semanas mais tarde, recebia a resposta do sábio, que lhe dizia, brevemente, que considerava "teu nobre e grande desejo de seguir para a terra das especiarias"... Colombo tinha o mapa de Toscanelli - e por uma nova carta o sábio reafirmava que a viagem não seria só possível, mas lhe traria honra, lucros e o reconhecimento da cristandade. Ao mesmo tempo que tinha estas alegrias, decidia ir viver na Espanha. Podiam chamá-lo de louco; o que importava os insultos, se no fim do ano de 1485 sua fé o levava à própria e magnífica rainha Isabel, a maior figura da realeza da época? A rainha ele não falou como aos portugueses, em todos os lucros que ofereciam as relações diretas com o Oriente. Lembrou-se do que lhe dissera Toscanelli: os do Oriente esperavam a unidade com o Ocidente; e o mundo se uniria pela Cruz. A rainha via neste homem alguma coisa que evocava os profetas do Antigo Testamento. Eram os olhos ou as palavras? No Diário, que dirigia principalmente à rainha, lembraria que "estava à seu serviço há sete anos". Mas, quando caminhava sozinho, evitava as ruas movimentadas. As ruas solitárias evitavam, para ele, o ar de zombaria dos cortesões que recriminavam nos cochichos o gosto real por um aventureiro que só falava sandices. Havia uma corrida secreta na expedição pelo oceano entre Cristóvão Colombo e Martin Pinzón - e dos três navios, o mais rápido era o Pinta. Uma animação nervosa fazia aquela caravela cada vez mais veloz; desde o dia 18 de setembro, Martin Pinzón insistia nos sinais de terra, que dariam, pela vida, 300 francos-ouro, ao descobridor. Os últimos dias de setembro avançavam, entre a observação minuciosa dos
pássaros, dos tipos de peixes, das ervas no mar e de anotações em torno das estrelas e seus movimentos. E veio outubro, enquanto as caravelas avançavam para oeste, sempre. O mar era bom e nas rezas se agradecia a Deus; no Diário , só se registravam banalidades. Era um pássaro branco perto do mastro. Era um rapaz que jogava uma pedra em um albatroz. Eram peixes voadores que tombavam no convés. As caravelas corriam: quem teria primeiro os prêmios reais? Era um domingo, 7 de outubro, e se viu ao poente uma aparência de terra. Ninguém gritava "terra!, terra!", lembrando outros equívocos, que haviam irritado de tal forma ao almirante que ele prescrevera pena de privação da dádiva real a quem desse o alarme falso e a "alegria falsa". Seguiram bandos de pássaros, mudando o rumo da viagem. Estavam ansiosos e céticos. Ouviam o almirante agradecer a Deus "pelo ar doce como o abril de Sevilha e pelo prazer de estar ali, enquanto ele está perfumado". O 10 de outubro tinha os homens confortados pelo almirante, lhes dando a esperança do lucro, diante da viagem enorme. Mas a 11 de outubro "os da caravela Niña viram tantos sinais de terra e um ramo de espinheiro carregado de frutos. Eles respiraram e todos se rejubilaram". O sol se pôs e o almirante retomou o caminho para oeste; as caravelas faziam 12 milhas a hora. "E como a caravela Pinta era o melhor veleiro, foi ela que descobriu a terra e fez os sinais que o almirante havia ordenado." Quem primeiro viu a terra foi um marinheiro chamado Rodrigo de Triana. No meio da noite, podiam ver uma luzinha que aparecia e desaparecia. Na caravela Pinta, havia um baile de loucos. Soava um tambor basco, os marinheiros dançavam em torno do grande mastro e
Rodrigo de Triana passava de braço em braço, como uma donzela. O capitão Martin Pinzón olhava com orgulho e desprezo para a Santa Maria. Estava certo de ter vencido a corrida pelo ouro da Coroa. Só mais tarde ficaria aborrecido, ao saber que da Santa Maria as luzes haviam sido avistadas horas antes. Na aurora de 12 de outubro, os barcos desciam ao mar e os marinheiros chegavam a uma areia amarela, onde os aguardavam pássaros e homens nus. Alguns marujos estavam vestidos como soldados, com o colete de couro, mosquetões e arcabuzes. Cristóvão Colombo levava a espada e o estandarte real; vestia-se como grande senhor da corte de Espanha. Enfim, todos desceram, beijaram a terra e oraram. Os índios tinham fugido para uma floresta próxima. Que surpresa não teriam diante de tais sucessos os inimigos do almirante? Em novembro de 1486, ele foi submetido a um verdadeiro suplício pelos sábios religiosos de Salamanca. Os dominicanos eram o poço do saber da Inquisição e nas cinco horas em que tiveram pela frente Cristóvão Colombo o trataram como se trata o grotesco. Mal reconheceram seus méritos de desenhista de mapas. Quanto ao resto, tinham este senhor Colombo como um falso Messias da geografia, negador de milenar verdade teológica, defensor da idéia de uma terra redonda, à qual a milenar reflexão da Igreja já tinha reduzido ao mais vil dos absurdos. Ou ele entendia que podíamos nós, os homens, ter antípodas, que viveriam do outro lado de uma circunferência, de pernas para o alto e cabeça para baixo? Que o senhor Colombo poupasse a Coroa e a Humanidade de tais bobagens; que abandonasse a idéia de tal viagem - foi isto o que ele ouviu. Mas, para ele, Deus - dizia - reservava um
Para numerosos viajantes, o cenário americano estava repleto de misteriosas e inegáveis possibilidades. Ali, o milagre parecia novamente incorporado incorpora do à natureza: uma natureza ainda cheia de graça matinal, em perfeita harmonia e correspondência com o Criador. O próprio Colombo, sem dissuadir-se de que atingira pelo Ocidente as partes do Oriente, julgou-se em otro mundo ao avistar as costas verdejantes da América, onde tudo lhe dizia estar a caminho do verdadeiro Paraíso Terreal. As mesmas imagens bíblicas, reafirmadas pelos cosmógrafos mais acreditados da época, acharia Colombo em seu desembarque nas Antilhas: terras de fertilidade inaudita, árvores de copas altíssimas, fragrantes e carregadas de frutas, a eterna primavera musicada pela alegria dos cantares de pássaros de mil cores...
SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA em A Visão do Paraíso
INTRODUÇÃO APRESENTAÇÃO A PRIMEIRA VIAGEM A SEGUNDA VIAGEM A TERCEIRA VIAGEM A QUARTA VIAGEM O TESTAMENTO CRONOLOGIA DA VIDA E DA ÉPOCA DE CRISTÓVÃO COLOMBO