente para permitir que a criança brinque à vontade e sua localização deve protegê-la de estímulos sonoros intensos e desagradáveis que possam desviar a atenção da criança. O material que fica à disposição da criança deve estar contido em uma caixa, na qual deve ter: pequenos bonecos, animais selvagens e domésticos, carrinhos, blocos para construção, massa de modelar, lápis de cor, cola, papel, tesoura, tinta, pincel, pedaços de barbante.
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Alguns profissionais propõem a inclusão de jogos tipo pega-varetas, dominó, jogo da velha, que tem a preferência dos pré-adolescentes. (PORTO, 1997). Em algumas circunstâncias, pode-se passear com a criança em volta da quadra ou ir a algum local de seu interesse, até mesmo a sua casa. Tanto o desenho e o brinquedo, como a linguagem, possuem um conteúdo manifesto ou narrativo e um conteúdo latente ou inconsciente. Na avaliação psiquiátrica e psicológica, ambos são importantes, ainda que se dê ênfase ao conteúdo simbólico dos mesmos. Mas é por meio de seu aspecto narrativo que se observa a facilidade de a criança transitar entre a realidade e a fantasia, sua capacidade de expressão ligada a seus estados maturativos, sua riqueza imaginativa ou a pobreza de representação, resultado neste caso de falhas ou déficit cognitivos de ordem cultural, intelectual ou de bloqueio emocional. É colocado à disposição da criança todo o material, e espera-se que ela tomar a iniciativa, seja para utilizá-lo ou de iniciar um diálogo, mas ela nem sempre o faz. Neste caso, ela não deve ser forçada a brincar, fazer ou dizer alguma coisa. Quando a criança está desacompanhada, no transcorrer da entrevista pode passar-se algo de natureza ansiogênica, consciente ou não, que lhe desperte a vontade de sair da sala. O entrevistador deve permitir, pois sabe que ela necessita se reassegurar junto à mãe de que tudo vai bem para prosseguir e voltar à sala. Com a criança pequena, a dificuldade maior está no início da entrevista. Uma vez obtida sua confiança, a entrevista transcorre dentro da livre iniciativa e espontaneidade de que a criança pequena é capaz. Na criança em fase de latência e nos adolescentes ocorre o contrário. Tenham vindo pela sua própria vontade ou não, eles comumente não se recusam a entrar no consultório para a entrevista, mas é justamente o seu desenrolar que se torna algumas vezes extremamente penoso. A criança até os cinco ou seis anos de idade é capaz de se exprimir espontaneamente e com naturalidade sobre sua vida, amigos, casa. Ela é mais liberal em revelar seus pensamentos e fantasias. Na criança maior, na latência, já começam a operar mecanismos de defesa que vão influenciar na expressão de sua vida de fantasia, empobrecendo-a. A criança, com frequência, torna-se incapaz de expressar fácil e vivamente suas imaginações.
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No exame da criança, é necessário investigar os seguintes itens: aparência geral; atitude geral; atividade motora; atenção e concentração; temperamento, afeto e humor; memória; orientação e percepção; pensamento; linguagem e fala; defesas, fantasia, imaginação e devaneio.
Aparência geral: não é conveniente inspecionar formalmente a criança. A
observação da aparência geral se faz ao longo do exame, por meio do “olhar de superfície”. Longe de ser objetivado como superficial, pouco sério, diz respeito a uma cuidadosa, porém discreta, observação da criança no que diz respeito ao seu aspecto físico, harmonia de traços, presença de lesões, anomalias. Verificar seu modo de vestir sugere bom trato ou desleixo, observar sua fisionomia e postura (apática, viva, alegre, triste, inibida, descontraída, ansiosa).
Atitude geral: refere-se ao comportamento da criança durante o exame. Como se
comporta na antessala? E ao entrar na sala? Entrou com facilidade? Quis sair antes do tempo? Interrompeu a atividade para ir ver a mãe? Mostrou-se hostil com o entrevistador?
Atividade motora: a suspeita de perturbações da psicomotricidade pode ser
levantada, ou mesmo confirmada, a partir da observação das atividades espontâneas da criança ao brincar, desenhar, correr, pular ou andar. Deve ser observada sua marcha enquanto ela se movimenta. Tem boa coordenação para a idade? É lenta?
Atenção e concentração: a criança se concentra em alguma atividade ou no
diálogo? Passa de uma atividade a outra sem cessar e sem terminar a antecedente? A capacidade de atenção e concentração modifica-se com a idade. Na criança pequena, a atenção e a concentração estão intimamente ligadas ao seu interesse imediato e particular. Na criança maior, é esperado que ela consiga organizar-se e se manter em brincadeiras mais estruturadas e elaboradas. Vários fatores contribuem para este fim, entre eles a atenção e a concentração. Na criança pequena é normal ocorrerem desvios de tema, mudanças de assuntos, associações estranhas, pela falta de atenção e interesse, enquanto, no adolescente e adulto, isso pode ser a tradução de um distúrbio do pensamento.
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Temperamento, afeto e humor : referem-se aos sentimentos expressos durante o
exame. Como variou e, se possível, o que motivou sua flutuação. Sua relação com as atividades verbais e não verbais da criança. Na criança maior e no adolescente podem-se obter informações adicionais sobre como se sentem, seu humor e afetos pelos seus próprios relatos.
Memória: uma queixa frequente nos consultórios diz respeito à memória e é
expressa das mais diversas formas: “Ele esquece todos os seus objetos na escola”. “Aprende a matéria e no dia seguinte já esqueceu tudo ”. “Ele não sabe onde coloca suas coisas”. Mesmo com queixas eloquentes, a memória não se torna a função-chave a ser pesquisada no sentido de detectar uma afecção orgânica. Estas lesões são raras na infância. Sabe-se que mecanismos psíquicos inconscientes estão operando ativamente neste período, interferindo na vida consciente da criança e são observados no seu comportamento, como a indiferença, a falta de curiosidade, o esquecimento e o embotamento cognitivo. A memória está intimamente ligada à atividade da atenção e, portanto, distúrbios da atenção e a hiperatividade motora são fatores que podem comprometê-la. A consciência/vigilância interfere na atenção.
Orientação e percepção: estas duas funções dizem respeito à capacidade da
criança em perceber e compreender a realidade. O fator idade influencia decisivamente esta capacidade. Na criança pequena, a fronteira entre a realidade e a fantasia, as noções de tempo e espaço, são vagas e imprecisas. Avaliar a orientação da criança é procurar saber se ela demonstra conhecimento sobre sua pessoa (quem ela é, seu nome, onde mora, sua idade, se estuda) e se tem noção de espaço e tempo. Na criança, estes dois últimos conceitos não estão muito claros e não se deve esperar que ela domine as relações de espaço e lugar (longe, perto, em frente, ao lado, fora da cidade, no centro) e do tempo (ontem, hoje, amanhã, mês, ano). Analisar a percepção é procurar saber em que medida a criança é capaz de diferenciar entre o real e a fantasia e, consequentemente, sua adaptação a esta realidade. Ex.: Uma criança de seis anos, intensamente perturbada, reagir com pavor, recusando-se a entrar na sala ao ver um buraco no teto. Em uma criança saudável desta idade, esse mesmo buraco despertaria
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curiosidade e uma série de perguntas. Em relação à percepção, é importante notar se a criança utiliza seus órgãos sensoriais de forma adequada e se estão organicamente intactos.
Pensamento: o pensamento da criança, de modo geral, reflete-se na sua conversa,
nas suas brincadeiras, jogos e produções. Ouvir a criança falar permite obter um grande número de informações. É importante lembrar que o pensamento da criança pequena tem características que a diferenciam do pensamento do adulto. Em razão de sua própria imaturidade, seu pensamento pode expressar-se por associações pouco claras, mal ordenadas, que fogem à lógica formal do pensamento do adulto. Baseia-se muito mais no seu modo pessoal e autorreferente de ver a realidade. Na criança maior, por ex. na fase de latência, já são exigidas uma melhor ordenação e uma clareza maior do seu pensamento.
Linguagem e fala: a fala também é objeto de observação, e seus distúrbios são
frequentemente motivos de consultas. No exame psíquico, a atenção do entrevistador, muitas vezes, está dirigida ao modo como a criança usa a linguagem, porém ele não deve prescindir de observá-lo na sua forma efetora. Se a criança discursa, deve-se observar se a fala: a) É utilizada como meio de comunicação para se manter uma conversa e fornecer informações; b) É empregada como uma forma de se defender, evitar o contato, expressando-se de forma restrita, lacônica e econômica; c) Não tem relação com a comunicação. Neste caso, ela é manipulada como um objeto, um material sonoro. As palavras perdem seu sentido, são emissões sonoras reagrupadas ou remodeladas pela criança. Pode ser observada na linguagem do psicótico ou também fazendo parte de brincadeiras que crianças pequenas gostam de fazer aproximando as palavras, construindo frases por aproximações sonoras mesmo que eles não façam sentidos. É comum o uso de neologismos (criação ou modificação de algumas palavras). Se a criança não fala, deve-se observar se a criança: a) Utiliza meios extraverbais, como gestos, expressões faciais ou linguagem escrita para se comunicar e se dirige sua atenção e seu olhar ao examinador de forma significativa; b) Ou se a ausência da fala faz parte de um quadro em que o aspecto relacional, ou outras funções, também está comprometido.
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Defesas: são recursos utilizados pela criança de forma consciente ou inconsciente para evitar ou manter a ansiedade no nível mais baixo possível frente “a situações ansiogênicas de origem interna ou externa”. (PORTO, 1997).
São exemplos de recursos utilizados pela criança: 110
A racionalização que um garoto de 11 anos utiliza quando tenta, por meio de
explicações lógicas (pivetes, assaltantes), justificar a sua recusa de sair desacompanhado à rua, mesmo que seja até a esquina bem próxima à sua casa;
A negação da criança pequena que, durante o exame, brinca somente com a mãe,
tenta ignorar a presença do entrevistador e negar a situação de exame, utilizando um “faz de conta que estou só com a mamãe”;
A regressão na criança que passa a falar de modo infantilizado;
A adultização observada na criança que passa a falar de modo afetado, com frases
bem elaboradas e rebuscadas, ou por meio de suas observações. Como, por exemplo, no menino de sete anos que olhando os brinquedos diz: “Quando eu era criança eu gostava de brincar com eles. Eu não brinco, é só para crianças pequenas”.
A repressão pode ser a responsável pelo “branco” que dá na criança que não
consegue brincar e à qual não ocorre nada para dizer durante a entrevista. Em outras, a repressão pode ser presumida não pela ausência de produções, mas pelo modo repetitivo e pobre com que se manifesta. (PORTO, 1997).
