Não é à toa que este livro foi dedicado~'a todos aqueles que ousaram sonhar, ousaram lutar, ousaram correr riscos, ousaram dizer não". Sua autora, Cecilia Coimbra, era uma jovem professora de II istória que estudava
Psicologia quando, em agosto de 1970, no período mais duro (I()
regime militar foi presa
pdo DOI-CODI!Rj. Sólidos conhecimentos
de História e
dl' Psicologia - em que mais \:mll', depois de libertada, Cecilia se graduou - são uma 111<1 n:a deste livro. Mas ele é, 1;llllb('I11,muito fortemente 1ll:lrcado pela vivência pessoal e pda personalidade
forte e
cor;ljosa de sua autora. Cecilia é, antes de mais 11:lda,LIma cidadã sintonizada ('0111o seu tempo - no que ele lelll de Illais rico e generoso. :llgu{'1ll com uma qualidade
É
que distingue os melhores seres hUlllanos: sabe se indign:lr diante das injustiças, llleslllo q Ul' hoje esteja na 111od:1:1 conversa fiada de que l'l:ls
S;tO
M' p;lg:11'
UIll pre\'o inevitável a pvla "modernidade".
GUARDIÃES DA ORDEM
Cecilia Maria Bouças Coimbra
CONSELHO DIRETOR
GUARDIÃES DA ORDEM
Túlio Vagner dos Santos Vicente Ronaldo Fonseca Paes de Lima Luiz Ricardo Leitão Jane Lucas Assunção
uma viagem pelas práticas psi no Brasil do "Milagre"
AsSESSORIA JURíDICA
Lia de Oliveira
CONSELHO EDITORIAL
Carlos Eduardo Falcão Uchôa João Ramos Filho José Novaes Manoel de Carvalho Almeida Manoel Ricardo Simões Tamara Egler
Oficina do Autor Rio de Janeiro - 1995
1
@
1995 - Cecilia Maria Bouças Coim bra
SÉRIE CENA ABERTA volume 2
SUPERVISAO EDITORIAL
Luiz Ricardo Leitâo PROJETO
& EDITORAÇAo leme Lucc~,Assunçâo
GRÁFICO
PREPARAÇAo
DE TEXTO
ELETRÔNICA
E REVISAo
loâo Ramos Filbo Manoel de Camalho Almeida Ronaldo Fonseca Paes de Lima CAPA
Lui, Hem'ique Nascimellto FOTOS
AgPttcialB Ct~,tódio Coimbm [MPRESsAo
E ENCADERNAÇAo
Marques-,<'ctraiuaGráficos e Editol'es
A todos aqueles que ousaram sonhar, ousaram lutar, ousaram correr riscos, ousaram dizer nào. Àqueles que sonharam novos encontros, novos agenciamentos, novas formas de lJÍlJerneste mundo e que, por estes sonhos e lutas, como a pesteforam marcados, mas,sacrados, extenninados. A todos que, nos anos 60 e 70, apaixonadamente, tentaram - e ainda hoje tentam - marcar suas uida..<; nào pela "mesmice", pelo instituído, pela naturalizaçào,
mas,
ao contrário, pela denúncia, criaçào de novos espaços.
pela
pela desmitificaçào,
A todos os que sohrelJÍveram a esta luta, a este masReservados os dil'eÍtos de publicaçâo
desta ediçâo pela
OFICINA DO AlffOR Editam e DistrilJuidom de PulJlicaçàes Cultumis L!da. Caixa Postal 25004 - GEP 20552-970 Te! (()21) 331-5001 - Rl C017t?io Elefl'Ónico
[email protected]
Impresso no Brasil - Printed in Brazi/ Novembro cle 199')
sacre. emhora com projlmdas marcas e, em especial, aos que nào mais estâo entre nós - aos Mortos e Desaparecidos Políticos e a seus }ámiliares, em particular guerreiro Joào Luiz de Moraes - dedico este Trabalho.
ao
As minhas saudades. a minha indignaçâo, a minha força para continuar lutarldo, de outra..<; foroTas ejeitos, em busca de norJ(lSalianças, enco11tros e caminhos.
AGRADECIMENTOS
A todos às que foram por mim entrevistados e que, efetivamente, contribuíram para que esses fragmentos de histórias pudessem ser costurados e contados. A todos os amigos e companheiros que, direta ou indiretamente, estiveram comigo nesta travessia. Em especial ao José Novaes, ao Norberto de Abreu Silva Neto, e ao Eduardo Lociser. Ao João Ramos, Angela da Silva Rodrigues, Maria Elisa Rodrigues Coimbra, Emidio Tadeu B. Coimbra, Dora Cristina Rodrigues Coimbra, Esther Arantes, Lilia Ferreira Lobo, Heliana de B.Conde Rodrigues, Ana Maria Mota Ribeiro, Ana Paula Jesus de Melo, Fernanda Coelho, Suzana K. Lisboa e Mirtha Ramirez. Aos meus ftlhos José Ricardo e Sérgio Ricardo Novaes pela paciência e cumplicidade. Ao Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, em especial a Cléa Lopes de Moraes. A Ivan Cavalcante Proença que, por sua generosidade e coragem, possibilitou que eu trilhasse muitos outros caminhos até escrever este livro. Em 1º de abril de 1964, quando o CACO foi cercado por grupos paramilitares, o tenente Ivan salvou a minha vida e a de cerca de 200 outros companheiros universitários. Após isto foi preso e expulso do Exército. A você, Ivan, os agradecimentos de todos nós que sobrevivemos.
lNDICE
APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO I -A Questão da Militância
i li
:\il'
CAPÍTULo I Alguns processos de subjetivação nos anos 60, 70 e 80 no Brasil
1
I - Os Anos Instituintes 1 De 60 a 64: o engajamento populista 2 De 64 a 69: o engajamento consentido e seu rompimento
2 2 7
11 - Os Anos da Institucionalização
17
I 2 .-) -1 ')
19 22 )0
O terrorismo de estado E como nós, classe média, reagimos a isso O familiarismo como controle social A psicologização e os especialistas "pSi" A produção subterrânea de algumas práticas instituintes 'i.1 Alguns movimentos sociais na grande São Paulo ').2 As associações de moradores no Rio de Janeiro ').) O "Novo Sindicalismo" e seus efeitos
')4 38 4') 48 ')3
CAPÍTIJI,O 11 As práticas psicanalíticas nos anos 70 no Brasil
60
I - A "venladcira" psicanálise
6)
ou o Santuário de Vesta
n - A instituição fonuação analítica ou a pedagogia da submissão
69
m - Algumas situaçõcs analisadoras das práticas psicanalíticas
79 80
I
O analisador Werner Kemper
2
() analisador Anna Katri.n Kemper
.-) O () ::; O () ()
analisador analisador analisador analisador
Décio Soares de Souza Regina Chnaiderman Helena Besserman Vianna Amilcar Lobo
~
84-
&í 89 94 99
IV - A procura. da diferença
I07
I
107
O Instituto de Medicina Psicológica
2 O Círcub Psicanalítico do Rio de Janeiro 3 A Clínica Social de Psicanálise
108 112
3
V - O movimento dos psicólogos e o patemaHsmo dos psicanalistas 1 A psicologia: seu boom e as faculdades particulares 2 Os psicólogos paulistas e a SBPSP 3 O movimento dos psicólogos cariocas 3.1 Instituto de Orientação Psicológica 3.2 As comunidades terapêuticas e os "psi" cariocas 3.3 Os psicólogos cariocas e a tutela dos psicanalistas 3.4 O "modismo" grupal entre os "psi" cariocas: a SPAG
115 115 118 124 125 127 129 137
VI - A Ruptura com as sociedades ligadas à IPA 1 A segunda geração dos argentinos 2 Sampa e o movimento "psi" na segunda metade dos Anos 70 2.1 O Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada 2.2 O Instituto de Estudos e Orientação da Família 2.3 O Instituto Sedes Sapientiae 2.4 O Núcleo de Estudos de Psicologia e Psiquiatria 2.5 A Casa e o CEPAI
144 145 152 152 153 154 160 161
3
163 163 164 169 170 171 171 178 184 184 186 188
4
5
Enquanto isso, no Rio de Janeiro 3.1 O Núcleo de Estudos de Formação Freudiana 3.2 O Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições 3.3 A Sociedade de Estudos Psicanalíticos Latino-Americanos 3.4 A Clínica Terra O movimento lacaniano 4.1 O lacanismo em solo carioca 4.2 O lacanismo em solo paulista As "crises" nas sociedades oficiais (Quebra-se o monopólio da IPA?) 5.1 A Brasileira de São Paulo : 5.2 A Brasileira do Rio de Janeiro 5.3 A Psicanalítica do Rio de Janeiro
vn -Um adendo
às práticas psicanalíticas: a fumília e a Subversão 1 A pesquisa sobre O perfil psicológico do "terrorista" brasileiro
194 197
2
204
Outras participações
"psi"
2
CAPÍIlJLom As práticas psicodramáticas
207
1- Sampa e o Psicodrama 1 O GEPSP e o "sucesso" do psicodrama
211 211
4
O grande happeninge a cisão do movimento psicodramático paulista .. 216 2.1 As duas sociedades de psicodrama: ABPS e a SOPSP 221 Dalrniro Bustos e uma outra vertente do psicodrama argentino no Brasil 222 A normatização das práticas psicodramáticas: a FEBRAP 224
n - O Psicodramano
Rio deJaneiro 1 O psicodrama triádico e a Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama 2 O psicodrama moreniano: a SOPERJ, a sociedade moreniana e o CPRJ
228 230 231
m- Algumas situações analisadoras das práticas psicodramáticas 1 - O analisador poder médico 2 - O analisador psicodrama pedagógico IV -Alguns
efeitos das práticas psicodramáticas
234 235 239 243
CAPÍIlJLo IV Algumas práticas ligadas ao Movimento do Potencial Humano
247
I - O Movimento do Potencial Humano
247
n-As práticas de "aconselhamento rogerianas"
259 259 262 262 264
1 Na Paulicéia 1.1 O Grupo de Abordagem Centrada na Pessoa 1.2 O Sedes Sapientiae 2 E no Rio de Janeiro: o Centro de Psicologia da Pessoa
m -As práticas da Gestalt-Terapia 1 Na Paulicéia: o Sedes Sapientiae 2 No Rio de Janeiro
267 269 272
IV - As Práticas "Neo-Reichianas" 1 Em São Paulo: as duas gerações de "corporalistas" 1.1 No Sedes Sapientiae 1.2 Outros estabelecimentos: Ágora e IPE 1.3 A somaterapia 2 E, em solo carioca 2.1 Alguns "cotporalistas" 2.2 Rádice e os simpósios altemativos 2.3 Alguns estabelecimentos: CIO, IOOR e outros
275 279 280 282 284 288 289 291 295
:
V - Algwnas situações analisadoras das práticas ligadas ao
Movimento do Potencial Humano
301
.•
1
O analisador especialista - perito
301
2
O analisador "a mágica ela salvação"
30Ce
APRESENTAÇÃO
:no
VI - Algumas considerações CAPÍ11JLOV
Os Anos 80 e a Análise Institucional no Brasil
316
I - Alguns processos de suhjetivação na segunda metade dos
anos 80 no Brasil
317
11 - O Movimento Institucionalio;ta Francês
1 2 3
323 32.'1 329 332
() período da psicossociologia institucionaL O período das intervenções socioanalíticas A análise institucional se institucionaliza
m - O Movimento
33';
1
338 341
2
Institucionalio;ta no eixo Rio-São Paulo No Rio de Janeiro Na Paulicéia
IV - Algumas Considerações CAPÍTUlO
343
VI
Algumas conclusões' Ê necessário'
347
BmIJOGRAFIA I - Livros e artigos II - Revistas, jornais, boletins, etc m - Documentos, prospectos. etc IV - Anais de congressos
3';2 363 367 :
DISCOGRAFIA
-)68
369
ANEXOS
I - Psicanalistas entrevisL1.dos
-)70
li - Outros profissionais e ex-presos políticos entreviSL1.dos m - Psicodramatistas entrevistados IV - Profissionais entrevistados ligados ao movimento do potencial humano
371 371 371
É sempre animador encontrar psicólogos atentos à ciência que praticam. Formados sobretudo como técnicos, esses profissionais geralmente não dispõem de instrumentos teóricos que lhes permitam perceber que suas práticas não são politicamente neutras. Qual a natureza da atuação política que se esconde sob as chamadas "práticas psi"? Via de regra, uma prática que justifica a desigualdade social, a exclusão, o confinamento, o preconceito; via de regra, uma prática que quer ajustar os desviantes, que arredonda as arestas de respostas de resistência justas e saudáveis, patologizando-as em nome da ordem e do progresso. Discurso lacunar, suas concepções quase sempre omitem as questões da ideologia e das relações de poder e explicam comportamentos reduzindo-os a uma dimensão psicológica reificada. Cecília Coimbra faz uma incursão pelo universo dos psicólogos nos anos 70, período escuro da vida brasileira, à procura de convergências entre as modalidades psicoterapêuticas então em vigor e os desígnios da ditadura militar. A tarefa é gigantesca e complexa, não só porque as modas terapêuticas em vigor no país naquela época eram muitas, mas também porque eram diversas as suas extrações teóricas. Estavam presentes mistificações fáceis de criticar, pois que não iam além do nível raso do mais absoluto senso comum; chegaram também métodos de intervenção que, embora em essência conservadqres, continham momentos de lucidez que é importante sublinhar; foram introduzidas também propostas de intervenção atentas à dominação e à exploração inerentes às sociedades capitalistas e que propunham a desmontagem de práticas autoritárias nas instituições e nas relações sociais. Em relação a essas últimas, Cecília adverte para o perigo da transformação de
originalmente críticas em automatismos que se conjugam com a ordem que interessa aos poderosos. Os Guardiães da Ordem é um mural, feito de largas pinceladas, das práticas psicológicas no Brasil do milagre. Ponto de partida imprescindível, a análise que ele contém certamente é um convite a outras análises mais profundas. O principal está feito; alertar os psicólogos para a dimensão histórica e social de idéias e técnicas que aparecem como isentas. O texto de Cecília é indignado e radical, como devem ser, segundo Agnes Heller, as idéias que querem denunciar a injustiça e a iniqüidade; "as idéias tolerantes", diz Heller em O Cotidiano e a História, "são passivas e por isso historicamente ineficazes. Uma idéia não pode se permitir ser liberal. Deve ser enérgica, tenaz, fechada em si mesma, para cumprir o mandato divino de ser produtiva". Cecília Maria Bouças Coimbra é uma mulher corajosa e lúcida quando se trata de enfrentar trabalhos hercúleos. Este livro é mais uma prova de que a militância por um mundo mais humano está no coração de sua vida de guerreira.
"Não serei o poeta de um mundo caduco Também não cantarei o mundo futuro .. Estou preso à vida e olho meus companheiros: Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. Opresente é tão grande, não nos afastemos. Nã,o nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, Não direi os suspiros ao anoitecer, A paisagem vista da janela, Não fugirei para as ilhas,
Maria Helena Souza Patto São Paulo, outubro de 1995.
Nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, O tempo presente, Os
homens presentes,
A vida presente!" (Mãos Dadas -CarlosDmmmond
ií
de Andrade)
iií
IN1RODuçÃO
"... devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de ensino nas ciências sociais epsicológicas, ou no campo do trabalho social- todos aqueles, enfim, cuja profissão consiste em se interessar pelo discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos permitem criar saídas para os processos de singularização, ou, ao contrário, vão estar trabalhando para o funcionamento desses processos na medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para funcionar Isso quer dizer que não há objetividade científica alguma nesse campo, nem uma suposta neutralidade na relação ". Félix Guattarl1
Este trabalho pretende ser um levantamento do que foram algumas práticas "psi" na década de 70 no Brasil e um repensar sobre elas: a que demandas atenderam e ao mesmo tempo produziram, e quais foram algumas de suas gêneses históricas. Nele pretendo também pensar a "encruzilhada" em que todos nós, "psi", nos encontramos. "Encruzilhada" em que estão também todos aqueles que ensinam e que, como qualquer outro dispositivo social, são responsávei,> pela produção de 111 liitas subjetividades. Por isso, minha proposta é caminhar por alguns processos de slIbjctivação nos anos 60, 70 e 80: como são produzidos hegemonical11ente2, em que momentos conseguimos forjar processos de singula-
2
Guattari, F. e Rolnik, s. Micropolitica: Cartografias do Desejo. ~, Vozes, 1988, p. 29. No conceito de subjetividade dominante ou hegemônica, Guattari mostra que "...a produção de subjetividade constitui matéria-prima de toda e qualquer produção. As forças sociais que administram o capitalismo hoje entendem que a produção de subjetividades talvez seja mais importante que qualquer outro tipo de produção, mais essencial até que o petróleo e as energias, visto produzirem esquemas dominantes de percepção do mundo". In: Guattari, F. e Rolnik, S. (>p. cit., p. 40.
v
rizaçã03. tomo se tem dado essa luta ao longo de três décadas e como se encontram, no miolo dissà tudo, as práticas "psi": criando e fortalecendo territórios singulares e reproduzindo/produzindo modelos. Sendo produzidas por tais modelos e, ao mesmo tempo, fortalecendo essas subjetividades dominantes, as práticas "psi" têm também produzido outros espaços que não os hegemônicos? Em que momentos encontramos rupturas que nos permitam afirmar algo de novo, de criativo? Afirmar outras percepções, outros modos de ser e de estar no mundo? . Estas questões e muitas outras aparecem nesta caminhada que me propus fazer. Caminhada que é uma viagem retrospectiva de uma geração - a minha geração - com todas as implicações4 daí decorrentes. Viagem que me produziu muitos encontros, alguns agenciamentos e uma infindável vontade de entender melhor o que esta geração viveu, por que lutou, por que morreu, por que se exilou e por que voltou e continuou pretendendo produzir espaços mais flexíveis, abertos aos fluxos, aos encontros. Espaços onde se luta cotidianamente no sentido de se afmnarem caminhos diferentes dos modelados pela "mídia" e demais equipamentos coletivoss. Espaços, enftm, onde se façam presentes novas alianças, ~ensibilidades, criações e paixões. A análise aqui empreendida toma de empréstimo algumas categorias do Marxismo, quando se faz necessária uma abordagem da 3
4
5
Processo de singularização é utilizado por Guattari para designar os processos disruptores no =po da produção do desejo; trata-se de movimentos de protesto do inconsciente contra a subjetividade capitalística, através da afirmação de outras maneiras de ser, outras sensibilidades, outra percepção, etc. In: Guattari, F. e Rolnik, S. Op. cir., pA5. A noção de implicação em análise institucional- que se origina do conceito de contratransferência, opondo-se à posição neutro-positivista - vai nos falar do intelectual implicado, definido como aquele que analisa as implicações de suas pertenças e referências institucionais, analisando também o lugar que ocupa na divisão social do trabalbo, da qual éJegitirnador. Portanto, tal conceito leva a uma análise do lugar que se ocupa nas relações sociais em geral e não apenas no âmbito da intervenção que se está realizando. Equipamentos coletivos seriam" ... os instrumentos de codificação, de incrustação, de fechamento, de limitação e de exclusão da energia social livre ( ...). É o processo material e social através do qual as forças materiais do inconsciente, fluidas e leves, vêm flXat-Sesobre o corpo social. onde funcionam e funcionarão corno sistemas rígidos e fechados de relações de força, de relações de produção codificadas e institucionalizadas ( ...). Portanto, o equipamento coletivo é o território não familiar onde se exerce diretamente a soberania do Estado". In: Fourquet, F. e Murard, L. Equipamentos dei Poder: Ciudades, Terrltorios Y Equipamentos Coletivos. Barcelona, Gustavo Gelli, 1978, pp. 70, 73 e 88. vi
formação social capitalistica, como também no estudo da divisão social do trabalho através da abordagem feita por A. Gorz. Isto porque a crítica aos "especialismos" é um dos fios condutores deste trabalho. Da mesma forma, também são utilizadas categorias pertinentes aos pensamentos de F. Guattari - principalmente no que se refere às produções de subjetividades - e de Michel Foucault - nas questões relativas à genealogia das práticas "psi" e aos efeito~ de sua difusão. Por último, beneficio-me do referencial Institucionalista de origem francesa6 através de uma série de ferramentas que, no decorrer de todo este trabalho, vão sendo apresentadas ao leitor. Dentre elas há uma, a de analisador, que percorre os três grandes grupos de práticas aqui presentes (psicanálise, psicodrama e terapias ligadas ao Movimento do Potencial Humano). Estes caminhos correspondem à minha própria trajetória de vida, () percurso que tenho realizado até aqui: de lugares muito bem marcados, nJmo marxista e maoísta, para espaços não tão delimitados, mais abertos, onde diferentes fluxos podem e devem se misturar. A utilização que faço desses enfoques lembra em muito uma caixa de ferramentas, de onde retiro o que me é útil em determinados momentos, aquilo que lIIe serve, que funciona? Meu interesse está no caráter desnaturalizador de muitas dessas produções e pretendo lançar mão de todas essas lcrramentas, não de forma dogmática, mas como instrumentos de luta. Nesta viagem pelos últimos 30 anos, muitos mergulhos aconteceram, e esses referenciais funcionaram, portanto, como pontes, como pequenas construções que me auxiliaram na travessia. Nada de ferro ou de concreto, nada muito seguro e estável, nada tipo terra firme, mas apoios e por vez.es pequenas barcaças que me ajudaram a percorrer e entender melhor as paisagens que ia vislumbrando. Paisagens nas quais, lIIuitas vezes, estavam presentes sentimentos os mais diversos. Durante esta viagem, além de pontes e barcaças, muitos embarcadouros foram visitados e encontros aconteceram, principalmente, com os profissionais "psi" e ex-presos políticos do eixo Rio-São Paulo. Reali-
(J
Algumas das principais figuras desse movimento são Georges Lapas.sade, René Laurau, Rémi lless, Pierre Evrard, Patrice Ville, Antoine Savoy, dentre outros. Imagem utilizada por Gilles Deleuze em "Os intelectuais e o Poder." In: FoucauIt, M. Microfisica do Poder. R], Graal, 1988, p. 71. vii
zei ao todo 173 entrevistas com psicanalistas, psicodramatistas, gestaltistas, terapeutas corporais e ex-presos políticos que me falaram de suas trajetórias e, especialmente, dos anos 70 no Brasil: de suas experiências, aventuras, desventuras, sonhos, utopias, massacres, fraquezas, cumplicidades, omissões, conivências e alianças. Em muitos desses encontros, agenciamentos se efetuaram, emoções e marcas se uniram, uma forte sensibilidade pairava no ar, ao compartilharmos histórias, comuns ou diferentes, mas que traziam a paixão, a vida, a luta, para o primeiro plano do palco. Em outros encontros, o distanciamento se fazia presente; dores de cabeça e enjôos dominavam; predominava a morte, o lado obscuro da vida. De qualquer modo, foram encontros de grande intensidade, vividos com emoção, ternura, amargura, ódio e mesmo desprezo. Neste sentido, este estudo não é uma pesquisa "neutra", onde a coleta "objetiva" de informações é o mais importante, onde a paixão não está presente, onde nossas transversalidades8 não se atualizam, onde nossos prazeres e desprazeres ficam de lado. Falar da vida, das lutas, das afirmações, de tudo que pode transformar o mundo e a nós mesmos, requer l.Jmapresença que não pode ser pensada como neutralidade. Essa viagem me mostrou isso. Nessa travessia vivi tudo isso. A leitura de todas as entrevistas e materiais fornecidos é responsabilidade minha, apesar de terem sido fundamentais como matéria-prima para o que exponho aqui. O contrato feito com todos os entrevistados foi de que seus nomes seriam citados somente ao final de cada Capítulo - foram colocados em Anexo - e suas opiniões não seriam expostas. As identificações somente ocorreram quando os assuntos apontados já se haviam tomado públicos através de notícias na grande imprensa. Os materiais consultados - regimentos, regulamentos, estatutos, correspondências, artigos publicados, etc. - foram muitos deles gentilmente cedidos pelos entrevistados. Entretanto, se esta facilidade ocorreu com os que entrevistei, isto não aconteceu com os estabe8
O conceito de transversalidade, criado por F. Guattari e muito utilizado em análise institucional, representa a clareza que se tem dos entrecruzamentos, das pertenças e referências de todos os tipos (político, econômico, social, cultural, ideológico, sexual, libidinal, etc.) que atravessam nossas vidas. As relações transversais são, em geral, inconscientes, não sabidas e desconhecidas.
viii
lecimentos "oficiais" de psicanálise: muitas exigências burocráticas foram feitas, como, por exemplo, para se conseguir os estatutos e regimentos. Além de todos esses materiais, foram também consultados muitos artigos e teses versando sobre a história do movimento psicanalítico no eixo Rio-São Paulo, assim como alguns dos referenciais teóricos dos movimentos psicodramáticos e do Potencial Humano. Estes, apesar de não serem utilizados neste trabalho, foram importantes para que eu pudesse compreender muitos dos conceitos citados pelos entrevistados. Assim, algumas obras de J. L. Moreno, R. Bermudez, D. Bustos, C. Rogers, W. Reich, A. Lowen, D. Boadella, G. Boyesen e de muitos outros brasileiros foram consultadas. Foi realizada também pesquisa em jornais da grande imprensa sobre os anos 70 e 80 no Brasil e em alguns jornais e revistas "psi" da época. Todos esses materiais encontramse citados nas notas e na Bibliografia. Com esse instrumental, pretendo historicizar e mostrar a produção de algumas práticas psicoterapêuticas nos anos 70 no Brasil, fazendo uma análise institucional das instituições9: psicanálise, psicodrama e terapias corporais, apontando o que elas têm instrumentalizado, e que outras instituições, dispositivos, modelos e subjetividades têm sido por elas fortalecidos e produzidos. Enftm, busco mostrar como a formação "psi", em geral, traz certas características modelares instituídas e tão bem marcadas; como, em nossa formação, predomina o viés positivista, onde se tornam hegemônicos os conceitos de neutralidade, objetividade, cientificidade e tecnicismo; onde, nos diferentes discursos e práticas, o homem e a sociedade são apresentados como "coisas em si", abstratos, naturais e não produzidos historicamente. Um trabalho de Heliana Conde Rodrigues1o inspirou-me a ir procurarem um texto de F. Châteletll o significado de "ser um historiador, hoje", da historicidade do historiador, pois é este um dos caminhos que 9
o conceito
de instituição, para a análise institucional, difere do de otganização ou estabelecimento. Instituição é o espaço onde as relações de produção estão instituídas de maneira aparentemente natural e eterna e não onde o jurídico se manifesta. 10 Rodrigues, H.B.C. Michel Foucault: Por uma História das Práticas. Traballio apresentado no Curso de Mestrado - UER], setembro/1989, mimeogr., p. 4 11 Châtelet, F. nA História".ln: Châtelet, F. (Org.). A FDosofta das Ciências Sociais, vol. 7. Coleção História da FilosofIa: idéias, doutrinas. R], Zahar, 1974. íx
percorro em relação às praticas psicoterapêuticas. Analisa o autor três principais linhas na historiografia atual: a da Filosofia da História, a da História Positivista e a da Nova História. Na Filosofia da História estariam os marxistas contemporâneos, a história vista como um desenrolar contínuo de forma linear ou dialética, dentro de uma perspectiva totalizante, onde a origem e a finalidade são aspectos fundamentais. Na História Positivista predominam fatos, datações, nomes e cronologias encadeados, "... uma espécie de 'jornalismo superior", um jornalismo retrospectivo que tenta reencontrar, no outrora e no antigamente, o desenrolar dos fatos, a causalidade dos sentimentos e . dos acontecimentos materiais... "12 (grifas do autor).
Seria o que, dentro de uma perspectiva institucionalista, é conhecido como a História do Instituído, onde a preocupação está em "00. construir imagens confortadoras e bem ligadas"13. A Nova História, representada, dentre outros, por L.Fevre e M. Blochl4, "00. recusa tanto o acontecimento como a lei, tanto a crônica quanto a sociologia". Esses historiadores "... indicam que estão fora da triste problemática do acontecimento ou do doloroso referencial cronológico; esforçam-se -para esclarecer o presente - por restaurar a opaci-dade das práticas passadas, em sua diversidade. Doravante, impõe-se outra concepção das seqüências acontecimentais como inStrumento de inteligibilidade. Antes de tudo, importa determinar longamente em que horizonte real e imaginário os diversos agentes e pacientes históricos intervêm, como eles habi-tam, como andam, como navegam, como comem (...); em suma, como vivem realmente. Os atos do poder (dosdiversospoderes), pormais atuantes que sejam, nilo poderão ser compreendidos, em suas conseqüências, sem refer€ndas a essas prdticas determinantes "15 (grifas meus).
12 Châtelet, F. Op. cit., p. 211. 13 Idem, p. 211. 14 Segundo Châtelet, equipe reunida em tomo dos "Anais, Econotnia, Sociedade, Civilização", fundada pelos autores citados. 15 Châtelet, F. Op. cit., p. 213.
x
A própria noção de acontecimento aqui é vista de outra forma: não como um fato compreensível, mas como ruptura, "... como produto que remete a outras redes de acontecimentos, em outros campos". Quanto a este sentido de "acontecimento", a abordagem da Nova História não difere em essência da marxista, a não ser no ponto em que esta última privilegia, como produtora, a "... profundidade econômica da última instância" 16. Esta Nova História, em que a inscrição histórica se toma fundamental, voltada para o presente, para as diferentes práticas, abandonando as grandes datas, os grandes nomes e sínteses, segundo o próprio Châtelet, pode cair na armadilha de - apesar de dar ênfase às rupturas históricas - não se implicar politicamente com as lutas presentes. Esses trabalhos perigam em "... não passar de instrumentos sem poder (...J que só servem para o prazer (.00) daquele que os produz - o historiador -, daquele que os etiqueta- o historiógrafo- e daquele que os descreve - o estudante - caso não aceitem estar em situação ideológica'17 (grifas meus).
Ser historiador, hoje, é principalmente estar articulado, implicado com as lutas que se travam, é saber o lugar que se ocupa na própria divisão social do trabalho, da qual se é um dos legitimadores. Nesse ponto, Châtelet mostra a importância do Materialismo Histórico, não para se fazer uma Filosofia da História, mas para se ter claro que, no combate político/ideológico do cotidiano, os conhecimentos elaborados pelo historiador, intelectual, especialista, etc. (ou qualquer outro nome que se queira dar aos peritos no mundo capitalístico) estão presentes no mundo, têm peso, não são neutros e estão produzindo - no dizer de Guattari - subjetividades hegemônicas e processos de singularização. São, em suma, forças sociais, quer se queira ou não. A tentativa de se caminhar por esta abordagem é um desafio, até porque - e já ouvi isto muito, principalmente .de alguns colegas psicanalistas - há o risco de este trabalho ter os rótulo de "relativismo sociológico", "relativismo histórico" . Sobre o assunto, gostaria .de tecer alguns comentários e, nova16 Rodrigues, H.B,C. Op. cit., p. 08. 17 Châtelet, F. Op. cit., p. 218. xi
mente, utilizando a "caixa de ferramentas" - já citada por Deleuze -, retirar dela outros pensadores: Paul Veyne e Michel Foucault. Não quero relativizar nada, quero sim desnaturalizar! Isso porque não entendo os objetos como tendo existência em si, como naturais, mas sendo produzidos historicamente por práticas que os objetivam e que são muito bem datadas. Relativizar algo de princípio mostra a existência dos objetos em si, como algo dado; simplesmente vou relativizar meu olhar, minha escuta, minha percepção, para poder apreender os diferentes aspectos desses objetos. Entretanto, se os entendo, assim como o sujeito, o real, como produções históricas, eles não são dados em si, não existem por si, mas estão sendo sempre produzidos, como um trabalho jamais acabado, terminado. "Mas cada prática, ela própria, com seus contornos inimitáveis, de onde vem? Mas, das mudanças históricas, muito simplesmente, das mil transformações da realidade histórica, isto é, do resto da história, como todas as coisas. Foucault não descobriu uma nova instância, chamada "prática", que era, até então, desconhecida: ele se esforça para ver a prática tal qual é realmente; não fala de coisa diferente da qual fala todo historiador, a saber, do que fazem as pessoas: simplesmente Foucault tenta falar sobre isso de uma maneira exata, descrever seus contornos pontiagudos, em vez de usar termos vagos e nobres"18. Neste texto, Paul Veyne vai mostrando como as diferentes práticas vão engendrando no mundo objetos sempre diversos, diferentes "rostos"; daí não existirem "loucura através dos tempos", "religião ou medicina através dos tempos". Isto mostra como "... em uma certa época, o conjunto das práticas engendra, sobre tal ponto material, um rosto histórico singular que acreditamos reconhecer ou que chamamos, com uma palavra vaga, ciência histórica ou, ainda, religião ; mas, em uma outra época, será um rosto parlicular muito diferente que se formará no mesmo ponto e, inversamente, sobre um novo ponto, seformará um rosto vagamente semelhante ao precedente. Tal é o sentido da negação dos objetos naturais; não bd, através do tempo, evolução ou 18 Veyne, P.M. "Foucault Revoluciona a História". In: Como se Escreve a HIstória. Cadernos da Universidade de Brasília. 1982, pp. 159 e 160.
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modificação de um mesmo objeto que brotasse sempre de um mesmo lugar (. ..). Umfalso objeto natural, como a religião C ..) que agrega elementos muito diferentes C ..) que, em outras épocas, serão ventilados em práticas muito diferentes e objetivados por elas sob fisionomia muito lliferente"19 (grifos meus).
Por sua vez, Foucault, ao montar uma história das práticas, ao invés de relativizar no tempo aquilo que é diferente, prefere apontar para a produçiio do real pela via da história. Apontar que nossas práticas determin:.lm os sujeitos, os objetos considerados naturais e já dados. Da mesma forma, nega um pensar totalizado da história que remeteria à busca de uma origem ou finalidade, pois "..procurar uma tal origem é tentar reencontrar "oque imediatamente'; o "aquilo mesmo" de uma imagem exatamente adequada a si; é tomar por acidentais todas as peripécias que puderam ter acontecido, todas as astúcias, todos os disfarces; é querer tirar todas as mdscaras para desvelar, enfim, uma identidade primeira"]JJ (grifos meus).
Por isso, a história das práticas de Foucault e o "historiador hoje" de Châtelet trazem para o palco uma h.istória que "não apaga o que pode revelar", que mostra "o lugar de onde olha", "o momento em que está", "o partido que toma", e a afrrmação da paixã021. Mostra o intelectual implicado, como aquele que "... se define (...) pela vontade subjetiva de analisar até o fim as implicações de suas pertenças e referências institucionais"22. Aquele que nunca é chamado de militante, visto este termo ter tido, numa outra época, uma outra produção histórica. Portanto, por não entender o objeto "militância" como natural e a-histórico, por sabê-lo produzido por certas práticas e movimentos sociais num determinado momento da história da esquerda, não só brasileira, mas mundial, pretendo utilizá-lo a partir de outras práticas, de outras produções.
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Idem, p. 172. Foucault, M. Microfisica do Poder. Op. cit., p. 19. Trechos contidos em um artigo de Foucault, M. Op. cit., p. 30. Lourau, R. "El Estado en e1 Análisis Institucional". In: EI Análisis Institucional Abierto, 1977, p. 88.
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Madrid, Campo
I- A
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Em realidade, a produção deste texto-intervenção é uma forma de militância. Não a militância dos anos 60170 e que ainda hoje perdura: a militância como "lema", "divisa", "ordem", "organização", "carro-chefe". Mas a militância enquanto produção de territórios singulares, novos, onde se consegue apontar para as armadilhas do instituído, para a
ocultação, a mitificação e a naturalização das práticas e modelos oficiais dominantes, onde as proposições - e não os dogmas científicos são extraídas das relações que estabelecemos entre as práticas sociais e as nossas próprias práticas cotidianas. Militância guerreira em que se fica ao lado da vida, da afirmação, do instituinte, das implicações, da transversalidade, do processo de singularização e, portanto, rompe-se com o autoritarismo dos saberes oficiais, englobantes e totalizantes. Rompe-se com o território fechado da falta, da carência, do instituído, da neutralidade e dos regimes de verdade pré-estabelecidos, fechados e hierarquizados. Militância não vista como mais um esp ecialismo , pois até isto o capitalismo produziu: o militante é mais um especialista! Mas militância que nega os especialismos, desnaturalizando lugares sagrados do saber e do não-saber, e que aponta como certos saberes, considerados marginais, desqualificados, "inferiores" e "menores", só o são porque a postura arbitrária e dogmática da "ciência" os produziu para serem percebidos e aceitos assim. Enfim, militância que aponta para a desmitificação do corporativismo, onde os papéis profissionais são mais alguns dos modelos impostos e produzidos pelas diferentes práticas sociais. Militância e não mais uma armadilha, onde se possa consignar que a distinção feita - e como acontece isso em nossa fomação "psi" entre trabalho psicológico e trabalho político é mais um engodo dos especialismos, da desqualificação de práticas vistas como "diferentes" e da manutenção e superioridade de algumas consideradas "científicas", "competentes". Militância que revela, ao mesmo tempo, o poder desses modelos, mas anuncia para a possibilidade de se escapar, de se quebrar - mesmo que provisoriamente - os lugares marcados e determinados pelas subjetividades dominantes que dicotomizam, excluem: ou se é "psi" ou se é militante; "se é isto, não se pode ser aquilo". Militância que se refere aos diferentes, marginalizados e desqualificados saberes e a muitas e muitas práticas, que cotidianamente, silenciosamente, em seus microespaços, estão gestàndo, forjando novas formas de perceber o mundo, novas formas de se viver melhor neste mundo. Referindo-se a inúmeros sujeitos que, em seu dia-a-dia, tentam, mesmo que provisoriamente, produzir outros tipos de relação, outras estratégias de vida que não as dominantes. Referindo-se também a
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QuEsTÃO DA MnrrÂNCIA "Não põe corda no meu bloco Não vem com teu carro chefe Não dá ordem ao pessoal, Não traz lema, nem divisa Que a gente não precisa Que organizem nosso carnaval Por um bloco Que derrube esse coreto Com passistas à vontade Que não dancem o minueto. Por um bloco Sem bandeira ou fingimento Que balance e bagunce O desfile e o julgamento. Por um bloco Que aumente o movimento Que sacuda e arrebente O cordão de isolamento ". (PÚltaformn
- Aldír Blanc eJoão Bosco)
Fazer esta travessia é uma forma de resgatar um período de nossa história que muitos tentam esquecer. Não com o intuito de uma reconstrução, mas com uma proposta de desconstrução. Ou seja, não pretendo fazer a reconstrução de uma "determinada" memória histórica, mas de uma "outra", sempre ocultada, sempre impedida de aparecer, sempre estigmatizada. Com isto, em realidade, proponho a desconstrução de uma história conhecida como "oficial", instituída, fazendo surgir daí uma "outra" memória, uma "outra" história. Desde o início desta viagem me propus a produzir um textointervenção, e intervenções, efetivamente, ocorreram: em mim e em muitos entrevistados.
todo e qualquer intelectual que utilize seus saberes, suas práticas para a produção de novos sujeitos, de novas alianças que afirmem a vida, a paixão, a expansão. Militância que nega toda e qualquer ortodoxia e fechamento, que tenta ampliar suas alianças, expandindo outras formas de estar neste mundo. Militância que é uma construção cotidiana e que percorre os mais variados caminhos. Portanto, enquanto profissional psicóloga, militante e implicada com a história, pretendo apontar para o político, para a produção de subjetividades, para a mitificação e naturalização de algumas práticas psicoterapêuticas dominantes na década de 70, e ainda hoje. Este texto-intervenção é, sem dúvida alguma, um texto indignado e apaixonado. Indignação e paixão que vêm da minha implicação, da minha história de vida. Indignação e paixão que são também produzidas pelo fato de mexer com questões tão naturalizadas e até mesmo sagradas: a genealogia de algumas práticas psicoterapêuticas no Brasil e da própria formação "psi". Entretanto, apesar da indignação, paixão, denúncia, desnaturalização que estão presentes na maioria das páginas deste trabalho e apesar da radicalidade de minhas percepções, desejo pensar na possibilidade de construir novos espaços e forjar novos aliados. Daí, este trabalho se propor a ser um trabalho militante, uma intervenção. Pretensão em demasia? Talvez.
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CAPÍTIJLO
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ALGUNS PROCESSOS DE SUBjETIVAÇÃO NOS ANos
60, 70
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NO BRASIL
Este trabalho tenta mostrar a singularidade de uma existência; procura apontar agenciamentos e encontros que foram se dando ao longo de uma história e, portanto, é a afirmação de uma percepção de mundo. É uma leitura, embora outras existam. É uma forma de pensar os diferentes encontros que tive ao longo das três últimas décadas. Tratase, por conseguinte, de uma leitura que, pretendo, não pertença ao território das identidades reconhecidas, da academia, do cientificismo. Mas que, efetivamente, faça parte de outros espaços. Para se falar sobre alguns processos de subjetivação nos anos 60, 70 e 80 no Brasil há, inicialmente, que pensar a que subjetividade estou me referindo. Penso produção de subjetividades, segundo o enfoque guattariano - não "como coisa em si, essência imutável", mas como "... esta ou aquela subjetividade, dependendo de um agenciamento de enunciação produzi-la ou não"!. Ou seja, formas de pensar, sentir, perceber a si e ao mundOJProduzidas por diferentes dispositivos sociais, culturais, políticos, etc, existentes no mundo capitalístic02• Pretendo 1 Z
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Sobre o assunto, consultar Guattari, F. e Rolnick, S. Op. cito O termo capitalístico, utilizado por Guattari, "... designa não apenas as sociedades designadas como capitalistas, mas também setores do 3" mundo ou do capitalismo periférico, assim como as economias ditas soclalistas dos países do leste, que vivem numa espécie de dependência e 1
apontar para a chamada cultura de massas ou "cultura mercadoria'" como um dos elementos principais na produção dessas subjetividades capitalisticas, especificamente no Brasil dos anos 70.
I - Os ANos mSTITUINTES: 1- DE 60 A 64: O ENGAJAMENTO POPUUSTA "O Brasil é uma terra de amores Ak;atifada de flores, Onde a brisa fala amores Nas lindas tardes de abrir Co1Tf!Í para as bandas do sul Debaixo de um céu de anil Encontrareis um gigante deitado Santa Cruz, hoje Brasil Mas um dia o gigante despertou Deixou de ser gigante adormecido E dele um anão se levantou Era um país subdesenvolvido, Subdesenvolm'do, subdesenvolvido ". (Cançilo do SubdesemJolvldo
- CPCIUNE, Cmco de Ame Carlos Lyra)
Se os anos SOpassaram a ser conhecidos, pelo poder da núdia, como os "anos dourados", a década de 60 tem sido caracterizada como os alegres e descontraídos anos onde se ouve a Bossa Nova, e ainda se respiram os ares de uma democracia liberal burguesa. É a partir do Governo Juscelino Kubistcheck, o presidente "bossa nova", o primeiro da década de 60', que se dão os grandes avanços na chamada modernização do Brasil. Ela está aliada à expansão do capitalismo monopolista, através do crescimento da industrialização dominada pelo capital estrangeiro. Verifica-se, então, a acelerada urbanização e o
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contradependéncia do capitalismo~. Tais sociedades, segundo Guattari, em nada se cüferenciam do ponto de vista do modo de produção da subjetividade. In.:Guanari, F. e Rolnik, S. Op. cit., p. 15. Termo utilizado por Felix Guattari para se referir à cultura de massas no mundo capitalístico. Seugovemovaide 19S6al96l. 2
crescente aumento das chamadas classes médias urbanas. É principalmente nestas classes médias urbanas que pretendo identificar alguns processos de subjetivação que vão sendo produzidos no decorrer dos anos 60, 70 e 80.
a Brasil de 61 a 64 caracteriza-se pelo projeto de reformas de base e de desenvolvimento nacional, frente ao reordenamento monopolista do capitalismo internacional, o que gera uma política populista dos governos deste período'. É neste quadro que se desenvolvem movimentos sociais que, com o consentimento e apoio governamentais, voltam-se para a "conscientização popular". Sem dúvida, esses anos estão marcados pelos debates em torno do "engajamento" e da "eficácia revolucionária", onde a tônica é a formação de uma "vanguarda" e seu trabalho de "conscien.tizar as massas", para que possam participar do "processo revolucionário". A efervescência política, o intenso clima de rhobilização e os àvanços na modernização, industrialízação e urbanização que configuram esse período trazem, necessariamente, as preocupações com a panicipação popular". Ressoam muito próximos de nós os ecos da vitoriosa Revolução Cubana, que passa, a partir de então, a embalar toda uma juventude latino-americana, como o sonho que pode se tornar realidade. Daí a intransigente defesa que se faz do princípio de não-intervenção em Cuba. Aqui no Brasil, os grupos dominantes aliados aos capitais estrangeiros mostram-se incapazes de formular uma política autônoma. Esta situação gera não somente uma forte manipulação para com os setores populares como também uma forte pressão destes mesmos setores. a pacto populista começa a se esfacelar, o que se torna mais claro após a renúncia de Jânio Quadros, quando a política de alianças se fragiliza e se desagrega. Por outro lado, há grandes pressões dc grupos de esquerda, ainda fortalecidos e alimentados pelo próprio governo populista! desenvolvimentista de João Goulart. . Estas pressões surgem em diferentes áreas. Na cultura, o Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes', com sede no Rio 5 6
jânioQuadros em 1961 e João Goulart de 1961 a 1964. Hollanda, H.B. hnpressões de Viagem. Tese de Doutorado - UFRJ, 1978.
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de Janeiro, leva para diferentes estados brasileiros, através da chamada UNE/Volante, vários shows, peças de teatro, esquetes, etc. Também são lançados os Cadernos do Povo Brasileiro, pela Civilização Brasileira, vários livros de cordel, e são produzidos alguns filmes como Cinco Vezes Favela e o inacabado Cabra Marcado para Morrer'. A fmalídade é "educar o povão" através da arte. No Nordeste, Francisco Julião e as Ligas Camponesas incendeiam com sonhos de liberdade e de reforma agrária os pequenos camponeses da Zona da Mata. Ali, como em geral no campo brasileiro, as relações de produção capitalistas vão gradativamente se tornando hegemônicas, apesar da resistência de alguns pequenos arrendatários, posseiros e camponeses. Diferentes experiências com alfabetização de adultos são realizadas, como o Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco, órgão da Secretaria de Educação da Prefeitura de Recife' e, posteriormente, Paulo Freire em Pernambuco e no Rio de JaneirolO A politização da Bossa Nova e sua aproximação com oS "sambistas de morro" como Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, e o irúcio da divisão do movimento bossa-novistall marcam esses primeiros quatro anos dos 60, que são vividos de forma intensa c ardorosa por uma juventude universitária de classe média. Estamos em 1962. Um dos centros de debate é o lnstituto Superior de Estudos Brasileiros (lSEB), cuja euforia nacionalista c reformista não deixa perceber que o impeto do processo de industrialização começa a diminuir e a economia passa por uma série de problemas, entre eles, crises de recessão. Percebe-se bem o crescente grau de combatividade 7
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o CPC da UNE foi criado em abril de 1961 e tinha como fmaUdades promover atividades nos setores teatrais, cinematográficos, musicais, chs artes plásticas e "... elevar o nível de conscientização das massas populares". In; Peixoto, F. O Melhor Teatro do CPC da UNE. São Paulo, Global, 1989, p. 3. Destes eventos vão surgir muitos artistas e poetas; alguns continuariam produzindo, como GianfrancescoGuarnleri, Augusto Baal, ChiCo de Assis, Ferreira Gullar, Moacir Félix, Geir Campos, Affonso Romano de Sant'ArU1a, Paulo M. Campos, José Carlos Capinam, Torquato Neto, Marcos Farias, i\1iguel Borges, Carlos Diégues, Léon Hit?man,Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Coutinho, Carlos Lyra, Sérgio Ricardo, Oduvaldo Víana Filllo, carlos Estevam, Armando Costa, Antonio Carlos Fontoura e muitos outros O governador do Estado de Pernambuco é Miguel Arraes. O chamado Programa Nacional de Alíabeti7aÇâo, endossa.do pejo MEC. Sobre o assunto ver Castro, R. Chega de Saudades. São Paulo, (ia das Letras, 1990, p. 347, quando afirma que ~... aquele flerte com o populismo iria acabar estragando a fX!esia da coisa", ao se referir a Nata Leão e Carlos Lyra. 4
dos assalariados, provocado principaimente pela continua elevação do custo de vida. A principal produção cultural da época, assim como alguns movimentos sociais e sindicais estão, portanto, marcados pelo "engajamento" e em mãos da esquerda, tendo como temas centrais os mitos do nacionalismo e do povo, a modernização e a democratização e os projetos de tomada do poder". Entretanto, o pacto populista entre o governo de João Goulart e os setores populares, além de se fragilizar, começa a se tornar perigoso para a expansão monopolista do capital estrangeiro. Este sente no modelo politico vigente no Brasil - e na América Latina - uma barreira à sua expansão. Neste quadro dá-se o golpe militar de 64, quando as forças armadas ocupam o Estado para servir a tais interesses. Para isso, e como preparação de terreno, uma intensa campanha se desenvolve desde os anos 50, por meio da qual constrói a figura do comunista como traidor da pátria. Essa subjetividade é cada vez maL, produzida no decorrer desta década e na seguinte: o fantasma do comunismo ameaça e ronda as famílias brasileiras; é necessário esconjurá-lo, estar sempre alerta para que a pátria, a familia e a propriedade sejam territórios sagrados e intocáveis por tal peste. Como efeito disto, semanas antes e depoL, do golpe de 31 de março de 1964, em muitas capitais do pais, sào organizadas as Marchas da Família com Deus e pela Propriedade. Multidões de senhoras e suas famílias de classe média e média alta desfilam pelas rua, do centro do Rio de Janeiro e Sào Paulo e, juntamente com a cúpula da Igreja Católica, denunciam a "comunização" da sociedade brasileira e exigem um governo forte. Se por um lado estes processos de subjetivação tornam-se dominantes, já nos quatro primeiros anos dos 60 havia sido irúciado o desenvolvimento de modos de subjetivação singulares 13, principalmente na juventu de universitária de classe média, através de todos esses movimentos sociais. Conseqüentemente, surgem posturas e comportamentos que recusam as normas pré-estabelecidas e instituídas; "todos esses modos de manipulaçào e de telecomando"!'. Apesar disso, não se percebe que as atuações do CPC e de uma 12 13
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Hollanda, H.B. Op. cito Guattari chama a isso de "processo de singuIarizaçâo". Guattari, F. e Rolnik, S. Op. clt., p. 17.
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série de outros movimentos sociai"i da época sào, Clll realidade, UllI cng:lj:lmento populist:l, em que ptedominam muitos aspectos paternalistas e vanguardistas, havendo, entretanto, uma clara consciência da distância "... entre o intelectual e o povo, o que tmnsp:lrece na poesia populista através de um indLsfarçável sentimento de culpa"". Estas posturas correspondem a uma produção colocada pela efelVescência política da época e conseguem um alto "... nível de mobilização das cam.adas nlai"}Jovens de artistas c intelectuais a ponto de seus efeitos serem sentidos até hoje''16. Trata-se d:l produção de territórios singulares, aind:l m:lrcados pelo stalinismo e rigídez vigentes na época e que seráo r:ldic:llizados pela gerdção de 68. Provam-se e aprovam-se novos valores e padrões de comportamento, sobrctudo entre algumas parcclas da juventude universitária de classe média das grandes cidades. Ilá a valorLzação da participação das mulheres, não somente na sua protl"sionalizaçào llKL.,) principalmente no seu engajamento politico, apesar de todos os limites ainda impostos pelos próprios companheiros de militância. O Cdsamento deixa de ser para elas a única perspectiva honmela ele independência familiar. Exploram-se canúnhos onde é fundamental a satisfaçào pessoal nos relacionamentos COll1outras pessoas, desde a sexualidade até o trabalho. Este deix:l de ser uma mera ocupação provisória para tornarse ".. unta via legítima de realização pessoal e afirmação cb própria independência. A reprodução torn:l-se, :lté certo ponto, uma opção ..." com as dLscussões sobre o direito ao aborto e :lO uso da pílub :lnticoncepcional. "A sexu:llid:lde exp:lmle-se p:lrd :llém dos limites do c:ls:lmento ..." e a própria monog:lnú:I, tão defendida pelas muUleres de classe médi:l, tem sua discussão iniciada por essa juventude universitária. O tabu da virgindade é desqu:llitlmdo e gr:lcldtiv:lmente cai por terra. ":-.Iasrelações entre pais e ftlhos, :I nlliior :lspiração é se fazerem todos govern:lr por um código igualitário"", a partir do qual a hiemrquia, o poder do pai e a submissão da mãe e dos filllOSsão questionados no próprio cotidiano dessa juventude. As relações entre homens e mulheres são pensadas de forma mai~ igualitári:l, e a rigidez e o autorit:lrismo do J
I'; 16 17
lfollancb., H.R op. cit., p. 24. Idem, p. 29. Santos, T. C. ~AMulher Uherada ~ a Difusão da PsicanálLo;e" In: Figueira, S. A. (Org.) O Efeito Psi. Rio de Janeiro, Campus, 1988, 103-120, p. 107.
Cdsamento formal cle nossos pais chegam a ser ridicularizados, como a imposição de valores burgueses. A religião é vista como o "ópio do povo" e o triângulo Deus, Pátria e Família denunciado como um princípio fiscista. Enfim, :I minissaia c o biqumi vão produzir processos de singularização que irão se cllOC:lr,principalmente no decorrer da década seguinte, com as subjetividades hegemõnicas produzidas pelas práticas capit:llisticas e fortalecidas pela ditadura militar em nosso pais. "Quedamos mudar o mundo, era a nossa questão hásica; mais: tinbamos a certeza de que i.ssoia acontecer ( J Não nos passava pela cabeça que o ser humano pudesse passar seu tempo de vida sobre a terra, alheio aos /Jroblemas sociais e polítú;os.- esta era para nós a pior daç alienaçoes Foi assim que, nos ano." 60, produziu-se UtJUl arte politica, UnuJ cultura lX)ltada para a questâo social. Muitos da geração comprometeram suas uidas com a política e seu modo especifico de encarar a realidade" 18.
E, em contato com a participaçâo politica e a rnilitânci:l, especialmente nos doL~grandes gru pamentos então exi~tentes - PCB e JlICI9~, descobre-se que :lquela geFdçào despertd par:l algo que alguntaS gerações anteriores já denunciavam. "Perceben10s, nos anos 60, que nossa educação havia sido um.'l distorçào; nossa fOl1n:lç'ão,Ull1processo mórbido, lI11la defortllaç:lo""o.
