Faculdade de Letras – Universidade de Coimbra
Apontamentos da apresentação oral do artigo ‘’Classificações literárias: como têm sido feitas ? ‘’
Rita Gomes Ano Letivo 2012/2013
Mestrado em Literatura de Língua Portuguesa: Investigação e ensino Doutor Carlos Reis Janeiro 2013
Na visão de Perkins, classificar é um processo de seleção e encaixe posterior. O autor afirma ainda que as classificações ‘’mapeiam o mundo cultural’’, dando o exemplo da literatura produzida por negros nos Estados Unidos da América. Nesse sentido: ‘’ A 1
classificação é fundamental para a disciplina de História da Literatura’’ .
Em que lugar colocaríamos a Natália Correia ? Existe uma literatura açoriana ? Existe uma literatura gaúcha? , como problematizamos nalgumas aulas deste seminário, a resposta está no facto de as classificações darem forma ao nosso sentido de identidade nacional e pessoal. 2 A instituição literária envolve um processo de integração social dos escritores e não só. A vida institucional da literatura centra-se num certo tipo de bens com um valor social que não se confundem nem com bens económicos nem com outro tipo de bens simbólicos embora tenham uma dinâmica paralela. Desde sempre, mas sobretudo em certas épocas em que contam muito os indicadores emblemáticos do prestígio social há bens não económicos que proporcionam uma espécie própria de capital e poder. Nesse sentido, as obras literárias e as personalidades literárias dos autores, constituem, de acordo com a sua cotação nos cânones dominantes outros tantos bens simbólicos de ordem cultural. Esses bens simbólicos são distribuídos, são promovidos, são avaliados, são disputados, consumidos, abandonados num espaço sociocultural que podemos designar por campo literário (como foi estudado nas primeiras aulas deste seminário), forma particular do que Pierre Bourdieu pensou e caracterizou como ‘’campo intelectual’’ ou ‘’campo cultural’’. Por estas razões: A importância da taxonomia literária para a profissão não pode ser exagerada. As classificações são princípios de organização de cursos (a Lír ica), prateleiras de biblioteca […], sociedades[…], periódicos […], antologias, coletâneas de ensaios, conferências e pesquisas académicas. São usadas e contestadas em disputas pelo poder institucional ‘’ 3
Tomemos como exemplo o curso atualmente denominado Línguas Modernas na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de alguns anos a esta parte o curso era denominado Línguas e Literaturas Modernas; o poder institucional retirou o vocábulo literaturas do nome do curso talvez com o intuito de atrair um público mais vasto. Perkins cita Croce, defensor da posição que o rótulo não mudará a nossa experiência real de leitura, posição esta que Perkins discorda. Citando o romance Ridley Walker de Russel Hoban de 1980: ‘’Put a name on something and you’re beckoning’’ .
A meio da apresentação, foi lançado um desafio à turma, após a leitura de dois sonetos (sem referência a autores e títulos) os estudantes deveriam referir aquilo que mais os chamou à atenção. Os estudantes ressaltaram, primeiramente que se tratavam de dois sonetos, tal como afirma e confirma Perkins: ‘’ Quando agrupamos textos, 1
Perkins, David ( “Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p.30) 2
Apud Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e
Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p.30) 3
Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, pp.30 e 31 (sublinhados meus )
enfatizamos as qualidades que têm em comum e ignoramos, até certo ponto, aquelas 4 que os diferenciam. ‘’. Desta forma: ‘’Uma classificaçã o é também uma orientação, um ato de crítica’’.
Classificar é usado neste artigo em sentido amplo, como é fundamentado na seguinte afirmação: ‘’ Tenho usado classificar em sentido amplo, para me referir ao processo de distribuição de autores ou obras no campo literário em unidades maioresperíodos, géneros, tradições, escolas, movimentos, sistemas comunicativos- cada uma contendo muitos itens individuais. ‘’ No caso português, tomemos em atenção o
período literário do modernismo, sempre dividido entre o primeiro modernismo do ‘’Orfeu’’ e o segundo modernismo da ‘’Presença’’ . Por consequência : ‘’Uma 5 classificação ou é uma unidade específica ou um conjunto delas’’ .
O autor problematiza o conceito de classe e tipo e grupo, segundo os teóricos da literatura tem por base características ou grupos de características que as obras têm em comum, enquanto o tipo é somente um modelo conceptual, já o termo grupo é aquele que Perkins considera o termo mais vago e genérico dos três apesar desta vagueza refere que na generalidade é alusivo a um número de pessoas que estiveram pessoalmente relacionadas entre si 6 o que pode ter levado a similaridades nos seus escritos; no que reporta à literatura portuguesa, falar desta realidade de grupo é falar da Geração de 70. O autor alerta para o facto de muitas vezes os historiadores literários se envolverem em simultâneo com o agrupamento, classificação e a designação de tipos, de modo que nenhum termo em particular é adequado. Portanto, usa classificar como um verbo preferencial. Menciona ainda o estado das artes nos Estados Unidos. Podem as taxonomias literárias corresponder a realidades históricas? É uma questão problema que Perkins lança e faz por responder. O debate difere consoante os géneros e os períodos. O autor cita Wellek co-autor de um dos primeiros manuais de teoria da literatura, Wellek ao rejeitar o posicionamento de Croce que visualiza os períodos como ‘’simples convenções’’, do seu ponto de vista : ‘’Os períodos são sistemas dominantes de 7 normas literárias, padrões e convenções.’’ .