7.9 FANTASIA, IMAGINAÇÃO E DEVANEIO
Podem-se distinguir níveis diferentes de fantasia, ou seja, a fantasia ligada a atividades conscientes, como o devaneio e a imaginação, e a fantasia inconsciente, a qual só se observa
por detrás nas produções do inconsciente, como o sonho, o sintoma, certos comportamentos e, na criança, naturalmente, por meio do jogo. No exame psíquico é importante saber da repercussão das fantasias, consciente e inconsciente, na vida da criança: usa-se a fantasia de modo saudável ou não, e se a natureza e intensidade de suas produções inconscientes a afetam prejudicialmente. (PORTO, 1997). Em um segundo momento da avaliação da criança ou do adolescente, os educadores são informantes essenciais neste processo. Daí o motivo de alguns profissionais de saúde solicitarem relatórios para as escolas sobre as condutas, humor, comportamentos e relacionamentos de seu pequeno cliente, no ambiente escolar. A seguir, um modelo simples de relatório que pode ser enviado aos profissionais de saúde, que ajudará muito o processo avaliativo. Como podemos analisar nestas pesquisas e citações, há necessidade de fechar, concluir o diagnóstico dos transtornos psiquiátricos para solucionar um distúrbio do sono. E não raramente ocorre a inverso. Ou seja, melhorar as condições do paciente com distúrbio do sono e como efeito paralelo, ameniza ou desaparece.
MODELO DE PEDIDO DE RELATÓRIO Aos professores do (a) aluno (a):---------------------------------------------------------------
Peço a gentileza de me enviar um relatório sobre as condutas e comportamentos do (a) menor acima citado (a), no recreio e em sala de aula, durante uma semana. Como é seu humor (estado de ânimo)? E a sua atenção (concentração)? Este (a) é diferente na sala de aula e nas atividades sociais e esportivas? Como é a participação dos pais na vida escolar do (a) menor? Favor fornecer outras informações que achar necessário!
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Sem mais para o momento, aguardo seu relatório!
Atenciosamente:
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____________________________ Nome e assinatura do profissional
8 PRINCIPAIS TRANSTORNOS MENTAIS DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA
As classificações diagnósticas, como a CID-10 (OMS, 1993), e o DSM-IV (APA, 1995), apresentam vários tipos de patologias mentais da infância e da adolescência. A seguir, serão discutidas as mais comumente encontradas na prática clínica brasileira e de maior relevância social.
8.1 TRANSTORNOS DO HUMOR
Os transtornos do humor em crianças têm recebido um crescente reconhecimento e atenção nas últimas décadas. Por muitas gerações reconhece-se que a tristeza e a aflição ocorrem em crianças e adolescentes. Um critério para transtornos do humor na infância e adolescência é uma perturbação do humor, como depressão e excitação. Além disso, a irritabilidade pode ser um sinal. Os critérios diagnósticos da quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-IV) para transtorno depressivo maior e transtorno bipolar I são os mesmos dos adultos e das crianças e adolescentes, com algumas pequenas modificações: o humor pode ser irritável, ao invés de deprimido, e pode haver fracasso em obter os ganhos esperados de peso, ao invés de perda significativa ou ganho de peso.
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Embora os critérios diagnósticos do DSM-IV usados para os transtornos do humor sejam quase idênticos para todas as faixas etárias, a expressão de um distúrbio de humor varia nas crianças de acordo com a idade. Os sintomas geralmente vistos à medida que a idade aumenta são alucinações auditivas congruentes com o humor, queixas somáticas, retraimento, aparência entristecida e baixa autoestima. Outros sintomas mais comuns em jovens deprimidos no final da adolescência do que em crianças jovens são anedonia abrangente, severo retardo psicomotor, delírios e um sentimento de desamparo. Sintomas que aparecem com a mesma frequência, não importando a idade e o estágio evolutivo, incluem ideação suicida, humor irritável ou deprimido, insônia e capacidade diminuída para concentrar-se. O humor das crianças é especialmente vulnerável às influências de severos estressores sociais, como discórdia familiar crônica, abuso, negligência e fracasso escolar. As crianças com transtornos depressivos que vivem em meio a ambientes nocivos podem ter remissão de alguns ou de grande parte de seus sintomas depressivos, quando os estressores diminuem ou quando são removidas do ambiente estressante. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.1.1 Epidemiologia
A taxa de transtorno depressivo maior em pré-escolares foi estimada em torno de
0,3% na comunidade, comparada com 0,9% em um contexto clínico. Entre crianças préescolares na comunidade, cerca de 2% tem transtorno depressivo maior. A depressão é mais comum no sexo masculino em crianças em idade escolar.
Entre os adolescentes, cerca de 5% na comunidade têm transtorno depressivo
maior. Entre crianças e adolescentes hospitalizados, as taxas de transtorno depressivo maior são muito mais altas do que na comunidade em geral; até 20% das crianças e 40% dos adolescentes são depressivos.
A taxa de transtorno bipolar I é excepcionalmente baixa em crianças púberes e a
condição pode levar anos para ser diagnosticada, já que a mania tipicamente apresenta-se pela primeira vez na adolescência. A taxa de transtorno bipolar I no período de vida foi estimada em torno de 0,6% em um estudo comunitário de adolescentes. Os adolescentes com variantes clínicas da mania, isso é, com alguns sintomas maníacos, mas sem a presença de todos os critérios diagnósticos (transtorno bipolar II), têm taxas de até 10% de acordo com alguns estudos.
8.1.2 Etiologia
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Fatores genéticos: os transtornos do humor em crianças, adolescentes e adultos
tendem a agrupar-se nas mesmas famílias. Uma incidência aumentada de transtornos do humor é encontrada, geralmente, em filhos de pais com transtornos do humor e nos parentes de crianças na mesma condição.
Fatores biológicos: os estudos sobre o transtorno depressivo maior em pré-
púberes e os transtornos do humor em adolescentes têm revelado anormalidades biológicas. As crianças pré-púberes em um episódio de transtorno depressivo maior demonstram uma secreção significativamente maior de hormônio do crescimento, durante o sono, do que as crianças normais e as com transtornos emocionais não depressivos. Elas também secretam significativamente menos hormônio do crescimento em resposta à hipoglicemia induzida por insulina do que este último grupo.
Fatores sociais: há poucas evidências de que o estado conjugal-parental, o
tamanho da família, a condição socioeconômica, a separação parental, o divórcio ou o funcionamento conjugal, a constelação ou estrutura familiar desempenhem algum papel significativo na etiologia dos transtornos depressivos em crianças. Há, entretanto, algumas evidências de que os meninos cujos pais morreram antes que eles tivessem completado 13 anos de idade têm maior probabilidade de desenvolver depressão.
8.1.3 Diagnóstico
Transtorno depressivo maior : o transtorno depressivo maior em crianças é mais
facilmente diagnosticado quando é agudo e ocorre em uma criança sem sintomas psiquiátricos anteriores. Em muitos casos, contudo, o início é insidioso e se apresenta em uma criança já com vários anos de dificuldades envolvendo hiperatividade, transtorno de ansiedade da separação ou sintomas depressivos intermitentes. De acordo com os critérios diagnósticos do DSM-IV para transtorno depressivo maior, pelo menos cinco sintomas devem estar presentes por um período de duas semanas. Entre os sintomas necessários estão:
Um humor deprimido ou irritável;
115
Perda de interesse e prazer;
Fracasso da criança em obter os ganhos de peso esperado;
Insônia ou hipersonia diária;
Agitação ou retardo psicomotor, fadiga diária ou perda de energia, sensações de
inutilidade ou culpa inapropriada, capacidade diminuída para pensar ou concentrar-se e pensamentos recorrentes sobre morte. Esses sintomas devem produzir comprometimento social ou escolar.
Transtorno bipolar I: o transtorno bipolar I raramente é diagnosticado em crianças
pré-púberes, já que os episódios maníacos são incomuns nesta faixa etária, mesmo quando sintomas depressivos já apareceram. Em geral, um episódio depressivo maior antecede um episódio maníaco em um adolescente com transtorno bipolar. Entretanto, quando um episódio maníaco clássico aparece em um adolescente, ele é reconhecido como uma nítida mudança a partir de um estado preexistente e frequentemente apresenta-se com delírios grandiosos e paranoides e fenômenos alucinatórios. De acordo com o DSM-IV, os critérios diagnósticos para um episódio maníaco são os mesmos para crianças e adultos:
Os critérios diagnósticos para um episódio maníaco incluem um período distinto de
um humor anormalmente elevado, expansivo ou irritável que dura, pelo menos, uma semana ou por qualquer tempo, se a hospitalização torna-se necessária. Durante o período de perturbação do humor, pelo menos três dos seguintes sintomas significativos e persistentes devem estar presentes: autoestima inflada e grandiosidade, necessidade de sono diminuída, pressão para falar, fuga de ideias ou pensamentos que correm, distração, aumento da atividade dirigida ao objetivo e excessivo envolvimento em atividades prazerosas que podem resultar em consequências funestas.
VOCÊ SABIA?
A perturbação do humor é suficientemente grave para causar comprometimento acentuado e não se
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Diagnóstico diferencial: as formas psicóticas dos episódios depressivos e maníacos devem ser diferenciadas da esquizofrenia. Um transtorno do humor induzido por uma substância pode, ocasionalmente, ser diferenciado de outros transtornos do humor, apenas, depois da desintoxicação. Sintomas de ansiedade e perturbação da conduta podem coexistir com transtornos depressivos e, frequentemente, representar problemas para a diferenciação entre desordens e transtornos de conduta. De grande importância é a distinção entre episódios depressivos e maníacos agitados e transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, pois a atividade excessiva persistente e a inquietação podem confundir o diagnóstico. Curso e prognóstico: o curso e o prognóstico dos transtornos do humor em crianças e adolescentes dependem da idade de início, da gravidade do episódio e da presença de transtornos comórbidos, com uma idade precoce de início e múltiplos transtornos predizendo um mau prognóstico. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.1.4 Tratamento
Hospitalização: a principal consideração imediata é, frequentemente, se a hospitalização é indicada. No caso de um paciente suicida, a hospitalização está indicada para fornecer-lhe o máximo de proteção contra seus impulsos e comportamentos autodestrutivos. Mas isto só não impede as suas tentativas. Psicoterapia: não existe superioridade de um tipo de enfoque psicoterapêutico sobre outro no tratamento dos transtornos do humor em crianças e adolescentes. Entretanto, a terapia familiar é necessária, para educar as famílias quanto aos graves transtornos do humor que ocorrem em crianças, em períodos de estresse familiar insuportável. Os enfoques psicoterapêuticos para crianças deprimidas incluem abordagens cognitivas e um enfoque mais dirigido e estruturado que aquele geralmente usado com adultos. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.2 SUICÍDIO
Ideação, gestos e tentativas de suicídio estão frequentemente associados com transtornos depressivos, e esses fenômenos suicidas, particularmente na adolescência, são um problema público crescente na área da saúde mental. A ideação suicida ocorre com maior frequência quando o transtorno depressivo é severo. Mais de 12.000 crianças e adolescentes são hospitalizadas, nos Estados Unidos, a cada ano, em razão de ameaças de suicídio ou comportamento suicida. Entretanto, o suicídio consumado é raro abaixo dos 12 anos de idade. Uma criança pequena é pouco capaz de planejar e levar avante um plano realista de suicídio. A imaturidade cognitiva parece exercer um papel de proteção. O suicídio consumado ocorre cinco vezes mais frequentemente em garotos adolescentes do que em meninas, embora a taxa de tentativas de suicídio seja, pelo menos, três vezes superior entre as adolescentes do que entre os garotos da mesma faixa etária.