2 -DE 64A 69:
O
ENGAJAMENTO CONSENTIDO
E SEU ROMPIMENfO
"Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguaL,>,braços dados ou nào l"as escolas, nas ruas, campos, constrnç6es. Caminhando e cantando e seguindo a canção l"em, vamos embora, Que esperar nao e saber Quem .,>abe jàz a hora. IVao espera acontecer" (Prd Nilo lHzer
18 19
que Nilo Falei de Flores
- r;era!do vandni)
MacieL L C. Anos 60. Porto Akgn:', 1.& PM, 198"7,p. 7. PCB ( Partido Cornunim Brasil",·iro), clandestino Jesck os anos 10, e J UC (Juventude Universitária Católica), que, fXlsteriormenre, se or~ como AP IAção Popular), enmo!! doisgrancJcs territórios
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Se antes de 64, com os CPCs fundados em várias faculdades de vários estados e uma série de outros movimentos, há uma intensa difusão de toda essa "postura participante e conscientizadora", no período que vai do golpe de 64 até o Ato Institucional nº S, em dezembro de 68, vêse um outro quadro. A ditadura militar, então instaurada, caracteriza-se pela fórte concentração de poder no executivo federal, e é utilizada para resolver as contradições no plano econõmico que o impasse político tinha agravado. Os trabalhadores assalariados são sileociados e perdem o direito de barganhar coletivamente aumento de salários; suas prerrogativas políticas são retiradas; seus sindicatos, sob intervenção, são colocados sob o controle ainda mais rígido do Ministério do Trabalho. As Ligas Camponesas são dissolvidas e seus líderes perseguidos, presos, torturados e, muitos, ass
É o circuito do espetáculo que passa a funcionar: o show Opinião
- estreado em dezembro de 64 com Nara Leão, João do Vale e Zé Keti -leva, até agosto de 6S no Rio de Janeiro, mais de 100 mil pessoas a se emocionar com o ainda ideário nacionalista-populista. de militância entre os universitários na época. 2IJ Maciel, L.c. Op. cit., p. 9. 21 Hollanda, H.B. Op. clt.22 Schwarz, R. Cultura e Política, 1964-1969. In: O Pai de Familia e Outros Estudos. Janeiro, Paz e Terra, 1978. 23 Hollanda, H.B. Op. clt., p. 33.
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"Lembro-me de ter assistido várias vezes ao "show", de pé. arrepiada de emoçàó cí/..-'ica,Era um rito coletivo, um programa festivo, uma açdo entre amigos A platéia fechava com o palco Um encontro ritual ( .. ) sintonízados secretamente com ofracasso de 64, vilJido como um incidente passageiro, um erro inJormulado e corrigíuel. uma falência ocasional cuja consciência o rito supetava" lA.
Em I96S, em São Paulo, é a vez de Arena Canta Zumbi, com músicas de Edu Lobo e organizado por Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal. A partir dos festivais de Música Popular Brasileira, iniciados em 6S e 66 pela TV Record, multiplicam-se os diferentes festivais e shows em circuitos universitários". Os novos compositores que dai surgem trazem, de um modo geral, uma tendência participante, na esteira do engajamento popular· a canção de protesto. Inclinada para uma temática explicitamente de denuncia social, a canção de protesto procura atuar como catalisadora polítíca de setores da classe média, especialmente entre os estudante" ( ... ). Nos debates que se travam sobre a música popular, o "engajamento" ainda dá o tom e seus parâmetros são obviamente políticos. Discute~se a necessidade de se presenJar a "autêntíca" musica popular brasileira, de mantê~1aem sua ''Pureza'' popular, longe da invasão do imperialismo, do "rock" e das guitarras elétricas'i'b.
Um dos representantes desta "autêntica" música popular brasileira é o programa da TV Record O Fino da Bossa, com Eli, Regina e Jair Rodrigues, que lota os auditórios onde é apresentado. Apesar do consentimento, do controle que exi,te em todas as produções musicai, e literárias da época, há o perigo de se produzirem territórios singulares. Certas subjetividades podem se tornar singulares, pela negação aos instituídos, pelos novos encontros que podem propiciar, tendo em vista, principalmente, os talentos que começam a surgir na música popular brasileira. Em 1967, é lançado o programa A Jovem Guarda, com Erasmo e Roberto Carlos, cuja pretensão é a produção de outras subjetividades. O engajamento político é eliminado 24 2'5
Rio de 2fJ
Idem. p. WToda uma geração de músicos, poetas e cantores revela~se nestes festivais, como Chico Buarque de Hollanda, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto. G-alCosta, Maria Bethânia, EUsRegina, Milton Nascimento, Geraldo Vandré, GonzaguinI1n.. Ivan lins e muitos outros. Hollanda, H.B Op. dL, pp. 4'5 e 46.
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c ignorado. O rock, as guitarras elétricas e o w-íê-íêsão potencializados lado das famosa..')versões norte-americanas.
JO
"A burguesia busca novos padrõés, adequados ã modernização em processo, e a produção que tenta responder a essa nl?Cessidade dá margem a toda sorte de "cafonices" O pai..•está tomado pelo proIJincianismo e pela modernização A indústria cultural passa a ocupar um lugar importante, definindo novos costumes e padrões de comporlamento"ZI.
E efetivamente isso ocorre, pai') a "Jovem Guarda" ganha espaços na mídia e repercute, como até hoje, principalmente, entre a juventude não-universitária de classe popular e as donas-de-casa-de-c1asse-média. "A mídia está sendo palco de uma lJerdadeira guerra civil· o teatro, o cinema, a televi'ião, a imprensa, as cançoes, os ensaios C.') expõem seus argumentos como quem desembainha suas armas na iminência de um duelo" 28,
Nesta segunda metade da década de 60, fortalece-se o chamado Cinema Novo, dentro ainda do mito do nacionali,mo-populista. Muitos cineastas que introduzem uma nova linguagem no cinema brasileiro tinham vindo do CPC, como Cacá Dieg-ues, Arnaldo Jabor, Joaquim Pedro de Andrade. A eles se junta, dentre outros, Glauber Rocha, que - apesar das marcas elo período anterior - consegue fazer verdadeiras obras de arte com seus Illmes: Deus e o Diabo na Terra do Sol, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, Terra em Transe e outros. Uma das principais características deste "cinema novo" é a palavra passar a ser tematizada como questão central e o grande número de adaptações de obras literárias29 Substituindo as chanchadas da Atlântida, com Oscarito e Grande Otelo, tão ao gosto da classe média dos anos 50, o Cinema Novo vem na esteira de O Pagador de Promessas;o, com sua preocupação por temas sociais, inaugurando uma nova linguagem na cinematografia brasileira. O público de todos esses espetáculos, uma juventude de classe média, principalmente da Zona Sul elo Rio de Janeiro, faz parte do que 27 28 2f)
30
Idem, p. 46. Rolnik, S. Cartografia Sentimental. São Paulo, Estação liberdade, 1989) p, 183. Hollanda, H.R Op. cito O Pagado!' de Promessa'i, dirigido por Anselmo Duarte e adaptacL:l de uma peça de Dias Gomes, ganhou em 1961 a Palma de Ouro no Festival de Cannes,
10
se convencionou chamar a "esquerda festiva" ou "geração Paissandu". É quase quc um rito assi'tir-se aos filmes de Goddard, Truffaut, Bufiuel e desvendar-se nos bares o hermeli,mo de tai, obras. "Ainda que pareça ambígua a nomeação de uma esquerda festiva ~ num momento em que a grat't' derrota política anterior não poderia ser motivo para festas - ou, ainda, o fato des.sa esquerda deslocar-se para porta.r:;de cinema da moda (Paíssandu), e importante uer que essa ambigüidade traduz a própria novidade dessa nova geraçdo que irá marcar o período: a festa é a marca de uma crítica ao tom grave e nobre da prática e do dir:;cursoque caracterizava e definia a ação cultural da geração anterior. () principio da festa, e sua identificação como subversão, provavelmente não estava sendo percebido quando a "velha esquerda" ortodoxa Julgava de forma pljorativa a prática da "nova esquerda" que seformava. A jà/ta de acuidade em perceber o conteUdo de ambigüidade que une os termos esquerda + festiva éfatal, poir:;o dir:;cursocritico produzido poressa nova geração irá constituir-se e.'t;atamente sob o signo da ambigüidade. Tratase de uma esquerda que passará a criticar o discurso reformista e nacionali.çta do PC, absorvendo informações do processo de guerrilha revolucionária latino-americana e dos nwvimentos jovens que marcam as inquietações política.r:;em diversos paíseç do ocidente e do leste na segunda metade dos anos 60" ~1
Está se formando a geração de 68 que terá, por um lado, uma forte influência das chamadas teorias foquistas sobre a revolução e, por outro, do tnovimento contracultural. "É nesse clima que um novo grupo de jovens artistas começa a expressar sua inquietação_ Desconfiando dos mitos nacionalísta.ç e do discurso müitante do popultsmo, percebendo os impasses do processo cultural hrasileiro e recebendo informações dos movimentos culturais e políticos da juventude que explodem nos EUA e na Europa - os hippies, o cinema de C'raddard, os Beatles, a canção de Bob Dy/an - esse grupo passa a desempenhar um papel fundamental não só para a mUstca popular, mas para toda a produção da época, com conseqüências que vêm até n05.msdias"32. .
É o movimento tropicalista, que marca uma ruptura com o di,curso
do engajamento, que recupera a festa e a alegria da esquerda contra a ~l Hollanda, H.B. Op_ dt, p, 37 :52 Idem, p. 46.
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sisudez dos "ortodoxos" e dá o pulo do gato em relação ao rock, ao iêiê-tê, às guitarras elétricas e à mídia, Mostram os "novos baianos" que tudo isso pode ser politizado, pode produzir também singularidades e não somente subjetividades dominantes. Para muitos, o tropicali,mo, herdeiro de Oswald de Andrade e do movin1ento antropofágico e modernista de 1922, trava com as canções de protesto uma verdadeira guerra de interpretações, tendo como pano de fundo as duas visões de Brasil e de mundo presentes na esquerda: "... de um lado, a visão trágíca dos antropofágíco~tropicalistas e suas linha.<;misturadas de história e geografia e, do outro, a visão épico-dramática e nacional-popular dos revolucionários e sua linha da história"3'3.
o tropicalismo irrompe em cena, dessacralizando tanto as canções de protesto como o iê-iê-tê da "jovem guarda" c, com seu conteúdo ao mesmo tempo alegre e agressivo, descobre o poder dos impulsos festivos e eróticos. 1'\0 entanto, apesar de o tropicalismo ser uma novidade em rela,ão ao modo tradicional de a esquerda fazer politica, e a geração de 68, embora ambiguamente, tentar romper com esta forma "ortodoxa", tlluitos estudantes não conseguenl, na época, perceber a ruptura que o u'opicali..":iffio traz. "Recusando o discurso populista, desconfiando dos projetos de tomada de poder, valorizando a ocupação dos canai.~ de massa, a construçào literária das letras, a técnica, o fragmentárúJ. o alegórico e a critica de comportamento, o tropkalismo é a expressão de uma crLw (.,.l, uma opçiio estética onde o comportamento
passa a ser elemento crítico, suhvenendo a ordem mesma do cotidiano":)4 .
Por isso, tem um claro sentido de combate, não xenófobo, com uma linguagem marginal, não oficial, o que se torna extremamente polêmico dentro da esquerda. "É uma linguagem de margem porque se expõe às critica." tanto da direita quanto da esquerda, propondo um choque que vai muito alêm do modismo ou da menoridade de roupas e comportamento "35.
:33 Rolnik, S. Op. cit., p. 110. 54 Hollancla, H. B. Op. cit., p.)2.
o movimento tropicalista, conlO atitude, expande-se para () teatro, as artes plásticas e o cinema. Em 1967, há o lançamento de O Rei da Vela (Oswald de Andrade/José Celso Martinez Correa) pelo grupo Of1cina. I'\as artes plásticas, I lélio Oiticica, com o Happening Tropicalista, e no cinema Glauber Rodla, com sua Terra em Transe, desenham o perftl de uma inteleetualidade não assumida pelo discurso oficial, pelas subjetividades dominantes. Ainda em principios de 1968, há o lançamento, no Rio de Janeiro, de Roda Viva (Chico Buarque/José Celso Martinez Correa) trazendo a proposta de um teatro corrosivo decidido a enfrentar preconceitos e a retirar o espectador de seu papel passivo e consulnidor" 36. Nunca se leu tanto como nesses anos. Há, em I968, um verdadeiro lJoom editorial, e tanto Marx. Mao, Guevara, DebraYJ Lukács, C,ramsci, como Marcuse e Norman Mailer são devorados. Uma das manias do ano é "... a leitura dinâmica, um revolucionário método que, dizia a propaganda, ensina a decuplicar a velocidade da leitura"". A revista Civilização Brasileira de 6'; a 69 é o pólo de concentração (la inteleetualidade de esquerda e ali se travam debates entre o que se convenciona chamar de esquerda rcformL,ta (]'CB) e a esquerda revolucionária (as primeiras dissidências então criadas). Dai seu grande sucesso. Figllfas como Walter Benjamim, LouL,Althusser, Eric Hobsbawm, Ferreira Guliar, Paulo FrancL5, Fernando Henrique Cardoso, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, 1\ elson Werneck Sodré e Illuitos outros autores nacionais e estrangeiros desfilam por suas páginas. Todos esses fatos vão engrossar o caldo de cultura que irá explodir em 6il. A geração de 6il, que é produzida junto com o movimento tropicali'5ta, traz, portanto, a marca dos movimentos contraculturai.o;;, quando há a possibilidade de se fazer uma série de sincretismos e de mi'5turas. Abandonam-se 0$ antigos modos de vestir, de falar, de morar, de comer. Cabelos longos, roupas coloridas, a recusa de padrões de bom comportamento c, adicionada a tudo l..'5S0, :3') 36 37
12
Bueno, A.l.i. Pá"lsaro de Fogo no Ten:clro Mundo. Tese de Doutorado - UFRJ, 19fi:, p. n ReiS Filho, DA 1968: A lItopla de uma Paixão. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 19&3,p. 20, dtandoJosé Celso Martine7. Correa. Ventura, Z, 1968: o Ano que Não Tenninuu. Rio de JJ.neiro, Nova Fron~ira, 1988, p. SS.
" uma juventude que se acredi/a política e acha que tudo deve se submeter ao político' o amor, o sexo, a cultura, o comportamento (,,). É difícil ser indiferente nesses tempos apaixonados. Também bá mui/o o que diKldir, DL"cuf(>-senas UnilX!rsidades; nas Assembléias, nas passeatas, nos hares, nas praias: a altura das saias, o caráter socialLçta da n>voluçào hrasileira, o tamanho dos cabelos, os ~feitos da pl1ula anticoncepcional, as teorias inouadora .• de Marcuse, as idéias de Lukâcs. o revi.ooni.çmo de Althusser, Os temas sao infindáveis, tanto quanto a duração dos dehates Mai..•do que dÍS(;utir, torce-se.-/Jela l1tória dos IJietcongs, a fallOr ou contra a" gutlarras elétricas na MPB, por Chico ou Caetano, pela participaçâo poli/ica dos padres e, claro, contra a diJadura" 38
Os estudantes, en1 sua 1l1aioriauniversitários, nos anos 66, 67 e início de 68, reivindicam mais verbas para as escolas e universidades, maior participaçào nos órgàos de decisào, lutas que vinham desde o início dos 60 e que o golpe de 64 fez arrefecer um pouco. Em 1966, inicia-se, nas universidades públicas, o movimento dos "excedentes". Os estudantes, inconformados com a falta de vagas. que os deixa de fora, apesar de aprovados, em 1968 começam a ocupar alguns espaços universitários.
O assassinato do secundarista Edson Luiz, no Calabouço, no Rio de janeiro, em março de 68, é a faisca que laltava a um monte de palha seca. Seu enterro e as mL~sasde sétimo dia transfonnam-se en1 verdadeiros atos cívicos contí.! a ditadura, e registram-se os priIneiros choques violentos com a policia. Ficam célebres a.s fotos da cavalaria da policia militar atacando as pessoa.s que saem da missa de sétimo dia de Edson, na Igreja da Candelária, no Rio de janeiro. N,js meses seguintes, alastram-se, nas principais cidades do país, as manifestaçôes estudantis. De junho a agosto, a reitoria da USP, a Faculdade de Filosofia, a Clinica de Psicologia e o CRlISPsào ocupados pelos estudantes. Se antes de 64 o movirnemo estudantil reivindica a participaçào de 1/3 dos estudantes nos órgàos de decisão das Universidades, 1968 radicaliza tal reivindicaçào, sendo marcado pela partieipaçào paritária ('í0% de alunos e 'í0% de professores l. Discute-se a re!c)rmulaçào dos curriculos nas Assembléias paritárias. Na USP, onde muitos espaços são ocupados pelos estudantes, os discussões se es-
tendem até o final de 68, quando há a decretação do AI-'í e a invasào da lJniversidade pelo Exército. En1todos esses movimentos, vê-se a divisJ.o dos professores: de um lado aqueles que apóiam os estudantes. de outro os que os repudian1, achando uma petulância, uma ousadia, Ulll horror os dehates em termos de igualdade sobre problemas curriculares, pedagógicos, etc''. Abre-se, em 68, o que antes do Golpe a juventude universitária ainda nào havia conseguido: o questionan1ento elas relaçôes verticais e autoritárias entre professores e alunos. No Rio de janeiro, a policia invade uma assembléia na lJFRj, quando os estudantes revidam com paus e pedras em meio a nuvens de gás lacrimogêneo, tiros c bombas de efeito moral. Também a T Iniversidade de Brasilia é invadida pela policia. Manifestaçôes se realizam em Fortaleza, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife c C;oiânia. Estào sendo criadas as condiçôes para a Passeata dos Cem Mil, realizada no Rio de janeiro, no mesmo junho de 68, ocasião em que é formada uma cOlnissàopara dialogar C0111 o Governo Costa e Silva,reunindo representantes dos estudantes, dos profissionais liberais. dos professores, dos religiosos e das màes dos estudantes. A principal reivindicação, a liberaçJ.o dos presos eU1passeatas anteriores é- recusada pelo governo e as conversaçôes são rOlnpidas, Em outubro, há o célebre congresso clandestino da lJNE em Ibiúna, Sào Paulo, "estourado" pela policia, quando cerca de 700 lideres estudantis são presos. O movimento entra em refluxo, pois qualquer manifestaçào de protesto organizada é respondida a bala pela polícia. que não hesita em invadir igrejas c hospitais, Estas açôes provocan1 desânimo e medo em vez de indignaçào. "A insistência em ri?Sponder na" ruas a cada desafio conduz apenas ao isolamento de algumas centena, de estudantes qu('já não são acompanhados m...,n tne:,'"1nO pelos próprios colegas. () reflt4"
Polarizam-se as diferentes posiçôes das esquerd'Ls, de um lado 19
Sobre o assunto, ver alguns depoimentos comidos em Botelho, E.Z.F. Os Fios da História: Reconstroção da IUstórla da Psicologia Clinlca da Universidade de São Paulo Tese de
40
Reis Fi1ho,D.A. Op. dt.. pp. 18 lO' 19.
Doutorado
38
Idem, p. 7').
t4
- USP, 1989.
IS
uma linha propondo o enfrentamento; de outro, o PC pregando a acumulação de forças. A derrota de 64 mostra que não há, agora, muito tempo a perder, e os textos de Mao, os exemplos de Ho Chi Min, Guevara e Régis Debray apontam para a luta armada. "Por outro lado, além da critica ao popu/i.'itnO e ao PC r€forçada pelo surgimento de alternativas como a cubana, a conjuntura política ajuda a acender a imagfnaçdo revolucionária: o desgaste do governo milüar e crescente, não aparecera ainda o "milagre brasileiro",- é a recessão e uma grande descrença toma conta da juventude em relaçiio aos partidos políticos legais: o MDB e a ARENA, chamados de partidos do Sim e do Sim Senhor"41,
As próprias greves operárias de 1968,em Contagem e em Osasco, com a ocupação de algumas empresas pelos trabalhadores, apontam, segundo muitas leituras da época, para o enfrentamento com o regime. É desse período o surgimento de várias organizações clandestinas que, de diferentes formas, pregam do entrentamento até a luta armada contra a ditadura: o PCBR, a ALN,o MR-8 e a VPR", dentre outras, Muitas já começam
a estruturar
seus próprios
grupos armado,,;; e out.Ia.-o;;; deslocam
alguns de seus quadros para o campo (na preparação da guerrilha rural) e para as fábricas. Ao lado disso, a repressão age em 1968 de forma cada vez mais violenta, sendo um dos seus aspectos rnais agressivos os grupos paramilitares. "Bombas em teatros do Rio c São Paulo, em editoras, jornais, espaços culturais, faculdades (...); seqüestros e espancamentos de artistas e estudantes"". A peça Roda Viva é proibida em todo o território nacional pela Polícia Federal como um show depravado. É denunciado no próprio Parlalnento o envolvitnento e utilizaçào de uma tropa de elite da Aeronáutica (o PARA-SAR)na prática ele missões criminosas. O 4.1 Ventura, Z. Op. cit., p. 66. 42 O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), dissidência do PeS, surgiu em abril de 1968, com Mário Alves, Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e outro.<;.A Ação Libertadora Nacional (ALNl lambem nasceu de uma dissicIencia do peR, em 1968, com Carlos M:uighella. O Movimenro Revolucioniria R de Outubro (MR-8) originou--se da chanuch Dissidência da Guanabara do peB, em 1960. sendo muito forlo;> entre os estudantes cb. época A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foi criada <-'m1967,-, mai,s tarde teve' a adesão de Carlo.<'Lam:uc:l. Sobre as diferentes organizaçóes ciandestinas de esquerda existentes no Brasil nos fin.sde 60 e início de 70 ver: Arquidiocese de São Paulo. Perfil dos Atingidos. Rio de Janeiro, Vozes, 1988 e Reis Filho, D.A. A Revolução Faltou ao Encontro. São Paulo, l-irasilieme, 1990. 15 Reis Filho, D.A. 1')6S: A Utopia de nma Paixão, Op. cit., p. 30. 16
I
Ministro da Aeronáutica desmente, mas vanos oficiais do PARA-SAR confirmam, sendo presos e afastados de sllas funções. Está armada a cena para o golpe de misericórdia, o golpe dentro do golpe, o Ato Institucional nº 'i, de I3 de dezembro ele 1968, que fecha a década de 60, trazendo para o palco os terríveis e inesquecíveis anos 70. O Governo Militar,ao contrário do que muitos afirmam, não está acuado, mas mantém-se na ofensiva e precisa elo AI-'i para levar até às últimas conseqüências seu modelo de desenvolvilnento econômico e sociaL "Suportamos seus efeitos até hoje. E as suas conseqüências se prolongarão mais ainda"". A partir elaí, o regime mílitar consolida a sua forma mais brutal de atuação através ele uma série ele medidas como o fortalecimento do aparato repressivo, com base na Doutrina de Segurança NacionaL Desta forma, está garantido o elesenvolvimento econômico com a crescente internacionalização da economia brasileira e a devida elinúnação elas "oposições internas". Silencia-se e massacrase toda e qualquer pessoa que ousa levantar a voz.
11 - Os ANos DA INSrrruOONAllZAÇÃO "Aqui o terceiro mundo Pede a hençdo e vai dormir Entre cascatas, palmeiras, Araçá.~ e bananeiras Ao canto do juriti Aqui meu pânico e glória Aqui meu laço e cadeia Conheço bem minha história C01neça na lua cheia
E termina antes do fim Aqui é o fim do mundo Aqui é o fim do mundo Ou lá" CJfargirrAlia 11 - Torquato Neto e Gilberto Gil)
A geração de 68 no Brasil,que recebeu as inspirações de diferentes acontecimentos internacionais, entra nos anos 70 mantendo sua resis44 Idem, p. 32, t7
tência sob duas lemnas: de um lado, as I"rtes mensagens ,las vitórias elas guerrilhas vietnamitas, e mesmo a derrota de Che G uevara na Bolívia, ll11pulsionam muitos no Brasil a "criar um, dois, três, muitos Vietnãs". Por outro lado, a inlluência hljJjJlé, seus costumes e atitudes (cabelos e barbas cOlnpriclos, roupas coloridas e a itnagem de selvagens), experiências com drogas, contesLa~'ão do consumisnlo, da tradicional organização fanilliar e sexual, fascinanl muitos jovens. A resistência no início da década de 70, no Brasil, navew.l por esses dois fenômenos:
a luta armada contra a ditadura c os movimentos
de contracultura. Todavia, para a sociedade brasileira ctn geral há um desinteresse pelas diferentes [onnas de pal1icipaçào e questionamento social. Diferentclnenle da década anterior - na qual os movimentos sociais com patticipaçào I1lassiva colocaram cm evidência o instituinte - o início dos anos 70, no Brasil e em todo mundo. mostra um ref'luxo dos lemas antes tão inllamadamcnte debatidos. Os acontecimentos de 68 no B"L,il não lóram pontuais ou L,olados: em todo o mundo, na etapa sob () signo pós-6R, () Estado aprende a se f"rw1cccr graças às debilidades dessas lulas anti-institucionaL,. G. Lapassade propô c uma interpretaç1o; esta cri..~cdo capitalL'imo alcan~a agora as instituiçôcs clJlturaL~,c a fase vivida na década de 70 é a da ins(itucionaliza~~à()_Tal momento é situado no contexto hi'itórico da vitória eSlnag3c1oL'3cio capitalL'imo monopolista, em que tudo tende a ser institucionalizado. Em 197:\, R. LOUfOU fala do "efeito MülJ.mann", que consL'te em fazer possível a institucionalizaçào de movimentos instituintes, a captur3 de processos de singulari'l.ação. As forças sociais, até então marginai'i ou minoritárias, passam a ser reconhecidas pelo conjunto elas for~:as sociaL') instituídas. As forças dominantes aceitam o instituinte, a singuiariza,'ão, para poder integrá-los, tornã-Ios equivalentes às formas já existentes: anulá-los ao reconhecê-los, Este é o grande risco que, na primeira metade dos anos 70, se coloca para os movimentos de resistência no Brasil. Os militantes ligados à luta armada s~10aniquilados, massacrados e o movimento COI1trJ.cultural, gradativamente, vai sendo integrJdo, anulado, E novas subjetividades hegcmônicas V:l.O sendo produzidas. Entretanto, apesar de tudo isso, nOV~l<'; resistências, outros processos 18
I
de singularizaçào vão sendo gestados subterraneamente, primeiros anos da década ele 70.
1 - O TERRORISMO
ainda nos
DE ESTADO
"Pai, ajàsta de mim es..<;e cálice, Pai. afasta de mim esse cálice, Pai, afa.<;tade mim esse cálice, De pinho tinto de .winKue Como heher dessa behida amarga, Tragar a d01; engolir a lahuta, Mesmo calada a boca, resta ()peito, Sik"J-nciona cidade não se escuta De que me sen.y' ser filho da ..•anta, .~1elbor."(-'11a s(7fil/)o da outra, Outra realidade lYU'110S1rI00ta, Tanta lYU'11tíra, tanta força bruta· rCdtice - (,iII)(>r/o (aI e Chim HlItlrque)
Cobre-se a América Latina dc pesada, nuvens. Em 197:\, hã os golpcs no Chile c no I iruguai; em 76 é a vez ela Argentina. Sangrentas c cruéis ditadura") militares se impôem, aniquil3ndo, Cl11 nome da "segurança nacion~d" e do "desenvolvimento econc)Jnico"J qualquer força, popular ou nào, organizada ou não, Instal3-se no continente a Doutrina ele Seguran"" Nacional, que estabelece que, para a 'segurança do regime", não se podem tolerar os '·a.ntagonL'imos internos". 'roda c qualquer oposi,'ão que possa abalar a "segurança do Estado" é considerada Cfjme e, como tal, é punida. Tal doutrina prevalece sobre todas as leis, até sobre a Constituiçào Federal, alcan\-'ando os diferentes campos da vida social, política. econômica, trabalhista, criminal, ed~lcaci()nal. etc. Em 1968, é a ditadura sem c1L,farecs.O AI-~ coloca o Congresso em recesso e. '_._em seguida, ocon'e o mesmo com as AssemlJtéias l.egislativas da Guanabara, Seio Pau/o, Goiás, Rio dejaneiro, Pernamhuco e com inum.eras Câmaras de Vereadore.s em todo o país Cw.saçoes de 19
mandatos parlamentares ceifam mais 69 membros do Congresso Nacional, e é também cassado Carlos Lacerda, um dos pn'ncípais artffices do golpe müitar (., J A resultante de todo esse caudal ( .. j e a paralíçaçdo quase completa da atividade fxJpular de denúncia, resiçfência e reiuindicaçôes, restando quase que uma unica forma de atuaçdo: a clandestina e/ou armada. Isso por sua vez e apontado pelos círculos mais extremados das Forças Armadas, intimamente vinculados aos órgàos que se ooltam para as prisões, interrogatórios e torturas, como justificativa para que permanecessem em vigência (. ..) todas as medidas coibídoras daç liberdades democráticas" 4~.
A repressão se soflStica. No Brasil, desele junho ele 64 (três meses após o golpe), é criaelo o Serviço Nacional de Informações, conectandose com os governos dos estados, empresas privadas e aclininistrações municipais. É no transcorrer elo Governo Médici" que as funções e prerrogativas do SNI aumentam significativamente e se elá sua militarização. De 1968 em eliante, cresce, ao ponto de se transformar na quarta força armaela, embora não uniformizada". É o órgão da repressão mais importante elentro e fora elo Brasil, tendo uma agência em cada MinL~tério, empresa estatal e Universidade. "O SN! brasileiro alcançou um grau extraordinário de prerrogativas legalmente sancionadas e de autonomia burocrática, sem paralelo (nas demais dt/aduras militares latino-amencanas),,(B,
tanto que todos os generais presidentes, antes de assumirem o executivo, estiveram de alguma forma ligados a este Órgão. De 1967 a 1972, criam-se inúmeros outros aparellios repressivos. Em 67, é organizado o Centro de Informaç,ões elo Exército (elE), que responde diretamente ao Ministério do Exército. Em 1970, a Aeronáutica estrutura seu serviço ele inteligência, criando o CISA,com funcionamento similar ao ClE. E, por fim, a Marinha organiza o CENIMAR. Em São Paulo, emerge em 1968 uma força unificada antiguerrilha que recebe financiamentos privados e públicos: a Operaçào Banelei45
rante (OBAN). No começo dos anos 70, a OBA]\' se institucionaliza como DOI/CODI-SP (Destacamento de Operações e Informaçôes/Centro de Operaçôes de Defesa Interna), ficando sob a jurL~dição do Comando Regional do Exército. Em cada região nulitar elo país, estruturam-se os DOI/COm s, o que significa uma integração maior entre 0s organismos repressivos já exL~lenles,ligados às três armas, ã Polícia federal, às Polícias Estaduais, ao DOPS, às Polícias Militares, aos Corpos de Bombeiros, no sentielo ele "meU1orar" a eficiência ela repressào. Os DOI-CODI's pa$sam a dispor do comando efetivo sobre todos os órgãos de segurança existentes numa determinada região militar. Tais são seus poderes e força que, no início dos anos 70, chega-se a falar da exL~tência ele um verdadeiro Estado dentro do Estado. Acrescentem-se a toelo este aparato repressivo olkiaI os grupos paramilitares, também alimentados com financiamentos privados e pliblicos e o fortalecimento dos chamados Esquadrôes ela Morte. Estes, surgidos no Rio de Janeiro c em São Paulo, elesele os anos ~O, fortalecemse graebtivamente durante todo o períoelo ditatorial. Principalinente nos anos 70, os Esquadrões ela Morte são utilizados como in..,trumentos - segundo as infoflnaçôes veicul3das pela mídia - para "diminuír os indices de criminal idade" entre as populaçôes marginalizadas das periferias das grandes cidades. Ligam-se também à polícia política, Jazendo parte do chamado "sL~tctnade segurança". Tanto no Rio quanto em São Paulo, os "líderes" dos Esquadrões da Morte, ao fazerem parte do aparelho repressivo, como OBAN, DOI-CODI/SP e DOI-CODI!R), transtnutam-se em heróis nacionais, intocáveis pela Justiça. Os que se dL"pôem a apontar os violentos crimes por eles cometidos passanl a ser identificados con10 "inimigos do regime" c tratados como tal. São esses ES'luadrôes da Morte que inspi,drn nos anos 80 e 90 os famosos "grupos de extermínio", que continuam atuando impunemente contra as parcelas maL.••pobres da população, pregando ostensivamente a institucionalizaçào da pena de 1l1orte9. "Qualquer denuncia sobre esses crimes é pronta"u~te desttu"11Uda. censurada na imprensa e. muitas vezes, acarreta problemas para os denunciantes A ação dos organismos repre..'isil.'Os conta
Arquidiocese de São Paulo. Projeto BrasD Nunca Mais - O Regime Milltar, tomo I. São Paulo,
1985,p.32 46 47
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O terceiro governo militar, do general Emilio Garrastazu Médici, foi de 1969 até 1974. Para um estudo sobre os aparatos de repressão no Brasil, nos anos 70, consultar: Stephan, A. Os Militares: Da Abertura à Nova RepúbUca. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986 e Arquidiocese de São Paulo. Brasil Nunca Mais. Rio de Janeiro. Vozes, 1985. Stephan, A. Op. cit., p. 36.
20
49
Sohre o assunto, ver: Bicudo, H_P.Meu DepOimento sobre o Esqua.dião da Morte. São Paulo, Comissão clt:Justiça e Paz, 1076. Princípios de Justiça c paz: Pena de Morte. São Paulo, Comissão de Justiça e Paz, lQt)j
Jj,'udeuia estar aJegt'e e satif/eito
com total impunidade e acobertamento ate tnesmo de detenninados di..positivo.." legai~ "';ú.
:'oJestecampo fértil, a tortura passa a ser prática "COll1U1l1" e oncial, e este terrOrislTIOde Estado dissemina o terror en1 toda a sociedade brasileira. Além de obter informações, fragilizar e pulverizar os opositores do regul1e, a tortura cumpre, como dispositivo social, uma função: produz subjetividades. Pelo medo, cala a sociedade, leva a um torpor social, a uma cumplicidade. A ditadura mj)jtar brasileira exporta krlOw-how de tortura para as demais ditaduras latino-americanas. A partir de 1972, tais técnicas são cada vez mais sofisticadas e surge a instituição do "desaparecido político", produzida pela repressão no Brasil. Instituição macabra, pois é uma forma de continuar a tortura sobre os familiares que até hoje procuram seus "desaparecidos". Em 1990, em toda a América Latina, chega-se ã cifra de 90.000 desaparecidos políticos. Não é por acaso que esta época em que mais se tortura, mais se perseguem opositores, nlais se seqüestra, n1ais se a..'iSassina,é talnbém a época do "miIagrc brasileiro", quando se vende a imagem da "ilha de tranqüilidade", de "progresso", de "bem-estar", de "euforia", tanto interna como externamente. Há uma produção massiva de subjetividades coletivas, o que mostra as dificuldades, neste período. de se recusar ou mesmo questionar a ordem social que está sendo produzida. fortalecida e imposta. 2 - E COMO NÓS, ClASSE MÉDIA, REAGIMOS A ISSO ••. "Eu devia estar contente Porque tenho um emprego Sou o dito cidadão respeitado E ganho quatro mil cruzeiros por" mês Eu devia agradecer ao Senhor Por ter tido sucesso na uida como artista Eu devia estar feliz porque Consegui comprar um Corcel 73
Por morar em lpanema IJepoL, de ter passado fome por dois anos Aqui na Cidade Marat.'Ílhosa nu de/'Ía estar sorrindo I! orgulhoso Por' te,' fil1abru71te uencido na "ida Ma., eu acbo i.çto uma grande piada E um tanto ou quanto perigosa Por" que foi tão fácil conçeguir E agom eu me pergU11lo e dai .~
Eu tenbo uma porçào dl' coisas grandes Pn1 conquistar, eu nào posso.ficar ai parado ()uro
A "ilha de tranqüilidade" é um lugar extremamente atraente para o capi131monopolisl3 internacional. Com isso, o Brasil passa a participar ele [()rma mai." intensa no comércio lllundial, graças 3. conquista de uma nova posição na divi,ào internacional do tr,l1Jalho: a de exportador de produtos industrializados, ou seja, há ..... UIl1.:l crescente internacionalizarão da economia br:::tsileira"~2.Vive-se unl clima de ufani.c;mo, com a constru\'3.0 de obr.ls f:1ra6nicas, enquanto a classe média, aproveitando-se das sobras econôtnicas do "milagre", vai alegremente consumindo todo tipo de coisas, de bens. A Zuna Sul du RlO de Janeiro passa" ser o local preferido para se morar, nàu pelas facilidades e comodidades que uferece, mas pelu status, aspectu importante nos projetos de ascensão desta classe Illédia urbana"3. Ao sonI do pregão das Bolsas de Valores e do slogarl "Brasil: ame-o ou deixe-o", a ascendente classe média vive momentos inesquecíveis ele consumismo com a "lnodernização", levada ao ritnIo de "Brasil Grande". A censura torna -se feroz e violentíssil1la, dificultando e inIpec1inclo qualquer circulação e manifestação de c:::tráterunI pouco nlai,;;;crítico. "A televisão passa a alcançar um nível de eficiência internacional, ')1 ')2 ')5
9)
Arquidiocese de São Paulo. Projeto Brasil Nunca Mais. Op. cit., p. 34.
22
de Tolo _Rutl/Seí.xa."t1.
Música W:lv:J.chem 1973 quando ainda
S~ sentem
os cfêmero~ deitas do "milagre brasileiro" sobre
as camad:t-'_medias urbana.,~. Si.oger, P. ~AInterpretação do B'J.sil: lJou Experiência Histórica de Desenvolvimemo".ln: Fausto, B. (Urg.) O Brasil Republkano. Sia Paulo, Difd, [<)8'),vo1. 4, capo IV, 210-24') Sobre illllO, ver o e:studo de Velho, l1. Utupia limaria: 1JmEstudo de AntropologiaSocla1. Rio ele'jaoeiro,jorge Zahar, j()89.
23
fornecendo valores e padrôes para um país que uaí prá frente'''. A TV passa a ser um dos bens mai, estimados não somente pela classe média: expande-se também como valor fundamental para as classes mai, empobrecidas da populaçào. Nos horários de novela, de programns tipo Chacrinha, assiste-se a um verdadeiro ritual: todos à volta do aparelho. É o reinado da Redc C;lobo, da aJdeia global que se fortalece gradativamente nesses anos 70 e chega ao apogeu nos 80 e 90. A Inoderniza~ào tecnológica da área de tclccon1unicações é um fato, o que traz profundas mudanças em toda a sociedade brasileira. A criatividade é estancada, mas muitos artistas a utilizam para ludibriar a censura, através de I1UCCtCS c metáforas. "Os agenciamentos estào interceptados: joram grampeados E' terminantemi?11te jJroihido fazer uso da Hngua a .fim de cunhar matéria de e'qJressiio para as intensidades atuais: o gestn criador .loi desauton'zado e quem ou";a eshoça-lo nao s6 será tachado de traidor, o que li /J;or, estará co"endo jJerigo de lida ( ..). É proibido o gesto C71ador,este debilüa-çe. transmuta-.ç(' e e substituido .belo medo e o medo aumenta ainda mais a timidez do gesto criador Desencad(.>ia~seum circulo I.>iciosono qual o dew40 /'ai enfraquecendo cada vez maLç a sua potência de (:fetuaçdo"~s.
Tai, processos de subjetivação traduzem-se pela importância quc é dada ao consumismo, à necessidade de :')e ascender socialmente; "subir" na vielatorna-se uma palavra de ordcm. Acredita-se na excelência do sLc;;temae as pessoas crêem que "subir" depende de suas virtudes pessoais, de seus méritos. Há unla aceitação quase unânin1e das regras do sistema; o "povão" c. em especial. a classe média aceitam passivamente que compete ao governo a resoluçào dos problema..'5.A nós compete traballlar c/ou estudar c não nos imiscuir em política. "filafaculdade não me meto em confu.çúo Política é para os polílicos Estudante tem mesmo é que estudar r. .. J. Eu quero suhir na vida e nao tenho medo de tmbalho. O importante ritnelhorar sempre"S6 'Parece halJer uma ditriw'JOem "dois mundos" S4 S'; S6
de um lado, o
Hollanda, H.B.Op_cit.,p. 12S. Rolnilc S. OI'. cit., 1'1'. 194, 19S t; 196 FrJ.scsde entrevistas feitas, em 1970, na Zona Sul do Rio ck Janeiro }X)r Gilberto VeU1o. OI'. cil., P lOS. E interessantc a análise dos difert'ntt',s discurso." captados nesta pesquisa, o que nos permite avaliar as subjetividadcs domimnt.es nas camadas médias urbanas no inicio dos anos 70 no Brasil.
24
cotidiano, onde as pessoas trabalham. cumprem suas obrigações,
sohem na l'ida,
lido
para Copacabana. compram e assistem
te/ep/silo, uào á mis.sa ou ao cinema, adquirem mais prestigio, tornam-se "melhores"; de outro lado. há uma esfera onde
acontecem coisas que sào importantes, mas distantes e inacessíveis por sua própria natureza - a política Há duas possihüidades de poder.- uma qUl' se traduz na possihilidade de mudar-se para Copacabana, 'panema, etc, consumir mais e mais roupas, "divertimentos '; bens de um modo geral, a outra nào jaz parle da nossa experiência e..risteneial ( .. ) e é remetida para as categorias "política" e "gol-'f?rno"s-'.
Acredita-se no "Brasil Grande", no "progresso", no "crescimento", na "modernizaçào", na "grande potência" que será este país. Ao lado disso, um profundo conformismo político, em que a defesa da ordem, da hierarquiJ., da disciplina, (h submi"ào sào enfatizados, e onde o medo às autoridades domina a todos, desde questôes mais amplas até problemas os mai~ aparentemente triviais do coticliano58. Contudo! há res~<;tênciasa essas subjetividades coletiva.,,;há, com todas as dificuldades da época, tentativas de se forjarem e produzirem territórios singulares. A imprensa "alternativa" ou "nanica", como Pasquim, Flor do Mal, Bondinho, A Pomba e outros, tenta romper com os padrões jornali'ticos impostos pela grande imprensa, deixando o tom "objetivo" e supostanlente "neutro" para abertalncnte exprintir suas opiniões. É no Pasquim, na coluna "Underground", produzida por Luiz Cnrlos Maciel, que o Inovimento contracultural é mostrado através de informaçôes dos poetas beaL, norte-americanos dos anos 60, como Allan Guinsberg e autores como Mc Luhan, Marcuse e Norman Mailer. Também o jornal Opinião traz debates sobre a atuaçào cultural subordinada ao Estado e críticas ã tendência nacionalista-populi~ta no campo da cuJtura. Abre espaços para questôes como drogas, homossexuali~mo, loucura, etc, divulgando as importantes contribuiçôes de M. Foucault. O movimento pós-tropicali,ta, influenciado' pela contracultura, continua mesmo após o exiJio de Caetano e Gil - com Torquato Neto, WallySailormoon, Rogério Duprat. Dudn Machado e Hélio Oiticica,dentre S7 Velho, G. Op. cit., 1'1'.91 e 92. SS Ve1ho,G. Individualismo e Cultura: Nota •• para uma Antropologia Contemporânea. Rio de Janeiro, Jorge Zalur, 1987.
25
da Sociedade
outros, apesar de se constituírenl em guetos. T\~oinício desses anos 70, publiclIn a Navilouca com textos de poeta.<;;,músicos, cineasta.c;;e artic;;ta!-i plásticos. Ao lado deles, eS1~ooS "concretc>tas" Décio Pignatari, Augusto c 1 {aroldo de Campos, que embarcam na na/le em nonw do saher moderno e de al1t.stascorno L)igia Clark.l)or(~,
ntalmente na e."tperimentaçdo radical de linguagens inol'adoras como "'estmtêgia de "ida "(,. l, P preciso muda,. a linguauem e a !!ida, recusar as relações dadas como jJronta,ç. I'ia/ar; tornar-se mutante" w.
o que predomina no teatro é o aspecto empresarial que encontra um solo fértil para suas superproduções. 1"\0 entanto. aparecem grupos "nào-enlpresariai.c;;'· C0l110 o chamado teatro de invenção de Paulo Affonso Grisolli e Amir Ilacldad, dentre outros, que lnarcam movimentos de resistência. O cinetna, dominado pelas supcrprocluçtk's holly\voodianas epmo Xica da Silva, Dona Flor e seus Dois Maridos. Tenda dos Milagres - é () setor que mais adere às exigências do novo mercado e à política cultuml elo ESl.a.do_ Entretanto, há () chamado cinema "marginal" que, com filmes de Rogério Sganzerla, Júlio Bressanc e Ozualclo Candeias, dentre outros - emhora para a grande maioria passem despercebidos -, tenta algo de novo, assim como algumas produçôes em Super 8. J'\a literatura a geração t1liIrlCÓf~rafoaparcce e. como as dcmai.c;; Illanifestaçôcs de poctas, cria seu próprio circuito: nào depende do apoio ojkial, seja do Estado seja das empresas privadas. l
"t.'nfatizam o cârater di' gmpo e artesanal de suas experi(>ncias ( .) (' cmru!çam, entao. a pro/ijérar os lil'rinl1os que sao passados de mão em mâo, lJf!11didosem portas de cinema, mu,euç e teatros ( .. ) A marginalidade des..w' Urupo nào e mat..•literária, mas (.J uma marginalidade l'Ílúla e sentida de maneira imediata frente ã ordem do cotidiano'~~.
'fJ (i)
Holbnda, [!. B. op. clt , p.l){), cllando, por último. José Cebo M:trtjn~z COrrL'3. Ickm, pp. 1. .•• 4, l~~ L' lil
2ú
De tal produçáo independente surgem poetas como Chacal, C~=o, Chico Alvim e outros. As artes plásticas apoiadas pelo Estado sC!,fremum "hoom" df? mercado com os leiJóes e a hoL,a de arte determinando uma produção que, ao transformar-se pnponderantemente em rentável neRôcio, IJerde em muito sua l'italidade crítica e praticamente dd"'a de interessar aos setores da Juventude unil'ersitdrla" 61.
Fora. deste circuito oficial, surgem porém alguns trabalhos produzidos por arti."tas plásticos envolvidos com o cOlupromisso de retratar o cotidiano. CiJdo Meirelles inicia desde os 60 um trabaUlo que se prolonga por todos os 70, chegando aos 1>0, as "inser~ões em circuitos ideológicos". Confecção artesanal de garrafas de coca-coia, a partir de modelos originai.'5,onde são escritas mensagens diversas: li."tas de pessoas presas, listas de pessoas mortas, receitas para confecção de coquetéis mo/nUJlI, cédulas de zero cruzeiro, moedas de zero centavo, ctc.tll Apesar de tai, resistências, das tenwtivas de se forjar singularidades, as subjetividades hegemônicas - através náo só do clima de medo imperante, mas tatnbém da.o;;; promessas de ascensão social muito fortes na época - cooptaIl1 muitos artistas c intelectuais. Esses passam a se ligar às agências estatais vinculadas à área da cultura e que sáo dinamizadas ou, mesmo, criadas nesse período. Vão ser, sem dúvida, os movimentos ele resistência, por muitos chamados de "alternativos", que conseguirão, por catllinhos diferentes dos da luta armada, se opor à "ilha de tranqüilidade e progresso", ao Brasil elo "milagre" imposto pela ditadura. Vão ser estes movimentos que continuarão - de outra forma - as contestaçàes oriundas da década de 6o, e que fortalecerão as llludanl,,~asque efetivamente ocorrem nas rclaçôes familiares, sexuais, nos costumes e comportaInentos que a década ele HO em muito irá ahsonlt'r. As formas de I'l'sLc;;tênciaproduzidas nesse período s:l.o: de um lado ;) gera~~ào que entra na clandestinidade e/ou' na luta armada; de outro, os hl{Jpies ligados, n1uitos deles. às produçtles "altetnativas" acitna 61 62
Idem, p. 125. SobrL' a resistência cultural n(>.~ano.<;:'() ver: Mello, M. A, lOr~.) 20 Anos de Resistência: Alternativa. ••da Cultura no RcWme Militar. Rio dt' Jan(;'jru, Espaço L' Tempo. 198().
citadas e embalados pelos movimentos contraculturais que haviam sacudido os Estados Unidos e a Europa nos anos 60 e 70. A luta armada leva muitos para a clandestinidade, sobretudo entre os joven.~ de classe lllédia (' média alta que, após o Al-:;' não encontram outras formas de fazer oposição ao regime militar. Ações armadas se sucedem nas cidades e no campo, apesar da total apatia e indiferença da maioria da população. No campo, a mais violenta e sangrenta repressão dá-se contra a Guerrilha do Araguaia, iniciada no sul do Pará pelo Panido Comunista do Brasil (J'C do B), e que, por cerca de quatro anos, mobiliza milhares de soldados do Exército para combater os guerrilheiros, que não chegam a 100. Desres guerrilheiros, os que morrem, num total de 59, são todos desaparecidos políticos até hoje"'. Os militantes, apesar de sua resistência no seu cotidiano, em muitos momentos - ou em quase todos - reproduzem o autoritarismo, o sectarismo que querem combater. Cheios de messianismo, vanguardismo e palavras de ordem totalmente dissociados das "massas" que querem "libenar", os militantes dos anos 70, comoventes em sua coragem, em sua resistência, conseguem produzir poucas subjetividades singulares, poucos territórios onde não sejam capturados. O que na Europa o Maio de 68 mostrou, somente tempos depois põde começar a ser pensado no Brasil, somente depois do total aniquilamento da luta armada: que as lUlas contra os Estados capitalísticos necessariamente ligam-se ao questionamento dos micropoderes, da micropolitica, do autoritarismo imperante no nosso dia-a-dia, no cotidiano das nossas relações. Pretendemos transformar o mundo e nào percebemos a reproduçào autoritária em que caímos con1 nossos companheiros, filhos) etc. Sonhamos com a revolução como um acontecimento que libertaria a humanidade das opressões, em todos os sentidos. Todavia, ao mesmo tempo em que os inimigos "de fora" nos vencem, come~amos também a ser vencidos por nós nlesmos. O inimigo tanlbénl está ao nosso lado e dentro de nós, quando aceitamos e naturalizamos diferentes instituições: a organiza~o, a dureza e a inflexibilidade nossa e de nossos companheiros. l\ão se consegue reinventar novas formas de pensar a transforma~o. Por outro lado, os hippies, com seus aspectos lúdicos, anticonsu63
Sobre o assunto ver Portela, F. Guerra de Guerrilhas no Brasil. São Pauto, Global, 1979.
28
nlistas, anti-industriais, antifamjliari~tas c nêHnacles ..... inst'llam-se nUOla marginalidade crônica""", cmbora houvesse todo um suporte coletivo que os ancorasse: os movunentos c()ntraculturaL~. Sua resistência "é feita de um não querer" vivendo em bandos, eln comunidades, usando drogas, "viajando", apregoando as práticas grupaLs, experimentando scus corpos, .. vivendo da esperança de um dia conqulstar a terra prometida"". É como afirma Hélio Oiticica em carta dc 1970 para Caetano e Gil, então exilados em Londres o ambiente aqui está, con10 já esperava, ultradepressivo (...) todos têm planos, mas ninguém realiza nada""". Duas categorias são produzida-c;;e muito dic;;seminada-"inos anos 70 no Brasil: a do subversivo e a do drog'"do, ligadas à juventude da época''. A prinJeira é apresentada com conota~ões de grande periculosidade e violência, vio;;toser uma ameaça política à ordem vigente; eleve ser identificada e controlada. Tal categoria vem acompanhada de outros adjetivos como: criminoso, traidor, ateu, etc, o que traz fortes implicações morais. O subversivo não está somente contra o regime político, luas contra a religião, a fanu1ia, a pátria, a moral e a civilização, tomando-se, a.e;sitn,UI11anti-social. Está contalninado por "ideologias exóticas", por mandatários de fora I
h
•.
"Por sua vez, o subversivo tem tanto possibilídade.ç de contaminar, como de enfeitiçar. Ele está contaminado e pode passar a doença, e ao ser en.ti?itiçado adquin'u a capacidade de enfeüiçar"6B.
No drogado, o aspecto de doença já está dado, é um ser moralmente nocivo, poie; tem hábitos e costumes desviantes. Na época, as drogas são associadas a um plano extcrno par" minar a juventude, tornando-a presa fácil das ideologias "subversivas". Aí, juntam-se drogado c subversivo, o que se torna perigosíssin1o, poio:; ..... encarna todos os males e é um agente consciente de contesta~ão à sociedade""' Para as subjetividades hegemônicas da época. tanto o subversivo quanto o drogado apresentam problemas psicológi~os graves e sérios, 64 6'; t6 67 éS (j)
Rotnik, S. Op,cit., p. 112. Sobre o assunto esta obra é fundamental. Idem, p.114. Oiticica, H. "O Ano das Drogas e da Repressão" [n:JBiCademo ldéias, OS/IO/89, Estudo feito por Velho. G. ln: Individualismo e cuhura. Op. cit. [dem, p. 60. Idem, p, 60.
