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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7- 5880 S237m
Santos, Cesar Augusto Baio Máquinas de imagem: arte, tecnologia e pós-virtualidade / Cesar Augusto Baio Santos. São Paulo: Annablume, 2015.
208 p.; 16 x 23 cm. Inclui referências. ISBN: 978-85-391-0719-3. 1. Flusser, Vilém, 1920-1991. 2. Semiótica. 3. Comunicação. 4. Comunicação visual. I. Máquinas de imagem. II. Título: arte, tecnologia e pós-virtualidade. CDD 302.2 Índice para catálogo sistemático: 1. Flusser, Vilem, 1920-1991 2. Semiótica 3. Comunicação 4. Comunicação visual
M á������ �� ������: A ���, T��������� � Pó�- ������������ Capa
Jeferson Santiago de França Imagem de Capa Surface tension; Rafael Lozano-Hemmer Projeto e Produção
Coletivo Grá �co Annablume Annablume Editora Conselho Editorial
Eugênio Trivinho Gabriele Cornelli Gustavo Bernardo Krause Iram Jácome Rodrigues Pedro Paulo Funari Pedro Roberto Jacobi 1ª edição: julho de 2015 © Cesar Baio Annablume Editora Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 554 . Pinheiros 05415-020 . São Paulo . SP . Brasil Televendas: (11) 3539-0225 – Tel.: (11) 3539-0226 www.annablume.com.br
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%&'& ()*+&' & &',) ) & -./0& Vilém Flusser, o lósofo que gostava de jogar O método analítico de Flusser A sombra da novidade
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=> ;8-<<#" # 6 ':6?#:@ "-:( 6 -:6 6"+# ,(< 6A6"6+(<
37 40
1.1 Imagem: da forma ao aparato 1.1.2 O artista e a tecnologia: da subversão à invenção
45 45 48 50
1.2 Rumo a uma losoa do aparato 1.2.1 O dispositivo cinematográco 1.2.2 O dispositivo como modelo losóco 1.2.3 Os aparatos culturais e a projeção de imaginários
53 56 58 64
1.3 A arte no mundo codicado 1.3.1 O aparato de ordem tecnológica 1.3.2 A arte e o aparato midiático 1.3.3 O artista: de funcionário a jogador
69 70
1.4 Os artistas e suas máquinas de imagem 1.4.1 Rumo à imagem como projeto
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75 77 85
2.1 A virtualidade e a questão da imersão 2.1.2 Programando espelhos de Alice 2.1.3 Máquinas de transcendência e a gênese do virtual
92 92 94 97
2.2 Repensando a condição da imagem 2.2.1 A imagem: da representação à concretude 2.2.2 A imagem como projeto 2.2.3 A pós-virtualidade da imagem
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116
3.1 Realidade aumentada e a visibilidade do aparato
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&'( )*+,-./+ 0-12-0,*34+ +*.56/74+ 3.2.1 A imagem como camada de realidade 3.2.2 Do olhar à cognição 3.2.3 Politizando a questão: obras orwellianas 3.2.4 O sujeito armazenado e catalogado
132
3.3 Da análise à interpretação do corpo
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>" ? .1*/'1 +.='(%@&.+*
135
4.1 Operando com formas sintéticas
137 141 146
4.2 Da imagem sintética à cibernética 4.2.1 A objetivação da imagem 4.2.2 A imagem cibernética: entre a ‘‘coisa’’ e o ‘‘outro’’
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A" B813 C .1*/'1 4'()3(1*&.7*
155 157 160 162 163 166 170
5.1 Repensando o argumento: a outrifcação 7/ *./8-. 5.1.1 Performance: a arte da presença 5.1.2 A presença como linguagem 5.2 Por um regime performativo da imagem 5.2.1 A obra como encontro 5.2.2 O valor expressivo do gesto 5.2.3 Acessando a intimidade
$!" 177 179 183 187
"'& 91481/./:74 24.041,/.-:,4+ +-:+;3-*+ 5.3.1 A imagem performativa 5.3.2 O programa e o performer, entre a determinação e a liberdade 5.3.3 O caso de Sophie 5.4 Novas sensibilidades para novos aparatos
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Notas para uma futura teoria da imagem
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Referências bibliográcas
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As mutações estéticas e éticas desencadeadas pela cultura digital colocam em perspectiva as denições tradicionalmente associadas aos meios fotográco, video! gráco e cinematográco, enquanto promovem as condições favoráveis à emergência de um pensamento crítico. Estabelecer essa distância em relação aos dispositivos téc! nicos engendrados pelas formações culturais precedentes é importante para assinalar, no atual momento de substanciais recongurações, o sentido das mudanças em curso e de delinear os estatutos da imagem, do artista e do observador contemporâneos. Sabemos que os ideais de ruptura com as formas culturais hegemônicas, "#$%&'()*+&,#- %#' )/0$1'#- $#2)$1/(#- "3*(3'&)- *#/4# ,# %1'5#,# $#,1'/# – nomeadamente, as vanguardas históricas (o construtivismo russo, o surrealismo francês, o futurismo, entre elas) e a pop-arte –, encontraram-se frequentemente atra! vessados pelas manifestações de enfrentamento com as forças oponentes, de modo a comprometer irremediavelmente seus pressupostos transgressores. A busca pelo novo, do mesmo modo que o ideal de constituição de outros paradigmas referidos à experiência contemporânea, encontra-se manifestamente perpassada por essas inicia ! tivas precedentes, sinalizando que o projeto de atualização dos balizadores culturais demanda, na sua formulação, a elaboração de um pensamento duplamente direcio ! nado, igualmente atento às soluções de compromisso com as formas precedentes e às expressões singulares das congurações emergentes. !"#$%&'( *+ ,-'.+- ,1! senvolve, nesse particular, uma análise instigante convergindo, em um mesmo mo! vimento, as transformações proporcionadas pelas formas imagéticas analógicas, em especial as experiências produzidas pelos movimentos da arte moderna pautados na aproximação entre a alta arte e a baixa cultura, e os modelos cognitivos, simbólicos, sensíveis e políticos singularmente convocados pelos modos de existência das tecno ! *#4)&- ,)4)(&)-6
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Na atual era pós-digital, uma vez assimiladas as trajetórias empreendidas pe! las vanguardas históricas, pelos pós-modernistas e pelos defensores, no início dos anos 1980, da revolução do digital, defrontamo-nos com a oportunidade de avaliar de modo crítico o papel das inovações tecnológicas no âmbito dos fenômenos cultu ! rais – da arte, do cinema, da literatura, do teatro –, e das formulações teóricas. Neste particular, de promover um pensamento limiar, assinalado pelo duplo exercício das assimilações e das ultrapassagens, singularmente emancipado das antigas proposi ! ções dicotômicas fundamentadas na oposição entre termos antagônicos. Importa, no contexto atual, examinar as recongurações – estéticas, institucio! nais, políticas e éticas – promovidas pela disseminação das tecnologias digitais em todos os domínios da vida. Nesse momento transicional, marcado pelo surgimento de novos formatos e pela elasticização dos regimes temporais das imagens, fortemente intensicadas pelas tecnologias digitais, o que se apresenta notável são os novos mo ! dos de existência das imagens, seu signicativo deslocamento da condição de objeto oferecido ao olhar para o de interface que passa a responder, a agir e a performar em situações dinâmicas de trocas, de tal modo a convocar, de forma implicada, o corpo " $ %$&'()(%$*+, -, ,./"&0$-,&1 23 !"#$%&'( *+ %,'-+,. Baio nos proporciona uma acurada leitura da con ! dição contemporânea, atualizando as proposições desenvolvidas por Vilém Flusser sobre os aparelhos técnicos de mediação. Uma perspectiva teórica consistente, ra ! dicada na identicação das linhas de forças singularizantes dos fenômenos culturais contemporâneos, considerados a partir da leitura crítica das formulações conceituais predominantes até o início dos anos 1980, mas, igualmente decisivo, desde o ponto de vista da liberdade do artista e do participante implicados na aventura estética. A percepção dos acontecimentos históricos, o pensamento losóco e a experiência estética encontram-se entrelaçadas nas análises empreendidas por Baio, de modo a proporcionar as condições de existência de um pensamento que se exerce orientado pelo princípio do desao e da superação, em diálogo direto com a experiência artís ! tica processual, desencadeada a partir das disposições singulares das imagens e dos participantes, quando o que faz diferença são as relações instituídas no encontro entre $ ,.&$ " , /"4 $'(0$-,&1 A concepção crítica de Flusser sobre o modo de funcionamento dos aparelhos técnicos, inscrita na sua losoa do aparato, e a sua noção de futuro essencialmente dinâmica apresentam-se cruciais nas análises elaboradas por Baio a propósito das relações engendradas pela cultura digital. Por um lado, a percepção das funções nor ! mativas associadas aos aparelhos técnicos, uma vez avaliados os seus desempenhos convencionais, submetidos à lógica do controle social, do aumento do consumo e de manutenção da ordem vigente, possuiu o poder de despertar uma postura crítica em relação ao seu modo de funcionamento, de tal modo a encorajar usos originais e disruptivos desses mediadores, capazes de consignar um sentido verdadeiramente inventivo ao trabalho do criador de imagens. De modo análogo, as proposições de
