Toru Okada, um jovem japonês que vive na mais completa normalidade, vê a sua vida transformada após o telefonema anónimo de uma mulher. Começam Começam a aparecer personagens cada vez mais mais estranhas em seu seu redor e o real real vai degradandose at! se transformar em algo fantasmagórico. " percepç#o do mundo tornase m$gica, os sonhos invadem a realidade e, pouco a pouco, Toru Toru sentese impelido a resolver os conflitos que carregou durante toda a sua vida. %ste livro conta com uma u ma galeria de personagens t#o surpreendentes como profundamente autênticas autênticas e, quase quase por magia, o mundo mundo quotidiano do do &ap#o modermo modermo aparecenos como algo estranhamente familiar. Crónica do '$ssaro de Corda, ao qual foi atri(u)do o 'r!mio *omiuri, ! considerado, por muitos, a o(raprima o(raprima de +urakami. ua -ento &esus Caraça, / Casa das letras 012343 Cruz 5ue(rada 6'ortugal 78-9 1/:0331:0 T;T<=O Crónica do '$ssaro de Corda "aruki +urakami CO=%C?@O Aicç#o %strangeira CB7DO o o2 oo33 '%?O Outras o(ras do autorE 8'aruki +urakami CB97C" O 'J88"O % CO" Traduç#o +aria &o#o =ourenço mm 78-9 1/:0330:0 K%diç#o originalE 78-9 oo11004/1G3L M >aruki +urakami, 11/,114 ireitos reservados para 'ortugal C"8" "8 =%T"8N%7TO7"= 9OT;C7"8 ua -ento de &esus Caraça, / 012343 Cruz 5ue(rada TelE : 2 :G 2, AaPE : oo2 :G 0o %mailE infoQcasadasletras.pt infoQcasadasletras.pt T)tulo originalE The Rindup Rindup -ird Chronicle Traduç#oE Traduç#oE +aria &o#o =ourenço evis#oE 8ofia Draça +oura CapaE 9eusa ias 7magem da capaE DettSlmagesNlmageOne DettSlmagesNlmageOne %diç#oE 2 33 /.a ediç#oE 9ovem(ro de :3 epósito legal n.o :01 41:N3 'r!impress#oE &CT 7mpress#o e aca(amentoE +ultitipo "rtes Dr$icas, =da. =ivro 7
=a Dazza =adra e &unho a &ulho de 140 O p$ssaro de corda das terçasfeiras 8eis dedos e quatro mamas %stava na cozinha a vigiar o esparguete ao lume, quando tocou o telefone. "o mesmo tempo ia asso(iando a a(ertura da ópera =a Cazza =adra de ossini, que estava a tocar numa estaç#o de r$dio em A+. O fundo musical perfeito para cozinhar massa. 8entime tentado a ignorar o toque, uma vez que o esparguete estava quase quase pronto e Cl$udio "((ado "((ado se aprestava para conduzir a Orquestra Ailarmónica de =ondres ao auge da intensidade dram$tica. 'or fim, n#o tive outro rem!dio sen#o atender. 'odia ser algu!m conhecido a querer entrar em contacto comigo por causa de uma nova proposta de tra(alho. -aiPei o g$s, fui at! U sala e levantei l evantei o auscultador. auscultador. 8ó peço dez minutos do teu tempo disse uma mulher do outro lado da linha. Costumo ser (om a reconhecer reconhecer uma pessoa pela voz, mas confesso que nunca tinha ouvido aquela. esculpe, mas com quem ! que deseja falarV perguntei educadamente. educadamente. Contigo, ! ó(vio. ez minutos. $me apenas dez minutos do teu tempo. Wa Wais ver que conseguimos entendernos entendernos na perfeiç#o. " " mulher tinha uma voz suave e profunda, mas, tirando isso, imposs)vel de descrever. %ntendernosV %ntendernosV %ntendernos no que toca aos sentimentos um do outro. +eti a ca(eça atrav!s da porta e espreitei para dentro da cozinha.
=a Dazza =adra e &unho a &ulho de 140 O p$ssaro de corda das terçasfeiras 8eis dedos e quatro mamas %stava na cozinha a vigiar o esparguete ao lume, quando tocou o telefone. "o mesmo tempo ia asso(iando a a(ertura da ópera =a Cazza =adra de ossini, que estava a tocar numa estaç#o de r$dio em A+. O fundo musical perfeito para cozinhar massa. 8entime tentado a ignorar o toque, uma vez que o esparguete estava quase quase pronto e Cl$udio "((ado "((ado se aprestava para conduzir a Orquestra Ailarmónica de =ondres ao auge da intensidade dram$tica. 'or fim, n#o tive outro rem!dio sen#o atender. 'odia ser algu!m conhecido a querer entrar em contacto comigo por causa de uma nova proposta de tra(alho. -aiPei o g$s, fui at! U sala e levantei l evantei o auscultador. auscultador. 8ó peço dez minutos do teu tempo disse uma mulher do outro lado da linha. Costumo ser (om a reconhecer reconhecer uma pessoa pela voz, mas confesso que nunca tinha ouvido aquela. esculpe, mas com quem ! que deseja falarV perguntei educadamente. educadamente. Contigo, ! ó(vio. ez minutos. $me apenas dez minutos do teu tempo. Wa Wais ver que conseguimos entendernos entendernos na perfeiç#o. " " mulher tinha uma voz suave e profunda, mas, tirando isso, imposs)vel de descrever. %ntendernosV %ntendernosV %ntendernos no que toca aos sentimentos um do outro. +eti a ca(eça atrav!s da porta e espreitei para dentro da cozinha.
dissesse respeito. 5uando aca(ei de comer, voltei a deitarme no sof$ da sala e a pegar no livro que tinha trazido da (i(lioteca, deitando volta e meia uma olhadela ao telefone. "s palavras da mulher n#o me sa)am da ca(eça. O que poderiam duas pessoas ficar a sa(er uma acerca da outra em dez minutosV "gora "gora que pensava nisso, ela parecia muito senhora de siE desde a primeira hora que fizera quest#o de indicar o tempo preciso. Como se nove minutos n#o chegassem e onze minutos fosse demasiado. 'recisamente como o tempo de cozedura do esparguete. Todas Todas aquelas refleP\es tiraramme a vontade de ler. O melhor era ver se engomava meia dYzia de camisas. 5ue ! uma coisa que faço sempre quando me sinto (aralhado.
de olhos fechados. Aaçome entenderV Wê tu se me entendes, n#o sei escrever poemas. 9unca escrevi nenhum e n#o ! agora que vou começar retorqui de modo categórico. Tu ! que sa(es disse a minha mulher num tom pesaroso. +as olha que arranjar tra(alho relacionado com o direito e as leis n#o ! f$cil, nos dias que correm. Tenho perfeita consciência disso. a) que me tenha posto em campo e desdo(rado em contactos. %stou a contar sa(er alguma coisa ainda esta semana. 8e n#o der em nada, nesse caso logo pensarei noutra hipótese. -om, se tu o dizes. " propósito, propósito, que dia ! hojeV 5uer dizer, que dia da semanaV 'ensei um momento antes de responder. Terçafeira. %nt#o vê se n#o te esqueces de ir ao (anco pagar as contas do g$s e do telefone. t elefone. %st$ (em. aqui a (ocado, quando for U rua, passo pelo -anco. O que ! que est$s a pensar fazer para o jantarV "inda n#o sei. =ogo vejo quando for Us compras. Fumiko fez uma pausa. Tenho Tenho andado a pensar nisso alvitrou ela, num tom diferente, mais s!rio e n#o me parece que tenhas tenhas de arranjar um emprego assim a correr. 'or que carga de $gua ! que dizes issoV perguntei. "quilo "quilo apanhoume desprevenido, confesso. 'arecia que todas as mulheres do mundo haviam decidido surpreenderme com um telefonema. +ais tarde ou mais cedo aca(ase o su(s)dio de desemprego. 9#o posso continuar continuar eternamente sem fazer nada o dia inteiro. -em sei. +as lem(rate de que fui aumentada, e com um ou outro tra(alho por fora e as nossas poupanças, podemos aguentarnos perfeitamente, desde que n#o façamos nenhumhuma loucura. 9#o me parece que haja pressa. %st$s a querer dizer que achas que isto n#o ! vida para tiV 9#o sei respondi com sinceridade. " verdade ! que n#o sa(ia. -om, nesse caso chegou a altura de começares a pensar no assunto disse ela. " propósito, o gato voltou voltou para casaV casaV O gato. "o ouvir aquilo deime conta de que n#o pensara mais no gato durante toda a manh#. 9#o disse eu. "inda n#o. 9#o te importas de ir dar uma volta pelo (airro U procura deleV Aaz mais de uma semana que desapareceu. 8oltei um grunhido em jeito de resposta e voltei a passar o auscultador para a m#o esquerda. %la voltou U carga. V 'ode ser que ande a vaguear nos terrenos U volta da casa a(andonada, ao fundo da azinhaga. 8a(es, aquela casa que tem no p$tio aquele p$ssaro de pedra. Aarteime de o ver a rondar por a). 9a azinhagaV esde quando ! que costumas andar pela azinhagaV 9unca me disseste nada... Ouve, tenho muita pena mas preciso de desligar. O tra(alho chamame. 9#o te esqueças do gato. % desligou. Aiquei ainda uns segundos a olhar para o auscultador que tinha na m#o antes de o pousar. +uito gostaria eu de sa(er o que teria levado Fumiko a aventurarse na azinhaga. 'ara l$ chegar, indo da nossa casa, era preciso trepar o muro do jardim. "l!m do mais, n#o fazia sentido percorrer todo aquele caminho para chegar at! ali. Aui U cozinha (e(er um copo de $gua, depois sa) para a varanda e pusme a olhar para o prato com a comida comida do gato. "s sardinhas sardinhas secas que que deiPara ficar na noite anterior ainda
l$ estavam. 9#o, decididamente o gato n#o voltara a casa. eiPeime ficar ali a olhar para o nosso pequeno pequeno jardim, U luz dos primeiros raios raios do sol de We Wer#o. 7sto, se (em que que o nosso n#o fosse o tipo de jardim prop)cio U contemplaç#o. O terreno onde (atia o sol durante uma pequena parte do dia estava sempre hYmido e escuro, e a vegetaç#o Kaquilo a que pod)amos chamar jardimL consistia apenas em duas ou três hortênsias de aspecto pouco imponenhumte imponenhumte a um canto canto e ! preciso ver ver que eu nem sequer sequer gosto de hortênsias. Windo Windo do arvoredo ali próPimo chegava at! nós o canto constante, estridente, de um p$ssaro que parecia estar a dar corda a algum mecanismo. Cham$vamoslhe o p$ssaro de corda. corda. Aoi Fumiko que que se lem(rou de lhe chamar assim. assim. 9#o sa()amos sa()amos ao certo o seu verdadeiro nome nem t#opouco que aspecto tinha. +as isso tanto fazia ao p$ssaro de corda. corda. Todos Todos os os dias vinha at! at! ao arvoredo perto perto de casa e punhase punhase a dar corda ao nosso pequeno e pacato mundo. ZCoragem, vamos l$ procurar o gato[, pensei. 8empre gostara de gatos. % gostava daquele gato em particular. +as os gatos têm o seu próprio estilo de vida. 9#o s#o estYpidos. 5uando um gato desaparece, significa que decidiu ir para outras paragens. 5uando estiver cansado ou tiver a (arriga vazia, logo volta. esumindo, l$ teria de ir U procura do nosso nosso gato, isto se queria fazer a vontade vontade a Fumiko. " verdade ! que que tam(!m n#o tinha nada melhor para fazer. 9o in)cio de "(ril, e sem nenhumhuma raz#o especial, tinha deiPado o escritório escritório de advocacia onde estava empregado desde que começara a tra(alhar. 9#o se podia dizer que o tra(alho me desagradasse. desagradasse. X certo que as minhas funç\es n#o eram propriamente ePaltantes, mas o ordenado n#o era mau e o am(iente era simp$tico. %nquanto estagi$rio, a minha funç#o no escritório era para n#o ir mais longe a de um moço de recados especializado. % garanto que era (om no que fazia. 'osso at! mesmo dizer que tenho um jeito especial para a ePecuç#o de tarefas pr$ticas. %ra de compreens#o r$pida, ePpedito, nunca me queiPava e tinha os p!s (em assentes na terra. Tanto Tanto assim que, ao anunciar que me queria vir em(ora, o sócio mais velho Ko patriarca nesta firma de advogados gerida por uma dupla constitu)da por pai e filhoL chegou mesmo a oferecerme um pequeno aumento de ordenado. "pesar disso, aca(ei por tomar a decis#o de me vir em(ora. 9#o porque tivesse qualquer desejo especial ou a perspectiva de fazer algo de concreto depois de a(andonar o emprego. " Yltima coisa que me apetecia, só para dar um ePemplo, era fecharme em casa, a estudar para o ePame que me permitiria entrar na Ordem. 'ara começar, tinha a certeza a(soluta de que n#o queria tornarme advogado. 'or outro lado, tam(!m n#o tinha a m)nima intenç#o de ficar naquele escritório a desempenhar desempenhar eternamente as mesmas funç\es. 8e estava decidido a sair de l$, aquela era a altura. e outra maneira, ficaria para sempre a marcar passo ali naquele lugar o resto da minha vida. 9o fim de contas, j$ tinha feito trinta anos.
faculdade e o seu sonho era tornarse desenhadora desenhadora profissional independente.L 5uanto a mim, ao a(andonar o emprego ficaria durante um certo tempo a rece(er o su(s)dio de desemprego. O que significava que, mesmo que ficasse sem fazer nada e a tomar conta da casa, teria mais do que o suficiente para as minhas despesas sup!rfluas, como ir comer fora ou pagar as contas da lavandaria, por ePemplo, o que significava que o nosso estilo de vida n#o conheceria grandes alteraç\es. alteraç\es. % foi assim que tomei a decis#o de a(andonar o emprego. 0 Tinha aca(ado aca(ado de regressar do supermercado e estava a guardar comida no frigor)fico quando ouvi o telefone. 'areceume que o toque denunciava uma certa impaciência. eiPei o pacote de totu tirado da em(alagem de pl$stico meio a(erto so(re a mesa da cozinha, com cuidado para n#o derramar a $gua. irigime U sala e levantei o auscultador. 'or esta altura j$ deves ter aca(ado de cozinhar o esparguete disse a mulher, a mesma da outra vez. 'ode crer. +as agora est$ na hora de ir U procura do gato. 9#o me digas que o teu gato n#o pode esperar dez minutosV^ 9o caso do esparguete v$ que n#o v$, ainda se compreendia. 'or qualquer raz#o, n#o fui capaz de desligar o telefone. >avia algo na voz dela que despertava a minha atenç#o. Tudo (em, mas só dez minutos. "gora sim, estamos no mesmo comprimento de onda disse ela, com uma certeza na voz que tinha o seu quê de clarividente. 5uase podia vêla, do outro lado do fio, a mudar de posiç#o na cadeira e a cruzar languidamente as pernas. "cha que simV retorqui eu. +uito gostaria eu de sa(er o que h$ para entender em dez minutos. ez minutos podem significar mais tempo do que julgas replicou ela. e certeza que me conheceV "(soluta. &$ nos encontr$mos centenas de vezes. OndeV 5uandoV 9um determinado momento, num certo lugar respondeu ela. +as se me puser agora a perder tempo com pormenores desses, dez minutos n#o chegam para nada. % o que conta ! o presente, n#o te pareceV Talvez. +as para isso preciso de ter uma prova. ême uma prova de que me conhece. 5ue g!nero de provaV 'or ePemplo. 5uantos anos tenhoV Trinta respondeu ela imediatamente. Trinta anos e dois meses. ChegaV Aoi quanto (astou para me calar. %ra evidente que me conhecia, apesar de a voz dela continuar a n#o me dizer rigorosamente nada, por mais que re(uscasse na minha memória. "gora ! a tua vez de puPar pela imaginaç#o disse ela num tom provocante. 'ela voz, vê l$ se consegues imaginar como eu sou. " idade que tenho. Onde estou. O meu aspecto, a roupa que tenho vestida. %sse g!nero de coisas. 9#o faço ideia disse eu. W$ l$ insistiu ela. Aaz um esforço. 2 eitei uma olhadela ao relógio. 8ó tinham passado ainda um minuto e cinco segundos. 9#o faço ideia repeti. 9esse caso, deiPame ajudarte disse ela. %stou deitada na cama. "ca(ei "ca(ei de sair do duche e n#o tenho nada em cima do corpo.
%ra de esperar.
preço dos terrenos terrenos aumentou, durante durante o per)odo de ouro do crescimento crescimento económico, na na segunda metade da d!cada de 12, constru)ramse filas inteiras de casas naqueles descampados, descampados, reduzindo a azinhaga a uma estreita faiPa de terreno entre duas ruas. "contece que os moradores n#o gostavam de ter pessoas que n#o conheciam de parte alguma a passarem t#o perto da porta de casa e dos seus p$tios traseiros, da) que n#o demorou muito at! uma das ePtremidades do caminho aparecer (loqueada ou, melhor dizendo, tapada por uma pequena vedaç#o. " seguir, um dos propriet$rios locais decidiu aumentar o jardim e tapou por completo uma das entradas da ruela com um muro de cimento. %m jeito de resposta, apareceu no ePtremo oposto uma vedaç#o de arame farpado que nem os c#es deiPava passar. 'rotestos por parte dos vizinhos, n#o houve, uma vez que praticamente nenhum deles tinha por h$(ito usar a ruela como passagem, podendo podendo at! dizerse dizerse que ficaram ficaram satisfeitos por contar contar com mais uma (arreira para lutar contra contra o crime. %m resultado resultado disso, a azinhaga azinhaga converteuse converteuse num canal a(andonado, sem outra funç#o que a de ser uma esp!cie de terra de ningu!m a separar as casas de um lado e do outro. O terreno tinha sido invadido pelas ervas daninhas, e era a) que as aranhas teciam as suas pegajosas teias. O que teria levado Fumiko a frequentar semelhante lugarV 'ela parte que me toca, n#o devia ter calcorreado a Zruela[ mais do que / uma ou duas vezes. "l!m disso, tinha medo de aranhas. Z8e Fumiko me disse para ir at! U ruela U procura do gato, paciência, n#o tenho outro rem!dio sen#o fazer como ela diz.[ =ogo se via no que aquela história dava. +al por mal, sempre era melhor do que ficar sentado em casa U espera que o telefone tocasse. I luz cintilante do sol dos primeiros dias de Wer#o, as som(ras dos ramos pendurados so(re a minha ca(eça formavam um desenho pintalgado na superf)cie do caminho. 8em vento que fizesse mePer as folhas, as som(ras pareciam manchas indel!veis destinadas destinadas a permanecer eternamente eternamente inscritas no pavimento. 9#o se se ouvia um rumor que que fosse. 5uase dava para ouvir respirar as folhas de erva (anhadas pelos raios de sol. 9o c!u flutuavam umas quantas nuvens esparsas, t#o n)tidas e precisas que pareciam tiradas do fundo de uma gravura medieval. Tudo o que via diante dos meus olhos era de tal forma espantosamente espantosamente n)tido que dei por mim a sentir o meu próprio corpo como uma forma vaga e de contornos imprecisos... Aazia um calor impressionante^ Tinha vestido uma Tshirt, umas calças de algod#o ligeiro e calçado uns t!nis, mas, só de andar ali de um lado para o outro de(aiPo da luz do 8ol, dava para sentir uma fina camada de suor a formarse nas aPilas e no peito. 8ó nessa manh# ! que tinha tirado a T shirt e as calças de uma caiPa onde guardava a roupa de Wer#o, de modo que sentia o odor intenso das (olas de naftalina penetrar nas minhas narinas. "s casas alinhadas ao longo da ruela pertenciam a duas categorias diferentesE as antigas e as que tinham sido constru)das mais recentemente. "s "s casas novas eram, de uma forma geral, pequenas e com jardins tam(!m pequenos a condizer. "s canas de (am(u com a corda da roupa estendiamse muitas vezes at! U passagem, o(rigandome a a(rir caminho por entre camisas, lençóis e toalhas de m#os ainda a pingar. Wolta e meia chegava at! mim, distintamente, o som de um televisor e o rumor dos autoclismos, e o ar ficava impregnado com o odor do caril usado para temperar a comida. as casas antigas, pelo contr$rio, era caso para dizer que mal se desprendiam quaisquer quaisquer sinais de vida. %scondiamse por detr$s de ar(ustos e se(es estrat!gicamente distri(u)dos de modo a tapar a vista e só pelo meio se podia vislum(rar os vastos jardins (em cuidados. "o canto de um jardim estava um solit$rio pinheiro de 9atal, agora acastanhado e seco. 9um outro p$tio traseiro, traseiro, transformado em depósito depósito de (rinquedos (rinquedos de criança, criança, jazia um
semnYmero de (rinquedos de toda a esp!cie e feitio, num acumular de recordaç\es de inf_ncia de v$rias pessoas. >avia um triciclo, um jogo de arcos, uma espada de pl$stico, uma (ola de (orracha, uma tartaruga de iZ (rinquedo e um pequeno taco de (ase(ol. 9um dos espaços ajardinados estava montado um cesto de (asquete(ol, noutro viamse umas lind)ssimas cadeiras de jardim U volta de uma mesa de cer_mica. "s cadeiras (rancas estavam co(ertas de terra, como se ningu!m as tivesse usado durante meses, ou anos, quem sa(e. "garradas U mesa, arrastadas e fustigadas pela chuva, p!talas de magnólia de um violetap$lido. 9uma outra casa, atrav!s de uma janela de sacada com caiPilho de alum)nio, podia ver se o interior da sala de estar. avia aproveitado a ocasi#o de me ter vindo em(ora da firma como pretePto para deiPar de fumar, mas, em compensaç#o, ha(ituarame por estes dias a andar sempre com uma em(alagem de re(uçados de lim#o comigo. Fumiko (em dizia que eu era viciado naquilo e que n#o tardaria muito a ficar com os dentes cheios de c$ries. +as a verdade ! que n#o podia passar sem os meus re(uçados. %nquanto estive a olhar para o relvado, o pom(o pousado na antena de televis#o prosseguiu com o seu arrulhar monocórdico, como um empregado a assentar nYmeros em cada um dos reci(os de um livro de tal\es. 9#o sei dizer quanto tempo ali me deiPei ficar, encostado U cancela. %m todo o caso,
tempo mais do que suficiente para o re(uçado ter deiPado um enjoativo sa(or a doce na minha (oca. =em(rome de o ter cuspido para o ch#o, meio derretido, e de ter dirigido de novo o olhar na direcç#o do p$ssaro de pedra. Aoi ent#o que me pareceu ouvir nas minhas costas uma voz a chamar por mim. Wireime e dei com uma rapariga de p! no p$tio traseiro da casa em frente. 'equena de estatura, tinha o ca(elo apanhado num ra(odecavalo. ope normal do (olso, tirou um cigarro e colocouo nos l$(ios. Tinha uma (oca pequena, com o l$(io superior ligeiramente virado para cima. Com um gesto maquinal, riscou um fósforo e acendeu o cigarro. "o inclinar a ca(eça para um lado, o ca(elo apartouse e deiPou entrever uma orelha lisa e perfeitamente recortada, que dava a impress#o de ter aca(ado de sair da f$(rica. 8eguindo o (onito contorno, (rilhava uma fina camada de penugem. %la atirou o fósforo para o ch#o e soprou o fumo atrav!s dos l$(ios semicerrados. " seguir levantou os olhos para mim como se naquele momento se recordasse da minha presença. "s lentes dos :o óculos eram escuras e, al!m disso, reflectiam a luz do 8ol, n#o me deiPando ver os seus olhos. +ora por aquiV perguntou ela. 8im respondi e fiz menç#o de indicar a minha casa, mas a verdade ! que, depois de ter percorrido um caminho t#o tortuoso e de ter do(rado todos aqueles _ngulos (izarros, j$ n#o sa(ia ao certo onde me encontrava. "ca(ei por apontar com o dedo ao acaso. "ndo U procura do meu gato ePpliquei, ao mesmo tempo que limpava a palma da m#o suada Us calças. "nda desaparecido h$ coisa de uma semana. "lgu!m me disse que o tinha visto a rondar por estas (andas. Como ! o gatoV
dezasseis anos. O seu l$(io superior apontava para cima formando um _ngulo estranho. Tive a sensaç#o de ouvir uma voz que me diziaE Z"cariciame.[ " voz da mulher ao telefone. =impei o suor da testa com as costas da m#o. em. Tem alguma coleira ou assimV esitei. 9#o te preocupes afirmou ela. 9#o est$ mais ningu!m em casa. 'od)amos ficar sentados c$ fora ao sol, U espera de ver passar o teu gato. 'osso darte uma m#ozinha. Tenho a chamada vis#o perfeita, n#o sei se sa(es. Olhei para o relógio. uas e vinte e seis. "t! ao fim do dia só tinha de ir (uscar a roupa U lavandaria e preparar o jantar. "(ri a cancela, entrei e fui atr$s da rapariga por cima da relva. eparei que arrastava ligeiramente a perma direita. eu alguns passos, detevese e virouse de frente para mim. Aui cuspida do assento traseiro de uma motorizada adiantou ela, como se n#o tivesse import_ncia nenhumhuma. "zar o meu. %rguiase um grande carvalho no s)tio onde a relva aca(ava. e(aiPo da $rvore viamse duas espreguiçadeiras de lona, por cima de uma delas estava uma grande toalha turca azul e so(re a outra viamse uma em(alagem de >ope normal por a(rir, um cinzeiro e um isqueiro, algumas revistas e um leitor de cassetes enorme. o aparelho estereofónico, com o volume regulado no m)nimo, sa)a o som de rock da pesada. %la desligou a mYsica e p]s a tralha toda que estava na cadeira em cima da relva, para que eu me pudesse sentar. "li, da cadeira, podia vislum(rar o p$tio da casa desa(itada. Tam(!m dava para distinguir o p$ssaro de pedra, a varadeouro, a cancela fechada a cadeado. Wendo (em, o mais prov$vel era a adolescente ter estado a o(servarme o tempo todo desde que eu ali chegara. %ra um vasto jardim, sem pretens\es. iante de mim estendiase um tapete de relva, ligeiramente inclinado, com maciços de $rvores e ar(ustos espalhados aqui e ali. I esquerda das cadeiras de encosto havia um tanque razoavelmente grande de cimento. " julgar pela coloraç#o esverdeada que se via no fundo ePposto U luz do 8ol, h$ muito que
n#o rece(ia $gua. 'ara al!m das $rvores, atr$s de nós, distinguiase a frontaria de uma velha mans#o ao estilo ocidental, ainda que de aspecto (em mais pequeno e modesto. "penas o jardim criava uma impress#o de grandeza e dava mostras de estar (em conservado. Tratar de um jardim assim t#o grande deve dar muito tra(alho alvitrei eu, olhando U minha volta. =$ isso deve ser. igo isto porque andei a cortar relva para uma empresa de arquitectura paisag)stica quando era mais novo. "i, simV disse a jovem com um ar de quem n#o queria sa(er daquilo para nada. %st$s sempre aqui sozinhaV perguntei. 8im. urante o dia, sempre. e manh# e U tardinha vem a mulheradias fazer a limpeza, mas durante o dia só c$ estou eu. Olha l$, n#o queres (e(er qualquer coisa frescaV Tam(!m tenho cerveja. 9#o, o(rigado. " s!rioV 9#o te acanhes. 9eguei com um movimento de ca(eça. 9#o vais U escolaV % tu, n#o vais tra(alharV +esmo que quisesse, n#o tenho tra(alho. %st$s desempregadoV +ais ou menos. espedime h$ pouco tempo. O que ! que faziasV Tra(alhava num escritório de advogados. "ndava pelos v$rios departamentos govermamentais a entregar e a recolher documentos, mantinha os dossiês em ordem, verificava os precedentes legais, ocupavame dos tr_mites (urocr$ticos do tri(unal, coisas desse g!nero. +as deiPaste o empregoV 8im. " tua mulher tra(alhaV 8im. O pom(o que estivera o tempo todo a arrulhar no telhado da casa em frente tinha voado dali para fora. 8ó ent#o me dei conta de estar rodeado de um profundo silêncio. X por ali que os gatos costumam passar disse ela, indicando um ponto ao fundo da relva. %st$s a ver o incinerador no jardim dosTakitaniV %les vêm dali, passam por (aiPo da vedaç#o, atravessam o relvado, esgueiramse pela cancela e v#o ter ao jardim da frente. O percurso ! sempre o mesmo. =evantando os óculos escuros para a testa, semicerrou os olhos para ver melhor, voltou a p]r os óculos, ao mesmo tempo que soprava o fumo do cigarro. 5uando deiPou ver os olhos, reparei que ela tinha um corte de dois ou três cent)metros mesmo ao p! da vista esquerda um corte profundo, daqueles que deiPam marca para toda a vida. Wendo (em, se calhar os óculos escuros destinavamse a esconder Vb, aquela cicatriz. 9#o se podia dizer que o rosto da rapariga fosse propriamente (onito, mas tinha qualquer coisa de atrdente. Draças U vivacidade dos olhos, ou U forma peculiar dos l$(ios, provavelmente. &$ ouviste falar dos +iSa`akiV perguntou ela. 9#o respondi eu. %ram os que viviam na casa a(andonada. Tudo (oa gente. Tinham duas filhas, que
andavam a estudar em col!gios privados. O pai era dono de meia dYzia de restaurantes. 'or que ! que se foram em(oraV %la franziu os l$(ios como que a dizer que n#o sa(ia. 8e calhar estavam co(ertos de d)vidas. Aoramse em(ora de repente, uma noite, como se estivessem a fugir de alguma coisa. "conteceu mais ou menos h$ um ano, se n#o estou em erro. eiParam a casa ao a(andono, entregue Us ervas daninhas e aos gatos que n#o param de se multiplicar e entram por tudo quanto ! s)tio. " minha m#e passa a vida a queiParse. >$ assim tantos gatos por aquiV 8em tirar o cigarro da (oca, a rapariga levantou os olhos para o c!u. Datos de toda a esp!cie e feitio.
de mudar de assunto. 5ue idade tensV ezasseis respondeu ela. "ca(ados de fazer. "ndo no primeiro ano da escola secund$ria. 9#o vais Us aulas h$ muito tempoV eiPaste de irV 8e ando muito, dóime a perna. "l!m disso, tenho esta cicatriz ao p! da vista. =$ na escola levam a disciplina muito a s!rio e, caso viessem a sa(er que me magoei ao cair de uma moto, ficava logo metida em sarilhos. 'or isso estou ausente por doença. 'odia estar um ano sem ir Us aulas nas calmas. 9#o tenho pressa nenhumhuma de passar para o segundo ano. %stou a ver que n#o limiteime a dizer. -om, para voltar ao que est$vamos a falar... izias tu que n#o te importarias de casar com uma rapariga que tivesse seis dedos, mas n#o com uma que tivesse quatro mamas. +uito competitivo, o ensino no &ap#o consiste em seis anos de ensino ($sico, três de ensino secund$rio ($sico Kestes nove s#o o(rigatórios, dos seis aos quinze anosL e outros três do segundo ciclo do secund$rio superior, seguindose a universidade. K9. da T.L 9#o foi isso que eu disse. O que eu disse foi que n#o sa(ia. % por que ! que n#o sa(esV 'orque n#o sei... Tenho dificuldade em imaginar. % consegues imaginar algu!m com seis dedosV Consigo, mais ou menos. Onde ! que est$ a diferençaV 5uer dizer, entre seis dedos e quatro mamasV Woltei a reflectir mais um (ocado naquilo, mas a verdade ! que n#o me ocorreu nenhumhuma ePplicaç#o decente. "chas que faço demasiadas perguntasV quis ela sa(er. X o que as pessoas te dizemV &$ aconteceu. Woltei a olhar na direcç#o do caminho dos gatos. Z5ue dia(o estou aqui a fazerV[, pensei. urante aquele tempo todo n#o aparecera por ali um Ynico gato. Com os (raços ainda cruzados so(re o peito, cerrei os olhos, o quêV, para a) uns trinta segundos. "ssim com os olhos fechados, sem me mePer, dava para sentir o suor a formarse nas diferentes partes do meu corpo. " luz do 8ol ca)a so(re mim com estranho peso. 8empre que a rapariga agitava o copo, l$ dentro o gelo tilintava como os chocalhos de um re(anho. 8e quiseres, podes dormir disse ela (aiPinho. 8e aparecer algum gato, acordote. e olhos fechados, assenti em silêncio. 9#o havia vento. 9#o se mePia nem uma folha. O pom(o h$ muito que voara dali para fora. 9#o me sa)a da ca(eça a mulher do telefone. 8er$ que realmente a conheciaV 9em a sua voz nem a sua maneira de falar me eram familiares. +as a verdade ! que ela parecia conhecerme (em. %ra como uma cena de um quadro de Chirico, a longa som(ra da mulher projectandose so(re mim atrav!s de uma estrada vazia, ao passo que ela permanecia longe, num lugar distante, para l$ dos limites da minha consciência, junto ao meu ouvido continuava a soar a campainha do telefone. Olha l$, est$s a dormirV perguntou a rapariga numa vozinha que mal se ouvia. 9#o, n#o estou a dormir respondi eu. 7mportaste que me aproPime maisV $me mais jeito falar em voz (aiPa. 'or mim, tudo (em disse eu, sempre com os olhos fechados. %la puPou a cadeira para ao p! da minha e encostoua. " fricç#o da madeira contra a madeira produziu um ru)do seco.
5ue estranho, lem(rome de ter pensado, a voz desta rapariga quando fecho os olhos ! uma coisa, e quando tenho os olhos a(ertos soa de maneira completamente diferente. :3 7mportaste de conversar um (ocadoV Aalo (aiPinho, e n#o precisas de te dar ao tra(alho de me responder. "t! podes dormitar, que n#o me importo. %st$ (em disse eu. 5uando morre algu!m, ! fascinante. Aalava com a (oca encostada U minha orelha, por isso as palavras iam penetrando suavemente dentro de mim, impregnadas do seu h$lito quente e hYmido. izes isso porquêV perguntei eu. %la p]s um dedo so(re os meus l$(ios, como se quisesse selar um pacto. 9#o faças perguntas disse. % n#o a(ras os olhos, est$ (emV Com a ca(eça fiz um sinal de assentimento t#o ao de leve como o tom da sua voz. Tirou o dedo dos meus l$(ios e pousouo so(re o meu pulso. 5uem me dera ter aqui um (isturi. 'odia cortar e ver o que est$ l$ dentro. 9#o o cad$ver em si, mas a própria morte. 'enso que a essência da morte deve estar em qualquer parte. 7magino que se trate de uma coisa redonda e fofa, uma (ola de soft(all com um pequeno nYcleo de nervos paralisados. Dostaria de tirar essa coisa de dentro de uma pessoa morta e a(rila. %stou sempre a pensar nisso. 9o aspecto que o seu interior poder$ ter. Talvez seja duro como pasta de dentes seca dentro do tu(o. 9#o te pareceV eiPa estar, n#o respondas. e fora tem um aspecto mole e hYmido, mas, quanto mais te aproPimas do fundo, mais duro vai ficando. 'rimeiro trato de cortar a pele para tirar a parte gelatinosa, recorrendo a um (isturi e a uma esp$tula. I medida que vou chegando ao interior, aquela coisa mole vai ficando cada vez mais rija, at! atingir finalmente o seu coraç#o. 'equenino como um (erlinde, e dur)ssimo. 9#o achas que deve ser esse o aspectoV %la tossiu por duas ou três vezes.
consciência. evia estar prestes a deiParme dormir. 9#o se podia dizer que tivesse realmente sono, mas era mais forte do que eu. "li afundado na espreguiçadeira de lona, sentia o meu corpo t#o pesado como um cad$ver o cad$ver de outra pessoa. o fundo das trevas, visualizei as quatro patas de 9o(oru RataSa, quatro patas silenciosas e de cor castanha, cada uma com um caço (ranco na parte de (aiPo suave como (orracha. "s patas pisavam a terra, algures, sem fazer qualquer (arulho. +as ondeV Z8ó peço dez minutos do teu tempo[, tinha dito a mulher ao telefone. 9#o, n#o podia ser. Is vezes dez minutos n#o s#o dez minutos. O tempo pode esticar e encolher. 7sso era uma coisa que eu sa(ia por ePperiência própria. 5uando acordei, estava sozinho. 9a espreguiçadeira de lona pegada U minha n#o se via ningu!m. " toalha e os cigarros e a revista continuavam no mesmo s)tio, mas o copo de CocaCola e o leitor de cassetes tinham desaparecido. " oeste o 8ol começava a afundarse, e a som(ra dos ramos do carvalho projectavase at! aos meus joelhos. 'elo meu relógio eram quatro e um quarto. 8enteime na cadeira e olhei em redor. O imenso relvado, o lago seco, a vedaç#o, o p$ssaro de pedra, a varade ouro, a antena de televis#o. +as do meu gato nem som(ra. 9em t#opouco da rapariga. "li sentado, fiPei o olhar no caminho dos gatos e fiquei U espera que ela voltasse. 'assados dez minutos, o gato e a rapariga continuavam sem aparecer. 9ada se mePia. Aiquei com a sensaç#o de terem passado muitos anos enquanto eu dormia. 'usme de p! e lancei uma olhadela na direcç#o da casa. 'arecia deserta. Os vidros da janela reflectiam a luz ofuscante do ocaso. :4 5esisti de esperar. "travessei o relvado, voltei U ruela e encaminheime para casa. Continuava sem encontrar o gato, mas n#o se podia dizer que n#o me tivesse esforçado.
% o gatoV 9#o o consegui encontrar. Aui at! U tal casa desa(itada, como tu disseste, mas n#o o vi em parte nenhumhuma. "posto que a esta hora j$ est$ longe. : Oriunda da China e consumida pelos japoneses na sua alimentaç#o di$ria, esta pasta de soja fermentada ! considerada uma das (ases da cozinha oriental com (ase nela preparase o misoshiru. K9. da T.L :1 Fumiko n#o fez nenhum coment$rio. epois do jantar, quando sa) do (anho, fui dar com Fumiko sozinha na sala, de luzes apagadas. "li sentada e quieta Us escuras, com a sua camisa cinzenta vestida, parecia deslocada como uma peça de mo()lia fora do s)tio. 8enteime no sof$ em frente dela, enquanto secava o ca(elo com uma toalha de (anho. Tenho a certeza de que o gato est$ morto disse Fumiko em voz (aiPa. 9#o digas disparates repliquei eu. "posto que anda para a) a divertirse. Wais ver que regressa a casa assim que tiver a (arriga a dar horas. "conteceu o mesmo da outra vez, lem(rasteV 5uando mor$vamos em Foenji... "gora ! diferente insistiu ela. esta vez n#o ! assim. 9#o me perguntes, sei. O gato est$ morto. " apodrecer por a) no meio das ervas. 'rocuraste no relvado U volta da casa a(andonadaV 9#o, a) n#o vi. " casa pode estar a(andonada, mas pertence a algu!m. 9#o posso irromper por ali dentro sem pedir licença. 9esse caso, posso sa(er por onde ! que andaste U procura deleV "posto que nem sequer te deste a esse tra(alho. 'or isso ! que n#o o encontraste. 8uspirei e voltei a esfregar o ca(elo com a toalha. 'repareime para dizer de minha justiça, mas caleime ao ver que Fumiko estava a chorar. %ra normal, pensei. T)nhamos arranjado o gato pouco depois de casarmos e Fumiko adoravao. "tirei com a toalha para dentro do cesto de roupa suja da casa de (anho, fui U cozinha, tirei uma cerveja do frigor)fico e (e(ia. Tinha sido um dia de loucos^
tarefa tempo e energia, mas, vendo (em, em que medida ! que ficamos a conhecer a sua verdadeira essênciaV %stamos convencidos de que conhecemos a outra pessoa (em, mas sa(eremos verdadeiramente o que importa acerca delaV Comecei a pensar nestas coisas a s!rio uma semana depois de ter deiPado o emprego no escritório de advogados. "t! a), nunca na minha vida nem uma Ynica vez me tinha confrontado com uma quest#o s!ria desta natureza. % porquêV Talvez por estar demasiado a(sorvido pela $rdua tarefa de viver a minha própria vida. O que acontece ! que tinha pura e simplesmente estado demasiado ocupado para pensar em mim mesmo. Tal como acontece com a maior parte das coisas importantes neste mundo, as minhas dYvidas tiveram origem num facto perfeitamente (anal. Certa manh#, depois de Fumiko ter engolido o pequenoalmoço e sa)do a correr para o emprego, meti a roupa na m$quina de lavar, fiz a cama, lavei os pratos e passei o aspirador pela casa. epois fui sentarme na varanda com o gato ao lado, a passar os olhos pelas ofertas de emprego e pelos anYncios de saldos. "o meiodia, comi uma refeiç#o igeira e fui ao supermercado. Comprei qualquer coisa para o jantar e, ao passar pela secç#o dos produtos a preço de oferta, a(astecime de detergente, lenços de papel e papel higi!nico. e regresso a casa, fiz os preparativos para o jantar e estendime no sof$ com um livro, U espera que Fumiko chegasse a casa. "inda n#o estava desempregado h$ muito tempo e, confesso, aquela forma de viver era uma ePperiência nova para mim. " verdade X que achava aquela vida particularmente refrescante. 9#o era o(rigado G a ter de apanhar os com(oios apinhados para ir tra(alhar, tinhamse aca(ado as reuni\es com pessoas que n#o estava minimamente interessado em conhecer. %, o melhor de tudo, podia ler todos os livros que queria, quando queria. 9#o fazia ideia por quanto tempo mais se prolongaria aquela vidinha, mas naquela altura, passada apenas uma semana, davame gozo levar aquela ePistência pac)fica, e esforçavame por pensar o menos poss)vel no futuro. "quelas eram as f!rias grandes da minha vida. +ais cedo ou mais tarde teriam de aca(ar. +as, at! l$, por que n#o tirar partido da situaç#oV 9aquela noite, por!m, n#o fui capaz de me concentrar e de mergulhar no prazer da leitura. Fumiko nunca mais chegava. egra geral, Us seis e meia o mais tardar estava em casa, e, caso se atrasasse, nem que fossem dez minutos, nunca se esquecia de me avisar. 9estas coisas era metódica quase at! ao ePagero. 9aquele dia, contudo, passava das sete e Fumiko ainda n#o estava em casa, nem tinha sequer telefonado. 'ela minha parte, tinha tudo preparado para começar a fazer o jantar quando ela chegasse. 9#o se tratava propriamente de um (anquete. Tinha pensado saltear numa frigideira `ok finas tiras de carne de vaca, ce(olas, pimentos verdes e re(entos de soja, juntar umas pitadas de sal e pimenta, molho de soja e, por Yltimo, regar tudo com um (ocadinho de cerveja.
vermelhos, acontecia sempre qualquer coisinha m$. Calma, disse para comigo mesmo, n#o desatines. Aala com ela como se n#o fosse nada. 9#o te enerves. esculpa l$ disse Fumiko. 9#o havia maneira de aca(ar o tra(alho que tinha em m#os. "inda pensei em ligar para ti, mas metiase sempre uma coisa ou outra pelo meio e n#o consegui arranjar um momento. 9#o faz mal, n#o penses mais nisso retorqui eu no tom mais despreocupado que consegui arranjar. %, de facto, n#o se podia dizer G: que estivesse especialmente chateado. Wendo (em, a mim tam(!m j$ me acontecera o mesmo muitas vezes. Ter de ir tra(alhar fora de casa todos os dias levanta muitos pro(lemas, n#o ! uma ePperiência f$cil. 9#o ! (em a mesma coisa que colher a rosa mais (onita do jardim e fazer planos para ir passar o resto do dia U ca(eceira da avó, que mora duas ruas mais a(aiPo e est$ de cama com uma constipaç#o. Wolta e meia n#o temos outro rem!dio sen#o fazer coisas desagrad$veis com pessoas que n#o interessam a ningu!m, e isto sem termos oportunidade de ligar para casa e dizerE Z%sta noite vou chegar mais tarde.[ -astariam trinta segundos, e telefones ! coisa que n#o falta por a), mas, v$ l$ sa(erse porquê, h$ alturas em que nem isso se arranja. Comecei a tratar da comida. =iguei o g$s e deitei azeite na `ok. Fumiko foi ao frigor)fico (uscar uma cerveja e de caminho tirou um copo do arm$rio e inspeccionou o que eu me preparava para cozinhar. epois, sem dizer nada, sentouse U mesa da cozinha e p]sse a (e(er a cerveja. " julgar pela ePpress#o estampada no seu rosto, a cerveja n#o devia ser grande coisa. evias ter começado a jantar sem mim. 9#o tem import_ncia. 9#o estava assim com tanta fome como isso. %nquanto eu salteava a carne e os vegetais, Fumiko levantouse e foi refrescarse. 'odia ouvila a passar a cara por $gua e a escovar os dentes. 5uando saiu da casa de (anho, trazia qualquer coisa nas m#os. %ram os lenços de papel e o papel higi!nico que eu tinha comprado no supermercado. 'ode sa(erse por que ! que compraste isto/. perguntou ela numa voz cansada. 8em pousar a `ok, olhei para ela. epois olhei para a caiPa de lenços de papel e para a em(alagem de papel higi!nico que ela tinha nas m#os. 9#o fazia ideia do que ela queria dizer. O que ! que queres dizer com issoV 8#o apenas lenços de papel e papel higi!nico. Tudo coisas que fazem sempre falta numa casa. "inda n#o se aca(aram, ! certo, mas tam(!m n#o se pode dizer que sejam produtos que se estraguem. 9#o me importa que compres lenços de papel e papel higi!nico^ 7sso ! perfeitamente normal. O que te estou a perguntar ! por que raz#o foste logo comprar lenços de papel azuis e papel higi!nico Us floresV 9#o vejo qual ! o pro(lema disse eu, enchendome de 'aciência. %stavam em promoç#o. 9#o ! por usares lenços de papel azuis que vais ficar com o nariz azul. 5ual ! o teu pro(lemaV 9#o tem mal nenhum. "i isso ! que tem^ etesto lenços de papel azuis e papel higi!nico Us florzinhas. 9#o sa(iasV GG 9#o, n#o sa(ia respondi. +as por que ! que os detestas, ePiste algum motivo especialV 9#o ! uma coisa que se ePplique. 9#o gosto, e pronto. a mesma maneira que tu detestas as capas para telefones, e os termos com desenhos de flores, e as calças de ganga U (ocadesino com re(ites. 9#o detestas que eu pinte as unhasV X imposs)vel ePplicar, uma por uma, as raz\es que levam uma pessoa a detestar determinada coisa. X
uma simples quest#o de gosto, mais nada. 'ara dizer a verdade, eu teria sido capaz de ePplicar a raz#o para cada uma delas, mas decidi n#o o fazer. OF, ! uma simples quest#o de gosto, de acordo. +as agora dizme tu uma coisaE nestes seis anos, desde que estamos casados, n#o compraste nem uma Ynica vez lenços de papel azuis ou papel higi!nico Us floresV 9#o. 9unca. %st$s a falar a s!rioV %stou. Compro sempre lenços de papel (rancos, amarelos ou corderosa. 8ó essas cores. % compro sempre papel higi!nico liso. Chocame o facto de teres vivido comigo estes anos todos sem dar por isso. Tam(!m para mim era uma surpresa. urante aquele tempo n#o tinha usado nem uma Ynica vez lenços de papel azuis ou papel higi!nico com desenhos. % j$ que estamos com a m#o na massa, deiPame que te diga mais uma coisa prosseguiu ela, em(alada. 8e h$ um prato que eu deteste ! carne de vaca frita com pimentos. 9#o sa(iasV 9#o, n#o sa(ia. -om, mas detesto. % n#o me perguntes porquê. " Ynica coisa que sei ! que n#o suporto o cheiro desses dois ingredientes quando s#o cozinhados ao mesmo tempo. 5uer dizer que tu, nestes seis anos, nunca cozinhaste carne de vaca e pimentosV %la fez que n#o com a ca(eça. 'osso comer pimentos, mas em salada. Arito a carne de vaca com ce(ola. +as carne de vaca com pimentos verdes, nunca na vida. 9#o me digas. 5uer dizer que nunca achaste estranhoV perguntou ela. %stranhoV 9unca reparei sequer nisso^ afirmei eu, parando para pensar se, com efeito, desde que casara alguma vez tinha comido vaca com pimentos. Como seria de esperar, n#o me consegui lem(rar de semelhante coisa. Wives aqui comigo continuou ela , mas a verdade ! que pouca ou nenhumhuma atenç#o me d$s. 8ó sa(es pensar em ti. G0 "paguei o g$s e pus a `ok no forno. Calma a) disse ent#o. "cho (em que n#o confundas as coisas. 8e calhar tens raz#o quando afirmas que n#o prestei atenç#o U cena dos lenços de papel e do papel higi!nico e da carne com pimentos. "dmito isso. +as da) a dizeres que n#o te presto atenç#o^ %stoume nas tintas para a cor dos lenços de papel. -om, se fossem pretos, a) o caso se calhar mudava de figura. "gora (rancos ou azuis, !me perfeitamente indiferente. % o mesmo acontece com a carne de vaca com pimentos. &untos, separados, tanto se me d$ como se me deu. Os (ifinhos de vaca com pimentos verdes podiam desaparecer para sempre da face da Terra que isso para mim era igual ao litro. +as isso n#o tem nada a ver contigo, com a pessoa que tu no fundo !s, n#o te pareceV %m vez de me responder, ela aca(ou de (e(er em dois tragos a cerveja que tinha no copo e depois ficou a olhar em silêncio para a garrafa vazia em cima da mesa. eitei o que estava dentro da panela para o liPo. " carne de vaca, os pimentos verdes, as ce(olas e os re(entos de soja, foi tudo parar direitinho ao caiPote. %stranho. >$ coisa de um minuto era comida, e agora n#o passava de liPo. "(ri uma cerveja e (e(i directamente da garrafa. 'or que ! que fizeste issoV quis ela sa(er. 'orque tu n#o gostas. 'odias ter comido tu.
9#o quero retorqui. 'erdi a vontade de comer carne frita com pimentos. %la pousou am(os os (raços so(re a mesa e apoiou a ca(eça em cima deles. 'ermaneceu assim, imóvel, durante algum tempo. 9#o parecia estar a chorar nem a dormir. Olhei para a panela vazia no forno, olhei para a minha mulher, e depois em(orquei de uma vez o resto da cerveja. "t! parecia uma coisa de doidos. +as que dia(o estava a acontecerV "quela cena toda por causa de lenços de papel e de pimentos verdes^ "proPimeime de Fumiko e puslhe a m#o no om(ro. +uito (em disse. 9#o tornarei a comprar lenços de papel azuis ou papel higi!nico Us flores. 'rometo. "manh# mesmo irei ao supermercado para ver se os consigo trocar por outra coisa. % se n#o mos trocarem, queimo tudo no jardim e as cinzas, deitoas ao mar. "ca(aramse os (ifinhos de vaca com pimentos verdes. 9unca mais. +esmo que o cheiro ainda permaneça durante algum tempo, aca(ar$ por desaparecer. Wamos esquecer este episódio, pode serV %la continuou em silêncio. O que me apetecia era sair dali e só regressar quando ela tivesse recuperado a (oa disposiç#o. +as as pro(a(ilidades de que isso acontecesse eram nulas. Ca(iame a mim resolver sozinho a situaç#o. G2 %st$s cansada disselhe. "proveita para descansar um (ocado e depois vamos comer uma piza aqui perto. >$ quanto tempo n#o fazemos issoV avia quem ficasse de p!ssimo or e quem n#o fizesse quase caso disso. "ntes do meu
casamento com Fumiko, por!m, nunca vivera com uma mulher. 'ara mim, o Ynico ciclo natural que ePistia era o das estaç\es. 9o 7nverno, tirava o casaco do arm$rio G3 no Wer#o tirava as sand$lias para fora. "o casarme, passei a ter, juntamente com uma companheira, um novo conceito de per)odoE as fases da =ua. "penas uma vez deiPara de lhe aparecer o per)odo, isto durante uns meses. 'orque estava gr$vida. esculpa disse ela, levantando a ca(eça. 9#o queria ser agressiva contigo. "contece que estou cansada e de mau or, mais nada. 9#o tem import_ncia respondi. %squece. 5uando se est$ cansado, o melhor a fazer ! descarregar o mau or em algu!m.
a espumarem pela (oca, resfolegando, num sofrimento atroz. %la pareceu ficar a pensar alguns instantes so(re os cavalos mori(undos nos est$(ulos.
% o próprio. O marido de Fumiko OkadaV 8im, Fumiko Okada ! a minha mulher. 9esse caso o senhor 9o(oru Okada ! o irm#o mais velho da sua esposaV %Pacto respondi eu, cheio de paciência. 9o(oru Okada ! o irm#o mais velho da minha mulher. O meu nome ! Fano. %sperei em silêncio que ela continuasse. " sY(ita menç#o do nome do meu cunhado despertara a minha desconfiança. Cocei a nuca com a ponta do l$pis que estava ao p! do telefone. 'assaram cinco ou seis segundos sem que a minha interlocutora dissesse alguma coisa mais. o auscultador n#o me chegava a sua voz nem outro som qualquer. 'odia darse o caso de a mulher ter tapado o (ocal com a m#o e estar a falar com algu!m ao seu lado. %st$V ePperimentei dizer, preocupado. 5ueira desculparme disse a mulher de um f]lego. 8endo assim, e se me permite, voltarei a ligar mais tarde. %spere a). +as que... %la desligara entretanto. Aiquei durante alguns instantes com o auscultador na m#o, a olhar para ele, sem me mePer. epois ainda o levei outra vez ao ouvido. 9#o, n#o me enganara, a chamada tinha sido cortada. Wagamente frustrado, fui sentarme U mesa da cozinha, (e(i o meu caf! e comi a minha sandu)che. 9a altura em que o telefone tocara, estava a pensar em qualquer coisa, mas, agora, j$ n#o conseguia sa(er ao certo em quê. Tinha a faca na m#o direita, preparava me para cortar a sandu)che, e sei com toda a certeza que estava a pensar em algo. "lgo importante. "lgo que desde h$ (astante tempo tinha procurado lem(rarme sem conseguir, e que, no momento de cortar o p#o ao meio, me viera de repente U ca(eça. "gora varreraseme. %sforceime por reavivar a lem(rança enquanto comia a sandu)che. 8em sorte nenhumhuma. %ssa ideia tinha regressado U regi#o o(scura da minha mente onde at! ent#o ha(itara. Tinha aca(ado de comer e estava a lavar os pratos quando o telefone voltou a tocar. esta vez at!ndi ao primeiro toque. Ol$ disse uma voz de mulher. %ra Fumiko. Como ! que est$sV &$ almoçasteV &$. % tu, comeste o quêV 9ada respondeu ela. Tenho estado t#o ocupada toda a manh# que ainda n#o tive um minuto para respirar, quanto mais para comer. aqui a (ocado dou um salto U rua para comprar uma sandu)che aqui perto. % tu, almoçaste o quêV escrevi a minha sandu)che. 0 %stou a ver disse ela, sem uma ponta de inveja. "h, ! verdade, era para te dizer esta manh# mas depois esquecime. 'reparate para rece(er a chamada de uma tal Fano. &$ telefonou acrescentei eu. >$ coisa de alguns minutos. +encionou o meu nome, o teu e o do teu irm#o, e depois desligou. 2em dizer o que queria. e que dia(o se trataV 'or acaso sa(esV izes que ela desligouV 8im, dizendo que voltaria a ligar mais tarde. -om, quando ela ligar, quero que faças ePactamente o que te pedir. X importante. X poss)vel que tenhas de te encontrar com ela. >ojeV "goraV 'or que ! que dizes issoV Tens algum impedimentoV Com(inaste outra coisa qualquerV
9#o respondi. 9#o tenho impedimentos nem tenho planos. 9em hoje, nem ontem, nem amanh#. 9ada de nada. +as ePplicame uma coisaE quem ! esta tal FanoV O que dia(o pretende ela de mim, n#o me querer$s dizerV Dostaria de estar informado antes de ela voltar a ligar. 8e for por causa de algum emprego arranjado pelo teu irm#o, esquece. 9#o quero ter nada que ver com ele. &$ te tinha dito. 9#o, n#o se trata de tra(alho disse Fumiko num tom contrariado. X a propósito do gato. o gatoV Olha, desculpa mas tenho de desligar. %st$ uma pessoa U minha espera. &$ foi uma sorte ter conseguido telefonar. Como disse, ainda nem sequer arranjei tempo para comer qualquer coisa. 8e puder, telefono mais tarde. Ouve, sei perfeitamente que est$s muito ocupada, mas j$ que me envolveste no meio desta história, ao menos dizme do que se trata. 5ue dia(o aconteceu ao gatoV % essa tal Fano... Aaz o que ela te disser, por favor. 'erce(esteV %stou a falar a s!rio. Aica em casa e espera pelo telefonema dela. Wou desligar, adeus. % desligou. 5uando o telefone tocou Us duas e meia, estava eu a fazer a sesta no sof$. " princ)pio julguei tratarse do toque do despertador e estendi a m#o para carregar no (ot#o e fazê lo calar. +as o relógio n#o se encontrava ali. 9em eu me encontrava a dormir na cama, mas em cima do sof$. % n#o era de manh#, mas sim de tarde. =evanteime e fui atender o telefone. %st$ l$V disse eu. 8im disse uma voz feminina. %ra a mesma mulher que telefonara de manh#. %stou a falar com o senhor Toru OkadaV O próprio. 8ou Toru Okada. 0 O meu nome ! Fano disse ela. Aoi a senhora que telefonou antesV 8im, queira desculparme pelo que aconteceu h$ (ocado, fui terrivelmente indelicada. +as digame uma coisa, senhor Okada, por acaso n#o estar$ livre esta tardeV 9a realidade, n#o tenho nada de especial para fazer. 9esse caso... (em sei que o meu pedido lhe pode parecer um tanto ou quanto estranho e em cima da hora, mas acha que haveria alguma possi(ilidade de nos encontrarmosV >ojeV "gora mesmoV 8im. Olhei para o relógio. 9#o que fosse necess$rio, visto que tinha olhado para ele trinta segundos antes. 8ó queria ter a certeza. Com efeito, eram duas e meia. X coisa para demorar muito tempoV perguntei. 9#o creio que demore muito. 9o entanto, posso estar enganada. 9este preciso momento, !me imposs)vel dizerlhe com ePactid#o. =amento. otel 'acific, mesmo em frente da estaç#o de 8hinaga`aV Conheço. Tem uma cafetaria no primeiro andar. %speroo ali por volta das quatro da tarde. "cha (em assimV 'erfeitamente.
Tenho trinta e um anos e estarei a usar um chap!u vermelho de pl$stico adiantou a mulher. 8ó a mim. >avia qualquer coisa de esquisito na sua maneira de falar. Tudo aquilo me causava uma certa pertur(aç#o, ainda que n#o fosse capaz de ePplicar concretamente o quê. Wendo (em, n#o havia qualquer motivo que impedisse uma mulher de trinta e um anos de usar um chap!u vermelho de pl$stico. %stou a ver retorqui. Creio que n#o terei pro(lemas em reconhecêla. 8ó por uma quest#o de segurança, quer ter a ama(ilidade de me adiantar alguma particularidade do seu aspecto f)sicoV pediu a mulher. %sforceime por encontrar alguma. 5uais poderiam ser essas caracter)sticas f)sicas, se ! que tinha algumaV 0: Tenho trinta anos. +eço um metro e setenta e dois, peso sessenta três quilos, tenho o ca(elo curto. 9#o uso óculos. "o mesmo tempo que dizia aquilo, davame conta de que nenhum deles podia ser considerado um traço distintivo. 9a cafetaria do >otel 'acific devia haver pelo menos cinquenta homens com aquela aparência. &$ l$ tinha estado uma vez, era uma sala enorme. 'recisava de encontrar qualquer coisa de verdadeiramente singular que me diferenciasse dos outros. Contudo, n#o me lem(rei de nada. 9#o quero com isto dizer que eu n#o possu)sse qualquer coisa de original. 'ossu)a um disco de +iles avis, 8ketches of 8pain, assinado pelo próprio mYsico. Tinha o pulso lentoE normalmente quarenta e sete (atimentos por minuto, e nem com trinta e oito de fe(re ia al!m das setenta. %stava desempregado. % sa(ia de memória os nomes de todos os irm#os Faramazov. +as n#o se podia dizer que alguma destas caracter)sticas estivesse escrita na testa. 5ue roupa ! que vai levar vestidaV perguntou ela. 9#o sei respondi eu. "inda n#o decidi. Aoi tudo t#o de repente. +uito (em. 9esse caso, ponha uma gravata Us pintas avançou ela num tom decidido. 'or acaso tem alguma gravata Us pintas, senhor OkadaV Creio que sim disse eu. Tinha uma gravata azulmarinho Us pintinhas cremes. Tinha me sido oferecida pela minha mulher h$ dois ou três anos como prenda de anivers$rio. %nt#o tenha a ama(ilidade de a usar acrescentou ela. % o(rigada por aceitar encontrarse comigo Us quatro da tarde. " seguir desligou. "(ri o guardafatos e pusme U procura da minha gravata das pintas. 9o ca(ide das gravatas n#o estava. 'rocurei nas gavetas todas. 'rocurei nas caiPas de roupa que havia no arm$rio de parede. 9em sinal da gravata Us pintas. 8e a gravata estava l$ em casa, tinha de encontr$la. Fumiko era de tal forma arrumada com a roupa que seria >ripens$vel ir dar com a gravata num s)tio diferente daquele reservado as gravatas. %, verdade seja dita, fui dar com tudo tanto no que diz aspeito Us roupas dela como Us minhas na mais perfeita ordem. "s mmhas camisas encontravamse cuidadosamente do(radas na gaveta. " roupa interior arrumada em caiPas t#o cheias de (olas de naftalina que fiquei com os olhos a arder só de levantar a tampa. 9uma das CaiPas encontrei a roupa que ela costumava usar quando andava na escolaE um uniforme azul marinho, um vestido curto Us florzinhas, am(os dispostos como fotografias num velho $l(um. 5ual seria a graça de guardar aquelas peças de roupaV Talvez n#o tivesse ainda arranjado uma oportunidade para se livrar delas. 'odia ser que estivesse a pensar envi$ las para o -angladesh. Ou ent#o, quem sa(e, ePp]las talvez um dia na qualidade de artefactos culturais. O certo e que a minha gravata das pintas n#o estava em lado nenhum. Com a m#o apoiada na porta do guardafatos, tentei lem(rarme da Yltima vez que a
usara. %ra uma gravata elegante, de muito (om gosto, porventura demasiado vistosa para o ga(inete jur)dico onde eu costumava tra(alhar. 8e eu tivesse aparecido com ela no escritório, o mais certo era algu!m vir ter comigo no intervalo para almoço e desdo(rarse em elogiosE Z+as que (ela gravata^ " cor ! lind)ssima. % t#o alegre^[ O que teria funcionado como uma esp!cie de sinal de alarme. 9a firma de advogados onde eu tra(alhava, o facto de uma gravata merecer ser admirada n#o era propriamente uma honra. a) que nunca a tenha usado para ir tra(alhar. %m vez disso, costumava p]la em situaç\es da minha vida privada que ePigiam um certo toque formalE um concerto, um jantar num (om restaurante, quando Fumiko fazia quest#o que nos vest)ssemos ZU maneira[ Ko que, vendo (em, n#o acontecia assim tantas vezes quanto issoL. " gravata ficava a malar com o meu fato azulmarinho, de que a minha mulher gostava muito. +as n#o havia maneira de me lem(rar da Yltima vez que a tinha usado. 'assei outra vez revista ao arm$rio e desisti. 'or uma raz#o ou outra, a gravata Us pintinhas tinha desaparecido. 'aciência. Westi o fato azul com uma camisa azul e uma gravata Us riscas. "lguma coisa sairia de tudo aquilo. 9#o estava preocupado. +esmo que ela n#o fosse capaz de me reconhecer, a mim (astavame procurar uma mulher na casa dos trinta com um chap!u vermelho. 'ronto para sair, senteime no sof$ e deiPeime ficar ali a olhar para a parede. >$ muito tempo que n#o vestia fato e gravata. %m circunst_ncias normais, o fato azulmarinho Zparaastrêsestaç\es[0 terseia revelado demasiado quente para aquela altura do ano, mas acontecia que estava a chover e, para um dia de &unho, corria uma aragem fresca. %ra o mesmo fato que vestira da Yltima vez que tinha ido tra(alhar, em "(ril. 'or mero acaso comecei a meter as m#os nos (olsos e, no (olso interior, encontrei um reci(o com a data do Outono passado.
chap!u vermelho. 9#o havia nenhumhuma mulher com um chap!u vermelho. 9o meu relógio faltavam dez para as quatro. 8enteime, (e(i a $gua que me tinham trazido e pedi um caf!. 9aquele preciso momento, atr$s de mim, uma voz de mulher disse o meu nome. Z% o senhor Toru Okada, n#o ! verdadeV[ 8urpreendido, vireime. 9em sequer tinham passado três minutos desde que, antes de me sentar, lançara uma r$pida vista de olhos pelo local. " mulher vestia um casaco (ranco, uma (lusa de seda amarela e[ na ca(eça, trazia um chap!u vermelho de pl$stico. 'or reflePo, evanteime e fiquei de frente para ela. -ela era a palavra que melhor a definia. 'elo menos era (astante mais (onita do que eu imaginara ao ouvir a sua voz pelo telefone. %ra elegante e estava discretamente maquilhada. -em vestida. Tanto o casaco como a (lusa eram de (oa qualidade.
dentro uma caiPinha de pele negra reluzente, mais pequena do que uma cassete de mYsica. %ra um estojo para cart\esdevisita2. Tal como a mala, tam(!m tinha um fecho era a primeira vez que eu via um estojo daqueles, munido de um fecho. %la tirou um cart#o do estojo e ofereceumo. Tam(!m eu fiz menç#o de lhe entregar um dos meus, mas, assim que levei a m#o ao (olso interior do casaco, lem(reime que j$ n#o tinha nenhum. O dela era de pl$stico fino e parecia emanar um leve perfume. 5uando o aproPimei do nariz, o odor tornouse mais evidente. %ra incenso, sem som(ra de dYvida. 8ó tinha escrito um nome em pequenos caracteres negr)ssimosE +alta Fano +altaV Wirei o cart#o. 9#o tinha nada escrito. %nquanto me entregava a conjecturas acerca do significado do cart#o, apareceu o empregado, que pousou diante da mulher um copo com gelo e o encheu at! meio com $gua tónica. entro do copo havia um pedaço de lim#o em forma de meialua. 'ouco depois, chegou uma empregada com uma (andeja e uma cafeteira cromadas, p]s diante de mim uma ch$vena, encheua de caf! e, com um gesto furtivo, como se estivesse a depositar uma profecia de mau augYrio nas m#os de algu!m, deiPou ficar a conta em cima da mesa e retirouse. 9#o tem nada escrito ePplicou +alta Fano. %u continuava a olhar distraidamente para o verso do cart#odevisita. 9o &ap#o os cart\esdevisita KmeishiL desempenham um papel essencial na vida em sociedade e no mundo dos negócios, so(retudo aquando de um primeiro contacto formal. +uitos s#o em japonês de um lado e em inglês do outro. K9. da T.L 0/ 8ó o nome. 9#o ! necess$rio acrescentar o telefone nem a morada. 9ingu!m me telefona. 8ou sempre eu que entro em contacto com toda a gente. %stou a ver disse eu, e essa r!plica, que n#o queria dizer rigorosamente nada, ficou suspensa no ar por cima da mesa como a ilha que flutua no c!u em "s Wiagens de Dulliver. %la (e(eu um golo pela palhinha, agarrando no copo com am(as as m#os. Aez uma ligeira careta e p]s o copo de lado como se tivesse perdido todo o interesse por ele. +alta n#o ! o meu verdadeiro nome confessou +alta Fano. Fano, sim, ! o meu apelido. +alta ! o pseudónimo que uso para tra(alhar. 7nspireime na ilha de +alta. "lguma vez esteve em +alta, senhor OkadaV espondi que n#o. 9unca ali tinha ido, nem fazia planos de ir nos tempos mais próPimos. " Ynica coisa que conhecia acerca da ilha de +alta era ZThe 8ands of +alta[, interpretada por >er( "lpert, uma cantiga a(aiPo de c#o Ke palavra de honra que n#o estou a ePagerarL. Wivi em +alta continuou ela. urante três anos. " $gua ali ! ePecr$vel, quase n#o se pode (e(er. 'arece que estamos a (e(er $gua do mar. 'arece $gua do mar dilu)da. "t! o p#o ! salgado. 9#o porque lhe ponham sal, mas porque ! feito com a tal $gua salgada. +as o p#o n#o ! mau de todo. Dosto (astante do p#o de +alta. "nu) e (e(i o meu caf!. 8e (em que em +alta a $gua sai(a assim t#o mal, ePiste um lugar na ilha onde a $gua possui um efeito maravilhoso so(re os elementos do corpo. irseia uma $gua miraculosa, quase sagrada. " fonte encontrase a grande altitude, e para l$ chegar s#o precisas v$rias horas sempre a su(ir, partindo de uma aldeia situada no sop! da montanha prosseguiu ela. " $gua n#o pode ser transportada, longe da nascente perde
as suas propriedades. 'ara prov$la ! preciso uma pessoa deslocarse at! l$. 8ó pode ser (e(ida no local. &$ nos documentos da !poca das Cruzadas havia referências a essa $gua. Chamavamlhe a $gua milagrosa. "llen Dins(erg foi um dos que se deslocou a +alta para (e(er dessa $gua. Feith ichards foi outro que tal. 'assei três anos numa pequena aldeia ao p! da montanha onde se encontra a tal fonte. Cultivava uma horta e aprendi a tecer. Todos os dias su(ia at! U nascente e (e(ia daquela $gua. 7sto passouse entre 1/3 e 1/1.
uma coisa era certaE aquelas duas irm#s tinham uma predilecç#o muito especial por chap!us. O estilo de penteado da mais nova era igualzinho ao de &acqueline FennedS no tempo em que era primeiradama dos %stados
levado a isso. 8e n#o resolvermos essa quest#o em pleno conhecimento de causa, ePiste a possi(ilidade de algo pior vir a acontecer. Aiquei aliviado ao ouvir dizer aquilo. 9#o que me importasse por a) al!m que 9o(oru fosse acusado de violaç#o, declarado culpado e enviado para a pris#o. 8e havia pessoa que o merecia, era o meu cunhado. +as o irm#o de Fumiko era uma figura por de mais conhecida e, como tal, o julgamento certamente daria que falar nos meios de comunicaç#o. % isso teria, sem dYvida, deiPado Fumiko em estado de choque. 5uanto mais n#o fosse para preservar a minha própria paz de esp)rito, preferia que tudo aquilo fosse votado ao esquecimento. 9#o se preocupe disse +alta Fano , o motivo do nosso encontro prendese Ynica e ePclusivamente com o gato. Aoi por causa do gato desaparecido que o senhor RataSa se p]s em contacto connosco. " sua mulher dirigiuse ao irm#o, o senhor RataSa, que, 'or sua vez, se p]s em contacto connosco. 7sso ePplicava muita coisa. +alta Fano era uma esp!cie de aclivi HHa ou m!dium, e eles tinham recorrido aos seus serviços no sentido de desco(rir o paradeiro do gato. " fam)lia RataSa era muito dada aquele g!nero de superstiç\es e sempre acreditara piamente na história as profecias, dos or$culos e outras coisas que tais. 'or mim, tudo emE cada um ! livre de acreditar no que quiser. "gora, que necessidade tinha o meu cunhado de violar a irm# mais nova da sua conselheira espiritualV 'ara quê criar pro(lemas desnecess$riosV 8eguir o rasto dos desaparecidos, ! essa a sua especialidadeV perguntei. %la olhou fiPamente para mim com aqueles seus olhos sem profundidade, como se estivesse a olhar pela janela de uma casa vazia. " julgar pela ePpress#o dela, nem sequer parecia ter apreendido o sentido da minha pergunta. 7gnorando a pergunta, interpeloumeE O senhor vive num lugar estranho, n#o ! verdadeV "i, simV retorqui. %stranho em que sentidoV %m vez de responder, ela afastou de si uns (ons dez cent)metros o copo de $gua tónica em que mal havia tocado. Os gatos s#o criaturas muito sens)veis, n#o sei se sa(e. epois o silêncio a(at!use so(re nós. Com que ent#o, vivemos num lugar estranho e os gatos s#o animais sens)veis disse eu. e acordo. +as a verdade ! que j$ ali moramos h$ (astante tempo nós os dois e o gato. O que ! que o teria levado a desaparecer, assim de repenteV 'or que raz#o n#o se foi em(ora mais cedoV 7sso n#o lhe posso dizer. X poss)vel que a corrente tenha mudado. Talvez alguma coisa tenha o(stru)do a corrente. " corrente... repeti. "inda n#o sei se o gato est$ vivo ou n#o. +as de uma coisa tenho a certezaE j$ n#o se encontra perto de casa. 9o vosso (airro ! que n#o o encontram, por mais que procurem. 'eguei na ch$vena e (e(i mais um gole de caf!, agora frio. =$ fora, atrav!s dos vidros das janelas, ca)a uma chuva miudinha. O c!u estava co(erto de nuvens (aiPas e escuras. "o longo do passeio, viase um triste cortejo de pessoas e guardachuvas para cima e para (aiPo. ême a sua m#o pediu ela. %stendi a m#o direita so(re a mesa, com a palma para cima, pensando que ela quisesse lerme o futuro nas linhas da m#o. +as n#o era essa a sua intenç#o. %m vez disso, esticou a m#o e pousou a dela so(re a minha, palma com palma. epois fechou os
olhos, e permaneceu sem se mePer, na mesma posiç#o. Como se estivesse a censurar em silêncio um amante infiel. " empregada aproPimouse e voltou a encherme a ch$vena de caf!, fazendo por n#o reparar na forma como eu e +alta Fano un)amos as m#os por cima da mesa. 9as mesas U volta, as pessoas deitavam olhares furtivos na nossa direcç#o. 'assei o tempo todo a rezar para que ningu!m meu conhecido calhasse estar naquele lugar. 'rocure recordarse de qualquer coisa que tenha visto hoje antes de vir para aqui disse +alta Fano. 8ó umaV perguntei. 8ó uma. Weiome U ideia o vestido curto Us florzinhas que tinha visto na caiPa de roupa da minha mulher. 9#o sei ePplicar porquê, mas em todo o caso foi a Ynica coisa que me veio U ca(eça, assim do p! para a m#o. 'ermanecemos com as m#os unidas durante mais cinco minutos cinco minutos que me pareceram uma eternidade. 9#o só porque era incómodo ter aquela gente toda a olhar para mim, mas tam(!m por causa do malestar que me provocava o contacto com a m#o dela. Tinha a m#o pequena, nem quente nem fria. Tam(!m n#o se podia dizer que tivesse a intimidade da m#o de uma amante nem o contacto puramente profissional da m#o de um m!dico. Teve so(re mim o mesmo efeito que os seus olhos. "o ser tocado por ela, viame convertido numa casa desa(itada. =$ dentro n#o havia móveis, nem cortinas, nem tapetes. 9#o passava de um mero recipiente vazio. 'or fim, +alta Fano retirou a sua m#o de cima da minha e respirou fundo. epois assentiu v$rias vezes com a ca(eça. 8enhor Okada disse , julgo crer que a partir de agora e nos tempos mais próPimos entrar$ numa fase da sua vida em que muitas coisas ir#o acontecer. O desaparecimento do gato ! apenas o in)cio. +uitas coisasV repeti. Coisas (oas ou m$sV %la inclinou a ca(eça como se estivesse a pensar. Coisas (oas e coisas m$s. Coisas m$s que U primeira vista podem revelarse (oas, e coisas (oas que U primeira vista pareçam m$s e aca(em por se revelar (oas. 'ara ser honesto, isso tem o ar de um lugarcomum que se pode aplicar a toda a gente confessei eu. 9#o possui nenhumhuma informaç#o mais concretaV X poss)vel que aquilo que eu estou a dizer possa aos seus olhos n#o passar de um lugarcomum replicou +alta Fano. +as, vendo (em, muitas vezes só se consegue ePprimir a essência das coisas recorrendo a generalidades. Weja se entende isto. 9#o h$ dYvida de que as coisas concretas despertam mais a atenç#o das pessoas. +as, na sua maior 'arte, n#o passam de fenómenos (anais. esvios inYteis, diria eu. 5uanto mais nos esforçamos por ver U dist_ncia, mais as coisas se generalizam. -aiPei a ca(eça em silêncio. Como seria de esperar, n#o tinha entendido uma palavra do que ela dissera. 'osso voltar a entrar em contacto consigoV perguntou ela. Claro respondi eu. 8inceramente, n#o me estava nada a apetecer que algu!m me telefonasse, mas n#o era coisa que lhe pudesse dizer. %la agarrou no chap!u vermelho que estava em cima da mesa, 'egou na malinha de m#o que estava escondida por (aiPo, e levantouse sem sa(er ao certo como reagir, continuei sentado. 8ó lhe quero adiantar uma coisa sem import_ncia disse +alta Fano depois de ter posto o chap!u, olhandome de alto a (aiPo. " sua gravata de pintas, n#o ! dentro de casa que ir$ dar com ela 0
eitei mais cerveja no copo e fiquei a ver a espuma a assentar. e(ruçada na mesa, Fumiko apoiou o cotovelo na mesa e encostou o queiPo U m#o. %la deve terte contado que n#o aceita nem dinheiro nem presentes nem uma compensaç#o de outro g!nero afirmou ela. +elhor ainda retorqui. 5ual ! o pro(lemaV 9#o quer o nosso dinheiro, n#o quer as nossas almas, n#o quer resgatar a princesa. 9#o temos nada a perder. Wê l$ se metes isto na ca(eça de uma vez por todas disse Fumiko. O gato ! muito importante para mim. O melhor seria dizer que ! muito importante para nós dois. %ncontr$molo juntos, uma semana depois de estarmos casados. =em(rasteV Claro que me lem(ro. %ra ainda um gatinho e estava todo empapado de chuva. Chovia torrencialmente, naquele dia em que te fui (uscar U estaç#o, com o guardachuva. 'o(rezinho. Aomos dar com ele no caminho de regresso, a(anndonado junto a uma grade de cervejas, ao p! de uma loja de vinhos, primeiro gato que tive em toda a minha vida. 8ignifica muito para mim, ! uma esp!cie de s)m(olo. 'or isso n#o quero ficar sem ele. 9#o te preocupes. 8ei perfeitamente disso. 8im, mas onde ! que ele p$raV " verdade ! que te pedi que fosses U procura dele e n#o o encontraste. % isto j$ l$ v#o dez dias. %ssa a raz#o de eu ter ligado ao meu irm#o. 'ergunteilhe se n#o conhecia alguma vidente ou uma m!dium capaz de nos ajudar a encontrar o gato. 9#o gosto de pedir nada ao meu irm#o, mas o certo ! que ele entende dessas coisas, herdou essa caracter)stica do meu pai. "h, j$ me esquecia, a tradiç#o familiar do cl# RataSa^ comentei eu numa voz t#o fria como o vento de noite ao cortar a enseada. +as que tipo de relaç#o ePiste entre 9o(oru RataSa e essa mulherV " minha mulher encolheu os om(ros. O mais certo ! teremse cruzado por mero acaso. onda, por ePemplo. Fumiko p]sse a rir com vontade ao ouvir o nome do homem. %ra um velhote maravilhoso, n#o achasV %u tinha uma verdadeira adoraç#o por ele. Tam(!m eu confessei. urante o nosso primeiro ano de casamento, Fumiko e eu costum$vamos ir a casa do senhor >onda uma vez por mês. %ra especialista em Zpossess#o do esp)rito[ e gozava de grande reputaç#o entre os mem(ros da fam)lia RataSa, ainda que fosse particularmente duro de ouvido. 9em com o aparelho auditivo conseguia ouvir (em o que diz)amos. W)amonos o(rigados a gritar t#o alto que a nossa voz fazia tremer o papel de arroz das shoji3. 8e era assim t#o surdo, 3 'ortas de correr compostas de um painel fininho de madeira forrado a papel japonês, que permite a entrada da luz. egra geral, d#o acesso U enga`a KvarandaL. K9. da T.L 23 lem(rome de ter pensado, como ! que ele faria para ouvir o que os esp)ritos tinham para lhe dizerV
+as se calhar era precisamente ao contr$rioE quanto mais surdo, melhor ele conseguia ouvir a voz dos esp)ritos. O senhor >onda tinha perdido a audiç#o na guerra. evido a um ferimento provocado pelo fogo de artilharia ou por uma granada de m#o, re(entaramlhe os t)mpanos quando, ent#o oficial su(altermo do %P!rcito de F`antung, lutava na (atalha de 9omonhan, ocorrida em 1G1 contra as forças aliadas da onda, n#o era porque acredit$ssemos nos seus poderes espirituais. 'ela parte que me tocava, nunca me haviam interessado tais coisas, e, no que dizia respeito a Fumiko, (asta dizer que tinha, quando comparada com os pais e o irm#o, uma f! (astante t)(ia nos poderes so(renaturais. %ra supersticiosa at! dizer chega, e um vatic)nio fat)dico deiPavaa doente, mas nunca foi ao ponto de se envolver a fundo naquele g!nero de actividades. 9#o, se )amos a casa do senhor >onda, era porque o pai de Fumiko tinha dado ordens nesse sentido. 'ara ser mais ePpl)cito, foi mesmo essa a condiç#o que p]s para dar o seu consentimento ao nosso casamento. %stranha condiç#o, reconheço, mas o certo ! que preferimos o(edecer, a fim de evitar pro(lemas desnecess$rios. Aalando honestamente, nenhum de nós pensava o(ter com tanta felicidade a (ênç#o da fam)lia. O pai dela era funcion$rio da administraç#o pY(lica. Oriundo da prov)ncia de 9iigata, o segundo filho de uma fam)lia remediada de agricultores, frequentara, graças a uma (olsa de estudo atri(u)da pelo govermo, a prestigiada onda. %le colocoume todo o g!nero de quest\es e no fim declarou taPativamente que eu seria um companheiro maravilhoso e que se a filha deles dizia que queria casarse, n#o poderia encontrar melhor candidato. %, mais, que se ela queria mesmo casarse comigo, n#o deveriam em caso algum oporse a esse desejo, ou as consequências seriam terr)veis. 9a altura os pais de Fumiko tinham uma confiança a(soluta no senhor >onda e, n#o ousando contrariar o seu vatic)nio, n#o tiveram outro rem!dio sen#o aceitarme como genro. "os olhos da fam)lia de Fumiko, contudo, fui sempre visto como um forasteiro, um hóspede n#o convidado. 9os primeiros tempos de casamento, Fumiko e eu aparec)amos l$ em casa para jantar duas vezes por mês, com uma regularidade pendular, mais por o(rigaç#o do que outra coisa qualquer. 'ara mim, aquilo constitu)a uma ePperiência detest$vel, situada precisamente a meio caminho entre uma penitência a(surda e um
supl)cio cruel. urante toda a refeiç#o, tinha a impress#o de que a mesa da sala de jantar era t#o comprida como a estaç#o de com(oios de 8hinjuku/. %les comiam e diziam qualquer coisa na ePtremidade oposta. 5uanto a mim, estava t#o longe que n#o devia passar de uma pequena silhueta reflectida nas suas pupilas. %sta situaç#o prolongouse por um ano, altura em que eu tive uma violenta discuss#o com o pai de Fumiko e pus fim Uqueles jantares dominicais. Kepois disso n#o volt$mos a vernos.L % foi assim que pude finalmente li(ertarme daquele peso no est]mago. 9ada consome tanto uma pessoa como um esforço desnecess$rio e sem sentido. =ogo a seguir ao nosso casamento, a verdade ! que me esforçara para manter uma (oa relaç#o com a fam)lia da minha mulher. % confesso que, para mim, visitar o senhor >onda uma vez por mês era, sem som(ra de dYvida, aquilo que menos me custava fazer. O pai da minha mulher encarregavase dos honor$rios do senhor >onda. 9ós só t)nhamos de ir visit$lo uma vez por mês na sua casa de +eguro e levar uma garrafa de saque. epois de termos ouvido o que ele tinha para nos dizer, regress$vamos a casa. T#o simples como isso. / " maior de Tóquio K8hinjuku ! considerada fukotoshin, o segundo coraç#o da cidadeL e a mais movimentada do mundo, ao que dizem. K9. da T.L 24 O senhor >onda caiunos imediatamente no goto. %ra um anci#o sinp$tico, cujo rosto se iluminava U vista da garrafa de saque que t)nhamos para lhe oferecer. Tirando o facto de ter sempre o televisor o volume no m$Pimo por ser duro de ouvido, parecia um velhote U maneira. "parec)amos l$ em casa sempre da parte da manh#. e Wer#o como de 7nverno, ele estava sempre sentado ao kotatsu. 9o 7nverno tinha uma manta a co(rirlhe as pernas e a (raseira acesa no Wer#o n#o havia nem manta nem (rasas. "o que diziam, tratavase de um adivinho (astante famoso, mas o seu estilo de vida era ePtremamente frugal. e tal forma que mais parecia um eremita. " sua casa era pequena e a salinha de entrada mal dava para uma pessoa calçar e descalçar os seus sapatos. Os tapetes tatami no ch#o estavam velhinhos e no fio, e o vidro rachado da janela remendado com fita adesiva. +esmo em frente ficava uma oficina mec_nica, de onde se ouvia sempre algu!m a (errar ordens a plenos pulm\es. O senhor >onda usava um quimono que tinha todo o aspecto de ser metade camisa de dormir e metade (ata de tra(alho, e que n#o mostrava sinal de ter sido lavado nos tempos mais recentes. Wivia sozinho e tinha uma mulher que vinha todos os dias para fazer a limpeza e preparar a comida. +as n#o sei (em por que raz#o, ele recusava cat!goricamente que ela lhe lavasse a roupa. onda que chamava a atenç#o era a presença enorme, quase opressiva, de um televisor a cores. %stava permanenhumtemente ligado U televis#o pY(lica e sempre a transmitir programas da 9>F. 8e isso acontecia porque ele gostava especialmente daquela estaç#o, ou se por n#o se dar ao tra(alho de mudar de canal, ou, ainda, por se tratar de um aparelho especial que apenas captava aquela estaç#o, nunca cheguei a perce(er. F. 5uando )amos a sua casa, o senhor >onda encontravase sempre sentado em frente do televisor, que estava colocado directamente no ch#o, e mano(rava, incans$vel, os pauzinhos divinatórios espalhados ao acaso em cima do kotatsu. %nquanto isso, a 9>F transmitia, alto e (om som e sem interrupç#o, programas de culin$ria, ru(ricas so(re as mil e uma maneiras de cuidar das $rvores (onsai, telejornais e de(ates pol)ticos. esp!cie de mesa (aiPa, so(re a qual se coloca uma segunda estrutura que serve de plano de apoio. "quecida no interior, serve para manter quentes as pernas e a parte de (aiPo
do corpo. "s pessoas ajoelhamse nas almofadas ou descansam os '!s no (uraco a(erto no ch#o. Os kotatsu modermos s#o dotados de uma resistência el!ctrica, mas antigamente usavase antes uma (raseira. K9. da T.L 21 'ode darse o caso de n#o estares fadado para a jurisprudência meu rapaz disseme um dia o senhor >onda. 'odia perfeitamente estar a dirigirse a uma pessoa situada vinte metros atr$s de mim. "h simV^ ePclamei. 8im. "s leis, em Yltima an$lise, ePistem para regular todos os fenómenos que se produzem so(re a face da Terra. O mundo no qual a luz ! luz e a som(ra ! som(ra. onda. "cometido por um (reve ataque de tosse, ePpectorou o catarro para um lenço de papel. epois de o ePaminar at!ntamente, amarrotou o papel e deitouo para dentro do cesto dos pap!is. 9#o se trata de ser melhor ou pior. " ideia, aqui, ! de n#o resistir U corrente. Wemse U tona quando se deve vir U tona e mergulhase quando se deve mergulhar. 5uando tiveres de su(ir, procura a torre mais alta e trepa por ela at! ao topo. 5uando tiveres de descer, procura o poço mais fundo e desce at! ao fim. 5uando n#o houver corrente, o melhor ! n#o fazer nada. 8e resistires U corrente, fica tudo seco. % se ficar tudo seco U tua volta, o mundo vêse envolto em trevas. Z%u sou ele N %le ! euE N X 'rimavera e anoitece.[ 5ue ! como quem diz, quando renuncio a mim, ePisto. "gora estamos num daqueles momentos em que n#o h$ correnteV quis sa(er Fumiko. ComoV 8% %8T"+O8 "DO" 9<+ "5<%=%8 +O+%9TO8 %+ 5<% 9@O >J CO%9T%V gritou Fumiko. 8im, agora n#o h$ corrente respondeu o senhor >onda, concordando com um ligeiro movimento de ca(eça. "gora ! tempo de ficar quieto. 9#o ! preciso fazer nada. +as ! preciso ter atenç#o U $gua. 9um futuro próPimo, este jovem arriscase a viver uma ePperiência penosa relacionada com a $gua. Jgua que se encontra num lugar onde n#o devia ePistir. %m todo o caso, muito, mas muito cuidado mesmo com a $gua^ " meu lado, Fumiko ia dizendo que sim com a ePpress#o mais s!ria do mundo, mas eu (em via que ela estava a fazer os poss)veis para n#o desatar a rir. 5ue tipo de $guaV perguntei eu. 9#o sei disse o senhor >onda. Jgua. 9a televis#o, um professor universit$rio qualquer defendia que o uso impreciso da gram$tica japonesa correspondia precisamente ao 3 caos que reinava na vida de muito (oa gente. ZAalando com propriedade, n#o podemos falar em caos[, dizia ele, Zuma vez que a gram$tica ! como o arE mesmo que algu!m do alto da c$tedra determine quais as regras a seguir, isso n#o quer forçosamente dizer que as pessoas as sigam.[ 'arecia um argumento interessante, mas o senhor >onda preferiu puPar a (rasa U sua sardinha e continuou a dissertar so(re a $gua. 'ara ser sincero, tam(!m eu passei um mau (ocado por causa da $gua prosseguiu ele. %m 9omonhan n#o havia nem uma gota de $gua. " linha da frente era um pandemónio, e o a(astecimento tinha sido cortado. 9#o havia $gua nem v)veres. 9#o havia ligaduras. 9#o havia muniç\es. Aoi uma guerra cruel, aquela. 9a retaguarda, os
mandachuvas só estavam interessados numa coisaE ocupar território, e quanto mais depressa, melhor. 9ingu!m queria sa(er do aprovisionamento das tropas para nada. >ouve uma vez em que n#o tive $gua para (e(er durante quase três dias. e manh#, deiP$vamos um trapo de fora, para ver se a(sorvia a $gua. 8e ficasse empapado de $gua do orvalho, esprem)amos o tecido para ver se consegu)amos aproveitar algumas gotas para (e(er, mas era tudo. 9#o havia $gua a n#o ser essa. Cheguei a pensar que era prefer)vel morrer. 9o mundo n#o h$ nada mais terr)vel do que a sede. +ais vale apanhar com um (al$zio e morrer. Companheiros meus atingidos no est]mago gritavam que queriam $gua para (e(er. "lguns enlouqueceram. onda pegou num lenço de papel, assoouse ruidosamente e, depois de ePaminar o muco sa)do do nariz durante uns instantes, amarfanhou o lenço e deitouo no cesto dos pap!is. X duro ter de esperar pela corrente disse ele. +as, quando e preciso esperar, h$ que esperar, h$ que esperar. 9esse entretanto, e melhor fingir que se est$ morto. %st$ a querer dizerme que devo fazer como se estivesse mortoV ComoV %8TJ " 5<%% 7%+% 5<% %WO A"%+% % +OTOV 3 X isso mesmo, meu filho retorquiu ele. Z+orrer ! a Ynica maneira N de flutuar na corrente N em 9omonhan.[ O senhor >onda continuou a falar de 9omonhan durante mais de uma hora. % nós deiP$monos ficar ali a ouvilo. urante o ano em que nos dirigimos uma vez por mês a casa do senhor >onda para rece(er os seus ensinamentos, quase nunca aconteceu ele ter algum conselho para nos dar. aramente nos fez uma previs#o ou coisa que o valha. 'assava o tempo todo a falarnos da guerra e da (atalha de 9omonhan. Contavanos como um o(us de canh#o arrancara metade da ca(eça a um lugartenente que estava junto a ele, como se tinham lançado so(re um carro de com(ate sovi!tico e o tinham incendiado com um cocktail +olotov, como ele e os seus camaradas haviam perseguido um piloto sovi!tico cujo avi#o fizera uma aterragem forçada, e aca(ado com ele de um só disparo. %ram tudo histórias interessantes e plenas de mist!rio, mas, convenhamos, qualquer história tende a perder um pouco o fulgor depois de ouvida sete ou oito vezes a fio. "l!m do mais, ele n#o se limitava a Zcontar[ as suas histórias num tom de voz próprio de um relato, ele gritava as suas histórias, como se estivesse de p! no alto de uma fal!sia num dia de forte ventania. %ra como assistir a um velho filme de Furosa`a na primeira fila de um cinema de (airro. Tanto assim que, quando sa)amos de sua casa, nenhum dos dois conseguia ouvir l$ muito (em durante um (ocado. +esmo assim, a nós davanos prazer escutar aquelas estórias, e por mim falo. %ram, na sua maioria, relatos que ePcediam os limites da minha imaginaç#o. 5uase todas eram terrivelmente sangrentas, mas os pormenores da (atalha, ouvidos assim da (oca de um velho vestido com um ro(e encardido que tinha todo o ar de poder morrer de um
momento para o outro, perdiam o sentido da realidade e soavam como histórias fant$sticas. 5uase meio s!culo antes, na zona fronteiriça entre a +anchYria e a +ongólia, a unidade do senhor >onda travara uma (atalha feroz por um pedaço de terra onde nem sequer a erva crescia. "t! ouvir o relato da (oca do senhor >onda, n#o sa(ia quase nada so(re a (atalha de 9omonhan. %, contudo, tratavase de uma (atalha heróica, que desafiava os limites da imaginaç#o. 5uase de m#os nuas, os soldados tinhamse (atido contra as potentes forças mecanizadas sovi!ticas e haviam sido dizimados, aniquilados. "queles oficiais que, para evitar o massacre, tinham ordenado por sua própria iniciativa a retirada, pereceram inutilmente, impelidos pelos seus superiores ao suic)dio. +uitos dos soldados que ca)ram Us m#os dos russos recusaram se a participar, uma vez aca(ada a guerra, na troca de prisioneiros, com medo de serem acusados 3: de deserç#o, e aca(aram os seus dias com os ossos enterrados no deserto da +ongólia. esmo(ilizado e evacuado por ter perdido a audiç#o, foi assim que o senhor >onda se converteu em adivinho. >$ males que vêm por (em reconheceu o senhor >onda. 8e n#o tivesse sido ferido no ouvido, o mais prov$vel era ter sido pnviado para alguma ilhota do 'ac)fico 8ul e a esta hora j$ estaria morto. Aoi o que aconteceu U grande maioria das tropas que so(reviveram U (atalha de 9omonhan. " derrota de 9omonhan representou uma vergonha para o eP!rcito imperial, e todos os soldados que escaparam U morte foram enviados para os campos rje (atalha mais perigosos. %ram o mesmo que envi$los para a morte. Os oficiais do %stado+aior que tinham dado as ordens a(surdas em 9omonhan fizeram depois carreira no comando central das forças armadas japoneses, em Tóquio. %, uma vez terminada a guerra, alguns deles tornaramse mesmo pol)ticos, ao passo que os po(res dia(os que com(ateram de(aiPo das suas ordens foram quase todos ePterminados. 'or que raz#o constituiu a (atalha de 9omonhan tamanha vergonha para o %P!rcito 7mperialV perguntei eu. Wendo (em, os soldados com(ateram todos com ePtrema coragem, e muitos deles morreram, n#o ! verdadeV Como ! que ePplica que os so(reviventes tenham sido tratados com tanta crueldadeV +as o senhor >onda n#o deu mostras de ter ouvido a minha pergunta. Woltou a (aralhar os seus pauzinhos divinatórios. X preciso ter cuidado com a $gua lem(rou ele. % a conversa ficou por ali. epois da minha discuss#o com o pai de Fumiko, n#o volt$mos a casa do senhor >onda. %stava fora de hipótese continuar a frequentar a casa dele sa(endo que era o meu sogro a pagar essas sess\es, e a verdade ! que a nossa situaç#o financeira n#o era de molde a permitir um tal luPo Kdigase de passagem que eu n#o fazia a menor ideia a quanto ascenderiaL. 5uando nos cas$mos, est$vamos, falando de um ponto de vista financeiro, com a corda no pescoço. Com o tempo, aca($mos por esquecer o senhor >onda, como acontece muitas vezes com as pessoas jovens e atarefadas, que aos poucos se v#o esquecendo das pessoas idosas. &$ deitado, naquela mesma noite, n#o conseguia deiPar de pensar no senhor >onda. %sforceime por confrontar as suas palavras com a história de +alta Fano so(re a $gua. O senhor >onda tinhame dito para ter cuidado com a $gua. +alta Fano contarame que tinha levado uma ePistência asc!tica na ilha de +alta durante o tempo que demorara a fazer o seu estudo so(re a $gua. Talvez n#o passasse de uma coincidência, mas o certo ! que tanto um como outro davam grande import_ncia ao elemento l)quido. % agora at! eu começava a ficar preocupado. %Pperimentei p]rme a imaginar a cena do campo de (atalha de 9omonhanE os carros de com(ate sovi!ticos e posicionamento das metralhadoras, e o
rio que corria do outro lado " sede terr)vel, insuport$vel. 9a escurid#o, conseguia ouvir nitidamente o rumor da corrente do rio. Toru disse a minha mulher (aiPinho , est$s acordadoV 8im respondi. Ouve, a propósito da gravata, lem(reime agora. =eveia para a lavandaria em ezem(ro. %stava toda amarrotada e pedi que ma passassem a ferro. 9unca mais me lem(rei de passar por l$ para a ir (uscar. ezem(roV +as isso foi h$ mais de seis meses^ -em sei. % tam(!m sei que n#o ! meu costume fazer isso, nem esquecerme assim das coisas. Tu j$ me conheces. 5ue raiva^ % logo aquela gravata, que era t#o (onita. %la estendeu a m#o e tocoulhe no om(ro. =eveia U tinturaria que fica em frente da estaç#o. "chas que ainda a têmV 'asso por l$ amanh#. X poss)vel que a tenham guardado. 'or que ! que pensas que ainda l$ est$V 8eis meses ! muito tempo. " maior parte das lavandarias n#o costuma guardar mais de três meses as coisas que as pessoas se esquecem de ir (uscar. X um direito que lhes assiste, diz a lei. O que ! que te leva a pensar issoV +alta Fano disse que eu n#o tinha motivos para me preocupar respondi. 5ue eu ia encontrar a gravata fora de casa. 8enti a minha mulher virar o rosto para mim no escuro. 5uer ent#o dizer que acreditas nelaV 6 9#o sei porquê, mas começo a acreditar. 9#o tarda nada, tu e o meu irm#o ainda aca(am por se tornar unha com carne disse a minha mulher num tom divertido. 5uem sa(eV epois de Fumiko adormecer, continuei a pensar na (atalha de 9omonhan. "li, todos os soldados dormiam. 8o(re as suas ca(eças o c!u estava repleto de estrelas, os grilos chilreavam Us centenas. Ouviase o rio. "dormeci em(alado pelo rumor da corrente. 302 Wiciado em re(uçados de lim#o
recortada contra o que tanto podia ser o +onte -ranco como o +onte Cervino. " seguir olhou para mim com uma ePpress#o que diziaE ZWisto que te esqueceste da maldita gravata, devias mas era terte esquecido dela de uma vez por todas O olhar dele, directo e eloquente, dizia tudo. 9o final do ano, n#o foi o que disseV 8e fosse a si n#o tinha grandes esperanças. "final de contas, j$ l$ v#o mais de seis meses. +uito (em, vou dar uma olhadela, mas n#o prometo nada. 1 Tara ! o nome da plantaç#o de 8carlett o>ara KWivien =eighL, no filme % Tudo o Wento =evou K1G1L. O ZTema de Tara[ remete para a conhecida mYsica do filme, composta por +aP 8teiner. K9. da T.L esligou o ferro, pousouo so(re a t$(ua de engomar e, sempre a asso(iar o tema de " 8ummer 'lace, começou a vasculhar as prateleiras ao fundo da loja. "quele filme, tinhao ido ver com a minha namorada quando andava a estudar no secund$rio. Os protagonistas eram TroS onahue e 8andra ee.
recomeçou no seu chilreio. esta vez, o canto chegavame aos ouvidos vindo do cimo de um pinheiro no jardim vizinho. Tentei espreitar por entre os ramos, mas o p$ssaro n#o estava U vista, apenas o seu canto se fazia ouvir. Como sempre. %ra caso para dizer que j$ tinha dado corda ao mundo para aquele dia. "inda n#o eram dez quando começou a chover.
Cheguei por fim U casa a(andonada. %stava ali, silenciosa como sempre. Com aquelas nuvens cinzentas em jeito de pano de fundo, a casa de dois andares com as persianas todas corridas tinha um ar verdadeiramente melancólico. 'arecia um navio mercante encalhado no recife U entrada da (a)a e deiPado a apodrecer, depois de para ali ter sido atirado pelas ondas numa noite long)nqua de tormenta. 8e n#o fosse a relva do jardim ter crescido desde a vez anterior, caso algu!m me tivesse dito que por qualquer raz#o o tempo naquele lugar tinha parado, o mais certo era ter acreditado. Draças aos longos dias chuvosos da estaç#o das monç\es, as folhas de erva (rilhavam com um verde luPuriante e ePalavam o odor selvagem que só pode emanar de algo que mergulha as suas ra)zes na terra. +esmo no meio daquele mar de erva, destacavase o p$ssaro de pedra, precisamente na mesma posiç#o em que estava da outra vez, com as asas a(ertas, prestes a levantar voo. %ra ó(vio que aquele p$ssaro nunca levantaria voo. Tanto eu como o p$ssaro est$vamos fartos de sa(er isso. 7mo(ilizado naquele lugar, só lhe restava esperar que chegasse o dia em que o levassem dali para fora, ou ent#o que o deitassem a(aiPo. %ssas eram as duas possi(ilidades que tinha de sair daquele jardim. " Ynica coisa que ali dentro se mePia era uma pequena (or(oleta (ranca desencontrada da estaç#o que esvoaçava ao sa(or da (risa por entre as ervas. " (or(oleta parecia uma pessoa U procura de qualquer coisa que continuava a escaparlhe da memória. "o fim de cinco minutos de (usca infrut)fera, a (or(oleta voou dali para fora. 34 'ermaneci durante alguns instantes encostado U cancela, a contemplar o jardim. 9#o havia ind)cios do gato. 9#o havia ind)cios de nada. "quele s)tio parecia uma lagoa de $gua estagnada, como se uma força ePtraordinariamente poderosa tivesse interrompido o curso natural das coisas. e repente senti a presença de algu!m atr$s de mim e vireime. +inguem. 9o outro lado da azinhaga, n#o ePistia nada a n#o ser a se(e da casa em frente e uma portinhola. " portinhola onde a rapariga tinha aparecido. 8ó que agora estava fechada, e l$ atr$s no jardim n#o se via vivalma. %stava tudo mergulhado em silêncio, impregnado de uma ligeira idade. Cheirava a ervas daninhas e a chuva. Cheirava ao meu imperme$vel. % tam(!m ao re(uçado de lim#o meio derretido que tinha de(aiPo da l)ngua. espirei fundo e todos os perfumes se fundiram num só. Tornei a virarme para olhar em volta. 9ingu!m. "purando o ouvido, captei ao longe o ru)do surdo de um helicóptero. evia estar a voar acima das nuvens. +as tam(!m este ru)do pouco a pouco se desvaneceu, e o silêncio n#o tardou a a(at!rse de novo so(re aquele lugar. I entrada da cerca que rodeava o jardim da casa desa(itada havia, como seria de esperar, uma cancela. 5uando ePperimentei darlhe um empurr#o, a(riuse com surpreendente facilidade, como se me convidasse a entrar. Z9#o tem dificuldade nenhumhuma[, parecia estar a dizerme. Z8ó tens de entrar, mais nada.[ 'or mais desa(itada que a casa pudesse estar, entrar sem licença numa propriedade alheia n#o deiPava, no entanto, de constituir um acto ilegal, e nem sequer precisava de apelar a todos os conhecimentos jur)dicos adquiridos ao longo de oito anos de estudo aturado. 8e um vizinho desconfiado visse algu!m dentro de casa e chamasse a 'ol)cia, apareciam logo os agentes e l$ teria de me sujeitar a interrogatório. -em, podia dizerlhes que andava atr$s do gato. 5ue o meu gato desaparecera e que andava U procura dele por todo o (airro. 9essa altura os pol)cias tratariam de me perguntar a morada e a profiss#o. % eu vermeia o(rigado a confessarlhes que estava desempregado. O que só iria ']los ainda mais de p! atr$s. 'or aqueles dias as forças de lei e da ordem mostravamse terrivelmente nervosas por causa do terrorismo de ePtremaesquerda. Wiam terroristas em tudo quanto era s)tio nas ruas de Tóquio e estavam convencidos de que escondiam
arsenais de armas e (om(as artesanais de(aiPo do ch#o. %ra prov$vel que telefonassem U minha mulher para o emprego, a fim de confirmarem a minha vers#o dos factos. % nesse caso Fumiko iria decerto ficar (astante transtornada. Ora, que se liPasse^ %mpurrei rapidamente a cancela e entrei no &ardim. =em(rome de ter pensadoE Z8e tiver que acontecer alguma Coisa, que aconteça. 'or mim ! igual ao litro.[ 31 "travessei o jardim, sempre a olhar furtivamente para todos os lados. Os meus t!nis continuavam a pisar a erva sem o m)nimo ru)do >avia umas quantas $rvores de fruto (aiPas, cujo nome desconhecia e uma vasta superf)cie relvada. +as estava tudo de tal forma co(erto de ervas daninhas que quase n#o dava para distinguir uma coisa da outra. uas das $rvores, com o tronco co(erto de tene(rosas trepadeiras de coroasdecristo, pareciam ter sido estranguladas at! U morte.
%i repetiu esse algu!m. %ra uma voz feminina. 8aiu de tr$s da est$tua do p$ssaro e aproPimouse. %ra a rapariga que da outra vez estava a apanhar (anhos Kde sol no jardim da casa em frente. Trazia novamente a Tshirt azulceleste, os mesmos calç\es, e arrastava ligeiramente a perna ao andar. " Ynica coisa diferente era que n#o trazia óculos de sol. 5ue fazes aquiV perguntou. %stou a ver se encontro o gato respondi. Tens a certezaV 'ois olha que n#o est$s com ar disso. "qui sentado, muito quietinho, a asso(iar de olhos fechados... +uito me espantaria se encontrasses alguma coisa assim, n#o achasV Corei um nadinha. 9#o ! que me rale com isso, mas algu!m que n#o te conheça ainda pode pensar que !s um pervertido qualquer continuou ela, antes de fazer uma pausa. 9#o !s um pervertido, pois n#oV 9#o, n#o me parece repliquei. %la aproPimouse e, depois de passar cuidadosamente em revista as cadeiras amontoadas, aca(ou por escolher a que estava menos suja, pousoua no ch#o e sentou se. "l!m do mais, n#o sei o que estavas a asso(iar, mas fica sa(endo que asso(ias pessimamente. 9#o !s homossePual, pois n#oV 9#o me parece disse eu. 'or que ! que perguntas issoV "lgu!m me disse que os homossePuais n#o sa(iam asso(iar. ! verdadeV 7sso j$ n#o sei dizer. "tenç#o, tanto se me d$ como se me deu que sejas homossePual ou pervertido. " propósito, como ! que te chamasV 8e n#o sei o teu nome, n#o te posso chamar. Toru Okada disse eu. %la repetiu v$rias vezes o meu nome para si mesma. 9#o se pode dizer que seja l$ muito sonante, o teu nome. Talvez n#o retorqui. 8empre achei que tinha nome de minisro dos 9egócios %strangeiros do tempo antes da guerrao. Toru Okada. 9ao achasV Feisuke Okada K43412:L desempenhou as funç\es de primeiroministro do &ap#o entre &ulho de 1G0 e +arço de 1G3. K9. da T.L 9#o me diz nada. +as tam(!m ! preciso ver que sou uma nulidade a >istória. %ra a minha pior disciplina. 'ara o caso, tanto faz. 9#o tens um diminutivoV $ mais. X um p$ssaro que aparece todos os dias ao p! de minha casa e começa a fazer crie, crie, crie na $rvore de um dos meus vizinhos. +as nunca ningu!m lhe p]s a vista em cima.
"h, que giro disse ela. Aicamos ent#o assim. Tam(!m n#o deiPa de ser dif)cil de pronunciar, senhor '$ssaro de Corda, mas sempre ! melhor do que Toru Okada. +uito agradecido. %la p]s os dois p!s em cima da cadeira e pousou o queiPo nos joelhos. % tu, como te chamasV +aS Fasahara. Z+aS[ de +aio. 9asceste no mês de +aioV 7sso ! pergunta que se façaV X ó(vio, n#oV &$ imaginaste a confus#o que era se tivesse nascido em &unho e me chamasse +aSV Tens raz#o disse eu. +as dizme uma coisa, j$ n#o vais U escolaV %stive todo o tempo a olhar para ti, senhor '$ssaro de Corda afirmou ela, n#o fazendo caso da minha pergunta. %stava U janela do meu quarto com um (inóculo e vite a(rir a cancela e entrar. Tenho sempre um (inóculo pequeno U m#o, para vigiar o que acontece na ruela. 'odes n#o acreditar, mas isto aqui tem muito movimento. % n#o só de pessoas, animais tam(!m. "posto que n#o sa(ias isso. % tu, o que ! que estiveste a fazer este tempo todo, sozinho aqui sentadoV 9ada de especial respondi. " pensar nas coisas do passado, a asso(iar... +aS Fasahara p]sse a morder uma unha. Tu !s um (ocado estranho, n#o sei se j$ te disse... 9#o sou estranho. Toda a gente faz isso. 'ode ser que sim, mas n#o costumam fazer isso no jardim de uma casa a(andonada. 8e uma pessoa quiser estar na lua, a pensar morte da (ezerra e a asso(iar, pode fazêlo no jardim da sua casa. 9esse ponto, ela tinha toda a raz#o do mundo. Woltando U vaca fria. %stou a ver que 9o(oru RataSa ainda n#o regressou a casa. X issoV Aiz que n#o com a ca(eça. Tam(!m n#o o viste desde aquele diaV ope normal do (olso dos calç\es e acendeu um cigarro. eiPouse ficar ali a fumar em silêncio durante um (ocado e depois olhou para mim de frente. Olha l$, n#o estar$s a perder ca(eloV 7nstintivamente, levei a m#o U ca(eça. 9#o ! a), tolinho disse ela. I frente, no s)tio onde nasce o ca(elo. 9#o te parece que tens umas entradas maiores do que ! costumeV 9unca tinha reparado nisso. e certeza que vais começar a ficar calvo a) nessa zona. "credita, disso entendo eu. %m todo o caso, est$s a ver, a linha de nascimento do ca(elo vai começar a retroceder assim. &untando o gesto U palavra, ela agarrou com força na sua franja, p]la para tr$s e deiPou a testa (ranca U vista. X (om que tenhas cuidado. Toquei no s)tio onde o ca(elo nasce. Talvez fosse apenas imaginaç#o minha, mas, agora que ela falava naquilo, queriame parecer que os meus ca(elos estavam a nascer mais para tr$s. -onito, mais uma preocupaç#o. +as como ! que uma pessoa tem cuidadoV -om, para ser franca n#o h$ nada a fazer. " calv)cie n#o tem rem!dio. 5uem est$ condenado U calv)cie fica careca, mais dia, menos dia. 'assam a vida a dizer que, se uma pessoa tiver cuidado e fizer certos e determinados tratamentos, pode evitar a queda do ca(elo. uma treta. -asta olhar para os sema(rigo que andam a dormir na estaç#o de
8hinjuku. 9#o encontras nem um careca, todos eles têm farta ca(eleira. % olha, n#o est$s a vêlos a lavar a ca(eça todos os dias com champ] Clinique ou Widal 8assoon... Ou achas que todos " partir da d!cada de 14o, nos corredores da estaç#o mais movimentada do undo, um nYmero impressionante de sema(rigo construiu uma esp!cie de Zaldeia[ e cart#o. +ais tarde, numa medida muito contestada, o govermo o(rigou os desalojados a sair dali. K9. da T.L os dias esfregam o couro ca(eludo com a loç#o V 7sso foi inventado pelos fa(ricantes de cosm!ticos para sacar dinheiro Us pessoas que andam a perder ca(elo. X poss)vel que tenhas raz#o disse eu, impressionado. +as como ! que sa(es tantas coisas acerca da calv)cieV Tenho andado a tra(alhar em regime de tempo parcial para uma empresa de perucas. Como n#o vou Us aulas, so(rame muito tempo livre. %stou encarregada de fazer inqu!ritos, testes e coisas do g!nero. X por isso que sei imensa coisa acerca das pessoas calvas 5uase pareço uma enciclop!dia am(ulante. Caram(a^ disse eu. 5ueres sa(er uma coisaV perguntou ela, deitando a (eata para o ch#o e apagandoa com a ponta do sapato. 9a empresa onde tra(alho estamos terminantemente proi(idos de usar a palavra Zcareca[. Temos de dizer Zpessoa com pro(lemas capilares[ ou Zpessoa com pouco ca(elo[. ZCareca[ ! um termo depreciativo. a ruela, contornas sempre at! que U tua esquerda vês uma casa com um >onda Civic vermelho estacionado U porta. 9o p$rachoques tem um daqueles autocolantes que dizem Z'az a Todos os 'ovos do +undo. a minha casa fica logo a seguir mas, como n#o tem entrada pela azinhaga, ! preciso saltar o muro de cimento, quase da minha altura.
9#o te preocupes, consigo saltar um muro dessa altura nas calmas. 9#o te faz doer a pernaV %la soltou uma esp!cie de suspiro U mistura com fumo de cigarro. 9#o h$ pro(lema. CoPeio um (ocado quando tenho os meus pais U perna e n#o quero ir Us aulas. 'rimeiro só fazia fita diante dos meus pais, mas depois tornouse um tique. "gora, dou por mim a coPear at! quando n#o tenho ningu!m a verme, quando estou sozinha no meu quarto. 8ou uma perfeccionista, eu. Como ! que se costuma dizerV Z'ara enganar os outros, começa por ter enganar a ti mesmo.[ 9#o ! assim, '$ssaro de CordaV Olha l$, e tu, !s do g!nero corajosoV 9#o muito disse eu. 9unca deste mostras de coragem, que te lem(resV 9unca me senti especialmente corajoso, n#o. % n#o me parece que isso v$ mudar. % curiosidadeV TensV 7sso j$ ! outra história. Curioso, posso dizer que sou. % n#o te parece que a coragem e a curiosidade têm pontos em comumV indagou +aS Fasahara. Onde h$ curiosidade, h$ coragem, e quando somos curiosos, arranjamos a coragem necess$ria. 9#o ser$ assimV 8e calhar tens raz#o. X poss)vel que tenham pontos em comum respondi. Como acontece quando algu!m entra em casa de outra pessoa 8em pedir licença. 'or ePemplo admiti eu, fazendo rolar o re(uçado de lim#o na l)ngua. 5uando se penetra num jardim de uma casa desconhecida, parece que a coragem e a curiosidade funcionam em conjunto. Is vezes, a curiosidade pode despertar a coragem ou aviv$la 9a maioria dos casos, por!m, a curiosidade ! sol de pouca dura "o passo que a coragem tem de percorrer um longo caminho. curiosidade ! como um amigo simp$tico em quem n#o se pode confiar. =evanos a fazer coisas mas, quando chega a hora da verdade, recua e deiPanos ficar pendurados. % nessa altura tens de ser tu a reunir coragem para seguir em frente. %la ficou um (ocado a matutar naquilo que eu tinha dito. 8im concordou. Tam(!m podemos ver a quest#o por esse prisma. " seguir levantouse da cadeira e com a m#o sacudiu o pó que se tinha agarrado U parte de tr$s dos calç\es. epois (aiPou o olhar para mim. izme uma coisa, senhor '$ssaro de Corda, gostavas de conhecer o poçoV O poçoV perguntei. 5ue poçoV %Piste um poço seco aqui por perto ePplicou ela. X uma coisa que me fascina imenso. 5ueres ir vêloV O poço ficava do outro lado do jardim, ao p! da casa. %ra redondo, com cerca de um metro e meio de di_metro, e estava tapado com uma grossa tampa redonda de madeira fiPada por dois (locos de cimento. &unto da (oca do poço, mais ou menos com um metro de altura, erguiase, protectora, uma velha $rvore. %ra uma $rvore de fruto, ainda que eu n#o sou(esse o nome ao certo. Como quase tudo o que dizia respeito Uquela casa, o poço tinha todo o aspecto de estar a(andonado. espiravase ali uma atmosfera de apatia que se podia definir como Zimo(ilidade esmagadora[. Como se as coisas inanimadas se tornassem ainda mais sem vida quando as pessoas deiPavam de lhes prestar atenç#o. "o aproPimarme, no entanto, e o(servando tudo aquilo mais de perto, deime conta de que, na realidade, o poço datava de uma !poca anterior U construç#o da casa. " julgar pela tampa de madeira, era uma verdadeira rel)quia. " (orda do poço estava revestida de uma sólida camada de cimento, mas esta parecia ter sido aplicada provavelmente com o propósito de o reforçar so(re a estrutura antiga. "t! a $rvore que se erguia ao lado do poço dava a impress#o de se encontrar ali desde muito antes que as outras $rvores em
redor. =evantei a pedra, afastei os dois pedaços de madeira em forma de meialua que formavam a co(ertura, apoiei uma m#o no parapeito, inclineime e pusme a espreitar l$ para (aiPo, mas n#o consegui alcançar o fundo. Wiase que o poço era profundo, pois a partir de um certo ponto sumiase na escurid#o total. "spirei o ar. Cheirava ligeiramente a mofo. 9#o tem $gua disse +aS Fasahara. X um poço sem $guaonda tinha dito. ZWemse U tona quando se deve vir U tona e mergulhase quando se deve mergulhar. 5uando se vem U tona, h$ que procurar a torre mais alta e su(ir at! ao cimo. 5uando se mergulha, h$ que desco(rir o poço mais fundo e descer mesmo at! l$ a(aiPo.[ % agora tinha ali um poço, para o que desse e viesse. e(ruceime outra vez e fiquei ali a perscrutar a escurid#o, sem pensar em nada de especial. %spanteime pelo facto de num lugar daqueles, em pleno dia, poder ePistir tamanha escurid#o. "clarei a garganta e engoli em seco. O som ecoou na o(scuridade, como se outra pessoa que n#o eu tivesse pigarreado. "inda tinha na (oca o gosto do re(uçado de lim#o. Tapei o poço e voltei a p]r os (locos de pedra em cima, no s)tio onde os havia encontrado. %m seguida vi as horas. %ram quase onze e meia. Tinha ficado de ligar a Fumiko ao meiodia. Tenho de voltar para casa disse. +aS Fasahara fez uma pequena careta. " vontade, senhor '$ssaro de Corda respondeu ela. W$ l$ a voar para sua casa. "travess$mos o jardim em diagonal. " est$tua do p$ssaro continuava a olhar fiPamente para o c!u com os seus olhos de pedra. u c!u permanecia co(erto de nuvens cinzentas, sem uma (recha, mas ao menos tinha parado de chover. +aS Fasahara arrancou um 'unhado de erva e atirouo ao ar. I falta de vento, as ervinhas foram Caindo, uma a uma, a seus p!s. "inda falta muito tempo para o p]r do 8ol disse ela sem olhar para mim. =$ isso ! verdade disse eu.
dessa ePpress#o, isso ! coisa que eu n#o sa(eria dizer ao certo. Fumiko tinha perfeita consciência de que eu n#o nutria pelo irm#o a m)nima simpatia, e achava isso perfeitamente normal. e resto, pela parte que lhe toca, n#o se pode dizer que tenha pelo irm#o uma predilecç#o especial. 8e n#o fossem os laços de sangue, n#o creio que entre ela e 9o(oru ePistisse o m)nimo ind)cio de frat!rnidade. +as a verdade ! que s#o irm#o e irm#, e isso torna logo as coisas um nadinha mais complicadas. 9os Yltimos tempos, Fumiko e 9o(oru pouco ou nada se viam. 'ela minha parte, em casa dos meus sogros nunca meto os p!s. Tal como j$ aqui disse antes, cortei relaç\es com a fam)lia depois de ter discutido com o pai dela. %stamos a falar de uma discuss#o (astante feia. Contamse pelos dedos as discuss\es que j$ tive nos dias da minha vida, mas, em compensaç#o, quando elas acontecem, levoas muito a s!rio e at! Us Yltimas consequências. Curiosamente, depois de ter perdido as estri(eiras e dito ao senhor tudo o que tinha na gana, a minha raiva contra ele havia desaparecido como que por magia. Tive a sensaç#o de me li(ertar de um fardo que carregara durante muito tempo, ainda que n#o lhe guardasse ódio nem nada que se parecesse. Cheguei mesmo a pensar que a vida daquele homem, por mais a(surda e revoltante aos meus olhos, deveria ter sido muito dura. isse a Fumiko que nunca mais queria voltar a ver os seus pais, mas que ela era livre de o fazer, uma vez que n#o era assunto que me dissesse respeito. Z9#o tem grande import_ncia[, dissera ela. Z" verdade ! que tam(!m n#o tinha grande vontade de estar com eles.[ 9aquela !poca, 9o(oru RataSa vivia ainda na casa paterna, mas n#o tomou partido na disputa entre o pai e eu pelo contr$rio, mantevese afastado, adoptando uma atitude displicente, sem manifestar qualquer interesse pelo nosso diferendo. " partida, n#o era de estranhar. 9o(oru RataSa nunca havia demonstrado o menor interesse pela minha pessoa e sempre recusara ter comigo qualquer contacto para al!m do estritamente necess$rio. 'or isso, quando deiPei de aparecer em casa dos meus sogros, deiPei ao mesmo tempo de ter oportunidade para me encontrar com ele. 5uanto a Fumiko, tam(!m n#o havia qualquer raz#o especial que a levasse a querer vêlo. %le estava ocupado, ela estava ocupada, sem esquecer que a relaç#o entre os dois nunca tinha sido particularmente estreita, unha com carne, como se costuma dizer. "inda assim, Fumiko telefonava por vezes a 9o(oru RataSa para o escritório que ele ocupava no departamento de investigaç#o da universidade, e tam(!m acontecia que 9o(oru RataSa lhe ligava a ela para o emprego Kmas nunca para casaL. Z>oje o meu irm#o telefonou[, Z>oje telefonei ao meu irm#o para o escritório[, diziame Fumiko volta e meia. Fumiko costumava referir esses telefonemas rec)procos, mas sem nunca me contar em pormenor o teor das conversas. %u nunca lhe perguntei nada, e ela só me dava as ePplicaç\es indispens$veis. 'or mim, o teor das conversas entre eles erame perfeitamente indiferente. Tam(!m n#o se podia dizer que me incomodasse o facto de sa(er que a minha mulher falava ao telefone com o meu cunhado. ara ser franco, escapavame a raz#o para tal. 5ue g!nero de conversa ! que poderia ePistir entre duas pessoas que tinham t#o pouco em comumV 5uereria isso dizer que os laços de sangue estavam a começar a criar entre eles uma relaç#o especialV "inda que fossem irm#o e irm#, entre 9o(oru RataSa e a minha mulher havia nove anos de diferença. "l!m disso, outra das raz\es que ajudava a ePplicar aquela evidente falta de intimidade entre os dois irm#os era o facto de Fumiko ter sido, desde muito pequena, educada pelos avós pat!rmos. 7nicialmente, 9o(oru RataSa e Fumiko n#o eram os Ynicos filhos. Tinham uma irm# do meio, cinco anos mais velha do que Fumiko. "os três anos de idade, por!m, Fumiko tinha sido confiada aos avós
'at!rmos, a(andonando Tóquio para ir viver em 9iigata. Aoi ali que a avó paterna a criou. " raz#o oficial que mais tarde os pais de Fumiko lhe deram era que tinha, de nascimento, uma constituiç#o d!(il, e que seria melhor para ela crescer no campo, onde havia (ons ares, mas ela nunca engoliu esta história. Tanto quanto se lem(rava, fora sempre de natureza ro(usta e n#o só nunca tinha estado doente como n#o se recordava de ver ningu!m U sua volta preocupado com o seu estado de saYde. Zevia ser uma desculpa para me afastar, mais nada[, disseme Fumiko uma vez. 8egundo lhe contou mais tarde um dos seus parentes, acontece que entre a avó e a m#e de Fumiko havia desde h$ muitos anos uma profunda discórdia, e a decis#o de deiPar Fumiko entregue aos cuidados dos avós em 9iigata funcionou como uma esp!cie de tr!gua entre am(as. "o confiar a sua filhinha, os pais de Fumiko aplacavam assim durante algum tempo a ira da avó, e esta, por sua vez, ao rece(er a incum(ência de tratar da neta, via reforçados os v)nculos com o seu próprio filho Ke pai de FumikoL. 'or outras palavras, Fumiko tinha sido usada como uma esp!cie de ref!m. Z"l!m disso[, acrescentara Fumiko, Zcomo eles j$ tinham dois filhos, um rapaz e uma rapariga, o facto de ficarem sem mim n#o constitu)a uma grande perda. 9#o quer dizer que tivessem a intenç#o de me a(andonar, nada disso enviaramme para ali como se a coisa n#o tivesse grande import_ncia, pensando que eu ainda era muito pequena e que isso n#o me afectaria. O mais certo ! nem sequer terem pensado duas vezes no assunto. %m muitos sentidos, era a soluç#o mais pr$tica para todos. $ para acreditarV %u n#o entendo. 9#o tinham a menor noç#o do efeito desastroso que um gesto desses poderia ter numa criança pequena.[ %ntre os três e os seis anos, Fumiko foi assim educada pela avó, em 9iigata. =evava uma vida normal, e n#o se pode dizer que fosse infeliz. " avó tinha uma verdadeira adoraç#o por ela e, verdade seja dita, Fumiko d)vertiase mais a (rincar com os primos da sua idade do que com os irm#os, muito mais velhos do que ela. 5uando chegou a altura de entrar para a escola prim$ria, regressou finalmente a Tóquio. Os seus pais tinham, entretanto, começado a sentirse cada vez mais inquietos com a longa separaç#o e fizeram quest#o de levar a filha de volta para Tóquio antes que fosse demasiado tarde. +as, de certa maneira, j$ era demasiado tarde. 9as semanas que se seguiram U decis#o de a mandar regressar, a avó começou a mostrarse terrivelmente agitada, com os nervos U flor da pele. eiPou de se alimentar decentemente e perdeu o sono. esatava a chorar sem raz#o e, no minuto seguinte, movida por uma fYria violenta, agarrava em Fumiko e (atialhe com uma r!gua, ao ponto de lhe deiPar os (raços marcados. 9um minuto dizia que n#o a queria deiPar partir, que preferia morrer a ficar sem ela no outro, que nunca mais queria voltar a p]rlhe a vista em cima. Z9#o te quero ver, vaite em(ora, desaparece^[ eferiase U m#e de Fumiko nos termos mais insultuosos, dizendolhe que ela era uma megera. Chegou mesmo a fazer menç#o de cortar os pulsos com uma tesoura. Fumiko n#o conseguia compreender o que dia(o estava a acontecer U sua volta. " reacç#o dela foi refugiarse no seu canto, fechando provisoriamente o coraç#o ao mundo ePterior. " situaç#o chegara a um ponto que superava largamente a sua capacidade de compreens#o 4 fechou os olhos, tapou os ouvidos, deiPou de pensar, de desejar o que quer que fosse. Os meses seguintes constitu)ram uma esp!cie de ,zjo. a) que ainda hoje n#o se lem(re de nada do que lhe aconteceu rlurante aquele per)odo. 5uando se deu conta, j$ estava de novo a viver com a sua nova fam)lia. 9a casa de onde nunca deveria ter sa)do. 9a companhia dos seus pais, do irm#o e da irm#. +as aquele go era o seu lar. 9#o passava,
pura e simplesmente, de um novo am(iente familiar. 9aquela nova atmosfera, Fumiko transformouse numa criança dif)cil e tacituma. 9#o sa(ia em quem confiar, quem procurar em (usca de apoio incondicional. 9#o se sentia segura nem sequer quando o pai ou a m#e a a(raçavam. O odor que se desprendia dos seus corpos n#o li(ertava nela recordaç#o alguma. +ais, era um cheiro que a deiPava terrivelmente inquieta, ao ponto de o odiar. e toda a fam)lia, a Ynica pessoa a quem conseguia, em parte, a(rir o coraç#o era a sua irm# mais velha. Os pais mostravamse desorientados perante uma filha t#o pro(lem$tica, e o seu irm#o, naquela !poca, mal lhe prestava atenç#o. "penas a irm# pareceu entender o estado de perplePidade e a solid#o com que ela se de(atia. ando mostras de grande paciência, começou ent#o a ocuparse de Fumiko. ormia no mesmo quarto que ela, conversava com ela, lialhe livros, levavaa U escola, ajudavaa a fazer os tra(alhos de casa. 8e acontecia Fumiko fecharse no quarto, a um canto, a chorar durante horas a fio, permanecia a seu lado, a(raçandoa e fazendo os poss)veis por animar a irm#. Aez tudo o que estava ao seu alcance para ajudar a irm# a a(rir o seu coraç#o. 8e n#o tivesse morrido por causa de uma intoPicaç#o alimentar no ano seguinte, a situaç#o teria certamente sido diferente. Z8e a minha irm# fosse viva, as coisas l$ em casa poderiam ter corrido melhor[, costumava dizer Fumiko. Z%la tinha apenas onze anos, mas era uma presença indispens$vel na fam)lia. 8e n#o tivesse morrido, teria sido melhor para todos nós. 'ela parte que me toca, eu n#o seria um caso perdido. CompreendesV esde ent#o, sempre me senti terrivelmente culpada, em relaç#o a tudo. e que ! que servia eu estar viva, eu que n#o era Ytil a ningu!m, nem conseguia azer ningu!m felizV 'or que ! que n#o tinha morrido eu no lugar da minha irm#V "l!m do mais, tanto os meus pais como o meu irm#o, sa(endo perfeitamente como eu me sentia, nunca me dirigiram uma Ynica palavra afectuosa. 'elo contr$rio, n#o perdiam uma ocasi#o 'ara falar da minha irm# desaparecida. e como era (onita e inteligente. e como toda a gente gostava dela. e como era compreensiva e (onita, de como tocava (em piano. Ouve, at! liç\es de piano me o(rigaram a ter^ 7sto porque, depois da morte da minha irm#, algu!m tinha de usar o piano de cauda que havia l$ em casa. +as eu n#o estava minimamente para a) virada. 8a(ia que nunca conseguiria tocar 4 t#o (em como ela e, ao mesmo tempo, n#o queria que eles estivessem sempre a pensar que eu era inferior U minha irm# em todos os aspectos e mais algum. " verdade ! que n#o podia ocupar o lugar de ningu!m e muito menos o dela. 9em queria^ +as eles n#o me ligavam nem escutavam o que eu tinha para dizer. 9ingu!m prestava atenç#o ao que eu dizia. 'or isso, ainda hoje só de ver um piano fico maldisposta % detesto ver algu!m a tocar piano.[ 5uando Fumiko me contou esta história, fiquei a detestar a sua fam)lia. 'or tudo aquilo que a tinham feito passar. 'or tudo aquilo que n#o lhe tinham sa(ido dar. 7sto aconteceu antes de estarmos casados. >avia pouco mais de dois meses que nos conhec)amos. =em(rome de que era uma manh# tranquila de domingo. %st$vamos os dois na cama e, aos poucos, ela iame contando coisas da sua inf_ncia como se estivesse a desenrolar os nós de um cordel, reavaliando lentamente os factos um a um. %ra a primeira vez que falava tanto acerca de si mesma. "t! U data, eu pouco ou nada conhecia acerca da sua fam)lia ou da sua inf_ncia. Tudo o que sa(ia dela era que falava pouco, que gostava de desenhar, que tinha o ca(elo liso e (onito e dois sinais na omoplata direita. % que tivera a sua primeira ePperiência sePual comigo.