29
p. O';.
lJeú.:emos de coi."a
principalmente por suas atitudes em relação ao trabalho e ã família. São pessoas que fogem às suas obriga,·ões e questionam os planos e projetos de ascensão social de suas familias; com i~sosão consideradas doentes,
H cuidemos da I'ida Senão chega ti malte Ou coisa parccítia. E nos arrasta moço,
poi",
Sem ter l-'1s./o a l'ída_
ao questionar os dominios e criticá-los, poem em dUl'Ída uma ordem e uma concepçào de mundo que devem set' pistas com.o naturaL" e indi..,.cutil'ei.s"~
Ou coLça parecida. Ou caLça par'ecída,
Ou coiça pmw:tda.. "1panxida'
3 - O FAMILIARISMO COMO CONlROLE SOCIAL
/Jiante da mesa, /',,'o.fundo do prato (,'amido e tristeza A gente se olha, S'etoca e se cala. E se desentrnde no instante ('m que {ala _.\fedo, medo, medo, },.fedo, medo, medo
Cada um guarda maL'i O seu segt'edo A sua mao jf.'('bada,
A sua boca arn'rla, O .'il'U J)eito dese110, A sua mào parada,
lAcrada e selada, E molbada d(' medo Pai na caheceira
do almoço, mile me chama do almoço. irma mab, nOI'Cl,
dispositivo produzido no sentido de enfraquecer todo c qualquer movimento de resistência que possa forjar processos de singulariza'r.-':loé a produ't::1o de uma outra suhjetividade: a "crise" da f:1nülia, a sua "descstrLlturaçào '.. Se seus J1lhos, lündamcntahnente os de classe média e média alta, estào se tornando "subversivos" ou '·bipjJit?-:', algo está errado. I li, neste momento, grande preocup:W30 com a família: fala-se da sua importância como mantcnedor:l de uma sociedade s:lud:'ivcl, em que o controle e a dL"iciplina estão presentes c ela, a família, deve cooperar ni.sto. Principallnentc nas Gllna(bs médias urbanas vem sendo vendida desde há muito a importância dos projetos de ascens:lo social, o que se torna um valor Ixisico para elas. Assim, esses filhos "desviantes" e '·diferentes" s:1o produzidos pelos prohlemas por que essas bmílias passam. Se algum militante é seqüestrado, torturado e J.ss~L<;sinaclo. se algum hífJfJie após experiências com drogas não reton1a ela "viagem··, eles c suas famílias s:10 os responsáveis c nà() () estado ele terror que grassa e111toda a sociedade'" As famílias aceitam tal discurso. culpabilizando seus filhos e culpabilizando-se, acreditando plenamente que algo estj errado. ":4 ameaça é ri1'Ída como ,'inda cI(' dl{iciéncias psicolôRicas l' morai,> do..",-filhos Isso nao significa qw.' nào ('.'\~i<,tmn acusarDes contra o "mundo (',,\1('1'ior··Este e /'il'irio comn /)l'1·manentemente (Jerigoso e !)()luiâor. ma"~("a/x' ao,\ indil'iduos que comfJOem a família a responsalJilidade de enfrenta-lo" âejénder-"e (,(,Pitar tai"
Negra calJeleira,
Minha W'Ó reclama t: hora do almoço Pu ainda estou I)em moço, Prá tanta t1t.•teza,
'70
do Almoço - Belcbior)
o que está suhjaccme a estas duas categorias c, porwntn, o
"/'v'o centro da sala,
J? bom Jlinha E hora Minha
(]/orfl
Jx'rlgos" -,
~1
luem, p. 64
30
Idem, p_ '"4 31
Esse modelo de família que compra, investe, viaja, ascende socialmente é o modelo que se fortalece com o "milagre brasileiro". "Esseprocesso se dá dentro de uma conjuntura hi.'itóricaque reforça o projeto individualizante de família I. .. J com a ampla veiculação de uma propaganda que enfatiza o consumo e o sucesso material, frito diretamente por parte do Estado, ou por grandes empresas. "72
A ênfase dada i responsabilidade individual de cada membro da família mostra o fechan1ento dela sobre si mesma, sinais gritantes de uma vida pessoal desmedida e de uma vida pública esvaziada. A inlportância da privacidade é apregoada intensamente: o que acontece fora não nos interessa; ".,. com uizinho a gente só pergunta se está pred"ando de alguma coisa (.,.) mas botar meu pezinho no apartamento dele, eu niio ponho não"73
o privado, o fantiliar, torna-se o refúgio contra os terrores da sociedade, nega-se o que acontece fora c volta-se par.l o que acontece dentro de si, de sua fanu1ia. Sâo interessantes os grupos que se formam nos anos 70, seja de militantes ou de hippies em suas 'comunidades". Apesar das críticas feitas ao familiarismo então vigente, estes grupos - verdadeiros guetos - reproduzem em seus espaços o mesmo esquema familiar que tentam anular. "A idéia de comunidade que está envoluida aqui ti a crença de que quando as pessoas se abrem umas com as outra.>;cria-se um tecido que a.'i mantem unida.'i. Se nàa há abet1ura psicológica, não pode haver laço sociaL "/4,
Criam-se linguagens, dialetos e ritos próprios, e ao mesmo tempo enl que as pessoas devem ser clnociona1tnentc abertas umas com as outras, há uma extrema vigilância entre elas para quc tais "papéis" sejam desempenhados. Estamos, com i,so - vivendo nesses "grupos" ou "comunidades" ~/dizenclo para o mundo que este não nos interessa: 72 73 74
Idem, p. 70. Trecho de entrevista feit:1 por Gilberco Velho em 1970, In: "A Utopia Urhana~ Op. cit" p. 105. Sennett, R. O Declínio do Homem Público: As Tirania ••do lntimismo. São Paulo, Cia. das Letras, 1988, pp. 274 e 27';.
somos urna "comunicl1dc"
de seres iguais. o mundo nos frustra e, portanto.
com ele nada queremos; nossa vida nos ba.
o intirnLo;;mo penetr.l
obsessivamente
nas rela-
~'ões humanas e torna-se natural sempre se estar perguntando o que uma pessoa ou um acontecimcnto significanl, A intimizaçào passa a ser uma preocupação const;]nte, particularmente nos anos 70, nas cbsses médias urbanas brasileiras, criando a ilusào de que uma vez que se tenha um sentimento ele precisa ser tnanifcstado; afinal, o "interior" é percebido cotno uma realidade absoluta. "Se o ato de tentar contar aos outros a n'Sfx1to di! si mesmo rJ sentido de modo intenso e real, cntao a falta di! ,'esjJostados ou~ tms significa que hd algo e""ado cmn eles, a jJes,soa está sendo auténtica, .'Idodi'.'>que nao estilo entendendo; sao eles que estao sendo jàlhos para com ela; eles não sdo adequados iAs necessidades dela. Assim sendo, fica reforçada a uença df!que os impulsos pr6prios ã pessoa selo a imica realidade na qual ela pode wnfiar"T',
I fã, por conseguinte, um interesse Glda vez maior pelos problemas da personalidade (' a procura de uma autenticidade quc exige :.l todo custo que o sujeito sej;] transparente, "autêntico" ;]través de todos os seus atos. As exigências dessa "personalidade intimi",ta" estão diretamente Iigacbs às relações que o sujeito lem com o seu cCIrpo, com os outros c COHl a sociedade em geral. () que predomina é o "reino elo eu", Ulll cu sempre insatisfeito, exigente. tirânico e cheio de- veleidades, O intin-UStll0 está, portanto, fundamentalmente ligado a uma cultura psicológica - onde tudo é rcduzido 00 psiquismo - e a uma cultura da 'S Idem, p. 409 ....6 Expressão utilizada Pllf Richard Senett in Op. Gil. Idem, p. 409.
interioridade ~ onde tudo é reduzido ao privado.
urbanas, nos anos 70, no Brasil - mostra cOlno a dimensão privada mais intim~')[aé incorporada ao cotidiano. "O sujeito psicológico passa. de tato, a ser medida de todas as cO~"ias ..."7').
4 - A PSICOLOGIZAÇÃO E OS ESPECIALISTAS "PSI"
Produz-se uma oposi\,-'ão,uma incompatibilidade entre os domínios público e privado.
"Eu quero uma casa no campo, Onde eu /)Qssa com/x),. muitos rocks E tenha somente a certeza Dos amigos do peito e nada mai~
rurais
':4 sU/)QstaI'alorizaçao do trabalho ou da política aparece como (, .) pouco ca.<;oou indife"ença pelos emcantos da intimidade familiar amorosa ( J. Parece /Jauer. implicita nesta verlente psicologizante, a idéia de qUi' o indir'íduo dispoe de uma quan~ tidade de energia limitada que corre o riKO de S(trdesperdiçada, ou até voltar-se contra de, se>nao Jor imoestida no domínio adequado do privado, A politização do cotidiano pode ter como contraparlida a desafetirmçào da vid(1 privada "!le,(grifos
Eu quero uma caVA no campo, Onde eu pos,saficar do tamanbo da paz, E tenba som(-'nte a cerleza Dos limítes do cm1xJ e nada mai .• Hu quero uma ca~a no campo, tanumho ideal, pau a píC/ue e .VA!)("; Onde eu possa plantar Im"us amigos, Meu'õ discos e Urros e nada mais.'''
meus),
1)0
(Casa no Campo
- Zé Rodn>: c .,imlo)
Atltnentam a prcocupa<,:ào c o investimento com as questões relativas ao "interior" e o conhecimento de si mesmo torna-se uma IInalidadc, em vez de um meio para se conhecer o mundo, Esta vi..;;;ào intitni')ta é extremamente valorizada nos anos 70. quando a realidade social, o donlÍnjo público são esvaziados e desprovidos de sentido. O único sentido está no privado. "Numa sociedade intima todos os fenômenos .wciais (. ) são convertidos em questões de pt"fSOnalidade, com a finalidade de adquirirem um sentido Os conflitos políticos são interpretados em termos do jogo das personalidades politicas"7lI.
A militância politica, principalmente nas classes médias urbanas, na década de 70, é vi'ta de forma extremamente ncgativa; é rejeitada. Ilá uma atitude cética em termos de politica, sobretudo pela crença de que os interesses pessoais, familiares estão acima de qua~squer outros e que não se pode e não se deve ahrir mão deles. O que interessa são os projetos de ;L'icen'iàosocial: o maior sucesso profi'isional, a ampliação e/ou consolidaçào do patrimônio, a melhoria nas rela\~ões familiares, afetivas, a preocupação com os casamentos, os filhos, etc. Investe-se permanentemente no domínio do privado, do familiar e o psicologistno fornece uma legitimação "científica" :l tecnologia do ajustamento. Ilá um imperiali,mo psicológico, no qual tudo se torna psicologiLável: há uma sociologia psicológica, uma antropologia psicológica, etc. Para esta família em "cri,e" há quc se ter especialistas:
Acredita~se que a aproxitnaçào, a descoberta de si IneStno, a liberação das repressôes, a busca da autenticidade e do calor humano são os fatores essenciai..;;; para o bom andanlento de uma sociedade. As categorias políticas são transformadas em categori:ls psicológicas; o itnportante não é o que se faz, mas o que se sente. Ou seja, há Ulll esvaziatl1ento político, há urna psicologizaçào elo cotidiano e da vielasocial.
.. é preciso cuidar do casal, dos filhos, do se:m, do corpo, etn suma, da sua adaptação social .. ,.,tultiplicam~..•e os conselheiros e psicólogos, sempre em nurnero suJi'ciente para atender à demanda dos PU!"desarmados, dos filbos despíados, dos casa!" infelizes, dos incompreendidos. daqudes a quem não .fbi ensinado viver (. .. ); é prec!"o jazer algo e os conselheiros e os "psí" são justamente aqueles que a isso se dedicam, na medida do possíliel,
O discurso psicologizante - caracterLstico das camadas médias 79 00 78
ldem, p, 271.
34
Figueira, S. A. O Contexto Social da PskanálJse. Rio de janeiro, Francisco Alves, 1981, p. 9. e Sociedade: Uma Experiência de Creração. Rh;ide janeiro, jorge Zahar, 1989,p.42. VeUlo, G. Subjetividade
3S
e com o ma."dmo de honestidade e neutralidade, lVão existe mais neles, a niw ser numa jorrf/i2 residual. qualquer morali.wllJ ou dogmatisnw /vao desixnam ninguem autoritariamente para a vida jiunüiar, como tamlJem nào assumem o objetit'O de destruila Simplesmente querem aludar as pl>.ç,'iOas a r'iuerem SlJa'"Ítttaçao n~ma conjuntura imtdvel, onde as rtierências fiTas desa/Jareceram e onde o indil.'íduo sente a nC!Ceç,'iidade de ser apoiado. mas mio dirigido" g[.
o choque entre as diferentes subietividades produzidas e fortalecid:l'i no decorrer dos anos 60 c 70 - muitas delas, como o intuni')mo, c o fechamento da fatuília sobre si lnesma~ produções típica..'ido capitali'imo monopolista, de um país que se "moderniza", se "desenvolvc", c "vai pra frente" - é lido COlHO a "desestabiliza(,,~ã()" da fanúlia, como necessidade de procurar ajuda "competente" par3 os males que a "lligcl11. Com essa "tirania da intimidade", qualquer angústia elo cotidiano, qualquer sentimento de mal-estar existencial, são imediatamente renletidos para o território "da IOlta",onde os cspeciali,tas "psi" estão vigilantes e atentos para resgatar suas vítimas. "Há sem/H'c um "a mais" a corriRir, um "a menos" a tratar ( .. ). atraves da tutela terapêutica o como, o se.'\:oe as relaçóes afetivas entre os memhros da família ( .. ) jJ(Js\-ama ser usados, de modo sistemático l! calculado, como trIPio de manutençao e reproduçdo da ordem social (.. ) Todar'ia. a açiio deste tijJo de tuteia I-'ai mais atem. Recrt!Jera os c:fdtos imprcuL<;;tos de<;;tamanipuJaçao. ocultando-lhes (Jongem e n caraler politico-_'i"OciaI"H".
De um lado, as subjetividades dominantes afinnando tais temas; por outro, alguns territórios singulares que não poderiam, a "bem da moral e dos bons costulnes", ser tolerados. A lilJenbdc sexual, o controle da natalidade, "a dissolução" dos Gls:unentos, a instituição do divórcio, "o sexo sem freios", a emancipação intelectual, proli"sional e sexual da 111ulher,o "crepúsculo do macho", a socializaçào dos selviços domésticos necessitam Se-f di<;cipLinados,nornlatizados. É enl cima de tais questões que o especialista "psi" entra. e detém seu monopólio, poL~, diferentemente do padre e do médico, ele, com sua providencial neutfa-
\idade, simplesmeme "verifica o desejo do seu clieme""A lamilia tornase consumidora ávida de tudo o que pode ajudá-la a "realizar-se""'. ''Proibido inquíetar ofilho, dizem os psicólogos Nao o deLw ficar sem jazer nada, replicam os professores. Ele fi ansioso, portanto estuda mal, observa o psiquiatra. Os pais se cunJam diante disso· se o filho fica ansioso, a culpa é deles. Ele nào e~1á motivado. descobrem os sociólogos. lJesmotil1ado (.,. j os pai" se inquietam· tinham jracaç,o;;ado Hm·'Cra tempo para corrigir'? Nao lhe meta medo. dizem uns. Faça-o compreender qtw a I.>idal' uma luta, dizem outros. Protegei-o, ordenam. Deixe-o expor-se, se nao se tornará um jmrapo Proibido traumatizá-lo, pmjelar nele os práprios sonhos superados. Proibido renunciar e tomar iniciativa " ~.
Tais di.'3cursosque se afirmam "científicos" e "neutros" produzem, na familia e na sociedade em geral, "verdades" dotadas de efeitos poderosL'5imos. "Essas múltiplas falas dos especialistas "competentes" geram o sentitnento individual e coletivo de incompetência, poderosa arma de dominaçào"". Desta forma, no chamado "di,curso da competência"36os técnicos e os especialistas aparecenl como os que entendem do assunto, possuem o saber, vcrebdeiros i1ulllinados, detentores do conheciJncnto "científico", "rigoroso", "objetivo" e "neutro". O surgimento de tais especialistas e seu fortalecimento no mundo capitalL'itico nào se dá pela necessidade elc modernizaçào C' desenvolvimento da sociedade, mas pela sua funçào de melhor controlar, disciplinar, nonnatizar (' naturalizar a divisão social do trabalho estruturada sobre a dominação e a submissão8i. Nào é por acaso que os anos 70, no Brasil. são marcados pela preocupa\'ào com a técnica, C0111 a emergência de especiali'5tas em diferentes setores e a ênfase no "discurso da competência". DoL"gran83
Dom.L'lol, J. 0p_ dt,
8-1
llesst'l,
8'5
Sobre o assunto Científicos"_ lQQO,m-j'j
.'16
Termo
82
Costa,).F. Ordem
Tese defendida GOfZ,
por MarilelU Graal,
do Trabalho
de PsicoloRU. Rio ck: Janeiro,
Cluui
em algun" c:k s•••. us artigos
A i\lorte do Educador" 1982 •••.Cultura
por Stephen
A. Criticada
em Coimbra,
C.M.H. "A Di\'ü'!3o Soôal
t.'
Op
cit.,
pr. 201 e 202.
os Especialismos
Têcníco-
UFF', Ano li - n!12, l!1Semestre;
.
usado
Hoje? Da Arte i Ciência: 87
da."liFamilia"li. Rio dl' Janeiro, (~raal, 1986, pr, l% e 197 Médica e Nonna Familiar, Rio de jJ.nciro, C,raJ.i, pp l,) e ló
J. A Polida
Don7.clol,
yt'r Coimbra,
Revi..~t.acU) DefXlrtamento
Rio de Janeiro, 81
p, 20 l
V, tes Temps des Parents. Volio, 1<)76, citJ.do por Donzdut,J.
Marglin
e Democracia. em Origem
Divisâo do Trabalho.
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e livros como:
"U que é Ser Educador
CR I()rg-.J Educador
São Paulo. C()rtez,
e Funçúcs do Pareclamcnto
São Paulo, \1artins
Fontes,
Vida e Morte
148Q de Tarefas.
In:
I lJ8U,--I7-"78 e apre,"-Cmada
des vetores são aqui utilizados c, em função deles, tais temas são produzidos e fortalecidos: a modernização e o desenvoivimentismo, de um lado c a segurança nacional, de outro. 5 - A PRODUÇÃO
SUBTERRÂNEA
DE ALGUMAS
PRÁTICAS INSTITIJINTES "Quando
Uma ponte une encara
O remorso pune
Você uem me agarra Alguêm vem me solta. Você vai na marra
As práticas "psi" durante os anos 70 - tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo - estão nastantc marcadas pela ênfase no familiarismo, no privado em detrimento do público, e no poder dos cspeciali<:)tasCOffiSCUS di')(ursos "competentes", "científicos" e "neutros". Poucos são os grupos "psi" que, tnesll10 na segunda metade cios anos 70, articulam-se com as novas subjetividades então produzidas pelos diferentes 1110vimentos sociai<:)que se fortalecCll1, especia1111ente a partir de 1974/197~, Somente nos anos 80 é que tal implicação se dad de forma tnais dara, mais explícita, quando uma série de movimentos nascidos nas periferias das grandes cidades brasileiras atingem as camadas médias urbanas.
r:Ja um dia volJa se a/orça e tua
E
Ela um dia é n05,',a Olha o muro, olha a ponte, Olha o dia de ontem chegando Que medo r."ocêtem de nós Olha aí.' Você corla um verso Eu escrl."1JO
outro
Você me prende uivo Eu escapo mario. De repente. olha eu de nom Perturbando a paz fl-'-igindo o troco
ltamos por aí, eu e meu cachorro Olha o Vfff'SO. olha o outro Olha o velho, olha o moço c/Jegando Que medo l'Oâ tem de nós Olha aí.' [Pesadelo
- MaurtCfo
Embora este Capítulo se atenha ã produ\,'ão de subjetividades e de alguns processos de singulariza\,'ão nas camadas médias urbanas, por serem elas as principals consumidoras das práticas "psi", não poderia deixar de assinalar o nascimento ele outras jormas de resio;;tênciaocorridas ainda nos anos 70. Se estas novas maneira.s de resL"tir são forjadas, principalmente, nos bairros de periferia das grandes cidades, fiun1 prilnciro 11lO1nento não tendo ressonância na:;;;chsscs médi~." a não ser por parte de algu ns poucos militantes de esquerda, no início dos anos 80 o panorama l1ludará.
um muro sf!{>am
Se a uingança
forjarem outras 1'or1113sde luta, outros territórios singulares, atingindo, sobretudo, outros segrnentos sociais.
TapaJÔSe Paulo César Pínheiro)
Se, nos primeiros anos da década de 70, as classes médias urbanas brasileiras respiram e vivem o clima ufanista do "milagre", do país que "vai pra frente", orientando-se pelas subjetividades hegemônicas então fortalecidas, apesar das resl'tências que acontecem (luta armada e ecos dos movimentos contraeulturais), há neste período tentativas ele se 38
Ao contrário do que nllJitos afirman1, dentro de um enfóquc tipicamente de classe média urbana, de que é somente na década de 80 - após a "distensão 1cnta, gradual e segura" de Geisel e a "abertura" de Figueiredo - que os diferentes movi.tnentos sociaL" e populares se reorganizam e se fortalecem, quero apontar para Ullla outra vertente: a de que é no periodo mal' repressivo da ditadura militar, ainda na prinleira n1ctade dos anos 70, que novas práticas vão se gestando. Prática.." que reeha\.·am os movimentos trac!icionai.mente instit:uíc1os,que politizam o cotidiano dos lugares de trabalho e moradia, que inventam novas formas de fazer política88 88
Esl'l vertente está presente nos trabalhos de: Te11es, V. S. AExperlêncla do Autoritarismo e Prática." lnstituintes: Os Movimentos Social", em São Paulo nos Anos 70. Dissertação de Mestr3do - r TSP,1981, princiralmeme um de .seus
Pretendo, ainda que de maneira sucinta, assinalar a emergência de "novos sujeitos políticos", primeiramente entre as camadas mais pobres da população e posteriormente - no inicio dos anos 80 - pelo próprio processo recessivo por que passa o pais, entre algunus parcelas de classe mêdia. Estes segmentos despertos do sonho do "milagreeconômico" vão paulatinamente tomando-se aliados nas lutas por melhores condições de vida, trabalho, salário, moradia, alimentação, educação e saúde e pela democratização da sociedade em todos os seus níveis. A famosa "crise das instituições" que se explícita nos diferentes movimentos de 1968 começa na prática a ser repensada no Brasil. Em cima, prineipalmente, das crises da Igreja, das esquerdas e do sindicalismo - que a ditadura militar brasileira aprofunda e acirra surge uma série de movimentos sociais_procurando novos caIninhos. Cuninhos que produzem práticas ligadas à "teologia da libertação", que repensam o marxismo, a luta armada e o movimento sindical. "Os antigos centros organizadores flgreja, partidos políticos de esquerda e sindicatos) em crise, sao desfeitos e rejeitos sob a açào simultânea de novos discursos e práticas que informam os movimentos sociais populares, seus sujeitos" 89.
Estes movimentos cOlneçam a existir com os próprios "estilhaçOS"90 advindos das derrotas impostas por ocasião do golpe de 1964 e do Al-S em 1968. Seus "sobreviventes", ao resgatarem criticamente as várias experiências dos anos 60 e início dos 70, além dos acontecimentos de 1968 em torno da Oposição Sindical Metalúrgica", dão origem nos bairros e, logo a seguir, nas fábricas - a novas políticas que substituem as até entáo conhecidas e tradicionalmente utilizadas. capítulos "Anos 70: Experiências e Práticas Cotidianas", publicado in Krischkl2, r.J e Mainwaring S. (Orgs.) A Igreja nas Bases em Tempo de Transição. Porto Alegre, L& PM: CEDEC ]986,47fi! Silveira, M.LS Reinventando a Participação e o Poder Popular: O ABM - Federação de Bairros de São João de Mcriti. A Constnlçào de Uma Hegemonia. Dissertaçâo de Mestrado - mSAEIFGV-Rj,
1987
Sader, E. Quando Novos Personagens Entraram em Cena. Rio de Janeiro, Paz e Terí.l, 1988 &;l d'lauL, M. Prefácio in Sader, E. Op. dr., p. I J 90 Termo utlli?:l.do por Vera Silva Telles em Anos 70: Experiências e Prática.'i Cotidiana.'i. Op. cie 91 Nas greve.~ de 1968, em Osasco, ao mesmo tem(Xl em que se organizam as Comis,-'''õeSde Fábricas. articula-se a Oposição Sindical Metalúrgica de Sâo Paulo, que pas..<;3a se destacar ao longo da segunda metade dos ano.~70, como uma das forças organizadas, difundindo, para outros estados, uma outra concepção de opo.<;ição sindical, questionando e combatendo o sindicalismo oficial fortalecido pela ditadura militar.
40
Os "novos sujeitos" reinventam em seu cotidiano novas formas de fazer política e em seus movimentos enfrentam a "velha política" ainda dominante. Ou seja, esse processo de forjar singularidades defronta-se cotidianamente com as subjetividades dominantes encontradas entre as esquerdas, OS sindicalistas, dentro da própria Igreja e dos chamados movimentos comunitários. Mais do que isto, chocam-se e lutam contra as subjetividades hegemônicas fortalecidas pela ditadura militar. Assim, a partir de 1964 e mais notadamente 1%8, com o AI-S,cresce a propaganda anticomunista em todos os espaços sociais, como mostram as palavras de um militante operário: ·'Falaram prd mim uma epoca: você é I01J(;o,vai cuidar da sua vida, da sua famllia, deixa issoprá Já, qualquer hora desaparecem com vocO "92 (grifos meus).
Estas poucas linhas mostram com grande riqueza a tirania do intimismo, a força do privado em detrimento do público, a certeza de que lutar não vale a pena, não só porque a repressão é muito mais forte (jogo desaparecem com você!), como também a importância de se cuidar da família e a desqualifica,ão que pesa sobre a atuação política. Todos os espa,os passam a estar subordinados aos imperativos da "segurança" e do "desenvolvimento", o que reduz as antigas e instituídas formas de militância à impotência. Esta exclusão política faz dos bairros lugares com perspectiva de abrigar alguma forma de resistência, quando se iniciam as primeiras articulações de diferentes experiências partindo de "... ativistas operários, ntilitantes da esquerda, padres e freiras progressistas, moradores ligados aos núcleos comunitários das paróquias locais"9'. Pequenos atos e experiências que se nunifestam com aparente timidez, por muitos considerados insigrúficantes, começam a romper com o silêncio imposto e são gestados nos bairros de periferia, ainda na primeira metade dos anos 70. Em realidade, são expressões de resist.êneia, autonomia, criatividade e singularidade que irão forjando algumas práticas instituintes e através de suas experiências concretas podem ser percebidas como pequenas revoluções moleculares, segundo expressão de F. Guattari"'. 92
93 94
Citado por Telles, V.S, Op. cit.) p. 55. Idem, p, 56, Segundo F. Guattari, a ordem molecular ~ " é a dos fluxos, do.'l devires, das tran~içôes de fases,
41
A Igreja tem um papel fundamental em grande parte destas novas fonnas de resistência. De sua crLse,surgem as Comunidades EclesiaLs de Base (CEBs), por intermédio da organização de grupos de jovens, da educação popular, de clubes de mães, de creches, de grupos de noivos ou de casais, todos trazendo "a marca ele Medellin"9). Durante os anos de maior repressão, "s CEBs, que tloreseem desde o início dos anos 70, são as únicas organizações que resistcnl no dia-adia a toda sorte de violências institucionalizadas. Tanto que, no período de 69 a 73, assiste-se a uma s6rie de perseguições e prisões de padres, lreiras, agentes pastorais e leigos comprometidos com diferentes traballJos "comunitários". O aparato de repressão liga-os a algumas organizações clandestinas ainda em atividade na épDca"'- Em 1969, pDr exemplo, é assassinado com requintes de crueldade e barbarisnlo o padre Antonio Henrique Pereira Neto, um auxiliar de D. Helder Câmara no Recife e até hoje os culpados não foram punidos. Das CEBs provém um considerável número de "novos" militantes que aluam nos bairros, nas fábricas e nos mais variados espaços. Significativanlcnte a..c;;associaçôes de bairros e diferentes movinlcntos sociais tornam-se, em geral. mais fortes onde há a criação de CEJ3s. Vários grupos ligados ã Igreja da "teologia da libertação" transformam-se em iJnportantes trincheiras de luta c denúncia contra as violências cometidas e a itnpunidade vigente. Surgindo no início dos anos 70, até os 90 continuam mostrando sua disposição em resistir. O Conselho lndigenista Missilmário (CIMI), criaelo em 1972, até hoje denuncia e luta contra as arbitrariedades cometidas contra as nações indígenas. A ContL"ão Pastoral ela Terra (CPT), criada em 1975, hoje espalhada por quase toelos os estados brasileiros, resi"e denuncianelo os milhares de crimes ocorridos no campo contra, principalmente, as liderJ.nÇ:lsrumis"'. As Corni"ões de Justiça e Paz, ligadas às Arquiclioceses
9'5
96
das intensidades". In; Guattari, F_ e Rolnik,S. 0r. ciL, p. 321. A revolução molecular, uma espécie "... de mutação entre a.~pessoas {...), é o conjunto das po.~sibi1idadesde práticas específica." de mudanças de modo de vida, com seu potencial criador..." In: Op. cit., p. ]87. Em 1968, há em Medellin, na Colômbia, a 2~ Conferencia dos Bispos Latino-Americanos, que se compromete lU luta contn as causas sociais da miséria, traduzindo os en~irumento..~ do Concilio Vaticano [l para a realidack.· do Terceiro ,r...fundo. Caso, por exemplo, ocorrido no Rio de Janeiro, no subúrbio de Osvaldo Cruz, em 1971, quando um padre e vários jovens que amam no "Grupo de Jovens de Osvaldo Cruz" são presos e barbarameme torturack.À'< por supostamente participarem da organização VAR-Palmares. 42
ele diferentes estados, desde o illlCIO cios 70, destacam-se na luta em prol dos Direitos Humanos, denuncianelo as tortura~, presões arbitrárias, assassinatos e desaparecimentos de centenas de presos politicos. As Pastorais Operárias, que tanlhénl surgem logo no início dos anos 70, "... viabilizam nos bairros de periferia um trabalho ele aglutinação operária que havía se tornado, nas fábricas, uma tarefa extremamente elifkil"98 Mesmo não sendo hegemônica no interior ela Igreja, a "teologia ela libertação", com sua "opção preferencial pelos pobres", converte-se numa força expressiva e poderosa em termos de unir e articular dilerentes agentes, diferentes experiências e de forjar novas militâncias, Sabemos como os processos de subjetivação são também proeluzielos pelos fenômenos religiosos. No caso da "teologia ela libertação", é importante pensarmos COlno esses "..fenômenos são reapropriados pelo próprio let.:idosocial (e até como há uma reinvençào da religÜJ-,,"1'dade por esse ten'doJ. o que repre.senta uma forte contribuição de energia de luta no campo sacia!""".
As CEBs vão propiciar que seus núcleos nos bairros tornem-se pontos de convergência e cmzanlento de experiências vividas em lugares distintos: é o ca..'iO dos migrantes - tanto no Rio quanto enl São Paulo que habitam as peril'erias; é o caso de militantes de esquerda, muitos ligados à luta armada e ã clandestinidade, dispersos após o aniquilamento de suas organizações; é o caso, também, de militantes operários, nlUilos deles moradores nesses bairros periféricos. que não encontranl espaços em seus sindicatos e fábricas. () ponto de encontro destes dilerentes agentes pa."a a ser a Igreja, através da.s iniciativas de organização e mobilização popular em torno das reivindicaçôes especificas dos hairros. Sem dúvida, começa-se a quebrar, através de ações concretas e cotidianas, a tirania do intimismo, em que o público é desqualificado, desvalorizado, e o político é rejeitado. Entretanto, por força do próprio Q7
l)R l)9
Segundo levantamento feito pelas CPTs, de 1964 a ]989, foram assassinados 1'5n trabalhadores rurais brasileira!, [o Pre.<;sburger,M. e Araújo, M.T. 'Tribunal Nacional dos Crimes Contr.l Lltifúndio: Uma Resposta da Sociedade Civil à Violência do Estado". In: Proposta - FASE, Rio de Janeiro, nº 49. ano À'V, junho/199], OQ-15 Telles., V-S. Op_ cit .. p '57 Guattari, F- e Rolnik. S. op. dt ,p. 154.
°
43
contexto brasileiro de desemprego, de salários indignos e, sobretudo, nas periferias das grandes cidades, pelo alto indice de mortalidade infantil, pela falta de saneamento básico, pela existência de valas negras que correm a céu aberto, pela falta d'água, pelo lixo amontoado, pela falta de transportes, moradias e serviços de saúde decentes, muitos principiam a sair dc dentro de suas intimidades. Principalmente aqueles que mais sotrem com as péssimas e precárias condições de vida provocadas pela própria expansão do capitalismo - começam a "colocar o pé para fora das soleiras de suas portas" e. irrompendo na cena pública, reinventam novas formas de reivindicar seus direitos, ",.. a começar pelo primeiro, pelo direito de reivindicar direitos"l"". Constituindo-se como sujeitos politicos, lutam para conquistar o próprio direito à cidadania. As Comunidades Eclesiais de Base multiplicam-se, não apenas na zona rural, como também nas periferias das grandes cidades. Em 1984 calcula-se em 80 mil para todo o pais. mas os números são ainda imprecisos101. Nas eleições de 1974 o MDB tem quase quatro vezes mais votos que os dados à AREl'A. Estes resultados, ,( ao e.-qJre.'"Suremtdo forlemente a e."Cistência de uma opinitio pt1Míca de oposiçào, abrem um campo de referência e legitimaçdo para comportamentos contestaçào "102.
de rebeldia, resistência e
Novos espaços públicos eSL'lO sendo conslrUidos, onde o cotidiano - com toda a sua ambigüidade - ocupa, em muitos momentos, o lugar de resistência, ele produção singular, de algo novo e criativo. É nas próprias lutas c enlrentamentos do dia-a-dia que irão emergir esses novos significados, operando fi"uras nos discursos dominantes, produzindo algumas revoluções moleculares. A partir de 197~ a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita começa a ganllar corpo em vários setores da sociedade brasileira. Embora fique mai.:;restrito aos setores de classe tnédia urbana, o 1110vimento pela
ani"tia penetra, tanlbénl, em alguns movinlentos sociais de periferia, em especial naqueles que têm uma maior influência das CEBs.Tanto o Movimento Feminino pela Anistia criado no Rio de Janeiro quanto os Comitês Brasileiros pela Anistia (CBAs) surgidos em vários estados brasileiros trazem nlaciçalncnte a presença das nlulheres que, nas nlas, nos parlamentos. e em diferentes atos, lutam e buscam seus fIlhos, maridos e companheiros presos, mortos (' desaparecidos. É justamente a partir da fragmentação e diversidade de lodos esses movunentos surgidos na ccna política elos anos 70 que emergenl formas singufares de expressão, vinculadas às diferentes condições em que são produzida.s103.
Não pretendo aqui fazer U11l estudo detalhado sobre estes movimentos sociais no eixo Rio-..."ãoPaulo. Todavia. acredito que, para mostrar o distanciamento e a não-inlplicação e articulação dos diferentes gntpos "psi" que se organizam nos anos 70 com tais processos de singularização, torna-se necessário comentar algo sobre alguns movimentos surgidos na periferia da Grande São Paulo e sobre as Associa"ôes de Bairros e Moradores no Rio de Janeiro. 5.1 - Alguns Movimentos Sociais na Grande São Paulo Já em 1970 D. Paulo Evaristo Arns - que desempenhará ao longo das duas décadas seguintes importante papel na aglutinação e fortalecimento de numerosos nlovimentos sociais -, ao ser nomeado Arcehispo de São Paulo, condena publicamente as torturas que ocorrem nas prisões paulistas. Logo são organizadas as Comunidades Eclesiais de Base que irão proliferar por toda a metrópole. Delas, nasce e se desenvolve unu série de nl0vunentos ConlOo Clube de Mães da periferia sul, o Movimento do Custo de Vida, o Movinlento de Saúde e Educação da Zona Leste, dentre outros. Se. a princípio, estão estreitamente vinculados às Comunidades de Base e à Igreja da "teologia da libertação", esses movimentos, à medida que se
100 Sader E, Op. cit.. p. 26. LOl Cava, R.D. "A Igreja e a A Abertura: 1974-198')". In: Krischke, PJ. ~ Mainwaring, S. (Orgs.l A IgreJa nas Bases em Tempo de Transição. Op. dL, 13-4"), P 13. 102 Sader, E. Op. cit., p. 118.
103 Aspecto ressaltado por Sackr, E. Op. dt" qU:l.ndo coment:l. {) livro São Paulo: O Povo em Movimento ck P, S~er e V. C. Brandt, puhlicado pela Vozes, em 1980.
44
4)
iOltalecem e se expandem pelas rq(loes de periferia e pela própria cidade de São Paulo, vão transbordar e ultrapa.'Ssar en1 l1lUito seus litnitcs iniciai'S. C:ontinuam a ter o apuio claro c explícito da Igreja progressi.sta, que lhes fornece grande parte de sua infra-estrutura, como locais para rcuniôcs, enlpréstinlo de materiais e, principal1ncntc, 1II11:lIcgiti11lidadc que incentiva
Através de reivindica~-,õc.s específicas ligadas aos diferentes problemas dos bairros, os Clubes de Mães politizam-se na medida em '1ue as lutas cio dia-a-clia passam a ser um aprendizado ele cidadania, lPlllaprendizado no qual os silenciados se organiZ;lll1 e lutam por seus direitos. Assim, na Figueira Ci-randc, ".._a primeira mohilizar.,:ào dá-se em torno da coleta do lixo"; no Jardim Alfredo c no Alto Riviera .. onde Inna Passoni é professora" - em cima da ...._questào da precariedade da educação"; na Vila Hemo, discute-se a questão da verminose e ,.... a precariedade dos serviços públicos necessários à prescrva\'ão da salide da população""". () Movim.ento do Custo de Vida surge como um desdohramento das vári;L' atividades cios Clubes de Mães. Em 197,), é feita uma pes,!u,,", realizada pelas próprias mulheres da perileria sul, sobre a alta !(}1 Sader, E. Op. cit., p. 202. 10') Idem, pro 210 l' 2lJ
dos artigos básicos consumidos por suas bmilias. Em cima elos daclos obtidos, é feito um abaixo-assinado ao Presidente da República com cerca ele 16.:;00 assinaturas. No ano seguinte, nova pesquisa e novo abaixo-assinado com 18.';00 assinaturas. dando origem em 1976 a uma asselnbléia C0l114 mil pessoas. A expansão e organização do Movimento do Custo de Vida levam, em I97H, ';.000 pessoas a uma Assembléia em Vila Mariana, que lança a campanha "... IJisando ã coleta de J milbão de a."'.-inaturas reiuindicando o congelamento dos preços dos gênems de pn'meira necessidade. aumento de salát'ios acima do custo de {lida (' um abono de emergência. Conseguem 1.250000 a'i...\1·naturasl"IC6.
Os Clubes de Màes e o Movimento do Custo de Vida não só politizam as lutas cotidianas dos moradores das periferias. tuas, principalmente, trazem para muitas muUleres que deles participam modificações nas relações em bmilia, o que vai implicar a contestaçào dos próprios valores vigentes. Ocupando outros espa,'os e descobrindo a força de sua organização, muitas tnulheres começatn não só a ::d"irmar seus direitos politicos enqualllo cidadãs como também - o que é uma extensão - seus direitos enquanto màes, esposas c companheiras. O Movimento de Saúde e Educação da Zona Leste surge em 197') de um núcleo da Pastoral Operária na Igreia ele S. Maleus, com a criação de uma Pastoral de Saúde. Alguns médicos sanitari,tas ligam-se ao 111oVllnento e, por t11eiOdc palestras. visitas. pesquisas, cursos, conseguclll Cln 1977 organizar as pritnciras comissões de saúde na região. No ano seguinte, o movimento consegue que, oficialInente. sejam constituidos os Conselhos ele Saúde, eleitos pelos moraelores, e que participam nas gestões dos centros de saúde . ''A e."períência dos conselhos se estende dejJoi'i a outros bairros da zona 1e:.1e, Através da prdtica do contmle popular sobre os centros de saUde, o mouimento de saude da zona le.s/(>ensaia a pas.'iagem da pura lula reüJÍndicatíva para uma açdo política, de participação na gestão dos senJi{os púbJicos··w.
Na esteira cla expansão c fortalecimento cio Movimento de Saúcle 106 Idem, p 220 lO' Idem, p. 227.
47
na Zona Leste, surgem, no final dos anos 70, trabalhos ligados ã educação popular, que trazem como preocupação constante a questão da alfabetização, fato já verificado na periferia sul desde o mcio da década. Todos esses movimentos vão - como já afmnei - construindo novas subjetividades no sentido de se assumir, nas lutas cotidianas, não somente noções como solidariedade, mas o próprio direito ã cidadania c, gradativamente, vão mostrando às "autoridades" o crescente fortalecimento das organizações populares que proliferam na época. Nos microespaços realizam-se pressões canti.:! prefeituras, exigindo-se o atendimento a certos direitos básicos. Em 197~, quando do assassinato do jornalista Wladimir Herzog nas dependências do DOI-COm/Sp, o ato ecumênico realizado, dentre outros, por D. Paulo Evaristo Arns, na Catedral da Sé, mostra a força desses diferentes movimentos populares organizados. Milhares de pessoas cerram meiras - passando por cima das diferenças de partido, classe, religião, raça e credo - em defesa dos direitos humanos e contra qualquer tipo de violência; constitui-se numa extraordinária manifestação contra o reginle militar. Meses depois, em idênticas circunstãncias, é morto o metalúrgico Manuel Fiel Filho, e as fortes pressões que sofre o governo militar fazem com que Geisel afaste o comandante do II Exército, comprometido com a chamada "linha dura". 5.2 -As Associações
de Moradores
no Rio de Janei1"o
Como em São Paulo, também no Rio de Janeiro a Igreja "progressista" desempenha um inlportante papel no surgimento de várias associações de bairros. Notadamente onde as Comunidades Eclesiais de Base se expandem, principalmente nas regiões de periferia e onde bispos progressitas assumem em suas ações concretas a "opção preferencial pelos pobres", há um notável fortalecimento do movimento popular. A Baixada Fluminense, região na qual o Esquadrão da Morte mais "atua" impunemente, é também o cenário onde inicialmente vão se desenvolver. logo no início da década de 70, as primeiras CEBs. A tlgura de D. Adriano Hipólito, bi'po de Nova Iguaçu, e as de vários outros padres ligados ã "teologia da libertação" são importantes para o 48
seu surgimento e fortalecimento. Até 1974, há pouca difusão dos movimentos existentes em Nova [guaçu. O ch
Em 197'i, tem início, com alguns médicos sanitari'tas, um trabalho sobre saúde que se propaga pelos grupos bíblicos, clubes de mães e grupos de jovens e preocupa-se, principalmente, em di,cutir todos os problemas que at1igem a população. Em 1978, com sua expansão, representantes de 18 bairros de Nova Iguaçu lórmam o Movimento de Amigos do Bairro (MAB) que, ao longo dos anos seguintes, assumirá importante papel na coordenação e articulação elas diferentes associações de bairros de Nova Iguaçu, chegando a se constituir num movimento de massas. Em 1981, ".. dele participam quase 100 associa~ões de bairros" 109. Também em São João de Merili, desde 197~, começa a crescer o movimento de associações quando é criada a AMB (Amigos de Bairro de Meriti), que, posteriormente, torna-se Federação das Associações de Moradores de São João de Meriti' "'. Da mesma I"onna, em Caxias, organiza-se o Movimento União de Bairros (MUB) com o apoio de D. Mauro MoreUi. bispo de Caxias. Através das lutas concret:l.-":l,e&'5esnlovimentos vão POllCO a pouco ampliando as conquistas de relevantes espaços politlcos. Não é por aca..')o que Ulna série de aten1.J.dos terrorL'itas são efetivados contra a tlgllra de D. Adriano llipôlito. Em 1976, ele é seqüestrado e torturado por grupos paramilitares c, em 1978. há um atCnlado a bomba contra a catedral de "ova [glla\:u. "ada é apurado, nada é es.c1arecido. A amplia~ão dos movimentos elaBaixada Fluminense dá-se quando no tlnal dos 70 e início dos 130os três agrupamentos (MAB, AMB e MUll) 108 Mainwaring, S. "A Igreja CatOlica e o Movimento Popular: Nova [~aç'u 1974-198'5", In: Kir3chke, PJ. e flb.inw3.ring, S IOrg:-;.l Op. cit., '.1-100, p. 77 1(1) Idem, p. 8;;. 110 Sobre o dc&nvolvimento do trabalho em São João de .\1eriti, ver: Silvl;'ira, I\LLS. Op_ dto
19
preSid~ a :e'nodelação metropolitana (nos anos 70) expressa a prefxJ.tencla e o ,desprezo com que a tecnocracia dirigente trata a qualidade de mda dos que não têm uutomó1!e1 e nuo uivem nas
articulam-se não só em cima de pequenas lutas do dia-a-dia, ligadas a problemas conlUns dos mOf'".ldores da Baixada, conlO tatnbém para eTÚrentalnentos
l11ais massivos.
zonas nobres da cidade"l]>.
A politização, feita em cima de ações específicas do cotidiano dos habitantes dos bairros, ultrapassa aqueles espaços c prenuncia lutas tnai.'i gerais con10: a organização dos trabalhadore:; en1 sindicatos livres; o direito de greve; o não ao Fundo Monetário Internacional; a reforma agrária; o fim do arrocho salarial; a abertura de frentes de trabalho nas áreas urbana e rural; o fim da Lei dc Segurança Nacional;
Segundo pesqui,a do IABOnstituto dos Ar'luitet'" do Brasil) sobre ~ produção arquitetônica do Rio de janeiro nas duas últimas décadas, lund~ll-se que' nos anos 70 há um :1utnento do número de intervenções na paIsagem
"Grandes obras de infra-estrutura lfIân"a dilaceram a cidade desarticulando os espaços dos bairros ( ) Prevalece ~ pensamento de remoçdo de faoela.\~ que caracterizou os anos 60, como soluçào para o fJ1"OblemahabitacionaU.)116,
elc.lll. Fora os I11ovimcntos ele bairros da Baixada Flunlinense, que se organizam ainda na pritneira metade dos anos 70, vanlaS assistir, no nnal da década, ao surgunento dc algum:!s Associações de MOf:!dores em bairros tipicamente de classe média que, em L978, originam a FAMERJ(Federação de Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro). "/vucJeando 17 A'5ociaçoes de Moradores ou entidades similares, não se pode dizer que a FAMERj tenha nascido de um amplo mmdmento de bases. Pelo contran"o, um de seu" objetivos e e:'
É justamente em cima da luta contr:! a desenfreada especulação imobiliária, a qual vai "... desmatando e poluindo a Zona Sul e grilando terras e fonnando loteamentos clandestinos na Zona Oesle"ll3, que a fAMERj se organiza. A especulação imobiliária traz o que Guattari chama de "alisamento da paisagem""': a destruição fisica de espaços cultur:!lmente importantes como resultado do ritmo ava."alador da remodelação urbana. A,,,sinl,praç'3.-'i,parqucs. quatteirõcs inteiros clesaparecenl, .' dissolvertdo e,'paços de conl'ü0ncia fonnados pelos mcontros cotídianos na cidade ( ) A própria concepção urbani.\1ica que 111 Pontos rctir::J.c1oscUs Tcse.~ do l'! Congresso da Federação d.a.~Associaçoes de l\-loraclores de São João de Meriti. outubro ili' 198). In: Silveir.1, M_L S. ()p. cit, 1'1'. 132 e I.B. 112 Alencar, f'.R. A.••Associações de Morado-res Vinculados à FAMERJ e A Comrtroção de Uma Educação para a CidadaniaAtravt$ da Politizaçào de Base. Disserta~o de Mestrado - IESAl~; FGV-Rj, 19CJO,p. 48 113 Akncar,F.R.()p,ciL,p.48 114 Guattari, F "Espaço e Poder: A Criação de Territórlos na Cidade~. In Espaço e Debates,
';0
n~ 16.
urlJana.
Já nos anos RO, a pesqu isa revela que, pelo bto de a sociedade CO~ltcs,~arestas intervcnçôes na paisagem quando os espigôes passam ,1 ser ... condenados pelos movimentos soci~ü'5 L ..), as edificações C()~lSC~temtraduzir melhor as preocupações quanto à escala da ciclacle l' a paisagem urbana''11-" lambém como efeito dos movinlentos de prese.rvaçào dos valores ela cidade e do meio ambiente, ocorre a defesa dast.avelas, que passam a ser preservadas, ('xigindo~sC' nlelhorcs c()n.d](t·ô~ssanitár~as e de v!d.a em geraL e nào são mal') percebidas por mUitos COIUO qUL<)losSOC1a15que devem ser extirpados, conlO nas decadas ele 60 e 70. ,.,_ Em sua trajetó.ria 'por melhores condir,x}es de vida para a popu1,1:,~O,f(:rd~ d~a.,: pnnclpalmente, a.' grandes frentes de luta da FAMERJ: p~l~ saude publIca e em defesa dos mutuários. A primeira. através ",llClalmentc de um Encontro Popular de Saúde, realizado em 1980, na (:"~(~~" ele Deus, zon,a norte do Rio de janeiro, a partir da questão l spl'ufJca. da saude publICa, articulando-a com as condi\-'ões sanitárias. de moraelta, de transporte, de desemprego, ele baixos salários, ele falt:! de escolas, de fazer. Apontam, inclusive, a., prioridades de um plano de ,'aude para o estado do Rio de janeiro1l3. A luta dos mutuários do Banco Nacional de Habitação (BNH) por Il)8'5 Satkr,LOp.cit..p.JI9 (1 Branco, 1I 1,-' Ickm. A_C."A arquitetura dos Anos 70 li"
ê BO"
. In: JB/ Cad . erno Cidade - 0."l,/08/91, p. 06.
111) Sobre esse I Encontro de Saúdt..'Popular e as prioridack'.~ apontadas, consultar: Saúde: DI-reitodc 'il
uma "nova" política habitacional, no início dos anos 80, faz com que a FAMERJcresça e defmitivamente se enraíze no seio da classe média urbana carioca. "Esse movimento pela hahitaçào tem inicio nos conjuntos habitacionais de áreas pobres. onde os índices de inadimplência são crescentes. liJgo também os mutuários de classe média são atingidos, como efeito de uma nova política salaTÚlI que corrói os ganhos do trabalho r..J Nessa luta pela habitação, a FAMERj ganha dimensão nacional e passa a ser uma referência para os três milhoes e 400 mil mutuarios do BNH em todo o Rrastl"119.
Assim como os movimentos de bairros da Baixada Fluminense, também a FAMERJ participa da luta por melhores condições de abastecimento através do projeto "Feirinha Comunitária". Entretanto, é na área da cultura - pela própria inserção majoritária da classe média nas Associações de Moradores das Zonas Norte e Sul -, através de campanhas por espaços de lazer, que a FAMERJobterá suas maiores vitórias. Consegue-se a construção de diversas praças. quadras de esporte e fortalecem-se diferentes grupos culturais que, em sua maioria, mostram produções voltadas para as questões do cotidiano. Em todas essas ações coletivas, novos espaços, novas linguagens, novos agentes e novas militâncias vão sendo forjados. Muitos, de simples espedadores, passam efetivamente a sujeitos políticos; por conta disso, afJfma Chico Alencar que o movimento das Associações de Moradores no Rio de Janeiro tem se constituído numa" ... espécie de "escola básica" de politização"'2lJ Contudo, os maiores desafios enfrentados pela FAMERJ e Associações de Moradores cariocas, principalmente as das Zonas Oeste e Norte, no início dos anos 80, são as tentativas de cooptação e de atrelamento do movimento ãs forças instituídas. Após 1982, com o novo governo fluminense eleito, tem início urna política populi')ta que coopta muita.s lideranças "comunitárias" e atrela paulatinamente o movimento de muitas Associações de Moradores ao governo do Estado. "Apelando quase sempre para os "humildes': os 'pohres" em geral, e colocando o governo e a própria figura carismática do líder Todos.. Rio deJaneiro, Centro de Qualidade de Vida, 1982 119 A1cncar, F.R. op. cit., pp. 53 e IH. 120 [demo p. 144.
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como "salvação" de todos os male..<; sociais, o discurso populista
tem efeIto desmobüizador, em muitas áreas. Portador de uma inegável sensibilidade para o social (_.) e conhecedor das propostas das esquerdas, Leonel Bn'zoJa consegue criar a ilusão de que
inaugura, no seu governo, a era da partidpação, sucessora da etapa reivindicatória do Movimento Comunitário. Isso leva à paralisação e burocratizaçiio de muitos movimentos associaUvos (.J Urna frase de Brizola, em rna1fo de 1983, num encontro com milhares de lideranças comunítárias, no Ginásio do Olaria, Zona None do Rio, é reveladora: "as Associações de Moradores são afluentes de um rio importante. que é o partido politko" 121 Cgr:ifosdo próprio autor).
É O risco de cooptação que cotidianamente correm os movimentos sociais dispostos a criar não somente espaços de resistência, mas sobretudo, territórios singulares por meio de dispositivos que sinalizam em direção a práticas instituintes. 5.3 - O "Novo Sindicalismo"
e Seus Efeitos
O fato de colocar em item à parte o chamado "novo sindicalismo" que se manifesta junto com os demais movimentos sociais nos anos 70, realça a importância que as greves de 1978, 1979 e 1980 têm para o conjunto da sociedade brasileira. A Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo, que se fonna em 1%7/68, é uma das responsáveis pelas greves em 1968, ocorridas em Osasco, quando, questionando a própria estrutura sindical vigente, apresenta a alternativa das Comissões de Fábtica·n No Correr dos anos 70, Osasco permanece como referência quase obrigatória nas discussões da militância operária, e as Comissões de Fábrica convertem-se em símbolo da organização pautada na fábrica. Se nos primeiros anos da década de 70 toda e qualquer resistência dentro das fábricas é quase impossível pelas perseguições que ali ocorrem, 12] Idem, pp. ]13 e 114. 122 Sobre a assunto - as Comissões de Fábrica como ruptura com a ordem capitalista e como base para a oposição ao sindicato - além dos livros citados de Sader, E. e Silveira, M.L.S. ver também: Marani, A. A Estratégia da Recusa:: Análise das Greves de 1978. São Paulo, Brasiliense, 1982 e Athayde, R.c. Processo Produtivo. Espaço Educativo: Um Campo de Lutas. Dissertação de Mestrado - UFPB, 1988.
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nos próprios sindicatos a situação não é diferente. Além de se tornarem alheios às lutas operárias, os sindicatos transfornum-se em espaços perigosos de delação. Também no operariado, tendo à frente os próprios sindicaIL,tas, os sonhos de ascensão social, fomentados pelo "milagre econômico", fortalecem-se. Não é por acaso que aBpoliticas sindicais instituidaB na época são claramente assistenciais, preocu pando~seprioritariamente conl as chamadas realizações materiais: compra de grandes prédios para suas sedes, colônias de férias e unu série de outras aquisições que demonstram como as subjetividades hegemônicas, então fortalecidas pela ditadura militar,ai estão fortemente enlranludas. Aplaudindo e scguindo as linhas preconizadas pelo governo, de "desenvolvimento" e "seguranp" nacionais,
os principaL5 sindicatos brasileiros, através também de obras
faraônicas, acreditam na "grande potência" que será este pais c que ascender socialmente depende do eslórço de cada um, desde que se dedique ao trabalho, à família e não desperdice tempo com politica. No limiardos anos 70, a resistência é organizada fundamentalmente nos bairros, por intermédio das Pastorais Operárias e dos diferentes nlovimentos a..~sociativos que surgenl e, gradativatnentc, se fortalecem. Entretanto, pequenas lutas, pequenos atos, pequenas conquistas em diferentes fábricas continuam sendo realizados. "Essarevalorizaçao daquüo que. em outro contexto. seria apenas mostra de fraqueza ou desorganizaçào, só fi inteligível quando
inserida num conjunto depequenas ações que evidenciam a resistblcia operdrla. Dispersa. silenctO.fUI. muitas vezes sufocada, mas real e presente em todas as partes" 173 (grifos
fortalecida e sua proposta de Comissões de Fábricas se materializa em várias empresas. "()êxito nas greves de maio-junho cria uma disposíçdo de luta na categoria que permite à Oposição ocupar virtualmente o Sindicato na conduçao da greve em novembro de J 978 e, depois, em novembro de 1979" n,.
Por ocasião deste último tllovimento, é assassinado friamente pela PM paulista o operário metalúrgico Santo Dias da Silva - membro da Pastoral Operária e da Oposição Metalúrgica de São Paulo - quando comandava um piquete de greve.
