Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Instituto de Medicina Social
Adriana de Freitas Velloso
Da homeopatia à medicina chinesa: a trajetória dos pontos de Weihe
Rio de Janeiro 2003
Adriana de Freitas Velloso
Da homeopatia à medicina chinesa: a trajetória dos pontos de Weihe Wei he
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-Graduação Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Política, Planejamento e Administração em Saúde Coletiva.
Orientador: Profa. Dra. Madel Therezinha Luz
Rio de Janeiro 2003
Adriana de Freitas Velloso
Da homeopatia à medicina chinesa: a trajetória dos pontos de Weihe Wei he
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-Graduação Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Política, Planejamento e Administração em Saúde Coletiva.
Orientador: Profa. Dra. Madel Therezinha Luz
Rio de Janeiro 2003
CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CB-C V441 Velloso, Adriana de Freitas. Da homeopatia à medicina chinesa: a trajetória dos pontos de Weihe / Adriana de Freitas Velloso. – 2003. 132 f. Orientadora: Madel Therezinha Luz. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social. 1. Homeopatia – Teses. 2. Acupuntura – Teses. 3. Pontos Pontos de Weihe. I. Luz, Madel Therezinha. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social. III. Título. CDU 615.015.32
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que citada a fonte. ______________________________ _____________________________________ _______ ____________________________ ____________________________ Assinatura Data
Adriana de Freitas Velloso
Da homeopatia à medicina chinesa: a trajetória dos pontos de Weihe
Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Política, Planejamento e Administração em Saúde Coletiva.
Aprovado em 14 de abril de 2003. Banca Examinadora: __________________________________________________ Prof.ª Dra. Madel Therezinha Luz (Orientadora) Instituto de Medicina Social – UERJ __________________________________________________ Prof.ª Dra. Jane Dutra Sayd Instituto de Medicina Social – UERJ __________________________________________________ Prof.ª Dra. Marilene Cabral do Nascimento Escola Nacional de Saúde Pública _________________________________________________ Prof.ª Dra. Roseni Pinheiro Instituto de Medicina Social – UERJ
Rio de Janeiro 2003
DEDICATÓRIA
Esta tese é inteiramente dedicada à memória de minha tia, Ione Saldanha, que me ensinou a apreciar a arte da vida no simples e natural.
O que nos importa não é tanto chegar a uma solução provisória, mas mostrar que um problema merece ser colocado. George Canguilhem
RESUMO VELLOSO, Adriana de Freitas. Da homeopatia à medicina chinesa : a trajetória dos pontos de Weihe. 2003. 132f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. 2003. Esta dissertação de mestrado é um estudo de natureza sócio-histórico que constrói a trajetória do sistema de Pontos de Weihe, um sistema médico minoritário, cuja origem encontra-se na Homeopatia, porém, seu desenvolvimento o levou de encontro a Acupuntura. Esse estudo tem como objetivo inserir seu objeto de análise na discussão de questões pertinentes ao desenvolvimento conceitual da Homeopatia. Sendo um sistema médico complexo, a racionalidade médica homeopática possui seis dimensões, a saber: morfologia (ou anatomia), dinâmica vital (ou fisiologia), doutrina, diagnóstico, terapêutica e cosmologia. Destas, a dimensão da morfologia e o exame físico da dimensão diagnóstica são compartilhados com a biomedicina, enquanto, as demais, baseiam-se no para digma vitalista, ainda que nem todas tenham sido desenvolvidas conceitualmente e encontrem-se apenas implícitas. Tal situação conferiu à Homeopatia a denominação de racionalidade médica híbrida. Este estudo parte do pressuposto que a Homeopatia é um sistema médico ainda em construção e que deve caminhar para o desenvolvimento conceitual de suas dimensões tendo como elemento norteador sua natureza vitalista. Portanto, espera-se que, ao resgatar-se a história do sistema de Pontos de Weihe, crie-se a possibilidade de repensar a morfologia homeopática, de forma que, ela possa expressar o movimento da força vital na saúde e no adoecimento. Espera-se, também, que, ao revelar uma colaboração possível da Medicina Chinesa, racionalidade médica que compartilha com a Homeopatia o paradima vitalista, abra-se a possibilidade de repensar a base conceitual da dinâmica vital homeopática. Buscar uma sistematização da dinâmica vital, ao mesmo tempo, compatível com o paradigma vitalista e agregadora dos elementos centrais do pensamento homeopático é passo importante no desenvolvimento desta racionalidade, pois, permite que se parta de um mesmo esquema conceitual, e portanto, de uma mesma base paradigmática, em direção a criação de outros sistemas diagnósticos que concorram com o diagnóstico medicamentoso e o confirmem. Utilizou-se, como fontes primárias e secundárias para a construção da trajetória dos Pontos de Weihe, artigos e livros de Weihe e seus discípulos que, sofreram uma tradução livre do idioma original, o alemão, para o português. O substrato conceitual empregado foram as reflexões de George Canguilhem a respeito da história que se desvia dos obstáculos que impedem sua linearidade, comprometendo a compreensão das descobertas científicas como determinadas por suas condições de aparecimento, transfigurando-as no aparecimento puro daquilo que deveria ser. Palavras-chaves: Homeopatia. Acupuntura. Pontos de Weihe. Racionalidades médicas. Paradigma vitalista.
ABSTRACT This master’s degree dissertation is a study of social-historical nature that builds the trajectory of the Weihe Points system, a minority medicine system, whose origin is found in Homeopathy, however, its development leads this system towards Acupuncture. Such study has the purpose of inserting its objects of analysis in the discussion of the questions regarding the conceptual development of Homeopathy. As a complex medical system, the homeopathic medical rationality has six dimensions, i.e., morphology (or anatomy), vital dynamic (or physiology), doctrine, diagnosis, therapeutics and cosmology. From these, the morphologic dimension and the physical exam are shared with biomedicine, whereas the remaining ones are based on the vitalist paradigm, even though not all of them have been conceptually developed, remaining only implicit. This situation gave Homeopathy the denomination of hybrid medical rationality. The present study starts with the premise that Homeopathy is a medical system that is still being built and that should be directed towards the conceptual development of its dimensions, having its vitalist nature as guidance element. Nevertheless, it is expected that a possibility of rethinking homeopathic morphology should be created insofar recovering the history of the Weihe Points, in such a way that it might express the movement of the vital force in sickness and in health. It is also expected that in revealing a possible collaboration with Chinese Medicine – medical rationality that shares with Homeopathy the vitalist paradigm -, it might open a window to rethinking the conceptual base of homeopathic vital dynamic. Searching for a systematization of the vital dynamic simultaneously compatible with the vitalistic paradigm and capable of aggregating the central elements of the homeopathic thought is a fundamental step in the development of such rationality, for it allows us to start from the same conceptual scheme and, therefore, from the same pragmatic base towards the creation of other diagnosis systems, which concur with the medicamentous diagnosis and confirm it. As primary and secondary sources to the construction of the trajectory of the Weihe Points, articles and books by Weihe and his disciples, freely translated from its original language, German, to Portuguese, were used. The conceptual substrata employed here were George Canguilhem’s reflections concerning the history which diverge from the obstacles that obstruct its linearity, compromising the comprehension of the scientific discoveries as determined by its forthcoming conditions, transfiguring them in the pure forthcoming of what they should be. Keywords: Homeopathy. Acupuncture. Points Weihe. Medical rationalities. Paradigm vitalist.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1
Paradigmas da medicina chinesa …………………….……………. 23
Tabela 1
Relação dos cinco movimentos ………………………….………....
Figura 1
Sequência de geração ……………………………………….……… 27
Figura 2
Sequência de controle ………………………………………….……
27
Figura 3
Sequência de contra-dominância ……………………………….….
28
Tabela 2
Movimento, padrões e temas sonhados ....................................... 29
Figura 4
August Weihe …………………………………………………….......
Figura 5
Samuel Hahnemann ..................................................................... 50
Figura 6
Rademacher .................................................................................
Figura 7
Paracelsus .................................................................................... 50
Figura 8
Dr. Hermann Göhrum ...................................................................
82
Figura 9
Busto de gesso de Göhrum ..........................................................
84
Figura 10
Boneco de madeira chinês ...........................................................
84
26
45
50
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 10 1
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 13
1.1 Dinâmica vital e diagnose ........................................................................ 15 1.2 Homeopatia, medicina chinesa e o pensamento analógico ................. 20 2
OBJETIVOS DO ESTUDO ......................................................................... 32
3
ESTRATÉGIA METODOLÓGICA .............................................................. 38
3.1 O estudo das fontes ................................................................................. 40 4
AS ORIGENS ............................................................................................. 45
4.1 Homeopata Weihe .....................................................................................
45
4.2 De Paracelsus a Hahnemann e Rademacher .........................................
49
A HOMEOPATIA EPIDÊMICA ...................................................................
64
5.1 O pensamento de Weihe ..........................................................................
64
5
5.2 O caminho da homeopatia epidêmica .................................................... 70 5.3 Os alunos de Weihe .................................................................................. 77 6
OS PONTOS DE WEIHE MUDAM DE PÁTRIA ......................................... 87
6.1 O fim da homeopatia epidêmica na Alemanha ......................................
87
6.2 França, nova pátria do método de Weihe ............................................... 93 7
HOMEOSINATRIA, A SÍNTESE ELÉTRICA DA HOMEOPATIA E DA ACUPUNTURA ........................................................................................... 104
7.1 O visionário Roger de la Fuÿe ................................................................. 104 7.2 O programa de pesquisa e reforma do sistema de pontos de Weihe por de la Fuÿe ........................................................................................... 109 8
CONCLUSÃO .............................................................................................
120
FONTES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS ................................................. 125 livros ..........................................................................................................
125
Periódicos .................................................................................................
125
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 128 Livros .........................................................................................................
128
Artigos, periódicos e monografias ......................................................... 131
10
APRESENTAÇÃO Este estudo é fruto de indagações formuladas durante minha prática médica homeopática. Buscava entender de forma dinâmica os fenômenos descritos nas patogenesias homeopáticas 1 e nos pacientes. Acreditava poder correlacionar fenômenos/sintomas, aparentemente, não correspondentes, mas que se manifestavam freqüentemente juntos em um mesmo indivíduo, tanto nas experimentações patogenéticas, quanto na clínica. Indagava-me se o nexo subjacente, de natureza vital, que relacionava uma manifestação à outra, poderia ser identificado de forma qualitativa e sistemática. Também, sentia falta de uma fisiologia – fisiologia da saúde e do adoecimento – vitalista homeopática, que permitisse o entendimento da totalidade dos sintomas objetivos e subjetivos numa perspectiva da vida, em movimento contínuo, aproximando-se, na saúde, ou afastando-se, no adoecimento, de um estado de equilíbrio dinâmico. Comecei a me perguntar do porquê de não ter a Homeopatia desenvolvido essa dimensão. O diagnóstico medicamentoso homeopático depende do conhecimento extenso da Matéria Médica Homeopática e conta com o auxílio dos Repertórios 2. Essas ferramentas homeopáticas funcionam como “banco de dados” de sintomas e medicamentos, mas não apresentam correlações entre os fenômenos. Mesmo as Matérias Médicas resumidas que procuram descrever a essência dos medicamentos, são compilações dos sintomas patogenéticos mais característicos, selecionados a partir de critérios de confiabilidade e hierarquização. Um conjunto de características isoladas que leva a uma imagem estática do medicamento, deixando de lado as relações entre fenômenos. Estudos mais dinâmicos em Homeopatia devem sua existência à associação da imagem do medicamento à experiência clínica e/ou conhecimento exotérico de homeopatas que buscaram refletir sobre uma totalidade integrada e em movimento constante. Contudo, como as correlações observadas não apresentam 1
Patogenesias são as “experimentações” ou registros sistemáticos dos sintomas produzidos pelas substâncias em seres humanos saudáveis. Os resultados dessas experimentações somados à literatura toxicológica das substâncias e as curas clínicas efetuadas pelas mesmas segundo o princípio homeopático formam as Matérias Médicas Homeopáticas. 2
Nos Repertórios estão projetadas referências cruzadas que compilam as listas de medicamentos onde um sintoma específico foi localizado. O propósito do Repertório é possibilitar que o homeopata reveja rapidamente as várias drogas conhecidas como produtoras dos sintomas que estão sendo estudados num determinado caso.
11
fundamentação numa fisiologia vitalista homeopática, o resultado desses estudos não alcança consenso no campo. Paralelamente, movida pela impressão de que acharia alguma resposta aos meus questionamentos no estudo da medicina chinesa, uma vez que já havia estabelecido contato com sua filosofia, enveredei pelo curso de formação. Ao final de três anos, e já especialista em Acupuntura, reencontrei a Prof. Madel Luz divulgando no III Simpósio Nacional de Pesquisa Institucional em Homeopatia – SINAPHI – o início da terceira etapa de seu projeto de pesquisa “Racionalidades Médicas”. Percebi ali a chance de adquirir orientação metodológica necessária para o desenvolvimento de estudo comparativo – esta era a proposta inicial de estudo – de ambas racionalidades. Acompanhei seu grupo de pesquisa por dois anos e, mais familiarizada com a linguagem da saúde coletiva, ingressei no mestrado para o qual preparei essa dissertação. Algumas conversas com a Prof. Madel Luz foram suficientes para me despertar o interesse em pesquisar o sistema de Pontos do homeopata alemão Weihe. Esse sistema centrava-se no diagnóstico de pontos dolorosos na superfície corporal e, exatamente por esta característica, pode ser absorvido pela Acupuntura, terapêutica da Medicina Chinesa baseada em um sistema de meridianos que também se utiliza de pontos na superfície do corpo. A pesquisa das fontes relativas ao sistema de Weihe teve início antes mesmo do meu ingresso no mestrado, mas foi somente na véspera da qualificação que tive certeza que poderia tomar o caminho desse estudo, quando chegaram as minhas mãos as cópias de uma série de artigos publicados entre os anos de 1885 e 1951, vindas da Alemanha. Veio a qualificação do projeto e o nascimento de minha quarta filha, uma semana depois. Nos três meses seguintes, enquanto me dedicava à maternidade, uma boa parte desse material estava sendo traduzido para o português. Após esse período me dediquei a desenrolar a história dos Pontos de Weihe, que finalmente apresento aqui. Não poderia finalizar esta apresentação sem fazer alguns sinceros agradecimentos àqueles que, se não me ajudaram diretamente na execução dessa dissertação, me suportaram acadêmica e afetivamente. Assim, a Erika Duniec e especialmente a Julia Briguitta por seu trabalho profissional e rápido de tradução do alemão. Pelas necessárias traduções para o francês de textos mais recentes, agradeço a Nicole, Vania Petterson e também a
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Júlia Carvalho por sua desinteressada colaboração. A Eliane Novato e Lenora Ramires, pelo trabalho de digitação das fitas de tradução e a Elizabeth Oliveira pelo trabalho de revisão e ao meu tio Sérgio pelo trabalho de digitalização e colocação das figuras no texto. Ao colega Francis Treuherz, de Londres que com sua extensa biblioteca homeopática me deu a primeira luz na busca das fontes e a Beate Schleh da biblioteca do instituto Robert Bosch, Stuttgart, que prontamente atendeu meu pedido. Ao colega Paulo Rosenbaum, por seu exemplo pessoal como pesquisador da Homeopatia e por sua colaboração na pesquisa das fontes. Ao professor Kenneth Rochel Camargo Jr. e Jane Sayd por terem contribuído com suas obras, aulas, comentários e discussões para a elaboração dessa dissertação. A professora Roseni Pinheiro que, com seu projeto “Integralidade” me permitiu refletir sobre uma importante questão para a Homeopatia e para a Medicina Chinesa. A todos os colegas do Grupo de Pesquisa “Racionalidades Médicas”, pelo debate sempre estimulante e particularmente a Marilene Cabral do Nascimento que, com sua clareza, me esclareceu alguns conceitos desconhecidos até então para mim. A Madel Luz, minha orientadora, que deixa em mim a marca de ter aberto uma brecha no mundo acadêmico para a discussão da saúde, da cura e do movimento da vida, e, também, de ser formadora de pensadores livres, capacitando os pesquisadores a colocar os instrumentos metodológicos a serviço de novas idéias. À minha família e amigos a quem privei, muitas vezes, da minha dedicação e companhia nos dois últimos anos, particularmente, meus filhos, André, Maria, Luiza e Clara e minha enteada Júlia. Finalmente gostaria de expressar mais do que meu agradecimento, o meu amor, sempre renovado por Ricardo, meu marido e companheiro de vida, que além de me apoiar nas minhas escolhas, sempre que podia, buscava suprir a minha ausência junto à família.
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1 INTRODUÇÃO Um diálogo entre a Homeopatia e a Medicina Chinesa pode ser imaginado como relativamente fácil, pois compartilham um paradigma vitalista fundamental. Não o será, entretanto, se houver empenho em não reduzir as racionalidades a paralelismos superficiais. São duas tradições médicas bastante distintas, uma ocidental e outra oriental. A Homeopatia, com um pouco mais de 200 anos, encontra-se ainda numa fase de estruturação de suas bases paradigmáticas 3, enquanto a Medicina Chinesa fundamenta-se em prática milenar, transmitida, de geração em geração, oralmente e pela escrita. Se por um lado a Medicina Chinesa caracteriza-se pela complexidade de sistemas diagnósticos e terapêuticos, desenvolvidos ao longo de sua história, por outro a Homeopatia diferencia-se por ser uma medicina centrada na terapêutica, em sua técnica de preparo de doses infinitesimais e no diagnóstico medicamentoso. Embora diferentes, o que se constata é que uma vez que a Medicina Chinesa – assim como outras tradições médicas orientais – vem se expandindo no Ocidente, ela o faz a partir de uma demanda crescente da população por terapias reconhecidas como ‘naturais’, das quais, a Homeopatia também faz parte. Assim, um grande número de pacientes da Homeopatia conhece, ou mesmo se trata com a Acupuntura e o inverso também é verdadeiro. É provável que na atual conjuntura, onde, no nível das práticas, sobretudo na prática dos profissionais, as diferenças tendem a diminuir, seja evidente uma relação de complementaridade entre estas racionalidades. Porém, no nível teórico, o diálogo só poderá ocorrer quando as dimensões que compõem essas racionalidades médicas se tornarem mais claras e definidas. O presente estudo é também fruto de um subprojeto do Grupo de Pesquisa “Racionalidades Médicas“ do CNPq, em desenvolvimento no Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde 1992 4. Na 3
A esse respeito ler a dissertação : O Campo Médico Homeopático : década de 90, de LAUCAS (1999). 4
Uma extensa produção de artigos, teses de mestrado e doutorado são o fruto dessa linha de pesquisa, que podem ser encontradas nos periódicos Physis, Revista de Saúde Coletiva ou Série Estudos em Saúde Coletiva, todas do IMS/UERJ, mas também em outras Revistas Nacionais e Internacionais. Podem também ser acessados no site www.racionalidadesmedicas.pro.br.
14
primeira fase do projeto “Racionalidades Médicas” (1992-1993), LUZ 5 elaborou a categoria de racionalidade médica, bem como as dimensões que a compõem: morfologia ou anatomia humana, fisiologia ou dinâmica vital humana, doutrina médica sobre o adoecer e suas causas, sistema diagnóstico, terapêutica e cosmologia 6. Na segunda fase foram levantadas as representações sobre saúde, doença, corpo, tratamento, etc. para terapeutas e pacientes das diferentes racionalidades. Em sua terceira fase, o projeto tornou-se um Grupo de Pesquisa do CNPq e dividiuse em vários subprojetos. Este estudo voltou seu olhar para a possível construção do diálogo entre as racionalidades que compartilham o paradigma vitalista, propondo instrumentá-lo, levantando questões pertinentes à Homeopatia e à Medicina Chinesa em suas relações com o princípio da vida. Busca contribuir, para o fortalecimento da prática das medicinas do sujeito, para que a médio ou mesmo longo prazo, um aprimoramento do processo de implantação destas racionalidades no sistema público de saúde brasileiro, possa acontecer. Embora hoje tanto a Homeopatia como a Medicina Chinesa estejam implantadas nos serviços de saúde e representem uma alternativa de tratamento de baixo custo e alinhadas, idealmente, com a promoção da saúde, quando inseridas no sistema público, não se desenvolvem plenamente, pois, suas especificidades, em nível de racionalidade, não são consideradas 7. Por especificidades entende-se o conjunto de suas dimensões, sendo fundamental considerar, também na prática, cada uma delas para que a racionalidade médica em questão apresente coerência e consistência. São, portanto, tradições médicas específicas com racionalidades diversas da biomedicina.
5
LUZ (1997)
6
Luz, define a dimensão da cosmologia como a que fundamenta as outras cinco e exprime “as formas de concepção, representações e práticas sociais envolvendo temas socialmente cruciais como vida, corpo, indivíduo ou pessoa, saúde, doença, e morte em cada cultura, estabelecendo-se assim uma forte ligação, que transcende a racionalidade da ciência, entre conhecimento ou saber médico e a própria sociedade em que emerge e se afirma historicamente determinado sistema médico” ( trecho extraído do relatório de pesquisa do Grupo de Pesquisa do CNPq Racionalidades Médicas – 3ª fase). 7
Cabe ressaltar que hoje essas racionalidades tornaram-se especialidades e como as demais estão inseridas no nível secundário de atenção à saúde e não no primário onde o potencial de promover saúde seria plenamente aproveitado, pois, é na identificação prematura dos desequilíbrios internos e no seu reequilíbrio também precoce, que reside a maior diferença dessas medicinas vitalistas para a biomedicina.
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Conhecer e reconhecer o modus operandi de cada uma e seus fundamentos significa permitir que a Homeopatia e a Medicina Chinesa possam atingir seu potencial máximo de cura, preservação da vida humana e expansão da vitalidade. A arte de curar fortalecida pela valorização de outras racionalidades médicas poderá ajudar a conter a crescente medicamentalização de sintomas e a conseqüente expansão das doenças iatrogênicas. Não se trata, entretanto, de estudar comparativamente as racionalidades. Pretende-se, através da genealogia de uma proposta terapêutica – o Sistema de Pontos de Weihe – alimentar o debate de temas significativos para o desenvolvimento desses sistemas médicos. Pensar e pesquisar, atualmente, a Homeopatia e a Medicina Chinesa é estratégia necessária para o fortalecimento das racionalidades médicas que sofrem pressão, sobre seus paradigmas básicos, no processo de adaptação ao sistema médico vigente e à medicina hegemônica em nossa cultura.
1.1 Dinâmica vital e diagnose
As medicinas que compartilham o paradigma vitalista podem ser caracterizadas, ainda que preliminarmente, como aquelas que consideram todas as dimensões do sujeito doente, tratando-o dentro de sua realidade complexa e dinâmica através de um princípio vital individual. Este, por sua vez, é definido como uma força análoga ao que se denomina de “alma”, mas sendo diferente dela, e também diferente dos fenômenos físico-químicos, pela qual se explicam os fenômenos da vida 8. Barthez (1734 – 1806), no final do século XVIII e início do XIX, lança o “Ensaio para um novo Princípio para o Homem” ou “De Princípio Vitalis Hominis” , onde explicita a aparente dicotomia entre corpóreo e o não corpóreo 9 10. Este 8
CUVILLIER, H.L. apud ROSEMBAUM (1996, p.50).
9
ROSENBAUM, P. Homeopatia e Vitalismo(1996, p.61).
10
ROSENBAUM, P.(1996, p. 65) escreve sobre Barthez: “Segundo ele, importava menos explicar o que é, e como é contituído este princípio vital, mas como ele pode ser demonstrado no processo da experiência”.
16
princípio imaterial está na origem de todas as manifestações materiais do ser vivo e só é alcançável indiretamente pelos sinais e sintomas observáveis nos seres humanos. Em consonância com as idéias de Barthez, Hahnemann declarava que este princípio só poderia ser indiretamente revelado, pelo estudo dos fenômenos observados na clínica e nas experimentações patogenéticas. Segundo Machery, filósofo e historiador da ciência 11, para Canguilhem que mantém fidelidade ao “espírito do vitalismo”, poder-se-ia distinguir dois vitalismos: um que forneceria resposta à questão da fisiologia e a fundamentaria, tomando a questão por resposta. É o caso do animismo e do vitalismo enquanto doutrinas 12. E o outro, o “espírito do vitalismo” que goza de posição privilegiada em relação a todas as teorias possíveis: o de não ser teórico se não na aparência, o de ser no fundo a preservação de um conceito, a vontade de perpetuar uma problemática. Portanto, quando este estudo refere-se ao vitalismo está fazendo alusão ao “espírito do vitalismo”, ou seja, à problemática que sua existência impõe. Para LUZ (1994), as medicinas que compartilham o paradigma vitalista têm como categoria central a saúde, entendida como sinônimo de equilíbrio ordenado (ou harmonia), caracterizando-as como medicinas da arte de curar. Também se pode dizer que toda racionalidade médica fundada no vitalismo tende a ter um modelo de medicina centrado em tipos constitucionais, por estar centrada no adoecimento do indivíduo e não na doença vista como entidade. Os médicos – originalmente formados nas escolas biomédicas, onde não foram capacitados a reconhecer a diversidade das manifestações objetivas e subjetivas, e sim, a diagnosticar as doenças pela colheita dos sintomas patognomônicos das mesmas, auxiliados, cada vez mais, pelos exames complementares – quando nas escolas de formação homeopática, devem aprender a reconhecer o processo de adoecimento peculiar a cada paciente, através da observação de todos os fenômenos que individualizam as doenças comuns, ou seja,
11
MACHERY escreve no posfácio de CANGUILHEM, 2000, p. 296.
12
O Vitalismo existe enquanto escola filosófica e possui origens semelhantes ao Animismo. Podemos considerar sua diferenciação a partir da formulação da hipótese do princípio vital de Barthez (1772).
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devem reconhecer as circunstâncias e condições que afetam ou modificam um sintoma quando diante deles 13. Assim fazia Hahnemann, que depois se dedicou a ensinar sua semiotécnica, verdadeira arte de investigação diagnóstica. Usava todos os sentidos, inclusive, olfato e paladar, cheirando e provando substâncias e secreções, algumas vezes bastante desagradáveis. Era um conhecedor profundo dos fenômenos vitais, empregando o pensamento analítico para este fim. Na Medicina Chinesa, a dinâmica vital está descrita nos diferentes processos de transformação do Qi. O Qi pode assumir variadas formas, dependendo do seu estado de condensação ou dispersão, sendo a força motriz de todos os processos fisiológicos. Portanto, é no nível da dimensão da fisiologia dessas racionalidades que se encontra o paradigma vitalista por elas compartilhado. O Qi da Medicina Chinesa e a força vital da Homeopatia são a expressão máxima da vitalidade do ser humano. Para a Medicina Chinesa as funções do corpo e da mente resultam da interação de determinadas substâncias vitais. O Qi 14 é a base de tudo – todas as outras substâncias vitais são manifestações do Qi, em vários graus de materialidade, variando do completamente material, tal como os fluidos corporais, para o totalmente imaterial, tal como a mente. Segundo o filósofo chinês Zhang Zai (1020 – 1077 d.C.):
“O Grande Vazio consiste do Qi. O Qi condensa-se para transformar-se em muitas coisas. Coisas necessariamente se desintegram e retornam ao Grande Vazio“.
Similarmente, o diagnóstico chinês está baseado no princípio fundamental de que os sinais e sintomas refletem a condição dos sistemas internos. A correlação entre os sinais externos e os sistemas internos está resumida na expressão: “Inspecione o exterior para examinar o interior” . Um segundo princípio fundamental do diagnóstico chinês, também encontrado na Homeopatia, é que “uma parte reflete 13
Aqui se entende sintoma segundo a definição de HAHNEMANN (1996) : “ como qualquer sinal de desvio em um estado prévio de saúde, perceptível ao paciente, aos que lhe cercam, ou ao m édico”. 14
Este trabalho não se propõe à discutir as questões de linguagem que envolvem a tradução dos termos chineses. Para este fim ler o artigo de BARSTED (2000) A Grama é Verde? Linguagem e Pensamento na Medicina Clássica Chinesa.
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o todo” 15. O diagnóstico chinês do pulso é um exemplo deste princípio, na medida em que muita informação sobre todo o organismo pode ser obtida com a palpação de uma pequena secção da artéria radial. Assim, uma leitura minuciosa, porém, pragmática dos fenômenos, é o fundamento dos inúmeros sistemas diagnósticos desta racionalidade. De forma semelhante, os médicos, alunos da Acupuntura, devem aprender a reconhecer as alterações de saúde aprimorando o uso dos seus sentidos – ausculta, palpação, visão, olfato e paladar – porém, aplicando-os às técnicas semiológicas próprias da Medicina Chinesa, como a pulsologia. Portanto, reconhecidos e modalizados os fenômenos vitais, estes são analisados segundo linhas de correspondência analógica, isto é, localiza-se o relacionamento estabelecido entre os sintomas em vez de explicar-lhe a causa. Cada sintoma e sinal possui um determinado significado somente em relação aos outros. A Medicina Chinesa identifica, portanto, padrões que indicam a desarmonia básica. Há vários métodos utilizados para essa identificação de padrões. Esses métodos são aplicados em diferentes situações e foram elaborados em diferentes épocas do desenvolvimento da Medicina Chinesa 16. A maioria dos fenômenos que se manifesta nos seres humanos, o faz, independente de onde está o indivíduo, no Ocidente ou no Oriente. Portanto, para reconhecer as manifestações é necessário 15
Na Homeopatia encontramos este mesmo princípio presente nos sintomas chamados de "keynotes". Esse tema foi esclarecido pelo Dr. Stuart Close em palestras ministradas no New York Homoepathic Medical College entre os anos de 190913 e posteriormente reunidas e publicadas em 1984 pela ed. B. Jain de New Delhi. O cap. XI foi traduzido e publicado pela revista Selecta Homeophatica de jan-mar 1993 vol. 1. O Dr. Close esclarece que o termo "keynote" foi introduzido pelo Dr. Henry N.Guernsey, a propósito do seu sistema de prescrição "Keynote". Esse método nada mais é do que o cumprimento da determinação de Hahnemann de dar atenção máxima aos sintomas característicos e peculiares do caso. É um termo alusivo à música onde é definido como “ a nota ou o tom básico a que a peça inteira se ajusta” . Comparando os sintomas dos medicamentos observa-se que existe, em todo medicamento, diferenças peculiares em relação a qualquer outro. Essas diferenças são os sintomas "keynotes". Um "keynote" é uma generalização deduzida logicamente a partir dos sintomas particulares. Nas palavras do Dr. Guernsey, no prefácio à primeira edição de sua obra sobre obstetrícia: “... ele pretende apenas especificar algum sintoma marcadamente característico, que se apresentará geralmente como sintoma diretor, e ao reportar-se ao Código de Sintomas ou a Matéria Médica todos os outros estarão lá presentes se aquele estiver” . Mas é importante compreender, como assinala, Stuart Close, que o keynote de um caso pode ser, e comumente o é, uma combinação peculiar de sintomas e não um sintoma isolado. 16
Os vários modelos de padrões de identificação são: Padrões de acordo com os 8 princípios – que levam ao reconhecimento de um padrão yin ou yang; Padrões de acordo com os 5 movimentos: madeira, fogo, terra, metal e água; Padrões de acordo com as substâncias vitais: Padrões de acordo com Qi, Sangue(Xue), e Fluidos Corpóreos (Jin Ye); Padrões de acordo com os Sistemas Internos (Zang Fu); Padrões de acordo com os Fatores Patogênicos; Padrões de acordo com os meridianos; Padrões de acordo com os 6 estágios; Padrões de acordo com os 4 níveis; Padrões de acordo com o Triplo Aquecedor (Sanjiao).
