Tese de Doutorado O Design de Hipermídia Mônica Moura Orientador: Prof. Dr. Arlindo Machado Programa de Pós Graduação em Comunicação e Semiótica PUC/SP
2003
Banca: Prof. Dr. Gustavo Amarante Bomfim Profa Dra Maria Cecília Loschiavo Profa Dra Lucrécia D’Alesso Ferrara Profa Dra Gisele Beiguelman Orientador: Prof. Dr. Arlindo Machado
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Capítulos: Introdução................................................................................................................................................................................ 5 1.
De onde vem o Design? .................................................................................................................................................... 9 1.1. Os Percursos na(s) História(s) do Design ...................................................................................................................... 15 1.1.1. Percurso 1- Revoluções, Mudanças e o Design. ..................................................................................................... 15 1.1.2. Percurso 2 - O Artesanato como o Princípio do Design. ........................................................................................ 28 1.1.3. Percurso 3 - A Troca de Conhecimentos para o Estabelecimento do Design: grupos, movimentos, ensino e formação. ............................................................................................................ 35
2.
O que é Design?.............................................................................................................................................................. 85 2.1. Nomenclatura ou Este Nome (ainda) é um Problema? ! ... .......................................................................................... 86 2.2. Buscando a (s) Definição (ões) de Design.................................................................................................................... 97 2.3. Sobre o Conceito de Design ....................................................................................................................................... 129
Hibridismos..............................................................................................................135
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Sumário Introdução ............................................................................................................................................................................... 5 1.
De onde vem o Design? .................................................................................................................................................... 9 1.1. Os Percursos na(s) História(s) do Design ...................................................................................................................... 15 1.1.1. Percurso 1- Revoluções, Mudanças e o Design...................................................................................................... 15 1.1.2. Percurso 2 - O Artesanato como o Princípio do Design. ........................................................................................ 28 1.1.3. Percurso 3 - A Troca de Conhecimentos para o Estabelecimento do Design: grupos, movimentos, ensino e formação. ............................................................................................................ 35
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O que é Design? ............................................................................................................................................................. 85 2.1. Nomenclatura ou Este Nome (ainda) é um Problema? ! ............................................................................................. 86 2.2. Buscando a (s) Definição (ões) de Design... ................................................................................................................ 97 2.3. Sobre o Conceito de Design ....................................................................................................................................... 129
Considerações Finais ........................................................................................................................................................... 139 Bibliografia........................................................................................................................................................................... 150
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Introdução O que nos levou a desenvolver este trabalho foi o interesse pela inter-relação entre a criação, o desenvolvimento de projetos e as tecnologias digitais e interativas como uma nova linguagem. Este interesse foi intensificado e ampliado quando tivemos a oportunidade de implementar, a partir do ano de 1994, um projeto pedagógico no ensino superior destinado à formação de profissionais para a área de design direcionado às novas mídias digitais e interativas. Portanto, a nossa atuação profissional, nossas indagações, questionamentos, reflexões, pesquisas, bem como a observação e a análise dos processos cotidianos na área de design destinada ao ensino e a formação resultaram na sistematização do trabalho aqui apresentado. A partir do estudo das teorias pertinentes à hipermídia e das teorias relativas ao campo do design, pretendemos demonstrar que uma nova categoria ou especialidade do design se configura por meio do surgimento dos processos da informática e através da disseminação dos sistemas e das tecnologias da informação e da comunicação. Desejamos, ainda, demonstrar que este fato constitui uma nova linguagem e, implica uma nova abordagem para a atividade projetual. A nossa hipótese de trabalho é que o design de hipermídia tem características e linguagem próprias
e pertence ao universo do design, isto é, está afeito ao desenvolvimento projetual e como tal ligado às origens do design como seu campo maior, porém fazendo parte de uma especialidade ou ramificação possibilitada pelo surgimento e disseminação das mídias digitais e interativas. Antes de nos aprofundarmos nos princípios, fundamentos, características e elementos do design de hipermídia, foco principal do nosso trabalho, consideramos relevante estabelecer algumas questões que dizem respeito ao universo do design, e para isso, torna-se fundamental traçar o caminho histórico e suas possibilidades de percurso, a definição e uso da terminologia com suas atribuições e funções, bem como as contradições e discussões referentes a esta área, que chegam até nossos dias. A importância do resgate histórico na área do design se dá pelo fato desta área ser recente em termos históricos e profissionais, especialmente no Brasil. O primeiro escritório de design foi inaugurado há 45 anos e há apenas 14 anos ocorreu a implementação da primeira associação profissional brasileira – ADG (Associação dos Designers Gráficos), fundada em 1989, na capital de São Paulo.1 1
O primeiro escritório de design brasileiro, denominado Forminform, foi instalado em São Paulo no ano de 1958 pelo artista plástico e designer Geraldo de Barros tendo como seus sócios o designer Alexandre Wollner, o artista plástico Rubem Martins e o administrador e publicitário Walter Macedo. Portanto, considera-se este um marco da história profissional do design brasileiro. Oito anos depois, em 1966, é fundado o escritório de
O Design de Hipermídia
6 Após estudar vários autores sobre a história e as origens do desenvolvimento do design, passamos a acreditar que existem três caminhos diversos, que seguiram percursos paralelos e talvez complementares.
a ser design, estudos sobre o campo de atuação desta área e sobre a atividade profissional, resgate das relações design e artesanato brasileiro, pesquisas sobre o papel social do designer e das relações entre design e equilíbrio sustentável.
Esta questão é apresentada no capítulo 1 que centra-se na discussão sobre a origem do design colocada através da seguinte pergunta: de onde vem o design?
Ainda faltam discussões mais aprofundadas sobre as relações entre design e uma série de questões que consideramos essenciais para a reflexão sobre este campo, tais como, a relação entre design e cultura, design e linguagem, design e tecnologia, design e arte, design, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, design e o projeto, design e a profissão, design e o mercado. Enfim, questões que envolvem o pensar e o refletir sobre o design e a sociedade, design e desenvolvimento do país, design e educação.
Para responder a esta questão são apontadas três possibilidades de percursos de surgimento e de desenvolvimento do design. O percurso 1 trata das revoluções, dos processos de mudanças e o design, isto é, a relação entre a Revolução Industrial e o design, que culmina na Grande Exposição Internacional de 1851. O percurso 2 apresenta o artesanato como o princípio do design e o percurso 3 trata do estabelecimento e desenvolvimento do design através da troca e do desenvolvimento de conhecimentos e técnicas possibilitados por meio de grupos, corporações, movimentos e escolas. No nosso trajeto de pesquisa pudemos perceber que ainda existem muitas carências na área de design no Brasil. Além do resgate histórico há outras questões fundamentais para serem disseminadas, como por exemplo, a definição e a conceituação do que vem
design PVDI (programação visual e desenho industrial) de Aloísio Magalhães, no Rio de Janeiro.
O capítulo 2 centra-se nestas questões partindo da pergunta: o que é o design?. Neste capítulo são apresentadas a problemática relacionada à nomenclatura adotada no Brasil, as definições de design em seus campos de correlação e de interrelação, finalizando com um enfoque plural sobre o conceito de design. O design adquiriu maior importância nos momentos da história da humanidade em que ocorreram significativas mudanças sociais e tecnológicas que influenciaram diretamente os sistemas produtivos. Estas mudanças trouxeram também a produção de novos objetos e artefatos, novos produtos de informação e comunicação, levando ao
7 desenvolvimento da cultura material, além de gerar modificações nos processos de criação, produção e da atividade projetual. Portanto, não é de estranhar que, com a introdução das novas tecnologias de processamento e de armazenamento de informações advinda dos sistemas da microinformática, o campo do design volta a ser valorizado e a compor a pauta dos assuntos cotidianos. A palavra design passou a ser empregada para quase tudo que nos rodeia, muitas vezes de forma incorreta ou inconsistente. Por outro lado, as organizações e o corporativismo de alguns profissionais não admitem que mudanças na tecnologia impliquem na modificação da linguagem e influenciem diretamente os modos de concepção, criação e produção, bem como, os modos de recepção e de interação do usuário. A introdução dos sistemas computacionais e de informática, somados ao surgimento da Internet causaram alvoroço no cotidiano profissional dos designers, ficando no limiar da descrença da subsistência deste meio por alguns pares de anos, ao mesmo tempo em que os escritórios e os profissionais começaram a ser solicitados para a criação e produção de projetos neste novo meio: as mídias digitais e interativas ou a hipermídia. Este novo meio - as mídias digitais e interativas ou a hipermídia -, que quase todos desconheciam, começou a se projetar com as fórmulas do passado e
da tradição do design gráfico. Tudo era concebido tal como um jornal ou uma revista, cuja diferença dos meios anteriores era a de que chegaria às pessoas em um novo suporte, então considerado o monitor do computador. Porém, os jovens profissionais que chegavam ao mercado de trabalho em muito contribuíram para mudar esta concepção. Com menos preconceitos, sem as rígidas formações funcionalistas e afeitos às novas mídias possibilitaram o surgimento de uma nova atitude projetual, estabelecendo o que podemos chamar de um novo design – o design para as mídias digitais e interativas, o design de hipermídia. Para discutir e apresentar o design de hipermídia trabalhamos com o enfoque da hipermídia e do design como linguagens que se inter-relacionam. Seguindo esta linha de pensamento o capítulo 3 trata da relação entre a hipermídia e o design a partir da definição de hipermídia e das considerações sobre o ciberespaço e a rede como o local de existência da hipermídia. E, ainda, o ciberespaço e a hipermídia são enfocados como um novo campo de atuação em design - o design de hipermídia - como uma nova forma de criação e desenvolvimento projetual. A linguagem do design de hipermídia é enfocada a partir dos princípios, características, fundamentos e elementos que a constituem. Os princípios e características do design de hipermídia são discutidos no capítulo 4. As questões da multiplicidade, processamento e síntese, metamorfose, potencialidade, complexidade,
O Design de Hipermídia
8 conectividade, heterogeneidade, mobilidade e topografia são apresentadas como os princípios do design de hipermídia, enquanto as características desta linguagem são apontadas como o hibridismo, a hipertextualidade, a interatividade, a nãolinearidade e a navegabilidade. O capítulo 5 centra-se nas questões relacionadas aos fundamentos e elementos do design de hipermídia apontados a partir de sete eixos: a interface como o espaço de relação e de interação; a grade como estrutura de criação e de construção; o código visual e sonoro como a expressão de conceitos e propostas; o código verbal, hipertextual e suas relações tipográficas; a navegação como o exercício da nãolinearidade; o design de informação como a essência do projeto de hipermídia; a interatividade como o espaço de troca e relação. Para demonstrar a aplicação das questões tratadas ao longo do trabalho, o capítulo 6 centra-se em estudos de casos a partir da análise de projetos de hipermídia realizados como trabalhos de conclusão de curso2 por jovens formandos em design que, afeitos a estas novas tecnologias, apresentam em seus projetos os princípios, características e elementos fundamentais do design de hipermídia como uma nova linguagem.
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Os trabalhos de conclusão de curso constituem um dos requisitos para a aprovação final no curso de Design Digital da Universidade Anhembi Morumbi, localizada na capital de São Paulo.
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Capítulo 1 De onde vem o Design?
O Design de Hipermídia
10 Antes de nos aprofundarmos nas características e abrangência do design de hipermídia, foco principal do nosso trabalho, consideramos relevante estabelecermos algumas questões que dizem respeito ao universo do design, e para isso, torna-se fundamental traçarmos o caminho histórico e suas possibilidades de percurso, a definição e uso da terminologia com suas atribuições e funções, bem como as contradições e discussões referentes a esta área, que chegam até nossos dias. O design de hipermídia, também chamado de design digital, é um assunto polêmico e fragilizado no mercado profissional de design, pois, ora é considerado puro uso da forma sem conteúdo ou puro uso da tecnologia sem nenhum fundamento, levando à pirotecnia técnica, ora é considerado dentro de outra especialidade do design, o design gráfico, como se fosse um apêndice. Devemos lembrar que, no design gráfico, imperam os preceitos e os fundamentos da linguagem da mídia impressa devido à tradição desta especialidade e ao fato de a tecnologia existente no surgimento do design ter sido atrelada a dois universos: a tecnologia para desenvolvimento de produtos e a tecnologia gráfica. Ao refletirmos sobre a história da humanidade, podemos perceber como os objetos e as imagens são importantes, pois são estas que ao ficarem registradas, pontuam e constroem a própria história do homem, compondo a cultura
material3. Para exemplificar, basta observarmos os grandes conjuntos e acervos simbólicos que foram constituídos e tornaram-se tradição e legado da humanidade, encontrados em todos os países do mundo, nos museus e coleções de objetos ou de obras de arte. Portanto, só o resgate histórico nos possibilitará conhecer as origens e os percursos desenvolvidos para melhor compreender e analisar o presente e poder vislumbrar e prospectar o futuro. A preocupação em restabelecer a história, em estabelecer a base, a origem de onde e como surgiu o design é recorrente em todos os autores que foram estudados e analisados por nós para que pudéssemos realizar este trabalho, mais especificamente para o desenvolvimento deste capítulo,
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Este termo foi utilizado pela primeira vez por O. Brik (1888-1945), pesquisador que durante os anos de 1918 e 1919 foi colaborador da Revista Iskusstvo Kommuny e introduziu a noção de cultura material afirmando: “fábricas, estabelecimentos, laboratórios esperam a chegada de artistas, que haverão de oferecer modelos de objetos novos, nunca antes vistos. Os operários estão cansados de repetir sempre os mesmos objetos, saturados do espírito burguês. Querem objetos novos […] . Haverão de organizar imediatamente institutos de cultura material, para que os artistas possam preparar-se para criar novos objetos de uso cotidiano para o proletariado, para elaborar os protótipos destes objetos, futuras obras de arte” (Maldonado: 1993, 31-32). Conforme comentários de Tomás Maldonado “neste texto publicado pela primeira vez na Iskusstvo Kommuny, Brik tem a surpreendente intuição que a tipologia dos objetos herdada do capitalismo pode e deve ser substituída radicalmente. Considera impensável a revolução da vida cotidiana sem a revolução da cultura material; ainda que, coisa estranha, segue falando dos novos produtos em termos de ‘obras de arte’ ” (Maldonado: 1993, 31-32).
11 sejam eles historiadores, economistas, pesquisadores e teóricos do design.
designers,
armazenamento e para cocção, vestuário e objetos de adorno.
Os autores são: Alexandre Wollner, Bernhard E. Burdek, Charlotte e Peter Fiell, Claudio Ferlauto, Eric J. Hobsbawm, Gillo Dorfles, Guilherme da Cunha Lima, Herbert Read, John Heskett, Lucy Niemeyer, Nikolaus Pevsner, Pedro Luiz Pereira de Souza, Rafael Cardoso Denis, Rainer Wick, Richard Hollis, Tomás Maldonado.
E, conforme ia sendo ampliada a complexidade de relações da dinâmica cultural, dos usos e costumes somados à descoberta de novos materiais, ao aperfeiçoamento ou ao desenvolvimento de novas técnicas e de outras tecnologias ia sendo modificado, ampliado e desenvolvido o conjunto desses objetos.
Acreditamos que somente a realização de estudos e pesquisas mais aprofundadas sobre esta área permite discutir as questões inter-relacionadas a ela, amplia a visão em relação ao universo do design, bem como propõe novos caminhos e soluções para uma área tão rica e diversa.
Poderíamos, então, afirmar que as questões relativas ao design, tais como forma, função, uso, estética e tecnologia estavam atendidas e, portanto, pertinentes ao resgate da história do design. Mas onde estariam os documentos, os projetos? Como comprovar o desenvolvimento projetual? Ou seria a história da arte aplicada à própria história do design?
Porém, o que existe de pesquisa histórica ainda é recente. “Os primeiros ensaios datam da década de 1920, mas podese dizer que a área só começou a atingir sua maturidade acadêmica nos últimos vinte anos” (Denis, 1998: 318-322, Anais do P&D). Uma visão simplista e cômoda, de relacionamento direto e imediato com comprovações e leitura de senso comum, seria dizer que a história do design inicia-se no momento em que o homem pré-histórico criou o primeiro objeto com uma finalidade prática, seja uma lança, seja uma vasilha. Não obstante, por toda a história da humanidade e em todas as sociedades foram criados objetos com funções determinadas para atender às necessidades humanas: mobiliário, meios de transporte, ferramentas, objetos para
Gillo Dorfles discute essa historiografia, questionando: “em que época poderemos situar precisamente a origem do design? É evidente que surgiu depois da invenção dos meios de produção mecânicos. É certo que muitos pretendem assimilar o produto industrial ao objeto artesanal, pela analogia da função, do aspecto e até dos materiais empregados num e noutro caso. Contudo, esta teoria é muito discutível, se não inexata” (Dorfles: 1978, 101-104). Para Bernhard E. Bürdek (1999), designer, pesquisador e professor desta área, a origem do produto, conforme sua finalidade, remonta à antiguidade. Segundo ele, a inventividade e a significação da obra de Leonardo da Vinci o coloca no patamar de representante do design no Renascimento.
O Design de Hipermídia
12 E também Herbert Read, historiador de arte, coloca que “entre um copo de vidro da época romana e outro atual, moldado em série, ou entre uma ânfora grega ou uma vasilha asteca e um moderno vaso de barro, existem profundas semelhanças, capazes de justificar a inclusão dos objetos do artesanato antigo na mesma categoria que os modernos do desenho industrial” (Read apud Dorfles: 1987, 104). Por sua vez se contrapondo à afirmação de Read, Gillo Dorfles diz que “contudo, a analogia entre os produtos do artesanato e os da indústria é muito limitada e não nos deve induzir em erro: se a finalidade prática está na base de produção de uns e de outros, o que conta é o fato do produto industrial ser fabricado mediante um trabalho exclusivamente mecânico, e não manual, enquanto o objeto artesanal é sempre realizado – pelo menos parcialmente – à mão. Mas, desde que a intervenção mecânica entra em jogo, é óbvio que a forma do objeto, tanto sob o aspecto prático quanto sob o estético, deverá corresponder a requisitos de elaboração muito diferentes e até opostos” (Dorfles: 1978, 104-105). Acreditamos - pelo que temos de informações a respeito até este momento - que a inexistência de equipes de pesquisa interdisciplinares, contando com a participação efetiva de designers para o resgate histórico deste campo é que impossibilita estabelecer com precisão um universo mais amplo de relações e comprovações históricas, ficando a análise histórica no âmbito mais particular de crenças, concepções e valores.
Ainda na discussão sobre as características, os limites e o princípio da história do design, no que diz respeito às diferenças entre processo artesanal e processo industrial, e na tentativa de encontrar um marco divisório entre o artesanato e o design, Rafael Cardoso Denis, historiador, professor e pesquisador, coloca que: “historicamente, porém, a passagem de um tipo de fabricação, em que o mesmo indivíduo concebe e executa o artefato, para um outro, em que existe a separação nítida entre projetar e fabricar, constitui um dos marcos fundamentais para a caracterização do design. Segundo a conceituação tradicional, a diferença entre design e artesanato reside justamente no fato de que o designer se limita a projetar o objeto para ser fabricado por outras mãos ou, de preferência, por meios mecânicos” (Denis: 2000, 17). Conforme Fiell (2000) antes dos processos industriais, a concepção e realização de um objeto ficava a cargo de um criador. Com o surgimento desses processos e a divisão de trabalho, a concepção e planejamento (design) do objeto foram separadas de sua execução. Porém, poderíamos desenvolver um estudo somente sobre as relações do artesanato e do design, indicando suas semelhanças e suas diferenças, mas como não é este o foco principal desta pesquisa, vamos apenas questionar com um exemplo contemporâneo de design, em que cada peça é desenvolvida manualmente pelo próprio designer. Estamos nos referindo aos valorizados designers brasileiros Fernando e Humberto Campana, conhecidos como Irmãos Campana, recentemente citados pela revista italiana
13 Abitare como os designers mais influentes da atualidade. Eles lançaram no Salão Internacional de Design 2002, em Milão, um livro com tiragem limitada e projeto gráfico de própria autoria, cujas capas são confeccionadas artesanalmente pela dupla, garantindo uma singularidade a cada peça deste produto. E pensamos ainda: em uma oficina de artesãos realmente é uma única pessoa a responsável pelo desenvolvimento de um objeto em todo o seu processo de fabricação ou várias pessoas partilham dessa produção, cada qual atendendo a uma das partes componentes de uma peça ou objeto? Também podemos considerar que nas oficinas de artesãos podem existir processos mecânicos, por exemplo, um torno mecânico. Ainda que não caia por terra o conceito tradicional sobre o designer apenas conceber e planejar, porém não executar, ainda assim, com o advento das tecnologias digitais de processamento da imagem, é possível a um designer, hoje, ser conhecedor dos sistemas e do software de que necessita para atender à concepção, ao planejamento e à produção de seus projetos. Segundo Pedro Luiz Pereira de Souza, designer, professor, pesquisador e diretor entre os anos de 1988 e 1992 da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial, primeira escola brasileira de design), “se não se deve invalidar a historiografia oficial do design, por outro lado, não se pode deixar de demonstrar seu caráter fragmentado ou parcial, que a conduz a problemas de interpretação tanto em aspectos sociais e econômicos, como na própria
apresentação pouco crítica das idéias estéticas e das inovações tecnológicas discutidas” (Souza: 1997, 11). Este caráter fragmentado, muitas vezes parcial, pode ser atribuído à pluralidade de relações que este campo propicia, isto é, muitas histórias da história do design podem e poderão ser escritas, se considerarmos que esta área é inter e transdisciplinar e envolve relações diretas com a tecnologia, com a estética, com a cultura material, com a funcionalidade, com a produção industrial, com a produção artesanal, com o mercado. Portanto, “ (...) o design pode ser visto como um debate entre diferentes opiniões sobre assuntos como o papel da tecnologia e o processo industrial, a primazia da utilidade, simplicidade e custo, sobre o luxo e a exclusividade, e o papel da funcionalidade, estética, ornamento e simbolismo em objetos práticos para o uso comum” (Fiell: 2000, 08). E ainda, “constantemente o design se vê situado diante de opções de permanência (indicadas pela racionalidade) e de mudança (indicadas pelo mercado). Disciplina ou turbulência do mercado têm sido pólos extremos entre os quais se têm traçado os contornos das histórias do design” (Souza: 1997, 12). Entretanto, se há um ponto comum entre a maioria dos autores que se propõem a discutir e a apresentar a história do design, é o momento em que uma substancial mudança no conceito de trabalho e no modo de produção, bem como a introdução do sistema de serialidade, tornam-se presentes: a Revolução Industrial.
O Design de Hipermídia
14 Para exemplificar apresentamos algumas citações a seguir: “Sem dúvida, é propriamente a partir de meados do século XIX, ou seja, a partir da Revolução Industrial, que se fala de desenho industrial no sentido atual da palavra” (Burdek:1999, 19). “Até certo ponto as origens do design podem remontar à Revolução Industrial e ao nascimento da produção mecanizada” (Fiell: 2000, 06). “O chamado design gráfico nasceu – como o desenho industrial – da Revolução Industrial no final do século XIX” (Ferlauto:2002, 57). “Quando surgiu o desenho industrial? Contrariamente ao que sucede com outras atividades artísticas, cujas origens se perdem na noite dos tempos, é realmente possível estabelecer com suficiente rigor a época da aparição do desenho industrial. A chamada Revolução Industrial, cujo início se costuma situar na segunda metade do século XVIII, foi a base inegável do design, o fator de sua criação” (Dorfles: 1978, 109). “No entanto, é preciso verificar que a moderna consciência social e cultural da técnica e do design é resultado de um desenvolvimento autônomo, fortemente condicionado pelo processo de desenvolvimento concreto da sociedade – no caso do design, pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista” (Souza: 1997, 11). Este capítulo foi organizado com a proposta de apresentar quais as possíveis origens do design. Após a contextualização
apresentada anteriormente, apresentaremos a seguir os caminhos ou os percursos que acreditamos venham a construir esta história.
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1.1. Os Percursos na(s) História(s) do Design Após estudarmos os vários e importantes autores sobre a história e as origens do desenvolvimento do design, passamos a acreditar que existem três caminhos diversos, mas que seguiram por percursos paralelos e talvez sejam complementares. Podemos defini-los da seguinte maneira: 1. As mudanças trazidas a partir das revoluções européias, especialmente a Revolução Industrial com suas mudanças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas; 2. As relações do artesanato mediante a industrialização e as sociedades que não sofreram efeitos da Revolução Industrial; 3. A troca de conhecimentos sistematizada a partir de grupos organizados que geraram movimentos, comunidades, guildas, bem como a formação centrada e formal existente a partir da implantação e do desenvolvimento das escolas de tecnologia e de design/desenho industrial.
1.1.1. Percurso 1- Revoluções, Mudanças e o Design Antes de tratarmos da Revolução Industrial, propriamente dita, é importante estabelecermos os principais fatos e situações que prenunciavam aquele momento, em meados do século XVIII. O mundo era geograficamente e populacionalmente menor que o nosso, apenas algumas partes das regiões habitadas eram conhecidas, a maior parte da superfície dos oceanos já havia sido explorada e mapeada. “Com excessão dos da
China e da Índia, o curso dos grandes rios do mundo era um mistério para todos…” (Hobsbawn, 1982: 23). A população era muito menor do que temos agora em toda a terra e “(...) era muito mais esparsamente distribuída pela face do globo, exceto talvez em algumas pequenas regiões de agricultura intensa ou de alta concentração urbana, tais como partes da China, Índia e Europa Central e Ocidenta (…)” (Hobsbawn, 1982: 23). O transporte de passageiros e mercadorias por terra era de pequeno quantidade e de alto preço, enquanto o transporte marítimo era mais rápido e barato. Portanto, “estar perto de um porto era estar perto do mundo…” (Hobsbawn, 1982: 26). Entretanto, “o final do século XVIII era, pelos padrões medievais ou do século XVI, uma era de comunicações rápidas e abundantes, e mesmo antes da revolução das ferrovias, eram notáveis os aperfeiçoamentos nas estradas, nos veículos puxados a cavalo e no serviço postal. Entre a década de 1760 e o final do século, a viagem de Londres a Glasgow foi reduzida de 10 ou 12 dias para 62 horas” (Hobsbawm: 1982, 25). As informações e as notícias transitavam apenas através da população itinerante, entre eles, os andarilhos, os peregrinos, os trabalhadores temporários, os mascates e mercadores. Os jornais eram destinados às classes alta e média, apenas um pequeno número da população sabia ler. As notícias oficiais vinham através do Estado e da Igreja.
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16 O mundo era essencialmente rural, porém o meio urbano, as cidades grandes eram basicamente Londres (com cerca de um milhão de habitantes) e Paris (com cerca de meio milhão de habitantes). O camponês era um típico lavrador arrendatário e pagava aluguel ou cotas de safra ao dono ou senhor daquelas terras, fato que levou algumas regiões, tal como a Inglaterra, a desenvolver uma agricultura capitalista. Por volta de 1760 e 1830 surgiu uma classe de empresários agrícolas, os fazendeiros, e um enorme proletariado rural. O sistema agrícola era considerado lento e moroso enquanto “(…) os mundos do comércio e das manufaturas e as atividades intelectuais e tecnológicas que os acompanhavam, eram seguros de si e dinâmicos, e as classes que deles se beneficiavam eram ativas, determinadas e otimistas” (Hobsbawm: 1982, 35). Somado a estas mudanças também ocorria o desenvolvimento comercial, a exploração colonial e expandiam-se em volume e capacidade as vias comerciais marítimas. O sistema fabril expandia-se através dos mercadores e senhores feudais que detinham o controle sobre este sistema e cuja principal forma de expansão industrial era “(…) o chamado sistema doméstico ou do bota-fora, no qual o mercador comprava os produtos dos artesãos ou do tempo de trabalho não agrícola do campesinato, para vendê-los em um mercado mais amplo. O simples crescimento deste comércio inevitavelmente criou condições rudimentares
para um precoce capitalismo industrial” (Hobsbawm: 1982, 36). Até meados do século XVIII, a criação e a produção das imagens e dos objetos estavam vinculadas aos artistas ou aos artesãos em seus ateliês e oficinas, provavelmente sem o hábito, sem a necessidade e sem as preocupações determinantes para o processo de reprodução e de seriação. Na implantação do capitalismo industrial o artesão transformava-se em um trabalhador pago por artigo produzido especialmente nas situações em que o mercador lhe fornecia a matéria prima e arrendava o equipamento produtivo. Nesse período, “o velho mestre-artesão, ou algum grupo especial de ofícios ou mesmo de intermediários locais poder-se-iam transformar em algo parecido com empregadores ou subcontratadores” (Hobsbawm: 1982, 36). Portanto, surgem novos atores sociais impulsionados pelo desenvolvimento industrial: trabalhadores semiqualificados, operadores, empregadores, subcontratadores, chefescontroladores, industriais e empresários. É também neste momento que estavam sendo aplicadas algumas das questões anteriormente levantadas pelo Iluminismo, entre elas, a convicção no progresso do conhecimento humano, a racionalidade, a riqueza advinda do controle sobre a natureza, a economia livre: a liberdade de produção, de comércio, de associação, concorrência e de circulação de mercadorias. Além da constituição do homem livre do sistema feudal e com liberdade para vender a sua força de trabalho a quem bem lhe conviesse.
17 O crescente avanço das idéias iluministas leva a uma situação na qual “a apaixonada crença no progresso que professava o típico pensador do iluminismo refletia os aumentos visíveis no conhecimento e na técnica, na riqueza, no bem-estar e na civilização (...)” (Hobsbawm: 1982, 37). Sendo assim, conforme Hobsbawn (1982), podemos dizer que a semente de uma das mais importantes mudanças na história ocidental - a Revolução Industrial - encontrava-se na somatória de fatores como: as idéias iluministas, as questões agrícolas, o crescimento populacional e urbano, o desenvolvimento fabril e comercial, a questão do lucro privado e o desenvolvimento econômico, estes dois últimos, os supremos objetivos da política governamental. A Revolução Industrial Os séculos XVIII e XIX foram marcados, em seus cenários políticos, por movimentos e revoluções de espírito liberalnacionalista e, em seus cenários econômicos, pela Revolução Industrial. A Revolução Industrial é indicada como o mais importante acontecimento desde a invenção da agricultura e das cidades. Ocorreu na Inglaterra e seu início é datado de 1780 (antes da queda da Bastilha), é a partir deste momento que passam a existir documentos comprobatórios de que “(…) os índices estatísticos relevantes deram uma guinada repentina, brusca e quase vertical para a ‘partida’. A economia, por assim dizer, voava” (Hobsbawm: 1982, p. 44).
Geralmente são indicadas duas fases da Revolução Industrial, sendo a primeira de 17804 a 1840 e a segunda fase a partir de 1840, com a construção das ferrovias e a implantação da indústria pesada na Grã-Bretanha. As principais características da Revolução Industrial devemse à mudança da relação das forças produtivas e das relações de produção. Isto quer dizer que a partir do surgimento e desenvolvimento das máquinas e equipamentos, da técnica e da tecnologia ocorreu a mudança das forças produtivas. A mudança no conceito de trabalho passa a existir com a transformação do trabalho em força de trabalho, impondose novas relações sociais de produção. Estas mudanças deflagram o surgimento de novas classes sociais: o proletariado e a burguesia. Ao mesmo tempo em que existiam aspectos positivos na Revolução Industrial, também a alienação e a miséria desenvolviam-se como algumas de suas conseqüências, pois “desde as origens, o sistema de fábrica instituiu a dominação no âmbito social como a apropriação de saberes. O saber técnico do trabalhador significava um momento seu de autonomia face ao processo de trabalho. Na fábrica, a divisão social do trabalho, a disciplina, o controle dos meios e da própria produção geravam a alienação dos 4
“Sabe-se que foi na fabricação de tecidos de algodão que o grande surto industrial primeiro se verificou, com um aumento de cerca de 5.000% da produção entre as décadas de 1780 e 1850. Um crescimento tão grande para absorver todo esse volume e um retorno crescente que justifique a expansão rápida da oferta, ambos fatores que existiram na época” (Denis: 2000, 20 e 21).
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18 trabalhadores de seus saberes, transferindo-os para o mando do capitalista” (Niemeyer: 1997, 29-30). Economicamente, a Grã-Bretanha estava com um parque fabril mecanizado produzindo grandes quantidades e, quanto maior a quantidade, menor o custo e maior o lucro. Este sistema permitiu a criação de um mercado próprio – não havia dependência da existência de um mercado, pois este estava sendo criado. Neste ambiente de efervescência e de contrastes nas questões econômicas e sociais, ocorriam concomitantemente outras discussões e questionamentos, tais como, a proliferação das máquinas, equipamentos e sistemas que versavam sobre a tecnologia e as relações da forma, as questões estéticas e suas relações com os sistemas de produção. Podemos situar aí as sementes para o nascimento do design, pois este campo desenvolve-se a partir de uma estreita relação entre a tecnologia e a concepção da forma em um sistema que permite a reprodução do objeto. Porém, quando falamos de desenvolvimento tecnológico é importante destacar que não nos remetemos à alta tecnologia, ou seja, grandes inventos, mas sim, aos novos e simples inventos que com sua utilização modificaram o curso da história da produção. “A máquina de fiar, o tear movido a água, a fiadeira automática e, um pouco mais tarde, o tear a motor – eram suficientemente simples e baratos e se pagavam quase que imediatamente em termos da maior produção” (Hobsbawm: 1982, 53).
O desenvolvimento tecnológico também contribuiu para a passagem do trabalho manual para o trabalho mecanizado, fato que gerava a possibilidade de diminuir o número de homens em uma das etapas do processo, bem como substituir homens por máquinas. Esta discussão é muito semelhante e próxima ao que se viu com a introdução das tecnologias da informática. Aliás nos parece que sempre que novas tecnologias são implantadas em um sistema produtivo reacendem-se estas questões. Então, podemos dizer que desde o momento inicial da Revolução Industrial até a industrialização propriamente dita, houve uma fase marcada pela introdução de novos métodos produtivos, sejam eles de racionalização ou reorganização da produção fabril, bem como a utilização de novos equipamentos, materiais e tecnologias. O Design e a Revolução Industrial Como vimos anteriormente, a Revolução Industrial, além dos fatores de mudança social, das relações de trabalho e das relações econômicas, estimulou o desenvolvimento industrial e tecnológico. O rápido crescimento urbano e populacional gerou e estimulou o consumo e a necessidade da fabricação de outros produtos além de tecidos; que representavam a grande massa industrial daquela época – a indústria inglesa era algodoeira; então, por volta de 1830 outras indústrias passaram a ser desenvolvidas e implantadas, tais como as de alimentos, de bebidas, de cerâmicas e outros produtos de uso doméstico. É aí que se concentrará nosso estudo, no
19 desenvolvimento projetual de produtos que atendam às necessidades humanas caracterizando o design. Conforme Maldonado (1993), é no momento da Revolução Industrial que os produtos mecânicos manufaturados são descobertos não como uma erupção histórica arbitrária, e sim como o resultado de um tecido complexo de interações socioeconômicas. Portanto, “até certo ponto as origens do design podem remontar à Revolução Industrial e ao nascimento da produção mecanizada. Antes disso, os objetos eram manufaturados, significando que a concepção e realização de um objeto estava freqüentemente a cargo de um criador individual. Com o aparecimento do processo industrial de fabrico e a divisão de trabalho, o design (concepção e planejamento) foi separado da execução. Nesta altura, no entanto, o design era visto apenas como um dos muitos aspectos inter-relacionados da produção mecanizada” (Fiell: 2000, 06). Devido a um propício mercado existente, aberto às possibilidades de consumo, as indústrias, praticamente de todos os países europeus daquela época, começam a produzir produtos para a massa populacional e também para a classe média. Eram produtos têxteis, produtos para construção civil, objetos de metal, objetos de uso doméstico, entre outros. Em todos os países “(…) a dianteira no crescimento industrial foi tomada por fabricantes de mercadorias de consumo de massa – principalmente, mas não
exclusivamente, produtos têxteis – porque o mercado para tais mercadorias já existia e os homens de negócios podiam ver claramente suas possibilidades de expansão” ( Hobsbawm: 1982, 49). Com relação à classe média, segundo Hobsbawm (1982), por volta de 1840 existiam muitos sinais de que esta classe se sentia suficientemente rica tanto para gastar quanto para investir. As mulheres da classe média se transformaram em madames instruídas por manuais de etiquetas que se multiplicavam neste período. As capelas de sua devoção começaram a ser reconstruídas em estilos grandiosos e caros. No decorrer do século XVIII, segundo Denis (2000), tanto nas indústrias estatais quanto nas privadas ocorreram grandes e significativas transformações na forma de organização industrial, entre elas: - mudanças na organização do trabalho, na produção e nos sistemas de distribuição das mercadorias; - a escala de produção aumenta, atendendo a mercados maiores e mais distantes do centro fabril; - aumenta o número de trabalhadores e o tamanho das oficinas e das fábricas; - as fábricas passam a concentrar grandes investimentos de capital em instalações e equipamentos; - a utilização de processos e recursos técnicos (moldes, tornos e a mecanização) permitia a redução da variação individual do produto, possibilitando a produção seriada; - crescia a divisão de tarefas com a especialização de funções, inclusive com a separação das fases de planejamento e execução.
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20 Os investimentos em instalações e equipamentos para o aumento da produção, bem como a possibilidade da produção mecanizada em série, passam a ter resultados mais efetivos e mais significativos a partir da separação do trabalho e as fases distintas de planejamento e de execução, divididas em etapas características da produção seriada. Podemos associar esses fatores com a caracterização da aplicação do design, ou seja, o desenvolvimento projetual que envolve as fases de concepção, planejamento, execução e acompanhamento. O relacionamento dos processos de criação com os sistemas industriais de produção só pôde acontecer a partir do momento em que ocorreram mudanças processuais e técnicas. Desse modo, começam a se desenvolver novas formas no modo de pensar e de conceber conceitos e relações. Podemos dizer que o princípio do Design foi gerado a partir desses fatores e está a eles vinculado. Até aquele momento, a aplicação mais próxima do design era a produção artesanal. Tanto que, conforme Denis, as manufaturas reais e as indústrias privadas instalaram-se inicialmente em locais onde havia forte tradição na produção artesanal e oficinal com algum tipo de matériaprima, por exemplo, a cidade de Lyons tornou-se um centro de fabricação de seda; na Catalunha, se desenvolveu a indústria têxtil; e Staffordshire, na Inglaterra, caracterizouse pela produção de cerâmicas.
Enquanto novos parques fabris eram instalados, novos produtos eram produzidos, atendendo a uma crescente demanda. Os processos de produção mecanizada e seriada permitiam grande produção e, apesar da utilização dos processos de planejamento e execução em fases distintas, a concepção formal dos produtos era problemática se analisarmos a relação das questões formais e funcionais. Ou seja, nos parece que, naquele momento, a atividade projetual característica do design não estava plenamente implantada e utilizada. “Com o constante desenvolvimento tecnológico, passaram a ser usadas novas máquinas, novos materiais e novos processos de produção. Havia, porém, uma grande confusão quanto à concepção formal de produtos. Como o artesão foi afastado do processo de produção fabril, a coordenação da produção era feita pelo capitalista, cuja competência mais valiosa era de auferir lucros. Seu compromisso era com o capital e não com o projeto. Para ele, o usuário era reduzido à condição de comprador. Os empresários aplicavam as mais disparatadas configurações nos bens manufaturados: importante era que os custos de produção baixassem, a produtividade aumentasse e os ganhos crescessem” (Niemeyer: 1997, 31). Segundo Heskett (1997) havia uma influência do design por toda a Europa e muito se utilizou os ‘livros de padrões’ produzidos por artistas reconhecidos para uma grande variedade de objetos, porém o que prevalecia era a liberdade comercial e o lucro privado, conforme Hobsbawm (1982), o dinheiro falava e governava.
21 “Isso explica por que tantos dos nomes famosos mais identificados com os designs e produtos daquele período não eram artistas e designers, mas empresários comerciais e inovadores como Chippendale, Wedgwood e Boulton” (Heskett: 1997, 13).
“Desde o seu aparecimento, a máquina provocou um fenômeno decisivo para a história da arte moderna, com a passagem da produção artesanal para a fabricação industrial e o nascimento de uma nova classe trabalhadora” (Dorfles: 1978, 109).
Como já vimos, até os séculos XVIII e XIX a relação mais próxima para a criação de objetos era o processo artesanal e, em face das transformações propiciadas pela Revolução Industrial, uma das questões proeminentes foi a passagem do artesanato para a produção seriada, industrializada. Conforme Maldonado, a passagem da artesania para a produção industrial foi apoiada e incentivada por algumas iniciativas promocionais e legislativas.5 Com o aumento das inovações técnicas ocorreu a transformação do artesanato em processo mecanizado, surgiram novas indústrias que investiam na produção seriada de novas formas e de novos objetos, houve muitos investimentos para que pequenas oficinas artesanais se transformassem em fábricas com processos atualizados de mecanização.
Porém, a passagem do processo artesanal para a produção seriada em grandes quantidades não permitiu o desenvolvimento do pensar sobre as formas novas mediante as possibilidades geradas pelo desenvolvimento tecnológico, traduzidos naquele momento pelos novos processos mecânicos e também pelo sistema de seriação. Fato que levou à produção de um número imenso de objetos problemáticos, tanto do ponto de vista formal quanto funcional. A preocupação centrava-se na questão da quantidade, quanto maior a quantidade e menor tempo de fabricação, maior o lucro.
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As iniciativas assim chamadas por Maldonado como ações promocionais dizem respeito a uma série de exposições industriais e de produtos que foram incentivadas pelos poderes políticos e empresariais, tais como a Grande Exposição Industrial de Londres de 1851 e em 1862, a II Exposição Internacional de Paris em 1855, 1867, 1878 , 1889 e 1900, a exposição de Viena em 1873, a da Filadélfia em 1876, em Sidney no ano de 1879, a de Melbourne em 1861, a de Chicago em 1893. Enquanto as ações legislativas dizem respeito a leis estabelecidas nos últimos anos do século XIX que diziam respeito à segurança e higiene no trabalho (obrigando à utilização de proteção para o manuseio de máquinas e ferramentas) que foram promulgadas na Áustria entre os anos de 1883 e 1885, na Alemanha em 1891, na Inglaterra entre os anos de 1891 e 1895 e na França em 1893.
Portanto, “no meio desta corrida desenfreada não havia tempo para aperfeiçoar as inúmeras inovações que iam cair nos braços de produtores e consumidores. Depois da desaparição do artesão medieval, a qualidade artística de todos os produtos passou a depender de fabricantes incultos. Os desenhistas de certo valor não participavam na indústria, os artistas mantinham-se afastados e o trabalhador não tinha o direito de pronunciar-se sobre matéria artística. O trabalho era frio como nunca o fora antes na história da Europa. Trabalhava-se de doze a catorze horas por dia, e as portas e janelas das fábricas ficavam sempre fechadas” (Pevsner: 1994, 32-33).
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22 A alta produção que gerava grandes quantidades também gerava, na mesma proporção, a baixa qualidade, talvez porque “O liberalismo dominava tanto na filosofia quanto na indústria, e implicava a completa liberdade do fabricante para produzir todo o gênero de objetos de mau gosto e de má qualidade desde que conseguisse vendê-los. E isto era fácil, pois o consumidor não tinha tradição, nem educação, nem tempo livre, e era, tal como o produtor uma vítima deste círculo vicioso” (Pevsner: 1994, 33). Enquanto a maior parte da produção que se estabelecia a partir da dicotomia artesanato e indústria, causando resultados complicados, outras fábricas e manufaturas tentavam estabelecer uma linha de produção com melhores resultados formais e, para isto, contratavam ou empregavam artistas ou desenhistas para desenvolvimento de peças e produtos. Poderíamos afirmar que, nos exemplos abaixo apresentados, encontramos de forma mais clara e objetiva a história inicial do campo do design e o princípio da atuação profissional do designer. Conforme Heskett, provavelmente a aplicação do design na Europa se deu inicialmente nas manufaturas de produtos reais. Temos como exemplo a Fábrica de Gobelins, fundada em 1667, que atendia a corte francesa produzindo vidros, tapeçarias e móveis para a coroa, e que nomeou o pintor Charles Le Brun como diretor. Segundo Denis ao citar Bowman, “entre suas tarefas Le Brun exercia o papel de inventeur, ou criador das formas a serem fabricadas. Ele concebia o projeto (l’ idée) para um objeto e gerava um desenho, o qual servia de base para a produção
de peças em diversos materiais pelos mestres-artesãos em suas oficinas. Já existia portanto em Gobelins uma separação plena entre projeto e execução” (Denis: 2000, 23). Outras manufaturas seguiram o exemplo de Gobelins, como a manufatura real alemã Meissen (1709), cujo crescimento ocorreu devido à ampliação da classe média emergente, à abertura de mercados estrangeiros e a novos hábitos e costume, entre eles a popularidade de bebidas como o chá e o café, que vieram a contribuir para a grande produção e exportação de xícaras. Por sua vez, a França implantou em 1738 a manufatura real de louças de Sévres e também Portugal seguiu o mesmo exemplo, instalando a manufatura de louças do Rato e o lanifício Covilhã. Para Heskett foi na segunda metade do século XVIII que o design “(…) se estabelecera na França como atividade especializada e quase sempre bem remunerada nas companhias comerciais, dependentes de designs de padrões de boa qualidade, como manufaturas têxteis e de papéis de parede. E, com o colapso do sistema absolutista de governo, sob o impacto da Revolução Francesa, essas ex-manufaturas reais tiveram de se adaptar à concorrência comercial para sobreviver e seus designers se tornaram empregados independentes, em vez de funcionários da corte” (Heskett: 1997, 13). Porém, o exemplo mais citado por todos os autores na história do design, e indicado como o local de propagação e
23 disseminação do design, é a fábrica de cerâmicas inglesa Wedgwood. Esta fábrica, de propriedade de Josiah Wedgwood, foi instalada no ano de 1750 em Staffordshire, local onde havia numerosas e pequenas oficinas de produção de cerâmica. A associação de todas essas oficinas possibilitou um grande crescimento e, em menos de 20 anos, a Wedgwood já era uma indústria de porte internacional, exportando para toda a Europa e América. “A transformação de Wedgwood pautou-se em fatores tanto tecnológicos quanto comerciais, incluindo-se aí uma atenção redobrada ao papel do design no processo produtivo” (Denis: 2000, 24). Entre 1750 e 1760, as inovações tecnológicas deram-se a partir do desenvolvimento de uma cerâmica esmaltada e branca, denominada ‘creamware’, adequada à moldagem em larga escala e à aplicação de decalques na decoração das louças. Anos mais tarde, em 1774, foi desenvolvida uma cerâmica leve e delicada que podia ser produzida em diversas cores e permitia a produção em larga escala. Além das inovações tecnológicas, Wedgwood iniciou a venda das louças por encomenda através de catálogos que apresentavam as formas e os padrões disponíveis. A criação das peças era pautada pelo gosto de cada época, ora cerâmicas em forma de frutas e legumes com esmalte colorido, ora brancas com cenas e motivos ornamentais pintados ou, ainda, cerâmicas em estilo neoclássico. A partir
de 1769, Wedgwood passa a oferecer também peças decorativas e vasos no mesmo estilo. “Percebendo que o maior fator de diferenciação dessas peças estava nos motivos ornamentais que ostentassem, Wedgwood iniciou nessa época a sua colaboração com o jovem desenhista John Flaxman (…)” (Denis: 2000, 25). Flaxman trabalhou para Wedgwood durante quase 20 anos produzindo os desenhos para serem executados na fábrica de louças neoclássicas de Wedgwood, denominada Etrúria e situada em Londres. A grande produção industrial e a proposta de manutenção, mais especialmente a ampliação de mercados, leva ao desenvolvimento da primeira de uma série de exposições industriais, a Grande Exposição Industrial de 1851, outro fator determinante para a reflexão sobre os princípios do Design. A Grande Exposição Internacional de 1851 Diante das conseqüências geradas pela Revolução Industrial, especialmente a industrialização e a capacidade de produção de novos produtos, a Grande Exposição Industrial ocorre como um reflexo daquele momento, introduzindo uma discussão para o universo e o crescimento do design: a relação entre as questões estéticas e as questões funcionais. Já por volta de 1849, Henry Cole, funcionário público inglês considerado um inovador, edita uma pequena publicação denominada Journal of Design and Manufactures e "(...) sugeriu também organizar em Londres uma exposição
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24 universal, em que se daria a oportunidade às nações de apresentar a diversidade de seus produtos. ‘Aprender a ver comparando’ é a máxima principal de suas reflexões” (Burdek: 1999, 20). Vista do Palácio de Cristal no centro de Hyde Park – Londres.