As greves do ABC.além de fortalecerem a Oposição Metalúrgica, que expande sua proposta de questionamento à organização sindical vigente em outros estados, produzem também efeitos sociais poderosíssi.mos. Um deles, o enfrentamento
sociais e associativos
Movimentos de Bairros - vão provendo novas ondas de resi<;tência, novos
sujeitos politicos. Em 1977, a campanl1J pela reposição salarial iniciada pelos metalúrgicos do ABC é um marco de retomada das lutas massivas que culminam com as greves de 197H. Nelas, a Oposição Sindical - forjada nessas pequenas ações no espaço fabril e nos espaços dos bairros - é
posturas de solidariedade
Em 1980, nova onda de greves ocorre, poi ... inicia-se um claro processo recessivo, anele não só as percbs salariais crescem assustadoramente, conlO tanlbém aumentaln as delnissões. As lutas não se restringenl somente aos amnentos salariais, mas, principalmente, à
questão da estabilidade no emprego. A chamada politica de "descompressão" iniciada por Geisel e a resistência
operária no interior das fábricas fazcnl com que "aberturas"
sejan1produzidas no sentido de acolher algumas reivinclica,ões nascidas na sociedade civil. O Sinelicato dos Metalúrgicos em São Bemarelo elo Campo" ... sabe-se fazer portador - e sabe potenciar - algumas dessas pressôes,
que vênl de suas IXLo;;es ... "I.!s.
EUl lodo esse processo, no seio do qual o "novo sindicalismo irrompe, criando novas ações, novas táticas de luta, novas linguagens, 124 Idem, p. 2'51.
123 Sader, E. Op. cit., p_ 243.
respaldatll e assumem
real aos trabalhadores grevistas.
meus).
Neste quadro, as lutas cotidianas dos operários nos seus locais de trabalho - em muito fortalecidas pelas CBEs, Pastorais Operárias e
direto com o Estado autoritário,
leva diferentes categorias de diversos estados a também utilizarem o instrumento de greve. São os metalúrgicos de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e os professores elo Rio ele Janeiro que priorizam a organização pela base. De um moelo geral, os diferentes movimentos
lô
Idem,p. 288
g'dllha força o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que será o nascedouro do Partido dos Trabalhadores, em 1980. A partir de 1979, com o governo Figueiredo, o último elo ciclo militar, há a implantação ele linhas politicas que tentam efetivar o projeto de restauração política de "abertura"12b. Até porque, neste momento, o sistema fInanceiro internacional já se prepara para nos apresentar as pesadas contas do "milagre econômico". É, no dizer de Maria da Conceição Tavares, a época da "administra,'ào do caos": ,. na fase do primeiro "milagre ", Delfim Neto pode comparar-se ao mestre de navegaçao que orientou as pelaspara colber a melhor }Orça dos ~Jf?1'ttos internacionais, assim deixando impelir o harco da economia com força má.uma. (Agora) pretende criar o próprio lJento (. ..); um fracasso completo no que .~erejere â situaçao externa do país e à inflaçao" 127.
Ani~tia, do Movimento Feminino pela Ani~tia, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação Brasileira de Imprensa, dentre outros. Também é extinto o bipartidari~mo com a dissolução da ARENA e do MDB, abrindo-se um plano destinado a prolongar a permanência do poder militar. A censura à imprensa, cautelosamente, começa a ser suspensa) e a sociedade em geral e as universidades, em particular, principiam a receber seus primeiros exilados e professores anistiados. No entanto, os "boL~õesradicais" ligados à extrema direita, bastante insatisfeitos com seu afastamento dos centros de poder, não aceitam as medidas que levam o país a uma democratização. Se, no final dos 70, atacam os movimentos sociai~ da periferia - caso do Bispo de Nova 19uaç..1J-, no início dos anos 80 voltam-se contra a classe média. Passamos
Esta chega ao patamar acima elos 100% e as atividades econômicas sofrem uma queda sem precedentes. Ao lado deste caos econômico, que leva, em 1983, o governo a capitular diante do Fundo Monetário Internacionall28, uma série de medidas políticas visando à "abertura" são tomaela~. Ainda em 1979, é sancionada a Lei da Anistia, bastante restrita, pois, dentre uma série de exceções, cria os chamados "crimes conexos", fIgura juridica pela qual os torturadores são anistiados. No dizer ele Hélio Silva, é uma "anistia fardada"l29 que, entretanto é uma resposta necessária da ditadura ao fortalecimento da sociedade civil através dos Comitês Brasileiros pela 126 Este trecho que se segue é uma síntese de um item contido no traballio de Coimbra, C.M.S. "Análise Institucional no Rio de janeiJo: Subversão ou Modi.smo?~. ln: Repe:tl5alldo Algwwa."l Práticas em Pskologia Escolar Numa Visão lnstitucionallsta. Cadernos do ICHF. n~ 06, Universidade Federal Fluminensel1nstituto de Ciência.~ Humanas e Filosofia, julho/1989, O 1~17. 127 Tavares, M.C. e Assis,].C O Grande Salto para o Caos. Rio deJaneiro,Jorge Za~r, 198'5, p. 128 A submissão ao FMI é indispensável para que o governo brasileiro, diante da comurudade bancana internacional, tenha condições de fazer rolar a dívida exrema. Representa a capitulação e su1xJrdlnaçã.o toral dos interesses nacionais aos desígnios. externos. "Trata-se do coroamento formal de um processo cujas origens remotas se encontram no Golpe de 1964 e no regime por ele instau~a~, que, ao longo do tempo, fol deslocando o eixo da dependência econômica do campo tecnologtco e industrial para o campo financeiJo~. In: Tavares, M.C. e Assis,].C. Op. ciL, p. í9. . 129 Bastante restrita, pois veta expressamente qualquer recurso ao }udiciário e deixa de re~~ os salários, proíbe o pagamento dos atrasados e a discussão da causa da suposta punição. Alem dis~, discrimina cerca de '5.'500ofidais, sargentos e praças que não são anistiados e não podem voltar as flleiras. Anistia os torturadores antes de irem a qualquer julgamento. In: Silva, H. 1%4: VInte Anos de Golpe Militar. Porto Alegre, l & P M, 198'5, p. 93.
por fases de susto, senão tCfilor com os inúmeros atentados à bomba contra bancas de jornais em vários estados brasileiros130, contra a OAB/ Rj1", culminando com o do Rioccntro'''. "A impunidade caminha ao ia'do da insegurança. Nenhum culpado é punido"133. Com a~ eleições de 1982, o governo militar perde fragorosamente enl onze estados brasileiros, apesar dos recursos e casuísmos empregados pela ditadura. A oposição ganha os governos dos três mai~ importantes estados: Rio de Janeiro, com o PDT; São Paulo e Minas Gerai~, com o PMDB. O caos econômico agrdva-se e ao pai~ é imposto um forte programa de recessão, associado a um arrocho salarial que traz eleitos deva~tadores sobre a..'iclasses luédia e trahalhadora. Cria-se um "...CÍrculo vicioso de pau perizaçào, no curso do qual se recorre a mais recessão para se cOlllbaler
a própria
recessJ.o"134.
?~. A.sbancas de jornais quc vt'·ockm so.::minários~altt.'rnati\if)."~como o Pa."lquim e Movimento. dentre outros, recehem cartas ameaçadora;; e, St: não suspendem as venrla..<;ck.<;sessemanários, s3.0 "-'xplodicbs. l:'l! O :lLentadocontra:l OAB/R) mata com uma carta-bomba suasecretiriã, D. Lyda Monteiro da Silva, 1:'\0
~m2"7/08/80.
O aLenLado do Riocenlro ocor~ em _~Oi04iRl - () último dos atos terroristas cks.<;eperíodo - t;' pretende explodir o local onde .~crealir.J.o ~-howoo 1'1de Maio com cerca de 1'; mil pessoas. NeSl:e "aciclt.'me clt.'Lrabalho" morre um sargemo e fica gravemente ferido um tenente, ambos do Ser.·iço Secreto do Exercito t' pertt'ocemes ao DOI-O >Dl/R). 133 Silva, H. Op. cit" p. 90. 1">4 Tavares, ,\-1.e e Assis,J-C. Oro cit., p. 80 )il
A configuração deste quadro, com os "novos personagens que entram em cena" por intermédio dos vários movimentos sociais, faz com que a ilegitimidade e o repúdio ao governo militar cresçam. "A combinação, no governo Figueiredo, de uma recessão cada lX'Z mais intolerável, com uma notória condescendência em relação aos escân4alos financeiros. envolvendo somas gigantescas e altas personalidades do regime, priva o governo e o que restava do sistema inietado em 1964 de qualquer apoio significativo, em todos os estratos da população" 13S.
Compreende-se, assim, o grande êxito que, ao longo de 1983 e 1984, consegue a campanha das Diretas Já! em todo o pais. Mais de SO milhões de brasileiros saem às ruas, comparecendo aos cooúcios da oposição, exigindo eleições diretas para presidente e a democratização da sociedade em todos os nivel,.
a partidos políticos cf ou diferentes movimentos sociais do penodo, esses "psi" têm uma expressiva participação, inclusive por meio de denúncias que fazem na grande imprensa, quando há "permi'8ão" da censura para l':iSO.Porém,
parece haver um "corte" entre suas atuações
cidadãos e aquelas enquanto profIssionais. Em seus espaços "psi", em seu cotidiano como trabalhadores "psi", não há implicação politica com os diferentes movimentos sociais. B a força e o poder que têm algumas subjetividades hegemõnieas, já vistas anteriormente, quando acionadas e fortalecidas por alguns dL'positivos e instituições como a "verdadeira" psicanálise e a formação analítica, conforme veremos a seguir.
Todavia, apesar da extraordinária mobilização popular, a ditadura ainda possui seus trunfos e, por força do pacto com as elites dirigentes, incluindo alguns partidos que se dizem de oposição - da mesma forma como havia ocorrido com a Lei da Anistia -, consegue barrar a Emenda Dante de Oliveira, em 1984, e manter as eleições indiretas para presidente da República através do Colégio EleitoraL B, portanto, nesse clima de grande mobilização popular, repúdio e indignação ao ciclo autoritário, que se inicia a década ele 80. Mobilização que começa a atingir as classes médias urbanas brasileiras que, refeitas do sonho do "milagre", ligam-se ãs Associações de Moradores, às campanhas pela Anistia, contra o Custo de Vida e às Diretas Já!, participando de uma série de movimentos de "minorias" con10 dos negros, das mulheres, etc. Entretanto, se o início dos anos 80 traz para a cena política todos esses novos sujeitos, poucos serão os grupos "psl", no eixo Rio---..'ião Paulo, que se implicarão efetivamente em tais movimentos. Interessante notar que alguns psicólogos e psicanalistas - estes últimos ligados às Sociedades vinculada, à IPA- desempenham, durante toda a década de 70 e mesmo na seguinte, importantes papéis nas lutas de resistência pela democratização da sociedade brasileira. Ligando-se 135 Jaguaribe, H. Sociedade
e Política. Rio de janeiro,jorge
S8
enquanto
Zahar, 193'5,p. 36.
S9
CAPÍTIJLO
II
Analisando CrItlcamente esses gmpos, seus funcionamentos, organizações, estatutos, burocracias, currículos, crises e rachas, não pretendo entrar em mera descrição instituída desses estabelecimentos. Não quero privilegiar o "movimento interno" desses gmpos, mas. ao contrário, atualizar sua hi'tória com as práticas então produzidas. É um desafio! O espaço "psi", que se eslmtura no Brasil nos anos 30,40 e 50, é feito em cima da "carência",da "falta"das crianças "problema", da, crianças com "dificuldades" de aprendizagem e/nu emocionais.
As PRÁTICAS PSlCANALÍIlCAS NOS ANos
Os saberes sobre a infância - não somente no Brasil mas principalmente nos Estados Unidos e Europa - ampliam-sei, sur~indo preocupações com a chamada infância "desadaptada", com as crianças ··difíceis". Não se enfatiza ainda a questão da prevenção, que irá predominar nos meios psicoterápicos e escolares brasileiros a partir da década de 60. O que se marca é a necessidade de atendimento a essas crianças.
70 NO BRASIL
Proponho çaminharmos um pouco mais e adent.!".umosno território "psi" propriamente dito. Território este que, como já vimos, vai se fortalecendo - fundamentalmente nos anos 70 - em cima da produção da "crise da fanúlia moderna", em cima da carência, da falta. O objetivo de analisar algumas práticas psicoterapêuticas nos anos 70, agora neste Capítulo ligadas à psicanálise, conduziu-me também a tentar uma abordagem instituída. Instituída no sentido de mostrar um pouco a hi'tória de cada um dos gmpos "psi" que se formam ao longo desta década, fazendo uma análise do interior do próprio movimento. Se,por um lado, a utilização deste enfoque corre o risco de capturar - e portanto trair - o objetivo inicial, por outro traz maiores informações sobre os diferentes gmpamentos que se estabelecem e que práticas por eles sào disseminadas. Acredito, também, que esta hi'tória instituída, pelas próprias informações contidas, possibilite outras leituras e percepções. Ao históriar os principai, grupos '·psi" no Rio de janeiro e em São Paulo, quero, ao lado di'5o, sobretudo, cotejar suas práticas, as subjetividades dominantes, os movimentos sociai, e alguns processos de singularização, no sentido de entender essas práticas e os saberes por elas produzidos e fortalecidos.
60
Nas entrevistas feitas - notadamente com psicanalistas mulheres, de formação médica ou psicológica - foi registrada a atuação de algumas em órgãos governamentais (federais, estaduais e/ou municipais) nas décadas de 40, 50 e 60 - tanto em São Paulo quanto no Rio de janeiroem Serviços de Higiene Mental, Centros de Orientação Infantil e juvenil, Setores de Psicologia Clínica, etc. Nestes órgãos, inicialmente é dada assi<;tência à "criança-problema" e, se necessário, orientação aos pai') e professores'. De início,estes serviços são de cunho puramente diagnóstico (aplicação de testes), com algum acnmpanhamenro psicopedagógico aos pais e professores'. Gradativamente, muitos deles passam para o atendimento clínico dessas crianças "problema". Da desaclaptação infantil, caminha-se para a intervenção na vida sexual e familiar,prática bastante desenvolvida no Bra,il nos anos 70 Ao lado di."o, cresce a importância dada à prevenção e o circuito escola-lanúlia se fecha.
Sobre o assunto, 2
3
ver: DOl17..etot,]. Op. cÍt
Sobre o assunto, ver Bicudo, V.L "Memória e fatos". In: Revista [di. São Paulo, 1990. .D~sde os anos 20 e 30, 0$ higienistas ntl Brasil vão privilegiar propostas de intervenção junto ilB cflanças c, paralelamente, ~osseu,~resp:msíveis. Sobre o assumo, ver: Cost::t,j.F. Ordem Médica e NonnaFarnDlar. Op. cie e Nunes, S.A. "Da Medicina Social à Psicanálise". In: Rirmo,). (Ofg.). Percursos na História da Psicanálise. Rio de ):meiro, Taurus, [988,6[-122. 61
"Partindo da escola, dos problemas de desadaptação escolar, passou-se para os problemas da procriação, da vidafamiliar e da harmonia conjugal, para, finalmente, voltar à escola com a instauração da educação sexual. Nesse circuito escola-família, o operador de cada etapa Jbi a psicanálise. É ela quem autoriza o deslocamento dos problemas de aproveitamento escolar para os de harmonia familiar. Ê ainda ela quem instrui uma educação sexual não mais centrada nas doenças venéreas, mas na questão do equilíbrio mental e afetivo. Face ao desdobramento dos psicólogos, dos conselheiros e dos educadores que se satelizam em torno da relaçdo escola-jamüia não basta dizer que ai passou a psicanálise. Seria mais exalo dizer. embora jogando um pouco com a." palavras, que é por ai através desse ativismo familiarescolar que ela pôde passar "4(grifo do autor).
Em decorrência dessa, a questão familiar se torna a grande locomotiva pela qual a psicanálise avança a toda velocidade no Brasil dos anos 60 e 70. Não almejo aqui fazer uma história da psicanálise, do psicodrama ou das terapias corporaL, no Brasil na década de 70. Pretendo, sim, apontar como essas práticas vão proliferar em determinados momentos históricos; COlnose dá sua expansão, o "boonz psi", c que instituições e dispositivos serão instrumentalizados e fortalecidos por elas. Para tal, é necessário comentar algo sobre a história dessas práticas, seus estabelecimentos, equipamentos, dispositivos e instituições. Muitas das informações que me guiaram partiram de dois trabalhos que mostram a expansão da psicanálise em São Paulo e no Rio de janeiro. Em São Paulo, Roberto Yutaka Sagawa' realiza um aprofundado estudo da psicanálise "oficial" desde os anos 20 até os 80. No Rio de janeiro, Ana Cristina Costa de Figueiredo' fala da difusão do movimento psicanalítico de 1970 a 1983. Estas leituras me forneceram as pistas para definir o universo de minha pesquisa, a quem procurar, a quem entrevistar o qu e ler. l
4 " 6
Donzelot,).Op.cit.,pp. 177 e 178. Sagawa, R Y. Os Inconscientes no Divâ da História. Dissertação de Mestrado - UNlCAM:P, 1989,2 vols. Figueiredo, A.CC Estratégias de Dlfmão do Movimento Psicanalítico no Rio de Janeiro1970/1983. Dissertação de Meffi:rado- PUGIR], 1984.
62
,.
/
I- A
"VERDADEIRA" PSICANÁIJSE ou O
SANTIJÁRIo DE VESTA No eixo Rio-São Paulo, são três os estabelecimentos de formação psicanalítica ligados à International Psychoanalitical Association (IPA), fundada por Freud e seus discípulos em 1910: a Sociedade Brasileira de Psicanálcse de São Paulo (SBPSP), a Sociedade Psicanalitica do Rio de janeiro (SPRJ) e a Sociedade Brasileira de Psicanálise elo Rio de janeiro (SBPRJ) A SBPSP é a primeira a ser reconhecida como Sociedade miada ã IPA, em 1951, no XVIICongresso Psicanalítico Internacional, em Amsterclã. Desde 1937, funciona como Grupo de Psicanálise de São Paulo, ligado ã Ora. Adelheid Koch, membro da Sociedade PSicanalitiC'dde Berlim, que vem dar formação analitica em São Paulo depois de insistentes solicitações feitas pelo Dr. DUNal Marcondes. A SPR] é reconhecida como Sociedade miada à IPA em 1955, no XIX Congresso Psicanalitico Internacional, em Genebra. Desde 1947, já existe, no Rio de janeiro, fundado por um grupo de médicos, o Instituto Brasileiro de Psicanálise; no ano seguinte, chega Mark Burke, membro associado da Sociedade Britânica de Psicanálise, e inicia a formação analítica nesta cidade. Em 1948, chega Werner Kemper, da Sociedade Psicanalítica de Berlim, que divide a ]{,rmação com Burke. Em 1949, retorna de Buenos Aires, já com sua formação analitica concluida pela Associação Psicanalítica Argentina, o casal Perestrello; pouco depois chegam outros analistas brasileiros também ali formados. Em 1951, há uma crise no Instituto Brasileiro de Psicanálise, e W. Kemper, com seu grupo de analisandos, sai e funda () Centro de Estudos Psicanalíticos. É este grupo que, em 1955, é aceito pela IPA como SPRf. A SBPRJ apenas é reconhecida como Sociedade ligada ã IPA em 1959, no XXI Congresso Psicanalítico Internacional, em Copenhague. A SBPRj é oriunda do grupo de M. Burke que ficara no'lnstituto Brasileiro de Psicanálise, do grupo argentino que havia fundado, em 1951, a Sociedade de Psicanálise cio Rio de janeiro e de outros analistas brasileiros chegados ao Rio Com formação analítica feita em Londres'. Sobre o assunto, ver Perestrello, M. H:istória da Socledade Origens e Fundação. Rio de)aneiro, lmago, 1987.
63
BrasDelra de Psicanálise:
Suas
Gradativamente as Sociedades latino-americanas vinculadas à IPA procuram se aproximar e, em 1960, é fundado o COPAL (Comitê Coordenador das Organizações Psicanalíticas da América Latina) no li! Congresso Latino-Americano, realizado em Santiago, no Chile. Desde 1956, realizam-se congress,k' latino-americanos, a cada dois anos, das Sociedades Psicanalíticas ligadas à IPA. Os principaL, objeüvos do COPAL são o de expandir a psicanálise na América Latina, conseguir maior representação dessas Sociedades peranle os órgãos psicanalíticos internacionais, estabelecer alguns padrões e regras comuns na formação analítica dos países latino-americanos e apoiar oS grupos latino-americanos que ainda não tenham sido reconhecidos como Sociedades pela IPA'- Posteriormente, o COPAL passa a ser conhecido como FEPAL. A Associação Brasileira de psicanálise (ABP), entidade que tem por objetivo congregar as Sociedades de Psicanálise do Brasil filiadas à IPA, somente é fundada em 1967. Passa a se constiluir em órgão federativo dessas Sociedades, respeitando as suas autonomias. Também na ABP como nas Sociedades do Rio e de São Paulo, os membros associados não têm direito a voto LO, Pelo período de fundação do COPAL e da ABP, percebe-se que o movimento latino-americano - considere-se aqui, principaimente, o argentino - está bem maL, desenvolvido que o brasileiro. Só quando as Sociedades "oficiais" sentem-se mais fortes no Bra."iil, ou seja. quando se inicia o desenvolvimento da psicanálise e sua aceitação pela sociedade em geral - entenda-se classes média e média alta - é que se dispõem a fonnar uma a''isociação nacional. Entidade que. por sua vez. irá favorecer mais ainda a divulgação da psicanálise no Brasil. Por esta organização, que, a meu ver, não é unicamente burocrática, mas de controle c, em especial, de apoio corporativo, temos no caso do Brasil - no alto da pirâmide a IPA (o nivel internacional); logo abaixo, o COPAL (o nívellatino-americanol; depoL, a ABP (o nível nacional) e, finalmente. as quatro Sociedades "oficiais" (São Paulo, Porto Alegre e as duas do Rio de Janeiro l, fornlando uma rede de apoio e controle mútuos. 8 9 10
lo±m. Sobre () assunto, ver: Ra.''Covsky, A. e Grinberg, L. "P:1ssaoo, Presente e Futuro do COPAL". In: Revista Bra."illeit'a de Psicanálise - vol. VI, nl>! 3 t' 4. 1972, 369-376. Sobre o assunto, ver: Estatutos da Associação Bra."illei1'3de Pslca:oálise, 1967, mimeogr.
64
i
f
Destas, somente a de São Paulo (SBPSP1,desde os seus primeiros Estatutos em 1949, abre a possibilidade de. além dos médicos. também psicólogos e proti'5sionais de outros cursos superiores se inscreverem para a formação analítica. No caso de outros cursos. fica a critério da Comi"sào de Ensino a aceitação ou não do candidatoll. Apesar de a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo ter esta postura e as duas do Rio de Janeiro, ao contrário, só permitirem médicos em sua fonnação, io;;;so não vai significar maior abertura, menor rigidez". É evidente que, no Rio de Janeiro, esta posição nos anos 70 vai impliGlr uma aglutinação. uma união maior dos psicólogos que desejam ter o status de psicanalistas. Por isto. o movimento dos psicólogos no Rio de Janeiro, no final da década de 60 e início da de 70, é bcm mais corporativo e apresenta caracterL,ticas diferentes do de São Paulo. A SBPRJ, em seu primeiro Estatuto de 1959 - talvez por influência da de São Paulo -, coloca a questão da entrada de psicólogos e outros profL%ionais na formação analítica de forma bastante ambígua. Não se defme claramente contra a entrada, subordinando-a" ... à aprovação prévia de uma legislação que permita o exercício terapêutico da psicanálise por leigos no pa[,"". Entretanto, em 1971. quando se manifesta, no Rio de Janeiro, a pressão dos psicólogos par.! terem acesso à formação analítica, são votados aditivos aos Estatutos de 1959, que enunciam claramente, como os da SPRJl', que "... todos os componentes da Sociedade, sejam membros Titulares, Associados, Candidatos e Aspirantes deverão estar inscritos no Conselho Regional de Medicina"l'. Desde o ano anterior, no Regulamento para a Formação de Psicanalistas, isso é requ[,ito para aquele que deseja fazer formação, a"sim como é exigida experiência psiquiátrica de pelo menos um anal'. Ou seja. diante da pressão dos psicólogos. a SBPIU acaba com a ambigüidade: é explícita cm sua exclusão. 11 12
13 14 11 t6
Sobre o assunto, ver Sagawa, R.v' Op. cit., 2'i!vo1. e Bicudo, V.L "Memória e Fatos". In: Op. cit., p.
%
.
A admissão de leigos na formação analítica em São Paulo vem desde o inído do Grupo Psicanalítico de São Paulo formado em torno de Ourval Marcondes e Adelheid Koch. Sobre isto, ver Sagawa. R.Y. Op. clt, 1" voI. Estatutos daSBPlU. 1959. mimeogr., p. 11. A SPRJ,por seus estatutos, aceita para foanação estudantes de Medicina a partir do 3º ano. Estatutos daSBPlU. Op. clt., p. 37. "Regulamemo para a formação de Psicanalistas", 1970_In: Estatutos SBPlU. Op. cit., pp.42 e 47.
65
Pode parecer estranho que a psicanálise, nas décadas de 40 e 50 tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo -, denunciada por médicos psiqui.atras e neurologistas como prática charlatã, como poluidora do meio n1édico17, ao se organizar en1 Sociedades - com exceção da de São Paulo - exclua qualquer outro profbsional de sua formação que não seja médico. Porém, é perfeita111ente c0111preensíveJ, que, sobretudo no Rio de janeiro, vários estudos" tenham assínalado a adoção dos príncipios da psicanálise pela comuniclade médica nos anos 20 e 30. Tais princípios inscreven1-sc no caD1po da medicina, c11Iboraem suas origens a psicanáli.se fosse apenas uma modalidade terapêutica, acrescentada às fomlas já exi.stentes. No entanto. não é a exclusão de outros profL')sionai') que vai caracterizar o fechamento destas Sociedades a tudo que possa ser criativo, novo ou transformador. Este t,no - muito explorado pelos psicólogos no Rio de janeiro, nos anos 70 - é irrelevante se pudermos compreender algumas instituições que são instrumentalizadas pela psicanálise, que equipamentos e dispositivos são utilizados por ela e que práticas são ai produzidas. Nota-se quc a cada novo Estatuto votado nos anos 60 e 70 a hierarquia aumenta, novas categorias de sócios, membros, etc, são criadas. Por exemplo, em 1960 na SBPSP ".. ,silOformadas mai.', duas catL"goria.,anteriores à de "membtvaderente': que foram as de ''sócio aspirante" e "sócio aderente" (. _.) autrwntando a distância hierárquica de "candidato" a "membro aderente" ( ) de tal 1naneira que se fonna uma pirâmidf? onde os escalOes superiores sao ocupados por um pequeno núnwro de membtvs e, os inferiores, por um número maior - e sempre crescente- (, .). Os altos escalões ocupam todas as posiçoes de poder nos d~lerentes órgilos da sociedade Os mesmos sete ana/Nas didatas e..),.:istentes(..,) sdo sempre os mesmos elementos a ocupar a presidência da Sociedade, a diretoria do lm/üuto e a Comissão de Ensino" N.
17
18 19
Sobre isso, ver os episódios de agressão sofridos por Adelheid Koch em São Paulo e a prisão no Rio de Janeitode Werner Kemper. Ln:Sagawa R.Y. Op. cit., 2º vo1. e Perestrello. M. Hi..'ltóriada SBPIU: Suas Origens e Fundação, Op. cil Sobre O assunto ver os trabalhos de Nunes, S. A. "Da Medicina Sodal à Psicanálise". Op, cit. e Birman,). ~Retomando à I-listória". In: Birman,J. (Org.). Op. cit., 07-L 2. Sagawa, R.Y. Op. cit., 2º vo1., pp. 18'; e 188, ao se referir à década de 60.
66
A instituição "verdadeira" psicanáli,e vai permear todos os itens seguintes relativos às práticas analiticas. Entretanto, algo da produção desta instituição será aqui mencionado. não só através dos Estatutos das Sociedades, suas organiza~'ões internas e suas burocracias, mas, principaln1ente, pela.')práticas que ela dissemina. São inreressantes os escritos de alguns analistas ligados às Sociedades "oficiais"quando da difusão da psicanáli')e entre os psicólogos cariocas, notadamente entre os que vão se dedicar à chamada psicologia clínica. Leão Cabemite, presidente no iniciodos anos 70 da SPRj,é um dos guardi.1csch "vef(hdeirJ."psicanálise. Seus artigos sobre a "poluição" da psicanálise feita por um bando de "invasores" -Iei.a-se os psicólogos e a segunda geração de argentinostornam-se os bastiões da prática mais reacionária e fascista. Mas o que é a "vercladeirJ."psicanálise? Aprodução de uma prática, de um território onde a "verdade" está presente, onde os que não fazem parte de uma formação especitlca - a realizada nas Sociedades "oficiais" - não podem a ela ter acesso, nem dizer q~,e a exercem. Esta ínstituição produz fortes subjetividades, poi.s, como veremos ao longo deste trabalho, não são apenas os psicanalistas mais "à direita" que d,sseminam este tipo de pensar a prática psicanalítica. Ela está presente nos anali.stas considerados "progressi.stas", com a tutela que exercem sobre o movimento dos psicólogos no Rio de janeiro e a postura que, em São Paulo, Loman1com relação aos acontecin1entos de 68 na 1 rsp, por exemplo. Pior, ela está presente nos próprios psicólogos tanto cariocas quanto paulistas que, para exercerem a prática clinica, têm que se submeter à formação analítica nas Sociedades ligadas à IPA. Ela está presente e difundida como crença nas classes média e lnédia alta, que são os clientes e consumidores dessa psicanálise. Num contexto político onde grassa a censura, o terror nos lnais variaclosespaços, o medo e o "desbunde", em que os projetos de ascensão social tomam-se prioritários, no qual o inrintismo predomina em detrimento do público e o familiari.smo é a tônica, esta forma de pensar uma prática clínica é hegemônica. lima clínica que nada tem a ver com o mundo. filas C0111uma assepsia fastigiosa, com uma total desvinculação de qualquer tipo de implicação, de transversalidade. É o falso objeto natural de que nos fala Paul Veyne, na Introdução
deste trabalho, como algo não produzido hi.storicamente: a prática 67
psicanalítica é este objeto que é assim, sempre foi e será, como um dado em si, que tem existência própria e que é, portanto, natural. Para os psicanalistas "oficiais", a lPA representada pelos herdeiros diretos do Grande Pai - aqueles que detêm os conhecimentos por ele ensinadosé o Olimpo de onde advêm todas essas "verdades". Este religioso respeito e submissão que todas as Sociedades "oficiais" demonstram em relação à grande instância, personificada pela IPA, é meramente a forma de garantir sua vinculação a ela, o que lhes permite usufruir tantos prestígios e privilégios políticos e sociais. Para a sociedade em geral, somente elas - como efeito da produção de suas próprias práticas - são as detentoras da "verdadeira" psicanálise. Como templos sagrados, estas Sociedades devem se resguardar das misturas, impurezas e poluições que estão ao seu redor, que circulam pelo mundo. Como vestais, sacerdotisas e guardiães do Santuário de Vesta (a deusa da Vida entre os romanos) - inacessível aos leigos -, devem manEersua virgindade, enquanto estiverem a serviço do culto'O Assim, os psicanalistas "oficiais" resguardam a pureza da "verdadeira" psicanálise e por isso poucos são os privilegiados que têm acesso a esses templos sagrados, poucos os que podem funcionar como vestaL>; antes, devem ser "purificados", evitando toda e qualquer mistura. Não são apenas os analistas maL, "conservadores" os que defendem esses lugares santos; estes, sem dúvida, são os que maL,alardeiam com seus discursos/práticas tal religiosidade. Entretanto, muitos considerados "progressistas", que, em suas falas até podem questionar esses templos sagrados, em suas práticas só fazem reafirmá-los e reforçá-los. Os jovens psicólogos querem - e muito - ser "iniciados"em tais "mistérios" inacessíveis aos simples mortais e, para isso, de início aceitam e até pedem a tutela dos que já estão dentro desses santuários e os podem "iniciar". Posteriormente, organizam seus próprios templos - é verdade que em cinJa de uma série de críticas a todas essas mitificações -, terminando por criar outras religiosidades, outras "verdades", outros eleitos, outros "iniciados", outros sacerdotes.
Entrementes, na primeira metade da década de 70, a hegemonia está com a instituição "verdadeira" psicanálise que naturaliza uma determinada prática clínica. Através desta, facilita e fortalece a produção de certas subjetividades que se entranham profundamente em todos os poros da..')camadas nlédias urbanas brasileiras. Para a "verdadeira" psicanálise, a fortnação deve merecer todos os cuidados, deve ser "especial", pois a iniciação em seus "mistérios" é coisa delicada e pode se tomar perigosa se não houver unJa "preparação" adequada. É necessário exercer um hom controle sobre aqueles que um dia irão representá-la, sobre aqueles que no futuro serão seus guardiães. Por isso, para os analL,tas em geral, a psicanálise não pode ser uma formação dada em Universidades, poL, necessita de todo um processo e formação próprios e diferentes dos utilizados academicamente. Suas supervi"àes clínicas, cursos, análi')cs didáticas, enfim, o treinan1ento psicanalítico deve ser função exclusiva dos Institutos das Sociedades e não de qualquer analista individualmente, afirmam sem exceção todos os psicanalistas ligados às Sociedades conhecidas como "oneiais".
fi -
A INSTITUIÇÃO FORMAÇÃO ANAIirICA
ou
A PEDAGOGIA DA SUBMISSÃO Outra. instituiçào que é instrU111cntalizada dentro da..-"Sociedades "oficiais" é a da l()nna~ào. t\aturalizam-sc o domínio dos didatas, seu poder c os ritos de inicia\-~ão, que cada vez se tornam lnais conlplexos.
() dicima, coll1mai, prestigio que qualquer médico, padre ou professor, possui um enorme controle na avaliação do aluno; suas infoffilações
sào
fundamentais para que se possa saber do "real :lproveitamento" dos candidatos a analistas. E com 1I1na agravante: são oS responsáveL,;;;pela análise terapêutica oS
pessoal
desses candidatos
c devenl informar sobre
seus "progressos" nas sessôcs analíticas. São .os representantes
plenipotenciários
dessa fonnaçào
COIl1 U1l1 sumo
poder,
Untl
SUIlla
razão
c uma suma verdade. Esta relação produz e fortalece por um lado :I 2J)
Prática religiosa entre os romanos antigos. No apogeu do chamado "mundo romano", as antigas práticas religiosas, antes realizadas pelas famílias, tornam-se públicas e formais e passam a ser Controladas pelo Estado, que organiza um corpo hierarquizado de sacerdotes, etc. In: Bloch, R. e Cousin, J. Roma e seu Destino - Coleção Rumos do Mundo. Ilsboa, Cosmos, 1964.
68
onipotência,
a força, a dominação
dos anali'itasj por outro, a in1potência,
a tr:lqueza e a .>ubmi"ão d,,, candidatos. De um modo geral, os dicbtas se comportam como se este lugar 69
fosse vitalício e cotno se tivessem adquirido, por herança, a..c;suas atribuições. Embora os Estatutos dessas Sociedades prevejam a possibilidade de afastamento de tal função, não se tem notícia de nenhum caso em que isto tenha ocorrido,H. "Os didatas são considerados os "maL" dotados", os "melhores': etc e, portanto, constituem um ideal a ser atingido por todo psicanalista dentro da sociedade (.,.) e OJ mecanismos íns~ titucionaís passam a ser manipulados por esses detentores como ,,!~ um grnpo especializado de conhecimento
Os preços cobrados por esses cspeciJ.ljstas repercutem na sociedade em geral como uma valorização desse trahalho, o que vai tomá-lo extrenlarnente lucrativo pela pouca concorrência. Tal fato determina o pequeno número de didatas e de psicanali,tas fonnados dentro da ótica da "verdadeira" psicanálise. Esse saber venl satisfazer c fOlnentar as demandas então produzidas e, por ser ainda reduzido o número de profissionais, seus serviços são oferecidos dentro de altos padrões Ilnanceiros. Statw' de psic.malista é tão atraente. tão ambicionado pelos jovens profissionai'i "psi" Esse elitismo em muito <1wli a classe média dos anos 70 no Brasil com seus projetos de ascensão sociai. Esta sim poeleria pagar '" altos preços exigidos pelas Sociedades "otkiais" para a
Assim, a análise didática é considerada o aspecto mais importante na formação de um analista. Este tato, muito enfatizado nos anos 70, corresponde ao que já apontamos como a psico!ogização da vida cotidiana, a produção de subjetividades voltadas para o privado, para o interior do sujeito, para o seu autoconllecimento. Por sua vez, tal atlnnação alimenta em muito o poder dos dielatas e, elo ponto de vista elo "discurso da competência", empobrece a formação. Segundo infoffiuções obtidas por Sagawa em São Paulo "". a formação psicanalítica no Instituto de Psicanálise restringiu-se a Freud, Klein e Bion a partir de 1970"". No Rio de Janeiro o "kJeinianismo" domina n'"s duas Sociedades. São centros de formação que importanl continuamente uma psicanálise estrangeira e os psicanalistas locais são meralnente reprodutores dessa psicanálise importada (sobretuclo da Inglaterra). I'\ão há, portanto, uma produção que se possa chanur cle origirlal; estuda-se e aplica-se a teoria e a témica dos "mestres" estrangeiros de forma mecânica e totalmente acrítica. Isto é facilmente corroborado não só pela pobreza da formação analítica - dentro do que a própria psicanálic;e considera como um profissional "competente" -, como pelo poder dos didatas. Seu número é tão reduzido para atender à crescente demanda dc candidatos à formação, que seu trabalho se reSUlne ao tncro atcnditnento a esses "aspirantes" a psicanaIL'itas, ~través das análises didáticas e supervl'iÕeS de casos. Pouc,>, di,iatas têm uma clientela fora deste universo e a pouca produção teórica realizada na época limita-se à reprodução pobre de Ulna psicanálise estrangeira.
Tal situação é naturali7~~daem cima da produção oficiai da época sobre a quest30 do público e do privado. A subietividadc que vai sendo constmída é a de que os estabelecimentos privados - aqueles que melhor atendem, em todos os setores - devem cobr..lr alto pelos seus serviços, visto que os oferecidos pela rede pública são de péssima qualidade. Vai se produz.indo, em grande parcela ,la população, principalmente na classe lnédia, o apoio :l privatizaçào, que chegaria <1 seu auge nos anos 90. Por l,)SO,não L:lUSasurpresa alguns entrevistados pertencentes à.., Sociedades "oficiais" afirmarem categoricamente que a discussão sobre os altos preços - cobrados pela tOTIna\,'ãoanalítica e pelos própri<)s psicanali"tas em seus COn
21
21
22 23
Há somente um exemplo na SRPSP que comentarei à parte como uma situação analisadora da "verdadeira» psican.ilisç e formaçào atulitica. Sagawa, R.Y. op. cie, 2q ;:01,p. 201_ Idem, p_ 203.
70
fonnar;flo analítica.
Sapwa, R_Y 0r. cil., p_ 2'50, Sagawa referc'-sc a islo qUJ.nJo rah que, para .~eformar um Stud)' (~rotlprl'conhecido pela LPA,~ llec<;,sS<Írio qw hajJ. pelo menos um didau_ 1Jm Study Groupé o primeiw reconhecimenlo !Cito pela !1','\ qUe: (!.:trá posteriormente, origem a unu Sociedade l',<;ic:rna!ílicL
71
oposição interna dentro das Sociedades "oficiais", e também para os psicólogos - os do Rio de Janeiro ~ que, por não terem formação nessas Sociedades, não podem se dizer psicanalLsta8.Ao se denominarem ,"ssim, traem o espirito da psicanálise, denegrindo-a. As lu1.:18internas pelo poder dentro das Sociedades "oficiair;;" e mcsnlO as características autoritárias, ditatoriais, que 1l1arCam a formação analítica são vistas por muitos como diferenças ele ordem teórica. Em S;io Paulo. o "bionianistno", dominante nos anos 70 na SBPSP,principalmente em sua cúpula dirigentc. é considerado C0010 responsável pela rigidez, pelo autoritaristno que caracteriza esta Sociedade". Da mesma forma, vários psicanalistas, no Rio de Janeiro, afirmam que o "kleinianismo", dominante na década de 70 nas Sociedades "oficiais" nesta cidade, é o responsável, de um lado, pela leitura esquemática e pobre da realidade social e psiquica privilegiando a realidade interna em detrimento da externa - e, por outro, pela postura rígida e autoritária dos psicanalLstas dominante da época. O que está embutido nessas situaçôes nio são posturas teóricas diferentes; são posturas que corrcspondem às práticas c às suhjetividades dominantes produzidas no periodo em que a rigidez, o dis~mciamcnto e a neutralidade são sinônimos de cientificicbde, e a psicologizaçào, o mundo interno e o domínio do privado são enfatizados e fortalecidos. São crenças tatnbém presentes nos próprios dispositivos de fOllllaçào analítica. e coerentes
com todo o funcionamento
da...~instituições
que necessitam de Ut11 Mestre, um Pai, lIt1la Burocracia, em SUlna, de um modelo qualquer para excomungar as diferen,'as, a.' diversidades. Estas prática..'i, ao apontarem os "desvios", as "fon11asdegrad.adas", g'd,dntem a justeza de sua.s linhas. "O Supremo Tribunal do in,conSClente dLstribui absolvições e condenações"'b A questão do poder é sempre escamoteada, sempre afastada em nome da l Inião Societária fortemente instituída. O que vigoram são os deveres disciplinares estabelecidos nos eS1.:1tutos, sentimentos que devem ser comuns e de solidariedade doutrínal. Ma~c; do que ~c;;so, os fatos apontados produzen1 a infantilizaçào, a desqualificação do analL,ando. Este é tratado e percebido como um bebê, pOle;; sua vida mental eSQ nas màos do analista que o ajudará - con10 um 2') 1h
Sobr~ isso, ver al~n.<, depoimemos coktados por S:Lg3.wa,R.Y ()p. cit., 2" 1101. Ca.<,tel,R. O Pskanali ••mo. Rio <1.'Jandro, Gr;l;l!, 197$, (1_ 17.
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Pai, um Mestre, um Modelo - a caminhar e a ';crescer"27. Por isso, em todas as três Sociedades ligada.s à IPA, os membros a.>soeiados (o psicanalLs1.:1já formado) es1.:1tutariamente até os anos 80 não têm o direito de participar nas Assembléias Gerais e muito menos vo1.:lr. A "criança", que é o analisando. não pode, assim, dispor de sua criatividade, originalidade. A liberdade, a criação, a CritiCA,enfinl, a singularidade está terminantemente proibida neste espaço. A obediência e a servidão são as nonnas vigentes. A inslituição-fonnação, desta maneira, produz, naturaliza e tenta eternizar as relações tipo senhor - escravo, dominador - dominado, explorador - explorado. O candidato submetido, dominado e explorado faz da sua capitulação o preço que paga para se tornar um dia senhor, dominador e explorador. A submLssão e a insignificância de hoje serão o poder e a onipotência de amanhã. A psicanálLse, ensinada como uma teoria abstrata praticada por especialistas abstratos - "... o psicanalLsta não é médico ou não-médico, é psicanalista"" -, produz um espaço protegido, asséptico, onde a realidade cotidiana não entra, onde a neutralidade impera. Predominam o intimie;;lno, o ptivado, o "destino c1a..'c; puL<;ões" e os mecanic;n10S e processos psiquicos. Há uma produção ativa de invalidaç:ão do sócio-político", o que, em realidade, faz com que a psicanálLse e sua fOfilaç:ão se tornem cúmpHces do Sl'5tenla sócio-econônuco em que se inscrevem. A fOIll1:lçãoanalítica e a.spráticas daí decorrentes têm efeitos sociais poderosíssimos, poi, naturalizam um gru po particular de especialistas que têm o monopólio da "escuta" e são vL,tos, pela sociedade em geral, como tlgura.s poderosa.s, respeitadas e idealizadas, transformando-se em modelos de referência. Naturalizam uma postura "asséptica", "neutra" e, portanto, considerada "objetiva" e "cientifica". Fomlecem as subjetiviclades hegemônicas produzidas nesses anos, ao aflfll1:lrema necessiclade do crescimento pessoal, do voltar-se para dentro de si mesmo, de sua fan1ília, ao enfatizarem a importância e a construção de um clima carregado de afeto. Há, na sociedade em geral, a produçáo de demandas que necessitam do "apoio" e do recurso psicanalitico: as relações familiares 27 28 :!'J
Tal comparação foi feita por muitos entrevistados ligados às Sociedades "ofidais". Cabernite, L "Regulamentação da ProftsSio de Psica.nalista~.In: Revista Brasileira de Psicanálise, vaI. VI, nQ,1 1 e 2, 1972, p. 33. C.-asteI, R Op. cito
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(a famosa "crise" a que já me referi), os ideais de feminilidade e masculinidade"', a exploração das potencialidades emocionaL" a "orientação" para os processos decisórios pessoais, etc31. Estas demandas são produzidas e fortalecidas, principalmente, entre os profissionaLs lilJerais (psicólogos, professores, artistas, intelcctuais, etc.) e estudantes universitários que desejam se autoconhecer, .. "melhorar" a "qualidade" de seus uínculos erotico..", afetil'o.." e familiares, "ampliar" sua criatiuídade, iniciativa ou eficiência profissionais ( ..). Há, enfim. uma "ampliação" da detnanda r. ..) a queixa tomando-se cada vez mais inespeciflea ",1 (as aspas são minha responsabilidade),
Ou não seria, em vez de ampliação da demanda, uma naturAlização desta demanda? Naturalização no sentido de que ela não é percebida como produção dessas próprias práticas "psi", mas como um objeto já dado e, portanto, natural. Duas reações ocorrem nestc penado entre os próprios psicanalistas "oficiais". De um lado, os mais "progressi,tas" acreditam que se está iniciando um processo de "democratização" da psicanálise, visto que seu consumo torna-se cada vez fi1aior. Por outro, as reações são de medo e perplexidade, uma vez que a psicanálise está se transformando numa "mercadoria de consumo". No Rio de Janeiro, quando se iniciam as pressões dos psicólogos para terem acesso ã formação analitica, esses psicanalL,tas defendem suas práticas atacando tais movimentos e procurando "resguardar" a psicanálise de ser conspurcada. Entretanto, alguns entrevistados - tanto no Rio quanto em São Paulo - admitem que foi esse o periodo em que mais prosperaram fmanceiramente. As filas em seus consultórios são c'ada vez mais numerosa,', e a psicoterapia de grupo passa a ser utilizada como forma de dar vazão ã demanda então recrudescida ou para atender a alguns segmentos de classe média que não podem pagar os altos preços de uma análLse individual. A única voz crítica e que, na época, mostra tal produção é Katz, que, em uma de suas obras", questiona e denuncia a utilização das 30 31 32 33
Sobre o assunto, ver o texto de Santos, T.C "Representações do Masculino nas Revistas Femininas~. [n: Birman,J. (Org.). Op. cit., 253-263. Figueiredo, A.C.C Op. cit;, pp. 12 e 13· Idem, p. 13. Katz, C.S. Psicaná1ise e Instftuição. Rio de Janeiro, Documentário, 1977.
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práticas psicanaliticas e o poder das Sociedades "oficiais" que se julgam donas da formação analítica, detendo o monopólio da psicanálise. O que pretendi apontar até aqui é que as práticas dominantes dentro das Sociedades "ot1ciais", com seus dispositivos e instituições, favorecem em muito as subjetividades hegemônicas produzidas e a psicanálio;e só tem passageln. só se toma um hoorn, porque há esses processos de subjetivaç::lo típicos elo capitalismo monopolista. No caso do Brasil, trata-se ele uma ditadura militar - o que agrava mais ainda a situa~ào - e, ao lado de tais produções, há outras; uma forte repressão, uma violência extremada, uma ferrenha censura e um enorme poderío ela núdia no sentido de impedir toda e qualquer resistência, toda e qualquer construção singular, toelo e qualquer agenciamento. É nesse contexto de terror nos diferentes microespaços, de lnedo, imobilismo e apatia de quase todos os setores da sociedade que as práticas psicanalíticas se expandem e ganham características bem mais autorítárias. Um exemplo é a realização, em 1970, elo Vlll Congresso Psicanalítico LatinoAmericano, em Porto Alegre. O tema original "Violência e Agressão" foi alterado, por decisão da maioria elas sociedades participantes, para "Correntes AtuaL, do Pensamento Psicanalítico", com o voto contra da Associação Psicanalítica Argentina. Relata um representante da Ar A: "As cúpulas das A.~ciações
hrasileiras, de cuja inkiarn'tl partira
a mudança do tema, Unham cargos oficiais que poderiam perder, e seu medo expressava seu grau de cmnpromi.r;s()com o regime de terror polkial do paíç"-"4,
A primeira metade dos anos 70 - que, como já mostrei, é o período de hegemonia da psicanálise e da formação vinculadas à IPA - é representada, no Brasil, pelos anos mais terríveL' de perseguições, tortura.s, seqüestros, assassinatos, desaparecinlentos dos que se opunham aos modelos então vigentes, desele os modelos ligados ao sistema em geral até aqueles como os de tanulia, o sexual, o de estudante, o de jovem, etc. Tanto os chamados militantes como os h ippies são, nestes primeiros anos dos 70, aIÚquilados e/ou cooptados. . Yí
Bra.slavsky, M.B. e Bertoldo, C "Anotações para uma História Atual do Movimento Psicanalítico Argentino: Interpretaçào Crítica da Ideologia e da Ação Política de UmSetor de Pequena Burguesia". In: Langer, M. (Org.). Questionamos 2. Belo Horiwme, lnterlivros, 1977, 2S-48, p. 33. Sobre este assunto, ver também: Castel, R ()p. cit., pp. 14 e 44.
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o terrorismo de Estado está presente - não como simples reprodução de um poder maior, mas como de uma série de práticas sociais - no cotidiano, não só desses grupos de jovens, mas nas populações periféricas das grandes cidades e na sociedade em geral. Sobre esta questão é importante a vL,ão que Foucault nos traz, não somente sobre as práticas sociais, mas, em especial, sobre o que chama de microfisica do poder, que seriam os processos de constituição de práticas, discursos e modos de subjetivação. Para ele, o nivel do Estado e o das práticas não podem ser" ... confrontados como realidades pré-existentes e sim articulados, pois é ao nivel do próprio corpo social que o poder toma corpo"" (grifos meus). Onde há o poder, ele se exerce.
apontar para a produção deste "outro" sujeito que está sendo construido no cotidiano de tais práticas. Este "determinado" sujeito vai sendo criado e estimulado à medida que a psicanálise nos grandes centros urbanos brasileiros invade a midia - a grande imprensa, as revistas feminl.nas", a TV - produzindo a chamada cultura psicanalítica", sob cuja ótica a vida cotidiana das classes média e média alta passa a ser tetuatizada e vivida. "Cresce a publicaçào de UI/m.sacessÍlri'i aos "leigos'; de re1lfsta..'i especializadas, de reutsta..'ifemininas com seções de aconselhamento psicológico assinadas por psicanalistas e psicólogos r...). Mais recentemente doiç diários cariocas publicam colunas assinadas por psicanalistas que respondem âs cartas dos leitores Também a telel)iSdo oferece espaço para uma pedagogia de inspiração psicanalítica em programas femininos e debates variados, ('ISO sem mencionar a..'i norlf!lase programas bumoTÍ'iticos ':ll4as is.to não é psicanálise!'~ diriam alguns puri.çtas Tatuez possamos retmcar: "Istotambém li psicanálise'>::I9 (grifo do autor).
"Ninguém é, propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre ,çe exerce em determinada direção (. __). Cada luta se desenvolve em torno de um foco parlicular do poder f.. J E se desigtUlr os focos, denuncid-los, falar deles publicamente é UIIUlluta, não é porque ninguem ainda tenha tído consciên-
cia disto, mas porque falar a esse respeito - forçar a rede de informaçâo institucional, nomear, dizer quem fez, o que fez,
denunciar o alvo - é a primeira inversão do poder, é mn prinreiro passo para outras lutas contra o poder "c\6 (grifas meus),
l'\O Brasil desse período, vigoram diferentes práticas sociai, como a do exterminio (não só dos opositores aos modelos vigentes, mas de segmentos empobrecidos da população), o que gera um enorme medo e progressiva apatia; as práticas eufóricas ligadas aos projetos de ascensão social (principalmente nas classes médias urbanas), que geram "ufanismo" e intimismo; as da núdia (justificando e valorizando tanto o extermínio quanto a ascensão social). Todas elas produzem e/ou fortalecem determinados modos de subjetivação, todas elas mostram como os micropoderes se exercem em diferentes partes do corpo social. As práticas decorrentes da psicanáli,e, aliadas a todas as demai, nessa fase, geram também uma série de efeitos que, em realidade. vão constimindo um "determinado" sujeito, úpico da, camada, médias urbanas. Muitos autores apresentam a difusão dessas práticas "psf' sem, no entanto, 35 36
Rodrigues, H.B.C As "Novas Análises". Projeto de Dissertação de Mestrado - UER) , Institulo de Medicina Social, 1991, p. 32. Foucault, M. Microfisicado Poder. Op. cit., pp. 7'; c 76.
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Diferentes setores da vida social brasileira sofrem esses efeitos: são psicologizados. Toda e qualquer crise é vivida como necessidade terapêutica, pois os especialistas "psi" estio ai para aconselhar, esclarecer, instruir e acalmar pais, mães, maridos, mulheres'" e para propor modelos - condizentes com os dominantes - de criança, adolescente, família, casamento, esposa, etc.41, produzidos pelas suas próprias práticas. Absorve-se o "modo" psicanalitico de compreender os mais variados fenômenos do cotidiano, através da utilização crescente de palavras, expressões e concepçôes próprias da psicanáli,e, onde tudo passa a ser explicado a partir de esquemas interpretativos já dados. Mesmo os psicanalistas "progressistas" encontram-se marcados por tais modos de se perceber - enquanto psicanalL,tas - e perceher o mundo 37 38 39 40
4]
Sobre o assunto, ver o artigo de Santos, 1'.C. "A MuUler liberacb. c a Difusào cb. Psicanáli,se"_ In: Figueird., S.A. (Org.). O Efeito Psi. Op. cit., 103-120. Sobre () assunto. ver Figueira, SoA-(Org.l. Cultura da ~icanálise."São Paulo, Bra,silien,s~,198S. Figueiredo, A.CC. Op. cit., pp. 14 e 1'5. Russo,j."A Difusão da Psicanilise nos Anos 70: Indicações Para Uma Análise" In: Ribeiro, I. (Org.). Sociedade Contemporânea Brasileira: Familla e valores. São Paulo, Loyola, 1987, 189-205. Sobre a questão do casameruo, ver Ru..~so,J.e Saruos, T.C "Psicanálise e Casamento". In: Velho, G. e Figueira, S. A. (Org-s.J. FamiHa, Psicologia e Sociedade. Rio de janeiro, Campus, 198L, 277.W'5.