Os períodos são ferramentas de trabalho organizativas e estabilizadoras, por isso: 8 ‘’No momento tendemos a ver os períodos como ficções necessárias’’ . Neste âmbito, o autor contextualiza as bases do ‘’nosso questionamento pós-moderno’’, a historiografia da Escola dos Anais, o apêndice de Lévi-Strauss para A Mente Selvagem (e não só) , pois ambos enfatizam a sobreposição de eventos de longa e curta duração9. A Ideologiekritik , desempenhou um papel importante ao ressaltar o facto 4 5
Idem
Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p 31 6
Apud , Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p 32. 7
Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 34 8
Idem Apud Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 35 9
de as classificações serem servidoras de interesses ideológicos. 10 Apesar da heterogeneidade do campo literário, os textos e respetivos autores são inseridos em períodos literários aquando da sua classificação, por conseguinte Perkins cita Dilthey: ‘’[…] os períodos são espaços de tempo unificados em espírito ou ideologia[…] Períodos são representações fixas de algo em progresso , dando a
estabilidade do pensamento àquilo que em si mesmo é um processo ou um movimento em uma direção.’’
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Ainda que a literatura seja feita de ciclos de rutura e continuidade, como advoga o autor: ‘’A ênfase na particularidade, na diferença e na descontinuidade abala a 12 confiança em todas as classificações.’’ , pois segundo Wellek as inter-relações de textos e autores são construídas pelo historiador literário. 13 Por esta razão Perkins cita Schmidt: ‘’ Devemos admitir, diz Siegfried Schmidt que temos de aplicar outros critérios além da verdade, objetividade, confiabilidade a histórias da literatura, e que temos de formular para elas funções sociais diversas daquela de fornecer qual foi o 14 relato verdadeiro sobre qual foi o caso.’’ Logo, neste artigo é lançada mais uma questão problema: Pode a taxonomia literária representar o passado? O autor ao questionar a sua proveniência, a sua receção, a sua aceitação, deixa claro que esse questionamento pode ser dirigido tanto às classificações particulares, tanto aos processos de classificações literárias em geral. Posiciona-se como alguém que tenta descrever os métodos que têm sido e ainda são usados e não sugerir o que deve ser feito em vez disso. 15. Sustentando-se de exemplos diversos e até mesmo exaustivos, Perkins chega à conclusão de que os procedimentos de classificação seguidos pelas histórias literárias não variam, de todo. Contudo: ‘’A literatura não tem um sistema taxonómico, mas
somente um agregado confuso de classificações que se sobrepõem de diferentes 16 pontos de vista.’’ . Esse mesmo agregado deriva de seis fatores que o autor identifica: ‘’[…] a tradição, os interesses ideológicos, as exigências estéticas para escrever uma história da literatura, as afirmações dos autores e seus contemporâneos sobre suas afinidades e antipatias, as similaridades que o historiador da literatura
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Idem
Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 36 12
Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 37 13
Apud Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 37 14
Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 37 15
Apud Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 38 16
Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 39
observa entre autores e/ou textos, e as necessidades da carreira profissional e a política de poder nas instituições ’’17 . Ao nomear estes fatores e dando exemplos concretos, chama a atenção para o facto de a classificação ser anterior à literatura, por ser organizadora de perceções da mesma. 18 Todavia, são as taxonomias impressas que são mais resistentes à mudança, graças à transmissão cultural e aos interesses ideológicos a ela inerentes. As histórias da literatura acabam por ser feitas a partir de outras histórias da literatura: ‘’ A autoridade de um historiador da literatura se baseia em outras 19 autoridades as quais não são, de fato menos autorizadas que a atual. ‘’ Mas, o que está no âmago das histórias da literatura é, geralmente uma síntese intuitiva de considerações múltiplas. 20 No final do artigo, é ressaltada a necessidade de firmar uma consciência clara das bases das classificações, a necessidade de uma reflexão e respetiva justificação dos movimentos efetuados pelos historiadores literários nas histórias da literatura como demonstra Perkins: ‘’Essa inocência não é mais possível. ’Os historiadores da literatura podem continuar a classificar pelos mesmos
procedimentos e razões, como no passado, mas terão de refletir sobre seus movimentos e justificá-los especificamente em suas histórias ’’ 21
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Idem Apud Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, pp. 43-44 18
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Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 45 20
Apud , Perkins, David ( “Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p. 57 21
Perkins, David (“Classificações literárias: como têm sido feitas?”, in História da Literatura e Narração. Cadernos do Centro de Pesquisas Literárias da PUCRS, vol. 3, 1, março de 1999, p.58