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Flusser em relação à imagem encontram-se dimensionadas relativamente a um possí ! vel, a um desdobramento futuro, sempre de modo a conceber uma ação de interferên ! cia, igualmente criativa, por parte do participante, que modica o modo pelo qual a própria imagem se faz presente. Uma leitura que desloca a imagem do lugar passivo, unicamente referido a um tempo já decorrido, ou às determinações de ordem formal quanto a sua natureza estética, para torná-la maleável, contaminada pelas mutações implicadas numa experiência que é sempre processual e atual. Esses dois balizadores conceituais trabalhados por Flusser – a crítica do modo de funcionamento dos aparelhos e a condição processual da imagem – decorrem da sua original concepção sobre a natureza simbólica dos signos, inclusive dos signos gurativos da fotograa e do cinema, frequentemente confundidos com os sinais na ! turais. Uma perspectiva radical, que desloca a crítica da imagem e da cultura do âmbito da losoa da representação, para situá-las no terreno das construções simbó ! licas. Baio expande essa proposição da imagem como artefato às congurações das tecnologias digitais, apontando para uma vida e uma performatividade da imagem, para o seu vetor projetivo, destacando a sua vocação de alterar o sentido de presença do participante, do mesmo modo que a sua relação com o outro e com o entorno. A perspectiva de análise empreendida por Baio apresenta, nesse ponto, uma inexão decisiva relativamente aos instrumentais conceituais mobilizados na pesqui ! sa. Trata-se, em primeiro lugar, de assinalar a natureza simbólica de todos os signos culturais de modo a identicar o potencial criativo e transformador dos aparatos ima ! géticos modernos, uma vez reconhecidos os seus modos próprios de funcionamento, seus códigos e programas, e os pressupostos modelos de conhecimento que atuali ! zam. Em um segundo momento, de considerar os dispositivos de mediação digital – o campo dos ambientes imersivos, da realidade aumentada, da arte cibernética e dos dispositivos móveis em rede – associados a uma outra lógica processual, momento em que a imagem encontra-se especialmente referida ao seu modo constitutivo e aberta a desempenhar funções autônomas. Uma crescente autonomia da imagem que, entretanto, não transcende o âmbito da experiência. De modo inverso, depreende-se que a cada novo grau de autonomia, a imagem passa a desempenhar funções pro ! gressivamente relacionadas às instâncias fenomenológicas presentes na experiência sensível, vindo a implicar o corpo do participante, na sua dimensão sensorial, de "#$# &'($& "&') '(*+,)'-#.
A perspectiva analítica empreendida por Baio possibilitou apreender os desdo ! bramentos da experiência contemporânea baseada em mediações tecnológicas desde o ponto de vista de uma radical corporeidade, além de apontar para as inconsistências inscritas nas primeiras formulações, enunciadas no decorrer dos anos 1970, sobre as possibilidades inauguradas pelas tecnologias digitais, fortemente ancoradas no ideal utópico de construção de mundos articiais, manifestamente emancipadas das instân ! cias materiais e sensoriais da experiência. Com efeito, no âmbito dos dispositivos tec! nológicos, as relações incisivas, inaugurais e complexas instituídas pelas interfaces
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!"#"$%"& ()* &+ +(,*($-%. /*0$%!%& 1 -+2-+&+($%3)* !+ -+%0"!%!+& %($+-"*-+& 1 "(&$"4 tuição das próprias imagens, nem muito menos, uma vez dimensionada sua condição inaugural e projetiva, direcionadas à elaboração de mundos paralelos alternativos. Uma condição peculiar, intensicada pelas singularidades da codicação sintética, inscritas no domínio que Baio designa de !"#$%"& (" )!*+",-*. A natureza do aparato digital, processual e aberto aos usuários, confere uma substancial margem de atuação por parte do artista, no que tange ao seu domínio sobre os elementos materiais constitutivos dos aparatos, cancelando, ao menos parcialmen4 te, as tradicionais funções de caixa preta, desempenhadas pelos aparatos modernos. Tal singular condição de existência do aparelho contemporâneo favorece a percepção de que, além das questões de consciência mobilizadas na postura crítica envolvendo o seu funcionamento, os próprios aparatos, uma vez observados os sistemas simbóli4 cos e os modelos de pensamento que inscrevem, encontram-se especialmente sujeitos à manipulação criativa. Essas sucessivas aberturas, compartilhadas pelo participante, pelo artista e pelos jogos com os aparelhos no contexto pós-digital, encontram-se investidas de um poder expansivo, ensejando as práticas voltadas ao exercício da liberdade, crítica e criativa, em todos os domínios da experiência contemporânea. Cesar Baio nos oferece, nesse notável livro, um percurso de pesquisa que procede ao recenciamento dos textos clássicos e das recentes investigações consa 4 gradas à teoria das imagens, sempre de modo a privilegiar as margens de liberdade do artista, do participante e do programador, consideradas estratégicas nas nossas &*,"+!%!+& ,*($+.2*-5(+%& %/%(3%!%& + (*& 2*$+(,"%"& 2-*,+&&*& !+ +.%(,"2%3)* estética e política.
!"#$%&'()% *$#+, ./&!* + 0!12. 31'44+$
5*$* 5+"4*$ * *$#+ + * ./&!* ! #$%' ()#*#' + #),% -.% '/0/' 1/&',#&,%0%&,% )%2&'%)23/' &/ '/4/ 3# realidade, solo este encoberto pelos artifícios e artimanhas da situação cul 5 tural que nos cerca. A arte é a nossa única janela para a vivência concreta
3# )%#423#3%6 (FLUSSER, Aspectos e prospectos da arte cibernética: 5)
Desde o alvorecer da arte contemporânea, as operações na estrutura interna
3#' 07-.2' 3% $)/3.*8/ % 3% 12)1.4#*8/ 3% 20#(%&' % '/&' '%0$)% %',29%)#0 &/ centro de interesse de gente como Nam June Paik, Wolf Vostel, Bill Viola, Bruce Naumam, Dan Graham, Steina e Woody Vasulka. Sob a inuência do Dadaísmo, do Fluxus, da Arte Pop e da Arte Conceitual, esses e outros artistas da época deixaram de lado a utilização simples e instrumental dos aparelhos industriais, para intervir no interior dos circuitos eletrônicos e da organização dos sistemas midiáticos. Boa parte da produção feita entre as décadas de 1960 e 1980 foi dedicada a esse projeto por meio da subversão de aparelhos de TV, câmeras, gravadores de ta K7, da interven 5 ção criativa em programas de TV e transmissões via satélite e, também, da reinven 5 ção dos espaços arquitetônicos de fruição e dos uxos de imagens e sons da TV, do
12&%0# % 3/' '2',%0#' 3% 92(24:&12#6 Estas foram as estratégias de muitos artistas para discutir os impactos das
,%1&/4/(2#' 3% 0%32#*8/ %0 .0# '/12%3#3% -.#4 # 1/0.&21#*8/ 3% 0#''# '% consolidava progressivamente, marcada pela concentração de poder, pela padro 5 nização industrial e pela homogeneidade do entretenimento em larga escala. No
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entanto, tais práticas ganham outros contornos a partir da virada de século. Em resposta às transformações culturais que se desdobravam e, ao mesmo tempo, in ! uenciavam a incorporação da base técnica digital nos sistemas midiáticos ocorrida na década de 1990, os artistas passaram a reformular suas práticas e suas estratégias de ação. O rompimento denitivo da vinculação entre o suporte técnico e a estéti ! ca, a facilidade de acesso ao conhecimento necessário para o desenvolvimento de !"#$%"#& # '()*%"#& customizados, a interatividade das redes xas e móveis são apenas algumas características que marcam tais transformações. Em termos gerais, esse novo cenário é marcado por uma profunda mudança tanto na maneira como $%&'(##)*#&%+ # )%+ (#,-$.%)-&%+ $%& -+ /#$)%,%0.-+ *# *.-12% 34-)/% )% ,40-( 34# #,-+ %$4'-& )- +%$.#*-*#5 No nal da década de 1980, Mark Weiser cunhou o termo “computação ubí !