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"psi" c (} mundo que os cerca. Basta ver seus discursos/práticas no instante em que pretendem explicitar um projeto politico em nome da psicanálise". Exemplos disso temos quando, no inicio dos 80, nas três Sociedades "oficiai.~", instalan1-se scrÍssirnas crises, que n10stram () l1lomento histórico que o Brasil atravessa: revigoramento dos movul1enlos populares e SOCiaL',processo de "abertura", embora lento e gradual. Os movimentos dos psicólogos - maL' no Rio de Janeiro do que em São Paulo - em sua luta pelo status de psicanalista, apesar de todas as críticas que fazen1 às Sociedades "oficiai<' e à sua fonl1açào, ao organizarem seus estabelecimentos. reproduzem quase integrdIJnente as instituições formação analítica (nascida da lPA) e a ·verdadeira" psicanálise. Também eles estão marcados pelas vL,ões intimistas dc psicanalista e de mundo geradas pelas práticas "psí" e pelas subjetividades hegemõnicas da época. A ·verdadeira" psicanálise, de início através da criação da IPA e dos diferentes Institutos de Formação, tem a pretensão de ser a "pura" psicanálise, e estes dispositivos são alguns dos principaL' fatores para que se possa assegurar esta "pureza", pelos cuidados no sentido de evitar poluições, ntisturas, Se tais equipatncntos são criados para cuidar da transmissão, instituetll, por isso, unla detenninada escuta. Essa escuta ''verdadeira'' C' um certo discurso psicanalítico são pedagogicamente ensinados, transmitidos nas Sociedades "oficiais" como os únicos que, realmente, representam a psicanálise; ganham foro de verdade única, absoluta e inquestionáveL Isto não é privilégio da formação ligada ã IPA, POL'as diferentes filiações vão determinar diferentes tipos de escuta e dL,cursos. Cada estabelecimento criado vai instrumentalizar a instituição da fOffiução de modo que fique encarcerada num determinado território, onde estão presentes o dognutismo. a escuta "verdadeira", a ortodoxia, a estrita observância a determinadas regrds do pensar/ fazer, o impedin1cnto da CTiaçlO,a pennanência da "mesnucc". Em suma, 01esmo aqueles que criticam a fonnação "oficial" vão, em muitos momentos - ou ctn quase todos - cair no dogma, na ortodoxia, no enclausuramento.
m-
PRÃTIC~
PSICANALÍTICAS43
Como exemplos do que foi apontado sobre as instituições formação analitica e "verdadeira" psicanáIL~e, utilizarei alguns acontecimentos como analisadores de tais institui\,'Ões. Minha intenção, ao descrever estas situações anali,adoras. é colocar no cotidiano alguns fatos que nos mostrem como efetivamente funcionam, como a..c; prática. e os dispositivos colocados a seus serviços di~ciplinam, normatizam, moralizam, cerceiam, acusarn, expulsam e se tornam cútnplices de UOlverdadeiro terrorismo. Citarei os casos Werner e Katrin Ken1pcr, o caSo Décio Soares de Souza, o caso Regina Chnaideffiun, o caso Helena Besserman Vianna e o caso Amilcar Lobo. o;;;
f
Estes acontecimentos se impuseram a mim na qualidade de analisadores espontâneos. Ao fazer muitas das cntrevist
!
Estas situações analL~adoras trazem "por si mesmas" "problemas" analiticos fundamentaL': "... poderão os clientes dos psicanalistas analisar a instituição psicanalitica e suas implicações' Poderemos saber com quem (com que agentes, com quai, implicaçües) nos analisamos'''''. 43
44
42
ALGUMAS SITUAÇÕES ANALISADORAS D~
Este item, com algumas modificações em sua parte inicial, foi publicado in: leitâo, H.S., Rodrigues, H.B,C. e Barros, R.D.R (Org-s.l. Gropos e lnsthuIçõe~ em Análise. Rio clt' Janeiro, Rosa dos Tempos,1992, 19~41, sob o título "A (de} Formação "psi": Alguns Analisadores", pp, 19-41. Rodrigues, H.H,C. "Psicoanálisis Y AnálisLsInstitucional". In: Boletln del Centro International de lnvestlgadone~ eu Psicologia Social Y (:rntpal, Rio de Janeiro, nº 10. julho/1987, 78-100,
p.93.
Castel, R. Op. dt., pr. 20 e 21
45
78
Idem, p. 88.
79
1 - O ANALISADOR
"As opiniões se dividem sobre essa qu~1ão. Alguns acbam que é mais digno a Sociedade, em sinal de proÜ!sto, se di.<.soliter, como fizeram os colegas holandeses numa ocasiào semelhante_ Atas
WERNER KEMPER
Werner Kcmper, membro da Sociedade Psicanalítica Alemà, dlega ao Brasil em 1948, dividindo a fOrn1açào analítica no Rio dc janeiro com Mark Burke (vindo de Londres um ano antes J. Em 19~I, separa-se de Burke e, eom seu grupo de analisandos, funda o Centro de Estudos Psicanalíticos do Rio de janeiro que, em 19~~, foi reconhecido pela IPA como Socíedade Psicanalítica do Rio de janeiro.
naquele momento, ainda bd um resto de esperança de poder salvar alguma coisa "4: (grifos meus).
Boehm relata que" ... os poucos judeus que ficaram na AlemanJla tOlnam a decisào ele se demitir da Sociedade", Os "poucos" judeus são IRmemhros, ".__simplesmente
que pretendo mostrar aqui,em hipótese alguma, liga-se às acusações que muitos psicanalistas, nestes Últinl0S anos - alguns da SBPRJ-,têm feito a Werner Kemper de ter participaclo do regime nazista. Pretendo, sinl, assinalar como sua permanência na Alemanha, após 1933 - por ocasião da subida de Hítler ao poder -, em realidade, mostra a onussào e a conivência da prática e da instituição psicanalíticas com o nazismo. O
Necessário se faz refletir um poueo sobre a história da psicanálise na Alemanha de 1933 a 194~ e as responsabilidades da IPA, de Ernest Jones e do próprio Freud com relação aos compromissos que vào sendo firnlados com o regime nazi.,ta. Em 1933, logo que Hitler sobe ao poder, há um decreto proibindo que judeus assumam a presiclência de estabelecimentos cientificos. É quando - por insistência de Freud- Eitingon (entào um dos presidentes da Sociedade Psicanalítica Alemã) deixa scu cargo. Freud e ErnestJones, assim como a IPA, consideram a proibição da psicanálise na Alemanha inevitável, luas aconselham que não se deve fornecer pretextos às autoridades alemãs"'. Ficanl como presidentes da Sociedade os não-judeus Drs. Felix Boehm e Carl Müller - B',lUnschweig. Dois anos depois, com a entrada em vigor das leis raciais, as pressões do Partido Nazista recrudesceul, exigindo a exclusão de todos os membros judeus da Sociedade Psicanalítica Alemà e, na presença de ErnestJones, a metade ele seus membros - que eram judeus - decide sair. Jones a respeito escreve:
eles, emigra
Infornuçôes retiradas do artigo de Drager, K. ~Obser\'ações sobre a Conjuntura e o Destino da Psicanálise e da Psicoterapiaru Alemanha entre [9.j3 e lQ49" In: Katz, C.S. Pslcanáll'ie e Nazismo Rio de Janeiro, Taurus,IQ8'5, ('.4-21.
30
da éjxJCu. () relato
"<\t>.
No ano seguinte, ctn 19.16,os nazistas confi"clm a quase totalidade das propriedades, livros c reviSlas da Editora Psicanalítica Internacional, em Lcipzig, e gr'Jdativamentc vê-se a í.TCSCCJlle arian.i7...ação da Sociedade Psicanalítica Alemã. Ainda em 1936, Boehm é infonl1ado pelo governo nazista de que não seria concedida pennissào a um instituto psicanalítico para ensinar c fomlar candidatos. Por pressão dos nazi')tas, a Sociedade Alemã desliga-se da li' A e ingressa no Instituto Goring (1nstituto Alemão de Pesquisa Psicológica e Psicoterapia, dirigido por M. H. l~oring), estabelecimemo psicoterapêutíco onde estavam todas as , correntes <;psi"alemãs. "Na cspcran~:a de sobreviver como departamento autônomo (..,) os psicanali<;tas aí trabalham c oficialmente continuam com seus consultórios particulares"49. A Sociedade Psicanalítica Alemã faz parte do Instituto (;oring so" o nome "Grupo de Trabalho A", sem que seus membros possml1 se intitular analistas, sendo o vocabulário psicanálitico omitido e mesmo proibido, e apenas os chamados "tratamentos didáticos" realízac!os. Neste rnstituto, as obras de Freud são trancadas e os e::mclidatos só podenl consultá-las através ele pedido assinaelo'ifJ. 4"'
46
a 11U1ade de lado.s os associndos
de Boehm pretende dar a impressão de que osjudeu", têm naquele momento a possibilidade de escolha de se demitirem e.\pontaneamente ou fiearUgados Cl.mciedade cientifíea. () relato se torna, jJ01'ém, totalmente questionà1lC1 s(' til'cnrlOS em mente ( ) que, na mesma reunião, o analista alemdo fJr Kamn, ndo judeu.. df:?nite-se em P1Vtesto â demÍ';sao dos colegas judeus, e. como
48 49 ')()
Idem, p. 11. Brainin, E. e K.1miner, 1.]. "Psicanálise e t'oía:dsmo" In: I0[Z, CS. Op., dI. 23-46, pr. l'5 e 26 Drager, K. Op. cit., p. 16. Lohnunn, H.M. e Rosenrotter, L "Psicanilise tu Alemanha Hitlerista: Conlu Foi Realmente?" [n:
81
Em 1938, o governo nazí,ta dL"olvc o que resta da Sociedade Psicanalítica Alemã, enquanto socic,bde oncL~lmente regi,trada. C. Müller -Br,wnschweig é proibido de ensinar e ser publicado: Bochm, de realizar análises didáticas. Reuniões científicas nas residências dos analistas são proibidas; só são pennitidas no Instituto (J-oring. Todos os compronlissos e submissões ao nazí,mo não impedem a dL"olução da Sociedade Alemã. "Como ;ustificatil'a para o com/Jottanu-7lto dos analista\' alerndes duranie o nazIsmo, sempre se u.sa a ··sal(.'açào" da Psicanálise /'vao se trata, no entanto, unicamente da Psicanálise a prôpna segurança e a posiçdo sodal ligadas a ela têm que s(!r sallJas a qualquer preço ,,';1.
aqueles que pemunecerarn foranl, no nlÚ1irno, omissos e outros, coniventes, em troca de vantagens, favores profissionai" e pessoai". A própria p"ssividade de rreud, "submissão de Ernest Jones - na época presidente da II'A - e a crenp 113neutralidade da psican:ílise são fatores, a meu ver, que tnuito contribuem para que-os psicanali.,tas alemães tenham essas postura') de omi'ssào, conivência e mesmo adesão ao regime nazista, O estudo feito por Katz" sobre as publicações oficiais da 11'A, no período de 1933 a Ii'i, mostra como, sob a capa da neutralidade, os tema.')tratados são sempre "al)stra.tos","desenl-amados", estando ausentes "a política e a hi"tória concretas".
O Instituto (~oring funciona com lO seções, sendo que quatro delas são dirigidas por psicanalis13so Wcrner Kemper dirige a Policlinica; 13oehm. o Setor de Estatí'tica c Avaliação: Müller - Braunschweig, o de Material e Planejamento de Ensino e, finalmeote, a Sra. Kalan Von !lofL',
·'É verdade que não fica bem ã lPA relembrar certas queslõf?s Afinal, neutralidade e o que se c:\.'igepara a e:ds((,~cia de uma boa Psicanálise, Por exemplo, se a leitm' ~aminar qualquer numero do IJP da época. mesmo que k-1a atentamen/(' os relatót'ios da Socú?dade Psicanalítica Hindu, jamai<; saberã que a india em L-7ltaocolonizada pelos ingleses. Se um pesquL"adot' estudasse a Índia pelos infor'mesda JjP, ou jJe/os at1igos troricos ali publicados, nunca saber'ia que seus psícanali.sta'i eram memhros de uma Sociedade>psicanalitica de um pais colonizado Qual a bistória dos sujeitos que ali se ,.euniram~ Como eles pensaram as temtas psicanalistas? Do m.esmo mod.o que os colonizadores?"'>'.
o de Psiquiatria Forense. ,,()'nstituto Ganng eMá entrelaçado como F.stadof\,"azistu, apesar de apena~ 5% dos seus associados sen>m membros do l..•~5DAP (Partido Nazista) ( j A ainica ,S.,citll- dinRida, por KemlJerexerce importante papel nl' Instituto, n'Cehendo o nome de lnstitutçao para os Com/Janheiros do POI!() de Poucos Recursos ( ). Segundo Kemper, o traIJalbo na Clínica não é influenciado pelos n
')1 ')2
c.::;.
Op. ciL, 4{)-"':'').
Brainin, F..•.•Kamin<.er,l.J. Ur. cit., p_ ,Yt Lohmann, 11.M.e Roscnrotter, L, ()p. cit., p. 66 82
Qoando, em 19ljH, W. Kell1pcr chega ao Brasil. enviado pelo próprio EmestJones, nenhum elos médicos que, na época, fazem fOl1na,'ào analítica, pergunta por que somente após a derrota do nazismo este . psicanalista resolve emigrar. Nenhuma pergunta, nem mesmo curiosidade em se saher como viveu por 12 anos este diretor de 1I1naPoliclmica ligada ao ES13do Nazista. Os fatos aí estão, cabe a cadJ um meditar sobre eles e avaliar () quanto a "verdadeira" psicanilí,e que se implanta nos anos 'i0. no Brasil. tem de alienaçào, pseudodespolitizaçào e, principalmente, de COItlpronlisso com os regimes ditatoriais, o que veremos melhor nas duas últimas situações analisadoras. Em 1967, W. Kemper volta para a Alemanha, deixando no Brasil sua mulher, K. Kemper, e seus fiUlOS.Morre em 1976. 53 Si
Katz, C.S. "N3.zismo e Psicanálise: Outras Rdações" Idem, r· 198.
In:
Oro cil.
2 _ O ANAIlSADOR
ANNA KATIRIN
KEMPER
Mesmo antes da SPR] ser reconhecida oficia~nente pela lPA, W Kemper já coloca como didata sua mulher, Kattrin Kemper, no Centro de Estudos Psicanalíticos. Nenhun1a contesla~'ão ocorre, InesnlodepolS da fundação da SPR]. Anteriormente, o grupo argentino, o de M. Burke c o dos anali,tas formados em Londres que vêm dar na SBPR] já haviam levantado tal questão, pois ",., o [)r, KemfJr!f estimula e protege o trabalho da Sra Kemper como psicanalísta e anali.'1ta didata Nilo /)()ssui ela, entre.tant~~ qualquer titulo de medica, psicóloga ou de psicanalista -',a qualificada pela rIJA,e hal}ia sido apresentada, ao chegar ao Bm.'iÜ, simplestnente como grqfóloga "5).
Quando W. Kemper, em 1967, retoma à Alemanha, imediatamente a direção da SPR] faz uma denúncia à IPA contra a didata Katnn Kemper. Alguns psicanalistas da SPR], entrcvistados, afirmam que a pennanência de Kattrin nessa Socicebde era indeseiad~ e ~)S argumentos utilizados são os mesnlOS acitna defendidos por Manalzlra Pcrestrel1o: nào é médica, nem psicanalista. nem ao menos psicóloga; em suma, nào lenl condi\-~õesde ser uma didata. Por que flca por nlais ele 10anoS nesta condição' Por que ninguém da SI'H], antes ela partiela de W. Kemper, ousara levantar taL
Perestrello, M. História
da SBPIU= Sua.'l Origens
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e l\mdação.
()p. cit., p. ·18.
I
de psicanálise, de sua ternura pessoal e liderança. Em 1968, diante das pressões da SPR], Anna Kattrin Kemper retirase, após Unta séria crise institucional, acompanhada de sete de seus analisandos e, em 1969, funda, com sua equipe de supervisionandos, o Instituto Brasileiro de Psicanálise, com o apoio de 19or Camso, psicanalista do Círculo de Viena que, na época, estava em viagem ao Brasil. Em J 971, este e"stabelecirnento passa a chantar-se Círculo Psicanalítico da Guanabara. Alguns entrevistados atribuem a saída de Kattrin Kemper da SPR] às diferenças teóricas, visto que, inicialmente, a prinuzia era do grupo alemão e, com a volta de Werner para a Alemanha, o grupo britânico passa a dominar, o que gera a crise na SPR]. Discordo de tal enfoque, pois é o mesmo já assinalado anteriormente: tenta-se, através de diferenças teóricas, mascarar e n1esmo escamotear diferenças muito maiores, diferenças que se localiZam em outros niveis - o nível das práticas de poder, de prestígio, de produção de subjetividades, do que é ser um psicanalista, que lugar ele ocupa e, portanto, que posturas deve assumir em sua prática profJSsional e mesmo em seu cotidiano. Não se trata de diferenças teóricas, ntaS de transgressões, de práticas diferentes e divergentes que não são pennitidas pela "verdadeira" psicanálise. Alguns de seus ex-analisandos, apesar da importância que llie dão, aceitam as subjetividades dominantes no meio "psr' e reconhecem que Kattrin é "parcial", tendo um estilo próprio de trabalho que permite algumas críticas como a quebra da neutralidade do setting, embora tal quebra, em algumas situações, os tenha em muito ajudado. Anna Kattrin Kemper, já antes da fundação do Círculo Psicanalítico e da Clinica Social de Psicanálise em 1972 , possui Unta vasta clientela em seu consultório, sendo unta profissional reconhecida no meio "psi" carioca nos anos 70. Como exemplo de sua flexibilidade e abertura com relação à psicanálise, há o caso das supervisões que dá na Clínica Social de Psicanálise aos coordenadores de grupos de crianças. Dentre estes, está o cartunista]uarez Macltado que não é "psi", mas, por sua criatividade e interesse por crianças, coordena um grupo. Para a "verdadeira" psicanálise e para a forntação analítica então instituídas, onde somente alguns "eleitos" têm o monopólio da psicanálise, é um crme, unta heresia a postura de Kattrin, que só passa a ser 85
questionada após a partida do "Mestre" para a Alemanha. Kattrin Kemper morre no Rio de Janeiro, em 1978.
3 - O ANAliSADOR
aiguns, levou-o a cometer certas atitudes "indL.cretas" - e sua vitalidade fazem sombra a muitos didatas da SBPRJ. Em 29 de março de 1965, em reunião do Conselbo Diretor, são "... arroladas as infrações cometidas pelo Sr. Pro! Décio Soares de Souza, que levaram o Conselho a decidir, em sessão de 07 de abril
DÉCIO SOARES DE SOUZA
de 1965, a aplicar àquele colega a penalidade de EHmirMção, nos termos do artigo 21 dos Estatutos da Sociedade'J59 (grifo contido no próprio documento).
o
Dr. Décio Soares de Souza, formado em Medicina pelo Rio Grande do Sul, em 1929, exerce até 1950 o cargo de catedrático em Psiquiatria, quando vai para Londres lazer formação analítica na Sociedade Britânica de Psicanálise. Em 1955, recebe o título de psicanalista de adultos e crianças e fIXa residência no Rio de Janeiro, iniciando suas atividades analiticas'" Além do consultório, trabalha na Cünica de Orientação da Infância (COI), ligada ao Instituto de Psiquiatria da antiga Universidade do Brasil, formando psicanalistas de crianças. Orienta também vários colegas no Rio de Janeiro, assim como psicólogos em seus trabalhos de consultório com crianças. Como membro associado da Sociedade Britânica de Psicanálise em 1957, toma-se didata da SBPSP. Sob o patrocÚ1io desta Sociedade ~ junto com Walderedo Ismael de Oliveira (que também se tomara didata da SBPSP, pois era membro associado da Associação Psicanalítica Argentina, onde fizera sua fOl1llilção) e outros colegas, funda um Study Group reconhecido pela IPA em 1957'7 Este Study Group transforma-se na SBPRJ, em 1959, ao ser reconhecida oficialmente pela IPA. Por sua fOl1llilção em Londres; Décio traz grande influência de Melanie Klein, e, na SBPRJ, torna-se uma das figuras mais lmPortantes na divulgação e expansão do "kleinianismo" nos anos 60. Em 1961, millistra, na PUC/RJ, um curso de extensão sobre a "Escola Inglesa", que é considerado o primeiro trabalho de sistematização teórica na prática da psicoterapia Infantil". Vários psicanalistas cariocas entrevistados aftrmam que Décio vai se transformando em figura central do grupo kleiniano no Rio de Janeiro e dentro da própria SBPRJ, possuindo uma grande clientela em seu consultório particular. Seu sucesso - que, para 56 57
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Dados colet:ados na BiografIa e Currieu1umVitae dos fundadores da SBPRj. In: Perestrello, M. Hlst6riada SBPl\I. Op. cit., pp. 83 e 84. Neste Study Group estavam o grupo de M. Burke, que ficara no Instituto Brasileiro de Psicanálise, o grupo argentino que fundara a Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro e analistas com formação em Londres (o caso do próprio Décio). Citado por Figueiredo, A.C.C. Op. dI.
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I
Com vocabulário típico de um processo criminal, o Conselbo Diretor da SBPRJ não explica aos cinco analL.andos do Dr. Décio que "infrações" cometidas levam à expulsão de um dos fundadores da Sociedade. Nas entrevistas feitas com dez psicanaiistas ligados à SBPRJ notase que o "caso Décio" aÚ1da Ú1comoda a muitos deles. É tratado como tabu e poucas infol1llilções são passadas, sendo que alguns dos entrevistados enfatizam que este fato deve ser esquecido e solicitam que não seja divulgado"'. QuaL. as "Infrações" cometidas pelo Dr. Décio que, em realídade, encobrem a disputa de poder e prestígio que ocorre na época dentro da SBPR]?O Dr. Décio é acusado de beber em demasia, atender a clientes alcoolizado e ter tido um romance com uma ex-cliente, na época "aspirante" a anaiista na SBPR]. Esta candidata, inclusive, é chamada para prestar "esclarecimentos" ao Conselbo Diretor sobre seu envolvimento ocorrido fora do Brasil- com o Dr. Décio. O próprio contexto politico da época, segundo alguns entrevistados, contribui para a expulsão de Décio, pois é um liberal, com posições politicas bem diferentes das da maioria da cúpula da SBPR]. "Nestemomento, no Brastl, vive-se sob a ameaça de '~tosInstitucionais" estabelecidos peJo poder militar, que sumarla1tUmte demitem de suas atividades professores, cientistas, militares e expulsam estudantes das escolas e universidades"61.
Mera reprodução 59 6') 61
de um contexto autoritário ou algo mais' Ou
'frecho de carta enviada aoS analisandos do Dr. Décio, em'09/04/1965, mimeogr. Explica-se, assim, a não vinculação de qualquer nome. Todavia, a meu ver, o fato merece registro. In: Psyche. Stuttgart, K1ett-Cotta,cf- 11, Vianna, H.S. PsychanalyseundPolilikinBrasmen. vaI. 42, november88, 997-1015, p. ]003.
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algo a ver com os dispositivos normatizadores, disciplinares, morais e sexuais produzidos e fortalecidos pela prática psicanalítica e pelas instituições que ela instrumentalizai Somente com um voto contra, Décio Soares de Souza é expulso da Sociedade que ajudara a fundar. Alguns rótulos, à guisa de explicações, são apresentados por alguns entrevistados: o Dr. Décio não tem uma atitude humilde diante das acusações que lhe são feitas; ao contrário, de réu tenta colocar-se no lugar de acusador. Não aceita a possibilidade de se reanalisarj ao contrário, mostra-se extremamente agressivo. Diante disso, af=, ele próprio não deixa outra altemativa ao Con~elho Diretor da SBPRj a não ser sua expulsão. Ele "saiu fora" da psicanálise, cometeu infrações contra ela e, com isso, está denegrindo-a, completam alguns entrevistados. Este caso é espinhoso e até hoje continua escondido, não havendo sobre ele nada oficial na SBPR).Tanto que na biografla de seus fundadores, apresentada por Marialzira Perestrello", não há referências sobre a expulsão de Décio Soares de Souza. Oficialmente, na hL~tória desta Sociedade, isto não ocorreu. Os cinco analisandos de Décio, ao serem comunicados da expuL~ão dele, em maio de 1965, encaminham carta ã Diretoria do Instituto, estranhando: 1 - não terem sido convocados para o irúcio do ano letivo de 1965, estando, até aquele momento, impedidos de comparecer aos cursos regulares do Instituto; 2 - a forma como são eliminados do corpo discente do Instituto, sem qualquer justificativa; 3 - a comunicação de que a análise pessoal feita com o Dr. Décio não é mais reconhecida pela SBPRj". Diante da não-resposta a esta carta e da violência cometida, os cinco analisandos de Décio, que já se encontram no 2º ano de formação, saem da SBPR). Até porque o Dr. Décio, após ser comunicado de sua exclusão, entra com recurso e, em 21 de maio de 1965, a Assembléia Geral Extraordinária da Sociedade - onde somente os membros titulares podem comparecer e votar - mantém a penalidade. Alguns desses analisandos continuam a análise pessoal, com ele, fora da SBPR). Ao relatar o "caso Décio" como um analisador das instituições formação analítica e "verdadeira" psicanálise, não pretendo salientar a 62 Perestrello,M.Op. dto 6:3 Carta à Exma. Diretora do Instituto e Secretária da SBPR], maio/ 1965, mimeogr " pp. 1, 2 e 3. 88
questão moral embutida neste acontecimento, que é a mais enfatizada por todos os entrevL~tados, mas - e os fatos narrados falam por si sós os dL~positivos de coerção presentes na formação e na prática psicanaliticas. Apontar como essas práticas de submissão, violência, ocultamento, silenciamento, sprit de corps, estão presentes em tal ocorrência; que visões de homem, de mundo e de ética são produzidas, enfatizadas e alinlentadas por tais instituições. O Dr. Décio Soares de Souza, apesar de sua expulsão da SBPRj, permanece até sua morte - ocorrida em 1970 - como didata da SBPSP. Somente em 1986, sua fotografia é colocada na galeria de retratos dos ex-presidentes da SBPRj"'. 4 - O ANAliSADOR REGINA CHNAIDERMAN Regina Chnaiderrnan, nascida na Bessarábia, brasileira desde criança, faz sua primeira graduação na Escola de Química da USP, formando-se em 1944. Traballla no Instituto Adolpho Lutz, no Instituto Butantã e em várias escolas particulares de São Paulo, como o Roosevelt, o Bandeirantes e o Dante Alighieri. Sempre cercada pelos alunos - Betty Milan é uma delas - nesses tradicionais colégios paulistas - já nos anos 50 - tem posturas disruptivas com relação ao tradicional sistema educacional. "Muitos dos alunos dessa época ainda lembram daquela figura matriarcal entrando nos laboratórios de Química"". Casada com BorL, Clmaiderman - engenheiro agrônomo que abandona a profIssão para ser expertem literatura russa, chegando a ser um conhecido professor da IJSP -, tem dois filhos: Miriam e Carlos. Apesar de gostar muito de Química, tem um "encantamento especial" pelas pessoas, o que a leva, em 1961, a fazer o Curso de Psicologia na LJSP.Desde os anos 50, também interessada por Filosofla, participa, durante anos, de um grupo de estudos com Anatol Rosenfeld"". Em 64
6'; th
J""
ocone poc pre"ão de alguns pSicanali"",. Ve, sob,e " ",sumo carta da an. 00," Beal"z Pontes de Miranda Ferreira ao presidente da SBPRJ, Dr, Paulo Roberto Saubermao, de 09 de dezembro de 198'5, mimeogr. Lando,V. "Regina Uniu Cabeças e Corações~. In: Folha de S. PaulolDustr:ada, 30/01/198'5, p. 39. Professor de FilosofIa, alemão e judeu perseguido pelo nazismo. Estudou na Universidade de Berlim e quando chegou ao Brasil teve várias ocupações: desde trabalha.r na enxada numa fazenda de café perto de Campinas até ser caixeiro viajante, colaborando em revistas estrangeiras de Iingua
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periódicas reuniões, ali tudo é discutido, desde os rumos das artes e da cultura até assuntos f1!osóficos específicos. Simpatizantes dos movimentos de esquerda desde o pós-guerra, Regina e Boris, muito próximos ao Partido Comunista, tornam-se intelectuais brilllantes, pois têm uma incrível voracidade de conbecimentos, através dos livros, cinema, teatro artes plásticas ou música. Ainda no 3° ou 4° ano do curso de Psicologia, Regina é convidada para lecionar Psicologia Social na USP, o que faz de 1964 a 1966. Durante sua graduação, é aluna de vários psicanalistas da SBPSP, professores no Curso de Psicologia da USP como: Durval Marcondes, Lígia Alcântara, Judith Andreucci, Ferrari, Ferrâo e outros, todos eles didatas. Torna-se muito amiga de [saias Melsohn, que, posteriormente, será didata dessa Sociedade. Quando, em 1%5, abre seu consultório - por influência do próprio Melsohn -, solicita entrada na SBPSP para fazer formação. Pelos Estatutos, para o profissional nâo-médico ou psicólogo - na época Regina ainda nâo está formada em Psicologia - que pretenda fazer formaçâo analitica fica a critério da Comissâo de Ensino a aceitação ou não do candidato. Regina não é aceita e não há explicações do porquê. Em 1966, já formada, passa a lecionar Psicologia no Sedes Sapientiae e no Curso de Psicologia de Mogi das Cruzes. E novamente solicita ingresso na SBPSP. De novo seu pedido é negado, sem qualquer explicação. Sua filha, Mirian Chnaiderman67, relata que Regina fica muito deprimida e que, posteriormente, elas são informadas de que nesta segunda vez em que é recusada pela Sociedade "oficial" é feita a seguinte pergunta por algum didata do Conselho de Ensino, quando se discute a sua entrada: "quem poderia ser analista de Regina Chnaiderman'" Além de ser uma pessoa declaradamente de esquerda e ter tido vínculos com o Partido Comunista nos anos 40 e 50, Regina sempre teve um pensamento muito próprio, tentando juntar Freud com a Filosofta e não isolando a leitura do inconsciente do contexto histórico e social. I
"Afinal, os ditames (. _.) ortodoxos da Sociedade representavam exatamente tudo aquilo que ela sempre combateu. Em primeiro
67
alemã. Critico literário e grande amigo de Regina Omaidennan. Morto em 1974. Sobre o assunto, ver: Omaiderman, R. "Pensando em AtutoI Rosenfeld". In: Folha de S. PaulolFolhetim, 15/011 1984, pp. 3 e 4. Em duas entrevistas dadas a mim.
90
lugar, pela elitização a que, em sua opinião, tais regras condUr ziam. Em segundo lugar - e acima de tutÚJ- peJa perda do potencial criador e transformador
que uma leitura limitada de
Freud pode determinar,<68.
Apesar de sua posição singular e bastante diferente daquela praticada pelos analistas da SBPSP no que respeita aos rituais e dogmas analíticos presentes na formação, e com relação aos preços cobrados (tanto na terapia, quanto na supervisão), Regina sente profundamente esta segunda exclusão. A força e o poder da formação instituída nas Sociedades "oficiais" é um fato e, mesmo para uma pessoa como Regina, isso pesa, e muito. Por alguns anos, mesmo já tendo um consultório concorrido e numerosos grupos de estudo e supervisão, receia autonomear-se analista. A partir dessa segunda negativa, Regina resolve lançar-se profundamente nos estudos sobre a obra de Freud e percorre todas as principais linhas existentes, da escola inglesa (Melanie Klein) à francesa (Lacan), o que resulta num "estilo próprio" de fazer psicanálise. Desde meados dos 60, reúne, em sua casa, dezenas de estudantes de Psicologia e psicólogos em sentinários abertos. Cria o famoso "grupo dos sábados", no qual estáo presentes Betty Milan, Flávio Herrmann, Marilena Carone, Marisa Tafarel e toda uma geração de psicanalistas que têm em Regina sua "primeira mestra"fj). Não por coíncidência, muitos de seus pacientes, principalmente nos anos 60, são pessoas não-gratas ao regime militar, perseguidos, exilados, ex-presos políticos. "Regina proporciona (a eles) um apoio além e albeio ao perimetro psicanalítico"?O Em 1968, tanto ela como seu marido e filhos - na época militantes secundaristas - participam das passeatas estudantis. Seu fJ1ho, mais tarde, entra na clandestinidade e luta armada, tendo vivido exilado em Cuba até a anistia em 1979. Boris Chnaiderman, professor da USP, em 1969, é preso algumas vezes quando o Exército invade a Universidade, após o AI-S. Ainda em 1968, Regina faz formação psicodramática com a equipe de Bermudcz e participa ativamente do Congresso Internacional de E8 (f) iO
Lando, v. Op. dt. Relato de Marilene Carone in Lando, V. Op. dt. Lando, V. Op. dt.
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Psicodrama e Sociodrama realizado no MASP. em 1970, durante o período mais terrível da repressão militar. Faz parte do Grupo de Estudos de Psicodrama de São Paulo até 1971. Todavia, permanece com sua base teórica psicanalítica aberta a novas técnicas, criando um estilo próprio. Em 1972, inicia os grupos de estudos sobre Lacan, com o apoio da mósofa Marilena ChauÍ. É de Regina e Miriam Chnaiderman a primeira tradução de Lacan para o português nesta época. Quando Miriam se fonna em Psicologia, no ano de 1973, aluga, com alguns dos que estudam com Regina, várias salas no mesmo prédio em que sua mãe tem consultório. Inicia-se, então, um trabalho tipo "cooperativa": clientes que não podem pagar são aceitos, colegas que estão em dificuldades são ajudados através da distribuição de clientes, etc. Nas reuniões das terças-feiras com Regina, além das supervisões, são feitos estudos de caso, em que se debatem desde os preços a serem cobrados a determinados clientes, até os enfoques teóricos utilizados em cada caso. Segundo Miriam, discutem-se as regras analíticas instituídas, pois já é claro para Regina e seu grupo que estão contra o modelo da "verdadeira" psicanálíse.
lnstituto de Formação de Terapeutas. Desta idéia, inicialmente arrojada, cria-se, em 1976, o Curso ele Psicoterapia Psicanalítica. Os acontecimentos deste curso no Sedes, a pressão da SBPSP por consíderá-lo uma formação paralela e a sua divi~ão em dois cursos serão relatados adiante, no item VT deste Capítulo. Em 1976, com o golpe militar na Argentina, muitos psicanalistas argentinos vêm exilados para o Brasil. Em São Paulo, Regina foi uma daB figuras mais importantes no sentido de auxiliá-los. Por seus depoimentos, percebe-se o apoio que lhes deu e muitos passam a dar aulas no Curso do Sedes, como Ana Maria Segal, Mário Pablo e Lúcia Fucs, Silvia Alonso Espósito e outros. Todos são unânimes em afinnar e enfatizar que, acima da indiscutível inteligência, sabedoria e informação, Regina foi
Esse chamado "estilo próprio" de fazer psicanálise traduz-se na crença de que "a análise é um processo de desalíenação", pois
Regina Chaiderman morre c1e câncer em 1985, depoi~ de uma enfermidade de dois anos. Faz cirurgia, vai ã Europa para tratamento e quando volta - já em cadeira de rodas, pois está com metástase na coluna - continua trabalhando no Sedes e em seu consultório.
um arsenal de generosidade, ao qual todos, nos piores e melbores momentos, puderam recorrer e foram recebidos, literalmente, de braços abertos. Mais do que qua!quer atuação ou
ideologia, será o carinho sempro atento, a lacuna aberla no centro das centenas de pensamentos epensadores controvertidos que Regina conseguiu reunir em tomo de si "h.
. os pacientes não são materiais de análi.'Ie a explorar como fontes de teon'zaçiio ou a transformar em indüJíduos normai.'i_Os pacientes têm que sejazer, se auto-a1ertar, e pelo processo analítico, criar um novo segmento de sua história e, no caso mais geral, aceder peta primeira vez explicitamente a uma bistorieidade ao mesmo tempo singular e coletiva. !s/o fi criação (.__J É neste se jazer que o analista coopera - é este o fazer do analista"
"ARegina já não está. Sempre atenta ao sofrimento alheio, generosa no consolo, fez pouco da doença que a afetava ensinando a tirar o má..'drnoda fugacidade da vida Ninguem cultivou como ela a amizade, aproximou tantas pessoas. lndkou-me o pn°meiro analista. didata da SBPSP, efoi na sua casa que pnomeiro ouvi falar de Lacan - ela então recebia um membro da Escola rnudiana de Paris, Aberta a todos e às várias correntes, promoveu a P.skanáJtse atmais do encontro. Quem viesse de fora da cidade, cedo ou tarde, chegava nela, que sabia acolher e apresentar; era uma anfitnoâ nata. Valorizando o l!.rasi1,pennitiu-nos conhecer o que se fazia na França e também nos outros países latino~americanos (., ,)
Da mesma forma, para Regina, o ensino da Psicanálíse .. é um ato psicatullftico e é um projeto de desalienação DesaJíenaçiio desta vez não do sujeito analisando, mas desalietulção do discurso que se tem sobre o saber psicatullftú;o ••71 (grifas meus).
Em 1975, Roberto Azevedo e Regina Clmaidennan são chamados por Madre Cristina, do Instituto Sedes Sapientiae, para organizar um 71
Clmaiderman, R. ~Política de For.maçâo em Psicanálise: Alinhavando Algumas Anotaçôes de leitura", In: Pen:urso- Revlsta de Pskanálise. São Paulo, Sedes, Ano 1, nº 1, 2" semestre de 1988, 111'5,pp.12e 13.
92
(... ) Não trilhou o seu caminho facilmente: pela sua indepen~ dência, viveu uma dura exclusão no início da carreira. A SBPSP recusou-lhe a entrada Mas era feita de muitos fi51egos e foi em
I
72
Lando, v. Op. cito
93
"somente pessoal" e "oralmente as explicações serão dadas". Após várias cartas nas quais a Dra. Helena não aceita as referidas "explicações orais" - mas admite que o assunto tratado deverá ficar registrado em Ata -, uma reunião., em que ela somente poderá ouvir, é marcada para 24 de jLlnho de 197~. Assin1 a descreve a Dra. Helena:
.frente, dedicando-se ininterruptamente à transmissão da Psicanálise. Antes de dirigir o curso no Sedes sa.pientiae, formou meio mundo na própria casa, insistindo numa leitura rigorosa de Freud. C..) A sua vida passou decisivamente por muüas outras, que ela alentava nos momentos de crise. Várias eram as cantigas de ninar que a mãe grande conhecia. e podia cantar. Daí os tantos
filhos
"Bati na porta da Biblioteca efui recebida por um dos membros do Conselho, que, após os cumprimentos de pr{4w, informou-me que, por decisão do Conselho, eu deveria sentar à mesa sem minha bol,a e minha pasta, que deveriam ser deixadas em cima do arquivo situado ao lado da porta {,..J Entreguei minha bolsa e minha pasta e encaminhei-me para a mesa. Ainda sem sentar-se, disse que me seria muito dificü ali permanecer sem cigarros e sem óculos. Acompanhada pelo mesmo membro do Conselho, retomei até o arquivo, onde abri minha bolsa e, sempre observada, retirei dela cigarros, isqueiro. óculos e uma caneta (. ..). Um dos membros do Conselho, sentado diante de mim, revoltJia acintosamente r. ..) uma pasta grampeada, que tinha em seu frtmtispkio utntl lista verde-amareÚl e as conhecidas iniciais ( ..)DOPS C_.) Eu era acusada de denunciar um torturador ..75 (grifos meus).
Regina jazia tudo à sua moda" era única e vai faltar. Ninguêm pode ser como ela,. pode, no entanto, se valer do exemplo, cultivar a diferença e a tolerância Quem foi ao enterro viu que ela reunia amigos "dí<;jJares".Os gregos e os troianos, por assim diZer, foram se despedir dela, Ali estavam intelectuais, analistas de todos os grupos e de diversas na<:ionalidades. Ali estavam congregados os membros de uma tribo nascida do amor ã tribo da Regina"'!>.
A diferença, a multiplicidade de facetas, o constante questionamento, o desafio que era Regina Chnaiderman não cabiam na SBPR]. "Quem iria analisar Regina Chnaiderman?"
5 - O ANALISADOR
HELENA BESSERMAN
VIANNA
A Dra. Helena Besserman Vianna é membro associado da SBPR] desde 1970. Em 197~, requer inscrição como Membro Titular, solicitando marcação de data para apresentação de seu trabalho (conforme o previsto nos Estatutos). Seu pedido é negado por unanimidade pela direção da Sociedade, tendo em vL,ta () artigo 13: "Ao considerar a admissão de Membro em qualquer categoria, o Conselho deverá ter em mente se o mesmo preenche as condições exigidas quanto ã integridade de cardter, os padrões éticos e têcnicos"74 (grifos meus).
I'
Além desta acusação - a de ter denLlnciado o candidato a psicanalista da SPR],Amilcar Lobo, como membro dos órgàos de repressão, atuando no DOI-COD1/R] - a Dra. Helena é acusada de plágios num anigo publicado no IJP(Jornal Internacional de Psicanálise) e num resumo feito sobre um psicanalista uruguaio. Por ocasião. da visita de Bion ao Rio de Janeiro, em 1974, numa conferência pública, é criticada por ter feito, "numa posturd politica já conhecida", uma pergunta sobre a aceitação para analista de uma pessoa comprometida com atrocidades a seres humanos. E, finalmente, ter a referida psicanalista uma "... posição politiea conhecida e ser devidamente registrada no DOPS, desviando-se dos padrões éticos exigidos de "neutralidade" no exercicio proflSsio.nal"" (grifos meus). A famosa denúncia, feita em 1973 à revista Questionamos nº 2, coordenada pela psicanalista argentina Marie Langer, co.ntra o médico
Solicita, ainda, o ConseU10 Diretor da SBPR]que o assunto fique em total sigilo. Sem compreender, a Dra. Helena responde que se encontra apta a prestar quaLsquer esclarecimentos sobre sua pessoa. A psicanalista é, então, convidada a comparecer a uma reunião reservada com o Consellio Diretor, pois, tendo em vista a natureza confidencial do assunto,
7)
73 74
76
My1an, B. "Uma Grande Mãe e Anfitrià Nata" In: FolhadeS. Pau1o!llusttada. Op. cit., p. 39. EstatutosdaSBPRJ,p.10.
94
Vianna, H.B. Op. cit., p. 1010.Sohre o assunto, ver também: Vianna H.B. Carta aMeusCulegas Psicanalistas, 1986, mimeogr.; Cerqueira, G. (Org.J. Crlsena Psicanáli'le. Rio de Janeiro, Graal, 1982 e Vianna, H.S. Não Conte a Ninguém. .• Contribuição à História das Sociedades PsicanaIiticas 00 Rio deJanelro. Rio de Janeiro, lmago, 1994. Vianna, H.R "Psychoanalyse and Politik In Brasilien" Op. cit. Rio de Janeiro, 1994. p. 10[3.
9,
Amilcar Lobo, chegara através do jornal do peB VOZ Operária, na qual havia algumas linhas manuscritas. As duas Sociedades cariocas, através de exames grafológicos, concluem que a autora é a Dm. Helena B. Vianna. "Claro que, entre todas estas descahida.ç
acusações,
até muito pouco
habilmente anuladas para encobrir a questao pn'ncipal, ressalta a acusação de ter havido uma "denúncia
calunio.'>a" contra
um
membro de outra sociedade. Um anali.çta didata defende seu paciente acusado de ser torturador com a tese de que estas calúnias sao provententes de forças ocultas que desejam destru'ir a Psicanálise Contrata um perito em grajàJogia pe1tencente a órgdo governamental para analisar a grafia de todos os analistas das duas Sociedades e este conclui (..,) a autonOa da letra que fizera a denuncia. Em seguida, decidem, em âmbito restrito e sigiloso, ser necessário 'salvar" a Psicanálise e suas instituiç6es a/raués de punições contra o denunciador O cnOminoso ndo ma!" seria o autor do crime, mas o r...) acusador do c1ime e do cn'minoso" 77 (grifo meu).
No mesmo ano, Helena vai a Londres conversar com a direção da IPA e muito depois fica sabendo que, desde a publicação da denúncia na Argentina, em [973, há toda uma correspondência da IPA com as duas Sociedades cariocas sobre o caso Amilcar Loho. Apesar de uma série de denúncias feitas, como a de René Major, na imprensa francesa, a da Universidade de São Frand,co, nos EEUU, e de virios psicanalistas espanhóis e canadenses ã IPA, esta prefere "aceitar" a palavra do então presidente da SPR], Leão Cabernite, de que taL, acusações não passam de interesses ocultos para denegrir a psicanáIL,e. Seu paciente é inocentado das acusações feitas e a acusadora do crime torna-se a criminosa. Alguns dos envolvidos nos acontecimentos, ao serenl entrevi..c;tados, utilizam, à guisa de explicações, alguns argumentos como: Leão C~hernite gamntiu para a SBPR] que Lobo mo era torturador; ou: Helena Vianna tinha um gravador dentro de sua bolsa, por isso não lhe foi permitido portá-Ia durante a reunião. Ou ainda que Helena levou o co.,o para o lado político e ele não tinlla esta conotação; ou que He[ena tem dificuldades de convivio humano, ela é muito exaltada politicamente e suas declarações criaram um mal-estar entre as duas Sociedades do Rio de janeiro. Ou seja, a questão é a Dra. Helena Besserman Vianna, que, nUll1ato corajoso, denuncia a cxi..<;tênciade um membro dos órgãos de
repressão como candidato a analL'ta, e não o fato de este "aspirante" ser efetivamente elemento de confiança da repressão. Isso não é tão importante quanto a atitude da Dra. Helena; esta, sim, com suas acusações, macu[a a psicanálise. Ainda em 1975, após retornar de Londres, é proposto a Helena que todas as cartas e Atas reservadas sejam queimadas e que o incidente seja esquecido. Com isso, ela poderia apresentar seu trabalho e ficar como membro titular, o que ocorreu em 1976. Aftrma Helena que: "Quanto à incineração das cartas trocadas com o Conselho, conro em 1975, (,.) vivíamos sob uma das mais sanguinárias fases da repressào promouida pela ditadura, mantive as carlas originais guardadas no mais "meticuloso sigilo" e pemumeci polüicamente engajada na luta pela redemocratizaçào do Brasil"7$,
A proposta feita pela cúpula da SBPRj e a posterior admissão dessa pSicana[L'ta como membro titular é uma forma não somente de apaziguar os ânimos cÀ'temamentc, mas, também, internamente. Dentro da SBPRj, na época, ocorrem pressões contra a indicação de Paulo Grimaldi como didata pelo Conselho Diretor. Estatutariamente, não se poderia transformar um membro convidado em didatan. Alguns comentam que é feita uma barganha: fica Helena como titular e Grimaldi como didata, para que os ânimos serenem dentro da SBPR]. Só que a entrada de He[ena para titular é um direito garantido pelos próprios Estatutos c que, embora sejam as cúpulo., do., Sociedades "oficiais" as maiores defensoras do instituido, quando lhes interessa há a quebra dessas normas ~ tanto no caso de Helena como no de Grimaldi. Há aqui uma agravante: a indicação de Grimaldi para didata vem junto com a de doi, outros membros do Conselho Diretor, envolvidos nos acontecinlentos do caso Helena. Isso gera, desde 1974, uma pequena crise na Direção do Conselho, que se avoluma, no ano seguinte, com a negação feita a Helena e os episódios já narrados. _ Em 1986, após uma série de mudanças estatutárias, volta às manchetes dos principaL. jornais o Caso Amilcar Lobo. Helena Vianna pubHcamente narra para toda a SBPR] os acontecimentos de onze anos 78 -,:)
-:-- Vianna, H_B.Op. cit., p. ]Olj.
96
ldem,pp, l013e 1014. Grimaldi era gaúcho e tinha feito formação
lU
APA. Estava na SBPRj como membro convidado.
97
atrás e, em Assembléia, é votada uma retrataçào pública da Sociedade, o que é feito em nota na grande imprensa. Datam dessa época depoimentos dados por alguns dos componentes da Comissão Diretora da SBI'R], em 1975, publicados em Circular Interna da Sociedade de circulação estritamente confidencial. Alguns declaram: 'Julgo ser uma lástima qu.e de novo se esteja revolvendo o passado e de uma forma bastante escandalosa e de rmra forma que a Sociedade, a PsicatuUise e seus altos dirigentes estejam sendo denegridos (.,). /sto não tinha, nem teve qualquer concxâo com a vida política do Pais, nem com o estado de exceção em que vivemos por 15 anos _A Sociedade não parou de funcionar livremente porque existia ditadura no Brasil, nem havia qualquer vincu/açao fi'M:aJizadora governamental sobre nôs. Esta estória falada e decantada pela Dra. Helena não passa de um engodo e mistificação"&:) (grifas meus),
Outros, apesar do peso do espirito societário, afirmam: "Alguns membros da Comissao não a desejavam como Membro Titular. Além das acusações que lhe eram fritas, havia - penso eu - em alguns poucos uma atitude de "nào desejarem comunistas" na Sociedade. Ora, Dra_Helena,
muüos anos antes, demonstrara
publicamente sua posição esquerdista, coisa que nunca negou epenso eu - por esse motivo não era persona grala para alguns membros do Conselho ,oBJ (as aspas e OS grifas são do próprio autor).
Leão Cabernite, presidente da SPR] na época do "tribunal" contrd Helena, assim se refere ao caso: ., Minha participação nesse episódio teve tão-somente a de obter informações sobre o assunto que nos
firullid6de
preocupava a todos. O assunto era debatido e comentado e creio quenada ocorreria à Dra. Viannn se ela também o tivesse ventilado no ambiente psicanaltlico do Rio "!J!(grifos meus).
Apesar de passados tantos anos, a hi'tória da psicanáli,e, durante o período da dítadura militar no Brasil, ainda não foi escrita. Os próprios psicanali~tas não têm nenhum interesse em relembrar ou esclarecer muitos acontecimentos ocorridos durante este período. Há o recalque e a recusa, segundo o vocabulário psicanalítico, e tais mecanismos sào produções
de subjetividade, são produções políticas, e não psiquicamente construídos em abstrato. Daí os relatos distorcidos, contraclitórios, que induzem ao esquecimento, pois "revolver o passado" incomoda a muitos. É mais fácil aceitar como naturais e até saudávei~ as estruturas burocráticas e hierárquicas das Sociedades de Formaçào, a sua "escolarizaçào", domesticaçào, a falta de criatividade, originalidade, seu afastamento com relação ao tnundo, seu conformismo e, sob um manto de ortodoxia, a idealização das imagens de Freud e da psicanálise. O anali,ador Helena Besserman Viana propicia-nos a rara oportunidade de focalizar tudo isto.
6 - O ANAllSADOR AMILCAR LOB()'3 O hoje ex-médico Amilcar Lobo Moreira da Silva, em novembro de 1968, inscreve-se como candidato à formação analítica na SI'R], tendo como didata o Dr. Antonio Dutra Júnior. Em fms de 1969, forma-se em Medicina, presta serviço militar no Exército e, no início de 1970, passa a servir no DOI-CODURj. Seu "trabalho" até 1974 é "atender" os presos políticos antes, durante e depois das sessões de torturas. Com o codinome de Dr. Carneiro, Amilcar Lobo "acompanha" o terror que se abate sobre o país fazendo parte eficaz de sua engrenagem. Antes, durante e depois! Antes das torturas, executa um "trabalho preventivo", no sentido de torná-las mais eficazes, procurando saber se há alguma doença, se o preso é cardíaco, etc. (a primeira "entrevista" antes das torturas de muitos que são conduzidos para o DOI-COm/R] é feita com o Dr. Carneiro, que vai ãs celas dos recém-chegados). Durante, executa também um "trabalho de prevenção", no sentido de testar a resistência do torturado, e avaliar até que ponto ele pode agüentar. Depois das torturas, faz "curativos" quando "cuida" dos farrapos humanos em que o terror converte as pessoas para que, se necessário, voltem a ser torturadas. Ele "freqüenta" também a "Casa da Morte", em Petrópolis, aparelho clandestino da repressão, de onde somente uma presa 83
80 Boletim de Noticias ol! 08 - SBPRJ, novembro de 1986, pp. B e 17. 81 Idem, p. 10. 82 JB/C~oBEspecia1-16/09/1989.
98
Sobre o assunto, além dos livros já cita.dos, ver também: Kupennann, D.lllitóriada Transferência na Institudon;;diz:;u;ão da Psicanálise. Dissertação de Mestrado - PUe/R], 1993 e Franco,j.L. de A. A Con.stntção do SDêncio: o Caso Amilcar Lobo e a Psicanálise. Dissertação de Mestrado - UNB, 1994.