Vista Interior do Palácio de Cristal.
Segundo Lucy Niemeyer, Henry Cole foi um dos promotores da Grande Exposição Industrial de 1851 (Niemeyer, 1997), pois "(...) pensava que o objetivo do design era aprimorar a aparência dos produtos. Ele pretendia confrontar a confusão e a profusão de estilos históricos que eram aplicados nos objetos vitorianos, de móveis a máquinas a vapor, e promover uma colaboração mais estreita entre artistas e indústria. Com Cole começou um discurso sobre objetos, especialmente no que diz respeito à aparência, que se estenderia por todo o século XX" (Niemeyer: 1997, 31). Para demonstrar e divulgar os novos produtos e as recentes conquistas tecnológicas, bem como ampliar as vendas e o universo de consumo dos produtos fabricados na Inglaterra, em 1851, o príncipe Alberto "(...) inspirando-se na Gewerbe Ausstellung de Berlim, de 1844, promove a Grande Exposição de Londres (na qual participam 14.000 expositores e seis milhões de visitantes) a qual se seguiram numerosas exposições em muitas cidades do mundo" (Maldonado: 1993, 24).6
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A II Exposição Internacional de Paris (1855) contou com 20.000 expositores e 5 milhões de visitantes enquanto a de 1867 contou com 9 milhões de participantes e a de 1889 registrou a presença de 25 milhões de pessoas, a Exposição de Londres (1862) contou com 29.000 expositores e 6 milhões de visitantes, a Exposição de 1867 em Paris contou com 9 milhões de visitantes e a de Viena em 1873 com 7 milhões. Todas as exposições que se seguiram, já citadas na nota
Há que se destacar que as conseqüências desta exposição e sua relação direta com o campo do design puderam se dar porque a Grande Exposição de 1851 ocorreu no berço da Revolução Industrial e da liberdade comercial: a Inglaterra. "Nenhuma outra geração antes desta teria sido capaz de conceber a idéia de organizar uma exposição de matériasprimas e produtos técnicos de nações de todo o mundo" (Pevsner: 1994, 27). Um concurso público foi realizado para a criação e consequente construção do pavilhão da exposição. O projeto vencedor foi de autoria de Joseph Paxton, denominado ‘Palácio de Cristal’, que associava em sua concepção uma estrutura que refletia as relações entre a tecnologia, a indústria e a arquitetura. Este projeto, na época, foi muito criticado devido a forma considerada muito ‘moderna’. Segundo Burdek, o Palácio de Cristal, composto por módulos desmontáveis que permitiam que este edifício fosse desmontado e erguido novamente em outro local, era o protótipo dos métodos de produção industrial do século XIX. O tempo utilizado para a montagem de todo o pavilhão foi de apenas quatro meses e meio. Conforme Pedro Luiz Pereira de Souza, "exposição e construção representam marcos históricos fundamentais para o design moderno" (Souza: 1997, 14). A Grande Exposição Industrial de 1851 é também considerada como marco inicial da história do design por sua
anterior (vide nota n. 6) contaram com uma participação cada vez maior de público.
25 proposta e pelas conseqüências geradas por este evento. " O marco inicial do desenho industrial pode ser datado em 1851 e situado em Londres, data e local da ‘Grande Exposição Internacional de Produtos da Indústria’. Essa exposição provou que era possível, dar o mesmo acabamento, com a máquina, ao que até então era terminado manualmente" (Wollner: 2002, 30). Também foi esta Exposição Industrial que estimulou o surgimento e a ocorrência de outras exposições universais, tais como a de Viena em 1873, da Filadélfia em 1876 e a de Paris em 1889 com a inauguração da torre de Gustav Eiffel, todas "(...) representaram vastas coleções de produtos e por que não, foram também feiras de amostras de design, onde se exibia a técnica de então e o grau de desenvolvimento cultural" (Burdek: 1999, 21). A Grande Exposição Industrial tinha como proposta estabelecer uma relação mais estreita entre os artistas e a indústria e estimular o consumo através da oferta diversificada de produtos. Entretanto, enquanto se percebia o grande nível de produtividade alcançado pela fabricação industrial, também ficou evidente o declínio na qualidade formal e estética dos produtos produzidos. "A esta exposição sempre se tem destinado uma posição de destaque em todas as histórias do desenho industrial que se escreveu até agora. Porém de nenhuma maneira pelo ‘bom design’ dos objetos que se expunham, e sim – como denunciavam também alguns observadores e periódicos da época – por seu atroz mau gosto. Em outras palavras, a Grande Exposição havia sido importante, por ter contribuído
a revelar a degradação estética dos objetos naquele preciso momento histórico" (Maldonado: 1993, 24-25). Os produtos produzidos artesanalmente, anteriores ao processo industrializado, apresentavam objetos com melhores soluções formais e estéticas. Apesar da fabricação em série, das modernas técnicas utilizadas e da grande quantidade de produção gerada, os resultados finais eram problemáticos. "A qualidade estética dos produtos era horrorosa. Houve alguns visitantes dotados de sensibilidade que notaram isto e logo surgiu na Inglaterra e em outros países debates sobre as razões de um fracasso tão patente. Hoje é fácil para nós indicarmos várias dessas razões; mas isso era evidentemente muito difícil para uma geração que tinha crescido no meio de descobertas científicas e técnicas sem precedentes” (Pevsner: 1994, 28-29). Como podemos notar, a maioria dos resultados da Grande Exposição foram desastrosos, os objetos e produtos eram exagerados, com excesso de decorativismos, de ornamentações, com misturas duvidosas de formas estilizadas e realistas, e de formas geométricas e orgânicas. Tendo em vista que a maioria dos objetos eram utilitários, não havia indícios de uma preocupação maior com relação à forma e sua função. Para a comprovação destas questões, basta observarmos a descrição de um carrinho de bebê realizada pelo designer Alexandre Wollner “(...) em forma de concha marinha, instavelmente equilibrando-se sobre uma ave de gosto
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26 vitoriano e que sustinha em suas asas um baldaquim prateado" (Wollner: 2002, 30).
produção em série, negligenciando qualquer princípio de design.
Esta situação repetia-se em todos os segmentos de produtos apresentados: objetos utilitários e decorativos, móveis, utensílios domésticos, tecidos, tapetes, todos eram problemáticos e o que é pior, este fato era comum a todas as nações participantes.
Por outro lado, o potencial industrial, as novas tecnologias e a invenção de novas máquinas levaram à admiração da técnica e das ferramentas em detrimento do resultado e da adequação às finalidades dos produtos. Mas, "a roda do oleiro é uma máquina, assim como o tear manual e o prelo tipográfico. Deu-se uma evolução lógica e gradual desde estes simplicíssimos instrumentos mecânicos até as maravilhas da maquinaria moderna. Por que razão acabou a máquina por ser tão prejudicial à arte?" (Pevsner: 1994, 3031).
Segundo Pevsner, até parecia que a máquina havia acabado com o bom gosto nos produtos industriais e esta falta de bom gosto estava influenciando e envenenando até os produtos artesanais e os artesãos sobreviventes (Pevsner, 1994). "Enquanto, por um lado, os índices de produtividade foram alcançando patamares nunca antes vistos no processo de produção de bens, por outro, o nível de qualidade de criação e de esmero na execução teve um declínio igualmente notável" (Niemeyer: 1997, 31). Segundo Souza (1997) as exposições como a Grande Exposição Industrial de 1851, entre outras questões, serviram também para despertar a consciência dos perigos da industrialização e da massificação. Mas a grande indignação diante da qualidade dos produtos da Grande Exposição de 1851 levou ao questionamento sobre o que havia acontecido para gerar tais resultados. Esta era a grande dúvida! Segundo Niemeyer (1997) o que ocorreu deve-se ao fato de os artistas terem colocado suas habilidades a serviço da
Podemos aqui estabelecer um paralelo com a introdução das tecnologias da informática, na qual, em um primeiro momento, vivenciamos uma produção de imagens em que as ferramentas sobrepunham-se à linguagem característica da mídia digital. As imagens e animações eram constituídas por milhares de bolinhas voadoras, brilhos excessivos, cores cintilantes de fazer doer os olhos, digamos assim, uma ‘pirotecnia de efeitos técnicos’, possibilitada pela rapidez da execução e por um desktop que apresentava todas as opções à mão do criador. Este, por sua vez, utilizava a possibilidade e gerava uma experiência do testar a própria capacidade técnica e as ferramentas disponíveis no programa, deixando de lado os preceitos de criação. Afinal, estava-se diante de uma nova máquina e de um novo sistema sem precedentes. Percebe-se, porém, com o tempo,
27 a linguagem possibilitada pela máquina, acalma-se o deslumbramento e toma-se consciência para um aprofundamento das possibilidades em criações mais centradas, com composições melhores e mais complexas. Talvez seja esta uma reação comum a todos a cada introdução de nova tecnologia: um encantamento com o aparato técnico que supera as questões da criação e da linguagem e que dura até o esgotamento dessas novas possibilidades, e questionamentos sejam levantados resultando em uma busca de melhores soluções. Tendo em vista os discutíveis resultados estéticos da exposição de 1851, um grupo de pessoas na Inglaterra partiu em busca da reforma estética. Este grupo era composto por arquitetos, artistas e pessoas com perfil inovador, entre eles Henry Cole7, que buscava através de seu Journal of Design and Manufactures “(...) influir no design da vida diária, fazendo uso de medidas pedagógicas. Seu trabalho buscava, principalmente, orientar que a funcionalidade dos objetos estava acima dos elementos representativos e decorativos" (Burdek: 1999, 20). Especialmente Owen Jones (1809-1874), Matthew Digby Wyatt (1820-1877), Richard Redgrave (1804-1888) e Henry Cole começaram a publicar o que consideravam um programa esteticamente puro, não apenas como regras e teoria, mas também apresentavam propostas de desenhos e
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Henry Cole incentivou e apoiou a criação da Exposição Internacional, mas preocupou-se profundamente com os resultados apresentados e com suas possíveis conseqüências.
padrões para estamparias de tecidos, papéis de parede, tapetes. "Os princípios compositivos divulgados nos desenhos e através dos artigos, ocasionais ou regulares, do círculo de Cole, baseavam-se – como eles abertamente confessavam – nos dogmas enunciados alguns anos antes por Augustus Welby Northmore Pugin que foi também o referencial ou o inspirador da teoria de Ruskin" (Pevsner: 1994, 35). Enquanto Cole, Jones e Wyatt aceitaram sem discussões e reflexões a produção mecânica e não perceberam que problemas completamente novos estavam sendo colocados. Simplesmente procuravam melhorar o desenho, sem nunca irem às raízes da questão. Por sua vez, William Morris reconhecia “(...) a unidade indissolúvel de uma época e do seu sistema social (…)” ( Pevsner: 1994, 36). O resultado é o início de um novo enfoque filosófico no que diz respeito aos objetos técnicos e aos aparatos em geral, o que dá início ao protofuncionalismo, ou seja, "A idéia de que a beleza de um objeto depende de sua utilidade e eficiência, quer dizer, de sua adequação à função para a qual estava destinado, começa a ter seus partidários mais ardentes na Inglaterra" (Maldonado: 1993, 22). Por esses motivos "Gottfried Semper, John Ruskin e William Morris, contemporâneos da Revolução Industrial, são considerados como os verdadeiros pais do design. Se rebelaram contra a decoração superficial e imposta dos objetos industriais produzidos naquele tempo, tal como havia feito Henry Cole. O movimento de reforma tinha uma
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Artesão produzindo bordado de tela no bastidor (Pontal, Maceió, Alagoas).
Jogos americanos em fibra de Caroá com tingimento natural da comunidade de Quilombo Conceição dos Crioulas, Sertão de Pernambuco.
Cestos e jarros Urutus – artesanato Baniwa.
forte influência da filosofia do utilitarismo de John Stuart Mill. Segundo esta doutrina, a qualidade moral das ações dos homens dependiam só da sua utilidade (ou nocividade) para a sociedade. É possível detectar inclusive em nossos dias os vestígios deste critério outro lado, "(...) em grande parte como uma das categorias determinantes do design" (Burdek: 1999, 22).
Ainda segundo Souza “(…) o design moderno seria o caminho ou o percurso, ou o recurso, encontrado por arquitetos e artistas para superar os problemas advindos de uma suposta industrialização brutal" (Souza: 1997, 10).
A atuação de Morris e Ruskin vai desencadear o resgate do artesanato na produção industrial e estabelecer um dos alicerces para o desenvolvimento do design com reflexos até nossos dias. Por como resultado da Grande Exposição de 1851, o resto do mundo foi apresentado a novos processos de fabricação nos Estados Unidos, que estabeleceram os padrões e processos fundamentais da moderna produção em massa industrial. Sua característica básica era a produção em larga escala de produtos padronizados, com partes intercambiáveis, utilizando máquinas-ferramentas numa seqüência de operações mecânicas simplificadas. As implicações desse sistema, que se tornou conhecido como ‘sistema americano’ de fabricação, não se restringiam aos métodos de produção, mas afetavam também toda a organização e coordenação da produção, a natureza do processo de trabalho, os métodos de comercialização dos produtos e, não menos importante, o tipo e a forma dos artigos produzidos” (Heskett: 1997, 51).
Até aqui fica evidente que podemos estabelecer uma relação direta da implantação e do desenvolvimento do design, a partir e através da Revolução Industrial. Mas não nos parece que a história e o desenvolvimento de um campo amplo de ação e de conhecimentos associados às questões tecnológicas, produtivas e culturais pudesse estar dependente apenas das mudanças trazidas pela Revolução Industrial.
Outra contribuição da Grande Exposição de 1851 para o campo do design foi a "(...) forte reação em pessoas ligadas à produção de bens, que, em vista da exibição, deram novos rumos às suas atividades" (Niemeyer: 1997, 32).
1.1.2. Percurso 2 O Artesanato como o Princípio do Design
Porém, a nossa constatação é a de que este não é o único caminho a ser analisado quando falamos em desenvolvimento do design. Existem outros caminhos, que podem ser considerados desde o caso de algumas comunidades que não passaram pela Revolução Industrial e nem por isso deixaram de ter design, isto é, a atividade característica do campo do design faz parte de seu cotidiano até as relações presentes no resgate do artesanato como uma forma de buscar as soluções para os problemas dos produtos apresentados pela industrialização. Podemos dizer que existe uma forte relação com a questão artesanal e o design, contrapondo a Revolução Industrial e
29 os resultados questionáveis advindos da produção seriada, demonstrados na Grande Exposição Internacional de 1851, quando nos anos seguintes ocorre um retorno ao processo artesanal tendo em vista a obtenção de resultados melhores na produção industrial. Por maiores que sejam as indagações geradas pelas sobre a verdadeira identidade do design não ser artesanato e não ser arte, hoje, estas barreiras têm-se rompido na medida em que se percebe como estas áreas (artesanato, design e artes) relacionam-se entre si, fato que se torna mais claro a partir da introdução dos sistemas e processos informatizados, momento em que os limites e o papel do designer começam a modificar-se e a romper estas barreiras delimitatórias. O processo industrial e a manufatura trouxeram a subdivisão do trabalho em inúmeras tarefas, cada uma delas altamente especializada, em que o papel do designer, atuando em equipe ou grupo de trabalho, era o de acompanhar o desenvolvimento e garantir a implantação de um projeto. No processo artesanal, uma única pessoa desenvolve todo o sistema de concepção até o acabamento final da peça. Porém, com o desenvolvimento tecnológico, vemos cair por terra a divisão em partes de um projeto, o designer novamente tem controle sobre todas as etapas, inclusive muitas vezes, executando-as. Por exemplo, um designer pode projetar um web site e, se quiser e tiver conhecimento sobre todo o processo, pode produzi-lo inteiramente, tal como um artesão.
Hoje também pode-se projetar e desenvolver ao mesmo tempo uma peça que está sendo produzida pelos recursos da robótica e pelos sistemas integrados e informatizados. Portanto, não há como negar que o artesanato é outro percurso que podemos determinar para a origem e desenvolvimento histórico do design. Com relação ao design é importante ressaltar que “embora suas raízes estejam na tradição artesanal, seu surgimento não se deu simplesmente por uma evolução linear do trabalho manual à produção mecânica, mas, ao contrário, uma constante diversificação, abrangendo uma variedade cada vez maior de novos fatores e influências” (Heskett: 1997, 7). Podemos citar as comunidades que estão fora do circuito capitalista mas mantêm a produção em série. Um exemplo histórico importante são os shakers/quakers. “Em 1815 os shakers – shaking quakers/ quakers dançarinos – , estabelecidos nos Estados Unidos, praticavam uma manufatura que, a duzentos anos de distância, poderíamos chamar design, mesmo que naquela época a palavra não existisse com o significado de hoje. Grandes artesãos, tecelões, carpinteiros, marceneiros, construtores e cozinheiros, os shakers introduziram no mercado americano dezenas de produtos de qualidade formal e valores éticos. Foram (antecipando as idéias da Escola de ULM) CRIADORES DE PRODUTOS E SISTEMAS DE PRODUÇÃO. Suas embalagens e produtos subsistem nos Estados Unidos até hoje, quando
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30 resta viva apenas uma dezena de membros desta seita religiosa” (Ferlauto e Jahn: 1998,32).
financeiros para a formação de centros de design vinculados ao artesanato.
Portanto, utilizando o processo artesanal, os shakers fabricaram muitos produtos do universo do design gráfico, como embalagens e rótulos, bem como produtos do universo do desenho industrial – design de produto: móveis e utensílios, sem passar pela industrialização ou Revolução Industrial.
Existem bons exemplos em todas as áreas do design. Walter Rodrigues, estilista e designer de moda brasileiro trabalhou com as rendeiras do Piauí e as rendas deram origem a uma coleção de roupas de alto luxo, enquanto Renato Imbroisi atuou junto aos artesãos do Tocantins que trabalham com o capim dourado para a produção de objetos. Em Minas Gerais, a empresa Tok Stok desenvolveu em parceria com o projeto Mãos de Minas peças em pedra-sabão. E poderíamos continuar enumerando várias iniciativas e seus resultados bem factíveis.
“Também não é difícil encontrar-se, em anuários de design, suas embalagens, de rótulos litografados, como exemplos de bom design. Os shakers foram desenhistas industriais antes da Revolução Industrial. Foram ecologicamente corretos antes da moda da ecologia. Foram modernos cem anos antes do modernismo” (Ferlauto e Jahn: 1998,32). Até hoje as relações artesanato e design estão presentes, ou melhor, foram resgatadas e agora fazem parte do cotidiano do campo do design, especialmente o design de produto. Esta ‘corrente’ de retorno ao processo artesanal têm-se dado através de órgãos governamentais brasileiros, de empresas privadas, ONGs e até de atitudes isoladas de designers. O SEBRAE – Sistema Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas – mantém um programa destinado aos artesãos que, com a ajuda de designers, busca possibilitar maior inserção no mercado dos produtos desenvolvidos nas comunidades artesanais. Ainda no ano de 2002 este órgão iniciou o incentivo e estímulo através de subsídios
Portanto, a produção artesanal que foi substituída pela produção seriada no século XVIII vai ser resgatada no século XIX em busca de melhores produtos e até hoje é um campo importante e extremamente relacionado ao design. Podemos também estabelecer uma relação com o que ocorria após a grande exposição de Londres e o que ocorre hoje. Na Inglaterra vamos ver que a busca e o retorno ao artesanal sinaliza a possibilidade de melhores produtos, especialmente com relação à forma e à estética. Hoje, aqui no Brasil, a busca por novas e significativas expressões e o retorno às nossas origens procuram resgatar a identidade brasileira ou a ‘brasilidade’ para alçar e diferenciar os produtos brasileiros no mercado de exportação. Maria Helena Estrada, editora da revista Arc Design, na matéria intitulada “Uma Inversão do Olhar” diz que: “cresce o apelo local e global por novas expressões, por soluções
31 inovadoras que tragam um maior frescor à produção industrial, em todo o mundo; um design brasileiro de forte identidade é uma aspiração que já parece possível, pois a consciência de sua importância já existe entre nós, seja por parte do governo, seja por outras entidades, ou entre empresários” (Estrada: 2002, 19). Podemos dizer que esta afirmação é muito semelhante às idéias e propostas presentes nos anos pós 1851. O percurso que relacionou o artesanato ao design nos anos seguintes à Grande Exposição Industrial de Londres (1851) ocorreu em busca de soluções para os problemas indicados na produção dos produtos expostos naquele evento, levando a uma tendência reformista. “Surgiu na primeira metade do século XIX uma forte tendência reformista que inspirou as palavras e os trabalhos de pensadores e arquitetos, como John Ruskin e A.W. Pugin, que apontaram o problema do gosto como uma questão chave da qualidade dos bens. Eles estabeleceram teorias sobre design, que, esperavam, iriam mudar o curso dos fatos e produziriam uma melhor relação entre o design e a sociedade da época” (Niemeyer: 1997, 32). De fato Morris vai buscar nos conceitos de Ruskin, de Pugin e no processo artesanal as bases para a solução e a disseminação do bom design, associando as etapas do processo produtivo com o produto manufaturado e com o uso da tecnologia existente até aquele momento. “A concepção de arte de Morris derivava da sua visão das condições de trabalho medievais, onde o artesão dominava
todas as etapas do processo produtivo. A qualidade do trabalho advinha das condições em que este era desenvolvido, mais do que a simples habilidade manual do artífice” (Niemeyer: 1997, 33). É importante lembrar que tanto Ruskin quanto Morris se colocavam contra ao que consideravam como os efeitos destrutivos da Revolução Industrial (ver Wollner: 2002). William Morris conhecia a xilogravura e a litogravura, a modelagem em argila, a iluminura, ou seja, tinha ciência dos processos de trabalho e a característica dos materiais e suportes envolvidos no desenvolvimento de projetos de criação e, além da crença no processo artesanal, Morris confiava plenamente no ensino e na transmissão de conhecimentos como possibilidade de mudanças, não apenas na criação e produção mas nas mudanças sociais, culturais e ambientais de um país. “Morris foi o único a sentir que o que era preciso era o exemplo pessoal, era o artista se transformar em artesãodesenhista” (Pevsner: 1994, 36). Desta forma influenciou toda uma geração, valorizou o artesanato ampliando este campo, demonstrou que é possível na criação e no desenvolvimento de um produto utilizar as questões da arte, do artesanato e da indústria. “A primeira conseqüência do ensino de Morris foi que diversos jovens artistas, arquitetos e amadores decidiram dedicar-se inteiramente ao artesanato. Depois de ser durante meio século uma ocupação inferior, mais uma vez
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32 este passou a ser considerado uma tarefa válida” (Pevsner: 1994, 41). A Inglaterra e outros países apresentaram grande desenvolvimento do design a partir das concepções de Morris. “Um outro país que desenvolveu um design típico e autônomo de notável prestígio foi a Grã-Bretanha, onde, como dissemos, surgira um precoce interesse pela renovação do artesanato e pela arte aplicada, desde os tempos de John Ruskin e William Morris” (Dorfles: 1978, 120). Sobre a implantação, disseminação e o desenvolvimento do design nos países, Dorfles situa os EUA “(...) entre os primeiros do setor, seja pela precocidade da sua industrialização, seja pela presença de numerosos pioneiros do design” (Dorfles: 1978, 118) e também a Alemanha, como o influxo da corrente européia. Segundo Dorfles (1978), o que caracteriza estes produtos é a permanência de uma ligação com o trabalho artesanal, sobretudo pela escolha de materiais de boa qualidade e pelo acabamento manual. Neste grupo, cita os dinamarqueses, os finlandeses e os suecos, especialmente no design de mobiliário, nos objetos de madeira e de vidro. Apesar de Dorfles reconhecer o trabalho de Morris e suas conseqüências, destacando a sua importância, apresenta no mesmo texto críticas à relação artesanato e design, gerando uma situação ambígua e característica da discussão no meio do design que se prolonga até nossos dias. Questiona que os autores que defendem esta crença relacionam a produção da antiguidade ao design e afirma que
“(...) a diferença substancial entre o objeto manufaturado pelo artífice e o de origem mecânica consiste no ‘retoque manual’, que é sempre um requisito do primeiro, mesmo que lhe seja dado apenas na fase de acabamento, e que não existe no segundo” (Dorfles: 1978, 105). Gustavo Amarante Bomfim, designer, pesquisador e professor da PUC/RJ, em sua apresentação no Seminário de Estudos e Pesquisas em Design, realizado no dia 24 de agosto de 2002, no Centro de Design e Moda da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, analisando nossos dias e a atuação dos designers, destaca que “(...) o designer atua pela tradição do que aprendeu, tal como o artesão” e, a partir do resgate histórico do design, estabelece o seguinte quadro: Definição Histórica do Design Arte (Artífice)
Arte + Técnica
Técnica + Ciência
Técnica + Ciência ?
+
+
+
+
Produção artesanal
Produção manufatu reira
= Exemplo: produção artesanal até cerca de 1200
= Exemplo: Art Nouveau
Produção industrial (eletromecâ nica) = Exemplo: Funcionalis mo
Produção industrial (Eletrônica/ro bótica) = Exemplo: Customização
33 Portanto, o design é uma somatória das questões artesanais, manufatureiras, eletromecânicas e eletrônicas/digitais. Vários autores, dentre eles Dorfles, reconhece e cita como exemplos da disseminação e propagação do design na Europa os ensinamentos de William Morris, Mackmurdo e Mackintosh fundamentados no renascimento do artesanato e na exposição Arts and Crafts realizada em 1880, na New Gallery, Londres. O Arts and Crafts tem origem nas idéias de Morris que passam a ser consolidadas a partir de 1861, quando ele abre a empresa denominada “Morris, Marshall & Faulkner que iria marcar uma revisão da elaboração de projetos de bens. Às idéias propaladas por estes profissionais e por outros que comungavam os mesmos princípios constituíram uma iniciativa de revalorização das artes e dos ofícios, que ficou conhecido como Arts and Crafts Mouvement” (Niemeyer: 1997, 33). O movimento Arts and Crafts reunia designers, arquitetos e artesãos ingleses preocupados com as conseqüências sociais e ambientais da industrialização, com o excesso de decorativismo e a qualidade ruim dos produtos industrializados. Simplicidade, utilidade e aplicabilidade eram as suas máximas e sua proposta fundamental era que “(...) o design podia e devia ser usado como uma ferramenta democrática para uma mudança social” (Fiell: 2000, 66). Este movimento surge em 1850 na Inglaterra e tem reflexos até 1914 na Europa e nos Estados Unidos. Augustus Pugin,
John Ruskin e William Morris são os principais participantes da primeira fase do movimento, enquanto na segunda fase destacam-se Arthur Heygate Mackmurdo e Charles R. Ashbee. A principal proposta do Arts and Crafts era o desenvolvimento e a produção dos produtos manufaturados que além de belos deveriam ser úteis. Como reflexo das ações de Morris surgem na Inglaterra várias associações cuja principal preocupação era o artesanato. “É muito significativo que entre 1880 e 1890 tenham sido fundadas cinco sociedades de artesanato artístico: a Century Guild, de Arthur Mackmurdo, em1882; a Art Worker’s Guild e a Home Arts and Industries Association, esta interessada sobretudo no artesanato rural, em 1888; a Guild and School of Handicraft, de Ashbee; e a Arts and Crafts Exhibitions Society, também em 1888” (Pevsner: 1994, 42). Sob influência direta do Arts and Crafts Mouvement nasce a Deutscher Werkbund (que tentou reviver o estatuto do artesanato junto à produção industrial) fundada pelos designers Peter Behrens e Jose Maria Olbrich, entre outros, em 1907; o Art Nouveau (aprox. 1880), momento no qual podemos situar o início do movimento moderno, devido à formulação de novos valores estéticos, à integração entre processos artesanais, artísticos e sistemas de produção seriada, ao conceito de unidade e harmonia bem como à democratização da produção artística em várias áreas da produção de objetos e de artefatos, princípios fundamentais herdados da valorização do artesanato e do design.
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34 “O falecimento de Morris, em 1896, não deteve os efeitos de suas idéias, que floresceram no movimento denominando ‘Art Nouveau’ … Era um movimento internacional, e nisso se diferenciava do ‘Arts and Crafts Mouvement’; teve curta duração, mas seu significado foi considerável” (Wollner: 2002, 32). Este novo estilo desenvolveu uma expressão atualizada, de acordo com as necessidades da época relacionando e gerando novos valores estéticos. O Art Nouveau “(...) buscou dar expressão cultural aos objetos, encarando-os como necessidade da nova realidade da máquina” (Wollner: 2002, 32-33). Apesar do Art Nouveau ser declaradamente fundamentado nas propostas de Ruskin e Morris, na concepção do belga Van de Velde este movimento vai além. Van de Velde exige “(...) uma estrutura lógica do objeto, lógica sem compromissos no uso do material, uma definição altiva e aberta do método de trabalho” (Wollner: 2002, 33).
publicidade e ainda “(...) criou livros para editoras privadas, mas, em vez de ignorar as máquinas, preferiu conhecê-las a fundo, empenhando-se ainda em convencer a grande indústria a permitir que o artista determinasse o formato dos seus produtos” (Hollis: 2001, 24). O movimento Art Nouveau difundiu-se por toda a Europa e seus ecos repercutiram-se na América, porém em cada país ocorreu uma interpretação específica deste movimento. Outro aspecto a ser destacado é que com o Art Nouveau “(...) os objetos industrializados passaram a receber um tratamento formal mais cuidado” (Niemeyer: 1997, 35). “Ao final do século XIX, se perfilaram na Europa novos movimentos, o Art Nouveau na França, o Jugendstil na Alemanha, o Modern Style na Inglaterra, o Modernismo na Espanha e o Sezession na Áustria. Todos eles compartilham o sentimento artístico da vida que se refletia sobretudo na fabricação de elementos de uso cotidiano” (Burdek:1999, 23).
“Um dos maiores teóricos e praticantes do Art Nouveau da Europa foi o belga Henry Van de Velde (1863-1957). Sua obra foi uma demonstração da sua versatilidade como pintor, arquiteto e artesão. Os princípios fundamentais que guiavam o seu trabalho – aproximar a arte da indústria benefício de todos – o inspiraram em todas as suas criações” (Niemeyer: 1997, 35).
Os resultados das discussões sobre a qualidade formal e estética dos produtos, configurados de forma plena na aplicação do Arts and Crafts Mouvement resulta no processo descrito a seguir. Os reflexos e influências do Art Nouveau fizeram-se sentir também na arquitetura.
Van de Velde foi amplamente influenciado por Morris, porém buscou entender as tecnologias advindas da máquina e dos processos de industrialização. Dessa maneira desenvolveu embalagens e projetos gráficos para
“A Bélgica foi o primeiro país a expressar os padrões artísticos do Art Nouveau na arquitetura, através do trabalho de Victor Horta (1861-1947). Esta rápida difusão do estilo Art Nouveau adveio principalmente do fato de artistas
35 e arquitetos haverem utilizado a linguagem formal desse estilo em peças e surgiu na primeira metade do século XIX uma forte tendência reformista que inspirou as palavras e os trabalhos de pensadores e arquitetos, como John Ruskin e A.W.Pugin, que apontaram o problema do gosto como uma questão chave da qualidade dos bens. Eles estabeleceram teorias sobre design, que, esperavam, iriam mudar o curso dos fatos e produziriam uma melhor relação entre o design e a sociedade da época” (Niemeyer: 1997, 32). Portanto, toda a dinâmica gerada a partir dos fundamentos de Morris, a implantação do movimento Arts and Crafts e a disseminação e boa aceitação do Art Nouveau contribuíram simultaneamente para que outros países despertassem para a boa qualidade de produção de objetos. “O design moderno pode ser visto como tendo evoluído dos reformadores do design do século XIX e em particular de William Morris, que tentou unir teoria e prática. Este esforço foi um insucesso devido ao processo de fabrico artesanal usado por Morris, mas suas idéias reformistas tiveram um impacto fundamental no desenvolvimento do Movimento Moderno” (Fiell: 2000,06). “Na Inglaterra, a efervescência do questionamento da produção industrial arrefeceu e praticamente estacionou após a morte de Morris, em 1896. A partir daquela época os Estados Unidos, a França e, depois, a Alemanha passaram a ser os centros de geração de novas bases para a produção da cultura material industrializada” (Niemeyer: 1997, 33-34). Nesta passagem, os movimentos Arts and Crafts e Art Nouveau, além de estabelecerem os pilares para o
Movimento Moderno8, de contribuírem de forma significativa para o desenvolvimento e a ampliação do campo do design e da valorização do artesanato em suas relações com o design, destacaram-se também pela organização do saber, da troca de conhecimentos e do ensino de design, seja este ensino informal ou formal, como veremos a seguir.
1.1.3. Percurso 3 A Troca de Conhecimentos para o Estabelecimento do Design: grupos, movimentos, ensino e formação. Até este momento, analisamos as questões econômicas e produtivas deflagradas pela Revolução Industrial e, também, as relações de criação e produção existentes nas questões entre o artesanato e o design. Mas se considerássemos apenas estas ou aquelas, estaríamos apresentando o surgimento e, conseqüentemente, o desenvolvimento do design de maneira incompleta. 8
O Movimento Moderno tem seus primórdios estabelecidos na ideologia progressista em meados do século XIX por W. Morris, A. Pugin e J. Ruskin. Esta ideologia valorizava a supremacia do utilitário, a simplicidade e adequação e negava o luxo. Posteriormente a eliminação do ornamento leva ao funcionalismo que propicia a estandardização e a maior eficiência de produção, acreditando-se ser esta a linguagem universal do design: a simplicidade associada à racionalidade que possibilitava utilizar o melhor da tecnologia e dos materiais para a produção industrial. A Bauhaus tenta por em prática estes ideais e gerou o desenvolvimento do Movimento Moderno que nos anos 20 se distingue pelo industrialismo e retilinearidade. Segundo Fiell, “...a Bauhaus teve um enorme impacto no desenvolvimento do Movimento Moderno através da promoção da funcionalidade, dos métodos de produção e de materiais da melhor qualidade” (Fiell, 2000, 479).
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36 Considerando que estruturado através contextos culturais, pautar sua origem destes contextos.
o design é um campo projetual das relações entre criação, tecnologia, econômicos e produtivos, não podemos e surgimento apenas analisando um
Já no final dos anos 20, O. Brik indicava que seriam criados institutos de cultura material que gerariam novos processos e novos objetos. Estes institutos de cultura material podem ser considerados como os grupos, movimentos e escolas que se formaram ao longo dos séculos XIX e XX. Claudio Ferlauto afirma que o design nasce dos esforços, da organização e da sistematização da atividade do design como uma profissão e “(...) uma profissão só existe se houver um tripé que contemple a prática profissional, o ensino e a pesquisa” (Ferlauto: 2002, 57). Portanto, acreditamos que para termos uma visão mais completa e capaz de proceder a uma análise mais ampla e bem estruturada para a discussão sobre o design na sua relação com as novas tecnologias, seus processos e o desenvolvimento de outras características no campo de ação do design devemos considerar as questões que perpassam pelo aprendizado, pela troca, pela reflexão e pelo desenvolvimento do conhecimento para a consolidação desta área. A partir deste ponto do capítulo 1 do nosso trabalho serão destacados os grupos, comunidades, institutos e escolas que ajudaram a desenvolver e ampliar as questões do design. Não se trata aqui de apenas valorizar o ensino formal, e sim
de estabelecer a importância da troca de conhecimentos, os treinamentos, as ideologias, os movimentos gerados referentes ao design. Estes são pouco abordados e, normalmente, as únicas referências citadas são as das escolas formais. Desse modo, os grupos que antecederam as escolas e aqueles que ocorreram paralelamente não têm a devida valorização. As questões pertinentes ao aprendizado estão diretamente relacionadas ao design, pois este campo estruturou-se a partir da implantação de novos sistemas e processos tecnológicos e de novas maneiras de produção e criação, fato que implica processos geradores de aprendizado e de troca de conhecimentos e competências. O que percebemos no estudo deste campo é que grupos, movimentos, corporações ou escolas foram determinantes e sempre estiveram presentes de forma direta no desenvolvimento e consolidação do campo do design. Este fato nos leva a apresentar as principais ações desenvolvidas neste aspecto e também a acreditar que este é um dos percursos de desenvolvimento e implantação deste campo: o percurso possibilitado através dos grupos, movimentos e escolas que vieram conseqüentemente a consolidar o design à medida que se estabeleceu, se organizou e se desenvolveu o ensino e a formação nesta área. Os grupos, geralmente formados por artistas, artesãos, designers e arquitetos, organizaram-se em torno das idéias e das críticas ora semelhantes, ora controversas. E foi em torno da mesma ideologia e concepção, e outras vezes ao
37 redor das controvérsias que foi disseminado o aprendizado e o conhecimento desta área. Estes grupos formaram corporações, guildas, correntes e escolas que foram fundamentais para o desenvolvimento e consolidação do design. Sob este aspecto, o designer e professor Pedro Luiz Pereira de Souza ressalta que, entre as questões pertinentes para a história e o desenvolvimento do design “(...) a principal talvez seja aquela que aponta o design como uma das pouquíssimas profissões que se estabeleceram antes como ensino, através de escolas, do que pela prática. O design incluiu ainda, desde seus discursos programáticos iniciais, significativos apelos à ordem, à racionalidade e ao método, características necessárias ao desenvolvimento de renovadas formas de produção e de consumo” (Souza: 1997, 11). E, reforçando esta questão, o historiador Rafael Cardoso Denis destaca que “o ensino tem exercido, ao longo do século 20, um papel fundamental na estruturação do design como campo profissional, principalmente em termos da transmissão de uma série de valores formais e ideológicos que transpassam as diversas manifestações do Modernismo internacional. Pode-se dizer até que, paralelamente à história do design vista pela ótica de seus praticantes e dos projetos por ele gerados, existe uma outra história do design que passa pelas escolas e por uma curiosa obsessão com linhagens e vínculos institucionais como marcos essenciais da legitimidade profissional” (Denis: 2000, 168). A partir desta linha de pensamento apresentamos a seguir um levantamento dos grupos e movimentos que viriam a
influenciar diretamente a formação das escolas e do próprio campo do design. Porém, a apresentação destes grupos, movimentos e escolas se dará em nosso trabalho através de uma ordem sincrônica. Desta forma procuraremos estabelecer as correntes e suas influências geradoras do desenvolvimento do ensino e da transmissão e troca de conhecimentos para a consolidação do design. Iniciaremos pela Inglaterra e países que sofreram a influencia direta das escolas e movimentos ingleses, entre eles: França, Áustria e Alemanha. ROYAL COLLEGE OF ART – 1837 – Londres Esta escola governamental foi fundada para aplicar a gramática do ornamento na formação de profissionais para as indústrias de manufatura. Em 1852, foi instituído o departamento de artes práticas que obteve maior ênfase por volta de 1890. “Em 1896 o Royal College of Art adotou seu atual nome e foi implementado um novo programa de ensino, que incluía aulas de história, filosofia e desenho arquitetural no primeiro ano para todos os alunos” (Fiell: 2000, 615). Após o primeiro ano, os estudantes optavam por uma das áreas de ensino, assim divididas: pintura decorativa, escultura, arquitetura ou design. As reformas no ensino de design, que germinaram no Royal College em 1890, propagaram-se na Bauhaus. Porém, até os
The Darwin Building – Instalações atuais do Royal College of Art.
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38 anos de 1950 a proposta pedagógica do Royal College se dava muito mais pelo treino de um ofício do que pelo ensino de design. Entretanto, em 1959, foi aberto “(...) o Design Research Department e a School of Industrial Design, com um novo profissionalismo, que desde então tem estado na vanguarda da prática do design” (Fiell: 2000, 615). Fachada norte da Glasgow School - Projeto de Charles Rennie Mackintosh.
GLASGOW SCHOOL – 1845 – Inglaterra A cidade de Glasgow caracterizou-se durante a Revolução Industrial por sua indústria algodoeira e por ser um porto colonial. É nesta cidade que foi implantada a Escola de Belas Artes de Glasgow ou Glasgow School of Art, fundada em 1845, e que até hoje mantém suas atividades direcionadas ao ensino e formação na área de design, arte e artesanato. Talvez seja esta uma das primeiras escolas instituídas no ensino formal de design das quais temos conhecimento.
Ala da biblioteca da Glasglow School - Projeto de Charles Rennie Mackintosh.
Em 1853, a escola esteve sob a direção de Francis H. Newbery que incentivou e apoiou a formação do grupo Glasgow School, liderado pelo designer e arquiteto escocês Charles Rennie Mackintosh9 que, junto aos outros integrantes do grupo10, passa a valorizar e a ter como
referências a cultura celta e as formas orgânicas para o desenvolvimento projetual. A Escola de Glasgow inicialmente valorizava as formas orgânicas, mas logo depois passa a dar importância e a produzir trabalhos geométricos em sua forma, estrutura e superfície, com padrões lineares mais fluidos e com menor influência do vernaculismo11. Ela também valorizava e desenvolvia pesquisas sobre os novos materiais. A Glasgow School, como escola pioneira, sofre influência de vários movimentos de design, entre eles o Arts and Crafts Mouvement, assim como apóia o surgimento de outros movimentos, como o Art Nouveau e influencia a formação de outras escolas européias. O edifício12 da Escola de Arte de Glasgow (1869-1909) é considerado a obra-prima de Mackintosh, bem como as cadeiras de espaldar alto e de espaldar em forma elíptica. “Mackintosh foi o principal designer da Glasgow School, e tanto o seu inicial estilo orgânico como o posterior estilo geométrico, exerceram enorme influência na Secession de Viena e na Wiener Werkstätte” (Fiell: 2000, 435).
9
Charles R. Mackintosh foi aprendiz de arquitetura e estudou desenho e pintura em Glasgow. 10
O grupo Glasgow era formado também por Herbert Macnair (18681955), Francis Macdonald (1873-1921) e Margareth Macdonald (18641933) que mais tarde se denominaram “The Four” e “Spook School” e participaram da Arts and Crafts Exhibition Society em 1894 e, em 1896, em Londres e da VIII Secessionist Exhibition em Viena, no ano de 1900.
11
Vernaculismo refere-se à utilização de formas e materiais genuínos de uma região ou localidade. 12
Mackintosh foi escolhido pelo reitor Francis Newbery para desenvolver o projeto que foi realizado em 1897 e a primeira parte do edifício foi finalizada em 1899.
39 Um grupo de designers desta escola, dentre eles Charles Rennie Mackintosh, George Walton, Ann Macbeth e E.A.Taylor dedicaram–se ao design de produto, ao design gráfico e ao design têxtil, e alguns designers desta escola contribuíram de forma significativa para o surgimento do Art Nouveau. ARTS and CRAFTS MOUVEMENT - 1861 - Inglaterra O movimento Arts and Crafts estrutura-se a partir das conseqüências da industrialização: a grande produção de baixa qualidade, o excessivo decorativismo, os problemas nas questões ambientais e sociais. Este movimento foi fundado em 1861 por William Morris13, entre os principais ativadores do movimento estavam John Ruskin e Augustus Pugin. No mesmo ano, inauguram na Inglaterra a empresa Morris, Marshall & Faulkner & Co. que viria a se transformar em Morris & Co. no ano de 1874. Estas empresas ofereciam trabalhos artesanais e atuavam em um sistema de comunidade, reunindo um grupo de artistas, artesãos, arquitetos e designers, no qual a utilização da máquina só era aceita quando viesse a
13
William Morris (1834-1896) era designer, ilustrador e empresário. Foi editor e membro do comitê central do partido socialista inglês. Segundo Fiell (2000) Morris era um convicto socialista que seguia sua utopia na qual o artesanato oferecia a salvação moral para trabalhadores e consumidores. Enquanto Ruskin (1819-1900) era um crítico da produção industrial e Pugin (1812-1852) arquiteto e designer de interiores, especialista no estilo gótico e também um reformador e defensor do design.
aumentar a qualidade dos produtos e a reduzir a carga horária do trabalhador. Além disso, elas se propunham a aplicar o pensamento norteador do movimento: “(...) restaurar as artes tradicionais através do design e execução de produtos de alta qualidade que não só fossem úteis mas também belos” (Fiell, 2000: 62). Para atingir esta proposta “os integrantes do movimento buscavam promover uma maior integração entre projeto e execução, uma relação mais igualitária e democrática entre os trabalhadores envolvidos na produção, e uma manutenção de padrões elevados em termos da qualidade de materiais e de acabamento, ideais estes que podem ser resumidos pela palavra inglesa craftsmanship, a qual expressa simultaneamente as idéias de um alto grau de acabamento artesanal e de um profundo conhecimento do ofício” (Denis: 2000, 75). Portanto, o movimento Arts and Crafts busca a renovação das artes e ofícios e pode ser considerado também como um movimento de reforma social e de inovação de estilo. “Sua abolição da divisão do trabalho e, por conseguinte a volta à unidade do design e produção conduziu a um movimento de renovação das artes e ofícios. Este movimento se confrontou principalmente contra a estética da máquina e fracassou arrastado pelo tormentoso desenvolvimento industrial da segunda metade do século XIX” (Burdek, 1999, 22-23). O movimento Arts and Crafts, apesar de ser implementado a partir de 1864, passa a ser conhecido com este nome somente a partir de 1888, com a implantação da Arts &
Capa da revista “The Craftsman”.
Vaso: criação de William Gates, c. 1910.
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40 Crafts Exhibition Society. Este movimento passa a influenciar correntes e escolas posteriores e, inclusive, o início do movimento moderno: “as virtudes da simplicidade, utilidade e aplicabilidade que o Arts & Crafts Movement promovia, e a sua proposta fundamental de que o design podia e devia ser usado como uma ferramenta democrática para uma mudança social, foram de grande influência para os pioneiros do movimento moderno” (Fiell: 2000, 66). O movimento Arts and Crafts divide-se em duas fases: a primeira por volta de 1861 e a segunda por volta de 1880, porém a proposta presente nos dois momentos era o desenvolvimento de produtos úteis e belos. A 1a fase é influenciada pelos pré-rafaelistas14 e o processo de criação coletiva é semelhante à produção artesanal medieval, fato que é seguido como crença e ideologia, pois a Morris & Co.15 mesmo organizando-se, seus produtos não eram fabricados por processos ou métodos mecanizados. Os produtos manufaturados da primeira fase apresentavam grande simplicidade, mas o custo de produção era altíssimo e acabavam sendo consumidos apenas pelas camadas mais ricas da sociedade.