19
conhecê-las, como o faz a Medicina Chinesa e a Homeopatia, que voltam seu olhar para uma totalidade sintomática como a descrita por Stuart Close 17, que:
“equivale a todos os sintomas do caso possíveis de serem arranjados logicamente em um todo harmônico e consistente, que possua um perfil, coerência e individualidade. Tecnicamente a totalidade é mais (e pode ser menos) que a simples totalidade numérica dos sintomas”.
Por outro lado, a dimensão diagnóstica da Biomedicina evoluiu muito, principalmente no que se refere ao avanço tecnológico, com muitos exames complementares, bioquímicos, por imagens e até genéticos, embora nas escolas médicas se ensine que a clínica é soberana. Esses exames complementares necessários ao diagnóstico patológico da Biomedicina e tão caros aos pacientes desta racionalidade, como demonstrou a pesquisa de suas representações de tratamento18, têm para os sistemas médicos baseados na terapêutica do adoecimento e não na doença, um valor secundário. As técnicas semiológicas da biomedicina não levam ao conhecimento dos sinais e sintomas, no sentido em que o termo é empregado nas medicinas chinesa e homeopática. Enquanto para a Biomedicina sinais e sintomas são manifestações subjetivas ou objetivas da patologia, as racionalidades que compartilham o paradigma vitalista consideram muitas manifestações diferentes, muitas das quais não estão relacionadas a um processo patológico específico. Por exemplo: ausência de sede, incapacidade para tomar decisões, uma aparência apática dos olhos, etc não seriam consideradas sinais e sintomas para a maioria dos clínicos da escola biomédica. Essa questão confunde a prática de muitos médicos, principalmente daqueles que estão se introduzindo nas escolas homeopática e chinesa. Eles precisam em uma mesma consulta produzir uma boa anamnese, diagnosticar, com o uso inclusive dos exames complementares, tratar e orientar os pacientes e na hierarquia das técnicas, muitas vezes, se suprime total ou parcialmente, justamente o exame físico. Pode-se dizer que na Homeopatia esse problema é mais grave, pois na Medicina 17
In SELECTA (1993, p.22) Resultados apresentados pela segunda fase da pesquisa “Racionalidades Médicas”.
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20
Chinesa a tomada do pulso e a observação da língua são fundamentais ao diagnóstico. Porém, na Homeopatia não se desenvolveu uma técnica própria de exame físico. Embora muito se tenha escrito sobre a tomada do caso, a maior ênfase é dada ao relato do paciente, pois os sintomas subjetivos, como expressão do estado interior do organismo, ocupam a posição de maior destaque, deixando em segundo plano os sintomas objetivos automáticos ou involuntários. Essa conduta é obviamente desencorajada nas boas escolas de Homeopatia e de Medicina Chinesa. O bom exame físico, para essas racionalidades, é aquele que dá confiabilidade aos sintomas subjetivos, aumentando a segurança no diagnóstico homeopático ou chinês. No caso da Homeopatia fica evidente o necessário desenvolvimento de uma técnica de exame que atenda suas peculiaridades. Para esse desenvolvimento cabe pensar sobre a dimensão da morfologia ou anatomia homeopática que ainda hoje se baseia na mesma anatomia da biomedicina, ou seja, uma morfologia que exclui o movimento e o dinamismo vital.
1.2 Homeopatia, medicina chinesa e o pensamento analógico
Embora Hahnemann tenha empregado o pensamento analítico na minuciosa tomada do caso e nas experimentações patogenéticas e não se possa separar o pragmatismo da filosofia chinesa, é observada a presença do pensamento analógico no núcleo central do conhecimento homeopático, bem como no da Medicina Chinesa. O pensamento analógico é diferente do pensamento causalista da medicina contemporânea, pois não se preocupa em explicar os fenômenos, mas sim em apresentá-los segundo os relacionamentos que estabelece com outros fenômenos. Podemos observar hoje na prática da Homeopatia o freqüente emprego da analogia. No estudo da Matéria Médica homeopática, principalmente depois do advento da psicanálise, o uso de mitos e símbolos na construção da imagem dos
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medicamentos tornou-se prática comum entre grupos de homeopatas. O pensamento analógico também é empregado quando, no estudo das substâncias medicamentosas, as características bioquímicas, farmacológicas e botânicas são consideradas correspondentes às características biológicas e psíquicas, humanizando-as no intuito de contribuir com a formação da imagem do medicamento 19. Esses exemplos não se situam, entretanto, tão no centro do núcleo paradigmático do pensamento homeopático quanto o princípio da Totalidade/Unidade e a própria Lei dos Semelhantes, onde a analogia está marcadamente presente. A totalidade sintomatológica, como já foi visto, é mais que a soma de todos os fenômenos manifestados. É a construção de uma identidade, uma individualidade, que pode ser vista e reconhecida como podemos reconhecer a identidade de um amigo. Assim se relaciona, analogicamente, um grupo de sintomas à uma unidade – o sujeito. Também de acordo com a Lei dos Semelhantes a droga que cura o sujeito doente é capaz de produzir sintomas mórbidos semelhantes àqueles que cura nos indivíduos sãos. Produz-se, portanto, em cada patogenesia uma relação de fenômenos diferentes, análogos entre si através de um mesmo princípio subjacente, um nexo vital, ou seja, o desequilíbrio da força vital promovido pela substância em experimentação. Para que se entenda de que forma o pensamento analógico se insere no sistema médico homeopático recorreu-se ao esquema conceitual descrito por Paul Unschuld (1995), professor do Instituto da História da Medicina da Universidade de Munique. Esse esquema é usado no estudo da Medicina Chinesa, o qual diferencia na estrutura dos sistemas médicos duas dimensões conceituais qualitativamente diferentes. Um centro paradigmático durável e o que ele chamou de “soft coating” . O centro paradigmático de qualquer esquema conceitual médico consiste em um paradigma básico aceito pelos criadores de um determinado sistema terapêutico. Para esse autor, o paradigma básico supre o nexo causal necessário para explicar a ocorrência das enfermidades. No presente estudo o paradigma básico representa a 19
Este é o caso de Phosphorus, metalóide, que se extrai de ossos calcinados, sólido, flexível, luminoso no escuro, transparente recém preparado e opaco depois de algum tempo. Possui as seguintes modalidades: agravações dos sintomas no crepúsculo e à noite bem como melhoria no escuro.
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interpretação sobre as origens das enfermidades e do adoecimento, isto é, a “doutrina médica”. Em “Mediar, Medicar,Remediar” , Jane Sayd (1998:65) aborda as bases do critério de verdade do fundador da Homeopatia. A constatação de que a medicina de sua época não funcionava e era iatrogênica, levaram-no a fazer uma releitura de Hipócrates e seus conceitos, agregando-lhe o processo de experimentação, através da observação sistemática dos fenômenos. O estilo de pensamento homeopático foi, assim, se delineando e dando forma às afirmações contidas no núcleo duro da racionalidade. As doutrinas médicas da Homeopatia e da Medicina Chinesa apresentam alguns princípios comuns e outros bem diferenciados, o que, dada a distância cultural, é bastante compreensível. Se por um lado observamos a existência em ambas racionalidades do emprego do pensamento analógico e do princípio vitalista – que se desdobra em Força Vital na Homeopatia e Qi na Medicina Chinesa – nos seus centros paradigmáticos duráveis, por outro, utilizam princípios terapêuticos algumas vezes antagônicos, como a cura pelos semelhantes na Homeopatia e a cura pelos contrários na Medicina Chinesa 20. Já o “soft coating” de um sistema médico consiste nas diversas formas que um paradigma básico ou um de seus subparadigmas são adaptados às diferentes condições em variadas sociedades. É “soft” porque é flexível e sujeito a freqüentes modificações e “coating” porque se trata de um conhecimento periférico ao paradigma básico. Podemos dizer, então, que no caso homeopático, o pensamento analógico encontra-se tanto no centro paradigmático durável quanto em seu soft coating 21. Unschuld (1995), descreve dois paradigmas no centro durável da Medicina Chinesa, também conhecidos em outras culturas. São o paradigma das relações de causa e efeito entre fenômenos correspondentes e o paradigma das relações de causa e efeito entre fenômenos não correspondentes. O paradigma de relação de causa e efeito entre fenômenos correspondentes tem como princípio que os fenômenos do mundo visível e invisível permanecem em 20
Também encontramos, embora menos freqüente, o emprego do princípio de similitude na MTC.
21
No centro paradigmático durável encontra-se além da Lei dos Semelhantes o princípio da Totalidade/Unidade, e no “soft coating” as demais formas analógicas citadas.
23
mútua dependência através de suas associações com certas linhas de correspondência e a manipulação de um elemento específico em uma linha de correspondência pode influenciar outro elemento da mesma linha. Segundo Unschuld (1995), o paradigma de relação de causa e efeito entre fenômenos não correspondentes baseia-se: “... na observação que os fenômenos, sejam eles tangíveis ou não, coexistem independentemente e que eles podem, sob certas circunstâncias, exercer influência um sobre o outro, e esta pode ser de natureza benéfica ou maléfica. Assim, homens e espíritos dividem um ambiente onde são fenômenos separados com seus direitos próprios e sem um relacionamento intrínseco. Sob certas condições, os espíritos podem promover uma injúria aos homens e viceversa. Similarmente, seres humanos podem se relacionar com muitos outros fenômenos, sejam eles vento, umidade, alimento, ou germes. O ponto é que esses relacionamentos são simplesmente temporários, recorrentes ou permanentemente encontrados entre fenômenos individuais e a soma desses fenômenos constitui o universo. Conseqüentemente, o paradigma de relação de causa e efeito entre fenômenos não correspondentes contém o estímulo para identificar, e se possível, nunca mais medir relações específicas entre fenômenos individuais, por isso pode sustentar uma visão analógica do mundo. Esforços para explicar a posição de um fenômeno em um todo abarcado sistema de correspondência podem fomentar uma perspectiva orgânica mais holística” .
Embora esses paradigmas sejam complementares, o primeiro é preponderante na história da Medicina Chinesa. Esses paradigmas dividem-se em subparadigmas conforme o quadro a baixo :
QUADRO 1 1- Paradigma de Relações de Causa e Efeito entre Fenômenos Correspondentes 1.1 -Causado por Correspondência Mágica 1.1.1 - Mágica Homeopática
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1.1.2 - Mágica de Contato 1.2 - Causado por Correspondência Sistemática 1.2.1- Correspondência Yin e Yang 1.2.2- Correspondência das Cinco Fases
2- Paradigma de Relações de Causa e Efeito entre Fenômenos Não Correspondentes 2.1- Causado por Intervenção de Fenômeno Supranatural 2.1.1- Ancestrais 2.1.2- Espíritos e Demônios 2.1.3- Deus(es) 2.1.4- Lei Transcendental 2.2- Causado por Influência de Fenômenos Naturais 2.2.1- Comidas e Material 2.2.2- Ar, Vento 2.2.3- Neve, Umidade 2.2.4- Calor, Frio 2.2.5- Súbita Influência, Bactérias 2.2.6- Parasitas, Vírus Bebidas e outros Segundo Unschuld (1985), desde os estudos de Frazer, no início deste século, identificou-se dois conceitos de correspondência mágica – mágica de contato e mágica homeopática 22. A mágica de contato se baseia na noção que o contato entre dois elementos cria um relacionamento e que a manipulação de um dos elementos, que agora se encontram espacialmente separados, produz efeito visível sobre o outro. Nas sociedades onde a mágica de contato é praticada, a posse de parte de uma unha, do cabelo ou mesmo da placenta, por exemplo, traz consigo o poder de influenciar o destino da pessoa da qual o objeto veio.
25
A mágica homeopática, em contraste, tem como princípio que semelhante corresponde a semelhante. Acredita-se que um mal infligido sobre a imagem de uma pessoa resulta em mal para a própria pessoa, independente do fato que as duas possam estar separadas por grandes distâncias. Também se acredita que, por exemplo, comer nozes faça bem ao cérebro porque possuem aparências semelhantes. As linhas da correspondência mágica são usualmente separadas uma das outras e não podem exercer influência mútua sistemática. Já a correspondência sistemática reconhece que não somente um, dois, ou um número limitado de elementos formam uma linha de correspondência, mas que a maioria, se não todas, das ocorrências naturais e conceitos abstratos podem ser incorporados num único sistema de correspondência. Embora o conceito de correspondência sistemática seja uma evolução no tempo do conceito de correspondência mágica, o surgimento deste último não engendrou o esquecimento da correspondência mágica, que ainda se mantém viva na medicina Chinesa. Considera-se que as doutrinas de yin yang e das Cinco Fases tenham sido a base para o surgimento e elevação à predominância conceitual na filosofia natural chinesa da ideologia de correspondência sistemática. A doutrina do Yin e do Yang data aproximadamente de quatro séculos a.C., apresentando todos os fenômenos evidenciáveis em duas linhas básicas de correspondência complementar. Já a doutrina das Cinco Fases foi iniciada por Tsou Yen (350 – 270), que selecionou o número cinco – cuja representação milenar expressa o homem – como a base de sua teoria de associação, correlacionando fenômenos naturais e cósmicos com as manifestações dos seres humanos em cinco linhas de correspondências. Os símbolos centrais de cada linha de correspondência utilizados foram fenômenos bem tangíveis. São eles: metal, água, madeira, fogo e terra. A tabela 1, a seguir, apresenta sumariamente essas linhas de correspondências dos Cinco Movimentos. A cada fase corresponde um princípio subjacente não explicável quanto à causalidade, mas, ao qual pertencem um número infinito de manifestações relacionadas analogicamente.
22
FRAZER, J.G. – The Golden Bough (1926) apud UNSCHULD (1995 : 52)
26
TABELA I : RELAÇÃO DOS CINCO MOVIMENTOS23 MOVIMENTO
MADEIRA
FOGO
TERRA
METAL
ÁGUA
COR
Verde
Vermelho
Amarelo
Branco
Preto
ÓRGÃO
Fígado
Pulmão
Rim
VÍSCERA
Vesícula biliar
Coração Baço-Pâncreas Pericárdio Int. Delgado Triplo Estômago Aquecedor
Intestino Grosso
Bexiga
ORGÃO DOS SENTIDOS
Olhos
Língua
Boca
Nariz
Ouvido
TECIDO
Músculos (Movimento e Tendões)
Vasos
Tec. Conjuntivo e músculos (volume)
Pele e Pêlos
Ossos e Medula
EMOCÃO
Raiva
Alegria
Meditação
Melancolia e Tristeza
Medo e Pavor
ESTAÇÃO
Primavera
Verão
Canícula
Outono
Inverno
CLIMA
Vento
Calor
Umidade
Secura
Frio
SABOR
Ácido
Amargo
Doce
Picante
Salgado
PROCESSO CORPORAL
Nascimento
Crescimento Transformação
Envelhecimen Morte to
SOM
Grito
Riso
Canto
Choro
Gemido
MANIFESTA – ÇÃO
Unhas
Face
Lábios
Narina
Cabelos
HEMISFÉRIO SUL
Leste
Norte
Centro
Oeste
Sul
HEMISFÉRIO NORTE
Oeste
Sul
Centro
Leste
Norte
A aplicação da teoria dos Cinco Movimentos à Medicina Chinesa se dá em todas as dimensões desta racionalidade. A dimensão da dinâmica vital se origina da 23
FONTE – Apostila do Instituto de Acupuntura do Rio de janeiro – CLÍNICA EM MEDICINA TRADICIONAL CHINESA – 1997
27
relação entre as cinco linhas de correspondências, segundo ciclos de diferentes seqüências. Essas seqüências proporcionam um modelo básico dos relacionamentos fisiológicos entre os sistemas orgânicos (chamados Sistemas Internos). Esses ciclos fisiológicos podem se apresentar em estado harmônico (geração e dominação) ou desarmônico (superdominância e contradominância), quando então se manifestam os fenômenos mórbidos.
Fig. 1 Seqüência de geração 24
Fig. 2 Seqüência de Controle25
24
MACIOCIA ( 1996 p. 27)
25
idem
28
Fig. 3 Seqüência de Contradominância 26
Segundo o sistema de correspondência de Unschuld, pode-se dizer que o subparadigma de correspondência mágica homeopática está presente nas bases da Homeopatia, uma vez que identificamos um princípio de semelhança entre os medicamentos e os indivíduos. Porém, essa mágica homeopática é mais adequada para descrever a teoria das Assinaturas de Paracelsus, que antecedeu a formulação da doutrina homeopática, como se verá a seguir. Entende-se que o subparadigma de correspondência sistemática adapta-se melhor à Homeopatia, pois, a partir de Hahnemann se deu uma sistematização através do emprego do experimento patogenético – o qual relacionava os fenômenos observados com o desequilíbrio da força vital suscitado por um determinado medicamento homeopático – o método experimental. Também o paradigma de relação de causa e efeito entre fenômenos não correspondentes encontra-se na origem aparente de muitos sintomas homeopáticos. Circunstâncias que se relacionam com a manifestação do paciente ou experimentando – no caso das patogenesias – seja por desencadearem, agravarem ou gerarem a melhora do sintoma ou apenas por se apresentarem concomitantes a ele. Como já foi visto, tanto a Homeopatia quanto a Medicina Chinesa se baseiam na observação dos fenômenos e de suas modalidades no ser humano. Assim, a título de ilustração, a tabela 2 apresenta uma relação dos sintomas de sonhos organizados por temas e padrões de adoecimento da Medicina Chinesa. A cada 26
MACIOCIA (1996, p.28)
29
linha de correspondência formada de fenômenos – os sonhos – relacionados à padrões de adoecimento poder-se-ia adicionar mais um elo – o medicamento homeopático capaz de suscitá-los no homem são ou curá-los no enfermo.
TABELA 227 MOVIMENTO
PADRÕES Deficiência do Qi do Baço e do Estômago
TERRA
Acúmulo de Umidade e Fleuma
Estagnação do Qi do Fígado
MADEIRA
27
TEMAS SONHADOS Fome, Comida, Grandes Refeições, Tempestades, Construção de Casas e Palácios, Abismos, Montanhas Úmidas e Ruínas Sensação de Peso Corporal, Cantando, Música, Tentar Andar sem Conseguir, Pântanos e Lama Cogumelos, Árvores Altas, Florestas, Dificuldade para Levantar, Envenenamento, Ferimentos
Ascensão do Fogo do Fígado
Guerras, Brigas, Combates, Acesso de Raiva, Discussões, Devastação, Suicídio, Morte, Animais Raivosos
Acúmulo de Fleuma Obstruindo a Vesícula Biliar
Vexames, Estar Desnudo em Público, Estar sem Sapatos, Insultos, Humilhações, Quer Falar mas a Voz Não
FONTE – Apostila do Instituto de Acupuntura do Rio de Janeiro – CLÍNICA EM MEDICINA TRADICIONAL CHINESA- 1997.
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Sai
FOGO
Excesso de Yang do Coração
Incêndios, Audácia, Enfrentar o Perigo, Risos e Gargalhadas
Deficiência de Sangue no Coração
Fogo, Vulcões, Fumaça, Montanhas Altas, Erupções Vulcânicas, Viagens Longínquas, Grandes Cidades
Deficiência do Yang do Coração
Deficiência Do Qi do Pulmão
METAL
Acúmulo de Fleuma no Pulmão
Deficiência do Yin do Rins ÁGUA
Deficiência do Yang dos Rins
Falta de Proteção, Falta de Agasalho, Nevasca, Inverno, Cidades Escuras, Ruas Desertas Objetos de Metal, Facas, Facadas, Objetos Brancos, Perseguição, Medo, Guerras, Morte, Vôos (Sonha que Está Voando), Dificuldade de Passar em Locais Estreitos, Claustrofobia Vôos, Choro, Lágrimas, Medo, Sufocação, Desertos, Países Bárbaros, Estar Sendo Esmagado Voar, Estar Fora do Corpo, Estar em Pedaços, Sonhos Eróticos, Sonhos Coloridos que Mudam a Toda Hora, Navios, Peixe Colorido Medo, Pavor, Rios,
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Mares, Lagos, Oceanos, Água Escura (Negra), Se Afogar, Estar Imerso na Água, Mergulhos, Abismos, Cachoeiras, Inundações, Castração
Assim, por exemplo, se encontra, na Matéria Médica Homeopática, os sonhos com água de Natrum muriaticum, os sonhos eróticos de Ustilago e os sonhos com fogo de Hepar sulphur. Uma implicação importante do modelo de Unschuld encontra-se na forma de pensarmos o desenvolvimento da Homeopatia. Este pode se dar em duas direções. A primeira, na busca conceitual do centro paradigmático básico (ou durável) da racionalidade e seus subparadigmas, isto é, o legado de seu criador Samuel Hahnemann. A obra de Rosenbaum (2000), “Homeopatia: medicina interativa, história lógica da arte de curar” , segue esse caminho, investigando seus fundamentos epistemológicos, assim como as particularidades de seus métodos e propósitos. A segunda, no sentido de identificar os diferentes conceitos, categorias e práticas pós hahnemannianas, isto é, novas propostas que contribuam para sua validação constituindo um soft coating rico e plural. No soft coating homeopático encontramos entre outros, as metodologias de estudo da Matéria Médica e as formas de prescrição e escalas diferentes daquelas elaboradas por Hahnemann. Porém, seja qual for a direção tomada, o importante é pesquisar a Homeopatia, como assinala Rosenbaum (2001 : 27), e dar continuidade ao seu desenvolvimento científico. Pela adoção desse esquema conceitual, que respeita o centro paradigmático básico da Homeopatia pode-se desenvolver um programa de novas pesquisas que, associadas às contribuições de ontem e de hoje, minimize os confrontos ideológicos próprios do período pré-paradigmático do campo médico homeopático como observado por Laucas (1999).
32
2 OBJETIVOS DO ESTUDO
Na Homeopatia a força (ou princípio) vital se encontra na dimensão da dinâmica vital – ou fisiologia – de forma apenas implícita, e a dimensão da morfologia, como observado por Luz, não foi desenvolvida, sendo a disciplina da Anatomia sua referência para esta dimensão 28. Por outro lado, os fenômenos investigados pertencem à dimensão da diagnose, na qual também se insere a semiologia, que compreende um capítulo muito relevante da Homeopatia. Contudo, a semiotécnica homeopática, isto é, a técnica de investigação dos sintomas objetivos, não se desenvolveu mais depois de Hahnemann 29. Ao contrário, retrocedeu no uso dos sentidos do observador dos fenômenos em detrimento das novas técnicas de exames complementares, sem que essa mudança trouxesse ganhos para o diagnóstico medicamentoso. Essas observações levaram Luz 30 a chamar a racionalidade médica homeopática de híbrida, composta por dimensões que se orientam pelo princípio vital e dinâmico como a dinâmica vital implícita e outras orientadas pela associação dos sintomas com a lesão, como a morfologia e a diagnose 31. Assim colocam-se algumas questões: 28
A dimensão da dinâmica vital, aparecia, na primeira fase do projeto Racionalidades Médicas como incompleta. Foi observado que essa dimensão não se apresentava elaborada teoricamente e, muito menos descrita nos livros clássicos homeopáticos. Não fosse a Homeopatia uma medicina tão jovem, indefinições teóricas poderiam surpreender, mas com apenas duzentos anos de existência, ainda há muito à construí-la enquanto racionalidade. 29
Samuel Hahnemann, o fundador da Homeopatia, nunca descuidou de fazer um exame clínico preciso em seus pacientes. Até mesmo os novos e objetivos métodos diagnósticos, como na época era a auscultação, tinham em Hahnemann, há muito tempo, achado seu pioneiro. “Assim, por exemplo, relata um jovem paciente, o qual já tinha na Inglaterra sido examinado por muitos médicos e que finalmente em 1837 procurou o Dr°Hahnemann, en tão com 82 anos em Paris:’Hahnemann me examinou com tanta exatidão como eu nunca dante tinha sido examinado por outros médicos. Ele... me colocou um instrumento no peito e depois nas costas, e me auscultou de tal forma como dantes nunca me tinha acontecido’” . (Seiler, 2001:cap 5: 6) Também pelos próprios relatos clínicos de Hahnemann se sabe que ele, por exemplo, poderia dedicar a um sintoma objetivo de um paciente no mínimo a mesma atenção que ele daria as suas mais finas reações emocionais. Se os sintomas objetivos fossem característicos, eles também desempenhavam um papel importante na escolha da medicação. 30
VI Seminário Racionalidades Médicas , 1997.
31
SAYD ( 1998) comenta : “ E a revolução de Bichat, se trouxe uma nova compreensão do processo de doença através da associação dos sintomas com a lesão, não permitiu nenhuma inferência terapêutica: aspectos morfológicos relacionados ao processo de adoecer e morrer não dão conta da dinâmica da vida e, portanto, não permitem pensar processos de cura. A dinâmica vital, para a medicina nascente, era obscura, como o demonstra a conhecida frase de Bichat, excessivamente sintética para ser útil: ‘vida é o conjunto de princípios que resistem à morte’”.
33
Será o relato do paciente dos sintomas subjetivos, suficiente para o diagnóstico medicamentoso homeopático? E se o paciente ainda não fala, é mudo, está em coma, tem problemas de expressão etc? É necessário desenvolver um exame físico homeopático que complemente o relato do paciente e/ou familiar, ou mesmo, o substitua quando este for impossível de ser realizado? É necessário conhecer a dinâmica clínica implícita no desequilíbrio da vitalidade, isto é, compreender as relações específicas existentes entre os fenômenos manifestados em um paciente e/ou experimentando? 32 Reconhecer uma morfologia dinâmica e vital e suas alterações no processo de adoecimento faria da Homeopatia um sistema mais seguro e completo? Este estudo não pretende responder a essas perguntas, porém anseia colocálas em discussão. Para concretizar tal intento, volta seu olhar ao mesmo tempo para fora e para dentro da Homeopatia, para o presente e para o passado de sua prática. O primeiro, o olhar para atualidade e para além da fronteira da Homeopatia quer apenas inserir e contextualizar o objeto de análise na discussão das questões levantadas. Assim, dirige-se para a Medicina Chinesa praticada no Ocidente e mais especificamente no Brasil, e no Rio de Janeiro. Aprecia o compartilhamento que esta fez e faz de categorias, espaços – inclusive institucionais – e representações acerca do que é cura e doença para terapeutas e pacientes com a Homeopatia, e também se dirige para os processos, sob alguns aspectos semelhantes, pelos quais passam os campos de uma e de outra racionalidades médicas. Quando a Medicina Chinesa foi introduzida no Rio de Janeiro pelo Sr. Frederico J. Spaeth, de Luxemburgo, em 1979, foi no espaço institucional homeopático, no Instituto Hahnemanniano do Brasil, referência da Homeopatia carioca e nacional. Lá o Sr. Spaeth ministrava curso de formação em Medicina Chinesa, apoiado principalmente no ensino da Acupuntura.
32
Hahnemann sempre se declarou contrário a essa idéia em uma postura de enfrentamento explícito à medicina de sua época que buscava acima de tudo explicar as doenças mais do que tratá-las. Chama-se atenção aqui que não se trata de interrogar as causas das manifestações, mas sim, de um questionamento da necessidade de estabelecer relações analógicas entre os fenômenos e se esse estabelecimento permitiria reconhecer qualitativamente um movimento clínico.
34
O Sr. Spaeth fora aluno e colaborador de Roger de la Fuye na França, cujo nome está indelevelmente associado à criação da Homeosinatria, uma síntese da Homeopatia com a Medicina Chinesa, como será visto a seguir. O Sr. Spaeth conhecia, portanto, a medicina de Hahnemann e chegou inclusive a passar noções de Homeopatia para seus alunos brasileiros. Assim, a aproximação entre os envolvidos nos vários cursos homeopáticos e o de Acupuntura, do Instituto Hahnemanniano não aconteceu por acaso. Estimulou-se a curiosidade daqueles médicos/alunos em relação às diferentes práticas desenvolvidas no IHB e desse universo emergiram possivelmente médicos e terapeutas simpatizantes dos dois sistemas e mesmo alguns com a dupla formação. Mais do que a convivência no mesmo espaço, as semelhanças nas representações de cura e doença, como demonstrado na Segunda fase do projeto Racionalidades Médicas, desempenharam um importante papel nessa aproximação. Médicos e terapeutas, homeopatas ou acupunturistas compartilham um imaginário vitalista, identificando adoecimento e cura com desequilíbrio e equilíbrio. Passados vinte anos da introdução da Acupuntura no Rio de Janeiro, a luta no campo médico para a legitimação da Acupuntura como especialidade seguia-se a já consolidada vitória do campo homeopático pelo mesmo objetivo. Na atualidade os médicos das duas racionalidades, através de suas instituições de representação política travam outra luta, agora contra a prática por não médicos da Homeopatia e da Acupuntura. Outro aspecto interessante da relação entre Homeopatia e Medicina Chinesa que se verifica na prática atual é a permuta de pacientes em um processo de referenciamento mútuo. A Medicina Chinesa possui cinco ramos terapêuticos, a saber: a acupuntura, a fitoterapia, a massoterapia, a dietética e os exercícios ou práticas, sendo que destas, a única terapêutica medicamentosa é a Fitoterapia chinesa, que é de difícil acesso, devido à necessidade de importação das ervas. Esta dificuldade estimula o encaminhamento de pacientes da Acupuntura para a Homeopatia e para a Fitoterapia nacional. Hoje a Acupuntura é uma especialidade médica que vem tentando marcar a diferença de sua abordagem em relação à Acupuntura praticada por não médicos.
