C h ão de P r om essas, essas, do professor e historiador Pere Petit, revela-se leitura extremam ente agradável agradável,, abordando a recente história económica, política e regional da Amazónia brasileira. Em suas páginas, o autor trata da economia paraen paraense se ao ao longo do sécul século o X X , desde desde o período da borracha até a instalação dos Grandes Projetos, com maior destaque para o período pós-1964; dos jogos da política paraense, particularmente sob a égide da Ditadura Militar e da República Nova, sem perder de vista as vinculações entre o nacional e o regional, embora enfatizando o aspecto regional. Marabá, Sudeste do Pará, foi a área escolhida pelo autor como lócus de sua investigação. No presente trabalho, o autor faz uma análise do discurso das elites acerca da Região Amazônica, incluindo aí o debate em torno da propos.ta de criação do Estado de Carajás. Pere Petit nos leva a refletir sobre a realidade atual amazônica, demonstrando a falsidade do antigo chiste existente nas Ciências Sociais de que a História não se ocupa do tempo presente, tão-somente do estudo do passado.
Ch ão d e P r om essa ssa s , por estas e outras razões apontadas no prefácio do professor Roberto Santos, além daquelas que os leitores podem indicar, desponta como livro de referência para novos estudos, adquirindo a condição de clássico, ao lado de outras importantes obras sobre a Amazónia.
J o sé séM a i a B . N et o
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Chão de Promessas Elites Políticas e Transformações Económicas no Estado do Pará pós-1964
Coleção Açaí Coordenação:
José Alves Júnior Conselho Editorial:
Aldrin Moura de Figueiredo Ernani Chaves Guttemberg Guerra José Alves Júnior Maria Luzia Alvares
Títulos Lançados: Belém: riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912). Maria de Nazaré Sarges O Pão Nosso de Cada Dia. Trabalhadores, Indústria da Panificação e a Legislação Trabalhista em Belém (1940-1954). Edilza Fontes
Próximos Títulos: Memórias do Velho Intendente. António Lemos (1869-1973) Maria de Nazaré Sarges. Saias, Laços e Ligas. Uma história da participação política-partidária das mulheres. Maria Luzia Alvares.
Chão de Promessas Elites Políticas e Transformações Económicas no Estado do Pará pós-1964
Copyright© 2003 byPerePetit Editoração Eletrônica: Antonio C. S. Gomes Jr. Cláudio M. V. Serra Capa: Antonio C. S. Gomes Jr. e Cláudio Serra, sobre a foto de Alfredo Ri^utti. Revisão: Lui%F. Branco Impressão: Alves Gráfica e Editora Catalogação na fonte do Departamento Nacional do Livro P489c Petit, Pere Chão de promessas: elites políticas e transformações económ icas n o estado do Pará pós- 1964 / Pere Petit Belém: Paka-Tatu, 2003. 352 p.; (Açaí) •
ISBN 85-87945-18-1 1. Pará - Política e governo 2. Pará História. 3. Elites (Ciências Sociais) - Pará. I. Título. II. Série (Açaí)
CDD: 981.15 To do s os direitos desta edição reservados à Editora Paka-Tatu Ltda. Rua Oliveira Belo 386, Salas 06 /0 7 /0 8 Umarizal, CEP 66050-380 Belém-PA - Brasil Telefone/Fax: (91) 212-1063 Fone: (91) 212-7308 E-mail:
[email protected]
A Telma Saraiva, e para ás suas e minhas filhas, Samaila Caxiuaná, Isis Maialen e Luana Gabriela.
Sumário
Agradecimentos ................................................................... 9 »
Prefácio.............................................................................. 11 Lista de Mapas...................................................................15 Lista de Tabelas................................................................. 17 Lista de Abreviaturas........................................................ 19 Introdução ......................................................................... 23 O Pará na época das grandes transformações sócio-econômicas na Amazónia: da criação da Sudam ao “Ciclo do Minério”......................................... 49 1. O “Ciclo da Borracha” (1 850-1 912) ..................51 2. Da fase do declínio económico à fase de crescimento moderado (1912-1966) ........................59 3. Da SPEVEA à Sudam ..........................................64 4. O “Ciclo do Minério” ............................................. 97 Elites políticas, partidos e eleições no Pará durante o Regime Militar e no período da Nova República............................................................... 123 1. A influência do “baratismo” nas disputas políticas no Pará após a Revolução de 1 9 3 0 ........ 126 2. A “Revolução de 1964” no Pará ........................ 133 3. As eleições de 1982: a vitória do PM D B ......... 158
4. Conclui-se a transição política: os eleitores elegem o presidente da República ..................... .
163
Município de Marabá: oligarquias, fazendeiros, posseiros e Grandes Projetos .................. 185 1. O núcleo urbano de Marabá na época da borracha............................................................... 186 2. O “mundo da política” ........................................ 197 3. Marabá na época das grandes transformações .......................................................... 202 4. Auge e decadência da família Mutran ............. . .2 13 Economia, política e discursos regionalistas no Pará......................................................249 1. Discursos regionalistas na época do Regime Militar .......................................................... 256 2. A união assume o controle das terras do Pará ...................................................................... 266 3. Os discursos “regional-progressistas” e os cientistas sociais paraenses ...................................... 269 4. A Teoria da Dependência e as contradições do discurso regionalista............................................275 5. Criticas ao “centro” ou “imperialismo paulista” ..................................................................... 28 2 6. Discursos nos tempos do PMDB e da Nova República ......................................................... 290 7. A proposta de criação do Estado de Carajás e do Estado do Tapajós..............................298 Considerações Finais.......................................................31 9 Créditos das Ilustrações................................................. 325 Bibliografia.
327
Agradecimentos
A tese de doutoramento, cujos resultados apresento neste livro, não teria sido iniciada e, menos ainda, concluída, sem o apoio de diversas instituições e pessoas. Entre elas, desejo agradecer espe cialmente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio financeiro concedido para realizar os créditos do doutorado e o desenvolvimento da pesquisa. Sou também muito grato à Universidade Federal do Pará (UFPA) pela ajuda recebida para poder realizar, em 1997, trabalho de campo no município de Marabá. Desejo agradecer também aqui aos pro fessores Osvaldo Coggiola e Wilson Barbosa, pelo interesse em que eu conseguisse iniciar meus estudos no Departamento de História Económica da USP A Tereza Furtado, em São Paulo, por ter tentado resolver alguns dos problemas burocrático-acadêmicos da minha relação com a USP agradecimento que desejo estender aos funcionários da Secretaria de Pós-Graduação do Departamento de História da USP especialmente a Oswaldo Medeiros. De inestimável ajuda para a conclusão da tese foram al guns professores e alunos do Departamento de História da UFPA com os quais tive a oportunidade de discutir alguns dos temas da História da Amazónia e da História do Pará presentes neste tra balho. Entre eles, desejo agradecer especialmente as leituras aten tas e criteriosas do texto realizadas pelo professor do Departa mento de/ História da UFPA, Geraldo Coelho, e pela jornalista * Ana del Aguila. Agradecimentos que faço extensivos à socióloga Tereza Furtado, ao historiador Rafael Chanbouleyron e à antro póloga Sara Alonso, sem cuja colaboração e carinho não teria concluído a versão final da tese. Desejo agradecer também ao professor Roberto Santos pelas palavras com as quais apresenta este livro e pelas sugestões jurídicas, políticas e linguísticas feitas à versão preliminar do texto, gratidão que faço extensiva ao histori ador e editor José Maia Bezerra Neto. 9
Prefácio
Depois do seu excelente trabalho sobre a história do Partido dos Trabalhadores - em verdade, a dissertação de mestrado que defendeu na Universidade Central da Venezuela (Petit, 1996) Pere Petit Penarrocha nos oferece Chão de Promessas, sua tese de doutorado em História Económica, aprovada em 1998 na Universidade de 5ão Paulo, dentro da conceituada Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Curiosidade, inteligência viva, solidariedade com o objeto de estudo são, em qualquer ordem, qualidades que não podem faltar ao bom pesquisador de ciências humanas. /Is obras de Pere P etit denunciam a presen ça dessas três qualidades, harmoniosamente combinadas, o que lhe permitiu, em poucos anos após a chegada â Amazónia brasileira e fixação no Pará, acumular sobre ambos um bom cabedal de informações históricas, geográficas, económico-sociais e políticas; e, em particular, desenvolver a partir daí um saber próprio, resultante dum acompanhamento dos fatos permanentemente interessado nos destinos das populações locais. A chave metodológica desse saber é o estudo das estruturas de poder, encaradas na tríplice perspectiva política, económica e territorial. Em suas mãos, a história não é apenas uma coleção de fatos privada de significado, e sim uma parte do drama humano reconstruído e peculiarmente situado conforme as regiões em que se desenvolve. Petit se inspira, sem servilismo, numa sociologia das classes de cunho gramsciano, mas refundida ou adaptada às necessidades do contato dire to com atores sociais concretos, localizados em seus sítios reais (amazónicos) de luta pela vida, de competição, cooperação, de confronto e até de morte. Daí por que os comentários geográficos mostram-se sumários, prendendo-se mais â observação de relações económicas e comerciais ou de luta pela
terra entre atores, do que â descrição detalhada de sistemas naturais, ou artificiais - de abastecimento, de transporte etc. É a dimensão social que lhe interessa na análise geográfica, e ele a encontra numa geografia pós-clássica, que lança raízes no pensamento do grande e saudoso geógrafo brasileiro Milton Santos (e indiretamente no de Max Sorre). Ao contrário da maioria dos historiadores, que constroem suas historiografias a partir da perspectiva das elites políticas e económicas - simplificadamente, os "grupos dirigentes” - Pere Petit começou seus trabalhos de História da Amazónia tomando como protagonistas os ‘‘grupos sociais subalternos" (Gramsci, Cadernos do Cárcere, V-25), ou melhor, uma pequena fração deles que, na época dos primeiros contatos do autor, bem se poderia chamar um “grupo de resistência". Foi a ele que dedicou sua dissertação de mestrado, A Esperança Equilibrista: A trajetória do PT no Pará. Tratou esse grupo e sua liderança política - sem esquecer os membros da Igreja Católica ligados ou próximos â Teologia da Libertação - com a paciência e a dedicação metódicas de um bom analista. Pareceu-me manter ao longo daquele trabalho uma posição imparcial entre as várias facções que compunham o partido, em equilíbrio delicado e muitas vezes â beira'do rompimento recíproco. Apesar disso, o grupo, em conjunto, é visto pelo autor como portador de um dinamismo utópico único na região, com tendência a tornar-se o "herói" (não arrisca a dizer se vitorioso ou não) do drama regional. Já Chão de Promessas concentra seu interesse sobre as elites dirigente do Pará, constituindo mais um passo na compreensão da sociedade regional. Primeiramente, desenha, em largos traços, um panorama da evolução do sistema económico da Amazónia, de meados do séc. X IX ao último quartel do séc. XX. Trata-se de um pano de fundo no qual o autor destaca as atividades económicas principais em que, no seu entender, as elites locais e, por fim, as extra-regionais exerceram sua dominância, como a exportação da borracha, a de castanha-do-pará e ultimamente a de minérios.
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Começa no Capítulo 2 o estudo das práticas das elites conceito que Petit retrabalha com base na teoria das elites, de Norberto Bobbio e outros pensadores. Sua finalidade é “analisar o cenário político paraense, dando prioridade ao estudos das instituições políticas (estruturas de governo de tipo formal-legal [...]), das práticas das principais lideranças políticas - especialmente daquelas que assumiram responsabilidades de governo - e partidos políticos paraenses", mas ele expande a análise até os pleitos eleitorais para sentir o resultado das disputas, entre as próprias elites políticas, pelo controle do Executivo estadual, Prefeituras, Assembléia Legislativa e Câmaras Municipais, e para também clarear, com isso, um dos principais mecanismos de “seleção de elites relevantes", a que se refere Renato Lessa. Tais propósitos, que ocupam todo o resto do Capítulo 2, assumem substância no capítulo seguinte, quando o autor se detém na análise do município de Marabá, escolhido com sucesso para “estudo de caso". Há muito a região do Tocantins e especificamente a castanha-do-pará têm fascinado estudiosos da Amazónia Oriental, inclusive paraenses, como Catharina V Dias (1947), A. Tupiassu e N. V C. Oliveira (1967) e Marília Emmi (1987, 1999). Petit não fugiu ao fascínio, de modo que seu livro revisita longamente o processo de consolidação do poder económico e político das oligarquias familiares do Tocantins, sua evolução e sobretudo suas transformações até nossos dias. Outro ponto de interesse da obra é a análise crítica do discurso de algumas "personalidades da Amazónia” (capítulo 4). Para apreender o caráter dessas comunicações - de governantes, empresários e, mesmo, de alguns intelectuais - Petit as descreve como componentes do objeto da investigação histórica, cujo propósito é referenciar as declarações como práticas sociais e, portanto, no cenário das oposições típicas (de classe, de região/nação ou de classe/região). Como todos os enunciados linguísticos a partir de certa dimensão, os discursos públicos pretendem transmitir (ou ocultar) as idéias do orador, por vezes sua visão de mundo e projetos de ação, diante de um auditório específico. E possível, pois, a partir 13
do confronto da retórica do orador com o real que ele produz, ou pelo qual se deixa arrastar, esboçar um roteiro de significados de seus discursos políticos, delinear suas preferências ideológicas e seus traços de personalidade política e caráter. Para facilidade de análise, Petit classifica os discursos em grupos e subgrupos: “o regionalista" (da época do Regime Militar), o de “intelectuais regional-progressistas", os "antiimperialistas internos" (intelectuais amazônicos contra a suposta ou real “dominação" paulista) etc. Acrescenta os grupos de discursos “separatistas”, que lutam pela autonomização de um Estado de Carajás (sede, Marabá), de um Estado do Tapajós (sede, Santarém) e um do discurso “unitarista”, pela manutenção do sistema unitário atual. Tais grupos e subgrupos são examinados, com os respectivos argumentos, e criticados. O mínimo com que se pode recepcionar um autor, cuja integridade e qualidade foram indiscutivelmente provadas pela produção anterior, é ler e discutir seu novo trabalho. *
Roberto Santos
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Lista de Mapas
Distribuição da População Rural e Urbana (1960) ... 115 Amazónia Legal (Mapa do Ministério do Interior/ Sudam, 1 9 71 )................................................................ 116 Amazónia Legal - Delimitação Político Administrativa Atual....................................................... 117 Traçado das rodovias Transamazônica; Cuiabá-Santarém e Belém-Brasília.............................. 118 Mapa da Região de Marabá.......................................... 119 Mapa Ilustrado da Macroregião de Barcarena .......... 120 Mapa da Cidade de Marabá (1984).............................238 Carajás no Brasil............................................................247
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Lista de Tabelas
Tabela 1: População aproximada do Pará, Região Norte e Brasil: <1872-1940..........................................54 Tabela 2: Amazónia: renda interna - 1880-1969 .................. 61 Tabela 3: Amazónia Legal: principais produtos exportados - 1960-1962-1964 ............... 64 Tabela 4: Terras devolutas vendidas pelo Governo do Pará a grandes proprietários: 1924-1 976 ........................ 74 Tabela 5: Estado do Pará: população total, urbana „e rural (1960-1991)..................................................... 89 Tabela 6: Projetos aprovados por setores e Unidades da Federação: valor dos investimentos totais período 1964-1 967.................................................................... 93 Tabela 7: Estabelecimentos industriais e número de operários no Estádo do Pará (1940-1988)............................ 94
Tabela 8: Participação relativa dos principais produtos exportados pelo Pará: 1975-1980-1985-1989 ................... 100 Tabela 9: Principais produtos das exportações paraenses (1991-1993-1995). ................................................................ 101 .
Tabela 10: Estado do Pará: população economicamente ativa e porcentagens PEA e PIB segundo setores económicos - 1970-1 980........................................................ 103 Tabela 11: População recenseada na Região Norte: 1960-1991................................................................................104 Tabela 12: População do Pará, Região Norte e Brasil: 1950-1 991................................................................... 104 Tabela 13: Deputados federais paraenses eleitos segundo sigla partidária (1945-1962)...................................132 Tabela 14: Representação partidária na Assembléia Legislativa paraense (1947-1962)..........................!..............133 Tabela 15: Composição da Câmara Federal por regiões segundo legenda partidária: 1970-1 974............................... 149 17
Tabela 16: Composição da Câmara Federal por regiões segundo legenda partidária: 1978 ........................................ 151 Tabela 17: Número de deputados estaduais do Pará segundo legenda partidária: 1 96 6-1 9 78 ............................. 152
Tabela 18: Legenda partidária: deputados federais eleitos pelo Estado do Pará: 1966-1 978 .......................................... 153 Tabela 19: Região Norte: número de deputados federais por partido e Estado: 1974-1 978.............................. ........... 154 Tabela 20: Resultados no 2o turno das eleições presidencias de 1989 ............................................................... 164 Tabela 21: Representação partidária na Assembléia Legislativa paraense: 1982-1996...........................................170 Tabela 22: Candidatos com maior número de votos nas eleições presidenciais de 1994........................................173 Tabela 23: Município de Marabá: produção de caucho e castanha - 1913-1926..........................................................190 Tabela 24: Município de Marabá, propriedades rurais segundo atividade económica: 1985...................................... 205 Tabela 25: Marabá, população total, urbana e rural: 1 9 4 0 -1 9 9 5 ..................................................20 7 Tabela 26: Número de conflitos agrários (1980-1990)...... 211
Tabela 27: Número de mortes decorrentes dos conflitos agrários no Brasil e no Pará (1971-1993) .......................... 212 Tabela 28: Jurisdição das terras do Estado do Pará (1987)......................................................................... 268
Lista de Abreviaturas
AP: Ação Popular ARENA: Aliança Renovadora Nacional BASA: Banco da Amazónia S /A BCB: Banco de Crédito da Borracha BRASTEC: Sociedade Brasileira de Serviços Técnicos e Econó micos Limitada CDP: Coligação Democrática Paraense CEPAL: Comissão Económica para a América Latina e o Caribe CGT: Gomando Geral dos Trabalhadores CIS: Comissão de Investigação Sumária CNRA: Campanha Nacional de Reforma Agrária CONTAG: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CPT: Comissão Pastoral da Terra CUT: Central Única dos Trabalhadores CVRD: Companhia Vale do Rio Doce EUA: Estados Unidos/da América FASE: Federação de Orgãos para Assistência Social e Educacional FBP: Frente Brasil Popular FETAGRI: Federação dos Trabalhadores na Agricultura FNS: Fundação Nacional de Saúde FPNP: Frente Popular Novo Pará FUNRURAL. Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural / FUP: Frente Unica Paraense IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDESP: Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPAR: Instituto de Pastoral Regional (Regional Norte II) LEC: Liga Eleitoral Católica , MDB: Movimento Democrático Brasileiro MDP: Movimento Democrático Paraense
MIRAD: Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário MR-8: Movimento Revolucionário 8 de outubro MRN: Mineração Rio do Norte MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra PC: Partido Comunista PCB: Partido Comunista Brasileiro PCdoB: Partido Comunista do Brasil PDA: Plano de Desenvolvimento da Amazónia PDC: Partido Democrata Cristão PDC: Partido Democrático Cristão PDS: Partido Democrático Sociál PDT: Partido Democrático Trabalhista PEA: População Economicamente Ativa PFL: Partido da Frente Liberal PGC: Programa Grande Carajás PIB: Produto Interno Bruto PIN: Plano de Integração Nacional PL: Partido Liberal PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro PND: Plano Nacional de Desenvolvimento PNRA: Plano Nacional de Reforma Agrária POLAMAZÔNIA: Programa de Pólos Agropecuários Agrominerais PP: Partido Popular PP: Partido Progressista PPB: Partido Progressista Brasileiro PPP: Partido Popular do Pará PPR: Partido Progressista Reformador PPR: Partido Progressista Renovador PPS: Partido Popular Sindicalista PPS: Partido Popular Socialista PRC: Partido Comunista Revolucionário PRF: Partido Republicano Federal PRN: Partido de Reconstrução Nacional PRP: Partido de Representação Popular PSB: Partido Socialista Brasileiro
PSD: Partido Social Democrático PSDB: Partido Social Democrata Brasileiro PSP: Partido Social Progressista PST: Partido Social Trabalhista PSTU: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado PT: Partido dos Trabalhadores PTB: Partido Trabalhista Brasileiro PTR: Partido Trabalhista Renovador PV: Partido Verde RIDA: Reunião de Incentivo ao Desenvolvimento da Amazónia SEMTA: Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazónia SPVEA:- Superintendência do Plano de Valorização Económica da Amazónia STR: Sindicato dos Trabalhadores Rurais SUDAM: Superintendência para o Desenvolvimento da Amazónia SUDENE: Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste TRE: Tribunal Regional Eleitoral UDN: União Democrática Nacional UDR: União Democrática Ruralista UFPA: Universidade Federal do Pará
Introdução
Com o estudo que ora apresento, tese de doutoramento no Departamento de História Económica da Universidade de São Paulo (USP), intitulacfa Território, Política e Economia: Elites Políticas e Transformações Económicas no Estado do Pará pós1964 (defendida em 1998), pretendi dar continuidade a meus trabalhos anteriores focalizados no mesmo território político-administrativo do Brasil, o Estado do Pará. O primeiro foi uma dissertação de mestrado em História da América Contemporânea (Universidade Central da Venezuela-UCV), que teve como princi pal objêtivo estudar as práticas políticas dos setores progressistas da Igreja Católica, movimentos sociais, sindicatos e organizações ou partidos de esquerda e a participação de alguns dos seus mem bros na formação e trajetória do Partido dos Trabalhadores no Pará.1 O segundo intitula-se Uma Aproximação â Economia do Estado do Pará, à sua Vida Política e aos Estudos de História Regional no Brasil, e foi escrito em 1993 como trabalho final da disciplina Problemas na Expansão da Sociedade Industrial, minis trada pelo professor Wilson Barbosa, no programa de pós-graduação em História da USP. As importantes mudanças sócio-económicas ocorridas na Amazónia brasileira a partir da década de 1960, influenciadas, em grande medida, pela intervenção de diferentes instituições da Administração Federal e pelo interesse nas riquezas da floresta e do subsolo da região por parte de grupos económicos brasileiros e internacionais, têm merecido crescente atenção por parte de cien tistas sociais nacionais e estrangeiros. A maioria das pesquisas, realizadas sobretudo desde finais dos anos 1970 até inícios dos 90, centra-se no impacto produzido na Amazónia pela abertura das novas rodovias, pela implementação dos denojninados gran des projetos minero-hidrelétricos e pelas lutas pela terra entre as diferentes frentes de expansão agrícola na “área de fronteira” 23
(latifundiários, colonos e posseiros) e camponeses e povos indíge nas da região.2 São escassos, porém, os trabalhos que destinaram sua atenção à análise das práticas políticas das elites locais, partidos políticos, movimentos sociais e sindicais. Menos numerosos ain da, são aqueles que se preocuparam em indagar sobre a maior ou menor participação, nesse processo de mudanças sócio-econômicas, dos governos estaduais e municipais da Região Norte e, portanto, sobre as práticas dos diferentes atores políticos que assumiram os cargos de prefeito e governador. Contribuir para a análise dessas questões no Estado do Pará é um dos objetivos a que se propõe este Livro. Trata-se, também, de mostrar que uma das consequências do modelo de desenvolvimento implementado na Amazónia pela cúpula das Forças Armadas e pelos tecnocratas das diferentes instituições da Administração Federal, no período do Regime Militar, foi o enfraquecimento do poder político e da capacidade econômico-administrativa dos go vernos estaduais e prefeituras da região, os quais exerceram escassa influência na sua implementação e, no máximo, atuaram como meros atores coadjuvantes. Esse enfraquecimento foi, certamente, favorecido pelas mu danças políticas ocorridas nesse período no país que influíram decisivamente no próprio cenário político paraense, sobretudo ao assumirem, no período de junho de 1964 até março de 1971, o cargo de governador do Pará dois militares que tiveram destaca da participação na organização do golpe de estado que afastaria João Goulart da Presidência da República: Jarbas Passarinho e Alacid Nunes. Ambos, disputando entre si o controle do partido no poder (Arena), converteram-se, até início dos anos 80, nas princi pais lideranças políticas do Pará e preocuparam-se, em sua ação de governo, mais propriamente em implementar as diretrizes da “Revolução”, que em favorecer os interesses dos diferentes grupos ou classes sociais paraenses. Com a vitória do candidato do PMDB, Jader Barbalho, nas eleições para governador de 1982, abria-se um novo período político no Pará, agora sob a supremacia das
lideranças do novo partido no poder (PMDB), especialmente dos êx-governadores Jader Barbalho, Hélio Gueiros e Almir Gabriel. O regime militar nascido em 1964 não representa, em essência, uma mudança radical no modelo económico nacionaldesenvolvimentista dos anos cinquenta, especialmente em relação ao período de Juscelino Kubitschek na Presidência da República, embora fosse incrementada a participação de capitais estrangei ros e empresas multinacionais na economia nacional e aumentado a desigualdade na distribuição da riqueza e da renda per capita no país. Entretanto, com relação à Amazónia, embora tenham sido elaborados planos de desenvolvimento económico a serem implementados na região e, alguns deles, postos em prática antes da implementação do Regime Militar em 1964, foi a partir de 1966, após a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazónia (SUDAM) e do Banco da Amazónia S /A (BASA), que se intensificaram as ações da Administração Federal na região. Essa intervenção modificaria substancialmente a forma de ocupa ção e utilização económica do território e aceleraria o processo de expansão das relações capitalistas na Amazónia e sua articula ção ao mercado nacional e, sob novas formas e produtos, ao mercado internacional.. Alguns dos principais instrumentos de intervenção da Admi nistração Federal na Amazónia foram: a) a política de incentivos fiscais destinados a favorecer a instalação de novas indústrias e, sobretudo, a ocupar grandes extensões de terra por fazendas agropecuárias; b) os projetos de colonização das áreas próximas à Transamazônica; c) os investimentos direcionados a extrair, benefi ciar e transportar as riquezas minerais descobertas no Pará na década de 60 e nos anos posteriores. Essas atividades minerais pro vocaram uma mudança radical no volume e no valor total das ex portações paraenses nos anos 1980, sobretudo a partir de meados dessa década ao iniciar-se a exportação, através da Estrada de Fer ro Carajás-Ponta da Madeira (São Luís do Maranhão), do minério procedente de Carajás. Nos anos 90, esses empreendimentos con verteram o Pará no Estado brasileiro-que maior volume de minério
exporta e, esse setor, no item principal do PIB paraense. À análi se das mudanças económicas ocorridas no Pará a partir dos anos 60 será destinado o primeiro capítulo da tese. No segundo capítulo tratarei das práticas das elites políticas paraenses, especialmente as que assumiram responsabilidades de governo apôs o golpe de esta do de 1964. Esta divisão, nessa ordem - Economia e Política está justificada simplesmente por motivos analíticos e narrativos. No desenvolvimento da pesquisa, com o intuito de exami nar, em âmbito local, um dos municípios paraenses no qual maior impacto tiveram as mudanças sócio-econômicas ocorridas na Amazónia nas últimas décadas, comparativamente com outros municípios dessa mesma região brasileira, dei prioridade ao estu do dessas mudanças e das práticas das elites políticas de Marabá, principal município da Região Sudeste do Pará. Entre essas mu danças pode-se destacar aquelas decorrentes da descoberta das jazidas minerais na Serra dos Carajás, área então pertencente ao município de Marabá, da chegada de milhares de trabalhadores rurais de outros Estados do país, principalmente do Nordeste, e de novos fazendeiros que se apropriaram de milhares de hectares de terra de Marabá e de outros municípios do Sudeste do Pará. Surgem, assim, novos atores sociais (camponeses e fazendeiros) que disputaram entre si, e também com as tradicionais famílias oligárquicas (as quais controlavam, entre outras atividades econó micas, a coleta e a comercialização da castanha), pelo uso e o controle da terra. Esses são fatores relevantes para tentar com preender por que Marabá e os outros municípios do Sudeste do Pará seriam, desde início dos anos 1980, o cenário do maior número de conflitos agrários e de assassinatos de trabalhadores rurais ocorridos no Brasil. O quarto e último capítulo destina-se a examinar os discur sos de governadores e outros membros da elite política local, em presários, intelectuais e outros atores sociais paraenses que exer ceram notável influência na construção de diferentes discursos regionalistas no Pará, fossem pró-amazônidas ou, segundo mo mento e circunstâncias, pró-paraenses. Produzidos com objetivos
diferenciados ou não, esses diSctrrsos são de interesse para exami nar como alguns desses atores se posicionaram a respeito das transformações sócio-econômicas ocorridas na Amazónia nas úl timas décadas e sobre a intervenção da Administração Federal na região e a própria influência que exerceu, em seus discursos interpretados como práticas sociais as mudanças no cenário político nacional e estadual durante o Regime Militar e nos anos transcorridos da Nova República. *
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Estou consciente de que os objetivos de pesquisa definidos acima como prioritários poderiam ter-se convertido, cada um de les, num campo próprio de estudo, o que, sem dúvida, permitiria um maior aprofundamento do tema escolhido. Entretanto, ao op tar por tentar fazer uma análise mais abrangente das mudanças sócio-econômicas e práticas políticas no Estado do Pará durante o Regime Militar e os anos transcorridos da Nova República, e ao avaliar também, como estudo de caso que considero exemplar, o município de Marabá, objetivei, antes de tudo, examinar a interrelação entre território, mudanças económicas e práticas políti cas. Pretendo, assim, contribuir para os denominados estudos de História Regional e Local, obviamente, sempre restringindo mi nhas pretensões teóricas e de pesquisa aos temas ao recorte do tempo histórico e territórios político-administrativos enunciados e tentando escapar aos predeterminismos analíticos, sejam geográ fico-climáticos, economicistas ou politicistas. Entendidos os fenómenos políticos e económicos, não como planos ou sistemas autónomos, mas como elementos da totalidade social, tentei avaliar como os chamados “fatos” económicos e os políticos se inter-relacionam no decorrer histórico, isto é, no con texto geral no qual determinadas escolhas e ações são realizadas e influenciam as transformações do todo social.3 Tenho’consciência, entretanto, de que não é uma tarefa simples desvendar quando mudanças na estrutura económica são fundamentais para poder 9 7
interpretar determinadas práticas políticas e quando acontecimentos políticos, sobretudo nos momentos conjunturais, convertem-se no fator-chave para a compreensão da situação histórica e, portanto, de decisões no plano económico e outras práticas dos diversos atores envolvidos.4 Vejamos, a esse respeito, as reflexões do histo riador catalão Josep Fontana: “La articulation de la economia con la ideologia o la política es distinta en cada uno de estos planos, y las regias que hay que aplicar para interpretaria no pueden ser las mismas. Sin olvidar que estos planos no son independientes (...), sino que se imbrican y potencian. Por otra parte, en todos estos niveles existen otros nexos que corren del terreno de lo ideológico y de lo político al de la evolución económica. ”'5 Mesmo que boa parte das críticas” aos enfoques economicistas tenham sido dirigidas à produção científico-política de Karl Marx e à de alguns dos seus seguidores, considero pertinente pára o assunto aqui tratado, citar, sem pretender discutir agora o maior ou menor determinismo do enfoque marxista, um texto de Luiz Augusto Faria em defesa de Marx: “Ora, o que Marx quis dizer é que os homens fazem a história dentro de condições predeterminadas. Essas condições são aquelas legadas das ações de outros ho mens que os precederam. Diante delas, são feitas esco lhas que vão definir o sentido da evolução histórica. Que escolhas serão feitas vai depender de quais dos membros da coletividade humana têm o poder de fa zer as escolhas que devem ser seguidas pelos demais e da visão do mundo desses homens, que lhes vai indicar quais dentre as possibilidades dadas pelas condições do momento devem ser as opções preferenciais (...). As situações históricas são, pois, o resultado dessas ações 28
humanas. O equívoco do determinismo é exatamente o de tomar causa por efeito.”6 Ao reiterar minha vontade de evitar cair em qualquer tipo de análise reducionista dos fenómenos sociais, não pretendo negar a existência de determiriações, mas enfatizar que o problema está em reconhecer quando umas ou outras (por exemplo, económicas ou políticas) são mais marcantes para a compreensão das trans formações ocorridas num determinado país, região, estado ou município. Neste sentido, também considero de interesse reprodu zir as palavras da socióloga paraense Marília Emmi: “Procuro fugir todavia de uma interpretação simplista segundo a qual toda mudança política ou ideológica particular seria reflexo direto e imediato de transformações económicas parciais, divirjo também das análises de mão única entre o económico e o político, como se aquele influísse neste sem a possível reciprocidade” 7 Nos últimos anos têm-se revitalizado os estudos de história política - ou o que seria denominado por alguns autores como o retorno da História Política -, influenciados, entre muitos outros fatores, pelos debates estabelecidos entre as diversas disciplinas nas quais se subdividem as ciências sociais. Isto ocorreu tanto no México e no Brasil, como nos centros académicos e de pesquisa existentes nos EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália, os quais, a despeito das suas diferenças (inclusive no seio de cada um desses países), continuam sendo as principais referências da pro dução científica (e não somente na área de ciências humanas ou sociais) dos países latino-americanos.8 Esse retorno à história política não pressupõe um retorno aos velhos postulados positivistas que priorizaram em seus estudos a análise do papel do Estado e dos “grandes personagens” na história nacional. Alguns dos novos historiadores ou cientistas so ciais que assinalam a importância dos fenómenos políticos, tam bém criticam aos precursores da Escola dos Annales por negligen ciarem, em seus trabalhos (talvez como reação à preponderância do estudo dos fenómenos políticos na historiografia positivista), a 29
análise desse tipo de fenómeno. Mas, como assinala Peter Burke, ainda que essa crítica talvez fosse mais pertinente a respeito de Lucien Febvre: “Seria difícil sustentar esse argumento no caso de Marc Bloch (...). Os medievalistas dos Annales estão longe de rejeitar a história política, mesmo quando dedicam maior atenção a outros temas”.9 Seja como for, o fato é que a história política foi relegada, por um bom tempo, a um plano secundário por boa parte dos historiadores vinculados ou próximos à Escola dos Annales até finais dos anos 60. A partir de então, na França, e com ante rioridade nos Estados Unidos da América e Grã-Bretanha, uma história política rejuvenescida, renovada,]0 contribuiria para que, na “periferia” (leia-se aqui, além dos latino-americanos, também outros países europeus), aumentasse o número de investigações destinadas a desvendar as práticas políticas. Agora, não apenas focalizando o fenómeno do Estado e/ou da Nação, mas também as destinadas a examinar as práticas políticas de setores das classes populares e ao resgate, em oposição à “historiografia oficial”, da, talvez mal denominada, “história dos vencidos” ; e a respeito da história de partidos políticos, processos eleitorais, movimentos soci ais e sindicatos. *
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Entre os estudos dos teóricos marxistas que aprofundaram o conhecimento dos fenómenos regionais, cabe destacar alguns dos escritos de Antonio Gramsci destinados a desvendar a Questão Meridional na Itália. Um dos aspectos de maior interesse que nos fornece a obra do fundador e dirigente do Partido Comunista Italiano (PCI) para os estudos de História Regional está aquele em que Gramsci vislumbra as regiões como cenário da disputa pela hegemonia entre diferentes classes sociais que, para ele, eram de fundamental importância para a compreensão.das diferenças no desenvolvimento sócio-econômico dos diferentes territórios re gionais e para a própria compreensão das disputas inter-regionais no processo de constituição da Itália como Estado-Nação. Para 30
Gramsci a existência de diferentes realidades regionais era tam bém decorrente do desigual desenvolvimento, em cada uma delas, como parte integrante de uma determinada e histórica formação sócio-econômica, do modo de produção capitalista." Num texto, escrito em 1926 pelos dirigentes do PCI, António Gramsci e Palmiro Togliatti, que seçia conhecido como as leses de Lyon, pode-se ler: “As relações entre a indústria e a agricultura que são essenciais para a vida económica de um país e para a determinação das superestruturas políticas têm, na Itá lia, uma base territorial. No Norte a produção e a população agrícolas estão concentradas em alguns gran des centros. Por conseguinte, todos os contrastes ine rentes à estrutura social do país contêm um elemento que diz respeito à unidade do Estado [...]. Os grupos dirigentes burgueses e agrários procuram a solução deste problema através de um compromisso [...]. O compromisso que permite salvar a unidade é tal que, por outro lado, agrava a situação. Ele coloca as popu lações trabalhadoras do Mezzogiorno em uma posição análoga à dos povos colonizados. A grande indústria do Norte representa em relação a elas o papel das metrópoles capitalistas: os grandes proprietários ru rais e a própria média burguesia meridional tomam uma posição comparável à das categorias que, nas co lónias, se aliam à metrópole para manter dependente a massa do povo trabalhador.” 12 A crescente influência dos escritos e conceitos gramscianos, os da denominada Escola de Geografia Crítica e corrente mar xista do pensamento geográfico, “aqui entendidos como todos os que abriram combate às formulações da geografia tradicional e da nova geografia”13, e, além de outros autores e/ou aborda gens teóricas, os estudos da Comissão Económica para a Améri 31
ca Latina e o Caribe (Cepal) e os da corrente da Teoria da Dependência, favoreceram, em alguns países latino-americanos, sobretudo no Brasil, o surgimento de novas perspectivas para os estudos inseridos na perspectiva metodológica denominada de História Local e História Regional. Com o intuito de avaliar as ações dos homens ao longo do tempo - temporalidade - num determinado espaço - espacialidade -, os geógrafos marxistas ou críticos, tentando superar a tradici onal utilização do conceito espaço como sinónimo de região natu ral, deram prioridade em seus estudos à análise das atividades humanas nele desenvolvidas.14 Afinal, embora a Geografia Tradi cional avaliasse a relação homem-natureza, como assinalou Rosa Maria Silveira, “pelo peso atribuído às condições naturais na cons tituição da vida social”, seus pressupostos escamoteavam a rela ção dos homens entre si, sendo o “elemento humano” mais um “componente da paisagem”.15 Por serem usados às vezes como sinónimos, considero per tinente, para os fins deste texto, assinalar as diferenças que exis tem entre os conceitos de espaço e território. Milton Santos, por exemplo, assinala que o espaço “não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a Natureza. O espaço é tudo isso, mais a socieda de”,16 já o território, que “etimologicamente deriva da palavra latina terra ou tirou, significando terra pertencente a alguém” ,17 está vinculado à apropriação, controle ou domínio exercido numa determinada área “quer se faça referência ao poder público, esta tal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais” .18 Assim, os recortes do território que fixam as fronteiras entre países e, também, os limites regionais e divisões políticoadministrativas internas dos Estados-Nação, têm que ser vistos como construções sociais e não como produto dá Natureza. Afi nal, quem determina que partes são incluídas ou excluídas dos diversos recortes do território, “não é o espaço, mas sim o tempo, a história”.19 Fronteiras que foram definidas, fixadas, modificadas 32
ou anuladas (leia-se destruídas), resultado, por motivações ou inte resses diversos, de disputas políticas ocorridas ao longo do tempo, experiência vivida recentemente em alguns países do Leste Europeu com a criação de novos Estados-Nação e de novas divisões regionais ou provinciais em muitos desses “velhos” ou “novos” países. Entretanto, admitir *que não são as características naturais que determinam os diferentes recortes do território não pressupõe negar que os fatores geográfico-climáticos não exerçam qualquer influência no momento de legitimar ou fazer real o que também fora construído. Pois, ainda que não sejam elementos geográficos os que nos ajudariam a explicar, por exemplo, as atuais fronteiras do Brasil com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela e as Guianas, não podemos desconhecer que na negocia ção da delimitação dessas ou anteriores fronteiras, desde o Tratado de Tordesilhas, assinado por “Espanha” (leia-se pelos reinos de Castela e Aragão) e Portugal, em 1494, um dos principais critérios utiliza dos para sustentar uma ou outra definição desses limites foram os geográficos. Nesse sentido, já no início dos anos c30, Araújo Lima, em sua obra intitulada Amazónia: a Terra e o Homem, sem negar a influência do meio geográfico na evolução da humanidade, mas cri ticando o determinismo geográfico de Ratzel,20 assinalava que, “Se é imprudente recusar em absoluto a ação do meio natural, temerário é certamente exagerá-la, aceitan do-a como um imperativo a prefigurar a história, re ger-lhe o curso e determinar-lhe os acontecimentos [...]. Não há uma força cega e brutal, impulsionada por fatal determinismo; mas, em função do “complexo organismo-meio e por consequência de suas interações, processa-se o trabalho biológico e social de adaptação. Os excessos de doutrina derivaram de conceber-se o meio como exclusivo elemento ativo, admitindo a pas sividade do homem ante as implacáveis ações naturais [...]. A natureza não jaz imutável: modifica-se sob a atividade humana.”21
Quando me refiro a que os recortes do território são o resultado de escolhas e práticas sociais, como também o são as propostas dirigidas a alterá-las, isso não pressupõe negar a eficá cia simbólica da sua “existência real” para os atores sociais que se consideram parte integrante delas, seja pela História (“inventada” ou não), no tempo presente ou pela vontade de instituir novas fron teiras. Pois, como assinala Pierre Bourdieu: “[...] logo que a ques tão regional ou nacional é objetivamente posta na realidade social [...], qualquer enunciado sobre a região funciona como um argu mento que contribui [.:.] para favorecer ou desfavorecer o acesso da região ao reconhecimento e, por este meio, à existência”.22 Os processos de construção das regiões de um país e suas específicas singularidades económicas, políticas ou culturais não podem ser interpretados corretamente à margem da Formação Sócio-Econômica e, também, Espacial (como Milton Santos, um dos mais reconhecidos geógrafos brasileiros vinculado, até o início dos anos oitenta, à corrente da Geografia Crítica, gostaria de ver ampliado esse conceito desenvolvido por Karl Marx) na qual esses diversos recortes do território se inserem,23 sem esquecer, porém, que cada um deles mantém uma relação específica com outros espaços da totalidade mundo, que configuram, por exemplo, a divisão internacional do trabalho. Há relações económicas entre algumas regiões com o mercado internacional que, num determi nado momento histórico, podem ser de maior importância que as estabelecidas com outras regiões ou estados do mesmo país, em decorrência da expansão espacialmente desigual do sistema capi talista; veja-se, por exemplo, a Amazónia brasileira durante o ciclo da borracha e o atual “ciclo do minério” no Estado do Pará. Através dos enfoques aqui resumidos, considero que pode mos tentar situar melhor como foram sendo definidas ou altera das, no Brasil, as fronteiras que fixaram os limites formais entre os diferentes estados e municípios e aqueles entre as cinco macrorregiões hoje existentes no país (Norte, Nordeste, CentroOeste, Sudeste e Sul). Essa perspectiva também nos será útil para tentar compreender por que foram criadas outras divisões do ter 34
ritório nacional, entre elas, as destinadas a ordenar a intervenção económica da Administração Federal nas áreas de atuação da Sudam, Sudene e Programa Grande Carajás (PGC), cujos limi tes diferem dos recortes político-administrativos e também macrorregionais do território nacional. Ao ser o Brasil, como fora definido desde a Constituição de 1891, uma federação de estados e não de regiões, são três as estruturas que assumem distintas competências para atuar sobre o território: a União, os Estados e os Municípios, cada uma delas com suas estruturas político-administrativas específicas e divisão de poderes: presidente da República, governo federal, Congresso Nacional: governadores, executivos estaduais e assembléias legislativas; prefeitos, governos municipais; e câmaras municipais. O sistema político e eleitoral brasileiro organiza-se também com base nessas divisões, favorecendo, assim, que Estados e Municípi os sejam os principais âmbitos de atuação político-eleitoral dos brasileiros, como eleitores, ou como candidatos. Portanto, quan do defino Marabá ou Belém e o Estado do Pará como territórios político-administrativos, quero destacar que é nessa divisão e não, por exemplo, na Região Norte ou Amazónia Legal, que se mostra com clareza a indiscutível relação entre território e práticas políti cas, isto é, como “espaço legal de ação política de elites, grupos de interesse e classes sociais”,24 ao serem esses os lugares onde basica mente se definem “as alianças, lealdades e competições políticas”.25 *
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As confusões existentes a respeito dos conceitos espaço, região e território político-administrativo são trasladadas ao que pode ser incluído ou excluído dos denominados estudos de História Regional. De fato, existem trabalhos inseridos nessa perspectiva metodológica que tanto se referem a uma macrorregião, ou ao território de um ou vários estados ou às subdivisões' regionais no seio deles, por exemplo, as mesorregiões ou microrregiões estabelecidas no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e 35
Estatística (IBGE). Contudo, e ainda que consídere de funda mental importâncief distinguir o que são divisões político-administrativas do território (Regiões, Estados e Municípios), com outras diferenciações “oficiais” ou não do espaço, do ponto de vista estritamente metodológico não considero que seja proble mático pretender incluir no âmbito dos denominados estudos de História Regional, quando for relevante, esse recorte do territó rio, a história de um ou vários estados ou municípios brasileiros, ainda que sempre com o intuito de diferenciar esse tipo de estudo dos de História Nacional. Um dos principais interesses dos trabalhos de História Re gional, seja qual for o recorte do espaço ou do território escolhido pelos diferentes autores, é que eles fornecem, como assinala a historiadora Vera Silva, elementos insubstituíveis para estudos comparativos.26 Trata-se de comparar aspectos similares entre regiões de um mesmo país ou entre regiões de diferentes países, pois, ainda que possa ser útil tentar estabelecer um “diálogo” entre a historiografia nacional e a regional ou local, isso não prgssupõe que seja correto tentar comparar uma região com o todo nacional.27 Afinal, uma das principais, ou óbvias, diferencia ções entre História Regional (por exemplo, História da Amazónia brasileira ou História do Estado do Pará) e a História Nacional (a História do Brasil, por exemplo), é que esta última tende a ressal tar as semelhanças do todo nacional, sendo uma das suas preocu pações, explícitas ou implícitas, tentar diferenciar a história de um determinado país da história de outros Estados-Nação, o que, por sua vez, faz emergirem outros problemas metodológicos para os cientistas sociais que dão prioridade em suas pesquisas a esse tipo de recorte da realidade mundo. São matizes com os quais não pretendo entrar na disputa por outras perspectivas metodológicas e, menos ainda, diminuir o interesse das mesmas para o conhecimento do todo social, aquilo qué, na maioria das universidades do país, é definido (no currículo escolar) como His tória do Brasil ou História Geral da Civilização Brasileira.28 Por tanto, como assinala Vera Silva:
“O regionalismo justifica-se como uma entre outras perspectivas possíveis de análise da economia, da soci edade e da política. Não exclui e nem se opõe a outros enfoques de estudo. Nem é melhor ou pior que outros métodos de abordagem da História.”29 Entretanto, os estudos de História Regional também po dem contribuir para uma melhor compreensão da História Naci onal, até porque, como escreveu Jorge Balán, comentando um dos trabalhos de Simon Schwartzman: “[...] não é apenas que a análise dos subsistemas regionais forneça uma melhor’ compre ensão dos sistema nacional, mas, também, que o sistema nacio nal não pode ser entendido de maneira adequada sem seus com ponentes regionais”.'30 As considerações anteriores permitem, agora, tentar dis cutir alguns dos problemas que podem ser detectados nos estu dos de História Regional e também nos de História Local. Entre estes podem ser apontados os trabalhos que não aprofundam as especificidades das diferentes regiões ou territórios político-administrativos escolhidos como objeto de pesquisa, tratando-os apenas, como avaliou a historiadora Rosa Maria Silveira, como mero reflexo de recortes espaciais mais amplos.31 O finalismo ou ponto de chegada dessas “histórias regionais” seria a construção do Estado-Nação. Assim, a “[...] História de um determinado Estado ou província repete os acontecimentos da história do Es tado brasileiro ou o que se pensa que seja a História do Estado brasileiro, que se irradia dos seus centros de decisão”.32 Um exemplo paradigmático desse tipo de produção a respeito do Estado do Pará e do Estado do Amazonas é a obra do historia dor Arthur Cézar Ferreira Reis. Citemos, entre os inúmeros trabalhos escritos por ele, nos quais poder-se-ia ver reproduzidas idéias similares, apenas um exemplo, extraído do livro intitulado Síntese da História do Pará, cuja primeira edição’ foi publicada em 1942:
“O Pará tem uma história rica, farta em lances e epi sódios que a definem como das mais invulgares na his tória nacional, pois a contribuição paraense para o processo de criação do Brasil é, realmente, uma con tribuição cheia de maior interesse e com aspetos parti culares expressivos. Em nenhum momento o Pará es* teve ausente no plano da formação nacional par ticipação intensa no quadro dos acontecimentos que significam o Brasil como empresa dos brasileiros.”33 A perspectiva de situar ãs histórias regionais caminhando na construção do Estado-Nação foi predominante, como assinalou o sociólogo Luiz Roberto Targa, na historiografia clássica brasi leira, sejam as regionais, seja a nacional.34 Porém, nos últimos anos, tem aumentado o número de pesquisas que, focalizando seus trabalhos no âmbito regional, estadual ou local, com o objetivo de examinar suas “singularidades” ou “particularidades”, não inse rem seu objeto de estudo na totalidade à qual esses territórios estão integrados. Sem desmerecer os resultados alcançados pelos autores que centram suas pesquisas nessa perspectiva analítica, sobretudo pela sua (explícita ou implícita) vontade de evitar que o “nacional” anule a compreensão do “regional” e, portanto, das diferenças entre regiões ou estados do território nacional, não se pode deixar de mencionar que esse tipo de enfoque dificulta a própria compreensão da história regional, estadual ou local. Sem dúvida, é uma história que estuda a região, mas a converte numa espécie de “microcosmo que se basta e se auto-explica”,35 apare cendo, assim, “descoladas do processo histórico brasileiro”.36 No mesmo sentido, o economista Wilson Cano, autor que destinou boa parte das suas investigações ao estudo das transformações económicas em diversas regiões do país, especialmente as ocorri das no Estado de São Paulo, escreve: “Embora já exista maior conscientização sobre a ques tão regional brasileira, persistem algumas interpreta 38
ções equivocadas que retardam o correto entendimen to desse fenómeno [...]. Deve-se lembrar que, infeliz mente, é raro o trabalho ou estudo que apresente uma visão integrada do fenómeno regional, inserido na di nâmica social de toda a nação. Esse erro, o de ver compartimentadamente o problema, tem conduzido o debate, em alguns casos, a uma verdadeira disputa entre Estados’.”37 *
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A escolha das diferentes fontes que são utilizadas, por historiadores ou outros cientistas sociais, está influenciada ou condicionada, obviamente, pela temática, enfoque, corte históri co, objetivos e pelas condições (acesso às fontes, tempo etc.) nas quais o pesquisador desenvolve seu trabalho. Nesse sentido, de sejo mencionar que o enfoque metodológico que inspirou minha investigação, além das considerações feitas acima, baseou-se numa espécie de diálogo comparativo (análise cruzada, nos diria Paul Thompson) entre as fontes secundárias (livros, artigos), as fon tes primárias (documentais, hemerográficas) e fontes orais. Afi nal, ainda que qualquer método possa ser útil para nos aproxi mar do real histórico com maior fidelidade, não se pode esque cer os pertinentes comentários de Paul Thompson em A Voz do Passado : “Todas elas [as fontes] são falíveis e sujeitas a viés, e cada uma delas possui força variável em situações di ferentes. Em alguns contextos, a evidência oral é o que há de melhor; em outros, ela é suplementar, ou com plementar, à de outras fontes.”38 Na mesma obra, Paul Thompson alerta quanto ao viés potencial de qualquer fonte utilizada pelos historiadores, mencio nando, entretanto, a escassa discussão que existe entre os cientis 39
tas sociais quando se trata de questionar as fontes escritas, dife rentemente do que acontece a respeito das fontes orais. O histori ador, para reconstruir o passado, deve perguntar-se também como o documento passou a existir inicialmente, quem foi exatamente seu autor e qual foi seu objetivo ao escrevê-lo. Estou consciente de que um dos problemas com os quais nos defrontamos, os pesquisadores que trabalhamos com momen tos históricos muito próximos aos dos nossos dias, sobretudo os que tentamos compreender as práticas políticas dos indivíduos, especialmente a das elites políticas, é o fato de que boa parte dos nossos atores continua ativa, em maior ou menor grau, no cená rio político. E compreensível, portanto, que os estudos das práti cas políticas baseadas em fontes orais e também os trabalhos inseridos na perspectiva metodológica da análise do discurso te nham sido questionados quanto à sua pretensa cientificidade/objetividade.39 Como já mencionei na dissertação de mestrado, alguns dos atores políticos entrevistados avaliavam sua participação na História como expressão coerente de sua evolução política, en quanto outros faziam uma autocrítica de sua ação política anteri or. Em ambos os casos, considerava e, ainda considero, que suas palavras tentavam justificar as posições políticas assumidas na ocasião do depoimento. Como nos diz Pierre Bourdieu: “[...] os homens políticos, diretamente implicados no jogo, portanto diretamente interessados e percebidos como tais, são imediatamente percebidos como juizes e partes, logo, sempre suspeitos de produzirem inter pretações interessadas, enviesadas e, por isso mesmo, desacreditadas.”40 Algumas das repercussões provocadas pela publicação do livro A Esperança Equilibrista: A Trajetória do P T no Pará, têm provocado determinadas mudanças na relação pesquisadorpesquisado, isto é, com os atores políticos que entrevistei ou tentei entrevistar com a finalidade de concluir a tese de doutorado.41 40
Alguns deles não esconderam sua preocupação em que se gravasse a entrevista; outros, entretanto, mostraram não somente grande interesse em ser entrevistados, mas, até, se esforçavam em orien tar, além das minhas perguntas, suas respostas como se estives sem fazendo um discurso para seus clientes políticos.42 Desejo também informar aqui qtTe o trabalho de história oral foi prejudi cado pela mudança na data final para a conclusão da tese e tam bém pelo início de uma nova campanha eleitoral na qual a maio ria dos atores políticos que eu pretendia entrevistar, concretamente os ex-governadores do Pará que exerceram seus mandatos a partir de 1960, estavam nela envolvidos. Vários são os problemas com os quais me defrontei ao trabalhar-com fontes oficiais, sobretudo quando procurava levan tar dados sócio-econômicos e demográficos do Pará ou de outros Estados da Região Norte, seja porque não estão atualizados, seja por serem pouco confiáveis. Mostra disso são as informações con traditórias fornecidas sobre um mesmo assunto por diferentes ór gãos públicos e, até, pelo mesmo órgão.43 Tais situações me fazem questionar não somente a veracidade das informações, mas tam bém as possíveis manipulações das mesmas, além de advertir para o fato de que os diferentes dados fornecidos ao longo do texto devem ser interpretados com a devida cautela. Uma das mais claras mostras da disputa pelos números é o questionamento que fazem algumas prefeituras e governos estaduais sobre os dados dos recenseamentos do IBGE, considerando que os mesmos não refletem o número real do total de habitantes, objeções que não são, certamente, de pouca importância. Uns ou outros dados de terminarão o aumento ou diminuição percentual das verbas que cada um dos respectivos governos (estaduais e municipais) recebe rá da União, já que, como é conhecido, são verbas distribuídas pelo governo federal, com o acordo formal do Congresso Nacio nal (mas, nem sempre na prática), a partir de dados fornecidos pelo IBGE. '
Notas 1A dissertação de mestrado foi publicada em 19 96 pela Editora Boitempo (São Paulo), em co-e dição com o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universida de Federal do Pará (NAEA-UFPA), sob o título de A Esperança Equilibrista: A Trajetória do P T no Pará. 2 Nos últimos anos as preocupações dos diferentes cientistas sociais que estudam a Amazónia brasileira diversificaram os temas a serem pesquisados. Por exemplo, os destinados a desvendar os impactos sociais e culturais e econômico-ecológicos do modelo de modernização económica implementado, considerado não somen te destruidor do meio ambiente, mas também desestruturador do modo de vida das populações tradicionais da região: ribeirinhos, povos indígenas, caboclos, seringueiros, pescadores. O interesse nessas populações, vistas como baluartes da preservação, para nós e para as futuras gerações, da excepcional diversidade da flora e da fauna amazônica, tem servido para popularizar os conceitos de desenvolvimento ou manejo sustentado, que hoje alimentam não apenas os dis cursos dos ambieiUalistas ou ecologistas e da maioria dos cientistas da região, mas, também, da maioria dos candidatos a cargo eletivo majoritário (governador, senador ou prefeito) que aspire a ter chances de vencer um pleito eleitoral. 3 Defino como atividade económica aquela destinada à obtenção e uso de deter minados bens materiais, e relações económicas, as práticas destinadas a regular como esses bens serão produzidos, acumulados e distribuídos. Relações econó micas entre os homens que são, portanto, também relações de poder, nas quais está em jogo a forma como esses bens serão usados. Ainda que o concèito do político não seja muitas vezes explicitado ou seja utilizado de forma diferenciada por diversos cientistas sociais (segundo paradigmas teóricos e, até, ou sobretudo, em decorrência das diferentes áreas de especialização nas quais se dividem e subdividem as ciências sociais), a utilização que faço desse conceito está orientada para a análise das práticas direcionadas a manter, ampliar ou modificar determi nadas parcelas de podér num determinado sistema político, grupo ou instituição, entre outras entidades nas quais a sociedade se organiza. Sendo, pois, uma das práticas sociais que os homens e mulheres desenvolvem ao longo da sua vida, talvez seja importante distinguir também entre o que poderia ser definido como relações de pod er e relações de autoridade. São vislumbradas, as primeiras, com a ajuda do especialista em antropologia política, Ronald Cohen, como a “capaci dade para influenciar o comportamento de outros e/ou lograr influência sobre o controle das ações valoradas” (R. Cohen, "El sistema político”, 1 979, p. 34), e as de autoridade (por exemplo, a exercida por presidentes, governadores, prefei tos, juizes, chefes de instituições religiosas, líderes de partidos políticos, sindica tos, chefes de família etc.), como poder socialmente legitimado, no qual o “supe rior tem um direito reconhecido a uma quantidade de poder sobre os subordina dos” (idem, ibidem). Mas, reiteramos, tanto uns (os superiores), como os outros 42
(os subordinados), podem tentar, através da luta política, modificar essas relações de poder. 4 Seguindo os cientistas políticos Gildo Marçal Bezerra Brandão e Eli Diniz, defino as conjunturas como momentos de inflexão, “nos quais tendências desi guais, distintas ou contrapostas provenientes do desenvolvimento anterior atin gem um ponto crítico, criando a base para una nova participação de trajetos” (G. M. B. Brandão, Partido jOomunistã, Capitalismo e Democracia: Um estudo sobre a génese e o papel político da esquerda brasileira, 1992, p. 17), mas sempre situando as diferentes conjunturas como momentos específicos de uma problemática mais geral, considerados portanto, em sua “conexão com o passado recente ou com tendências de mais longo prazo" (E. Diniz, “Reflexões sobre análise de conjuntur a”, 19 91 , p. 2). Assim, cada “conjuntura tem a sua especificidade, mas se insere numa cadeia de fatos e de processos que lhe dão significado, ou por revelarem linhas de continuidade ou, ao contrário, pontos de ruptura” (idem: 2-55). Isto é, como também escrevera o historiador francês Pierre Vilar: “No sentido mais geral, a conjuntura’ é o conjunto das condições articula das entre se que caracterizam um momento no movimento geral de la matéria histórica. En este sentido, se trata de todas las condiciones, tanto das psicológi cas, políticas e sociais como das económicas" (R Vilar, Iniciación a/ vocabulário del análisis histórico, 1981, p. 81). 5 Josep Fontana, Cambio Económico y Actitudes Políticas, 1975, p. 7-8. (i Luiz Augusto Estrella Faria, “A Economia Política, seu Método e a Teoria da Regulação”, 1992, p. 28 5-6. A respeito das contribuições de Marx à análise dos fenómenos políticos, ver a instigante obra de John M. Maguire, Marx ysu a Teoria de Ia Política, 1984. ' Marília Emmi, A Oligarquia do Tocantins e o Domínio dos Castanhais, 1988, p. 8. HSobre o retorn o da história política, veja-se de Vavy Pacheco Borges, “História e Política: Laços permanentes” (1991/1992), e "História Política: Totalidade e Imaginário” (1996); Peter Burke (org.), 'Abertura: A nova história, seu passado e seu futuro”, em P Burke, A Escrita da Ilistória: Novas Perspectivas, especial mente as páginas 10-11 e 32-37 (1992); Aspásia Camargo, “História Oral e História Política” (19 94 ); Marieta de Moraes Ferreira, “A nova 'velha história’: O retorno da História Política” (1992); Jacques Julliard, “A política” (1976); e René Remond (org.), Por uma História Política (1996). 9 Cf. Peter Burke, A Escola dos Annales, 1991, p. 100-101. François Dosse compartilha com Peter Burke as críticas a Lucien Febvre, mas as estende também a Marc Bloch. Segundo Dosse, ao dar prioridade aos aspectos económicos e sociais, Bloch também rejeitava o aspecto político (F Dosse, História em Miga lhas, 1992, p. 5). Entretanto, Dosse cita duas passagens de um trabalho de Lucien Febve que são exemplares para mostrar que o percurso intelectual não deixa de ser um caminho cheio de contradições. Escreve Lucien Febvre: “Em cada período da história, é a estrutura económica da sociedade que, ao determi43
nar as formas políticas, comanda também os costumes sociais e até a direção geral do pensamento e até a orientação das forças espirituais” (L. Febvre, Pour une histoire à part entièrfe, p. 364-365; apud¥. Dosse, op. c/f., p. 95). Porém, a seguir, referindo-se à polémica desatada por Max Weber a respeito da relação entre o processo de Reforma da Igreja Católica e o desenvolvimento do capitalis mo em alguns países europeus, Lucien Febvre, escreve: "A Reforma, filha do capitalismo ou, ao contrário, o capitalismo fruto da reforma: não, mil vezes não. É preciso substituir o dogmatismo dessa interpretação tão simples, da seguinte forma: é necessário ressaltar a jovem noção de interdependência dos fenómenos” (F Dosse, op. cit., p. 95). 10Vavy Pacheco Borges, “História e Política: Laços permanentes", 1 991/1 9 92 , P. 7.