14
Conforme Wick “(...) os pré-rafaelistas postulavam uma concepção artística anticlassicista; em seu comportamento social, buscavam reviver os ideais comunitários da Idade Média, à medida que se organizavam na forma de uma irmandade” ( Wick: 1989, 17). 15
William Morris conquistou grande sucesso com a sua empresa que atuava em vários campos: vidros, ladrilhos, papéis de parede, ilustração; sendo a sua especialidade o ornamento de superfície. Os motivos eram referências da natureza e temas folclóricos.
Na 2a fase várias organizações e guildas16 são formadas por artistas e designers, entre eles, William R. Lethaby, Arthur Mackmurdo e Charles R. Ashbee17 para a produção de objetos de ‘design reformista’ e vernacular, passam também a incluir a mecanização da produção visando à fabricação de grandes quantidades a preços mais acessíveis. Esta fase teve grande popularidade até 1914 e pode ser considerada como o equivalente britânico ao Art Nouveau. O Art and Crafts foi muito significativo para o desenvolvimento do campo do design. Este movimento influenciou uma série de designers europeus e americanos, bem como serviu de referência para que outros movimentos, grupos de profissionais, estúdios, comunidades e escolas se organizassem segundo suas propostas ou sob sua influência.18
16
Entre as Guildas, podemos citar: a The Century Guild (1882), a St George’s Art Society (1883), a Art Worker’s Guild (1884) e a Arts & Crafts Exhibition Society (1888). 17
Charles Robert Ashbee (1863-1942) aceita o trabalho mecânico e destaca-se pelos seus trabalhos, peças e objetos utilitários em metal e joalheria. 18
Gustav Stickley organizou as oficinas de Syracuse, Nova Yorque, em 1898, e a partir de 1901 passa a publicar a revista The Craftsman. O arquiteto William L. Price criou a Rose Valley Community no ano de 1901, em Moylan, na Filadélfia. Elbert G. Hubbard fundou, em 1893, a comunidade Roycrofters que, em 1906, apresentava grande sucesso comercial, empregava mais de 400 artífices e possuía até uma hospedaria para os turistas e consumidores.
41 Ainda hoje ao se falar de design não há como deixar de se referir a William Morris e ao Arts and Crafts Mouvement.
de prata, metal e joalheria21; depois de alguns anos passaram a produzir também peças de mobiliário.
SCHOOL of HANDICRAFT – 1887 - Londres SCHOOL and GUILD of HANDICRAFT – 1888 - Londres
A Guild inicia-se com 3 membros fundadores coordenados pelo designer-chefe Ashbee e, a partir de 1889, passam a exibir anualmente os projetos ali desenvolvidos na Arts and Crafts Exhibition Society. No ano seguinte, instalam-se numa grande mansão georgiana para a execução de seus projetos até a manufatura e a impressão e também inauguram um ponto de venda no West-End.
Em 1887, Charles R. Ashbee fundou a School of Handicraft para uma missão filantrópica de reeducação, denominada Tonybee Hall, em local homônimo, na zona leste de Londres e, doze meses depois, a Guild of Handicraft, quando o nome passa a ser School and Guild of Handicraft. 19
Tanto na escola quanto na guilda, Ashbee fazia valer os ensinamentos de Ruskin e Morris com duas diferenças fundamentais: a aceitação do trabalho mecânico e a formação dos alunos em oficinas de aprendizagem20 e não mais em ateliês. Estes dois pontos estabelecem uma ligação com a escola Bauhaus, que viria a ser implantada posteriormente. Enquanto a escola ensinava, a Guild funcionava através do sistema de cooperativa, e inicialmente produziam objetos
Em 1901 a Guild of Handicraft tem cento e cinqüenta artesãos que, no ano seguinte, resolvem se mudar para Chipping Campden, no interior da Inglaterra, buscando o sonho de realizar uma comunidade rural de artesãos autosuficientes. “A Guild realizava cursos de verão para os habitantes do local, e para estudantes. No entanto, tornou-se cada vez mais criticada por se preocupar mais com assuntos sociais do que com qualidade artística” (Fiell: 2000, 310).
19
Devido a distância de Londres, fato que inviabiliza o sucesso comercial, em 1908 a School and Guild of Handicraft decreta sua falência financeira e fecha com a triste realidade de não conseguir competir com o baixo custo dos produtos que na realidade eram cópias de seus projetos.
20
21
Charles R. Ashbee destaca-se pelo seu trabalho com objetos de prata que apresentavam formas onduladas e orgânicas e também realizou projetos arquitetônicos em Londres, na Itália e na Hungria. “Em 1888 fundou a “Guild and School of Handicraft”, na qual a formação dos alunos não era mais desenvolvida em ateliês, mas em oficinas de aprendizagem: uma inovação de fundamental importância para a reforma do ensino de arte no séc. XX” (Wick: 1989, 19).
Os objetos de joalheria tinham as características de serem esmaltados e adornados com pedras semipreciosas e madrepérola e eram desenvolvidos por Ashbee, David Cameron, William Hardiman, J.K. Baily e W.A. White.
Decantador com alça de prata de Charles R. Ashbee, 1901.
O Design de Hipermídia
42 Todos este movimentos e organizações inglesas vieram a influenciar diretamente a França e a Áustria. Em Paris destacam-se dois movimentos associados ao design: o Art Nouveau e o Art Déco, enquanto em Viena uma organização se destaca, o Laboratório Vienense surge sob influência direta do Arts and Crafts inglês. Veremos a seguir os movimentos franceses e o austríaco. ART NOUVEAU – 1895 - Paris
Candelabro de Van de Velde.
Vaso art-déco de Reuben Haley, c. 1928.
Inspirado no Arts and Crafts Mouvement e com o apoio da Glasgow School, o Art Nouveau surge por volta de 1880 e instaura um movimento no qual, designers, artistas e arquitetos22 desenvolveram desde objetos, dos mais simples aos mais complexos, a parques, atuando no campo bidimensional, tridimensional, espacial. O urbanismo, a arquitetura, a pintura, a escultura, o design gráfico, o design de objetos, o design de jóias, a moda, a publicidade foram contemplados. Podemos afirmar que praticamente todas as manifestações e produções de arte e de design ocorreram no Art Nouveau. As referências vinham da natureza, destacavam e utilizavam as formas arredondadas, os florais, as linhas sinuosas, influenciados com as “(...) pesquisas científicas no descobrimento do mundo natural, como o tratado de Darwin On the Origin of Species (Sobre a Origem das Espécies), publicado em 1879, as ilustrações de botânica de Ernest 22
Podemos citar alguns nomes que se destacaram no Art Nouveau devido ao conjunto de obras e projetos realizados, são eles: Charles Rennie Mackintosh, Josef Maria Olbrich, Victor Horta, Hector Guimard, Émile Gallé, Antonio Gaudí, Louis Comfort Tiffany. Bule de prata de Josef Hoffman, 1903-1904.
Haeckel (1834-1919) e os estudos fotográficos de flores de Karl Blossfeldt (1865-1932) no final do século XIX” (Fiell: 2000, 59). A Europa inteira e a América são influenciadas por este movimento que, entre 1890 e 1910, passa a ser conhecido por diferentes nomes, conforme os países onde ocorre: Style Nouille na França, Style Coup de Fouet na Bélgica, Modern Style na Itália, Sezession na Aústria e Modernismo na Espanha. Chega ao Brasil no início de 1900 e passa a ser conhecido com o nome de Arte Floral. Segundo Bernhard E. Burdek “(...) todos eles compartem um sentimento artístico da vida que se refletia sobre toda a fabricação de elementos de uso cotidiano” (Burdek: 1999, 23). Art Déco - 1925 – Paris No ano de 1925, em Paris, foi realizada a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas, também denominada, Style 1925. As produções e os objetos art déco foram desenvolvidos a partir de referências na cultura egípcia, na arte tribal, na Art Nouveau, no Cubismo, no Futurismo, no Construtivismo, na Bauhaus e também na cultura popular e no movimento moderno. As peças apresentadas segundo esta concepção envolvem desde objetos utilitários, ornamentais, jóias, tecidos, artes gráficas até a arquitetura. A intenção não era ir além do design e sim desenvolver um estilo internacional, porém
43 este estilo foi ultrapassado progressistas de design.
pelas
tendências
mais
inspirada na School and Guild of Handicraft de Charles R. Ashbee, foi patrocinada pelo banqueiro Fritz Wändorfer.
Muitos materiais luxuosos eram utilizados na produção dessas peças, dentre eles a madrepérola, e também novos materiais foram adaptados às criações déco, como a baquelita.
A proposta era unir o trabalho artístico e artesanal à produção de objetos e, para tanto, foram organizadas oficinas divididas conforme o material a ser trabalhado: prata, ouro, metal, encadernação, couro, marcenaria, e os ateliês de arquitetura e de design.
Entre os artistas e designers que mais se destacaram neste estilo estavam René Lalique e Jean Dunand. Entre os designers que sofreram influência do Art Déco, encontramse Le Corbusier e Jean Prouvé. Devemos ressaltar que este movimento foi antes de tudo um estilo decorativo que primava pelas questões estéticas, portanto, apesar de ter influenciado o trabalho de alguns designers não deve ser considerado um estilo de design. “Depois de 1925, o estilo teve expressão no trabalho de muitos designers, não só na França e Europa Continental como também na Inglaterra e Estados Unidos” (Fiell: 2000, 49 e 50). Este estilo chega ao declínio e degradação causada pela vasta quantidade de objetos kitsches que passaram a ser desenvolvidos e produzidos e, além disso, na II Guerra Mundial, o decorativismo de seus produtos tornou-se insustentável. WIENER WERKSTÄTTE (Laboratório Vienense) – 1903 – Viena A cooperativa Wiener Werkstätte foi fundada em 1903 pelos designers Joseph Hoffman e Koloman Moser, cuja idéia,
As peças produzidas eram assinadas com as iniciais dos nomes dos designers e dos artesãos que as concebiam e produziam, destacando a importância e a igualdade entre seus membros. “Entre 1903 e 1932, as Werkstätte produziram mobiliário, objetos de vidro, objetos de metal, têxteis, joalheria, vestuário, papel de parede, cerâmica e trabalhos gráficos de mais de duzentos designers...” (Fiell: 2000, 732). Em 1905, a Wiener Werkstätte empregava mais de cem trabalhadores, mas não tinham sucesso financeiro, porém “(...) tinham ultrapassado a Secessão como principal organização vienense de artes e ofícios” (Fiell: 2000, 730). As características empregadas nos objetos produzidos por esta cooperativa caracterizavam-se pelas linhas e formas retilíneas, pelas construções elaboradas e pelo emprego de materiais de alta qualidade, algumas vezes até luxuosos. A partir de 1904, os produtos produzidos pela cooperativa passam a ser publicados por jornais dirigidos à decoração e arquitetura. Também passam a participar de todas as
Escrivaninha de Richard Riemerschmid, 1905.
O Design de Hipermídia
44 exposições nacionais e internacionais desta área, inclusive participaram da exposição internacional de Artes Decorativas, realizada em Paris no ano de 1925, mostra que viria a deflagrar o Art Déco.
Sala de Música de Richard Riemerschmid, 1899
Ainda nos anos 20, foram abertas filiais em Nova Iorque e Berlim, mas esta cooperativa, que permaneceu produzindo durante 27 anos, foi obrigada a fechar em 1932 devido ao insucesso financeiro. Outro país que será influenciado diretamente pelos movimentos e escolas de design inglesas é a Alemanha, que dará continuidade ao desenvolvimento do design e irá estabelecer as bases e fortes influências para as escolas de design, especialmente as da América do Norte e da América Latina. VEREINIGTE WERKSTÄTTEN FÜR KUNST IM HANDWERK (OFICINAS UNIDAS PARA A ARTE DA MANUFATURA) – 1897 - Munique No ano de 1897, em Munique, ocorreu uma exposição intitulada Glaspalast na qual havia uma seção de artes decorativas que fez enorme sucesso. Entre os participantes dessa exposição estavam Bernhard Pankok, Hermann Obrist e Bruno Paul, que organizaram e instituíram um grupo de artes aplicadas para produzir e vender seus objetos, inspirado nas guildas inglesas e no Arts and Crafts Mouvement.
Esta foi a primeira de muitas empresas desse tipo a se estabelecer na Alemanha com a finalidade de projetar e produzir objetos com alta qualidade. Peter Behrens e Richard Riemerschmid se associaram a esta oficina e desenvolveram projetos e produziram produtos práticos para uso diário. No ano de 1900 o grupo de artes aplicadas expôs seus trabalhos na Exposição Universal de Paris e em outras exposições dessa década. DEUTSCHE WERKSTÄTTEN (DRESDENER WERKSTÄTTEN FÜR HANDWERKSKUNST) – 1898 – Dresden A oficina Dresdener ou Deutsche Werkstätten foi criada com a proposta de produzir design de produtos com alta qualidade para uso cotidiano e foram inspiradas nos preceitos de William Morris e do Arts and Crafts britânico, mas “(...) também foram impelidas pelo desejo de fazer reviver o mercado de design dos découraters franceses” (Fiell: 2000, 218). Karl Schimdt tinha um estabelecimento artesanal próximo a Dresden, em Hellerau, fundiu-se a outros estabelecimentos para formar a Deutsche Werkstätten, juntou-se a ele Riemerschmid e criaram uma fábrica muito bem equipada. Richard Riemerschmid foi o principal designer da Dresdener, por volta de 1905 ele projetava salas que, além do mobiliário, os têxteis, as cerâmicas, as porcelanas, as gravuras eram produzidas nas oficinas e “(...) eram a
45 antítese do grande estilo contemporâneo e refletiam o desejo generalizado de reforma do design na Alemanha” (Fiell: 2000, 218). De início, as oficinas estavam mais relacionadas a uma produção artesanal, posteriormente, introduziram a criação artística na produção industrial até chegar à estandardização no ano de 1906. As Deutscher Werstätten realizaram em 1906, em Dresden, a 1a exposição de mobiliário fabricado à máquina. “O quarto - sala com designs de Riemerschmid de 1906 para a chamada ‘mobília de máquina’ era típico da famosa linha de produção em massa de Hellerau: sem enfeites, com elementos simples e superfícies lisas envernizadas” (Heskett: 1997, 93). A produção de mobiliário estandardizada, com produção mecanizada, teve grande influência na posterior produção do design progressista de mobiliário. As características destes mobiliários “(...) eram mais vernaculares no estilo e menos exclusivos do que os produzidos nas Vereignate Werkstätten für Kunst im Handwerk em Munique e outras oficinas” (Fiell: 2000, 219). Porém, todas essas medidas não atingiram a proposta de produzir mobiliário a baixo custo, mas sem dúvida a Dresdener teve influência decisiva na formação das Deutscher Werkbund em 1907.
COLÔNIA de ARTISTAS de DARMSTADT (Darmstädter Künstlerkolonie) - MATHILDENHÖHE - 1899 – Darmstadt Em busca de uma nova unidade artística, de estabelecer a reforma do design, renovar a criatividade artística e para promover as artes e ofícios da região, o grão- duque Ernest Ludwig de Hessen, entre os anos de 1898 e 1899, mandou chamar para Darmstadt sete artistas que deveriam reviver o artesanato de Hessen através da confecção de modelos, unir todos os gêneros artísticos e agir sobre um ensino direto. Dessa forma fundou a Colônia de Artistas de Mathildenhöhe, em Darmstadt.
Maquete da Colônia de Artristas de Darmstadt.
Entre os artistas convidados estavam o arquiteto Josef Maria Olbrich (1867-1908) e o designer, arquiteto e pintor Peter Behrens (1868-1940), Hans Christiansen (1866-1945), Paul Bürck (1878-1947) e Patiz Huber (1878-1902), entre outros. Rainer Wick afirma que a “(...) Mathildenhöhe de Darmstadt é um divisor de águas na história dos esforços empreendidos desde Morris até a Bauhaus por uma nova unidade entre arte e vida e por uma união de todos os gêneros artísticos” (Wick:1989, 22). Olbrich foi o diretor artístico e gerente de construção da colônia, desenhou sete edifícios para o local, além de sua própria casa, bem como casas desmontáveis para os trabalhadores. Behrens construiu a sua casa em Darmstadt segundo a proposta de arte total e do conceito de uniformidade. Ele a concebeu desde a fachada, o mobiliário até os copos e talheres.
L’Hevre du Berger Ilustração de L’Estampe Moderne de Hans Christiansen, um dos fundadores da Colônia de Artistas de Darmstadt.
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46 Esta era a proposta de Darmstadt – uma colônia composta inicialmente por um edifício central e as sete casas dos artistas totalmente concebidas pelo grupo de artistas e designers que naquele local residiriam e trabalhariam. O próprio local, sua concepção, construção e urbanização deveriam refletir a sua proposta de obra de arte total e uniformidade de projeto. Em 1900, o grupo de Darmstadt apresentou uma sala na Exposição Internacional de Paris e, no ano seguinte, organizou a exposição denominada Um Documento da Arte Alemã em Mathildenhöhe. Cartaz para a exposição Deutscher Werkbund, 1914.
Esta exposição foi “(...) concebida de forma absolutamente inovadora. Não se tratava apenas de uma exposição, na qual a obra de arte isolada ocupava uma posição central, mas de um conjunto arquitetônico, no qual se colocava em prática, pelo menos à guisa de prova, uma das principais idéias do Art Nouveau: a noção de uma obra de arte total, concebida a partir de um conceito de uniformidade” (Wick: 1989, 22 23). A obra de arte total compreendia moradias, locais para exposição, objetos, mobiliário com concepção visual integrada e unidade total do projeto, dos talheres de uma casa até o urbanismo circundante.
Capa do anuário do Werkbund de 1913. título “A arte na indústria e no comércio”
Entre os anos de 1899 e 1914, 33 artistas da colônia desenharam mobiliário, jóias, cerâmica, e objetos de prata. Muitos desses objetos foram publicados em jornais de decoração e obtiveram grande sucesso e repercussão.
Em 1906, foi aberta na colônia uma fábrica de cerâmica e, em 1908, uma fábrica de vidro, cujas produções estimularam a experimentação de técnicas de produção industrial. “A Darmstädter Künstlerkolonie influenciou diretamente a formação da Wiener Werkstätte em 1903 e foi o mais importante centro de design inovador da Alemanha antes da I Guerra Mundial” (Fiell: 2000, 188). DEUTSCHER WERKBUND – 1907 – Munique No início de 1900, o nacionalismo alemão buscava uma supremacia econômica e cultural, acreditando que para atingi-la deveria ser desenvolvida uma linguagem estilística em conjunto com as questões industriais. A intenção maior era levar a Alemanha ao status de grande potência industrial do mundo. Com esta proposta outros motivos se delinearam para a formação da Deutscher Werkbund, os quais relataremos abaixo. Em 1906, na cidade de Dresden, foi realizada a III Exposição Alemã de Artes e Ofícios (III Deutsche Kunstgewerbeausstellung), cujo resultado evidencia que os melhores trabalhos expostos provinham de oficinas com designers associados onde existia a efetiva colaboração entre estas oficinas e as indústrias de manufatura.
47 Entre outros trabalhos, foi apresentado um mobiliário projetado por Richard Riemerschmid23 (1868-1957) que fez grande sucesso. No texto do catálogo da exposição ressaltava-se com orgulho o fato de terem desenvolvido “(...) o estilo do mobiliário a partir do espírito da máquina” (Pevsner: 1994, 21). Esta exposição obtém grande destaque, pois além de atender aos princípios políticos e econômicos estabelecidos pelo nacionalismo apresenta um trabalho direto com o desenho industrial e “naquela época havia, fora da Alemanha, pouquíssimos casos de artistas ou arquitetos destacados que trabalhassem com desenho industrial, e não em arte decorativa, excetuando-se a tipografia inglesa” (Pevsner: 1994, 21). Além disso, ela revelou que o Art Nouveau estava ultrapassado em sua concepção decorativa e que a utilidade e a funcionalidade passaram a estabelecer as características principais da linguagem formal do design. A crença então estabelecida dizia respeito ao fato de que só era possível produzir grandes quantidades de produtos, bem concebidos e bem executados, através da indústria da manufatura e que somente a associação ou as comunidades de designers, estabelecendo parcerias entre oficinas e indústrias, é que poderiam produzir produtos mais baratos, de boa qualidade e funcionais.
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Foi um dos fundadores das Oficinas Unidas para a Arte de Manufatura em Munique, no ano de 1897, e desenvolveu projetos para o Dresdener Werkstätten für Handwerkskunst em 1902. Foi um dos fundadores e membros mais ativos da DWB.
“Ao promover esta nova direção, a exposição realçou um novo imperativo estético e social do design e atuou como catalisador para a formação da Deutscher Werkbund” (Fiell: 2000,211). A partir da proposta da formação de um estilo universalmente reconhecido por meio de experiências individuais e buscando romper com as fórmulas antigas e desgastadas das relações entre o artesanato e a industrialização, “um grupo de fabricantes mais ousados, em colaboração com alguns arquitetos, artistas e escritores, decidira fundar uma nova sociedade, chamada Werkbund, com a aspiração de reunir os melhores representantes da arte, da indústria e do artesanato e do comércio, de conjugar todos os esforços para a produção de um trabalho industrial de alta qualidade e de constituir uma plataforma de união para todos aqueles que quisessem e fossem capazes de trabalhar para conseguir uma qualidade superior” (Pevsner: 1994, 22). A Deutscher Werkbund foi criada em um sistema de federação profissional com a participação de, além dos artistas, arquitetos, escritores, artesãos, publicitários, industriais, jornalistas, funcionários públicos e, principalmente, designers unidos pela preocupação em estabelecer os padrões do design alemão. Desde o seu início, a Werkbund estabelece a proposta de reconciliar e de integrar o trabalho artístico à produção industrial de massa.
O Design de Hipermídia
48 Ainda no ano de 1907, Hermann Muthesius, que foi figura determinante no estabelecimento da DWB – Deutsche Werkbund, era diretor da escola de artes e ofícios de Berlim, porém foi destituído deste cargo por defender publicamente sua concepção sobre o uso da tecnologia e o estabelecimento de padrões; suas propostas foram rejeitadas pela associação dos artesãos industriais sendo este também um dos motivos para a criação de uma federação, a DWB, nesse mesmo ano. Sobre Muthesius, Heskett ressalta que “(...) como funcionário do governo, ele devia conhecer o sistema prussiano de padrões técnicos e, embora sua ênfase diferisse, pois era sobre padrões culturais e formais, o fundamento e a justificativa são muito semelhantes” (Heskett: 1997, 91). A Werkbund foi inaugurada em Munique, no ano de 1907, e no documento de fundação foi declarado que o propósito da federação era, segundo Heskett, “(...) a melhoria do trabalho profissional através da cooperação da arte, da indústria e das técnicas, através da educação, da propaganda e de atitudes unificadas face a questões pertinentes” (Heskett, 1997, 90). Enquanto Rainer Wick, aponta que o estatuto da Werkbund dizia: “(...) o objetivo da federação é o enobrecimento do trabalho industrial através de uma ação combinada da arte, indústria, e artesanato, obtida por meio da educação, da propaganda, e de um posicionamento coerente com respeito a questões dessa ordem” (Wick: 1989, 26). A DWB, apesar das opiniões diversas e ainda divergentes de seus membros “(...) representava, em sua fase de fundação,
a tentativa de reunir e institucionalizar em forma de federação os esforços de renovação artística e social, geralmente empreendidos até então por personalidades isoladas” (Wick: 1989, 24). A Deutscher Werkbund apresenta-se, nesse sentido, como movimento engajado no desenvolvimento tecnológico, ligado a uma estética funcionalista e destaca-se pela sua importância que “(...) era grande e nele foi necessária uma interferência da política econômica do estado alemão para reorientar a ideologia geral das atividades, vistas como de significativa importância para o desenvolvimento de uma industrialização voltada para o fortalecimento do mercado interno” (Souza: 1997, 17). O que podemos perceber é que campos relativamente opostos, ou que até então não haviam se unido em busca do fortalecimento e de um bom relacionamento, tentam estabelecer estas questões com a Werkbund, que pregava a conciliação entre arte, artesanato, indústria e comércio. Segundo Wick (1989) esses interesses opostos eram coincidentes apenas em um vago conceito de qualidade, e nos documentos da DWB consta o seguinte: “A federação quer... fazer uma seleção das melhores forças atuantes na arte, indústria, artesanato e comércio. Ela pretende reunir todos os trabalhos de qualidade e as tendências existentes no trabalho industrial. Ela constitui o ponto de convergência para todos os que aspiram a e são capazes de realizar um trabalho de qualidade; para os que vêem no trabalho industrial uma parte – e não a menor – do
49 trabalho cultural em geral; e para aqueles que querem estabelecer para si mesmos e para os outros um centro para a representação de seus interesses, para tanto tendo em mente apenas a noção de qualidade” (Wick: 1989, 26). O trabalho com qualidade, apesar de ser um dos principais objetivos, não foi colocado em prática como se intencionava e foi utilizado como o chavão preferido da DWB com a proposta de garantir a posição da Alemanha como grande potência industrial e, com relação à economia nacional, muitas vezes a DWB indicava um certo imperialismo cultural. Entre os fundadores da Deutscher Werkbund estavam: Hermann Muthesius24, que defendia uma nova estética a partir das tensões e das relações entre arte e indústria, Richard Riemerschmid, Bruno Paul, Peter Behrens, Josep Maria Olbrich e as manufaturas “(...) incluindo a Peter Bruckmann & Söhne e a Poeschel & Trepte, assim como as oficinas de design, como a Wiener Werkstätte e a Vereinigte Werkstätten für Kunst im Handwerk sediada em Munique” (Fiell: 2000, 211).
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Conforme Rainer Wick em seu livro Pedagogia da Bauhaus, Muthesius foi adido diplomático para questões da arquitetura na embaixada da Alemanha em Londres onde conheceu um tipo de construção que classificava como exemplar por sua objetividade e funcionalidade e a partir do que se conscientiza sobre a legitimidade do material, a importância da economia na produção, a necessidade e a ampla difusão social da máquina e que esta, no curso da industrialização, supera o trabalho manual mas principalmente gera as novas possibilidades estéticas surgidas a partir do advento da máquina e da industrialização.
Também faziam parte do corpo de membros: Walter Gropius, Ernst Naumam, Bruno Taut e Henry Van de Velde, entre outros. No primeiro ano em que foi implantada, a federação já contava com 500 associados e, no ano de 1915, oito anos após ter sido inaugurada, a organização contava com dois mil membros. A Werkbund prestigiava a produção mecânica em oposição à atitude contrária à mecanização do Arts and Crafts Mouvement de William Morris, tanto que Theodor Fischer no discurso inaugural da 1a reunião anual da Deutscher Werkbund afirmava: “não há qualquer linha divisória nítida entre a ferramenta e a máquina. É possível uma produção de grande nível, quer com ferramentas quer com máquinas, desde que o homem domine a máquina e faça dela uma ferramenta... A culpa da produção inferior não cabe as máquinas em si, mas a nossa incapacidade de as manejar adequadamente.” E, ainda, “(...) o mal não vem da produção de massa ou da divisão do trabalho, mas do fato de a indústria ter perdido a noção da sua finalidade, que é conseguir uma qualidade superior, e de não sentir o dever de servir à comunidade, mas sim o direito de ser o tirano de nossa época” (Pevsner: 1994, 22). Em uma tentativa de promover maior integração e colaboração entre a oficina, os designers associados e a indústria, a partir de 1912 a Deutsche Werkbund passa a publicar um anuário com os artigos, as ilustrações, os projetos, as áreas de especialização e os endereços de seus membros associados.
O Design de Hipermídia
50 “A Werkbund situou pela primeira vez o problema do design em todas as suas complexidades e contradições, reconheceu explicitamente que sem a presença da indústria e de seus interesses não há sobrevivência do design, evidenciou que o design nasce no tempo e no âmbito de uma corrente de gosto formal orientada pelos padrões da pura visualidade” (Souza: 1997, 19). Porém, “(...) o problema básico da Werkbund era sua incapacidade de resolver a separação com a indústria e sua falha em desenvolver um programa preciso em relação à forma e ao papel dos designers” (Heskett: 1997, 92). “Na Werkbund se manifestaram as correntes dominantes daquele tempo: a estandardização industrial e a tipificação dos produtos, por um lado, e por outro o desenvolvimento da individualidade artística. Ambas representam a essência das direções decisivas da criação artística no século XX” (Burdek: 1999, 24).
se criar um gosto aceito por todos e digno de confiança” (Pevsner:1994, 23 e 24). Enquanto Henry de Velde25 afirmava que: “enquanto houver artistas na Werkbund (...) estes protestarão contra todos os cânones impostos e toda a estandardização. O artista é essencial e intimamente um individualista apaixonado, um criador espontâneo. Nunca se submeterá de livre escolha a uma disciplina que o ponha na dependência de um cânone ou de uma norma” (Pevsner: 1994, 23 e 24).26 Em 1914, na cidade de Colônia, a DWB organizou uma grande e famosa exposição, a Deutsche WerkbundAusstellung e uma série de conferências. Nesta exposição foram exibidos armários embutidos, superfícies contínuas de trabalho e otimização no uso de 25
Apesar do sucesso, havia internamente uma forte divergência: a contradição entre artesanato e produção industrial, alguns defendiam a estandardização e outros o individualismo, este conflito ficou conhecido como ‘werkbundstreit’. Muthesius defendia a estandardização e dizia: “A arquitetura e toda a esfera de atividades da Werkbund tendem para a estandardização. Só a estandardização pode restituir ao artista a importância universal que este possuía em épocas de civilização harmoniosa. Só através da estandardização como salutar concentração de forças, pode-
A posição de van de Velde vinha de sua experiência e do contexto de sua obra na qual demonstrava que o racionalismo não excluía o ornamento, mas expressava a natureza e a finalidade de um objeto. Para ele, a fábrica era uma grande oficina artesanal e a produção em massa significava a produção artesanal repetida. Os objetos não deviam ser considerados em separado dos processos de produção, de utilização e do pensar sobre as necessidades humanas. Com estas propostas montou sua própria oficina em Uccle, próximo a Bruxelas e, a partir de 1900, passa a trabalhar na Alemanha tornando-se figura fundamental na Deutsche Werkbund. 26
“Os primeiros a advogar a causa da máquina e da nova arquitetura da idade da máquina com fervor idêntico ao de de Velde quando defendia o individualismo foram os futuristas italianos, e sobretudo o jovem e brilhante arquiteto Antonio Sant’Elia (1888-1917), que morreu antes de ter tido oportunidade de construir de acordo com o que pensava, ensinava e desenhava” (Pevsner, 1994: 24).
51 espaços reduzidos, que iriam influenciar o design de apartamentos no pós-guerra. Nas conferências em Colônia, o conflito werkbundstreit, que não era novo, atingiu seu ponto culminante. “(...) Muthesius apresentou um memorando resumindo suas idéias, que foram vigorosamente rebatidas por de Velde. Após discussão e votação inflamadas, o grupo de de Velde ganhou por grande maioria, e o memorando foi retirado. Na maioria, os membros ainda se consideravam artistas e a ênfase de Muthesius em padrões formais e comércio foi interpretada como uma ameaça à independência e integridade pessoais” (Heskett: 1997, 92). No ano de 1916, a Werkbund publica o Deutsche Warenkunde em colaboração com a organização cultural Dürerbund ligada à revista Kunstwart. O Deutsche Warenkunde foi a primeira de muitas publicações deste gênero e era um “(...) livreto com designs recomendados para artigos domésticos como conjuntos de chá e café, copos e equipamento de cozinha. Estes geralmente eram caracterizados por decoração restrita, funcionalidade e eficiência, com preços que os tornavam acessíveis a amplas camadas da população” (Heskett: 1997, 94). Durante a 1a Guerra, a DWB organizou uma série de exposições em países neutros com o intuito de divulgar o trabalho desta federação e de também divulgar a importância do design como fator primordial para o bom desempenho econômico nacional.
“A evolução da indústria alemã em grandes organizações voltadas para o mercado foi um importante fator nessa tendência de eliminar elementos programáticos e enfatizar as vantagens comerciais do design” (Heskett: 1997, 94). De 1921 a 1926 avançou a visão funcionalista sob a presidência de Reimerschmid e, em 1924, a associação publicou o catálogo Forma sem Ornamento “(...) que apresentava o design de produtos produzidos industrialmente e mostrava as virtudes das superfícies planas e sem decoração e por fim o funcionalismo” (Fiell: 2000, 212). Ainda em 1927, em Stuttgart, Mies Der Rohe organiza a exposição intitulada A Habitação (Weissenhofsiedlung) e convida arquitetos de fama mundial para “(...) realizar habitações de diversos tipos aplicando novas idéias de arquitetura e design” (Bürdek: 1999, 25). “Os interiores destas casas eram mobiliados com peças modernas de metal tubular desenhadas por Mies Der Rohe, Marta Stam, Marcel Breuer e Le Corbusier, entre outros” (Fiell:2000, 212). Dentre os participantes da exposição estavam: Hans Scharoun, Walter Gropius, Max Taut, Jacobus Johannes Pieter Oud, Hans Poelzig e Peter Behrens. Bürdek (1999) cita esta exposição como o mais importante feito da DWB que demonstrou não apenas um novo conceito de habitação, mas também a aplicação de novos materiais e, principalmente, a proposta de desenvolver um projeto a partir de uma idéia criativa de base, desde uma casa até uma xícara de café. “Com esta habitação ‘obra de arte total’ se pretendia propagar por um lado novas pautas
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52 estéticas (redução a funções elementares, utilitarismo), e por outro oferecer a um amplo espectro da sociedade, instalações a preços acessíveis” (Bürdek: 1999, 25). Esta exposição obteve muito sucesso e foi muito divulgada, mas em 1934 a Werkbund acabou, sendo reaberta em 1947, mas com esforço em vão, fechando novamente logo em seguida. As questões que levaram ao desfacelamento da DWB, além da problemática do entre guerras e das questões da estandardização e do individualismo deviam-se a “(...) sua incapacidade de resolver a separação com a indústria e sua falha em desenvolver um programa preciso em relação à forma e ao papel dos designers.” (Heskett:1997, 92). Além disso, com exceção do contrato com a AEG27 e de duas empresas de navegação, a maioria das empresas que solicitavam o trabalho dos integrantes da DWB eram de tamanho médio, sendo que muitos dos donos destas empresas eram os próprios membros da DWB ou seus familiares. Porém, sob as mesmas diretrizes da DWB “(...) fundaram-se associações similares na Áustria (1910), na Suíça (1913), na Suécia a Slöjdforenigen (1910/1917) e na Inglaterra a 27
Peter Behrens foi designado diretor artístico da AEG – Allgemeine Elektrizitäts Gesellschaft (indústria de artigos elétricos e objetos utilitários) e nesta função orientava sobre todos os aspectos de design, das casas, objetos, comunicação visual e aplicação da identidade de marca da empresa. Por este motivo muitas vezes é o considerado como o 1 designer ou o principal pioneiro do design moderno.
Associação Design e Indústrias (1915). O objetivo comum de todas estas associações era influir no gosto tanto do fabricante como no do usuário do produto em um sentido global, de forma, nas palavras de Henry Cole, educativas” (Burdek: 1999, 24). Na Alemanha a Werkbund veio a contribuir para a disseminação dos ideais do Movimento Moderno, porém é importante destacar que a Werkbund não era o único centro disseminador destes ideais, “as escolas artísticas alemãs abandonaram com uma rapidez surpreendente a rotina oitocentista e seguiram o novo rumo. Em toda a parte foram nomeados novos diretores e professores” (Pevsner: 1994, 23). Ocorria, naquele momento, a reforma pedagógica alemã, os profissionais que participaram dos movimentos de instauração das oficinas e laboratórios foram nomeados para assumir a direção de várias escolas, dentre eles: Josef Hoffman foi nomeado professor da Escola de Artes e Ofícios de Viena e Bruno Paul assumiu a direção da escola de Artes e Ofícios de Berlim, Peter Behrens assumiu a direção da academia artística de Düsseldorf e Poelzig a de Breslau. Porém, apesar de todas as contradições e dificuldades de colocar em prática a sua ideologia, foi fundamental o papel exercido pela Deutscher Werkbund, sendo ampliado posteriormente pelas escolas e grupos que seguiram seus fundamentos e, especialmente, pela Bauhaus de Walter Gropius.
53 Porém a Bauhaus não sofre influência apenas da DWB, mas também do movimento holandês De Stijl, o qual ocorreu na Holanda e apresentaremos a seguir. Após o De Stijl daremos continuidade às escolas de design alemãs. DE STIJL – 1917 - Holanda O jornal de arte intitulado De Stjil foi criado na Holanda em 1917 por um grupo de artistas, arquitetos e designers. Entre seus principais representantes estavam Theo van Doesburg, Piet Mondrian, Anthony van der Leck, J.J.P. Oud, Georges Vanderloo e Gerrit Rietveld. Este jornal, publicado até 193128, falava sobre a arte e o design holandês e abria espaço para a reflexão e para os trabalhos produzidos pelos artistas de outros movimentos contemporâneos de arte, tais como, o Construtivismo Russo, o Futurismo Italiano e o Dadaísmo Alemão. Dessa forma, o De Stijl “(...) tornou-se um fórum de debates sobre arte e design, e eventualmente o foco para um maior e mais largo leque de intelectuais” (Fiell: 2000, 200). Os integrantes deste grupo – que na verdade nunca foi formalizado – defendiam uma utopia social voltada ao futuro e à estética mecânica. Renegavam o artesanato em benefício da máquina e buscavam chegar a total abstração, sendo o formalismo e o abstracionismo geométrico o traço marcante de suas produções. Estas levavam a uma economia, quase absoluta, na utilização dos elementos
formais. A arquitetura, os objetos e os projetos eram caracterizados “(...) pelo uso de formas geométricas fortes e elementos coloridos, tipo bloco, que delineavam o espaço... o mobiliário utilitário era usado ao mínimo... a sensação de leveza era conseguida através do pouco uso de ornamento” (Fiell: 2000, 201 e 202). O De Stijl foi importante não apenas para as artes visuais, mas também para o design e a arquitetura, aproximando as questões e os universos da arte ou das belas-artes e do design. Seus membros desenvolveram mobiliários, têxteis, design gráfico, projetos de interiores e arquitetônicos. “O De Stijl é conhecido como o primeiro movimento de design moderno, por ser precursor de uma nova pureza estética” (Fiell: 2000, 202). O De Stijl29 influenciou o ensino de design tanto na Bauhaus como em ULM e nas outras escolas de design que se seguiram e que deram continuidade à proposta pedagógica do ensino de Design. Conforme afirma Burdek: “a estética da redução do grupo De Stijl se traduzia, no terreno bidimensional, em elementos geométricos simples como o círculo, o quadrado e o triângulo, e a esfera, o cubo ou a pirâmide no campo tridimensional. Precisamente mediante o uso destes recursos formais se criaram uma série de categorias criativas, que ainda hoje tem uma validade parcial. A Bauhaus e a instituição que a sucedeu – a
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Ano da morte de Theo van Doesburg que era o editor chefe do jornal e um grande promotor dos ideais do De Stijl.
Um dos principais integrantes do De Stijl, Theo van Doesburg nos anos de 1921 e 1922 ministrou seminários privados sobre ‘os conceitos fundamentais da nova arte figurativa’ na Bauhaus.
Desenho em perspectiva de Rietveld – Schoeder (interior de residência), 1927.
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Casa Modelo de George Miche e Adolt Meyer, Weimar, 1923.
Hochschule für Gestaltung de Ulm –, continuaram esta tradição de formação básica” (Burdek: 1999, 26).
reforma da política escolar e educativa, quando então foi estabelecida a reforma pedagógica alemã.
É importante ressaltar as formas geométricas do grupo De Stijl adotadas na Bauhaus se referem a arte ‘lógica’, isto é, uma arte que não demandasse e emoção, mas sim uma percepção racional e universal fundamentada na expressão da matemática e da geometria no plano e no espaço.
Dentro deste espírito, “em 1902 Henry van de Velde criou um curso prático de artesania artística que em 1906 se converteu sob sua direção na Kunstgewerbeschule (Escola de Artes e Ofícios). Em 1919 a partir da fusão com a Escola Superior de Artes Plásticas, nasceu a Escola Oficial da Bauhaus de Weimar com Walter Gropius como principal responsável, que acabaria convertendo-se na alma do desenvolvimento posterior do design” (Burdek: 1999, 28).
STAATLICHES BAUHAUS (casa em/de construção estatal) – 1919/ 1933 – WEIMAR/ DESSAU/ BERLIM - ALEMANHA A industrialização crescente que ocorreu na Alemanha trouxe consigo mudanças e reestruturações tanto sociais quanto produtivas. A racionalização e o barateamento de custos foi uma necessidade que ocorreu tanto na produção quanto na venda de bens e produtos. Edifício da Bauhaus de Dessau.
Alfabeto Universal de Hebert Bayer, 1926.
Ainda, referente a criação e produção de bens, ocorreu na Alemanha a proliferação de oficinas que fabricavam objetos, utensílios, mobiliários e têxteis. Naquele momento defendia-se largamente a produção mecânica e este país tornou-se, entre o final de 1800 e o início de 1900, o país industrial líder no mundo ocidental, mantendo-se nesta posição até o início da Primeira Guerra Mundial. A posição de líder mundial foi alcançada graças ao grande crescimento econômico ocorrido na Alemanha nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial. Momento no qual foram organizados inúmeros movimentos dedicados às mudanças no modo de vida e de produção daquela população. Acreditava-se que a chave para uma revitalização industrial e artística encontrava-se também na
Em abril de 1919, quando Gropius assume o cargo de diretor das duas escolas citadas acima, a Escola de Artes e Ofícios (Kunstgewerbeschule de Weimar) e a Escola Superior de Artes Plásticas (Hochschule für Bildende Kunst de Weimar), elas são então reorganizadas e reunidas em uma única, recebendo o nome de ‘Staatliches Bauhaus in Weimar’ (Escola Estatal Bauhaus de Weimar). Mas não era apenas uma fusão ou mudança de nome e sim uma nova escola, tanto em nome como em programa, tanto em projeto como em proposta, sendo considerada a escola de arte e de design mais polêmica e a mais moderna do seu tempo. Para que isto viesse a ocorrer, Walter Gropius “(...) nos fins de 1914 começou a preparar planos para a reorganização da Escola de Arte de Weimar, da qual tinha sido nomeado diretor pelo grão-duque de Saxen-Weimar. A abertura da nova escola, combinando uma academia artística com uma escola de artes e ofícios, realizou-se em 1919” (Pevsner: 1994, 26).
55 A proposta de Gropius era a criação de uma instituição educacional que deveria atender a indústria e o comércio e integrasse as artes e os ofícios, mas que também implementasse a reforma das teorias de educação indo ao encontro da proposta política de reforma pedagógica da Alemanha. Portanto, a proposta norteadora da escola Bauhaus era a de ser um centro de orientação artística para a indústria, para o comércio e para a atividade projetual, a partir da relação entre a arte e o artesanato. Porém, havia um histórico anterior, muito bem embasado, para que Gropius tomasse tal atitude. Gropius participou da Werkbund, concordava com a visão de Hermann Muthesius e ambos queriam provar que o novo estilo – genuíno e autêntico de nosso século – já estava instituído em 1914. A síntese desses dados é encontrada na teoria e na prática da obra de Walter Gropius. Conforme Pevsner, “Gropius considera-se um continuador de Ruskin e de Morris, de van de Velde e da Werkbund... e se... Morris lançou a base do estilo moderno; Gropius deu-lhe os últimos retoques, os definitivos” (Pevsner: 1994, 26). Segundo Heskett (1997), a Bauhaus materializa a proposta alemã de conciliar arte e vida em formas de importância universal em uma escola que conciliava o artesanato com a arte. Num movimento manifesto da Bauhaus, que foi publicado em toda a Alemanha, Gropius estabeleceu o programa e os objetivos da nova escola: em conjunto, artistas e artesãos deveriam criar a estrutura do futuro.
A Bauhaus era ao mesmo tempo um laboratório artesanal e de estandardização, uma escola e uma oficina, além de reunir em um espírito de comunidade arquitetos, artesãos, pintores e designers. Segundo Pevsner (1994), levava todos a trabalhar pelo novo espírito da construção, e construção para Gropius era um termo de grande significado. O direcionamento pedagógico da escola era pautado na crença de que o objetivo último de toda a atividade artística é a construção e que a arte livre e a arte aplicada constituem uma síntese. Esta crença é reafirmada no programa de ensino da Bauhaus, cujo texto apresenta a busca e o encaminhamento de seus estudantes para "(...) uma formação que lhes possibilite atuarem como artesãos hábeis ou artistas livres, e tem por objetivo também fundar uma comunidade de trabalho formada por artistas industriais representativos e aspirantes que seja capaz de realizar com uniformidade uma obra em sua totalidade... a partir de um espírito comum" (Wick: 1989, 90). A este programa é realizado um adendo no estatuto de 1921 em que consta “a Bauhaus pretende oferecer a pessoas de talento para as artes plásticas a formação de artesãos criativos, escultores, pintores, arquitetos...” (Wick: 1989, 90). Segundo Claudio Ferlauto, é na Bauhaus que “(...) pela primeira vez a arquitetura e, depois, o design são concebidos a partir de abstrações teóricas, modelos e experimentações. Essas suas proposições são uma rejeição aos paradigmas advindos do aprendizado pela imitação, o
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56 autodidatismo e uma negação da arte comercial” (Ferlauto: 2002, 57).
Diagrama que ilustra o programa pedagógico da Bauhaus, publicado nos estatutos de 1922 por Walter Gropius.
Podemos dizer que a Bauhaus foi a primeira escola interdisciplinar de design e ofícios e, conforme Heskett (1997), deve ser considerada como a fonte do desenho industrial, cujo método de educação ali desenvolvido era muito adequado ao desenho industrial. O que pode ser comprovado pelo fato de este modelo de ensino ter estabelecido as bases fundamentais para inúmeras escolas e cursos de design que foram implementados posteriormente, e podemos afirmar que ainda hoje tal influência está presente no ensino de design. A Bauhaus procurava reformar a teoria da educação e trazer unidade às artes; o ensino desta escola era impregnado da construção e do fazer, considerados importantes esforços e reflexões sobre as questões simbólicas, sociais e intelectuais, e eram seus objetivos centrais, conforme Wick (1989) e Burdek (1999): - oferecer a pessoas de talento para as artes plásticas o domínio das relações artesanais, técnicas e formais, com o propósito de um trabalho conjunto na construção; - levar o trabalho prático de experimentação para a construção de casas e peças do mobiliário;
Diagrama que ilustra o programa pedagógico da Bauhaus, publicado nos estatutos de 1922 por Walter Gropius.