%nquanto falava, chorou um (ocadinho. Compreendi a sua necessidade de chorar. "(raceia e acaricieilhe os ca(elos. 8e a minha irm# fosse viva, de certeza que irias gostar dela. Toda a gente gostava. -astava olhar para ela. "credito que sim retorqui eu. +as acontece que ! por ti que eu estou apaiPonado. T#o simples quanto isto. X uma coisa entre tu e eu. " tua irm# n#o ! para aqui chamada. Fumiko ficou em silêncio durante algum tempo, mergulhada nos seus pensamentos. Is sete e meia de uma manh# de domingo, todos os rumores possu)am uma doce resson_ncia oca. ava para ouvir pom(as esvoaçar so(re o telhado do meu apartamento e, ao longe, uma voz a chamar um c#o. Fumiko permaneceu durante um grande (ocado a fiPar um Ynico ponto no tecto. izme uma coisa perguntou ela por fim , gostas de gatosV Dosto imenso de gatos disse eu. 5uando era pequeno, havia sempre gatos l$ em casa. 'assava a vida a (rincar com eles. "t! dormia com eles. 8orte a tua^ %u, quando era pequena, daria tudo para ter um gato. +as nunca deiParam porque a minha m#e detestava gatos. %m toda a minha vida, at! agora, nunca consegui o(ter uma coisa que realmente me desse prazer. 9em uma só vez. $ para acreditarV 9#o fazes ideia do que ! viver assim quando uma pessoa se ha(itua a nunca conseguir aquilo que deseja, Us tantas aca(a por n#o sa(er muito (em o que quer da vida. 'eguei na m#o dela. Talvez as coisas se tenham passado assim at! agora. +as j$ n#o !s nenhumhuma criança. Tens o direito de decidir a tua própria vida. podes começar tudo de novo. 8e ! um gato que queres, (astate escolher uma vida em que possas ter um. X simples. %st$s no teu direito. 9#o te pareceV Fumiko tinha os olhos postos nos meus. 8im disse ela. 'assados meses, começ$mos a falar em casamento. 8e, naquela fam)lia, a inf_ncia de Fumiko tinha sido pro(lem$tica e dif)cil, a de 9o(oru fora, U sua maneira, uma inf_ncia tortuosa. Os pais adoravam o seu Ynico filho var#o, mas n#o se limitavam a demonstrar a sua afeiç#o ao mesmo tempo, mostravamse em relaç#o a ele de uma ePigência ePtrema. O pai estava convencido de que a Ynica maneira de alcançar na sociedade japonesa uma posiç#o digna era tirando as melhores notas na escola e deiPando para tr$s quem se atravessasse no caminho. %stava rigorosamente convencido disso. 9os primeiros tempos de casado tive oportunidade de ouvir aquele mesmo discurso da sua própria (oca. 'ara começar, os homens n#o eram todos iguais, dizia ele. 5ue aquela história da igualdade que se aprendia na escola n#o passava de um disparate pegado. O &ap#o podia ter a estrutura pol)tica de uma naç#o democr$tica, mas, ao mesmo tempo, era uma sociedade de classes ferozmente competitiva onde imperava a lei da selva e os mais fracos eram devorados pelos mais fortes. 5uem n#o fazia parte da elite, n#o tinha lugar no pa)s. " esses, só lhes restava esperar que a m$quina os fosse pouco a pouco triturando. 'or isso, as pessoas tinham de se esforçar para su(ir nem que fosse mais um degrau na escada. Caso os japoneses perdessem a vontade de se elevar socialmente, a naç#o estaria em 'erigo. Confrontado com semelhantes afirmaç\es por parte do meu sogro, eu n#o fazia qualquer coment$rio. "t! porque ele n#o tinha 'edido a minha opini#o. =imitarase a despejar as suas próprias convicç\es, a(solutas e imut$veis at! ao final dos tempos. 5uanto U m#e de Fumiko, era filha de um alto funcion$rio. nada no (airro de *amanote, um dos mais elegantes de Tóquio, sem que nle faltasse nada, n#o possu)a, no entanto, opini\es próprias nem força de
vontade para contestar as profiss\es de f! do marido. Kde facto, era terrivelmente curta de vistasL. 5uando chamada a 'ronunciarse so(re qualquer assunto que lhe escapasse, pedia sempre emprestadas as opini\es do marido. 8e a coisa tivesse ficado por a), n#o teria causado mossa a ningu!m. +as, como acontece muitas vezes com este tipo de mulheres, a senhora padecia de uma presunç#o incur$vel. 9a medida em que carecia de um sistema de valores a que chamasse seu, n#o estava em condiç\es de cali(rar sua própria posiç#o sem depender do ponto de vista dos outros 'essoas dessas, só est#o preocupadas em sa(er qual ! a sua imagem que se reflecte nos olhos dos outros. % tornarase assim uma mulher neurótica e de horizontes limitados, cujas Ynicas preocupaç\es se limitavam U posiç#o ocupada pelo marido no minist!rio e U carreira acad!mica do filho. Tudo o que fosse para al!m disso n#o tinha aos seus olhos qualquer significado. este modo, os pais perverteram a educaç#o do pequeno 9o(oru metendolhe U força na ca(eça uma filosofia discut)vel que era fruto da vis#o do mundo distorcida, apan$gio dos RataSa. Todo o seu interesse estava concentrado na pessoa de 9o(oru, seu filho primog!nito. Os pais jamais lhe permitiram que se conformasse com o segundo lugar. 8e uma pessoa n#o sa(ia ser o primeiro num mundo restrito, como o era o da classe ou da escola, como podia esperar sêlo no universo mais vasto da sociedadeV, questionava o pai. % foi assim que deram ao seu filho os melhores professores particulares, espicaçandoo sem cessar. 5uando ele o(tinha notas ePcelentes, compravamlhe tudo o que ele queria, U laia de recompensa, o que lhe permitiu conhecer uma juventude dourada, isto no plano material. %m contrapartida, n#o teve ocasi#o, naquele que ! considerado o per)odo mais sens)vel e vulner$vel, de sair com raparigas ou de se divertir com os seus amigos, enfim, de gozar a vida. 'ara continuar sempre a ser o primeiro, via se o(rigado a concentrar nesse o(jectivo Ynico todas as suas energias. 7gnoro se esse modo de vida agradava ou n#o a 9o(oru RataSa, e o mesmo acontecia com Fumiko. 9#o se podia dizer que 9o(oru RataSa fosse uma pessoa dada a ePteriorizar os seus sentimentos, nem U irm#, nem aos pais, nem a qualquer outra pessoa. %m todo o caso, quer esse estilo de vida fosse ou n#o do seu agrado, o certo ! que n#o tinha escolha. 9a minha opini#o, certos sistemas de pensamento s#o t#o parciais e t#o simplistas que se torna muito dif)cil, sen#o mesmo imposs)vel, refut$los. e qualquer maneira, 9o(oru RataSa terminou os seus estudos num prestigiado instituto privado e entrou para a Aaculdade de %conomia da $ cerca de dois anos, ent#o com trinta e quatro, 9o(oru RataSa aca(ou de escrever um
grosso volume e pu(licarao. %ra um denso tratado de %conomia, recheado de jarg#o t!cnico, e, por mais que me esforçasse, confesso que n#o consegui entender patavina. 'ode mesmo dizerse que nunca me aventurei para al!m da primeira p$gina. -em me esforcei por avançar na leitura, mas n#o fui capaz de decifrar o sentido daquelas frases. 8entiame incapaz de dizer se o conteYdo do livro era por demais o(scuro ou, pura e simplesmente, se estava mal escrito. O livro, por!m, causou sensaç#o entre os especialistas. "lguns cr)ticos vieram a lume co(rilo de louvores, clamando que Za(ria caminho a uma doutrina económica radicalmente nova, fruto de uma concepç#o radicalmente diferente[, mas, se querem que lhes diga, para mim nem sequer aquelas recens\es fizeram sentido. 9#o tardou que os órg#os de comunicaç#o começassem a falar nele como um homem da nova era, uma esp!cie de herói dos tempos modernos. "t! livros que tratavam t#osomente de interpretar o seu tra(alho começaram a aparecer. %Ppress\es como Zeconomia sePual[ e Zeconomia escatológica[, por ele usadas no livro, tornaramse as ePpress\es da moda naquele ano. &ornais e revistas pu(licaram artigos e suplementos so(re a sua pessoa, elegendoo como um dos intelectuais da nova geraç#o. 'ela minha parte, era dif)cil acreditar que qualquer uma dessas vozes elogiosas tivesse compreendido o seu tratado de economia, duvidava mesmo que tivessem sequer a(erto o calhamaço. +as isso 'ouco ou nenhum significado tinha aos olhos deles. 'ara eles, 9o(oru RataSa era jovem, solteiro, dono e senhor de uma inteligência suficientemente lYcida para escrever um livro que ningu!m conseguia entender. %m todo o caso, a pu(licaç#o do livro tornouo famoso. Aartouse de escrever artigos para as mais diversas revistas. "pareceu na televis#o como comentador de assuntos económicos e pol)ticos. assado pouco tempo tornouse convidado ha(itual dos programas de de(ate. Os que o conheciam melhor Kincluindo Fumiko e euL, nunca tinham imaginado vêlo ganhar tanto protagonismo. Toda a gente via nele o t)pico investigador neurótico, Ynica e ePclusivamente interessado na $rea da sua especialidade. +as uma vez introduzido no mundo dos meios de comunicaç#o social, ! caso para dizer que desempenhou Us mil maravilhas o seu papel, ao ponto de deiPar toda a gente de (oca a(erta. %ra (om naquilo que fazia, convenhamos %nfrentava as luzes da ri(alta com uma facilidade desconcertante Com as c_maras de televis#o apontadas, chegava inclusivamente a parecer mais descontra)do do que no mundo real. o lado de c$ todos nós assist)amos, mudos de espanto, a esta sY(ita metamorfose O 9o(oru RataSa que v)amos na televis#o usava fatos de (om corte que deviam custar os olhos da cara, gravata a condizer e elegantes óculos com armaç\es de tartaruga. "doptara um corte de ca(elo moderno. 8altava U vista que tinha um conselheiro de imagem a tra(alhar para ele. 9unca antes o vira aparecer vestido com tamanho luPo. +esmo considerando que o seu novo visual lhe fora imposto pela estaç#o de televis#o a pensar nos telespectadores, a verdade ! que ele parecia sentirse perfeitamente U vontade. Como se tivesse feito aquilo toda a sua vida. Z5uem dia(o ! este homemV[, lem(rome de ter pensado na altura. 5ual seria a sua verdadeira naturezaV Onde dia(o estar$ o verdadeiro 9o(oru RataSaV iante das c_maras assumia uma postura (em mais discreta. 5uando lhe pediam a sua opini#o, avançava uma ePplicaç#o precisa, respondendo com palavras simples e ePi(indo uma lógica f$cil de entender. 5uando o de(ate aquecia e todos os outros convidados começavam a levantar a voz, ele nunca perdia as estri(eiras. 8empre que confrontado, n#o respondia a provocaç\esE deiPava o seu interlocutor dizer o que queria e no fim, com uma simples frase, deitava por terra os argumentos do outro. ominava a arte de desferir a estocada final com um sorriso no rosto e a voz serena. 9#o sei como fazia, mas no pequeno ecr# parecia muito mais inteligente e digno de confiança do que
na realidade era. "inda hoje estou para sa(er como ! que o conseguia. 9em sequer se podia dizer que fosse especialmente (emparecido, se (em que fosse alto e magro e tivesse todo o ar de ser filho de (oas fam)lias. 9uma palavra, 9o(oru RataSa encontrara na televis#o o seu am(iente ideal. Os órg#os de comunicaç#o acolheramno de (raços a(ertos e ele, por seu turmo, sentiase como peiPe na $gua. " verdade, por!m, e por mim falo, ! que n#o suportava ler os seus artigos nem ver a sua imagem na televis#o. %ra ardiloso, sem dYvida, e tinha talento. 7sso at! eu reconheço. %nquanto o dia(o esfregava um olho, e recorrendo a um punhado de frases (reves, deiPava o seu opositor fora de com(ate. 'ossu)a um instinto animal que lhe permitia sa(er a cada instante que passava em que direcç#o soprava o vento. +as (astava ler os seus escritos ou analisar o seu discurso com alguma atenç#o para se perce(er que tudo aquilo denunciava falta de consistência. "s suas palavras n#o traduziam uma vis#o do mundo (aseada em convicç\es profundas. %ra um mundo constru)do com (ase numa s!rie de sistemas superficiais de pensamento, que ele com(inava a seu (elo prazer, conforme as necessidades do omento. %stamos a falar de com(inaç\es e permutaç\es intelectuais ePtremamente engenhosas, atenç#o. 5uase uma o(ra de arte, a (em dizer. 'ara mim, se ! que a minha opini#o conta alguma coisa, tudo aquilo n#o passava de um jogo. " Ynica coerência que se podia encontrar nas suas opini\es era, por sistema, a falta de coerência. % a Ynica vis#o do mundo era uma vis#o do mundo que consistia na ausência de uma vis#o do mundo digna desse nome. 'or mais paradoPal que seja, o seu património intelectual assentava precisamente so(re esse vazio. Coerência e uma sólida vis#o do mundo eram armas perfeitamente dispens$veis na luta estrat!gica de ideias praticadas no terreno dos meios de comunicaç#o e disputada ao segundo. O facto de estar li(erto desse fardo constitu)a, para 9o(oru RataSa, uma vantagem enorme a seu favor. " defender, pouco ou nada tinha. O que significava que podia darse ao luPo de concentrar toda a sua atenç#o no com(ate em si. 8ó tinha de atacar e levar o advers$rio ao tapete. e 9o(oru RataSa podia dizerse que era um camale#o intelectual. +udava de cor consoante a cor do seu advers$rio, constru)a a lógica mais eficaz para cada situaç#o, mo(ilizando para isso todos os seus dons de retórica. 9#o faço a m)nima ideia onde dia(o ter$ ido (uscar essas t!cnicas, mas o certo ! que possu)a o segredo que lhe permitia electrizar as multid\es. 9em sequer era preciso recorrer U lógica, (astava parecêlo. O importante era despertar os sentimentos das massas. Tinha a mania de largar com mestria, um a seguir ao outro, termos cient)ficos complicados, uma vez que dominar o jarg#o t!cnico era outra das suas especialidades. %videntemente, quase mais ningu!m sa(ia o que esse palavreado significava. +as at! mesmo nesses casos ele tinha a arte de criar uma atmosfera tal que parecia que a culpa era de quem n#o entendia. "h, e passava a vida a citar estat)sticas. eram tudo nYmeros que pareciam gravados na sua ca(eça. % esses nYmeros possu)am um ePtraordin$rio poder de persuas#o. O pro(lema era que, parando mais tarde para pensar, ningu!m sa(ia ao certo se esses ditos nYmeros provinham de uma fonte cred)vel nem se eram riais. "l!m de que os nYmeros podem ser interpretados de muitas maneiras. Toda a gente sa(e isso. +as a sua estrat!gia revelavase demasiado astuciosa e a maioria das pessoas n#o estava em condiç\es de 'ressentir o perigo, por mais evidente que fosse. "queles estratagemas h$(eis punhamme completamente fora de mim mas era incapaz de ePplicar quais as raz\es de tamanha avers#o. nunca fui capaz de esgrimir argumentos U altura. %ra como jogar (oPe
assim do p! para a m#oE Z8a(e, quero casar com a sua irm#.[ 8entado U frente dele, o incómodo transformouse em autêntico desagrado. Tinha a sensaç#o de que um corpo estranho e a cheirar a podre estava aos poucos a alojarse no fundo do est]mago. 9#o que houvesse qualquer coisa de provocatório naquilo que ele fazia ou dizia. %ra o rosto de 9o(oru RataSa que eu achava detest$vel. " minha intuiç#o diziame que o rosto daquele homem estava co(erto por uma m$scara. >avia nele qualquer coisa de artificial, de falso. "quele n#o era o seu verdadeiro rosto. Aoi isso que eu senti. &uro que só me deu vontade de pegar em mim e sair dali para fora. +as uma vez que j$ tinha começado a de(itar o meu discurso, n#o podia arrepiar caminho, deiPando as coisas a meio. 'or isso, n#o tive outro rem!dio sen#o ficar sentado, (e(endo o meu caf! j$ frio, a espera que ele dissesse de sua justiça. 'ara ser franco começou ele, falando num tom (aiPo e pacato como se estivesse a economizar energia , n#o compreendo (em o que aca(ou de dizer e, mais, n#o estou sequer interessado nisso. "s coisas que me interessam s#o de outra natureza, completamente diferente, tudo coisas que, suspeito (em, o senhor n#o compreenderia nem estaria interessado em compreender. esumindo e concluindoE se quer casarse com Fumiko e ela quer casarse consigo, n#o tenho jeito de me opor a isso, nem raz#o alguma para o fazer. 'osto isto, quero que sai(a que n#o me oponho. 9unca me passaria pela ca(eça fazêlo. +as n#o espere mais nada de mim. %, mais importante ainda, agradecia que de futuro n#o me fizesse perder o meu tempo com assuntos deste g!nero. ito isto, olhou para o relógio e levantouse. Tenho a ideia de que ePprimiu de um modo algo diferente, mas n#o me recordo das palavras ePactas. %sta foi, sem som(ra de dYvida, a essência do discurso %m todo o caso, a sua ePposiç#o foi clara e concisa. 9#o pecava nem por ePcesso nem por defeito. %ntendi com perfeita clareza o que me queria dizer e, melhor ainda, a impress#o que eu lhe tinha causado % separ$monos naqueles termos. epois do meu casamento com Fumiko, 9o(oru RataSa passou a ser meu cunhado e tivemos mais de uma ocasi#o para trocar algumas palavras. +as pareceme ePagerado chamar a essas trocas de palavras conversas propriamente ditas. Tal como ele havia dito, n#o t)nhamos pontos em comum. 'od)amos passar dias inteiros a falar que as nossas palavras nunca chegariam para esta(elecer um verdadeiro di$logo. %ra como se fal$ssemos l)nguas distintas. 8e o alai =ama estivesse no leito de morte e o mYsico de jazz %ric olphS, com a modulaç#o das notas do seu clarinete (aiPo, estivesse a tentar ePplicarlhe a import_ncia do óleo para o motor do carro, provavelmente aqueles dois conseguiriam entenderse melhor do que 9o(oru e eu. 9#o tenho por h$(ito ficar emocionalmente pertur(ado durante muito tempo por causa das minhas relaç\es com os que me rodeiam. X evidente que acontece Us vezes sentir me chateado ou irritado com algu!m. +as nunca dura muito tempo. Tenho a capacidade de sa(er distinguir entre mim e os outros, de sa(er discemir entre o meu território e o território alheio Kcreio que lhe posso chamar a isso capacidade, uma vez que, e n#o ! para me ga(ar, estamos perante uma esp!cie de talento, nada f$cil de p]r em pr$ticaL. %m resumo, quando estou descontente ou irritado por qualquer coisa, transfiro o o(jecto do meu desagrado para um território estranho que n#o tem qualquer relaç#o pessoal comigo. epois digo assim para comigoE ZTudo (em, neste momento estou chateado e irritado mas a causa disso, transferia para outra esfera, j$ n#o est$ aqui. +ais tarde, com a ca(eça fria, logo tratarei de analisar as coisas tranquilamente a fim de tomar uma decis#o.[ % isso permiteme congelar durante algum tempo os meus sentimentos. 9um segundo tempo, quando regresso a eles e procedo, com toda a calma, U sua an$lise, Us vezes dou por mim ainda com os _nimos ePaltados, mas ! raro. 'assado um certo tempo, a maior parte das coisas perdem a sua virulência e tornamse inofensivas. +ais
cedo ou mais tarde, aca(o por esquecer tudo. "t! agora, ao longo de grande parte da minha vida, e graças ao uso apropriado deste sistema de gest#o dos meus sentimentos, evitei muitos pro(lemas inYteis e consegui manter o meu mundo interior numa situaç#o relativamente est$vel. % confesso que me orgulho (astante por me ter mostrado capaz de manter a funcionar um sistema t#o eficaz. +as no que diz respeito a 9o(oru RataSa, o meu sistema revelouse inoperante, para n#o dizer que foi um fracasso a(soluto. eveleime,me incapaz de relegar a pessoa de 9o(oru para um dom)nio estranho U minha pessoa. evo at! confessar que foi ele a relegarme para um território sem ligaç#o U sua pessoa. % foi isso que mais me irritou. 5ue o pai de Fumiko era um homem desagrad$vel e antip$tico, de acordo. vendo (em, tratavase de um indiv)duo de ideias curtas que vivia garrado a convicç\es rudimentares. % com isso eu podia perfeitamente viver. Ora, n#o era esse o caso de 9o(oru RataSa. O homem tinha uma consciência clara do tipo de pessoa que era. % tam(!m ! poss)vel que tivesse desco(erto a minha verdadeira natureza. O que equivale a dizer que, caso estivesse para a) virado, teria podido dar ca(o de mim e que, se n#o o havia feito, era simplesmente porque se estava nas tintas para mim. "os seus olhos, eu era t#o insignificante que n#o valia a pena gastar tempo e energia a riscarme do mapa. 8e calhar era por isso que eu n#o podia com o homem. %stamos a falar de uma pessoa intrinsecamente inferior, um ego)sta desprovido de interioridade. +as era claramente uma pessoa com muito mais capacidade e mais h$(il do que eu. "quele nosso primeiro encontro deiPoume, durante muito tempo, uma sensaç#o desagrad$vel na (oca. Como se algu!m me tivesse o(rigado a engolir um punhado de insectos nojentos. +esmo que os tivesse cuspido, o gosto mantinhase. urante uma s!rie de dias, n#o fiz mais nada sen#o pensar em 9o(oru RataSa. 'or mais que tentasse distrairme e concentrarme noutras coisas, o meu pensamento regressava sempre a ele. Aui a concertos, ao cinema. "t! fui ver um jogo de (ase(ol na companhia da malta do escritório. -e(i, devorei livros que alimentava a ilus#o de poder ler quando tivesse tempo livre. +as 9o(oru RataSa nunca sa)a do meu campo de vis#o, com os (raços cruzados, fiPandome com aqueles seus olhos v)treos e malignos, fazendo lem(rar $guas estagnadas. 7sso deiPavame U (eira de um ataque de nervos e fazia tremer a terra de(aiPo dos meus p!s. 5uando volt$mos a encontrarnos, Fumiko quis sa(er que impress#o me tinha causado o seu irm#o. 9#o fui capaz de lhe dizer a verdade. Tinha vontade de perguntar a Fumiko acerca da m$scara que ele usava, acerca dessa Zqualquer coisa[ de tortuoso e desnaturado que escondia dentro de si. Tinha vontade de lhe confessar sinceramente o meu desagrado, a pertur(aç#o que sentia. +as aca(ei por n#o lhe dizer nada. 'or mais que me esforçasse, temia n#o ser capaz de lhe ransmitir o meu pensamento. % se n#o conseguia ePplicarlhe (em, . ent#o n#o era aquele o momento para lhe dar a conhecer o que me ia na alma. Werdade seja dita que ! um (ocado estranho confidenciei eu. "inda tentei acrescentar mais qualquer coisa, mas n#o me veio aa U ideia. % ela tam(!m n#o insistiu. =imitouse a a(anar a ca(eça, sem dizer nada. 1 esde ent#o as minhas impress\es acerca de 9o(oru RataSa pouco ou nada mudaram. %le continuou sempre a (ulir com o meu sistema nervoso e ainda hoje o homem consegue irritarme. X como uma fe(re ligeira que nunca mais desaparece. C$ em casa, televis#o ! coisa que n#o h$, mas, por estranho que pareça, sempre que calha p]r os olhos num televisor, seja em que parte for, apareceme U frente a imagem de 9o(oru RataSa reflectida no pequeno ecr#. Cada veV que, na sala de espera de um consultório
qualquer, pego numa revista e passo os olhos por ela, encontro sempre uma fotografia dele e um artigo da sua lavra. 8intome quase tentado a pensar que 9o(oru RataSa est$ escondido atr$s de cada esquina, por tudo quanto ! s)tio I minha espera. OF, mais vale confessar desde j$. econheço. Odeio o homem. / " lavandaria da felicidade %ntrada em cena de +alta Fano =evei a (lusa e a sa)a de Fumiko U lavandaria que fica diante da estaç#o. 9ormalmente, tenho por h$(ito levar a nossa roupa U lavandaria ao p! de casa, n#o por uma quest#o de preferência, mas por ser mais perto. 5uem costumava ir U lavandaria defronte da estaç#o ! Fumiko, uma vez que fica em caminho quando vai tra(alhar. =eva a roupa U ida e recolhea no regresso. iz ela que ! um (ocado mais careira, mas que tra(alham melhor. % que, apesar de ser menos pr$tico, ! ali que prefere deiPar a limpar as suas roupas preferidas. Aoi isso que me levou a pegar na (icicleta e a dirig)rme U lavandaria perto da estaç#o. 'ensei que Fumiko preferiria que eu pusesse a saia e a (lusa a limpar ali. Westi as minhas calças verdes de algod#o fino, os t!nis do costume, a Tshirt amarela a fazer pu(licidade ao Wan >alen que Fumiko tinha rece(ido de uma empresa discogr$fica qualquer, peguei na roupa e sa) porta fora. Tal como da outra vez, o dono da loja tinha o aparelho estereofónico ligado com o volume no m$Pimo. 9aquela manh# estava a ouvir uma cassete de "ndS Rilliams. 5uando a(ri a porta, Z>a`aiian Redding 8ong[ estava quase a chegar ao fim e começava a tocar ZCanadian 8unset[. Com gestos en!rgicos, o patr#o escrevia qualquer coisa com uma esferogr$fica num caderno, asso(iando alegremente ao som da melodia. 9a colecç#o de cassetes empilhadas 1: so(re uma prateleira liamse os nomes de 8!rgio +endes, -ert Fdempfert 8 a o 8trings Orchestra. T)nhamos ali um apreciador de easS listening. nei 'or mim a 'ensar que um apaiPonado do jazz de "l(ert "Sler, n cherrS ou Cecil TaSlor nunca poderia ser dono de uma lavandaria em plena zona comercial perto da estaç#o. Ou se calhar at! podia. O que n#o n#o acredito ! que fosse feliz. 5uando depositei a (lusa verde com flores estampadas e a saia cor s$lvia em cima do (alc#o, o homem pegou nas peças de roupa, in8peccionouas rapidamente e escreveu cuidadosamente no tal#oE saia e (lusa[. "gradame pensar que os donos de tinturarias tenham uma letra (onita. % se ainda por cima s#o f#s de "ndS Rilliams, tanto melhor. Chamase Okada, n#o ! verdadeV pergunto inspeccionouas rapidamente e escreveu cuidadosamente no tal#oE saia e (lusa[. "gradame pensar que os donos de tinturarias tenham uma letra (onita. % se ainda por cima s#o f#s de "ndS Rilliams, tanto melhor. Chamase Okada, n#o ! verdadeV perguntou. espondi que sim. %le escreveu o meu nome, depois arrancou a cópia de papel qu)mico e entregouma. 'ode vir (uscar na próPima quintafeira. % desta vez veja l$ se n#o se esquece de vir (uscar a roupa disse. X da sua esposaV 8#o. 8#o (onitas, as cores. O c!u estava co(erto de nuvens carregadas. " previs#o do tempo anunciava chuva.
'assava das nove e meia da manh#, mas ainda havia muita gente a caminho do emprego, dirigindose em passo r$pido para as escadas da estaç#o com pastas na m#o e guardachuvas fechados. eviam ser tudo pessoas que entravam mais tarde ao serviço. Aazia um calor hYmido, mas isso n#o os impedia de estarem de fato completo, gravata e sapatos pretos, como mandam as regras. Wiamse muitos homens da minha idade, mas nenhum levava uma Tshirt do Wan >alen vestida. "lguns tinham uma placa com o nome da empresa na lapela do casaco e um ePemplar do di$rio económico 9ikkei -usiness de(aiPo do (raço. 5uando se ouviu a campainha no cais de em(arque, alguns deles desataram a su(ir as escadas. >$ muito que n#o via gente assim t#o apressada. 8u(i para a (icicleta e regressei a casa, sempre a asso(iar o tema ZCanadian 8unset[ sem dar por isso. %ram onze da manh# quando rece(i uma chamada de +alta Fano. %st$ l$V disse levantando o auscultador. X da casa do senhor OkadaV perguntou ela. ! o próprio. 'ela voz, perce(i logo que se tratava de +alta Fano. Aala +alta Fano. 9o outro dia teve a ama(ilidade de se encontrar comigo. " propósito, por acaso tem algum compromisso para hoje U tardeV 1G espondi que n#o. Tinha tantos planos como uma ave migratória tem propriedades para hipotecar. 9esse caso, ser$ que a minha irm# Creta Fano pode ir ter consigo por volta da umaV Creta FanoV perguntei numa voz sem ePpress#o. ! minha irm# respondeu +alta Fano. Creio que no outro dia lhe mostrei uma fotografia dela... 8im, lem(rome da sua irm#. +as... Chamase Creta Fano. 7r$ visit$lo a meu pedido. I uma parecelhe (emV 8im, pode ser... 9esse caso, n#o o incomodo mais disse +alta Fano, e desligou o telefone. Creta FanoV 'assei o aspirador pelo ch#o e dei um jeito na casa. &untei os jornais todos, at!ios com uma corda e arrumeios dentro do arm$rio. +eti as cassetes espalhadas dentro das respectivas caiPas e arrumeias por ordem ao lado da aparelhagem. =avei os pratos na cozinha. epois tomei duche, lavei a ca(eça e vesti roupa lavada. Aiz caf! e comi uma sandu)che de presunto e um ovo cozido. 8enteime no sof$ a folhear a home &oumal, e pensei no que havia de fazer para o jantar. "ssinalei a p$gina que tinha uma receita de Zsalada de algas hijiki com tofuu e tomei nota dos ingredientes num papel. 5uando liguei o aparelho de r$dio num posto em A+, +ichdel &ackson estava a cantar Z-illS &ean[. ei por mim a pensar em +alta Fano e em Creta Fano. 5ue raio de nomes mais (izarros tinham as duas irm#s^ 'areciam tirados de um espect$culo de manzain. +alta Fano. Creta Fano.
c$lcio, ferro, sais minerais e fi(ras e po(res em calorias. K9. da T.L G i$logo entre dois actores que trocam piadas. X um nYmero tradicional do teatro Kou do teatro de revistaL, que continua a ser muito popular, at! mesmo err televis#o. 9. da T.L 10 I uma em ponto, Creta Fano tocou U campainha. %ra igualzinha U fotografia, sem tirar nem p]r. 'equena de estatura, entre os vinte e os vinte e cinco anos, com ar calmo. %, o que n#o deiPava je ser ePtraordin$rio, arranjada dos p!s U ca(eça ao mais puro estilo dos anos sessenta. 8e estivessem a filmar uma vers#o japonesa de "merican Craffiti, nem sequer precisava de mudar de roupa para lhe ca(er em sorte um papel de figurante. Tal como na fotografia, usava o ca(elo ripado que eu vira na fotografia com as pontas viradas para fora, puPado para tr$s na testa e apanhado por uma (andelete larga e (rilhante, igualzinha U da fotografia. "s so(rancelhas estavam nitidamente desenhadas com l$pis, o r)mel projectava uma som(ra misteriosa no canto dos olhos e o (atom era da cor da moda naquela !poca. 'arecia prestes a desatar aos gritos a cantar o tema Z&ohnnie "ngel[ nas calmas desde que lhe pusessem um microfone nas m#os. " roupa que trazia vestida era nitidamente mais discreta do que a maquilhagem e carecia de qualquer marca distintiva. 'od)amos mesmo dizer que era essencialmente pr$tica. Tinha uma (lusa (ranca e uma saia verde justa ao corpo. 9#o usava acessórios de esp!cie alguma. Trazia uma pequena (olsa de verniz (ranca de(aiPo do (raço e calçava sapatos pontiagudos tam(!m (rancos, a condizer. 'equenos, com os saltos finos e afiados como o (ico de um l$pis, mais pareciam sapatos de (oneca. "dmireime que tivesse conseguido fazer o caminho todo at! chegar a minha casa em cima de uns saltos daqueles. Com que ent#o era aquela a famigerada Creta Fano^ +andeia entrar, convideia a sentarse no sof$ da sala, aqueci caf! e ofereci7he uma ch$vena. 'ergunteilhe se j$ tinha almoçado. 9#o sei ePplicar porquê, mas parecia estar com fome. Confessoume que ainda n#o tinha comido nada. +as n#o se incomode acrescentou rapidamente , ao almoço como sempre pouco. " s!rioV Weja l$, n#o me custa nada arranjarlhe uma sandu)che. 9#o faça cerimónia. %stou ha(ituado a preparar sandu)ches, afeiç\es r$pidas e assim, n#o d$ tra(alho nenhum. %la disse que n#o com pequenos movimentos de ca(eça. X muito simp$tico da sua parte, o(rigada, mas estou (em assim, n#o se incomode.
'ois eu um dia destes faço tenç\es de ir at! l$. isse aquilo com uma ePpress#o muito s!ria. Creta ! a ilha grega que est$ mais próPimo de Jfrica. X uma ilha razoavelmente grande, conhecida na "ntiguidade devido a uma importante civilizaç#o que ali floresceu " minha irm# +alta j$ l$ esteve e diz que ! um s)tio espectacular O vento sopra forte e tem um mel que ! uma del)cia. Dosto imenso de mel. "cenei com a ca(eça. 9#o sou grande apreciador de mel. %stou aqui para lhe pedir um favor disse Creta Fano. Dostaria que me arranjasse uma amostra da $gua que tem aqui em casa. JguaV repeti. eferese U $gua da torneiraV 8im, a $gua da torneira serve perfeitamente acrescentou ela. % caso haja algum poço na vizinhança, tam(!m gostaria de o(ter uma amostra. 7sso ! que j$ n#o me parece. 5uer dizer, ePistir um poço aqui perto, ePiste, mas fica dentro da propriedade de outra pessoa, para al!m de estar seco. Creta Fano deitoume um olhar dif)cil de interpretar. Tem a certezaV lançoume ela, espantada. e certeza que dentro do poço n#o h$ $guaV =em(reime do som surdo e seco que tinha chegado aos nossos ouvidos quando aquela rapariga se pusera a lançar pedras para dentro do poço da casa a(andonada. %st$ seco, de certeza a(soluta. %stou a ver. 9esse caso levo só uma amostra de $gua da torneira, se n#o lhe fizer diferença. +ostreilhe o caminho at! U cozinha. e dentro da sua mala de marca (ranca ela tirou dois frascos pequenos daqueles que se usam para fazer an$lises. %ncheu um com $gua e tapouo com todo o cuidado. " seguir perguntoume onde ! que ficava a casa de (anho =eveia at! l$. %stava cheia de roupa interior e de meias que a minha mulher tinha deiPado a secar, mas Creta Fano, sem ligar nenhumhuma Uquele estendal, a(riu a torneira e encheu outro frasquinho. epois de o ter tapado, virouo ao contr$rio para ver se n#o pingava. "s tampas eram de duas cores, para diferenciarE azul para a $gua da casa de (anho verde para a $gua da cozinha. 13 5uando voltou U sala, colocou os dois frascos numa pequena holsa de pl$stico, daquelas que se guardam no congelador, e fechouo hermeticamente. %m seguida guardoua cheia de precauç\es dentro da mala de verniz (ranca. O fecho met$lico produziu um estalido fecharse. 'ela precis#o dos seus gestos, adivinhavase que j$ devia ter feito a mesma operaç#o vezes sem conta. "gradeço imenso disse Creta Fano. X tudoV perguntei eu. 8im, por agora respondeu ela. Com a m#o endireitou a saia, ]s a mala de(aiPo do (raço e fez menç#o de se levantar do sof$.
leque de penas languidamente agitado por um escravo negro nos filmes de !poca so(re o %gipto antigo. 'ara ser sincera, a minha irm# diz que ! poss)vel que esta história seja mais longa do que inicialmente parecia.
privilegiados, apesar de os meus pais terem or princ)pio n#o alimentar caprichos nem dar aos filhos dinheiro ara gastos sup!rfluos. Tudo somado, posso dizer que lev$vamos uma ePistência (astante modesta. Z+alta ! cinco anos mais velha do que eu. &$ quando era pequena mostrava ser diferente dos outros. "divinhava coisas. 8a(ia que o doente no quarto nYmero tal aca(ara de morrer, por ePemplo, ou onde parava a carteira que andava perdida. 8a(ia tudo o que se passava. "o princ)pio toda a gente achava graça a isso, at! porque dava jeito, mas depois, pouco a pouco, as pessoas começaram a achar aquilo sinistro. Os nossos pais disseramlhe para nunca dizer Hsem fundamento concretoH diante dos outros. O meu pai tinha uma posiç#o a defender na qualidade de director da cl)nica e n#o queria que as pessoas de fora viessem a sa(er, por portas e travessas, que a sua filha tinha poderes paranormais. " partir de ent#o, +alta selou os l$(ios e nunca mais falou disso. 9#o só deiPou de falar das coisas Hsem fundamento realH como quase deiPou de participar nas conversas normais do diaadia. Z" Ynica pessoa a quem ela a(ria o coraç#o era a mim, a sua irm#zinha mais nova. Crescemos muito unidas e !ramos unha com carne. 'edindo sempre para eu n#o contar nada a ningu!m, ela costumava dizermeE Hum dia destes vamos ter um incêndio perto de casaH, ou Ha nossa tia de 8etagaSa vai ficar doenteH. % acertava sempre. %u ainda era muito novinha e achava uma certa graça Uquilo. 9#o me passava pela ca(eça ter medo, n#o ficava impressionada nem nada. esde que me lem(ro, andava sempre atr$s da minha irm#, agarrada Us saias dela, at!nta Us as suas Hprevis\esH. Z" medida que crescia, estes poderes começaram a aumentar. " minha irm#, por!m, n#o sa(ia que uso dar a esse talento nem como tirar dele partido. % isso constituiu durante muito tempo motivo de grande ansiedade. 9#o tinha a quem pedir conselhos, n#o havia ningu!m com quem pudesse partilhar o seu segredo. 7sso fez dela, nos seus verdes anos, uma adolescente muito solit$ria. Tinha de resolver os seus próprios pro(lemas, encontrar sozinha as suas respostas. 9#o se podia dizer que fosse feliz em casa, no seio da fam)lia. 'assava a Wida com o coraç#o nas m#os, o(rigada a reprimir os seus dons e mantêlos escondidos da curiosidade alheia. %ra o mesmo que cultivar a planta imponenhumte e majestosa num pequeno vaso. 9#o era natural. n#o era correcto. " Ynica coisa que +alta sa(ia era que tinha de a(andonar aquela casa o quanto antes. "creditava que algures, por esse mundo fora, deveria ePistir um lugar certo para ela e um modo de vida adequado Us suas necessidades. +as n#o teve outro rem!dio sen#o aguentar estoicamente at! chegar ao fim do secund$rio. Z5uando aca(ou o col!gio, e em vez de ir para a universidade +alta decidiu partir sozinha para o estrangeiro. Os meus pais eram pessoas muito conservadoras e n#o podiam darse ao luPo de permitir semelhante passo. 'or isso, a minha irm# viuse o(rigada a tra(alhar no duro para conseguir p]r algum dinheiro de parte e aca(ou por sair de casa sem dizer $gua vai. 'rimeiro que tudo viajou at! ao >avai e ali viveu dois anos na ilha de Fauai. Tinha lido algures que algures na costa norte da ilha havia um lugar onde jorrava uma $gua milagrosa. &$ naquela altura +alta se interessava profundamente pelo elemento $gua. "creditava piamente que a vida ana era, em grande parte, determinada pela composiç#o da $gua. 'or essa raz#o escolheu ir viver para Fauai e juntarse a uma importante comunidade hippie que U !poca permanecia ainda no interior da ilha. " $gua daquele lugar teve uma grande influência so(re os seus dons so(renaturais. "o a(sorver aquela $gua, sentia que o seu corpo e os seus poderes so(renaturais se fundiam num só. %screveume a dizer que era a coisa mais maravilhosa
que lhe podia acontecer. "s suas cartas encheramme de alegria. Contudo, depois chegou a um ponto em que j$ n#o se sentia realizada naquele lugar. Tratavase, como ! ó(vio, de um lugar (elo e apraz)vel, onde as pessoas se dirigiam em (usca de paz de esp)rito, renunciando Us am(iç\es materiais. %m contrapartida, todos viviam demasiado su(jugados pelas drogas e pelo sePo, e isso era uma coisa em que +alta n#o estava interessada. "o fim de dois anos, a(andonou a ilha. Z" seguir rumou ao Canad$, viajou pelos %stados
"pós uma ligeira hesitaç#o, ela disse que aceitava um. Aui U cozinha (uscar os ovos cozidos e o sal e aproveitei para deitar mais caf! nas ch$venas. 8em pressas, trat$mos de descascar os ovos e de os comer. -e(emos o nosso caf!. %ntretanto tocou o telefone, mas n#oo atendi. epois de quinze ou dezasseis toques, parou. Creta Fano 'arecia nem sequer ter ouvido o telefone. 5uando aca(ou de comer o seu ovo, tirou um pequeno lenço dentro da mala de verniz (ranca e limpou a (oca. " seguir comp]s a (ainha da saia.
tal ordem que me vinham as l$grimas aos olhos. Todos os meses, durante uma semana inteira, eu era a imagem de uma mulher torturada por aquela dor Z9as viagens de avi#o, devido Us diferenças de press#o, a minha ca(eça parecia que estalava. izia o m!dico que devia ser por causa da estrutura das minhas orelhas. "contece a quem tem o ouvido interno particularmente sens)vel. 9os elevadores era a mesma coisa. 9em para su(ir a um arranhac!us podia entrar num elevador. " dor era t#o intensa que tinha a impress#o de que a ca(eça ia re(entar e o sangue, jorrar a rodos. 8em esquecer os pro(lemas de est]mago. 'elo menos uma vez por semana, acordava com tantas dores que mal me conseguia p]r de p!. &$ perdi a conta ao nYmero de vezes que fui a caminho do hospital para fazer ePames, mas o certo ! que os m!dicos nunca conseguiram desco(rir uma causa plaus)vel. isseramme que talvez se tratasse de um pro(lema psicossom$tico. 8ó sei que tinha dores que nunca mais aca(avam. % nem sequer podia faltar Us aulas. 8e tivesse deiPado de ir U escola de cada vez que me do)a alguma coisa, aca(aria por nunca l$ p]r os p!s. ZCada vez que me magoava, ficava com uma nódoa negra. 8empre que me via ao espelho da casa de (anho, só tinha vontade de chorar. O corpo estava de tal forma co(erto de nódoas negras que mais parecia uma maç# sorvada. etestava que me vissem em fato de (anho e, que me lem(re, desde muito pequena que me recusava a ir nadar. Outra coisa era o pro(lema dos meus p!s, cada um do seu tamanho. %scusado dizer que comprar sapatos novos era um tormento. Z'or todas estas raz\es, quase nunca fazia desporto.
desejei morrer. ZContudo, ao mesmo tempo, pensava noutra coisa. Wendo (em, aquilo n#o podia durar eternamente.
"o chegar ali, Creta Fano soltou um profundo suspiro. Tinha U frente dela o prato com as cascas de ovos e as ch$venas de caf! vazias. 9o colo, o lenço que do(rara com tanto cuidado. eu uma olhadela ao relógio da estante, como se de repente se tivesse lem(rado das horas. Tem de me desculpar disse ela numa voz (aiPa e seca. 9#o pensava falar tanto. =onge de mim a(usar do seu tempo, senhor Okada. 9#o sei como desculparme por ter demorado tanto a contar uma história t#o pouco interessante. "cto cont)nuo, pegou na mala de verniz (ranca pela correia e levantouse. %spere um momento disse eu precipitadamente, uma vez que chegados a este ponto, n#o queria que a história ficasse a meio. 8e est$ preocupada com o tempo, esqueça. %sta tarde n#o tenho mais nada para fazer. Wisto que j$ me contou a história at! aqui, por que n#o continuar at! ao finalV 7magino que n#o fique por aqui... X evidente que o relato n#o aca(a aqui replicou Creta Fano, continuando de p!, a olhar para (aiPo, na minha direcç#o, sempre agarrada U correia da mala com am(as as m#os. "quilo que lhe contei, pode dizerse que ! apenas o pre_m(ulo. 'edilhe que esperasse ali um momento e fui U cozinha. epois de respirar profundamente, uma e outra vez, tirei dois copos do arm$rio e deitei gelo l$ para dentro. %nchios de sumo de laranja que fui (uscar ao frigor)fico. 'ousei os dois copos em cima de uma pequena (andeja e leveia para a sala de estar. Todos os meus gestos tinham sido feitos com ePtremo vagar, demorando propositadamente tempo. +as quando cheguei U sala fui dar com ela na mesma posiç#o. Contudo, quando pus o sumo de laranja U sua frente, pareceu mudar de ideias. Woltou a sentarse no sof$ e colocou a mala a seu lado. 9#o se importa, a s!rioV perguntoume em jeito de confirmaç#o. 5uer mesmo ouvir a história at! ao fimV Claro que sim respondi. %la (e(eu metade do sumo de laranja e prosseguiu o seu relato. Como j$ deve ter perce(ido, senhor Okada, falhei na tentativa de p]r fim U minha vida. Caso contr$rio, n#o estaria agora aqui sentada, a (e(er sumo de laranja na sua companhia disse, olhandome fiPamente nos olhos. %m sinal de concord_ncia, es(ocei um leve sorriso. 8e eu tivesse morrido conforme planeado, o pro(lema teria ficado definitivamente resolvido.
(astasse, na minha atrapalhaç#o tinhame esquecido de desapertar o cinto de segurança antes do em(ate. ZAoi assim que escapei de morte certa. 'raticamente ilesa. %, coisa estranha, quase n#o sentia dores. Tinha a impress#o de estar a ser alvo de algum sortil!gio. Aui transportada para o hospital e a) trataram da minha Ynica costela fracturada. 5uando apareceu a 'ol)cia para me interrogar, disselhes que n#o me lem(rava de nada. %Ppliquei aos agentes que devia ter pisado o acelerador em vez do trav#o. % eles acreditaram em tudo o que lhes contei. "final de contas, aca(ara de fazer vinte anos e só tinha a carta h$ coisa de seis meses. 9em sequer se podia dizer que tivesse aspecto de quem se queria suicidar. 5uem ! que se tenta matar com o cinto de segurança postoV Z5uando me deram alta do hospital, vime confrontada com alguns pro(lemas de ordem pr$tica e de dif)cil resoluç#o. 'rimeiro, 'agar as letras do +:, que ficara reduzido a sucata. evido a um erro da companhia seguradora, o carro ainda n#o estava co(erto pelo seguro no momento do acidente. Z'ensei que, se tivesse sa(ido disso, era prefer)vel ter alugado um carro que tivesse seguro, mas confesso que naquela altura era a Yltima das minhas preocupaç\es, sa(er se o carro estava ou n#o co(erto pelo seguro^ 9unca me passou pela ca(eça que a estYpida viatura do meu irm#o n#o tivesse seguro e que, ainda por cima, falharia na minha tentativa de suic)dio. Tinhame lançado contra um muro de 'edra U velocidade de cento e cinquenta quilómetros por hora. %ra um milagre estar viva. Z"lgum tempo depois, a administraç#o da imo(ili$ria envioume a factura da reparaç#o do muro. avia qualquer coisa que n#o estava (em. 5ualquer coisa que me dominava. 9esse Yltimo instante, essa Hqualquer coisaH deteveme, literalmente, como se me puPasse para tr$s. epois de muito pensar, compreendi de que dia(o se tratava. Z9#o sentia dor. Zesde a altura do acidente, quando tinha ido parar ao hospital, deiPara praticamente de ter dores. Com tudo o que me acontecera, nem me tinha aperce(ido disso, mas o certo ! que a dor desaparecera do meu corpo, la U casa de (anho regularmente, as menstruaç\es deiParam de ser dolorosas. 9#o me do)a a ca(eça nem o est]mago. "t! a costela partida, j$ n#o se fazia sentir. 9#o fazia a m)nima ideia do que levara a isso. O sofrimento chegara ao fim. Z%scolhi viver um pouco mais. 8entia curiosidade. 5ueria sa(orear, nem que fosse por pouco tempo, aquela vida li(erta da dor. 'ara morrer, havia sempre tempo.
Z+as isso significava que, para continuar a viver, teria de pagar a minha d)vida, calculada em mais de três milh\es de ienes. Aoi por essa raz#o que me tornei prostituta. 'rostitutaV repeti, apanhado de surpresa. 7sso mesmo replicou Creta Fano, como se fosse a coisa mais natural do mundo. 'recisava de arranjar muito dinheiro em pouco tempo. 5ueria saldar a minha d)vida o mais cedo poss)vel, e n#o conhecia outro meio eficaz de ganhar dinheiro rapidamente. 9a altura nem sequer vacilei. Tinha pensado muito a s!rio em morrer, dizendo para comigo que isso aconteceria, mais cedo ou mais tarde. +as no preciso momento em que pensava naquilo, a curiosidade de uma ePistência sem dor levavame, temporariamente, a querer viver. Comparado com a morte, o facto de vender o meu corpo n#o era assim t#o grave. %stou a compreender disse eu. Creta Fano remePeu com a palhinha o gelo meio derretido no sumo de laranja e (e(eu um golinho. 'osso fazerlhe uma perguntaV disse eu. I vontade. Aalou com a sua irm# acerca dessa históriaV 9a !poca a minha irm# encontravase em +alta. %nquanto andou em retiro espiritual, nunca me deu a conhecer a sua morada. Tinha medo que isso interferisse nos seus ePerc)cios ou lhe pertur(asse a concentraç#o. 'raticamente n#o lhe pude enviar cartas durante os três anos que permaneceu em +alta. %stou a compreender disse eu. "petecelhe mais um pouco de caf!V 8im, agradeço respondeu ela. Aui U cozinha e aqueci o caf!. %nquanto esperava, respirei fundo v$rias vezes sem tirar os olhos do termostato da cafeteira el!ctrica. 5uando o caf! ficou quente, deiteio em duas ch$venas lavadas e leveias para a sala na (andeja, juntamente com um pratinho de (olachas de chocolate. urante um (ocado, fic$mos ali a (e(er caf! e a comer (olachas. >$ quanto tempo tentou suicidarseV perguntei. Tinha aca(ado de fazer vinte anos, ou seja, h$ seis anos. %m +aio de 1/4 respondeu. Aoi em +aio de 1/4 que Fumiko e eu nos t)nhamos casado. 'recisamente nesse mês Creta Fano tinha tentado suicidarse e +alta Fano vivia como asceta na ilha de +alta. 7a at! aos (airros malafamados, metia conversa com o primeiro homem decente que me aparecia pela frente retomou Creta o fio U meada , negociava o preço, levavao para um hotel ali perto e ia para a cama com ele. O acto sePual n#o me provocava a m)nima dor f)sica. 9em me dava o m)nimo prazer, verdade seja dita. 9#o passava de uma sucess#o de movimentos f)sicos, mais nada. T#opouco sentia remorsos por rece(er dinheiro a troco de sePo. %stava envolta numa insensi(ilidade de tal forma profunda que n#o vislum(rava o fundo. Z%ra um (om negócio. 8ó no primeiro mês consegui amealhar quase um milh#o de ienes. Iquele ritmo, teria sido poss)vel saldar nas calmas a minha d)vida em três ou quatro meses. I tardinha, quando sa)a da universidade, ia at! ao centro da cidade fazer pela Wida, procurando sempre estar em casa antes das dez, o mais tardar. "os meus pais disse que tinha arranjado tra(alho como empregada de restaurante. 9ingu!m suspeitava de nada. Como n#o podia devolver muito dinheiro de uma vez para n#o levantar suspeitas, decidi entregar o meu pai apenas cem mil ienes por mês e depositar o resto no (anco. Z+as uma noite, perto da estaç#o, quando me preparava como de costume para a(ordar um desconhecido, dois homens agarraramme de repente por detr$s. " princ)pio pensei que eram pol)cias. +as depois perce(i que eram mem(ros da SakuzaH "rrastaramme para uma ruela o(scura, ameaçaramme com uma esp!cie de faca e levaram me para
os seus escritórios locais. Trancaramme no quarto dos fundos despiramme e ataram me. " seguir violaramme durante muito tempo % gravaram tudo com uma c_mara de v)deo. %u permaneci o tempo todo com os olhos fechados, procurando n#o pensar em nada. +as foi dif)cil, uma vez que n#o sentia nem dor nem prazer. Zepois mostraramme o v)deo e disseramme que, se n#o queria que o tornassem pY(lico, tinha de entrar para a organizaç#o e tra(alhar para eles. 'egaram no cart#o de estudante que levava comigo na carteira e ameaçaram enviar uma cópia daquele v)deo aos meus pais dizendo que lhes sacariam todo o dinheiro que pudessem se eu me recusasse a o(edecerlhes. 9#o me restava alternativa. isse que faria o que me ordenassem, visto que tudo me era indiferente. %, de facto naquela altura assim era. %les disseram que, a partir do momento em que eu entrasse para a organizaç#o, os meus ganhos diminuiriam consideravelmente, pois eles passariam a ficar com setenta por cento do total. %m contrapartida, deiParia de ter o tra(alho de andar U procura de clientes. % tam(!m deiParia de me preocupar com a 'ol)cia. 8eriam eles a enviarme clientes de categoria. "crescentaram que, pelo que tinham visto, se eu continuasse a a(ordar qualquer um daquela maneira, o mais certo era aca(ar estrangulada no quarto de algum hotel. Z" partir da), passei a n#o ter de calcorrear as esquinas. 8ó tinha de me apresentar ao princ)pio da noite no escritório e seguir para o hotel que me indicavam. Z% o certo ! que me arranjavam (ons clientes. 9#o sei (em porquê, mas a verdade ! que rece(ia tratamento privilegiado. Talvez porque o meu aspecto n#o fosse o de uma profissional, mas sim o de uma rapariga inocente e, mais, de (oas fam)lias. X prov$vel que isso ePcitasse a imaginaç#o de certos clientes. "s outras raparigas rece(iam três e mais clientes por dia, mas no meu caso safavame com um ou dois, no m$Pimo. "s outras andavam sempre com um ()per atr$s, e quando eram chamadas, n#o tinham outro rem!dio sen#o ir para hot!is de segunda encontrarse com clientes duvidosos. 9o meu caso, podia quase sempre contar com a reserva feita. % quase sempre em hot!is de primeira categoria. Tam(!m me acontecia ter encontros em apartamentos de luPo. Os meus clientes eram, na sua maioria, homens de meiaidade, e só muito raramente jovens. Zouve alguns que começaram mesmo a requisitar os meus serviços com regularidade. egra geral, pagavamme (om dinheiro. %sse dinheiro, depositavao em diferentes (ancos. +as, na realidade, o dinheiro tinha deiPado de ser importante para mim e mais n#o era do que uma simples enumeraç#o de cifras. %ra como se vivesse apenas para confirmar a minha total insensi(ilidade. Ze manh#, ao acordar, ainda deitada na cama, confirmava que o meu corpo n#o sa(ia o que era uma dor digna desse nome. "(ria os olhos, ordenava calmamente as minhas ideias e, depois, passava em revista, uma a uma, as diferentes partes do meu corpo, da ca(eça aos p!s. 9em uma dor para amostra. 8e realmente n#o tinha dores, ou se era eu que n#o dava por elas, n#o o sa(eria dizer.
ha(itava um corpo que n#o era o meu. Olhavame no espelho, mas a imagem reflectida era, aos meus olhos, qualquer coisa de terrivelmente distante. Zavia algo nas suas pupilas que me desconcertou. esculpe disse ela , mas seria muito incómodo pedirlhe mais um caf!V Claro que n#o disse eu. Coloquei as ch$venas em cima da (andeja e fui para a cozinha tratar do caf!. %ncosteime ao lavaloiça com as duas m#os nos (olsos, U espera que a $gua fervesse. 5uando regressei U sala com as ch$venas de caf!, Creta Fano j$ n#o se encontrava sentada no sof$. " (olsa, o lenço, todas as suas coisas haviam desaparecido. Aui espreitar na entrada. Os sapatos tam(!m l$ n#o estavam. 8ó a mim, contado nem se acredita. 1 Condutas su(terr_neas e falta de electricidade +aS Fasahara e as suas teorias so(re ca(eleiras postiças 9a manh# seguinte, depois de me despedir de Fumiko, fui nadar um (ocado para a piscina do (airro. " essa hora h$ sempre menos gente. e regresso a casa, preparei um caf! e fiquei a (e(êlo ali mesmo na cozinha, sempre com a estranha e incompleta história de Creta Fano Us voltas na ca(eça. Aui recordando por ordem o que me havia contado, todos os episódios, um a um. 5uanto mais remo)a naquilo, mais estranho tudo me parecia. +as chegou um momento em que o meu c!re(ro se recusou a funcionar como deve ser. %stava cheio de sono. Aui at! U sala, deiteime no sof$ e fechei os olhos. "cto cont)nuo, adormeci% tive um sonho. : 8onhei com Creta Fano. +as quem aparecia primeiro era +alta Fano.
sal#oL era um mar de gente, mas a figura de +alta Fano, com aquele chap!u vistoso, saltava U vista %stava sentada no (ar, sozinha. iante dela tinha um copo cheio com o que parecia ser uma (e(ida tropical, mas n#o consegui perce(er se estava a (e(er ou n#o. %u tinha vestido o meu fato e a famosa gravata Us pintinhas, assim que vi +alta Fano, encaminheime na direcç#o dela, mas a multid#o tolhiame o passo e n#o me deiPava avançar. 5uando finalmente consegui chegar ao (ar, j$ ela tinha desaparecido. iante do (anco alto só ficara o copo com a tal (e(ida ePótica. 8enteime no tam(orete ao lado e mandei vir um u)sque escocês com gelo. O (arman perguntoume se tinha alguma marca preferida. Zoje j$ n#o vai ser poss)vel. O melhor ! desistir.[ % ali mesmo, diante dos meus olhos, livrouse rapidamente da roupa, como se estivesse a descascar uma vagem de ervilha, e ficou nua. 8em pre_m(ulos nem ePplicaç\es de esp!cie alguma.
Z9#o temos muito tempo, senhor Okada. Wamos l$ despachar isto. Tenho muita pena de n#o poder ocuparme de si com mais calma, mas tenho as minhas raz\es. &$ foi dif)cil chegar at! c$.[ % ent#o aproPimouse de mim, a(riume a (raguilha e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, tiroume o p!nis para fora. epois, (aiPando os olhos com as longas pestanas postiças, envolveume o p!nis com os l$(ios. Tinha a (oca muito maior do que eu alguma vez imaginara. entro dela, o meu p!nis ficou mais duro e tive uma erecç#o imediata. 5uando ela mePia a l)ngua, as pontas encaracoladas do seu ca(elo oscilavam ligeiramente como se tocadas pela (risa, acariciandome as coPas. 8ó lhe conseguia ver o ca(elo e as pestanas postiças. %u estava sentado na cama e ela, de joelhos no ch#o, tinha o rosto enterrado no meu (aiPoventre. Z'$ra[, dizia eu. Z9o(oru RataSa deve estar quase a chegar. 8e me encontra aqui, estou feito. 9#o quero correr o risco de dar de caras com aquele homem.[ Z9#o te preocupes[, retorquiu Creta Fano, tirando a (oca do meu p!nis. ZTemos todo o tempo do mundo.[ 'ercorreume o sePo com a ponta da l)ngua. 9#o queria ejacular. +as foi mais forte do que eu. Tinha a sensaç#o de estar a ser sugado para dentro de qualquer coisa. Os seus l$(ios e a sua l)ngua eram como um corpo vivo e viscoso, agarrado a mim e mantendo me prisioneiro. Wimme. % foi ent#o que acordei. 0 8ó a mim, contado nem se acredita. Aui U casa de (anho, lavei a roupa interior manchada e tomei >uche, lavandome escrupulosamente para me livrar da sensaç#o vjscosa deiPada pelo sonho. >$ quantos anos n#o tinha um sonho hYmidoV Tentei lem(rarme da Yltima vez. Aora h$ tanto tempo que j$ nem sa(ia o que isso era. "ca(ava de sair do duche e estava a secarme com a toalha quando tocou o telefone. %ra Fumiko. %u a aca(ar de me vir enquanto sonhava com outra mulher e ela ali ao telefone. 9#o deiPava de ser uma sensaç#o incómoda, falar com ela. %st$s com uma voz estranha. "conteceu alguma coisaV quis ela sa(er. Tinha uma intuiç#o danada para aquele g!nero de coisas. 9#o, nada de especial respondi. "dormeci sem querer e acordei agora mesmo. ... fez ela num tom desconfiado. " sua suspeita chegava at! mim atrav!s do telefone, deiPandome ficar ainda mais tenso. e qualquer forma, ! só para dizer que tenho muita pena mas hoje vou chegar um (ocadinho mais tarde disse Fumiko. 8e calhar antes das nove n#o consigo estar em casa. 'or isso o melhor ! jantar fora. 'or mim, tudo (em. X da maneira que arranjo qualquer coisa só para mim. esculpa l$ acrescentou ela. isse aquilo como se lhe tivesse ocorrido aquilo no Yltimo momento. "o fim de alguns segundos, desligou. Aiquei por momentos a olhar para o auscultador e depois fui para a cozinha, descasquei uma maç# e comia. "o longo dos meus seis anos de casamento com Fumiko, nunca a enganara. O que n#o ! o mesmo que dizer que nunca tinha sentido desejo por outra mulher. 9em que as oportunidades haviam faltado. 'ura e simplesmente, acontece que nunca as tinha aproveitado. 9#o sei ePplicar (em a raz#o, mas prendese com uma quest#o de 'rioridades na vida. 8ó uma vez, devido a circunst_ncias que n#o estavam no programa, tinha passado a noite em casa de uma amiga. Tinha simpatia 'or ela, e, por seu turno, ela n#o se teria importado nada de ir para a cama comigo. "pesar de sa(er isso, n#o me deitei com ela.
%ra uma rapariga que tra(alhava comigo na mesma firma. Creio que era dois ou três anos mais nova do que eu. "s suas funç\es consistiam em atender o telefone e coordenar a agenda de todos nós, e posso afiançar que desempenhava esse tipo de tarefas de forma impec$vel. 'ossu)a uma grande intuiç#o e ePcelente memória, se algu!m queria sa(er alguma coisa, era só perguntarlheE onde se encontrava fulano tal e o que estava a fazer, onde estava arquivado o documento Pis, coisas desse g!nero. %ra ela que tomava notas de todas as reuni\es. Toda a gente gostava dela e confiava na sua capacidade de tra(alho. " n)vel pessoal, a nossa relaç#o quase poderia ser considerada de amizade, e n#o era a primeira vez que t)nhamos ido (e(er qualquer coisa. 9#o se podia dizer que fosse propriamente uma (eldade, mas o rosto dela era do meu agrado. 5uando deiPou o emprego para se casar Kfoi o(rigada a mudarse para FSushu por causa do tra(alho do noivoL, eu e v$rios outros colegas do escritório convid$mola para ir tomar um copo connosco no Yltimo dia de tra(alho. 9o regresso, apanh$mos os dois o mesmo com(oio e, como j$ era tarde, acompanheia a casa. "o chegar U porta do seu apartamento, ela convidoume a entrar para (e(er um caf!. %u estava preocupado com a ideia de perder o Yltimo com(oio, mas, ao mesmo tempo, sa(ia que aquela poderia muito (em ser a Yltima vez que nos v)amos e, al!m disso, estava mesmo a apetecerme um caf! para ver se dissipava os efeitos do $lcool, por isso aceitei. %ra a t)pica casa de uma rapariga solteira que vive sozinha. >avia um frigor)fico demasiado grande para uma só pessoa e uma estante em que se destacava a aparelhagem de som, porventura demasiado luPuosa para aquele tipo de alojamento. 8egundo me contou, um amigo tinhalhe oferecido o frigor)fico. %la foi ao quarto vestir uma roupa mais confort$vel e depois voltou U cozinha para tratar do caf!. 8ent$monos os dois no ch#o, um ao lado do outro, e fic$mos ali U conversa. >$ alguma coisa que te meta realmente medoV perguntoume ela a certa altura, como se tivesse aca(ado de se lem(rar daquilo, isto numa altura em que est$vamos am(os calados. 9ada em especial respondi eu depois de ter pensado naquilo durante um (ocado. >avia muitas coisas que me faziam medo, mas na altura n#o me lem(rei de nenhumhuma em concreto. % tuV Tenho medo das condutas su(terr_neas confessou ela a(raçando os joelhos com am(as as m#os. 8a(es o que s#o, n#o sa(esV
%la acariciou os l$(ios com um dedo da m#o esquerda como para confirmar, uma vez mais, que continuava viva. "inda me lem(ro de como tudo aconteceu. =em(rome da cena como se fosse hoje. "t! parece que estou a verme, deitada de (arriga para cima e a ser levada pela corrente. Wejo desfilar cada vez mais depressa os muros de pedra que (ordejam o rio e, por cima de mim, vejo o c!u de um (elo azul, o mais azul dos azuis. 8into que a corrente me leva consigo, cada vez mais veloz. 9#o compreendia o que me estava a acontecer. +as, de repente, doume conta do que me esperaE a escurid#o. " verdadeira escurid#o. $ algum pro(lema concreto relacionado com o casamentoV %la a(anou a ca(eça. 9#o, n#o creio que haja aquilo a que se possa chamar um 'ro(lema concreto. 8#o pequenas coisas. +as se entramos por a), nunca mais de l$ sa)mos. / 9#o sa(ia (em o que lhe havia de dizer, mas a situaç#o ePigia que eu dissesse alguma coisa. Creio que toda a gente que se vai casar deve ePperimentar mais ou menos a mesma sensaç#o. 9#o deve haver quem n#o pergunte a si próprio se n#o estar$ a cometer um grande erro. Tratase ao fim e ao ca(o, de uma insegurança perfeitamente leg)tima. X ó(vio que eleger um companheiro para toda a vida ! uma decis#o importante 9#o h$ raz#o para estares assim angustiada a esse ponto. 7sso ! f$cil de dizer. Z"contece a toda a gente, somos todos iguais[ lançou ela. &$ passava das onze. %stava na altura de levar a conversa a (om porto e irme em(ora dali. +as antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ela virouse para mim U queima roupa e pediume que a a(raçasse. 'orquêV pergunteilhe, apanhado de surpresa. 'reciso que recarregues as minhas (aterias. "s (ateriasV 9#o tenho electricidade no corpo que chegue. >$ uma quantidade de dias que n#o sei o que ! dormir. urmo um (ocadinho, acordo e depois n#o consigo pregar olho. &$ n#o consigo pensar. 5uando isto acontece, preciso que algu!m me ajude a recarregar as (aterias. e outra maneira, n#o posso continuar a viver. "credita. %stou a falar a s!rio. 'ensando que talvez ela j$ estivesse com um gr#ozinho na asa, olheia (em no fundo dos olhos, mas o que vi foram os mesmos olhos inteligentes e perspicazes do costume. 8em o m)nimo sinal de em(riaguez. %scuta uma coisa, tu vais casarte daqui a uma semana. O teu marido vai poder a(raçarte as vezes que quiseres. Todas as noites. X isso, o casamento. " partir de agora nunca mais sentir$s falta de energia. %la n#o respondeu. "pertou os l$(ios e limitouse a olhar para os p!s em silêncio. Tinha os p!s perfeitamente alinhados um ao lado do outro. %ram pequenos e (rancos, com dez unhas muito (em arranjadas.
O pro(lema ! agora disse ela. 9#o amanh#, na semana que vem ou no próPimo mês. X agora que a electricidade me faz falta. 'arecia ter realmente necessidade de que algu!m a a(raçasse, e foi isso mesmo que eu fiz, pondo os (raços U volta dela. Tive uma sensaç#o muito estranha. 'ara mim, ela n#o passava de uma colega, eficiente e simp$tica. Tra(alh$vamos na mesma sala, troc$vamos piadas, e quando calhava )amos (e(er qualquer coisa juntos. +as, longe do tra(alho, naquele apartamento, com ela nos meus (raços, o seu corpo mais n#o era do que uma massa de carne t!pida. 9o fim Z de contas, pensei, limitamonos a representar o papel que nos foi atri(u)do no cen$rio da nossa vida profissional. $ anos que eu n#o sa(ia o que era jogar majong. %, ainda por cima, n#o sei mentir. "ca(ei por confessar a verdade. Conteilhe a história toda do princ)pio ao fim saltando, claro, a parte da minha erecç#o.
% jurando que n#o tinha havido nada entre mim e aquela rapariga. Fumiko passou três dias sem me falar. =iteralmente. 9em uma palavra. ormia no outro quarto e comia sozinha . 'ode dizerse que foi esta a pior crise que o nosso casamento enfrentou. %stava seriamente zangada comigo. % eu compreendia muito (em que isso acontecesse. %Pperimenta p]rte no meu lugar. Tu, que pensarias tuV perguntoume Fumiko ao fim de três dias de silêncio. Aoram estas as suas primeiras palavras. % se fosse eu a chegar Us três da manh#, sem ter sequer telefonado para casa, e te tivesse ditoE Z'assei a noite na cama com um homem, mas n#o te preocupes, n#o aconteceu nada entre nós. "credita, estive só a recarregarlhe as (aterias. "gora, vamos a um (om pequeno almoço e, depois, caminha.[ %ras capaz de acreditar, sem ficares irritadoV 'ermaneci em silêncio. % n#o contente com isso, ainda fizeste pior prosseguiu Fumiko. +entisteme. 'rimeiro dissesteme que tinhas estado a (e(er e a jogar majong. % isso era mentira. Como ! que queres que acredite em ti quando me dizes que n#o fizeste amor com elaV econheço que fiz mal em ter mentido disse eu. +as se menti foi só porque era complicado dizer a verdade. 9#o ! algo que se possa ePplicar assim t#o facilmente. 8ó quero que acredites que n#o fiz nada de mal. Fumiko permaneceu alguns instantes com a ca(eça apoiada so(re a mesa. Tive a impress#o de que o ar na sala se fora tornando, pouco a pouco, mais ligeiro. 9#o sei como ePplicar melhor acrescentei , mas preciso que acredites em mim. 9#o posso fazer mais nada para te convencer. 8e queres que acredite em ti, eu acredito retorquiu ela. +as n#o te esqueças do que te vou dizerE pode muito (em acontecer que eu te faça a mesma coisa a ti. %, nesse dia, ! (om que tu acredites em mim. Tenho esse direito. "t! U data, Fumiko nunca ePercera aquele direito. Is vezes penso no que aconteceria se ela o fizesse. %ra prov$vel que acreditasse nela. +as n#o descarto a hipótese de me sentir confuso, ao ponto de considerar a hipótese insuport$vel. 'or que dia(o se teria ela : lem(rado de apostar uma coisa assimV % esses deviam ter sido precisamente os sentimentos de Fumiko naquele momento. 8enhor '$ssaro de Corda^ gritou algu!m do jardim. %ra a voz de +aS Fasahara. 8a) para a varanda ainda a secar o ca(elo com a toalha. Aui dar com ela ali, a morder a unha do polegar. Trazia os mesmos óculos de sol da primeira vez que a vi, umas calças de algod#o cremes e um pólo de cor preta. 9a m#o tinha um portefólio. 8altei por cima disse, apontando para o muro de cimento. % sacudiu o pó que se havia agarrado Us calças. 8altei para aqui um (ocado a olho. "inda (em que aterrei na tua casa^ 7magina se, por engano, tivesse entrado na casa de outra pessoa^ 8acou do (olso das calças de um maço de >ope e acendeu um cigarro. Ora diz l$, senhor '$ssaro de Corda, tudo (em contigoV Wou andando. Olha, estou a caminho do tra(alho disse ela , por acaso n#o queres vir comigo. Auncionamos em grupos de dois e confesso que prefiro mil vezes fazer equipa com algu!m que conheça. "s pessoas que est#o ali pela primeira vez n#o param de fazer perguntas. 5uantos anos tenho, por que ! que n#o vou U escola, esse g!nero de coisas.
ou mais tarde, vais começar a ficar calvo e, pelo sim pelo n#o, tens todo o interesse em começar desde j$ a de(ruçarte so(re o pro(lema enquanto ainda tens ca(elo. +as ouve l$, n#o corres o risco de te dizerem alguma coisa, caso te encontrem em Dinza durante o dia a fazer isto, em vez de ires U escolaV 3 e terreno pantanoso no s!culo Pvi, transformouse numa zona comercial Ynica no coraç#o de Tóquio. e armaz!ns Ka torre do relógio do edif)cio Rako ! um dos s)m(olos mais popularesL a galerias de arte, passando por teatros, restaurantes e livrarias, ! todo um mundo de cultura e com!rcio que ali pode ser encontrado. K9. da T.L Tl 9#o me acontece nada. -asta que diga que estou a fazer um tra(alho de campo para a aula de Ciências 8ociais. %ngolem sempre esta história, n#o h$ pro(lema. " falta de outros planos para passar a tarde, decidi acompanh$la. +aS telefonou para a dita empresa e disselhes que )amos a caminho. "o telefone, ePprimiase com a linguagem mais correcta do mundo como se fosse uma senhora muito educada. Z8im, terei todo o gosto em tra(alhar com a pessoa em quest#o. 8im, com efeito. 9#o se preocupe. "gradeço imenso. +uito o(rigada. 8im, plenamente de acordo. 'erfeitamente. %staremos l$ pouco depois das duas.[ eiPei um (ilhete a dizer que estaria de volta antes das seis, para o caso de Fumiko chegar mais cedo, e sair de casa na companhia de +aS Fasahara. O escritório do fa(ricante de perucas ficava em 8him(ashi. urante a viagem de metro, +aS ePplicoume em que consistia o tra(alho de investigaç#o. T)nhamos instruç\es para ficarmos numa esquina e contar todos os homens carecas Kou pessoas com pouco ca(eloL que por ali passassem. epois era preciso dividilos em três categorias, consoante o grau de calv)cie. Categoria Z"[E os ca(elos começavam a rarear Kaqueles que tinham o ca(elo um tanto ou quanto raloL Z-[E calv)cie j$ instalada ZC[E pessoas completamente calvas. +aS a(riu o portefólio e tirou l$ de dentro um impresso como os que usavam no inqu!rito e mostroume os diversos modelos de calv)cie. Com isto j$ d$ para perce(er, n#oV 8egundo o grau de calv)cie, consideras que uma pessoa faz parte de um determinado grupo. -asta uma coisa aproPimada. 8e uma pessoa cai na tentaç#o de ser demasiado precisa, nunca mais sa)mos daqui. 8im, no geral acho que j$ perce(i respondi num tom hesitante. "o lado dela ia sentado um homem com peso a mais e pinta de funcion$rio pY(lico que, sem hesitaç#o, eu me arriscaria a classificar como pertencendo U categoria Z-[ que n#o parava de olhar de relance para o folheto, nitidamente incomodado. +aS Fasahara, essa n#o parecia nada preocupada com esse facto. %u encarregome de classificar as pessoas em ", - ou C. Tu ficas ao meu lado e só tens de tomar nota de cada vez que eu disser Z"[, Z-[ ou ZC[. 5ueres mais simplesV Talvez seja respondi. +as qual ! o interesse de um inqu!rito deste g!neroV 7sso j$ n#o sei admitiu ela. 8ó sei que h$ pessoas a fazer o mesmo que nós um pouco por toda a parte. %m 8hinjuku, em 8hi(uSa, em "Soama. 8e calhar est#o a tentar sa(er em que (airros h$ mais gente careca. Ou ent#o est#o interessados em averiguar a :: percentagem a que corresponde cada um destes grupos na populaç#o em geral. W$ l$ sa(erse... O certo ! que n#o sa(em o que h#ode fazer ao dinheiro, por isso podem dar se ao luPo de o gastar em coisas deste g!nero. O com!rcio das ca(eleiras postiças d$ dinheiro que se farta. -asta dizer que as horas ePtraordin$rias s#o aqui muito mais (em
pagas do que em qualquer outro ramo. 8a(es porquêV 9#o. 'orquêV 'orque as ca(eleiras postiças n#o duram muito. "posto que n#o sa(ias isto, mas uma peruca, em m!dia, dura dois ou três anos. 9os Yltimos tempos, as ca(eleiras postiças est#o muito (em feitas mas, em contrapartida, s#o mais fr$geis e estragamse mais depressa. "o fim de dois anos, três no m$Pimo, ! preciso comprar uma nova. Como aderem perfeitamente ao couro ca(eludo, os ca(elos verdadeiros começam a ficar cada vez mais ralos, o que o(riga a trocar a velha ca(eleira por uma que seja capaz de co(rir mais ca(elo. 7magina que compravas uma peruca e que ela deiPava de te servir ao fim de dois anos. 5ual seria o teu racioc)nioV Z-om, l$ fiquei sem ca(eleira ┠ postiça. Como j$ n#o a posso usar, e uma nova iria custarme os olhos da cara, a partir de amanh# vou mas ! tra(alhar sem peruca...[ Consegues imaginar uma cena do g!neroV 9eguei com a ca(eça. 9#o me parece. Claro que n#o. %m resumo o, quando uma pessoa começa a usar peruca, est$ condenada a us$la para sempre. X por isso que os Hfa(ricantes de perucas ganham tanto dinheiro. -em sei que, dito assim, ! um (ocado forte, mas s#o como os traficantes de droga. Cada vez E que arranjam um cliente, têm ali um cliente para toda a vida, at! U morte. "lguma vez ouviste falar de um careca a quem tenha crescido uma farta ca(eleira negraV %u, n#o conheço nem um caso para amostra. %, depois, uma peruca vale no m)nimo uns quinhentos mil ienes ┻ as mais sofisticadas chegam a custar U volta de um milh#o. % ! preciso comprar uma de dois em dois anos, agora faz as contas. +ais do que um automóvel...
vendas de mercado, mas tinha uma fachada muito discreta, sem nenhumhuma inscriç#o, por onde podiam aceder os clientes sem darem nas vistas. a mesma forma, o nome da empresa n#o aparecia nem nos so(rescritos nem nas folhas destinadas a serem preenchidas. %screvi o nome, morada, ha(ilitaç\es liter$rias e idade numa ficha de inscriç#o para tra(alhadores em tempo parcial e entregueia no departamento de estudos de mercado. 8egundo parecia, tratavase de um local de tra(alho sossegado, onde reinava o silêncio. 9#o havia ali ningu!m a gritar ao telefone, nem se via ningu!m a matraquear o teclado do computador, com as mangas da camisa arregaçadas. %stava toda a gente impecavelmente vestida, calmamente entregue Us respectivas tarefas. Como seria de esperar numa empresa de ca(eleiras postiças, n#o se via uma Ynica pessoa calva entre os presentes. 'odia darse o caso de alguns deles estarem a usar perucas de fa(rico da empresa, mas n#o fui capaz de dizer quem usava e quem n#o usava. e todas as empresas que alguma vez visitara, aquela era a mais estranha. 8aindo dali, apanh$mos o metro e fomos at! Dinza. Como ainda era cedo e t)nhamos fome, entr$mos num airS 5ueen para comer um ham(Yrguer. igame l$, senhor '$ssaro de Corda disse +aS Fasahara , eras capaz de usar peruca se começasses a perder ca(eloV 9#o te sei dizer respondi. 9#o gosto de complicar as coisas, de modo que o mais prov$vel era ficar careca. :0 "inda (em disse ela, limpando o ketchup da (oca com um guardanapo de papel. "ssim ! que !. 'erder ca(elo n#o ! uma coisa a8sim t#o tr$gica, contrariamente ao que pensa muito (oa gente a quem isso acontece. 9#o me parece que seja caso para um drama. (em fiz eu. epois sent$monos na entrada do metro, diante do edif)cio SWako, e durante três horas entretivemonos a contar as pessoas com falta de ca(elo. 8entados nas escadas que d#o para a estaç#o, olhando de cima as ca(eças dos que su(iam e desciam, era o melhor m!todo para avaliar com precis#o o estado capilar de todas aquelas ca(eças. Conforme +aS Fasahara me ia dizendo Z"[ ou Z-[ ou ZC[, eu ia registando a informaç#o no formul$rio. Wiase perfeitamente que +aS estava ha(ituada U tarefa. 9em por uma Ynica vez se enganou ou deu mostras de hesitaç#o. 9#o perdia tempo e classificava imediatamente os estados de calv)cie em três graus, dandome a conhecer o resultado, com segurança na voz. Z"[, Z-[, ZC[, limitavase ela a dizer, (aiPinho, para n#o dar nas vistas. Wolta e meia, quando calhava irem a passar v$rias pessoas carecas ao mesmo tempo, viase o(rigada a disparar rapidamente e de uma assentadaE ZCC-"-C" "CC---[. " certa altura, um homem de idade com ar distinto Ke por sinal dono de uma magn)fica ca(eleira (rancaL, depois de o(servar durante algum tempo a nossa actividade, virouse para mim e perguntoumeE esculpe, mas posso sa(er o que est#o os dois a fazerV
seria por ter estado a contar Us escondidas o nYmero das 'essoas sem ca(elo. "panh$mos o metro e, no caminho de regresso a empresa, sempre que via algu!m com pouco ca(elo punhame, por reflePo, a catalog$lo em Z"[, Z-[ e ZC[, o que n#o era propriamente $ muito tempo que n#o andava assim numa carruagem apinhada de gente, mas confesso que n#o tinha saudades. 9ada mau como tra(alho, n#o te pareceV ePclamou +aS Fasahara. X f$cil e pagam (em. 9#o est$ mal disse eu, chupando um re(uçado de lim#o 5ueres vir comigo da próPima vezV 'odemos fazer isto uma vez por semana. 'ode ser. 8a(es uma coisa, senhor '$ssaro de CordaV continuou +aS Fasahara após um (reve silêncio, como se fosse uma ideia que lhe tivesse vindo U ca(eça de repente. 9#o sei at! que ponto as pessoas receiam ficar sem ca(elo porque isso lhes faz lem(rar o fim da vida. 5uero dizer, d$me a impress#o de que elas sentem que, conforme o ca(elo começa a rarear, tam(!m a vida começa a escaparlhes... Como se se estivessem a aproPimar a passos gigantes da sua própria morte, at! U destruiç#o final. "quilo deume que pensar durante um tempo. 8im, ! uma maneira de ver as coisas. 8a(es uma coisa, senhor '$ssaro de CordaV Is vezes pensoE qual ser$ a sensaç#o de morrer aos poucos, lentamente, U medida que o tempo passa. "lguma vez pensaste nissoV Como n#o entendi (em o significado da sua pergunta, sempre agarrado U correia para n#o cair, mudei de posiç#o de modo a ficar virado de frente para +aS. 7r morrendo aos poucos, lentamente... 5ueres dizer o quê, com issoV 9#o me podes dar um caso concretoV -em, por ePemplo... 7magina que ficavas fechado num lugar escuro, sem nada que comer e que (e(er, e que começas a definhar a cada dia que passa... eve ser uma coisa horr)vel, e dolorosa disse eu. 9#o gostaria de morrer dessa maneira, por nada deste mundo. +as, no fundo, n#o ser$ a vida um (ocadinho assimV 9#o estaremos todos nós fechados num lugar escuro, sem ter que comer e que (e(er, e ali vamos definhando, aos poucos... ime. Tu, para a idade que tens, Us vezes pensas de maneira terrivelmente pessimista sa(esV... / %m inglês no original japonês. K9. da T.L :3 'essiquêV 'essimista. 8ignifica ver apenas o lado negro das coisas. 'essimista. 'essimista... repetiu ela para si mesma, uma vez e outra antes de levantar a ca(eça e fiPar os olhos em mim. 8enhor p$ssaro de Corda, só tenho dezasseis anos e
confesso que n#o conheço muito da vida, mas uma coisa posso afirmarE se eu sou pessimista, ent#o ! caso para dizer que os adultos que o n#o sejam, de certo modo n#o passam de um (ando de idiotas... o O toque m$gico +orte na (anheira O distri(uidor de recordaç\es +ud$mos para a nossa casa actual no Outono do segundo anivers$rio de casamento. O apartamento onde mor$vamos, em Foenji, precisava de o(ras de renovaç#o e fomos o(rigados a sair de l$. "nd$mos U procura de outro apartamento confort$vel e (arato, mas n#o conseguimos encontrar nada que cou(esse dentro do nosso orçamento. 8a(endo disso, o meu tio perguntounos se n#o quer)amos ir viver para uma casa que ele tinha em 8etagaSa. Compraraa nos seus verdes anos e ali vivera durante dez anos. 5uando a casa começou a ficar velha, o meu tio pensou em mand$la deitar a(aiPo e construir uma nova, mais funcional, mas as normas de renovaç#o ur(an)stica da zona impediramno de levar por diante o seu projecto. iziase que o plano regulador n#o tardaria a mudar, tornandose menos r)gido, e que era precisamente disso que ele estava U espera, mas, ao mesmo tempo, manter a casa vazia, desa(itada, implicava muito dinheiro em impostos. "lug$la a um desconhecido acarretava, 'or outro lado, o perigo de arranjar pro(lemas na hora de lhe pedir que deiPasse a casa vaga. " nós, co(ravanos a mesm)ssima renda que at! U data pag$ramos pelo apartamento de Foenji Ke que era (astante (aiPa, digase de passagemL, uma esp!cie de renda nominal destinada apenas a contra(alançar os impostos, mas, em troca, com'romet)amonos a li(ertar a casa no prazo de três meses, a partir do momento em que ele precisasse dela. 'ela parte que nos tocava, n#o vemos nada a o(jectar. 9#o est$vamos l$ muito por dentro em +at!ria de impostos, mas a possi(ilidade de vivermos numa casa a s!rio, nem que fosse por pouco tempo, v)amola como um verdadeiro golpe de sorte. " casa estava (astante afastada da Yltima estaç#o rja linha de OdakSu, mas ficava situada 渠渠渠 numa zona residencial muito tranquila, e com jardim. 'equeno, mas tinha. 9#o se podia dizer que a casa nos pertencesse, ! certo, mas davanos a sensaç#o de ter um verdadeiro lar. O meu tio, irm#o mais novo da minha m#e, n#o era pessoa de grandes ePigências. Tinha um esp)rito franco e (astante a(erto, se (em que fosse dono de um feitio um tanto ou quanto imprevis)vel, para n#o dizer indecifr$vel, na medida em que nunca dizia uma palavra a mais. O que n#o impedia que, de todos os meus familiares, fosse ele o meu preferido. epois de se ter licenciado pela
Z5uando vês algu!m que tem valor, deves investir nessa pessoa sem pensar duas vezes e darlhe uma oportunidade[, disseme ele um dia. Z"s coisas que podes comprar com dinheiro, o melhor ! fazêlo sem te pores a pensar demasiado no que ganhas e no que perdes. Trata mas ! de guardar a tua energia para aquelas coisas que o dinheiro n#o pode comprar.[ Casouse tarde, o meu tio. 8ó depois de ter o(tido consider$vel êPito nos negócios, numa altura em que ia j$ a meio dos quarenta, ! que por fim assentou. " mulher era três ou quatro anos mais nova, divorciada, e tam(!m ela dona de uma fortuna razo$vel. Onde a conheceu, ou como, foi coisa que o meu tio nunca me disse e eu, 4 %m inglês no original japonês. K9. da T.L b :4 ela parte que me toca, n#o fazia a m)nima ideia, mas viase que era uma mulher discreta e de (oas fam)lias. 9#o tiveram filhos. 'arece que ela tam(!m n#o conseguira ter filhos da primeira vez, e, quem sa(e, talvez por esse motivo o casamento n#o tivesse funcionado. %m todo o caso, chegado aos quarenta e cinco anos, o meu tio, sem ser propriamente um homem rico, estava numa situaç#o que se podia dar ao luPo de n#o tra(alhar mais at! ao fim dos seus dias. 'ara al!m do que ganhava com o negócio dos (ares, contava ainda com o dinheiro que as casas e os andares lhe rendiam, sem esquecer os sólidos lucros provenientes dos seus investimentos. 'elo facto de tra(alhar num ramo de negócio considerado menos ortodoPo, era considerado a ovelha ranhosa pelos restantes mem(ros da fam)lia, com os seus tra(alhinhos respeit$veis e o seu modesto modo de vida, e ele, pela sua parte, tam(!m n#o se podia dizer que privilegiasse as relaç\es familiares. a(itava com a mulher no apartamento no alto de uma colina, no quarteir#o de "za(u, porque, dizia ele, as casas com jardim davam demasiado tra(alho. 9#o sendo uma pessoa que gostasse de levar uma vida luPuosa, a sua Ynica divers#o era comprar automóveis raros, de luPo, e na garagem tinha um velho &aguar e um "lfa omeo, tam(!m modelo antigo. "m(os poderiam ser considerados quase antiguidades, mas estavam ePtremamente (em conservados e as respectivas carroçarias resplandeciam como (e(!s rec!mnascidos. "proveitando o facto de ter telefonado ao meu tio por outro assunto, pergunteilhe se conhecia a fam)lia de +aS Fasahara. FasaharaV... o meu tio pensou durante alguns instantes, antes de responder. 9unca ouvi falar. 5uando morava a) ainda era solteiro e n#o me dava com ningu!m da vizinhança. 'or acaso o que me interessava sa(er diz respeito U casa que lca por tr$s dos Fasahara, atravessando a ruela, uma casa desa(itada acrescentei eu. Ouvi dizer que antigamente morava a) um tal 9iSa`aki, mas agora n#o vive l$ ningu!m e tem as persianas todas corridas. :1 8e ! o mesmo +iSa`aki, conheçoo (em referiu o meu tio. %ra dono de v$rios restaurantes. Aalei com ele por mais de uma vez at! por raz\es comerciais. 'ara ser franco, nos restaurantes dele a comida n#o era grande coisa, mas como estavam (em
situados, davam lucro. 8imp$tico, esse tal +iSa`aki, apesar de ser o t)pico menino rico e mimado. Ou nunca tra(alhara na vida ou nunca ganhara gosto ao tra(alho. 8eja como for, era do tipo de pessoas que n#o crescem nunca. "lgu!m o aconselhou a jogar na -olsa e o certo ! que ele investiu o seu dinheiro num negócio arriscado e viuse co(erto de d)vidas. 'erdeu tudoE o terreno, a casa, os esta(elecimentos comerciais. Tudo.
uns (ons dez anos, se a memória n#o me falha. 9#o era casada e vivia sozinha na companhia de uma criada. "lguns anos depois da mudança, ficou doente dos olhos. Wia tudo desfocado e tinha at! dificuldade em distinguir os o(jectos muito próPimos, mas, como era actriz, n#o podia aparecer de óculos. % as lentes de contacto, naquela !poca, n#o estavam t#o aperfeiçoadas como agora, nem o seu uso estava assim t#o generalizado. "ssim sendo, antes de cada dia de tra(alho, ela começava por estudar muito (em a disposiç#o dos o(jectos no local de rodagem e decorava o nYmero de passos que era preciso dar para ir do s)tio " para o s)tio -. % o certo ! que a coisa l$ funcionava. Wendo (em, tratavase daqueles melodramas de antigamente produzidos em 8hochiku1. "ntigamente era tudo mais calmo. "t! que um dia, depois de ela ter preparado tudo para a cena em que aparecia e regressado tranquilamente ao camarim, um jovem operador de c_mara que n#o estava por dentro do assunto mudou ligeiramente a disposiç#o dos o(jectos no cen$rio. 1 9o in)cio do s!culo , o &ap#o chegou a ser o maior produtor mundial de longas metragens. " partir dos anos :o, a 8hochiku Finema passou a usar nos seus filmes padr\es e ideias inspirados em >ollS`ood KU imagem e semelhança dos filmes de riffith, por ePemploL, e um grande nYmero de actrizes adoptaram mesmo as t!cnicas das suas colegas americanas para ePpressar as emoç\es e os sentimentos das 'ersonagens. K9. da T.L 9#o me digasV "contece que ela deu um passo em falso, caiu e ficou inv$lida "inda por cima, e possivelmente por causa desse acidente, a sua vis#o começou a deteriorarse cada vez mais. Aicou praticamente cega. p para sua desgraça, a po(re era ainda uma rapariga jovem e (onita %scusado ser$ dizer que nunca mais p]de voltar a tra(alhar em mais nenhum filme. 9#o teve outro rem!dio sen#o ficar fechada em casa %ntretanto, a empregada, em quem ela depositava uma confiança cega, rou(oulhe todo o seu dinheiro e fugiu com um homem qualquer %svaziou as contas no (anco, levou as poupanças, as acç\es, tudo eiPoua sem nada.
O meu nome e a minha morada estavam inscritos a traços negros de pincel so(re o luPuoso so(rescrito antigo em papel de arroz. Wireio e no remetente liase o nome de Tokutaro +amiSa. O endereço G: era de uma cidade na prefeitura de >iroPima. 9em o nome nem a morada me diziam coisa alguma. " julgar pelos caracteres traçados com pincel, o tal +amiSa devia ser um homem de idade avançada. $ ningu!m sa(ia escrever daquela maneira. 8enteime no sof$ e a(ri o so(rescrito com a ajuda de uma tesoura. 9a carta tam(!m apareciam as elegantes letras desenhadas a pincel so(re uma folha de papel japonês tradicional. "quela (onita caligrafia devia pertencer a uma pessoa (astante culta, mas a verdade ! que, n#o tendo eu sido educado naquela tradiç#o, vime em palpos de aranha para a decifrar. 9#o era só a letra, tam(!m o estilo se revelava antigo e ePtremamente formal. +esmo assim, dedicando todo o meu tempo a essa tarefa, l$ consegui apreender por alto o conteYdo da missiva. izia que o senhor >onda, o velho adivinho que Fumiko e eu costum$vamos visitar, tinha sucum(ido a uma crise card)aca duas semanas antes, na sua casa de +eguro. onda, numa operaç#o militar. "gora, por ocasi#o do falecimento do senhor Oischi >onda, e dando cumprimento Us suas Yltimas vontades, fora encarregue pela fam)lia da tarefa de distri(uir algumas recordaç\es do defunto, que a esse respeito tinha deiPado instruç\es muito concretas. Z'elo facto de ele ter deiPado um testamento t#o detalhado, somos levados a pensar que ter$ adivinhado a sua própria morte. 9o seu testamento, o defunto deiPou escrito que ficaria muito grato se o senhor Toru Okada se dignasse aceitar um o(jecto em sua recordaç#o[, liase na carta. ZTenho perfeita noç#o de que o senhor deve estar muito ocupado, mas se, por respeito Us Yltimas vontades do defunto, quiser ter a (ondade de aceitar estes o(jectos como recordaç#o, n#o poderia dar uma alegria maior a este camarada de guerra do senhor >onda, um velho a quem restam poucos anos de vida[, dizia a carta, que tencionava ainda a morada em Tóquio do senhor +amiSaE -unkSoku, >ongo :, chome nYmero tal:o. 'orventura algum familiar em Casa de quem estava alojado. 9o &ap#o os (airros, ku, est#o divididos em quarteir\es, chome, reagrupando v$rias casas e formando um (loco. "s casas s#o numeradas segundo o (loco a que 'ertencem e n#o em funç#o da rua. "ssim, o primeiro nYmero indica a prefeitura, o segundo o quarteir#o principal, o terceiro um (loco de edif)cios mais pequeno dentro do chome, sendo o Yltimo o nYmero do pr!dio. K9. da T.L n 8enteime U mesa da cozinha para escrever a resposta. 'ensava alinhavar meia dYzia de linhas num postal, mas quando peguei na caneta n#o me sa)am as palavras certas. Z8intome honrado por ter conhecido o senhor >onda durante a sua vida[, l$ aca(ei por escrever Ze de ele me ter dispensado a sua atenç#o. "o sa(er que ele j$ n#o se encontra entre nós, v$rias recordaç\es daquela !poca acorrem ao meu pensamento. "s nossas idades eram muito diferentes e o conv)vio n#o durou mais de um ano, mas sempre fui da opini#o que ele possu)a o dom de tocar fundo o coraç#o das pessoas. 'ara ser perfeitamente sincero, devo confessarlhe que n#o estava nada U espera que ele me deiPasse uma recordaç#o. "ssim como tam(!m n#o creio ter direito a rece(er qualquer legado da parte dele. 9o entanto, se foi essa a vontade ePpressa do defunto, ! evidente
que estou disposto a aceit$lo com toda a ildade. "gradeço, por isso, que tenha a ama(ilidade de entrar em contacto comigo quando tiver oportunidade, a fim de nos encontrarmos.[ eitei a carta no marco de correio mais próPimo. Z+orrer ! a Ynica maneiraN de flutuar na correnteN em 9omonhan[, recitei para mim mesmo. %ram quase dez da noite quando Fumiko chegou do tra(alho. Telefonara antes das seis a dizer que o mais certo era chegar outra vez tarde, por isso o melhor era eu n#o esperar por ela para jantar, que ela comeria fora. espondilhe que estava (em. 'reparei qualquer coisa simples e jantei. epois voltei ao meu livro. 5uando chegou a casa, Fumiko disse que lhe estava a apetecer uma cerveja, por isso (e(emos uma a meias. %la tinha um ar cansado. 8entada U mesa da cozinha, com o queiPo apoiado nas m#os, pouco ou nada disse, limitandose a seguir a minha conversa. 'arecia estar a pensar noutra coisa. Conteilhe que o senhor >onda tinha morrido. "i, simV +orreuV disse ela, suspirando. Tam(!m ! preciso ver que o po(re homem j$ n#o era novo, e estava praticamente surdo... +as quando lhe contei que ele me tinha deiPado uma recordaç#o, mostrouse t#o espantada como se tivesse ca)do alguma coisa do c!u. eiPoute uma coisaV " tiV 8im. 9#o faço a m)nima ideia por que raz#o o ter$ feito, mas sim, deiPou. Fumiko reflectiu por momentos, franzindo o so(rolho. eves terlhe ca)do em graça. +as se ele e eu nunca mantivemos uma conversa digna desse nome disse eu. 'elo menos eu, que me lem(re, mal a(ria a (oca e quando a(ria, ele quase n#o me ouvia.
dezasseis anos que vive aqui perto e fui com ela fazer um tra(alho para um fa(ricante de perucas. 'agam melhor do que seria de esperar.[ %, ent#o, Fumiko teria ditoE Z"h, simV 5ue interessante[, e a conversa teria ficado por a). Ou n#o. 'odia muito (em acontecer que ela quisesse sa(er mais coisas acerca de +aS Fasahara. Ou que n#o lhe agradasse o facto de eu ter conhecido unna miYda de dezasseis anos. 9esse caso, teria de lhe ePplicar tudo so(re +aS FasaharaE que g!nero de rapariga, e onde, e quando, e como ! que travara conhecimento com ela. % eu n#o sou l$ muito oom a ePplicar as coisas muito ePplicadinhas. 'eguei no dinheiro, guardeio na carteira, amarrotei o so(resCrito e deiteio para o cesto dos pap!is. Com que ent#o, era assim que os segredos começavam a ganhar forma, pouco a pouco, pensei para comigo mesmo. 9#o era minha intenç#o esconder aquela história aparentemente insignificante, de Fumiko, e tanto se me dava contar como n#o. 'or!m, uma vez atravessado o impercept)vel canal fosse qual fosse a minha primeira intenç#o, a verdade ! que tudo ficara co(erto pelo manto opaco do segredo. O mesmo acontecera com Creta Fano. %u tinha dito a Fumiko que a irm# mais nova de +alta Fano aparecera l$ em casa, que o seu nome era Creta, que se vestia segundo a moda dos primórdios da d!cada de sessenta e que fora l$ a casa com a intenç#o de recolher uma amostra de $gua da nossa torneira. +as calarame (em calado relativamente ao facto de ela ter desatado a fazerme confidências sem sentido e de ter desaparecido inesperadamente sem sequer se despedir, ainda o relato ia a meio. 'orque aquela história me parecia de tal maneira ePtravagante que me era imposs)vel cont$la a Fumiko reproduzindo com ePactid#o todos os matizes. %, tam(!m, porque era poss)vel que Fumiko n#o ficasse contente por sa(er que Creta Fano, uma vez conclu)da a tarefa que a levara at! l$, ficara l$ em casa um grande (ocado na minha companhia a desfiar um ros$rio de confidências ePtremamente pessoais. % foi assim que aquele se transformou em outro dos meus pequenos segredos. 8e calhar, Fumiko tam(!m tinha os seus segredos, pensei. +esmo que isso acontecesse, n#o lhe podia levar a mal, acontece a todos. 8egredos destes, quem os n#o temV Contudo, era prov$vel que, dos dois, fosse eu a ter maior tendência para guardar segredos. Fumiko era mais do g!nero de dizer o que lhe ia na alma. +ais dada a pensar alto. &$ eu n#o sou assim. Comecei a sentirme angustiado e dirigime U casa de (anho. " porta estava toda a(erta. Aiquei de p! na entrada, a olhar para ela de costas. " minha mulher vestira um pijama azul e estava a secar o ca(elo com uma toalha diante do espelho. Ouve uma coisa, em relaç#o ao meu tra(alho disse eu , tenho pensado muito nisso, mas U minha maneira. &$ falei no assunto com v$rios amigos e fiz passar a mensagem. % podes acreditar que tam(!m me mePi. 9#o se pode dizer que haja falta de tra(alho. >aver tra(alho, h$. "ssim que quiser, poderei voltar a tra(alhar. 8e quisesse, podia começar amanh# mesmo. O que se passa ! que estou com dificuldade em tomar uma decis#o. 9#o sei o que fazer. 9#o sei se faço (em ou n#o em continuar assim, at! encontrar um tra(alho que me agrade. +as j$ te disse isso no outro diaE faz aquilo que achares melhor respondeu Fumiko, olhando para o meu rosto reflectido no espelho. 9ingu!m te o(riga a arranjar emprego assim de um dia para o outro. 8e ! por causa do dinheiro, esquece. "gora, se te sentes mal por n#o tra(alhares, se te deprime ficares aqui a tratar das coisas da casa enquanto eu vou tra(alhar, nesse caso tens (om rem!dioE trata de encontrar tra(alho, qualquer tra(alho. " mim, tanto se me d$ uma coisa como outra. X evidente que um destes dias aca(arei por arranjar emprego. 8ou o primeiro a ter a noç#o disso. 9#o posso passar a vida nisto, de (raços cruzados. +ais cedo ou mais tarde, encontrarei tra(alho. +as agora, se queres que seja sincero, n#o sei muito (em o
que gostaria de fazer. 'ouco depois de deiPar o antigo emprego, pensava vagamente em arranjar algo relacionado com a advocacia, uma vez que ! nesse campo que tenho os meus contactos. "gora, por!m, j$ n#o tenho assim tanta certeza. 5uanto mais o tempo passa, menos o ireito me interessa. +ais tenho a impress#o de n#o ser talhado para isso. Fumiko olhou para mim no espelho. 'elo facto de n#o sa(er o que quero fazer, n#o quer dizer que n#o queira fazer nada. 8e me disserem que tenho de tra(alhar, sintome capaz de fazer quase tudo, só n#o tenho uma imagem concreta do tra(alho que quero. X esse o meu pro(lema, neste momento. 9#o consigo definir os contornos dessa imagem. 9esse caso disse ela, pousando a toalha e virandose para mim , se est$s farto da advocacia, (asta que n#o aceites nenhum tra(alho relacionado com isso. %squece o ePame para acederes U magistratura. % como n#o tens pressa de arranjar emprego, visto que n#o tens uma imagem definida, espera at! que arranjares uma. 9#o achas que ! o melhorV espondi que sim com a ca(eça. 8ó queria ePplicarte concretamente aquilo que penso e sinto. "inda (em que o fizeste disse ela. Aui U cozinha e lavei os copos. %la saiu da casa de (anho, veio ter comigo e sentouse U mesa da cozinha. 8a(esV O meu irm#o telefonoume esta tarde disse. "i simV iz que est$ a pensar concorrer Us eleiç\es. 'arece que j$ ! oficial e tudo. "s eleiç\esV repeti. Aiquei t#o chocado que durante alguns mstantes n#o fui capaz de articular palavra. 5uer dizer, como deputado ao 'arlamentoV:i 7sso mesmo. 'ropuseramlhe que se apresentasse como candidato 'ela circunscriç#o eleitoral do meu tio, em 9iigata. +onarquia parlamentarista, o &ap#o tem um sistema pol)tico democr$tico e 'mripartid$rio. Todos os cidad#os adultos têm o direito ao voto e a concorrer Us eleiç\es nacionais e locais. O primeiroministro japonês ! escolhido pelo 'arlamento KietaL. K9. da T.L +as n#o tinha sido decidido apresentar a candidatura do teu primo, como sucessor do teu tio, naquele distrito eleitoralV 'ensava que ele tinha dito que ia demitirse do cargo de director da empresa enzu, ou coisa que o valha, e regressar a 9iigata. Fumiko começou a limpar os ouvidos com um cotonete. 8im, era isso que estava previsto, mas depois o meu primo deu o dito por n#o dito. Tem a fam)lia em Tóquio, gosta do que faz, e presentemente n#o tem vontade nenhumhuma de a(dicar da importante posiç#o que ocupa na direcç#o de uma das grandes empresas de pu(licidade para se enfiar num (uraco como 9iigata na qualidade de deputado. Outra raz#o de peso ! que a mulher est$ totalmente contra a candidatura dele Us eleiç\es. %m resumo, ele afirma que n#o tem a m)nima intenç#o de sacrificar a sua fam)lia. O irm#o mais velho do pai de Fumiko tinha sido eleito deputado pelo distrito eleitoral de 9iigata e havia desempenhado o cargo durante quatro ou cinco legislaturas. 9#o se podia considerar propriamente um pesopesado, mas tinha feito uma carreira (astante satisfatória e, uma vez, chegara mesmo a ser ministro, ainda que de uma pasta pouco importante. "gora, a sua avançada idade e uma doença do coraç#o tornavam dif)cil, para n#o dizer imposs)vel, a sua apresentaç#o Us próPimas eleiç\es, o que significava que algu!m deveria sucederlhe na representaç#o do distrito eleitoral. Tinha dois filhos, mas o primeiro desde o princ)pio deiPara muito claro que n#o tinha a menor intenç#o de
se dedicar U pol)tica, tendo por isso a sua escolha o(viamente reca)do no mais novo. % depois, naquela circunscriç#o eleitoral, querem a todo o custo que o meu irm#o se apresente. 5uerem uma pessoa como eleE jovem, inteligente, en!rgico. "lgu!m capaz de desempenhar o cargo durante muitas legislaturas, capaz de se converter numa personalidade influente no governo central. X (om de ver que o meu irm#o ! muito conhecido, por certo captaria o voto jovem, nada a o(jectar. X certo que talvez n#o possa acudir Us populaç\es pequenas, mas para isso contaria com uma organizaç#o de apoio muito forte que se encarregaria de tudo. +ais, n#o faria diferença se continuasse a viver em Tóquio, desde que se apresentasse em 9iigata para as eleiç\es. %rame dif)cil imaginar 9o(oru RataSa no papel de deputado. % tu, o que achas de tudo istoV perguntei. O que ele faz n#o ! da minha conta. " mim, tanto se me da que seja deputado ou astronauta. %le que faça o que lhe der na gana. Como ! que ePplicas ent#o que ele tenha ido pedir conselho precisamente a tiV Conselho a mimV 9#o sejas rid)culo^ ePclamou ela secamente. Claro que n#o me pediu conselho nenhum. esde quando ! que ele tem por h$(ito pedir conselhos a algu!mV 8ó me telefonou para me dar a conhecer a sua decis#o. %nquanto mem(ro da fam)lia, mais nada. %stou a ver retorqui. +as n#o ir$ ter pro(lemas pelo facto je se ter divorciado e nunca ter voltado a casarV 7sso j$ n#o posso dizer afirmou Fumiko. 9#o entendo nada de pol)tica nem de eleiç\es, nem me interessa sa(er. +as uma coisa seiE aquele, nunca mais vai tornar a casarse. Com ningu!m. "li$s, U partida ele nem sequer devia ter casado. 9#o foi feito para isso. O que ele pretende da vida ! algo completamente diferente daquilo que nós queremos, tu e eu. 8ei isso melhor que ningu!m. "h, simV Fumiko envolveu os dois cotonetes de algod#o num lenço de papel e deitouos no liPo. epois levantou a ca(eça e olhoume fiPamente.
ela, n#o sei. +ais do que uma impress#o, tenho a certeza de que ali havia qualquer coisa que ele nunca foi capaz de superar. Aoi isso que quis dizer quando afirmei que ele nunca se deveria ter casado. ito isto, Fumiko calouse. urante muito tempo fic$mos os dois em silêncio. 'assado um (ocado ela voltou a pegar na palavra. X nesse sentido que me parece que ele tem graves pro(lemas psicológicos. X ó(vio que, em certa medida, pro(lemas psicológicos todos nós temos. +as os dele s#o diferentes dos que eu ou tu possamos ter. 8#o muito mais profundos e persistentes. "l!m de que ele, aconteça o que acontecer, n#o est$ disposto a mostrar as suas feridas nem as suas fraquezas a ningu!m. %ntendes o que eu quero dizerV a) que esta candidatura Us eleiç\es me deiPe um pouco preocupada. O que ! que te preocupa concretamente, diz l$V W$rias coisas respondeu ela. %stou cansada, n#o me apetece pensar mais nisso. Wamos mas ! dormir. 9a casa de (anho, enquanto lavava os dentes, pusme a o(servar a minha cara ao espelho. 9aqueles três meses, desde que a(andonara o emprego, pouco ou nada me em(renhara no mundo ePterior. Contentavame nas minhas idas e vindas entre o supermercado e a piscina municipal. Aora a ePpediç#o ao edif)cio Rako, em Dinza, e o 'acific >otel, em 8hinaga`a, a lavandaria diante da estaç#o era o local mais afastado onde me aventurara. urante todo aquele tempo, praticamente n#o tinha visto ningu!m, tirando a minha mulher, +alta Fano e Creta Fano, isto sem esquecer +aS Fasahara. %ra um mundo verdadeiramente pequeno. iroPima naquela mesma tarde. 7nicialmente pensara que teria mais tempo, disse ele, mas aparecera um assunto urgente e tinha de a(andonar Tóquio e voltar para casa mais cedo do que o previsto. %Ppliqueilhe que de momento n#o estava a tra(alhar e que, como tal, poder)amos encontrarnos U hora que fosse mais conveniente para ele, manh#, tarde ou noite.
+as de certeza que n#o tem nenhum compromisso para hojeV insistiu ele, educadamente. espondilhe que n#o, que n#o tinha compromisso de esp!cie alguma. 9esse caso, que diria se eu tomasse a li(erdade de passar por sua casa por volta das dez da manh#V 'or mim, ePcelente. 8ó depois de ter desligado reparei que me tinha esquecido de lhe ndicar o caminho da estaç#o para nossa casa. -em, paciência, disse 'ara comigo mesmo. 8e j$ tem a morada, ! meio caminho andado. 5uem eraV quis sa(er Fumiko. " pessoa encarregada de distri(uir as recordaç\es do senhor >onda. iz que passa ePpressamente aqui por casa, ainda esta manh#. :: Com(oio(ala. K9. da T.L 0 " s!rioV disse ela. -e(eu um gole de caf! e (arrou uma torrada com manteiga. X muito simp$tico da parte dele. +uito. Ouve l$, n#o seria de (omtom irmos a casa do senhor >onda fazer uma oferenda de incenso ou assimV 'elo menos tu. "cho que tens raz#o. 5uando chegar o senhor +amiSa, perguntolhe o que pensa ele disso. "ntes de sair, Fumiko veio ter comigo e pediume que lhe puPasse o fecho de correr nas costas. O vestido era muito justo e o fecho custava a su(ir. Tinha posto perfume atr$s das orelhas e cheirava muito (em.
mulheres a n#o ser que tenham com elas uma certa intimidade. "gora, imaginando que se tratava de um presente 01 de uma amiga... mas ser$ que as mulheres têm por h$(ito oferecer erfume a outras mulheresV 9#o sa(ia ao certo. " resposta escapavarne. Tudo o que sa(ia era que naquela altura do ano n#o havia nenhum motivo especial para algu!m oferecer uma prenda a Fumiko. Aazia anos em +aio, o anivers$rio do nosso casamento tam(!m calhava nesse mês. 'rovavelmente, a $guadecolónia compraraa ela e mandara fazer um em(rulho (onito. +as porquêV 8uspirei e fiPei o tecto. evia perguntar directamente a Fumiko quem ! que lhe dera a $guadecolóniaV O mais prov$vel era ela responder qualquer coisa comoE Z"h, isso... ei uma ajuda a uma rapariga que tra(alha comigo. X uma longa história, mas posso dizerte que ela estava com pro(lemas e lhe dei uma m#ozinha. %, em jeito de agradecimento, ela ofereceume a $guadecolónia. Cheira lindamente, n#o cheiraV eve ter custado os olhos da cara...[ 8im. "quilo fazia sentido. "ssunto resolvido. %nt#o, por que motivo ! que tinha de me p]r a fazer perguntasV 'or que ! que me preocupava com uma coisa do g!neroV "gora, que me deiPava preocupado, deiPava. >avia ali qualquer coisa que n#o (atia certo. " verdade ! que ela podia ter mencionado o facto. 8e teve tempo para regressar a casa, desem(rulhar o presente, a(rir a caiPa, deitar tudo no cesto dos pap!is e guardar o frasco ao p! dos outros produtos de maquilhagem, tam(!m podia terme ditoE ZOlha, foime oferecido por uma colega que tra(alha comigo.[ +as nem uma palavra. X poss)vel que tenha pensado que n#o valia a pena. "inda que assim fosse, o seu comportamento adquirira os contornos de um segredo. % era isso que me estava a preocupar. eiPeime ficar ali durante um grande (ocado a fitar distraidamente o tecto. %sforcei me por pensar em outras coisas, mas, v$ l$ sa(erse porquê, a minha mente n#o parecia estar a funcionar. ecordava as costas alvas e suaves de Fumiko e o perfume atr$s da orelha no momento de lhe correr o fecho do vestido. 'ela primeira vez em muito tempo, senti vontade de fumar um cigarro. 8ó me apetecia era meter um cigarro na (oca, acendêlo, e encher os pulm\es de fumo. 'odia ser que me acalmasse. +as n#o tinha cigarros ali U m#o. %ncontrei um re(uçado de lim#o e comecei a chup$lo. "s dez para as dez, tocou o telefone. Calculei que fosse o tenente +amiSa. 9#o era f$cil, dar com a nossa casa. +esmo as pessoas que j$ tinham vindo ainda, por vezes, se perdiam no caminho. "contece, 'or!m, que n#o era o tenente +amiSa. " voz que me chegou atrav!s do auscultador era a da mulher misteriosa que dias antes telefonara 'ara me fazer propostas indecentes. Ol$ querido, h$ quanto tempo n#o tinha o prazer de te ouvir^ atacou ela. 5ue tal correu da outra vezV %spero que tenhas gostado. 'or que ! que desligaste a meioV % precisamente numa altura em que as coisas começavam a aquecer... 'or um momento tive a sensaç#o de que se referia ao sonho em que aparecia Creta Fano. +as, o(viamente, era outra história. %stava a falar do dia em que tinha telefonado e eu estava na cozinha a preparar um prato de esparguete. Tenho muita pena, mas agora estou ocupado desculpeime. %stou U espera de uma pessoa daqui a dez minutos e ainda tenho coisas que fazer antes. 'ara quem est$ desempregado tens sempre muito que fazer, n#o !V inquiriu ela com uma pontinha de sarcasmo. &$ da outra vez acontecera o mesmo, que ! como quem diz, a mudança autom$tica no seu tom de voz. Ou est$s a cozinhar esparguete, ou est$s U espera de visitas... 8eja como for, tanto faz, só preciso de dez minutos do teu tempo.
Olha, vamos conversar durante dez minutos, queresV 5uando chegar a tua visita, desligamos logo. 'ensei em desligar logo, sem dizer mais nada. +as n#o fui capaz. "inda estava um (ocado desorientado com a história da $guadecolónia da minha mulher. Creio que me apetecia falar com uma pessoa qualquer, n#o interessava quem. 9#o sei quem !s disse eu, passando por entre os dedos um l$pis que havia ao p! do telefone. e certeza que te conheçoV Claro que conheces. %u conheçote a ti, da mesma maneira que tu me conheces. 9estas coisas n#o minto. "chas que ia perder o meu rico tempo a telefonar para perfeitos desconhecidosV eves ter algum _ngulo morto na tua memória ou qualquer coisa do g!nero^ 7sso n#o sei. "gora, o que... -om, j$ chega disse ela, cortandome (ruscamente o fio U meada. eiPa l$ de esmiuçar tudo ao pormenor. Tu conhecesme e eu conheçote. O que importa, est$s a ouvirV, o que importa ! que eu vou ser muito (oazinha para ti. % tu, tu n#o tens de fazer nada, n#o precisas de assumir responsa(ilidade nenhumhuma, fica tudo por minha conta. Tudo. 9#o achas incr)velV 'or isso, vê mas ! se deiPas de pensar em coisas s!rias. eiPa de complicar as coisas todas. %svazia a tua ca(eça. 7magina que est$s deitado em cima de (arro t!pido num dia quente de 'rimavera. fiquei em silêncio. 7magina que est$s deitado so(re uma cama de lama suave. " dormir. " sonhar. %squece a tua mulher. 9#o penses mais no tra(alho que n#o tens, no futuro. %squece tudo isso. Todos nós vimos do (arro quente e, mais cedo ou mais tarde, ao (arro quente voltaremos. izme, qual foi a Yltima vez que fizeste amor com a tua mulher. =em(ras teV &$ deve ter passado algum tempo, n#oV uas semanas, pelo menosV 00 'eço desculpa, mas chegou a minha visita. " mim, est$me a parecer que deve ter sido ainda h$ mais tempo. "divinhoo na tua voz. Três semanas, talvezV Continuei calado. -om, deiPemos l$ isso disse ela. " sua voz fazia lem(rar uma vassourinha dispersando diligentemente o pó acumulado nas persianas de uma janela. 8eja como for, isso ! l$ um assunto entre ti e a tua mulher. +as eu, pela parte que me toca, estou disposta a darte tudo o que desejas. % tu n#o ser$s ouvido nem achado. %st$s a ouvirV
tenente parecia ser um homem ha(ituado a tomar as suas próprias decis\es e a responsa(ilizarse por elas. Westia um vulgar)ssimo fato cinzentoclaro, uma camisa (ranca e uma gravata cinzenta e (ranca Us riscas. O fato, austero e sem marca distintiva, parecia feito de um tecido demasiado grosso para uma manh# de &ulho quente e hYmida como aquela, mas o certo ! que ele n#o dava sinais de estar a transpirar. " m#o esquerda era uma prótese co(erta por uma fina luva do mesmo cinzaclaro do fato. %m comparaç#o com as costas da m#o direita, (ronzeada e co(erta de pêlos, a m#o artificial Kenvolta pela luvaL tinha um aspecto ePtremamente frio e inanimado. Convideio a sentarse no sof$ e servilhe ch$ verde. %le pediu desculpa por n#o ter ali nenhum cart#odevisita. %nsinava Ciências 8ociais numa escola secund$ria da prefeitura de >iroPima, mas entretanto reformeime, por limite de idade, e j$ nao tra(alho. 8ou dono de algumas terras e, mais por passat!mpo do que por qualquer outra raz#o, cultivo algumas coisas. 'or essa raz#o ! que n#o tenho necessidade de andar com cart\esdevisita, peço desculpa. %ra coisa que eu tam(!m n#o tinha. 渠渠渠 'osso perguntarlhe a sua idade, senhor OkadaV Tenho trinta anos. %le acenou com a ca(eça. epois (e(eu o seu ch$. 9#o compreendia muito (em por que motivo estaria ele interessado em sa(er a minha idade. +ora numa casa muito sossegada disse ele, como para mudar de assunto. %Ppliqueilhe que a casa era alugada ao meu tio por uma renda irrisória. 5ue, em condiç\es normais, com os nossos rendimentos n#o poder)amos viver numa casa com metade daquele tamanho. %le concordou com a ca(eça, lançando olhares discretos U sua volta. %u fiz a mesma coisa. ZOlha U tua volta[, havia dito a mulher. Tornando a relancear os olhos em volta do que me rodeava, senti que na sala flutuava um ar frio e indiferente. Aez agora duas semanas que estou em Tóquio declarou o tenente +amiSa. O senhor ! a Yltima pessoa a quem tenho de entregar uma lem(rança. "gora j$ posso regressar a >iroPima. Tinha pensado em visitar a casa do senhor >onda para fazer uma oferenda de incenso em sua memória disse eu. "gradeço muito a sua intenç#o, mas ele era de "sahika`a, em >okkaido, e ! tam(!m ali que est$ o seu tYmulo. " fam)lia veio de "sahika`a e tratou de recolher todos os o(jectos que ele tinha na casa de +eguro, antes de a fechar. 9#o ficou nada. Compreendo disse eu. 9esse caso o senhor >onda vivia sozinho em Tóquio, longe dos seus familiares. Correcto. O filho mais velho, que nunca saiu de "sahika`a, vivia preocupado pelo facto de o pai estar sozinho na grande cidade, com aquela idade e os pro(lemas de audiç#o que tinha. 'arece at! que chegou a pedirlhe que fosse morar com ele, mas o senhor >onda recusou sempre. Tinha filhosV perguntei, apanhado de surpresa. 9#o sei ePplicar porquê, mas sempre imaginara o senhor >onda um homem solteiro e sem ningu!m no mundo. 9esse caso, a mulher dele deve ter morrido h$ algum tempo. -om, ! uma história um tanto ou quanto complicada. e facto, a esposa do senhor >onda suicidouse juntamente com outro homem pouco depois do fim da guerra. %m 12 ou 12, se n#o estou em erro. 9#o estou por dentro dos pormenores. 9em o senhor >onda me ePplicou a situaç#o nem eu tinha nada que lhe fazer perguntas so(re o assunto.
"cenei com a ca(eça. epois disso, o senhor >onda criou os dois filhos sozinho, m rapaz e uma rapariga. 5uando mais tarde eles se tornaram independentes, veio sozinho para Tóquio e, como de resto o senhor (em sa(e, começou a ePercer o of)cio de adivinho. 5ue g!nero de tra(alho ! que ele fazia em "sahika`aV irigia uma tipografia em sociedade com o irm#o. Tentei imaginar o senhor >onda vestido a preceito diante de uma impressora, a rever as provas. +as, aos meus olhos, o senhor >onda continuava a ser aquele velho de aspecto um pouco desleiPado, fizesse Wer#o ou 7nvermo, sentado de pernas cruzadas diante da (raseira a manejar pauzinhos divinatórios, enfiado no seu quimono n#o muito limpo, que usava atado com uma esp!cie de faiPa enrolada U volta da cintura. Com destreza, o tenente +amiSa desfez o furoshiki : que trouPera com ele e sacou l$ de dentro um pacote que tinha a forma de uma caiPa de doces pequena. %stava envolto num resistente papel kraft e (em atado com v$rias voltas de cordel. epositouo em cima da mesa e empurrouo na minha direcç#o. X esta a recordaç#o que o senhor >onda me encarregou de lhe entregar disse ele. "gradeci e peguei no pacote. 9#o pesava quase nada. 9#o podia imaginar o que teria l$ dentro. &$ posso ver o que !V O tenente +amiSa a(anou a ca(eça. Tenho muita pena, mas o senhor >onda deiPou indicaç\es para só a(rir quando estivesse sozinho. "ssenti e voltei a colocar o pacote em cima da mesa. 'ara dizer a verdade disse o tenente +amiSa , rece(i a carta do 8enhor >onda um dia antes de ele morrer. 9ela, anunciava a sua morte. Z9#o temo a morte[, dizia. ZX o meu destino, e só tenho de o seguir, mas ePiste algo que ficou por fazer. entro do arm$rio h$ este e outro como ele. 8#o coisas que sempre quis entregar a diferentes pessoas. +as n#o me parece que consiga p]r em pr$tica os meus propósitos. 'or isso, ficarlheia muito grato se me ajudasse a distri(uir estes o(jectos que deiPo de recordaç#o, de acordo com as instruç\es que junto numa folha U parte. Tenho consciência de estar a a(usar da sua ama(ilidade, mas esta ! a minha Yltima vontade e acredito que tudo far$ para me ajudar a concretiz$la.[ Aoi isto que deiPou escrito. Confesso que me surpreendeu. >avia muitos anos, 0/ Talvez seis ou sete, que deiPara de ter not)cias do senhor >onda e, de repente, ele enviavame uma carta destas... espondilhe na volta do correio. +as a minha carta cruzouse com a do filho do senhor >onda anunciandome a sua morte. O tenente +amiSa pegou na ch$vena e (e(eu um gole de ch$ verde. "quele homem sa(ia ePactamente quando ia morrer continuou ele. O mais certo era ter desenvolvido faculdades que uma pessoa como eu n#o consegue nem sequer imaginar. Como o senhor muito (em dizia na sua carta, tinha o dom de tocar o coraç#o das pessoas. %u próprio senti isso desde o momento em que com ele travei conhecimento, no Wer#o de 1G4. 5uer ent#o dizer que estava na mesma unidade que o senhor >onda quando ocorreu a (atalha de 9omonhanV 9#o respondeu o tenente +amiSa, mordendo ligeiramente o l$(io. 'ertenc)amos a unidades diferentes, a regimentos diferentes. %stivemos os dois, >ondasan e eu,
envolvidos numa pequena operaç#o militar que ocorreu antes da (atalha de 9omonhan. O ca(o >onda foi mais tarde gravemente ferido em 9omonhan e repatriado. 5uanto a mim, n#o participei na (atalha... %u... disse ele, e acto cont)nuo, o tenente +amiSa levantou a m#o esquerda enfiada dentro da luva perdi a m#o esquerda em "gosto de 102, um mês antes do fim da guerra. urante a contraofensiva do eP!rcito sovi!tico, apanhei com um estilhaço de armamento pesado no om(ro durante um com(ate entre carros de com(ate e perdi momentaneamente os sentidos. Aoi ent#o que fiquei com o (raço esmagado de(aiPo das lagartas de um carro de com(ate sovi!tico. Aizeramme prisioneiro e, depois de rece(er tratamento num hospital de Chita, internaramme num campo de concentraç#o da 8i(!ria, onde fiquei at! finais de 101. esde a altura em que fui enviado para a +anchYria, corria o ano de 1G/, passei ao todo doze anos no comntinente. % ao longo de todo esse tempo nem uma Ynica vez pisei solo japonês. " minha fam)lia pensava que eu tinha morrido a lutar contra o eP!rcito sovi!tico. 9o cemit!rio do meu pa)s natal, havia um tYmulo com o meu nome. "ntes de sair do &ap#o, estava, por assim dizer, mais ou menos comprometido com uma rapariga, mas ao regressar encontreia casada com outro. Contra isso, nada pude fazer. oze anos ! muito tempo. "ssenti. 7magino que estas velhas histórias de guerra devam ser maçadoras para um jovem como o senhor. +as deiPeme que lhe diga mais uma coisa, senhor Okada. Xramos apenas jovens normais, parecidos consigo. 'elo que me diz respeito, jamais quis ser militar. 5ueria ser professor. +as quando sa) da universidade, fui de imediato mo(ilizado e incorporado, por assim dizer U força, no eP!rcito como cadete, e 04 aca(ei por n#o poder regressar ao meu pa)s. " minha vida n#o passou de um sonho ef!mero. O tenente +amiSa deiPouse ficar em silêncio por momentos. 8e n#o for muito incómodo perguntei eu , gostaria que me contasse como conheceu o senhor >onda. %stava muito curioso para sa(er que tipo de pessoa o velho adivinho havia sido, antes de eu o conhecer noutros tempos. O tenente +amiSa, sempre com as m#os pousadas so(re os joelhos, ficou alguns segundos perdido nas suas recordaç\es. 9#o hesitava, estava apenas a reflectir. X poss)vel que a minha história se alongue... avisou ele. 9#o faz mal respondi. 8#o coisas que nunca contei a ningu!m referiu ele. % tenho a certeza de que o senhor >onda t#opouco o deve ter feito. 9ós... nós t)nhamos feito um pacto no sentido de nunca dizer nada a ningu!m, mas agora o senhor >onda morreu. 8ó resto eu. +esmo que eu conte o que se passou, j$ n#o corro o risco de criar pro(lemas a ningu!m. % foi ent#o que o tenente +amiSa deu in)cio ao seu relato. : " longa história do tenente +amiSa 'arte 5uando fui enviado para a +anchYria, estavase no in)cio de 1G/ começou o tenente +amiSa a contar. %nquanto alferes, fui destacado para o quartelgeneral do %P!rcito de F`antung, em >sinching.
Com efeito, na sequência da guerra sinojaponesa o teatro das operaç\es militares deslocarase da +anchYria para o interior da China, e as unidades de com(ate passaram a ser recrutadas, n#o no %P!rcito de F`antung, mas sim no Corpo %Ppedicion$rio da China. "s operaç\es de limpeza contra a guerrilha antijaponesa ainda continuavam mas decorriam agora (astante 01 para o interior do pa)s e, de uma maneira geral, pode dizerse que o pior tinha passado. O %P!rcito de F`antung, ainda que de olho nos territórios da fronteira a norte, havia estacionado na +anchYria as suas poderosas forças a fim de manter a paz e a esta(ilidade pol)tica do %stado fantoche de +anchukuo, pretensamente independente e na realidade so( controlo japonês. Z"pesar de vivermos numa paz relativa, a verdade ! que est$vamos em tempo de guerra e as mano(ras militares eram frequentes. 'ela parte que me dizia respeito, n#o era o(rigado a participar. Tam(!m nisto tive sorte, uma vez que estamos a falar de mano(ras em pleno 7nverno, com temperaturas de quarenta ou cinquenta graus a(aiPo de zero, t#o duras que, ao m)nimo erro, arrisc$vamos a deiPar l$ o coiro. " cada mano(ra, centenas de soldados regressavam com graves queimaduras e tinham de ser internados no hospital ou enviados para tratamento em estaç\es termais. 9#o se podia dizer que a cidade de >singching fosse uma verdadeira metrópole, mas tratavase, ainda assim, de um lugar interessante e com uma atmosfera ePótica, onde todo aquele que o desejasse podia passar um (om (ocado. 9ós, os oficiais solteiros rec!m recrutados, n#o dorm)amos no quartel, mas sim numa pens#o. 'odia dizerse que aquilo era uma esp!cie de prolongamento da despreocupada vida de estudante. 'ensava eu, n#o sem uma certa ingenuidade, que n#o poderia queiParme caso os dias continuassem a decorrer assim tranquilamente, sem nenhum percalço, at! ao fim do serviço militar. ZComo ! ó(vio, viv)amos numa esp!cie de paz podre. " curta dist_ncia, na zona lim)trofe, uma guerra encarniçada seguia o seu curso. 'enso que, para a grande maioria dos japoneses, a guerra com a China ameaçava tornarse um lodaçal do qual n#o lograr)amos sair. 7sto para os japoneses que tinham dois dedos de testa, pelo menos. 'or mais (atalhas localizadas que pud!ssemos ganhar, a longo prazo nunca o &ap#o poderia ocupar e manter de(aiPo do seu jugo um pa)s t#o grande. 5ualquer pessoa em seu pleno ju)zo tinha perfeita noç#o disto. Como seria de esperar, U medida que a guerra alastrava, o nYmero de mortos e feridos aumentava vertiginosamente. "l!m disso, as relaç\es com os %stados singching, levando aquela vida de oficial t#o despreocupada, chegava a perguntar a mim próprio se aquela guerra ePistiria de facto. %m(e(ed$vamonos todas as noites, and$vamos na farra e )amos U procura dos caf!s onde havia mulheres russas (rancas. 2o Z+as um dia, est$vamos em finais de "(ril de 1G4, fui chamado por um oficial superior do %stado+aior que me apresentou a um homem, vestido U civil, chamado *amamoto. %ra de (aiPa estatura, tinha o ca(elo cortado curto e (igode. 5uanto U sua idade, devia andar pelos trinta e cinco, trinta e seis anos. Tinha uma cicatriz na nuca que parecia ter sido feita por um sa(re. HO senhor *amamotoH, disse o meu superior, H! um civil que foi requisitado pelo eP!rcito para estudar o modo de vida e os costumes dos mongóis que vivem no interior da +anchYria. " sua próPima miss#o consiste numa viagem de reconhecimento U regi#o situada na estepe de >ulun(uir, perto da fronteira com a +ongólia %Pterior. O eP!rcito darlhe$ uma pequena escolta e tu far$s parte
dela.H 9#o acreditei numa palavra daquela história. "pesar de estar vestido U civil, saltava aos olhos que o tal *amamoto era militar de carreira. iziamno o seu olhar, a maneira de falar, o porte. 8ó podia tratarse de um oficial de alta pat!nte, de alguma maneira ligado ao 8erviço de 7nformaç\es. 'ossivelmente, dada a natureza da sua miss#o, n#o podia revelar a sua condiç#o de militar. Tudo aquilo me dava um mau pressentimento. 77 Z" escolta de +amiSa compunhase de três homens, contando comigo. Xramos demasiado poucos para formar uma escolta, mas um nYmero maior teria alertado as tropas da +ongólia %Pterior colocadas na proPimidade da fronteira. H'oucos mas (onsH, gostaria de poder dizer, mas infelizmente n#o era o caso. %ra eu o Ynico oficial e a ePperiência em com(ate era nula. " Ynica força (!lica com que pod)amos contar era um sargento que dava pelo nome de >amano. Conheciao (em, uma vez que estava integrado no %stado+aior. %ra aquilo a que se chama um duro, um militar de carreira que se havia distinguido por m!rito próprio nos com(ates travados na China. -em constitu)do e intr!pido, era homem com quem se podia contar, em caso de perigo. "o inv!s, o outro, um ca(o chamado >onda, n#o sa(eria dizer por que raz#o o tinham inclu)do no grupo. Chegara, tam(!m ele, h$ pouco do &ap#o e, tal como eu, carecia de ePperiência em com(ate. I primeira vista era uma alma tranquila, um homem calado, e ningu!m estaria U espera de o ver desempenhar um papel preponderante no caso de pegarmos em armas. "l!m do mais, pertencia U 8!tima ivis#o, o que significava que o quartelgeneral o tinha requisitado de propósito para aquela miss#o. =ogo, devia tratarse de um elemento de peso. 5uanto Us raz\es para tal, só muito mais tarde me dei conta delas. ZAui escolhido para oficial de escolta porque tinha estudado a topografia da fronteira ocidental da +anchYria na zona do rio Fhalkha. Tinha como principal tarefa completar as minhas informaç\es so(re os mapas da regi#o, que de resto so(revoara por mais de uma vez de avi#o. " minha presença tinha, por assim dizer, uma finalidade pr$tica. " minha outra miss#o consistia em reunir informaç#o topogr$fica detalhada a fim de proceder U ela(oraç#o de mapas mais precisos. Chamavase a isso matar dois p$ssaros com um Ynico tiro. Os mapas da zona fronteiriça da plan)cie de >ulun(uir com a +ongólia %Pterior que ent#o ePistiam, para ser franco, n#o eram grande coisa. 9#o passavam de velhos mapas retocados da !poca em que a China era governada pela dinastia +anchu. 'or ordem do %stado de +anchukuo, o %P!rcito de F`antung mais de uma vez enviara para o terreno ePpediç\es encarregadas de desenhar cartas topogr$ficas mais precisas, mas os territórios eram demasiado vastos. X preciso ver que a zona ocidental da +anchYria se estendia por uma estepe desolada e selvagem, onde as fronteiras eram, por assim dizer, inePistentes. %sses territórios eram inicialmente ha(itados por tri(os nómadas mongóis que durante milhares de anos nunca tinham necessitado de fronteiras e, como tal, nem sequer sa(iam o que era o conceito de fronteira. Z'or outro lado, a situaç#o pol)tica tinha contri(u)do para atrasar a ela(oraç#o de mapas precisos da regi#o. Aazer mapas oficiais esta(elecendo as fronteiras de forma ar(itr$ria poderia ter provocado um conflito em grande escala. Os dois pa)ses que faziam fronteira com a +ongólia, a
noroeste devia fazer parte de uma etapa posterior. O truque consistia em ganhar tempo, deiPando, de momento, as coisas indefinidas. "t! mesmo o poderoso %P!rcito de F`antung aprovou esta estrat!gia em linhas gerais e adoptou a postura de mero o(servador. Z8e, contra todas as ePpectativas, a guerra re(entasse por uma raz#o imprevista Kcomo aconteceu, de facto, no ano seguinte em 9omonhanL:0, o certo ! que n#o poder)amos lutar sem mapas. % n#o falo de mapas normais, daqueles que os civis usam, mas sim de cartas topogr$ficas contendo informaç\es detalhadas, próprias para uso :0 9a (atalha de 9omonhan, em plena guerra n#odeclarada no deserto da +ongólia Kde +aio a 8etem(ro de 1G1L, as tropas japonesas foram aniquiladas pelas forças sovi!ticas. %m resposta a esta falha, o &ap#o foi o(rigado a repensar a sua estrat!gia militar, que passou, entre outras coisas, por aumentar o poder de fogo dos seus carros de com(ate. K9. da T.L 2: militar, permitindo sa(er onde localizar os acampamentos militares, jal o local mais oportuno para instalar força de artilharia, determinar quantos dias s#o necess$rios Us tropas de infantaria para se deslocarem de um local para outro, onde procurar $gua pot$vel, qual a quantidade de forragem necess$ria para os cavalos, e por a) fora. 8em mapas desses n#o se pode com(ater numa guerra moderna. Como tal, grande parte do nosso tra(alho consistia em fornecer informaç\es, troc$vamos amiYde ideias com os serviços secretos especiais estacionados em >ailar e com a 8ecç#o de 7nformaç#o do %P!rcito de F`antung. Conhec)amonos todos, mas era a primeira vez que eu punha os olhos em cima do tal *amamoto. Zepois de cinco dias de preparativos, apanh$mos o com(oio em >sinching e prosseguimos viagem at! >ailar. ali, metemonos num cami#o e atravess$mos a regi#o onde fica o templo lama)sta a que chamam santu$rio de Fhandur e cheg$mos ao posto de o(servaç#o fronteiriço do eP!rcito de F`antung, nas proPimidades do rio Fhalkha. 9#o me recordo da dist_ncia ePacta, mas calculo que estivesse a uns trezentos ou trezentos e cinquenta quilómetros. %ra uma plan)cie deserta, a perder de vista. O meu tra(alho consistia em ir o(servando, do alto do cami#o, a configuraç#o do terreno, a fim de comparar com as indicaç\es que apareciam nos mapas que tinha levado comigo. +as n#o havia nada a apontar, visto que n#o ePistia ali nada que pudesse ser considerado acidente topogr$fico. "penas uma sucess#o de colinas (aiPas co(ertas de espessas ervas hirsutas, numa linha do horizonte que se confundia com o infinito de(aiPo de um c!u com algumas nuvens. 9em sequer sa(ia com ePactid#o em que ponto do mapa nos encontr$vamos. Tinha de me deitar a adivinhar, de uma maneira mais ou menos aproPimada, calculando o nYmero de horas que lev$vamos de viagem. ZWolta e meia, avançando em silêncio pelo meio de tanta desolaç#o, acontecianos perder a noç#o da nossa coerência enquanto indiv)duos e ficarmos ref!ns da ilus#o de sentir, aos poucos, a mente a penetrar nos terrenos do del)rio. %st$ a ver onde quero chegarV O espaço ! de tal maneira vasto que se torna dif)cil manter o sentido da proporç#o no que toca aos limites da nossa própria ePistência f)sica e aca(amos por nos confundirmos com a paisagem que nos rodeia. Aoi esta a sensaç#o que ePperimentei em plena estepe mongol. 5ue imensid#o^ +ais que um deserto, parecia um oceano. O 8ol erguiase a leste no horizonte, e atravessava lentamente o c!u antes de mergulhar a oeste, por detr$s da linha do horizonte. iante dos nossos olhos, era a Ynica coisa que mudava. % aquilo que eu sentia perante aquele movimento solar quase se poderia definir como um imenso amor cósmico. Z9o posto de o(servaç#o do eP!rcito, descemos do cami#o e prosseguimos viagem a cavalo. 'ara al!m dos quatro cavalos que mont$vamos, cont$vamos com outros dois
para o transporte de $gua v)veres e armas. O armamento que transport$vamos era (astante ligeiro. O tal *amamoto e eu apenas lev$mos uma pistola. >amano e >onda estavam ainda munidos de espingardas de infantaria de cali(re G4 e de duas granadas de m#o cada um. Z5uem comandava o grupo era, na realidade, *amamoto. %ra ele quem tomava todas as decis\es e quem nos dava ordem. 8egundo o regulamento militar, deveria ter sido eu a assumir o comando, visto que oficialmente *amamoto era um civil, mas ningu!m questionou a sua liderança. "os olhos de toda a gente, o homem indicado para liderar as hostes era ele, e eu, por mais que tivesse o posto de alferes na realidade n#o passava de um funcion$rio de meiatigela sem qualquer ePperiência de com(ate. Os soldados sa(em distinguir na perfeiç#o quem det!m o poder real e o(edecem ao verdadeiro l)der de forma instintiva. "l!m disso, antes da partida, o meu superior ordenarame que o(edecesse cegamente a *amamoto. 5ue ! como quem diz, tinha ordens para seguir as instruç\es de *amamoto U letra, fazendo t$(ua rasa das leis e dos regulamentos. ZCheg$mos ao rio Fhalkha e seguimos em direcç#o ao 8ul. O rio tinha su(ido por causa do degelo. Wiamse grandes peiPes na $gua. "o longe acontecia por vezes vislum(rarse a silhueta dos lo(os. 9#o deviam ser de raça pura, mas antes chacais ou resultado do cruzamento entre c#es e lo(os. %m todo o caso, eram perigosos. e noite, t)nhamos de montar guarda para proteger os cavalos. Tam(!m se viam muitos p$ssaros. 9a sua maioria, aves migratórias que regressavam U 8i(!ria. *amamoto e eu discut)amos a topografia da zona e confirm$vamos na carta a rota que segu)amos, anotando num pequeno canhenho qualquer pequeno dado novo que lograsse captar a nossa atenç#o. Tirando essa troca de informaç\es especializada, *amamoto mal a(ria a (oca. Aazia avançar o seu cavalo em silêncio, tomava as refeiç\es U parte e deitavase sem dizer $gua vai. "lgo me dizia que n#o era a primeira vez que andava por aquelas paragens. 'ossu)a um conhecimento ePtremamente preciso da configuraç#o do terreno e um sentido de orientaç#o fa(uloso. Z"vanç$vamos h$ dois dias sem acidentes de percurso em direcç#o ao 8ul, quando *amamoto me chamou U parte e me disse que, antes do amanhecer, estar)amos a atravessar o rio Fhalkha. Aiquei horrorizado. " margem oposta do rio era território mongol. 9a realidade, a margem direita do Fhalkha, onde nos encontr$vamos, podia j$ ser considerado uma zona perigosa, marcada por confrontos fronteiriços. " +ongólia %Pterior reclamava os seus direitos so(re o rio, ao passo que +anchukuo defendia que fazia parte dos seus territórios, e tinha havido inYmeros incidentes armados. +as enquanto nos mantiv!ssemos na margem direita, e no caso de sermos surpreendidos pelos soldados da +ongólia %Pterior, pod)amos sempre justificar a nossa presença, escudandonos na divergência de opini\es entre am(os os pa)ses. e qualquer maneira, n#o corr)amos grande risco de encontrar o eP!rcito mongol visto que, naquela altura do ano, as patrulhas n#o se aventuravam a atravessar o rio, atendendo U altura das suas $guas floviais. a margem esquerda j$ era outra história. e certeza que ali haveria soldados da +ongólia %Pterior patrulhando o tempo todo. % como justificar a nossa presença, caso f]ssemos apanhados por elesV %star)amos perante um caso evidente de violaç#o territorial que, na pior das hipóteses, poderia levar a um incidente pol)tico. Corr)amos o risco de sermos fuzilados ali mesmo, que ningu!m teria nada a o(jectar. Os meus superiores n#o me tinham dado ordens no sentido de atravessar a fronteira. X certo que rece(era ordens para o(edecer a *amamoto, mas n#o sa(ia at! que ponto isso se aplicava a uma acç#o t#o grave como uma violaç#o de território. 'or outro lado, o rio Fhalkha, como j$ mencionei antes, aumentara o seu caudal e a corrente era ePtremamente forte. 7sto para j$ n#o falar na temperatura da $gua, que devia estar gelada. 9em as tri(os nómadas se atreviam a cruzar o rio naquela altura do ano,
atravessandoo apenas no 7nverno, quando estava gelado, ou no Wer#o, quando a corrente n#o era t#o forte, e a temperatura mais suave. Z5uando disse isto mesmo a *amamoto e invoquei as minhas raz\es, ele limitouse a olharme em silêncio. epois acenou com a ca(eça v$rias vezes. ZH'erce(o que violar a fronteira te deiPe preocupadoH, disse ele em tom paternalista. HXs um oficial e tens soldados a teu cargo, ! natural que te interrogues so(re as tuas responsa(ilidades. 9#o queres ePpor de forma inYtil a vida dos teus soldados. +as deiPa que seja eu a preocuparme com esse aspecto. "ssumo toda e qualquer responsa(ilidade. 9#o estou em condiç\es de te dar grandes ePplicaç\es, mas, acredita, este assunto j$ chegou Us mais altas esferas do eP!rcito. 9o que diz respeito U travessia do rio, n#o ePiste nenhum impedimento t!cnico, na medida em que conheço passagens secretas por onde ! poss)vel atravess$lo com relativa facilidade. O eP!rcito mongol construiu v$rios pontos desses e temnos vigiados. +as isso tam(!m tu o sa(es, n#o ! verdadeV &$ atravessei o rio por mais de uma vez nestas mesmas condiç\es. no ano passado, por esta altura, entrei na +ongólia a partir daqui. 9#o tens motivo para estar 'reocupado.H Z9uma coisa ele tinha raz#o. %ra um facto que o eP!rcito mongol, que conhecia a regi#o palmo a palmo, por mais de uma vez tinha enviado unidades de com(ate em viagem de reconhecimento U margem direita do Fhalkha, durante o per)odo de degelo. % que ePistiam decerto a(ilmente camuflados, U primeira vista nem se dava por eles. %ntre dois pontos onde a $gua era pouco profunda tinham estendido umas pranchas de(aiPo de $gua, (em amarradas com cordas para que n#o as levasse a corrente veloz. %ra ó(vio que, sempre que a $gua (aiPava um pouco de n)vel, por ali poderiam facilmente passar cami\es de transporte de tropas, carros de com(ate e outros. +as, uma vez dissimulados de(aiPo de $gua, nem as patrulhas a!reas seriam capazes de os localizar. "travess$mos o rio agarrados a uma corda. O primeiro a passar foi *amamoto, para se certificar de que n#o ePistiam soldados do eP!rcito mongol, e depois foi a nossa vez. " $gua estava t#o fria que fic$mos com as pernas dormentes, mas n#o demorou muito at! nos encontrarmos todos a pisar a margem esquerda do rio Fhalkha, entre homens e cavalos. "li, o terreno era muito mais elevado e, a partir daquele ponto, viase um areal imenso que se perdia na dist_ncia. %sta foi uma das raz\es da superioridade do eP!rcito sovi!tico, aquando da (atalha de 9omonhan. Com efeito, a diferença de altitude representa uma grande vantagem no que toca U precis#o do fogo de artilharia. 7sto para dizer que me lem(ro de ter pensado que a paisagem era muito diferente nas duas margens do rio. %ncharcados da $gua do rio, fria como gelo, ali permanecemos durante largo tempo, petrificados. 9em falar consegu)amos. Contudo, só de pensarmos que est$vamos em território inimigo, n#o tard$mos a esquecer o frio. Z8eguimos rumo ao 8ul seguindo sempre o curso do rio. I esquerda, de(aiPo dos nossos olhos, o rio flu)a silencioso como uma serpente. "ssim que atravess$mos, *amamoto aconselhounos a arrancarmos os gal\es dos uniformes, e assim fizemos. 9o caso de sermos desco(ertos pelo inimigo, n#o era conveniente que se sou(esse os postos que ocup$vamos. 'ela mesma raz#o, tirei as (otas altas de oficial e troqueias por umas polainas. Z9aquela mesma noite, quando nos prepar$vamos para levantar o nosso acampamento, apareceu um homem a cavalo. %ra um mongol. Os mongóis utilizam uma sela mais alta do que o normal e, como tal, s#o facilmente identific$veis a olho nu. "o vêlo, o sargento >amano apontoulhe a espingarda, mas logo *amamoto se virou para ele e
disseE H9#o dispares^H >amano (aiPou lentamente a arma, sem dizer uma palavra. Aic$mos os quatro ali de p!, imóveis, U espera que o cavaleiro chegasse at! junto de nós. Trazia uma espingarda de fa(rico sovi!tico ao om(ro e uma pistola +auser U cintura. amano. H%stamos metidos numa verdadeira camisa de onze varas.H % eu n#o tive outro rem!dio sen#o concordar com ele. 'or essa altura, j$ o sargento >amano, o ca(o >onda e eu nos conhec)amos (astante (em. 9ormalmente, oficiais novatos como eu costumam ser alvo de troça por parte dos su(alternos com ePperiência de com(ate, como >amano, mas isso n#o aconteceu comigo. %u era um oficial com estudos universit$rios e ele respeitavame por isso. 'ela minha parte, n#o ligava grande import_ncia ao meu posto e reconhecia a superioridade dele no terreno de com(ate, (em como as suas faculdades de percepç#o e avaliaç#o no terreno. "l!m disso, como ele era de*amaguchi e eu vinha da prefeitura vizinha de >iroPima, n#o tard$mos a esta(elecer entre nós um di$logo a(erto e, 'or que n#o dizê lo, uma certa cumplicidade. %le faloume longamente da guerra na China. %ra ent#o um simples soldado que só tinha estudos prim$rios, mas al(ergava dentro de si as maiores dYvidas quanto U raz#o de ser daquele complePo conflito que se desenrolava no comntinente chinês e que parecia n#o ter fim U vista. ZH8ou um soldadoH, disseme ele, He n#o me importo de ir U luta e de morrer pelo meu pa)s. X o meu of)cio. +as a guerra que estamos a travar neste momento, meu tenente, por mais voltas que se lhe dê n#o ! uma guerra honesta. 9#o ! uma guerra que tenha uma frente de (atalha e se enfrente o inimigo num com(ate directo e decisivo 9ós avançamos. O inimigo foge sem opor resistência. Os soldados chineses em retirada desfazemse dos uniformes e misturamse com a populaç#o civil. % nós, ficamos sem sa(er onde est$ o inimigo. Com o pretePto de capturar (andidos e soldados em(oscados, matamos pessoas inocentes e ficamos com as provis\es deles. " linha da frente avança t#o depressa que o a(astecimento n#o chega, e n#o nos resta outra alternativa sen#o
rou(ar para comer. % n#o temos campos para internar os prisioneiros nem comida para lhes dar, somos o(rigados a mat$los. % isso est$ errado. Cometemos verdadeiras (ar(aridades na regi#o de 9anking, incluindo a minha unidade. eit$mos dezenas de pessoas para dentro de um poço e depois lanç$mos l$ para dentro granadas de m#o. % ainda fizemos outras coisas que nem sou capaz de nomear. "credite, meu alferes, esta ! uma guerra sem princ)pios. 9#o fazemos mais nada sen#o andarmos a matarnos uns aos outros. %, os que sdem a perder s#o, em Yltima an$lise, os po(res camponeses. %les, que nem ideologia têm. 9em 'artido 9acionalista, nem jovem marechal Chang:2, nem eP!rcito japonês, nem nada. " eles, o que lhes interessa ! ter arroz no prato, e pouco mais, Tam(!m eu nasci numa fam)lia de pescadores po(res e sei o que sentem estes camponeses sem eira nem (eira, que n#o têm onde cair mortos. Dente honesta e simples que se mata a tra(alhar de manh# U noite, meu alferes, por um punhado de arroz. 'alavra de honra, n#o consigo perce(er como ! que, matando todos os que cdem nas nossas m#os, estamos a servir o &ap#o...H Z%m comparaç#o, o ca(o >onda só sa(ia falar de si próprio. %ra um homem tacitumo, mais dado a escutar do que a intervir. Contudo, por muito calado que fosse, isso n#o significava que tivesse um feitio som(rio. 8implesmente, n#o tinha por h$(ito tomar a iniciativa nas conversas. X certo que Us vezes perguntava com os meus (ot\es em que estaria ele a pensar, mas isso n#o me causava uma impress#o desagrad$vel. 5uando muito, notava que ePistia no silêncio daquele homem algo que contri(u)a para apaziguar o esp)rito. +ostravase senhor de uma serenidade a(soluta e de uma esp!cie de sangue frio natural. %ra oriundo de "sahika`a, onde o seu pai possu)a uma pequena tipografia. %ra dois anos mais novo do que eu e, assim que sa)ra da escola, começara logo a ajudar o pai e os irm#os na oficina. %ra o mais novo de três rapazes, mas o mais velho morrera dois anos :2 Chang FaiChek na encruzilhada, atacado em todas as frentes por japoneses, russos e chineses. K9. da T.L 84 gptes na guerra, em terras da China. Dostava de ler e, mal tinha um momento livre, estendiase em qualquer s)tio e lia tudo o que fossem o(ras relacionadas com o (udismo. ZComo j$ referi antes, >onda n#o tinha ePperiência de com(ate e só rece(era um ano de instruç#o militar. 7sso, por!m, n#o o impedia de ser um soldado ePcepcional. %m todos os pelot\es ! poss)vel encontrar um ou dois destes homens. >omens que, paulatinamente, sem uma queiPa, v#o desempenhando a sua miss#o com competência. s#o ao mesmo tempo fisicamente fortes e intuitivos por natureza, assimilam de imediato tudo o que lhes ! ePplicado e p\emno em pr$tica sem hesitaç\es de esp!cie alguma. %le era um desses soldados. 'ara mais, tendo rece(ido instruç#o em cavalaria, era de nós os três quem sa(ia de cavalos e ca(ialhe a ele ocuparse das nossas seis montadas. Tarefa que, digase de passagem, ele fazia de um jeito muito seu, alturas havendo em que cheg$mos a pensar que ele compreendia na perfeiç#o os sentimentos daqueles animais. "t! mesmo o sargento >amano reconhecia as suas capacidades e n#o hesitava em confiarlhe numerosas tarefas. Z"pesar de formarmos um grupo muito heterog!neo, reinava entre nós um ePcelente entendimento. % precisamente pelo facto de n#o constituirmos uma patrulha normal, v)amonos livres da rigidez formal do eP!rcito. 8ent)amonos t#o U vontade juntos que parec)amos companheiros de estrada reunidos pelo destino. 'or esse motivo, o sargento >amano tratavame de igual para igual, com a(soluta franqueza, sem estar limitado ao tratamento convencional entre superior e su(ordinado. ZH5ual ! a sua opini#o so(re esse tal *amamoto, meu tenenteVH, perguntoume ele.