35
Busca uma aproximação com a biomedicina através de uma postura científica que despreza o que não é verificável 33. Embora não seja uma postura consensual no campo da Acupuntura brasileira, possui muita força política e está na origem da formulação das diretrizes e bases da especialidade, solicitada pela Associação Médica Brasileira (AMB). Uma Medicina Chinesa mais voltada para resolução dos quadros de doença do que para o adoecimento do sujeito pode ser o resultado da postura médica oficial, associada à exclusão das demais modalidades terapêuticas desta recente especialidade, e do ingresso de um número considerável de novos médicos/alunos de Acupuntura buscando adquirir a técnica natural de “combate da dor” 34. Essa tendência leva, por vezes ao encaminhamento de pacientes que chegam com queixas subjetivas, como os sintomas mentais e gerais, para profissionais de outras especialidades, como a Homeopatia e a Psiquiatria, por exemplo. Também se encontra um número crescente de médicos homeopatas nos cursos de pós-graduação em Acupuntura. Possivelmente motivados pela orientalização do Ocidente 35 , buscam maior compreensão da dinâmica energética dos sintomas, ou seja, uma fisiologia vital que compreende analogicamente a relação dos fenômenos manifestos, fomentando uma perspectiva orgânica mais holística , como aponta Unschuld. Quanto às categorias compartilhadas, serão expostas na introdução desse estudo para que sirvam de trilho sobre o qual a trajetória dos Pontos de Weihe percorrerá. Conhecer a trajetória desse sistema médico minoritário mostra-se portanto, oportuno para a identificação das questões e problemas levantados quanto à morfologia, fisiologia e semiologia homeopáticas. Assim, o segundo olhar, para dentro e para o passado da Homeopatia, buscará conhecer sua origem, seu início na Homeopatia e seu desenvolvimento junto a praticantes europeus da Acupuntura, revelando sínteses teóricas e práticas comuns e complementares, bem como seus sucessos e fracassos, desvelando as incongruências de uma racionalidade que 33
Movimento também observado no campo da Homeopatia.
34
É comum que esses novos médicos venham de outras especialidades médicas, como Anestesia, Reumatologia e Ortopedia.
35
A esse respeito ler os artigos de Colin Campbell e de Octávio Velho no periódico Religião e Sociedade de 1997 e o comentário de Jane Sayd na revista Physis.
36
nasce híbrida. Esse estudo remete mais uma vez a uma problemática que mesmo com a derrocada da teoria de Weihe, nunca deixou de existir.
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3 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA Diante do conhecimento da existência dos Pontos Dolorosos de Weihe, uma série de questões emergiram no estudo, uma vez que, praticamente nada se achava a esse respeito nos livros clássicos homeopáticos e chineses. No manual de Homeopatia do Dr. Nilo Cairo, popular entre pacientes e prescritores leigos desde sua primeira edição na segunda década do século XX , durante um período de sua publicação, apresentava ao final de cada medicamento o ponto de Weihe correspondente, porém, sem constar de nenhuma explicação quanto a sua origem e emprego. Também no clássico ocidental de Medicina Chinesa, l’Acuponture Chinoise, de autoria de Soulié de Morant constava, nas edições mais antigas – a 1 ª edição data de 1955 – uma lista de pontos de Weihe, na qual apareciam os medicamentos homeopáticos relacionados aos pontos dos meridianos chineses, sem haver, contudo, nenhuma outra informação a respeito do método. Como se deu a associação dos pontos chineses com os de Weihe? Quando? Aonde?Em que circunstâncias? Como nasceu esse método? Quando se iniciou? Qual sua origem? Como se deu seu desenvolvimento no campo homeopático? Essas e muitas outras questões foram surgindo e a cada nova revelação maior interesse suscitava e mais era preciso revelar. A primeira indagação que implicou, entretanto, na escolha da metodologia foi o porque dos Pontos de Weihe não constarem da história homeopática. Como e porque esse capítulo foi subtraído? Mesmo que tenha sido considerado como um erro, ocultá-lo faz da história uma simples crônica idealizada, onde os fatos são pinçados segundo uma visão particular e isolada. Essa história que se desvia dos obstáculos que impedem sua linearidade, compromete definitivamente a compreensão das descobertas científicas como determinadas por suas condições de aparecimento, transfigurando-as no aparecimento puro daquilo que deveria ser. Optou-se, portanto, por fazer um estudo de natureza sócio-histórica buscando nas reflexões de Georges Canguilhem o substrato conceitual para “escrever uma outra história, que se preocupe em evidenciar um verdadeiro sentido respeitando-se,
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ao mesmo tempo, a realidade dos acontecimentos passados, uma história que revele a ciência como constituição e como descoberta” .36 Segundo Machery, contrapondo-se à história analítica, regressiva e estática, Canguilhem apresenta uma história crítica que objetiva “conferir todo seu valor à idéia de uma história das ciências, buscando identificar, por trás da ciência que encobre sua história, a história real que governa e constitui a ciência” 37. Para este filósofo e historiador das ciências a deformação da história se dá quando se tomam ; “fenômenos por conceitos e conceitos por teorias ... um conceito é uma palavra mais a sua definição – o conceito tem uma história; num certo momento dessa história, diz-se que ele é formado: quando ele permite instituir um protocolo de observação, e quando passa pela prática de uma sociedade – enquanto uma teoria consiste na elaboração geral do que, por enquanto será chamado de aplicações do conceito”. Assim um conceito não depende para aparecer de um pano de fundo teórico predeterminado, ao invés disso, “com o seu nascimento, descreve-se também o aparecimento de um modo de pensar científico, independentemente de toda elaboração teórica: a teoria pode coincidir, coexistir com o conceito, mas não o determina” 38 . Partir do começo e remontar à origem, significa dizer remontar à origem reflexiva, isto é, resgatar “a permanência de uma questão e esclarecer seu sentido atual” 39 . Revelar a genealogia de uma idéia – os Pontos de Weihe – é revelar também a persistência de um problema através da sucessão das teorias homeopáticas ou da Medicina Chinesa. Ao lado deste problema estão os conceitos, enquanto as teorias encontram-se junto as respostas. Assim buscou-se partir das questões para escrever a história. O fato de não se poder esclarecer o conceito pela teoria por ele apoiada em um dado momento, não significa que este não possa ser definido ou o problema que 36
MACHERY, no posfácio intitulado ; A Filosofia da Ciência de Georges Canguilhem – Epistemologia e História das Ciências. In CANGUILHEM, 2000, p. 276. 37
Idem
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Idem
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encerra seja desprovido de sentido. O que existe é uma questão em busca de sentido, e é por isso que implica fundamentalmente uma história.
3.1 O estudo das fontes
O estudo das fontes teve início em 1998, quando as primeiras cópias foram fornecidas pela Prof. Madel Luz. Eram dois textos em francês de Roger de la Fuye além da indicação de alguns nomes, tais como, Paul Chiron, Rouy, Soulié de Morant e Fortier-Bernoville. Também foram traduzidos do inglês textos do homeopata Dudgeon, biógrafo de Hahnemann, do historiador Paul Unschuld e do homeosiniatra Jean Claude Dubois. Data, igualmente, desta época, o início da pesquisa de fontes originais de Weihe, na rede mundial de computadores, a Internet. Primeiramente, foi feita uma pesquisa nas bases BIREME e MEDLINE apenas pelo nome Weihe, uma vez que era o único nome conhecido, ao mesmo tempo em que se entrava em duas listas internacionais de Acupuntura, solicitando aos participantes alguma informação sobre o tema. Foram recebidos muitos e-mails, porém em sua maioria continham mais pedidos de informações sobre o sistema de Pontos de Weihe do que indicações das fontes originais solicitadas. Um número pequeno deles trazia contribuições acerca do tema, embora nenhuma orientação de onde encontrar as fontes originais. Foi na pesquisa da base MEDLINE, entre dezenas de títulos e autores contendo o nome Weihe, que se achou um título de interesse. Tratava-se do livro “Die Weihe’schen Druckpunkte : Ihre Beziehungen zur Akupunktur, Neuraltherapie und Homöopathie” de autoria de Heinz Schoeler, publicado pela primeira vez em 1955, na Alemanha. Descobriu-se rapidamente que entre saber o nome do livro e seu autor e conseguir a publicação era um longo caminho. De volta às listas de Acupuntura, agora em busca de outros autores, entre eles Heinz Schoeler, recebeu-se, fortuitamente, de um homeopata e colecionador de livros raros, a resposta de que era possuidor de alguns livros de interesse, inclusive o do autor supracitado. Acertada sua compra, o livro esperado chegou a seu destino em meados do ano de 1999. Tratava-se de um pequeno livro que continha, além do
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texto em alemão, algumas pranchas com desenhos dos Pontos de Weihe. Embora ainda restasse traduzi-lo, seu valor já era visível ao final do texto. Ali estava a fonte bibliográfica com alguns textos do próprio Weihe, do final do século XIX, e de outros tantos da mesma época, ainda que a citação bibliográfica fosse por demais abreviada. À espera da tradução deste primeiro livro, empreendeu-se uma pesquisa nas bibliotecas do Instituto Hahnemanniano do Brasil e do Instituto de Acupuntura do Rio de Janeiro, levantando-se algum material de interesse. No IHB, além de alguns livros e revistas, encontrou-se um número considerável de monografias de final do curso de formação em Homeopatia que abordavam aspectos comuns da Homeopatia e Medicina Chinesa, incluindo os Pontos de Weihe, sem contudo, nenhuma mencionar sua história e origem. Surpreendia o interesse que tal tema suscitava. Na biblioteca do IARJ consegui-se um exemplar da obra de Soulié de Morant contendo os pontos de Weihe com os correspondentes pontos chineses e os medicamentos homeopáticos a eles relacionados. Com a tradução finalizada, pode-se vislumbrar a ponta de um iceberg. A primeira vista o autor, ele mesmo homeopata, apresentava o sistema de Weihe como uma antevisão brilhante no que concernia à morfologia dos pontos, mas também, como uma teoria tola e frágil. Revelava pouco da sua concepção mas já apontava os motivos de seu fracasso no meio homeopático. Restava, então, buscar sua história nas fontes originais. No primeiro semestre de 2000, já iniciado o mestrado, contactou-se a biblioteca do Instituto Robert Bosch, em Stuttgart, entre outras bibliotecas e livrarias virtuais, na tentativa de localizar os artigos listados no livro de Heinz Schoeler. Foi com grata surpresa que que se recebeu a notícia que se encontravam no Instituto todos os papers procurados e que era viável o envio de cópias. Como já foi dito, essas cópias chegaram ao seu destino na véspera da qualificação. Tarde para serem contempladas no projeto, mas, em tempo de se obter orientação quanto a seu uso na qualificação. Do serviço de biblioteca do Instituto Robert Bosch também chegou a informação do recente lançamento do livro “Die Weiheschen Druckpunkte : Grunlagen und Praxis” de de autoria do Dr. Seiler. Alguns meses depois também esta fonte secundária foi incorporada neste estudo. As traduções dos livros e dos artigos
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em alemão foram realizadas por Julia Briguitta, austríaca, com formação em psicanálise e conhecedora do alemão arcaico. Vale dizer que dado o desconhecimento inicial das dificuldades na pesquisa das fontes e no manejo das bases de dados e pesquisas virtuais, e dado o tempo necessário para envio e traduções traduções do material, julga-se que teria sido inviável inviável a realização desse estudo caso a pesquisa das fontes tivesse que ser realizada no período regular de dois anos de mestrado. Os textos enviados pelo Instituto Robert Bosch foram: Do Dr. August Weihe 1- Praktische und theoretische Beiträge Beiträge zur Einleitung in die epidemiologische Behandlungsweise. Zeitschrift des Berliner Vereines homöopathischer Aerzte V : Berlim, 1886. 2- Entgegnung. Allgemeine Homöopathische Zeitung, BD 121: Leipzig, 1890. 3- Genius Epidemicus. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 124: Leipzig, 1892. Do Dr. Leeser 4- Inhalt des Vortrags des Dr. Leeser-Lübbeke in der Morgensitzung der Central-vereins-Versammlung zu Hamburg am 10. August c. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd 111, No.13: Leipzig, 1885. 5- Die epidemische Heilmethode in ihrem Verhältnisse zur Homöopathie. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd 116, No. 9, 10, 11, 12, 13, 14,15, 16, 17, 18 : Leipzig, 1888. 6- Zur Frage der epidemischen Mittel. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 117 : Leipzig, 1888. 7- Rückblick auf die geschichtliche Entwickelung der Weihe’schen Heilmethode. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd 124, No. 5 u. 6 : Leipzig, 1892. 8Der Nutzen der Weihe’schen Methode für die Kenntniss der Arzneimittellehre. Allgemiene Homöopathische Zeitung, Bd. 126, No. 7 u. 8 : Leipzig, 1893.
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9Steht die Weihe’schen Methode innerhalb der Homöopathie? Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 127, No. 11 u. 12 : Leipzig,1893. 10- Offener Brief na Herrn Dr. Carl Köck in München. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 128 : Leipzig, 1894 Do Dr. H. Göhrum 11- Zur Anwendung der epidemischen Mittel. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 119 : Leipzig, 1889. 12- Die Weihe’sche Methode. Zeitschrift des Berliner Vereines homöopathischer Aerzte : Berlim, 1891. 13- Epidemiologische Ecke. Allgemeine Homöopathische Zeitung, August 1891/Juli 1892 : Leipzig, 1891/92. 14- Bericht. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 124, No. 3 u. 4 : Leipzig, 1892. 15- Wann dürfen wir ein Mittel “epidemisch”nennen? . Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 125, No. 11 u. 12 : Leipzig, 1892. 16- Die Referate iiber die Weihe’sche Methode. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd.126 : Leipzig, 1893. 17- Die Aufgaben der Epidemiologischen Gesellschaft und die Prüfung am Gesunden. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd 126, No. 5 u. 6 : Leipzig, 1893. 18- Die Weihe’sche Methode vor der Centralvereinsversammlung in Bonn. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 127 : Leipzig, 1893. Do Dr. Kunkel 19- Aus der Praxis. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 121 : Leipzig, 1890. Do Dr. Alexander Villers 20- Referat über die Verwendung der Druckpunkte nach Dr. Weihe. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 127 : Leipzig, 1893. Do Dr. Lorbacher
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21- Noch einmal die Druckpunkt-therapie. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 126 : Leipzig, 1893. Do Dr. J. Schier 22- Aus dem Rhein-Maingau-Verein homöopathischer Arzte. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 169 : Leipzig, 1921. Do Dr. H. Schoeler 23- Das Hochpotenzproblem. Allgemeine Homöopathische Zeitung, Bd. 195 : Leipzig, 1950. Do Prof. de la Fuye 24- Über die Synthese von Homöopathie und Acupunktur. Heilkunst 11, 403-409, 1951. Destes artigos foram selecionados para tradução livre os três artigos do Dr. August Weihe; os artigos acima enumerados 4, 5 e 7, do Dr. Leeser; os artigos 15, e 17 do Dr. Göhrum; o artigo do Dr. Villers; e o artigo do Dr. Lorbacher. Também o livro do Dr. Seiler teve os capítulos 1 ao 6 e 17 ao 21 selecionados e traduzidos. Cumpre destacar que as citações destes textos foram traduzidas de forma a permitir a compreenção das mesmas. Quanto as referências destas citações cabe ressaltar que não trazem os números das páginas dos originais por dois motivos: primeiro porque estes não encontravam-se visíveis nas cópias dos periódicos recebidas e segundo que também os trechos e capítulos dos dois livros traduzidos deste idioma tiveram suas numerações de páginas suprimidas na tradução sendo a tarefa de identificá-las impossível para quem desconhece o idioma. Além do material em alemão, outros livros e artigos em francês e inglês foram pesquisados nas bibliotecas do Instituto Hahnemanniano do Brasil e do Instituto de Acupuntura do Rio de Janeiro e constituíram uma parte das fontes primárias e secundárias.
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4 AS ORIGENS 4.1 O HOMEOPATA WEIHE
Fig. 4 August Weihe
Podemos considerar que a trajetória dos Pontos de Weihe se inicia no ano de 1875, pelas mãos do Dr. August Weihe Junior (1840 –1896), médico alemão 40, terceiro membro da tradição homeopática da família Weihe. Seu avô, August Weihe Sênior (1779 - 1834), com cujo nome Weihe fora batizado, foi aluno direto de Hahnemann e o primeiro médico homeopata na região do Reno e W estfalen 41. Depois de estudar em diversas universidades alemãs e após o seu tempo de assistente em Viena, Weihe tornou-se aluno de seu tio, Justus Weihe (1808 – 1892), em Herford onde em 1868 abriu seu próprio consultório. 40
O pai de August Weihe Junior imigrou, quando jovem, para a Suécia onde Weihe nasceu. Aos 12 anos, Weihe e sua família retornaram à Alemanha e se instalaram na cidade de Herford. 41
O avô de Weihe era como botânico tão conhecido quanto como médico e era nesta condição amigo de C. Von Bönninghausen (1785 – 1864) com quem mantinha uma viva correspondência científica. Em 1827, quando diretor do Jardim Botânico de Münster, Bönninghausen, aos 42 anos, adoeceu de um grave mal chamado de Tísica Purulenta. Depois de 9 meses de doença sua morte parecia inevitável e ele escreveu a seu amigo uma carta de despedida sem saber que este tinha se tornado discípulo do método de cura homeopático, naquela época, ainda desconhecido de Bönninghausen. O resultado desta correspondência foi a cura do mal através de uma única dose de medicamento homeopático ( Pulsatilla) e a dedicação de Bönninghausen à Homeopatia pelo resto de sua vida, tornando-se certamente o mais importante aluno direto de Hahnemann.
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Jovem e com sólidos conhecimentos, pressionado, em parte, pela crise que passava a Homeopatia Clássica na Alemanha – comentada mais adiante – e em parte por seus próprios males hereditários 42, Weihe buscava novos caminhos a fim de aprimorar o método de cura homeopático, como o fazem aqueles que após longos estudos percebem as fronteiras do conhecimento e empenham-se em expandi-las. Foi assim que se interessou pelo método de tratamento de Johann Gottfried Rademacher (1772 – 1850), cuja escola debruçou-se sobre os escritos de Hohenheim 43 (1493 – 1541) destilando dos ensinamentos cifrados de Paracelsus – cuja contribuição será tratada mais adiante - material para uma medicina racional 44. Além de Hahnemann e Rademacher, Weihe interessou-se por outros sistemas vitalistas que emergiam em sua época: “Nós não somos menos do que os seguidores de Hahnemann e Rademacher sempre pretenderam ser, e diferimos daqueles somente por um método algo divergente na descoberta das substâncias curativas. Mas estamos até mesmo convencidos que a nossa compreensão da essência da arte do processo de cura pode se colocar, certamente, em harmonia com as opiniões dos hidropatas e médicos naturalistas, com os importantes achados do Prof. Jagërs, com os interessantes e inovadores experimentos do Prof. Hugo Schulz e também com a Lei Fundamental Biológica do Prof. Rudolf Arndt 45 (Weihe, 1890) “.
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O Dr. Weihe se empenhou na cura de seus próprios males crônicos e hereditários como relata nessa passagem : “ Assim aconteceu também a mim que nos anos anteriores sofria tanto e apesar de uma maneira de vida sólida e equilibrada, eu também tinha que carregar uma considerável quantidade de gordura, consegui diminuir meu peso em cerca de 25 libras, simplesmente através do uso de potências altas.” (Weihe, 1886) Em outra passagem Weihe afirma : “Que eu agora já estou liberto de tudo completamente, eu certamente não afirmo, porém, o que eu já consegui, me é indescritivelmente muito e extraordinariamente valioso e eu ainda posso esperar mais coisas do tempo futuro “ (Weihe, 1890). 43
Philippus Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim era o nome de batismo de Paracelsus que se rebatizou no início de sua carreira médica por volta de 1516. 44
A busca de uma medicina racional estava presente em Rademacher como o estava em Hahnemann e posteriormente em Weihe, embora, esta influência não signifique adesão destes às categorias de mecanicismo, dualismo e fragmentarismo. 45
A respeito do Prof. Rudolf Arndt Weihe escreve : “...cheguei agora à forte convicção que nada pode ser mais tolo do que esperar uma cura rápida de qualquer real doença crônica com causa interna ... o mal crônico, que está profundamente enraizado, e que já existia nos pais de maneira similar, está intrinsecamente entremeado com nossa formação corporal inteira, com nosso mais profundo ser moral e espiritual, estudar a esse respeito o livro do Prof. Rudolf Arndt sobre neurastenia, objetivo é mais do que recomendável para qualquer médico homeopata principalmente aquilo que é dito sobre Stigmata Hereditatis suis Degenerationis (Weihe, 1890)”.
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Por outro lado, pode-se dizer que é muito improvável que o descobridor do sistema dos pontos dolorosos tenha tido qualquer contato e/ou conhecimento da medicina chinesa e da Acupuntura como apontam os estudos das fontes levantadas, que incluem textos originais do próprio Weihe – que teve apenas três textos publicados – e de seus primeiros alunos. Assim, através de múltiplas influências, Weihe desenvolve seu trabalho. Quanto a sua tenacidade pode-se dizer que também não o freavam as críticas dos colegas homeopatas, que a essa altura praticavam uma Homeopatia em muito diferente da de Hahnemann. Quando a elas dedicava sua atenção era de forma bastante ponderada como se pode verificar em suas próprias palavras a respeito de sua atitude profissional : “... eu peço gentilmente que também a mim seja dada a confiança, pois eu sempre tive sérias intenções com minha profissão, sempre estive me esforçando em procurar a verdade lá onde eu a esperava encontrar (Weihe, 1890)”. Weihe foi por diversas vezes interpelado, quando hesitou muito tempo em fazer uma publicação, sabendo da incompletude e das insuficiências ainda não resolvidas do seu sistema. Quando, finalmente em 1886, Weihe publica artigo intitulado “As Contribuições Práticas e Teóricas Relativas à Introdução do Método de Tratamento Epidêmico” - o Método de Weihe - na revista da Associação Berlinense de Médicos Homeopatas, o faz sabendo que possivelmente não seria poupado da crítica por ainda não divulgar seu método de escolha dos medicamentos : “... se alguém não gostar ou se chocar, porque eu, nas histórias de doentes relatadas, não disse nada sobre as indicações que me fizeram e que me guiaram na escolha do medicamento, quero dizer que eu o fiz propositalmente, porque trata-se aqui de coisas que em parte ainda estão em desenvolvimento e por isso ainda não estão maduras para se dar uma descrição, um relatório claro e completo, sendo assim, me reservo o direito de voltar a esse assunto em artigo posterior (Weihe,1886) “.
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A resposta da redação da referida revista homeopática é publicada em seguida ao artigo e parece confirmar as suspeitas de Weihe : “Nós publicamos este artigo, certamente muito interessante para muitos dos nossos leitores com muito prazer, porque vemos nele a possibilidade de iniciar um exame geral e público dos métodos de tratamento muito comentados em nossos círculos. Nós somente lamentamos que o senhor autor só nos forneceu uma faceta sobre o seu método de tratamento e não a fundamentação de suas indicações de maneira que , bem dizendo, a natureza e o cerne da questão continuam obscurecidos e incompreensíveis. Porém nós esperamos que ele faça seguir esse artigo, logo um outro, o qual espalhará a desejada luz esclarecedora sobre o método de tratamento epidêmico, sua concepção e sua índole e que isso possibilite uma crítica daquelas novas concepções as quais para nós e certamente para a maioria dos médicos homeopatas pareciam até agora inaceitáveis e pouco plausíveis, porque o fundador deste ensinamento encobriu a verdadeira essência do mesmo praticamente em uma total escuridão (Nota da redação inserida no artigo de Weihe, 1886)”. Porém mais intensas eram as críticas do campo médico de então. Luz (1988), debruçou-se sobre o vitalismo homeopático enquanto racionalidade concorrente e antagônica à razão científica moderna e apresentou a dimensão real das dificuldades enfrentadas pelos dissidentes desta razão nos séculos XVIII e XIX, tais como Hahnemann, Rademacher e Weihe : “No final do século XVIII, as Academias e as Escolas das Universidades européias tinham o poder de colocar sobre uma teoria o selo da verdade, elevando, assim, seu autor (ou autores) socialmente, em termos políticos e econômicos, ou, pelo contrário, desqualificando-o junto à sociedade, às Cortes e aos governos (em geral de Estados autoritários, fossem eles parlamentares ou não), junto aos seus pares, o que talvez fosse a pior punição. O charlatão essa figura desviante moral e herético da ciência, é criação do século da razão. Desde esse momento, é o pior epíteto que um
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cientista pode ouvir, pois implica desmoralização e perda de status social e profissional ( Luz, 1988: 120)“.
4.2 De Paracelsus a Hahnemann e Rademacher
Para entendermos o teor das críticas lançadas sobre o Método de Weihe por seus colegas homeopatas devemos compreender a natureza da contribuição rademacheriana a esse sistema de cura e suas raízes paracélsicas. Seiler (2001) conta que por causa de um sucesso surpreendente com uma substância curativa de Paracelsus, o crítico precoce da medicina dogmática, Rademacher foi levado a retrabalhar com acuidade seus escritos, concluindo: “ Não sem esforço eu cheguei finalmente à convicção deste homem não ser um fanfarrão, mas sim que funde em uma unidade inseparável o ensinamento e a prática da Arte...46 ”. Paracelsus, médico e alquimista suiço-alemão, teve sua carreira associada indelevelmente à mudança, que durou mais de um século, da alquimia em direção à ciência médica, tornando-se sua precursora. Embora seus escritos tenham sido reverenciados por sucessivas gerações de alquimistas, Paracelsus era mais médico do que adepto, e supõe-se que passou comparativamente pouco tempo no laboratório. No coração de suas crenças estava a noção de que cada ser humano, representando o microcosmo, estava inelutavelmente ligado ao cosmo, ou macrocosmo; qualquer coisa que afetasse um, teria efeito semelhante sobre o outro. A saúde emanava de Deus, o “Grande Médico”, e a doença, tal como a via Paracelsus, era apenas uma ruptura da harmonia celestial que existia normalmente entre natureza e a humanidade, ou entre o macro e o microcosmo. Para restabelecer a saúde, o médico precisaria restabelecer o equilíbrio, mediante o uso de remédios químicos, que ele chamava de arcanos. Nesses trabalhos o médico-alquimista
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Rademacher, citado por Surya (1923: 253) apud Seiler ( 2001).
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também era obrigado a confiar na mediação de influências tais como os raios estelares e o que Paracelsus chamava vagamente de “o sopro de Deus” 47.
Fig. 5 Samuel Hahnemann
Fig. 6 Rademacher
Fig. 7 Paracelsus
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Segredo dos Alquimistas (1993 : p. 63-65).
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Paracelsus reconhecia sua crença no conceito grego dos quatro elementos, mas asseverava que em outro nível o cosmo era formado de três substâncias espirituais – a chamada trindade de mercúrio, enxofre e sal – que ele chamava de três princípios, ou tria prima . Segundo ele as três substâncias atribuíam a cada objeto sua essência interior e sua aparência externa. Tal trindade alquímica definia também a identidade humana. O enxofre corporificava a alma, considerada como as emoções e os desejos; o sal representava o corpo; e o mercúrio resumia o espírito, que incluía a imaginação, o juízo moral e as faculdades mentais superiores. Para Paracelsus, a conexão entre esses atributos e a alquimia era evidente. Somente entendendo a natureza química dos tria prima o médico poderia descobrir quais exatos arcanos seriam necessários para curar uma doença específica. Portanto, a verdadeira missão da alquimia não era buscar ouro ou prata, e sim servir à medicina. Embora ele também acreditasse, como a maioria dos adeptos, que a alquimia era “verdadeiramente um Dom de Deus” , e um processo místico além de químico, foi na aplicação prática do arsenal de dados técnicos da alquimia que ele deu suas principais contribuições. Ele foi um dos primeiros a vislumbrar a verdadeira natureza da circulação do sangue, que denominou seiva da vida. Mais de um século depois William Harvey, o cientista a quem se atribui a descoberta da circulação sangüínea, usaria uma analogia parecida. Paracelsus foi também um dos primeiros médicos a tratar a epilepsia como doença e não como sintoma de possessão demoníaca, ou como prova de loucura. Além disso, estabeleceu a ligação entre a chamada doença dos mineiros, hoje conhecida como silicose e a inalação de vapores metálicos. Até então, dizia-se às vítimas dessa doença que seus sofrimentos eram infligidos pelos demônios da montanha, como castigo por seus pecados 48. Muitas foram as contribuições, inclusive para a Homeopatia, dessa personalidade de língua afiada e contestadora. A lei das assinaturas, talvez seja a
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Paracelsus nasceu em uma aldeia suíça onde seu pai era médico rural. Com a morte de sua mãe, ainda pequeno, pai e filho se mudaram para Villach, uma pequena cidade ribeirinha do sul da Áustria, onde a mineração era uma das principais atividades. Estudioso, o garoto freqüentou uma escola para analistas e supervisores de minas, que lhe proporcionou uma experiência de primeira mão nos processos metalúrgicos da época, além de ajudá-lo a perceber as doenças endêmicas entre os mineiros.
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mais famosa contribuição de Paracelsus no meio homeopático. A seu respeito encontra-se em Rosenbaum(2000) as seguintes citações: “Paracelsus também usava o princípio dos semelhantes para desenvolver um modo de pensar dentro da medicina e tratar seus pacientes“ (2000 : p.105). “ Segundo Paracelsus, um dos métodos legítimos para detectar a ação terapêutica de uma substância consistiria em estabelecer uma analogia do seu aspecto morfológico com o órgão ou função afetada no organismo enfermo “ (Chapiel, 1886 apud Rosenbaum, 2000: p.100) Voltando a Rademacher, este publica depois de trabalhar minuciosamente e, principalmente, após profundo e bem sucedido reexame prático do seu recémconcebido sistema curativo paracélsico, em 1843 – talvez não tão por acaso, no ano da morte de Hahnemann – a primeira edição de seu “Ensinamentos de Cura por Experiência” . Nele tenta elucidar os conhecimentos cifrados presentes na obra de Paracelsus, como sugere o subtítulo: “justificativa aos intelectuais em relação aos ensinamentos empíricos mal entendidos e passíveis de entendimento dos antigos médicos secretos químicos e participação fiel do resultado de uma experiência de 25 anos desse ensinamento à beira do leito do doente” . Assim, os caminhos dos dois reformadores da medicina da totalidade 49 se separam pelos direcionamentos que deram às suas pesquisas. Enquanto Rademacher buscava, nas profundezas da antiga sabedoria secreta alquímica e esotérica, material útil para uma medicina da totalidade racional tendo Paracelsus como figura chave, Hahnemann, com um pé em terras novas, buscava suas bases na confirmação experimental, na nova formulação da lei da Similitude e na descoberta do princípio das dinamizações. A percepção de Weihe de que ambos sistemas médicos eram complementares foi compartilhada por outros homeopatas europeus importantes do
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Entende-se por medicina da totalidade àquela que considera o paciente em sua totalidade sintomática, ou seja, o tratamento é voltado para o conjunto das manifestações sintomáticas. Esta prática médica está em antagonismo com a medicina que tem como princípio norteador tratar sintomas específicos sem levar em conta o conjunto sintomatológico, por exemplo a medicina das especialidades.