99
política escapa com vida". O Dr. Carneiro é "aspirante" a psicanalista um ano antes da prisão de Hélio Pellegrino, membro associado da SPR) que, em 1969, é enquadrado na Lei de Segurança Nacional e preso por 'iO dias. Na época, Hélio solicita à SPR) um documento em que ficasse dito - sem mais nada - que a sua prisão poderia causar ansiedade aos seus pacientes. O documento lhe é negado, sob o pretexto de que a Sociedade não pode imiscuir-se em assuntos políticos. Em 1970, o didata de Amilcar Lobo passa a ser Leão Cabernitc, então presidente da SPR). Em 1973, há, na Argentina, a primeim denúncia pública mostrando o "trabalho" feito no COI-CODl/R) por Amilcar Lobo. No mesmo ano, ainda grAças à coragem da Dm. Helena Besserman Vianna, outras denúncias são feitas na França, nos Estados Unidos, no Canadá, na Espanha e chegam ao conhecimento do então presidente da IPA, Serge Lebovici. Este prefere acreditar na "versão" do didata de Lobo, Leão Cabemite, que afirma tratar-se de calúnia. Lebovlci declara ao então presidente da SPR): "Posso utilizar seu testemunho para responder aos colegas que se dirigirem a mim que o Dr. Amilcar Lobo foi caluniado"". Em 1974, pouco depois de uma paciente do grupo coordenado por Amilcar Lobo ter levantado seu envolvimento com a tortum, o caso é levado a Ernesto La Porta, diretor do Instituto de Ensino. Este consegue do Comandante do I Exército, General Silvio Frota, a seguinte declaração endereçada ã direção da SPR): "Na qualuiade de Comandante do I Exercito e responsável pela Defesa Interna na área do Estado da Guanabara, Rio dejaneiro, Minas Gerais, &pírito Santo, declaro, a fim de desfazer intrl· gas e aleivoSÚlS assacadas proposital e maldosamente por inimigos do regime e seus patronas contra o Dr. Amilcar Lobo Moreira da Silva, que o referido cidadão sempre teve procedimento digno e humano, compatíwl com a sua situação de Oficíal da Reseroa do B:ército convocado e de médico müitante, nada podendo contra ele ser argüido, justamente que afete sua honra,
pundonor e decoro} quer militar quer profissional. Rio dejaneiro, 04 de março de 1974"fb (grifos meus). 84
Esta presa política é Inês Etienne Romeu, que denunciou a presença de Amilcar Lobo na "Casa da Morte", em Petrópolis. 85 JB/Cademo B Especial14109/1986, p. 08. 100
Ainda em 1974, Leão Cabemite consegue cópia do manuscrito do jornal Voz Operária e, junto com a direção da SBPR), faz exames gmfológicos para saber quem é o denunciante. Apesar da declaração do então poderoso general Sílvio Frota. os rumores dentro da SPRj crescem e, em 1974 e 197'i, Amilcar Lobo voluntariamente se atasta da Sociedade. jj por esta época que, ao se encontrar com Helena Vianna, numa conferência de Bion, realizada no Rio de Janeiro sob os auspicios das Sociedades "oficiais", sussurra-ll,e que tome cuidado, pois pode se dar mal, algo pode lhe acontecer. Após o "tribunal" feito contra Helena na SBPR], quando esta já se havia tomado titular, em 1976, Amilcar Lobo volta a ser membro-candidato da SPR), sem, no entanto, fazer análise didática, comparecendo aos cursos e seminários clínicos. Toda a Sociedade sabe do "trabalho" que havia executado no DOI-CODI/R) de 1970 a 1974 e, além de continuar na SPR), tem seu consultório particular ao lado do de Leão Cabernlte. Em final de 1980, numa mesa redonda promovida pela Clínica Social da Psicanálise, na PUC/R), sob o título "Psicanálise e Fascismo", surge o tema das torturas praticadas contra presos políticos durante os anos 70 no Brasil. Nos debates, RôqlUlo Noronha de Albuquerque declara ser ex-preso polItico e, além de relatar as torturas sofridas, denuncia Amilcar Lobo como tendo feito parte da equipe de torturadores do 001CODI/R). Dias depois, em 02/10/80, Hélio Pellegrino, que fazia parte da referida mesa redonda, envia carta à direção da SPR), lembrando a publicação feita em 1973 na Revista Questionamos e solicitando providências a respeito. A Comissão de Ensino se reúne às pressas e exclui o nome de Amilcar Lobo do quadro de candidatos da Socledade. No dia seguinte, Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas são convocados pelo Conselho Consultivo da SPR] e comunicados por seu presidente que estavam expulsos da Sociedade. Esta situação transpira para a imprensa e há uma forte pressão e protestos por parte de muitos membros da Socledade. A Diretoria, pressionada, convoca, para o dia 21/10/80, uma Reunião Plenária que, por unanimidade, recomenda o arquivamento do processo de exclusão dos dois psicanalistas. Esta decisão é acatada de forma distorcida pela direção da SPR] que, em circular 86 JB/Cadern.o BIE.peclal- 16/09/1986. 101
de 01/12/80, retira as expulsões, mas atribui a Hélio e a Mascarenhas uma retratação que não houve, além de acusá-los pesadamente. Em 14101/81, os dois psicanalistas respondem, repelindo a retratação e as demais acusações. Em função desta defesa, são expulsos em 27/01/81. Iniciam-se ai vários movimentos de solidariedade a eles e de repúdio ã direção da SPR]; documentos são publicados na grande imprensa, exigindo a convocação de uma Assembléia Geral Extraordinária que somente em abril será realizada. Antes, a direçào da Sociedade ameaça punir os que, em nota pública, se solidarizam com Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas. Em 06 e 07/02 de 1981, em manchetes de primeira página dos principais jornais cariocas, a ex-presa política Inês Etienne Romeu e seis outros ex-presos políticos (Cid Benjamin Queiroz, Vânia Abrantes, Ge= Figueiredo, Abigail Paranhos, Dulce Pando]fi e Cecilia Coimbra) denunciam Amilcar Lobo como o médico que os atendeu em 1970 e 71 no DOI - CODIIR] e na "Casa da Morte", em Petrópolis"'. Imediatamente os três Ministros Militares repudiam tais denúncias, afirmando que não irão permitir, no processo de "redemocrati7..açâo" e "abertura" que o p'aís atravessa, estas posturas revanchistas. Afmal, a Lei de Anistia de 1979 havia proposto o esquecinlento e o perdão mútuos: os "terrorist
"Desde que, em 1973, surgiram os primeiros rnmores sobre /ígaçôes do Dr. Amilcar Lobo com supostas tm1uras praticadas a presos polítk:os, a mtão diretoria do lnstüuto tentou averiguar a veracidade dos fà/os, sem tp4e nalÚJ de concreto fosse apu~ rodo ( ..). Trabalhava-se, apenas, com nmwres _Portanto, as ínuestigaç6es de então, de cujos pormenores somente ontem lJÍm a tomar conhecimento, lUUÚl apuraram de concreto que incrimiruzsse o referido candidato. Ndo obstante 'Isto, pela.•peculiaridades intrin.wcasno processo de/ortnaçào psicanalítica, criouse um impasse em sua análise pessoal, a qual foi interrompida, fato este que írnplicou, conseqüentemente. a susfX>rlsàode sua
formaçdo
"39
(grifos meus),
Naturalmente estamos em 1981, no Governo Figueiredo e, cautelosa c oportunisticamente, após as declarações dos Mini~troSMilitares, a SPR] não diz que acarreratl1 torturas a presos políticos no Brasil e nem que Amilcar Lobo era membro do DOI-CODlIR]. Esta circular tem também o objetivo de tentar diminuir a pressão pelas várias notícias da "crise" por que passa a Sociedade, notícias publicadas nos principais jornais cariocas. Em resposta, Hélio e Masc'arenhas, em longa carta ã direçào da Sociedade, historiam os "casos" Amilcar Lobo e Helena B. Vianna"". As Assembléias Gerais Extraordinárias, de 14/04 e OSlO'; de 1981, compostas ,.... por cinqüenta e duas pessoas c decididas apenas por dez"'\ - somente os membros titulares podem votar -, resolvem pela expulsão dos dois psicanalistas. Duas semanas após, no dia 27 de maio, cria-se o Fónun de Debates, que aprofundará a crL,e na SPR]. TaL, episódios pressionam Amilcar Lobo a sair de seu consultório ao lado do de Leão Cabernite e o número de pacientes baixa sensivelmente. Apesar dLsso, continua a clinicar em consultório emprestado por Paulo Tavares da Silva, tan~)ém membro da SPR]. O "caso Lobo" fica esquecido até 1986 e, em todos esses anos, nenhuma nota da SPR] é emitida, nenhum psicanalista vem a público para lembrar o fato, a não ser o Fórum de Debates que, em seus documentos, afmna que toda a Sociedade é responsável. Em 1986, Amilcar Lobo "espontaneamente""' procura a grande fJ) Cerqueira, G. (Org,). Op. cit., p. II Ci. (X) Toda essa correspondência encomra-se in Cerqueira, G. (ürg.). ()p. dto CJ] B3.fft..'to,C.A. "Forum de Debates, Pl.lça Política da Psican;Ílíse~. In: Cerqueil.l, G. (Org.).
p.I69. Çl,2 () termo "espomaneamente"
Or· cit.,
refere-se ao fato de que, i época, as hipóte&s levantadas pelos vários
103
imprensa e afIrma ter visto Rubens Paiva93 vivo no DOI-CODJlR] e que lá o havia atendido. Refere-se, também, a outros desaparecidos políticos. Novamente, em primeira página dos principais jornais nacionais, o "caso Lobo" envolve a SPR] e a SBPR] com depoimentos de vários psicanalistas. Ainda em 1986, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro - não mais sob intervenção federal -, de posse dos depoimentos feitos pelos ex-presos políticos, em 1981, na OABIR], abre um processo contra Amilcar Lobo. Neste mesmo ano, a oposição interna à SPR], conbecida como Fórum, leva para uma Assembléia Geral da Sociedade alguns desses ex-presos políticos que falam de suas torturas, da participação de Amilcar Lobo nelas e da conivência e mesmo cumplicidade dos estabelecimentos psicanalíticos com o terrorismo do Estado que se instalou no Brasij94.A partir daí, por força de múltiplas pressões, notas ofIciais dessas duas Sociedades são publicadas, nos jornaL. de grande circulação do Rio, abominando a tortura e o estado de terror que se abateram sobre o pais, principaimente nos anos 70. Tentam, com isso, após treze anos da primeira denúncia feita contra Amilcar Lobo, lavar sua honra e esquecer sua covardia e cumplicidade. Algumas entrevistas, dadas por Leão Cabernite ã época, a meu ver, merecem destaque, pelo retrato que fazem da "verdadeira" psicanálise. Sobre o témaino da análise didática de Amilcar Lobo, ele afirma: "... tempos depois, começaram a correr rumores no Rio dejaneiro, de que o Dr. Amilcar Lobo participan·a de equipe de torturadores,
93
94
Movimentos de Direitos Humanos do Rio e São Paulo eram de que Amilcar Lobo estaria sendo instrumento de uma facçâo militar - a denominada "linha dura" - que havia sido deixada de lado na briga de sucessão do General Figueite9ü. A facção que havia se imposto, representada pelo General Leônidas Pites Gonçalves, defendia a "abertura" lenta e gradual. Estas hipóteses foram confinuadas mais tarde, quando, em 1989, Amilcar Lobo lança seu livro A Hora do Lobo. A Hora do Cordeiro (Rio de Janeiro, Vozes), em que elogia os Generais Silvio Frota e Fiúza de Castro, representantes da "linha dura" e que haviam se indisposto com a facção do General Leônidas. A leitura desse livro mostra claramente sua ligação com aquela facçâo. Desaparecido político, preso em 20/0]/71, em sua casa na Zona Sul do Rlode Janeiro. Nunca mais foI visto. A versão oficial, divulgada pela imprensa, afirma que Rubens Paiva teria sido resgatado por seus companheiros ''terroristas'' ao ser transportado por agentes do DOI-CODIIRJ, em 28/011 71 Para cerca de 300 psicanalistas, 5 ex-presos políticos (Arlete de Freitas, Abigail Paranhos, Cid Queiroz Benjamim, Cecilia Coimbra e Regina Toscano) deram seus depoimentos num clima temo e silencioso por parte de todo o plenárIo.
104
Essesrumores tomaram
Imito
de tal magnitude que a análise, que
a cada dia se tomava mais dificü, acabou sendo inviabilizada, tão contaminada foi petaintromissàQ da realidade extertUl " (os grifas são meus).
Sobre os seus objetivos enquanto presidente da SPR] - o foi em três mandatos durante a década de 70 - observa: "... assumi a presidência da SPR] e uma das minhas metas foi defender a psicatUtlise de ataques diversos vindas sob as
formas mais variadas. Meu propósito.foi o.de manter a Psicanálise dentro dos padróes que impeçam sua descaracten:zaçào. lsso me tornou extremamente
impopular entre aqueles que queriam ser
psicanalistas sem se submeter ao processo dejDrmação preconizada por Freud e instituída pela !PA "95 (os grifas são meus).
Sobre sua ideologia, enfaticamente confmna: "...jamais fui político. Minha ideologia é a psicanálise!". Sobre os psicanalistas argentinos Marie Langer e Armando Bauleo, que publícaram na Revista Questionamos a denúncia contra Lobo, diz ainda: "... são órgãos estrangeiros, hostis à psicanálise!" Em 1988, o CREMER]cassa de Amilcar Lobo o direito de exercer a medicina, o que é ratificado um ano depois pelo Conselho Federal de Medicina. É o primeiro caso, na América Latina, de punição a médico que tenha partieipado de torturas. Apesar de estarmos em 1988 - um ano antes da primeira eleição direta para Presidente da República desde 1964 - 0.Df. Laerte Vaz, então presidente do CREMER],na semana do julgamento, recebe várias ameaças. Por unanimidade, Amilcar Lobo é cassado, tanto no Conselho Regional como no Federal. No mesmo julgamento, é aberta pelo primeiro ConseUlO uma Sindicãncia contra a SPR] nas pessoas de Leão Cabernite e Ernesto La Porta. Posteriormente, é transformada em processo que, em julho de 1992, é julgado e, por unanimidade, o CREMER]cassa os dois médicos por omissão, conivência e cumplicidade no "Caso Amilcar Lobo". Em 1994, covardemente, o ConseU10 Federal de Medicina não ratifica a decisão do Regional: Leão Cabernite é suspenso por 30 dias e Ernesto La Porta será novamente julgado pelo CREMER]. Alegam que, apesar de serem culpados, não 9'5
Trechos de uma entrevista de Leão Cabemite aoJ81 CademoB 10<;
Especlal-
16/09/1986.
podem ter a mesma pena que Lobo''. À guisa de explicações, oS psicanali~tas das duas Sociedades "oficiais" do Rio de Janeiro, entrevi~tados, referem-se de maneira contraditória ao "Caso Lobo": uns afIrmam - são poucos - que toda a Sociedade sabia desde a primeira denúncia que Amilcar pertencia aos quadros de repressão; outros - a grande maioria - que nada sabiam, pois sÓ tomaran1 conhecimento ou na época do Fórum de Debates ou quando de sua cassação pelo CREMER].Ou seja, apesar de serem assíduos membros da SPRJ, somente depois de oito e quinze anos, respectivamente, é que souberam quem era Amilcar Lobo. Alguns tentam justificá-lo, ao afmnarem que todo ser humano, em sua natureza, é um torturador e, através da teoria dos instintos, teorizam sobre o caso. Outros, psicologizando, colocam que Lobo foi seduzido pelo poder, pelas facilidades que os militares lhe deram, que é produto daquela época e que tinha que ter resolvido aquele "problema" em sua análise. Sobre a SPRJ, uns comentam, ironicamente, que o grande erro foi não ter retirado logo o nome de Amilcar Lobo do Roster. Alguns consideram que o "Caso Lobo", até hoje, não foi digerido pela Sociedade: "foi uma fatalidade", "um choque", especialmente para os analistas mais novos e para os candidatos, poi~ sempre há uma idealização da função do analista. AfuTIlam que este "caso" levou à quebra dessa idealização do ser analista, visto que a psicanálise tem fortes vínculos transferenciai~ com a Sociedade, o que é dil'erente nas demais profl~sões. Outros somente dois - enfatizam que o clÍllla da época era de medo, havia uma perseguição grande a todos que criticavam o regime e que, por isso, nada se podia fazer. Corria, inclusive, o boato de que, se a direção da SPRJ tomasse alguma atitude contra Amilcar, o Exército poderia prejudicar o funcionamento da Sociedade. Para uns psicanalistas, essa situação nada diz contra a Sociedade, pois foi um fato isolado; entretanto, outros até pensaram em sair da SPRJ ou da SBPRJ, mas não o fizeram. A expressão tão freqüentemente usada, em quase todas as entrevistas realizadas, é a de que "eu não sabia de nada". Muitos alegam desconhecimento do que aconteceu, recalcam, recusam - utilizando o próprio vocabulário psicanalítico - e, em realidade, tomam-se coniventes
e cúmplices. 7vâo houve torluras no Brasil, nenhum pskanaJista foi preso ou maltratado, os didatas não se constituíam num grupo direitista
que aumentou imensamente seu poder com a ideologia da neutralidade e seu pretenso apoJittcismo. E jamais houve um psicanalista torturador, que estivesse abertamente na .repressão. Isso é o que se deduz da leitura das Tf!1..Jlstas oflciars da ABP (Associação Brasileira de Psicanálise). Aqui como na Europa (durante o nazismo), o silêncio e o esquecimento parecem .ser a regra geral"97.
IV - A
Os anos 60 no Rio de Janeiro,assistem ao aparecimento de dois outros estabelec~entos de formação analitica que tentam - até hoje marcar posições diferentes da "verdadeira" psicanálise e instrumen~ uma outra fOfilação, sem no entanto atingir a mesma fama, presuglo, poder e procura que as Sociedades ligadas à IPA.
1 - O INs11TUTO DE MEDICINA PSICOLóGICA O IMP é fundado oficialmente pela médica psiquiatra Iracy Doyle, em 1953, após sua formação psicanalítica realizada nos E~tados_Unidos, na William A1onson White Psychoanalitic Society, de onentaçao culturalista no final da década ele 40. Antes, Iracy já contesta a "ortodoxia" e , . . a "rigidez" do grupo de psiquiatras que, no RIOde Janerro, ten:am u~ formação analítica9'. Quando volta como didata, funda um Insututo nao vincul~do à IPA e que se pretende diferente da "verdadeira" psicanálise, propondo uma outra formação. , O IMP, em seu Boletin1 nO 01, esclarece que, medtante o seu Departamento de Ensino, "... oferece a psiquiatras, médicos e estudantes cp Ç6
96
Sobreo assunto, consultar 0>1mbra, eM.8. Omissão, Conivência e Cumplicidade: AnalIsadores de AIgumas Práticas PslcanaIitkas
no BrasD Hoje. Mimeogr., 1994.
106
PROCURA DA DIFERENÇA
KatZ C S Psic~ e Nazismo. Op. cit., p. 223. Esse'~~ no início dos anos 40 -antes da chegada de M. Burke e W. Kemper- é formado por alguns jovens psiquiatras como o casal Perestrello, Walderedo Ismael de Oliveira, Oswaldo Domingues de Moraes, EIsa Arruda e outros.
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ele lneelicina, professores e assistentes sociais, os conhecimentos dinânticos, necessários a sua profi'5sào"99. O psicólogo não é mencionado, pois no Brasil, na época, não é ainda uma protlssão regulamentada, procurada e de sucesso, como será duas décadas depoL'. Ao morrer prematuramente em 19,6, Iracy Doyle não tem ainda uma primeira turma formada no IMplOO e isso provoca uma diáspora: para terminar a fornlação, alguns viajam para os Estados IInidos, outros entram para as duas Sociedades "oficiais" já reconhecida., ou em processo de reconhecimento pela IPA. Somente em 1960, quando Hórus Vital Brasil retoma de sua formação na mesma WAWPS, é que o IMP se reestrutura e, em 1967, abre a fornlação para psicólogos. 1\esta época, já está começando a ser produzida a demanda de um "mercado psicológico" e, justamente, para nlarcar Unia posiçào diferente das "oficiais" no Rio de Janeiro, o IMP não pode desprezar esta parcela cada vez nlais numerosa de profi'5ionais "psi". Entretanto, desde a sua reestruturação, o IMP exige do candidato ã formaçào curso de especialização ou pós-graduação em Clinica, o que limjta a entrada de muitos interessados e demonstra um profundo academicismo e elitismo. Pretendendo fortalecer as diferen\--:Jscom as Sociedades da lPA, o IMP, em 1969, fUia-seà InternationaJ Federation of PsvchoanaJitic Societies ([FPS), fornlada, em I<:XXí, pelas Sociechdes Psicanalítica., "independentes" - não vinculadas à lPA - como a Alemã, a Mexicana, a William A1onson White e o Grupo Austríaco de 19or Caruso. Ou seja, uma outra Internacional, embora os entrevL,tados - como veremos logo adiante _ tentem mostrar as cnormes diferença., existentes entre a IPA e a lFPS.
2 - O CÍRCULO PSICANALÍTICO
DO RIO DE JANEIRO
O outro estabelecinJento que tenta marcar sua diferença com a "verdadeira" psicanálise e a formação por ela instituída é criado, em
1969,por Katrin Kemper e seus discípulos, após sua saída da SPR). Passa a fazer parte do Círculo Brasileiro de PsicanáIL,e101, poL" no ano anterior, Igor Caruso, da Federação Internacional dos Círculos de Psicologia Profunda, de visita ao Brasil, faz contatos com K. Kemper para que, no Rio de Janeiro, seja criado um núcleo de fOfilação analítica. Os primeiros quatro anos são de "fortalecimento e organização interna", quando há a fomaação dos próprios discípulos de Katrin. Somente em 1971 o Circulo Psicanalítico é considerado uma "unidade completa" do Círculo Brasileiro de Psicanálise, com autonomia administrativa'02 e, cm 1972, já sob a presidência de K. Kemper, abre sua primeira turma de formação. Desde seu início, aceita médicos e psicólogos e faz parte da lFPS, a outra Internacional Psicanalítica. Tanto o IMP quanto o Círculo Psicanalítico procuram Unia prática psicanalítica e Unia fOfilação diferentes das marcadas pelo dogmatismo e rigidez da IPA. Todavia, suas hL'tórias burocráticas, organizacionais e institucionais e suas práticas instrunlentalizam os mesmos dispositivos presentes na "verdadeira" psicanálL,e e na formação por ela instituída. Ao consultar os respectivos Estatutos e Regirnent(JSInternos, chm atenção a presença de um forte academicismo, tão criticado como privilégio das Sociedades "oficiais". Por exemplo, tanto no IMP quanto no Círculo, há a instituição "membros honorários" e "beneméritos". 1\0 IMP, os "cursistas", e no Círculo. os nlelnbros associados nào têm o direito de participar e votar nas Assembléias Gerais; no IMP, têm o "direito" de eleger representantes junto ao Conselho Diretor. 1\este estabelecimento, é instituído, desde o início de seu funcionamento, o Conselho de PsicanalL,!aS fOfilado pelo Conselho Diretor"" e nlais cinco psicanalistas didatas que tomam as decisões nlais importantes. O tão criticado poder dos didatas continua intacto. No Círculo, os membros a.'5ociados (os que estão cursando a forn1ação) podem ser excluídos através de "... simples julgamento da Diretoria, sem direito a quaL'quer
Burlamaqui, N. Boletim lntemo [MP: ~ero HIstórico Comemorativo dos 30 Anos de Fundação do IMP. Rio de Janeiro, outubro/82, mimeogr., p. 19. 100 Dessa primeira turma fazem parte: Hórus Vital Brasil. Hélio Pellegrino. Ewald Mourão, Jayme Pereira, Rosita Mendonça, Jorge de SOUZl Santos, Sergio Pereira, Claudino Borges Neves, Urano de OUveira Alves e Maria Magdalena de Menezes Pimentel. In: Burlamaqui, N.
Inicialmente chamado Círculo Brasileiro de ]Jsjeologia Profunda, tem atividades em Belo Horizonte e Porto Alegre e ligações com o Grupo Austríaco de 19or Caruso. 102 Funciona como um Sludy Groupaos moldes dos da IPA, e, após quatro anos, é reconhecido como "sociedade" pelo Círculo Br3Sileiro de Psicanálise, uma ~spéde de AS? lO3 "O Conselho Diretor é constituído por quatro Membros Psicanalistas Docentes Supervisores ou Didatas do IM? e um representante dos Membro.."Cursistas". In: Regimento !MP, 1974, mimeogr., p.5.
108
109
QC)
HJl
esclarecimentos; aos demai~- os menlbros efetivos - caberá recurso à Assembléia Geral"l"'. Sobre a força da burocracia e a atenção dada a ela no interior desses estabelecimentos, temos um exemplo: após a flliação ã IFPS, em 1969, o IMP, segundo seus próprios documentos, fica numa situação anômala, pois é um Instituto de Formação de uma Sociedade que não existe. Assim, em 1974, é fundada a Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle (SPlDl, em que há a formação analítica e os "cursistas" não pertencem ã Sociedade, pois somente quando terminam a fomução têm a opção de fazer parte dela ou não. Sob uma roupagem liberal, já que é "uma opção" tomar-se membro da SPID, percebe-se toda a organização e burocracia presentes na IPA, que são copiadas pela IFPS e pelas Sociedades "independentes" a ela vinculadas. Também no Círculo Psicanalítico do Rio de janeiro, ocorrem, em sua própria história interna, algumas situações que mostram como se está impregnado da ortodoxia e da intolerância reinantes nas Sociedades "oficiais". Por exemplo, em 1978, num Congresso dos Círculos Psicanalíticos Brasileiros (há unidades em Minas Gerais, Porto Alegre, Salvador, Recife e Rio de janeiro), é proposta a criação de mais um núcleo no Rio, em 1991, funcionando em Nova Friburgo. Em realidade, é um grupo dissidente do Círculo do Rio que pretende se desligar e organizar outro núcleo. A reação da direção do Círculo Psicanalítico carioca é a de criticar e imediatamente desligar-se do Círculo Brasileiro, o que representa a saida da IFPS, pois não são os núcleos que ai estão representados. No entanto, o prestígio internacional é inlportante e, apesar de se afastar do Círculo Brasileiro, o CPR solicita sua permanência na IFPS, o que é confJrnudo em 1980. A exemplo das Sociedades "oficiais", as oposições e dissidências não são toleradas, sendo vistas como traições ao grupo que, por ter sido o fundador do estabelecimento, considera ter direito ao seu monopólio. Em meados dos anos 80, tanto a SPID quanto o Círculo reformam seus Estatutos e Regimentos, num momento em que a sociedade civil brasileira já se encontra bastante fortalecida e clamando com mais força por uma maior democratização em todos os sentidos e setores. Inclusive, taie;reformas são realizadas após as "cri<;es"que ocorrem nas 104 Estatutos doCfrculo
Psicanalitico
do Rio deJaodro
110
- novembro/1978, mimeogr., p. 02.
Sociedades "oficiais" e que têm também como efeito mudanças em seus Estatutos. Em entrevistas realizadas, alguns anaIisra.sdos dois estabelecimentos argumentam que negam a ortodoxia, o dognutismo, a rigidez, a foonação academicista, a medicalização da.s Sociedades "oficiais", pois suas formações são mais abertas, mais flexíveis, visto - entre outras coisas sua base teórica ser diversificada. Se a ba.se é "sullivaniana" ou "freudiana", há também estudos os mais variados, chegando até Lacan. Principalmente na SPID (ex-IMP), por influência de Hórus Vital Brasil- introdutor no Rio de janeiro dos estudos sobre Lacan -, há uma forte tendência lacaniana. Em realidade, isso ocorre diferentemente das Sociedades "oficiais" que, somente em meados dos 80, começam a diversificar seus estudos e leituras com a introdução da Linha francesa. Contudo, a meu ver, apresenta-se o mesmo argumento utilizado pelas cúpulas das Sociedades ligadas ã IPA quando se referem às oposições internas, cisões ou expulsões: a questão está nas diferenças teóricas. A rigidez, dogmatismo e ortodoxia ta.rubém estão presentes em outros tipos de discursos, "escutas" e práticas psicológicas: eles estão sendo estinlUlados quando as instituições que permeiam e se anlalizam nos vários dispositivos sociais fortalecem os diferentes instituídos: o saber de deternlinado grupo e, em conseqüência, a desqualificação de outros, a disciplina, a hierarquia, etc. Ou seja, as práticas "psi" desses dois grupos pouco se diferenciam da.s que são produzidas e fortalecic!as pelas Sociedades "oficiais". A própria ftIiaÇão a uma Internacional - a IFPS - que, segundo declarações dos entrevistados, é bem diferente da IPA, visto não haver o "patrulhamento" sobre seus membros e sim uma cooperação "científica", demonstra a necessidade de prestigio e reconhecimento internacionais, tão presentes no mundo "psi" e na sociedade em geral. A Federação não possui ftIiação individual e Sinl as Sociedades é que são seus membros. Apesar dessas explicações, constatar-se que a organização burocrática dominante na lPA é reproduzida' nessa outra Internacional, concebida como "alternativa" - a própria criação deste fórum é uma demonstração desta reprodução. :'-Jãoobstante todos os esforços da SPID e do Círculo para serem diferentes da "verdadeira" psicanálise, eles não têm, nos anos 70 e nos ttt
seguintes, o prestígio e o poder que as Sociedades "oliciais" possuem no sentido de atrair os jovens profissionai5 'psi" cariocas para sua formação. São, inclusive, acusados pelos "verdadeiros" psicanalistas de não oferecerem uma formação analítica, não fazerem psicanálL5e, mas uma psicoterapia de base analítica e, por isso, não muito profunda, argumentos que, COllIO já vimos, são os usuais e cotidianamente utilizados contra os inimigos da "verdadeira" psicanálise, aqueles que querem denegri-la, aqueles que se dizem psicanalistas, mas que estão fora da IPA. Gostaria de registrar e apontar que, apesar das análi5es feitas acima, algumas diferenças existem entre esses doLs estabelecimentos e as Sociedades "oficiais". A facilidade com que tive acesso aos seus Estatutos, Regimentos e outros artigos, prontamente fornecidos pelas suas Secretarias, senlsentitnento."i
persecutórios
e/ou anleaçadores,
não ocorreu
com as Sociedades "oficiaLs", nas quais me foi muito difkil conseguir qualquer documento of1cial. Estes me foram fornecidos por alguns psicanalistas isoladamente. Neste ponto, bá "diferenças" com os guardiães do "Santuário de Vesta", que, de um modo geral, não permitem aos leigos a leitura de seus documentos "sagrados", que são de circulação interna e, alguns, confidenciais.
3 - A CLÍNICA SOCIAL DE PSICANÁLISE
Embora não reconhecida pelos analistns do Círculo como fazendo parte de seu estnbelecimento, a Clínica Social de Psicanálise, fundada por Katrin Kemper e seu grupo em 1972, será explanada um pouco aqui. Penso que, se não fosse o empenho de Katrin e do pessoal do Circulo, talvez este projeto não tivesse saído do papeL Outras Socíedades de fonnação, no Rio de janeiro, são chamadas, nlaS somente um representante do 1MPe Hélio Pellegrino - que já é da SPRj - participam efetivamente do projeto. É verdade que, com o decorrer dos anos, a Clítúca Social ultrapassa os muros do Círculo Psicanalítico, englobando diferentes profJSsionais "psi", de diferentes formações e abordagens, sendo seu quadro clínico formado por analistas em formação e profissionais que pretendem ser psicanalistas. "Desta feita, foí mediadora e interlocutora do movimento expansionista da psicanáli,e"lOs nos anos 70, congregando diversos segmentos interessados na psicanálise, como 112
anistas, jornalistaS, filósofos, etc A própria criação da C..línicaSocial inscreve-se no quadro já desaito do boomdas terapêuticas "psi" cuja demanda é fomentada pela produção da "crise da farnilia", que atinge seu auge na década de 70. A idéia para essa criação surge quando, um ano antes, Katrin e alguns de seus colaboradores, Hélio Pellegrino e Qlaim S. Katz, fazem um trabalho na Faculdade Cândido Mendes com pais, os chamados "encontros psicodinâmicos". São grupos em que se debatem questões relativas à educação dos filhos, SU3Sdificuldades - questões, como já vimos, bastante preocupantes nos anos 60 e 70 para as farnilias de classe média - e que lotam o salão ond'e são realizados. Não obstante toda a clientela ser de cl3sse média da Zona Sul carioca, fortalece-se a idéia de uma clinica que possa atender à população de baixa renda com a implementação de trabalhos grupais. Esta é uma das razões que levam alguns profJSsionais "psi" "progressistas", muitos chegados do exilio, a se incorporarem à Clínica Social. Sua proposta atrai a muitos e a ilusão de se fazer um traballlO por meio do qual se possa atender às pessoas sem condições de pagar um tratamento psicológico privado está presente em toda a sua história. Em realidade, o atendimento que se faz a populações marginalizadas é ínfimo!06 e a grande demanda de sua clientela provém de estudantes e intelectuai5 da Zona Sul do Rio de janeiro. Apesar disso, e justamente por isso, à medida que a Oínica Social de Psicanálise expande seus atendimentos e um número cada vez maior de psicólogos a ela se liga, as Sociedades "oficiais" se inquietam. Assim, em 1975/76, a direção da SPRj chama Hélio Pellegrino e sugere que o nome seja substituído para Clínica Social de Psicoterapia. A psicanálise não pode ser conspurcada pelas propostas contidas no projeto que se tenta desenvolver na Qínica Social, ainda que tais propostas ficassem somente nas intenções e discursos de seus integrantes. Há outras grandes ilusões contidas neste trabalho e muito presentes 105 Almeida, KM. (Coord.). Reflexão Teórico-ClínicaSobre a Inserção da PsicanáHse no Social: A HIstória da Clí:nka Social de Psicanálise Anna Katrln Kemper e Suas Perspectlvas FuturasRelatório Técnico Ill, Módulo N - Rio de Janeito, FINEP, novembro/1989, mIrneogr., p. 26. 106 Sobre o assunto, ver o trabalho desenvolvido no Morro dos Cabritos (Rio de Janeiro) por João Batista Ferreira, psicanalista do CLtcul.oPsicanalítico do Rio deJaneico. In: Ferreira,]. B. "Clinique Sociale de Psychanalyse et la Favela dos ('.-abritas". In: Macedo, H.O. Le PsychanaJyste Sous la Terreur. Vigneux, Ed. Matrice, s/data, 61-84.
113
durante a gestão de Hélio Pellegrino de 1978 a 1982107. Lma delas é a de que a psicanálise poderia ser mais um veículo da chamada "con..''iCientização'', "... facilitando as VL.1.S de expressão num mOlnento o regime ditatorial exige n1utL~moe alienaçào·'. Outra é a "postura assistenciaJista" que se tr.lduz no discurso de Ilélio PeUegrino pela "... fórmula onde os "possuidores doanl aos despossuídos", fórmula que encontra perfeita ressonância no caráter religioso, cristão, deste fundador" lOS. A questão assi,tencialista "dos possuidores doarem aos despossuidos" liga-se também ao bto de que os que promovem a Clinica Social de Psicanálise são alguns dos psicanalL,tas mais procurados no Rio de Janeiro, aqueles que, em seus consultórios p"rticulares, têm uma extensa clientela, aqueles que - como todos os outros, à época - beneilcialn-se com as sobras do "lnilagre econômico", Compreende-se, assim, a ambigüidade presente na atuação desses psicanalistas. ':.1.CSPAKK que abriga não sô ~ mas sobretudo - intelectualç de esquerda, conforme nos mostram as refert>ncias da.ç entm·'Í.çta.çe outras Jantes pesquisadas, (.. ,J nutre-se das sobras do "milagre econômico" que permite que doaçõés (,. ) ocorram, que anali.\tas tenbam bora.\-e."dra.çpara doar. a.'Osimcomo tapetes, geladeiras, enfim, é o milagre, ou pelo menos ainda uiRoram aí as repercussões do mesmo "UI).
É durante a gestão de Ilélio Pellegrino que" Clínic" Social maL, se amplia com a proposta do Núcleo de Atendimento Terapêutico" Psicóticos, a organização de concorridos Sinlpósios sobre "Psicanálise e Política" e "PsicanáIL,e e Instituição" na rue, o lan\-':lmento do livro "PsicanáILc;ee Política" e muitas outr3.."iatividades. Data desta época, tanllJém, o atendirnento a ex-presos políticos, perigosos "terroristL';" então cumprindo pena. Um exemplo é o caso de Inês Etienne Romeu 110 que, em 1978, estando presa em B;mgu, cumprindo pena de prL,ão perpétua, solicita a uma ;mug" "poio psicológico. Segundo a própria Inês, em final de 78,lIt com a intensifica\;:ào dos movinlentos de anistia e o início do processo de "distensão lenta, segura e gradual", 107
o
inicio da gestào de Hélio coincide com o adoecimento muitas atividades e sua morte ",m 197b. J08 Almeida, K.M. (Coord.l 0r. cit., p. 31.
de K. K(,mper. seu afastamento
]m Idem, p. ;-5
110 Em emrevista concedicLa. Inês :lulori7Du-me a citar seu caso (' seu nome. 1]1 Final de governo do Gener.:tI Ernesto GeiseL
114
ck
cai o AI-5 e há mudanças na Lei de Segurança Nacional, mudando as pcnas a que estão condenados muitos presos políticos. Condenada ã prisão perpétua, Inês começa a ver a possn)ilidade de sair e isso faz com que se sinta ameaçada; por isso solicita "paio psicológico e discute com o tempeuta tais questões e seu cotidiano na pri'iào. O profc'5ional enviado pela Clínica Social de Psicanáli,e dumnte cerca de SeL' meses visita Inês no Presídio de Bangu semanalmente, e apresenta-se ãs autoridades como um amigo, inscrevendo-se até mesmo no DESIPE para obter autorização. Mesmo antes, na prinleira metade da década de 70, alguns atendimentos " pessoas que estão n" clandestinidade são realizados. Em função da perseguição política que paira sobre esses militantes, muitos são atendidos sob nomes falsos. A própria gestão de Hélio Peilegrino em muito veste o slogan da anLstia anlpla, geral e irrestrita e, num dos Sitl1pósios protnovidos na ruc pela Clinica Social de PsicanáIL
v - O MOVIMENTO PATERNAiISMO
DOS PsICÓLOGOS
E O
DOS PSICANALISTAS
1 - A PSICOLOGIA: SEU BOOM E AS FACUlDADES PARTICUIARES Quando ocon'e o golpe de 1964, há no Rio de Janeiro somente uma universidade que mini,tra, desde 19)7, o Curso de Psicologia: a l'uc. Em São Paulo, três universidades o fazem: a llSP, cujo curso é iniciado em 19)8, a PIIC, em 1962 e o Sedes Sapientiae' ". Ainda em lU
\b. época, o Curso de Psicologia da PUC ~ o da Faculdade de Filosofia "St'des Sapientbe", que havia sido criam em 1933, como a primeira Faculdade de Filosofia, Ciências (' Letras do Brasil. O "Sedes" esteve vinculado à rue até 19i4, quando, então, surge como Instituto Sl'dcs Sapientiae.
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1964, é criado, no Rio de Janeiro, o ouso de Psicologia na UFRJ e, em 1965, o da UEG (atual UERJ). Ou seja. no eixo Rio-São Paulo, em 1965, funcionam seis cursos de Psicologia: três em universidades privadas e três em universidades públicas. Este panorama mudará a partir dp final de 1960 de forma bastante brusca. É no bojo dos movimentos contestatórios de 1968 que o governo militar apela, através da Reforma Universitária u" para o setor privado como forma de resolver a chamada "crise universitária". Já na Constituição de 1967, encontram-se alguns di'positivos que irão nortear as futuras reformas educacionais, como o fortalecimento do ensino particular através da ajuda técnico-financeira do governo. A partir dai, expande-se o setor privado, principalmente, em três áreas educacionai"}: nos cursinhos pré-vestibulares (que antes existiam em número limitado), nos ensinos supletivo e no superior de graduação e pós-graduação'H A Reforma Universitária é feita de forma autoritária, impositiva e antidemocrática, sem nenbuma participação da chamada "comunidade" universitária. "Foi assunto de gabinete. primeiro do própn'o Presidente, decretando o inicio dos trabalhos; depois de uma comi.çsilo mista (MEC-USAID), jazendo uma análise cu/as recomendaçóes não são conhecidas e,finalmente, de um grupo de trahalho de dez pessoas nomeado pelo Presidente"]]'
Seu principal objetivo é diminuir e mesmo impedir a pressão exercida pela classe média para ascender socialmente via Universidade. Tal fato, caracterizado como "crise universitária", agrava-se ainda malS pela pressão estudantil que atinge seu auge em 1968. Estas pressões instituintes se tornam perigosas, pois significam, acima de tudo, uma ameaça à "segurança nacional", visto que o descontentamento estudantil está sendo canalizado para atividades - como a clandestinidade e/ou a luta armada - sobre as quais o governo militar não tem, de início, controle. Para administrar melhor a situação, utiliza-se não somente a Lei
da Refonna de Ensino Superior mas UIna série de outros atos, como a nova Lei do Ensino de Iº e 2º graus''', o jubilamento e o decreto-lei 477, que tem o poder de desligar e suspender por três anos alunos e professores envolvidos em atividades consideradas "subversivas". Entrementes, estas refornms, que objetivanl dilninuir o acesso à.o:; Iniversidades públicas, não conseguem seu intento. Asslste-se, no final da década de 60 e no inicio da de 70, a um aumento do número de candidatos aos vestibulares, os chamados "excedentes", como efeito da galopante ascensão social da claBse méelia. Não sendo possível conter tal pressão, o impasse é solucionado lançando-se mão do setor privado. Entram em cena maciçamente as faculdades particulares, pois o governo autoriza a criação de cursos superiores a um nllmero cada vez maior de antigos colégios ele Iº e 2º graus e cursos pré-vestibulares. !lá um crescimento explosivo de faculdades privadas para atender àqueles que, tendo sido rejeitados pela rede o[kial, desejam obter um titulo universitário.
Na midia, assiste-se a constantes apelos ele que a educação é o melbor investimento de uma sociedade, fator fundamental para a mobilidade .social (' 1110la propulsora do desenvolvimento econômicolF; produzem-se subjetividades voltadas para a ascensão social via educação, via Universidade. Com isso, "o..ç estabelecimentos de ensino particular />a."sam a jazer da mucaçao um negócio Este negocio Jloria tanto mais quanto aumenJa o congestionamento diante das porta.~da." unil1(!rsídades oficiais ( ..), A maior parte desses estabeú>cí,wmtos parliculares funciona à noite, para poder atender à demanda da população atilla. Cobram taxas bastante elevadas, ( .) e ministram cursos de "Ilfl baixa produtividade e qualidade
Ainda no fInal dos anos 60, uma outra faculdade vinculada à pue oferece o l;UrS()de Psicologia: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras São Bento. 113 Trata-se da Lei da Refonna nQ '5'540/68. Sobre o assunto ver Freitag, B. Escola, Estado e Sociedade. São Paul0,.Moraes, 1980. 114 Freitag, B. Op. ciL, p. 81. 115 Idem, p. 86. Na época era o Marechal Artur da Costa e Silva.
116 Que pregam, principalmente, a proflssionaliZl.ção do ensino medio, como forma de se encaminhar o aluno, antes de chegar à Universidade, para o ml~rcado de traballlO. Dai a ênfase dada, no período, às proflSSôes tecnicas. Sobre o assunto ver além da Op .•dt. de Freitag, Cunha, L.A. Política Educacional DO Bra.'iU:A Profi."lsionalização do Ensino Médio. Rio de Janeiro, FJdorado, 1977 117 É a l'eoria do Capital Humano. Sobre o assunto ver Frigotro, G. A Produtividade da Escola Improdutiva. São Paulo, Correz, 1986: Souza, M.J.S. Os Empresários e a Educação. Rio de Teoria.s Educacionais Hegemônicas nos Anos 70 no Janeiro, Vozes, 1981 e Coimbra, CM.R ~A..", Brasil'", In: Cademos do [eHF, n" 23- UFF, Rio de Janeiro, 1992. 118 Freitag,B.Op.cit.,p.113.
tt6
117
Os cursos de Psicologia - atendendo a essas demandas produzidas - florescem assustadoramente neste período c, já em 1973, a rede privada participa em 66% das suas matrículasll9 Concomitantemente a este crescimento do "mercado psicológico", os cursos de História, Filosofia e Sociologia vão gradativamente sendo diminuídos e mesmo esvaziados; alguns são extintos. :"ia graduação de Psicologia, produz-se uma "certa" Psicologia. Desde seu início, está impressa a marca cb tradição positivista; exempJos são a hegemonia do Behaviorismo e de uma Psicologia Social que reproduz lllecanicamente conceitos e técnicas de estudo de inspiração norte-americana. É o domínio da psicologia experimental positivista com suas características de cientificidade, neutralidadc, objetividade e tecnicisnlo. A própria psicanálise ensinada - e, em certos cursos, hegenlônica - nesses cursos de graduação também está marcada por este positivismo e pela "psicologização" da vicia social e politica, seguindo os JJlodelos produzidos na época e já citados'''. (ima certa clinica torna-se a grande demanda dos estudantes de psicologia que sonham com seus consultórios privados; os psicanallstas, seus modelos de referência. O atendimento privado é o que predomina em detrimento do trabalho em outros setores, o que atende às subjetividades donlinantes então criadas e alimentadas ao longo dos últimos anos. Desde a sua regulamentação, em 1962, a prol1ssão de psicólogo marca este profi'ssional como aquele que "abranda c resolve os problemas de desajustamentos""', bem aos moldes do que lili assinalado anteriormente.
2 - OS PSICÓLOGOS PAUUSTAS E A SBPSP Em São Paulo, diferentemente cio Rio de Janeiro, os psicanalLstas da SBPSP estão presentes massivamente nos cursos de graduação de 119 Dados apresentados por Freitag, B. Op. cit. 120 Sobre a influência dt psicanálisL: nos cursos de graduação, notadamente na PUe/RI e L:SP ver os trabalhoS de Figueiredo, A.C.C. Op. cit.; Silva, P,S.!.. 110nnação do Psicólogo. Disserução de Mestrado - PUC/SP, 198-; e Botelho, E.Z_F. Op. dt. 121 Ver sobre isto o próprio decreto-lei que regulam<.'nta a profi,<;sàode psicólogo nº 4119162 e o Parecer n\1403/62 de Valnir ehaga.~ que fixa o curriculo mínimo c a duração do Curso de Psico]ogi::t AmJ)OScitados em Psicologia leJ;islação. Brasília, CFP, Série A. n" 1, 1976, pp. 7, [7,31 e 3'5. 118
Psicologia como professores. Principalmente na l :SP, desde 1958, quando é criado o curso de Especializa,'ão em Psicologia Clínica, participam muitas figuras dessa Sociedade, C0I11()Durval Marcondes, Lygia de Alcântara do Amaral c Juclith Andreucci. Posteriormente, no curso de graduação de Psicologia e no estágio de Clinica outros psicanalistas, além desses tanlbém estarào presentes, COlno Virgínia Leone Bicudo, Armando Ferrari, Laerte Ferrào, elcu.!. Desdc os primórdios dos cursos de Psicologia em São Paulo, os psicanalistas apóianl e respaldam teoriC3mente esta formação. São os médicos-psiquiatr:Ls e neurologist'1s - os que desde a década de 30 lutam contra a implantação da psicanálise como uma nova metodologia terapêutica - que nos tlnais dos anos 50 e início dos 60 fazem grande pressão contra as atividades dos psicólogos. Tentam, inclusive, suspender o Curso de Especializaç'io em Psicologia Clínica da IISP''', uma vez que alguns psicólogos desse curso e do que há no Sedes1"õ4 já atuam como terapeutas. l
''!-Iama algum Jíclere,çdesse mot'Ímento medico contra os psícôlogos Um deles era o Parti0 Fralettí, que era um psiquiatra de ceria fama. Mais tarde foi diretor do Manicômio ju4iciârio r. . i Achava que terapia era um tratamento e por isso det't"7ia estar na alçada dos médicos,- o psicólogo nâo tinha nada a fl("- com isso (. _), Dai se iniciou um proces,so delechamento do Curso de Especialização "12, (Wifo meu). de Psicologia Clinica da u.sp
A transcrição do texto acilua prende-se ao fato de que () personagem citado estará ligado ao aparato repressivo brasileiro nos anos 70. Paulo Fraletti, além de diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo, em 1970 - período em que vários legistas fornecem laudos falsos a presos políticos Inortos sob torturas, pois não se rCferC1TIàs torturas sofridas, simples111cntc corroboram a versão oficial da repressãollb -, 122 Sobr..::o assunto, ver, RoreUlo, E.Z.F, ()p. cito 123 Idem 124 O Curso
também é, como apontado acima, psiquiatra e diretor do Manicômio judiciário do juqueri, onde, no início da década de 70, estiveram "internados" alguns presos politicos127. Este é um dos que fazem pressão contra a nascente profissão dos psicólogos. Entretanto, adotar enfoques maniqueistas e corporativos nesta análise pode nos levar à armadilha de afrnnar que o movimento dos psicólogos, que conta com o apoio e o respaldo teórico dos psicanali~tas da SBPSP, é progressista para a época - anos 60 e 70 -, visto ser pressionado por figura tão retrógrada, obscurantista e fascista. Todavia, quero mostrar que essas pressões não vão significar necessariamente que um grupo é "retrógrado", e o outro progressista. Como afirmei anteriormente, não é o fato da SBPSP aceitar psicólogos em sua formação que irá caracterizá· la como mais aberta, mai, flexível que as outras duas Sociedades "oficiais" do Rio de janeiro. Pela análise que fiz das instituições instrumentalizadas por essas Sociedades, fica claro que, apesar da aceitação do psicólogo e de outros profissionais, do respaldo teórico dado ao curso de Psicologia da USP - o que não ocorre no Rio de janeiro'" -, tanto a SBPSP quanto o movinlento dos psicó· lagos paulistas estão coerentes com os modelos de subjetividades pro, duzidos naquele momento, aceitando e fortalecendo demandas também produzidas. Por sua vez - como já foi demonstrado - estimulam essas demandas e geram outras também coerentes com as modelizaçôes da época, instrumentalizando as instituições "verdadeira" psicanálise e formação analítica. Um exemplo das práticas que são fortalecidas por estas instituições é quando em 1968 - já caracterizado como um dos momentos instituintes da sociedade brasileira e mesmo mundial analisam,se as postuf'JS desses psicanali,ta., ligados ao curso de Psicologia e de alguns de seus alunos. já foi dito que o movimento estudantil em 1968, em São Paulo, além de ocupar alguns espaços da USP, consegue depoimentos feitos por ex-presos politicos nas Auditorias Militares e de toda a documentação constante nos processos do Superior Tribuna] Militar. 127 Sobre o assunto, o ~tratamento~ dispensado a esses presos políticos c a responsabilidade do referido psiquiatra, ver: ]I.! Relatório da Comissão Andmarncomial da Prefeitura de São Paulo -1991, mimeogr. e reportagem de Silva, A. V. uDitadura Militar: Loucura Armada". In: Isto f/Senhor29/05/1991. 128 Como veremos mais amante, no Rio de Janeiro, no início dos cursos de graduação em Psicologia, há muito poucos psicanalistas das Sociedades "oficiais" presentes nas Universidades. O respaldo teórico aos psicólogos será dado de outras formas em caráter privado. t20
discutir por alguns meses - até a decretação do A].s, no fmal do ano questões curriculares, pedagógicas, etc. em assembléia.~ paritárias. Na Faculdade de Filosotla da USP, são ocupados o Bloco 10 (que sedia a Psicologia Social e Experimental) e a Clinica (onde os alunos do 4º e ~º anos estagiam). Nesta última, a ocupação atinge proporções tai, que culmina com a saída de vários professores, dentre eles os psicanalista.~ que lá estavam desde o inicio do curso de Psicologia. Com a Clinica de Psicologia ocupada praticamente durante todo o segundo semestre, oS atendimentos são paraHsados, porque muitos estagiários e n1esmo professores consideram não haver condições para i'5o. É interessante ler sobre o assunto alguns depoimentos como: ':4gente fez muita questão defalar da posstbiJidade de atendimento e teve um grupinho que se colocou contra, k:>tnhroque dizia assim: 'n gente nilo tem condições de atender cem, essa pressão da ocupação de vm;l!s" E era uma coisa que a gente discutia muito, "que ndo tinha por que não atender .. Ou. "Não foi nada simbólica fi invasiio, os c/u'ntes com hordrio marcado nao puderam ser atendido..ç, ninguêm foi trahalhm~ bloquearam tudo Acho que os alI-1tros não elltendiam. acho que os invasores não eram alunos nossos, eram os alunos dos primeiros anos, mns eles MO Unham noção nenhuma di.) que era lima aínica, eles não tinham feito ainda estagio mn Clínica. Não ti"batn "('filo de éticnJ NenbtnnaJ Nenblmul! P./esimwiram e pronto.' " Ou: "._.Heles acharam que n6s podíamos continuar atendendo os pacientes com aquela IJalbúrdia, se bem que eles "ilo tinham acesso ao que era um atendimento psicólogico. Os alunos eram bem primitillOs, bem no comecinho, o pe.'~soalse formava em ;:3,em 68 del'ía estar no F, 29 ano "IN (grifas meus).
o modelo "psi" de atendimento já está marcado nos alunos de final de CllrsO; os c1ernais,que estào nos primeiros anos, nào são "entendidos" no assunto, ainda não estão "contaminados" pela neutralidade, pela assepsia que deve comandar a reiacào terapeuta/paciente. I\s Universidades e o tnovimemo estudantil em 19(i.Hfervilham, mas os atendimentos na Clínica da IISP devem ser mantidos longe de tudo isto; .são espaços onde a vicb e o mundo não podem penetrar. A transversalidade é terminantemente pl'Oibicla!Há alguma diferenç'a da fonna· Izt)
Trechos de depoimentos
cb.df)s a Botelho, E.z.-F. Op. cir. pp, 202, 204 c 20,. 121
ção analítica que foi descrita em outro item? Acredito que não: é a mesma postura que deve ser :Jdotacia por todo terapeuta "sério" c "conlpetente". A intluência da psicanálise na Clínica da 1lSP é um tito e a reprodu,'ào de sua fomJaçào se dá sem grandes diferenças. Apesar di,"o, alguns psicanalístas da SRPSP e professores da llSp mostram a "fragilidade analítica" do curso. Afimlam: "... como se aquele curso lá fosse [onnar alguém eonl experiência nesse sentido .,."; ou: estou jJondo mais a orimtaçào que (., 1 tinba no inido, era mai, de jOrmar técnicos, Imrque jJn'Cisat'a dar a'>.tisténciapam o pe.'>.'ioalpoht'e'·
Ou ainda: "... era toda uma idealização ( .. ) um negócio psicológico ...) formar analista ...". Ou mesmo: eles tinham encaminhamento tambem, assim para análüe Quem quise.s..'(!Jàzer análi..";epuderia ir à Sociedade de Psicandli'if' ou entrm' naquele tipo df? trabalho de atendimento dos próp,ios alunos da Sociedade Acho que e.vistia uma proposta deste tipo, não urna obrigatoriedade, mas uma proposta para quem quiçesse iniciar análi,e"
Alguns dos alunos, i época, COlllcntam: "Eles(os psicanalLçtasl tinham um papel imponante (XJrque, nesça época, eú's eram usdefensores da Psicandlise mais barata, /Hlr(l a pU/llúação mais de alguma entrada da Pdcandlise carente Eles eram muito curiosos /JOrque Imliticamente eles tinbam opçàes de direita, mas a prática deles não era uma prática direitista, f.,,) Sempre .fizeram parle de.'>.çe movimento de liberação da PsicaruUise, instalar a Psicanáli.,e nas prefeituras, em crecbes, etc, o tempo todo elesficaram em cima di.
Quen1 ainda não possui uma fOffilaçào psicanalítica feita - é óbvio - na SBPSP, nlas apenas U1l1Curso de graduação de base analítica, no minimo, torna-se UHl técnico, não um psicanalista! E são estes técnicos que deverão "popularizar" a psicanáli..<;catravés do atendimento à população "carente". Para os pobres e para os serviços públicos, os técnicos, os psicólogos; para as classes média e média alta, os consul~ tórios privados dos psicanalistas. Seriam estes, portanto, os defensores ele uma "psicanálise mai, barata", de "uma popularização ela psicanáli-
rm
Idem.
pr-
14~, 11'i, H'), 146, 214 tO' 2]') 122
se") Discordo deste último depoimento,
pois suas práticas - como já demon.strei no decorrer de todo este Capítulo - são coerentes com suas opções políticas, pois produzem/reproduzem c fortalecem os modelos e as subjetividades ilegemônicos da época. 1Im claro exemplo disto é quando, ainda em 1968, dentro do movimento estudantil e, em especial, na tISP, questionam a tentativa de romper a verticalidade da relaçào professor/aluno, a participaçào paritária dos estudantes em questôes ligadas à reformuiaçào dos currículos e outros aspectos pedagógicos. :'-lumadas assembléia.;;;cuja pauta é a reestnltura~'ào do curso de Psicologia, há a noticia da prisão de Iara lavelbergl31 Alunos e professores fazem um abaixo-assinado solicitando providências ao reitor da USP. Assim que o assunto é levantado, um psicanalista da SBPSP c professor desde o início ela graduaçào de Psicologia, apoiado por grande parte do pessoal da Clínica, reage da seguinte forma: "Quc tinha vindo à assembléia para discl.ltir currículos e não política"13Z. A instituição formação analítica está presente, da mcsn1a forma que a acadêmica, com todas as suas caracterí.'ôjticas de arrogância, autoritarismo e itnposiçào de subrni'ôjsào, obediência irrestrita ao saber instituído e à hierarquia, em um significativo pronunciamento dos prclrcssores-psicanalistas: '7odos os professores da Clinica assinamos uma declaração, acho qURfoi o único grupo da Faculdade que se opôs, nao sei se bouve mai..çalgum, mas acho quefomos só "ós que nos opusemos a aceitar essa paridade ( ..l. Os alunos esta/.!am conseguindo que a própria ràculdade cedesse muito do que eles queriam e justamente o no.'>.wgrupo foi um que se opôs, tanto que, naquela ocasião, muitos professores safram do curso (. l. Muitos profes~ sores saíram porque se opuseram a essa paridade que os alunos queriam; de fato, eles achavam um absurdo que alunos sem nenbtmulfonnoç(10 em Psicologia Clínica, porque ndo tinham tido Psicologia Glínica, quisessem dizer como e que se atende um cliente, como e que se organiza uma Clinica, eles achavam que de jeito nenhum tinham possibilidade de querer interferir; então foi um NÃO assim redondo, o nosso grupo nem i{ueria dis· Clltir o assunto. "113 (grifas meus) L3] Ex-aluna do Curso de Psicologia da trSP, em 68 já profes.sora. Vai posteriormente para a clandestinidade e luta armada. Suicida-se, ao se ver cerClda pelos órgãos de repressão, em 20/08/ 7], em Salvador. Sobre sua vida, comultar Patarra,j. Yara. Rio de Janeiro, Ro~ cbs Tempos, ]992. L32 Botelho. ELE Op. cit., p. 18').