ZH5uase apostava que pertence aos serviços secretosH, respondi eu. H5uem fala assim mongol só pode estar por dentro. "l!m de conhecer esta regi#o como a palma das suas m#os.H ZHTam(!m ! essa a minha opini#o. " princ)pio, pensei que ele pudesse pertencer a uma dessas tri(os de (andidos ou ent#o um aventureiro, um desses espi\es a soldo das altas pat!ntes do eP!rcito. %sses, conheço eu de ginjeira. 'assam a vida a ga(arse, e est#o sempre com o dedo no gatilho, mas *amamoto n#o ! nenhum fala(arato. X demasiado s!rio para isso. Tem coragem e cheirame que pode muito (em ser oficial de alta pat!nte. Ouvi dizer que o eP!rcito est$ apostado em formar unidades estrat!gicas compostas por mongóis oriundos do eP!rcito sovi!tico para o efeito, foram (uscar militares japoneses es'ecialistas em estrat!gia. Talvez *amamoto tenha alguma coisa que Wer com isso, quem sa(eVH ZO ca(o >onda estava sentado U parte, de sentinela, com a espingarda carregada. %u deiPara a minha -ro`ning ali perto, no ch#o, de forma a poder deitarlhe a m#o a qualquer momento. O sargento >amano tinha tirado as polainas e estava a massajar os p!s. ZH! só uma conjectura, claro est$H, prosseguiu >amano, Hmas aquele mongol pode ser um oficial antisovi!tico a soldo do eP!rcito da +ongólia %Pterior que tenha contactos secretos com o nosso eP!rcito.H ZHX poss)velH, admiti, Hmas aconselhote a guardares essas ideias só para ti. "inda te arriscas a ir parar ao pelot#o de fuzilamento.H ZH9#o sou assim t#o estYpido^ 8ó digo isto aqui entre nósH retorquiu ele, sorrindo com desd!m. H+asH, continuou, num tom mais s!rio Ha ser verdade, corremos grande perigo. 'ode levar U guerra.H Z"ssenti em sinal de concord_ncia. " +ongólia %Pterior passava por ser um pa)s independente, mas, na realidade, n#o passava de um estado sat!lite totalmente so( controlo da
imediato a fim de esmagar o movimento 3 contrarevolucion$rio. % caso a itler poderia responder invadindo a 'olónia e a Checoslov$quia. %ra a isso que o sargento >amano se estava a referir. Z"o amanhecer, *amamoto ainda n#o tinha regressado. Aui eu o Yltimo a montar guarda. 'eguei na espingarda de >amano, senteime no cimo de uma duna um pouco mais alta do que as outras e ali fiquei a contemplar o c!u para leste. O nascer do 8ol na +ongólia ! qualquer coisa de ePtraordin$rio. 9um a(rir e fechar de olhos, o horizonte transformase numa d!(il linha que emerge das trevas e se estende devagar, como se a m#o de um gigante l$ no alto estivesse, lentamente, a fazer su(ir o manto da noite U superf)cie da Terra. %ra uma vis#o su(lime, de uma grandiosidade, como j$ disse antes, que ultrapassava em muito os limites da minha consciência enquanto ser humano. "o contemplar aquele espect$culo, tinha a sensaç#o de que a minha própria vida se dissolvia pouco a pouco, at! desaparecer no nada. Coisas (anais, como as vicissitudes dos seres humanos, n#o tinham ca(imento naquela dimens#o. esde tempos imemoriais, quando ainda n#o ePistia nenhumhuma forma de vida, o mesmo fenómeno repetirase milh\es, centenas de milh\es de vezes. "tónito, fiquei ali, a(sorvido na contemplaç#o do alvorecer, esquecido do dever militar. Z5uando o 8ol se levantou por completo no horizonte, acendi um cigarro, (e(i $gua do cantil e urinei. % pensei no &ap#o. Weiome a memória a paisagem da minha prov)ncia natal aos primeiros dias de +aio. ecordei o perfume das flores, o murmYrio do rio, as nuvens no c!u. 'ensei nos meus velhos amigos, na minha fam)lia. 'ensei nos (olinhos de arroz, grandes, redondos e cremosos. 9unca gostara especialmente de doces, mas ainda me lem(ro de que naquele dia Corria de vontade de comer um daqueles (olinhos de arroz. e (oa vontade teria dado o soldo de um ano em troca de um mochi. %, ao 'ensar no &ap#o, sentime a(andonado naquele fim de mundo. 'or que teria de arriscar a minha vida, lutando por aquele vasto território des!rtico onde só havia insectos e vegetaç#o hirsuta e polvorenta, por aquele pedaço de terra est!ril, sem nenhum valor a n#o ser no plano militar e económicoV 9#o havia maneira de compreender. 'ara proteger 3 a minha p$tria, estava prestes a sacrificar a vida. +as perder assim a vida, a minha Ynica vida, por aquela terra $rida e desolada onde n#o crescia nem um gr#o de cereal, era uma perfeita estupidez^ Z*amamoto regressou no dia seguinte, ao amanhecer. Tam(!m naquela manh# era eu que estava de sentinela. =em(rome de estar a olhar distraidamente para o rio quando ouvi um cavalo a relinchar nas minhas costas. =evanteime de um salto e vireime. 9#o vi nada nem ningu!m. 'ermaneci imóvel, com a espingarda apontada na direcç#o de onde ouvira relinchar. %ngoli em seco e tive a impress#o de que a minha saliva, ao escorregar pela garganta, produzira tamanho ru)do que, confesso, me so(ressaltei. O dedo apoiado no gatilho tremia violentamente. 9unca antes disparara so(re um homem Z+as, após alguns segundos de espera, foi a figura de *amamoto a cavalo que vi
aparecer por detr$s da duna. 8em nunca tirar o dedo do gatilho, lancei o olhar em redor, mas n#o se via vivalma. 9em o mongol que viera rece(ernos, nem soldados inimigos. " leste, a grande =ua (ranca flutuava no c!u como um meg$lito sinistro. *amamoto parecia ferido no (raço esquerdo. O lenço (ranco que o envolvia estava vermelho de sangue. "cordei o ca(o >onda e confiei7he o cavalo de *amamoto. O po(re animal devia ter percorrido uma grande dist_ncia a galope porque arfava pesadamente e estava empapado em suor. >amano trocou de lugar comigo e ficou de sentinela. % eu fui (uscar o estojo de primeiros socorros e trat!i da ferida de *amamoto. ZH" (ala saiu, e a hemorragia parou de sangrarH, disseme ele. 'or sorte, a (ala limitara se a atravessar o (raço, arrancando apenas um pedaço de carne. Tireilhe o pano a fazer as vezes de atadura, desinfectei a ferida com $lcool e puslhe uma ligadura limpa. ZH"lguma vez dispararam so(re siVH, perguntoume *amamoto ao fim de um grande (ocado. ZH9uncaH, respondi eu. ZH% alguma vez disparou so(re algu!mVH[ ZWoltei a responder que n#o. Z9#o sa(ia que impress#o lhe teriam causado as minhas respostas, da mesma forma que n#o sa(ia o que o teria levado a fazerme aquelas perguntas. ZHTenho aqui um documento que devo levar ao quartelgeneralN disse ele, pousando a m#o so(re a sacola presa U sela. H%m caso de isso n#o ser poss)vel, estes documentos têm de ser destru)dos5ueimados, enterrados, tanto faz, desde que n#o caiam nas m#os do inimigo. %m circunst_ncia alguma. 5uero que compreenda istoE ! de import_ncia capital.H 3: ZHCompreendoH, retorqui eu. Z*amamoto olhoume fiPamente nos olhos. ZH8e as coisas derem para o torto, a primeira coisa a fazer ! disparar primeiro so(re mim. 9#o penses duas vezes e dispara. 8e eu mesmo o puder fazer, f$loei, mas com o (raço neste estado, posso n#o conseguir. 9esse caso, dispara. %, acima de tudo, dispara a matar.H Z"ssenti em silêncio. ZCheg$mos ao vau do rio antes do anoitecer e ali fic$mos a sa(er que a preocupaç#o que nos consumira durante o caminho n#o era infundada.
continuarem a dormir como se nada fosse. " corrente do rio ajudar$ a a(afar todos os (arulhos. 9#o a grandes motivos para preocupaç#o. as sentinelas, encarregome eu. "t! chegar a altura, pouco ou nada poderemos fazer. O melhor X tentarmos dormir para ver se recuperamos forças.H ZAiP$mos o arranque da operaç#o para as três da manh#. O ca(o onda descarregou tudo o que os cavalos traziam, levouos para longe e ']los em li(erdade. 9o que dizia respeito Us muniç\es e aos v)veres que so(raram, cav$mos um (uraco e enterr$mos tudo o mais fundo poss)vel. " Ynica coisa que levar)amos connosco seria um cantil, onda de guarda depois seria a vez do sargento >amano. Z5uando se deitou dentro da tenda, *amamoto adormeceu de imediato e dormiu como uma pedra. e(aiPo da ca(eça, U laia de almofada, tinha colocado a pasta de pele contendo os preciosos documentos. Tam(!m >amano n#o demorou a cair no sono. %st$vamos todos ePaustos, mas eu n#o havia maneira de adormecer por causa da tens#o. %stava a morrer de sono, mas n#o conseguia dormir. eiPeime ficar ali deitado, sentindome cada vez mais ePcitado, só de imaginar que mat$vamos os soldados mongóis que estavam de sentinela e que eles a(riam fogo so(re nós com as suas metralhadoras assim que nos vissem atravessar o rio. Tinha as palmas das m#os a suar e sentia uma dor surda nas têmporas. 9#o tinha a certeza de me conseguir portar dignamente, como um oficial que era, uma vez chegado o momento da verdade. astejei para fora da tenda, aproPimeime do s)tio onde o ca(o >onda estava de guarda e sentei me a seu lado. ZH8a(es uma coisa, >ondaVH, disse eu. H8e calhar vamos morrer aqui.H ZH'ode ser que sim.H Zurante alguns momentos permanecemos os dois em silêncio. >ouve qualquer coisa naquela resposta dele que n#o me convenceu uma nota de hesitaç#o, talvez. " intuiç#o nunca tinha sido o meu forte, mas perce(i logo que aquela resposta am()gua escondia qualquer coisa. ecidi interrog$lo para ver se ele se a(ria comigo e se desem(uchava a história toda. Aizlhe ver que aquela seria a Yltima oportunidade de dizermos um ao outro o que nos ia na alma. Z+ordendo o l$(io inferior, >onda tocou com as pontas dos dedos na areia a seus p!s. ava para ver que lutava com sentimentos contraditórios. ZH+eu tenenteH, disse passado um (ocado, n#o tirando os olhos de mim. He nós os quatro, o senhor ! quem viver$ mais tempo, muito mais tempo do que imagina. % morrer$ no &ap#o.H Z"gora chegara a minha vez de olhar fiPamente para ele. ZHeve estar a perguntarse como ! que eu sei isso, mas n#o ! uma coisa que eu consiga ePplicar. Como antes lhe disse, sei, simplesmente sei .H ╹ ZHTens algum poder ePtrasensorial ou quêVH 30 ZH'ode ser que sim, muito em(ora a ePpress#o n#o seja do meu agrado. igamos que peca por ePagero. Como aca(ei de lhe dizer, simplesmente sei, mais nada.H ZH% essa faculdade, temna h$ muitoVH ZH8imH, respondeu com clareza. H"contece, no entanto, que sempre a escondi de toda a
gente desde que me lem(ro. esta vez só lhe contei isso por estarmos perante uma situaç#o de vida ou de morte, meu tenente, e tam(!m porque se trata do senhor.H ZH% aos outrosV 8a(es o que vai acontecer com elesVH Z%le a(anou a ca(eça. H"lgumas coisas sei, outras n#o, mas acho prefer)vel o meu tenente n#o ter conhecimento disso. Talvez seja uma impertinência da minha parte estar a dirigirme a si nestes termos, atendendo a que o meu tenente andou a estudar na universidade e tudo, mas a verdade ! que o destino n#o ! propriamente uma coisa que se possa olhar antes de se ter cumprido. 'ela minha parte, e at! certo ponto, estou ha(ituado a ele. +as o senhor n#o, meu tenente.H ZH%m todo o caso, n#o vou morrer aqui, ! issoVH Z%le deiPou escorrer a areia entre os dedos. ZHX tudo o que lhe posso dizer meu tenente. O senhor n#o morrer$ em território chinês.H ZDostaria de ter aprofundado o sentido daquelas palavras, mas o ca(o >onda remeteu se o(stinadamente ao silêncio. 'arecia a(sorto nos seus próprios pensamentos, ou, quem sa(eV, em meditaç#o. Com a espingarda entre as m#os, olhava fiPamente para o vasto areal. 9ada do que eu dissesse chegaria aos seus ouvidos. Zegressei U tenda que hav)amos erguido ao a(rigo das dunas, estendime ao lado de >amano e fechei os olhos. esta vez, logrei conciliar o sono um sono t#o profundo como se me tivesse agarrado pelas pernas e arrastado para o fundo do mar. G " longa história do tenente +amiSa 'arte 77 ZAui acordado pelo ru)do met$lico da patilha de segurança de onda e a >amano. Wirei a ca(eça lentamente e olhei em redor, mas nem um nem outro se encontravam U vista. Teriam morrido Us m#os dos soldados mongóisV Teriam logrado escapar com vidaV 9#o fazia a m)nima ideia. Z"queles soldados deviam integrar a patrulha que avist$mos anteriormente. %ram em nYmero reduzido e o seu Ynico armamento consistia em pistolas e numa metralhadora ligeira. " comand$los estava um oficial corpulento, o Ynico a usar um par decente de (otas de cano alto. %ra ele que me tinha dado o pontap!. "gachouse e agarrou na pasta de pele que *amamoto guardara ao lado da ca(eça, a(riua e olhou l$ para dentro. "
seguir viroua de pernas para o ar e sacudiua com violência. 'ara minha grande surpresa, a Ynica coisa que caiu foi um maço de ta(aco. Tinha visto com os meus próprios olhos *amamoto enfiar os documentos dentro da pasta, depois de os ter tirado da sacola presa U sela e enfiado na pasta, que tratara de p]r junto da ca(eceira, U laia de almofada. *amamoto, esse (em fazia os poss)veis por se manter impass)vel, mas n#o me escapara a ePpress#o alterada que vi, de fugida, reflectida no seu rosto. 'elos vistos, tam(!m ele n#o fazia a menor ideia de quando e como se tinham evaporado os documentos. e qualquer modo, para ele o desaparecimento devia constituir um grande al)vio. Tal como me confidenciara, a nossa m$Pima prioridade era evitar a todo o custo que aqueles documentos ca)ssem nas m#os dos inimigos. ZOs soldados espalharam a nossa (agagem pelo ch#o e inspeccionaram tudo a pente fino, mas n#o encontraram nada de importante. " seguir mandaramnos despir e revistaram os nossos (olsos. Com a ponta das (aionetas, rasgaram a roupa e os pacotes que traz)amos, mas os documentos continuaram sem aparecer. eitaram m#o a tudo o que era ta(aco, canetas, portamoedas, cadernos de notas e relógios e meteramnos ao (olso. amano. %stava descalço algu!m lhe devia ter ficado com as (otas. %m seguida despiram ó cad$ver e vasculharam tudo o que encontraram nos (olsos. "propriaramse do relógio de pulso, da carteira e dos cigarros. ividiram o ta(aco e, enquanto fumavam, passaram revista ao conteYdo da carteira, que tinha l$ dentro algumas notas do -anco de +anchukuo e a fotografia de uma mulher, provavelmente a m#e de >amano O oficial su(alterno que estava a comandar a
operaç#o disse algumas palavras e ficou com o dinheiro. " fotografia, atiraramna para o meio do ch#o. Zurante a guarda, os soldados deviam terse aproPimado de >amano sem fazer (arulho e cortaramlhe a garganta. Tinhamse adiantado e feito precisamente o mesmo que nós plane$mos fazer7hes a eles. a ferida a(erta no pescoço escorria um sangue muito vermelho, mas j$ devia ter corrido todo, porque a quantidade de sangue era m)nima, at!ndendo ao tamanho do golpe. amano. epois de a fazer ha(ilmente dar v$rias voltas entre os dedos, tornou a guard$la na (ainha. Z8em dizer palavra, apenas com um movimento de olhos, *amamoto lançou um olhar (reve na minha direcç#o. O suficiente para dar a entender o que ele me queria dizerE H'ode ser que o >onda tenha conseguido escapar.H 9o meio da confus#o e do terror, tam(!m eu j$ tinha pensado o mesmo. HOnde dia(o se ter$ metido o ca(o >ondaV " ser verdade que ele lograra escapar Uquele ataque surpresa dos mongóis, era caso para pensar que ainda havia esperança, por mais t!nue que fosse. 'ensar que, só por ele, >onda pouco ou nada poderia fazer era um tanto desencorajador, mas uma esperança ! sempre uma esperança. 5ue ! como quem diz, melhor do que nada. Z8empre atados, o(rigaramnos a ficar deitados por terra, toda a noite. O soldado com a metralhadora ligeira e outro, de espingarda, ficaram de guarda a vigiarnos, mas os outros, sem dYvida sentindose mais tranquilos, agora que nos tinham capturado, reuniramse U parte, num local afastado, e ali ficaram U conversa, a fumar e a rir. 34 *aimamoto e eu n#o troc$mos uma palavra. "inda que estiv!ssemos no mês de +aio, ao amanhecer as temperaturas desciam a(aiPo de zero. Cheguei a pensar que, nus como est$vamos, corr)amos o risco de morrer de frio. igase, por!m, em a(ono da verdade que um frio como aquele n#o era nada comparado com o terror que sentia. 9#o fazia a menor ideia do destino que nos esperava. "final, aqueles homens n#o passavam de simples soldados de patrulha e n#o deviam ter autoridade para decidir a nossa sorte. O mais certo era terem de aguardar ordens superiores. 'or isso, n#o era prov$vel que nos matassem de imediato. 5uanto ao que poderia acontecer depois disso, era imposs)vel fazer conjecturas. *amamoto devia ser um espi#o e, uma vez que tinha sido capturado na companhia dele, era lógico que me haviam considerado seu cYmplice. %m todo o caso, a coisa n#o se resolveria assim t#o facilmente. Z'ouco depois do nascer do 8ol, ouviuse no c!u o zum(ido de um motor de avi#o, e uma fuselagem de cor prat!ada n#o tardou a aparecer no nosso campo de vis#o. Tratava se de um avi#o de reconhecimento de fa(rico sovi!tico com as ins)gnias do %P!rcito da +ongólia %Pterior, que deu meia dYzia de voltas por cima das nossas ca(eças. Os soldados agitaram as m#os e o avi#o su(iu e (aiPou as asas, em sinal de resposta, após o que aterrou num terreno ali perto, levantando uma nuvem de pó. "pesar de n#o haver ali qualquer pista, o terreno duro e uniforme era de molde a facilitar as mano(ras de aterrar e levantar voo. 'ossivelmente, na falta de deródromo, estavam ha(ituados a utilizar aquele local como pista.
Z5uando regressou, trazia com ele dois homens que tinham todo o aspecto de ser oficiais de alta pat!nte.
ZHCompreendoH, disse ele, Hmas nós n#o sa(emos nada acerca dessa tal carta.H / ZH+uito (emH, disse o russo num tom inePpressivo. H9esse caso, tenho uma pergunta muito simples para vos fazer. Como sa(em, encontramonos em território da epY(lica 'opular da +ongólia. " que propósito ! que penetraram em território estrangeiroV Dostaria ^que me ePplicassem.H Z*amamoto ePplicou que est$vamos a traçar um mapa. 5ue n#o passava de um civil ao serviço de uma empresa de cartografia e que eu e o soldado que haviam matado !ramos a sua escolta. 8a(ia que nos encontr$vamos em solo mongol e que n#o t)nhamos desculpa por havermos atravessado a fronteira, mas que n#o t)nhamos a m)nima intenç#o de cometer uma violaç#o territorial. Tudo o que quer)amos era o(servar de um ponto mais elevado a configuraç#o do terreno. ZCom uma ePpress#o que pouco ou nada tinha de divertido, o oficial russo torceu os l$(ios numa esp!cie de sorriso. ZHCom que ent#o, n#o têm desculpaH, disse ele, repetindo devagar as palavras de *amamoto. H%stou a ver. Com efeito, a vista ! (em melhor quando se est$ num ponto alto. Aaz todo o sentido.H Zurante largos momentos, permaneceu em silêncio, a contemplar as nuvens no c!u. epois voltou a pousar os olhos em *amamoto e a(anou a ca(eça, ao mesmo tempo que suspirava. ZHComo gostava de poder acreditar em ti. arte uma palmada nas costas e dizerE e acordo, est$ tudo esclarecido. 'odes atravessar para o lado de l$ do rio e seguir o teu caminho. " partir de agora, vê se tens mais cuidado. 5uem me dera, mas infelizmente n#o posso. 'orque sei perfeitamente quem tu !s. % tam(!m sei perfeitamente o que est#o aqui a fazer. Temos os nossos amigos em >ailar, tal como vocês têm os vossos amigos em istória, aquilo que os
mongóis antigamente fizeram ao nosso pa)s. 5uando os mongóis invadiram a Yssia, mataram milh\es de pessoas. +atavam por matar. %m Fiev, por ePemplo, aca(aram com centenas de aristocratas russos que tinham sido feitos prisioneiros. Constru)ram enormes estrados de madeiras, ataram os no(res por (aiPo, todos amarrados juntinhos uns aos outros, e cele(raram um (anquete por cima, enquanto eles morriam esmagados de(aiPo daquele peso. %ste tipo de coisas n#o passa pela ca(eça das pessoas normais, n#o te pareceV X caso para dizer que envolve tempo e ePige preparativos. "final, quem mais se daria a esse tra(alhoV 'ara eles, ! uma divers#o como outra qualquer. "inda hoje, nos tempos que correm, continuam a ter prazer nisso.
vista, tempo ! coisa que n#o nos falta. Temos todo o tempo do mundo. "l!m disso, tenho ainda muito para te contar. 9o que diz respeito a esfolar animais, e segundo parece, ePiste em cada tri(o um especialista um profissional, algu!m que sa(e realmente (em do seu mister, dono e senhor de uma ha(ilidade prodigiosa, quase milagrosa, poder)amos dizer.
prendeua com a ponta dos dedos, esticoua e foi dando a volta, mostrandoa aos demais. a pele continuava a pingar sangue. O oficial mongol passou ent#o ao (raço esquerdo. epetiu a mesma operaç#o. epois de ter esfolado am(as as pernas, cortou o p!nis e os test)culos, e arrancou as orelhas, após o que arrancou a pele do cr_nio e da cara e do resto do corpo. *amamoto perdeu o conhecimento, voltou a si, e tornou a perder a consciência.
pareceVH Z=evantando a m#o, chamou o oficial mongol. %ste aca(ava de lavar cuidadosamente com $gua do cantil a faca e de a afiar com uma pedra. Os soldados mongóis tinham estendido a pele de *amamoto e estavam a discutir qualquer coisa, reunidos diante dela. 'areciam estar a trocar opini\es so(re os pormenores da t!cnica utilizada pelo esfolador. O oficial mongol em(ainhou a faca e, depois de a guardar no (olso do casaco, aproPimouse de mim. Olhoume nos olhos por instantes, antes de dirigir o olhar na direcç#o do oficial russo. O russo pronunciou três ou quatro palavras em mongol e este assentiu com uma cara inePpressiva. onda. " estranha profecia segundo a qual eu n#o morreria no comntinente. "tado U sela do cavalo, com o sol do deserto a queimarme as costas nuas, rememorei e sa(oreei, uma a uma, as s)la(as que ele pronunciara. % dei comigo a acreditar com toda a minha alma naquela profecia. 9#o^ 9#o estava destinado a conhecer uma morte atroz num lugar onde deveria ter morrido, numa altura em que deveria ter morrido. 8airia com vida dali e voltaria de novo a pisar o solo da minha terra natal^ Z"vanç$mos em direcç#o ao 9orte durante duas ou três horas. epois par$mos num lugar onde se erguia, constru)da em pedra, uma torre sagrada lama)sta. %ssas torres, que na +ongólia d#o pelo nome de o(o, funcionam a um tempo como uma esp!cie de deuses KdivindadesL destinados a proteger os viandantes e como valiosos pontos de referência no deserto. Aoi precisamente em frente de um o(o desses que os homens desmontaram e me desamarraram. " seguir, dois deles arrastaramme pelos joelhos para um local mais afastado. &ulguei que me iam ePecutar ali Kera chegado o momento de morrerL, diante de um poço cavado no solo e cercado por um muro de pedra com cerca
de um metro de altura. O(rigaramme a ficar de joelhos a (oca do poço, agarraramme pelo cachaço e fizeramme olhar l$ 'ara dentro. %ra t#o profundo que n#o se via nada a n#o ser as trevas. O oficial su(alterno das (otas deitou a m#o a um pedregulho e atirou o l$ para dentro. 'ouco depois ouviuse um ru)do seco. 'elos vistos, o poço n#o tinha $gua. 'odia ser que em tempos que j$ l$ iam tivesse // funcionado como um ponto de fornecimento de $gua no meio do deserto, mas as correntes su(terr_neas deviam ter mudado de rumo e o poço tinha secado. " julgar pelo tempo que a pedra demorou a atingir o fundo, o poço era (astante profundo. ZO oficial olhou para mim de frente, com um sorriso escarninho. epois sacou de uma pistola autom$tica e, com um som met$lico colocou uma (ala na c_mara. " seguir, encostou o cano da pistola U minha testa. Z+antevese nesta posiç#o muito tempo, sem apertar o gatilho. "ca(ou por (aiPar lentamente a pistola, ao mesmo tempo que levantava a m#o esquerda e apontava na direcç#o do poço. 7móvel, passei a l)ngua pelos l$(ios secos, sem tirar os olhos da arma. O que ele me estava a querer dizer era istoE tinha de ser eu a decidir a minha sorte. >avia duas hipóteses. " primeira ele disparava e aca(ava comigo logo ali.
num profundo silêncio. Zurante alguns momentos permaneci imóvel, de (arriga para (aiPo, U espera de ver se voltariam. 'assaram vinte, trinta minutos Kfoi o tempo que me pareceu, uma vez que n#o tinha relógioL, e ningu!m apareceu. eviam terse ido em(ora. >aviamme a(andonado ali, no fundo de um poço, no meio do deserto. 5uando perce(i que n#o voltariam, tratei de verificar o estado em que se encontrava o meu corpo. %ra uma tarefa assaz dif)cil, ali, a co(erto da escurid#o. 9#o conseguia verme. Com os olhos n#o podia comprovar o estado em que me encontrava. "penas podia apalparme e (asearme no que sentia. 9a escurid#o total perdese a faculdade de distinguir se a percepç#o que se tem das coisas ! real ou n#o. avame at! a impress#o de que os meus próprios sentidos faziam troça de mim e me enganavam.
Z" seguir, ePplorei as paredes do poço com a ajuda das m#os. %ram feitas de pedras chatas e finas, so(repostas. urante o dia, estava muito quente U superf)cie da terra, mas esse calor n#o chegava at! Uquele mundo su(terr_neo, frio como o gelo. "s minhas m#os percorreram as paredes e assim fui ficando a conhecer, aos poucos, todos os interst)cios. 5uem sa(eV, talvez com um pouco de sorte conseguisse encontrar alguma fenda onde fincar o p! a fim de trepar por ali acima. 7nfelizmente, os apoios eram demasiado estreitos e emaranhar pela parede era imposs)vel, tanto mais que me encontrava ferido. Z"rrastandome com um esforço terr)vel, l$ consegui erguerme e encostarme U parede. " cada movimento, sentia uma dor lancinante no om(ro e nas pernas, como se me estivessem a espetar centenas de agulhas grossas. urante muito tempo, cada vez que respirava parecia que o meu corpo ia partirse em mil (ocados. =evei a m#o ao om(ro e comprovei que estava quente e inchado. quanto tempo passou entretanto, n#o sei dizer. " dado momento, algu!m, aconteceu algo de inesperado.
uma vez por dia at! ao fundo do poço. 8egundo os princ)pios da A)sica, os raios ca)am num _ngulo perpendicular ao solo quando o 8ol estava no seu ponto mais alto, logo o fenómeno devia reproduzirse perto do meiodia. %sperava com impaciência esse momento, a chegada da luz. %ra a Ynica coisa que podia esperar. Z'assou muito tempo, pareceume. "dormeci sem dar por isso. 5uando, alertado por um sePto sentido, acordei em so(ressalto, a luz j$ ali estava. % ent#o conheci de novo o calor daquele a(raço. 5uase de maneira inconsciente, a(ri as palmas de am(as as m#os para rece(er o sol. %ra um fulgor muito mais intenso do que da primeira vez. 'elo menos foi a sensaç#o com que fiquei. -anhado por aquele fulgor, comecei a chorar. Tive a sensaç#o de que todos os meus fluidos se transformavam em l$grimas e que o meu corpo iria liquefazerse at! desaparecer por completo. 'odia morrer no estado de graça proporcionado por aquela claridade ePtraordin$ria. +aisE desejava morrer. 8enti que tudo o que ePistia no fundo do poço, ali e naquele preciso momento, se convertia numa Ynica coisa. onda voltou a ressoar na minha ca(eça, entretanto transformada numa c_mara vazia. " profecia segundo a qual eu n#o morreria em terra chinesa. "gora que a luz tinha aparecido e desaparecido, agora sim, podia acreditar piamente nela. 'orque a verdade era que eu n#o tinha conseguido morrer no lugar onde devia morrer, no momento em que devia morrer. 9#o era propriamente que eu n#o tivesse podido morrer ali, mas sim que a morte n#o quisera nada comigo. Compreende o que eu digo, senhor OkadaV Tinhame sido negada a graça divina. Z9este ponto do seu relato, o tenente +amiSa consultou o seu relógio de pulso. H%, como pode ver, agora estou aquiH, acrescentou em voz (aiPa, a(anando ligeiramente a ca(eça como para sacudir o fio invis)vel das suas recordaç\es. HTal como disse o senhor >onda, n#o morri no comntinente chinês. % sou, dos quatro companheiros, o que viveu mais tempo.H "ssenti com a ca(eça U laia de resposta. 'erdoeme por ter falado durante tanto tempo. eve terse a(orrecido de morte com estas minhas estórias de velho a quem j$ n#o resta muito tempo de vida continuou o tenente +amiSa, mudando de posiç#o no sof$. "gora devo ir, sen#o ainda perco o meu com(oio. %spere a) apresseime a dizer. 9#o me diga que vai interromper aqui o seu relato. % depois, que aconteceu a seguirV 5uero sa(er como termina a sua história. O tenente +amiSa olhou para mim por um momento. Oiça disse ele , na realidade n#o posso dispor de mais tempo. Aaçolhe uma propostaE por que ! que n#o vem comigo at! U paragem de autocarroV 9o caminho aproveito para contar o que falta. 8a) de casa na companhia dele e, juntos, encaminh$monos para a paragem de autocarro. 9a manh# do terceiro dia, fui resgatado pelo ca(o >onda. 9a noite em que t)nhamos sido feitos prisioneiros, ele, pressentindo a chegada dos mongóis, a(andonou
sorrat!iramente a tenda e escondeuse. "o sair, levou com ele os preciosos documentos que *amamoto tinha dentro da pasta. Wendo (em, a nossa m$Pima prioridade era evitar, a qualquer preço, que os documentos ca)ssem nas m#os do inimigo. 8em dYvida que o senhor perguntar$ a si próprio por que raz#o, sa(endo que vinham a) os soldados mongóis, n#o tratou ele de nos acordar a todos, a fim de fugirmos todos juntos. " verdade ! que, se o tivesse feito, estaria tudo perdido. %les sa(iam que nos encontr$vamos ali. %stavam no seu território, eram superiores em nYmero e em armamento. Ternosiam decerto encontrado facilmente, e o mais certo era que nos tivessem matado a todos e interceptado os documentos. 5uer dizer, numa situaç#o daquelas, o ca(o >onda n#o podia fazer outra coisa sen#o escapar sozinho. 9o campo de (atalha, o comportamento do ca(o >onda teria sido considerado, como ! ó(vio, deserç#o perante o inimigo, mas numa miss#o especial como aquela, sa(er adaptarse Us circunst_ncias era uma ePigência priorit$ria. Zo seu esconderijo, foi testemunha de tudo. Wiu chegar o russo e o seu acompanhante, assistiu ao supl)cio de *amamoto. Wiu quando os soldados pegaram em mim e me levaram. +as ele tinha ficado sem cavalo e n#o tinha maneira de nos seguir imediatamente. 9#o teve outro rem!dio sen#o fazer o percurso todo a p!. esenterrou as muniç\es e enterrou os documentos no mesm)ssimo s)tio. " seguir lançouse em nossa perseguiç#o, sendolhe terrivelmente dif)cil encontrar o rasto e chegar at! junto do poço, sem sequer sa(er em que direcç#o nos dirig)amos. % como foi que ele conseguiu dar com o poçoV quis eu sa(er 7sso j$ n#o lhe posso dizer respondeu o tenente +amiSa. 9unca falou comigo acerca disso, mas creio que pura e simplesmente sa(ia, mais nada. 5uando me encontrou, rasgou a sua roupa, fa(ricou uma longa corda e, com enorme esforço, l$ conseguiu içar me, semiinconsciente, para fora daquele (uraco. epois conseguiu encontrar as montadas, atiroume para cima do cavalo, atravess$mos o deserto depois o rio, e levou me at! ao posto de o(servaç#o do %P!rcito de +anchukuo. "), trataram dos meus ferimentos, meteramme num cami#o do eP!rcito, enviado do quartelgeneral, e transferiramme para o hospital de >ailar. 5ue aconteceu aos documentos ou U carta ou l$ o que eraV &ulgo que continuam no mesmo s)tio, enterrados nas proPimidades do rio Fhalkha. O ca(o >onda e eu n#o tivemos tempo de os desenterrar, assim como tam(!m n#o encontr$mos nenhumhuma raz#o para o fazer, uma vez que era a nossa vida que estava em perigo. 7sto para dizer que cheg$mos am(os U conclus#o de que mais valia fazer de conta que o documento nunca tinha ePistido. "ssim sendo, antes do interrogatório com(in$mos dizer que nunca t)nhamos ouvido falar de documento nenhum. Caso contr$rio, ternosiam acusado de sermos respons$veis pelo facto de n#o os termos trazido de volta connosco. " pretePto de precisarmos de cuidados m!dicos, puseram nos em quartos separados, muito (em guardados, e fomos sujeitos a interrogatórios di$rios. 'assaram por ali v$rios oficiais superiores que nos o(rigaram a contar as nossas histórias, vezes sem conta. Todos eles se mostravam apostados em fazer as mesmas perguntas, por sinal perguntas muito concretas e ardilosas. "parentemente, acreditaram em nós. 'ela parte que me tocava, relat!i ao pormenor a minha ePperiência, sem nada omitir. " Ynica coisa que n#o disse foi a tal história dos documentos. %les tomavam nota de todas as palavras que sa)am da minha (oca, mas advertiramme para o facto de aquele ser um assunto da m$Pima reserva, que nem sequer ficaria registado nos autos militares. "visaramnos para n#o contarmos nada a ningu!m, so( pena de sermos severamente punidos. uas semanas mais tarde, fui reintegrado no meu posto. X poss)vel que tam(!m o ca(o >onda tenha voltado para o seu regimento. O que n#o entendo ! por que se deram ao tra(alho de destacar o ca(o >onda para essa
miss#o confessei eu. "cerca disso, pouco ou nada sei. 'rovavelmente foi por eles proi(ido de o revelar e deve ter pensado que era melhor eu ficar sem sa(er de nada. 'or!m, confesso que fiquei com a impress#o de que entre ele e esse tal *amamoto haveria alguma relaç#o pessoal. "lgo porventura relacionado com os seus poderes ePtraordin$rios. Tinha ouvido dizer que o eP!rcito pusera a funcionar um departamento em que se investigava cientificamente todo o tipo de poderes ocultos, e que ali se reuniam pessoas vindas de todo o pa)s, todas elas possuidoras de faculdades adivinhatórias e telecin!ticas, que realizariam ePperiências v$rias nesse _m(ito. 8uspeito por isso que >onda e *amamoto j$ se conhecessem. e qualquer forma, o certo ! que sem esses poderes ele jamais teria dado comigo, assim como n#o teria sido capaz de me levar at! ao posto do eP!rcito de +anchukuo. Wendo (em, mesmo sem possuir mapa nem (Yssola, conseguiu l$ ir ter direitinho. Ora, dizme o senso comum que tal seria imposs)vel. Aala quem ! especialista no traçado de mapas. Conhecendo (em a geografia daquele território, eu n#o teria sido capaz do que ele fez. Talvez fosse esse talento especial o que *amamoto procurava em >onda. Chegados U paragem de autocarro, fic$mos ali U espera. X ó(vio que h$ h$ coisas que continuam a ser um enigma acrescentou o tenente +amiSa. %u próprio, ainda hoje continuo sem entender algumas delas. 5uem dia(o era o mongol que estava U nossa esperaV 5ue dia(o teria acontecido caso tiv!ssemos levado os documentos at! ao quartelgeneralV 'or que n#o nos deiPou *amamoto sozinhos a fim de atravessar o rioV 8ozinho, teria usufru)do de maior li(erdade de movimentos. 8e calhar, era intenç#o dele usarnos como chamariz e fugir sozinho. % (em poss)vel. Talvez o ca(o >onda sou(esse desse facto desde o in)cio. 8e calhar, foi por isso que o mataram. Z8eja como for, o ca(o >onda e eu estivemos sem nos ver durante muito tempo. I nossa chegada a >ailar, fomos separados e proi(idos de todo e qualquer contacto. 'ela minha parte, queria agradecerlhe uma vez mais, mas n#o me foi poss)vel. " seguir, ele ficou ferido na (atalha de 9omonhan e regressou U p$tria. %u permaneci na +anchYria at! ao final da guerra e, depois, fui enviado para a 8i(!ria. 8ó v$rios anos mais tarde, depois de ter sido li(ertado do campo de concentraç#o e repatriado, consegui localiz$ lo. epois disso, encontr$monos v$rias vezes e fomos trocando cartas com uma certa frequência. +as o senhor >onda parecia que evitava falar do que se passou nas margens do rio Fhalkha, e tam(!m eu n#o tinha vontade de tocar no assunto. "quela havia sido para os dois uma recordaç#o demasiado dolorosa. igamos que compartilh$mos essa ePperiência escolhendo n#o falar dela. 7sto faz algum sentido para siV Zeceio (em que o meu relato se tenha alongado demasiado, mas o que lhe queria dizer ! que a minha verdadeira vida aca(ou dentro daquele poço profundo, em pleno deserto da +ongólia. Tenho a impress#o de que a essência da minha vida se consumiu de uma vez por todas, envolta por aquela luz violenta que (rilhava apenas durante dez ou quinze segundos por dia. 9#o consigo ePplicar (em, mas, para ser franco, depois daquilo nada do que vi, nada do que me aconteceu logrou tocar fundo no meu coraç#o. 9em quando me encontrei diante das poderosas unidades de carros de com(ate sovi!ticos, nem quando fiquei sem a m#o esquerda naquele infermal campo de concentraç#o na 8i(!ria, ePperimentei emoç#o alguma. %ra como se estivesse possu)do por um espesso manto de insensi(ilidade 'oder$ achar estranho, mas nada daquilo parecia importarme. entro de mim havia algo que estava morto. 'rovavelmente, tal como na altura senti, deveria ter morrido ali, mergulhado naquela luz, apagandome com ela. %ra aquela a hora da minha morte. 'or!m, tal como tinha previsto o senhor >onda, n#o morri ali. Ou talvez seja melhor
dizer que n#o pude morrer ali. Zegressei ao &ap#o apenas com um (raço e doze preciosos anos da minha vida perdidos. 5uando cheguei a >iroPima, os meus pais e a minha irm# j$ haviam morrido. " minha irm# tinha sido recrutada e estava a tra(alhar numa f$(rica de >iroPima, quando caiu a (om(a e ela morreu. O meu pai, que estava de visita U minha irm#, tam(!m perdeu a vida. %m consequência do choque e do desgosto, a minha m#e n#o mais se levantou da cama e morreu em 10/. Como antes lhe disse, a mulher com quem eu estivera para casar desposara outro homem e tinha dois filhos. &ulgandome morto, no cemit!rio estava a minha campa. 9#o me restava nada. 8entime completamente vazio. 8enti que n#o devia ter voltado. esde ent#o comecei a viver sem sa(er muito (em como. Torneime professor de Ciências 8ociais e ensinei Deografia e >istória num col!gio. 9o verdadeiro sentido da palavra, contudo, n#o se pode dizer que tenha vivido. =imiteime simplesmente a desempenhar, umas atr$s das outras, as funç\es que me eram atri(u)das. 9#o tive ningu!m a quem pudesse chamar amigo, um Ynico aluno com quem tivesse esta(elecido uma relaç#o de cumplicidade. 9unca amei ningu!m. 9#o sei o que significa gostar de algu!m. 5uando fechava os olhos, via a figura de *amamoto a ser esfolado vivo. 9os meus sonhos, *amamoto era esfolado uma vez e outra, at! se converter numa massa de carne sanguinolenta. Conseguia ouvir nitidamente os seus gritos lancinantes de dor. % sonhei vezes sem conta que, comigo ainda vivo, o meu corpo entrava em decomposiç#o no fundo do poço. +uitas vezes perguntei a mim mesmo se a verdadeira realidade n#o seria aquele sonho, e a minha vida n#o passasse de um sonho. Z5uando o senhor >onda, nas margens do rio Fhalkha, me dissera que eu n#o morreria em território chinês, confesso que reju(ilei. "creditando ou n#o nas suas palavras, naquele momento precisava desesperadamente de qualquer coisa a que me agarrar. X poss)vel que o senhor >onda, sa(endo disso, me tenha dito aquilo para me tranquilizar, mas, na verdade, aquilo n#o me trouPe nenhumhuma felicidade. esde que regressei ao &ap#o, sentime sempre como o invólucro T#o vazio de um animal que mudou de pele. % quando uma pessoa vive como se n#o passasse de um invólucro vazio, n#o se pode dizer que tenha vivido de verdade. "quilo que nasce do coraç#o e do corpo da casca vazia de um insecto n#o merece o nome de vida. 7sto ! o que gostaria que perce(esse, senhor Okada. %nt#o nunca foi casado desde que voltou ao &ap#oV perguntei. Claro que n#o respondeu o tenente +amiSa. 9#o tenho nem mulher nem pais nem irm#os. %stou completamente sozinho no mundo. epois de uma (reve hesitaç#o, aventureimeE "credita que teria sido melhor n#o conhecer a profecia do senhor >ondaV O tenente +amiSa permaneceu em silêncio por momentos. epois olhou fiPamente para mim. 8e calhar. Talvez o senhor >onda nunca me devesse ter dito o que disse. Ou talvez eu n#o lhe devesse ter dado ouvidos. Como ele mesmo ent#o afirmou, o destino ! algo que se deve ver olhando para tr$s, e n#o uma coisa para se sa(er de antem#o. 9a minha opini#o, por!m, isso ! de somenos import_ncia. " Ynica coisa que importa agora ! cumprir a minha o(rigaç#o e ir vivendo. 5uando o autocarro chegou, o tenente +amiSa fezme uma profunda v!nia. epois pediu desculpa por ter a(usado do meu tempo. espeçome de si e agradeçolhe por tudo disse ele. Aico muito contente por ter feito chegar Us suas m#os a tal recordaç#o deiPada pelo senhor >onda. Com esta miss#o, dou o cap)tulo por encerrado. "gora, j$ posso voltar para casa descansado.
quantia ePacta na m$quina autom$tica de venda de (ilhetes. Aiquei ali parado a ver o autocarro virar a esquina e desaparecer. 5uando deiPei de o ver, ePperimentei uma estranha sensaç#o de vazio. O desamparo de um menino a(andonado numa cidade desconhecida. " seguir regressei a minha casa, senteime no sof$ da sala de estar e a(ri o pacote que o senhor >onda me havia deiPado como recordaç#o. 9#o sem esforço, deime ao tra(alho de desem(rulhar, uma após a outra, as diversas camadas de papel, at! desco(rir uma pequena e resistente caiPa de cart#o. onda tinhame deiPado ficar uma caiPa vazia. 7 ")..E =ivro 77 O '$ssaro 'rofeta e &ulho a Outu(ro de 140 77 Aactos concretos O apetite liter$rio 9a noite em que acompanhei o tenente +amiSa U paragem de autocarro, Fumiko n#o apareceu em casa. Aiquei U espera dela, a ler e a ouvir mYsica, mas Us tantas desisti e fuime deitar. "dormeci com a luz acesa. 'ouco antes das seis da manh#, acordei. o lado de fora da janela j$ (rilhava o 8ol. "trav!s das cortinas finas chegava at! mim o canto dos p$ssaros. a minha mulher, nem sinal. " almofada (ranca continuava alta e inchada, prova de que ningu!m tinha deitado a ca(eça nela durante a noite. 8o(re a mesadeca(eceira, lavado e do(rado com todo o cuidado, continuava o seu pijama de Wer#o. Tinha sido lavado e do(rado por mim. "paguei o candeeiro do meu lado e respirei profundamente uma vez, como se quisesse marcar o compasso do tempo. "inda em pijama, passei em revista o resto da casa. 'rimeiro fui U cozinha, depois percorri com o olhar a sala de estar, dei uma espreitadela ao escritório. %Paminei a casa de (anho e a retrete e, por descargo de consciência, a(ri a porta do arm$rio de parede. Fumiko n#o se encontrava em parte alguma. " casa estava mais silenciosa do que era costume. "o percorrêla sozinho sentime, de alguma forma, a pertur(ar o esp)rito do lugar. 9#o havia nada que eu pudesse fazer. Aui at! U cozinha, enchi de $gua a cafeteira e acendi o lume. "ssim que a $gua começou a ferver, fiz caf!, senteime U mesa e (e(i uma ch$vena. 'us o p#o na torradeira, tirei do frigor)fico a salada de (atata. >$ muito, muito tempo que n#o tomava o pequenoalmoço sozinho. 'ensando (em, desde que est$vamos casados nem uma Ynica vez t)nhamos deiPado de tomar o pequenoalmoço juntos. 7sso acontecia muitas vezes com o almoço, outras, menos, com o jantar. +as nunca com o pequenoalmoço. T)nhamos uma esp!cie de acordo t$cito relativamente ao pequenoalmoço, que para nós funcionava quase como um ritual +esmo que nos deit$ssemos tard)ssimo, levant$vamonos sempre a tempo de preparar a primeira refeiç#o do dia juntos e fic$vamos aiH a sa(ore$lo tranquilamente na companhia um do outro. 9aquela manh#, por!m, n#o contava com a companhia de Fumiko. -e(i o meu caf! e comi as minhas torradas sozinho, em silêncio. " minha frente havia apenas uma cadeira vazia. Olhando para ela, lem(reime da $guadecolónia que Fumiko tinha posto na
manh# anterior. 'ensei no homem que lha devia ter oferecido 9a minha imaginaç#o, vi os aos dois na mesma cama, a(raçados 7maginei as m#os desse homem acariciando o corpo nu de Fumiko Weiome U memória a imagem das suas costas (rancas e lisas como porcelana, que vira de relance na v!spera ao ajud$la a correr o fecho do vestido. %stranhamente, o caf! deiPoume na (oca um gosto a sa(#o. -astou o primeiro gole para ficar com aquele sa(or desagrad$vel. "o princ)pio ainda pensei que era imaginaç#o minha, mas o segundo gole sa(ia ao mesmo. espejei a ch$vena no lavaloiça e servi me de nova ch$vena. 'rovei o caf!. "inda e sempre o mesmo gosto a sa(#o. 9#o conseguia ePplicar porquê. =avei (em a cafeteira. " $gua n#o tinha nada de especial. +as o certo ! o cheiro a sa(#o estava presente, ou era isso, ou leite desmaquilhante. eitei fora o que estava dentro da cafeteira e pus outra vez $gua ao lume, mas Us tantas farteime e desisti. %nchi a ch$vena com $gua da torneira e (e(i. "final de contas, j$ n#o tinha assim tanta vontade de (e(er um caf!. %sperei pelas nove e meia e telefonei para o escritório de Fumiko. "t!ndeume uma voz de mulher. 'edilhe para falar com Fumiko Okada. Z" senhora Okada ainda n#o chegou[, respondeume ela. "gradeci e desliguei. %m seguida, como ! meu costume sempre que me sinto inquieto, pusme a engomar camisas. 5uando se aca(aram as camisas, ataquei a limpeza da casa. "tei os jornais di$rios e as revistas velhas com uma corda, esfreguei (em o lavaloiça e tirei tudo das prateleiras da cozinha para as limpar melhor, lavei a casa de (anho e a retrete. eiPei os espelhos e as janelas a (rilhar com o limpavidros. esmontei os glo(os de vidro fosco das l_mpadas para os passar por $gua. +udei os lençóis e pus a roupa a lavar na m$quina, antes de fazer a cama de lavado. Is onze horas voltei a ligar para o escritório. espondeume a mesma telefonista, que me deu a mesma respostaE a senhora Okada ainda n#o tinha chegado. Z>oje n#o vai tra(alharV[, perguntei eu. , 1: Z9#o me deram qualquer informaç#o a esse respeito[, retorquiu ela numa voz desprovida de todo e qualquer sentimento. %stava apenas a comunicar os factos, mais nada. 9#o era normal que, Us onze da manh#, Fumiko ainda n#o tivesse chegado ao escritório. "s redacç\es de muitas revistas têm hor$rios irregulares, mas n#o era o caso da empresa de Fumiko, que pu(licava revistas de saYde e alimentaç#o natural. Todos os jornalistas, cola(oradores, escritores, produtores, agricultores e m!dicos com quem estavam em contacto tinham por h$(ito começar cedo a la(orar e dar o dia de tra(alho por terminado U tardinha. Tanto Fumiko como as suas colegas adoptavam este hor$rio, apresentando se Us nove em ponto da matina nas instalaç\es da empresa, e, tirando as !pocas de muito tra(alho, Us seis da tarde j$ estavam em casa. esliguei, fui at! ao quarto e dei uma olhadela aos vestidos, (lusas e saias de Fumiko que estavam pendurados no guardafatos. Caso tivesse sa)do de casa, o mais natural era ter levado a roupa com ela. O(viamente que n#o me lem(rava de todo o seu guarda roupa. 9em sequer era capaz de descrever toda a roupa que era minha, quanto mais a dela. +as acontecia que tinha por h$(ito levar e trazer a roupa de Fumiko da lavandaria, de modo que tinha uma ideia da roupa que ela costumava vestir mais, e da que preferia. %, se (em me lem(rava, n#o faltava ali nada. "l!m disso, ela n#o devia ter tido tempo para levar as roupas com ela. Tentei trazer de novo U memória o momento em que Fumiko sa)ra de casa, no dia anterior. O que levava vestido. " mala que tinha na m#o. 8ó me lem(ro de lhe ter visto a (olsa a tiracolo que costumava levar sempre para o emprego. %ra a) que guardava a agenda, alguns artigos de maquilhagem, o portamoedas, a esferogr$fica, um lenço e um pacote de lencinhos
de papel. =$ dentro nunca ca(eria uma muda de roupa. "(ri a cómoda. "cessórios, (ijutaria, óculos de sol, roupa interior, camisolas de algod#oE estava tudo perfeitamente arrumado dentro das gavetas. 9#o tinha maneira de sa(er se faltava alguma coisa. oupa interior ou meias, ela ainda poderia ter metido dentro da mala. +as, pensando (em, eram tudo coisas que ela n#o se daria ao tra(alho de levar. "final de contas, em qualquer parte se compram. " seguir entrei na casa de (anho e voltei a ePaminar a caiPa onde ela guardava os artigos de higiene. Tam(!m ali n#o havia nenhum md)cio de mudança. 8ó l$ estavam meia dYzia de produtos de cosm!tica e respectivos acessórios. estapei o frasco de Christian ior e aspirei o perfume uma vez mais. Cheirava ao mesmo.
vista em cima. O gato desapareceu para sempre. " menos que aconteça alguma coisa de ePtraordin$rioV repeti. n#o o(tive resposta. +alta Fano ficou em silêncio durante um grande (ocado. Aiquei U espera de a ouvir dizer qualquer coisa, mas, por mais que me esforçasse, nem a sua respiraç#o conseguia ouvir atrav!s do auscultador. 5uando começava a pensar que a chamada tinha ca)do, ela recomeçou a falar. 8enhor Okada disse , talvez seja um atrevimento da minha parte, mas, tirando esta história do gato, posso fazer alguma coisa para o ajudarV 9#o fui capaz de responder logo. Com o auscultador na m#o, encosteime U parede. "s palavras custaram a sair. >$ muitas coisas nesta história que eu próprio n#o entendo disse. "inda estou a tentar perce(er o que me aconteceu. +as querme parecer que a minha mulher se foi em(ora. 'assei ent#o a ePplicarlhe que Fumiko n#o regressara a casa na noite anterior e que de manh# n#o tinha aparecido no escritório. o outro lado do fio, +alta Fano parecia reflectir. eve estar muito preocupado, imagino referiu ela. 'or enquanto ainda n#o lhe sei dizer nada. +as tenho a certeza de que as coisas se h#ode compor. "gora, só podemos esperar. eve ser muito duro para si, mas h$ um tempo para tudo. X como o ritmo das mar!s. 9ingu!m o pode mudar. 5uando h$ que esperar, h$ que esperar. Oiça uma coisa, senhora Fano. %stoulhe muito agradecido pelo tra(alho que teve com o gato e tudo isso, e peçolhe desculpa pelo que lhe vou dizer a seguir, mas n#o estou com disposiç#o para ouvir (analidades. 8intome perdido. Werdadeiramente perdido. % tenho um mau pressentimento. +as n#o faço a m)nima ideia do que devo fazer. Compreende o que eu quero dizerV 9#o sei que fazer a partir do momento em que desligar o telefone. "quilo que me est$ a fazer falta, por pequeno e insignificante que possa ser, ! um facto concreto. 5ualquer coisa que eu possa ver com os meus próprios olhos, tocar com as minhas próprias m#os. o outro lado da linha ouviuse qualquer coisa a cair no ch#o. O ru)do de um o(jecto n#o muito pesado talvez uma p!rola a rolar pelo pavimento de madeira. " isto seguiuse um (arulho roçagamV como se algu!m segurasse uma folha de papel qu)mico na ponta dos dedos e lhe tivesse dado um violento puP#o. %stes sons pareciam ter se produzido nem muito perto nem muito longe do (ocal. +as aparentemente, +alta Fano n#o lhes prestava especial atenç#o. %stou a ver disse ela numa voz monocórdica, inePpressiva 5ualquer coisa de concreto. 7sso mesmo. O mais concreto poss)vel. 9esse caso, espere que algu!m lhe ligue. 9#o tenho feito outra coisa. eve estar a rece(er uma chamada de uma pessoa cujo nome começa por um ZO[. % essa pessoa sa(e alguma coisa de FumikoV +ais do que isso n#o sei. isse que queria factos concretos, fossem eles quais fossem, e ! precisamente isso que lhe estou a dar. Outra coisa, senhor Okada. Aalta pouco para termos alguns dias de meialua. +eialuaV espanteime eu. eferese U =ua que est$ no c!uV 8im, senhor Okada, a =ua que se vê no c!u. +as, em todo o caso, aconselhoo a esperar. 8a(er esperar ! uma grande virtude. 8endo assim, despeçome. "t! qualquer dia. % desligou. 'eguei na agenda que estava em cima da mesa e a(ria na letra ZO[. "notados na letrinha miYda e certinha de Fumiko apareciam ao todo quatro nomes. O primeiro era o meu pai, Tadao Okada. " seguir t)nhamos um velho colega meu dos tempos da
faculdade, chamado Onoda, um dentista chamado Otsuka, e, por fim, o dono da casa de vinhos do (airro, o senhor Omura. ecidi ePcluir primeiro o dono da loja de vinhos. " loja ficava apenas a dez minutos a p! e, tirando as ocasi\es em que lhes telefonava a pedir que nos trouPessem a casa uma caiPa de cervejas, n#o se podia dizer que tiv!ssemos alguma relaç#o especial com aquela gente. O dentista tam(!m n#o podia ser. "ndara a fazer tratamento a um molar h$ coisa de dois anos, mas Fumiko nunca l$ tinha ido. 5ue eu sou(esse, desde que est$vamos casados, ela nem uma Ynica vez tinha posto o p! no dentista. 5uanto ao meu amigo Onoda, h$ anos que o n#o via. epois de se licenciar, fora tra(alhar para um (anco. "o fim de dois anos havia sido transferido para uma sucursal em 8apporo, e desde essa altura vivia em >okkaido. 9os Yltimos tempos limit$vamonos a trocar um cart#o com votos de feliz ano novo. 9#o me conseguia lem(rar se alguma vez o apresentara a Fumiko. 8o(rava o meu pai. +as era pouco prov$vel que Fumiko e ele tivessem mantido qualquer esp!cie de contacto. %le tinha voltado a 13 casarse depois de a minha m#e morrer, e nunca mais t)nhamos voltado a vernos, nem a escrevernos, nem t#opouco a falar ao telefone. Fumiko nunca se encontrara sequer com ele. %nquanto folheava a agenda, pensei uma vez mais em como era reduzido o c)rculo das nossas amizades. esde que cas$ramos, seis anos antes, e tirando um ou outro contacto o(rigatório com meia dYzia de colegas de tra(alho, t)nhamos vivido sempre, Fumiko e eu, metidos no nosso (uraco, sem uma relaç#o com o ePterior que se visse. ecidi fazer outra vez esparguete para o almoço. 9#o que tivesse especialmente fome, mas n#o podia continuar para sempre ali sentado, imóvel, U espera que tocasse o telefone. 'recisava de me mePer com algum o(jectivo preciso em vista. %nchi uma panela de $gua, acendi o g$s e, enquanto fiquei U espera que a $gua fervesse, preparei o molho de tomate, com o r$dio sintonizado numa estaç#o A+. Transmitiam uma sonata de -ach para violino solo. " interpretaç#o em si era ePcepcionalmente (oa, mas havia nela qualquer coisa que me irritava. 9#o sei a que se devia, se aos ePecutantes se ao meu estado de alma, mas o certo ! que desliguei o r$dio e continuei a cozinhar em silêncio. "queci azeite, juntei alho, ce(ola picada, e, quando a ce(ola começou a alourar, acrescentei o tomate lavado U torneira, cortado aos (ocadinhos. +ePi tudo muito (em. 9#o me custava pegar na faca e cozinhar qualquer coisa ao lume, antes pelo contr$rio. Aazer esses gestos davame uma sensaç#o concreta, t$ctil, a que se juntavam outras que me davam prazer, como os sons e os cheiros. 5uando a $gua começou a ferver, deitei l$ para dentro uma m#ocheia de sal e um punhado de esparguete. egulei o temporizador para dez minutos e lavei o que estava sujo no lavaloiça, mas nem com o prato de esparguete aca(ado de fazer diante de mim o meu apetite despertou. " muito custo l$ comi metade e deitei fora o resto. +eti o molho que so(rara num recipiente e guardeio no frigor)fico. 'aciência. I partida j$ estava sem fome. Weiome U memória uma história que tinha lido n#o sei onde, h$ uns tempos. Aalava de um homem que comia e (e(ia sem parar enquanto esperava n#o sei o quê. Tive de fazer um esforço de memória 'ara me lem(rar que se tratava de um livro de >eming`aS, O "deus as "rmas. O herói Kn#o me lem(ro do nomeL consegue atravessar a fronteira de 7t$lia num (arco para se refugiar na 8u)ça. "), numa 'equena cidade, enquanto a sua mulher est$ em tra(alho de parto, 'assa a vida a entrar no caf! em frente da cl)nica para comer e (e(er qualquer coisa. 'ouco ou nada mais me lem(rava da trama daquele romance. =em(ravame, isso sim, de uma cena, quase no
fim do livro, em que o protagonista n#o parava de comer e de (e(er num pa)s que 1/ n#o era o seu enquanto esperava que a mulher desse U luz. 8e recordava aquela cena, era porque transmitia uma forte sensaç#o de realismo O facto de algu!m estar possu)do por um apetite ePtraordin$rio era aos meus olhos, mais veros)mil, no plano liter$rio, do que o contr$rio, que ! como quem diz, a tentativa de ilustrar a falta de apetite causada pela ansiedade. 9a realidade, e ao contr$rio do que acontecia em O "deus Us "rmas, enquanto esperava pacientemente que acontecesse alguma coisa, fechado naquela casa silenciosa de olhos postos nos ponteiros do relógio, n#o sentia a m)nima vontade de comer. % ent#o, de repente perguntei a mim próprio se aquela falta de apetite n#o seria fruto de uma carência de realismo liter$rio. % tive a impress#o de me ter transformado numa personagem de um romance de segunda. Como se algu!m me acusasse de n#o ser suficientemente realista. % se calhar era verdade. O telefone tocou ainda n#o eram duas da tarde. X da casa do senhor OkadaV perguntou uma voz de homem desconhecida. %ra a voz de uma pessoa jovem, grave e (em tim(rada. 8im, ! o próprio respondi eu, com a voz um pouco tensa. O senhor Okada que mora no nYmero :3 do chome :V 8im. %stou a ligar da mercearia. "proveito para agradecer uma vez mais a sua preferência. 8e estiver (em para si, passo por a) nas minhas voltas a fim de rece(er a continha. $ lhe jeitoV " continhaV 8im. " factura das duas caiPas de cerveja e de uma de sumo. 'ode ser retorqui eu. Wou estar por aqui durante mais algum tempo. epois de desligar o telefone, esforceime por perce(er se o telefonema n#o teria avançado uma informaç#o qualquer acerca de Fumiko. +as, por mais voltas que lhe desse, n#o passava de uma conversa (reve e realista com um comerciante de (airro so(re uma factura que era preciso pagar. O certo ! que tinha mandado vir cervejas e sumo, e que a loja tinha mandado entregar a encomenda.
lim#o. +as enquanto rememorava a conversa com o rapazinho das entregas, lem(reime de que tinha roupa para levantar na lavandaria em frente da estaç#o.
8a) da lavandaria direitinho ao caf! do (airro, que ficava algumas portas mais U frente. %ntrei e pedi um ch$ gelado. =$ dentro estava fresco e eu era o Ynico cliente. "trav!s de umas pequenas colunas no cimo da parede chegava at! mim o som de uma vers#o orquestrada de uma canç#o dos -eatles, Z%ight aSs a Reek[. Tornei a pensar na praia. 7magineime descalço, a caminhar U (eiramar. " areia queimava e a (risa trazia no ar o forte odor da maresia. espirava profundamente e levantava os olhos para o c!u. Com as m#os a(ertas e as palmas para cima, podia sentir o ardor do sol do Wer#o. %nt#o, uma onda fria vinha lam(erme os p!s. 'or mais que pensasse nisso, n#o deiPava de ser muito estranha aquela história de Fumiko ter passado pela lavandaria a fim de levantar a roupa antes de ir tra(alhar. 'ara começar, teria de se meter num com(oio apinhado de gente transportando na m#o a roupa aca(ada de passar a ferro pendurada num ca(ide. epois, teria de repetir a mesma operaç#o na viagem de regresso. "l!m da seca, de que serviria ter recorrido aos serviços de uma lavandaria para depois aca(ar com a roupa feita num trapoV %ra impens$vel que Fumiko, man)aca da limpeza e inimiga das rugas, fizesse uma coisa t#o estYpida, quando podia perfeitamente passar pela lavandaria no regresso do escritório. %, caso pensasse regressar mais tarde, (astava que me tivesse ligado, que eu me encarregaria de ir (uscar a roupa. 8ó havia uma ePplicaç#o plaus)vel. 9essa altura j$ ela n#o tinha a m)nima intenç#o de regressar a casa. % tinha partido para outra, levando na m#o a saia e a (lusa. "ssim sempre tinha uma muda o resto, em qualquer parte podia comprar. Tinha consigo o cart#o de cr!dito, o cart#o (anc$rio. Tinha conta pessoal no (anco. 'odia ir para onde lhe desse na gana. % podia muito (em darse o caso de estar acompanhada por algu!m um homem. Wendo (em, que outra raz#o teria para sair assim de casaV " coisa devia ser s!ria. Fumiko tinha desaparecido deiPando para tr$s toda a sua roupa, os seus sapatos. %la, que tinha tanto gosto em comprar roupa e acessórios, que cuidava com verdadeiro primor. 'ara ela a(andonar tudo isso e partir apenas com a roupa que trazia no corpo, era preciso ter tudo muito (em pensado. Ou, pelo menos, era assim que eu via a coisa, uma vez que tinha sa)do de casa só com uma saia e uma (lusa na m#o. 9#o, pensando melhor, naquela altura a roupa devia ter sido a Yltima das suas preocupaç\es. ecosteime na cadeira e, ouvindo distraidamente aquela mYsica am(iental, insuport$vel de t#o ass!ptica, imaginei Fumiko a caminho do emprego, metida dentro de um com(oio a re(entar pelas costuras, empunhando uma saia e uma (lusa aca(adas da sair da lavandaria, penduradas num ca(ide de arame e ainda dentro dos sacos de pl$stico. ecordei a cor do seu vestido, recordei o perfume da sua $guadecolónia atr$s dos ló(ulos das orelhas, recordei as suas costas suaves e perfeitas. %stava ePausto. Tinha a sensaç#o de que, se fechasse os olhos, daria por mim a flutuar num outro lugar qualquer, completamente diferente daquele onde me encontrava. : 9em uma Ynica (oa not)cia neste cap)tulo 8a) do caf! e deam(ulei sem rumo pelas ruas do (airro. Talvez por causa do calor intenso que a essa hora da tarde se fazia sentir sentiame cada vez pior a cada passo que dava. Tinha fe(re e at! mesmo calafrios, mas se havia lugar para onde n#o queria voltar era para casa. 8ó a ideia de ficar ali U espera, naquela casa silenciosa de uma chamada que podia nunca mais chegar, produzia em mim uma insuport$vel sensaç#o de asfiPia. " Ynica coisa que me veio U ca(eça foi ir visitar +aS Fasahara. e regresso a casa, saltei o muro do jardim e percorri a ruela at! chegar Us traseiras da vivenda dela. %ncostado ao muro da casa a(andonada, do outro lado da ruela, pusme a olhar para o jardim onde estava o p$ssaro de pedra. 8e me deiPasse estar ali especado, sem dYvida
que +aS Fasahara daria por mim. 5uando n#o ia tra(alhar para o fa(ricante de ca(eleiras postiças, costumava ficar por casa e entretinhase a vigiar a viela da janela do seu quarto ou ent#o do jardim, enquanto apanhava sol. +as +aS Fasahara nunca chegou a aparecer. 9o c!u n#o se via uma Ynica nuvem. O sol de Wer#o queimavame a nuca. a terra, de(aiPo dos meus p!s, su(ia at! mim um intenso odor a erva. e olhos postos no p$ssaro de pedra, recordei a história que o meu tio me contara acerca do destino daqueles que em tempos ali tinham vivido. +as a Ynica imagem que me vinha U ca(eça era o mar.
volta estava tudo em silêncio. % essa calma fezme lem(rar que estava h$ muito tempo sem ouvir o p$ssaro de corda. 5uando tinha sido a Yltima vezV 5uatro ou cinco dias antes, talvez. +as n#o tinha a certeza. 5uando me dera conta disso, a voz do p$ssaro tinha deiPado de se ouvir. 8e calhar, tratavase de uma ave migratória. 'ensando (em, começara a ouvilo h$ coisa de um mês. %, durante todo esse tempo, dia após dia, aquele p$ssaro invis)vel tinha dado corda ao pequeno mundo em que viv)amos. Tinha sido por ePcelência a estaç#o do p$ssaro de corda. "o fim de dez minutos +aS Fasahara regressou, trazendo na m#o um grande copo cheio de cu(os de gelo que me estendeu. O gelo tilintou com um ru)do seco, que parecia vir de um mundo long)nquo. W$rias portas separavam aquele mundo do mundo onde me encontrava. 9aquele momento, por mero acaso, estavam a(ertas e o som chegava at! aos meus ouvidos. +as era apenas uma quest#o de tempo. +al uma dessas portas se fechasse, logo eu deiParia de ouvir o som. X $gua com lim#o, (e(e disse +aS Fasahara. "juda a refrescar as ideias. -e(i metade antes de lhe devolver o copo. " $gua fresca escorregoume pela garganta e foi descendo devagar pelo interior do meu corpo. Aui assaltado por uma violenta n$usea. entro do meu est]mago, desatouse um novelo de fios em decomposiç#o e su(iume U garganta. Aechei os olhos com força e esperei que aquilo passasse. Com os olhos fechados, via Fumiko a apanhar o com(oio com a (lusa e a saia penduradas na m#o. Is tantas, achei que o melhor era vomitar, mas n#o vomitei. espirei fundo v$rias vezes at! que, por fim, a sensaç#o de n$usea diminuiu e passou. Tudo (emV perguntou +aS Fasahara. Tudo (em. &$ telefonei. isse que era uma pessoa da fam)lia. Aiz (emV >mm hmm. %ssa pessoa, Fumiko, ! a tua mulher, n#o !, senhor '$ssaro de CordaV >mm hmm. esponderamme que ontem tam(!m n#o foi tra(alhar. 8em avisar nem nada. 'ura e simplesmente, faltou ao emprego. 'erce(ese que est#o atrapalhados e n#o sa(em o que h#ode fazer. "t! disseram que n#o ! o g!nero de pessoa de fazer isso. X um facto. %la n#o ! do tipo de faltar sem dizer nada. esapareceu desde ontemV "ssenti. Coitado do senhor '$ssaro de Corda ePclamou +aS Fasahara. 'arecia realmente com pena de mim. ']s a sua m#o so(re a minha testa. 'osso fazer alguma coisa por tiV 'or agora, n#o respondi. +as agradeçote na mesma. % fazerte uma pergunta, possoV Ou preferes que n#o pergunte nadaV 'ergunta U vontade. +as n#o sei se te posso responder. " tua mulher fugiu com outro homemV 9#o tenho a certeza disse eu. 8e calhar. %Piste essa possi(ilidade. %ssa agora^ +as viviam juntos, n#o eraV Como ! que ! poss)vel, vivendo os dois na mesma casa h$ tanto tempo, que n#o tenhas dado conta de nadaV %la tinha toda a raz#o. Como ! que eu n#o me tinha dado contaV Coitadinho do senhor '$ssaro de Corda^ repetiu. 5uem rne dera dizer alguma coisa que te pudesse ajudar a levantar o moral, mas, infelizmente, da vida conjugal pouco ou nada pesco. =evanteime da cadeira. " mudança de posiç#o ePigiume um esforço maior do que o previsto. "gradeçote imenso. esteme uma grande ajuda. +as agora est$ na hora de me ir
em(ora disse eu. 'ode ser que haja alguma not)cia. 5ue telefone algu!m para casa. 5uando chegares a casa, vai logo tomar duche. 'rimeiro est$ o duche. OFV epois muda de roupa. % faz tam(!m a (ar(a. " (ar(aV perguntei. 'assei a m#o pelo queiPo. %ra verdade, tinhame esquecido de fazer a (ar(a. Confesso que naquela manh# a ideia de me (ar(ear nem sequer me tinha passado pela ca(eça. >$ pequenas coisas que têm a sua import_ncia, sa(ia, senhor '$ssaro de CordaV lançoume +aS Fasahara, olhandome fiPamente nos olhos. "gora, vai para casa e vê te com calma ao espelho. X para j$. 'osso ir ter contigo, mais tardeV Claro disse eu. % acrescenteiE "t! ! um favor que me fazes. +aS Fasahara anuiu em silêncio. e regresso a casa, o(servei o meu rosto ao espelho. %ra verdadeE estava com um aspecto de meter medo ao susto. espime, tomei duche, lavei (em a ca(eça, fiz a (ar(a, escovei os dentes, pus loç#o de (ar(ear na cara, e depois voltei ao espelho para um ePame minucioso. 'arecia estar um (ocado mais apresent$vel. "s n$useas tam(!m tinham desaparecido. 8ó tinha a ca(eça um tanto ou quanto turva. Troquei de (oPers e vesti uma camisola interior lavada. 8enteime na varanda, encostado a uma coluna, U espera que o ca(elo secasse ao ar e a contemplar o jardim. %sforceime por organizar os acontecimentos dos Yltimos dias. 'rimeiro que tudo, o telefonema do tenente +amiSa. Teria sido na v!speraV... 8im, sem dYvida, isso tinha acontecido na manh# do dia anterior. epois a minha mulher tinha sa)do de casa. %u tinha su(ido o fecho de correr das costas do vestido. % tinha encontrado a caiPa da $gua decolónia. " seguir entrara em cena o tenente +amiSa, que me tinha feito o estranho relato de um episódio passado na guerra. onda, por 8inal uma caiPa vazia. I noite Fumiko ainda n#o regressara a casa. 9essa mesma manh#, tinha ido levantar a roupa na lavandaria a seco ao p! da estaç#o. % tinha desaparecido. 8em deiPar rasto nem prevenir no escritório. %ra tudo o que acontecera no dia anterior. Custavame a crer que pudesse ter acontecido tudo isso emasiadas coisas para um só dia. %nquanto dava voltas U ca(eça para ver se perce(ia os acontecimentos, fui assaltado por uma terr)vel vontade de dormir. avia tam(!m um (alde em aço inoPid$vel cheio de cu(os de gelo. "lgu!m passava no corredor a falar muito alto. 9#o captava as palavras, mas parecia uma l)ngua estrangeira. o tecto pendia, apagado, um lustre. " Ynica fonte de luz no quarto provinha de uns apliques de parede que forneciam uma luz t!que. Os espessos cortinados tam(!m estavam cuidadosamente corridos. Creta Fano trazia um dos vestidos de Wer#o de Fumiko. O azulclaro, com um motivo
(ordado em forma de p$ssaros. " saia davalhe ligeiramente acima do joelho. Como de costume, a maquilhagem de Creta Fano fazia lem(rar a de &acqueline FennedS. 9o (raço esquerdo usava duas pulseiras iguais. Z%scuta uma coisa, onde ! que arranjaste esse vestidoV X teuV[, perguntavalhe eu. Creta Fano olhava para mim. epois fazia que n#o com a ca(eça. "o fazer esse movimento, as pontas do seu ca(elo, enroladas para dentro, oscilavam com eleg_ncia. Z9#o, n#o ! meu. 'edio emprestado, mais nada. +as n#o se preocupe, senhor Okada. 9ingu!m vai ter pro(lemas por causa disso.[ ZOnde dia(o estamos nósV[, continuava eu a perguntar. Creta n#o respondia. %u estava sentado na cama, como antes.
imenso. Aechava os olhos e ficava U escuta, U espera de ouvir o rumor das ondas que me (atiam na cara. O meu corpo estava mergulhado num oceano de $gua doce e morna. " mar! su(ia lentamente "rrastado por ela, sentiame U deriva. Tal como Creta Fano me tinha dito, tentava n#o pensar em nada. Aechava os olhos, a(andonava o corpo e deiPavame ir ao sa(or da corrente. e repente, dava conta de que o quarto tinha mergulhado nas trevas. 5ueria olhar para o que estava U minha volta, mas n#o via praticamente nada. Os apliques de parede estavam apagados. " Ynica coisa que vislum(rava era o vestido azul de Creta Fano a ondular por cima de mim. Z%squece[, dizia ela. +as n#o era a voz de Creta Fano. Z%squece tudo o mais... Como se estivesses a dormir, a sonhar. Como se estivesses mergulhado em lama quente. Todos nós vimos do (arro quente e ao (arro quente tornaremos.[ %ra a voz da mulher ao telefone. " que estava montada em cima de mim a fazer amor comigo era a mulher das chamadas misteriosas. %, como seria de esperar, envergava o vestido de Fumiko. 8em me dar conta, a certa altura aquela mulher havia ocupado o lugar de Creta Fano. 5ueria dizer alguma coisa, mas n#o sa(ia o quê. +as sa(ia, isso sim, que queria dizer qualquer coisa. Contudo, estava terrivelmente pertur(ado e a voz n#o me sa)a. I falta de palavras, tudo o que sa)a da minha (oca era uma golfada de ar quente. "(ria (em os olhos e esforçavame por ver a cara da mulher que tinha so(re mim. +as o quarto estava demasiado escuro. 8em acrescentar mais nada, a mulher começava a mover as ancas de maneira ainda mais provocante do que antes. " sua carne suave envolvia o meu mem(ro e apertavao suavemente. %ra como um animal dotado de vida própria. 9as suas costas ouvia girar uma maçaneta a rodar. Ou, pelo menos, assim mo parecia. "lgo lançava um clar#o (ranco na escurid#o. Talvez fosse o (alde de gelo, em cima da mesadeca(eceira, a reflectir a luz do corredor. Ou ent#o, o reflePo de uma faca afiada. +as n#o conseguia ir mais longe no meu racioc)nio. % vimme. Tomei um duche, limpeime (em e lavei U m#o os calç\es manchados de esperma. Z-onito^ 8ó a mim^[, pensei. %ra o que me faltava, andar a ter sonhos eróticos, logo numa altura em que ! tudo t#o complicado na minha vida. Woltei a mudar de roupa, e voltei a sentarme na varanda a olhar para o jardim. 7nfiltrandose atrav!s da espessa vegetaç#o, os fulgurantes raios de sol pareciam estar a dançar. Draças U chuva que ca)ra sem :4 parar nos Yltimos dias, a erva de um verdevivo despontava, orgulhosamente, aqui e ali, emprestando ao jardim um ligeiro ar de decadência e estagnaç#o. e novo Creta Fano. %ra a segunda vez, num curto espaço de tempo, que ejaculara durante o sono, e das duas vezes a sonhar com Creta Fano. 9unca desejara ir para a cama com ela. 9em por um momento me tinha passado isso pela ca(eça. +as a verdade ! que aca(ava sempre naquele quarto a ter relaç\es sePuais com Creta Fano. 9#o compreendia a raz#o. % quem dia(o seria aquela mulher do telefone que Us tantas tomara o lugar de Creta FanoV 'elos vistos, ela sa(ia quem eu era. % afirmava que tam(!m eu a conhecia. 'assei em revista, uma a uma, todas as mulheres com quem tinha ido para a cama. " mulher ao telefone n#o era nenhumhuma delas. Contudo, havia qualquer coisa nela que havia despertado um eco na minha ca(eça. % isso estava a irritarme. %ra como se alguma recordaç#o estivesse a tentar sair de dentro de uma caiPinha. 8a(ia a ali, sentiaa a mePerse insidiosamente l$ dentro. 8ó precisava de uma pequena pista. 8e eu conseguisse puPar a ponta do novelo, tudo se desenrolaria com facilidade. e resto, o mist!rio estava U espera que eu o desvendasse. +as eu n#o conseguia encontrar
o fio U meada. 'or fim desisti. Z9#o penses em nada... Como se estivesses a dormir, a sonhar. Como se estivesses mergulhado em lama quente. Todos nós vimos do (arro quente, e ao (arro quente tornaremos.[ "s seis horas ainda ningu!m tinha telefonado. 8ó +aS Fasahara ! que aparecera para me ver. isse que tinha muita sede e que lhe estava mesmo a apetecer uma cerveja. Aui ao frigor)fico (uscar uma lata fresca e (e(emos a cerveja a meias. Como tinha fome, peguei em fiam(re e em folhas de alface, meti entre duas fatias de p#o e fiz uma sandu)che. "o verme comer, +aS Fasahara disse que tam(!m queria a mesma coisa. "rranjeilhe uma igual. Comemos a sandu)che em silêncio, (e(endo a nossa cerveja. Wolta e meia, eu lançava uma olhadela ao relógio de parede. 9#o h$ televis#o nesta casaV perguntou ela. 9#o, nada de televis#o respondi eu. +aS Fasahara mordiscou os l$(ios. 8im, j$ desconfiava. 'orquêV 9#o gostas de ver televis#oV 9#o se pode dizer que n#o goste. O que acontece ! que a televis#o n#o me faz falta nenhumhuma. +aS Fasahara deiPou cair o assunto, antes de voltar U carga. >$ quantos anos ! que est$s casado, '$ssaro de CordaV 8eis. % durante todo este tempo conseguiram passar sem televis#oV 8im. "o princ)pio n#o t)nhamos dinheiro para comprar uma. % depois ha(itu$monos U vida sem televis#o. X agrad$vel viver assim, mais calmo. e certeza que devem ter sido felizes os dois. O que te leva a dizer issoV %la fez uma careta. %u, sem televis#o, n#o aguentava nem um dia. 7sso quer dizer que !s infelizV +aS Fasahara n#o respondeu. " verdade ! que Fumiko ainda n#o voltou para casa. % agora o senhor '$ssaro de Corda j$ n#o tem raz#o para estar feliz da vida. "ssenti e em(orquei um gole de cerveja. X mais ou menos isso. % era mais ou menos aquilo. +aS p]s um cigarro na (oca e, com um movimento estudado, acendeuo com um fósforo. %scuta uma coisa, senhor '$ssaro de Corda disse ela. 5uero que sejas sincero comigo e que me respondas a uma pergunta. "chas que sou feiaV 'ousei o copo de cerveja e pusme a olhar outra vez para +aS Fasahara. Tinha estado vagamente a pensar noutra coisa enquanto fal$vamos. Westia um top preto que lhe ficava demasiado grande e deiPava entrever o volume dos seus seios de rapariguinha cada vez que se inclinava para a frente. 9#o !s nada feia, isso garantote eu. 'or que me fazes essa perguntaV 'orque um rapaz com quem andava passava a vida a dizer que eu era um a(orto e tinha as mamas pequenas. O rapaz que teve o acidente de motoV 8im. %sse mesmo. Aiquei a ver +aS Fasahara soprar lentamente o fumo do cigarro pela (oca. 9essa idade os rapazes dizem muitas vezes esse g!nero de coisas. 9#o sa(em ePpressar (em os seus sentimentos e, ent#o, dizem e fazem coisas que n#o têm nada que ver com o que pensam. 'ara al!m de magoarem os outros inutilmente, aca(am tam(!m por se magoar a si mesmos. 8eja como for, de feia n#o tens nada. "chote at! muito (onita, sinceramente. % olha que n#o estou a fazerte nenhum favor. +aS Fasahara ficou por momentos a pensar so(re o que eu lhe tinha dito. eitou a
cinza para dentro da lata de cerveja. "cha a sua mulher (onita, senhor '$ssaro de CordaV X poss)vel, n#o sei... >$ quem pense que sim, e quem pense que n#o. X uma quest#o de gosto. : >um, estou a ver fez +aS Fasahara. % p]sse a tam(orilar com as unhas no copo, com todo o ar de quem est$ chateado. Como ! que correram as coisas com o teu namorado da motoV perguntei. &$ n#o andas com eleV j$ n#o respondeu +aS Fasahara, apalpando ligeiramente a cicatriz no canto do olho esquerdo. 9em penso voltar a p]rlhe a vista em cima, disso podes estar certo. uzentos por cento certo. "posto o dedo m)nimo do p! direito. Olha, agora n#o me est$ a apetecer falar disso. 8a(es, algumas coisas, quando nos pomos a falar delas deiPam de ser verdadeiras, tornamse falsas. %ntendes o que digo, senhor '$ssaro de CordaV Olhei de relance para o telefone na sala de estar. epousava em cima da mesa, mergulhado num manto de silêncio. 'arecia uma criatura do fundo dos mares, fingindo se inanimada U espera da sua presa.
telefonar, senhor Okada. 8ó queria perguntarlhe se por acaso tem algum compromisso para amanh#. espondilhe que n#o tinha nada com(inado. Compromissos era coisa que pura e simplesmente n#o fazia parte do meu mundo. 9esse caso, se fosse poss)vel gostaria de me encontrar consigo amanh# ao meiodia. Tem alguma coisa que ver com FumikoV %u diria que ePiste essa possi(ilidade retorquiu +alta Fano, escolhendo as palavras a dedo. Creio que o senhor 9o(oru RataSa estar$ igualmente presente. "o ouvir aquilo, quase deiPei cair o aparelho. %st$ a dizerme que vai ser uma conversa a trêsV 8im, pode dizerse que tudo aponta nesse sentido disse +alta Fano. " situaç#o actual assim o ePige. Tenho muita pena, mas pelo telefone n#o posso entrar em mais ePplicaç\es. 'erce(o. 9esse caso, de acordo. $lhe jeito U uma da tarde, no mesmo s)tio do outro diaV " cafetaria do >otel 'acific, em 8hinaga`aV I uma na cafetaria do >otel 'acific repeti. % desliguei. Is dez rece(i uma chamada de +aS Fasahara. 9#o tinha nada de especial para me dizer. 8ó queria conversar com algu!m. Aic$mos um (om (ocado a falar de tudo e de nada. izme uma coisa, senhor '$ssaro de Corda perguntou ela, no fim. ece(este alguma (oa not)ciaV 9em uma respondi. 9icles. :V G Tem a palavra 9o(oru RataSa " história dos macacos da ilha de merda Cheguei U cafetaria dez minutos antes da uma, mas 9o(oru RataSa e +alta Fano j$ estavam sentados a uma mesa, U minha espera. %ra hora de refeiç#o e o esta(elecimento estava cheio, mas dei imediatamente pela presença de +alta Fano. 9#o deve haver neste mundo muitas pessoas que andem com um chap!u de pl$stico vermelho numa tarde soalheira de Wer#o. " n#o ser que tivesse uma colecç#o de chap!us todos da mesma forma e da mesma cor, devia ser o que trazia no nosso primeiro encontro. %, tal como da Yltima vez, ia vestida com eleg_ncia e (om gostoE um casaco (ranco de linho de manga curta e, por (aiPo, um camiseiro de algod#o com o decote rente ao pescoço. O conjunto era de uma (rancura imaculada, sem uma ruga. 9#o tinha jóias nem maquilhagem. "penas o chap!u vermelho de pl$stico destoava visivelmente, tanto pelo estilo como pela qualidade do material. "ssim que me instalei, ela tirou o chap!u, como se tivesse estado U minha espera para fazer esse gesto, e pousouo so(re a mesa, ao lado de uma malinha de pele amarela. Tinha mandado vir uma $gua tónica mas, pelos vistos, ainda n#o lhe tocara. O l)quido, como que incomodado de se encontrar ali, inutilmente contido dentro daquele grande copo, entretiverase a produzir pequenas (olhas. 9o(oru RataSa usava óculos de sol com lentes verdes. 5uando me sentei, tirouos e ficou a olhar fiPamente para eles na m#o por momentos, mas aca(ou por voltar a p]los. Trazia um casaco desportivo de algod#o azulmarinho e, por (aiPo, um pólo (ranco aca(adinho de estrear. 'edi um caf! e (e(i um gole de $gua gelada. "t! aqui ainda ningu!m tinha pronunciado uma Ynica palavra. 9o(oru RataSa, esse parecia nem sequer ter dado pela minha chegada. 'ara ter a certeza de que n#o era transparente, pousei uma das m#os so(re a mesa e vireia e revireia v$rias vezes. O empregado apareceu, depositou uma ch$vena e serviume caf! da cafeteira. epois de
ele se ter ido em(ora, +alta Fano aclarou ligeiramente a garganta, como se estivesse a ePperimentar um microfone, mas continuou sem dizer nada. 9o(oru foi o primeiro a usar da palavra. Tenho pouco tempo, por isso acho melhor falarmos com toda a franqueza e o mais directamente poss)vel. irse)a que estivera a falar para o açucareiro de aço inoPid$vel que estava no centro da mesa, mas era ó(vio que se dirigia a mim. 8e (em que o açucareiro, estrat!gicamente entre nós os dois, fosse um interlocutor mais cómodo. % de que assunto temos de falar com toda a franqueza e o mais directamente poss)velV perguntei eu, sem papas na l)ngua. 9o(oru RataSa resolveuse finalmente a tirar os óculos, do(rou as hastes e colocouos em cima da mesa. epois olhou para mim. eviam ter passado três anos desde a Yltima vez que lhe tinha posto a vista em cima, e trocado duas palavras com o homem, mas custavame a crer que tivesse passado tanto tempo. Talvez porque a sua cara passava a vida a aparecer no pequeno ecr# e nas revistas, pensei. 5uer gostemos quer n#o, quer queiramos quer n#o, certo tipo de informaç#o penetra como fumo nos olhos e na mente das pessoas. "o têlo ali diante de mim e ao olhar (em para ele, deime conta do muito que havia mudado a ePpress#o do seu rosto ao longo daqueles três anos. O ar turvo e quase estagnado que lhe conhecera desde a primeira vez tinha sido empurrado para o fundo, e mostravase agora co(erto por qualquer coisa, uma patina (rilhante e artificial. %m poucas palavras, 9o(oru RataSa desco(rira uma m$scara nova, nitidamente mais sofisticada.
Fumiko encontrou outro homem. % agora foi viver com ele. 7sso ! mais que certo. 9uma situaç#o destas, n#o faz qualquer sentido que continuem casados. 'or sorte n#o h$ filhos pelo meio e, tendo em vista as circunst_ncias, n#o h$ necessidade de se proceder a compensaç\es financeiras de esp!cie alguma, pelo que tudo ser$ mais r$pido. -astar$, para isso, que o nome de Fumiko seja apagado do teu registo de fam)lia. 'edes ao teu advogado que prepare um documento, depois ! só meter o vosso selo, e aca(ou^ X (om que sai(as uma coisa de antem#o, para evitar futuros malentendidosE tudo o que aca(o de dizer ! uma decis#o irrevog$vel da fam)lia RataSa. Cruzei os (raços e fiquei ali a matutar nas suas palavras. Tenho v$rias perguntas. %m primeiro lugar, como ! que sa(es que Fumiko tem um amanteV issemo ela pessoalmente respondeu 9o(oru RataSa. 9#o sa(endo (em como reagir, permaneci calado, com as m#os pousadas so(re a mesa. 9#o conseguia imaginar Fumiko a entrar em confidências t#o )ntimas com 9o(oru RataSa, era uma coisa que n#o me entrava na ca(eça. Fumiko telefonoume h$ coisa de oito dias e comunicoume que precisava de falar comigo continuou ele. %ncontr$monos e discutimos a situaç#o. Aoi ent#o que ela me disse taPativamente que andava com outro homem. 'ela primeira vez em meses, senti vontade de fumar. Como era ó(vio, n#o tinha cigarros comigo. %m vez disso, (e(i mais um gole de caf! e voltei a pousar a ch$vena em cima do pires num gesto seco que fez (arulho. Aoi por isso que saiu de casa acrescentou ele. %stou a ver disse eu , se tu o dizes... Fumiko tem um amante. % foi ter contigo a fim de pedir conselho. Confesso que tenho as minhas dYvidas, mas n#o posso crer que fosses capaz de mentir so(re uma coisa assim t#o grave. X evidente que n#o estou a mentir disse 9o(oru, com um arremedo de sorriso irónico ao canto da (oca. i % isso ! tudo o que tens para me dizerV 5ue Fumiko se foi em(ora com outro homem e que, como tal, devo concederlhe o divórcioV 9o(oru RataSa assentiu com um gesto vago, como se estivesse a poupar energia. 'arto do princ)pio de que n#o ! novidade para ti o facto de eu n#o ter concordado com o vosso casamento. Como o assunto n#o me dizia respeito, achei por (em n#o manifestar pessoalmente a minha oposiç#o, mas agora, do modo como evoluiu a situaç#o, penso que deveria têlo feito. ito isto, (e(eu um gole de $gua e voltou a pousar o copo sem fazer (arulho. %m seguida prosseguiuE esde a primeira vez que nos encontr$mos, sou(e logo que n#o podia esperar grande coisa de ti. 9unca consegui lo(rigar em ti um Ynico elemento positivo que te permitisse fazer alguma coisa de interessante na vida ou convertereste num ser ano respeit$vel. esde o princ)pio que nunca possu)ste nada na tua personalidade que te permitisse (rilhar ou lançar luz so(re qualquer coisa. 'ressenti sempre que tudo aquilo a que te a(alançasses ficaria a meio, que nunca conseguirias levar nada at! ao fim. % os factos d#ome raz#o. 'assaram seis anos desde que casaste com a minha irm#. % durante todo este tempo, pode dizerse que fizeste o quêV 9ada. X verdade ou n#oV "o fim de seis anos, a Ynica coisa que conseguiste foi deiPar a empresa onde tra(alhavas e passares a constituir um fardo para Fumiko. % agora, n#o tens tra(alho, nem um projecto de futuro. 'ara ser franco, dentro dessa tua ca(eça n#o ePiste mais nada a n#o ser pedras, calhaus e liPo. Z5uanto ao que Fumiko poder$ ter visto em ti, confesso que continuo sem perce(er. Talvez ela tenha encontrado alguma coisa de interessante no meio dos calhaus e do liPo, mas, em Yltima an$lise, pedras s#o pedras e liPo ! liPo. esumindo, o que começa mal, dificilmente se recomp\e. Claro que Fumiko tam(!m teve a sua quotaparte de culpa. esde pequena que aquela rapariga sempre teve os seus pequenos defeitos, por uma raz#o ou outra. e resto, deve ter sido por isso que se sentiu momentaneamente atra)da
por ti, mas agora isso aca(ou. 8eja como for, visto que as coisas tomaram este rumo, o melhor ! p]r um ponto final no assunto, e quanto mais depressa melhor. Os meus pais e eu encarregamonos de Fumiko. Tu, n#o penses mais nela. % n#o tentes encontr$la. %la j$ n#o tem nada que ver contigo. 8e continuares a insistir e a meterte onde n#o !s chamado, aca(ar$s por arranjar pro(lemas. O que tens a fazer ! desaparecer de cena e recomeçares a tua vida em qualquer parte uma vida mais em harmonia contigo próprio. X o melhor para ti e para todos nós. 9o(oru RataSa deiPou claro que havia terminado o seu discurso, aca(ando com a $gua que ficara no copo. Chamou o empregado e mandou vir mais. %ra tudo o que tinhas para me dizerV arrisqueime a perguntar. 9#o h$ mais nadaV esta vez 9o(oru RataSa limitouse a responder que n#o com um ligeiro movimento de ca(eça. 9esse caso continuei, dirigindome a +alta Fano , o que ! que se segue na ordem de tra(alhos desta discuss#oV +alta Fano tirou um lencinho (ranco do (olso e secou os cantos da (oca. epois tirou o chap!u vermelho de cima da mesa e colocouo em cima da (olsa. %sta história deve ter sido um grande choque para si, senhor Okada disse +alta Fano. +as quero desde j$ que sai(a que tam(!m para mim ! ePtremamente penoso estar aqui sentada diante de si a discutir esta quest#o. 9o(oru RataSa deitou uma olhadela ao relógio como se quisesse confirmar que a Terra continuava a girar so(re o seu eiPo e ele ali a perder o seu rico tempo. %stou a ver referiu +alta Fano que chegou a hora de a(ordarmos a quest#o da maneira mais directa e franca poss)vel. 'rimeiro que tudo, senhor Okada, a sua mulher veio ter comigo para me pedir conselho. "conselhada por mim interveio 9o(oru RataSa. Fumiko telefonoume por causa do gato e fui eu que pus as duas em contacto. 7sso foi antes ou depois do nosso encontro aquiV perguntei eu a +alta Fano. "ntes. 9esse caso alvitrei eu , se esta(elecermos uma ordem cronológica, as coisas devem ter acontecido assimE Fumiko teve conhecimento da sua ePistência atrav!s de 9o(oru RataSa. Aoi consult$la por causa do gato desaparecido. %m seguida, desconheço por que raz#o, escondeu de mim o facto de ter falado consigo e mandoume ir vêla o que eu fiz, neste mesmo local. eve ser mais ou menos isto, em resumo, n#oV 8im, pode dizerse que aconteceu tudo aproPimadamente dessa maneira retorquiu +alta Fano, com uma certa relut_ncia. 9a minha primeira conversa com a sua mulher, só fal$mos do gato. +as eu senti que havia ali algo mais profundo, de mais pessoal, por tr$s daquela história. Aoi por isso que fiz quest#o de me encontrar consigo, senhor Okada. 'or isso quis vêlo e falar directamente com o senhor. epois voltei a estar com a sua mulher, para aprofundar aquilo a que 'oderemos chamar as quest\es pessoais. % foi nessa altura que Fumiko lhe disse que tinha um amanteV esumindo, ! isso. "t!ndendo U minha posiç#o, n#o me ! 'oss)vel fornecerlhe informaç\es mais concretas. eiPei escapar um suspiro. 8uspirar n#o resolvia nada, mas n#o o pude evitar. O que significa que Fumiko andava com esse homem h$ j$ algum tempoV >$ dois meses e meio, pouco mais ou menos. ois meses e meio^ ePclamei eu. Como ! que em dois meses e meio n#o dei por nadaV 'orque, senhor Okada, n#o tinha qualquer raz#o para desconfiar da sua mulher replicou +alta Fano. "ssenti.
X um facto. Confesso que semelhante coisa nunca me tinha passado pela ca(eça. 9unca imaginei que Fumiko me pudesse mentir assim, e mesmo agora ainda me custa a crer. 7ndependentemente dos resultados, a capacidade de uma pessoa acreditar piamente numa outra ! das qualidades mais (elas do serhumano.
tive outro rem!dio. 'ara mim, tudo isto ! uma pura perda de tempo. X o mesmo que estar a perder o meu rico tempo. 5uando ele aca(ou de fazer o seu discurso, a(at!use um profundo silêncio so(re a mesa. Conheces a história dos macacos na ilha de merdaV perguntei eu a 9o(oru RataSa. %le a(anou a ca(eça, sem evidenciar o m)nimo interesse. 9#o, n#o conheço. "lgures, numa terra distante, havia uma ilha de merda. 8em Horne nem nada.
misturadas, todo o tipo de $rvores, tanto de folha caduca como perene, ciando forma a uma paleta caótica de cores. 'or fim, sem dizer palavra, 9o(oru RataSa levantouse, tirou do (olso os óculos escuros e p]los. " sua cara continuava todas Us manchas, que pareciam agora indelevelmente estampadas. +alta Fano permanecia sentada, petrificada e muda. 'ela minha parte, fingia que n#o era nada comigo. 9o(oru RataSa olhou para mim e fez menç#o de dizer qualquer coisa. +as depois arrependeuse e optou por ficar calado. %m vez disso, afastouse da mesa sem dizer nada e desapareceu. epois de 9o(oru RataSa se ter ido em(ora, +alta Fano e eu continu$mos em silêncio durante algum tempo. %u sentiame sem forças. O empregado aproPimouse e perguntoume se eu queria outro caf!. espondilhe que n#o. +alta Fano pegou no chap!u vermelho e ePaminouo durante alguns minutos, aca(ando por pous$lo na cadeira ao lado. 9otei um travo amargo na (oca. -e(i um copo de $gua, mas o gosto n#o havia maneira de desaparecer. 'ouco depois +alta Fano falou. e vez em quando devemos a(rir o coraç#o e soltar o que nos vai na alma. Caso contr$rio, a corrente com tudo o que temos c$ dentro pode estagnar. "gora que j$ disse o que queria, sentese melhor, n#o ! verdadeV %m parte respondi. +as isso n#o resolve as coisas. 9ada terminou ainda. 9#o gosta do senhor RataSa, pois n#oV Cada vez que falo com ele, sinto um vazio terr)vel c$ dentro. Tudo, mas rigorosamente tudo o que me rodeia, perde consistência aos meus olhos. Tudo o que vejo me parece vazio. +as n#o consigo ePplicar ePactamente porquê. %, por causa disso, Us vezes aca(o por dizer e fazer coisas que n#o parecem minhas. % depois sintome p!ssimo. 9ada me daria mais alegria do que nunca mais voltar a ver este homem. +alta Fano a(anou insistentemente a ca(eça. 7nfelizmente, verse$ o(rigado a vêlo muitas vezes no futuro. X inevit$vel. 'ensei que ela devia ter raz#o. 9#o me livraria assim t#o facilmente dele. 'eguei no meu copo e (e(i outro trago de $gua. e onde ! que vinha aquele sa(or t#o desagrad$velV 8ó h$ uma coisa que gostava de sa(er disse eu a +alta Fano. H " senhora, em toda esta história, de que lado est$V o lado de 9o(oru RataSa ou do meuV +alta Fano apoiou os cotovelos so(re a mesa e uniu as palmas das m#os. 9#o estou do lado de ningu!m. "qui n#o h$ Zlados[. %m toda esta história n#o ePiste nada disso. 9#o se trata aqui de encontrar o Zcimo[ e o Zfundo[, a Zdireita[ e a Zesquerda[, a Zparte da frente[ e a Zparte de tr$s[, senhor Okada. "ssim dito, mais parece uma par$(ola zen. Como sistema de pensamento ! interessante, mas em si mesmo n#o ePplica o que quer que seja. %la concordou com a ca(eça. epois separou cinco cent)metros as palmas das m#os, que mantinha juntas U frente da cara, e virouas ligeiramente para mim, at! formar um determinado _ngulo. Tinha as palmas das m#os pequenas e (emfeitas. 8ei que as minhas palavras pecam por ser demasiado am()guas, e compreendo perfeitamente a sua irritaç#o. +as, numa altura destas, qualquer coisa que eu diga na pr$tica de pouco ou nada lhe vai servir. 'elo contr$rio, só iria piorar as coisas. eve conseguir vencer usando a sua própria força, as suas m#os. Como no eino 8elvagem:4 disse eu, com um sorriso. 5uem vai U guerra, d$ e leva. %Pactamente disse +alta Fano. X isso mesmo. %m seguida, como se estivesse a recolher os pertences de uma pessoa aca(ada de morrer, pegou delicadamente na (olsa e p]s na ca(eça o chap!u de pl$stico vermelho. %
eu fiquei com a estranha sensaç#o de que, com esse gesto, uma unidade de tempo havia chegado ao fim. epois de +alta Fano se ter ido em(ora, deiPeime ficar sentado durante muito tempo sem pensar em nada de especial. " verdade ! que n#o sa(ia para onde ir nem o que fazer quando me levantasse. +as como n#o podia ficar ali sentado eternamente, passados vinte minutos paguei a despesa na totalidade e sa) da cafetaria. "final de contas, nenhumhum dos outros dois tinha sequer pensado em pagar a sua despesa. :4 +uito popular no &ap#o, s!rie documental que retratava os animais selvagens no seu ha(itat natural ePi(ida em tempos pela T', Rild Fingdom de seu t)tulo original. %streada na d!cada de 13o na 9-C, esta produç#o de culto mantevese muitos anos no ar e conquistou v$rios pr!mios %mmS. K9. da T.L ::: " perda da graça divina " prostituta da mente e regresso a casa, encontrei U minha espera na caiPa do correio um volumoso so(rescrito. Winha da parte do tenente +amiSa. Como de costume, os caracteres que indicavam o meu nome e a morada estavam inscritos a pincel e tintadachina numa (ela caligrafia. 'rimeiro mudei de roupa, passei a cara por $gua e fui U cozinha (e(er dois copos de $gua fresca. epois de respirar fundo, a(ri o so(rescrito. O tenente +amiSa tinha redigido a carta de papel fino a esferogr$fica, enchendo por completo as cerca de dez p$ginas com uma letra miudinha. Aui virando as p$ginas, uma atr$s da outra, e voltei a metêlas dentro do so(rescrito. %stava demasiado cansado para ler uma carta t#o longa e n#o me achava com poder de concentraç#o necess$rio. "o seguir com o olhar aquelas colunas escritas U m#o, pareceramme um estranho enPame de pequenos insectos azuis. % na minha ca(eça ressoava ainda vagamente o som da voz de 9o(oru RataSa. %stendime no sof$ e ali me deiPei ficar durante muito tempo, sem pensar em nada de especial. %m momentos assim, e da maneira como me sentia, n#o se podia dizer que aquele fosse para mim um ePerc)cio particularmente dif)cil. 'ara n#o pensar em nada, ! preciso pensar em muitas coisas ao mesmo tempoE (asta uma pessoa concentrasse um (ocadinho em cada uma, para a seguir deiPar que esse pensamento se perca no ar. %ram quase cinco da tarde quando finalmente me decidi a ler a dita carta. 8enteime na varanda, apoiado a uma coluna, e tirei as folhas do so(rescrito. " primeira p$gina estava ocupada por frases convencionaisE fórmulas de saudaç#o adequadas U estaç#o do ano, agradecimentos pelo facto de o ter convidado para minha casa no outro dia, desculpas por ter ficado tanto tempo e por me ter contado uma história que nunca mais aca(ava. O tenente +amiSa era um homem ePtremamente (emeducado. %ra tam(!m um so(revivente de uma !poca em que a cortesia desempenhava um papel muito lrnportante na vida quotidiana. %ssa primeira p$gina, lia por alto e 'assei U seguinte. Z"presentolhe as minhas desculpas, escrevia o tenente +amiSa, 'or me ter alongado tanto nos preliminares. O Ynico motivo desta m. carta, mesmo correndo o risco de parecer pouco cortês e sa(endo que pode representar uma maçada adicional para o senhor, ! darlhe a conhecer que a história que lhe contei n#o ! nem uma invenç#o minha nem t#opouco resultado da memória confusa de um velho mas sim, at! nos mais )nfimos pormenores, a estrita e rigorosa verdade dos factos. Como por certo sa(er$, senhor Okada, h$ muito que a guerra aca(ou e, com o passar dos anos, ! natural que as lem(ranças se v#o, tam(!m elas, diluindo. Tal como as pessoas, tam(!m as recordaç\es e os pensamentos envelhecem. +as h$ pensamentos que nunca se apagam.
"t! U data, nunca contei esta história a mais ningu!m, senhor Okada. 'rovavelmente, aos ouvidos da maioria soaria ePtravagante este relato. " maior parte das pessoas ignora e evita as coisas que transcendem os limites do seu entendimento, apelidandoas de a(surdas e indignas de serem levadas em consideraç#o. Como eu desejaria que a história que lhe contei n#o passasse, de facto, de uma invenç#o disparatada^ 8o(revivi todos estes anos alimentando a indel!vel esperança de que se tratasse de um erro pregado pela memória, ou ent#o fruto de uma vis#o, de um simples sonho. %sforceime desesperadamente por me convencer a mim próprio de que tudo n#o passava de uma ilus#o, de um erro. +as, cada vez que tentava em v#o empurrar estes pensamentos para a noite escura da memória, eles vinham a superf)cie ainda com mais força, mais v)vidos do que nunca. % como c!lulas cancer)genas, ganharam ra)zes na minha consciência e penetraram na minha carne. "inda hoje consigo recordar cada um dos pormenores de maneira ePtremamente viva e precisa, como se tivessem acontecido ontem. 'osso tocar na areia e na erva e sentir o seu odor. 'osso ver a forma das nuvens no c!u. "t! o vento seco carregado de areia açoitandome as faces, eu sinto. %m contrapartida, s#o os acontecimentos posteriores da minha vida que se avultam aos meus olhos, como uma ilus#o a meio caminho entre o sonho e a realidade. O princ)pio da minha vida, dessa vida que só a mim pertence, morreu naquelas estepes da +ongólia %Pterior, onde o olhar se perde sem encontrar o(st$culos. %m seguida perdi a m#o na terr)vel contraofensiva frente Us unidades de carros de com(ate sovi!ticos que atravessaram a fronteira e invadiram o pa)s. Conheci na pele sofrimentos inimagin$veis, num g!lido campo de concentraç#o na 8i(!ria e, depois de regressar ao meu pa)s, tra(alhei durante trinta anos como professor de Ciência 8ociais numa escola de prov)ncia, e agora vivo sozinho, cultivando a terra. +as todos estes anos me pareceram fruto de ilus#o. O tempo passou por mim sem que eu desse por isso. " minha memória atravessa num instante estes longos anos de vazio e transportame num a(rir e fechar de olhos at! U plan)cie selvagem de >ulun(uir. ::0 O que destruiu a minha vida, o que a converteu numa concha vazia, foi aquela luz que vislum(rei no fundo do poço. "quele (rilhante raio de sol que penetrava directamente at! ao fundo do poço apenas durante dez ou vinte segundos. "quele raio que, uma Ynica vez por dia, chegava de repente e se desvanecia t#o (ruscamente como tinha aparecido. +as eu, durante os (reves instantes de luz fugaz, vi mais coisas do que em toda a minha vida. % tendo visto a luz, deiPei de ser quem era e transformeime num homem novo. 'assaram mais de quarenta anos, mas ainda hoje n#o consigo apreender o significado ePacto do que aconteceu no fundo daquele poço. O que agora lhe vou contar n#o passa, como tal, de uma mera hipótese, sem qualquer fundamento lógico. "inda assim, de momento creio que esta teoria ! a que mais se aproPima da ePperiência que vivi. "tirado por soldados mongóis para o fundo de um poço seco, em pleno deserto da +ongólia, magoado nas pernas e no om(ro, sem $gua nem comida, esperava apenas a morte. 'ouco antes tinha visto um homem ser esfolado vivo. 9essas circunst_ncias espec)ficas, creio que a minha mente alcançara um estado de concentraç#o t#o ePacer(ado que, ao ser atingido pelo fulgor intenso daquela luz, fui capaz de descer at! Uquilo a que poderemos chamar o nYcleo da minha própria consciência. %m todo o caso, logrei distinguir os contornos de uma forma. Tudo U minha volta estava (anhado por aquela luz (rilhante. % eu encontravame mesmo no centro desse jorro de luz. Os meus olhos n#o conseguiam ver nada. %stava inteiramente mergulhado na luz, mas dava para distinguir algo. 9o decorrer daquela moment_nea cegueira, alguma coisa tentava ganhar forma.
esforçavase por emergir. 9#o fui, por!m, capaz de distinguir a sua forma com clareza. 'rocurava avançar na minha direcç#o. 'rocurava oferecerme uma esp!cie de graça divina % eu esperava por ela, a tremer. Contudo, porque tivesse mudado de ideias ou porque n#o teve tempo suficiente, aquela Zcoisa[ n#o logrou chegar at! mim. 9o momento em que se preparava para ganhar corpo, diluiuse na luz e desapareceu de novo. epois a luz foise apagando. % o tempo de vida do raio luminoso Ho poço chegara ao fim. %sta cena repetiuse dois dias a fio. %Pactamente o mesmo fenómeno. "lguma coisa começava a perfilarse de(aiPo daquela luz (rilhante e desaparecia sem conseguir ganhar forma. 9o fundo do poço sentia fome e sede uma agonia terr)vel. +as isso pouca ou nenhumhuma imnport_ncia tinha. O que mais me fazia sofrer era n#o poder distinguir claramente essa presença que ha(itava a luz. Tinha fome de ver algo que precisava de ver, tinha sede de sa(er o que precisava de sa(er. ie tivesse sido capaz de divisar claramente os seus contornos, n#o me teria importado de morrer de fome e de sede. "creditava piamente nisso. Teria renunciado a tudo e mais alguma coisa para conseguir ver a sua forma. +as aquela forma afastouse de mim para sempre. "ca(ou tudo sem que me fosse concedida a graça divina. %, como j$ lhe disse depois de sair daquele poço a minha vida converteuse numa concha oca e vazia. 'or isso, pouco antes de a guerra aca(ar, durante a ofensiva do eP!rcito sovi!tico, oferecime como volunt$rio para a linha da frente. o mesmo modo, tam(!m no campo de concentraç#o da 8i(!ria procurei colocarme deli(eradamente em situaç\es de perigo +as n#o consegui morrer. Tal como naquela noite tinha profetizado o ca(o >onda, o meu destino era regressar ao &ap#o e viver uma vida ePtraordinariamente longa. "o ouvir pela primeira vez aquelas palavras, lem(rome de ter ficado contente. +as a profecia revelouse, afinal de contas, uma maldiç#o. 9#o ! que eu n#o viesse a morrer, mas sim que a morte nada queria comigo. Tal como dissera o ca(o >onda, mais valia que nunca o tivesse sa(ido. 'orque no momento em que a relevaç#o e a graça se ePtinguiram, ePtinguiuse tam(!m a minha vida. Tudo o que estava vivo dentro de mim, e que at! ent#o tinha sido a raz#o da minha ePistência, morreu ali. 9#o ficou nada de p!. "rdeu tudo envolto por aquela luz violenta e ficou reduzido a cinzas. 'rovavelmente, o calor emitido por aquela revelaç#o, aquela graça, destruiu a essência da minha vida, o que fazia de mim o homem que era. Talvez n#o tivesse a energia necess$ria para resistir Uquele calor. 'or isso n#o tenho medo de morrer. 'osso mesmo afirmar que a morte f)sica do meu corpo representar$ para mim um al)vio. =i(ertarme$ para sempre do sofrimento de ser eu próprio, desta pris#o sem esperança. eparo agora que voltei a alongarme demasiado, para o que peço de antem#o a sua compreens#o. +as o que eu queria verdadeiramente que ficasse a sa(er, senhor Okada, ! istoE sou um homem que, num determinado momento, perdeu a raz#o de ser da sua própria vida, e que viveu mais de quarenta anos paredesmeias com essa ePistência perdida. %nquanto ser humano nessa condiç#o, creio que a vida ! muito mais limitada do que pensam as pessoas que se encontram presas no tur(ilh#o da vida. " luz durante um limitado e (rev)ssimo espaço de tempo.
história. 7gnoro at! que ponto se revestir$ de alguma utilidade para si. +as fico com a sensaç#o de que falar consigo constituiu, de alguma forma, uma esp!cie de consolo. onda a guiarme at! essa revelaç#o. Aaço votos para que o senhor possa ler uma ePistência feliz nos anos que lhe restam. eli at!ntamente a carta desde o princ)pio e voltei a guard$la dentro do so(rescrito. " carta do tenente +amiSa comoveume de uma maneira estranha, mas n#o despertou em mim mais do que imagens vagas e long)nquas. Tinha confiança nele e acreditava como reais os factos que ele afirmava serem a realidade. +as o próprio conceito de Zreal[ ou Zverdade[ tinha para mim escasso poder de persuas#o. O que mais me comoveu na carta era o sentimento de frustraç#o que transparecia em cada uma das suas frasesE a frustraç#o de querer descrever algo, de querer ePplicar uma coisa e n#o ser capaz. Aui U cozinha, (e(i um copo de $gua, depois pusme a andar Us voltas pela casa. 9o quarto, senteime na cama e deiPeime ficar ali a olhar para a roupa de Fumiko pendurada no arm$rio. O(jectivamente, o que ! que tinha sido a minha vida at! aliV %ntendia perfeitamente o que 9o(oru RataSa tinha querido dizer. " minha primeira reacç#o tinha sido de fYria, mas era o(rigado a reconhecer que ele tinha raz#o. Z'assaram seis anos desde que casaste com a minha irm#. % durante todo este tempo, que fizesteV 9ada. X verdade ou n#oV " Ynica coisa que fizeste foi deiPar a empresa onde tra(alhavas e passares a constituir um fardo para Fumiko. % agora, n#o tens tra(alho, nem um projecto de futuro. 'ara ser franco, na tua ca(eça n#o ePiste mais nada a n#o ser pedras e liPo.[ Tinham sido estas as suas palavras. % eu n#o tinha outro rem!dio sen#o reconhecer que a raz#o estava do lado dele. O(jectivamente falando, durante aqueles seis anos quase nada fizera de interesse e na ca(eça 'ouco mais tinha do que pedras e liPo. %ra um zero U esquerda. Tal como ele dizia. "gora, seria verdade que eu tinha sido realmente um fardo para FumikoV Aiquei ali durante um grande (ocado a olhar para os vestidos, as (lusas e as saias no arm$rio. %ram as som(ras que Fumiko deiPara atr$s de si. 8om(ras sem vida, que haviam perdido a sua dona, ali 'enduradas, inertes. Aui U casa de (anho, tirei de dentro do estojo o frasco de $guadecolónia Christian ior que algu!m tinha oferecido a Fumiko, destapeio e cheirei. %ra a mesma fragr_ncia que tinha sentido por detr$s das suas orelhas na manh# em que ela sa)ra de casa. espejei lentamente o conteYdo do frasco no lavatório. I medida que o l)quido deslizava pelo interior do cano, um forte odor a flores Kn#o me consegui lem(rar do nome delasL espalhouse por toda a casa de (anho, atiçando violentamente os meus sentidos. %nvolto por aquele intenso aroma, lavei a cara e os dentes. epois tomei a decis#o de ir visitar +aS Fasahara. Como de costume, planteime nas traseiras da casa dos +iSa`aki U espera que +aS Fasahara aparecesse, mas ela n#o deu um ar da sua graça. "poiado na cancela, a chupar um re(uçado de lim#o, contemplava a est$tua do p$ssaro e pensava na carta do tenente +amiSa. %ntretanto, começou a escurecer. esisti passado meia hora. +aS Fasahara devia ter sa)do. egressei pela viela at! U minha casa e saltei o muro. O interior estava envolto numa penum(ra azulada e silenciosa própria dos crepYsculos de Wer#o. % foi ent#o que vi Creta Fano. "o princ)pio, tive a percepç#o de que se tratava de um sonho. +as n#o, era o prolongamento da realidade. "inda flutuava vagamente pela casa o cheiro da colónia que eu tinha derramado no lavatório. Creta Fano estava sentada no sof$ com as m#os em cima dos joelhos. 5uando me a(eirei dela n#o fez o m)nimo movimento, como se o
tempo tivesse parado. "cendi a luz e fui sentarme U frente dela. 9#o estava fechada U chave disse por fim Creta Fano. 'or isso tomei a li(erdade de entrar. Aez (em. 9#o tenho por h$(ito fechar a porta U chave quando saio. %la envergava uma (lusa (ranca arrendada, uma vaporosa saia de cor lil$s e grandes (rincos nas orelhas. 9o (raço esquerdo trazia duas pulseiras enormes. "o vêlas, caiu me o coraç#o aos p!s. %ram virtualmente iguais Us que tinha visto no sonho. O penteado e a maquilhagem eram os do costume. O ca(elo, como sempre, estava cuidadosamente fiPado com laca, como se aca(asse de sair direitinha do ca(eleireiro. 9#o disponho de muito tempo disse Creta Fano. aqui a pouco tenho de voltar para casa. +as antes queria darlhe uma palavrinha, senhor Okada. %steve com o senhor 9o(oru RataSa e com a minha irm#, n#o ! verdadeV 8im, ainda que n#o se possa dizer que a conversa tenha sido l$ muito agrad$vel. % n#o tem qualquer coisa para me perguntarV VV 7
Claro est$ que n#o tivemos relaç\es a s!rio. 5uando o senhor eLaculou, n#o o fez dentro de mim, mas no seu imagin$rio.
sof$ at! de manh#, a (e(er (randS e a pensar na história que Creta Fano me tinha contado. 5uando começou a amanhecer, a presença de Creta Fano e o aroma da $gua decolónia Christian ior pairavam ainda pela casa, como som(ras cativas de 'aisagens de cidades distantes " eterna meialua $ alturas em que lhe apetece armarse em m$ da fita. o tipo, j$
que ele est$ disposto a esperar, ent#o que espere^ >um. +as depois fiquei com remorsos e deime ao tra(alho de ir at! U tua casa. "rmada em parva. % vieste dar comigo a(raçado a uma mulherV %scuta, aquela mulher por acaso n#o estar$ passada dos cornosV perguntou +aS Fasahara. 9os dias que correm n#o se vê :G: or a) muita gente com aquela pinta, assim vestida daquela maneira. 'ara j$ n#o falar da maquilhagem... 'arece que saiu de outra dimens#o, deu um salto no tempo e aterrou aqui, entre nós. evia mas era ir ao m!dico e fazer um ePame U ca(eça. 9#o te preocupes repliquei eu , que a mulher n#o est$ louca. Cada um tem os seus gostos. OF. Dostos n#o se discutem, mas, na minha opini#o, as pessoas normais n#o levam as coisas ao ePagero. %ssa mulher parece, como ! que heide dizerV, sa)da direitinha das p$ginas de uma revista de moda de outros tempos. a ca(eça aos p!s. 9#o lhe dei troco. Confessa l$, '$ssaro de Corda. Aoste para a cama com elaV 9#o, n#o fui para a cama com ela respondi, depois de uma ligeira hesitaç#o. " s!rioV " s!rio. 9#o tivemos relaç\es carnais. 9esse caso, por que ! que estavam a(raçadosV "s mulheres Us vezes precisam de quem lhes dê um a(raço. Talvez, mas n#o deiPa de ser uma ideia um (ocado perigosa, acho eu afirmou +aS Fasahara. Tens toda a raz#o reconheci. Como ! que ela se chamaV Creta Fano. o outro lado do fio +aS Fasahara voltou a ficar calada. %st$s a gozar, n#oV 9#o, n#o estou a gozar. % a irm# chamase +alta Fano. +altaV 9#o pode ser esse o verdadeiro nome. 9#o, n#o ! o nome verdadeiro. X um pseudónimo. % essas duas s#o o quêV "lguma parelha cómica de manza Ou ser$ que têm alguma coisa que ver com o +editerr_neoV &$ que falas nisso, a resposta ! que sim, a história tem relaç#o com o +editerr_neo. % a tal irm# que dizes, vestese normalmenteV "nda l$ perto. 'elo menos tem um aspecto mais s!rio do que a mais nova. 5uer dizer, tirando o facto de usar um chap!u vermelho de pl$stico, por sinal sempre o mesmo. 5uerme parecer que tam(!m essa n#o ! l$ muito normal. 'or que carga de $gua ! que est$s sempre rodeado de pessoas dessas, que n#o (at!m l$ muito (emV %ssa ent#o ! que ! uma história que nunca mais aca(a respondi. 'ode ser que um dia destes te conte tudo, quando as coisas estiverem mais calmas. "gora n#o ! (oa altura. Tenho a ca(eça demasiado cheia. % as coisas tam(!m est#o demasiado confusas. >um fez +aS Fasahara, num tom de suspeita. 7sso quer dizer que a tua mulher ainda n#o apareceuV 9#o, ainda n#o. Ouve, senhor '$ssaro de Corda, uma vez que j$ !s crescidinho, por que ! que n#o ePperimentas usar a ca(eça para variarV O que achas que teria acontecido se a tua
mulher tivesse mudado de opini#o e voltado para casa ontem U noite, para ir dar contigo nos (raços de outra mulherV 9#o me dir$sV X verdade, n#o tinha pensado nisso. % se tivesse sido ela ao telefone, h$ (ocado, e n#o eu, quando desataste a falar em sePo ao telefoneV 8im, o que teria ela pensadoV Tens toda a raz#o. Tens um pro(lema, e n#o ! pequeno, digote eu rematou ela, com um suspiro. 8im, reconheço. Tenho um pro(lema. '$ra de me dar raz#o^ 9#o (asta reconheceres que meteste o p! na argola para resolver as coisas. X verdade. % era verdade. Outra vez^ ePclamou +aS Fasahara. +as, afinal, o que ! que querias a noite passadaV Aoste a minha casa por alguma raz#o, ou n#oV "gora j$ n#o interessa. 7sso quer dizer o quê, que j$ n#o tem import_nciaV 7sso mesmo. 5ue j$ n#o tem import_ncia. 'or outras palavras, agora que andaste a(raçado Uquela mulher, eu j$ n#o te sirvo para nada. 9#o, n#o ! (em isso. O que acontece ! que pensava que... +aS Fasahara desligou sem dizer uma palavra. 8ó a mim^ +aS Fasahara, +alta Fano, Creta Fano, a mulher do telefone e Fumiko. 5uem tinha raz#o era +aS FasaharaE parecia que nos Yltimos tempos havia demasiadas mulheres U minha volta. % cada uma cheia de pro(lemas, qual deles o mais inveros)mil. +as a verdade ! que estava demasiado cansado para pensar. 'recisava de dormir, antes de mais nada. epois, quando acordasse, logo trataria do que tinha a fazer. 5uando acordei, tirei a mochila de dentro do arm$rio. %ra a que tinha guardado para emergências, em caso de terramotos e outros desastres. =$ dentro tinha um cantil de $gua, (olachas, uma lanterna e um isqueiro. Tinha sido Fumiko a compr$la quando nos mud$mos :G0 para esta casa, com medo do t#o anunciado -ig One :1. Contudo, a H rrafa de $gua estava vazia, as (olachas estavam moles e (afientas as pilhas gastas. %nchi a garrafa com $gua, deitei fora as (olachas pus pilhas novas na lanterna. %m seguida fui at! U loja de ferramentas "o (airro e comprei uma escada de corda, daquelas usadas em situaç#o de emergência nos incêndios. 'erguntei a mim próprio de que mais oderia vir a ter necessidade, mas n#o me lem(rei de nada, a n#o ser dos re(uçados de lim#o. 'assei revista U casa, fechei as janelas todas e apaguei a luz. ei a volta U chave da porta de entrada, mas depois voltei atr$s e tomei a a(rila. 'odia ser que aparecesse algu!m. Fumiko podia regressar. "l!m disso, a casa n#o tinha nada que valesse a pena rou(ar. eiPei um (ilhete em cima da mesa da cozinha. iziaE ZWou sair por momentos para tratar de um assunto importante. Wolto assim que estiver despachado. %spera por mim. [ %nfiei uns calç\es de algod#o e uma camisola de manga curta, pus a mochila ao om(ro, sa) pela varanda e fui ter ao jardim. Olhando U minha volta, sentiame na presença inconfund)vel do Wer#o. Aalo do artigo genu)no, do Wer#o a s!rio, sem reservas nem condiç\es. O fulgor do 8ol, o odor da (risa, a cor do c!u, a forma das nuvens, o canto das cigarras, n#o faltava nada. Todos os sinais anunciavam a chegada do Wer#o em toda a sua plenitude. Com a mochila Us costas, saltei o muro das traseiras do jardim e aterrei na azinhaga.
n#o me lem(rava (em das circunst_ncias que rodearam a minha escapadela. O mais prov$vel era terme zangado com os meus pais. %m todo o caso, lem(rome de ter sa)do de casa com um saco de alpinista carregadinho de coisas, tal como agora, e levando no (olso todo o dinheiro que tinha. I minha m#e menti com quantos dentes tinha dizendo lhe que ia numa ePcurs#o com uns amigos e pedindolhe que me arranjasse um farnel para levar. 'erto de nossa casa havia v$rias montanhas onde se podia ir em passeio e n#o era de estranhar que miYdos da nossa idade quisessem aventurarse sozinhos naquelas paragens. 8a) porta fora, apanhei o autocarro da carreira que j$ tinha escolhido de antem#o e fui at! ao fim da linha. 'ara mim, aquela era uma cidade estranha e distante. " seguir apanhei outro autocarro, para outra cidade ainda mais estranha e long)nqua. 8em sa(er sequer como se chamava, sa) do autocarro e comecei a vaguear sem destino pelas ruas. 9#o se podia dizer que a cidade tivesse alguma coisa de especial.
:G3 continuava, impertur($vel, a fitar o c!u, e dei a volta U casa na esperança de que +aS Fasahara n#o me tivesse visto entrar. &unto do poço, afastei as pedras e as duas t$(uas de madeira em forma de meialua que formavam a co(ertura. "tirei l$ para dentro uma pequena pedra para ter a certeza de que continuava sem $gua. % tal como da outra vez, a pedra (at!u no fundo com um ru)do seco. 9#o, n#o tinha $gua. 'ousei a mochila que levava Us costas, tirei l$ de dentro a escada de corda e at!i uma ePtremidade ao tronco da $rvore mais próPima. eilhe um ou dois puP\es, o mais forte que fui capaz, para me assegurar de que n#o cederia. Todas as precauç\es eram poucas. 8e por algum motivo a escada se soltasse ou desatasse, possivelmente n#o teria maneira de voltar a alcançar a superf)cie. Com a escada enrolada de(aiPo do (raço, comecei a descêla lentamente para dentro do poço. "pesar de ser muito comprida, o certo ! que n#o dava sinal de haver atingido o solo. %ra impens$vel que uma escada daquele comprimento n#o fosse suficiente. "pontei a lanterna el!ctrica para o fundo mas sem conseguir ver at! onde chegava a escada. " partir de certo ponto, o raio de luz desaparecia, engolido pelas trevas. 8enteime no parapeito e prestei atenç#o. "s cigarras cantavam entre as $rvores com tanta força como se estivessem num concurso para apurar quem tinha mais capacidade pulmonar ou potência vocal. 9#o se ouviam os p$ssaros. 'ensei com saudade no p$ssaro mec_nico. Talvez n#o quisesse sujeitarse a uma desgarrada com as cigarras e tivesse voado para outras paragens. Wirei as palmas das m#os para o c!u a fim de captar os raios de sol. 8enti de imediato um calor intenso a espalharse pelos meus dedos, como se a luz penetrasse atrav!s da pele, em cada linha da m#o. "quele era o reino da luz, sem som(ra de dYvida. Tudo quanto via em meu redor estava impregnado de luz e cintilava com as cores do Wer#o. "t! mesmo as coisas intang)veis, como o tempo e a memória, rece(iam a (ênç#o da luz estival. +eti um re(uçado de lim#o na (oca e deiPeime ficar ali sentado at! ele se derreter por completo na (oca. epois voltei a dar um forte sac#o na corda com todas as minhas forças. 8im, estava (em presa. escer at! ao fundo do poço revelouse uma tarefa (em mais $rdua do que imaginara. Aeita de algod#o reforçado com n$ilon, era de uma resistência a toda a prova, mas os meus p!s encontravamse numa posiç#o terrivelmente inst$vel e, de cada vez que tentava descer mais um degrau, a sola de (orracha dos t!nis escorregava. Tinha de fazer tanta força para me agarrar que começaram a doerme as palmas Has m#os. Aui descendo, degrau a degrau, com ePtrema cautela. 'or mais que descesse, n#o havia maneira de avistar o fundo. Tinha a impress#o de que a descida ia durar uma eternidade. ecordei o som :G/ da pedra ao chocar contra o fundo. 9#o havia raz#o para medos. Ter fundo, o poço tinha^ O pro(lema ! que com aquela maldita escada n#o havia maneira de l$ chegar. 5uanto j$ tinha contado vinte degraus, fui assaltado pelo p_nico O terror invadiume de repente, como uma descarga el!ctrica, e deiPoume petrificado ali mesmo, os mYsculos r)gidos transformados em pedra. ei por mim encharcado em suor e as pernas começaram a tremerme. 8eria poss)vel que ePistisse um poço t#o profundoV X preciso ver que est$vamos no centro de Tóquio. " dois passos da casa onde eu vivia. 8ustive a respiraç#o e apurei o ouvido. 9#o se ouvia nada. 9em sequer o canto das cigarras. 8ó os violentos (atimentos do meu coraç#o ressoando nos meus t)mpanos. espirei fundo. 8empre agarrado U escada, ali parado no vig!simo degrau, sentiame t#o incapaz de descer como de voltar a su(ir. 9o interior do poço, o ar era frio e cheirava a terra. "quele era um mundo distante da superf)cie, onde o sol de Wer#o (rilhava
generosamente. 'ertencia a outra dimens#o. =evantei os olhos e via l$ em cima, minYscula, a (oca do poço. " metade da t$(ua que deiPara ficar cortava ePactamente a circunferência da entrada ao meio. Wista de (aiPo, parecia uma meialua a flutuar no c!u. Zentro de dias vamos ter meialua[, tinhame dito +alta Fano. Tinha profetizado aquilo ao telefone. 8ó visto. "o pensar nisso, senti parte da tens#o a(andonar o meu corpo. Os mYsculos relaParam e soltei a respiraç#o (loqueada dentro de mim. eunindo todas as minhas forças, recomecei a descer. izia a mim próprio em voz alta que era só mais um (ocadinho, só mais um esforço. Z9#o te preocupes, o fundo deve estar a aparecer.[ % ao vig!simo terceiro degrau, os meus p!s tocaram finalmente no ch#o. " primeira coisa que fiz na escurid#o, sempre agarrado U escada de modo a poder fugir ao m)nimo sinal de alarme, foi tactear o fundo com a ponta do sapato. 8ó depois de ter a certeza de que n#o havia $gua nem outra coisa qualquer de natureza suspeita ! que me atrevi a pis$lo. Tirei a mochila das costas, procurei o fecho Us apalpadelas e saquei a lanterna. O feiPe luminoso permitiume ePaminar o interior do poço. " terra do fundo n#o era nem muito dura nem muito mole. %, por sorte, estava seca. Wiamse algumas pedras que deviam ter sido atiradas pelas pessoas. Aora as pedras, só vislum(rei um pacote velho de (atatas fritas. "ssim U luz da lanterna, o fundo do poço parecia a superf)cie da =ua tal como me lem(rava de a ter visto h$ muito tempo na televis#o. "s paredes eram de cimento, lisas, sem nada de especial, e as Ynicas irregularidades eram formadas pelo musgo que crescia, :G4 agarrandose aqui e ali. %rguiamse a direito, como uma chamin!, e, o ponto mais alto, viase o pequeno (uraco de luz em forma de meialua. "o olhar directamente l$ para cima tive consciência, uma vez mais, da profundidade do poço. ei novo puP#o U escada de forda, e as minhas m#os encontraram forte resistência. 'arecia estar (em segura. esde que tivesse a escada, poderia su(ir at! U superf)cie quando quisesse. espirei fundo. O ar cheirava a mofo, mas isso n#o queria dizer que fosse uma coisa m$. %ra precisamente o ar o que mais me preocupava. 9os poços secos ! costume haver emanaç\es de g$s tóPico. Tempos atr$s lera um artigo de jornal que falava de um construtor que tinha morrido dentro de um poço por causa de uma fuga de g$s metano. espirei, senteime no fundo do poço e encostei as costas contra a parede. " seguir fechei os olhos e deiPei que o meu corpo se familiarizasse com o lugar. Z-om[, Zpensei, Zaqui estou eu no fundo do poço.[ 3 Transmiss#o de património efleP#o so(re as medusas
as de uma Zt!nue o(scuridade[. +esmo que assim fosse, o certo ! que esta possu)a um determinado grau de intensidade. %, em certos momentos, chegava a parecer mais profunda do que o negrume total Wia qualquer coisa. "o mesmo tempo, por!m, n#o via nada. 9aquela penum(ra cheia de estranhos sentidos e su(entendidos as minhas recordaç\es adquiriram uma força desconhecida. "s imagens fragmentadas que evocavam em mim eram prodigiosamente v)vidas em cada pormenor, t#o n)tidas que me parecia poss)vel toc$las com a m#o. Aechei os olhos e tentei recordarme do tempo em que tinha travado conhecimento com Fumiko, quase oito anos antes. %ncontreia no hospital universit$rio de Fanda, na sala de espera reservada aos familiares dos doentes. 9aquela !poca, por causa da redacç#o de um testamento, ia todos os dias visitar um cliente ali internado. Tratavase de um homem de, sei l$, os seus sessenta e oito anos, propriet$rio rico e dono de terrenos e (osques no centro da prefeitura de Chi(a. " sala de espera do hospital, como qualquer pessoa imagina, n#o era propriamente aquilo a que se chama um lugar acolhedor. O pl$stico dos sof$s era de uma rigidez quase postmortem. O ar viciado que ali se respirava era a garantia de apanhar uma doença. " televis#o transmitia o tempo todo programas estYpidos e o caf! da m$quina autom$tica sa(ia a papel de jornal. Toda a gente apresentava uma ePpress#o som(ria e preocupada. ecididamente, aquele lugar fazia lem(rar uma de muitas ilustraç\es que +unch poderia ter feito para os romances de Fafka. %m todo o caso, foi ali que travei conhecimento com Fumiko. 9o tempo livre, entre as aulas da faculdade, Fumiko ia todos os dias ao hospital para tomar conta da m#e, hospitalizada na sequência da operaç#o a uma Ylcera do duodeno. Costumava vestir calças de ganga ou ent#o uma saia curta e uma camisola, e usava o ca(elo apanhado num ra(odecavalo. %st$vamos no princ)pio de 9ovem(ro e umas vezes punha casaco, outras n#o. "ndava sempre com uma mala a tiracolo e, de(aiPo do (raço, livros e cadernos, sem dYvida manuais universit$rios, mais aquilo que parecia um caderno de desenho. " primeira tarde que fui ao hospital, Fumiko j$ se encontrava l$. %stava sentada no sof$ com as pernas cruzadas, mocassins pretos, mergulhada na leitura de um livro. 8entado em frente dela, esperava a hora da entrevista com o meu cliente olhando para o relógio de cinco em cinco minutos. Fumiko quase n#o levantou os olhos do livro. =em(rome de ter pensado que tinha umas (onitas pernas. 8ó de olhar para ela, a minha disposiç#o melhorou logo. ei por mim a imaginar como devia sentirse, t#o jovem, com uma cara t#o simp$tica Kou, no m)nimo, t#o inteligenteL e com aquele fant$stico par de pernas. :0 I força de nos encontrarmos, começ$mos a trocar meia dYzia de frases (anais. " trocarmos revistas que j$ t)nhamos lido, a comer a meias a fruta que as visitas haviam oferecido U m#e dela. %st$vamos terrivelmente a(orrecidos, fartos de ali estar, necessit$vamos de ter algu!m da mesma idade com quem falar. Fumiko e eu simpatiz$mos um com o outro desde o in)cio. 9#o foi uma daquelas paiP\es intensas e irresist)veis, como uma descarga el!ctrica que alguns ePperimentam na pele ao primeiro encontro, mas sim um sentimento muito mais temo e doce. Como duas luzinhas que, avançando lado a lado num imenso espaço escuro, se aproPimam jmperceptivelmente uma da outra. I medida que aumentava o nYmero dos nossos encontros, ePperimentei uma sensaç#o estranhaE mais do que ter conhecido uma pessoa nova, tinha o sentimento de haver reencontrado um velho e querido amigo. Is tantas, insatisfeito com a troca de meia dYzia de frases de circunst_ncia e com os
dois dedos de conversa naquele am(iente hospitalar, dei por mim a pensar que o melhor seria tentar chegar U fala com ela nas calmas, noutro lugar qualquer.
forma t#o graciosa. 'ensar que elas passam a vida a nadar pelos mares de todo o mundo^ 9#o achas isso uma coisa ePtraordin$riaV[ Z8im, tens raz#o[, respondi eu. " verdade ! que, U força de acompanhar Fumiko e de fazer os poss)veis por o(servar cada uma das medusas ao pormenor, comecei a sentir uma forte press#o no peito. 8em dar por isso, emudeci de vez e, cheio de nervoso miudinho, comecei a contar as moedas que trazia no (olso e a limpar os cantos da (oca com o lenço. 9#o via a hora de chegar ao fim da visita, mas os aqu$rios de medusas nunca mais aca(avam. "s medusas eram mais que muitas, tantas quantas as inYmeras variedades que :0: povoam os mares. =$ consegui aguentarme U tona durante meia hora, mas Us tantas toda aquela tens#o começou a deiParme a ca(eça zona. 'or fim, quando j$ nem sequer estava capaz de me aguentar em p! encostado ao varandim de protecç#o, afasteime de Fumiko e fui sentarme num (anco ali perto. Fumiko aproPimouse e, com ar preocupado, quis sa(er se eu estava mal. espondi com sinceridade, que sim, que U força de ver tanta medusa junta tinha aca(ado por ficar enjoado. Fumiko olhou para mim fiPamente com uma ePpress#o grave. ZX verdade[, confirmou ela, espantada. ZWejoo nos teus olhos. Tens as pupilas dilatadas. X incr)vel como algu!m pode ficar assim só de olhar para as medusas^[ % agarrando no meu (raço, levoume para o sol, longe daquele am(iente som(rio e hYmido do aqu$rio. epois de ficar sentado para a) uns dez minutos e de ter respirado fundo v$rias vezes, recuperei aos poucos a (oa disposiç#o. O sol de Outono (rilhava, acolhedor, e as folhas secas das nogueirasdojap#oGo dançavam ao sa(or da (risa, produzindo um (arulhinho roçagante. %st$s (emV perguntou Fumiko passado pouco tempo. 8a)steme um tipo mais (izarro^ 8e detestavas assim tanto as medusas, por que ! que n#o me disseste logo, em vez de aguentar at! ficares maldispostoV O c!u estava limpo, a (risa era agrad$vel e as pessoas que passeavam por ali tinham todas uma ePpress#o de contentamento estampada na cara. $ (ocado, quando estava a olhar para elas, lem(reime de uma coisa. O que nós vemos diante de nós n#o ! sen#o uma pequena parte do mundo. 'ensamos que isto ! que ! o mundo, mas n#o ! verdade, nem pouco mais ou menos. O verdadeiro mundo est$ num lugar mais escuro, Tam(!m conhecida como um fóssil vivo, a Cingko (ilo(a ! uma esp!cie vegetal muito utilizada na medicina alternativa pelas suas propriedades regenerativas. escrita pela primeira vez no s!culo Pvu, a planta despertou o interesse dos investigadores após a 8egunda Duerra +undial, pelo facto de ter so(revivido Us radiaç\es em >iroPima. K9. da T.L mais profundo, e, em grande parte, ocupado por criaturas como as medusas. X disso que quase nunca nos lem(ramos. 9#o achasV ois terços do planeta s#o oceanos, mas nós, com os nossos olhos, só conseguimos a(arcar a superf)cie. Wer o que est$ U tona. o que fica por (aiPo n#o sa(emos praticamente nada. " seguir fomos dar um grande passeio. 'or volta das cinco Fumiko disse que estava na hora de regressar ao hospital e eu fizlhe companhia.