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século XIX, como J. C. Burnett, A . Nebel e antecipadamente divulgada B. Von Grauvogls (1801 – 1883 ), tendo este último escrito : “Realmente... a concordância entre o ensinamento de Hahnemann e Rademacher não é total, mas é tão surpreendente que o equilíbrio algum dia necessariamente terá que acontecer. Pelo lado homeopático se deveria agora também tentar saber e constatar, de que uma substância curativa, muitas vezes, durante muito tempo, se mostra muito indicada e curativa nas diversas formas de doença, mas se isso ainda não aconteceu universalmente, certamente se deve à condição de que uma minoria de homeopatas vê como tarefa o estudo das circunstâncias concomitantes e de uma maioria considerar a instrução de Hahnemann de manter, principalmente, essas circunstâncias concomitantes em vista, como um capricho” 50 . Rademacher, 17 anos mais novo do que Hahnemann, mantinha em suas raras observações à respeito da Homeopatia uma respeitosa distância. Não se comprometia com o princípio da similitude e nem com as medicações dinamizadas, porém, sempre que acentuava o melhor efeito das pequenas doses de medicamentos se referia a Paracelsus. Já este tinha acentuado a importância de pequenas doses e também rejeitado o princípio de tratamento alopático. Hahnemann, por sua vez, cita duas curas de Rademacher feitas com pequenas doses medicamentosas, uma com vinho e outra com Opium, extraídas da renomada revista médica Hufeland’s Journal 51, onde Rademacher apresentou suas primeiras pequenas publicações e Hahnemann também havia publicado seus antigos escritos. A rejeição que Hahnemann tinha por Paracelsus, possivelmente, era fruto de sua natureza racional e parte da estratégia, bem sucedida de proteger a Homeopatia da má fama de medicina obscura :
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Von Grauvogl,citado por Leeser (1888).
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Seiler em seu estudo nega ter encontrado qualquer referência a Rademacher na obra de Hahnemann mas esta pode ser verificada na versão digital do programa Radar – ExLibris Philosophy no livro de Hahnemann Organon of Medicine 6 a. ed., na introdução do appendix .
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“... enquanto Rademacher queria se ocupar de Hohenheim só para si, Hahnemann de preferência não queria saber dele, pois, não alimentava uma opinião muito positiva do ‘Fogo Fatuo’ vagabundeante, como certa vez se referiu a Paracelsus. A mania de segredos de Hohenheim , às vezes, surrealista e fantástica, com a qual ele – para sua proteção da inquisição, que naquela época ainda era toda poderosa – do jeito dos alquimistas e dos secretos, escondia o seu saber, era por demais contrastante com a ambição esclarecedora de Hahnemann e contra sua veemente rejeição de toda e qualquer especulação”. 52 Segundo Seiler (2001), Trinks, um antigo paciente e aluno, assim como um posterior arquiinimigo de Hahnemann, parece já no ano de 1825 ter chamado a atenção do mesmo, que os traços fundamentais da Homeopatia já eram achados em Paracelsus. Porém não é claro se Trinks naquela época pôde apresentar para Hahnemann as hoje conhecidas e bastantes inequívocas citações homeopáticas de Hohenheim. Hahnemann, assim relata Trinks, retrucou de que isto lhe era, até aquela época, totalmente desconhecido 53. E. Schlegel, importante médico homeopata e conhecedor de Paracelsus entende a relação de Hohenheims com Hahnemann como uma construção; “...o pensamento da Similitude na medicina só se torna claro, correto e frutífero a partir do momento onde ele é compreendido e utilizado por Hahnemann; ... Ele coloca suas frases corretamente formuladas como 52
Haehl,(1922: 300) apud Seiler (2001).
53
Schlegel (1891) citado em Haehl, 53 As citações homeopáticas de Paracelsus são hoje em dia conhecidas : “Então as essências dos medicamentos vão contra a doença, o que faz a hepatite, também cura a hepatite, o medicamento que deve curar Paralisyn deverá provir daquilo o qual o produziu(Paracelsus citado por Surya, 1923: 228 apud Seiler, 2001:11.2001)” ; “Um médico realmente verdadeiro... isto é Morbus Terebintus, ... isto é Morbus Helleborus etc, e não ... isto é reumatismo, isto é coriza, isto é catarro ” (idem). Em relação as doses de medicamentos diz : “Não é com o peso, mas sim com o que está além do peso que o medicamento deve ser administrado, pois quem pode pesar o brilhar do sol ... Quem pesa o Spiritum Arcanum (= alma da substância curativa)? Ninguém. É nele que está o medicamento e não em nenhum outro mais pesado ... O medicamento deve ... fazer um efeito tão forte sobre a doença como um fogo em cima de uma fogueira... Uma faisquinha porém, é pesada o suficiente para queimar uma floresta inteira, e a faisquinha é sem peso. Assim vocês também devem entender a indicação do medicamento”. (Paracelsus, 1923: 300-301)
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ensinamentos ao público enquanto Paracelsus – uma mente da mesma forma genial e profunda – aparece mais como um artista, o qual não deixa ensinamentos técnicos de utilização prática, mas sim, leva um talento pessoal consigo para a sepultura”. 54 Rosenbaum (2000: p. 111-112), nos brinda com uma análise se não definitiva, ao menos de grande sensibilidade uma vez que aborda o tema da influência de Paracelsus em Hahnemann ressaltando seu universo contraditório. “ Embora reconhecesse o enorme valor da química aplicada, e que muitas substâncias eram úteis na paliação de certos estados patológicos, Hahnemann negava-se a admitir que precisaríamos restringir o conhecimento destas a sua proximidade no ‘sistema natural’, ou a seu parentesco taxionômico. Admite que pode haver, de fato, analogias entre as evidências exteriores e físicas das substâncias e os efeitos medicinais, mas não aceita a doutrina das assinaturas como uma realidade dada. Quer um programa de investigação que as comprove ou as refute. Neste sentido, Hahnemann vai rompendo com a episteme das ‘assinaturas ’ como uma construção de autoridade nas capturas analógicas. ‘Os terapeutas atribuíram ao anis estrelado as mesmas qualidades expectorantes que são possuídas pelas sementes de anis, meramente porque as últimas têm semelhança em paladar e odor com as cápsulas de sementes da anterior e ainda algumas partes da árvore (iliceum anisatum) , que produz essas cápsulas usadas nas Ilhas Filipinas como um veneno para propósitos suicidas : isto é o que eu chamo origem filosófica e experimental da matéria médica! (Hahnemann, 1852 : 503). ‘ É claro que quem trabalha com similitudes tem necessariamente de lidar com as assinalações (Foucault, 1966 a ). A diferença é que as assinaturas que interessavam a Hahnemann eram de outra natureza, não podiam ser botânicas porque eram subjetivas, eram vivências, impossibilitando que estas fossem correlacionadas a órgãos, sistemas fisiológicos ou patologias. Afirma que a ‘afinidade botânica ‘, ou melhor, esta ‘botanização’ do sistema classificador das enfermidades, não permite ‘inferências sobre similaridades de ação’, já que as 54
Schlegel (1891) citado em Haehl, (1922: 300) apud Seiler ( 2001).
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‘similaridades externas’ eram superficiais e insuficientes para conhecer possíveis efeitos medicinais. Aqui a crítica à doutrina das assinaturas de Paracelsus aparece de modo mais evidente”. 55 Rosenbaum (2000 : 112) acrescenta, entretanto, que segundo Allendy (1937 : 194), Hahnemann usou no parágrafo 40 do Organon, referências de Etmüller, principal discípulo de Paracelsus, revelando a influência das grandes linhas de síntese paracelsiana sobre seu sistema terapêutico. Assim, o mesmo autor conclui: “Hahnemann teve, portanto, uma dupla influência: foi modelado pelo grande sistema médico de seu tempo, a iatroquímica, e, de outro lado, estava profundamente impressionado pelas proposições empíricas. Por isso, não se pode apresentar apenas uma faceta de suas preocupações, uma vez que ela já está comprometida com divisões. São contradições geradas por elas que movimentam a história de suas proposições. “ O Método de Weihe – que guarda em si um capítulo esquecido, julgado negativamente na história da Homeopatia – nos leva de volta a Rademacher e também a raízes de conhecimentos interessantes que ainda hoje merecem, ao menos, serem repensados. Segundo Seiler (2001), os principais representantes destes conhecimentos como Burnett 56 , Clarke e Nebel, na virada do século XIX / XX alcançaram - não somente mas também pela influência menosprezada de Rademacher sobre a Homeopatia européia hahnemanniana - um alto nível terapêutico, o qual, desde então não fora mais atingido. O rígido veredicto de Hahnemann contra Paracelsus, tinha que acertar Rademacher, sendo este representante do trabalho de Paracelsus em sua essência e desviá-lo da doutrina hahnemanniana. Na problemática mencionada por Schlegel – quanto a pouca clareza nos escritos de Paracelsus – está a essência das dificuldades com as quais o próprio 55
Rosenbaum, 2000: 111-112. Também para além das fronteiras da Alemanha os sucessos de Rademacher tiveram um grande efeito, como por exemplo, em cima de Burnett (1840 – 1901) que tinha nascido no mesmo ano de Weihe e que tinha uma intimidade muito grande com o alemão. 56
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Rademacher, e mais tarde todos os seus alunos, inclusive Weihe, tinham que lutar em primeiro plano quando da transmissão dos seus ensinamentos : as informações permaneciam, apesar de todos os esforços, generalizadas demais, vagas demais, por demais limitadas à experiência individual do Mestre para que fossem transformadas não somente por alunos geniais, mas também por aqueles alunos medianamente talentosos. Faltavam a exatidão e o detalhamento das ordens de Hahnemann, as quais garantiram a Homeopatia sua sobrevivência. Quais eram então os ensinamentos de Rademacher? A Escola de Rademacher classificava as doenças de acordo com sua curabilidade , isto é, de acordo com os medicamentos que com elas se combinassem. Esse procedimento era, também, encontrado em Paracelsus. A pesquisa do medicamento adequado era absolutamente empírica, feita por observação meticulosa à beira do leito do doente. E baseava-se, portanto, na experiência de casos curados, como também em parte vemos na Homeopatia, porém esta última construiu uma rica experimentação no homem são, as patogenesias, pilar fundamental para o diagnóstico medicamentoso homeopático. O próprio Rademacher entendia que somente a sabedoria derivada de longos anos de experiência poderia encurtar o difícil caminho da tentativa e erro na busca das substâncias curativas. Em seu restrito quadro medicamentoso, aparecem em concordância com a Homeopatia alguns sintomas modalizadores, como neste exemplo citado por Seiler (2001): “... um suspiro involuntário, o qual principalmente é efetuado por aquele doente que está só, é descrito não como um sinal específico, mas sim um sinal característico de adoecimento do fígado – Chelidonium”. Como a expressão “adoecimento do fígado” mostra, Rademacher não fala em concordância com a Homeopatia hahnemanniana, mas, novamente em paralelo com Paracelsus, de substâncias que fazem efeito em cima de um determinado órgão. Estas substâncias são denominadas substâncias orgânicas e assim diferenciadas das chamadas substâncias universais . As áreas de efeito das substâncias universais não são primariamente agregáveis a um determinado sistema orgânico. Mas não existe, na prática, uma hierarquia de importância entre esses dois grupos uma vez
58
que também as substâncias orgânicas podem produzir um efeito sistêmico 57. Também são descritas doenças mistas que requerem tanto uma substância orgânica como uma universal, prática esta que também remete originalmente a Paracelsus. A fim de tornar seu sistema supervisionável, Rademacher limitou a escolha de medicamentos a um pequeno número, de cuja eficiência e área de atuação ele tornou seguras ao longo de sua prática. Assim, existem em Rademacher somente três substâncias universais, a saber, Cobre, Ferrum e Natrum nitricum. Surya (1923), enxerga atrás desse número triangular – apesar de Rademacher se manter em silêncio a esse respeito – uma variante do triângulo paracélsico de Sulphur, Mercurius e Sal. Também a quantidade das substâncias orgânicas de Rademacher fica limitada a substâncias absolutamente necessárias e, sob o ponto de vista homeopático, limitada a um número muito pequeno. Outro aspecto fundamental dos ensinamentos de Rademacher é o caráter epidêmico de suas prescrições. O artigo do Dr. Leeser, aluno de Weihe, publicado semanalmente no jornal Allgemeine Homöopathische Zeitung – Jornal Geral Homeopático – entre março e maio de 1888, intitulado Die epidemische Heilmethode in ihrem Verhältnisse zur Homöopathie – O Método de Cura Epidêmico em sua relação com a Homeopatia – procurava explicar o Método de Weihe 58 partindo de sua origem em Rademacher e Hahnemann. Leeser (1888, n.10) explica que uma categoria fundamental para entender Rademacher e, também, Weihe,é a de Genius Epidemicus : “Por Genius Epidemicus entendemos as temporalmente diferentes influências atmosféricas e telúricas que influem ao mesmo tempo sobre todos os organismos vivos. Para nós é suficiente saber que este assim chamado Genius 57
Por efeito sistêmico entenda-se um efeito no organismo como um todo.
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O método de Weihe era naquela época conhecido como o Método de Cura Epidêmico. Este nome gerou a crítica publicada no Jornal Geral Homeopático do homeopata rademacheriano Dr. Kunkel. Weihe responde em artigo de 1890 deste mesmo jornal da seguinte forma: “O Sr. Colega Kunkel, se eu entendi bem, parece que se ofendeu que nós, ou seja, meus amigos e eu, nomeamos as substâncias achadas através de nosso método de epidêmicas. Eu não posso lhe tirar totalmente a razão na medida em que esta denominação corresponde somente muito pouco à essência da coisa, porém, podemos nos desculpar em relação a isso, pois nós não inventamos esta nomeação, mas sim, a pegamos da literatura da escola de Rademacher aonde ela certamente combina mais... por outro lado, a consciente nomeação tem para nós a vantagem de nos trazer à lembrança, sempre, o parentesco de nossas experiências com aquelas da escola de Rademacher e desta forma, nos protege de alguma maneira da compreensão louca de que se trate, no nosso caso, de coisas totalmente novas à parte e que estavam voando soltas no ar sem qualquer conexão com ensinamentos há muito conhecidos e testados “ (Weihe, 1890).
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Epidemicus, através de uma influência sobre o sistema nervoso, predispõe o organismo de tal forma a que este fique receptivo aos malefícios a ele dirigidos e que reaja a estes de determinada forma. Esses malefícios, em parte internos e em parte externos, como por exemplo, emoções, esforços, resfriados, machucados, miasmas, etc, são somente o motivo para o desenvolvimento das referidas doenças, ao que tem que se juntar à verdadeira causa da doença, a disposição criada pelo Genius Epidemicus para o adoecimento a fim de, então, poder desenvolver a doença. O Genius Epidemicus altera primeiramente – de que maneira veremos mais tarde – uma determinada parte do sistema nervoso trófico, com o que, os órgãos alimentados pelo mesmo são então colocados em estado de excitação. Esse estado de excitação dos órgãos referidos é o que nós chamamos de disposição para o adoecimento “. Para Rademacher se uma substância era capaz de tratar uma doença que fora provocada por um Genius Epidemicus predominante, ela também podia curar todos os casos de doença que foram causados pelo mesmo Genius Epidemicus, não importando se esse adoecimento apresentava-se em sua forma aguda ou não. Primeiramente ele encontrava, empiricamente, a substância que curava uma doença aparecida em uma determinada época. Depois ele a usava em todos os casos que surgissem naquele período. Portanto, ele procedia em primeiro lugar indutivamente e em seguida, dedutivamente, sendo que ele concluía do caso real para o geral e do geral novamente para o individual. Leeser (1888) descrevia o método de Rademacher como generalizador, ao passo que a Homeopatia era individualizadora. Para ele, enquanto a escola de Rademacher enfatizava o momento etiológico e o usava como base para suas ações de cura, a Homeopatia tinha em vista o efeito provocado pelo agente adoecedor sobre o indivíduo e em função disso faz sua escolha sem levar em consideração o momento etiológico e o caráter da doença dominante na época. Apesar da orientação epidemiológica da Escola de Rademacher, a observação cuidadosa de cada doente tinha papel fundamental e poderia alterar a prescrição como pode-se ver no seguinte exemplo apresentado por Seiler (2001): “... em 1833 ele curou um agricultor que, após um golpe financeiro, ficou inicialmente pensativo e depois manifestamente demente. Ele o curou somente
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com a substância do fígado Chellidonium, apesar do paciente não ter demonstrado nenhum sintoma do órgão específico....(porém) na região predominava naquela época, há algum tempo, uma quantidade tipo epidêmica de doenças do fígado com seus transtornos acompanhantes de ordem geral....Nux vomica até o momento tinha tido bons efeitos em muitos casos ... e nesta situação poderia, sem dúvida, curar um distúrbio do sistema nervoso central. Porém, de acordo com sua experiência (Rademacher) uma demência geral totalmente desenvolvida era mas amiúde de um adoecimento de fígado Chellidonium do que de um fígado - Nux vomica “. Segundo Seiler (2001) os sucessos terapêuticos de Rademacher impressionavam e interessavam, principalmente àqueles que estavam preocupados com os rumos da Homeopatia clássica, mas, também, aqueles médicos, como por exemplo, o jovem Weihe, que estavam fascinados pelo moderno diagnóstico clínico – das ciências físicas e naturais. Com seus bons resultados, Rademacher deixou não somente a medicina tradicional, longe, atrás de si, mais ainda a assim chamada Homeopatia crítico – científica , a qual procedia sob a forte influência da medicina tradicional científica e que tratava cada vez mais somente com o diagnóstico patológico–anatômico e com doses materiais. Este era o estado da Homeopatia, na Alemanha, após a morte de Hahnemann. Até mesmo o tio de Weihe que cresceu dentro da tradição clássica da Homeopatia, se tornara favorável, ao menos, em parte, a essa prática, uma vez que, em casos de artrite aguda costumava receitar esquematicamente Bryonia e Hepar sulphur em baixas potências e alternadamente 59. Este procedimento homeopático, que era ainda muito rudimentar, mas de forma nenhuma inócuo, seu sobrinho criticava severamente como sendo “alopatia camuflada “. As melhores cabeças da geração alemã de homeopatas depois de Hahnemann, como por exemplo, Hering já tinha há anos saído do clima político limitador e da intolerância médica da restauração alemã para a mais liberal dos Estados Unidos da América do Norte. Como outros, este excelente médico homeopata trabalhava no tempo dos estudos de Weihe, fora da Alemanha. Para completar o cenário homeopático da época deve-se assinalar que os escritos de 59
Sem individualização do caso.
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Hahnemann eram, então, raramente lidos ou lidos com pouca exatidão, sendo que, a 6ª edição do Organon 60 ficou sem ser publicada até o século seguinte. Se os homeopatas de então – final do século XIX – pudessem corresponder à exigência de Hahnemann 61, também enfatizada por C. V. Bönnighausen, de levar em consideração as circunstâncias acompanhantes 62 quando da escolha da substância curativa – a fim de se protegerem contra enganos e inseguranças no diagnóstico medicamentoso – estariam eles, segundo Leeser, e como vislumbrara, também, tempos atrás, o Sr. Von Grauvogls, no caminho para a fundição da Homeopatia com os ensinamentos de Rademacher. Possivelmente, a hoje difundida categoria de Genius Epidemicus no meio homeopático seja herança da influência rademacheriana sobre a Homeopatia européia daquele tempo. Esse trecho do artigo de Leeser (1888) parece indicá-lo: “Que existe um Genius Epidemicus, como nos ensinou Rademacher, é da mesma forma indiscutível como a existência da Lei da Similitude de Hahnemann. Quem durante muito tempo operou com substâncias epidêmicas, seja um rademacheriano ou um homeopata 63 , está permeado pela verdade do ensinamento do Genius Epidemicus, da mesma forma como cada homeopata está ou deveria estar convencido da verdade da Lei da Similitude. Por isso se pode sem falta afirmar que, no fundo o Genius Epidemicus sempre é, em primeira linha, o agente adoecedor em todas as doenças, também naquelas assim chamadas miasmáticas e contagiosas 64 ”. Em 1830 Rademacher atende um paciente que evidentemente padecia de doença no fígado, porém não conseguira tratá-lo com sucesso com nenhum dos 60
O Organon da arte de curar é a obra central do fundador da Homeopatia, Samuel Hahnemann. Nele está contida praticamente toda a filosofia e doutrina deste sistema médico. 61
Detalhes sobre esse aspecto da doutrina homeopática podem ser encontrados nos parágrafos 99 à 103 da 6ª edição do Organon . 62
Como circunstâncias acompanhantes, na investigação das doenças agudas, entende-se o conjunto característico de seus sinais e sintomas ao longo de uma observação precisa de vários casos durante uma epidemia em um dado tempo. Para Weihe e seus alunos esse estudo homeopático das epidemias preconizado por Hahnemann coincidia quase que totalmente, com o estudo do Genius Epidemicus. 63
Vale aqui lembrar que Rademacher não era homeopata mas teve vários alunos homeopatas como Weihe e até mesmo alguns críticos deste, como o Dr. Kunkel. 64
Chama a atenção a existência de uma única expressão Genius Epidemicus em todo o banco de dados do programa ExLibris/RADAR. Trata-se de uma observação de C. Hering, em sua Matéria Médica, no capítulo dedicado ao medicamento Apis melifica onde se lê: “it happened at the time to correspond to the genius epidemicus in Berlin, but Wolf recommended it in all intermittent fevers”.
62
medicamentos indicados para tal. A fim de achar um novo ponto de apoio clínico volta a examinar o doente : “Porém eu não achei nada a não ser no lado direito da área do estômago uma mancha, a qual estava sob a pressão dos meus dedos, mais sensível do que o resto do abdome “.65 Rademacher presumia que a doença, paralelamente ao fígado primariamente, talvez, tivesse abrangendo o estômago e deu como uma substância efetiva para o estômago uma solução diluída de Calcarea acidum que se mostrou também sem efeito. Teve a idéia de administrar as substâncias do fígado e do estômago conjuntamente o que fez com que o quadro da doença invertesse e o paciente se encontrasse no caminho de sua recuperação. Esperava então que os pontos dolorosos à pressão no epigástrio direito se comprovassem como sinal objetivo da epidemia vigente, permitindo reconhecer e tratar qualquer aparecimento posterior desta doença. Infelizmente, os pacientes restantes dessa epidemia que responderam igualmente bem à associação medicamentosa não apresentavam esta dor à pressão. Podendo, para o reconhecimento futuro dessa enfermidade indicar somente o seu método de experimentação, Rademacher conclui resignado: “... não há nada que eu lamente mais do que não poder dar ao leitor nenhum único caso generalizado, o qual poderia servir para um futuro re- reconhecimento. Com toda atenção eu não descobri nenhum, e o relato de tais sintomas, os quais, não todos, mas em grande número têm em comum muita febre, é para o futuro re-reconhecimento inteiramente sem objetivo”. 66 O aluno de Rademacher, Kissel, critica severamente em seu “Manual da Terapia Naturalista” , editado em 1853, esta imprecisão de seu mestre e tenta compreender com mais clareza as áreas de indicações clínicas para suas
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Rademacher, 1843:146 apud Seiler, 2001: 16.
65
Seiler, 2001: 17.Rademacher (1843: 145) apud Seiler ( 2001).
66
idem
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substâncias. Neste manual há descrições de casos clínicos magistrais, que foram elaboradas já com uma precisão homeopática, principalmente, por Löffler, colega de Kissel. Este, em dois casos, achou no epigástrio direito uma dor à pressão cujos pacientes se curaram pelo uso de duas substâncias combinadas, sendo uma delas, Chelidonium, também presente no caso de Rademacher relatado acima. Aqui entrou Weihe: “...poderia ser a dor à pressão, justamente neste ponto acima do lobo esquerdo do fígado, medicamentosamente específica para Chelidonium? “. 67
67
Seiler (2001).
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5 A HOMEOPATIA EPIDEMIOLÓGICA
5.1 O pensamento de Weihe Antes que a pergunta de Weihe possa ser respondida, faz-se necessária a compreensão do entendimento que Weihe fazia acerca do significado de categorias essenciais do seu pensamento. Dois textos foram selecionados das fontes primárias levantadas, por serem as primeiras publicações, respectivamente do Dr. Leeser e do próprio Dr. Weihe, nas quais se procura elucidar não exatamente o método de cura Epidêmico, hoje conhecido apenas como Pontos de Weihe, mas sua base conceitual. Vale dizer que em Weihe não se encontram conceitos no sentido estrito do termo. O que temos em seus textos são principalmente idéias. Tampouco ele as afirma com veemência e autoridade como, por exemplo o fez Hahnemann. Confiança em seu caminho e humildade ao indicar o grau de confirmação que teve das mesmas, é o que nos transmitem as idéias de Weihe. A forma como aqui serão apresentadas não é a mesma que se encontra nos textos, onde as idéias aparecem entremeadas de longos casos clínicos, nos quais, propositalmente, Weihe só divulgou a medicação, e não seu método de medicar, pois, estava interessado em colocar em julgamento para os leitores as explicações complementares , as teorias 68 . A seguir apresenta-se uma súmula dos pontos principais do pensamento de Weihe, no estilo hahnemanniano, sob a forma de parágrafos, no intuito de expor os núcleos conceituais básicos desse pensamento 69. 1 – Weihe entendia a lei das Similitudes como uma lei natural de cura e, portanto, deveria se achar, sempre, na natureza medicamentos para todas as doenças 70 ( Leeser, 1885).
68
É assim que Weihe chama suas idéias neste artigo (Weihe, 1886).
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Nos parágrafos a seguir, as letras inclinadas estarão indicando termos e/ou expressões tal qual aparecem nas traduções dos textos originais. 70
Em uma passagem de seu artigo de 1892, Weihe advoga o uso do medicamento puro, i. e. , sem misturas :
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2 – Entendia que na base de todo adoecimento estava o Genius Epidemicus, mesmo nas doenças ditas miasmáticas e contagiosas. E que o mesmo podia se modificar sob influências cósmicas e telúricas 71 (Lesser,1885 ; Leeser, 1888). 3 – Reconhece que o melhor caminho para a identificação do Simillimum é o da associação do conhecimento das substâncias homeopáticas, com o método Epidêmico (Leeser, 1885). 4 – O método Epidêmico é capaz de identificar, pelas mudanças dos pontos dolorosos, seja no doente, seja no indivíduo são, a mudança do Genius Epidemicus (Leeser, 1885). 5 – Segundo a escola de Weihe, os pontos de dor, expressão do Genius Epidemicus, corresponderiam aos gânglios isolados dos simpáticos ou a partes dos mesmos, os quais são afetados diretamente pelos genius epidemicus , cuja alteração levaria à sensibilização dos órgãos que são alimentados por esses gânglios com nervos simpáticos respectivamente tróficos (Leeser, 1885). 6 – Weihe chama as substâncias curativas dos genius epidemicus de substâncias do tempo. O reconhecimento dessas substâncias depende da compreensão de que cada genius epidemicus se apresenta de forma peculiar em um determinado tempo e local (Weihe, 1886). 7 – Por que tratar doenças crônicas com substâncias epidêmicas? Para respondê-lo primeiro deve-se ter em mente o que é saúde para Weihe (Weihe, 1886). “Porém, essas experiências nos ensinam também, que nós não precisamos, como alquimistas que procuram desesperadamente o ouro, misturar nossas mais valiosas medicações em composições químicas, mas sim, que sem esforço podemos conseguí-las em infindável quantidade do campo, das florestas, e dos gramados. Deus, diz Jesus Siracb (?), deixa o medicamento crescer da terra e a pessoa inteligente não o desrespeita”. 71
A esse respeito Weihe diz em outro artigo de 1890 : “Se quase todos os acontecimentos no planeta Terra podem, mais ou menos, diretamente, serem relacionados com as influências do planeta Sol, então, a suposição, não está tão distante, de que o caráter das constituições das doenças epidêmicas parecido com o sentido de Rademacher podem ser influenciadas pelos processos no sol, assim como o são as modificações climáticas, isso por enquanto, claro que é uma hipótese que pode, no decorrer do tempo, facilmente ser pesquisada em relação a sua veracidade”.
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8 – Saúde é equivalente à força , mas força no sentido de movimento. Movimento dos processos do organismo, ou seja, atividade do metabolismo 72 . Aquilo que aumenta o metabolismo dentro de determinados limites, aumenta as forças que potencializam a vida e melhoram a saúde. Tudo que toca os sentidos e mente de maneira agradável, também deixa o pulso bater com mais vida e deixa circular o sangue mais rápido. O inverso também é verdadeiro 73 ( Weihe, 1886). 9 – Por que não deveria ser a primeira tarefa de qualquer terapia avivar, incentivar e estimular o metabolismo e os processos vegetativos do organismo? Os hidropatas e naturistas têm esse objetivo (Weihe, 1886). 10 – O tratamento pode ser considerado como um trabalho da natureza que estimula eliminações críticas que ocorrem, a partir, também, do uso das substâncias homeopáticas e são acompanhadas pelo aumento do metabolismo (Weihe, 1886). 11 – A doença crônica se transforma através do tratamento numa febre aguda , pois a natureza é estimulada pelo tratamento e então ela consegue combater a doença e ultrapassa-la 74 (Scheve,1863: 111 apud Weihe, 1886). 72
Nesse trecho do artigo de 1886 Weihe cita o Dr. Jäger : “Vida é movimento e quietude é morte”, porém, não cita a fonte. Dá a entender que se trata de frase constantemente empregada por esse professor, com quem trocava viva correspondência e a quem muito admirava pelo trabalho pioneiro na área da terapêutica e da pesquisa que, entre outras coisas, desenvolveu a chamada prova do vinho, que tinha como objetivo demonstrar a ação dos medicamentos dinamizados. Sem defini-lo muito bem, Weihe enquadra o Prof. Dr. Jäger entre aqueles que aderem aos princípios naturalistas, mas, sem confundi-lo com essa escola. 73
Assim; “Uma notícia agradável e alegre aumenta a sensação de calor, aviva nosso espírito, deixa que nossas bochechas fiquem com uma cor saudável vermelha, aumenta o brilho dos nossos olhos. Por isso também se diz que a alegria nos torna mais bonitos e , tudo que se faz com vontade e amor nos é muito mais fácil do que coisas que a gente faz com maior ou menor má vontade. Quando nossas crianças brincam por horas no inverno e no gelo, você não nota nada de cansaço nelas quando voltam para casa. A atividade muscular considerável que elas desenvolveram nesse período é reconhecida facilmente no grande apetite que elas agora apresentam. O que aviva e estimula o metabolismo é ar fresco e limpo, principalmente aquele do mar, das montanhas, das florestas, dos gramados e o aroma das flores e isso quando você se movimenta minimamente. Por isso que os camponeses, os caçadores, os jardineiros e os militares em geral, têm uma saúde melhor e uma aparência mais fresca, mais saudável, têm um corpo mais forte do que a maioria das outras profissões. Por outro lado, também é verdadeiro que exatamente o efeito contrário, ou seja, uma diminuição do metabolismo acontece através de tudo que tem um efeito maléfico aos nossos sentidos e a nossa mente. Aí podemos incluir preocupações, tristezas, melancolia, uma atividade corporal muito limitada em lugares fechados, com cheiros de todo tipo. Compare-se a aparência de um proletário fabril com aquela de uma população abastada (Weihe 1886) ”.