qua” para designar um estágio futuro da tecnologia no qual nossa relação com os computadores se tornaria mais naturalizada. Os sistemas digitais deixariam de estar (#+/(./%+ -%+ $6-&-*%+ $%&'4/-*%(#+ '#++%-.+ # +# .)/#0(-(.-& 7+ $%.+-+ 34# )%+
cercam de maneira silenciosa e invisível. A tecnologia recuaria para o plano de fundo das nossas vidas, de modo que passaríamos a nos relacionar de maneira constante e “tranquila” com os equipamentos mais diversos, todos conectados entre si. De fato, atualmente, cada vez mais os sistemas computacionais se miniaturi ! zam, se multiplicam e se inserem de maneira mais íntima à nossa vida. No horizonte da ubiquidade computacional, tudo o que nos cerca passa a incorporar microcon ! troladores, sensores, conexões em rede, telas e projetores. Com isso, roupas, obje ! tos, corpos, edicações, espaços públicos e privados se transformam em plataforma eletrônica para produção e circulação de imagens, sons e textos. O grau de avanço tecnológico imaginado por Weiser e que começa a se revelar mais claramente no nos ! so cotidiano agora nos coloca, assim, no alvorecer do que se poderia conceber como “ubiquidade tecnomidiática”, uma condição na qual tudo que está a nossa volta, inclusive nosso próprio corpo, é transformado em uma mídia tecnológica. Embora esta dimensão estética não tenha chamado a atenção de Weiser de início, os desdobramentos da computação ubíqua na produção simbólica colocam em $(.+# - $%)$#'12% *# &8*.- /-, $%&% -,0% '(#$.+-)/# *#,.&./-*% # $.($4)+$(./% -
um tempo e a um espaço especíco (a sala de projeção para o cinema, a sala de estar para a TV, a galeria de arte para o vídeo). Ao mesmo tempo em que nada mais escapa aos domínios da mediação tecnológica, a mídia passa a se diluir e se fundir em tudo, tornando-se parte indissociável da experiência concreta que temos do mundo. É certo que este cenário desloca radicalmente o que compreendemos como mídia, mas, é preciso dizer, ele também o faz com a maneira como entendemos a imagem, o corpo, o espaço, o outro e a sociedade na qual estamos imersos. Mas, existe outro aspecto desse contexto que não foi previsto por Weiser e que vem se tornando mais evidente nos últimos dez anos. Trata-se do fato de que, para além do aspecto material da incorporação dos microcontroladores e das redes de co !
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municação no cotidiano, a ubiquidade computacional pode ser capaz de transformar profundamente o modo como se organiza o nosso conhecimento sobre a tecnologia. Isso porque, com a assimilação intensiva dos aparatos técnicos nas práticas culturais correntes, a tecnologia perde progressivamente seu caráter enigmático e deixa, pouco a pouco, de ser aquela caixa-preta acessível apenas a uma quantidade restrita de es ! pecialistas e corporações que fazem girar a indústria da tecnologia. No mesmo ritmo em que os sistemas computacionais são incorporados no cotidiano, o conhecimento sobre tecnologia tem se popularizado, favorecendo o acesso de um público sem formação especializada a um saber especíco. Este pro ! cesso é acelerado por uma série de ações realizadas por grupos organizados que utilizam a internet como base de produção e difusão de tecnologia. Fundadas na ideia de que o conhecimento deve ser compartilhado e gratuito, multiplicam-se as comunidades que desenvolvem e distribuem tecnologia, oferecem apoio técnico (em fóruns, redes sociais e outros canais) e disponibilizam uma vasta documen ! "#$%& (&)*+ !"#$%&'( + )&'*%&'( de acesso livre. Graças a iniciativas como estas, agora é possível que, com um pouco de tempo e vontade, qualquer pessoa sem formação especializada em tecnologia possa programar aplicativos, montar seu )&'*%&'( e produzir suas próprias ferramentas e componentes. Dentre os projetos mais difundidos na rede estão o +,(-.'&/(%"'0!, o 1'"2(!!3-4 + & 5'*67-",, que simplicam o uso dos poderosos recursos de linguagens de programação comple ! xas como C++ e Java, assim como da microeletrônica. Estas práticas a um só tempo inuenciam e se desdobram da multiplicação da produção de aparatos tecnológicos de mediação não industriais, algo que ultrapassa o contexto especíco da arte. Uma quantidade cada vez maior de pessoas passa a entender que elas mesmas podem criar máquinas e aplicativos que sejam capazes de auxiliá-las nas tarefas mais diversas, o que intensica ainda mais o ritmo da incor ! poração dos sistemas computacionais no dia-a-dia. No campo da arte, essa prática amplia exponencialmente as possibilidades de invenção de máquinas simbólicas ex ! perimentais, colocando em outro patamar a pesquisa especulativa por novas formas de imaginar (criar imagens). Embora o contexto atual possa ser relacionado, à primeira vista, a outros mo! mentos históricos em que havia uma efervescência na produção de máquinas sim ! bólicas, tal como aquele do m do século XIX, por exemplo, que levou à invenção dos aparatos midiáticos que viriam a se estabelecer décadas mais tarde, o cenário atual mantém peculiaridades que podem caracterizá-lo como um momento singular -# ./("0*/# 1# 231/#4 De fato, em outros tempos também houve uma busca pela invenção de novas formas de produção, registro e transmissão de imagens e sons. A invenção do cinema,
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Ainda que estes projetos possam ser superados daqui a certo tempo, eles já conquistaram um papel de relevância na história da disseminação efetiva de conhecimento sobre tecnologias livres.
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do fonógrafo, do rádio e da TV são consequências disso. Contudo, tanto o imaginário que se formava em relação às tecnologias de mediação quanto a extensão do conjunto de práticas especulativas daquela época era outro. Dentre as marcas mais importantes que caracterizam o momento atual estão a força colaborativa e a ideia de que o conhe! cimento, a produção simbólica e a tecnologia precisam ser livres e acessíveis a todos. Esta forma de pensar, que é potencializada pela comunicação via internet, orienta a cultura do conhecimento livre, do !"# %&'( # $% )" *% +",-.&!/ (DIY), e tem corroído & '()*+& $& *,$-./0*& $% #,/0#/#,*1#,/% # $% 1#0+&$% $# /#+,%'%)*& 2%0 1#*% $# 31& reformulação profunda na maneira de pensar as relações entre tecnologia, mídia e sociedade. Um dos aspectos mais importantes deste cenário talvez seja o fato de que esta mudança paradigmática retira o caráter mágico que por muito tempo miticou a mídia como algo inacessível e a revela como um campo fértil para a experimentação estética e o posicionamento político. No campo abrangente da arte contemporânea, esta reformulação na maneira de pensar o lugar da tecnologia na sociedade e seus aspectos estéticos e políticos ainda carece de reexão. Dado que é cada vez mais difícil pensar a cultura contem ! porânea sem levar em consideração sua permeabilidade à tecnologia, é urgente uma efetiva universalização para o campo geral da arte de problemáticas que por muito tempo foram circunscritas às áreas consideradas como guetos, tais como a da 0&%1-% , da arte cibernética, da bioarte e da artemídia 4 de maneira geral. Diante disso, cada vez faz menos sentido separar as práticas artísticas que se dedicam às questões das mídias # $&. /#+,%'%)*&. #1 53&'53#0 +&12% *.%'&$% $& &0/# +%,/#12%06,#&7 Por outro lado, torna-se mais evidente que, ao longo da história da arte produ! zida com (e para) os meios tecnológicos, muitos artistas sempre estiveram voltados de um modo ou de outro às operações no nível dos aparatos midiáticos. Reconhecer isso confere uma nova perspectiva na análise desta produção e permite traçar uma linha que atravesse uma parte signicativa da 2&341 1-% a partir da identicação de diferentes estratégias de ação em relação aos aparatos técnicos de mediação. Seja pela subversão dos aparelhos existentes, pela intervenção nos circuitos e uxos de in! formação ou pela invenção de aparatos experimentais de mediação, desde a videoarte até as manifestações experimentais mais recentes da artemídia, os artistas sempre es!
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O termo artemídia, em seu sentido amplo, é uma forma brasileira de interpretar (e de recortar) o que é entendido pelo termo abrangente “media art”. A expressão em língua inglesa é usada ao redor do mundo para se referir a um conjunto de práticas criativas que se utilizam das tecnologias para produção, distribuição e consumo de imagens, textos, sons e outros modos de comunicação. Em! bora muitas vezes seja relacionado à arte, de maneira geral, o termo é aplicado também em áreas como design, propaganda, jogos eletrônicos, entretenimento, desenvolvimento de aplicativos etc. No entanto, uma denição stricto sensu do termo, tal como sugerida por Arlindo Machado, é capaz de conceituar a artemídia de um modo mais preciso. O conceito elaborado por Machado (2007: 7-8) considera artemídia as propostas artísticas que não são apenas feitas com e para os meios de comu ! nicação, mas que, prioritariamente, problematizam, dialogam e produzem intervenções críticas na mídia e nas diversas áreas da tecnologia e da ciência.