O(rigada por este dia maravilhoso disseme ela U despedida 9o seu (reve sorriso desco(ri uma esp!cie de luminosidade serena que antes n#o ePistia. eime ent#o conta de que no decorrer daquele dia me tinha conseguido aproPimar um pouco dela. % pensar que era Us medusas que devia estar agradecido^ Fumiko e eu continu$mos a sair juntos. " m#e dela teve alta sem complicaç\es de maior e o assunto do testamento foi dado por conclu)do, pelo que deiPou de haver raz#o para passarmos os dois a vida a caminho do hospital, mas continu$mos a encontrarnos pelo menos uma vez por semana para irmos ao cinema, ouvir mYsica ou, pura e simplesmente, dar uma volta. " cada encontro sent)amonos mais próPimos um do outro. Dostava de estar com ela e, quando os nossos corpos se tocavam por acaso, o meu coraç#o (atia mais forte. I medida que se aproPimava o fimdesemana, sentia dificuldade em concentrarme no tra(alho. Tinha a certeza de que ela gostava de mim. 8e assim n#o fosse, n#o quereria estar comigo com tanta regularidade. 9o entanto, confesso que n#o tinha necessidade de aprofundar a minha relaç#o com Fumiko. 8entia da parte dela uma certa hesitaç#o. 9#o sa(ia ePplicar (em o quê, mas, tanto nas suas palavras como nos seus gestos, transparecia por vezes uma esp!cie de hesitaç#o. Wolta e meia, quando lhe fazia alguma pergunta, demorava a responder. Aazia uma (rev)ssima pausa. % eu, durante esse intervalo de uma fracç#o de segundos, aperce(iame da ePistência de uma Zsom(ra[. Chegou o 7nverno e, com ele, o dia de "no 9ovoG. urante esse tempo t)nhamonos encontrado todas as semanas. %u n#o fazia perguntas acerca da tal Zsom(ra[, e ela n#o tocava no assunto. +arc$vamos encontro, )amos a qualquer lado, com)amos juntos e fal$vamos de coisas impessoais. izme uma coisa, por acaso n#o ter$s namorado algu!m na tua vidaV atrevime a perguntar um (elo dia. G Cele(rase a de &aneiro a festa religiosa mais importante do &ap#o. K9. da T.L :00 Fumiko olhou para mim. O que te leva a pensar issoV 9#o sei, ! um palpite que tenho. %st$vamos os dois nos jardins imperiais de 8hinjuku, normalmente desertos no 7nverno.
tamanho de uma ca(ina telefónica. Aicava num primeiro andar, orientado a sul, e a janela dava para o armaz!m de uma empresa de construç#o. " luz era a Ynica coisa (oa que o apartamento tinha. Fumiko e eu fic$mos durante muito tempo sentados um ao lado do outro, a aproveitar a nesga de sol, encostados U parede. 9aquele dia fiz amor com Fumiko pela primeira vez. "inda hoje continuo a pensar que foi ela quem quis. e certa forma, foi ela que me seduziu. 9#o que alguma vez mo tenha sugerido a(ertamente, com palavras ou acç\es concretas. +as quando a a(racei, sou(e que ela desejara desde o princ)pio que aquilo acontecesse. Tinha um corpo macio e entregouse sem opor resistência. Aoi a sua primeira ePperiência sePual. epois de fazer amor, içou durante muito tempo em silêncio. 'or mais de uma vez tentei meter conversa, mas ela n#o me respondeu. Tomou um duche, vestiuse e voltou a sentarse no mesmo s)tio a apanhar sol. 9#o sa(endo o que dizer, senteime ao lado dela, calado. I medida que a luz se eslocava, tam(!m nós mud$vamos de s)tio, seguindo o movimento do sol. 5uando se fez noite, Fumiko anunciou que ia regressar a casa e eu acompanhei a. 9#o tens nada para me dizer, de certezaV voltei a perguntarlhe j$ no com(oio. 9#o ! nada, a s!rio murmurou ela, a(anando a ca(eça. 9#o tornei a falar no assunto. 9o fim de contas, ela tinha decidido ir para a cama comigo de sua livre vontade, e se havia qualquer coisa que n#o me queria dizer, podia ser que com o tempo as coisas se compusessem. Tal como antes, continu$mos a vernos uma vez por semana. %la costumava passar por minha casa e faz)amos amor. epois fic$vamos a(raçados, a trocar car)cias, e ela começou, pouco a pouco, a fazerme confidências. " falar de si mesma, das suas ePperiências e, tam(!m, dos sentimentos e refleP\es a propósito das coisas do amor. % eu, pouco a pouco, comecei a compreender a sua maneira de ver o mundo. %, pouco a pouco, fuilhe transmitindo a minha própria vis#o do mundo. "paiPoneime profundamente por Fumiko, e tam(!m ela jurava a p!s juntos que nunca mais queria separarse de mim. %sper$mos at! ela aca(ar a faculdade e cas$monos. epois de casados vivemos felizes, sem preocupaç\es de maior. "pesar disso, n#o conseguia deiPar por vezes de pensar que no seu interior ePistia um território desconhecido ao qual eu n#o tinha acesso. 'or ePemplo, quando est$vamos a conversar normalmente, ou at! mesmo apaiPonadamente, e sem que nada o fizesse prever, Fumiko ca)a de sY(ito num profundo mutismo. Calavase a meio da conversa, sem nenhumhuma raz#o especial Kou, pelo menos, uma raz#o com que eu conseguisse atinarL. %ra como se ela estivesse a andar por um caminho e de repente ca)sse dentro de um (uraco. Os seus silêncios nunca duravam muito tempo, mas depois, durante um (om (ocado, parecia n#o estar realmente ali. % mesmo passado um certo tempo viase que ainda n#o voltara a ser ela. Ouvia o que tinha para lhe dizer e respondiame com evasivasE Z"h, claro[, ZTens raz#o[, ZTalvez[. =em(rome de ter sentido uma estranha hesitaç#o parecida com isso, da primeira vez que entrei dentro de Fumiko. 'ara ela, era a primeira vez e só podia sentir dor. e facto, manteve durante todo o tempo o corpo r)gido. +as n#o foi só isso que me pertur(ou. >avia ali qualquer coisa de estranhamente lYcido. %ra dif)cil de ePplicar, uma esp!cie de distanciamento. Tinha a curiosa sensaç#o de que o corpo que tinha nos meus (raços era diferente do corpo da mulher que minutos antes estivera deitada ao meu lado, envolvida numa conversa )ntima. Como se, a dada altura, sem que eu desse por isso, o seu corpo tivesse sido su(stitu)do por outro. %nquanto a a(raçava, as minhas m#os continuavam a acariciarlhe as costas. Aascinavame :03 O contacto com as suas costas pequenas e lisas. "o mesmo tempo, por!m, sentiaa
ePtremamente distante. Fumiko parecia encontrarse muito longe de mim, a quilómetros dali, pensando o tempo todo noutra coisa. Woltei a ficar com a sensaç#o de que o corpo que tinha nos (raços era um u m su(stituto tempor$rio. X poss)vel que tenha sido por essa raz#o que, apesar de sePualmente muito ePcitado, demorei uma etermidade a virme. 7sso só aconteceu da primeira vez. " partir da) sentia cada vez mais próPima de mim, e as suas reacç\es f)sicas tornaramse mais vivas. Convencime de que, se havia sentido aquela esp!cie de afastamento, era porque se tratava da sua primeira ePperiência sePual. %nquanto vasculhava a memória, esticava volta e meia o (raço, alcançava a escada e davalhe um puP#o forte, para me certificar de que continuava l$. 9#o me conseguia li(ertar do medo irracional irr acional de que ela por alguma raz#o se soltasse. Cada vez que imaginava semelhante possi(ilidade, possi(ilidade, apoderavase de mim, ali nas trevas, uma terr)vel inquietaç#o. Tanto assim era que podia ouvir o meu coraç#o a (at!r, a (at!r. Contudo, depois de ter testado a sua resistência para a) umas vinte ou trinta vezes , l$ me acalmei. 9o fim de contas prendera a escada firmemente U $rvore. %ra pouco prov$vel que se soltasse sozinha. Olhei para o relógio. r elógio. Os ponteiros fosforescentes indicavam que faltavam poucos minutos para as três. Três da tarde. 'or cima da minha ca(eça, a luz em forma de meia lua ainda continuava a pairar. " superf)cie da Terra devia estar inundada pelo ofuscante sol de Wer#o. Wer#o. 'usme a imaginar um riacho cintilante, as folhas verdes ondulando ao vento. % pensar que alguns metros a(aiPo daquela claridade esmagado esmagadora ra podia ePistir uma escurid#o daquelas. -astava pegar numa escada de corda e descer alguns metros a(aiPo da superf)cie do solo, para ir encontrar uma escurid#o t#o profunda. ei mais um puP#o para testar de novo a fiPaç#o da corda. %stava (em presa. %m seguida apoiei a ca(eça contra a parede e fechei os olhos. O sono n#o tardou a apoderar se de mim, como a mar! que so(e lentamente. / " propósito da gravidezE entre reminiscências e conversas efleP#o emp)rica so(re a dor 5uando acordei, a meialuz do poço tinha adquirido o tom azulescuro do crepYsculo. Os ponteiros do relógio indicavam sete e meia. 8ete e meia da tarde. O que significava que eu tinha dormido quatro horas e meia. O ar no fundo do poço era frio. "o descer devia ter estado demasiado nervoso para me dar conta da temperatura. "gora, por!m, sentia o frio na pele. %sfreguei os (raços nus com as palmas das m#os para ver se aquecia, pensando que deveria ter trazido na mochila qualquer coisa para usar por cima da Tshirt. Tshirt. 9em sequer me passara pela ca(eça que a temperatura no fundo do poço pudesse ser diferente da temperatura U superf)cie. %nvolviame uma escurid#o total. 'or mais que me esforçasse, n#o via rigorosamente nada. 9em sequer onde estava a minha própria m#o. Tacteei as paredes do poço, desco(ri Us apalpadelas a escada e dei um puP#o. Continuava solidamente fiPa U superf)cie. "o mePer mePer a m#o, era como se a escurid#o vacilasse, mas devia tratarse de uma mera ilus#o de óptica. %ra uma sensaç#o estranha, sa(er que o meu corpo estava ali e, ao mesmo tempo, n#o ser capaz de o ver. 7móvel no escuro, cada vez me parecia menos real o facto de me encontrar ali. 'or isso, de vez em quando aclarava a garganta ou passava a m#o pela cara. "ssim, "ssim, os meus ouvidos confirmavam a ePistência da voz, a minha m#o da ePistência do rosto, e o meu rosto podia verificar a ePistência da minha m#o. 9o entanto, apesar apesar dos meus esforços esforços o meu corpo corpo ia perdendo perdendo aos poucos peso peso e densidade, como a areia que ! levada pela corrente. %ra como se dentro de mim se travasse uma esp!cie de com(ate mudo e encarniçado U (ase da tracç#o de cordas e que
a consciência estivesse lentamente a arrastar o meu corpo f)sico para dentro do seu território. "s trevas pertur(avam o equil)(rio normal entre os dois. Ocorreume a ideia de que o meu próprio corpo, vendo (em, mais n#o era do que uma concha provisória destinada a al(ergar a mente. -astava mudar a ordem dos sinais a que chamamos cromossomas, que formavam o meu corpo actual, e encontrarmeia dentro de um corpo completamente distinto do anterior. Z'rostituta da mente[, era como Creta :04 Fano tinha chamado a si própria. "gora "gora sim, j$ n#o me custava aceitar ePpress#o. %ra poss)vel que tiv!ssemos tiv!ssemos tido relaç\es relaç\es sePuais em em esp)rito e que eu eu tivesse ejaculado ejaculado na realidade. I luz de uma escurid#o t#o profunda como aquela, qualquer coisa, por mais estranha que fosse, se afigurava poss)vel. 8acudi a ca(eça e, com esforço, esforceime por devolver a minha consciência ao meu corpo. 9as trevas, pressionei as pontas dos cinco dedos de uma m#o contra os cinco da outra. 'olegar contra polegar, indicador indicador contra indicador. indicador. Os dedos da minha m#o direita confirmaram a ePistência dos dedos da minha m#o esquerda, e os dedos da m#o esquerda a ePistência dos dedos da minha m#o direita. epois respirei lenta e profundamente. OF, agora (asta de pensar na mente. mente. 'ensa antes antes em coisas mais mais reais. 9o mundo f)sico, concreto. concreto. X por isso isso que aqui estou. estou. 'ara pensar na na realidade. 'orque me pareceu que a melhor maneira de reflectir so(re a realidade era afastarme dela o mais poss)vel. efugiandome no fundo de um poço, por ePemplo. Z5uando tiveres de descer, procura procura o poço mais profundo e desce at! ao fim[, fi m[, j$ l$ dizia o senhor >onda. %ncostado U parede, aspirei lentamente para dentro dos pulm\es o ar que cheirava a mofo. Fumiko e eu cas$monos sem nenhumhumna esp!cie de cerimónia nupcial. 'ara começar, n#o n#o t)nhamos dinheiro para isso e, depois, n#o quer)amos recorrer aos nossos pais. Aazendo Aazendo t$(ua rasa de rituais e convenç\es, convenç\es, est$vamos est$vamos empenhados empenhados em fazer assentar a vida em comum no nosso esforço conjunto.
"contecesse o que acontecesse, ela nunca ia ter com os seus para lhes pedir conselho. 9esse aspecto aspecto !ramos muito parecidos. parecidos. "pesar disso, aos poucos, Fumiko e eu adapt$mos os nossos corpos e as nossas mentes Uquela nova entidade a que cham$vamos Zlar[. >a(itu$monos a pensar nas coisas em conjunto e a sentir as coisas em conjunto. %sforç$monos por encarar o que acontecia a cada um de nós como ZePperiências comuns[ comuns[ e a partilh$las. %scusado ser$ dizer que por vezes a coisa coisa funcionava, funcionava, outras vezes n#o. n#o. +as querme querme parecer que t)nhamos prazer em ir apalpando apalpando terreno e desvendando desvendando coisas coisas que eram para para nós uma novidade. novidade. % se era certo que entre nós se verificavam por vezes confrontos violentos, tam(!m acontecia que !ramos perfeitamente capazes de os esquecer nos (raços um do outro. 9o nosso terceiro ano de casados, casados, Fumiko ficou gr$vida. gr$vida. Tom$v Tom$vamos amos sempre grandes grandes precauç\es e para nós ou, pelo pelo menos, para para mim aquela not)cia constituiu um choque. ev)amos ter tido um momento de desatenç#o. 9#o !ramos capazes de determinar ePactamente quando, mas era a Ynica ePplicaç#o. %m todo o caso, n#o t)nhamos possi(ilidades económicas económicas para ter e criar um filho. Fumiko começava a am(ientarse Us suas funç\es na editora e, na medida do poss)vel, fazia tenç\es de conservar o seu posto de tra(alho.
" sala de espera da cl)nica estava literalmente cheia de mulheres gravidas com uma enorme (arriga. 9a sua maioria casadas h$ uns quatro ou cinco anos, tendo finalmente conseguido poupar o suficiente 'ara comprar a prestaç\es uma casita nos su(Yr(ios, preparavamse agora para dar U luz o t#o esperado filho. O Ynico homem presente era eu. "s gr$vidas deitavamme olhares cheios de curiosidade e,digase de passagem, sem ponta de simpatia. 8altava aos olhos que n#o passava de um estudante que tinha engravidado acidentalmente acidentalmente a namorada e que estava ali com ela para fazer um a(orto. epois da intervenç#o, volt$mos a apanhar o com(oio e regress$mos a Tóquio. %ra praticamente de noite noite e o com(oio naquela naquela direcç#o direcç#o seguia quase sem ningu!m. ningu!m. urante a viagem pedilhe desculpa. % confesseilhe que lamentava profundamente têla metido naquela situaç#o, tudo por causa de um descuido da minha parte Z9#o penses mais nisso[, respondeume ela. Z'elo menos vieste comigo U cl)nica, e pagaste tudo.[ 'assado pouco tempo ela e eu deiP$mos de nos encontrar, sem que a iniciativa partisse de nenhum dos dois em especial. 9#o sei o que foi feito dela, onde p$ra agora, o que faz. +uito tempo depois da intervenç#o, por!m e at! mesmo depois da nossa rotura continuei a de(aterme com sentimentos contraditórios. Cada vez que me lem(rava dela, vinhame ao pensamento a sala de espera daquela cl)nica, a re(entar pelas costuras de jovens mulheres gr$vidas repletas de certezas. % n#o havia uma Ynica vez que n#o me arrependesse de a ter engravidado. 9o com(oio, durante durante a viagem de regresso, para me me consolar digo (em, (em, para me consolar a mim , ela ePplicoume, muito (em ePplicadinho, o que contri(u)ra para tornar a operaç#o t#o f$cil. Z9#o ! uma intervenç#o t#o s!ria como possas pensar[, afiançou. Z5uase n#o demorou tempo nenhumhum e n#o senti nada. 8ó tive de me despir e deiParme ficar ali quieta. -om, vendo (em, ! um (ocado em(araçoso, em(araçoso, mas o m!dico parecia (oa pessoa e as enfermeiras tam(!m eram muito simp$ticas. Claro que aproveitaram para me fazer um serm#o, dizendome para ser mais cuidadosa daqui em diante. 9#o leves isto muito a peito. " culpa tam(!m ! minha. 9#o fui eu quem disse que n#o aconteceria aconteceria nadaV W$ W$ l$, animate^[ 9um certo sentido, e durante o longo longo trajecto que separava separava a cidadezinha cidadezinha de Chi(a e de Tóquio, tanto para l$ como para c$, o certo ! que me transformei numa pessoa diferente. epois de a acompanhar a casa dela, quando regressei ao meu apartamento e me meti no quarto, deitado no ch#o, a olhar para o tecto, deime perfeitamente conta dessa mudança. O eu que estava ali era um novo eu, e nunca mais poderia voltar atr$s. 'erdera a inocência e tinha sido graças ao meu novo eu que ganhara consciência disso. 9#o era uma quest#o de ter remorsos r emorsos ou sentimentos de culpa moralista. 8a(ia que cometera um erro terr)vel, mas n#o fazia tenç\es de me castigar por isso. " realidade era aquela, e n#o tinha outro rem!dio sen#o encarar os factos f actos de uma forma lYcida e o(jectiva. 5uando sou(e que Fumiko estava gr$vida, a primeira coisa que me veio U ca(eça foi a imagem daquelas jovens gr$vidas que enchiam a sala de espera da cl)nica ginecológica. -em como o peculiar odor que ali dentro se respirava. 9#o fazia a m)nima ideia de que cheiro era se calhar era apenas impress#o minha e tratavase apenas de qualquer coisa parecida com um cheiro. 5uando a enfermeira chamou a minha amiga, ela ela levantouse apressadamente apressadamente da dura cadeira de pl$stico e encaminhouse direitinha para a porta. "ntes de se levantar, deitoume um olhar r$pido e nos seus l$(ios pareceume ver um vago sorriso, ou o que ter$ ficado de um sorriso depois de ter mudado (ruscamente (ruscamente de opini#o. 8a(ia que era pouco realista pensar em ter filhos, mas, ao mesmo tempo, tam(!m n#o queria que Fumiko fizesse um a(orto. % disseo a Fumiko, perguntandolhe se n#o
havia maneira de evitar a intervenç#o. %stamos fartos de falar no assunto respondeu ela. +as se tivermos uma criança agora, eu teria de me vir em(ora da editora e tu n#o terias outro rem!dio sen#o ir U procura de outro emprego emprego onde ganhasses ganhasses mais, mais, a fim de me manteres manteres a mim e ao (e(!. (e(!. 'assar)amos a contar os tost\es e n#o poder)amos fazer nada do que queremos. %, mais, sem dinheiro para as coisas sup!rfluas. " partir da), as possi(ilidades pr$ticas de fazer algo ficariam drasticamente reduzidas. %st$s disposto a issoV 9#o me importaria de ePperimentar. %st$s a falar a s!rioV 8e quisesse, podia arranjar outro emprego. O meu tio anda U procura de algu!m para o ajudar. 5uer 5uer a(rir outro esta(elecimento, mas como est$ com dificuldade em encontrar um gerente de confiança, n#o pode. e certeza que passaria a ganhar muito mais do que agora. %st$ (em, n#o tem nada que ver com o ireito, mas a verdade ! que n#o se pode dizer que esteja por a) al!m entusiasmado com o meu tra(alho na firma f irma de advogados. % estavas na disposiç#o de passar a ser gerente de um restauranteV 'elo menos podia tentar. 'orque n#oV % em caso de emergência, ainda temos aquele dinheiro que a minha m#e nos deiPou. e certeza que de fome n#o morrer)amos. Fumiko ficou calada um grande (ocado, a pensar nas minhas 'alavras. %ra muito dela, aquela ePpress#o pensativa, e eu gostava das pequenas rugas que se formavam nos cantos, U volta dos olhos. 5uer isso dizer que gostarias de ter um filhoV f ilhoV quis ela sa(er. 9#o tenho a certeza. 8ei, isso sim, que tu est$s gr$vida, mas ainda n#o me compenetrei do que significa realmente ser pai. 'or um lado, penso que seria melhor continuarmos a ter a vida que temos os dois juntos. 'or outro lado, tam(!m penso que um filho tornar$ ó nosso mundo maior e mais vasto. 9#o sei o que ! correcto. 8ó sei que n#o quero que faças um a(orto, mais nada. e resto, n#o estou em posiç#o de te dar nenhumhuma garantia. 9#o te posso dar cem por cento de certezas, e tam(!m n#o tenho em meu poder nenhumhuma soluç#o milagrosa. Tudo Tudo o que tenho para partilhar contigo ! este sentimento. Fumiko ficou a pensar naquilo durante um (ocado. e vez em quando passava a m#o pela (arriga. izme uma coisa. 'or que ! que pensas que engravideiV 9#o tens ideiaV "(anei a ca(eça. Tivemos Tivemos sempre cuidado. 'recisamente para evitar passarmos por aquilo que nos est$ agora a acontecer. 'or isso n#o faço ideia como ! que aconteceu. 9#o te passa sequer pela ca(eça que eu possa ter ido para a cama com outro homemV 9unca pensaste pensaste nessa possi(ilidadeV possi(ilidadeV 9#o. 'orquê, n#o me dizesV 'osso n#o ter um sePto sentido ou n#o ser uma pessoa l$ muito intuitiva, mas disto tenho a certeza. %st$vamos os dois sentados U mesa da cozinha, cozinha, a (e(er vinho. %ra de noite, j$ tarde, e U nossa volta n#o se ouvia (arulho nenhum. e olhos semicerrados, Fumiko olhava para o resto de vinho que ainda tinha no copo. %ra raro (e(er. 8ó um copo de vez em quando, quando n#o conseguia dormir. %ra rem!dio santo. Ca)a U cama e dormia que nem uma pedra. 'ela minha minha parte, estava a (e(er para lhe fazer fazer companhia. 9#o utiliz$vamos copos finos próprios para vinho, nem nada que se parecesse, mas sim uns copos de cerveja que nos tinham sido oferecidos pela loja de vinhos l$ do (airro. % foste f oste para a cama com outro homemV perguntei eu, su(itamente preocupado com a ideia. Fumiko negou com a ca(eça e sorriu.
9#o sejas parvo. 8a(es (em que nunca faria uma coisa dessas. Aalei nisso apenas a t)tulo de mera hipótese teórica. " seguir ficou s!ria e p]s os cotovelos em cima da mesa. +as, sa(es, Us vezes n#o entendo as coisas. 5uero dizer, dizer, o que ! real e o que n#o !. O que aconteceu, na verdade, e o que n#o aconteceu... Is vezes, digo (em. % agora estamos numa dessas vezesV X mais ou menos isso. " ti nunca te aconteceV 'ensei na pergunta durante coisa de um minuto. 9#o, que me lem(re respondi. :20 Como ! que te heide ePplicarV >$ uma esp!cie esp!cie de desfasamento desfasamento entre o que eu penso que ! real e a verdadeira realidade. Tenho a impress#o de que algures, dentro de mim, ePiste qualquer coisa escondida. Como um ladr#o que tenha entrado numa casa e se tenha escondido no arm$rio, saindo apenas volta e meia, para vir pertur(ar qualquer noç#o de ordem e lógica que eu possa ter. Como um )man e altera o funcionamento de uma m$quina. Aiquei a olhar para Fumiko por momentos. % tu acreditas mesmo que ePiste alguma relaç#o entre o facto de estares gr$vida e essa pequena coisaV Fumiko a(anou a ca(eça. 9#o ! uma quest#o de haver ou n#o uma relaç#o. O que sei ! que Us vezes perco a noç#o da ordem das coisas. +ais nada. Começava a notarse uma certa irritaç#o nas suas palavras. 'assava da uma da manh#. %stendi a m#o por cima da mesa e pegueilhe na m#o. %scuta disse ela , gostava que me deiPasses ser eu a tomar uma decis#o, nesta mat!ria. Tenho Tenho a perfeita noç#o de que este pro(lema nos afecta a am(os. 'alavra que tenho. +as agora deiPame decidir a mim. Tenho muita pena, mas n#o sou capaz de ePplicar melhor o que penso e o que sinto. Aundamentalmente, penso que o direito de tomar uma decis#o !s tu que o tens retorqui eu , e esse direito, eu respeitoo. "inda temos um mês ou isso para tomar uma decis#o. Temos falado muito acerca de tudo isto e sei perfeitamente o que sentes. 'or isso, deiPame pensar (em no assunto. % vamos fazer os poss)veis por n#o falar nisso durante uns tempos. 9o dia em que Fumiko Fumiko a(ortou estava estava eu em >okkaido. >okkaido. " firma n#o tinha por h$(ito h$(ito enviar empregados do escal#o mais (aiPo, como eu, em viagem de negócio para fora da cidade, mas naquela altura n#o havia mais ningu!m dispon)vel e tocoume a mim. Tinha de levar comigo uma mala cheia de documentos, apresentar sumariamente U outra parte o conteYdo dos mesmos, acusar a recepç#o dos documentos que me fossem entregues e regressar. %sses %sses documentos eram demasiado lrnportantes para serem enviados por correio ou confiados a terceiros. Como todos os voos de regresso estavam cheios, fui o(rigado a passar a noite num (usiness hotelG: de 8apporo. %ntretanto, Fumiko foi só 9o &ap#o os hot!is de negócios negócios servem as necessidades necessidades dos viajantes que que n#o querem gastar muito. Aicam geralmente no centro da cidade, têm quartos ao estilo ocidental e o hóspede pode optar por um pequenoalmoço japonês ou ocidental. R da T.L :22 sózinha ao hospital e a(ortou. +ais tarde, j$ passava das dez da noite telefonoume para o hotel. Aiz o a(orto esta tarde disse. Custame estar a falarte de um facto consumado, mas de um momento para o outro apareceu uma a(erta, e eu pensei que era melhor assim, quero dizer, ir com isso para a frente estando tu ausente. 9#o te preocupes. 8e achas que foi melhor assim, fizeste (em. Tenho mais coisas para te dizer, mas por enquanto ainda n#o me sinto capaz. e
qualquer forma, mais cedo ou mais tarde ter$ de ser. Aalamos com calma quando eu regressar. epois de ter desligado, enfiei o casaco, sa) do quarto e comecei a caminhar sem rumo pelas ruas de 8apporo. %st$vamos %st$vamos no in)cio de +arço +arço e a neve acumulavase de am(os os lados da calçada. O vento era t#o frio que quase do)a a respirar e a respiraç#o dos transeuntes formava pequenas nuvens (rancas suspensas no ar para desaparecer logo a seguir. "s pessoas usavam casacos pesados, luvas, cachecóis que quase lhes tapavam a (oca e caminhavam caminhavam com muito cuidado cuidado pelos passeios passeios gelados gelados para n#o ca)rem. ca)rem. Os t$Pis iam e vinham acompanhados acompanhados do arranhar que as correntes nas rodas faziam em contacto com o pavimento. 5uando n#o consegui resistir mais ao frio, entrei no primeiro (ar que encontrei encontrei e (e(i v$rios u)sques puros. %m seguida continuei continuei a minha caminhada. eam(ulei pelas ruas durante muito tempo. e vez em quando ca)am alguns flocos, mas era uma neve fraca e fina como uma lem(rança que se dilui na dist_ncia. O segundo (ar onde entrei ficava numa cave. %ra muito maior do que a entrada dava a entender. Tinha um pequeno palco e um homem magro de óculos cantava acompanhandose acompanhandose U guitarra. %stava sentado numa cadeira de metal com as pernas cruzadas, o estojo do instrumento a seus p!s. 8enteime no (ar, a (e(er e a ouvir a mYsica sem prestar grande atenç#o. "proveitando "proveitando uma pausa, o homem ePplicou que tinha escrito todas as letras e composto a mYsica de todas as canç\es. evia andar entre os vinte e cinco e os trinta anos, tinha um rosto vulgar e usava óculos com armaç#o de pl$stico castanho. Westia calças de ganga, (otins e as fraldas da camisa de flanela aos quadrados de fora. 8e me tivessem perguntado qual era o g!nero de mYsica que ele interpretava, dificilmente teria conseguido ePplicar uma coisa parecida com aquilo a que se convencionou chamar mYsica folk, mas em vers#o japonesa. I (ase de acordes simples, melodias monocórdicas, letras (anais. 9#o se podia dizer que fosse propriamente o tipo de mYsica que ia ao encontro das minhas preferências musicais. musicais. :23 %m circunst_ncias normais, aquela mYsica termeia entrado por ouvido e sa)do por outro. O mais certo era terme limitado a (e(er meu u)sque, a pagar a conta e a a(andonar o local U pressa. +as aquela noite estava gelado at! U medula e n#o fazia tenç\es de sair dali por nada deste mundo, pelo menos enquanto n#o aquecesse os ossos. -e(i o u)sque de um trago e a seguir pedi outro. Continuei de casaco vestido e cachecol enrolado ao pescoço. O (arman perguntou se queria comer qualquer coisa e mandei vir queijo, mas aca(ei por comer apenas um pedaço. 5ueria pensar, mas o meu c!re(ro c!re(ro n#o estava a funcionar como deve deve ser. 9em sequer conseguia conseguia pensar direito. Tinha Tinha a sensaç#o sensaç#o de me ter convertido num quarto quarto vazio, onde onde a mYsica ressoava distorcida, produzindo um eco surdo, sem consistência. 5uando o homem aca(ou de cantar meia dYzia de canç\es, ouviramse alguns aplausos. 9ada de muito entusi$stico entusi$stico nem de demasiado formal. 9#o deviam estar estar ali mais de dez ou quinze pessoas. O homem levantouse e agradeceu. isse qualquer coisa, uma piada, que fez rir alguns clientes. %u chamei o empregado e pedi o meu terceiro u)sque. % só nessa altura ! que tirei o casaco e o cachecol. % assim termina a minha actuaç#o de hoje disse o cantor. epois fez uma pausa e percorreu a sala com o olhar. olhar. X poss)vel poss)vel que alguns esta noite n#o tenham tenham gostado das das minhas canç\es. " esses, vou dedicarlhes esta pequena actuaç#o. X um nYmero que faço muito raramente, por isso podem considerar que hoje ! o vosso dia de sorte.
O cantor pousou com cuidado a guitarra aos p!s e tirou de dentro do estojo uma vela.
:24 9#o lhe sei dizer respondeu ela. &ulgo que ! a primeira vez que actua aqui, e nunca tinha ouvido falar dele. 9em sequer sa(ia que se dedicava U magia. +as foi impressionante, n#o foiV Como ! que ter$ feito aquiloV Com um truque daqueles, podia perfeitamente aparecer na televis#o^ =a isso e, parecia mesmo que se estava a queimar a serio acrescentei. Woltei a p! para o hotel e deiteime em cima da cama. "cto cont)nuo, o sono apoderou se de mim como se tivesse estado U minha espera. 9a altura em que ia começar a dormir, pensei em Fumiko. +as sentia terrivelmente distante e, al!m do mais, j$ n#o conseguia pensar em nada. e repente veiome U ca(eça o rosto daquele homem enquanto queimava a palma da m#o na chama da vela. 'arecia que se estava mesmo a queimar, pensei para comigo. % ca) ferrado a dormir. 4 " origem do desejo 9o quarto nYmero :o4 "travessando a parede "ntes de amanhecer, no fundo do poço, tive um sonho. +as n#o foi um sonho. %ra qualquer coisa que por acaso tinha a forma de um sonho. Caminhava sozinho. 9o ecr# de um televisor enorme, situado no meio de um amplo vest)(ulo, aparecia o rosto de 9o(oru RataSa. O seu discurso tinha aca(ado de começar. Westia um fato de t`eed, camisa Us riscas e gravata azulmarinho. Tinha as m#os cruzadas na mesa U sua frente e falava directamente para a c_mara. 'endurado atr$s de si viase um grande mapa do mundo. eviam estar centenas de pessoas no sal#o, mas todas elas, sem ePcepç#o, permaneciam Himóveis e escutavam com uma ePpress#o grave estampada na cara o discurso dele. Como se 9o(oru RataSa estivesse prestes a anunciar algo de import_ncia capital que fosse decidir o destino da populaç#o. Tam(!m eu estava parado e de olhos postos no ecr#. 9o(oru RataSa dirigiase num tom profissional, ainda que com arrou(os de lnceridade, a milh\es de pessoas que n#o podia ver. "quela coisa e'elente que eu sentia quando est$vamos frente a frente permanecia dissimulada, algures numa parte remota e inacess)vel do seu ser " sua oratória possu)a um grande poder de persuas#o. "s pequenas pausas cuidadosamente calculadas, a resson_ncia da voz, as mudanças de ePpress#oE tudo contri(u)a para criar uma ilus#o de realismo estranhamente eficaz. " cada dia que passava, saltava aos olhos que 9o(on RataSa se tornava melhor e mais articulado enquanto orador. 'or mais que me custasse, era o(rigado a reconhecer esse facto. ZComo podem ver, meus amigos[, estava ele a dizer, Zas coisas apresentamse ao mesmo tempo muito complicadas e muito simples X esta a regra fundamental que domina o mundo. 9unca a podemos perder de vista. "t! mesmo as coisas que parecem complicadas e que na realidade o s#o têm um mó(il muito simples. Tudo depende daquilo de que andamos U procura, mais nada. % aquilo que designamos por mó(il !, por assim dizer, a origem do desejo. O que importa ! encontrar a raiz do desejo. X preciso cavar e ir para al!m da superf)cie complePa que ! a realidade. Cavar, cavar sempre. % depois cavar ainda mais fundo, at! atingirmos a ePtremidade da raiz. %nt#o[, e nesse ponto ele apontava com o dedo para o mapa nas suas costas, Ztudo aca(ar$ por se esclarecer. X assim que funciona o mundo. Os ignorantes n#o logram escapar nunca a esta aparente complePidade. %, sem entender uma Ynica coisa que seja acerca do funcionamento do mundo, passam a vida na escurid#o, caminhando Us cegas U procura de uma sa)da, e morrem sem ter compreendido o modo como o mundo funciona. Aicam desorientados como se se encontrassem no meio de um (osque cerrado ou no fundo de um poço profundo. % est#o perdidos porque n#o compreendem o princ)pio fundamental
das coisas. 9a sua ca(eça só ePiste calhaus e liPo. 9#o perce(em nada. 9em sequer sa(em distinguir entre o que vem primeiro e o que vem depois, o que est$ em cima e o que est$ em (aiPo, onde fica o 9orte e onde fica o 8ul. 'or isso jamais poder#o escapar do mundo das trevas.[ 9este ponto 9o(oru RataSa fez uma pausa para dar Us suas palavras tempo de penetrar na mente do seu auditório, antes de prosseguirE ZWamos esquecer essa gente. 8e eles perderam o norte, pois que continuem desorientados. " nós, esperamnos tarefas mais importantes.[ I medida que o ouvia falar, a cólera apoderavase de mim.
:3 [ deu três pancadinhas na porta. 8egundos mais tarde, algu!m a(riu a porta por dentro e o empregado entrou no quarto com a (andeja Aiz os poss)veis por me esconder atr$s de um grande jarr#o chinês e encosteime U parede, esperando que ele tornasse a sair. %ra o quarto nYmero :o4. 8ó podia ser^ Como ! que podia terme esquecidoV O empregado nunca mais sa)a. %u n#o fazia outra coisa sen#o olhar para o relógio de pulso. Tinha parado, sem que desse por isso %Paminava, uma a uma, as flores dentro do jarr#o. 'areciam aca(adas de cortar e transportadas para ali de algum jardim, sem terem perdido nem a cor nem o perfume. 8e calhar n#o haviam dado conta de terem sido arrancadas Us suas ra)zes.
tomei a decis#o de vir at! aqui, sozinho. 9#o sei quem !s, mas sei que tens em teu poder uma chave qualquer. %stou certoV[ ZCreta FanoV[ disse ela, num tom desconfiado. Z9unca ouvi semelhante nome. Tam(!m se encontra aqui, essa pessoaV[ ZOnde est$, n#o sei. +as j$ a vi por aqui, mais do que uma vez.[ "o respirar, um forte odor a flores enchiame os pulm\es. O ar estava pesado, impregnado daquela intensa fragr_ncia. evia ePistir uma jarra cheia de flores. "lgures dentro daquele mesmo quarto, naquela mesma escurid#o, flores havia que respiravam e se retorciam. 9as trevas, saturado daquele odor ine(riante, comecei a perder consciência do meu próprio corpo. Tinha a impress#o de me ter convertido num insecto minYsculo. %u era um insecto que se esforçava por penetrar entre as p!talas de uma flor gigante, onde me esperavam n!ctar viscoso, pólen e pêlos macios. 5ue requeriam a minha intrus#o e a minha presença. ZOuve uma coisa[, disse U mulher, Zprimeiro que tudo quero sa(er quem !s. izme que te conheço. +as, por mais voltas que dê a ca(eça, n#o me consigo lem(rar. 5uem !s tuV[ Z5uem sou euV[, repetiu a mulher. +ecanicamente e sem a m)nima ironia. Z'reciso de (e(er qualquer coisa. 'reparame a) dois u)sques com gelo. 7magino que me faças companhia, n#oV[ egressei U salinha, tirei o selo da garrafa nova, pus gelo nos copos e preparei dois u)sques. 'or estar t#o escuro, demorei uma eternidade a fazer uma operaç#o t#o simples. Woltei ao quarto com os dois copos na m#o. " mulher disseme para deiPar ficar um em cima da mesadeca(eceira. % a mim, mandoume sentar na cadeira aos p!s da cama. Aiz como ela dizia depositei um dos copos em cima da mesinhadeca(eceira e sentei me numa cadeira de (raços um pouco afastada com o copo na m#o. %ra poss)vel que os meus olhos se tivessem acostumado ao escuro, porque descortinei uma som(ra que se movia em silêncio. 5uisme parecerme que a mulher se tinha sentado na cama. "o ouvir o gelo tilintar, perce(i que estava a (e(er -e(i, tam(!m eu, um gole do meu u)sque. " mulher deiPouse ficar calada durante algum tempo. 5uanto mais se prolongava o silêncio, mais intenso me parecia o cheiro das flores. Z5ueres mesmo sa(er quem souV[, perguntou ela. ZAoi isso que aqui me trouPe[, respondi eu. O certo ! que no escuro o som da minha voz traduzia um certo desconforto. ZCom que ent#o vieste ePpressamente at! aqui para sa(er o meu nomeV[ %m vez de responder, pigarreei, mas at! mesmo aquele rumor soava de maneira estranha. " mulher agitou v$rias vezes o gelo dentro do copo. ZTu queres ficar a sa(er o meu nome. 7nfelizmente, n#o te posso dizer. 8ei muito (em quem !s. % tu tam(!m sa(es muito (em quem eu sou. %m contrapartida, eu n#o me conheço a mim própria.[ "(anei a ca(eça no escuro. Z9#o entendo uma palavra do que dizes. %stou farto de enigmas. o que preciso ! de factos concretos. e pistas concretas. e qualquer coisa a que possa deitar a m#o e usar como alavanca para forçar a porta. %ra isso que eu queria.[ " mulher soltou um profundo suspiro que pareceu vir do mais profundo do seu corpo. ZToru Okada^ Wê se desco(res o meu nome. 'ensando (em, ! melhor n#o. 9#o quero que te esforces por sa(êlo. %st$s farto de sa(er qual !. 'reocupate apenas em lem(rar te. 8ó poder$s sair daqui na condiç#o de desco(rires o meu nome. % nesse caso poderei ajudarte a encontrar a tua mulher. 8e queres encontrar Fumiko Okada, tens de
desco(rir o meu nome. "qui tens a tua alavanca. 9#o podes ! ficar assim desorientado durante muito mais tempo. " cada dia que passa, Fumiko afastase um pouco mais de ti. 'ousei o copo no ch#o. Z%scuta uma coisa, onde estamos[, perguntei. Z%st$s aqui desde quandoV %, acima de tudo, a fazer o quêV[ Z%st$ na altura de te ires em(ora[, disse a mulher de repente, como que voltando a si. Z8e ele te encontra aqui, vamos ter pro(lemas. X muito mais perigoso do que possas imaginar. 'oderia matarte. X um homem capaz de tudo.[ :30 Z% quem dia(o ! que esse eV[ " mulher n#o me deu resposta. 'ela minha parte, n#o sa(ia que mais dizer. 8entiame perdido. 9o quarto n#o se ouvia nada. O silêncio era profundo e total, a atmosfera sufocante. Tinha a ca(eça a estalar, sentiame fe(ril. evia ser do pólen. 8e calhar, microscópicas part)culas de pólen haviam penetrado no meu c!re(ro e interferido com o meu sistema nervoso. ZOuve uma coisa, Toru Okada[, disse a mulher, su(itamente num tom muito diferente. O tim(re da sua voz podia mudar de um momento para o outro, por uma raz#o ou por outra. "gora, condizia Us mil maravilhas com o am(iente pesado e ine(riante do quarto. Z"lguma vez pensaste que gostarias de voltar a a(raçarme um diaV 5ue gostarias de entrar dentro de mim e (eijarme todo o corpoV eiPote fazer o que quiseres, sa(esV % farei tudo o que quiseres... Coisas que a tua mulher, Fumiko Okada, nunca te faria... arteei tanto prazer que nunca mais te esquecer$s de mim. 8e tu...[ -ruscamente, sem aviso pr!vio, ouviuse (at!r U porta.
algumas estrelas por cima da minha ca(eça. O tenente +amiSa tinha raz#oE do fundo de um poço, vêemse as estrelas ainda de dia. entro do pedaço de c!u recortado em forma de perfeita meialua, as estrelas agrupavamse todas muito certinhas, como um mostru$rio de minerais raros. avia demasiadas estrelas, e o c!u da noite era demasiado vasto e demasiado profundo. "quele corpo estranho rodeavame, envolviame ao ponto de quase me provocar um sentimento de vertigem. "t! a) sempre pensara que a Terra que pisava continuaria a ser eternamente sólida. 9#o, melhor dizendo, nem sequer me dera ao tra(alho de pensar muito nisso. 'artia do princ)pio de que assim era, mais nada, quando, de facto, a Terra n#o passava de um meg$lito de pedra a flutuar num cantinho do universo. Wista da imensidade do universo, nada mais era do que um ponto de apoio ef!mero, perdido na imensid#o. " m)nima variaç#o de energia, ao m)nimo clar#o de luz, esse enorme (loco de rocha podia ser varrido de um momento para o outro, quem sa(e se no dia seguinte, e nós com ele. e(aiPo daquele (elo c!u t#o cheio de estrelas, de cortar a respiraç#o, a incerteza da minha própria ePistência atingiume em cheio e cheguei a pensar que ia desmaiar ali mesmo, a todo o momento. %ra uma desco(erta assom(rosa para um rapazinho daquela idade. Contemplar o c!u estrelado do fundo de um poço e olhar as estrelas no c!u no cimo de uma montanha eram duas ePperiências muito diferentes. "trav!s daquela janela estreita sentia como se o meu esp)rito, eu próprio o meu ser e a minha ePistência estivessem firmemente unidas por laços sólidos a cada uma daquelas estrelas. 8entiame intimamente ligado a elas. X prov$vel que só as conseguisse ver do fundo do poço. "os meus olhos, tinham um significado especial, e em troca elas ofereciamme energia e calor. I medida que o tempo passava e que a luz (rilhante da manh# de Wer#o inundava o c!u, as estrelas começaram a desaparecer, uma a uma, paulatinamente, do meu campo de vis#o. e olhos (em a(ertos, eu o(servava at!ntamente o processo do seu desaparecimento. O sol da manh#, contudo, n#o conseguiu apag$las todas do c!u. "lgumas, mais intensas, ainda l$ ficaram. 'or muito alto que o 8ol estivesse, recusavamse teimosamente a desaparecer. 7sso encheume de alegriaE tirando uma ou outra nuvem, as estrelas eram a Ynica coisa que eu podia ver c$ de (aiPo, do s)tio onde me encontrava. Tinha transpirado enquanto dormia e a pouco e pouco o suor arrefecera, causandome frequentes arrepios. O suor fezme pensar naquele quarto de hotel som(rio e na mulher dos telefonemas. 9os meus ouvidos ressoava ainda cada uma das suas palavras, o som dos golpes na porta. 9as minhas narinas permanecia o odor sufocante das flores. % 9o(oru RataSa continuava a falar do outro lado do pequeno ecr#. " minha recordaç#o destas diferentes sensaç\es teimava em es(at!rse, indiferente U passagem do tempo. % isto acontecia porque n#o era um sonho, diziame a minha memória. +esmo (em acordado, continuava a sentir um intenso calor na face direita. "o qual se juntava agora uma ligeira dor, como se a minha cara tivesse sido esfregada com papel de liPa. Com a palma da m#o pressionei aquela zona atrav!s da (ar(a crescida, mas nem o calor nem a dor diminu)ram. 9o fundo do poço negro, sem um espelho, n#o tinha
maneira de ePaminar o meu rosto. %stendi o (raço e apalpei as paredes do poço. 'ercorri a superf)cie com as pontas dos dedos e depois apoiei a palma da m#o e deiPeiHa ali estar.
8e me queres dizer alguma coisa, aproveita. % depois passa um pano por cima de tudo. Tinhas qualquer coisa para me dizer, n#o foi o que disseste ao telefoneV Fumiko negou com um movimento de ca(eça. &$ n#o interessa. Tens raz#o. O melhor ! esquecermos esta história. urante algum tempo evit$mos toda e qualquer referência ao a(orto de Fumiko. 9#o era f$cil. Is vezes acontecia estarmos a falar de qualquer coisa e ficarmos os dois calados de repente, no meio da conversa. 9os feriados e dias festivos costum$vamos ir ao cinema. 9o escuro da sala de cinema, em(renh$vamonos no enredo do filme, pens$vamos em coisas que n#o tivessem nada que ver com o que se desenrolava no ecr# ou d$vamos descanso ao c!re(ro n#o pensando pura e simplesmente em nada. 'or vezes, palpitavame que Fumiko, sentada a meu lado, estava com a ca(eça noutro lado. % eu perce(ia isso. " seguir ao filme )amos sempre (e(er uma cerveja ou comer qualquer coisa, mas acontecia que n#o sa()amos do que hav)amos de falar. %sta situaç#o prolongouse durante seis semanas. 8eis longas semanas. I sePta, Fumiko dissemeE % se amanh# tir$ssemos o dia e f]ssemos fazer uma viagenzinha de f!rias, só os doisV >oje ! quinta, pod)amos estar fora at! domingo. Wolta e meia ! preciso as pessoas fazerem uma coisa deste g!nero. 8ei disso perfeitamente, apesar de ter s!rias dYvidas de que algu!m l$ no escritório de advogados conheça sequer o significado da palavra f!rias disse eu, a sorrir. 9esse caso, mete um dia de (aiPa. iz que est$s com gripe ou uma coisa do g!nero. X o que eu vou fazer. +etemonos no com(oio e fomos at! Faruiza`a. Fumiko preferia okkaido e de como só aquela imensa solid#o a levara a fazer aquilo que tinha feito. 9#o ! que esteja arrependida disse ela no fim de tudo. 9#o havia outra soluç#o. %stou perfeitamente convencida disso. O que mais me custa ! n#o ser capaz de te ePplicar a fundo os meus sentimentos. Fumiko afastou o ca(elo para tr$s, deiPando entrever a sua pequena orelha, e depois a(anou ligeiramente a ca(eça. 9#o, n#o ! que queira fazer segredo disso.
seria aquele que Fumiko n#o era capaz de traduzir por palavrasV Teria alguma relaç#o com o seu recente desaparecimentoV 8e daquela vez a tivesse o(rigado a contarme tudo, quem sa(e se n#o a teria perdidoV +as depois de ter dado voltas U ca(eça, a pensar naquilo, decidi que era inYtil. Fumiko tinha dito que ainda n#o era capaz de falar naquilo. Aosse o que fosse, era superior Us suas forças. %st$s a ouvir, senhor '$ssaro de CordaV gritou +aS Fasahara. " dormitar na altura, pensei que a voz fazia parte do sonho. +as n#o estava a sonhar. 5uando olhei para cima, distingui, muito pequenino, o rosto de +aS Fasahara. %st$s a) em (aiPo, n#o est$s, senhor '$ssaro de CordaV 8ei que est$s a). %nt#o, n#o me respondesV 8im, estou aqui. 5ue dia(o fazes por estas (andasV 'enso. 9#o estou a perce(er. esde quando ! que ! necess$rio descer ao fundo de um poço para pensarV 7magino o desconforto que isso deve representar, j$ para n#o falar nas chatices^ %m contrapartida, ajuda uma pessoa a concentrarse. %st$ escuro, fresco, em silêncio. Costuma darte muitas vezes para a)V 9ada disso. X a primeira vez na vida. 5uero dizer, a primeira vez que desço ao fundo de um poço. % est$ tudo a correr (emV %st$s a conseguir pensar, a) enfiadoV "inda n#o sei. "inda estou a ver como ! que a coisa funciona. %la aclarou a garganta. O (arulho fez eco e chegou muito ampliado ao fundo do poço. izme uma coisa, senhor '$ssaro de Corda, por acaso n#o reparaste que a escada foi U vidaV 8im, dei por isso h$ coisa de minutos. % sa(ias que tinha sido eu a tir$laV 9#o. 7sso j$ n#o sa(ia. 9esse caso, quem ! que pensavas que tivesse sidoV 9#o faço ideia respondi com sinceridade. 9#o sei como ePplicar, mas a verdade ! que nunca me passou pela ca(eça, quero dizer, que algu!m pudesse fazer isso. 'ara ser franco, limiteime a pensar que ela simplesmente tinha desaparecido, mais nada. +aS Fasahara ficou calada durante um (ocado. Tinha desaparecido, mais nada repetiu ela, com uma pontinha de desconfiança na voz. Como se suspeitasse que as minhas palavras escondessem uma armadilha. 5ueres dizer o quê, com issoV Com esse Ztinha desaparecido, mais nada[V 5ue desapareceu sozinhaV 'odia acontecer. igote uma coisa, senhor '$ssaro de Corda, e n#o me o(rigues a repetir isto, mas tu !s mesmo um caso raro da 9atureza. 9#o deve haver muitos como tu, isso ! limpinho. 8a(iasV 9#o me parece que seja assim t#o estranho como isso. %nt#o, como ! que ePplicas que as escadas desapareçam sozinhasV 9a tua opini#o, a escada pura e simplesmente volatilizouse, ! issoV %sfreguei a minha (ochecha com am(as as m#os e tentei concentrar toda a minha atenç#o na conversa com +aS Fasahara. Aoste tu que a tiraste, n#o foiV T/ Claro que fui eu replicou +aS Fasahara. 9#o ! preciso ficares com os miolos a deitar fumo para perce(er isso. 8im, fui eu. Wim at! c$ de noite, Us escondidas, e tireia. % porquê, n#o me dizesV % por que n#oV Ontem fui n#o sei quantas vezes a tua casa para te propor que
volt$ssemos a tra(alhar juntos. % tu, como ! ó(vio n#o estavas l$. Aoi ent#o que encontrei o (ilhete que deiPaste na cozinha. "inda fiquei ali U espera uma data de tempo, mas tu, nada. epois, como n#o havia meio de apareceres, lem(reime de ir U tua procura e pensei que tivesses regressado U casa a(andonada. Wim dar com a tampa do poço meio a(erta e a escada de corda pendurada. +as nem ent#o, confesso, me passou pela ca(eça que pudesses estar a) em (aiPo. 'ensei que estavam a fazer o(ras e que algum oper$rio se tinha esquecido da escada. 5uero dizer, quantas pessoas neste mundo ! que se d#o ao tra(alho de descer ao fundo de um poço e ficarem l$ a pensarV 9esse ponto, doute raz#o admiti. +as depois, por volta da meianoite, esgueireime e regressei a tua casa. Aoi nessa altura que me passou pela ca(eça que pudesses estar dentro do poço. 9#o fazia ideia do que pudesses estar aqui a fazer, mas, est$s a ver, como tu !s assim a modos que uma criatura (izarra, nunca se sa(e... Woltei outra vez at! aqui e retirei a escada. eves ter apanhado um susto de morte, imagino... 'odes crer. Tens alguma coisa que se coma e que se (e(a a) em (aiPoV
Corda. O que sofrerias no meio do escuro, o supl)cio de morrer aos poucos, de fome e de sede. 9#o se pode dizer que seja propriamente uma morte santa. 7sso n#o repliquei eu. 9#o me levas a s!rio, pois n#o, senhor '$ssaro de CordaV 9#o acreditas que pudesse fazer uma coisa t#o cruel, pois n#oV 9#o sei. 9#o acredito nem deiPo de acreditar. 8a(es o que te digoV 5ue essa possi(ilidade ePiste. Tudo pode acontecer. ") tens o que eu penso. 9#o estamos a falar de possi(ilidades disse ela no tom mais frio que se possa imaginar. Olha, aca(ei de me lem(rar de uma coisa. Tenho uma ideia.
+as isso n#o me levou a parte alguma. 8er o p$ssaro mec_nico e voar pelos c!us dava me gozo, como n#o podia deiPar de ser, mas n#o podia continuar a divertirme assim eternamente. Tinha outras coisas que fazer no fundo daquele poço som(rio. eiPei de ser o p$ssaro de corda, e voltei a ser eu. 'assava das três quando +aS Fasahara me fez uma segunda visita. as três da tarde, quer dizer. 5uando ela a(riu a tampa do poço, a luz jorrou de repente so(re a minha ca(eça os raios de sol ofuscantes de uma tarde de Wer#o. ara n#o ferir os olhos, acostumados U escurid#o, fecheios por instantes, mantendome de ca(eça (aiPa. 8ó de pensar na luz acima de mim, sentia os olhos encheremse de uma fina camada de l$grimas. Ora viva, senhor '$ssaro de Corda saudou +aS Fasahara. "inda est$s vivoV espondeme se for caso disso. "inda estou vivo. eves estar com fome, n#oV 'alpitame que sim. "inda est$s na fase dos palpitesV %stou a ver que ainda falta muito para morreres de fome. esde que tenham $gua, as pessoas n#o morrem de fome assim t#o facilmente. 'rovavelmente tens raz#o disse eu. " voz que o poço me devolvia ressoava terrivelmente distorcida, a m)nima entoaç#o amplificada pelo eco. 8ei que tenho raz#o retorquiu +aS Fasahara. %sta manh# fui U (i(lioteca e li tudo o que havia para ler so(re a fome e a sede. 'or acaso sa(ias, senhor '$ssaro de Corda, que houve uma pessoa que resistiu durante vinte dias apenas a $gua, sem nada que comerV "conteceu durante a evoluç#o ussa. " s!rioV eve ter sofrido horrores. e certeza a(soluta. 8o(reviver, o homem so(reviveu, mas perdeu o ca(elo todo e ficou sem dentes. Ca)ramlhe todos. X certo que se salvou, mas deve ter sido um supl)cio para ele. e certeza. 8e (em que, mesmo sem dentes e sem ca(elo, uma pessoa 'ode levar uma vida mais ou menos normal, desde que tenha uma 'eruca decente e dentadura postiça. 8im, e depois a t!cnica de fa(rico de perucas e de dentaduras postiças deve ter conhecido grandes progressos desde o tempo da evoluç#o ussa. 9esse sentido, pode dizerse que as coisas agora s#o mais f$ceis. %scuta, senhor '$ssaro de Corda disse +aS Fasahara aclarando a garganta. O que !V 8e os homens vivessem eternamente, sem nunca desaparecerem deste mundo, sem nunca envelhecerem nem perderem a saYde, acreditas que se davam ao tra(alho de queimar os neurónios a pensar nisto e naquilo, como nós fazemosV 5uero dizer, nós reflectimos so(re tudo e mais alguma coisaE filosofia, psicologia, lógica. eligi#o. =iteratura. "creditas realmente que se a morte n#o ePistisse, essas ideias e esses conceitos t#o complicados n#o estariam condenados a desaparecer da face da TerraV 7sto !... 9este ponto, +aS Fasahara interrompeu o que ia a dizer e deiPouse ficar calada por um momento, durante o qual o seu Zisto ![ permaneceu suspenso na escurid#o do poço com todo o seu peso, como o fragmento de um pensamento arrancado U força. 8e calhar perdera a vontade de continuar a falar. Ou ent#o precisava de tempo para pensar como retomar o fio do seu discurso. 'ela minha parte, fiquei em silêncio, de ca(eça (aiPa, U espera que recomeçasse a falar. e repente, ocorreume que se +aS Fasahara me quisesse matar naquele instante, seria a coisa mais f$cil do mundo. -astavalhe deiPar
cair uma grande pedra dentro do poço. 8e repetisse o gesto v$rias vezes, alguma haveria de me acertar na ca(eça. 5uero dizer... o que penso ! que as pessoas s#o o(rigadas a reflectir so(re o significado da vida precisamente porque sa(em que aca(am por morrer um dia. CertoV 5uem ! que se daria ao tra(alho de pensar a s!rio so(re o facto de estar vivo, se sou(esse que continuaria a viver tranquilamente para sempreV 5ual seria a necessidadeV Ou ent#o, mesmo que a necessidade de reflectir fosse real, o mais certo era as pessoas aca(arem por dizerE ZTudo (em, ainda tenho muito tempo pela frente. eiPo isso para mais tarde.[ +as as coisas, na realidade, n#o s#o assim. Temos o(rigaç#o de pensar neste instante, aqui e agora. 5uem ! que me diz que amanh# U tarde n#o vou morrer atropelada por um cami#oV % tu, senhor '$ssaro de Corda, sa(es l$ se dentro de três dias n#o aca(as morto no fundo de um poçoV %st$s a ver onde quero chegarV 9ingu!m sa(e o que se vai passar. 'or isso ! que, dê l$ por onde der, precisamos da morte. X o que nos faz seguir em frente. X assim que eu penso. 5uanto mais viva e mais forte for a presença dessa realidade forte e viva a que chamamos morte, mais seremos o(rigados a queimar os miolos a pensar nela. +aS Fasahara fez uma pequena pausa. izme uma coisa, senhor '$ssaro de Corda... O quêV Tu, enfiado no escuro, tens pensado na tua morteV 9a maneira como poder$s morrer a) em (aiPo, a pouco e poucoV " pergunta deume que pensar. 9#o respondi. 9#o tenho pensado especialmente nisso. 'orquêV questionou +aS Fasahara, num tom desconcertado, como se estivesse a falar com um animal deformado. 'or que ! que n#o tens pensado nissoV " verdade ! que te encontras literalmente diante da morte, aqui e agora. 9#o estou a (rincar. e resto, j$ fal$mos disso. "qui quem decide sou eu. " tua morte ou a tua vida n#o dependem sen#o de mim. 'oderias atirarme uma pedra.
maneira ! que isso te pode interessar. O que est$s para a) a dizer^ 9#o me interessa rigorosamente nada disparou +aS Fasahara, sinceramente admirada. 'or que carga de $gua ! que eu teria alguma coisa a ganhar com o facto de tu pensares na tua morteV " vida ! tua. 9#o tenho nada a ver com isso. igamos que tenho simplesmente... curiosidade. CuriosidadeV 8im, isso mesmo. Curiosidade. %m sa(er como as pessoas morrem. O que sentem quando a morte se aproPima. Curiosidade. +aS Fasahara calouse. 5uando a conversa se interrompeu, U minha volta instalouse um profundo silêncio, como se tivesse estado impacientemente U espera daquela oportunidade. Aorceime a levantar a ca(eça para olhar l$ para cima e sa(er se +aS Fasahara era vis)vel. +as a luz era demasiado forte. e certeza que aca(aria por queimar os olhos. b Tenho uma coisa para te dizer. .[ iz l$. " minha mulher tinha um amante confessei. 5uase de certeza. 9unca me dei conta disso, mas parece que durante meses, enquanto vivia comigo, andava a dormir com outro homem. " princ)pio custoume a acreditar, mas quanto mais penso nisso, mais convencido fico. "gora, olhando para tr$s, começo a compreender uma data de pequenas coisas. 'or ePemplo, ela chegava a casa a horas cada vez mais impróprias, so(ressaltavase cada vez que eu lhe tocava. +as na altura n#o fui capaz de interpretar os sinais. Tinha confiança nela. 9unca me passou pela ca(eça que me pudesse ser infiel. 7sso nem sequer me passou pela ca(eça. +mm fez +aS Fasahara. "t! um (elo dia em que a minha mulher saiu de casa e n#o regressou. 9essa manh# tom$mos o pequenoalmoço juntos. %stava vestida para ir tra(alhar e saiu porta fora, levando consigo apenas a mala do costume e a saia e a (lusa que tinha ido (uscar U lavandaria. Aoise em(ora sem se despedir de mim, sem deiPar uma mensagem. eiPou tudo para tr$s as suas roupas, as suas coisas... % o mais prov$vel ! nunca mais voltar para mim. 'elo menos por sua própria iniciativa. Tenho perfeita consciência disso. "chas que Fumiko est$ com o outro, agora neste preciso momentoV 9#o sei respondi, a(anando lentamente a ca(eça. "o fazer aquele movimento, o ar em torno de mim teve o efeito de $gua pesada, t#o espessa que quase deiPara de ser l)quida. +as ! prov$vel que sim. Aoi por isso que te enfiaste neste poçoV 'or estares deprimidoV eprimido fiquei, claro que sim. +as n#o ! essa a raz#o por que estou aqui. 9#o estou a esconderme por desejar fugir da realidade. Tal como j$ te disse, precisava de um lugar onde pudesse estar sozinho e concentrarme nos meus pensamentos. " partir de quando e porquê começou a minha relaç#o com Fumiko a deteriorarse, ! isso :/4 que n#o compreendo. %scusado ser$ dizer que nem tudo corria Us mil maravilhas at! isso acontecer.
apostados em construir entre os dois um mundo novo. Como quem constrói uma casa num terreno virgem. T)nhamos uma imagem perfeitamente clara do que quer)amos. 9#o precisava de ser uma casa luPuosa. -astavanos estar juntos, com um tecto por cima, ao a(rigo da chuva e do vento. 9#o precis$vamos de coisas sup!rfluas. "os nossos olhos era tudo muito simples, muito f$cil. " ti, nunca te aconteceu, quereres ir para qualquer lado e tornareste uma pessoa totalmente diferenteV Claro que sim disse +aS Fasahara. 'asso a vida a pensar nisso. 'ois nós, quando nos cas$mos, era isso que quer)amos da vida. 'ela minha parte, queria fugir de mim mesmo. % Fumiko a mesma coisa. 9aquele mundo novo, procur$vamos transformarmonos em pessoas mais fi!is U nossa verdadeira natureza. "credit$vamos que pod)amos viver em harmonia com as pessoas que no fundo !ramos. ecortada na luz, +aS Fasahara parecia ter mudado ligeiramente o seu centro de gravidade. 'erce(i isso pelo seu movimento. 'arecia estar U espera de que eu continuasse. +as, de momento, n#o tinha mais nada a acrescentar. 9#o me lem(rava de mais nada. %stava cansado de escutar a minha própria voz a ressoar nas paredes de cimento do poço. 7sto faz algum sentido para tiV Claro que sim. % qual ! a tua opini#oV 9#o te esqueças de que sou uma miYda e n#o entendo nada da vida de casada. 9#o posso sa(er o que ter$ levado a tua mulher a andar com outro, e a sair de casa e a deiParte. " julgar pelo que me contaste, U partida d$me a impress#o de que (aseaste o teu casamento numa concepç#o falsa. Ouve uma coisa, senhor '$ssaro de Corda, como ! que queres que algu!m seja capaz de fazer as poisas de que aca(aste de falar, como por ePemplo ZWamos em(ora^ est$ na altura de construir um mundo novo[ ou Z" partir de agora ou passar a ser um novo homem[V " minha opini#o ! a seguinte. Tu podes muito (em pensar que conseguiste criar um mundo novo ou um novo eu, mas a verdade ! que o antigo eu continua l$, de(aiPo da fachada, e, U m)nima coisa, vai saltar de l$ e dizerE ZCucu^[ 5ual ! a dificuldade que tens em perce(er istoV Tu foste criado numa outra parte. % at! mesmo a tua intenç#o de te transformares, tam(!m eNa foi criada em alguma outra parte. 8e at! eu compreendo isso, como ! que se ePplica que tu, um adulto, n#o o compreendasV Tens a) um grande pro(lema, se queres a minha opini#o. % ! por isso que agora est$s a ser castigado por todas essas coisas juntas. Como, por ePemplo, o mundo a que quiseste renunciar, ou o eu que quiseste mudar. %st$s a ver onde quero chegarV 'ermaneci em silêncio, a olhar a escurid#o em torno dos meus p!s. 9#o sa(ia que dizer. "gora, senhor '$ssaro de Corda... disse ela em voz (aiPa. 'ensa. 'ensa. 'ensa. % voltou a fechar a tampa do poço. Tirei o cantil da mochila e agiteio. 9o escuro ouviuse um ligeiro chocalhar. evia ter ainda uma quarta parte da $gua. %ncostei a ca(eça U parede e fechei os olhos. 'ensei que se calhar +aS Fasahara tinha raz#o. Wendo (em, a pessoa que eu era, tinha sido fa(ricada algures, numa outra parte. % tudo vinha de outra parte e regressava a outra parte. %u n#o sou mais do que um simples caminho por onde passa o homem que eu sou. Z8e at! eu compreendo isso, senhor '$ssaro de Corda, como ! que se ePplica que tu n#o o compreendasV[ " dolorosa sensaç#o de fome " longa carta de Fumiko
O p$ssaro profeta 'or v$rias vezes adormeci para acordar logo a seguir. +omentos de sono (reves e inquietos, como quando se vai sentado no avi#o. Cada vez que parecia que ia cair num sono profundo, despertava de repente sempre que dava acordo de mim, voltava a adormecer. 7sto vezes sem conta. 8em a altern_ncia da luz e da noite, o tempo tornarase t#o inst$vel como um carro com os cavalos do motor desgovernados, e a minha posiç#o incómoda, pouco natural, privava aos poucos o meu corpo de repouso. 8empre que acordava, verificava as horas no relógio. O tempo avançava a um ritmo lento e irregular. 8em nada melhor para fazer, peguei na lanterna e comecei a apontar o feiPe de luz para onde calhava para o terreno, para as paredes, para a tampa do poço. +as o que via era sempre o mesmoE o mesmo terreno, as mesmas paredes, a mesma tampa. Com as oscilaç\es da luz, as som(ras aumentavam e diminu)am, inchavam e contra)amse, como um corpo que se retorce. 5uando me fartei, clediqueime a apalpar a minha cara nos seus )nfimos traços, cent)metro a cent)metro, ruga a ruga. 9unca at! ent#o me preocupara com a forma das minhas orelhas. 8e algu!m me tivesse pedido que as desenhasse nem que fosse um es(oço rudimentar , termeia visto em palpos de aranha. 9aquele momento, por!m, era capaz de reproduzir ePactamente todas as linhas, cada (uraco, cada curva. "o compar$las com atenç#o, desco(ri para minha surpresa que a minha orelha direita e a minha orelha esquerda eram diferentes. 9#o sa(ia a que ficava a deverse nem que consequências poderia acarretar semelhante assimetria Kdevia ter mais do que umaL. Os ponteiros do relógio marcavam sete e vinte e oito. evia ter visto as horas para a) umas duas mil vezes desde que descera at! ao fundo do poço. e qualquer modo, eram sete e vinte e oito da noite, sem tirar nem p]r. 9um jogo nocturnmo de (ase(ol, deviam estar na segunda metade da terceira entradaGG ou na primeira da quarta, no fim do terceiro jogo. 9o Wer#o, quando era miYdo, gostava de me sentar no cimo das escadas e ficar ali a ver o dia chegar ao fim. O 8ol j$ desaparecera atr$s da linha do horizonte, mas ainda perduravam os tons (elos e (rilhantes do crepYsculo. " som(ra das luzes do est$dio alongavase pela relva como um dedo apontado para mostrar qualquer coisa. 'ouco depois do in)cio da partida, as luzes iam acendendo uma após a outra, quase com cautela, dirseia, mas o c!u oferecia ainda claridade suficiente para ler o jornal. " recordaç#o de um longo dia de calor permanecia U entrada da porta do est$dio para impedir a chegada da noite de Wer#o. "os poucos, sorrat!iramente, com persistência e tenacidade, a luz artificial ia ganhando a sua (atalha, su(stituindose U luz do 8ol e avelando um cen$rio de cores festivas. O verde (rilhante da relva, o terreno prodigiosamente negro, as linhas (rancas e direitas traçadas "daptado do jogo nacional americano, o (ase(ol ! vivido no &ap#o com fe(ril intensidade. e "(ril a Outu(ro, a estaç#o de televis#o 9>F transmite os jogos todos e os di$rios desportivos d#o amplo destaque tanto aos jogos da Central =eague como da 'acific =eague. K9. da T.L das de fresco, o reflePo de verniz (rilhante dos tacos dos jogadores que esperam a sua vez de jogar, o fumo dos cigarros flutuando nos raios de luz Kem dias sem vento, dirse ia uma prociss#o de almas errantes U espera que algu!m as leveL tudo começava a ganhar contornos espantosamente definidos. " essa luz, os jovens vendedores de cerveja utilizavam como viseira as notas que levavam entre os dedos, e a multid#o punhase toda de p! para seguir a trajectória de uma (ola alta, levantando a voz num grito crescente ou soltando um suspiro. Wiamse passar os p$ssaros que regressavam ao ninho, voando em pequenos (andos na direcç#o do mar. %ra este o cen$rio de um est$dio Us sete e meia da tarde. Wieramme U memória v$rios jogos de fute(ol a que tinha assistido. 5uando ainda era
muito novo, a equipa dos 8aint =ouis Cardinais viera ao &ap#o para disputar um jogo amig$vel. Aui vêlos jogar na companhia do meu pai, os dois sentados num (om lugar junto aos postes. "ntes ainda do próprio jogo, os Cardinais deram uma s!rie de voltas ao campo com um cesto cheio de (olas de t!nis autografadas por eles, que lançavam a toda a velocidade para os degraus da (ancada. "s pessoas, completamente ao ru(ro, precipitavamse para as apanhar. %u limiteime a ficar sentado, sem me mePer, e, num dado momento, dei por mim com uma (ola no colo. Aoi um acontecimento t#o repentino e t#o estranho que mais parecia o(ra de magia. Wi as horas. 8ete e trinta e seis. Tinham passado oito minutos desde que consultara o relógio pela Yltima vez. Oito minutos apenas. Tirei o relógio do pulso e encosteio ao ouvido. %stava a funcionar. 9o escuro, encolhi os om(ros. Começava a perder a noç#o do tempo, estranhamente. Tomei a decis#o de n#o voltar a olhar para o relógio. "inda que n#o tivesse mais nada para fazer, passar o tempo todo a olhar para o relógio n#o era uma coisa s#. +as o certo ! que n#o o fazer ePigia um grande esforço. 'arecido com o sofrimento que fora deiPar de fumar. " partir do momento em que decidi n#o me preocupar mais com o tempo, n#o consegui pensar em mais nada. %ra um comportamento contraditório, a roçar a esquizofrenia. 5uanto mais desejava esquecer o tempo, mais vontade tinha de pensar nele. +al dava por mim, inconscientemente, os meus olhos estavam U procura do relógio no pulso esquerdo. Cada vez que isso acontecia, desviava os olhos e esforçavame por n#o olhar. "ca(ei por tirar o relógio e guard$lo no fundo da mochila. "pesar disso, a minha mente procurava desesperadamente o relógio que continuava a marcar as horas dentro da mochila. %, assim, privado do andamento dos ponteiros do relógio, o tempo foi passando nas trevas. %ra um tempo n#o dividido, n#o medido. "o perder os seus pontos de referência, o tempo deiPava de ser uma :4: linha cont)nua e convertiase num fluido sem forma que ora se dilatava ora se encolhia a seu (elprazer. urante esse tempo, dormi, acordei, voltei a dormir e voltei a acordar. "os poucos, ha(itueime a n#o olhar para o relógio. "prendi U custa do meu próprio corpo a li(ertarme daquela dependência. "poderouse de mim uma angYstia insuport$vel. %ra certo que me tinha li(ertado do tique nervoso de ver as horas de cinco em cinco minutos, mas, em contrapartida, e U falta desse ponto de referência, sentiame como um homem ca)do de um (arco em movimento ao mar, em plena noite. Dritava a plenos pulm\es mas ningu!m me ouvia, e o (arco prosseguia a sua rota e afastavase rapidamente, at! desaparecer de vista. esisti, tirei o relógio da mochila e voltei a p]lo no pulso esquerdo. Os ponteiros indicavam seis e um quarto. 'rovavelmente seis e um quarto da manh#. " Yltima vez que olhara para o relógio, passava das sete da tarde. +ais concretamente, sete e meia da noite. O lógico era pensar que tinham decorrido onze horas. 9#o podiam ter passado vinte e três. +as n#o tinha a certeza. 5ual ! a diferença fundamental entre onze horas e vinte e três horasV %m todo o caso, a sensaç#o de fome aumentara consideravelmente. % era muito diferente do que eu tinha vagamente imaginado. 8empre pensara que a fome era uma esp!cie de vazio. 9a realidade, por!m, aproPimavase mais do sofrimento f)sico. %ra uma dor intensamente f)sica e directa, parecida com ser apunhalado ou ser estrangulado. "l!m disso, a dor era desigual e descont)nua. Tal como a mar!, Us vezes su(ia a ponto de me fazer perder os sentidos e, atingido esse ponto, começava lentamente a recuar. " fim de esquecer a fome, tentei orientar os meus pensamentos para outra coisa. +as sentiame incapaz de reflectir seriamente no que quer que fosse. Wolta e meia passavam
me pela ca(eça pensamentos fragment$rios, que logo se desvaneciam. 5uando tentava capt$los, escapavamseme por entre os dedos como animais viscosos. 'usme de p!, espreguiceime e respirei fundo. o)ame o corpo todo. Tinham mantido durante muito tempo uma posiç#o forçada e agora os meus mYsculos e as minhas articulaç\es queiPavamse amargamente. %stiquei o corpo devagarinho para cima, depois fiz alguns ePerc)cios de alongamento. epois de os repetir umas dez vezes, de repente fiquei enjoado. 8enteime no fundo do poço e fechei os olhos. Tinha os ouvidos a zum(ir, estava a suar em (ica. 5uis agarrarme a qualquer coisa, mas n#o tinha nada a que me agarrar. 8entia vontade de vomitar, mas n#o tinha nada no est]mago que 'udesse vomitar. espirei fundo v$rias vezes, para ver se renovava o ar dos meus pulm\es, se reactivava a circulaç#o do sangue. O certo ! que continuava com a mente enevoada. =em(rome de ter pensado V4 que estava muito fraco. %, sem dar por isso, tentei dizer isto mesmo altoE Z'areceme que estou muito fraco.[ +as a minha (oca tinha dificuldade em articular as palavras. 8e ao menos pudesse ver as estrelas, pensei. +as n#o eram vis)veis. +aS Fasahara tinha fechado hermeticamente a tampa do poço. 'ensava que +aS Fasahara estaria de regresso antes do meiodia, mas ela continuava sem aparecer. %ncosteime U parede do poço e deiPeime ficar pacientemente U espera dela. " m$ disposiç#o que tivera de manh# continuava e tinha perdido a capacidade de me concentrar em qualquer coisa, por pouco tempo que fosse. "s dores de est]mago continuavam a aparecer e a desaparecer. a mesma forma, tam(!m a escurid#o que me rodeava aumentava e diminu)a. Tudo junto, isso contri(u)a para diminuir aos poucos a minha capacidade de concentraç#o, como ladr\es que penetram numa casa vazia e começam a rou(ar os móveis um a um. 'assou o meiodia, e +aS Fasahara continuou sem aparecer. Aechei os olhos e tentei dormir, na esperança de sonhar com Creta Fano, mas o meu sono era demasiado leve para que isso pudesse acontecer. 5uando renunciei a toda e qualquer tentativa de me concentrar, comecei a ser visitado por toda a esp!cie de memórias fragment$rias. "pareceram de mansinho, como a $gua que vai alagando em silêncio um (uraco a(erto na terra. =ugares por onde tinha passado, pessoas que tinha encontrado, feridas que sentira na carne, conversas que tinha mantido, o(jectos que tinha comprado, coisas que tinha perdidoE desfilaram todos pelo meu esp)rito como se eu estivesse l$. istintamente, e de maneira t#o v)vida, que at! eu fiquei surpreendido. ecordei as casas e os apartamentos onde havia vivido. ecordei as janelas, os arm$rios, os móveis, os candeeiros. 'rofessoras que tivera, dos primeiros dias de escola U universidade. 9a maior parte dos casos, as recordaç\es n#o tinham ligaç#o entre si. egra geral eram rid)culas e insignificantes, sem qualquer ordem cronológica. e vez em quando as minhas fantasias eram interrompidas por uma violenta sensaç#o de fome. O que n#o impedia que cada lem(rança n#o fosse incrivelmente viva, ao ponto de sacudir o meu corpo com a violência de um tornado. %nquanto continuava ali a puPar o fio U meada das minhas recordaç\es, veiome U memória um incidente passado no escritório, três ou quatro anos antes.
desputa causada por um pequeno malentendido. O outro tipo tinha,me ofendido com as suas palavras, e eu n#o me fiquei e atireilhe U cara tudo o que pensava. Wisto tratar se de uma ninharia nascida de um equ)voco, no dia seguinte aca($mos por pedir desculpas um ao outro e a coisa ficou por ali. 5uando se tem muito tra(alho e se est$ cansado, Us vezes acontece uma pessoa deiPar sair c$ para fora palavras menos próprias. O certo ! que j$ me tinha esquecido por completo daquela história. +as no fundo daquele poço escuro como (reu, afastado da realidade, aquele episódio ressurgiu com tamanha intensidade que me a(rasava o esp)rito. 8enti o seu calor na minha pele, ouvia como me queimava a carne. +ordendo os l$(ios, perguntei a mim próprio por que raz#o tinha deiPado que me falassem assim e por que n#o tinha eu respondido de maneira mais contundente. Aormulei mentalmente, uma vez e outra, as palavras que ent#o lhe deveria ter dito, mas dandome ao tra(alho de as polir, tornandoas mais afiadas. 5uanto mais acutilantes ficavam, mais intensa era a raiva que sentia. epois, como se tivesse sido ePorcizado, tudo aquilo deiPou de me importar. O que ! que me dera para remoer e reviver uma história t#o disparatadaV e certeza que o meu colega nunca mais pensara no assunto. Tam(!m eu n#o, pelo menos at! ali. espirei fundo, relaPei os om(ros e deiPei que o meu corpo se afundasse de novo na escurid#o. " seguir esforceime por evocar outras recordaç\es, mas, assim que aquela raiva desmedida passou, voltei a perder o fio U meada. Tinha agora a ca(eça t#o vazia como o est]mago. 8em dar por isso, comecei a falar sozinho. 9um sussurro, sa)amme da (oca fragmentos de refleP\es de que nem eu próprio tinha consciência. %ra superior Us minhas forças. esligada da minha mente, a minha (oca moviase sozinha, de maneira autom$tica, independentemente da minha vontade, lançando nas trevas palavras que aos meus olhos n#o faziam sentido. "s palavras provinham de uma zona de som(ra para logo a seguir serem a(sorvidas por outra. O meu corpo parecia terse transformado num tYnel vazio, uma conduta a ligar dois pontos por onde transitavam as s)la(as. Tratavase de fragmentos de refleP\es, sem som(ra de dYvida, mas era como se aqueles pensamentos fossem gerados fora da minha consciência. 5ue dia(o iria acontecer a seguirV Começariam os meus nervos a cederV Consultei o relógio. Os ponteiros marcavam três e quarenta e dois minutos. 'rovavelmente, três e quarenta e dois da tarde. 7maginei a luz de uma tarde de Wer#o Uquela hora. 7magineime a mim naquela
imenso negrume, o medo quase me cortava a respiraç#o. I medida que o tempo passasse, as minhas forças começariam a faltar e as dores de est]mago provocadas pela fome aca(ariam por se tornarem insuport$veis. %, fatalmente, deiParia de ser capaz de me mePer. % mesmo que aparecesse algu!m que me atirasse uma escada de corda, o mais prov$vel era n#o ser capaz de fazer uso dela. "ca(aria por perder o ca(elo todo e ficar sem dentes. Aoi ent#o que me lem(rei do ar. %stava h$ tantos dias dentro daquele (uraco de cimento estreito e fundo, ainda por cima com a a(ertura fechada. O ar mal circulava. "o pensar nisso, a atmosfera U minha volta pareceume viciada e asfiPiante. 8eria imaginaç#o minha ou o ar começava a ficar rarefeito por falta de oPig!nioV 'ara o comprovar, inspirei e ePpirei profundamente v$rias vezes. +as quanto mais respirava, mais aumentava a sensaç#o de claustrofo(ia. Comecei a suar de ansiedade e de p_nico. "gora que pensava na história do ar, a ideia da morte invadia o meu imagin$rio, como uma ameaça real e iminente, aproPimandose em silêncio como as $guas negras e inundando a minha mente. "t! a), a possi(ilidade de morrer de inaniç#o parecerame remota. +as se o oPig!nio começasse a faltar, as coisas precipitarseiam. O que se sentia, ao morrer de asfiPiaV 5uanto tempo levaria a morrerV +orrese após uma longa e lenta agonia ou vaise perdendo a consciência at! se adormecer de vezV 7maginei +aS Fasahara a chegar ao poço e a dar comigo morto. 'unhase a chamarme, uma vez e outra, e, U falta de resposta, começaria a atirar pedrinhas para :43 dentro do poço. 'ensando ela que eu estava a dormir. +as eu n#o dava acordo de mim. % ent#o ela perce(eria que eu estava morto. 5ueria chamar algu!m de viva voz. Dritar que estava fechado ali dentro. 5ue tinha fome, que o ar estava viciado. Tive a sensaç#o de que voltara a ser criança, a ser um menino desamparado e indefeso. "rmarame em valente e sa)ra de casa, e agora n#o sa(ia o caminho. %ra um sonho que tivera vezes sem conta o pesadelo recorrente da minha inf_ncia. 5ue me perdia e n#o encontrava o caminho de volta a casa. >$ muito tempo que n#o me lem(rava daquele sonho. "gora, ali no fundo do poço, o pesadelo regressava em força. 9o escuro, o tempo andava para tr$s e era a(sorvido por uma outra dimens#o. 8aquei o cantil da mochila, destapeio, (e(i um golinho com todo o cuidado, a fim de n#o entornar nem uma gota, conservei a $gua por um tempo infindo na (oca, depois engolia lentamente. "o engolir, senti um forte ru)do no fundo da garganta. Como se um o(jecto duro e pesado tivesse ca)do ao ch#o. +as n#o passava de um trago de $gua. 8enhor Okada^ %stava algu!m a chamar por mim. Ouvi a voz em sonhos. 8enhor Okada^ 8enhor Okada^ "corde^ %ra a voz de Creta Fano. =$ consegui a(rir os olhos, mas continuava tudo na mesma. %m volta, a escurid#o profunda n#o me deiPava ver nada. " fronteira entre sonho e vig)lia n#o era (em clara. Tentei p]rme de p!, mas faltaramme as forças na ponta dos dedos. Tinha o corpo frio ressequido e hirto como um pepino guardado h$ demasiado tempo no fundo do frigor)fico. " minha mente estava entorpecida pelo cansaço e pela impotência. 9#o importa. Aaz como quiseres. Woltarei a ter uma erecç#o no meu imagin$rio e a ejacular na realidade. 8e ! sso que queres, força^ 9a minha mente em(otada, esperei que as m#os dela me desapertassem o cinto das calças. +as a voz de Creta Fano chamava l$ de cima, do alto. Z8enhor Okada^ 8enhor Okada^[, chamava ela. =evantei a ca(eça. " tampa do poço estava metade a(erta e viase um (elo c!u estrelado. ecortado em forma de meialua. %stou aqui^ -em ou mal, l$ me consegui levantar, olhei para Cima e voltei a gritarE %stou aqui^
8enhor Okada^ disse a verdadeira Creta Fano. %st$ a)V 8im, estou aqui^ Como ! que foi parar a) a(aiPoV X uma longa história. esculpe, n#o o oiço (em. 7mportase de falar mais altoV ! uma história muito longa gritei eu. Contolhe tudo mal saia daqui. 9este momento n#o consigo falar l$ muito alto. :4/ X sua, esta escada de corda que aqui est$V 8im, !. Como ! que fez para a conseguir p]r c$ em cimaV "tiroua a) de (aiPoV Claro que n#o. 'or que carga de $gua ! que faria semelhante coisaV Como ! que era poss)vel pensar que algu!m seria capaz de tal coisaV Claro que n#o. %u n#o fui. "lgu!m puPou a escada sem eu dar por isso. +as, assim, n#o podia sair do poço^ X isso mesmo redargui, enchendome de paciência. isse muito (em. 9#o posso sair. 9esse caso, quer fazer o favor de (aiPar a escadaV essa forma, poderei sair daqui. Claro que sim. % para j$. %spere um minuto^ "ntes de fazer isso, importase de verificar se est$ (em presa ao tronco de $rvoreV 8en#o... 9#o houve resposta. 'arecia que n#o j$ n#o estava ali ningu!m. 8emicerrei os olhos e esforceime por ver melhor, mas n#o consegui vislum(rar ningu!m na (oca do poço. Tirei a lanterna da mochila e aponteia para cima, mas o foco de luz n#o incidiu so(re nenhumhuma figura humana. %m contrapartida, a escada estava pendurada. irseia que sempre ali estivera. 8oltei um profundo suspiro. "o suspirar, desfezse o apertado nó que ha(itava dentro de mim. %i, Creta Fano^ gritei. 9#o o(tive resposta. Os ponteiros do relógio marcavam uma e sete.
'rojectava uma luz p$lida e inePpressiva so(re a ruela deserta. Onde dia(o se teria +aS Fasahara enfiadoV %m todo o caso, a primeira coisa a fazer era regressar a casa. egressar, (e(er, comer alguma coisa, e tomar um longo duche. evia tresandar. "ntes de mais, precisava de me li(ertar daquele cheiro. %m seguida tinha de meter qualquer coisa no est]mago. Tudo o resto viria por acr!scimo. egressei a casa pelo mesmo caminho de sempre. " azinhaga, n#o sei porquê, parecia me diferente. 'rovavelmente por causa da claridade estranhamente crua da =ua, os ind)cios de putrefacç#o e estagnaç#o tornavamse muito mais palp$veis. 'airava no ar um odor a algo parecido com animais mortos em decomposiç#o, (em como um inconfund)vel fedor a urina e ePcrementos. "pesar de passar da meianoite, em muitas casas as pessoas ainda estavam levantadas, a comer ou a conversar enquanto viam televis#o. e uma janela escapavase um cheiro a fritos que me agrediu violentamente como um murro no est]mago e na ca(eça. 5uando passei ao lado de um aparelho de ar condicionado ePterior que roncava, fui atingido por uma golfada de ar quente. Ouvi a $gua do duche a correr numa casa de (anho e vi a som(ra es(atida de um corpo reflectida na janela. -em ou mal, l$ consegui escalar o muro e entrar no jardim. Wista dali, de t#o negra e silenciosa a casa parecia reter a respiraç#o. ela n#o se desprendia a m)nima sensaç#o de calor ou de intimidade. 9os Yltimos meses tinha vivido ali todos os dias mas, agora, aos meus olhos, a casa n#o passava de um edif)cio vazio e deserto. +as n#o tinha mais nenhumhum s)tio onde voltar. 8u(i pela varanda e a(ri a porta de vidro. " casa estava fechada h$ algum tempo, da) o ar pesado e viciado. Cheirava a uma mistura de fruta madura e insecticida. O (ilhete escrito por mim continuava em cima da mesa da cozinha. " loiça que lavara l$ estava onde eu a tinha deiPado, empilhada em cima de do escorredouro. Tirei um copo e (e(i, um atr$s do outro, v$rios copos de $gua da torneira. entro do frigor)fico n#o havia nada de jeito que se aproveitasse uma am$lgama de restos de comida e de ingredientes encetadosE ovos, fiam(re, salada de (atata, (eringelas, alface, tomate, tofu, ovos, creme de queijo. eitei o conteYdo de uma lata de sopa de conserva numa caçarola e leveia a aquecer. Comi um prato de cereais com leite. everia ter uma fome de lo(o, mas ao a(rir o frigor)fico e ver tudo o que estava l$ dentro, quase me passara a vontade de comer. 'ara n#o dizer que fiquei, isso sim, ligeiramente enjoado. "pesar disso, e a fim de acalmar as dores de est]mago provocadas pela fome, comi meia dYzia de (olachas de $gua e sal para empurrar os cereais. Aui para a casa de (anho, despime e meti a roupa suja na m$quina de lavar. epois metime de(aiPo de $gua quente, esfreguei escrupulosamente o corpo todo com sa(onete e lavei a ca(eça. &unto U (anheira ainda estava pendurada a touca de (anho de Fumiko. Tam(!m ainda ali estavam o champ] que ela usava, o seu ($lsamo amaciador, as escovas de ca(elo, a de dentes, o seu fio dental. %stava tudo tal qual como era antes de ela se ter ido em(ora. O Ynico sinal da sua ausência resumiase a um simples facto concretoE Fumiko j$ n#o morava ali. 'espegueime U frente do espelho e ePaminei o meu rosto. %stava co(erto de uma (ar(a negra. "pós um (reve momento de hesitaç#o, decidi n#o me (ar(ear. O mais certo era cortarme. 9a manh# seguinte logo se via. Tam(!m n#o estava a fazer conta de ver ningu!m. =avei os dentes, (ochechei com $gua v$rias vezes e a(andonei a casa de (anho. " seguir a(ri uma lata de cerveja e preparei uma salada simples com o tomate e a alface que encontrei no frigor)fico. O facto de ter comido despertoume o apetite, vai da) tratei de ir (uscar a salada de (atata, que espalhei entre duas fatias de p#o de forma, e regaleime. Olhei para o relógio uma Ynica vez. % pergunteime quantas horas, ao todo,
havia estado no fundo do poço. O simples facto de pensar no tempo provocoume de imediato uma forte dor de ca(eça. 9#o queria pensar mais no tempo. %ra a Yltima coisa em que me apetecia pensar naquele momento. Aui U casa de (anho, fechei os olhos e urinei durante muito tempo. 9unca mais aca(ava. 'ensei que ia desmaiar, ali de p! naquela posiç#o. %stireime no sof$ da sala de estar e ali me deiPei ficar, a olhar para o tecto. %ra uma sensaç#o estranha. O meu corpo estava cansado, mas a minha mente estava desperta. 9#o tinha sono nenhum. e repente lem(reime. " caiPa do correio^ =evanteime a correr do sof$ para ir verificar a correspondência. 'odia ser que algu!m me tivesse escrito durante a minha ausência. >avia uma Ynica carta. 9#o tinha remetente, mas (astoume passar os olhos pelo so(rescrito para reconhecer a letra miudinha de Fumiko. Os caracteres estavam traçados, um a um, com tamanha precis#o, que mais pareciam desenhados%ra uma escrita que levava o seu tempo, mas ela n#o sa(ia escrever de outro modo. "cto cont)nuo, deitei uma olhadela ao selo. %stava :1 es(orratado, quase ileg)vel, mas dava para decifrar um ideograma, Ztak#[ %, possivelmente, Zmatsu[. 8eria Takamatsu, na prefeitura de Faga`a 5ue eu 8O<esseb Fumiko n#o conhecia ali ningu!m. esde nosso casamento nunca l$ t)nhamos ido, e nunca a tinha ouvido falar em Takamatsu nas nossas conversas. 8e calhar n#o se tratava de Takamatsu. e qualquer forma, levei a carta para a cozinha, senteime U mesa e a(ri o so(rescrito com a ajuda de uma tesoura. "(rio devagarinho, com muito cuidado, para n#o cortar por engano o papel de carta. 'ara me acalmar, (e(i um restinho de cerveja. Zeves ter ficado surpreendido e preocupado quando desapareci 8em dizer nada[, escrevia Fumiko. %ra a tinta azul da +ont -lanc que ela costumava utilizar. O papel era um papel de carta fino, (ranco, do que se vende em todo o lado. 5ueria terte escrito mais cedo para te ePplicar tudo como deve ser, mas enquanto procurava as palavras certas para te descrever ePactamente os meus sentimentos, para te ePplicar e fazerte compreender (em a situaç#o, o tempo passou a voar. 8intome mal e tenho muita pena por ti. Como j$ deves ter perce(ido, tenhome encontrado com outro homem. 9os Yltimos tempos, durante quase três meses, tive relaç\es sePuais com ele. Trav$mos conhecimento por quest\es de tra(alho e tu n#o o conheces. "l!m disso, quem ele ! pouco ou nada importa. 9#o faço tenç\es de voltar a vêlo. 'ela minha parte, pelo menos, est$ tudo aca(ado, mas n#o sei at! que ponto isso te servir$ de algum consolo. 8e me perguntares se o amava, n#o sa(eria responderte. " quest#o, de resto, pareceme irrelevante. "gora, se me perguntares se te amava, a) poderia responderte sem a m)nima hesitaç#oE sim, amavate. 8empre pensei ter feito muito (em em casarme contigo. % continuo a pensar. "gora vais querer sa(er por que raz#o te fui infiel e em Yltima an$lise, por que sa) de casa e te deiPei. Tam(!m eu tenho feito a mim mesma esta pergunta vezes sem conta. O que me ter$ levado a agir assimV 9#o consigo encontrar uma ePplicaç#o. 9unca foi minha intenç#o arr#njar um amante, nem serte infiel. e resto, quando comecei a minha relaç#o com este homem, n#o me passava pela ca(eça enganarHte %ncontr$monos meia dYzia de vezes por raz\es profissionais e, as tantas, começ$mos a falar ao telefone de coisas que n#o tinham que ver com o tra(alho. %le ! muito mais velho do que eu, tem mulher e filhos, e, como homem, nem sequer se pode dizer que seja espectacularmente atrdente, da) que, por tudo isto junto, nunca me tivesse passado pela ca(eça que um dia poderia vir a ter com ele uma relaç#o mais profunda. O que n#o significa que, no fundo, eu n#o sentisse o secreto desejo de me vingar de ti.
9o fundo, no fundo, ainda me sentia magoada pelo facto de teres passado uma vez a noite em casa daquela rapariga. -em sei que me disseste que n#o aconteceu nada e eu acreditei em ti, mas isso n#o significava que a coisa ficasse resolvida 9o fim de contas, s#o os sentimentos que est#o em causa. 7sto para dizer que n#o foi por vingança que te fui infiel. =em(rome de te ter ameaçado, uma vez, mas isso foi da (oca para fora. 8e fui para a cama com ele, foi porque me apeteceu, mais nada. $ j$ muito tempo que n#o nos v)amos quando quis o destino que nos encontr$ssemos por causa de um assunto de tra(alho. " seguir, fomos comer qualquer coisa e depois entr$mos num (ar para tomar um copo. j$ sa(es que n#o (e(o, por isso fiqueime por um sumo de laranja e n#o ingeri uma gota de $lcool. 'ortanto, n#o foi por causa do $lcool que aconteceu o que aconteceu. Tratouse de um encontro normal)ssimo, uma conversa o mais natural poss)vel, mas a certa altura toc$mos um no outro casualmente, e naquele preciso momento senti um desejo intenso de fazer amor com ele. 9o instante em que os nossos corpos se tocaram, perce(i instintivamente que tam(!m ele me desejava. % que sa(ia que eu o desejava. Aoi uma coisa perfeitamente irracional, uma esp!cie de descarga el!ctrica paralisante que passou entre nós. Tive a sensaç#o de que o c!u desa(ava so(re mim. 8enti as faces a arder, o coraç#o a (at!r desalmadamente, uma forte press#o no (aiPoventre. +al me conseguia manter sentada no tam(orete. " princ)pio n#o sa(ia (em o que me estava a acontecer, mas n#o demorei muito a perce(er que estava na presença do desejo sePual. 8entia por aquele homem um desejo f)sico t#o violento que me senti U (eira de sufocar. 8em que nenhum de nós tomasse a iniciativa, entr$mos num hotel ali perto e fizemos amor como dois loucos. -em sei que me arrisco a ferir os teus sentimentos ao descreverte a situaç#o de uma forma t#o crua, mas acredito que, a longo prazo, ser$ melhor que sai(as como tudo se passou, ao pormenor e com sinceridade. 'or isso, ainda que seja doloroso para ti, peço te que tenhas paciência e continues a ler. 9#o posso dizer que estivesse apaiPonada. Com efeito, o que fiz n#o tinha nada que ver com o Zamor[. 8ó sei que queria ter relaç\es sePuais com ele, sentilo dentro de mim. 'ela primeira vez na minha vida desejava um homem ao ponto de me faltar a respiraç#o. Tinha lido acerca de um Zdesejo irreprim)vel[ nos livros, mas at! Uquele dia nunca sou(era do que se tratava concretamente. :1: 'or que ! que aquele desejo tinha surgido em mim, assim t#o de repenteV % porquê com algu!m que n#o eras tuV 9#o o sei dizer, o que sei ! que, naquele momento, n#o consegui controlarme. 9em cequer fiz por isso. 'or favor, procura entenderE nunca me passou pela ca(eça que te pudesse estar a enganar. 9a cama daquele hotel, fiz amor com aquele homem como uma possessa. 'ara ser sincera, nunca na minha vida me tinha sentido t#o (em. +into, n#o foi assim t#o simplesE Zt#o (em[ ! dizer pouco. Tinha a sensaç#o de estar a re(olar em lama quente. " minha mente a(sorvia de tal maneira o prazer em estado puro, que inchava ao ponto de estalar. % a seguir ePplodiu. 5ualquer coisa de prodigioso.
mundo ao qual eu pertencia. "pesar disso, o meu corpo sentia um violento desejo de sePo com aquele homem. $ três anos, logo a seguir ao meu a(orto, anunciei que tinha uma coisa para te dizer. =em(rasteV Talvez devesse ter sido sincera contigo. 8e o tivesse feito, quem sa(e se tudo isto nunca tivesse acontecido, mas o certo ! que nem agora, na situaç#o em que me encontro, tenho forças para tal. 7sto porque tenho a impress#o de que, uma vez pronunciadas certas palavras, as coisas entre nós ficar#o irremediavelmente estragadas, sem conserto poss)vel. 'or isso, tomei a decis#o de guardar tudo para mim e desaparecer do mapa.
Custame muito dizer isto, mas contigo nunca sou(e o que era o verdadeiro prazer sePual, nem antes nem depois do casamento. Aazer amor contigo era maravilhoso, mas tudo o que sentia, naqueles momentos, eram sensaç\es vagas, t#o vagas que dirseiam pertencer a outra pessoa. 9ada disso ! culpa tua. " responsa(ilidade de n#o ser capaz de sentir nada era cem por cento minha. entro de mim havia como que uma esp!cie de o(st$culo que me impedia de aceder ao prazer sePual. 5uando, por raz\es que n#o sou capaz de ePplicar, fui para a cama com aquele homem, o (loqueio desapareceu de ,epente, deiPandome completamente desatinada. %ntre nós os dois houve sempre, desde o princ)pio, algo de muito )ntimo e delicado. "gora, por!m, tam(!m essa alquimia se desvaneceu, aquele mecanismo perfeito, quase m)tico, ficou destru)do. % quem o destruiu fui eu. Aalando mais precisamente, houve algo que me fez destru)lo. 5ue isso tenha acontecido, ningu!m lamenta mais do que eu. 9em toda a gente tem a sorte de dispor de uma oportunidade como a que eu tive contigo. Odeio com todas as minhas forças a ePistência dessa coisa que provocou tudo isto. 9em fazes ideia o ódio que lhe tenho. 5uero sa(er ao certo do que se trata. Tenho de sa(er concretamente o que !. evo encontrar as suas ra)zes, erradic$la, julg$la, castig$la. Terei forças para o fazerV 9#o estou (em certa disso. e qualquer modo, ! uma coisa que só a mim diz respeito, nada tem que ver contigo. 8ó te peço que daqui em diante n#o te preocupes mais comigo. %squeceme e procura refazer a tua vida. 5uanto U minha fam)lia, vou escreverlhes a dizer que a culpa do que aconteceu foi minha, e só minha, e que tu n#o !s tido nem achado no que diz respeito a esta quest#o. 9#o creio que te venham a causar pro(lemas. 'enso que devemos dar de imediato in)cio aos tr_mites do divórcio. Creio que ser$ a melhor soluç#o para os dois. 'eçote por tudo que n#o te oponhas e dês o teu consentimento. 9o que toca U minha roupa e ao resto das minhas coisas, deita tudo fora, d$ a quem precisa ou faz o que achares melhor. Aazem parte do passado. 'erdi o direito a todas as coisas que usei durante a nossa vida em comum, sinto isso. "deus. eli a carta uma vez mais, com calma, antes de a voltar a guardar dentro do so(rescrito. Aui ao frigor)fico (uscar outra cerveja e (e(ia. 5ue Fumiko quisesse dar in)cio ao processo de divórcio, isso queria dizer que pelo menos n#o tinha a intenç#o de se suicidar nos tempos mais próPimos nem nada que se parecesse. epois pusme a pensar que nos Yltimos dois meses n#o tinha ido para a cama com ningu!m. Tal como dizia na carta, Fumiko recusarase a fazer amor comigo durante todo esse tempo. isseme ela que tinha uma ligeira infecç#o urin$ria e que o m!dico lhe havia recomendado que se a(stivesse de ter relaç\es sePuais durante uns tempos. %, como ! ó(vio, eu acreditei nela. 9#o tinha motivos para duvidar da 8ua palavra. "o longo daqueles dois meses, no mundo dos sonhos que ! como quem diz, numa dimens#o que, dentro do meu voca(ul$rio limitado, n#o podia chamar de outro modo que n#o tivera relaç\es com outras mulheres. Com Creta Fano e com a mulher do telefone. 9a realidade, por!m, e agora que pensava nisso, h$ quase dois meses que n#o tinha relaç\es com uma mulher real, no mundo real. eiteime em cima do sof$ e, enquanto me entretinha a olhar para as m#os, que repousavam so(re o peito, pusme a pensar na Yltima vez que tinha visto o corpo de Fumiko. ecordei a curva suave do seu pescoço no momento em que lhe corria o fecho do vestido e a fragr_ncia da $guade colónia por detr$s das suas orelhas. 8e o que ela dizia na carta era verdade, ent#o isso queria dizer que nunca mais voltaria a fazer amor com ela. 8e estava escrito com todas as letras, em termos t#o claros, era porque se tratava de uma decis#o irrevog$vel. 5uanto mais pensava na possi(ilidade de a minha relaç#o com Fumiko ser algo que
pertencia definitivamente ao passado, mais saudades sentia do doce calor do seu corpo a que em tempos chamara meu. Dostava de fazer amor com ela. $ gostava antes de nos casarmos, como n#o podia deiPar de ser, mas, com o passar dos anos, quando a paiP#o inicial se dissipara, continuei sempre a ter desejo de ir para a cama com ela. ecordava com espantosa nitidez o toque das suas costas elegantes, da sua nuca, das suas pernas, dos seus seios recordava cada uma das coisas que durante o acto sePual havia feito com ela e que ela me havia feito a mim. "gora, por!m, sem que eu suspeitasse de nada, Fumiko fizera sePo com outra pessoa, e de uma maneira t#o desenfreada que me custava a imaginar. +ais, com algu!m que eu n#o sa(ia quem era. Com ele, desco(rira um prazer que fora incapaz de sentir comigo. 8e calhar, enquanto fazia amor com ele lançava uns gemidos t#o intensos que podiam ouvirse no quarto ao lado e retorciase de tal forma que fazia estremecer a cama. 'rovavelmente tomara a iniciativa de fazer com ele coisas que eu n#o sa(ia o que era fazer com ela. =evanteime, a(ri a porta do frigor)fico, tirei uma cerveja e (e(ia at! ao fim. epois comi a salada de (atata. eume vontade de ouvir mYsica e sintonizei a r$dio num programa em A+ de mYsica cl$ssica, com o volume no m)nimo. Z>oje estou t#o cansada[, costumava ela dizer, Zn#o tenho vontade.[ Zesculpa, est$ (emV[ Z9#o penses mais isso[, respondia eu. 5uando chegou ao fim a 8erenata para Cordas de TchaikovskS, começou a tocar uma pequena peça que me pareceu ser 8cann. 8a(ia que j$ a tinha ouvido em qualquer lado, mas n#o me conseguia lem(rar do nome. "o terminar a interpretaç#o, a locutora anunciou que se tratava de ZO '$ssaro 'rofeta[, a s!tima peça das Cenas da Aloresta de 8cann. 7maginei Fumiko a Contorcerse toda de(aiPo daquele homem, cravandolhe as unhas nas costas, ha(andose so(re os lençóis. " apresentadora do programa ePplicava aavia demasiadas mulheres U minha volta. =impei o suor da cara com uma toalha que tinha U m#o e at!ndi nas calmas. %st$V disse eu. %st$V repetiram do outro lado do fio. 9#o era a voz de +aS Fasahara. 9#o era a voz de Creta Fano, nem a voz da mulher misteriosa. %ra +alta Fano. %stou a falar com o senhor OkadaV aqui fala +alta Fano. =em(rase de mimV Claro que me lem(ro respondi, procurando acalmar os (atimentos do meu coraç#o. 8ó a mim^ Como ! que alguma vez me 'oderia esquecerV 'eço muita desculpa por estar a telefonar t#o tarde, senhor Okada, mas tratase de uma emergência. Tenho perfeita consciência da maçada que lhe estou a dar e imagino que deva estar a(orrecido comigo, mas, acredite, n#o tive outro rem!dio. =amento imenso. isselhe que n#o fazia mal, para n#o se preocupar. 5ue ainda estava a p! e que n#o me
incomodava rigorosamente nada. : O que desco(ri ao fazer a (ar(a O que desco(ri ao acordar " raz#o pela qual estou a ligar t#o tarde, senhor Okada, ! porque me pareceu oportuno chegar U fala consigo quanto antes disse +alta Fano. Como de costume, ao ouvila falar, fiquei com a impress#o de que ela escolhia criteriosamente todas as palavras para depois as ordenar segundo uma lógica rigorosa de maneira a formar uma frase. 8e fosse poss)vel, gostaria de lhe fazer umas perguntinhas. 'ode serV Com o auscultador na m#o, senteime no sof$. Claro que sim. 'ergunte U vontade respondi eu. 'or acaso n#o ter$ andado por fora, nestes Yltimos diasV Tentei ligarlhe v$rias vezes, mas nunca o encontrei em casa. -om, de facto estive fora um tempo. 5ueria ficar sozinho para ordenar as minhas ideias e reflectir numa s!rie de coisas. -em sei, senhor Okada, tenho perfeita consciência disso. Compreendo muito (em o seu estado de esp)rito. 5uando se quer pensar em paz, n#o h$ nada como uma mudança de ares. 9este caso concreto, senhor Okada e sa(endo U partida que o assunto n#o me diz respeito , por acaso n#o se afastou para muito longeV -om, n#o se pode dizer que tenha ido para muito longe... retorqui com propositada am(iguidade. 'assei o auscultador da m#o esquerda para a direita. Como ! que heide ePplicarV %stive num lugar um tanto ou quanto isolado. +as por enquanto n#o posso entrar em grandes ePplicaç\es. Tenho as minhas raz\es. "l!m disso, aca(o de chegar e estou demasiado cansado para ficar para aqui a falar durante muito tempo. Compreendo perfeitamente, senhor Okada. Todos temos as nossas raz\es. 'ela minha parte, pode ficar descansado, n#o ! o(rigado a ePplicarme tudo agora. -astame ouvir a sua voz para perce(er que deve estar muito cansado. 9#o se preocupe. =amento imenso têlo incomodado com as minhas perguntas numa altura destas. +ais tarde podemos voltar a falar, se estiver de acordo. O que aconteceu foi que, nestes Yltimos dias, tenho andado deveras preocupada, com medo que lhe tivesse acontecido alguma coisa de mal. a) que tenha arranjado coragem para ser indiscreta, correndo o risco de passar por mal educada. 'ela minha parte, ia dizendo que sim, que compreendia, em voz (aiPa, mas os meus monoss)la(os pouco ou nada tinham que ver com uma resposta afirmativa, mais pareciam o som arquejante sa)do da goela de um animal aqu$tico com dificuldade em respirar. "lguma coisa de mal. 9o meio de todas as coisas que me estavam a acontecer, quais eram as m$s e quais eram as (oasV Como distinguir entre as que eram justas e as que o n#o eramV "gradeço a sua preocupaç#o comigo, mas estou (em afirmei, o(rigandome a colocar (em a voz. 9#o se pode dizer que me tenha acontecido alguma coisa de (om, mas tam(!m n#o me aconteceu nada de especialmente mau. Aolgo muito em ouvilo dizer isso. 8intome apenas cansado, mais nada acrescentei. +alta Fano aclarou ligeiramente a voz. " propósito, senhor Okada, por acaso n#o notou alguma mudança f)sica, por estes diasV
$ ainda mais uma coisa que gostaria de lhe perguntar, senhor Okada. 'ara dizer a verdade, h$ algum tempo que n#o consigo entrar em contacto com Creta. %Pactamente como aconteceu consigo. Talvez n#o passe de uma coincidência, mas n#o deiPa de ser estranho. 'ensei que o senhor talvez estivesse ao corrente e me pudesse avançar alguma coisa, por mais vaga que seja. Creta FanoV perguntei surpreendido. 8im, por acaso tem alguma ideia a esse respeitoV espondi que n#o tinha ideia nenhumhuma a esse respeito. 9#o tinha nenhum motivo concreto para tal, mas achei prefer)vel esconder de +alta Fano o facto de ter visto Creta e chegado U fala com ela pouco antes. % que logo a seguir ela desaparecera. %ra uma simples impress#o que eu tinha. Creta estava preocupada por n#o conseguir entrar em contacto consigo e ontem U noite saiu de casa dizendo que ia at! sua casa para ver o que se passava. %, apesar do adiantado da hora, ainda n#o regressou. %, por qualquer raz#o que desconheço, n#o consigo sentir (em a sua presença. Compreendo. -om, prometo que, caso ela apareça aqui, lhe direi para entrar em contacto consigo sem falta. +alta Fano ficou em silêncio do outro lado do fio. 'ara ser franca, senhor Okada, estou preocupada com ela. Como sa(e, a actividade desenvolvida por nós as duas n#o ! um tra(alho como os outros. % acresce que a minha irm# n#o conhece as coisas do mundo como eu. 9#o quero com isto dizer que ela n#o seja dotada. e facto, ! ePtremamente engenhosa, só n#o est$ ainda ha(ituada a fazer uso desse talento. Compreendo. +alta Fano voltou a ficar calada. esta vez, o seu silêncio prolongouse por mais tempo. 5uisme parecer que hesitava em falar. %st$ l$V "inda aqui estou, senhor Okada respondeu +alta Fano.
8e vir a sua irm# Creta, n#o me esqueço de lhe dizer para entrar em contacto consigo voltei a repetir. O(rigada disse +alta Fano. %, depois de pedir desculpa uma vez mais por ter telefonado Uquelas horas da noite, desligou. 'ela minha parte, pousei o auscultador no descanso e tornei a contemplar a minha imagem reflectida no vidro. % naquele preciso momento ocorreume que poderia muito (em ter sido aquela a Yltima vez que falara com +alta Fano. 'oderia muito (em acontecer que ela desaparecesse da minha vida para sempre. 9#o tinha nenhumhuma raz#o especial para pensar assim. %ra apenas um pressentimento sY(ito. e repente, veiome U ideia a escada de corda que havia deiPado pendurada no poço. O que tinha a fazer era ir l$ (usc$la, quanto mais cedo a tirasse de l$, melhor. 8e algu!m desse por ela poderia meterme numa alhada. %, depois, havia a tal história do desaparecimento repentino de Creta Fano. " Yltima vez que lhe tinha posto a vista em cima fora no poço. %nfiei a lanterna no (olso, calceime, desci at! ao jardim e saltei o muro. "travessei a ruela at! chegar junto da casa a(andonada. " casa de +aS Fasahara estava completamente Us escuras. %ram quase três horas, pelos ponteiros do meu relógio. %ntrei no jardim da casa vazia e fui direito ao poço. " escada de corda continuava atada ao tronco da $rvore e pendurada dentro do poço. " tampa estava meio a(erta. "lgo me impeliu a olhar l$ para (aiPo e a chamar o nome de Creta Fano (aiPinho, quase num murmYrio. 9enhumhuma resposta. Tirei a lanterna para fora e aponteia para (aiPo. O feiPe de luz n#o atingiu o fundo de tudo, mas ainda assim ouvi uma voz t#o fraca que parecia um gemido. %Pperimentei chamar de novo. %st$ tudo (em, estou aqui disse Creta Fano. 5ue dia(o est$ a fazer a) em (aiPoV perguntei em voz (aiPa. O que estou eu a fazerV %Pactamente o mesmo que o senhor fazia... respondeu ela com estranheza. 'enso, reflicto. %ste ! o lugar ideal para isso, n#o lhe pareceV 8im, l$ isso ! verdade. "contece, por!m, que a sua irm# entrou h$ pouco em contacto comigo. %st$ muito preocupada com o seu desaparecimento. 8#o estas horas da noite e a Creta ainda n#o regressou a casa e, al!m disso, diz ela que n#o sente a sua presença. 9o caso de eu a ver, pediume para lhe telefonar imediatamente. %stou a ver. "gradeçolhe por se ter dado a este tra(alho todo. "ntes de mais, n#o se importa de sair da)V perguntei eu a Creta Fano. 'reciso de falar consigo. %la n#o respondeu. "paguei a luz da lanterna e voltei a guardada no (olso. 'or que ! que n#o ! o senhor a descerV 'odemos ficar aqui untados os dois, a conversar. Talvez n#o fosse m$ ideia, voltar a meterme dentro do poço e falar com Creta Fano. +as só de pensar naquela escurid#o (afienta que me esperava no fundo de tudo, comecei a sentir um peso no est]mago. 9#o, tenho muita pena, mas n#o tenho a m)nima vontade de voltar a descer. % acho melhor que a Creta tam(!m desista dessa ideia, n#o v$ algu!m puPar a escada. "l!m disso, o ar a) em (aiPo n#o circula l$ muito (em. -em sei. +as gostaria de ficar aqui um pouco mais. 9#o se preocupe comigo.
por vezes, sinto necessidade de pensar. "ssim que aca(ar, saio. "gora, gostaria de ficar sozinha. 9#o se preocupe, que n#o lhe causarei pro(lemas. Woltei para casa deiPando para tr$s Creta Fano. 'odia sempre regressar na manh# seguinte para ver como paravam as modas. +esmo que +aS Fasahara voltasse a aparecer a puPar a escada, poderia sempre arranjar maneira de ajudar Creta Fano a sair do poço. Woltei para casa, despime e estendime na cama. 'eguei no livro que tinha na mesadeca(eceira e a(rio na p$gina que estava a ler. 8entiame demasiado enervado e palpitavame que n#o ia ser capaz de adormecer. +as ao fim de duas p$ginas comecei a ca(ecear de sono. Aechei o livro e apaguei a luz.
Fumiko costumava usar. " primeira ePplicaç#o poss)vel era que se tratava de uma alergia. odia ser que no fundo do poço a minha pele tivesse estado em ontacto com algo suscept)vel de provocar uma irritaç#o. Como acontecia com a laca. +as que dia(o ePistiria no fundo daquele poço que pudesse causar tamanha erupç#o cut_neaV I luz da lanterna ePaminara minuciosamente, cent)metro a cent)metro, todos os cantos daquele espaço eP)guo. 8ó havia terra e uma parede de cimento. "l!m do mais, poderia uma alergia, ou ent#o a urtic$ria, deiPar uma mancha de contornos assim t#o n)tidos urante alguns instantes, fui dominado por um ligeiro sentimento de p_nico. 8entime confuso, desorientado, como se tivesse sido varrido por uma onda gigantesca. " toalha caiume das m#os. eitei ao ch#o o cesto do liPo, (ati com o p! em qualquer coisa e desat!i a soltar palavras sem sentido. epois recuperei o equil)(rio, apoieime no lavatório e comecei a pensar calmamente qual seria a melhor forma de lidar com a situaç#o. ecidi esperar para ver o que acontecia. Tinha tempo de ir ao m!dico. Talvez fosse uma coisa passageira, que desaparecesse espontaneamente, como acontecia com a reacç#o U laca. avia coisas a mais por ePplicar. 8ó sa(ia que nada sa(ia. Comecei de novo a sentir uma dor surda na ca(eça. 9#o conseguia pensar em nada. 9#o me apetecia fazer nada. -e(i um pouco de caf! frio e continuei ali a ver a chuva cair. , epois do meiodia, telefonei ao meu tio. Convers$mos durante um (ocado. Tinha a impress#o de que se n#o falasse com algu!m, fosse com quem fosse, iria ficando cada vez mais afastado da realidade. O meu tio perguntoume por Fumiko e eu respondi que ela estava (oa. "crescentei que estava fora, por motivos de tra(alho. 'odia ter sido sincero com ele, mas, a (em dizer,
era superior Us minhas forças contar de forma racional todo aquele encadeado de acontecimentos recentes a terceiros. 8e nem eu próprio compreendia o que estava a acontecer, como ePplicar a história toda a outra pessoaV ecidi esconder a verdade do meu tio, at! mais ver. Costumavas viver nesta casa, n#o eraV perguntei. 8im, ao todo devo ter passado a) uns seis ou sete anos da minha vida respondeu o meu tio. eiPa c$ ver. Compreia quando tinha trinta e cinco anos e fiquei a) at! aos quarenta e dois. 8ete anos, ao todo. " seguir caseime e vim morar para este apartamento. "t! ent#o vivi sempre sozinho nessa casa. Tenho uma pergunta para te fazer. "conteceu alguma coisa de mau enquanto aqui viviasV "lguma coisa de mauV perguntou o meu tio num tom surpreendido. 8im. 9#o sei. "lguma vez ficaste doente, ou te separaste de uma mulher ou assimV O meu tio soltou uma gargalhada do outro lado do fio. X certo que me separei de uma mulher enquanto a) vivia, mas n#o foi só a) que isso aconteceu. %, depois, n#o creio que tivesse sido nada de especialmente nefasto. 'ara ser sincero, nenhumhuma dessas separaç\es alguma vez me custou muito. 5uanto Us doenças... hum. 9#o, n#o posso dizer que me lem(re de ter estado doente. "pareceu me em tempos um sinal no pescoço, que mandei tirar. +ais nada. Aoi o (ar(eiro o primeiro a dar por isso e passava a vida a dizer que era melhor verme livre dele, n#o fosse o dia(o tecêlas. 'or isso fui ao m!dico, mas n#o era nada de preocupante. %nquanto a) vivi, foi a primeira e Yltima vez que recorri aos serviços de um m!dico. evia mas era tratar de pedir o reem(olso do seguro de saYde^ 9esse caso, n#o tens m$s recordaç\es deste lugarV 9#o respondeu o meu tio depois de pensar um (ocadinho. 'or que carga de $gua ! que me est$s a fazer estas perguntas todasV 'or nada de especial. " verdade ! que no outro dia Fumiko consultou um adivinho e meteu na ca(eça que a casa tinha mauolhado e n#o sei que mais menti eu. " mim histórias destas n#o me interessam, mas prometi a Fumiko que te perguntava.. e mau agoiro e coisas desse g!nero que se prende com a orientaç#o da casa, tam(!m n#o entendo nada. +as vivi nessa casa durante alguns anos e a minha impress#o ! que nunca houve pro(lemas. &$ o mesmo n#o se podia dizer da casa dos +iSavva essa sim um verdadeiro (icodeo(ra, mas ainda fica longe da). 5uem ! que veio viver para aqui, quando te foste em(oraV 8e (em me lem(ro, depois de eu me ter vindo em(ora, creio que esteve a) a viver um professor do ensino secund$rio com a fam)lia e, mais tarde, durante cinco anos ou isso, um casal jovem. 'arece me que tinham um negócio qualquer, mas n#o me lem(ro ePactamente o quê. "gora, ! ó(vio que n#o te posso garantir que toda essa gente por a) tenha passado feliz e contente da vidaE quem trata da administraç#o ! uma agência imo(ili$ria. 9unca me encontrei com os inquilinos, nem t#opouco sei por que raz#o se vieram em(ora. +as nunca me chegou aos ouvidos que lhes tivesse acontecido alguma coisa de mau. Calculei que Us tantas a casa tivesse passado a ser pequena e que tivessem comprado casa própria ou algo do g!nero. %m tempos disseramme que neste lugar a corrente est$ o(stru)da. izte alguma coisa^ Corrente o(stru)daV Tam(!m n#o sei ao certo o que significa. Aoi o que me disseram. 8ó isso. O meu tio ficou um (ocado a matutar naquilo. 9#o, n#o me lem(ro de ter alguma vez ouvido falar nisso. +as talvez n#o tenha sido (oa ideia tapar am(os os lados da viela. 'ensando (em, um caminho sem entrada nem
sa)da n#o faz sentido. O princ)pio fundamental das ruas ou dos rios ! de fluir em li(erdade. 8e os (loqueiam, estagnam. Tens raz#o disse eu. 8ó mais uma pergunta. %nquanto aqui vivias, lem(raste de ouvir o canto do p$ssaro de cordaV O p$ssaro de cordaV O que ! issoV %Ppliqueilhe em meia dYzia de palavras. 5ue se tratava de um p$ssaro que costumava pousar numa $rvore do jardim e que, uma vez por dia, lançava um grito como se estivesse a dar corda a qualquer coisa. %ssa ! nova para mim. 9unca vi nem ouvi nada do g!nero. Dosto de aves e sempre prestei muita atenç#o ao canto dos p$ssaros, mas confesso que ! a primeira vez que oiço falar em semelhante coisa. izes tu que est$ de alguma maneira relacionado com a casaV G0 "lus#o ao feng shui Ktermo de origem chinesa, que designa U letra Zvento e $gua[L, filosofia de vida que, esta(elecendo uma relaç#o harmónica entre o Sin e o Sang, utiliza elementos da astrologia chinesa para conservar as influências positivas dentro de um espaço e redireccionar as negativas de modo a criar um am(iente equili(rado e harmonioso. K9. da T.L G3 9#o, n#o ! (em isso. 8ó perguntei por julgar que talvez pudesses dado por ele. Olha, se queres sa(er mais acerca do tal poço das pessoas e foram viver para a casa depois de mim e assim , vai U "gência imo(ili$ria 8etagaSa aichi, que fica diante da estaç#o. iz que vais da ppinha parte e pede para falar com um velhote chamado 7chiga`a, e ! dono da agência. urante anos foi ele o respons$vel pela administraç#o da casa. &$ l$ tra(alha h$ um ror de anos e decerto poder$ contar muitas coisas relacionadas com o (airro. Aoi por ele que eu sou(e "8 histórias em torno da casa dos +iSa`aki. X um daqueles velhotes que gostam de tagarelar. Talvez fosse Ytil chegares U fala com ele. O(rigado. Wou fazer isso disse eu. " propósito, como ! que vai a procura de empregoV 9ada, por enquanto. 'ara dizer a verdade, n#o me tenho propriamente matado a procurar. "ctualmente Fumiko est$ a tra(alhar e eu ocupome das tarefas dom!sticas, de modo que l$ nos vamos safando. O meu tio pareceu reflectir em qualquer coisa durante alguns instantes. -em, se vires que as coisas começam a correr para o torto, entra em contacto comigo. Talvez eu vos possa dar uma m#ozinha. O(rigado retorqui. 8e tiver algum pro(lema, aviso. % a nossa conversa ficou por ali. "inda pensei em ligar ao tal velho agente imo(ili$rio conhecido do meu tio para tirar na(os da pYcara em relaç#o U casa e Us pessoas que aqui tinham vivido antes de mim, mas aca(ei por achar que era uma estupidez e desisti. urante toda a tarde a chuva continuou a cair com a mesma mansid#o, molhando os telhados das casas, as $rvores do jardim, a terra. "lmocei uma tosta e sopa de lata e passei o resto da tarde deitado no sof$. 'recisava de ir Us compras, mas só de pensar na mancha que tinha na cara perdi a vontade. "rrependime de n#o ter deiPado crescer a (ar(a. 9o frigor)fico ainda havia um resto de legumes, e no arm$rio tinha conservas a dar com um pau. Tinha arroz e tinha ovos. 9#o era muito, mas sempre dava para me aguentar durante dois ou três dias. %stiraçado no sof$, em pouco ou nada pensei. =i, escutei alguns trechos de mYsica cl$ssica, ou deiPeime estar ali a ver distraidamente a chuva a cair no jardim. "s minhas capacidades de refleP#o tinham tocado no fundo, talvez por ter estado ensimesmado nos
meus 'ensamentos durante tanto tempo no interior do poço. 8e acontecia chamar a minha atenç#o em algo, começava logo a sentir a ca(eça a latejar, como se algu!m estivesse a metêla num torno mec_nico, vuando me tentava lem(rar de alguma coisa, todos os mYsculos e nervos do meu corpo pareciam ranger com o esforço. Tinha a impress#o de me ter transformado no >omem de =ata de O Aeiticeiro de Oz em vers#o oPidada e mal oleada. Wolta e meia ia U casa de (anho, plantavame diante do espelho e ePaminava o estado da mancha. Continuava igual. 9#o aumentava nem diminu)a. " intensidade da cor era sempre a mesma. " dada altura reparei que me tinha esquecido de rapar os pêlos do (igode. Woltei a lavar a cara, espalhei creme de (ar(ear e aca(ei de me (ar(ear. 9uma dessas vezes a caminho do espelho, recordei as palavras de +alta Fano ao telefoneE que eu devia ter cuidado que somos levados a acreditar que a imagem devolvida pelo espelho ! fiel só porque a ePperiência o diz. 'or mera precauç#o, fui ao quarto ver a minha face no espelho de corpo inteiro que Fumiko usava quando se estava a vestir. +as a marca continuava l$. 9#o era culpa do espelho. Tirando a mancha, o meu corpo n#o apresentava mais nenhumhuma alteraç#o. Tirei a temperatura, era normal)ssima. " parte o facto de ter pouco ou nenhumhum apetite, apesar de ter estado três dias sem ingerir alimentos, e de sentir uma ligeira n$usea de quando em quando Kpossivelmente na sequência do enjoo que sentira no fundo do poçoL, a minha condiç#o f)sica era normal. " tarde passouse paulatinamente. O telefone n#o tocou uma Ynica vez. 9#o chegou nenhumhuma carta. 9ingu!m passou pela viela. 9#o se ouviram os vizinhos. 9enhum gato atravessou o jardim, nenhum p$ssaro apareceu a cantar. e vez em quando ouvia se o ciciar das cigarras, ainda que menos intenso do que costumava acontecer. Comecei a sentir fome pouco antes das sete da tarde e preparei um jantar simples U (ase de conservas e verduras. 'ela primeira vez em muito tempo ouvi o notici$rio da noite pela r$dio, mas no mundo n#o tinha acontecido nada de especial. avia outra
pessoa a dormir ao meu lado. %nchime de coragem e acendi o candeeiro da mesinhadeca(eceira. %ra Creta Fano. G Continuaç#o da história de Creta Fano ormia voltada para mim, completamente nua, sem nada por cima, nem sequer uma co(erta. +ostrava dois seios perfeitos com mamilos rosados e, por (aiPo de um ventre plano, os pêlos pY(icos negros lem(ravam um som(reado feito a l$pis. " sua pele era muito (ranca, reluzente, como nova. 8em compreender verdadeiramente o que se passava, fiquei a olhar para aquele corpo. Creta Fano dormia com os joelhos apertados e as pernas ligeiramente do(radas. O ca(elo ca)alhe para a frente, co(rindolhe metade do rosto, e n#o conseguia verlhe os olhos. 'arecia estar profundamente adormecida, visto que, quando acendi a luz da mesadeca(eceira, n#o fez o menor movimento e continuou sempre a respirar no mesmo ritmo, calmo e regular. " mim, pelo contr$rio, aquele gesto despertoume de vez. Aui ao arm$rio (uscar uma colcha fina de Wer#o e tapeia com ela. %m seguida apaguei a luz e, de pijama vestido, dirigime U cozinha e deiPeime ficar ali sentado U mesa. =em(reime da mancha. "o tocar na face, verifiquei que estava um (ocado quente. 9em sequer era preciso verme ao espelho. " marca continuava l$. 9#o era uma coisa de nada que desaparecesse da noite para o dia. "ssim que amanhecesse, talvez fosse conveniente consultar a lista telefónica para encontrar um dermatologista ali perto % se ele me perguntasse se eu tinha alguma ideia so(re a origem daquela mancha, que dia(o de resposta lhe poderia eu darV 5ue estive quase três dias dentro de um poçoV 9#o, n#o teve nada que ver com o meu tra(alho, nada disso, queria apenas reflectir um pouco % imaginei que o fundo do poço fosse o melhor s)tio para tal. 9#o n#o levei nada para comer. % n#o, o poço n#o era propriedade minhaficava numa outra casa. istória trazido da (i(lioteca que se de(ruçava so(re a administraç#o da +anchYria durante a ocupaç#o japonesa antes da guerra e so(re a luta contra os sovi!ticos em 9omonhan. " estória do tenente +amiSa tinha suscitado o meu
interesse pela situaç#o da China naquela !poca, e trouPera v$rios volumes so(re o assunto da (i(lioteca local. Contudo, dez minutos de pormenorizada leitura dos factos históricos ali descritos foi quanto (astou para me dar sono. 'us o livro no ch#o e cerrei os olhos com a intenç#o de descansar a vista, mas ca) ferrado, sem ter sequer tempo de apagar as luzes. G Aui acordado por um (arulho na cozinha. 5uando fui ver do que se tratava, dei de caras com Creta Fano, que estava a tratar do pequenoalmoço. Westia uma Tshirt (ranca e uns calç\es azuis que eram de Fumiko. Onde ! que est#o as suas roupasV perguntei eu, parado U porta da cozinha. "h, desculpe. Como vi que estava a dormir, tomei a li(erdade de vestir a roupa da sua mulher. -em sei que n#o s#o maneiras, mas a verdade ! que n#o tinha com que me vestir afirmou Creta Fano, voltando apenas a ca(eça na minha direcç#o. Tinha voltado a usar a maquilhagem e o penteado ao estilo dos anos sessenta. 8ó lhe faltavam as pestanas postiças. 9#o tem import_ncia, só tenho curiosidade em sa(er onde p$ra a sua roupa. 'erdia disse ela simplesmente. 'erdeuaV 8im. eiPeia ficar algures. %ntrei na cozinha, apoieime na mesa e fiquei ali a vêla fazer uma omeleta. Com m#o certeira partiu os ovos, temperouos e (at!u a mistura. O que significa que chegou aqui toda nuaV 8im disse ela, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Completamente nua. 8a(e isso melhor do que ningu!m, senhor Okada, visto que me tapou com uma colcha. 'ois foi (al(uciei. igamos que aquilo que gostaria de sa(er ! como e onde perdeu a roupa. % tam(!m como foi poss)vel chegar at! aqui toda nua. 8ó sei o que lhe disse retorquiu Creta Fano, sacudindo a frigideira para fazer enrolar a omeleta. 8ó sa(e o que me disse repeti eu. Creta Fano deitou a omeleta para dentro de um prato e guarneceua de (rócolos cozidos a vapor. " seguir p]s o p#o a torrar, que depositou em cima da mesa, juntamente com o caf!. %u tirei para fora a manteiga, o sal e a pimenta. epois tom$mos o pequenoalmoço sentados um em frente do outro, como dois rec!mcasados. e repente lem(reime da mancha na cara. Creta Fano n#o mostrara a m)nima surpresa ao olhar para mim, nem me tinha feito perguntas. óilhe, senhor OkadaV 9#o, a(solutamente nada. Creta Fano o(servoume com atenç#o durante alguns instantes. 'arece ser uma mancha de nascimento. 'ois parece repliquei. 'erguntome se n#o ser$ melhor mostr$la a um m!dico. Tenho a vaga impress#o de que um m!dico n#o poderia fazer grande coisa. Talvez n#o. +as tam(!m n#o me parece conveniente deiPar isto assim. Creta Fano reflectiu por momentos com o garfo na m#o. 8e tiver alguma compra ou algum recado para fazer, deiPe que eu me encarrego disso. 8e n#o tem vontade de sair, pode perfeitamente ficar em casa. "gradeço a sua oferta, mas tam(!m deve ter coisas que fazer. "l!m de que eu n#o posso ficar eternamente encerrado dentro destas quatro paredes. Creta Fano voltou a reflectir no assunto por (reves momentos. 'ode ser que a minha irm# +alta Fano sai(a o que fazer.
9esse caso, seria muito pedirlhe que entrasse em contacto com elaV 7sso n#o ! poss)vel. X sempre +alta a entrar em contacto com os outros ePplicou Creta Fano dando uma dentadinha nos seus (rócolos. +as de certeza que a Creta consegue p]rse em contacto com ela, n#oV Claro. 8omos irm#s. 9esse caso, quando a vir pode perguntarlhe acerca desta minha manchaV Ou ent#o pedirlhe para me ligarV Tenho muita pena, mas isso est$ fora das minhas possi(ilidades. 9#o estou autorizada a falar com a minha irm# em nome de outra pessoa. X uma quest#o de princ)pio. 8oltei um suspiro, enquanto espalhava a manteiga por cima da torrada. 5uer dizer, se eu precisar de entrar em contacto com +alta Fano, na pr$tica vejome o(rigado a esperar pacientemente que ela se ponha em contacto comigo. %Pacto respondeu Creta Fano, com um movimento de ca(eça. "gora, voltando a essa mancha. " menos que lhe cause dor ou picadas, se n#o o incomoda o melhor que tem a fazer, de momento, ! n#o pensar mais nisso. W$ por mim, senhor Okada. 9unca deiPo que esse tipo de coisas me afecte. % aconselhoo a fazer o mesmo. 8#o tudo coisas que Us vezes acontecem Us pessoas. Talvez tenha raz#o. epois disso, continu$mos a comer em silêncio. >$ muito tempo que n#o tomava o pequenoalmoço acompanhado e estava tudo muito (om. 5uando lho disse, Creta Fano pareceu ficar contente. Woltando o U história da roupa... disse eu. 7ncomodao o facto de ter vestido a roupa da sua mulher sem autorizaç#o, n#o !V perguntou ela com ar preocupado. 9#o, nada isso. 9#o me importo que vista as coisas de Fumiko. "final, quem deiPou ficar tudo foi ela. " Ynica coisa que me intriga ! a maneira como perdeu a sua roupa. 9#o foi só a roupa, os sapatos tam(!m. % como ! que isso aconteceuV 9#o lhe sei dizer. 8ó me lem(ro de ter acordado na sua cama, despida. %m relaç#o ao que possa ter acontecido antes, n#o me lem(ro rigorosamente de nada. esceu ao poço, n#o foiV epois de eu de l$ ter sa)do. isso, sim, lem(rome. % lem(rome de ter adormecido l$ dentro. epois, mais nada, ! o vazio total. 7sso significa que n#o se lem(ra de nada, nem sequer de como saiu do poçoV 9adinha. "t! certo ponto a minha memória ! um a(ismo ePplicou Creta Fano, mostrandome uma diferença de uns vinte cent)metros com os indicadores de am(as as m#os. 5uanto tempo representava aquilo, eu n#o fazia a m)nima ideia. 9esse caso tam(!m n#o sa(e o que aconteceu U escada de corda pendurada dentro do poçoV 'ergunto isto porque desapareceu... 9#o sei nada de escada nenhumhuma. 9em t#opouco me lem(ro de ter su(ido por ela para sair de l$. urante um (ocado fiquei a olhar para a ch$vena de caf! que tinha na m#o. 7mportase de me mostrar a planta dos p!sV perguntei. Claro que mostro respondeu Creta Fano. Weio sentarse ao meu lado, estendeu as pernas e mostroume as plantas dos seus p!s. 'egueilhe nos tornozelos e ePamineias at!ntamente. %stavam impec$veis. %Ptremamente (em feitas, n#o apresentavam nenhumhuma marca nem golpes nem vest)gios de lama. 9#o vejo sinais de lama nem feridas referi eu. 9#o confirmou ela.
Ontem esteve todo o dia a chover, por isso, se tivesse vindo at! c$ a caminhar, descalça, teria forçosamente de ter as plantas dos p!s sujas de lama. "l!m disso, tendo entrado pelo jardim, devia ter deiPado marcas de lama na varanda. 'areceme evidente, n#oV +as o certo ! que tem os p!s limpos, e n#o h$ lama em lado nenhum. %stou a ver. O que significa que n#o podia ter vindo at! aqui descalça. Creta Fano inclinou ligeiramente a ca(eça, parecendo admirada. O racioc)nio tem a sua lógica. Talvez tenha lógica, mas a verdade ! que ainda n#o cheg$mos a 'arte alguma referi. Onde ! que poder$ ter deiPado o vestido e os sapatos, e como ! que conseguiu chegar at! aquiV Creta Fano a(anou a ca(eça. 9#o faço a m)nima ideia. %nquanto ela esfregava com fervor os pratos, virada para o lavaloiça, eu, sentado U mesa, tratava de deitar contas U vida. %scusado dizer que tam(!m n#o tinha a mais p$lida ideia. 7sto costuma acontecerlhe muitas vezes perguntei , quer dizer, n#o se lem(rar por onde andou nem o que fezV 9#o ! a primeira vez que me acontece uma destas. 9#o se pode propriamente dizer que passe a vida nisto, sem sa(er de onde vim e o que fiz, mas j$ me aconteceu.
agora seis anos. ZComo j$ lhe contei, naquela !poca eu n#o sa(ia o que era a dor f)sica. 9em a dor nem sensaç#o nenhumhuma. Wivia num estado de profunda insensi(ilidade. 9#o digo que fosse insens)vel ao frio, ao calor ou U dor. +as essas sensaç\es pareciam chegar at! mim de longe, vindas de um mundo estranho, sem relaç#o com o meu. a) que n#o sentisse qualquer relut_ncia em ter relaç\es sePuais com homens a troco de dinheiro. 'odiam fazer comigo o que quisessem, que o que sentia n#o tinha nada que ver comigo. %ra como se o meu corpo, privado de sensaç\es, n#o me pertencesse. Z8e (em me lem(ro, conteilhe que tinha sido recrutada por uma organizaç#o mafiosa que controlava a prostituiç#o. % quando eles me davam ordem para dormir com um homem, era o que eu fazia, e quando me pagavam, eu rece(ia esse dinheiro. Aoi neste ponto da história que fiquei, se n#o estou em erro. "ssenti com a ca(eça. Z9aquele dia, o lugar de encontro era no d!cimo sePto piso de um hotel no centro da cidade. O quarto estava em nome de 9o(oru RataSa.
assim ficou, sem me p]r um Ynico dedo em cima. 8entado, a olhar fiPamente para o meu corpo nu. %steve nisto (em uns dez minutos, comigo sempre ali deitada, sem me mePer, de cara para (aiPo. 8entia os olhos dele percorrerem a minha nuca, as minhas costas, as n$degas, as pernas, com uma intensidade quase dolorosa. 'assoume pela ca(eça que ele pudesse ser impotente. e vez em quando apareciam clientes assim. Compram os serviços de uma prostituta, fazemna despir e contentamse em ficar ali a olhar para ela. Tam(!m os h$ que, uma vez despida, se mastur(am U frente dela. %Pistem tantos tipos diferentes de homens que v#o com prostitutas por raz\es t#o diferentes^ a) que eu tenha pensado que talvez ele fosse um desses casos. Z"o fim de um certo tempo, por!m, ele estendeu o (raço e começou a tocarme. Como se estivesse U procura de alguma coisa, os seus dez dedos percorreram lentamente o meu corpo, dos om(ros Us costas, do pescoço U cintura.