11 Ver, a respeito dos assuntos tratados neste parágrafo, os livros de Antonio Gramsci, La cuestión meridional (1978) e Os Intelectuais e a Organização da Cultura (1989). 12António Gramsci e Palmiro Togliatti, “A situação italiana e as tarefas do P CI” , 1980, p. 6. IS Cf. Wagner Costa Ribeiro, “O marxismo na geografia brasileira", 1996: 151. 14A respeito dos trabalhos de alguns dos geógrafos brasileiros que se vincularam à corrente marxista do pensamento geográfico e/o u à Eçcola da Geografia Críti ca, ver, por exemplo, Milton Santos, Por uma Geografia Nova: Da Crítica da Geografia a uma Geografia Crítica (19 78 ); a coletânea organizada por esse mes mo autor intitulada, Novos Rumos da Geografia Brasileira (199 6); Wagner Costa Ribeiro, “O marxismo na geografia brasileira” (1996); e Armando Corrêa da Silva, Geografia e Lugar Social (1991). 10Rosa Maria Godoy Silveira, “Região e História: Questão de Método” , 1990, p. 20-21. 10 Milton Santos, Espaço e Método, 1992, p. 1. 17Roberto Lobato Corrêa, “Territorialidade e corporação: um exemplo” , 1996, p. 251. 18 Idem, ibidem. IHPierre Bourdieu, O Poder Simbólico, 1989, p. 115. 20 Araújo Lima refere-se ao naturalista Friedrich Ratzel, que em 1882 publicou o primeiro volume da sua obra intitulada Antropogeografia. Segundo Araújo Lima, Ratzel concebia a terra como um suporte rígido que “regula os destinos dos povos” . Para Lima, as idéias de Ratzel favoreceram interpretações de um “determinismo geográfico, brutal e cego” (Araújo Lima, Amazónia: a Terra e o Homem, 3a edição 1945, pp. 19-20). No mesmo livro, Lima, após prosseguir suas críticas aos deterministas geográficos, faz também uma lúcida avaliação dos autores que pretendiam explicar, em geral tentando sustentar suas teses em estu dos antropológicos, as diferentes sociedades humanas a partir da relação entre raça e história. Isto é, através do preconceito de desigualdades das raças, median 44
te o qual se pretendia “firmar a importância da pureza racial como determinante dos estados de civilização mais adiantados", admitindo, assim, “no mesmo momen to histórico a coexistência de raças superiores e inferiores” (idem, ibidem, p. 42). 21 Idem, p. 31 e 34-35. 22 P. Bourdieu, op. cit., p. 120. 23 Tenho consciência dos inúmeros debates e não poucas confusões que o concei to de Formação Económico-Social tem provocado ao ser vinculado, ao conceito de totalidade (que alguns preferem também definir como sinónimo de país) e ao de Modo de Produção (forças produtivas e relações sociais de produção, distri buição e consumo). Sem desconsiderar os riscos de tentar naturalizar o conceito de Formação Econômico-Social-Espacial, isto é, fazê-lo existir como se se tratas se de uma estrutura real em vez de referência analítica, considero pertinente servir-me da noção de espaço-tempo (espaço social historicamente definido) tra balhada por Milton Santos, no intuito de diferenciar os modos de produção (por exemplo, o capitalista) e o que se decidiu chamar de formação social. Partindo da definição segundo a qual modo de produção, formação econômico-social e espa ço são categorias interdependentes, Milton Santos assinala que: “Os modos de produção escrevem a História no tempo, as formações sociais escrevem-na no espaço [...]. A história da formação social é aquela da superposição de formas criadas pela sucessão de modos de produção, da sua complexificação sobre seu território espacial [...]. Um Estado-Nação é uma Formação Sócio-Econômica. Um Estado-Nação é uma totalidade. Assim, a unidade geográfica ou espacial de estudo é o Estado-Nação" (M. Santos, Espaço e Sociedade: Ensaios, 1982, p. 15 e 28). 24 Vera Alice Cardoso Silva, "Regionalismo: O Enfoque Metodológico e a Con cepção Histórica”, 1990, p. 46. 25 Iná Castro, “Política e território: Evidências da prática regionalista no Brasil”, 1989, p. 389. 28 Vera Alice Cardoso Silva, op. cit., p. 46. 27 Ver, a esse respeito, as pertinentes reflexões de Luiz Roberto Pecoits Targa, “Comentário sobre a utilização do método comparativo em análise regional” , 1991. 28 Seria interessante aprofundar o conhecimento do histórico escolar das univer sidades na área de Ciências I lumanas e Sociais, sobre a maior importância conce dida ao conhecimento da História do Brasil em detrimento da História Regional. No departamento de História da UFPA, por exemplo, são quatro os semestres destinados à primeira dessas disciplinas e dois ao estudo da História da Amazó nia, sem nenhuma disciplina destinada formalmente ao conhecimento da História do Pará, geralmente incluída nas disciplinas Amazônia-I e Amazônia-II. S em dú vida, a prioridade dada a uns ou outros temas e períodos da História não foi e nem é inocente, como tampouco o seriam suas mudanças. ’ 29 Vera Alice Cardoso Silva, op. cit., p. 43.
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30 Jorge Balán (org.), Centro e Periferia no Desenvolvimento Brasileiro, 1974, p. 21. 31 Rosa Maria Godoy Silveira , op. tit., p. 23. 32 Idem. 33 Arthur Cézar Ferreira Reis, Síntese da História do Pará, 1972, p. XVII. 34 Luiz Roberto Pecoits Targa, op. tit., p. 270. 33 Sandra Jatay Pesavento, “História regional e transformação social ”, 1 99 0, p. 70 e 72. 36 Rosa Maria Godoy Silveira, op. tit., p. 23. 37 Wilson Cano, Desequilíbrios Regionais e Concentração Industrial no Brasil: 1930-1979, 1985, p. 21. 38 Paul Thompson, A Voz do Passado, 1992, p. 176. No mesmo sentido, Aspásia Camargo escreve: “ Toda fonte, em principio, é provida de objetividade, mas é também um fator de desconfiança e, evidentemente, pode ser um indutor do equívoco" (A. Camargo, “História Oral e História Política ”, 1994, p. 78). 39 A respeito do recurso metodológico da análise do discurso ver as primeiras páginas do Capítulo IV deste livro. 40 Pierre Bourdieu, op. cit., p. 55. Ver também, a esse respeito, as pertinentes reflexões de Aspásia Camargo, “Os usos da História Oral e da História de Vida: Trabalhando com Elites Políticas” (1984), especialmente as páginas 13-14. 41 Entre elas é de se destacar a utilização de algumas páginas do livro por parte de Ramiro Bentes (PDT), candidato à Prefeitura de Belém nas últimas eleições municipais (1996), durante o último debate eleitoral realizado dois dias antes do segurtdo turno das eleições, com o intuito de mostrar que o candidato do PT, Edmilson Rodrigues, hoje prefeito de Belém, “é e sempre foi um comunista revo lucionário”. A segunda delas, quando membros da Igreja Católica de Gurupá e o bispo da prelazia do Xingu, dom Erwin Krautler, exigiram de José Vicente de Paula (Zé Vicente), ex-prefeito de Gurupá durante o Regime Militar, que se retra tasse publicamente das acusações feitas por ele contra o setor progressista da Igreja Católica que foram reproduzidas no meu livro. Zé Vicente não somente fez questão de reafirmar o depoimento que me deu, mas também fez questão de ampliar suas acusações e críticas às práticas políticas dos católicos afinados com a Teologia da Libertação nas sessões da Câmara Municipal convocadas, por pro posição dos vereadores do PT, para discutir “esse importante assunto”. Em res posta, o bispo cumpriu a ameaça de processar Zé Vicente por difamação e hoje o processo corre na Justiça. 42 Experiência no uso da história oral que tentei sistematizar no trabalho intitulado Fontes Orais e Elites Políticas Paraenses, apresentado no IV Encontro Nacional de História Oral (Recife, 11-14 de novembro de 1997). 43 Por exemplo, o município de Marabá, segundo dados do IBGE, em 1994, tinha 141.436 habitantes, porém, para a Fundação Nacional de Saúde (FNS) o total de habitantes, nesse mesmo ano, era de 148.291. Em São Geraldo do 46
Araguaia, para o IBGE, os residentes no município somavam, em 1995, 43.8 32 pessoas e, segundo a FNS, apenas 32.251 (Cf. Haroldo Costa Bezerra, Parecer da Relatoria Adjunta da Região de Carajás, Comissão Especial de Estudos das Possibilidades Económicas e Administrativas de Emancipação das Su b-Regiões Tapajós e Carajás, 1995). São também notáveis as divergências existentes entre muitos dos dados do IBGE e os fornecidos pelo Instituto de Desenvolvimento Económico Social do Pará (IDESP), por exemplo sobre a População Economi camente Ativa (PEA) do Estado do Pará e, portanto, também sobre o total de pessoas que são incluídas num ou outro setor económico.
O Pará na época das grandes transformações sõcio-económicas na Amazonia: da criação da Sudam ao “Ciclo do Minério”
Introdução O estudo da evolução económica do sistema capitalista, vinculando-o às diferentes fases da revolução tecnológica-industrial, é geralmente feito através da análise da sucessão periódica de ciclos económicos: ciclos de prosperidade, de estagnação ou crise, de altas e baixas dos preços, elevada ou fraca produção, alta ou baixa disponibilidade de capital, escassez de mão-de-obra ou de semprego. A análise dos diferentes ciclos é de grande interesse para uma aproximação às mudanças da economia mundial, porém, tem que ser utilizada com muito cuidado no momento de avaliar a evo lução económica de um determinado país e, sobretudo, os surtos económicos no âmbito regional. Isto se deve ao fato de que a influ ência dos ciclos mundiais nas diferentes regiões será maior ou me nor segundo sua respectiva importância na economia internacional, mas também, como assinalam, por exemplo, Carlos da Silva e Maria Yedda Linhares, porque tal enfoque pode dificultar a análise das estruturas sócio-econômicas regionais e, portanto, da evolução económica do país como um todo. Assim, as transformações sócioeconômicas desses recortes da totalidade mundo não podem ser compreendidas, em seus diferentes momentos históricos, simples mente como uma “justaposição de etapas ou ‘ciclos’ que se sucedi am saltando’ de um local e de um produto para outro ”.1 Feitas essas advertências, considero pertinente, para fins analíticos, propor uma subdivisão da história económica da Amazó nia brasileira em três principais períodos: a) Ciclo
da economia regional, 1912-1965; e c) época das grandes trans formações sócio-econômicas da Amazónia, a partir da segunda metade da década de 1960 até os dias de hoje. Todas essas fases foram grandemente influenciadas pela maior ou menor demanda internacional de matérias-primas da região, seja a das riquezas da floresta ou, nas últimas décadas, as do subsolo, neste caso particular, a das jazidas minerais descobertas e exploradas no Estado do Pará a partir dos anos 60. A última fase, apresenta ainda a influência da crescente integração da economia regional ao mercado nacional e da intervenção da Administração Federal na Amazónia. Essa proposta de periodização tem muitas semelhanças com a apresentada pelo economista e jurista paraense Roberto San tos. A obra intitulada História Económica da Amazónia é o traba lho no qual Roberto Santos, sem dúvida o principal estudioso da história económica da Amazónia, melhor aprofunda as diferentes fases nas quais ele subdivide, baseando-se na* evolução da Renda Interna Regional, os ciclos económicos na Amazónia brasileira desde inícios do século XIX até 1970. O primeiro momento, de 1800 a 1840, que denomina de fase de decadência; o segundo, de fase de expansão gomífera, 1840-1910; o terceiro, de declínio, entre 1910 a 1920; o quarto, de 1920 a 1940, que Santos prefe re não definir (depois voltarei a este assunto); e, finalmente, o quinto, a partir dos anos 40 até o final dos 70, que ele denomina de fase de crescimento moderado.2 Roberto Santos não esquece de advertir que o critério de periodização baseado nas mudanças na renda interna, “numa região em que grande parte dos fatores de produção pertence a pessoas não residentes nela, pode insinuar ilusões sobre o proveito real de um dado crescimento para a popu lação residente. Mas, desde que alertados para a significação téc nica da Renda Interna, esse critério não é pior do que, digamos, falar em fases colonial [...], imperial [...] e republicana [...]. Na verdade, pelo que respeita aos fins da análise económica, é me lhor”.3
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1. O Ciclo da Borracha (1 8 5 0 - 1 9 1 2 ) “Variadíssimos são os p rodutos naturaes d esta fertilissima região, o que, entretanto, mais entre todas avulta é a borracha, que é incontestavelmente a princi pal fonte de riqueza da província e a causa manifesta do seu tão espantoso desenvolvimento commercial, ao qual o de nenhum país pode ser comparado.” (Gover no da Província do Pará, 1886) A construção do Forte de Belém pelos portugueses em 1616 (hoje localizado no bairro da Cidade Velha), situado na desembo cadura das águas do rio Guamá, na baía do Marajó, em territó rio dos índios tupinambás, marcaria o início da presença e poste rior expansão portuguesa na Amazónia além dos limites fixados no Tratado de Tordesilhas, no dia 7 de junho de 1494.4 As atividades económicas às quais deram prioridade os portugueses na Amazónia até as primeiras décadas do século XVIII, foram as destinadas à coleta das drogas do sertão: cravo, canela, baunilha, castanha, salsaparrilha, copaiba. A partir de então, e até o início do boom da borracha, a coleta de cacau foi a principal atividade eco nómica destinada ao mercado internacional desenvolvida na região.'5 Foi somente a partir da segunda metade do século XVIII que Portugal mostrou um maior interesse em incentivar a produ ção agrícola na Amazónia. Com essa finalidade, em 1755, foi criada a Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, objetivando ampliar o número de barcos que faziam o transporte de mercadorias, alimentos e outras matérias-primas entre Lisboa, São Luís e Belém, e, sobretudo, com o intuito de trazer à Amazó nia milhares de escravos africanos que foram os principais res ponsáveis pelo incremento da produção agrícola e pecuária (neste último caso, especialmente na Ilha de Marajó), nos atuais Estados do Pará e Maranhão a partir da segunda metade do século XVIII.6 Em 1730, o cacau somava cerca de 90% do valor total das exportações da Amazónia portuguesa e, 61%, em média 51
anual, entre 1755 e 1778. Nesse mesmo período, as exportações de café e cravo, também em média anual, equivaliam, respectiva mente, a 10% e 11% do total.7 Entre 1836 e 1852, segundo dados levantados pelo historiador Moacir da Silva nos Relatórios dos Presidentes da Província do Pará, as exportações de cacau do Pará somavam 43% do seu valor total, 31% as de borracha, 14% as de arroz, 6% as de couro, 4% as de castanha e 2% as de algodão.8 A queda do valor do preço do cacau nos mercados europeus, as Guerras Napoleônicas e as lutas políticas no Pará, antes, durante e após a independência do Brasil, especialmente os efeitos da Revolução Cabana (1835-1840), e a crise do siste ma escravista e semi-escravista, sob o qual padeciam os negros e índios, são os principais aspectos que explicariam por que o perí odo de 1805 a 1840 é definido como uma fase económica de estagnação ou decadência. “Se excluirmos a falsa euforia exportadora maranhense’ na segunda metade do século XVIII, de que falava [Cel so] Furtado, a Amazónia permanece até o início da se gunda metade do século XIX, como economia extrativista, de baixa produtividade e de quase nenhuma integração com o resto do território nacional.”9 No período de 1852 a 1862, a borracha já representava, em média anual, 62% do valor total das exportações do Pará, as de cacau tinham diminuído, também no mesmo período e percentualmente, a 27%, as de castanha somavam 5% e 3% as de couro e arroz, respectivamente.10 Em 1877, foram produzidas na Amazónia brasileira cerca de 9 mil toneladas de borracha, 14 mil dez anos depois e 21 mil toneladas em 1897.11 Entre 1891 e 1900, a produção média anual de borracha foi de cerca de 21 mil toneladas12 e de 34.5 00, em média anual também, no período de 1901 a 1910 ,13 sendo que, entre 1890 e 1910, esse produto proporcionou 30% do valor total das exportações do país e cerca de 40% em 1910, ano no qual o Brasil exportou 38.547 tonela 52
das a 655 libras a tonelada.14 Nessas duas décadas (1890-1910), somente as exportações de café superaram o valor total das de borracha, oscilando, anualmente, entre um mínimo de 45% a 60% das exportações do país.15 Esse extraordinário incremento da produção de borracha no Brasil durante as duas últimas décadas do século XIX e primei ra do século XX, deve ser creditado, em boa parte, à chegada à Amazónia de milhares de nordestinos, especialmente cearenses, que imigraram ao Pará, Amazonas e Acre, migração favorecida pela crise do sistema escravista e posterior abolição da escravatu ra (1888), pelas repercussões económicas provocadas pela crise da cultura do algodão e as periódicas secas que atingiram o Nor deste em 1870, 1877, 1887, 1903 e 19 09.16 Em 1848, residiam em Belém, segundo Vicente Salles, cerca de 16.092 pessoas, sen do 5.085 escravos.17 Em 1872, Belém era a quarta cidade do Brasil com maior número de habitantes (61.997), somente per dendo para Rio de Janeiro (274.972), Salvador e Recife.18 Em fins do século XIX a capital do Pará tinha cerca de 150 mil habitantes e 232.402, em 1920. Em 1902, Manaus tinha uma população de cerca de 50 mil habitantes e, em 1920, a estimativa do total de habitantes era de 75.704.'9 Recordando sempre as pertinentes palavras de José Veríssimo, escritas em 1892, essas informações demográficas de vem ser tomadas como meramente aproximativas: “Ninguém ig nora quão deficientes são os nossos dados estatísticos. Impossível é dizer, ao menos com probabilidade de acertar, a população da maioria dos nossos Estados. [...] A do Amazonas, bem como a do Pará, é incerta, e, a falar a verdade, vagamente hipotéticos os cálculos até agora feitos. Quanto aos pretendidos recenseamen tos, creio merecem ainda menos fé que tais cálculos”.20 Contudo, nem por isso, Veríssimo deixava de constatar o crescimento demográfico do Amazonas e do Pará nas últimas décadas do sécu lo XIX, em decorrência, “primeiro pela copiosa emigração cearense que desde 1877 não cessou até hoje; segundo pelo excesso de nascimentos, em uma região onde a população, como o reconhe53
ceram quantos a conhecem, é excessivamente prolífica, e onde [...] a mortalidade é diminuta”.21 Tabela 1 População aproximada do Pará, Região Norte e Brasil: 1872-1940* Brasil
Região Norte/ Brasil %
Ano
Pará
Região Norte
1872
275.237
332.847
9.930.478
3,4
1890
328.455
476.370
14.333.915
3,3
1900
445.356
695.112
17.438.434
4,0
1920
983.507
1.439.052** 30.635.605
4,7
1940
944.775
1.462.420
3,6
41.236.315
Fonte: IBGE, Estatísticas Históricas do Brasil (1987) e Anuário Estatístico do Brasil (1981). * Excluídos os “índios não pacificados ”. ** Com a correção recomendada nos estudos críticos do Censo de 1920. Nos dados de 1920 e 1940, inclui-se também a população do Acre (9 2.3 79, em 1920).
As pessoas que foram trabalhar na extração do látex so freram, por imposição dos comerciantes e/ou seringalistas que controlavam a produção e comercialização da borracha, as pe nosas consequências de ter que se vincular às relações de traba lho baseadas no sistema de aviamento. Esse sistema já fora utili zado pelos portugueses nas suas “relações económicas” com os indígenas - troca de produtos da floresta por mercadorias -, mas somente durante o ciclo da borracha ele se consolidaria como o principal articulador das relações sociais e de trabalho entre seringalistas e seringueiros, comerciantes e pequenos pro dutores agrícolas e extratores de produtos da floresta. 54
Conforme resume Roberto Santos, o sistema de aviamento (ainda hoje vigente em alguns municípios da Amazónia) é um "sis tema de crédito informal, pelo qual um indivíduo (aviador) adian tava ao produtor (aviado) certa quantidade de bens de consumo (alimentos, roupas, material de caça e de trabalho) e algum di nheiro para que o produtpr os utilizasse durante o período de espera da safra extrativa”.22 O resultado foi a sujeição permanen te do seringueiro ao seringai, por não poder abandoná-lo sem antes sufragar as “dívidas contraídas”, dívidas que aumentavam progressivamente pela manipulação dos preços das mercadorias entregues pelos comerciantes/ seringalistas e do valor que os mes mos ofereciam pelo látex convertido em borracha. Tratava-se de uma espécie, parafraseando Marx, de acumulação originária da dívida que escravizava os seringueiros, que eram impedidos de abandonar o seringai sem antes ter liquidado “suas dívidas” o que favorecia a acumulação de capital dos aviadores nacionais e es trangeiros. A referência ao sistema de aviamento que aparece num livro publicado em 1888 pelo Governo da Província do Pará, nos exime de maiores comentários: “[...] visto como o trabalhador é, em regra geral, de que pouquíssimas são as excepções, uma espécie de escravisado do dono da fabrica que trabalha [...]. Sa bemos de verdadeiras caçadas dadas em procura de trabalhadores evadidos das fabricas de borracha. E ai dos que são apanhados! O fabricante de borracha, sal vas muito honrosas excepções, é em geral um senhor por dívida de todos os seus trabalhadores. Seja qual for a safra anual, o trabalhador nunca fica quite com o patrão: d’ahi a obrigação de trabalhar em cada anno seguinte para pagar o que ficou a dever em cada anno anterior. Por isto e só por isto, é que o trabalhador dos seringais não é só pobre mas em gera^ vive misera velmente pagando-lhe o patrão sempre barato o tra balho e com géneros enormemente caros.”23 55
Apesar de boa parte dos benefícios da exportação de bor racha ter ficado nas mãos das empresas comerciais e financeiras estrangeiras, não pode ser desconsiderada a riqueza acumulada pelos comerciantes da Amazónia nesse longo período de prosperi dade económica, graças ao controle dos seringais, das redes de comercialização da borracha no nível local e regional e do abaste cimento dos produtos de que precisava o seringueiro para subsis tir na floresta e extrair o látex. É importante mencionar que o sistema de aviamento não somente regia as relações entre seringalistas e seringueiros; ele converteu-se numa cadeia hierarquizada que vinculava todos os setores comprometidos na produção e comercialização de borracha, desde as firmas e bancos estrangei ros até alcançar os seringalistas, sendo seu elo intermediário os comerciantes locais, todos eles oferecendo ou recebendo crédito antecipado em troca da futura entrega de borracha. Belém, que já era o principal centro comercial, financei ro e político da Amazónia, experimentou, nas últimas décadas do século XIX e primeira do século XX, um rápido crescimento demográfico e das atividades financeiras e comerciais. Essa ex pansão não foi acompanhada, pelo menos no mesmo ritmo, pelo setor industrial, que estava centrado, principalmente, em peque nos estabelecimentos destinados ao beneficiamento de produtos agrícolas. Mas, por que, então, “em que pese a grande massa humana que esse complexo ocupou e do excedente gerado, não teve condições de firmar raízes para um processo de desenvolvi mento económico?”,24 perguntam-se Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto. Espera-se que, no futuro, novas pesquisas ajudem a com preender melhor por que razão os recursos económicos obtidos na comercialização da borracha não foram utilizados para incen tivar as atividades industriais na Amazónia, especialmente em Belém ou Manaus durante o Ciclo da Borracha (diferentemente do que ocorrera, por exemplo, com o Estado de São Paulo durante o Ciclo Cafeeiro). Pode-se, enquanto isso, assinalar alguns aspectos que poderiam servir como hipótese ou, no mínimo, como infor 56
mação. Três parecem ser as principais causas para explicar o fenómeno referido. Uma delas seria a escassez de matérias-primas fornecidas pelas diferentes culturas agrícolas, provocada, pelo menos em parte, pela redução das áreas cultivadas, fosse pela falta de braços, já que muitos trabalhadores partiam à procura do látex, inclusive pelo incentivo que alguns deles receberam dos próprios fazendeiros que ingressavam no sistema do aviamento. Já em 1854, “O presidente da província Sebastião do Rego Barros reclamava já, contra o êxodo dos lavradores em busca do rápido lucro, na extração da goma elástica [...], a . agricultara definhava. Mas todo esse montão de ouro adquirido fácil e rapidamente, era desbaratado.”25 Outra das causas que poderia explicar a estagnação do setor industrial de Belém (ou sua diminuição percentual se a com pararmos com o elevado crescimento demográfico da região du rante o Ciclo da Borracha), foi a opção de não poucos industriais de, em vez de ampliar esse tipo de atividade económica, destinar parte do seu capital ao setor então mais rentável: “Quem conseguia formar um pecúlio, tratava de reinvesti-lo na borracha sob formas diversas, mas não em atividades produtivas de tipo urbano, indústrias [...] O fato é que Belém, na época do dinamismo da borra cha, era uma cidade de serviços rica e, após a queda da rentabilidade da borracha amazônica, passou a ser uma cidade de serviços pobre.”26 A terceira causa poderia ser atribuída ao grande vilão des sa história, o sistema de aviamento, considerado um dos princi pais obstáculos para a modernização económica da Amazónia bra sileira durante o Ciclo da Borracha, mas também nos anos poste riores. Segundo Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto:
“[...] [a] forma de interação do homem na floresta, para a extração do látex, o fato de não fazer abertu ras de terras, e a grande necessidade de mão-de-obra por parte de atividade primária impediram que ali se desenvolvesse uma agricultura comercial produtora de alimentos. A despeito de ocupar mão-de-obra livre, não criou o assalariamento, transformando suá mãode-obra, através da economia do aviamento, em pro dutores diretos.”27 Entre 1901 e 1910, a média anual da produção de borra cha na Amazónia brasileira foi de 34.500 toneladas.28 Em 1913, a borracha produzida nos seringais asiáticos explorados pelos in gleses superaria, pela primeira vez, a brasileira: foram 47.618 toneladas por 39.560, no Brasil. Mas, o fator determinante do colapso económico da Amazónia brasileira antes da I Guerra Mun dial foi a queda do valor da borracha no mercado internacional. Em fins do século XIX, a tonelada era vendida a 209 libras: em 1910, ano em que alcançou sua maior cotação, seu preço elevou-se a 655 libras; cinco anos depois pagavam-se apenas 200 libras por tonelada e 72 e 32 libras, em 1921 e 1931, respectivamente.29 Após a queda dos preços da borracha no mercado interna cional, virou senso comum criticar as elites locais, entre elas as pessoas que controlaram os governos da região, por não terem investido os lucros da borracha ou incentivado o desenvolvimento de outras atividades económicas, o plantio de árvores de seringa e caucho na região. Entretanto, diferentes documentos oficiais pa recem contradizer essa interpretação. Durante 1895 e 1896, por exemplo, o governo do Pará, com o intuito de estimular a produ ção industrial no Estado, aprovou a isenção de qualquer tipo de imposto a esse tipo de atividade económica e ofereceu diferentes tipos de ajuda económica e terras às pessoas que optassem por se instalar no Pará para incentivar o plantio de cacau, café, algo dão.30 Já antes da proclamação da República (1889), num livro publicado pelo governo do Pará para ser distribuído na Europa 58
com o objetivo principal de estimular a chegada de migrantes europeus a essa Província, seus autores mencionavam que os ex traordinários lucros fornecidos pela borracha influíram na dimi nuição das atividades agrícolas no Pará, assim “como òs produtos agrícolas continuam a ser necessários, tende o preço d’elles a augmentar, porque a protura é superior á oferta”,32 fazendo ques tão de advertir que “[...] transitório é o progresso dos países onde appareceram grandes minas, porque estas mais dia menos dia se esgotam e a miséria succede à abundân cia. O Pará possui minas menos trabalhosas e mais . fecundas do que as de diamantes de ouro; mas minas que podem ser plantadas e reproduzidas de gerações em gerações sucessivas. Plante o colono arroz, o mi lho, o feijão, a cana, o café, o algodão [...], que para todos encontrará preços muito superiores aos de qual quer província do Brazil, mas plante também a gomma elástica, porque bastar-lhe-ha plantar 100 arvores, o que é muito pouco, em cada, para ao cabo de 20 annos ter uma grande fortuna.”35
2. Da fase de declínio económico à fase de crescimento moderado (1912-1966) “No apogeu da crise perturbadora, tivemos oportuni dade de ver em Val-de-Cans, próximo ao porto de Belém, uma quantidade de navios encostados’, enfer rujando-se. Não tinham o que transportar. A Guerra de 1914-1918 produziu um colapso no comércio da região.” (Agnello Bittencourt) Entre os diferentes autores que estudaram a evolução eco nómica da Amazónia brasileira, não existem muitas dúvidas quan
to a denominar a fase anterior de expansão económica; as compli cações surgem ao se avaliar o período que se segue após o fim do “ciclo da borracha” até a Segunda Guerra Mundial. Pode-se defi ni-la como fase de profunda estagnação, período de 1920-1940, como faz o economista e professor da UFPA, David Ferreira Car valho,34 ou de fase de decadência e depressão, período de 19201950, conforme escreve o sociólogo Juan Bardalez Hoyos.35 En tretanto, Roberto Santos, após definir a década de 1910 como fase de declínio,36 assinala suas dúvidas na hora de classificar o período de 1920 a 1940. “Na verdade, nada assegura que o comportamento da renda per capita entre 1920 e 1940 haja sido inces santemente ascensional. Pode bem ter acontecido que o declínio começado em 1910 tenha se prolongado, por exemplo, até, 1930, embora com intermitências sendo 1920 um dos anos de intermitência.”37 O problema está em vislumbrar em que momento a Ama zónia supera a fase de crise, ou depressão económica, e inicia uma lenta recuperação que facilitaria, a partir dos anos 1940, a fase de crescimento económico moderado. Este objetivo somente poderia ser alcançado com novas pesquisas que aprofundassem, em diferentes áreas da região, os efeitos da queda do valor da borracha no mercado internacional e o crescimento de outras atividades económicas. Seria preciso ainda avaliar o impacto na Amazónia da recessão económica ocorrida na maioria dos países industrializados na década de 30, após o crack da bolsa de Nova Iorque (1929), que fez diminuir, por exemplo, as exportações de castanha-do-pará para os Estados Unidos da América (EUA) e países europeus. Tal como se pode observar na tabela abaixo, elaborada por Roberto Santos, a renda interna cresce ininterruptamente no período de 1840 e 1910, caindo em 1920 a níveis semelhantes aos dos anos de 1870. Apenas nos anos 1960 a renda interna da Amazónia retornaria aos níveis de 1910. 60
Tabela 2 Amazónia: renda interna (1880-1 969) (mil cruzeiros de 1972) j
Ano
Renda Interna
Ano
Renda Interna
1800
29.877 .
1900
1.359.479
1820
23.477
1910
2 .320.338
1840
37.603
1920
473.111
1850
97.628
1930
-
1860
191.701
1939
983.358
1870
332.529
1950
1.315.275
1880 •
633.663
1960
2.347.366
1890
951.857
1969
3.637.446
Fonte: Fundação Getúlio Vargas, Conjuntura Económica (1971), e IBGE, Anuários Estatísticos (1973); apud Roberto Santos, Fíistória Económica da Amazónia, Sã o Paulo, Queiroz, 1980 , p. 12.
Desde a segunda metade do século XIX até a segunda déca da do século XX, a castanha-do-pará foi, pelo seu valor total, o terceiro produto mais importante das exportações da Amazónia brasileira, somente superado pelas de borracha e de cacau. A partir de meados dos anos 1920 converteu-se, em média anual, no princi pal produto das exportações da região para o mercado internacio nal. No final dos anos trinta, os principais produtos exportados através do porto de Belém eram, nesta ordem segundo seu maior valor, castanha, arroz, madeira e borracha.38 Durante a década de 1920 a 1930, a população total da Região Norte permaneceu praticamente estagnada.39 Ao iniciar-se a década de 1940, as duas maiores cidades da Amazónia, Belém e Manaus, ainda não tinham conseguido recuperar o número total de habitantes que tinham em 1920. Em 1940 residiam na capital do Pará 206.331, 255.218 em 1950, 380.667 em 1960 e 61
633.374, dez anos depois. Em 1980, a população de Belém já era de 933.287 habitantes.40 Entre as principais mudanças económicas ocorridas na Re gião Norte a partir dos anos 1940 até a década de 1960, cabe destacar, além do segundo, curto e último ciclo da borracha (1943 1945), o aumento da produção agrícola, sobretudo das culturas de juta e pimenta-do-reino destinadas ao mercado nacional e in ternacional, ambas introduzidas na região por imigrantes japone ses; a extração e exportação do manganês descoberto no Amapá; o incremento na exportação de madeira e castanha e a consolida ção, em Belém, de um pequeno pàrque industrial formado por empresas com um número reduzido de empregados, basicamente destinado à transformação de produtos agrícolas e outras matérias-primas produzidas ou coletadas na região. Em março de 1942, os governos dos EUA, Grã-Bretanha e Brasil assinaram diferentes tratados de cooperação militar e económica, que ficaram conhecidos como os Acordos de Washing ton. Num desses tratados, estabelecia-se a importância de incenti var a produção de borracha na Amazónia brasileira para suprir as necessidades civis e militares desse produto dos Países Aliados que tinham perdido, para o Japão, o controle dos seringais asiáti cos. Com esse objetivo, em julho de 1942, foi criado o Banco de Crédito da Borracha (BCB), cuja diretoria foi composta por qua tro brasileiros e dois norte-americanos.41 O Tesouro Nacional con tribuiu com 55% do capital inicial do banco, 40% coube a Rubber Reserve Company, agência do governo norte-americano, e os res tantes 5% vieram de outros setores privados.42 Mais uma vez, a demanda internacional de borracha e outra prolongada seca que assolou alguns estados do Nordeste no início dos anos 40, estimularam, desta vez, inclusive com ajuda financeira dos EUA, a migração de pessoas dessa região brasileira para a Amazónia.43 Com essa finalidade, o governo brasileiro criou, em novembro de 1942, o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazónia (Semta). Um mês depois, a Semta assinou um acordo com a Rubber Reserve Company, res 62
ponsabilizando-se pelo envio aos seringais da Amazónia de 50 mil trabalhadores, pelos quais receberia, para os gastos de transpor te, 100 dólares por cada um dos homens que aceitaram esse tipo de trabalho. Mas, por não existirem voluntários suficientes que quisessem dirigir-se à Amazónia como seringueiros, o governo federal, em fevereiro de 19^13, criou a figura do soldado da bor racha, que equivalia a dois anos de serviço no Exército, receben do, os que se alistassem, uniforme e salário.44 A meta era elevar a produção até 70 mil toneladas anuais, superior, portanto, à borracha produzida, anualmente, nas duas primeiras décadas do século XX (44 mil toneladas em 1911). Mas nunca se chegou a alcançar esse objetivo. Em 1941, a produção de borracha foi "de 17.120 toneladas; em 1943 foram 24.548 as tone ladas produzidas, cerca de 28 mil em 1944 e 30 mil em 1945.45 Segundo dados do BCB, entre 1943 e 1946 o Brasil exportou para os EUA 56.611,085 toneladas de borracha.46 Após o fim da II Guerra Mundial (1945), muitos seringais da Amazónia foram no vamente abandonados, permanecendo na região muitos dos solda dos da borracha. Os que se fixaram no Pará, optaram principal mente por Belém, Santarém e pela Região Bragantina. Neste últi mo caso, alguns deles receberam terra e apoio económico do gover no estadual que pretendia, assim, incrementar as atividades agríco las nos municípios dessa região paraense. A produção de manganês nas jazidas existentes no Amapá, iniciada em 1956, converteu-se, pelo seu valor, no principal pro duto exportado pela Região Norte até o final dos anos 70. Em 1956, o Brasil exportou 260.344 toneladas de manganês, quase todas elas procedentes do Amapá, e 832.918 em 1964, somando um total de 8.262.000 e 20.615.000 milhões de dólares, respec tivamente.47 Em 1960, o Banco de Crédito da Amazónia, que monopolizava as compras aos seringalistas e as vendas ao merca do nacional e internacional da borracha produzida na região, com prou um total de 28.263 toneladas de borracha, e 35.407 tonela das em 1964. O Acre era o maior produtor com 13 .136 e 12.478, em 1960 e 1964, respectivamente, enquanto que, no Pará, ape-
nas 4.188 e 4.115 toneladas foram produzidas no mesmo perío do.48 Na primeira metade dos anos 60, a castanha continuou sen do, pelo seu valor, o principal produto exportado pelo Pará.49
Tabela 3 Amazónia Legal - principais produtos exportados: 1960-1962-1964 1960 Produtos
US$ 1.000
Tons.
1964
1962 US$ Tons. 1.000
Tons.
US$ 1.000
Manganês
740.431
Castanha
26.394
14.286
23.029
9 .910
24.185
10.421
Sorva
1.159
414
4.021
2.029
1.864
1.046
Pimenta do Reino
1.919
2.501
2.763
2.21 7
4.046
3.093
-
-
45
9
2.755
727
Juta Total de Exportações*
808.742
25.175 684.382
48.737 752.921
2 4.637 769.404
19.235
46.658 850.509 39.995
Fonte: IBGE e Serviço de Estatística Económica e Financeira, Ministério da Fazenda (SEEF'), apud Samuel Benchimol, Estrutura G eo-Social e Económ i ca da Amazónia, Manaus, Edições Governo do Estado do Amazonas, 1966, p. 375-3 76. * Incluiu-se, além de outros produtos, os dados do total de kg e o valor das exportações de peles de jacaré e de caititu, cumaru, óleo essencial de pau-rosa e balata.
3. Da SPVE A à Sudam Datar em 1966 o início da última fase na qual subdivido a história económica da Amazónia brasileira pode parecer tão arbi trário como seria fazê-lo em qualquer outro ano da década de 60. O fato é que, em nenhum desses anos, tem-se dados económicos -
o PIB regional, produção agrícola ou extrativa, distribuição da renda per capita ou o valor total das exportações para outras regiões do país ou para o exterior - para sustentar terem ocorri do nessa década transformações sócio-económicas significativas na região. Entretanto, além de concordar com Nelson Werneck Sodré, quando assinala qu*e “a repartição cronológica não passa, no fim das contas, de simples ficção de ordem didática, destinada a distinguir melhor cada uma das fases, na realidade perfeitamen te encadeadas como todo estudioso elementar da ciência da histó ria não pode deixar de admitir ”,50 deve-se afirmar que a justifica tiva de iniciar, no segundo semestre de 1966, o período das Gran des Transformações Sócio-Económicas na Amazónia decorre da mudança nos objetivos e no grau de intervenção da Administração Federal na região, que não tem paralelo com nenhum outro mo mento anterior. Foi nesses meses que o governo modificou a lei de incentivos fiscais com o intuito de que fossem estendidos esses benefícios a projetos agropecuários na Amazónia Legal, e criou-se o Banco da Amazónia S /A (BASA) e a Superintendência do De senvolvimento Económico da Amazónia (Sudam), subordinada ao Ministério do Interior. Em 1967, iniciou-se a implementação dos objetivos definidos no I Plano Quinquenal da Amazónia (19671971), portanto, como escrevera Octavio Ianni: “Foram tantas e tais as decisões, agências e atuações do Estado na Amazónia que é possível afirmar que foi nos anos 1960-1978 que a Amazónia rearticulou-se sob nova for ma, com o sistema económico e político nacional e interna cional [...] Mas foi nos anos de 1966-78, que se intensificou e generalizou a transformação da economia da região. ”'51 Antes de avaliar as mudanças económicas ocorridas na Amazónia, especialmente no Estado do Pará, durante as últimas décadas, concentrar-me-ei na análise dos seguintes fclementos: o contexto no qual foi decidida a criação da Superintendência do Plano de Valorização Económica da Amazónia (SPVEA); as jus
tificativas que foram esgrimmasZpaa^sustentar a extinção desse órgão de planejamento e de intervenção económica na Amazónia Legal; os discursos de alguns dos responsáveis que incentivaram a criação da Sudam; os projetos que orientaram as ações dessa instituição desde o I Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Amazónia (1967-1971) até o II Plano de Desenvolvimento da Ama zónia (PDA). Retomarei estes assuntos no último capítulo, priorizando a análise do discurso de setores da elite política e eco nómica paraense a respeito dos objetivos e ações implementados na Amazónia, sob o comando do governo federal, durante e após o fim do Regime Militar. As informações e análises realizadas neste pri meiro capítulo também serão de interesse para a compreensão das mudanças sócio-económicas no Sudeste do Pará, especialmente no município de Marabá, às quais destina-se o terceiro capítulo. 5 .1 . A cr i ação da S P V E A ( 1 9 5 3 ) : a apl i cação d o m o d e l o cep a l i st a a o d esen v o l v i m en t o r eg i on a l
O modelo económico-liberal, predominante em alguns paí ses industrializados da Europa e nos EUA, entraria em colapso nos anos 1930 em decorrência da crise económica dos principais países capitalistas, ocorrida após o crack da bolsa de Nova Iorque de 1929. A crise económica e as mudanças políticas ocorridas em alguns países latino-americanos na década de 30, favoreceram a crescente intervenção do Estado em suas respectivas economias nacionais, principalmente nos grandes países da região (Brasil, México e Argentina), estimulando o processo de industrialização pela via da substituição de importações, isto é, substituindo por produtos nacionais parte das manufaturas adquiridas anterior mente dos países industrializados. Esta decisão foi facilitada tam bém pela brusca queda da demanda internacional de matériasprimas e pelas experiências de planejamento económico implementadas durante esses anos na União Soviética, Alemanha, Itália e nos EUA. Nesse contexto, é importante destacar também a 66
influência exercida, após a Segunda Guerra Mundial, pelos técnicos da Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (Cepal), instituição criada pelas Nações Unidas em 1948, num momento em que os dólares norte-americanos ajudavam a reconstrução econó mica dos principais países capitalistas da Europa (Plano Marshall) e o mundo ingressava no período denominado de Guerra Fria. Para o economista argentino Raúl Prebisch, o principal mentor do que seria denominado o modelo cepalista, os países latino-americanos não conseguiriam se desenvolver em níveis eco nómicos comparáveis aos países que já tinham feito sua Revolu ção Industrial sem quebrar a tradicional divisão internacional do trabalho e dos desiguais termos de troca entre as nações do “cen tro”, ou desenvolvidas (manufaturas, tecnologia), e as da “perife ria”, ou subdesenvolvidas (matérias-primas e alimentos). Para al cançar essa meta, seria necessário iniciar, ou acelerar, a política de substituição de importações, através de incentivos à industria nacional, fortalecer o mercado interno e diminuir o número total (e/ou percentual) de pessoas vinculadas a atividades primárias. Em suas palavras: “A realidade está destruindo na América Latina aquele velho esquema de divisão internacional do trabalho que, após haver adquirido grande vigor no século XIX, se guiu prevalecendo, doutrinariamente, até bem pouco tempo. Nesse esquema correspondia à América Lati na, como parte da periferia da economia mundial, o papel específico de produzir alimentos e matérias-pri mas para os grandes centros industriais. Não cabia, ali, a industrialização dos países novos [...]. As gran des vantagens do desenvolvimento na produtividade não chegaram à periferia em medida comparável ao que lograram desfrutar as populações dos grandes países. [...] Daí o significado fundamental da industrialização para os países novos. Ela não é um fim em si mesma, mas é o único meio de que se dispõe para captar uma
parte do fruto do progresso técnico e elevar progressi vamente o nível de vida das massas.”32 A com panhando as tra nsform a ções econ óm icas, demográficas e políticas no Brasil dos anos 1930 e 1940, entre elas o incremento da intervenção do Estado na economia nacio nal, as propostas da Cepal também contribuíram para a defini ção, no Brasil, do modelo económico que se convencionou cha mar de nacional-desenvolvimentista, baseado no incentivo à in dustrialização e na modernização das atividades primárias na perspectiva de superar o atraso e a situação periférica do país no mundo. É preciso dizer ainda que os estudos e propostas da Cepal não somente orientaram as políticas desenvolvimentistas de alguns países latino-americanos, mas também estimularam as discussões a respeito das desigualdades sócio-econômicas interregionais no seio de alguns deles, especialmente no Brasil, e da validade da utilização dos conceitos cepalinos, como os de centro e periferia, com o intuito de propor as alternativas para mudar essa situação. A divulgação das Contas Nacionais de 1951 -1 952, nas quais apresentavam-se dados explícitos das crescentes disparidades só cio-econômicas entre a Região Sudeste e as restantes regiões bra sileiras, serviu de argumento para os que propunham que o gover no federal implementasse uma política específica para o desenvol vimento económico das regiões “atrasadas” ou “periféricas” do país, especialmente para o Nordeste, pela sua importância demográfica. Apoiando-se nos pressupostos teóricos cepalinos, pretendia-se, assim, através da política de substituição de impor tações no plano inter-regional, reduzir os efeitos negativos da desi gual divisão do trabalho entre as macrorregiões ou estados brasi leiros e, portanto, a crescente concentração industrial no Sudeste (especialmente em São Paulo), e evitar que as outras regiões do país continuassem a ser ou se consolidassem como meras fornece doras de matérias-primas e alimentos para essa região e para o mercado internacional. 68
Nesse contexto deve ser inserida a criação, em 1953, da SPVEA e, em fins de 1959, da Superintendência Nacional de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), cujos planos de desenvol vimento económico foram direcionados, nos seus respectivos ter ritórios de atuação, a estimular a modernização das atividades agropecuárias e do pequeno parque industrial e a subsidiar a ins talação de novas indústrias. Esses objetivos já tinham sido motivo de disputas e decisões no Congresso Nacional nos anos anteriores, especialmente durante a elaboração da Constituição de 1946, re sultando daí a inclusão, no Texto Constitucional, da proposta, apre sentada pelo deputado federal do Estado do Amazonas, Leopoldo Peres (PSD), de destinar 3% das rendas tributárias da União à execução do Plano de Valorização Económica da Amazónia num período não inferior a 20 anos. No Parágrafo Unico do mesmo artigo, obrigava-se os Estados, Territórios e Municípios da Região Norte a destinarem, “para o mesmo fim, anualmente, três por cento das suas rendas tributárias. Os recursos de que trata este parágrafo serão aplicados por intermédio do Governo Federal”.53 Inicialmente, a proposta da bancada do estado do Amazo nas, com o apoio dos deputados paraenses, era destinar 5% das rendas tributárias da União ao desenvolvimento da Amazónia. Ricardo Borges, que seria um dos assessores indicados pelo go verno federal para participar, em 1955, da elaboração do primei ro Plano de Valorização Económica da Amazónia, relata alguns dos pormenores dos debates acontecidos, a esse respeito, no Con gresso Nacional em 1946: “Leopoldo [Peres] sabia que o presidente Dutra manda ra destacar no projeto da referida Constituição, um por cento da renda tributária da União para a hidrelétrica do Rio São Francisco, sua criação e fascínio, e pedia para o Plano da Amazónia, cinco por cento, mas por pressão das bancadas do Nordeste, teve de ceder dois por cento para idêntico Plano dessa região [...]. Na Comissão Parlamentar de coordenação das emendas,
presidida pelo Senador Nereu Ramos, este arbitraria mente e*para satisfazer as bancadas do Sul, que inte grava, suprimiu o Plano da Amazónia, respeitando o de São Francisco, que era do presidente Dutra e do Nor deste por influência de Minas: imediatamente o Senador pelo Pará, Álvaro Adolfo, participante da Comissão de Nereu Ramos, avista-se com o presidente Dutra, comu nicando-lhe a exclusão do Plano Amazónia, e em sua presença, Dutra telefona a Nereu e lhe diz que esse pla no é questão fechada do governo e seu pessoalmente. ”54 A Comissão do Vale de São Francisco (antecessora da Sudene), instalada em dezembro de 1948, converter-se-ia na pri meira experiência de planejamento económico regional implementada no Brasil. A Região Amazônica teria que esperar até 1953 para que fosse criada a Superintendência do Plano de Valorização Económica da Amazónia (SPVEA), através do decreto-lei n° 1.806 (06/01/53), com autonomia administrativa e diretamente subordinada à Presidência da República, sendo esco lhida a cidade de Belém para a instalação da sede central da SPVEA. E importante mencionar que, já em 1950, no final do mandato do marechal Dutra na Presidência da República, o Ban co de Crédito da Borracha fora transformado em Banco de Cré dito da Amazónia (lei n° 1.184, de 30 de agosto de 1950),55 a fim de diversificar as atividades financeiras do banco até então pratica mente restritas à produção e comercialização de borracha. A Câmara Federal, na sessão realizada no dia 14 de de zembro de 1952, aprovou a proposta da maioria dos senadores de que o presidente da SPVEA fosse escolhido pelo Senado e, posteriormente, tivesse seu nome ratificado pelo presidente da Re pública. Porém, Getúlio Vargas, ao sancionar a lei que criaria a SPVEA, vetou essa proposta. Em fevereiro de 1953, o Congresso aceitou o veto de Getúlio Vargas e o responsável pela SPVEA passaria a ser nomeado pelo presidente da República, cabendo ao Congresso Nacional aprovar os projetos e orçamento da SPVEA. ’6 70
Em 21 de setembro de 1953, foi formalmente instalada em Belém a SPVEA, sendo nomeado como seu primeiro superintendente o professor e historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis. Os objetivos gerais definidos na lei que criara a SPVEA eram resumidos nos seguintes itens: •
a) assegurar a ocupação da Amazónia em um sentido brasileiro; b) construir na Amazónia uma sociedade economicamen te estável e progressista, capaz de, com seus próprios recursos, prover a execução de suas tarefas sociais; c) desenvolver a Amazónia num sentido paralelo e com„ plementar ao da economia brasileira.57 Na delimitação do território da Amazónia Legal, tal como fora definida pelo decreto-lei n° 1.806, estavam inseridos na área de atuação da SPVEA, para fins de planejamento regional, os Estados do Pará e do Amazonas e os territórios federais da Região Norte: Acre, Amapá, Guaporé (Rondônia) e Rio Branco (Roraima), mais a região ocidental do Estado do Maranhão (a oeste do meridiano 44°), parte do Estado de Mato Grosso (ao norte do paralelo 16°) e o território, então do Estado de Goiás, que hoje corresponde ao Estado do Tocantins (ao norte do paralelo 13o).58 Inicialmente, pretendia-se que a área de atuação da SPVEA ficasse restrita aos Estados e territórios federais da Região Norte, porém... “[...] os legisladores, vários deles desejosos de benefi ciar seus Estados ou áreas de seu eleitorado, dilata ram brutalmente os limites oficiais da região, crian do a chamada Amazónia Legal’, com 5 .0 35 .0 70 km ”, isto é, 59% da área do Brasil. Jamais, em qualquer país do mundo, um departamento de planificação re gional teve a seu encargo uma superfície tão vasta!”59 O primeiro plano da SPVEA, denominado Programa de Emergência, foi aprovado pelo Congresso Nacional em fevereiro
de 1954. Poucos meses depois, foi elaborado, por uma Comis são de Planejamento constituída para essa finalidade, o Plano de Valorização Económica da Amazónia.60 No artigo Io desse plano definia-se que suas ações estariam orientadas para conse guir, “incrementar o desenvolvimento da produção extrativa e agrícola, pecuária, mineral, industrial e o das relações de troca, no sentido de melhores padrões sociais de vida e bem-estar eco nómico das populações da região e da expansão da riqueza do País”.61 O Plano de Valorização Económica da Amazónia servi ria de modelo para a elaboração do I Plano Quinquenal de De senvolvimento da Amazónia (1955-1959), apresentado ao Con gresso Nacional em 1955, mas que nunca chegou a ser formal mente aprovado pelos deputados e senadores. Nesse plano foram definidas 27 zonas do território da Amazónia Legal, “economi camente recuperáveis [...], que, ao mesmo tempo, representas sem zonas politicamente estratégicas para a defesa de fronteira e para a unidade nacional”,62 e seis setores aos quais a ação da SPVEA daria prioridade: 1. incentivar a produção agrícola e pecuária com o intui to de conseguir auto-suficiência alimentar; 2. incentivo à produção industrial com base nas matéri as-primas existentes na região; 3. implantação de um sistema de crédito bancário para os pequenos produtores rurais com o intuito de extin guir o sistema de aviamento; 4. ampliação da rede rodoviária conseguindo a ligação terrestre entre a região e o Sul e Oeste do país, além da construção da estrada para unir o Pará e o Maranhão; 5. saúde: saneamento básico, abastecimento de água, cam panhas preventivas contra as doenças transmissíveis; 6. educação e cultura.63
3 . 2 . A a ber t u r a da B el é m -B r a síl i a e o i n c r em en t o d o n úm er o d e g r a n d es f a z en d a s
“A Região Norte esteve durante três séculos e meio praticamente isolada do Sudeste brasileiro. A quebra desse isolamehto iniciou-se na década de 60, com a abertura de eixos rodoviários - a Belém-Brasília e a Brasília-Acre” (Sudam, Subsídios ao Plano Regional de Desenvolvimento: 1972-1974). A marca fundamental da ação do governo federal, com o objetivo de integrar a Amazónia ao projeto nacionaldesenvolvimentista, foi a construção da Belém-Brasília. Juscelino Kubitschek, em sua Mensagem ao Congresso Nacional, no dia 15 de março de 1960, afirmava: “Está o Governo convicto de que a construção da ro dovia Belém-Brasília [...] irá contribuir extraordinari amente para a valorização da Bacia Amazônica. A li gação por ela estabelecida entre o extremo Norte, o Centro e o Sul do País, num esforço épico do povo brasileiro, suscitará, na Ililéia Amazônica, um surto de atividades destinadas a tornar efetiva a posse daquela imensa faixa do território pátrio. Por outro lado, é cer to que a interiorização da Capital do País funcionará como agente catalítico decisivo para o surgimento de múltiplas inversões privadas no grande vale, integrando-o positivamente no sistema económico nacional.” 64 Uma das primeiras consequências da construção da BelémBrasília foram o incremento do interesse pelas terras próximas à rodovia, a grande maioria delas definidas como terras devolutas,65 por parte de setores das elites locais e de outros estados do país. A faculdade de deterem os governadores, desde a Constitui ção Federal do Brasil de 24 de feyereiro de 1891, o poder de
concessão do uso (arrendamento) ou venda de títulos de terras devolutas a particulares, converteu-se numa de suas principais fer ramentas na troca de favores entre os chefes do executivo estadual e os setores da elite económica e/ou política local, e também entre os próprios integrantes do governo paraense. Os governadores “populistas” do PSD, longe de beneficiar os pequenos produtores que, durante o período de 1960 a 1963, receberam 3.753 títulos de terra que somaram apenas um total de 81.171 hectares (média de 21,6 ha por título),
Tabela 4 Terras devolutas vendidas pelo Governo do Pará a grandes proprietários: 1924-1976 Períodos
Títulos
Total 1lectares
1924-1928
123
38.769,6
1939-1943
136
35.604,8
1954-1958
368
60.904,0
1959-1963
1.575
5.646.375,0
267
840.771,1
1969-1973
33
23.725,8
1974-1976 (b)
29
91.325,0
1964-1968 (a)
•
Fonte: (a) Secretaria de Terras do Estado (até 19 69) e (b) Instituto de Terras do Pará (de 1970 em diante): apud Roberto Santos, "Sistema de propriedade e relações de trabalho no meio rural paraense ”, em José Marcelino Monteiro da Costa (edit.), Desenvolvimento e Ocupação, Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1979, p. 123.