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tiveram interessados em se inserir dentro das máquinas de produção simbólica para, a partir desse lugar, propor rearticulações críticas e qualitativas das suas estruturas internas de funcionamento. Entretanto, diante desse novo cenário esboçado acima, o artista é chamado a repensar suas práticas e a si mesmo. Além de ampliar os recursos disponíveis ao artis ! ta para a invenção de aparatos técnicos originais, a mudança na maneira de entender a tecnologia aumenta as possibilidades de operação no interior da caixa-preta dos aparelhos industriais, o que permite incursões subversivas mais profundas nos seus circuitos eletrônicos e códigos digitais. Por outro lado, revela-se mais claramente o funcionamento interno das instituições e dos circuitos midiáticos, o que confere mais fôlego aos artistas nas suas intervenções. Mas, se tais transformações conferem um novo olhar às estratégias utilizadas pelos pioneiros e renovam o fôlego das novas gerações, elas também colocam novos problemas ao artista.
" $%&'( )(%*( )+(,-,./ 0%. %$ 1+'&2'1 1'.3'( 1( 2.% '.$)( 34( 2. 2&3'1 *(3! vocado a se posicionar em relação a esse contexto e a pensar o papel que a tecnologia tem assumido na maneira como estabelecemos nossa relação com o outro, com o mundo e com nós mesmos. Se até bem pouco tempo ele se via em posição de reetir sobre aos modelos estéticos, a concentração de poder e os modos de produção da indústria da comunicação de massa, qual deve ser o seu lugar em uma sociedade
1'+1,.22151 )./1 %6&0%&515. '.*3($&5&-'&*17 8($( 34( 2. )(2&*&(31+ 5. $13.&+1 &3! gênua diante de uma cultura em que a tecnologia atravessa a sensibilidade, o corpo, a sociabilidade, a política, a economia, as instituições e muitas outras dimensões da realidade? Quais seriam as estratégias mais efetivas de ação? Dessas questões desdobra-se uma problemática em relação ao próprio campo
51 1+'. . 5( 2.% /%91+ 31 2(*&.515.: ;. '13'( 1 1+'. 0%13'( 1 '.*3(/(9&1 &3,.2'.$ 31 criação de aparatos tecnomidiáticos, como seria possível deni-las como campos de conhecimento e de práticas distintos? A arte estaria correndo o risco de ocupar um lugar de ilustração dos recursos tecnológicos mais recentes e dos conceitos cientícos em vigor? O artista deve absorver os modelos de pensamento, terminologias e méto ! dos usados no campo de desenvolvimento tecnológico ou resistir a eles? Na criação desses aparatos artísticos, como se estabelece a relação entre liberdade e determina! ção, entre invenção e automatismo? Essas questões demonstram a urgência de uma atualização no pensamento crí ! tico sobre as relações entre arte, mídia e tecnologia, assim como demandam teorias que possam ajudar a compreender o cenário e as práticas mais recentes. A pesquisa aqui apresentada toma tais questões como ponto de partida para estabelecer conexões entre pensadores, práticas e obras que possam oferecer pistas para melhor compreen ! der o cenário emergente. O primeiro capítulo, intitulado “Flusser e a imagem: rumo a uma arte dos aparatos” busca uma atualização reexiva dos parâmetros críticos que nortearam historicamente esse campo de produção artística, visando compreender melhor essa problemática frente as suas práticas e ao estado atual da cultura contem !
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porânea. De início, são passadas em vista as teorias do dispositivo cinematográco (Baudry) e pós-estruturalista (Foucault, Deleuze), a m de estabelecer parâmetros que permitam avançar rumo ao pensamento de Vilém Flusser !" A losoa do aparato de Vilém Flusser pode oferecer um ponto de entrada in $ teressante para pensar as práticas artísticas para além dos determinismos de qualquer ordem. Flusser chama a atenção para a maneira como a organização interna implica $ da em cada aparato representa, sobretudo, um modo de fazer especíco, uma visão de mundo e um modelo de conhecimento que tem dimensões estéticas, mas também, políticas, éticas e, por vezes, sociais e econômicas, entre numerosas outras. Para ele, estas dimensões abstratas acabam por estabelecer certo modo de conceber e estar no mundo que estaria codicado em todos os elementos simbólicos que se projetam de cada aparato. Segundo essa concepção, o aspecto mais importante na análise de qualquer aparato midiático seria justamente esse modelo de conhecimento, pois é ele que confere valor signicante ao mundo. Compreender as máquinas de imagem a partir do conceito de aparato de Flus $ ser implica reconhecer as dimensões abstratas que se escondem atrás da materialida$ de da tecnologia. Mas signica também entender que os aparatos de ordem técnica fazem parte do complexo sistema simbólico que concebemos como cultura, uma vez %&' '()*( +*,*-*( *.()/*)*( (' ('-0,'1)*, )*1)2 ', )'+123240*( +2,2 *( -* +5,'/* fotográca, do computador ou das redes de TV, quanto no nosso corpo, na escrita, na sala de aula, no estádio de futebol e em tudo aquilo que projeta de si os fenômenos que compõem o “conjunto de todos os fenômenos” kantiano em que estamos imer $ sos, o qual Flusser concebeu como mundo codicado. Esse modo de entender as tecnologias de mediação e a cultura oferece uma perspectiva interessante para pensar a produção artística contemporânea, pois permi$ )' +2,6/''1-'/ '()*( 6/262()*( +/0*)07*( +2,2 &,* )'1)*)07* -' 824*/ +2, *( +*,*$ das abstratas dos aparatos, que permanecem muitas vezes encobertas pelas tecnolo $ 40*( ' +0/+&0)2( ,0-09)0+2(" :((2 *+21)'+' )*1)2 %&*1-2 2( */)0()*( *)&*, -0/')*,'1)' na materialidade das câmeras, sensores, computadores quanto quando eles intervêm na dinâmica interna das instituições de poder e nos uxos informacionais da mídia, -* */)' ' -2 -'('172370,'1)0(,2 )'+123;40+2" <' )2-2 *6*/*)2 '(+21-' *)/9( -' (0 * sedimentação de uma série de camadas de ordem social, econômica, política, ética, cognitiva entre outras, o que estes artistas fazem ao criar suas obras é remexer tais camadas, desacomodá-las, reorganizá-las da maneira como acham mais interessante para tensionar suas incoerências, revelar suas contradições e ampliar sua potência dialógica e de criação do comum. Na estrutura sistêmica dessa organização tais obras tornam-se assim, elas mesmas, aparatos de mediação. 3.
Muitos dos seus textos utilizados neste trabalho permanecem não publicados. Estes textos foram acessados durante um estágio de pesquisa no Vilém Flusser Archive, hospedado na !"#$%& (&%)"#* +%,- ./ ,0" 1#,+ (UDK) sob os cuidados de Siegfried Zielinski. Por isso, nas referências feitas a estes textos aparece diretamente o nome do texto em questão.