- desenvolver modelos para a indústria e para o artesanato;
- alcançar uma síntese estética mediante a integração de todos os gêneros da arte e todos os ramos do artesanato sob a primazia da arquitetura; - alcançar uma síntese social mediante a orientação da produção estética sobre a necessidade de um amplo espectro de classes sociais. O currículo da Bauhaus apresenta modificações e adaptações ao longo da existência desta escola, tendo como componente essencial em todas as fases o ensino artesanal e o aprendizado de um ofício30. O programa de 191931 contava com três pilares: a formação artesanal, a gráfico-pictórica e a teórico-científica. Esta última abrangia as ciências naturais e a tecnologia, dispostas nas seguintes disciplinas: ciência dos materiais, física e química das cores, método pictórico racional, história da arte e da técnica, anatomia – modelo vivo, economia empresarial – contabilidade e contratos. No estatuto de 1921, a formação teórico-científica foi reduzida drasticamente. Passa-se a falar de matérias 30
Neste aspecto Gropius instituiu uma dupla qualificação artísticoartesanal formalizada, o ensino de artesanato, obrigatório para todos os estudantes da Bauhaus e concluído através de um exame oficial realizado na câmara do artesanato e conselho de mestres. Na verdade, isto era uma manobra tática de Gropius para comprometer a produção artesanal de Weimar com os objetivos e o trabalho realizado por esta escola. 31
De início aparecia a disciplina projeto de ornamentos que foi logo excluída pois “era incompatível com a concepção Gropiusiana de arquitetura e criação modernas, sendo logo eliminada do cânone de disciplinas” (Wick: 1989, 86).
57 complementares, porém mantém-se a formação artesanal de 1919 e substitui-se a formação gráfico-pictórica pelo estudo da forma. O estudo da forma passa a compreender quatro áreas: estudo dos materiais elementares, estudo da natureza, estudo da configuração, desenho e construção modelar. Mas a mudança fundamental de 1921 consiste na institucionalização do curso preliminar, chamado inicialmente de classe preparatória e posteriormente de curso preliminar-Vorkus. Este foi instituído por Johannes Itten (1888-1967) e era obrigatório aos alunos. Seus fundamentos centravam-se nos ensinamentos elementares sobre a forma e o estudo dos materiais. Somente após a aprovação no curso preliminar é que o aluno poderia passar a freqüentar uma oficina de sua livre escolha e eleger seu mestre de arte. “O curso preliminar tornou-se a base pedagógica da Bauhaus” (Wick: 1989,87). O semestre inicial era um momento de união da arte e da técnica em que a base estrutural dos princípios pedagógicos enfatizava o aprendizado pela prática, a expressão individual e a experimentação, que era um meio de autodescoberta. “Com base em estudos teóricos, o trabalho prático explorava e combinava forma, cor, material e textura. Depois havia treinamento em oficinas numa disciplina selecionada de arte, técnica ou, a partir de 1924,
arquitetura, onde o método básico do Vorkus era aplicado à atividade específica escolhida” (Heskett: 1997, 103). Nesse momento, a partir da implementação do Vorkus, o programa do curso completo deveria se processar em três etapas distintas e complementares: - ensino preliminar (1 semestre); - aprendizagem na oficina (3 anos); - estudo da construção (a depender do rendimento e das circunstâncias). Porém, é importante observar que esta era a proposta norteadora, mas a “(...) institucionalização de um departamento de arquitetura teve de esperar até 1927. Isto significa que a Bauhaus permaneceu incompleta – de acordo com a reivindicação estabelecida por ela mesma – por longos anos. Para só na era Hannes Meyer e Mies van der Rohe dogmatizar a primazia da arquitetura” (Wick: 1989,89). Nesta 1a fase32, tida como a de instabilidade estrutural, muitos problemas foram enfrentados, dificultando a implantação da escola e de seu programa inovador. Entre os problemas, os mais determinantes foram: a heterogeneidade do corpo docente, a falta de comprometimento dos professores com o programa da Bauhaus e também dificuldades com relação à hierarquia. 32
Segundo Wick (1989), citado por Burdek (1999), a Bauhaus divide-se em três fases: fase de fundação de 1919 à 1923, fase de consolidação de 1923 à 1928 e fase de desintegração de 1928 à 1933.
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58 Para dar início ao programa pedagógico da escola, Gropius convidou os pintores Johannes Itten, Lyonel Feininger (18711956) e o escultor Gerard Marcks (1889-1981) no ano de 1919. E até o ano de 1922 contratou Georg Muche (18951987), Oskar Schlemmer (1888-1943), Paul Klee (1879-1940), Lothar Schreyer (1886-1966) e Wassily Kandinsky (18661944).
de Itten, mais a orientação socialista da escola Bauhaus, atraiu grande oposição política em Weimar.
Quanto aos docentes do antigo quadro da Escola de Artes Plásticas de Weimar, ocorriam sérios problemas, pois muitos não aceitavam a proposta progressista da Bauhaus, chegando a se desligarem da escola. No ano de 1923, o conflito entre Gropius e Itten torna-se insustentável. Itten se desliga da Bauhaus por causa das polêmicas atitudes pessoais e o fanatismo religioso pela seita Mazdaznam que o pintor passou a adotar com seus alunos, que por sua vez, indignaram-se perante o fato.
A 2a fase, de 1923 à 1928, é considerada como a fase de consolidação, na qual, entre outros importantes fatos ocorridos, devemos destacar a primeira grande exposição da Bauhaus levada a público, disseminando seus conceitos e propostas; a mudança de Weimar para Dessau onde ficam estabelecidos os fundamentos arquitetônicos da escola; a busca por uma viabilização econômica por meio da produção das oficinas e as alterações que vieram ampliar e contribuir para a melhoria do projeto pedagógico da Bauhaus. É também nesta fase que a escola atingiu o ponto mais alto de seu desenvolvimento sob a direção de Gropius, de 1925 a 1928, quando então ele se desliga da escola.
Na questão hierárquica os problemas centraram-se nas oficinas, estas deviam ser compostas por dois professores: um mestre da forma e um mestre artesão, porém os estatutos da escola não possibilitavam aos mestres artesãos qualquer atitude decisória. Por outro lado, os mestres da forma eram artistas de reconhecido valor e devido à autoridade artística que já lhes era atribuída, ocorreu um distanciamento real entre eles e os mestres artesãos que atuavam nas mesmas oficinas. A 1a fase da Bauhaus, de 1919 a 1923, também pode ser considerada como uma fase expressionista, pois as aulas de Itten baseavam-se na intuição e método ou na experiência subjetiva e reconhecimento objetivo. O método de ensino
“Portanto, a Bauhaus, em sua fase inicial, estava longe de ser um instituto de formação, no qual se concretizasse a noção de obra de arte total sob ‘as asas da arte da construção’ ” (Wick: 1989,41).
Em 1923, teve de ser organizada uma exposição da Bauhaus que justificasse o apoio do estado à escola. Grandes esforços foram empreendidos para a sua realização. Nenhum novo aluno foi admitido no verão de 1923 e foi obtido um empréstimo com o empresário Adolf Sommerfeld para ser apresentada uma casa modelo. A exposição foi aberta no dia 15 de agosto de 1923 e inaugurada com o seguinte conjunto de palestras: ‘Arte e Técnica, Uma Nova Unidade’ proferida por Walter Gropius, ‘Arte Sintética’ proferida por Wassily Kandinsky e a
59 ‘Moderna Arquitetura Holandesa’ proferida por J.J.P. Oud, como orador convidado. A exposição caracterizou-se pela vanguarda e inovação em todas as expressões. “O vanguardismo musical também foi representado: estrearam-se as ‘Canções de Maria’, de Paul Hindemith e tocou-se música de Busoni, Ernst Krenek e Igor Stravinsky. Estudantes apresentaram em palco o ‘Teatro de Variedades Mecânico e Cinemas’, enquanto o ponto alto coube à apresentação do ‘Ballet Triádico’ ” (Droste: 1994, 106). As pinturas dos mestres e dos estudantes foram exibidas no Landesmuseum e, nos edifícios da escola, os trabalhos realizados durante o curso. Todos os corredores, escadas e áreas de entrada foram decorados por murais e relevos esculpidos, realizados pelos estudantes dos ateliês de escultura em pedra e pintura mural. Nesta exposição também foi apresentada a nova imagem da Bauhaus e que incorporava a New Typography com influência do grupo De Stijl e do Construtivismo Russo. A nova tipografia presente em todo o material impresso da Bauhaus refletia a modernidade da escola, sendo as cores principais o preto, o branco e o vermelho, havia na composição a predominância do equilíbrio assimétrico com blocos, barras e linhas como seus componentes essenciais. Uma mostra paralela sobre ‘Arquitetura Internacional’ foi organizada e apresentada por Gropius, tendo como proposta ilustrar a concepção e a prática de uma arquitetura
funcional e dinâmica. “A exposição pretendia provar que os objetivos da Bauhaus eram também concretizados independentemente noutros sítios” (Droste: 1994, 106). A grande sensação da exposição foi a casa modelo – “Haus am Horn” – que segundo Droste (1994) foi concebida como uma criação bauhausiana de cima a baixo, foi o primeiro exemplo prático do novo modo de vida na Alemanha. A Casa Modelo tinha uma série de características inovadoras para aquela época: quase não havia corredores, os quartos eram dispostos ao redor da sala de estar, o banheiro era próximo ao quarto, a cozinha e a sala de jantar eram conjugadas. A cozinha era um local destinado exclusivamente à tarefa de cozinhar e armazenar alimentos. Apresentava uma bancada contínua, superfícies retas, simples e fáceis de limpar, bancos que se encaixavam embaixo da mesa para poupar espaço e os equipamentos elétricos eram os mais modernos. A sala de jantar era do tamanho suficiente para caber uma mesa com oito cadeiras. No quarto das crianças havia paredes para que elas pudessem escrever, espaço para brincar de teatro e grandes blocos de madeira para montar e brincar. Existiam problemas projetuais de concepção, como por exemplo, a deficiência das áreas de circulação e de acesso aos locais. Porém, esta casa modelo é muito semelhante aos apartamentos urbanos dos nossos dias, quase uma
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60 antecipação do modo de vida do final do século XX e início do XXI.
“Os recursos destinados à Bauhaus foram tão drasticamente reduzidos, que os mestres da escola decretaram a dissolução do instituto em 31 de março de 1925” (Wick: 1989, 49).
A Casa Modelo, que era um projeto experimental, bem como a exposição como um todo, foi muito criticada, negativamente. Apenas para dar um exemplo, o crítico Paul Westheim escreveu o seguinte sobre a exposição: “três dias em Weimar e já chega de quadrados para o resto da vida” (Droste: 1994, 106).
Gropius viu-se obrigado a mudar com a Bauhaus para Dessau em 1925. “(...) Apesar de Gropius refutar que o design moderno tivesse um caráter político, não foi capaz de proteger a Bauhaus – agora um símbolo da era moderna – contra os ataques” (Droste: 1994, 114).
Porém, as críticas internacionais foram muito favoráveis e a exposição foi um grande sucesso de promoção e de divulgação da Bauhaus. “Artigos de jornais escritos por jornalistas de toda a Alemanha e do estrangeiro encheram dois álbuns grandes. Foi a primeira vez que a imprensa apresentou fotografias de produtos Bauhaus, que Gropius autorizara por ocasião da exposição" (Droste: 1994, 109).
Porém, em Dessau, havia muita receptividade à Bauhaus por parte dos sociais- democratas, especialmente o prefeito da cidade, Fritz Hesse. Esta cidade industrial ofereceu então os seus préstimos à escola, entretanto, esta deveria se sustentar parcialmente através da produção e venda de seus trabalhos. A proposta de Gropius era de que as oficinas poderiam ser auto-suficientes e atender a clientes privados.
Apesar disso, não conseguiram convencer as autoridades, associações e membros locais. O resultado em termos políticos foi desastroso.
Em Dessau, a Bauhaus passa a denominar-se Instituto Superior da Forma e torna-se então uma escola municipal.
Logo depois, assim que Weimar elege o partido nacionalsocialista alemão dos trabalhadores, o subsídio estatal para a escola foi reduzido em 50%, além do que a Bauhaus passa a ser considerada um antro de comunismo e subversão. “Os partidos conservadores da direita, que desde há muito vinham a exigir o fechamento da Bauhaus devido às tendências comunistas e bolchevistas que viam nas suas obras, alcançaram o seu objetivo através de uma série de medidas” (Droste: 1994, 113).
A mudança para Dessau marca um período de grande desenvolvimento para a escola. É a fase que será marcada pela produção arquitetônica, apesar de o ateliê ou oficina de arquitetura da escola ter sido implementado apenas em 1927. Os projetos arquitetônicos desenvolvidos foram realizados pelo escritório particular de Gropius. O novo edifício da escola, as casas dos mestres, inaugurados em 1926, tornaram-se o marco da moderna arquitetura alemã e apontavam para o funcionalismo industrial.
61 Em Dessau, a Bauhaus tornou-se um mito e um “(...) ponto de peregrinação, atraindo mensalmente centenas de visitantes nacionais e – de forma crescente –estrangeiros” (Droste: 1994, 120). Nesta fase, Gropius, desiludido com o socialismo, passa a acreditar no capitalismo e leva a escola a uma aproximação maior com o design industrial e é adotada a estética das máquinas. Os projetos são concebidos e pensados para a produção industrial. Ainda em 1925 é aberta uma empresa, a Bauhaus GmbH, para promover e vender os projetos e produtos desenvolvidos pelos designers da escola, mas sem sucesso. “Em grande parte devia-se, sem dúvida, à severidade estética dos produtos feitos à máquina, a maioria dos quais para a produção industrial. Foram feitos alguns acordos entre a Bauhaus e produtores exteriores, mas nem isso trouxe as receitas que Gropius esperava” (Fiell: 2000, 89). As reformas pedagógicas de 1925 a 1927 apontavam para “(...) experiências sistemáticas tanto a nível teórico como prático – nas áreas formais, técnicas e econômicas“ (Droste: 1994, 134). Os docentes, até então denominados mestres, passam a ser chamados de professores e não tinham mais envolvimento com associações locais. Os estudantes, anteriormente chamados de aprendizes, passam a ser denominados simplesmente, alunos.
Houve um período de estabilidade por volta de 1925 quando ex-alunos formados pela Bauhaus foram incorporados como jovens mestres da escola. Porém, a grande preocupação destes jovens mestres era com a técnica e faltava articulação institucional para que os lados técnicos e formais complementassem uns aos outros. Devido à industrialização e ao tecnicismo exacerbado da Bauhaus, Muche desliga-se da escola. A Bauhaus transformase nessa época em um centro de produção de protótipos para a indústria, com a intenção de se tornar menos dependente do dinheiro público, quando desenvolve o funcionalismo rígido. Em Dessau, o curso preliminar passou a chamar-se ensino básico e este passa a ser subdividido em ensino básico de oficina e ensino básico da forma, fato que “(...) limitava consideravelmente a margem de autoconhecimento criativo do estudante” (Wick, 91). Reduziu-se o número de oficinas ou ateliês e elas foram reorganizadas, agora sob uma única direção. Foram excluídas as oficinas de meios de produção essencialmente artesanais e ficaram instituídas em número de seis, da seguinte maneira: madeira/carpintaria, metal, cor/pintura mural, tecido/têxtil, impressão tipográfica e artística, escultura. Em 1923, Itten é substituído por Josep Albers (1888-1976) e László Moholy-Nagy (1895-1946), que dão continuidade ao curso de Itten, porém rejeitam o desenvolvimento da criatividade individual e seguem uma abordagem mais
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62 industrial, levando os alunos a visitarem fábricas. MoholyNagy e Albers “(...) ressaltaram a objetividade técnica e a economia, o máximo feito com o mínimo esforço, resultando novamente em formas geométricas abstratas apoiadas por uma teoria idealista platônica” (Heskett: 1997, 103). Esta mudança refletia o desenvolvimento das idéias de Gropius, que no ano de 1923 ressalta a importância da “(...) arte e tecnologia: uma nova unidade” no documento que é levado a público em 1926 e intitulado ‘Princípios da Produção da Bauhaus’. Destacaremos aqui trechos deste documento por sua estreita relação com o assunto que tratamos neste trabalho. “As oficinas da Bauhaus são essencialmente laboratórios onde protótipos de produtos adequados para a produção em massa e típicos de nosso tempo são cuidadosamente desenvolvidos e constantemente aprimorados. Nesses laboratórios, a Bauhaus deseja treinar um novo tipo de colaborador para a indústria e o artesanato, que tenha um domínio igual de tecnologia e forma" (Heskett: 1997, 103). Quando o ateliê de arquitetura foi implantado, em 1927, Hannes Meyer (1889-1954) foi eleito diretor deste departamento e foi realizada uma nova revisão no programa didático com destaque à arquitetura e ao design de interiores. Os ateliês de metal, carpintaria e pintura mural foram agrupados em pintura mural. A publicidade aparecia como a segunda maior ênfase e incluía os ateliês de tipografia, escultura e mais tarde o de fotografia.
O teatro volta a ter um papel importante. As aulas de pintura livre, exigidas por Kandinsky e Klee, foram agrupadas em um seminário de escultura livre e design pictórico. Introduziu-se um diploma final para o curso de arquitetura e mais tarde outros diplomas para as disciplinas. É aí que “(...) a ênfase do ensino foi transferida para a arquitetura, apesar de estar ainda reservado um lugar importante para as disciplinas livres. Na prática este programa revisto teve pouco impacto inicial, pois o departamento de arquitetura contava apenas com um número restrito de estudantes” (Droste: 1994, 135). Podemos dizer que esta discussão entre design e arquitetura perduram nos dias atuais; uma área querendo e tentando se sobrepor à outra. Parece-nos que a intenção da Bauhaus era dirigida à concepção projetual global, que incluía desde objetos e comunicação visual até arquitetura e urbanismo, assim como em outros movimentos ocorridos anteriormente e, por várias vezes, pudemos ver o emprego da terminologia obra de arte total (Arts and Crafts, Art Nouveau, Colônia de Darmstadt, De Stijl, entre outros). A própria Bauhaus só consegue estabelecer o ensino de arquitetura a partir de 1927, oito anos após a sua fundação. Talvez arquitetos e designers trabalhassem muito melhor se, ao invés de tentarem ficar se sobrepondo uns aos outros em
63 termos de importância, revissem seus conceitos de obra total ou em termos mais contemporâneos, design total33.
Acrescentou ao programa da Bauhaus disciplinas como economia, marxismo, psicologia, sociologia e biologia.
Apesar de em 1927 a escola conseguir implementar o departamento de arquitetura, é a partir desse ano que a Bauhaus começa a sustentar o subtítulo de Instituto de Design (Hochschule für Gestaltung). No final de 1927, Gropius deseja passar a direção da escola para Mies van der Rohe, que não aceita o cargo, e quem o assume é o arquiteto suíço Hannes Meyer, que ficou na direção desde o final de 1927 até 1930.
Ele fechou as oficinas tentando livrar a escola do estigma das atividades artísticas, abandonando a idéia de escola de arte. Esta, por sua vez, “(...) tornou-se um local de produção voltada à satisfação das necessidades humanas” (Wick: 1989, 57). A escola nessa fase produz com total eficiência do ponto de vista produtivo e econômico.
A fase de desintegração da Bauhaus ocorre entre os anos de 1928 e 1933, desligam-se da escola Gropius, Moholy-Nagy, Marcel Breuer e Herbert Bayer, que seguem para Berlim assumindo atividades e funções relacionadas ao design e à arquitetura. Novas disciplinas são incorporadas ao programa pedagógico e ocorre uma perseguição política mais ostensiva e determinada, fato que leva ao encerramento desta escola em 1933. Hannes Meyer como sucessor de Gropius acreditava que a forma de um projeto tinha de ser determinada pela função e pelo custo, gerando produtos práticos e acessíveis. 33
Esta denominação provém de um grupo de designers holandeses (Win Crouwel – tipógrafo, Friso Kramer – designer de mobiliário e Benno Wissing – designer gráfico) que, em 1963, fundou o escritório Total Design, cuja proposta era a aplicação da multifuncionalidade de seus projetos, aplicações e operações, desenvolvendo e aplicando design para uma mesma empresa/cliente para todas as necessidades. Atualmente, a Total Design, além de ser um escritório de design, que é subdividido em equipes de criação, é também uma consultoria de design.
Nessa mesma época, a questão do design na Bauhaus tornase mais científica e também mais politizada. A escola passou a ser utilizada por um grupo de estudantes para atividades marxistas. Mas alguns acontecimentos marcantes pregavam a desintegração: Schlemmer desliga-se da Bauhaus em 1929, Klee em 1931, Kandinsky e Meyer são movidos por uma constante e crescente hostilidade. No ano de 1930, calculase que na Bauhaus havia 30 estudantes comunistas e quando as autoridades da cidade descobriram o fato demitiram Meyer, substituindo-o por Mies van der Rohe, um dos mais destacados arquitetos de seu tempo. Mies van der Rohe ao assumir a direção, substitui os estatutos, expulsa os alunos marxistas e estabelece um novo currículo que reduz o plano pedagógico. O curso preliminar não é mais obrigatório, são mantidas as divisões em ensino básico, principal e construção, apenas as nomenclaturas são substituídas por designações neutras, tais como: primeiro, segundo e terceiro nível.
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64 O primeiro nível deveria levar os estudantes a uma uniformidade de conhecimentos, o que resulta em um academicismo puro. No segundo nível, os alunos deveriam decidir por uma das seguintes áreas: arquitetura e construção, propaganda, fotografia, tecelagem ou artes plásticas. Por sua vez, as artes plásticas passam a ser desconsideradas em importância e são vistas como um apêndice na formação. Grande importância é dada à arquitetura e podemos dizer que é apenas nesta fase que a Bauhaus torna-se uma escola de arquitetura. Mies retoma as oficinas, cuja única função é a de criar produtos industriais. A temática desta fase é Bau und Ausbau (construção e desenvolvimento) – um programa não-político. “Foram mantidos os traços de uma academia de arquitetura com algumas classes de design, duas classes de pintura livre e uma classe de fotografia... e reduziu-se drasticamente o trabalho de produção em benefício do programa de ensino“ (Wick: 1989, 58). Já no plano de ensino de 1932 “(...) quase não se notam vestígios da antiga idéia de síntese de todos os gêneros artísticos e tipos de artesanato; como se nunca tivesse existido uma reforma das escolas de arte, as artes plásticas passam a ter uma vida isolada, periférica, dentro do conjunto de produção da escola;... nesta fase... o objetivo de formar estudantes para atuarem como especialistas profissionais está claramente acima da formação de “generalistas” criadores” (Wick: 1989, 94).
Ainda em 1932, com a derrota dos social-democratas em Dessau, a escola foi forçada a procurar um novo local para se estabelecer. O local escolhido foi Berlim-Steglistz onde foi implementada como Instituto Superior de Ensino e Pesquisa Técnica, uma escola de ensino privado. Mies van der Rohe “(...) deu continuidade a seus trabalhos sob condições adversas, ocupando as instalações de uma antiga fábrica. Mas já no ano seguinte, os nacionalsocialistas puseram definitivamente um fim à subsistência da Bauhaus, difamada como centro de cultura bolchevista e comunista: a repressão da polícia, da SS e da Gestapo levou a uma autodissolução involuntária, aos 20 de julho de 1933” (Wick: 1989, 58). Desde o momento de sua formação “(...) a Bauhaus se encontrava no centro dos acontecimentos políticos e não é surpreendente que sua existência tenha permanecido como motivo de polarização ideológica até o momento de seu fechamento em 1933, com a chegada do poder nazista” (Dennis: 2000, 119). Porém, apesar da proposta consistente de ensino da Bauhaus, a sua prática não permitia relacionar sua proposta às suas intenções. “No contexto do desenvolvimento geral do design numa das principais nações industriais do mundo...os produtos da Bauhaus pareciam apenas uma minúscula contribuição de um grupo vanguardista marginal” (Heskett: 1997, 106). A Bauhaus “(...) nos anos 20 foi alvo de enorme publicidade, provocando entusiasmo ou vergonha segundo o ponto de
65 vista, e seu fechamento pelos nazistas em 1933 lhe valeu uma espécie de canonização institucional que só recentemente foi questionada” (Heskett: 1997, 102 e 103). Muitos professores e diretores da Bauhaus foram para os Estados Unidos e Moholy- Nagy torna-se diretor da efêmera New Bauhaus em Chicago. “A Nova Bauhaus, fundada em 1937 e posteriormente incorporada ao Illinois Institute of Technology, devia sua existência à infatigável luta de Lazlo Moholy-Nagy e sua esposa Sybil. Estabelecida como sucessora direta da Bauhaus, ela trazia uma nova dimensão à educação criativa nos Estados Unidos. Mas, como foi apontado mais tarde pela revista Industrial Design, a maioria de seus alunos era empregada como artistas, artesãos e professores e não como designers na indústria” (Heskett: 1997, 105 e 106). A emigração forçada da Bauhaus por questões políticas conduz a um desenvolvimento mundial da pesquisa, ensino e prática do design; segundo Burdek, assim distribuídos: - 1920 a 1928 - Wchutemas / Wchutein Soviéticas - 1926 a 1934 - Escola de Arte Moderna em Berlim, privada, sob a direção de Johannes Itten; - 1928 - Bauhaus de Budapeste sob a direção de Sandor Bortnik; - 1993 - Albers Black Mountain College34 na Carolina do Norte;
- 1937 - Gropius é nomeado para o Graduate School of Design em Harvard e no ano seguinte foi nomeado chefe de departamento de arquitetura da mesma escola; - 1938 - A Nova Bauhaus é incorporada ao Instituto de Chicago e Mies van der Rohe passa a ser diretor da seção de arquitetura do Armour Institute of Technology em Chicago de onde nasce o Illinois Institute of Technology. É apresentada no MOMA, em Nova York, uma retrospectiva do design da Bauhaus organizada por Gropius e denominada ‘Bauhaus 1919-1928’. Esta exposição colocou a escola no patamar da mais importante instituição de ensino de design do século XX; - 1939 – Moholy-Nagy funda a Chicago School of Design, que em 1944 passa a se chamar Institute of Design na categoria de escola superior; - 1949 - Ocorre a fusão do Institute of Design ao Illinois Institute of Technology sob a direção do sucessor de MoholyNagy, Serge Chermayeff que mantém a categoria de escola superior e constitui os departamentos de design visual, design de produto, arquitetura e fotografia, estrutura que foi adaptada posteriormente por um grande número de escolas de design;
34
Black Mountain College é considerada a Bauhaus Norte-Americana e foi durante 23 anos o centro de criação artística mais intenso dos EUA. Ficou caracterizado pela vanguarda musical integrada à literatura, dança e artes visuais. Se distingüia pela arquitetura bauhasiana de seu prédio cujo entorno era um grande floresta. Sua
proposta era relacionar o progresso tecnológico a uma visão humanista onde as artes deviam associar-se a outras áreas de estudos para formar o homem completo.
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66 - 1950 a 1959 - Albers ensina na Universidade de Yale em New Haven, Connecticut onde desenvolve a famosa pesquisa ‘Interação da Cor’. - 1951 - Max Bill, ex-aluno da Bauhaus de Dessau foi um dos fundadores e reitor da escola de ULM (Hochschule für Gestaltung).
escolas de design em outros três países: Rússia, Suíça e Estados Unidos. São estas escolas que apresentaremos a seguir para depois retomarmos a escola alemã de ULM e as escolas da América Latina, focando especialmente o Brasil. WCHUTEMAS / WCHUTEIN – 1920 - Moscou
A influência e as repercussões pedagógicas da Bauhaus ocorreram em várias escolas americanas, européias, asiáticas, sul-americanas e, inclusive, brasileiras. Exercício de composição “massa e equilíbrio”, 1922 do Wchutemas.
“O pioneirismo da visão Funcionalista do design da Bauhaus teve um impacto fundamental na subseqüente prática do design industrial e forneceu o alicerce filosófico do qual o Movimento Moderno emergiu. A Bauhaus teve também um profundo e amplo impacto na maneira como o design foi ensinado e muito especialmente sentido na Hochschule für Gestaltung, ULM” (Fiell: 2000, 91 e 92). Segundo Heskett, o significado educacional da Bauhaus foi enorme. “Os métodos da Bauhaus formaram a base da educação artística em instituições do mundo inteiro; embora a história de seus sucessores mais notáveis – a Nova Bauhaus de Chicago e a Hochschule für Gestaltung de Ulm, em Baden Wüttemberg – mais uma vez lançasse dúvidas sobre a adequação dos métodos da Bauhaus como preparação para o desenho industrial” (Heskett: 1997, 105). As escolas alemãs, especialmente a proposta da Bauhaus, influenciam a abertura e o surgimento de movimentos e
Na Rússia, após a Revolução de Outubro, o estado promoveu a reforma do ensino nas escolas de arte. Um programa de arte foi elaborado por um grupo de artistas e pelo diretor do Comissariado Popular para o Esclarecimento do Povo, visando a “(...) redefinir fundamentalmente a função da arte na sociedade socialista e reorganizar completamente as instituições artísticas” (Wick: 1989, 78). Entre os artistas envolvidos nesta proposta estavam El Lissitzky, Malevich, Tatlin, que vieram a formar o grupo de Construtivistas, estes acreditavam que as teorias estéticosociais deveriam prevalecer sobre todas as coisas e a meta prioritária do trabalho era a satisfação das necessidades básicas de um grande grupo da sociedade. Também nos anos 20, Rodchenko e Stepanova “(...) publicaram um ‘Manifesto de Produção’ que tentava ligar a rejeição da tradição e o entusiasmo da tecnologia à ideologia comunista” (Heskett: 1997, 100). “Os princípios do construtivismo desenvolvidos por Tatlin se basearam na produção real e material: técnica, materiais e elaboração. O estilo deve ser substituído pela técnica.
67 Malevich traçou as diretrizes para a ‘Wchutemas’, uma espécie de Bauhaus soviética” (Burdek: 1999, 26). As Wchutemas eram as Altas Oficinas Técnicas e Artísticas do Estado soviético, consideradas como a evolução dos estúdios de arte livre do estado, fundados em 1918. “A Wchutema nasceu por força de um decreto assinado por Lênin e tinha por objetivo formar artistas – práticos altamente qualificados, propiciar à formação de arquitetos um alicerce artístico e fomentar a arte e o artesanato, bem como a produção voltada para o bem da economia nacional” (Wick: 1989, 80). As Oficinas Wchutemas, cuja estrutura era de escolaoficina, desempenharam um papel crucial na formação da ideologia artística na Rússia. Entre as oficinas destacavamse as que desenvolviam trabalhos com metal e madeira. Muitos de seus professores/instrutores pertenciam ao Construtivismo Russo, dentre os quais estavam Alexander Rodchenko, El Lissitzky, Varvara Stepanova, Vladimir Tatlin, Naum Gabo, Antoine Pevsner, Liubov Popova e Alexandre Vesnin. Rodchenko e El Lissitzky, que foram diretores das Wchutemas, desenvolveram os conceitos e princípios do design. Despenderam “(...) grandes esforços para desenvolver métodos de design de produção, independente da falta de material e de equipamento. O trabalho se concentrava no design de móveis-padrão multifuncionais” (Heskett: 1997, 102).
Inclusive, El Lissitzky, entre os anos de 1925 e 1930, esteve visitando a Bauhaus e entre 1927 e 1928 ocorreu intercâmbio de visitas de grupos de estudantes. As Wchutemas eram consideradas como escolas-oficinas de design, organizadas em uma instituição que promoveu “(...) o conceito de ‘produção de arte’ e estabeleceu contatos com a indústria. Desenvolveu também técnicas de ensino progressivo e tinha estreitos laços com a Bauhaus através de El Lissitzky, Kasimir Malevich e Wassily Kandinsky” (Fiell: 2000, 716). A organização pedagógica centrava-se em um curso básico de dois anos, comum aos alunos de todas as faculdades. Este curso desenvolvia-se em uma introdução sistemática aos fundamentos da criação plástica e subdividia-se em três ciclos: desenho, superfície e cor, espaço e corpo. “Em 1928 o Wchutemas alterou sua denominação para Instituto Superior de Arte e Técnica (WCHUTEIN), expressão de uma orientação tecnológico-científica mais pronunciada da escola e de sua inclinação em direção à arquitetura e produção. Em 1930, por decisão do governo, procedeu-se à dissolução do WCHUTEIN e seu desmembramento em escolas superiores especializadas, nas quais o aspecto artístico foi cada vez mais relegado a um plano secundário em benefício da utilidade técnica...” (Wick: 1989, 81). As Wchutein e todas as outras organizações de design e arquitetura russas foram abolidas em 1932 em favor dos sindicatos controlados pelo estado.
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68 ESCOLA SUÍÇA – anos 20 - Suíça O termo Escola Suíça refere-se ao estilo tipográfico desenvolvido em Zurique e na Basiléia desde a década de 20 e, no período entre guerras, os designers suíços puderam avançar e aprofundar as teorias tipográficas lançadas pela Bauhaus.
Cartaz “Você também é liberal” de Karl Gerster – Escola Suíça.
Ernst Keller (1891-1968) atuou como professor na Kunstgewerbeschule, em Zurique, no ano de sua morte era considerado responsável por um design gráfico inovador marcado pela excelência tipográfica. “O grafismo da escola suíça nos anos 20 era tipificado pelo uso de fotomontagens e novos tipos (tipografia sem serifa)” (Fiell: 2000, 680). Max Bill, nos anos 30, introduz na Escola Suíça o layout assimétrico influenciado pelo Construtivismo. O estilo ou escola suíça se caracterizou pelo uso da tipografia sem serifa e de imagens realistas – fotografia objetiva. A própria estética deste movimento era precisa, direta e objetiva. Os trabalhos deste movimento foram expostos em 1939 na Exposição Nacional Suíça e “(...) nos anos 50 a sua influência se alastrou internacionalmente através do jornal New Graphic Design, lançado em 1959” (Fiell: 2000, 680).
Entre expoentes deste movimento podemos destacar Adrian Frutiger35 (1928- ), que foi um dos fundadores do estilo suíço e desenhou o tipo Univers, e Max Mieddinger (1910-1980) que criou a família Helvética em 1957. Já os anos 60 foram marcados por Karl Gerstner (1930- ) e Wolfgang Weingart (1941- ), que “(...) começaram a fazer experiências com composições mais expressivas, mas continuando a seguir as modernas abordagens da Escola Suíça” (Fiell: 2000, 680). Segundo Ferlauto (2002) “a primeira raiz do design é a Escola Suíça que pode ser resumida visualmente na família tipográfica Helvética (ou na Univers) e com a composição lógica, bem exemplificada no visual dos aeroportos ao redor do planeta” (Ferlauto:2002, 57 e 58). O grupo que se denominou estilo ou escola suíça foi bem representado pelas escolas de ensino de design das cidades de Basiléia e Zurique. O estilo suíço ficou também conhecido como Estilo Internacional nos anos 50 e, a partir dos anos 70 e 80, alguns “(...) designers, como Siegrefsiegreied Odermatt, Rosmarie Tissi e Ernst e Ursula Hiestand, organizados como grandes escritórios, ampliaram a visão dos pioneiros, adotando outras famílias tipográficas – além da Akzidenz, uma ancestral da Helvética – na sintaxe do design da época. Sua estrutura contaminou o mundo inteiro com suas
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Frutiger criou letras e símbolos para o Metrô de Paris, para o Aeroporto de Orly, para a Bauer e Air France, entre outros. Em 1962, começa a trabalhar como tipógrafo independente abrindo um Ateliê de Design em Paris. Seus trabalhos se caracterizam por uma visão sofisticada e racional da tipografia.
69 soluções, suas regras e, finalmente, com seus dogmas” (Ferlauto:2002, 58). Entre as características presentes nesses trabalhos encontram-se pictogramas reducionistas, cores padronizadas, redundância semântica, tipografia de alta legibilidade. Neste estilo “(...) era indispensável uma expressão pessoal, o que contrastava com outros dois acontecimentos e personagens da história do design gráfico: o trabalho de Wolfgang Weingart e a proposta do Push Pin Studios de Nova York” (Ferlauto:2002, 58). Weingart36, considera-se um autodidata e até os dias atuais é professor da Escola de Bassel, suas idéias baseiam-se na relação entre a idéia, os elementos tipográficos e a técnica de impressão. “Para Wolfgang Weingart a Escola de Bassel tem sobrevivido a todas estas décadas – referindo-se ao desaparecimento de Ulm e de outros sucedâneos da Bauhaus – porque ela está baseada mais no coração do que na razão” (Ferlauto:2002, 60). 36
Seus cartazes da década de 60/70 foram reeditados em 1999 para a publicação de seu livro “Typography: My Way in Typography”. Segundo Claudio Ferlauto os trabalhos de Weingart, bem como “suas pesquisas e investigações acerca do design e da tipografia transformaram o léxico do design gráfico no final do século: grandes espaços entre letras, layerização das imagens e tipos (antecipando as técnicas digitais, usando os filmes gráficos, nas câmeras escuras, montados em camadas superpostas, como um Big Mac), linhas e blocos sólidos de tipos em negativo, grades explícitas ou rompidas, sublinhados, misturas não usuais de fontes combinando tamanhos e larguras, tipografia em diagonal, o uso de chapados geométricos e tipografia com fins ilustrativos” ( Ferlauto: 2002, 59).
A Escola de Bassel tornou-se a meca de estudantes e designers de várias partes do mundo. Segundo Ferlauto (2002) isto ocorreu depois que Weingart percorreu as escolas americanas de design apresentando a palestra “How can one make Swiss typography”, em que expunha seu método de trabalho. Fernanda Martins (2000), designer brasileira que estudou em Bassel nos anos de 1996/1997, foi aluna de Weingart. Ela relata que o sistema de ensino de Bassel compreende aulas durante todo o dia, das 8h às 19h. Todos os trabalhos devem ser realizados na própria escola. A cada dia da semana há uma disciplina. Por sua vez, as disciplinas aplicadas no curso de Tipografia e Letterform são: tradução gráfica, desenho, tipografia, desenho de letra e semiótica. Segundo Fernanda Martins, o que caracteriza a metodologia da Escola de Bassel é o tempo empregado no desenvolvimento do trabalho (às vezes seis meses). Fato que leva o estudante a testar inúmeras possibilidades e chegar ao limite das que foram selecionadas. A proposta do curso era ‘ligar a mão com a cabeça’, o que significava não usar computador e o que resultava na atitude dos alunos a se expressarem graficamente com muita precisão e segurança. CRANBROOK ACADEMY OF ART – 1925 - Bloomfield Hills / Michigan No ano de 1906, inspirado pelas reformas do design no século XIX, George G. Booth, um rico barão da imprensa,
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70 fundou a Detroit Arts & Crafts Society, em Cranbrook, e alguns anos mais tarde, estabeleceu ali uma comunidade.
Vistas de algumas áreas da Cranbrook Academy of Art, 2003.
Em 1922, depois de visitar a American Academy em Roma, G. Booth, sensibilizado pela proposta desta academia resolve fundar em sua propriedade, em Michigan, subúrbio de Detroit Bloomfield, a Cranbrook Educational Community, três anos depois autoriza a abertura de uma escola de artes e ofícios “(...) que também funcionasse como uma academia de belas artes, e que fosse dirigida na linha das escolas européias de design, onde as artes decorativas eram ensinamentos do mesmo nível de disciplinas como arquitetura, escultura e pintura” (Fiell: 2000, 184). A fundação oficial desta escola de design ocorreu em 1932 e seguia os princípios da Bauhaus alemã, isto é, a permanente troca de idéias entre os diferentes ateliês e oficinas visando e encorajando a prática de um design racional e funcional.
Objetos anos 40-50 Produtos criados pelos Designers associados à Cranbrook.
Durante o período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, Cranbrook tornou-se conhecida como a primeira escola de design da América e, até hoje, continua a ser um importante centro de referência de excelência artística e acadêmica. INSTITUTE OF DESIGN – 1944 - Chicago
Edifício da New Bauhaus em Chicago, 1937.
Depois do encerramento da Bauhaus, Laszlo Moholy-Nagy, em 1937, emigrou para Chicago “(...) a convite da Association of Arts and Industries, para organizar uma nova escola de design que iria revigorar a vida cultural e econômica daquela cidade” (Fiell: 2000, 343).
Esta escola, apelidada por Nagy como a ‘Nova Bauhaus’, aplicou os princípios de sua antecessora e buscou promover a educação total. Porém, em 1938, todos os subsídios financeiros foram retirados, pois o programa de ensino daquela escola era considerado por demais experimental. Moholy-Nagy conseguiu novos apoios e reabriu a instituição como ensino privado, em 1939, quando foi incorporada ao Instituto de Chicago e nomeada Chicago School of Design. Cinco anos depois, em 1944, recebe o título de Institute of Design e passa a ser uma escola de ensino superior. Em 1946, o Institute of Design tornou-se um departamento do Armour Institute, e rebatizado com o nome Illinois Institute of Technology. No mesmo ano, Moholy-Nagy morreu e Serge Chermayeff, um designer russo, o sucedeu na direção do instituto e organizou os departamentos de design visual, design de produto, arquitetura e fotografia. Em 1949 ocorre a fusão entre Institute of Design e o Illinois Institute of Technology. A proposta pedagógica desta escola desenvolve-se através de um ensino com perspectiva experimental e o programa de ensino incluía, além das disciplinas de design, as disciplinas de psicologia e literatura, entre outras. Atualmente, este instituto dedica-se a ampliar as fronteiras do design na relação e aplicação das novas tecnologias no processo de design.
71 HOCHSCHULE FÜR GESTALTUNG - HFG - ULM – 1953/ 1968 – Alemanha Como mencionado anteriormente, a Bauhaus, com sua proposta pioneira e inovadora, vai influenciar inúmeras escolas que irão se estabelecer dando continuidade às suas propostas e ampliando o campo de ação do design, buscando uma formação e adequação aos novos tempos. Uma delas foi a Escola de Ulm, Hochschule für Gestaltung. Em 1947, Max Bill37, ex-aluno e um entusiasta dos ensinamentos da Bauhaus, encontra Inge e Otl Aicher38, estes influenciados pelas experiências positivas relatadas por Bill decidem constituir uma escola semelhante na cidade de Ulm. A escola foi fundada em 1953 e é a principal escola de design que surgiu logo depois da Segunda Guerra Mundial. Alexandre Wollner, designer brasileiro, estudou em ULM no período de implementação da escola e relata o seguinte: “A necessidade de reconstruir as cidades alemãs após a Segunda Guerra provocou uma situação de mutirão na Alemanha, deixando de existir classes sociais e profissionais, com todos atuando para um objetivo comum, com um sentido coletivo. Esse comportamento na escola de Ulm,
desde a escolha da primeira turma (30 alunos com experiência semiprofissional, seis jovens professores com experiência profissional) ajeitou o sistema de mutirão, produzindo e instalando os equipamentos além de dar o acabamento final nos edifícios da própria escola, resultando uma equipe de funções e responsabilidades equivalentes. Esse mesmo espírito prosseguiu durante os quatro anos acadêmicos, também para a definição da filosofia que iria orientar a escola. Tudo isso me marcou profundamente e ainda mais, a proposição de resolver os problemas de reconstrução da Alemanha, racionalizando os meios produtivos de construção em todos os níveis onde o design atuava (arquitetura industrial, design, comunicação visual e informação)” (Wollner: 2002, 66). O discurso de abertura da escola de Ulm foi realizado por Walter Gropius que “(...) aludiu a transcendência do rol do artista em uma democracia avançada e rechaçou ao mesmo tempo a idéia de que a Bauhaus houvera praticado um racionalismo simplista. Segundo Gropius o designer deve tratar de encontrar em seu trabalho um novo equilíbrio entre as aspirações práticas e as estético-psicológicas de seu tempo... e a obrigação de uma escola superior devia ser, não só a de fomentar a acumulação de conhecimentos e educar o entendimento, senão também a de educar os sentidos” (Burdek:1999, 39).
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O suíço Max Bill (1908- 1994) estudou na Bauhaus durante os anos de 1927 a 1929. Fundou a Escola de Ulm e a dirigiu até 1956. Em 1967 tornou-se professor de Design Ambiental da Staaliche Hochschule für Bildende Kunste de Hamburgo e foi membro da Unesco, da Academia de Arte de Berlim, da Academia Real Flamenga de Ciência, Literatura e Arte. 38 Otl Aicher (1922-1991) era gráfico e amigo da família Scholl, mantenedora da escola.
Max Bill viria a se tornar o primeiro diretor desta escola “(...) havia concebido a escola de Ulm como uma instituição para ‘promover os princípios da Bauhaus’ ” (Heskett: 1997, 106). “No princípio, o programa da Escola Superior se
Vista do prédio da Escola de ULM
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72 orientou rigorosamente segundo o modelo da Bauhaus de Dessau” (Burdek: 1999, 39). A influência da Bauhaus se fez presente em Ulm desde a constituição do corpo docente até no conceito do projeto e na metodologia de ensino. Segundo Burdek (1999), Ulm pode ser dividida em seis fases, são elas: 1947- 1953 É constituída por Inge Aicher uma fundação, denominada Irmãos Scholl (em homenagem aos irmãos executados pelos nacional-socialistas), para inaugurar uma escola onde o saber profissional e a criação cultural fossem paralelos à responsabilidade política. A fundação foi criada com o apoio e o incentivo do Alto Comissário Americano para Alemanha, John McCloy. O edifício foi projetado por Max Bill e começou a ser construído em 1953. Participam Bill, Inge e Otl Aicher, e Walter Zeischegg para elaboração do projeto e das propostas da escola. 1953- 1956 Os cursos são iniciados em edifícios provisórios; ex-alunos (Helen Nonné - Schmidt) e ex-professores da Bauhaus (Josep Albers, Johannes Ittem e Walter Peterhans) vão lecionar em Ulm, quando se caracteriza uma continuidade da tradição da Bauhaus nas questões metodológicas, conceituais e docentes. Porém, não havia disciplinas de arte, esta era aplicada somente nos trabalhos de formação básica. Em 1954, Max Bill é nomeado diretor deste centro. Em 1955 é inaugurado o novo edifício, quando Otl Aicher, Hans Gugelot e Tomás Maldonado assumem a docência.
Segundo Heskett (1997), Maldonado argumentava que os princípios de uma nova escola como Ulm só poderiam ser realizados se fossem abandonados os métodos da Bauhaus e que era necessário formular novos princípios e novas metodologias que permitissem aos designers lidar de modo flexível com as complexas exigências da tecnologia e da indústria. Max Bill não conseguiu o apoio da equipe em sua proposta de continuidade dos métodos bauhasianos e pediu demissão do cargo de diretor, sendo sucedido por Maldonado. Segundo o designer brasileiro Claudio Ferlauto, Ulm é “a Bauhaus do pós Guerra. Fundada em 1953, iniciou suas atividades dois anos depois, sob a direção de Max Bill e com orientação de princípios artísticos. Tomás Maldonado, com suas idéias metodológicas e científicas assumiu sua direção alguns anos depois” (Ferlauto: 1998, 330). 1956-1958 Novas disciplinas científicas foram incorporadas ao programa de ensino, quando se estabelece uma estreita relação entre design, ciência e tecnologia e se constitui um modelo educativo para a escola superior de Ulm. Max Bill abandona a escola por estar em desacordo com os conteúdos do programa e, no ano de 1956, Hans Gugelot assume o departamento de produto e começa a defender o funcionalismo39. 39
O Funcionalismo é uma visão do design e da arquitetura cujo objetivo é resolver problemas de forma prática, lógica e eficiente. Em sua metodologia, o ambiente da região e a cultura local devem ser considerados para a implementação de um projeto eficiente. Esta visão foi proposta por vários grupos, movimentos e escolas de
73 1958-1962 Os docentes das disciplinas de ergonomia, técnicas matemáticas, física, politicologia, psicologia, economia, matemática, semiótica, sociologia e teoria da ciência exigem maior importância a elas no programa de estudos. Esta fase caracteriza-se pelo racionalismo alemão, mas a incorporação de novas disciplinas foi provocada pela contratação de novos professores, o que fragilizava a continuidade das já existentes. Outros docentes foram eleitos para o departamento de design de produto (Walter Zeischegg, Horst Rittel, Herbert Lindinger e Gui Bonsiepe) e ocorre o desenvolvimento das metodologias de design, com grande destaque aos sistemas modulares para o desenvolvimento de projeto. 1962-1966 Período caracterizado pelo equilíbrio entre as disciplinas teóricas e práticas. O sistema de ensino formalizou-se de modo exato e preciso e assim torna-se modelo de numerosas escolas de design. Algumas equipes de professores e alunos elaboram projetos para a indústria. Ao mesmo tempo, tanto o setor industrial quanto o empresarial alemão percebem a possibilidade de colocar em prática os sistemas de produção racional através dos princípios desenvolvidos em Ulm, que salientavam as novas investigações tecnológicas.
design, desde William Morris, porém muitas vezes o arquiteto americano Louis Sullivan (1856-1924) é considerado o pai do funcionalismo de maneira equivocada. Isto se dá por ele ter criado a expressão a “Forma segue a Função” em 1896.