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Weihe faz longa transcrição do livro “Fotos de Viagem Frenológicas ” do Dr. Gustav Scheve de 1863, no qual ele descreve sua experiência pessoal como paciente do método de cura naturalista. A intenção de Weihe era mostrar como os médicos naturalistas também dão grande valor às eliminações críticas e que as mesmas se dão dentro de um metabolismo aumentado. Aproveita também para dizer que a Homeopatia cura as doenças de forma mais agradável e barata do que as curas feitas nos sanatórios e clínicas naturalistas. Também afirma que a Homeopatia, ao menos aquela que se apoderou dos conhecimentos de Rademacher, se baseia em leis naturais determinadas e pode, por isso, intitular-se uma terapia naturalista.
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12 – O medicamento homeopático é por si só prazeroso 75 quando comparado com os alopáticos e mais prazeroso se torna à medida que leva em consideração suas afinidades específicas com o organismo doente. 13 – A primeira ação percebida das substâncias temporais, em um determinado local, em pacientes portadores de doenças crônicas é a melhora da sensação geral do organismo , melhora da disposição, do apetite etc (Weihe, 1886). 14 – Mas o que poderia ter como base dessa melhora, do bem estar geral, do que um aumento do metabolismo? ( Weihe, 1886) 15 – Quando a medicação é adequada há diminuição dos depósitos de gordura, o que é reflexo de um metabolismo aumentado ( Weihe, 1886). 16 – O aumento do metabolismo na função cardíaca torna o pulso mais rápido, mais cheio e mais forte (Weihe, 1886). 17 – Weihe se mostra a favor de tratar profilaticamente os saudáveis , ou melhor, aqueles que não são nominalmente doentes , mas carregam suas doenças latentes. Disse que o fazia anualmente e acompanhava os pacientes medindo-lhes a pulsação. Este tratamento, segundo o método epidêmico de medicar, levava a uma melhora lenta e constante ( Weihe, 1886). 18 – Naqueles nominalmente doentes ou não, a medição da pulsação servia de parâmetro para troca da medicação. Quando esta caía aquele medicamento não mais estava agindo (Weihe, 1886). 19 – Weihe reconhece que apesar da ação da substância medicamentosa na aceleração da circulação tenha sido por ele claramente observada, suas pesquisas não foram efetuadas com o grau de exatidão necessário (Weihe, 1886).
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N.T. O adjetivo usado em alemão é luststoffe. O sentido aqui parece ser medicamento de natureza agradável.
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20 – Weihe afirma que, por suas observações, estava estritamente relacionada à aceleração da circulação sangüínea, após a tomada do medicamento específico, com as eliminações críticas, mesmo que não estejam totalmente claros os detalhes do processo (Weihe, 1886). 21 – Pareceu-lhe claro que, nos estados de excitação patológicos, cujas manifestações fossem dor ou distúrbio funcional de um ou mais órgãos, como tal, não poderiam ser tiradas do organismo, mas sim, necessitariam de um tipo de modificação, nomeada de materialização pelos espíritas (Weihe, 1886). 22 – Na forma material uma dor existente pode ser eliminada diretamente do organismo. Essa formação de matéria se dá mais facilmente através daqueles órgãos que estão em estreito relacionamento com o mundo exterior e cujas funções fisiológicas, também em condições normais, são direcionadas para a formação de matéria e eliminação do produto para o meio externo. Esses órgãos são a pele, as mucosas e os rins, cabendo também aos nervos, os quais direcionam e ordenam essa atividade de eliminação dos órgãos, uma energia específica (Weihe, 1886). 23 – O processo de cura poderia ser procurado em um desvio do estado patológico cujo estímulo – deste desvio – seria da responsabilidade dos nervos que comandam o processo de produção de matéria – muco, transpiração, catarros, etc – de um determinado órgão de eliminação (Weihe,1886). 24 – É provável que esse desvio do estímulo patológico para os nervos que comandam as eliminações seja uma tendência e uma capacidade que todo organismo possui naturalmente, em indivíduos fortes ou com doenças brandas (Weihe, 1886). 25 – É provável também que uma tal tendência natural para tais movimentos reflexivos seja favorecida por um aumento generalizado e potencializado da energia de vida , aquele processo vegetativo que está em contato com o metabolismo (Weihe, 1886).
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26 - É possível que da mesma maneira que a febre das doenças agudas é vista como uma manifestação da cura natural, seja necessária a estimulação artificial de uma febre mediana para promover um desvio natural dos estímulos patológicos, também em doenças crônicas e em doenças sem febre (Weihe, 1886). 27 – Weihe estava convencido de que o poder de estimular tal febre fisiológica, as medicações homeopáticas altamente diluídas, usadas levando-se em consideração as relações temporais, locais e específicas, têm. (Weihe, 1886). 28 – Weihe chama de febre fisiológica aquela provocada pelos medicamentos homeopáticos, pois é igualável com a assim chamada febre digestiva, e à atividade corporal que promove um batimento cardíaco aumentado (Weihe, 1886). 29 – Uma febre fisiológica pode ser entendida como expressão de um trabalho orgânico maior, necessário à eliminação de uma doença que tenha sido herdada por uma série de gerações, e, portanto, necessita de atividade orgânica enérgica e constante(Weihe,1886). 30 – As crises durante o processo de cura podem aparecer muito agudamente, com energia e veemência, e ultrapassar as barreiras do fisiológico, tomando por si um caráter de patologia mais ou menos aguda (Weihe, 1886). 31 – É provável que o estímulo que serve de base para o desvio do estado patológico crônico, suprimido com intensidade do órgão doente, não possa ser assimilado fisiologicamente e imediatamente pelos órgãos de eliminação; então, se apoiaria em outros órgãos saudáveis e os acertaria com a força de um veneno, e os colocaria em um estado agudo de inflamação, acompanhado de febre mais ou menos intensa, passando por seus estágios naturais, junto com o trabalho de eliminação da pele, das mucosas e rins, e assim, aos poucos, esse estímulo patológico crônico seria dominado ( Weihe, 1886). 32 – Weihe concorda, com a escola de tendência naturalista do Dr. Jäger, que a cura das doenças crônicas depende da retomada do caminho inverso das doenças agudas que a sucederam. Mesmo que estas nunca tenham sido apresentadas pelo
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paciente em questão, e sim, por seus antecedentes familiares. Assim as doenças crônicas seriam formadas por resíduos de sucessões de doenças agudas mal curadas (Weihe, 1886). 33 – Conclui que a verdadeira arte de curar está de acordo, em seu jeito e seu caráter, com a cura naturalista. Apoiar o sistema de cura natural do organismo talvez seja a única coisa que se poderia fazer. Esse objetivo era, segundo Weihe, compartilhado por hidropatas, médicos naturalistas, vegetarianos e os seguidores de Mesmer e Jäger. Dizia : “Felizmente não estamos sozinhos” (Weihe, 1886). 34 – Para Weihe se conseguissem unificar estas diversas direções terapêuticas naturalistas, se conseguissem criar um órgão literário conjunto, acreditava que logo poderiam, pela união, apresentar um poder com o qual adversários e governantes teriam que se deparar. Pode-se tomar essas idéias como a base do pensamento de Weihe e que o conduziram para a pesquisa dos pontos dolorosos.
5.2 O Caminho da Homeopatia Epidêmica
Depois de ter se familiarizado com os conhecimentos de Hahnemann, por volta de 1860, Weihe começou, ainda durante o seu tempo de estudos, a ler as exposições no Jornal Geral Homeopático de médicos homeopatas como o Dr. E. Fischer de Weingarten e Bruckner, os quais chamaram, primeiramente, sua atenção para Rademacher. O contato com o Professor de Stuttgart e médico da corte Dr. G. V. Rapp deu-lhe o conhecimento das estranhas e peculiares visões do Dr. Latz 76 , 76
A respeito das idéias do Dr. Latz, Leeser (1888a) escreve : “O Dr. Grauvogl s conta em seu livro sobre homeopatia, no parágrafo 193 e seguintes, uma história muito instrutiva sobre o efeito do Aconitum numa epidemia de sarampo. Após ele ter visto durante a epidemia efeitos excepcionais desta substância ele ficou sem saber o que fazer nas pós-doenças, ou seja, em doenças que seguem essa doença principal e que, em casos mal cuidados ou descuidados, apareceram de forma grave em muitos pacientes e foi somente com a descoberta do Dr. Latz, de que ‘em épocas diversas, diversas formas de adoecimento não são curadas somente através de Cobre, Ferro e Salitre e também não somente através de substâncias orgânicas, mas sim, freqüentemente, somente por substâncias curativas que corresponderam no geral a uma forma de doença que apareceu epidemicamente ‘, que ele saiu deste apuro “.
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assim como, através de uma viva troca de correspondência, com o primeiro – a respeito das substâncias epidêmicas que um e outro estavam usando – ampliou, juntamente com suas próprias observações, de forma significativa, seus conhecimentos, levando-o à trilhar seu próprio caminho77. Os homeopatas acima citados buscavam meios de harmonizar os conhecimentos de Hahnemann e Rademacher. O caminho possível era tentar equiparar a combinação terapêutica empírica de uma substância orgânica e uma universal, da escola de Rademacher, pois isto não se combinava com a Homeopatia clássica, com o efeito de uma substância homeopática única. Os primeiros passos na direção de tornar o método de Rademacher complementar ao de Hahnemann, como visto, aconteceram antes mesmo de estar desperto em Weihe esse interesse. Esses homeopatas percebiam em Rademacher a capacidade de desenvolver curas artísticas, as quais só aconteceriam, segundo entendiam, de acordo com a lei similia similibus curantur. Para eles o ensinamento incompleto de Rademacher mostrava numa pequena medida um relacionamento com a Homeopatia de Hahnemann, pois acentuava o momento etiológico , ou seja, enfatizava somente o que todos os casos que apareciam ao mesmo tempo tinham em comum. Entendiam que o homeopata reconhecia, imediatamente, pelo complexo de sintomas a substância curativa correspondente, enquanto o rademacheriano achava substância curativa parecida – pois para ser curativa tinha que ser ao mesmo tempo simile – de forma indireta e somente empiricamente. Portanto ambos tinham em mente o mesmo objetivo 78. Em 1868, já em seu próprio consultório, Weihe dá início a suas primeiras experimentações no sentido de integrar os ensinamentos de Rademacher e Hahnemann. Com a sorte de iniciante, ele teve, então, já no mesmo ano, uma experiência muito bem sucedida, que lhe mostrou o caminho através do uso da Ou seja, o Dr. Grauvogls deu para estes casos também o Aconitum com uma recuperação total dos quadros das diferentes pós-doenças em poucos dias. Portanto Aconitum se comportou aqui não somente como uma substância curativa no sentido de Rademacher, mas também como um Simillimum no sentido hahnemanniano, pois, de acordo com a lei das Similitudes, de todas as substâncias levadas em consideração, foi a que melhor serviu. 77
Sobre essas correspondências Weihe (1890) conta :
“Durante a minha correspondência que durou vários anos com o falecido Prof. Rapp aconteceu 6 vezes de nós ao mesmo tempo, durante um período de 4 a 6 meses, podermos aproveitar as mesmas substâncias como epidêmicas... Destas substâncias o Prof. Rapp achou 3 delas ... totalmente por si só... ele chegou à essas substâncias à maneira dele e eu à minha maneira. As outras três eu as achei primeiro e depois comuniquei ao Rapp e este pôde confirmar que estas substâncias também na sua área – Rottweil – foram aproveitadas como realmente epidêmicas “. 78 Leeser (1888b).
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teoria do Genius Epidemicus. O próprio Weihe conta com entusiasmo essa experiência: “O Chelidonium também foi a melhor substância a qual eu conscientemente usei como uma substância epidêmica e isto no ano de 1868. Que bonitos e satisfatórios, foram naquela época, os resultados conseguidos em comparação àqueles que alcancei antes com o uso de Aconitum, Bryonia e Antimonium tartaricum. Ainda muito tempo depois, eu não podia passar em nenhum arbusto de Chelidonium sem que eu lhe dedicasse um olhar gentil e agradecido. Eu era naquela época ainda jovem e extremamente suscetível para todas as coisas boas e bonitas. Na juventude a gente se chateia muito mais intensamente sobre qualquer insucesso do que em anos posteriores, mas por outro lado, também, nos alegramos muito mais por qualquer sucesso por menor que seja ( Weihe, 1892)“. Em 1869 foram duas epidemias79, uma de Apis e outra de Kali carbonicum e em 1870 usou-se como substância curativa Ferrum com Quassia e mais tarde Belladonna. Nessas epidemias ele achou as substâncias epidêmicas, em parte de acordo com o método empírico de Rademacher e em parte através de seus conhecimentos de substâncias homeopáticas. O Chelidonium, por exemplo, gozava de prestígio maior na escola rademacheriana – na verdade, desde Paracelsus – do que na Homeopatia, onde apesar de conhecida era pouco usada se comparada ao medicamento Nux vomica, este muito indicado em muitos males, inclusive, os hepáticos. Foi, portanto, diante deste primeiro caso Chelidonium que Weihe pode refletir sobre os pontos dolorosos à pressão, inicialmente achados em Rademacher e em Kissel. Segundo Seiler (2001) Weihe se colocou algumas questões, tais como: se a dor naquela região topográfica determinada poderia ser medicamentosamente específica para Chelidonium? Se poderia comprovar esse ponto de pressão, independente da situação epidêmica em todas as enfermidades Chellidonium, fossem estas diagnosticadas pelo método empírico de Rademacher ou pelo
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Nas fontes primárias levantadas, as epidemias citadas não foram identificadas nominalmente, mas apenas pelos medicamentos com os quais foram tratadas.
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homeopático de Hahnemann? E se seria possível, também para outras substâncias orgânicas, determinar tais pontos? Os exames posteriores comprovaram o pensamento de Weihe. De fato, uma pequena zona em forma de pontos na borda inferior da cartilagem costelar direita, na altura do epigástrio, estava regularmente dolorida à pressão em seus pacientes Chellidonium. Porém, ainda se tratava de uma idéia em construção. Por influência de Kissel, discípulo de Rademacher, Weihe relacionava os pontos dolorosos exclusivamente às substâncias orgânicas, assim como os sintomas subjetivos. Às substâncias universais relacionava sintomas objetivos. No início do ano de 1872 houve uma epidemia, na qual lhe foi muito útil Natrum nitricum com Nicotiana. Ao mesmo tempo ele próprio adoeceu e teve sintomas que lhe pareceram, sob o ponto de vista homeopático, uma indicação para Sepia e que realmente lhe serviu de maneira exemplar. Mais tarde, durante a mesma epidemia, ajudou-o rapidamente e muito bem contra uma tosse seca, que piorava após ele se deitar, uma dose de Natrum nitricum com Nicotiana. Partindo da idéia de que essas duas potências curativas diversas – Sepia e Natrum nitricum com Nicotiana – no seu efeito terapêutico eram de igual valor no decorrer da mencionada epidemia, as usou alternadamente e sempre com o mesmo bom efeito. Com essa experiência, Weihe comprovou empiricamente, pela primeira vez, uma assim chamada igualdade terapêutica. O Dr. Leeser (1891), considerava, por esse motivo, o ano de 1872, como o ano de fundação do método de Weihe, apesar de que naquela época ele não tinha ainda dado aos pontos dolorosos o valor significativo que mais tarde teriam em seu sistema. Admitia Leeser, que acontecera a Weihe, o mesmo que acontecia com muitos pesquisadores, de achar algo totalmente diferente e mais importante do que procuravam inicialmente. Weihe se dedicou, após essa data, à ampliação dessas assim chamadas equivalências medicamentosas chegando a seguinte relação: a uma substância orgânica equivaleria a combinação de uma substância orgânica com uma inorgânica
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. O processo bastante trabalhoso de descobrir as ditas equivalências levou alguns anos e envolveu várias experiências clínicas e epidêmicas, antes mesmo de chegar a considerar os pontos dolorosos como centrais e de grande relevância em seu método. Foi só no verão de 1875 que Weihe descobriu, durante exame em um paciente no qual buscava quaisquer pontos de apoio apalpando sua barriga, dois pontos de dor de igual intensidade, na região do estômago e acima do umbigo, o que nunca, até aquela data, havia acontecido 81. Naquela ocasião lhe ocorreu se não haveria um ponto para uma substância orgânica e outro para uma substância universal – inorgânica. Foi, então, a partir dessa data que Weihe começou a examinar rotineiramente qualquer paciente em relação a pontos de dor. Weihe conseguiu achar, tanto em doentes como nos não nominalmente doentes , pontos de dor principais, os quais em quase todas as pessoas, apareciam, numa determinada época, na mesma região topográfica e também desapareciam da mesma forma. Descobriu também que a mudança dos dois pontos de dor coincidia com a mudança do Genius Epidemicus, o que o autorizou a concluir que a mudança desses dois pontos principais de dor, em quase todas as pessoas, era uma manifestação do mesmo Genius Epidemicus no organismo humano. Leeser (1888g) conta a construção destas relações : “Weihe foi capaz de perceber a qualidade do Genius Epidemicus somente pelos pontos de dor, ele foi capaz de reconhecê-los, ou seja, de construí-los. Esta relação constante de cada um dos pontos de dor para determinadas substâncias curativas, ele só pôde achar em um caminho totalmente empírico. Se ele tivesse achado em uma determinada época, em todos pacientes, dois pontos de dor que estavam em harmonia e cuja relação com a substância única ainda não lhe era conhecida, ele procurava, primeiramente, no caminho empírico a substância epidêmica. Quando ele a tinha achado, ele a dava a diversos pacientes nos quais ele havia descoberto esses dois pontos de dor 80
Para ampliá-las o caminho adotado foi, inicialmente, ampliar o número de substâncias consideradas universais. Weihe adotou temporariamente os sete arcanos do Dr. Latz por indicação de Rapp. Não satisfeito, evoluiu para o uso da seguinte equivalência: uma substância orgânica equivaleria a uma outra substância orgânica com uma inorgânica. 81
Até aquele momento os pontos eram classificados quanto a sua intensidade em principais e secundários .
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harmoniosos. Se ele visse, então, que em todos os pacientes com os mesmos pontos de dor a substância epidêmica tinha alcançado o mesmo bom efeito, sendo que não havia mais efeito nenhum quando esses pontos de dor se modificavam, isto era para ele, então, a comprovação de que a substância epidêmica tinha relações constantes com aqueles dois pontos. Se esta constelação de pontos de dor voltava, ele procurava descobrir através de quais combinações de um universal com uma substância orgânica, a substância epidêmica poderia ser substituída; Ele tentava em parte novamente , só empiricamente, em parte com a ajuda dos ensinamentos medicamentosos, ou seja, dos sintomas – por tanto tempo – até que ele tivesse percebido, através da combinação de duas substâncias o mesmo sucesso terapêutico que lhe era conhecido pelas substâncias epidêmicas... Quando, então, a epidemia findava e aparecia uma modificação relacionada somente a um dos pontos de dor enquanto o outro permanecia constante, era, no caminho da experimentação, muito fácil constatar se havia se modificado o universal ou a substância orgânica “. Por exemplo, quando numa epidemia de Bryonia, que correspondia também a Acidum phosphoricum com Ranunculus, o genius epidemicus se modificava, modificando um dos dois pontos de dor principais, de maneira que, o novo genius epidemicus, com a nova constelação de pontos de dor, necessitava de Veratrum ou da combinação de Acidum phosphoricum com Ignatia, Weihe podia deduzir o ponto de dor de Acidum phosphoricum, enquanto que o ponto de dor desaparecido, igualmente por dedução, tinha uma relação constante com Ranunculus. Ao mesmo tempo era observável o novo ponto relacionado, então, a Ignatia. Assim, ele pôde, passo a passo, substituir um número cada vez maior de pontos desconhecidos por conhecidos e também descobrir cada vez mais, novas combinações. Leeser, na qualidade de aluno direto e de quem teve participação ativa na divulgação do método, não se cansava de ressaltar o talento e genialidade de seu mestre como demonstra esses dois trechos de seus artigos de 1888 82 e 1892 respectivamente :
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Leeser (1888g).
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“... pode se ter aproximadamente uma idéia do esforço, da perspicácia, do talento de observação e de combinação que foram necessários por parte do descobridor para construir , com pedras soltas , um sistema tão harmonioso, sem se falar do s grandes esforços e das grandes dificuldades dos inúmeros experimentos terapêuticos. Weihe realizou aqui um trabalho pioneiro no sentido mais verdadeiro da palavra, pelo qual , a Homeopatia lhe deverá ser eternamente grata“. “Agora então os senhores podem pensar por si sós como, passo a passo, o sistema de Weihe foi criado. Mesmo que o próprio Weihe tenha insistido em dizer que um trabalho de raciocínio propriamente dito foi feito muito pouco, eu penso que os senhores podem, tendo em mãos tudo isso que foi dito, estarem convencidos do contrário. Ou esta afirmação corresponde totalmente ao seu jeito de ser extremamente humilde ou então ele, como os gênios, e isso me faz lembrar um dizer de Helmholtz – ‘ Não teve nem consciência do colossal trabalho mental que ele desprendeu ‘ considerando as sagazes combinações como algo totalmente normal e achava que qualquer outra pessoa poderia achar tudo isto tão bem quanto ele“. Para que se possa completar a visão geral do legado do Dr. Weihe deve-se dizer que no que se refere às substâncias, ele procurou limitá-las a um número supervisionável 83. Assim as substâncias chamadas universais, todas inorgânicas, eram em número de 24 e as orgânicas em número de 120 84. A cada universal ele relacionou teoricamente quatro substâncias orgânicas, de acordo com o procedimento de Rademacher. Weihe tinha, então, à sua disposição – através das 24 universais e, pressupondo que as 120 substâncias orgânicas seriam totalmente
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Durante suas correspondências com Rapp, este, em resposta a Weihe que reclamara da dificuldade de se conhecer a substância epidêmica, motivou, primeiramente nele, a necessidade de se diminuir o tesouro terapêutico homeopático , que estava crescendo sobremaneira. 84
O conceito antigo de Rademacher de universale e de substância orgânica lentamente foi perdido, e por outro lado ampliado, assim como a relação e o agrupamento original e muito apreciado de Weihe dos medicamentos, no sentido de Rademacher como substâncias do cérebro, da medula, do coração, dos rins, do fígado e do baço, etc, perderam mais e mais o seu significado e a sua autorização (Lesser,1892).
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descobertas e relacionadas aos pontos de dor 85 – 2880 combinações medicamentosas que se poderiam alcançar através de um tesouro medicamentoso de 144 substâncias. Concluindo, resta apenas mencionar que, pelos pontos de dor não se achava nunca diretamente a substância epidêmica – substância única – mas somente, indiretamente, através das similaridades terapêuticas . Destas igualdades existiam até 1888 aproximadamente 60, e em 1892 elas alcançavam a casa das 90 combinações, na sua maioria descobertas por Weihe 86. Embora o sistema de cura do Dr. Weihe não estivesse totalmente acabado, os resultados positivos que o fundamentavam, o descobrimento dos pontos de dor e as combinações de substâncias eram quase que exclusivamente uma propriedade mental de Weihe. Segundo Leeser (1892), seus alunos só se propuseram a examinar suas experiências e comprová-las e, em alguns casos, ampliá-las e complementá-las. No início, foi muito difícil para Weihe ganhar seguidores para o seu método. Faltava um elo de ligação com a Homeopatia de Hahnemann. Em 1880 dirigiu a diversos colegas extensas correspondência a esse respeito, recebendo de uma parte uma recusa mais ou menos clara e de alguns ele não recebeu resposta nenhuma.
5.3 Os alunos de Weihe
Foi justamente o pai do Dr. Leeser, o primeiro pessoalmente interessado por seu método, como um velho rademacheriano e homeopata, que reconhecera “a extensão daquelas idéias reformadoras e o grande significado prático de seu método e que até o ano de sua morte em 1885, usou com grande sucesso, quase que exclusivamente, em sua prática “. Leeser, então, tomou conhecimento do método inicialmente por seu pai e depois por correspondência com o próprio Weihe e procurava usá-lo quando encontrava-se em Leipzig. Mas, somente quando praticava perto de Herford, em Lübecke, em 1882, teve a possibilidade de ter diversos encontros com Weihe e ser introduzido por ele pessoalmente no método e nominalmente no descobrimento 85
A explicação, dada por Leeser para o estado ainda em construção do sistema baseava-se no fato de que as epidemias em que aquelas substâncias se mostraram com efeito, não haviam ainda em 1892 reaparecido, condição esta necessária para a correta identificação das substâncias em relação aos pontos dolorosos.
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prático dos pontos de dor. Ao mesmo tempo, Weihe entrou em contato com o Dr. Roerig em Paderbom, que, conseqüentemente, também tomou para si seu método de tratamento, fundamentando sua prática nele. Leeser proferiu algumas conferências divulgando o método de cura de Weihe, assim chamado Epidêmico ou de Cura Específica Indireta, como o próprio Weihe o nomeava. Em 1883, ele esteve na reunião da Associação Central em Leipzig apresentando um caso de carcinoma epitelial no olho curado de acordo com o método e também em 1885 na reunião de Hamburgo. Weihe também fez algumas comunicações eventuais, de forma que crescia lentamente o interesse em círculos cada vez maiores. Porém não houve mais ninguém que se ocupasse com persistência e de forma conseqüente do método. Mesmo que tantos fizessem uma tentativa inicial, nas primeiras dificuldades que tinham para descobrirem os pontos de dor, eles desistiam de se ocupar mais tempo. Como o método de Weihe foi visto pela maioria dos homeopatas como um tratamento de cura especial e que não tivesse nenhum tocante à Homeopatia de Hahnemann ou, no máximo uma leve relação com a mesma, pareceu a Leeser necessário comprovar que a mesma relação era estreita. Tomou, então, para si a tarefa e publicou em 1888, na edição 116 do Jornal Geral Homeopático, um relatório intitulado ‘O Método de Cura Epidêmico em sua Relação com a Homeopatia ‘ – apresentado ao longo de nove semanas consecutivas, ou seja, de 1 º de março a 3 de maio – no qual tentou comprovar que as substâncias de cura epidêmicas achadas através dos pontos de dor, de fato, não são nada mais do que o Similimum escolhido de acordo com a lei dos Semelhantes. O trecho a seguir é algo longo, mas se refere de forma bastante pertinente ao objetivo central do dito relatório: “... o método Epidêmico de Weihe não é de jeito nenhum como o de Rademacher, um método generalizador, como possa parecer de acordo com o nome, mas, ele também individualiza muito , como o método de Hahnemann. Enquanto a Escola de Rademacher trata com uma substância curativa que se mostrou , com efeito, um ou vários doentes ao mesmo tempo e os procura curar, ou seja, é um método puramente generalizador, o método de Weihe só dá a mesma substância àqueles doentes os quais apresentam os mesmos pontos de dor, assim, como de acordo com a lei dos Semelhantes, iriam 86
Duas delas provinham de Rapp.
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receber a mesma substância como Similimum, porque eles apresentam os mesmos sintomas em comum, ou seja, porque todos os seus sintomas, mesmo sendo divergentes entre si, iriam corresponder a uma única substância homeopática. Se na mesma época, em diversos doentes, aparecem inflamações da garganta, reumatismo das articulações, dores de cabeça, diarréia com vômito, pneumonia, ciática, etc, e nós achamos nestes doentes os pontos de dor que indicam Veratrum, assim nós também iremos reconhecer que em todos estes casos a indicação exata homeopática também é o Veratrum, já que eles apresentam, em maior ou menor grau, as particularidades características para Veratrum – como: frio nas extremidades, grande fraqueza, queda repentina de energia, desmaios quando do menor movimento, aparecimento ou mesmo, uma piora das queixas por volta das 4 ou 5 horas da manhã, uma sede muito grande por bebidas frias, talvez também transpiração fria, suadouro frio, principalmente na testa, etc – mas enquanto um doente tem os sintomas da garganta, o segundo tem nas extremidades e no tórax, o terceiro tem os sintomas na cabeça, o quarto os sintomas gástricos, o quinto os sintomas do peito, estão todos relacionados à dita substância num grau bastante considerável. Porém, quem apresenta outros pontos de dor diferente s da maioria dos doentes – o que acontece, não raramente, em doentes crônicos– recebe uma outra substância parecida que corresponda a esses seus pontos de dor e desta forma, também, aos seus sintomas. A expressão substância epidêmica só é para ser compreendida como um conceito majoritário, quando se denomina como epidêmica aquela substância que corresponde aos casos de doenças mais freqüentes em uma determinada época. São justamente os pontos de dor que decidem se um paciente está sob a influência de um Genius Epidemicus que predomina temporariamente – ‘predominar’ é também um conceito majoritário – ou se ele está fora da mesma, se ele talvez ainda esteja sob influência de um Genius Epidemicus existente anteriormente (Leeser, 1888h)”. Outro ponto importante para a aceitação dos homeopatas do método de Weihe dizia respeito às mudanças freqüentes das medicações no método epidêmico. Leeser considerou-a uma questão muito mais ligada à prática do que à teoria. Em alguns casos, também no método epidêmico, não acontecia mudança de
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medicação, o que valia muito mais para as doenças crônicas do que para as agudas. Era aconselhável em cada caso dar a medicação durante tanto tempo quanto o seu efeito fosse visível, independente do Genius Epidemicus estar ou não ainda predominando. Se em um determinado doente os pontos de dor anteriores continuavam apesar do Genius Epidemicus mutante, isto era então um sinal de que o novo Genius Epidemicus não teve influência sobre o seu estado, e, portanto, não havia motivo para se abrir mão da substância que até aquele momento fazia um bom efeito. Ao concluir seu relatório, na sua última semana de publicação, Leeser discorre quanto à natureza ao mesmo tempo individualizadora e generalizadora do método de Weihe e usa como metáfora uma citação – possivelmente de conhecimento popular, pois não refere sua origem – que surpreendentemente, remete a uma máxima do taoísmo : “A objeção de que o método Epidêmico de Weihe não preste contas à individualização exigida por Hahnemann pode, portanto, ser considerada totalmente nula. Na realidade ele é um método tanto individualizador quanto homeopático específico, sem , porém, se perder totalmente na individualização como este e sem esquecer também o que é tão importante que é a generalização, a compreensão do ponto de vista do conjunto com as circunstâncias acompanhantes. Ele caminha também aqui na ‘dourada rua do meio‘ (Leeser, 1888 j)”. A nota da redação publicada após o relatório de Leeser dá a dimensão das dificuldades ainda encontradas e as possivelmente esclarecidas pelo relatório de Leeser : “ Os leitores, assim como nós, certamente seguiram com interesse as considerações do colega Leeser e lhe são por isso muito gratos. Pois, dessa forma, certamente se jogou mais luz em cima da questão e se facilitou a compreensão da mesma. Porém, através da comprovação da relação do método Epidêmico com os ensinamentos de Hahnemann e pelas vantagens que se apresentam em relação ao descobrimento do Simillimum, se facilitou a qualquer seguidor deste método de Hahnemann usar estas valiosas
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ferramentas de ajuda quando do diagnóstico de substâncias, sem, porém, ser infiel aos fundamentos da teoria de Hahnemann. Porém, não podemos esconder que ainda existem diversos pontos que não estão ainda de acordo com a mesma, podemos então dizer: 1 – O uso de substâncias duplas e a mistura de duas substâncias. Tomara que seja possível aos poucos achar os efeitos de duas substâncias que se unem e, através disso, então, abrir mão deste inconveniente. 2 – A mudança das substâncias, em casos crônicos, com a mudança da constituição epidêmica. Isso se contrapõe por demais a todas as regras vigentes em relação a isto, assim como as experiências feitas e assim como as leis da Biologia. Mesmo que se valorize muito alto a influência da constituição epidêmica já que ela possa ter o poder de , em doenças muito longas e que estão relacionadas freqüentemente com modificações orgânicas, em cada mudança promover uma tal modificação, de forma que também seja necessária uma mudança da substância, para isto, até agora, não se tem nenhuma comprovação. O colega Leeser também reconhece isso e procura se conformar com o fato de que doenças crônicas sejam curadas pelo uso continuado de uma única substância, e então resguarda, com isso, o ponto de vista homeopático. Nós aceitamos isso muito bem. Com isso pelo menos é criado um terreno no qual se pode continuar discutindo sobre esta matéria. Também em relação aos pontos de pressão, as substâncias a eles correspondentes precisam ainda de muito esclarecimento. Até agora pelo menos, ainda não foi descoberto por qual caminho Weihe os achou, se isto foi simplesmente o acaso ou se tem uma lei que o fundamenta. Também seria necessário, através de mais exames, reconhecer as linhas a fim de se achar os pontos de pressão com certeza. Porém, para realizar esses trabalhos, teria que se juntar um número de médicos em diversas áreas para atuar de acordo com determinadas regras. Só então seria possível de se solucionar a mui importante questão das substâncias epidêmicas e de tornar as vantagens de seu uso um bem comum de todos os médicos homeopatas. Nós consideramos uma valiosa contribuição para isso o trabalho realizado pelo nosso colega Leeser ( Leeser, 1888).”