REFORÇANDO!
Podemos perceber que a
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O método mais comum de suicídio consumado em crianças e adolescentes é pelo uso de armas de fogo, que corresponde a cerca de dois terços de todos os suicídios em meninos e quase metade dos suicídios em meninas. O segundo método mais comum de suicídio em meninos, ocorrendo em cerca de um quarto de todos os casos, é por enforcamento. Em meninas, cerca de um quarto cometem o suicídio pela ingestão de substâncias tóxicas. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.2.1 Epidemiologia
Os índices de suicídio dependem da idade e aumentam significativamente após a puberdade. Enquanto menos de um suicídio consumado por 100.000 ocorre em indivíduos com menos de 14 anos de idade, cerca de 10 por 100.000 suicídios consumados ocorrem em adolescentes entre 15 e 19 anos de idade. Em indivíduos com menos de 14 anos, as tentativas de suicídios são, pelo menos, 50 vezes mais comuns que os suicídios consumados.
VOCÊ SABIA?
Entre os 15 e 19 anos os índices de tentativas de suicídio são
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8.2.2 Etiologia
Existem aspectos universais em adolescentes suicidas que são representados por uma incapacidade de sintetizar soluções para seus problemas e sua falta de estratégias de manejo para lidar com estressores imediatos. Fatores genéticos: evidências para uma contribuição genética para o comportamento suicida estão baseadas em estudos de risco de suicídio em famílias e na maior concordância para o suicídio em gêmeos monozigóticos, em comparação com gêmeos dizigóticos. Embora o risco de suicídio seja alto em indivíduos com transtornos mentais – incluindo esquizofrenia, transtorno depressivo maior e transtorno bipolar I, o risco de suicídio é muito maior nos parentes de indivíduos com transtornos do humor do que em parentes de pessoas com esquizofrenia. Outros fatores biológicos: achados neuroquímicos mostram algumas sobreposições entre indivíduos de comportamento agressivo e impulsivo e indivíduos suicidas. Baixos níveis de serotonina (5-HT) e seu principal metabólito, ácido 5-hidróxi-indolacético (5-HIAA), foram descobertos em exames post mortem nos cérebros de indivíduos que cometeram suicídio. Baixos níveis de 5-HIAA foram encontrados no liquor de indivíduos deprimidos que tentaram o suicídio por métodos violentos. O álcool e outras substâncias psicoativas podem baixar o 5HIAA, talvez, aumentando a vulnerabilidade ao comportamento suicida em um indivíduo já predisposto. Fatores sociais: crianças e adolescentes são vulneráveis a ambientes intensamente
caóticos, abusivos e negligentes. Uma ampla faixa de sintomas psicopatológicos pode ocorrer secundariamente à exposição a lares violentos e agressivos. Comportamentos agressivos, autodestrutivos e suicidas parecem ocorrer com maior frequência em indivíduos que precisaram suportar vidas familiares cronicamente estressantes. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Cabe, aqui, ressaltar que fatores culturais e étnicos podem, também, desencadear comportamentos suicidas e suicídio.
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8.2.3 Diagnósticos e Características Clínicas
O questionamento direto de crianças e adolescentes sobre pensamentos suicidas é necessário porque há estudos que demonstram consistentemente que os pais não têm conhecimento dessas ideias em seus filhos, até mesmo os professores. Pensamentos suicidas, isto é, conversas das crianças acerca do desejo de ferirem a si mesmas e ameaças de suicídio (crianças que declaram que desejam saltar na frente de um veículo em movimento) são mais comuns que o suicídio consumado. As características de adolescentes que tentam o suicídio e, àqueles que o cometem, são similares e cerca de um terço daqueles que cometem o suicídio fizeram tentativas anteriores. Transtornos mentais presentes em alguns pacientes que tentam o suicídio e àqueles que o completam incluem transtorno depressivo maior, episódios maníacos e transtornos psicóticos. Os indivíduos com transtornos do humor em combinação com abuso de substâncias e uma história de comportamento agressivo são particularmente de alto risco. Aqueles jovens sem transtornos do humor que se mostram violentos, agressivos e impulsivos podem estar propensos ao suicídio durante conflitos com a família ou com seus pares. Altos níveis de falta de esperanças, fracas habilidades de resolução de problemas e uma história de comportamento agressivo são fatores de risco para o suicídio.
8.2.4 Tratamento
Adolescentes que tentam o suicídio devem ser avaliados antes que se tome uma
decisão de hospitalizá-los ou enviá-los para casa. Há de se ter muita segurança para liberar uma criança ou adolescente que recém-tentou o suicídio. Aqueles que se encaixam em grupos de alto risco devem ser hospitalizados até atenuar-se a tendência ao suicídio. Os indivíduos de alto risco incluem: aqueles que fizeram tentativas anteriores; meninos de mais de 12 anos com história de comportamento agressivo ou abuso de substância; indivíduos que fizeram uma tentativa com um método letal, como uma arma de fogo ou ingestão de substância tóxica; indivíduos com transtorno depressivo maior caracterizado por retraimento social, falta de esperanças e de energia.
122
Uma criança ou um adolescente com ideação suicida deve ser hospitalizado caso o médico tenha quaisquer dúvidas sobre a capacidade da família de supervisionar o paciente ou cooperar com o tratamento em um contexto ambulatorial. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.3 TRANSTORNO DE ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO
É um fenômeno universal a existência de alguns graus de ansiedade de separação, um componente esperado do desenvolvimento normal de uma criança. Os bebês exibem ansiedade de separação na forma de angústia frente a estranhos, quando estão com menos de um ano de idade e são separados de suas mães. Alguma ansiedade de separação também é normal em crianças pequenas que estão ingressando na escola pela primeira vez. O transtorno de ansiedade de separação, contudo, está presente quando emerge uma ansiedade excessiva e evolutivamente inadequada, envolvendo a separação de uma figura de vinculação importante. A evitação à escola pode ocorrer. De acordo com o DSM-IV, o transtorno de ansiedade de separação exige a presença de, pelo menos, três sintomas relacionados a uma preocupação excessiva, envolvendo a separação de figuras importantes de vinculação. As preocupações podem assumir a forma de recusa à escola, medo ou sofrimento frente à separação, queixas somáticas repetidas como cefaleias e dores abdominais ante a separação e pesadelos relacionados a temas de separação. Os critérios diagnósticos do DSM-IV incluem uma duração de, pelo menos, quatro semanas e um início antes dos 18 anos.
VOCÊ SABIA?
O transtorno de ansiedade de separação é o único transtorno de ansiedade contido atualmente na seção sobre infância e adolescência do DSM-IV. Crianças e adolescentes também podem apresentar os transtornos de ansiedade descritos na seção adulta do DSM-IV, incluindo fobias específicas, transtorno do pânico, transtorno obsessivocompulsivo (TOC) e transtorno de estresse póstraumático. O TOC não deve ser diagnosticado em crianças pequenas, antes dos quatro anos de idade.
8.3.1 Epidemiologia
O transtorno de ansiedade de separação é mais comum em crianças pequenas do que em adolescentes e há relatos de que ocorra com igual frequência em ambos os sexos. O início pode ocorrer em idade pré-escolar, mas é visto com maior frequência em crianças de sete a oito anos. A prevalência do transtorno de ansiedade de separação tem sido estimada em torno de 3% a 4% de todas as crianças em idade escolar, e em 1% de todos os adolescentes.
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8.3.2 Etiologia
Fatores psicossociais: crianças pequenas, imaturas e dependentes da figura materna estão particularmente propensas à ansiedade relacionada à separação. Uma vez que, durante seu desenvolvimento, as crianças passam por uma série de medos – medo de perder a mãe, medo de perder o amor da mãe, medo de lesão corporal, medo de seus impulsos, e medo da ansiedade punitiva do superego e da culpa; a maioria tem experiências transitórias de ansiedade de separação, baseada em algum destes temores. Entretanto, o transtorno de ansiedade de separação ocorre quando existe um medo desproporcional de perda da mãe. Uma dinâmica frequente consiste na rejeição e deslocamento de sentimentos de raiva dirigida aos pais para o ambiente, que então, torna-se demasiadamente ameaçador. O padrão de estrutura do caráter em muitas crianças que desenvolvem este transtorno inclui excessiva autocrítica, ânsia por agradar e uma tendência para a conformidade. As famílias tendem a ser fechadas e atenciosas, e as crianças comumente parecem ser mimadas ou objeto de preocupação parental excessiva. Lembrando-se, aqui, que a superproteção gera insegurança e culpa.
8.3.3 Fatores Ligados à Aprendizagem
A ansiedade fóbica pode ser transmitida pelos pais para a criança, por modelagem direta. Se um dos pais é medroso, há uma maior probabilidade de a criança desenvolver uma adaptação fóbica a novas situações, especialmente ao ambiente escolar. Alguns pais parecem ensinar seus filhos a serem ansiosos, protegendo-os excessivamente dos perigos esperados ou exagerando os mesmos. Por exemplo, o genitor que se tranca em um quarto durante uma tempestade ensina seu filho a fazer o mesmo: o que tem medo de ratos ou insetos transmite o sentimento de pavor ao filho. Inversamente, se ele ficar irritado com o filho durante uma preocupação fóbica incipiente com relação a animais pode inculcar nele uma preocupação fóbica pela própria intensidade da raiva expressada. Às vezes, pais e professores se esquecem que são modelos para seus filhos e alunos, respectivamente.
124
8.3.4 Fatores Genéticos
Há provavelmente uma base genética para a intensidade com que a ansiedade de separação é experimentada individualmente pelas crianças. Estudos familiares demonstram que os descendentes biológicos de adultos com transtorno de ansiedade estão mais propensos a sofrer de ansiedade de separação na infância. Pais que têm transtorno do pânico ou agorafobia parecem ter um risco aumentado de terem um filho com transtorno de ansiedade de separação.