Claro que n#o. Tornei a servirme de caf! e (e(i uma ch$vena. %la (e(eu $gua fresca. Aic$mos ali os dois sentados uns (ons dez minutos sem trocar uma palavra. Os dedos dele continuaram a deslizar por cada cent)metro do meu corpo prosseguiu Creta Fano. 9#o deiParam uma Ynica parte por tocar. 'erdi a capacidade de pensar. Os (atimentos do meu coraç#o ressoavam violentamente nos meus ouvidos com uma lentid#o estranha. Tinha perdido todo o autodom)nio. %nquanto as suas m#os me acariciavam, gritei uma vez e outra e outra. 9#o queria fazêlo, mas outra pessoa, usurpando a minha voz, gemia e gritava a seu (elprazer. 8entiame como se todos os parafusos do meu corpo se tivessem soltado. epois, passado um grande (ocado, ainda estando eu de (ruços, ele enfioume algo dentro de mim por tr$s. O quê, n#o sei. %ra ePtraordinariamente grande e duro, mas n#o era o seu p!nis. isso tenho a certeza. 9aquele momento, lem(rome de ter pensado que sempre tinha raz#oE aquele homem era, de facto, impotente. ZAosse o que fosse, o que ! um facto ! que senti, pela primeira vez desde a minha tentativa de suic)dio, uma dor verdadeira e lancinante. Como ePplicarV %ra um sofrimento desmedido, como se a minha pessoa estivesse a ser rachada ao meio. %, contudo, so( aquela tortura, contorciame de prazer. " dor e o prazer confundiamse. %st$ a ver onde quero chegarV Aalo de um prazer que nascia da dor e de uma dor que nascia do prazer. %ra o(rigada a engolir as duas coisas como uma só. %, no meio do sofrimento e do prazer, senti a minha carne a rasgarse, num processo a que me era imposs)vel p]r fim. Aoi ent#o que algo de estranho aconteceu. o meu corpo, dividido em duas metades, começou a sair algo que antes nunca tinha visto nem tocado. 9#o sei dizer que tamanho tinha, mas que era escorregadio e viscoso como um rec!mnascido, era. 9#o fazia ideia do que poderia ser. Tinha estado sempre dentro de mim, mas, ao mesmo tempo, desconhecia a sua ePistência. Tinha sido aquele homem a ePtirp$lo de dentro de mim. ZTinha vontade de sa(er o que era. 5ueria vêlo com os meus próprios olhos. Wendo (em, era parte de mim, tinha direito a isso. +as n#o foi poss)vel. Aora apanhada no meio daquela torrente de dor e prazer. % eu, que era apenas carne, apenas podia gritar, (a(arme, agitar violentamente as ancas. 9em sequer conseguia a(rir os olhos. Z"tingi ent#o o cl)maP sePual. +ais do que alcançar o ponto culminante do prazer, tive a sensaç#o de ser atirada do alto de um rochedo. Dritei e senti que tudo o que era feito de vidro no quarto se que(rava. 9#o foi apenas uma impress#oE vi realmente todas as janelas e todos os copos ficarem reduzidos a estilhaços, ao mesmo tempo que os pedaços se a(atiam so(re mim. " seguir fui acometida por uma violenta n$usea. 8enti a minha consciência começar a G4 a(andonarme e o meu corpo esfriou. -em sei que isto pode parecer gstranho, mas sentime como se me tivesse transformado numa tigela je papas de aveia frias espessas e cheias de grumos. % cada um gesses grumos produzia em mim uma dor surda, enquanto se dilatava devagarinho ao sa(or dos (atimentos do meu coraç#o. ecordava,me daquela dorE j$ passara por tudo aquilo. 'ouco ou nada demorei a identificar aquela dor surda e funesta, incessante, que costumava ter e me deiPava a arquejar antes da minha tentativa frustrada de suic)dio. Como se fosse uma poderosa alavanca de ferro, essa dor fez saltar violentamente a tampa da minha consciência. %, uma vez destapada, independentemente da minha vontade, foi arrastando para fora recordaç\es de consistência gelatinosa. 'or mais estranho que possa parecer, sentiame como uma pessoa morta a assistir U sua própria autópsia. %st$ a verV " sensaç#o de estar de fora a o(servar o próprio cad$ver a ser a(erto e, um a um, todos os órg#os internos a
serem removidos das suas entranhas. ZContinuei ali deitada, a (a(arme para cima da almofada, o corpo percorrido por convuls\es, U (eira da incontinência. 8a(ia perfeitamente que tinha de me controlar, mas n#o era capaz de dominar as minhas reacç\es. Todos os parafusos do meu corpo se tinham soltado e ca)do. 9a minha mente confusa, aperce(ime com profunda intensidade da minha solid#o e da minha impotência. o interior do meu corpo jorravam coisas. Coisas com forma definida e coisas amorfas, que se liquefaziam e flu)am languidamente para fora de mim, como a saliva e a urina. -em sei que n#o podia permitir que todas aquelas coisas continuassem a escaparme sem reagir. %ra o meu ser e n#o podia consentir que se derramasse em v#o e se perdesse para sempre. +as n#o fui capaz de parar a torrente. " Ynica coisa que podia fazer era o(servar passivamente aquele derrame, feita espectadora. 9#o sei ao certo quanto tempo aquilo durou. Tinha a sensaç#o de que toda a minha memória e toda a minha consciência me tinham a(andonado. 'arecia que dentro de mim n#o restava mais nada. epois, como um pesado cortinado que cai (rutalmente, a escurid#o envolveume de repente. Z5uando recuperei a consciência, j$ era outra pessoa. Creta Fano interrompeu ali a sua história e olhoume nos olhos. Aoi isto o que me aconteceu acrescentou em voz (aiPa. "guardei em silêncio que ela prosseguisse o seu relato. 0 9ovo desaparecimento de Creta Fano urante uns quantos dias recomeçou Creta Fano a contar vivi com a impress#o de que o meu corpo tinha sido desmem(rado Caminhava, mas n#o sentia os meus p!s a tocarem no solo. Comia mas n#o tinha a impress#o de mastigar realmente o que metia na (oca. 5uando estava sentada, quieta, invadiame muitas vezes a horr)vel sensaç#o de que o meu corpo n#o parava de cair num a(ismo sem fundo, ou ent#o que su(ia ou flutuava num espaço sem fim, como que arrastado por um (al#o. eiPara de poder coordenar os movimentos e as sensaç\es do meu corpo. Auncionavam a seu (elprazer, independentemente da minha vontade, sem ordem nem direcç#o. %, contudo, n#o sa(ia como deter aquele terr)vel caos. " Ynica coisa que podia fazer era esperar com paciência que as coisas a seu tempo acalmassem. " pretePto de n#o me sentir (em, disse U minha fam)lia que n#o me sentia (em e vivia enclausurada no meu quarto, de manh# U noite, quase sem comer nem (e(er. Z'assaram os dias, e eu sempre mergulhada no caos. Três ou quatro dias, se n#o estou em erro. % ent#o, como acontece após a passagem de um violento tornado que tudo arrasta U sua volta e depois se afasta, as coisas acalmaram e instalouse a paz. Olhei U minha volta e desco(rime a mim mesma. % compreendi que passara a ser outra pessoa, uma pessoa nova, (astante diferente daquela que at! ent#o tinha sido. 5uero dizer, aquele era o meu terceiro eu. O meu primeiro eu tinha convivido com a intermin$vel tortura da dor. O meu segundo eu tinha sido aquele que vivera num estado de insensi(ilidade sem sofrimento. O primeiro havia sido o meu eu primitivo, incapaz de se li(ertar do pesado jugo da dor. %, quando tentei, em desespero de causa, atir$lo para tr$s das costas e livrarme dele que ! como quem diz, quando tentei matarme e falhei , convertime no meu segundo eu.
caminhar na direcç#o certa. VCreta Fano levantou a ca(eça e olhoume nos olhos. Como se quisesse sa(er que impress#o me tinha causado o seu relato. Continuava com as m#os pousadas em cima da mesa. esumindo, se (em compreendi, graças a esse homem converteuse numa outra pessoaV perguntei. Creio que se pode dizer isso, sim respondeu Creta Fano, assentindo v$rias vezes, o seu rosto t#o inePpressivo como o fundo de um tanque seco. Draças ao intens)ssimo prazer sePual que pela primeira vez na minha vida senti, enquanto aquele homem me a(raçava e acariciava, o meu corpo conheceu uma transformaç#o avassaladora. 'or que aconteceu, e por que teve logo de acontecer com aquele homem, n#o sei dizer. 8ei, no entanto, que independentemente do processo, quando dei por mim j$ estava dentro de um novo recipiente. % uma vez superada essa enorme confus#o que mencionei antes, aceitei o meu novo eu como Zalgo mais autêntico[ se mais n#o fosse, a verdade ! que lograra escapar do meu estado de profunda insensi(ilidade que para mim era uma pris#o sufocante. ZContudo, a ePperiência com aquele homem perseguiume durante largo tempo, como uma som(ra negra projectada so(re mim. Cada vez que recordava aqueles dez dedos, cada vez que recordava aquilo que ele introduzira dentro de mim, cada vez que recordava aqueles grumos viscosos que sa)ram Kou pelo menos me pareceram sairL de dentro de mim, sentiame terrivelmente angustiada. 9#o sa(ia como lidar com a raiva que sentia, a par de um desespero incontrol$vel. 5ueria apagar esse dia da minha memória, mas n#o podia. 'orque aquele homem forçara algo dentro de mim. % a sensaç#o de ter sido violada havia ficado para sempre ligada U recordaç#o daquele homem, juntamente com uma m$cula inconfund)vel, dif)cil de apagar. %ra um sentimento contraditório. %st$ a perce(er o que eu quero dizerV " metamorfose que se operara em mim era correcta. +as, por outro lado, o que havia desencadeado essa transformaç#o era qualquer coisa de sujo e perverso. %sta contradiç#o esta cis#o atormentoume durante muito tempo. Creta Fano voltou a ficar durante algum tempo a olhar para as suas m#os so(re a mesa. Aoi ent#o que deiPei de vender o meu corpo, j$ n#o tinha sentido fazêlo confessou, com a ePpress#o impass)vel de sempre. % n#o teve pro(lemas com issoV perguntei. %la a(anou a ca(eça. eiPei de o fazer, pura e simplesmente. 9#o tive nenhum pro(lema. Aoi quase demasiado f$cil, para n#o dizer decepcionante, tstava convencida de que pelo menos iriam telefonarme, e estava 'reparada para isso, mas nunca me disseram rigorosamente nada. % sa(iam a minha morada e o meu nYmerode telefone. 'odiam terme ameaçado. +as n#o aconteceu nada. ZAoi ent#o que, pelo menos aparentemente, voltei a ser uma rapariga normal. 9aquela altura j$ tinha restitu)do o montante do empr!stimo ao meu pai, e conseguira at! p]r de lado uma (ela maquia Com o dinheiro que lhe dei, o meu irm#o voltou a comprar outro estYpido carro para andar Us voltinhas. %scusado dizer que nem lhe passava pela ca(eça o que eu tivera de fazer para o arranjar. Z'recisava de tempo para me acostumar ao meu novo eu. 5ue tipo de pessoa eraV Como funcionavaV O que ! que sentia e de que maneiraV Tive de aprender tudo de novo atrav!s da ePperiência, memorizar os novos conhecimentos adquiridos, acumul$los. %st$ a perce(erV Tudo que ePistira at! ent#o dentro de mim derramarase, perderase para sempre. %u era um novo ser, mas, ao mesmo tempo, esse novo eu estava vazio. Tinha de ser eu a preencher, pouco a pouco, esse vazio. Com as minhas próprias m#os,
tive de reconstruir, passo a passo, aquilo a que chamava HeuH ou, melhor dizendo, os elementos que me davam corpo. ZOficialmente, andava ainda a estudar, mas n#o fazia tenç\es de voltar U universidade. e manh# sa)a de casa, ia at! ao parque, sentavame num (anco qualquer e deiPavame ficar ali sozinha, sem fazer nada. Ou ent#o punhame a passear pelos jardins. 5uando chovia, metiame na (i(lioteca, com um livro a(erto U minha frente, a fingir que estava a ler. Is vezes enfiavame o dia inteiro no cinema ou apanhava a linha de com(oio *amanote e corria a cidade inteira. avame a sensaç#o de andar a flutuar, sozinha, na escurid#o do cosmo. 9#o tinha ningu!m com quem falar, a quem pedir conselho. 8e a minha irm# +alta ali estivesse, terlheia contado a história toda, mas foi na !poca em que ela levava uma ePistência de asceta na ilha de +alta. 9#o sa(ia a sua morada e n#o tinha maneira de me p]r em contacto com ela. 8ó podia contar comigo para resolver os meus próprios pro(lemas. 9#o havia nenhum livro que falasse da ePperiência por que eu passara. +esmo assim, apesar de estar só, n#o me sentia infeliz. 'odia agarrarme U minha pessoa. 'elo menos, naquele momento tinhame a mim. ZO meu novo eu podia sentir dor, ainda que n#o com a virulência de antes. "o mesmo tempo, aprendera a esquivarme dela. Ou seja, era capaz de me separar do meu eu f)sico em sofrimento. %stou a fazerme entenderV 'odia dividirme a mim mesma numa parte f)sica e numa outra, que o n#o era. ito deste modo, pode parecer complicado, mas uma vez apreendido o m!todo, garanto que n#o tem dificuldade nenhumhuma. 5uando pressinto a dor, a(andono o meu eu f)sico. X a mesma coisa que ir dormir para o quarto ao lado quando nos aparece em casa algu!m que n#o queremos encontrar pela frente. G:: para mim, ! a coisa mais natural do mundo. econheço que a dor criou ra)zes no meu corpo. 8into que a dor ePiste, mas eu n#o estou l$. %stou na divis#o ao lado. 'or isso a dor n#o faz de mim sua escrava. % consegue distanciarse de si mesma quando querV 9#o respondeu Creta Fano, após um momento de refleP#o. "o princ)pio, só era capaz de o fazer quando o meu corpo ePperimentava dor f)sica. Ou seja, a dor funcionava como a chave que levava U dissociaç#o da minha consciência. epois, com a ajuda de +alta, aprendi at! certo ponto a controlar mentalmente essa divis#o, Kvias isso só muito mais tarde. Z%ntretanto, rece(i uma carta de +alta Fano. izia que tinha finalmente dado por conclu)do o seu retiro asc!tico de três anos na ilha de +alta e que regressava ao &ap#o dentro de uma semana. % que pensava ficar por c$ definitivamente. Aiquei feliz da vida com a perspectiva de a reencontrar. >$ coisa de sete ou oito anos que n#o nos v)amos. % +alta, como j$ tive oportunidade de lhe dizer, era a Ynica pessoa no mundo a quem podia dizer tudo o que me ia na alma. Z9o próprio dia em que ela chegou ao &ap#o, conteilhe rigorosamente tudo o que me havia sucedido. %la escutou o meu longo e estranho relato em silêncio at! ao fim. 8em fazer uma Ynica pergunta. epois, quando terminei, soltou um profundo suspiro. HO certo ! que deveria ter ficado sempre ao teu lado para te proteger. 9#o sei por que raz#o, mas nunca me tinha dado conta de que tinhas pro(lemas assim t#o graves. Talvez por estarmos demasiado próPimas uma da outra. e qualquer modo, havia coisa que eu tinha a(solutamente que fazer. >avia s)tios onde devia ir, sozinha. 9#o tinha escolha poss)vel.H Zisselhe que n#o se preocupasse com isso. 5ue era pro(lema meu e que, no fim de contas, a situaç#o n#o era assim t#o desesperada. +alta Fano reflectiu em silêncio e depois disseE HTodas as provaç\es que tiveste de enfrentar desde que eu me fui em(ora do &ap#o foram dolorosas e amargas. +as, como tu própria disseste, a pouco e pouco
fostete aproPimando da pessoa que devias ser. O pior j$ passou, e n#o voltar$ mais. Coisas dessas n#o se repetem. 8ei que n#o ! f$cil, mas, com o passar do tempo, aca(ar$s por esquecer. " verdade ! que um ser ano n#o consegue viver sem o seu verdadeiro eu. X como a terra que pisamos. 8em um terreno irme, n#o podemos construir nada em cima. >$ uma coisa, no entanto, que deves ter sempre em mente, que o teu corpo foi ultrajado por aquele homem. Tal nunca devia ter acontecido. 'odias terte perdido para sempre e ficar condenada a vaguear eternamente 'elo nada mais a(soluto. 'or um feliz acaso, acontece que naquele fomento aquele n#o era o teu verdadeiro ser, o que provocou o efeito contr$rio. %m vez de te perder, li(ertoute do teu eu transitório Tiveste uma sorte espantosa. O que n#o impede que a mancha permaneça dentro de ti e que mais tarde ou mais cedo, dê l$ por onde der, tenhas de te ver livre dela. 7sso ! uma coisa que eu n#o posso fazer por ti. eves ser tu a desco(rir a maneira concreta de o fazer e p]la em pr$tica.H ZAoi ent#o que a minha irm# me atri(uiu o meu novo nomeCreta Fano. %u tinha renascido, era uma nova pessoa, e precisava de um nome a condizer. Caiume logo no goto. +alta Fano começou a usarme como m!dium. 8o( a sua orientaç#o, fui aprendendo a controlar o meu novo eu e a dissociar o corpo da mente. "t! que, pela primeira vez na minha vida, sou(e o que era viver em paz. Claro que ainda n#o tinha podido aceder ao meu verdadeiro eu. "inda faltavam muitos elementos para que tal fosse poss)vel. +as agora, ao meu lado, tinha em +alta Fano uma companheira em quem podia confiar. "lgu!m que me compreendia e me aceitava. "lgu!m capaz de me guiar e de me proteger. +as tornou a ver 9o(oru RataSa, n#o foiV Creta Fano fez um sinal afirmativo com a ca(eça. "ssim foi. %ste ano, no princ)pio de +arço. +ais de cinco anos depois de ter estado com ele e de ePperimentar aquela metamorfose, e de ter começado a tra(alhar com +alta Fano. Cruz$monos quando ele foi visitar +alta. 9#o nos fal$mos. %u apenas o vi de relance na sala de entrada, mas (astou um olhar para ficar petrificada, como se tivesse aca(ado de ser fulminada por um raio. %ra aquele homem, o meu Yltimo cliente. ZChamei +alta Fano e disselhe que era aquele o homem que me tinha desonrado. H%stou a verH, disse a minha irm#. H9#o te preocupes, deiPa que eu me encarrego de tudo. +ant!mte escondida e n#o deiPes que ele te veja.H Aiz como ela me dizia. 'or isso n#o sei de que falaram. O que dia(o queria 9o(oru RataSa de +alta FanoV Creta Fano a(anou a ca(eça. 7sso n#o lhe sei dizer, senhor Okada. +as as pessoas que v#o ter convosco, em geral querem sempre alguma coisa, n#o !V Com efeito, assim !. 5ue tipo de coisasV Toda a esp!cie de coisas. +as que coisas, concretamenteV 'ode darme algum ePemploV Creta Fano mordeu o l$(io antes de responderE O(jectos perdidos. O destino. O futuro... tudo e mais alguma coisa. % est#o am(as em condiç\es de responderV 8im confirmou Creta Fano. 9#o tudo, claro, mas a maior arte das respostas est#o todas aqui indicou ela, apontando com o jedo para a sua própria testa. -asta entrar l$ dentro. Como descer ao fundo de um poçoV 8im, por ePemplo. "poiei os cotovelos na mesa e deiPei escapar um longo e profundo suspiro.
"gora, se n#o se importa, gostaria que me ePplicasse uma coisa. " Creta apareceu por mais de uma vez nos meus sonhos. Aêlo de uma forma consciente. "conteceu porque assim o quis, n#o foiV 8im, tem raz#o respondeu Creta Fano. Tratouse de um acto de vontade. %ntrei dentro da sua mente e tive relaç\es consigo. Consegue fazer esse g!nero de coisasV 8im. %ssa ! uma das minhas funç\es. Tivemos relaç\es sePuais no meu imagin$rio repeti. "o pronunciar estas palavras, tive a sensaç#o de haver pendurado um quadro assumidamente surrealista numa parede toda (ranca. " seguir, pronunciei a frase pela segunda vez, como quem faz quest#o de verificar que o quadro est$ direitoE Tivemos relaç\es sePuais no meu imagin$rio. +as a verdade ! que eu nunca lhe pedi nada. 9unca quis sa(er de nada. CertoV 9esse caso, por que ! que se deu ao tra(alho de fazer aquilo comigoV 'orque +alta Fano assim mo ordenou. 5uer ent#o dizer que +alta Fano a usou na qualidade de vidente a fim de entrar na minha mente e encontrar algumas respostas. e que andava ela U procuraV eviam ser respostas Us quest\es levantadas por 9o(oru RataSa. Ou, ent#o, algo relacionado com Fumiko. Creta Fano permaneceu em silêncio durante alguns instantes. irseia que estava confusa. 9#o lho sei dizer. 9unca estou na plena posse de todas as informaç\es confessou ela. X prefer)vel, uma vez que isso me permite funcionar de um modo mais espont_neo enquanto m!dium. %u sou apenas um instrumento. +alta Fano ! quem d$ sentido a tudo o que eu encontro ali dentro. Weja se entende uma coisa, senhor OkadaE +alta Fano, fundamentalmente, est$ do seu lado. -em vê, eu odeio 9o(oru RataSa, e +alta Fano defende, acima de tudo, os meus nteresses. %la fez o que fez para o seu (em, senhor Okada. ") est$ uma coisa em que eu acredito piamente. Creta Fano saiu de casa dizendo que ia ao supermercado da esquina fazer compras. ei lhe dinheiro e sugeri, j$ que ia sair, que vestisse qualquer coisa decente. %la concordou, foi ao quarto e vestiu uma (lusa (ranca de algod#o e uma saia verde Us florzinhas. 9#o o incomoda que eu ponha a roupa da sua mulherV 9eguei com um movimento de ca(eça. 9a carta dizia para eu me livrar de tudo. 'ode vestir o que lhe apetecer, que ningu!m se importa. Tal como eu esperava, a roupa de Fumiko assentavalhe que nem uma luva. %spantosamente (em. "t! o nYmero de sapatos era o mesmo Creta Fano calçou umas sand$lias de Fumiko e saiu de casa. "o vêla enfiada nas roupas de Fumiko, tive a impress#o de que a realidade estava uma vez mais a conhecer novo rumo, como um navio de passageiros que muda lentamente de rota. epois de ela sair, deiteime no sof$ e ali fiquei a olhar distraidamente para o jardim, perdido nos meus pensamentos. "o fim de meia hora, via sair de um t$Pi transportando três grandes sacos cheios de mercearias. %m seguida preparou ovos com presunto e uma salada com sardinhas. igame uma coisa, senhor Okada, Creta dizlhe alguma coisaV perguntou Creta Fano CretaV perguntei. eferese U ilha de Creta no +editerr_neoV 8im. "(anei a ca(eça.
9#o lhe sei dizer. 9#o me interessa nem deiPa de me interessar. 9unca pensei muito nisso. Dostaria de ir a Creta comigoV 7r a Creta consigoV repeti. 'ara ser franca, gostaria de passar algum tempo fora do &ap#o. Ocorreume a ideia dentro do poço, depois de me despedir de si. 9#o fiz mais nada sen#o pensar nisso. esde que a minha irm# me (aptizou com o nome de Creta, sempre foi meu desejo conhecer Creta. &$ li mais livros so(re a ilha do que sei l$ o quê. "t! cheguei a aprender grego, para ser capaz de l$ viver um dia. Tenho algumas economias de lado que davam perfeitamente para vivermos os dois sem pro(lemas durante algum tempo. 8e ! por causa de dinheiro, n#o precisa de se preocupar. +alta Fano est$ a par dos seus planos de viajar at! CretaV 9#o, ainda n#o lhe disse nada. +as se eu quiser ir, de certeza que a minha irm# n#o se opor$. 'ossivelmente at! achar$ (em8erviuse de mim na qualidade de m!dium durante os Yltimos cinco anos, mas isso n#o quer dizer que se tenha servido de mim como um mero utens)lio. 8e o fez, foi tam(!m com a intenç#o de me ajudar na minha recuperaç#o. %la acredita que, passando pelos egos e pelas mentes de diversas pessoas, poderei consolidar a minha G:3 nova personalidade. %st$ a compreenderV %ra como ePperimentar atrav!s de outros, por interposta pessoa, o que significa ter um ego Z'ensando (em, at! agora, nem uma Ynica vez disse a algu!mE Z5uero fazer isto, dê l$ por onde der.H 9a realidade, nem sequer me passou isso pela ca(eça. esde que nasci, a minha vida girou sempre em torno do sofrimento. %ra como se conviver com um sofrimento atroz fosse o Ynico o(jectivo da minha ePistência. epois, quando cheguei aos vinte anos e a dor desapareceu da minha vida na sequência da tentativa de suic)dio, apoderouse de mim uma profunda insensi(ilidade. Torneime, por assim dizer, uma esp!cie de cad$ver am(ulante. Co(erta de cima a (aiPo por um espesso manto de apatia. 9#o su(sistia em mim a m)nima parcela de vontade. % quando 9o(oru RataSa violou o meu corpo e forçou as portas da minha mente, encontrei o meu terceiro eu. +esmo assim, n#o se tratava ainda da minha verdadeira identidade. "contece que encontrara um mero ve)culo, mais nada. 7sso permitiume deiPar passar atrav!s de mim diversos egos, so( a orientaç#o de +alta Fano. Z") tem o que tem sido a minha vida ao longo destes vinte e seis anos. $ para imaginarV urante vinte e seis anos, n#o fui nada. Cheguei a essa conclus#o (rutal quando me encontrava dentro do poço, mergulhada nos meus pensamentos. urante todo este tempo, n#o ePisti como pessoa, n#o fui mais do que uma prostituta.
fazer ideia onde ! que ela se encontra. 9esse caso, imaginando que a encontra e que o vosso casamento est$, como disse, Zaca(ado[, consideraria a hipótese de ir para Creta comigoV Wendo (em, neste ponto das nossas vidas estamos am(os a 'recisar de começar de novo afirmou Creta Fano, olhandome nos olhos. 5uerme parecer que a ilha de Creta n#o seria um mau ponto de partida. 5ue me dizV 9ada mau reconheci. " proposta apanhame um (ocado de surpresa, mas reconheço que realmente seria um (om s)tio para começar Creta Fano sorriume. Wendo (em, era a primeira vez que sorria para mim. "quele sorriso fezme sentir que a história começava, aos poucos, a avançar na direcç#o certa. "inda temos tempo disse ela. +esmo que me despache preciso de pelo menos duas semanas para tratar dos preparativos %ntretanto, aproveite para pensar com calma, senhor Okada. 9#o sei (em se tenho alguma coisa para lhe oferecer. 'elo menos, por agora. %stou literalmente vazia. " partir de agora, por!m, conto ir enchendo, a pouco e pouco, este recipiente vazio. % essa identidade ser$ o que lhe poderei dar, se ! que aos seus olhos ! quanto (asta. Creio que nos poder)amos ajudar um ao outro. Aiz um sinal de concord_ncia com a ca(eça. Wou pensar nisso admiti. Aico muito contente com a oferta e, U partida, acho que seria óptimo podermos viajar juntos. " s!rio. "ntes, por!m, preciso de reflectir muito a s!rio numa s!rie de coisas, coisas que têm de ficar resolvidas. %m todo o caso, se vier a decidir que afinal n#o vai a Creta, sai(a que n#o fico ofendida. esolada, isso sim, mas prefiro desde j$ que seja sincero comigo. Creta Fano voltou a passar a noite comigo. "o anoitecer prop]sme ir dar uma volta pelo parque que havia ali perto. ecidi esquecer a história da mancha e sair de casa. 9#o servia de nada passar a vida preocupado com coisas daquelas. 'asse$mos durante uma hora no agrad$vel entardecer de Wer#o, volt$mos para casa e comemos qualquer coisa. epois do jantar, Creta Fano disse que queria ir para a cama comigo. Aazer amor comigo, disse ela. "panhado de surpresa, fiquei sem sa(er o que fazer, e foi precisamente isso que lhe disseE "ssim de repente, confesso que n#o sei o que fazer. Creta Fano fiPou os olhos nos meus. 5uer o senhor v$ ou n#o comigo para a ilha de Creta, essa ! outra quest#o. 5uero que faça amor comigo, uma Ynica vez, como se eu fosse uma mulher da vida. 5uero que compre o meu corpo, aqui e agora, como se compra o corpo de uma prostituta. % depois desta Yltima vez, deiPar para sempre de ser prostituta do corpo, prostituta da mente. eiParei de responder pelo nome de Creta Fano. 'ara o conseguir, preciso de esta(elecer uma linha de demarcaç#o (em vis)vel, que me indiqueE Z7sto aca(a aqui.[ G:4 %ntendo a sua necessidade de traçar uma linha de demarcaç#o, acredite, mas por que raz#o sente necessidade de dormir comigo 9#o entende, senhor OkadaV "o fazer amor na realidade com loru Okada, quero passar atrav!s de si enquanto ser humano. esse modo, vermeei livre da mancha que h$ em mim. 8er$ essa a linha de demarcaç#o. Tenho muita pena, mas n#o tenho por h$(ito comprar o corpo das pessoas. Creta Fano mordeu os l$(ios. Wamos fazer assim. %m vez de dinheiro, deiPeme ficar com alguns vestidos da sua mulher. % sapatos. igamos que ser$ esse o preço sim(ólico a pagar pelo meu corpo. Draças a isso, serei salva.
8alvarse significa li(ertarse da sujidade que 9o(oru RataSa deiPou dentro de si daquela Yltima vez. %Pactamente. Olhei Creta Fano na cara durante alguns segundos. 8em pestanas postiças, tinha um ar muito mais infantil do que era costume. igame, que tipo de pessoa ! ePactamente 9o(oru RataSaV X o irm#o da minha mulher, (em sei, mas a verdade ! que nada mais sei acerca dele. 9#o faço ideia do que dia(o pensa ele, nem o que dia(o pretende. 8ó sei que nos odiamos mutuamente. 9o(oru RataSa e o senhor pertencem a um mundo diametralmente oposto respondeu Creta Fano. epois calouse, U procura das palavras apropriadas. 9um mundo onde o senhor perca, 9o(oru RataSa sair$ vencedor. 9um mundo onde o senhor seja rejeitado, 9o(oru RataSa ser$ aceite. O contr$rio tam(!m ! verdadeiro. X por isso que ele o odeia tanto. X isso que n#o entendo. "os olhos dele devo ser perfeitamente insignificante. Como ! que se ePplica que se dê conta de que eu ePistoV 9o(oru RataSa ! famoso, tem poder. Comparado com ele, n#o sou ningu!m. 'or que carga de $gua ! que ele perde tempo e energia a odiar a minha insignificante pessoaV Creta Fano a(anou a ca(eça. O ódio ! como uma som(ra negra que n#o p$ra de alastrar. %m muitos casos, nem a pessoa que o sente sa(e de onde prov!m. % uma espada de dois gumes. "o ferir a outra pessoa, ferimonos a nós mesmos. 5uanto mais grave for a ferida que infligirmos, mais grave ! a nossa. 'ode chegar a ser fatal. +as n#o ! f$cil livrarmonos dele. 'eçolhe por tudo, senhor Okada, tenha cuidado. O ódio ! muito 'erigoso. %, uma vez arraigado no nosso coraç#o, ePtirp$lo ! a coisa HHnais dif)cil do mundo. igame, consegue sentir essa tal raiz do ódio no coraç#o de 9o(oru RataSaV 8im, consigo respondeu Creta Fano. Aoi isso que dividiu o meu corpo em duas metades e me conspurcou. 'or isso ! que n#o quero que seja ele o meu Yltimo cliente enquanto prostituta. Compreende as minhas raz\esV 9essa noite fui para a cama com Creta Fano. espilhe a roupa de Fumiko e fiz amor com ela. ocemente. irseia um prolongamento do meu sonho. Como se estiv!ssemos na verdade a recriar o que t)nhamos feito em sonhos. O seu corpo era real, estava vivo +as faltava algoE a sensaç#o de estar verdadeiramente a fazer amor com ela. 'or mais de uma vez, enquanto fazia amor com ela, tive a ilus#o de estar a fazer amor com Fumiko. Tinha a certeza de que no momento de ejacular acordaria. 9#o acordei. Wim me dentro dela. "conteceu realmente. +as cada vez que dizia a mim mesmo que aquilo era real, a realidade parecia sêlo cada vez menos. "os poucos, paulatinamente, a realidade tornavase cada vez menos concreta, dissociavase da realidade, afastavase. +as nem por isso deiPava de ser a realidade. 8enhor Okada disse Creta Fano, pondo os (raços U minha volta , vamos juntos para a ilha de Creta. "qui j$ n#o ! lugar nem para mim nem para si. Temos de partir para Creta. 8e ficar, mais cedo ou mais tarde ir$ acontecerlhe alguma coisa de mau. Tenho a certeza. "lguma coisa de mauV "lgo de muito mau vaticinou Creta Fano. %m voz (aiPa e penetrante, como o p$ssaro profeta que vivia na floresta. 2 " Ynica coisa m$ que aconteceu em casa de +aS Fasahara efleP\es de +aS Fasahara so(re a fonte de calor Ol$, senhor '$ssaro de Corda disse uma voz de mulher. %ncostando o auscultador contra a orelha, dei uma olhadela ao relógio. %ram quatro da tarde. 5uando o telefone
tocou, estava eu a fazer a sesta estiraçado no sof$, encharcado em suor.
grega que esperasse, sustendo a respiraç#o, a revelaç#o de uma profecia. " antena de televis#o no telhado estendia com indiferença os seus tent$culos prateados de(aiPo do calor opressivo. 8o( os ardentes raios do sol de Wer#o estava tudo ressequido e mirrado. epois de o(servar durante alguns instantes o jardim da casa a(andonada, entrei no relvado de +aS Fasahara. O carvalho projectava so(re o solo uma som(ra fresca, mas ela tinha preferido ficar U torreira do sol. %stava deitada numa cadeira de repouso, de (arriga para cima, com um (iquini cor de chocolat! incrivelmente reduzido. Os minYsculos pedaços de tecidos estavam unidos, de forma rudimentar, por simples cord\es. 'erguntei a mim próprio se algu!m seria capaz de ir nadar naquele preparo. Tinha os mesmos óculos de sol que trazia da primeira vez que nos encontr$ramos, e grossas (agas de suor escorriamlhe pelo rosto. e(aiPo da cadeira havia uma toalha (ranca, um frasco de (ronzeador, meia dYzia de revistas. 8em esquecer duas latas de 8prite ca)das por terra, uma delas utilizada como cinzeiro. 8o(re a relva viase uma mangueira de pl$stico que ningu!m se dera ao tra(alho de enrolar depois de ter sido usada. Wendome aproPimar, +aS Fasahara soergueuse, esticou o (raço e desligou o aparelho de r$dio. " sua pele estava muito mais (ronzeada do que da Yltima vez. 9#o se tratava de um tom moreno normal, com que uma pessoa fica depois de passar o fimdesemana na praia. Cada cent)metro do seu corpo, dos ló(ulos das orelhas at! U ponta dos dedos dos p!s, ePi(ia um (elo (ronze uniforme. 9#o devia fazer mais nada sen#o passar o dia ali esparramada, a apanhar (anhos de sol'rovavelmente era o que tinha feito enquanto eu permanecia no fundo do poço. Olhei em redor. O jardim estava praticamente igual ao GG: 5ue me lem(rava desde a minha Yltima passagem.
'arece feito de retalhos. -ela maneira de aproveitar os escassos recursos naturais. 5uando n#o est$ ningu!m em casa, costumo tirar a parte de cima. -oa, (oa. +as a verdade ! que pouco h$ para mostrar disse ela U laia de justificaç#o. Werdade seja dita, os peitos que se adivinhavam por (aiPo do Hiqu)ni eram ainda pequenos e pouco desenvolvidos. "lguma vez nadaste com isso postoV quis eu sa(er. 9#o, n#o sei nadar. % tuV Claro que sei. "t! ondeV GGG Aiz rolar o re(uçado de(aiPo da l)ngua. =onge. ez quilómetrosV Talvez. 7magineime a nadar ao largo da ilha de Creta. Z'raias intermin$veis de areia (ranca e um mar escuro como o vinho[, diziam os guias de viagem. 9#o conseguia imaginar um mar dessa cor. +as reconheço que n#o soava nada mal. Woltei a enPugar o suor da cara Tens gente em casa, neste momentoV Aoramse todos em(ora ontem para a nossa casa, em 7zu. 'assar o fimdesemana, a (anhos. 5uando digo todos refirome só aos meus pais e ao meu irm#o, ! (om de ver. % tu n#oV %la encolheu ligeiramente os om(ros. %m seguida tirou do meio da toalha de praia um maço de >ope pequeno e uma caiPa de fósforos e acendeu um cigarro. %st$s c$ com um aspecto horr)vel, senhor '$ssaro de Corda^ &$ te deste contaV X preciso ver que estive v$rios dias no fundo de um poço sem comer nem (e(er. 9#o admira que tenha m$ cara. +aS Fasahara tirou os óculos e virouse para mim. Continuava a ter aquela cicatriz profunda ao canto do olho. Ouve l$ uma coisa, senhor '$ssaro de Corda, est$s chateado comigoV 9#o sei (em. Tenho muitas outras coisas em que pensar, antes de me começar a chatear contigo. " tua mulher j$ voltouV 9eguei com a ca(eça. Chegou h$ pouco uma carta dela. iz que nunca mais volta para casa. 'o(re senhor '$ssaro de Corda ePclamou +aS Fasahara levantandose na cadeira para me dar uma palmadinha no joelho. 'o(re, po(rezinho do senhor '$ssaro de Corda^ Ouve uma coisa. 8e calhar n#o acreditas, mas era minha intenç#o tirarte do poço no Yltimo momento. 8ó queria assustarte, atormentarte um (ocado. Aazerte gritar de medo. ']rte U prova para ver quanto tempo demoravas a perder o tino e a tocar no fundo do a(ismo. Como n#o sa(ia muito (em o que dizer, assenti em silêncio. Ouve, n#o me digas que pensavas que era a s!rioV 5ue te ia deiPar morrer aliV Aiz uma (olinha com o papel do re(uçado de lim#o. " verdade ! que n#o tinha a certeza. O que dizias parecia ser a s!rio, mas, ao mesmo tempo, dava a impress#o de que só me querias assustar. 5uando se fala l$ de cima a algu!m que est$ no GG0 fundo de um poço, a voz ressoa de maneira muito estranha, n#o se consegue captar (em o tom da outra pessoa. %m Yltima an$lise, n#o se trata aqui de sa(er o que est$ certo e o que est$ errado. Aaçome entenderV " realidade comp\ese de diferentes camadas. Tu,
naquela realidade, talvez quisesses realmente matarme, e nesta realidade n#o. " quest#o ! sa(er que realidade escolhes tu e que realidade escolho eu. +eti o papel do re(uçado convertido numa (olinha dentro de uma das latas de 8prite. Tenho um favor a pedirte, senhor '$ssaro de Corda disse +aS Fasahara, apontando me a mangueira de pl$stico em cima da relva. 'odes regarme com issoV %st$ tanto, tanto calor, que se n#o me refresco de vez em quando ainda aca(o por ficar com os miolos derretidos. =evanteime da cadeira e fui (uscar a mangueira de pl$stico azul. %stava quente e toda mole. "(ri a torneira que se encontrava escondida atr$s dos ar(ustos e a $gua começou a jorrar. "o princ)pio a $gua dentro do tu(o, aquecida pelo sol, saiu quase a ferver, mas depois l$ começou a arrefecer, a ficar cada vez mais fresca, at! sair quase gelada. +aS Fasahara estendeuse nas ervas e eu apontei a mangueira e dirigi um grande e potente jorro na direcç#o dela. %la fechou os olhos com força e deiPou a $gua molhar o seu corpo. 5ue fria^ 8a(e lindamente. 'or que ! que tam(!m n#o aproveitas para te molhar, senhor '$ssaro de CordaV 9#o tenho fato de (anho respondi, mas +aS Fasahara parecia encontrarse nas suas sete quintas ali a apanhar com a $gua fria e eu, pela parte que me tocava, j$ n#o conseguia aguentar mais o calor. espi a camisola suada, inclineime para a frente e deiPei que a $gua escorresse pela ca(eça. &$ que ali estava, aproveitei para meter alguma $gua na (oca. %stava fria, deliciosa. X $gua da nascenteV perguntei. X evidente, tirada com a ajuda de uma (om(a^ %st$ gelada. 8a(e (em, n#o sa(eV "t! se pode (e(er e tudo. Weio c$ a casa h$ pouco tempo um homem do epartamento de 8aYde que ficou espantado com a qualidade da $gua. isse ele que era raro encontrar uma $gua assim t#o pura nos limites de Tóquio. O homem ia caindo de quatro. Claro que nós, por precauç#o, n#o (e(emos. 9um s)tio destes, com tantas casas todas pegadas umas Us outras, nunca se sa(e o que pode andar misturado na $gua, n#o achasV 'ensando (em, n#o deiPa de ser estranho. "li em frente, na casa dos +iSa`aki, o poço secou completamente, mas aqui, em contrapartida, h$ $gua fresca a dar com um pau. %stando as duas casas t#o próPimo uma da outra, separadas apenas por uma viela estreita, como ! que ePplicas a diferençaV 8im, porque ser$V interrogouse +aS Fasahara, inclinando a ca(eça. Talvez alguma coisa tenha feito desviar a corrente de $gua su(terr_nea, por qualquer raz#o, e ent#o aquele poço secou e este n#o. 9#o pesco nada disso, mas palpitame que deve ter sido uma coisa assim. Tiveram algum pro(lema em tua casaV +aS Fasahara fez uma careta e negou com a ca(eça. " Ynica coisa m$ que aconteceu aqui em casa nestes Yltimos dez anos ! eu terme a(orrecido de morte. epois de estar um (ocado de(aiPo de $gua, +aS Fasahara secou a ca(eça e perguntou me se eu queria uma cerveja. espondi que sim. Aoi a casa e veio de l$ com duas latas de >eineken geladas. %la (e(eu uma e eu (e(i a outra. izme uma coisa, senhor '$ssaro de Corda, que pensas fazer a partir de agoraV "inda n#o decidi ao certo respondi , mas h$ a hipótese de sair daqui do &ap#o. .E6 'ara ondeV b 'ara Creta. CretaV 7sso tem alguma coisa que ver com aquela mulher, a tal Cretan#ose)quantasV
%m parte, sim. . 6 +aS Fasahara pensou um momento no que eu lhe tinha dito. 9#o foi essa tal Cretan#oseiquantas que te tirou de dentro do poçoV Creta Fano confirmei eu. 8im, foi ela. %st$s cheio de amigos, senhor '$ssaro de Corda. 9#o tantos como isso. X mais o contr$rio. 8ou conhecido por ter poucos amigos. Dostava de sa(er como ! que essa tal Creta Fano desco(riu que estavas dentro do poço. 9#o tinhas dito a ningu!m, pois n#oV 9esse caso, como ! que ela adivinhouV 9#o faço ideia respondi. % agora, com que ent#o, direito U ilha de CretaV "inda n#o sei. %Piste essa possi(ilidade, mais nada. 'rimeiro, tenho de ver se resolvo as coisas com Fumiko. +aS Fasahara p]s um cigarro na (oca e acendeuo. " seguir tocou com a ponta do mindinho na cicatriz ao canto do olho. 8a(es uma coisa, senhor '$ssaro de CordaV %nquanto tu estavas dentro do poço, eu, fiquei o tempo quase todo aqui, a apanhar (anhos de sol. "qui deitadinha, a olhar para o jardim da casa a(andonada ao mesmo tempo que tra(alhava para o (ronze e pensava em ti, no GG3 fundo do poço. 'ensava em ti, imaginavate dentro daquele poço escuro, cheio de fome, a aproPimareste a pouco e pouco da morte. ali n#o podias sair, era eu a Ynica pessoa que sa(ia onde te encontravas. ava para imaginar de uma maneira terrivelmente n)tida a tua dor, a tua angYstia, o terror que deves ter sentido. %ntendes o que te digoV "o fazer isso, tinha a impress#o de estar espantosamente perto de ti^ 9unca foi minha intenç#o deiParte morrer ali. &uro. " Ynica coisa que me interessava era ir mais longe, ao limite. "t! que tu estivesses ePausto e aterrado at! mais n#o. "t! n#o poderes aguentar mais. " s!rio, acreditava que isso seria o melhor, tanto no teu caso como no meu. -om, digote uma coisa retorqui. 8e fosse realmente tua intenç#o ir at! ao fim, n#o terias recuado no Yltimo minuto. Talvez seja muito mais f$cil do que pensas.
havia perigo nem raz#o para medos. "o fim de algumas noras, comecei a perder cada vez mais a consciência de mim própria. "li sentada, completamente Us escuras, algo dentro de mim dentro do meu corpo começou a inchar. Como as ra)zes de uma planta que Crescem demasiado e aca(am por partir o vaso que as comprime, tinha a sensaç#o de que essa coisa crescia por toda a parte no meu interior, ameaçando aca(ar comigo, que(rarme em mil pedaços. 8eria o meu fim. %ra uma coisa que, de(aiPo da luz do 8ol, n#o se manifestava, mas que, no meio das trevas, começou a crescer a uma velocidade vertiginosa, como se se alimentasse de algum nutriente secreto. Tentei controlar o seu crescimento, mas n#o consegui. % foi ent#o que comecei a sentir um p_nico terr)vel. 9unca na minha vida tivera assim tanto medo. "quela coisa dentro de mim, aquele pedaço de gordura (ranca e gelatinosa, estava literalmente a apoderarse da minha pessoa, a devorarme. "o princ)pio, aquela esp!cie de gelatina era verdadeiramente pequena, sa(es, senhor '$ssaro de CordaV +aS Fasahara calouse por instantes e olhou para as suas m#os, como se estivesse a rememorar os acontecimentos daquele dia. Tive um medo horroroso disse. %ra precisamente aquele sentimento de p_nico que eu queria que tu sentisses na pele. 5ueria que escutasses o (arulho daquela coisa a roer te as entranhas. Woltei a sentarme na cadeira. Contemplei o corpo de +aS Fasahara naquele eP)guo (iquini. Tinha dezasseis anos, mas o corpo era o de uma adolescente de treze ou catorze. Os seios e as ancas ainda n#o estavam completamente formados. O seu corpo lem(ravame um daqueles es(oços que em poucas linhas surpreendem pelo realismo ePtraordin$rio. "o mesmo tempo, por!m, havia qualquer coisa na sua figura que fazia pensar numa mulher de idade. %nt#o, de repente, n#o pude deiPar de lhe perguntarE "lguma vez tiveste o sentimento de estar a ser ultrajadaV
transformase numa esp!cie de fonte de calor que do interior faz mover cada um de nós. O(viamente que tam(!m eu a tenho, mas volta e meia fogeme das m#os. 5uem me dera poder transmitir a outra pessoa qualquer a sensaç#o que ! ter uma coisa a inchar e a contrairse dentro de mim, ao ponto de me deiPar a tremer. +as ningu!m me compreende. 'ode ser que n#o me consiga ePplicar (em, mas o que acontece de facto ! que as pessoas n#o me d#o ouvidos. Aingem prestar atenç#o, mas n#o me levam a s!rio. 'or isso, Us vezes perco por completo a paciência e aca(o por fazer asneiras. 5ue tipo de asneirasV Como fecharte dentro do poço ou, quando andava de motorizada, tapar com as duas m#os os olhos do rapaz que ia a conduzir. 5uando ela disse aquilo, levou a m#o U cicatriz no canto do olho. Aoi assim que se deu o acidente de motoV +aS Fasahara olhoume com estranheza e fechouse em copas. Como se n#o tivesse perce(ido (em a minha pergunta. 'erce(ia, no entanto, que as minhas palavras, todas e cada uma delas, tinham chegado aos seus ouvidos. 9#o conseguia ver (em a sua ePpress#o por detr$s das lentes fumadas dos seus óculos, mas notava mesmo assim uma esp!cie de insensi(ilidade espalhada pelo seu rosto, como acontece quando se deita azeite so(re uma superf)cie de $guas mansas. O que aconteceu a esse tipoV perguntei. 8empre com o cigarro na (oca, +aS Fasahara n#o tirava os olhos de mim. +elhor dizendo, n#o tirava os olhos da mancha que eu tinha na cara. Tenho mesmo de responder a essa pergunta, senhor '$ssaro de CordaV 9#o, n#o tens. 8ó respondes se quiseres. 5uem puPou o assunto foste tu, de qualquer modo. 8e n#o queres falar nisso, n#o fales. +aS Fasahara ficou em silêncio, como se tivesse dificuldade em tomar uma decis#o. %m seguida aspirou o fumo do cigarro at! ao fundo dos pulm\es e soltouo devagarinho. Com um movimento indolente, tirou os óculos e virou o rosto na direcç#o do 8ol, sempre de olhos fechados. Os seus gestos levavamme a pensar que o tempo flu)a cada vez mais lentamente. ZComo se a corda do tempo tivesse começado a deiPar de funcionar[, pensei. +orreu disse por fim +aS Fasahara numa voz (ranca dignandose finalmente a responder. +orreuV +aS Fasahara atirou a cinza do cigarro para o ch#o. " seguir pegou na toalha e com ela limpou outra vez o suor da cara, uma vez e outra. 'or fim, como se tivesse aca(ado de se lem(rar de um assunto inaca(ado, ePplicou de forma r$pida e mec_nicaE )amos demasiado depressa. "conteceu tudo para as (andas de %noshima. %u olhava para ela sem dizer nada. +aS Fasahara pegara com am(as as m#os na toalha, que apertava de encontro Us faces. O cigarro ardia entre os seus dedos. 9#o havia vento e o fumo (ranco su(ia a direito. 'arecia um sinal de fogo em ponto pequeno. %la parecia indecisa em sa(er se havia de chorar ou de rir. 'elo menos foi o que me pareceu. Aicou ali hesitando na fina e t!que linha que separa o riso do choro, aca(ando por n#o se decidir por nenhum. +aS Fasahara recomp]sse, recuperou a ePpress#o do costume, pousou a toalha no ch#o e deu uma passa no cigarro. %ram quase cinco da tarde, mas o calor n#o dava mostras de diminuir. Aui eu que o mat!i disse ela. Claro que n#o tinha intenç#o de o matar. 8ó queria chegar ao limite. 'ass$vamos o tempo todo nisso. %ra assim uma esp!cie de jogo. 5uando and$vamos de moto, tapavalhe os olhos ou fazialhe cócegas. "t! a) nunca tinha acontecido nada. "t! Uquele dia, digo (em... +aS Fasahara levantou a ca(eça e olhou de frente para mim.
7sto, senhor '$ssaro de Corda, para dizer que n#o me sinto ultrajada, nem nada que se pareça. 8ó queria aproPimarme dessa coisa que se dilatava dentro de mim. "tra)la, fazêla sair U força e depois esmag$la. 'ara fazer com que ela saia l$ de dentro, h$ que ir at! aos limites. X a Ynica forma. Tens de arranjar um (om estratagema ePplicou ela, a(anando a ca(eça ao de leve. +as n#o, n#o creio ter sido alguma vez ultrajada. +as tam(!m n#o se pode dizer que tenha sido salva. 9#o h$ quem me possa salvar neste momento. O mundo !, da maneira como eu o vejo, completamente vazio. Tudo U minha volta me parece falso. " Ynica coisa verdadeira ! aquela massa gelatinosa dentro de mim. +aS Fasahara deiPouse ficar ali sentada durante algum tempo, respirando devagar e regularmente. 9#o se ouvia mais nenhum ru)do, nem o chilreio das aves nem a estridulaç#o dos insectos.
lutar corajosamente contra qualquer coisa por minha causa. -em sei 0 que pode parecer esquisito, mas, quando isso acontece, sinto que estou do teu lado, a esforçarme contigo. %st$s a verV Tens sempre esse aspecto todo calmo e porreiro, como se as coisas passassem todas ao teu lado mas, no fundo, n#o ! (em assim. I tua maneira, andas por a) a travar as tuas (atalhas e vais U luta, mesmo que, só de olhar para ti, assim de fora, as pessoas possam n#o dar por nada. 8e assim n#o fosse, nunca terias ido meterte no fundo do poço, certoV O(viamente que n#o est$s a lutar por mim. "ndas para a) com passinhos de l#, a tentar medir forças com sejal$oquefor, e só o fazes para ver se encontras o rasto de Fumiko. 'or isso n#o me serve de nada andar para aqui toda derretida por tua causa. %, mesmo sa(endo tudo isso, n#o deiPo nem por um momento de ter a sensaç#o de que est$s a lutar por mim, senhor '$ssaro de Corda. % que est$s a lutar por uma quantidade de outras pessoas, ao mesmo tempo que est$s a lutar por Fumiko. 8e queres que te diga, deve ser por isso que Us vezes fazes figura de perfeito parvo. 8e queres que te diga, ! esta a minha opini#o, senhor '$ssaro de Corda. 5uando me ponho a olhar para ti, fico com os nervos U flor da pele e aca(o sempre por me sentir completamente esgotada. 5uero dizer, a impress#o que d$ ! a de que n#o tens hipótese de ganhar. " apostar, apostava em como tu perdias sempre. esculpa a franqueza, mas ! assim mesmo. Dosto imenso de ti, mas n#o quero ir U falência. Compreendote perfeitamente. 9#o quero ficar por aqui a verte perder o p!, e tam(!m n#o estou na disposiç#o de suar mais por tua causa. 'or isso, decidi que estava na hora de regressar a um mundo um (ocadinho mais normal. 9o entanto, caso n#o te tivesse conhecido aqui mesmo, U frente desta casa a(andonada , n#o me parece que as coisas tivessem evolu)do desta maneira. 9em nunca me teria passado pela ca(eça voltar para a escola. O mais certo era ainda andar a vaguear por um mundon#ot#onormalquantoisso. 'or isso, como vês, aconteceu tudo por tua causa, senhor '$ssaro de Corda. "final de contas, sempre serves para alguma coisa. "ssenti com a ca(eça. %ra a primeira vez em muito tempo que algu!m dizia alguma coisa agrad$vel a meu respeito. Wem aqui para ao p! de mim, senhor '$ssaro de Corda disse +aS Fasahara. =evanteime da minha cadeira e aproPimeime dela. 8entate aqui, senhor '$ssaro de Corda. Aiz o que ela dizia e senteime ao seu lado. +ostrame a tua cara, senhor '$ssaro de Corda. Olhou para mim de frente com firmeza. epois, pondo uma m#o no meu joelho, pousou a outra so(re a marca que eu tinha na cara. 'o(re senhor '$ssaro de Corda murmurou. 8ei de fonte certa que ainda ter$s de passar por muitas coisas. 8em hipótese de escolher, G0: sem sa(er de onde elas vêm. I imagem e semelhança do que acontece com a chuva que cai so(re um campo. % agora fecha os olhos, senhor p$ssaro de Corda. Aechaos (em, como se estivessem pegados com cola. Cerrei os olhos com força. +aS Fasahara tocou com os seus l$(ios na minha marca uns l$(ios pequenos e finos, como uma imitaç#o ePtremamente (em feita. " seguir estendeu a l)ngua e lam(eu lentamente toda a superf)cie da mancha. +anteve durante todo o tempo a outra m#o so(re o meu joelho. O seu contacto, quente e hYmido, chegavame de um lugar distante, mais longe do que se tivesse atravessado todos os campos do mundo. epois pegou na minha m#o e colocoua so(re a cicatriz no canto do olho. "cariciei aquela cicatriz com um cent)metro. "o fazêlo, as ondas cere(rais emitidas pelo seu c!re(ro chegaram at!
mim atrav!s das pontas dos dedos um pequeno estremecimento que mais parecia uma sYplica. =em(rome de ter pensado que talvez tivesse chegado a hora de algu!m apertar aquela rapariguinha nos (raços. Outra pessoa que n#o eu. "lgu!m que estivesse em condiç\es de lhe oferecer aquilo de que ela tinha necessidade. "deus, senhor '$ssaro de Corda. 8e fores at! Creta, n#o te esqueças, escreveme. Dosto de rece(er cartas muito grandes, que nunca mais aca(am. +as nunca ningu!m me escreve. 'rometo que escrevo. 3 " coisa mais simples do mundo
O meu tio cruzou os (raços e levantou os olhos para o c!u. 9#o se viam tantas estrelas como de costume. "penas a lua de três dias, nitidamente recortada. G2 $ muito tempo que n#o convers$vamos os dois assim, com calma. 'ensava que te desenvencilhavas (em sem mim, que entre ti e Fumiko corria tudo Us mil maravilhas. "l!m disso, nunca gostei de me intrometer nos assuntos das outras pessoas. isselhe que n#o tinha dYvidas em relaç#o a isso. O meu tio fez tilintar o gelo no copo, (e(eu um trago de u)sque e pousou o copo no ch#o. 5ue dia(o est$ a acontecer ultimamente contigoV 9#o entendo. esculpa meter o nariz onde n#o sou chamado, mas h$ uma coisa que tenho de te dizerE devias reflectir muito, mas mesmo muito a s!rio no que ! o mais importante para ti. Concordei com a ca(eça. 7sso tenho eu feito. +as a verdade ! que as coisas est#o demasiado confusas, demasiado emaranhadas umas nas outras, e eu n#o sou capaz de as desenrolar e de as separar uma a uma. 9#o sei por onde começar. O meu tio sorriu. >$ uma maneira para isso. " maioria das pessoas toma as decis\es erradas precisamente porque n#o conhece o truque. % depois, quando mete o p! na argola, anda por a) a chorar pelos cantos, a queiParse e a atirar as culpas para cima dos outros. Wi isso acontecer muitas vezes, demasiadas vezes, e olha que n#o ! propriamente um espect$culo (onito. Talvez me arrisque a passar por convencido, mas o truque consiste em começar pelas coisas pouco importantes. Ou seja, numa escala de " a , n#o começar nunca pelo ", mas sempre pelo , * ou . izes tu que o assunto est$ demasiado emaranhado e que se te escapa das m#os. 9#o ser$ porque est$s a querer resolvêlo a partir de cimaV 5uando tens de tomar uma decis#o importante, o melhor que tens a fazer ! dar prioridade aos pormenores insignificantes. Começar pelas coisas verdadeiramente estYpidas, que saltam aos olhos e qualquer um pode entender. % investir nelas muito tempo. Os meus negócios n#o s#o nada do outro mundo, como tu (em sa(es. 5uatro ou cinco locais de pouca monta, espalhados pela zona de Dinza. "gora, falando em termos de êPito ou fracasso, o certo e que n#o fui U falência uma Ynica vez. % se assim aconteceu, foi porque permaneci sempre fiel a esse estratagema. ZWou ePplicarte aquilo que eu costumo fazer, no meu caso. 'or ePemplo, se um lugar me parece (om, ponhome ali durante três ou quatro horas por dia, sem tirar os olhos do rosto das pessoas que 'assam na rua. 9#o ! preciso pensar em nada, nem fazer c$lculos de esp!cie alguma. -asta o(servar as pessoas que por ali andam, ver (em a ePpress#o delas. 7sto durante uma semana, no m)nimo. "o fim desse tempo, devo ter visto para a) a cara de três ou quatro mil pessoas, am(!m pode levar mais tempo, mas, um (elo dia, começas a ver claro. Como se a n!voa se tivesse dissipado de um momento para o outro. Aico a sa(er que tipo de lugar ! aquele. 5ue tipo de a(ordagem requer. %, caso as ePigências do lugar sejam diferentes das minhas deiPo andar. 'rocuro outro s)tio e repito o processo todo. % quando finalmente uma pessoa se d$ conta de que as ePigências do lugar est#o em conson_ncia com as suas, isso significa que foi (afejada pela sorte. % a sorte, h$ que amarr$la (em para n#o a deiPar escapar. %nt#o n#o era só o toque m$gicoV "h, isso tam(!m reafirmou o meu tio, sorrindo. +as n#o (asta. 9a minha opini#o, o que deverias fazer era começar a reflectir so(re tudo isso, partindo da coisa mais
simples. Como, só para te dar um ePemplo, escolheres um _ngulo de uma esquina, assentares arraiais e ires o(servando, dia após dia, as pessoas que por l$ passam. 8em tomar decis\es precipitadas. 'or mais que te custe, deves permanecer imóvel, dar tempo ao tempo. 7nvestir muito tempo numa coisa pode ser a mais requintada forma de vingança. WingançaV ePclamei surpreendido. Wingança contra quemV Tam(!m tu l$ chegar$s replicou o meu tio, com um sorriso. "o todo, estivemos sentados na varanda mais de uma hora, a (e(er. epois o meu tio levantouse, disse que j$ ali estava h$ uma eternidade e foise em(ora. avia uma pequena escultura e um (anco decente onde podia sentarme a contemplar quem passava. 7nfelizmente, por ali n#o passava tanta gente como U frente da estaç#o, nem se via nenhum vaga(undo com uma garrafinha de u)sque a espreitar do (olso do casaco. I hora do almoço a(astecime de caf! e donuts no unkin onuts e passei o resto do dia inteiro ali sentado. egressei a casa ao fim da tarde, antes da hora de ponta. 9o primeiro dia, o meu olhar foi automaticamente atra)do pelos homens com pouco ca(elo, sem dYvida uma reminiscência do inqu!rito feito com +aS Fasahara para o fa(ricante de perucas. 8em dar por isso, os meus olhos eram atra)dos pelos calvos, e dava por mim a classific$los como ", - ou C. Cheguei mesmo a pensar que o melhor seria telefonar a +aS Fasahara e proporlhe que volt$ssemos a tra(alhar juntos. 9o entanto, com o andar da carruagem, fuime acostumando a olhar para as pessoas sem pensar em nada. 9a sua maioria, tratavase de empregados de escritórios que passavam a vida a entrar e a sair do arranhac!us. Os homens usavam camisas (rancas e gravata e transportavam pastas, as mulheres calçavam quase todas sapatos de salto alto. Tam(!m se viam donos e clientes de restaurantes e lojas, fam)lias inteiras em peregrinaç#o ao Yltimo andar com vista panor_mica. Outros havia que se limitavam a deslocarse de um
ponto para outro, em todas as direcç\es. +as, regra geral, a maioria n#o andava demasiado depressa. eiPeime ficar ali a o(serv$los a todos, sem nenhum propósito definido. Wolta e meia deparavame com algu!m que, por uma raz#o ou outra, chamava a minha atenç#o, e tratava ent#o de me concentrar nessa pessoa, seguindoa com o olhar at! desaparecer do meu _ngulo de vis#o. Continuei nisto durante uma semana. "panhava o com(oio para 8hinjuku Us dez, quando toda a gente j$ tinha sa)do para os seus empregos, sentavame no (anco e ali permanecia imóvel at! que fossem quatro da tarde, sempre a fiPar os rostos. Is tantas, com a pr$tica, perce(i que seguindo com os olhos o rosto das pessoas que passavam U minha frente, uma atr$s de outra, a minha ca(eça iase esvaziando, como se tivesse sacado a rolha de uma garrafa. 9#o dizia nada a ningu!m e ningu!m me dizia nada a mim. 9#o sentia nada e n#o pensava em nada. Is vezes tinha a impress#o de fazer parte do (anco de pedra. "penas uma Ynica pessoa me dirigiu a palavra uma mulher magra, de meiaidade, muito (em vestida. Trazia um vestido justo ao corpo de um rosavivo, óculos de sol com armaç#o escura de tartaruga, chap!u (ranco e mala de m#o a condizer. Tinha umas pernas (onitas e calçava umas imaculadas sand$lias (rancas de pele, que deviam ter custado os olhos da cara. %stava (astante maquilhada, mas sem ePageros. Weio ter comigo e perguntoume se eu tinha algum pro(lema. espondilhe que n#o tinha nenhum em especial. isseme que costumava verme ali todos os dias e quis sa(er o que estava eu a fazer. " olhar para as pessoas, respondi. 'erguntoume se o fazia com algum propósito espec)fico. espondi que n#o. Tirou de dentro da mala um maço de Wirg)nia 8lims e acendeu um cigarro com um pequeno isqueiro de ouro. Ofereceume um. ecusei com um aceno de ca(eça. " seguir tirou os óculos escuros e, sem dizer palavra, ficou ali a olhar fiPamente para mim. +elhor dizendo, a olhar fiPamente para a mancha. %u, pela minha parte, olheia nos olhos, mas n#o consegui detectar o menor ind)cio de emoç#o. %ram duas pupilas negras que desempenhavam correctamente a sua funç#o. Tinha um nariz pequeno e afilado. Os l$(ios eram finos e viase que o (atom de cor tinha sido aplicado com todo o cuidado. Tornavase dif)cil adivinhar a idade, mas devia ter os seus quarenta e cinco, quarenta e seis anos. I primeira vista, parecia mais jovem, mas as linhas em torno da sua (oca davam uma certa impress#o de cansaço. Tem dinheiroV perguntoume. inheiroV repeti, apanhado de surpresa. O que ! que quer dizer com issoV 8ó lhe estou a perguntar se tem dinheiro, mais nada. 8e tem pro(lemas de dinheiroV 9#o. e momento n#o tenho pro(lemas de dinheiro. 8empre a olhar para mim com grande atenç#o, ela curvou ligeiramente o _ngulo da (oca, com ar de quem estava a medir as minhas palavras. %m seguida voltou a p]r os óculos escuros, atirou o cigarro para o ch#o, levantouse com eleg_ncia e desapareceu. %stupefacto, via perderse no meio da multid#o. "pesar do seu aspecto distinto, passoume pela ca(eça que tivesse qualquer coisa de louca'isei com a sola do sapato o cigarro que ela havia atirado ao ch#o e percorri lentamente com o olhar o espaço em redor. %stava rodeado pelo mesmo mundo real de sempre. 'essoas que se deslocavam de um lado para o outro, cada uma com o seu próprio o(jectivo. 9em eu as conhecia a elas nem elas me conheciam a mim. espirei fundo e entregueime de novo U tarefa que consistia em contemplar o rosto das pessoas sem pensar em rigorosamente nada. 'ermaneci ali sentado onze dias a fio. -e(ia caf!, alimentavame de donuts e assistia ao desfile de milhares de pessoas. +ais nada. Tirando a curta e a(surda conversa com
aquela mulher elegante de meiaidade, durante aqueles onze dias nunca mais ningu!m me dirigiu a palavra. 9#o fiz nada de especial e n#o aconteceu nada de especial. 'assados onze dias, que constitu)am por assim dizer um vazio na minha vida, continuava sem chegar a parte alguma. Continuava perdido naquele intrincado la(irinto, incapaz de desatar o nó mais simples. Aoi ent#o que, na tarde do d!cimo primeiro dia, aconteceu uma coisa muito estranha. %ra domingo e tinhame deiPado ficar at! mais tarde do que era ha(itual. "os domingos, o tipo de pessoas que andam por 8hinjuku ! diferente e, al!m disso, a hora de ponta ! coisa que n#o ePiste. e repente, reparei num jovem que levava um estojo de guitarra preto. 9#o era nem alto nem (aiPo. $ três anos costumava cantar em 8apporo, n#o eraV =em(rome de o ter ouvido actuar[, diria eu. Z"h, simV +uito o(rigado[, diria ele. 5ue mais poderia acrescentarV Z" verdade ! que, naquela noite, a minha mulher aca(ava de fazer um a(orto. 'ouco depois saiu de casa. "ndava metida com outro homem.[ 8er$ que poderia dizer aquiloV esolvi deiPar que as coisas seguissem o seu curso e continuei sempre no seu encalço. 'odia ser que tivesse uma (oa ideia enquanto caminhava. O homem ia na direcç#o oposta da estaç#o. Calcorreou a zona dos arranhac!us, atravessou a avenida Orne e dirigiuse para o 'arque *oSogi. 'arecia profundamente mergulhado nos seus pensamentos. evia estar acostumado a fazer aquele caminho, visto que nunca olhava U sua volta nem dava mostras de hesitaç#o. Caminhava sempre a olhar em frente, no seu passo regular. %nquanto seguia no seu encalço, veiome U memória o dia em que Fumiko havia a(ortado. 8apporo, princ)pios de +arço. O solo duro e gelado, os flocos de neve que de quando em quando ca)am. Aui transportado Uquelas ruas e os meus pulm\es encheramse de ar glacial. Wi aparecer diante dos meus olhos a respiraç#o (ranca que sa)a da (oca dos transeuntes. Talvez tenha sido a partir da) que tudo começou a mudar. 8im, era isso mesmo. " partir daquele momento a corrente U minha volta tinha definitivamente começado a seguir numa direcç#o diferente. "gora que penso nisso, o a(orto tinha tido consequências muito graves para os dois. O que acontece ! que antes eu n#o tinha sa(ido dar o devido valor a isso. Aicara siderado pelo acto do a(orto em si mesmo, ao passo que a coisa verdadeiramente importante se calhar era outra. Z9#o ! que esteja arrependida dissera ela. 9#o havia outra soluç#o, era o melhor a fazer, tanto no meu caso como no teu. +as h$ mais qualquer coisa que desconheces, qualquer coisa que ainda n#o sou capaz de traduzir em palavras. 9#o ! que queira fazer segredo disso. 8ó n#o sei ainda se ! uma coisa real ou n#o. 'or isso ainda n#o sou capaz de falar so(re o assunto.[ 9a altura, ela n#o tinha a certeza de que aquilo fosse real. %, sem dYvida, aquilo estava mais relacionado com a gravidez do que com o a(orto. Talvez tivesse que ver com o feto que trazia na (arriga. 5ue dia(o poderia ser, para confundir Fumiko de tal maneiraV Tivera relaç\es com outro homem e negavase a ter a criançaV 9#o, imposs)vel. %la mesmo tinha negado essa hipótese, jurando que a criança era minha.
+esmo assim, ficara qualquer coisa por dizer, qualquer coisa intimamente ligada U sua decis#o de me deiPar. Tinha sido por a) que tudo começara. Aosse qual fosse o segredo que ali se escondia, n#o conseguia imaginar. Aora a(andonado e deiPado sozinho, no meio das trevas. " Ynica coisa que sa(ia era que, enquanto n#o desco(risse aquele segredo, Fumiko n#o voltaria para mim. Comecei a sentir uma raiva surda. arajuku. +as n#o tinha (em a certeza. %m todo o caso, tratavase de um reduto a(andonado em plena cidade. Talvez por ter umas ruas t#o estreitinhas que mal deiPavam passar os carros, aquele (airro havia escapado Us garras dos promotores imo(ili$rios. "o percorrêlo, sentime como se tivesse voltado atr$s no tempo para a) uns vinte ou trinta anos. e sY(ito deime conta de que o ru)do incessante dos carros, ensurdecedor at! h$ pouco, desaparecera, como que a(sorvido por qualquer coisa, e deiPara de se fazer ouvir. 8empre com o estojo da guitarra na m#o, o homem percorria aquele la(irinto de ruas e ruelas. etevese diante de um edif)cio de madeira. "(riu a porta, entrou, fechoua atr$s de si. 9#o 9ie pareceu que tivesse fechado a porta U chave. Tam(!m eu me deiPei ficar ali por alguns momentos. Os ponteiros do relógio marcavam as seis e vinte. %ncostado U vedaç#o met$lica que delimitava o descampado em frente, estudei o aspecto da casa. %ra um edif)cio de dois andares de madeira, igual a tantos outros. Wiase por causa da entrada e pela disposiç#o dos quartos. %m estudante
tinha vivido durante uns tempos num s)tio parecido.
sequer passara pela ca(eça a hipótese de apanhar com um pontap! em cima. 'ela minha parte, fren!tico como estava, nem sequer sa(ia onde o atingira, e o pontap! tam(!m n#o fora assim t#o violento, mas o que ! certo ! que, com o choque, o homem perdeu o equil)(rio. eiPou de agitar o taco e ficou ali a olhar para mim, a(ananado, como se o tempo tivesse parado. "proveitando a sua surpresa, desferilhe um segundo pontap!, certeiro e (rutal, no (aiPoventre. O homem do(rouse de dor e foi ent#o que eu lhe arre(at!i o taco da m#o. " seguir, deilhe novo pontap!, desta vez nas costas. Como ele tentou agarrarme a perna, levou com outro pontap! em cheio nos rins. epois, deilhe com o taco na coPa. O homem soltou um grito lancinante de dor e caiu por terra. " princ)pio, (atilhe e pontapeeio por reflePo, impelido pelo puro medo, como reflePo de defesa. "tireime a ele e desanqueio na tentativa de impedir que fosse ele a darme forte e feio. +as assim que ele ficou deitado no ch#o, o medo converteuse em pura raiva. "quela ira surda que, pouco antes, ao pensar em Fumiko durante o 'asseio, tomara conta de mim, permanecia intacta. % agora, li(erta, aNdia incontrolavelmente como uma chama, enchendome de intenso odio. Tornei a desferirlhe um golpe na coPa. O homem deiPava escorrer a (a(a pelo canto da (oca. Comecei a sentir uma dor aguda no om(ro e no (raço esquerdos, onde ele me atingira com o taco. a dor serviu apenas para avivar ainda mais a minha fYria. O homem tinha a cara desfigurada pela dor, mas nem assim deiPou de tentar rguerse. Como n#o tinha força no meu (raço esquerdo, livreime do taco e, atirandome para cima dele, com a direita comecei a dar7he murros na cara com toda a minha força. -atilhe uma vez e outra e outra, at! a m#o direita começar a ficar dormente e a doer. 8ó sa(ia que queria continuar a (at!rlhe at! ele perder o conhecimento. "garreio pela gola da camisa e (atilhe com a ca(eça contra o soalho de madeira. %ra a primeira vez na vida que me pegava U pancada. 9unca tinha (atido assim em ningu!m. 9#o sei porquê, mas n#o conseguia parar, era superior Us minhas forças. ZTens que parar[, diziame a minha consciência. Z&$ chega. %st$s a passar das marcas. Olha que o tipo da) j$ n#o se consegue levantar.[ +as n#o conseguia. 'erce(i que a minha pessoa estava dividida em duas.
Z8ó queria o(servar a cara das pessoas que passavam na rua, tal como o meu tio fizera, mais nada.[ 5uando su(i para o autocarro, os outros passageiros viraramse e puseram se a olhar para mim. =ançaramme olhares que tinham tanto de espanto como de choque, e depois desviaram a vista, nitidamente incomodados. Calculei que fosse por causa da marca na minha cara. emorei um (ocado a perce(er que era por causa das manchas de sangue do homem na minha camisa (ranca Kquase todo proveniente do narizL e do taco de (ase(ol que levava na m#o. 7nconscientemente, ainda n#o o havia largado. "ca(ei por lev$lo comigo para casa, e atirei com ele para dentro de um arm$rio. 9essa noite n#o consegui pregar olho at! de manh#zinha. Com o passar das horas, as zonas do om(ro e do (raço onde o homem pie atingira incharam e começaram a doer me. 9o pulso da m#o direita continuava a sentir a sensaç#o de estar a socar repetidamente o homem. ei por mim com o punho cerrado com força, pronto a recomeçar a luta em posiç#o de com(ate. 'or mais que tentasse a(rilo, a m#o n#o me o(edecia. ormir estava fora de quest#o. 8a(ia que, caso adormecesse naquele estado, teria pesadelos horr)veis. 'ara me acalmar, fui sentarme U mesa da cozinha e (e(i, sozinho, o resto do u)sque que o meu tio deiPara, enquanto ouvia uma musiquinha suave. "peteciame falar com algu!m. "peteciame que algu!m me dirigisse a palavra. Coloquei o telefone em cima da mesa e fiquei ali a olhar para ele horas a fio. OPal$ algu!m me telefone, por favor^ 8eja quem for, n#o importa quem at! mesmo a misteriosa mulher do telefone. Tanto fazia. 8ó queria que algu!m falasse comigo. O telefone n#o tocou. "ca(ei com a meia garrafa de u)sque e, assim que l$ fora começou a clarear, enfieime na cama e adormeci. 'or favor, n#o me faças sonhar, suplicava eu interiormente. 9em que seja por uma noite, deiPa que o meu sono seja apenas um vazio. %scusado ser$ dizer que tive um sonho. Como n#o podia deiPar de ser, um pesadelo horr)vel, em que entrava o homem do estojo da guitarra. 9o sonho ePecutava os mesmos gestos que tinha feito na realidade. %u seguiao, a(ria a porta de frente da casa, ele (atiame com o taco de (ase(ol, depois era a minha vez de lhe (at!r. % continuava sempre a (at!rlhe. epois, a partir da), o sonho prosseguia de maneira diferente. 5uando eu aca(ava de lhe (at!r e me levantava, ele, que continuava a (a(arse e a rirse sinistramente como acontecera na realidade, sacava de uma faca de (olso uma navalha pequena e afiada. I luz do crepYsculo, a l_mina emitia reflePos de uma (rancura rósea que fazia lem(rar um osso liso. O homem, por!m, n#o se serviu da faca para me atacar. espojavase das suas roupas e, uma vez completamente nu, começava a esfolar a sua própria pele como se se tratasse de uma maç#. Tra(alhava rapidamente, sempre a rirse Us gargalhadas. O sangue jorrava de todo o seu corpo, formando no ch#o uma poça negra, de aspecto tene(roso. Com a m#o direita, ele arrancava a pele do seu (raço esquerdo e, em seguida, com a m#o esquerda, toda ensanguentada e sem pele, repetia a operaç#o no (raço direito. 'or fim, mais n#o era do que uma massa em carne viva, mas nem assim deiPava de rir, deiPando ver a cavidade negra que era a sua (oca toda escancarada. 9o meio daquela massa de carne, só se distinguia os glo(os ocularesE (rancos e fora das ór(itas, rolavam sem parar. 'ouco depois, como que em resposta Uquele gargalhar desusado e gritante, a pele esfolada começava a rastejar pelo ch#o, em direcç#o a mim. %u tentava escapar, mas as pernas n#o me o(edeciam. " pele sanguinolenta e viscosa do homem chegava at! junto dos meus p!s e começava a trepar pelo meu corpo, colandose a pouco e pouco U minha pele, ao ponto de a co(rir. O odor a sangue empestava o ar " pele, como uma fina mem(rana, tapavame as pernas, o corpo, a cara. epois ficava tudo negro diante das minhas p$lpe(ras, e nas trevas apenas a gargalhada oca do homem continuava a rever(erar na cavemosa escurid#o. % foi ent#o
que acordei. "o a(rir os olhos, dei por mim terrivelmente confuso e assustado. 'or momentos, nem sequer tive a certeza da minha própria ePistência. Tremiamme os dedos das m#os. +as, ao mesmo tempo, havia chegado a uma conclus#o. 9#o podia fugir. 9#o devia fugir. 9em para Creta, nem para o fim do mundo. Aoi essa a conclus#o a que cheguei. Tinha de recuperar Fumiko. Com as minhas próprias m#os, tinha de a trazer de volta a este mundo. 8e o n#o fizesse, seria o meu fim. G23 =ivro 777 O Caçador de '$ssaros e Outu(ro de 140 a ezem(ro de 142 O 7nverno do p$ssaro de corda e finais daquele estranho Wer#o at! U chegada do 7nverno, n#o ocorreu na minha vida nenhumhuma mudança significativa digna desse nome. Os dias começavam e aca(avam sem história. %m 8etem(ro fartouse de chover. %m 9ovem(ro, houve dias de tanto calor que andava toda a gente a suar em (ica. Aora o tempo, os dias eram todos iguais. 'ela minha parte, ia quase sempre U piscina, nadava v$rias dist_ncias, dava os meus passeios, preparava três refeiç\es di$rias. 5ue ! como quem diz, procurava empregar as minhas energias apenas em tarefas concretas e pr$ticas. "pesar disso, volta e meia assaltavame um profundo sentimento de solid#o. " $gua que (e(ia, o próprio ar que respirava, faziamme sentir na pele longas agulhas de ponta afiada. "s p$ginas dos livros que folheava ameaçavamme com o seu (rilho met$lico, como o fio de uma navalha de (ar(ear. Is quatro da madrugada, quando estava tudo em silêncio, podia ouvir crescer as ra)zes da minha solid#o. %, contudo, havia quem n#o me deiPasse em paz. efirome Us 'essoas da fam)lia de Fumiko. 'assavam a vida a escreverme cartas dizendo que Fumiko n#o podia continuar a viver comigo, manifestando o desejo de que eu lhe concedesse quanto antes o divórcio. "os olhos delas, o pro(lema ficaria ent#o automaticamente resolvido. 9as 'emeiras cartas, destinadas a impressionarme, mantiveram um tom ormal. 5uando viram que eu n#o lhes dava troco, passaram Us ameaças e finalmente, adoptaram um tom de sYplica. %scusado dizer que Winham todas ao mesmo tempo. +ais tarde, entrou em cena o pai de Fumiko. 9#o estou a dizer que me oponha cat!goricamente ao divórcio trat!i de lhe ePplicar , mas primeiro quero encontrarme com Fumiko e conversar com ela a sós. 8e ea me convencer, de acordo doulhe o divórcio. "gora, se n#o puder falar com ela, nada feito. "o dizer aquilo, o meu olhar recaiu so(re a janela da cozinha O(servei o c!u escuro e carregado de nuvens que se perdia na dist_ncia. >$ quatro dias que n#o fazia sen#o chover. O mundo estava hYmido e som(rio. Fumiko e eu só nos cas$mos depois de conversarmos muito acerca do assunto. 8e chegou a hora de pormos fim ao nosso casamento quero fazer as coisas da mesma maneira. O pai de Fumiko e eu prosseguimos um di$logo de surdos que n#o levou a parte alguma. 9#o, para ser ePacto, n#o se pode dizer que n#o chegasse a parte nenhumhuma. Chegou, isso sim, a um lugar onde nada d$ fruto. Aicaram algumas perguntas por responder. 5ueria realmente Fumiko divorciarse de mimV Tinha pedido aos pais para serem eles a convencermeV ZFumiko diz que n#o te quer ver mais U frente[, afirmara o pai. &$ antes o irm#o, 9o(oru RataSa, me havia dito a mesm)ssima coisa. 9o meio daquilo tudo, alguma ponta de verdade devia haver. Os
pais de Fumiko tinham tendência para interpretar tudo U maneira deles, mas, tanto quanto eu sa(ia, jamais inventariam uma coisa daquelas. %ram, a (em dizer, pessoas realistas, nem (oas nem m$s. " ser verdade aquilo que o pai dela dizia, nesse caso Fumiko encontravase de(aiPo da sua Zalçada[. 9#o dava para acreditar. esde pequena, Fumiko pouco ou nenhum afecto sentira, quer pelos pais quer pelo irm#o mais velho, e sempre fizera por nunca depender deles para nada. %ra poss)vel que Fumiko tivesse um amante e que, por essa raz#o, me tivesse deiPado. +esmo que me custasse a acreditar na ePplicaç#o que avançara na carta, reconhecia que ePistia essa possi(ilidade. "gora, o que n#o me convencia de maneira alguma era que Fumiko se tivesse ido em(ora de nossa casa para ir a correr ter com eles ou para um lugar arranjado por eles e que se pusesse em contacto comigo por interm!dio deles. 5uanto mais pensava naquilo, menos entendia.
e vez em quando, vinhame U memória a noite em que tinha ido para a cama com Creta Fano, mas n#o passava de uma vaga lem(rança. Tivea nos meus (raços e unimos os nossos corpos v$rias vezesE isso era um facto indiscut)vel. Contudo, U medida que as semanas passavam, o sentimento de certeza começou a desvanecerse. 9#o conseguia evocar com nitidez a imagem do seu corpo ou as posiç\es em que t)nhamos feito amor. Wendo (em, a recordaç#o do que fizera com ela antes disso, na minha ca(eça no plano imagin$rio , era nitidamente mais vivida do que a reminiscência do que acontecera de facto naquela noite. " imagem dela por cima de mim, a usar o vestido de Fumiko, naquele estranho quarto de hotel, passava o tempo a virme U ca(eça com uma nitidez espantosa. O tio de 9o(oru RataSa, deputado U C_mara dos epresentantes pela circunscriç#o de 9iigata, faleceu em princ)pios de Outu(ro. 'assava pouco da meianoite quando teve um ataque card)aco no hospital de 9iigata onde estava internado. "pesar do esforço dos m!dicos, que fizeram todos os poss)veis por reanim$lo, de manh# estava morto.
termómetro me convencia de que fazia realmente frio. %, contudo, vezes havia em que, por mais que aquecesse a divis#o em que me encontrava, o frio n#o me a(andonava. %screvi ao tenente +amiSa para lhe dar a conhecer de maneira sucinta e o(jectiva o que me acontecera. %ra (em poss)vel que a carta só servisse para lhe causar mais em(araço do que contentamento, mas a verdade ! que n#o me lem(rava de mais ningu!m a quem pudesse escrever. Comecei por a), invocando essa mesma desculpa. " seguir, conteilhe que Fumiko me deiPara no mesm)ssimo dia em que ele tinha aparecido de visita l$ em casa, que ela andava h$ meses a dormir com outro homem, que eu passara quase três dias no fundo de um poço, a pensar, que agora vivia sozinho e, por fim, que a recordaç#o legada pelo senhor >onda mais n#o era do que uma caiPa de u)sque vazia. O tenente +amiSa escreveume a responder uma semana mais tarde. 'ara ser sincero, o senhor tem estado presente de uma forma 'reocupante, para n#o dizer desusada, nos meus pensamentos, desde a Yltima vez que nos encontr$mos. 8a) de sua casa com a sensaç#o de que dever)amos prolongar a nossa conversa, a(rir a aNma um ao outro, 'or assim dizer. O facto de isso n#o ter acontecido constituiu para mim um desgosto, acredite, e n#o foi pequeno. 7nfelizmente, por!m, tinha a minha espera alguns assuntos urgentes, que ePigiam a minha presença em >iroPima naquela mesma noite. a) que tenha sido com especial alegria que rece(i a sua carta. 7nterrogome at! se n#o teria sido essa a intenç#o primordial do senhor >onda, ao p]rnos em contacto. X poss)vel que, aos olhos dele, fosse (om para mim travar conhecimento com o senhor e (om para si travar conhecimento comigo. %stou em crer que a divis#o de (ens outra coisa n#o ter$ sido sen#o uma desculpa para eu poder conhecêlo. "ssim sendo, a minha visita a sua casa teria sido a recordaç#o que ele me quis deiPar de herança. 9#o imagina o meu espanto ao sa(er que o senhor tinha passado largo tempo no fundo de um poço. Tam(!m eu continuo a sentir uma estranha atracç#o por tudo o que sejam poços. Tendo em linha de conta a minha ePperiência so(re o assunto, poderseia pensar que eu nunca mais quereria p]r a vista em cima de um, mas o certo ! que, muito pelo contr$rio, n#o h$ vez que veja um poço que n#o me sinta tentado a olhar l$ para dentro. %, ent#o, tratandose de um poço seco, posso mesmo dizer que só tenho vontade de descer. 9o fundo, ! (em poss)vel que contique U espera de me deparar com alguma coisa. 5uem sa(e se, ao descer pelo poço at! l$ a(aiPo e me deiPar ficar U espera, n#o encontro algoV izer isto n#o significa, no entanto, que esteja a espera que essa tal coisa me restitua a minha vida. 9ada disso. %stou demasiado velho para ainda acreditar nisso. %spero, isso sim, encontrar o significado da vida que perdi. "final, o que foi que me tiraram, e porquêV 5uero ficar a sa(er a resposta a estas perguntas, sem margem para dYvidas. % atrevome mesmo a dizer que, uma vez na posse dessas respostas, n#o me importaria de me afundar ainda mais. 'erdido por cem, perdido por mil. " verdade ! que de (om grado aceitaria esse fardo para o resto da vida, por mais anos que ainda tivesse pela frente. Aiquei profundamente desolado ao sa(er que a sua esposa a(andonou o lar, ainda que, a esse propósito, n#o me considere a pessoa indicada para lhe dar conselhos. esde h$ muito que vivo sem conhecer as (enesses do amor ou da fam)lia, o que, como decerto reconhecer$, impede que me pronuncie com conhecimento de causa nessas mat!rias. %stou em crer, por!m, que se ePistir da sua parte a m)nima intenç#o de esperar um pouco mais por ela, nesse caso dever$ manterse fiel aos seus propósitos e continuar a fazêlo como at! agora tem acontecido. X isto que se me oferece dizer so(re o assunto, por muito pouco que valha a minha opini#o. 'ara mal dos meus pecados, sei por ePperiência própria o que significa continuar a viver sozinho num mesmo lugar depois de se ter sido a(andonado, mas, acredite em mim, n
n#o h$ nada t#o cruel neste mundo como a tristeza de n#o ter nada por que esperar. 8e me for poss)vel, terei muito gosto em regressar a Tóquio num futuro próPimo e em voltar a vêlo, mas infelizmente ando com um pro(lema numa perna e estou em crer que 渠渠渠渠 o tratamento demore o seu tempo a fazer efeito. %spero que tenha cuidado. Aique (em. e tempos a tempos saltava o muro e percorria aquela viela tortuosa que ia dar ao s)tio onde costumava ficar a casa dos +iSa`aki. Westia um casaco curto, enrolava um cachecol ao pescoço e l$ ia eu, caminhando so(re as ervas secas. O vento gelado soprava por entre os ca(os el!ctricos, produzindo uma esp!cie de silvos. " casa a(andonada estava agora completamente demolida, o terreno cercado por uma alta vedaç#o de madeira. 'odia espreitar pelo meio das fendas, mas n#o havia nada para ver nem casa, nem empedrado, nem poço, nem $rvores, nem antena de televis#o, nem est$tua do p$ssaro. "penas um pedaço de terra fria e negra, completamente arrasada pelas m$quinas de terraplanagem e, aqui e ali, tufos espalhados de ervas daninhas. 9#o dava para acreditar que pouco antes ali tivesse havido um poço profundo e que eu tivesse descido at! ao fundo. "poiado U cerca, contemplei a casa de +aS Fasahara. Olhei para cima, onde devia ficar o seu quarto. +as ela j$ n#o morava ali. "gora j$ n#o tinha quem viesse ao meu encontro dizendoE ZOl$, 8enhor '$ssaro de Corda^[ 9uma tarde muito fria de meados de Aevereiro, passei pelos escritórios da tal agência imo(ili$ria 8etagaSa aiichi de que o meu tio me falara. "(ri a porta e, uma vez l$ dentro, dei de caras com uma recepcionista de meiaidade. 'erto da entrada havia meia dYzia de mesas dispostas em fila, mas ningu!m sentado nelas. irseia que todo o pessoal tinha sa)do para tratar de algum assunto. 9o meio da divis#o viase um enorme aquecimento a g$s que ardia com uma viva chama vermelha. "o fundo, numa esp!cie de salinha, estava sentado um senhor de idade (aiPinho, mergulhado na leitura do jornal. 'erguntei U recepcionista se havia algu!m chamado 7chika`a. 7chika`aV 8ou eu^ retorquiu o anci#o. %m que posso ajud$loV "presenteime, faleilhe do meu tio e conteilhe que vivia na casa que era propriedade dele. "h, estou a ver, com que ent#o ! o so(rinho do senhor TsuruaV referiu ele, largando o jornal. Tirou os óculos e guardouos no (olso, após o que passou a inspeccionarme da ca(eça aos p!s. if)cil dizer que impress#o lhe terei causado. Wenha para ao p! de mim. eseja uma ch$vena de ch$V espondilhe que n#o, que por mim n#o valia a pena incomodarse mas ele ou n#o me ouviu ou ignorou as minhas palavras. O certo e que, por uma raz#o ou por outra, tratou de pedir U recepcionista para nos preparar um ch$. 'ouco depois, est$vamos os dois sentados a (e(er o nosso ch$, um em frente do outro. O fog#o a g$s estava apagado e a salinha cada vez mais gelada. 9a parede viase um mapa das vivendas do (airro, com marcas feitas, aqui e ali, a l$pis ou a caneta de feltro. "o lado estava pendurado um calend$rio que reproduzia a famosa ponte pintada por Wan Dogh. 'u(licidade a um (anco. >$ muito tempo que n#o vejo o senhor seu tio. Como ! que ele tem passadoV perguntou o velhote depois de ter dado um golinho no seu ch$. "cho que est$ (em respondi eu , ocupado como sempre. %u próprio tam(!m n#o lhe tenho posto a vista em cima. -om sinal, (om sinal. >$ quantos anos desde a Yltima vez que estive com eleV " mim, pelo menos, pareceme que foi h$ s!culos confessou o sePagen$rio. Tirou um pacote de cigarros do (olso do casaco e, depois de calcular (em o _ngulo, acendeu um fósforo com um vigoroso movimento de m#o. Aui eu que vendi a casa ao seu tio, em tempos
que j$ l$ v#o, e, depois disso, encarregueime sempre da administraç#o. Aico contente por sa(er que os negócios dele v#o de vento em popa. %m contrapartida, o mesmo n#o se podia dizer do velho senhor 7chika`a que, pelos vistos, n#o estava assim t#o ocupado. 7maginei que se tivesse reformado entretanto e que só continuasse a aparecer por ali a fim de atender os seus clientes mais antigos. %, digame, como ! que acha a casaV X agrad$vel, n#o achaV $lhe algum pro(lemaV 9#o, nenhum. O anci#o acenou com a ca(eça. Aico contente. X uma (oa casa. 'equena, ! certo, mas muito simp$tica para se viver. Todos os que por l$ j$ passaram se deram (em. % a si, como ! que lhe correm as coisasV "ssimassim respondi. 'elo menos estou vivo, disse para comigo mesmo. Wim ter consigo porque tenho uma quest#o a colocar7he. O meu tio diz que o senhor ! a pessoa que conhece os terrenos da zona melhor do que ningu!m. O velhote soltou uma risada de satisfaç#o mal disfarçada. 8e h$ coisa que conheço (em ! esta zona. >$ quarenta anos que a minha vida ! fazer negócios aqui. 5ueria perguntarlhe acerca da casa do 8enhor +iSa`aki, aquela que fica por tr$s da minha. Aoi deitada a(aiPo e o terreno vendido, n#o sei se sa(e. >mm fez o anci#o, e apertou os l$(ios ao mesmo tempo que punha uma ePpress#o s!ria, de quem estava a consultar o seu arquivo mental. iria que foi vendida em "gosto Yltimo, depois de ultrapassados todos os pro(lemas relativos ao empr!stimo, aos direitos fift e outros que tais. " empresa imo(ili$ria que aca(ou por ficar com a casa mandoua demolir.
O preçoV 8im, o preço do terreno onde ficava a casa dos +iSa`aki. O velho senhor 7chika`a olhou para mim com sY(ito interesse. Ora (em, o lote tem para cima de trinta e cinco metros quadrados. 9#o chega a cem tsu(o/. 8egundo os preços actuais, um milh#o e meio de ienes o tsu(o. X preciso ver que fica situada numa :ona valorizada, ainda para mais num (airro residencial, ePcelente para viver, virada a sul. 8im, diria que um milh#o e meio. %stamos
=imiteime a assentir com um movimento de ca(eça. %le tirou outro cigarro do maço e (at!u v$rias vezes com a ponta no tampo da mesa. epois, manteveo entre os dedos, sem chegar a acendêlo. edeceu os l$(ios com a ponta da l)ngua. Tal como lhe disse antes, aquele ! um lugar pro(lem$tico. %ntre as pessoas que ali viveram n#o h$ uma repito, nem uma a quem as coisas tenham corrido (em. Tem consciência dissoV Aalando mal e depressa, por mais (aiPo que seja o preço, aquele terreno jamais ser$ uma (oa compra. 7sso n#o o preocupaV Tenho consciência de tudo isso. "l!m disso, mesmo que seja a um preço de mercado inferior, o certo ! que n#o tenho dinheiro para o comprar. Contudo, proponhome encontrar uma maneira de arranjar dinheiro, dê l$ por onde der. 'or isso, gostaria que me mantivesse informado. 'osso contar consigo para me dizer caso haja eventuais oscilaç\es no preço, ofertas de compras e assimV urante algum tempo o anci#o permaneceu mergulhado nos seus pensamentos, de olhos postos no cigarro apagado. epois aclarou ligeiramente a garganta. 9#o se preocupe, tem tempo, t#o cedo o terreno n#o ! vendido, garantolhe. "s coisas só devem aquecer quando estiverem dispostos a vendêlo por tutaemeia, mas eu diria que ainda falta muito para l$ chegarmos. 'or isso, n#o se preocupe que tem todo o tempo do mundo para arranjar o seu dinheiro. 7sto caso esteja realmente interessado na casa. eilhe o meu nYmero de telefone de casa. O velhote apontouo numa pequena agenda preta manchada de suor. epois de ter guardado a agenda no (olso do casaco, cravou os olhos em mim e ficou a olhar fiPamente para a mancha que eu tinha na cara. Aevereiro chegou ao fim mas só em finais de +arço ! que o frio glacial deu mostras de a(randar e um vento t!pido do 8ul se p]s a soprar. 9as $rvores começaram a aparecer as primeiras flores em (ot#o, e outras esp!cies de p$ssaros vieram pousar no jardim. Ainalmente podia sentarme na varanda e passar o meu tempo a olhar l$ para fora.
zero. "inda me so(rava algum do dinheiro deiPado pela minha m#e, mas estava condenado a volatilizarse, num futuro n#o muito long)nquo, pois o certo ! que precisava dele para su(sistir. 9#o tinha tra(alho nem nada que hipotecar para oferecer como garantia. 9o mundo n#o ePistia um Ynico -anco capaz de fazer um empr!stimo a algu!m nas minhas condiç\es, que ! como quem diz, por pura filantropia. 7sto !, teria de fazer aparecer o dinheiro do ar, por artes de magia. % isto quanto antes. avia alturas em que me deiPava ficar sentado numa cadeira a olhar fiPamente para eles durante quase uma hora. Como se estivesse U espera que dali sa)sse a chave secreta que só eu podia decifrar. 'assado alguns dias, por!m, tive uma esp!cie de pressentimentoE 9unca me tocar$ a lotaria. 'ouco depois, o pressentimento transformoume em certeza. 9#o era pondome a caminho da estaç#o para comprar (ilhetes de lotaria e a esperar sentado o dia do sorteio que alguma vez iria resolver os meus pro(lemas. Tinha de usar as minhas faculdades, se queria conseguir o dinheiro pelos meus próprios meios. asguei os dez (ilhetes e deitei os fora. epois fui p]rme diante do espelho da casa de (anho e ePaminei a fundo o meu rosto. ZTem de haver uma maneira, n#oV[, perguntei a mim mesmo. Como seria de esperar, n#o o(tive resposta. Aarto de passar o tempo todo fechado em casa a dar voltas ao miolo, sa) para um passeio pelas redondezas. Caminhei sem rumo, e a cena repetiuse três ou quatro dias a fio. 5uando me cansei de deam(ular pelo (airro, apanhei o com(oio e fui at! 8hinjuku. "o passar em frente da estaç#o, deume vontade de ir at! ao centro. Is vezes, pensei, ajuda reflectir so(re as coisas num cen$rio diferente do ha(itual. %, pensando (em, quando ! que tinha sido a Yltima vez que eu andara de com(oioV %nquanto introduzia as moedas na ranhura da m$quina autom$tica de (ilhetes, quase deu para ePperimentar a t)pica sensaç#o de constrangimento quando uma pessoa faz um gesto a que n#o est$ ha(ituada. &$ tinham passado seis meses ou mais desde a Yltima vez que me aventurara pelas ruas da -aiPa. esde aquele dia em que dei de caras com o homem do estojo e decidi segui lo. epois de tanto tempo, o (arulho e a aglomeraç#o de pessoas na grande cidade deiParamme desorientado, quase a um n)vel f)sico, diria. 8entiame asfiPiado e o coraç#o desatava a (at!r com força só de ver aquela gente toda que ia e vinha. " hora de ponta j$ tinha passado e aquela agitaç#o n#o fazia sentido, mas o certo ! que ao princ)pio senti dificuldade em romper por aquele mar de gente. +ais do que uma aglomeraç#o de pessoas, lem(ravame uma torrente gigantesca capaz de derru(ar casas e afugentar as pessoas, montanha a(aiPo. epois de ter caminhado durante um (ocado, procurei um pouco de calma num caf! que dava para a rua principal e senteime junto a uma grande janela panor_mica. "inda faltava muito para o meiodia e o caf! estava longe de estar cheio. +andei vir um chocolate quente e pusme a ver distraidamente as pessoas que 'assavam l$ fora. 'erdi por completo a noç#o do tempo. 5uinze ou vinte minutos, talvez. e repente, dei por mim a seguir com o olhar todos os +ercedes-enz, jaguar e 'orsche reluzentes que passavam por aquela avenida engarrafada. irseia que cintilavam de uma maneira quase ePcessiva, como se fossem o s)m(olo de alguma coisa, de(aiPo dos raios de sol matinal que (rilhavam após uma noite de chuva. 9#o tinham nem um arranh#o, nem um gr#o de poeira, nem uma mancha. Z%stes tipos têm dinheiro que se fartam, pensei. %ra a primeira vez que pensava uma coisa do g!nero. Olhei para o meu reflePo no vidro da
janela e a(anei a ca(eça. %ra a primeira vez na vida que sa(ia verdadeiramente o que era ter necessidade de dinheiro. "o aproPimarse a hora de almoço a multid#o começou a encher a cafetaria e eu resolvi p]rme a andar dali. 9#o tinha nenhum destino concreto em mente. "o fim de todo aquele tempo, apeteciame simplesmente vaguear pela cidade, mais nada. Aui de uma rua a outra, apenas preocupado em n#o es(arrar com as pessoas que vinham de frente. Wirava U esquerda ou U direita ou seguia sempre a direito, conforme a cor dos sem$foros ou o impulso do momento. e m#os nos (olsos, concentravame no acto f)sico de caminhar fui das ruas principais, com os seus grandes armaz!ns e as suas montras enormes, Us ruelas onde as lojas de pornografia se sucediam umas atr$s das outras, passando pelas ruazinhas muito animadas, cheias de cinemas, e voltei U avenida principal atravessando o recinto silencioso de um santu$rio Pinto)sta. %stava uma tarde amena e mais de metade daquela gente andava na rua sem casaco. e vez em quando soprava um ventinho agrad$vel. Is tantas, dei por mim num cen$rio familiar. Olhei para o ch#o de mosaico a meus p!s. eparei na estatueta e levantei os olhos para a parede de vidro que se erguia diante de mim. %ncontravame no centro de uma praça, diante de um arranhac!us. O mesmo lugar onde tinha ido parar no Wer#o passado, a fim de olhar para a cara das pessoas, a conselho do meu tio. Tinhao feito durante dez dias a fio. "t! dar com aquele homem estranho que levava na m#o o estojo de guitarra, tendo seguido depois atr$s dele at! U entrada de um pr!dio desconhecido, da) resultando ter sido golpeado por ele no (raço esquerdo com um taco de (ase(ol. 'elos vistos, ao errar sem destino pelo (airro de 8hinjuku, os meus passos tinhamme levado ePactamente at! ao mesmo s)tio. Tal como da outra vez, comprei um donut e um caf! no unkin onuts e senteime a comer e a (e(er num (anco em plena praçaO(servei o rosto das pessoas que passavam por mim. "os poucos, sentime invadido por um sentimento crescente de paz e tranquilidade9#o sa(ia ePplicar porquê, mas sentiame ali ePtremamente (em, como se tivesse encontrado um nicho confort$vel numa parede, onde G/: o meu corpo encaiPasse na perfeiç#o. Onde pudesse ver sem ser visto. >$ muito tempo que n#o olhava com olhos de ver, e n#o ! só da cara das pessoas que estou a falar. "perce(ime de que nos Yltimos seis meses apenas tinha visto coisas. 'usme direito no (anco, voltei a o(servar as pessoas, os edif)cios imponentes quase a tocar no c!u azul de 'rimavera, sem nuvens, todos aqueles pain!is com anYncios coloridos e o jornal que algu!m tinha deiPado ali esquecido. eume a sensaç#o de que, U medida que a tarde ca)a, as coisas em redor começavam a recuperar as suas cores. 9a manh# seguinte, tornei a apanhar o com(oio para 8hinjuku. 8entado no mesmo (anco, voltei a perscrutar o rosto dos transeuntes. 'or volta do meiodia (e(i um caf! e comi um donut. "ntes da hora de ponta apanhei o com(oio e regressei a casa. "rranjei qualquer coisa para jantar, (e(i uma cerveja e fiquei a ouvir mYsica na r$dio. 9o dia seguinte repeti a mesma operaç#o. Tal como imaginava, n#o aconteceu rigorosamente nada. 9#o fiz nenhumhuma desco(erta. Como sempre, o enigma continuava a ser um enigma, as perguntas continuavam por responder. %, contudo, tinha a vaga sensaç#o de me estar a aproPimar de qualquer coisa. 5uase dava para constatar essa proPimidade com os meus próprios olhos, quando olhava para o meu reflePo no espelho. " cor da mancha estava mais v)vida, li(ertava mais calor. %m certos momentos cheguei a pensar que a mancha estava viva. Tinha vida própria, como eu. Tal como no Wer#o passado, continuei durante uma semana a fazer a mesm)ssima coisa. "panhava o com(oio das dez e pouco e dirigiame para o centro da cidade, sentavame num dos (ancos da praça de frente para o arranhac!us e ficava ali todo o dia a olhar
quem passava, sem pensar em nada. >avia alturas em que, por algum motivo, os ru)dos U minha volta pareciam afastarse at! que desapareciam. desapareciam. 9essas alturas, a Ynica coisa que me chegava aos ouvidos era o murmYrio profundo e tranquilo da $gua a correr. =em(reime de +alta Fano. Tinhame dito para escutar o rumor da agua. Com ela, todas as conversas iam dar ao elemento $gua. 9#o fne conseguia lem(rar ePactamente das suas palavras. 9em sequer rne lem(rava do seu rosto. " Ynica coisa que recordava era a cor vermelha do seu chap!u de pl$stico. 'or que raio andaria uma +ulher daquelas sempre com um chap!u de pl$stico vermelho na ca(eçaV 'ouco a pouco, os ru)dos U minha volta foram voltando, e eu voltei a concentrar a minha atenç#o no rosto das pessoas. /2 "o fim do oitavo dia aproPimouse de mim uma mulher. 9aquele 9aquele preciso momento, com um copo de papel vazio na m#o, estava a olhar na direcç#o oposta. %st$ a ouvirV insistiu ela. Wireime Wireime e fiPei o olhar no rosto da mulher que estava de p! diante de mim. %ra a mesma mulher de meiaidade que tinha conhecido no Wer#o passado, ali mesmo a Ynica pessoa que se dignara falar comigo ao longo daqueles dez dias. 9unca me passara pela ca(eça que nos pud!ssemos pud!ssemos voltar a encontrar, encontrar, mas o facto de ela voltar a meter conversa comigo pareceume uma consequência lógica do curso natural das coisas. Como da outra vez, estava impecavelmente vestida, tanto no que dizia respeito a cada peça individual de de roupa como em mat!ria de com(inaç#o com(inaç#o de gosto. gosto.
Oitenta milh\es de ienes j$ dava. %la desviou os olhos e levantou o olhar para o c!u, como se estivesse a calcular aquela soma de dinheiroE ora (em, se eu tirar tanto daqui e, em contrapartida, puser tanto ali... "proveitei para estudar a sua maquilhagem, a som(ra suave dos seus olhos, como uma som(ra dos seus pensamentos, a curva delicada das pestanas, que parecia o s)m(olo de qualquer coisa. 9#o se pode dizer que seja propriamente uma quantia pequena disse ela, franzindo ligeiramente os l$(ios. %u diria mesmo que ! uma quantia enorme. %la deitou fora o cigarro, do qual apenas havia fumado um terço, e pisouo cuidadosamente com a sola de um dos sapatos de salto. " seguir, tirou de dentro da mala um estojo de cart\esdevisita e meteume um na m#o, ao mesmo tempo que me diziaE %steja nesta morada Us quatro em ponto, amanh# U tarde. " morada um escritório em +inatoku, no distrito de "kasaka, nYmero tal, nome do edif)cio, nYmero da porta era a Ynica coisa inscrita a caracteres negros no cart#o. 9#o tinha nome. Wireio Wireio mas o verso estava em (ranco. "proPimeio do nariz, mas n#o cheirava a nada. %ra apenas um cart#odevisita, igual a tantos outros. 9#o tem nomeV perguntei. 'ela primeira vez, ela sorriu e a(anou ao de leve a ca(eça. Creio que ! de dinheiro que precisa, n#o ! verdadeV esde quando ! que o dinheiro tem nomeV Wime Wime forçado a concordar com ela. Claro que o dinheiro n#o tinha um nome. 8e o dinheiro tivesse nome, deiParia de ser dinheiro. O que dava realmente significado ao dinheiro era o seu anonimato, o(scuro como a noite, e a sua asfiPiante capacidade de ser trocado. " mulher levantouse do (anco. 'osso contar consigo Us quatroV 8e assim for, f or, arranjase o dinheiroV =ogo se vê... retorquiu ela, com um sorriso a espreitar ao canto dos olhos, a fazer lem(rar um desenho feito pelo vento na areia. Tornou Tornou a olhar para a paisagem em redor e fez menç#o de compor a orla da saia com a m#o. Com passos r$pidos, perdeuse no meio da multid#o. Aiquei a olhar para o cigarro apagado com o p!, para a mancha de (atom vermelho que ela deiPara no filtro. fil tro. "quele vermelhovivo vermelhovivo fezme lem(rar o chap!u de pl$stico de +alta Fano. Fano. 8e alguma vantagem podia esperar dali, era que n#o tinha nada a perder. 'rovavelmente. 'rovavelmente. O que aconteceu na calada da noite 9a calada da noite o menino ouviu ouviu um ru)do perfeitamente perfeitamente n)tido. "cordou "cordou de vez, vez, acendeu Us apalpadelas o candeeiro da mesinhadeca(eceira mesinhadeca(eceira e olhou U sua volta. O relógio de parede indicava que faltava pouco para as duas. O rapazinho n#o fazia a m)nima ideia do que podia estar a acontecer no mundo a uma hora daquelas. Aoi ent#o que o som voltou a fazerse ouvir vindo de fora da janela, disso n#o tinha ele dYvida. 'arecia que estava algu!m a fazer girar uma chave enorme, dando corda a qualquer coisa. +as quem ! que se lem(raria de dar corda a um mecanismo a altas horas da noiteV 9#o, espera, n#o era nada disso. %ra como se estivesse algu!m a dar corda a alguma coisa, mas n#o. "final, era antes o canto de um p$ssaro. O rapaz aproPimou uma cadeira da janela e su(iu para cima dela, afastou a cortina e a(riu a janela um (ocadinho (ocadinho de nada.
costume. e vez em quando, os frondosos fr ondosos ramos do carvalho agitavamse de forma quase lYgu(re ao sa(or do vento, produzindo um ranger desagrad$vel. "s "s pedras do jardim, mais (rancas e lisas do que U luz do dia, estavam estavam viradas para para o c!u, como como o rosto dos mortos. O canto do p$ssaro parecia vir do alto do pinheiroG4. O rapazinho de(ruçouse na janela e olhou para cima, mas daquele _ngulo, tapado pelos ramos grandes e pesados, n#o conseguia vêlo. O menino tinha vontade de sa(er qual era o aspecto dele. Dostaria de memorizar as suas cores, a sua forma, f orma, para, no dia seguinte, procurar o nome do p$ssaro na sua enciclop!dia ilustrada. " sua viva curiosidade G4 'lantado num jardim, o pinheiro ! um s)m(olo de permanência e longevidade. K9. da T.L T.L levarao a acordar, e agora o sono tinha passado. " coisa de que mais gostava no mundo era de procurar o nome dos p$ssaros e dos peiPes na enciclop!dia que os pais lhe tinham oferecido, com os seus grossos volumes alinhados, enchendo por completo uma prateleira da estante. estante. "inda "inda n#o andava andava na escola prim$ria, mas j$ sa(ia sa(ia decifrar as frases com a ajuda de meia dYzia de ideogramas. O p$ssaro, depois de dar a volta U chave umas quantas vezes seguidas, perdeu o pio. O rapazinho perguntou a si próprio se mais algu!m teria ouvido o (arulho. Os seus pais, quem sa(eV " avóV Caso ningu!m tivesse dado por nada, haveria de ser ele a contarlhe tudo, de manh#zinha, tintim por tintimE Us duas da manh#, no alto de uma $rvore do jardim havia um p$ssaro p$ssaro a chilrear que parecia mesmo que estava a dar corda a qualquer qualquer coisa. 8e ao menos pudesse vêlo, nem que fosse de fugida^ 9essa altura poderia dizer a toda a gente como ! que o p$ssaro se chamava. 9o entanto, o p$ssaro p$ssaro n#o voltou voltou a fazerse ouvir. ouvir. Duardava um silêncio silêncio de pedra, l$ no alto do seu pinheiro (anhado pela luz da lua. 'ouco depois, uma lufada de vento gelado penetrou no quarto, quarto, trazendo no ar ar uma advertência. " tremer de frio, o rapaz fechou fechou a janela, desistindo desistindo de ver o p$ssaro. p$ssaro. 9#o se mostrava mostrava com tanta facilidade, facilidade, ao contr$rio contr$rio dos pardais e dos pom(os, isso j$ ele ficara a sa(er. Tinha Tinha lido na enciclop!dia ilustrada que os p$ssaros nocturnos eram quase todos inteligentes e cautelosos. Talvez o p$ssaro sou(esse que ele estava ali, a vigi$lo, pensou. -em podia esperar, que o p$ssaro nunca se mostraria. " criança criança tinha vontade de ir U casa de (anho, mas hesitava em atravessar sozinho o longo e som(rio corredor. 9#o, decidiu ele, o melhor era voltar a meterse na cama. 'odia perfeitamente aguentar at! de manh#zinha. O que o menino viu no lugar do p$ssaro, contudo, foi o vulto de dois homens. "panhado "panhado de surpresa, quase se esqueceu de respirar. >avia dois homens agachados, como som(ras, de(aiPo do pinheiro. %stavam vestidos de escuro, um n#o tinha chap!u, ao passo que o outro tinha um (on! de feltro com pala enfiado enfiado na ca(eça. ca(eça. O que estariam estariam aqueles dois desconhecidos desconhecidos a fazer no jardim da sua casa a meio da noiteV O rapazinho estranhou. 'or que seria que o c#o n#o ladravaV 8e calhar era melhor ir a correr avisar os pais, mas o certo e que n#o conseguia arredar p! da janela. " curiosidade curiosidade era mais forte do que ele. 5ueria ficar a sa(er quais as intenç\es dos homens. Aoi ent#o que, do alto da sua $rvore, o p$ssaro de corda se lem(rou de voltar a cantar. eu umas quantas voltas U chave, fazendo Crc, crie, crie. Os dois homens, esses n#o prestaram atenç#o. atenç#o. 9#o levantaram sequer a ca(eça, ca(eça, nem se mePeram. mePeram. Continuaram ajoelhados, com os rostos perto um do outro. 'areciam falar em voz (aiPa, mas os ramos tapavam a luz da lua e n#o dava para se distinguir as feiç\es. 9#o tardou muito, levantaramse ao mesmo tempo. %ntre eles havia uma diferença de uns (ons vinte cent)metros de diferença de altura. O mais alto Ko do (on!L vestia um casaco comprido o mais (aiPo, roupa cingida ao corpo.
O homem (aiPo aproPimouse da $rvore e permaneceu durante alguns instantes com os olhos fiPos na copa. ']s am(as as m#os so(re o tronco, fêlas deslizar por cima da casca, como se estivesse a inspeccion$la. epois a(raçou o tronco e começou a trepar sem a menor dificuldade Kou pelo menos assim pareceu aos olhos do rapazL. Z'arece um acro(ata de circo[, pensou ele, cheio de admiraç#o. O menino conhecia aquele pinheiro do seu jardim como se fosse um amigo. %scalar o pinheiro n#o era tarefa f$cil. " superf)cie do tronco era lisa e escorregadia e n#o havia um Ynico ponto de apoio at! chegar l$ acima. +as por que motivo algu!m se daria ao tra(alho de su(ir U $rvore, Uquelas horas da noiteV %stariam a tentar capturar o p$ssaro de cordaV O homem alto continuou de p! junto da $rvore, com os olhos cravados na copa. 'ouco depois, o mais (aiPo deiPou de se ver. Wolta e meia ouviase o roçagar dos ramos uns nos outros, sinal de que o homem continuava sempre a su(ir. e certeza que o p$ssaro de corda deveria ter voado ao pressentir que o homem se aproPimava. 'or muito h$(il a trepar Us $rvores, isso n#o significava que fosse capaz de capturar o p$ssaro. Com um (ocadinho de sorte, quem sa(eV, sa(eV, talvez a criança conseguisse dar uma espreitadela espreitadela ao p$ssaro no momento momento de este levantar levantar voo. Com a respiraç#o suspensa, suspensa, o rapaz rapaz deiPouse ali ficar U espera de ouvir o som do (at!r de asas. %sperou, esperou, mas n#o ouviu nada. O p$ssaro n#o voltou a cantar. urante muito tempo n#o se verificou um Ynico movimento, nem um ru)do. %stava tudo (anhado pela luz (ranca e irreal irreal da lua, e o jardim tinha o aspecto hYmido hYmido de um fundo marinho do qual o mar tivesse aca(ado de se retirar. 7móvel, fascinado, o rapaz n#o tirava os olhos do pinheiro e do homem alto que ficara sozinho. +esmo que quisesse, n#o conseguiria desviar a vista daquele espect$culo. " sua respiraç#o em(aciava o vidro da janela. =$ fora, devia estar um frio de morte. O homem alto, ali especado com as m#os na cintura, continuava sempre a olhar para cima. 9unca mudava de posiç#o, como se estivesse congelado. " criança imaginava que ele estivesse preocupado com o seu companheiro mais (aiPo, esperando ansiosamente que ele ePecutasse a sua misteriosa miss#o e descesse do alto do pinheiro. Tinha raz\es para isso a $rvore era mais dif)cil de descer do que de su(ir, isso estava o rapazinho farto de sa(er. e repente, o homem alto afastouse em direcç#o a um s)tio qualquer num passo r$pido e decidido, como se tivesse largado tudo para tr$s. O rapazinho sentiuse a(andonado. O homem (aiPo deiPara de se ver por entre os ramos r amos do pinheiro. O homem alto tinhase ido em(ora. O p$ssaro de corda continuava sem se fazer ouvir. O rapazinho ainda pensou em ir acordar o pai, mas de certeza que ele n#o ia acreditar. iria que tudo n#o passara de mais um sonho. %ra verdade, sim, o menino era muito dado a sonhos, e Us vezes acontecialhe confundir a realidade com o sonho. 8ó que daquela vez era tudo verdade, dissessem eles o que dissessem. O p$ssaro de corda e os dois homens de negro. "contecia que tinham desaparecido todos, ! certo. 8e ele ePplicasse (em as coisas, o pai haveria de acreditar. Aoi ent#o que o rapaz se deu conta de um dado pertur(adorE o mais (aiPo dos homens era muito parecido com o seu pai. Claro que era demasiado (aiPo para ser o seu pai, mas, tirando isso, eram iguaizinhosE a figura, o modo de se movimentar, os gestos. 9#o, n#o podia ser. O pai dele nunca seria capaz de trepar assim por uma $rvore. 9#o era t#o $gil nem tinha assim tanta t anta força. 5uanto mais pensava nisso, menos a criança entendia. 'ouco depois, o homem mais alto regressou para junto da $rvore. esta vez trazia uma coisa em cada m#o uma p$ e um grande saco de pano. O homem deiPou cair o saco por terra e começou começou a cavar junto Us Us ra)zes da $rvore. $rvore. " p$ fazia um ru)do seco seco e persistente. " criança pensou pensou que daquela daquela vez ! que o (arulho ia acordar acordar toda a gente. 'ois se era t#o forte e estridente^ " verdade ! que ningu!m acordou. O homem continuou sempre a cavar, concentrado concentrado na
sua tarefa e sem se preocupar que algu!m o ouvisse. %ra magro, mas vigor era coisa que n#o lhe faltava. O rapazinho perce(ia isso só pela maneira como ele manejava a p$. Tra(alhava Tra(alhava com precis#o e sem desperdiçar forças. +al aca(ou de cavar o (uraco do tamanho que pretendia, encostou encostou a p$ U $rvore e ficou ali a olhar para (aiPo. 9em uma Ynica vez se dignou olhar para cima, completamente esquecido do homem que havia trepado U $rvore. irseia que na sua ca(eça apenas o (uraco ePistia. O rapaz n#o gostou do que viu. Z8e estivesse no lugar dele, preocupavame com o meu amigo que su(ira U $rvore[, pensou ele. 'ela quantidade de terra que o homem tinha cavado, dava para ver que a cova n#o era muito funda. "o rapazinho devia chegarlhe acima do joelho, e pouco mais. O homem parecia satisfeito com com o tamanho e a forma do (uraco. (uraco. Aoi ent#o que, com com todo o cuidado, tirou de dentro do saco um o(jecto envolto num pano negro. 'ela maneira como o homem pegava nele, devia ser uma coisa mole e sem vida. Talvez o homem tivesse a intenç#o de enterrar um cad$ver no (uraco. e tanto (at!r o coraç#o do rapazinho quase parou. " coisa coisa que estava dentro do pedaço de pano, contudo, n#o era maior do que, por ePemplo, um gato. Ou ent#o um (e(!, caso se tratasse do corpo corpo de um ser humano. humano. Z+as por por que dia(o teria o homem homem de o enterrar logo no jardim da minha casaV[, interrogouse o rapaz. 8em querer, o rapazinho engoliu em seco, e o eco da sua saliva no silêncio assustouo. %ra t#o forte que por momentos receou que chegasse aos ouvidos do homem que estava l$ fora no jardim. % foi ent#o, porventura estimulado pelo som do rapaz a engolir a sua própria saliva, que o p$ssaro mec_nico se fez ouvir, lançando um grito muito forte, como se estivesse a dar corda a alguma coisa, fazendo girar uma grande chave. Crie, crie, crie. "o ouvir este grito, o rapaz pressentiu que estava para acontecer algo de muito importante. +ordeu o l$(io e, inconscientemente, p]sse a arranhar os (raços. Teria feito melhor se n#o tivesse assistido a tudo aquilo, mas era tarde de mais. &$ n#o podia afastar os olhos da cena. Com a (oca entrea(erta, apertou o nariz contra o vidro frio da janela e deiPouse deiPouse ficar ali, hipnotizado, hipnotizado, a o(servar o estranho estranho drama que que se desenrolava desenrolava no jardim. eiPara at! mesmo de esperar que algu!m dentro de casa despertasse. O rapaz pensava que ningu!m acordaria, mesmo que os homens fizessem um (arulho dos dia(os. %ra ele a Ynica pessoa viva a ouvir aqueles ru)dos. 7sso era evidente desde o princ)pio. O homem alto agachouse e depositou com cuidado dentro do (uraco aquela coisa envolta num pano preto. epois voltou a p]rse de p! e ficou a olhar. %scondidas %scondidas por detr$s da pala, n#o se distinguiam as suas feiç\es, mas parecia ter um ar s!rio, quase solene. 8im, só podia tratarse de um cad$ver qualquer, qualquer, pensou o rapaz. 'ouco depois, movido por um impulso repentino, o homem pegou na p$ e tapou o (uraco. 5uando aca(ou, acamou a terra com os p!s. eiPou a p$ encostada ao tronco da $rvore e afastouse lentamente com o saco na m#o. 9#o se virou para tr$s nem uma vez. Tam(!m n#o olhou para o cimo da $rvore. O p$ssaro mec_nico calarase de vez. O rapaz voltouse e olhou na direcç#o do relógio de parede. %sforçandose por ver no meio das trevas, conseguiu perce(er que eram duas e meia. 'assou ainda mais dez minutos a vigiar o pinheiro, por entre a fresta f resta das cortinas, na esperança de detectar detectar algum movimento, mas o sono apoderouse dele de uma vez por todas. Como se uma pesada tampa de ferro se tivesse fechado so(re a sua ca(eça. ca(eça. 5ueria sa(er sa(er o que aconteceria ao homem (aiPo no alto da $rvore e ao p$ssaro de corda, mas a verdade ! que n#o conseguia manter os olhos a(ertos. 5uase sem alento para despir o casaco, meteuse na cama e caiu no sono, como se tivesse perdido o acordo de si.
" compra de um par de sapatos novos O que regressou a casa "travessei uma avenida muito animada, cheia de (ares e restaurantes, que parte da estaç#o de metro de "kasaka, at! encontrar, quase a chegar ao cimo de uma ligeira su(ida, o pr!dio de escritórios com seis andares. %ra um edif)cio anónimo e funcional, nem novo nem velho, nem grande nem pequeno, nem luPuoso nem modesto. 9o piso t!rreo funcionava uma agência de viagens, vendose na montra um cartaz representando o porto de +Skonos e um outro dos el!ctricos a descer as ruas de 8an Arancisco. "m(os tinham perdido a cor, como acontece aos sonhos velhos de meses. o lado de l$ do vidro estavam três empregados atarefados, a falar ao telefone ou a escrever no computador. " fachada do edif)cio n#o possu)a nenhumhuma caracter)stica particular. e uma (analidade confrangedora, confrangedora, dirseia dirseia copiada do desenho desenho a l$pis l$pis de um rapazinho rapazinho que andasse na escola ($sica. 9#o seria de estranhar que o arquitecto o tivesse projectado assim, de forma a confundirse com as casas U volta. "t! eu, que chegara Uquela morada seguindo com muita atenç#o os nYmeros, estive quase a passar ao largo sem dar por ele. &unto U entrada para a agência de viagens, havia uma porta solit$ria com a indicaç#o dos diferentes ocupantes do edif)cio. I primeira vista, n#o parecia que pudessem ser apartamentos muito grandes, na sua maior parte ocupados por escritórios de advogados, estYdios de arquitectos, firmas de importaç#o, dentistas. "lgumas das placas eram t#o novas e (rilhantes que reflectiam o meu rosto quando me de(ruçava, mas a do apartamento 3o: estava (aça, prova de que j$ tinha os seus anos. 'elos vistos, h$ muito que a mulher tinha ali o seu escritório. "kasaka "kasaka esign de +oda, liase na porta. "quela placa carcomida pelo tempo de certa maneira tranquilizavame. "o fundo do vest)(ulo havia uma porta de vidro fechada, e 'ara chamar o elevador era preciso tocar U campainha campainha do apartamento apartamento desejado desejado e pedir que a(rissem. a(rissem. Toquei Toquei U campainha do 3o: e olhei em redor, U procura de um sistema de vigil_ncia interno que pudesse estar estar naquele preciso momento a fazer fazer chegar a minha imagem imagem ao +onitor instalado no escritório. esco(ri uma pequena c_mara de televis#o num _ngulo escondido do tecto. 'ouco depois ouviuse o zum(ido que indicava que a porta estava a(erta, empurreia e entrei. 8u(i at! ao sePto andar num elevador a(solutamente (anal e dei quase logo a seguir com a porta do 3o: ao fundo de um corredor sem história. Certifiqueime de que era ali o tal estYdio de design de moda e toquei uma vez U campainha. " porta foi a(erta por um jovem. +agro, de ca(elo curto e feiç\es regulares, era muito provavelmente o homem mais (emparecido (emparecido que alguma alguma vez vira nos dias da minha vida. Confesso, no entanto, que o que realmente me chamou a atenç#o n#o foi tanto a perfeiç#o dos seus seus traços, mas a forma como estava estava vestido. Trazia Trazia uma camisa camisa de um (ranco cintilante e uma gravata verdeescura verdeescura com um estampado miudinho. miudinho. " gravata em si n#o só era elegante como estava posta ePactamente como se vê nas revistas de moda masculinas, o nó dado com todas as voltas e laçadas. 'ela parte que me toca, seria incapaz de fazer um nó assim. Como ! que algu!m conseguiria fazer um nó t#o perfeito, isso era o que eu gostava de sa(er. 8e calhar, estava perante um talento inato. Ou, ent#o, fruto de um treino intensivo. "s calças eram de um cinzentoescuro e calçava mocassins castanhos com (orlas. Tinha tudo um aspecto novo, aca(adinho de estrear. %le era um (ocado mais (aiPo do que eu. 8orria de uma maneira natural e simp$tica, como se tivesse aca(ado de ouvir uma piada divertida. 9#o uma piada vulgar, atenç#o, antes o g!nero de dito sofisticado que um ministro dos 9egócios %strangeiros anterior tivesse partilhado h$ uns (ons anos com o pr)ncipe herdeiro numa recepç#o ao ar livre, suscitando o riso generalizado dos presentes. 5uando ia apresentarme, ele convidoume a entrar, ao mesmo tempo que inclinava ao de leve a ca(eça, num gesto que interpretei
como querendo dizer que n#o era preciso dizer nada. Com a porta a(erta para dentro, fezme sinal para passar e, depois de lançar uma olhadela r$pida ao corredor, fechoua. fechoua. urante o tempo todo n#o disse uma palavra. Olhou para mim e piscou ligeiramente os olhos, como quem pede desculpa por n#o poder falar por causa da pantera negra muito nervosa profundamente adormecida a seu lado. "tenç#o, "tenç#o, ! ó(vio que n#o estava ali pantera nenhumhuma. nenhumhuma. 8implesmente, 8implesmente, era essa a impress#o que dava. dava. o outro lado da porta havia uma esp!cie de sala de visitas. Com um div# e duas poltronas de couro couro com um aspecto aspecto muito confort$vel confort$vel e, ao lado, um (engaleiro (engaleiro de madeira antigo e uma candeeiro de p!. 9a parede do fundo viase uma porta que devia conduzir a outra divis#o. &unto da porta, encostada U parede, havia uma simples escrivaninha de carvalho com um grande computador em cima. iante do sof$, uma mesa t#o pequena que só daria para uma agenda telefónica. aSdn. 9as paredes estavam penduradas G4V v$rias gravuras encantadoras representando representando flores e aves. -astoume olhar para ver que aquele espaço estava todo ele impecavelmente limpo e arranjado. 9as estantes de parede alinhavamse alinhavamse amostras de tecido e revistas de de moda. Os móveis móveis n#o eram nem nem luPuosos nem novos, mas transmitiam uma reconfortante impress#o de aconchego e familiaridade. O jovem conduziume ao sof$ e foi sentarse atr$s da secret$ria. "(riu am(as as m#os e, com as palmas a(ertas, fezme sinal para esperar. %s(oçou %s(oçou um sorriso de desculpas e levantou um dedo para me dizer que n#o teria de esperar muito tempo, um minuto apenas. 'irseia que n#o precisava de palavras para comunicar com o seu interlocutor. "ssenti com um movimento de ca(eça, como quem diz que perce(eu a mensagem. Aalar diante dele teria sido, aos meus olhos, vulgar e impróprio. O jovem pegou cuidadosamente num livro que estava ao lado do computador, como se fosse um o(jecto fr$gil, e a(riuo na p$gina que estava a ler. %ra um volume grosso e preto. Como n#o tinha capa n#o dava para ver o t)tulo, mas a partir do momento momento em que o a(riu ele concentrouse totalmente na leitura. 'arecia terse esquecido por completo da minha presença. Tam(!m Tam(!m a mim me apetecia ler qualquer coisa para matar o tempo, mas n#o havia ali nada U m#o. %m desespero de causa, cruzei as pernas e recosteime no assento, concentrandome concentrandome na mYsica de >aSdn Kainda que n#o fosse jurar a p!s juntos que fosse >aSdnL, encostado no sof$ e com as pernas cruzadas. 9#o se podia dizer que fosse propriamente m$, como mYsica, mas dava a sensaç#o de se desvanecer no ar no instante em que soava aos nossos ouvidos. %m cima da secret$ria, tirando o computador, havia um telefone preto normal, um suporte para l$pis e um calend$rio de mesa. %u levava uma indument$ria parecida com a do dia anteriorE (lus#o de (ase(ol, calças de ganga e t!nis. 'ara dizer a verdade, vestira a primeira coisa que tinha encontrado antes de sair de casa, mas ali, naquela sala impec$vel, os meus t!nis tinham o aspecto de ter sa)do do caiPote do liPo. 9#o, n#o era só o aspecto, estavam realmente gastos e sujos. O calcanhar, todo cam(ado, fora U vida, o (ranco original transformarase num cinzento indefinido, e at! um ouraco de lado tinham. "queles t!nis tinham passado por muito e visto de tudo, era caso para dizer que estavam fatalmente impregnados das minhas vivências. 9o Yltimo ano usara aqueles sapatos praticamente todos os dias. Com os meus t!nis tinha saltado o muro nas traseiras da minha casa vezes sem conta, calcorreado a azinhaga pisando ePcrementos de animais, at! descera com eles postos ao fundo do 'oço. 9#o era de estranhar que estivessem sujos e aca(ados. 'ensando (em, n#o voltara a pensar nos sapatos que havia de p]r ou n#o p]r desde que tinha deiPado de tra(alhar. "gora, "gora, ali sentado a olhar para eles e a ePaminar
at!ntamente os p!s, tive n)tida consciência da minha solid#o e da minha crescente marginalizaç#o. marginalizaç#o. 'ensei que era tempo de comprar um novo par de sapatos. "queles estavam um nojo. " certa altura a mYsica de >aSdn chegou ao fim, f im, de um modo t#o (rusco que nem parecia um final. "pós um curto silêncio começou começou a tocar um concerto para harpa harpa de -ach Kpelo menos parecia -ach, mas tam(!m neste caso n#o posso jurarL. 8entado no sof$, cruzei e descruzei as pernas n#o sei quantas vezes. Tocou o telefone. O jovem colocou um pedacinho de papel entre as p$ginas do livro que estava a ler e fechouo, depois p]lo de lado e atendeu. %scutou com atenç#o, assentindo volta e meia com a ca(eça. AiPou o olhar no calend$rio de secret$ria, fez uma marca qualquer com um l$pis e, por fim, aproPimou o auscultador do tampo da mesa e deu dois toques com os nós dos dedos, como se estivesse a (at!r a uma porta. esligou. avia dois manequins de corpo inteiro. 9a janela, em vez da persiana, ca)am dois espessos espessos cortinados, um de renda e o outro outro de tecido, completamente corridos, de forma a n#o deiParam entrar o menor resqu)cio de luz. " luz do tecto estava apagada, e a Ynica luz, sumida, era de um pequeno candeeiro de p!. O quarto estava mergulhado na penum(ra, como ao entardecer de um dia nu(lado. 8o(re a mesinha, diante do sof$, havia uma jarra de vidro cheia de glad)olos (rancos. "s "s flores eram frescas, pareciam aca(adas de apanhar. " $gua era cristalina. 9#o se ouvia mYsica. 9#o se via nem relógio nem quadros quadros nas paredes. paredes. O jovem fezme sinal para me sentar. O(edecendo O(edecendo Us suas instruç\es, senteime no sof$ Kt#o confort$vel como o outroL. o (olso tirou uma esp!cie de óculos de nataç#o e mostroumos. %ram uns óculos normal)ssimos de (orracha e pl$stico, como aqueles que eu costumava usar para nadar na piscina. "gora, por que carga de $gua ! que ele os
usava num lugar daqueles, isso ! que eu n#o conseguia imaginar. 9#o tenha medo disse ele. izer, propriamente n#o disse. =imitouse a mePer os l$(ios, como se falasse, e tam(!m os dedos. 'ela minha parte, fiz um sinal afirmativo com a ca(eça. Tinha perce(ido a mensagem. 'onha estes óculos. % deiPese ficar com eles at! que eu lhos tire. 9#o se mePa at! eu lhe dizer. %ntendeuV Aiz outra vez que sim com a ca(eça. 9ingu!m lhe quer fazer mal. 9#o se preocupe. "ssenti. "ssenti. O jovem colocouse atr$s do sof$ e p]sme os óculos, ajustandoos ao tamanho da minha ca(eça. " diferença diferença que havia entre aqueles óculos e os que eu costumava usar era que com estes n#o se via rigorosamente nada. " parte do pl$stico transparente tinha sido co(erta com uma camada opaca de tinta. %stava mergulhado na mais perfeita escurid#o artificial. 9#o via a ponta de um corno. 9em sequer sa(eria dizer onde estava o candeeiro de p!. Tinha a ilus#o de que a minha 'essoa havia sido co(erta da ca(eça aos p!s por uma espessa camada de qualquer coisa. O jovem pousou delicadamente as m#os so(re os meus om(ros, como que para me encorajar. Tinha os dedos esguios e delicados, mas n#o se podia dizer que fossem fr$geis. Tinham Tinham um sentido da própria ePistência estranhamente definido, como quando
(arulho. Continuei sempre sempre na mesma mesma posiç#o, virado para a frente. " marca na minha cara parecia estar a ficar mais quente. 'rovavelmente, a cor tam(!m estava mais viva. " mulher estendeu a m#o G43 com ePtremo cuidado, pousou os dedos na mancha, como se p8tivesse a tocar num o(jecto fr$gil e precioso. epois, começou a acarici$la suavemente. 9#o sa(ia nem como reagir, nem como ! que que ela esperava esperava que eu reagisse. reagisse. 8ó sei que que me sentia o mais distante da realidade que ! poss)vel imaginar. ominavame uma estranha sensaç#o de distanciamento, distanciamento, como se estivesse a tentar saltar de um ve)culo para outro que se movimentasse a uma velocidade velocidade superior. superior. % era nesse nesse espaço entre um e outro que eu ePistia. Transformarame Transformarame numa casa vazia, como a casa desa(itada dos +iSa`aki. " mulher entrara nessa casa vazia e, por qualquer raz#o que me escapava, passava as m#os pelas paredes paredes e pelas colunas. Aosse Aosse qual fosse a raz#o de ser do seu comportamento, ao transformarme na casa vazia Kporque n#o era mais do que issoL, n#o valia a pena fazer nada. e certa maneira, aquela ideia tranquilizoume. " mulher n#o disse uma palavra. Tirando Tirando o roçagar das suas roupas, na divis#o reinava um silêncio profundo. " mulher mulher tocavame na pele com as pontas dos dedos, como se procurasse ler num manuscrito secreto secreto as letras pequenas, pequenas, gravadas gravadas em tempos antigos. antigos. 'ouco depois, deiPou de me acariciar. =evantouse do sof$, foi colocarse atr$s de mim e, em vez dos dedos, usou a ponta da l)ngua. ']sse ent#o a lam(er a mancha, tal como h$ tempos fizera +aS Fasahara no jardim. " forma como me lam(ia era mais ePperiente que a de +aS Fasahara. " l)ngua aplicavase delicadamente delicadamente so(re a minha pele, sa(oreava, sa(oreava, chupava e estimulava a minha minha mancha variando variando a press#o, mudando de _ngulo e de movimentos. 8enti um langor quente e viscoso no (aiPoventre. 9#o queria ter uma erecç#o. 9#o fazia qualquer sentido, mas nada podia fazer para o impedir. %sforceime por me identificar ao m$Pimo com uma casa vazia. 7magineime so( a forma de uma coluna, de uma parede, de um tecto, de um pavimento, de um telhado, de uma janela, de uma porta, de uma pedra. 9aquele momento pareciame a coisa mais razo$vel a fazer. Aechei os olhos e separeime da minha pessoa f)sica, com os seus t!nis todos sujos, os estranhos óculos de nataç#o postos, a erecç#o que n#o vinha nada a calhar. eiPar eiPar o meu corpo em pensamento n#o ! t#o dif)cil assim. "o fazêlo, fico logo muito mais U vontade, (ertome do sentimento de em(araço. %ra um jardim invadido por ervas daninhas, a est$tua de um p$ssaro que n#o podia voar, um poço sem $gua. 8a(ia que a mulher estava dentro da casa desa(itada que era eu. 9#o podia vêla, mas isso era o menos. 8e ela procurava aguma coisa, teria todo o gosto em lha proporcionar. 'erdi gradualmente a noç#o do tempo. o tempo em todas as suas diferentes dimens\es. &$ n#o sei por que tempo me oriento epois, a consciência volta lentamente para dentro do meu corpo ao mesmo tempo que a mulher parece estar de partida. Aaz menç#o de sair da sala t#o silenciosamente como entrouE o roçagar da roupa o aroma suave de perfume, o som de uma porta a a(rir a(rir e a fechar 'arte da minha consciência consciência ainda ali se encontra, como uma casa a(andonada. a(andonada. "o mesmo tempo, estou aqui, sentado neste sof$, como sendo eu próprio. % perguntome o que devo fazer a seguir. "inda n#o me sinto capaz de decidir qual das duas personalidades ! a real. 'ouco a pouco, tenho a sensaç#o de que a palavra Zaqui[ começa a dividirse em duas no meu interior. %stou aqui, mas tam(!m estou aqui. Tanto um me parece real como o outro. 8entado no sof$, mergulho nesta estranha dissociaç#o. 'ouco depois a porta torna a a(rirse e entra algu!m na sala. 'elo andar, adivinho que se trata do jovem. econheço os seus passos. Colocase atr$s de mim e li(ertame dos óculos de nataç#o. O quarto est$ Us escuras, a Ynica luz ! a do candeeiro de p!. %sfrego
os olhos com as palmas das m#os a fim de os ha(ituar ao mundo real. O jovem enverga agora o casaco que faz parte do fato. " cor da gravata faz so(ressair Us mil maravilhas o cinzentoescuro com laivos de verde do casaco. Com um sorriso, ele pegame delicadamente no (raço, ajudame a levantar e conduzme at! U porta do fundo. "(re a porta, que d$ para uma casa de (anho. Tem retrete e uma pequena ca(ina de duche. -aiPa a tampa da retrete, para eu me sentar enquanto ele a(re a torneira do duche. %spera pacientemente que a $gua saia quente. 5uando a $gua atinge a temperatura adequada, fazme sinal com a m#o para tomar (anho. esem(rulha um sa(onete novo e entregamo. 8ai da casa de (anho e fecha a porta. 'or que ! que tenho de tomar (anho assimV 'or alguma raz#o h$de ser. "ssim que me dispo, tenho a resposta. %jaculei sem dar conta, tenho a minha roupa interior manchada. e p! de(aiPo da $gua quente, lavome escrupulosamente com o sa(onete que ! novo e verde. %nsa(oo o esperma que ficou agarrado aos pêlos pY(icos. 8aio do duche e secome com uma toalha grande. &unto da toalha, ainda dentro das respectivas em(alagens, encontro um par de (oPers e uma camisola interior da marca Calvin Flein, am(os do meu tamanho. 'rovavelmente a minha ejaculaç#o estava prevista. Olho por momentos para a minha cara reflectida no espelho, mas a minha ca(eça n#o est$ a funcionar como deve ser. e qualquer modo, ponho a roupa suja no cesto e visto os calç\es (rancos e limpos e a camisola interior (ranca e limpa que me arranjaram. " seguir visto as calças de ganga e enfio a s`eatshirt pela ca(eça. Calço as meias e os t!nis sujos. 8ó ent#o saio da casa de (anho. I minha espera, l$ fora, est$ o jovem. "companhoume U sala onde havia estado antes. O aspecto da divis#o era o mesmo. O livro continuava pousado so(re a escrivaninha ao lado do computador. as colunas sa)am trechos de mYsica cl$ssica de compositores desconhecidos. O jovem euioume at! ao sof$ e trouPeme um copo de $gua fresca. -e(i metade. Z8intome cansado[, disse eu, mas nem parecia a minha voz. "l!m do mais, n#o tinha intenç#o de dizer aquilo. %ra como se a minha voz tivesse falado independentemente da minha vontade, por sua própria iniciativa. "inda assim, era a minha voz. O jovem assentiu com a ca(eça. Tirou um so(rescrito (ranco do (olso interior do casaco e fêlo deslizar para dentro do (olso interior do meu (lus#o de (ase(ol. epois voltou a acenar ao de leve com a ca(eça. Olhei l$ para fora. O c!u estava escuro e os anYncios de n!on, as luzes dos pr!dios de escritórios, a luz dos candeeiros e os faróis dos carros iluminavam as ruas. e repente senti uma necessidade imperiosa de sair daquele lugar. =evanteime em silêncio, atravessei a sala, a(ri a porta e vimme em(ora. O jovem, de p! U frente da secret$ria, seguiume com o olhar mas, como seria de esperar, n#o disse nada. 9#o es(oçou um gesto para me impedir de sair dali. " estaç#o de "kasaka+itsuke estava apinhada de gente que regressava a casa depois do tra(alho. 8em a m)nima vontade de respirar o ar viciado do metro, decidi seguir a p! o mais longe poss)vel. 'assei diante do edif)cio do governo destinado aos dignit$rios estrangeiros e fui andando sempre at! chegar U estaç#o de *otsuSa. epois continuei pelo (airro de 8hinjuku, entrei num cafezinho e pedi uma cerveja. +al dei um gole, aperce(ime de que tinha era fome e mandei vir um prato simples. ei uma olhadela ao relógio de pulso e reparei que eram quase sete da tarde. 'ensando (em, que import_ncia tinha, que diferença fazia as horas que eramV e repente, senti que tinha qualquer coisa no (olso interior do casaco. %squecerame por completo do so(rescrito que o jovem me entregara U sa)da.
coisa viva a suster a respiraç#o. epois de uns momentos de hesitaç#o, a(ri o so(rescrito de qualquer forma teria sempre de o fazer, mais cedo ou mais tarde. entro estava um maço de notas de dez mil ienes, novinhas em folha, sem uma ruga nem um vinco. e t#o novas nem pareciam verdadeiras, mas n#o tinha raz#o para pensar que n#o o fossem. "o todo, havia vinte notas. Conteias para ter a certeza. 9#o havia dYvidaE eram vinte. uzentos mil ienes. Duardei o dinheiro dentro do so(rescrito e metio no (olso " seguir peguei no garfo e pusme a olhar estupidamente para ele por nenhumhuma raz#o especial. " primeira coisa que me veio U ca(eça foi que com aquele dinheiro devia comprar uns sapatos novos para mim. %stava mais do que precisado de um par. 'aguei a minha conta voltei para tr$s e entrei numa grande sapataria que dava para a "venida 8hinjuku. %scolhi uns t!nis azuis normal)ssimos e indiquei ao empregado o nYmero que calçava. 9em sequer perguntei o preço. epois de os ePperimentar e ver que me serviam, anunciei que os levava j$ calçados. epois de enfiar com destreza os atacadores (rancos, o empregado de meiaidade Kque podia muito (em ser o dono do esta(elecimentoL quis sa(erE Z% o que fazemos com os sapatos que trazia calçadosV[ espondilhe que podia deit$los fora, mas depois mudei de ideias e disse que afinal sempre os levava comigo. >$ ocasi\es em que ! Ytil ter U m#o um velho par de sapatos para sujar comentou ele com um sorriso cordial. Como quem diz que estava mais do que ha(ituado a ver sapatos t#o sujos como os meus todos os dias. %m seguida guardou os sapatos velhos na caiPa dos novos e meteu a caiPa dentro de um saco de papel com asas. "li enfiados dentro da sua nova caiPa, os velhos t!nis pareciam o cad$ver de um animalzinho pequeno. 'aguei a despesa com uma das notas de dez mil ienes sem uma ruga que tirei de dentro do so(rescrito e rece(i de troco umas quantas notas de mil ienes n#o t#o novas quanto isso. epois, peguei no saco que tinha l$ dentro os sapatos velhos, fui apanhar o com(oio que sa)a da linha de OdakSu e regressei a casa. +isturado com as pessoas que regressavam a suas casas, agarrado a uma das correias da carruagem, comecei a enumerar as coisas novas que trazia vestidas naquele momento uns calç\es novos, uma camisola interior nova, uns sapatos novos.