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Avaliando o efeito de seu relatório na compreensão por parte dos homeopatas do método de Weihe na sua relação com a Homeopatia de Hahnemann, Leeser faz em 1892 a seguinte colocação : “... eu acredito ter construído a ponte entre o método de Weihe e a Homeopatia de Hahnemann, enquanto eu mostrava aos médicos homeopatas que Weihe conseguiu, de maneira brilhante e genial, trazer a, há muito tempo procurada e a, há muito tempo faltante , união dos ensinamentos de Hahnemann e de Rademacher (Lesser,1892) “.
No outono de 1888, Weihe achou uma força exemplar para sua causa no Dr. Hermann Göhrum de Stuttgart (1861 – 1945) o qual, com persistência, acolheu o método e em pouco tempo tornou-se um ativo colaborador. Göhrum fora assistente científico do Dr. Jäger e dirigira interessantes experimentos neurofisiológicos do mesmo para comprovar o efeito das potências altas homeopáticas. Deve-se a ele o descobrimento de um grande número de novos pontos de dor e de similitudes terapêuticas além do importante trabalho de descrição e apontamento exato e extenso sobre os pontos de dor conhecidos até aquele momento . Esses assim chamados índices de pontos, por ele detalhados e sistematizados, permitem a prática atual por Seiler e seus colegas do diagnóstico de pontos de pressão ligandoa diretamente com a escola de Weihe.
Fig. 8 Dr. Hermann Göhrum
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Göhrum, assim como Leeser 87, leva um ano até sua primeira publicação após ser introduzido ao método de Weihe. A primeira edição, do índice de pontos data de 1889, mas, não existe mais. Finalmente, em 1903, Göhrum divulga sua lista de pontos ampliada e corrigida. Em 1891 foi confeccionado um busto de gesso com os indicadores – os pontos de pressão – nele gravados e enumerados. Parece que este busto de gesso está também definitivamente perdido mas o Dr. Seiler obteve 3 fotografias muito boas desse modelo que mostram as linhas auxiliares usadas naquela época. A figura 9 reproduz uma destas fotografias enquanto que a figura 10 reproduz fotografia de um boneco chinês de madeira, usado no século XVII para ensino, no qual encontram-se pintadas linhas representativas dos meridianos chineses.
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A contribuição de Göhrum ao Método de Weihe deveu-se, principalmente, ao seu trabalho experimental, enquanto a de Leeser deveu-se ao desenvolvimento dos aspectos teóricos.
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Fig. 9 Busto de gesso de Göhrum
Fig. 10 Boneco de madeira chinês
O Dr. Göhrum era co-redator do Jornal Geral Homeopático e introduziu neste uma coluna chamada “Esquina Epidêmica” , onde pôde divulgar intensamente o método de Weihe. As publicações engajadas e muito promissoras de Leeser e mais tarde também de Göhrum, logo chamaram a atenção e despertaram um vivo interesse entre os homeopatas alemães com relação ao método de Weihe. Na primeira publicação de Göhrum, em 1889, ele relata suas experiências com o medicamento Ledum palustre, o qual tinha identificado através do ponto de pressão, de acordo
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com a técnica de Weihe, como substância única epidêmica naquela época, em Stuttgart. Ele frisa que durante aquele morbus stationarius dominado por Ledum, especialmente em doenças com duração mais longa, assim como, em distúrbios de saúde mais profundamente enraizados, poderiam ser indicadas também substâncias totalmente diversas, conquanto que o indicador, isto é, o ponto de pressão para tal substância estivesse nitidamente positivo. Esse tipo de prescrição correspondia ao tratamento das doenças ditas crônicas empregado pela Homeopatia clássica, com substâncias únicas. Aqui o doente era visto na sua individualidade e tratado segundo os sintomas e o ponto de pressão principal, que nesses casos não correspondiam ao indicador da substância epidêmica Ledum. Göhrum também descrevia um tipo de situação intermediária possível, na qual, paralelamente, ao lado da substância epidêmica Ledum complementarmente era indicada uma outra substância, esta inorgânica, que com a primeira formaria uma substância dupla. O aumento de casos nos quais se usavam a substância dupla durante uma epidemia indicava a mudança do Genius Epidemicus 88 e a transição para uma outra substância epidêmica. Todo esse conteúdo teórico fora transmitido no bojo de curas surpreendentes como a de um bebê de apenas 4 meses que sofria há um mês de desinteria e vômitos e ao ser examinado encontrava-se “... emagrecido, frio ao toque, com forte estomatite e aftas, lábios bastante avermelhados e secos, com a pele rachada e extremamente ressecada e há 12 horas está incapaz de engolir qualquer coisa. De acordo com os pontos de dor são indicados Natrum muriaticum com Ledum palustre, e eu dou no lugar a unidade Antimonium tartaricum 200C “ 89 90 91. Em suas considerações a respeito do diagnóstico dos pontos de pressão, Göhrum observa que este diagnóstico faz mais sentido em ser feito em seguida à anamnese homeopática e logo após o exame clínico objetivo. Com isso, enfatiza, com um peso um pouco diferente de Leeser, mais uma vez, o caráter confirmatório 88
A substância epidêmica nova seria aquela que corresponderia, segundo o princípio de equivalência terapêutica à substância dupla em questão. 89
Este é o caso de uma situação intermediária em que substância dupla Natrum muriaticum + Ledum palustre equivale à substância Antimonium tartaricum. 90
Göhrum, 1889 apud Seiler (2001).
91
Como o quadro do bebê que foi muito limitadamente descrito por Göhrum, não necessariamente deixa pensar primariamente em Antimonium tartaricum, o diagnóstico homeopático aconteceu provavelmente, em primeiro lugar, baseado na tendência acima descrita e que naquela época no Genius Epidemicus, o qual também depois foi confirmado através do método de pontos de pressão.
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do diagnóstico de Weihe. Quanto ao exame de cada um dos indicadores – os pontos de pressão – de acordo com Göhrum, deve ser feito “uma pressão uniforme e lenta”. A escola de Weihe praticava seus exames de pontos de pressão tanto com o paciente em pé como também deitado. Pressionar um número grande de pontos era, de acordo com Göhrum, via de regra, não necessário, já que baseado no conhecimento do Genius Epidemicus, na maioria das vezes já se soubesse quais pontos naquele momento estariam em conjectura. Esta observação, porém, deve ser assimilada com reserva, já que um exame que se limita somente aos pontos epidêmicos, mesmo que tenha sido tão valioso no caso descrito do bebê de Göhrum, também certamente deva apresentar as suas ciladas. Assim, em 23 de outubro de 1891 foi constituída em Frankfurt a Sociedade Epidemiológica sob a direção de Leeser e Göhrum. Esta, durante o seu curto tempo de glamour, finalmente deveria unir cerca de duas dúzias de médicos da Alemanha e da Suíça.
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6 O SISTEMA DE WEIHE MUDA DE PÁTRIA
6.1 O fim da homeopatia epidemiológica na Alemanha
Um fato que chama a atenção na reunião da fundação e nas reuniões posteriores da Sociedade Epidemiológica foi a ausência de Weihe. Seiler (2001) interpreta esta situação como possivelmente decorrente de uma postura crítica de Weihe em relação à exposição precoce de seu método, devido ao trabalho ativo e público de seus alunos. Se essa situação realmente ocorreu, não causou nenhum prejuízo na reunião da fundação, que transcorreu com discursos entusiasmados com os descobrimentos de Weihe, e planos bastante ambiciosos para diversos projetos de pesquisa. Também nas publicações da Sociedade não se achou nenhum vestígio de tensão no relacionamento de Weihe com a Sociedade Epidemiológica. Um outro motivo possível para sua ausência seria uma condição de saúde que o impedisse de realizar viagens mais longas. Segundo Seiler (2001), mostram as atas das reuniões posteriores da Sociedade Epidemiológica que aconteciam no decorrer dos trabalhos práticos clínico e experimental, confusões e inseguranças em relação a temas delicados como Genius Epidemicus, substâncias duplas e equivalências terapêuticas, “... os quais não tinham nada a ver com o princípio diagnóstico dos pontos de pressão ”. Segundo Seiler (2001), esses desentendimentos levaram alguns associados a criticar duramente o método, e logo aconteceram desligamentos, como o deste colega de Munique, que na carta, a seguir em tom bávaro, comunica sua saída: “O método de Weihe é uma mistura de coisas não claras, inseguranças, sim, até coisas erradas, que só têm como objetivo turvar a terapia de Hahnemann e de jogar entre os seus discípulos a semente da discórdia... Uma fundição da Escola de Rademacher e da Homeopatia é por princípio não possível,...Isto não é Rademacher e também não é Homeopatia, ambos os métodos são ’estropiados’ “ 92 . 92
O termo estropiado encontra-se no texto de Lesser (1894:105) apud Seiler (2001).
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Göhrum, em seu pronunciamento de 27 de Dezembro de 1892 na Sociedade Epidemiológica, comenta que estão novamente diante de discussões infrutíferas, ou seja, uma briga pelo direito científico do método de Weihe e uma briga, mais genérica, pela Epidemiologia. Numa outra passagem desta mesma palestra cita a controvérsia que existia entre ele e seu colega Haedicke com referência à denominação das substâncias predominantemente indicadas, de acordo com o método de Weihe, de ‘substâncias curativas epidêmicas’. Esta situação acabou levando-o a trocar a denominação para substâncias curativas temporariamente predominantes . Göhrum justifica-se dizendo que na área da Epidemiologia existia grande arbitrariedade valendo, então, sem qualquer preconceito e amparando-se em experimentações fisiológicas e observações biológicas, caminhar passo a passo para frente. Continua a defesa do método por ele abraçado: “... como nosso movimento está, cada vez mais, abrangendo um círculo maior (nosso número de sócios subiu para duas dúzias) e como não mais pode ser calado, tenta-se agora nos estigmatizar publicamente como hereges, como comprova a solicitação de Lorbacher do círculo Anhaltini-Saxônico. Isso, porém, nos incomoda pouco; nós só podemos lamentá-lo no interesse da verdade. Pois, diante de fatos objetivamente assegurados as teorias têm que se calar (Görum, 1892)” Göhrum, de um modo geral, responde às críticas sinalizando que o caminho a ser trilhado para se ultrapassar os obstáculos é o da comprovação experimental dos pontos de dor, pois, este sempre que foi tomado, deu frutos abençoados 93 94. O Dr. Lorbacher, de Leipzig, se mantém na crítica ao método, e principalmente à prática epidêmica e ao uso de substâncias duplas. Assim ele escreve em 1893, no Jornal Homeopático Geral: “... eu só fazia questão de promover uma discussão aberta por partes não envolvidas sobre este movimento tão amplo na nossa literatura jornalística dos novos tempos e de descobrir, através de uma discussão, o que a mesma tem a 93
Refere-se aqui as bem sucedidas experimentações homeopáticas, as chamadas Patogenesias.
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ver com a Homeopatia de Hahnemann, e quais utilidades que ela fornece para a mesma e para isso, me pareceu que uma reunião, que uma negociação na Associação Saxônica Anhaltini fosse o caminho mais apropriado e esta é ainda até hoje a minha opinião ... Através da fundação da Sociedade Epidemiológica e da publicação de trabalhos sobre o tema em questão, o movimento entrou num novo estágio. Antigamente, somente algumas esparsas e particulares comunicações sobre o assunto se tornavam públicas. Também só se conseguia ensinamento particular sobre isto. Agora, uma associação de médicos tomou conta da questão e se fez representante deste novo ensinamento e toma posição publicamente. Fez sua tarefa, sua complementação e divulgação e agora, uma outra associação de médicos - os quais também pegaram o Similia Similibus como linha diretriz , cuja utilização os seguidores dos novos epidemiólogos querem facilitar e complementar através de seus trabalhos - se ocupam com esta questão e querem tomar posição em relação a ela, o que é certamente um direito seu e nenhum não partidário, pode nisto, ver um posicionamento inimigo contra este movimento ... eu desde sempre defendi o princípio de que qualquer direcionamento dentro da Homeopatia tem o seu direito de existir e deveria ser respeitado por nós. Somente quando um elemento estranho, não combinante, tenha sido introduzido, o qual não servisse para a fomentação e aperfeiçoamento da mesma, especialmente quando, principalmente a individualização seja ameaçada de ser colocada em segundo plano, e um certo esquematismo parece se iniciar, me levou convictamente a uma posição de afronta contrária e, este perigo, pode se dizer o que quiser, não é impossível na terapia epidêmica. É claro que os médicos treinados corretamente na Homeopatia e no estudo medicamentoso não vão deixar de examinar se a substância achada através dos pontos de acupressão também corresponde ao Similia Similibus, todos aqueles para os quais a escola homeopática ainda é uma relativa terra incógnita ou aqueles que por causa de uma grande clínica tenham falta de tempo de praticar este exame, irão, em seus casos, na maioria das vezes, permanecer com as indicações apuradas através dos pontos de acupressão e, no lugar de uma necessária clareza de um médico formado cientificamente, iria entrar um simples empirismo e um modelo padrão, fazer frente a isso foi o motivo principal da minha solicitação. 94
Göhrum (1892).
90
Eu não estou absolutamente numa posição inimiga em relação à questão e já esclareci anteriormente que considero os pontos de acupressão uma valiosa ajuda para o diagnóstico medicamentoso e acredito que, com isto, todos os médicos homeopatas irão concordar assim , que o caminho tomado e recomendado, o caminho de reconhecimento correto do colega Göhrum, traga uma confirmação, através de exame em pessoas saudáveis, dos achados empíricos. Tomara que depois também seja possível, reduzir a um mínimo, a indicação considerada tão indecente por muitos médicos homeopatas de duas substâncias intercambiáveis“. Parece que o iminente estado de defesa se seguiu à rápida ofensiva dos alunos de Weihe na difusão de seu método. Segundo Seiler (2001), o pior golpe na reputação da Homeopatia Epidemiológica veio de um grupo de médicos colegas que produziram um relatório após uma experiência de dois anos. Segundo Seiler (2001), o balanço relativamente negativo dizia que “o lado técnico do método caracteriza o mesmo como não prático, e o esforço que está relacionado ao mesmo, não compensa em relação àquilo que é achado” 95. Göhrum e Leeser se defenderam bem dessa crítica, mas sua rápida chegada ao público vingava, agora sem escapatória, a rápida ofensiva e eles chegaram, então, repentinamente, a uma posição defensiva que estava difícil de segurar. Assim Leeser e Göhrum parecem ter sido bastante surpreendidos pelo fato, comprovado por qualquer trabalho clínico mais profundo e certamente também através dos experimentos de Göhrum com Pulsatilla, de que determinados pontos individuais de Weihe não raramente também poderiam ser falso negativo 96 . Para Seiler (2001), a resposta a essa crítica foi a introdução de um diagnóstico de mais de um ponto, porém, o uso quase exclusivo dos indicadores duplos, foi uma reação exacerbada que substituíu significativamente o diagnóstico de pontos únicos, e carregou desde o início o selo de uma complicação do método de difícil solução. Quanto a Weihe, mantinha-se fora das discussões e, em suas poucas publicações desta época, tentava em tom de conciliação permanecer naquilo que julgava fundamental. Apesar disso, a luta contra os seus ensinamentos deve ter 95
A citação do relatório feita neste trecho da obra de Seiler remete para um texto de Leeser 1894:105
96
Falso negativo aqui, significa que o ponto doloroso não estaria presente apesar da vigência do quadro sintomatológico.
91
afetado profundamente este homem sensível que morreu prematuramente, do coração, em 1o de outubro de 1896. Apesar do silêncio que se estabeleceu na Alemanha sobre os pontos de pressão, seus alunos continuaram trabalhando na melhoria prática do método. Leeser e Göhrum abrem mão de um contínuo trabalho público até 1903 e se dedicam a pesquisar com mais exatidão o delicado problema do Genius Epidemicus. Porém, o resultado mais importante desse recolhimento de anos foi a complementação e finalização da lista de Göhrum em 1903. Esta nova publicação da Escola de Weihe teve, porém , na Alemanha – ao contrário da aceitação positiva na França – um eco muito pequeno, já que era fornecida restritamente somente a médicos interessados. Leeser e Göhrum ainda trabalharam juntos durante muitos anos sem interrupção. Göhrum, além de co-editor do Jornal Geral Homeopático também, paralelamente a seu trabalho com Leeser, cumpriu importante função no fomento da Homeopatia, sendo o médico de família de Robert Bosch. Mais tarde ele também foi docente e sócio da direção clínica do Hospital Homeopático Robert Bosch em Stuttgart. Sua última publicação data de 1941, uma vez que se manteve ativo até idade avançada, porém na mesma ele não menciona, ao menos explicitamente, o método de Weihe. Ele defende basicamente a opinião tolerante, de que diversas correntes terapêuticas deveriam ter lugar uma ao lado da outra. A arte médica deveria ser diversificada 97. Leeser tornou-se um dos médicos mais procurados da Alemanha, e sua fama ultrapassou essas fronteiras, a ponto de ter sob seus cuidados a rainha da Romênia. Fundou em Bonn, no ano de 1920, o Círculo Homeopático de Médicos de RheinMaingau-Vereins. De grande valor, entretanto, para a sobrevivência do método dos pontos de pressão, foram os inúmeros contatos por ele estabelecidos com médicos de vários pontos da Europa e dentre eles particularmente com o médico suíço Antoine Nebel Senior (1870 –1954). Segundo Seiler (2001), o trabalho em conjunto com o muito talentoso e jovem Dr. Nebel, esperançoso depositário do diagnóstico de pontos de pressão no início do século XX, foi para Leeser um conforto nestes tempos tão propensos à escuridão. Perdera seu filho médico na guerra, em 1918, e adotara seu sobrinho, também 97
Göhrum (1936: 843) apud Seiler (2001).
92
médico, Otto Leeser ( 1888 – 1964), a quem acolhera em sua prática e fornecera criteriosa instrução homeopática. Otto tornou-se mais conhecido que seu próprio tio através de amplos ensinamentos sobre medicamentos que ministrara, e em 1922 separou-se de seu tio, já que não se identificava mais com a prática de substâncias duplas 98. Após este rompimento Otto Leeser se mostra inclinado a seguir a assim chamada Escola Crítica Científica 99 e, aparentemente, abandona o diagnóstico de pontos de pressão de Weihe. Leeser, que já envelhecera nos anos em que a Homeopatia Clássica de Hahnemann lentamente alcançara o seu ponto histórico mundial mais depressivo, permaneceu representante da Homeopatia de potências altas e do diagnóstico dos pontos de pressão. Chama atenção, porém, que em sua última publicação, um discurso de 1925 feito na Associação Central Homeopática intitulado “Sobre a Arte de Curar” , Leeser não mais menciona os princípios básicos de Rademacher como a epidemiologia e as substâncias duplas. Por outro lado, defende fervorosamente a Homeopatia Clássica de potências altas, denominando-a de “um monumento indestrutível, cujo tamanho e poder sobrepuja qualquer coisa tida até hoje na medicina” 100. Leeser considera em seu testamento médico o diagnóstico de pontos de pressão de Weihe, como sendo um importante desdobramento da Homeopatia Clássica. A sensibilidade dos indicadores de Weihe era para ele a expressão mais direta, mais objetiva de uma força vital dinamicamente desequilibrada, seja por uma doença ou por uma potência medicamentosa homeopática no sentido de Hahnemann. E então, também para Leeser, a função mais importante dos pontos de pressão se tornara a confirmação da escolha medicamentosa das substâncias diagnosticadas de acordo com a Homeopatia Clássica como demonstra esse trecho de seu discurso de 1925: “O mais seguro e ideal é, portanto, a possibilidade de se efetuar um controle, através dos pontos de dor, do Simillimum escolhido. É uma importante vantagem para o médico, porque ele pode, em qualquer momento, verificar se 98
Leeser (1893/1: 51) apud Seiler (2001).
99
Esta escola tem como diretriz o uso de potências baixas visando sua adequação aos conceitos da biologia e da fisiopatologia da escola médica tradicional. 100
Lesser (1925:18) apud Seiler (2001).
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o medicamento por ele escolhido continua sendo o Simillimum, ou se um outro Simillimum, quase irreconhecível pelos poucos sintomas modificados e subjetivos, entrou em seu lugar “ 101.
6.2 França, nova pátria do método de Weihe
Com o desaparecimento do diagnóstico dos pontos de pressão da Alemanha, que caminhou junto com a decadência da Sociedade Epidemiológica, a responsabilidade de manter vivo o método de Weihe ficou por conta dos homeopatas de língua francesa. O já citado Dr. Antoine Nebel Sênior, do oeste da Suíça – que mantinha um intercâmbio científico com os homeopatas da Alemanha 102 – teve participação decisiva como intermediador, levando os conhecimentos básicos do método da Alemanha para a França 103. Do seu relacionamento com os Drs. Leeser e Göhrum ficaram a dedicatória que o primeiro fez , em seu “Sobre a Arte de Cura” , em agradecimento ao meu querido amigo Dr. Antoine Nebel e a inclusão na lista de Göhrum de um novo ponto de pressão, o de Sepia, descoberto por Nebel. Nesta lista, além dos pontos originais de Weihe e este de Nebel, encontram-se novos pontos, somente de Leeser e do próprio Göhrum. O Dr. P. Chiron (1932), relata a uma audiência de jovens homeopatas como tomou conhecimento do sistema de pontos de Weihe: “Em 1904 eu era assistente do Dr. Pierre Jousset, cuja idade estava acima dos oitenta anos. ... Ele dirigia como um pesquisador incansável, ainda naquela época, a Clínica Homeopática St. Jacques em Paris, e era considerado, com razão, como a cabeça dirigente da Homeopatia francesa. Muitos médicos franceses e estrangeiros vinham à nossa clínica a fim de aprender com ele. 101
Leeser (1925: 20) apud Seiler (2001).
102
O Dr. Nebel , por exemplo, já havia publicado alguns artigos sobre o tratamento do Câncer na Revista da Associação Berlinense de Médicos Homeopatas . 103
Seiler (2001).
94
Uma manhã, nós tínhamos acabado de iniciar a visita rotineira aos doentes, quando se aproximou um homem de baixa estatura. Ele ainda era jovem, tinha atitudes bastante humildes, porém possuía olhos muito vivazes que observavam atentamente. Com sorriso amigável ele se apresentou: Dr. Nebel de Montreux, na Suíça, médico homeopata. Disse que gostaria muito de participar da visita médica, o que obviamente foi permitido e continuamos juntos nossa ronda. Um de nossos pacientes encontrava-se em um estado bastante preocupante: anúria, anasarca, dificuldade de respirar e estados delirantes, confirmando mais do que visivelmente nosso diagnóstico de insuficiência cardíaca e dos rins progressiva e com crises urêmicas. O Dr. Jousset sintetizou a história de sofrimento do paciente na beira do leito e em seguida se dirigiu ao jovem colega suíço: ‘O que o sr. acha deste caso? Qual a substância o sr. acha indicada? ’ O Dr. Nebel não pediu muito tempo e examinou brevemente o paciente. Para nossa surpresa ele colocou a ponta de seu dedo indicador em um ponto do lado direito do tórax e fez forte pressão. O paciente soltou um grito. ‘Causticum ‘, disse o Dr. Nebel. ‘Como, por favor?’ – ‘ Causticum é a substância’, explicou Nebel e descreveu o seu diagnóstico homeopático do caso. ‘Além disso o ponto de Causticum é visivelmente positivo’. O ponto de Causticum! – Comecei a retrabalhar todos os meus poucos conhecimentos medicamentosos na minha memória mas sem resultado. De um tal ponto, do qual deveria ter uma importância tão central, eu nunca tinha antes lido ou escutado algo... “. O Dr. Nebel explicou aos interessados colegas franceses o método de Weihe com um pouco mais de exatidão e entregou ao Dr. Jousset também alguns exemplares da recém editada lista de pontos de Göhrum. O vivaz interesse do Dr. Chiron virou exaltação quando ele, na próxima visita, ouviu sobre o resultado da prescrição pretendida por Nebel : “ O estado de nosso paciente tinha melhorado de maneira visível – a dificuldade respiratória desaparecera e junto a isso houve uma micção elevada e uma noite de sono tranqüilo. Um efeito de cura bastante convincente!”.
95
Também significativas foram as próprias experiências posteriores do Dr. Chiron (1932) com o método de Weihe. “...Por isso deixei amplamente de lado toda a difícil matéria médica e me dediquei com bastante furor ao estudo dos Pontos de Weihe. Passei, daí por diante, em cada exame de pacientes, a pressionar toda região torácica e abdominal e prescrevia, quando tinha uma mínima desconfiança de uma sensibilidade à pressão, o medicamento do ponto correspondente. – Mas que decepção terrível! Tantos pontos eu pressionava, o resultado correspondia às minhas expectativas somente muito raramente. Por isso a minha inicial exaltação tornou-se logo o contrário: este Weihe, que embusteiro!...” . “Somente anos mais tarde, depois que eu me dediquei exaustivamente à matéria médica e depois de juntar conhecimentos científicos e experiência clínica, eu voltei ao método de Weihe e reconheci novamente seu valor indiscutível. Ao contrário de antigamente, eu agora não tinha expectativas de que ele deveria substituir meu conhecimento homeopático insuficiente, mas sim, que se tratava de uma ajuda complementar quando da escolha da substância... Para esta função o método de Weihe nos é, em muitos casos, uma valiosa ajuda. Ele merece, meus jovens colegas, vossa total atenção! “ Depois de sua primeira experiência positiva com os ensinamentos de Nebel, que não se limitavam ao uso dos Pontos de Weihe, Chiron tornou-se seu aluno. Mais tarde, como oficial sanitário na Primeira Guerra Mundial, Chiron conhece o Dr. Rouy, com quem estudou a matéria médica, e para quem apresentou a lista de pontos de Göhrum. O Dr. Rouy torna-se, então, mais tarde, também aluno do Dr. Nebel 104 e graças a ele, detalhes do diagnóstico de pontos de pressão de Nebel se tornaram conhecidos. Rouy publica um artigo na revista Homéopatie Moderne, em 1932, na mesma edição especial dedicada aos Pontos de Pressão, no qual expõe as peculiaridades da Escola de Nebel :
104
O Dr. Rouy seria considerado, mais tarde, pelo Dr. Nebel seu filho espiritual (Rouy, 1951:10 apud Seiler, 2001).
96
1- Quando, em um paciente, o ponto de pressão esperado para uma determinada substância diagnosticada de acordo com a Homeopatia Clássica, não está positivo, segundo Nebel, deve-se usar, se existente, o nosódio do caso. Após seu uso o ponto de pressão inicialmente esperado torna-se positivo quando, então, a substância escolhida segundo critérios constitucionais fará efeito. 2- A escola de Nebel assumiu de forma limitada a prescrição de substâncias duplas de acordo com Rademacher e, também o Genius Epidemicus. Somente em casos raros os indicadores duplos 105 das substâncias únicas eram empregados. Assim, a escola de Nebel representa o diagnóstico clássico de Weihe de pontos únicos como confirmação da escolha de substâncias homeopáticas. Contudo essa escola admitia a presença dos indicadores duplos, eventualmente, quando mais nitidamente positivos do que o ponto único.
3- A escola de Nebel considerava as similitudes terapêuticas somente como expressão de parentesco de substâncias. Segundo Rouy essas substâncias, equivalentes em Weihe, para Nebel correspondiam às substâncias “exteriorizantes” ou “canalizadoras” da substância única. Estes canalizadores também foram denominados de “satélites” da substância curativa constitucional que combinava naquela época 106 107. 4- Quanto à técnica de pressão dos pontos, Rouy compara com o tocar de um piano. Os indicadores eram inicialmente levemente pressionados com o dedo indicador, como ao tocar piano e, em seguida, se procederia a uma forte e repentina pressão e depois se soltaria novamente. O resultado 105
Entenda-se por indicador duplo os pontos de pressão correspondentes às substâncias duplas equivalentes à substância única – também chamada por Weihe de substância epidêmica. 106
Segundo Seiler (2001) a maestria de Nebel era justamente entre outras coisas, que em curto prazo ou de antemão, ele sabia prescrever, em caso de pacientes muito doentes, a substância correta de alívio ou de incremento da eliminação para vencer as crises de eliminação que apareciam depois da tomada de um bom medicamento homeopático. A justificativa era de que nestes pacientes a espera do efeito último do medicamento, indicada em outras ocasiões, significava risco de vida, prejuízo orgânico ou no mínimo impossível de se agüentar devido aos fortes sintomas de eliminação. 107
Porém nem todos os satélites correspondiam as equivalências terapêuticas de Weihe. Alguns possuíam apenas a função de canalizadores da substância única sem serem indicadores duplos para a mesma.