8.3.5 Diagnóstico e Características Clínicas
O transtorno de ansiedade de separação é a perturbação de ansiedade mais comum na infância. A fim de reunir os critérios diagnósticos do DSM-IV, o transtorno deve ser caracterizado por três dos seguintes sintomas por, pelo menos, quatro semanas: 1) Sofrimento excessivo e recorrente frente à ocorrência ou previsão de afastamento de casa ou de figuras importantes de vinculação; 2) Preocupação persistente e excessiva acerca de perder figuras importantes de apego, ou de que possíveis perigos as atinjam; 3) Preocupação persistente e excessiva de que um evento indesejado leve à separação de uma figura importante de vinculação (por ex.: perder-se ou ser sequestrado); 4) Relutância persistente ou recusa a ir para a escola ou a qualquer outro lugar, em razão do medo da separação; 5) Temor excessivo e persistente ou relutância em ficar sozinho ou sem as figuras importantes de vinculação em casa ou sem adultos significativos em outros contextos; 6) Relutância ou recusa persistente a ir dormir sem estar próximo a uma figura importante de vinculação ou a pernoitar longe de casa; 7) Pesadelos repetidos envolvendo o tema da separação;
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8) Repetidas queixas de sintomas somáticos (como cefaleias, dores abdominais, náusea ou vômitos), quando a separação de figuras importantes de vinculação ocorre ou é prevista. Os adolescentes podem não expressar diretamente qualquer preocupação ansiosa acerca da separação de uma figura maternal. Contudo, seus padrões de comportamento frequentemente refletem uma ansiedade de separação, no sentido de expressarem desconforto quanto a sair de casa, envolver-se em atividades solitárias e continuar usando a figura materna como coadjuvante, para comprar roupas e ingressar em atividades sociais recreativas. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.3.6 Diagnóstico Diferencial
Algum grau de ansiedade de separação constitui um fenômeno normal, devendo-se utilizar o discernimento clínico para a distinção entre a ansiedade normal e o transtorno de ansiedade de separação. No transtorno de ansiedade generalizada, a ansiedade não está focalizada na separação. Nos transtornos invasivos do desenvolvimento e na esquizofrenia, a ansiedade acerca da separação pode ocorrer, mas é vista como decorrência dessas condições, não como um transtorno distinto. Nos transtornos depressivos infantis, o diagnóstico de desordem de ansiedade de separação deve ser também acrescentado caso sejam satisfeitos os critérios para ambos os transtornos, sendo que os dois diagnósticos frequentemente coexistem.
8.3.7 Curso e Prognóstico
O curso e o prognóstico do transtorno de ansiedade de separação são variáveis e estão relacionados à idade de início, duração dos sintomas e desenvolvimento de ansiedade e transtornos depressivos comórbidos. Crianças pequenas que vivenciam o transtorno, mas são capazes de manter a frequência na escola, em geral, têm um melhor prognóstico do que os
126
adolescentes com transtorno que se recusam a comparecer à escola por longos períodos. Daí a importância do vínculo família e escola, na administração destes problemas.
8.3.8 Tratamento
Um enfoque de tratamento multimodal – incluindo psicoterapia individual, educação familiar e terapia familiar – é recomendado para o transtorno de ansiedade de separação. A terapia familiar ajuda os pais a compreenderem a necessidade de um amor consistente e apoiador e a importância de prepararem a criança para qualquer acontecimento importante, como doença, cirurgia e outros. Estratégias cognitivas específicas e exercícios de relaxamento podem ajudar a criança a controlar sua ansiedade. A farmacoterapia também é útil, quando apenas a psicoterapia não for suficiente. Nos casos graves de recusa à escola, a hospitalização é necessária (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Os profissionais de saúde, a família e a escola devem estar coesos neste processo.
8.4 TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO
Os transtornos invasivos do desenvolvimento constituem um grupo de condições psiquiátricas nas quais as habilidades sociais, o desenvolvimento da linguagem e o repertório comportamental esperados não se desenvolvem adequadamente ou são perdidos no início da infância. Em geral, os transtornos afetam múltiplas áreas do desenvolvimento, manifestam-se precocemente e causam disfunção persistente.
8.5 TRANSTORNO AUTISTA
O Transtorno Autista (também conhecido como autismo infantil) é caracterizado por
127
comprometimentos persistentes nas interações sociais recíprocas, desvios na comunicação e padrões comportamentais restritos e estereotipados. De acordo com o DSM-IV, o funcionamento anormal nas áreas acima deve estar presente aos três anos. Mais de dois terços dos indivíduos com transtorno autista têm retardo mental, embora não seja necessário para o diagnóstico.
8.5.1 História 128
Henry Maudsley (1867) foi o primeiro psiquiatra a dar atenção mais séria a crianças pequenas com transtornos mentais severos, envolvendo um marcante desvio, atraso e distorção nos processos de desenvolvimento. No início, todos esses transtornos eram considerados psicoses. Em 1943, Leo Kanner cunhou o termo “autismo infantil” e forneceu uma descrição clara e abrangente da síndrome da primeira infância. Ele descreveu crianças que exibiam extrema solidão autista, incapacidade para assumir uma postura antecipatória, desenvolvimento da linguagem atrasado ou desviante, com ecolalia e inversão pronominal (usar “você” ao invés de “eu”), repetições monótonas de sons ou expressões verbais, excelente memória de repetição, limitação na variedade de atividades espontâneas, estereotipias e maneirismos, desejo ansiosamente obsessivo pela manutenção da uniformidade, pavor de mudanças e imperfeições, relações anormais com outras pessoas e preferência por figuras ou objetos inanimados. Kanner suspeitava que a síndrome fosse mais frequente do que parecia e sugeriu que algumas dessas crianças eram confundidas com crianças com retardo mental ou esquizofrenia. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.5.2 Epidemiologia
Prevalência: o transtorno autista ocorre em uma taxa de dois a cinco casos por 10.000 crianças (0,02 a 0,05%) com menos de 12 anos. Caso se inclua o retardo mental severo com
alguns aspectos autistas, a taxa pode subir para até 20 casos por 10.000. Na maior parte dos casos, o autismo começa antes dos 36 meses, mas pode não ser evidente aos pais, dependendo de sua conscientização e da gravidade da doença. O transtorno autista é encontrado com maior frequência em meninos. As meninas autistas tendem a ser mais seriamente afetadas e a ter uma história familiar de comprometimento cognitivo. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
129
8.5.3 Etiologia
O transtorno autista é um transtorno evolutivo-comportamental. Embora fosse considerado, inicialmente, como sendo de origem psicossocial ou psicodinâmica, acumulam-se muitas evidências a favor de um substrato biológico. Anormalidades orgânicas/neurológicas/biológicas: o transtorno e os sintomas autistas estão associados com condições que têm lesões neurológicas, notoriamente rubéola congênita, fenilcetonúria (PKU) esclerose tuberosa e síndrome de Rett. As crianças autistas apresentam mais evidências de complicações perinatais do que os grupos de crianças normais e aquelas com outros transtornos. Fatores genéticos: vários estudos relatam que entre 2% a 4% dos irmãos de indivíduos autistas são afetados por transtorno autista, uma taxa 50 vezes superior à da população em geral. Fatores imunológicos: algumas evidências indicam que a incompatibilidade imunológica entre a mãe e o feto pode contribuir para o autismo. Os linfócitos de algumas crianças autistas reagem com os anticorpos das mães, levantando a possibilidade de os tecidos neurais embrionários ou extraembrionários estarem danificados durante a gestação. Fatores perinatais: uma alta incidência de várias complicações perinatais parece ocorrer em crianças com transtorno autista, tais como: sangramentos maternos após o primeiro trimestre e presença de mecônio no líquido amniótico foram relatados em crianças autistas com maior frequência do que na população em geral. Algumas evidências indicam uma alta incidência de uso de medicamentos durante a gravidez nas mães de crianças autistas. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.5.4 Critérios Diagnósticos
1) Comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social; 2) Fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nível de desenvolvimento; 3) Falta de tentativa espontânea de compartilhar prazer, interesses ou realizações com outras pessoas (por ex.: não mostrar, trazer ou apontar objetos de interesse); 4) Falta de reciprocidade social ou emocional; 5) Atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem falada (não acompanhado por uma tentativa de compensar por meio de modos alternativos de comunicação, tais como gestos ou mímica); 6) Uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem idiossincrásica; 7) Adesão aparentemente inflexível à rotina ou rituais específicos e não funcionais; 8) Maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex.: agitar ou torcer mãos e dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo).
8.5.5 Outros Sintomas Comportamentais
A hipercinesia é um problema comportamental comum em crianças pequenas autistas. A hipocinesia é menos frequente, e, quando presente, muitas vezes, alterna-se com hiperatividade. Observam-se agressividade e explosões de ira, muitas vezes sem razões aparentes ou provocadas por mudanças ou exigências. O comportamento autodestrutivo inclui bater com a cabeça, morder-se, arranhar-se ou arrancar os cabelos. Um fraco alcance da atenção, incapacidade total para concentrar-se em uma tarefa, insônia, problemas de alimentação, enurese e encoprese também são comuns. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
130
8.5.6 Diagnóstico Diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais são: esquizofrenia de aparecimento na infância, retardo mental com sintomas comportamentais, transtorno misto da linguagem receptivo/expressiva, surdez congênita ou transtorno severo de audição, privação psicossocial, e psicoses desintegrativas (regressivas). 131
8.5.7 Curso e Prognóstico
O transtorno autista tem um curso crônico e um prognóstico reservado. Um subgrupo de crianças autistas sofre de uma perda de parte ou de toda a sua fala preexistente. Isso ocorre com maior frequência entre os 12 e os 24 meses de idade. Como regra geral, as crianças autistas com altos QIs (acima de 70) e aquelas que usam a linguagem comunicativa por volta dos cinco aos sete anos de idade têm os melhores prognósticos. Se o ambiente e o lar fornecem apoio e são capazes de satisfazer as excessivas necessidades de tal criança, o prognóstico melhora muito.
8.5.8 Tratamento
Os objetivos do tratamento consistem em diminuir os sintomas comportamentais e auxiliar no desenvolvimento de funções atrasadas, rudimentares ou inexistentes, tais como linguagem e habilidades de autonomia. Além disso, os pais, frequentemente angustiados, precisam de apoio e aconselhamento. Métodos educativos e comportamentais são considerados, atualmente, o tratamento de escolha. O treinamento estruturado em sala de aula em combinação com métodos comportamentais é o procedimento de treinamento mais eficaz para muitas crianças autistas, sendo superior a outros tipos de abordagem comportamental. Estudos controlados indicam a obtenção de progressos nas áreas de linguagem e
cognição, bem como uma redução do comportamento mal-adaptativo, com o uso deste método. O treinamento e a instrução individual dos pais nos conceitos e capacidades de modificação do comportamento e a resolução dos seus problemas e preocupações dentro de um esquema específico podem produzir consideráveis ganhos na linguagem e nas áreas do comportamento cognitivo e social da criança. Entretanto, os programas de treinamento são rigorosos e exigem uma grande parcela de tempo dos pais. A criança autista requer a maior estrutura e um programa diário com o máximo de horas possível. Sobre a questão da inclusão ou não da criança autista no ensino regular, pais, educadores e profissionais de saúde devem avaliar, individualmente, cada caso, assim como a reação das demais crianças da mesma sala de aula. O discurso político-ideológico e generalista sobre a inclusão no ensino regular não pode sobrepor a realidade de cada criança autista e os seus recursos técnicos e emocionais. Por vezes, é mais conveniente investir recursos nas instituições especializadas em tratá-las, como é o caso das Associações de Pais e Amigos dos Autistas (AMAs). Embora nenhuma droga tenha se mostrado específica para o transtorno autista, a psicofarmacoterapia é um coadjuvante valioso aos programas de tratamento abrangentes. A administração do antipsicótico haloperidol reduz os sintomas comportamentais e acelera o aprendizado. A droga diminui a hiperatividade, estereotipias, retraimento, inquietação, relações objetais anormais, irritabilidade e afeto instável. O lítio pode ser tentado para comportamentos agressivos ou autodestrutivos, quando outros medicamentos fracassam. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.6 TRANSTORNO DE ASPERGER
Em 1944, o médico austríaco Hans Asperger descreveu uma síndrome à qual chamou de “psicopatia autista”. A descrição dizia respeito a pessoa s com inteligência normal, que exibem um comprometimento qualitativo da interação social recíproca e estranhezas comportamentais sem atrasos no desenvolvimento da linguagem.