<5. <5. Os militares assumem a clireção da SPVEA e criam a Sudam (1966) No dia 7 de abril de 1964, já vitorioso o golpe de estado, foi nomeado interventor na SPVEA o general na reserva Ernesto Bandeira Coelho. Dois meses depois, assumia a responsabilidade de dirigir a SPVEA o também general Mário de Barros Cavalcanti. Sob sua direção tentou-se pôr em prática os objetivos definidos no plano denominado Operação Amazónia (1966/67) e elaborou-se o I Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Amazónia (19671971) que nortearia as ações da Sudam nesse período. Cavalcanti permaneceria no cargo até março de 1967, tendo sido o primeiro superintendente da Sudam. A maioria dos estudos que avaliam as ações da SPVEA,(>/ assinalam que uma das principais dificuldades para desenvolver os objetivos definidos pelos seus técnicos e assessores residiu no fato de que nem o governo federal, nem os governos estaduais e as prefeituras da região cumpriram, em momento algum, com a obrigação de repassar as verbas definidas para a Amazónia Le gal. O próprio presidente da SPVEA, Mário de Barros Cavalcanti, em circular dirigida, em 1966, ao Ministro Extraor dinário para Coordenação de Organismos Regionais, marechal Oswaldo Cordeiro de Farias, assinalava que o governo federal nunca cumprira a obrigação de fornecer os recursos estabeleci dos pela Constituição, nem tampouco os consignados nas leis orçamentarias anuais. Cavalcanti lamentava também o fato de que, durante o exercício de 1965, quando aumentou em 93,8% o total de verbas a serem administradas pela Sudene, as verbas da SPVEA foram incrementadas em apenas 0,05%. Contudo, em sua avaliação da SPVEA, que pode ser consultada em sua obra Da SPVEA â Sudam (1964-1967), publicada em Belém em 1967, e da qual foram extraídas as informaçõe,s anteriores, o general Barros Cavalcanti não esconde suas escassas simpatias para com os seus antecessores na direção do órgão:
“Encontramos a SPVEA como uma instituição falha e desorganizada, incapaz por isso de cumprir as suas finalidades [...]. Essa situação caótica, a contar da sua implantação [...], a formação em torno da SPVEA de sucessivos grupos políticos-partidários, que [a] desnaturaram. Tal clima permitiu toda sorte de desmandos, tais como: desvios de verbas, favoritismos políticos, regionalismo estadual e municipalista, ascen são de grupos inescrupulosos, concessões graciosas, empreguismo, investimento desordenado de recursos, inoperância administrativa, desfalques, enfim, um vas to campo de negociatas e irresponsabilidades sob as mais variadas formas [...], gerando o descrédito do Órgão perante a opinião pública local e nacional [...]. Esse lamentável estado de coisas só veio a terminar após o advento do Governo Revolucionário [...]. Mer cê das medidas adotadas, foram paralisadas todas as atividades de instituição, enquanto se instalavam in quéritos e procedia-se a devassas e perquirições na busca do alcance e dos responsáveis por todos os males.-”68 No Relatório Geral das atividades desenvolvidas pela SPVEA durante os meses de abril a dezembro de 1964, assinado pelo presidente da SPVEA e dirigido ao então ministro do Interior, Cordeiro de Farias, afirmava-se: “A Superintendência do Plano de Valorização Econó mica da Amazónia, dentro do quadro geral da Admi nistração Pública brasileira, apresentava-se como um órgão em completo descompasso, em inteiro desacor do com as finalidades para as quais foi concebida e criada, sob aplausos e esperanças da Nação brasileira [...], a SPVEA apresentava um panorama quase dirí amos caótico, pois nada havia que possibilitasse, efetivamente, a consecução de seus principais objetivos. 7fi
Antes parecia uma grande agência pagadora, com seus recursos manipulados ao sabor de lamentável política regionalista de grupos, cada qual interessado em fazêla instrumento de prestígio local [...]. Tinha-se a im pressão de que a SPVEA não conseguiu em nada alte rar a fisionomia económica da Amazónia [...]. E isso é tanto mais lamentável quanto sabemos que o organis mo, dentro do espírito que engendrou a sua criação, deveria apresentar-se como promessa de redenção das populações amazônicas, esquecidas do resto do Brasil até o ano de 1953. ”69 Além das críticas de membros do Exército que assumiram as principais responsabilidades na hora de definir e aplicar as políticas do governo federal na Amazónia Legal nos primeiros anos do Regime Militar, outros setores políticos, intelectuais e técnicos de dentro e fora da região também criticaram o desem penho da SPVEA. Por exemplo, segundo o geógrafo do IBGE, Orlando Valverde, os dois planos que foram elaborados para ori entar as ações da SPVEA: “[...] diluíam as verbas efetivamente concedidas entre um grande número de áreas distantes e isoladas, a maioria das quais sem acesso fácil a qualquer mercado”.70 Ou tros dos problemas mencionados eram a supremacia das maqui nações políticas ou clientelismo político sobre as atividades técni cas na aprovação e efetivação dos projetos, a corrupção, a falta de continuidade na aplicação dos recursos e o empreguismo.71 Segundo o relatório apresentado pela Sociedade Brasilei ra de Serviços Técnicos e Económicos Limitada (Brastec), em presa de consultoria contratada pelo Banco de Crédito da Amazó nia para fornecer subsídios para reformular a política económica nacional da borracha, vincular o desenvolvimento económico da Amazónia às atividades extrativas, principalmente borracha e cas tanha, foi o erro mais grave da política de desenvolvifnento econó mico da região no período de atuação da SPVEA. O relatório da Brastec, intitulado Desenvolvimento Económico da Amazónia, con
verter-se-ia num dos principais documentos utilizados pelo Grupo de Trabalho da Ama'zônia, criado sob responsabilidade do Minis tério do Planejamento em junho de 1965, para sustentar a neces sidade de extinguir a SPVEA, criar a Sudam e definir os objeti vos do I Plano Quinquenal da Amazónia (1967-1971). Nesse re latório podemos ler: “[...] o principal obstáculo ao desenvolvimento econó mico da Amazónia é o fato de ser um território escas sa e esparsamente povoado, com uma população anal fabeta, conservando, em grande parte, as característi cas de economia pré-capitalista, semi-isolada em rela ção aos grandes centros urbanos da Região, empregan do métodos primitivos de produção no extrativismo flo restal em uma agricultura nómade [...]. O povoamento do espaço amazônico mantém-se, ainda, fiel ao proces so de colonização realizado pelos portugueses, quando obedecia a um objetivo de natureza política [...]. En quanto a Região continuar na dependência de atividades primárias de baixa produtividade, não se conseguirá ele var o padrão de vida das populações locais e integrar a economia regional na economia nacional.”72 O consenso existente entre militares, técnicos, políticos e em presários a respeito dos problemas enfrentados pela SPVEA, sem esquecer que muitas das críticas dirigidas às ações dessa instituição tinham o objetivo de legitimar as práticas dos novos governantes que assumiram o controle do Estado brasileiro após o golpe de 1964, favoreceu sua substituição por um novo órgão de planejamento des tinado a implementar as diretrizes da Administração Federal na Amazónia Legal. Decisão consumada através da lei n° 5.173, de 27 de outubro de 1966, que criou a Superintendência do Desenvolvi mento Económico da Amazónia (Sudam), subordinada ao Ministé rio do Interior,73 cujo território de atuação seria o mesmo definido no momento de criação da SPVEA. Um mês antes, já tinha sido 78
criado o Banco da Amazónia S /A (Basa), principal instrumento para o financiamento das atividades económicas definidas pela Sudam, em substituição ao Banco de Crédito da Amazónia. Em discurso pronunciado em Manaus no dia 3 de dezem bro de 1966, na abertura da Ia Reunião de Incentivo ao Desen volvimento da Amazónia (Io RIDA), o presidente da República, marechal Humberto Castello Branco, resumiu os objetivos da Ad ministração Federal na Amazónia, considerando que essa região era basicamente um espaço vazio a ser ocupado, com as seguintes palavras: “Prova-se este encontro, que podemos chamar de histó rico, e no qual homens da Amazónia, do Nordeste e do CentroSul, dão-se as mãos para uma empresa que repetirá, no Brasil, a façanha pioneira da conquista do Centro-Oeste dos Estados Uni dos, nas primeiras décadas do século passado” .74 Certamente, como foi reiteradamente explicitado nos discur sos oficiais, os modelos de desenvolvimento económico implementados pelo Regime Militar na Amazónia não podem ser vislumbrados me ramente em seus aspectos sócio-econômicos, pois, para a cúpula das Forças Armadas, a Amazónia era também, ou principalmente, um problema geopolítico. A necessidade de estimular a ocupação do território, entre outras decisões estritamente militares ou políticoadministrativas, para garantir a “posse desse imenso espaço vazio", também tinha por finalidade evitar a “cobiça internacional” sobre a Amazónia, isto é, a ameaça de perder ou enfraquecer o controle dessa parte do território nacional pela ação de outros países, e prevenir também, entre outros riscos, que se instalassem na região focos guerrilheiros, nacionais ou estrangeiros, como de fato aconte ceu na região do Araguaia, entre 1967 e 1973, por iniciativa do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Numa palestra proferida, em maio de 1968, no II Fórum sobre Amazónia, realizado no Rio de Janeiro, o general Albuquerque Lima, então ministro do Interi or, após enumerar os riscos que existiam numa interferência de outros países na Amazónia brasileira, motivada pelo acelerado cres cimento demográfico de determinados países e pelo seu interesse nas riquezas naturais da região, manifestava: 79
“Há indiscutivelmente, poderosos interesses e pressões potenciais externas e internas que incidem sobre a Ama zónia e, na minha compreensão, naquela área, ainda não integrada na Nação Brasileira, precisamos desde já tomar medidas capazes de aumentar o poder de resis tência. Ninguém pode negar que esta ponderável parcela do território brasileiro já sofre um processo de pressão potencial que, no tempo, se acelerará cada vez mais. ”75 Após mencionar que “essas pressões em estado potencial - de origem interna e externa”, são favorecidas pelo aumento dos desníveis económicos entre a Amazónia e a área de maior concentração industrial, o Centro-Sul, Albuquerque Lima assi nalava que era necessário eliminar as causas desse desequilíbrio, “atenuando-se os desníveis existentes, transformando-se em cau sa comum o deslocamento, rumo ao norte, das nossas fronteiras económicas, realizando-se, em uma palavra, a grande obra da integração nacional” .76 Para o ministro do Interior, os principais obstáculos para o desenvolvimento da Amazónia brasileira eram os seguintes: - a grande extensão física e a escassa população que nela residia, e escassez de recursos humanos para a ocupa ção dessas fronteiras económicas e geográficas: - o desconhecimento do potencial dos recursos naturais: - o problema do abastecimento de produtos agropecuários e insuficiência de alimentos, tanto quantitativa como qualitativamente; - a predominância da indústria do semi-artesanato, com raros enclaves de grande porte: e a insuficiência de espírito empresarial na área privada e nenhuma in dustrialização: - a falta de coordenação na atuação dos órgãos públi-
80
3 . 4 . O s p l a n os d e d esen v ol v i m en t o d a A m a z ón i a : o m o d e l o d a s “v a n t a g en s c om p a r a t i v a s”
A política económica da Administração Federal na Amazó nia Legal, desde a criação da Sudam até o fim do Regime Militar (1985), pode ser dividida em três fases diferentes, ainda que todas elas alimentadas pela idéia da Amazónia como território vazio a ser ocupado. A primeira foi pautada pela mudança, ocorrida em 1966, na política de incentivos fiscais que ampliava a política de substituição de importações, até então restrita às atividades indus triais, para os projetos agropecuários. Incentivava-se as ativida des agrícolas destinadas ao mercado regional, nacional e interna cional, com o intuito de diminuir na região a preponderância das atividades extrativas e da agricultura de subsistência, ambas con sideradas, junto ao sistema de aviamento, como principais res ponsáveis pelo subdesenvolvimento económico da região e da sua escassa integração ao mercado nacional. Na segunda fase, entre 1970 e 1974, durante o mandato na presidência da República do general Garrastazu Médici, foi dada prioridade aos projetos de colonização na Transamazônica, aos projetos energéticos e à am pliação da rede viária terrestre, entretanto diminuíam, especial mente entre 1972 e 1974, as ajudas económicas do governo fede ral para projetos agropecuários e, sobretudo, industriais. Na ter ceira fase, a partir de meados dos anos 70, o governo federal, em substituição ao modelo cepalista que inspirou as práticas da SPVEA e parte das desenvolvidas nos primeiros anos de existência da Sudam, orientou sua intervenção económica com base nas vanta gen s compar ati vas 78 de que dispunha a Amazónia, em relação a outras regiões do país, para contribuir ao desenvolvimento econó mico nacional. Ainda que em todos esses modelos se tivesse como meta favorecer a integração económica da Amazónia à economia naci onal, durante o mandato na presidência da República de' Ernesto Geisel (1974-1979), foi claramente definida qual seria a especiali zação económica à qual seriam destinados os diferentes espaços «i
intra-regionais da Amazónia brasileira, dando-se prioridade ao incremento da concentração fundiária e, sobretudo, aos investi mentos destinados a criar a infra-estrutura que demandavam os projetos mínero-metalúrgicos, além da escolha das áreas ou mu nicípios da Amazónia Legal que seriam objeto de especial interes se do Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais (Polamazônia). Entre os diferentes planos de desenvolvimento económico nacional aprovados nos anos 70 que tiveram especial influência na Amazónia, cabe destacar o Plano de Integração Nacional (PIN), de junho de 1970, que tinha como uma das suas metas principais financiar as obras de infra-estrutura destinadas a facilitar o de senvolvimento de atividades económicas nas áreas de atuação da Sudam e Sudene, entre elas a construção da Transamazônica e o Plano de Irrigação do Nordeste; o I Plano Nacional de Desenvol vimento (PND), apresentado pelo governo ao Congresso Nacional em setembro de 1971, para o período de 1975-1974; e, sobretu do, as diretrizes definidas no II PND para o período de 1975 a 1979. Planos que definiram os principais objetivos a serem alcan çados na Amazónia Legal através do I PDA (1972-1974) e da II PDA (1975-1979). Vejamos, em continuação, alguns dos objeti vos definidos no I Plano de Desenvolvimento da Amazónia, recor dando que. estamos nos últimos anos do denominado milagre bra sileiro., cujo desfecho deve ser creditado ao crescimento das ativi dades económicas na Região Sudeste, especialmente no Estado de São Paulo:79 “As conquistas essenciais, quanto à Amazónia, propos tas pelo Governo Federal, referem-se à utilização de uma estratégia que promova o progresso de novas áreas de ocupação de espaços vazios e integração do desen volvimento do Nordeste com a estratégia de ocupação da Amazónia [...]. O crescimento do pólo de desenvol vimento do País (eixo Rio-São Paulo) tenderia em de terminado tempo a estacionar e/ou mesmo estagnar, 82
se não estivesse direta e facilmente ligado a uma re gião fornecedora de matérias-primas [...]. A Expan são de um mercado interno é indispensável para im pulsionar este crescimento. A conquista planejada e coordenada dos espaços vazios amazônicos trará, como consequência, e. extensão da fronteira económica e a ampliação do mercado interno, pela integração econó mica e social da Amazónia ao Sudeste brasileiro.”80 Em sua Mensagem ao Congresso Nacional, lida no dia 31 de março de 1970, o presidente Médici resumia com as seguintes palavras os planos do seu governo para a Amazónia: “Consolidar a ocupação da Amazónia [...], representa outro objetivo funda mental do Governo, possibilitando, destarte, acrescente integração daquela vasta área às demais regiões do País”.81 Vejamos, mais uma vez, como o presidente Médici definia com clareza esses ob jetivos, em discurso pronunciado na reunião extraordinária da Sudam realizada, em outubro de 1970, na cidade de Manaus: “A Amazónia ainda não encontrou sua vocação econó mica. O café e o cacau, a madeira e a borracha, o boi, a juta e a caètanha têm sido momentos passageiros de riqueza; momentos que não trouxeram mais duradou ras mudanças na infra-estrutura sócio-econômica. Não encontrou a Amazónia a sua vocação porque, sendo mais da metade do Brasil, não se fez ainda conhecida [...]. Seria insensato realizar, aqui e nesta hora, um grande projeto de desenvolvimento puramente regio nal, que desviasse poupanças e créditos capazes de ge rar riquezas maiores e mais rápidas noutras regiões. Muito mais insensato seria, no entanto, ignorar a Ama zónia, usando rígidos critérios de prioridade económi ca e deixá-la ficar no passado e ainda envofra no misté rio, sempre vulnerável à infiltração, à cobiça e à cor rosão de um processo desnacionalizante que se alimen I
ta e se fermenta em nossa incúria [...]. Manaus é lugar para que o meu Governo apresente as linhas gerais da primeira fase de sua política para a Amazónia e diga sua decisão de assegurar, com energia e vontade, a soberania brasileira nesta outra metade do Brasil e de fazer andar o relógio amazônico, que muito se atrasou ou ficou parado no passado. ”82 No Programa de Ação do Governo para a Amazónia, a ser aplicado no marco do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) para o período de 1975-1979, no qual foi definida a contribuição de cada uma das regiões do país, através das suas respectivas vantagens comparativas (minérios, madeira, pecuária, pesca em presarial, indústrias eletrotérmicas e eletrolíticas e lavouras selecionadas), ao desenvolvimento nacional, a respeito da Amazó nia, os técnicos da Sudam assinalavam que a região pode contri buir para esses objetivos de maneira significativa “através de ge ração de divisas, resultantes de exportações; de economia de divi sas, produzindo insumos básicos para a Região Centro-Sul, hoje importados; e finalmente pela liberação de produto exportável, comprometida hoje por forte demanda interna”.83 Ainda que os autores desse documento não esqueçam de mencionar que os obje tivos centrais do II PND e do II PDA seriam orientados a alcan çar uma distribuição mais equitativa da renda nacional entre as diversas regiões do país, meta considerada de caráter permanen te, os objetivos derivados, isto é, no caso, imediatos, seriam dirigidos à escolha dos setores ou produtos da Amazónia que maior contribuição poderiam oferecer ao desenvolvimento naci onal, aproveitando... “[...] suas vantagens comparativas, isto é, daqueles setores ou produtos que, tornando-a mais apta a pro duzir que outras regiões, gerem a maior soma possível de renda e emprego para os residentes na área. É aí que se compatibiliza o interesse do País com o interes 84
se regional. Pelo sistema de trocas interestaduais ou internacionais e pelo fortalecimento simultâneo do po der de compra de suas populações, a Região logrará aumentar sua participação no Produto Nacional Bruto e instalar um processo de desenvolvimento auto-sus tentado [...], O sistema estratégico assim concebido como Modelo Amazônico de Desenvolvimento segue as linhas do que se poderia chamar um modelo de cresci mento desequilibrado corrigido. E desequilibrado na medida em que concede destaque a determinados setores e produtos - os dotados de vantagens comparati/ vas - pondo em plano secundário os demais. E corrigi do porque nele se inserem complementações e correções que visam fundamentalmente a conduzir a Região a participar das vantagens e utilidades que cederá o País ao exterior.”84 Após destacarem o incentivo às atividades destinadas ao aproveitamento, entre outros recursos económicos, das imensas reservas madeireiras, ao referir-se aos recursos minerais existen tes na Amazónia, os autores do Programa de Ação do Governo para a Amazónia, assinalavam que esse setor “oferece vantagens comparativas excepcionais na Amazónia [...], particularmente o minério de ferro, em Carajás, e a bauxita, no Trombetas. A mag nitude desses empreendimentos e os investimentos complementa res na infra-estrutura de apoio em transportes, energia e serviços básicos, bem como novos segmentos industriais complementares, deverão produzir repercussões extremamente importantes, não só no nível regional como nacional85 Sobre o tipo de atividades industriais que deveriam ser priorizadas na região, diziam os téc nicos que a “estratégia para o setor industrial reorientar-se-á para o reforço de setores-chave, através da concessão de incentivos fiscais às indústrias voltadas, prioritariamente, para o aproveita mento de matérias-primas regionais, particularmente nos setores mineral e madeireiro”.86 A respeito do incentivo aos projetos 85
agropecuários, afirmava-se: “O desenvolvimento da pecuária na Amazónia Legal [»..] tem como objetivos específicos: produzir ex pressiva receita cambial através da exportação de carne bovina; contribuir para o atendimento da demanda regional; criar uma reserva para o abastecimento de outros centros do mercado naci onal; promover a ocupação efetiva do território Amazónico” .87
c5.5. Projetos de colonização da Transamazônica A política agrícola praticada pelos Governos Militares deu prioridade, nas diferentes regiões do país, às culturas de exporta ção e à concentração fundiária, proporcionando créditos e incen tivos fiscais aos grandes proprietários de terra e a empresas agroindustriais. Sem dúvida, o custo social da modernização autoritá ria e conservadora do campo foi aterrador. Após a expulsão de milhares de famílias camponesas de suas terras, em 1978, as propriedades agrícolas superiores a 1.000 hectares, representan do 1,8% dos imóveis cadastrados, ocupavam 57% das terras agrí colas do país. No mesmo ano, 3.2 00 propriedades gigantes-soma vam 102 milhões de hectares, área três vezes superior àquela de que dispunham 2 milhões de minifundistas. Também agravaramse, nesses anos, os índices da distribuição desigual da renda per capita agrícola. Em 1970, 1% dos grandes proprietários dispu nha de 10% do total da renda; em 1980, de 30%. Em contrapartida, no mesmo período, a renda de 50% dos agriculto res mais pobres diminuía de 22% para 15%.88 Durante o mandato presidencial de Garrastazu Médici, vi sando diminuir as tensões sociais no campo nas regiões Sul, Su deste e, sobretudo, Nordeste, o governo federal resolveu promo ver a migração de milhares de camponeses para a Amazónia, oferecendo-lhes lotes de 100 hectares, por família, de terras situ adas nas margens dos 2.0 00 km de extensão da Transamazônica,89 sob o lema de Terra sem Homem para Homens sem Terra. A meta inicial era receber 100 mil famílias de colonos90 e um total 86
de 500 mil famílias num período de dez anos.91 No discurso reali zado na reunião extraordinária da Sudam de 1971, o presidente Médici defendia a importância dos projetos de colonização na Transamazônica com as seguintes palavras: “Somente qufem testemunhou no Nordeste a caminha da de milhões de brasileiros sem terra e, agora, vem à Amazónia contemplar essas paisagens de milhões de hectares ainda desaproveitados, pode sentir, em toda a sua crueza, o quadro vivo de nossa luta pelo desenvol vimento [...]. Tenho bem presente o espetáculo de 30 milhões de nordestinos, que vivem em torno de núcleos - esparsos de produção agrícola e industrial, produzindo e consumindo menos de 15 por cento da renda inter na. Sei que essa pequena produção está nas mãos de um décimo da população daquela área. Constato que, por falta de uma infra-estrutura económica e social adequada, esses brasileiros não se encaminham para as áreas desocupadas do País, que estão à espera de braços para constituírem novos pólos de prosperidade e riqueza. Conheço todo o drama de sua migração para o Centro-Sul, agravando as aglomerações mar ginalizadas das favelas [...]. E, no entanto, a Amazó nia [...] poderia absorver muito mais do que toda a população atual do Brasil. Aquilo que não se pode fa zer devido à escassez de capital pode ser feito com um programa integrado de colonização e de desenvolvi mento, com um mínimo de recursos económicos, ca paz de gerar rapidamente a riqueza, para complemen tar, sem inflação, o esforço necessário à solução dos dois problemas: o do homem sem terras no Nordeste e o da terra sem homens na Amazónia [...], o Nordeste não permite, sem um dispendioso esforço de irrigação, níveis de renda adequados à sua grande massa populacional. Nessas condições, se impõem a expansão
do setor agropecuário nas regiões favoráveis, o apro veitamento dos jazimentos minerais e a industrializa ção na medida necessária, bem como, ao mesmo tem po, a redistribuição dos seus excedentes demográficos, ocupando espaços internos vazios, mas potencialmente poderosos, sobretudo no território e atuação da Sudam [...]. Estaremos, assim, facilitando o esforço de ocupa ção e desenvolvimento da Amazónia - imperativo do progresso e compromisso do Brasil com a sua própria História. ”92 O projeto de colonização dirigida, foi iniciado em 1971 e paralisado em 1974, sem nunca ter alcançado as metas pre vistas pelo governo federal, nem tampouco de muitas das famí lias que abandonaram suas terras pelas promessas do governo. Avelino Ganzer, que, em 1983, assumiu a presidência do Sindi catos dos Trabalhadores Rurais (STR) de Santarém e, posteri ormente, a vice-presidência da CUT-Nacional, assim relata sua chegada, em 1972, junto com seus pais e oito irmãos, após venderem seus 15 hectares de terra no município de Irai .(Rio Grande do Sul), a uma colónia agrícola da Transamazônica situada a 20 km da vila de Rurópolis, então pertencente ao município de Santarém: “Quando chegamos já estava armado um certo conflito, porque havia a promessa de que nós íamos ter um ter reno, uma casa, dois hectares de terra já pronta para plantar, uma vaca, um casal de porcos... Não havia nada disso. Nem se sabia onde eram os terrenos.”93 Entretanto, a propaganda oficial sobre a “terra prometi da” favoreceu a vinda para a Amazónia, sem qualquer ajuda ofici al, de milhares de camponeses sem terra e minifundistas de outras regiões do país, boa parte dos quais acabaram ocupando, como posseiros, milhares de hectares da Amazónia, sobretudo do Su
deste do Pará.94 Tal migração ajuda a explicar o fato de a taxa de população urbana do Pará ser inferior à média nacional, apesar do importante crescimento no número de habitantes experimenta do nas últimas décadas pelos núcleos urbanos paraenses. * Tabela 5 Estado do Pará: população total, urbana e rural (1950-1991) Rural
Llrbana
1.123.273
734.262
389.01 1
19(50
1.329.293
914.320
614.973
1970
2.167.018
1.145.052
1.021.966
1980
3 .411.868
1.742.206
1.669.662
1991
5 .181.570
2 .571.793
2.609.777
Ano
Total
1950
lònte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil - 1981 c IBGE, Sinopse Prelimi nar do Censo Demográfico de 1991.
3.6.
Os i n c en t i v os f i sca i s p a r a a A m a z ón i a L eg a l : i n d ú s t r i a e agr opecu ár i a e conf l i t os agr ár i os
A política de incentivos fiscais, imposto de renda não pago à Receita Federal com a condição de que o seu montante fosse investido em projetos económicos na Amazónia Legal, foi aprova da durante o governo de João Goulart, exatamente em 1963, mas somente no ano seguinte, já instaurado o Regime Militar, que os primeiros projetos começariam a ser implementados. No início de março de 1964, o governador do Pará, Aurélio do Carmo, dirigiu uma circular aos presidentes das Federações das Indústrias do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Porto Alegre, e aos das
Associações Comerciais desses mesmos estados com o objetivo de estimular a instalação de novas indústrias no Pará. Leia-se: “Senhor Presidente: Consoante a política de desen volvimento económico que vimos imprimindo na che fia do Governo do Estado do Pará, tendo em vista as facilidades facultadas pela recente lei n° 4.216 de 0 6 /0 5 /6 3 que estende à Região Amazônica os be nefícios do art. 34 da lei n° 3.995, de 14 de dezem bro de 1961 (Plano Diretor da Sudene)’, e que per mite o reinvestimentó do 50% do imposto de renda em indústria considerada, pela SPVEA, de interesse para o desenvolvimento da Amazónia, bem como van tagens que a legislação estadual concede a indústrias que venham a se instalar no Estado, tenho a honra de solicitar a Vossa Senhoria se digne convidar, den tre os associados dessa Federação, elementos possi velmente interessados em investir recursos em nosso Estado.”95 Num primeiro momento, os incentivos fiscais foram exclu sivamente destinados a estimular as atividades industriais na Ama zónia Legal, especialmente na área metropolitana de Belém, sen do os principais beneficiários os empresários locais. Em outubro de 1966 (lei n° 5.174, 27/10/66), foi reformulada a política de incentivos fiscais com o intuito de estender esses benefícios tam bém a projetos agropecuários a serem implementados na região, nos mesmos termos que os incentivos fiscais vinham sendo aplica dos na área de atuação da Sudene. Num ou noutro tipo de projeto, uma das principais justificativas para os incentivos fiscais, a serem aplicados quer na Amazónia Legal quer no Nordeste, era a falta de capital nessas regiões para a modernização das suas eco nomias. Num trabalho publicado pela Sudam em 1971, intitulado Sudam: Breves Considerações, lê-se:
90
“O grande instrumento de desenvolvimento amazônico é a política de Incentivos Fiscais, introduzida pelo Go verno da Revolução. Além da dedução dos 50% do imposto de renda, para a aplicação em projetos eco nómicos, considerados prioritários para o soerguimento da área, o homem de empresa pode ter o seu projeto beneficiado com a isenção do imposto de renda, isen ção de taxas alfandegárias e do imposto de importa ção, para equipamentos e máquinas sem similares no País. Independente destes favores oferecidos pela União, os governos das Unidades políticas que constituem a Amazónia Legal [...], possibilitam outras vantagens, principalmente as relacionadas com tributos e cessão de terras, constituindo-se assim um grande atrativo fazer investimentos na Amazónia. ”í,(> Segundo dados da SPVEA, dos 31 projetos industriais (total 23), agro-industriais e navegação aprovados pela SPVEA (1964-1966) para serem contemplados com os benefícios da lei de incentivos fiscais, 18 deles foram destinados ao Pará, repre sentando cerca de 75% do valor total dos incentivos fiscais libera dos para esse fim. Outros 5 projetos foram destinados ao Maranhão, 3 ao Mato Grosso, 2 a Goiás e apenas 1 para os Estados do Amazonas, Amapá e Rondônia.9/ Essa preferência pela Amazónia Oriental foi, certamente, favorecida pela construção da rodovia Belém-Brasília, o maior contingente populacional e o maior grau de desenvolvimento das atividades económicas do Pará, comparativamente aos outros Es tados da Amazónia Ocidental. Contudo, segundo o ministro do Interior, general Afonso Augusto de Albuquerque Lima, outros motivos deveriam ser incorporados para compreender essa opção preferencia] pelo Pará e os outros Estados da Amazónia Oriental. Numa palestra proferida no II Fórum Amazonian realizado na Casa dos Estudantes do Brasil (Rio de Janeiro), em 6 de maio de 1968, Alburquerque Lima assinalava:
“Esse aspecto contrastante de duas Amazônias surgiu como consequência negativa da agência de desenvol vimento da região - antiga SPVEA. De fato, esse órgão sofreu um processo de distorção violento, pro piciado pela maior capacidade de barganha, enquan to o Amazonas e as demais unidades federativas eram marginalizadas do processo de distribuição de recur sos orçamentários.”98 Entretanto, apesar desses comentários do ministro do Inte rior Albuquerque Lima, na distribuição por unidades da Federa ção dos projetos da Sudam, entre dezembro de 1966 e dezembro de 1969, apenas 14 projetos, dos 216 aprovados nesse período, foram para os Estados da Amazónia Ocidental, 90 projetos fo ram para o Mato Grosso (88 deles agropecuários) e 87, para o Estado do Pará (5Q agropecuários).99 Na próxima tabela, mos tra-se o predomínio das verbas destinadas ao' projetos do setor primário, a grande maioria agropecuários, no total dos projetos aprovados durante os primeiros anos de atuação da Sudam, com parativamente ao período da SPVEA, e a predominância, no to tal dos projetos, das verbas recebidas pelo Pará e Mato Grosso. Segundo dados do Censo Industrial de 1960, o Pará con tava nesse ano com 1.208 estabelecimentos industriais, represen tando cerca de 70% do total das indústrias existentes na Amazó nia brasileira.100 Em 1968, 64% dos empregados das indústrias de bens de consumo (alimentos, bebidas, vestuário) da Região Norte trabalhavam em empresas radicadas no Pará e 24,6%, no Estado do Amazonas.101 No período de vigência do I PDA (1972-1974), nenhum projeto industrial foi contemplado para ser beneficiado pela lei de incentivos fiscais e apenas 1,4% dos projetos aprovados eram agropecuários, ao serem escolhidos, como metas principais da ação do governo federal na Amazónia os projetos de coloniza ção e, sobretudo, os destinados a melhorar a rede viária terrestre.
92
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o c i m ó n o c E o t n e m a j e n a l P e d o t n e m a t r a p e D s o l u c l á C , m a d u S a d s o v i t n e c n I e d o t n e m a t r a . p e m D a d : u e t S n o a F d
Perspectiva que mudaria no II PDA, quando, além de serem pratica mente abandonados os projetos de colonização, 15,4% dos projetos aprovados, entre 1975 e 1979, correspondiam ao setor de minera ção, 13,0% ao setor industrial, 11,7% à agropecuária e 15,8 e 19,1 por cento para energia e transporte, respectivamente.102 Tabela 7 Estabelecimentos industriais e número de operários no Estado do Pará (1940-1988) Anos
Números de estabelecimentos
Números de operários
1940
666
10.595
1950
1.001
10.321
1960
1.222
10.019
1970
2.317
20.034
1980
4.860
49.057
1988
6.458
127.301
Fon t e: Lei l a M ou r ão, Mem ór i a da In dústr i a Par aense, B el é m , F i epa, 19 89 , p . 77; e T er eza Cat i vo Rosa et. al., ‘Per specti va da econ omi a i ndu str i al ”, Par á D esen vol vi m en t o, n °2 6 , B el é m , j a n ./j u n . d e 19 90 , p. 1 1 2 e 114.
Roberto Santos subdivide em duas fases o processo da ins talação das pequenas e médias empresas que abastecem o merca do local no Pará: denomina a primeira de fase pioneira (entre 1964 e 1970) e, a segunda de fase de consolidação (nos anos posteriores). Na fase pioneira, os principais beneficiados pelos in centivos fiscais oferecidos pelo governo federal e pelo governo paraense, foram os empresários locais. Porém, segundo esse au tor, o balanço não foi muito alentador:
“[...] o parque novo estava em boa parte construído, mas, seus administradores se achavam, para usar uma linguagem metafórica, esgotados, enfrentando às vezes dificuldades téc nicas graves, ou problemas de mercado, ou penúria de re cursos de crédito, ou todos esses problemas reunidos. ’103 Isso explicaria, segundo Roberto Santos, o processo de desregionalização de parte das indústrias locais acontecido na fase de consolidação. Foi o que ocorreu, por exemplo, coin a indústria de cerâmica e parte da metalúrgica, madeiras, produtos alimentí cios, bebidas e totalmente com a de cimento. Ainda assim, alguns setores industriais continuaram, nos anos 70, sob controle do empresariado local: têxtil, papel e papelão, farmacêutico, perfu marias e sabões, vestuário, editorial e gráfico. Em 1984, segundo dados do IBGE, dos 302.353 trabalhadores assalariados existen tes no Pará (70% dos quais trabalhavam na Região Metropolita na de Belém, sempre excluídos os empregados no setor agropecuário), 85.201 trabalhavam na administração pública, 39.035, nas indústrias de transformação, 37.287, no comércio, 25.8 32, nas empresas de construção civil, 14.088 nos serviços de transporte, 11.099, nas indústrias de madeira, 9.525, nas de alimentos e 3.5 06, nas têxteis.104 O governo federal, após abandonar, em 1974, os projetos de colonização na Transamazônica, optou também por dar priori dade na Amazónia Legal à concentração fundiária, tendo nos in centivos fiscais o principal instrumento para que grandes proprie tários de terra e/ou empresas agroindustriais adquirissem, sem ter necessidade de fazer quase nenhuma inversão de capital, gran des extensões de terra utilizando-as, em muitos casos, exclusiva mente como reserva de valor ou diretamente em atividades especulativas. Por exemplo, dos 336 projetos aprovados pela Sudam até meados de 1977, nos quais estava prevista uma inversão de 7 bilhões de cruzeiros, apenas 2 bilhões corresponderiam a recursos próprios das empresas, correspondendo os 5 bilhões restantes a incentivos fiscais105: “O Banco Mundial calculou em um bilhão de
dólares o total de incentivos liberados pela Sudam nas últimas duas décadas”.106 Até 1981, segundo dados da Sudam, 602 projetos (346 agropecuários, 191 industriais e 65 projetos diversos) tinham sido aprovados para serem contemplados pelos benefícios oferecidos pela lei de incentivos fiscais, 240 dos quais já estavam implanta dos (104 agropecuários, 99 industriais e 37 referentes a outros tipos de projetos).10' O total de projetos agropecuários já instala dos somava aproximadamente 8 milhões de hectares, dos quais cerca de 5 milhões para os 184 projetos implementados no Mato Grosso e 1,8 milhões de hectares nos 105 projetos em funciona mento no Pará.108 Dos 1.199 projetos aprovados pela Sudam para serem implementados no Pará entre 1975 e 1989, 638 deles eram agropecuários, 68, agroindustriais, 397, industriais, 49, setoriais e 47, para serviços básicos.109 Como assinalei acima, a maioria dos incentivos fiscais con cedidos a projetos agropecuários beneficiaram grandes proprietá rios de terra e empresas agroindustriais de outras regiões do país, contudo parte dos mesmos foi utilizada também por latifundiários da Amazónia para incrementar o número de suas propriedades rurais ou “m od erniz ar” outras. Por exem plo, as famílias oligárquicas que controlavam a produção de castanha no Sudeste do Pará, intensificaram com ajuda oficial, sobretudo a partir de meados dos anos 70, o desmatamento de áreas de castanhais para o plantio de pastos para a criação de gado e, assim, garantir a posse definitiva das terras ao converterem os antigos aforamentos em títulos definitivos. Em 1960, existiam no Pará 33 estabelecimentos rurais com mais de 10.000 hectares. Vinte anos depois, já eram 199, ocupando 35,7% das áreas agrícolas cadastradas, enquanto 1,5% das terras agrícolas repartia-se entre 81.048 camponeses com propriedades de menos de 10 hectares.110 Segundo dados do go verno paraense, em 1980, menos de 1% dos estabelecimentos existentes no Estado dispunham de 58% da área total, empregan do somente 3% da população economicamente ativa do setor agrí Qfí
cola, enquanto os restantes 99% dos estabelecimentos ocupavam 42% da área e 97% das pessoas ocupadas nesse setor económi co.1" Dados levantados por Alfredo Wagner de Almeida a partir das estatísticas cadastrais do INCRA, mostraram que, fem 1985, já eram 451 os imóveis rurais com área igual ou superior a 10 mil hectares no Estado der Pará."2 A reduzidíssima produtividade da maioria dos grandes lati fúndios existentes na Amazónia Ilegal permite questionar outro dos aspectos que a denominada “modernização agrícola” propor cionou a essa região. Por exemplo, em meados dos anos 1980, os pequenos produtores do Pará e do Amapá com propriedades infe riores a 100 hectares, mesmo sem quase nenhuma ajuda oficial e ocupando apenas 20,3% das terras agrícolas, forneciam 68% do valor total da produção agropecuária desses dois Estados. Se fo rem considerados apenas os alimentos básicos, como arroz, milho e feijão, tal porcentagem eleva-se para 80%. Esses produtores eram também os principais responsáveis pelo fornecimento de pimenta-do-reino, cacau e matérias-primas industriais, como a juta, malva e alg odão."3 Ainda assim, em 1995 o Pará contri buiu apenas com 1% da produção agropecuária nacional, e im portava 58% do arroz, 63% do milho e 69% do feijão consumi dos no Estado.114
4. O “Ciclo do Minério” O Pará é o estado brasileiro onde se localizam as maiores jazidas de minério descobertas ou já em atividade no Brasil; as mais importantes reservas de minério de ferro, de alumínio e cobre; a segunda maior reserva de manganês do país; além de importantes reservas de ouro, níquel, estanho e caulim. Não foi acaso, portanto, o fato de ter sido nesse Estado que se deu a implementação dos denominados grandes proje'tos mínerometalúrgicos e hidrelétricos na Região Norte, especialmente os destinados a viabilizar a extração e transporte das riquezas minei
ras descobertas na Serra dos Carajás, considerada a maior Província Mineral do Mundo, sem desmerecer as outras ativi dades mineiras desenvolvidas no Pará, por exemplo as destina das ao beneficiamento da bauxita extraída na área no rio Trom betas (município de Oriximiná, Baixo Amazonas). A partir da segunda metade dos anos 80, quando entram em operação o Projeto Ferro Carajás e a Albras, a extração das riquezas minerais do subsolo consolida-se como a principal atividade económica do Pará dirigida à exportação.1 Na década de 90, o Pará já era o Estado brasileiro que maior volume de minério exportou. Em 1963, a empresa canadense Alcan iniciou suas pes quisas na região do Trombetas, município de Oriximiná, das quais resultaria a descoberta das jazidas de bauxita, cujo volu me total é estimado em cerca de 600 milhões de toneladas. Em agosto de 1979, saía do Porto Trombetas da empresa Minera ção Rio do Norte (MRN) o primeiro barcb carregado de bauxita para o exterior.116 No dia 31 de julho de 1967, o paulista Breno Augusto dos Santos, geólogo contratado pela Compa nhia Meridional de Mineração, subsidiária da companhia norte-americana United States Steel, recolheu as primeiras amos tras de ferro na Serra dos Carajás. Análises posteriores con firmaram que em Carajás, serra localizada a 850 quilómetros de Belém, encontrava-se a maior jazida de ferro de alto teor da Terra.117 Mas, além do minério de ferro, cujas reservas são estimadas em cerca de 18 bilhões de toneladas (uma produção anual média de 43 milhões de toneladas corresponderia a uma atividade extrativa superior a quatro séculos), localizam-se na Serra dos Carajás, importantes jazidas de cobre, manganês, níquel, bauxita, ouro, estanho, prata, diamante.118 A partir da segunda metade dos anos 70, a exploração e comercialização do minério de ferro e de outros minerais des cobertos no Pará converteram-se no objetivo principal da in tervenção económica do Regime Militar na Amazónia. Com essa finalidade, e já em andamento a construção da hidrelétri98
ca de Tucuruí e da estrada de ferro Carajás-Ponta da Madeira (São Luís do Maranhão), através do decreto-lei n° 1.813, de 24 de novembro de 1980, foi instituído o Programa Grande Carajás (PGC). A área que abrangia o PGC119 era de 895.263 km2 (10,5% do território nacional), ao norte do paralelo 8o, entre o delta do rio Amazonas e os rios Xingit (Pará) e Parnaíba (limite Maranhão-Piauí), incluindo-se nela parcialmente terri tórios dos Estados do Maranhão, do Pará e de Goiás (depois território do Tocantins). No Pará, a área de atuação do PGC era de 522.6 24 km2, cerca de 40 % de todo seu território.120 O PGC não ficaria restrito à pesquisa, extração, beneficiamento, elaboração primária ou industrialização e transporte do miné rio, mas seria também destinado ao incentivo de atividades agropecuárias e agroindustriais, reflorestamento e beneficiamento e industrialização de madeiras e aproveitamen to de fontes energéticas. Nos anos 70, os principais produtos do Pará destinados ao mercado internacional eram a castanha, a pimenta-do-reino e madeiras. Em 1972, o valor total das exportações paraenses foi de cerca de 40 milhões de dólares.121 A castanha e a pimenta, que em 1975 representaram, respectivamente, 21,6% e 42,0% das exportações, em 1982 diminuíram sua participação a 5,7% e 12,6%. No período de 1978 a 1984, os produtos industriais intermediários responderam por 78% da receita de exportação do Pará, destacando-se a bauxita nãocalcinada e a madeira serrada, que representaram, respectiva mente, 21,9 % e 19,7% do total.122 Em 1980, de cada 10 dólares gerados pela economia paraense, um era exportado. Em 1988, essa relação já era de cinco para um. De US$ 400 milhões exportados em 1980, chegou-se a US$ 1,2 bilhão em 1988, apresentando nesse ano um saldo de divisas acima de US$ 900 milhões, respondendo os pro dutos minerais por cerca de 70% das exportações.123 Em 1989, o valor total das exportações do Pará foi de 1.406.515 dólares, representando, nesse ano, 4,4% das exportações brasileiras, quando OO
na década de 70 eram inferiores a dois dígitos. Por exemplo, em 1972, as exportações do Pará alcançaram os 46.793 milhões de dólares e, em 1979, 233.028 milhões; ou seja, 1,3% e 1,5% das exportações brasileiras nos mesmos anos. Em 1986, o Pará ele vara sua participação a 3,6% e próximo de 5% do total das ex portações do país, em 1990.124 Tabela 8 Participação relativa dos principais produtos exportados pelo Pará: 1975-1989 Produtos
1975
1 98 0'
Pimenta
42,0
12,3
18,6
3,3
Madeira
28,0
23,4
19,1
8,9
Pasta Química de Madeira
-
21,0
10,1
8,0
Castanha
21,6
4,2
4,1
1,0
Cacau e Prod. Derivados
2,4
1.2
2,1
0,9
Juta em Geral
2,3
0,8
0,7
0,1
Bauxita
-
14,8
22,4
9,1
1985
1989*
F on t e: D ep a r t a m en t o d e F u n d os e P r o g r a m a / S E C E X ( 1 9 9 0 ) ; apud L uís Fl ávi o Ma i a L i ma , "I n t egr ação r egi ona l e ‘en cl a ves f or d i sta s’ n o Par á: U ma abor d ag em ger a l ”, em Ter eza X i m en es (or g.), Cen ár i os da I nd ustr i al i zação da Amazóni a, Bel é m, U N AM AZ /N AE A-UF PA , 1995 , p. 139. * N ão f oi i ncl uída a pa r t i ci pa ção da p r od u ção d e fer r o d e Car aj ás, exp or t a d o at r avé s do p or t o d e Pon t a da Ma dei r a (Mar an hão).
Em 1995, 14% do PIB e 71% das exportações do Pará provinham do setor mineral.
Tabela 9 Principais produtos das exportações paraenses: 1991-1995 (US$ milhões) 1. Básicos
1991
1993
1995
Hematita (ferro)
601,755
599,735
704,606
Bauxita
159,775
148,956
115,990
Caulim (Lav. ou Benef.)
3 3,9 68
59,709
56,016
Pimenta
47,962
25,699
49,061
Minério de Manganês
36,288
16,255
35,267
Camarões Congelados
26,494
42,061
26,624
Castanha do Brasil
12,505
14,264
20,037
Peixes
4,048
4,305
3,707
2. Industrializados
1991
1993
1995
Alumínio não ligado
304,6 70
413,014
592,441
Madeira
141,205
244,226
348,102
98,144
104,041
142,139
Silício
8,234
11,400
23,633
Palmito em Conserva
24,793
28,363
20,597
Ferro-gusa
4,023
5,276
20,412
Cacau
13,295
15,210
1,476
Pasta Quím. de Madeira
3. Outros produtos
18,770
48,525
21,319
Total
1.576,814
1.781,048
2.181,436
F on t e: Secr et a r i a d e Comé r ci o Ext er i or , el a bor a do pela Di vi são T é cn i ca da F ed er ação d as I n dústr i as d o Par á, apu d N osso Par á (A Econ omi a d os Con t r astes), n °3, B el é m , Ver Ed i tor a, 19 96 , p. 6 2-6 3 .
Em decorrência da queda no volume de madeira exporta da e da diminuição do preço no mercado internacional da celulo se, em 1996 as exportações do Pará diminuíram, em relação a 1995, em US$ 64 milhões, somando um total de US$ 2,11 bi
lhões. As exportações de minério somaram um total de cerca de US$ 1,5 bilhão (pouco mais de 74% do total). As exporta ções de ferro de Carajás representaram IJS$ 696 milhões e o alumínio da Albras, US$ 512 milhões. As de madeira soma ram um total de US$ 292 milhões. Os produtos extrativos da floresta apenas representaram, nesse ano, 1,3% do tota l.12'1 Em 1997, o Pará era o sétimo maior estado exportador do Brasil, respondendo por 4,5% da receita total das exporta ções, sendo que as exportações de minério de ferro, alumínio, madeira, bauxita e ouro, representaram 72% do valor total das exportações paraenses.I2f’ A partir de 1986, ao iniciar-se a exportação de ferro extraído da Serra dos Carajás, se consolida no Pará o que podemos definir como ciclo económico do minério, que vai su plantando, como vimos, o anterior pautado pela extração das riquezas da floresta e pelas atividades agrícolas de subsistên cia. A estas últimas se dedicava a maior parte da População Economicamente Ativa (PEA) da região até início dos anos 80. Vejamos na próxima tabela a evolução percentual da PEA do Pará por setores económicos no período de 1970 a 1985, sen do motivo de destaque o crescimento da PEA do setor industri al e do setor de serviços, a diminuição percentual da PEA do setor agropecuário e a diminuição do setor de serviços no PIB estadual. Também poderíamos acompanhar outras mudanças só cio-econômicas ocorridas no Pará nos anos 70 e início dos anos 80, através do estudo dos movimentos demográficos nesse Esta do, quer das pessoas que nela nasceram ou já aí residiam então, quer das que imigraram, nesse período, de outros estados do país. É o caso, por exemplo, das famílias de camponeses que chegaram no início dos anos 70 para se instalar nas colónias agrícolas nas áreas próximas à Transamazônica e as milhares delas que, sem qualquer ajuda oficial, ocuparam terras, geral mente como posseiros, para desenvolverem atividades agrícolas em diferentes municípios paraenses; dos que optaram por traba
lhar na construção das novas estradas ou procuraram emprego nas novas indústrias; os que se converteram em garimpeiros, por exemplo em Serra Pelada; dos que conseguiram emprego nas fazendas agropecuárias ou no setor terciário (comércio e servi ços) nos núcleos urbanos; ou, enfim, dos que trabalharam na cons trução da infra-estrutura* que demandavam os projetos mínerometalúrgicos e hidrelétricos (Hidrelétrica de Tucuruí, Porto Trombe tas, Carajás, Barcarena). Eram novas opções de trabalho e emprego que, além do incremento do número total de assalariados no Pará, tanto no setor primário, como no secundário e terciário, também contribuíram para acelerar a crise do sistema de aviamento na região.
Tabela 10 Estado do Pará; População Economicamente Ativa e percentagens PEA e PIB segundo setores económicos (1970-1985) Setores Económicos
1970 PEA
Agropecuária 347.161
.
1980
PEA PIB % %
PEA
1985
PEA PIB % %
PEA
PEA %
56 22,8
440.668
43,9
19,1
480.502
37,6
Indústria
72.772
11,7 12,1
182.455
18,2 30,1
279.463
21,9
Serviços
200.381 32,3 65,1
381.006
37,9 50,8
517.287
40,5
620.314
1.004.129
100
1.277.252
100
Total
100
100
100
Fonte: I B G E — Censos D em ogr áfi cos de 1 9 7 0 e 19 80 . Cálcul os e Tabul ação Idesp.
Tabela 11
População recenseada na Região Norte: 1950-1991 Estado
1950
Acre
36.9 35
160.208
Amapá
37.4 77 514.029
Amazonas Pará
1.123.273
1960
1970
1980
1991
218.006
306.893
417.165
68.889
116.480
180.078
288.690
721.215
960.934
1.449.135
2.102.901
1.550.935 2.197.072
3.507.312
5.181.570
Rondônia
36.935
70.783
116.620
503.125
1.130.874
Roraima
18.116
29.489
41.638
82.018
215.950
Tocantins
-
Total
1.844.855
-
-
-
2.601.519 3.650.750
6.028.561
920.116 10.257.266
Fonte: IBGE, IX Recenseam ento Geral do Brasil-198 0, e Sinopse Prelimi nar do Censo Demográfico de 1991.
Tabela 12 População do Pará, Região Norte e Brasil: 1950-1991 Ano
Estado do Pará
Região Norte
Brasil
Região Norte/Brasil %
1950
1.123.273
1.844.655
51.944.397
3,6
1960
1.529.293
2.561.782
70.070.457
3,7
1970
.2.167.018
3.603.860
93.139.037
3,9
1980
3.411.868
5.893.136
119.070.865
4,9
1991
5.181.570
10.257.266
146.825.475
7,2
Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil — 1981: Sinopse Preliminar do Censo Demográfico de 1991-Pará: Censo Demográfico-1991 -. Resultadosdo Universo Relativos às Características da População dos Domicílios n° I .
104
Notas 1Carlos Teixeira da Silva e Maria Yédda L. Linhares, "Região e História Agrária”, 1995, p. 23. ~ Cf. Roberto Santos, Hi stór i a Económi ca da Amazóni a, 1980, p. 13-14. •'I dem, ibi dem, p. 14. • 4 No Tratado de Tordesilhas, acordo ratificado, sob a mediação do Sumo Pontí fice da Igreja Católica Romana, Alexandre VI, entre os reinos de Castela-Leão e Aragão (Espanha) e Portugal, fora decidido que as terras situadas a mais de 3 70 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde pertenceriam à Espanha e as situa das nessa franja e a leste das ilhas de Cabo Verde, à Portugal. Esse meridiano imaginário (formalmente nessa data era ainda desconhecida a existência do con tinente americano e, portanto, das terras do futuro Brasil), situa-se entre Belém e a Ilha do Marajó, atravessando o território do atual Estado de São Paulo. ’ Ainda que em algumas áreas, por exemplo no atual município de Cametá, exis tissem plantações de cacau, a maior parte dele era retirado pelos indígenas dos cacaueiros espalhados pela floresta, fosse por exigência dos colonos portugueses ou pela dos missionários das diferentes ordens religiosas, especialmente os da Companhia de Jesus. O número total de índios que viviam na Amazónia, antes e durante o período colonial, continua sendo uma incógnita não resolvida pelos demógrafos, arqueólogos e historiadores. As cifras propostas para início do sécu lo XVI, variam entre um (01) e oito (08) milhões. Mas, o que ninguém parece questionar é a queda demográfica sofrida pelos povos indígenas a partir de então, seja em decorrência da desestruturação das suas tradicionais condições de vida, seja por culpa das doenças trazidas da Europa até então desconhecidas na Amé rica, seja pelos maus-trâtos, escravidão, guerras ou assassinatos. Atualmente ava lia-se em cerca de 150 mil os indígenas localizados na Amazónia brasileira. BMesmo que os dados do total de escravos de origem africana trazidos à Amazó nia portuguesa durante todo o período colonial sejam também muito controverti dos, como assinalara, por exemplo, Vicente Salles em sua já clássica obra O N egr o n o Par á, sob o r egi m e da escr avi dão, publicada em 1988, segundo Fran cisco de Assis Costa, o total de escravos negros que trouxe para São Luís e Belém a Companhia do Comércio do Grão Pará e Maranhão, entre 1755 e 1777, foi de 14.749 (E de A. Costa, “Amazónia: Modelos económicos, ideologia e histó ria”, 1995, p. 351-352). Vicente Salles assinala que, em 1793, residiam em Belém 4.432 brancos, 3.051 escravos de origem africana e cerca de 1.099 índios, pretos e mestiços libertos (Vicente Salles, op. ci t., p. 69-71). 7 Cf. Roberto Santos, op. cit., pp. 17-18. ( 8 Cf. Moacir Fecury Ferreira da Silva, D o Regional ao Nacional : Pará ( 1 8 5 0 / 1914), 1996, p. 46.
0 Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto, “A questão regional no Brasil: Traços gerais de sua evolução histórica”, 1986, p. 171. 10 Cf. Moacir Fecury Ferreira da Silva, op. cit., p. 47-48. 11Cf. Nelson Werneck Sodré, Hi stór i a da Bur guesi a Br asi leir a, 2a edição, 1967, p. 175. 12Cf. José Alberto Magno de Carvalho et al., “Migrações internas na Amazónia”, 1979, p. 199. 13 Cf. Caio Prado Júnior, H i stór i a Económi ca do Brasil , 34a edição, 1986, p. 236-237. 14 Samuel Benchimol, Estrutura Geo-Social e Económica da Ameízônia, 1984, p. 53. 15 Cf. José Alberto Magno de Carvalho et al., op. ci t., p. 199; e Moacir Fecury Ferreira da Silva, op. cit., p. 279-281. O Brasil exportou no período de 1906 a 1910, um total de 2,1 bilhões de cruzeiros de café e 1,3 bilhão de borracha, sendo então o maior produtor mundial de ambos os produtos (cf. Lúcio Flávio Pinto, “O Estado Nacional: Padrasto da Ameízônia”, p. 4). Em 1906, o Pará era o quarto estado brasileiro que maiores rendas obtinha pelas suas exportações, apenas superado pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas (cf. Jacques Ourique, O Esta do do Par ána Ex posi ção Na ci onal d e Ri o d e J an ei r o, 1908, p. 66). 1,1 O número total de nordestinos que migraram para a Amazónia, como tantos outros dados desse período, continua sendo muito controvertido, variando as esti mativas entre um mínimo de 160.000 e um máximo de 400.000. Ver, a esse respeito, os pertinentes comentários e os dados fornecidos por Nélson Prado Alves Pinto, Pol íti ca da Borr acha n o Br asi l : A Falência da Bor r ach a Vegeta l , 1984, p. 21-22; Roberto Santos, op. ci t ., p. 99-101; José Alberto Magno de Carvalho et al., op. cit., p. 198-199: e Ricardo Borges, Vi vênci as Am a zón i ca s: Cont r i bu i ção ao Con h eci m en t o Sóci o-Econ óm i co e Políti co da Regi ão, 1986, p. 393. 17 Cf. Vicente Salles, op. cit., p. 72. 18 Superando, por exemplo, o número de pessoas que residiam nas cidades de Niterói, Porto Alegre, Fortaleza, Cuiabá, São Luís — 31.6 04 — e São Paulo — 31.385 (cf. Aroldo de Azevedo — org. — . Bra si l , a Terr a e o H omem , São Paulo, Companhia Editora Nacional/Edusp. vol. 4, s.d.; apud Violeta Refkalefsky Loureiro, “História social e económica da Amazónia” , 1989, p. 12). 19Cf. C. V. Dias, “Vida urbana na Amazónia” , Revista Económi ca do B ASA , vol. 2, n° 1, jan./abr. de 1972, p. 16; apud José Alberto Magno de Carvalho et al., op. cit., p. 202. 20 José Veríssimo, “A Amazónia (aspectos económicos)", em J. Veríssimo, E s t u dos Am azón i cos, p. 169. 21 I dem. I bidem.
22 Roberto Santos, “O genius duma economia: Reflexos e propostas sobre o desenvolvimento da Amazónia” , 1989, p. 48. 106
23 Governo da Província do Pará, D a d os Est a t ísti cos e I n for m a ções pa r a os I mm i gr an tes Publ i cados p or Or d em do Exm . Sr . Con sel h ei r o Cri stão1de Al en car Ar ar i pe, Pr esid en t e da Pr ovínci a d o Pará, 1886, p. 82. As críticas do governo
da Província aos “donos das fabricas ou barracões”, que “unem-se sempre no mesmo fim de manterem n uma espécie de escravidão os respectivos trabalhado res" (id em, i bid em, p. 81), além de verdadeiras, como mostraram os inúmeros relatos e pesquisas realizadas na .época ou posteriormente, devem ser também contextualizadas no principal objetivo que tinha o governo provincial ao publicar esse informe sobre a economia paraense: atrair migrantes europeus para estimu lar a produção agrícola no Pará. 24 Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto, op. cit., p. 171. 2,>T. Braga, N oções d e Chor ogr ap h i a d o Est a d o do Par á, 1919, p. 230. m , s.d., p .l . * FASE, O con t ext o sóci o-econ ôm i co e pol íti co d e B el é 27 Wilson Cano e Leonardo Guimarães Neto, op. cit., 171. aít Cf. Jacques Ourique, op. cit., p. 70; e Caio Prado Júnior, op. cit., p. 236237. 2i> Cf. Samuel Benchimol, op. cit., p. 30-51. Em 1910, o valor das 38.547 toneladas de borracha exportadas pelo Brasil somou um total de 25.254.371 libras, em 1914, diminuiu para cerca de 7 milhões de libras (total 33.531 tonela das) e, em 1921, as 17.493 toneladas exportadas apenas somaram um pouco mais de 1 milhão de libras (cf. i dem, i bidem). Em 1915, os seringais asiáticos elevaram sua produção para 107 mil toneladas, 304 mil em 1920, 800 mil em 1930 e a cerca de 1 (um) milhão de toneladas em 1937 (cf. Lúcio Flávio Pinto, op. cit., p. 4). A produção de borracha na Amazónia brasileira que, em 1920, foi de 30.790 toneladas, sendo exportadas cerca de 17 mil, diminuiu para 17.137 toneladas em 1930. Nos anos 30 manteve-se, em média anual, uma produção estimada em cerca de 13 mil toneladas, sendo 17.137 as produzidas em 1941 (cf. Nelson Werneck Sodré, op. cit., p. 176; e Moacir Fecury Ferreira da Silva, op. cit., p. 299). 30 Cf. José Paes de Carvalho, M a n i festo ao Esta do d o Par ápel o Gover n ad or Dr. J oséPa es d e Car val h o, 1897, p. 6. Em 1906, 22% era a percentagem da taxa oficial cobrada pela valor da borracha exportada desde o porto de Belém, 16% a da castanha e 6% , as de cacau e madeira, respectivamente (cf. i d em , i b i d em , p. 23). 31 Govêrno da Provincia do Pará, op. ci t., p 83. 32 I dem, ibi dem. 33 Idem, p. 85-86.
34 David Ferreira Carvalho, “Industrialização tardia e perspectivas de desenvolvi mento da Amazónia", 19 95, p. 13. Análise similar é feita por Wilson Cano e cada de Leonardo Guimarães Neto: "A n t es da I Gu er r a Mu n d i al e at éiníci o da dé 40 , a Am a zón i a m er gul h ar i a n u m p er íod o ou f a se d e est agn ação e decadên ci a económica" (W. Cano e L. Guimarães Neto, op. cit., p. 171).