Fano. 7r ter ao local indicado, ir para a cama com um desconhecido e ser remunerado por isso. 'ela parte que me tocava, n#o tinha chegado a dormir com a mulher Ksó me tinha vindo sem despir sequer as calçasL, mas, tirando isso, era quase o mesmo. " troco de uma consider$vel quantidade de dinheiro, entregara o meu corpo a uma pessoa qualquer. eflecti so(re isto enquanto (e(ia o meu ch$. "o longe, um c#o ladrava. 5uase a seguir, passou um helicóptero. 9#o havia maneira de os meus pensamentos fazerem sentido. Woltei a sentarme na varanda e fiquei ali a olhar para o jardim U luz do entardecer. 5uando me fartei, comecei a olhar para as palmas das minhas m#os. 5uem diria que eu me transformaria numa prostituta^ 5uem imaginaria que um dia eu seria capaz de vender o meu corpo por dinheiroV Ou que a primeira coisa comprada com o dinheiro fossem uns t!nisV "peteciame respirar o ar fora de casa, vai da) decidi ir Us compras no (airro. 'usme a caminho com os meus t!nis novos. Draças a eles, tinha a sensaç#o de ser uma pessoa nova, diferente da que at! ent#o havia sido. "os meus olhos, a paisagem em redor, o rosto das 'essoas que se cruzavam comigo, tudo era diferente. 9o supermercado na zona comprei legumes, ovos, leite, peiPe e caf! em gr#o. 'aguei com o dinheiro que rece(era de troco na sapataria. Tinha vontade de confessar U senhora da caiPa, uma quarentona de cara redonda, que aquele dinheiro fora ganho na noite anterior vendendo o meu corpo, tinha arrecadado duzentos mil ienes. 9ada mais nada menos que duzentos mil ienes^ % pensar que no escritório de advogados onde costumava tra(alhar me pagavam pouco mais de cinquenta mil ienes 'or mês, matandome a fazer horas ePtraordin$rias dia sim dia sim. Tinha uma vontade imensa de lhe dizer isso mesmo. Como ! ó(vio por!m, caleime (em calado. %ntregueilhe o dinheiro e rece(i em troca um saco de papel com as compras.
ferro de um tamanho que nem o próprio Dodzilla teria conseguido derru(ar, e isto com vigil_ncia assegurada vinte e quatro horas por dia por uns guardas que mais parecem ro(]s n#o tanto para impedir a pptrada dos que vêm de fora, mas sim para impedir a sa)da dos que j$ est#o dentro. "gora est$ na altura de me fazeres a perguntinha da ordem. Z'or que carga de $gua ! que aceitaste ir para esse s)tio se j$ sa(ias que era assim t#o pavorosoV[ Tens raz#o, mas a verdade ! que n#o tive outro rem!dio. 'or causa de todos os pro(lemas que causei, aquela foi a Ynica escola que fez o Zfavor[ de me aceitar, al!m de que eu estava mortinha por sair de casa. 'or isso, mesmo sa(endo que se tratava de um s)tio horr)vel, decidi fazer a ePperiência. "s pessoas u8am a palavra Ztene(roso[, mas garantote que aquilo era pior. luro que at! pesadelos tive naquele lugar, e que passava as noites a acordar alagada em suor e a pensar com os meus (ot\es que o melhor era n#o acordar, que a realidade era infinitamente pior. Compreendes o que te digo, senhor '$ssaro de CordaV 8er$ que alguma vez desceste a um infermo semelhanteV 7sto para te contar que passei apenas seis meses nesta escolapris#odecincoestrelas. 5uando regressei a casa para as f!rias da 'rimavera, anunciei aos meus pais que preferia suicidarme a voltar para l$. isse que estava disposta a enfiar três tamp\es higi!nicos na garganta e a (e(er toneladas de $gua, que cortaria os pulsos com uma l_mina, que me atiraria de ca(eça do telhado da escola. % olha que n#o estava a (rincar, era a s!rio. Os meus pais, os dois juntos, têm menos imaginaç#o do que uma r#, mas quando falo com eles U s!rio, perce(em que n#o se trata de uma simples ameaça. 8a(em disso por ePperiência. 'osto isto, n#o voltei a p]r os p!s naquela maldita escola. esde finais de +arço e at! princ)pios de "(ril, fiquei metida em casa a ler, a ver televis#o, ou simplesmente a n#o fazer nada. 'ara a) umas cem vezes por dia pensavaE Z%stou cheia de saudades do senhor '$ssaro de Corda.[ 'or mais vontade que tivesse de atravessar a ruela, de saltar o muro e de ir dar um passeio contigo, era mais f$cil de dizer do que de fazer. 'orque teria sido uma mera repetiç#o do ver#o passado. % foi assim que fiquei por casa, a olhar para a viela Hda janela do meu quarto e a pensar no que estaria o senhor '$ssaro de Corda a fazer naquele momento... 5ue tipo de vida seria a do p$ssaro de Corda, por aqueles (elos dias de 'rimavera que tinham a'arecido com passinhos de l# e tomado conta do mundoV Fumiko ter$ voltado para casaV 5ue seria feito daquelas duas estranhas irm#s, +alta Fano e Creta FanoV 9o(oru RataSa Katenç#o, refirorrbe ao gatoL, j$ estaria de regressoV % a mancha na cara, teria desaparecidoV
tudo animais pequenos, tipo pav\es e tePugos. Tem uma residência, e ! a) que eu vivo. Tenho direito a um quarto só para mim, n#o t#o (onito como o da escolapris#ode cincoestrelas, mas n#o ! mau de todo. %stou a escreverte no meu quartinho, sentada a uma minYscula secret$ria, ao lado de um guardaroupa m)nimo, sem grandes decoraç\es U vista e tudo pensado de forma a ser funcional e pr$tico. %m cima da secret$ria est$ um candeeiro, uma ch$vena de ch$, o papel de carta para te escrever e um dicion$rio. 'ara te ser franca, quase nunca uso o dicion$rio. 9#o gosto de dicion$rios, pronto. 9#o gosto do aspecto que têm e n#o gosto do que vem l$ dentro. 8empre que me vejo o(rigada a usar um, faço uma careta e pensoE 5uem ! que precisa de sa(er istoV 8ou daquelas pessoas que n#o se d#o (em com dicion$rios. "gora imagina que vou U procura da palavra Ztransiç#o[ e l$ diz qualquer coisa comoE Zpassagem de um estado de coisas, de uma condiç#o a outra[. % depoisV O que ! que isso tem que ver comigoV Wai da), a simples vis#o de um dicion$rio na minha mesa de tra(alho ! o mesmo que estar a olhar para um c#o que n#o conheço de parte nenhumhuma e que aca(ou de deiPar um monte retorcido de merda de c#o no nosso relvado das traseiras. O que n#o impede que tenha comprado um dicion$rio, isto por pensar que ia verme o(rigada , a procurar algumas palavrinhas quando tivesse de te escrever, senhor p$ssaro de Corda. 5uanto ao meu quarto, ! o quarto ideal para uma adolescente romo eu ou talvez n#o. 9#o, vendo (em funciona mais como uma esp!cie de moderna cela para prisioneiros acusados de terem cometido a primeira ofensa. %m cima da estante tenho o leitor de cassetes que trouPe de casa Kaquele grande, lem(raste, senhor '$ssaro de CordaVL e neste momento estou a ouvir -ruce 8pringsteen. Como estamos num domingo U tarde e j$ (azou toda a gente, posso ter o som a altos (erros que ningu!m se queiPa. "ctualmente, a minha Ynica divers#o consiste em ir aos finsdesemana U cidade e comprar meia dYzia de cassetes numa loja de discos que l$ ePiste. K=ivros, quase nunca compro quando me apetece ler, encontro o que preciso na (i(lioteca.L " rapariga do quarto ao lado do meu, com quem me dou (astante (em, comprou um carrito e volta e meia d$me (oleia at! U cidade. %, n#o vais acreditar, mas ela temme dado umas aulas de conduç#o. O que por aqui n#o falta ! espaço e h$ s)tios de so(ra para praticar quando quero e me apetece. "inda n#o tenho carta nem nada que se pareça, mas j$ me safo razoavelmente (em. 'ara dizer a verdade, e U parte comprar as cassetes na tal loja de mYsica, a cidade n#o oferece grande divertimento. 'or aqui, as outras raparigas passam o tempo a dizer que davam em maluquinhas se n#o fosse a ida U cidade uma vez por semana, mas, pela minha parte, confesso que prefiro mil vezes ficar aqui sozinha, entretida a ouvir a minha mYsica preferida.
n#o queria e por que raz#o ! que tu n#o devias fazer aquilo, aca(aria no entanto, por ficar confusa e por n#o sa(er de que terra era e provavelmente, aproveitarteias da situaç#o para me violar. 8ó de pensar nisso o meu coraç#o começava a (at!r desalmadamente, e eu achava tudo aquilo de uma injustiça atroz. X evidente que tu n#o fazias a m)nima ideia do que me ia no pensamento. 9#o achas isto tudo uma estupidezV "posto que achas. 9#o faz sentido, j$ sei, mas naquela altura, para mim aquilo era uma quest#o terrivelmente s!ria julgo que foi por isso que tirei a escada e fechei a tampa, deiPandote sozinho no fundo do poço. %ra como se estivesse a dar o assunto por encerrado. Tu deiParias de fazer parte da minha vida e eu ficaria em paz e j$ n#o teria de dar voltas U ca(eça com pensamentos daquele g!nero. 'eço que me desculpes. "gora sei que nunca deveria ter feito semelhante coisa Knem a ti nem a ningu!m, ! (om de verL. O que acontece ! que, por vezes, ! superior Us minhas forças. Tenho perfeita consciência do que estou a fazer, mas, ao mesmo tempo, n#o o posso evitar. X o meu calcanhar de "quiles, se quiseres. Tenho a certeza de que tu, senhor '$ssaro de Corda, nunca me saltarias para a espinha e nunca serias capaz de me violar. 9#o me perguntes porquê, mas sei. 7sso n#o quer dizer que n#o o pudesses fazer Kporque ningu!m sa(e o que pode acontecer nesta vidaL, mas que pelo menos jamais o farias para me pertur(ar as ideias. 9#o consigo ePplicar melhor, mas ! essa a sensaç#o que tenho. -om, j$ chega desta história da violaç#o. 'assemos a outro cap)tulo. Como te ia dizendo, quando saio com um rapaz sou incapaz de concentrar a minha atenç#o nele, sa(esV +esmo que esteja ali U conversa e a sorrir e tudo, a minha ca(eça passa o tempo todo a vaguear por outro lugar, como um (al#o ao qual cortaram a guita.
O gato dormia com as patas da frente do(radas de(aiPo do corpo, tapando o focinhito com a cauda. " princ)pio ronronava com força, mas depois o som foise tornando cada vez mais d!(il e, ao fim de um certo tempo, mergulhou num sono profundo, (aiPando completamente a guarda. 8entado ao sol na varanda, eu fazialhe festas mas tendo o cuidado de n#o o acordar. Tinham acontecido tantas coisas na minha vida que, para ser franco, at! me esquecera que o (ichano andava desaparecido. " verdade, por!m, ! que a simples presença nos meus joelhos daquele animal pequeno e meigo, profundamente adormecido e confiante, me tocava fundo. 'us a m#o so(re o peito dele e senti o seu coraç#o palpitar. Os (atimentos eram eves e distantes. O seu coraç#o, igual ao meu, marcava incessantemente o tempo, sem tr!guas. 9#o imaginava por onde teria o gato andado durante aquele ano, nem o que teria feito, nem por que regressara assim de um momento para o outro. Dostaria de lhe ter feito todas estas e outras perguntasE ZOnde estivesteV 5ue diacho fizeste durante quase um anoV % onde deiPaste o rasto de todo o tempo que passouV[ Aui (uscar uma almofada velha e deitei o gato em cima dela. Tinha o corpo mole como um monte de roupa aca(ada de lavar. 5uando peguei nele ao colo, entrea(riu as frestas dos olhos, a(riu ligeiramente a (oca como se fosse miar, mas n#o fez nenhum som. %nroscouse em cima da almofada, (ocejou e voltou a adormecer. "o vêlo a dormir descansado, fui U cozinha e trat!i de arrumar o resto da comida que tinha comprado, guardei o tofu, os legumes e o peiPe no frigor)fico. 9#o fosse o dia(o tecêlas, ia deitando uma olhadela U varandaE o gato continuava a dormir na mesma posiç#o. T)nhamoslhe dado o nome de 9o(oru RataSa porque o seu olhar fazia lem(rar o do irm#o de Fumiko, mas n#o era esse o seu verdadeiro nome. "ca($ramos por nunca lhe dar outro, isto j$ l$ iam seis anos. "gora, por!m, nem por (rincadeira podia continuar a chamar7he 9o(oru RataSa. urante aqueles seis anos, a figura do verdadeiro 9o(oru RataSa tinha adquirido contornos (em palp$veis, na qualidade de homem pY(lico e conhecido so(retudo agora, que tinha sido eleito para a C_mara dos eputados e n#o fazia sentido continuar a chamar isso ao nosso gato. %nquanto o gato estivesse comigo, tinha de lhe dar um novo nome e quanto mais depressa, melhor.
"parentemente devia ter acordado durante a noite e lam(ido o corpo de alto a (aiPo, porque a lama e as (olas de pêlo tinham desaparecido. irseia que recuperara o seu aspecto de antigamente. %streiteio nos meus (raços, deilhe o pequenoalmoço e mudeilhe a $gua. epois afasteime um (ocadinho e chameiE ZCavala "nda c$^[ I terceira vez, dignouse olhar na minha direcç#o e soltou um pequeno miado. %stava na hora de começar o meu dia. O gato voltara para casa, para mim, e eu só tinha era de andar para frente. Tomei duche e engomei uma camisa lavada, vesti as minhas calças de algod#o e calcei os meus novos t!nis. O c!u estava ligeiramente nu(lado, mas, como n#o fazia frio, decidi n#o vestir casaco e levar antes uma camisola mais grossa. "panhei o com(oio e sa) na estaç#o de 8hinjuku. Como sempre, atravessei pela passagem su(terr_nea para chegar U praça que ficava ao p! da sa)da oeste, e senteime no (anco do costume. " mulher apareceu j$ passava das três. 9#o pareceu surpreendida por me encontrar ali, nem eu me surpreendi ao vêla aproPimarse. O nosso encontro era a coisa mais natural do mundo. 9em sequer nos cumpriment$mos, como se tiv!ssemos com(inado de antem#o aquele encontro. 'ela minha parte, levantei os olhos para ela, e ela entrea(riu ligeiramente os l$(ios num sorriso. Trazia vestido um top de algod#o cor de laranja muito primaveril, uma saia justa cor de top$zio, e usava umas pequenas argolas de ouro nas orelhas. Como sempre, sentouse ao meu lado, tirou um maço de Wirg)nia 8lims do (olso, p]s um cigarro na (oca e acendeuo com o isqueiro achatado de ouro. Como seria de esperar, desta vez nem sequer me ofereceu nenhum. epois de ter dado duas ou três passas, sempre calada e mergulhada nos seus pensamentos, atirou o cigarro para o ch#o com todo o ar de estar a testar as condiç\es da gravidade naquele dia. ZWenha comigo[, disseme ent#o, ao mesmo tempo que me dava uma palmadinha no joelho. =evantouse. %u apaguei o cigarro com o p! e fui atr$s dela. =evantou o (raço, mandou parar um t$Pi que ia a passar e entr$mos. 8enteime ao seu lado. %la indicou com voz clara ao motorista uma torada para os lados de "oSama e depois n#o disse mais nada durante todo o trajecto, enquanto o t$Pi percorria as avenidas apinhadas de carros at! chegar U tal rua do (airro de "oSama. %u contemplava a 'aisagem de Tóquio atrav!s da janela. %ntre a sa)da oeste da estaç#o de 8hinjuku e "oSama havia uma quantidade de edif)cios novos que nunca tinha visto antes. " mulher tirou uma agenda de (olso e escreveu qualquer coisa com uma esferogr$fica dourada. e vez em quando deitava uma olhadela ao relógio para confirmar as horas.
camisas e três gravatas para cada fato, mais dois cintos e uma dYzia de meias. 'agou com cart#o de cr!dito e perguntou se podiam mandar entregar tudo a minha casa. 'arecia ter uma ideia muito definida do tipo de roupa que eu devia usar e da imagem que eu devia ter, e demorou muito pouco a fazer as suas escolhas. 'ela minha parte, at! para comprar uma (orracha numa papelaria levava mais tempo. Tenho, no entanto, de reconhecer que ela tinha ineg$vel (om gosto. 'arecia ter escolhido as camisas e as gravatas por acaso, mas as cores e os estilos com(inavam na perfeiç#o, como se tivesse procedido U sua escolha depois de longa e aturada ponderaç#o. "l!m disso, h$ que reconhecer que n#o se tratava propriamente de uma com(inaç#o (anal. " seguir, levoume a uma sapataria e comproume dois pares de sapatos para usar com os fatos. Tam(!m ali n#o precisou de muito tempo. Woltou a pagar com o cart#o e a pedir que me enviassem tudo a casa. 'alpitavame que n#o era costume entregar dois pares de sapatos em casa, mas parecia ser aquela a sua maneira de proceder ha(itualmenteE escolher o que queria num a(rir e fechar de olhos, pagar com cart#o de cr!dito e mandar entregar tudo em casa. epois entr$mos numa relojoaria e a cena repetiuse. 9ao demorou mais de dois minutos para me comprar um elegante relógio de pulseira com uma correia de pele de crocodilo a com(inar com "n(os os fatos, que custou a módica quantia de cinquenta ou sessenta mil 6enes. K%scusado dizer que a operaç#o n#o demorou mais de dois minutos.L 'elos vistos, o relógio (arato de pl$stico que eu costumava usar n#o era do seu agrado. 9este caso, como era lógico, n#o pediu que mo enviassem a casa. +andou em(rulh$lo e deumo sem dizer uma palavra. " etapa seguinte foi um ca(eleireiro unissePo.
'edi o mesmo. %studar o menu dava muito tra(alho. O empregado fez uma ligeira v!nia e desapareceu. 'elos vistos, a minha própria realidade continuava com dificuldade em dar comigo. 'ergunto isto apenas por curiosidade aventureime eu a dizer. 9#o pretendo colocar qualquer o(jecç#o pelo facto de me ter comprado todas essas coisas, mas gostaria de sa(er por que raz#o investiu tanto tempo e dinheiro nissoV Continuei sem resposta. %la estava muito ocupada a olhar para um quadro a óleo pendurado na parede.
devia estar a pensar na história do apêndice. esumindo, quero que as pessoas U minha volta andem sempre (em arranjadas, nem que tenha de ser eu a pagar do meu (olso. +as n#o preocupes a tua ca(ecinha com isso. "quilo que faço, façoo unicamente por mim. 'ode mesmo dizerse que ! uma quest#o pessoal quase fisiológicaE sinto uma avers#o na presença de roupa suja. a mesma forma que um mYsico com o ouvido educado n#o consegue ouvir mYsica desafinadaV 8e quiseres. . 7sso quer dizer que compra a roupa de toda a gente que a rodeia, tal como aconteceu comigoV X um facto, mas tam(!m n#o se pode dizer que tenha muita gente U minha volta. 5uer dizer, posso n#o gostar da forma como se estem, mas n#o me posso dar ao luPo de comprar roupa para toda a gente , ...... Tudo tem os seus limites, e issoV 'recisamente reconheceu ela. "ssim que as nossas saladas chegaram U mesa, principi$mos a comer. %stavam muito pouco condimentadas. Tal como a mulher pedira, cada salada n#o tinha mais do que umas quantas gotas de vinagre t#o poucas que se podiam contar pelos dedos de uma m#o. Tens mais alguma perguntaV quis sa(er ela. Dostaria de ficar a sa(er o seu nome, para lhe poder chamar alguma coisa. I minha frente a mulher mordia um r$(ano em silêncio. 9a testa formouse uma ruga profunda, como se, por engano, tivesse metido qualquer coisa de muito amargo na (oca. O meu nome, porquêV 9#o te vais p]r a escreverme cartas, que eu sai(a.
Canela. % ZparsleS, sage, rosemarS and thSme[...0 cantarolei eu. 9ozmoscada "kasaka e Canela "kasaka. 9#o soa mal de todo, pois n#oV 9ozmoscada "kasaka e Canela "kasaka... 8e +aS Fasahara sou(esse que eu tinha conhecido duas pessoas assim chamadas, por certo ficaria de (oca a(erta. &$ a estava a imaginarE Zoffman. K9. da T.L O mist!rio da mans#o dos enforcados O C!le(re +78TX7O " A"+O8" +"98@O O8 %9AOC"O8, %+ 8%T"D"*" 5uem comprou o terreno, tristemente famoso na sequência do suic)dio de uma fam)lia inteiraV O que est$ a acontecer naquela elegante zona residencialV a ediç#o de / de Outu(ro da revista semanal =ocalizado em 8etagaSa, no chome:, o lugar ! conhecido na vizinhança pela designaç#o de Zmans#o dos enforcados[. O terreno, com os seus trezentos e trinta metros quadrados, est$ situado num tranquilo (airro da zona alta da cidade. Orientada a sul e (atida pelo sol, a casa reYne todas as condiç\es ideais para ser ha(itada, mas aqueles que a conhecem s#o un_nimes em firmar que n#o quereriam l$ viver 'or nada deste mundo. Com efeito, todos os que se instalaram naquele terreno conheceram, sem ePcepç#o, um destino tr$gico. 8egundo conseguimos apurar ao longo da nossa investigaç#o, desde o in)cio do 'er)odo 8ho`a0:, em 1:3, entre aqueles que l$ viveram, contamse em nYmero de sete as pessoas que se suicidaram, optando, na maioria dos casos, pelo enforcamento ou a asfiPia. KOmitimos a descriç#o do suic)dio das pessoas falecidas at! ao momento.L
9o &ap#o os anos n#o s#o apenas contados segundo o calend$rio gregoriano, rTlas su(divididos em per)odos que correspondem aos anos do reinado de um lmperador. Os Yltimos, e mais frequentemente citados, s#oE +eiji K4341:L, Taisho K1:1:3L e 8ho`a, que decorreu de 1:3 a 141, ano da morte do Hoperador >irohito. "ctualmente estamos no 'er)odo >eisei K141VL. K9. da T.L A $ cerca de dois anos, e devido a uma s!rie de reveses económicos, o senhor +iSa`aki contraiu numerosas d)vidas e viuse o(rigado a vender todos os seus esta(elecimentos comerciais, ao mesmo tempo que procedia U declaraç#o de suspens#o de actividade, a fim de evitar a (ancarrota. Tal n#o impediu, no entanto, que continuasse a ser perseguido por diversos credores. Ainalmente, em &aneiro deste ano, num hotel da cidade de Takamatsu, matou a sua segunda filha, *ukie Kde catorze anosL, estrangulandoa durante o sono com a ajuda de um cinto, após o que tirou a sua própria vida e a da mulher, am(os enforcados com uma corda levada at! ao local para o efeito. esconhecese o paradeiro da filha mais velha, na altura estudante universit$ria. +iSa`aki estava ao corrente dos sinistros rumores relacionados com o terreno quando o comprou, em "(ril de 1/:, mas ignorou o que se dizia, acreditando n#o passar tudo de uma pura coincidência. epois de comprar o terreno, mandou demolir a casa, h$ muito desa(itada, e nivelar o terreno. Como precauç#o, solicitou a presença de um sacerdote Pinto)sta a fim de ePorcizar o terreno e li(ert$lo de todos os esp)ritos maus, só ent#o fazendo erguer a casa de dois andares. 8egundo os vizinhos, as duas filhas eram alegres e todos pareciam muito unidos. Onze anos depois, o destino da fam)lia +iSa`aki conheceu, de um momento para outro, um desenvolvimento tr$gico. 9o Outono de 14G, +iSa`aki desfezse do terreno e da vivenda, am(os hipotecados, mas, por quest\es de ordem legal no que diz respeito ao esta(elecimento de uma ordem de prioridade entre os credores, a resoluç#o foi congelada, at! que no final do ano passado chegouse a acordo por mediaç#o de um juiz e foi poss)vel a ePpropriaç#o. O terreno foi ent#o vendido, por um preço (astante inferior ao seu real valor, a uma empresa imo(ili$ria, Terrenos e Construç\es , com sede em Tóquio. 9uma primeira fase, a empresa mandou demolir a casa da fam)lia +iSa`aki e tentou vender apenas o terreno para construç#o. 8urgiram v$rias ofertas, uma vez que o lote est$ situado na melhor zona de 8etagaSa, mas, antes ainda de os contratos serem assinados, as ofertas eram su(itamente retiradas na sequência de sinistras histórias postas entretanto a circular. O director de vendas da empresa imo(ili$ria, o senhor +., afirmouE ZX evidente que est$vamos a par da reputaç#o do lugar, mas, vendo (em, a situaç#o n#o podia ser melhor e, sa(endo nós que anda toda a gente desesperada U procura de casas decentes para viver, acredit$mos que, esta(elecendo um valor a(aiPo do preço de mercado, aca(ar)amos por vendêla. %st$vamos a ser ePcessivamente optimistas. O certo ! que, quando foi posta U venda, ningu!m a quis comprar. 'ara agravar ainda mais a situaç#o, e apenas um mês depois da aquisiç#o da propriedade pela nossa empresa, ocorreu o lament$vel suic)dio da fam)lia +iSa`aki. 'ara ser franco, o azar foi tanto que só nos deu vontade de arrancar os ca(elos.[ O terreno aca(aria por ser vendido em meados de "(ril deste ano. Z9#o me perguntem[, desculpouse o senhor +., Znem o nome do comprador nem o preço por que foi vendido.[ "inda que n#o estejamos ha(ilitados a revelar os pormenores relativos ao negócio, conseguimos apurar junto de fontes ligadas ao sector imo(ili$rio que a
empresa Terrenos e Construç\es vendeu o terreno a um preço (astante inferior ao da sua aquisiç#o. ZComo ! evidente " Zantiga residência dos +iSa`aki[ est$ cercada por um rnuro de cimento mais alto do que e ha(itual encontrar nas outras casas da zona.
os oper$rios que se encarregavam dessa tarefa que o tra(alho n#o era dif)cil, na medida em que estavam a perfurar o mesmo poço que anteriormente havia sido tapado. Confesso que só me causou estranheza o facto de n#o haver $gua. 5uer dizer, se o poço j$ estava seco U partida, e se eles se limitavam a perfurar ePactamente no mesmo s)tio, n#o havia raz#o para esperar que desta vez a $gua fosse jorrar. "quela história provocoume uma sensaç#o estranhaComo se ali se escondesse algum segredo.[ 7nfelizmente, n#o nos foi poss)vel localizar a empresa que se ocupou da escavaç#o do poço nesco(rimos, isso sim, que o uercedes-enz que entra e sai de casa pertence a uma importante empresa de aluguer de viaturas, cujo escritório central fica situado no (airro de ChiSoda, tendo sido alugado, com um contrato de três anos, a uma empresa situada em 7vtinato. "diantaram que era de todo imposs)vel revelar o nome da empresa contratante a terceiros, mas, a julgar pelos dados que temos em nossa posse, podemos logicamente afirmar que se trata, sem dYvida alguma, de "kasaka esearch. " tarifa do leasing de um +ercedes 2oo 8%= durante um ano anda U volta dos dez milh\es de ienes. " empresa de aluguer de carros oferece tam(!m serviço de motorista, mas desconhece se se este 2oo 8%= est$ alugado com ou sem motorista. urante a investigaç#o, os residentes na zona mostraramse pouco receptivos a falar U nossa equipa de reportagem acerca da Zmans#o dos enforcados[. Tudo indica que n#o têm qualquer relaç#o com os ha(itantes da casa e que n#o se querem ver envolvidos no assunto. O senhor "., que vive perto do local, afirmouE Z"s medidas de segurança s#o, a meu ver, ePcessivas, mas n#o temos qualquer direito de protestar. e resto, n#o creio que nenhum vizinho tenha raz\es de queiPa. 'essoalmente, creio que ! mil vezes melhor esta situaç#o do que ter a casa desa(itada e todos aqueles sinistros rumores a correr eternamente por a).[ e qualquer forma, persiste o enigmaE quem ser$ o novo propriet$rio misterioso e para que fins estar$ esse tal senhor a usar a mans#oV O mist!rio adensase. 4 9o fundo do poço 5uando desço at! ao fundo negro do poço pela escada de ferro a na parede, procuro Us apalpadelas o taco de (ase(ol que deiPo sempre ali ficar, encostado U parede o taco que, quase inconscientemente, arre(at!i das m#os do homem com o estojo de guitarra. simples facto de poder (randir aquele velho taco todo arranhado a escurid#o do poço deiPame estranhamente tranquilo. % ajudame a estar concentrado. "ssim que encontro o taco, agarroo com am(as as m#os e adopto a posiç#o do (atedor que se prepara para lançar uma (ola. Como quem diz, este ! o meu (om e velho taco. 8ó ent#o confirmo que nada mudou no meio daquela escurid#o impenetr$vel, onde n#o se vê rigorosamente nada. "puro o ouvido, encho os pulm\es de ar raspo com a sola do sapato no ch#o, confirmo a dureza da parede dando meia dYzia de pancadas com a ponta do taco. 9#o passa tudo de um pequeno ritual para me tranquilizar a mim próprio. O fundo do poço ! parecido com o fundo do mar. Tudo ali ! su(metido a uma tal press#o da $gua que conserva a sua forma primitiva, permanece imut$vel. O tempo passa mas as coisas n#o mudam. 'or cima de mim recortase um c)rculo de luzE o c!u do crepYsculo. "o vêlo, penso no mundo Uquela hora tardia de um dia de Outu(ro. eve haver ali gente que leva por diante a sua vida. 8o( a doce luz outonal, pessoas caminham pelas ruas, fazem as suas compras, preparam as suas refeiç\es, apanham o metro para regressar a casa. % todos eles pensam partindo do princ)pio de que pensam que tudo aquilo ! uma coisa t#o
natural que nem sequer merece a pena pensar nisso. Como acontecia comigo antes Kou n#oL. Aalo dessa massa anónima que d$ pelo nome de Zgente[. Tam(!m eu era um desses seres anónimos. Iquela luz, aceitamse e s#o aceites. "li reina, sem som(ra de dYvida, uma esp!cie de intimidade envolta na claridade que os rodeia, que tanto pode durar um momento como para sempre. Contudo, j$ n#o faço parte dessa comunidade, pois eles est#o na superf)cie da terra e eu, no fundo de um poço profundo. %les têm luz e eu estou a ponto de perdêla. Is vezes penso que jamais poderei regressar a esse mundo. Talvez nunca mais volte a sentir o conforto de me sa(er envolvido por essa luz. Talvez nunca mais possa voltar a ter nos meus (raços o corpo macio do gato. 5uando penso nisso, sinto uma dor surda, como se houvesse qualquer coisa a fazer press#o no meu peito. I medida que traço c)rculos na terra macia com a sola de (orracha do sapato de t!nis, as cenas passadas U superf)cie tornamse cada vez mais distantes. "os poucos, a sensaç#o de realidade at!nuase e, no seu lugar, deiPome envolver pela intimidade crescente do poço. O fundo do poço ! quente e silencioso, sinto na pele a car)cia terna da terra profunda. " dor que sinto no meu peito vai diminuindo, do mesmo modo que se desfazem as ondas U (eiramar. %ste lugar aceitame e eu acolho este lugar. "perto o taco de (ase(ol. Aecho os olhos, volto a a(rilos e levanto a ca(eça para olhar para cima. 'uPo a corda pendurada por cima de mim e fecho a tampa do poço. KCanela, que tem muito jeito com as m#os, construiu este engenhoso mecanismo com um sistema de roldanas que me permite fechar a tampa aqui de (aiPo.L X a escurid#o total. " (oca do poço est$ çelada, a luz ePtinguiu se. eiPa de se ouvir o rumor intermitente do vento. O afastamento das Zpessoas[ ! agora total. Comigo nem sequer tenho uma lanterna. igamos que ! uma esp!cie de profiss#o de f!. Como se estivesse empenhado em demonstrarlhes, a eNes, que procuro aceitar as trevas como elas s#o, na sua totalidade. 8entome no ch#o, encostome U parede de cimento, pouso o taco em cima dos joelhos e fecho os olhos. %sforçome por ouvir o meu coraç#o a (at!r. X evidente que estando Us escuras n#o preciso de fechar os olhos, tanto assim que n#o se vê nada. Aechoos na mesma. e certa maneira, o acto de fechar os olhos faz sentido, at! no escuro. espiro fundo algumas vezes, acostumo o meu corpo a esse espaço escuro, cil)ndrico e profundo. 'ersiste o mesmo odor, e o ar provocame a mesma sensaç#o de sempre na pele. %m tempos o poço chegou a estar cheio de $gua, mas estranhamente o ar mantevese intacto. Cheira a mofo e a idade, como quando desci pela primeira vez ao fundo do poço. "qui, as estaç\es foram a(olidas. "qui o tempo n#o ePiste.
sair de l$ e aceder a uma realidade que se move a uma velocidade aferente, sempre com o taco de (ase(ol firmemente apertado nas m#os. %stando eu aqui, agora apenas uma parede me separa daquele 5uarto. 9#o deve ser dif)cil atravessar essa parede, contando com as minhas próprias forças e a força da profunda escurid#o que aqui se taz sentir. etendo a respiraç#o e concentrandome, consigo distinguir o que est$ no quarto. 'osso n#o estar no quarto, mas vejoo. % uma suite do hotel. 5uarto :o4. Os pesados cortinados est#o completamente corridos. O quarto est$ Us escuras. >$ um grande ramo de flores numa jarra, cujo odor em(riagante enche por completo o am(iente. Wêse um candeeiro de p! junto U porta. " l_mpada ! (ranca e difunde uma luz mortiça, como a lua da manh#. +esmo assim, U medida que concentro o meu olhar e graças a uma claridade t!nue que se infiltra vinda de algum lado, os o(jectos v#o ganhando forma. "contece o mesmo no cinema, quando os nossos olhos se acostumam U o(scuridade da sala. 9uma mesinha a meio do quarto vêse uma garrafa quase cheia de CuttS 8ark. O (alde de gelo est$ a trans(ordar de gelo aca(ado de sair do congelador Ka julgar pelas arestas afiadasL e, ao lado, est$ preparado um u)sque on the rocks. $ uma mulher, est$ deitada na cama ao fundo do quarto ao lado. Oiço o som roçagante da sua roupa. 5uando ela pega no copo, os cu(os de gelo chocam entre si produzindo um (arulhinho agrad$vel. O som agita os minYsculos gr#os de pólen suspensos no ar, como organismos vivos. " m)nima vi(raç#o do ar confere vida ao pólen. " t!que escurid#o acolhe silenciosamente o pólen, e o pólen vai transformando a escurid#o numa escurid#o cada vez mais densa. " mulher leva o copo de u)sque U (oca, deiPa um pouco da (e(ida escorregarlhe pela garganta e tenta dizer me qualquer coisa. O quarto est$ Us escuras. 9#o vejo nada, vislum(ro vagamente uma som(ra que se move. Tem algo para me dizer. %spero sem fazer o m)nimo ru)do. %spero as suas palavras. 8ei que est#o ali. Tal como um p$ssaro a fazer de conta num c!u imagin$rio, olho para o quarto de cima. "mplio a cena que ali vejo, recuo para ter uma vis#o de conjunto, depois desço ligeiramente para me aproPimar e aumentar os pormenores. %scusado ser$ dizer que têm, todos eles, a sua import_ncia. %Paminoos um a umE formas, cores, tePtura. %ntre um e outro quase n#o h$ relaç#o. 'ode mesmo dizerse que perderam todo e qualquer vest)gio de calor. Chegado a este ponto nada mais posso fazer sen#o um simples invent$rio, uma mera enumeraç#o mec_nica dos seus elementos. +as a ideia n#o ! m$ de todo, vale a pena tentar. a mesma maneira que o acto de esfregar uma pedra na outra, ou ent#o um pau no outro, mais cedo ou mais tarde aca(a por produzir calor e chama, tam(!m neste caso começa "os poucos a desenharse uma realidade comePa. a mesma maneira que uma so(reposiç#o casual de sons vai formando uma frequência r)tmica atrav!s de uma repetiç#o monótona U primeira vista sem sentido. o fundo das trevas, consigo sentir aquele t!que v)nculo. 8im, " jsso. "ssim est$ (em. Tudo U minha volta est$ mergulhado em silêncio e Zeles[ ainda n#o deram pela minha presença. 'ressinto que a parede 5ue me separa desse lugar vai fundirse lentamente, pouco a pouco, como um pedaço de gelatina. 8ustenho a respiraç#o. X agora^ 9o preciso momento em que dou um passo em direcç#o U parede, começam a (at!r com força na porta, como se me tivessem lido o pensamento. X o mesmo (arulho da outra vez, um martelar forte e n)tido, dirseia que est$ algu!m a pregar um prego na parede. "t! o modo de (at!r ! o mesmo. uas vezes, um intervalo curto, mais duas vezes. 9oto
que a mulher sust!m a respiraç#o. O pólen que flutua em redor vi(ra, e a escurid#o vacila fortemente. Como sempre. 8ou outra vez o eu que est$ dentro de mim, sentado no fundo do poço, de costas encostadas U parede, as m#os enclavinhadas no taco de (ase(ol. a mesma maneira que uma imagem vai ficando gradualmente n)tida, tam(!m a sensaç#o de estar Zdeste lado[ do mundo volta aos poucos U palma das minhas m#os, causando uma esp!cie de formigueiro. 8into a madeira do taco ligeiramente hYmida. O meu coraç#o lat!ja com violência na garganta. 9os meus ouvidos permanece v)vido, como se tivesse atravessado o mundo, a resson_ncia dos potentes golpes que algu!m dava na porta. "lgu!m Kou alguma coisaL que est$ l$ fora tenta a(rir a porta e entrar sem fazer (arulho no quarto. %, naquele preciso momento, todas as imagens se desvanecem. " parede volta a tornarse sólida e sintome projectado para este lado. 9o escuro, (ato com a ponta do taco na parede U minha frente ! a mesma parede de (et#o, dura e fria. %stou cercado por um cilindro de cimento. W$ l$, mais um (ocadinho, digo para comigo mesmo. ba falta pouco, tenho a certeza de que vou conseguir romper a (arreira e entrar por Zali dentro[. Conseguirei introduzirme no quarto antes e começarem a ouvirse as pancadas na porta e ali me deiParei ficar. "gora, quanto tempo ! que isso demorar$ a acontecer, isso j$ n#o sei dizer. "final, quanto tempo me restaV "o mesmo tempo, tenho medo de que isso se torne real. eceio enfrentar o que ali est$. 'ermaneço todo enroscado no escuro. "t! acalmar os (atimentos o meu coraç#o. emoro at! conseguir largar as m#os da superf)cie do taco. 'ara me p]r de p! no fundo do poço e sair U superf)cie depois de su(ir pela escada de ferro, necessito de um pouco mais de tempo, de um pouco mais de força. O ataque ao jardim zoológico Kou um massacre injustific$velL 9oz+oscada "kasaka contoume a história dos tigres, das panteras, dos lo(os e dos ursos que foram ePecutados por um pelot#o de soldados numa tarde de calor atroz vivida em "gosto de 102. elatoume o incidente com vivacidade e respeitando a ordem dos acontecimentos com o rigor de um document$rio projectado num ecr# imaculadamente (ranco. 9o seu discurso n#o havia margem para pontos o(scuros ou am()guos, mas, verdade seja dita, ela n#o assistira pessoalmente aos acontecimentos. 9o momento em que tudo aconteceu, encontravase a (ordo de um navio mercante que se dirigia para o porto de 8ase(o, e aquilo que ela na realidade viu foi um su(marino da +arinha dos %stados
cintilavam, reflectindo os raios solares. O navio japonês transportava civis, na sua maioria mulheres e filhos de funcion$rios japoneses do governo fantoche do +anchukuo e de altos dirigentes 03 da companhia dos caminhosdeferro da +anchYria, em fuga do caos de onde se seguiria U iminente derrota do &ap#o na guerra. Correr o risco je serem atacados por um su(marino norteamericano no alto mar era prefer)vel U trag!dia que os esperava se permanecessem no continente chinês. 'elo menos at! aquele su(marino surgir diante dos seus olhos. O comandante do su(marino certificarase de que o (arco n#o era um navio de guerra equipado de armas e que era seguido por escolta naval. 9#o havia nada a temer. 9aquela altura, eram eles que controlavam o espaço a!reo. Okina`a j$ tinha ca)do e em solo japonês n#o ePistia nem um caça em estado de levantar voo. 9#o havia motivos para pressasE tinham todo o tempo do mundo. sinching tinha visto algumas vezes os canh\es do regimento, mas o canh#o na co(erta do su(marino n#o tinha 5ualquer comparaç#o em mat!ria de tamanho. O su(marino enviou sinais luminosos ao navio, dando ordens no sentido de parar as m$quinas e de proceder de imediato U evacuaç#o dos passageiros 'ara os (arcos salvavidas, porque iam começar a disparar, preparandose para afundar o navio. KX ó(vio que 9oz+oscada n#o sa(ia interpretar os sinais de luzes, o que n#o impediu a mensagem de ficar mdelevelmente gravada na sua memória.L "contece, por!m, que no 9avio mercante, que no meio da confus#o generalizada dos Yltimos meses de guerra tinha assumido provisoriamente as funç\es de navio mercante, n#o havia salvavidas em nYmero suficiente. e facto, eram apenas dois os (arquinhos para mais de quinhentos passageiros incluindo a tripulaç#o. % praticamente nenhum colete salvavidas. 9a amurada, 9oz+oscada olhava, fascinada, o su(marino de formas estilizadas que, cintilante e sem uma mancha de ferrugem parecia aca(ado de sair da f$(rica. O(servava o nYmero (ranco pintado na torre de controlo, o radar que girava so(re ela e at! conseguia ver o oficial com o ca(elo cor de areia e óculos escuros Z%ste su(marino apareceu vindo das profundezas do mar para nos matar a todos, mas isso nada tem de estranho[, pensou ela. 9#o tem nada que ver com a guerra, pode acontecer a toda a gente e em qualquer lugar. Toda a gente pensa que ! por culpa da guerra, mas n#o !. " guerra mais n#o ! do que uma das muitas coisas que podem acontecer na vida de
qualquer pessoa. 9em mesmo confrontada com aquele enorme su(marino 9oz+oscada tinha medo. Ouviu a m#e gritarlhe qualquer coisa, mas n#o perce(eu o quê. 9essa altura sentiu algu!m agarrarlhe no pulso com força e começar a puP$la, mas ela continuou sempre agarrada U parte de cima da amurada. Os gritos e a agitaç#o U sua volta foramse afastando cada vez mais, como se algu!m tivesse (aiPado o volume da r$dio. 'ensou que era estranho, sentir assim tanto sono. "o fechar os olhos, foi perdendo rapidamente o conhecimento, afastandose da ponte do navio. 9aquele mesmo instante, 9oz+oscada começou a ver soldados japoneses que percorriam o enorme jardim zoológico, matando um a um todo e qualquer animal que pudesse atacar os homens. " uma ordem do oficial U frente do pelot#o, as (alas sa)das de uma espingarda de cali(re G4 trespassaram a pele delicada do tigre, despedaçando lhe as entranhas. O c!u de Wer#o era azul e o canto das cigarras, vindo das $rvores em redor, soava aos seus ouvidos como um aguaceiro vespertino. Os soldados cumpriram em silêncio a sua miss#o do princ)pio ao fim. O sangue desaparecera dos seus rostos (ronzeados, conferindolhes o aspecto de figuras pintadas nos vasos de terracota da "ntiguidade. 'oucos dias depois uma semana quanto muito , o grosso das tropas do eP!rcito sovi!tico do %Ptremo Oriente chegaria a >sinching. 9ada nem ningu!m podia travar o seu avanço. esde o in)cio da guerra, as tropas de elite do eP!rcito de F`antung e a maior parte do seu a(undante armamento tinham sido enviados para reforçar as forças que se iam deslocando para sul, mas grande parte dos seus efectivos tinha ido parar ao fundo do mar ou apodreciam nas profundezas da selva. Os carros de com(ate tinham ido U vida. 8ó restava meia dYzia de cami\es de transporte das tropas, na sua maior parte avariados e sem peças so(ressalentes para proceder U sua reparaç#o. "inda que a mo(ilizaç#o geral tivesse sido decretada, os antiquados modelos de espingardas n#o chegavam para todos os soldados recrutados. e qualquer modo, at! as muniç\es escasseavam. O invenc)vel eP!rcito de F`antung, que se tinha arrogado o direito a ser considerado o (aluarte do 9orte, trans formarase num tigre de papel. Os poderosos regimentos de atiradores motorizados sovi!ticos, que tinham esmagado o eP!rcito alem#o, aca(avam de ser transferidos de com(oio para a frente ePtremooriental. %quipamento n#o lhes faltava, e o mesmo se podia dizer do moral, em alta. " queda do +anchukuo era uma simples quest#o de tempo. Toda a gente o sa(ia, e ningu!m melhor do que os próprios oficiais do %stado+aior do %P!rcito de F`antung. a) que tivessem evacuado o grosso das suas tropas, em retirada, a(andonando na pr$tica U sua sorte os pequenos destacamentos de defesa fronteiriça, (em como os colonos japoneses instalados junto U fronteira. " maioria daqueles camponeses desarmados seria cruelmente assassinada pelo eP!rcito sovi!tico, que tinha pressa em avançar e, como tal, n#o podia permitirse o compromisso de fazer prisioneiros. " maioria das mulheres escolheram que ! como quem diz, foram o(rigadas a escolher o suic)dio colectivo para n#o serem violadas. "s forças de defesa destacadas na fronteira opuseram uma resistência feroz, entrincheiradas nos seus (unkers de cimento, a que tinham dado o nome de Zfortalezas etemas[. 8em o apoio da retaguarda, quase todas as tropas foram totalmente dizimadas face U superioridade pat!nteada pelas forças sovi!ticas. +uitos dos oficiais do estadomaior e dos restantes oficiais de alta pat!nte foram Ztransferidos[ para um novo quartelgeneral instalado em Tong>ua, próPimo da fronteira com a Coreia, enquanto o imperador fantoche 'uSi e a sua fam)lia fizeram rapidamente as malas e fugiram da capital num com(oio especial. "
maior parte dos soldados chineses do chamado Z%P!rcito do +anchukuo[, encarregados da defesa da capital, desertou assim que sou(e do avanço do eP!rcito sovi!tico, ou su(levouse e matou os oficiais japoneses que os comandavam. %ra evidente que nao tinham a m)nima intenç#o de lutar at! U morte para defender o &ap#o contra um eP!rcito sovi!tico nitidamente superior. " cidade Ynica de >sinching, a capital do +anchukuo que o &ap#o, empenhando a sua honra, erguera no meio daquele deserto, foi Consequentemente a(andonada a uma estranha condiç#o de vazio 'olitico. " fim de evitar o caos e o derramamento inYtil de sangue, os altos funcion$rios chineses do +anchukuo insistiram em renderse e em declarar >sinching Zcidade a(erta[, mas o eP!rcito de F`antung rejeitou a ideia. Tam(!m os soldados que se dirigiam para o jardim zoológiCo pensavam que seria inevit$vel, que iriam morrer ali, lutando contra o eP!rcito sovi!tico da) a alguns dias Kna realidade, seriam transferidos para uma mina de carv#o na 8i(!ria, e foi ali que três deles encontraram a morteL. 8ó lhes restava rezar para que a morte fosse o menos dolorosa poss)vel. 9#o queriam morrer depois de uma agonia atroz lentamente esmagados de(aiPo das lagartas de um carro de com(ate ou queimados com lança chamas numa trincheira ou atingidos no (aiPoventre. "ntes um tiro na ca(eça ou no coraç#o. +as primeiro tinham de matar os animais do jardim zoológico. Os animais tinham de ser ZePecutados[ com veneno para n#o des(aratar as poucas muniç\es que tinham. O jovem tenente havia rece(ido dos seus superiores instruç\es nesse sentido. Tinhamlhe dito que a quantidade ePacta de veneno j$ tinha sido entregue no jardim zoológico. O tenente dirigiuse, ent#o, U frente de um pelot#o de oito homens completamente armados encarregado da miss#o, para o jardim zoológico, que ficava vinte minutos a p! do quartel. Os port\es do jardim zoológico permaneciam encerrados desde o in)cio da invas#o sovi!tica. ois soldados armados de espingardas com (aionetas, montavam guarda no ePterior. O tenente mostroulhes a ordem escrita que tinha consigo e eles deiParamnos passar. O director do jardim zoológico confirmou que tinha, de facto, rece(ido do eP!rcito ordem para ZePecutar[ os animais em caso de emergência, e que para tal devia usar veneno, mas que o veneno era coisa que nunca tinha chegado Us suas m#os "o ouvir aquilo, o tenente mostrouse desconcertado. Tratavase de um ajudantedecampo que tra(alhava na tesouraria do quartelgeneral, por isso escusado dizer que n#o tinha a menor ePperiência em situaç\es do g!nero, nem t#opouco estava ha(ituado a comandar homens. Tivera de vasculhar a gaveta para encontrar a pistola pois em todos aqueles anos nunca tocara numa arma e nem sequer tinha a certeza de sa(er como disparava. Z5uando mete (urocracia ! sempre a mesma história[, disse ao tenente o director do jardim zoológico com ar desolado. Z5uando s#o precisas, as coisas nunca aparecem.[ " fim de confirmar a situaç#o, mandaram chamar o veterin$riochefe, que ePplicou ao tenente que ultimamente os aprovisionamentos escasseavam e que duvidava que a quantidade de veneno que tinham chegasse para matar um cavalo que fosse. O veterin$rio devia ter entre trinta e cinco e quarenta anos, era alto e (emparecido, mas tinha uma mancha azularroPeada na (ochecha esquerda, do tamanho e com a forma da palma da m#o de um (e(!. 8em dYvida uma marca de nascimento, pensou o tenente, que telefonou do escritório do director para o quartelgeneral a fim de pedir instruç\es. 9o quartelgeneral, por!m, reinava grande confus#o desde que correra a not)cia e que o eP!rcito sovi!tico atravessara a fronteira, h$ coisa de dias, a maioria dos oficiais de alta pat!nte tinha dado Us de viladiogo. Os Ynicos oficiais que ali haviam permanecido n#o tinham m#os a medir, ocupados a queimar documentos
importantes no p$tio do quartel, ou a conduzir as tropas para os limites da cidade para a) cavarem trincheiras antitanque. 9ingu!m sa(ia onde se encontrava o comandante que havia dado a ordem de matar os animais. 'or seu turno, o tenente n#o sa(ia onde encontrar o veneno necess$rio. 5ual seria o departamento do eP!rcito que se ocupava de assuntos dessa naturezaV Aoi sendo transferido de um posto para outro do quartel general, at! que apanhou pela frente um coronelm!dico que lhe gritou ao telefoneE Z7m(ecil^ 5ue me interessa a mim o que acontece na porcaria do jardim zoológico, quando ! o futuro da nossa p$tria que est$ em causaV^[ Z% a mim, que me interessaV[, pensou o tenente. esligou o telefone com ar decepcionado e a(andonou a ideia de conseguir o veneno. Tinha dois caminhos a seguirE a(andonar o jardim zoológico sem matar os animais, ou mat$los a tiro. %m qualquer dos casos, estaria sempre a deso(edecer Us ordens rece(idas, mas aca(ou por escolher a segunda opç#o. O mais prov$vel era ser severamente chamado U pedra mais tarde por se ter dado ao luPo de gastar muniç\es preciosas. "o menos estaria a cumprir o o(jectivo de ZePecutar[ as perigosas feras. 'or outro lado, caso tomasse a decis#o de n#o matar os animais, arriscavase a ser julgado em conselho de guerra. 7sto ainda que fosse algo improv$vel que em semelhantes circunst_ncias houvesse sequer tri(unais militares a funcionar, mas enfim, ordens eram ordens. %nquanto o %P!rcito continuasse a ePistir, as ordens eram para ser cumpridas. 8e me fosse dado escolher, preferia n#o matar animais nenhumhuns, disse o tenente para consigo mesmo. % era realmente isto o que 'ensava, com toda a honestidade. " verdade, por!m, era que j$ n#o havia com que alimentar os animais, e em Yltima an$lise a partir dali a situaç#o só iria piorar. 9#o havia hipótese alguma de as coisas +elhorarem. "t! mesmo para os animais, mais valia uma morte r$pida, sempre era mais piedosa. "l!m disso, em caso de violentos com(ates ou de (om(ardeamentos a!reos, havia o risco de os animais escaparem % andarem U solta pelas ruas da cidade, o que sem margem de dYvida 'oderia, isso sim, dar azo a uma verdadeira trag!dia. O director entregou ao tenente o mapa do jardim zoológico e, segundo as instruç\es rece(idas, a lista dos animais a Zsuprimir em situaç#o de emergência[. O veterin$rio com a mancha na cara e os dois tra(alhadores chineses seguiram atr$s do pelot#o de ePecuç#o O tenente deu uma olhadela U lista. 'or sorte, os animais a ZePecutarb eram em menor nYmero do que esperava, apesar de l$ se encontrarem dois elefantes da )ndia. Z%lefantes[V O tenente franziu o so(rolho involuntariamente. Z%ssa ! (oa^ Como dia(o ! que se faz para matar um elefanteV[ "tendendo U ordem pela qual as jaulas estavam dispostas no terreno, havia que ePecutar primeiro os tigres. eiPariam os elefantes para o fim. iante da jaula, liase numa placa ePplicativa que os tigres, em nYmero de dois, tinham sido capturados nos montes Fhingan em plena +anchYria. O tenente, depois de atri(uir quatro soldados por tigre, deu aos seus homens ordens de apontarem ao coraç#o mas, verdade seja dita, nem mesmo ele sa(ia onde ficava o coraç#o de um tigre. 5uando os oito homens puParam em simult_neo das suas espingardas de cali(re G4 e as destravaram para premir o gatilho, o ru)do seco, sinistro, transfigurou a paisagem circundante. "o ouvirem aquele som, os tigres puseramse de p!, virandose para os soldados e lançando rugidos ameaçadores. 'or precauç#o, o tenente sacou da sua pistola autom$tica e destravoua. 'igarreou ligeiramente, para se acalmar. 9#o ! nada, esforçouse por se convencer a si próprio, s#o tudo coisas que as pessoas passam a vida a fazer. Os soldados colocaramse em posiç#o, um joelho no ch#o, apontaram as armas e, a uma ordem do tenente, dispararam. O coice do disparo o(rigouos a recuar com violência.
'or momentos, sentiram as ca(eças vazias, como se tivessem sido elas a ser atingidas pelas (alas. O estampido ecoou por todo o recinto do jardim zoológico deserto, ri(om(ando de edif)cio a edif)cio, de parede a parede, atravessou o arvoredo, passou por cima da superf)cie da $gua, para se ir cravar no peito de todos aqueles que o ouviram, sinistro como um press$gio. Todos os animais emudeceram. "t! mesmo as cigarras deiParam de cantar. 5uando o eco da deflagraç#o se calou, caiu um silêncio de morte em redor. Os tigres deram um salto no ar por um segundo, como se um gigante invis)vel os tivesse atingido com um pau enorme, antes de voltarem a cair por terra com estr!pito. etorceramse pelo ch#o, arrastandose em agonia, vomitando sangue. Os soldados n#o conseguiram aca(ar com eles com aquele primeiro disparo. Os tigres mePiamse sem parar pelo interior da jaula e eles tinham tido dificuldade em fazer pontaria. O tenente ordenou com voz maquinal, sem entoaç#o alguma, que se preparassem para se colocarem outra vez em posiç#o. Os soldados voltaram a si, tornando a carregar as armas, ejectando os invólucros vazios, e fizeram pontaria de novo. 0:: " seguir, o tenente ordenou a um soldado que entrasse na jaula dos tigres para verificar se estavam todos mortos. Os tigres pareciam mortos, imóveis, de olhos fechados, mostrando os dentes, mas ainda a8sim era preciso ter a certeza. O veterin$rio a(riu a fechadura da aula e um jovem soldado Ktinha aca(ado de fazer vinte anosL avançou a medo, de (aioneta em punho, em posiç#o de ataque. Convenhamos que era uma figura algo rid)cula, mas ningu!m se riu. Com o tac#o da (ota militar, o soldado tocou nos flancos do tigre quase com suavidade. O tigre n#o se mePeu. %le ePperimentou darlhe um pontap! na mesma zona, desta vez com um pouco mais de força. O tigre estava morto e (em morto. O outro tigre Ka fêmeaL tam(!m n#o reagiu. O jovem soldado nunca tinha estado num jardim zoológico, nem mesmo quando era pequeno era a primeira vez na sua vida que via um tigre de verdade. O que talvez ePplicasse por que raz#o tinha dificuldade em acreditar que tivessem sido ele e os seus camaradas de armas a matar os tigres. Tinha um Ynico pensamento em mente, o de que o haviam levado U força para um lugar estranho e, uma vez a), o(rigado a cometer um acto ainda mais estranho, a que era completamente alheio. e p! num lago de sangue escuro, olhava distraidamente para os tigres mortos. %ra espantoso como os tigres pareciam muito maiores quando estavam vivos, pensou atónito. O ch#o de cimento estava impregnado do fedor a urina próprio dos grandes felinos. okkaido e tinhase mudado com a fam)lia para uma povoaç#o inteiriça na zona montanhosa de -eian, onde ajudava o pai no cultivo da terra. 'or isso, conhecia (em todas as aves da +anchYria. a) que estranhasse n#o conhecer o p$ssaro que cantava daquele modo. 8e calhar, era alguma ave ePótica encerrada dentro de uma gaiola. O som parecia vir do alto de uma $rvore
que ficava ali perto. Wirouse, entortou a ca(eça para olhar na direcç#o do som, mas n#o conseguiu ver a ponta de um corno. "penas um olmo grande e frondoso projectava a sua som(ra so(re o solo. Woltouse para olhar na direcç#o do tenente, como quem espera ordens. O tenente fez lhe sinal com a ca(eça para indicar que podia sair da jaula, antes de tornar a desdo(rar o mapa do jardim zoológico. 'ronto, a (em ou a mal o assunto dos tigres j$ estava resolvido "gora era a vez dos leopardos. " seguir, talvez os lo(os. 8em esquecer os ursos. ZOs elefantes depois logo se vê, quando tiver tratado dos outros[, disse ele de si para si. % só ent#o se deu conta do calor que fazia. O tenente deu ordem aos seus homens para fazerem uma pausa e se dessedentarem. %les (e(erem um pouco de $gua do cantil. epois puseram a arma ao om(ro e dirigiramse em formaç#o para a jaula dos leopardos. O p$ssaro desconhecido recomeçara a dar corda a qualquer coisa com o seu canto insistente. O suor tingia de negro o peito e as costas dos uniformes militares de manga curta. %nquanto os soldados seguiam em formaç#o, apetrechados com todo o armamento regulamentar, os diferentes ru)dos produzidos peio entrechocar dos diversos tipo de metal ressoavam no jardim zoológico deserto. "garrados Us (arras das suas jaulas, os macacos rasgavam o ar com os seus gritos lancinantes, como se pressentissem o perigo e quisessem avisar os outros animais, que, cada um U sua maneira, faziam coro com eles. Os lo(os uivavam aos c!us, as aves (atiam freneticamente as asas, algures um animal de grande porte atiravase pesadamente contra as grades das jaulas, numa atitude ameaçadora. oje, pensavam os homens, matamos os animais. "manh#, ser$ a nossa vez de morrer Us m#os dos soldados sovi!ticos. Aal$vamos sempre no mesmo restaurante, sentados U mesma mesa, e era sempre ela que pagava a conta. " sala do fundo estava dividida em compartimentos privados, e da sala principal ningu!m podia ouvir as nossas conversas. I noite era apenas servido um grupo de clientes, de modo que pod)amos ficar ali tranquilamente U conversa at! U hora de o restaurante fechar. Os empregados mostravamse discretos e aproPimavamse da nossa mesa apenas para trazer a comida ou levantar os pratos. %la pedia sempre uma garrafa de -orgonha Ue determinado ano. % deiP$vamos sempre ficar metade.
vez de continuar a ser professor no &ap#o. %u era muito pequenina, e tanto se me dava o &ap#o como a +anchYria. Dostava isso sim, e muito, da vida no jardim zoológico. %ra espantoso. O corpo do meu pai estava sempre impregnado do odor dos animais. O cheiro de todos aqueles animais misturavase e formava um Ynico, uma esp!cie de perfume que variava de dia para dia, como se mudasse de com(inaç#o. 5uando ele chegava U noite a casa, deiPavame sentarme nos seus joelhos e aspirar todos aqueles odores. Z+as depois o rumo da guerra mudou para pior e, quando se tornou preocupante, o meu pai decidiu enviarnos, a mim e U minha m#e, de volta ao &ap#o. "panh$mos um com(oio em >sinching juntamente com outras pessoas e seguimos viagem at! U Coreia. "li apanh$mos um (arco especialmente fretado para nós. O meu pai ficou sozinho na +anchYria. " Yltima vez que o vi foi quando nos despedimos, ele na estaç#o a dizernos adeus. e(ruçada na janela do com(oio, ! essa a Yltima imagem que guardo dele, a figura do meu pai a ficar cada vez mais pequena at! se confundir com a multid#o no cais de em(arque. epois disso, ningu!m sa(e o que lhe aconteceu. eve ter sido feito prisioneiro pelo eP!rcito sovi!tico e enviado para um campo de tra(alhos forçados na 8i(!ria. O mais prov$vel ! ter morrido ali, como foi o destino de tantos outros. 7magino que esteja a no fundo de alguma vala comum, enterrado num pedaço de terra a(andonada e des!rtica, sem uma l$pide sequer. Z"inda me lem(ro como se fosse hoje do jardim zoológico de 8nching em todos os seus pormenores. 'arece que tenho tudo gravado na minha ca(eça cada um dos caminhos, cada um dos animais. Wiv)amos na residência oficial do veterin$rio cirurgi#o e todos os que ali tra(alhavam me conheciam e deiPavamme sempre andar por ali U vontade. 7sto mesmo nos dias em que o jardim zoológico estava encerrado ao pY(lico. Com os olhos um tudonada semicerrados, 9oz+oscada parecia evocar a cena na sua memória. %m silêncio, esperei que ela retomasse o fio U meada. " verdade, por!m, ! que n#o tenho a certeza a(soluta de que o jardim zoológico fosse realmente como me lem(ro dele. Como ! que heide dizerV Is vezes tenho a sensaç#o de que a imagem ! demasiado n)tida. %, quanto mais penso nisso, menos consigo discemir o que ! real do que ! invenç#o pura, fruto da minha imaginaç#o. 8intome como se estivesse perdida num la(irinto. "lguma vez te aconteceuV 9unca me tinha acontecido. 8er$ que ainda ePiste, esse jardim zoológico na cidade de >sinchingV 8a(ese l$ retorquiu 9oz+oscada, tocando com o dedo no (rinco. Ouvi dizer que fecharam as portas depois da guerra, mas n#o sei se ainda continua fechado ou n#o. urante muito tempo, 9oz+oscada foi a Ynica pessoa do mundo com quem eu podia falar. %ncontr$vamonos sempre uma ou duas vezes por semana e convers$vamos sentados U mesa do restaurante. epois de nos encontrarmos assim duas ou três vezes, desco(ri que a minha interlocutora era uma ePcelente ouvinte. %ra muito inteligente e sa(ia como conduzir com ha(ilidade o rumo da conversa, colocando as quest\es e fornecendo as respostas que se impunham. " fim de n#o lhe desagradar, quando ia ter com ela apresentavame sempre vestido como deve ser, limpo e elegante.
Draças a ela, o meu guardaroupa aumentou consideravelmente. Os fatos, os casacos e as camisas, tudo novo, iam invadindo, pouco a pouco, o território anteriormente ocupado pelos vestidos e saias de Fumiko. 9#o tardou que o guardafato começasse a ser pequeno. raz#o pela qual n#o tive outro rem!dio sen#o do(rar as coisas de Fumiko, guardar tudo com (olas de naftalina numa caiPa e colocar a caiPa no arm$rio de parede. Caso ela algum dia voltasse, decerto ficaria espantada e perguntaria a si própria que dia(o teria acontecido ali durante a sua ausência. "os poucos, paulatinamente, l$ contei a 9oz+oscada a história de Fumiko. %Ppliquei que estava apostado em salvar Fumiko, custasse o que custasse, e em trazêla de novo para casa. Cotovelos em cima da mesa, a cara apoiada nas m#os, ela ouviame contar. % de quê e de quem ! que a queres salvar, concretamenteV Como se chama esse lugarV 'rocurei no ar as palavras certas, sem as encontrar. 9em no ar nem na terra. e um s)tio long)nquo respondi. 9oz+oscada sorriu. O que dizes n#o te faz lem(rar " Alauta +$gicaV 8a(es, a ópera de +ozartV "rmado de uma flauta m$gica e de umas campainhas m$gicas, o pr)ncipe resgata a princesa cativa num castelo remoto. "doro essa ópera. &$ a vi e ouvi tantas vezes que sei o li(reto de cor e salteado. 5uando 'apageno canta Zsou eu, o caçador de p$ssaros, conhecido por novos e velhos em toda a parte[V "lguma vez assististe U Alauta +$gicaV espondi que n#o com a ca(eça. 9unca a tinha visto. 9a ópera, o pr)ncipe e o caçador de p$ssaros, 'apageno, v#o ao castelo guiados por três meninos que viajam numa nuvem. Tratase, na realidade, de uma luta entre o reino do dia e o reino da noite. " rainha da noite procura resgatar a princesa mantida prisioneira no reino do dia, mas, a dada altura, os protagonistas aca(am por n#o sa(er (em em qual dos dois reinos est$ a raz#o. 5uem est$ cativo e quem n#o o est$V 9o final, como ! (om de ver, o pr)ncipe encontra a princesa. 'apageno fica com 'apagena, e os maus v#o direitinhos para o 7nferno... concluiu 9oz+oscada, passando a ponta do dedo pela (orda do copo. +as tu, de momento, n#o tens nem caçador de p$ssaros nem flauta m$gica nem campainhas m$gicas. Tenho um poço disse eu. 8e o conseguires comprar replicou 9oz+oscada, sorrindo como se desdo(rasse um elegante lenço. O teu poço. Todas as coisas tem o seu preço. 5uando me cansava de falar, ou ent#o me faltavam as palavras 'ara prosseguir o meu relato, 9oz+oscada deiPavame descansar e contavame coisas da sua inf_ncia, histórias mais compridas e mais aplicadas do que a minha. "o contr$rio do que acontecia comigo, n#o as contava seguindo uma ordem, saltava daqui para ali ao sa(or dos sentimentos. 8em me dar qualquer ePplicaç#o, prescindia da ordem cronológica e, de repente, fazia entrar em cena personagens principais de que nunca antes me tinha falado. 'ara compreender a que per)odo da vida dela pertencia o fragmento que estava a contar via me o(rigado a redo(rar a minha atenç#o, o que nem sempre conseguia, digase de passagem. "l!m disso, a par das cenas que tinha visto com os seus próprios olhos, ela costumava narrarme outras que nunca presenciara. Os soldados mataram os leopardos. +ataram os lo(os. +ataram os ursos. +atar aqueles ursos enormes foi a operaç#o mais dif)cil de todas. +esmo depois de rece(erem no corpo o impacto causado por dezenas de proj!cteis, os dois ursos continuavam a arremeter violentamente contra as grades da jaula, (a(andose e arreganhando os dentes. "o contr$rio dos gatos, por natureza mais resignados Kisso era o que os soldados pensavamL, n#o havia maneira de os ursos se convencerem de que os estavam a matar. Talvez por essa raz#o, precisaram de mais tempo para se darem por vencidos e dizerem
assim adeus a essa condiç#o ef!mera que d$ pelo nome de vida. 5uando finalmente os soldados aca(aram com os ursos, estavam de tal maneira ePtenuados que pouco faltou para desfalecerem ali mesmo. O tenente voltou a travar a patilha de segurança da pistola e usou o (on! militar para limpar o suor que lhe escorria pelo rosto. %nvoltos num profundo silêncio, alguns soldados tentaram disfarçar a vergonha cuspindo ruidosamente para o ch#o. " seus p!s o terreno estava pejado de cartuchos de (ala que mais pareciam (eatas. 9os seus ouvidos ressoava ainda o eco dos disparos. O jovem soldado que aca(aria, meses mais tarde, por morrer Us m#os de um oficial sovi!tico numa mina de carv#o perto de 7rkutsk, continuava a respirar fundo procurando n#o olhar para os ursos mortos. =utava desesperadamente por reprimir os vómitos que sentia cresceremlhe na garganta. 9o fim, o tenente tomou a decis#o de n#o matar os elefantes. Aoi só quando lhes puseram a vista em cima que se aperce(eram da sua verdadeira dimens#o. Arente aos elefantes, as armas dos soldados de infantaria eram como (rinquedos insignificantes. epois de reflectir um (ocado, o tenente decidiu n#o matar os elefantes. Os soldados respiraram de al)vio ao sa(êlo. 'or mais estranho que possa parecer ou, vendo (em, talvez n#o fosse assim t#o estranho , todos partilhavam a mesma convicç#oE era muito mais f$cil matar os outros homens num campo de (atalha do que matar animais fechados numa jaula. 7sto mesmo considerando a possi(ilidade de poderem ser mortos por eles.
e podem ser vendidos a (om preço. "gora ! tarde, mas teria sido 'refer)vel apontar U ca(eça, a fim de podermos vender tam(!m a pele. Aoi nitidamente um tra(alho de amador^ 'ela nossa parte, caso nos tivessem encarregado dessa miss#o, ter)amos resolvido tudo de uma forma muito mais eficaz.[ O veterin$rio aceitou a proposta. 9#o tinha outra sa)da. "final de contas, os chineses estavam no seu pa)s. 'ouco depois apareceram as carroças puPadas por dez homens, todos chineses pegaram nos animais mortos e arrastaramnos pelo armaz!m, empilharamnos em cima das carroças, ataramnos com cordas e co(riram nos com esteiras de palha. urante otra(alho quase n#o trocaram uma palavra. "t! mesmo a ePpress#o do rosto permaneceu impass)vel. +al aca(aram de carregar, foramse em(ora, arrastando atr$s de si as velhas carroças que rangiam como se estivessem em sofrimento. % assim chegou ao fim a matança aquilo a que os tra(alhadores chineses chamaram um massacre desastroso dos animais do jardim zoológico numa tarde quente de Wer#o Aicaram apenas as jaulas vazias e limpas. Os macacos, todos ePcitados continuaram a lançar os seus gritos incompreens)veis. Os p$ssaros (atiam desesperadamente as asas dentro das gaiolas, espalhando as suas penas por tudo quanto era s)tio. "s cigarras continuaram sempre a cantar. Terminada a operaç#o de ZePecutar[ os animais, os soldados regressaram aos quart!is e, depois de os dois Yltimos funcion$rios chineses que ainda havia no jardim zoológico terem desaparecido levando com eles as carroças carregadas com as carcaças dos animais, o recinto ficou vazio como uma casa sem mo()lia, depois de uma mudança. O veterin$rio sentouse na (orda da fonte seca, olhou para o c!u e p]sse a olhar para umas nuvens (rancas de contornos n)tidos. %scutou com atenç#o o canto das cigarras. &$ n#o se ouvia o canto do p$ssaro de corda, mas o veterin$rio nem se aperce(eu disso. 'ara começar, nunca na vida tinha ouvido cantar o p$ssaro mec_nico. " Ynica coisa que ouvira tinha sido o po(re soldado jovem destinado a levar uma tareia de morte tempos depois, algures numa mina de carv#o da 8i(!ria. O veterin$rio tirou um maço de ta(aco hYmido de suor do (olso da frente, levou um cigarro U (oca e acendeuo com um fósforo. "o fazer esse gesto, deuse conta de que tinha a m#o a tremer de facto, tremia tanto que precisou de três fósforos para conseguir acender o cigarro. 7sso n#o queria dizer que estivesse emocionalmente traumatizado. 9#o perce(ia porquê, mas o espect$culo de todos aqueles animais a serem Zmassacrados[ diante dos seus olhos enquanto o dia(o esfregava um olho n#o suscitava nele nem surpresa, nem tristeza, nem raiva. 9a realidade, ele n#o sentia quase nada. 8entiase, isso sim, terrivelmente confuso. eiPouse ficar ali mais um (ocado, a fumar o seu cigarro nas calmas, na tentativa de recuperar os sentimentos perdidos. Olhou fiPamente para as m#os apoiadas so(re os joelhos, depois levantou a ca(eça para as nuvens que se viam no c!u. O mundo que se reflectia nos seus olhos era, aparentemente, o mesmo. 9#o encontrava nele sinais de mudança. %, contudo, tinha de ser um mundo radicalmente diferente do mundo que ele at! a) ent#o conhecera. "final de contas, o mundo em que ele vivera era um mundo onde ursos, tigres, leopardos e lo(os tinham sido ZePecutados[. "inda nessa manh# os animais ePistiam, mas a verdade ! que, Us quatro da tarde desse mesmo dia, tinham deiPado de ePistir para sempre haviam sido massacrados pelos soldados e at! mesmo os seus corpos tinham desaparecido. Tinha de haver, no entanto, uma linha de demarcaç#o, grande e definitiva, entre esses dois mundos. Tinha de ePistir, essa linha de demarcaç#o. %, no entanto, ele foi incapaz
de a desco(rir. "os seus olhos, o mundo continuava o mesmo de sempre. O que o deiPava perplePo era precisamente essa insensi(ilidade at! a) desconhecida que sentia dentro de si. % foi ent#o que perce(eu at! que ponto estava cansado. 'ensando (em, mal tinha pregado olho na noite anterior. Como seria (om estenderse U som(ra fresca de uma $rvore algures e poder dormir um (ocado. +ergulhar nas trevas silenciosas do inconsciente e n#o pensar em nada, nem que fosse por pouco tempo. Olhou para o relógio de pulseira. Tinha de arranjar comida para os animais que ainda havia no jardim zoológico e, tam(!m, de ePaminar um mandril com fe(re alta. Tinha mil e uma coisas para fazer. e momento, contudo, era de dormir que precisava. eiParia as refleP\es para depois. O veterin$rio penetrou no meio do arvoredo e estendeuse de costas em cima da erva, num s)tio onde ningu!m pudesse dar com ele. %ra agrad$vel estar ali na relva, U som(ra. a vegetaç#o desprendiase o mesmo odor que lhe trazia U memória os dias da sua inf_ncia. "lguns gafanhotos enormes da +anchYria desataram a (rincar por cima da sua ca(eça, fazendo um agrad$vel zum(ido. "li deitado, acendeu outro cigarro. Aicou satisfeito ao verificar que as m#os j$ n#o lhe tremiam como anteriormente. %nchendo de fumo os pulm\es ao fundo, imaginando que os chineses estivessem naquela altura a esfolar, um por um, os animais mortos e a cort$los aos pedaços. 'or mais de uma vez o veterin$rio os tinha visto fazer esse tra(alho, e sa(ia que eles eram terrivelmente h$(eis e eficazes. -astavam poucos momentos para os animais ficaram prontos, reduzidos a um mont#o de pele, carne, v)sceras e ossos. Como se aqueles elementos estivessem a partida separados e, por alguma raz#o insólita, calhassem ficar juntos. 5uando ele acordasse da sesta, o mais prov$vel era os (ocados de carne j$ estarem U venda nos mercados. "quela gente tra(alhava, de facto, com uma rapidez incr)vel, pensou ele. "rrancou um punhado de ervas e entretevese a (rincar com a erva tenra durante um (ocado.
em(arcaç\es reinava uma estranha calma. " tripulaç#o do su(marino tinha su(ido at! U ponte. 'erfeitamente vis)veis, alinhados ao lado ums dos outros, os marinheiros davam se ao luPo de olhar o navio japonês com o ar de quem tinha muito tempo para matar. " maioria nem sequer capacete de com(ate trazia na ca(eça, nessa tarde de Wer#o em que n#o corria uma aragem.
superf)cie azulmarinho e finalmente, a antena e o periscópio afundaramse, como que para dissipar todos os vest)gios de que o su(marino alguma vez ali tivesse estado. urante algum tempo, os remoinhos pertur(aram a superf)cie do mar, que em seguida logo se acalmou, e na tarde o mar reencontrou uma calma estival quase inquietante. +esmo depois de o su(marino ter sumido de forma t#o sY(ita como havia aparecido, os passageiros continuaram petrificados na co(erta. 9a mesm)ssima posiç#o, contemplavam fiPamente a superf)cie das $guas, completamente mudos. ecuperando a presença de esp)rito o comandante deu instruç\es ao piloto, comunicou com a sala das m$quinas, e logo o velho motor começou a funcionar no meio dos longos gemidos dos pist\es, como um c#o acordado a pontap! pelo dono. " tripulaç#o do navio, mal contendo a respiraç#o, esperava um ataque com torpedos. Talvez, v$ l$ sa(erse porquê, os americanos escolhessem antes torpede$los por ser mais r$pido. O navio navegava aos ziguezagues, o comandante e o piloto perscrutavam o mar estival com os seus (inóculos, procurando os vest)gios (rancos e fatais de um ataque com torpedos que nunca aconteceu. Winte minutos depois de o su(marino ter desaparecido nas ondas, as pessoas começaram finalmente a despertar do profundo encantamento da morte. "o princ)pio, as dYvidas eram mais do que muitas, mas aos poucos começaram a transformarse em certezaE tinham estado a um passo da morte e regressado com vida. 9em sequer o comandante entendia por que raz#o teriam os americanos suspendido t#o repentinamente o ataque. 5ue dia(o se teria passadoV K8ó mais tarde vieram a sa(er que, momentos antes de o ataque se desencadear, o su(marino havia rece(ido ordem do quartelgeneral no sentido de suspender toda e qualquer acç#o de com(ate activa a n#o ser que fosse atacado. " 0 de "gosto, o governo japonês aceitou os termos da aceitaç#o da eclaraç#o de 'otsdam e apresentou aos pa)ses aliados a rendiç#o incondicional.L "lguns dos passageiros na co(erta, li(ertos da tens#o, desataram a chorar, mas a maior parte deles, incapaz de rir ou de chorar, permaneceu durante horas a fio, dias em certos casos, num estado de a(soluto entorpecimento. Os longos e retorcidos espinhos causados pelo pesadelo vivido tinhamselhe espetado nos pulm\es, no coraç#o, na coluna verte(ral, no c!re(ro, no Ytero, e n#o mais seriam arrancados. " pequena 9oz+oscada "kasaka permaneceu profundamente adormecida nos (raços de sua m#e durante todo o tempo. ormiu sem a(rir os olhos nem uma Ynica vez durante mais de vinte horas, como se tivesse perdido o conhecimento. 'or mais que a m#e se esforçasse por lhe gritar aos ouvidos ou es(ofete$la na cara, n#o havia maneira de acordar. ormia de um sono t#o profundo que parecia ha(itar as profundezas do mar. O intervalo entre cada inspiraç#o era cada vez mais longo, o pulso cada vez mais lento. 'or mais que a m#e escutasse at!ntamente, mal conseguia ouvila respirar. 5uando o 0G0 navio chegou a 8ase(o, por!m, 9oz+oscada despertou sem pr!vio aviso. Como se uma força poderosa a tivesse trazido de volta para este mundo. Tudo isto fez com que 9oz+oscada n#o presenciasse a cena em que o su(marino interrompia o ataque para desaparecer. Aoi a sua m#e, muito mais tarde, que lhe contou tudo em pormenor. 5uando o navio fez a sua entrada no porto de 8ase(o, na manh# e 3 de "gosto, passava pouco das dez. 9o porto reinava um profundo e misterioso silêncio, e n#o apareceu ningu!m para os rece(er. 9#o havia sinais de presença humana, nem mesmo junto dos canh\es antia!reos, U entrada do porto. 8ó a luz intensa do Wer#o calcinava a terra em silêncio. %ra como se o mundo inteiro estivesse profundamente paralisado. Os passageiros do navio tiveram a impress#o de ter entrado por engano no reino dos
mortos. +udos, contemplaram a terra dos seus antepassados que voltavam a encontrar depois de tantos anos de ausência. "o meiodia do dia 2 de "gosto, o imperador anunciara atrav!s da r$dio o fim da guerra. 8ete dias antes, a cidade de 9agas$qui havia sido completamente arrasada por uma (om(a atómica. O imp!rio fantoche do +anchukuo estava em vias de desaparecer do mapa, engolido pelas areias movediças da >istória. O veterin$rio com a mancha na face, apanhado em contrap! no compartimento errado da porta giratória, foi arrastado contra a sua vontade pelo destino da colónia japonesa da +anchYria. 'assemos, ent#o, ao pro(lema seguinte KO ponto de vista de +aS Fasahara :L Ol$ outra vez, 8enhor '$ssaro de Corda^ 'or acaso j$ te deste ao tra(alho de pensar em que s)tio estou e o que estou aqui a fazer, tal como te pedi mesmo no fim da minha ultima cartaV Aazes ao menos uma pequena ideiaV %m todo o caso, vou continuar a contar a história, partindo do 'rinc)pio de que n#o desco(riste a ponta de um corno quase que a'osto que foi isso que aconteceu. 'ara simplificar, começo logo por te adiantar a resposta. %stou a tra(alhar numa Zf$(rica[, por assim dizer.
carta anterior, por!m, a verdade ! que me agrada esta sensaç#o de Zvazio[ que por aqui se vive aos finsdesemana. 'osso passar o tempo todo a ler, a ouvir mYsica em altos (erros, a passear pela montanha ou, como acontece agora, aqui sentada U secret$ria a escreverte esta carta, senhor '$ssaro de Corda. "s raparigas que tra(alham comigo s#o todas da zona, que ! como quem diz, filhas de fam)lias de agricultores aqui da regi#o. 9#o digo todas, claro, mas na sua maioria trata se de moçoilas saud$veis, je constituiç#o forte, optimistas e tra(alhadoras. "t! h$ pouco tempo, quando as raparigas aca(avam os seus estudos iam para a grande cidade em (usca de emprego, visto que por estas (andas n#o havia grandes empresas. %m resultado de ficarem cada vez menos raparigas na povoaç#o, os homens n#o tinham com quem casar e a zona ia ficando cada vez mais despovoada. " fim de com(ater esse estado de coisas, as autoridades da regi#o ofereceram Us empresas uma vasta ePtens#o de terreno para uso industrial, facilitaram a instalaç#o de f$(ricas para que as jovens pudessem permanecer aqui e n#o fossem o(rigadas a partir. C$ por mim, a ideia ! (oa. " prova ! que isso atrai tam(!m as raparigas que vêm de fora, como ! o meu caso, n#o ! verdadeV "gora, as jovens que aca(am os seus estudos Kou ent#o que os deiParam a meio, como euL, arranjam emprego na f$(rica, p\emse a amealhar uns tustos e, uma vez chegada a idade de se casarem, a(andonam o emprego, d#o U luz duas ou três crianças e engordam todas como (aleias, sem ePcepç#o. X evidente que no meio deste quadro h$ sempre aquelas que continuam a tra(alhar depois do casamento, mas o certo ! que a maior parte desiste do emprego. % agora, j$ fazes ideia do lugar onde me encontroV 9esse caso, passo U pergunta seguinteE que dia(o ! que se produz nesta f$(ricaV oute uma pista, senhor '$ssaro de CordaE em tempos que j$ l$ v#o, realiz$mos am(os um tra(alho relacionado com Zisso[. =em(raste dos inqu!ritos de rua feito em CinzaV -om, agora j$ n#o tens desculpa para n#o sa(er. 8im ou n#oV % isso mesmo, tra(alho numa f$(rica de perucas. %nt#o, surpreendidoV Como te contei da outra vez, vimme em(ora da tal estYpida escolapris#odealto ga(arito, isto para a) seis meses depois de l$ ter posto os p!s. " partir da), passava os dias em casa dos pap$s sem fazer a ponta de um corno, como um c#o que tem a pata ferida. 7sto at! que me lem(rei, mais por (rincadeira do que por outra coisa qualquer, daquele dia em que o tipo que supervisionava o meu tra(alho me ter ditoE ZOlha l$, temos falta de mulheres na nossa f$(rica, se por acaso quiseres tra(alhar para nós, est$s U vontade.[ Chegara mesmo a mostrarme uma magn)fica (rochura so(re a f$(rica, e foi assim que me pus a pensar at! que ponto n#o seria uma (oa ideia tra(alhar num lugar destes. O encarregado ePplicarame que as mulheres tinham a seu cargo a tarefa de implantar U m#o os ca(elos nas perucas. Tratase de um tra(alho de grande precis#o, visto que as perucas 8#o produtos muito delicados, n#o têm nada que ver com panelas de a
a verdade ! que sou uma ePcelente costureira. 'elo menos na escola era o que a professora dizia sempre. "posto que nunca te passaria isso pela ca(eça, pois n#oV 'ois (em, ! pura verdade. a) que tenha pensado com os meus (ot\es que n#o ficaria com os parentes na lama se ePperimentasse viver durante uns tempos na montanha, sem pensar em nada, entretida com um tra(alho manual de manh# U noite nesta f$(rica. %stava farta da escola at! U ponta dos ca(elos, al!m de que tam(!m n#o me estava a apetecer nada continuar a viver U custa dos meus pais Ke eles de certeza a mesma coisa, escusado ser$ dizerL. 7sto sem esquecer que n#o havia nada que me apetecesse realmente fazer... epois de dar voltas U ca(eça, cheguei U conclus#o de que n#o tinha outro rem!dio sen#o vir tra(alhar para aqui. 'edi aos meus pais que se responsa(ilizassem por mim, e, juntamente com a declaraç#o do encarregado Kpelos vistos, (em impressionado com o tra(alho dos inqu!ritosL, passei na entrevista realizada nos escritórios centrais da empresa e fui aceite.
-om, por esta altura espero que j$ tenhas perce(ido que passo ws meus dias a tra(alhar no duro nesta f$(rica de perucas, situada no cu de judas. %spero que estejas convencido do meu verdadeiro interesse nws produtos que aqui se fa(ricam, e que s#o as perucas. 9a carta seguinte entrarei em mais pormenores no que toca U minha vida e ao eu tra(alho por estas (andas. % da), talvez n#o. 'or agora j$ chega. "deus. "T.5 ) %stamos a falar de uma verdadeira p$V KO que aconteceu na calada da noite, parte :L epois de profundamente adormecido, o rapaz teve um sonho muito real. %le sa(ia que era um sonho, o que em parte o tranquilizou. 2e eu sei que isto ! um sonho, quer dizer que o outro n#o era um sonho. "quilo aconteceu mesmo, de verdade. 'osso entender perfeitamente a diferença. 9o sonho, o menino aparecia no jardim a meio da noite, quando l$ n#o estava ningu!m, agarrava na p$ encostada ao tronco da $rvore e punhase a cavar. 9#o era dif)cil, uma vez que o homem alto aca(ara de tapar o (uraco só o gesto de pegar na pesada p$, contudo, era quanto (astava para deiPar o rapazinho sem conseguir respirar. "l!m disso, ! preciso ver que estava descalço. Aicou com as plantas dos p!s geladas. +esmo assim, fez quest#o de continuar a cavar a terra at! p]r a desco(erto o volume envolto em pano que o homem l$ enterrou. O p$ssaro mec_nico n#o voltou a cantar. O homem que trepara U $rvore n#o voltara a aparecer. %m redor estava tudo de tal forma silencioso que ao rapaz quase lhe do)am os ouvidos. "final de contas, ! um sonho, pensou o menino. O p$ssaro de corda e o homem parecido com o meu pai que su(iu U $rvore n#o eram um sonho, ePistiam na realidade. %ra caso para dizer que de certeza que n#o havia relaç#o entre uma coisa e outra. %stranho. "qui estou, a cavar no meu sonho o (uraco que ainda h$ pouco algu!m antes de mim cavou. Como ! que vou distinguir, ent#o, entre o que ! um sonho e o que n#o ! um sonhoV 'or ePemploE esta p$ ! uma verdadeira p$ ou estarei a sonhar que ! uma p$V 5uanto mais pensa, menos compreende. 'or isso o menino deiPa de pensar e continua a cavar com todas as suas forças. 'or fim, tocou com a ponta da p$ no pano que estava a envolver o em(rulho. O menino li(ertou cuidadosamente a terra U volta e depois, de joelhos, tirou o volume do meio do (uraco. 9#o se via uma nuvem no c!u e a =ua projectava uma luz hYmida so(re a Terra sem que nada lhe fizesse som(ra. 9o sonho, estranhamente, o menino n#o sentiu medo. " curiosidade que o dominava era mais forte que tudo o mais. "(riu o volume. =$ dentro havia um coraç#o ano. O coraç#o tinha a mesma forma e a mesma cor do que o coraç#o que tinha visto na enciclop!dia ilustrada. % o coraç#o ainda estava vivo e (atia, como um (e(! rec!ma(andonado. "inda que da art!ria seccionada n#o sa)sse sangue, continuava a pulsar com força. O menino ouvia distintamente os (atimentos fortes nos seus ouvidos, mas i88o era o som do seu coraç#o a pulsar. O coraç#o que havia sido enterrado e o seu próprio coraç#o (atiam forte em un)ssono, como se estivessem a comunicar um com o outro. O menino recuperou o f]lego e disse a si mesmo, com firmezaE Z" rnim estas coisas n#o me metem medo. X um coraç#o ano, mais nada. Como o que aparece na enciclop!dia. Toda a gente tem um. %u tam(!m tenho.[ Com calma, o menino voltou a envolver o coraç#o no pedaço de pano, depositouo no fundo do (uraco e deitoulhe terra por cima. " seguir calcou a terra com os p!s descalços para que ningu!m visse que ePistia ali uma
vala e deiPou a p$ encostada ao tronco da $rvore, tal como a tinha encontrado. " superf)cie da terra estava fria como gelo. %ntrando pela janela, regressou U intimidade c$lida do seu quarto. 8acudiu a terra pegada Us plantas dos seus p!s no cesto dos pap!is para n#o sujar os lençóis, só pensava em meterse na cama e dormir. Aoi ent#o que se deu conta de que haviam ocupado o seu lugar. %stava algu!m a dormir ali, tapado com a co(erta. anado, o menino puPou a roupa para tr$s e quis gritarE ZOlha l$, tu, p\ete a andar. %sta ! a minha cama^[ +as a voz n#o lhe saiu da garganta. "quele que tinha diante de si, deitado na cama, era ele próprio. %stava deitado na sua cama e dormia, respirando regularmente. 8e j$ estava a dormir ali, onde iria dormir o seu outro euV %, pela primeira vez, a criança teve medo, percorrida por um sentimento de p_nico que parecia congel$ la at! U medula. " criança queria gritar. 5ueria gritar o mais alto poss)vel, a fim de despertar o seu eu adormecido e todas as pessoas que estavam em casa, mas da sua (oca continuava a n#o sair nem um som. %nt#o agarrou no seu outro eu pelos om(ros e sacudiuo com força. +as nem assim conseguiu. " criança que dormia n#o havia maneira de acordar. 9#o teve outro rem!dio. %m desespero de causa, o menino despiu o casaco, deitouo ao ch#o, deu um violento empurr#o ao seu outro eu para o outro lado e estendeuse quase U força na (orda daquela cama demasiado estreita. Tinha de marcar terreno. 8e n#o o fizesse, aca(aria por ser ePpulso do seu próprio mundo. "pesar da posiç#o incómoda e de n#o ter almofada, assim que entrou na cama apoderouse dele um profundo torpor e o menino n#o conseguiu pensar em mais nada. 9o instante seguinte estava a dormir. 9a manh# seguinte, ao acordar, o menino est$ sozinho a meio Ha cama e tem, como de costume, a almofada de(aiPo da ca(eça, o seu lado n#o h$ ningu!m. 8entase devagarinho na cama e passeia o olhar U volta do quarto. I primeira vista, nenhumhuma mudança " mesma mesa, a mesma cómoda, o mesmo roupeiro, o mesrrin candeeiro de mesa. O relógio de parede marca seis e vinte. O menino nota que h$ qualquer coisa estranha. 'arece que tudo est$ igual, ma a verdade ! que aquele lugar ! diferente do lugar onde adormeceu a noite passada. O ar, a luz, os ru)dos, os cheiros, todas aquelas coisas est#o diferentes, cada uma da sua maneira. 'odia ser que as outras pessoas n#o dessem por isso, mas ele, sim, repara nisso. O menino afastou a co(erta e o(servou o seu corpo. +ove os dedos de am(as as m#os, um a um. Os dedos das m#os mePemse sem nenhum pro(lema. Os dos p!s tam(!m. 9#o sente dores nem comich#o. =evantase da cama e vai U casa de (anho. $ nele certos elementos que n#o pertencem ao seu Zeu[ original. e repente a criança sentese desamparada e ePperimenta chamar pela m#e. 9enhumhuma palavra (rota da sua garganta. "s suas cordas vocais n#o conseguem fazer vi(rar o ar, como se a própria palavra Zmam#[ houvesse desaparecido da face da terra. 9#o demora muito, o menino, a darse conta de que n#o era a palavra o que havia desaparecido. : O misterioso tratamento de +. <+" >78TB7" % OC<=T78+O "88O+-" O +<9O 8%C%TO O %8'%CTJC<=O Ka ediç#o do mês de ezem(ro da revista mensal L ... "o que tudo indica, as terapias ocultistas, t#o em voga no mundo do espect$culo,
andam nas (ocas do mundo, mas, por vezes, os grupos que se dedicam ao ocultismo chegam a actuar quase como uma organizaç#o clandestina. eferimonos, concretamente, ao caso de +N conhecida actriz de trinta e três anos. epois de se ter estreado, h$ cerca de dez anos, num papel secund$rio de uma s!rie televisiva que lhe permitiu granjear um êPito not$vel, nunca mais deiPou de aparecer regularmente, quer no pequeno quer no grande ecr#. Casada desde h$ seis anos com um jovem Ztu(ar#o[ do sector imo(ili$rio, sa(ese que, durante os dois primeiros anos, o casal viveu num mar de rosas. Os negócios do marido iam de vento em popa e, pela sua parte, a actriz somava êPito atr$s de êPito. +ais tarde, por!m, o restaurante e a (outique que o marido a(riu em nome dela começaram a dar para o torto, começaram a aparecer os primeiros cheques sem co(ertura assinados pela actriz. izse U (oca fechada que +. nunca esteve interessada em a(rir as lojas, e que só a insistência do marido a levou a aceder U vontade ePpressa por ele no sentido de alargar o _m(ito dos seus negócios. >$, por isso, quem a considere v)tima de fraude. "l!m do mais, a relaç#o de +. com os sogros h$ j$ muito tempo que dava sinais de estar a piorar. O rumor da crise matrimonial que +. vivia com o mardo n#o tardou a espalharse e o casal aca(ou por se separar. Ainalmente, h$ dois anos, e depois de um acordo alcançado so(re a Hvida, foi decretado o divórcio de comum acordo. +ais ou menos na mesma altura, +. começou a mostrar sinais de 'ress#o, circunst_ncia que a o(rigou a a(andonar temporariamente as suas actividades no mundo do espect$culo, a fim de ser internada num hospital e a su(meterse a tratamento. 8egundo conseguimos sa(er junto da produtora, na sequência do divórcio a actriz era frequentemente assaltada por ataques de ansiedade e os antidepressivos ameaçavam arruinar a sua saYde, sen#o mesmo p]r em causa a continuidade da sua carreira. Z'erdeu a capacidade de concentraç#o necess$ria e at! mesmo a sua aparência ePterior se modificou de forma alarmante[, afirmou U nossa revista uma fonte (em informada. Z8endo por natureza uma pessoa respons$vel, todos aqueles pensamentos e preocupaç\es lhe causaram profundos danos psicológicos. Aelizmente, no aspecto económico, o divórcio revelouse (astante satisfatório para ela e, de momento, n#o tem necessidade de tra(alhar para garantir a sua su(sistência económica.[ "contece que +. era parente afastada da mulher de um conhecido pol)tico Ke antigo ministroL. Ter$ sido ela, afeiçoada a +. como se fosse uma filha, quem a apresentou h$ dois anos a uma das suas amigas, que dizem praticar uma esp!cie de terapia espiritual para uma clientela escolhida a dedo entre os mem(ros da alta sociedadeV O certo ! que, mediante a recomendaç#o da esposa do pol)tico, +. foi rece(ida no seu consultório e seguiu, durante aproPimadamente um ano, uma terapia contra a depress#o, ainda que se desconheça qual o tratamento prescrito. " esse respeito, +. guarda silêncio. O certo ! que a doença de +. conheceu uma assinal$vel melhoria, tudo isso graças ao contacto regular com a dita mulher e, independentemente de qual poder$ ter sido o tratamento aplicado, a verdade ! que, pouco depois, a actriz conseguiu prescindir dos antidepressivos. %m consequência disso, o edema facial provocado pelos medicamentos desapareceu, voltou a crescerlhe o ca(elo, e a actriz tornou a mostrar a (eleza de outros tempos. O estado ps)quico foi melhorando at! normalizar, permitindo lhe retomar o seu tra(alho de actriz, altura em que deu por terminado o tratamento. %m Outu(ro deste ano, por!m, numa altura em que aquele pesadelo parecia ser coisa do passado, +. voltou a ser surpreendida pelos mesmos sintomas. " situaç#o era grave, na medida em que a actriz se preparava para aceitar um novo papel num filme, algo impens$vel no seu estado. Aoi ent#o que +. decidiu retomar o contacto com aquela
terapia, mas, ao que parece, a mulher a(andonara entretanto as suas pr$ticas. ZTenho muita pena, mas n#o a posso ajudar. &$ n#o possuo nem os poderes nem a capacidade necess$rios. 8e prometer que n#o diz uma Ynica palavra a ningu!m, posso apresent$la a uma pessoa. 7sto na condiç#o de guardar segredo, ou ent#o arrependerse$ amargamente. Aui claraV[ % assim +. foi apresentada a um jovem dos seus trinta anos, que tinha uma mancha de nascimento no rosto. e todas as vezes que 8' encontraram, o homem nunca a(riu a (oca, mas o tratamento esse revelouse incrivelmente eficaz. "pesar de +. nunca ter revelado a soma de dinheiro que pagou por este serviço, somos levados a crer que ter$ desem(olsado uma respeit$vel quantia. Aoi isto que apur$mos junto de uma pessoa Zmuito próPima[ de +. a propósito do misterioso tratamento. a primeira vez, o encontro decorreu no hotel , onde foi conduzida por um homem ainda novo para um grande carro preto at! ao local onde o tratamento lhe foi ministrado. 9o que U misteriosa terapia diz respeito, n#o nos foi poss)vel apurar nada de concreto. +. recusouse a adiantar alguma coisa. Z%stamos na presença de pessoas com um poder ePtraordin$rio[, afirmou ela, Ze, se voltasse atr$s com a minha palavra decerto teria pro(lemas.[ +. visitou aquele lugar apenas uma vez e, desde ent#o, nunca mais voltou a sa(er o que era ter um ataque de ansiedade. Tent$mos chegar U fala com a conhecida actriz, a fim de o(termos em primeira m#o informaç\es so(re o tratamento rece(ido e, tam(!m, so(re a tal mulher misteriosa, mas, como seria de esperar, +. recusouse a conceder uma entrevista. 'elo que conseguimos sa(er junto dos especialistas na mat!ria, aquela Zorganizaç#o[ tem por norma evitar personalidades do mundo do espect$culo , e conta entre a sua clientela figuras (em conhecidas, da $rea da pol)tica e das finanças, ha(itualmente mais discretas, e mais n#o nos sou(eram dizer,os nossos contactos junto dos meios art)sticos. O homem que esperava O que tem de ser, tem muita força
parte de tr$s da minha casa, imo(ilizome e olho U volta antes de saltar por cima de um muro (aiPinho. " casa surge rasteira diante de mim, escura e silenciosa, como a carapaça de um enorme animal rastejante. "(ro com a chave a porta que d$ acesso U cozinha, acendo a luz e mudo a $gua do gato Wou ao arm$rio (uscar uma lata de comida para gato e a(roa. Cavala aparece como sempre ao ouvir esse ru)do. epois de esfregar a ca(eça contra a minha perna, começa a comer. %ntretanto, tiro uma cerveja gelada do frigor)fico. Costumo jantar sempre na Zresidência[ qualquer coisa que 9oz+oscada prepara , da) que em casa mais n#o faço do que arranjar uma salada ou cortar uma fatia de queijo. -aiPome e ponho o gato nos joelhos enquanto (e(o a minha cerveja, e com as m#os constato a macieza e o calor do seu corpinho. Cada um de nós passou o dia num lugar diferente e cada um regressou a casa s#o e salvo. 9essa noite, por!m, no momento em que aca(o de chegar a casa e de tirar os sapatos e estender a m#o para acender a luz da cozinha, sinto uma presença estranha. Is escuras, interrompo o gesto, apuro o ouvido e respiro pelo nariz sem fazer (arulho. 9#o se ouve nada, mas detecto no ar um ligeiro cheiro a ta(aco. 'elos vistos, h$ mais algu!m dentro de casa. "lgu!m que est$ U minha espera e que, pouco antes, incapaz de aguentar, acendeu um cigarro e deu meia dYzia de passas para enganar a espera. epois, deve ter a(erto a janela para deiPar sair o fumo, mas o odor ficou. 9#o deve ser ningu!m que eu conheça. "s portas estavam fechadas U chave e, tirando 9oz+oscada, n#o conheço ningu!m que fume. Caso quisesse verme, ela n#o iria estar ali no escuro U minha espera. 7nstintivamente, estendo a m#o e procuro Us apalpadelas o taco de (ase(ol. 9#o o encontro, claro, uma vez que est$ no fundo do poço. Tenho o coraç#o a pulsar violentamente, como se me tivesse escapado do peito e estivesse a (at!r de encontro U minha orelha. %sforçome por respirar normalmente. 'ode ser que o taco n#o seja preciso. 8e houvesse ali algu!m com intenç\es de me fazer mal, de certeza que n#o ficaria tranquilamente sentado U minha espera no escuro. "inda assim, sinto picadas na palma das m#os, só de pensar no contacto com o taco. O gato aproPimouse e, como de costume, p]sse a miar e a esfregar a ca(eça nas minhas pernas. 'ela forma como mia, reparo que n#o est$ t#o esfomeado como sempre. %stendi o (raço e acendo a luz da cozinha. esculpe, mas j$ dei de comer ao gato refere com ePcesso de familiaridade o homem que ali est$, sentado no sof$ da sala de estar. Tomei a li(erdade de ficar aqui U sua espera, senhor Okada, +as o gato miava tanto que fazia dó. 'or isso, espero n#o ter feito mal. encontrei uma lata no arm$rio da cozinha, a(ria e deilhe comida. 'ara ser franco, n#o gosto l$ muito de gatos. O homem nem sequer fizera menç#o de se levantar. O(servei.o em silêncio. eve estar admirado pelo facto de eu ter entrado em sua casa sem licença e ficado U sua espera no escuro. 'eçolhe que me desculpe, ma2 a verdade ! que se tivesse esperado por si com a luz acesa, talvez 5 senhor n#o tivesse entrado, por precauç#o. "credite, n#o venho aqui para lhe fazer mal, longe disso. 9#o h$ necessidade de olhar nara mim dessa maneira, senhor Okada. 8ó preciso de ter uma pequena conversa consigo. %ra um homem (aiPinho, de fato. Como estava sentado, era dif)cil avaliar a sua altura, mas de certeza que n#o chegava ao metro e meio. evia ter entre quarenta e cinco a cinquenta anos, gordo como uma r# e careca definitivamente, ca(ia direitinho na categoria Z"[ do sistema de classificaç#o usado por +aS Fasahara. %stranhamente, os
poucos tufos de ca(elo que tinha, de um negro retinto, so(re as orelhas, faziam ressaltar ainda mais a sua calva. O nariz era grande mas n#o devia funcionar (em, porque, sempre que respirava, inchava e desinchava produzindo o (arulho de um fole.
ponto de sentir uma certa familiaridade com uma vaca sempre que vejo uma. 'assamse coisas estranhas com os nomes, n#o acha, senhor OkadaV Claro que Okada ! um apelido muito limpo0GE colina e campo. Is vezes, preferia que o meu apelido fosse mais normal, assim como o seu, mas infelizmente n#o somos nós a escolher. 5uando se nasce
8eja como for, senhor Okada, n#o tem motivos para ficar preocupado. 9#o a mantemos fechada contra a vontade dela. 5uer dizer, isto aqui n#o ! propriamente um filme nem um romance, n#o ! verdadeV %le h$ certas coisas que n#o se podem fazer na vida real. epositei com muito cuidado aos meus p!s a lata de cerveja que ainda tinha na m#o. " propósito, que dia(o ! que veio c$ fazerV ando palmadinhas nos joelhos com as m#os todas esticadas,
8empre encostado U coluna, de p!, dei um gole na minha cerveja. $ que reconhecer, senhor Okada, que tem a casa impec$vel. 7sto considerando a ausência da sua mulher. 8im, senhor, estou impressionado. %u, para minha grande vergonha, sou um caso perdido. 8ó queria que visse a minha casaE parece uma verdadeira pocilga, uma autêntica estrumeira. >$ mais de um ano que a casa de (anho n#o sa(e o que ! uma (oa limpeza. 9#o sei se lhe cheguei a dizer, mas tam(!m eu fui a(andonado pela minha mulher, h$ coisa de cinco anos. 'or isso, compreendo muito (em os seus sentimentos, ainda que talvez seja ePagero dizer que sinto por si uma certa simpatia. claro est$ que a minha situaç#o era diferente da sua. "final, no meu Caso era natural que a minha mulher se tivesse posto a andar, porque como sa(e, era o pior marido que se possa imaginar. Tive o que merecia. X caso para dizer que at! admira como ela me aturou durante tanto tempo. 5uando me su(ia a mostarda ao nariz, era ela que pagava as favas, e chegava a (at!rlhe. evo dizer que nunca fui capaz de (ater em mais ningu!m. 'or a) pode ver o co(ardolas que sou. Tenho o coraç#o de uma pulga. Aora de casa, passo o tempo a lam(er as (otas a toda a gente deiPo que as pessoas me chamem Z
quest#o do divórcio, como tem feito at! U data. 'or isso, caso tenha alguma coisa que queira dizer U sua esposa, pode fazêlo por meu interm!dio. esumindoE na tentativa de arredondar os _ngulos, vamos tomar relaç\es como deve ser, e aca(ar de vez com os malentendidos. que lhe parece, senhor OkadaV 8enteime no ch#o a fazer festas na ca(eça do gato, mas continuei muito (em calado.
mans#o dos enforcadosV 5uero dizer, como ! que ele chegou a essa conclus#oV l$ aca(ei por perguntar. $ que reconhecêlo. 'arece que o senhor tem os seus motivos para n#o gostar do professor coisa que aceito perfeitamente, tanto mais que o assunto n#o me diz respeito , mas, chegados a este ponto, j$ n#o ! uma simples quest#o de gosto. Dostaria que compreendesse ao menos isso. 8e 9o(oru RataSa tem assim tanto poder, nesse caso por que ! que n#o interv!m junto da revista a fim de impedir que outros artigos do g!nero sejam pu(licadosV 7sso tornaria tudo mais f$cil.
de uma vez por todas, tenho autorizaç#o dele para entrar de novo em contacto com Fumiko. X issoV
sempre me comporto de maneira t#o ePtravagante e maleducada. "inda que o n#o pareça, sou uma essoa normal. a próPima vez telefono primeiro, antes de aparecer, como deve ser. 5ue talV 'arecelhe melhor assimV eiPo tocar duas vezes, desligo, volto a ligar outra vez. "ssim, sa(er$ que sou eu, depois dir$ para consigo, Zah, ! o idiota do
gargalhada.[ 9oz+oscada levou o filho a v$rios especialistas em otorrinolaringologia, mas, como seria de esperar, nenhum conseguiu determinar a causa de t#o sY(ito mutismo. " Ynica coisa que eles sa(iam era que aquele pro(lema n#o se ficava a dever a uma causa mec_nica nem a raz\es de ordem f)sica, uma vez que o aparelho fonador de Canela funcionava Us mil maravilhas. Canela conseguia ouvir na perfeiç#o, simplesmente n#o falava. Todos os m!dicos foram un_nimes em declarar que, U partida, o pro(lema pertencia ao foro da psiquiatria. 9oz+oscada levou Canela a um psiquiatra conhecido da fam)lia, mas tam(!m ele n#o foi capaz de determinar as causas de t#o persistente silêncio. "pós ter procedido a um ePame mental, Wiu que as suas capacidades intelectuais n#o estavam de forma nenhuma afectadas do ponto de vista m!dico. e facto, o seu quociente , jnteligência era (astante elevado, e n#o evidenciava qualquer sinal de pro(lemas ps)quicos. ZH8a(e se ele ter$ tido algum choque de repenteVH, perguntou o psiquiatra a 9oz +oscada. H'ense (em. 8e calhar pode ter visto alguma coisa estranha, algo de anormal, ou ent#o ter sido sujeito a alguma violência em casa. Tem a certeza de que n#o aconteceu nada desse g!neroVH[ 9#o, decididamente, 9oz+oscada n#o se lem(rava de nada. O filho tinha jantado normalmente, tinha conversado com ela com toda a normalidade, tinhase enfiado na cama no seu estado normal e na manh# seguinte, j$ Canela se fechara no seu mundo de profundo silêncio. %m casa, pro(lemas era coisa que n#o ePistia. O menino era tratado com todo o carinho pela m#e e pela avó, a m#e de 9oz+oscada, que nunca tinham sequer levantado a m#o para ele, nem uma Ynica vez. ZO m!dico chegou U conclus#o de que a Ynica coisa a fazer era mantêlo em o(servaç#o e ter esperança de que a situaç#o melhorasse. " n#o ser que desco(rissem a causa do pro(lema, n#o havia terapia poss)vel. %ntretanto, a m#e que levasse a criança U consulta uma vez por semana, podia ser que dentro em (reve o estado dela se alterasse e fosse poss)vel encontrar uma ePplicaç#o. 'odia darse o caso de o menino começar a falar outra vez, de um dia para o outro, como se tivesse aca(ado de acordar de um sonho. >avia que esperar, mais nada. %ra verdade que a criança n#o falava, mas, tirando isso, n#o apresentava mais nenhum pro(lema concreto... % foi assim que esperaram durante muito tempo, mas Canela continuou sempre mergulhado nesse mundo de profundo silêncio sem nunca vir U tona. Is nove da matina, o port#o da entrada a(rese para dentro, ao mesmo tempo que se ouve o ligeiro ronronar de um motor e o +ercedes-enz 2oo 8%= conduzido por Canela entra no caminho de acesso. " antena do telefone instalado no carro destacase como
8ó ent#o fecha a porta do carro. O ru)do que fazem, ao fechar, as portas de um +ercedes-enz de grande cilindrada ! ligeiramente diferente do som produzido por uma viatura normal. 'ara mim, significa o começo de um dia na Zmans#o[. esde manh# que dou voltas U ca(eça, sem sa(er se heide ou n#o contar a visita que
perfeitamente o que ia na ca(eça dele, quais ws seus pensamentos e desejos, apenas com um leve movimento do seu corpo, uma mudança de ePpress#o no seu rosto. "o darse conta disso, o mutismo de Canela deiPou de constituir motivo de tamanha preocupaç#o, uma vez que n#o impedia a troca de emoç\es com o filho, e muito menos a troca de ideias entre os dois. o(viamente que a ausência de linguagem ver(al constitu)a, em certos casos, uma certa desvantagem f)sica, mas n#o passava disso mesmo, que ! como quem diz, de uma Zdesvantagem[ e, por outro lado, graças a esse tal handicap, a comunicaç#o entre m#e e filho havia alcançado, num certo sentido, um maior grau de 'ureza. 9o tempo livre que lhe deiPava o tra(alho, 9oz+oscada ensino Canela a ler e a escrever os ideogramas, e tam(!m a fazer contas 9a pr$tica, por!m, tirando isso, n#o havia muito mais que lhe ensinar visto que o rapazinho adorava ler e aprendia tudo o que havia para aprender atrav!s da leitura. O papel da m#e, mais do que ensinarlhe coisas, era o de escolher e proporcionarlhe os livros apropriados. Canela gostava de mYsica e manifestou vontade de aprender a tocar piano, e durante alguns meses chegou mesmo a ter aulas com um professor, mas, depois de memorizar a t!cnica ($sica dos movimentos dos dedos, atingiu um n)vel t!cnico muito elevado para a sua idade e passou a estudar apenas com a ajuda de manuais e de gravaç\es Dostava so(retudo de interpretar -ach e +ozart e n#o demonstrava o m)nimo interesse em interpretar partituras posteriores U escola rom_ntica, ePcepç#o feita a -artók e 'oulenc. urante os primeiros seis anos, o seu interesse concentrouse na mYsica e na leitura. 5uando chegou U idade de ingressar na escola secund$ria m!dia, virouse para o estudo das l)nguas estrangeiras. 'rimeiro escolheu o inglês, depois atacou o francês, e no espaço de seis meses mostrouse capaz de ler livros relativamente simples em qualquer desses idiomas. O seu o(jectivo n#o era propriamente conversar naquelas l)nguas, como ! (om de ver, mas sim ler os livros escritos na l)ngua original. Outra actividade da sua eleiç#o era tra(alhar com mecanismos complicados. Comprou ferramentas especializadas e começou a montar r$dios, amplificadores com altifalantes, a desmontar e a reparar relógios. >a(ituados ao seu mutismo, todos os que o rodeavam que ! como quem diz, três pessoas ao todo, os seus pais e a avó materna n#o viam naquilo nada de estranho ou anormal. "lguns anos mais tarde, 9oz+oscada deiPou de levar o filho ao psiquiatra. " consulta semanal em nada havia alterado os seus Zsintomas[. Tirando o facto de n#o falar, Canela n#o apresentava nenhum distYr(io. " (em dizer, era uma criança perfeita. 9oz+oscada n#o se lem(rava de alguma vez lhe ter proi(ido alguma coisa ou de lhe ter ralhado por ter feito o que n#o devia. Canela decidia por si próprio o que fazer e levava a sua avante at! ao fim, U sua maneira, e na perfeiç#o. Canela era t#o diferente das outras crianças da sua idade, que nem fazia sentido compar$lo com elas. epois de perder a avó, quando tinha doze anos Kchorou a sua morte, sem palavras, dias a fioL, passou a ocuparse ele próprio durante o dia dos cozinhados, da roupa e da limpeza da casa, enquanto a m#e estava a tra(alhar. epois da morte da m#e, 9oz+oscada tinha manifestado vontade de contratar uma empregada dom!stica, mas Canela op]sse, a(anando a ca(eça cat!goricamente. 9egavase a ter alguma pessoa estranha l$ em casa que de alguma maneira pudesse alterar a ordem esta(elecida. 'or fim, ficou decidido que Canela se ocuparia das tarefas dom!sticas, tra(alho esse que desempenhou com grande disciplina e precis#o. Canela falava comigo atrav!s das m#os. Tem os dedos finos e (onitos, herdados da m#e. edos compridos, mas n#o demasiado longos. Os dez dedos moviamse sem parar diante do seu rosto e, como criaturas com vida própria, transmitiamme as mensagens necess$rias. Z%sta tarde deve aparecer uma cliente, Us duas. 8ó uma. "t! essa hora, n#o h$ mais
nada. 'ela minha parte, terminarei o meu tra(alho daqui a uma hora, e depois voume em(ora. Is duas regresso acompanhado da cliente. 8egundo a previs#o meteorológica, o c!u estar$ nu(lado todo o dia, o que significa que podes descer ao poço durante o dia que n#o te far$ mal U vista.[ Tal como 9oz+oscada diz, compreender as palavras que os seus dedos formam n#o representava pro(lema de maior. "inda que n#o estivesse familiarizado com a linguagem gestual, n#o tinha dificuldade alguma em seguir o movimento, a um tempo ela(orado e elegante, dos seus dedos. 9#o sei se seria por causa da forma maravilhosa como mePia os dedos, mas a verdade ! que Us tantas aca(ava por compreender o que ele me estava a querer dizer só de olhar fiPamente para as suas m#os. a mesma maneira que nos comove uma peça de teatro representada numa l)ngua desconhecida. Ou, ent#o, podia darse o caso de nem sequer distinguir os seus gestos, apesar de os seguir com os olhos. 8e calhar, os dedos em movimento n#o passavam da fachada em trompe loeil de um edif)cio e, na realidade, talvez estivesse a ver algo de diferente para al!m dela. Todas as manh#s, enquanto conversava com ele, sentados U mesa, procurava de certa forma distinguir parte do que ePistia para al!m dessa linha de demarcaç#o, mas em v#o. 'artindo do princ)pio de que ela ePiste, essa linha flutua, est$ continuamente a mudar de forma. epois do nosso (reve di$logo ou, melhor dizendo, da nossa (reve troca de informaç\es , Canela despia o casaco, penduravao no ca(ide, metia a ponta da gravata para dentro da camisa, e punhase a limpar a casa, ou preparavame qualquer coisa simples para comer na cozinha, ao mesmo tempo que punha mYsica a tocar numa 'equena aparelhagem est!reo.
mundo , e manter essa ordem fosse para ele t#o natural como respirar. Talvez os seus gestos correspondessem a um desejo imanente e se destinassem, Ynica e ePclusivamente, a fazer com que as coisas regressassem ao seu lugar de origem. Canela guardou a comida por ele cozinhada no frigor)fico, e indicoume o que eu devia comer ao almoço. "gradecilhe. Wolta a endireitar a gravata diante do espelho, inspecciona a camisa, veste o casaco do fato. Ainalmente, com um sorriso, dizme Zadeus[ com os l$(ios, lança um derradeiro olhar U sua volta e sai porta fora. %ntra no +ercedes-enz, p\e uma cassete de mYsica cl$ssica a tocar, a(re o port#o com o controlo remoto e parte, voltando a passar por cima dos mesmos arcos que desenhou ao entrar. +al a viatura sai, o port#o torna a fecharse. Tal como da outra vez, assisti a tudo com uma ch$vena de caf! na m#o, a espreitar atrav!s das frestas da persiana. &$ n#o se faz ouvir com tanto alvoroço a vozearia dos p$ssaros. Wejo uma a(erta no c!u, por onde as nuvens se partiram, levadas pelo vento. 8o(re estas nuvens outras nuvens se acumulam, imponentes. 8entome na cadeira da cozinha, pouso a ch$vena em cima da mesa e passeio o olhar pela sala maravilhosamente arrumada pelas m#os de Canela. irseia uma gigantesca e tranquila naturezamorta, apenas pertur(ada pelo silencioso (at!r das horas. Os ponteiros do relógio indicam as dez e vinte. Olhando para a cadeira anteriormente ocupada por Canela, perguntome se terei feito (em em n#o lhes contar nada acerca da visita de
Compreende o que eu quero dizerV Todos os dias fal$vamos com entusiasmo de tudo aquilo. Convers$vamos durante horas a fio acerca dos nomes dos animais que havia no jardim zoológico, so(re os diferentes cheiros que ali andavam no ar, so(re os nomes e rostos de cada um dos soldados, do seu nascimento e inf_ncia do peso das armas, das (alas, do medo, da sede que sentiam, d$ forma das nuvens que flutuavam no c!u... Z%nquanto falava, conseguia distinguir nitidamente a sua cor, a forma que tinham, conseguia transmitir as imagens, tal como as via U frente dos meus olhos, traduzindoas em palavras. +ostravame capaz de encontrar as palavras certas, as palavras necess$rias. 9#o havia limites. >avia sempre pormenores a acrescentar, e logo a história se tornava mais profunda, mais complePa. I lem(rança daqueles dias, 9oz+oscada sorriu. Aoi a primeira vez que vislum(rei um sorriso t#o natural no rosto de 9oz+oscada. oje sei o que aconteceu. "s suas palavras perderamse, engolidas no la(irinto do mundo das nossas histórias. >ouve qualquer coisa que apareceu do interior dessas histórias e que lhe rou(ou a l)ngua para depois voltar a desaparecer. " mesma coisa que, uns anos mais tarde, matou o meu marido. O vento soprava com mais força que durante a manh#, empurrando continuamente as nuvens pesadas e cinzentas em direcç#o a oriente. 'areciam viajantes silenciosos rumo ao fim do mundo. e vez em quando, por entre os ramos das $rvores completamente despidas do jardim, o vento produzia um (reve sussurro, que n#o chegava a formar uma palavra. eiPeime ficar ali por momentos, junto do poçoX prov$vel que Fumiko esteja em qualquer s)tio, a olhar para as mesmas nuvens. X uma coisa que me vem U ca(eça, assim do p! para a m#o, por nenhumhuma raz#o especial. esço pela escada at! ao fundo do poço, puPo a corda e fecho a tampa. espiro profundamente duas ou três vezes, agarro no taco e (ase(ol, empunhoo com força e ocupo tranquilamente o meu lugar, a sentado no escuro. " escurid#o ! total. 8im, isso ! o mais =portante. 9as impenetr$veis trevas reside o segredo. 'arece um programa televisivo de culin$ria. Z%st#o a seguir com atenç#oV O ingrediente mais importante nesta receita, insisto, ! a escurid#o total. 'or issoN minhas amigas, tratem de preparar a escurid#o mais profunda e a(soluta que consigam arranjar.[ %, j$ agora, o taco de (ase(ol mais polido a que conseguirem deitar a m#o, acrescento, es(oçando um sorrisinho no meio do escuro. 8into que a mancha começa a ficar cada vez mais quente. Woume aproPimando pouco a pouco da verdade das coisas, ! a mancha que mo diz. Aecho os olhos. 9os meus ouvidos continua a ressoar a mYsica que Canela escutara nessa manh#, enquanto tra(alhava. " Oferenda +usical de -ach. " mYsica permanece na minha ca(eça como o murmYrio do pY(lico num auditório de tecto alto. 'ouco depois, o silêncio desce e começa a ganhar espaço em cada um dos interst)cios do meu c!re(ro, como um insecto a p]r ovos. "(ro os olhos, volto a fech$los. "s duas trevas misturamse, vou a(andonando o meu eu, o recipiente que era o meu corpo. Como sempre. 2 'ode muito (em ser este o fim da linha Ko ponto de vista de +aS Fasahara GL Ol$ outra vez, 8enhor '$ssaro de Corda^ 9a carta anterior ePpliqueite que estou a tra(alhar numa f$(rica de ca(eleiras postiças perdida algures nas montanhas, juntamente com uma quantidade de raparigas aqui da
regi#o. "qui tens a continuaç#o da história. ei recentemente por mim a pensar que n#o deiPa de ser um (ocado estranho que as pessoas tra(alhem assim, de manh# U noite, sem parar. 9unca pensaste nissoV Como ! que heide ePplicarV "qui metida, n#o faço outra coisa sen#o ePecutar as ordens que os meus 8u'eriores hier$rquicos me d#o. 9#o tenho sequer de pensar duas vezes "t! podia deiPar o c!re(ro no cacifo antes de pegar ao tra(alho e passar por l$ a recolhêlo U sa)da. 'asso sete horas por dia sentada U mesa de tra(alho, a implantar um ca(elo atr$s de outro na mesma peruca, depois vou jantar na cafetaria, tomo (anho e, claro est$, tenho de dormir como toda a gente, da) que o tempo livre que disponho ao longo das vinte e quatro horas fica praticamente reduzido a zero. % no chamado Ztempo livre[ estou de tal forma cansada que me deiPo cair esparramada de papo para o ar, sem fazer a ponta de um corno. 9o fundo, ! como se n#o tivesse tempo para pensar calmamente nas coisas da vida. -em sei que n#o sou o(rigada a tra(alhar aos finsdesemana, mas entre a roupa para lavar, as limpezas uma ou outra ida U vila, n#o me so(ra tempo nem para me coçar. quando dou por mim, est$ o fimdesemana a chegar ao fim. %m tempos ainda me passou pela ca(eça escrever um di$rio, mas como n#o tinha nada para l$ p]r, passada uma semana pus a ideia de parte 'orque a verdade ! que passo a vida a fazer o mesmo, dia após dia %, apesar de tudo digo (em, apesar de tudo , n#o me rala a(solutamente nada desempenhar o meu papel no mundo do tra(alho e fazer parte da engrenagem. 'elo contr$rio, chego at! a ficar com a impress#o de que, tra(alhando assim, como uma formiguinha, estou a aproPimarme do meu Zverdadeiro eu[. 9#o sei se consigo ePplicar melhor, mas ! como se, ao n#o pensar em mim mesma, conseguisse pelo contr$rio chegar mais perto da essência do meu ser. 5uando digo Zum (ocado estranho[, ! disso que estou a falar. "qui, tra(alhase no duro, e eu que o diga. 9#o ! para me ga(ar, mas fui nomeada Zempregada do mês[ e tudo. 9#o te tinha dito que, ainda que n#o pareça, tenho muito jeito para tra(alhos manuaisV Tra(alhamos em grupos, e o grupo de que faço parte melhorou (astante o seu rendimento, isto porque eu, assim que aca(o o meu tra(alho, ajudo as outras raparigas mais lentas. a) que seja (astante popular entre elas. 9#o achas uma coisa incr)velV 5uem diria, eu, uma rapariga popularN Woltando a vaca fria, senhor '$ssaro de Corda, aquilo que te queria dizer ! que, desde que cheguei a esta f$(rica, n#o faço outra coisa sen#o tra(alhar, tra(alhar, tra(alhar, como uma formiguinha. Como o ferreiro da aldeia. Aizme compreender, pelo menos at! aquiV " propósito, o lugar onde tra(alho todos os dias ! mesmo uma coisa do outro mundo. %norme, sempre vazio, parece um hangar para avi\es, com um p!direito alt)ssimo. =$ dentro, a tra(alhar todas juntas, somos cerca de cento e cinquenta. X o(ra^ 9#o estamos propriamente a construir um su(marino nem nada que se pareça, como ! (om de ver, da) que, na minha modesta opini#o, n#o tiv!ssemos necessidade de um espaço t#o monstruoso. 8e queres que te diga talvez at! fosse melhor dividilo em cu()culos mais pequenos, mas, quem sa(e, pode ser que desta forma seja mais f$cil adquirirmos uma consciência solid$ria, tipo Zsomos tantas e estamos aqui a tra(alhar todas juntas[. Ou isto ou ent#o serve para os patr\es nos terem de(aiPo de olho. "posto que deve ter qualquer coisa com a chamada psicologia de pacotilha. Wendo (em, estamos todas como numa aula pr$tica de Ciências, em que se dissecam c e assim, com a rapariga mais velha U ca(eceira da mesa, a dirigir os tra(alhos. %stamos autorizadas a falar enquanto 渠渠渠 tra(alhamos por!m, era melhor que tiv!ssemos de ficar de (ico calado todo o diaL, mas se levantamos a voz ou damos uma gargalhada ou
se nos deiPamos entusiasmar com a conversa, logo a encarregada se vira 'ara nós com cara de carrasco, e dizE Z*umikosan, trata mas " de mePer as m#os e n#o a (oca. 5uerme parecer que est$s a atrasar o tra(alho.[ 'or essas e por outras, passamos o tempo a (ichanar, como ladr\es na noite. 9a f$(rica, est#o sempre a transmitir mYsica, variando esta consoante as horas do dia. 8e fores um grande f# de -arrS +anilo` ou dos "ir 8upplS, podia ser que gostasses de aqui estar. emoro v$rios dias a fa(ricar a Zminha[ peruca. O tempo varia conforme o tipo de produto, claro est$, mas o m!todo ! sempre o mesmo. ivido a (ase em quadradinhos muito pequenos e vou implantando ca(elos, um a um, nesses quadradinhos. "tenç#o, nada que se compare com o tra(alho na linha de montagem, como acontece naquela f$(rica que aparece no filme do Chaplin00, em que uma pessoa tem de apertar um parafuso e aparece logo o parafuso seguinteE aqui, quando aca(o de fazer a Zminha[ peruca, depois de investir nela alguns dias de tra(alho, apeteceme p]r a data e o meu nome em cimaE +aS Fasahara, dia tal do mês tal. Claro que n#o faço nada disso porque, assim que desco(rissem, isso só serviria para apanhar uma descasca das antigas. 8e queres que te diga, ! uma sensaç#o maravilhosa sa(er que, algures, por esse mundo fora, ePiste algu!m que anda com a peruca fa(ricada por mim na ca(eça. 9#o sei, d$me a sensaç#o de estar ligada a algo, enquanto ser humano. " vida ! uma coisa estranha, h$ que reconhecer. 8e algu!m h$ três anos me tivesse ditoE ZWais estar a tra(alhar numa f$(rica situada nas montanhas, a fazer ca(eleiras postiças com as raparigas muito l$ da terrinha[, o mais certo era terme desmanchado a rir. 9unca na vida me passaria isto pela ca(eça^ 'or isso, que ningu!m diga que sa(e o que lhe acontecer$ nos próPimos três anos. "t! tu, senhor p$ssaro de Corda. 'or acaso sa(es o que te espera daqui a três anosV %m Tempos +odernos, filme por ele realizado em 1G3, Chaplin d$, pela Yltima vez, vida U figura do Waga(undo, aqui confrontado com a realidade desumana e monótona da linha de montagem de uma f$(rica, naquela que ! uma cr)tica feroz aos efeitos da m$quina so(re o homem, vista em tom de com!dia U luz da Drande epress#o. K9. da T.L Tenho a certeza de que n#o. "posto tudo o que quiseres como nem sequer sa(es o que te vai acontecer daqui a um mês^ "s raparigas que convivem U minha volta, essas sim, s#o tudo pessoas que sa(em onde estar#o daqui a três anos. Ou, pelo menos julgam sa(er. 'ensam tra(alhar aqui, juntar o seu dinheirinho e ao fim de meia dYzia de anos, encontrar o homem ideal, casar e ser muito felizes. egra geral, os futuros maridos s#o filhos de agricultores ou pequenos comerciantes que herdaram a loja dos pais ou tra(alhadores de pequenas empresas locais. Tal como disse na minha carta anterior por estas (andas h$ falta de mulheres jovens, por isso todas elas encontram rapidamente Zcomprador[ e, a n#o ser que tenham muito azar e fiquem de m#os vazias, aca(am sempre por se casar. X uma coisa impressionante. %, tal como te escrevi, mal arranjam casamento a maioria deiPa de tra(alhar. 'ara elas, o tra(alho na f$(rica de perucas ! uma fase tempor$ria entre a sa)da da escola e o casamento ! a mesma coisa que entrar numa sala e sair de l$ passado um (ocadinho de nada. e qualquer modo, n#o me parece que isso afecte minimamente o fa(ricante de perucas, pelo contr$rio. " verdade ! que eles at! preferem raparigas que tra(alhem pouco tempo e se ponham a andar do que ter pessoal que fique no seu posto durante muito tempo e aca(e por se converter numa carga de tra(alhos, ePigindo aumento de sal$rio, melhores condiç\es la(orais, sindicatos e por a) fora. X um facto que a empresa trata (em as tra(alhadoras mais qualificadas, que s#o chefes de equipa, mas as outras s#o tratadas
como mercadoria. 'ode mesmo dizerse que ePiste uma esp!cie de acordo t$cito entre am(as as partes, no sentido de elas deiParem de tra(alhar assim que arranjarem marido. %ntre uma coisa e outra, n#o lhes ! dif)cil imaginar o que estar#o a fazer daqui a três anos. Têm duas alternativas.
est$ que tu, senhor '$ssaro de Corda, n#o !s uma Zcoisa pequena[, ! só uma maneira de 渠渠 dizer...L, aos poucos consigo voltar a Zeste lado[. 9essas alturas dou por mim a lamentar n#o ter deiPado o meu namorado verme nua e tocarme. 'ensar 5 naqueles tempos me recusava terminantemente a deiPar que ele me pusesse as m#os em cima^ Is vezes, senhor '$ssaro de Corda, 'ergunto a mim mesma se n#o prefiro continuar virgem para o resto da vida, e olha que estou a falar a s!rio. O que ! que se te oferece dizer so(re istoV "deus, senhor '$ssaro de Corda, espero (em que Fumiko n#o demore a voltar. 3 O cansaço e o peso do mundo " l_mpada m$gica O telefone tocou quando eram nove e meia da noite. Tocou duas vezes, parou, depois recomeçou. =em(reime de que era aquele o sinal de
opç#o de compra ao fim de v$rios anos, n#o ! assimV 9aturalmente que esse contrato n#o ! oficial e o seu nome nunca aparece nele. %st$ previsto assim desde o in)cio, mas na realidade, senhor Okada, você ! o Ynico propriet$rio do terreno e o certo ! que o valor de renda funciona como uma compra a prazo. " quantia total a pagar !, aproPimadamente, de oitenta milh\es de ienes, incluindo a casa. 8e o senhor continuar a desem(olsar o seu dinheiro ao mesmo ritmo que agora, a propriedade, incluindo o terreno e a casa, ser$ 8ua em menos... v$ l$, de dois anos. O que n#o deiPa de ser verdadeiramente espantoso^ 8im senhor, que rapidez^ Tenho de lhe dar os para(!ns. urante todo o discurso,
si. nem eu consegui desco(rir que dia(o ! que o senhor faz l$ emtodo aquele hliPo. 8ei, isso sim, que h$ quem n#o se importe de pagar couro e ca(elo para o visitar. 'or isso, o que lhes d$ deve valer a pena, para essas pessoas estarem dispostas a gastar tanto dinheiro. 7sso ! impinho, t#o f$cil como contar corvos num dia de neve. "gora, ePactamente o que faz l$ dentro, e por que raz#o ! que escolheu aquele lugar particular, isso j$ n#o faço ideia. %, vendo (em, esses dois pontoschave em toda esta história, encontramse t#o escondidos como o letreiro que anuncia a ePistência de um quiromante. % isso deiPame preocupado. 5uer o senhor dizer que isso preocupa 9o(oru RataSa... alvitrei eu. %m vez de responder,
neste mundo desde o tempo do antecessor do professor RataSa, o tio dele. O senhor 9o(oru RataSa herdou o c)rculo das influências, como outros herdam uma casa mo(ilada. "ntes, por!m, j$ eu tinha arriscado o coiro para ganhar a vida. 8e tivesse continuado assim, a esta hora o mais certo era ter ido parar direitinho U pris#o ou isso ou esticado o permil. 9#o ePagero ao dizer que o antecessor do senhor RataSa me recolheu em (oa hora. "credite em mimE j$ vi de tudo, com estes olhos que a terra h$de comer. 9este mundo cdem todos, uns a seguir aos outrosE amadores, profissionais, venha o dia(o e escolha, toda a gente se queima, todos sdem magoados, tanto os fortes como os fracos, os (ons e os que n#o prestam para nada. a) que, prevendo isso, todos invistam no seu segurozinho, at! os pausmandados como eu. esse modo, quando se cai e se (ate no fundo, uma pessoa sempre arranja maneira de so(reviver. "gora o senhor, que alinha sozinho e n#o pertence a nenhumhuma das partes, (asta cair uma vez que fica logo fora de jogo. "ca(ado. ZTalvez n#o lhe devesse dizer isto, senhor Okada, mas a sua queda n#o tarda muito, disso n#o restam dYvidas. %st$ escrito em garrafais letras pretas no meu livrinho, duas ou três p$ginas mais a frenteE " 5<%" %TO< OF"" %8TJ 'B7+". % olhe que estou a falar muito a s!rio, n#o ! uma ameaça. "credite em mim, que as minhas profecias neste campo s#o muito mais ePactas do que as previs\es do tempo em televis#o. W$ por mim, senhor OkadaE em todas as coisas chega uma altura em que ! preciso uma pessoa sa(er retirarse.[
% olhe que se trata quase sempre de tarefas (em desagrad$veis. %m miYdo, lem(rome de ler a =_mpada de "ladino e de sentir grande simpatia pelo po(re g!nio da garrafa, de cuja (oavontade toda a gente a(usava. Caram(a^ 5uem iria imaginar que, uma vez homem feito, me encontraria numa situaç#o 'arecida. "h, que triste história a minha^ 7sto para dizer que foi esta " +ensagem que o professor RataSa me encarregou de lhe transmitir. " ideia do professor RataSa ! aquela que ficou ePpressa. "gora, quem escolhe ! o senhor. %nt#o, em que ficamosV 5ue resposta ! que devo evar ao meu patr#oV 'ermaneci em silêncio. 0// 'recisa de tempo para reflectir, n#o ! verdadeV +uito (em. se ! tempo que quer, concedolhe tempo. 9#o lhe peço para tomar uma decis#o assim do p! para a m#o. Dostaria de lhe poder dizer para pensar nisso o tempo que fosse preciso, mas temo (em que n#o possamos ser assim t#o fleP)veis. eiPe, no entanto, que lhe diga uma coisa, senhor Okada. %ntenda isto como a minha opini#o pessoaluma oferta vantajosa como esta n#o estar$ muito tempo em cima da mesa. -asta um segundo de distracç#o e pode muito (em acontecer que esta oferta se esfume, enquanto o dia(o esfrega um olho. %vaporase, como o vapor so(re a vidraça de uma janela. 'or isso, o melhor que tem a fazer ! pensar nisso muito a s!rio e depressa. Compreende o que lhe estou a dizerV
roupas caras, feitas U medida. ecorou o at!lier com amostras de tecidos, desenhos de roupas, revistas de moda, todo o tipo de utens)lios destinados U confecç#o, mesas de tra(alho e manequins. " fim de acrescentar um toque de verosimilhança a toda a operaç#o, chegou mesmo a desenhar alguns modelos. % um dos quartos pequenos, destinouo a funcionar como sala de provas. "s clientes passavam U sala de provas e 9oz+oscada faziaas ZePperimentar as roupas[ no sof$. 5uem ela(orou o rol de clientes foi a esposa do propriet$rio de uns grandes armaz!ns. Como conhecia muita gente, seleccionou com cuidado só mulheres em quem podia confiar, um nYmero limitado entre o seu c)rculo de amizades. %stava convencida de que, para evitar esc_ndalo, as pessoas assim escolhidas a dedo deviam formar uma esp!cie de clu(e composto de mem(ros muito selectos. Caso contr$rio, o assunto poderia transpirar e espalharse rapidamente. "s mulheres seleccionadas tinham de prometer n#o divulgar nunca a ePistência da Zsala de provas[ a mais ningu!m. 'rimavam todas pela discriç#o, sa(endo perfeitamente que, ao que(rarem a promessa, seriam para sempre ePpulsas do clu(e. "s clientes telefonavam com antecedência para marcar a dita Z'rova[ e apareciam U hora indicada, sa(endo n#o haver a m)nima 'ossi(ilidade de se cruzarem umas com as outras e que a privacidade estaria garantida. " tarifa a pagar, uma quantia decidida por sua livre vontade pela mulher do dono dos tais grandes armaz!ns, perfazia um nYmero muito mais elevado do que 9oz+oscada pretendia, mas isso nunca se tornou um o(st$culo. "s mulheres que passavam pelo Zsal#o das provas[ regressavam todas, sem ePcepç#o, para mais uma sess#o. 9#o deiPes nunca que o dinheiro constitua um o(st$culo[, ePplicara " +ulher do dono dos armaz!ns a 9oz+oscada. Z5uanto mais evada for a soma a pagar, mais as tuas clientes se sentem tranquilizadas.[ 9oz+oscada ia at! ao seu atelier três vezes por semana e fazia uma Zprova[ por dia. %ra o seu limite. 5uando atingiu os dezasseis anos, Canela começou a ajudar a m#e. 8ozinha, 9oz +oscada tinha dificuldade em dar conta das quest\es (urocr$ticas, mas tam(!m n#o estava disposta a contratar uma pessoa de fora. 5uando, depois de aturada refleP#o, ela prop]s a Canela que a ajudasse no seu mister, ele disse logo que sim sem perguntar sequer quais seriam ao certo as suas funç\es. Canela deslocavase at! ao escritório de t$Pi Ko simples facto de estar junt a pessoas estranhas no metro ou no autocarro eralhe insuport$velL tratava da limpeza, punha tudo em ordem, colocava flores na jarra preparava caf!, fazia as compras necess$rias e mantinha em dia o livro de contas enquanto punha a tocar (aiPinho mYsica cl$ssica no leitor de cassetes. %m (reve, Canela tornarase uma presença indispens$vel. 5uer houvesse ou n#o clientes, estava sempre impec$vel no seu posto, de fato e gravata, sentado U escrivaninha da sala de espera. 9unca ningu!m se queiPou pelo facto de ele n#o a(rir a (oca. 9ingu!m parecia sentirse incomodado com isso e, pelo contr$rio, dirseia que at! preferiam assim. %ra ele que atendia as chamadas e fazia as marcaç\es. "s mulheres indicavam o dia e a hora pretendidos e ele respondia (at!ndo na mesa de tra(alho.
o sentimento de desconforto que sentiam ao concluir a Zprova[. "pesar de detestar por regra o contacto com outras pessoas, o contacto de Canela com as clientes da sua m#e parecia processarse sem angYstia nem sofrimento. "o atingir os dezoito anos, Canela tirou a carta de conduç#o9oz+oscada arranjou um instrutor simp$tico para lhe dar aulas particulares, mas naquela altura j$ Canela tinha lido todos os manuais e livros de instruç\es que apanhara U m#o e a(sorvido tudo o que dizia respeito ao código da estrada e aos mecanismos. 8a(ia conduzir um carro na perfeiç#o. +eia dYzia de aulas pr$ticas ao volante de uma viatura foi quanto (astou para ficar a sa(er alguns truques pr$ticoscoisa que era imposs)vel aprender nos livros teóricos. evelouse +os primeiros dias um condutor eP)mio. "ssim que se apanhou Com a carta, consultou uma revista especializada de automóveis em gl&nda m#o e comprou um 'orsche Carrera. eu como entrada todas suas poupanças, mais os ordenados que a m#e lhe pagava todos meses K! preciso dizer que Canela n#o gastava dinheiro nenhum a vida de todos os diasL. " partir do momento em que comprou a viatura, deiPou o motor como novo, encomendou novas peças por orrespondência, trocou de pneus e deiPou o carro em condiç\es de participar em corridas. "pesar disso, usavao apenas para percorrer todos os dias o trajecto curto e sempre engarrafado que separava a sua casa, no (airro de >iroo, ao escritório que ficava em "kasaka. "o passar para as suas m#os, o 'orsche 1/ N de Canela converteuse no Ynico 'orsche 1 do mundo a nunca ultrapassar os sessenta quilómetros por hora. 9oz+oscada continuou a tra(alhar no meio durante mais de sete anos. "o longo de todo aquele tempo perdeu três clientesE a primeira morreu num acidente de viaç#o a segunda foi ePpulsa por ter cometido um Zpequeno delito[ e a terceira partiu para Zlonge[ por causa da profiss#o do seu marido. 'ara ocupar o lugar delas, surgiram logo quatro novas clientes, todas do mesmo g!nero, que ! como quem diz, mulheres atrdentes, de meiaidade, que usavam roupa de marca dispendiosa e nomes falsos. urante esses sete anos a essência do tra(alho continuou a ser a mesma. 9oz+oscada continuava as suas sess\es de Zprovas[ e, pela parte que lhe tocava, Canela continuava a manter o escritório limpo e arrumado, a tratar da conta(ilidade e a guiar o seu 'orsche. 9#o se produziram nem avanços nem retrocessos, iam envelhecendo, uns e outros, lenta e paulatinamente. 9oz+oscada tinha quase cinquenta anos, e Canela, mais de vinte. Canela parecia darse (em com o tra(alho, 9oz +oscada, pelo contr$rio, sentiase progressivamente invadida por um sentimento de impotência. "o longo dos anos, tinha continuado sem f! a fazer as suas Zprovas[ em relaç#o a Zqualquer coisa[ que as suas clientes tinham dentro de si. " (em dizer, nunca compreendera (asicamente a utilidade do que fazia, mas fizera sempre o que melhor sa(ia e podia a fim de realizar a sua miss#o no sentido de curar aquelas mulheres. "contecia, por!m, que nunca conseguia ePtirpardefinitivamente aquela Zqualquer coisa[, elimin$la de uma vez por todas. =imitavase a minorar por um tempo a sua acç#o, graças aos seus poderes curativos. "o fim de uns poucos de dias Kentre três e ez conforme os casosL, aquela Zcoisa[ recomeçava a manifestarse,
Warbçava e retrocedia, mas a longo prazo tornavase maior e mais forte, mais poderosa como c!lulas cancer)genas. 9oz+oscada conseguia sentir nas suas m#os aquele crescimento. ZAaças o que fizeres, ! inYtil[, anunciavam elas, Zpor mais que te esforces aca(aremos sempre por ganhar.[ % tinham raz#o. 9oz+oscada n#o tinha a menor possi(ilidade de vencer a (atalha. 5uando muito, só ajudava a travar ligeiramente o avanço do mal. 8ó podia oferecer Us suas clientes uma tranquilidade passageira, mais nada. Z8er#o estas as Ynicas mulheres no mundo atormentadas nesse mal interior que as ha(itaV[, perguntavase 9oz+oscada veze sem conta. Z% por que ser$ que todas as mulheres que vêm ter comigo s#o de meiaidadeV % no que a mim diz respeito, darse$ o caso de tam(!m eu ter dentro de mim uma HcoisaH daquelasV[ Contudo, 9oz+oscada n#o estava verdadeiramente interessada em conhecer a resposta. Tudo o que ela sa(ia era que, devido a uma s!rie de circunst_ncias, se vira confinada Uquela sala de provas. >avia quem necessitasse dos seus serviços e, enquanto precisassem dela 9oz+oscada n#o poderia sair daquela sala. 'or vezes, o sentimento de impotência tornavase mais profundo, quase violento, e ela sentiase como uma concha vazia. Tinha a sensaç#o de se estar a consumir muito depressa, diluindose nas trevas do nada. 9aqueles momentos confiava a(ertamente os seus sentimentos ao seu filho, que silencioso e tranquilo escutava serenamente as palavras de sua m#e, limitandose a acenar com a ca(eça. 9unca dizia nada, mas, pelo simples facto de desa(afar com o seu filho, 9oz+oscada sentiase espantosamente calma. 8entia que n#o estava sozinha, que n#o era impotente. Z5ue estranho[, pensava 9oz+oscada, Zeu curo tanta gente, e Canela curame a mim. +as quem ! que cura CanelaV 8er$ ele uma esp!cie de (uraco negro, capaz de a(sorver toda a dor e todo o sofrimento do mundoV[
5ueres sa(er o que me pareceV 'ois (em, pareceme que a maioria das pessoas vive a pensar que a vida e o mundo Ke o dia(o s#o, tirando algumas ePcepç\es, fundamentalmente lógicos e coerentes Kou deveriam sêloL. Cheguei muitas vezes a esta conclus#o falando com os que me rodeiam. 5uando acontece alguma coisa, seja no terreno social ou no plano individual, h$ sempre algu!m que dizE Z"h, isto aconteceu porque aquilo era assim e assado...[, e quase sempre est#o todos de acordo e respondemE Z"h, pois claro, ! verdade, e verdade...[ % isto ! uma coisa que n#o me entra na ca(eça. izer coisas do g!nero Zaconteceu isto por causa daquilo[ e Zpor isso aconteceu o que aconteceu[ n#o ePplica nada. X como meter um cha`an mushi instant_neo dentro do microondas, carregar no (ot#o eb quando soa o Ztin[, a(rir a porta, tirar a tampa e verificar que o 'rato que escolheste est$ pronto^ 5uer dizer, o que ! que aconteceu entretanto de(aiPo da tampaV 'ode muito (em ter acontecido que o O Cha`an mushi ! um ePpesso creme salgado de ovos, parecido com um pudim servido numa pequena caçarola com tampa. ZCha`an[ vem de tigela e Zmushi[ 8lgnifica Zcozido em vapor[. " receita tradicional leva nove ingredientes ($sicos, entre os quais frango, camar#o, e legumes e semente de nogueira, K9. da T.L 04G cha`an mushi instant_neo primeiro se tenha convertido em maca gratinado com queijo e só depois passado a ser cha`an mushi 2w que ningu!m desconfiasse de nada.