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!"#" %&'%& "#'(&'"& " '%)*+,+-(" '+#*+./&% .0" ,(*-."-%0 1+2%#+&" 1"#" 1%*&"# o mundo e a nossa condição em relação a ele. Para muitos, inclusive, operar no inte / #(+# 2%&&%& "1"#"'+& 1"#%)% &%# 0%&0+ " 0"*%(#" 0"(& "2%3."2" 1"#" &% 1+&()(+*"#
frente a um contexto cultural cujas transformações emergem de maneira dinâmica nas dimensões abstratas que atravessam os sistemas de mediação contemporâneos, sejam estes tomados por suas tecnologias, instituições ou discursos. Trabalhem eles usando câmeras e programas disponíveis no mercado para outros ns que não os da indústria do entretenimento, subvertendo as tecnologias existentes, intervindo no uxo de informação que circula nas redes ou, ainda, programando !"#$%&'( % 2%&%*/ 4+,4%*2+ )&'*%&'(, o que pode caracterizar este campo é, assim, o deslocamento da produção artística para intervenções qualitativas e críticas nos aparatos técnicos de 0%2("56+ 1+# 0%(+ 2"& )"0"2"& "7&'#"'"& 3.% *%,%& &% &%2(0%*'"08
Atualizando as estratégias dos pioneiros da arte e tecnologia, alguns artistas +1%#"0 1%," &.74%#&6+ 2% %3.(1"0%*'+& "*",9-()+& )+0+ ):0%#"& % 1#+;%'+#%&8 <+0
seus trabalhos, artistas como Anthony Mccall, Milton Marques e Julius von Bismarck fazem repensar a lógica das máquinas de captura e exibição de imagens para além das tecnologias empregadas. Por vezes, a inversão da lógica de funcionamento se dá a partir da ressignicação de projetos abandonados, ideias interrompidas e dos "1"#%,=+& +7&+,%'+& 2" )="0"2" *(&* ,(*-&, como em . /&'&00(0 1,&2( (2009) de Gebhard Sengmüller, 3)-$( 4"-!( (2007) de Žilvinas Kempinas e 5-!"'&,& (2000), de André Parente. Alguns artistas, no entanto, assumem explicitamente técnicas de “raqueamento”, de 6-'67-$ 8(9*-92 , de 0"% $(6) e de gambiarra, tais como fazem Peter Vogel, e, no Brasil, Jarbas Jácome, Ricardo Brazileiro, os coletivos Gambiologia e O Grivo, entre outros. O trabalho desses artistas obriga a repensar tais mídias e, com isso, lançam novas perspectivas para o exame de questões introduzidas pelas tecno / ,+-("& 0"(& #%)%*'%&8
Estas questões são tratadas de outra perspectiva quando certos artistas passam a operar com as chamadas novas mídias, surgidas a partir das tecnologias digitais. É isso que acontece quando, por exemplo, artistas como Mark Napier, Joan Heemskerk, Dirk Paesmans, Eva e Franco Mattes, Gilbertto Prado, Eduardo Kac e Giselle Beiguelman &.74%#'%0 " ,9-()" 2% 1#+-#"0"56+ 2% !-$(!, o funcionamento das redes de comuni / )"56+ % 2+& "1,()"'(4+& "9:0-9( para colocar em discussão questões fundamentais do universo das redes digitais, expondo suas fragilidades e questionando suas incoerên / cias. Muitas vezes o curto-circuito entre o analógico e o digital se dá pelo simples deslocamento de técnicas e instrumentos da indústria midiática, tal como o fazem Gerald van der Kaap, Paul M. Smith e Helga Stein com os aplicativos de correção de imagens fotográcas. Em outros casos, a proposta de tomar a arte como um modo de pensar uma cultura atravessada pelas tecnologias e pelos processos de mediação técnica não se dá necessariamente por meio da sicalidade das máquinas ou da virtualidade do !"#$%&: '(, mas sim pela imaterialidade de aparatos muitos mais abstratos do que estes. Esses
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projetos se dão geralmente a partir da criação de ações e situações que habilitem intervenções diretas nos uxos de informação e de poder dos grandes circuitos midiá ! ticos. Essa é a estratégia de artistas como Yuri Firmeza e a dupla formada por Andy Bichlbaum e Mike Bonanno do coletivo !"# %#& '#(" $%& '()*+ )(+%,*&%-,% ./& * materialidade da tecnologia, mas bastante conscientes dos processos e procedimen! tos utilizados pelos meios de comunicação, estes artistas têm como objetivo central a criação de imagens midiáticas que, uma vez inseridas nos sistemas de informação, sejam capazes de desarticular certos discursos e revelar realidades profundamente %-./0%+,*1 2%'/1 .(+.3(,/1 )* &4)(* % )* *+,%" Outra estratégia consiste em assumir as tecnologias mais recentes para criar aparatos originais de caráter experimental. O repertório formado por câmeras, pro! jetores, telas e espaços de projeção, que formavam a base de trabalho para muitos artistas até a década de 1980, foi ampliado signicativamente pelas tecnologias de sintetização, pós-processamento, sensoriamento, conexão em rede e interfaceamento interativo introduzidas pela base técnica digital. Esses recursos, que não cessam de se expandir, elevam a um grau sem precedentes a potência estética da tecnologia. Com isso, muita gente passou a investir na criação de aparatos técnicos como estratégia para lidar de maneira crítica e poética com a realidade. Este é um projeto que atraves! sa a produção artística que se dá no campo da cibernética, da realidade virtual, das caves, da realidade aumentada, do vídeo e do cinema interativo. De certa maneira, es ! 1%1 ,+*0*'5/1 *-,%.(2*& / .%-6+(/ )% 30(73()*)% ,%.-/&()(6,(.* %&%+8%-,% -* &%)()* em que, desde muito cedo, eles vêm assumindo práticas de produção de máquinas 1(&09'(.*1 -:/ (-)31,+(*(1" A análise das diversas estratégias que surgem com a incursão da arte no inte ! rior antes obscuro das máquinas simbólicas, tal como é empreendida nesse primeiro capítulo, revela uma prática comum a todos esses trabalhos. Em vez de se questionar sobre como criar imagens que melhor representem uma dada realidade, esses artistas têm se perguntado sobre como criar aparatos que projetem de si imagens que os per ! mitam melhor entender o que nos cerca, intervir no mundo, transformar sua dinâmica de funcionamento e modicar o modo como ele é compreendido. Tal mudança de postura aponta para uma dobra fundamental na maneira de pensar tanto as práticas artísticas contemporâneas quanto os modos de existência da imagem. Tais práticas rompem com uma postura baseada na tentativa de representação da realidade em favor de outra pautada na projeção de vetores simbólicos que possam tocar o mundo. A imagem é retirada de sua condição de algo a ser observado e é assu! mida por sua capacidade de atuar sobre o mundo que a encara. Essa passagem deixa ver uma mudança importante no estatuto da imagem, que passa a não mais responder à denição que a toma como a presença de uma ausência, tal como ela é concebida em geral pela losoa. Ela passa a interessar mais por sua dimensão de presença, pelo que ela opera com sua atuação no mundo, ou, tal como concebeu Flusser, por seu caráter de projeto e de projétil.
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Em termos teóricos, essa hipótese é estruturada a partir da inversão na ma! neira como analisamos a imagem feita por Flusser. Para ele a fotograa não é um indício da realidade, tal como o é a marca da pata de um cachorro na neve. Segundo Flusser, para entender a fotograa não faz sentido se interrogar sobre sua relação com o objeto fotografado. Em sua losoa do aparato, Flusser defende que, se quisermos captar o que a imagem signica atualmente, devemos nos perguntar para onde ela aponta, ou seja, precisamos procurar entender o que ela projeta como vetor simbólico rumo a nós, como ela toca nossos corpos, nossa maneira de conceber o mundo e nos ! "# %&'#()* +*, * *-.%*/ O exame das estratégias de ação dessas obras demonstra que a inversão de sentido da imagem pode dizer muito da maneira como a arte vem sendo pensada e produzida na contemporaneidade. Esta seria uma marca tão presente que, em alguns casos, tal mudança no estatuto da imagem chega a ganhar contornos formais. Isso acontece em muitas das obras que exploram as tecnologias interativas em uma busca constante por novas formas de interfaceamento entre imagem e corpo. Se for possível identicar algum traço em comum na arte produzida no campo da realidade virtual, da realidade aumentada, da arte cibernética, da !"#$%&'( *(+&$ & 0* 120&* 34.&%#.31* este poderia ser descrito como um questionamento constante em termos formais dos modos de existência da imagem. Mais do que o desenvolvimento de novas tecnolo ! gias de geração e exibição de imagens, tais explorações criativas têm se apresentado como um amplo campo de especulação sobre a própria natureza da imagem con ! temporânea, fazendo com que de suas pesquisas e propostas se desdobrem questões de ordem epistemológica, ética e estética. O exame dessa produção permite, assim, discutir formalmente o estatuto da imagem, e revela o caráter emblemático desta 5%*0-()* 4* +#,5* ,#3" #6%#47&4.& 0#" 5%8.3+#" #%.2".3+#"/ Privilegiando esses trabalhos, o recorte aqui proposto leva adiante a possi! bilidade de pensar a imagem em sua condição de projeto. Esta hipótese é pensada a partir das seguintes questões. O que acontece quando o artista passa a não se propor apenas a “fazer imagens”, mas a inventar suas próprias máquinas de imagem? De que maneira as tecnologias digitais e as culturas que com elas se desenvolvem transfor ! ,#, * ,*0* +*,* 4*" %&'#+3*4#%,*" +*, #" 3,#7&4"9 :-#3" "&4"363'30#0&" & ,*! 0&'*" 0& +*4;&+3,&4.* &".)* &, 137*% 4&""# 5%*0-()*9 <&%3#, *" ,&",*" +*'*+#0*" em jogo na fotograa, no cinema e no vídeo? O passo inicial rumo ao enfrentamento dessas questões é dado no segundo ca ! pítulo do livro, intitulado “Interfaces digitais: da imersão ao pós-virtual”, que aborda as teorias e obras feitas em ambientes imersivos, passando pela Realidade Virtual, 5&'#" ,$'(-. e pelos panoramas digitais, que são conceituados, então, como regi ! mes de absorção. Nota-se que tais dispositivos atualizam o sonho de resgatar nossa consciência da realidade (!"#$), vinculando-se a uma tradição que abarca a perspec ! tiva renascentista, o realismo ilusionista do século XVIII e a parte hegemônica da produção cinematográca. Pautados no ideal de absorver o sujeito em um universo