107
35 Juan L. Bardalez Hoyos, “Capital social, projetos de desenvolvimento e trans formações: Contribuições para uma reflexão ”, 1 98 6/1 9 87 , p. 19. 38 Cf. Roberto Santos, “A eConomia paraense pela ôtica da renda”, 1979, p. 12. Entre muitos outros dados fornecidos por Roberto Santos para sustentar a fase d e decl ín i o, ele nos informa da diminuição das receitas dos Estados do Pará e do Amazonas. A do Pará, que em 19 10 tinha sido de 20.2 55 contos, em 1915 foi de 8.887 e de 8.517, em 1920. No Estado do Amazonas, reduziu-se de 18.060 para 7.428 e 5.888, respectivamente (cf. Roberto Santos, Hi stór i a Económi ca da Ama zóni a, 1980, p. 240). 37 Roberto Santos, H i s t ó r i a Económica da. Ama zón i a , 1980, p. 14. m ( 1 9 4 5 -1 9 4 7 ) : Os C om i t é s 38 Hecilda Mary Veiga, Redem ocr a t i za ção em B el é D em ocr át i cos e a Camp an ha Cont r a a Fome, 1984, p. 22. ss) Em 1940, o total de habitantes da Região Norte era de 1.462.420, quase o mesmo número que havia em 1920, 1.4 39.0 52 (cf. Catharina Vergolino Dias, “Amazónia Brasileira: Problemas de Subpovoamento”, A A m a z ón i a B r a si l ei r a em Foco, Comissão Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da Amazónia, 1969, p. 15; apud Otávio Guilherme Velho, Frentes d e Expansão e E s t r u t u r a Agr ár i a: E stu d o do P r ocesso de Penetr a ção nu ma Ar ea da Tr an sama zóni ca,
1981, p. 50. 40Cf. IBGE, S i n o p se P r el i m i n a r d o Censo D em ogr áfi co c/q B r a si l , 1 9 7 0 ; IBGE, An u ár i o Est at íst i co do Br asil — 1 9 8 4 e 1 9 8 5 ; IBGE, Cen so D em ogr áfi co do Esta do do Pará — 1 9 8 0 ; e Idesp, Est a t ísti ca s D em ogr áf i ca s d o Est a d o do Par á, 1987. 41 Cf. Lúcio Flávio Pinto, op. cit., p. 4. 42 Cf. Nélson Prado Alves Pinto, op. cit., p. 94-95. 43 As cifras de nordestinos, principalmente cearenses, que se dirigiram à Amazó nia entre 1942 e 1945, são estimadas em cerca de 100 mil, dos quais uns 25 mil com ajuda dos EUA (cf. Adélia Engrácia de Oliveira, “Ocupação humana", 1983, p. 267). 44 Cf. Nélson Prado Alves Pinto, op. cit., pp. 97-98; e Prefeitura Municipal de Marabá, Ma r abá: A hi stór i a d e uma pa r te da Am azón i a, da gent e qu e nel a vivia e da gen t e qu e a desbr avou e domi nou , f a zen d o-a em er gi r par a a ci vil i zação, de 1 8 9 2 at én ossos dias, 1984, p. 111-112. 45 Cf. Miranda Neto, O En i gma Ama zóni a: O d esafi o ao futu r o, 1991, p. 70; e Hecilda Mary Veiga, op. cit., p. 25-26. 48 Relatório do Banco de Crédito da Borracha; apud Moacir Fecury Ferreira da
Silva, op. c/í., p. 329. 47 Cf. Samuel Benchimol, op. ci t., p. 125. 48 Idem, p. 93. 49 Em 1960, a castanha representou 58% do total das exportações paraenses (cf. Roberto Santos, “A economia paraense pela ótica da renda", 1979, p. 16). 50 Nelson Werneck Sodré, op. cit., p. 63-64. 108
31 Octavio lanni, Ditadura e Agricultura: O Desenvolvimento do Capitalismo na Amazónia (1 964-1 978), 1979, p. 60. ;>2Raúl Prebisch, “O desenvolvimento económico da América Latina e seus prin cipais problemas”, Revista Brasileira de Economia, Ano III, n° 3, setembro de 1949, p. 47-48; apud Flávio Rabelo Versiani e José Roberto Mendonça de Barros (orgs.), Formação Económica do Brasil: A Experiência da Industrializa ção, 1978, p. XII. MConstituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de Setembro de 1946, em Constituições do Brasil, 1986, p.295. ’4 Ricardo Borges, Vivências Amazónicas, op. cit., p. 463 e 469. O objetivo explícito dessa mudança foi ampliar as atividades financeiras do banco, até então restritas quase que exclusivamente à produção e exportação de borracha. Ver, a esse respeito, A. R Pereira Potyara, “Burocracia e Planejamento Regional na Amazónia", 1978, p. 136; e Moacir Fecury Ferreira da Silva, op. cit., p. 340. ;,(i Cf. Maria Celina Araújo, “Amazónia e desenvolvimento à luz das políticas gover namentais: a experiência dos anos 50 ” , 1992, p. 48. ’7Cf. Lei n° 1.806, em SPVEA, Brasil, Leis e Decretos etc., 1954. O território da Amazónia Legal, 5 .0 29.2 32 km2, representa cerca de 57 % do território nacional (8.511.965 km2) e 65% da Amazónia continental, com 10.948 quilómetros de fronteiras internacionais. Segundo dados do recenseamento de 1950, nesse ano residiam na Amazónia Legal 3.549.589 pessoas. Em 1970, o número de habitantes era estimado em 8.0 57.6 40 e em cerca de 11 milhões, em 1980. Em 1998, residiam na Amazónia Legal aproximadamente 18 milhões de pessoas, pouco mais de 10% do total da população brasileira. 59 Orlando Valverde, “Dos grandes lagos sul-americanos aos grandes eixos r o doviários”, 1971, p. 19. Em 1977, todo o território do Estado do Mato Gros so seria incluído na Amazónia Legal. Dois anos depois, o senador Lázaro Bar bosa, apresentou no Senado um projeto visando incorporar à Amazónia Legal um maior número de municípios do Estado de Goiás e parte do Distrito Federal (Brasília), proposta que seria rejeitada por pressão dos parlamentares e gover nadores do Pará e do Amazonas. Segundo Alacid Nunes, em palavras proferi das na reunião do Conselho Deliberativo da Sudam, realizada no dia 31 de julho de 1980, a rejeição aconteceu porque se considerou que essa proposta feria, mais uma vez, os interesses dos estados da Região Norte, região “tantas vezes esquecida, mas tantas vezes espoliada, e da qual se pretende sugar, até o último alento, as poucas vantagens graças às quais vem conseguindo, a despeito de tudo, sobreviver” (“Alacid protesta no Condel contra a expansão da Amazó nia Legal”, Observador Amazónico, ano 3, s. n., Belém, agosto/set. de 1980, P. 9). 60 Participavam da Comissão de Planejamento, todos eles nomeados pelo presi dente da República, seis técnicos indicados pelo governo federal, entre eles o 109
futuro presidente da SPVEA, c paraense Waldir Bouhid, e um representante de cada um dos Estados e Territórios Federais da Amazónia Legal. O representante do Pará era Firmo Ribeiro Dutra. 61 Mário de Barros Cavalcanti, Da SPVEA à Sudam (1 964-1 967), 1967, p. 101. 82 SPVEA, 19 54 -1960 : Perspectivas de Desenvolvimento da Amazónia (2 vols.), Rio de Janeiro, Gráfica Editora do Livro, 1961, p. 30; apud Maria Celina Ara újo, op. cit., p. 50. 63 Cf. Maria Celina Araújo, op. cit., p. 51. 84 Juscelino de Oliveira Kubitschek, Mensagem ao Congresso Nacional— 15 de março de 1960, 1960, p. 125. 65 Segundo definição do economista Roberto Santos, o conceito de terras devolutas formula-se por exclusão, isto é: “[...] todos os terrenos não perten centes a entes públicos (dominiais ou dè uso especial), nem servindo ao uso comum do povo e que, ademais, não pertençam a particulares constituem ter ras devolutas [...]. No Estado do Pará, por exemplo, sempre foi muito utilizado o sistema de enfiteuse ou aforamento, pelo qual a Administração transferia ao particular o chamado domínio útil’, mas retinha consigo o senhorio direto’ [...]. De qualquer forma, tanto a União como o Estado têm realizado sistemati camente a transferência de terras devolutas a particulares, para o que recorrem à emissões de títulos de terras. Quando ‘definitivos', tais títulos corporificam a transferência entre as partes contratantes" (Roberto Santos, A Economia do Estado do Pará, 1978, p. 83-84). 86 Cf. Secretaria de Agricultura do Estado, apud Roberto Santos, idem, p. 87. b/ Ver por exemplo, além da bibliografia citada nesta parte do texto, Roberto Santos, “A economia paraense pela ôtica da renda” , 1979, p. 14. M Mário de Barros Cavalcanti, op. cit., p. 46-47. 80 Idem, p. 20-21. /0 Orlando Valverde, op. cit., p. 19. 71Ver, a esse respeito, A. P Pereira Potyara, op. cit., p. 137; e Orlando Valverde, op. cit., p. 19. 72 BASA, Desenvolvimento Económico da Amazónia, 1967, p. 277 e 285. /3 A respeito das mudanças entre o I Plano de Desenvolvimento da Amazónia, cuja elaboração foi iniciada em 1953, e o Plano elaborado em 1966, que susten tou a criação da Sudam, ver Sudam, I Plano Quinquenal de Desenvolvimento (1967-1971), publicado, em Belém, em 1967. Também é de interesse a análise feita, a respeito deste assunto, na obra, publicada em 1977, de Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Miiller, Amazónia: Expansão do Capitalismo, especialmente as páginas 109-119. 74 Cf. Confederação Nacional da Indústria, A indústria Brasileira e a Amazónia, 1969, p. 34. 75 Afonso Augusto de Albuquerque Lima, “A participação do Ministério do Interi or no Desenvolvimento e na Ocupação da Amazónia”, 1971, p. 22. 110
76 Idem, ibidem, p. 23. '7Afonso Augusto de Albuquerque Lima, op. cit., p. 18-19. /8 Os economistas clássicos e neoclássicos, apoiando-se nos trabalhos dos “pais” da economia clássica britânica, Adam Smith (1 723 -179 0) e David Ricardo (1 7721823), sustentaram suas propostas de desenvolvimento económico com base na experiência da Revolução Industrial inglesa: incentivo à produção industrial e urbanização, diminuição da importância do setor primário na economia e, por tanto, do número de pessoas destinadas a labores agrícolas; a regulação económi ca pelas leis do mercado (liberalismo económico) e, entre outras, no apoio do Estado à exportação de produtos manufaturados e importação de matérias-primas para a indústria nacional. Para os países com grandes recursos minerais, florestais ou alta capacidade de produção de outras matérias-primas ou alimen tos, a proposta dos economistas clássicos era incrementar a exportação desses produtos (por exemplo, na América Latina, de café, açúcar, cobre, borracha, carne etc.). Através dessas atividades económicas, esses países conseguiriam, so bretudo graças aos custos de produção menos elevados, equilibrar a balança co mercial com os países industrializados. A escola neoclássica aperfeiçoaria esse modelo de análise destinado a justificar a divisão do comércio internacional, mas continuaria apoiando-se, ainda que fosse de uma maneira mais refinada, no mo delo das “vantagens comparativas” que fora exemplificado por David Ricardo em sua famosa comparação entre o intercâmbio de “telas inglesas por vinhos portu gueses", que ele considerava benéfico para ambas as economias. 79 Em 1970, localizavam-se no Sudeste 8 2,6 % das empresas industrias do país, e 65,5% do total do Produto Interno Bruto (PIB) do país era gerado nessa região (apenas o PIB de São Paulo representava o 39,4% do PIB-Nacional), sendo que o PIB de todos os estados da Região Norte apenas representava o 2,2% do total nacional (cf. Leonardo Guimarães Neto, “Desigualdades regionais e federalismo”, 1995, p. 19 e 260). !f0 Sudam, I Plano de Desenvolvimento da Amazónia: 1972-1 974, 1971, p. 1314. 81 Emílio Garrastazu Médici, Mensagem ao Congresso Nacional do Presiden te da República, 1970, p. 46. 82 Emílio Garrastazu Médici, "Discurso do Presidente da República na Reunião Extraordinária da Sudam, 1971, p. 13-14. 8SSudam, IIPlano Nacional de Desenvolvimento: Programa d eA çã o do Governo para a Amazónia - 1975/ 79, 1976, p. 52. 84 Idem, ibidem, p. 55-56. 85 Idem. , 86 Idem. 87 Idem, p. 58. 88 Cf. Aldo Ramirez, “A atual etapa da revolução brasileira”, 198 9, p. 35; e CUT, Cartilha da Política Agrícola, 1989, p. 9.
89 A Transamazónica começa no Piauí, exatamente no município de Picos, onde se interliga com a rede çodoviária nordestina, e finaliza nas fronteiras com o Peru e a Bolívia, cortando as rodovias Cuiabá-Santarém e Porto Velho-Manaus atra vessando, entre outros, os municípios paraenses de Marabá e Altamira. 90 Cf. Jean Hébette, “Além dos pequenos e dos grandes projetos: O papel da Universidade", 1995, p. 362. 91 Cf. Lúcio Flávio Pinto (entrevista), “Jornalismo na Amazónia", Amazónia Hoje, Ano I, n° 5, maio de 1989, p. 16. 92 Médici, “Discurso do Presidente da República na Reunião Extraordinária da Sudam, 1971, p. 14-16. Avelino Ganzer e Paulo de Tarso Venceslau, “Com palmos medida” , 1992, p. 16. 94 Segundo dados do IBGE, em 1985 havia na Amazónia Legal cerca de 4 00 mil estabelecimentos agrícolas ocupados por posseiros, abarcando uma área total superior a 10 milhões de ha. Cerca da metade dos estabelecimentos localizavamse no Maranhão, ocupando 780.883 ha. No Pará, os 87.638 estabelecimentos ocupados por posseiros dispunham de 2.914.649 ha (cf. Alfredo Wagner Berno de Almeida, Conflito e Mediação: Os Antagonismos Sociais na Amazónia Segun do os Movimentos Camponeses, as Instituições Religiosas e o Estado, 1993, nota n° 5, p. 408). 9_’ “Esforços do governador para que novos investimentos de capitais sejam feitos na Região Amazônica”, A Província do Pará, Belém, 11 /0 3 /6 4 , p. 10. 9b Olegário Pereira Reis, Sudam: Breves Considerações, 1971, p. 16. 9/ Cf. Mário de Barros Cavalcanti, op. cit., p. 84 e 93. 98 Afonso Augusto de Albuquerque Lima-, op. cit., p. 42. 99 Dados levantados a partir dos Relatórios dos Projetos Aprovados pela Sudam por Fernando Lobato, A “Cruzada ”Amazônica e o Mito do Progresso (19661969), p. 57 -58. lissa preferência pela Amazónia Ocidental no total de projetos aprovados pela Sudam somente sofreria uma mudança relativa a partir dos incen tivos fornecidos aos projetos industriais a serem instalados na Zona Franca de Manaus. Do total de investimentos aprovados pela Sudam até 1982, que soma vam um total de 3.1 74 bilhões de Cr$ (em valores constantes de julho/1983), 37% desse valor foi destinado a projetos aprovados no Pará, 26% para os de Mato Grosso e 22% para os projetos a serem implementados no Estado do Amazonas (Cf. Aluizio Tadeu Marques da Silva, A Política de Desenvolvimento Regional para a Amazónia 1980/ 85, 1992, p. 17). 100 Cf. Amílcar Alves Tupiassu, ‘As eleições paraenses de 1966”, 1968, p. 33. 101 Cf. Sudam, Subsídios ao Plano Regional de Desenvolvimento (1972-1974), 1971, p.137-139. 102 Cf. Luís Flávio Maia Lima, “Integração regional e ‘enclaves fordistas’ no Pará: uma abordagem geral”, 1995, p. 122. 103 Roberto Santos, A Economia do Estado do Pará, 1978, p. 141.
104 Cf. IBGE, Anuário Estatístico do Estado do Pará - 1984-1 985. 105 Cf. José de Souza Martins, Os Camponeses e a Política no Brasil, 1983, p. 118. Segundo informações da Comissão de Avaliação dos Incentivos Fiscais (Comif) criada em 1985, alguns dos projetos agropecuários eram fictícios e, segundo dados da Sudam, cerca de 30% foram abandonados e 10% cancelados, reembolsando o incentivo recebido sem correção monetária, sendo que menos de 20% foram de fato efetivamente implantados, embora apenas chegassem a pro duzir um quinto do previsto na apresentação dos projetos (cf. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 0 8 /1 1 /8 5 ; apud Bertha K. Becker - org.-, Fronteira A mazô nica: Questões Sobre a Gestão do Território, 1990, p. 30-31). I0li Raymundo Garcia Cota, Carajás: A Invasão Desarmada, 1984, p. 60. 107 Cf. Sudam, Sudam 15 anos 1966-81, 1982, p. 510. I0HCf. Aloysio Chaves, Devastação Florestal da Amazónia. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito, 1983, p. 73. 11)9 Cf. Idesp, Estatísticas Especiais: Produto Interno Bruto do Estado do Pará: 1975-1987, 1990, p. 23. 110 Cf. Violeta Refkalefsky Loureiro, “História social e económica da Amazónia” , 1989, p. 49. 111 Cf. Jader Barbalho, Mensagem à Assembléia Legislativa - Março de 1984, p. 42. 112 Cf. Alfredo Wagner Berno de Almeida, Carajás: A Guerra dos Mapas, 1994, p. 225. 113 Cf. Dietrich Burger e Paulo Kitamura, “Importância e viabilidade de uma pequena agricultura sustentada na Amazónia Oriental” , 1987, p. 4 49 . 114 Cf. Gabriela Athias, “O Pará dos Últimos 50 Anos: Pobre Estado Rico” , 1996, p. 3. 115 No início dos anos 70 as exportações paraenses representavam cerca de 1% do total nacional, em 1989 elevaram-se a 4,3% (Cf. Tereza Ximenes, - org.-, Cenários da Industrialização da Amazónia, 1995, p. 3). 11(5 Cf. IBGE, 19 91: 16, O principal acionista da MRN é a CVRD que possui 40% das ações, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) controla 10% e as restantes ações são repartidas entre diversas empresas estrangeiras (Cf. Folha de S. Paulo, "Conheça a estatal e as regras da maior privatização do país”, 2 7 /0 4 / 97). 117 Cf. Lúcio Flávio Pinto, “O Estado Nacional: Padrastro da Amazónia”, 1986/ 87, p. 6; e Sergío de Fonseca Dias (coord.), Zoneamento Ecológico-económ ico do Estado do Pará, 1991, p. 29. 118 Cf. Alberto Rogério B. da Silva et al., “Pará: A maior província mineral da Terra”, p. 82-83; e O Liberal, Belém, 1 7 /0 1 /9 6 . > 119 O Programa Grande Carajás foi formalmente extinto em 1991. 120 Cf. Alfredo Wagner Berno de Almeida, Carajás: A Guerra dos Mapas, p 26; e Glenio Bruck de Andrade, “O carvão vegetal e o Programa Grande Carajás”,
1986/87, p. 40. 121 Cf. Jean Hébette (coord.), A Amazónia no Pro cesso de Integração nacional, 1974, p. 77. 122 Cf. Luís Flávio Maia Lima, op. cit., p. 138-140. 123 Cf. Jader Barbalho, Palestra do Governador Jader Barbalho na Sociedade Consular de São Paulo (17 de março de 1992), p. 5. 124 Cf. Departamento de Fundos e Programa/Secex; apud Luís Flávio Maia Lima, op. cit. p. 141. 120 Cf. César Valente, “Queda nas vendas externas”, p. 19. 126 Cf. O Liberal, Belém, 17/06/98.
Amazónia Legal Delimitação Político-Administrativa Atual
ilemática da Amazónia. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca do Exército, 197 1, p .30 3.
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118
Mapa da Região de Marabá
Fonte: Marabá. A história de uma parte da Amazónia, da gente que nela vivia e da gente que a desbravou e dominou, fazendo-a emergir para a civilização. De 1892 até nossos dias. Marabá/PA: 1984, p.66.
A K C K A C K A ' B
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MINISTÉRIO DO INTERIOR SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVI M ENTO DA AM AZÓNIA DEPA RTAM ENTO DE SETORES P ROD UTIV OS
593 SONDAGEM CONJUNTURAL INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO V. 15- N?1 JAN7MAR. ___________________________1 9 9 0 _______________________________ j
Fig. 1: A representação da Amazónia Legal em publicaçao da Sudam (1990) como área em potencial de desenvolvimento.
i n ô z a m a a v l e s a n e l p m e a c i n ô z a m a s n a r T a d o ã ç u r t s n o c a m a i c i n i s a n i u q á m s A : 2 . g i F
E lites políticas, partidos e eleições no Pará durante o Regime Militar e no período da Nova República
Introdução Tal como assinalei na introdução deste livro, um dos objetivos da pesquisa foi analisar o cenário político paraense, dando prioridade ao estudo das instituições políticas (estruturas de go verno de tipo formal-legal, isto é, cujas íunções são reguladas por lei, como as define, por exemplo, R. Rhodes'), das práticas das principais lideranças políticas — especialm ente daquelas que assu miram respon sabilidades de governo —
e partidos políticos
paraenses. Pretendia também analisar a importância do t e m p o da
p ol ít i ca ,2 isto é, dos pleitos eleitorais, como manifestação, numa determinada conjuntura, do resultado das disputas entre as elites políticas pelo controle do Executivo estadual, Prefeituras, Assem bleia Legislativa e Câm aras Municipais,'1 e também c om o um dos principais mecanismos de s el e ção d e el i t es r e l ev a n t e s . 4 A esse res peito escrevia Bolívar Lamounier: “Eleições produzem efeitos diversificados no processo político, não se limitando jamais a sua precípua finali dade institucional de recompor assembléias e órgãos de governo. Desdobram-se em vários níveis sobretudo por afetarem as expectativas e projeções de indivíduos e grupos diferentemente situados na estrutura de po der quanto ao futuro mais ou menos imediato.”5 Neste Capítulo, sempre dando prioridade ao estudo das práticas políticas no Pará durante a vigência do Regime Militar e no período da Nova República, tentarei vincular essas práticas às mudanças de regime político e do próprio sistema partidário e 123
sistema eleitoral brasileiro. Pareceu-me pertinente destinar as pri meiras páginas do Capítulo a resumir alguns dos principais fatos políticos ocorridos no Pará após a Revolução de 1930 e até as eleições de 1962. Objetivava, assim, compreender a evolução po lítica e a emergência de novas elites políticas no Estado do Pará após a instauração do Regime Militar em 1964. Consciente de que o estudo das práticas políticas não pode ficar restrito apenas à análise da ação política dos setores hegemónicos, mas também deve ser examinada a intervenção de outros atores capazes de desenhar no território os seus interes ses,6 ao dar prioridade, neste estudo, além da análise das mudan ças sócio-econômicas, mas também à intervenção político-eleito ral e institucional dos atores políticos que representam ou preten dem representar os interesses dos grupos sociais hegemónicos no Pará, ficou evidente para mim que não poderiam ficar de fora do estudo as idéias e as práticas das pessoas que participaram (ou participam), por exemplo, dos movimentos sociais, sindicatos ur banos e rurais, partidos de esquerda e as dos membros da Igreja Católica identificados com a Teologia da Libertação. A interven ção política da Igreja no fortalecimento da organização dos tra balhadores rurais e na diminuição da influência nos resultados eleitorais das práticas clientelísticas (compra-venda do voto), en tre outros exemplos, contribuiu notavelmente para o enfraqueci mento das tradicionais formas de dominação ideológico-política exercidas sobre os setores populares por parte das oligarquias, empresários e comerciantes e outros membros da classe domi nante paraense, e também ampliou as chances eleitorais dos par tidos de esquerda no Pará, influenciando, também, no grau e nas formas pela qual esses grupos tentaram manter sua hegemonia.7 Entretanto, por ser um tema a que já destinei boa parte do trabalho que culminaria no livro A Esperança Equilibrista: A Trajetória do P T no Pará, e, também, para ten tar evitar uma maior dispersão dos objetivos da pesquisa, as práticas políticas desses atores políticos somente serão mencio nadas quando for relevante para os fins da atual investigação. 124
Considero pertinente distinguir também aqui entre o uso comum que se faz da palavra hegemonia para ilustrar, por exem plo, o resultado da disputa entre organizações, partidos e lideran ças políticas pelo controle do sistema político ou de parcelas deste, e a utilização que fazia desse conceito Antonio Gramsci. Para o dirigente do Partido Comunista Italiano, hegemonia representava a preponderância que o grupo dominante exerce em toda a socieda de, isto é, sobre os grupos restantes ou classes sociais. Esta prepon derância é assumida não somente através de mecanismos repressi vos, mas, sobretudo, pela liderança ideológico-cultural que exerce no conjunto da sociedade, portanto pelo consentimento à sua domi nação das classes subordinadas.9 Nas palavras de Gramsci: “[...] consenso espontâneo’ dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo funda mental dominante à vida social, consenso que nasce his toricamente’ do prestígio (e, portanto, da confiança) que o grupo dominante obtém, por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparato de coerção estatal que assegura legalmente’ a disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passi vamente, mas que é constituído para toda a sociedade, na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo. ”10 Essa hegemonia não pode ser explicada apenas, portanto, por determinadas práticas políticas (entre tantas outras, pela im portância dos pleitos eleitorais e, em seus resultados, pela influên cia das práticas clientelísticas ou outro tipo de "troca de favores” entre cabos eleitorais e “chefes políticos”), ou por mecanismos repressivos, mas, fundamentalmente, através de mecanismos cultural-ideológicos, transmitidos, por exemplo, através dos meios de comunicação de massas. Mostra disso é a disputa pelo controle ou influência indireta dos principais meios de comunicação exis tentes em Belém por setores da elite política e económica paraense, 125
sobretudo por parte daqueles atores que aspiram a assumir ou a manter os principais cargos eletivos: governador, prefeito de Belém, senador da República e deputado federal. O uso gramsciano do conceito de hegemonia pode ser-nos também de grande utilidade para examinar a influência ideológico-política dos atores que Gramsci denominava de intelectuais orgânicos, “os comissários do grupo dominante para o exercício das funções subalternas de hegemonia social e do governo político” 11na elaboração, difusão, legitimação e solidificação da hegemonia das classes dominantes, seja no âmbito nacional ou estadual: “Cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção económi ca, cria para si, ao mesmo tempo, de um modo orgâ nico, uma ou mais camadas de intelectuais, que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo económico, mas também no so cial e no político.” 12
1. A influência do “baratismo” nas disputas políticas no Pará após a Revolução de 1930 A Revolução de 1930 trouxe de volta ao Pará uma das suas mais importantes lideranças políticas do século XX: o tenente Joaquim Cardoso de Magalhães Barata.13 Nomeado interventor federal do Pará por Getúlio Vargas, Barata, que assumiu o cargo no dia 12 de novembro de 1930, não somente afastou as oligar quias locais do controle do governo estadual, mas foi consolidando seu poder político no estado, conquistando o apoio de amplos seto res das classes populares através de medidas de grande impacto e novas formas de ação política. Entre essas medidas, podemos ci tar a implementação do ensino público, a modernização da admi nistração pública, a construção de estradas nos municípios do interior: a redução do preço dos aluguéis residenciais, através da
assistência jurídica gratuita à população e, como uma das suas principais marcas populistas, a realização, no palácio do governa dor, de audiências públicas das quais participavam centenas de pessoas.14 Também teve enorme repercussão pública a vontade de Magalhães Barata de processar os dois últimos governadores do Pará, Dionysio Bentes è Eurico do Vale, que tiveram, provisoria mente, seus bens declarados indisponíveis ao serem acusados de irregularidades na gestão do dinheiro público.15 Em 1931, Magalhães Barata liderou a criação no Pará do Partido Liberal (PL). Também nesse mesmo ano começou a se estruturar em Belém o Partido Comunista do Brasil (PCB), orga nização que, nos anos 30, conseguiu ter certa influência entre ope rários e"estudantes da capital. Outros dois partidos que pretendiam representar os trabalhadores paraenses foram também criados nessa época: o Partido Social Trabalhista e o Partido Trabalhista do Pará. Ambos apresentavam mais semelhanças com o futuro Parti do Trabalhista Brasileiro (PTB) do que com partidos de esquer da. 16 Os antibaratistas e os setores que se opunham a Getúlio Vargas agruparam-se na Frente Única Paraense (FUP), criada em 1934 e presidida pelo ex-governador Lauro Sodré. Em 1935, das cisões sofridas pela FUP nasceram o Partido Popular do Pará (PPP) e a União Popular, liderada pelo Secretário Geral do Governo paraense até a Revolução de 1930, Deodoro de Mendonça.17 Em 1933, o Partido Liberal elegeu os sete representantes do Pará na Constituinte federal. Nas eleições para a Assembléia Constituinte estadual realizadas em outubro de 1934, o PL elegeu 21 deputados (além de sete dos nove deputados federais) e a Fren te Única Paraense, nove, garantindo, assim, o PL a escolha indireta de Magalhães Barata para o cargo de governador, que tinha como oponente o candidato da FUP o ex-governador Lauro Sodré. Porém, ao abandonarem o partido sete deputados estaduais, em decorrência de disputas internas no seio do partido, sobretudo entre os partidários de Barata e os liderados por Mário Chermont, Barata perdeu a maioria absoluta na Assembléia Legislativa.18 Mas, substituídos três deles por suplentes - sem que os “traidores
ao partido” tivessem renunciado ao mandato — os deputados do PL elegeram Magalhães Barata governador, com “[...] a aprova ção de uma multidão que se reuniu em frente ao prédio da Assembléia e que, depois, impediu os dissidentes e frente-unistas de vota rem, havendo tiroteios e feridos no choque” .19 O Tribunal Superi or Eleitoral anulou a votação e Getúlio Vargas nomeou um novo interventor federal no Pará, o major Carneiro de Mendonça. No dia 28 de abril de 1935, á Assembléia Legislativa elegeu como governador o advogado e um dos fundadores do PL, José Carnei ro da Gama Malcher, resultado das negociações estabelecidas en tre as lideranças do Partido Liberal, aí incluído Magalhães Bara ta - que retornaria à vida militar - e os da Frente Única Paraense.20 Após a sua posse, Malcher revogou, entre outras, todas as leis que, ditadas por Barata, prejudicavam os interesses da oligarquia da castanha, à época, recordemos, o principal produto exportado pelo Pará.21 . Com o autogolpe de estado liderado pelo presidente da Re pública, Getúlio Vargas, que instaurou o regime do Estado Novo (1.937-1945), período no qual permaneceram fechados o Congres so Nacional e as Assembléias Legislativas estaduais, proibidos os partidos políticos e destituídos os governadores, José Malcher conti nuou comandando o governo do Pará como interventor federal, cargo qúe manteve até 1943. Enquanto, José Malcher era indicado para presidir o recém-criado Banco de Crédito da Borracha (BCB), Magalhães Barata era nomeado, mais uma vez por Getúlio Vargas, interventor federal no Pará, além de representante do Brasil junto às Guianas Francesa, Holandesa e Inglesa. Em fevereiro de 1943, Barata chega a Belém com o objetivo principal de levar o governo estadual a afinar-se com os objetivos da Guerra da Borracha e fortalecer a presença militar e civil na fronteira com a Guiana Francesa.22 Após o fim da II Guerra Mundial e a vitória do golpe de estado que afastaria Getúlio Vargas da Presidência da República, Magalhães Barata foi destituído do cargo do interventor federal. Mas, antes, concretamente no dia Io de maio de 1945, Magalhães Barata lideraria a fundação da seção paraense dõ Partido Social 1 OO
Democrático (PSD), como, aliás, fizeram boa parte dos interventores nomeados por Getúlio Vargas em outros estados. Os três principais partidos que maior influência exerceram no cenário político paraense no período de 1945 a 1965, como também ocorreu na maioria dos estados do país, foram o PSD, a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Progressista (PSP)23 e o PTB. Tanto o PSD como o Partido Trabalhista Brasi leiro (PTB) foram criados contando com a participação de setores getulistas e o apoio explícito de Vargas. Enquanto o PTB deveria representar os interesses dos trabalhadores urbanos e, apoiando-se no sindicalismo oficial, ajudar a frear a crescente influência do PCB, o PSD deveria aglutinar, sobretudo, setores das elites políti cas estaduais e locais. A seção paraense da UDN organizou seu primeiro ato público em Belém em junho de 1945. Em 1945, os 159.395 eleitores do Pará (representando 2,1 % do total dos eleito res brasileiros)24, tiveram a oportunidade de participar da escolha do presidente da República, dois senadores e nove deputados fede rais. O grande vitorioso desse pleito eleitoral no Pará foi o PSD que elegeu dois senadores, Magalhães Barata e Álvaro Adolfo, tendo como principais concorrentes Agostinho Monteiro e José Malcher;2í) seis deputados federais, enquanto a UDN elegia dois e um o P PS.2(S Em janeiro de 1947, foram realizadas as eleições para governador do Pará. Tendo sido declarados inelegíveis os interventores federais que haviam exercido o cargo até 29 de outubro de 1945, com o manifesto objetivo de enfraquecer a for ça política dos getulistas, o senador Magalhães Barata não pôde candidatar-se ao governo. Porém, o candidato do PSD, Luís Geolás de Moura Carvalho, major do Exército, deputado federal eleito em 1945, venceu as eleições, derrotando o general Alexandre Zacarias de Assumpção, do Partido Social Progressista (PSP).27 O PSD também elegeu mais um senador, Augusto de Meira Dantas, derrotando o jornalista Paulo Maranhão, proprietário da “Folha do Norte”, então o principal jornal de Belém e que, desde 1933, exercia uma ferrenha oposição a Magalhães Barata. 19Q
O apoio do PCB a Moura Carvalho que, nessas eleições, elegera pela primeira vez um deputado estadual no Pará, provo cou sérios atritos entre o PSD, especialmente com Magalhães Barata, e a hierarquia da Igreja Católica no Pará, que fizeram campanha, através da Liga Eleitoral Católica (LEC) contra Moura Carvalho. O arcebispo de Belém, dom Mário de Miranda Vilas Boas, meses depois justificaria a posição da LEC, em nota remeti da à imprensa de Belém, assinalando que a “Liga Eleitoral Católi ca não tem preferência de pessoas, senão, exclusivamente, prefe rência de princípios. E convém reafirmar que o totalitarismo sovi ético, profundamente antidemocrático, anticristão e antibrasileiro, representado entre nós pelo Partido Comunista, está irrevogavelmente fora de toda atenção por parte do eleitorado católico”.28 Convocadas novas eleições para o dia 3 de outubro de 1950, tentando impedir a vitória de Magalhães Barata foi criada a Coli gação Democrática Paraense (CDP), da qual participavam a UDN, o PSP, o PST, o PL e o PRT, que lançou como candidato Alexan dre Zacarias de Assumpção, candidato que também teve o apoio do PTB. Segundo interpretação do jornalista paraense Carlos Rocque: “Para as eleições de 50, os oposicionistas resolveram deixar de lado as arestas ou questões pessoais e uniram-se para enfrentar o inimigo comum”.29 Após o processo de recursos, impugnações e anulações, apresentados pelos partidários de am bos candidatos, Zacarias de Assumpção seria eleito governador ao superar por 582 votos a soma total dos votos obtidos por Magalhães Barata.30 Em 1955,3' finalmente, o “líder carismático, autoritário e populista”,32 conseguiu, após serem anuladas e novamente convocadas as eleições em algumas seções eleitorais, seu objetivo de tornar-se governador pelo voto direto dos paraenses, cargo que ocuparia até a sua morte, ocorrida no dia 29 de maio de 1959. Mas, antes de morrer, para evitar que o governo ficasse nas mãos dos seus opositores, Magalhães Barata, já gravemente enfermo desde início de 1959, apresentou a proposta de emenda à Consti130
tuição Estadual com o intuito de criar o cargo de vice-governador, até então inexistente. Tentava, assim, evitar que assumisse o go verno o presidente da Assembléia Legislativa, Max Parijós, exmembro do PSD e então afinado politicamente com os antibaratistas. Reformada a Constituição, os deputados estaduais escolheram para vice-governador Moura Carvalho que, após a morte de Barata, convertera-se na principal liderança do PSD no Pará. Para garantir a maioria absoluta na Assembléia Legislativa, a partir de 1959 o PSD aliou-se ao PTB. A máquina político-eleitoral criada por Magalhães Barata obteve uma nova vitória para o PSD em 1960, com a eleição de Aurélio do Carmo para governador, resultado facilitado também pela divisão dos partidos que integravam a Coligação Democrática Paraense (CDP).33 Os outros candidatos foram Zacarias de Assumpção (UDN) e Adelbaro Klautau (PSP) que, em 1961, assumiria a presidência da Spvea e que teve o apoio da maioria dos partidos da CDP34 A força eleitoral dos pessedistas, sustentava-se não só no carisma de Barata, mas também nas relações clientelísticas com os comerciantes e grandes proprietários de terra que assegu ravam ao partido o controle de boa parte das prefeituras paraenses.35 Nas eleições 1962, o PSD elegeu quatro dos dez deputa dos federais paraenses e 17 dos 37 membros da Assembléia Legislativa. Assim: “[...] diversamente às expectativas daqueles que vaticinavam a liquidação e o desmonte da máquina eleitoral baratista’, a nova liderança permitiu o PSD superar o antigo equilíbrio de forças em relação aos opositores abrigados na CDP (Coligação Democrática Paraense, que congregava praticamente todos os demais partidos) — e vencer as eleições para governador obtendo a maioria absoluta dos votos”.36Vejamos nas tabelas abaixo a evolução do número de deputados federais e estaduais obtidos pelos partidos existentes no Pará no período de 1945 a 1962.
I N
Tabela 13 Deputados federais paraenses eleitos segundo sigla partidária (1945-1962) Partido
1945
1950
1954
1958
1962
PSD
6
5
5
4
4
UDN
2
2
-
3
2
PPS
1
-
-
-
-
P SP
-
2
3
2
2
PS T
-
-
1
-
-
PTB
-
-
-
-
6
Fonte: O Liberal, "A política e as eleições em duas décadas republicanas do ciclo ' de Magalhães Barata ”, O Liberal, 4 o caderno, Belém, 15/11/82, p. 1 9: e TSE, Dados Estatísticos, vols. 1 a 7; apud Lúcia Hippolito, De Raposas e Reformistas: O PSD e a Experiência Democrática Brasileira (1945-64), Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, p. 276-2 84; e Amílcar Tupiassu, 1965.
Dos seis deputados estaduais eleitos pelo PTB em 1962, o advogado Benedicto Monteiro, foi quem maior número de votos obteve. Os três comandantes do Estado-Maior do Comando Militar da Amazónia - 8a Região Militar - sediado em Belém, acusando Benedicto Monteiro de comunista e subversivo, tentaram, após a divulgação dos resultados eleitorais, impugnar sua candidatura, mas suas alegações não foram aceitas pelo Tribunal Eleitoral, nem tampouco as realizadas contra o jornalista, militante do PCB e presidente do Sindicato dos Bancários de Pará e Amapá, Raimundo Jinkings, primeiro suplente na chapa do PTB-PSB à Câmara Mu nicipal de Belém nas eleições de 1962!37 Jinkings recordava: “Nós tínhamos o nosso deputado, Benedicto Monteiro, que era o nosso candidato e foi eleito deputado estadu al pela legenda do PTB. A gente se dividiu a nível legal, eu era filiado do PSB, e os nossos militantes, 132
uns ficaram no PTB e outros no PSB, e outros fica vam sem filiação legal. ’38 Tabela 14 Representação partidária na Assembléia Legislativa paraense (1947-1962) Partido
1947
1950
1958
1962
PSD
23
18
14
17
P SP
9
7
9
7
UDN
2
9
7
4
PTB
2
3
5
6
1
-
-
-
PR
-
-
-
3
Total
37
37
37
37
pc b
’
Fonte: O Liberal, “A política e as ele ições em duas décadas republicanas do ciclo de Magalhães Barata", O Liberal, 4 o caderno, Belém, 15 /1 1/ 82, p. 1-9; e Amílcar Alves Tupiassu, 'As eleições paraenses de 1962", Revista Brasileira de Estudos Políticos, n° 16, p. 41-4 2.
2. A “Revolução de 1964” no Pará “Nós não estávamos no Pará [...] preparando um gol pe. Estávamos firmemente dispostos a nos opor a um golpe [...], o medo das palavras do engenheiro Leonel Brizola — na lei ou na marra’. Aquilo agredia muito a formação que eu tive, militar. Nós vivíamos naquele período de 63, sobretudo, muito preocupados. Do meu ponto de vista, não haveria movimento militar de 64, não teria havido golpe de estado, se não tivessem havi do duas coisas que foram fatais: a revolta, dos sargen tos em Brasília, com aquela ocupação da chamada área Alfa, e especialmente o problema da Marinha 133
com os marinheiros, para quem se passava o filme O Encouraçado Potemkin’, pensando que, com aquilo, repetiria Outubro de 17. Foi o momento que uniu a todos [...]. Então o movimento é uma soma de antis’, mas não era pró’. A partir do pró, ele veio mostrar depois as suas divergências. Agora, eu não discuto muito 64, porque ele se tornou um movimento feito pratica mente sem um tiro, com grande parte da sociedade civil e da Igreja Católica ao seu lado” (Jarbas Passari nho, “Folha de S. Paulo ”, 25/08/96). No dia 31 de março, o general Moura Filho, comandante da IV Região Militar sediada em Belo Horizonte (Minas Gerais), con tando com o apoio dos governadores de Minas Gerais e de São Paulo, ordena às tropas sob seu comando dirigir-se ao Rio de Janei ro para exigir a renúncia do presidente João Goulart. Iniciava-se o vitorioso golpe de estado que instauraria o Regime Militar que perduraria até março de 1985, quando, pela primeira vez, desde abril de 1964, um civil, José Sarney, assumia a presidência da República. Já no dia Io de abril a maioria dos militares e governa dores tinha aderido ao golpe. Não foi este o caso do governador do Amazonas e do interventor federal no Amapá, que fizeram pública sua oposição ao golpe de estado.39 O governador do Pará, Aurélio do Carmo, encontrava-se na Guanabara e o vice-governador, Newton Miranda, relutava em dar apoio aos golpistas, como fora sugerido pelo Estado-Maior do Comando Militar da Amazónia. Entretanto, já na noite do Io de abril, o governador manifestou, em telegrama remetido a Belém, o apoio à “Revolução ”. Assim, como escrevera Tupiassu: “Quando uma atitude foi explicitada, a situação no centro-Sul do país já se definira - e o governo paraense do PSD/PTB optou pelos vitoriosos ”.40 Aurélio do Carmo também aceitou que seu nome fosse incluído entre os signatários do Manifesto ao Povo do Pará, através do qual autoridades civis e militares do Pará mostraram sua solidariedade ao movimento militar. Nos primeiros parágrafos do Manifesto, cuja redação foi encomendada pelo gene134
ral Ramagem, chefe do Comando Militar da Amazónia, ao coronel do Exército, Jarbas Passarinho, lia-se: “Não poderiam os paraenses, pelo seu governador, e os militares, por seus chefes legítimos, retardar por mais tempo a»sua completa adesão ao abençoado mo vimento, que eclodiu no generoso solo de Minas Gerais [...], que logo se irradiou por todo o território pátrio. Tão pronto alguns problemas locais foram satisfatori amente solucionados, como recomendava a virtude da prudência e o desejo do não-derramamento de sangue dos amazônidas, governo e comandantes militares, em „ íntima íntima comunhão comunh ão de de pensamento, ligados pelo mesmo amor ao Brasil, e igualmente repudiando o comunis mo ateu e tirânico, fazem saber à Nação brasileira a sua firme e inabalável determinação de formarem ao lado das forças que se batem pela restauração do prin cípio da autoridade e pelos fundamentos da própria organização militar, que são a disciplina e a hierar quia, tão vilmente vilipendiados e enxovalhados pela mais despudorada demagogia e pela deplorável ausên cia de de espífit esp ífitoo púb p úblic lico.” o.”441 Após Apó s seu reto r etorno rno a Belém, o governador gover nador Aurélio Auréli o do Carmo, Carmo, apoiou a proposta de que o novo presidente da República fosse o general Humberto de Alencar Castello Branco. Vejamos, em con tinuação, o telegrama remetido por ele a Castello Branco, no mesmo dia em que este fora escolhido, pelo Congresso Nacional, presidente da República: “Combatendo a inflação, criando condições essenciais à urgente reconstrução económica, promovendo a re gulamentação de nosso crédito externo, e restabele cendo as liberdades públicas, dentro das contingênci as impostas pelos últimos acontecimentos. A autori1 35
dade do novo presidente da República e suas normas traçadas "de governo constituem uma segurança para todos os brasileiros. Começando com as esperanças gerais, em nome da coletividade que nos honrou com sua confiança nas urnas, congratulo-me com o Excelentíssi Excelentíssimo mo Sen S enho horr General General Humberto de Alencar Castello Branco pelo período administrativo que hoje se inicia e formulo os mais veementes votos pela sua felicidade pessoal.”42 No dia 4 de abril os jornais de Belém reproduziam uma nota oficial do presidente do PSD no Pará e prefeito de Belém, Moura Carvalho, na qual manifestava: “No momento em que a Nação retoma a plenitude de seu regime democrático como resultado de esforço patriótico das nossas Forças Armadas, o que repre sentou a aspiração de todo o povo brasileiro, desejo, na qualidade de militar e com a responsabilidade de uma liderança partidária, proclamar a incontida-vi bração de que me acho possuído por esse aconteci mento histórico que significa o esmagamento definiti vo da traição e dos inimigos da Pátria [...]. Desde os primeiros instantes da crise coloquei-me ao lado da queles que desejavam devolver a tranquilidade e a paz ao nosso povo, dentro dos postulados constitucio nais que fixaram como a base da organização das Forças Armadas, o princípio das disciplinas e da hie rarquia. Nas semanas seguintes ao golpe de estado de 1964, algu mas lideranças do PSD e do PTB, centenas de militantes dos partidos de esquerda, sindicalistas, militares e estudantes pro gressistas foram presos, e grande número de entidades sindi cais, especialmente as Ligas Camponesas e os sindicatos vincu 13fi
lados à CGT, declarados ilegais, dissolvidos ou colocados sob intervenção. No Pará, cerca de 300 pessoas foram detidas após o Io de abril de 1964 - a maioria era estudantes universitários, lideranças sindicais, militantes da Ação Popular (AP) e, sobre tudo, do PCB - e os sindicatos, sob influência do PCB, sofre ram intervenção. Forças.militares e policiais, apoiadas por gru pos civis, invadiram, nos primeiros dias do mês de abril, as sedes do PTB, do Sindicato dos Petroleiros e da União Acadé mica Paraense em Belém.44 Entre os detidos estavam o presi dente do Sindicato dos Petroleiros, Carlos Sá Pereira, o secre tário do PCB em Belém, Humberto Lopes, o coronel reforma do da aeronáutica, Jocelyn Brasil, os líderes do PSD, Hélio Gueiros ç Laércio Barbalho, o ex-deputado e prestigioso poeta paraense Rui Barata e o deputado estadual Benedicto Monteiro, estes últimos vinculados ao PCB.45 Benedito Serra, presidente da União dos Lavradores da Zona Bragantina, detido no muni cípio de Castanhal no início de maio, morreu no Hospital Mili tar de Belém em 18 de maio de 1964, sendo registrada como causa de seu falecimento hepatite aguda.46
2 . 1 .
A cassação dos mandatos:
militares assumem o controle do governo do Pará e da prefeitura de Belém No dia 21 de maio de 1 9 6 4 , iniciaram-se iniciaram-se os trabalhos da Comissão de Investigação Sumária (CIS), presidida pelo general Bandeira Coelho, então interventor na SPVEA, destinada a apu rar as denúncias de corrupção e malversação de fundos públicos feitas contra integrantes do governo estadual e da prefeitura de Belém. No início de junho, a CIS, comissão integrada por oficiais das três Forças Armadas, apresentou seu relatório final, no qual os principais responsáveis pelo governo estadual, pela ’prefeitura de Belém e pelo PSD no Pará, eram acusados de suborno, malversa ção da coisa pública, clientelismo, inclusão de funcionários inexistentes 137
na folha de pagamentos e recebimento de vultosas quantias deriva das do jogo do bicho que eram controladas pelo prefeito de Belém e presidente do PSD, Moura Carvalho.47 Entretanto, as responsabilidades apuradas pela Comissão de Investigação Sumária não se restringiram ao possível uso indevido de dinheiro público ou corrupç corr upção, ão, também visav visavam am analisar analisar as ativida atividades des políticas dos mem m em bros do governo estadual e da prefeitura de Belém. Assim é que nesse mesmo relatório da CIS, os responsáveis pela Secretaria de Educação e Cultura do governo do Pará foram acusados de “ter permitido, por omissão, a infiltração comunista na União de Estu dantes dos Cursos Secundários do Párá, existindo trinta (30), dos trinta e oito (38) diretórios estudantis secundários, com sinais de infiltração comunista” .48 .48 Em 9 de junho de 1964, o governador e vice-governador do Pará, Aurélio do Carmo e Newton Miranda, respectivamente, e o prefeito de Belém, Moura Carvalho, e vice-prefeito, Isaac Soares, teriam suspensos seus direitos políticos’ por uma período de dez anos, e cassados, portanto, seus respectivos mandatos. Também tiveram seus mandatos cassados, sob as mesmas acusa ções, Alberto Nunes (PTB), vereador de Belém; Agenor Moreira (PDS), prefeito de Cametá; e, entre outros, os deputados estadu ais, Amílcar Moreira (PDS), José Manuel Reis Ferreira (PDS) e Nagib Mutran (UDN). Por estritas motivações políticas também tiveram seus direitos políticos suspensos e mandatos eletivos cas sados, os o s militant militantes es do PCB PC B Raimundo Jinkings, Jinkings, vereador verea dor de Belém, e o deputado estadual, Benedicto Monteiro49: “Ás últimas horas da manhã de ontem a cidade toma va conhecimento, através dos noticiários das emisso ras aqui existentes, da cassação dos mandatos e dos direitos políticos, pelo prazo de dez anos, de algumas das mais destacadas figuras do cenário administrativo paraense, entre eles os senhores Aurélio Corrêa do Carmo e Moura Carvalho, ocupantes das funções de governador do Estado e prefeito de Belém, respectiva 138
mente. O ato, assinado pelo Presidente Castello Bran co, havia sido divulgado cedo pela Rádio Nacional de Brasília. Surge como fruto dos inquéritos levados a efeito recentemente por uma Comissão Militar especi almente designada para apurar denúncias contra as administrações "Estadual e Municipal. ”50 Na primeira versão pública das suas memórias, Jarbas Passarinho assinala que a cassação dos mandatos foi decorrente da apuração das denúncias de corrupção feitas contra os acusa dos, assim, nessa versão, não teriam sentido as críticas de Aurélio do Carmo que denunciou que sua cassação teve motivações políti cas, isto é,'dirigidas a afastá-lo do poder, para que os setores que faziam oposição ao seu governo passassem a controlar o Executi vo estadual. Contudo, como o próprio Jarbas Passarinho relata, a deposição dos principais responsáveis pelo governo estadual e pela prefeitura de Belém fora uma decisão tomada pela cúpula das Forças Armadas antes de iniciar-se os trabalhos da Comissão de Investigação Sumária, como mostraria a chegada a Belém do general Bizarria Mamede e, depois, a do coronel Meira Mattos. O general Mamede, no início de junho, retornaria a Belém para assumir a chefia do Comando Militar da Amazónia e para prepa rar a intervenção administrativa no governo estadual e na prefei tura de Belém. A vinda do coronel Meira Mattos, subchefe do Gabinete Militar da Presidência da República, tinha como princi pal objetivo discutir as propostas dos candidatos que poderiam assumir o governo do Pará para, posteriormente, serem apresen tadas ao presidente Castello Branco. Ainda que Jarbas Jarbas Passar Passarinh inhoo assin assinal alee que ele tentou tentou preser var o governador, ele próprio escreve que o “destino do dr. Aurélio já esta estava va,, porém, a essa essa altura altura [refere-se [refere-se ao período após o gover nador substituir a maioria dos membros do seu secretariado] deci dido em e m Brasília” .'51 Mais claro ainda, ainda, depois d epois de assina assinalar lar que que o general Bizarria Mamede, “tão pronto chegou a Belém [em sua segunda viagem], mandou o general chamar-me à residência parti
cular. Na ocasião, foi muito claro: a Revolução decidira intervir no Pará, como já o fizera no Amazonas, e a solução para o governo passava necessariamente por mim’”.52 Em Nota Oficial do Governo do Estado do Pará assinada por Aurélio do Carmo, feita pública no dia 2 de junho de 1964, já conhecedor da inevitabilidade da cassa ção do seu mandato, o governador afirmava: “Na altura dos acontecimentos que se desenrolam em meu Estado, o que menos me importa é o meu manda to [...]. Como Governador do Pará defenderei o poder civil que me foi outorgado pelo povo, até que ele me seja arrancado pela força. Ninguém pode negar que desde o primeiro dia do meu Governo a Família paraense gozou da mais completa paz e tranquilidade [...]. Procurava inimigos e não os encontrava. Somen te com a Revolução Vitoriosa, ancorados neste Porto Seguro, é que vi aparecer uma oposição feroz e indomada [...]. Nada tenho contra as Forças Armadas e elas receberam minha solidariedade, pequena e hu milde, no momento em que tudo era incerteza, e os velhacos se escondiam na sua proverbial covardia [...]. Não desconheço que a Revolução tem sua filosofia e seus princípios, Convoquei os representantes de meu partido e eles me liberaram integralmente dos com promissos que me vinculavam à origem de minha elei ção. Não se falava em devassa, nem em inquérito su mário, e já o meu Governo formava novo Secretaria do, a fim de que os novos princípios pudessem ser pos tos em vigor, escolhi um Secretariado de homens apolíticos, de técnicos, de pessoas altamente credenciadas do meio cultural e social de nossa terra. Não podia dar melhor prova de minha boa vontade, mas faltava a meus opositores o saque de meu manda to. Ocorre porém, que não obtive a outorga de meu mandato por nomeação legal, nem através de escritu 140
ra pública, mas por meio de voto popular, vencendo em todos os quadrantes do Estado e desta Cidade. Não posso renunciar a esta bandeira que não é minha, uma vez que meu poder civil pertence ao povo, e dele tudo emana nos termos da Constituição Federal.”53 Em artigo publicado na primeira página do jornal “A Pro víncia do Pará”, no dia Io de maio de 1964, intitulado “Aos Tra balhadores do Pará”, Aurélio do Carmo escrevia: “Dirijo-me ao operariado da minha terra para comun gar com ele das alegrias desta data festiva para todos. Nunca, como este ano, o dia Primeiro de Maio teve uma significação tão excepcional e profunda. O opera riado livre do Brasil vai celebrar nesta oportunidade as suas conquistas sociais sem a ameaça do terror e sem a pressão do peleguismo [...]. A dignidade do ho mem no usufruto dos bens da vida ser-lhe-á assegura da pela Revolução vitoriosa como uma conquista ina balável do próprio espírito humano [...]. Durante qua tro anos o operariado brasileiro foi submetido a um trabalho sistemático de demagogia desenfreada, e de promessas falazes sem sentido. Hoje [...], a massa pro letária pode estar confiante no futuro [...]. Os nossos trabalhadores vão ter, à sombra da Cruz e sob a ga rantia da lei, a justiça que pleiteiam e a situação por que almejam.” As declarações do prefeito de Belém e do governador em apoio à “Revolução” não levaram aos militares golpistas a esque cer o apoio de ambas as lideranças do PSD às denominadas Re formas de Base preconizadas pelo governo de João Goulart e às mudanças no sistema político brasileiro, por exemplo, ’apoiando a legalização do PCB, manifestadas publicamente em diferentes oca siões. Numa entrevista concedida ao jornal “A Província do Pará"
em março de 1964, ao ser perguntado sobre a legalização do PCB, Aurélio do Carmo declarou ser “favorável, sob a justificati va de que, no regime democrático, todas as associações políticas devem ter seus direitos garantidos”. A respeito da reforma agrá ria, ele afirmou que “toda reforma que vier em benefício do povo, receberá sua opinião favorável [...]. Se a Supra quer mesmo fazer a reforma agrária, que o faça dentro dos processos de técni ca da agricultura, dando assistência ao homem do campo”.54 No dia 12 de junho de 1964, cassados os mandatos do governador e vice-governador, a Assembléia Legislativa escolheu, por unanimidade, como governador o tenente-coronel Jarbas Gon çalves Passarinho e, para o cargo de vice-governador, o empresá rio Agostinho Monteiro, ex-deputado federal eleito em 1946 pela legenda da UDN, que em 1958 candidatara-se ao Senado com o apoio do então governador Magalhães Barata e não fora eleito.'5'5 A indicação de Agostinho Monteiro predispôs fayoravelmente os de putados para que votassem a favor de Jarbas Passarinho, por indi cação do presidente do partido, Moura Carvalho, e do líder do PSD na Assembléia Legislativa, Hélio Gueiros, que até início de junho esteve “recolhido à 5a Companhia de Guardas, em Belém do Pará, desde o dia 30 de maio, para averiguação”.56 Diz Passarinho: “Eu sabia que o PSD não me tinha como preferido. Suas lideranças tentaram outros nomes [...]. O PSD se dera por satisfeito com a iniciativa da indicação do vice-governador [...]. O fato [...] de ter sido o PSD o partido cujos líderes haviam sido atingidos pela Revo lução, fez com que os remanescentes, na Assembléia Legislativa, fossem o núcleo oposicionista, e que os opo sicionistas anteriores passassem à sustentação do meu governo.”57 Também em junho de 1964, os vereadores da Câmara Municipal de Belém elegeram o tenente-coronel do exército Alacid da Silva Nunes para exercer o cargo de prefeito da capital do 1 / 1 0
Pará em substituição a Moura Carvalho.58 Ao perder o PSD o controle do governo estadual e a prefeitura da capital do Pará, ficou facilitada, assim, a tarefa dos seus tradicionais ou novos opositores — militares e outras pessoas sintonizadas com o “regi me revolucionário” — de liquidar a máquina político-eleitoral pessedista. Nas eleições paret. governador realizadas no dia 3 de outubro de 1965, o candidato dos partidários da “Revolução” no Pará foi Alacid da Silva Nunes. Para poder ser candidato, Alacid Nunes filiou-se à UDN, e o PTB, cujos deputados estaduais apoia vam o governo de Jarbas Passarinho, indicou o nome do candida to a vice-governador: Renato Franco. Uns dias antes das eleições, Alacid Nunes fez distribuir uma Mensagem ao Eleitor Paraense, que seria posteriormente reproduzida pelos jornais de Belém que apoiavam a sua candidatura, no qual podia ser lido: “A Revolução de 64 derribou o Presidente da Repúbli ca porque o mesmo havia permitido que a subversão atingisse no País um grau insuportável. No Pará o problema da corrupção era mais grave que o da sub versão e foi ela que provocou a queda dos governantes locais. O que se apurou na maioria dos órgãos fede rais, estaduais e municipais, foi de estarrecer. Era o paraíso da inépcia, da estagnação e da desonestidade [...]. Em quinze meses, o Governador Jarbas Passari nho demonstrou como era possível dirigir o Estado por novos caminhos. Implementou a moralidade, o ide alismo, a eficiência. Sua administração exemplar apre senta um dos saldos mais positivos, jamais obtidos em período tão curto por .qualquer dirigente paraense. ”59 O candidato do PSD, escolhido pelo diretório regional, assumindo a proposta defendida pelas lideranças do partido, Laércio Barbalho e Hélio Gueiros (que seria o candidato a yice-governador), foi, curiosamente, o principal oponente eleitoral dos baratistas, o ex-governador e então senador Zacarias de 143
Assumpção. A escolha era justificada pelas lideranças do PSD com o argumento de que somente um militar com notável respal do eleitoral no Pará poderia tentar pôr freio à crescente influên cia dos setores civis e militares vinculados a Jarbas Passarinho e Alacid Nunes. Contudo a escolha de Zacarias de Assumpção revol tou a muitos pessedistas, especialmente dos municípios do interior e à maioria dos deputados federais do PSD, alguns dos quais passaram a fazer campanha em favor de Alacid Nunes. Também no bloco governista produziram-se algumas deserções, em parti cular a do presidente da Assembléia Legislativa, José Maria Cha ves, que não fora incluído na lista apresentada por Jarbas Passa rinho aos 22 deputados estaduais que davam sustentação ao seu governo para que indicassem o candidato da sua preferência, e optou por não fazer campanha em favor do indicado, Alacid Nunes. As não muito boas relações do jornalista Paulo Maranhão com Jarbas Passarinho e também o fato de ser Zacarias de Assumpção o candidato da oposição, contribuíram favoravelmente para que, pela primeira vez, a “Folha do Norte” desse apoio a um candidato apoiado pelo PSD. Apesar disso, Alacid Nunes, com o apoio do governador e da coligação de partidos integrada pela UDN, o PTB, o PDC e o PR, venceu o pleito eleitoral sem muitas dificul dades somando um total de 163.c527 votos contra 67.1 66 obtidos por Zacarias de Assumpção. Somente em cinco municípios, dos 83 então existentes no Pará, Assumpção foi o mais votado.60
2 .2 .