1967- 1968 Estes dois anos foram caracterizados pela busca de uma nova orientação dos conteúdos abordados. A escola, desde meados dos anos sessenta, não produzia projetos de conteúdo atual e não se mostrava receptiva frente às criticas ao funcionalismo e às questões ecológicas. A comercialização realizada por meio do desenvolvimento de projetos industriais e a relação cliente e designer ficou tão fortemente marcada que os professores já não tinham independência nem distanciamento crítico para estabelecer análises críticas da realidade, tampouco para elaborar novas propostas. Estes fatos, somados a outros a serem relatados posteriormente neste estudo, levam ao fechamento da escola. Eu: Verificar se os fatos estarão relatados no trabalho. A metodologia de ensino e o projeto pedagógico de Ulm, especialmente quando se desligam da sistemática da Bauhaus, vão imprimir uma nova maneira de ensinar e produzir design. Dessa forma, estabelecem uma visão racionalista de formação em design. Segundo Souza, na Escola de Ulm "(...) discutia-se a possibilidade efetiva da contribuição para o progresso democrático de um estabelecimento de ensino voltado para a produção de produtos industriais e de cultura material. Em certo sentido, pode-se dizer que foi uma retomada da discussão iniciada na Bauhaus” (Souza: 1998, 63).
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74 Max Bill defendia em Ulm o formalismo geométrico típico da Bauhaus, acreditando que os produtos baseados nas leis matemáticas tinham uma pureza estética e conseqüentemente eram mais atrativos. O caráter metodológico da escola de Ulm baseia-se inicialmente nos métodos bauhasianos sob a convicção de Bill enquanto esteve no cargo de diretor, porém o reconhecimento desta escola se dá pela adoção da visão e da proposta funcionalistas. Sobre o fato de ter estudado na escola superior de Ulm, o designer Alexandre Wollner, diz que naquele local muitas experiências boas foram proporcionadas, porque naquela escola “(...) tanto artistas e artesãos brasileiros, americanos, suíços, italianos, franceses, argentinos, japoneses, holandeses (30 ao todo por ano) tiveram treinamento teórico, prático e profissional, com Max Bill, Josef Albers, Johannes Itten, Nonne-Schmidt, Hans Gugelot, Otl Aicher, Walter Peterhans, Walter Zeischeg, Tomás Maldonado, Norbert Wiener, R. Bucksminster Fuller, Max Bense e Konrad Wachsmann, entre outros” (Wollner: 2002, 66). Mais adiante, continuando seu relato ele afirma: “Ulm só aceitava alunos profissionais ou semiprofissionais, tanto que a média de idade dos estudantes girava em torno dos 25 anos, era uma espécie de pós-graduação... Participei de projetos de imagem de identidade para a Lufthansa e a Braun, por exemplo. Quando trouxe esses conhecimentos para cá, naturalmente não era mais um artista fazendo marquinhas” (Wollner: 2002, 77).
“Embora a escola tenha tentado humanizar a metodologia do design dando cursos de semiótica, antropologia, estudos contextuais, teoria dos jogos e psicologia, deve a maior parte de sua fama ao desenvolvimento de uma abordagem funcionalista e sistemática do processo do design que se assentava essencialmente na engenharia” (Fiell:2000, 332). As conseqüências de Ulm ao promover esta relação com a engenharia irão repercutir posteriormente nas questões relacionadas ao campo de atuação do designer, gerando problemas típicos da instituição de uma nova profissão, como por exemplo, a que campo pertence o design – engenharia ou arquitetura? Inclusive, muitos designers brasileiros, especialmente os relacionados a design de produto e ergonomia, recorreram e até hoje recorrem aos programas de mestrado e doutorado nos departamentos de engenharia. Novamente, como já vimos, a influência e as problemáticas geradas no campo do design e arquitetura advindos da Bauhaus vieram somar-se a partir de Ulm na mesma discussão relacionada à engenharia e por anos a profissão de designer fica sem uma identidade e sem a valorização que lhe é devida, especialmente no Brasil. O projeto pedagógico de Ulm caracterizou-se pela qualidade técnica e formal e pela aplicação de uma metodologia direcionada às questões projetuais. Todas essas características eram pautadas por um caráter sistemático, material e racional e imperavam as relações entre tecnologia e produção industrial.
75 O processo de ensino de Ulm tinha por princípio a divisão em departamentos e quando estes se tornavam autosuficientes adquiriam independência e tornavam-se institutos. As propostas dos departamentos eram as seguintes: Departamento de Formação Básica O curso de formação básica, com grande influência bauhausiana, tinha muita importância e nele eram desenvolvidos os conteúdos relacionados aos fundamentos gerais do design, conhecimentos teóricos e introdução ao trabalho projetual, bem como técnicas de representação e construção de maquetes. A proposta era a sensibilização da capacidade perceptiva mediante a experimentação com meios elementares do design: cor, forma, leis de composição, materiais, superfícies. Com o tempo constituiuse uma metodologia visual com base no estabelecimento de princípios matemáticos e geométricos. A intenção da formação básica era a de que os estudantes alcançassem uma disciplina intelectual por meio do exercício de precisão manual, onde dominava o pensamento cartesiano, a busca do racional; fato que caracterizava a aplicação das disciplinas matemáticas ao design e que instituiu algumas regras precisas, tais como: - a combinatória para os sistemas modulares e problemas de combinação de medidas; - a teoria de conjuntos para a teoria da simetria e construção de redes e grades; - a teoria de curvas para tratamento matemático de transições e de transformações; - a geometria de poliedros para a construção de corpos;
- a topologia para problemas de ordem, continuidade e proximidade. Considerando que os alunos deveriam superar as dificuldades futuras no campo do design de produto, da produção industrial e da comunicação exigia-se que os estudantes elaborassem processos de design de forma consciente e controlada. Departamento de Construção A proposta desse departamento destinava-se à elaboração de projetos de casas econômicas para uma grande população. A construção pré-fabricada era o grande enfoque. Os conteúdos desenvolvidos diziam respeito aos sistemas de construção por elementos, técnicas e organização de acabamentos e sistemas modulares. Departamento de Cinematografia Foi introduzido em 1961 como departamento e, em 1967, tornou-se independente, quando o nome foi alterado para Instituto de Realização Cinematográfica. Os conteúdos tratavam, além dos processos artesanais, do desenvolvimento de novas formas experimentais de cinema. Os professores responsáveis eram Edgar Reitz, Alexander Kluge, Christian Straub. Departamento de Informação Este tinha como preocupação principal a formação e preparação de especialistas em novos campos profissionais, assim considerados naquele momento: imprensa, cinema, televisão e rádio. A proposta era relacionar o enfoque teórico informativo aos outros campos do design. Os professores que exerceram
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76 maior influência neste departamento eram Max Bense, Abraham Moles e Gerd Kalow. Departamento de Comunicação Visual A questão da comunicação de massa era o objeto de atenção deste departamento. Os conteúdos tratados diziam respeito à tipografia, fotografia, embalagem, sistemas de sinalização, design publicitário e o desenvolvimento de signos e sinalização para projetos de design.
foram retirados os subsídios destinados à escola. As autoridades governamentais temiam o programa educacional de Ulm, segundo elas, era muito radical.
Os problemas internos ocorreram principalmente por dois fatores. O primeiro se deu através da nítida exploração dos sistemas industriais devido ao estabelecimento do estilo de Ulm e os professores deixaram de exercer seu papel de crítica ao sistema, pois eram fornecedores e clientes das indústrias. Além disso, perder a visão crítica impedia que se estabelecessem outras práticas inovadoras e se refletisse sobre a condução do projeto pedagógico na formação de profissionais. O segundo foi causado pela reivindicação dos estudantes, que exigiam da escola a prática do papel de relevância social que deveria caracterizar o design, bem como, solicitavam uma autonomia maior e mais adequada a uma escola.
A contradição fundamental que parece ter impedido o sucesso de Ulm foi a dicotomia entre o funcionalismo e a liberdade na concepção projetual. “Enquanto alguns membros da HFG tinham tentado uma abordagem do design de produtos sistemática e científica, outros tinham tentado libertar o processo do design do funcionalismo dogmático” (Fiell: 2000, 332). Ulm teve uma vida de 15 anos, porém a visão e o espírito ulmianos impregnaram não apenas seus membros mas toda a história subseqüente do design e das escolas de design, especialmente na América Latina. “Como os membros da Bauhaus, a coletividade de Ulm se considerava não apenas um grupo de artistas, arquitetos ou designers, e sim também uma comunidade espiritual e vital. Do total de 640 estudantes, só 215 deixaram a escola com o título embaixo do braço...” (Burdek: 1999, 47). Porém, só o fato de ter estudado em Ulm, independentemente do tempo vivenciado naquele local ou de ter realizado o curso completo, tem a mesma importância de ser titulado em Ulm. A partir deste espírito estabelecido, ULM vai influenciar outras escolas fora da Alemanha. Por exemplo, no Brasil, ocorreu a formação da Escola Superior de Desenho Industrial – ESDI, no Rio de Janeiro, a partir da atuação direta de Alexandre Wollner e Carl Heinz Bergmiller, este também exaluno de Ulm.
Em 1968, os professores da escola de Ulm votaram pela sua extinção e encerraram suas atividades no momento em que
“A influência da Escola de Ulm se fez patente sobretudo fora da Alemanha e que, tal como sucedera com a Bauhaus
Apesar de Ulm ter-se estabelecido com importante papel perante a educação e o mercado industrial, não conseguiu solucionar os problemas internos e nem resistiu aos choques com o neocapitalismo alemão, sendo considerada por sua visão racionalista como uma nova política de esquerda.
77 depois de 1933 – ainda que por diferentes motivos – , muitos membros de Ulm buscaram novas possibilidades de trabalhos em diversos países de todo o mundo (...) ” (Burdek: 1999, 47). É interessante observar que as influências de Ulm vão se dar e se estabelecer de fato apenas nos países em desenvolvimento, como podemos verificar na relação abaixo. Não sabemos se os motivos para que isso ocorresse se deram pelas questões culturais destes países ou se a busca se dava na tentativa de reverter sua delicada situação econômica por meio de escolas que apoiassem e fomentassem a produção industrial. Como demonstra a relação abaixo, as influências de Ulm na formação de outras escolas e institutos são as seguintes:
- Cuba – desenvolvimento da Oficina de Design Industrial (ONDI); - México – desenvolvimento do curso de pós-graduação para designers da Universidade Autônoma Metropolitana na Cidade do México; - Índia – National Institute of Design em Ahmedabad e o Industrial Design Center em Bombay. “Um quadro global mostra que quase a metade dos titulados da Escola de Ulm trabalham hoje em dia em estúdios de design ou em departamentos de design em empresas. Um grande número de designers de produtos se mudaram para a Itália, ao contrário dos arquitetos que foram em sua maioria para a Suíça. A outra metade se dedica a docência em escolas superiores” (Burdek: 1999, 47). ESCOLAS de DESIGN no BRASIL
- Brasil/ Rio de Janeiro – a fundação da ESDI em 1963 com a participação ativa dos ex-alunos de Ulm, o designer brasileiro Alexandre Wollner e o designer alemão Carl Heinz Bergmiller; - Brasil/ Florianópolis – instalação e desenvolvimento do Laboratório Associado com a participação do ex-professor de Ulm, Gui Bonsiepe; - Paris – fundação do Instituto para a Configuração do Meio Ambiente, no início dos anos 70, mas teve apenas alguns anos de vida; - Chile – também nos anos 70 ocorreu um movimento para o desenvolvimento de produtos destinados às necessidades básicas com os conceitos projetuais influenciados pelo ideário de Ulm;
Ao apresentarmos o percurso da implantação do design no Brasil, temos que nos remeter especialmente a três cidades: Rio de Janeiro, São Paulo e Recife.
Vista aérea do Museu de Arte de São Paulo.
Na cidade de São Paulo podemos demarcar como início do percurso o Liceo de Artes e Ofícios de São Paulo, o primeiro centro gerador da relação artesanato e indústria, no processo de ensino entre as artes e os ofícios na formação profissional. Fundado em 1873, tinha como proposta ser uma escola profissional com enfoque na arte, no ofício e na técnica. Apesar dos preconceitos com a atividade artesanal, na maioria das vezes relegada às artes menores, o Liceo se
Símbolo de ‘O gráfico Amador’ criado por Aloísio Magalhães.
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78 estabeleceu formando artesãos e profissionais para suprir a carência das indústrias paulistas. Papel que desenvolve até hoje com seus cursos de tecnologia aplicada. O Liceo também oferecia cursos de artes, como uma forma de propor a visão humanista. E foi nesta escola que se formaram muitos artesãos e artistas que participaram do movimento das artes em São Paulo e disseminaram o criar e o fazer, estabelecendo estreita relação entre a arte e a técnica. Entre o final dos anos 40 e início dos anos 50, várias mudanças significativas para a área de Design ocorreram na capital de São Paulo com a criação do MASP – Museu de Arte de São Paulo, em 1947; a abertura do MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo e da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1949; a inauguração da I Bienal Internacional de Arte de São Paulo e do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, em 1951. Essa efervescência cultural paralela à crescente atividade industrial, econômica e comercial deste estado brasileiro estimulou e tornou premente a necessidade de formação profissional para o desenvolvimento de projetos de produtos e de projetos de comunicação visual, como a demanda por cartazes e material gráfico. Inclusive o MASP foi o primeiro museu da cidade a organizar uma exposição de design de produto industrial, a Olivetti. A esta exposição seguiram-se outras no mesmo contexto, uma sobre cartazes suíços e uma retrospectiva do pintor, designer, arquiteto e publicitário Max Bill, nos anos 50.
Segundo Alexandre Wollner havia “(...) a necessidade de profissionais que fossem capazes de criar uma linguagem original, com elementos visuais próprios, não nacionalistas, mas oriundos da nossa cultura, com signos próprios mas de leitura universal" (Zanini: 1983, 953-972). No MASP, em 1951, foi implantado o IAC – Instituto de Artes Contemporâneas, sob a coordenação de Lina Bo Bardi, onde podemos situar a semente geradora do ensino formal de Design no Brasil. É neste local que o design passa a ser sistematicamente tratado, através de cursos e de exposições que valorizavam o artesanato brasileiro e a criação de objetos para uso cotidiano. Reforçando a relação criação - produção, Pietro Maria Bardi realizou uma aproximação com as indústrias possibilitando o desenvolvimento de alguns dos projetos de alunos do IAC. Apesar das intensas atividades, a insuficiência da verba advinda da prefeitura impossibilitou a continuidade do instituto e Pietro Maria Bardi decidiu desativá-lo. O curso de Design do MASP/IAC durou apenas três anos. Segundo Wollner (2002), a importância do IAC-MASP é devida especialmente por ter possibilitado uma nova profissão diferente das artes – o design – e pela estruturação de um novo currículo educacional. Max Bill foi um dos professores visitantes do curso de design do MASP/IAC e, nesta oportunidade, convidou Geraldo de Barros para estudar na Escola de Ulm. Porém, este não pode aceitar o convite e indicou Wollner que, sob a aprovação de Pietro Bardi, obtém uma bolsa de estudos de Niomar Sodré,
79 na época diretora do MAM-RJ, com a condição de que no seu retorno participasse da formação de uma escola de design no Rio de Janeiro.
nacional da improvisação, um de nossos orgulhos. A ESDI é atualmente a escola de design com o melhor know-how de ensino” (Wollner: 2002, 71 e 72).
Alexandre Wollner40 alguns anos depois participa com Aloísio Magalhães e Karl Bergmiller da formulação do currículo da Escola Superior de Desenho Industrial – ESDI, onde viria a lecionar. “O currículo original da HFG de Ulm foi implantado oficialmente na ESDI, com as naturais ligeiras modificações, atendendo a nossa realidade... Hoje (1998) o currículo original está bastante modificado. A escola, que na época de sua fundação era de âmbito estadual, ligada à Secretaria de Educação, sem vínculo com a universidade, passou recentemente para a UERJ” (Wollner: 2002, 67).
Wollner, além de ter participado ativamente da formação da ESDI, dando início a um sistema de educação e formação profissional, também dá início à profissionalização do campo do design no país ao implementar em 1959, em sociedade com Geraldo de Barros, Ruben Martins e Walter Macedo o primeiro escritório de design no Brasil, localizado na capital de São Paulo e denominado Forminform.
Em 1979, na entrevista que Wollner concedeu a Pietro Maria Bardi, publicada na Revista Senhor, ele coloca a sua visão sobre o estabelecimento da ESDI e a situação da formação de designers naquele momento no país. “O Rio sempre esteve mais interessado no aspecto humano de suas atividades e obras. São Paulo, como cidade industrial da América Latina, preocupou-se mais em equipar seu parque industrial, sendo que o elemento humano para acioná-lo foi preparado quase que empiricamente, mantendo a tradição 40
Entre seus projetos podemos destacar os projetos de identidade visual do Banco Itaú, Metal Leve, Philco, Instituto Cultural Itaú, Hering, Postos São Paulo. Os projetos editoriais para a Papaiz, embalagens para a Sardinhas Coqueiro e tintas Sumaré e também os projetos de design de informação para a empresa Bergamo, entre outros. Atualmente dirige seu escritório Wollner Designo, localizado na capital de São Paulo.
A continuidade da tentativa de estabelecimento do ensino formal de Design em São Paulo se dá de maneira extremamente diluída no curso de Arquitetura da FAU – USP, quando em 1962 foi incluído no currículo do curso as cadeiras de desenho industrial (estudo do objeto e sua utilização) e de comunicação visual. Por algum tempo, a formação de designers em São Paulo ficou atrelada aos cursos de arquitetura, porém logo percebeu-se que a simples inclusão de duas disciplinas durante quatro anos de curso não eram suficientes para possibilitar a formação abrangente e necessária a um designer. Outras escolas de arquitetura seguiram o modelo estabelecido pela Universidade de São Paulo. Podemos observar a crítica para esta questão nas palavras do designer Alexandre Wollner, que nos dá uma visão realista e irônica sobre a situação problemática causada pelas escolas de arquitetura ao campo do design brasileiro.
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80 “Por vícios criados nos anos 70 com a proliferação das escolas de arquitetura que contém em seu curriculum o design gráfico e industrial, os estudantes de arquitetura são incentivados ainda no primeiro semestre, a desenvolver projetos de design. Você poderá sentir como são realizados esses trabalhos, para ‘bolação’, sem aprofundamento e com um pouco de apresentação temos aí, em campo, mais um profissional que vai quebrar ‘galhos’ como ‘bico’ enquanto não se formar e não ‘pintar’ aquele trabalho que vai revolucionar a arquitetura, ou enquanto alguma Secretaria Estadual ou Municipal não precisar de ‘pesquisadores’ ou funcionários para solucionar problemas urbanos da capital. Isto vai ser agravado, pois essas escolas atualmente estão opinando ao MEC como deve ser o curriculum de design e, principalmente, permitir oficialmente a função profissional dos arquitetos neste campo em detrimento das escolas de design.” (Wollner: 2002, 72). No Recife, de 1954 a 1961, Aloísio Magalhães, Gastão de Holanda, José Laurênio de Melo e Orlando Costa Ferreira atuam no Grupo Gráfico Amador, constituindo um grupo que produz a primeira expressão de design gráfico no nordeste brasileiro. Aloísio Magalhães41, em 1960, abre o seu escritório de design no Rio de Janeiro, denominado PVDI (Programação Visual e Desenho Industrial). “Seu escritório alcança grande sucesso comercial, e são de sua autoria algumas das mais conhecidas
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Entre seus trabalhos podemos destacar o símbolo e o programa o gráfico comemorativo do 4 Centenário da Cidade do Rio de Janeiro, a identidade visual da extinta Light e o projeto das notas do Cruzeiro Novo.
identidades corporativas de empresas brasileiras” (Lima: 1997, 175). Max Bill, em uma visita a esse estado, ao conhecer o projeto do Museu de Arte Moderna, sugere a criação de um centro de formação cuja proposta poderia ser semelhante ao da Escola de Ulm que ele estava implantando na Alemanha. Em 1958, foi aprovada a ETC (Escola Técnica de Criação) que pretendia implantar um modo de ensinar, pensar e fazer design através do currículo proposto por Tomás Maldonado, sob a consultoria de Max Bill. Porém o curso da ETC, que seria do MAM - RJ não se viabilizou por questões financeiras. Logo em seguida, no Rio de Janeiro, em 1963, foi implantada a ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial, cuja idéia inicial começou a ser desenvolvida em 1952, no ano de inauguração do Museu de Arte Moderna / MAM – RJ. “As sucessivas visitas de Max Bill e Tomás Maldonado ao Rio de Janeiro estabeleceram uma forte ligação entre a Escola de Ulm e o emergente grupo de designers do Rio de Janeiro e de São Paulo. O modelo de Ulm exerceu influência decisiva no florescimento do design no Brasil” (Lima: 1997, 175). Através do envolvimento de alguns políticos influentes do Rio de Janeiro, especialmente o governador Carlos Lacerda, tornou-se possível implantar a ESDI, que apesar de ser vinculada à Secretaria de Estado de Educação e de Cultura teve autonomia suficiente para desenvolver no país um modelo pioneiro de ensino de design e de estética racionalista, seguindo as influências da Escola de Ulm.
81 “A ESDI foi criada graças à vontade política de uma pessoa – Carlos Lacerda – com o objetivo de articular a elevação da qualidade de produtos com a cultura. Aquela determinação de Lacerda advinha da afinidade do design com o seu projeto político: a associação do modernismo a um projeto de desenvolvimento. A escola de design deveria formar mão de obra para atender a demanda determinada por um esperado surto industrial no Estado da Guanabara” (Niemeyer: 1997, 116). Naquele momento o Brasil estava ainda sob a influência da política de Juscelino Kubitschek e da sua proposta de expansão econômica e industrial resumida na expressão 50 anos em 5 e no “(...) ideal de desenvolvimento nacional baseado no aporte de capital estrangeiro para viabilizar a expansão industrial” (Niemeyer: 1997, 116). Segundo Niemeyer, “(...) a estética modernista, presente nas propostas originais dos cursos de design no Brasil – expressando a preocupação que fosse encontrada uma linguagem formal que sintetizasse as concepções artísticas contemporâneas com elementos da tradição nacional – foi deixada de lado quando o curso da ESDI foi implantado em prol da estética racionalista de Ulm. A imposição destes padrões, contrários as nossas raízes barrocas, impediu a expressão da estética modernista na escola e coibiu, por longo tempo, a emergência de outras abordagens” (Niemeyer:1997, 117). Por outro lado, havia tentativas, mesmo que tímidas, de alguns professores em modificar a proposta racional de Ulm. Como por exemplo, Aloísio Magalhães.
A designer carioca Ana Luísa Escorel foi aluna de Magalhães na ESDI e relata detalhadamente a visão e atitude deste professor na seguinte afirmação: “a presença de Aloísio Magalhães na ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial, no primeiro período situado entre meados de 60 e início de 70, certamente ajudou a escola a dosar certos excessos funcionalistas, temperando-os com possibilidades de cunho mais lúdico, onde a ambigüidade estética tinha licença para se manifestar. Embora tenha sofrido forte influência dos movimentos construtivos e adotasse uma certa racionalidade projetual, seus trabalhos exalavam o frescor gráfico típico de quem não desprezava as livres associações da forma e de seus imperativos plásticos. Por isso foi um grande designer, porque não resistiu às possibilidades do design gráfico como linguagem, como forma de expressão” (Escorel: 2000, 115). Em 1968, a ESDI enfrenta uma crise que a paralisou. Esta crise foi disseminada entre os que resistiam a mudanças e os que queriam implantar um projeto totalmente novo e diferente da proposta pedagógica aplicada até aquele momento. Nesta fase, Aloísio Magalhães, que não assumiu posição em nenhum dos lados, deixava claro aos seus alunos que “(...) sem técnica, sem domínio da expressão e dos processos, como tinha o artesão medieval que era o exemplo que ele sempre lembrava, não haveria, em design, aventura conceitual que se sustentasse” (Escorel: 2000, 115 e 116). Ainda a mesma ex-aluna e discípula afirma que o professor e designer Aloísio vivia junto aos seus alunos a seguinte
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82 situação: “Cercado de discípulos galvanizados por seu brilho intelectual, foi o responsável pela formação de várias gerações de profissionais, disseminando uma requintada visão de design nutrida pela cultura popular brasileira e pela cultura erudita” (Escorel: 2000, 116).
aperfeiçoamento acadêmico do corpo docente colaboraram para que fosse esvaziada a perspectiva de a ESDI ser um centro de reflexão e um pólo de desenvolvimento de linhas de pesquisa e de produção de conhecimento” (Niemeyer: 1997, 118).
De acordo com outra ex-aluna da ESDI, atualmente designer, pesquisadora e professora Lucy Niemeyer, através de seu brilhante estudo organizado na primeira pesquisa publicada sobre a história do ensino de design no Brasil, no qual realiza uma análise até o ano de 1993 sobre o modelo pedagógico desta escola, partindo de uma visão bem realista com a experiência de quem vivenciou os fatos e sentiu os reflexos em sua formação e atuação profissional.
Nos anos 70, o designer Wollner indicava a necessidade de formação profissional para o crescimento e estabelecimento da área de design no Brasil, especialmente na capital de São Paulo. Wollner dizia “(...) acredito ser primordial desenvolver a educação do profissional, não maciçamente, porém lenta, gradual e qualitativamente” (Wollner:2002, 73), mais a frente coloca que tinha a idéia de desenvolver junto a órgãos governamentais uma escola de pós-graduação em design, “(...) acho fundamental para o design no Brasil a organização de uma escola de design em termos de pósgraduação, de caráter internacional, abrangendo principalmente a América Latina. Uma escola centralizada em São Paulo, por exemplo, com alunos graduados na América do Sul, inteiramente voltada para os problemas sulamericanos, em convênio com a Unesco e com os governos latinos, trazendo professores internacionais e já com experiência em países subdesenvolvidos” (Wollner:2002, 73 e 74).
“O currículo adotado na ESDI, semelhante ao de Ulm, desconsiderou a realidade do setor produtivo brasileiro. Assim, o curso de design estabeleceu um distanciamento crescente entre a formação e as necessidades do mercado potencial de serviços para o design. O ensino assumiu um caráter dogmático, não possibilitando ministrar aos alunos uma visão critica, nem do conteúdo do ensino, nem do papel a que se destina o futuro designer. Todo currículo implica em uma seleção da cultura, um conjunto de ênfases e omissões, que expressa, em determinado momento histórico, o que se considera ser educação” (Niemeyer: 1997, 118). E, mais a frente, continuando sua análise questiona o papel da ESDI até nossos dias. “A endogenia é um dos traços característicos da ESDI. Este fator é responsável, em grande parte, pelo pouco desenvolvimento da produção científica na escola. A falta de renovação, de ampliação e de
O único designer internacional que esteve no país imbuído deste propósito foi Gui Bonsiepe, porém não para um curso de pós-graduação e sim para implementar em Florianopólis um Instituto de Design, mas que infelizmente não possui atuação nacional marcante. Portanto, o projeto de Wollner ainda não aconteceu, mas talvez ainda esteja a tempo de acontecer.
83 A partir das décadas de 70 e 80 várias escolas de design foram implantadas nos estados do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Pernambuco, do Paraná e de Minas Gerais. Muitos destes cursos eram decorrentes dos cursos de BelasArtes. Um dos principais motivos desta situação ter ocorrido foi a instituição de uma política do governo militar que privilegiou as ciências e tecnologias em detrimento da área de artes e humanidades. Na cidade de Recife, “(...) o curso livre de Artes Gráficas se transforma no curso regular de Comunicação Visual, na mesma Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco. Em 1976 esta escola é transferida para o campus universitário, vindo a tornar-se parte do Centro de Artes e Comunicação” (Lima:1997, 176).
conclusão única e centralizada, sabe-se que as questões da criação são importantes e presentes para a atuação do designer, especialmente quando as fronteiras limítrofes estão se desfazendo. Hoje podemos encontrar produtos de design como peças únicas. O design brasileiro foi para os museus como peças de coleção e, além do estreitamento das relações entre arte e design, estreitaram–se as relações entre design e artesanato, entre o fazer projetual e o fazer artesanal. Por outro lado, alguns cursos de design sofreram a forte influência racionalista e funcionalista aplicada na ESDI. As abordagens e habilitações dos cursos de design ficaram centradas no projeto de produto (desenho industrial) e na comunicação ou programação visual.
Há que se destacar que no Brasil a maioria das escolas de design, com exceção da ESDI, foram formadas a partir dos departamentos ou dos cursos de belas-artes ou artes plásticas. Fato que, por um lado, imprimiu um caráter mais livre do que a racionalidade imposta por Ulm, pois nestes cursos destacavam-se as relações expressivas com os conteúdos sistemáticos para a prática do design. Por outro lado, esta questão dificultou ainda mais o posicionamento e o reconhecimento do profissional de design no Brasil, sendo este tratado como artista, artista gráfico, desenhista ou criativo.
Ao mesmo tempo, as características essenciais do design continuam se mantendo nos processos de reprodução da comunicação de massa. Já nos anos 90 ocorre uma proliferação do termo, da profissão, do campo de atuação e também das escolas de design. Estas surgem por todo o país, nos mais diversos segmentos de atuação desta profissão. Amplia-se a oferta de cursos de design gráfico e de design de produto, seguindo a proposta de habilitações instituídas na década de 60.
Esta relação direta das escolas de arte com as escolas de design estabelecem até hoje uma discussão se efetivamente design é ou não é arte. Independentemente do resultado em que um dia esta discussão irá chegar, se chegar a alguma
Porém, algumas escolas implementam novos cursos com novas habilitações e especializações direcionadas a áreas específicas deste campo de atuação, tais como: o design de jóias, design de moda, design de mobiliário.
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84 Entretanto, outras escolas passam a se preocupar com as relações estabelecidas entre design e tecnologia a partir da disseminação dos meios e processos digitais de criação e produção possibilitados pelo desenvolvimento da informática. Neste exemplo insere-se a Universidade Anhembi Morumbi onde foi implantado o projeto pedagógico do Curso de Design Digital, em 1994. Pioneiro no Brasil, impregnado por um caráter inovador e atento à tecnologia, à linguagem do design e das novas mídias digitais, bem como à relação das questões tecnológicas e do design com a cultura.
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Capítulo 2 O que é Design?
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2.1. Nomenclatura ou Este Nome (ainda) é um Problema? ! ... Neste capítulo vamos tratar da nomenclatura, da conceituação e das questões que dizem respeito diretamente ao design, partindo dessas relações para a definição e o conceito do design de hipermídia. A discussão e a reflexão aqui apresentadas baseiam-se principalmente nos textos de Vilém Flusser, Gui Bonsiepe e Otl Aicher, bem como em outros importantes autores estrangeiros e brasileiros, tendo em vista uma análise mais precisa de nossa realidade.42 A relevância desta discussão deve-se ao fato de ser esta uma área e um campo de conhecimento novos em termos de constituição histórica e profissional, em que coexistem três motivos principais que justificam as 42
Os autores estudados para a formulação deste texto estão presentes na bibliografia, porém, a fim de facilitar a leitura, os citaremos integralmente nesta nota, em ordem alfabética. São eles: Agnaldo Farias, Alexandre Wollner, Alfredo Jefferson de Oliveira, Ana Luísa Escorel, André Villas-Boas, Arlindo Machado, Bernd Löbach, Bernhard E. Bürdek, Bruno Munari, Carlota e Flávio Rigueiral, Chico Homem de Mello, Claudio Ferlauto, Décio Pignatari, Flávio Cauduro, Freddy Van Camp, Gillo Dorfles, Gilson Schwartz, Giulio Carlo Argan, Gui Bonsiepe, Gustavo Amarante Bomfim, Henry Benavides Puerto, João de Souza Leite, Joaquim Redig, John Heskett, Júlio Plaza, Lucrécia D’Alesso Ferrara, Lucy Niemeyer, Otl Aicher, Pierre Lévy, Rafael Cardoso Denis, Rita M. de Souza Couto, Roland Barthes, Solange Bigal, Tomás Maldonado, Vilém Flusser.
tensões, a dificuldade de entendimento e de domínio no que diz respeito à nomenclatura design, aqui apresentados de forma resumida em três tópicos: 1. A implantação efetiva da primeira escola superior de design no país, a ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) ocorreu em 1963 no Rio de Janeiro, portanto, neste ano de 2003, completam-se 40 anos de fundação dessa escola que foi conseqüência de uma série de tentativas de organização formal destinada ao ensino e formação em design ocorridas tanto em São Paulo, em 1951 – MASP / IAC – como no Rio de Janeiro, em 1958 – ETC / MAM. Porém, só podemos situar efetivamente o ensino formal e sistematizado de design, no Brasil, a partir de 1963 com a inauguração da ESDI. Em termos históricos, 40 anos é um número ainda pequeno para se estabelecer uma tradição ou a consolidação plena de um campo, especialmente considerando a maneira como este foi implantado no país; 2. Os primórdios da história profissional do design no Brasil têm hoje em torno de 45 anos, visto que os primeiros escritórios de design implantados no país foram o Forminform, 1958, na capital de São Paulo, e o PVDI (Programação Visual e Desenho Industrial), no Rio de Janeiro, em 1960. Estes dados nos levam a perceber que a história para a consolidação profissional também é recente e permeada pelos problemas do estabelecimento de uma nova área no país e de uma nomenclatura e ainda pela frágil organização profissional com ecos que repercutem até nossos dias;
87 3. O uso da nomenclatura, desde a implantação da ESDI (1963), quando não era permitido o uso de denominação em língua estrangeira e o nome desta área foi traduzido para desenho industrial, gerando uma série de dificuldades e conseqüências problemáticas. Porém, ao se instituir o uso da terminologia em inglês, em 1988, surgiram outros agravantes, tais como: ainda hoje, a grande maioria das pessoas não entende o que design significa, atrelando o termo apenas ao aspecto exterior das coisas ou, então, a desenho, simplesmente; o modismo das denominações em inglês, sustentado pela americanização típica de nossos dias e; ainda, o design é entendido como arte e seus profissionais, como artistas, tudo isto devido à ausência da criação de um termo em português que dê conta de todo o rico universo que a palavra design acarreta. Buscando o conceito, as definições e uma análise precisa do que venha a ser design, resolvemos iniciar pela etimologia da palavra que é originária do latim designo, as, avi, atum, are e significa: Desenhar, idear, delinear, designar, marcar, notar, assinar, eleger, destinar, nomear, empreender, resolver, determinar. Entretanto, devemos também considerar que a palavra deriva do latim signum, de signum (de sign). Recorremos à etimologia de signum – que é sinal, indício, marca, imagem, imagem gravada, tabuleta, estandarte, bandeira, som, presságio, prodígio.
No Brasil, não há um termo em português que defina exatamente o que vem a ser esta profissão e este campo de conhecimento. O termo design em inglês foi traduzido no final dos anos 50 para desenho industrial, e o uso da palavra em inglês reaparece com maior freqüência a partir do final dos anos 80. O termo tornou-se tão usual no país que as edições de 2001 dos dicionários dos filólogos Antonio Houaiss e Aurélio Buarque de Holanda incluíram a palavra design e designer com os seus significados. Para design: Concepção de um produto no que se refere à sua forma física e funcionalidade, projeto ou modelo, planejamento, o produto desse planejamento ou concepção, como palavras restritas ou derivações: desenho industrial, desenho-de-produto, programação visual. Porém, a palavra design está sempre associada e relacionada às palavras desenho, desígnio, projeto. A palavra desenho significa representar com instrumentos apropriados, por meio gráfico, representar seres, objetos, idéias, sensações feitas sobre uma superfície, qualquer obra de arte feita por meios gráficos. E designar significa: Dar a conhecer, apontar, nomear, indicar, assinalar, marcar, denominar, escolher, determinar, fixar, classificar, qualificar. Ser o sinal de, o símbolo de algo, idéia de realizar algo, intenção, propósito, vontade. E projeto é definido como a idéia,
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88 o desejo ou a intenção de fazer ou realizar algo no futuro, plano, esboço, delineamento, esquema. A palavra projeto diz respeito a plano, intento, desígnio, empreendimento, plano geral. Enquanto a nomenclatura do profissional, ‘designer’ é definida da seguinte maneira: Indivíduo que planeja ou concebe um projeto ou modelo, aquele que cria um produto em novo estilo ou apresentação e de modo restrito pode ser tratado como Desenhista-industrial, Desenhista-de-produto, Programador visual, especialista que trabalha com design gráfico. A dificuldade em nomear a área com uma palavra do vernáculo não ocorre em todas as línguas, por exemplo, em espanhol temos o emprego de duas palavras diferentes, desta maneira desfazendo possíveis equívocos e indicando bem o campo de ação de cada uma delas. Para desenho a palavra empregada é dibujo e para design, diseño. Em inglês ocorre a mesma diferenciação, para desenho utiliza-se draw e para design, design. Enquanto nos idiomas italiano, alemão e francês não há uma diferenciação clara, ou seja, as palavras desenho, projeto, desígnio apresentam significados muito próximos, também não há nestas línguas uma palavra específica para design. Acreditamos que por este motivo tenham adotado a nomenclatura em inglês, adotada inclusive pela Coréia.
Contudo, a questão permanece: o que significa design? Vários profissionais, pesquisadores e estudiosos buscam responder a pergunta, esclarecendo o emprego do termo design. Lucy Niemeyer diz: “design significa projeto, configuração, se distinguindo da palavra drawing – desenho, representação de formas por meio de linhas e de sombras. Estas distinções estão presentes no idioma espanhol: diseño para a atividade projetual e dibujo para a realização manual. A palavra design foi assimilada internacionalmente, sendo de uso corrente em Portugal” (Niemeyer: 1997, 26). Ao retomarmos as referências históricas podemos perceber que o registro da palavra se dá na Inglaterra por volta do final do século XVI e início do século XVII, tanto pelo desenvolvimento e disseminação da profissão (de designer) quanto pela implantação das escolas de design, mas o uso da palavra permanece até o século XIX de forma irregular. “(...) o Oxford English Dictionary do ano de 1588 menciona pela primeira vez o conceito de design e o descreve como: - um plano ou um esboço concebido pelo homem para algo que se deseja realizar; - um primeiro esboço desenhado para uma obra de arte... (ou) um objeto de arte aplicada, necessário para a execução da obra” (Burdek: 1999, 15 - 16). Ainda Bürdek (1999), citando Axel Von Sanden, aponta que até o final do século XVI na Itália eram usuais as expressões ‘disegno interno’ e ‘disegno esterno’ que
89 significavam, respectivamente, a idéia de um projeto a ser executado e a obra já executada. “O emprego da palavra permaneceu infreqüente até o início do século 19, quando surgem primeiramente na Inglaterra e logo depois em outros países europeus um número considerável de trabalhadores que já se intitulavam designers, ligados principalmente mas não exclusivamente à confecção de padrões ornamentais na indústria têxtil” (Denis: 2000, 18). Segundo Gustavo Amarante Bomfim “a expressão design surgiu no século XVII, na Inglaterra, como tradução do termo italiano’disegno’, mas somente com o progresso da produção industrial e com a criação das ‘Schools of Design’ a expressão passou a caracterizar uma atividade específica no processo de configuração de objetos de uso e sistemas de informação” (Bomfim: 2002, 7). Não obstante, as expressões que caracterizam as diferentes áreas no campo do design começam a surgir a partir da década de 20. Por exemplo, “a expressão graphic design, da qual se origina design gráfico, foi utilizada pela primeira vez em 1922, pelo americano William Addison Dwiggins (Livingston & Livingston, 1992), mas só passou a ter seu uso difundido após a Segunda Guerra Mundial” (Villas Boas: 1999, 70). O uso da expressão digital design, utilizada no Brasil como design digital, por sua vez, é difundida a partir da introdução do software CAD (Computer Aided Design)
ou projetos assistidos por computador, no final dos anos 80, e passa a ser utilizada mais amplamente a partir da proliferação da Internet no início dos anos 90. O uso da terminologia em inglês – design – não é tão tranqüila e natural para os profissionais da área e, parece-nos ser este um dos motivos principais que nos impelem a explicar o que significa esta palavra, esta denominação e por conseqüência este campo de conhecimento e esta profissão. Sempre buscamos, ou nos sentimos na obrigação de, esclarecer e explicar que o uso no inglês não se dá por questões mercadológicas ou marqueteiras, nem para ser mais ‘chique e diferenciado’ e muitos menos por questões de claro domínio cultural. Conforme Villas-Boas (1999) a adoção do termo em inglês design muitas vezes demonstra um pedantismo provinciano, apesar do uso corrente, é desconfortável. Grande parte dos autores que pesquisamos faz referência à questão da nomenclatura, o que podemos avaliar como algo que traz um certo incômodo e uma necessidade de colocar e definir especificamente o que a palavra abarca, o que quer dizer, qual é a visão do autor a este respeito e qual é o significado que ele acredita que melhor defina este universo. Ou ainda, segundo Lucy Niemeyer: “a maioria dos trabalhos sobre design se inicia pela conceituação da profissão. Talvez este tipo de ocorrência não se dê em outras áreas, mesmo mais novas, como a informática e o marketing. Acreditamos que esta recorrência advenha do fato de
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90 que cada autor precise, de início, explicitar sua concepção da profissão e descrever os compromissos que estão implícitos na sua prática profissional” (Niemeyer: 1997, 23). Vilém Flusser aponta que o mais importante com relação ao emprego desta palavra não são as questões históricas ou etimológicas, mas principalmente as questões semânticas, e diz: “Em inglês, a palavra design é substantivo e também verbo (ambos nos dizem muito a respeito da natureza da língua inglesa). Como substantivo, significa – entre outras coisas – ‘propósito’, ‘plano’, ‘intenção’, ‘objetivo’, ‘esquema’, ‘enredo’, ‘motivo’, ‘estrutura básica’, todos esses (e outros significados) estão ligados a ‘esperteza’ e ‘ilusão’. Como verbo (‘to design’ – projetar), significa ‘inventar alguma coisa’, ‘simular’, ‘desenhar’, ‘dar forma’, ‘ter desenhos em alguma coisa’. A palavra deriva do latim signum, significando ‘sinal’, e dividem a mesma raiz antiga. Assim, etimologicamente, design significa ‘de-sign’ (‘desinal’). Assim surge a questão: Como a palavra design veio vindo através do mundo para completar seu significado até a presente data? Esta não é uma questão histórica, não necessita que se envie alguém para examinar textos e constatar quando e onde a palavra se estabeleceu com o atual significado. É, sim, uma questão semântica, e necessita fazer alguém considerar, precisamente por que a palavra tem tal significado ligado ao discurso contemporâneo sobre cultura” (Flusser: 1999, 17).
Porém, ainda buscamos a etimologia e os significados da palavra para situar melhor o que está sendo tratado e compreendido por design, especialmente no Brasil, onde ocorreu uma proliferação do emprego do termo, muitas vezes de forma inadequada e imprópria, conforme Niemeyer: “a palavra design permaneceu sem uma denotação específica no Brasil, não particularizando a profissão ou o seu conceito. No momento há o emprego do termo design em áreas onde não há um trabalho conceitual e de projeto. A conotação mais presente da palavra é um trabalho formal, epidérmico e voltado para o projeto de produto para consumo conspícuo. Não é raro notarmos o uso indiscriminado da palavra designer para qualquer profissão que faça algum tipo de interferência formal ou gráfica. Em publicidade de um salão de cabeleireiros, por exemplo, o profissional é referido como hair designer, o que não é cabível nem mesmo na língua inglesa” (Niemeyer: 1997, 27). Ao mesmo tempo em que há um empenho por parte dos profissionais, pesquisadores e estudiosos desta área para estabelecer o emprego correto do termo, este dissemina-se em várias aplicações não adequadas, talvez isto se dê pela dinâmica viva da língua, o que nos leva a pensar que não vamos mais conseguir mediar esta situação e ver o termo empregado corretamente. Para ilustrar o que Niemeyer aponta sobre o uso indiscriminado da palavra podemos citar alguns exemplos. Já alguns anos os salões requintados de cabeleireiros da cidade de São Paulo começaram a empregar para os seus funcionários cabeleireiros a
91 nomenclatura ‘hair-designer’, que vinha escrita claramente nos crachás e nos cartões de visita desses profissionais. Atualmente, até nos salões mais simples e populares fala-se em ‘hair design’ e ostenta-se em suas paredes e placas esta nomenclatura, bem como seus cabeleireiros fazem cursos de ‘design de cabelos’. Também é uma situação quase corriqueira encontrarmos nesses locais peças gráficas, publicitárias, cartazes e folhetos de produtos cosméticos e de tratamento de cabelos com o emprego da expressão design, como por exemplo, uma marca holandesa de produtos para cabelos que distribui cartazes para serem afixados nos salões de cabeleireiros. Nesses cartazes há duas mensagens principais – uma imagem fotográfica apresentando uma (ou um) modelo com um corte e tintura de cabelo bem atuais e, abaixo das fotos, há uma mensagem verbal com o seguinte slogan: ‘The Art of Hair Design’. Poderíamos enumerar muitos exemplos, mas há alguns que valem a pena ser destacados. Ainda encontramos embaixo do Minhocão de São Paulo um salão de cabeleireiros, cujo nome escrito em letras garrafais na placa, acima da porta de entrada, é ‘Design’. Na cidade mineira de Monte Verde há uma loja que comercializa sabonetes e essências aromáticas, cuja placa, cartões e toda a comunicação visual do estabelecimento anunciam trabalhar com design, com o seguinte slogan: ‘Green4 – design and products’.
E ainda nos dias próximos à Páscoa de 2003 várias revistas publicaram e anunciaram ‘Ovo de Design’ (ovos de chocolate decorados com flores de massa doce), ‘Design em Massa’ (macarrão em forma de coelhinhos) e o texto dizia que uma rotisseria “(...) investiu em um design criativo nesta Páscoa: a massa em formato de coelho, recheada com mussarela de búfala (...)” 43 Talvez devido a uma estratégia comercial ou pelo fato da profissão de designer não ser regulamentada; cabeleireiros, perfumistas, floristas e confeiteiros começam a se autodenominar designers e a intitularem suas atividades como design. Mais algum tempo e, nos parece que a maioria das atividades que trabalham direta ou indiretamente com algum tipo de criação e produção serão denominadas simplesmente, design. Enquanto isso, permanecemos com o nosso discurso (e depois dos últimos exemplos, quase religioso) cientes das ambigüidades e tensões que este termo acarreta, assim como faz Rafael Cardoso Denis: “A origem imediata da palavra está na língua inglesa, na qual o substantivo se refere tanto à idéia de plano, desígnio, intenção, quanto à de configuração, arranjo, estrutura (e não apenas de objetos de fabricação humana, pois é perfeitamente aceitável, em inglês, falar do design do universo ou de uma molécula). A origem mais remota da palavra está no latim designare, verbo que abrange ambos os sentidos, o de designar e o de desenhar. Percebe-se que, do ponto de vista 43
Logotipo e slogan da indústria de shampoos Keune.