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simbólico à parte, estas imagens se instituem como universos autorreferentes que existem em paralelo à realidade (ainda que remetam a ela), tal como os mundos in ! compossíveis de Leibniz. Em contrapartida a estas teorias, a segunda parte do capítulo procura esboçar o que poderia ser chamado de regime de projeção. Para isso, são passadas em vista as abordagens que relativizam a falsa oposição entre “real” e “virtual” e são iden ! ticados os aspectos que podem conduzir à superação da dualidade entre “físico” e “informacional”. Entre as questões que motivam especicamente esse capítulo, "#$#"%!&'( *+%,& &'-,%. #& /%-%0,1.%& '/,&2'.#$31,"#& *+' '&2%-,%. %"+.+$%0#& '. tais imagens? De que maneira esses aparatos materializam as suas dimensões ética e estética? Em um contexto cultural em que as tecnologias e as redes de comunicação deixam de se constituir como espaços passíveis de separação da realidade e passam a se integrar de maneira cada vez mais íntima ao cotidiano, ao espaço e aos corpos, ain! da faria sentido pensar a imagem a partir dos paradigmas do virtual? Seria possível compreender a condição atual da imagem fora dos paradigmas da imersão no virtual? A partir dessas questões os regimes de imersão, conforme denidos por Heim, Friedberg e Grau, são problematizados em vista de suas heranças platônicas. Propõe-se, então, pensar a imagem a partir de uma concepção fenomenológica que leva adiante a hipótese da emergência de um modelo estético fundado na presença e 4% %2+%56# 0% ,.%1'. 4# .+40# *+' % "'-"%7 842'40,0% "#.# +.% /-#9'56# 0% %:&! tração conceitual rumo à concretude da experiência, a imagem não poderia mais ser entendida a partir de dualidades entre “real” e “virtual” ou entre “físico” e “informa ! cional”, e passaria a se apresentar como um fenômeno que se projeta do aparato para estabelecer relações com os fenômenos de outras naturezas que constituem o mundo. Para tanto, retoma-se o conceito de mundo codicado de Flusser, que compreende a realidade como um sistema hipercomplexo composto dos fenômenos que se projetam de aparatos de codicação de sentido, sejam eles tecnológicos ou não. Na concepção de mundo de Flusser esses fenômenos de naturezas diversas se imbricam, se tensionam e nos atravessam. Nesse contexto, os aparatos técnicos de mediação acabam por ampliar as potencialidades (virtualidades) presentes na nossa experiência concreta do mundo. Tal proposição coloca em crise as teorias que sus! tentaram a concepção majoritariamente virtual do digital. Entendida como fenômeno que se projeta rumo a nossa experiência, a imagem torna-se assim !"#$%&'()*+ . Isso, não porque ela perca sua virtualidade (potência de criação de imagens) que a base técnica digital tanto expande, mas sim, porque ela passa a se integrar denitivamente às virtualidades do próprio mundo, não somente àquelas de ordem física e biológica, mas, sobretudo, as de ordem cultural, incluindo aspectos sociais, afetivos, políticos, econômicos, subjetivos, e muitos outros que se apresentam à nossa experiência con ! "-'2% 0# *+' 4#& "'-"%7 Esse cenário pós-virtual potencializado pela ubiquidade tecnomidiática é o ponto de partida para as análises que se seguem no terceiro capítulo, “Imaginários
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!"#$%&'() ! que é dedicado às obras que utilizam técnicas de interfaceamento baseadas na realidade aumentada, na computação física e nas redes cíbridas para ampliar a dimensão perceptiva e interpretativa da máquina, por meio de suas interfaces. Nesse capítulo são analisados trabalhos que investem nas tecnologias de análise de objetos, espaços e corpos com o objetivo de vincular a eles, em tempo real, as imagens, sons, textos produzidos no interior dos seus aparatos. Com isso objetiva-se menos oferecer um panorama dos usos destas técnicas e tecnologias do que problematizar a implicação da dimensão de visibilidade da má* quina nos aparatos midiáticos atuais. São abordadas obras que lidam com questões decorrentes de aparatos de vigilância, captura, catalogação. Tais obras estabelecem modos de visibilidade baseados na automatização da análise e interpretação daquilo que é captado pela câmera e por outros sensores, segundo o que será então deni * &' ,'-' #$#%&'(# )&*+&)%$,-# #$'./(0-#. A partir de uma perspectiva tanto estética quanto técnica busca-se compreender, nestas obras, os modos como são operadas as estratégias de cooptação do corpo pela imagem, apontando para as dimensões políticas e éticas da questão. Visando “expandir” a realidade, estes aparatos acabam .'$ %/(0%01%$ 1- $23%-2 &2 ,$#$1$/$0(0& (')/$(0(, que, no campo da arte, passa a ser constantemente problematizado. Levando adiante essas questões, parte-se para a análise de trabalhos artísticos em que a imagem assume a condição de projeto por se dar à experiência por meio de processos de materialização e outrifcação. Como um objeto de gênese especíca, esta imagem passa a se oferecer à manipulação física por meio de diversas técnicas de interfaceamento e responde ao corpo da mesma maneira que os tantos outros corpos 412 /'( ,2$,5-6 7((5 5/89%(2 50$5:2((5 '( ,5."019'( 4150$' 2 ,%/,'6 Em “A Imagem Cibernética”, a produção em arte cibernética é abordada a partir da perspectiva da materialidade da imagem. O interesse dessa etapa da pesquisa está no estatuto assumido pela imagem em trabalhos que exploram a si * mulação de objetos, comportamentos e processos cognitivos, feita pelos algoritmos complexos da cibernética de segunda ordem. A partir de então, é retomada a crítica de Flusser à objetividade da cibernética para estabelecer as bases conceituais que permitam pensar os processos de materialização 2 &2 outrifcação 2- :%3'$ /5( '#$5( 5/59%(5&5(6 Por m, no capítulo nal, “Rumo à imagem performativa”, o conjunto de obras tratado até então é contraposto a outro atravessado por processos de outrifca2 ção. Trata-se de aparatos artísticos em que a imagem está estreitamente relacionada à estética da performance. Tais obras passam a entender o corpo e a presença (da imagem e do participante) como gestos potentes e sensíveis. São tratados os trabalhos instalativos realizados a partir de interfaces interativas que exploram tanto técnicas de simulação quanto as de criação de sistemas perceptivos capazes de interpretar o participante, conferindo alto valor simbólico a sua presença e aos seus movimentos. Entre as obras analisadas estão as de artistas como Gary Hill, Lucas Bambozzi, Lynn
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Hughes e Simon Laroche, Jean Debois, Damaris Risch, Rafael Lozano-Hemmer, Wen-Ying Tsai, Karolina Sobecka e Chris Sugrue. Nestas análises questiona-se até que ponto este estatuto performativo da ima! gem coloca em jogo novas condutas éticas, formas de sociabilidade, habilidades cog! nitivas, sensibilidades e formas de mediação em relação aos objetos e aos ambientes que nos cercam. Para isso, inicialmente são apresentados os principais aspectos esté! ticos que marcam as artes da performance. Especial ênfase é dada à importância da "#$%$&'( &( #$*('+, -$ $&.,&/#, $&/#$ !"#$%#&"# e público, assim como às estratégias organizadoras que tornam a performance, em si, um aparato abstrato. Essa base teóri! ca sobre a performance é o referencial principal para a abordagem analítica das obras $0 12$%/+,3 A última parte do capítulo aponta para a emergência de certa sensibilidade especíca em tais obras, diferentes daquelas colocadas em jogo pela pintura, foto! graa, vídeo e cinema. O prazer da observação, pensado principalmente por meio do cinema, é confrontado com outros prazeres estéticos possíveis, visando apontar para , $%/(4$*$.50$&/, -$ 20( %$&%545*5-(-$ (",5(-( &( "#$%$&'( -( 50(6$0 $ -, .,#",3 Tais obras e seus processos de presenticação aproximam a condição da imagem e do sujeito daquela conferida ao corpo na estética da performance ( !"#$%, &$#'(%%, )*+!#$, -&*!#.$), demandando de ambos uma postura performativa pautada no valor signicante da presença ( /0'1,$!#., 20'.#", ) e do gesto ()&0++$, ). O exame desses trabalhos a partir da losoa do aparato permite trazer para o campo estético certos aspectos políticos dos modos de existência que assumimos na %,.5$-(-$ .,&/$0",#7&$(3 8%%, ",#12$ ,% 0,-$*,% -$ .,&9$.50$&/, 50"*5.(-,% &(% imagens desse conjunto de trabalhos estão fundados em sensibilidades e maneiras de entender a si, em relação ao outro e ao mundo, diferentes daqueles modelos da fotograa, do vídeo e do cinema. Cada uma dessas imagens estabelece uma política de existência própria, demanda um corpo especíco, entende o outro de forma dife ! rente, elabora o mundo de uma maneira particular e institui subjetividades singulares. Com isso, elas trazem para a dimensão formal a condição performativa da imagem, uma maneira de existir da imagem que se institui na cultura atual e que atravessa de diferentes maneiras grande parte das práticas contemporâneas. :04,#( &+, 9(;( /$0", $ $%"(', &$%%( "$%125%( "(#( -5%.2/5# .,0, /(* .,&! dição performativa ganha corpo nesse conjunto mais abrangente, espera-se que as análises aqui empreendidas permitam oferecer algumas pistas para futuras pesquisas a este respeito.Entendido como parte desse amplo projeto, o exame das transforma ! ções do estatuto da imagem nos aparatos tecnológicos de mediação busca oferecer parâmetros iniciais para compreender que, mais do que representar um mundo ou uma versão especíca dele, a imagem passa agora a atuar diretamente no contexto em que está inserida, assumindo-se como um modo de pensar, intervir e reinventar o mundo. Dentro do recorte metodológico assumido entre os capítulos dois e cinco, toma-se a condição performativa da imagem delineada de maneira genérica no pri !