D i ssol u ção d os p a r t i d os p ol ít i cos: n a sce o bi p a r t i d a r i sm o
Diferentemente da maioria dos regimes militares instaura dos nos países latino-americanos nas décadas de 60 e 70, num primeiro momento, a cúpula das Forças Armadas manteve inalterado o sistema eleitoral e partidário surgido no Brasil após a extinção do Estado Novo. Contudo, poucos dias depois da vitória dos candidatos do PSD aos governos estaduais de Minas Gerais e 144
Guanabara, através do Ato Institucional n° 2, de 27 de outubro de 1965, todos os partidos foram declarados extintos e anuladas as futuras eleições diretas para presidente da República.61 Um mês depois, com o intuito de manter uma certa aparência democrática no controle das Forças Armadas sobre as principais instituições políticas do país, foi instaurado o sistema bipartidarista (Ato Com plementar n° 4, 20/11/1965), outorgando ao partido da Aliança Renovadora Nacional (Arena) o papel de aliado do regime e ao do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) o de “oposição ”. Aqueles que haviam sofrido a suspensão de seus direitos políticos não po deriam filiar-se nem a um partido nem a outro, ficando, portanto, impossibilitados de candidatar-se a qualquer cargo eletivo. Assim justificava essas decisões o presidente Castello Branco em sua mensagem ao Congresso Nacional de 1966: “No campo político, o ano de 1965 será lembrado por importantes acontecimentos. Inicialmente, deve mos assinalar as eleições efetuadas em onze Estados da Federação, para a escolha dos seus Governadores, e que representou o inequívoco propósito da Revolu ção em ver a Nação num clima de paz e de liberdade, retomar os sadios caminhos da democracia, que so mente o 31 de março de 1964 impedira de desapare cer da vida política brasileira. Ninguém ignora, po rém, o debate suscitado por essa deliberação governa mental, especialmente por parte daqueles que, embo ra dizendo-se partidários da democracia, se revela ram inconformados com os resultados contrários às candidaturas, que desejavam vitoriosas [...]. Assim, principalmente se considerarmos a normalidade em que havia decorrido o pleito em todos os Estados, não cabia ao Governo senão empenhar-se na posse dos que haviam merecido as preferências eleitorais. Mas, de vido à inquietação criada em torno da posse dos elei tos [...], viu-se o Governo na contingência de se munir 145
de poderes outorgacfos-peta^Revolução [...]. É que, se de um lado se apresentavam os inconformados com os resultados das urnas, de outro, talvez exageradamente animados por algumas votações, já era possível divi sar pequenos grupos desejosos de embaraçar ou per turbar o caminho do movimento vitorioso de 31 de março [...]. Foi diante de tais circunstâncias [...] que o Governo resolveu recorrer aos poderes inerentes à Revolução, decretando o Ato Institucional n° 2 [...]. Também a Lei Orgânica dos partidos políticos será poderoso instrumento para a disciplina e aprimoramento da vida partidária, principalmente após a extinção dos partidos anteriormente existentes, cuja multiplicação contribuíra para tumultuar e deformar a fisionomia política do País.”62 Ao ser instituído o bipartidarismo, a antiga disputa entre os membros dos PSD e os da maioria dos restantes partidos existentes no Pará transferiu-se, em linhas gerais, para a oposi ção entre Arena, “forte, vitoriosa e em expansão” e o MDB, “fra co e pessimista”.63 Na Arena ingressaram, além de Jarbas Passa rinho e Alacid Nunes, a grande maioria dos integrantes dos parti dos que apoiaram a candidatura de Alacid Nunes, também Zacarias de Assumpção e setores do PSD, entre eles três destacados mem bros desse partido: Augusto Meira Filho, o deputado federal Ar mando Corrêa (reeleito em 1966 com a sigla da Arena) e Waldemar Guimarães, candidato do PSD a prefeito de Belém em 1965 e que fora contrário à candidatura de Zacarias de Assumpção. Mas a maioria das lideranças do PSD que continuaram politicamente ativas ingressaram no MDB junto a um pequeno grupo de políti cos que haviam feito anteriormente oposição aos pessedistas mas que divergiam da predominância que mantinha Jarbas Passarinho e Alacid Nunes no cenário político paraense. Nas eleições de 1966, Jarbas Passarinho, candidato a senador pela Arena, obteve 204.9 13 votos, enquanto Moura Palha, pelo MDB, recebeu apenas 40.078 1/IR
votos. A Arena elegeu 8 dos-lOífeputados federais a que o Pará tinha direito e 33 dos 41 deputados estaduais.64 Assim — como acertadamente ponderou Amílcar Tupiassu — na segunda metade da década de 60, a vida política no Pará parecia ser decorrente mais de um sistema de partido único, que de um sistema bipartidarista: "A Arena possui 67% dos Senadores, 80% dos Depu tados Federais, 81% dos Deputados Estaduais, um Ministério da República dirigido por um líder paraense [Jarbas Passarinho, Ministro do Trabalho], a Governança e Vice-Governança do Estado, a Prefei tura e Vice-Prefeitura de Belém [...], além do con trole de quase todas as Prefeituras do Interior e pra ticamente todos os órgãos federais civis significativos do Pará."fíí>
2 .3 .
O s p l ei t os el ei t o r a i s n os anos 7 0
Os anos durante os quais o general Garrastazu Médici exer ceu o cargo de presidente da República (1969-1974), além de serem vistos como o período do milagre económico brasileiro, podem ser também caracterizados como os mais repressivos do Regime Militar, repressão especialmente dirigida aos militantes das organizações de esquerda que optaram pela luta armada para tentar derrotar o regime. Durante o mandato de Ernesto Geisel na presidência da República, embora o governo federal tentasse minimizar no país o impacto da recessão económica que afetava, desde 1973, a maioria dos países do “Primeiro Mundo” e a subi da no mercado internacional dos preços do petróleo, além de tentar contornar as dificuldades decorrentes do modelo de desen volvimento económico que implementara, nunca mais conseguiu que se repetissem os altos índices de crescimento económico obti dos nos anos do “milagre”.66 Porém, não apenas as dificuldades 147
económicas preocupavam a cúpula militar. Além da progressiva ruptura da Igreja Católica com o regime e das crescentes mobili zações promovidas pelos movimentos sociais e sindicatos por melhoria das condições de vida, desde as eleições de 1974, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) transformara-se num verdadeiro concorrente eleitoral da Arena. O Regime Militar, como ocorrera após a Revolução de 1930 e, sobretudo, durante o período do Estado Novo (1937 1945), representou o incremento dos poderes do presidente da República e da União em detrimento dos poderes estaduais e municipais. Tampouco a maioria dos membros das Forças Ar madas tinha muita simpatia pelas tradicionais formas de domi nação oligárquica. No entanto, a necessidade de legitimidade política pela via eleitoral que o Regime Militar estabeleceu com o sistema bipartidarista e o crescimento da votação dada aos candidatos do MDB nos principais centros urbanos e nas regiões mais industrializadas do país nos anos 70, ‘fizeram com que a Arena fosse se tornando, cada vez mais, um partido rural de “velhos” e “novos” coronéis, e se reestimulassem as práticas clientelísticas e a política da trocas de favores entre as diferentes instâncias de poder político-administrativo. Em 1970, dos 310 integrantes da Câmara Federal, a Arena elegeu 223 deputados federais e o MDB, apenas 87. Já em 1974, de um total de 364 membros da Câmara Federal, a Arena elegeu 204 e o MDB, 160. Foi nas candidaturas ao Sena do Federal que mais cresceu o MDB em 1974, comparativamen te às duas eleições anteriores sob o sistema bipartidarista, supe rando, pela primeira vez, em cerca de 4,5 milhões de votos os obtidos pelos candidatos da Arena e elegendo 16 das 22 vagas ao senado em disputa.6' Na próxima tabela podemos apreciar a variação, segundo a legenda partidária, na composição da Câ mara Federal por regiões. Destaca-se o crescimento do MDB na regiões Sul e Sudeste, a quase igualdade entre os dois partidos em 1974, entre os deputados federais eleitos nos Estados e Ter ritórios Federais da Região Norte, e o grande número de depu148
tados que a Arena conseguiu eleger no Nordeste, o que contri buiu notavelmente para manter sua maioria na Câmara Federal. Num dos discursos de Ernesto Geisel em sua viagem ao Maranhão, realizada em outubro de 1978, o presidente da República desta cava a importância, para o partido governista, dos resultados das eleições obtidos no F^ordeste com as seguintes palavras: “Nós temos áreas nos Estados, sobretudo nos gran des centros, em que as eleições foram críticas — Rio de Janeiro, São Paulo — e que temos que compensar as diferenças negativas de lá com excessos majoritá rios nos Estados que nos apóiam há longos anos, como este aqui, como o Piauí, como Pernambuco, como Ceará, Bahia e outros, e assegurar uma boa maioria para o futuro Governo.”68 Tabela 15 Composição da Câmara Federal por regiões segundo legenda partidária: 1970-1974 Total 1970
MDB
Total 1974
11
10
21
90
82
25
107
40
123
60
77
137
42
20
62
37
41
78
CentroOeste
13
4
17
14
7
21
Total
223
87
310
204
160
Região
Arena
MDB
Norte
12
• 6
18
Nordeste
73
27
Sudeste
83
Sul
Arena
364
Fonte: TSE, Dados Estatísticos: Eleições Federais e Estaduais Realizadas no Brasil em 19 70 e 1974, Imprensa Nacional, 1973 e 1977
Nas eleições de 1978, segundo fora definido na Constitui ção de 1969, os governadores seriam novamente eleitos por su 149
frágio universal. Porém, em decorrência dos resultados do pleito eleitoral de 1974 e*das eleições municipais de 1976, a cúpula das Forças Armadas e os partidários do Regime Militar no governo federal e no Congresso Nacional optaram, através do uso do Ato Institucional n° 5, por adiar essa possibilidade para 1982. Por tanto, mais uma vez desde 1966, nas eleições de 1978 somente seriam eleitos diretamente pelos eleitores os senadores e dèputados federais e estaduais. Os resultados eleitorais de 1978, que expressaram uma relativa estagnação no crescimento da repre sentação parlamentar do MDB, foram condicionados por uma série de medidas casuísticas e restrições à propaganda eleitoral nos meios de comunicação, entre elas a da eleição indireta para uma das duas vagas ao Senado em disputa em cada Estado (os senadores “biónicos”).69 Eram do partido governista 15 dos 23 senadores eleitos diretamente e a maioria dos senadores biónicos. Porém, embora a votação dada aos candidatos da Arena para deputado federal tivesse superado em 250 mil votos a dos candi datos do MDB, cabe destacar que os candidatos deste partido ao Senado tiveram 4,5 milhões de votos a mais que os arenistas.70 Em 1972, a Arena elegeu em todo o país 3.484 prefeitos contra apenas 463 que obteve o MDB. Nas eleições municipais de 1976 não houve mudanças significativas em relação ao total de prefeitos eleitos pelas duas legendas partidárias. Foram 3.359 para a Arena e 614 para o MDB. Contudo, a diferença no total de votos computados diminuiu consideravelmente. Em 1976, a Arena obteve 14,7 milhões de votos contra 7,7 milhões de votos do MDB, en quanto em 1972, a diferença fora de 12,4 milhões a 3,9 milhões, respectivamente/1 Nas eleições municipais de 1972, os eleitores paraenses escolheram novos prefeitos em 73 municípios, vencen do a Arena em 61 deles e nos 12 restantes os candidatos do MDB. Nas de 1976 a diferença em favor da Arena no Pará foi ainda maior, elegendo o MDB apenas quatro prefeitos.72 O escasso nú mero de prefeitos eleitos pelo MDB foi favorecido pela existência das sublegendas partidárias que permitia a diferentes setores das elites locais a candidatura ao cargo de prefeito sem a necessidade 150
de se filiar ao MDB, ainda que não controlassem os diretórios municipais do partido governista (Arena).73 Tabela 16 Composição da Câmara Federal por Regiões segundo legenda partidária: 1978 Regiões
Arena
Variação 1974
MDB
Variação 1974
Total
Norte
17
+
6
11
+
1
28
Nordeste
92
+ 10
34
+
9
126
SudéSte
62
+
2
94
+ 17
156
Sul
42
+
5
40
=
82
Centro Oeste
18
+
4
10
+3
28
Total
231
+ 27
189
+ 30
420
Fonte: Dados extraídos da obra de Francisco Sales Cartaxo Rolim, Política nos Currais, João Pessoa, Acauã, 197 9, p. 169 -170 ; e TSE, Dados Esta tísticos: Eleições Federais e Estaduais Realizadas no Brasil em 1974, Im prensa Nacional, 1977.
Não foram realizadas eleições, além da capital, nos muni / cípios do Pará declarados pelo governo federal Area de Seguran ça Nacional (Almeirim, Altamira, Itaituba, Marabá, Óbidos, Oriximiná e Santarém) e tampouco naqueles classificados como Estâncias Hidrominerais (Monte Alegre e Salinópolis). Os resulta dos mais significativos obtidos pelo MDB em 1976 foram os al cançados em Belém na escolha dos membros da Câmara Munici pal, elegendo o MDB sete vereadores contra seis da Arena.74 Re ferindo-se a esse pleito eleitoral, Gerson Peres, deputado estadual e então presidente da Arena no Pará, escreve: “A Verdade é que nosso Partido perdeu em Belém, mais uma vez, embora estancan do a marcha ascencional, do MDB. A Capital passou a ser a fonte
geradora de esperanças da Oposição para influir, psicologicamen te, o eleitorado dos demais municípios 75 A primeira vez em que o MDB superou, em Belém, os votos obtidos pelos candidatos da Arena foi nas eleições para deputado federal e estadual realizadas em 1974, o mesmo acontecendo nos municípios de Alenquer, Castanhal, Juruti e Santarém, em todos eles por escassa diferença de votos, tendo vencido a Arena nos outros 79 municípios. O candidato a deputado federal mais votado foi o ex-governador Alacid Nunes e, para o Senado, o também exgovernador e senador eleito em 1966, Jarbas Passarinho.71’ Nas eleições de 1978, além de vencer em Belém, o MDB venceu em Santarém, então o segundo colégio eleitoral mais importante do Pará, e nos municípios de Juruti e Santa Isabel do Pará. A diferen ça de votos em favor da Arena nos municípios restantes permitiu que esse partido lograsse eleger 6 dos 10 deputados federais em disputa e 19 deputados estaduais contra 11 .do MDB.77 Tabela 17 Número de Deputados Estaduais do Pará segundo legenda partidária (1966-1978) Ano
ARENA
MDB
Total
1966
33
8
41
1970
17
7
24
1974
20
10
30
1978
19
11
30
Fonte: Tupiassu, 1968, p. 47; Arquivos e Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado do Pará; Assembléia Legislativa do Estado do Pará, Mensagem ao Sesquicentenário do Poder Legislativo, Belém, Imprensa Oficial do Estado, 1973, p. 3; Assembléia Legislativa do Estado do Pará, Biografia dos Deputa dos, 9aLegislatura — 19 79 /1 98 3, Belém, Assessoria de Divulgação e Rela ções Públicas, 1980.
Tabela 18 Deputados Federais eleitos pelo Estado do Pará segundo legenda partidária (1966-1978) Ano
ARENA
MDB
Total
1966
* 8
2
10
1970
7
2
9
1974
7
3
10
1978
6
4
10
Fonte: Tupiassu, Eleições 1966, p. 46; e Boletins Tribunal Eleitoral Regional.
O decréscimo da representação do Pará no Congresso Naci onal nas eleições de 1970, foi decorrente da mudança nos critérios para estabelecer o número de deputados por Estado introduzidos em 1969, através da Emenda Constitucional n° 01 /6 9 . Nessa emenda foi definido, pela primeira vez na história do Brasil, que seria o número de eleitores inscritos e não a população o critério a ser utilizado para definir o total de deputados que corresponderia a cada um dos estados. Em 1977, em consequencia do crescimento do número de votos dos candidatos do MDB nos estados nos quais a diferença entre número de habitantes e eleitores era menor, na Região Sudeste, retornou-se ao critério tradicional (Emenda n° 08/77).79 Com o mesmo objetivo de favorecer as chances eleitorais da Arena, na Emenda Constitucional n° 8 de 1977 foi explicitada outra mudança casuística dos partidários do Regime Militar, agora ao fixar que o mínimo de deputados por estado seria ampliado a seis (6) e um máximo de 55, sendo o total de membros da Câmara Federal de 420 deputados. Assim, os estados que ampliaram sua representação foram qs do Acre, Ama zonas, Sergipe, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e, o maior prejudicado, o Estado de São Paulo.80 O número total de deputa-
dos federais da Região Norte passou de 21, em 1974, para 27 em 1978. Somente no"Pará a Arena diminuiu, entre ambas eleições, seu número de deputados, ainda que continuasse sendo a legenda mais votada. Tabela 19 Região Norte: número de Deputados Federais por partido e Estado (1974 -197 8) — ARENA/MDB MDB 1974
MDB 1978
1
3
4
+ 1
4
+ 2
3
2
-
1
3
+ 2
2
3
+ 1
Amapá
0
1
+ 1
1 .
1
0
Roraima
1
2
+ 1
0
0
0
Rondônia
0
1
+ 1
1
1
0
Total Região Norte
11
17
+6
10
11
+1
Estados
Arena 1974
Arena 1978
Pará
7
6
Amazonas
2
Acre
Variação -
Variação
1
Font e: Fran cisco Sal es Car taxo Roh m , Políti ca nos Cur r ai s, p. 16 9-7 0.
2 .4 .
A disputa pelo “partido no pod er’’
O controle do poder político pelas Forças Armadas e a própria predominância no cenário político paraense da Arena des de a instauração do bipartidarismo, influiu para que a principal disputa política se estabelecesse no seio do partido governista en tre as duas mais destacadas lideranças políticas paraenses surgidas do golpe de estado de 1964: Jarbas Passarinho e Alacid Nunes. Nessa disputa, estava em jogo qual dos dois exerceria, diretamen-
te ou através dos seus respectivos aliados políticos, maior influên cia no governo federal, Congresso Nacional, Executivo estadual e prefeituras do Pará. O fim da relação de amizade entre Jarbas Passarinho e Alacid Nunes, segundo Passarinho, ocorreu durante a campanha eleitoral de 1965, em virtude do apoio económico para os gastos de campanha recebido por Alacid do ex-governador do Amazonas, Gilberto Mestrinho, que teve seu mandato cas sado em 1964. Conta Jarbas que, um mês antes das eleições, Alacid após afirmar “Coronel, já tenho o dinheiro de boi” , mos trou-lhe um cheque indicando que era a contribuição do Mestrinho: “Exaltado, ergui a voz e disse: Você acaba de conspurcar a Revo lução Guardo, desse decepcionante encontro com o até en tão meu pupilo, em quem tanto confiei, a convicção de que o brocardo é sábio, quando diz: Queres ver o vilão, põe-lhe o bas tão na mão . Perdi, desde então, a confiança no meu antigo aluno da Academia Militar de Agulhas Negras. Em contrapartida, essa foi a última confidência que ele me faria na vida”.81 Para Alacid Nunes, segundo entrevista concedida ao jornalista paraense Carlos Rocque: “[...] a briga começou quando este [Passarinho] quis divi dir com ele o dinheiro”.82 No dia 15 de março de 1971, em substituição a Alacid Nunes, os deputados estaduais escolheram como governador o engenheiro Fernando José de Leão Guilhon. Era a primeira vez, portanto, desde a destituição de Aurélio do Carmo, que um civil passava a exercer essa responsabilidade, ainda que o vice-governador fosse um militar, o coronel Newton Burlamaqui Barreira (integrante do Governo de Alacid Nunes no cargo de Diretor-Presiderrte da Companhia Fôrça e Luz do Pará), e, de um total de 30 cargos de responsabilidade do governo estadual, seis deles fossem exercidos por militares, um número maior do que o total de mem bros das Forças Armadas que participaram do Governo de Alacid Nunes.83 Aloysio da Costa Chaves, ex-reitor da Universidade Fede ral do Pará e ex-juiz do Trabalho, tomou posse do cargo de go vernador em 1975-1979 e o de vice-governador, o professor Clóvis Silva de Morais Rêgo.84 Em 1978, o ex-governador e então 155
deputado federal, Alacid Nunes, seria indicado por Ernesto Geisel, por solicitação do marechal Cordeiro de Farias, para assumir seu segundo mandato de governador, em detrimento de Jarbas Passa rinho, que também pretendia o cargo. Posteriormente, houve o seguinte diálogo entre Passarinho e o general Figueiredo: Presidente, esse rapaz não vai honrar o com promisso conosco’. Figueiredo respondeu: Se ele não honrar e o prejudicar, eu arrebento com ele aqui’. Passarinho explicou: Você não arrebenta porque lá em Bujaru, lugar qué talvez nem exista no mapa, o governo vai ser ele e não o senhor; o poder é do gover nador, que nomeia o delegado, o coletor, e isso ele vai usar.’”85 Fosse ou não verdadeiro esse diálogo, nos permite destacar a importância que adquire o cargo de governador para aqueles que exercem o mandato possam ampliar ou manter sua influência política nos diferentes municípios dos seus respectivos estados, e a importância de manter boas relações com o presidente da Repú blica e os integrantes do governo federal com intuito de obter dividendos político-eleitorais através do repasse de verbas da União para os seus estados. Caso contrário, poderia haver algo seme lhante ao que ocorrera com Alacid Nunes após abandonar o parti do governista: “O governo federal cortou relações com o coronel Alacid Nunes. Na verdade essa briga só causou prejuízo ao povo, porque as verbas federais foram muito diminuídas ou simplesmen te cortadas”.86 Ainda que durante o mandato presidencial do general João Baptista Figueiredo (1979-1985) fosse dada continuidade ao “lento, seguro, gradual” e, também, contraditório, processo de liberalização política iniciado durante o mandato de Ernesto Geisel, novas mudanças no sistema partidário e eleitoral foram introduzidas para tentar evitar o crescente caráter plebiscitário, quanto à permanência dos militares no poder, que os pleitos 156
eleitorais foram adquirindo, e também para evitar que o cresci mento do número de votos recebidos pelo MDB permitisse que esse partido chegasse a obter a maioria dos membros do Colégio Eleitoral que escolhia o presidente da República. Assim, com o objetivo de seguir controlando pela via eleitoral o ritmo e os limites da transição política à democracia, os partidários do Regime Militar optaram por extinguir o sistema bipartidarista e retornar ao pluripartidarismo (lei n° 6.767 de 20 de dezembro de 1979). Com essa decisão previa-se a implosão do MDB em vários partidos e a ampliação das bases eleitorais da Arena no seu her deiro o Partido Democrático Social (PDS). De fato, o MDB, transformado em PMDB, perdeu um número não desprezível de deputados e senadores, que se encaminharam para o Partido Po pular (PP) - os setores mais conservadores - e para o PTB uma pequena parte. Porém, como comprovação de que nem sempre a vida política transcorre conforme gostariam os maquiavélicos de plan tão no poder, para complicar os planos dos estrategistas políticos do Regime Militar, dois novos partidos superaram todos os obstá culos legais, obtendo o registro provisório, enquanto aguardavam os resultados eleitorais de 1982: o Partido Democrático Traba lhista (PDT) e o Partido dos Trabalhadores. Leonel Brizola, exgovernador do Rio Grande do Sul (1959-1962), ao regressar do exílio tinha em mente a reconstituição, sob sua liderança, do PTB. Com a concessão pela Justiça Eleitoral da sigla do partido aos seguidores de Ivete Vargas (sobrinha-neta de Getúlio Vargas), Brizola fundou o PDT. Após extinto o sistema bipartidarista, Pas sarinho, como a grande maioria dos membros da Arena em todo o país, ingressaria no PDS. Mas, o governador Alacid Nunes, após optar por filiar-se também ao PDS, poucos meses depois estimularia a recriação do PTB no Pará, partido ao qual se so maram dez deputados estaduais e um deputado federal eleitos pela Arena em 1978 e então filiados ao PDS, além de um grupo de prefeitos e vereadores do Pará,87 a maioria dos quais daria apoio ao candidato escolhido pelo PMDB para governador nas 157
eleições de 1982: Jader Barbalho. Alacid Nunes esperava ser re compensado por Jader nas eleições de 1986, reciprocidade que não existiu, mas essa é outra história.
3. As eleições de 1982: a vitória do PMDB As eleições realizadas no dia 15 de novembro de 1982 tornaram-se o pleito eleitoral mais importante do período pós-64. Os governadores voltavam a ser escolhidos por sufrágio direto e universal, renovava-se a Câmara Federal, as Assembléias Legislativas, um terço do Senado, as Câmaras Municipais e Pre feituras, com exceção das capitais e dos municípios declarados Areas de Segurança Nacional.88 Com a manutenção da eleição indireta do presidente da República, os resultados eleitorais iriam definir, mais uma vez, a composição do Colégio Eleitoral que es colheria o sucessor do general Figueiredo.’As capitais e os 62 municípios que foram declarados Áreas de Segurança Nacional teriam que esperar o fim do regime autoritário (1985) para po derem escolher seus prefeitos por sufrágio universal. Outros dois fatores tiveram grande importância na cam panha e nos resultados eleitorais de 1982: a situação da economia nacional e as incertezas que ainda pairavam quanto à continuida de do processo de transição à democracia, traduzidas na possibili dade de que a cúpula das Forças Armadas não aceitasse um resul tado eleitoral favorável aos partidos da oposição. As dificuldades pelas quais atravessava a economia brasileira não eram apenas resultado do modelo de desenvolvimento implementado pelos tecnocratas do Regime Militar, mas também da crise económica na qual estavam imersos boa parte dos países do “Primeiro Mun do”, especialmente os EUA. Nos primeiros meses de seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, visando à recuperação económica do seu país, adotou uma políti ca que trouxe graves consequências para os países do “Terceiro Mundo”, especialmente os latino-americanos que, como o Brasil, 158
tinham uma elevada dívida externa. O aumento do valor dos juros bancários e o fortalecimento do dólar significou para os países latino-americanos, além da diminuição do fluxo de capitais exter nos, o incremento, em moeda nacional, do valor da dívida externa e do seu serviço (ambos expressos em dólares). A década perdida, como foram chamados, dó ponto de vista económico, os anos 80 nos países da América Latina, já começava mal para o Brasil. Em 1980, a dívida externa líquida alcançava 46,9 bilhões de dólares (50% superior à de 1978), a inflação ultrapassava 100% ao ano e o PIB de 1981, em comparação ao do ano anterior, diminuía 4 ,5% 89 Para que tudo continuasse sob controle dos partidários do Regime Militar sem que se precisasse recorrer ao expediente de pôr fim ao processo de abertura política, o governo federal, em fins de 1981, apresentou ao Congresso Nacional o que seria co nhecido como o Pacote de Novembro, destinado a modificar al guns artigos da lei eleitoral. A finalidade das mudanças era favo recer os candidatos do PDS, partido que contava então com o maior número de Diretórios Municipais. Aprovadas as modifica ções, em janeiro de 1982, as que tiveram maior influência na estratégia eleitoral dos partidos políticos foram a proibição de coligações eleitorais e a introdução do voto vinculado em todos os níveis, pelo qual os eleitores ficavam impedidos de votar em candi datos de partidos diferentes (por exemplo, para governador, pre feito ou deputado), sob pena de terem o seu voto anulado. Algumas dessas mudanças acabaram por favorecer tam bém ao PMDB, debilitando assim os objetivos da cúpula militar de extinguir o bipartidarismo. A proibição de alianças eleitorais entre diferentes partidos, por exemplo, levou a maioria dos mem bros do Partido Popular (PP) a ingressar no PMDB no mês de fevereiro de 1982. O PMDB também se beneficiou do voto vincu lado ao contar, comparativamente aos outros partidos da oposi ção, com maior número de filiados, diretórios e candidatos. Esses fatores resultaram na campanha pelo voto útil no PMDB, como forma de derrotar o PDS. Em suma, as eleições voltavam a se
polarizar, dessa vez entre os partidos surgidos da Arena e do MDB, apesar de serem cinco os partidos até então legalizados que apre sentaram candidatos às eleições: PDS, PMDB, PTB, PDT e PT. No marco geral da polarização eleitoral entre o PDS e o PMDB, as eleições de 1982 adquiriram no Pará algumas carac terísticas específicas que precisam ser consideradas para se com preenderem os resultados eleitorais que deram a vitória ao can didato do PMDB ao governo, o deputado federal Jader Barbalho,90 cujo principal oponente, o empresário Oziel Carnei ro, candidato do PDS, tinha em.Jarbas Passarinho, candidato à reeleição no seu terceiro mandato como senador, seu principal cabo eleitoral. Também o presidente Figueiredo se fez presente em Belém para dar apoio ao candidato do PDS.91 Jader Barbalho teve apoio, além do governador Alacid Nunes e dos setores que com ele tinham abandonado o PDS,92 de parte dos empresários e comerciantes, classes médias e a grande maioria dos setores progressistas e/ou de esquerda no Pará, inclusive de boa parte das organizações e tendências internas do PT, apesar do partido ter lançado candidato próprio. Jader havia sido uma das princi pais lideranças do movimento estudantil de Belém e, no exercí cio dos mandatos de deputado estadual (1971-1974) e federal (1975-1982), fizera clara oposição ao Regime Militar. Assim argumentava Atanagildo de Deus Matos (“Gatão”), candidato a prefeito pelo PMDB no município paraense de Oeiras do Pará e, em 1982, militante do Partido Comunista Revolucionário (PCR), a importância da candidatura de Jader Barbalho para governa dor do Pará: A idéia era apoiar a Jader, que era um candidato que tinha uma certa passagem pelo movimento popular, e que era um cara que enfrentou, num determinado pe ríodo, a repressão, no movimento estudantil, depois como deputado. A análise era essa. Olha, o PT, aqui no Pará, vai levar a perder as eleições com Jarbas Passarinho [...]. Por isso nós acabamos apoiando ao 1
n r\
Jader para governador em 1982.”93 Num manifesto em apoio à candidatura de Jader Barbalho, assinado por intelectuais, professores, artistas e profissionais libe rais pode-se ler: “Porque [...*| estamos com o Pará e não com as multinacionais, estamos com Jader. Porque devemos preservar a integridade territorial do Estado, ameaçada de desmoronamento, estamos com Jader. Porque de sejamos um país aberto e democrático... Porque pre tendemos uma justa política agrária... Porque não que remos uma juventude reprimida e tutelada... Por tudo • isso estamos com Jader.”94 As eleições de 1982 confirmaram que a disputa eleitoral continuava polarizada entre os herdeiros da Arena e do MDB. O PDS obteve a maioria dos integrantes do Colégio Eleitoral (52,8%) e o PMDB elegeu 9 dos 23 governadores, entre eles os de São Paulo e Minas Gerais. Nos Estados restantes, à exceção do Rio de Janeiro que elegeu Leonel Brizola (PDT) governador, o PDS ven ceu as eleições. Faltaram apenas 10 deputados federais para que o PDS obtivesse a maioria absoluta na Câmara de Deputados: fez 235 deputados, de um total de 479. O PMDB elegeu 200; o PDT, 23; o PTB, 13; e o PT, 8.95 No Pará, os candidatos do PMDB foram os grandes vencedores do pleito eleitoral em 1982. Jader Barbalho foi eleito governador e Hélio Gueiros (PMDB) senador, impedindo, assim, a reeleição de Jarbas Passarinho (PDS). O PMDB elegeu 23 deputados federais e 16, o PDS.96
3 .1 .
Da campanha pelas Diretas-Já à Nova República: o PMDB, “novo partido no poder” *
A maioria que o PDS obteve no Colégio Eleitoral acabou estimulando uma das mobilizações políticas mais importantes da i a 1
história do Brasil: a Campanha pelas Diretas-Já. Iniciada em fins de 1983, a campanha não conseguiu seu objetivo, quando na Câ mara Federal, no dia 25 de abril de 1984, por faltarem 22 votos, não foram obtidos os 2 /3 do total de votos necessários para a aprovação da emenda constitucional, apresentada pelo deputado Dante de Oliveira (PMDB), que estabelecia a eleição direta do pre sidente da República.97 A nova vitória do PDS, no entanto, acabou contribuindo para sua posterior e progressiva decadência políticoeleitoral. O fato de setores do PDS, sobretudo do Nordeste, terem se oposto à escolha do ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf, como candidato à presidência da República incentivou articulações de membros do partido no sentido de compor com a ala conserva dora do PMDB uma chapa para concorrer à indicação do Colégio Eleitoral. Nesse processo surgiu o Partido da Frente Liberal (PFL), que apoiaria a candidatura de Tancredo Neves (PMDB), ex-presidente do Partido Popular e governador de Minas Gerais, para pre sidente, e de José Sarney para vice-presidente. No dia 15 de janeiro de 1985, os integrantes do Colégio Eleitoral votaram maioritaria mente a favor da chapa de Tancredo Neves e José Sarney. Com a morte de Tancredo, porém, quem assumiu o cargo de presidente não foi nenhum opositor da “revolução de 1964 ”, mas Sarney, ex-governador do Maranhão pela Arena e ex-presidente do PDS. Nascia assim a Nova República, marcada pela influ ência no Congresso Nacional e no governo federal de políticos que deram apoio ao Regime Militar.98 Diferentemente do Pará, que a partir de 1983, ao assumir Jader Barbalho o mandato de governa dor, abria-se a um novo período político, agora sob a supremacia das lideranças do novo partido no poder (PMDB), que representa va, em certo modo, o retorno de pessoas vinculadas ao PSD ao controle do Executivo estadual, e que assumiram a responsabilida de de governar com um discurso de oposição às práticas políticas da extinta Arena e aos projetos económicos implementados na Ama zónia Legal pela Administração Federal a partir de 1966. No dia 28 de fevereiro de 1986, o presidente José Sarney apresentou ao país o Plano Cruzado, no qual, entre outras medi 162
das económicas direcionadas a controlar a inflação e promover o crescimento económico, a nova moeda passava a ter três zeros a menos (1.000 por 1) que o cruzeiro, foram congelados os preços e a taxa de câmbio por prazo indeterminado e os aluguéis por um ano. Também foi de grande impacto popular o reajuste do salário mínimo pelo valor médio da inflação dos últimos seis meses, mais um incremento de 8 % ": “Quando em novembro se realizaram as eleições, o Plano Cruzado já fracassara, mas ainda não era percep tível para o grande público”.'00 O PMDB elegeu todos os governa dores menos em Sergipe, obteve 261 cadeiras na Câmara Federal de um total de 487, o PFL, 116; 38 das 49 vagas no Senado.'01 No Pará, o PMDB, PDS, PTB, PCB e PCdoB, formaram a coligaçãç Movimento Democrático Paraense (MDP), tendo Hélio Gueiros como candidato a governador e Jarbas Passarinho (PDS) e Almir Gabriel como candidatos ao Senado.102 A Aliança entre o PMDB e o PDS foi a principal responsável pela grande diferença de votos que obteve Hélio Gueiros sobre os outros candidatos e pela eleição dos candidatos do MDP ao Senado,10'3 sendo o principal derrotado o ex-governador Alacid da Silva Nunes. O PMDB elegeu 13 deputados federais contra 2 do PDS e PFL, respectivamente. O PMDB obteve a maioria absoluta na Assembléia Legislativa, ele gendo 26 dos 41 deputados estaduais. Seis elegeu o PDS, cinco o PFL, dois o PT e um o PDT e o PMB.104 Aprovada a nova Consti tuição Federal em 1988,105 realizadas, nesse mesmo ano, as elei ções municipais em todos os municípios do país e com o retorno, em 1989, à escolha por sufrágio direto e universal do presidente da República, concluía-se o processo de transição política à democra cia no Brasil.
4. Conclui-se a transição política: os eleitores brasileiros elegem o presidente da República f
Mostra do descrédito nas lideranças dos partidos da Alian ça Democrática (PMDB-PFL), que deram apoio à ação de gover 163
no de José Sarney, foi a decisão dos eleitores ao escolher os candi datos que disputariapi o 2o turno das eleições para presidente da República em 1989: Fernando Collor de Mello e Luís Inácio Lula da Silva.106 Collor de Mello, eleito governador de Alagoas pelo PMDB em 1986, tentando não ser identificado como “candidato continuista” fundou o Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e centrou sua estratégia eleitoral numa feroz crítica a Sarney e à “classe política”, aliada a lemas “modernizantes” e propostas neoliberais, apresentando-se como defensor dos interesses dos “descamisados”. Em apoio à candidatura de Lula, o PT, PSB e PCdoB constituíram, em 1989, a Frente Brasil Popular (FBP). No 2o turno também apoiaram Lula o PDT, o PV, o PCB, e, à última hora, parte das lideranças do PSDB. Leonel Brizola e Roberto Freire (candidato do PCB) conseguiram com grande êxito transfe rir para Lula os votos que obtiveram no Io turno, o que não aconte ceu com o mesmo sucesso entre os votantes de Mário Covas. Ape sar da diferença de 9 milhões de votos em favor de Collor no Io turno, os dois candidatos chegaram à última semana da campanha eleitoral tecnicamente empatados nas pesquisas de opinião. Tabela 20 Resultados no 2o turno das eleições presidenciais de 1989 Collor
%*
Lula
%*
10 turno
20.611.011
28,5
11.622.673
11,0
2o turno
35.098.998
49,9
31.076.364
44,2
1°turno
794.162
48,3
295.627
18,1
2° turno
1.105.829
69,7
419.656
26,4
Brasil
Pará
Fonte: TSE. * Porcentagens relativas aos votos válidos.
164
Luís Inácio Lula da Silva venceu na Região Sul e em 13 l<\s capitais; Collor, nas outras regiões e capitais, entre elas São I ’aulo e todas as da Região Norte. Na totalização dos votos das 27 apitais, Lula superou a Fernando Collor de Mello por mais de 2 milhões de votos, mas o candidato do PRN ultrapassou em cerca >le 6 milhões os votos obtidos por Lula nos municípios restantes.107 <íurupá foi o único município paraense onde Lula superou Collor no Io e 2o turnos (no Io, também em Limoeiro do Ajuru). Na Região Metropolitana de Belém (Belém, Ananindeua e Benevides), Lula obteve 38,6% dos votos válidos. A capital paraense foi onde <\candidatura petista mais cresceu entre o Io e o 2o turno, parti cularmente nos bairros de São Brás (47,0%) e Umarizal (45,0%). Na maioria, dos outros municípios o incremento do número de votos foi menor. Lula teve melhores resultados em relação ao Io turno em 96 dos municípios e perdeu alguns votos em outros 10, entre eles, curiosamente, Gurupá e Limoeiro do Ajuru.108 Parte da responsabilidade pela grande diferença de votos favoráveis a Collor no Pará deve-se ao engajamento, sobretudo no 2o turno, de algumas das principais lideranças políticas paraenses em favor do candidato do PRN, entre elas o governador Hélio Gueiros e o prefeito de Belém, Sahid Xerfan. Jader Barbalho, ainda que não fizesse público seu apoio a Collor de Mello no 2 o turno, “liberou” os membros do PMDB e as lideranças políticas dos municípios do interior e de Belém a ele vinculadas para fazer campanha em favor de Collor.
4. 1.
A disputa pelo governo estadual e p el o c on t r ol e d o P M D B
Após as eleições de 1982, como assinalei acima, novas lide ranças político-partidárias consolidaram-se no Pará, acompanhan do a supremacia da preponderância político-eleitoral’ do PMDB. Entretanto, como ocorreu na maioria dos estados a partir de 1982 e, sobretudo, após o fim do Regime Militar, ao se transformar em 165
j
datos, com alianças pessoais è'partidárias e discursos bastante dife rentes daqueles que alimentaram suas campanhas em 1990. Assim é que, no Protocolo Político assinado pelos representantes dos par tidos que integrariam a Frente Popular Novo Pará, pode-se ler: "A coligação Frênte Popular Novo Pará’ considera que os políticos paraenses que tem se alternado no poder nas últimas décadas (Jarbas Passarinho, Alacid Nunes, Aloysio Chaves, Jader Barbalho, Said Xerfan, Hélio Gueiros e outros), revelaram-se coniventes com o atraso; com o saqueamento de nossas riquezas; com a corrupção — quando não eram eles mesmos os execu tores e favorecidos — ; com a apropriação indébita de nossas terras por uns poucos privilegiados; com o as sassinato de centenas de camponeses nos últimos anos pelo latifúndio; com a tortura nas penitenciárias e pos tos policiais [...]. Finalmente, a ação desses grupos à frente do governo estadual contribuiu para o empobre cimento e agravamento da miséria em que se encontra a grande maioria do povo do Pará” .1' 1 A Coligação Frente do Trabalho que deu apoio à candidatu ra de Jader Barbalho, integrada pelo PST, PTR e PDC, elegeu 11 deputados estaduais (10 do PMDB e 1 do PDC) e 6 deputados federais, todos do PMDB. Os partidos que deram apoio a Sahid Xerfan, PTB, PFL, PDS, PRN e PL, elegeram 21 deputados estaduais (8 o PTB, 7 o PDS, 4 o PRN, e 2 o PL) e 7 deputados federais (3 o PDS e o PTB, respectivamente, e l o PFL).112 A Frente Popular Novo Pará elegeu 4 dos 17 representantes paraenses à Câmara Federal e 9 dos integrantes da Assembléia Legislativa, 6 dos quais membros do PT. A vereadora de Belém e militante do PC do B, Socorro Gomes, candidata à Câmara Federal, teve uma votação recorde nas candidaturas proporcionais no Paíá até então: 62.082 votos.113 Jader Barbalho não levou muito tempo para am pliar sua base de sustentação política na Assembléia Legislativa. 1
-7
Poucos meses depois de assumir o mandato, já tinha o apoio de 17 deputados estaduais e *de 29 quando deixou o cargo, em abril de 1994. Referindo-se a este fenómeno, o jornalista Lúcio Flávio Pin to escreveu em 1992: “Ele [Jader] pode achar que esse resultado é consequên cia apenas de sua habilidade e argúcia, mas, na verda de, é um efeito do poder. Daí essa disputa obsessiva pelo controle da máquina oficial — e o prejuízo que essa guerra causa ao Estado e ao governo pelos que dele querem se apossar apenas para se servir. ”114
4 .2 .
1994: Novas eleições, novas alianças, novas lideranças
As eleições de 1994, pelo número de mandatos eletivos a serem renovados, são comparáveis apenas às de 19c50. Nas de 1994; cada eleitor podia votar em um candidato a presidente da República, a governador, em dois senadores, em um deputado federal e um deputado estadual. Uma nova reviravolta nas alian ças entre algumas das principais lideranças políticas paraenses ocorreu nessas eleições. Jader Barbalho, com o objetivo de fazer frente à candidatura de Hélio Gueiros ao governo estadual, aliouse, como ocorrera também em 1986, ao senador Jarbas Passari nho, que há meses vinha pensando na possibilidade de retomar, depois de quase trinta anos, o cargo de governador. Jader, afas tando Passarinho da concorrência, também facilitava, assim, seu caminho ao Senado. Avaliando sua participação na campanha eleitoral de 1994, Hélio Gueiros Júnior, que seria eleito vice-governador do Pará, escrevia: “O caminho de Barbalho para o Senado ficou mais fácil. Pura coincidência: o coronel Passarinho, candidato natural à cadeira do Senado, deixava de concorrer. Era uma adversário a menos para quem tinha feito um péssimo governo e estava muito desgastado.”115
Hélio Gueiros, fosse pela disposição de concluir seu man dato como prefeito de Belém (eleito em 1992), fosse por temer derrota, desistiu de candidatar-se e optou por apoiar Almir Gabriel, sendo seu filho, Hélio Gueiros Jr. o candidato a vice-governador. A coligação de partidos que deu suporte a Almir foi constituída pelo PSDB, PFL, PTB e pêla maioria dos partidos que forma ram, em 1990, a Frente Popular Novo Pará: PSB, PDT, PCdoB, PPS e PCB.1115Jarbas Passarinho teve o apoio do PPR, PMDB e P P " 7 O PT, PSTU e PY aliaram-se, negando-se a fazer parte de coligações nas quais se somaram partidos de direita. No Io turno das eleições, Jarbas Passarinho obteve 474.7 60 votos, e 517.309 no 2o. Almir Gabriel, que teve 469.809 votos em 3 de outubro, em 15 de novembro alcançou 870.827 votos. A diferença de mais de 350 mil votos em favor de Almir foi o resulta do da votação recebida da maioria dos eleitores que tinham optado por \41dir Ganzer no 1° turno (candidato que teve 229.005 votos) e do esforço de muitos prefeitos e líderes políticos dos municípios do interior, cabos eleitorais de Jarbas Passarinho que passaram a fa zer campanha pelo candidato que consideravam com maior chance de vitória. Assim, o que poderia ser denominado como “lógica esta dual da política local”, manifestou-se, mais uma vez, nessas elei ções. Jarbas Passarinho foi o mais votado no Io turno graças aos eleitores do interior (em Belém, conseguiu votação quase idêntica à de Valdir Ganzer); no 2a turno, Almir Gabriel venceu, não somente em Belém, mas também na maioria dos municípios do interior."8 O PMDB foi novamente o partido que elegeu um maior número de deputados federais no Pará, um total de 7, contra os 4 que obteve o PPR, 2 o PT. O PFL, o PDT e o PTB elegeram 1 deputado federal cada um. O PSB elegeu Ademir Andrade para o Senado e a outra vaga em disputa foi conquistada por Jader Barbalho. Vejamos na próxima tabela o número total de deputados eleitorais eleitos no Pará, segundo legenda partidária, a partir das eleições de 1982. Os dados de 1993 e 1996 representam a mudança de parti do de alguns dos deputados eleitos em 1990 e 1994. A respeito de 1993 é de destacar o crescimento do número de deputados vincula-
dos ao então governador Jader Barbalho, seja filiando-se ao PMDB ou ao PDC. Os dados de 1996 mostram também o crescimento da bancada do PSDB, partido do ex-governador Almir Gabriel. l p p
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As escassas chances de derrotar Lula que as pesquisas de opinião apontavam aos candidatos do PMDB, PPR, e PFL (para citar apenas os partidos que contavam com maior representação no Congresso Nacional), favoreceram a “costura” da candidatura do sociólogo, senador, ex-ministro de Relações Exteriores e então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, no sentido de aglutinar os setores políticos de centro e de direita. Líderes do PSDB, entre eles o próprio Fernando Henrique, já haviam tenta do se promover eleitoralmente participando do governo presidido por Collor. A oposição de setores do partido, sobretudo do setor liderado por Mário Covas, impediu, então, sua participação no governo federal, mas o impeachment de Collor facilitou-lhes esse caminho."9. Enquanto os partidos que apoiaram Lula eram todos do arco político da esquerda (PT, PSB, PCdoB, PPS, PCB, PSTU e PV), em torno Fernando Henrique Cardoso reuniu-se o bloco de forças políticas e económicas que Collor gostaria de ter tido a seu lado no primeiro turno das eleições (1989). Aliaram-se ao PSDB o PTB e o permanente “partido no governo”, o PFL, que indicou o candidato à vice-presidência, e, posteriormente, ou tros partidos de direita sem candidato. A campanha foi sustentada pelos principais grupos econó micos e financeiros e meios de comunicação, a máquina políticoadministrativa do governo federal, por muitos dos governadores e prefeitos e pela maioria dos candidatos aos cargos majoritários nos diversos estados. Polarizando-se a disputa entre Lula e Fernando Henrique, o Io turno adquiriu características de 2o turno. Assim, apesar de Lula haver tido cerca de 5 milhões e meio de votos a mais que os obtidos no Io turno das eleições de 1989, Fernando Henrique venceu já em 3 de outubro. Ao menor número de candi datos (8 em 1994, enquanto em 1989 eram 22), somou-se o escasso número de votos recebidos (também em comparação a 1989) pelos outros contendores. O candidato da coligação PSDBPFL foi o mais votado em todos os Estados e capitais, à exceção do Rio Grande do Sul (e também na capital, Porto Alegre), Dis trito Federal (Brasília), Belém (Pará), São Luís (Maranhão),
Teresina (Piauí), Aracaju (Sergipe) e Salvador (Bahia), onde Lula foi o mais votado.120 » Os resultados eleitorais na capital do Pará, sem esquecer que nesse estado Lula venceu somente em outros dois municípios (Ananindeua e Gurupá), parecem contradizer as avaliações de “bom senso”. Da coligação liderada pelo PT no Pará somente participa vam o PSTU e o PV, e seus candidatos a governador e senador não pareciam ter qualquer possibilidade de serem eleitos - no caso do candidato a governador, nem mesmo de ir para o segundo turno. Assim, a candidatura de Lula, como aconteceu em quase todos os estados, foi a que favoreceu as candidaturas ao governo estadual e ao Senado dos partidos que apoiavam a Lula, não desmerecendo a crescente projeção política das lideranças dos partidos de esquerda no Pará. A disputa pelo governo estadual entre Jarbas Passarinho e Almir Gabriel foi alimentada, como assinalamos, pela rixa existente entre Jader Barbalho e o então prefeito de Belém, Hélio Gueiros, apoiando cada um deles um dos candidatos. Des se modo, com a maioria da classe política paraense e dos meios de comunicação de massa dividida no pleito eleitoral em dois blocos (os partidários de Jader/Jarbas ou de Gueiros/Almir), influiu para que as eleições presidenciais ficassem, no Pará, em segundo plano. Por motivos de estratégia eleitoral, ataques fei tos a Lula e ao PT na mídia e pelos líderes das coligações que apoiavam Passarinho ou Almir foram pouco virulentos, em com paração com o ocorrido em alguns outros estados. Enquanto Jarbas Passarinho esperava que o PT se mantivesse neutro no 2o turno das eleições para governador e apoiava timidamente o candidato do seu partido à presidência da República (Esperidão Amin), Almir Gabriel contava com o apoio dos petistas no 2 o turno, não se envolvendo, por isso, decididamente na candidatu ra de Fernando Henrique - aliás, da coligação que dava susten tação a Almir participavam partidos que apoiavam a Lula.
172
Tabela 22 Candidatos com maior número de votos nas eleições presidenciais de 1994 FHC
%*
Lula
%*
Brasil
34.377 198
54,2
17.126.291
27,0
Pará
804.388
54,8
445.0 85
30,3
Belém*
173.993
-
202.079
-
Fonte: TSE. * Porcentagens relativas aos votos válidos
4 .3 .
Algumas reflexões a respeito de lideranças e partidos políticos
As cisões produzidas em alguns dos partidos políticos exis tentes no Pará mais parecem representar a aspiração de lideran ças pessoais na sua pretensão de alcançar o controle (ou nele perpetuar-se) das principais instituições políticas da região e dos instrumentos para aumentar, consolidar ou distribuir privilégios, seja diretamente ou através de aliados políticos, do que a obediên cia a projetos político-partidários e/ou programáticos diferencia dos. A disputa parece, de fato, restringir-se ao controle dos espa ços de poder político (governo estadual, prefeituras e representa ção na Câmara de Deputados, no Senado e na Assembléia Legislativa) para fazer carreira na vida política e beneficiar-se das prebendas que oferecem os cargos políticos. Nossas reflexões co incidem com as do sociólogo paraense Amílcar Tupiassu que, ao avaliar os resultados das eleições de 1962 no Pará, assinalava: “Não causa surpresa afirmar-se que, no Brasil, os par tidos carecem de definições mais firmes de suas ori173
gens, objetivos, interesses, idéias ou vinculações. Isto ocorre igualmente no Pará, onde eles nascem, progri dem ou se estiolam dependendo umbilicalmente de de terminadas lideranças pessoais. ”121 Essas considerações, e a vontade de situar-se no campo do partido vencedor, leia-se, do candidato que venceu as eleições para presidente da República, governador ou prefeito, isto é, nas pala vras de G uillermo O Donne ll, “ao sabor d os ventos do oficialismo”,122 podem servir, generalizando novamente, para ex plicar parte das rixas internas na maioria dos partidos, a própria mudança de legenda partidária de setores da “classe política” e a criação, fortalecimento ou crise de um determinado partido políti co no âmbito local, estadual o nacional. Como assinala também o jornalista Francisco Rolim em Política nos Currais: “[...] o princípio da fidelidade partfdária desaparece, em muitos casos, quer no fogo da campanha, quer após o término das apurações e no decorrer do exercí cio dos mandatos executivos e legislativos. E comum a passagem, de um partido para outro, de Prefeitos e Vereadores [...]. Prevalecem as acomodações e acer tos pré-eleitorais no plano concreto, sem formalismos legais vinculados à legislação de funcionamentos dos partidos.”123 Esses não são fenómenos novos no Pará nem tampouco em outros estados do país, aliás nem em outras partes do mundo. Por exemplo, depois da proclamação da República em 1889 (mudan ça de regime que não pôs fim, obviamente, às disputas travadas entre as diversas famílias oligárquicas no âmbito regional e local pelo controle dos governos estaduais e das prefeituras), a oligar quia paraense dividiu-se, principalmente, em dois blocos, os lemistas e os lauristas. O Partido Republicano do Pará (PRP), fundado em dezembro de 1889, era liderado por António Lemos 174
quando se produziu a cisão no partido, chefiada por Lauro Sodré, da qual veio a surgir, em 1897, a seção paraense do Partido Republicano Federal (PRF). A supremacia dos lauristas consoli dou-se durante o segundo mandato de Sodré (1917-1921) e estendeu-se até 1930, período em que se ampliou o número de propriedades latifundiárias rib Pará, enquanto se acentuou, como vimos acima, a crise dos setores económicos vinculados à comercialização de borracha. Ao dizer que as lideranças políticas que assumiram as prin cipais responsabilidades de governo no Pará até meados dos anos 1990, fossem as classificadas ou autodefinidas como conservado ras, de centro, progressistas ou de centro-esquerda, acabaram por representar os interesses de determinados setores das classes dominantes do país e do Pará, é importante assinalar que a iden tificação com esses setores não foi automática, nem representa a defesa dos interesses da “sua classe social ”, pois, em geral, as origens sociais da maioria das elites políticas paraenses, desde a proclamação da República até hoje, poderiam ser definidas como de classe média. Certamente, para muitos deles, a própria “car reira política” (fossem eles, antes de assumir responsabilidades relevantes de governo, membros do Exército ou desempenhassem profissões ditas liberais, como médicos, advogados, professores universitários etc.), converter-se-ia no principal mecanismo para ascender socialmente e tornar-se, alguns deles, parte da elite eco nómica. Essas reflexões poderiam ser, em parte, também perti nentes a respeito de alguns militantes dos partidos de esquerda no Pará, por exemplo deputados federais, deputados estaduais, vere adores e prefeitos do PT, cujas origens sociais poderiam ser defi nidas de “classe baixa” e que assumiram um papel relevante no cenário político estadual como lideranças dos trabalhadores ru rais, sindicatos urbanos e movimentos sociais, para os quais a “carreira política” também serviu para que hoje possam ser clas sificados dentro dos setores de classe média.
Notas 1R. A. W. Rhodes, “El institucionalismo”, 1995, p. 54. 2 Os antropólogos Moacir Palmeira e Beatriz Heredia utilizam o conceito tempo da política como sinónimo de tempo das eleições. Isto é, quando a campanha eleitoral transforma a geografia social em lugares de manifestação política pelos diversos candidatos na procura dos seus clientes ou potenciais clientes, leia-se eleitores (M. Palmeira e B. Heredia, “Les Temps de la Politique", 1993). 3 O uso que faço do conceito de elites é, em parte, similar ao definido por Norberto Bobbio: “ Por teoria das elites se entende a teoria segundo a qual, em toda sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por várias formas, é detentora de poder, em contraposição a uma maioria que dele está privada [...] [Entre] todas as formas de poder (entre aquelas que socialmente ou estrategicamente são mais importantes, estão o poder eco nóm ico, o poder ide ológico e o poder político) a teoria das elites nasceu e se desenvolveu por uma especial relação com o estudo das elites políticas. Ela pode ser redefinida como a teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder político pertence sempre a um restrito círculo de pessoas: o poder de tomar e de impor decisões válidas para todos os membros do grupo, mesmo que tenha que recorrer à força, em ultima instância" (Norberto Bobbio, “Teoria da elites”, 1984, p. 5). Entretan to, considero que o conceito de elites políticas pode ser usado também para definir as pessoas que exercem um papel de liderança em diferentes estruturas políticas (por exemplo, partidos, movimentos sociais), portanto não restrito apenas àquelas que, num determinado momento histórico, desempenharam (ou desempenham) funções de responsabilidade governamental e/ou institucional, mas também às que lideram grupos diversos e aspiram, com suas práticas polí ticas, a construir novos blocos de poder e/ou hegemonias. A respeito desse conceito, ver também, além do trabalho de Norberto Bobbio; Elisa Maria Perei ra Reis, “Elites agrárias, State-bulding e autoritarismo", 1982; e T. B. Bottomore, As Elites e a Sociedade, 1974, especialmente as páginas 7 a 21. Excelente pesquisa a respeito das elites políticas brasileiras no período Imperial é a tese de doutorado de José Murilo de Carvalho, subdividida em duas partes intituladas A Construção da Ordem: A Elite Política Imperial e Teatro de Som bras: A política Imperial. 4 Cf. Renato Lessa, “Fados de um republicídiò", 1989, p. 68. 5 Bolívar Lamounier, “Comportamento eleitoral em S ão Paulo: Passado e presen te", 1975, p. 15. (>Ver, a esse respeito, as pertinentes reflexões de Rosélia Piquet e Ana Clara Torres Ribeiro (orgs.), na introdução do livro intitulado Brasil, Território da D e sigualdade: Descaminhos da Modernização, 1991, p. 13-16. ' Tal como mostraram os resultados eleitorais obtidos pelos candidatos do PT e do PSB nas eleições de 1994 e 1996. Em 1994, Luís Inácio Lula da Silva,
candidato à Presidência da República, superou na capital do Pará os votos obti dos por Fernando Henrique Cardoso, e Ademir Andrade (PSB) foi eleito sena dor. Em 1996, o candidato do PT à Prefeitura de Belém, Edmilson Rodrigues, venceria o pleito eleitoral, sendo a primeira vez na história do município que um militante de um partido de esquerda assumia o cargo de prefeito. HAntonio Gramsci, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, 1989, p. 11. 9 A respeito do conceito gramscmno de hegemonia, ver, por exemplo, João A gos tinho A. Santos, “Gramsci: Ideologia, intelectuais orgânicos e hegemonia” , 1980, especialmente a página 62; e Luciano Gruppi, O Conceito de Hegemonia em Gramsci, 1978; e George Taylor, “El marxismo", 1995. 10Antonio Gramsci, Os Intelectuais e a Organização da Cultura, 1989, p. 11. 11 Idem, ibidem. 12 Idem, p. 3. 13Magalhães Barata nasceu em Belém em junho de 1886, passando sua infância em Monte Alegre, município do Baixo Amazonas (Pará). Em 1924, servindo em Manaus comõ Io tenente do Exército, somou-se ao movimento tenentista. Preso, foi trasladado a Belém para ser julgado. Após escapar da prisão, dirigiu-se ao Rio Grande do Sul para unir-se ao levante tenentista. Retornou a Belém em início de 1930; ao ser novamente preso, o Exército forçou seu traslado para o Rio de Janeiro. Após assumir o cargo de interventor federal ascendeu a capitão e, em agosto de 1931, a major do Exército. A respeito da biografia de Magalhães Barata, ver, entre outros, Socorro Costa, “Magalhães Barata, uma liderança po pular”, 1996; Arthur Cézar Ferreira Reis, “Síntese de História do Pará", 1972; e António Carlos, “Magalhães Barata, uma biografia recuperada”, 1989. 14Cf. O Liberal, “A política e as eleições em duas décadas republicanas do ‘ciclo’ de Magalhães Barata”, Belém, 15/11/82, p. 2; e António Carlos, op. cif., p. 38. A respeito de alguns dos acontecimentos políticos ocorridos no Pará entre 1930 e 1931, ver também Creso Coimbra, A Revolução de 3 0 no Pará (Análise Crítica e Interpretação da História), 1981. 15 Cf. O Estado do Pará, Belém, 03/01/31. 16 Cf. Denise de Souza Simões Rodrigues, “Alianças político-p&rtidárias no Pará (1889-1940)”, 1982, p. 8; Ernesto Cruz, História do Pará, 1973, p. 500501; e Luís Maklouf Carvalho, “Pesquisa biográfica”, 1980, p. 29. 17 A respeito de Deodoro de Mendonça, “chefe político do Tocantins” que con trolaria boa parte da coleta e comercialização de castanha nessa região paraense até os anos 50, ver o capítulo n° 3 deste livro. 18 Ver Denise de Souza Sim ões Rodrigues, op. cit., p. 8; e Ricardo Borges, \hltos Notáveis do Pará, 1986, p. 293-294. 19 Cf. O Liberal, “A política e as eleições”, op. cit., p. 2-3. 20 Durante o período de 1930 a 1935, dos 11 Estados então existentes no Norte (leia-se hoje Região Nordeste e Região Norte), somente Pernambuco e o Pará tiveram o mesmo interventor federal. O Amazonas, por exemplo, teve cinco
diferentes interventores, a Bahia três e seis o Rio Grande do Norte (Cf. Angela M. Region a l i smo e Cent r al i zação Políti ca: Pa r ti dos e de Castro Gomes - coord. Consti tu i nt e nos An os SO, 1980, p. 53). 21. Para maiores informações a respeito das disputas políticas no Pará no período de 1930 a 1935, consultar Denise de Souza Rodrigues, Par á 1 9 3 5: um estu do sobr e l i der an ça e conf l i to, 1979; Lindolfo Mesquita, Ma ga l h ães Ba r at a: O P ar áe sua História, 1944; Maria Luzia Alvares, Sai as, L a ços e L i gas — Construindo I ma gen s e L u ta s: Um Estu d o sobr e as For ma s de Par ti cip ação Políti ca das M u l h e r es Par aenses: 19 10 -19 37 , 1990. Ver também as monografias apresentadas ao
Departamento de História da UFPA, sob minha orientação pelo aluno Albert de Oliveira Ferreira, intitulada A Pri mei r a In ter vent or i a de Magal hães Barata (19 3 0 19 35 ) : D i scur sos, Pr áti cas e Confl i tos n o Esta do d o Pará, 1997; e, em março de 1998, por Silvestre Cardoso de Araujo Filho, O Cen ár i o Pol íti co Par aen se no Pr i mei r o Gover no do In terven tor Feder al Magalh ães Barata (1 93 0-19 35 ). 22 Ver, sobre este^xssunto, Ricardo. Borges, Vu l t os N ot ávei s do Pa r á, 1986, p. 297; e Socorro Costa, op. cit., p. 74.