VOCÊ SABIA?
Na CID-10, o transtorno de Asperger é chamado de
132
133
8.6.1 Etiologia
A causa desta síndrome não foi ainda completamente estabelecida, é desconhecida, mas estudos dos familiares sugerem uma possível relação com o transtorno autista. Há fortes evidências que sugerem ser esta síndrome causada por fatores orgânicos diversos, genéticos, metabólicos, infecciosos e perinatais.
8.6.2 Diagnóstico e Características Clínicas
Nas características clínicas incluem, pelo menos, duas das seguintes indicações de comprometimento social qualitativo: gestos comunicativos não verbais acentuadamente
anormais, fracasso para desenvolver relacionamentos com seus pares, falta de reciprocidade social ou emocional, e capacidade prejudicada para expressar prazer pela felicidade de outras pessoas. Interesses restritos e padrões limitados de comportamento estão sempre presentes.
8.6.3 Critérios Diagnósticos
134
1) Comprometimento acentuado no uso de múltiplos comportamentos não verbais, tais como contato visual direto, expressão facial, posturas corporais e gestos para regular a interação social. 2) Falta de reciprocidade social ou emocional; 3) Adesão aparentemente inflexível a rotinas e rituais específicos e não funcionais; 4) Maneirismos motores estereotipados e receptivos (por ex., agitar ou torcer as mãos ou os dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo); 5) Insistente preocupação com partes de objetos.
8.6.4 Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial inclui transtorno autista, transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação e, em pacientes que se aproximam da idade adulta, transtorno da personalidade esquizoide. De acordo com o DSM-IV, as distinções mais óbvias entre o transtorno de Asperger e o transtorno autista são os critérios envolvendo atraso e disfunção na linguagem. “A ausência de atraso na linguagem é uma exigência para o transtorno de Asperger, enquanto o comprometimento da linguagem é um aspecto básico ao transtorno autista”. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.6.5 Curso e Prognóstico
Os fatores associados com um bom prognóstico são: um QI normal e habilidades sociais de nível elevado. Ao atingir a idade adulta, eles podem alcançar um bom desempenho e ter uma vida proveitosa, progredindo na escola, no serviço e, também, desenvolver amizades.
135
8.6.6 Tratamento
O tratamento vai depender do nível de funcionamento adaptativo do paciente. Para àqueles com severo prejuízo social, algumas das mesmas técnicas usadas para o transtorno autista tendem a ser benéficas no tratamento do transtorno de Asperger. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.7 TRANSTORNO DE RETT
Em 1965, o médico austríaco Andreas Rett identificou uma síndrome em 22 meninas que pareciam haver tido um desenvolvimento normal por um período de, pelo menos, seis meses, seguido por uma deteriorização evolutiva devastadora. Embora poucos estudos tenham sido realizados, aqueles disponíveis indicam uma prevalência de seis a sete casos de transtorno de Rett por 100.000 meninas.
8.7.1 Etiologia
A causa do transtorno de Rett é desconhecida, embora o curso deteriorante progressivo, após um período normal inicial, seja compatível com um transtorno metabólico. Em algumas pacientes com transtorno de Rett foi constatada uma hiperamonemia, levando a
postular uma deficiência da enzima que metaboliza a amônia. Entretanto, a hiperamonemia não foi verificada na maioria das pacientes com tratamento de Rett. É provável que o transtorno tenha uma base genética, já que foi visto apenas em meninas, e os relatos de casos, até o momento, indicam uma concordância completa em gêmeas monozigóticas. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.7.2 Diagnósticos e Características Clínicas
Durante os cinco primeiros meses após o nascimento, o bebê apresenta habilidades motoras apropriadas à idade, um perímetro cefálico e crescimento normal. As interações sociais mostram a qualidade de reciprocidade esperada. Dos seis meses aos dois anos de idade, a criança apresenta uma encefalopatia progressiva, com diversos aspectos característicos. Os sinais, frequentemente, incluem a perda dos movimentos voluntários das mãos, que são substituídos por movimentos estereotipados, tais como retorcer as mãos, perda da fala adquirida anteriormente, retardo psicomotor e ataxia. Outros movimentos estereotipados das mãos podem ocorrer, tais com lamber os lábios, morder ou tamborilar os dedos e bater com as mãos. O crescimento do perímetro cefálico desacelera-se, resultando em microcefalia. Todas as habilidades de linguagem perdem-se e as habilidades sociais e de comunicação, tanto receptivas quanto expressivas, parecem alcançar um platô em níveis evolutivos situados entre seis meses e um ano de idade. Ocorre o desenvolvimento de uma fraca coordenação muscular e marcha atáxica, com uma qualidade instável e rígida. Crianças afetadas apresentam convulsões em até 75% dos casos, e os eletroencefalogramas mostram-se desorganizados com algumas descargas epileptiformes em quase todas as crianças pequenas com transtorno de Rett, mesmo na ausência de convulsões clínicas. Um aspecto associado adicional é o de respiração irregular, com episódios de hiperventilação, apneia e suspensão da respiração. Uma respiração desorganizada ocorre na maioria dos pacientes enquanto despertos; durante o sono, a respiração, em geral, normaliza-se. Muitas pacientes com transtorno de Rett têm escoliose.
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8.7.3 Critérios Diagnósticos
1) Desenvolvimento pré-natal e perinatal aparentemente normal; 2) Desenvolvimento psicomotor aparentemente normal durante os primeiros cinco meses após o nascimento; 3) Perímetro cefálico normal ao nascer; 4) Perda de habilidades voluntárias anteriormente adquiridas das mãos entre os cinco e os 30 meses de idade, com o desenvolvimento subsequente de movimentos estereotipados das mãos (por ex.: como torcer ou lavar as mãos); 5) Perda do envolvimento social precocemente no curso do transtorno (embora, muitas vezes, a interação social desenvolva-se posteriormente).
8.7.3.1 Diagnóstico diferencial
Algumas crianças com transtorno de Rett recebem diagnósticos iniciais de transtorno autista em vista da deficiência acentuada nas interações sociais em ambos os transtornos. Entretanto, os dois transtornos têm algumas diferenças previsíveis. No transtorno de Rett, a criança mostra uma deterioração nos marcos evolutivos, perímetro cefálico e crescimento geral; no transtorno autista, o desenvolvimento aberrante na maioria dos casos está presente desde cedo. No transtorno de Rett, movimentos específicos e característicos das mãos estão sempre presentes; no transtorno autista, uma variedade de maneirismos de mãos pode ou não ocorrer. Fraca coordenação, ataxia e apraxia previsivelmente fazem parte do transtorno de Rett; nesta doença as aptidões verbais, em geral, perdem-se completamente; no transtorno autista, o paciente usa uma linguagem caracteristicamente aberrante. A irregularidade respiratória é característica do transtorno de Rett, e as convulsões, frequentemente, aparecem cedo; no transtorno autista não é vista uma desorganização respiratória e não se desenvolvem convulsões na maioria dos pacientes; quando chegam a ocorrer, isso se dá mais frequentemente na adolescência que na infância. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
137
8.7.4 Curso e Prognóstico
O transtorno de Rett é progressivo. O prognóstico não é plenamente conhecido, mas os indivíduos que vivem até a idade adulta permanecem em um nível cognitivo equivalente ao do primeiro ano de vida. Geralmente, em virtude das alterações motoras existentes, estas crianças necessitam de cadeira de rodas. 138
8.7.5 Tratamento
O tratamento visa à intervenção sintomática. A fisioterapia tem sido benéfica para a disfunção muscular e o tratamento com anticonvulsivantes geralmente é necessário para o controle das convulsões. A terapia comportamental é útil para o controle de comportamentos autodestrutivos e pode ajudar a regular a desorganização respiratória. Em nível psicológico é importante alcançar uma sintonia familiar na equação realidade/fantasia e manter a motivação e o contato afetivo com a criança. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Assim, também, com os educadores. Tanto as crianças autistas, com Asperger ou com Rett, tendem a se beneficiar de algum modo da musicoterapia e da equoterapia (com cavalos).
8.8 ESQUIZOFRENIA COM INÍCIO NA INFÂNCIA
A esquizofrenia com início na infância é conceitualmente o mesmo que a esquizofrenia na adolescência e na idade adulta. Embora rara, a esquizofrenia em crianças pré-púberes inclui a presença de, pelo menos, dois dos seguintes aspectos: alucinações, delírios, discurso ou comportamento amplamente desorganizado, e severo retraimento por, pelo menos, um mês. Uma disfunção social ou acadêmica deve estar presente e sinais contínuos da perturbação devem persistir por, pelo menos, seis meses. Os critérios diagnósticos para esquizofrenia em crianças são idênticos aos critérios para a forma adulta, exceto que as crianças
podem não atingir seus níveis esperados de funcionamento social e acadêmico, ao invés de terem uma deterioração do funcionamento. Antes da década de 60, o termo “psicose infantil” era aplicado a um grupo heterogêneo que incluía uma variedade de transtornos invasivos do desenvolvimento sem alucinações e delírios. Nos anos 60 e 70, observou-se que as crianças que precocemente apresentavam evidências de uma profunda perturbação psicótica tendiam a ser mentalmente retardadas, tinham severos comprometimentos da comunicação e linguagem, eram socialmente disfuncionais e não tinham uma história familiar de esquizofrenia. Contudo, as crianças cujas psicoses emergiam após os cinco anos manifestavam alucinações auditivas, delírios, afetos inadequados, distúrbios do pensamento e inteligência normal e, com frequência, tinham uma história familiar de esquizofrenia, eram vistas como exibindo esquizofrenia, enquanto crianças mais jovens eram identificadas como evidenciando um transtorno inteiramente diferente; transtorno autista ou um transtorno invasivo do desenvolvimento. A maioria das crianças autistas apresenta comprometimento em todas as áreas do funcionamento adaptativo desde muito cedo. O início ocorre quase sempre antes dos três anos de idade, enquanto o início da esquizofrenia geralmente dá-se na adolescência ou idade adulta jovem. Praticamente não existem relatos de um início de esquizofrenia antes dos cinco anos de idade. Na terceira edição revisada do DSM (DSM-III-R), a esquizofrenia podia ser diagnosticada em crianças autistas, apenas se alucinações ou delírios se desenvolviam e tornavam-se um aspecto clínico proeminente. De acordo com a quarta edição do DSM (DSM-IV), a esquizofrenia pode ser diagnosticada na presença de um transtorno autista.