97
positivo seria a sensação nítida de dor por parte do paciente que persistiria ainda por um tempo maior, às vezes até mesmo por horas. 5- Finalmente, Rouy indica uma lista variante dos pontos de pressão, bastante encurtada. Segundo Seiler (2001) esta é menos exata e em alguns casos diferente quanto à localização da lista de Göhrum, o que lhe deixa a impressão de que Rouy ou ele mesmo não dominava o alemão, ou teve que confiar em uma lista de Göhrum incompleta, inexata, até mesmo já traduzida para o francês. Também era possível que as pequenas correções conscientes da localização dos pontos, que eram somente pequenas, porém, para a prática significavam desvios importantes e consideráveis, correspondessem à Escola de Nebel. No final de seu artigo, Rouy enfatiza que uma Homeopatia moderna e eficiente deveria se limitar de forma igual por um lado, pelo tratamento constitucional de substância única de Kent, que era, segundo ele, por demais teórico e de uma só via e, por outro lado, pela Homeopatia complexa que era por demais superficial 108. Só assim acreditava ser possível fazer reviver novamente a matéria médica de Hahnemann, a base da Homeopatia, e enriquecê-la com coisas novas. Segundo Seiler (2001), Rouy se identificava com relativa nitidez com a Homeopatia clássica de Kent, levada dos Estados Unidos para a Europa pelo homeopata de Genebra, Dr. P. Schmidt (1896 – 1987), aproximadamente no início dos anos 20. Porém Rouy não conseguiu solidificar a escola de Homeopatia de substância única de orientação de Nebel, como desejava na época de sua publicação, em 1932. Um dos principais obstáculos foi exatamente a prática estabelecida pelo próprio Dr. Nebel, já cedo, justamente na terapia de tumores malignos 109 – certamente a fim de tornar seu tratamento mais simples e melhor compreensível – de experimentar substâncias canalizadoras estandardizadas e compostas 110. Com essa prática ele se desviou do caminho original, ou seja, a escolha bem elaborada 108
Por Homeopatia complexa entende-se a prática terapêutica que utiliza mais de um medicamento homeopático ao mesmo tempo amplamente, difundida na França já naquela época. 109
O Dr. Nebel ganhou bastante notoriedade no tratamento de tumores malignos, pelo uso dos canalizadores, isto é, substâncias usadas para promover e/ou aliviar os processos de eliminação nos doentes fragilizados pelo Câncer. 110
Nebel (1914 : 383) apud Seiler ( 2001).
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de uma seqüência de substâncias únicas, a qual, no entender do Dr. Seiler (2001) correspondia à última posição da maneira de trabalhar de Hahnemann. Com esse desvio, Nebel passo a passo abriu as portas para o uso de substâncias múltiplas, principalmente para aqueles seus alunos menos versados na arte diagnóstica do medicamento único que, como toda arte, não dispensa o conhecimento técnico no caso da matéria médica. Uma Homeopatia esquemática complexa e de receitas estandardizadas que só consegue esgotar muito parcialmente as possibilidades da homeopatia começa, então, a dominar o cenário da Homeopatia francesa. Também o Dr. Rouy não conseguiu resistir à essa tendência. Em sua obra de 1951, ele se apresenta, apesar de todos os reconhecimentos verbais a favor de Hahnemann, basicamente como representante da escola de prescrições múltiplas de forma diferenciada, e que usa a Homeopatia clássica de substâncias únicas somente raramente. O método de Weihe, de acordo com sua opinião, pode ser muito bem usado para a indicação das prescrições múltiplas. Esta forma de prescrição, onde ao diagnóstico da constelação de pontos se segue o uso de mais do que somente dois medicamentos, pode ser entendido como continuação do desenvolvimento direto da prática de substâncias duplas de Rademacher. O editor da revista Homéopathie Moderne era o renomado homeopata francês, Dr. Fortier-Bernoville, que também dedicou muitos anos de sua vida ao estudo do método de Weihe, e chegou à conclusão que este seria muito útil se usado de forma algo diferenciada. Assim em 1932, dedicou edição especial sobre os pontos de Weihe quando foram publicadas a palestra do Dr. Chiron e o artigo do Dr. Rouy. Em sua contribuição na mencionada edição especial, Fortier-Bernoville (1932), que estava também próximo à Nebel, enfatiza de início – possivelmente com uma ponta de crítica ao Kentismo – de forma por demais unilateral, o perigo ao qual a Homeopatia está exposta, ao abandono praticado por determinadas escolas estrangeiras da clínica e do exame físico. Para ele, o homeopata moderno teria, antes de tudo, de ser também um bom clínico. O paciente não poderia de jeito nenhum somente – apesar do seu significado central – ser examinado durante a conversa com o médico, mas também, faria parte da consulta o exame físico na maca, eventualmente amparado por aparelhos. Em seguida ao exame clínico homeopático completo, seria o momento ideal para o diagnóstico final, e freqüentemente decisivo, de acordo com Weihe. Porém,
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neste mesmo discurso, Fortier-Bernoville enfatizava a ainda existente limitação do método dos pontos de pressão e apontava expressamente para a possibilidade de pontos de pressão, tanto falso positivo como falso negativo. Ele também discutia, plenamente no sentido de Weihe e de Rademacher, sobre a localização de pontos e parentesco entre substâncias, complementada por uma listagem de alguns pontos clínicos comprovados, com uma avaliação individual de sua utilidade. FortierBernoville julga criticamente a força de expressão dos pontos de Weihe, principalmente, aqueles da parte inferior do abdome, onde se encontram muito próximos uns dos outros e devido a ausência de pontos de referência ósseos, são de difícil localização. Com relação às similitudes terapêuticas de Weihe, Fortier-Bernoville apontava, apoiando Rouy, somente para o fato de que uma substância pode ser indicada não somente através de seu ponto único, mas também através de dois ou até mesmo mais pontos diagnósticos, porém, este tema não lhe valeu mais muitas palavras: “Além do mais , o trabalho do famoso pesquisador alemão, neste ponto, foi tão complicado e tão difícil de se realizar de maneira que ficaria quase impossível colocar estes conhecimentos em prática. O espírito germânico ama sobremaneira a pesquisa analítica adiantada em todas as direções e não mede aqui nenhum esforço. Nosso espírito latino, em contrapartida, valoriza no seu desejo a lógica e a clareza mais do que o resultado prático “. O Dr. Henri Duprat, o primeiro professor do Dr. P. Schmidt, domiciliado em Genebra, mantinha proximidade com o Dr. Nebel e foi editor de matéria médica importante que integrava, nos capítulos de cada medicamento, também os pontos clássicos de Weihe 111. Ele se limitava a apontar os indicadores únicos de Weihe, embora lhe fossem também conhecidos os indicadores duplos. Quanto ao uso prático dos pontos de Weihe, Duprat, ao contrário de Rouy, permaneceu sempre um unicista, um homeopata de substância única, apesar de considerar a técnica de drenagem112. Em sua matéria médica e seu manual prático, Duprat não forneceu 111
O Dr. Duprat mencionara expressamente que não conseguira, naquela época, em lugar nenhum achar a lista de pontos original de Göhrum. 112 Como técnica de drenagem entenda-se a técnica praticada por Nebel para alívio ou incremento da eliminação.
100
indicações mais pormenorizadas de suas condutas, mas, acredita-se que em essência correspondesse à antiga escola de Nebel descrita por Rouy. Aparentemente ele também não conseguiu fazer valer sua escola, uma vez que seu mais importante aluno, P. Schmidt encaminhou-se muito cedo para a escola de Kent 113 . A lista de pontos na obra de 3 volumes de Duprat, publicada em 1947, na qual Nebel ainda escreveu o prefácio, são algo mais exatas do que aquelas de Rouy, porém, mostram também alguns e não raros desvios que estão em concordância com aqueles de Rouy, do original alemão. O professor homeopata Dr. E. Bauer, fundador e diretor médico da clínica Prasura em Arosa, Suíça, defende, como o mais importante e atual representante do diagnóstico de Weihe, a opinião de que a lista de Duprat, em vários pontos, é preferível à lista original de Göhrum. Bauer fora aluno de P. Schmidt e explica porque ele não foi um bom amigo do método de Weihe: “Ele achava, pois, ter ouvido dizer que durante a epidemia de gripe de 1918/19, diversos pontos de Weihe tinham mudado a sua localização e por isso, as informações de Weihe e de seus amigos não mais estariam corretas” 114 . Na verdade – como certamente um representante da escola de Weihe quis comunicar 115 – no tempo do pós-guerra, o Genius Epidemicus tinha modificado e, com a mudança, seu ponto não mais se encontrava sensível, e não os pontos de Weihe como tal, como mal compreendera o Dr. Schmidt. Era porém em primeiro lugar, como relata Bauer: “... um importante pedido de Pierre Schmidt, de ensinar a pura Homeopatia de Hahnemann. Não se pode negar que o uso dos pontos de Weihe para o iniciante traz consigo o perigo de atuar menos minuciosamente quando da
113 Duprat (1932 : 87, 203) apud Seiler (2001). 114 Bauer (1988 : 110) apud Seiler (2001). 115 Possivelmente trata-se aqui do próprio Nebel, que também fez uma pequena monografia sobre a epidemia de gripe de 1918/19.
101
escolha do medicamento. Também Pierre Schmidt conhecia um muito famoso e mais velho colega homeopata, o qual mediante pêndulo, pontos de Weihe e alguns sinais visíveis exteriormente, rapidamente chegava ao diagnóstico medicamentoso. Não havia sucesso, disse-me meu professor. Sobretudo naqueles casos, aparentemente muito difíceis, para os quais Pierre Schmidt, jovem médico, chamou seu colega colega para assessorá-lo “ 116 117 . Aqui se abre um profundo abismo entre a escola de Nebel, como representante principal, naquela época, do diagnóstico de Weihe e a Homeopatia de Kent clássica de Pierre Schmidt. É fato que Nebel, paralelo ao diagnóstico de Weihe, cujos pontos fracos ele aparentemente também conhecia, às vezes, e justamente em se tratando de paciente com câncer, como “sinais visíveis exteriores” , como eles são mencionados por Bauer, usava complementarmente um sistema de finas f inas nuances de sintomas nos lábios. Porém, de acordo com seu próprio discurso, isso oferece dificuldades. Assim, por exemplo, é característica de uma situação de Petrolium em um carcinoma de mama, de acordo com Nebel, uma “coloração amarronzada dos lábios com leve toque cianótico” 118 . Também é fato, segundo Seiler (2001), apesar de Nebel nunca ter publicado nada a respeito, de que Nebel, ao menos nos anos tardios, usava um pêndulo como uma ferramenta de ajuda diagnóstica119. Seiler (2001) faz uma avaliação crítica positiva da decisão, segundo ele, historicamente necessária, tomada por Schmidt pois, os caminhos então trilhados pelo Dr. Nebel levavam a um afastamento total da arte de cura racional de Hahnemann: “ ... que é permeada pela luz clara do esclarecimento e nos ameaça de fugir novamente para a escuridão mística da medicina alquímica – oculta, da qual naquela época Rademacher tirou as bases do sistema de Weihe”.
116
Bauer (1988 :110) apud Seiler Seiler (2001)
117
O “muito famoso colega mais velho” como se pode imaginar, era o Dr. Nebel, confirmado por Bauer indubitavelmente.
118
Nebel (1915 : 234, 232) apud Seiler Seiler (2001).
119
Segundo Seiler, que foi aluno de Bauer, ouviu deste a declaração de que Nebel tomou aulas do conhecido Monge das Ervas , suíço de nome Küenzli sobre o diagnóstico com pêndulos.
102
Porém, permanece indubitável para o Dr. Seiler, que o Dr. Nebel, ao contrário da impressão que o julgamento do Dr. Schmidt deixa, justamente em pacientes problemáticos, tenha tido sucessos bastante consideráveis. Principalmente na terapia de tumores malignos, ele, juntamente com Burnett e seu amigo J. H. Clarke, se encontram no hall dos homeopatas mais bem sucedidos de todos os tempos. Burnett era, no mínimo, tanto quanto Nebel, influenciado por Rademacher e por Paracelsus. A sua maneira de trabalho e a maneira de trabalho do jovem Nebel eram muito parecidas, também ele prescrevia sempre uma série de substâncias únicas complementares com o uso prioritário de Nosódios 120 . O Dr. Seiler, como entusiasmado defensor da terapia acima mencionada, observa que é certamente justo que o tratamento de tumores malignos, através de estimulação de forças curativas próprias de cada paciente, seja considerado como a prova mais dura para uma escola superior, não só da Homeopatia, mas de qualquer terapia que leve em consideração a medicina holística. Para ele, quem consegue curar câncer desta maneira, pode curar quase qualquer outra coisa também. Por isso, considera que para Schmidt, o reconhecimento aberto e sincero, feito a seu aluno Bauer, de que o tratamento constitucional de potências altas de Kent era inadequado para a terapia de casos de carcinomas manifestos, certamente foi bastante difícil : “... Ele tem que se limitar aqui, principalmente, à profilaxia que é logicamente, também muito importante. No melhor dos casos, pode ser evitada a progressão de um malignoma: assim Schmidt pôde, por exemplo, em um carcinoma grande e não operável, por meio de diversos ciclos da substância constitucional Arsenicum album na potência alta de Kent, alcançar uma estabilidade, sem que o tumor progredisse mais por mais de 10 anos” 121 . As experiências de longos anos de Bauer como aluno de Schmidt, confirmam essas possibilidades terapêuticas, bem como confirmam também, por outro lado, as fronteiras mencionadas da forma de tratamento de Kent. Seiler (2001) advoga que em se tratando de tumores malignos, também pelo caminho da Homeopatia clássica poderia ser alcançado mais:
120
O diagnóstico de pontos de pressão de Weihe, Burnett não conhecia. Comunicação verbal do Dr. Bauer ao Dr. Seiler (2001)..
121
103
“Por meio de uma Homeopatia fundamentada racionalmente e que trabalha somente com medicamentos únicos do jeito de Burnett, Clarke e de Nebel, os quais amplamente corresponde m ao último estágio da técnica de trabalho de Hahnemann, podem, pelo menos em casos isolados, alcançar, sem dúvida, regressões de tumores ou até mesmo cura – Por que nós deveríamos abrir mão desse potencial muito valioso e complementar?”. Apesar das reservas de seu professor, Bauer examinou atentamente o sistema dos pontos de pressão de Weihe, que lhe foi mostrado pelo filho de Nebel, também médico homeopata e que carregava o mesmo nome do pai. Ele concluiu que o método serve da melhor forma, também, para uso na Homeopatia clássica de orientação de Kent. Tomado o caso de acordo com Kent, ampara-se o diagnóstico medicamentoso com o diagnóstico dos Pontos de Weihe. Dado o medicamento único, Bauer relata que em minutos, o ponto de dor desaparece e caso isso não aconteça, o Simillimum não foi dado e o exame do ponto de Weihe não foi feito corretamente. Depois de realizada a primeira prescrição, portanto, o método de Weihe passa a ter a função de apontar, através do reaparecimento do ponto de dor, o momento do paciente tomar uma segunda dose 122 . Ainda resta mencionar que na clínica Bircher, Bauer e seus alunos, e entre eles Seiler, também utilizam o método de Weihe para verificação do diagnóstico medicamentoso, feito segundo a técnica de sais mistos originária originária de Kent 123. Para isso, utiliza-se tanto o ponto único, quanto os dois indicadores dos dois medicamentos que formam o sal medicamentoso.
122
Bauer (1986 : :240) apud Seiler Seiler (2001).
123
Alguns medicamentos homeopáticos podem ser considerados como substância dupla natural, como por exemplo, Kali arsenicum, que pode ser diagnosticado a partir de sintomas apresentados pelo paciente de Kali carbonicum e de Arsenicum album.
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HOMEOSINATRIA, A SÍNTESE ELÉTRICA DA HOMEOPATIA E DA 7 ACUPUNTURA
7.1 O visionário Dr. Roger de la Fuye
Nos anos de 1913 e 1914, o jovem pesquisador, sobrinho e herdeiro do espírito visionário do escritor francês Jules Verne, o Dr. Roger de la Fuye (1890 – 1961), empreende duas viagens, respectivamente para a América do Norte e para o Japão, as quais abriram as portas da sua mente para a medicina do Oriente 124. O Dr. Seiler (2001) descreve como De la Fuye chegou à Medicina Tradicional Chinesa. Ele conta que na primeira viagem para a América do Norte, junto aos índios Stoney, que viviam ao norte de Rocky Mountains sob condições ainda da idade da pedra, ele achou uma interessante pista etnomédica: os homens médicos dessa tribo de índios, que pareciam nitidamente mongolóides, com parentesco próximo dos Esquimós, tratavam seus doentes com picadas de agulhas de pedra e extratos de plantas diluídos. De la Fuye logo intuiu que ele tinha encontrado, nesta tribo indígena, uma relíquia da forma pré-histórica da Acupuntura Chinesa, a qual ele já naquela época conhecia de ouvir falar. Será que a população arcaica americana, a qual originariamente tinha habitado a Ásia do Leste, tinha já eventualmente trazido consigo esta técnica de tratamento durante a idade da pedra, quando atravessaram a rota de Behring? Segundo Seiler (2001), fontes históricas da China confirmam pelo menos a tese de De la Fuye de uma idade bastante antiga da Acupuntura: o legendário imperador amarelo Huang-Ti – por volta de 2640 ac. – recomendava a seus médicos, explicitamente, o uso de agulhas de metal no lugar das agulhas de pedra, tradicionalmente usadas para a Acupuntura. Disso se conclui que na China, no máximo no final da idade da pedra, já havia existido uma Acupuntura praticada com agulhas de pedra. É bem possível pensar que essa tradição ainda remete a tempos anteriores, pelo menos até a média idade da pedra.
124
Introdução de Pierre Devaux em De la Fuye (1944).
105
Que o conhecimento de uma medicina bioenergética, como base da Acupuntura na Ásia do Leste, de fato remete, no mínimo, até à jovem idade da pedra, sugerem também achados arqueológicos. Uma energia vital cósmica que se manifesta em espirais e os centros de energia mais importantes, isto é, os pontos de Acupuntura do corpo humano, parecem ter sido bem conhecidos na cultura chinesa Yang-shao, que é da jovem idade da pedra, e principalmente também, na cultura japonesa da mesma época chamada Jomon. Aliás, é muito interessante que comprovações arqueológicas correspondentes, também foram achadas na Europa do Sudeste 125. De la Fuye muito provavelmente não teve acesso a esses achados, mas chegou, através de seus estudos da medicina e da filosofia natural do Extremo Oriente, aos mesmos resultados. Apoiou-se principalmente nos conhecimentos do japonês Sakurazawa. Este defendia explicitamente, a opinião de que o movimento em espiral, como é caracterizado o redemoinho da energia vital, de acordo com a medicina do Oriente para os Chakras e/ou pontos de Acupuntura, poderia ser visto como princípio básico fundamental da criação do homem126 127. Segundo Seiler (2001), Sakurazawa foi um dos primeiros a colocar o princípio de criação feminino do Tao - ou em japonês Taikyoku - e a energia vital cósmica do pensamento oriental em relação com o conceito de etéreo do Ocidente. E, desta forma, ele abriu um caminho novo para um saber que acreditava ser originalmente comum aos seres humanos do Oriente e do Ocidente, erguido sobre as bases do que chamou de Energia Vital da Criação. Fascinado pelos primeiros ensinamentos transmitidos acerca do pensamento científico que ligava o Oriente com o Ocidente, De la Fuye começou, então, a estudar paralelamente aos fundamentos histórico-filosóficos naturais do Oriente, cada vez mais o uso prático da Acupuntura. Sua intenção foi favorecida por ter sido a França o primeiro país da Europa a abrir as portas para esta medicina, não apenas como uma curiosidade exótica. Encontra-se em De la Fuye (1944:7), acerca da introdução da Acupuntura na França a seguinte nota em pé de página: 125
A esse respeito ler Seiler, Hp. Spirale, Lebensenergie und Matriarchat. In: emotion 10, p.148-158. Volker Knapp-Diderichs Publikationen, Berlin, 1991. 126
Chakra é a denominação da medicina Ayuvédica praticada na Índia para os centros de energia do homem. Este conceito foi parcialmente incorporado pela também milenar Medicina Chinesa. 127
Sakurazawa (1931: 44) apud Seiler (2001).
106
“Este método terapêutico, ainda hoje praticado na China, Japão e na Coréia, foi importado na Europa no século XVII pelos nossos missionários da China. Mas , é somente em torno de 1816 que este método começou a ser divulgado na França, primeiro com o Dr. Sarlandière, depois em 1825 com os Drs. Berlioz e Cloquet, posteriormente em 1863 com o Cônsul Dabry, e enfim hoje em dia com o Cônsul Soulié de Morant que deu preciosas traduções condensadas em um ‘ Précis de la vraie Acupuncture Chinoise’ , e os Drs. Sakurazawa, Nakayama, Thérèse Martiny, Bonnet-Lamaire ...”. Desta forma, as bases para o estabelecimento de uma séria discussão prática da Acupuntura foram criadas pelo cônsul francês na China, na segunda metade da década de 20, Georges Soulié de Morant (? – 1955). Ele traduziu para o francês, na época dos estudos de De la Fuye, alguns textos básicos muito importantes, mas de difícil acesso devido ao idioma, da Medicina Chinesa. O colaborador mais importante de Soulié de Morant foi o médico homeopata Ferreyrolles. Graças a ele, interessantes observações em relação a princípios homeopáticos da antiga Medicina Chinesa, entre eles os que se baseavam no paradigma de correspondência mágica homeopática – já descritos na introdução deste trabalho - nos textos de Morant, foram evidenciados. Um dos mais remotos médicos da China, o famoso Dr. Roa-Tro, conhecia por volta do ano de 175 d.c., aparentemente, o princípio da similitude e prescrevia substâncias curativas preparadas à semelhança dos nosódios homeopáticos 128. Estes medicamentos, a exemplo da Homeopatia também eram prescritos em doses bastante diluídas 129. De acordo com Ferreyrolles, os chineses possivelmente já usavam antigamente o princípio homeopático, na forma de medicamentos muito diluídos, que de outra forma seriam venenosos 130. A técnica de tratamento combinando substâncias diluídas com um ou no máximo dois pontos de acupuntura, usada por Roa-Tro, chamou a atenção de De la Fuye, por ocasião de seus estudos médico-históricos para a combinação da 128
De la Fuye (1947 1 :110) apud Seiler (2001).
129
Soulié de Morant (1941: 28) apud Seiler ( 2001).
130
Ferryrolles (1929:414) apud Seiler (2001).
107
Acupuntura com a Homeopatia 131. Assim, ele começou a dar ao estudo da Homeopatia, já desde muito cedo, uma grande importância. Mas foi Ferryrolles que, em 1929, em um notável artigo da revista “L’Homéopathie Française” , chamou a atenção dos homeopatas para as coincidências topográficas que existiam entre certos pontos de Weihe, que naquela época, na França, eram bem conhecidos, e os pontos de Acupuntura 132, colocando em pauta mais uma interessante correlação entre a Medicina Chinesa e a Homeopatia. Mais do que Ferryrolles, que era discreto em traçar paralelos entre as duas medicinas, Soulié de Morant frisou em 1932, que esta concordância, de jeito nenhum, era puramente topográfica, mas que valia no mínimo, também em parte, para as funções terapêuticas dos pontos de Acupuntura e dos medicamentos homeopáticos que lhes cabiam, de acordo com Weihe 133. O homeopata parisiense L.F. Bonnet-Lemaire pesquisou estas correlações, examinando 148 Pontos de Weihe, em relação à sua concordância topográfica com os pontos de acupuntura. Além disso, analisou comparativamente o quadro sintomatológico – portanto, o potencial curativo – dos medicamentos correspondentes aos indicadores de Weihe e os efeitos terapêuticos resultantes da punção dos pontos de acupuntura. Resultou deste estudo em 97 pontos - quase dois terços dos indicadores de Weihe examinados - uma concordância topográfica total ou aproximada com os pontos de acupuntura. Novamente em dois terços dos pontos topograficamente concordantes (65), também havia concordância clínica entre as funções dos pontos 134 . Segundo Seiler (2001), em seu exame independente de Bonnet-Lemaire, De la Fuye chegou, em relação a 188 Pontos de Weihe por ele conhecidos – o índice original de Göhrum, com 231 indicadores individuais, também não estava a ele acessível – assim como seu conhecido colega, em aproximadamente dois terços dos pontos (123), a uma concordância topográfica com determinados pontos de acupuntura. Quanto à concordância clínica entre as funções dos pontos 131
O uso de um único ponto de acupuntura identificava Roa-Tro ainda como um representante clássico da medicina da totalidade holística chinesa, isto é, uma prática terapêutica que buscava tratar o conjunto dos sintomas como a totalidade sintomatológica da Homeopatia ocidental. 132
De la Fuye (1944: 6).
133
Bonnet-Lemaire (1936: 113) apud Seiler (2001). Bonnet-Lemaire (1936: 150-153) apud Seiler (2001).
134
108
topograficamente iguais, o acupunturista De la Fuye se mostrou um tanto mais generosos do que o homeopata Bonnet-Lemaire, encontrando-a em aproximadamente 80% dos pontos. É fácil concluir que tal concordância funcional é menos objetiva que a topográfica. Porém, os resultados dos dois pesquisadores coincidiam quanto ao fato de que uma nítida maioria de pontos de acupuntura estava topograficamente de acordo com os indicadores de Weihe, e, portanto, também poderiam parcialmente se achar entre eles paralelos funcionais. Como acupunturista convicto De la Fuye perseguia, em suas pesquisas preliminares, no início dos anos trinta, um objetivo bem mais ambicioso do que o homeopata Bonnet-Lamaire. As bases da acupuntura, isto é, o sistema de meridianos da Medicina Chinesa com seus pontos, deveriam ser o ponto de partida de uma nova visão para os Pontos de Pressão de Weihe. Para De la Fuye, Leeser e Göhrum só puderam, de acordo com sua opinião, dar apenas os primeiros passos para o desenvolvimento dos pontos de Weihe na direção de um sistema de meridianos porque eles, no desconhecimento do sistema de acupuntura, tateavam cegamente no labirinto dos pontos do corpo ou, no melhor dos casos, se orientavam baseados em critérios rudemente organotrópicos. Somente a relação da matéria médica homeopática com a fisiologia da Acupuntura, forneceria, segundo De la Fuye, a chave correta para a estipulação de medicamentos individuais correspondentes aos pontos bioenergéticos da superfície corporal. De la Fuye parte para uma ampla revisão crítica do sistema de Weihe e coloca-o parcialmente sob uma nova formulação. Assim nascia a Homeosinatria 135. Até aquele momento a escola francesa tinha deixado o sistema clássico de Weihe, exceto por pequenas e eventualmente nem propositais modificações da localização dos pontos, totalmente intocável. Somente o jovem Nebel tinha acrescentado quatro indicadores importantes, dos quais dois já tinham sido incluídos por Göhrum em sua lista revisada de 1903 136.
135
Homeo de Homeopatia e sinatria se refere à denominação, à época de De la Fuye, da medicina chinesa moderna. Um ponto homeosinátrico quer dizer que é, ao mesmo tempo, homeopático e de aplicação pela Medicina Chinesa. 136
Os dois pontos de Nebel presente na lista de Göhrum são o indicador principal para Sepia como já citado e um segundo indicador para Colocynthis apontado por De la Fuye. Os demais pontos de Nebel correspondem a um novo ponto de Sepia (Bonnet-Lamaire, 1936:130) e o ponto de Graphites também apontado por De la Fuye.
109
7.2 O programa de pesquisa e de reforma do sistema de Weihe por de la Fuye
Em Seiler (2001) encontram-se os principais pontos do novo programa de pesquisa e de reforma de De la Fuye. Primeiramente, a possibilidade, que de jeito nenhum é óbvia, de uma ligação do sistema de pontos de Weihe, preferencialmente diagnóstico, com o ensinamento da Acupuntura que, de acordo com a compreensão usual, é predominantemente terapêutico, tinha que ser fundamentada. De la Fuye enfatizava com toda razão que também para a Medicina Chinesa a dor à pressão ou a sensibilidade espontânea nos pontos de Acupuntura, em conjunto com o diagnóstico do pulso, era um critério semiológico muito importante para o julgamento constitucional energético. Assim ele disse: “Há mais de 48 séculos, as medicinas do Extremo-Oriente, e notadamente as chinesas, remarcaram o seguinte: o problema funcional de um órgão determinado se acompanha sempre de uma localização dolorosa muito precisa, e às vezes também , muito distante do órgão doente, em um ou muitos pontos da pele. Se encontrarão 787 pontos cutâneos, correspondendo aos sintomas diversos, e religamos estes pontos uns aos outros por linhas planas ou mesmo verticais, chamadas ‘meridianos’... A Energia Vital, afirmam os chineses, circula ao longo de todos estes meridianos, em sentidos diferentes (centrífugo ou centrípeto), de acordo com os órgãos e passam de um a outro, realizando assim, um circuito fechado... Cada um dos 14 meridianos comporta um número variável de pontos que , agulhados com as agulhas metálicas (daí o nome de Acupuntura), servem quer para tonificar, quer para acalmar, quer para regularizar o órgão ou a função alterada ou doente. As indicações destes pontos são fornecidas tanto pelo exame clínico, quanto pelo estado do pulso radial, com 14, seis no pulso esquerdo e oito no pulso direito, correspondendo cada um a um dos 12 meridianos (sendo que dois são duplos como já visto) ... (De la Fuye, 1944: 7, 8 e 9) ”. O segundo ponto dizia respeito a se relacionar determinados medicamentos a determinados pontos de Weihe como vinha sendo feito pois, para De la Fuye, esta atitude deveria ser, sob o ponto de vista da Medicina Chinesa, passível de reflexão.
110
Se o quadro sintomatológico de uma substância homeopática, cujo indicador de Weihe topograficamente coincidia com um ponto de Acupuntura, não concordasse, pelo menos em alguns aspectos importantes, com a fisiologia do referido ponto, a substância homeopática, de acordo com De la Fuye, havia sido relacionada de maneira errada. Por isso ela era eliminada de sua nova lista de pontos e se possível era relacionada a um ponto que combinasse melhor. Tais modificações, na definição de substâncias correspondentes aos pontos, deveriam ainda passar por exames clínico-experimentais minuciosos. Como já vista nas pesquisas anteriormente citadas, existia uma correspondência funcional entre as ações de um número significativo de pontos de Acupuntura e medicamentos homeopáticos. A correspondência ocorria entre um ponto de Acupuntura, que concordava topograficamente com um ponto de Weihe, e o medicamento relacionado a esse indicador. Assim, para De la Fuye, cada ponto de Acupuntura fora do sistema de Pontos de Weihe, era potencialmente, um novo ponto de pressão 137 para o qual também um medicamento homeopático poderia ser indicado, tomando-se a fisiologia e a fisiopatologia energética milenar da Medicina Chinesa como base. Este era o terceiro ponto do seu programa de pesquisa e reforma. Novos pontos homeosinátricos, assim, se originariam pelo estabelecimento de relações de concordância, entre os sintomas mórbidos dos pontos de Acupuntura com determinada substância homeopática. Quando essa nova possibilidade, examinada clinicamente, obtinha sucesso terapêutico, o novo ponto era incluído na lista de De la Fuye. Os novos pontos homeosinátricos localizavam-se nas extremidades, áreas de grande importância na Acupuntura, onde se encontra parte significativa da rede de meridianos. Estas áreas não foram utilizadas no diagnóstico de Pontos de Weihe e Nebel utilizou somente a região proximal de ombros e quadris. De la Fuye resume assim suas descobertas: “O controle dos 195 pontos de Weihe se estabelece assim: 153 são ‘fiéis’ e 105 correspondem exatamente aos pontos chineses. Quanto aos pontos novos, ‘homeosinátricos’, foi possível determinarmos 329, o que com os 153 137
Bonnet-Lamaire, 1936: 148 apud Seiler, 2001: cap 21.