2'~' Em 1946, o Partido Republicano Progressista, fundado em setembro de 1945, se transformaria, ao fundir-se com o Partido Popular Sindicalista e o Partido Agrário Nacional, ambos de origem paulista, em Partido Social Progressista (PSP), elegendo, nas eleições estaduais de 1947, a sua mais reconhecida liderança, o ex-interventor Adhemar de Barros, como governador de São Paulo com apoio, entre outros, dos militantes do PCB. Em 1950, o PSP apoiaria a candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da República. A principal liderança do P SP no Pará foi Deodoro de Mendonça, eleito deputado federal em 1945. . 24 Cf. Amílcar Alves Tupiassu, “As eleições paraenses de 19 62", 1964, p. 25. 25 Magalhães Barata obteve 56.763 votos e apenas 34.584 o ex-governador José Malcher, Cf. O L i b er a l , “A política e as eleições ”, op. ci t., p. 8. ' 2B I dem, ibi dem, p. 3. 27 Dos então 177.601 eleitores paraenses (aproximadamente 15% do total de habitantes que tinha em 19 47 o Pará), 68.0 98 votaram a favor de Moura Carva lho, 46.074 em Zacarias de Assumpção e 3.372 no candidato da UDN, Prisco dos Santos(Cf. idem, p. 4 e 8). 28 “Nota Oficial do Arcebispado do Pará", Folha do N ort e, Belém, 26/01/47; apu d José Queiroz Carneiro, O Pessedi sm o e o B a r a t i s m o no Par á, 1991, p. 79. 29 Carlos Rocque, A For ma ção Revol u ci onár i a do T en en t e M a ga l h ães Bar at a, 1983, p. 63. 3° fora m 94.7 94 o total de votos computados em favor de Assumpção e 94 .2 12 os que obteve Barata. A diferença de cerca de 17 mil votos em favor de Assumpção no município de Belém foram, assim, determinantes (Cf. O L i b er a l , “A Política e as eleições”, op. cit., pp. 4-5 e 8; e José Queiroz Carneiro, op. cit., p. 76). 31 No Pará, assim como em outros 8 estados do país, o mandato do governador era de cinco anos; nos restantes, de quatro. 178
32 José Queiroz Carneiro, op. cit., p. II. 33 Aurélio do Carmo, advogado, tinha sido chefe de polícia no Governo de Maga lhães Barata e, em 1960, foi eleito Secretário Geral do PSD. 34 Na recontagem final dos votos, Aurélio do Carmo teve 118 .129 votos, Aldebaro Klautau, 5 4.235 e Zacarias de Assumpção, 4 4.1 52 (Cf. O L i b er a l , “A Política e as eleições", op. cit., p. 9). 35 Mais da metade dos 600 dirigentes do partido no Pará eram comerciantes (328), 78 advogados, 41 estudantes universitários, 51 dentistas, 37 agricultores, 33 operários, 11 pescadores, 9 lavradores, 8 militares (Cf. José Queiroz Carneiro, op. cit., p. 53). 3(i Amrlcar Tupiassu, "\s eleições paraenses de 1966”, 1968, p. 29. 37 Cf. Jarbas Passarinho, M e m ó r i a s — Na Pl an íci e, 1991, p. 85; e depoimento ao autor de Raimundo Jinkings (Belém 15/12/92). 38 A entrevista com o dirigente do PCB no Pará, Raimundo Jinkings, falecido no dia 5 de outubro de 1995, foi realizada em Belém no dia 15 de dezembro de 1992. Legalizado em setembro de 1945, o PCB voltou à clandestinidade em 1948 ao ser cancelado seu registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (7 de maio de 1947) e cassado, pelo Congresso Nacional, em janeiro, de 1948, o mandato de todos os seus militantes eleitos nas candidaturas do partido entre 19 45 e 1947, entre eles o deputado estadual paraense, Henrique Felipe Santiago, e seus respectivos suplentes. Contudo, embora não tivesse conseguido sua legalização, o PCB exerceu considerável influência na política nacional até o golpe de estado de 1964, especialmente por meio da atuação de muitos dos seus membros, engajados nos sindicatos urbanos e rurais, no movimento estudantil e no meio intelectual e artístico. Nesses anos os militantes ou simpatizantes do PCB candidatavam-se a cargos políticos pelo PTB òu pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB ). A respeito do PCB e de outros partidos da esquerda brasileira que tinham presença no Pará nos anos 60 e até finais dos anos 70, ver Pere Petit, A E sper an ça Equil i bri sta, op. cit., páginas 30-33 e 46-49. 351Cf. Jarbas Passarinho, op. cit., p. 105. 40 Amílcar Tupiassu, “As eleições paraenses de 1966", 1968, p. 31. 41 Jarbas Passarinho, op. cit., p. 105-106. 42 Cf. A Pr ovín ci a d o Par á, Belém, 15/04/64. 43 Cf. .4 Pr ovín ci a d o Par á, Belém, 04/04/64. 44 Cf. Depoimento de Raimundo Jinkings. Para conhecer o número de sindicatos que sofreram intervenção nas diferentes regiões do país após o golpe de estado, ver Cândido Procópio Ferreira de Camargo et al., São Paulo 75: Cr esci ment o e Pobreza, 1976, p. 131. 45 Cf. depoimento de Raimundo Jinkings ao autor (Belém, 15/,12/9 2); J o r n a l d o Di a e O L iberal , Belém, 10/04/64; e Jarbas Passarinho, op. cit., p. 106-107. 46 Idesp, “Um balanço da violência no campo” , 199 0, p.57.
1 * 7A
47 Cf. “Relatório da Comissão de Investigação ”, A Pr ovínci a d o Pa r á , Belém, 18/06/64 dem, m, ibi de dem. m. 48 I de
40 Cf. “Dez paraenses na lista de ontem de cassação de mandatos e direitos", A Pr ovín ci a d o Par á, Belém, 10/06/64. dem, m, i bidem. bidem. 50 I de
51 Jarbas Passarinho, op. cit., p. 111. 52 I d em.
Cf. A Pr ovín ci a d o Par á, Belém, 02/06/64. 54 Cf. idem, 0 5 / 0 3 / 6 4 . 55 Cf. Cf. Amílcar Tupiass Tupiassu, u, “As “As eleições eleiç ões paraenses de 1 9 6 6 ” , 196 1 968, 8, p. 32. sb q “ Relatório de Investig Investigaçã açãoo Sumária” Sumári a”,, A Pr ovín ci a d o Pa r á, Belém, 18/06/64. 57 Jarbas Passarinho, op. ci t., p. 114 e 118. 58 Alacid da Silva Nunes nasceu nasceu em Belém no dia 25 de novembro no vembro de 1924 19 24.. Hoje tenenente-coronel na reserva, ingressou na Academia Militar das Agulhas Negras (Rio de Janeiro) em 1946. Em 1960 foi Secretário de Segurança do Território Federal do Amapá e, em 1961, governador interino do Amapá. Após a renúncia de Jânio Quadros retornou à vida militar. Em 1974 foi eleito deputado federal pela Arena, assumindo seu segundo mandato como governador do Pará em 1979. Em 1990 foi novamente eleito deputado federal, agora pelo PFL. Em 1994 não conseguiu se reeleger deputado e, em abril de 1998, abandonou o PFL PF L sem filiar-se filiar-se a qualquer qualquer outro outr o partido. 50 Cf. “A Provínc Província ia do Pará”, Belém, 0 2 /1 0 / 6 5 . h0 Cf. Amílcar Amíl car Alves Tupiass Tupiassu, u, “As “As eleiç el eiçõe õess paraenses de de 1 9 6 6 ” , 1196 968, 8, p. 38; 38 ; e O Liberal, “A política e as eleições”, op. cit., p. 7. 61 O presidente da República seria eleito de maneira i n d i r e t a pelo Congresso Nacional por maioria absoluta dos seus membros em sessão pública e votação nominal. nominal. Na Constituição Constituição de 1967 19 67 foi mantida a eleição i n d i r e t a do presidente da República que passaria passaria a ser eleito por p or um Colégio Eleitoral integrado pelos mem bros do Congresso - senadores e deputados federais - e um igual número de representantes por po r cada uma das Assembléias Estaduais, Estaduais, sistema que permaneceu permanece u vigente até 1985. 62 Humberto de Alencar Castelo Branco, Mensagem ao Congr esso Nacional do Pr esi dent e da da Repú Repúbli bli ca Caste Castell o Bra nco, 1966, p. 5-7. 8,3 Cf. Cf. Amílcar Tupia Tupiassu ssu,, “As “As eleições eleiç ões paraenses de de 1 9 6 6 ” , 196 1 968, 8, p. 38. 38 . 64 Nas eleições de 1962, o eleitorado paraense somava 421.531 pessoas, 4 2 0 .5 8 6 nas nas de 1 965 e 47 8 .68 .6 8 3 em 196 6 (2,2% (2 ,2% do tot total al de eleitor eleitores es bra brasi sile leii ros). Em 1966, o Pará estava subdivido em 83 municípios agrupados em 12 Zonas Zon as Fisiográficas Fisiográficas.. Quase 50 5 0 % dos eleitores residiam residiam na na Zona Zo na Bragan Bragantina tina,, na qual estava inserida o município de Belém, que somava, nesse mesmo ano, 16 4 .76 5 eleitores eleitores,, isto isto é, 34 ,8% ,8 % do colégio eleitoral eleitoral do Pará Pará (C (Cf. dados extraído extraídoss de Amílcar Alves Alves Tupi Tupias assu su,, As Eleições Paraens Paraenses es de 1 9 6 6 ” , 196 1 968, 8, p. 25 2 5 e 42). 42) .
dem, m, ibid em, p. 62. r"~ I de 66 Embora, no período de 1968 a 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) tivesse tido um crescimento com média an anua uall de 11 % (14 ( 14 % em 1973), 197 3), seus seus frutos não não foram igualmente distribuídos. Em 1960, 5% da população mais rica dispunha de 27,3% da renda per capita nacional; dez anos depois contava com 36,3%. Já a rend rendaa de 80% 8 0% da popul população ação dim dimin inuí uía, a, no mesmo período, período, de 45 4 5 ,5% ,5 % para para 3 6,2 6, 2 % Amazóni a, 1991, p. 46; e Werner Baer, A (Cf. Jean Pierre Lerroy, Uma chanfa na Amazóni i nd ustr ust r i al i zação e o dese desenvol vi mento econó económ m i co do Brasil , 1977, p. 253). 07 Cf. Maria Helena Moreira Alves, Est a d o e O posi ção n o Br asi l , (1964-1984 ), 1985 19 85,, p. 189; 189 ; e Luiz Navarro Navarro de Britto, "As "As eleições eleiç ões de 1 97 8 e seus seus resultados” , 1979, p. 17. 68 A p u d Francisco Francisco Sales Cartaxo Rolim, Políti ca n os Cur r ai s, 1979, p. 5. ™O segundo senador era eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral Estadual. 7HCf. HCf. Luiz Navarro de d e Britto Bri tto,, op. ci t ., p. 27. ci t., p. 22 e 171-172. 71 Francisco Sales Sale s Cartaxo Rolim, op. ci nós, 1977, p. 64-65. Dos doze prefeitos 72 Cf. Gerson Peres, A Vit ór i a de todos nós, eleitos pelo MDB em 1972, um ano depois quatro filiaram-se à Arena. Foram os dem, m, ibi de dem, m, p. prefeitos de Castanhal, Chaves, Bonito e Santa Maria do Pará (I de 71-73). 73 Através do Ato Institucional n° 3 (1966), foi estabelecida a possibilidade de que os partidos pudessem apresentar até três candidatos (sublegenda) para o mandato de prefeito e para cada uma das vagas ao Senado Federal em disputa. dem, m, i bidem, bidem, p. 99 e 183. Como assinalara Rolim: “No atual cenário político 74 Cf. i de nacional, nacional, caracterizado caracteriz ado pelo p elo bipartidarismo, pelo controle con trole dos Executivos estadu estaduais ais pelo Poder Po der Central, Central, atravé atravéss dos mecanismos conhecidos de indicação e escolha dos Governadores, a tendência óbvía óbvía é a do engrossame en grossamento nto das hostes arenist arenistas, as, mercê da transferência transferência de Prefeitos Prefeito s e Vereadores do d o MDB para a Arena” Are na” (Francisco (Francisco Sales Cartaxo Rolim, op. cit., p. 24). 24) . Em 1972 19 72,, a Arena tinh tinhaa organizado seu seu Diretório Municip Mun icipal al em 75 dos 83 municípios municípios do Pará e o MDB em 53. 53 . Em 1976, 197 6, apenas apenas no município de Aveiro a Arena não tinha Diretório Municipal, mantendo-se o MDB com o mesmo número (Cf. Gerson Peres, op. cit., p. 75-81). 75 Gerson Peres, op. cit., p. 10. 78 Cf. idem, p. 12 e 64-65. 77 Cf. idem, p.249-253, 265 e 271. Nestas eleições a diferença de votos entre o MDB e a Arena na capital do Pará nas candidaturas para deputado estadual foi mais mais sign signifi ifica cativ tiva: a: MDB, 12 4.49 4. 49 9 votos contra 81 .5 1 8 votos obtidos pelos pelos candi candi datos da Arena (Idem, Anexo Ane xo III, III, p. 65). 65 ). 78 Dos 8 deputados federais eleitos pela ARENA em 1966, 2 estiveram filiados à UDN, DN, 2 ao PTB, PTB , 1 ao PSD, 1 ao PDC, e 1 ao PL (1 sem vincu vincula laçã çãp p definid definidaa com anterioridade anterioridade à criação da Arena e do MDB M DB). ). Os 2 do MDB, Hélio Gueiros e João Menezes, foram lideranças do PSD (Cf. Amílcar Alves Tupiassu, “As eleições paraenses de 1966”, 1968, p. 46).
79 Em 1 97 0, o total de eleitores do Pará Pará era de 5 9 6 .8 3 8 , 7 5 3 .3 9 9 em 1974 e 952.239 dois anos depois, correspondendo, então, ao Pará, segun do a Emenda n° 1/77, três (3) deputados federais e mais um (1) por cada cem mil eleitores. 80 Ver, sobre este assunto, Luiz Navarro de Britto, op. cit., p. 18-21. 81 Jarbas Passarinho, op. cit., p. 154-155. berr ai, apud FASE, O Con t ext o Sóci Sóci o-Ec on ôm i co e Pol ít i co de Bel é m, 82 O Li be s.d., p. 12. Assem bl é i a L egi sl at i va — 1 5 d e 8,1Ver, 1Ver, a esse res r espei peito, to, Alacid Alac id Nunes, Mensagem à Assem J u l h o d e 1 9 6 7 — ; Fernando Guilhon, M ensa gem do Gover Gover n a dor àAsse Assem bl é i a Legis Le gisll ati va do Par Par á — 31 de M a r ço de 197 1.
84 Em 1967, quatro militares participavam do primeiro escalão do Governo de Aloysio Chav Chaves, es, assumindo as responsabilidades responsabilidades de Chefe do Gabinete Milit Militar ar,, S e cretaria de Estado de Segurança Pública, Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e Diretor-Presidente da Cia. Cia. Paraense Paraense de Abastecimento Abastec imento (Dados levantad levantados os em Aloysio Assem bl é i a L egi sl at i va d o Par á Chaves, Mensagem â Assem — 31 de M a r ço de 1 967) . er a l ; 85 Cf. entrevista de Jarbas Passarinho concedida a Carlos Rocque, para O L i b er apud. FASE, op. ci t., p. 12. tór i a das Lu ta s da CBB, s.d., p. 32. Wi FASE, Hi stór Obser vad or Ama zôn zôn i co, “Editorial ”, Ano 4, n. 30, Belém, s.d., p. 5. 87 Cf. Obse 88 As eleições municipais previstas para 1980 foram adiadas para 1982, sendo prorrogados prorro gados os mandatos mandatos dos prefeitos e vereadores eleitos eleitos em 1976. 197 6. ci t., p. 86; e “30 anos depois", Fol Fol ha d e S. Paulo, 89 Cf. Jean Pierre Lerroy, op. ci caderno especial, 27/3/94, p. 2. 90 O advogado Jader Fontenelle Barbalho, filho do deputado estadual do PSD e MDB, Laércio Barbalh Barbalho, o, nasceu nasceu a 2 7 de outubro de 1944 19 44,, em Belém. Sendo Se ndo um umaa das principais principais lideranças dos estudantes secundarista secundaristass de Belém antes antes do golpe de estado de 1964, em 1966 Jader Barbalho foi eleito vereador de Belém. Em 1971 foi eleito deputado estadual e, em 1974, deputado federal, reeleito em 1978. Sempre pela legenda do MDB. Em 1988 assumiu o Ministério da Reforma Agrá ria, sendo reeleito governador do Pará em 1990. Nas eleições de 1994 foi eleito senador. Pa r á, Belém, 29/10/82. 91 Cf. Di ár i o d o Par 92 Segundo diferentes fontes, no acordo estabelecido entre Alacid Nunes e Jader Barbalho previa-se o apoio deste a Alacid Nunes para o cargo de governador nas eleições de 1986. Compromisso que, como veremos, não foi respeitado, diferente mente da participação no Governo Gover no de Jader Jade r de pessoas vinculadas vinculadas a Alacid, con c onfo forr me se pode verificar quando se sabe que 10 dos 40 cargos de responsabilidade do primeiro governo de Jader Barbalho foram assumidos por pessoas que participa ram do último governo de Alacid Nunes. 93 A entrevista entrevista com “Gatão “G atão”” foi realizada, realizada, em Belém, no dia 10 de setembro de 1993.
Pa r á, Belém, 29/10/82. 1Cf. D i ár i o d o Par Cf. David Fleischer (org.), D a di sten são àab er t u r a : as el ei ções d e 1 9 8 2 , 1988, ,) 19, 80-8 1 e 244 . As percentagens percentagens dos votos obtidos pelos diferentes diferentes candid candidaa•os a governador nos diferentes estados podem ser consultadas em Rachel Meneguello, PT : A Form ação de um Par ti do ( 19 79 -19 82 ), 1989, p. 124. Jader Jader Bar Barba balh lhoo tev teve 50 1.60 1. 60 5 votos (46,1% ); Oziel Oziel Carnei Carneiro ro (PDS), 4 61 .96 9 \otos (42,5%); e Hélio Dourado (PT|, 11.010 (Cf. Tribunal Regional Eleitoral/ FRE e Rachel Meneguello, op. cit., p. 124). '* Todos os deputados federais federais da oposição opo sição votaram votaram a favor favor da emenda emenda,, 55 deputados do PDS votaram a favor, 65 contra e 112 não compareceram à votaCon soli da ção (Cf. (Cf. Bolívar Lamounier e Rachel Meneguello, Meneguello , Par t i dos Pol ít i cos e Con ção D em ocr át i ca : O Caso Br asi l ei r o, 1986, tabela 5, p. 125). O PT foi o único partido que se negou a participar da votação no Colégio Eleitoral por considerar que isso traía a mobilização pelas Diretas Já. Alguns deputados deputados federais do P T decidiram participar participar da votação votação no Colégio Eleitoral. Eleitoral. Foram Foram afastados da bancada petista p etista e acabaram abandonando o partido. 99 Cf. Boris Faus Fausto to,, "Completa-se "Completa-se aTransição: O Governo Sarney (1 9 8 5 -1 9 8 9 )” , 1996, p. 522. dem, m, ibi de dem, m, p. 523. 100 I de 101 Idem, p. 524. i0g Q- “Coligaç “Co ligação ão para fortal for talec ecer er o Pará” , Par áH oj e, Belém, Belém , ano III, III, n° 3, p. 13. 103 Hélio Gueiros, obteve o voto de 707.536 eleitores; Carlos Nascimento Levy, 186.0 18 6.053 53;; João de Paiv Paivaa Menezes Menezes.. 139.7 13 9.7 24 ; e Mário Mário Nazar Nazareno eno Noron Noronha ha,, 5577 .5 76 Sóci o-Econ ôm i ca s dos M u n i cípi os Pa r aenses aenses, (Cf. Idesp, I n f or m a ções Políti cas e Sóci 1987, p. 412). dem, m, ibi de dem, m, p. 411; e O L i b eerr a l , Belém, 20/12/86. 104 Cf. i de 105 Os 16 deputado d eputadoss federais feder ais do P T se abstiveram de participar partic ipar da votação vota ção no Congresso Nacional q u e aprovou a nova Constituição como forma de mostrar o seu desacordo em relação a alguns dos resultados finais nela consagrados. 106 Leonel Brizola (PDT), qu quee obteve obteve 1 1 .1 6 8 .2 2 8 de votos (15 ,4% ,4 % dos vo tos válidos), Mário Covas (PSDB), com 7.790.392 (10,7%) e Paulo Maluf (PDS), com 5.986.575 (8,2%), foram os outros três candidatos mais vota dos (Cf. dados do Tribunal Superior Eleitoral/TSE). 107 Cf. DESEP-CUT , “As eleiçõe eleiç õess e o governo gove rno Col C ollo lor” r” , 1 99 0, p. 10. los Porcentagens relativas aos votos válidos (Cf. Diretório Regional do PT, El ei ções Pr esi denci ai s de 1 9 8 9 — M ap a Fi na l das El ei ções no Esta d o do P a r á).
io9 q resu]ta.do exato foi de 708.703 votos a favor de Jader e 701.403 para Xer X erfa fan n (Cf. Di ár i o Ofi cia l do Esta d o do Pará, n° 26.860 , Bel Belém, 0 5 /1 2 /9 0 , P. 11). 1,0 Jader obteve 708.703 votos e Xerfan, 701.403 (Cf. TRE, Di ár i o Ofi cia l do E sta d o d o Par á, n° 26.860, Caderno 2o, Belém, 05/12/90, p. 11)
183 183
1,1 Pr otocol otocol o Pol Pol íti co da Fr ent e Popul ar N ovo Par Par á: PT, P SD B , P SB , PD T, PCd oB, e PCB, Belém, mimeo, 7 de maio de 1990, p. 1. 112 Cf. O L i b er er a l , B e l é m , 2 0 / 1 2 / 8 6 e 2 6 / 1 1 / 9 0 ; e Fol Fol ha de S. Paul o, 0 4 /
02/91. 113 Recorde superado em 1994 por outra mulher, também candidata à Câmara Federal, Elcione Zahluth Barbalho (PMDB), então esposa do ex-governador, que obteve 153.906 votos (Cf. O L i b eerr a l , Belém, 14/10/94). Pessoal , n° 100, Belém, 1992, p. 2. 114 Cf. “Eleição; O poder dividido”, J or nal Pes Campanh a 199 4, 1997, p. 23. n ° Hélio Gueiros Júnior, Di ár i o do Aban don o: Campanh 11(1 No Congresso Extraordinário Extraor dinário do PCB, realizado em janeiro de 1992 19 92,, a mai oria dos seus militantes optou por criar uma nova organização política: Partido Popular Socialista (PPS). O setor minoritário, que não aprovou a dissolução do "partidão "par tidão”” , deu deu continuidade à sigla PCB PC B após um breve períod per íodoo em que utilizou utilizou o nome de Partido Comunista (PC). 1'' O Partido Progressista Reformador (PPR) foi criado em 1993, resultado da fusão entre o PDS e o PDC (Partido Democrata Cristão, fundado em 1988). Dois anos depois, o PPR se transformaria em Partido Progressista Brasileiro (PPB), projeto partidário ao qual se somaram também os integrantes do PP (Partido Progressista, fundado em 1994, por iniciativa do Partido Trabalhista Renovador e do Partido Social Trabalhista). 118 E de destacar que no 2o turno o número de abstenções (44,4%), votos bran cos (0,9%) e nulos (9,2%) superou 50% do total dos eleitores paraenses (Cf. O Liberal, Belém, 14/10/94). 119 Dos 17 deputados federais do Pará, somente dois votaram contr.a o impeachment do presidente Collor, Collor, o ex-gove ex -governador rnador Alacid Nunes Nunes (PFL) e Osval do Melo (PDS) (Cf. “Belém festeja afastamento de Collor”, O L i b er er a l , Belém, 30/09/92). Paulo, 1 8 / 1 0 / 9 4 . ião Q- fol h a d e S. Paulo,
121 Amílcar Tupias Tupiassu su,, “As “As eleições eleiç ões paraenses de 1 9 6 2 ” , 196 1 964, 4, p. 50. 50 . 122 Guillermo Guiller mo O ’Donnell, ’Donne ll, “Hiatos, “ Hiatos, instituições insti tuições e perspectivas perspectiv as democr dem ocrátic áticas as”” , 1198 988, 8, p. 82. ,2 ,2S Francisco Sales Cartaxo Rolim op. cit., p. 23-24.
Município de Marabá: oligarquias, fazendeiros, posseiros e Grandes Projetos
Introdução As próximas páginas páginas destinam-se destinam-se a examinar alguns alguns dos aspectos que considero mais relevantes da história económica e política do município de Marabá, desde que foram instaladas, em fins do século XIX (pleno auge do ciclo da borracha), as primeiras moradias°e casas de comércio no espaço urbano hoje denominado Marabá Pioneira. Focalizo, em minha análise, o processo de con solidação do poder económico das Oligarquias do Tocantins,' a disputa entre as famílias oligárquicas pelo controle das principais instituições políticas no município, a influência do recente proces so de modernização económica e o surgimento de novas elites políticas que foram assumindo, a partir de meados dos anos 70, um papel relevante no cenário político local. Tento, assim, neste capítulo, fazer com que este estudo de caso, nos forneça subsídios para dar prosseguimento à análise da inter-relação entre atividades económicas, práticas políticas e ter ritório, partindo do pressuposto de que Marabá, além de ser um dos municípios que maior impacto sofreu pela intervenção na Amazónia Amazó nia das das diferentes instituições instituições controladas controlad as pelo governo fe deral, é também um caso exemplar para avaliar que as práticas políticas não estão apenas determinadas pelas mudanças na estru tura económica, mas também, entre outros fatores, pela capaci dade de adaptação dos sujeitos sociais aos “novos tempos temp os econ eco n ó micos e políticos”.2 As oligarquias oligarquias do Tocantins controlavam as prefeituras e Câmaras Municipais da região e conseguiram ampliar seu poder económico e político em decorrência, entre outras causas, das alianças estabelecidas, segundo momentos e circunstâncias, com 1 o
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os chefes do executivo paraènS5^(governadores ou interventores federais). Tais alianças políticas foram sendo sedimentadas no tra dicional, mas ainda hoje plenamente vigente, sistema de troca de favores favore s entre os governadores e os chefes políticos locais, isto é, através da concessão de cargos e benefícios económicos (terra, créditos, benefícios fiscais) em troca de apoios políticos (no trans curso da legislatura), e, quando chegava o tempo da política, política, dós votos dos currais eleitorais do interior. Entre as famílias oligárquicas do Sudeste do Pará que mai or sucesso tiveram na combinação entre poder económico e políti co, cabe destacar, a partir da segunda metade dos anos 20, a do chefe-político do Tocantins, Deodoro Machado de Mendonça e, posteriormente, a dos Mutran, família que exerceria notável influ ência económica e política no município de Marabá, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 50 e, especialmente, entre 1988 e 1991. Este foi o momento em que, além de ter sido eleito deputado estadual, o então chefe da família controlava os três pode po dere ress no município de Marabá: a Prefeitura, a Câmara Munici pal e o Judiciário. Nos anos seguintes os Mutran perderam todos esses cargos, resultado de uma ampla coligação de forças políticas,religiosas e movimentos sociais do município, como conseqiiência, além de outros fatores, das reiteradas denúncias de serem mem bros da família Mutran alguns dos principais instigadores da vio lência contra os posseiros e suas lideranças sindicais nos municípi os do Sudeste do Pará.
1. O núcleo núcleo urbano de Marabá Marabá na época da borracha No mês de junho de 1898, com o intuito de negociar com os “extractores de caucho que passando pela foz do Itacayuna, subiam o Tocantins”,3 o comerciante Francisco Coelho da Silva, que tinha chegado ao Sudeste do Pará em 1895 com o objetivo de vender um pequeno rebanho de gado vacum,4 fez construir, na 18fi
confluência dos rios Tocantins e Itacaiúnas, a primeira casa de comércio que daria origem ao núcleo urbano de Marabá.5 Antes de optar por construir sua moradia em “Marabá”,6 “attrahido pelo fascinio dos grandes grandes cauchaes cauchaes do Itacayun Itacayuna” a” ,7 Francisco Francisco Co Co elho passou alguns meses morando no Burgo Agrícola fundado, em 189c5, pelo deputado estadual goiano Coronel Carlos Gomes Leitão que chegou ao território paraense em 1894 fugindo dos seus seus inimigos inimigos políticos, os seguidores do intendente e chefe político polít ico local de Boa Vista do Tocantins (hoje Tocantinópolis), Francisco Maciel Perna: “Era a luta dos coronéis na disputa do poder políti co ” ,8 que ficou conhecida conheci da como com o a Guerra de Boa Vista.9 V ista.9 Carlos Leitão, acompanhado da sua família e de alguns dos seus partidá rios, desceu pelo rio Tocantins e, após cinco dias de viagem, che gou à cidade de São João do Araguaia, colónia militar fundada em 18c5 18c500 pelo governo gov erno da Província do Pará. Pará. Abasteceu-s Aba steceu-see de provisões, prosseguiu viagem e, finalmente... “[...] logo abaixo da foz do Itacaiúnas (quando suas águas se unem às do rio Tocantins) [viram-se] diante de uma enseada onde as águas eram verdes e profun das, em cuja periferia havia três pequenas ilhas [...]. Resolveu terminar ali sua viagem [...]. Ao local Carlos Leitão deu o nome de Burgos "1 "10. Em fevereiro fevere iro de 189c 189c55, segundo relatório rela tório enviado pelo se cretário geral do Pará, Manoel Baena, ao governador do Estado, Carlos Gomes Leitão obteve permissão oficial para fundar, na praia dos Quindangues, a margem esquerda do Tocantins, entre a foz do rio Itacaiúnas e a praia da Rainha, “um Burgo Agrícola [...] em condições de acommodar a installação de cem famílias nacionaes que, dos Estados de Goiáz e Maranhão [...], para este Estado do Pará” . 11 Para essa finalidade finalidade,, o governo paraense ofe of e receu a Carlos Leitão dez contos de ré is .12 » Até hoje é motivo de controvérsia quem foi o responsáv responsável el pela organização da expedição liderada pelos irmãos Pimentel, 187
que saíram do Burgo do Itacaiúnas, em dezembro de 1895, à procura dos campos geraes do Xingu, os quais seriam utilizados para a criação de gado. Ainda assim, todas as fontes consultadas coincidem em afirmar que foi produto casual dessa expedição o fato de o Sudeste do Pará ter-se incorporado, em fins do século XIX, à extração do “ouro branco ”. “E voltavam desanimados, abatidos, quando ao defron tarem a arvore que lhes servira de alvo dias antes, notaram que a seiva estravasada coagulara. Herminio [Pimentel] [...] colheu a pequena porção de leite coa gulado [...]. Carlos Leitão enviou aquelle leite assim coagulado ao commerciante de Belém, Alfredo da Ro cha Pereira, o qual, depois de submeter a amostra ao exame dos competentes, deu conta dos resultados nes tes termos: Caucho de excellente qualidade ”, 171 Segundo informações do engenheiro Ignácio Baptista de Moura, comissionado pelo governo do Pará para inspecionar, em 1896, o Burgo do Itacaiúnas, nesse ano ali residiam 222 pessoas, constituindo 55 famílias agrícolas.14 Após ser divulgada a desco berta de árvores de caucho, chegaram à região dezenas de goianos e nordestinos (principalmente dos Estados do Maranhão e Ceará). A crescente importância da extração de caucho no Sudeste do Pará provocou a decadência das atividades agrícolas no Burgo e a centralização das atividades comerciais em Marabá. Em 1906, residiam na cidade de Marabá cerca de 1.500 pessoas; mas “nem a metade vive lá de modo habitual. Tratava-se de uma população essencialmente ocasional, atraída durante alguns dias ou alguns meses pelo comércio da borracha”.15 Em 1913, Marabá e Lago Vermelho, distritos do município de São João do Araguaia, cons tituíram o município de Marabá (lei estadual n° 1.278, 2 7 /0 2 / 1913). O governo municipal foi instalado no dia 5 de abril de 1913, sendo nomeado primeiro intendente de Marabá o coronel Antonio da Rocha Maia.16 Em 1922, o município de São João do 188
Araguaia foi anexado ao de Marabá e, um ano depois, a vila de Marabá seria elevada à categoria de cidade.17 A população da cidade de Marabá foi estimada, em 1923, em cerca de 3 mil habitantes, e a do município (incluídos os habitantes do então ex tinto município de São João do Araguaia), em 6 .8 2 2 .18 Em 1926, no decurso de uma das periódicas*enchentes que desde 1906 tinha alagado em intervalos de vários anos as ruas e casas do hoje deno minado bairro da Marabá Pioneira,19 a população diminuiu para cerca de 2 mil habitantes, aproximadamente a mesma de 1922.20
1.1. O “surto da castanha” e as oligarquias do Tocantins “O ciclo da borracha transformou-se na fase da casta nha, e esta, pela facilidade de rendimento e elevado curto, despertou a ganância do seringueiro, que da noite para o dia viu-se transformado em castanhador. ” (Libero Luxardo) Marabá alcançou sua maior produção de caucho em 1914, 462,5 toneladas, que representaram 1,2% do total da produção brasileira desse ano.21 A partir de 1921 e até o segundo e curto “ciclo da borracha” (durante a II Guerra Mundial), a produção de látex do município nunca superaria as 100 toneladas. Coincidindo com a queda da demanda da borracha amazônica e do preço desse produto no mercado internacional, que fez diminuir a pro dução de caucho no município de Marabá,22 outro produto extra ído da floresta amazônica, que existia em abundância no Médio Tocantins, a castanha-do-pará, marcaria a história dessa região até os dias de hoje. Até início da década de 1930, o Estado do Amazonas era o maior produtor de castanha do Brasil. A partir de então e até finais dos anos 70, o Pará tomaria a dianteira, graças ao incre mento da coleta de castanha nos municípios do Médio Tocantins,
sobretudo no de Marabá. Dos 113.446 hectolitros de castanha que chegaram à praça de Belém em 1930, 74.301 procediam da região do Tocantins.^ Tabela 23 Município de Marabá produção de caucho e castanha: 1913-1 926 Ano
Castanha Caucho (toneladas) (hectolitros)
Ano
Caucho (toneladas)
Castanha (hectolitros)
1913
327,9
20
1920
228,9
17.878
1914
462,5
2.502
1921
92,0
27.965
1915
418,4
2.711
1922
61,4
27.020
1916
261,1
1.899
1923
42,3
61.705
1917
250,2
1.708
1924
26,9
77.548
1918
203,2
1.508
1925
15,2
84.595
1919
354,7
5.396
1926
21,3
120.417
Fonte: Deodoro Machado de Mendonça et. a/., Viagem ao Tocantins, p. 50.
Boa parte dos trabalhadores que realizava o serviço da coleta de castanha em Marabá, procediam do Maranhão e de Goiás e de outros municípios do Baixo Tocantins. Os castanheiros chegavam à cidade de Marabá, alguns deles trazidos diretamente pelos contratadores de pessoal, poucas semanas antes do período de safra da castanha, que geralmente se iniciava no mês de janei ro e se prolongava até maio e, às vezes, até junho ou julho.24 O sistema de aviamento, “aperfeiçoado” durante o ciclo da borra cha, convertera-se também na base das relações económicas entre os diversos setores implicados na coleta e comercialização da cas tanha. Em Viagem ao Tocantins assim se resumem as atividades do castanheiro: “Fornecido pelo patrão’ , da aviação’ necessária para a sua tarefa, apresenta-se ele para seguir para o ponto
que lhe foi destinado, onde se arrancha em ligeira bar raca erguida perto do rio, sozinho, ou com o número de companheiros determinados pela capacidade do castanhal. Ficando o ponto em rio navegável, a colhei ta é ai mesmo entregue ao patrão no pequeno barco a motor d’explosão.”25 O transporte da castanha foi facilitado pelas embarcações movidas a vapor, diesel ou, a maioria, a gasolina. Em 1916 che gava a Marabá o primeiro barco a motor; dez anos depois já eram cerca de setenta esse tipo de embarcações, algumas com capacidade superior a 40 toneladas que faziam o transporte dos produtos do município até Alcobaça, hoje Tucuruí, num percurso de 201 quilómetros, em três dias de ida e volta. Os barcos movi dos a remo, com uma capacidade máxima de 20 toneladas, de•moravam cerca de um mês para fazer o mesmo percurso. A maioria dos produtos não agrícolas consumidos em Marabá pro cediam de fábricas e comerciantes de Belém: gasolina, ferragens, munições, medicamentos etc. Parte dos mesmos eram destinados às transações feitas com comerciantes goianos e maranhenses que vendiam em Marabá gado, o toucinho, a carne salgada, rapadu ras, queijos, cereais e outros produtos sertanejos.26 Em 1926, existiam aproximadamente 40 casas comerciais em Marabá. Até meados dos anos 20, a firma que liderou a compra de castanha no município foi a dos Irmãos Chamon: “[...] filhos de uma antiga família da área, de origem libanesa, chega ram a Marabá vindo do Maranhão no início do século. Envolvidos no comércio do caucho — tinham casa comercial em Marabá, depósito de castanha em Alcobaça e uma casa recebedora locali zada em Belém (a José Chamon e Cia., criada em 1921)”.27 Nos anos seguintes, entre os principais comerciantes que atuavam em Marabá, destacavam-se, além dos irmãos Chamon, a Borges <5? Cia., firma de Belém associada em Marabá à Casa Medeiros (ambas possuíam no município quatro barcos a motor) e a Dias ‘27 Cia. Limitada, firma vinculada ao “chefe político do Tocantins”,
o advogado nascido em 1889 no município de Cametá, Deodoro Machado de Mendonça, que era representada em Marabá por familiares de Mendonça e pelo seu aliado político e intendente municipal, o coronel João Anastácio de Queiroz.28 Em 1927, além do intendente municipal, sete dos oito inte grantes do Conselho Municipal eram também comerciantes,29 des tacando-se entre eles, pelo seu poder económico, o presidente do Conselho, major Martinho da Motta Silveira, e o vogal major Uady Moussalem. Ambos, e João Anastácio de Queiroz, dedica vam-se também à cria de gado.'30 Vejamos, a seguir, as pertinen tes reflexões do antropólogo Otávio Velho sobre o papel economi camente preponderante que exerciam os comerciantes na produ ção de borracha. Suas palavras também nos ajudaram a enten der melhor algumas das mudanças que ocorreram nas formas de apropriação e uso da terra na região do Itacaiúnas-Tocantins du rante o ciclo da castanha. “Aparentemente, na área do Itacaiúnas, a exploração da borracha sempre foi livre. Qualquer um que quises se poderia internar-se na mata em busca de gx>ma. Desde o início aparece a figura do comerciante, nacio nal ou de origem sírio-libanesa [...]. Poderiam ser ho mens que ao contrário da imensa maioria já traziam algum recurso; ou então, que se elevavam acima da massa investindo aquilo que ganhavam na própria área no comércio. Numa região em que a terra não consti tui bem escasso, não aparece a figura do latifundiário como o poderoso por excelência. O bem escasso nas regiões longínquas são o capital e os meios de comercialização [...]. Isso se torna muito mais verda deiro quando a atividade económica predominante de modo praticamente absoluto só tem sentido em função do mercado, e de um mercado que não é o local, com o produto não possuindo, para os produtores, pratica mente nenhum valor de uso.”31 1
r\ crt
Até os primeiros anos da década de 20, “dominou na região de Marabá de modo praticamente absoluto o sistema dos castanhais livres, numa quase continuidade, do ponto de vista sociológico e ao nível da produção, com o sistema de exploração da borracha nessa região”,32 mas, a partir de 1924, o governo do Pará passou a arrendar terras de castanhais aos interessados na coleta da casta nha. Arrendamento outorgado a particulares e firmas comerciais apenas para os meses da safra, que poderia ser renovado, para o mesmo período, nos anos subsequentes. Em Marabá, por decisão formal do governo estadual, competia ao intendente municipal, na época João Anastácio de Queiroz, definir a área, preço e número de castanhais a serem concedidos, em lotes, aos diferentes interessados. “Os castanhais eram arrendados uns seis a oito meses. Por exemplo, existia a política lá do governo, aquilo que era lá do governo ele dava para arrendamento tantos tempos para aquela pessoa. No próximo ano tornava a renovar aquele arrendamento. Então o go vernador tinha aquilo, assim, como uma base política.” (Depoimento de Otaviano Alves de Souza)33 Um dos melhôres exemplos que temos na história do Pará da importância que sempre representou um cargo político rele vante no executivo estadual para incrementar o número de pro priedades rurais (devolutas ou não), foi Deodoro Machado de Men donça, secretário geral do Pará, nos governos de Dionísio Bentes Carvalho (1925-1929) e José da Gama Malcher (1935-1943). Em fins dos anos 20, Deodoro de Mendonça já era proprietário de 11 castanhais, que totalizavam 53.556 hectares de terra, além de 11.779 ha que estavam registrados em nome da Dias & Cia., firma da qual ele era um dos principais sócios.34 Segundo um exvereador de Marabá: *
“[...] antigamente poucos eram donos de castanhais; só Deodoro e seus aliados é que tinham castanhais de
propriedade conseguidos nos governos Souza Castro e Dionisio Be-ntes. Por motivos políticos, a maioria des ses castanhais era concedida a título precário; se você não era do lado do Deodoro [...], você perderia o castanhal. Depois que Barata entrou também aconte cia a mesma coisa, para ter castanhal tinha que estar do lado dele.”3'5 Entre algumas das ações implementadas pelo governo es tadual após a Revolução de 1930 que tiveram importantes con sequências na vida económica de Marabá durante o período em que Magalhães Barata exerceu o cargo de interventor-federal, cabe mencionar a decisão de anular os arrendamentos das ter ras de castanhais concedidos pelos governos estaduais anterio res, extinguir a modalidade de aforamento perpétuo, estipular que o total de terras do Estado a ser vendido a particulares não poderia superar os 4.356 ha e de manter os castanhais como serventia pública.36 Com isso, segundo Creso Coimbra, Maga lhães Barata, “pretendia moralizar a atividade extrativa dos castanhais, que era, segundo os revolucionários, um motivo de verdadeiro escândalo, prejudicial aos interesses financeiros do Estado, e fonte de enriquecimento ilícito dos apaniguados e pro tegidos dos governos anteriores”.37 A permanência como intendente municipal de Marabá, por expressa vontade de Barata, de João Anastácio de Queiroz,38 pa rece também haver influído na ruptura económica e política deste com seu anterior “chefe político”, Deodoro de Mendonça, que, após a vitória da Revolução de 1930, além de ser preso durante umas semanas, teve seus bens interditados39: Anastácio de Queiroz filiou-se ao Partido Liberal e Deodoro de Mendonça, preso nova mente em 1932, por ter manifestado “sua solidariedade à Revolu ção Paulista”,40 partiria, junto a outras lideranças políticas paraenses opostas à Revolução e, sobretudo, ao baratismo, para a organização, em 1934, da Frente Única Paraense.41 Posterior mente Deodoro de Mendonça lideraria a também antibaratista 194
União Popular.42 É de se destacar, nesse mesmo contexto político, a atuação em Marabá da firma A. Borges & CIA cujos sócios se aliaram a membros do Partido Liberal no município, contribuin do, assim, para o enfraquecimento económico e político de Deodoro de Mendonça e das pessoas que continuaram a ele ligadas.43 A mudança de governo em 1935, após ser eleito José Malcher governador, significou uma nova reviravolta política das pessoas e grupos económicos vinculados à comercialização da castanha. Em 1937, após o golpe de estado liderado por Getúlio Vargas que instauraria o Estado Novo, o deputado federal Deodoro de Men donça retorna a Belém, reassumindo seu papel preponderante na política estadual, novamente como Secretário Geral do Governo, e no contexto político-económico dos municípios do Sudeste do Pará. Nos anos 40, Deodoro de Mendonça continuava sendo a pessoa que maior número de terras de castanhais controlava nessa região. O retorno, em 1943, de Magalhães Barata ao Pará, novamente como interventor federal, significaria um novo afastamento de Deodoro de Mendonça do governo paraense. Após o fim do Estado Novo (1937-1945), Deodoro, sempre inserido em partidos que faziam oposição a Barata, continuaria ativo no cenário político regional e nacional, agora, sobretudo, como deputado federal.44 Referindo-se a Deodoro de Mendonça, o escritor, jornalista e também antibaratista, Ricardo Borges, escreve em Vultos Notáveis do Pará: “[...] nunca subestimou a força dos acontecimentos, a capacidade dos adversários, a qualidade dos correligi onários [...]. Porque sabia transigir, sem perda da subs tância de sua sobrevivência política, não individual, mas de chefe de eleitorado através de amizades e simpatias que inspirava e irradiava, por qualidades suas peculia res, e de maior suporte na região Tocantina, de sua tradicional família: eleitorado sempre bastante para lhe assegurar valer e impor-se nas composições ou com petições partidárias. Esse o segredo de sua vida políti ca vitoriosa.”45 195
Nas eleições de 1950, o líder do PSP, Deodoro de Men donça, fez parte da Coligação Democrática Paraense, que ajuda ria a eleger Zacarias de Assumpção governador do Pará, candi datura que também contou no Sudeste do Pará com o apoio do comerciante Nagib Mutran.46 Esta opção política de Nagib facili taria a posterior emergência dos Mutran como principal família oligárquica do Sudeste do Pará. Os Mutran, comerciantes de origem sírio-libanesa que residiam no município de Grajaú (Maranhão), foram instalando-se na cidade de Marabá durante a segunda metade dos anos 20. “Os Mutran chegaram aqui faz muito tempo [...]. Che gou primeiro aqui o velho Aziz Mutran, que era o pai de Nagib, trazendo com ele os irmãos dele, que eram o Kalil e Abraham Mutran. Aí a família foi crescendo... São três famílias Mutran [...]. Tem o Jorge Mutran, falecido, que tem uma grande firma em Belém, e tem o Benedito Mutran, falecido também [...], que possui fir ma em Belém. Mas, política mesmo, só deu mesmo o Nagib.” (Depoimento de Otaviano Alves de Souza) . Em 1927, segundo a relação dos comerciantes que atuavam no município, mencionada no livro Viagem ao Tocantins, Kalil Mutran aparecia como proprietário de duas embarcações a motor e a firma Aziz Mutran c£? Filhos como proprietária de uma embarcação.47 Vinculados, inicialmente, à firma A. Borges “3? Cia., após José Malcher assumir o mandato, os Mutran desliga ram-se dessa firma comercial e, graças à aliança política com Deodoro de Mendonça, conseguiriam ampliar o número de terras de castanhais sob seu domínio (comprados ou, em sua maioria, arrendados). Em fins dos anos 40, os Mutran já eram um dos principais grupos económicos do Sudeste do Pará, controlando parte da coleta e comercialização de castanha nessa região.48 Até 1954, ainda que a compra de terras de castanhais não deixasse de ser importante, a forma mais comum de apropriação 196
dos castanhais foi através do sistema de arrendamento. Em fins de 1954, o governo de Zacarias de Assunção, daria prioridade à concessão de títulos de terra através do sistema de aforamento ou enfiteuses (lei estadual n° 913), instituindo, assim, “o direito de uso da propriedade em perpetuidade aos beneficiários, em troca de um pagamento fixo e Anual para o Estado”.49 Favorecendo o governo estadual, na concessão de títulos de aforamento, as pes soas que anteriormente tivessem arrendado o castanhal pretendi do, não é difícil imaginar que as principais beneficiadas fossem as famílias que possuíam um maior número de áreas de castanhais sob o sistema de arrendamento, por exemplo, os Mutran.'50 Em 1959, segundo dados do governo estadual, dos 137.756 hectolitros de castanha produzida no Pará, 25.619,5 hectolitros foram recolhidos em terras de propriedade privada, 9.048 em ter ras arrendadas, 35.143 em terras aforadas e 67.585 em terras do Estado. No município de Marabá foram produzidos, nesse mesmo ano, 88.996,6 hectolitros (64,6% do total), sendo que 19.052,5 hectolitros em terras privadas, 7.850 em terras arrendadas, 29.7 52 em terras aforadas e 32.341 em terras do Estado” .51
2. O “mundo da política” Retornando ao cenário político, é de se destacar que Nagib Mutran, filiado à UDN, foi, após duas tentativas frustradas, eleito prefeito de Marabá em 1958 ao vencer nas urnas, por 126 votos de diferença a Marin de Queiroz, candidato do PSD apoiado pelo governador Magalhães Barata.52 “Marabá sempre teve essas duas posições políticas im portantes. Era os Mutran, de um lado, e o pessoal do outro [...]. Teve uma eleição de governador que foi a de Assunção com Barata [1950] [...]. Mas antes teve a eleição de Moura Carvalho que ganhou as eleições [ja neiro de 1947] [...]. E então aqui ficou de chefe políti197
co do partido [PSD] [...] o Carneiro [...]. Os Mutran pertenciam à UDN e o partido do Barata era o PSD [...]. Então tinha essa coisa, a gente avisava o seguin te, que a UDN nunca serviu no Brasil, porque ela era, assim, digamos assim, um partido da elite, sabe como é ? ; e o PSD era tido como um partido dos pés raspados [...], pelo povo [...]. [Em Marabá] sempre teve [maior influência] o PSD, mas quando foi 58 [...] Nagib Mutran foi eleito [...]. Por sinal, ele fez um governo até bom, não pode negar aqui. Foi ele que trouxe de Belém [...], trator [...], trouxe carro, caçamba, trou xe Jipe.” (Depoimento de Otaviano Alves de Souza) Diferentemente de Nagib Mutran, deputado estadual do Pará eleito pela legenda da UDN em 1962,53 que, acusado de corrupção,54 teve seus direitos políticos e, portanto, seu mandato cassado, Pedro Marinho de Oliveira,'55 eleito prefeito de Marabá em 1962,56 permaneceu no cargo até o fim do seu mandato (1966). “Quando houve o golpe militar [...], o Pedro Mari nho era o prefeito [...], aí ele foi a Belém a falar com o Jarbas Passarinho [...], e falou com ele lá. Aí ele, o Jarbas Passarinho [...], disse: O senhor continua como prefeito de Marabá. Aí pronto, começou a receber as ordens [...], e aí começava aquela ciumada[...].” (Depoimento de Otaviano Alves de Souza)57 A disputa entre os diferentes setores da oligarquia marabaense pelo controle da prefeitura e do partido governista (Arena), isto é, entre as diferentes alas nas quais a Arena se subdi vidia no município, deve inserir-se também, como aconteceu na maioria dos municípios paraenses com outros setores da elite po lítica e/ou económica local, na disputa existente, no âmbito esta dual e federal, entre as duas mais influentes lideranças políticas paraenses no período de 1964 a 1982, os ex-governadores Jarbas 198
Passarinho e Alacid Nunes. Em Marabá, a rixa deu-se, principal mente, entre os Mutran, os Marinho e os membros da família de Osório Pinheiro, fazendeiro e exportador de castanha, “tido como uma das maiores fortuna individuais da região tocantina”.58 “Aí o PSD acabcrn [...], transformou-se no MDB, e a UDN transformou-se na Arena [...].O [Jarbas] Passa rinho pertencia à Arena [...], e os Mutran sempre es tão de lado do governo, quase, né? [...]. Mesmo cassa do que foi, eles tentaram, assim, ficar do lado deles, porque eles eram com Passarinho. Então o negócio é esse... Agora, em Marabá existia [...] a Arena-1 e Arena-2 [...]. Passarinho ficava puxando, observando, tudo era governo! [...], era tudo Arena, tudo Arena [...] Eles [Pedro Marinho e Nagib Mutran] já estavam sepa rados [...], não eram mais amigos, politicamente não.” (Depoimento de Otaviano Alves de Souza) Até a extinção do sistema bipartidarista em 1979, a influên cia político-eleitoral do MDB na maioria dos municípios do Sudeste do Pará foi quase nula. A Aliança Renovadora Nacional (Arena) era praticamente o único espaço de atuação partidária na legalida de, e as disputas políticas entre os setores da classe dominante manifestaram-se nas diferentes facções que foram surgindo no seio desse partido. A preponderância eleitoral da Arena em Marabá foi tão absoluta que nem sequer diretório municipal conseguiu organi zar o MDB neste município. Portanto, até a extinção do sistema bipartidarista, todos os vereadores de Marabá foram eleitos pela legenda da Arena. Além disso, também estavam filiados à Arena todos os deputados estaduais residentes em Marabá que foram elei tos nos anos 70. Nas eleições de 1974, por exemplo, a Arena obteve formalmente em Marabá59 o voto de 4.471 eleitores para seus candidatos a deputado federal e 4.891 sufrágios parâ os que se candidataram a deputado estadual, contra 28 e 30, respectivamen te, obtidos pelo MDB.60 Plínio Pinheiro Neto (Arena), nascido em 1QQ
Marabá em julho de 1946, foi eleito deputado estadual em 1974, sendo reeleito, em 1978,*graças aos 7.471 votos obtidos nos muni cípios de Marabá, Itupiranga, Jacundá e Tucuruí.61 Aziz Mutran Neto (Arena), diretor da Associação dos Exportadores de Castanha do Brasil, nascido em Marabá a Io de agosto de 1929, também foi eleito deputado estadual com 8.571 votos.62 A declaração de Marabá, em 1970, como Area de Segu rança Nacional, favoreceu a emergência de novos atores políticos no município que não estavam diretamente vinculados às diferen tes famílias oligárquicas, por exemplo, o capitão do Exército Elmano Melo e o engenheiro civil Haroldo da Costa Bezerra. O primeiro prefeito-interventor nomeado foi Elmano Melo,15'5 que exerceria o cargo entre 1971 e 1972. “O pessoal conhecia ele aqui [...] como capitão Elmano [...]. O próprio Jarbas Passarinho ajudou Elmano por que ele era protegido dele. O Elmano [...]. Ele veio de Belém interventor para cá, prefeito nomeado. Mas, então, ele ficou lá daqui do povo contra os Mutran [...]. Trabalhou muito esse homem, fez tudo, fez rua,• fez praça [...], foi ele que desdobrou a cidade.” (Depo imento de Otaviano Alves de Souza) Em 1973, o ex-prefeito Pedro Marinho, que presidia o diretório municipal da Arena em Marabá, foi nomeado interventor municipal em substituição a Elmano Melo: “Pedro Marinho de Oliveira voltou a comandar o mu nicípio que governou em épocas passadas, eleito por esmagadora votação popular. Hoje sua missão é dife rente, pois o município está enquadrado na faixa de segurança nacional e chega ao poder nomeado pelo Governador do Estado. Ao tomar posse prometeu paz e trabalho em favor do povo marabaense. Isso vem cumprindo em todos os pontos do município.”64 onn
Em 1975, o indicado seria Haroldo da Costa Bezerra, -filho de cearenses que passaram a residir em Marabá quando Haroldo era ainda uma criança. Haroldo Bezerra, que permane ceria no cargo até 1979, fornece-nos, a seguir, sua versão dos principais motivos que favoreceram sua indicação: A intenção da Sudam [...] era colocar um engenheiro em Marabá, que tivesse [experiência na] área de sane amento, experiência com obras e que fosse um técnico da região. Então a indicação partiu por aí... Nesse tempo eu trabalhava no Rio Branco, no Acre, fazendo esgoto sanitário [...]. Quando surgiu politicamente a ir\dicação do meu nome, que foi via os diretórios políti cos de Marabá daquele tempo, e o Plínio Pinheiro, que era deputado, foi quem me pediu... Ele foi para Rio Branco e ficou lá uns três ou quatro dias para tentar me convencer que eu deveria vir para cá [...]. Do ponto de vista político teve a influência da liderança local, o Plínio, que era deputado estadual [...]. Naque le tempo (Plínio Pinheiro) não estava vinculado (aos Mutran), disputando com eles. A família dele não era ligada com os Mutran naquele tempo. Inclusive o Plínio tinha disputado (eleitoralmente) com os (..) Mutran [...]. O Plínio [...] ganhou a final de 1974 [...]. A briga pelos castanhais, pelas coisas todas... Eles tam bém tinham grandes áreas aqui [...]; o pai, o avô do Plínio Pinheiro. Então eles eram uma ala diferente, dis tinta na política, todo o mundo em função dos seus inte resses [...]. O Plínio era Arena-1 e os Mutran eram Arena-2. Eles eram tudo Arena, não tinha nenhum ou tro partido [...], eu nem sequer me filiei à Arena [...]. Eu vim, passei quatro anos como prefeito e saí da pre feitura sem me filiar a nenhum partido político [...]. Os que eram nomeados não precisavam de filiação, os de putados precisavam [...]. Então naquele tempo aconte
ceu isso, eu acredito nesses dois fatores aí. A questão política, realmente, e o outro a questão técnica também [...]. Porque o Superintendente da Sudam chamava-se Hugo de Almeida, a gente já tinha trabalhado juntos porque ele tinha sido Superintendente da SUFRAMA no Amazonas [...]. E quando surgiu o nome, que a Sudam tinha força nisso daí, surgiu o nome do Haroldo [...]. Eu tinha trabalhado em Manaus, Roraima, Rondônia e o Acre [...]. Eu tinha 28 anos nesse tempo. (Depoimento de Haroldo Bezerra).”65
3. Marabá na época das grandes transformações A partir da segunda metade dos anos 1960, membros da família Mutran converteram-se nos maiores compradores e ex portadores de castanha do Brasil através das diversas empresas destinadas ao beneficiamento da castanha que instalaram em Belém. Em 1965, começou suas atividades a Benedito Mutran Cia. Ltda.; no ano seguinte a Exportadora Mutran Ltda.; e, em 1971, fòi instalada a Jorge Mutran Exportadora Ltda.66 Segundo informa ções fornecidas ao jornal “O Liberal”, em 1997, por Délio Mutran, presidente da Associação de Exportadores de Castanha do Brasil, o volume de produção de castanha no Pará atingiu seu pico em 1975: 20 mil toneladas.67 Nos anos 90, foram, em média, umas 7 mil as toneladas produzidas anualmente.68 A Região Amazônica que sofreu uma queda mais expressi va na produção de castanha foi a do Médio Tocantins-Araguaia. No início dos anos 70, 40% da produção de castanha da Amazónia brasileira era comercializada no município de Marabá; em 1983, a região do Tocantins-Araguaia produziu somente 1 /5 do total.69 A partir de então, o Acre produzia duas vezes mais castanha que o Pará, e a produção do Amazonas também superava a paraense.70 A diminuição do número de castanheiras foi a grande responsável pela queda da produção, em decorrência da queima das áreas de 909
castanhais, para a implementação de projetos agropecuários e para a agricultura de subsistência por parte dos posseiros (a mai oria deles procedentes do Maranhão e Piauí), e do corte das árvo res (Bertholletia excelsa) pelas empresas madeireiras.71 O envelhecimento dos castanhais, provocado pela coleta intensiva do produto que dificulta a brotação de novas castanheiras, e as queimadas da floresta, “com fumaças que ficam semanas e semanas rente ao solo, [...].[prejudicando] a floração normal das castanheiras e também a reprodução dos besouros ou abelhas que realizam a polinização das flores”,72 são outras das razões apontadas para explicar a queda da produção de castanha. Tam bém influiu na sua diminuição a escassez de mão-de-obra disponí vel para sua coleta como consequência dos melhores salários pa gos aos trabalhadores contratados para a construção da infraestrutura requerida para a implementação dos projetos do Pro grama Grande Carajás, e da transformação em garimpeiros de não poucos castanheiros, sobretudo dos que optaram por melho rar suas condições de vida procurando ouro em Serra Pelada.'3 Assim, segundo informe da Prefeitura de Marabá de 1984: “[...] pode-se prever o fim do ciclo da indústria de extração de castanha, como de alguma importância para Marabá. Na atualidade, já é desprezível o montante de mão-de-obra empregada, dentro do contexto geral.”'4 Ainda que a maioria dos projetos agropecuários aprovados pela Sudam no Sudeste do Pará tenha beneficiado grandes latifundi ários e/ou empresas agroindustriais de outras regiões do país, parte dos mesmos também foi utilizada pelas oligarquias dessa região para incrementar o número de suas propriedades rurais ou “modernizar” outras. Por exemplo, as famílias que controlavam a produção de castanha intensificaram, a partir de meados da década de 70, o desmatamento de castanhais para o plantio de pastos para a cria de gado e/ou para garantir a posse definitiva das terras de castanhais, ao converterem os antigos aforamentos em títulos definitivos. 907,
Ambos os processos, isto é, a chegada dos novos latifundiá rios e a transformação *no uso das terras de castanhais, fizeram com que, a partir de meados dos anos 70, a pecuária se tornasse a principal atividade económica no Sudeste do Pará, até serem descobertas as jazidas de ouro em Serra Pelada (1980) e come çarem a funcionar alguns dos projetos do Programa Grande Carajás.73 Em 1985, como poderemos apreciar na próxima tabéla, 66% do total dos estabelecimentos rurais existentes em Marabá eram destinados a atividades agrícolas, ocupando 206.451 hecta res, o que corresponde a 25% das terras definidas como rurais no município. Entretanto, os 20% dos estabelecimentos formalmente destinados à pecuária detinham cerca de 50% da área rural. Ao extrativismo estavam reservados 184.170 hectares (22% do to ta l)/5 subdividos em 162 “propriedades ”, a maior parte delas pertencentes aos Mutran.77 Em 1992, o rebanho de Marabá esta va avaliado em 133.050 animais (74.500 cabeças de gado bovino e 56.500, de suínos)/8 Um ano depois, boa parte da produção agrícola de Marabá continuava destinada à subsistência das famí lias camponesas e de outros moradores do município. Nesse ano foram produzidas 4.050 toneladas de mandioca, 1.040 de arroz,. 780 de milho e 530 de feijão. Entre as culturas permanentes, cabe mencionar a produção de manga, laranja, banana e abacate. O incremento das atividades industriais e do setor terciário (atividades comerciais e de prestação de serviços) também ajudou a mudar o quadro sócio-econômico de Marabá. Predominam no município os estabelecimentos incluídos no setor terciário, sendo que no sub-setor comércio, os 893 estabelecimentos então existen tes empregavam 2.384 trabalhadores/9 Em 1970, eram 62 os estabelecimentos industriais existentes em Marabá, 74 em 1975, empregando um total de 338 trabalhadores, subindo a um total de 203 indústrias em 1995, somando um total de cerca de 3 mil trabalhadores nelas empregados.80 Ainda que a maioria das indús trias radicadas no município sejam de pequeno porte (serrarias, fabricantes de tijolos e telhas, móveis de madeira etc.), cabe menci onar a instalação no Distrito Industrial de Marabá, inaugurado em
Tabela 24 Município de Marabá Propriedades rurais segundo atividade económica: 1985 Atividade económica
N° de propriedades
Agricultura
2.772
*
%
Area (ha)
%
66
206.451
25,0
Pecuária
846
20
424.495
50,0
Agropecuária
251
6
17.604
2,0
Horti-Floricultura
5
-
149
0,2
159
4
9.425
1,0
162
4
184.170
22,0
100
842.294
100,0
Avicultura Extrativa ' Vegetal Total
4.195
Fonte: I B GE — Cen so Agr opecuár i o — 1985, apud Secretar i a Alunicipal de Pl an ej am ent o da Pr efei tu r a de Mar abá, 199 5, p. 21.
março de 1988, das empresas siderúrgicas (ferro-gusa) a car vão vegetal (obtido a baixo custo dos resíduos de madeira das serrarias e das árvores cortadas para as atividades agropecuárias na região), Cosipar (Cia. Siderúrgica do Pará), que conta com dois alto-fornos com capacidade para produzir um total de 170 mil toneladas/ano de ferro-gusa, e a empresa Simara (Siderúrgi ca de Marabá Ltda.), com um alto-forno com capacidade para produzir 70 mil toneladas/ano.81 As mudanças sócio-econômicas no Sudeste do Pará, re presentadas pelos projetos de colonização da Transamazônica (BR230), pela abertura das rodovias que ligam os municípios da re gião à capital do Pará e à Belém-Brasília, pelas novas grandes fazendas agropecuárias, pela construção de Tucuruí e das instala ções para a extração do minério de Carajás, pela descoberta de ouro em Serra Pelada, pela inauguração da ferrovia CarajásPonta da Madeira, que tem estação na cidade de Marabá, e pela 20 5
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instalação de empresas siderúrgicas, foram as grandes responsá veis pelo acelerado crescimento populacional do município de Marabá, como podemos apreciar na próxima tabela. Tais dados ainda seriam mais espetaculares se incluíssemos os habitantes dos novos municípios que foram sendo criados nos últimos anos, cujo território pertencia anteriormente ao município de Marabá.