8.8.1 Epidemiologia
A esquizofrenia em crianças pré-púberes é excepcionalmente rara; estima-se que ocorra menos frequentemente que o transtorno autista. Em adolescentes, a prevalência da esquizofrenia está estimada como sendo 50 vezes maior do que em crianças mais jovens, com taxas prováveis de 1 a 2 por 1.000. Os meninos parecem exibir uma leve preponderância entre as crianças esquizofrênicas, com uma razão estimada de cerca de 1,67 meninos para uma
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menina. Os meninos, frequentemente, tornam-se sintomáticos em uma idade mais precoce que as meninas. A esquizofrenia raramente é diagnosticada em crianças com menos de cinco anos de idade, sendo, em geral, diagnosticada em adolescentes com mais de 15 anos. Os sintomas, em geral, têm início insidioso, e os critérios diagnósticos são satisfeitos gradualmente ao longo do tempo. Às vezes, o início da esquizofrenia é súbito e ocorre em uma criança com bom funcionamento anterior. A prevalência da esquizofrenia entre os pais de filhos esquizofrênicos é de cerca de 8%, o que está próximo ao dobro da prevalência nos pais de pacientes esquizofrênicos com início na idade adulta. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.8.2 Etiologia
Estudos genéticos e familiares oferecem evidências de uma contribuição biológica ao desenvolvimento da esquizofrenia, mas nenhum marcador específico foi identificado e os mecanismos precisos de transmissão do transtorno não são compreendidos. A esquizofrenia é significativamente mais prevalente entre os parentes em primeiro grau de indivíduos com esquizofrenia do que na população em geral. Estudos de adoções de pacientes esquizofrênicos com início na idade adulta têm mostrado que a esquizofrenia ocorre nos parentes biológicos, mas não nos parentes adotivos. Evidências genéticas adicionais são apoiadas pelas taxas mais altas de concordância para a esquizofrenia em gêmeos monozigóticos que em gêmeos dizigóticos. O padrão de transmissão genética da esquizofrenia permanece desconhecido, entretanto, maior carga genética é vista nos parentes dos indivíduos com esquizofrenia com início na infância do que nos parentes daqueles com esquizofrenia com início na idade adulta. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.8.3 Diagnóstico e Características Clínicas
140
Todos os sintomas incluídos na esquizofrenia de início na idade adulta podem ser manifestados por crianças com o transtorno. O início é frequentemente insidioso; após exibir pela primeira vez um afeto inadequado ou comportamento incomum, uma criança pode levar meses ou anos para reunir todos os critérios de diagnóstico para esquizofrenia. As crianças que, por fim, satisfazem os critérios, com frequência, são socialmente rejeitadas e têm habilidades sociais limitadas. Elas podem ter histórias de atraso nos marcos motores e verbais, baixo rendimento escolar, apesar de uma inteligência normal. Embora as crianças esquizofrênicas e as crianças autistas possam assemelhar-se em suas histórias iniciais, as crianças esquizofrênicas têm inteligência normal e não satisfazem os critérios para um transtorno invasivo do desenvolvimento. As crianças com esquizofrenia geralmente manifestam alucinações auditivas. Elas podem ouvir várias vozes, comentando suas ações ou alucinações de comando ordenando-lhes que matem a si próprias ou a outrem. As vozes podem ser de natureza bizarra, identificadas como “um computador em minha cabeça” ou “marcianos”, ou como a voz de uma pessoa conhecida, como um parente. Alucinações visuais são experimentadas por um número significativo de crianças com esquizofrenia e frequentemente são assustadoras; as crianças podem ver o demônio, esqueletos, caras amedrontadoras ou criaturas espaciais. Alucinações visuais fóbicas transitórias também ocorrem em crianças traumatizadas que não avançam para um transtorno psicótico. Os delírios estão presentes em mais da metade de todas as crianças esquizofrênicas; eles podem assumir várias formas, incluindo perseguição, grandiosidade e religiosidade. A frequência dos delírios aumenta com a idade. Um afeto inadequado está quase que universalmente presente em crianças com esquizofrenia. As crianças esquizofrênicas podem dar risadinhas inadequadas ou chorar sem serem capazes de explicar o motivo. Os distúrbios da forma do pensamento, incluindo afrouxamento de associações e bloqueio de pensamentos, são aspectos comuns em crianças com esquizofrenia. Outros aspectos que parecem estar presentes com uma alta frequência em crianças esquizofrênicas são um fraco funcionamento motor, comprometimentos visuoespaciais e déficit de atenção.
141
8.8.4 Diagnóstico Diferencial
As crianças com transtorno da personalidade esquizotípica e crianças com esquizofrenia apresentam muitas semelhanças. Afeto embotado, isolamento social, pensamentos excêntricos, ideias de referência e comportamento bizarro podem ser vistos em ambos os transtornos; entretanto, na esquizofrenia, sintomas psicóticos manifestos – como alucinações, delírios e incoerência – devem estar presentes em algum ponto; quando presentes excluem um diagnóstico de transtorno da personalidade esquizotípica.
Resumindo!
Compreende-se que para que seja diagnosticada esquizofrenia é preciso identificar sintomas como
Os fenômenos psicóticos são comuns em crianças com transtorno depressivo maior, no qual podem ocorrer alucinações e, menos frequentemente, delírios. A congruência do humor com os aspectos psicóticos é mais pronunciada em crianças deprimidas, embora as crianças esquizofrênicas possam também parecer tristes. Transtornos invasivos do desenvolvimento, incluindo transtorno autista com inteligência normal, podem compartilhar alguns aspectos da esquizofrenia. Contudo, alucinações, delírios e transtorno da forma do pensamento são aspectos fundamentais da esquizofrenia e não estão presentes em transtornos invasivos do desenvolvimento.
8.8.5 Curso e Prognóstico
Previsores importantes do curso e resultado da esquizofrenia com início na infância
142
incluem o nível de funcionamento da criança antes do início da esquizofrenia, idade quando do início, grau de funcionamento da criança conquistado após o primeiro episódio e grau de apoio de que dispõe a família. Em um estudo de resultado em longo prazo de pacientes esquizofrênicos com início antes dos 14 anos, os piores prognósticos ocorriam em crianças cuja esquizofrenia era diagnosticada antes dos 10 anos de idade e que apresentavam transtornos de personalidade preexistentes. Em geral, a esquizofrenia com início na infância parece ser menos sensível aos medicamentos do que a esquizofrenia de início na idade adulta ou na adolescência, podendo haver pior prognóstico. Os sintomas positivos, isto é, alucinações e delírios tendem a ser mais sensíveis aos medicamentos dos que aos sintomas negativos, como retraimento. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.8.6 Tratamento
O tratamento da esquizofrenia com início na infância inclui um enfoque multimodal. Os medicamentos antipsicóticos são indicados e podem ser eficazes, embora muitos pacientes apresentem pouca ou nenhuma resposta. Além disso, a educação da família e encontros familiares contínuos e apoiadores são necessários para maximizarem o nível de apoio que a família pode dar ao paciente. O contexto educacional apropriado para a criança também é importante, já que déficit nas habilidades sociais, déficit de atenção e dificuldades acadêmicas, frequentemente, acompanham a esquizofrenia infantil. A psicoterapia com crianças esquizofrênicas deve levar em consideração o nível de desenvolvimento da criança, deve apoiar continuamente seu bom teste de realidade e incluir uma sensibilidade ao sentimento de self da criança. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.9 RETARDO MENTAL
143
É uma condição de desenvolvimento interrompido ou incompleto da mente, a qual é especialmente caracterizada por comprometimento de habilidades manifestadas durante o período de desenvolvimento, as quais contribuem para o nível global de inteligência, isto é, aptidões cognitivas, de linguagem, motoras e sociais. O retardo pode ocorrer com ou sem qualquer outro transtorno mental ou físico. Entretanto, indivíduos mentalmente retardados podem apresentar a série completa de transtornos mentais e a prevalência destes é pelo menos três a quatro vezes maior nessa população do que na população em geral. Em adição, indivíduos mentalmente retardados têm maior risco de serem explorados e sofrerem abuso físico/sexual. O comportamento adaptativo está sempre comprometido, mas em ambientes sociais protegidos, onde um suporte está disponível, este comprometimento pode não ser absolutamente óbvio em pacientes com retardo mental leve. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). A inteligência não é uma característica unitária; ao invés, é avaliada com base em um grande número de diferentes habilidades mais ou menos específicas. Embora a tendência geral seja de que todas essas habilidades se desenvolvam até um nível similar em cada indivíduo, pode haver grandes discrepâncias, especialmente em pessoas que são mentalmente retardadas. Tais pessoas podem exibir comprometimentos graves em uma área específica (por ex.: linguagem) ou podem ter uma área particular de maior habilidade (por ex.: em tarefas visuoespaciais simples) contra um fundo de retardo mental grave. Isso apresenta problemas quando da determinação da categoria diagnóstica, na qual uma pessoa retardada deve ser classificada. A avaliação do nível intelectual deve ser baseada em todas as informações disponíveis, incluindo achados clínicos, comportamento adaptativo (avaliação em relação ao meio cultural do indivíduo) e desempenho em testes psicométricos. Para um diagnóstico definitivo, deve haver um nível reduzido de funcionamento intelectual resultando em capacidade diminuída para se adaptar às demandas diárias do ambiente social normal. Transtornos mentais ou físicos associados têm uma grande influência no quadro clínico e no uso de quaisquer habilidades. A categoria diagnóstica escolhida deve, portanto, ser baseada em avaliações globais de capacidade e não em qualquer área isolada de comprometimento ou habilidade específica. Os níveis de QI são fornecidos como um guia e não devem ser aplicados rigidamente, em vista dos problemas de
144
validação transcultural. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). O QI deve ser determinado a partir de testes de inteligência padronizados, administrados individualmente, para os quais normas culturais locais tenham sido determinadas, e o teste selecionado deve ser apropriado ao nível de funcionamento do indivíduo e às suas condições adicionais específicas de prejuízo, por ex. problemas de linguagem expressiva, comprometimento auditivo, envolvimento físico. Escalas de maturidade e adaptação sociais, outra vez localmente padronizadas, devem ser completadas, se for possível, por meio de entrevistas com um dos pais ou pessoa
145
que cuida e que esteja familiarizada com as habilidades do individuo no dia a dia. Sem o uso de procedimentos padronizados, o diagnóstico deve ser considerado somente como uma estimativa provisória.
8.9.1 Classificação
A classificação dos retardados mentais inclui vários fatores: o nível de desempenho alcançado, medido por testes gerais de inteligência, as possibilidades educacionais e a adequação social. (AMIRALIAN, 1986 apud KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
CLASSIFICAÇÃO DO NÍVEL DE RETARDAMENTO Nível de retardamento
Característica de
Característica
Adequação social
desenvolvimento
educacional
Retardados mentais leves
Atraso leve no
Capazes de
Quando adultos são
educáveis QI-55/60 -
desenvolvimento para
aprendizagem acadêmica
capazes de
70/75
andar, falar e cuidar de si;
até mais ou menos a 3 a
independência social e
geralmente não se
ou 4a série do ensino
econômica, casam-se e
diferenciam da média das
fundamental, em ensino
muito frequentemente
crianças até a idade
especializado de escola
perdem a identificação de
escolar.
comum.
deficientes mentais.