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meiro capítulo a partir de um ponto de análise especíco: o deslocamento da lógica !"#$%&"'()&*+)% -%&% !#)&% .!$)%/% %! "!&-!0 A análise destes trabalhos demonstra uma passagem gradual de um modelo de conhecimento pautado na observação para outro fundado no gesto e no corpo. Passa-se do olhar à corporeidade, da representação à performatividade, do valor documental do índice ao valor simbólico e sensorial da presença, do que é visto para o que se desdobra da ação. Um quadro esquemático de como se articulam estes diferentes estatutos assumidos pela imagem identicados ao longo do livro, assim como, suas implicações nos relativos regimes de sentido, de conhecimento e sensibilidade, é %-&'+'()%/! (% !"#$%" '0 Contudo, tendo em vista que o eixo central das proposições teóricas realizadas ao longo deste trabalho é estabelecido a partir de Vilem Flusser, torna-se prudente apresentar algumas pontuações introdutórias sobre seu pensamento. Com sua arre 1 batadora losoa, Flusser estava atento ao cenário que se erguia com as tecnologias de comunicação e as transformações culturais, sociais e políticas que a partir delas despontavam. Isso o levou a formular uma das mais fecundas bases losócas para pensar a dimensão estética da produção midiática contemporânea. Por muito tempo mantido à distância por parte das pesquisas acadêmicas, a originalidade de suas teo 1 rias tem desmontado certos preconceitos que se ergueram sobre ele. Flusser deixou uma obra que pode ser compreendida hoje mais claramente do que em sua época, mas que, ao mesmo tempo, demanda uma retomada capaz de atualizá-la frente ao contexto no qual vivemos hoje. Desse modo, antes de tudo, cabe fazer aqui uma apresentação preliminar deste que propôs um dos pensamentos mais férteis para se entender um cenário marcado por uma cultura cada vez mais atravessada pela tecno 1 logia e pela mediação técnica.
#$%&' )%*++,-. / )$%0+/)/ 1*, 2/+34#4 5, 6/24Vilém Flusser (1920-1991) nasceu em Praga e imigrou para o Brasil em 1940; aqui, naturalizou-se e viveu por mais de trinta anos, até seu retorno à Europa, no início da década de 1970. No Brasil, seu pensamento oresceu e seus primeiros textos foram escritos e publicados. Seu retorno ao velho continente o inseriu nos círculos de discussões ao lado dos grandes pensadores da época, o que o tornou reconhecido mundialmente. No entanto, boa parte do seu trabalho ainda hoje per 1 2%('"' -%&"*%$2'()' &'+)&*)% % #+#3&*!+ /% $4(5#% %$'26 7 ' 8+ -!#"%+ -'++!%+ 9#' +' propõem a mergulhar nos seus manuscritos em busca de textos, em outras línguas, que permanecem inéditos.
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Apenas recentemente, graças à ação de um grupo de editores, a obra de Flusser vem sendo traduzida 2%*+ +*+)'2%)*"%2'()'0
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Escritor, teórico e crítico Flusser é antes e acima de tudo um lósofo de origi ! nalidade desconcertante e que, por isso, demanda uma apresentação à luz apropriada. Propondo-se desde o início a romper com certas convenções balizadoras dos textos losócos, ele passou a despertar extraordinário interesse, inclusive de seus críticos. Filho de professor, logo cedo decidiu desviar-se do estilo acadêmico, preterindo a análise disciplinar dos textos losócos para assumir a losoa como um exercício de cunho enxadrístico, tomando questões losócas como objetos de jogo. Com es ! tilo próprio, Flusser elegeu o ensaio como gênero ideal; a partir dele, desenvolveu provocativos jogos de palavras, baseados na lógica e na etimologia, numa lingua! gem oreada, marcada por um existencialismo muito particular, e por uma maneira própria de aplicar o método de redução fenomenológica para elaborar questões e argumentos. Características estas que, somadas ao seu estilo provocativo e irônico, seduziram muitos intelectuais: artistas, na maioria, mas que também confundiram e aborreceram tantos outros, principalmente os do campo acadêmico. Esta marca pessoal torna qualquer entrada no pensamento de Flusser uma ta ! refa que envolve certo risco, condição que se constitui também por fatores logísticos e metodológicos. Sabe-se que Flusser conhecia vários idiomas, além do tcheco e do alemão aprendidos na juventude em Praga; também o português, o inglês, o francês, o italiano, o russo e, como muitos armam, o tupi. Sua obra é composta por alguns tex ! tos escritos em inglês e francês, mas a maioria foi produzida em alemão e em portu! guês, este último seu confesso idioma mais desaador e, por isso, preferido (!"#$$%& ' )**+: 75). Para Flusser a língua sempre foi um instrumento para se articular dentro do universo da cultura e dos conceitos. Seus textos eram elaborados inicialmente em uma língua e, em seguida, reescritos em outros idiomas, multiplicando suas princi ! pais questões em diferentes versões do mesmo argumento. Em cada nova versão suas ideias eram reorganizadas, transformadas e ampliadas num processo de tradução sem m, o que diculta o mapeamento e o estabelecimento de relações entre as diferentes "#$%&' )& '*# "$+)*,-+. Ao contrário da práxis cientíca, Flusser raramente apresentava suas referên ! cias, e muitas vezes tomava como dados alguns conceitos importantes para a com ! preensão da genealogia dos seus argumentos. Além disso, ele quase sempre jogava com as aproximações e distanciamentos, profundidade e supercialidade. Estas in ! versões são evidentes em muitos dos seus textos, nos quais são construídos verdadei ! ros labirintos com idas e vindas de argumentos e contra-argumentos, jogos estontean ! tes de conceitos e inversões. Como arma Baitello Jr. (2008), este método em que Flusser subverte seus próprios argumentos inverte o próprio objeto e o olhar do leitor, e é decisivo para os mergulhos mais extensos e profundos nos seus objetos prediletos. Com efeito, mais do que um estilo de escrita, seu texto estabelece um jogo entre consciências, o que representa formalmente a própria base conceitual que cru ! za o pensamento usseriano no nível mais abrangente: a existência essencialmente dialógica do humano. Assim como seus textos, sua personalidade e sua maneira de
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pensar (segundo quem o conheceu pessoalmente) eram, em todo o tempo, uma busca de se esquivar da unanimidade, por meio de provocações, atravessamentos, desvios e inversões. Nesse sentido, Flusser desvia seus argumentos da unicidade organizadora do discurso unívoco para conformar seu pensamento como diálogo, no sentido mais bakhtiniano no termo. Nada indica que ele tenha tido algum contato com a obra de Mikhail Bakhtin; entretanto, uma análise do método que Flusser utiliza para elaborar argumentos e formular questões revela uma estratégia baseada no entrechoque de pensamentos independentes, de acordo com o que o pensador russo chamou de “poli! fonia de vozes plenivalentes” (!"#$%&', 1997). De fato, esta não é uma coincidência. Os pensamentos de Bakhtin e Flusser compartilham referências. Como se sabe, um dos eixos conceituais de Flusser é a losoa de Martin Buber, para quem a existência humana é baseada no diálogo. Além de Buber, Ludwig Wittgenstein e Husserl, que também aparecem como referência para Flusser, apresentam visões de mundo basea ! "#$ &' "()*'+', Este enfrentamento entre consciências plenas de poder, muitas vezes, é radi ! calizado ao máximo pela alternância entre pessimismo e otimismo. O que cria uma ambiguidade capaz de desorientar qualquer leitor. Mas tal ambivalência é muito sig! nicativa, pois representa a um só tempo a profunda recusa por determinismos de qualquer ordem e sua concepção de mundo como uma complexidade inexplicável. Elaboradas a partir desta estratégia precisamente articulada por Flusser, cada curva do texto, cada inversão, lança o leitor para fora e o coloca de frente com a ma ! terialidade da escrita e com o caráter argumentativo das ideias apresentadas, abrindo espaço para geração de suas próprias contra-argumentações, conexões, hipóteses e conclusões. E, justamente, ao se revelar como estrutura é que o texto libera seu leitor. A maneira como se estabelecem os conitos entre ideias aparece como uma estratégia para dar conta das complexidades e, principalmente, das ambiguidades do mundo to! mado em sua total complexidade. Situar-se nessas curvas do pensamento usseriano é um verdadeiro desao ao leitor e exige conhecer com certa latitude a genealogia de -#($ ./&$#0/&-'$,