"credito, isso sim, que uma coisa incoerente arrasta consig outra, e que foi por isso que aconteceram todas estas coisas juntas 040 Como por ePemplo, conhecer aquele rapaz da motorizada e provocar aquele estYpido acidente. 9as minhas recordaç\es ou, por assim dizer na maneira como os factos se foram ordenando na minha ca(eça n#o ePiste nada parecido com Zisto ! assim, portanto resulta passado[. Cada vez que a(ro a porta do microondas, ao soar a campainha, descu(ro a minha frente qualquer coisa que nunca antes tinha visto 9#o faço a m)nima ideia do que est$ a acontecer comigo. 8ei, isso sim, que no momento em que deiPei de ir U escola e fiquei em casa sem fazer a ponta de um corno, foi quando travei conhecimento contigo, senhor '$ssaro de Corda. 9#o, mentira, antes disso comecei a tra(alhar, a fazer aqueles inqu!ritos para o fa(ricante 渠渠渠渠 de perucas. e por que carga de $gua perucasV %sse ! outro dos mist!rios. 9em eu própria sei. 8e calhar tive um acidente, (ati com a ca(eça em qualquer parte e, em consequência disso, o meu c!re(ro começou a funcionar mal. 5uem sa(e se, por causa do choque psicológico, n#o terei desenvolvido uma tendência para esconder as minhas lem(ranças, da mesma forma que os esquilos escondem as nozes num (uraco escuro e depois se esquecem do lugar onde as enterraram. K"lguma vez viste isso acontecer, senhor '$ssaro de CordaV %u j$, quando era pequena. Aarteime de rir do pat!ta do esquilo, mal sa(endo eu que um dia me ia acontecer precisamente a mesma coisa.L e qualquer maneira, comecei a fazer os tais inqu!ritos para o fa(ricante de perucas e quis o destino que assim nascesse a minha atracç#o fatal por elas. Onde ! que est$ a lógica disto, n#o me dir$sV 'orquê ca(eleiras postiças, e n#o meias ou esp$tulas para servir o arrozV 8e em vez de perucas tivessem sido meias ou esp$tulas para servir o arroz, a esta hora n#o estaria a tra(alhar no duro como uma formiguinha numa f$(rica de perucas como esta^ CertoV % se eu n#o tivesse causado aquele estYpido acidente de moto, o mais certo era n#o te ter conhecido na ruela por tr$s da casa, naquele Wer#o, e se to n#o me tivesses conhecido, provavelmente n#o terias ficado a sa(er Ho poço no terreno da casa dos +iSa`aki e, por conseguinte, n#o te teria aparecido aquela mancha na cara, e n#o estarias envolvido em todas estas histórias t#o estranhas... %, ent#o, dou por mim a perguntarE onde ! que est$ a lógica de tudo isto, se ! que ePiste alguma Coerência neste mundoV 9#o sei, se calhar neste mundo h$ diferentes tipos de pessoas enquanto para uns a vida e o mundo s#o coerentes, do g!nero chavan mushi, para os outros ! tudo mais imprevis)vel, na (ase do macarr#o gratinado com queijo. "posto que se aquele par de r#s dos meus pais pusesse cha`an mushi instant_neo no microondas e, ao fazer Ztin[, lhes sa)sse um prato de macarr#o com queijo, pensariam que se tinham enganado e que tinham posto l$ dentro macarr#o com queijo, ou ent#o tirariam o prato de macarr#o e tentariam convencerse a si mesmosE Z7sto parece macarr#o gratinado com queijo, mas
na realidade, tratase de cha`an mushi. % por mais que eu 7h ePplicasse, com toda a calma, que por vezes, quando se p\e cha` mushi no microondas, sai macarr#o gratinado, n#o acreditariam em mim ou, ent#o, o mais certo era passarem se dos carretos. %ntend o que te estou a querer dizer, senhor '$ssaro de CordaV =em(raste de quando te (eijei na cara, no s)tio da marca de nascimentoV "cho que cheguei a falarte disto, na primeira carta que te enviei. " verdade ! que, desde que me despedi de ti no Wer#o passado, nunca mais deiPei de pensar naquele momento. Como um gato que nunca p$ra de se espantar ao ver cair a chuva, tam(!m eu gostaria de sa(er que dia(o foi aquilo. 'ara te dizer a verdade, nem eu própria sou capaz de ePplicar. 'ode ser que um dia, daqui a dez ou vinte anos, quando eu for uma mulher feita e muito mais inteligente se alguma vez tivermos a sorte de falar no assunto, eu consiga dizerteE Zlem(raste daquela vezV...[ e depois ePplicarte tudo muito (em ePplicadinho. "gora, para mal dos meus pecados, confesso que n#o tenho nem a capacidade nem a filosofia necess$rias para traduzir em palavras o que aconteceu. $ um computador na mans#o, n#o ! verdade, senhor OkadaV 'ergunto isto apesar de n#o sa(er quem ! que o utiliza... afirmou oje em dia, qualquer
pessoa que ponha os neurónios a tra(alhar precisa de um computador. Z"(reviando, senhor Okada. Ocorreume que talvez n#o fosse m$ ideia entrar em contacto consigo atrav!s do computador, mas quando ePperimentei, desco(ri que afinal n#o era uma coisa assim t#o simples quanto isso. 9#o ! como um telefone, em que (asta digitar normalmente um nYmero para o(ter ligaç#o. "l!m disso, aquilo est$ configurado de tal maneira que para aceder ao servidor ! preciso uma ass`ord secreta. 8em a tal palavrachave de acesso, a porta n#o se a(re e n#o h$ 8!samo para ningu!m. Continuei calado. "tenç#o, n#o me interprete mal, senhor Okada. =onge de mim 5uerer introduzirme U força no seu computador para fazer das minhas^ +ada disso^ e resto, com todas as medidas de segurança para uma 'essoa aceder ao menu de opç\es de comunicaç#o, imaginese a dificuldade que n#o seria para lhe rou(ar um dado que fosse. evo dizer que nem sequer me passam pela ca(eça coisas complicadas esse g!nero. 8implesmente, como prometido, estava a tentar encontrar uma maneira para o senhor poder comunicar com a sua esposa, Cumiko. "final, h$ j$ muito tempo que ela se foi em(ora de casa, n#o ! verdadeV % n#o ! (om para nenhumhuma das partes deiPar as coisas assim a meio. a maneira como a situaç#o se apresenta, o que ! prov$vel ! a sua vida conhecer um rumo cada vez mais estranho senhor Okada. 8eja como for, o importante ! falar das coisas cara cara, com o coraç#o nas m#os. Caso contr$rio, fica a(erta a porta aos malentendidos. % os malentendidos, sa(eV, s#o uma fonte de descontentamento e infelicidade... Aoi, de resto, isso mesmo que eu tentei ePplicar U senhora Fumiko. % devo dizer que n#o foi tarefa f$cil Z"contece que ela se op\e cat!goricamente a isso. 7nsiste que n#o pensa falar consigo de maneira nenhumhuma, nem sequer por telefone Kvisto que um encontro cara a cara est$ fora de quest#oL. 9em por telefone, n#o sei se est$ a ver^ 9#o imagina o tra(alho que tive Tentei tudo para a convencer, mas a sua decis#o estava tomada. Airme como uma rocha. >$de ficar co(erta de musgo antes de mudar de opini#o...
nós temos, creio que seria poss)vel esta(elecer comunicaç#o a um ritmo (astante aceit$vel. " sua esposa disseme que estava de acordo em falar consigo por computador. 9#o consegui o(ter mais nada dela, e olhe que n#o foi nenhumhuma pêra doce, mas assim pelo menos sempre podem trocar mensagens quase em tempo real. Wai ser quase como uma conversa a s!rio, n#o lhe pareceV 8eja como for, ! a melhor oferta que tenho para lhe fazer, a Yltima o8si(ilidade de acordo.
conta(ilidade, mas eu desconfiava que n#o se tratava apenas disso e certeza que haveria mais coisas. " raz#o que me levava a acreditar nisso era a profunda ligaç#o que Canela esta(elecia com aquela m$quina, o modo como se fechava no seu pequeno escritório e as horas que ali passava a tra(alhar sempre que estava na residência. 9ormalmente fechavase a sete chaves, mas, de vez em quando, deiPava a porta entrea(erta e eu podia ver o que se passava l$ dentro. %, de cada vez que o fazia, ficava sempre cheio de remorsos, como se tivesse aca(ado de invadir a privacidade de algu!m e assistido a uma cena )ntima. 'orque, a mim, pareciame que Canela e o seu computador estavam inseparavelmente unidos, funcionavam como que fundidos num só, e moviamse de uma maneira que tinha o seu quê de erótico. "pós martelar as teclas durante um (ocado, ele ficava ali a olhar para o ecr#, a ver as letras que tinham aparecido entretanto escritas e, Us vezes, comprimia os l$(ios com um ar de insatisfaç#o, outras, limitavase a sorrir. 'or vezes, teclava devagarinho, mergulhado nos seus pensamentos, uma tecla, depois outra, depois outra e vezes havia em que deiPava correr energicamente os dedos so(re o teclado como um pianista a interpretar um estudo de =iszt. %nquanto trocava com o computador uma conversa sem palavras, davame a sensaç#o de que Canela contemplava, atrav!s do ecr# do monitor, uma paisagem de um outro mundo, que lhe era especialmente familiar. %, ent#o, n#o podia deiPar de pensar que, para ele, a realidade consistia naquele seu la(irinto su(terr_neo, e n#o no mundo que o rodeava U superf)cie da Terra. %, quem sa(eV, talvez naquela dimens#o Canela tivesse uma voz clara e sonante com a qual pudesse falar com eloquência e rir U gargalhada. b 'osso aceder ao seu computadorV perguntei a
┾
慭澻 8!samo[, n#o h$ nada para ningu!m. 'or mais que o lo(o disfarce a voz e digaE ZOl$^ 8ou o teu amigo coelhinho[, a porta continuar$ fechada. 8em a fórmula m$gica, que ! como quem diz a palavra de ordem, (at!r$ com o nariz na porta. %stamos a falar e uma verdadeira donzela de ferro, ! (om de ver.
Tem dez segundos para introduzir a Zpass`ord[. 7ntroduzi as três letras que tinha previamente pensadas. zoo O ecr# n#o se a(riu, e ouviuse um sinal acYstico de alarme. Z'ass`ord[ incorrecta. Tem dez segundos para introduzir a Zpass`ord[ correcta. 9o monitor teve in)cio a contagem decrescente. igitei a mesma palavra, desta vez em maiYsculas. OO 8egunda resposta negativa. Z'ass`ord[ incorrecta. Tem dez segundos para introduzir a Zpass`ord[ correcta. %m caso de n#o introduzir a Zpass`ord[ correcta, o acesso ficar$ automaticamente (loqueado. Outra vez a contagem decrescente. ez segundos. 'onho só a 'emeira letra, Z[, em maiYscula, e os outros dois Zo[ em caiPa (aiPa. %sta ! a minha Yltima oportunidade. oo Ouviuse um agrad$vel sinal acYstico, e a(riuse o ecr# do menu Zass`ord[ correcta. 8eleccione um dos seguintes programas %Ppulsei lentamente o ar dos pulm\es.
ser sincero, n#o esteja certo disso. %m todo o caso, aqui figuram os acontecimentos importantes ocorridos em momentos cruciais da sua vida. 9oz+oscada e a sua m#e foram repatriadas da +anchYria para o &ap#o, levando apenas um punhado de jóias como Ynico património.
+anchYria, e os vestidos que as duas conseguiram levar consigo foram depois ficando pelo caminho, um após o outro, a troco de comida. " sua m#e costumava suspirar sempre que se desfazia de mais um vestido que se via o(rigada a vender. Zesenhar roupa era para mim uma porta secreta que comunicava com outro mundo[, contoume 9oz+oscada. Z"tr$s dessa portinhola, a(riase para mim um mundo que era só meu. 9esse universo, podia imaginar tudo o que queria e mais alguma coisa, escapar o mais poss)vel da realidade. % o que mais me agradava era o facto de tudo aquilo ser gratuito. 7maginar n#o custa nada. %ra maravilhoso. Criava na minha mente (elos vestidos e transformavaos em desenhos, e isso transportavame para longe da realidade. +ais, era uma actividade t#o indispens$vel U minha vida como respirar. =em(rome de que, na altura, estava mais ou menos convencida de que o mesmo acontecia com toda a gente. 5uando me aperce(i de que a maior arte das pessoas n#o só n#o fazia aquilo de que gostava como nem sequer pensava muito nisso, disse com os meus (ot\esE Hvisto que sou diferente dos outros, nesse caso terei de viver de modo diferente.H[ 9oz+oscada decidiu a(andonar o ensino secund$rio e ingressar uma escola de costura. 'ara angariar dinheiro, pediu U sua m#e que vendessem uma das poucas pedras preciosas que ainda conservavam. Com o dinheiro resultante da venda, e durante dois anos, aprendeu a coser U m$quina e tudo o mais em mat!ria de corte, desenho e t!cnicas necess$rias U criaç#o de moda. "o aca(ar o curso de corte e costura, alugou um apartamento e foi viver sozinha. " fim de frequentar uma escola da altacostura, começou a fazer uns tra(alhinhos de costureira para uma modista e, U noite, arranjou emprego a servir Us mesas. "ca(ado o curso, foi contratada por uma empresa que se dedicava U altacostura feminina e, graças ao seu jeito para desenhar, conseguiu tra(alho no departamento de design. %ra, sem som(ra de dYvida, dona e senhora de um talento original. 9#o só desenhava lindamente, como tinha uma ideia precisa do que queria, uma imagem muito clara dos modelos que desejava criar, que nunca se inspiravam no tra(alho dos outros, antes provinham naturalmente da sua imaginaç#o. "rranjava sempre maneira de seguir as suas imagens de marca at! ao fim, nos seus mais )nfimos pormenores, com a tenacidade de um salm#o que so(e contra a corrente de um rio caudaloso at! U nascente. 9oz+oscada tra(alhava tanto que nem tempo para dormir tinha. "dorava o seu tra(alho e sonhava tornarse um dia uma criadora de moda, reconhecida e independente. 9em sequer pensava em sair depois das horas de tra(alho e, verdade seja dita, mesmo que quisesse n#o sa(eria o que fazer para se divertir. Os seus patr\es n#o tardaram a reconhecer as suas qualidades profissionais e a mostrar interesse pelas linhas ePtravagantes e fluidas que eram a marca das suas criaç\es. "ssim que o per)odo de aprendizagem chegou ao fim, colocaram U sua responsa(ilidade uma pequena secç#o, gesto esse que constituiu uma promoç#o nunca vista naquela empresa. "no após ano, 9oz+oscada continuou sempre a acumular êPitos. O seu talento e a sua energia atra)ram o interesse de muito (oa gente, n#o só no seio da empresa como no sector da confecç#o. O mundo do desenho de moda era um mundo fechado, mas, ao mesmo tempo, estava animado de um esp)rito de competiç#o leal. " capacidade de um desenhador era Ynica e ePclusivamente determinada pelo nYmero de encomendas que ele ou ela rece(iam da roupa que haviam desenhado. 9unca havia dYvidas em relaç#o aos vencedoresE os nYmeros concretos falavam por si e o êPito ou o fracasso da competiç#o saltava aos olhos de todos. 9oz+oscada n#o competia com ningu!m em especial, mas os resultados o(tidos eram ineg$veis. "t! quase aos trinta anos, dedicouse de corpo e alma ao seu tra(alho. Conheceu muita
gente, e alguns homens interessaramse nor ela, mas as relaç\es que esta(eleceu com eles foram sempre (reves e superficiais. irseia que ela era incapaz de sentir um interesse profundo por uma pessoa de carne e osso. " sua ca(eça estava cheia de imagens de vestidos e esses desenhos eram, aos seus olhos, muito mais vivos e sensuais do que qualquer ser real. "o chegar aos vinte e sete anos, por!m, no decorrer de uma festa de "no 9ovo organizada pela indYstria da criaç#o de moda, foi apresentada a um homem de aspecto estranho. "s feiç\es dele eram proporcionadas, mas tinha o ca(elo despenteado, o queiPo e o nariz afilados como instrumentos de pedra. +ais parecia um pregador fan$tico do que um estilista de roupas para senhora. %ra um ano mais novo do que 9oz +oscada, magro como um ca(ide, com olhos infinitamente profundos. %sses olhos fitavam as pessoas de uma forma agressiva, como se quisessem deiP$las propositadamente incomodadas. 9os olhos dele, contudo, 9oz+oscada via reflectida a sua própria imagem. %le era ent#o um jovem estilista ainda desconhecido, a dar os seus primeiros passos no mundo da moda. %ra a primeira vez que se encontravam, mas 9oz +oscada j$ ouvira falar dele, conhecialhe, a par do talento, a fama de arrogante, ego)sta e conflituoso, e sa(ia que era detestado por quase todos. Z"s nossas inf_ncias tinham pontos em comum[, continuou ela a contar. ZT)nhamos am(os nascido e crescido no comntinente, no caso dele na Coreia, e tam(!m ele regressara ao &ap#o no final da guerra num navio de passageiros, despojado de todos os seus haveres. O pai, militar de carreira, ficara na mis!ria depois da guerra. " m#e morrera de tifo quando ele era pequeno, e isso talvez ePplicasse o motivo por que começou a sentir um profundo interesse por roupa de mulher. Tinha muito talento, ainda que fosse incrivelmente desajeitado no contacto social. esenhava roupa feminina e, contudo, na presença de uma mulher corava e mostravase maleducado e grosseiro. 'or outras palavras, !ramos como animais U solta, separados da manada.[ Casaramse um ano mais tarde, em 13G, e na 'rimavera do ano seguinte Ko ano dos &ogos Ol)mpicos de TóquioL nasceulhe um filho. 7nsistimos em chamarlhe Canela, n#o foiV Com o nascimento de Canela, 9oz+oscada mandou vir a m#e para tomar conta do (e(!. %la tinha de tra(alhar de manh# U noite e n#o dispunha de tempo para se ocupar do filho. % foi assim que Canela aca(ou por ser praticamente criado pela avó. 013 9oz+oscada n#o sa(ia ao certo se tinha amado, como homem, o marido ou n#o. 9#o tinha nenhum crit!rio que lhe permitisse fazer esse ju)zo de valor, e o mesmo se podia dizer em relaç#o ao marido, n que os unira tinha sido a força daquele encontro casual e uma mesma paiP#o pelo desenho. "pesar disso, os dez primeiros anos de rasados foram para am(os ePtremamente frutuosos. "ssim que se casaram, a(andonaram os respectivos locais de tra(alho e a(riram juntos um atelier independente. Aicava situado num apartamento pequeno, virado a ocidente, numa rua por detr$s da "venida "oSama. +al ventilado, sem ar condicionado, no Wer#o fazia tanto calor que, com a transpiraç#o, os l$pis escorregavamlhes dos dedos. " princ)pio, o negócio n#o correu de feiç#o. ando mostras de uma espantosa falta de sentido pr$tico, 9oz+oscada e o marido tornaramse presa f$cil de gente sem escrYpulos. 9#o possuindo qualquer ePperiência na $rea comercial, falharam encomendas por desconhecimento de causa e cometeram alguns erros ($sicos. "s d)vidas acumularamse a um ponto que, Us tantas, o desaparecimento do mapa parecia ser a Ynica soluç#o. Aoi ent#o que 9oz+oscada teve a sorte de encontrar, por mera casualidade, um gerente comercial fiel e competente, que sou(e fazer jus ao talento de am(os. " partir daquele momento, a empresa começou a dar lucro e n#o tardou que os pro(lemas tidos ao in)cio lhes parecessem um pesadelo long)nquo. "s vendas duplicavam de ano para ano e a empresa que tinham erguido do
zero com t#o pouco dinheiro o(teve um êPito incr)vel nos anos da d!cada de setenta.
fosso cada vez maior entre 9oz+oscada e o marido. Tra(alhavam juntos, mas ela, de quando em quando, tinha impress#o de que o marido estava distante, que o seu coraç#o andava por outras paragens. Os olhos dele pareciam ter perdido o (rilho voraz de outros tempos, a violência de que costumava dar mostras quando alguma coisa n#o era do seu agrado apagarase, dando lugar a uma ePpress#o a(sorta, um olhar perdido no vazio. Os dois deiParam praticamente de falar fora do local de tra(alho, e as noites em que ele n#o regressou a casa tornaramse mais numerosas. 9oz+oscada pressentia que o seu marido mantinha relaç\es com outras mulheres, mas n#o se ressentia particularmente disso. "chava natural ele ter amantes, uma vez que j$ n#o tinham relaç\es sePuais desde h$ algum tempo Kso(retudo porque, digase de passagem, 9oz+oscada perdera todo o desejo sePualL. %m finais de 1/2, o seu marido foi assassinado. 9oz+oscada tinha ent#o quarenta e cinco anos e o seu filho, Canela, onze. O corpo dele foi encontrado num quarto de hotel em "kasaka, esquartejado. Is onze da manh#, a empregada havia entrado no quarto com a chave mestra e dera de caras com o cad$ver. O corpo tinhase esva)do literalmente e a casa de (anho era um mar de sangue. O coraç#o, o f)gado, os rins e o p_ncreas haviam desaparecido. Tudo indicava que o assassino seccionara os órg#os antes de os levar dali, possivelmente metidos em sacos de pl$stico ou uma coisa do g!nero. " ca(eça, separada do corpo, estava colocada de frente so(re a tampa da sanita. O rosto apresentava uma infinidade de golpes. "parentemente, o assassino tinhao degolado primeiro, e só depois lhe ePtra)ra os órg#os. %Ptrair as v)sceras humanas requer uma faca muito afiada e uma t!cnica (astante apurada. %ra preciso serrar v$rias costelas. 'ara uma operaç#o daquela natureza, ! preciso tempo e o derramamento de sangue ! consider$vel. "s raz\es que teriam levado o assassino a tal carnificina permaneceram um mist!rio. O encarregado da recepç#o do hotel lem(ravase de ter registado a entrada da v)tima, por volta das dez da noite, acompanhado de uma mulher por sinal uma mulher (onita, dos seus trinta anos, com um casaco vermelho e n#o muito alta. Tudo o que ele se recordava era de lhes ter destinado um quarto no d!cimo primeiro andar e de ela levar uma malinha na m#o. 9a cama eram vis)veis os sinais de actividade sePual. Os ca(elos e o esperma encontrados nos lençóis 'ertenciam ao marido de 9oz+oscada. O quarto estava cheio de impress\es digitais, demasiadas para poderem ser analisadas numa investigaç#o. 9o pequeno saco de pele do estilista foram encontrados artigos de higiene pessoal, uma muda de roupa, um portefólio com documentos de tra(alho e uma revista. entro da carteira encontraram mais de cem mil ienes em notas e v$rios cart\es de cr!dito mas a agenda que ele costumava trazer consigo desaparecera. havia sinais de luta no quarto. " 'ol)cia investigou entre os amigos e conhecidos da v)tima mas n#o encontrou ningu!m que correspondesse U descriç#o feita pelo recepcionista. Três ou quatro mulheres foram citadas no decorrer do processo, mas, segundo a investigaç#o policial, n#o ePistia nenhum mó(il, nem ressentimento de qualquer esp!cie, nem t#opouco ciYme e todas apresentavam sólidos $li(is. +esmo dandose o caso de algu!m no mundo da moda Konde n#o reina propriamente um am(iente cordial e amig$velL o detestar, a verdade ! que n#o havia ningu!m de quem se suspeitasse a(rigar propósitos homicidas. "l!m do mais, era impens$vel que algu!m pudesse dominar a t!cnica necess$ria para ePtrair os seis órg#os com a ajuda de uma faca. Tratandose de uma pessoa famosa, o facto mereceu ampla co(ertura por parte da imprensa, com jornais e revistas a a(ordarem a quest#o com o tom sensacionalista da praPe. " fim de evitar pu(licidade ePagerada em torno de um caso j$ por si t#o (izarro e, como tal, suscept)vel de ePcitar a curiosidade mór(ida das pessoas, a 'ol)cia
conseguiu, no entanto, impedir a divulgaç#o de alguns pormenores mais maca(ros. O hotel, um esta(elecimento prestigiado e desejoso de salvaguardar o seu (omnome, chegou mesmo a ePercer uma certa press#o indirecta so(re as forças da lei e da ordem. " Ynica coisa a ser divulgada foi que o estilista havia sido morto num quarto de hotel. urante algum tempo correram rumores de que Zalgo de anormal[ tinha ocorrido ali, mas a coisa n#o passou disso mesmo, de um simples (oato. "pesar de a 'ol)cia ter conduzido uma investigaç#o de grande envergadura, o autor do crime nunca foi capturado, nem t#opouco foi poss)vel apurar o mó(il do assassinato. Z"quele quarto de hotel ainda hoje deve estar selado[, concluiu 9oz+oscada. 9a 'rimavera do ano seguinte, 9oz+oscada vendeu a sua empresa juntamente com a marca, as lojas e o material armazenado a um importante fa(ricante de roupas. 5uando o advogado que tratou do caso lhe trouPe os documentos e p]s U frente o contrato de venda, 9oz+oscada assinou tudo em silêncio, sem verificar sequer o montante. epois de se desfazer da empresa, 9oz+oscada desco(riu que a sua paiP#o pelo desenho se tinha desvanecido. " fonte de desejo intenso e ardente que era para ela sinónimo de vida secou de repente, por completo. aSdn ou aprendia l)nguas. "pós aquele ano de vida calma, que funcionou assim como uma esp!cie de vazio na sua vida, 9oz+oscada deuse conta, um (elo dia, de que possu)a um poder especial.
onde chegou, evido U cumplicidade muito especial que as unia, 9oz+oscada aceitou ajud$la a escolher os vestidos da senhora e da sua filha para o casamento desta. sinching o jardim zoológico deserto onde ela, filha do veterin$rio, tinha licença de passear no dia de fecho semanal. "quela tinha sido, muito provavelmente, a !poca mais feliz da sua vida. "li, sentiase protegida, amada, segura. %ram as suas mais antigas recordaç\es. O jardim zoológico deserto. =em(ravase de tudo, dos cheiros, da claridade da luz, da forma das nuvens que se recortavam no c!u. Caminhava por ali sozinha, percorrendo as jaulas, uma a uma. %stavase no Outono, o c!u era infinitamente alto e claro, os p$ssaros da +anchYria voavam em (andos, de $rvore em $rvore. Tinha sido aquele o seu mundo original, um mundo que, em muitos sentidos, havia perdido para sempre. 9#o sou(e quanto tempo passou, mas a mulher do dono dos grandes armaz!ns por fim l$ se levantou, devagarinho, e pediu desculpa pelo sucedido. "inda que desorientada, passaralhe por completo a forte dor de ca(eça, disse ela. ias mais tarde, 9oz+oscada ficou espantada ao rece(er, em jeito de agradecimento pelo tra(alho, uma quantidade de dinheiro muito superior ao que imaginara. sinching. 9#o lhe foi dif)cilE graças aos relatos que em tempos fizera a Canela, lem(ravase daquela paisagem, da história em todos os seus pormenores. 'or momentos, a sua consciência a(andonou o seu corpo, errou pelos interst)cios entre a memória e a história, antes de regressar a ela. 5uando voltou a si, a esposa do dono dos grandes armaz!ns pegoulhe na m#o e agradeceulhe. 9em 9oz+oscada fez perguntas U mulher nem ela lhe deu ePplicaç#o alguma. Tal como antes, 9oz+oscada sentiu uma ligeira fadiga, e uma ligeira pel)cula de suor na testa. "o despedirse, a esposa do dono dos grandes armaz!ns fez menç#o de lhe dar uma gratificaç#o dentro de um so(rescrito, U laia de agradecimento por se ter incomodado a ir at! sua casa. 9oz+oscada recusouse a aceit$lo, firme mas educadamente. isse que aquilo n#o era um tra(alho e que se considerava recompensada de so(ra pelos honor$rios rece(idos da outra vez. " outra n#o insistiu. "lgumas semanas mais tarde, a mesma senhora apresentou 9oz+oscada a uma outra pessoaE uma mulher na casa dos quarenta, pequena, de olhos encovados e penetrantes.
%stava muito (em vestida, mas, tirando uma aliança de prata, n#o levava mais jóia nenhumhuma. 9oz+oscada compreendeu que n#o se tratava de uma mulher vulgar. " esposa do dono dos grandes armaz!ns tinha avisado 9oz+oscadaE Z%sta senhora deseja que lhe faça o mesmo que me fez a mim. 'or favor, n#o diga que n#o, e veja se aceita o pagamento sem fazer o(jecç\es. igo isto porque, a longo prazo, isso ser$ importante, tanto para si como para mim.[ 9oz+oscada ficou a sós com a mulher no quarto do fundo. 'ousou a palma da sua m#o so(re as têmporas, como havia feito antes. Tam(!m ali sentia Zalgo[. +as aquela Zcoisa[ era mais forte, moviase mais depressa do que a outra. Com os olhos fechados, contendo a respiraç#o, 9oz+oscada tentou dominar aquele +ovimento. Tratou de se concentrar mais e de perseguir as suas recordaç\es com mais tenacidade. Aoi penetrando nas pregas mais rec]nditas da sua memória e transmitiu Uquela Zqualquer coisa[ o calor das suas lem(ranças. ZAoi assim que, sem me dar conta, esta passou a ser a minha ocupaç#o[, concluiu 9oz +oscada. Compreendeu ent#o que fazia parte de uma grande corrente. % quando cresceu, Canela passou a ajudar a m#e no seu mister. : O mist!rio da mans#o dos enforcados K:L 8etagaSa, TóquioE 5uem s#o as pessoas que entram sdem da famosa Z+ans#o dos %nforcados[V "ntevêse a som(ra de um pol)tico. 5ue segredo se esconde por detr$s de uma trama t#o (em urdidaV Ka ediç#o de : de ezem(ro da revista semanal L Como j$ demos conta no nosso nYmero de / de ezem(ro, na tranquila zona de 8etagaSa encontrase a Zmans#o dos enforcados[, famosa pelo facto de todos aqueles que ali ha(itaram terem sido v)timas da adversidade, pondo fim U sua vida, a maior parte por enforcamento. resumo do artigo anterior " investigaç#o por nós realizada permitiunos, contudo, chegar a uma conclus#o. " sa(er, de cada vez que tentamos o(ter a identificaç#o do actual propriet$rio da Zmans#o dos enforcados[, e seja qual for o caminho percorrido para chegar U verdade, aca(amos invariavelmente por em(at!r num muro de cimento intranspon)vel. 5uando, a t)tulo de ePemplo, conseguimos localizar a empresa construtora que assumiu o encargo de p]r de p! a o(ra, esta negouse taPativamente, atrav!s dos seus representantes, a concedernos uma entrevista. 'or outro lado, e de um ponto de vista legal, a empresa fantasma que adquiriu a propriedade ! completamente leg)tima o que faz com que tam(!m esta rota em (usca da verdade resulte num (eco sem sa)da. Tudo aponta para que cada passo desta operaç#o tenha sido planificado at! Us suas Yltimas consequências, o que só vem confirmar as nossas suspeitas de que ali, com efeito, alguma coisa se esconde. Outro elemento significativo que chamou a nossa atenç#o foi a identidade da empresa gestora na origem da empresa fantasma que adquiriu o terreno. Com efeito, a nossa investigaç#o revelou que a empresa em quest#o foi criada h$ cinco anos como entidade Zsu(contratada[ de uma conhecida assessoria económica com amplas ligaç\es ao mundo da pol)tica e que desempenha, na som(ra, um importante papel. %sta Zassessoria económica[ tem, de facto, diversas Zentidades su(contratadas[ que, como acontece com a referida empresa gestora, s#o utilizadas com vista U prossecuç#o de um determinado fim em vista, que, ao m)nimo sinal de alarme, se vêm a(andonadas. 8e ! everdade que a referida
Zassessoria económica[ n#o tenha chegado a ser directamente investigada pelas entidades respons$veis pelo ga(inete do 'rocuradorDeral, nas palavras de um analista pol)tico e um importante jornal di$rio, Za empresa por mais de uma vez esteve envolvida em esc_ndalos pol)ticos, pelo que n#o ! de estranhar que seja alvo de vigil_ncia.[ 'or tudo o que atr$s ficou dito, somos, pois, levados a supor a ePistência de uma ligaç#o entre o novo propriet$rio da dita mans#o e os influentes meios pol)ticos. I luz destes factos, os altos muros que rodeiam a casa, o modern)ssimo sistema de vigil_ncia electrónica, o +ercedes-enz negro de aluguer, a empresa fantasma cuidadosamente planeada, s#o tudo ind)cios que apontam com maior ou menor insistência para o envolvimento de uma destacada figura pol)tica da nossa praça. 'O7D7O8"8 +%7"8 % 8%D<"9?" "postada em aclarar diversos aspectos, a nossa equipa levou por diante uma investigaç#o a fim de clarificar a quest#o das entradas e sa)das do +ercedes-enz preto que visita diariamente a Zmans#o dos enforcados[. "o todo, o nYmero total de entradas e sa)das do +ercedes ao longo dos dez dias de vigil_ncia foi de vinte e uma. 'or norma, o ve)culo apresentouse duas vezes por dia, assistindoHse a um padr#o regular no que diz respeito ao movimento das entradas e sa)das. "ssim, costuma chegar por volta das nove da manh# e sair Us dez e meia. O condutor, muito pontual, nunca utrapassou, de um dia para o outro, os cinco minutos de diferença. Comparado com a regularidade das manh#s, o resto das entradas e sa)das ao longo do dia revelase algo irregular. " maior parte registase entre a uma e as três da tarde, mas as horas de entrada e de sa)da s#o, em cada ocasi#o, diferentes. Wezes h$ em que o ve)culo sai menos de vinte minutos depois de ter entrado, enquanto noutras chega a demorar cerca de uma hora. 'osto tudo isto, importa salientar o seguinteE . "s entradas e sa)das regulares da parte da manh# indicam que algu!m se desloca diariamente Uquele lugar. Os vidros escuros da viatura impedem ver o seu interior e, portanto, desconhecese a identidade doKsL ocupanteKsL. :. "s entradas e sa)das irregulares das tardes apontam para a ePistência de um visitante. %sta irregularidade das horas no que toca U entrada e U sa)da devese, provavelmente, U conveniência do visitante. esconhecese se se trata de uma ou mais pessoas. G. 'arece n#o ePistir qualquer movimentaç#o no interior da casa U noite. a mesma forma, tam(!m n#o foi poss)vel determinar se nela fica algu!m durante aquele per)odo, visto que as luzes n#o s#o vis)veis do lado de fora do muro. Outro elemento que podemos considerar como dado adquirido ! o facto de o Ynico ve)culo a cruzar os port\es da casa durante os dez dias que a investigaç#o durou ter sido o +ercedes-enz preto. Tirando esse, mais nenhum carro foi detectado nas imediaç\es, da mesma forma que mais ningu!m teve acesso U casa. iznos o senso comum que algo de estranho se passa naquele lugar. 8e ! verdade que ali vive Zalgu!m[, nesse caso n#o sai para passear nem fazer compras. 5uanto aos visitantes, entram e saem fazendo se transportar Ynica e ePclusivamente no grande +ercedes-enz com os vidros fumados. 5ue ! como quem dizE por alguma raz#o n#o querem, seja em que circunst_ncia for, ser identificados. 5ual o porquê de tudo istoV 'or que raz#o se rodeiam de tantos cuidados e investem tanto dinheiro para manter tudo em segredoV "cresce, neste ponto, que a porta da fachada principal ! o Ynico meio de acesso U propriedade. 9a parte de tr$s da casa ePiste apenas uma ruela estreita sem sa)da. 9#o ! poss)vel entrar nem sair sem passar pelos terreno dos vizinhos. 8egundo os elementos da vizinhança, nenhum do residentes usa presentemente a ruela, o que ePplica o facto de a casa n#o possuir sa)da pelas traseiras. " Ynica coisa que ali
ePiste ! um muro, alto como a muralha de uma fortaleza. "o longo dos dez dias que a nossa investigaç#o demorou carregaram no (ot#o do intercomunicador diferentes pessoas entre distri(uidores de pu(licidade e vendedores, mas nunca houve resposta, e a porta, como seria de esperar, permaneceu fechada. X, no entanto, muito poss)vel que haja algu!m no interior da casa que, atrav!s da c_mara de um circuito fechado de televis#o, o(serve os visitantes, optando por n#o responder aos visitantes indesejados. "ssinalese ainda que n#o foi entregue qualquer carta ou encomenda naquela morada durante os dez dias. 'or todas as raz\es apontadas, a Ynica maneira por nós encontrada no sentido de dar seguimento U investigaç#o foi seguir o +ercedes-enz e tentar desco(rir para onde se dirigia. 8eguir aquele reluzente +ercedes que percorria as ruas da cidade a velocidade reduzida, n#o se revelou tarefa dif)cil, mas apenas nos foi poss)vel fazêlo at! ao momento em que o carro penetrou no parque de estacionamento su(terr_neo de um hotel de cinco estrelas de "kasaka. " entrada do estacionamento encontrase protegida por um guarda de uniforme e por um sistema de vigil_ncia que impede a entrada a todos os que n#o possuem credencial própria para o efeito. Como tal, o ve)culo or nós conduzido viuse impedido je passar dali. "quele hotel ! muitas vezes palco de conferências e encontros internacionais, pelo que l$ se encontram ha(itualmente alojadas muitas personalidades influentes vindas um pouco de toda a parte. " fim de garantir a necess$ria privacidade aos clientes normais, o hotel disp\e de estacionamentos ePclusivos para clientes W7', com medidas especiais destinadas a proteger a sua segurança e a sua privacidade. Os espaços de estacionamento privados disp\em de ascensores independentes sem qualquer sinalizaç#o ePterior, a fim de impedir que, do ePterior, se possa sa(er qual o andar em que param. 5uer isto dizer que podem entrar e sair sem serem vistos por ningu!m. "o que tudo indica, o +ercedes disp\e de lugar reservado num destes estacionamentos destinados aos hóspedes mais importantes. " julgar pela sucinta e cautelosa ePplicaç#o que nos foi dada pela direcç#o do hotel, estes espaços s#o alugados Znormalmente[, e por uma tarifa especial, apenas a empresas com personalidade jur)dica que cumpram determinados requisitos após aturada investigaç#o[, ainda que n#o nos tenha sido poss)vel apurar informaç#o pormenorizada so(re as condiç\es de uso e so(re os respectivos utilizadores do espaço. O hotel disp\e de uma galeria comercial, cafetarias, restaurantes, quatro sal\es para (anquetes e casamentos e três salas de conferência, o que significa que um nYmero indeterminado de pessoas entra e sai de manh# U noite. Como tal, tornase imposs)vel apurar a identidade dos ocupantes do +ercedes, a n#o ser que se seja portador, para o efeito, de alguma autorizaç#o especial. 5uem sai do ve)culo apanha de imediato o elevador privado at! ao andar desejado e, uma vez ali, perdese no meio dos restantes hóspedes. X evidente que o sistema de segurança montado prima pela perfeiç#o, o que nos leva a constatar tratarse de uma utilizaç#o quase a(usiva do poder e do dinheiro. e entre as ePplicaç\es oferecidas pela direcç#o do hotel, pudemos concluir que alugar e utilizar um dos espaços de estacionamento reservados aos W7' n#o ! f$cil. 'or certo que na mencionada Zinvestigaç#o rigorosa[ levada a efeito contar$ a opini#o das autoridades respons$veis pela protecç#o dos mais altos dignit$rios estrangeiros, o que, por conseguinte, indica a ePistência de ligaç\es pol)ticas. 9#o (asta pagar uma importante quantidade de dinheiro, ainda que, escusado dizer, a riqueza seja uma condiç#o indispens$vel. KOmitese qualquer referência aos rumores segundo os quais a Zmans#o dos enforcados[ seja utilizada por uma seita religiosa agrupada em torno de uma importante figura pol)tica.L
+edusas de todo o mundo " metamorfose I hora com(inada, sentome U frente do computador de Canela e, depois de introduzir a pass`ord, acedo ao painel de comunicaç\es igito o nYmero que me tinha sido dado por
Fumiko demora um certo tempo a responder. 7maginoa sentada defronte do teclado, concentrada, a morder os l$(ios. 'ouco depois o cursor começa a percorrer o ecr#, seguindo o movimento dos seus dedos. b Tudo o que tinha para te dizer, pulo por escrito na carta que te enviei. O que gostava que compreendesses ! que, de certa maneira, ja n#o sou a Fumiko que conheceste. "s pessoas passam a vida a mudar, por todas as raz\es e mais alguma, e h$ casos em que essa +etamorfose estraga tudo e mudam para pior. X por isso que n#o me quero encontrar contigo. % ! por isso que n#o quero voltar para ti. Z O cursor p$ra por momentos e fica ali a piscar, como se estivesse a 'rocura de palavras. eiPome estar durante dez ou vinte segundos de olhos fiPos no ecr#, U espera que se formem novas palavras. >$ Casos em que essa metamorfose estraga tudoV b esejo que me esqueças o mais rapidamente poss)vel, O melhor que nos pode acontecer seria ficarmos oficialmemdivorciados, a fim de tu começares uma nova vida. O lugar onde me encontro e o que estou a fazer de pouco ou nada interessa. 9est momento, o que mais importa, isso sim, ! que tu e eu estamo separados, cada qual no seu mundo distinto. % que n#o ! poss)vel voltar atr$s. 'or favor, tenta compreender que falar contigo assim ! uma coisa que me ! ePtremamente penosa, para n#o dizer que me parte o coraç#o. 9em tu imaginas de que maneira... 6eleio as palavras de Fumiko v$rias vezes. 9#o detecto nelas o m)nimo sinal de hesitaç#o, o que significa que est#o cheias de uma convicç#o profunda e dolorosa. X prov$vel que as tenha repetido para si mesma, na sua ca(eça, mil e uma vezes. "pesar de tudo, tenho de ver se consigo fazer vacilar aquela sólida muralha de convicç\es. Wolto ao teclado. b O que dizes n#o deiPa de ser um (ocadinho vago, para n#o dizer confuso e dif)cil de compreender. O que ! que queres dizer com isso de Zficar tudo estragado[V 9#o perce(o. Os tomates estragamse, os guardachuvas estragamse. "t! a), entendo. 5ue os legumes apodrecem e os o(jectos se partem, empenam e enferrujam, n#o ! novidade nenhumhuma. "gora, tuV Confesso que n#o tenho nenhumhuma imagem concreta do que isso poder$ significar. iziasme na tua carta que tinhas ido para a cama com outro homem, ser$ a isso que te referes, quando dizes que Zte estragaste[V X ó(vio que n#o vou negar que isso constituiu um choque para mim, mas querme parecer que isso est$ longe de Zestragar[ uma pessoa... 8eguese um longo silêncio. Chego a recear que Fumiko se tenha ido em(ora, deiPando a comunicaç#o a meio. Ainalmente aparecem outra vez as palavrinhas escritas por ela, uma após a outra. b Tam(!m ! isso, mas n#o só. +ais um longo silêncio. b "quilo foi apenas uma manifestaç#o. 'ara uma pessoa ficar Zestragada[ ! preciso um per)odo maior de tempo. 7sto ! algo que ficou decidido h$ mais tempo, por outra pessoa, sem que eu tenha sido tida nem achada, algures num quarto mergulhado nas trevas. 5uando te conheci e cas$mos, pareceume que se a(ria diante de mim uma nova oportunidade. &ulguei ter encontrado uma sa)da. "final, n#o passava tudo de uma ilus#o. >$ sinais para tudo, da) que eu me tenha empenhado tanto em encontrar o gato, quando ele desapareceu daquela vez. Aiquei a olhar para a mensagem no ecr#, mas a flecha que apontava para o fim da mensagem nunca mais aparecia. Continuava em receive mode. Fumiko estava a pensar na melhor maneira de continuar. 'ara uma pessoa ficar Zestragada[ ! preciso um per)odo +aior de tempo. O que estaria ela a tentar dizermeV Concentrei a minhha atenç#o no ecr#, mas h$ como que uma parede invis)vel.
doença que me conduz U morte. X apenas uma met$fora. Claro que o meu rosto e o meu corpo n#o est#o a ficar deformados, mas a comparaç#o aproPima.se (astante do que me est$ a acontecer na realidade. % ! por isso que n#o quero voltar a encontrarme contigo. -em sei que um ePemplo assim t#o vago n#o te vai ajudar a compreender a minha situaç#o. Tam(!m n#o espero convencerte de coisa alguma. Tenho muita pena, mas de momento n#o posso adiantar mais nada. 8ó te peço que aceites os factos como eles s#o.
'ouso a ch$vena de caf! na escrivaninha e digito o mais r$pido poss)vel, como se quisesse agarrar a cauda do tempo que me escapava por entre os dedos. b 'erce(o que quero chegar, quanto antes, ao lugar onde te encontras, onde s 渠渠渠 e encontra a Fumiko que chama por mim e me pede ajuda. 'ara mal dos meus pecados ainda n#o desco(ri maneira de chegar at! l$, nem o que dia(o me espera nesse lugar. esde que fugiste, vivi com a sensaç#o constante de ter sido atirado para as trevas mais profundas. %, contudo, aos poucos, sinto que me estou a aproPimar do coraç#o do pro(lema. %stou mais próPimo desse lugar, mais próPimo de ti, quero que sai(as disso. %stou mais perto e faço tenç\es de me aproPimar ainda mais. 'ouso as m#os no teclado, U espera da resposta. b 9#o perce(o, estou a falar a s!rio. Fumiko tecla estas palavras e d$ por terminada a comunicaç#oE b "deus. O ecr# indica que Fumiko a(andonou a sess#o. " conversa chegou ao fim. "pesar disso, deiPome ficar ali, U espera n#o sei do 5uê. 'ode ser que Fumiko reconsidere e volte a estar em linha. 'ode ser que se tenha esquecido de me dizer alguma coisa. Fumiko, por!m, n#o volta. "pós uma espera de vinte minutos, renuncio a essa ideia. eiPo o ecr# ligado, levantome e vou U cozinha (e(er um copo de $gua. 'or momentos fico parado diante do frigor)fico, com a mente em (ranco, tentando respirar normalmente. I minha volta reina um rofundo silêncio. $me a sensaç#o de que o mundo inteiro est$ de ouvido U escuta, at!nto aos meus próPimos pensamentos, mas o certo ! que n#o consigo pensar em coisa nenhumhuma. Tenho muita pena, mas n#o me ocorre rigorosamente nada. egresso ao meu posto diante do computador, sentome, releio at!ntamente a conversa transcrita no ecr# azul, do princ)pio ao fim. "quilo que eu disse e aquilo que foi dito por ela. "s minhas perguntas e as respostas dela. " nossa conversa permanece representada graficamente no ecr#, tal qual, e dirseia que h$ nela qualquer coisa de estranhamente vivo. "o ler aquelas frases, ! a voz de Fumiko que oiço. econheço a sua entoaç#o, as mudanças su(tis, as pausas, as hesitaç\es. O cursor continua a piscar no final da Yltima linha. Com a regularidade de um coraç#o que (ate, U espera da próPima palavra, contendo o f]lego. +as n#o h$ mais palavras. Dravo toda a nossa conversa inscrita no ecr# Kpareceume melhor n#o imprimir o tePtoL, faço dique para sair do programa. ou ordem para a troca de mensagens n#o ficar gravada. esligo o computador. Com um Yltimo sinal electrónico, o ecr# fica (ranco e morre. O monótono ru)do mec_nico ! a(sorvido pelo silêncio da sala. Como as imagens ainda vivas de um sonho rasgado pelas garras de coisa nenhumhuma. 9#o sei quanto tempo passou. 5uando dou por mim, continuo sentado U secret$ria, a olhar fiPamente para as minhas m#os. 9as minhas m#os perduram as marcas do meu prolongado olhar pleno de interrogaç\es. Z'ara uma pessoa ficar estragada ! preciso muito tempo.[ 5uanto tempo ! muito tempoV Contar carneiros O que ePiste no centro do c)rculo "lguns dias após a visita de
Canela assentiu com a ca(eça e, a partir da), começou a aparecer todas as manh#s com três jornais de(aiPo do (raço. >$ tanto tempo que deiPara de ler jornais que o próprio acto de os folhear provocou em mim uma sensaç#o estranha. O conteYdo pareciame frio e vazio. O intenso cheiro a tinta provocoume dores de ca(eça. "s colunas, com aqueles (atalh\es de pequeninos caracteres a negro, eram como facas espetadas nos olhos, deiPandome cego. " distri(uiç#o das letras, a composiç#o dos t)tulos na p$gina, tudo aquilo me parecia irreal. 'or mais de uma vez fui o(rigado a desviar os olhos e a (aiPar os jornais, ao mesmo tempo que respirava fundo. 9unca na minha vida me acontecera tal coisa. antes, ler o jornal era a coisa mais natural do mundo. O que teria acontecido para os jornais mudarem tantoV Ou talvez n#o fossem os jornais que estavam diferentes. 8e calhar, era eu que tinha mudado. epois de os ler, entroume pelos olhos dentro uma verdadeE 9o(oru RataSa estava a consolidar a passo de gigante a sua posiç#o na sociedade. " par da sua am(iciosa carreira pol)tica na ieta, pu(licava regularmente uma coluna de opini#o num jornal, escrevia para diversas revistas e aparecia na televis#o como comentador fiPo. O seu nome começava a aparecer em tudo o que era s)tio. 'or uma qualquer raz#o que n#o descortino, toda a gente parecia escutar as suas opini\es e com crescente entusiasmo. "ca(ara de aparecer na cena pol)tica e j$ era citado como um dos jovens pol)ticos que mais prometiam e de quem toda gente esperava grandes feitos no futuro. Aoi eleito o pol)tico japonês mais popular num inqu!rito realizado por uma revista feminina. %ra considerado o representante em(lem$tico de uma nova geraç#o de pol)ticos, ao mesmo tempo intelectual e vocacionado para a acç#o. 'edi a Canela que me comprasse, juntamente com outras, para n#o despertar a atenç#o, as revistas em que os seus artigos apareciam pu(licados. Canela passou os olhos pela lista e guardoua no (olso o casaco sem mostrar particular interesse. 9o dia seguinte, apareceume com uma m#ocheia de revistas e jornais di$rios e deiPouos ficar em cima da mesa. " seguir, como era seu costume, p]sse a fazer a limppeza da casa ao som de mYsica cl$ssica. ecortei com ajuda de uma tesoura todos os artigos assinados por +o(oru RataSa e arquiveios. O dossiê engordava enquanto o ra(o esfregava um olho. epois de ter lido tudo e mais alguma coisa Ucerca do destacado papel desempenhado por 9o(oru RataSa nos acontecimentos pol)ticos do diaadia, vireime para a minha cada vez maior colecç#o de o(ras so(re a +anchYria, tudo livros que Canela se encarregara entretanto de me arranjar. 9em mesmo assim, contudo, logrei escapar U som(ra de 9o(oru RataSa. 'or ePemplo, certa vez fui dar com um livro so(re pro(lemas log)sticos. 'u(licado em 1/4, a cópia que ePistia na (i(lioteca tinha sido emprestada apenas uma vez, quando o livro era novo, e devolvido pouco tempo depois. 8e calhar só mesmo o tenente +amiSa e os seus correligion$rios !que tinham interesse nas quest\es log)sticas que diziam respeito ao estado de +anchukuo. 8egundo o autor do livro, no in)cio da era 8ho`a o eP!rcito imperial japonês aventava a hipótese de equipar as suas tropas com uma grande quantidade de roupa de 7nverno, como forma de lutar contra a guerra prevista contra a
enfrentar uma hipot!tica guerra contra a
era o &ap#o e de que as outras naç\es asi$ticas tinham o Zdever[ de cola(orar com o &ap#o a fim de se li(ertarem do jugo ocidental. %ntre generais e oficiais do eP!rcito imperial japonês, ningu!m possu)a :rau de erudiç#o de 7shi`ara nem ningu!m manifestava tanto interesse elas quest\es de log)stica. 9a sua maioria, os militares menosprezavam as quest\es log)sticas, que consideravam Zefeminadas[, convencidos de que a Zvia do guerreiro04 era lutar at! U morte, sem olhar U precariedade do seu próprio equipamento. ara eles, a verdadeira glória militar consistia em enfrentar um inimigo poderoso, superior em nYmero e armamento, e alcançar a vitória. 7r ao encontro do inimigo e dar ca(o dele t#o depressa Zque n#o desse tempo U intendência de chegar[E era essa a sYmula da glória. "os olhos de *oshitaka RataSa, considerado por ePcelência um tecnocrata, semelhantes ideias n#o passavam de uma perfeita estupidez. Começar uma guerra de longa duraç#o sem o adequado suporte log)stico equivalia ao suic)dio. " ulun(uir. 9um dos seus artigos, 9o(oru RataSa contava que, aquele episódio, ouvirao primeiro da (oca do tio, e depois prosseguia com uma dissertaç#o topogr$fica so(re economia regional, tomando como modelo as linhas de a(astecimento (!lico. 9o entanto, o que
despertou a minha atenç#o foi o facto de o tio de 9o(oru RataSa ter sido um tecnocrata ao serviço do %stado+aior imperial e de ter estado ligado U (atalha de 9omonhan. *oshitaka RataSa foi ePpulso do seu posto de oficial pelo eP!rcito de ocupaç#o chefiado pelo general +ac"rthur e, durante uns tempos, viveu retirado do mundo em 9iigata, sua terra natal por!m, uma vez prescritas as penas de ePpuls#o, regressou U pol)tica e apresentouse Us eleiç\es pelo 'artido Conservador, tendo sido eleito senador em duas ocasi\es e passando depois para a C_mara de eputados. 9as paredes do seu escritório estava pendurada uma citaç#o assinada por Fanji 7shi`ara. 9#o faço ideia que tipo de mem(ro da ieta tinha sido o tio de 9o(oru RataSa, nem quais os seus feitos no campo da pol)tica. >avia desempenhado funç\es de ministro uma vez e, pelos vistos, tinha (astante influência na sua circunscriç#o eleitoral, ainda que n#o tivesse chegado a ser um l)der no plano nacional. %, agora, o seu so(rinho 9o(oru RataSa tinha herdado a sua esfera de influência pol)tica. 'us o livro de lado e deiPeime ficar ali, de (raços cruzados atr$s da ca(eça, a olhar distraidamente na direcç#o do port#o do jardim. Aaltava pouco para o port#o se a(rir e dar passagem ao +ercedes-enz conduzido por Canela. Como de costume, viria acompanhado de uma Zcliente[. "quelas Zclientes[ e eu encontr$vamonos ligados pela mancha na minha cara. Tam(!m estou ligado pela mancha ao av] de Canela Ke pai de 9oz+oscadaL. 'or seu turno, ao avo de Canela e ao tenente +amiSa, uniaos a cidade de >sinching. "o tenente +amiSa e ao clarividente senhor >onda, uniaos uma miss#o 24 especial na fronteira entre a +anchYria e a +ongólia. Fumiko e eu fomos apresentados ao senhor >onda pela fam)lia de 9o(oru RataSa. o tenente +amiSa e eu estamos ligados pelas respectivas ePperiências no interior de um poço. O que diz respeito ao tenente +amiSa ficava na +ongólia, o que me diz respeito situase na mans#o onde oresentemente me encontro. 'or outro lado, nesta mesma propriedade viveu em tempos um oficial do eP!rcito que chefiou tropas na China. $ mais de um mês que 9oz+oscada n#o dava um ar da sua graça. a Yltima vez apresentarase igualmente sem aviso pr!vio, sempre acompanhada do filho, tomara um pequeno almoço frugal na minha companhia, ficara a conversar comigo de tudo e de nada e partira de novo ao fim de uma hora.
Canela pendurou o casaco no ca(ide e, sempre a ouvir o Concerto Crosso de >$ndel Kandava h$ três dias a escutar a mesma coisaL, apareceu na cozinha, preparou ch$ e torradas para 9oz+oscada que ainda n#o havia comido nada. O p#o ficou tostado no ponto. mais pareciam aquelas torradas que se vêem nos anYncios de televis#o " seguir, como era seu h$(ito, Canela limpou a cozinha e deiPou tudo em ordem. 9oz+oscada e eu sent$monos a uma mesinha (e(emos o nosso ch$. 9oz+oscada comeu apenas uma fatia de p#o depois de a (arrar com uma fina camada de manteiga. =$ fora ca)a uma chuva gelada, quase granizo. 9oz +oscada pouco ou nada disse e comigo aconteceu o mesmo apenas duas ou três o(servaç\es acerca do tempo. Contudo, viase perfeitamente que ela tinha qualquer coisa para me dizer. "divinhavase pela ePpress#o do seu rosto, nea sua maneira de falar. 'artia a torrada em pedacinhos do tamanho de um selo e levavaos U (oca, um de cada vez. e vez em quando lanç$vamos o nosso olhar para o lado de fora da janela, como se a chuva fosse uma velha amiga comum, de longa data. 5uando Canela aca(ou de arrumar a cozinha e começou na lida da casa, 9oz+oscada levoume com ela U Zsala de provas[, reproduç#o ePacta, tamanho e tudo, da que havia no at!lier de "kasaka. Como seria de esperar, tam(!m aqui as janelas tinham cortinas duplas corridas, que at! de dia deiPavam a sala mergulhada na penum(ra. "s cortinas só eram a(ertas dez minutos por dia, quando Canela fazia a limpeza. >avia um sof$ de pele, uma mesinha (aiPa com uma jarra de vidro sempre cheia de flores, e um candeeiro de p!. 9o meio da sala viase uma mesa de tra(alho e, so(re o tampo, tesouras, amostras de tecido, uma caiPa de costura de madeira com agulhas e linhas, l$pis, um caderno de es(oços Kcom alguns modelos desenhadosL e v$rios utens)lios profissionais que eu n#o sa(ia nem que nome tinham nem para que serviam. 9a parede havia ainda um grande espelho de corpo inteiro. " um canto estava um (iom(o para quem quisesse mudar de roupa. Todas as Zclientes[ eram sempre conduzidas a esta salinha. 9#o faço a m)nima ideia por que raz#o 9oz+oscada e o seu filho fizeram quest#o de ter naquela sala uma cópia ePacta do original sal#o de provas de "kasaka. %stariam eles Kou elas, as visitasL assim t#o ha(ituados Uquele cen$rio, ao ponto de n#o conseguirem arranjar mais nenhumhuma ideia para decorar a salaV Tam(!m podiam fazerme a pergunta ao contr$rioE qual ! o pro(lema da sala de provasV 5uaisquer que fossem as raz\es, eu, pela parte que me tocava, gostava (em daquela salinha. %ra Ynica, diferente de todas as outras, e o facto de me sa(er ali, no meio de todos aqueles artigos de costura, produzia em mim uma estranha sensaç#o de tranquilidade.
sentir, ela trazia óculos escuros, e as lentes, se n#o me engano, eram verdes. "s meias, tam(!m. ecididamente, devia ser o dia do verde. Com uma sucess#o de movimentos lentos e fluidos, ela tirou o seu maço de ta(aco de dentro da mala, p]s um cigarro na (oca e acendeuo com o isqueiro, retorcendo ligeiramente os l$(ios. 'elo menos o isqueiro n#o era verde, era aquele de oiro, achatado, com ar de ter sido caro. Wendo (em, o tom doirado com(inava na perfeiç#o com o verde. " seguir cruzou as pernas vestidas de verde. %Paminou at!ntamente os dois joelhos, comp]s a (ainha da saia. O olhar estendeuse U minha cara, como se fosse um prolongamento dos seus joelhos. %stou (em repeti. Como sempre. 9oz+oscada assentiu com a ca(eça. 9#o est$s cansadoV 9#o sentes necessidade de descansar, por ePemploV 9#o especialmente. "os poucos, ha(itueime a este tra(alho, confesso que at! me parece mais f$cil, agora. 9oz+oscada n#o disse nada. O fumo do seu cigarro su(ia a direito, formando uma linha parecida com a corda de um faquir mdiano, at! desaparecer, aspirado pela (oca de ventilaç#o que havia no tecto. %ra o ventilador mais silencioso e mais potente que alguma vez vira. % a senhora, como ! que est$V perguntei. %uV 9#o est$ cansadaV 9oz+oscada olhou para mim. ou essa impress#oV " verdade ! que tinha ficado com essa impress#o, mal a virachegar. %la suspirou quando lho disse. "pareceu outro artigo so(re a casa na tal revista semanal U venda esta manh#. Continua a Ztelenovela[ dedicada ao +ist!rioda +ans#o dos %nforcados[. 'arece o t)tulo de um filme de h nx i " b Hwrror &a e o segundo, nao eV 'odes crer. 'ara dizer a verdade, saiu outro artigo so(re a casa numa outra revista, mas, por sorte, n#o esta(eleceu qualquer relaç#o, 'or enquanto. esco(riram alguma coisaV 5uer dizer, a nosso respeitoV %la deitou a m#o ao cinzeiro e esmagou o cigarro, após o que a(anou ao de leve a ca(eça, em sinal de negaç#o. Os seus (rincos verdes oscilaram como duas (or(oletas no ar da primavera. 9ada de especial afirmou, e fez uma pausa. 9ingu!m sa(e quem somos nem o que fazemos aqui. eiPote ficar a revista, se te interessar podes ler o artigo. " propósito, algu!m me disse que eras cunhado de um jovem pol)tico em ascens#o. X verdadeV 7nfelizmente retorqui. X o irm#o mais velho da minha mulher. O irm#o mais velho da tua mulher, aquela que desapareceuV %Pactamente. % o teu cunhado por acaso est$ a par do que fazemos aquiV 8a(e que venho at! c$ todos os dias, e que faço qualquer coisa, mas ignora concretamente o quê. %le contratou algu!m para investigar as minhas actividades. $ me a impress#o de que anda desconfiado, mas n#o deve sa(er muito mais. 9oz+oscada ficou por momentos a reflectir na minha resposta. epois levantou o rosto e perguntouE O teu cunhado n#o ! propriamente uma pessoa do teu agrado, pois n#oV 9#o gosto l$ muito dele, n#o. % ele tam(!m n#o gosta de ti. % isso ! dizer pouco. % agora as tuas actividades deiParamno inquieto. 'or que ser$V
eve recear que o esc_ndalo se a(ata so(re ele, caso venha a sa(erse que o cunhado anda implicado em algo de suspeito. % preciso n#o esquecer que ele ! o homem do momento, por assim dizer. 9#o admira que a sua reputaç#o lhe dê que pensar. 5uer ent#o dizer que n#o ! prov$vel que tenha sido ele a estar na origem das revelaç\es sa)das na imprensa acerca deste lugarV 'ara ser franco, n#o faço a m)nima ideia de quais possam ser as intenç\es de 9o(oru RataSa. izme o elementar (om senso que ele n#o teria nada a ganhar com isso, que ! do seu interesse manter 2:: Ktudo isto em segredo e chamar o menos poss)vel a atenç#o das pessoas. 9oz+oscada ficou ali que tempos a fazer girar o minYsculo chaveiro entre os dedos. irseia um pequeno moinho dourado num dia de pouco vento. 'or que ! que nunca me falaste no teu cunhadoV quis ela sa(er. 9em a si nem a ningu!m redargui. %u e ele nunca nos >emos (em, desde que nos conhecemos, e agora quase nos odiamos. 9#o foi minha intenç#o escondêlo, nem nada disso, simplesmente pensava que n#o havia necessidade de trazer o assunto U (aila. 9oz+oscada soltou um profundo suspiro. evias ter sido sincero comigo. X poss)vel reconheci. Como deves sa(er, entre os teus Zclientes[ encontramse pessoas ligadas ao mundo da pol)tica e das finanças. 'essoas muito (em colocadas e influentes. 7mporta salvaguardar, acima de tudo, a sua privacidade, da) que tenhamos adoptado todas estas precauç\es. Tens consciência disso, n#o tensV espondi que sim com a ca(eça. Canela tem investido muito tempo e esforço para p]r a funcionar este sistema de segurança, t#o complePo quanto preciso. O la(irinto de falsas empresas, os livros que tornam poss)vel manter esta conta(ilidade dupla, o espaço de estacionamento reservado anonimamente no grande hotel de "kasaka, a rigorosa selecç#o de clientes, o controlo dos ganhos e das despesas, o desenho desta Zmans#o[, saiu tudo da ca(eça dele. %, at! U data, o esquema funcionou quase na perfeiç#o, de acordo com os planos dele. X evidente que custa muito dinheiro manter este esquema a funcionar, mas o dinheiro n#o ! pro(lema. O importante ! que estas mulheres sintam que est#o inteiramente protegidas. %st$ a querer dizer que a situaç#o começa a revelarse perigosa, ! issoV 7nfelizmente, sim. 9oz+oscada tirara um cigarro do maço, mantendoo entre os dedos, sem o acender. %, como se n#o (astasse, o facto de o meu cunhado ser um pol)tico famoso aumenta o risco de esc_ndalo. %Pactamente confirmou 9oz+oscada, formando com os l$(ios a caricatura de um sorriso. % qual ! a an$lise que Canela faz da situaç#oV efugiase no silêncio. Como uma grande ostra pousada no fundo do mar, mergulhou no mais profundo de si e fechou a porta, enquanto reflecte seriamente so(re o assunto. 9oz+oscada olhava para mim fiPamente. 'assado um (ocado como se tivesse aca(ado de se lem(rar que o tinha na m#o, acend o cigarro. epois disseE u "inda agora penso muito naquilo, sa(esV 9a morte do meu marido, na forma como o mataram. 'or que ! que ele foi assassinado daquela maneira t#o horr)vel, as v)sceras
arrancadas, o quarto transformado num mar de sangueV 9#o consigo entender, por maisque pense nisso. O meu marido n#o merecia uma morte t#o horrenda Z'or!m, n#o se trata apenas da morte do meu marido. "o longo da minha vida, foram tantos os acontecimentos inePplic$veis que nem sei... 'or ePemplo, a verdadeira paiP#o que sinto pelo desenho de moda nasceu e morreu de repente a forma como Canela perdeu a fala o modo como me vi envolvida neste estranho tra(alho que ! o meu ! como se tudo tivesse sido ha(ilmente e meticulosamente preparado do princ)pio ao fim, com o propósito de me trazer at! aqui, onde me encontro hoje. Tenho a sensaç#o de ser manipulada por um (raço tentacular que se estende de muito longe, sinto que a minha vida mais n#o tem sido outra coisa sen#o uma simples passagem destinada a permitir que essas coisas aconteçam e se concretizem, atrav!s de mim. o quarto ao lado chegava at! nós o ru)do t!nue do aspirador de Canela. %Pecutava o seu tra(alho dando mostras da mesma concentraç#o sistem$tica de sempre. 9unca tiveste esta sensaç#oV perguntoume ela. 9#o posso dizer que conheça a sensaç#o de alguma vez ter sido manipulado, isso n#o respondi. %stou aqui porque ! necess$rio, só por isso. 'ara tocar a flauta m$gica e encontrar Fumiko. 7sso mesmo. "ndas U procura de alguma coisa replicou ela, cruzando e descruzando devagar as pernas enfiadas nas meias verdes. % tudo tem o seu preço. Continuei calado. 'or fim, 9oz+oscada deume a conhecer a sua conclus#o. ecidimos n#o trazer mais Zclientes[ durante uma temporada+elhor dizendo, quem decidiu foi Canela. Com os artigos que sa)ram nas revistas e a entrada em cena do seu cunhado, o sem$foro passou de amarelo para vermelho. Ontem cancel$mos todas as visitas, a começar hoje. 5uanto tempo vai durar essa Ztemporada[V "t! que Canela possa reparar as falhas no sistema de segurança e possamos ter a certeza de que o perigo passou por completo. Tenn muita pena, mas n#o queremos correr o m)nimo risco. Canela continuara a vir, como de costume, mas aca(aramse as clientes. 5uando Canela e 9oz+oscada se foram em(ora, a chuva que ca)ra desde manh# tinha parado por completo. 5uatro ou cinco ardais lavavam escrupulosamente as penas numa poça formada no caminho de acesso. 5uando desapareceu o +ercedes conduzido por Canela e o port#o autom$tico se fechou lentamente, senteime U janela, a contemplar o nu(lado c!u de 7nverno que os ramos das $rvores deiPavam entrever. 'ensei naquele Z(raço tentacular que e estende de muito longe[, de que 9oz+oscada me tinha falado. imaginei esse (raço emergindo por entre as nuvens (aiPas que co(riam o c!u. Como uma ilustraç#o sinistra de um livro qualquer. :2 Orelhas triangulares O som das campainhas de trenó 'assei o resto do dia em(renhado na leitura do livro so(re +anchukuo. 9#o tinha pressa de regressar a casa. e manh#, ao sair de casa, calculei logo que iria chegar tarde e deiPei ficar a Cavala a sua raç#o para dois dias. 'odia ser que o gato n#o gostasse, mas pelo menos fome n#o passaria. 8ó de pensar nisso fiquei ainda com menos vontade de regressar a casa, passar pela ruela, saltar o muro. O que queria era esticarme em
qualquer s)tio e dormir. Aui ao arm$rio da Zsala de provas[ (uscar uma manta e uma almofada, instaleime no sof$ e apaguei a luz. "ssim que fechei os olhos, pusme a pensar em Cavala. issessem o que dissessem, ao menos o gato regressara para mim. esse l$ por onde desse, tinhase desunhado para voltar, vindo de algum lugar distante. evia ser um (om ausp)cio. "li estiraçado, de olhos fechados, pensei no toque suave como (orracha do caço na parte de (aiPo das suas patas, nas orelhas triangulares, frias, na l)ngua rosada. 9a minha imaginaç#o, Cavala dormia tranquilamente, todo enrolado numa (ola. 'odia sentir o calor que se desprendia dele na palma das minhas m#os. 'odia cuvir a sua respiraç#o regular. "pesar de ter os nervos U flor da pele, o sono n#o demorou muito a chegar.
precisar sequer de olhar l$ para fora. Aazia parte da sua rotina. 'rimeiro punhase U escuta, depois inspirava o ar pelo nariz, e era assim que se preparava para o novo dia. "quele dia, por!m, só podia ser diferente do anterior. Tinha de ser diferente. %ram tantas as vozes e os cheiros que faltavam^ Os tigres, os leopardos, os lo(os, os ursosE todos ePecutados na v!spera, eliminados pelo pelot#o. 9aquele momento, depois de uma noite de sono, tudo o que acontecera parecia fazer parte de um pesadelo desagrad$vel que tivesse ocorrido h$ muito tempo. %, no entanto, ele (em sa(ia que aquilo tinha acontecido de verdade. 9os seus ouvidos perdurava ainda a dor difusa causada pelo estampido dos disparos. 9#o, aquilo n#o podia ser um sonho. %stavase em "gosto de 102, na cidade de >sinching, capital da +anchYria, e as tropas sovi!ticas, que haviam atravessado a fronteira, aproPimavamse cada vez mais. %ra a realidade t#o real como o lavatório e a escova de dentes que tinha diante dos seus olhos. "o ouvir o (arrir dos elefantes sentiuse aliviado. 8im, os elefantes tinham so(revivido. Z'or sorte[, pensou o veterin$rio enquanto lavava a cara, Zaquele jovem tenente tivera a sensi(ilidade e o (om senso de qualquer comum mortal ao riscar os elefantes da lista de animais a a(at!r.[ esde a sua chegada U +anchYria, o veterin$rio travara conhecimento com muitos jovens oficiais partid$rios de um fanatismo r)gido, e podia dizerse que n#o os suportava. %ram, na sua maioria, rapazes do campo, filhos de camponeses, que tinham sentido na pele, em plena adolescência, a trag!dia da depress#o económica, nos dif)ceis anos trinta, ao mesmo tempo que no seu esp)rito eram inculcados 'rinc)pios de um nacionalismo megalómano. %Pecutavam cegamente as ordens dos seus superiores, fossem elas quais fossem. %ram jovens, agarrariam numa p$, deitariam m#os U o(ra e desatariam a cavar, caso rece(essem, em nome do imperador, a ordem de cavar um tYnel at! ao -rasil. >$ quem chame a isto Zpureza[, mas para o veterin$rio tinha outro nome. Ailho de um m!dico, o veterin$rio crescera numa grande cidade e tinha sido educado na atmosfera relativamente li(eral do per)odo Taisho01. %ra ó(vio que n#o podia simpatizar com as ideias deles, de forma nenhumhuma, mas o jovem tenente que comandava pelot#o de ePecuç#o, apesar de falar com um ligeiro sotaque de prov)ncia, parecia, ainda assim, muito mais normal do que a maioria dos oficiais da idade dele dava a impress#o de ter estudos e viase que actuava movido por crit!rios lógicos. 7sso perce(era o veterin$rio pela sua maneira de falar e de estar. %m todo o caso, fora graças a ele que os elefantes haviam escapado e só por isso tinha de lhe estar agradecido, pensou o veterin$rio para consigo mesmo. Tam(!m os soldados deviam ter ficado aliviados, ao serem poupados a semelhante miss#o. 5uem, pelo contr$rio, devia ter tido uma decepç#o eram os chineses, privados de toda aquela quantidade de carne, para j$ n#o falar no marfim. O veterin$rio aqueceu $gua numa chaleira, p]s uma toalha quente por cima da cara e fez a (ar(a. %m seguida, tomou sozinho o pequenoalmoçoE ch$ e p#o torrado com manteiga. 9#o se podia dizer que o a(astecimento de alimentos na +anchYria chegasse para as necessidades, mas, quando comparado com a po(reza franciscana de outros lugares, era relativamente a(undante, o que era uma sorte, tanto para ele como para os animais do jardim zoológico. Os animais tinhamse ressentido ao verem as suas raç\es reduzidas, mas, ainda assim, a situaç#o era menos grave do que nos restantes jardins zoológicos do &ap#o, onde a reserva de alimentos se encontrava esgotada. 9ingu!m sa(ia o que o futuro lhes reservava. e momento, tanto os animais como as pessoas haviam sido poupados aos horrores da fome. 7nterrogouse so(re o que estariam a fazer a sua mulher e a sua filha. 8e tudo tivesse corrido como previsto, sem incidentes de percurso, Uquela hora o com(oio em que viajavam j$ deveria ter chegado a 'usan, na Coreia. %ra a) que vivia a fam)lia do seu
primo, em casa de quem elas tinham ficado alojadas, at! U partida do primeiro navio que as levaria at! ao &ap#o. "o acordar, o veterin$rio sentia sempre a falta delas. 9#o se ouvia, como de costume, as suas alegres vozes tratando do pequenoalmoço e fazendo os preparativos para o novo dia. %m vez disso, só ficara o vazio e o silêncio. "quele j$ n#o era o lar que amava e a que pudesse chamar seu. "o mesmo tempo, todavia, ele n#o podia deiPar de sentir uma estranha alegria 01 %ntre 1: e 1:3, marcado a um tempo por um acelerado desenvolvimento económico e por uma forte insta(ilidade social e pol)tica. K9. da T.L 2:4 erante a ideia de se encontrar completamente sozinho na residência oficial. " verdade ! que, naquele momento, ele sentia no mais fundo de si a poderosa e inePor$vel força do destino. O veterin$rio tinha a mania da Zfatalidade[. esde os seus verdes anos que tinha a convicç#o, estranhamente clara, de que Zeu, como ser humano, vivo de(aiPo do controlo de alguma força ePterior[. Talvez fosse tudo por culpa da mancha de uma viva cor azul que tinha na (ochecha esquerda. esde pequeno que odiava com todas as suas forças aquela mancha, que só ele tinha e mais ningu!m. 8entiase morrer aos (ocadinhos de cada vez que as outras crianças suas amigas faziam troça da mancha ou que algum desconhecido se punha a olhar fiPamente para ele. 8e ao menos pudesse pegar numa faca e li(ertarse daquele sinal que o desfigurava^ Contudo, U medida que foi crescendo, aprendeu a conformarse com aquela desgraça e a aceit$la como uma coisa que fazia parte integrante da sua pessoa. 'ode ter sido este um dos factores que contri(u)ram para a sua atitude de resignaç#o fatalista perante o destino. 9a maior parte do tempo, a força do destino apenas servia para colorir, de forma monótona e silenciosa, os acontecimentos que ocorriam U margem no quadro da sua vida, como um ru)do de fundo grave. aramente a sua presença era percept)vel na ePistência de todos os dias, mas, de tempos a tempos, essa força aumentava, deiPando o ficar num estado de profunda resignaç#o que roçava a paralisia. 9essas ocasi\es n#o tinha outro rem!dio sen#o a(andonar tudo e deiParse levar pela corrente. 8a(ia por ePperiência que nada do que pudesse fazer ou pensar iria alterar aquele estado de coisas. O destino levava sempre a sua avante e, at! o(ter o que pretendia, n#o o largaria da m#o. %stava piamente convencido disso. 9#o que se considerasse um fatalista no sentido geralmente aceite da palavra. =onge de ser uma criatura passiva, era, isso sim, um homem decidido, que se esforçava por levar avante as suas decis\es. 9a sua profiss#o, era um ePcelente veterin$rio, um pedagogo entusiasta. 'odia n#o ser (rilhante, mas em criança sempre se destacara nos estudos, chegando mesmo a ser escolhido para chefe de turma. Dozava do reconhecimento do seu tra(alho e era respeitado pelos seus pares, mesmo pelos profissionais mais jovens. %ra ó(vio que n#o se tratava do t)pico Zfatalista[ que as pessoas imaginam. %, no entanto, desde muito pequeno nunca tivera a sensaç#o palp$vel de haver tomado, 'or sua livre iniciativa, uma resoluç#o. Tinha a sensaç#o de que era sempre o destino que, U sua revelia, o o(rigava a Ztomar uma decis#o[. "inda que começasse por ePperimentar a satisfaç#o de pensar que tinha decidido algo por sua própria vontade, mais tarde aca(ava por se dar conta de que uma força ePterior ha(ilmente camuflada o tinha feito decidir daquele modo. 8implesmente, aparecera disfarçada de Zlivrear()trio[, uma esp!cie de isco para o amansar. 'ensando (em as coisas que ele decidia por sua própria iniciativa n#o passavam de trivialidades relativamente Us quais, na realidade, n#o havia necessidad de tomar decis#o alguma. 8entiase como um monarca titular de um pa)s que mais n#o fizesse do que apor o selo nos documentos d estado su(metido U vontade de um regente que detivesse o pode real. 5ue era
precisamente o que acontecia com o imperador chinês fantoche da colónia japonesa do +anchukuo. O veterin$rio amava profundamente a mulher e a filha. %stava convencido de que elas eram a coisa mais maravilhosa que alguma vez lhe acontecera na vida so(retudo a filha, por quem o seu amor tocava as raias da adoraç#o. 'or elas, daria de (om grado a vida Werdade seja dita, fantasiava muitas vezes que isso acontecia, ao ponto de a morte que idealizava para elas ser, aos seus olhos, a morte mais doce que se podia imaginar. "o mesmo tempo, por!m, ao regressar do tra(alho, quando era confrontado com a presença da mulher e da filha em casa, havia alturas em que sentia que elas eram, de facto, dois seres independentes, com quem n#o tinha nenhumhuma relaç#o, levando uma ePistência própria numa outra dimens#o, a anosluz dele. 5uando isso acontecia, o veterin$rio dava por si a pensar que n#o tinha sido ele a escolhêlas para fazerem parte da sua vida o que n#o o impedia de as amar sem reservas, incondicionalmente. 'ara o veterin$rio, tudo aquilo era um paradoPo enorme, uma contradiç#o irresolYvel, uma armadilha gigantesca que a vida lhe tinha armado. 5uando se viu sozinho na residência anePa ao jardim zoológico, o mundo do veterin$rio tornouse mais simples, mais f$cil de compreender. " sua Ynica preocupaç#o consistia em tomar conta dos animais. " sua mulher e a sua filha tinhamse ido em(ora. e momento n#o havia necessidade de pensar nelas. O veterin$rio encontravase a sós com o seu destino, sem nada nem ningu!m pelo meio. %, vendo (em, as ruas de >sinching estavam nas m#os da gigantesca força do destino, naquele mês de "gosto de 102. 5uem ali desempenhava o papel principal n#o era o eP!rcito de F`antung, nem o eP!rcito sovi!tico, nem as tropas comunistas, nem as do Fuomintang, mas sim o destino. %ra ó(vio aos olhos de toda a gente. "li, a força de um indiv)duo deiPara de ter qualquer sentido. Tinha sido o destino a matar, no dia anterior, os tigres, os leopardos, os lo(os, os ursos, e a poupar os elefantes. % ningu!m podia prever quem, a partir dali, seria salvo, e quem estaria condenado a perecer. O veterin$rio saiu de casa e preparouse para dar de comer aos animais. 'ensava que n#o iria aparecer ningu!m para tra(alhar, mas U sua espera no escritório encontrou dois jovens chineses que n#o conhecia. eviam ter os seus treze ou catorze anos. %ram magros, tinham a pele morena e uns olhos muito a(ertos, inquietos como os dos animais. Zisseramnos que vi!ssemos darlhe uma m#ozinha[, ePplicou um dos rapazes. O veterin$rio assentiu com a ca(eça. 'erguntoulhes como se chamavam, mas eles n#o lhe deram resposta, nem t#opouco se alterou a ePpress#o do rosto, (ranca e inePpressiva, como se n#o tivessem ouvido. %ra evidente que tinham sido enviados pelos chineses que ali haviam tra(alhado at! ao dia anterior. "ntecipando o que estava para vir, tinham decidido cortar todos os elos com os japoneses, mas consideraram que n#o havia inconveniente algum em mandarem os rapazes. 'odia entenderse como um gesto de simpatia para com o veterin$rio. 8a(iam que, sozinho, ele n#o poderia ocupar se de todos os animais do jardim zoológico. O veterin$rio deu a cada um dos rapazes duas (olachas, antes de empreender, juntamente com eles, a tarefa de dar de comer aos animais. 'ercorriam, de jaula em jaula, o jardim zoológico com uma carroça puPada por uma mula, deiPavam a comida própria para cada um e mudavam a $gua. %ra imposs)vel limpar as jaulas. Com a ajuda da mangueira, tiraram os ePcrementos, mas n#o se podia fazer mais nada. e qualquer maneira, o jardim zoológico estava encerradoE mesmo que cheirasse mal, ningu!m se queiParia. 8em os tigres, os lo(os, os leopardos e os ursos, a tarefa tornouse muito mais f$cil. Cuidar dos grandes carn)voros dava muito tra(alho para al!m de ser perigoso. 'or
muito que lhe custasse passar diante das jaulas vazias, o veterin$rio n#o podia deiPar de sentir, ao mesmo tempo, um certo al)vio pela sua ausência. O veterin$rio e os dois jovens chineses começaram Us oito e terminaram o seu tra(alho j$ passava das dez, após o que os dois rapazes desapareceram sem dizer $gua vai. %le regressou ao escritório e informou o director de que os animais estavam alimentados. "ntes do meiodia, o jovem tenente regressou ao jardim zoológico acompanhado dos mesmos oito soldados. "rmados dos p!s U ca(eça como no dia anterior, avançavam em formaç#o, precedidos pelo ru)do met$lico produzido pelo entrechocar dos diferentes tipos de metais. Tal como antes, os seus uniformes mostravam manchas escuras de suor e as cigarras cantavam sem parar nas $rvores. aquela vez, por!m, n#o estavam ali para matar os animais. O tenente dirigiu uma (reve saudaç#o ao director e ePigiuE Z5uero ser informado da actual situaç#o das carroças e dos cavalos de tiro em condiç\es de serem utilizados no jardim zoológico.[ O director respondeu que, na pr$tica, havia apenas uma carroça e uma mula. Aez sa(er ainda que, duas semanas antes, tinham contri(u)do para o esforço de guerra com um cami#o e dois cavalos de tiro. O tenente assentiu com a ca(eça e informou que a mula e a carroça ficavam a partir daquele momento requisitados por ordem do %P!rcito de F`antung. Z%spere um momento[, interveio precipitadamente o veterin$rio Z'recisamos delas de manh# e U noite, para dar de comida aos animais Os empregados chineses desapareceram todos. 8em a mula e a carroça os animais morrer#o U fome. +esmo assim, agora mal conseguirei dar conta do recado.[ ZToda a gente mal se consegue aguentar[, respondeu o tenente Tinha os olhos avermelhados, o rosto co(erto por uma (ar(a cerrada Z" nossa primeira prioridade ! defender a cidade. 5uando virem que n#o d#o conta do recado, tiremnos a todos das jaulas. %limin$mos os carn)voros perigosos, os outros, mesmo que andem por a) U solta, n#o constituir#o nenhum pro(lema de segurança. X uma ordem do eP!rcito 5uanto ao resto, tomem as medidas que acharem necess$rias.[ Comandados pelo tenente, os soldados partiram levando atr$s de si a carroça e a mula, sem dar ao veterin$rio oportunidade de acrescentar mais nada. "o vêlos desaparecer, o veterin$rio e o director olharam um para o outro. O director n#o fez nenhum coment$rio, limitandose a (e(er um gole do seu ch$ e a fazer um gesto de assentimento com a ca(eça. 5uatro horas mais tarde, os soldados regressaram com a mula a puPar a carroça. =$ dentro havia um carregamento qualquer tapado com uma lona militar toda suja. " mula coPeava, e a pelagem estava co(erta de suor por causa do calor que se fazia sentir e do peso da carga com que alom(ava. e (aionetas em punho, os oitos soldados escoltavam quatro chineses. %ram todos jovens, andariam pelos seus vinte anos, usavam o equipamento de uma equipa de (ase(ol e caminhavam com as m#os atr$s das costas. " julgar pelas marcas azuis de pisaduras, os quatro haviam sido (rutalmente golpeados. O olho direito de um deles estava de tal maneira inchado que nem o podia a(rir, outro levava o equipamento manchado do sangue que lhe corria do l$(io partido. 9a parte da frente dos equipamentos n#o figurava inscriç#o alguma, mas viamse sinais de letras arrancadas com o nome da equipa. 9as costas cada um tinha o seu dorsal, e os seus nYmeros eram o , o 0, o / e o 1. O veterin$rio n#o conseguia encontrar nenhumhuma ePplicaç#o para aquela cenaE numa altura de crise como aquela, por que raz#o estariam aqueles chineses vestidos como uma equipa de (ase(ol e, mais, por que estariam a ser conduzidos pelos soldados japoneses depois de terem apanhado uma sova valenteV Tudo aquilo tinha contornos de uma vis#o fantasmagórica, irreal, pintada por um artista com pertur(aç\es mentais2.
2 eferência ao pintor espanhol Arancisco DoSa K/034:4L e a Os Auzilamentos de G de +aio de 44, um dos seus quadros fundamentais, pintado em 40 e inclu)do na s!rie ZOs esastres da Duerra[. 9. da T.L O tenente virouse para o director e perguntou se ele tinha picafetas e p$s que lhe pudesse emprestar. O jovem oficial parecia ainda nais p$lido e ePtenuado do que antes. O veterin$rio indicoulhes o raminho para o armaz!m que ficava nas traseiras da oficina. "), o tenente escolheu duas picaretas e duas p$s e entregouas aos seus homens. epois, fez sinal ao veterin$rio para o seguir e, deiPando os outros para tr$s, penetrou num (osque espesso que ficava afastado da estrada. O veterin$rio foi atr$s dele. " cada passo saltavam ao caminho do tenente grandes gafanhotos. I volta deles sentiase o odor das ervas de Wer#o. "o longe, no meio do ensurdecedor canto das cigarras, os (arritos agudos dos elefantes soavam como uma esp!cie de advertência. O tenente avançou rapidamente em silêncio por entre as $rvores. "o chegar a uma vasta clareira, detevese. Tratavase de um lugar onde estava previsto construir uma zona de jogos onde os mais novos pudessem (rincar com animais pequenos. I medida que a ameaça de guerra se tornava mais palp$vel, contudo, o plano tinha sido adiado indefinidamente por falta de material de construç#o. "s $rvores tinham sido cortadas de maneira a formar um largo c)rculo de terra seca que o 8ol iluminava como o foco num cen$rio de teatro. e p! no meio do c)rculo, o tenente inspeccionou tudo U sua volta, após o que se p]s a remePer na terra com a sola das (otas. urante algum tempo vamos assentar arraiais aqui no jardim zoológico anunciou ele, agachandose e agarrando num punhado de terra. O veterin$rio anuiu em silêncio. 9#o compreendia por que tinham de permanecer ali, mas achou melhor n#o fazer perguntas. " ePperiência na cidade de >sinching havialhe ensinado que aos militares era melhor n#o perguntar nada. 9as mais das vezes as perguntas só serviam para os irritar, al!m de ficarem sem uma resposta sincera. 'rimeiro a(riremos aqui uma grande vala disse o tenente, como se tentasse convencerse a si mesmo. =evantouse, tirou do (olso da camisa do uniforme um maço de ta(aco, tirou um cigarro, ofereceu outro ao veterin$rio e acendeu os dois com um fósforo. urante algum tempo deiParamse ficar ali os dois a fumar, tentando preencher o silêncio. O tenente voltou a remePer a terra com a sola das (otas. esenhou um diagrama qualquer, depois apagouo. O senhor ! de ondeV perguntou ele finalmente ao veterin$rio. 8ou da prov)ncia de Fanaga`a. e um lugar chamado Ofuna, que fica perto do mar. O tenente assentiu. % o senhor nasceu ondeV perguntou o veterin$rio. %m vez de responder, o tenente semicerrou os olhos e ficou a ver o fumo que se lhe escapava por entre os dedos. ZX inYtil 'erguntar alguma coisa a um militar[, pensou o veterin$rio. Z8#o sempre eles que fazem as perguntas, mas quando questionados nn#o respondem.[ %Piste l$ um estYdio de cinema, n#o !V interrogou o tenente O veterin$rio demorou algum tempo a perce(er onde ! que o tenente queria chegar. X verdade.
Creio que depende da maneira de morrer retorquiu o veterin$rio, depois de reflectir por momentos. O tenente levantou a ca(eça e lançou ao veterin$rio um olhar cheio de curiosidade. 'arecia esperar outra resposta. Tem toda a raz#o. epende da maneira de morrer. Aicaram os dois outra vez calados. O tenente, no limite das suas forças, parecia que a todo o momento poderia adormecer ali em p!.
(rancos do que os chineses. %ra como se os chineses estivessem demasiado cansados para esperar alguma coisa. O ca(o ofereceulhes um cigarro, mas nenhum aceitou. %le voltou a guardar o maço de ta(aco no (olso da camisa. O tenente, ao lado do veterin$rio, estava de p!, um pouco afastado dos seus homens. Weja (em disse o tenente ao veterin$rio. %sta tam(!m ! uma maneira de morrer. O veterin$rio, sem dizer nada, anuiu. Z9#o ! comigo que est$ a falar, mas com ele mesmo[, pensou o veterin$rio. 'ara aca(ar com eles, o fuzilamento ! muito mais r$pido mais cómodo, mas tenho ordens para n#o gastar muniç\es so(retudo, n#o as desperdiçar em chineses. 8#o demasiado valiosas ! para os russos que as devemos guardar. 'or outro lado, matar algu!m com uma (aioneta n#o ! t#o f$cil como parece. " propósito, outor, alguma vez lhe ensinaram a usar a (aioneta quando estava no eP!rcitoV O veterin$rio respondeu que, enquanto oficial de cavalaria, nunca havia rece(ido instruç#o de luta com (aioneta. 'ara matar um homem com (aioneta h$ que crav$la por (aiPo das costelas, aqui. O tenente apontou com um dedo para um ponto acima do seu próprio a(dómen. %nfiase a (aioneta na (arriga e depois fazse um movimento circular, t#o profundo quanto poss)vel a fim de esquartejar as tripas, e só no fim se empurra a (aioneta at! ao coraç#o. 9#o (asta enfi$la no corpo. 9#o h$ nenhum soldado que n#o tenha aprendido isto, depois de o instrutor lhe martelar a ca(eça. " luta corpo a corpo com (aionetas e assaltossurpresa nocturnos s#o a especialidade do %P!rcito 7mperial japonês , so(retudo porque saem muito mais (arato do que os carros de com(ate, os avi\es e os canh\es, isto falando (em e claro. Claro est$ que, por mais industriados que estejam, at! agora treinaram sempre com (onecos de palha, e um (oneco ! um (oneco, n#o ! um homemE n#o sangra, n#o grita, nem lhe sdem as entranhas. 9a realidade, estes soldados nunca na vida mataram uma pessoa. % eu tam(!m n#o. O tenente fez um sinal afirmativo com a ca(eça na direcç#o do ca(o. " uma ordem do ca(o, os três soldados deram meio passo atr$s, puseramse em sentido, (aiParam a ponta da (aioneta e colocaramse em posiç#o.
diferente do produzido pelos cad$veres dos outros quatro. Z8e calhar ! porque ainda n#o est#o completamente mortos[, pensou o veterin$rio. 8ó faltava o chinês nYmero 0. Os três soldados, l)vidos, agarraram em grossos punhados de erva a seus p!s e limparam com eles as (aionetas sujas de sangue, Us quais tinham ficado agarrados fluidos de cores estranhas e (ocados de carne. Aoi preciso uma grande quantidade de erva para devolver Us longas l_minas o (rilho met$lico de origem. O veterin$rio perguntava a si próprio por que teriam deiPado com vida apenas aquele homem Ko chinês nYmero 0L, mas, apesar da curiosidade, achou por (em n#o fazer mais perguntas. O tenente acendeu outro cigarro e ofereceu um ao veterin$rio. O veterin$rio aceitouo em silêncio e levouo U (oca, acendendoo ele próprio daquela vez com um fósforo. "s m#os n#o lhe tremiam, mas notavase que tinham perdido a sensi(ilidade. Tinha a impress#o de estar a acender o fósforo com elas enfiadas dentro de luvas grossas. %ram cadetes na "cademia +ilitar do %P!rcito de +anchukuo ePplicou o tenente. ecusaramse a participar na defesa de >sinching. =imparam o se(o a dois instrutores japoneses e desertaram. Aomos dar com eles durante uma patrulha nocturna, mat$mos quatro logo ali e captur$mos os outros quatro. ois deles fugiram a co(erto da escurid#o prosseguiu o tenente, apalpando a (ar(a na cara com a palma da m#o. Tentaram escapar com o equipamento da equipa de (ase(ol. 8e calhar pensaram que os uniformes militares os trairiam e que se arriscavam a ser apanhados e acusados de deserç#o. Ou talvez pensassem que seria pior, caso o eP!rcito comunista os apanhasse com o uniforme do %P!rcito do +anchukuo. %m todo o caso, fora os uniformes militares, no quartel n#o havia outra roupa a n#o ser aqueles equipamentos de (ase(ol da academia. 'or isso, arrancaram os nomes que l$ figuravam e puseramse em fuga assim vestidos. Talvez você n#o sai(a, mas a equipa de (ase(ol da "cademia +ilitar ! francamente (oa. Chegou mesmo a deslocarse a Tai`an e U Coreia a fim de disputar alguns jogos amistosos. % aquele homem referiu ele, apontando para o chinês atado ao tronco de $rvore era o capit#o da equipa, o quarto (atedor. 'ensamos que foi ele o organizador da deserç#o. +atou os dois instrutores com o taco. Os instrutores sa(iam que o am(iente do quartel estava ao ru(ro e haviam decidido n#o entregar armas at! ao Yltimo momento, mas esqueceramse dos tacos de (ase(ol. "(riramlhes a ca(eça com eles. iz quem assistiu 57 morreram am(os no mesmo instante, acto cont)nuo. Com este mesmo taco. O tenente ordenou ao ca(o que lhe trouPesse o taco e mostrou o ao veterin$rio. %ste pegou nele com am(as as m#os, ergueuo U altura dos olhos, como faz um (atedor quando toma posiç#o para interceptar uma (ola. %ra um vulgar)ssimo taco de (ase(ol, para n#o dizer de segunda categoria. +alaca(ado, $spero ao tacto. "pesar disso, pesava (astante e viase que estava muito usado. " (ase estava negra com o suor. 9#o tinha nada o aspecto de um taco usado para matar dois homens. epois de o sopesar, o veterin$rio entregouo ao tenente, que, por seu turno, o (randiu v$rias vezes no ar, com ar de especialista na mat!ria. 8a(e jogar (ase(olV perguntou o tenente ao veterin$rio. &ogava muito quando era pequeno respondeu o veterin$rio. % chegando a adulto parouV "ca(ouse o (ase(ol para mim retorquiu o veterin$rio. Z% vocêV[, esteve quase a perguntar o veterin$rio, mas depois engoliu as palavras a tempo. ece(i ordens para matar este homem usando a mesma arma com que ele cometeu o crime declarou o tenente com voz seca, dando pequenos golpes no ch#o com a ponta do taco. ZOlho por olho, dente por dente.[ "qui para nós que ningu!m nos ouve, confessolhe que se trata de uma ordem a(surda. e que servir$ andar a matar estes
rapazesV 9#o temos avi\es, nem navios de guerra, os nossos melhores soldados morreram em com(ate. " cidade de >iroPima desapareceu do mapa num a(rir e fechar de olhos depois de ter sido atingida por uma nova (om(a de uma potência inigual$vel. 9#o tarda nada somos corridos da +anchYria, ou ent#o mortos, e a China voltar$ para as m#os dos chineses. 5ue sentido faz, contri(uir para aumentar ainda mais o nYmero de mortosV +as uma ordem ! uma ordem. Como militar, devo o(edecer a todo o tipo de ordens. Ontem foram os tigres e os leopardos, hoje tenho de matar estes homens. %steja at!nto ao espect$culo, doutor. Tam(!m esta ! uma maneira de morrer. %nquanto m!dico, por certo estar$ ha(ituado a tudo isto, Us facas, ao sangue, Us v)sceras, mas quase aposto que nunca viu ningu!m morrer, assassinado com um taco de (ase(ol, pois n#oV O tenente deu ordem ao ca(o para levar o (atedor nYmero 0 para a (orda da vala. okkaido, onde nascera, como na +anchYria, onde crescera, as pessoas eram igualmente po(res. 9#o havia fam)lia que se pudesse dar ao luPo de comprar tacos e (olas de (ase(ol para dar aos seus filhos. 'assara a sua inf_ncia a correr pelos campos, caçando li(!lulas e (rincando Us guerras com uma espada feita de madeira. 9unca na sua vida jogara (ase(ol ou vira sequer um jogo. %ra a primeira vez que tinha um taco de (ase(ol na m#o. O tenente mostroulhe como empunhar o taco e ensinoulhe a forma de o (randir, ePemplificando ele próprio o movimento v$rias vezes. %st$s a verV O importante ! a rotaç#o da (acia ePplicou ele, separando (em as s)la(as. 'rimeiro, colocas o taco l$ atr$s, depois fazes girar o corpo rodando a cintura. " ePtremidade do taco seguir$ automaticamente o movimento do corpo. %ntendes o que te estou a dizerV 8e te concentrares demasiado no gesto de (randir o taco, imprimes demasiada força aos (raços e perdes o impulso natural. "gita o taco, mas em vez da força dos (raços usa antes a rotaç#o da (acia. O soldado n#o parecia ter compreendido l$ muito (em as ePplicaç\es do tenente, mas, seguindo ordens, levantou o pesado equipamento e começou a praticar os movimentos. O tenente colocou as suas m#os so(re as do soldado, para o ajudar a corrigir os principais defeitos na forma de (randir o taco. 9#o se podia dizer que fosse mau treinador. 'assado pouco tempo, o jovem soldado l$ conseguiu rasgar o ar com um silvo, ainda que num gesto algo desajeitado. O que ao jovem soldado faltava em per)cia, so(rava em força de (raços, ou n#o tivesse ele tra(alhado no campo desde miYdo. "ssim est$ (em disse o tenente, secando o suor da testa com o (on! militar. 'resta atenç#o. +atao sem vacilar, de um só golpe, com toda a força. 9#o o faças sofrer. O que ele na realidade queria dizer eraE ZTam(!m eu n#o quero matar este homem com um taco de (ase(ol, o que ! que pensasV
5uem dia(o se ter$ lem(rado de semelhante estupidezV +atar algu!m com um taco de (ase(ol...[ " verdade, por!m, era que um oficial nunca poderia fazer semelhante discurso a um su(ordinado. O soldado tomou posiç#o por tr$s do chinês, que permaneceu de joelhos no ch#o, com os olhos vendados. 5uando o soldado ergueu o taco, os fortes raios de sol projectaram a som(ra longa e volumosa do taco so(re o terreno. Z5ue estranho[, pensou o veterin$rio ZO tenente tinha raz#oE n#o estou ha(ituado a ver matar ningu!m desta maneira.[ O jovem soldado manteve o taco em riste durante muito tempo, como que suspenso no ar. O m!dico podia ver a ponta a estremecer violentamente. O tenente fez sinal ao soldado. 7nspirando profundamente, este deu um passo atr$s, ganhou (alanço e golpeou com todas as suas forças o chinês na (ase do cr_nio. Aoi uma pancada de uma perfeiç#o espantosa. " sua cintura rodou, tal como lhe havia ensinado o tenente, e com a ePtremidade grossa do taco acertou em cheio mesmo atr$s das orelhas do homem. Tinha (randido o taco at! ele completar a sua trajectória. O cr_nio re(entou com um ru)do surdo. O chinês nem sequer soltou um gemido. 'or segundos ficou imóvel, suspenso no ar, numa posiç#o estranha e, depois, como se se recordasse de repente de algo, desfaleceu. Aicou ali ca)do com a cara por terra, o sangue a escorrer da orelha. 9#o se mePia. O tenente olhou para o seu relógio. 8em largar o taco, o jovem soldado olhava o vazio, com a (oca a(erta. O tenente era uma pessoa muito cautelosa. %sperou um minuto. epois de se certificar de que o chinês n#o se mePia, disse para o veterin$rioE Z7mportavase de verificar se aquele homem est$ realmente mortoV[ O veterin$rio assentiu, aproPimouse do chinês, agachouse e tiroulhe a venda. Tinha os olhos a(ertos, fora das ór(itas, as pupilas reviradas para cima, e das orelhas escorria um sangue vermelho. "o fundo da (oca viase a l)ngua, enrolada. 'or causa do impacto, o pescoço estava torcido num _ngulo estranho. os orif)cios do nariz sa)am co$gulos de sangue escuro que manchavam de negro a terra seca.
ent#o um (uraco enorme nas têmporas. "gora sim, estava morto, e (em morto, mas nem assim largava o pulso do veterin$rio. O tenente, agachado, sem nunca largar a pistola, tratou ent#o de do(rar, um atr$s do outro, os dedos da m#o do corpo sem vida que continuava a manter prisioneiro o desgraçado do veterin$rio. O veterin$rio jazia no fundo da vala, no meio dos cad$veres mudos dos oito chineses vestidos com o equipamento da equipa de (ase(ol. "li em (aiPo, o (arulho das cigarras soava muito diferente do que U superf)cie. 5uando o veterin$rio conseguiu li(ertarse por fim da m#o do cad$ver, os soldados puParamno para cima e ajudaramno a sair de dentro da vala. e cócoras so(re a erva, respirou fundo v$rias vezes, depois ePaminou o pulso. Os dedos do chinês haviam deiPado cinco marcas vermelhas claramente impressas na pele. 9aquela quente tarde de "gosto, o veterin$rio sentiuse percorrido por um frio t#o intenso que o deiPou gelado at! U medula dos ossos. 'ensouE Z&amais poderei ePpulsar este frio de dentro de mim. "quele homem estava verdadeiramente empenhado em levarme com ele para algum lugar.[ O tenente travou a sua arma, antes de voltar a guard$la com gestos lentos no coldre. %ra a primeira vez que disparava so(re um homem. %sforçouse por n#o pensar nisso. " guerra arrastarseia durante mais algum tempo, as pessoas continuariam a morrer. O melhor seria deiPar as refleP\es para quando tudo estivesse aca(ado. 8ecou a transpiraç#o da palma da m#o direita nas calças, ordenou aos soldados que n#o haviam participado na ePecuç#o que co(rissem a vala onde jaziam os cad$veres.
% foi ent#o que lhe veio U ideia o mar. 9o mar que ele só havia visto da ponte daquele navio, durante a viagem que o levara do &ap#o para a +anchYria. Aoi a primeira e a Yltima vez que viu o mar. Oito anos tinham entretanto decorrido. "inda se lem(rava do odor da (risa marinha. O mar era, aos seus olhos, uma das coisas mais maravilhosas que alguma vez vira na sua vida. %ra grande e profundo, muito mais do que alguma vez teria podido imaginar. +udava de cor, de forma e de ePpress#o conforme a hora, o tempo, o lugar. O mar despertava uma tristeza imensa no seu coraç#o e, ao mesmo tempo 20: %nchiao de um sentimento de paz e de tranquilidade. "lgum dia tornaria a ver o marV, interrogouse. eiPou cair o taco, que em(at!u no ch#o produzindo um ru)do seco. "o soltar o taco, a sensaç#o de n$usea tornouse mais intensa do que nunca. O O p$ssaro de corda continuava a cantar, mas o seu chamamento n#o chegou aos ouvidos de mais ningu!m, era ele o Ynico a ouvilo. "qui terminava a ZCrónica do '$ssaro de Corda[ n.x 4. :/ Os elos perdidos de Canela ei um dique no Zencerrar[, voltei ao menu inicial, seleccionei ZCrónica do '$ssaro de Corda[ n.x 1 e voltei a dar um dique. 5ueria ler a continuaç#o da história. %m vez de a(rir, por!m, apareceume a seguinte mensagemE O acesso U ZCrónica do '$ssaro de Corda[ n.x 1 n#o ! poss)vel com o código de acesso :0. 8eleccione outro documento. %scolhi o n.x , mas o resultado foi o mesmo. O acesso U ZCrónica do '$ssaro de Corda[ n.x n#o ! poss)vel com o código de acesso :0. 8eleccione outro documento. " mesma história com o n.x e com todos os outros documentos que tentei em v#o a(rir, incluindo o n.x 4. 9#o fazia ideia do que era o Zcódigo de acesso :0[, mas, pelos vistos, n#o podia aceder aos documentos por alguma raz#o ou por alguma regra. 9o momento em que a(rira o n.w 4, todas as outras portas tinham ficado (loqueadas. Talvez este programa só permitisse o acesso a um documento de cada vez. Aiquei sentado diante do computador, sem sa(er que passo dar a seguir. Confrontavame com um mundo meticulosamente articulado, fruto da lógica e da inteligência de Canela. %, verdade seja dita, eu n#o conhecia as regras do jogo. esisti e desliguei o computador. 5ue a ZCrónica do '$ssaro de Corda[ era uma história narrada 'or Canela, isso de certeza. %le tinha introduzido no computador dezasseis relatos so( o t)tulo de ZCrónica do '$ssaro de Corda[ e eu, 'or mero acaso, escolhera o nYmero oito. +ultipliquei por dezasseis o tamanho do documento que aca(ara de ler. 9#o se podia dizer 5 fosse propriamente uma história (reve. Tudo imprimido, teria dado um livro (astante volumoso. O 5ue significaria o tal nYmero oitoV " palavra Zcrónica[ no t)tulo, provavelmente significava que as histórias estavam contadas por ordem cronológica. 5ue o n.x / viria antes do n.x 4, o n.x 4 antes do n.w 1 e assim por diante. %ra uma deduç#o lógica, mas n#o forçosamente certa. 9#o se podia ePcluir a hipótese de a históri seguir uma ordem inversa, recuando do presente para o passado 8em esquecer outra hipótese, porventura mais rocam(olesca, caso Canela tivesse feito dezasseis vers\es da mesma história, que seria assim contada em paralelo. e qualquer maneira, eu aterrara precisamente no n.w 4, que era a continuaç#o da história que a sua m#e, 9oz+oscada, me contara a propósito da matança dos animais do jardim zoológico de >sinching em "gosto de
102. " história passavase no dia seguinte e tinha por cen$rio o mesm)ssimo jardim zoológico. %, uma vez mais, o protagonista era o veterin$rio sem nome, pai de 9oz +oscada e av] de Canela. 9#o tinha maneira de apurar at! que ponto a história era verdadeira. 5uem ! que me garantia que n#o se tratava, do princ)pio ao fim, de uma invenç#o de CanelaV Como sa(er se todos os episódios eram (aseados em factos verdadeirosV 9oz+oscada, a sua m#e, tinhame garantido que n#o sa(ia Zrigorosamente nada[ do que acontecera com o seu pai desde a Yltima vez que o vira. =ogo, a história podia muito (em n#o ser totalmente verdadeira, ainda que certas partes fossem (aseadas em acontecimentos históricos. 9o meio do caos que reinava num per)odo como aquele, era poss)vel que os cadetes da "cademia +ilitar do +anchukuo tivessem sido ePecutados e enterrados no jardim zoológico de >sinching e que o oficial japonês que dirigiu a ePecuç#o fosse por sua vez ePecutado ao terminar a guerra. %m circunst_ncias como aquelas, a deserç#o e a insu(ordinaç#o n#o eram factos raros e podia darse o caso de os chineses assassinados envergarem o uniforme da equipa de (ase(ol. Tinha o seu quê de estranho, mas podia ter acontecido.
%nfim, quer se tratasse ou n#o de uma coincidência, a verdade ! que a ePistência do Zp$ssaro de corda[ desempenhava um papel fundamental na história de Canela. Com efeito, era o canto daquele p$ssaro, dado a ouvir apenas a umas quantas pessoas especiais, que as guiava em direcç#o U cat$strofe inevit$vel. Como o veterin$rio sempre palpitara, o livrear()trio era coisa que n#o ePistia. "s pessoas eram como (onecos mec_nicos aos quais se tinha dado corda nas costas e posto em cima de uma mesa, condenados a seguir um caminho que n#o tinham sido eles a escolher, o(rigados a avançar numa direcç#o que lhes era imposta. 5uase todos os que tinham ouvido o canto haviam conhecido a ru)na e a perdiç#o. +uitos tinham morrido, 202 como (onecos de corda avançando at! U (eira da mesa e caindo no vazio. Canela devia ter assistido U minha conversa com Fumiko. O mais prov$vel era ele estar a par de tudo o que se passava no seu computador. 8ó Tinha esperado que a comunicaç#o chegasse ao fim para ent#o me p]r diante dos olhos a ZCrónica do '$ssaro de Corda[. 9ada dist acontecera por acaso, ou fruto de um capricho da sua parte. Canel programara o aparelho com um o(jectivo muito claro e tinhame deiPado ler uma Ynica das suas histórias. "o mesmo tempo, tam(!m deiPara no ar a possi(ilidade de ePistir uma data de outros relatos eiteime em cima do sof$ e fiquei ali a olhar para o tecto na penum(ra da sala de provas. " noite era profunda e pesada, U minha volta reinava um silêncio que quase me fazia doer o peito. O tecto (ranco parecia uma espessa capa de gelo pousada so(re a divis#o. O veterin$rio sem nome Ke av] de CanelaL e eu est$vamos ligados por estranhos pontos em comum uma mancha na cara, um taco de (ase(ol, o grito do p$ssaro de corda. 8em esquecer o tenente que aparecia na história de Canela, e que me fazia lem(rar o tenente +amiSa. Tam(!m ele prestava serviço no quartelgeneral de F`antung, em >sinching, por aqueles dias. O verdadeiro tenente +amiSa, contudo, n#o era oficial de carreira, era miliciano e integrava os quadros da secç#o de topografia e, al!m disso, n#o tinha sido enforcado depois da guerra Ko destino negaralhe a morteL, regressando ao &ap#o depois de ter perdido o (raço esquerdo em com(ate. "inda assim, n#o me sa)a da ca(eça que o oficial que dirigira a ePecuç#o dos quatro soldados chineses tinha sido, na realidade, o tenente +amiSa. 'elo menos, n#o estranharia que tivesse sido ele. epois p\ese a quest#o do taco de (ase(ol. Canela sa(ia que eu costumava ter sempre o taco comigo quando estava no fundo do poço. 'or isso, ! muito poss)vel que a imagem do taco se tenha Zinfiltrado[ mais tarde na sua história, tal como aconteceu com a ePpress#o Zp$ssaro de corda[. " ser esse o caso, por!m, havia um enigma inePplic$vel relacionado com o tacoE o homem com o estojo da guitarra que me tinha agredido U entrada do pr!dio de apartamentos a(andonado. O mesmo homem que havia queimado a palma da m#o com a chama da vela, num (ar em 8apporo, e que, mais tarde, me golpeara com o taco, e fora ele próprio a p]rme o taco nas m#os. Outra coisaE por que ! que me aparecera uma mancha no rosto com a mesma forma e da mesma cor que a do av] de CanelaV 8eria isso o resultado da minha presença, melhor dizendo, da minha Zintromiss#o[ na sua históriaV O certo ! que 9oz+oscada n#o tinha necessidade nenhumhuma de inventar uma história do g!nero so(re o pai. 203 e resto, se ela me Zdesco(rira[ em 8hinjuku, isso ficava precisamente " deverse U mancha que eu apresentava em comum com o pai dela. am(os os elementos se interrelacionam, com a complePidade de um que(raca(eças tridimensional um que(raca(eças no qual a verdade nem sempre ! real e a realidade nem sempre ! verdadeira.
=evanteime do sof$ e voltei ao pequeno quarto de Canela, sentado U escrivaninha, com os cotovelos apoiados na mesa, fico ali olhar para o computador. Canela pode muito (em estar ali. "li dentro as suas palavras silenciosas respiravam e viviam transformadas em histórias. "s suas palavras pensavam, procuravam, cresciam, emitiam calor. 9o entanto, o ecr# que tinha U minha frente continuava t#o profundo e impass)vel como a =ua, dissimulando a ePistência de Canela na floresta la(ir)ntica dos enganos. 9em o rect_ngulo opaco do monitor nem Canela, escondido l$ atr$s, faziam tenç\es de me revelar mais para al!m das histórias que j$ me tinham contado. :4 9#o se pode ter confiança numa casa KO ponto de vista de +aS Fasahara 2L Como est$s, senhor '$ssaro de CordaV 9o fim da minha Yltima carta, escrevi que tinha a sensaç#o de te ter dito tudo o que tinha para te dizer assim como quem p\e um ponto final no assunto, lem(rasteV "contece que pensei melhor e afinal pareceme que ainda n#o deitei tudo c$ para fora. 'or isso, aqui me tens, ainda a p! na calada da noite, como uma (arata, sentada U mesa, a escreverte esta carta. 9#o sei porquê, mas nestes Yltimos tempos deume para pensar nos +iSa`aki. Aalo daquela po(re fam)lia que vivia na casa a(andonada e que, perseguida por credores, aca(ou por se suicidar. Tenho quase a certeza de ter lido algures que a filha mais velha n#o tinha morrido e que ningu!m sa(e onde ela p$ra... 'osso estar a tra(alhar, a comer nU cantina, no meu quarto a ler ou a ouvir mYsica, que de repente, saltame U lem(rança a imagem daquela fam)lia. "tenç#o, n#o se pode dizer que esteja o(cecada com isso o tempo todo, mas sempre que encontra uma fenda Ke a minha ca(eça est$ cheiinha delas^L, essa ideia infiltrase e deiPase ficar, como o fumo de uma fogueira entra pela janela. 9a Yltima semana, ou nos Yltimos quinze dias, est$ sempre a acontecerme Wivi ali toda a minha vida, na casa em frente da deles, e sempre a olhar para as janelas do outro lado da ruela. 5uando entrei para a escola ($sica e tive finalmente direito ao meu quarto, j$ os +iSa`a)tinham mandado construir a casa nova e estavam a morar l$. hiav sempre muito movimento, nos dias de sol viase a roupa estendida nas traseiras, as duas raparigas punhamse a chamar o c#o aos gritos um grande pastor alem#o preto K(em me tento lem(rar do nome, mas varreusemeL. 5uando escurecia, viamse pelas janelas as luzes acesas no interior e a casa ficava com um aspecto francamente acolhedor e mais tarde, noite dentro, era a vez de se irem apagando, uma a uma " filha mais velha estudava piano e a mais nova, violino Ka mais velha tinha um ano mais do que eu, a segunda era mais novaL. Aaziam grandes festas nos anos e no 9atal, convidavam muitos amigos e fartavamse de se divertir. eide morrer sem entender como ! que algu!m pode gostar de actividades t#o chatas, mas est$ visto que h$ gostos para tudo, al!m de que faz sempre falta algu!m assim numa fam)lia que se preze. 5uando chegava o 7nverno iam todos contentes n#o sei para onde com os esquis em cima do grande carro que tinham Kpessoalmente, detesto esquiar, mas isso n#o vem ao casoL. ito isto, parecia que se tratava da t)pica fam)lia feliz que se encontra por a) ao virar de cada esquina. 9#o parecia, era a t)pica fam)lia feliz que se encontra por a) ao virar de
cada esquina. 9#o havia nada a dizer, nenhum pormenor que nos desse vontade de franzir o so(rolho e dizerE Z5ue dia(o ! istoV 9#o, n#o me convencem.[ Como n#o podia deiPar de ser, nas costas deles os vizinhos diziam coisas do g!neroE Zquem n#o vivia naquela casa sinistra nem que me pagassem era eu[, mas, como aca(o de te contar, os +iSa`aki davam a imagem de uma fam)lia t#o pac)fica que uma pessoa at! ficava com vontade de emoldurar a fotografia deles e p]r na parede. Wiviam os quatro uma (ela vida e a frase com que terminam todos os contos de fada Z... e viveram felizes para sempre[ parecia ter sido escrita a pensar neles. " mim, pelo menos, e comparando com a minha fam)lia, eles pareciamme dez vezes mais felizes. % as duas filhas eram sempre muito simp$ticas para mim, quando nos cruz$vamos. +uitas vezes pensava 5uem me dera ter umas irm#s assim^[ ava a sensaç#o de ser uma daquelas fam)lias em que as pessoas est#o sempre a rir sem esquecer o c#o. 9unca teria imaginado que um dia tudo aquilo aca(aria por desaparecer enquanto o dia(o esfrega um olho. 'orque foi precisamente o que aconteceu. oje em dia dir)amos que tinham Zfugido pela calada[, acho eu. %m todo o caso, a monte ou fugidos pela calada, o certo ! que, aos meus olhos, a casa dos +iSa`aki mudou radicalmente de atmosfera depois de eles terem desaparecido. 5uase metia medo. 9unca na vida tinha posto os olhos em cima de uma casa a(andonada, e at! hoje continuo sem sa(er que aspecto pode ter uma casa a(andonada normal, mas no fundo estava U espera de encontrar uma casa com um aspecto triste, a(atido, como um c#o a(andonado ou uma concha vazia. " casa dos +iSa`aki, por!m, n#o tinha nada essa sensaç#o de Za(atimento[. +al a fam)lia desapareceu de cena, ficou com uma ePpress#o de indiferença, como se dissesseE Z9#o conheço esses tal +iSa`aki de parte nenhumhuma.[ 'elo menos, foi a impress#o com que fiquei. %ra como um c#o estYpido e ingrato. "ssim que os +iSa`aki (at!ram com a porta, transformouse numa Zcasa a(andonada autosuficiente[, que n#o tinha nada que ver com a felicidade do cl#. Aiquei pior do que estragada^ "final, a casa devia ter (oas recordaç\es enquanto os +iSa`aki l$ moravam, n#o te pareceV %les tratavam dela com todo o cuidado, al!m de que nem sequer ePistiria se n#o fosse o senhor +iSa`aki se ter lem(rado de a construir. 9#o achas que foi injustoV 'or essas e por outras ! que uma pessoa nunca pode ter confiança numa casa. epois disso, e como tu sa(es, '$ssaro de Corda, nunca mais ningu!m l$ viveu e a casa, a(andonada, aca(ou por se encher de ePcrementos de p$ssaros. 'assei anos da janela do meu quarto a olhar para a casa a(andonada. O(servavaa enquanto estava sentada U secret$ria a estudar ou a fingir que estudava. Aizesse sol ou fizesse chuva, nos dias de neve ou em dias de tuf#o. X (om de ver que a casa est$ mesmo ali em frente, ! só levantar os olhos e ela ali est$. % o estranho ! que, por mais que quisesse, n#o conseguia desviar os olhos. 'odia passar meia hora seguida e passei, muitas vezes com 201 os cotovelos fincados na mesa, numa esp!cie de estado de encantamento, sem fazer mais nada a n#o ser olhar para a casa 9#o sei como ePplicarte, mas pouco tempo antes a casa estava a trans(ordar de risos, e cheia de roupa a ondular ao vento, mais (ranca do que a de um anYncio de detergente na televis#o Kn#o diria propriament que a senhora
+iSa`aki era Zanormal[ nem nada que se pareça, mas que gostava de fazer a (arrela, mais do que o comum dos mortais l$ isso gostavaL. 'ois (em, tudo isso desapareceu de um momento para o outro, o jardim encheuse de ervas daninhas, e n#o ficou ningu!m para recordar os dias felizes no lar dos +iSa`aki. " mim tudo aquilo me parecia muit)ssimo estranho^ 5uero que fique (em claro que eu n#o era especialmente amiga dos +iSa`aki. " verdade ! que só costumava falar com eles para lhes dar os (onsdias quando nos cruz$vamos na rua. O que acontece ! que, de gastar tanto do meu tempo e da minha energia a olhar para a casa da janela do quarto, quase tinha a sensaç#o de que a felicidade quotidiana deles fazia parte de mim. Como um desconhecido que aparece no _ngulo escondido de uma fotografia de fam)lia, est$s a verV >$ alturas em que penso que uma parte de mim Zanda a monte[ juntamente com eles e (azou para qualquer lado. 9#o sei ePplicar (em, mas acredita que produz uma sensaç#o estranha, sa(er que parte de ti Zanda a monte[, para mais na companhia de pessoas que mal conhecia. % j$ que aqui estamos, tenho outra coisa estranha para te contar. " s!rioE esta ! que ! mesmo (izarra^ 9os Yltimos tempos, tenho por vezes a sensaç#o de me ter transformado em Fumiko. 8ou eu a tua mulher, senhor '$ssaro de Corda, que a(andonou o lar por alguma raz#o e vive escondida ao mesmo tempo que tra(alha numa f$(rica de perucas que fica numas montanhas para l$ do solposto. 'or mil e uma raz\es, utilizo, por agora, o falso nome de Z+aS Fasahara[, ponho uma m$scara e finjo n#o ser Fumiko. %nquanto isto, tu, senhor '$ssaro de Corda, passas o tempo sentado sem fazer nada na tua triste varanda, impaciente, U espera que eu regresse... % olha que ! uma sensaç#o muito intensa. izme l$ uma coisa, senhor '$ssaro de Corda, alguma vez te sentiste o(cecado com ideias deste g!neroV 9#o ! que me sinta orgulhosa disso, mas eu passo a vida nisto. 9os piores casos, chego a tra(alhar o dia inteiro rodeada por uma nuvem de o(sess\es. 9#o me estorva o tra(alho porque aquilo que faço n#o passa de uma s!rie de tarefas simples e mec_nicas, mas isso n#o impede que as outras raparigas se ponham a olhar para mim de uma maneira estranha. 8e calhar, falo sozinha e digo disparates. X uma coisa que detesto, mas sei que n#o Wale de nada lutar contra isso. "s o(sess\es aparecem pontualmente, como a menstruaç#o. 5uando (atem U porta, n#o podes dizerE Z'or que ! que n#o apareces antes outro dia, que hoje estou ocupadaV[ X uma chatice. 8eja como for, espero que n#o leves a mal que Us vezes finja ser Fumiko. "credita que n#o o faço por querer. Começa a darme o sono. "gora vou dormir três ou quatro horas como uma pedra. epois, levantome e matome a tra(alhar durante todo o santo dia, a fazer perucas na companhia das outras raparigas, escutando o tempo todo uma mYsica inofensiva. 9#o te preocupes comigo. 8ei desenvencilharme (em, mesmo no meio das minhas o(sess\es. 'ela minha parte, espero sinceramente que esteja a correr tudo (em contigo. OPal$ Fumiko volte para casa e possam regressar os dois U vossa vida tranquila e feliz de antigamente. "deus. :1 O nascimento de uma casa desa(itada 9a manh# seguinte deram as nove, deram as dez, e Canela sem aparecer. 9unca semelhante coisa tinha acontecido. esde que eu começara a Ztra(alhar[ na casa, todos os dias sem ePcepç#o, o port#o a(riase Us nove em ponto da manh# para deiPar entrar a cintilante estrela de três pontas na dianteira do +ercedes. "quela chegada quotidiana e, porventura, com o seu quê de teatral, marcava o in)cio da minha jornada. >a(ituarame
Uquela rotina di$ria, da mesma forma que toda a gente se acostuma a viver com a gravidade e a press#o atmosf!rica. 9a pontualidade meticulosa de Canela havia qualquer coisa de caloroso, algo que ia para al!m do puramente mec_nico, algo que me reconfortava e animava.
procurando refYgio num local seguro. "quilo produziu em mim uma inesperada tristeza. Tive a 8ensaç#o de estar a ser atraiçoado pela minha própria fam)lia. G " cauda de +alta Fano -oris, o %sfolador 9o meu sonho Kse (em que, na altura, n#o sou(esse que se tratava de um sonhoL, +alta Fano e eu est$vamos sentados, frente a frente, a tomar ch$. " sala, rectangular, estava muito limpa e era t#o grande que n#o se conseguia alcançar todos os _ngulos, ainda que pelo menos desse para ver que havia quinhentas ou mais mesas (rancas e quadradas, perfeitamente alinhadas. " nossa encontravase mesmo a meio, e est$vamos sozinhos. O tecto, t#o alto que fazia lem(rar o de um templo (udista, era atravessado por inYmeras vigas grossas das quais pendiam, como plantas em vasos, aquilo que pareciam ser perucas. Olhando melhor para eles, vi que se tratava de autênticos escalpes humanos. 'erce(i isso por causa do sangue negro coagulado no seu interior. "quelas ca(eleiras humanas deviam estar a secar, assim penduradas das vigas. Aiquei com medo que o sangue, ainda fresco, pudesse cair dentro das nossas ch$venas de ch$. 9a realidade, U nossa volta ouviase o sangue a cair, aqui e ali, como gotas de chuva, e naquela imensa sala vazia, aquilo produzia um ru)do demasiado forte. "penas os couros ca(eludos por cima das nossas ca(eças pareciam secos e j$ n#o pingavam. O ch$ estava a ferver. "o lado das colheres de ch$, em cada um dos pires, havia três torr\es de açYcar de um verde sinistro. +alta Fano p]s na ch$vena dois dos três torr\es e mePeuos lentamente com a colher, mas n#o havia maneira de derreterem. " certa altura aparecia um c#o e vinha sentarse ao p! da mesa. "o olhar para o focinho, reconheci a cara de
voz^ %m todo o caso, tenho de lhe pedir desculpa por ter estado sem dizer nada durante tanto tempo. 'oupolhe os pormenores, uma vez que se me pusesse para aqui a contar o que aconteceu, tudo muito ePplicadinho, seria demasiado longo. "tendendo a que estamos a falar ao telefone, tentarei ser (reve. 'ara resumir, digamos que estive ausente em viagem durante muito tempo e que aca(ei de regressar h$ coisa de uma semana. 8enhor Okada, est$ a ouvirmeV[ Z8im, estou a ouvir[, replicava eu, dandome conta de repente de que tinha o auscultador na m#o, encostado U orelha, o mesmo acontecendo com +alta Fano, do outro lado da mesa. O som da sua voz chegava at! mim de muito longe, como numa chamada internacional cheia de interferências. Z%stive ausente do &ap#o, como sa(e, na ilha de +alta, no +editerr_neo. $ muito tempo que ando com uma coisa para lhe dizer, senhora Fano. O gato voltou.[ +alta Fano ficou calada durante quatro ou cinco segundos. ZO gato voltouV[ Z8im. Wendo (em, foi por causa de o gato andar desaparecido que nos conhecemos, por isso pareceume que tinha de lhe dar a not)cia.[ Z5uando ! que voltouV[ Z9o princ)pio desta 'rimavera. esde ent#o tem estado sempre comigo.[ Z% n#o apresenta nenhumhuma mudança, ePteriormenteV 9otalhe alguma diferençaV[ "lguma diferençaV Z"gora que pergunta, deume a impress#o que a forma da cauda era ligeiramente diferente[, dizia eu. Z5uando me pus a fazerlhe festas, mal ele voltou, pareceume, por instantes, que antes tinha a cauda mais do(rada, mas posso estar enganado. "final de contas, andou por fora quase um ano.[ ZTem a certeza de que se trata do mesmo gatoV[ Z" certezinha a(soluta. >$ muito tempo que est$ c$ em casa, teria dado por isso.[ Z%stou a ver[, dizia +alta Fano. Z'ara lhe dizer a verdade, senhor Okada, tenho muita pena mas a verdadeira cauda do animal est$ na minha posse.[ ito isto, +alta Fano pousava o auscultador em cima da mesa, despia o imperme$vel e ficava nua. Tal como eu suspeitava, n#o trazia nada por (aiPo. O tamanho dos seios e o formato da regi#o pY(ica assemelhavamse em muito aos da irm#, Creta Fano. Continuava sem tirar o chap!u vermelho de pl$stico. Wiravase e ficava de costas para mim. "li U vista, mesmo por cima das n$degas, ePi(ia um ra(o de gato. %ra maior do que o do gato, proporcional U estatura de +alta Fano, mas tinha sem dYvida a mesma forma da cauda de Cavala. Wiase a mesma ponta do(rada, de certo modo muito mais real e veros)mi do que a cauda do meu próprio gato.
Zepare (em[, dizia +alta Fano. Z%sta ! a verdadeira cauda do gato desaparecido. "quela que o gato agora tem ! uma imitaç#o 'arece igualzinha, mas, se olhar com atenç#o, ver$ que ! uma cauda diferente.[ %stendi a m#o para lhe tocar na cauda, mas ela mePia o ra(o escapavase. 8empre despida, saltava por cima de uma das mesas 8o(re a palma da minha m#o a(erta ca)am, do tecto, gotas de sangue e um vermelho t#o vivo como o do chap!u de +alta Fano. Z8enhor Okada, o nome do (e(! que Creta Fano deu U luz ! Córsega[, lançava +alta Fano de cima da mesa, agitando violentamente a cauda. ZCórsegaV[ ZH$ j$ muito tempo que n#o tinha um sonho assim t#o longo, t#o vivido, t#o (em estruturado. &$ para n#o dizer estranho. O meu coraç#o continuou a (at!r desalmadamente durante um grande (ocado, mesmo depois de acordar. Tomei um duche muito quente, fui (uscar um pijama limpo, mudei de roupa. &$ passava da uma da manh#, mas n#o tinha sono. esencantei uma velha garrafa de (randS, guardada h$ que tempos no fundo do arm$rio da cozinha, e servime de um copo para ver se acalmava o esp)rito. %m seguida, dirigime ao quarto, U procura de Cavala. O gato estava profundamente adormecido, todo enroscado de(aiPo da manta. estapeio, agarrei na cauda e pusme a ePamin$la com curiosidade. 'assei os dedos por ela, tentando lem(rarme do _ngulo ePacto formado pela ponta do(rada, quando o gato acordou com um ar de poucos amigos, para logo voltar a adormecer. 9#o sa(eria dizer ao certo se aquela era a mesma cauda dos tempos em que o gato respondia pelo nome de 9o(oru RataSa. %ra como se, de certa forma, o apêndice de +alta Fano fosse, aos meus olhos, (em mais parecido com o verdadeiro ra(o de 9o(oru RataSa. =em(ravame vivamente da cor e da forma que aparecera no sonho. O nome do (e(! que Creta Fano deu U luz ! Córsega, disserame +alta Fano em sonhos. 9o dia seguinte n#o me afastei muito de casa. e manh# fui ao pgrmercado que ficava junto da estaç#o, comprei comida para v$rios dias e trat!i do meu almoço. "o gato dei a comer umas sardinhas enormes. I tarde, depois de uma longa ausência, fui nadar U piscina municipal. Talvez por se aproPimar a !poca de cele(raç\es de Aim de 7nverno, a piscina n#o estava muito cheia. "s colunas instaladas no tecto difundiam mYsicas de 9atal. 9adei calmamente at! que, depois de ter feito para a) uns mil metros, senti uma c#i(ra no peito do p! e deiPei de nadar. 9uma parede da piscina havia um grande enfeite de 9atal. "o chegar a casa tinha uma carta U minha espera na caiPa do correio por sinal um so(rescrito volumoso. 9em precisei de olhar duas vezes para sa(er o nome do remetente. 9#o havia mais ningu!m, tirando o tenente +amiSa, que desenhasse a pincel aqueles magn)ficos caracteres. 9o seu estilo elegante e educado, começava a carta apresentando as suas desculpas pelo facto de ter estado tanto tempo sem escrever desde a Yltima vez. 8ó de ler as suas palavras, quase me senti na o(rigaç#o de ser eu a pedir desculpa.