Retardados mentais
Atraso notável na
Capacidade de
Quando adultos são
moderados treináveis QI-
aprendizagem de
aprendizagem escolar em
capazes de realizar
35/40 - 55/60
habilidades básicas, mas
nível de pré-escola;
trabalho supervisionado,
aprendem a falar, andar,
rudimentos de
frequentemente em
alimentar-se e cuidar de
aprendizagem
oficinas abrigadas;
sua toalete.
acadêmica;
raramente casam e ou
reconhecimento de
conseguem
números e palavras.
independência.
Retardados mentais
Grande atraso no
Capazes somente de
Somente capazes de
severos treináveis e
desenvolvimento de
aprendizagem
realização de tarefas 146
custodiais QI-20/25 -
aprendizagens básicas.
rudimentares e não em
simples, seja em casa ou
35/40
Estas só são
áreas acadêmicas,
ambiente protegido,
conseguidas por volta
apenas em áreas de
necessitam
dos seis anos de idade
cuidados pessoais.
frequentemente de
cronológica.
cuidados permanentes.
Retardados mentais
Geralmente apresentam
Alguns são capazes de
São incapazes de se
profundos custodiais QI
capacidade mínima de
aprender a andar e se
manter por si; necessitam
abaixo de 20/25
aprendizagem, raramente
alimentar; não aprendem
de permanentes cuidados
se alimentam, falam ou
a linguagem nem a fala.
de enfermaria.
cuidam de si. Muitos ficam permanentemente na cama. FONTE: AMIRALIAN, 1986 apud KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997.
Embora existam classificações para os retardados mentais que utilizam terminologia baseada na realização em testes de inteligência, isto é, nos QIs e desvios-padrão, observa-se que por meio dos tempos o excepcional vem sendo considerado de diferentes maneiras, referente aos valores sociais, morais, filosóficos, éticos e religiosos, ou seja, relacionadas ao modo pelo qual o homem é visto nas diferentes culturas. (AMIRALIAN,1986 apud KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
VOCÊ SABIA?
Com a evolução das ciências que estudam o homem, uma nova visão surgiu, isto é, começou-se de fato a estudar e analisar o comportamento destes indivíduos,
147
Hoje, a diferença entre os grupos desviantes e os normais são apenas diferenças de grau, e não de qualidade. Os processos perceptivos, conceituais, ideacionais e de aprendizagem de todas as pessoas, quer sejam normais ou desviantes, são fundamentalmente iguais. Todos aprendemos, retemos, recordamos, percebemos, pensamos e fazemos ajustamentos pessoais e sociais de acordo com os mesmos princípios e padrões genéricos, porém, alguns de nós fazemos essas coisas mais depressa, melhor, com maior exatidão, ou de maneira mais adequada que outros. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Dentro dos contextos educacionais, todos os indivíduos mentalmente retardados devem estar incluídos em um programa amplo, que aborde o treinamento de aptidões adaptativas, de habilidades social e ocupacional, visando sempre a uma melhoria da qualidade de vida dentro de uma perspectiva da totalidade humana (biopsicossociocultural), real e concreta.
8.9.2 Curso e Prognóstico
Na maioria dos casos de retardo mental, o comprometimento intelectual básico não melhora, mas o nível de adaptação do indivíduo afetado pode ser positivamente influenciado por um ambiente enriquecido e de suporte. Quando há transtornos mentais bem definidos sobrepostos ao retardo mental, os tratamentos habituais para os transtornos mentais comórbidos frequentemente são benéficos. 148
8.9.3 Tratamento
O retardo mental está associado com vários grupos heterogêneos de transtornos e a uma multiplicidade de fatores psicossociais. O melhor tratamento do retardo mental é o modelo da medicina preventiva de prevenção primária, secundária e terciária. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). Entende-se por prevenção primária aquela na qual a doença ainda não aconteceu (como um pré-natal bem feito), secundária quando o problema já está instalado e será tratado em nível ambulatorial, e terciária quando o problema é tratado em alguma instituição, visando à readaptação e à reinserção social do paciente.
8.10 TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é caracterizado por um alcance inapropriadamente fraco da atenção, em termos evolutivos ou aspectos de hiperatividade e impulsividade, ou ambos, inapropriados à idade. A fim de satisfazer os critérios diagnósticos, o transtorno deve estar presente por, pelo menos, seis meses, comprometer o funcionamento acadêmico ou social e ocorrer antes dos sete anos. De acordo com o DSM-IV, o diagnóstico é feito pela confirmação de numerosos
sintomas no âmbito da desatenção ou da hiperatividade, ou em ambos. Portanto, uma criança pode qualificar-se para o transtorno apenas com sintomas de desatenção, ou com sintomas de hiperatividade e impulsividade, sem desatenção. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997).
8.10.1 Epidemiologia 149
Existe uma maior incidência em meninos do que em meninas, com uma proporção variando de três para um a cinco para um. A condição é mais comum em meninos primogênitos. Os pais de crianças com TDAH apresentam uma incidência aumentada de hipercinesia, sociopatia, dependência de álcool e transtorno conversivo. O diagnóstico, em geral, somente é feito quando a criança entra na escola, e a situação de aprendizado normal exige padrões de comportamento estruturados, incluindo período de atenção e concentração adequadas ao desenvolvimento.
8.10.2 Etiologia
As causas do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade são desconhecidas. A maioria das crianças com TDAH não mostram evidências de amplas lesões estruturais ou doença no sistema nervoso central (SNC). Por outro lado, a maioria das crianças com distúrbios neurológicos conhecidos causados por lesões cerebrais não exibe déficit de atenção ou hiperatividade. Os fatores contribuintes sugeridos para o TDAH incluem exposições tóxicas prénatais, prematuridade e insulto mecânico pré-natal ao sistema nervoso central fetal. Fatores genéticos: as evidências de uma base genética para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade incluem a maior concordância em gêmeos monozigóticos do que em gêmeos dizigóticos. Além disso, os irmãos de crianças hiperativas têm cerca do dobro do risco para terem o transtorno que a população em geral. Um irmão pode ter sintomas predominantemente hiperativos, e os outros podem ter, predominantemente, sintomas de desatenção.
Fatores psicossociais: as crianças institucionalizadas, frequentemente, mostram-se muito ativas e têm fraca atenção. Esses sinais resultam da privação emocional prolongada e desaparecem quando os fatores de privação são removidos, como pela adoção ou colocação em um lar intermediário. Eventos psíquicos estressantes, uma perturbação no equilíbrio familiar e outros fatores indutores de ansiedade contribuem para a iniciação ou perpetuação do TADH.
8.10.3 Diagnóstico
O primeiro sinal de hiperatividade deve alertar para a possibilidade de TDAH. Uma história pré-natal detalhada dos padrões de desenvolvimento da criança e a observação direta, geralmente, revelarão excessiva atividade motora. A hiperatividade pode ser observada em algumas situações (por ex.: na escola), e pode ser menos evidente em situações estruturadas do que em situações não estruturadas. Entretanto, ela não deve ser uma manifestação comportamental isolada, breve e passageira sob estresse, mas estar presente por um longo período. De acordo com o DSM-IV, os sintomas devem estar presentes em, pelo menos, dois contextos (por ex.: na escola e em casa), para satisfazer os critérios diagnósticos para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
8.10.4 Critérios Diagnósticos
Frequentemente:
Deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros descuidados em atividades
escolares, de trabalho ou outras;
Tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas;
Tem dificuldades para organizar tarefas e atividades;
Apresenta esquecimento em atividades diárias;
Remexe as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira;
150
Corre ou escala em demasia, em situações nas quais isso é inadequado (em
adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação);
Tem dificuldade para aguardar sua vez;
Está “a mil” ou, muitas vezes, age como se estivesse “a todo vapor”;
Fala em demasia.
8.10.5 Diagnóstico Diferencial
Uma constelação temperamental consistindo de um alto nível de atividade e um
fraco alcance da atenção deve ser considerado primeiro;
A ansiedade na criança precisa ser avaliada. A ansiedade pode acompanhar o
TDAH como um aspecto secundário e pode manifestar-se por hiperatividade e fácil distraibilidade;
Muitas crianças em TDAH têm depressão secundária em reação à contínua
frustração por seu fracasso de aprendizado e baixa autoestima;
Com frequência, o transtorno de conduta e o TDAH coexistem de modo que ambos
devem ser diagnosticados.
8.10.6 Curso e Prognóstico
O TDAH tem um curso bastante variável. Os sintomas podem persistir na adolescência ou na vida adulta, podem apresentar remissão na puberdade, ou a hiperatividade pode desaparecer, com persistência de um reduzido alcance da atenção e problemas de controle dos impulsos. A remissão é impossível antes dos 12 anos e pode ser seguida de uma adolescência e vida adulta produtivas, relacionamentos interpessoais gratificantes e poucas sequelas significativas. Em cerca de 15% a 20% dos casos os sintomas de TDAH persistem na vida adulta.
151
8.10.7 Tratamento
Uma das formas de realizar o tratamento é por meio da farmacoterapia. Os agentes farmacológicos para o TDAH são os estimulantes do SNC, como os derivados anfetamínicos (ex.: metilfenidato). Mas o uso isoladamente de medicamentos poucas vezes satisfaz as necessidades terapêuticas das crianças com TDAH e, em geral, é somente uma das facetas de um regime multimodal. Psicoterapia individual, modificação do comportamento, aconselhamento parental e tratamento de qualquer distúrbio específico do desenvolvimento podem ser necessários. (KAPLAN, SADOCK & GREBB, 1997). A abordagem interativa dos profissionais de saúde com a escola é imprescindível. Porém, os educadores não devem interferir nas funções do médico, nem vice-versa, haja vista que é comum se verificar professores que pedem aos pais que façam um eletroencefalograma da criança hiperativa; sendo que este exame nem mesmo é indicado para tal suspeita diagnóstica. É possível evidenciar que por meio das pesquisas é admissível definir que a psicopatologia é como uma avaliação dos acontecimentos psíquicos de evidência anormal, sendo este o centro da psiquiatria. A maioria das psicopatologias oferta subsídios para alteração do sono. Estes efeitos dos fenômenos psíquicos contribuem na alteração do sono reparador, o que colabora para demonstrar os distúrbios do sono.