111
pontos de Weihe ‘fiéis’, compreende um total de 482 pontos utilizáveis, sendo que 434 estão situados sobre os meridianos chineses. Bem entendido, que todos os medicamentos correspondentes a esses pontos – sejam eles de Weihe ou sejam eles novos – foram controlados não apenas por seu organotropismo ‘chinês’, mas também, levando-se em conta sua ação tonificante e calmante sobre as funções dos órgãos, realizando assim uma superposição medicamentosa tão perfeita quanto possível sobre a ação da Acupuntura nesses pontos. Esses remédios - como esses pontos – merecem o qualitativo de ‘homeosinátricos’, como fizemos ( De la Fuye, 1976:14)“. Outro aspecto importante introduzido por De la Fuye, o quarto ponto, se relaciona à possibilidade de se ter mais de um medicamento homeopático em correspondência com um ponto de Acupuntura. Assim por exemplo, ao ponto sete do meridiano do Coração estão relacionadas quatro substâncias homeopáticas, isto é, Aconitum, Aurum, Crataegus e Spigelia 138. Esta diversidade em relação a um único ponto correspondia em parte à opinião de Ferreyrolles, que se colocava contrário ao estabelecimento de um paralelo total entre os sintomas mórbidos de determinado ponto de Acupuntura e o quadro sintomatológico da substância homeopática – descrita na patogenesia – a ele correspondente. Assim, a opinião de Ferryrolles, passaria a assumida resistência à Homeosinatria pois, este não concordava com a idéia de De la Fuye de estabelecer uma correspondência linear entre pontos de Acupuntura e substâncias homeopáticas. De forma ainda mais ampla, de acordo com De la Fuye, um medicamento com uma grande quantidade de sintomas, como os policrestos, corresponderia às diversas funções, de diferentes pontos de Acupuntura, e conseqüentemente, a um número diverso de pontos. Assim, por exemplo, para Lycopodium, tanto para o diagnóstico como para a terapêutica pela Acupuntura, existem à disposição além do ponto clássico de Weihe, confirmado por De la Fuye, ainda três outros pontos homeosinátricos.
138
De la Fuye (1947 1: 115) apud Seiler (2001).
112
Com isso a Homeosinatria se aproxima da diferenciação, mas também, em muitos pontos, da falta de clareza e da difícil praticidade da escola de Weihe mais tardia. A campeã no sentido de número de pontos pertinentes é, para De la Fuye, não a conhecida Pulsatilla, que tem não menos do que 12 equivalências de Weihe, mas sim um mutável e bastante diversificável Phosphorus. A este, De la Fuye acrescentou ao ponto clássico por ele comprovado e identificado com o ponto 16 do meridiano, conhecido como Vaso da Concepção da Medicina Chinesa, ainda oito pontos de acupuntura, que na maioria das vezes estão localizados em ambos os lados 139 . Os pontos clássicos de Weihe que não estavam em concordância com nenhum ponto de acupuntura, também deveriam ser examinados em relação a uma possível integração ao sistema de acupuntura terapêutico da Homeosinatria. Portanto, era também válido que cada ponto de Weihe, fora do sistema de pontos da Medicina Chinesa, fosse um novo ponto de Acupuntura em potencial. Como critério para a utilização na Homeosinatria de um ponto de Weihe localizado fora dos meridianos – e de seus pontos extras – para o tratamento com acupuntura, De la Fuye utilizava em primeiro lugar o parentesco funcional do ponto de Weihe existente com pontos de acupuntura regulares e da vizinhança, os quais ele imaginava podiam se interligar como anastomoses energéticas. Assim acontecia com o indicador de Weihe para a substância Iodium, que se localizava entre dois pontos clássicos do meridiano Vaso da Concepção. Estes pontos no meridiano correspondem ambos a funções na digestão. Como Iodium, em seu quadro de sintomas, entre outros, também está um grupo de sintomas relacionados com o sistema digestivo, De la Fuye deixou que esse ponto de Weihe permanecesse na lista como indicador para Iodium, bem como o incluiu em seu sistema de pontos de Acupuntura. Por fim, como quinto ponto importante no programa de pesquisa e reforma de De la Fuye encontramos a Homeosinatria, não somente como diagnóstico e terapêutica, mas também como amparo bilateral dos dois métodos de terapia. Com isso, o homeopata dispõe, de um lado, da possibilidade de colocar em prática, para comprovação de seu diagnóstico de substância, a lista reformada pela 139
Segundo Seiler (2001), ao Phosphorus, no sistema de Göhrum, já se encontravam oito equivalências medicamentosas.
113
Homeosinatria dos pontos de Weihe, e por outro, da possibilidade de ampliar o efeito da medicação pelo uso terapêutico, ou seja, pela acupuntura de um ou mais pontos. Também o acupuntor poderia se valer dos pontos de Weihe - para ele novos - no seu tratamento, bem como, segundo De la Fuye, poderia usar os medicamentos homeopáticos que correspondessem aos pontos usados. Este procedimento, porém, foi fortemente criticado por estimular uma prática homeopática de "receita de bolo” . Com isso, segundo Seiler (2001) a Homeosinatria sofre quase desde o nascimento com a “doença francesa” , como era denominado o pluralismo homeopático na Alemanha, ao invés de fomentar a Homeopatia Clássica de substância única através dos parcialmente novos e valiosos pontos de pressão identificados por De la Fuye. A partir de 1934 De la Fuye começa a chamar a atenção, em diversos congressos homeopáticos na França e na Suíça 140, para seu novo sistema, anunciando que as semelhanças topográficas eram apenas uma parte ínfima das relações que existiam entre os pontos. Agulhou os pontos de Weihe reconhecidos como fiéis, como se fossem pontos chineses, e apresentou em Lausanne, em 1935, as observações a esse respeito. Recebeu muitas críticas como descreve: “Enfrentamos, naquela época, muitas resistências e lembramos que um dos autores supracitados nos acusou de querer, de qualquer maneira, misturar dois métodos ‘ tão dessemelhantes’ dizia ele, quanto ‘ a Alopatia e a Homeopatia’. Para ele, as semelhanças ‘Weihianas e Chinesas’ que, porém, ele tinha assinalado, eram simples coincidências 141 . Outros diziam: ‘Já que Weihe não achou pontos medicamentosos sobre os membros, vocês estão perdendo o seu tempo!’. Parecia realmente que Weihe teria estabelecido uma obra definitiva e inviolável (De la Fuye, 1944:5)”. Foi também a partir de 1934 que De la Fuye começou a mostrar seu método mais específico para o tratamento dos casos rebeldes. Ele fazia a introdução dos medicamentos homeopáticos nos pontos de Acupuntura correspondentes.
140
Lyon 1934, Lausanne 1935, Nice 1936 e Marseille 1937.
141
Como já fora apontado anteriormente essa citação de De la Fuye refere-se à Ferryrolles.
114
Impregnava a ponta da agulha, tanto com a tintura mãe do medicamento, quanto com as diluições mais ou menos elevadas, segundo o efeito desejado. Dizia ele: “Se nós queremos realmente alcançar o vértice da síntese homeosinátrica, o melhor é injetar, com uma agulha de prata sobre os pontos sedativos e com uma agulha de ouro sobre os pontos tonificantes, 5cm³ de uma diluição hahnemanniana do medicamento correspondente ao ponto homeosinátrico. Foi assim que as ciatalgias e outras afecções foram curadas por injeções da terceira diluição decimal de Rhus tox. ou de Bryonia – conforme o caso – sobre os pontos de Rhus tox. ou de Bryonia. Mas esses aperfeiçoamentos da acupuntura por mais interessantes que sejam, só atingem seu pleno efeito terapêutico se adicionarmos a essas agulhas impregnantes a ação de uma faísca de alta freqüência de qualidade especial: é a Homeosinatria Diatérmica (De la Fuye, 1976:15)“. Segundo De la Fuye (1944:12), a ação da Homeosinatria Diatérmica se daria pela produção de uma espécie de ionização do medicamento empregado, o qual penetraria e ficaria no organismo em doses infinitesimais no ponto ‘reflexo’ escolhido. Em 1937, 38 e 39 foi com a ajuda dos Drs. Rousseau e Cabanes que De la Fuye começou a pesquisa das substâncias homeopáticas, cujos sintomas cobriam melhor alguns pontos chineses enumerados por Soulié de Morant, no seu “Précis de la vraie Acupuncture chinoise” , e tiveram que estudar também aqueles pontos chineses indicados nas obras dos cônsules Dabry – para a Medicina Chinesa – e Sarlandière – para a medicina japonesa, além dos encontrados nas traduções do Dr. Chang de Shangai, totalizando 400 pontos. Ainda relata em sua obra “L’Homéo-Siniâtrie diathermique ou La Synthèse Electrique de la Médecine Chinoise et de l’Homéopathie” , de 1944, que foi em 1938 que chegou à noção de organotropismo do medicamento, tendo sido cada remédio estudado levando-se em consideração sua ação tonificante ou calmante sobre o ou os órgãos estudados, constituindo-se assim o ‘medicamento simillimum tipo’ ou medicamento homeosinátrico. Em 1939 suas pesquisas foram interrompidas devido ao serviço militar de guerra. Retoma-as em 1941, de forma intensiva, e com a ajuda dos médicos homeopatas Dr. Voisin de Annecy e principalmente do Dr. Dano de Paris.
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Trabalharam na estipulação teórica e clínico-experimental de medicamentos homeopáticos em relação aos pontos de acupuntura, que até então não tinham sido descritos pela escola de Weihe. Então, em 1947, foi finalmente editada sua obra principal: o Traité d’Ácupunture , em dois tomos, cujo subtítulo era La Synthèse de l’Acupunture et de l’Homéopathie . O homeopata alemão Heribert Schmidt (1914 – 1995), que posteriormente morou na Suíça, estudou em 1950 junto de De la Fuye, em Paris, a Homeosinatria, e editou em conjunto com este, sob o título Die moderne Akupunktur - A Acupuntura Moderna - uma revisão e tradução sintetizada, para o alemão, do Traité d’Acupunture . Mesmo assim, a Homeosinatria não conseguiu se estabelecer firmemente nos países de língua alemã. Além do mais, o próprio Schmidt trabalhava somente como acupunturista clássico, e em sua obra tardia Konstitutionelle Akupunktur Acupuntura Constitucional – não fez mais menção à Homeosinatria142. De la Fuye, apesar de trabalhar em seu tratado com médicos homeopatas, continuava se entendendo como acupunturista, porém, não era fácil para ele achar um campo profissional adequado, pois como representante de um pensamento que se estendia a mais de um sistema, era difícil definir sua posição. Foi assim que ele abriu mão de suas atividades no Hospital St. Jacques em Paris, porque sua Homeosinatria foi taxada pela direção da Clínica como distanciada demais da homeopatia 143. Também por parte da Acupuntura, conhecedores da matéria apresentavam preconceitos, principalmente em relação ao aspecto terapêutico da Homeosinatria. De acordo com Ferryrolles – praticamente o verdadeiro descobridor da concordância topográfica dos Pontos de Weihe com os da Medicina Chinesa – existia entre o efeito terapêutico dos pontos de Acupuntura e a área de efeito dos medicamentos homeopáticos a eles correspondentes, segundo Weihe ou De la Fuye, sem dúvida, às vezes, uma concordância parcial mais ou menos nítida, a qual, na maioria dos casos, era somente de natureza superficial. Em caso algum se poderia falar de uma identidade terapêutica do ponto de Acupuntura e da substância 142
De la Fuye, 1947 tomo 1: 58.
142
De la Fuye, 1947 tomo 1: 57.
142
Demarque, 1988: 115 apud Seiler, 2001: cap. 21.Seiler (2001).
143
De la Fuye (1947 tomo 1: 58) apud Seiler (2001).
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homeopática. Para isso, os dois métodos seriam essencialmente diferentes demais 144 . O uso terapêutico da Homeosinatria estaria fundamentado em uma base clinicamente pouco segura e também seria pouco apropriada para complementar, de maneira sensata, a Homeopatia ou também a Acupuntura 145. Infelizmente De la Fuye oferecia em seus escritos – apesar de ser, sem dúvida, um prático sério e um pesquisador eficaz – com freqüência, áreas de ataque desnecessárias. Como muitos pioneiros, tinha a tendência de super valorizar seu método e com isso arriscava que elementos básicos e valiosos do mesmo fossem inutilmente desperdiçados. Assim, por exemplo, a observação de De la Fuye, de que mesmo um acupunturista que não tivesse tido antes um aprendizado homeopático, poderia, somente pelo conhecimento da substância correspondente homeosinátrica aos pontos por ele usados, emitir uma receita homeopática útil. Naturalmente este comentário foi lenha na fogueira dos críticos, principalmente homeopáticos. Segundo Demarque (1988:125) 146, também seu aluno e mais estreito colaborador, Dano, tinha que se distanciar de tais exigências exclusivas dos ensinamentos de De la Fuye. Porém, é importante ressaltar que esta forte crítica a Homeosinatria se limita exclusivamente às suas exigências terapêuticas, principalmente em relação à Homeopatia, onde ela, pelo menos parcialmente, era legítima. Prescrever simplesmente, um punhado de substâncias homeopáticas diversas, baseado na relação homeosinátrica de alguns pontos sensíveis à pressão escolhidos para o tratamento de acupuntura, é sob o ponto de vista clássico homeopático, certamente um rude diletantismo 147. O homeopata Henz Schoeler, publicou em 1955, o livro Die Weihe’schen Druckpunkte : Ihre Beziehungen zur Akupunktur, Neuraltherapie und Homöopathie – Os Pontos de Pressão de Weihe : suas relações com a Acupuntura, Terapia Neural e Homeopatia – uma descrição comparativa do método de Weihe. Em face de crescente popularidade da síntese da Homeopatia com a Acupuntura, chamada de Homeosinatria por Roger de la Fuye, Schoeler estudou os originais em alemão, publicados por Weihe e seus discípulos, na intenção de trazer à público elementos 144
De la Fuye (1947 tomo 1: 57) apud Seiler (2001).
145
Demarque (1988: 115) apud Seiler (2001).
146
147
apud Seiler (2001).
Seiler (2001).
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para a discussão do novo método, tanto nas rodas homeopáticas, quanto nas de acupunturistas. O que este autor assinalou foi que, a despeito das posições dos médicos em relação às idéias de Weihe, deveria ser reconhecido que Weihe, antes de Head e Mackenzie, descobriu as zonas reflexas organo-específicas na superfície corporal. É fato que as teorias de Weihe foram publicadas por Leeser em 1888, antes da publicação dos pesquisadores ingleses, considerados os descobridores das zonas de Head, em 1889. Schoeler dizia ser necessário abstrair das estranhas relações medicamentosas dos pontos, para se achar, nos escritos de Weihe e Leeser, as observações em relação aos pontos hiperálgicos que se aproximavam muito das descobertas da neuro-patologia de seu tempo. Como já apontado no parágrafo 5 dos núcleos conceituais básicos do método epidêmico, os pontos de dor expressavam, segundo a teoria do sistema de Weihe, estado de excitação dos gânglios simpáticos, ocasionado pela influência do Genius Epidemicus sobre esses gânglios. Assim, Schoeler (1955) cita Leeser (1888) para exemplificar a semelhança de pensamento de Weihe e seus discípulos e as observações de Head, Mackenzie, Soulié de Morant e v. Staa por ele percebida: “ Como consequência desses estados de excitação dos gânglios, nós temos uma alteração dos órgãos alimentados por fibras tróficas transmitidas pelo sistema nervoso, os gânglios em questão, e cuja alteração nós já conhecemos como uma aumentada sensibilidade à excitação ou uma pré-disposição a doenças. Caso então, um órgão tenha adoecido em razão dessa sensibilidade a danos exteriores, e nós conseguimos equilibrar pelo Simillimum, que primeiramente faz efeito diretamente no gânglio excitado, e secundariamente, atua em cima do órgão adoecido, este órgão consegue reaver sua capacidade repelindo o dano exterior adquirido, voltando a sua normalidade.” Schoeler também afirmou que antes de Weihe, Ling (1834) e Griffin haviam conseguido detectar algumas relações de segmentos entre órgãos e a pele. Falava de uma literatura abrangente sobre esse assunto que englobava toda área da neuro-
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patologia e da neural terapia148. Ele não se admirava da concordância, observada por Bonnet-Lemaire e depois por De la Fuye, entre os pontos de Weihe e os pontos chineses e concluía : “Como todos os grandes descobridores do nosso planeta conseguiram achar somente os mesmos continentes, os mesmos mares, as mesmas serras, etc, assim também, os geógrafos de nossa área corporal só podem achar os mesmos pontos hiperalgéticos” (Schoeler, 1955). Seiler (2001) acrescenta que a fisiologia da medicina atual conhece, não somente as mais ou menos extensas zonas de reflexos orgânicos, mas também, áreas de reflexo puntiformes, os assim chamados pontos de Trigger ou “tender points”. Estes, porém, são usados apenas terapeuticamente e não para diagnóstico. Sua relação com as camadas mais profundas do organismo é pesquisada com mais exatidão somente com relação a determinados grupos de músculos. Uma ligação ainda pouco esclarecida, porém, bastante complexa em relação aos órgãos internos, certamente é também presumida. Seiler (2001) conclui a este respeito que : “As raízes do saber , através da projeção superficial dos órgãos internos, provavelmente, tanto na medicina do ocidente como também no oriente, estão longinquamente no passado da medicina holística empírica. As relações de parentesco segmentais , que são transmitidas através da medula , entre a superfície corporal e os órgãos internos são pois, somente o aspecto melhor compreensível da ciência natural materialista de um princípio muito mais amplo da medicina holística : cada modificação no interior do organismo tem um efeito em sua totalidade e se reflete, portanto, também em sua superfície”. A relação dos pontos de Weihe com a biomedicina através das zonas de Head e dos pontos Trigger merece ser aprofundada e já se encontra na acupuntura brasileira grupos de discussão que demonstram interesse no tema. Uma presença presumível dos pontos de Weihe na origem do sistema diagnóstico da Eletroacupuntura representa um outro campo a pesquisar. O Dr. 148
Cita para a discussão mais aprofundada desse tema os seguintes autores: Hansen, v. Staa, Dittmar Sturm, Veil, Siegmund, v. Puttkamer, Dicke, leube, Mozer entre outros.
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Reinhold Voll (1909-1989), familiarizado com a Acupuntura da Medicina Chinesa inventou o Diatérmicoacupuntor, um instrumento desenhado para esquematizar e verificar a relação dos pontos de acupuntura com seus órgãos e sistemas correspondentes. Pontos específicos foram carregados com corrente direta de 8-10 microamperes (aproximadamente 1 volt), resultando numa medida de resistência através do meridiano de acupuntura. Existem 361 pontos clássicos de acupuntura na superfície corporal, situados em várias localizações ao longo de 14 meridianos. Voll não só verificou a presença desses pontos como descobriu centenas de outros. É, usualmente divulgado que Voll, afortunadamente, descobriu que o medicamento homeopático, quando introduzido no circuito, produzia uma mudança súbita na resistência dos pontos, tornando-o crescentemente confidente em sua habilidade de diagnosticar e tratar uma variedade de transtornos de saúde. Porém, o Dr. Voll mantinha uma viva troca de correspondências com o Dr. Roger de la Fuye, o que também leva a crer, que o conhecimento do método epidêmico do Dr. Weihe tenha desempenhado um papel importante na gênese da Eletroacupuntura. É, porém, indiscutível que o principal representante do diagnóstico de Weihe, na atualidade, é o já mencionado Dr. Bauer da Suíça e seus alunos. Contudo, futuros desdobramentos no sentido de verificar outras contribuições teóricas e tecnológicas desse método necessitarão de estudos posteriores.
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8 CONCLUSÃO A existência de pontos dolorosos na superfície corporal, como os pontos de Weihe e os pontos dos meridianos chineses, expressa de forma objetiva a subjetividade do paciente. A dor, entendida como sintoma subjetivo primordial, ao apresentar-se espontaneamente em um determinado ponto da pele, assinala na forma o desequilíbrio interno do organismo. No caso dos pontos dolorosos, as alterações morfológicas podem ser de caráter temporário ou definitivo e se prestam a uma leitura dinâmica e objetiva do processo de adoecimento. Não estaria então, justamente esse ponto de vista do paciente em sofrimento físico, em falta no exame clínico homeopático? A subjetividade do paciente é fundamental para esta racionalidade médica, que está dimensionada para tratar doentes e não doenças. E, embora, a Homeopatia parta da mesma fisiologia, anatomia e exame físico da Biomedicina, possui concepções diferentes de corpo, saúde, doença e tratamento. Também incorporou, ao contrário da ciência positivista, a sensibilidade, a intuição e a emoção como meios legítimos de obtenção de conhecimento149. Portanto, rever as dimensões da fisiologia, da morfologia, e da diagnose no que se refere ao exame clínico, parece imperativo para o desenvolvimento da racionalidade médica homeopática. Assim, acredita-se que o exame clínico homeopático deva ser orientado mais para refletir o ponto de vista do doente e menos a objetividade fisiológica da biomedicina. Segundo Canguilhem, a visão do doente é de quem sofre uma alteração em seu estado de vida e esta percepção traz em si outro aspecto relevante para a Homeopatia. Trata-se da noção de que o adoecimento é uma condição qualitativamente diversa da saúde – e não uma alteração quantitativa – conseqüência do desequilíbrio da força vital, que só pode ser reparado pela escolha qualitativamente acertada da substância capaz de promover o reequilíbrio. Ao tomar-se a percepção de quem sofre alteração no seu estado de vida, para caracterizar a perda da saúde, não significa descartar, nem muito menos negar, a existência da condição latente das doenças. Mas o potencial patológico, isto é, a doença não atualizada, não é condição suficiente para a Homeopatia considerar o paciente livre do adoecimento. De forma que, a definição de saúde como a vida no 149
Ver a esse respeito o prefácio de Marcos Queiroz em Luz (1996).
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silêncio dos órgãos é considerada incompleta e inadequada para a medicina de Hahnemann. O adoecimento é um processo sutil, originalmente energético, mas que, ao manifestar-se, pode fazê-lo através de pequenas alterações funcionais, transitórias, sentidas pelos pacientes, seja como uma dor ou um incômodo, seja por sintomas mentais ou gerais subjetivos. O homeopata é treinado, portanto, para revelar com base na subjetividade do próprio paciente, as manifestações do seu adoecimento, por vezes, até mesmo, surpreendendo-o. Porém, isto não quer dizer que o adoecimento é definido segundo o ponto de vista do médico, que informa a seu paciente da existência de uma doença. Trata-se da tarefa homeopática de revelar os fenômenos presentes, decorrentes da desarmonia da força vital, àqueles que naturalizaram seus sofrimentos ao ponto de não reconhecê-los quando se manifestam, justificando as alterações de suas vidas inteiramente na exterioridade – nas condições da vida moderna, no stress, na solidão, etc. Por outro lado também, cabe ao homeopata, em alguns casos, permitir a seu paciente resignificar doenças e limitações, integrando-as ao processo da vida, ou seja, através da terapêutica, adaptar o doente a uma nova ordem. Elucidar a dor física para a discussão dos pontos dolorosos é uma tarefa fundamental pois, se faz necessário determinar seu valor. Canguilhem (2000), discute esta questão quando apresenta as concepções de Leriche, para quem a dor é “a resultante do conflito entre um excitante e o indivíduo todo “, contrapondo a idéia de que ela é apenas uma impressão recolhida em um ponto do corpo, sem relação com a atividade do paciente que a sente. A dor pode ser uma ilusão, e por isso não ter um valor absoluto e definidor do transtorno fisiopatológico que lhe corresponde, mas ainda sim é um sentido vital, algo que se passa ao nível da unidade/totalidade do sujeito. Os pontos dolorosos, tanto os de Weihe, quanto os chineses e os de De la Fuye, sugerem, na análise de seu aparecimento espontâneo em um paciente, um comportamento modificado do todo desse sujeito. Esta concepção do ponto de dor como um sentido vital, mesmo que ilusório do ponto de vista do fisiologista, conferelhe valor de sintoma homeopático geral, de alta hierarquia porque carregado ainda com o conteúdo do imaginário do sujeito. Outro elemento central de discussão neste estudo foi a aproximação de duas racionalidades médicas. Não teria a Medicina Chinesa, com a teoria dos meridianos
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e seus pontos, a medida que afirma a existência de uma fisiologia energética não suficientemente elaborada pela Homeopatia, um papel de colaboração relevante para o desenvolvimento conceitual da dimensão da fisiologia da racionalidade homeopática? Um ponto em comum e de grande importância para essa discussão é o fato de que tanto a Homeopatia quanto a Medicina Chinesa dependem da reação vital do organismo à um estímulo – seja esse estímulo as potências homeopáticas ou as agulhas nos pontos de acupuntura – para iniciar uma ação curativa. Portanto, ambos sistemas terapêuticos baseiam-se na vitalidade do organismo, vitalidade essa que permeia cada célula e cada espaço intercelular. Trata-se de uma unidade viva e não apenas uma reunião de órgãos, vísceras, e tecidos em aparelhos e sistemas. Compartilhar o paradigma vitalista não significa, porém, que não exista, nas racionalidades em questão, uma sistematização da idéia de unidade vital. Deve-se sistematizar para melhor compreender a natureza do desequilíbrio interno e permitir uma terapêutica mais eficaz. A Medicina Chinesa sofreu ao longo do seu desenvolvimento um processo de sistematização que permitiu uma elaboração conceitual da dimensão da fisiologia. Ao confrontar seus vários sistemas diagnósticos, baseados nas teorias fisiológicas, alcançou um bom nível de confiabilidade diagnóstica e encontra-se a esse respeito mais desenvolvida desenvolvida do que que a Homeopatia. A medicina hahnemanniana, hahnemanniana, por outro lado, possui a dimensão da terapêutica bastante desenvolvida embora, ainda tenha muito que elaborar conceitualmente para ampliar sua confiabilidade diagnóstica. Apesar de não se conhecer pesquisa a esse respeito, observa-se na prática um baixo nível de coincidência entre os diagnósticos medicamentosos – o único diagnóstico genuinamente homeopático – de diferentes médicos homeopatas para um mesmo caso clínico. Além do diagnóstico medicamentoso, também o diagnóstico da patologia é considerado em Homeopatia, embora este último colabore muito pouco para a escolha do medicamento. O que é determinante aqui é o relato subjetivo do paciente fornecido na entrevista homeopática. Assim, não existe outro sistema diagnóstico que concorra com o medicamentoso e possa colocá-lo em cheque ou que sirva de contra prova. Para que possa surgir novos sistemas diagnósticos é necessário uma teoria fisiológica dos sintomas homeopáticos. Vale lembrar, mais uma vez, que
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Hahnemann colocava-se energicamente contrário a essa idéia pois, tomava qualquer elaboração conceitual nos termos da ciência moderna, isto é, teorias explicativas da causa das doenças. Passados duzentos anos, a medicina hegemônica da nossa cultura ainda trabalha com o conceito de causalidade, mas esta não é em absoluto a única opção opção existente. existente. É dessa dessa maneira que a aproximação com outra racionalidade médica como a Medicina Chinesa que compartilha o mesmo mesmo paradigma, o da vitalidade, pode colaborar. Novas opções conceituais, portanto, podem ser estudadas e pensadas segundo as necessidades de desenvolvimento da Homeopatia. Apesar da afirmação da existência da força vital, de seu papel determinante no adoecimento e na cura, e até mesmo da distinção de um movimento de interiorização e ascendência da sintomatologia no adoecimento e um movimento de exteriorização e descendência na cura, uma teoria fisiológica homeopática que, correlacione de forma mais efetiva o desequilíbrio qualitativamente específico da força vital com suas manifestações no doente, deve ser desenvolvido. O desenvolvimento desta dimensão geraria uma mesma base conceitual a partir da qual poderiam surgir novos sistemas diagnósticos, ou mesmo a ampliação de algum diagnóstico já praticado – por uma parcela da comunidade homeopática – à medida que adquira respaldo científico. Voltando-se a atenção para a utilização diagnóstica e terapêutica dos pontos cutâneos dolorosos – sejam eles espontâneos, sejam provocados pela pressão digital – praticada pela Medicina Chinesa, percebe-se que só através de minuciosa e rigorosa observação dos doente, durante longo período da história dessa racionalidade médica, e de dedicação paciente ao trabalho empírico pôde ser construído o conhecimento dos pontos e formulado o conceito dos meridianos. Assim, sob este perfil médico, brotou o mapa de pontos sobre a superfície corporal no Oriente. E no Ocidente onde se negligenciava a observação empírica, a descoberta, praticamente dos mesmos pontos, só poderia acontecer no abrigo de uma racionalidade médica que também privilegiava o minucioso e paciente estudo empírico da totalidade dos fenômenos manifestados nos doentes e experimentandos.
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O Dr. Weihe, ignorando a Acupuntura pôde reinventá-la. Mas de certo gastou muito do seu tempo na articulação da descoberta dos pontos com a terapêutica medicamentosa e no desenvolvimento das teorias que seriam rejeitadas após após alguns anos de discussões pela comunidade homeopática alemã. Apesar das críticas, Weihe manteve-se em seu caminho e angariou simpatizantes e colaboradores que levaram seu sistema para a França onde, pelo que mostra a história, os homeopatas sofriam menor patrulhamento doutrinário pelos seus pares. De forma que, uma maior permissividade conceitual permitiu nascer uma síntese, um tanto acrítica, pode alguém dizer, mas ainda assim muito interessante, entre o método Epidêmico e a Acupuntura. Vale dizer, que o desenvolvimento desenvolvimento do sistema de pontos dolorosos dolorosos de Weihe, mostrado nesse estudo, percorreu um caminho original até a Medicina Chinesa, sempre na tentativa de buscar princípios terapêuticos mais eficazes. A trajetória dos pontos de Weihe guarda uma relação com a própria Homeopatia no que diz respeito ao fato de levantarem questões e problemas no meio médico onde nasceram. A Homeopatia, para a medicina positivista, e o sistema de Weihe, para a própria Homeopatia, apresentaram uma incômoda proposta de saída da idade de ouro. Para tal, deveria mexer-se no mito guardião da ordem vigente e lançar-se na busca da compreensão ampliada dos fatos da vida. Não fazê-lo pode, porém, significar estagnação para a racionalidade médica dominante ou enrijecimento dogmático e a perda da chance de revitalização. Naquela época não foi possível avaliar e aprofundar a contribuição, inovadora para a Homeopatia, que os pontos de Weihe traziam. Espera-se que este estudo tenha resgatado resgatado a sua trajetória, e uma uma vez despertado o interesse interesse pelo desenvolvimento conceitual da Homeopatia, espera-se também que a mesma seja, em algum momento, revisitada para o necessário mergulho nas questões por ela levantadas.
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