:\0 início de 69, a maioria dos psicanalistas da SBPSP sai do curso de Psicologia da USP. Aos poucos, entram outros mais jovens e alguns também ligados a esta Sociedade, mas nenhum do grupo anterior, do grupo dos didatas.
Todos estes aconteciInentos. ocorridos principalmente durante a ocupaçào da Faculdade de Filosofia da lJSP, em 1968, são também situações analLsadoras da SBPSP, da "verdadew.l" psicanálise e da formaçào analítica presentes no curso de Psicologia. 1%8 [oi um dos grandes analisadores a nivcl Ilumdia) e, no Br.Jsil, dentre DuteIs coi<;;as, os acontccitnentos na USP revelanl "por si mesmos" c desnaturalizam as práticas psicanalíticas entào hegemônicas. 3 - O MOVIMENTO DOS PSICÓLOGOS CARIOCAS :'\0 Rio de Janeiro, difercntcIl1cIlle de São Paulo, o lllOVU11etllo dos psicólogos não conta com o apoio das Sociedades "oJJciai.•• ", mas ao contrário, sofre sua oposição. "Os psicólogos cariocas na dilJisdo do "mercado clinico" (".) se ocupam definitiuamente da área infamíl_ Em sua grande maian·a, sao mulberes que conse{:uem projissionalizar uma fun,ção marcadamente jeminina que tia de "cuidar" das cn"ançaseexpra1.la com a k~ttimidade que os psicanalistas e u." institttiç6es do estado lbes outorgam Ma.<> elas próprias se ana/içam com os psicanalista.<>médicos das Sociedades o/leia L" que teriam a "competência" necessária f]ara tratar de adultos" 1'\4.
No Rio de Janeiro, o atendimento psicoterapêutico infantil é desqualilkado pelas Sociedades "oficiaLs".Além de ser considerado, na época, como prática que exigia menos qualificaçào, esse tipo de atendilncnto é também menosprezado no mercado de trabalho, pois "vale" praticamente a metade do que é cobrado pelos psicanali..,tas para uma terapia de adulto. Quando, em meados de 70, o mercado terapêutico inJantil já é monopólio dos psicólogos, a SBPR) institui, em 197~, o Regulamento l~j
Idem, p_ ]il6.
para a Formaçào de PsicanalLstas de Crianças que, em seu artigo Iº, diz: "Poderão ser aceito ..s como aspirantes ( ...) menibros titulares e a.')sociad()s da Sociedade Br.lsileira de PsicanálLse do Rio de Janeiro""'. É tarde, pois já há uma legitimidade dessa parcela do mercado para os psicólogos. Em 1970, Fábio Leite Lobo, diretor do Instituto de Ensino da SPR). convida alguns psicanalistas argentinos como Eduardo Kalina c Amlineb Aberastury - especialLstas em terapia de crianças e adolescentes - para que dêelTIseminários no Rio de Janeiro. Alguns entrevi·;;tados obscrvatn que esse convite da SPRJ prende-se ao fato de que os psicanalistas, na naquela ocasião, por não terem interesse na terapia infantil, dela pouco sabem; por i<;so, () convite feilo aos argentinos, Tanlo que, de início, esses selllinários seriam aberlos a oulros profissionais) o que é vetado pela Sociedade, elnbora i.•••lo baraleasse os custos,
3.1 - O Instituto
de Orientação
F:íbio Leite Lobo, na época com vanos gnlpos de superVlsao, fom~dos em sua maioria por psicólogos que trabalham com atenditnento infantil, sofre forte pressão de SClLSsupervisionandos c forma um lllrso paralelo ao da SPRJ, dado pelos mesmos psicanalL,tas argentinos. É a origem do Instituto de Orientação Psicológica (IOP), que funciona até 1974. C0111lItl1:1 freqüência
DissL'rklÇ;lO dt; I"leslrac!() - PI1C/SP, 198'5. 124
de cerca de cem pessoas.
Realizan1-sc
seminários, estudos de casos clínicos e grupos de supervL.;;ão. A única cxigência é a experiência pessoal em análL.;;c,cmbora fique claro que isto não se trata de Ullla fOflnação, que este curso não autoriza ninguém a ser psicanaIL,ta. Tal exclusào é enfatizada por Fábio Leite Lobo e pelos próprios psicanalistas argentinos convidados, ligados à APA. Desde 196~, Anninda Aberastury, mensalmente, a convite da SBPSP, vai a São Paulo dar scnlÍn:írios no Curso ele Formaçào de Psicanalistas de Crianças. No Rio de Janeiro, é a primeira vez que isto ocorre. Outros argentinos também participam, COlno Maurício Knohclque substitui Anllinda Aber.lstury após sua 1110rtCcm 1972 -. Eduardo RoJlas, Leon (;rinberg, Maric Langer, David LilJcnnan e Amaldo Rascovsky. É a conhecida prilneira gcraçào dos argentinos que, apesar do seu
1:l'Í Figueiredo, A_c_e Op. cit., p . .'16. Sobre () assunlo, consuJt:u também Silva, M.A.C.R.L. Analisa-se
Uma Criança,
Psicológica
1:"\') E.~lalulosJaSBPRJ,Up.cit
,p_()1
que provisoriamente - ao hegemônico, ao que está dado, ao que é produzido e percebido como natural. Acreditam que a prJtica psicanalítica pode ir tl1udando em seu próprio interior para formas nlaL" t1cx.íveis, mais "abertas", com L11)) ll}(win)cnto próprio interno a ela, sem se artIcular com o que está no mundo, sem se Lran~versa1izar. Enl realidade, é mn fOltalecin1cnto dos modelos vigentes, sob outídS
otkialisnlo, em muito "ajuda" o movimento do~ p~icólog:os no Rio de Janeiro. Não somente pelas inovações técnicas que apresentam - como as terapias breves, os trabalhos institucionais e grupaLs - mas aíncla pelo próprio estilo de atendimento privado quc configuram: a qUf'bra de certasjotma/idadl'.'" nas S('."soes terapêutica.,>, no numero de sessOéssemanais, a discussão da neutralidade. not'a.ç abordagens para crianças e adolescentes. (. ) pouco considerados como jJadentes pam a IJsicanãU\'e" 1,;(,.
Emhora a APA também não permitisse a entrada de psiccSlogos para a fonnaçào analítica, esses psicanalistas argentinos trazem, no início dos anos 70, para o BrasiL outras contribuk'ôes para os psicólogos no Rio de janeiro c para a própria prática psicanalítica "oficial" aqui dominante. Entretanto, esta.s contribui\:ôes c a "ajue13" dada ao movimento dos psicólogos ligJm-se a um momento de feroz repressão no Brasil. Impôe-se o terrorismo de Estado; a ascendente cla.sse média, anestesiada pelos efeitos do "milagre do Delllm", aposta CIll seus projetos de ascensão .social; os diferentes movimentos sociais e .sindicai'~~ de um modo geral ~ encontram-se amordaçados e silenciados. O medo ilnpera, não só entre os jovens ntilitantcs ligados à luta armada, mas entre as populaçôes marginalizac1:ls das perilerias elas grandes cidades, pela atuação impune (' cada vez mais violenta dos Esquadrôes da Morte l:''-;' , Neste clima ~ elTIque .subterraneamente continuam a se gestar outros moviment()s ele resi.'itência ~ as prática.c;;; trJ.zid:.k"l por essa primeira geraçào cle argentinos, em realidade) favorecem o modelo "psi" não muito distante da "verdadeira" psicanálise. Se, por um lado, fazem cTÍticas à ortodoxia dominante, por outro, não produzem rupturas com este 1110delo. Reformam-no, utilizam-no sob outras roupagens_ E disto necessitam os psicanalistas e os psicólogos cariocas. As contribuiçücs dos argentinos el1. APAme fazcrn recordar práticas que nào dcsnaturalizanl os modelos dorninantes. que não constituem novas estratégias e táticas de ação que possibilitem escapar - lllc.smo r~6 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p_ 4'5. Iji Em pesquisa realizada pelo Grupo Tortur.l NuncJ. ,l\fJls/l~l,desde fms clt' maio ele 1991 até agosto de 1992. no Instituto Médico Legal do Rio de Jan,,-'iro, verificou-&.'. entre 1970 e ]Q74, cerca de '5.000 pessoas enterradas, como indigente~. tendo como "causa mortis" violêndJ.S dos ma.i.~variados tipos
12.6
roupagens. outras maquiagens. 3.2 - As Comunidades Terapêuticas e os "Psi" Cariocas
I
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Fora essa experiência eleatendimento inbntil privado - cujo registro remonta ao final dos anos 60, ampliando-se gradativamente pelos 70 -, surge neste mesmo período, no Rio de Janeiro, o trabalho ele Comunidade Terapêutica. quc traz outras implicaçües para (l movimento dos psicólogos. Em São Paulo - elikrentemente do Rio - a experiência da Comunidade Terapêutica Enfance. iniciada na segunda metade da década de 60 por Di Loretto. vai trilhar oS caminhos que levam ao psicodrama. o que abordarei no Capitulo seguinte. Não pretendo aqui fazer 111l1aanálise do Illovimento de Cornunidade Terapêutica no Rio de janeiro, mas simplesmente apontar alguns de seus efeitos sobre os "psi" cariocas, Na cidade de São Scbasti~o, essa experiência tem início por volta de 1967, no IIospil:1I do Engenho de Dentro, com dois psiqui~tras de formação analitica: Oswaldo dos Santos c Wilson Simplicio. E essencialmente um trabalho grupal que visa questionar o próprio sistema asilar. Muito inJluenciados, a principio, por Maxwelljones e pela Teoria da ConlUnicação, há tambénl as figuras de (loffman ThOlnas Szasz e R. Laing e a experiência, já em andamento no Rio (~íJ.nde do Sul, de Marcelo J
(
Blaya. No Engenho de Dentro, os grupos de psicóticos - para os quaLs gradativamente V:10 sendo suspensas a';;mediC'dçôes~~ conlC çatn a discutir alguns aspectos da adnlinistra,ão hospitalar: a comida, os banheiros, a coloca,ão de espelhos, etc. Este trabalho, pioneiro na época, passa a se tornar conhecido e muitos psicólogos vão p'lra lá estagiar, tornandose um foco imp011ante de questionamento do próprio regime asilar, da loucura, etc. A proposta é que, paralelo ao trabalho com grupos de 127
Em seu Projeto de Dissertaçào de Mestrado, Heliana B. Conde Rodrigues refuta esta tese afirmando que uma das forças presentes nesse trabalho é a critica à Psiquiatria Asilar e Org'dnicista em cinla de "... bases humanistas, marxi':nas, psicanalíticas e até mesnlO antipsiquiátricas, sem que estes conflitos ele tendências resulten1 em hegenlonias definidas"'.39. Concordo. To(bvia, se por um lado as Comunidades Terapêuticas trazem, em seus m..icroespaços. outras prática..<;que não são hegemonizadas pela psicanálise, por outro, a demanda dos psicólogos na época é dada peta psicanálise. A subjetividade massiva então produzida entre os jovens "psi" de classe média é atingir o status de analista; justificam-se, assim, os caminhos que alguns deles vão empreender. não obstante suas influências marxistas c antipsiquiátricas.
psicóticos, haja supervisões, estudos de caso e gmpos terapêuticos para os próprios coordenadores de grupo. Cerca de 1aoa estagiários passam até 197'; pelo Engenho de Dentro, quando o trabalho é desarticulado pelo governo federal. Muitos desses estagiários são "psi" de esq ucrda, alguns perseguidos pelo regime militar, que encontram no tabalho de Comunidade Terapêutica uma forma de resistência e atuação politica. Em 1968/69, um gmpo de psicólogos, junto com Oswaldo dos Santos, tenta organizar uma Comunidade Terapêutica numa clínica particular, a Bela Vista. Hoje, alguns entrevistados mostram-se críticos em relação a essa experiência que, sendo feita num hospital privado, em realidade, servia para "promover o capital dos donos da clínica", para "não criar mna situação conflitiva que denunciasse o regime asilar". Um ano depois, o Hospital Pinel inicia também uma experiência de Comunidade Terapêutica sob a coordenação dos psicanalistas da SPR) e SBPR),Eustácl1io Portella Nunes FiUlOe Roberto Quilelli, de dUf'dção efêmera. Seguindo em alguns aspectos o que é feito no Engenho de Dentro não engloba a comunidade à volta. É mais uma experiência de classe média de Zona Sul - pela própria localização do 110spital - e de uma elite intelectual acadêmica, pois está vinculada ao Instituto de Psiquiatria da UFRJ. Apesar dLsto, alguns que lá traball1am dizem que, para a Universidade e o curso de Psicologia, é uma experiência pioneira e importante. No Engenho de Dentro. o trabalho de Comunidade é lnal<) radical, poLe;; é uma experiência com a miséria, não só dos pacientes, mas do próprio local onde se inscreve esse hospital - subúrbio da Zona Norte do Rio de Janeiro. Entretanto, apesar da grande atração que exerce sobre muitos "psi" maLsà esquerda e pelas limitações do próprio momento histórico em que é realizado - em plena vigência dos maLs terríveis anos ela ditadura nlilitar -, muitos profissinais saem desse trabalho com seus sonhos de ser psicanalistas ainda mais revigorados. Esta tesc, a meu ver, é corroborada pelas posições que tOlllam: alguns - os nlédicos vão fazer formação analítica na SPRJ; outros v;io engrossar o movimento dos psicólogos, paternalizado por alguns psicanaILstas. Há discordâncias sobre as Comunidades Terapêuticas serem sinlplesmente "tranqüilos campos de difusão da Psicanálise", 133 na época.
Exemplos dessa rutela e de sua aceitação pelos próprios psicólogos estão presentes na fOffilaçãOele alguns eSL~belecimentos que congregam psicólogos e psicanalistas - no período de 1970 a 1976 - como: a Sl'C, o CESAC e a ArPIA. Como jâ afirrnei anteriomlente, nào almejo faz,r aqui uma história desses estabelecimentos; isto já te)ifeito em outros trabalhos. Meu interesse é mostrar a tutela psicanalitica e a reprodução, em muitos aspectos, das instituições "verdadeira" psicanálise e formação analítica. No entanto, algo sobre sua hL't6ria deve ser mencionado.
]~R Tese defendida por Figueiredo. A.C.C 0r. cito
1.39 Rodrigues, H.S.e. As "Novas AnálIses". Op. cie " p. 3').
128
3.3 - Os Psicólogos Cariocas e a Tutela dos Psicanalistas Apesar de serem pacientes dos psicanalL'tas das Sociedades "oficiais" e de terem com eles supervisões e gmpos de estudo, os psicólogos não são autorizados a se autonomearem analistas; são "psicotcrapeutas de base analitica". Esses "benfeitores" - todos da Sl'RJ -, diante de uma categoria mha do "milagre econômico", como a dos psicólogos, têm seu mercado de trabalho ampliado. Esse "mercado psicológico", gerado no fmal dos anos 60, além das denlandas criadas entre (k' c1lanlados leigos de classe média e média alta, comporta também a demanda dos próprios psicólogos em sua ânsia de se tomarem psicanalistas, em seus sonhos de ascensão social fomentados pela subjetividades massivas lórtalecidas na época.
129
A .)ociedade de Psico!op,ia Clínica A Sociedade de Psicologia Clioica. a SPC, é fundada cm 1971. no auge da repressão política no Bmsil c na efervescência do lnovi~ 111cntodos psicólogos cariocas com a vinda dos pritneiros psicanalistas argentinDs. Seus fundadores, um gnLpO de psicólogos que fazem terapia e/ou grupos de estudo com Fábio Leite Lobo e Gerson Borsoy - psicanalistas da SPRj -, têm larga cxperiência cm clinica. Entretanto, pela própria tutela desses psicanalistas que dão aulas c supcrvLo;;õesna SPC, C111 scu currículo - total111cntehaRcaclo na obra de r'reuda psicandli.<;eaparc'Ce "oficialmente", de modo /!(!/ado, como uma das técnicas ind('pensr11'C1..O:; â psicotenA[>ia( ). h' permitido jazer jJsü.:otera/Jiade IJuseanalilica. mas nao psicanáli.w-', ainda qUI! mio baja impedimento legal algum, já que a /:61canali.senunca foi regulamentada. Quem imIJedl'-?A. lPA? Nao nl.-'Cessariam'(-'nte Seu regulamento permite a jormaçâo de Sociedades mistas de medicos i' psicologos. A intl'rdiçáo surge muita..:;rezes atrás dos divas na figura dos fJrofJrios anali.'\ta.\' com suas inte,prelaçóe.~ que tl-'ntamdesconhec('7' e invalidar a d('Ci.'l{10 de seus analisandos de huscar uma formaçao prã{Jn·a"140.
Con1precnde-se, poL<;,seu paternalismo (' tutela no sentido não só de manter cativa essa delnanda. mas, tarnbém) através dessa "ajuda" _ que facilita uma formaçào de base analitica - ter seu prestígio c poder garantido junto a essa parcela "psi". A SPC se estrutura à imagem e scmelhança das Sociedades "oficiai..;;", sendo UHl estabelecimento de f()nna~:io exchJsiva paf'.l psicólogos. Reproduz) portanto, a mesma exclusão que as ligadas i IPA; a mesma exclusão contra a qual diz lutar o movimento dos psicólogos, E maLo;;, oficialmente não faz forma(".'30analítica, Illas de "base analítica". A SPC, em !990, torna-se a Sociedade ele Psicanálise ela Cidade do Rio de Janeiro, não restringindo mais a entrada SOIllcnte a psicólogos. () Centro de Antro/x)/og!a Clírzica
o Centro de Estudos de Antropologia Clioica (CESAC), fundado oficialmente em 1972, tem sua origem no chamado gnLpO dos 140 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 47.
t30
oito. Este grupo é fOfluaclo por psicólogos ligados ao Curso de Especia1iza,'ào em Psicologia Clinica da PlIClRj que, em 1970, após serem "cortados" nUllla tLllllultuada seleção, procuram a psicanalista da SPRj, Inês Besouchet'''. De um traballlD realizadD por quatro integrantes desse grupo retiro alguns trechos cuja análise considero imprescindível. Logo no início lT)ll1entaJl1: 'Parlimos em hu..:;cada aceitação por pane de profissionais que simbolizavam para R()S a identidade do psicólogo clinico Inés Besoucbet (. _) SIm fonrul de "indefiniçilo~ foi a mola prop,dsora do grupo, pois nao pronu'tia nada, colocando-se sempre em disponilJilidade (. ) Antes do no,~soprimeiro encontro, já em idealizada tanto pelos qUi' a conheciam como pelos que não a conhecíanr Representava tl próprúl Psicologia atni· co assu",ida, uitotlosa eaceita até -mesmo callto didat(l por ,mIO sociedade psicanaJltíca que não (lcelta p.dcólogos /)ara formação Sabiamosjd, como já foi dito, o que nilo queri~ amos, ma."nossas amhiçói's eram as mais conjúsas Não saMamos os limites (' as tii/(;r(-'nças entre.- ser'/JsicóloMOclinico. teralJCuta e psicanali<;ta Por isso me.Hno, /nés (-7a a síntese e o sf",boio ainda indefinido fIe nossas (u'pirações "14, (grifos meus),
Esta indefinit,,·ão, tanto de lnê,o;;quanto dos pr6prios componentes do grupo, Jaz partc ela ambigüidadc que caracteriza esse estahelecimento. Desejando um reconhecimento ofkial por partc da I'(;C, este grupo inicial c o posterior fica" ... entre a Universidade c a Associação Psicanalítica, L.) sem entrar em conflito com nenl1uJll.:l'JI43. Concordo com Katz11\ quando afinna que a indeflnição também se encontra no próprio modelo inicia! de estudos: témicas psicodranriticas (Inês Besouchet indica C01110Ul11dos coordenadores do grupo a pSicodramati')t:l paulL"t3 Norma jato"á), temas filosóticos gerais. Rogers. a "pessoa humana". a no,ào de encontro, assuntos psicanalíticos gerai..,,_ Segundo a visão produzida e tão enfatizada, na época e ainda 1i I Inês Besouchet é uma das duas p~icatulistas dichta<; não médica da SPRJ; e psicóloga. A outra e I0trin Kemper, a quem já me referi anteriormente 142. Fernandes, l.C, b.nari, M.C., S::mto,'>,N.L. (.' Drummond, V.C O (-.upo dos 8: A Pré-lfistória do CESAC Curso de Espechliza\'ào em Psicologia CliniCJ. - PIle/RJ, novt~mbro/1976, pr- 2 (' 11_ 14) Baremblit, l; _lnfonne Diag1UJm.ico }' lndicación ReorganJzativa dei Cl.'1Itro de Estudios de Antropologia Clinica. Rio de Janeiro, 1977, mimeogr. p. 04_ IH Katz, c.s. f.tica e Psicanálise_ Ri" de Janeiro, C,rJ.J.I, 19S4, p. 292
UI
hoje, de que a prática psicanalitica é superior à da psicologia clínica, assinala Katz que: ''Ao mesmo tempo em que se promete a Psicanálise, ela é esca~ mo/eada como saber para o aprendizado, e substituida por um saber "inferior", mais fraco" institucionalmente, a psicologia clínica, ao qual os alunos (não pertencentes à SPkJ) poderiam ter aceS5o"[4~ (as aspas são minhas).
A preocupação com a "identidade" profissional do psicólogo é um tema básico no movimento dos psicólogos cariocas, e nesse trabalho sobre a pré-história do CESACisso é bastante enfatiz.ado; é um tema que muito preocupa esse gnlpO. A identificaçào vai se dando vai sendo produzida "... através de uma identificação sempre carente, daquilo que lhes faltaria para serem psicanali,tas"l46 E vão just,unente procurar essa "identidade" C0111 os psicanalistas, conl os "pais" e as "màes·'. Parece que só é possível o reconhecimento enquanto profissional psicana1L>tase ele for feito pelos anali'tas que detêm a "verdadeira" psicanálise. Só que estes fazem questão de mostrar que as diferenças entre psicanálL,e e psicologia clínica é que podem guiar a "identidade" dos psicólogos. Estes devem procurar ser "competentes" clínicos, pois ".. todo analista reconhece quando um psicólogo é idôneo"l", declara um outro psicanalista da SPH], também coordenador desse grupo inicial do CESAC. I\a época, uma das diferenças apontadas entre o psicólogo clinico e o psicanalista é que o primeiro faz diagnósticos "antes" do tratamento; utiliza testes, anamnese, etc., o que os psicanalistas não fizemo Estes não di,cutem essas técnicas diagnósticaB e até as aceitam. Minai, é precL", que os psicólogos clínicos continuem sendo psicólogos clínicos. E a psicanálise, ao não se iIni.~cuirnesse assunto. anro1a seu caráter "libertário", pois não diagnostica, não rotuia. A questão da "identidade" profissional do psicólogo clínico é (rabaUIada no grupo pela uruguaia Marta Nieto que vai, paulatinamente, mostrando as diferenças entre psicanáli>e e psicoterapia!43. Em sunla, é unia clara tutela: o trabalho psicanalitico para os psicólogos estã fora de questão. As subjetividades constntídas são essa.,: pode-se até utilizar a I
l-i') 146 14i 148
Katz, c.s. 0r. cit., p. 292. lerem, p_ 293. Fernandes. r.C ~t alli. Op. tiL, p. 22. Idem, pr. 201 e 204.
mesma técnica,!lla..':Io trabalho é nlenof, é menos profundo, é psicoterapia de base analítica. Em 1971, esse grupo dos oito se amplia e é reconhecido pela PUC, o que dá origem em 1972 ao CESAc' conveniado com esta Universidade. Como no IOP, uma das exigências para se miar a este estabelecimento é estar em análise pessoal. embora não se trate de uma formação analitica, o que mostra a ambigüidade e sua aceitação por aqueles que procuram um reconhecimento institucional para seu trabaUlOclínico: os psicólogos. Quando, em 1976, o grupo do CESAC conclui o Curso de Especialização em Psicologia Clínica na Pl:C, para o qual vigora o convênio, este é encerrado. É, então, aberta uma clínica e dois anos depoL> um outro grupo de sete psicólogos tenta fundar um Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalitica no CESAc' A direção aceita, o curso tem início com seis professores psicanalistas que não fazem parte dela e, em dezembro, o CESAC retira sua aprovação, afrrmando textualmente que naquele estabelecimento "... não há lugar para forrtJação em nenhuma especialidade""" Este grupo, com cerca de mais de seis anos de expetiência no CESAC, dele se retira. Logo depois, a nova diretoria reafirma que esse estabelecimento é um centro de estudos e não de formação. Alguns entrevistados observam, o que é corroborado por Katz, que, na época, a SPR] proibe explicitamente que seus membros efetivos dêem supervisão a psicólogos ou membros não-autorizados!", fato que atínge também a SPc' Tanto o CESAC quanto a SPC cumprem "... sua função de linha auxIliar da SPR], seduzíndo institucionaimente seus membros ..."!5l.Para a "verdadeira" psicanálise, somente é válida e pemJ..itida a "sua" forrtJação, seguíndo seus cãnones e rituais. No mundo capitalistico, as grifes, as "marcas registradas" são fundamentais na "livre competição" do mercado. Elas "g~rantem" o valor da mercadoria e, ao imporem o "seu" valor, desqualificam os demais produtos que não têm uma "marca registrada". Por exemplo, a Coca-Cola é uma 149 Figueiredo, A.C.C. Op. tiL, p. 53. 150 Sobre o assunto ver Katz, C.S. Op. dL, p. 294 e Figueiredo, A.C.C. Op. tit., p. 57. 151 Katz, C.S. Op. ciL, p. 294.
13l
t33
trade 11Ulrk,Sua fómmla deve ser produzida da mesma fomla nos maL, diferentes países, no sentido de garantir a sua "nlarca registrada", Da nleSllla fOffila, no mundo capitalístico, a "verdadeira" psicanáli<;e e a fOffilação amlítica instituida pela IPA têm uma trade mark. passam a ser lnercadoria", cOfilprdcias nos con<.;ultórios dos "representantes autorizados" a usar a grife de Freud. Estes "representantes" estão, sem dúvida, noS anos 70 no Brasil, lig'.ldos às Soeiedades "oficiais", Os demais, os "reles mortais", estão no mercado psicológico desqualificado, pois nào têm a "marca registrada" sancionada pela IPA. A Associaçào de Psiquiatria e Psicologia da Inf/hlcl'a e da Adolescência A Associação de Psiquiatria e Psicologia da Infància e da Adolescência (APPIA) é fundada, no Rio ele Janeiro, em 1972. Sua origem liga-se à ASAP1'IA(Associação Argentina de Psiquiatria e Psicologia ela lntância e da Adolescência), fundaela, em Buenos Aires, em 1970, por psiquiatras e psicanali'tas da A1'A- vinculados à linha "oficial" - que nlantêm contato com a American Society for Adolescent Psychiatry. Esta Sociedade" ,.. tem um programa de higiene e psicoprofilaxia da intancia e da adolescência com granelc penetraçào na América Latina" 1\2 O objetivo da ASAPPIA, que será também o da AP1'IA, é o ele promover uma ampla discussdo entre proft<;sionais de psiquiatria, psicologia e psicanáli..<;ea nível internacional através de congressos, publicações e palestras. Foi desse grupo que vieram ao Rio de janeiro os primeiros argentinos para mini'>trar cursos na SPlij e no IOP a conuite de Fábio Leite Lobo "1"3.
Suas principais figuras, como já relatei, sào: Eduardo Kalina, Arminda Aberastury, Maurício Knobel, Leon Grinberg e Arnaldo Rascovsky. A APPIA, por ser uma entidade interdisciplinar, congrega nào somente médicos, psicólogos, psiquiatras e pSicanaIL,ra.s, mas também assistentes sociais. Contudo, o maior número é de psicólogos, elnbora a direção, de um modo geral, esteja nas màos dos psicanalisra.s, Estes sào todos ligados à SPRJ, ela linha considerada "progressista", justamente os que tinham se ligaelo nlaL, ao grupo argentino que de 70 a 74 vêm,
mensalmente, ao Brasil. (:'1APPIA passa a ser um centro de refcn-;"cía dos psicologos, dos psú::analísta,'i; (_., ) interessados em amp/im' seu mercado de trabalho (,.). Cumpre r ) a função de congregarO.'i profissional' •.de saude mental,
eSjJeCiaimente
osp.\"icólogos carentes
de vinculaçào
a uma
instituição, que pudesse reconhecê-los e jornecer-lbe5 uma fonnaçdo clínica (..,). Daí, a gnmde tniÚon'a dos psicólogos que trabalham na área clínica sefiliar a APP1A "1'4.
Em 1972 c 1976, esta entidade promove elo,' grandes congressos, c é este o período de sua maior efervescência, quando a rnídia se ocupa dos projetos ele uma psicologia psic'analitica para a int:lncia, a adolescência c suas fanlílias1'\", bcrn aos moldes das subjetividades hegemônicJ.s então produzidas: cuidar das fimilias em "crLsc" e, dentro ela linguagcm dos argentinos, "prevenir os diferentes momentos de crbe por que passa o ser humano", A preven\;'ão ou psicoprolllaxia como forma de promoçào da saúde mental passa a scr a peelra de loquc elc muitos psicólogos, os maís progressistas, por sinal. Após o grande sucesso do I Congresso, o psicanallsta da SPRJ, Carlos César Castellar, emào presidente ela A1'1'IA,é chamado "". para prestar esclarecimentos ao diretm' do Instituto de Enr.ino da SPRj .mhre o !>urgime,-'nto de uma Saciedaâe deformação paralela fomentada por seu.~própn'os memlm)s A·la.~ a APPIA não tinha compromisso jormal algum em formar p.,.icanali.~tas, os própn'os estatutos confirmam i..•.. W) "I'i>.
Após o li Congresso, nlais grandioso que o prinleiro, quando a mfdia dá uma cobettura nacional, a..o;; pressões dos psic6logos - que já vinham, clescle 1973, qucrendo que a APPIA se tornasse um cstabelecimento de fonllaçào sistenlática - aumentam. Castellar, por não aceiUr essa orientação, demite-se, em 1977, c abrc-sc uma crise na APrIA. Esta, dirigida entào por psicólogos, continua indefinida com relaçào à questão da formação e, pouco a pouco~ vai se esvaziando, "Sem duvida, o declínio da APPIA e proporcional aõ surgimento de novas formas de organização dos psicólogos em torno da psicanálise ( .. ) e em dezembro de 1982 a APPIA suspende difinitillamente suas atividades"l~-'. 1.,4 Idem, p. 69.
152 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 66. 153 Idem, p. 67.
Idem, p. 70. 1'56 Entrevista de Carlos César Castellar cilada por Figueiredo, ALe. Op. dt., p. n. I')')
134
Isto ocorre após tentativas de constituição de gru pos de supervisão em diferentes áreas (infantil, adolescência, familia, grupos e instituições) e a organização de um curso de fOlmaçào de psicoterapeutas de crianças e adolescentes, que não chega a se realizar. A APPIA, que havia contado no seu período de maior efervescência - entre as realizações de seus dois Congressos, de 1972 a 1976 - com cerca de 1000 filiados, apesar da tutela e, portanto, da não disponibilidade dos psicanalistas da SPRJpara oficializar uma formação, repercute sobre o movimento dos psicólogos. Se, por um lado, a tutela é mantida, por outro, diferentemente das restritas experiências da SPC e do CESAC, a APPIA, por sua grandiosidade em termos quantitativos, difunde para grande parcela dos psicólogos cariocas outras formas de pensar a prática psicanálitica. Embora esteja vinculado à APA, essa primeira geração de argentinos contribui decisivamente para que as experiências ocorridas na APPIA não se confundam com aquelas da SPC e do CESAC. A APPIA orienta grande parte do movimento dos psicólogos cariocas no sentido de pensar uma "outra" psicanálise, talvez um pouco mais aberta, um pouco mais flexlVel e um pouco menos ortodoxa que a dominante nas Sociedades "oficiais". Prepara, pois, muitos psicólogos para começar a tentar uma formação autônoma, sem reconhecimentos institucionais vinculados aos psicanalistas "oficiais". Junte-se a isso o contexto brasileiro da segunda metade dos anos 70, fortalecimento dos movimentos sociais produzidos nas periferias das grandes cidades cujos ecos começam a chegar a alguns segmentos das camadas médias urbanas. A APPIA é, portanto, a última e grande tutela - em termos de estabelecimento - dos psicanalistas ligados à "verdadeira" psicanálise sobre os psicólogos cariocas. A partir da segunda metade dos anos 70, iniciam-se outros movimentos "psi" no Rio de Janeiro que, embora não marcados pelo paternalismo direto de alguns psicanalistas, continuam de um modo geral reproduzindo, apesar das críticas feitas, as instituíções formação analítica e "verdadeira" psicanálise.
157 Figueiredo, A.C.e. Op. cit., pp. 76 e 77.
136
3.4 - O "Modismo"
Grupal entre os "Psi" Cariocas:
a SPAG
Neste item, como o título mostra, tratarei do atendimento grupal em solo carioca. Não ignoro que, no mesmo período, também na Paulicéia começa a se expandir no meio "psi" o enfoque grupalista. Entrementes, por absoluta falta de tempo, não será aqui abordado o movimento paulista. A história das práticas grupais no Brasil ainda não foi escrita e toma-se necessário fazer tal levantamento, o que não é objetivo deste trabalho. No Rio de Janeiro, essas práticas, principaimente com adolescentes, muito se disseminam, no irúcio da década de 70, entre os profISsionais "psi". Essa demanda produzida, como já vimos, pelo próprio momento histórico, vai ter o embasamento da primeira geração de psicanalistas argentinos. Eis porque o grande sucesso que fazem no meio "psi" carioca. Não é por acaso que muitos entrevistados - tanto psicanalistas ligados à SPRJ, quanto psicólogos - enfatizam a importància desse grupo de argentinos. Eles vêm, justamente, estimular e dar um referencial teórico/ técnico à demanda grupal então produzida. Desde os anos 60, com a difusão do livro Psicoterapia del Grupo, de Marie Langer, Emilio Rodriguéz e Leon Grinberg, surge a tese "... de que esta forma de abordagem terapêutica seria o melhor caminho para paiscs em desenvolvimento"'''. Diante da reação negativa da IPA - que argumenta que grupoterapia é uma psicoterapia menor e não psicanálise - as Sociedades "oficiais" cariocas acautelam-se. Todavia, por força, das próprias subjetividades hegemônicas então produzidas -a necessidade de uma ajuda "PSf' para a fantilia "desestruturada" e, principalmente, para seus filhos adolescentes (os filhos do "milagre econômico") - há uma grande demanda. Os psicanalistas mais conservadores recusam o trabalho grupal e são os considerados "progressistas" que se lançam às primeiras experiências com grupos'59, por meio das quais, quase sem 1')8 Câmara, M. "História da Psicoterapia de Grupos", In: Py, L. A. (Org.). Gmpo Sobre Gnlpo. Rio de Janeiro, Rocco, 1987,21·35, p. 33. Ainda sobre o assunto, consultar Barros, R.O.B. Gropo: A Aflnnação de Um Sbnulacro. Tese de Doutorado, PUClSP, 1994 .• 159 Segundo Castellar ~._.a história da formação de terapeutas de grupo no Rio de Janeiro data do início dos anos 60, quando Valcleredo e um grupo de profissionais do Instituto de Psiquiatria (IPUB da UFRJ), ligados à SBPR] e à SPRJ, fundam a primeira sociedade de grupo. Naquele instituto, para o indivíduo se tomar terapeuta de grupo, precisava estar no término de sua formação analítica ou tê~1aterminado; caso se interessasse pela grupoterapia, passava a freqüentar a sodedade de grupo; tornava-se sócio, e, a partir daí, adquiria o cUreito de ser observador de um grupo". Ver "Co-Terapia". Cf. Py,L. A. (OrgJ. Op. cit., 127-142, p. 128.
137
respaldo teórico, aprendem as novas técnica:'!. 'TÍl'CmOS uma noção rudimentar hásica, aprendida geralmente de algum colega maL.•e."1Jeriente,e a partir daí começamos a trahalhar Durante nossa atü'idade, a e:tperiéncia nos lenou à ot]?anizaçao, com modificações na fonna de lidar com grupos '1<>0.
Há um enorme mercado que não pode ser ignorado, e os psicanalistas ditos "progressitas" sabem di"o. As eontribuil:ôes dos argentinos, a partir de 1970, são fund3ll1en13is no sentido de reorganizar e reorientar essas experiência.", grupais. Da mesnla fOffila que esses profissionai';; atendem e realimcntanl unla demanda então produzida, suas presenças sistcmáticas no Rio eleJaneifC\ por sua vez, produzem novas demandas. As técnicas grupai'i expandem-se entre os prollssionai"i "psi" e tornam-se "modismo". Além desse grupo de psicanalistas argentinos, no Rio de Janeiro, há 13mbém a influência de outras técnicas gnl]xlis, trazidas por psicólogas argentinas como Carmen tent, Susana Pravaz e Estela Troya. A prinlcira, desde 1971, na PlIClRj, convida sistematicamente as outras duas, assim como Rodolfo Bohoslavsky que aqui permanece Essas psicólogas, di,cípu!as de Bleger e 1'ichon-Rívicre, em 1969, fundanl, em Buenos Aires, o Centro de Investigação e Assessoramento em Psicologia (eIA1') que se abre os mais "ariadas técnicas grup:ris influenciadas pelo Movimcnto do Potencial I1umano, dif1JOdidodesde o início dos anos 60, nos Estados Unidos. À técnica do "grupo operativo" acrescentam outrd..":i, de orientação psicociram{ltica e gestáltica. Propag'.JIllse, na Argentina, os laboratórios de s{!llsitiui~y trttillill/!" os wnrk,',;ho/Jping , as maratonas que, na segunda metade dos anos 70, se e.o;;;palhampelo Brasil. As maratonas são aqui iniciadas p(')os próprios psicanalista.') que já Elziam trabalhos grupais com adolescentes c adultos. Quando da forma,'ào da A1'I'IA, há o fortalecimento de todo esse [rabaUlO de grupo com profundas influências dos argentinos. Diante desse "mercado psicológico" tão prOlnL<;sor,os psiG:mali"itas mais conservadores da SBPRj e SPRj nào podem continuar indiferentes, apesar da rigida oposi,ào da 11'.11 ao trabaUlO grupal. Em 197,j ~ no pcriodo dc maior apogeu da APPIA ~ é fundada a Sociedade de 160 Py, LA.
(()rg.l.
Op_ cjt., pr- 19 t; 20.
Psicoterapia Analítica de Grupo do Rio deJaneiro (SPAG/RJl não somcnte como uma lórll1a de respos13 à APPIA ~ que congrega outros profissionais, alénl dos psicanaliç;ta..;;~ nue;, sobrerud(), para ter acesso a tào promissor "mercado gnrpal psi". Seu objetivo, segundo os Es13tutos, . é a djfusào e a aplicaçào dos conhecimentos psiClnaliticos aos grupos humanos, especialmente o grupo terapêutico"lbl. Em tudo, a SPAG/Rj reproduz as Sociedades "otlciais". Filia-se à Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo, à Federação Lalino-Alnericana de Psicoterapia Analítica de Grupo e à American Group I'sychotherapy Association, de Nova York. Além da btLSGl desse reconhecimento externo, internamente o autoritarismo c a exclusão estão presentes. Pelos seus Estatutos, somente podem ser membros da SPAG/RJ "... os psicanali."itas filiados a ulna das Sociedades da Associa~'ão Brasileira de Psicanálise,qb". As categorias de membros asselnelham-sc às das Sociedades "ofkiais", acrescidas de membros honorários e benfeitores, como no IMP e no Círculo Psicanalítico. Também os membros associados estão impedidos de votar nas Assembléias Gerai, da entidade, sendo que todos os ex-presidentes fazem parte do Cone;elho Científico (' ConsuiLivo, como membros-natos, que é, na Sociedade, o poder executivo, escolhendo, inclusive, os dida13s. A partir de !977I7R fase de esvaziamento da A1'1'IA, oS psicanalistas - muitos que participaram de sua fundação - saem e, gradativamente, vão para a S1'i\(;/Rj"". Pcla sua própria prcsença dentro deste grupo, pelo contexto brasileiro da época ~ Governo Geisel e sua "di,;;tensào" - e pelo avanço do movimento dos psicólogos - notadanlCnte pelos trabalhos que já desenvolvem no âmbito da psicoterapia de gnlpo, embasados pela primeira geração de argentinos ~, a S1'AG/Rj abre sua formaçào aos psicólogos. Em final de 1977, bá a mudança dos Estatutos e Regimentos; assi.m, pelo artigo fíº, seu:,!membros sdo medicos e psic6logos que tenbam seU"diplom(b registrado ..• nos n... "'Pectimsconselhos regionaLç, mantendo-se ,wmpre a proporçao de do(\,' terços de medico..>:para um terço de>psicõlogoS'·IM. lül Artigo 2° cios Estatutos daSPAG/R,J. In: Ata da l
A "abertura" ou transição é feita dentro dos mesmos moldes que a do Governo Geisel: lenta, gradual e segura. É importante que os psicólogos possam participar da fonnação na SPAGiR] - afmal, muitos já têm uma experiência em trabalhos grupai, há anos -, entretanto, desde que se possa manter o controle. Assim é que, por esses Estatutos de 1977, somente os membros titulares continuam tendo direito "... a voz c voto nas Assembléias, bem como o de votar e serem votados para os cargos eletivos da Sociedade"'''. Quase um ano depois, novos Estatutos e Regimentos são votados, oportunidade em que é ampliada a entrada na SPAG. Pelo artigo 4º, seus membros "... são médicos e pessoas diplomadas em curso superior vinculadas às ciências humanas e sociais com diploma legalmente regi,trado""". Cai o antigo parágrafo 6º que prevê dois terços para médicos e um terço para psicólogos, lUas é incluído um outro, () parágrafo 4º, que aponta para um outro tipo de controle, tão corporativo quanto o anterior. Desta forma, os membros da SPAG/R] não médicos (leia-se os psicólogos), a quem o exercicio da Psicoterapia é autorizada pela legislação em vigor, "... terão seus pacientes assistidos por médicos no caso de carecerenl de interven~ão clínica que só a médico compete desempenhar"'''. Bastante ambiguo, pois o que se entende por "intervenção clínica"? A partir de 1980/81, muitos dos que haviam fundado a SPAGiR) vão se afastando graelativamente de sua direção e de uma série de outras atividades; em 1982 assume sua presidência - em eleição concorridissima, já que duas chapas se apresentam, o que não ocorre desde sua fundação - Carlos C. Castellar, que tinha anteriormente sido presidente da APPIA. Somente em 1985, a presidência da SPAG/R] é ocupada por uma psicóloga: Márcia Câmara. Nesta época, também os chamados "progressistas" estão se afastando e lri toda uma nova geração de psicólogos e psicanalistas participando da vida societária. Como já apontei, entre os psicólogos, o trabalho gn'pal é também muito difundido. Desde as experiências com as Comunidades Terapêu164 165 166 16'7
"Estatutos da SPAGIR]" In: Uvro de Atas das Assembléias Gerais, p. 34. [clem, p. 31. Idem, p. 64. Idem, p_ 65. t40
licas no final dos anos 60, tanto no Engenho de Dentro quanto no Pinel, esses profissionais experimentam não sotuente a coordenação de grupos com pacientes e funcionários, conlO supervisões e grupos terapêuticos, tudo dentro do modelo recém-conhecido dos "grupos operativos" de Pichon-Rivierc. Posteriormente, no início dos anos 70, Carmen Lent, Susana Pravaz e Estela Troya promovem laboratórios de vivências, empregando diferentes técnicas grupais, no sentido de traballlar o tema da "identidade" proflSsional do psicólogo, tema, na época, extremamente preocupante pam esta categoria, que continua a tentar encontrar modelos de referência. Também na Argentina, desde o final da década de 50, os psicólogos, que já começam a se tornar numerosos, não têm acesso à fonna,ão analítica na APA. Em seus cursos de graduação, têm como prolessares os psicanalistas - muitos deles didatas da Sociedade - e, depois de formados, fazem com eles suas tempias, supervisões e grupos de estudo; entretanto, não são autorizados, nem reconhecidos como anali,tas. Como no B,dsil, sua grande preocupação é a questão ela"identielade" proflSsional. Só que com uma diferença: o movimento dos psicólogos argentinos, ao invés de se aliar aos pSicanali'ta' "oficiai," e por eles ser tutelado, organizase em entielades sindicai, e profIssionais. !lá toela uma tentativa de capturar esse movimento, quando Bleger e outros didatas da APA mostram que a "identidadc" proflSsional do psicólogo, diferentemente da do psicanalista, é sair dos estreitos limites de seus consultórios privados e tornar-se um elemento de "mudança social". Mudan,a no sentido de realizar, através de atuações grupais, trabalhos institucionais e comunitáriosl6S. Essa tentativa é dcnunciada pelos próprios psicólogos que percebem na chamada atuação preventiva ou psicoprofilática uma forma de exclui-los da formação analitica. Não percebem, porém, o que o trabaUlo preventivo produz, assumindo tais tarefas de forma mai, ou menos acrítica. Na questâo ela "identidade" profissional, esses temas estão presentes entre eles de maneira muito forte. No Brasil - com um movimento muito menos organizado, frágil e tcndo como modelo único e exclusívo de referência os psicanalistas - os 168 Sobre o assunto, ver o Uvro de Blegtlr, ,\ires, Paidôs, sidata.
J.
Pskohigiene Y Psicologia ln••titudonal
14 t
Buenos
argentinos encontram U111 tnerc.ado extrem~tlnente propício e fatlllnto à di')cussào de tais tetnas. Principabnentc entre os psicólogos, há uma grande curiosidade em rdação às técnicas trazidas pelos argrntinos. Desenvolvem-se as terapias de casal. terapias breves, interven\'ôes em crise, atendi.Inentos pré-cirúrgicos. acompanhamento a gestantes ()rienta,-~à()vocacional (que dentro da VL')àode Rodolfo Bohoslavsky torna-se uma terapia foca1)169 e outros. Tais técnicas - como já aHrmei anteriormente - respondem muito bem à demanda produzida nos anos 70 no Brasil. Também por inlluência dos argentinos, surgcln outras concepções sobre saúde c doença, não tão aferradas - como antes - à psicopatologia. Gradativanlente os psicólogos vão se afastando do modelo médico propugnado peh, Socie(L~des"olkiais", à medida que a inl1uência argentina se amplia, tnas - como já afinnei - não criam nOV~L') estratégias c táticas de açiio; reproduzem. sob outras roupagens, os antigos modelos. E, na segunda metade elos ancl..')70. a.o;;;sistc-sc ao que é conhecido conlO o "rnodismo" da Psicologia Institucional e dos ".~rupos operativos", Ao contrário do que nesta época já ocorre na Argentina, os psicólogos [)rasileiros, mesmo os mais J. esquerda, 'üo conscgLlem ainda questionar as subjetividades que produzem o "lnercado psi" dos anos 70, Perguntas já comuns entre os argentinos - "quc formac,:.'ãosocial, que práticas c subjetividades cstamos produzindo e fortalecendo?" - somente puderanl ser pensadas posteriormente, no início dos anos RO, l
Importa-se de forma mcc3nica c acrítica o modelo argentino da Psicologia Institucional de Blegcr com sua linha prevcntiva e os trabalhos de grupo, principalmente, os "grupos operativos" de Pichon-Rivierc. Neste momento, não se con.segue refletir sobre os pressupostos de tais modelos que, mesmo marcados por influências marxl"itas - c no caso de muitos psicólogos, é o que os atrai - nào saem dos estreitos limites das instituições vlstas como estabelecimentos abstratos, como "coisas em si", da reitlcaçio do trahalho gnlpal. Não nos esquC'\-'amos de que esses referenciais estão presentes na APPIA e em seus exuberantes Congressos, nos quais os psicólogos reverentemente acompanham as exposiçôes de seus "mestres·' argentinos e neles têm seus modelos de referência. conlO lU) Sobre o :lSSllnto, ve[ Bo!losla\'sky. R Orleoladón Vocaciollal: Airt's, NllL'V:lVi."ilin, 197'7
142
la Estratcgia Clínica. Bueno."
anos antes tinhanl nos psicanali')tas '·oficiais" brasileiros, Esses modelos ainda marcados pelo dkialismo dos psicaI13listas argentinos - apesar de serem considerados unI avanço pam a época -, CtHrealidade servem, e muito bem, a utn período em que a luta artnada contra J. ditadura militar no Brasil csti quase que totalJnente debelada e () "tnilagre econtnnico" começa a ruir. Apesar da força que o governo militar ainda possui, ji se percebem os ptinleiros sinaL'i cio avanço político (le Ull1aoposição ainda tÍ1nida e d() fc)rtalecimento cle muitos movimentos populares, sociais e sindicais, É neste momento que essas concepções ganham tantos adeplos entre '" psicólogm l11aisprogressistas. Concepçc,es cujas limitaçôcs só mais tarde serio percchiclL<;:seus aspectos de controle -- no caso da prevel1\-';1o-, em que a palavra política ainda é proibidano caso do psicólogo institucional e seus lirnites de atlla~.'jo - c suas aspiraçôes técnico-científicas - o psicólogo como o "técnico da.".;rela\-'cJcs interpeSS(Kli'i"1"711. Não é por aC1SOqllC ocorre o hoom dos "gntpos operativos" no Brasil, que passam a ser muito utilizados na.c;; escolas, hospitaL')e empresas como forma de controle. Valendo-se de um discurso modernizante, tentando mostrar, à época, que se emprega lima prática "avançada", participação de grande parcela dos envolvidos nos diferentes pois (lá L1l11a setores do estabelecimento, exerce-se. em última instância, um maior controle sobre esses grupos. Vendc-se ~ todos a i1usào da participa\-~ào :10 cnfatizar o caráter igualitârio c democr~itico desses grupos. Como as dinâmicas de grupo - tjo em tll,oda nos anos ')0 e 60 - bzcm funcionar no vazio algumas forças que podem se tomar if1o;;;tituintes e, portanto, pet;gosas. "Criam-se essa.<;l'á!t"ula.<;de segurança, esses dL"posiHl'Os que canaliZam os descontentes efazem funcionar asjàrça.<;ínstituintes em círcuito fi'Chado. ()fiu. .•.n ( ... ) é cmtado, j)(lssado /)or alto (' dciya dr! otJr!rar( .. ) Tal é o sentido dil.." uleologias nào cliretirras, pur Blt:~l2r,J. Or, cit. Critica..'>. ao trabalhD prevçntivo, ao psicologo como "((·cnico da,s rl'J:lçü,,-'Slnh .•rpt'~<,cl:lis"e :l PSICologia InstitucioJl:l1, ·vl'r: Coimbra. eM.R Psicologia Institucional: Ilitkuldadcs e limites. Dissertação de Mestrado - lESA}> FGViRJ, 1080; Coimbr3., C.\'l.B, l.obo, L.F. (' Barros, RD.B. "Os DL'S:lfios Sociais é a Prática do Psicólogo 1~~co1ar~In; Anais UI (Â)flfcri-ncia 8-ra.~i1cira de Educação. Rio de Janeiro, 1<)84: Coimbr3., C."~1.B.,Lobo LF l' Ihrros, R.D,R "A lnstiluiçào ili Supervisão: AniiisL' de Implicarbes" In: Sa.idón, (). ({)rg.), A Análi.~e llL"iUtudonal no Urasil Rio d.. Janeiro. Espa~'(l ç Tempo. 198"7,
I""U Todos <ósse."J.srectü~ sio çnfali7ados
.:r7~SS. 14:\
parttcipacionistas, sus/entadas pela ideologia grupis/a que funciona como verdadeira polícia cultural e estatal e por tras dela, toda a psicologia contemporânet. na qual ogrnpismo repousa alegremente"'7J . J
Muitos afirmam que a utilização dos "grupos operativos" prendese a questões teóricas, pois há uma confusão reinante em nosso meio quanto ao uso desta técnica, que é utilizada sem um "aprofundamento adequado de suas bases teóricas""'. Concordo em parte, pois, em realidade, com o "modismo" pouco se estuda o referencial teórico dos "grupos operativos". No entanto, não é só o que ocorre, já que o momento hL~tórico da época nos mostra o devido uso de tais práticas e os efeitos que provocaJl1. São utilizadas meramente como técnicas abstratas e neutras, sem nenhum grau de implicação com a realidade social concreta, e funcionando como práticas de controle e assujeitamento. Sem a preocupação em saber para quê e porquê utiliza-se o enfoque grupal, eIn especial os "grupos operativos"~ cai-se num mero "modismo" e numa reificação de tal prática, vi,ta como simplesmente mais uma técnica a ser empregada. A questão de se pensar o grupo como um efetivador de forças e que forças seriam estas"" que sàbcres, que objetos, que sujeitos, no dizer de M. Foucaull, estariam sendo produzidos por essa prática, está muito longe de ser pensada nos anos 70 no Brasil. Seu aspecto técnico é que predomina, uma vez que estamos na era dos peritos c da tecnologia'
VI - A
RUPTURA COM AS SOCIEDADES LIGADAS À
IPA
Na segunda metade da década de 70, começa a ser delimitado um novo perfil nos movimentos "psi" carioca e paulista. Surgem outros grupos de formação psicanalítica; chega a segunda geração de psicanalistas argentinos - em sua maioria exilados, após o golpe militar de 1976 -; emerge o !acani,mo e fortalece-se a sociedade civil brasileira. 171 Benurcl, M. "La.'l Concllciones deI Grupo de Acdôn". In: Lourau, R. (Oeg.). Analisl" Inortltudonal Y Socioanálisis. México, Nuev:l Imagem, [973, pp. 41 e 42. 172 Saidón, o. Guia Tennlnológlco da Teoria e Técnica do Grupo Operativo. Rio de Janeiro, Cadernos do lBRAPSI, secembro/l',179, mimeogr., p. 06 lT, Sobre o assunto, consultar Barros R.D.S. Compo: A Afirmação de Um Simulacro, Op. cit.