Cartão postal da loja Green 4.
“Ovo de Design”.
Revista Chiques, n. 206, ano V, 18 de abril de 2003, p.66. “Design em Massa”.
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92 etimológico, o termo já contém nas suas origens uma ambigüidade, uma tensão dinâmica, entre um aspecto abstrato de conceber/ projetar/ atribuir e outro concreto de registrar/ configurar/ formar. A maioria das definições concorda que o design opera a junção desses dois níveis, atribuindo forma material a conceitos intelectuais. Trata-se portanto de uma atividade que gera projetos, no sentido objetivo de planos, esboços ou modelos” (Denis: 2000, 16). Vilém Flusser é muito mais cético com relação ao emprego do termo, segundo ele, este termo vem substituir a falta de fé que temos hoje com relação à tecnologia, à arte, porém encontra-se na estrutura de todas as coisas, desvendando o que está por trás delas, ou seja, qual é o projeto que as norteia. “A palavra design foi gerenciada para deter sua posição-chave no discurso diário, porque nós estamos começando (talvez direito) a perder a fé, tanto na arte quanto na tecnologia como nas fontes de valor. Porque nós estamos começando a abrir os olhos para o design que há por trás delas. Essa é uma explanação soberana. Mas é também inevitável. Uma confissão é chamada aqui. Esse ensaio teve um design específico em mente: ele se estabeleceu para expor a esperteza e os aspectos enganosos da palavra design. Isso foi feito porque eles estão normalmente ocultos. Se ele tivesse perseguido outro design, poderia, por exemplo, ter insistido que o ‘design’ está relacionado a ‘sinal’: um sinal dos tempos, um sinal das coisas vindo, um sinal de associação. Neste caso, ele poderia ter dado uma
explanação diferente, mas igualmente plausível, da situação contemporânea da palavra. Eis a resposta então: Tudo depende do Design” (Flusser: 1999, 20 e 21). No Brasil, a desordem com relação ao termo vem de longa data. Nos anos 50, quando a atividade passou a fazer parte do vocabulário de nosso país “(...) foi empregada a expressão desenho industrial. Essa tradução foi inadequada, pois contrariou o significado original de design, e fez prevalecer para o desenho industrial a conotação de habilidade de representar graficamente a de projetar” (Niemeyer: 1997, 26). Em fevereiro de 1962, o então Secretário da Educação e Cultura do Estado da Guanabara, Carlos Flexa Ribeiro, encaminhou uma carta ao governador Carlos Lacerda que discutia e definia regras para a implantação da primeira escola superior de design e apresentava uma breve explicação sobre os objetivos do curso de desenho industrial. A carta dizia: "acrescento, por este motivo, as seguintes considerações: a tarefa primordial consiste em conseguirmos explicar ao público, em matéria de industrial design, “o que se trata”. Os mais esclarecidos círculos brasileiros e mesmo o pessoal dito de nível superior, na sua grande maioria, não sabe do que se trata, pensa que sabe. De fato misturam design com drawing. Confundem também com desenho técnico e com desenho de máquinas. Permanecem sempre alheios ao caráter criador da atividade do designer como inventor de formas novas, adequadas às novas
93 funções dos objetos. Custam por isso a reconhecer o papel do projetista industrial numa sociedade maquinofatureira. Por essas razões, ficam, às vezes, sem entender os motivos pelos quais a formação deste homem, que é ao mesmo tempo um técnico e um artista, deva ser feita em nível universitário. Misturam também o assunto com atividades artesanais, o que é um outro equívoco” (Niemeyer: 1997, 26 e 27). Podemos perceber pelo texto da carta que Carlos Lacerda tenta explicar da melhor maneira que encontrou quais seriam as atribuições desta ‘nova’ profissão no Brasil. A realidade não é muito diferente anos depois, nos nossos dias. Comumente ao nos referirmos a este campo de trabalho (design) ou à nomenclatura profissional (designer) temos de partir de uma explicação sobre o termo e suas origens. Em textos, em livros publicados, no início de cada disciplina relacionada à área, nas palestras sobre esta profissão ou este campo, sempre se inicia com uma explicação da terminologia para fazer entender o que significa ser designer e atuar no campo do design. Além disso, outro problema ocorreu com relação à nomenclatura adotada para esta área no país. No momento em que a primeira escola formal de ensino de design (ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial) foi instituída no Brasil, não era permitido pelo Ministério da Educação e da Cultura (MEC) a adoção de uma nomenclatura em outra língua que não a nacional. Fato este que levou a uma tradução mal feita, que tem ecos
até nossos dias, e por muitas vezes os profissionais desta área tentaram resolver esta problemática. Neste sentido, o caso mais famoso é o de Aloísio Magalhães procurando resolver esta questão com Antonio Houaiss. “No início da década de 70, Aloísio Magalhães (1927-1982), professor da ESDI e consagrado designer gráfico, procurou o filólogo Antonio Houaiss na expectativa de ele encontrar a solução para a denominação adequada, em língua nacional, para a profissão. A sugestão do acadêmico foi o termo projética, que jamais passou a integrar o vocabulário de alguém. Qual teria sido a derivação para indicar o profissional? Projeticador, projeticista?” (Niemeyer: 1997, 28). Evidentemente, a indicação de Houaiss jamais foi utilizada e os designers continuaram sua saga para esclarecer o emprego da palavra. Por exemplo, Redig (1977) relembra a problemática de identidade da nomenclatura Desenho Industrial e o problema da tradução e afirma: “desenho industrial não é Industrial Design porque Desenho não é Design. Enquanto Desenho é uma técnica de representação, design é uma atividade que usa esta técnica. Se Desenho indica um objeto, design indica um objetivo” (Redig: 1977, 11). Freddy Van Camp, designer industrial carioca, também coloca esta questão em seu trabalho apresentado no 3o Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, em 1998, no qual diz: “há muito tem se procurado definições mais precisas para a profissão do
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94 Designer. Já foram dadas várias interpretações à atividade mas mesmo assim, as discussões continuam, na busca de melhores parâmetros ou de uma melhor comunicação desta atividade, ainda pouco conhecida e mal interpretada (...)” (Van Camp: 1998, 307).
normalmente enfrentamos a seguinte argumentação, que sempre começa dessa maneira: "meu filho gosta muito de desenhar, desde pequeno é muito bom em desenho, faz belos desenhos de pessoas, carros, etc., então optou por design"...
Van Camp coloca, ainda, que os termos utilizados não atendem de forma completa o mercado, nem o campo de atuação, nem os potenciais da atuação do profissional em nossos dias e que uma definição geral ou direcionada a uma forma mais especializada também não dará conta deste universo, pois esta “(...) atividade é dinâmica e interdisciplinar. Isto nos levará necessariamente a procurar algum tipo de classificação mais flexível e em mais de um nível, sempre levando em consideração a realidade, a época e o local em que estamos atuando” (Van Camp: 1998, 307).
“Com o novo currículo mínimo de desenho industrial, introduzido em 1988, foi feita uma redefinição dos termos adotados: desenho industrial passou a designar globalmente a profissão, enquanto programação visual e projeto de produto se referiam às duas habilitações já existentes. Em julho de 1988, a plenária final do V Encontro Nacional de Desenhistas Industriais (ENDI), realizado em Curitiba e que reuniu expressivo número de participantes de todo o país (estudantes, docentes e profissionais da área) decidiu pela aprovação da proposta de alteração do nome da profissão para designer, como termo genérico. Cada uma das diversas áreas de atuação, que vêm se multiplicando, seria especificada por um complemento: design gráfico, design de produto, design têxtil, design de moda, assim como suas sub-especializações (design de móveis, design de embalagem). Essas denominações, posteriormente ratificadas em consulta feita a alunos e professores dos cursos então existentes no país, foram adotadas pelas associações da categoria: Associação de Ensino de Design do Brasil (AEnD-BR), Associação dos Designers Gráficos (ADG)” (Niemeyer: 1997, 28).
Por sua vez, Alexandre Wollner dá a seguinte explicação: “a designação ‘industrial design’ não foi incorporada pelo vocabulário de nossa língua, como ocorreu com outros idiomas onde passou a ter circulação corrente. Por motivos e circunstâncias diversos, que ora não cabe analisar, foi ela traduzida por ‘desenho industrial’. Sendo uma expressão nova, emprestaram-se a ela numerosos significados” (Wollner: 2002, 29). Como profissionais do ensino e formação em design, ao sermos consultados sobre o futuro profissional dos jovens que optam por esta área, ou ainda pelos pais que desejam saber mais detalhadamente sobre o universo profissional de opção ou desejo de seus filhos,
João de Souza Leite em seu artigo ‘Uma nova perspectiva para se estudar Design’ publicado na revista Designe, discute que o design é um campo de
95 saber e de diferentes carreiras, ele inicia o artigo dizendo: “bater na tecla da definição de Design pode parecer meio anacrônico, mas no Brasil, de fato, nossa atividade apresenta um problema de origem. A sua nomeação na língua inglesa implica uma dessas duas possibilidades de leitura: ou considera-se Design como atividade projetual circunscrita às áreas já reconhecidas e consolidadas entre nós e em decorrência afastam-se algumas outras perspectivas interessantes ou aceita-se como intrínseco ao design o forte grau de abstração que a palavra adquire na língua inglesa e, deste modo, ampliam-se os horizontes profissionais da atividade mas também do alcance de sua inserção em nossa cultura” (Leite: 2001, 63). A análise destas informações e verificações nos levam a perceber, como já havia apontado Bonsiepe no início dos anos 90, que “(...) há um mútuo condicionamento entre a fragilidade do discurso do design e a falta de uma teoria de design. O design é até o momento um domínio sem fundamentos” (Bonsiepe: 1993, cap.1, p. 13). Gui Bonsiepe (1997) diz ainda que nos anos 90 o design é colocado na ‘crista da onda’. Segundo este autor, “nunca antes se conseguiu entender o design como fator decisivo nas discussões sobre eficiência e competitividade de empresas e economias. Simultaneamente, porém, registramos a contradição entre a popularização deste termo e o seu déficit nos aspectos teóricos. O design é hoje um fenômeno não pesquisado a fundo, um domínio ainda sem
fundamentos, a despeito de sua onipresença na vida cotidiana e na economia. Como podemos explicar este déficit? Podemos supor que exista uma relação mútua entre a fragilidade do discurso projetual e a ausência de uma teoria rigorosa do design” (Bonsiepe: 1997, 14 e 15). O fato de o design ter sido colocado na ‘crista da onda’, como diz Bonsiepe, não melhorou a situação de ambigüidade e de falta de estabelecimento de um sentido claro para a definição da profissão e para o emprego do termo. Ele está com toda a razão quando fala sobre a carência de uma teoria bem fundamentada sobre design. Para comprovarmos esta afirmação, basta analisarmos a situação brasileira. Por anos a fio, do final dos anos 60 até o início dos anos 90, as publicações nacionais não chegavam a meia dúzia de títulos44. Só no final dos anos 90 é que títulos nacionais começaram a ser publicados45; até aquele momento só existiam publicações esparsas de artigos, geralmente em publicações de associações de classe que tinham pouca penetração e acesso do grande público; mesmo assim, neste início dos anos 2000 temos por volta de 30 títulos nacionais.
44 45
Neste caso podemos citar a revista Design & Interiores.
E isto ocorreu no momento em que veio a público o periódico científico Estudos em Design, foi inaugurada a primeira editora especializada nesta área, a 2AB no Rio de Janeiro, no ano de 1997 e em São Paulo foi no ano de 2002 que a editora Rosari se lançou neste segmento de mercado.
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Detalhe do material de divulgação de um curso livre de design.
Só no ano de 1994 que foi instituído o 1o Congresso de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, cujos anais são referências para o estudo e pesquisa nesta área. Tudo isto nos leva a acreditar que pouco se refletiu sobre o design nesses quarenta anos após a implantação da primeira escola superior no Brasil, ou a reflexão se deu nos círculos restritos institucionais e educacionais e pouco foi publicado ou muito se trabalhou desenvolvendo projetos em design, na aplicação da prática cotidiana e não restou tempo para se pensar e refletir sistematicamente sobre esta área. Inclusive, faltam registros sobre a história do design brasileiro, que provavelmente é ímpar e plural devido à diversidade cultural presente no país.
língua nacional. E como não há reflexão, não há crítica. E como não há crítica, sempre se aceitou o estrangeirismo sem questionamentos. Basta para isto procurar a raiz do design brasileiro que vem de uma escola46 cuja metodologia e sistemas só permaneceram e prevaleceram nos países de terceiro mundo ou em desenvolvimento, e para falarmos claramente, subdesenvolvidos culturalmente, pelo menos em termos de design. O estrangeirismo do termo fragilizou a conceituação da própria área, e a falta de reflexão mais aprofundada estabeleceu que a leitura e definição de alguns poucos profissionais se tornassem axiomáticas, como uma verdade pré-estabelecida.
Acreditamos que a falta de uma teoria consistente seja um dos motivos que levaram e ainda levam as pessoas a não entenderem o que significa esta área, atrelando este termo apenas ao aspecto da forma exterior das coisas ou, quando a situação é pior, considerando-a apenas desenho (existe até um escritório de design em São Paulo denominado Companhia de Desenho), e ainda, o pedantismo criado pelo modismo das denominações em inglês gerou maiores confusões e design é associado ou atrelado à arte pura e os designers são sempre chamados de ‘os criativos’, ‘os artistas’ e são deixados de lado quando se trata de discutir o negócio-design. Talvez tenha sido até a falta de reflexões e de discussões mais aprofundadas sobre esta área e profissão o motivo de não se ter gerado um termo em
46
A metodologia e a sistemática da Escola de Ulm só sobreviveu nos países da América Latina (Chile, México, Brasil) e na Índia.
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2.2. Buscando a (s) Definição (ões) de Design... Ao longo de muitos anos, e mais especificamente nos últimos anos, estudamos e pesquisamos as definições de design, lendo, ouvindo, indagando...e nos demos conta que há uma infinidade de definições. Algumas bem coerentes e precisas, outras nem tanto (todo homem é um designer... Deus é designer...). No caminho da sistematização desta pesquisa decidimos que seria necessário um recorte que apresentasse as questões mais recorrentes da área, visando chegarmos a um conceito de design para em seguida estabelecermos a definição e o conceito de design de hipermídia. Desta maneira, resolvemos apresentar as definições separadas pelas questões mais recorrentes nos autores, pesquisadores e profissionais estudados. Assim as definições de design, neste texto, serão indicadas pelas temáticas e paralelos recorrentes nas tentativas de estabelecimento de um conceito maior e mais abrangente de design. Estas temáticas e paralelos ocorrem a partir dos seguintes assuntos: cultura, linguagem, tecnologia, arte, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, projeto, profissão, mercado, conceito de design.
Neste trabalho estas temáticas serão apresentadas em separado para facilitar a leitura e o entendimento desta pesquisa, bem como com vistas a facilitar as comparações nos dias atuais e a discussão de uma nova especialidade no campo do design: o Design de Hipermídia. Design é Cultura Uma das questões mais recorrentes, apontadas por vários autores nas tentativas de conceituação e nas definições de design, referem-se a este campo atuando e formando a cultura. Esta questão é enfocada pelos designers e também pelos pesquisadores e estudiosos desta área, indicando que se torna cada vez mais importante “(...) pensar a atividade e o papel do designer como fruto de uma relação global, que inclui o meio, o lugar onde o objeto configurado se insere, o coletivo e a subjetividade, decorrentes da cultura, que está presente na relação do sujeito com o objeto (...)” (Couto e Oliveira: 1999, 9). Podemos dizer que o design é cultura, não apenas porque faz parte da cultura, mas porque cria e desenvolve um universo artificial e simbólico para a sociedade na qual se insere. Por outro lado, design é produção de cultura, pois estabelece produtos que são resultantes de análises e interpretações culturais, mas também design é o espelho da cultura, podendo se estabelecer como denúncia ou anúncio dos aspectos da sociedade.
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98 Portanto, o design como cultura (criação e desenvolvimento de um universo simbólico e artificial) é enfocado no seu fazer, na amplitude de seu campo de ação e em sua pluralidade, quando esta é tratada a partir de suas especialidades ou também chamada de sub-especializações (design gráfico, design digital, design de games, design de moda, design de embalagem). Ao analisarmos mais profundamente este campo podemos comprovar que ele está associado a todas as esferas da vida humana e da atividade cotidiana. Victor Margolin relaciona o design ao todo do habitat humano, reconhecendo em seu fazer o traço da cultura e, em certo sentido, a possibilidade de não delimitar o seu campo: “(...) o Design existe como característica central da cultura e da vida cotidiana em muitas partes do mundo. Em sociedades altamente industrializadas, o Design parece ter substituído a natureza como presença dominante na experiência humana” (Leite apud Margolin: 2001, 65). O designer atua e cria um universo artificial através de uma ação interpretativa e criadora, onde o foco é o ser humano e o seu bem-viver. Nas sociedades industrializadas o homem se relaciona mais com os objetos artificiais do que com a própria natureza. Vilém Flusser diz que “(...) na vida contemporânea, design mais ou menos indica o lugar onde arte e tecnologia (junto de seus respectivos modos de pensar – avaliável e científico –) seguem juntas como iguais,
fazendo uma nova forma possível de cultura” (Flusser: 1999, 19). Esta nova forma possível de cultura a que se refere Flusser é a criação de objetos e sistemas de informação que indicam ou se estabelecem pelas mudanças introduzidas na sociedade, nos hábitos e na forma de viver do homem. Lucrécia D’Alesso Ferrara (1999) afirma que o primeiro momento do design acontece em sua relação de reinvenção do cotidiano, que ocorre “ (...) pela introdução de novos usos e hábitos: uma outra concepção de espaço programada para um tempo que ele se alia propondo um domínio metodológico sobre a natureza: é o primeiro momento do desenho industrial. Einstein caracteriza esse tempo/espaço enquanto medida de mudança, produto da inteligência humana para tratar objetivamente a realidade” (Ferrara: 1999, 195). A mudança de usos e hábitos se faz a partir da análise e de um olhar crítico sobre a realidade em que se vive, podendo desta maneira criar e desenvolver produtos para as mudanças culturais. Estes produtos passam a constituir um novo universo artificial, como afirma Otl Aicher. “O design, pese a todos, tem sido também uma atividade cultural e seu espaço de reflexão está repleto de perguntas fundamentais sobre a existência humana, sob as condições não só da reprodução industrial, e sim também da produção industrial, isto é, a vida de um novo mundo, em sua maior parte artificial” (Aicher: 2001, 134).
99 “Isso é o design, que é a base de toda cultura: iludir a natureza por meio da tecnologia, ou colocar o que é natural com aquilo que é artificial e construir uma máquina e fora dela tornar-se um deus que seja nosso” (Flusser: 1999, 20). Quando dizemos que o design, a partir de seus produtos, é produção de cultura, estamos indicando que a concepção e a elaboração de um projeto está vinculada à forma como o designer percebe e se relaciona com o universo cultural e este pode se dar como influência ou referência para a criação e o trabalho projetual em design. Por exemplo, como desenvolver uma série de cartazes e folhetos sobre dança, música ou teatro se não se conhece ou não se tem as referências destas expressões artísticas e culturais? Os aspectos históricos, políticos, sociais e econômicos interferem e podem se refletir no desenvolvimento dos projetos, bem como, a vivência, a experiência, o experenciar a cultura, desde as leituras e viagens que se faz, os filmes a que se assiste, as músicas que se ouve, as críticas e análises que podem ser estabelecidas ao que ocorre ao nosso redor. Claudio Ferlauto discute esta questão de forma brilhante quando diz que o Norte do Designer é a Cultura47, afirmando que “cultura, que é o ato de 47
Título de uma palestra que este autor proferiu em 1997 e que resultou em um artigo publicado em 1998 no livro O Tipo
cultivar, também é saber utilizar a informação disponível para transformá-la em novas idéias. Projetar é ter desígnio, objetivos, função social. Um projeto que não leve em consideração as realidades circundantes – tecnológicas, sociais, culturais, econômicas, ecológicas – não é um projeto viável para a sociedade. É apenas um exercício de diletantismo, às vezes até virtuoso e de talento, mas vazio...” e completa sua explanação dizendo que “cultura geral, conhecimentos de história da arte, de história do país e da industrialização são armas fundamentais na guerra do mercado. Mas, antes de tudo, básicas para o exercício profissional consciente. Cultura tem a ver com curiosidade intelectual, atitude que propicia as descobertas criativas ou tecnológicas, os avanços da linguagem projetual e soluções inovadoras em design. Música, cinema, teatro e literatura são os parceiros para a criação. Criar é saber fazer escolhas. Criar é relacionar dados nunca dantes associados. E isso não se aprende na escola, depende dos interesses culturais e do desejo de aprender de cada um de nós” (Ferlauto: 1998, 34). da Gráfica e Outros Escritos. Em 2002, Ferlauto acrescentou à cultura, a sensibilidade, tornando o norte do designer a cultura e a sensibilidade. “Uma vez, tempos atrás escrevi que o norte do designer é a cultura, hoje acrescento a sensibilidade. Ela nos ajuda a identificar na realidade circundante a nossa palheta de cores, o vernacular e o popular que qualificam nossa tipografia, o modo como o brasileiro se apropria desta realidade e do pastiche global que nos empurram olhos adentro. Se não retiramos da vida a matéria prima para nossos designs, não serão os anuários americanos ou europeus que nos ensinarão a fazer um design bem brasileiro”(Ferlauto: 2002, 17).
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100 Gui Bonsiepe relata que ao ter contato com estudantes de design chilenos, brasileiros, argentinos e mexicanos percebeu que eles não estavam interessados em aprender práticas Standard, mas, sim, buscavam encontrar respostas, especialmente, a duas perguntas: “o que pode fazer um designer na periferia para influenciar uma cultura de produtos e signos próprios de um contexto local e orientados às necessidades locais? e o que pode fazer um designer para criar uma identidade cultural por intermédio do design? A resposta à segunda pergunta nos leva diretamente à dimensão política, pois questões culturais são acima de tudo questões políticas, ou seja, questões acerca do tipo de sociedade no qual os seus membros querem viver” (Bonsiepe: 1997, 107). Com referência à atividade projetual, Argan questiona que ela não se basta se estiver presa em uma relação fechada, ou seja, sem dialogar com o seu entorno, com o homem – usuário para quem o projeto se destina, e sem se estabelecer em uma relação de complementaridade com a comunidade, com a sociedade – local onde o homem vive e produz. “A relação, enfim, que estabelecemos com aquele objeto é uma relação ‘social’, porque na realidade concebemos o mundo como a dimensão na qual vive e opera uma comunidade, na qual se articula a idéia da sociedade ativa” (Argan: 2000, 128). Mas, segundo Bonsiepe, a relação cultura e design não se restringe apenas à produção de projetos, ela pode também se estabelecer a partir do caminho para a
busca, bem como para a criação de uma identidade cultural. “Design não está ligado necessariamente aos objetos. Se perguntarmos a um designer o que ele faz, provavelmente responderá que projeta produtos ou cartazes. À primeira vista isto é verdade, porém não permite ver que no fundo o designer se preocupa com possíveis quebras (breakdowns) recorrentes na prática de vida de uma comunidade de usuários. Identidade cultural não é um objeto que se ‘possui’. Identidade cultural é transparente para aquela pessoa que vive neste contexto. A identidade cultural é criada pelo observador que utiliza distinções lingüísticas. A identidade cultural se constitui no olhar do outro. Por isso, parece-me pouco produtivo considerar a identidade cultural como um bem escondido, que deveria ser traduzido em produtos ou artefatos gráficos. De acordo com o paradigma da expressão, dever-se-ia localizar-se a identidade cultural por meio da reflexão e traduzi-la depois para criar um estilo próprio que diferisse dos estilos concorrentes” (Bonsiepe: 1997, 108). O design como espelho da cultura se apresenta por sua capacidade de representar e interpretar a sociedade, o momento, as mudanças e transformações de uma sociedade, além de representar pode anunciar mudanças e inovações, auxiliar na mudança de comportamentos, orientar e informar uma infinidade de aspectos de uma sociedade, bem como denunciar problemáticas sociais.
101 Alexandre Wollner em seu artigo A Emergência do Design Visual, publicado em 1998 no livro Arte Construtiva no Brasil, define o design como “(...) qualquer outro fenômeno cultural, é parte do comportamento de um país. Somente dentro deste contexto pode ser entendido. O desenvolvimento do design no Brasil é, portanto, conseqüência direta da evolução cultural em relação ao seu crescimento social, político, econômico e tecnológico que vem ocorrendo desde os primórdios dos anos 50, não só no país, mas como um fenômeno que abrange todos esses aspectos, na atual conjuntura da globalização internacional” (Wollner: 2002, 49). E Lucrecia D’Alesso Ferrara diz que “o desenho industrial desenvolve importante característica antropológica cultural: é uma questão com características interdisciplinares, que procura agenciar várias faixas de conhecimento. O engenho das soluções projetivas sofre, de um lado, o impacto do desenvolvimento tecnológico de materiais e processos, de outro, as transformações culturais criadas pelas necessidades que a própria industrialização cria e desperta, no sentido de mudar os usos e costumes mais condizentes com outra forma de viver. De um lado, a tecnologia, de outro, o consumidor com novas esferas de necessidades culturais criadas pelo valor de troca através da sua estratégia de mercado e administração do produto” (Ferrara: 1999, 194). Gustavo Amarante Bomfim aprofunda esta discussão, afirmando que a relação design, cultura e sociedade
ocorre através da experiência empírica e menciona três questões principais referentes a este aspecto. Primeira, “porque Design é uma atividade que configura objetos de uso e sistemas de informação e, como tal, incorpora parte dos valores culturais que a cerca, ou seja, a maioria dos objetos de nosso meio são antes de mais nada a materialização dos ideais e das incoerências de nossa sociedade e de suas manifestações culturais assim como, por outro lado, anúncio de novos caminhos. Segunda, porque o Design, entendido como matéria conformada, participa da criação cultural, ou seja, o Design é uma práxis que confirma ou questiona a cultura de uma determinada sociedade, o que caracteriza um processo dialético entre mimese e poese. Em outras palavras, o Design de uma comunidade expressa as contradições desta comunidade e será tão perfeito ou imperfeito quanto ela. O Design tem assim natureza essencialmente especular, quer como anúncio, quer como denúncia” (Bomfim: 1999, 150 e 151). E finaliza com a terceira questão: “a cultura é a expressão do ser, que se manifesta em todas as suas obras e atividades, é a condição poética do espírito no ato de conformar a matéria. Design, portanto, não é a atividade protagonista da configuração de um complexo pano de fundo composto por variáveis de natureza política, econômica, social, tecnológica, etc., mas, antes, uma das possíveis interpretações das diversas possibilidades oferecidas por estas variáveis. Design é mais do que a especificação das partes de um todo como na tradição cartesiana. Não é uma regra universal
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102 de configuração, mas uma ação interpretativa, criadora, que permite diversas formas de expressão” (Bomfim: 1999, 152). O design gráfico vive hoje uma crise paradigmática que tem sua razão, justamente, na concepção historicamente construída de que sua prática equivale ao próprio funcionalismo, e que não tem sentido fora dela. Projetos contemporâneos demonstram esta crise de forma significativa, e apontam para outros paradigmas de design gráfico. Segundo Villas-Boas (1998) esta crise paradigmática do design, evidenciada pela análise de trabalhos nãocanônicos contemporâneos, parece estar articulada com a própria crise paradigmática que caracteriza a pós modernidade, enquanto condição histórica e cultural. Portanto, ao estabelecermos a relação design e cultura em seus aspectos e variantes, não podemos esquecer que a cultura é um processo. “A história do design deste século é uma história de diferentes tentativas. Esta história todavia não está escrita senão, entre Werkbund e Bauhaus, entre construtivismo e racionalismo, entre Olivetti e Braun, entre Art Déco e pós- modernidade, nasceu uma paisagem cultural cujas ações reais são mais dramáticas que qualquer teatro, por mais perfeito que este seja. Em um tempo em que se vende cultura, se vive a cultura como processo” (Aicher: 2001, 134 e 135).
Por este motivo, o designer Alexandre Wollner diz que se design é cultura não devemos estabelecer uma única e imutável definição para este campo. Certa vez, em uma conversa com Wollner discutíamos a este respeito, quando ele a sua experiência e vivência neste campo, argumentou que não deve existir uma única definição de design, pois esta é uma área dinâmica, ligada à cultura, que muda com os movimentos da própria sociedade e, portanto, seu conceito deve mudar. A mudança, a variação, ampliação ou outros encaminhamentos da definição do design deve-se à própria dinâmica cultural, considerando que a cultura é viva, visto que se modifica. Enfim, fazer design é participar e produzir cultura, é escrever através de objetos ou produtos informacionais a história de nossa época, na qual as referências histórico- estéticas e a cultura material são focos de extrema importância neste campo profissional. Design é Linguagem Design é cultura e é também atuar com a cultura, fato que ocorre através de uma produção projetual. Esta, por sua vez, é o resultado de análises, considerações, críticas, influências e referências, que, presentes na atividade projetual, se configuram em um conjunto integrado – o projeto. Este conjunto se apresenta organizado e estruturado em uma série de características advindas dos
103 elementos projetuais (linhas, formas, cores, tipografia, estrutura, diagramação, relação texto e imagem) e da relação estabelecida entre eles, bem como dos aspectos subjetivos, funcionais, metodológicos e da relação com o usuário. Estas características organizadas em um conjunto constituem a linguagem do design. Entendemos linguagem como um sistema que engloba um conjunto de características e signos de uma expressão e de uma área, neste caso, o design. Por este motivo podemos dizer que o design é uma linguagem, que tem seus fundamentos na linguagem e que se relaciona e interage com outras linguagens. Conforme Niemeyer, “a linguagem é o momento instaurador da cultura, enquanto sistema de intercâmbio simbólico que possibilita a troca de experiências; em que a cultura possibilita a passagem da natureza à sociedade humana, produto de uma simbolização de caráter lingüístico, em função da qual se estrutura” (Niemeyer: 1998, 259). Burdek aponta que, por volta dos anos setenta e oitenta, a teoria semiótica ocupou um papel de destaque na Alemanha, deflagrando e auxiliando o estabelecimento da hipótese da semântica dos produtos. Rainer Funke, designer, estabeleceu que “(...) sem a semântica dos produtos dificilmente poderia ser possível nem um trato adequado – por conseguinte a apropriação do mundo na prática – e nem a ordem e a dinâmica social” (Burdek: 1999, 131).
Dessa forma, o produto como um objeto cotidiano é também enfocado como um objeto de reflexão e como um objeto de culto, deixando claro que há no produto do design uma carga simbólica explícita (o uso e a mensagem). “As coisas da natureza nos falam, as que são artificiais, nós temos que falar por elas: estas contam como nasceram, que tecnologia se utilizou em sua produção e de que contexto cultural procedem. Nos explicam também algo sobre o usuário, sobre seu estilo de vida, sobre a sua real ou seu suposto pertencer a um grupo social, seu aspecto” (Burdek: 1999, 131 e 132). Burdek cita e se refere a Barthes quando este dizia que a moda tinha dois significados: o uso prático e a mensagem retórica e também para esclarecer a relação design e linguagem. “Como designer se deve, por um lado, entender esta linguagem e por outro ter a capacidade de fazer que os objetos falem por si mesmos pois na ordem das formas esta linguagem ressalta valores intuitivos que apenas são reproduzidos figurativamente” (Barthes apud Burdek: 1999, 132). Por sua vez, Bonsiepe afirma que a linguagem do design é a linguagem dos juízos. “A linguagem do design não é a linguagem das asserções, nem a linguagem das instruções, mas sim a linguagem dos juízos (assessments). Estes juízos referem-se às características prático-funcionais e estético-formais” (Bonsiepe: 1997, 37). Para Décio Pignatari, design é reproduzido a partir de um protótipo e é linguagem como a arte e a
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104 comunicação, segundo ele “(...) a idéia de arte devendo alargar-se continuamente ou ceder lugar definitivamente à idéia de design em todos os campos da sensibilidade formal ou da comunicação analógica. O planejamento da sensibilidade de massa é uma realidade e o seu ritmo é o ritmo da moda” (Pignatari: 1983, 81). A designer Ana Luísa Escorel (2000), ao estabelecer o design como linguagem, compara as divisões existentes enquanto definições distintas por área, sejam elas as da visão multidisciplinar ou da visão tecnológica. Para tanto, ela estabelece uma série de comparações, partindo da origem do design, procurando estabelecer perspectivas para este campo, lembrando que esta atividade é uma das que têm um grande número de tentativas de conceituação e as inúmeras definições de design parecem revelar que esta profissão e a atividade continua polêmica e pouco conhecida. Partindo deste ponto de vista, esta designer (2000) aponta uma definição de design enquanto uma linguagem nova que surgiu com os processos industriais e pressupõe a multiplicação de um original através da reprodução de matrizes. Como uma linguagem, o design, apresenta duas possibilidades de articulação: as propriedades combinatórias (aspectos formais) e propriedades associativas (aspectos simbólicos). O produto e seu significado resultam da soma destes dois fatores. Para Escorel, design gráfico e de produto são as duas grandes áreas do design, com características
linguísticas diferentes, porém são linguagens que se originam “(...) do mesmo conjunto de necessidades, em meados do século XIX, e que ambas estão visceralmente ligadas por uma só metodologia e um único objetivo programático, poderíamos afirmar que, como qualquer linguagem, elas definem seu perfil a partir de dois grupos de interferências, basicamente: - interferências de caráter contextual; - interferências de caráter pessoal. As interferências de caráter contextual seriam aquelas representadas pelas linhas dominantes de um dado momento histórico, entendido em seus aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e tecnológicos. As interferências de caráter pessoal seriam aquelas representadas pela maneira como uma dada personalidade criadora reage a um conjunto de linhas dominantes, oferecendo alternativas únicas para problemas comuns. A forma como o profissional vai se apropriar das linguagens do design, seja ela de produto ou a gráfica, conjugando em seus projetos esses dois eixos de interferência, definirá sua dimensão de criador” (Escorel, 2000: 65). Porém, como qualquer linguagem, o design está sofre as influências de seu tempo, da cultura e da personalidade de um determinado autor. Portanto, é mutável. Todos os autores que refletem e discutem design concordam que este campo se estabelece como linguagem, e seus objetos/ projetos, sejam produtos informacionais ou de uso, são produções de linguagem.
105 Alguns afirmam que o fato de se produzir linguagem na atividade projetual pode remeter a um estilo próprio de um autor, o designer, enquanto outros não admitem esta relação, como podemos constatar na afirmação de Pignatari, que coloca o projeto, a produção da linguagem, como um ponto além e mais importante que a mera expressão pessoal. “Roteiro é projeto; é design, é linguagem. As manifestações artísticas mais significativas de nosso tempo foram as que, coletiva ou individualmente, configuraram um projeto geral, uma linguagem com virtú de se desenvolver em novas linguagens (e nisto contrária à idéia de estilo), buscando um purpose além da mera expressão pessoal” (Pignatari: 1983, 104). Para Burdek (1999), o design deve ser entendido como uma disciplina autônoma e para isto é necessário desenvolver uma linguagem especializada através da “(...) formulação de conceitos e propostas que sejam válidas universalmente para a disciplina” (Burdek: 1999, 176). Para ele, neste universo, encontram-se as questões de forma e contexto e forma e significado. Destacando que “a linguagem transmite e explica a realidade, um aspecto que concerne à linguagem do produto. Existe ainda outra analogia significativa: a linguagem não é nada unitária, tem também muitos e diversos elementos dentro dos quais se encontram também dialetos, gírias, etc. É uma construção complexa que permite descrever até os eixos mais intrincados. Cada língua dispõe de regras de uso para cada idioma, no curso da evolução, tem se diversificado
oferecendo cada vez mais possibilidades para a descrição de circunstâncias e, portanto, contribuindo para a sua distinção. Isto é aplicável diretamente a linguagem do produto no design” (Burdek: 1999, 176177). Independentemente das diferenças, quanto ao design como linguagem remeter a um estilo próprio ou não, podemos perceber que o mais importante e mais destacado é que o design, além de ser e produzir cultura, é linguagem pois tem sintaxe, elementos e características próprias . Design é (também) Tecnologia Anteriormente dissemos que design é cultura e é linguagem, porém um projeto não existe, isto é, não pode ser materializado sem a tecnologia. Considerando que a principal característica do design é a reprodução de uma comunicação ou das informações, deve-se lembrar que os meios de reprodução se estruturam e ocorrem no universo da tecnologia e das relações, dos sistemas e dos procedimentos técnicos e tecnológicos. Por este motivo, outro aspecto recorrente e muito enfocado nas definições de design é o da tecnologia ser e estar implícita a este universo e, por isso, muitas vezes este campo é definido assim: design é tecnologia. Entretanto, dizer que design é apenas tecnologia não confirma a definição e o conceito deste campo, pois esta área não se sustenta apenas pela tecnologia. Ela
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106 se faz a partir dela; antes da tecnologia ser aplicada, há de se ter um projeto, este se estabelece a partir da cultura e por meio da tecnologia, ou seja, antes da tecnologia ser aplicada deve existir um projeto com conceito e propostas indicando a aplicação e a sistematização da tecnologia. Podemos afirmar, então, que o design tem uma estreita relação com a tecnologia, sendo esta um dos pilares do design. Não há como se desenvolver um projeto sem a tecnologia, mas é importante lembrar que um projeto não é apenas e tão-somente a tecnologia, ou puro tecnicismo. É a tecnologia que dá a sustentação aos aspectos culturais, estéticos, funcionais e de linguagem do projeto que serão refletidas no produto que foi desenvolvido. A este respeito e respondendo as definições que apontam design como tecnologia, a designer Ana Escorel questiona este fato dizendo que esta definição lhe parece como uma tentativa não somente de apaziguar “(...) uma ansiedade classificatória, mas também como se a tecnologia pudesse ser vista como um terreno defendido, imune aos riscos representados pela intuição, pelo aleatório, pelo arbitrário” (Escorel, 2000: 63) e completa dizendo que se este aspecto fosse tomado como único, o design, assim como qualquer outra atividade, poderia se inserir em uma ‘unidade tecnológica’.
Porém, em outro texto48 de sua autoria, esta designer relaciona o design com “(...) uma forma de expressão fantástica, absolutamente sintonizada com a tecnologia mutante de nosso tempo e de dispor de um método de trabalho capaz de resolver as mais diversas questões através do projeto ou das atividades de assessoria e planejamento” (Escorel, 2000: 73). Destaca, ainda, que, sendo o design uma linguagem, as renovações tecnológicas não bastam “(...) para que uma linguagem alargue seus limites. É necessário, também, que sua cota de informação não seja dissolvida, pois não há criatividade que resista ao temor do novo, ao compromisso com o já feito e experimentado” (Escorel, 2000: 68). Sem o projeto não há como o design estabelecer uma relação com a tecnologia, a não ser como um exercício aleatório repleto de puro tecnicismo. Por conseqüência, a tecnologia; que é de suma importância, pois todo o projeto para se materializar, para tomar forma necessita do emprego da tecnologia; estabelece estreita relação com o design, mas não o define completamente. A tecnologia, assim como a arte, estabelece relações com o campo do design e sempre estas áreas são encontradas no universo e nas definições do design. Conforme Flusser: “uma outra palavra empregada no mesmo contexto é ‘tecnologia’. O grego techne significa ‘arte’ e está relacionada a tekton, um ‘carpinteiro’. A idéia básica aqui é que a madeira (hyle em grego) é um material sem forma ao 48
Carta a um jovem designer
107 qual o artista, o técnico, dá a forma, fazendo com que ela apareça em primeiro lugar. A objeção básica de Platão à arte e à tecnologia era que elas traíam e distorciam formas teoricamente inteligíveis (‘Idéias’) quando transferiam isso para dentro do mundo material” (Flusser: 1999, 17). Podemos observar que há certas palavras e definições que sempre estão presentes na pesquisa de uma definição de design. Flusser diz que esta situação se deve ao fato de estas palavras estarem ligadas a este campo e também ligadas umas às outras, configurando um campo comum de conhecimentos e de ações. “As palavras design, máquina, tecnologia e arte estão relacionadas uma com as outras, um termo é impensável sem os outros, e todos eles derivam da mesma visão existencial do mundo. Entretanto, essa ligação interna tem sido negada por séculos (pelo menos desde a Renascença). A cultura burguesa moderna fez uma divisão entre o mundo das artes e o da tecnologia e máquinas; assim a cultura dividiu-se em dois ramos exclusivos: um científico, quantificável e ‘duro’, o outro estético, avaliável e ‘flexível’. Essa divisão infeliz começou a tornar-se irreversível no final do século dezenove. Na lacuna, a palavra design formou uma ponte entre os dois. Ela pôde fazer isso porque expressa a ligação interna entre arte e tecnologia” (Flusser: 1999, 17). E o mesmo ocorre quando se fala de beleza, de estética e de senso estético. Por exemplo, Bruno Munari (1993) se refere à beleza no campo do design como beleza
aplicada à técnica e à tecnologia, e não como beleza entendida no sentido abstrato do termo. Para ele, a beleza presente no campo do design contém uma coerência formal, “(...) algo semelhante ao que podemos ver na natureza: uma folha tem a sua forma própria, por ser de determinada árvore e desenvolver uma dada função...” (Munari: 1993, 23), assim Munari expõe sua crença de como a beleza deve ocorrer em um projeto, o sentido estético associado ou talvez subordinado à forma e à função de determinado produto. O design é o campo, a área por excelência que surge e atua a partir da relação com a tecnologia. Devemos lembrar que foram as mudanças que ocorreram no processo de industrialização que incentivaram as mudanças tecnológicas no momento em o design foi impulsionado e desenvolvido, sendo apontado também como o momento de seu surgimento por muitos autores. Giulio Carlo Argan, em um artigo de sua autoria, escrito em 1961 e publicado em 2000, diz que: “O homem moderno, o homem das grandes cidades, não identifica seu ambiente com a natureza, mas com o mundo das coisas artificiais, feitas pelo homem para o homem mediante uma tecnologia da qual sente orgulho como de uma criação própria: ele quer, portanto, inserir o objeto no contexto de um mundo não natural, mas social” (Argan: 2000, 127).
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108 O International Council of Societies of Industrial Design (ICSID) 49, desde sua fundação, sempre apontou a tecnologia e a técnica como um dos fatores determinantes no campo do design, consideradas também um saber e fazendo parte de um conjunto de conhecimentos que o profissional desta área deve ter. Em 1957, a definição do design foi realizada por essa instituição e ratificada em 1959, tendo sido utilizada durante doze anos e dizia: “um designer industrial é uma pessoa que se qualifica por sua formação, seus conhecimentos técnicos, sua experiência e sua sensibilidade visual para a tarefa de determinar os materiais, as estruturas, os mecanismos, a forma, o tratamento de superfície e a decoração dos produtos fabricados em série, por meio de procedimentos industriais. Segundo as circunstâncias, o designer poderá se ocupar de um ou de todos estes aspectos. Pode se ocupar também dos problemas relativos à embalagem, à publicidade, as exposições e ao marketing, e no caso das soluções destes problemas, além disto de um conhecimento técnico e de uma experiência técnica, requerendo também uma capacidade de valorização (apreciação) visual” (texto elaborado pelo ICSID apud Bonsiepe: 1978, 20).
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O ICSID – International Council of Societies of Industrial Design foi fundado em 1957 e seu primeiro congresso ocorreu em 1959, em Estocolmo. O ICSID mantém suas atividades até os dias atuais.
A definição a seguir, revista e substituída por uma proposta de Tomás Maldonado, foi utilizada até os anos 70: “O desenho industrial é uma atividade projetual que consiste na determinação das propriedades formais dos objetos produzidos industrialmente. Por propriedades formais não se deve considerar unicamente aquelas exteriores, mas, sobretudo a relação funcional e estrutural que fazem com que um produto tenha uma unidade coerente seja do ponto de vista do produtor ou do usuário. Pois, enquanto a preocupação exclusiva com as características exteriores de um objeto nascem do desejo de fazê-lo mais atraente ou ainda mascarar alguma fraqueza constitutiva, as propriedades formais de um objeto – pelo menos tal como está entendido aqui – são sempre o resultado da integração de diversos fatores, sejam estes do tipo funcional, cultural, tecnológico ou econômico. Dito de outra maneira, assim como as características exteriores fazem referência a qualquer coisa como uma realidade estranha, quer dizer, não ligada ao objeto e que não foi desenvolvida com ele, de maneira contrária as propriedades formais constituem uma realidade que corresponde a sua organização interna, vinculada a ela e desenvolvida a partir dela" (Maldonado apud Bonsiepe: 1978, 21). No Congresso do ICSID ocorrido em 1973, a definição de design é tida como “(...) uma atividade no extenso campo da inovação tecnológica. Uma disciplina envolvida nos processos de desenvolvimento de
109 produtos, estando ligada a questões de uso, função, produção, mercado, utilidade e qualidade formal ou estética de produtos industriais, com a ressalva de que a definição de design se daria de acordo com o contexto específico de cada nação” (Niemeyer: 1997, 24). Atualmente, o ICSID assim define o design: “o design é uma atividade criativa cujo alvo é o de estabelecer as qualidades multifacetadas dos objetos, dos processos, dos serviços e dos seus sistemas de vida em ciclos completos. Conseqüentemente, o design é o fator central da humanização e da inovação das tecnologias e o fator crucial da troca cultural e econômica” (texto ICSID, site ICSID, 2003). Podemos perceber que também na definição de outra importante organização profissional, a ICOGRADA (International Council of Graphic Design Associations), o design é apontado como uma área relacionada à técnica e à tecnologia. "O projeto gráfico é uma atividade intelectual, técnica e criativa, relacionada não simplesmente com a produção das imagens, mas com a análise, a organização e os métodos da apresentação de soluções visuais para problemas de comunicação. A informação e a comunicação são a base da vida interdependente da rede mundial, seja nas esferas comerciais, culturais ou as sociais” (site ICOGRADA, 2003).