152
9 A IMPORTÂNCIA DO SONO: O CLÁSSICO DA LITERATURA
O sono é um fenômeno biológico, ativo, cíclico e de sobrevivência, ocupando, em média, um terço de nossas vidas. Há no cérebro um relógio biológico de 25 horas que regula o horário de dormir e de acordar. Mesmo sem despertador, esse nosso relógio interno sabe que já se passaram nove horas de sono e nos acorda pela manhã. Todo mundo sabe que dormir um sono gostoso é importante para se sentir bem disposto pela manhã e, agora, muitas pesquisas mostram que dormir é ótimo também para se ter uma memória melhor e rejuvenescer-se. Toda pessoa precisa dormir para poder viver bem. Umas dormem mais que as outras. O hormônio do crescimento é produzido durante o sono. Quanto mais aumenta a nossa idade, menor é a nossa necessidade de dormir. Um bebê dorme 16 horas por dia, uma criança de nove anos, 10 horas; um adolescente com 14 anos, 8 horas e meia; um jovem de 25 anos, oito horas; com 45 anos, sete horas e o vovô, cinco horas, em média. O sono é tão importante para a nossa vida como a alimentação. Quando dormimos, o nosso corpo não para de funcionar, e, pela manhã, estamos animados para um novo dia. Se a criança não dorme bem à noite e acorda sem disposição para estudar e brincar, ela pode ter algum distúrbio do sono. Nas crianças existem certas variações nos distúrbios do sono. A insônia é uma diminuição total ou parcial da quantidade habitual de horas de sono ou da sua qualidade durante a noite. Ocorre em qualquer idade. Pode levar à sonolência diurna, prejudicar o rendimento escolar, o humor e o estado psicológico, a forma física e os relacionamentos em casa e na escola. O médico deve descobrir qual a sua causa para fazer o tratamento. A sonolência diurna excessiva pode ser causada não só por uma noite mal dormida, mas também por problemas como a depressão (que também pode acometer crianças), síndrome de apneia do sono (parada da respiração quando se está dormindo), narcolepsia (crises de sono incontroláveis durante o dia, em qualquer lugar). Há casos de sonolência na escola porque a aula não é dinâmica, é monótona, com atividades pouco atrativas. A sonolência diurna pode prejudicar a atenção, o humor e o aprendizado na escola. O professor, muitas vezes, é o primeiro a verificar este problema, e deve avisar os pais para encaminhar o aluno a um profissional especializado, como também, dinamizar as suas aulas.
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A SAHOS (Síndrome de Apneia e Hipopneia Obstrutiva do Sono) foi descrita por Sir William Osler, em 1892: “o aumento crônico do tecido linfoide é uma doença de grande importância e pode influenciar de uma forma extraordinária o desenvolvimento mental e corporal da criança; à noite o sono da criança é extremamente perturbado, a respiração é ruidosa e dificultosa, algumas vezes acompanhada por pausas prolongadas, seguidas de inspirações, e ruidosas. A criança pode acordar em um paroxismo de falta de ar”. 154
Em 1976, Guilleminault et al . relataram a primeira série de oito crianças com SAHOS confirmada por meio de polissonografia. (VALERA et al ., 2004). Estima-se que 8% a 27% das crianças ronquem durante o sono, e 2% delas possuam SAHOS. A SAHOS na infância ocorre desde o período neonatal até a adolescência; contudo, ela é mais comum em crianças em idade pré-escolar, sobretudo dos dois aos seis anos de idade, e não há predominância entre os sexos. Esta incidência vem aumentando nos últimos anos devido a dois fatores: o diagnóstico mais preciso e precoce é a diminuição do número de adenotonsilectomias. O principal sintoma de SAHOS é o ronco; a sua intensidade, porém, não está relacionada com a gravidade do quadro. Outros sinais e sintomas são: respiração bucal forçada, com retrações costais, às vezes paradoxais, agitação, tosse e engasgos durante o sono, sonambulismo, enurese e sudorese noturnas. As crianças se movimentam muito durante a noite, procurando dormir em posições que facilitem a passagem aérea, às vezes sentadas ou com o pescoço hiperestendido. A cianose é raramente observada, mas pode ocorrer em lactentes. Crianças muito novas podem apresentar SAHOS acentuada, com roncos leves ou mesmo ausentes. Sintomas como hiperatividade, ansiedade, irritabilidade, agressividade, desorientação, confusão matinal, amnésia retrógrada e déficit de atenção podem estar presentes. Fragmentação do sono e hipersonolência diurna podem ocorrer em crianças maiores, mas raramente são observadas em crianças menores. (VALERA et al ., 2004). Ao exame físico, os achados geralmente são pobres ou inespecíficos, como respiração bucal, obstrução nasal, voz hiponasal e a presença de Síndrome da Face Alongada (respiração bucal crônica, levando ao aumento da altura anterior da face, principalmente de seu terço inferior, estreitamento de narinas, retrusão mandibular e maxilar e aumento da inclinação
mandibular, relacionados à hipotonia de lábios e de musculatura orofacial). (VALERA et al ., 2004). Há, ainda, a higiene inadequada do sono. Por isso, é essencial que a criança respeite um horário fixo para deitar e levantar, conforme os costumes dos pais; não tome muito líquido nem coma demais à noite; não fique até tarde no computador ou videogame; não assista TV no quarto – que deve ser escuro e silencioso; o quarto deve ter temperatura agradável e ser bem ventilado. Estas sugestões compõem uma boa higiene do sono. No sonambulismo, a criança começa a se mexer durante o sono, senta-se de repente na cama, movimenta-se, levanta-se e sai andando ainda dormindo, podendo vir a escorregar ou perder o equilíbrio e se machucar, quando em lugares difíceis de passar, como descer escadas ou pular janelas. A criança deve ser levada de volta para a cama sem despertar. Isso pode durar menos de um minuto a mais de meia hora e a criança pode ter até vários episódios por semana, durante vários anos, e não apresentar nenhuma alteração do comportamento de dia. Cerca de 20% das crianças, com oito anos de idade, podem ter um episódio anual de sonambulismo. Quando frequente deve-se prevenir acidentes e procurar um médico. No terror noturno, a criança que dormia tranquila, senta de forma abrupta na cama e grita intensamente; pode falar, suspirar, gemer ou chorar, ficando ansiosa ou em pânico (terror), olhos arregalados, sua muito, acelera o coração e a respiração. Leva cinco a 10 minutos até a criança despertar completamente, não se lembrando de nada e voltando a dormir calmamente, sem problemas no dia seguinte. Cerca de 10% das crianças, com sete anos de idade, podem ter um episódio anual de terror noturno. O tratamento médico ou psicológico só é realizado quando a frequência é alta e os episódios são duradouros. No sonilóquio, a criança emite sons que não dá para entender, ou palavras isoladas, frases incoerentes e sem lógica, ou até mesmo frases claras. Não dá para conversar com a criança durante o sonilóquio e ela não se lembra de nada no outro dia. Dura, em geral, menos de um minuto e ocorre de vez em quando ou durante noites seguidas. Cerca de 45% das crianças, aos nove anos de idade, podem ter um episódio anual de sonilóquio. Não é devido a nenhuma lombriga (verminose) e não precisa de tratamento. Já o pesadelo é o sonho com medo e ansiedade. A criança lembra-se dos sonhos de forma detalhada
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quando acorda e pode ser acalmada com facilidade. Muitas vezes, durante o sonho ruim, ela se debate e acorda. Acontece também nos cochilos diurnos que duram mais de uma hora. Quando muito frequente, a criança adquire medo de dormir e as interrupções repetidas do sono chegam a levar à insônia. É um fenômeno normal de toda uma vida humana que não precisa de tratamento. No ranger de dentes durante o sono há um contato firme e fricção das arcadas dentárias (dentes de cima e de baixo da boca). Pode acontecer, também, durante o dia. O bruxismo causa danos à articulação da boca e aos dentes, daí a necessidade de tratamento com dentista, psicólogo ou fonoaudiólogo, quando muito frequente. Às vezes causa dor de cabeça, dificuldades para engolir e falar, sonolência diurna e insônia à noite. A criança, frequentemente, desconhece o seu problema. Surge em qualquer idade, sendo mais comum na infância e adolescência. Não é devido à lombriga (verminose) – 10% das crianças, na idade de sete anos, apresentam o bruxismo todos os dias. A enurese não orgânica é um transtorno caracterizado por eliminação involuntária de urina de dia e/ou de noite, a qual é anormal em relação à idade mental do indivíduo e não é consequência de uma falha de controle vesical decorrente de qualquer transtorno neurológico, de ataques epiléticos ou de qualquer anormalidade estrutural do trato urinário. A enurese pode estar presente desde o nascimento (isto é, uma extensão anormal da incontinência infantil normal) ou pode ter surgido seguindo-se a um período de controle vesical adquirido. A variedade de início tardio (ou secundária) começa por volta de cinco a sete anos. A enurese pode constituir uma condição monossintomática ou pode estar associada a um transtorno emocional ou de comportamento mais difuso. No último caso, há incerteza sobre os mecanismos envolvidos na associação. Problemas emocionais podem surgir como uma consequência secundária da angústia ou estigma resultante da enurese; esta pode fazer parte de algum transtorno psiquiátrico ou ambos, a enurese e a perturbação emocional de comportamento podem surgir em paralelo, provenientes de fatores etiológicos relacionados. Não há modo direto e não ambíguo de decidir entre essas alternativas em um determinado caso, e o diagnóstico deve ser feito com base em qual tipo de perturbação (isto é, enurese ou transtorno emocional de comportamento) constitui o problema principal – 10% das crianças, de sete anos de idade, têm enurese ao menos uma vez por semana, sendo mais comum em meninos.
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Não há uma demarcação clara entre um transtorno enurético e as variações normais na idade de aquisição do controle vesical. Entretanto, a enurese não seria comumente diagnosticada em uma criança abaixo da idade de cinco anos ou com uma idade mental abaixo de quatro anos. Se a enurese está associada a algum (outro) transtorno emocional ou de comportamento, ela normalmente constituiria o diagnóstico primário somente se a perda involuntária de urina ocorreu pelo menos várias vezes por semana e se os outros sintomas mostrarem alguma covariação temporal com a enurese. A enurese, às vezes, ocorre em conjunção com a encoprese; quando este é o caso, encoprese deve ser diagnosticada. Ocasionalmente, crianças desenvolvem enurese transitória como um resultado de cistite ou poliúria (como a da diabete). Entretanto, isso não constitui uma explicação suficiente para uma enurese que persiste após a infecção ter sido curada ou após a poliúria ter sido controlada. Não frequentemente, a cistite pode ser secundária a uma enurese que surgiu por infecção ascendente do trato urinário, como um resultado de umidade permanente (especialmente nas meninas). O ronco é um barulho produzido pela respiração durante o sono. Há uma vibração da garganta, causada pelo fechamento desta via por onde passa o ar que respiramos. É um dos principais sintomas da síndrome de apneia do sono tipo obstrutivo. As apneias são paradas da respiração quando a criança está dormindo. Assim, elas roncam e param de respirar, alternadamente. Mais comum no sexo masculino e sua intensidade aumenta com a idade e o peso excessivo. O médico deve avaliar o tipo de ronco e suas consequências (como sonolência diurna) para escolher o tratamento mais indicado, quer seja mudança da posição de dormir, a perda de peso e até cirurgia.
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