Tenho estado para lhe escrever h$ meses, a fim de completar o relato da minha história, mas diversas circunst_ncias impediramme de reunir as forças necess$rias para me sentar no meu escritório e pegar no pincel. "gora, quase sem dar por isso, verifico que o tempo passou e que temos o fim de ano a porta. " verdade ! que estou velho, posso morrer a qualquer momento. a) que me encontre numa situaç#o que n#o me permite adiar por mais tempo esta tarefa. X poss)vel que esta carta seja mais longa do que o previsto espero, no entanto, que n#o t#o longa que o afaste da sua leitura. 5uando o visitei no Wer#o passado, para lhe entregar em m#o a recordaç#o do senhor >onda, passei muito tempo a narrarlhe a nossa miss#o em terras da +ongólia, mas, na realidade, a história n#o aca(a a). Com efeito, pode dizerse que tem como se diz, uma Zsequela[, sendo v$rias as raz\es que me levaram a omitila ent#o na sua totalidade. ailar dia G de "gosto de 102, fiquei ca)do por terra e perdi o meu (raço esquerdo, esmagado de(aiPo da lagarta de um carro de com(ate TG0 do eP!rcito sovi!tico. "inda inconsciente, transferiramme para o hospital militar sovi!tico de Chita, onde fui operado e assim logrei escapar, por uma unha negra, U morte. Como j$ anteriormente referi pertencia aos quadros do departamento topogr$fico do quartelgeneral de >sinching e t)nhamos ordens de retirar assim que a ailar, perto da fronteira, e, no decorrer de um ataque suicida, lanceime contra uma unidade de carros de com(ate do eP!rcito sovi!tico com uma granada na m#o. Tal como acontecia na profecia feita pelo senhor >onda, a morte n#o quis nada comigo. =evoume a m#o, mas deiPoume inteiro. 8e a memória me n#o falha, todos os homens que eu comandava perderam a) a vida. 8e (em que me limitasse a cumprir ordens dos meus superiores, h$ que convir que tudo aquilo n#o passou, de facto, de um estYpido acto de suic)dio, condenado ao malogro. Com efeito, que podiam as pequenas granadas de m#o por nós utilizadas contra os poderosos TG0V " raz#o pela qual fui alvo, no hospital, de um tratamento preferencial, prendese com o facto de, ainda inconsciente, ter proferido frases em russo no meu del)rio. 'elo menos assim mo fizeram sa(er mais tarde. Como tam(!m j$ lhe dei a conhecer, possu)a conhecimentos rudimentares da l)ngua russa, al!m de que, mais tarde, enquanto prestava serviço no quartelgeneral de >sinching, aproveitara os meus tempos livres para aperfeiçoar o idioma. %m >sinching viviam muitos russos (rancos, incluindo empregadas de (ares e restaurantes, de modo que oportunidades para praticar a l)ngua n#o me faltaram. 8egundo parece, enquanto permanecera sem sentidos, terme#o ocorrido espontaneamente aos l$(ios palavras em russo. esde o princ)pio, o %P!rcito sovi!tico tinha a intenç#o de enviar para os campos de tra(alhos forçados na 8i(!ria todos os prisioneiros de guerra japoneses capturados na +anchYria ocupada. Tal como, de resto, tinham feito com os soldados alem#es no final
das hostilidades na %uropa. Os sovi!ticos estavam do lado dos vencedores, ! certo, mas a sua economia andava pelas ruas da amargura e a escassez de m#odeo(ra masculina era uma das suas prioridades em todo o pa)s. 'or esta raz#o, precisavam de recorrer ao maior nYmero poss)vel de int!rpretes, ainda que estes fossem em nYmero reduzido. 'or isso, ao verem que eu falava russo, enviaramme para o hospital de Chita em vez de me deiParem morrer. 8e n#o tivesse delirado em russo, orovavelmente termeiam deiPado para ali. O mais certo era ter sido enterrado nas margens do rio >ailar, sem direito a l$pide. O destino ! realmente uma coisa estranha. %m seguida, fui investigado e sujeito a um apertado interrogatório, após o que frequentei durante meses um campo de doutrinamento ideológico, antes ainda de ser enviado para as minas de carv#o da 8i(!ria. Omitirei aqui todos os pormenores relativos a essas circunst_ncias. %nquanto estudante, tinha lido Us escondidas algumas o(ras de +arP, ent#o proi(idas no &ap#o, e pode dizerse que, se (em que estivesse (asicamente de acordo com as grandes linhas da ideologia comunista, vira demasiadas coisas para j$ ent#o me deiPar convencer glo(almente pelos princ)pios ali consignados. %m resultado da minha ligaç#o aos serviços secretos, estava por dentro da sangrenta repress#o a que %staline e os ditadores que estavam a seu soldo tinham su(metido a +ongólia. esde o in)cio da revoluç#o, dezenas de milhares de monges lama)stas, de propriet$rios de terras e de elementos das forças opositoras tinham sido enviados para campos de tra(alhos forçados na 8i(!ria e a) condenados ao internamento e cruelmente eliminados. %Pactamente o mesmo que fizeram na ailar assassinados a fim de garantir o secretismo daqueles planos. "l!m disso, eu j$ antes fora testemunha daquela cena dantesca perpetrada pelo oficial russo e pelos soldados mongóis, ao esfolarem um homem vivo. Como se n#o (astasse, tinha sido atirado para um poço sem fundo na +anchYria, onde perdera por completo a vontade de viver. Como podia algu!m que havia ePperimentado tudo aquilo acreditar ainda numa ideologia e na pol)ticaV 9a qualidade de int!rprete, assegurava a ligaç#o entre os prisioneiros de guerra japoneses que tra(alhavam nas minas de carv#o e os representantes da
numa mina a(andonada. " maior parte do ano o solo estava gelado e era imposs)vel a(rir uma vala com as p$s, da) que as minas a(andonadas funcionassem como lugares perfeitos para servirem de sepultura. %ram profundas, escuras, o frio impedia que o odor de putrefacç#o se espalhasse. Wolta e meia, espalh$vamos um pouco de cal l$ para dentro, %, quando o poço começava a ficar cheio, co(r)amolo de terra e de pedras e pass$vamos ao seguinte. Os mortos n#o eram os Ynicos a serem atirados para dentro dos poços. 'or vezes, tam(!m os vivos l$ iam parar, a t)tulo de algum castigo ePemplar. 5ualquer soldado japonês que mostrasse sinais de resistir e uma atitude re(elde era separado dos demais e selvaticamente espancado pelos guardas sovi!ticos, que lhes partiam os ossos dos (raços e das pernas e, finalmente, os atiravam para o escuro a(ismo. "inda hoje oiço os seus gritos de dor. "quilo era realmente o 7nferno em vida. " mina, considerada como uma importante instalaç#o estrat!gica, era dirigida por destacados funcion$rios do Comit! Central do 'artido e estava rigorosamente vigiada pelo %P!rcito. iziase que o homem do 'olit(uro, nYmero um na mina, era origin$rio da mesma terra de %staline, um homem ainda novo, cheio de am(iç#o e, tam(!m, duro e cruel. " sua Ynica preocupaç#o consistia em aumentar os nYmeros de produç#o, sem denotar a m)nima consideraç#o pelo custo humano que isso pudesse significar. 8e a produtividade aumentava, a mina seria reconhecida pelo Comit! Central do 'artido como um local ePemplar e, como tal, recompensada com m#odeo(ra acrescida. O nYmero de mortos entre os tra(alhadores podia aumentar, que eles aca(ariam por ser sempre su(stitu)dos. " fim de melhorar os resultados o(tidos, procediase U perfuraç#o, uma atr$s de outra, de novas e perigosas galerias, que normalmente nunca teriam sido ePploradas. Consequentemente, o nYmero de acidentes ia aumentando cada vez mais, mas aos olhos do director da mina isso era uma coisa irrelevante. % n#o eram apenas os dirigentes os Ynicos sem coraç#o, que se comportavam daquele modo. Os guardas que prestavam serviço nas minas eram, na sua maioria, eP presidi$rios, sem educaç#o, surpreendentemente cru!is e vingativos. 9#o só n#o mostravam ind)cios e compaiP#o como pareciam nem sequer ter sentimentos. 5uase ser)amos levados a pensar que o frio da 8i(!ria, com o passar do tempo, os havia transformado, naquele fim do mundo, em seres desumanos. >aviam sido enviados para ali por crimes cometidos, depois de terem cumprido longas penas numa pris#o qualquer da 8i(!ria. 8em uma fam)lia nem um lugar para onde voltar, aca(aram por esta(elecerse em solo si(eriano, casando com mulheres da regi#o e com elas tendo filhos. Os prisioneiros de guerra japoneses n#o eram os Ynicos enviados para as minas de carv#o. Tam(!m havia numerosos russos, tanto criminosos como prisioneiros pol)ticos como, ainda, antigos militares v)timas das purgas desencadeadas por %staline. %ntre eles podiam contarse alguns homens que haviam rece(ido uma educaç#o superior, pessoas (astante requintadas. Tam(!m ePistiam, ainda que em menor nYmero, mulheres e crianças, por certo familiares de presos pol)ticos. "s mulheres e as crianças realizavam tra(alhos de cozinha, limpezas, lavagem da roupa e coisas desse g!nero. "s mulheres jovens eram em muitos casos o(rigadas a prostituirse. % n#o estamos apenas a falar de russos, mas tam(!m de polacos, hYngaros e outros estrangeiros de pele escura Kporventura arm!nios ou curdosL.
sem esquecer os vulgares cidad#os russos. 'róPimo da estaç#o havia um vasto recinto ocupado pelo destacamento militar. Os prisioneiros de guerra e os presidi$rios estavam proi(idos de circular por aquela zona. Os diferentes recintos estavam separados por grandes vedaç\es de arame farpado, constantemente patrulhadas por soldados armados de metralhadoras. %nquanto int!rprete encarregado das transmiss\es, eu tinha li(erdade para me deslocar de uma zona para a outra mediante um salvoconduto. 9as imediaç\es do quartel general ficava a estaç#o de caminhodeferro e, de frente para a estaç#o, viamse algumas casas alinhadas que formavam como que uma pequena povoaç#o ha(itada. >avia meia dYzia de lojas miser$veis que vendiam artigos de primeira necessidade, uma ta(erna, alojamentos para os funcion$rios do Comit! Central e os oficiais de alta pat!nte.
9#o demorou mais do que um minuto a recomporse e a começar a ler o que estava escrito no meu salvoconduto ao sargento analfa(eto que trazia uma metralhadora a tiracolo. =eu o meu nome, referiu 23: O meu tra(alho como int!rprete, que tinha licença para circular Oor aquela zona e assim por diante. O sargento restituiume o salvoconduto e fezme sinal com o queiPo, indicando que me podia ir em(ora dali. ei alguns passos e volteime. O homem estava, tam(!m ele, a olhar para mim. irseia que arvorava um ligeiro sorriso, mas talvez fosse imaginaç#o minha. Tinha as pernas a tremer e, durante um certo tempo, mal consegui dar dois passos seguidos. Todo o terror que ePperimentara na pele nove anos antes havia ressuscitado de um momento para o outro. 7maginei que o homem tivesse sido destitu)do do seu cargo por alguma raz#o, feito prisioneiro e enviado para a 8i(!ria. 9#o era raro isso acontecer naquela !poca, na
itler e, sem provas incriminatórias, ePecutados ou enviados para campos de concentraç#o. Tam(!m a), -oris, ent#o (raçodireito de -eria, se distinguiu graças U sua t!cnica particular de interrogatório. %staline e -eria precisavam de inventar uma conspiraç#o interna a fim de enco(rir a sua própria responsa(ilidade por n#o terem sido capazes de prever a invas#o nazi e, deste modo, consolidarem as suas posiç\es enquanto l)deres. +uitos foram os que sucum(iram sem motivo só na fase em que decorreram as (rutais sess\es de tortura. 9#o era uma coisa de que se falasse a(ertamente, mas corria, U (oca pequena, que -oris e o seu homemdem#o mongol teriam pelo menos esfolado, naquela altura, cinco pessoas. Corria igualmente o rumor segundo o qual ele fazia gala em decorar as paredes do seu ga(inete com aquelas peles. -oris era cruel, mas nem por isso deiPava de ser ePtremamente cauteloso, o que lhe permitiu escapar a todas as purgas. -eria gostava dele como um filho, o que talvez tenha levado -oris a pensar que era invulner$vel e a passar das marcas. Aoi ent#o que cometeu um erro fatal. Capturou o comandante de um regimento de (lindados suspeito de ter conspirado, durante os com(ates na
depois de lhe terem sido introduzidos um ferro em (rasa em tudo o que era orif)cio orelhas, nariz, _nus, p!nis. "contece, por!m, que aquele oficial era so(rinho de um alto dirigente do 'artido Comunista. +ais tarde, uma minuciosa investigaç#o realizada pelo %stado+aior do %P!rcito Wermelho apurou a sua completa inocência face Us acusaç\es de que tinha sido alvo. O quadro do 'artido, como seria de esperar, foi possu)do por uma 232 violenta cólera. 5uanto ao %P!rcito Wermelho, cuja honra fora posta em causa, n#o se ficou pelos ajustes e reagiu em conformidade. 9em sequer -eria logrou salvar o seu protegido. -oris foi de imediato destitu)do, julgado e condenado U pena de morte, o mesmo acontecendo com o seu ajudante mongol. Cracas U intervenç#o do 9FD-, a pena foi reduzida, e -oris deportado para um campo de concentraç#o na 8i(!ria e a) condenado a tra(alhos forçados Ko mongol foi enforcadoL. iziase que -eria tinha feito chegar uma mensagem secreta a -oris, prometendolhe usar toda a sua influência no seio do eP!rcito e do partido para o li(ertar do campo e lhe restituir o seu cargo, assim ele aguentasse durante um ano. 'elo menos foi isso que 9ikolai me contou. ZAaçome entender, +amiSaV[, disseme ent#o 9ikolai (aiPando a voz. Z"qui, toda a gente acredita que -oris voltar$ a ocupar o seu antigo cargo. "ssim que puder, -eria tratar$ de o salvar. X certo que este campo de concentraç#o ! administrado, por agora, pelo Comit! Central e pelo %P!rcito Wermelho, o que significa que at! -eria se vê o(rigado a andar com passinhos de l#. O que n#o significa que nós, pela parte que nos toca, possamos (aiPar a guarda. " direcç#o do vento muda enquanto o dia(o esfrega um olho. %, quando isso acontecer, todo aquele que o tiver feito passar um mau (ocado (em pode esperar uma vingança terr)vel. O mundo pode estar povoado de idiotas, mas ningu!m ! estYpido ao ponto de assinar a sua própria sentença de morte. a) que, por estas (andas, ele seja tratado quase como um hóspede, com todos os cuidados e mais algum. Como ! ó(vio, n#o vamos ao ponto de o instalarmos num hotel, rodeado de criados, mas, a fim de salvar as aparências, o(rig$molo a usar correntes nos p!s e pusemolo a partir pedra. 9a realidade, tem direito ao seu próprio quarto e rece(e $lcool, ta(aco, enfim, tudo o que pede. 9a minha maneira de ver, n#o passa de uma serpente venenosa. eiP$lo viver n#o ! (om nem para o pa)s nem para ningu!m. O ideal seria aparecer algu!m com coragem para lhe cortar o pescoço e aca(ar de vez com ele, uma noite destas.[ 'assado uns dias, estava eu a passar diante da estaç#o quando o tal sargento encorpado e analfa(eto da outra vez me chamou. 'reparavame eu para lhe mostrar o meu salvo conduto quando ele fez um sinal negativo com a ca(eça e me mandou ir ter com o chefe da estaç#o. 7ntrigado, assim fiz, e depareime, n#o com o chefe da estaç#o, mas sim com -oris Cromov, vestido com o uniforme de presidi$rio, mas li(erto das correntes nos p!s. %stava sentado U secret$ria, a (e(er o seu ch$. Aiquei parado a entrada da porta, petrificado. %le fezme um sinal com a m#o, mandandome entrar. ZComo passa, tenente +amiSaV >$ muito tempo que n#o nos v)amos...[, disseme ele, ePi(indo um sorriso de orelha a orelha. Ofereceume um cigarro, que eu recusei. Z9ove anos, para ser preciso[, continuou ele ZOu s#o oitoV Aolgo em ver que est$ vivo e de saYde. %m todo o caso, ! sempre uma alegria reencontrar um velho amigo^ 8o(retudo depois de uma guerra t#o cruel como esta, n#o ! verdadeV " propósito, como ! que fizeste para sair de dentro daquele maldito poço, n#o me dir$sV[ =imiteime a ficar ali especado, sem a(rir a (oca. Z+uito (em, que importa isso agoraV O importante ! que conseguiste escapar. % depois deves ter perdido o (raço, algures. % aprendeste a falar russo fluentemente. %Pcelente,
ePcelente. 'erder um (raço n#o ! nada do outro mundo. O importante ! conservar a vida.[ espondi que, se estava vivo, n#o era por vontade minha. "o ouvir aquilo, -oris desatou Us gargalhadas. Z+as que personagem t#o interessante que o senhor me saiu, tenente +amiSa. 9#o ! todos os dias que se conhece algu!m que n#o quer estar vivo, mas, ao mesmo tempo, conseguiu so(reviver. 8im, senhor, deveras interessante^ " mim n#o me enganas tu com essa facilidade toda. 9enhumhuma pessoa normal estaria em condiç\es de sair vivo daquele poço e depois regressar U +anchYria, para mais tendo de atravessar o rio. %nfim, n#o te preocupes, n#o ! minha intenç#o contar nada a ningu!m. 5uanto a mim, infelizmente, e como podes ver, fui demitido das minhas funç\es, e agora n#o passo de um prisioneiro qualquer, aqui desterrado neste campo. "credita, por!m, que n#o ! minha intenç#o passar o resto dos meus dias a partir pedra, nesta terra perdida nos confins do mundo. "gora, (em sei, encontrome aqui, nesta situaç#o, mas detenho ainda uma certa influência no Comit! Central e todos os dias faço por consolidar o meu poder, tam(!m aqui, utilizando precisamente essa influência. 7sto para te dizer, com toda a sinceridade, que gostaria de ter uma (oa relaç#o convosco, prisioneiros japoneses. igam o que disserem, os resultados desta mina, em mat!ria de produtividade, dependem em grande parte da vossa força de tra(alho. "credito piamente que nada do que aqui aconteça pode fazerse sem ter em conta a vossa prestaç#o, o vosso poder. 'or isso, para começar, gostaria que me desses uma ajuda. 'ertencias U secç#o de espionagem do %P!rcito de F`antung, e por sinal um elemento muito corajoso. Aalas russo na ponta da l)ngua. Creio que poderei oferecer algumas facilidades, a ti e aos teus compatriotas, se aceitares servir de intermedi$rio. 'enso que se trata de uma (oa oferta, esta que agora que te estou a p]r so(re a mesa.[ Z9unca fui espi#o, e n#o tenho intenç#o de passar a sêlo[, afirmei eu. Z9#o te estou a pedir que passes a ser espi#o[, retorquiu g 6 num tom conciliador. Z9#o me interpretes mal. 8ó estou a dizer que posso melhorar as condiç\es de vida dos prisioneiros japoneses. 'roponhote que tentemos esta(elecer um melhor entendimento, da) que te peça que sirvas de mediador. &untos, podemos fazer saltar o inYtil desse georgiano de merda do trono que ocupa no 'olit(uro. que consigo fazêlo, n#o duvides. e certeza que vocês, os japoneses lhe têm um ódio de morte. % uma vez com ele fora do caminho, seria poss)vel concedervos uma autonomia parcial, montavam o vosso próprio comit!, organizavamse autonomamente. esse modo, deiPariam de rece(er maustratos por parte dos guardas. Tenho ou n#o raz#o em pensar que isso corresponderia Us vossas ePpectativasV[ 9isso -oris tinha raz#o. >$ muito que v)nhamos reclamando aquilo junto das autoridades do campo, mas as nossas pretens\es haviam sido sempre negadas. Z% que nos pedes em trocaV[, perguntei. Z9ada de especial[, replicou ele, com um amplo sorriso e a(rindo os (raços. ZTudo o que procuro ! uma cola(oraç#o estreita e cordial com os prisioneiros japoneses. 9ecessito da vossa ajuda para me ver livre de uns quantos camaradas, meia dYzia de tovaritch com quem tenho um entendimento dif)cil.
oute alguns dias para reflectires so(re a minha proposta. Creio que vale a pena fazer a ePperiência, al!m de que, pela vossa parte, nada têm a perder. 9#o ! assimV %scuta (em o que te digo, tenente +amiSa, a Ynica coisa que te peço ! que mantenhas em a(soluto sigilo o que aca(o de te dizer, e que só o transmitas a algu!m da m$Pima confiança. 'ara te dizer a verdade, ePistem entre os teus camaradas alguns delatores que cola(oram com o Comit! Central. Aaz de maneira a que eles n#o sai(am de nada. Caso isto chegasse aos ouvidos deles, ficar)amos metidos numa grande alhada, e a minha influência aqui n#o seria suficiente para nos livrar dela.[ egressei ao meu sector e, em segredo, comentei a proposta com um antigo tenente coronel, homem inteligente e corajoso. Comandava as tropas que ficaram sitiadas numa fortaleza, nos montes Ffringan, e nunca, nem sequer depois de terminada a guerra, içou a (andeira (ranca, era um l)der assumido e incontestado entre os prisioneiros japoneses e at! mesmo os russos sa(iam que podiam contar com ele. Omitindo o episódio que se desenrolara nas margens do rio Fhalkha, ePpliqueilhe que -oris tinha sido oficial de alta pat!nte na pol)cia secreta e passei a transmitirlhe a proposta dele. O tenente.coronel pareceu interessado na possi(ilidade de ePpulsar o representante do 'olit(uro e, ao mesmo tempo, de conseguir a autonomia dos prisioneiros japoneses. 7nsisti, contudo, no facto de -oris ser um homem cruel, perigoso, maquiav!lico e mestre na arte de enganar, em quem n#o se podia confiar sem tomar precauç\es. Z'ode ser que sim[, comentou o tenentecoronel, Zmas, tal como ele diz, n#o temos nada a perder, pois n#oV[ % o certo ! que ele tinha raz#o. Tam(!m aos meus olhos era dif)cil imaginar que a situaç#o pudesse piorar mais. Contudo, enganavame redondamente. e facto, n#o h$ limites para o horror. "lguns dias mais tarde, organizei um encontro secreto entre o tenentecoronel e -oris, e servi de int!rprete entre am(os. "o fim de trinta minutos de negociaç\es, chegaram a acordo so(re o compromisso secreto e apertaram a m#o. esconheço o que aconteceu depois disso entre am(os, mas estou em crer que evitaram os contactos directos, por forma a n#o atrair as atenç\es, passando a trocar mensagens codificadas. 'ela minha parte, n#o tive outra oportunidade de fazer as vezes de intermedi$rio, o que, digase de passagem, só tinha de agradecer. 8e poss)vel, esperava nunca mais voltar a ter contacto com -oris. 8ó depois vim a compreender que n#o podia estar mais enganado. Tal como -oris prometera, um mês mais tarde o representante do 'olit(uro foi afastado das suas funç\es por ordem do Comit! Central do 'artido, sendo su(stitu)do por um outro funcion$rio de +oscovo. ois dias depois, pela calada da noite, três prisioneiros japoneses foram estrangulados. " fim de simular o seu suic)dio, foram pendurados com cordas de umas vigas do tecto, mas era evidente que tinham sido linchados pelos outros prisioneiros japoneses. evia tratarse dos delatores que -oris tinha mencionado. O incidente ocorreu sem interrogatórios nem investigaç#o alguma. 9aquele momento, -oris tinha nas suas m#os o verdadeiro poder so(re o campo de concentraç#o. 231 G O taco desaparecido =a Cazza =adra volta U cena Westi uma camisola de malha e um casaco, um (arrete de l# que ficava enfiado quase at! aos olhos, saltei o muro das traseiras e enfiei pela ruela sem fazer (arulho. O 8ol n#o tardaria a nascer e ainda havia gente a dormir. 'ercorri em passinhos de l# o caminho que me levava U mans#o. =$ dentro continuava tudo como eu havia deiPado, seis dias antes, incluindo os pratos sujos no lavaloiça. 9#o havia nenhum (ilhete, nem uma mensagem que fosse no gravador de chamadas. 9o escritório de Canela o computador estava apagado. O
aparelho de ar condicionado mantinha todas as divis\es U mesma temperatura. espi o casaco, as luvas, aqueci $gua para fazer ch$ U inglesa. Comi umas (olachas com queijo a fazer as vezes de pequenoalmoço, depois lavei a loiça e guardei tudo nos arm$rios. Chegaram as nove horas e Canela continuava uma vez mais sem aparecer. Aui at! ao jardim, levantei a tampa do poço e espreitei. =$ dentro reinavam as mesmas trevas profundas de sempre. Conhecia agora muito (em o poço, como se fosse uma ePtens#o do meu próprio corpoE a sua escurid#o, o seu cheiro, o seu silêncio haviamse convertido numa parte de mim. 9um certo sentido, conhecia melhor o poço do que Fumiko. %ra evidente que (astava fechar os olhos para me recordar dela, de cada pormenor do seu rosto, do seu corpo, para trazer U memória os seus gestos, a sua maneira de andar. Tinha vivido seis anos com ela na mesma casa. "o mesmo tempo, por!m, tinha a sensaç#o de que havia coisas que diziam respeito a Fumiko que era incapaz de recordar com nitidez. Ou, se calhar, n#o estava assim t#o certo das minhas recordaç\es. a mesma forma que n#o tinha sido capaz de me lem(rar da curva que a ponta da cauda fazia quando o gato voltou para casa. 8enteime na (eirinha do poço, enfiei as m#os nos (olsos do casaco e olhei em redor. Tudo indicava que iria começar a cair uma chuva gelada a qualquer altura, talvez at! nevasse. 9#o havia vento, mas estava um ar glacial.
Uquele quarto sem levar protecç#o, pois n#oV[, pensei para comigo mesmo. epois de me convencer a mim mesmo, puPei a corda e fechei a tampa do poço. " seguir entrelacei os dedos das m#os em torno dos joelhos e fechei lentamente os olhos no meio da escurid#o profunda 2/ Como da Yltima vez, senti dificuldade em adormecer. "ssaltavam me o esp)rito pensamentos de toda a esp!cie, impedindome de adormecer. 'ara ver se me livrava deles, esforceime por me concentrar na piscina municipal co(erta, de vinte e cinco metros de comprimento, onde costumava ir nadar. 7magino que estou a nadar cra`l, para cima e para (aiPo, a nadar v$rias dist_ncias 9ado lentamente, tranquilamente, sem me preocupar com velocidade. =evanto devagar os cotovelos da $gua, introduzo suavemente os (raços na $gua, seguindo a ponta dos dedos para evitar ru)dos desnecess$rios, sem levantar espuma. %ncho a (oca de l)quido, depois ePpulsoo devagarinho, como se respirasse $gua 'assado um tempo, sinto que o meu corpo a fluir naturalmente no elemento $gua, como que empurrado por uma leve (risa. "os meus ouvidos chegame apenas o som da minha respiraç#o regular. Alutuo no ar como um p$ssaro no c!u. Wejo uma cidade distante, pessoas em ponto pequeno, a correnteza de um rio. %nvolveme uma sensaç#o de serenidade, um sentimento próPimo do êPtase. 9adar sempre foi para mim uma das melhores coisas da vida. 9unca me ajudou a resolver nenhum dos meus pro(lemas, mas tam(!m nunca me fez mal. 9adar... 9isto, ouvi qualquer coisa. "perce(ime de que estou a ouvir um ru)do grave e monótono parecido com o (at!r de asas de um insecto. 9#o, vendo (em o som ! demasiado artificial, demasiado mec_nico, para ser o zum(ido de um insecto. " frequência varia de forma su(til, aumenta e diminui, como quando se sintoniza uma emiss#o em onda curta. Contive a respiraç#o e pusme U escuta, tentando desco(rir de onde vinha o som. 'arecia vir de um ponto qualquer no meio das trevas, se (em que, ao mesmo tempo, parecesse formarse no interior da minha ca(eça. 9aquela escurid#o impenetr$vel tornavase dif)cil esta(elecer uma clara linha divisória. %nquanto fazia os poss)veis por me concentrar naquele som, adormeci sem dar por isso. 7sto para dizer que n#o tive a sensaç#o de ir aos poucos Zcaindo no sono[. X como se caminhasse por um corredor sem pensar em nada e, de repente, algu!m viesse por tr$s e me agarrasse, metendome U força dentro de um quarto desconhecido. 5uanto tempo passei neste estado de torpor que me envolve como uma espessa camada de lama, n#o sei dizer. 9#o pode ter sido muito. Talvez n#o tenha durado mais de um minuto. 5uando, por fim, alguma coisa me faz recuperar a consciência, sei de imediato, por alguns ind)cios, que me encontro numa outra escurid#o diferente. O ar era diferente, a temperatura era diferente, tanto a profundidade como a qualidade das trevas eram distintas. %sta escurid#o onde agora me encontro parecia misturarse com uma ligeira luz opaca. % o odor forte e familiar do pólen atingiume em cheio as narinas. %ncontrava,fne naquele misterioso quarto de hotel. =evantei os olhos, olhei U minha volta, sustive a respiraç#o. "travessei a parede. %stava sentado no ch#o, em cima da alcatifa, encostado a uma parede forrada a papel. Tenho am(as as m#os entrelaçadas so(re os joelhos. %stava t#o (rutalmente e t#o completamente desperto como antes tinha estado profundamente adormecido. O contraste ! t#o forte que demoro um certo tempo a renderme ao facto de estar acordado. 8into o (at!r veloz do meu coraç#o, percept)vel e aud)vel. 9#o h$ dYvida. %stou aqui. Consegui chegar a este quarto, finalmente.
+ergulhado naquela escurid#o espessa, como que feita de uma infinidade de camadas, o quarto era idêntico U imagem que dele guardava. 9o entanto, U medida que os olhos se v#o ha(ituando U penum(ra, começo a reparar em pequenas diferenças. 'ara começar, o telefone n#o se encontra no mesmo lugar. 9#o est$ so(re a mesinhadeca(eceira, mas sim por cima da almofada, dirseia que quase afundado. 9a garrafa de u)sque, a quantidade de u)sque diminuiu (astante. "gora, só h$ um restinho, mesmo no fundo. Os cu(os de gelo no (alde derreteram por completo, dando lugar a uma $gua turva e choca. O copo est$ seco por dentro, e quando toco nele, um pó (ranco colase ao meu dedo. "proPimome da cama, levanto o auscultador e aproPimoo do ouvido. 9#o tem linha. O quarto parece a(andonado, esquecido desde h$ muito. 9#o se sente a presença de ningu!m. 8ó as flores na jarra conservam uma frescura inquietante. " cama apresenta sinais de algu!m ali ter estado deitadoE os lençóis, o edred#o, as almofadas est#o vagamente em desordem. 'uPo a roupa de cama para tr$s e passo a m#o. 9#o sinto resqu)cios de calor humano, nem sequer o rasto de perfume. eve ter passado muito tempo desde a Yltima vez que algu!m se levantou daquela cama. 8ento me U (eirinha, olho U volta e fico at!nto, mas n#o oiço rigorosamente nada. "quele lugar parece uma cripta da "ntiguidade depois de os ladr\es de tYmulos por l$ terem passado e levado a mYmia. e repente, nesse preciso momento, começa a tocar o telefone. O meu coraç#o quase p$ra de (at!r, gelado, como um gato paralisado de medo. O ar vi(ra intensamente, despertando os gr#os de pólen suspensos no ar, as p!talas das flores erguem ligeiramente a ca(eça no escuro. O telefoneV Como ! que o telefone pode estar a tocar, se estava morto como um rochedo profundamente enterrado na areia h$ momentosV Os (atimentos do meu coraç#o v#o diminuindo, 2/G recupero aos poucos o f]lego, comprovo que ainda ali estou, naquele mesmo quarto, que n#o fui parar a outro s)tio. %stendo o (raço, toco ao de leve com os dedos no auscultador, deiPo passar um momento antes de atender. 'or essa altura j$ o telefone tocara três ou quatro vezes. %st$ l$V 9o momento em que levanto o auscultador, desligase a chamada 8into na m#o um peso morto, como um saco de areia, j$ n#o posso voltar atr$s. %st$ l$V volto a repetir, num tom seco, mas o eco devolveme a minha voz, depois de em(at!r numa parede fria. esligo o auscultador, levantoo outra vez, aproPimoo do ouvido. 9ada, nem um pio. 8entome na (eira da cama e espero, procurando respirar com calma, que o telefone volte a tocar. 9#o toca, silêncio. O(servo como os gr#os de pólen voltam a desvanecerse no ar, ao mesmo tempo que se fundem na escurid#o. %sforçome por reproduzir o toque do telefone na minha ca(eça. &$ nem sequer a certeza tenho de que tocou na realidade, mas, se começo a pensar assim, se deiPo esse g!nero de dYvidas infiltrarse no meu esp)rito, ent#o ! o fim. Tenho de traçar um limite algures. Caso contr$rio, estaria a p]r em perigo a minha própria ePistência. O telefone tocou, tenho a certeza a(soluta. %, no momento seguinte, deiPou de funcionar. "claro ligeiramente a garganta, mas at! mesmo esse som morre automaticamente no ar. =evantome e dou uma volta pelo quarto. O(servo o ch#o, ePamino o tecto, sentome U mesa, encostome U parede, faço girar a maçaneta da porta, ponhome a acender e a apagar o interruptor do candeeiro de p!. " porta n#o se a(re e, como seria de esperar, o candeeiro n#o funciona. " janela, essa est$ fechada por fora. 'onhome U escuta. O silêncio ! como uma parede alta e lisa. "pesar de tudo, h$ ind)cios que apontam para uma presença que tenta enganarme. 9#o querem que eu sai(a que est#o ali, contendo a respiraç#o, literalmente colados U parede, disfarçando a cor da pele para eu n#o dar por
eles. Ainjo que n#o me dou conta. 8omos (ons na maneira como nos enganamos mutuamente. 'igarreio outra vez. 'asso a ponta dos dedos pelos l$(ios. ecido voltar a inspeccionar o interior do quarto. Torno a acender o interruptor do candeeiro de p!. 9#o acende. estapo a garrafa e cheiro o restinho de u)sque. O mesmo odor de sempre. CuttS 8ark. Aecho a garrafa e deiPoa ficar na mesa, no mesmo s)tio onde estava. =evanto o auscultador e encostoo ao ouvido, por mero descargo de consciência. 9#o podia estar mais morto. ou meia dYzia de passos, sentindo a espessura da alcatifa com a sola dos sapatos. %ncosto a orelha U parede e concentro toda a minha atenç#o nos sons que 2/0 possam vir do outro lado, mas continuo sem ouvir rigorosamente nada. 'aro diante da porta e procuro de novo a(rila, com a certeza je que n#o vou conseguir. 'ara minha surpresa, a maçaneta roda ligeiramente para a direita. 'or segundos, sou incapaz de acreditar no que me est$ a acontecer. avia muita gente, movimento. Com sorte, talvez conseguisse desco(rir alguma pista. Orientarme naquele hotel, por!m, era como aventurarme num imenso deserto sem (Yssola. 8e n#o conseguir encontrar a entrada do hotel, n#o tenho maneira de regressar ao quarto nYmero :4, o que significa que estou condenado a ficar para sempre neste hotel, encurralado neste la(irinto, sem poder regressar ao mundo real. 9#o h$ tempo para hesitaç\es. Talvez seja a minha Yltima oportunidade. urante mais de seis meses, dia após dia, esperei que isto acontecesse, no fundo do poço, e agora, finalmente, a porta a(rese diante de mim. e resto, o poço est$ quase a serme tirado. 8e agora der um passo em falso, todo o esforço e todo o tempo investidos nesta empresa ter#o sido inYteis. o(rei v$rias esquinas. Os meus sapatos de t!nis n#o faziam o m)nimo ru)do na alcatifa. 9#o se ouvia um som nem vozes, nem mYsica, nem o (arulho da televis#o. 9em sequer o ru)do do ar condicionado. 9o hotel reinava um silêncio a(soluto, profundo, como uma ru)na esquecida pelo tempo Ka(andonada no tempoL. o(rei muitas esquinas e passei por muitas portas. O corredor dava voltas e mais voltas, e em cada (ifurcaç#o tomava sempre a direita, porque assim sa(ia que, no caso de querer voltar atr$s, seria capaz de encontrar sempre o quarto limitandome a virar U esquerda. O certo, por!m ! que tinha perdido todo o sentido de orientaç#o, ao ponto de ne sequer sa(er o que procurava e se estava realmente a avançar em direcç#o a algo. " numeraç#o das portas n#o o(edecia a nenhuma ordem, de modo
que n#o me servia para me orientar nem para nada. % se por acaso calhava memorizar um nYmero, esqueciao no mornem seguinte. Wolta e meia tinha a sensaç#o de j$ ter passado pela frente de certos nYmeros. etiveme a meio do corredor para recuperar o f]lego. %staria a dar voltas e mais voltas sem nunca sair do mesmo s)tio, como se estivesse perdido na florestaV "li parado, de p!, sem sa(er o que fazer, de repente ouvi um som ao longe que me parecia familiar. %ra o empregado e vinha a asso(iar.
-oris cumpriu a sua promessa. Concedeu aos prisioneiros japoneses uma autonomia parcial e permitiu que cri$ssemos o comit! representativo, presidido pelo tenente coronel. " partir da), os guardas russos foram proi(idos de actuar de maneira violenta e o comandante assumiu a responsa(ilidade de manter a ordem dentro do campo de prisioneiros. " postura do oficial do novo 'olit(uro Kque ! como quem diz, de -orisL foi a de concedernos carta (ranca, desde que 2: Traduzida U letra, " 'ega =adra K4/L faz parte das óperas cómicas de ossini, com o elemento histriónico ePcelentemente representado em toda a sua dimens#o, tanto narrativa como musical. K9. da T.L 2// mantiv!ssemos as quotas de produç#o esta(elecidas e n#o caus$ssemos pro(lemas. "quelas reformas, aparentemente democr$ticas, deveriam ter constitu)do, aos nossos olhos, uma (oa not)cia. %, no entanto, as coisas n#o eram t#o simples quanto pareciam 'ara começar, todos nós, incluindo eu, ePultantes como est$vamn com as reformas, revel$monos demasiado estYpidos para adivinhar as intrigas dia(olicamente engenhosas que estavam a ser urdidas nas nossas costas. Com efeito, os novos funcion$rios do Comit! Central foram incapazes de conter o )mpeto de -oris, que, com o apoio da pol)cia secreta, aproveitou a circunst_ncia para transformar o campo de concentraç#o e a cidade mineira a seu (elprazer. %m muito pouco tempo, as intrigas e o terror passaram a ser moeda corrente. %ntre os prisioneiros e os vigilantes, -oris seleccionou, pela sua corpulência e crueldade K! preciso ver que esse g!nero de homens ali n#o faltavamL, meia dYzia de indiv)duos, treinouos e converteuos na sua guarda pessoal. "rmados de espingardas, facas e picaretas, eram capazes, a uma ordem de -oris, de ameaçar, retalhar, sequestrar ou torturar at! U morte qualquer um que lhes fizesse frente. 9ada nem ningu!m lhes podia fazer frente. "t! mesmo os soldados do eP!rcito japonês respons$veis pela vigil_ncia da mina faziam os poss)veis para fechar os olhos ao comportamento ar(itr$rio evidenciado por aquele grupo de indiv)duos. " verdade, por!m, ! que naquele momento j$ nem sequer o %P!rcito tinha m#o em -oris. Os soldados limitavamse a vigiar a estaç#o e os arredores do quartel, e preferiam ignorar o que acontecia na mina e no campo de concentraç#o. e todos os mem(ros da guarda pessoal, o preferido de -oris era um prisioneiro mongol a quem todos chamavam Zo T$rtaro[. %sse homem escoltava -oris para todos os s)tios, como se fosse a sua som(ra. iziase que Zo T$rtaro[ havia sido campe#o de luta mongol. 9a sua face direita, tinha uma grande queimadura, produto, segundo parecia, de uma ocasi#o em que tinha sido torturado. -oris deiPara de vestir roupas de presidi$rio, vivia numa confort$vel residência oficial e tinha ao seu serviço uma prisioneira que fazia as vezes de criada. 9o dizer de 9ikolai Kcada vez mais taciturno e relutante em falarL, alguns russos que ele conhecia haviam desaparecido na calada da noite, sem que voltasse a sa(erse nada mais deles. Oficialmente, foram catalogados como desaparecidos ou dados como mortos em acidentes de tra(alho, mas saltava aos olhos de toda a gente que tinham sido os homens de -oris a encarregaremse deles. 9#o acatar os desejos ou as ordens de -oris era morte certa. iziase tam(!m que alguns tinham tentado fazer chegar um apelo directo ao Comit! Central do 'artido, informando acerca de tudo o que ali se passava, mas que haviam fracassado nos seus intentos e, como tal, sido eliminados. Zizem[, ePplicoume um 9ikolai muito p$lido, em segredo, Zque esses indiv)duos foram ao ponto de matar um rapazinho de sete anos, U laia de castigo ePemplar. +ataramno U pancada, diante dos olhos dos seus progenitores.[
" princ)pio, -oris mano(rou com mais cautela na zona japonesa, primeiro que tudo, concentrou todas as suas forças na tarefa de controlar os russos e de consolidar a sua posiç#o no campo. 'arecia desejoso de deiPar aos japoneses campo de mano(ra para serem eles próprios a gerir os seus assuntos. "ssim, durante os primeiros meses após as reformas, pudemos gozar de um (reve per)odo de tr!guas. esfrut$mos de alguns dias de doce acalmia, uma esp!cie de paz podre. "s duras condiç\es de tra(alho melhoraram, ainda que n#o muito, devido Us ePigências do comit!, e passou a n#o ser necess$rio temer a violência dos guardas. 'ode dizerse que sentimos at!, pela primeira vez desde a nossa chegada, algo parecido com a esperança. Os prisioneiros estavam convencidos de que, a partir da), as coisas iriam melhorando a pouco e pouco. Contudo, n#o se pode dizer que -oris nos tivesse ignorado durante aqueles meses. %m segredo, continuava sempre a prepararse para os tempos que se avizinhavam, e ia colocando de(aiPo da sua asa, um após o outro, mediante su(ornos e ameaças, todos os mem(ros do comit! japonês. =evou por diante as suas intrigas com muito cuidado, evitando a violência manifesta, de modo a que n#o pud!ssemos dar conta de nada. % quando, por fim, nos aperce(ermos de tudo, j$ era demasiado tarde. e facto, ao mesmo tempo que nos distra)a, concedendonos um certo grau de autonomia, mais n#o fazia do que aprimorar um sistema de ditadura f!rrea que n#o tardou a a(at!rse so(re nós. Os seus c$lculos eram de uma precis#o e davam mostras de um sanguefrio dia(ólicos. " violência a(surda e gratuita desapareceu das nossas vidas, mas em seu lugar nasceu uma violência cruel, premeditada, um tipo de violência (em diferente. -oris investiu seis meses de vida na consolidaç#o do seu sistema de controlo, após o que mudou de rumo e começou a ePercer o seu regime de opress#o so(re os prisioneiros japoneses. O tenentecoronel, figura central no comit!, foi a sua primeira v)tima. %m representaç#o dos interesses dos prisioneiros japoneses, o tenentecoronel aca(ou por se opor directamente a -oris em v$rias quest\es que diziam respeito aos interesses dos japoneses, aca(ando por ser eliminado. 9aquela !poca, os Ynicos mem(ros do comit! que -oris n#o tinha de(aiPo de controlo eram o tenentecoronel e uns poucos companheiros seus. urante a noite, amarraramno de m#os e p!s e asfiPiaramno, tapandolhe a cara com uma toalha molhada. %scusado 2/1 ser$ dizer que o(edeciam a ordens de -oris. 5uando se tratava de assassinar japoneses, -oris fazia quest#o de nunca sujar as m#os. av as suas instruç\es ao comit! e eram os próprios japoneses que se encarregavam de tudo. " morte do tenentecoronel foi considerada Zmorte por doença[. Todos sa()amos quem os assassinos eram, ma ningu!m ousava falar. 8a()amos que, entre nós, -oris tinha os seus espi\es, pelo que t)nhamos de usar de toda a prudência. epois do assassinato do tenentecoronel, o comit! elegeu como su(stituto um es(irro de -oris. 'aralelamente Us mudanças no comit!, as condiç\es de tra(alho foram piorando de forma gradual, at! regredirem U situaç#o anterior o que equivale a dizer que se perdeu tudo o que se havia conquistado %m troca da autonomia, prometêramos a -oris manter as quotas de produtividade, mas aquele pacto aca(ou por se transformar numa carga cada vez mais pesada. Todos os pretePtos eram (ons para fazer aumentar a produç#o e, enquanto o dia(o esfregava um olho, o tra(alho tornouse mais duro do que alguma vez at! ent#o. Os acidentes começaram a ocorrer com cada vez maior frequência e muitos foram os prisioneiros que perderam a vida inutilmente, numa terra que n#o era a deles, v)timas da ePtracç#o de carv#o em galerias de alto risco. 'ela parte que nos tocava, a famosa autonomia significava apenas que pass$ramos a ser nós a vigiar o tra(alho dos nossos próprios companheiros, em vez dos russos.
Como n#o podia deiPar de ser, o descontentamento cresceu entre os prisioneiros. 9aquela pequena sociedade, que anteriormente sou(era o que era estar irmanada por um sentimento de desgraça comum, grassava agora um sentimento de injustiça e, ao mesmo tempo, um ódio profundo e uma desconfiança sem limites. Iqueles que serviam os interesses de -oris, eralhes dado tra(alho ligeiro e privil!gios especiais, ao passo que nós, os outros, v)amonos o(rigados a arrostar com uma ePistência cruel, sempre na fronteira da morte. 5ueiParmonos em voz alta, por!m, era uma coisa que n#o nos pod)amos permitir uma resistência a(erta significava a morte certa. 'od)amos morrer de frio ou desnutriç#o, encerrados de castigo numa cela gelada. 'odia acontecer que nos tapassem de noite a cara com uma toalha molhada, enquanto dorm)amos. Tem)amos que nos atacassem pelas costas, ou que nos a(rissem a ca(eça com uma picareta enquanto tra(alh$vamos, ou, ainda, que nos empurrassem para dentro do poço de alguma galeria. 9ingu!m sa(ia o que poderia acontecer nas trevas impenetr$veis da mina. "penas que algu!m havia desaparecido, mais nada. %u n#o podia evitar sentirme respons$vel por ter servido de intermedi$rio entre -oris e o tenentecoronel. Caso eu me tivesse recusado a cooperar com ele, ! evidente que, mais cedo ou mais tarde, -oris teria logrado o(ter os seus intentos por outros meios, e com os mesmos resultados. Todavia, isso em nada aliviava a minha consciência nem acalmava a dor no meu peito. Cometera um erro terr)vel. $ j$ muito tempo que o n#o via. 8entado U secret$ria, estava a tomar um ch$, tal como acontecera daquela outra vez no escritório do chefe da estaç#o. "tr$s dele, de p!, estava como sempre o T$rtaro, com uma pistola autom$tica U cintura. 5uando entrei, -oris virouse para o mongol e fezlhe sinal para sair. Aic$mos os dois sozinhos. Z5ue lhe parece, tenente +amiSaV Tenho ou n#o cumprido a minha promessaV[ espondilhe que sim. %ra verdade. 7nfelizmente, tudo o que prometera se concretizara. 'ela minha parte, tinha assinado um pacto com o dia(o. ZTu e os teus companheiros conquistaram a vossa autonomia. % eu, detenho o poder[, afirmou ele, com um grande sorriso, fazendo um gesto largo. Z"ssim sendo, todos conseguimos o que pretend)amos. O volume de ePtracç#o de carv#o ! o mais elevado desde sempre, +oscovo est$ satisfeita. %stamos todos satisfeitos, nenhumhuma das partes se pode queiPar. %stoute muito grato por teres servido de intermedi$rio, e, em troca, gostaria de fazer algo por ti.[ espondilhe que n#o era preciso agradecer, nem t#opouco oferecerme algo. ZW$ l$, homem, n#o te mostres assim t#o distante, afinal somos velhos conhecidos. Wou direito U quest#oE quero que tra(alhes para mim. 5uero que sejas meu ajudante. 9este lugar, as pessoas com ca(eça podem contarse pelos dedos da m#o. Tens apenas um (raço, ! certo, mas, em contrapartida, inteligência n#o te falta. 8e aceitares ser meu secret$rio, podes crer que sa(erei recompensarte e darte todas as facilidades para que a tua vida se torne mais f$cil. 8o(reviver$s e um dia poder$s regressar ao &ap#o, isso ! garantido. Comigo n#o far$s mau negócio.[ 9uma situaç#o normal, teria recusado aquela oferta. 9#o tinha intenç#o alguma de servir Us suas ordens e de ser eu o Ynico a levar uma vida f$cil, traindo os meus companheiros. % se recusar significava a morte, tanto melhor, vinha de encontro aos meus desejos. 9aquele momento, por!m, um plano começava a germinar no meu esp)rito. Z5ue tra(alho me estaria destinadoV[, quis sa(er. " tarefa que -oris ePigiu de mim n#o era f$cil. >avia uma quantidade de assuntos pr$ticos a tratar, mas, acima de tudo, estava
incum(ido de administrar a sua fortuna pessoal. Tinhase apropriado de uma parte Kque chegou a perfazer quarenta por cento do stok de tudo o que eram medicamentos, v)veres e roupa enviados para campo pela Cruz Wermelha 7nternacional e por +oscovo. Tudo coisas que escondia num armaz!m para depois serem vendidas nos mais diversos s)tios. Aicava ainda com uma (oa parte do carv#o ePtra)do faziao transportar em vag\es de mercadorias e vendiao no mercado negro. "tendendo a que a carência de com(ust)vel era geral, procura n#o faltava. Tinha su(ornado os empregados da estaç#o de caminho deferro, (em como o chefe da estaç#o, e fazia circular os com(oios a seu (elprazer. Tam(!m oferecia dinheiro e comida aos soldados que montavam vigil_ncia, para que fizessem vistas grossas. Craças Uqueles Znegócios[ tinha arrecadado uma fortuna consider$vel. %Pplicoume que, de futuro, pensava utilizar aquele dinheiro para financiar a pol)cia secreta. " qual tinha necessidade, para as suas actividades, de importantes somas que n#o poderiam constar de nenhum documento oficial. %ra mentira. 5uer dizer, ! prov$vel que enviasse parte desse dinheiro para +oscovo, mas estou convencido de que mais de metade passara a engrossar a sua fortuna pessoal. "inda que desconheça os pormenores, sei que depositava esse dinheiro em contas nos (ancos estrangeiros ou, ent#o, trocavao por ouro. 9#o sei por que raz#o, mas o certo ! que -oris depositava em mim uma a(soluta confiança. "inda hoje me custa a crer, mas ele nem sequer parecia preocuparse com a possi(ilidade de eu revelar o seu segredo. 9o contacto com os russos e outros homens (rancos, adoptava uma atitude dura, cruel, fruto da desconfiança, mas dava ideia de confiar cegamente em japoneses e mongóis. Ou, ent#o, talvez se julgasse invulner$vel e pensasse que nada lhe poderia acontecer mesmo que eu desse com a l)ngua nos dentes. 'ara começar, a quem ! que eu poderia confiar uma coisa daquele g!neroV " minha volta movimentavamse apenas cola(oradores e su(ordinados de -oris, e todos eles (eneficiavam das suas actividades ilegais. Os Ynicos que morriam devido U ausência daqueles alimentos, das roupas ou dos medicamentos, desviados por -oris em seu proveito pessoal, eram os prisioneiros do campo, que nada podiam contra ele. "l!m do mais, todo o correio era censurado, e o contacto com o ePterior proi(ido. % foi assim que passei a ePercer com diligência e fidelidade as funç\es de secret$rio. efiz tudo, desde a (ase dos complicados livros de conta(ilidade e do invent$rio de aquisiç\es, reorganizei e simplifiquei os movimentos de mercadorias e dinheiro. %la(orei um ficheiro que permitisse, U vista desarmada, conhecer em pormenor a lista de mercadorias e as variaç\es de preços. %la(orei uma longa lista com os nomes das pessoas su(ornadas e calculei os Zgastos necess$rios[. Tra(alhei para ele de manh# a noite sem descanso, e en consequência disso, perdi os poucos amigos que tinha. Toda a gente pensava Ke era lógico que pensassemL que eu n#o passava de um indiv)duo desprez)vel, que se re(aiPara U condiç#o de fiel homemdem#o de -oris. % o mais triste disto tudo ! que alguns ainda devem pensar isso de mim. "t! 9ikolai deiPou de me falar. ois ou três prisioneiros japoneses que antes me honravam com a sua amizade afastaramse. X ó(vio que, em contrapartida, outros houve que se aproPimaram, ao verem que eu me tornara entretanto no favorito de -oris, mas a esses confesso que preferia evit$los. Cada dia que passava ia ficando mais sozinho, mais isolado. 8ó n#o me mataram porque -oris me protegia. " minha presença era para ele um (em precioso e, caso me matassem, -oris n#o hesitaria em ePercer repres$lias. Todos sa(iam perfeitamente at! onde podia ir a sua crueldade. " sua fama como esfolador tam(!m ali era lend$ria. 5uanto mais isolado ficava, mais confiança -oris depositava em mim. +ostravase muito satisfeito com o meu tra(alho, escrupuloso e preciso, e n#o me poupava palavras de elogio.
ZXs um homem verdadeiramente espantoso, tenente +amiSa. %nquanto houver japoneses como tu, o &ap#o n#o ter$ dificuldade em superar o caos que se segue inevitavelmente U derrota em tempo de guerra, j$ o mesmo n#o se pode dizer da
de um só golpe. %nquanto fazia as vezes de seu secret$rio, espreitava o momento oportuno, mas -oris, como j$ tive ensejo de referir, era um homem ePtremamente cauteloso. ia e noite, tinha sempre o T$rtaro por perto. % ainda que pudesse, um dia, surpreendêlo sozinho, como poderia mat$lo, apenas com um (raço e desarmadoV %sperava com impaciência que a oportunidade se proporcionasse. %stava convencido de que, se eus ePistisse, aquela ocasi#o chegaria, pais cedo ou mais tarde. 9o in)cio de 104, corriam pelo campo rumores de que os prisioneiros japoneses iam ser finalmente repatriados. iziam que na primavera zarparia um (arco que nos levaria a todos de regresso ao &ap#o. 'erguntei a -oris se era verdade. ZX verdade, tenente +amiSa[, disseme ele. Z%sses rumores têm fundamento. Todos vós estareis de regresso ao &ap#o num futuro n#o muito distante. O certo ! que n#o podemos retêlos a todos aqui eternamente, a tra(alhar para nós, e isso devese em grande parte U press#o feita pela opini#o pY(lica internacional. 5ue me dizes a ficar neste pa)s, n#o como prisioneiro mas como livre cidad#o sovi!ticoV Tens tra(alhado (em ao meu serviço e, se te fores em(ora, terei grande dificuldade em encontrar algu!m para te su(stituir. "l!m disso, creio que ficar$s melhor a meu lado do que no &ap#o, sem um cêntimo no (olso. Tenho ouvido dizer que no &ap#o n#o h$ comida, que as pessoas morrem de fome. "qui, n#o nos falta nada, quer seja dinheiro, mulheres ou poder.[ " proposta de -oris era a s!rio. " verdade ! que eu sa(ia demasiado, talvez ele pensasse que seria perigoso deiParme partir. Caso eu recusasse a sua proposta, o mais prov$vel era matarme para eu ficar de (oca calada, mas eu n#o tinha medo. "gradecilhe a sua am$vel oferta e disselhe que preferia regressar ao &ap#o, porque estava preocupado com a sorte dos meus pais e da minha irm# mais nova, que haviam ficado na terra onde viviam. -oris encolheu os om(ros e n#o insistiu.
diante dele, destravei a arma, segurei a pistola entre as pernas, com a m#o direita a(ri o carregador e enfiei uma (ala na c_mara. "o ouvir o ru)do seco, -oris levantou por fim os olhos. "ponteilhe a arma a cara. -oris sacudiu a ca(eça e suspirou. ZTenho muita pena, mas essa pistola n#o est$ carregada[, atirou ele, depois de enroscar a tampa da caneta de tinta permanente. 'odes comprovar isso atrav!s do peso. Ora ePperimenta sopes$la na tua m#o. Oito cartuchos de /.32 mm, d$ cerca de oitenta gramas.[ 9#o acreditei nele. Continuei a apontar a arma e apertei o gatilho sem vacilar, mas tudo o que saiu foi uma esp!cie de Zdique[ seco. Tal como ele havia dito, n#o estava carregada. -aiPei a pistola e mordi os l$(ios. 9#o conseguia pensar em nada. Aoi ent#o que ele a(riu a gaveta da secret$ria e tirou de l$ um punhado de (alas, passando a mostrarmas na palma da m#o. Tinha descarregado a pistola. Tinhame montado uma armadilha e eu ca)ra direitinho. 9#o passara tudo de uma farsa. Z>$ j$ algum tempo que sei dos teus planos para me matar[, disse ele, com toda a calma. 9o teu imagin$rio, pensaste muitas vezes em fazêlo. Werdade ou mentiraV %, no entanto, (em te avisei para n#o te deiPares levar pela imaginaç#o. issete que imaginar arruinaria a tua vida, foi ou n#o foiV -om, agora j$ n#o interessa. 8eja como for, nunca ser$s capaz de me matar.[ -oris atiroume duas (alas que tinha na palma da m#o. "s (alas rolaram ruidosamente pelo ch#o e vieram em(at!r nos meus p!s. Z8#o (alas verdadeiras[, continuou ele. Z9#o ! nenhum truque. Carrega a arma e dispara. X a tua Yltima oportunidade. 8e queres aca(ar comigo, faz pontaria e atira a matar. 8e falhares, promete que nunca contar$s ao mundo os meus segredos. 8er$ este o nosso pacto.[ 243 Aiz sinal que sim com a ca(eça. 'rometi. Woltei a p]r o revólver entre as pernas, ePtra) o carregador, meti as duas (alas. 9#o foi tarefa f$cil, só com uma m#o. "l!m do mais, tinha a m#o a tremer. -oris o(servava os meus movimentos com uma ePpress#o despreocupada no rosto. Creio mesmo ter detectado um ligeiro sorriso. 7ntroduzi o carregador na culatra, apontei aos olhos, apertei o gatilho esforçandome por evitar que o pulso tremesse. 9a sala ressoou um disparo, mas a (ala passou rente U orelha de -oris e foi cravarse na parede. pedaços de gesso saltaram e fragmentaramse no ar, em todas as direcç\es. Tinha falhado o tiro, apesar de me encontrar a apenas a dois metros do alvo. Tal n#o se devia, por!m, U minha fraca pontaria. 9a guarniç#o de >sinching gostava de praticar tiro. X certo que agora tinha menos um (raço, mas, em compensaç#o, possu)a mais força na m#o direita do que muitas pessoas e, al!m disso, a Ralther era uma arma de precis#o, que permitia uma pontaria acertada. 9em queria acreditar que n#o acertara no alvo. Carreguei a arma de novo, apontei, respirei fundo. ZTenho de matar este homem[, lem(rome de ter pensado. [+atar este homem daria sentido U minha vida.[ ZWême (em essa pontaria, tenente +amiSa. Olha que ! a tua Yltima (ala.[ "o dizer aquilo, -oris mantinha ainda uma ponta de sorriso na cara. 9esse momento, o T$rtaro, que ouvira o disparo, precipitouse para dentro do escritório, empunhando uma pistola de grande cali(re. Z5uieto, n#o te metas nisto^[, disse ele num tom (rusco. ZeiPa que o tenente +amiSa dispare. 8e ele me matar, a seguir poder$s fazer dele o que quiseres.[ O T$rtaro assentiu, sempre com a arma apontada na minha direcç#o. %mpunhei a Ralther com a m#o direita, estiquei o (raço na direcç#o de -oris e apertei com serenidade o gatilho, fazendo pontaria ao centro do seu sorriso frio, carregado de desprezo. "morteci o recuo da arma com a m#o. Aoi um disparo perfeito. 'or!m, tal como da primeira vez, a (ala passou a rasar a sua ca(eça e desfez em mil pedaços o
relógio de parede que estava por detr$s dele. -oris nem sequer mePeu o so(rolho. "poiado nas costas da cadeira, olhava para mim fiPamente, com aqueles seus olhos de serpente. " pistola caiu ao ch#o com estr!pito. 'or instantes, ningu!m disse nada, ningu!m se mePeu. "t! que, por fim, -oris se levantou da cadeira, (aiPouse devagar e apanhou a Ralther que eu tinha deiPado cair. epois de contemplar, pensativo, a pistola durante alguns segundos, tornou a guard$la no coldre, a(anando devagar com a ca(eça. %m seguida deume duas palmadas ligeiras no (raço, como para me consolar. Z-em te disse que n#o me conseguirias matar, n#o disseV[ 5Et isto, sacou do (olso um maço de Camel, levou um cigarro U (oca acendeuo. Z9#o ! que dispares mal. "contece que n#o me pode matar, mais nada. 9#o !s capaz de o fazer. 'or isso ! que perdest a tua oportunidade. Tenho muita pena, mas n#o tens outro rem!dio sen#o voltar ao teu pa)s levando contigo a minha maldiç#o. 9unca poder$s ser feliz, estejas onde estiveres. &amais amar$s algu!m nunca ser$s amado por ningu!m. X esta a minha maldiç#o. 8alvote a vida, mas n#o ! por (ondade que o faço. +at!i muito (oa gente at! U data, e continuarei a matar ainda mais. 'or!m, nunca o faço quando n#o h$ necessidade disso. "deus, tenente +amiSa. entro de uma semana partir$s daqui e ir$s direito ao porto de 9akodhka -on voSage. 9unca mais voltaremos a vernos.[ Aoi a Yltima vez que pus a vista em cima de -oris, o %sfolador. 9a semana seguinte, a(andonei o campo de concentraç#o. "panh$mos o com(oio para 9akodhka e, no in)cio do ano seguinte, após uma data de vicissitudes Kque me escuso aqui de contarL, pude ent#o regressar ao &ap#o. 'ara lhe falar com toda a franqueza, senhor Okada, n#o sei que sentido poder$ esta minha longa e estranha odisseia ter aos seus olhos. Wendo (em, talvez n#o passe da lengalenga de um velho senil. " verdade, por!m, ! que queria, a todo o custo, narrarlhe esta história. 8enti que tinha de lha contar. Como decerto compreender$, agora que chegou ao fim da carta, fui derrotado em toda a linha. 'erdi tudo. %stou perdido. 9#o tenho direito a nada. 5ue n#o tenha amado ningu!m nem ningu!m me tenha amado, devese U força desta maldiç#o que me persegue. 9um futuro n#o muito long)nquo, estou condenado a desaparecer nas trevas, como uma carapaça vazia que teve o seu tempo. "gora, por!m, depois de lhe ter transmitido esta minha história, senhor Okada, conheço um certo al)vio e sei que posso finalmente deiPar este mundo com um sentimento de algum contentamento. esejo que tenha uma vida feliz, sem arrependimentos. 6 GG avia algu!m no quarto nYmero :4. 8e continuasse tudo a desenrolarse como da outra vez Ko que parecia ser o casoL, a porta decerto n#o estaria fechada U chave. Outra hipótese era deiPar o quarto para mais tarde e, em vez disso, ir atr$s do empregado. esse modo, ficaria a conhecer o lugar ao qual ele pertencia. >esitei entre as duas alternativas, mas optei por ir no encalço do empregado. 'odia muito (em haver algum perigo escondido no quarto :4, quem sa(e se um perigo que pudesse vir a revelarse fatal. =em(ravame perfeitamente dos golpes violentos, ressoando na escurid#o, de algu!m a (ater U porta, e do lampejo (ranco e cintilante de
algo parecido com uma faca. Tenho de ser cauteloso. 'rimeiro, vamos l$ ver para onde se dirige o empregado. epois, logo terei tempo de regressar ao quarto. +as comoV %nfiei as m#os nos (olsos das calças e apalpei o que tinha l$ dentro. " carteira, algumas moedas soltas, um lenço, uma esferogr$fica pequena. Tirei a caneta e ePperimentei traçar uma linha na palma da m#o para ver se escrevia. 'odia ir fazendo marcas na parede U medida que seguia o empregado. "ssim, para voltar ali mais tarde só teria de seguir as marcas. 'erfeito, em teoria. " porta a(riuse e o empregado saiu, de m#os a a(anar. Tinha deiPado ficar tudo, incluindo a (andeja, dentro do quarto. epois de fechar a porta, endireitouse e, agora sem nada nas m#os, sempre a asso(iar =a Cazza =adra, regressou por onde tinha vindo, caminhando num passo vivo. 8a) de tr$s do jarr#o e fui atr$s dele. Cada vez que chegava a uma (ifurcaç#o fazia uma pequena marca, um ZP[ a esferogr$fica azul na parede de cor creme. O empregado nunca olhou para tr$s, nem uma Ynica vez. >avia algo de estranho na maneira como ele se movia, parecia que estava a fazer uma demonstraç#o em algum Concurso 7nternacional de +archa para %mpregados de >otel. Ca(eça levantada, queiPo para a frente, costas (em direitas, avançava pelo 241 corredor fora (alançando os (raços ao ritmo de =a Dazza =adra. como se estivesse a proclamarE ! assim que devem andar todos os empregados de hotel. o(rou muitas esquinas, su(iu e desceu mei dYzia de lanços de escadas. " luz era mais ou menos intensa consoamte os lugares. Os nichos nas paredes formavam som(ras com formas variadas. 9#o me era dif)cil seguilo mantendo sempre a dist_ncia necess$ria para n#o me dar a conhecer. +esmo que o perdesse de vista de cada vez que cheg$vamos a um canto do corredor, n#o havia a m)nima possi(ilidade de lhe perder o rasto, graças ao seu melodioso asso(io. a mesma forma que um salm#o so(e o rio, at! alcançar um remanso tranquilo, tam(!m o empregado aca(ou por ir dar a um enorme vest)(ulo. %ra o $trio do hotel onde eu tinha visto 9o(oru RataSa aparecer na televis#o. "gora estava quase deserto, viase apenas meia dYzia de pessoas reunidas diante de um televisor gigante. %stava a dar o telejornal da 9>F. "o chegar ao $trio, o empregado deiPara de asso(iar, para n#o incomodar os clientes. epois atravessou a sala em linha recta e desapareceu pela porta de serviço do hotel. Aazendo de conta que estava a matar tempo, caminhei sem rumo pelo $trio do hotel, corri v$rios dos muitos sof$s que estavam sem ningu!m, olhei para o tecto, avaliei o estado da alcatifa. " seguir, dirigime ao telefone pY(lico e inseri uma moeda para ver no que dava. Tal como o do quarto, n#o funcionava. eitei a m#o a um telefone do hotel e ePperimentei marcar o nYmero :4. Tam(!m n#o dava sinal de vida. Aui sentarme numa cadeira um pouco afastada e pusme a o(servar com naturalidade as pessoas reunidas U frente do televisor. %ram doze, ao todo, nove homens e três mulheres. " maioria dos homens devia andar entre os trinta e os quarenta, havendo dois que poderiam muito (em ter os seus cinquenta e poucos. %stavam todos de fato, gravatas discretas, mocassins de couro. 9enhum deles apresentava nenhumhuma caracter)stica particular, tirando as diferenças de estatura e de peso. "s mulheres andariam pelos trinta e quatro, trinta e cinco anos, (em vestidas e maquilhadas com esmero. " julgar pelo seu aspecto, pensei que podiam muito (em estar de regresso de alguma festa de antigos alunos de um qualquer col!gio ou instituto de ensino secund$rio, muito em(ora o facto de estarem em cadeiras separadas desse a entender que n#o se conheciam. 'elos vistos, o mais prov$vel era cada uma das pessoas que faziam parte do grupo ter chegado ali pelos seus meios, juntandose Us outras, sem dizer
nada, para ver o mesmo programa de televis#o, sem tirar os olhos do pequeno ecr#. 9ingu!m dizia nada, n#o havia ali trocas de olhares nem de opini#o. o s)tio onde estava, a uma certa dist_ncia, deiPeime ficar sentado, a seguir as not)cias durante algum tempo. 9enhumhuma em especial chamou a minha atenç#o. " inauguraç#o de uma estrada, com o presidente da C_mara a cortar uma fita, a desco(erta de uma su(st_ncia tóPica em certas marcas de l$pis de cor para crianças, o choque entre um autocarro e um cami#o devido U m$ visi(ilidade e ao piso gelado, de que resultaram a morte do condutor de um cami#o e ferimentos em v$rios turistas que se dirigiam para uma est_ncia termal em viagem de grupo organizada. O piv] ia lendo as not)cias, umas atr$s das outras, num tom contido, como se estivesse a distri(uir cartas (aiPas no decorrer de um jogo. "quilo trouPeme U memória o televisor em casa do senhor >onda, o velho adivinhoE tam(!m ele costumava ter o televisor sintonizado na 9>F o tempo todo. "s imagens daquelas not)cias eram, a um tempo, muito realistas e completamente irreais. Tive pena do motorista do cami#o, um homem de trinta e sete anos que morrera no acidente. 9ingu!m quer aca(ar com as v)sceras U mostra nem morrer de hemorragia interna num lugar como "sahika`a no meio de um nev#o. 'ela minha parte, n#o conhecia pessoalmente o camionista, nem ele a mim. Como tal, n#o nutria por ele nenhumhuma simpatia especial. 8entia, isso sim, um sentimento de compaiP#o generalizada por um ser humano como eu, inesperadamente v)tima de morte violenta. ospital da ospital da Tóquio...[ " emiss#o voltou ao estYdio, onde o piv] começou a ler um not)cia aca(ada de rece(er. Z8egundo uma informaç#o que chegou at! nós, a agress#o ocorreu por volta das onze e meia da manh# de hoje, quando entrou pelo seu ga(inete um jovem que o agrediu por v$rias vezes com um taco de (ase(ol na ca(eça, causandolhe ferimentos graves. 9a altura o deputado encontravase reunido com diversas personalidades. O escritório encontrase situado num edif)cio da zona de +inatoku, em Tóquio. 9o ecr#, imagens do edif)cio 8egundo o testemunho das pessoas na altura presentes no local, o agressor ter$ entrado no edif)cio como visitante, levando o taco escondido no interior de um tu(o para mapas e plantas, daqueles que s#o vendidos nos Correios, e atacou o deputado sem aviso pr!vio. 'assavam agora no ecr# imagens da sala onde decorrera a agress#o,
vendose cadeiras espalhadas, uma mancha escura de sangue no ch#o. 8egundo pudemos apurar, foi tudo muito r$pido, de modo que nem o deputado nem as pessoas que com ele se encontravam reunidas tiveram oportunidade de pedir ajuda ou impedir o ocorrido. epois de se certificar de que o deputado estava ca)do e inconsciente, o atacante ter$ fugido, levando consigo a arma da agress#o. 8egundo algumas testemunhas oculares, o agressor, um homem com cerca de trinta anos e um metro e setenta e cinco de altura, vestia um casaco azulmarinho, gorro de esqui alpino da mesma cor e óculos escuros. 9a face direita tinha aquilo que parecia ser uma mancha de nascimento. " 'ol)cia emitiu j$ um mandado de captura. O homem conseguiu fugir sem deiPar rasto, misturandose com as pessoas que circulavam nas imediaç\es. e momento, a 'ol)cia carece de pistas.[ 7magens de pol)cias no local do crime e das agitadas ruas de "kasaka. Taco de (ase(olV +arca na caraV +ordi os l$(ios. Z9o(oru RataSa, c!le(re economista e comentador pol)tico, conhecido pelo seu dinamismo e pela sua postura cr)tica, foi eleito na 'rimavera deste ano para a ieta, em representaç#o da circunscriç#o eleitoral que fora anteriormente do tio, o deputado *oshitaka RataSa, e acedeu por eleiç#o ao 'arlamento. esde ent#o, destacase pela sua capacidade e, tam(!m, pelo tom pol!mico de algumas das suas declaraç\es pol)ticas, demonstrando que, apesar da sua juventude e inePperiência, tinha diante de si um grande futuro. "s investigaç\es da 'ol)cia orientamse em duas direcç\es, uma relacionada com o mundo da pol)tica, a outra apontando para um ajuste de contas ou uma vingança pessoal. 'assamos agora a actualizar esta not)cia de Yltima hora. O deputado 9o(oru RataSa foi agredido com um taco de (ase(ol e encontrase hospitalizado com um traumatismo craniano. Os m!dicos continuam a n#o se pronunciar so(re o seu estado de saYde, considerado muito grave. % agora, passamos U not)cia seguinte...[ "lgu!m deve ter desligado o televisor. e um momento para o Outro, a voz do jornalista deiPou de se ouvir e o silêncio invadiu o $trio. Os telespectadores mudaram de posiç#o e pareceram descontrairse. %ra ó(vio que se tinham reunido U volta do televisor com o propósito de assistirem Us not)cias que diziam respeito a 9o(oru RataSa.
pessoas pareciam sa(er que eu era o cunhado de 9o(oru RataSa e que n#o tinha por ele qualquer simpatia Kisto para n#o dizer que o odiavaL. =ia tudo isto nos seus olhos. 9#o sa(endo que comportamento adoptar, apertei com força os (raços da cadeira. 9#o tinha sido eu a agredir 9o(oru RataSa na ca(eça com o taco de (ase(ol. 'ara al!m de n#o ser o tipo de pessoa que faz esse g!nero de coisas, a verdade ! que j$ nem sequer tinha o taco comigo. 'odia, no entanto, ver que eles nunca acreditariam em mim. Tinham todo o ar de só acreditar no que a televis#o dizia. =evanteime devagarinho e dirigime para o corredor que me levara at! ali. Tinha de sair daquele lugar o mais depressa poss)vel, visto que j$ n#o era (em rece(ido. era apenas meia dYzia de passos 21G quando me aperce(i de que alguns deles se tinham posto de p! e vinham atr$s de mim. "celerei o passo, atravessei o $trio e encaminheime para o corredor. ZTenho de encontrar o quarto nYmero :4 dê l$ por onde der[, pensei. Chegara por fim ao outro lado do vest)(ulo e estava precisamente a entrar no corredor quando as luzes do hotel se apagaram todas sem fazer (arulho. e repente, encontrei me mergulhado na escurid#o como se o pesado manto das trevas se tivesse a(atido, sem que nada o fizesse esperar, so(re aquele lugar, como um violento golpe de machado. "tr$s de mim algu!m lançou um grito que ePprimia so(ressalto. O som estava muito mais próPimo do que eu alguma vez teria imaginado, notavase no mais profundo dessa voz a dureza do ódio. Continuei a avançar no escuro, com cuidado, tacteando a parede. Tenho de me afastar o mais poss)vel deles. Contudo, tropecei numa mesinha e deitei ao ch#o qualquer coisa, parecia um jarr#o qualquer. O o(jecto caiu ao ch#o com estrondo. "o perder o equil)(rio, fiquei de gatas. 'usme de p! a correr e procurei Us apalpadelas continuar a seguir, sempre agarrado U parede. 8enti ent#o um violento puP#o na (ainha do casaco, como se tivesse ficado preso num prego. 'or momentos n#o perce(i o que estava a acontecer. %stava algu!m a agarrarme pelo casaco. 8em hesitar, despi o casaco e desat!i a correr como um (ólide, rasgando a escurid#o. o(rei uma esquina, sempre Us cegas, su(i aos tropeç\es uma escada, virei novamente, su(i mais uns degraus, sempre com a ca(eça e os om(ros a irem de encontro Us coisas. " certa altura, dei um passo em falso na escada e fui (at!r com a cara na parede. "pesar disso, n#o senti qualquer dor, apenas uma sensaç#o de vertigem no fundo dos olhos. 9#o podia deiPar que eles me apanhassem. I minha volta a escurid#o era completa. 9em sequer as luzes de emergência estavam a funcionar. epois de ter atravessado aquelas trevas em que n#o se distinguia rigorosamente nada no meio da mais completa desorientaç#o, parei por momentos a fim de recuperar o f]lego, e fiquei de ouvido U escuta. " Ynica coisa que se ouvia, por!m, era o (at!r do meu coraç#o. eiPeime ficar ali um (ocado de cócoras, a descansar. %les deviam ter a(andonado a perseguiç#o. O mais certo era perderme nos meandros do la(irinto, caso continuasse a avançar. ecidi ficar por ali. %ncosteime U parede e esforceime por recuperar a calma. 5uem teria apagado as luzesV 9#o me parecia que tivesse sido coincidência. Wendo (em, acontecera no preciso momento em que pusera o p! no corredor com aquela gente toda quase em cima de mim. +uito provavelmente era algu!m a tentar salvarme do perigo. Tirei o gorro, limpei o suor da cara com um lenço, voltei a enfiar o ?50 gorro. e repente parecia que todas as articulaç\es me tinham começado a doer, mas n#o se podia dizer que estivesse propriamente ferido. Olhei para o mostrador luminoso do relógio de pulso e só ent#o ! que me lem(rei que o relógio tinha parado Us onze e
meia. precisamente na altura em que entrara para dentro do poço, U mesma hora a que 9o(oru RataSa tinha sido atacado com um taco de (ase(ol no seu escritório de "kasaka. %ra poss)vel que tivesse sido eu o culpadoV I luz daquela escurid#o profunda, aquilo começava a ganhar uma certa consistência lógica. 'odia muito (em ter acontecido que, U superf)cie, no mundo real, tivesse de facto infligido graves ferimentos a 9o(oru RataSa com um taco de (ase(ol, e que fosse eu o Ynico a ignor$lo. %ra prov$vel que o ódio violento que ha(itava em mim me tivesse conduzido Uquele lugar a fim de cometer a agress#o, sem ter consciência disso. %u disse Zconduzido[V 9#o, n#o me parece que seja a palavra certa. 'ara ir at! "kasaka ! preciso apanhar a linha OdakSu, e depois fazer trans(ordo em 8hinjuku e ir de metro. 8eria poss)vel que tivesse feito semelhante coisa sem me dar contaV %ra imposs)vel a n#o ser que tivesse o dom da u(iquidade. 8enhor Okada disse algu!m ao meu lado no escuro. O meu coraç#o deu um salto e su(iume U garganta. 9#o fazia ideia de onde poderia ter aparecido aquela voz. Tenso, perscrutei a escurid#o U minha volta, mas, como seria de esperar, n#o via nada. 8enhor Okada repetiu a voz. $ algu!m que possa testemunhar que estava dentro do poço Uquela horaV perguntou o homem sem nunca se virar. 9#o respondi. 9#o havia ningu!m nessas condiç\es. 9esse caso, o melhor ser$ fugir sem grandes ePplicaç\es, ! a atitude mais inteligente. %les est#o convencidos de que foi o senhor o autor da agress#o. % quem dia(o s#o elesV
Chegado ao cimo da escada, o homem virou U direita, deu meia dYzia de passos e a(riu uma porta que dava para um corredor. epois, )mo(ilizouse e p]sse U escuta. Temos de nos despachar. "garrese ao meu casaco. %m silêncio, fiz o que ele mandava. "quela gente est$ permanentemente colada ao ecr# da televis#o. 'or isso, n#o ! de estranhar que o detestem. "final, eles s#o verdadeiros fan$ticos do irm#o da sua mulher. % o senhor, sa(e quem eu souV perguntei. Claro que sim. . [[ % tam(!m sa(e onde se encontra Fumiko actualmenteV O homem permaneceu calado. 8empre agarrado ao seu casaco, como se estiv!ssemos a jogar Us escondidas no escuro, do(r$mos uma esquina, descemos um lanço de escadas, a(rimos uma portinhola escondida que ia dar a outra passagem secreta de tecto (aiPo e fomos de novo ter a um longo corredor. O percurso estranho e complicado seguido pelo homem sem rosto era como dar voltas e mais voltas na (arriga de uma gigantesca est$tua de (ronze. %scute uma coisa, senhor Okada. 9#o pense que eu sei tudo o que se passa aqui. %ste lugar ! imenso e eu, eu sou apenas respons$vel pelo $trio. >$ muitas outras coisas que desconheço. 'or acaso conhece um empregado que anda sempre a asso(iarV 9#o respondeu o homem taco a taco. "qui n#o h$ empregados, ningu!m asso(ia nem deiPa de asso(iar. Caso tenha visto algum empregado assim, fique sa(endo que n#o se trata de um empregado, mas sim de qualquer coisa que se faz passar por um empregado. " propósito, esquecime de lhe perguntar, mas ! para o nuarto nYmero :4 que deseja ir, n#o !V %Pactamente. Wou ter com uma mulher que ali se encontra. %le n#o fez coment$rios, n#o me perguntou de quem se tratava nem t#opouco qual era o assunto que eu tinha a tratar com ela. Continuou sempre a caminhar pelo corredor fora, com a passada confiante de um homem que sa(e para onde vai, da mesma forma que o comandante orienta o seu navio pelo meio de uma complePa rede de canais. 'ouco depois, sem avisar, estacou diante de uma porta, t#o (ruscamente que eu fui contra ele e quase o deitei ao ch#o. Com o choque, senti o seu corpo estranhamente ligeiro, como se n#o pesasse nada. Tive a sensaç#o de chocar com uma carcaça vazia de uma cigarra. %le, por!m, recuperou de imediato o equil)(rio, iluminou com a lanterna a porta U sua frente, fazendo aparecer o nYmero :4. 9#o est$ fechado U chave disse ele. Aique com esta lanterna. %u orientome (em no meio da escurid#o. epois de entrar, dê duas voltas U chave e n#o a(ra a porta a ningu!m. esolva o assunto que tem de resolver l$ dentro o mais depressa poss)vel e, a seguir, regresse pelo mesmo caminho. %ste s)tio ! perigoso. "qui, ! considerado um invasor, e o seu Ynico aliado sou eu. =em(rese (em disso. 5uem ! o senhorV O homem sem rosto fez deslizar discretamente a lanterna para a minha m#o, como se me estivesse a entregar o testemunho no decorrer de uma estafeta. 8ou o homem vazio2G disse ele. epois, virou o rosto para mim, sempre no escuro, U espera da minha reacç#o, mas n#o consegui encontrar as palavras certas. %nt#o, ele desapareceu em silêncio. 9um minuto estava ali, mesmo ao p! de mim, e no minuto seguinte desaparecera, engolido pelas trevas. "pontei a lanterna para o lugar onde ele deveria estar. 9a escurid#o apenas se via, vagamente, uma parede toda (ranca.
Como o homem tinha dito, a porta n#o estava fechada U chave. " maçaneta girou sem fazer ru)do de(aiPo dos meus dedos. Tive o cuidado de apagar a lanterna, antes de entrar no quarto com passinhos de l#. O quarto continuava mergulhado em silêncio, sem o menor 2G "inda e sempre a referência na o(ra de +urakami a The >ollo` +en, de T. 8. %liot KOs >omens Wazios, na traduç#o de &o#o 'aulo Aeliciano pu(licada pela >ienaL. K9. da T.L sinal de presença humana. 8ó se ouvia o ru)do seco do gelo a estalar dentro do (alde. "cendi a lanterna e fechei a porta U chave atr$s de mim, produzindo um (arulho met$lico anormalmente forte. %m cima da mesinha ao centro do quarto viase uma garrafa de CuttS 8ark por a(rir, copos limpos, um (alde com gelo. +esmo ao lado, a (andeja cromada reflectia provocantemente o feiPe da lanterna, como se estivesse U minha espera desde h$ muito. %, como se tam(!m tivesse esperado por aquele momento durante todo aquele tempo, o cheiro do pólen das flores tornouse mais intenso. I minha volta, o ar fezse mais denso, e o peso da gravidade aumentou. e costas para a porta, procurei detectar algum movimento em redor fazendo incidir a luz da lanterna no ar U minha frente. %ste lugar ! perigoso. "qui, ! considerado um invasor, e o seu Ynico aliado sou eu. =em(rese (em disso. 9#o me encandeies com essa luz disse uma voz feminina vinda das profundezas do quarto. 'rometes n#o lançar essa luz so(re mimV 'rometo respondi eu. G0 " luz de um pirilampo
Ouvi o (arulho dos lençóis a roçarem um no outro. %la ergueuse devagarinho, pegou no copo e encostouse U ca(eceira da cama. "gitou ao de leve o copo, fazendo tilintar o gelo, e (e(eu um gole. 9o meio da escurid#o, todos aqueles ru)dos eram, aos meus ouvidos, como efeitos sonoros de um folhetim radiofónico. 'ela minha parte, ergui o copo para sentir o cheiro do $lcool, mas continuei sem (e(er. >$ muito tempo que n#o nos encontr$vamos disse eu. " minha voz soava agora num tom mais natural do que antes. "chasV retorquiu ela. "inda hoje estou para sa(er o que ! que essa coisa do Zh$ que tempos[ ou Zh$ muito tempo[ quer dizer. 8e n#o me falha a memória, n#o nos v)amos desde h$ um ano e cinco meses, para ser ePacto. "h, sim fez ela com indiferença. 'ois eu, para ser ePacta, n#o me lem(ro (em. 'ousei o copo no ch#o e cruzei as pernas. 5uando aqui estive, da Yltima vez, tu n#o estavas c$, pois n#oV X evidente que estava, aqui deitada na cama, como agora. 9unca saio daqui. +as olha que foi no quarto :4 que eu estive, tenho a certeza a(soluta. %ste ! o :4, n#o !V %la fez girar os cu(os de gelo dentro do copo. epois soltou um risinho a(afado. % eu tenho a certeza a(soluta de que est$s de certeza enganado. eves ter entrado num outro quarto com o nYmero :4, isso ! mais que certo. 9otavase na sua voz uma som(ra de incerteza que me irritava. 'odia ser o $lcool a falar por ela. Tirei o gorro de l# da ca(eça e pouseio nos joelhos. 211 O telefone n#o funcionava disse eu. 8im, ! verdade retorquiu ela com uma pontinha de resignaç#o %les mandaram cort$lo. % se eu gostava de falar ao telefone... % s#o eles que te mantêm aqui fechada, n#o s#oV >mm, disso j$ n#o tenho (em a certeza respondeu ela, rindo em voz (aiPa. 5uando se ria, a sua voz parecia tremer, fazendo vi(rar o ar em volta. Tenho pensado muito em ti, desde a Yltima vez que aqui estive disse eu, virandome na direcç#o dela. 'erguntava a mim próprio quem serias, que dia(o estarias a fazer. "h, simV 'arece interessante replicou ela. 7maginei diversas coisas, mas por enquanto ainda n#o tenho certezas. "inda estou só na fase das ideias. +uito (em referiu ela com admiraç#o. 5uer ent#o dizer que ainda n#o tens certezas, mas que j$ tens algumas ideias. X isso mesmo. %, para te dizer a verdade, acredito que tu !s a Fumiko. "o princ)pio n#o me aperce(i disso, mas agora estou cada vez mais convencido. " s!rioV disse ela passado um momento, parecendo divertida com a ideia. 5uer ent#o dizer que eu sou a FumikoV e repente, fiquei desorientado. Tive a sensaç#o de estar a cometer um grave erro. Tinha vindo ao lugar errado e estava a dizer as coisas erradas U pessoa errada. %ra tudo uma perda de tempo, um desvio sem sentido. epois l$ consegui encontrarme no escuro. 'ara tornar a encontrar o contacto com a realidade, apertei o (on! que tinha so(re os joelhos com am(as as m#os. 8im, acredito que tu sejas a Fumiko. 7sto porque todas as pontas soltas ficaram atadas. 'assaste a vida a telefonarme daqui. 'enso que estarias a querer revelarme algum segredo.
coisa que a verdadeira Fumiko, no mundo real, n#o me podia dizer. 'or isso, eras tu que o fazias em vez dela atrav!s de uma linguagem cifrada. 'or momentos ela n#o disse nada. 7nclinou o copo e (e(eu um gole de u)sque, depois pegou no que eu tinha ditoE -om referiu , se ! isso o que pensas, talvez tenhas raz#o. Talvez eu seja, na realidade, Fumiko. "inda n#o estou totalmente convencida. 'or!m, a ser verdade, se eu for realmente Fumiko, poderia falar contigo usando a voz de Fumiko, quero dizer, atrav!s da sua voz, n#o te pareceV X uma conclus#o lógica. Torna as coisas um (ocadinho mais complicadas, ! certo. Aazte diferençaV 9#o me importo respondi. " minha voz tornara a perder a calma e a noç#o da realidade. " mulher pigarreou no escuro. Wamos l$ ver se consigo disse. % soltou novamente um riso estrangulado. evo dizerte que n#o ! nada f$cil. %st$s com pressaV podes ficar mais um (ocadinhoV 9#o sei. Talvez se arranje disse eu. %spera um momento. esculpa l$... >em... X só um minutinho. %sperei. Com que ent#o, vieste at! aqui U minha procuraV 5uerias vermeV " voz de Fumiko, muito s!ria, ressoou no escuro. 9#o voltara a ouvir Fumiko desde aquela manh# de 'rimavera em que a tinha ajudado a su(ir o fecho das costas do vestido. =em(ravame de que Fumiko tinha posto atr$s das orelhas umas gotas da $guadecolónia que lhe havia oferecido algu!m que n#o eu. epois sa)ra de casa para n#o mais voltar. "quela voz nas trevas, verdadeira ou imitada, teve o cond#o de me transportar Uquela manh#. 'odia cheirar o seu perfume, ver a pele (ranca das suas costas. 9o escuro, as minhas recordaç\es tinham peso e densidade eram porventura mais pesadas e densas do que na realidade. "garrei no meu gorro ainda com mais força. 'ara ser preciso, n#o vim at! aqui para te ver. Wim at! aqui para te (uscar afirmei eu. %la deiPou escapar um ligeiro suspiro. 'or que ! que desejas tanto levarme de volta contigoV 'orque te amo respondi. % tu tam(!m me amas, e me desejas. %st$s muito seguro de ti replicou Fumiko, ou a voz de Fumiko, num tom que n#o denotava qualquer menosprezo, mas que tam(!m n#o era propriamente calorosa. 9a sala ao lado, dava para ouvir o gelo a estalar dentro do (alde. 9o entanto, ainda tenho alguns enigmas para resolver antes de te levar comigo continuei eu. 9#o ! um (ocado tarde para reflectires nisso tudo com calmaV perguntou ela. 'ensei que me tinhas dito que n#o tinhas muito tempo... %la tinha raz#o. Tinha pouco tempo e demasiadas coisas em que pensar. =impei o suor da frente com as costas da m#o. Z'ode muito (em ser esta a tua Yltima oportunidade[, disse a mim mesmo. 'ensa, mas despachate^ 'reciso da tua ajuda. 9#o sei se pode ser disse a voz de Fumiko. 8e calhar, n#o vai dar, mas estou disposta a tentar. " primeira pergunta diz respeito U tua sa)da de casa. 5uero sa(er a verdadeira raz#o que te levou a partir. -em sei que na carta que me enviaste dizias que era por causa de estares envolvida com outro homem. =i a carta vezes sem conta, acredita. "t! certo ponto aceito essa ePplicaç#o, só n#o acredito que seja essa a verdadeira raz#o. 8oa a falso, n#o me convence. 9#o estou a dizer que seja men tira, atenç#o, mas, ao mesmo tempo, sinto que n#o passa de uma met$fora.
tua irm#. Wendo (em, vivia na mesma casa, de(aiPo do mesmo tecto que ele, n#o tinha para onde escapar. Is tantas, escolheu a morte porque n#o conseguiu aguentar mais a situaç#o. % os teus pais sempre esconderam de ti o facto de ela se ter suicidado, n#o ! assimV 9#o houve resposta. "o fundo das trevas, ela continuava muda, como se tentasse ocultar a sua presença. %u continueiE " partir de certo ponto, n#o sei por que raz#o, 9o(oru RataSa deve ter reforçado de forma (rutal o seu poder destrutivo. %, atrav!s da televis#o e de outros meios de comunicaç#o, conseguiu dirigir esse poder em grande escala contra toda a sociedade, servindose dele para se apropriar do que essa enorme multid#o de pessoas anónimas esconde no mais profundo do seu inconsciente. A$lo em (enef)cio dos seus próprios fins pol)ticos. % isso ! muito perigoso, isso que ele est$ a tentar por todos os meios tirar de dentro das pessoas, est$ fatalmente impregnado de sangue e violência. % est$ directamente ligado com as trevas mais negras da história da humanidade. 'orque ! algo que aca(ar$ por arruinar e destruir muit)ssimas pessoas. %la suspirou no escuro. 9#o me queres arranjar outro u)squeV pediu com uma voz calma. =evanteime, dirigime U mesadeca(eceira e peguei no copo vazio. %ram os Ynicos gestos que eu conseguia fazer Us escuras sem dificuldade. " seguir fui at! U outra sala, acendi a lanterna e preparei um segundo u)sque com gelo. Tudo isso n#o ! mais do que o produto da tua imaginaç#o certoV perguntou ela. =imiteime a reunir algumas ideias que me ocorreram respondi. 9#o tenho nenhumhuma (ase que me permita provar que isto ! verdade. %m todo o caso, gostaria de sa(er como ! que continua. 8e ! que continua. egressei ao quarto e deiPei ficar o copo so(re a mesadeca(eceira. %m seguida, apaguei a lanterna e senteime na cadeira. Concentreime e prossegui o meu relato. Tu nunca chegaste a sa(er concretamente o que aconteceu U tua irm#. %la avisoute antes de morrer, mas tu ainda eras muito pequena e n#o foste capaz de apreender o verdadeiro significado da sua mensagem. 9o entanto, ainda que vagamente, perce(este que de certa maneira 9o(oru RataSa tinha ultrajado e magoado a tua irm#. 8entias que nas tuas veias corria uma esp!cie de o(scuro segredo e que isso era uma coisa de que nem tu própria estavas a salvo. 'or isso te sentias sempre sozinha, sempre inquieta, na casa onde vivias. Wivias numa imensa e indefin)vel angYstia, sempre lat!nte. Como aquelas medusas que vimos no aqu$rio. Z5uando aca(aste a universidade e uma vez ultrapassados todos os tr_mites e dificuldades , pudeste finalmente casarte comigo e afastarte da casa onde vivia 9o(oru RataSa. "o meu lado, levaste uma vida serena que te fez esquecer a escurid#o dos teus antigos medos. "os poucos, começaste a recuperar e a integrarte na sociedade, como uma pessoa nova. urante um tempo, acreditaste que estava tudo a correr (em, mas as coisas n#o eram assim t#o simples.
possivelmente, ele só consegue relacionarse sePualmente com as mulheres por essa via. 'or isso ! que tentou afastarte de mim nesse momento, quando essa tendência começou a manifestarse em ti. %le precisava desesperadamente de ti. 9o(oru RataSa precisava de ti para desempenhares o papel que em tempos fora o da tua irm# mais velha. 5uando aca(ei de falar, um silêncio profundo preencheu o vazio do quarto. Tudo aquilo era fruto da minha imaginaç#o. "lgumas partes eram ideias vagas que me tinham vindo U ca(eça at! U data, e o resto tinhame ocorrido U medida que ia falando, ali no escuro. 'odia muito (em ter acontecido que o poder das trevas tivesse de certo modo ePaltado a minha imaginaç#o, ajudandome a preencher os espaços em (ranco. Ou ent#o, tam(!m podia ter acontecido que a presença daquela mulher me tivesse ajudado.
"garrei nele pela (ase e erguio U altura dos olhos. %ra, sem som(ra de dYvida, o taco que arre(atara ao homem com o estojo de guitarra. Werifiquei a forma do punho, o tacto, o peso. 8ó podia ser. %ra o taco de (ase(ol. Contudo, ao inspeccion$lo, desco(ri que estava qualquer coisa agarrada, mesmo por cima da marca que tinha no cimo. 'areciam ca(elos humanos. esprendios e apalpeios com os dedos. " julgar pela espessura e pelo tamanho, era ca(elo humano verdadeiro. >avia meia dYzia de ca(elos agarrados a um co$gulo de sangue. "lgu!m se servira daquele taco para dar com ele na ca(eça de outro ser humano provavelmente 9o(oru RataSa. Aoi com dificuldade que consegui ePpelir o ar que tinha atravessado na garganta. %ste ! o teu taco, n#o ! verdadeV perguntou ela. Creio que sim retorqui eu, contendo a emoç#o. 9o meio daquela escurid#o, tam(!m a minha voz começava a adquirir um tom diferente, como se fosse outra pessoa a falar por mim. "ntes de prosseguir, limpei a garganta para ter a certeza de que era mesmo eu a falarE 8egundo parece, o taco foi usado como arma para golpear algu!m. %la continuou calada e (em calada. 8entado, (aiPei o taco e coloqueio entre as pernas. eves sa(er muito (em a que me refiro. "lgu!m agrediu 9o(oru RataSa na ca(eça com o taco. " not)cia que deu na televis#o era verdade. 9o(oru RataSa est$ em coma no hospital e o seu estado ! considerado muito grave. Talvez n#o resista aos ferimentos e morra. %le n#o vai morrer disse a voz de Fumiko, sem ponta de emoç#o. irseia que enunciara um facto histórico escrito num livro. 9o entanto, ! prov$vel que nunca mais recupere a consciência. Talvez esteja condenado a errar eternamente nas trevas. "gora, que trevas s#o essas, ! uma coisa que ningu!m sa(e. Is cegas, apanhei o copo do ch#o e engoli a (e(ida de um só gole, sem pensar. "quele l)quido ins)pido escorregoume pela garganta e desceu at! ao esófago. e repente, sem motivo algum, senti um calafrio. Tive a sensaç#o de que algo se estava a aproPimar devagarinho de mim, atrav!s do longo corredor das trevas, e que estava cada vez mais perto. Como se o tivesse pressentido, o meu coraç#o desatou a (at!r desalmadamente. 9#o temos muito tempo disse eu. 5uero que mo digas, se puderes. 5ue dia(o de lugar ! esteV &$ aqui estiveste antes, por mais do que uma vez, e encontraste sempre o caminho para aqui chegar. "l!m disso, consegues sempre so(reviver sem ser destru)do. evias sa(er onde te encontras. 8eja como for, isso agora de pouco ou nada importa. O mais importante... Aoi ent#o que se ouviu uma pancada na porta.
irigime para a porta sem fazer (arulho, apontando a luz da lanterna para os meus p!s. O taco estava na minha m#o direita, la ainda a caminho quando voltaram a (at!rE duas pancadas, depois depois outras duas duas pancadas. pancadas. esta vez com mais força, mais violência. violência. %ncosteime U parede que fazia um _ngulo com a porta e esperei, mal respirando. 5uando os golpes pararam, um silêncio profundo a(at!use de novo so(re tudo, como se nada tivesse acontecido. " verdade, verdade, por!m, ! que sentia ainda uma presença do outro lado da porta. %sse algu!m estava ali, de p!, U escuta e contendo a respiraç#o, tal como eu. %m silêncio, esforçandose por ouvir os (atimentos de um coraç#o, ouvir o som de um suspiro, ler o movimento de um pensamento. %u respirava em silêncio, sem agitar o ar em meu redor. r edor. 9#o estou aqui, disse para comigo mesmo. 9#o estou aqui, n#o estou em parte alguma. 'ouco depois, ouviuse uma chave a girar na fechadura. %sse algu!m ePecutava cada um dos seus gestos muito devagar, com ePtrema cautela. Os sons chegavam at! mim de tal maneira fragmentados e isolados uns dos outros que deiPavam de ter significado. 5uando a maçaneta rodou, apenas se ouviu o percept)vel chiar dos gonzos. "s contracç\es do meu coraç#o aceleraram. Tentei acalm$las, mas sem o conseguir. "lgu!m entrou no quarto. 8enti a vi(raç#o do ar. Concentreime para apurar os meus cinco sentidos e perce(i o vago odor de um corpo estranho.
+ais dois passos, e poderia aca(ar com aquele pesadelo am(ulante. 9aquele preciso momento, por!m, a luz desapareceu. Tudo Tudo voltou a mergulhar na escurid#o profunda. Tinha apagado apagado a lanterna. Is escuras, tentei fazer o meu c!re(ro funcionar rapidamente, mas em v#o. 'or um instante, um calafrio desconhecido percorreu o meu corpo. O homem tinhase aperce(ido da minha presença. Z+ePete[, pensei. Z9#o fiques a) parado.[ Tentei Tentei passar o peso do p! direito para o p! esquerdo, mas os meus p!s n#o se mePeram, estavam como que pregados ao ch#o, como a est$tua do p$ssaro. 7nclineime para a frente e Us tantas l$ me consegui p]r de cócoras, inclinando a parte superior do tronco para a esquerda. % foi f oi ent#o que algo chocou violentamente contra o meu om(ro direito.
urante alguns instantes permaneceu ca)do por terra, numa esp!cie de estertor, at! que o ru)do aca(ou de vez. Aechei os olhos e, sem pensar, assestei o golpe definitivo no lugar de onde tinha vindo o som arquejante, 9#o queria fazêlo, mas n#o tinha escolha. Tinha de aca(ar com eleE n#o era por ódio, nem por medo, era pura e simplesmente simplesmente porque devia devia fazêlo Ktinha de o fazerL. fazerL. 9a escurid#o, escurid#o, algo re(entou como uma peça de fruta madura.
ver se perce(ia o que estava a acontecer. O que haveria ali de diferenteV " verdade ! que o meu corpo se encontrava ainda como que paralisado, e as Ynicas impress\es que tinha eram incompletas, fragment$rias. Tive Tive a sensaç#o de ter sido posto, por engano, num recipiente errado. 9o entanto, ao fim de algum tempo comecei a compreender. compreender. Jgua. %stava cercado de $gua. O poço deiPara de estar seco. %ncontravame sentado no meio da $gua. espirei fundo v$rias vezes para ver se me acalmava. 5ue teria acontecidoV %stava a jorrar $gua. 9#o estava fria, pelo contr$rio, at! me parecia quase t!pida, dirseia a $gua de uma u ma piscina aquecida. =em(reime ent#o de meter a m#o ao (olso, U procura da lanterna. Teria Teria trazido a lanterna do outro mundoV >averia alguma ligaç#o entre o que acontecera l$ e esta realidade que agora me rodeavaV "s m#os, por!m, n#o me responderam, nem t#o pouco as pernas. pernas. 9#o me conseguia conseguia sequer sequer levantar. 'rocurei reflectir calmamente, fazer o ponto da situaç#o. 'rimeiro que tudo, a $gua ainda só me chegava U cintura, por isso n#o corria perigo de me afogar. X certo que n#o me podia mePer, mas isso devia ser porque tinha a(usado das minhas forças e estava esgotado. I medida que o tempo fosse passando, aca(aria por recuperar a minha energia. "s "s feridas n#o eram profundas e, enquanto o corpo estivesse dormente, n#o sentiria dor. O sangue estava seco e j$ deiPara de me escorrer pela cara. Z%st$ tudo (em, n#o tenho motivos de preocupaç#o[, pensei, encostando encostando a ca(eça toda U parede. "gora, sim, ! que aca(ara tudo. -astavame descansar um (ocadinho e, depois, regressaria ao mundo U superf)cie da Terra, o mundo inundado de luz, ao meu mundo de origem... +as por que dia(o ! que o poço começara de repente a produzir $guaV "final, estivera tanto tempo vazio, morto, por que raz#o ! que agora voltara a funcionar, a ter vidaV % teria isso alguma relaç#o com aquilo que eu ali tinha feitoV %ra prov$vel que sim. 8e calhar alguma coisa tinha feito saltar o tamp#o que anteriormente o(stru)a a corrente. 'ouco depois, deime conta de uma realidade sinistra. "o princ)pio ainda tentei desesperadamente desesperadamente iludila. " minha mente foi enumerando diversas possi(ilidades, com vista a negar a evidência. Tentei convencerme de que era uma ilus#o provocada pela escurid#o e pelo cansaço juntos. "ca(ei, "ca(ei, no entanto, por ter de me render r ender e n#o tive outro rem!dio sen#o aceit$la como um dado adquirido. 'or mais que tentasse enganar me a mim mesmo, a realidade n#o desapareceria. " $gua estava a su(ir. 'ouco antes, chegavame U cintura agora, por!m, davame pelos joelhos, do(rados contra o peito. =enta mas paulatinamente, estava a acontecer, o n)vel da $gua estava a aumentar. Woltei a tentar mePerme. Chamei a mim todas as forças e redo(rei esforços no sentido de ordenar aos mYsculos que se mePessem. Aoi inYtil. O mais que consegui foi virar um nadinha o pescoço. Olhei para cima. " tampa estava fechada. Tentei ver as horas no relógio de pulso que trazia no (raço esquerdo, mas nada feito. " $gua (rotava de uma fenda e tudo indicava que ia correndo cada vez mais veloz. " princ)pio, corria apenas apenas um pequeno pequeno fio, agora quase quase que jorrava. ava ava para ouvir. ouvir. 9#o tardou a chegarme U altura do peito. "t! onde ! que poderia su(irV X preciso ter cuidado com a $gua, j$ l$ dizia o senhor >onda. 9a altura, pouco ou nada ligara U profecia. X certo que n#o me esquecera das suas palavras Keram demasiado estranhas para me ter esquecido delasL, mas o certo ! que nunca as tinha levado a s!rio. O senhor >onda n#o passara de um episódio inofensivo das nossas vidas, e a profecia transformarase numa (rincadeira. e vez em quando eu viravame para Fumiko e diziaE ZWê l$ se tens cuidado com a $gua.[ % desat$vamos os dois a rir. Xramos jovens, n#o precis$vamos de profecias para nada. Wiver j$ era em si uma profecia. "final de
contas, quem tinha raz#o era o senhor >onda. 8ó me dava vontade de rir Us gargalhadas. " $gua estava a su(ir, e eu estava numa situaç#o desesperada. 'ensei em +aS Fasahara. 7maginei que ela chegava ali e levantava a tampa via a cena como se ela se estivesse a passar diante dos 3G meus olhos, com uma incr)vel nitidez. " imagem era t#o real e t#o n)tida que eu quase podia entrar nela. O meu corpo n#o se mePia mas a minha imaginaç#o imaginaç#o continuava a tra(alhar. 5ue mais podia eY fazer, para al!m de dar largas U imaginaç#oV Ol$, senhor '$ssaro de Corda^ disse +aS Fasahara. " voz dela ecoava por todas as concavidades concavidades do poço. 9#o fazia ideia de que um som pudesse ressoar mais profundamente num poço com $gua $gua do que num poço seco. 5ue 5ue fazes a)V Outra Outra vez a meditarV 9ada de especial respondi eu, olhando para cima. "gora n#o tenho tempo para grandes ePplicaç\es, mas a verdade ! que n#o me consigo mePer. "l!m disso, a $gua começa a su(ir dentro do poço. O poço j$ n#o est$ seco, como estava. 'or este andar, vou aca(ar por morrer afogado. 'o(re senhor '$ssaro de Corda disse +aS Fasahara. %sforçastete desesperadamente desesperadamente por salvar Fumiko. % muito provavelmente at! o conseguiste^ CertoV 7sto ao mesmo tempo que no decorrer do processo salvavas uma data de outras pessoas. %, agora, n#o tens quem te salve a ti. %sgotaste todas as tuas forças e o teu destino salvando os outros. &$ n#o te so(ra nenhumhuma semente no saco, est#o todas semeadas aqui e ali. 5ue injustiça, n#o te pareceV Tenho Tenho muita pena de ti, senhor '$ssaro de Corda. " s!rio, lamento do fundo do coraç#o, mas, vendo (em, foste tu a escolher este caminho. %ntendes o que te quero dizerV 8im, creio que sim retorqui eu. e repente senti uma dor surda no om(ro direito. Z"final, sempre era verdade, aquilo tinha acontecido mesmo[, pensei. "quela "quela faca era verdadeira e tinhame cortado a s!rio. Olha uma coisa, tens medo da morteV quis sa(er +aS Fasahara. X evidente que sim respondi. Conseguia ouvir o eco da minha voz nos meus ouvidos. %ra a minha voz e, ao mesmo tempo, n#o era. Claro que tenho medo quando penso que vou morrer afogado desta maneira no fundo de um poço escuro. 9esse caso, adeus, po(re senhor '$ssaro de Corda disse +aS Fasahara. Tenho muita pena, mas nada posso fazer para te ajudar. %stou demasiado longe. "deus, +aS Fasahara disse eu. Aicavas muito (onita com aquele (iquini. % ent#o +aS Fasahara repetiu com uma voz muito suaveE "deus, po(re senhor '$ssaro de Corda. epois a tampa do poço fechouse. " imagem desvaneceuse. desvaneceuse. 9#o aconteceu mais nada. "quela imagem n#o estava ligada a coisa nenhumhuma. nenhumhuma. Dritei na direcç#o da (oca do poçoE Z+aS Fasahara, Fasahara, onde ! que est$s e o que andas a fazer quando mais preciso de tiV[ " $gua davame pela garganta. Como uma corda, começava a apertarse U roda do pescoço, como como a corda de um enforcado. Comecei Comecei a sentir dificuldades dificuldades em respirar. respirar. e(aiPo de $gua, o coraç#o marcava com esforço o compasso do tempo que ainda me restava. 8e a $gua continuasse a su(ir sempre ao mesmo ritmo, em cinco minutos estaria a co(rirme a (oca e o nariz, num instante chegaria aos pulm\es. 9#o tinha maneira de escapar. escapar. "final, "final, tinha sido eu a dar vida Uquele poço e agora aquele poço era a causa da minha morte. 9o mundo h$ muitas maneiras (em piores de morrer. Aechei os olhos e tentei aceitar a morte da maneira mais serena e pac)fica que me foi poss)vel. %sforceime %sforceime por vencer o medo. medo. 'elo menos menos tinha conseguido conseguido deiPar algumas algumas coisas para a posteridade, o que me dava uma certa consolaç#o.
(oas not)cias anunciamse anunciamse sempre sempre (aiPinho. Tentei Tentei sorrir ao ao recordar esta frase, frase, mas n#o fui capaz. Z"pesar de tudo, estou com medo de morrer[, sussurrei a mim mesmo. 8eriam aquelas as minhas Yltimas palavras. 9#o se podia dizer que fossem particularmente memor$veis. memor$veis. "gora "gora era tarde de mais para mudar mudar de discurso. " $gua chegavame U (oca, depois chegou ao nariz. eiPei de respirar. r espirar. Os meus pulm\es lutavam desesperadamente desesperadamente por ar novo, mas ar era coisa que n#o havia. "penas $gua t!pida. %stava a morrer. Como muitas outras pessoas que vivem neste mundo. G3 " história da fam)lia pato 8om(ras e l$grimas KO ponto de vista de +aS Fasahara 3L Ol$ outra vez, senhor '$ssaro de Corda^ %spero (em que esta carta chegue Us tuas m#os. 'ara dizer a verdade, n#o tenho feito outra coisa sen#o escreverte cartas e mais cartas, e começo a n#o ter assim tanta certeza de que as tenhas rece(ido todas. " (em dizer, a morada para onde as tenho enviado ! assim a modos que uma morada ZaproPimada[, al!m de que n#o tenho posto remetente, por isso o mais prov$vel ! as cartinhas terem ido parar a um correio qualquer e estarem todas empilhadas e ao pó na postarestante, com o carim(o Zdestinat$rio desconhecido[ em cima. "t! U data, costumava pensarE Tudo (em se as cartas n#o chegam ao destino, que se liPe^ O que ! que um$ pessoa h$de fazerV O importante, para mim, era transformar os meus pensamentos em palavras e fazerte passar a mensagem. 9#o sei porquê, mas o certo ! que que me era f$cil alinhar alinhar as palavrasE só de pensar que que era a ti que se destinavam, as frases como que se escreviam sozinhas. X verdade, por que ser$V %sta carta, por!m, ! para ser lida por ti, dê l$ por onde der. 8ó espero e rezo para que, esta sim, te chegue Us m#os. 'ara começar, vou falarte na fam)lia pato. 8e (em que esta seja novidade para ti, mas aqui vai. Como j$ te ePpliquei, o terreno da f$(rica onde tra(alho ! muito grande e at! tem espaço para um (osquezinho e um tanque, onde por sinal ! muito agrad$vel andar a passear. passear. O tanque tanque ! (astante grande grande e ! ali que vive a fam)lia pato. "o todo, uma uma dezena de palm)pedes. 9#o sei at! que ponto se pode falar em fam)lia, nem de que forma est#o organizados, organizados, mas ! prov$vel que, entre si, eles tenham as suas discuss\es, discuss\es, com alguns dos mem(ros a daremse melhor com uns e n#o t#o (em com outros e assim. " verdade ! que nunca os vi andar U (ulha. %stamos em ezem(ro e o tanque começa a ficar gelado, ainda que a camada de gelo n#o seja l$ muito espessa e contique sempre a haver uma ePtens#o de $gua suficientemente grande para que os patos possam nadar um (ocadinho, mesmo com frio e tudo. izemme algumas das minhas companheiras de tra(alho que, mal as temperaturas (aiParem mais e o tanque ficar f icar co(erto de gelo, fazem tenç\es de começar a vir patinar para aqui. 9essa altura, a fam)lia pato r(em sei que ! uma ePpress#o um (ocado estranha, estranha, mas ha(itueime ha(itueime a falar assim e saime, saime, o que ! que que queresVL n#o ter$ outro rem!dio sen#o ir para outras paragens. 9o fundo, se queres que te diga, penso que o melhor que poderia acontecer era o tanque n#o gelar, porque odeio patinagem so(re o gelo, mas, pelos vistos, n#o devo ter sorte nenhumhuma. "qui, "qui, nesta zona do pa)s, os invernos s#o muito rigorosos. 5uanto U fam)lia pato, uma vez que ! aqui que vive, n#o ter$ outro rem!dio sen#o prepararse para o que der e vier.
9os Yltimos tempos, venho sempre para aqui ao fimdesemana fimdesemana e mato o tempo a o(servar a fam)lia pato. 'osso perfeitamente ficar duas ou três horas a olhar para eles que nem dou pelas horas a passar. O tempo voa. Wenho (em equipada para enfrentar o frio, cheia de malhas, gorro, cachecol, (otas, casaco, mais pareço um caçador de ursos polares. 8entome numa pedra e fico ali, horas a fio, sozinha, sozinha, sem pensar pensar em nada, a ver a fam)lia pato nas suas andanças. Is vezes, atirolhes com uns (ocados de p#o duro. %scusado ser$ dizer que, por estas (andas, mais ningu!m tem vida para isto. 8e calhar ! uma coisa que tu n#o sa(es, senhor '$ssaro de Corda, mas os patos s#o gente divertida. 'or mais tempo que passe na companhia deles, nunca me canso. 9#o entendo como ! que as outras raparigas perdem o seu rico tempo a deslocarse at! U cidade mais próPima e ainda por cima pagam dinheiro para ir ao cinema ver filmes que n#o interessam a ningu!m quando podiam estar aqui a assistir a este espect$culo^ Wolta e meia, os patos aparecem a voar e at!rram em cheio no gelo, desatando a (at!r as asas, e muitas vezes re(olam e cdem. % mil vezes mais divertido do que uma daquelas s!ries de com!dia que passam na televis#o^ Claro que a fam)lia pato n#o faz de propósito para o meu divertimento. =evam at! muito a s!rio a sua vida, o que acontece ! que de vez em quando começam a patinar e d#o as suas quedas, mais nada. AiPe, n#o te pareceV %sta fam)lia pato que conheço tem umas patas planas e achatadas cor de laranja, que fazem lem(rar as (otas que eu usava em criança quando comecei a andar na escola, mas ! ó(vio que n#o foram f oram feitas para andar so(re gelo. Todos Todos os mem(ros da fam)lia escorregam e alguns cdem de cu. 'elos vistos, n#o possuem nenhum sistema antiderrapante. 9estas condiç\es, condiç\es, ! ó(vio que o 7nverno n#o ! propriamente uma estaç#o divertida para a fam)lia pato. O que ser$ que eles pensam, l$ no fundo a respeito do geloV -em que gostaria de sa(er a resposta a esta pergunta. "inda "inda assim, n#o creio que o cen$rio lhes desagrade tanto quanto isso. "o vêlos, pelo menos ! essa a conclus#o a que chego. iria mesmo que eles at! tiram partido da vida que levam, mesmo no 7nverno. Is vezes, parece que estou a ouvilos resmungarE ZDeloV Outra vezV -em, paciência...[ ") ") tens outra coisa que me agrada na fam)lia pato. O tanque fica no meio do (osque, longe de tudo e de todos. 9ingu!m Ka n#o ser eu, claroL se d$ ao tra(alho de vir at! aqui nesta altura do ano, ePcepto num ou noutro dia de sol. " neve neve que caiu h$ meia dYzia de dias transformouse em gelo no caminho que vai dar ao (osque, e, ao pis$lo com as minhas (otas, o gelo partese com um (arulhinho agrad$vel. Tam(!m se podem ver muitas aves por estas (andas. 5uando caminho com a gola do casaco levantada e o cachecol todo enrolado U volta do pescoço, lançando uma nuvem (ranca de respiraç#o, com um pedaço de p#o duro no (olso, a pensar que vou ter com a fam)lia pato, sintome contente e alegre como um passarinho. "o "o ponto de pensar que h$ muito tempo que n#o ePperimentava esta sensaç#o de felicidade. 'ronto, ficamos por aqui no que diz respeito U fam)lia pato^ 'ara ser franca, acordei h$ coisa de uma hora, quando estava a sonhar contigo, senhor '$ssaro de Corda, e senteime logo U mesa a escreverte esta carta. "gora s#o Kolho para o relógioL ePactamente duas e dezoito. %nfieime na cama pouco antes das dez, como de costume, despedime dizendo Z-oa noite a todos, fam)lia pato[, e adormeci como uma pedra, para acordar acordar de repente, mesmo mesmo h$ (ocadinho. (ocadinho. " verdade ! que n#o tenho a certeza se foi um sonho ou n#o. 7sto porque n#o me lem(ro nada do que sonhei. Começo a pensar que, se calhar, n#o se tratou de um sonho. Tudo o que sei ! que ouvi claramente a tua voz. Ouvi a tua voz e tu, senhor '$ssaro de Corda, estavas estavas a chamar por mim, alto e (om som. Dritavas o meu nome, vezes sem conta. 'or isso ! que acordei assim so(ressaltada.
5uando a(ri os olhos, o quarto n#o estava totalmente Us escuras, visto que entrava a luz da =ua por uma janela. %sta grande =ua suspensa so(re as colinas como uma (andeja cromada. mm. 9#o me digas nada. 9em sequer eu sei o que me levou a fazer isto. Contentate em ouvir a minha história sem me interromper. 8eja como for, fiquei toda nua e saltei da cama. epois pusme de joelhos, iluminada pela luz (ranca do luar. entro do quarto devia estar frio, com o aquecimento desligado, mas nem dei por isso. Tinha a sensaç#o de que, atrav!s da luz da =ua que entrava pela janela, havia algo de especial que me protegia, envolvendome como se fosse uma fina pel)cula protectora. eiPeime ficar ali despida durante algum tempo, sem pensar em nada, e a seguir ePpus U luz da =ua cada uma das partes do meu corpo, uma atr$s da outra. 9#o sei como dizer isto de outra maneira, para mim, era a coisa mais natural do mundo. %ra imposs)vel n#o o fazer, ali ePposta Uquela luz t#o espantosa e t#o (onita. 'usme de maneira a que a luz incidisse no pescoço, nos om(ros, nos (raços, no peito, na (arriga, nas pernas, no ra(o e naquele s)tio que tu (em sa(es onde, como se estivesse a (anharme. b 8e houvesse algu!m a espreitar pela janela, por certo teria achado a cena (izarra. evia ter o ar de uma lun$tica qualquer, daquelas que nas noites de lua cheia perdem por completo o tino. %scusado ser$ dizer que ningu!m me p]s a vista em cima. 5uando muito, só se o rapaz da moto estivesse U coca, mas esse ! inofensivo. 9#o conta, est$ morto. 8e quiser olhar para mim, se for isso que lhe d$ prazer, pois ent#o que olhe e que o espect$culo lhe dê gozo. %m todo o caso, n#o havia ningu!m a verme. %stava sozinha ao luar. e vez em quando, fechava os olhos e punhame a pensar na fam)lia pato, que devia estar a dormir algures junto ao tanque. 'ensei tam(!m naquele sentimento quente, de felicidade pura, que partilhava com os mem(ros da fam)lia pato. Os patos, (em vês, s#o para mim uma esp!cie de talism# precioso. Aiquei ali, ajoelhada, ainda um grande (ocado. 8ozinha, de joelhos, j oelhos, (anhada pela =ua, completamente nua. " luz da =ua conferia ao meu corpo uma cor estranha e a som(ra do meu corpo projectavase no ch#o, formando uma mancha, escura e comprida, que alastrava at! U parede. 9#o parecia a minha som(ra, aquela. avame a sensaç#o de que era o corpo de outra mulher. e uma mulher mais madura. 9#o era o corpo de uma jovem virgem como como eu, t#o angulosa, angulosa, mas sim de de uma mulher mais cheia, com mais mais peito e os mamilos mais salientes. %, %, contudo, aquela aquela era a som(ra que que eu projectava, projectava, só que maior, mais alongada. 5uando eu me movia, a som(ra tam(!m se movia. %studei a relaç#o entre a minha som(ra e eu em todos os seus pormenores, o(servei at!ntamente o meu corpo ao mesmo tempo que fazia movimentos diferentes. 'orque seria que tinha um aspecto t#o diferente de mimV 9#o tenho resposta para isso. 5uanto mais olhava, mais estranho me parecia. % agora, senhor '$ssaro de Corda, vamos U parte realmente dif)cil de ePplicar. uvido uvido que consiga, mas aqui vai. esumindo e concluindo, desat!i a chorar de repente. 8e isto fosse o argumento de um filme, escreveriaE Z8em aviso pr!vio, +aS Fasahara co(re a cara com as m#os e rompe
em l$grimas.[ 9#o fiques assustado. "inda n#o te tinha dito nada, mas a verdade ! que sou uma chorona assumida. 5ue ! como quem diz, choro por tudo e por nada. ") tens o meu ponto fraco. O facto de eu ter começado a chorar sem nenhum motivo especial n#o !, por isso, de estranhar. 9ormalmente choro durante um (ocado e chega uma altura em que paro e digo para comigo mesma que j$ chega. "ndo sempre de l$grima ao canto do olho, ! certo, mas tam(!m fecho a torneira com toda a facilidade. %sta noite, por!m, n#o conseguia deiPar de chorar. 8altoume a rolha e foi o que se viu, n#o consegui parar.
coisas. Tu mesmo podes tirar os pontos daqui a meia dYzia de dias, ou pedir a um m!dico que o faça. Tentei dizer alguma coisa, mas sentia a l)ngua entaramelada e a voz n#o me saiu. =imiteime a inspirar e a ePpulsar o ar com um ru)do rouco, desagrad$vel. O melhor ! n#o te tentares mePer nem falar disse 9oz+oscada, sentada numa cadeira ali ao p!, com as pernas cruzadas. Canela contoume que permaneceste demasiado tempo no poço e que escapaste por um triz, mas n#o me perguntes mais nada. " verdade ! que n#o sei o que se passou. ece(i um telefonema dele a meio da noite, apanhei um t$Pi e vim a correr. esconheço os pormenores do que aconteceu antes disso. %m todo o caso, deitei fora a tua roupa, estava completamente encharcada e empapada de sangue. Com efeito, 9oz+oscada devia ter vindo a correr, visto que estava vestida de uma maneira muito mais simples do que era seu costume. Trazia um casaco de caPemira creme por cima de uma camisa Us riscas de homem e uma saia de l# verdeazeitona. 9#o usava jóias e tinha o ca(elo apanhado simplesmente atr$s. %stava com um ar vagamente cansado, o que n#o a impedia de poder figurar num cat$logo de moda. =evou um cigarro U (oca e acendeuo com o seu ha(itual isqueiro de ouro, produzindo aquele agrad$vel ru)do seco, antes de aspirar o fumo com os olhos semicerrados. "final, eu n#o tinha morrido. Z"final, n#o morri[, pensei, ao ouvir de novo o som do isqueiro. ZCanela deve terme salvado enquanto o dia(o esfregava um olho.[ Canela possui um conhecimento especial das coisas disse 9oz+oscada. %, ao contr$rio de mim ou de ti, est$ sempre a pensar profundamente em todas as eventualidades. 'elos vistos, nem sequer ele alguma vez imaginou que a $gua pudesse voltar ao poço t#o depressa. 'ura e simplesmente isso n#o estava nos c$lculos dele. 3: % a verdade ! que, por causa disso, tu ias perdendo a vida. Aoi a primeira vez que vi aquele rapaz em p_nico. "o dizer aquilo, ela sorriu ao de leve. %le deve gostar muito de ti acrescentou. " partir da), deiPei de ouvir o que ela me dizia. Começou a doerme no fundo das ór(itas, pesavamme as p$lpe(ras. Aechei os olhos e fui mergulhando aos poucos na escurid#o, como se estivesse a descer de elevador. emorei dois dias a recuperar fisicamente. urante todo aquele tempo, 9oz+oscada nunca saiu de junto de mim, uma vez que eu n#o conseguia levantarme sem ajuda nem falar, e mal podia comer. 8ó (e(ia, de vez em quando, sumo de laranja, ou ent#o comia uns pedacinhos de compota de pêssego em calda cortados muito fininhos. %la regressava a casa U noitinha e voltava a aparecer de manh#. e qualquer maneira, as noites, eu passavaas a dormir profundamente. % n#o só as noites, tam(!m dormia a maior parte do dia. Tinha a(soluta necessidade de dormir para recuperar. urante aquele tempo, Canela nunca apareceu. 'arecia estar propositadamente a evitar encontrarse comigo. Ouvia o seu carro a entrar e a sair pelo port#o. =$ de fora, chegavame o caracter)stico e profundo ronronar do motor do seu 'orsche. 'elos vistos, acompanhava 9oz+oscada a casa e usava o carro para ir (uscar e trazer roupa e comida, em vez de utilizar o +ercedes-enz só n#o entrava em casa. %ntregava o pacote a 9oz+oscada U porta da frente e iase em(ora outra vez. entro de pouco tempo j$ estaremos livres desta casa disseme 9oz+oscada. Wou começar a rece(er as clientes outra vez, n#o tenho outro rem!dio. 'elos vistos, estou condenada a continuar sozinha a ocuparme delas, at! ao fim da linha, at! ficar completamente vazia. %st$ escrito, deve ser o meu destino. % entre nós deiPar$ de haver qualquer relaç#o. 5uando tudo isto terminar e tu j$ estiveres (om, o que tens a fazer !
esquecer que nós ePistimos, e quanto mais depressa melhor. 'orque... ah, sim, j$ me estava a esquecer de te dizer uma coisa. X so(re o teu cunhado, 9o(oru RataSa. 9oz+oscada foi (uscar o jornal a outra divis#o e deiPouo ficar em cima da mesa. Canela trouPe este jornal mesmo h$ (ocadinho. iz aqui que o teu cunhado foi v)tima de um ataque. =evaramno para o hospital de 9agas$qui, onde continua em coma. 9#o sa(em dizer se conseguir$ recuperar. 9agas$quiV Tive dificuldade em compreender as palavras de 9oz+oscada. "o mesmo tempo, queria falar, mas as palavras n#o me sa)am. 9o(oru RataSa tinha sido agredido em "kasaka, n#o em 9agas$qui. 'orquê 9agas$quiV 9o(oru RataSa deu uma conferência de imprensa em 9agas$qui ePplicou 9oz +oscada perante um pY(lico numeroso, e encontravase mais tarde a jantar com os organizadores quando, de repente, caiu para o lado e teve de ser levado para o hospital mais próPimo. 'arece que se tratou de uma hemorragia cere(ral. izem que devia ter algum pro(lema cong!nito nos vasos sangu)neos que alimentam o c!re(ro. 9o jornal vem escrito que ele dever$ continuar internado durante uma grande temporada, e que, mesmo que recupere o conhecimento, nunca mais recuperar$ o uso da palavra. Como ! ó(vio, isso implica o fim da sua carreira pol)tica. 5ue pena, um homem ainda t#o novo^ -om, deiPote ficar o jornal U m#o, assim podes ler tu mesmo a not)cia quando te sentires com coragem. =evei um certo tempo a aceitar a verdade daqueles factos, uma vez que as imagens televisivas que tinha visto no $trio daquele hotel estavam gravadas na minha mente com demasiada nitidez. "s cenas ocorridas no escritório de 9o(oru RataSa, em "kasaka, os pol)cias, a entrada no hospital, a voz tensa do repórter... 'ouco a pouco, l$ me consegui convencer a mim próprio de que as not)cias a que tinha assistido eram, simplesmente, as not)cias que só ePistiam naquele mundo. 9a realidade, neste mundo, eu n#o tinha agredido 9o(oru RataSa com um taco de (ase(ol. Como tal, a 'ol)cia n#o tinha motivos para me deter ou me interrogar. O homem tinha ca)do para o lado, diante de uma quantidade de pessoas, v)tima de uma hemorragia cere(ral. 7sso ePclu)a a hipótese de crime. 5uando me dei conta disto, senti um profundo al)vio. " descriç#o do criminoso que tinha sido adiantada na televis#o correspondia ao meu perfil e o certo ! que eu n#o tinha nenhum $li(i que pudesse provar a minha inocência. evia haver, sem dYvida, alguma relaç#o entre aquela coisa que eu tinha matado dando lhe forte e feito com o taco de (ase(ol no outro mundo e o ataque fulminante de 9o(oru RataSa. %u tinha eliminado algo que ele tinha no seu interior ou a que se encontrava ligado por fortes elos. %ra prov$vel que 9o(oru RataSa tivesse pressentido o que estava para vir. O que eu tinha feito, por!m, n#o contri(u)ra para lhe tirar a vida. -em ou mal, 9o(oru RataSa ainda estava vivo. " verdade ! que deveria ter aca(ado com ele, de uma vez por todas. 5ue teria acontecido a FumikoV %nquanto 9o(oru RataSa continuasse vivo, conseguiria ela li(ertarse deleV Ou, do fundo das trevas do seu inconsciente, continuaria ele a mantêla prisioneiraV Aoi o mais longe que consegui ir nas minhas an$lises. Os meus pensamentos começaram a afundarse na escurid#o, fechei os olhos e adormeci. Tive um sono agitado, povoado de fragmentos de sonhos. Creta Fano com um (e(! nos seus (raços. 9#o se via a cara da criança, que ela apertava contra o peito. Creta Fano tinha o ca(elo curto e n#o estava maquilhada. isseme que o nome do (e(! era Córsega e que eu partilhava a paternidade com o tenente +amiSa. 9#o chegara a ir at! U ilha de Creta, pois ficara no &ap#o, onde tinha dado U luz um menino que agora estava a criar. 8ó muito recentemente ! que conseguira encontrar um novo nome para si, e levava agora uma vida tranquila e afastada, encontrandose a viver
com o tenente +amiSa nas montanhas perto de >iroPima, onde juntos se dedicavam a cultivar uma pequena horta. 9ada do que ela me disse constituiu surpresa para mim. %ra algo que tinha previsto, pelo menos em sonhos. % que ! feito de +alta FanoV perguntavalhe eu. Creta Fano n#o respondia a isto. =imitavase a p]r uma ePpress#o triste. % desaparecia do mapa. 9a manh# do terceiro dia l$ consegui, com grande dificuldade, p]rme de p! sozinho. "inda me custava horrores a caminhar, mas pelo menos j$ podia dizer qualquer coisa. 9oz+oscada preparoume arroz cozido. Comi isso e uma peça de fruta. O que ter$ acontecido ao gatoV pergunteilhe. O gato nunca deiPara de estar no centro das minhas preocupaç\es. 9#o te preocupes. Canela tem ido todos os dias a tua casa para tomar conta dele. $ lhe de comer, mudalhe a $gua. 9#o precisas de te preocupar com nada, só contigo. 5uando ! que esta casa ! vendidaV "ssim que puder ser. 9o mês que vem, se calhar. O que significa que ir$s recuperar parte do dinheiro. X poss)vel que tenha de ser vendida por um preço mais (aiPo, e que o montante a rece(er n#o seja muito alto, mas, em todo o caso, ficar$s com a tua parte do empr!stimo que pagaste todos os meses. 7sso deve (astar para te aguentares, durante algum tempo n#o precisas de te preocupar com quest\es de dinheiro. "final de contas, tra(alhaste (em, no duro, e ! justo que rece(as a tua paga. " casa ir$ ser outra vez demolidaV X o mais certo. % tam(!m devem secar o poço. X uma pena, agora que voltou a ter $gua, mas nos dias que correm ningu!m quer um velho poço daquele tamanho. "gora metem um tu(o na terra e tiram a $gua com a ajuda de uma (om(a. $ menos tra(alho e n#o ocupa espaço. 5uerme parecer que este terreno j$ se deve ter transformado num lugar normal, sem maldiç\es de esp!cie alguma alvitrei eu. " Zmans#o dos enforcados[ j$ passou U história. 'ode ser que tenhas raz#o declarou 9oz+oscada, e mordeu ligeiramente o l$(io, em sinal de hesitaç#o. 9o entanto, agora nada disso tem j$ que ver nem contigo nem comigo, n#o ! verdadeV 8eja como for, vê mas ! se descansas nos dias mais próPimos e n#o dês muitas voltas U ca(eça com coisas que n#o interessam a ningu!m. "inda vai demorar at! te resta(eleceres por completo. 9oz+oscada mostroume o artigo so(re 9o(oru RataSa que tinha sa)do num jornal matutino.
no que os meus olhos viam. " mancha tinha desaparecido^ O homem sem rosto tinha me atingido em cheio na (ochecha direita, precisamente onde estava a marca. Aicara uma cicatriz, mas a marca j$ l$ n#o estava. esaparecera da minha face sem deiPar rasto. 9o quinto dia U noite, ouvi ao longe o som das campainhas de trenó. 'assava pouco das duas da manh#. =evanteime do sof$, vesti um casaco de malha por cima do pijama e sa) da sala de provas. 'assei pela cozinha, fui at! ao escritório de Canela, a(ri a porta e espreitei l$ para dentro. Canela chamava por mim de dentro do computador. 8enteime U secret$ria e li a mensagem que aparecia no monitor. "ca(a de aceder ao programa ZCrónica do '$ssaro de Corda[. %scolha um documento K/L. "t! ei um dique no nYmero /. O documento a(riuse e apareceu um tePto no ecr#. G4 Crónica do '$ssaro de Corda 9.x / K" carta de FumikoL Tenho muitas coisas que te ePplicar, mas para te contar tudo precisava de muito tempo, anos, quem sa(e... 9#o posso adiar o coraç#o, h$ muito que te devia ter confessado tudo honestamente, mas, infelizmente, faltoume coragem para tal. "l!m do mais, tinha ainda a v# esperança de que as coisas n#o chegassem nunca ao ponto dram$tico a que chegaram. %m resultado disso, fomos am(os apanhados no meio deste pesadelo, e sou eu a culpada de tudo. "gora, por!m, ! demasiado tarde para ePplicaç\es, n#o temos tempo a perder. "gora, chegou a hora de te dizer, em primeiro lugar, o que ! mais importante para mim. Tenho de matar o meu irm#o, 9o(oru RataSa. Wou agora p]rme a caminho do hospital onde ele dorme com a intenç#o de desligar o sistema de respiraç#o assistida que o prende U vida. 9a qualidade de sua irm#, estou autorizada a tratar dele durante a noite, no lugar das enfermeiras. 5uando desligar o aparelho, ainda h$de demorar um (ocado at! que algu!m se aperce(a do que est$ a acontecer. Ontem, pedi ao m!dico que me ajudasse mais ou menos a compreender o funcionamento da m$quina. % só quando tiver a certeza de que o meu irm#o est$ morto ! que irei U 'ol)cia e confessarei ent#o que o deiPei morrer intencionalmente. 9#o lhes direi rigorosamente mais nada acerca do meu gesto. ir7hesei que me limitei a fazer o que me pareceu correcto. O mais prov$vel ! ser detida e acusada de homic)dio, e depois irei a julgamento. %scusado ser$ dizer que os meios de comunicaç#o acorrer#o em massa, e cada pessoa ePpressar$ a sua opini#o so(re o que ! uma morte digna e outros assuntos do mesmo g!nero. 'ela minha parte, n#o tenho a m)nima intenç#o de alimentar o de(ate, nem penso defenderme. % muito simples, quis matar um homem chamado 9o(oru RataSa. %ssa ! a Ynica verdade em toda esta história. O mais certo ! ir presa, mas a ideia n#o me faz medo. 'ara mim, o pior j$ passou. 8e n#o tivesses estado ao meu lado, h$ muito que teria perdido a raz#o. Termeia entregado a outro qualquer e ca)do num a(ismo de onde nunca mais teria podido sair. O meu irm#o mais velho, 9o(oru RataSa, fizera ePactamente o mesmo com a minha irm#, h$ muitos anos, e foi essa a raz#o que a levou ao suic)dio. %le desonrounos. 'ara ser mais ePacta, n#o se pode dizer que nos tenha desonrado fisicamente. 9#o, o que ele fez foi ainda pior. 'rivada da li(erdade de actuar, permanecia encerrada e isolada num quarto Us escuras. 9#o tinha os p!s acorrentados, nem era vigiada por ningu!m, mas dali n#o tinha como escapar. O meu irm#o mantinhame presa com correntes e de(aiPo de uma vigil_ncia mil vezes pior. %u mesma. %ra eu a corrente que me imo(ilizava os p!s, o carcereiro que
nunca dormia.
desaparecer da face da Terra. % ! tam(!m por ele que sinto esta o(rigaç#o. Tenho que fazêlo, aconteça o que acontecer, para que a minha vida volte a fazer sentido. Toma (em conta do gato. Aiquei muito contente ao sa(er que ele tinha voltado. izes que se chama CavalaV Dosto do nome. O gato foi sempre o s)m(olo de algo de (om que ePistiu entre nós os dois. 9unca dev)amos têlo perdido de vista. 9#o posso escrever mais nada. "deus. coo G1 "deus 9#o imaginas a pena que tenho de n#o te ter podido mostrar a fam)lia pato, senhor '$ssaro de Corda^ lamentouse +aS Fasahara. % a verdade ! que tinha uma ePpress#o verdadeiramente desolada. %st$vamos sentados de frente para o tanque, a contemplar a grossa camada de gelo (ranco que se formara U superf)cie. %ra um tanque enorme. 9o gelo viamse mil e um pequeninos cortes, como cicatrizes feitas pela l_mina dos patins. %ra uma segundafeira U tarde e +aS Fasahara tinha tirado o dia inteiro para estar comigo. 'ensava aparecer num domingo, mas houve um acidente ferrovi$rio e fui o(rigado a mudar os meus planos e a atrasar a viagem um dia. +aS Fasahara vestia um casaco forrado de pele e um gorro de l# de um azul muito vivo. O gorro tinha uns motivos geom!tricos a (ranco e um pompom. Contoume que tinha sido tricotado por ela. % que me faria um igual para o 7nverno seguinte. Tinha as faces coradas e os olhos transparentes e l)mpidos como o ar das montanhas que se respirava. Aiquei feliz com isso. "final de contas, ainda só tinha dezassete anos e um mundo de possi(ilidades U sua frente. 5uando a $gua do tanque gelou, a fam)lia pato mudouse para outra freguesia. Tenho a certeza de que ias adorar vêlos. Tens de voltar aqui na 'rimavera, est$ (emV 9essa altura apresentote a fam)lia toda. 8orri. =evava vestido um casac#o de fazenda que n#o me protegia do frio todo, um cachecol enrolado at! ao queiPo e as m#os enfiadas dentro dos (olsos. Aazia um frio intenso, no meio da floresta. " neve estava gelada. Com os meus t!nis, escorregava sem parar nas placas de gelo. evia ter comprado umas (otas com solas antideslizantes, antes de vir. Com que ent#o, parece que vais ficar por estas (andasV perguntei eu. 'areceme (em que sim. 'ode ser que entretanto me dê na (olha e queira regressar U escola, n#o sei. Ou ent#o pode ser que me case... n#o, tam(!m n#o retorquiu +aS Fasahara, rindo e soltando uma nuvem de respiraç#o (ranca. +as sim, de momento fico por c$. 'reciso de mais algum tempo para pensar. 'ensar com calma no que quero fazer, para onde quero mesmo ir, e isso tudo. Concordei com a ca(eça. Talvez seja o melhor disse eu. izme uma coisa, senhor '$ssaro de Corda, tam(!m costumavas pensar nestas coisas quando tinhas a minha idadeV 'ara ser franco, n#o sei (em. 5uer dizer, sou capaz de ter pensado nisso, mas n#o me lem(ro de levar estas coisas todas t#o a s!rio como tu. 'areceme que na altura acreditava que, levando uma vida normal, as coisas aca(ariam por funcionar sozinhas. %, de facto, vendo (em n#o foi isso que aconteceu, pois n#oV Com grande pena minha. +aS Fasahara olhou para mim fiPamente com uma ePpress#o serena. Tinha as m#os enfiadas em luvas e pousadas so(re os joelhos, uma em cima da outra. 5uer ent#o dizer que deiParam Fumiko sair em li(erdade, so( fiançaV perguntou ela.
%la recusouse a sair ePpliquei eu. isse que preferia estar na pris#o, sossegada, do que ser assediada pelos órg#os de comunicaç#o. 9#o quer ver ningu!m, nem sequer a mim. 'elo menos at! estar tudo aca(ado. 5uando ! que o julgamento começaV Talvez na 'rimavera. %la declarase culpada e est$ disposta a cumprir pena, seja qual for o veredicto. 9#o creio que o julgamento se arraste durante muito tempo. >$ grandes possi(ilidades de ela o(ter pena suspensa e, mesmo que fique presa, dever$ apanhar uma pena ligeira. +aS Fasahara apanhou uma pedra que estava no ch#o e atiroua para o meio do tanque. " pedra rolou so(re o gelo at! U outra margem. % tu, senhor '$ssaro de Corda, pensas regressar a casa e ficar U espera de Fumiko, n#o ! verdadeV Aiz que sim com a ca(eça. 9esse caso est$ tudo (em... por assim dizer. Aoi a minha vez de fazer com a respiraç#o uma nuvem (ranca. "cho que sim. "o fim e ao ca(o, foi graças a nós que as coisas correram como correram e chegaram at! aqui. Z'odia ter sido muito pior[, pensei. "o longe, no (osque que rodeava o tanque, ouviuse o grito de um p$ssaro. =evantei a ca(eça e olhei em redor. Tinha durado um instante apenas, j$ n#o se ouvia nada. 9#o se via nada. 8ó o ru)do seco e oco de um picapau a fazer um (uraco com o (ico no tronco de uma $rvore. 5uando a Fumiko e eu tivermos um filho, estou a pensar p]rlhe o nome de Córsega. X um nome fiPe^ ePclamou +aS Fasahara. cia %nquanto caminh$vamos pelo (osque, um ao lado do outro, +aS Fasahara tirou a luva da m#o direita e enfiou a m#o no (olso do meu casaco. "quilo fezme pensar em Fumiko. %la costumava fazer aquele mesmo gesto quando and$vamos a passear juntos no 7nverno. 9os dias frios, partilh$vamos o mesmo (olso. "pertei a m#o de +aS Fasahara dentro do (olso do casaco. " sua m#o era pequena e quente como uma alma aprisionada. 8a(es uma coisa, senhor '$ssaro de CordaV Toda a gente vai pensar que somos amantes. X prov$vel. izme l$, leste todas as minhas cartasV "s tuas cartasV espanteime eu. 9#o fazia ideia do que ela estava a falar. Tenho muita pena, mas nunca rece(i nenhumhuma carta tua. Como n#o sa(ia nada de ti, entrei em contacto com a tua m#e, que me deu o nYmero de telefone e a morada deste lugar. % podes crer que para isso tive de inventar uma data de histórias do arcodavelha. %ssa ! (oa^ %screvite para cima de umas quinhentas cartas... ePclamou +aS Fasahara de olhos postos no c!u. " noitinha, +aS Fasahara acompanhoume at! U estaç#o para se despedir de mim. "panh$mos o autocarro at! U cidade, comemos uma piza juntos num restaurante perto da estaç#o, e esper$mos juntos pelo com(oio a diesel de três carruagens. 9a sala de espera, duas ou três pessoas agrupavamse U volta de uma enorme estufa a lenha que ardia com um (rilho vermelho. 'ela nossa parte, preferimos esperar na plataforma l$ fora, de p! e ao frio. 9o c!u flutuava uma =ua gelada de 7nverno, de contornos (em n)tidos. %stava ainda em quarto crescente, curva e afilada como um sa(re chinês. e(aiPo daquela =ua, +aS Fasahara p]sse em (icos dos p!s e pousou suavemente os