3.1.
Conflitos pela Terra
A extremada concentração da propriedade da terra exis tente no Sudeste do Pará obrigou as centenas de famílias campo nesas chegadas a essa região a ocupar, como posseiros, áreas formalmente reservadas à coleta de castanha e/ou a fazendas agropecuárias. Em Marabá, por exemplo, 84% da área rural cadastrada estava, em 1980, nas mãos de 221 estabelecimentos com área superior a 1.000 hectares.82 As oito propriedades ex cepcionalmente grandes (maiores de 10 mil ha), que existiam em 1985 no atual território do município de Marabá (15.157 km2),83 reuniam um total de 185.806 hectares, e 405.120 ha eram ocu pados pelas 142 propriedades muito grandes (1.000 a 10.000 ha). As propriedades excepcionalmente grandes e as muito gran des concentravam 70% das terras rurais sob domínio privado no município (842.294 ha). A violência empregada para expulsar os posseiros foi a cau sa principal que levou os municípios do Sudeste do Pará a se con verterem, desde início dos anos 1980, no cenário do maior número de conflitos agrários e assassinatos de posseiros e suas lideranças sindicais ocorridos no Brasil, parte dos quais aconteceram em Marabá, que é um dos municípios onde existe uma das mais altas concentrações da propriedade da terra do país. Segundo dados do Idesp, do total de 630 conflitos agrários ocorridos no Sudeste do Pará no período de 1960 a 1993, 3 deles aconteceram na década de 60 (0,5%), 37, nos anos 1970 (5,8%), 422 deles, na década de 80 (67,0%) e 168, entre 1990 e 1993 (26,7%). Do total de 603 206
Tabela 25 Marabá -População total, urbana e rural: 1940-1995 Ano
Área (km2)
1940
81.691
1950
59.742
1960 (*)
Total
Rural
Urbana
12.553
4.027
8.526
11.130
4.920
6.210
59.742
20.089
8.772
11.317
1960 (**)
37.373
14.280
8.342
5.938
1970
37.373
24.474
14.585
9.889
1980
37.373
59.915
41.657
18.258
1985
37.373
152.044
109.419
42.625
1991 "
15.157
122.231
102.364
19.867
*
29.783 15.157 186.526 156.743 1995 Fonte: IBGE, Censos Demográficos do Pará, 194 0, 195 0, 1960 e 1970; dados 1980 e 1985, OASPUC, Plano Diretor de Desenvolvimento Integra do do Município de Marabá, Belém, 1988 (4 vols.), apud Tourinho (1991), p. 157, 168 e 415; dados 1991, IBGE, Sinopse Preliminar do Censo Demográfico de 1991 — Pará; dados 199 5, projeção elaborada pela S e cretaria Municipal de Planejamento de Marabá com base na taxa de cresci mento anual a partir de 1991 (11,2%). * População de Marabá, Santa Isabel do Araguaia e São João do Araguaia. ** So mente população de Marabá.
conflitos desse período, 101 ocorreram no município de Marabá, 71, em Conceição do Araguaia e 60, em Xinguara.84 Nos últimos anos do Regime Militar e nos primeiros da Nova República, o governo federal não abandonou a política de incentivos fiscais destinada a favorecer o incremento do número de grandes latifúndios na Amazónia. Entre seus efeitos pode-se apontar o incremento dos conflitos pela terra entre as diferentes “frentes de expansão na área de fronteira”. Até finais dos anos 70, a maioria dos conflitos agrários no Brasil aconteceu nas regi ões Sul, Sudeste e Nordeste. Posteriormente, tiveram como prin cipal cenário os territórios da Amazónia Legal, sobretudo o Pará, estado onde ocorreu o maior número, de conflitos agrários e de *
assassinatos de trabalhadores rurais e lideranças sindicais do Bra sil desde início dos anos 80. Em 1991, o padre Ricardo Rezende informava que das 1.603 mortes de trabalhadores rurais e de líderes sindicais, políticos e religiosos ocorridas no Brasil, entre 1964 e 1990, 503 aconteceram nos municípios paraenses.8” No IV Congresso da Contag, realizado em 26 de maio de 1985, o presidente da República, José Sarney, comprometeu-se, diante de mais de 5 mil trabalhadores rurais, a iniciar a esperada reforma agrária. Nesse ano, o Ministério da Reforma e do Desen volvimento Agrário (Mirad) calculou em 12 milhões o número de lavradores sem terra.86 No esboço do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), a proposta era assentar 300 mil famílias por ano no decénio 1985-1995. Depois de ser modificado doze vezes, o projeto foi finalmente apresentado no dia 19 de outubro de 1985. O objetivo tornara-se então assentar 110 mil famílias, nos 4 milhões 620 mil hectares a serem desapropriados, até o final daquele ano e no seguinte; entretanto: “Em janeiro de 1987 haviam sido desapropriadas, por decreto, 256 áreas, correspondendo a 1.558.949 ha [...]. Mas, na realidade, só tinha havido emissão de posse para 101 áreas que cobriam cerca de 521.000 hectares de terras já habitadas por lavradores. E só foram assentadas, aproximadamente, 10 mil famílias [:..]. Além desses resultados medíocres, a Reforma Agrá ria foi enterrada de vez com o Decreto 2 363, de novembro de 1987,87 que, além de extinguir o INCRA [...] acabou com qualquer esperança de se realizar a reforma agrária neste país.”88 Nem José Sarney, nem a maioria das lideranças dos parti dos da Aliança Democrática (PMDB-PFL), tiveram vontade polí tica de tocar nos interesses dos grandes proprietários de terra. Se Colin Henfrey já havia assinalado que o PMDB estava se tornan do prisioneiro de interesses agrários constituídos,89 que dizer do
PFL, surgido dos coronéis nordestinos? A Campanha Nacional de Reforma Agrária (CNRA), coordenada pelas organizações sindi cais Contag, CUT, CGT e MST, que visava exercer pressão sobre os membros da Assembléia Nacional Constituinte, não conseguiu fazer mudarem de posição os deputados e senadores de direita e centro-direita, majoritários na Constituinte. Antes disso, um gru po de fazendeiros, para fazer frente à luta pela terra e à reforma agrária reivindicada pelos trabalhadores rurais, fundaram (no mesmo mês e ano em que Sarney fizera suas promessas no Con gresso da Contag) a União Democrática Ruralista (UDR). A UDR não se limitou a defender suas teses entre os parla mentares e nos meios de comunicação de massa, mas converteu-se na principal instigadora da violência contra os trabalhadores rurais e suas lideranças: “A entidade passou a atuar em dois campos: o político-militar e o político-parlamentar [...] organizaram forças paramilitares [...] eliminando de forma seletiva as lideranças do movimento camponês 90 Em 1987, segundo dados da própria UDR, a entidade tinha 200 organizações distribuídas por 19 estados, so mando 230 mil sócios e cerca de 60 deputados federais constituin tes favoráveis aos seus interesses. As principais lideranças da UDR no Pará eram fazendeiros de Paragominas, município no qual resi diam três dos membros de sua direção nacional.91 Um informe do Instituto de Desenvolvimento EconômicoSocial do Pará (Idesp), publicado na revista Pará Agrário, relata que, entre finais da década de 60 até 1988, ocorreram no Pará 529 mortes relacionadas aos conflitos agrários, 426 das quais de trabalhadores rurais, a maioria posseiros, 17 dirigentes sindicais e 41 pistoleiros.92 Apesar de os dados fornecidos pelas diversas fontes sobre o número total dos assassinatos serem, no geral, contraditórios, isso não reduz, de forma alguma, a dramaticidade das cifras. Os anos de 1985, 1986 e 1987, teriam sido aqueles em que ocorreram o maior número de mortes no Pará: 101, 129 e 81, respectivamente (segundo dados do Idesp). Nos anos transcorridos da década de 90, o Pará foi, mais uma vez, o estado brasileiro onde ocorreu o maior número de 209
assassinatos decorrentes dos conflitos pela terra. A maioria dos assassinatos no Pará aconteceu nas microrregiões do Araguaia, Guajarina e Marabá. Rio Maria (Araguaia) foi, entre os municípi os brasileiros, o que teve maior número de conflitos agrários e mortes deles decorrentes, tendo sido os posseiros e líderes do STR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais) e do PCdoB as principais vítimas dessa violência. Também em represália à luta que empre endiam em favor dos trabalhadores rurais, foram assassinados duas das principais lideranças políticas da esquerda paraense des de os anos 70, os advogados Paulo Fontelles (PCdoB), em junho de 1987, e João Carlos Batista (PSB), em dezembro de 1988.93 O pior massacre contra camponeses ocorrido no Brasil nas últimas décadas aconteceu no município de Eldorado do Carajás, no dia 17 de abril de 1996, quando foram assassinados pela Polícia Militar do Pará 19 trabalhadores sem terra e 50 ficaram feridos. Nos governos de José Sarney, Fernando Collor de Mello e Itamar Franco, enquanto se deteriorava o sistema de saúde e a educação pública e a distribuição da renda per capita se mantinha em níveis escandalosos,94 o Brasil continuou sendo um dos países com pior distribuição de terras privadas no mun-, do,95 com mais de 65% da população rural vivendo abaixo da linha de pobreza, tendo uma renda mensal inferior a 25% do salário mínimo.96 Frequentemente, sobretudo nos meios de comunicação de massas, os conflitos e a violência presentes nas áreas rurais da amazônia Legal são apresentados como se fossem o custo inevitável da “modernização do campo na fronteira agrícola”. Uma espécie de faroeste à brasileira, do qual também estaria ausente o Estado que poderia, com sua ação mediadora, evitar os conflitos pela terra. Contudo, não é a ausência ou “neutrali dade” do Estado aquela que determina a “lei da selva” nas áreas rurais da Amazônia. Ao comtrário, com o explicita Alfredo
Tabela 2 6
Número de conflitos agrários: 1980-1990 Pará
Amazónia Legal*
Brasil
N° de Pessoas atingidas no Pará
1980
84
299
-
-
1981**
20
53
-
3.366
1982
39
111
-
9.038
1983
27
122
-
13.587
1984
53
249
-
16.842
1985.
78
306
636
64.385
1986
80
250
634
31.884
1987
58
296
582
52.957
1988
88
247***
621
14.185
1989
66
204
500
12.237
Ano
22.065 401 163 55 1990 Fonte: Relatórios dos Conflitos Agrários do CPT, a pud Alfredo Wagner B. Almeida, Conflito e Mediação... p. 99-1 77. * Os dados referentes a Goiás e Maranhão, por não estarem especificados nos relatórios da CPT, foram incluídos na Amazónia Legal. ** Agosto a dezembro de 1981. *** A partir de 1988, o território de Goiás pertencente à Amazónia Legal passa a corresponder ao novo Estado do Tocantins.
Tabela 27 Número de mortes'decorrentes dos conflitos agrários no Brasil e no Pará: 1971-1993 Período
Brasil
Pará
1971-1974
92
29
1975-1979
237
45
1980-1984
499
100
1985-1989
641
361
1990-1993
-
67
Fonte: Carlos Silveira et al., O campo quer paz, p. 9; IDESP Pará Agrário, n° 6-7, p. 43, e ed. especial Conflitos Agrários, p. 45-5 6; O Liberal, 2 7.6 .9 4
Wagner Berno de Almeida, o mais notório pesquisador dos confli tos agrários ocorridos na Amazônia Legal nas últimas décadas, tem-se na região: “[...] uma ação geral do Estado, que, além de impor medidas rígidas de controle social a índios e posseiros no acesso formal à terra, faculta vantagens creditícias, incentivos fiscais e concessões de extensas glebas a grupos empresariais a pretexto de racionalidade económica [...]. A generalização da violência na fronteira não é [...] contingente, constituindo-se num dado de estrutu ra, essencial a este tipo de desenvolvimento capitalista. A anuência a esta assertiva permite que se fale numa modernização de caráter autoritário, que inova con servando, como pressuposto para uma reflexão sobre a ação governamental na Amazônia nas décadas men cionadas. ”97
Certamente, o Estado favoreceu a ampliação dos latifúndios na Amazónia e a expulsão “legal” — mediante a violência direta ou a tolerância para com a violência praticada por fazendeiros e madeireiros — dos camponeses e povos indígenas das terras que ocupavam. Mostra disso é que, até 1990, nenhum dos mandantes dos assassinatos de trabalhadores rurais e seus líderes no Pará tinha sofrido qualquer condenação e somente um dos pistoleiros que os cometeram foi julgado como culpado.98 Em abril de 1994, a mobilização contra a violência dos fazendeiros e a omissão das autoridades judiciárias iniciada pelos STRs, parlamentares dos partidos de esquerda e entidades de direitos humanos nacionais e internacionais resultou na condenação do pistoleiro José Ubirajara a cinquenta-anos de prisão pelo assassinato, em abril de 1990, dos irmãos Paulo e José Canuto, filhos do presidente do STR de Rio Maria (Sudeste do Pará), João Canuto, assassinado em 1985." Também corre na Justiça o processo contra os policiais militares que participaram do massacre de Eldorado do Carajás.
4. Auge e decadência política da família Mutran Ao serem extintos a Arena e o MDB, os Mutran, seguindo Jarbas Passarinho, ingressaram no PDS. Enquanto Plínio Pi nheiro Neto, como fizeram outros membros da Arena afinados politicamente com o então governador do Pará, Alacid Nunes, ingressou no PTB. Também ingressaram no PDS o major Curió (eleito deputado federal em 1986), que controlava a extração de ouro em Serra Pelada, e o ex-prefeito Haroldo Bezerra. Nas eleições de 1982 e 1986, a principal disputa eleitoral nos muni cípios da microrregião de Marabá estabeleceu-se entre os que apoiavam as candidaturas para deputado estadual de Haroldo Bezerra, Plínio Pinheiro Neto ou Aziz Mutran (em 1982) e Nagib Mutran Neto (PDT) (em 1986). Haroldo Bezerra foi o único deles que foi eleito em ambos os pleitos eleitorais (em 1986 pela legenda do PMDB).100 91 ^
Em 1985, o município de Marabá, deixa de ser caracteri zado como Area de Segurança Nacional, permitindo que os elei tores tivessem novamente a possibilidade de escolher seu prefeito. O vencedor desse pleito eleitoral foi Hamilton Bezerra (PMDB), que obteve 11.185 votos contra 3.683 de seu principal concor rente ao mandato de prefeito, o ex-deputado estadual Osvaldo (Vavá) dos Reis Mutran, candidato do P DS.101 Para derrotar a principal família oligárquica do município, Hamilton Bezerra con tou com o apoio do governador do Pará, Jader Barbalho (19831986), e de boa parte das lideranças dos movimentos sociais, sindicatos e partidos progressistas do município. Contrariamente ao que se poderia esperar dos resultados das eleições realizadas em Marabá em 1982, 1985 e 1986 e da incorporação, no total de eleitores do município, de pessoas não vinculadas às atividades económicas dos Mutran, nas eleições de 1988 e 1990, os descendentes do ex-prefeito de Marabá e deputa do estadual, Nagib Mutran, conseguiram sua melhor performance político-eleitoral nesse município desde que optaram, a partir dos anos 1950, por tentar ocupar os espaços político-institucionais para consolidar e ampliar seu poder económico. Em 1988, Nagib Mutran Neto (PDT) foi eleito prefeito de Marabá, seu tio, Guido Mutran, vereador e, dois anos depois, Vavá Mutran, seu pai, de putado estadual.102 Por mais difícil que seja avaliar as causas dessa reviravolta política em Marabá, talvez alguns elementos nos proporcionem subsídios para sua compreensão. Além da administração de Ha milton Bezerra que foi considerada “desastrada” e do fato de Nagib Mutran Neto ser um “cara novinho, médico recém-formado e [que] trabalhou fora do esquema familiar” (Depoimento de Haroldo Bezerra), o que facilitou o apoio à sua candidatura por parte de profissionais liberais e alguns comerciantes do município, seguramente outros fatores tiveram igual ou maior importância no resultado das urnas. Segundo diferentes depoimentos e fontes consultadas, o fato de que, desde 1985, a juíza de Marabá fosse Ezilda Pastana,
casada com Osvaldo Mutran Júnior, favoreceu o apoio à candida tura dos Mutran por parte dos novos fazendeiros do sul, alguns dos quais participavam da União Democrática Ruralista (UDR) e outros que aguardavam resposta judicial sobre a validade da com pra de suas propriedades ou a reintegração da posse das fazendas ocupadas por trabalhadores rurais.103 A família Mutran controla va o Sindicato Rural de Marabá com o qual os membros da UDR não mantinham, até então, digamos assim, uma relação muito amigável. Seja como for, o fato é que a UDR fez campanha em favor da candidatura de Nagib Mutran Neto, organizando, inclu sive, alguns leilões de gado para recolher fundos para a mesma. Outro aspecto que seguramente contribuiu para a vitória dos Mutran foi sua aproximação com o ex-governador e então ministro Jader Barbalho. Essa aliança foi se construindo poucos meses antes das eleições de 1988, quando o Mirad, no momento em que Jader Barbalho era seu máximo responsável, adquiriu, no denominado Polígono dos Castanhais do Tocantins, 58 castanhais com título de aforamento (219.462 ha no total), 38 dos quais eram “proprieda des” de diferentes membros da família Mutran, somando 135.679,9 hectares. Além desses imóveis, adquiridos a Cz$ 10.000 (cruzados) o hectare, o Mirad desapropriou também outros três imóveis com títu los definitivos de propriedade da firma Benedito Mutran e Cia. Ltda., 15.549,9 ha comprados a Cz$ 13.979,24 o hectare.104 “Em 1988 [...], disputei a candidatura de Marabá para prefeito pelo PMDB e aí eu perdi a eleição para o Nagib Mutran [...]. O Jader apoiou o Nagib [...], não apoiou o candidato do PMDB, não veio durante a campanha, nem a participar dos comícios [...]. Depois eu permaneci no PMDB mas não vinculado a ele [Jader] [...]. A imagem que o Jader passou no início quando a gente começou a trabalhar, era uma imagem progressista, uma imagem de cara sério [...]. Meu raciocínio é que um cara é bom até que ele me deve[...].” (Depoimento de Haroldo Be zerra)105 215
Entretanto, o depoimento do vereador Maurino Magalhães de Lima (PMDB)106 nã© coincide com o de Haroldo Bezerra: “Em 88 não havia aliança entre o Jader e os Mutran. O Haroldo achava que já existia aliança, mas não es tava. Naquela época o Jader investiu no Haroldo. Nós perdemos, mas não teve o dedo do Jader. A aliança do Jader com os Mutran foi após da eleição do Nagib [...]. O Nagib prefeito, com uma votação expressiva em Marabá, então eles acharam melhor se aliar [...]. Aí quando o Jader começou a atender ao Nagib, aí houve a ciumada, porque já havia uma divergência muito longa, desde 70, entre os Mutran e Bezerra, aí o Haroldo não se sentiu bem estar no mesmo partido que os Mutran estavam e aí saiu. Tanto que o Haroldo saiu do PMDB alguns meses depois das eleições [...]. Eu posso achar até que o Jader pode até ter esfriado, em recursos, alguma coisa assim [...].” (Depoimento de Maurino Magalhães de Lima)107 Esse depoimento não pressupõe qualquer mostra de simpatia de Maurino Lima a respeito dos Mutran, família que hoje controla o PMDB em Marabá. Vejamos outro trecho do seu depoimento: “Os Mutran sempre foi [sic] oposição do PMDB. Mas, quando o Nagib foi prefeito [...], então aí houve as negociações políticas, e aí o Jader começou articular em Marabá, tinha eleições para governador, e os Mutran propôs a apoiar o Jader para o governo. E, com esse apoio, eles filiaram no PMDB. Mas eu vejo que eles não têm nada de PMDB, eles têm [...] a confiança com o Jader [...], eles não são peemedebistas, eles são Jader. Mas eles são PMDB porque estão filiados [...]. Não têm Diretório, têm só Comissão Provisória que está restrita a eles [...]. Eles são meus amigos, não 216
tenho nada contra eles, mas eu vejo, estou falando como questão de partido, não vejo que eles são peemedebistas [...], como um PMDB autêntico, eles são jaderistas [...]. O Jader abraçou a eles como ami gos [...]. Eles vêm de uma situação de oposição ao PDMB [...]. Lá,»em Marabá mesmo, nós, quando ia [sic] reunir, a gente tinha que reunir escondidos. Até mesmo por causa dos Mutran, nem só os Mutran, mas toda aquela cúpula política da região era contra o PMDB. Também na época da guerrilha em Marabá, tudo era contra o MDB. Falavam que o MDB era sub versivo, comunista... Quantas vezes a gente teve que ceunir num lugar escondido... O PMDB veio a se li bertar mais em Marabá a partir de 1986 em diante. Mas, até 86, a gente era muito oprimida. Então eu não acredito numa mudança, assim, tão rápida, muito rápida... ou é interesse?.” (Depoimento de Maurino Magalhães de Lima) Otaviano de Souza, que também abandonaria o PMDB em 1989 por não concordar com o apoio de Jader Barbalho aos Mutran, permanecendo áté hoje sem filiação partidária, mas vin culado politicamente a Haroldo Bezerra, conta: “O PMDB foi um dos maiores partidos aqui (Marabá). Nós tínhamos aqui [...] catorze mil e tantos filiados [...]. Foi duro para crescer [...], como medo assim de tudo. E o Jader Barbalho, a gente tinha, assim, uma coisa, era assim um líder, uma experiência que a gen te tinha no homem, e terminou nos traindo e depois ele era contra os Mutran, e depois ficou a favor dos Mutran, e pronto [...]. Aí, o Jader terminou criando a intervenção do partido aqui [...]. Mas o. Jader que ria entregar o PMDB [...]. Então essa é a mágoa que nós temos do Jader é isso, que ele era contra os
Mutran, contra tudo, e depois ficou a favor deles.” (Depoimento de Otaviano Alves de Souza)108 A aliança entre Jader Barbalho e os Mutran deve relacionar-se, certamente, à disputa pela controle do novo partido no poder no Pará (PMDB) entre Jader Barbalho e Hélio Gueiros, à qual nos referimos no capítulo anterior. Jader, eleito governador em 1990, retribuiria o apoio recebido dos Mutran e de outros setores vinculados à comercialização da castanha, reduzindo, pouco depois de assumir o mandato, o ICMS para a exportação da castanha de 13% para 2 ,6% .109 Os problemas políticos para os Mutran em Marabá come çariam ao ser cassado, pela Assembléia Legislativa, o mandato de deputado estadual de Osvaldo (Vavá) Mutran, no dia 29 de junho de 1992.110 O motivo da cassação foi o envolvimento, segundo alguns, e a participação direta, segundo outros, no assassinato em Marabá do fiscal da Secretaria de Estado da Faz'enda, Daniel Lira Mourão, no dia 4 de abril de 1992. No dia 10 de novembro desse mesmo ano, Vavá Mutran foi condenado a nove anos de prisão, a serem cumpridos em regime fechado.111 Também em 1992, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará ordenou o traslado forçoso para outro município da juíza de Marabá, Ezilda Pastana, e, em dezembro do mesmo ano, a Câmara Municipal de Marabá cassou o mandato do prefeito Nagib Mutran Neto, então já no PMDB. Desta maneira, no final de 1992, o cenário político em Marabá já não era o mesmo. Assim o descrevia, em meados desse ano, o vereador de Marabá, Miguel Pernambuco Filho, no jornal “O Liberal “ de Belém: “O Vavá Mutran, agora em nome do governador Jader Barbalho, e com o apoio da juíza Ezilda Pastana, nora dele, e do prefeito Nagib Mutran, faz e acontece e ninguém pode dizer nada, porque até a Polícia tem medo dele.”112
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Em 1992, Haroldo Bezerra, derrotado nas eleições de 1988, foi eleito prefeito de Marabá, ao superar, por cerca de 8 mil votos de diferença, ao fazendeiro e ex-deputado estadual Plínio Pinheiro, candidato que teve o apoio dos Mutran entre outras famílias e grupos económicos."'3Resultado eleitoral decorrente da ampla coligação de forças golíticas, religiosas e movimentos soci ais do município, unidos pela vontade de derrotar os Mutran, família que abrigava alguns membros acusados de serem os prin cipais instigadores da violência desatada contra posseiros, lideran ças dos STRs, partidos de esquerda da região e outros opositores políticos e concorrentes económicos."4 “Eu estava no Amapá, quando [...] houve o assassinato de um fiscal do qual participou diretamente Vavá Mutran [...]. E daí que foi feita a frente anti-Mutran. Nesse caso aí eu entrei como candidato que a frente apoiou [...]. Teve duas frentes (anti-Mutran), PSDB, PL, PFL, PST e tinha mais um..., o PTB. A frente pequena era PSB, PC-do-B, PT e PPS [...]. As duas frentes [...] trabalhamos juntos.” (Depoimento de Haroldo Bezerra) Uma mostra da aliança política sedimentada entre os Mutran e os senadores Jader Barbalho e José Sarney foi a participação dessas duas lideranças nacionais do PMDB no principal comício realizado na cidade de Marabá em 1996 em favor do candidato dos Mutran à prefeitura municipal. Mas a vitória caberia nova mente ao principal bloco dos anti-Mutran, que apresentou como candidato o médico Geraldo Veloso (PFL),"3 que tomaria posse no dia Io de janeiro de 1997 após o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) não considerar pertinentes os recursos apresentados pelo juiz de Marabá e o PMDB local. No momento de avaliar os resul tados das eleições municipais de 1996, não podemos esquecer que também nessas eleições os Mutran mostraram, mais uma vez, sua força eleitoral elegendo quatro vereadores (dois deles membros 219
da família). Além disso, Cristina Mutran, candidata a prefeita, obteve a segunda maior-votação no município, ficando à frente do candidato do PT, Luiz Carlos Pies, que também obteve uma ex pressiva votação.116 “Eles têm força sim [...]. Os Mutran [...], na época da eleição [...] eles têm seu eleitorado sim. Isso não se nega, porque tem pessoas dedicadas a eles há muitos anos [...]. Tem aquele ditado que diz que quem foi rei é sempre majestade. Eles tiveram muitos castanhais, muita fazenda, e o nome, àquela coisa...Aí parece que tudo ajuda né? [...]. Só que o povo não gosta, assim, do regime, do jeito que eles atuam na política... Mas, nessa parte deles ter seu eleitorado, eles têm sim. Mas, não é mais, para dizer assim: Nós vamos mandar... Mas, a política é, como diz, a arte do saber. Pensar que sabe tudo e não sabe nada... A política dá muitas voltas, né?. (Depoimento de Otaviano Alves de Souza) Assim sendo, e sem pretender fazer qualquer tipo de vaticí: nio do futuro político de alguns dos membros da família Mutran que continuam ativos no cenário político de Marabá, pode-se pre ver que as alianças políticas estabelecidas no município continua rão concentradas, em boa parte, entre os Mutran e seus opositores ocasionais ou “históricos” (os “anti-Mutran”). Ademais, essa biporalização favorece as chances eleitorais dos setores autodenominados de “centro”, quando utilizam os Mutran como uma espécie de estigma, ou como principal inimigo a ser derrota do, tentando, assim, diminuir as chances eleitorais dos partidos de esquerda ou centro-esquerda no município. Os Mutran perderam, certamente, junto com as outras famílias oligárquicas, o monopólio quase absoluto que exerciam sobre a terra e principais atividades económicas desenvolvidas em Marabá e em outros municípios do Sudeste do Pará, em decor rência das mudanças demográficas, económicas, culturais e políti 220
cas ocorridas nestes municípios nas últimas décadas, que favore ceram a emergência de novos atores políticos. E impossível, por tanto, fazer qualquer comparação entre a incontestável hegemonia que exerceram as Oligarquias do Tocantins no período áureo do ciclo extrativista da castanha e o poder económico e político que hoje possuem essas famílias na região Sudeste do Pará. Contudo, novos rearranjos políticos, entre as elites políticas “marabaenses” e “paraenses”, poderiam favorecer (como aconteceu, a partir de 1988, com a aliança entre Jader Barbalho e os Mutran), talvez, a recuperação política ou chances eleitorais, por exemplo, de mem bros da família Mutran ou de candidatos por eles apoiados. Coin cido, assim, com as pertinentes reflexões de Lúcio Flávio Pinto: “Quando intervieram na região para nela montar um enclave económico associado a parceiros internacio nais, os militares ali plantaram suas representações diretas, como o Getat, um grupo executivo de ação fundiária, o SNI, Curió e outras extensões. O mundo do passado, que os incomodava, foi colocado abaixo, não porque se opusessem a eles, mas porque não ti nham condições de acompanhá-los [...]. Consolidada a satrapia federal de Carajás, a ação direta de Brasília afrouxou e os Mutran retornaram.” 11‘
Notas 1 Utilizo o conceito de oligarquia, que etimologicamente significa governo de poucos, para definir o grupo de famílias detentoras de grandes propriedades de terra cuja hegemonia política é exercida, nos seus respectivos territórios de atuação (regional/estadual/local), através de mecanismos que envolvem os níveis po lítico, económico, social e cultural. As características específicas das Oligarquias do Tocantin s são decorrentes da importância económica que o controle dos castanhais passaria a ter, a partir dos anos 1920, para os comerciantes e/ou lideranças políticas que atuavam na região. A transformação em oligarquias de alguns desses comerciantes e/du políticos foi facilitada pela influência, ou con trole direto, que exerciam nas prefeituras e no governo estadual (instituições responsáveis pelo arrendamento ou venda das ferras de castan hai s) , que permitiu que milhares de hectares de terras públicas passassem às suas mãos, permitindo, assim, que essas famílias controlassem boa parte da produção de castanha na região do Tocantins. Para ampliar o conhecimento sobre os diferentes usos que fazem alguns cientistas sociais do conceito oligarquia, ver as pertinentes reflexões de Marília Ferreira Emmi e Rosa Acevedo Marin, “Crise e rearticulação das oligar quias no Pará", 1996, especialmente as páginas 51 a 55. 2 A respeito dos trabalhos que, focalizando sua atenção nas mudanças sócioeconômicas do sistema político e sistema eleitoral brasileiro, aprofundaram a aná lise das disputa políticas no âmbito local, ver, por exemplo, além do clássico livro de Victor Nunes Leal, Cor onel i smo, Enxada e Vòfo; O mu ni cípi o e o r egi m e d em ocr át i co no Brasil, 3a edição, 1976; Francisco Sales Cartaxo Rolim, Pol íti ca n os Cur r ai s, 1979; e Ibarê Dantas, Cor on el i smo e Dom i n a ção, 1987. Para um enfoque desses mesmos aspectos na Amazônia, sobretudo em alguns dos municí pios do Sudeste do Pará, além de outras obras citadas neste capítulo, ver Edna Castro, “ Relações de trabalho e relações de poder no Carajás”, 1994; Edna Castro e Rosa Acevedo Marin, “Estado e poder local; dinâmica das transforma ções na Amazônia brasileira”, 1 98 6/7 ; Marcelo Domingos Sampaio Carneiro, “O Programa Grande Carajás e a dinâmica política na área de influência da ferro via: políticas públicas e poder local na Amazônia” , 1995, e Rodrigo Peixoto, T h e Ma k i ng o f Poli ti cal Career s in Sout hern Pará, Br azil , 1995. 3 Deodoro Machado de Mendonça et al., Vi agem ao Tocant i ns, 198Í5, p. 14. Viagem ao Tocantins é uma obra apócrifa cuja primeira edição foi publicada em 1927 ou 1928, com a colaboração e, seguramente, por indicação, de Machado de Mendonça, então secretário geral do Estado do Pará. No livro, relata-se a viagem realizada por este à cidade de Marabá em 1926 e se recolhem trechos de alguns dos seus discursos proferidos então nesse município e também em Belém. 4 Cf. Prefeitura Municipal Marabá, Ma r abá: A H i stór i a d e uma pa r te da Am a zô nia, 1984, p. 44.
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3 Um resumo das expedições francesas (séculos XVI e XVII) e portuguesas (sécu lo XVII a início do XIX) à região do Tocantins pode ser lido nas obras de Ignácio m a 5. J oão do Ar agua i a, Vale do Ri o Tocant i ns, Baptista de Moura, D e B el é 1989 (1* edição 1910), p. 331-337; e Otávio Velho, Fr en t es d e Ex pa n são e E s t r u t u r a A g r ár i a : E st u d o d o P r o c es so d e P e n e t r a ção n u m a A r ea da Tr an sama zôni ca, 1981, p. 16-19 e 24-27.
I! A sua tosca barraca, Franc isco* Coelho deu o nome de Marabá em recordação da loja de mesmo nome que ele tinha na cidade de Grajaú, no Estado do Maranhão (Cf. Deodoro Alachado de Mendonça et. al., op. ci t., p. 15). 7 Idem.
8 Prefeitura Municipal de Marabá, op. ci t., p. 39. 9 Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oli gar qui a do Tocanti ns e o domíni o dos castan hai s, p. 19-22. A respeito da Guer r a de Boa Vista, ver também Otávio Velho, op. cit., p. 29-30. 10 Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 39-40. 11 A p u d Marília Ferreira Emmi, A Oli garquia do Tocanti ns, p. 27. 12 Ainda que a Guer r a d e Boa Vista (1892-1894), como avaliou Otávio Velho, fosse expressão das disputas político-religiosas e pelo controle da terra, no âmbi to local e estadual, entre setores civis (os coronéis) e religiosos (Igreja Católica e Maçonaria), a mesma também deve vincular-se aos principais conflitos políticos que ocorreram no Brasil após a proclamação da República, sobretudo entre os partidários do marechal Deodoro da Fonseca (presidente da República eleito pelo Congresso Nacional em fevereiro de 1891) e do marechal Floriano Peixoto, que assumiria a Presidência do país em novembro de 1891, após ser derrotada pelas armas a tentativa liderada por Deodoro da Fonseca de dissolver o Congresso Nacional, contando com o apoio de todos os governadores à exceção do governa dor do Pará, Lauro Sodré. Talvez a ajuda económica oferecida por Lauro Sodré a Carlos Leitão para estabelecer o Bu r go Agr ícola se justificasse por pertencerem ambos ao “partido florianista”, sem desmerecer o interesse do governo paraense em estimular as atividades económicas no Sudeste do Pará sob seu controle, inclusive para “afirmar o seu domínio sobre os limites litigiosos entre os três Estados (Pará, Goiás e Maranhão), tendo em vista, agora, especialmente as rique zas extrativas vegetais” (Otávio Velho, op. cit., p. 31). Um resumo das disputas entre os florianistas e os partidários de Deodoro da Fonseca pode ser lido nas páginas 1 7 0 a l 7 7 d o texto de Maria do Carmo Campello de Souza, “O proces so político-partidário na Primeira República” , 1981. 13 Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p.14. 14 Cf. Ignácio Baptista de Moura, op. cit., p. 316. 15 H. D. Lagenest, Ma r abá. Cid ade do Di am an t e e da Castan ha, São Paulo, Anhembi, 195 8, p. 19; apud Helena Lúcia Zagury Tourinho, P l a n ej a m en t o U r bano em A r ea de Fr ontei r a Económi ca: O Caso de Ma r abá, 1991, p. 103. 16 Cf. Deodoro Machado de Mendonça, et. al., op. cit., p. 16-17.
17 Lei Estadual n° 2.2 07, de 27 de outubro de 1922 (Cf. idem, p. 16 e 25; e Carlos Fonseca, Si n op se da H i st ór i a dos M u n i cípi os d o Pará, s.d., p. 130). 18 Cf. Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 22 e 70; e Helena Lúcia Zagury Tourinho, op. cit., p. 128. 19 A cidade de Marabá está hoje subdividida em três núcleos urbanos: Marabá Pioneira, Nova Marabá e Cidade Nova. 20 Cf. Helena Lúcia Zagury Tourinho, op. cit., p. 132. Também ocorreram gran des enchentes em 1910, 1926, 1947, 1957 e 1974 (Cf. Ana Izabel Pantoja Firmino - coord. -. Su l e Su d este do Par áH oj e: L i vr o Di dáti co Regi onal , 1996, p. 125). A respeito das enchentes de 1906, 1910 e 1926, ver também a obra Viagem ao Tocantins, Deodoro M. de Mendonça et . al ., op. ci t ., especialmente a página 70. A última grande enchente aconteceu em 1997. 21 Cl'. Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 70. 22 Em 1952, a produção de borracha de Marabá foi de apenas 24 4 kg (Cf. Catharina Vergolino Dias, “Marabá - Centro Comercial da Castanha”, Revista Bra si l ei r a de Geografia, n° 4, 1958; apud Otávio Velho, op. cit., p. 46). 23 Cf. Diretoria da Agricultura, Indústria e Comércio, Belém, 193 4; apud Rosa Acevedo e Edna Castro, N egr os do Tr ombeta s, 1993, p. 112. Os ouriços, que pesam em média de 400 a 700 gramas e medem entre 8 e 15 centímetros de diâmetro, contêm entre 8 e 24 nozes (castanhas). Após ser exposta a castanha não descascada à evaporação ambiente, um hectolitro de castanha chega a pesar entre 47 e 51 quilos (Cf. Idesp, Di agn óst i co do Mu n i cípi o d e Ma r abá, 1977, p. 154). *4 A respeito do uso do sistema de aviamento na coleta e comercialização- de castanha, ver Otávio Velho, op. cit., p. 63-65. Em 1935, segundo dados forne cidos por Júlio Paternostro: “[...] o apanhador de castanha recebia 10 $00 0 pelo hectolitro de castanha, o comerciante vendia ao exportador por 58$000 e este por sua vez vendia para o exterior por 100$000” (Paternostro, Viagens ao Tocantins, 1945; apud Otávio Velho, op. cit., p, 65). 2j Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p.43-44. Para melhor co nhecimento dos serviços de entressafra realizados nos castanhais, do processo de colheita e beneficiamento primário, transporte, armazenamento e comercialização da castanha, ver Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 42-45; Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 70-74e 177-182; e Marília Ferreira Emmi, A Oli garquia do Tocanti ns, pp. 70-75. A respeito da descrição sobre os tipos de castanheiras (Ber th oll eti a excel sa) existentes na Amazônia brasileira, ver, por exemplo, Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 41-42; e Amílcar Tupiassu e Niomar Oliveira, A Casta nh a do Par á: Estu d os Pr el i mi na r es, 1967, p. 5-8. 26 Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. ci t., p. 17, 27, 39 e 56. 27 Marília Emmi, A Oli garquia d o Tocanti ns, p. 77. 28 Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oli garqui a do Tocanti ns, p. 77-78 e Deodoro 994
Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 39-4 0 e 56-58 . Além de João Anastácio de Queiroz, que possuía três embarcações com motor a gasolina, segundo a relação de comerciantes publicada no livro Viagem ao Tocant i ns, e de Martinho Mota que também tinha três embarcações, outros oito comerciantes possuíam em 1927 dois barcos cada: Uady Moussalem, Salim Moussalem, José Chamon, Kalil Mutran, Anísio Ferreira, José Raymundo de Souza, Calixto Iagry e Vicente Antonio Filho (Cf. Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 39-40 e 56-58). 29 Não temos dados referentes as atividades económicas desenvolvidas no municí pio por um dos vogais: José Inocente Ferreira Júnior. 1,0 Cf. Deodoro Machado de Mendonça et. al., op. cit., p. 28 e 38-40. 31 Otávio Velho, op. cit., p. 41. 32 Otávio Velho, op. cit., p. 58. 33 Entrevista concedida ao autor em Marabá, 2 9 /1 2 /9 6 . Otaviano Alves de Sou za, filiado ao PSD em início dos anos 60, foi um dos fundadores do PMDB no município de Marabá. 34 Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oli garquia do Tocanti ns, p. 83. Veja-se também, a esse respeito, o capítulo Io da tese de doutorado de Rodrigo Peixoto, op. cit. 33 Entrevista realizada por Marília Emmi no dia 2 0 /0 8 /8 0 (M. Emmi, A Oli garquia do Tocanti ns, p. 93). 3,5Ver Fábio Carlos da Silva, “Poder económico e política fundiária no Pará” , p. 4; e Idesp, “A era da concentração de riquezas”, 1992, p. 11. •’7 Creso Coimbra, A Revol u ção d e 50 no Pa r á, 1981, p. 273. 38 Cf. Suranjit Saha, “Industrialização e mudança social na área de Marabá — Carajás na Amazônia Oriental Brasileira” , 1997, p. 112. 3i) Cf. Otávio Mendonça, “Deodoro de Mendonça — Um perfil político” , 1989, p. 20. 4HI dem, ibid em, p. 20. 41 Em 1 93 0, o único partido que tinha influência em Marabá era o Partido Republicano Federal (PRF), partido no qual Deodoro Machado de Mendonça era uma das principais lideranças. Fundado no Pará em 18 97 por iniciativa do governador Lauro Sodré, que exerceu esse mandato entre 18 91 -1897 e 19171921, o PRF hegemonizou o governo paraense no período de 1917 a 1930. 42 Cf. Ricardo Borges, Vu l t os N ot ávei s do Pa r á, 1986, p. 297. 43 Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oligar quia do Tocanti ns, p. 90 e 92. 44 Deodoro Machado de Mendonça, após ser eleito pela oitava vez deputado federal em 1958, deixou de participar ativamente no cenário político paraense e nacional a partir de 1964, falecendo em 1968, quando estava prestes a comple tar os 80 anos (Cf. Otávio Mendonça, op. cit.). 45 Ricardo Borges, op. cit., p. 287. 46 Zacarias de Assumpção obteve em Marabá 1.347 votos e Magalhães Barata, 1.303 (Cf. O L i b er a l , “A política e as eleições em duas décadas republicanas do ‘ciclo’ de Magalhães Barata”, 1982, p. 9). 225
48 Ver, a esse respeito, o livro deMarília Ferreira Emmi, A Oligar quia do Tocanti ns, p. 96-98. 49 Suranjit Saha, op. cit ., p. 112. 50 Do total de 2 52 títulos de aforamento concedidos pelo governo estadual entre 1955 e 1966, que representavam cerca de 898 .0 0 0 hectares de terras públicas, 168 deles foram outorgados ao município de Marabá (Cf. Marília Ferreira Emmi, A Oli garquia do Tocantin s, p. 104 e 109; e Suranjit Saha, op. cit., p. 112). , O governo do Pará recebeu, no exercício de 1959, Cr$ 798.864 pelo arren damento de castanhais e Cr$ 77.990 pelo arrendamento de áreas de seringais. Maiores foram os benefícios recebidos dos impostos de exportações desses dois produtos durante 19 58 e 19 59, mais de Cr$ 33 ,8 milhões pela castanha e 2 1,9 milhões pela borracha (Cf. Luís Geolás de Moura Carvalho, M en sagem Apr esen ta da àAssem bl é i a L egi sl at i va em sua R eu n i ão Or di nár i a d e 1 96 0, p el o Gener a l L uís Geol ás de M ou r a Car val ho, Gover n a dor do Esta do, 1960). 32 Cf. depoimento de Otaviano Alves de Souza, Marabá 2 9 /12 /1 9 9 6 .
Nagib Mutran, dos quatro deputados estaduais que a UDN elegeu, no Pará, nessas eleições, foi o que obteve o maior número de votos: 4 .281 (Cf. O Li ber al, “A política e as eleições em duas décadas republicanas ”, op. ci t ., p. 9.). 34 Nagib Mutran teve seu mandato cassado pelos mesmos motivos pelo quais os militares cassaram, em junho de 1964 , o mandato do governador do Pará e o do prefeito de Belém. Sem entrar no mérito da veracidade das acusações contra Nagib Mutran, certamente sua cassação também foi influenciada pela sua aproxi mação, após assumir o mandato de deputado estadual, com o governador Aurélio do Carmo e outras lideranças do PSD. 05 Pedro Marinho de Oliveira, dono de castanhais e fazendeiro, era cunhado do ex-intendente de Marabá, João Anastácio de Queiroz. 5B Em 1962, o filho de Nagib, Osvaldo (Vavá) Mutran, vereador de Marabá no período de 1954 a 1958, foi eleito, por sufrágio universal, o primeiro prefeito de São João do Araguaia, município que foi recriado em 1961. Nesse mesmo ano, foi também desmembrado de Marabá o distrito de Jacundá. Nova perda territorial de Marabá que se somava à ocorrida em 19 47 quando o também distri to de Itupiranga foi transformado em município. Vavá Mutran permaneceria no cargo de prefeito de São João do Araguaia até concluir, em 1966, seu mandato eletivo. 57 Segundo recordava Jarbas Passarinho em 1984, fazendo referência à sua primeira viagem a Marabá após assumir o mandato de governador (1 964 ), ele já conhecia o prefeito Pedro Marinho de Oliveira do tempo em que era oficial do Estado-Maior do Comando Militar da Amazónia, do qual "me tor nar ia um ami go consta n t e e de qu em r ecebi p or toda a sua vida as pr ovas ma i s defi ni ti vas de lealdade" (Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 7) . 58 “Política”, Obser vad or Am azôn i co, ano IV n° 35, Belém, 1981, p. 6.
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59 Formalmente, pois a lisura dos pleitos eleitorais realizados no município de Marabá sempre foi questionada por setores da oposição e até pelas famílias oligárquicas que foram derrotadas num ou noutro pleito eleitoral realizado antes, durante e após o fim do Regime Militar. 60 Gerson Peres, A Vi tór i a de Todos N ós, s.d., p. 64-65. (il Cf. Assembléia Legislativa do Estado do Pará, Bi ogr afi a dos Depu ta dos, 9a L egi sl a t u r a - 1 9 7 9 / 1 9 8 3 , 1980* p. 40. 62 Cf. i dem, ibi dem, p. 17. 03 Elmano Melo, antes de assumir o cargo em Marabá, tinha sido secretário da Prefeitura de Castanhal e, depois, interventor no município de Santarém (Cf. “Elmano implantou trabalho e progresso em Marabá", Revi sta dos Mu n i cípi os, ano I, n° 2, Belém, 1972, p. 13). 64 “Pedro Marinho reassume comando”, Revista dos Mu n i cípi os, ano II, n° 11, Belém, março/abril de 1973, p. 16. IMEntrevista concedida ao autor em Marabá, 28/12/96. O depoimento de Haroldo Bezerra contrasta com a interpretação que Marília Emmi fez da sua indicação. Segundo essa autora, a nomeação de Haroldo Bezerra para o cargo de prefeito de Marabá, e também a de Elmano Melo, mostraria, ao estar ambos “desvinculados de grupos locais”, a “perda da influência direta da oligarquia na política local” (M. Emmi, A Oli gar qui a da Casta nh a: Cr i se e r ear i i cul ação, 1989, p. 141-1 42). Não me parece que as palavras de Haroldo Bezerra confirmem essa análise. Considero mais adequado avaliar a mesma, sem esquecer o interesse de determinados “tecnocratas” e militares que também influenciaram a escolha de Haroldo Bezerra pelo governo federal para o cargo de prefeito, como mais uma resposta das oligarquias locais aos “novos tempos” com o intuito de continuar controlando, ainda que fosse de maneira indireta, a prefeitura de Marabá. Inclu sive, neste caso concreto, pareceria que o deputado Plínio Pinheiro, com sua viagem a Rio Branco destinada a “convencer a Haroldo” , objetivasse, no contexto dos conflitos entre as diversas famílias oligárquicas, que o novo prefeito tivesse com ele “uma dívida de gratidão”. Plínio Pinheiro Neto e Aziz Mutran Neto, eleitos em 1978, eram os dois únicos representantes do Sudeste do Pará na Assembléia Legislativa. Mais um dado para avaliar que a “crise da oligarquia” , no plano político-eleitoral, estava ainda longe de acontecer. 60 Cf. Mikel Aramburu, O Pod er D i al ógi co: Etn ogra fi as sobr e r el ações de tr abalh o na Ama zôni a, 1992, p. 257-258. No quinquénio 1961/1965, 49,1% da cas tanha produzida no Pará procediam do município de Marabá. O total da produ ção de castanha dos municípios da região do Itacaiúnas-Tocantins representou, nesse mesmo período, 72,4% da produção paraense. Os municípios do Baixo Amazonas contribuíram com cerca de 20% do total, destacando-se, entre os municípios dessa região, a coleta de castanha em Alenquer, 5,6^6 do total da produção paraense (Cf. Amílcar Tupiassu e Niomar Oliveira, op. cit., p. 29-30). 67 Os dados do total de castanha produzida no Pará são muitos controvertidos. 9 9 7
Por exemplo, segundo Roberto Santos, o ano de maior produção de castanha no Pará foi o de 1973, com 37.6 75 toneladas (Cf. Roberto Santos, A Economia do Estado do Pará, 1978, p. 56). Segundo dados levantados pelo IBGE, o total de toneladas produzidas em 1983 no Pará foi de 22.944 (Cf. IBGE, Censo Agropecuário do Brasil, apud Rosa Acevedo e Edna Castro, Negros do Trombe tas, op. cit., p. 162). Mas a queda da produção em Marabá a partir dos anos 80 parece ser “consensual”. Segundo o último trabalho citado nesta nota, a produ ção de castanha neste município oscilou entre 17.728 toneladas em 1980, e 5.9695 em 1987 (idem). ,1HCf. O Liberal, Belém, 2 3 /0 2 /9 7 . No início dos anos 70, aproximadamente 70% do total da produção de castanha da Amazónia brasileira destinavam-se à exportação. Em 1975, a castanha contribuiu com 21,6% do valor total das exportações paraenses; em 1989 baixou sua participação percentual a somente 1,08% do total (Cf. Divisão Técnica da Fiepa; apud Luís Flávio Maia Lima. “Integração regional e ‘enclaves fordistas' no Pará: uma abordagem geral” , 1995, p. 139); e, nos anos 1995 e 1996, não superaria 1,0% (Cf. O Liberal, “Pará reaquece ritmo de exportações”, Belém, 24/8/97). 8fl Cf. Idesp, Diagnóstico do Município de Marabá, 1977, p. 153-154; e Prefei tura Municipal de Marabá, op. cit., p. 74. 70 Q ' “ Produção de castanha-do-pará comprometida pekis derrubadas", O Libe ral, Belém, 2 3 /1 2 /8 8 . Entretanto, a exportação da castanha da Região Norte para o mercado nacional e, sobretudo, internacional continua, até hoje, mono polizada pelas empresas radicadas em Belém. 71 Em 1986, segundo imagens de satélite trabalhadas por técnicos da Sudam e do Idesp, 44,5% da área do Polígono dos Castanhais (total aproximado de 1.700.00 0 ha) já estavam devastados (Cf. Sérgio Fonseca Dias — coord. — , Zoneam ento Ecológico-Económico, 1991, p. 67). 72 Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 183. 73 Em 1983, que foi o ano de maior atividade extrativa em Serra Pelada, eram mais de 100 mil os garimpeiros (alguns autores chegam a afirmar que eram cerca de 300 mil). Nesse ano foram produzidos 13,713 toneladas de ouro (Cf. João Figueiredo, Mensagem ao Congresso Nacional do Presidente da República — 1984 — , p. 39). Entre 1 980 e 1 990, segundo também dados oficiais, foi ex traído de Serra Pelada um total de 48,3 toneladas de ouro (Cf. Armim Mathis, “Serra Pelada”, 199 7, p. 29 0-2 91 ). 74 Prefeitura Municipal de Marabá, op. cit., p. 183. 75 Até final dos anos 1970, a procura de diamantes e de cristal de rocha, inicia da, respectivamente, em fins dos anos 30 e inícios do 40, eram as principais atividades mineiras realizadas em Marabá. 76 Cf. Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de Marabá, Perfil Sócio-Econômico do Município de Marabá, 1995, p. 21. 77 Em 1980, segundo dados trabalhados por Marília Emmi no Iterpa, os Mutran 228
possuíam nos municípios de Marabá e São João do Araguaia um total de 131.33 2 hectares de terras de castanhais com título de aforamento, representando quase 40% das terras aforadas nesses dois municípios (Cf. Marília Ferreira Emmi, A . Oli garqui a do Tocanti ns, p. 121). 78 I dem, i bid em, p. 24-27. Em 1970, segundo dados do Idesp, o número total de cabeças de gado bovino existentes no município era de 61.190 e 14.130, as de suínos (Cf. Idesp I n f or m a ções Polít i cas e Sóci o-Econ ôm i ca s d os Mu n i cípi os Paraenses, 1987, p. 199). 79 Cf. Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de Marabá, op. ci t., p. 30-32. 80 Cf. Idesp, D i agn ósti co do Mu n i cípi o d e Ma r abá, 1977, p. 213-214; eSebrae, Di agn ósti co Sóci o-Econ ôm i co de Mar abá - 1995; ap u d Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de Marabá, op. cit ., p. 28-29. 81 Cf. Francisco F. Assis Fonseca, “Siderurgia a carvão vegetal em Carajás: Pro blemas e perspectivas”, 1990, p. 58-60. 82 Cf. Rodrigo Corrêa Diniz Peixoto, “Ação cultural e concepção política entre a Igreja Católica e os camponeses”, 1991, p. 145-6. 85 Os territórios dos atuais municípios de Parauapebas e Curionópolis foram desmembrados de Marabá em 1988. Em 1991, parte do território de Curionópolis seria destinado à criação do município de Eldorado do Carajás. 84 Cf. Idesp, “Um balanço da violência no camp o” , 1990, p. 57; e Idesp, “Sudes te Paraense foi a região mais violenta no ano de 1989” , 1989, p. 43-58. 85 Cf. O Li ber al, “Crime no campo só condenou um no Pará", Belém, 1 8 /0 2 / 91; e O L i b er a l , “Pará: recordes atestados de violência”, Belém, 27/03/91. 86 Cf. Jean Hébette, “A questão da terra”, 198 9, p. 125. 87 Segundo Alfredo Wagner, o decreto-lei n° 2.363 que extinguiu o INCRA foi assinado no dia 21 de outubro de 19 87 (Cf. Alfredo Wagner Berno de Almeida, Car aj ás: A Guer r a d os Ma pa s, 1994, p. 11 7). 88 Avelino Ganzer e Paulo de Tarso Venceslau, “Com palmos medida” , 1988, p. 14. 89 Colin Henfrey, “Onça preta: a formação de um movimento camponês”, 1987, p. 61. 90 Pedro César Batista, Con i vên cia e im pun i da de, 1991, p. 50. 91 Cf. i dem, i bidem, p. 51; e Páscoa da Costa e Silva, “A organização patronal responde à mobilização dos trabalhadores”, 1988, p. 121. 92 Idesp, “Um balanço da violência no campo", 1990 , p. 39 -40. Também, podese consultar na página 43 uma relação dos líderes sindicais dos trabalhadores rurais paraenses assassinados entre 1964 e 1988. 93 João Carlos Batista, filiado ao MDB desde 1978, militou no MR-8 (Movimen to Revolucionário 8 de Outubro) entre 1979 e 1981. Eleito deputado estadual pelo PMDB em 1986, em outubro de 1987 ingressou no PSB. Seu assassinato foi encomendado por fazendeiros de Parag,ominas, município no qual Batista desenvolveu boa parte do trabalho de assessoramento aos trabalhadores rurais 990
(cf. Pedro César Batista, op. cit ., p. 18-9 e 28). 94 Em 1993, 90% da popylação brasileira detinham 52% da renda per capita, enquanto apenas 10% respondiam pelos restantes 48% (Cf. Fol ha d e S. Paul o, 13/02/94). Cabe lembrar, ainda, que no período de 1984 a 1993 o valor do salário dos trabalhadores na indústria caiu a uma média anual de 1,35 % (Folha d e S. Paul o, 01/08/94), e, em 1990, no Pará, por exemplo, 50% da popula ção economicamente ativa ganhava menos de 1 salário mínimo e 38 % entre 1 e 3 salários (Cf. “Papo com Almir Gabriel, ‘Eu nunca tive ligações com o Jader ”, B o l et i m R eg i o n a l d o P T , n° 1, Belém, 1990, p. 2). 93 Em 1989, 6.700 latifundiários possuíam quase o mesmo número de ha (127 milhões) que 4.166.000 pequenos produtores (Cf. CUT, Car ti l ha da Políti ca Agríco/a, 1989, p. 7). 9(1 Cf. Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT, Cader no de 'l eses d o I I Congr ess o, s.d., p. 15. 97 Alfredo Wagner B. de Almeida, Confl i t o e M edi a ção: O s An t a gon i sm os Soci ai s na Am a zôn i a segu n do os M ovi m en t os Cam pon eses, as I n st i t u i ções Reli gi osas e o Estado, 1993, p. 22. 98 Cf. “Crime no campo só condenou um no Pará” , O L i ber ed, Belém, 18/02/91. 99 Cf. Miguel Pressburger, “ Elites dominantes: o Judiciário” , p. 19. 100 Nas eleições de 1986, Haroldo Bezerra obteve um to'tal de 12.797 votos, a metade deles em Marabá (6.380 votos), Nagib Mutran Neto, 8.360 (6.350 em Marabá) e Plínio Pinheiro Neto, 5.822 votos (4.269 deles em Marabá) (Cf. Idesp, I n f or m a ções Pol íti cas e Sóci o-Econ ôm i ca s dos Mu n i cípi os Par aenses, 1987, p. 187-226 e 397 -401 ). • 101 I dem, ibi dem, p. 161. 102 Osvaldo dos Reis Mutran (PDS) obteve 12.599 sufrágios. Entre os deputa dos estaduais do Pará eleitos em 1990, ele foi o candidato que conseguiu a segunda maior votação (Cf. Gengis Freire e Ana Rosa Freire - edit. -, Quem é Qu em na Assem bl é i a L egi sl at i va d o Est a d o d o Par á, 1992, p. 99). 103 Sobre a participação da juíza Ezilda Pastana nos resultados eleitorais de 1988, ver os comentários de Rodrigo Peixoto, Th e Ma k i ng of Poli tical, op. ci t., nota n° 11, capítulo V p. 191. 104 Todos os 61 imóveis foram adquiridos pelo Mirad por meio de títulos da dívida agrária. Em meados de 1989, o Senado criou uma CPI para apurar su postas irregularidades na emissão desses títulos relativas ao período em que Jader Barbalho esteve à frente do Mirad (Cf. O Li ber al, Belém, 24 /0 8 /8 8 ; apud Idesp, “Painel da situação fundiária através da imprensa diária” , 198 8, p. 91). Os da dos mencionados nesse parágrafo podem ser consultados em Idesp, “Mudanças marcaram a reforma agrária no Pará e em todo o país” , 198 8, p. 4-6; Rosineide Bentes, “Reforma agrária nos castanhais do Tocantins: A reforma que não refor ma”, 1988, p. 132 -134 ; Jacky Picard, “O clientelismo nas colónias agrícolas do sudeste do Pará”, 1 994, p. 27 9; Marília Ferreira Emmi e Rosa Acevedo, “De 230
posseiros a assentados: Precariedade das ações fundiárias no Sudeste do Pará”, 1997, p. 251-252. 105 Em 1989, Haroldo Bezerra abandonou o PMDB e filiou-se ao PSDB, parti do pelo qual candidatou-se a deputado federal em 1990 como integrante da Frente Popular Novo Pará, não alcançando o número de votos necessários para um novo mandato eletivo. Em 1997, após concluir seu segundo mandato como prefeito de Marabá (1993-1996) * assumiu, por indicação do governador Almir Gabriel (PSDB), o cargo de secretário de Obras do governo paraense. 106 Maurino Magalhães de Lima, vereador de Marabá por três mandatos conse cutivos (1989-2000), nasceu no Estado de Espírito Santo. Suas pais migra ram para o Sudeste do Pará em 1967, junto com seus oito filhos, quando Maurino Lima tinha 9 anos de idade, em “busca de terra para trabalhar”. Primeira mente afincaram-se no município de Dom Eliseu, até 1971, quando mudaram-se para o de Abel Figueiredo. Em 1978, Maurino Lima mudou-se para Rondón do Pará, contratado como gerente de uma fazenda. Foi nesse ano que filiou-se ao MDB, apoiando a candidatura de Jader Barbalho para deputado federal e Ademir Andrade para deputado estadual. Em 1982 chegou a Marabá, morando no bairro da Morada Nova, filiou-se ao PMDB, participando da fundação da Associação de Moradores nesse bairro, a primeira que fora criada nesse município. 107 Entrevista concedida ao autor em Belém, 2 5 /0 5 /9 8 . 108 Após assumir, em 1991, o mandato de deputado estadual, Osvaldo (Vavá) i a Legi sl at i va Mutran declarou, aos organizadores do livro Qu em équ em n a Assem bl é dos Est a d o do Par á, que eram quatro os políticos pelos quais ele tinha muita estima: Jader Barbalho, Jarbas Passarinho, Coutinho Jorge e seu filho Nagib Mutran Neto (Cf. Gengis Freire e Ana Rosa Freire, op. cit., p. 100). 109 Cf. Mikel Aramburu, op. ci t ., p. 158. 1,0 Realizada a votação do parecer apresentado pela Comissão processante, 30 deputados votaram a favor da cassação do mandato de Vavá Mutran, 5 contra e 2 em branco. Os deputados Aloísio Chaves, Joércio Barbalho, Valdoli Valente e o próprio Vavá Mutran não compareceram à sessão da Assembléia Legislativa (Cf. "Deputados cassam o mandato de Vavá", O Liberal , Belém 30 /06 /92 ) 111 Cf. O L i b er a l , Belém 11/11/92. Osvaldo Mutran foi indultado pelo Tribunal de Justiça em novembro de 1995, segundo parecer médico que assinalava que ele tinha uma enfermidade incurável e apenas teria pela frente uns poucos meses de vida. Hoje continua não somente em liberdade, mas parece ser que também com boa saúde. 112 Qf “Vereadores acusam os Mutran de atos violentos em Marabá” , O Liberal, Belém, 07/08/91. 1.3 Cf. Lúcio Flávio Pinto, “O fim dos Mutran?” , 1992, p. 4. 1.4 Das 32 chacinas de trabalhadores rurais documentadas pela Ct-*T no Brasil entre 1979 e 1995, quatro delas ocorreram em Marabá, duas delas em fazendas dos Mutran (Cf. “CPT denuncia: aumentam as chacinas contra trabalhadores”, 231
Cuíra, Ano V n° 16, Belém, agosto/set. de 1995, p. 8). 115 Geraldo Veloso estava filiado^ao PSDB, mas ao presumir que o prefeito 1laroldo Bezerra, principal liderança desse partido em Marabá e no Sudeste do Pará, estava articulando o lançamento de outro candidato à prefeitura, optou por ingressar no PFL para garantir sua candidatura. A coligação de partidos que apoiou a Geraldo Veloso estava integrada pelo PPB, PDT, PFL, PY PRP e PSDB. Do total de 76.360 eleitores de Marabá, mais de 23 mil votaram em Geraldo Veloso, cerca de 12 mil em favor de Cristina Mutran e, pouco mais de 9 mil, no candidato do PT (Cf. “Mapa dos prefeitos eleitos", .4 Província do Pará, Belém, 15/10/96). 117 Lúcio Flávio Pinto, “O fim dos Mutran?” , 1992, p. 4-5.