Podemos, então, concluir que o designer deve conhecer e entender que a tecnologia é parte fundamental e determinante no campo de atuação do design. Design, Arte e suas Relações Assim como o design está relacionado à cultura, linguagem e tecnologia, a proximidade deste campo ao universo de criação remete muitas vezes a questões que colocam o design como um universo implícito à arte e outras vezes como universo paralelo à arte. O design atua a partir da relação com a arte enquanto processo de criação, de referência e também a partir de interferências e inter-relação entre estes dois campos. Segundo Flusser o design “(...) representa ótimas idéias reunidas, que – sendo derivadas da arte e ciência – possuem cruzamento fertilizado e, criativamente, uma complementou a outra” (Flusser: 1999, 17). Bruno Munari, no final dos anos 80, ao relacionar a arte como um ofício, passa a estabelecer que o design sendo um ofício deveria ser remetido à idéia de arte, e afirmava: “hoje o designer restabelece o contato, há muito perdido, entre a arte e o público, entre a arte no sentido de algo vivo, e o seu destinatário. Não o quadro para decorar a parede do salão, mas o eletrodoméstico destinado à cozinha. Não há lugar para uma arte separada da vida, com coisas belas para admirar e coisas feias para utilizar. Se o que atualmente usamos tiver sido feito com arte (e não ao acaso ou por
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110 capricho), nada teremos a esconder” (Munari: 1993, 19). E em sua crença de que o design é arte e o designer, um artista, Munari (1993) diz que se faz necessário divulgar no sentido mais amplo e popular os métodos de trabalho do designer, ou seja, o de “(...) restabelecer as relações solucionadoras dos problemas estéticos coletivos. Aquele que utiliza um objeto projetado por um verdadeiro designer toma consciência da presença de um artista que trabalhou para ele, melhorando as condições de vida e favorecendo a transformação da habitual relação com o mundo da estética” (Munari; 1993, 19 e 20). Para ele, “o designer é o artista de nosso tempo... porque enfrenta com humildade e competência qualquer exigência que a sociedade em que vive lhe faça; porque conhece o ofício, as técnicas e os meios mais adequados para resolver qualquer problema de design. Enfim, porque responde às necessidades humanas das pessoas de seu tempo, as ajuda a resolver determinados problemas numa total independência de qualquer preconceito estilístico e de uma falsa dignidade artística resultante das divisões das artes” (Munari: 1993, 24). Por sua vez, Giulio Carlo Argan (2000) diz que os designers são artistas com conhecimento da esfera produtiva que atuam a partir de um grupo de trabalho e com uma produção de caráter cíclico. Para ele, “é portanto evidente que a tarefa criativa do desenho
industrial é, definitivamente, uma simplificação e qualificação da existência; é a determinação de um ritmo, estético ao mesmo tempo que econômico, dos atos da vida cotidiana. É a redução da arte a uma socialidade plena e integrada, funcional e não hierárquica; e simultaneamente o modo de restituir um sentido e uma alegria criativa a um fazer que o moralismo tradicional considerava condenação e pena, porque através da propriedade estética do desenho industrial um valor de conhecimento ou de experiência do real é positivamente religado aos atos práticos do trabalho de cada dia” (Argan: 2000, 122 e 123). Enquanto Dorfles, quando trata do design em seu livro As oscilações do gosto, refere-se a este campo especialmente pela questão de seu valor estético e compara “(...) o atual desenho industrial a um certo ‘tipo de arte popular’ dos nossos dias, isto é, vê no objeto criado em série, sobretudo naquele vulgar, um equivalente da arte popular que já não existe ou está reduzida a poucos casos de um artesanato exangue” (Dorfles: 1989, 127 e 128). Para o designer Alexandre Wollner o designer é a evolução do artista e do artesão, como podemos comprovar em suas palavras: “(...) o artista sofre uma metamorfose evolutiva que parte do artesão essencialmente inspirado e intuitivo, passando gradativamente a integrar a tecnologia (gráfica, tipográfica) e a ciência (gestalt, semiótica), nos sistemas das redes de comunicação e, hoje, a estruturar e organizar todo um sistema de informações, via multimídia. O artista desenvolve um equilíbrio entre
111 a sua inspiração/ intuição e o seu conhecimento técnico-científico. Esses suportes são necessários para a sua criatividade” (Wollner: 1998, 224). Ainda segundo este autor, ao longo da história da arte o artista passa a ser solicitado para a elaboração de produtos, tais como cartazes, jornais, revistas, integrando conhecimentos que se estabelecem além do universo das artes e dos ofícios e exemplifica dizendo que nos anos pós-guerra, especificamente na década de 50, “(...) na Suíça, na Inglaterra e na Alemanha, surge a denominação programador visual, que é o artista com o treinamento de designer, planejador de meios de comunicação visual (Ulm), com uma formação altamente técnica, científica e social – econômica – política” (Wollner: 2002, 50). Podemos, assim, perceber que a relação arte e design é explicada por vários autores a partir de comparações entre o papel do artista e o do designer, bem como com o papel e a função da arte e do design. O design é visto como o cruzamento, a relação entre arte e ciência; a partir da relação arte e ofício e também como a nova arte popular, como a arte prática presente no cotidiano e ainda como arte social estabelecida para o novo homem na sociedade da cultura material. Já o designer é considerado um artista de nosso tempo, o tempo da industrialização, o tempo da produção onde os objetos da cultura material são importantes e muito
presentes na vida cotidiana do ser humano. Ainda, o designer é comparado ao artista popular, resultante da evolução do artesão para o artista com formação técnica e de planejamento que configura o designer. Esta questão é polêmica no meio profissional, no campo do design, tanto que percebemos que a maioria dos autores não a enfrenta verdadeiramente. No máximo, as discussões a este respeito, quando aceitas, resumem-se a comparações superficiais, chegando-se ao absurdo de estabelecer que a maioria dos profissionais não tem condições de dominar a matéria desta discussão. Então sempre a grande saída encontrada é dizer que design não é arte e ponto final. Entretanto, falta a reflexão e a discussão mais profunda das relações e inter-relações estabelecidas entre um universo e outro, entre as artes e o design. Muitos artistas são designers e muito designers são artistas ou praticam as experimentações típicas da atividade artística. Portanto, há estreitas relações entre estes universos de limites tênues. Agnaldo Farias em seu texto Design é Arte? publicado na revista da ADG exemplifica muito bem esta relação. E diz que este fato se aplica devido a sedimentação através do “mito da objetividade” das poéticas racionalistas que perdura atravessando a arquitetura e artes gráficas como o sol por uma vidraça...” (Farias: 1999, 26). E continua sua argumentação dizendo que esta é uma atitude sedimentada, estabelecida em negar a discussão das novas posições estéticas e que ao
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112 estabelecer uma análise se pode perceber que o design gráfico “(...) vai se desapegando do rótulo de comunicação visual, que o constrangia, e se abre a experimentações de toda a natureza, chegando em poéticas densas e ruidosas, como as de Rico Lins e Gringo Cárdia, para ficar em dois designers locais, e, lá fora, em gente da envergadura de Tibor Calman e o controvertido David Carson. Também aqui a relação com as artes plásticas é evidente, chamando a atenção as propostas que, a despeito do imperativo de legibilidade tão cara aos racionalistas, rondavam perigosamente a incompreensão, o que não as impedia de serem absorvidas e mesmo estimuladas pelo mercado” (Farias: 1999, 27-28). Sabemos que o design se estabelece com relações ora mais distantes e ora próximas à arte, mas é a discussão nesta área profissional que sempre remete ao fato de que “na contemporaneidade, o design gráfico pertence à esfera produtiva, e não à esfera artística – embora guarde com esta uma profunda interface (...)” (VillasBoas: 1998, 137).
produzido artisticamente, fosse assim a capela Sistina não deveria ter a importância que tem por ter sido encomendada pela Igreja” (Farias: 1999, 29). Ainda, segundo este autor, arte “(...) não é uma questão de assunto, mas de tratamento formal de um determinado assunto. Ademais, desde que Marcel Duchamp realizou o primeiro ready-made, ficou patente que um dos aspectos basilares da produção artística era o questionamento de suas fronteiras. Vale dizer que muito do que hoje se faz em nome da arte é contra as compreensões correntes do que seja arte. Vai daí que discutir se design gráfico é arte ou não é perder-se em uma falsa questão. Discute-se a pertinência de um rótulo e, em contrapartida, perde-se de vista a densidade da dimensão estética de um determinado produto, uma dimensão que jamais poderá ser reduzida às demandas funcionais, sob pena de perder seu interesse no âmbito da cultura” (Farias: 1999, 29). Design é Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade
Retornamos a Farias, que nos lembra que, tendo em vista o avanço da produção cultural, cada área do conhecimento humano deve ser aberta a debates, e exemplifica: “retomam-se exposições de design gráfico porque é anacrônico prosseguir mantendo a oposição entre arte e design, pois um produto resultante de um projeto de design, tal como um logotipo, pode ter a mesma força de um haikai; não tem fundamento estabelecer que aquilo que se destina ao mercado e a uma empresa deva ser rigidamente separado do que é
Quando nos remetemos ao campo do design podemos perceber que uma única definição não compreende todas as relações deste universo, ora destaca-se uma característica ou ponto de vista, ora outros. Isto ocorre devido ao fato de esta área abranger a necessidade de uma série de informações de várias outras áreas, aplicando as características da interdisciplinaridade.
113 A interdisciplinaridade diz respeito àquilo que é comum entre duas ou mais disciplinas ou ramos de conhecimento, ocorre quando uma única disciplina, campo de conhecimento ou ciência não é capaz de esgotar um assunto. Roland Barthes dizia: “para se fazer interdisciplinaridade, não basta tomar um ‘assunto’ (um tema) e convocar duas ou três ciências. A interdisciplinaridade consiste em criar um objeto novo que não pertença a ninguém. O Texto é, creio eu, um destes objetos” (Barthes: 1988, 99). Esta situação ocorre no campo do design, na atividade projetual em que cultura, linguagem, tecnologia e arte coexistem e se integram, se complementam e se relacionam na constituição de um projeto em qualquer uma das especialidades do design. Ou seja, isto ocorre no âmbito do design gráfico, do design industrial/de produtos, do design de hipermídia. Em vista disso, podemos ver em definições da área e de suas especialidades afirmações da interdisciplinaridade declaradamente ou subjacente às idéias ou à teoria que é enfocada. Por exemplo, se tomarmos a definição de M. Kelm em seu estudo sobre o design de produtos no Socialismo, veremos: “por ‘design industrial’ há que se entender um processo de formação estética que em colaboração com a ciência, a tecnologia, a engenharia e outras disciplinas se integra na preparação e desenvolvimento dos produtos e conduz a otimização dos valores de uso segundo as exigências estético-
culturais de nossa sociedade e segundo as condições técnico-econômicas da produção industrial (...)” (Kelm apud Bonsiepe: 1978, 22). O caráter interdisciplinar do Design se deve ao seu envolvimento com várias áreas do conhecimento humano a partir da utilização de outros campos do saber, que se relacionam e são necessários ao desenvolvimento de um bom projeto. Segundo Couto, "a ação interdisciplinar encontra no seio do Design um terreno fértil. Com a tecnologia, o Design se constrói e se reconstrói permanentemente, unindo conhecimentos científicos, empíricos e intuitivos, e empregando-os na atividade de produzir projetos e de teorizar sobre a atividade de configurar objetos. A análise do movimento de visitação permitiu corroborar a noção de que o Design, interdisciplinar por natureza, mantém viva esta característica nas mais variadas esferas em que é desdobrado” (Couto: 1999, 86). Porém, há que se destacar que quando a tecnologia é indicada como elemento presente no design ela não se sustenta isoladamente, como também ocorre quando a definição do design está atrelada à cultura ou à linguagem. Em nenhum destes casos podemos dizer que há uma sustentação isolada, por mais complexas e ricas que sejam as áreas de conhecimento das quais se falam. A cultura, a arte e a linguagem se relacionam e definem precisamente o design, quando então podemos ter em mãos um projeto que sirva de análise destes universos caracterizando a prática e o emprego da tecnologia. A definição do design como cultura e como
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114 linguagem pode se sustentar apenas no âmbito teórico pois a produção projetual só se faz a partir da tecnologia. Rita Maria de Souza Couto e Alfredo Jefferson de Oliveira apontam no texto de apresentação do livro Formas do Design, coletânea de artigos sobre a área de design com enfoque interdisciplinar, que o design vemse reconstruindo “(...) em um processo permanente de ampliação de seus limites, em função das exigências da época atual. Em linha com esta tendência, sua vocação interdisciplinar impede um fechamento em torno de conceitos, teorias e autores exclusivos. Sua natureza multifacetada exige interação, interlocução e parceria. O Design é uma disciplina notavelmente flexível, passível de interpretações radicalmente diferentes na teoria assim como na prática. Porém, esta flexibilidade freqüentemente conduz a uma inadequada interpretação de sua natureza. A história do Design não é meramente a história dos objetos. É o registro das mudanças de visão do campo de atuação abraçado pelos designers e dos objetos concretos, concebidos, planejados e produzidos como expressão destas mudanças” (Couto e Oliveira: 1999, 7 e 8). Desse modo, o Design é uma atividade interdisciplinar que permeia todo o processo no desenvolvimento de um projeto ou de um produto. Da etapa de concepção e criação ao relacionamento com o setor de marketing, da etapa de desenvolvimento e acompanhamento ao setor de produção, cabe ao designer buscar a melhor solução e inclusive, pensar e acompanhar a
problemática do descarte e da reutilização dos produtos e seus efeitos na sociedade. Além das questões interdisciplinares do design, existe a construção de uma teoria deste campo de conhecimento e sua inclusão em uma visão e uma proposta transdisciplinar, no sentido do trânsito de conhecimentos. Estas propostas e estudos têm sido desenvolvidos e defendidos no Brasil por Gustavo Amarante Bomfim e apresentam uma visão ampla, rica e em sintonia com esta área de conhecimento e de práxis. Segundo este designer e pesquisador, o design é uma atividade que se desenvolve segundo princípios científicos, pois disciplinas de diferentes áreas do saber compõem os currículos de formação dos cursos de design no Brasil, “(...) conhecimentos gerais de natureza filosófica, política, histórica, etc.; conhecimentos relacionados às tecnologias de fabricação e materiais; conhecimentos que estudam o processo de interação entre usuário e objeto, como ergonomia, estética e semiótica; conhecimentos que envolvem o planejamento e a criação da forma; conhecimentos sobre meios de representação bi e tridimensionais e, finalmente, conhecimentos instrumentais, deduzidos da física, matemática, da química, etc. Este conjunto de disciplinas mostrou a complexidade e a interdisciplinaridade atribuída à prática do design (...) Esta observação permitiu concluir que uma teoria do design deveria ter formato distinto das ciências denominadas como “clássicas” ou disciplinares. Em outras palavras, uma teoria do design deveria ser “transclássica”, no sentido de proporcionar
115 o trânsito de conhecimentos, articulados de modo diverso da mera adição enciclopédica” (Bomfim: 1996, 10). Bomfim aponta que uma teoria transdisciplinar do design abarca alguns pressupostos básicos: “inicialmente, para que haja trânsito de conhecimentos, é de fundamental importância a demolição dos feudos do conhecimento disciplinar, pois o processo de conhecimento cientifico é, por sua natureza, necessariamente ilimitado, aproximado e impreciso, posto que, sem essa condição primeira, não haveria progresso científico; e este progresso não pode ser alcançado apenas através da verticalização disciplinar do saber, uma vez que a busca pela “Verdade”, pela via ontogenética ou pela via filogenética, mesmo que desde sempre inesgotável e impossível, é multidisciplinar. Derrubar muros tem como conseqüência a convivência, a abertura de trilhas entre os campos do saber, a comunicação e a troca de informações – em um primeiro momento sempre difícil, diante da cacofonia inevitável, provocada por linguagens diversas, expressões particulares, jargões, etc. Do mesmo modo, no processo de troca de conhecimentos haveria necessidade de uma instância primeira, legitimadora dos diferentes discursos, uma espécie de moeda de conversão, papel que deveria ser ocupado pela Epistemologia” (Bomfim: 1999, 32 e 33). Bomfim (1999) ainda diz que a busca pelo caminho da teoria transdisciplinar do design tem sido realizada
através de iniciativas como a criação de núcleos interdisciplinares que se formam em torno de projetos e de pesquisas em comum e que contam com diferentes áreas de conhecimento contribuindo com o trânsito do saber. E que a teoria transdisciplinar depende do “(...) posicionamento ético por parte daqueles que se preocupam com a fundamentação do design através de um pensamento sistêmico...”; “(...) que esses grupos interdisciplinares sejam de fato operativos e, portanto, faz-se necessário o desenvolvimento de linguagens que facilitem o diálogo, ou seja, o trânsito de conhecimentos entre especialistas de diversas áreas do saber...”; “... o desenvolvimento de procedimentos metodológicos que permitam visualizar a atividade de pesquisa e de projeto como um sistema complexo de variáveis que concorrem simultaneamente” (Bomfim: 1999, 34). O design como uma teoria transdisciplinar compreende o estabelecimento de um campo variável de conhecimentos, “(...) e que transite por sistemas lineares-verticais (disciplinares), ou lineares-horizontais (interdisciplinares). Isto é, uma teoria do Design instável, que se mova entre as disciplinas tradicionais, dependendo da natureza do problema tratado” (Bomfim apud Couto: 1999, 88). Portanto, o design apontado como uma esfera multidisciplinar desenvolveu-se para a esfera interdisciplinar cuja ampliação leva à transdisciplinaridade, como a efetiva aplicação deste campo em seu universo maior e mais complexo, sendo
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116 este também determinante e enriquecedor não apenas para o profissional e para a área, mas também para a sociedade.
interessa-nos mais estudar a sua própria teoria. E para isto acreditamos que ainda a denominação mais adequada para o objeto deste campo seja projeto.
Design e seu objeto: o Projeto que vai além de si mesmo...
Sempre foi uma preocupação para os profissionais afeitos a este campo a questão do projeto, porém esta discussão parte da tentativa de estabelecer os limites, a identidade e a atuação do próprio projeto, como também esta preocupação vai além quando analisa as circunstâncias, os valores e as análises que ajudam a estabelecer a complexidade projetual, tendo em vista que um projeto, seja qual for a especialidade do design, aplica-se e destina-se ao ser humano.
Podemos entender que a complexidade do universo do design se dá nas esferas culturais, sócio-políticas, econômicas e tecnológicas através da inter e da transdisciplinaridade. Esta complexidade é aplicada e trazida à luz desde que possamos nos remeter ao objeto do design, aqui entendido como o projeto. No Encontro para a Reestruturação do Ensino de Design no Brasil, realizado em 1998, na cidade de Bauru, se falou em “metaplanejamento” e “metaprojeto” a partir dos seguintes pressupostos: “ o designer vai trabalhar o projeto, ou melhor, o metaprojeto, numa relação de uso (físico e simbólico) estabelecida entre sujeito-objeto de maneira dinâmica, contextual e circunstancial. Assim, posto aqui de modo sintético, estará estabelecendo uma interface entre as Artes, a Comunicação Social e outras humanidades e a produção industrial, entendida como tecnologia” (texto comissão redesign de Bauru). Independentemente do fato que o projeto fala de si mesmo e remete a sua própria metalinguagem, entendemos que antes de instituir novas categorias ou novas denominações para este campo, de história já tão confusa em termos de nomenclaturas e categorias,
Para Munari (1993) o projeto se estabelece de forma quase totalmente natural, porém sempre com vistas às adaptações e inovações. “O designer procura construir o objeto com a mesma naturalidade com que a natureza forma as coisas; não introduz nas suas obras as projeções pessoais, antes procura ser objetivo, ajuda o objeto a formar-se pelos seus próprios meios, se assim se pode dizer – e, graças a este modo de projetar, um ventilador tem forma de ventilador, tal como um frasco tem a forma exata do vidro soprado, e um gato tem pele de gato. Todos os objetos tomam a sua forma própria, a qual, naturalmente, não será definitiva, visto que as técnicas mudam e surgem novos materiais – por isso, o problema põem-se a cada inovação, e o objeto pode mudar de forma” (Munari: 1993, 23).
117 Maldonado estabelece que o projeto se dá através da coordenação e da integração de vários fatores que implicam no desenvolvimento do produto. Para ele, “(...) projetar a forma significa coordenar, integrar e articular todos aqueles fatores que, de uma maneira ou de outra, participam no processo constitutivo da forma do produto. E com ele se alude precisamente tanto aos fatores relativos ao uso, fruição e consumo individual ou social do produto (fatores funcionais, simbólicos ou culturais), como aos que se referem a sua produção (fatores técnico-econômicos, técnico-construtivos, técnico-sistêmicos, técnico-produtivos e técnicodistributivos)” (Maldonado: 1993, 12). Já a designer Ana Escorel entende que “o projeto é o meio através do qual o designer se exprime, através do qual resolve os problemas que lhe são propostos, controlando todo o processo que vai da concepção à fabricação do produto. O projeto em design possui características bastante específicas e seu alcance depende da complexidade do problema colocado e da dimensão do público a que se destina. Embora o designer possa atuar também como planejador no âmbito de sua especialidade, o projeto é a atividade que melhor define a essência de sua prática. A valorização do projeto deve ser, portanto, uma das principais atribuições profissionais” (Escorel, 2000: 75). Para esta designer o projeto exprime a linguagem desta área e ressalta que a atividade de projetar é abrangente e requer a capacidade de coordenação de diferentes aspectos envolvidos no desenvolvimento de
um produto. Pois, no campo do design, “(...) o projeto serve para articular cadeias de informações destinadas à fabricação em larga escala, por meio de tecnologias industriais ou pós-industriais. Em vista disso, todo projetista tem sua invenção permeada pelos aspectos materiais de realização da idéia, de tal forma que o momento da concepção é indissociável das possibilidades dos recursos tecnológicos escolhidos para realizar o projeto” (Escorel, 2000: 66). Giulio Carlo Argan (texto de 1955 publicado em 2000) também analisa o papel do design a partir da relação artista - indústria - designer e centraliza sua análise no projeto. Para ele, o projeto “(...) deve compreender em si, no seu traçado, a consciência de todas as condições técnicas inerentes a sua realização; deve implicar a correspondência do objeto a todas as exigências práticas a que deve servir, e não só as exigências deste ou daquele indivíduo ou grupo social, mas a média das exigências coletivas, e colocar-se por conseguinte como um Standard; deve prever e resolver também todas as condições inerentes a matéria, para que nenhuma distinção, nenhuma separação possa mais subsistir entre o mundo ideal, ou do espírito, e o mundo prático, ou da matéria” (Argan: 2000, 121). Otl Aicher procurava discutir o significado do projeto de forma profunda e abrangente e questionava: “o que é o design hoje? O que significa projetar? A discussão sobre o design remete ainda mais longe. Se agudiza na pergunta: podemos todavia nos permitirmos ao luxo de conhecer o mundo em lugar de projetá-lo? Não haviam
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118 legado ao acaso de nossa cultura de conhecimento racionalista e nossa ciência moral de objetividade neutra, quando a destruição da vida se fez no âmbito do possível e só pode ser desviada mediante a intervenção projetual, um projeto na dimensão do factível, da realidade produzida e não somente da compreensão do princípio? O projeto, o design, não é já por mais tempo um conceito meramente projetual, aponta sobre o âmbito da filosofia, da explicação do mundo e da compreensão de uma época” (Aicher: 2001, 136). Ou seja, Aicher aponta que o projeto não se reduz à própria atividade projetual e produtiva, o projeto surge antes do próprio ato de projetar, ele se estabelece nas reflexões sobre a vida do ser humano e os contextos nos quais o homem vive. Por isso afirma que “devemos entender nossa civilização como um mundo novo autoprojetado. Devemos, onde nos entregamos à adaptação, entender a vida atual como projeto. Temos de nos perguntar pelo sentido e propósito, pela função e uso em um sentido amplo e não relacionado somente com produtos particulares. Nosso problema não é a verdade abstrata e conceitual senão o justo e preciso, o estado de coisas corretamente produzido, o espaço vital construído. Devemos passar do pensar ao fazer e, no fazer, aprender de novo a pensar” (Aicher: 2001, 136 e 137). Se retomarmos a própria palavra projeto, podemos perceber a complexidade do campo do design, no qual, conforme Aicher: “a palavra projeto [Entwurf] procede
de lançar, arrojar [werfen]. Projetar significa lançar algo fora de si. Tal como se lança um anzol. A palavra abarca a idéia muito bem. Se lança algo a uma altura para observar como ele se comporta. Esta posição é fundamentalmente distinta de investigar regularidades conforme a lei, de levá-las a cabo em passos lógicos e logo fazer juízos. Assim se entende a si mesma a filosofia clássica. O desenvolvimento no sentido ativo precisa de todo o juízo, de toda a inteligência, porém o ponto de referência fixo não é a lógica, sim o modelo, se projetam situações-modelo, se constroem novos modelos e no modelo se mostra se o ponto de partida é adequado, se suscitam novas perguntas aquelas que vão contestar com novos modelos. O entendimento lógico é substituído pelo entendimento a partir da prova e do erro, no que há de assinalar, por certo, que se a inteligente capacidade de realizar um ensaio, tampouco é possível o errar. Os ensaios devem ser inventados” (Aicher: 2001, 261). Também para Argan o projeto reflete o homem e a sociedade em suas relações políticas e de planejamento. “A metodologia da elaboração do projeto tende, portanto, a identificar-se com todo o modo de comportamento do homem moderno: se quer projetar ou planejar tudo, da forma da cidade à forma dos utensílios de cozinha, e se quer planejar, por meio de progressivas reformas das instituições jurídicas e políticas, a própria existência da comunidade. Existe necessariamente uma lógica, uma coerência do planejamento e da elaboração do projeto; e ela é dada pelo fato de que, num processo de planejamento
119 contínuo, tende-se sempre a superação, num plano ou projeto ulterior, dos resultados alcançados” (Argan: 2000, 128 e 129). Villas-Boas (1998) retoma as funções envolvidas em um projeto, já apresentadas por Maldonado, em que um objeto só pode ser considerado pertencente ao universo do design se apresentar os seguintes aspectos básicos: formais, funcionais-objetivos, metodológicos e funcionais-subjetivos (simbólicos). Os aspectos formais dizem respeito aos elementos utilizados na composição ou na metodologia estética ou plástica-visual da peça e no desenvolvimento do projeto: as relações entre formas, cores, linhas, fios, tipografia, textos, imagens, diagramação. É a própria construção da imagem projetual. “Um projeto de design gráfico consiste num todo que é formado tanto por um texto diagramado e por elementos tipográficos de maior destaque quanto por ilustrações, fotos, elementos acessórios como fios etc. Ou seja: um projeto de design gráfico é um conjunto de elementos visuais – textuais e/ ou não-textuais – reunidos numa determinada área preponderantemente bidimensional e que resulta exatamente da relação entre estes elementos. Num projeto gráfico, os componentes tipográficos (ou seja, as “letras”) são tratados com a mesma importância visual que, por exemplo, um desenho ou uma foto” (Villas-Boas: 1998, 11).
Os aspectos funcionais/ objetivos dizem respeito à comunicação expressa pela peça através do projeto que foi desenvolvido. A comunicação neste caso não se faz apenas pelo texto, mas também pelas imagens e outros elementos presentes na peça, “(...) são peças de design gráfico todos aqueles projetos gráficos que têm como fim comunicar através de elementos visuais (textuais ou não) uma dada mensagem para persuadir o observador, guiar sua leitura ou vender um produto” (Villas-Boas: 1998, 13). Os aspectos metodológicos dizem respeito ao processo de desenvolvimento de um projeto: da problematização, concepção, conceituação, especificação. O que requer uma metodologia própria e dinâmica pois se modifica conforme as mudanças tecnológicas e projetuais. Os aspectos simbólicos (funcionais-subjetivos) envolvem os valores (valor de uso) que são atribuídos às pecas ou produtos de design que estão além dos fatores formais, funcionais e metodológicos mesmo que os aspectos simbólicos tenham sido obtidos através destes fatores, mas concentra-se além deles, pois os seres humanos atribuem valores de sua sociedade e cultura que estão além dos aspectos visuais e de uso. O projeto gráfico de um livro diz respeito ao conteúdo e as questões subjetivas presentes nele. Por exemplo, o projeto gráfico das capas e da coleção “Plenos Pecados” da editora Objetiva, realizado pelo designer Victor Burton traz na sua concepção e no contato com o usuário a tradução do enfoque dos sete pecados
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120 capitais, que formam o norte para a produção de contos e romances escritos por diferentes escritores. Porém, ao observarmos os livros da coleção, podemos perceber os aspectos simbólicos expressos no projeto gráfico através dos elementos projetuais formais e funcionais: o predomínio da cor vermelha na primeira e quarta capas, nas páginas de abertura, no uso de texturas, em que além das texturas visuais ocorrem as texturas declaradas e fisicamente táteis. Na nomenclatura do pecado de cada edição há aplicação em verniz, o que resulta em um leve relevo que só aparece ou é percebido quando colocado contra a luz ou ao se tocar a capa do livro. Os pecados são traduzidos por meio do emprego da cor vermelha pertencente ao inferno (valor cultural e religioso ocidental atribuído a esta cor), o nome do pecado um pouco escondido como se fosse uma vergonha ou um problema alguém se declarar no universo deste ou daquele pecado, porém mesmo quase totalmente transparente (devido à aplicação de verniz), está presente. Em vista disso, Villas-Boas (1998), diz que o design gráfico é “(...) uma prática comunicativa que denota sofisticação no universo comunicacional no qual se insere” e finaliza a questão do aspecto simbólico dizendo que “... esta sofisticação se relaciona ao desdobramento histórico de uma dada formação social que leva à exigência de intermediações para que a comunicação consiga alcançar seu(s) público(s) e, principalmente, se relaciona à recorrência necessária a
um aparato simbólico que codifique os objetivos traçados para a eficiência do projeto enquanto prática comunicativa” (Villas-Boas: 1998, 30 e 31). Contudo, é necessário destacar que estes quatro aspectos podem não ser os únicos a determinar um projeto no universo do design, pois pode-se romper com eles ou transformá-los conforme o tempo, a proposta, a linguagem e o conceito estabelecido no projeto. Ainda, especificamente no quesito funcionalidade, as mudanças podem ocorrer, pois a funcionalidade pode ser subvertida, questionada conforme a intenção, a proposta e o conceito do projeto. Design é Profissão: o Designer Ao falarmos de um campo de atuação, da atividade projetual, da importância de um projeto temos de nos remeter ao profissional, pois é ele o responsável não apenas por desenvolver projetos e produtos, mas também por configurar a atividade profissional, o campo de atuação e as relações com o mercado. Em vista disso, seu perfil, sua profissão, sua formação e o mercado serão abordados nas suas principais questões neste texto. Assim como existem muitas definições para a área de design, a atividade profissional é enfocada e definida ora tentando-se estabelecer a abrangência do profissional ora tentando-se limitar o campo de ação em uma das especialidades do design, reflete, desse
121 modo, contradições como as que pudemos perceber nas definições desta área. Às vezes, parece-nos que a própria reflexão sobre a área, o perfil e a atividade do profissional não acompanha o ritmo das mudanças culturais, tecnológicas e de linguagem, que são os eixos principais desta profissão. Segundo Bonsiepe, “O design é uma atividade fundamental com ramificações capilares em todas as áreas de ação humana e nenhuma das profissões pode pretender hegemonia neste âmbito” (Bonsiepe: 1993, 16). Apesar de Bonsiepe afirmar que não deve haver hegemonia quando se trata de design, devemos lembrar que há especificidades na atuação desta profissão. Por sua vez, Black define o designer como aquele que deve estabelecer a boa relação entre usuário e objeto; para este autor "o desenhista industrial assume um papel simples: deve procurar que os objetos de uso comum sejam os mais econômicos e eficientes possíveis, que sejam práticos e cômodos para o usuário e para aquele que os manipula, que produzam certo estímulo estético, ainda que modesto (sem ostentação supérflua), que transmitam sua elegância matemática formal, que sua qualidade corresponda às exigências reais do homem" (Black apud Bomfim: 2002, 9). Flusser diz que o designer tem olhos para ver além da mera realidade, afirmando que “esse é o jeito de ver do designer: ele tem um sortimento de olhos píneos – em forma de pinha – (dividido em compartimentos exatamente como um computador o é) que o habilita a
perceber e controlar eternidades. E ele pode dar ordens a um robô para traduzi-las da forma como são percebidas e manipuladas no eterno (p. ex., abrir canais ou construir foguetes). Na Mesopotâmia o designer foi chamado de profeta. Ele merece mais ser chamado de Deus. Mas graças a Deus ele é inconsciente disso e se vê como um técnico ou artista. Deus o conserve nessa crença” (Flusser: 1999, 39). Munari se propõe a responder o que é um designer: “é um projetista dotado de sentido estético; dele depende, em boa parte, o êxito de determinada produção industrial. Sempre que a forma de um objeto de uso – uma máquina de escrever, um binóculo, uma poltrona, um ventilador, uma panela, um frigorífico – é bem estudada, constitui um fator determinante do aumento das vendas” (Munari: 1993, 22). Munari (1993) define, ainda, o que é a seu ver o campo de ação e de atuação do designer. Segundo ele, o designer atua em um amplo setor da atividade humana, assim compreendido: visual design, industrial design, graphic design e design de pesquisa. Para ele, cada um destes setores do design ocupa-se de determinadas funções e gera determinadas ações. Assim, “o visual design ocupa-se das imagens cuja função é transmitir uma comunicação e uma informação visuais: signos, sinais, símbolos, significado das formas e das cores, relações entre eles. O industrial design ocupa-se do projeto dos objetos de uso, segundo as regras da economia, o estudo dos meios técnicos e dos materiais. O graphic design atua no mundo da impressão, dos
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122 livros, dos impressos publicitários, onde quer que apareça a palavra escrita, seja numa folha de papel ou numa garrafa...” (Munari: 1993, 25). Para Munari, o designer toma o lugar do artista, pois, quando o profissional de design (neste caso, ele está utilizando como exemplo o designer gráfico) é solicitado, a intenção é de que ele estabeleça uma comunicação para informar ao público sobre o surgimento de algo novo e questiona: “por que é que para a realização deste anúncio, se chama o designer e não o pintor de cavalete? Porque o primeiro conhece os meios da impressão, os processos adequados, utiliza as formas e as cores segundo uma função psicológica, em lugar de fazer um esboço pictórico que depois o tipógrafo terá de reproduzir com os meios de que dispõe. Utiliza os métodos da impressão e com eles dá a informação, o anúncio” (Munari: 1993, 24). Enquanto Villas-Boas (1998) afirma que o designer gráfico é o profissional que atua na área de conhecimento que elabora projetos de peças comunicacionais (cartazes, páginas de revista, capas de livros, produtos fonográficos, folhetos) e se refere, além do conhecimento, “(...) à pratica profissional específicas relativas ao ordenamento estético-formal de elementos textuais e não textuais que compõem peças gráficas destinadas à reprodução com o objetivo expressamente comunicacional” (Villas-Boas: 1998, 1). Atualmente, a ICOGRADA (International Council of Graphic Design Associations) assim define o papel do
profissional: “é aquele que tem sensibilidade, habilidade e experiência ou treinamento profissional para criar projetos ou imagens para a reprodução em todos os meios de comunicação ...A tarefa do designer gráfico é dar a melhor resposta aos problemas de comunicação visual de qualquer ordem para qualquer setor da sociedade” (in: www.icograda.org 2003). No projeto de lei no 3.515 de 1989 do deputado Maurílio Ferreira Lima, constava que “(...) a profissão de designer é caracterizada pelo desempenho de atividades especializadas de caráter técnico-científico, criativo e artístico, visando a concepção e ao desenvolvimento de projetos e mensagens visuais. Em design, projeto é o meio em que o profissional, equacionando, de forma sistêmica, dados de natureza ergonômica, tecnológica, econômica, social, cultural e estética, responde concreta e racionalmente às necessidades humanas. Os projetos elaborados por designers são aptos à seriação ou industrialização que estabeleça relação com o ser humano, no aspecto de uso ou de percepção, de modo a atender necessidades materiais e de informação visual” (Niemeyer: 1997, 23 e 24). Devido às inúmeras fragilidades existentes no conceito desta profissão, Lucy Niemeyer em seu livro Design no Brasil: origens e instalação resolve considerar a atividade do designer como uma “(...) atividade contemporânea que nasceu da necessidade de estabelecer uma relação entre diferentes saberes e diferentes especializações. Design é o equacionamento
123 simultâneo de fatores sociais, antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos, e econômicos, na concepção de elementos e sistemas materiais necessários à vida, ao bem-estar e à cultura do homem” (Niemeyer: 1997, 25). Gilson Schwartz, entre outras profissões, pontua a do designer como uma das que apresentam as maiores possibilidades de crescimento e valorização no futuro, e justifica sua visão dizendo que “design, no entanto, não é apenas uma função específica do projetista industrial, do técnico-artista que procura formas novas de desenhar objetos. O que se constata atualmente é que há design em toda forma de se organizar processos, mecanismos, máquinas, imagens e marcas. O design perpassa o sistema econômico, da engenharia genética que trabalha com a forma e o tamanho de frutas e verduras ao novo modelo de computador que revaloriza sua marca jogando com sentimentos de criatividade e ruptura de padrões” (Schwartz: 2000, 40). E dá continuidade a sua hipótese dizendo que “essa idéia de design como uma ferramenta que organiza o empreendimento e que diferencia o produto e a empresa tende a ser um dos principais pólos de atração de cientistas e artistas, pois exige uma combinação de arte, técnica e ciência. Arquitetos, artistas plásticos, administradores especializados em marketing, engenheiros das mais diversas áreas têm as suas profissões revalorizadas pela importância do design na nova economia” (Schwartz: 2000, 40).
Este economista e sociólogo defende a idéia de que o futuro das profissões perpassa pelos fatores tecnológicos, políticos e culturais, assim aponta no setor tecnológico o designer, o gerente de comunidades e o engenheiro genético e afirma que “por enquanto, as atenções estão mais voltadas para as novas ocupações exigidas pela construção de uma nova infraestrutura tecnológica. Ganham espaço engenheiros de rede, programadores, administradores e especialistas em logística industrial, especialistas em vários segmentos de telecomunicações, editores de Websites e pessoas com as mais diferentes informações que se preparam para trabalhar no universo do comércio eletrônico. Nestes setores o mercado é praticamente cinco-estrelas, com pouca disponibilidade de mão-deobra e salários em alta” (Schwartz: 2000, 65). Porém, para que uma área e uma profissão se desenvolvam e se consolidem é necessário um trabalho junto à formação destes profissionais. Décio Pignatari diz que “por razões econômicas – e mesmo levando-se em conta a relativa precariedade das condições materiais, dos quadros docente e discente (ou talvez por isto mesmo), o desenhista industrial, no Brasil, deve também ser produzido em série” (Pignatari: 1983, 116). E ainda diz que “A formação do designer não deve ser orientada no sentido da apreensão de conhecimentos tecnológicos em constante renovação, e sim no sentido da base fundamental de todo o knowhow” (Pignatari: 1983, 96). Pensando sobre o processo de formação de novos designers, Gui Bonsiepe acredita que as escolas no final
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124 dos anos 90 e no início dos anos 2000 deverão enfrentar e trabalhar com cinco temáticas abertas. São elas: “Revalorizar e reinventar o curso básico. Tomar em conta o domínio da gestão de empresas e preparar o futuro designer no âmbito das noções básicas e práticas desta área. Embasar o design sobre a ontologia da linguagem. Oferecer um treinamento da competência lingüística. Incorporar a tecnologia da informática aos programas de estudo” (Bonsiepe: 1993, cap. 7, p. 28 e 29). Considerando o movimento para a conscientização e busca da valorização profissional nesta área, bem como o crescimento deste mercado no Brasil e em São Paulo, somos levados a acreditar que as propostas e estratégias para esta área só serão viáveis, fortalecidas e desenvolvidas caso exista uma formação cultural e profissional complexa e em sintonia com o nosso tempo. Sabemos que o fortalecimento e a imagem de uma profissão passa pela sistematização e organização do pensamento em áreas específicas, de forma a permitir uma maior reflexão e postura crítica sobre a construção projetual dos objetos e sistemas que compõem o universo do Design. Portanto, precisamos investir na boa qualificação e formação profissional e esta deve possibilitar o conhecimento dos processos filosóficos, sociológicos, culturais, tecnológicos e mercadológicos que estamos
vivendo e aqueles que constituem a história global e regional, de forma a incentivar e valorizar a nossa própria cultura, além do diálogo com os outros campos do saber, somados ao conhecimento, acompanhamento e aperfeiçoamento tecnológico. Segundo Bonsiepe, “possivelmente surgirá uma nova profissão: o designer escritor ou o escritor designer. Quer dizer, uma pessoa competente tanto no domínio da linguagem como no domínio da gráfica. A informática facilita o surgimento deste novo tipo de profissional tanto que supera a barreira do desenho que apresenta para muitas pessoas, um obstáculo inibidor e desalentador ao aproximar-se ao design” (Bonsiepe: 1993, 22). Para este autor o fato de o design estar associado à tecnologia da informática leva à necessidade de se desenvolver nos futuros profissionais a competência lingüística, pois esta desenvolverá a “(...) capacidade de fazer distinções articulando um discurso” (Bonsiepe: 1993, cap. 7, p. 24). Design e Mercado Ao falarmos do design como uma profissão precisamos nos remeter ao campo de ação e atuação do profissional – designer, pois todo projeto destina-se a um mercado e a um grupo de usuários consumidores. Vamos colocar aqui as questões que atingem o mercado desta área nos nossos dias. Ao mesmo tempo que há um
125 crescimento latente e indicadores de ampliação deste mercado profissional existem problemas que fragilizam a visão e atuação profissional e, conseqüentemente, o próprio mercado. Atualmente, o design está na moda, a palavra é utilizada para agregar valor aos produtos e marcas. Informar que ‘tem design’ significa, na maioria das vezes, atrelar o design apenas às concepções estéticas de algo (objeto ou produto) como um valor meramente visual e, neste caso, é desmerecido o design como um projeto que envolve concepção, conceituação, desenvolvimento, acompanhamento e verificações e adaptações de um processo. Se por um lado é bom constatar como o termo design popularizou-se e esta área está sendo valorizada, por outro é preocupante observar como, muitas vezes de forma equivocada, o termo tornou-se elemento superficial e diferencial para agregar valor a um produto ou obra, conseqüentemente ampliando e estimulando a venda porque o produto “tem design”. Cá entre nós, este fato deveria estar implícito ao se deparar com um produto bem desenvolvido, caso todos entendessem o design como um complexo processo. No ano de 1996, as instituições CNI (Confederação Nacional da Indústria), SESI (Serviço Social da Indústria), SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), IEL (Instituto Euvaldo Loti) e o PBD (Programa Brasileiro do Design) desenvolveram e publicaram, em conjunto, o estudo “Design para a
competitividade: Recomendações para a Política Industrial no Brasil” devido à intensificação da atividade do campo do design nos anos 90 e com a objetivo de promover o design, chamado no documento de desenho industrial. Participaram do estudo para análise países da América do Norte, do Sul e da América Central e países europeus e asiáticos. A definição adotada para o campo do design com base nos programas governamentais dos países analisados foi a seguinte: “o(: 1998, 140). design é visto nesses programas como processo criativo, inovador e provedor de soluções a problemas específicos, de importância fundamental não apenas para as esferas produtiva, tecnológica e econômica, mas também para as social, ambiental e cultural” (documento do PBD – Estudo design para a competitividade : 1996, 4). E ainda apontam como item relevante: “apesar das especificidades dos programas analisados, todos têm em comum o objetivo de aumentar a competitividade das empresas, dos setores industriais e dos países. Tal ênfase sobressai no conjunto dos países desenvolvidos e daqueles que vêm incluindo de forma incisiva, em sua política industrial, o objetivo de aumentar e aprofundar sua competitividade no novo cenário internacional” (documento do PBD – Estudo design para a competitividade : 1996, 4).
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126 Nesta história de tudo virar design e quase todos se intitularem designers alguns tropeços significativos ocorrem neste caminho. Por exemplo, o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) junto ao MINC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e do Comércio Exterior) que congrega o PBD (Programa Brasileiro de Design), no ano de 2002 apoiou a publicação do livro intitulado Design & Moda como agregar valor e diferenciar sua confecção dos autores Carlota Rigueiral e Flávio Rigueiral. Esta publicação, logo no capítulo inicial, discorre sobre a importância dos mecanismos conceituais para elaborar o design com exemplos para ajudar a se chegar a uma maturação onde o ponto chave é o ‘refinamento do olhar’ e a necessidade de “(...) semear o conceito aflorado da valorização estética e da percepção” (Rigueiral & Rigueiral: 2002, 4). E a questão do design continua a ser abordada nesta linha simplista e superficial quando afirmam “a conscientização da importância ‘estética’ está norteando, cada vez mais, o desenvolvimento de produtos em todas as áreas, como, por exemplo, os automóveis: a mudança estética de modelos é muito mais rápida e freqüente que a evolução da máquina em si. A troca de modelos impõe uma obsolescência ao produto, tendendo a tornar ‘velho’ o modelo do ano anterior” (Rigueiral & Rigueiral: 2002, 4). O design é enfocado como a alavanca de sustentação e mola propulsora de renovação do mercado, sendo
entendido e enfocado como o criador de ‘novos modelos’ em detrimento da eficiência, como se o universo projetual estivesse apenas atrelado às coleções de outono, inverno, primavera e verão. Colocam a idéia, considerada como sugestiva: ‘troque seu carro, a sua geladeira, a marca de sua empresa, a comunicação de seu produto a cada estação do ano’. Portanto, nessa publicação, o design fica associado apenas às questões estéticas e à instauração de modelos, quase receitas pré-determinadas que se relacionam com desenvolvimento da atenção, sensibilidade, criatividade, harmonia e atualização. Todos este itens associados apenas ao desenvolvimento estético e visual como se design fosse apenas a parte externa e visual de um produto. Apesar dos autores partirem do conceito de design logo no primeiro item da publicação onde afirmam: “(...) o termo design (de origem inglesa) denota algo amplo e universal e está evoluindo em todas as áreas. Visa, basicamente, uma harmonização do ambiente humano, englobando desde a concepção e criação de objetos de uso cotidiano até projetos de urbanismo” (Rigueiral & Rigueiral: 2002, 4). Podemos perceber alguns problemas com relação à questão da cultura e design no sentido de atribuir ao desenvolvimento de um projeto a característica ‘universal’ que nem sempre se aplica, especialmente se considerarmos a importância dos regionalismos brasileiros ou as características culturais de cada região ou dos países, onde podemos perceber a influência
127 direta e o apoio sem crítica ou reflexão ao discurso da globalização. Ainda, na publicação como um todo, o assunto design aparece mais como um elemento, um acessório para justificar o fato de estar vinculado a um programa governamental de design e também para chamar a atenção, agregando valor às marcas e discursos (da publicação, do IPT, do PBD, do MINC) e caracterizando um diferencial para esta publicação. Ainda, a preocupação maior é com um programa que pretende apoiar, incentivar e divulgar o design brasileiro pelo seu potencial de exportação, aprovar definições tão superficiais e errôneas sobre a área e funções dos profissionais e do campo do design o que só gera e incentiva concepções distorcidas, fragilizando a importância deste campo e caracterizando o profissional apenas no âmbito dos “criativos”. É preciso destacar que a obra é muito eficiente e próativa quando discute moda e marketing de moda, mas fica na superficialidade e apenas na adoção de termos para efeito de vendas ou de divulgação quando se propõe a falar de design e de gestão em design. Infelizmente, este é um dos vários exemplos que estão ocorrendo no Brasil com a disseminação do campo do design. Que o design é um bom negócio, que estimula vendas, que deveria ser adotado por todas as empresas independente de seu porte, que os empresários e industriais deveriam entender sua importância é um ponto fundamental e acreditamos que o tempo e a ação
dos profissionais e associações deste campo devem procurar estabelecer, porém de forma coerente e correta e não no sentido de descaracterizar a sua importância com jargões que levam mais a confundir do que a esclarecer este campo de ação. Já Alexandre Wollner em seu artigo escrito em 1964 para o suplemento literário do jornal O Estado de São Paulo, relembrava que o design foi considerado como o fenômeno do século XX pela revista Times e que o mundo dos negócios o reconhece como bom negócio enquanto o consumidor o reconhece como garantia de um melhor produto. Entretanto, o designer deve ter consciência não apenas da importância do design em sua relação com o mercado, mas também do processo do mercado, mantendo seu posicionamento crítico e sua atuação política diante de uma série de questões. Otl Aicher coloca preocupações fundamentais sobre esta relação delicada entre mercado e o campo do design, dizendo “que algo se divida em objeto e forma, quer dizer, que se contemple a forma como variável, arbitrariamente intercambiável segundo o espírito da época e o gosto da mídia, corresponde a um conceito burguês da cultura segundo o qual o mundo se divide em espírito e matéria, forma e técnica, estilo e propósito, aparência e substância. Sobre este trilho, o design tem se degenerado bastante para uma atitude de moda, que troca como o penteado e o comprimento da saia. O designer é um cabeleireiro cultural que aplica os estilos de arte e do gosto do momento
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128 também aos produtos cotidianos, elevando sem dúvida seu uso mercantil porém também promovendo o desgaste estético, coisa com que sonha todo aquele que pensa em termos de rentabilidade. O design é, antes de tudo, o que elabora o produto desejável, que é a condição prévia da economia de hoje” (Aicher: 2001, 132 e 133). Ao observar as contradições da valorização da área, do crescimento do mercado para o campo do design e ao contrapor as conseqüências negativas que os amadores ou o que o senso comum estabelece para o design, Otl Aicher coloca uma critica frontal a esta atitude, lembrando que: “deste modo, o design se degenera em farrapos da moda de uma sociedade maximizadora do benefício, no vestido barato à moda do entusiasmo consumista – também entre os meninos –, e na fachada estilística de uma sociedade pós-moderna do prazer. Contra isto não há remédio, sobretudo desde que os governos descobriram que o design é um meio excelente para melhorar as possibilidades de vendas e aumentar assim as receitas estatais. E os governos determinam também os professores e diretores, os programas de educação e as metas das escolas de design. Se educa um exército de bobos do design, que aspiram todos a ter parte na benção que isto causa. É uma benção alegre em cores e rica de formas” (Aicher: 2001, 133). Ao ser profissional desta área e atuar neste campo é importante tomarmos consciência e estabelecermos uma postura analítica ao ajudarmos a construir o
caminho desta profissão e deste mercado. A crítica de Aicher é muito procedente para iluminar e esclarecer o verdadeiro papel do designer e do mercado.