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A partir da linha fenomenológica de Husserl e do pensamento sistêmico da ci ! bernética, Flusser desenvolveu um método hábil para reduzir fenômenos complexos em diagramas conceituais. As estruturas que emergiam em tal processo representa ! vam os pontos pelos quais ele operava suas análises e argumentações de fenômenos complexos como a organização da sociedade, o contexto político e até modelos epis ! temológicos. Provavelmente, o mais importante diagrama elaborado por ele tenha sido o da escalada da abstração, que esquematiza a evolução dos códigos comunica ! 1('($ #' *'&+' "# 2($-34(# "# 250#&("#"/ /0 50 0'"/*' 1'&1/(-5#* 65/ *2/ ./40(! -(5 #4-(15*#4 ' 1'&1/(-' "/ .3$!2($-34(#,
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Suas estruturas, no entanto, são diferentes daquelas do modelo do estrutu ! ralismo em vigor na sua época. Os diagramas conceituais de Flusser são derivados das teorias dos sistemas complexos em sua vertente informacional: a cibernética, "##$% '(%( )"# *+(,$"# -./0*$'"# + )" *+,%()$0/%$'"1 2"3+0)( )" $%4(##$3$5$)")+ de incluir em uma única análise toda a complexidade do mundo, tendo em vista sua existência sistêmica, a abstração do diagrama pareceu a ele a alternativa mais apropriada. No entanto, graças às heranças do humanismo, ele se desvia da objetivi ! dade, retirando das teorias dos sistemas a frieza e a pureza cientíca para propor um modelo de análise cultural, baseado naquilo que é capaz de tocar a essência humana. !"#$%%&' , Códigos: 16). Ao mesmo tempo em que a força de sua metodologia analítica ofereceu a pos ! #$3$5$)")+ )+ !"#!$% iluminadores, ela também abriu caminho para muitos mal-en ! tendidos, principalmente por conta de interpretações literais do que está sendo esque! matizado. Caso não seja compreendida como diagrama, a escalada da abstração, por exemplo, pode ser interpretada como algo de completa incoerência. O equívoco mais generalizado, talvez, tenha sido a repercussão do livro mais conhecido de Flusser: Filosofa da caixa preta que é tomado por muitos, ainda hoje, como um livro sobre fotograa e não como uma abordagem losóca dos aparatos técnicos de mediação. Como notou Andreas Ströhl (2002: 11), graças à inuência de Husserl, Flusser teve pontos de vista privilegiados que o tornaram radicalmente diferente dos mais co ! nhecidos teóricos dos anos 1970 e 1980, muito inuenciados pelo pós-estruturalismo e pelo marxismo. Fato este que torna difícil classicar seu pensamento dentro das teorias da mídia. Embora algumas poucas vezes ele pareça se aproximar do lósofo canadense McLuhan e outras do francês Baudrillard, Flusser sempre se manteve à parte da história ocial da losoa. Isso fez com que, por muito tempo, a importância do seu pensamento fosse circunscrita ao momento histórico especíco do alvorecer dos meios eletrônicos. Sua relevância como lósofo vem sendo descoberta aos pou ! cos. Atualmente, é grande sua inuência nos estudos europeus da mídia e da arte, principalmente em países de língua alemã. No Brasil, embora suas teorias tenham inspirado muito intelectuais, somente agora estamos tendo acesso às versões em por ! tuguês de textos importantes, necessários para se compreender losocamente as ideias de Flusser. #
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“O novo é horrível, não por ser da forma que é e não por ser di! ferente, mas por ser novo. (…) O novo é horrível e nós mesmos somos o novo”. ("#$%%&' , 1990: 168 '()* %(')*#, 2002: 1)
Flusser foi um dos que primeiro a percebeu a importância das tecnologias de mediação em circunstância de ubiquidade computacional e as decorrentes transfor !
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mações culturais, sociais e políticas que daí despontavam. Mas Flusser foi também vítima do novo. Não apenas da novidade de sua perspectiva teórico-losóca, como mencionado, mas também porque, muitas vezes, seu pensamento foi vinculado aos discursos ufanistas de pregação de certa revolução tecnológica que tiveram muito destaque, nos anos 1990 principalmente. Como ressaltou Ströhl, (2000), muitas ve ! zes, Flusser foi tomado como uma gura !"#$ do admirável mundo novo da mídia, um profeta das tecnologias da informação ou, ainda, um pioneiro radical das novas "#$%&'&()*+ -& %&!'(!)&*, do monitor e do computador. Grande parte dessa confusão se dá pela própria noção de novo, que pode ser delimitada a partir de, pelo menos, duas diferentes perspectivas. A primeira trata o novo como aquele que se opõe ao velho, ao antigo, ao passado, para proferir certa ideologia da obsolescência. É este conceito de novo que se mantém à frente do ideal que impulsiona, de uma maneira ou de outra, toda a ideia de modernidade vista em certos discursos artísticos que ganharam força no século XX e que hoje é reformulada # -#+'&$*-* .*/* *+ $*0.*%1*+ .23')$)"4/)*+ -*+ #0./#+*+ -# "#$%&'&()*5 60 &.&+)78& * #+"* $&%$#.78& #+"4 *92#'* -)++#0)%*-* * .*/")/ -*+ "#&/)*+ -* informação, para as quais o novo se opõe não ao velho ou ao obsoleto, mas ao re !
dundante. Segundo esta concepção, algo novo surge de operações feitas dentre algo conhecido. Estas operações se dão como processos de associações entre dados ou informações já conhecidas, de modo que destas surja algo da ordem do ainda não conhecido, do não redundante, da invenção. Tal concepção, assumida nas análises de Flusser para dar conta do contexto cultural pós-histórico por ele identicado, parte de uma perspectiva que foge à linearidade causal do pensamento histórico, de modo a colocar em crise categorias como a do antigo, do velho ou do ultrapassado. Esta originalidade, que marca não apenas suas teorias, mas também seu estilo lúdico e dialógico de losofar, inspira esta pesquisa a olhar para o cenário contempo ! /:%#& -* */"# de um ponto de vista particular, entendendo este como um dos poucos terrenos em que ainda é possível jogar em busca de um diálogo sensível com o outro. Neste trabalho, em particular, esta maneira de ver a arte contemporânea permite iden ! ticar propostas que expandem o campo formal das imagens e sons produzidos com meios técnicos para a materialidade do espaço, do corpo, das tecnologias e das redes de comunicação. Esta, que poderia ser tomada como uma arte dos aparatos técnicos audiovisuais, reúne uma série de práticas que assumem as tecnologias de mediação como campo de experimentação em busca de novos regimes de imagem, operando através de uma especulação criativa incessante que visa, sobretudo, estabelecer ou ! tras políticas de sensibilidade e outras formas de conhecimento. O capítulo que se segue leva a frente algumas questões referentes justamente às relações que estas práticas e estes artistas estabelecem com a tecnologia e com a sociedade. Como o estágio atual de automatização, fetichização e inserção da tecno ! logia no cotidiano, na economia, na sociabilidade impulsionam as práticas artísticas a se repensar? Como os artistas têm se posicionado em relação a estas questões? De