. 5 o 9 1 m e , s i é i f l a r e b i L o d i t r a P o d s i a u d a t s e s o d a t u p e d s o m o c a t a r a B s e ã h l a g a M l e n o r o C O : 5 . g i F
. á r a P o d l a n o i c u t i t s n o C r o d a n r e v o G o m o c e s s o p e d o m r e t o a n i s s a a t a r a B s e ã h l a g a M l a r e n e G O : 4 . g i F
. S . N e d o i r í C o n s e n u N d i c a l A r o d a n r e v o G o e i c i d é M l a r e n e . G - 0 e 7 t n 9 e 1 d i s e m e r , P é r a O z : a 5 . N g i e F d
Nas figuras figuras 6, 7, 8, 9, 9 , 10, governadores govern adores do Estado do Pará: Pará: Jarbas Passarinho; \lacid Nunes; Hélio Gueiros, Jáder Barbalho e Almir Gabriel, respectivamente. Na fig fig.. l l , o prefeito de de Belém Belém Edmilso Edmilson n Rodrigue Rodrigues. s.
. á b a r a M a h l e Y a d a e r é a a t s i \ : 2 1 . g i F
Mapa da Cidade de Marabá
Fonte: Marabá. A história de uma parte da Amazónia, da gente que nela vivia e da gente que que a desbravo desbravou u e dominou, fazendo-a emergir emer gir para a civilização. De 1892 18 92 até nossos dias. Marabá, 1984.
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Fig. 13: Comissão administrativa da criação do Município de Marabá em 1913.
Fig. 14: No alto: Coronel Leitão e família, fundador do Burgo Agrí cola, primitivo núcleo de que se originou Marabá. No Centro: da esquerda para a direita: Coronel Athanasio Gomes, Io chefe da organização partidária de Marabá e Co ronel António da Rocha Maia, Io Indentende Municipal de Marabá. Embaixo: Mortoz “Pedrina ’, de propriedade de Alfredo Mon ção, o primeiro motor que subiu o alto Tocantins.
Fig. 15: Alcobaça: No alto—Porto com vapores “Muruzinho" e “Tocantins”, pontões e motores de castanha. (1926) Embaixo: barracão de Dias & C.a Ltda., com o pessoal carregando castanha. (1926)
I
Fig. 16: I - A confluência dos rios Tocantins - Itacayuna, na ponta de terra em que está situada Marabá. (1926). II - Motor ancorado no pedral do “Bocca doTauhiry" (Lourenção). (1926). Ill - Motores carregados de castanha nos ancoradouros de Marabá. (1926)
Fig. 17: 1: Residência do Major Uady Moussallem, abastado comerciante, proprietário e vogal do Conselho Municipal de Marabá. 2, 3 e 4: aspectos de sua fazenda de gado “Quindangues”, nos arredores de Marabá. (1926).
Fig. 18: Em cima: Residência do sr. Kalil Mutran, abastado comerciante em Marabá, em 1926. Embaixo: Casa do comércio da firma Auta Santos “2? Filho, em 1926.
Fig. 19: Dr. Deodoro Machado de Mendonça, secretário geral do Estado e chefe político de toda a zona do Tocantins, em 192(1
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Fig. 20: Conflitos Agrários no Estado do Pará: pessoas mortas, segundo a ocupação, entre 1964-1988.
Fonte: Arcevo da Editora Paka-Tatu.
Economia, política e discursos regionalistas no Pará
Introdução Este último capítulo destina-se à análise do discurso de governadores e outros setores da elite política, empresários e inte lectuais paraenses, principalmente os que foram dirigidos a avali ar, defender, criticar ou propor alternativas ao modelo de desen volvimento económico implementado na Amazónia durante a vi gência do Regime Militar. A análise desse tipo de prática social me permitirá discutir também a maior ou menor importância do dis curso regionalista, pró-amazônida ou, segundo a questão a ser elucidada, pró-paraense, de alguns dos atores sociais menciona dos, especialmente dos que assumiram responsabilidades de go verno e, a ainda, a contribuição de diversos cientistas sociais aos discursos e outras práticas regionalistas no Pará.1Prática intelec tual, mas também política, que alimentou, especialmente a partir do início dos anos 80, os discursos das lideranças políticas paraenses, ainda que muitas vezes, ao assumirem responsabilidades de gover no, suas ações e as dos técnicos que as elaboram e orientam sua aplicação sejam contraditórias com as suas palavras feitas públicas. Com relação aos discursos dos governadores, refiro-me àqueles que assumiram essa responsabilidade a partir de 1983, e não aos que o fizeram de 1964 até o final dos anos 70, já que estes, além de compartilhar, em linhas gerais, com os objetivos definidos pela cúpula das Forças Armadas e tecnocratas da Admi nistração Federal para a Amazónia, tiveram escassa autonomia política para, se fosse o caso, opor-se às mesmas, pois sua nome ação e permanência no cargo dependia da aceitação das diretrizes definidas em Brasília. Vejamos, por exemplo, comq o ex-governador Alacid Nunes, então deputado federal e presidente da Comis são da Amazónia da Câmara Federal, resumia a ação dos “gover
nos revolucionários” na Amazónia num discurso proferido no ple nário dessa Câmara em, agosto de 1975: “Nós, amazónidas, fomos longamente habituados ao abandono, ao esquecimento; às demoras ou às inter rupções de programas mal iniciados; à escassez de ver bas e ao desconhecimento dos nossos próprios recur sos e potencialidades [...]. A etapa que se entreabriu a partir da Revolução de 64, através dos quatro Presi dentes que já simbolizaram esse movimento, marcou, pouco a pouco, porém decididamente, uma transfor mação tão séria, tão grande e tão indiscutível, que até mesmo os adversários políticos do regime pelo menos não a contestam, e, muitas vezes, sinceramente a aplau dem. O balanço do que se tem feito, no último decénio, está a reclamar um levantamento e uma divulgação metodizados, que conscientizem o povo de todos os rincões da Amazónia de que jamais se fez tanto pelo seu destino e nunca estivemos tão próximos dos cami nhos certos e rápidos para garantir seu bem-estar [...] [O] Legislativo está presente e atuante nesse espaço gigantesco que o Governo federal agora desencadeia, em patriótica arrancada de que é insigne vanguardeiro o lúcido Presidente Ernesto Geisel, para integrar a Amazónia no Brasil antes que termine o Século XX [...]. Ela disso necessita para ser definitivamente liber tada do subdesenvolvimento que tem sido a marca do seu passado, mas que tudo indica não mais será a tra gédia do seu futuro.”2 Os discursos, que tanto podem ser orais ou escritos, devem ser interpretados como práticas sociais que são dirigidas a um público específico (uma ou mais pessoas), cuja análise, como re curso metodológico, deve obrigatoriamente elucidar o momento histórico no qual uns ou outros discursos foram produzidos. S o 250
mente assim podemos tentar compreender os objetivos persegui dos com esse tipo de prática social pelos diferentes atores escolhi dos como objeto prioritário de estudo. Esta questão é fundamen tal quando se pensa em usá-los como fonte histórica. Afinal, ainda que os interpretemos segundo códigos linguísticos, referenciais te óricos e conceitos do nossç tempo, uma das principais contribui ções que os historiadores ou outros cientistas podemos oferecer à análise do discurso é inseri-los, reitero, na conjuntura na qual eles foram feitos públicos, sendo esta também uma das principais jus tificativas dos assuntos tratados nos capítulos anteriores, especial mente nos dois primeiros. Assim, com o diz o cientista político David Howarth, é por meio da metodologia da análise do discurso que o cientista social pretende, não somente “comprender el comportamiento en sociedad mediante la identificación con el agente que actúa en ella”, 5 mas também de “qué modo las estructuras de significado hacen posibles ciertas formas de conducta. Al hacer esto, pretende comprender cómo se generan los discursos que estructuran las actividades de los agentes sociales, cómo funcionan y cómo se cambian”.4 Prossegue David Howart: “El significado social tanto de las palabras como de las alocuciones, acciones e instituciones se entiende en relación com la práctica general que está teniendo lugar y cada práctica según un determinado discurso. Por consíguiente, sólo es posible entender, explicar y evaluar un proceso si se puede describir la práctica y el discurso en el que ocurre.”5 Os discursos, portanto, devem ser entendidos, como assina la Federico Neiburg, como formas de ação dos indivíduos na socie dade, ou seja, “as palavras ou enunciados linguísticos servem para ‘fazer coisas’ sociais”6 e “sua história e seus conteúdos são inseparáveis do modo como elas são utilizadas, das realidades que .descrevem e da crença na existência dessas realidades”,7 quer sejam palavras pronunciadas em atos oficiais, reuniões, comícios, nos meios de 251
comunicação de massas ou entrevistas, quer sejam palavras escri tas, através das quais seps autores tentam sistematizar, geralmen te de maneira mais ordenada, suas concepções de mundo ou justi ficar diferentes tipos de ações. Nada melhor que poder contar também, a esse respeito, com a ajuda do sociólogo Eder Sader: “Aquilo que é dito e o que é escondido, aquilo que é louvado e o que é censurado, compõem o imaginário de uma sociedade, através da qual seus membros ex perimentam suas condições de existência. Não quer dizer que todos os discursos sejam iguais e nem mes mo que derivem de uma mesma matriz discursiva. Mas tendo de interpelar um dado público, todo discurso é obrigado a lançar mão de um sistema de referências compartido pelo que fala e por seus ouvintes. Constitui-se um novo sujeito político quando emerge uma matriz discursiva capaz de reordenar os enunciados, nomear aspirações difusas ou articulá-las de outro modo, logrando que os indivíduos se reconheçam nes ses novos significados. E assim que, formados no cam po comum do imaginário de uma sociedade, emergem matrizes discursivas que expressam as divisões e os antagonismos dessa sociedade.”8 A análises dos discursos e outras práticas regionalistas pode ser classificadas de diversas maneiras, sendo as mais usuais as que fazem referência, numa perspectiva sócio-econômica, à “situação de classe” (classes dominantes, classes médias, classes trabalhado ras), e as que referem a categorias ideológico-políticas (por exem plo: de esquerda ou de direita) dos atores. Não obstante, podemos unificar ambas as classificações (classe/ideologia) para distinguir, por exemplo, entre regionalismo conservador e regionalismo pro gressista, no intuito de mostrar, qualquer que seja o recorte do território adotado, a disputa pela hegemonia política intra-regional ou, mais especificamente, intra-estadual. 25 2
Também resulta pertinente diferenciar as práticas regionalistas realizadas por pessoas ou grupos das regiões ou es tados “centrais” ou “periféricos”. No Brasil, por exemplo, para examinar os discursos sulistas, nordestinos, amazônidas ou paulistas, baianos ou paraenses. Pois, certamente, os objetivos pretendidos por uns ou outros discursos serão diferentes em virtu de da suas específicas realidades sócio-econômicas e o maior ou menor peso político de cada uma delas no contexto nacional. Outra diferenciação que deve ser feita é a respeito dos movi mentos sociais que poderiam ser classificados como regionalistas e os movimentos sociais separatistas, definindo estes como aquelas práticas dirigidas a criar um novo Estado-Nação, e, os primeiros, como práticas que não pretendem pôr em risco a unidade nacional e que são, 'geralmente, orientadas a exigir do Poder Central um maior interesse na região (leia-se, aqui também estados ou provín cias) e para alcançar maior participação, qualquer que fosse o território político-administrativo no qual esses atores se inserem, nos rumos da Nação. Entretanto, ambos os movimentos sociais (regionalistas ou separatistas), visam sustentar suas práticas numa identidade que loi simbólica e historicamente construída por dife rentes atores sociais interessados em fazer valer sua existência (ou fazer “real” o que também fora “construído”). Assim, tanto umas ou outras dessas práticas, regionalistas ou separatistas, se alimen tam, como assinala Cláudia Maria Viscardi, de um “conjunto de valores socialmente aceitos e partilhados pelos seus agentes, que conferem a ela [ou a elas] uma identidade própria, capaz de gerar comportamentos mobilizadores de defesa de interesses”.9 Ou, nas palavras do sociólogo francês Pierre Bourdieu: “O discurso regionalista é um discurso performativo, que tem em vista impor como legítima uma nova defi nição das fronteiras e dar a conhecer e fazer reconhe cer a região assim delimitada - e, como tal, desconhe cida - contra a definição dominante, portanto, reco nhecida e legítima, que a ignora.” 10 25 3
Contudo, identidades “nacionais”, “regionais” ou, até, “lo cais”, não são, obviamente, excludentes. A maior ou menor im portância que cada um dos indivíduos outorga a elas pode ser modificada, segundo momentos e circunstâncias, ao longo das suas vidas, por exemplo, em períodos de guerra entre Nações-Estado ou, em decorrência, das desigualdades económicas existentes en tre diferentes regiões ou estados, ou outro tipo de mudanças eco nómicas, políticas ou culturais ocorridas num determinado país, que podem favorecer as práticas dos que almejam fortalecer ou modificar identidades e fronteiras. Veja-se, por exemplo, o que Rosa Maria Godoy Silveira escreveu a respeito da antiga delimi tação da Região Norte: “O Nordeste só aparece neste século e essa constatação remete a uma problemática fascinante para a investi gação: o deslocamento' que houve entre Norte e o Nordeste, expresso em dois conceitos distintos. Lima das hipótese plausíveis é a de um processo de diferenci ação no âmbito do então bloco Norte, que teria ocorri do a partir do ciclo da borracha na Amazónia.” 11 () que se poderia denominar como discurso regionalista pró-amazônida não teve a mesma importância política que, por exemplo, em alguns estados do Nordeste. Entretanto, a partir do processo de liberalização política iniciado em 1974 e os eleitos sócio-econômicos da intervenção na Amazónia de dilerentes ór gãos da Administração Federal no período do Regime Militar, o discurso regionalista foi adquirindo na Região Norte, sobretudo no Pará, uma relevância política cada vez maior, especialmente para indivíduos e organizações que se situavam politicamente na oposição ao Regime Militar. Embora, também no seio do partido governista, a Arena, possamos encontrar atores políticos que ava liaram criticamente algumas das que foram consideradas conse quências perversas da intervenção na Amazónia do governo fede ral e das empresas públicas por ele controladas. Isso pode ser 25 4
vislumbrado - em ambos os setores políticos, ou seja, sem distin ção de posições ideológico-políticas - bastando, para isso, que se faça um levantamento, mínimo que seja, dos discursos de lideran ças políticas, sindicais e dos movimentos sociais paraenses, artigos e editoriais publicados na imprensa e revistas ou na literatura produzida por diferentes cientistas sociais. Alguns exemplos desses discursos serão mostrados nas próximas páginas, para os quais contribuíram também outros atores preocupados com os proble mas da Amazónia, tais como técnicos vinculados a instituições governamentais federais ou estaduais e membros de entidades nãogovernamentais e acadêmico-científicas de outras regiões do Bra sil e também de outros países. Isso não pressupõe afirmar, entretanto, que exista na Ama zónia brasileira, ou no Pará, um discurso regionalista unificado. Isto é, um discurso que unifique diferentes segmentos da sociedade amazonense (nem tampouco, no caso, a paraense) com intuito de construir um bloco regionalista para fazer valer os interesses da região. Entretanto, ainda que existam também tentativas orienta das nessa direção, um dos assuntos que hoje mais polariza as discussões sobre território e região no Pará, é entre os setores que defendem a criação do Estado de Carajás e do Estado do Tapajós, e dos setores que são contrários a qualquer desmembramento do atual território paraense. Essa proposta de fragmentação é defendi da pela imensa maioria da “classe política”, grandes proprietários de terra, empresários e comerciantes do Sul e Sudeste do Pará e do Baixo Amazonas, e as quais se opõe a imensa maioria das elites políticas e económicas de Belém. Ao objetivo de examinar os discursos de alguns desses ato res sociais, especialmente a respeito da proposta de criação do Estado de Carajás, que teria Marabá como capital político-administrativa, são destinadas as últimas páginas deste capítulo, com o intuito principal de discutir os argumentos esgrimidos pelos “sepa ratistas” e pelos defensores da "unidade” e dar prosseguimento à análise das possíveis inter-relações entre atividades económicas, práticas políticas e território. Para esta finalidade também será 255
de interesse avaliar os discursos dos que defendem que a Compa nhia Vale do Rio Doce instale em Marabá o Projeto Cobre Salobo. Assunto com o qual darei por concluído este último capítulo.
1. Discursos regionalistas na época do Regime Militar Entre os discursos realizados no Pará a respeito da inter venção na Amazónia das diversas instituições controladas pelo go verno federal, a partir de meados dos anos 60, destacam-se os que fazem referência à extinção da SPVEA e criação da Sudam, inicialmente recebida com grande entusiasmo por parte de muitos empresários locais. Mas, já em 1968, uma parte dos empresários agrupados no Centro das Indústrias do Pará (CIP), entidade cria da em 1966, manifestava publicamente, atravé.s do seu presiden te, o economista Armando Soares, que o “empresariado paraense estava servindo de cobaia na experiência desenvolvimentista leva da a cabo pelos grandes empresários do país” .12 Em 1968, Lamartine Nogueira, presidente do BASA, ins tituição bancária que administrava os recursos financeiros dos projetos aprovados pela Sudam, afirmava, em entrevista concedi da à imprensa paulista por ocasião de sua visita à agência do BASA na cidade de São Paulo, que do total de projetos apresen tados à Sudam 60% eram de empresários que depositaram 50% do valor total dos seus impostos nessa agência.13 Referindo-se também a esse mesmo assunto, o jornalista Lúcio Flávio Pinto afirmava, num seminário realizado em Manaus, em 1987, que não havia sido por mera coincidência que “as críticas mais cons tantes à Sudam passariam a ser feitas por empresários e governantes da própria região e os elogios, pelos investidores de fora, inversão, portanto, de uma prática anterior” .14 Contudo, não desejo que se interprete que os empresários locais tiveram, em geral, uma atitude de oposição radical aos modelos económicos implementados na Amazónia durante a vi256
gência do Regime Militar. Veja-se o que escreveu a respeito do assunto a socióloga do Idesp, Violeta Refkalefsky Loureiro, que durante o governo Hélio Gueiros (1987-1990) assumiu a direção desse instituto de desenvolvimento e pesquisa15: ' ‘A adesão dessfes segmentos [a tecnoburocracia e a bur guesia local] se deu, desde um primeiro momento, em parte, pela incorporação da ideologia militar de Brasil-potência, com a Amazónia a ele atrelada e, em par te, pela não compreensão imediata do processo de acu mulação do capital, globalmente e a inserção da Ama zónia nesse contexto; em segundo lugar porque, no » bojo do conjunto de medidas que integraram a Opera ção Amazónia, inaugurada com a Ia Reunião (ou en contro) de Investidores da Amazónia - I o RIDA consistiam em aspirações desses setores da tecnoburocracia e do empresariado mais esclarecido a modernização do Banco de Crédito da Amazónia BCA e a reformulação da Superintendência do Plano de Valorização da Amazónia - SPVEA [...]. E a bur guesia de ‘elite’ social passou ela à condição de grupo cooptado pélo grande capital ou ainda, alternando be nefícios e queixas contra uma competição vigorosa e desleal entre capitais do Norte e capitais do Su l” .16 Entre as lutas em prol dos interesses do Pará, em oposição a alguns dos projetos implementados nesse estado durante o Regi me Militar, fosse, por exemplo, através da Sudam ou pela empre sa estatal CVRD, cabe destacar o rechaço de parte significativa de setores da classe política, empresários e intelectuais paraenses à construção da Estrada de Ferro Carajás-Ponta da Madeira (Maranhão) e à construção, sem um sistema de eclusas, da barra gem da Hidrelétrica de Tucuruí, cujo resultado foi à interrupção da navegação fluvial pelo rio Tocantins. A construção da Estrada de Ferro Carajás é certamente paradigmática para poder avaliar 0^7
como algumas escolhas “técnicas” nem sempre encontram sua principal justificação nésse tipo de motivos, mas no resultado de disputas políticas e interesses económicos. A opção pela estrada de ferro, formalmente aprovada pelos técnicos e responsáveis da CVRD, também contou a seu favor com o apoio e pressão exercida sobre o governo federal e o Congresso Nacional de setores económicos e políticos do Esta do do Maranhão, que conseguiram compensar, assim, a oposi ção à mesma de setores da elite paraense que propunham, com base no discurso de que o “minério é nosso”, escoar a produção de ferro e de outros minerais de Carajás exclusivamente através do Estado do Pará. Vou mostrar três exemplos desses discursos que sintetizam o pensamento de muitos paraenses nos anos 70, quando estava em jogo qual seria a decisão “técnica” que a CVRD, isto é, o governo federal, tomaria sobre este assunto. Os discursos escolhidos tam bém serão úteis para, mais adiante, tentar comparar as seme lhanças dos mesmos com os discursos dirigidos a exigir da CVRD a instalação no município de Marabá da infra-estrutura beneficiadora do cobre descoberto nas proximidades da Serra dos Carajás — Projeto Cobre Salobo. O primeiro foi extraído de um editorial de 1973 da “Revista dos Municípios” do Pará intitulado a “Serra dos Carajás”: “Muito se tem falado nos minérios da Serra dos Carajás, que é nosso e que não dever ser levado para o Porto de Itaqui, no Estado do Maranhão [...]. Na rea lidade, o minério foi encontrado em nosso Estado e seu escoamento deveria ser feito pelo rio Tocantins. Estu dos foram feitos e a situação está se definindo em fa vor do vizinho Estado, por apresentar melhores condi ções económicas. Finalmente tudo é Brasil e temos também que pensar em termos nacionais. Aqui, neste canto de página, queremos fazer justiça ao trabalho do governador Fernando Guilhon em favor dos nossos 9K8
minérios. Ele não ficou calado diante do problema, pelo contrário, foi o primeiro a se manifestar dizendo que seria viável o aproveitamento do rio Tocantins. Lutou em diversos setores e chegou a reivindicar, in clusive junto ao presidente Emílio Garrastazu Médici. Até no Japão, .quando de sua viagem àquele país, o governador Fernando Guilhon tratou do minério da Serra dos Carajás. Se a decisão fosse do nosso gover nador, uma coisa estaria definida: o escoamento do minério da Serra dos Carajás seria feito através do rio Tocantins e o Pará ganharia grande soma de re cursos ” 1' O segundo exemplo resume parte do discurso pronunciado na Câmara Federal pelo deputado federal Júlio Viveiros, no dia 7 de junho de 1977: “É um absurdo pretender levar por ferrovia o minério de Carajás ao Porto de ítaqui, em São Luís do Maranhão, quando temos uma grande solução, que julgo ser o ‘Ovo de Colombo’, a Vila do Conde [...]. Porque não escoar o minério de Carajás através do Pará, que é o verdadeiro dono do minério? [...]. Con tinua pairando uma grande dúvida, porque, se não con seguirmos o escoamento pelo nosso Estado, ficarão apenas, para o Estado do Pará, os buracos da Serra dos Carajás. ’18 A respeito da oposição à estrada de ferro não existiu, ao que parece, qualquer divergência entre os deputados estaduais e federais paraenses, fossem da Arena ou do MDB: “Continua a luta dos paraenses pelos minérios da Ser ra dos Carajás ameaçados de serem embarcados no Porto de Itaqui, no Estado do Maranhão. Dias atrás 259
compareceram ao Legislativo para conferências sobre o assunto os deputados federais Gabriel Hermes Filho e Juvêncio Dias, dois parlamentares federais que vêm se empenhando a fundo em favor da grande luta. Na Assembleia Legislativa os deputados Lauro Sabbá, Oswaldo Mello, Gerson Peres, Antonio Teixeira, Carlos Vinagre (vice-líder do MDB na Assembléia Legislativa) e Jader Barbalho (líder MDB na Assembléia Legislativa) continuam trabalhando em favor do escoamento pelo rio Tocantins. O assunto não está decidido em favor de Itaqui, daí ser válida a luta dos paraenses.”'9 Outro bom exemplo da baixa capacidade de gestão sobre seus respectivos territórios por parte dos governo estaduais da Região Norte foi a criação, em 1967, do Grupo de Trabalho para a Integração da Amazónia (Gtinam), do qual somente par ticipavam representantes escolhidos pelas Forças Armadas e pelo governo federal. Além do ministro do Interior que coordenava o Grupo de Trabalho, participavam do mesmo, segundo o decreto n° 61.330, de 11 de setembro de 1967, representantes do Minis tério de Planejamento, Conselho de Segurança Nacional, EstadoMaior das Forças Armadas, Ministério da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, dos Ministérios das Comunicações, Saúde, Trans portes, Agricultura, Minas e Energia, Fazenda e das Relações Exteriores; representantes da Sudam, do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) e do Banco da Amazónia (Basa).20 Entretanto, é preciso recordar, como assinalamos no pri meiro capítulo, que ao iniciar-se a década de 1980 a atuação na Amazónia Legal da Sudam, a CVRD e outras instituições contro ladas pelo governo federal se pautava, basicamente, por um mo delo económico sustentado nas vantagens comparativas que osten ta a Amazónia em relação a outras regiões do país, como Alacid Nunes, então exercendo seu segundo mandato como governador 260
do Pará, fazia questão de destacar, em 1980, em sua Mensagem anual à Assembléia Legislativa: “Primeiramente, na irreversível construção de Tucuruí e na promissora vantagem comparativa que se descortina com o aproveitamento da biomassa flores tal, para a solução dos problemas energéticos nacio nais; em seguida, com a nossa contribuição para au mentar as exportações e reduzir as importações bra sileiras. Atendendo a demanda insatisfeita do merca do mundial de produtos de origem vegetal, animal e mineral, sob a forma de matérias-primas estratégi cas, alimentos, produtos de metalurgia e manufaturas em geral e substituindo pela produção no Estado, uma significativa parcela dos principais produtos que oneram a nossa balança comercial, notadamente o cobre, o alumínio, produtos derivados da carboniza ção e hidrólise da madeira, fertilizantes fosfatadas, ligas metálicas em geral e proteínas que importamos em escala crescente; em terceiro, temos um potencial incomparável para ajudar a eliminar o processo in flacionário da nossa economia, cujas raízes são en contradas nos anos vinte, quando a quase monocultura do café induziu o fortalecimento do centro em detri mento da periferia que a subsidiava direta e indiretamente. A nossa contribuição pode ser efetivada no combate às três grandes causas desse processo infla cionário: inflação de demanda ou de meios de paga mento - via expansão da oferta - , a inflação de cus tos através da incorporação de recursos produtivos com vantagens comparativas tais como energia hidrelétrica e hidrovias e a inflação estrutural, pela melhor distribuição de emprego e renda, social, setorial e espacialmente.”21
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Quando foi instituído o Programa Grande Carajás (PGC), em 1980, foi decidido que sua gestão ficaria sob a responsabilida de de um conselho do qual participavam exclusivamente represen tantes de diferentes ministérios do governo federal (Minas e Ener gia, Transporte, Indústria e Comércio, Fazenda, Justiça, Agricul tura e do Trabalho), sob a coordenação do ministro-chefe da se cretaria de Planejamento, mas sem qualquer representação dos governos estaduais nos quais o PGC atuaria (Pará, Goiás e Maranhão). Em sua visita a Belém em 1982, o ministro Delfim Netto, então presidente do Conselho Interministerial do Progra ma Grande Carajás, foi questionado, por empresários e comer ciantes locais, a respeito de por que eles não tinham qualquer influên cia na definição da política económica nacional e regional e tampouco nas decisões dos responsáveis pelo PGC. Na ocasião, o empresário paraense Joaquim Borges Gomes, dirigindo-se a Del fim Netto afirmou e perguntou: “Como nós, empresários paraenses, somos pequenos e impotentes política e economicamente, ficamos sem pre de fora, ninguém se importa com o nosso sentir. Em primeiro lugar, pedimos vênia para solicitar sua justiça: em segundo lugar, gostaríamos de escutá-lo sobre uma idéia: como consideração ao Estado que vai ficar com um grande buraco em seu território, a As sociação Comercial do Pará — entidade com mais de cem anos de funcionamento ininterrupto — a Federa ção do Comércio do Pará, a Federação da Indústria do Pará e a Federação Rural do Pará teriam assento nesse colegiado. Não teriam direito a voto, mas pode riam ouvir e ser ouvidas. Um representante por enti dade e, necessariamente, empresário ativo. Como o senhor olha esta sugestão? Concorda em defendê-la? [...] Qual a opinião do ministro?” 22
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O ministro, respondeu o seguinte: “[...] nós não podemos fazer uma economia corporativa; nós não podemos, realmente, fazer um sistema no qual o empresário tenha o privilégio de expor sua opinião [...]. Acho que a «sua crítica tem uma certa procedên cia [...]. Frequentemente há uma crítica um pouco mai or do que justa, dizendo que o setor privado não é ouvido’ [...]. Algumas decisões, por sua natureza têm caráter sigiloso [...]. Mas a verdade é que os canais estão abertos [...], quando existem problemas, estamos dispostos a ouvir [...]; o objetivo básico do presidente Figueiredo é construir uma sociedade politicamente aberta, o que significa que cada um vai expor livre mente o seu pensamento, que se organize politicamen te, que ele construa os seus caminhos de posicionamento político - e é o que está acontecendo [...] é este o objetivo básico do presidente; é este o objetivo básico que foi instaurado na Revolução.”23 Esses grandes projetos económicos, para os integrantes do governo federal, deveriam ser utilizados, sobretudo, graças às divisas arrecadadas, para que o Brasil fizesse frente à elevada e crescente dívida externa. Isso explicaria, afora outros fatores, entre eles o próprio interesse de determinados países do “Primei ro Mundo” (sobretudo o Japão) nas riquezas mineiras da Amazó nia, o fato de, apesar dos problemas de caixa do governo federal e das dificuldades económicas do país, no final dos anos 1970 e, sobretudo, ao iniciar-se a denominada “década perdida” (anos 80), que nem a Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD), nem tampouco os consórcios multinacionais a ela associados, terem deixado de financiar os trabalhos destinados a concluir a infra-estrutura ne cessária para a exploração das jazidas minerais no Pará. O mi nistro Anônio Delfim Netto, numa entrevista concedida ao jornal de Belém, “O Liberal”, em 1982, após assegurar que o “o Pará 263
pode ficar absolutamente tranquilo: não há nenhum projeto que tenha tanta importância para o interesse nacional como o Projeto Carajás”24, afirmava: “Quando tivermos Carajás a plena carga, ele repre sentará uma exportação da ordem de 9 a 10 bilhões de dólares por ano. E um acréscimo sobre as exporta ções normais. Isto significa que a curva de exportação vai-se deslocar para cima e vai construir um espaço entre as importações e as exportações, que constitui o saldo da balança comercial. E é com esse saldo que nós vamos diminuir o nosso déficit em contas-correntes; e é desta forma que vamos diminuir a importância relativa da dívida externa. ”2ft Em meados dos anos 70, trabalhavam na Serra do Carajás cerca de 3 mil operários; em 1980, eram dez mil os trabalhado res vinculados aos diversos projetos do Programa Grande Carajás (PGC).26 No início dos anos 90, segundo Clara Pandolfo, cerca de 50 mil pessoas trabalhavam, direta ou indiretamente, nos diver sos projetos de extração e beneficiamento que a CVRD controlava no Pará.27 Nos diversos projetos integrados que conformam o Programa Carajás (mínero-metalúrgicos, agrícolas, pecuários, florestais e pólos industriais), vinculados a sete núcleos básicos (Carajás, São Félix do Xingu, Paragominas, Marabá, Tucuruí, Barcarena e São Luís — Maranhão),28 o governo brasileiro pre via investir, um total de 61,7 bilhões de dólares, destinando 39,9 bilhões aos investimentos diretos e 22,4 bilhões à infra-estrutura (energia elétrica, ferrovias, portos, marítimos e fluviais, rodovias e núcleos urbanos).29 A construção da Hidrelétrica de Tucuruí, que até o mo mento é o maior investimento de dinheiro público realizado na Amazónia, teve um custo estimado em 7,5 bilhões de dólares. Iniciada em 1977 e concluída em 1984, no biénio 1982-83 parti ciparam da obra cerca de 30 mil trabalhadores. Outros 3,7 biOf i / I
lhões de dólares foram gastos na criação da infra-estrutura para extrair e transportar o minério da Serra dos Carajás, 70% dos quais para a ferrovia de cerca de 891,5 km que une Carajás ao porto de São Luís do Maranhão, que seria concluída em 1985.30 Retomando o depoimento de Delfim Netto:
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“Eu gostaria de dizer, inicialmente, que Tucuruí é fun damental para o Projeto Carajás e Carajás é o único projeto desenvolvido pelo governo Figueiredo. Ele tem a prioridade número um em termos de investimentos, neste governo. O Projeto Carajás satisfaz as necessi dades mais fundamentais da economia brasileira [...] Então, é preciso que o Pará entenda este fato. Carajás vai revolucionar o Meio-Norte brasileiro. Não há a menor dúvida sobre isso. Neste contexto, nós temos Tucuruí. Tucuruí é uma espécie de braço direito do Projeto Carajás. Foi com Tucuruí que nós induzimos os nossos parceiros a acreditarem efetivamente na exe cução do Projeto Carajás. Nós estamos construindo Tucuruí, já construímos duas linhas de suporte para o fornecimento de energia para Carajás, antes mesmos de terminar Tucuruí e a construção de suas linhas de energia. E preciso que distingamos o seguinte: não fal tará energia para tocar Carajás. ”31
Segundo informações do governo federal, apenas os inves timentos diretos destinados à implantação do Programa Grande Carajás atingiriam os US$ 30,6 bilhões, estando previsto que as receitas anuais da exportação somariam uns US$ 10,7 bilhões, correspondendo US$ 9,2 bilhões ao segmento minero-metalúrgico, US$ 1,1 bilhões às atividades agropecuárias e US$ 0,4 bilhões à exportação de madeira.32 Mas nunca se alcançaram essas cifras em decorrência, segundo as anteriores previsões, da diminuição da demanda e, sobretudo, do valor da tonelada de ferro no mer cado internacional. Em 1995, por exemplo, quando o total das 265
exportações paraenses superouõs*27l bilhões de dólares (US$), as de ferro representaram 704.606 milhões (US$), um terço do total, e as de bauxita e alumínio não ligado, 115.990 e 592.441 milhões (US$), respectivamente.'^3 Esses dados não diminuem a crescente importância do setor de mineração no Pará, que, em 1975, respondia por apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual, treze anos depois, aproximava-se de 7%, e atingia quase 20% em 1996.34 Se mantidos os investimentos previstos antes de ser privatizada a CVRD, especialmente os destinados à implementação do Projeto Cobre Salobo em Marábá, os empreendimentos da \41e no Pará superarão, pela primeira vez, o faturamento total dos seus projetos em Minas Gerais, estado que desde a criação da CVRD foi sempre sua principal “província mineira”. Em 1995, os empreendimentos da CVRD no Pará representaram 25% do faturamento global da empresa,3'5 dois anos depois alcançaram 35%, somando um total de US$ 1,7 bilhões.3B*
2. A União assume o controle das terras do Pará
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Entre as decisões que maior influência exerceram no en fraquecimento do poder económico e político-administrativo do governo paraense nos anos 70 e 80, cabe destacar a progressiva transferência de boa parte do território estadual ao controle da União. Em 1983, cerca de 70% (881.601,2 km2) do território do Estado do Pará (1.253.164,5 km2) estavam sob a responsabilida de das Forças Armadas e órgãos e instituições controlados pelo governo federal. Entre elas a faixa de fronteira, as reservas indí genas e florestais, a área de ação do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), e os territórios incluídos nos diver sos projetos do Programa Grande Carajás no Pará.39 Em 1971, através do decreto-lei n° 1.164, a União assumiu a jurisdição de 100 km de cada margem das rodovias federais projetadas ou construídas na Amazónia. Isso significava, segundo o jurista e 266
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professor Otávio Mendonça ^ filho do falecido secretário geral do Pará e deputado federal, Deodoro Machado de Mendonça - que “mais de metade do território paraense [...] passava senão ao domínio, pelos menos, à jurisdição federal ”.40 O decreto-lei n° 1.164 foi revogado em 1987, mas ainda não foi concluído o pro cesso de retorno à juris4ição do Estado do Pará das terras sob controle de diferentes órgãos da União, apesar da criação, em 1995, de um Grupo de Trabalho com essa finalidade integrado por representantes do governo federal e do governo do Pará, continuando, sob controle da União, cerca de 500 mil km2 do território paraense: “Segundo a lenda, a multiplicação por 10 teria sido um erro da datilografa do decreto, uma usurpação tão au daciosa quanto espantosa foi a aceitação dos governos estaduais prejudicados, que [...] não mugiram e nem tugiram ao saque contra seu património. Um assessor do então presidente do Incra, José de Moura Cavalcanti (já falecido), que se embebedava no coquetel realizado no Hotel Grão-Pará, logo depois do anúncio do ato, fez comentários desairosos sobre a honra amazônica e o discernimento da sua elite: Eles não sabem nem o que estáo assinando’, comentava o assessor [...]. A inconsci ência daquele dia permanece quase intocada”.41
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Tabela 28 Jurisdição das.terras no Estado do Pará (1987) Instituição Responsável
Área de Jurisdição (hectares)
% em Relação à área territorial
Governo do Pará Iterpa*
36.396.848
29,7
Governo Federal Incra**
53.317.009
43,4
Governo Federal Getat***
16.280.000
13,3
Governo Federal Gebam****
299.152
0,2
Governo Federal Aeronáutica
159.800
0,1
Governo Federal Funai*****
8.687.191
7,1
2.278.000
1.9
5.332.000
4,3
122.753.000
100,0
Governo Federal Governo Federal Area de Fronteira Total
Fonte: Iterpa; apud, Violeta Refkalefsky Loureiro. “História social e ec onó mica da Amazónia ”, em Estudos e Problemas Amazônicos: História Social e Económica e Temas Especiais, Belém, Idesp, 1989, p. 50. * Instituto de Terras do Estado do Pará ** Instituto Nacional de Colonização e Reform a Agrária *** Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins **** Grupo Executivo de Terras do Baixo Amazonas ***** Fundação Nacional do índio ****** Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
3. Os discursos “regional-progressistas” e os cientistas sociais paraenses As transformações sócio-económicas ocorridas na Amazó nia brasileira nas ultimas décadas têm merecido crescente aten ção por parte de cientistas sociais nacionais e estrangeiros.42 Boa parte desses estudos fora realizada por professores, cientistas so ciais e técnicos de diferentes centros académicos e de pesquisa radicados em Belém. Entre estes cabe destacar os vinculados ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA-UFPA), ao Museu Paraense Emílio Goeldi4'3 e ao Instituto de Desenvolvimento Económico Social do Pará (Idesp),44 sem desmerecer as pesquisas desenvolvidas por outros professores e pesquisadores da UFPA, especialmente os do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (Sociologia, Ciência Política, Antropologia e His tória) e do Centro de Ciências Jurídicas e Ciências Económicas. A maioria desses trabalhos é muita crítica em relação ao modelo de desenvolvimento económico - ou modernização autori tária e conservadora - implementado na Amazónia durante a vigência do Regime Militar.4’ Tal diretriz fica patente quando exa minam, por exemplo, o impacto sócio-econômico na região dos grandes projetos económicos e dos incentivos fiscais destinados a projetos agropecuários. Avaliam os pesquisadores que esses pro jetos serviram a interesses económicos externos à região e não à população local, por terem dado prioridade às atividades econó micas orientadas à exportação de matérias-primas e ter favoreci do o incremento do número de grandes latifúndios, além de terem sido marginalizados, na discussão e implementação dos grandes projetos económicos, tanto as entidades representativas da socie dade civil, como os governos estaduais e prefeituras da região.46 Vimos acima alguns dos discursos que poderiam ser in cluídos na denominação de “regionalistas-conservadores”; a se guir avaliarei os discursos de alguns intelectuais e outros atores sociais, a maioria deles paraenses, que poderiam ser incluídos na classificação de “regional-progressistas”. Entretanto, consi 2fi9
dero pertinente esclarecer que não serão contemplados nessa clas sificação os discursos e outras práticas daqueles atores sociais que desvalorizam a importância da “questão regional” ou constroem um discurso mais propriamente anti-regionalista. Por exemplo, alguns intelectuais e militantes das organizações de esquerda que consideram que os fenómenos regionalistas são, fundamental ou simplesmente, manifestações dos interesses das elites económico e politicamente dominantes com o intuito de consolidar sua hegemonia e, assim, manter seus privilégios. A análise do sociólogo Roberto Martins sobre o fenómeno regionalista no Nordeste pode ser um bom exemplo do que defino como discurso anti-regionalista: “O discurso ideológico do Regionalismo enfatizando a afirmação de solidariedade’ fundamentada em víncu los territoriais e culturais, e clamando pela existência de interesses económicos e políticos comuns’ , escamo teia as contradições económicas, políticas e sociais ao nível empírico das formações sociais diluindo os confli tos e lutas de classe ou de frações de classe.”47 Portanto, para não confundir essas ou práticas similares, que prefiro denominar de nacionalistas-progressistas, defino ape nas como regional-progressistas aqueles discursos desenvolvidos por indivíduos e organizações direcionados a construir ou refor çar identidades e outro tipo de práticas, no âmbito regional ou estadual, em oposição, tanto àqueles que fazem um discurso antiregionalista, mas também, em oposição aos discursos regionalistas conservadores das elites política e economicamente dominantes seja diretamente ou através dos seus intelectuais orgânicos. Neste sentido, o discurso regional-progressista também po deria ser interpretado como as práticas daqueles atores que alme jam reforçar a identidade regionalista (leia-se, sempre, também estadual, por exemplo: “nós, os paraenses”) dirigidas a transfor mar as estruturas sócio-econômicas e políticas em seus respectivos territórios de atuação, sem que as mesmas sejam, em princípio, 270
contraditórias com as transformações do “todo nacional”. Os co mentários do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, seguramente um dos principais representante do regionalismo-progressista na Amazónia brasileira, a respeito da sua participação numa reunião em Paris, são uma mostra exemplar da distinção, entre esse tipo de discursos, e os realizados por alguns setores da esquerda no Pará e em outras partes do Brasil. Relata Flávio Pinto: “Percebi de uma forma mais intensa o problema regi onal em Paris. Estava numa sessão do Tribunal Per manente dos Povos. A delegação brasileira, toda ela jogando na ponta esquerda, ficou chocada na hora da _minha intervenção, quando disse que era um amazônida. Um de meus amigos, teórico de esquerda, me chamou para o lado e disse: - Você está jogando mal’. Como se eu tivesse entrado na posição errada num campo de futebol: - S ó existe brasileiro, esse negócio de amazônida não existe. Que expressão é essa’.”48 Vejamos, na continuação, outros exemplos do que definimos como discurso regional-progressista na Amazónia. Em primeiro lu gar, um texto de Pasquale Di Paolo, professor, já falecido, do Depar tamento de Ciências Sociais da UFPA: ‘A colonização está alcançando horizontes nunca vistos na Amazónia, mas numa estratégia destruidora da natu reza e assustadora do homem, que foi reduzido assim a peça incómoda de um cenário que era seu e que agora tornou-se domínio abstrato de neo-latinfundiários-empresários [...]. A opção pelo capitalismo dependente reduziu ainda mais a autonomia da Amazónia, que, embora apre sente um ecossistema uniforme, foi desmembrada no pla no sócio-económico em três Amazônias: a Oriental, a Central e a Ocidental. Rondônia, por exemplo, se relaci ona muito mais com São Paulo do que com Belém.”49 271
Na revista “Pará Desenvolvimento ”, em uma das suas edi ções especiais destinada* neste caso, especialmente ao “problema ecológico”, os pesquisadores Manoel Fernandes da Costa (enge nheiro agrónomo), Geraldo Gobistch Neto (engenheiro civil) e Ana Maria Corrêa Penalber (química industrial), escrevem: “A grande extensão territorial da Amazónia, aliada ao potencial e à diversidade de seus recursos naturais [...], têm ensejado sua ocupação e integração à economia nacional e internacional, sob um estilo de desenvolvi mento que prioriza o atendimento de interesses, objetivos e metas alheios”, sem internalizar os benefícios para a melhoria da qualidade de vida dos seus nativos habitantes.”50 O matemático e técnico do Banco Central do Brasil, Wagner Ormanes, nos diz: “A história da Amazónia como zona de fronteira, não traz surpresa. Aqui o colonizador vem com o propósi-, to da exploração, do saque, do enriquecimento a qual quer custo. O abuso, a ludibriação de incautos, a vio lência dos métodos dão a tónica do que tem sido o relacionamento com os nativos desde os primeiros aven tureiros, e supor que de futuro possa ser diferente do que ocorre na África, por que o empresário alienígena terá, por vontade própria, postura diferente é insensa tez, ingenuidade. Cumpre aos amazônidas, neste con texto, definir, negociar e impor mecanismos de retenção de parcela maior da riqueza, de forma a proporcionar melhoria nas condições de sobrevivência da população local.”51 O ex-reitor da Universidade Federal do Acre e atualmente professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, Moacir Fecury Ferreira da Silva, nascido na cidade 272
de Rio Branco (Acre), em sua tese de doutorado, intitulada Do Regional ao Nacional (1996), escreve: 'A atuação do Estado brasileiro na Amazónia tem se caracterizado pelo casuísmo oportunista e pela falta de sensibilidade, em relação às potencialidades econó micas da região e as expectativas do legítimo amazônida [...]. Esses ingredientes são perfeitamente compatíveis com as elites políticas dessa vasta região, os quais sempre se contentaram com as migalhas’ dos recursos repassados, mas que lhes possibilitaram man ter a suas bases eleitorais em troca do discurso em .defesa de políticas públicas adotadas pelo governo fe deral que, geralmente, são justificadas como de inte resse nacional’ . ”32 O jornalista Flávio Pinto assinala: “Que interesse existe em se realizar somente grandes projetos económicos se a sociedade regional fica cada vez mais pobre, acumulando-se os adensamentos hu manos nas periferias e nas baixadas das grandes cida des amazônicas. ”53 Finalmente, num trecho das Resoluções do III Congresso Regional da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Baixo Amazonas, realizado no município de Alenquer (Pará) em 1989, pode-se ler: “A luta pela sobrevivência do povo amazônida vem de longas décadas, desde que os portugueses invadiram o Brasil, o entreguismo passou a ser fato rotineiro, dos que desde esta época dirigem o país. Hoje somos víti mas desde entreguismo, carregando nas costas todas as consequências que vem da política traçada pelo gover
no. Somos nõs trabalhadores caboclos, índios e imi grantes que.lutamos para defender o que ainda nos res ta.”54 Tais discursos, exemplares das práticas regional-progressistas, não pressupõem que esses ou outros atores sociais com discur sos similares, não possam ter objetivos comuns, segundo momentos e circunstâncias, com setores da esquerda-nacionalista ou, noutros, com regionalistas-conservadores. E o caso, em relação ao Pará, daqueles feitos em apoio às causas dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), e contra a devastação da floresta amazônica efetuada por empresas madeireiras ou grandes fazendas agropecuárias; ou em oposição a determinadas ações da Administração Federal ou à crescente influên cia no Pará e no conjunto da Amazônia de grupos económicos estrangeiros ou de outras regiões do país; ou na “luta” para que a CYRD contribua para o desenvolvimento sócio-econômico do Pará e não apenas se servir do “nosso minério”. Um exemplo paradigmático, entre as pessoas que defen dem a unidade de ação política dos diferentes setores sociaiç paraenses para fazer frente aos efeitos negativos na sociedade regional da política económica implementada na Amazônia pelo governo federal, foram os discursos do economista Roberto San tos, que também poderia ser considerado um dos principais expoen tes do discurso regional-progressista no Pará. E importante salien tar que o texto escolhido para sustentar essas afirmações, foi escri to por Roberto Santos em 1987, momento em que ele assessorava a alguns dos integrantes da bancada federal paraense nos trabalhos destinados à elaboração da atual Constituição do Brasil. “Não se trata de negar a existência de oposição de classes no interior de região, ou de negar a solidarie dade da classe trabalhadora (ou a da classe capitalista) para além da região. Trata-se, antes, de reconhecer que, ademais dessa solidariedades que transvazam as 27 4
regiões, há outros interesses e necessidades que são comuns dentro delas e de cujo atendimento todas as classes sediadas em determinado lugar tirariam pro veito material ou espiritual. O segundo motivo prático do declínio de prestígio da região amazônica nas rei vindicações políticas locais é que o modelo de desen volvimento regional’ praticado pelo Estado brasileiro e os investidores que ele mobilizou, não teve caráter re gional e esteve longe de resultar em desenvolvimento [...]. Que aliança da classe trabalhadora com o empre sário local é inevitável, nos quadros de uma luta pelo desenvolvimento coletivo e a justiça social, eis o que _ parece fora de dúvida. As alternativas para a classe trabalhadora não são numerosas nem se afiguravam viáveis [...], por outro lado, a classe trabalhadora da Amazónia não possui organização suficiente nem dispõe de poder imediato que a habilite a conduzir sozinha um processo de luta pelo desenvolvimento próprio regional. O empresariado local está mais organizado no momen to e no amplo espectro de poderes nacionais dispõe de certos relacionamentos e possibilidades que, se adequa damente apoiados, poderão ser bem sucedidos. E preci sa intensamente de companhia na luta por sua preserva ção, luta para a qual sua única saída é reacender a lâmpada do ideal regional, porque o grande capital é forte e a ação na Constituinte não vai ser fácil.”55
4. A Teoria da Dependência e as contradições do discurso regionalista Muitas das análises e conceitos usados pelos discursos regionalistas, especialmente os que defini como regional-progressistas, mas também dos setores da esquerda paraense cujas práti cas classifiquei de nacional-progressistas, se alimentam da corren 27 5
te de pensamento que seria conhecida como Teoria da Dependên cia. Alguns dos postulados desta corrente, especialmente os relati vos à “questão regional ”, comentarei nas próximas páginas. Nos anos 1960, as dificuldades económicas enfrentadas pelos países latino-americanos, o próprio desgaste dos modelos nacional-desenvolvimentista e populistas e, entre outros muitos fatores, o impacto da Revolução Cubana nos países da região, faci litaram o surgimento da que seria conhecida como Teoria da De pendência. Os teóricos da dependência,'56 a maioria dos quais se autodefiniam como marxistas não-ortodoxos, tentaram superar o que consideravam limitações da escola cepalina na hora de anali sar e propor alternativas direcionadas a resolver as desigualdades económicas entre os países. Duas questões articulavam basica mente suas análises: uma mais propriamente económica e outra política, mas, ambas, inseparáveis, pois, como assinalou o soció logo Francisco de Oliveira, com o conceito de dependência tratase de explicar a forma pela qual os interesses internos se articu lam com o resto do sistema capitalista.'1' Tentando-se mostrar, por exemplo, que o modelo económico de industrialização pela via da substituição das importações não fez diminuir as diferenças nos níveis de desenvolvimento económico entre os países do centro e os da periferia. Esta situação decorre, entre outros fatores, da manei ra pela qual se difundem pelo mundo os avanços tecnológicos e do controle do comércio internacional e, portanto, dos preços, exerci do pelos países superindustrializados e empresas multinacionais, o que determina que os países da periferia recebam, progressiva e comparativamente, uma menor quantidade de produtos manufaturados pelo valor das suas matérias-primas exportadas.58 No plano político, os teóricos da dependência criticaram os cepalistas por ter dado prioridade em suas análises aos efeitos económicos das desiguais relações de intercâmbio entre países, propondo políticas desenvolvimentistas sustentadas nos conceitos de internalização do centro de decisões, integração nacional, pla nejamento, interesse nacional, negligenciado o “papel condicionante das relações internacionais de poder” e também da “estrutura 276
sócio-política interna, sobre o desenvolvimento da economia de cada país ”,59 e contribuindo, assim, para desvalorizar a importân cia política dos conflitos entre as classes ou grupos sociais nos países periféricos. Isto é, segundo o resumo realizado pelo sociólo go Francisco Oliveira, em sua obra Dependência e Desenvolvimen to em América Latina, Fernando Flenrique Cardoso e Enzo Faletto “Tentaram se afastar [...]do esquema cepalino, que vê nas relações externas apenas oposição a supostos inte resses nacionais globais, para reconheceram que, an tes de uma oposição global, a dependência’ articula os interesses de determinadas classes e grupos sociais da América Latina com os interesses de determinadas clas ses e grupos sociais fora da América Latina. A hegemonia aparece como o resultado da linha comum de interesses determinada pela divisão internacional do trabalho, na escala do mundo capitalista.”60 Entre os trabalhos que maior influência exerceram na apli cação das abordagens dos teóricos da dependência à análise das desigualdades económicas inter-regionais no Brasil, cabe destacar os escritos do sociólogo Francisco de Oliveira. Focalizando seus estudos na análise das transformações sócio-econômicas e políti cas do Nordeste, sobretudo em seu hoje já clássico livro Elegia para uma Re(li)gião: Sudene, Nordeste, Planejamento e Conflitos de Classe, Francisco de Oliveira tentaria refutar a validade das teses dualistas da Cepal, cujo pressupostos tinham nos estudos do economista Celso Furtado seu mais notório representante no Bra sil, além de ser um dos principais ideólogos e gestores do modelo de desenvolvimento implementado no Nordeste, através da Sudene, durante o governo João Goulart. Francisco de Oliveira mostraria sua oposição aos enfoques baseados no conceito dos desequilíbrios regionais, propondo analisar as diferenças económicas entre as regiões brasileiras e as políticas de planejamento “sob a ótica da divisão regional do trabalho, vale dizer sob a ótica do processo de 277