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2.3. Sobre o Conceito de Design Anteriormente, tratamos das definições de design em seus campos de correlação e de inter-relação: cultura, linguagem, tecnologia, arte, inter e transdisciplinaridade, projeto, profissão e mercado. O que nos levou a perceber como este campo é rico, complexo e diverso. A fim de abarcar toda a sua complexidade, nos remeteremos ao conceito deste campo buscando sua essência e estrutura, suas características constitutivas e seu conjunto de significados de modo a revelar a natureza do design. Sabemos que o relacionamento dos processos de criação com os sistemas industriais e tecnológicos de produção só pôde acontecer a partir do momento em que, na história, ocorreram alguns fatores de profunda mudança social e técnica. Dessa forma, novas posturas no modo de pensar e de conceber conceitos e relações foram geradas. É a partir desses fatores que o princípio do Design foi gerado e está vinculado. “É na antiga República Democrática da Alemanha onde se ocuparam com grande tensão da definição do conceito do design. Em meados dos anos setenta Fred Staufenbiel proclamou que o design (a criação da forma) estabelecia a unidade do “valor cultural” e do “valor de uso” do produto. Precisamente este país
sempre entendeu o design como parte integrante da política social, econômica e cultural” (Burdek: 1999, 16). O design é constituído por um pensamento, pela concepção e por uma produção, sendo estes orientados ao cenário futuro a partir de uma intenção destinada a ser real; fazer design significa trabalhar com o futuro, executando a concepção e o planejamento daquilo que virá a existir, anunciando novos caminhos e possibilidades. Para Bonsiepe, “o futuro é o espaço do design...Não há design onde reina a resignação, quer dizer, uma aceitação de que não há futuro” (Bonsiepe: 1993, p. 17). O design diz respeito aos atos de designar, planejar, projetar, manejar e experimentar a forma, a configuração, a tecnologia, as informações verbais, visuais, a navegação, a interação e outros elementos, visando a melhor e mais adequada aplicação de um produto. É atuar em um projeto desde a sua elaboração, do desenvolvimento até o acompanhamento de sua aplicação. Criar, desenvolver, implantar um projeto significa pesquisar e trabalhar com referências culturais e estéticas, tecnológicas, inter e transdisciplinares, saber compreender o objetivo desse projeto, estabelecendo e determinando o seu conceito e a sua proposta. O Design é uma atividade multi e interdisciplinar que permeia todo o processo no desenvolvimento de um projeto ou de um produto destinado à reprodução, ao
Animação com texto de Peter Cho para o MIT.
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130 acesso de um grupo de pessoas e à comunicação massa. Da etapa de concepção e criação relacionamento com o setor de marketing, da etapa desenvolvimento e acompanhamento ao setor produção.
de ao de de
disso, “o Design deve ser entendido não apenas como uma atividade a dar formas a objetos, mas como um tecido que enreda o designer, o usuário, o desejo, a forma, o modo de ser e estar no mundo de cada um de nós” (Couto e Oliveira: 1999, 9).
Portanto, o Design é em sua essência um processo criativo e inovador, provedor de soluções para problemas de importância fundamental para as esferas produtivas, tecnológicas, econômicas, sociais, ambientais e culturais.
Para Baudrillard, o conceito prático de design deve ser analisado “(...) em última instância como produção da comunicação (do homem para com os signos, dos signos entre si, dos homens entre si). É necessário fazer comunicar, isto é, participar, aqui não pela compra de bens materiais, mas sobre o modo informático, pela circulação de signos e mensagens” (Baudrillard apud Elias: 1989, 131).
Conforme Löbach, “(...) o design é uma idéia, um projeto, um plano para a solução de um problema determinado. O design consistiria então na corporificação desta idéia para, com a ajuda dos meios correspondentes, permitir a sua transmissão aos outros” (Löbach: 1976,16). Segundo ele, o conceito de design compreende a concretização desta idéia tendo sempre em vista o usuário, "Por Design industrial podemos entender toda a atividade que tende a transformar em produto industrial passível de fabricação, as idéias para a satisfação de determinadas necessidades de um indivíduo ou grupo" (Löbach: 1976,17). Para Couto e Oliveira (1999), o ponto mais importante para o desenvolvimento do design está centralizado no ser humano, por isso, devemos estar atentos a nós mesmos, isto é, observar como as nossas ações e os nossos pensamentos se relacionam com os nossos sentimentos e com o nosso conhecimento. Em vista
Esta preocupação com o ser humano, o usuário do design, ocorre também em Aicher. Para ele o design sempre foi um movimento cultural antes mesmo de ser convertido em um dado importante para a magnitude econômica. Atualmente, este campo continua a agir na cultura, mas possui uma dimensão econômica, “Se então a pergunta da cultura era como, enquanto um ser humano, podia instalar-se em uma realidade configurada pela natureza em um mundo dado, agora, frente ao mundo de mercadorias produzidas industrialmente, se coloca a pergunta de como um ser humano pode estabelecer-se, e talvez também afirmarse e defender-se, em um novo mundo repleto de artefatos técnicos?” (Aicher: 2001, 131). Por sua vez, Heskett diz que o conceito de design pode ser estabelecido por meio de um pequeno jogo de
131 palavras: “design é quando designers projetam um design para a produção de um design” (Heskett: 1989,2). Porém, para não particularizar ou diminuir o conceito e abrangência deste campo, Aicher questiona se o design deve ser reduzido à produção da cultura material, ou se devemos pensar de forma mais global ao refletirmos sobre o processo de relação entre o ser humano, os objetos, a vida em uma sociedade e a utilização dos recursos naturais e da vida do planeta. “Um campo decisivo deste debate deriva da seguinte pergunta: pode o design limitar-se a produtos, utensílios, instalações, máquinas, casas, cidades, ou pelo contrário é o design uma decisão sobre a forma de vida? Ao design, a ele pertence só o produto ou também o que fazemos com ele, o emprego que podemos dar-lhe?“ (Aicher:2001, 135).
1.
Para Bonsiepe a questão também é complexa, ou seja, para ele o design refere-se não à mera produção de objetos, mas sim a uma atividade destinada às práticas do cotidiano, em que o conceito desta área deve ser estabelecido tendo em vista que o design “(...) se refere ao potencial ao qual cada um tem acesso e que se manifesta na invenção de novas práticas da vida cotidiana. Cada um pode chegar a ser designer no seu campo de ação. E sempre deve-se indicar o campo, objeto da atividade projetual” (Bonsiepe:1997,15). Partindo dessa premissa, propõe uma reinterpretação do design estabelecida por ele em sete colunas, caracterizações ou teses. São elas:
Para Henry Benavides Puerto o conceito de design é: “idéia, objeto concebido pelo espírito. Modelo paradigmático, padrão imperante que contém a essência de um determinado produto/objeto. Refere-se ao conteúdo-base intelectual, material, ordenatriz imperante em um dado momento tecnológico” (Puerto: 1996, metodologia 34).
2. 3.
4.
5. 6. 7.
Design é um domínio que pode se manifestar em qualquer área do conhecimento e práxis humana; O design é orientado ao futuro; O design está relacionado à inovação. O ato projetual introduz algo novo no mundo; O design está ligado ao corpo e ao espaço, particularmente ao espaço retinal, porém não se limitando a ele; Design visa à ação efetiva; Design está lingüisticamente ancorado no campo dos juízos; Design se orienta à interação entre usuário e artefato. O domínio do design é o domínio da interface50.
Porém, deve-se considerar que o estabelecimento e a formulação de um único conceito inviabiliza a dimensão
50
O destaque das palavras em negrito encontra- se no texto original de Bonsiepe, por essa razão, resolvemos mantê-las de forma a indicar a importância delas neste contexto.
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132 do design, pois o “(...) conceito de design engloba os componentes básicos de um sistema, não querendo dizer com isto que a estruturação abstrata do conceito de Design seja fechada. O conceito de Design pode crescer ou decrescer, dependendo da necessidade concreta da função do objeto-produto51 e das possibilidades de inovação que este possa vir a ter num momento inicial, assim como as possibilidades de acréscimo ou decréscimo resultantes do conhecimento aprofundado da área na qual está inscrito o objetoproduto que está sendo analisado” (Puerto: 1996, metodologia 34). Gui Bonsiepe (1993) afirma que o conceito de design muda devido às transformações da sociedade que recaem no discurso projetual, no discurso do design. Enquanto na década de 50 os temas centrais eram a produtividade, a racionalização e a estandardização, nos anos 60 estabeleceu- se uma crítica da sociedade de consumo, em que prevalece a premissa: “(...) um mundo de consumo, porém não um mundo consumista” (Bonsiepe: 1993, p.6) e, na década de 70, a busca da apropriação da tecnologia se fez sentir no discurso do design, incluindo-se aí pela primeira vez a crítica “(...) à concepção universalista do ‘bom design’ ” (Bonsiepe: 1993,p. 8). Já os anos 80 foram marcados pela crítica ao racionalismo e ao funcionalismo, quando “(...) discussões sobre estilo e forma determinaram o cenário
do design. Objetos de design ocuparam a posição de objetos de culto” (Bonsiepe: 1993, p. 11). Nos anos 90, as questões de compatibilidade ecológica, do gerenciamento do design e das novas mídias determinaram os debates desta área. Como podemos perceber, os conceitos de design sofrem modificações não somente ao longo do tempo, mas também por meio das críticas e análises estabelecidas a este campo. Isto se explica pelo fato de o design estar associado à cultura e à tecnologia, que interferem e modificam os modos de criar, produzir e desenvolver um projeto. As relações citadas são dinâmicas e modificam-se ao longo do tempo, portanto, o conceito pode também se modificar, ampliar e mudar. “Tão amplo leque de descrições do design não gera, todavia, grandes problemas. A época que dominou um conceito unitário – e portanto também aniquilado ao nível ideológico –, forma já parte do passado. Os anos oitenta deram como resultado a decomposição da integridade de diversas disciplinas. Se isto se considerava uma perda, se encontrava todavia a linha de Lyotard do estado do debate sobre o movimento moderno (Wolfgang Welscj, 1987). Ao contrário, a diversidade de conceitos e descrições não está à disposição da arbitrariedade do movimento pósmoderno, e sim que nasça no altar de um pluralismo necessário e justificável” (Burdek: 1999, 18).
51
Puerto chama de objeto-produto o termo usado “neste documento para englobar todos os sistemas que para serem gerados necessitem do (ou de um) processo da atividade projetual” (Puerto:1996, metodologia 32).
Ainda segundo Burdek (1999), o conceito de design se define mediante a análise de seus traços, suas
133 características principais. Neste sentido, Gros, em 1983, no seu texto Fundamentos de uma teoria comunicativa do produto afirma que “(...) o objeto de conhecimento da teoria do design – e também da atividade prática dos designers –, é a linguagem do produto. Esta afirmação inclui as relações homemproduto transmitidas pelos sentidos; esta linguagem do produto se divide por sua vez nas funções estéticoformais, nas funções indicativas e nas funções simbólicas” (Gros apud Burdek: 1999, 15). Para Redig (1977), o conceito de design pode ser dividido em três partes: conceitos explicativos, conceitos estruturais e conceitos complementares. Por conceitos explicativos este autor diz que o design “(...) é o equacionamento simultâneo de fatores” (Redig: 1977, 32). Os conceitos estruturais são os fatores “(...) ergonômicos, perceptivos, antropológicos, tecnológicos, econômicos, e ecológicos” (Redig: 1977, 32). E os conceitos complementares são os “(...) elementos e estruturas físicas necessárias à vida, ao bem estar, e/ou à cultura do homem” (Redig: 1977, 32). Assim, o conceito geral definido por Redig é “desenho Industrial (Design) é o equacionamento simultâneo de fatores ergonômicos, perceptivos, antropológicos, tecnológicos, econômicos, e ecológicos, no projeto dos elementos e estruturas físicas necessárias à vida, ao bem estar, e/ou à cultura do homem” (Redig: 1977, 32). Ainda no âmbito do conceito, Alexandre Wollner diz que “o desenho industrial significa o planejamento e a
exata ordenação da produção de objetos endereçados à aceitação por parte do homem. Num sentido amplo, o desenho industrial é o conjunto de medidas que se toma tendo em vista a função, a utilidade e o aspecto de um produto ou objeto antes mesmo de entrar em linha de produção” (Wollner: 2002, 29). E Cauduro declara que o conceito de design se estabelece como “(...) uma prática de significação de novas realidades, potencialmente criativa e inovadora, se assim o desejarmos, mas também potencialmente reprodutora de modas e estilos do momento, se a coragem de inventar e criar nos faltar; uma prática heterogênea de resolução de problemas, envolvendo contextos específicos muito diversificados e sujeitos históricos sujeitos a desejos, emoções, hábitos, e ideologemas contraditórios” (Cauduro: 1996, metodologia 18). Logo, como podemos perceber, o conceito de design é plural, está relacionado ao ser e ao viver humanos, e assim à cultura, ao universo de conhecimentos e de pesquisas, ao universo tecnológico e produtivo, a exploração e a instituição de uma linguagem através dos elementos e características existentes em um projeto conforme o campo a que este se destina. Apesar de ter o desenvolvimento no tempo presente, o design se relaciona com o passado em busca de referências, mas destinado ao futuro. Todos estes tempos devem estar no objeto projetado.
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O Design de Hipermídia
135 HIBRIDISMO52 O hibridismo é uma das características mais marcantes da hipermídia. Tão marcante que vem influenciando a criação e a produção em vários outros segmentos de expressão e de comunicação, especialmente o design gráfico destinado à mídia impressa.
O cartaz (1994), o Ana Luisa Casa das (1996).
do 9º Festival Videobrasil de Kiko Farkas cartaz do documentário Ulisses Cidadão de Escorel (1996), o logotipo e a papelaria da Rosas de Fernanda Sarmento e Noris Lima
Basta observarmos capas de revistas e cartazes produzidos por vários designers desde o final dos anos 80, a partir da implementação e uso das tecnologias e imagens digitais e dos recursos da computação gráfica. Designers como April Germain (cartaz para Design Quarterly 133, 1987 e cartaz Shaping the Future of Health Care, 1987); Rudy VanderLans (capa para a revista Emigre 11, 1989); Katherine McCoy (cartaz para Cranbrook, 1989); David Carson e o fotógrafo Pat Blashill (editorial para a revista Beach Culture, 1991) apresentam em seus projetos a miscigenação de linguagens através dos recursos possibilitados e da influência exercida pelas novas mídias. No Brasil podemos observar a partir da 2ª. e da 3ª. Bienal de Design Gráfico da ADG, realizadas, respectivamente, no ano de 1994 e 1996, alguns exemplos do hibridismo em projetos gráficos.
52
Poderemos observar neste texto que a nomenclatura referente ao híbrido é tratada de diferentes maneiras pelos autores e pesquisadores citados. São diferentes nomes derivados do híbrido, tais como: hibridismo, hibridização, hibridação.
Cartaz do 9º Festival Videobrasil de Kiko Farkas (1994).
Logotipo da Casa das Rosas de Fernanda Sarmento e Noris Lima (1996)
Cartaz do documentário Ulisses Cidadão de Ana Luisa Escorel (1996).
Cartaz para Design Quarterly 133, 1987.
Papelaria da Casa das Rosas de Fernanda Sarmento e Noris Lima (1996)
Cartaz Shaping the Future of Health Care, 1987.
A utilização do hibridismo não se deu apenas no início da computação gráfica como experimentação de uma novidade tecnológica, ela continua a existir nos trabalhos gráficos. Basta tomarmos alguns exemplos da 6ª. Bienal de Design Gráfico, ocorrida no ano 2000, em Rudy VanderLans Capa para a revista Émigré 11, 1989.
O Design de Hipermídia
136 São Paulo, para verificar como esta influência continua acontecendo.
Projeto editorial da revista Tupigrafia de Claudio Rocha e Tony de Marco
Conjunto de matérias de temas diversos do jornal O Dia de André Hippert e Luísa Bousada
Cartazes do evento XXIV Gioconda Venuta realizados pela equipe do escritório Nuts Design
A Capa do livro Katie.com realizada por Victor Hugo Ceccatto; o projeto editorial do livro Os Farrapos de Clô Barcellos; o programa do espetáculo de dança 12 Poemas para Dançarmos de Letícia Moura e Vincenzo Scarpellini; o projeto editorial e a capa da revista Tupigrafia de Claudio Rocha e Tony De Marco; oconjunto de matérias de temas diversos do jornal O Dia de André Hippert e Luísa Bousada; os cartazes do evento XXIV Gioconda Venuta realizados pela equipe do escritório Nuts Design; o cartaz para o Cd AD de Alexandre Suannes; e a mala direta da Iter Viagens e Turismo realizadas pelo escritório Galpão Design apresentam as características do hibridismo.
Capa dó Livro Katie.com realizada por Victor Hugo Ceccatto
Projeto editorial do livro Os Farrapos de Clô Barcellos
Em todos esses trabalhos há o predomínio da fusão de imagens; imagens impressas, mas que aludem a vários outros tipos de imagem (pictóricas, videográficas, televisivas desenhos, grafites, grafismos); experimentações tipográficas (caligrafias, diferentes
tamanhos e diferentes letras e famílias tipográficas contrastam e se integram). Vários planos coexistem dentro de um mesmo plano, há inversões das formas e dos espaços, exploração de diferentes efeitos e tipos de resolução (alta e baixa) em uma total fusão de linguagens. Se na mídia impressa, no design gráfico, a característica do hibridismo se apresenta fortemente a partir da utilização dos sistemas informáticos e computacionais, na mídia digital e interativa com a entrada da Internet, do hipertexto e da hipermídia, os CD-Roms e Web-sites exploram amplamente esta característica, buscando todas as possibilidades e indo ao encontro da potencialidade latente do hibridismo. Web-Sites como os dos estúdios de design Entropy 8 (www.entropy8.com), do Velocity Studio (www.velocitystudio.com), Tomato (www.tomato.com), Scott Clum (www.scottclum.com); dos designers Joshua Davis (www.joshuadavis.com), John Maeda (www.maedastudio.com); e outras propostas não necessariamente vinculadas ao universo do design, tais como, www.mindness.net, www.disruption.com, www.sixteenpages.net, www.hdm.at, www.neostream.com, www.desvirtual.com, entre outros, vêm a constituir um grande conjunto de exemplos do hibridismo na Internet. É importante ressaltar que a hibridização dos meios não nasce com a hipermídia, mas é na fase da era digital,
137 na criação e produção para a mídia não-linear e interativa que ela mais se destaca e é amplamente utilizada, tendo uma constante re-significação de seus valores e possibilidades.
combinação destes agentes “(...) oferece uma oportunidade especialmente favorável para a observação de seus componentes e propriedades estruturais” (Mcluhan: 1979, 67).
“A rede hipertextual provoca uma hibridização das mídias utilizadas” (Parente: 1999, 95). Acreditamos que, anteriormente, nunca tantos meios foram acionados ao mesmo tempo, nunca houve tanta miscigenação, tanto cruzamento, tanto interrelacionamento entre elementos advindos de linguagens e mídias diferentes.
Ele nos lembra também que os meios normalmente começam a funcionar muito antes de nos darmos conta deles e que o simples fato de serem pensados fora de nós, corta a possibilidade de serem pensados anteriormente à sua realização.
Imagens pictóricas, fotográficas, videográficas, desenhos, ilustrações, grafismos, animações em 2D e 3D, sons diversos (ruídos, trilhas, locuções, sons para ambientação), textos, hipertextos, poesias, frases soltas, narrativas, jogos, telas sobrepostas, justapostas, concêntricas propõem uma nova e dinâmica diagramação, diversas tipografias e caligrafias, ruídos e interferências dos próprios sistemas ou programas constituem uma nova paisagem, convivem na mesma interface, associam-se, fundem-se em uma nova estética, em uma nova poética. O hibridismo ou encontro, associação de duas ou mais mídias, além de ampliar as descobertas e possibilidades criativas permitem desenvolver uma nova forma de criação, uma nova expressão. McLuhan (1979) dizia que os meios são agentes produtores de conhecimentos e a hibridização ou
A hibridação se faz pela interpenetração de um meio em outro ou mais meios, estabelecendo novos índices relacionais e caracterizando um momento de libertação e de resgate dos nossos sentidos, fazendo-nos ampliar as nossas percepções. “O híbrido, ou encontro de dois meios, constitui um momento de verdade e revelação, do qual nasce a forma nova. Isto porque o paralelo de dois meios nos mantém nas fronteiras entre formas que nos despertam da narcose narcísica. O momento de encontro de dois meios é um momento de liberdade e libertação do entorpecimento e do transe que eles impõem aos nossos sentidos” (Mcluhan: 1979, 75). Edmond Couchot diz que a arte da simulação, a arte numérica é antes de tudo uma arte da hibridização. Indica que a hibridização ocorre em vários níveis e instâncias: entre as formas, entre as imagens, entre a imagem e o objeto, entre a imagem e o sujeito, entre o universo simbólico dos modelos e o universo
O Design de Hipermídia
138 instrumental dos utensílios e técnicas, entre o pensamento técnico-científico e o pensamento figurativo, entre as linguagens, os saberes instrumentais, os modos de pensamento e de percepção. É também este autor que aponta a ampliação do uso e da ação da hibridação a partir das tecnologias computacionais. “Hibridação entre as próprias formas constituintes da imagem sempre em processo, entre dois estados possíveis – diamórficos53, meta-estáveis, autogerados. Hibridação entre todas as imagens, inclusive as imagens óticas, a pintura, o desenho, a foto, o cinema e a televisão, a partir do momento em que se encontram numerizadas. Hibridação entre a imagem e o objeto, a imagem e o sujeito – a imagem interativa é o resultado da ação do observador sobre a imagem –, ele se mantém na interface do real e do virtual colocando-a mutuamente em contato. Hibridação ainda entre o universo simbólico dos modelos, feito de linguagem e números, e o universo instrumental dos utensílios, das técnicas, entre logos e techné. Hibridação enfim entre o pensamento tecno-científico, formalizável, automatizável e o pensamento figurativo criador, cujo imaginário nutre-se num universo simbólico da natureza diversa, que os Modelos nunca poderão anexar. Desta forma, a ordem numérica torna possível uma hibridação 53
Da metáfora à metamorfose, ou seja, a diamorfose ou o movimento do intervalo.
quase orgânica das formas visuais e sonoras, do texto e da imagem, das artes, das linguagens, dos saberes instrumentais, dos modos de pensamento e de percepção” (Couchot: 1993, 46 e 47). Lucia Santaella (1996), refletindo sobre a cultura das mídias, diz que a hibridização é o fator semiótico das mensagens produzidas pelas mídias. “São mensagens que se organizam no entrecruzamento e na interrelação bastante densa de diferentes códigos e de processos sígnicos diversos, compondo estruturas de natureza altamente híbrida” (Santaella: 1996, 43). Devemos lembrar que todas as mídias, desde o jornal, o teatro, o cinema, a televisão, o vídeo e as imagens computacionais já trouxeram o hibridismo em diferentes graus, formas e quantidades de linguagens inter-relacionadas. Ou seja, o hibridismo caracteriza-se pela conjugação simultânea de diversas linguagens. “Suas mensagens são compostas na mistura de códigos e processos sígnicos com estatutos semióticos diferenciais” (Santaella: 1996, 43). Mais recentemente, esta pesquisadora vem afirmar que o grande poder definidor da hipermídia está na hibridização de linguagens, dos processos sígnicos, dos códigos e das mídias, inclusive ressalta que a própria definição de hipermídia está pautada nesta questão. “Em uma definição sucinta e precisa, hipermídia significa a integração, sem suturas, de dados, textos,
139 imagens de todas as espécies e sons dentro de um único ambiente de informação digital” (Santaella: 2000, 7). Janet Murray (1997), ao se referir à estética das novas mídias, diz que os ambientes digitais trazem em sua essência o prazer da transformação, nos quais qualquer coisa que vemos em formato digital – palavras, números, imagens, quadros – se torna mais plástica, convidando sempre à mudança. No campo e na prática do design estas mudanças foram e continuam sendo impactantes, em todos os sentidos, pois representam a ruptura de valores e padrões há muito estabelecidos. O hibridismo vem no sentido contrário da organização, da limpeza visual e da formalidade funcionalista e ulmiana, rompendo com este axioma, mas abrindo amplamente as possibilidades de criação, de experimentação e de exploração de uma nova linguagem.
Considerações Finais
O Design de Hipermídia
140 Para nós estas considerações finais não estão aqui representando o fim e sim uma parte de um processo, isto é, após explorarmos vários percursos, vislumbramos um longo caminho, assim como ao caminhar pelas trilhas de uma montanha, chegamos ao topo e percebemos que ainda há uma linda e extensa paisagem a percorrer. A extensa paisagem nos apresenta novas indagações, que surgiram a partir dos estudos e reflexões possibilitados por este trabalho. Assim percebemos o universo do design de hipermídia. Para chegar a ele, um longo caminho foi percorrido, algumas vezes de forma linear, através dos tempos, pela necessidade de traçar a história do design. Outras vezes de forma não-linear, estabelecendo ligações entre pontos diversos e distantes da história, ora contrapondo questões divergentes, ora relacionando pensamentos consonantes. Um outro percurso foi o da observação e desenvolvimento de projetos cotidianos. Alguns dos quais participei diretamente, em outros atuei como observadora, olhando, percebendo, analisando, estabelecendo relações, realizando pequenas e grandes descobertas, por vezes instigantes e questionadoras, porém sempre prazerosas.
Algumas questões sempre se colocaram ao longo deste processo: será que a introdução dos sistemas computadorizados, que a existência do hipertexto, que o surgimento da hipermídia, que o desenvolvimento da Internet influenciaram e modificaram mesmo o modo de criação, produção e o desenvolvimento projetual, determinando uma nova categoria de design? Qual é a nomenclatura mais adequada para este novo tipo ou categoria de design? Este novo tipo de design constitui uma nova linguagem? Se é uma linguagem, quais os elementos e características que a constituem? Estes elementos e características encontram-se mesmo presentes nos projetos realizados pelos designers ou existem apenas na teoria? Qual é o papel e atuação do designer diante das novas mídias? E o que é modificado no papel do receptor/usuário? Ao longo da pesquisa pudemos comprovar que algumas das nossas indagações se comprovaram, outras se ampliaram e apontaram novas questões. Comprovamos que um novo modo de criar e projetar estabeleceu-se a partir dos sistemas informáticos, hipertextuais e hipermidiáticos e se proliferou com a disseminação da rede indicando uma mudança no desenvolvimento projetual. Ou seja, diante destes novos processos o design se alterou, ampliando seu universo de elementos e características, indo além das questões bidimensionais e impressas, das verbais e visuais, da relação texto e
141 imagem, da materialidade e de todas as características do design gráfico para incorporar outras questões e relações. No design de hipermídia são inter-relacionadas a bidimensionalidade e a tridimensionalidade, a espacialidade, a movimentação, a imaterialidade e a virtualidade, a sonoridade, a hipertextualidade, a nãolinearidade, a navegabilidade, a co-existência de vários níveis de informação, o hibridismo, a interatividade e o acesso a informações externas ao projeto com o qual se está interagindo. Onde é estabelecido um conjunto de inúmeras relações que no mesmo tempo e espaço estão disponíveis ao interator. Outro ponto a ser destacado é que os projetos em design de hipermídia despertam os sentidos do interator de forma mais intensa e em um processo conjunto. As percepções visuais, auditivas e cinestésicas são provocadas constantemente na relação com um projeto de hipermídia, no processo de interação. A cinestesia se dá através de estímulos provocados pelo próprio organismo no sentido da percepção de movimento e posição do corpo e, também, pelo cruzamento de sensações numa só impressão, ou seja, sensações de caráter diverso, mas intimamente ligadas na aparência (p.ex., determinado ruído ou som pode evocar uma imagem particular, determinada imagem pode evocar um certo som ou cheiro. Podemos encontrar outros sentidos sendo despertados, aguçados. Atualmente, existem alguns sites da área de
perfumaria que permitem o despertar olfativo através de dispositivos acoplados ao computador ou por meio de impressão com tintas aromáticas, que permitem ao usuário sentir a essência que compõe diversos perfumes. Talvez, no futuro, possamos presenciar a disseminação deste sistema, ao entrar em um site seremos ambientados com aromas e perfumes diversos. Nesta linha, ainda poderão surgir experimentos e processos que despertem diretamente os nossos sentidos táteis e gustativos. Se o modo de criar e desenvolver projetos mudou, se isso implica novos processos e elementos interrelacionados de forma diferente de tudo que já existiu na área de design, podemos dizer que uma nova categoria de design passou a se estabelecer. Portanto, as nomenclaturas existentes até este momento no campo do design não dão conta de indicar qual é esta nova categoria ou especialidade de design. Este novo design, destinado ao universo das mídias digitais e interativas, se configura como uma nova área, categoria ou especialidade. Como toda nova área, recebeu inicialmente várias denominações diferentes. Entre as que estão diretamente relacionadas a este universo, podemos citar: design de interface, design de web, infodesign, design digital. Porém, entendemos que nenhuma dessas nomenclaturas indica a abrangência dos projetos para estas novas mídias e acreditamos que a nomenclatura mais adequada seja design de hipermídia.
O Design de Hipermídia
142 O design de hipermídia não diz respeito apenas ao design de interfaces, apesar de ser esta uma das importantes questões no design das mídias digitais e interativas. Porém, existem outras relações projetuais de grande importância que convivem em um projeto de hipermídia. Os projetos ou o design de informação, de navegação, de interação que convivem nas interfaces, se estabelecem através dela, mas devem ser concebidos e projetados com elementos e características muito distintas daquelas utilizadas na interface. Por este motivo, a nomenclatura design de interface limita o projeto a apenas um dos elementos de um projeto de hipermídia. A denominação design de web diz respeito somente aos projetos destinados à rede mundial de computadores e não permite envolver todas as possibilidades presentes no design de hipermídia. Este, de forma mais ampla e abrangente envolve, além dos projetos direcionados para Internet, os projetos de aplicativos para quiosques, CD-Roms, DVD-Roms, sistemas de treinamentos, educacionais, games, software, Intranets e redes em geral. As nomenclaturas infodesign ou design digital se referem, de forma ampla, a todos os processos projetuais e de outras naturezas realizados através dos sistemas da informática ou digitais e não conseguem definir as ações, os projetos direcionados ao design de hipermídia. Atualmente, os sistemas de informática ou digitais aplicam-se a quase todas as ações da vida cotidiana, além de serem aplicados tanto para os
projetos de mídia impressa (design gráfico) quanto para os projetos de mídia digital e interativa. Dessa forma, entendemos que esta nomenclatura, por ser muito ampla, não consegue abordar diretamente os projetos destinados às novas mídias. O design de hipermídia refere-se a um conjunto de projetos que devem ser inter-relacionados, isto é, um projeto global que deve reunir os projetos de conteúdo e de informação, de interface, de navegação e de interação em sua proposta e conceito principal. Ou seja, é caracterizado por diversas etapas e por diversos projetos que se inter-relacionam e constituem um único conjunto, um único projeto. Também pudemos perceber no desenvolvimento desta pesquisa que o design de hipermídia configura-se como uma linguagem, pois é constituído por princípios, características e elementos próprios. Entre seus princípios encontram-se a multiplicidade, o processamento e a síntese, a metamorfose, a potencialidade, a complexidade, a conectividade, a heterogeneidade, a linha de fuga e mobilidade, a cartografia e a topologia. Por sua vez, as características centram-se nas questões relacionadas ao hibridismo, a hipertextualidade, a interatividade, a não-linearidade, a navegabilidade. Os elementos que o constituem dividem-se em sete eixos norteadores, sendo que cada eixo apresenta seus próprios elementos. Estes eixos indicam a interface como o espaço de relação e de interação, a grade como
143 estrutura de criação e construção, o código visual e sonoro como a expressão de conceitos e propostas, o código verbal e hipertextual e suas relações tipográficas, a navegação como o exercício da nãolinearidade, o design de informação como a essência do projeto de hipermídia e a interatividade como o espaço de troca e de relação. É importante destacar que estas questões não são fechadas para o desenvolvimento projetual, nem significam o estabelecimento de fórmulas ou receitas pré-determinadas. Assim que ocorrerem mudanças de sistemas, suportes e tecnologias estas questões podem alterar-se. Haja vista o desenvolvimento das telecomunicações, da telefonia celular, dos palm tops , roupas e acessórios, eletrodomésticos, entre outros, que ao possibilitarem conexões com a Internet ou o estabelecimento de novos tipos de redes implicarão mudanças, ruptura ou revisão dos conceitos de criação e desenvolvimento projetual. Os princípios, características e elementos encontram-se presentes nos projetos com os quais temos tido contato nos últimos nove anos e nos projetos que analisamos nos estudos de casos presentes no capítulo 6 deste trabalho. Este fato nos leva a afirmar que as mudanças trazidas pelas novas mídias digitais e interativas, pelo design de hipermídia, implicam também uma nova abordagem e atitude para a atividade projetual, constituindo um novo papel para o designer, indicando, ainda, uma
nova atitude do usuário e este assume seu papel de interator. O novo papel do designer incorpora desde os conhecimentos e as competências que este profissional deve desenvolver até sua atitude no universo conceitual e prático da atividade profissional para o campo do design de hipermídia. Perante o design de hipermídia, os designers devem desenvolver uma série de competências, entre elas: buscar, selecionar, interpretar e articular informações para criar áreas de saber coerentes; entender a interação entre diversas linguagens de diversas naturezas; conhecer teorias da aprendizagem; conhecer a retórica visual e verbal e os métodos para verificar a eficiência comunicativa; participar em projetos de pesquisa; coordenar projetos (ver Bonsiepe: 1997). O trabalho do designer assume a relevância cognitiva, contribuindo para estruturar, organizar e tornar acessíveis conjuntos de informações, tendo em vista facilitar o reconhecimento e a compreensão de fatos mediante a seleção, a organização, a hierarquização e a combinação. Além disso, o designer deve conhecer as diferentes linguagens explorando a capacidade de criação para estabelecer relações entre as diversas linguagens e mídias e, para isto, deve estar atento a tudo ao seu redor, exercitando infinitamente sua sensibilidade, sua
O Design de Hipermídia
144 criatividade e sua capacidade de experimentação, o que não significa a inexistência de método.
o objeto, o diálogo com o usuário, o colocar-se no papel de interator.
O método, a metodologia projetual não é única, nem absoluta e muito menos definitiva. Podemos dizer que diante das possibilidades existentes na hipermídia, nas mídias não-lineares e interativas, a metodologia é plural devido à diversidade de elementos, linguagens e tecnologias existentes em projetos desta natureza.
Este designer das novas mídias, além do papel de pesquisador e experimentador, deve ser um questionador e sempre fazer perguntas a si mesmo, aos colegas de sua equipe, ao usuário. Ou seja, clichês, fórmulas e receitas não devem ser seguidos. Pesquisas de mercado não devem ser aceitas sem questionamentos, sem a observação e nem devem obstruir o processo de criação. Isto quer dizer que muitas vezes este designer deve olhar as coisas pelo avesso, subverter os códigos estabelecidos, filtrar os problemas pela sua visão pessoal. E a sua visão deve estar direcionada para além do design, para o cinema, a dança, as artes visuais, a música, para as histórias em quadrinhos, para as questões ecológicas, sociais, para o artesanato.
Além de conhecer várias linguagens e compreender a singularidade delas, cabe ao designer fazer uma série de escolhas. As escolhas determinam em maior ou menor grau a personalização do trabalho criativo, em que a intuição e a sensibilidade não devem ser suprimidas e nem devem ser esquecidas durante o processo criativo (ver Ferlauto: 2002). O designer de hipermídia deve-se interessar e conhecer as linguagens que coexistem em um projeto. Isto não quer dizer que deve dominá-las ou saber produzi-las e sim ter um olhar desenvolvido e sensibilizado para elas, de forma a poder fazer escolhas a partir da proposta e conceito de seu projeto. Linguagens e mídias devem pertencer ao campo de interesse deste designer. Em maior ou menor grau no processo de criação de projetos em hipermídia encontram-se presentes a pesquisa, as referências culturais, a experimentação, o desafio constante, o armazenamento de idéias e de informações, a observação, a maturação, o diálogo com
Ele deve atuar no terreno dos significados, das associações construídas a partir de dados culturais. Dessa forma poderá importar para o design de hipermídia as referências colhidas de outros campos, desfazendo fronteiras, exercendo a atitude transdisciplinar. O designer de hipermídia deve tanto imaginar quanto avaliar, tanto selecionar quanto multiplicar e organizar informações, tanto trabalhar com as questões objetivas e direcionadas com relação às informações quanto proporcionar o lúdico e o subjetivo em seus projetos. Cada projeto e cada caso devem ser tratados como
145 situações singulares e devem sempre buscar a possibilidade de mudanças e inovações. Para isto, o designer deve estar sempre atento às especificidades, potencialidades e possibilidades únicas de invenção e aperfeiçoamento de soluções. Sempre existirá um novo ângulo a ser explorado, uma nova perspectiva a ser experimentada, uma conceituação a ser testada. A todo momento surgem novos processos, novos equipamentos, novas tecnologias para estimular ainda mais as possibilidades de mudanças e novas soluções. O design é uma prática de significação de novas realidades (ver Cauduro: 1998), especialmente na hipermídia, que potencializa as possibilidades de associação entre diversas e diferentes áreas e também as ações criativas e inovadoras. O criador, autor, ou qualquer outro nome que definia o papel deste projetista é substituído pela nomenclatura de estimulador, pois no design de hipermídia o designer disponibiliza informações para um usuário participativo que pode interferir nas informações, dinamizando o ciclo de comunicação através da interação. Devido à amplitude de relações que se estabelecem em um projeto de hipermídia, mais do que em qualquer outro momento, o desenvolvimento de projetos nesta área se estabelece através de equipes interdisciplinares e transdisciplinares. Normalmente, associam-se o músico ou especialista em som, o especialista em vídeos, o programador, o roteirista, o especialista em
conteúdo ou design da informação. O designer passa a atuar como um regente de orquestra ou um diretor de cinema, assumindo o papel de coordenador do projeto. O que nos indica que as questões de autoria ficam minimizadas, a autoria não pertence mais a uma única pessoa que assina seu trabalho no final, a autoria é de um grupo de pessoas e pode ser transitória, pois para a continuidade ou a atualização de um projeto outros profissionais, outras equipes podem assumi-lo interferindo, modificando ou ampliando a proposta já estabelecida. Fato que denota a troca e associação de conceitos, idéias e propostas. Os projetos para esta área se caracterizam como um trabalho em processo permanente. Afora isso, muitos projetos apresentam características transdisciplinares, ou seja, grupos devem ser estabelecidos além dos profissionais que atuam com as diversas linguagens que constituem um projeto em hipermídia. Por exemplo, muitos projetos demandam a atuação de pedagogos, médicos, físicos, psiquiatras, psicólogos. Esta ação, partindo de grupos, vai ao encontro do levantamento histórico realizado. Isto é, a cada mudança introduzida na sociedade, a partir das novas tecnologias e novos processos, constituem-se novos usos e hábitos. O que podemos afirmar é que os momentos de mudanças tecnológicas e culturais trouxeram à tona ou instituíram o design, como na Revolução Industrial, ou
O Design de Hipermídia
146 o revalorizaram, como neste em que vivemos, que é o da sociedade de informação ou da revolução teleinformática ou, ainda, revolução digital.
participativa, leva à ação, possibilita interferências, alterações, estabelecendo um ciclo rico, dinâmico e contínuo de informação, comunicação e criação.
Estes momentos ainda trouxeram ou fortaleceram a atuação de grupos que estabelecem intensa troca de conhecimentos, de procedimentos e técnicas destinadas à criação e prática projetual em conjunto.
Nos projetos hipermidiáticos os papéis de criador e de observador são trocados constantemente a partir da seleção de diferentes combinações e opções, da combinação de fragmentos oferecidos pelos projetos e a partir das interferências ou registros que podem ser estabelecidos em cada proposta. Se comparado aos antigos leitores ou usuários, que aceitavam as peças prontas, acabadas, sem a possibilidade de interferências diretas, o interator ganhou liberdade de ação. Portanto, se estabelece um jogo de relações.
Esta organização em grupos propiciou o fortalecimento do design a partir da instituição de movimentos, corporações, cooperativas, até escolas organizadas formalmente. Os grupos organizados em movimentos que relacionavam arte, artesanato e design ocorreram desde o inglês Art and Crafts de 1861 até o contemporâneo De Tomato. Dentre as escolas organizadas para o ensino e formação estão desde o Royal College of Art, inaugurado no ano de 1837, em Londres, até as escolas contemporâneas de design. Não obstante, devem existir inúmeros grupos nacionais e internacionais que até este momento não foram reconhecidos ou registrados na história. Se a atuação do designer de hipermídia coloca em evidência questões como a do desenvolvimento de projetos em grupo e a mudança do papel e da atuação do designer, vemos igualmente ocorrer a mudança no papel e na atitude do usuário. A relação do interator com os projetos de hipermídia não é mais apenas observadora e contemplativa, é
O papel de interator assume o perfil de um montador, isto é, ele organiza as partes de textos, imagens, coloca sons, interfere ou constrói novas tipografias, muda as cores, amplia ou reduz as imagens fragmentando-as, abstraindo-as, alterando-as na atitude de um co-autor. Suas interferências ou cocriações podem ser incorporadas, ampliando ou interferindo no projeto. O papel do interator pressupõe uma postura aberta, lúdica, de experimentador, do sujeito que sempre aprende, atua diretamente na construção de seu conhecimento, que permite ampliar seu repertório de informações, que aceita processos de mudança, que estabelece com o objeto relações lúdicas, que joga
147 continuamente novos jogos, que permite explorar novas realidades, simples ou complexas, sem preconceitos.
possibilidades do seu equipamento, do seu computador, do seu hardware.
Este ser interativo move-se, navega através de sua curiosidade, pode interessar-se por detalhes, por determinados links, deslocar-se do site de interesse inicial para outro que nem imaginava que pudesse existir. Sendo assim, ele deve estar sempre preparado e disponível para lidar com os constantes convites para a descoberta, para navegar por novos e outros lugares, por novas, diferentes e contraditórias informações.
Estariam os designers preparados para possibilitar tantas interferências em um projeto, ou ainda, quais os tipos de projeto que permitem a ação livre e direta do interator? Certamente, não são os sites que necessitam de sistemas de segurança, como os sites bancários ou os institucionais. Parece-nos que os sites e projetos em hipermídia mais afeitos a estas questões estão entre os da categoria experimental, artística e games. Até nos projetos educativos e instrucionais percebemos que muitas vezes o interator é considerado como o usuário que só recebe informações e tem um campo de ação muito restrito e limitado. Os cursos on-line muitas vezes caracterizam-se como cursos por correspondência. Portanto, há muitos paradigmas a serem quebrados.
Tudo deve ser colocado à disposição do interator para que ele possa alterar, transformar, criar. Sua postura é ativa e deve responder aos estímulos presentes no projeto ou sistema, de onde poderão surgir caminhos e ações, possibilitando-lhe criar e construir significados, fazer colagens, produzir um espaço de informação adequado às suas necessidades e interesses. Porém, até que ponto os projetos permitem a ação livre do interator? Ou o papel de agente do interator está colocado sob um sistema de programação que o permite agir até determinado ponto?
Parece que é muito mais simples os designers assumirem seus novos papéis para o desenvolvimento de projetos de hipermídia em seu contexto geral, mas ainda existem resistências ou dificuldades para possibilitarem amplamente que o interator assuma seu papel de co-criador de forma plena e constante.
Parece-nos que existe uma tensão entre a amplitude de ação do interator com as regras do sistema de programação. Nem sempre os projetos apresentam uma possibilidade tão ampla de abertura às diversas possibilidades de ação do interator. Então podemos verificar que a ação deste sujeito transita entre as possibilidades dos sistemas hipermidiáticos e as
Aqui estão algumas das indagações que surgiram a partir desta pesquisa. Estamos no topo de uma montanha e percebemos que a paisagem é constituída por uma série de outras tantas montanhas com caminhos a serem percorridos.
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148 Além das questões relacionadas ao interator surgem muitas outras. Por um lado, encontram-se as indagações relacionadas a um outro percurso histórico, que não foi aprofundado nesta pesquisa e que pode ser considerado como um quarto caminho ou percurso para a constituição histórica do design. O surgimento do projeto e suas linguagens gráficas para fins de comunicação em substituição ao esboço ou modelo, não apenas como processo de trabalho, mas como uma mercadoria autônoma que podia se desvincular do produto e ele mesmo se tornar uma mercadoria, à medida que o projeto podia ser vendido, alugado, arrendado. Outra questão que se coloca para futuras investigações é o estudo, as mudanças de percepção perante as novas mídias. Ainda outro campo que apresenta inúmeras possibilidades é a pesquisa aprofundada sobre o processo de criação, a metodologia projetual e suas possibilidades e diferenças para o desenvolvimento de projetos em hipermídia. Mais uma questão que surge com vistas ao desenvolvimento futuro é a da transdisciplinaridade, o estudo sobre as fronteiras entre o interdisciplinar e o transdisciplinar, considerando que os projetos destinados a hipermídia possibilitam atuar, trabalhar com diversas e diferentes realidades, com diversas e múltiplas naturezas, com a pluralidade. Eis um grande caminho de investigação que se abre neste momento.
Portanto, este último parágrafo não representa o encerramento do processo desta pesquisa e sim a abertura para um novo começo, um novo e amplo percurso, que além de ser de interesse profissional é um interesse próprio da diversidade da vida, como sementes jogadas no campo ao sabor do vento...muitas flores poderão brotar em diferentes locais e momentos.
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