144
No Rio de Janeiro, tomam-se cada vez mais fortes as pressões dos psicólogos por uma formação analitica. Também eles - como os seus modelos psicanalistas - querem participar de tão promissor "mercada", não se contentando mais com o atendimento infantil já aceito e instituído. Exercem, entre pressões, tanto no CESACquanto na APPlAcomo já vimos, em 1977 e 1978 -, cujos projetos não vingam. Desse modo, é necessário partir para formações autônomas. 1- A SEGUNDA GERAÇÃO DOS ARGENTINOS A primeira geração de psicanalistas argentinos, considerada "ollcial", apesar de trazer uma série de contribuiçôes um pouco mais "flexívei~" que a dos brasileiros ligados ãs Sociedades "oficiais", defende a "verdadeira" psicanálise e a formação analítica nos moldes da IPA, reproduzindo as mesmas práticas e modelos. Aqui seus interlocutores são os psicólogos - carentes de modelos para uma "identidade" proflSsional- e, sobretudo, alguns psicanalistas da SPRJ e da SBPSP. A segunda geração, que chega a partir de 1976, em sua maioria exilada, irá gradativamente romper com as irlStituições analisadas anteriormente, demonstrando uma expressiva vinculação político-social em suas práticas, além de introduzir novas estratégias e táticas de ação. Se a primeira geração traz contribuições de uma prática psicanalitica, sem no entanto provocar rupturas, esta segunda ajuda a quebrar os m1tos da formação vinculada ã IPA e da "verdadeira" psicanálise. Fornece, com suas experiências e formações exteriores à APA, o "empurrão" que falta. Posteriormente, os lacanianos completarão este rompimento. Entretanto, esta segunda geração de psicanali,tas não pode ser entendida como um grupo monolítico. A própria denominação "os argentinos" uniformiza as diferenças que há entre eles, pois existem os que vêm exilados, por questões de militância política; os que vêm por questões de mercado, após a implantação da ditadura militar na Argentina, que muito vai "incomodar" os "psi" sem implicações politicas e há, ainda, os que, mesmo por questões de exílio, encontram no Brasil um excelente "mercado psi". O próprio Gregório Baremblit nega a existência de uma "Escola Argentina" ou a existência de "... argentinos agrupáveis em redor 145
de um pensamento unifonnenlente marcado ...''17-''. Trá, sim, algumas alianças entre n1uitos que vêm exilados, contudo lnuitos caminhos e posturas diferentes. É óbvio que, como já mencionei na Introdução deste trabalho, alguns acontecimentos são c serão por tninl destacados em cletrirncnto de outros. Não quero nem espero que este trabalho seja visto como uma neutra e linear história das práticas "psi" nos anos 70, no Brasil. A minha implicação com esta segunda geração de argentinos é clara e sei que alguns acontecimentos - ou pelo menos este - enconlrar-se-ão real~:ados neste relato. Desde o início de sua história, a Associação Psicanalitica Argentina (A1'A)- reconhecida pela [1'Aem 19/,2'7; - apresenta grande atividade em termos de publicações, as quais começam a transpor suas fronteiras, e na formação de alguns psicanalistas brasileiros"6 Nos anos 60, toda uma geração de jovens psiquiatras de fonnação marxista entra na AJ'A. Segundo depoimento de Marie Langer esta geração de '.'filhos"ensinou muita coisIJ a nós, os cínco didatas que saímos da APA. A mim, pessoalmente, me ajudou a acahar com a dissociaçào (! a unificar, dentro de minha prática, o enfOque psicanalítico com minhas conuicções polítk:a.<;"IT'.
Em J 968, após o "Corelobazo" - manifestações populares em Córdoba -, as agitações em Rosário e Buenos Aires, a APA adere ã greve geral 'lu c é declarada contra a violenta repressão feita aos estudantes e aos trabalhadores. No ano seguinte, no XXVI Congresso 1ntern"cional da IPA, em Roma, o grupo argentino e outros organizam um paracongressol78 no qual se propõem as discussões: I) da formação do psican"lista; 2) do signifkado, função e estmtma das sociedades psicanalíticas; 3) do papel
4) das relações entre psicanálise e instituiçüesl79. Est:í lórmado o Gmpo Plataronna Intcrnacional que, em 1971, cm Vicm, no Jov'Xvll Conwesso Intemacional da lPA,reconhece public-amente
social dos psicanalistas;
que sua luta "... não passa fi.mdanlentalmentc pelas revolt::L'iinstitucionai .•• , mas pelo comprOlui'iso dos psicanalistas com os povos empenhados e111
suas lutas de libert"ção"'&'. Meses depois o gmpo Plataforma Argentina s"i cl" A1'Ac - desde 69 - particip" da Federação Argentina de Psiquiatras (]'AI') junto com o gn,po Documento, o 'lU"!. dias depois da saída do pessoal ligado ao Plataform", também se deslig" d" A1'A.11 formado os quais, reunidos enl torno de um documento. por UIll grupo de didala..•• solicitam o direito de voto aos lncmbros associados c () direito de serem cOl1..sidcrados automaticamente, J
diclatas, dentre outras col"as.
com o pcronislllo A FAP pouco a pouco vai se identificando revolucionário e há vários grupos que di.'iputam sua hegell1onia. Difun-
dc-se por várias cidades do interior a formação analítica - ainda que só para médicos
-, cOlno eo) Mendoza,
Rosário, elC.
Os dois gnlpos, PbtafornlJ. e Documento, apresentam muitos posicionanlentos em comum, havendo pesso;:L') que oscilam entre um grupo e outro. Tod~lvia.o Platafonna tem posi\·ôes lnais radicaLs politicamente,
C0111111uita influência
da teoria marxii;)ta-fóquista.
tão em vOg'".l na
América Latina, na época. !\'um prirneÍfo tllomento após a ruptura, prOCUra111dar Cursos de pós-gradua~'ão na FAP, mas esta, por ser uma federação 111édica, exclui outros profissionais, (01110 os psicólogos. Funda~seJ então, a Coordenadoria dos Trabalhadores em Saúde Mcmal (STM) junto com a Associação de Psicólogos e a dos Psicopedagogos. Ligado ao STM,criase o Centro de Docência e Investigação (CDI), onde lr"balllal11junlos os grupos Plataforma e Documento além de diversos outros gntpamentos politicos pertencentes "OS diferentes partidos ele esquerela.
174 Baremblit. G_ Ato Psicanaüt1co e Ato Politico. BH, Segrae, 1987, p. ')3. 17') Eram seis os fundadores da APA:Marie Langer, Angel Ganna, Cirsamü, Ferrari Harc!oy, E.PichonRiviere e Arnaldo Rascovsky. 176 Perestrello, M. Op. dt. J77 Langer, M., Palacio, J.D- e Guinsberg, F. Memória. Hl..-rória e Diálogo Psicanalftico_ São Paulo. Traço, L986, pp. 96 c 97. Marie Langer, uma cb.s fundadoras da A.PA,oriunda de famOla judia da Viena Imperial, ligada ao PC, participou na Espanha das Brigadas Imernacionais, exilouse na Argemina \;l, posteriormente, no Mexlco. 178 () Congresso realiu-se no Cavallieri Hilton, um dos mais caros e sofisticados hotéis de Roma; o paracongresso numa cervelaria popular da vizinhança.
L79 sd)re o :L.~.sunto, ver Kes~lnun, H. "Plataforma lntenucionaJ: Psicanálise e Anti-lmperiali~mo". In; tanger M. fOrg.) Questionamos 1_ Rio de Janeiro, Vozes. 1973, 246-250 e outros artigos de&~ me.sma revista, assim como Lmger, M. ()rg ..l Questionamos 2. BH, Lmerlivros, 1977 e !.anger, M. "Vidsitu<.L2sdeI Movimiento Psicanalítico Argentino" In: Suarez, A. (Org.) Ra2.ón, Locura y Sociedad, M~xico, Siglo Veintiuno, i()8(i. 180 Kesseiman, 11_Op. dt. In Langer,M. ()rg.lQuestiooamos 2. Up. cit., p. 218
t46
147
''A experiência do CfJ{ e cer1ame.-"11te única em sua tentativa de apagar as diji.:.rença<; entre os (>.~pecialistasda saude.mental e de
Ao lado dessa formação no CDI, ocorre, desde a segunda metade dos anos 60 e nos 70, em muitos hospitais públicos, a atuação de psiquiatras e psicólogos que, em suas práticas, desenvolvem a formação analítica, valendo-se como espaço de preparação da própria prática hospitalar. Nos serviços, têm supervisões e grupos de estudo - quando não os fazem fora. Nada recebem nesses hospitais: dão o trabalho em troca da formação. Evidencia-se, assim, uma grande preocupação com a formação pois, à medida que a oposição cresce dentro da APA, essa formação paralela se fortalece e toda uma geração de psicanalistas se surge à margem da Sociedade "oficial". Dentre esses hospitais, destacam-se o de Lanús, Avellaneda, Borda e das Clírúcas, que passam a ser centros de formação. Em Lanús, por exemplo, em 1964, Maurício Goldenberg introduz um Serviço de Psiquiatria em que se realizam atendimentos a pacientes internos e externos, sendo o trabalho eminentemente grupal com crianças, adolescentes e alcoólatras. Goldenberg chama, para esse Serviço, psicanalistas, psicodramatistas e uma série de outros proflSsionais. Promovem-se palestras com MaxwellJones sobre Comun.ldade Terapêutica, irúciandoc se o questionamento da tradicional visão manicomial. Alguns dos psicanalistas daAPA estão nesses trabalhos, supervisionando, coordenando grupos de estudo, etc. Sirn.Ilares a esse modelo de Lanús, em 1976, há cerca de dezenove hospitais gerais só em Buenos Aires. Com o golpe militar, esses trabalhos e as formações nos hospitais públicos tenrunam, pois, essencialmente, são atuações claramente implicadas com a política
que permitem pensar a psicanálise extramuros do consultório, voltadas para a saúde pública. Alguns dos psicanalistas ligados ao Plataforma, à STM e ao cm fazem trabalhos de assessoria institucional com os mais diversos sindicatos e partidos políticos, nas situações de greve, etc. A partir 1974 a 1976, aproximadamente -, pela leitura que fazem de Guattari, Deleuze e da Análise Institucional -, começam a introduzir muitos desses conceitos em suas atuações grupais e institucionais. No entanto ainda não rompem com os "grupos operativos" de Pichon e a Psicologia Institucional de Blcger; mas agregam-lhes estes novos modos de pensar os grupos e as instituições. Para alguns argentinos, apesar das posições políticas distintas c até diferentes entre si, Bleger e Pichon continuam como os grandes modelos. Assim, por exemplo, a transversalidade - conceito guattariano c básico na Análise Institucional - é mais uma dimensào somada às de horizontalidade e verticalidade nos trabalhos grupaisl&. Em 1974, alguns desses profissionais, como Gregório Baremblit, fundam a EPSO (Escola Psicanalítica Freudiana e Socioanálise), que envolve uma mistura de pSIcanálise, análise institucional e militância política. As aulas são trabalhadas por intermédio de "grupos operativos" e Juan Carlo Di Brasi coordena o de epistemologia. Uma vez por mês ocorre o Ateneu Clinico, em que se pensa e se debate como a psicanálise se articula com o marxismo. Durou pouco pois duas bombas são colocadas na EPSO a qual é fechada pela polícia antes do golpe de 76. O cm também é fechado logo que há o golpe, porém, desde 74 há uma série de provocações da direita: revistas sistemáticas da polícia, bombas, etc. Alguns desses psicanalistas, por suas ligações com as organizações então clandestinas, dão apoio psicológico a muitos militantes de esquerda c, por isso, quando chega o golpe em 1976, são violentamente perseguidos. No final de 1974, devido às ameaças da tríplice "A" (poderoso grupo paramilitar que se denomina Associação Anticomunista Argentina), Marie Langer se exila no México e inicia-se a "diáspora argentina". O manifesto do grupo Plataforma dizia:
181 Langer, M., Palacio,j.D. e Guinsberg, E. Op. cit., pp. 111 e 112. Maiores detalhes, ver Braslavsky, M.B. e Bertoldo, C. "Anotações pata Uma História do Movimento Psicanalítico A1'gentino~. In: Langer, M.{Org.) Questionamos 2. Op. dto
182 Sobre o assunto ver Rodrigues, H.B.C. "(luta Abena do Departamento de Investigações Institucionais do Brasil a Annando Bauleo". In: Boletln dei Centro Internacional de Investigaciones co y Gropal. Rio de Janeiro, n\! la, 1987, 16-21. PskologiaSocial
148
t49
oferecer a todos a mesma oportunidade de formação ( .. ,) o que traz algumas verijicaçóes valiosas: 1) a possibilidade de romper a estratificação e a fragm.entação dos diferentes grupos de trabahadores de saúde mental ao tntegrarern-se num só movimento gremial (._.);2) a demonstração de que se pode dar e adquirir uma formação séria e de alto nível fora das instituiç6es psicanalíticas oficiais epor uma contribuição econômica mínima que sin'a para manter o local C.); 3) o avanço, deste modo, de alguns passos concretos no tão debatido terrrmo da inter-relação entre marxismo e psicanálise, outorgando à prática o privilégio que lhe davam Marx, Gramsci e Mao "181.
"Para nós, doravante, a Psicanálfse não é a Instituição Psicana-
lítica Ojk;ial. A Psicanálise é o lugar onde
os psicanalistas
estiverem,
entendendo ser como uma definição clara que não passa pelo campo de uma Ciência isolada e isolante, mas sim por aquele de uma Ciência comprometida com as múltiplas realidades que pretende estudar e transjormar"IB:'>.
Estes compromissos são reafrrmados no Brasil - particularmente Rio e São Paulo -, para onde vem a segunda geração de psicanalistas aIgentinos, pertencentes ou não ao Platafonna, do qual sofrem, sem dúvida, considerável intluência, acentuada ainda mais pelo exílio que se inicia. Contudo, não obstante tais enfoques, poucos são os psicólogos cariocas e paulistas que se deixam efetivamente agenciar pela implicação política e militante que trazem os argentinos. Apesar de estarmos vivendo na época a "distensão lenta, gradual e segura" de Geisel, na qual uma série de movimentos sociais que, em seus microespaços, vinha, desde o início da década de 70, subterraneamente se gestando e resistindo aos horrores do terrorismo vigente, as propostas políticas dos argentinos não fazem muito eco. Esses movimentos sociais, nesse período, ligam-se ainda ãs periferias das gTarldes cidades e ao movimento sindical; não atingem a classe média, o que ocorrerá mais efetivamente na década seguinte. Os "psf' - tanto no Rio quanto em São Paulo -, que fazem parte desta classe média, de sua parcela intelectualizada, ftlhos do "milagre" e representantes da geração Al-S -, não têm e nem tiveram implicações militantes. É como se, paIa eles, os argentinos trouxessem a peste, não no sentido político, mas no sentido de sua profISsionalização enquanto psicarlalistas. Pertencentes à pequena burguesia ela Zona Sul carioca, por exemplo, "... oscilam entre a revolta e o ressentimento por seus mentorts (oficiais) pstcanalíticos C ..) e o desejo de chegar a integrar-se nos borlas vedados da psicanálise local ou de formar seus próprlos"l84.
Por sua vez, os psicanalistas das Sociedades "oftciais" - não só as do Rio como a de São Paulo -, inclusive os considerados "progressistas", 183 Langer, M., Palácio,J.R. e Guinsberg, E. Op. cit., p. 129. 184 Baremblit, G. Ato P:ricanalitk:o e Ato Polítlco. Op. ciL, p. 49.
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msL~temem dizer que a influência dessa segunda geração de argentinos para a prática psicanalítica é quase nenhuma. São unânimes em afrrmar que a mais importante contribuição vem dos "ofrciais'"do inicio dos anos 70. Estes, sim, possibilitaram grandes mudanças nas práticas grupais. O trabalho institucional não é citado. Somente os psicólogos a ele se referem, sem, no entanto, argüir seus pressupostos. Eles, por sinal, em sua grande maioria, louvam muito mais a primeira geração que esta. Para alguns "psi", a contribuição desses argentinos linlita-se apenas a quebrar - através das experiências que trazem - a hegemonia da" Sociedades "ofrciais" na formação dos psicanalistas. Ainda marcados - e até hoje é uma forte crença - pelo corporativismo da primeira metade dos anos 70, os psicólogos cariocas, de um modo geral enquanto movimento, não sentem, não conseguem perceber, não 'se afetam com a proposta política que esses argentinos apresentam. Estes são, sem dúvida, procurados - e muito - pela sua competência teórica, pelas cDntribuições técnicas que oferecem, pela ,sua maior abertura e tlexibilidade e, por que não dizer, pela sua "estrangeiridade'". Os argentinos se espantam, pois, ao chegarem aqui, vindos de um inlplacável e violento terrorismo de Estado - e ainda se sentindo extremamente perseguidos -, quase nenhum "psi" carioca ou paulista lhes pergunta sobre a situação política argentina e suas vinculações com ela. Será que sabem que havia ocorrido um golpe militar num pais vizinho ao nosso? Será que sabem que lá muitos "psi" - por suas implicações políticas - estão sendo perseguidos, presos, torturados e assassinados? Será que sabem que o Brasy ainda vive sob o terrorrismo de Estado e sob a vigência da Lei de Segurança Nacional? Será que sabem que aqui muitos foram e continuam sendo torturados, seqüestrados, assassinados e desaparecidos? São os efeitos da produção massiva das subjetividades produzidas nos anos 70 que levam esses "psi" a ignorar todo esse conte,,1:o. Profundas e inlportantes retlexões nos trazem os argentinos, não somente para uma melhor compreensão do exilio político, mas, sobretudo, para o estudo do que chamam de "cumplícidade civil"IS'\ isto é, como vai sendo elaborado o chamado "colaborador" nas ditaduras, "... aquele que está ao nosso lado e nem sabe que pode chegar a colaborar, inclusive até a denunciar"11l6 Sem dúvida, esta "cumplicidade civil", representada 18" Termo utilizado por Eduardo Pavlovsky, psicanalista e psicodramatista argentino.
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por grandes parcelas da população, é um dos fatores que mantém todo e qualquer governo fascista e que sustentou intensamente as ditaduras latino-americanas. No Brasil, muitos são aqueles que ajudam a esses argentinos exilados, mas poucos os que se emiscuem com suas propostas e implicações políticas. Além de um pequeno grupo no Rio, incluindo Hélio Pellegrino e Chaim Samuel Katz, há em São Paulo os grupos do NEPP, do Sedes Sapientiae, de Regina Chnaíderman e alguns da SBPSP. Entretanto, quem mais claramente "entende" esses compromissos políticos são os psicanalistas "oficiais", os conservadores da SBPRj e da SPR]. Estes, ao contrário da SBPSP,a qual simplesmente os ignora, abrem furiosos ataques aos "subversivos" e "terroristas" argentinos. Veremos isso melhor, ao apresentar a formação do IBRAPSI no Rio de janeiro, no item seguinte, pois essas acusações envolvem também a questão de mercado. 2 - SAMPA E O MOVIMENTO "PSr' NA SEGUNDA METADE DOS ANOS 70 Comentarei alguns estabelecimentos organizados em São Paulo que correm "por fora" da Sociedade "oficial" e que contam com as contribuições dos psicanalistas argentinos da segunda geração que lá se instalam. Sobre o Iacanismo haverá um item à parte. Diferentemente do Rio de janeiro - onde na primeira metade da década de 70 aparecem alguns grupos de psicólogos tutelados pelos psicanalistas "oficiais" -, em São Paulo, até 1976, há uma total hegemonia da SBPSP no que se refere à prática psicanalítica.
americano de técnicas gru pais, fundado pelos discípulos de K. Lewin no llnal dos anos 40. Este centro, durante as duas décadas seguintes, oferece lima série de atividades baseadas, principalmente, na técnica do T. Group. Tal técnica, que havia se originado da dinâmica de grupo lewiniana, cnfatiza a Sociologia dos Grupos e não a sua psicologia; os papéis e funções do líder e dos membros e não suas personalidades individuais e desenvolvimentos pessoais. Nesses training-groups, por meio do treinamento das capacidades nas relações humanas, ensinam-se os indivíduos a observar a natureza de suas interações recíprocas e do processo grupal. Pensa-se que, a partir daí, serão capazes de melhor compreender sua própria maneira de funcionar num grupo e no trabalho. Sua pedagogia é uma mescla de não-diretivismo e método ativo, com alguma influência também da orientação rogeriana. Em São Paulo esse grupo tem pouca representatividade, prestando serviços de assessoria a algumas empresas privadas. Dele, posteriormente, sairão muitos profISsionais que se ligarão às chamadas terapias "alternativas" . 2.2 - Instituto
de Estudos e Orientação
da Família
Assim é que, antes da chegada dos argentinos - os da segunda geração. - há a criação no inicio dos anos 70 do GEPSA (Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada) por psicólogos com grande influência do National Training Laboratories, centro de treinamento norte-
Também no início dos anos 70, mais precisamente em 1972, é fundado o INEF (Instituto de Estudos e Orientação da Família), ligado a pesquisas e estudos sobre a farnilia e oferecendo orientação e atendimento neste setor. Organizado por médicos e psicólogos, é uma formação a nível de especializaçãoH17. Tem também pouca expressão no movimento "psi" paulista. Tanto em São Paulo quanto no Rio de janeiro, há um outro grupo que também corre "por fora" das Sociedades "oficiais": os junguianos. Não entrarei em detallies sobre suas histórias nos dois espaços geográficos, apesar de se colocarem como "diferentes" da formaÇão criada pela IPA, única e exclusivamente por absoluta falta de tempo. Há, sem dúvida, um assunto que merece ser estudado, pois pouco se tem escrito sobre os junguianos brasileiros, embora tenham sido jung e seus seguidores os
186 Pavlovsky, E. -'La Vigenda ele Un Compromisso~. In: Territórios - Pubücacion deI Movimiento Solidário de Salud Mental. Buenos Aires, n!!03,1986,6-9, p. 09.
1&7 Sobre o assunto, ver Rocha, E.B. Op. cit., p. 51
2.1 - O Grupo de Estudos de Psicologia
152
Social Aplicada
153
ptimeiros a quebrarem com a "sagrada" utilização do divã e a introduzirem trabalhos com argila e outros materiais durante as sessões terapêuticas. Justamente na década de 70. em solo paulista. organiza-se a primeira Sociedade de l"rmação junguiana. Posteriormente, há vários "rachas" e hoje coexistem pelo menos quatro centros paulistas para formação dentro dessa abordagem teórica. No Rio de Janeiro, dentre outros, tem-se a bela figura de NLseda Silveira a qual, desde os anos 40, no Hospital Psiquiátrico Pedro 11, no subúrbio do Engenho de Dentro, desenvolve trabalhos com psicóticos. Da abordagem junguiana, muitos "corporaIL,tas" brasileiros, sobretudo os dos anos 90. em sua maioria, mais adiante, irão 'herdar" a visão mistica já implícita em toda a obra do 'mestre" e que marcará profundamente alguns pioneiros das terapias "neo-reicl1ianas" no Brasil, como mostrarei no Capítulo IV, item V. Enfim, percebe-se que todas essas iniciativas, fora da SBPSP no início da década de 70, prendem-se não ã luta dos psicólogos para obterem o status de psicanalista, como no Rio, mas a atividades e enfoques diferentes dos desenvolvidos pela Sociedade 'oficial", alguns {"ra do âmbito psicanalítico de atendimento privado. Procura-se uma especialização em técnicas grupais ou em atendimento familiar ou em uma outrd abordagem teórica, que não são priorizado., pela SBPSP.Porém, esses "outros" enfoques não entusiasmam os "psi" pauli,!J.' nem os "leigo.'" como clientes, poL, a hegemonia está com a prática psicanalítica privada, que cria e estimula as demanclas dominantes. No movimento "psi" de São Paulo, os estabelecimentos que vão competir com a Sociedade "oficial" a nível de formação analítica são, sem dúvida, o Instituto Sedes Sapientiae e, em escala menor, o NEPP. 2.3 - O Instituto Sedes Sapientiae Desde o inicio dos anos 70, o curso de Psicologia Clinica da Faculdade Sedes Sapientiae, aindà vinculado à PUC/SP, começa a se tornar um dos centros psicoterápicos mais importantesl88. Coordenado por Célia Sodré Dória, a Madre CrL'tina, reúne muitos "psi" interessados 188 Sagawa, R.\', Op. cit., p. 2'52
1,4
em "outras" linhas de atuação. Em 1974, quando se desvincula da PUC, o Curso de Psicologia Clínica transforma-se no Instituto Sedes Sapientiae, organizado como um centro de "ensino livre", tentando se colocar à margem dos modelos e critérios burocráticos regulamentados pelo MEC. Sua proposta é ser: , um espaço aberto aos que querem se comprometer com a busca de um projeto alternativo à sociedade brasileira, procurando manter uma ideologia de trabalho que liga as Unhas fundamentais que consagram o homem como princípio, a realidade social brasileira como campo de trabalho, o exercício da defesa dos direitos humanos como método, e a libertação como ftm"llP.
inspirado na Teología da Libertação, o novo Instituto é reconhecido pela sua participação nos movimentos populares e no compromisso com suas lutas. A figura de Madre Cristina é fundamental, uma vez que, desde o movimento de 1968, passando pela decretação do AI-5 e pelos terríveis anos de perseguições e torturas, o Sedes tornase o abrigo de muitos perseguidos!". A partir de 1975, novas áreas são criadas no Instituto, como o Centro de Educação Popular (CEDlS), o Centro de Filosofia e outros; posteriormente abrigará, dentre outras organizações populares, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Esta orientação política é clara, não somente em sua Carta de Princípios, mas pelo que o jornal O Contexto, do Departamento de Psicodrama, publica: "OInstituto Sedes Sapienttae é um instrnmento político que visa atuar na estrutura sócio-econômica brasüeira. Como meios para atingir esse objetivo (...) lança mão de cursos, grupos de estudo, trabalhos com operários, sindicatos, periferia e outros" 191 •
Em 1975, Madre Cristina convida Roberto Azevedo, recémchegado de Londres e psicanalista da SBPSP, para organizar tim curso de formação psicanalítica no Sedes o qual somente tem Início no ano seguinte, com o nome de Psicoterapia de Orientação Analítica, já 189 Instituto Sedes Sapientiae. Carta de Princípios. São Paulo, mimeogr., pp. 1, 7 e 8. 190 Ver duas entrevistas de Madre Cristina publicadas em: Percurso - Revista de Psicanálise. São Paulo, Instituto Sedes Sapientiae, Ano lI, n2 semestre de 1990, ')4-')8 e Teoria e Debate- Revista do Partido dos Trabalhadores. São Paulo, n~ 03, fevereiro/1989. 70-74, 191 O Contexto _ órgão oficial de inf. e div. do DPS. São Paulo, Sedes, n9- 1, 1981.
I»
que a formação analítica é considerada por todos um privilégio e exclusividade das Sociedades ligadas à IPA. Na época, não se quer entrar em choques com a SBPSP, por isso a coordenação e orientação do curso ficarem com Roberto Azevedo. Ele chama Regina Chnaiderman _ que já ministra aulas no Sedes - e mais oito psicanalista< da SBPSP. É o primeiro curso "paralelo" - como se diz na época - de psicanálise, fundado em São Paulo. Tem a duração de três anos e apresenta um currículo prévio que inclui aulas, seminários e supervisões, todavia a análise de cada aluno fica por sua própria conta e iniciativa In Nesse mesmo ano - três meses depois - a SBPSP pressiona os seus oito membros e professores do Sedes - através de circular telefonemas, telegramas e visitas pessoais - para que se afastem dess~ formação "paralela". Aos membros das Sociedades "oficiais" é vetado dar formação analítica fora de seus estabelecimentos de origem. Dos oito professores somente doi< permanecem no curso do Sedes: Roberto Azevedo e Fábio Herrmann. Os demais rapidamente passam a didatas e têm uma rápida ascensão na SociedadeI93. Entendese tal ataque da SBPSP, pois, na época, não há em São Paulo nenhum grupo de estudo sobre Psicanálise a não ser os coordenados por Regina Chnaiderman. Após a formação do curso do Sedes, começam a surgir outros grupos de estudos sobre o assunto. Por ser O precursor de uma formação fora da Sociedade "oficial", ele propicia, assim, a quebra desse monopólio. A proibição da SBPSP gera uma séria crise no Sedes, o que compromete a continuidade e a existência do curso. Ainda em 76, para que se pudesse concluir o ano, é convidada, dentre outras pessoas, Ana Maria Segal, a primeira exilada argentina a chegar a São Paulo, após o golpe militar no pais portenho. No ano seguinte, outros argentinos, ligados à Coordenadoria de Trabalhadores em Saúde Mental e ao Centro de Docência e Investigação, passam a fazer parte do curso, como Mário e Luzia Fucs, Guillermo e Léa Bigliani, também exilados. Em 1980, OCorre uma cisão dentro do curso, dividindo-o em duas "facções", a de Roberto Azevedo e a de Regina Chnaiderman _ como 192 Sagawa, R,Y. Op. cit.) p. 269. 193 Depoimentos dados a Sagawa, R,y' Op. cito
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ficaram conhecidas. Tal fato concorre para a formação de dois cursos de Psicanálise no Sedes, que se mantêm até 1992. Antes da oficialização, já começam a ficar claras as diferenças de concepção sobre a formação analitica proposta por cada grupo. Roberto Azevedo, apoiado por alguns professores, defende a existência de provas, de uma formação em paralelo para os candidatos a monitores, uma maior hierarquia, não permitindo a participação de todos os alunos nas decisões sobre o curso. Por seu lado, Regina Cbnaiderman e outros apostam no contrário: maior participação dos alunos e professores, não dogmatismo teórico/prático. Os atritos se sucedem nos anos anteriores à cL<ão,havendo acusações mútuas de ambos os lados. O primeiro acusa Regina e seu grupo de serem populistas, democratistas e mesmo demagógicos, de estarem preocupados com uma psicanálise aplicada aos estabelecimentos sociais e, por conseguinte, assistencialista. Especialmente os argentinos da segunda geração ligados a Roberto Azevedo são contra a transformação do Sedes em um centro de formação teórico/prático, como funcionavam os hospitais públicos na Argentina antes do golpe de 1976. Alegam defender uma formação psicanalitica consistente e não somente aplicada aos estabelecimentos sociais. Por sua vez, o grupo ligado à Regina considera que os outros querem a rcprodução da hierarquia que há na SBPSP, seu elitismo, autoritarismo e dogmatismo, e que representam a psicanáli
Psicopatologiae Psicoterapia Analítica, que fica conhecido como o grupo de Roberto Azevedo, destinado a psicólogos e médicos; e o de Psicoterapia de Orientação Analítica, conhecido como o grupo de Regina Chnaiderman, que em 1981 muda o nome para Cluso de Psicanálise e destina-se a quaisquer "... proftssionais universitários que já tenham um percurso em sua análise pessoal, estudo teórico psicanalitico e prática clinica"194.
Com esta divisão em dois cursos, surge a necessidade de contratação de novos professores para que possam se reestruturar. :"lo curso dirigido por Roberto Azevedo, entram oS argentinos Oscar e Nora Miguellez, dentre outros. No de Regina Chnaidern1a1l, além de Miriam, a argentina Silvia Alonso Espósito e, mais tarde, Renato Mezan. Alguns entreviBtados vinculados a este segundo grupo aftrmam que a cisão se torna inevitável, pois a perspectiva de Roberto Azevedo é lr'dnsformar o curso do Sedes num 51udy Group para que, como tal, fosse reconhecido pela IPA. Logo depois, quando há a crise na SBPSP, isso fica claro. Confirma-se, deste modo, a percepção de que, na verdade, Roberto quer fazer do curso uma reprodução da formação ligada à IPA e da "verdadeira" psicanálise; fortalecendo-se externamente, talvez conseguisse ter mais poder dentro da "oficial" que tanto criticava. Dizem que isso mostra a força que a Sociedade "oficial" possui junto aos grupos que estão fora dela e como são poderosas as subjetividades produzidas pelas instituições que ela instrumentaliza. O curso de Roberto Azevedo patrocina e reproduz, sem dúvida, essas instituições e seu "afastamento" da SBPSP não significa questionamento a esses rituais instituidos. Talvez expresse - conforme alguns entrevistados assinalam - a busca de prestígio e poder. O de Regina Chnaiderman, por suas implicações políticas e pelas contribuições dos argentinos que lá estão, debate-se na ambigüidade de ser uma formação que pretende ficar comprometida socialmente e de estar contraposta à sua própria institucionalização. Entretanto, algumas entrevistas assinalam que a riqueza desse curso do Sedes reside justamente nesse fator: a constante permanente que fazem enquanto profissionaL' "é uma forma de viver esse paradoxo aguda e permanentemente". 194 Sedes Sapientiae. Cursos de Espedall7..ação
e Aperfeiçoamento.
Em 1981, acontece dentro desse grupo uma nova divisão que força a saída de Fábio Herrmann, Marilena Carone e Marisa Tafarel. Ne~se momento, Fernando Ulloa é chamado para fazer um traba1l1o de intervenção institucional, o que melhora muito a situação. Há, por parte do gmpo argentino e dos três que se retiram, fortes competições que se aguçam ainda mais pela postura de Regina Chnaiderman. Enfim, o curso, hoje chamado Psicanálise, vai, malgrado todos os percalços, impondo-se como uma formação analitica alternativa à da SBPSP. Em 1985, convênios com a Coordenadoria de Saúde Mental do Estado de São Paulo são criados; em 1988, funda-se o Departamento de Psicanálise e publica-se a Revista Percurso. Em 1990, Roberto Azevedo se afasta do curso que dirigia por ter ocorrido há uma crise. Alguns argentinos que nele continuam, em 1991, declaram que suas permanências neste grupo estão sendo repensadas, pois se aproximam muito mais da proposta de formação feita pelo curso de Regina Chnaiderman do que da feita pelo de Roberto. Aceitam as colocações de autoritarL,mo: segundo suas palavras: "em nome de uma fOffilação acadêmica e rigorosa, produz-se uma estrutura rígida e vertical". :"Iuma análise micropolítica, há grupos - como mostrei com os militantes c hippiesdos anos 70 - que, apesar da dinlensão da luta contra a opressão e alienação de toda espécie, num nivel molecular, estão produzindo processos microfascistas. O interessante é que esses dois cursos do Sedes, por suas diferenças e antagonismos, nlostram: de um lado, como <4') instituições instrumentalizadas pelas Sociedades "oficiais" são facilmente reproduzidas em grupos que pretendem negá-las; de outro, a constante busca por uma formação não tão institu ida, não tão arrogante e elitista, mai, inlplicada politicamente, mais transversalizada e os desafios a que essa proposta conduz, as perplexidades que produz. Sabemos que, tanto de um lado como de outro, subjetividades estão sendo produzidas: umas servindo aos sistemas de modelização, outras tentando criar processos de singularização e novos agenciamentos. Entretanto, o paradoxo está colocado, uma vez que o criativo e o novo poélem ser facilmente recuperados ou se tornarem modelos tão opressivos quanto os que pretendem criticar e transf"r~.
São Paulo, 1990, mimeogr.,
p.28. ))8
1';9
2.4 - O Núcleo de Estudos de Psicologia
e Psiquiatria
Além do Sedes, um outro estabelecimento surge a partir de 1976, quando um grupo de psiquiatras de formação psicanalítica independente funda junto com um analista da SBPSP o NEPP (Núcleo de Estudos de Psicologia e Psiquiatria). Todos eles obtiveram sua formação através dos membros dessa Sociedade, mas não fazem parte dela, porque a formação analítica é carissima e, segundo alguns, acima de seu poder aquisitivo. Os quatro que haviam feito cursos com Madre Cristina, no inicio dos anos 70, no Sedes, e participado de grupos de estudo com Sócrates Nasser - o analista que com eles funda o ;\lEPP - começam seus atendimentos privados já em 1976 e resolvem abrir grupos de estudo sobre psicanãlise. Com o sucesso que fazem, criam um estabelecimento que, de inicio, tem como objetivo não uma formação analítica mas cursos sobre uma série de assuntos relacionados às áreas da psicologia e psiquiatria'''. Esses grupos de estudo interdisciplinares atraem algum público e, a partir de 1977, passam a oferecer um curso de formação analitica com duração, inicialmente, de três anos. Em seguida, mudam o nome do grupo para Núcleo de Estudos de Psicologia e Psicanálise por influência dos argentioos que ali chegam. Entre eles estão Gregório Baremblit e Oswaldo Saidón - depois radicados no Rio de Janeiro _, Isabel Marazina, Antonio Lancell~ Nelly SimmoneUi e Sérgio Maída, dentre outros. Segundo os depoimentos de três dos fundadores, Gregório Baremblit e sua equipe chegam como "uma bomba", trazendo uma nova leitura da psicanálise, de Althusser, Lacan, Guattari e Deleuze. "Ele nos mostra que somos bionianos, que não temos leituras marxistas e vira o NEPP de cabeça para baixo. Os argentinos para nós foram um vírus, uma peste, graças a Deus", observam alguns entrevistados. Desde 1976, quando o NEPP é fundado, há uma grande procura por parte de pessoas interessadas e, em pouco tempo, uma platéia assídua de cerca de cem pessoas circula nos cursos então oferecidos. Quando chegam os argentinos, cria-se o Curso de Especialização em Psicanálise; logo é fundada uma Clinica Social. 195 Ver sobre esse momento inidal do :'tEpp seus primeiros Boletins de maioflUflho e agosto/setembro/ 1976.
160
Em 1978, organizam junto com Gregório Baremblit e Chaim Samuel Katz o I Congresso Paulista de Psicoterapia Interpretativa, em São Bernardo do Campo, no qual aparecem as mais diferentes práticas: desde a psicanãlise "oficial", passando pelo iacanismo, até as terapias corporais'9'. Em 1980, três de seus fundadores, Jorge Forbes, Carlos Briganti e Sócrates Nasser saem do NEPP. O primeiro, já com toda uma leitura lacaniana, vai para outro grupo. Briganti liga-se aos "corporalistas" e Sócrates vai cuidar de seus negócios. Permanecem até 1992 Carlos Aticó c Oduvaldo Peloso, c assim, paulatinamente, o NEPP vai se esvaziando. Por dificuldades de administração, sua Oínica Social é fechada c, em 1991, é pequeno o número de pessoas que se inscrevem no Curso de Psicanálise, comparado com a procura ocorrida nos anos de 76 a 79. 2.5-A
CASA e o CEPA!
Fechando os anos 70 em São Paulo, existem dois outros estabelecimentos fundados por argentinos: a CASA e o CEPA! - este último de curta duração. O primeiro, fundado em 1979, tendo à frente Beatriz Aguirre, também exilada, que chega ao Brasil em 1977, origina-se de um grupo formado no mesmo ano por pessoas interessadas em abrir um J rospital Dia para psicóticos. Este grupo discute, por dois anos, dentre outras col,a.>, a forma pela qual a psicanálise pode ser utilizada no atcndinlento a psicóticos, fora dos moldes clássicos empregados para os chamados neuróticos. Em 1979, este grupo, reduzido a 8 pessoas, organiza um Hospital Dia: a Casa, que, aí, além do atendimento ambulatorial a psicóticos em grupos ou individualmente, cria um sistema de acompanhantes terapêuticos. São dadas supervisões institucionais para diferentes órgãos da rede pública e há um Curso de Terapeutas de Grupo, aberto a quaisquer profe,sionaL" com a duração dc três anos. O CEPA! (Centro de Estudos em Psicanálise e Análise Institucional), fundado em 1980, pelos também' exilados Isabel Marazina, Sérgio Maída e Nelly SinlOnelli, é inaugurado por Armando Bauleo. Organiza, até mais ou menos 1985, vários cursos breves, um Seminário sobre grupo, um curso para fonnação de coordenadores de L96 Sobre o assunto ver o programa deste Congresso, que tem como tema oficial, "Doença Mental e linguagem" 161
grupo e realiza muitas intervenções institucionais em diferentes estabelecimentos públicos e privados. Oferece, também, supervisões institucionais para equipes de trabalho nesses e em outros estabelecimentos. Além de uma outra leitura da psicanálise, os argentinos inauguram o que Manuel Berlinck chama de a "instituição virtual" em contraposição à "instituiçào formal" da psicanálise, representada peJas Sociedades ligadas à IPA, que é " uma organização corporatíua que avoca para si um poder que não tem. Ressaltando uma relativa autonomia da instituição vittual sobre a formal (. ..J os psicanalistas argentinos proporcionam, em São Paulo, a possibilidade de uma fl/iação que não é intermediada tão exclUSivamente peja organizaçào formal, mas que se dá pela ínstüuição virtual, inaugurando, dessa fonna, (. _,) uma outra psicanálise"19'.
Configura-se un1a outra psicanálise para aqueles que, por estarem fora das Sociedades "olkíais", não haviam sido autorizados até então a serem psicanalistas. Ainda, segundo M. Berlinck, esses "novos" psicanalistas se caracterizam pelo seu "pluralismo", também muíto influenciados por essa segunda gera,do de argentinos. Esse pluralismo está presente na
3 - ENQUANTO ISSO, NO RIO DE JANEIRO •..
Segundo Ana Cristina Figueiredo, a partir de 1977, surgiram no Rio de Janeiro vários grupos com diferentes propostas, mas com um objetivo geral comum a todos: o de organizar fOffi1ações psicanalíticas que não passem pelos crítérios de legitin1ação e reconhecimento da IrA. Um outro ponto comum é que muitos dos psicólogos engajados nesses grupos foram anteriormente ligados ao CESAC e à APPIA199Em alguns, há uma forte influência dessa segunda geração de psicanalistas argentinos. Os grupos lacaníanos que surgem neste período serão tratados no próximo item. 3.1- O Núcleo de Estudos e Formação Freudiana
Por isso, os argentinos são também responsáveis - na c1inica por uma determinada "escuta" que não se filia a nenhuma instituição fOffi1aLa "escuta pluralista" ou "escuta contemporânea", como a chama Berlinck e que eu chamaria de "escuta bastarda", por estar ligada a espaços considerados "bastardos" pelas subjetividades ·'psi" hegemõnicas.
Sem dúvida, o inlcio da organização desses grupos que surgem após 1977, de um modo geral, está ligado às figuras de Chaim Samuel Katz e de alguns argentinos, princípalmente Gregório Baremblit, que em 1977 particípam do chamado "grupão" com cerca de 40 pessoas: alguns "psicanal1stas" da SPR], como Eduardo Mascarenhas, muitos psicólogos c em geral os que haviam participado, na primeira metade da década de 70, de alguns dos grupos já citados. É deste "grupão" - que se reúne durante meses, às vezes de forma caótica - que muitos psicólogos saem com a determinação de que é possível ser psicanalista, ainda que contrapondo-se às Sociedades "oficiais". Este "grupão", progressivamente, vai se reduzindo e os que ficam, cerca de catorze pessoas, fundam o NEFF (Núcleo de Estudos e Formação Freudiana), ainda em 1977200• De inicio, Chaim S. Katz e Gregório Baremblit ali dão aulas corno professores, mas em 1978 saem para fundar o IBRAPSI. Gradativamente o NEFF acaba se esfacelando, já que há doi~ grupos di~tintos que não conseguem conciliar seus projetos: um apóia o dos argentinos, de fazer uma formação voltada para os traball1adores em saúde mental (proposta de Gregório ainda por ocasião
197 Berlinck, M.T. "Difusão e Construção". In: Birman,j. (Org.) Freud50 Anos Depois. Op. cit., p. 72. 198 Berlinck, M. T. "Prefácio". In: Psicanálise da CJínJcaCotldlana. São Paulo, Escuta, 1988, p. 9. Sobre o assunto de uma "escuta pluralista~, ver na mesma obra o artigo ~O que é Um Psicanalista Argentino?", 65-73.
199 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 83 200 Sobre a história do NEFF, ver Pas",>os, M.D O Processo de Legitimação do Psicana1Ista= Uma Análise do Núcleo de Estudos e Fonnação Freudiana. Dissertação de Mestrado - PUeiR], 1984.
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sustentação de controles com profissionais de diversas orientações (...) não se tratando de um fenômeno de ecletismo (..J Assim, por exemplo, há uma saudável inapetência por aquikJ que pode ser chamado de "psicologia do aleitamento" que alguns identificam como uma certa psicanálise kleíniana (.. J Há, também, crescente desconfiança por aqueles que macaqueiam o patuá lacaníano de forma obsessiva sem, no entanto, se desqualifícar o estudo da obra de Lacan. "1'>6
~ da existência do "grupão"); o outro, já bastante influenciado pelo lacanismo (há no NEFF professores que demonstram tal orientação, como SOfÚa Nassim e Isidoro Americano do Brasil), funda em 1979 o 1FP (Instituto Freudiano de Psicanálise). 3.2 - O Instituto Brasileiro de Psicanálise,
GnIpos e Instituições201
O projeto do mRAPSI, na época, é muito maL, radical do que o dos demais: tenrativa de trazer para o Brasil a formação de trabalhadores em saúde mental dentro de uma visão marxisra e não a de fOrnlaf psicanalistas "puros". Só que a grande demanda então produzida e mesmo fortalecida é a de uma certa ctinica analítica privada. Talvez esse projeto estivesse somente na cabeça de alguns dos argentinos que iriam fundar o Instituto Brasileiro de Psicanálise, Gmpos e Instituições, com o intuito de difundir no Brasil as proposras do cO! e da EPSO. Em outubro de 1978, o IBRAPSIé lançado publicamente através do I Congresso Internacional de Psicanálise, Grupos e Instituições, oportunidade na qual mais de mil pessoas nos salões do Copacabana Palace assistem a conferências, palestras e mesas redondas "... de vários dos mais controvertidos personagens nas áreas das ciências sociaL"psicanálise e psiquiatria"20', muitos deles vindos pela primeira vez ao Brasil, como Thomaz Szasz, Félix Guauari, Erving Goffman, Shere Hite, Robert Castel, Franco Basaglia. Presentes também, dentre outros, Armando Bauleo, Peter Fry, Célio Garcia e o grupo lacaniano brasileiro representado por Betty Milan. "O IBRAPS!l)Uí organizar seu programa com base em quatro propósitos fundamentais: 1) cri/k;a epistemológica da psicanálise; 2) interdisciplínaridade - os TSMarticulando as diferentes ciências humanas; 3) atendimento maciço tanto para os TSMquanto para o maior número possível de setores populares; 4) trabalho em associação com sindfcatos, partidos políticos, comunidades de base e parlícípação nos planos de saúde do fulado através de pesquisas, etc "!f:R,.
201
Sobre a história do IBRAPSI, consultar
Moraes, L.O. InstitucionaUsmoCarioca.
Mestrado-IMSIUER),1994. 202 Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 88.
Dissertação
de
Não é por acaso que muitos dos psicólogos - que vinham se formando ao longo de todo esse processo e, na época, com alguma ditleuldade, é verdade, já se credenciam como psicanalistas, sendo reconhecidos como tais em seus consultórios - pouco ou quase nada participam do projeto do IBRAPSLAqueles, que foram num passado recente tutelados pela psicanálise "oficial", ou permanecem em seus antigos grupos - como SPC e CESAC-, ou vão para a recém-fundada SEPLAou são atraidos pelo movimento hcaniano que irrompe no Rto de Janeiro, nesse periodo, As implicações politicas propostas pelo IBRAPSI, coerentes com a produção das periferias das grartdes cidades e do movimento sindical brasileiro, não fazem muito sentido para a classe média "psi" carioca. O movimento corporativo anterior deixa profundas marcas. É uma outra geração de psicólogos cariocas que se sente sedUZIda pelo projeto do IBRAPSI, não pela ênfase dada ã formação de trabaU,adores em saúde mental ou pelo enfoque institucionalisra, mas por uma cerra formação ctinica em psicanálise de caráter privado. Tanto que o chamado Departamento de Análise Institucional criado, em 1982, no lBRAPSI- aberto a qualquer profissional- é muito pouco procurado. Todavia, ninguém passa impunemente por uma formação que, não obsrante todas as contradições, ambivalências e paradoxos, busca mostrar a prática psicanalitica implicada e transversalizada. Muitos dos que vão fazer fonnação clinica em psicanálise saem, pelo menos, sem os antolhos e as limitações que os demais grupos tao reltglosamente reproduziram e continuam reproduzindo. Alguns vão se interessar pela Análise Institucional, por Deleuze, Guattari, Foucault e, ao lado de suas atuações clinicas privadas, realizam hoje diferentes trabalhos de intervenções institucionais. Dos três fundadores e diretores do IBRAPSI- Chaim Samuel Katz, Gregório Barcmblit e Luiz Fernando de Mello Campos -, somente os doi, últinlOS continuam. Chaim, logo após o I Congresso, sal por dl,cordâneias de "ordem téenico-politiea": é contra a organização de grandes turmas para a formação, "pois após o Congresso chove gente para se inscrever no IBRAPSI" (as primeiras turmas têm cerca de 80 alunos, assinalam alguns entrevistados). No seu periodo de maior apogeu - de 1978 a 1982 - há cerca de 180 alunos inscritos e, em sua Ctinica Social, perto de 75 terapeuras
203 Idem, p. 87.
164
t6S
trabalham atendendo a uma média de 500 pacientes por ano. Segundo um de seus diretores, Eduardo Lociser, não é uma Clínica Social, com "uma ideologia humanista e assistencialista", mas um espaço onde OS profissionais "psi" trabalham, muitos deles recém-formados e se formando no próprio IBRAPSI e que têm naquele local não apenas um aprendizado, mas também um trabalho efetivo. De irúcio, organizada como uma cooperativa, a Clínica amplia-se por intetmédio de vários convênios com empresas estataL. e sindicatos. Ela cresce tanto que se torna a principal fonte de renda e de manutenção do IBRAPSI, uma veZ que os cursos não são muito lucrativos. A primeira grande crise interna neste grupo ocorre justamente com relação à Clinica, pois oS terapeutas que recebem 50% dos honorários sobre os atendimentos que realizam - muitos deles ainda alunos -, necessitam desse trabalho. A direção diJninui este percentual; Eduardo Lociser sai e Luiz Fernando passa a administrar a Clinica. Os descontentamentos explodem nas numerosas e intermináveis assembléias. Alguns professores e alunos querem implantar Conselhos para que possam fazer frente ao exagerado centralismo dos doL. diretores e "donos" do IBRAPSI. Há propostas de se fazer uma Cooperativa. porém os ânimos exaltados fazem com que, em 1983 - um pouco depois da saída de Eduardo Lociser -, Oswaldo Saidón e Vida Kankhagi também saiam. Como a proposta da cooperativa não traz a dL.cussão da autogestão, logo a seguir cerca de 40 pessoas se desligam do IBRAPSI formando o Núcleo: Psicanálise e Análise Institucional. No ano seguinte, o IBRAPSI reestrutura-se e cria uma Sociedade sob o regime de cotas, todavia, a importància que assumira entre oS proflSsionais "psi" cariocas vai decrescendo gradativamente. É impossível a aplicação das ferramentas da Análi.e Institucional em uma intervençào socioanalitica dentro do próprio grupo que se propugna a isso. A criaçào de algo novo, talvez autogestionário, refutando os modelos instituídos, não pode se realizar. Entretanto, deste periodo de intensa crise ficam, para muitos que a viveram, ensinamentos e experiências fundamentais no sentido de melhor entender algumas ferramentas institucionalistas; elas são, naquele momento, evidenciada. profunda e intensamente em suas práticas. Outras crises ocorrem. Luiz Fernando de Melo Campos sai em
1984 e Gregório permanece até 1990 somente com seu consultório. . De 1978 a 1984, o IBRAPSItem uma intensa produção. Além do I Congresso Internacional, organiza o 11em 1982, com a vinda de René Lourau, Robert Mendel, Eduardo Pavlovsky e outros. Cinco livros são publicados no Brasil e um na Argentina, sob seu patrocínio; criam-se uma revista e um jornal: O Sigmund Organizam-se outros Congressos, como o de "Psicanálise e Pedagogia" e o de "PsicanálL.e e Comunicação de Massas". Tenta-se a fundação de uma "federação brasileira de grupos psicanalíticos independentes", ma. L'to não foi conseguido. Aqueles que mais atacam e criticam a formação dada no IBRAPSI e suas realizações são os psicanalistas "oficiais", sobretudo os da SPR]. Além de violentos ataques feitos por meio da grande imprensa, registram-se inclusive ameaça, de morte, particularmente a Gregório Baremblit, que, em 1981, ao publicar um artigo contra a visita ao Brasil do então ditador argentino Videla, é obrigado a se mudar cinco vezes de residência. Desde 1978, ano de organização do I Congresso, Chaim S.Katz é seguido acintosamente pela Polícia Federal. Gregório recebe, neste final de década e início dos 80, inúmeras ameaças. É o periodo - que já a'i.5inalei- dos vários atentados a bomba, que culmina com o do Riocentro. Os chamados "boisões radicais", ligados à extrema direita que domina os aparatos de repressão, bastante insatisfeitos pela gradativa perda de posições no governo Figueiredo e pelo recrudescimento dos diferentes movimentos sociais, apelam para violências de todos os tipos. Sobre as posturas assumidas pelos psicanalistas "oficiais", Gregório Baremblit assim as descreve:
166
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consiste numa risonha e única combinação de táticas de amável indiferença, de hábil recuperação, de isolamento e indiferença, assim como de algumas agressões encobertas ou diretas (...). Em 1981 o IBRAPSI encontra~se em uma situação simultaneamente exitosa e grave. As organizações psicanalíticas reacionárias lançam uma verdadeira ofensiva contra ele. Além de uma sistemática campanha de calúnias (arma típica da "rede de divãs" da Zona Sul do Rio dejaner."ro), são publicados artigos insultantes num fomallocal ( ..). Esse ataque culmina com uma série de agressões telefônicas aos diretores do IBRAPSI que incluem advertências políticas, ameaças de morte e outras delicadezas'r,,:)j.
204 Baremblit, G. Ato psicanalitlcoe
Ato Politlco Op. cit., pp. 50, 51 e 52.
Junto com o problema do mercado - pois o IBRAPSIefetivamente o está inflacionando com a formação que realiza -, para os psicanali~tas "oficiais" a questão politica caminha lado a lado: não podem tolerar a quebra dos mitos da "verdadeira" psicanálise e da formação ligada à IPA como únicos e universais. Não podem tolerar que, na "prãtica, se tenha feito tremer o altar e o trono" 20' dessa psicanálise tão religiosamente defendida por eles. Tudo o que Foucault. Castel. Deleuze, Guattari, tourau ou tapassade haviam dito há muito sobre psicanálise c politica, de fom1a contundente"I6, os profissionai~ "psi" começam a avaliar ainda de forma frágil e muito lenta. E, sem dúvida, a segunda geração de argentinos, notadamente os ligados ao IBRAPSI,em boa parte, são responsáveis por isso. Aqueles autores - na época conhecidos por pouquissimos dentro do movimento "psi" brasileiro - paBsam a ser difundidos e lidos por um maior número de pessoas, notadamente pelos que transitam pelo IBRAPSI ou sofrem sua influência no Rio. Malgrado as virulentas e ácidas críticas, que chegam à desqualificação, feitas por alguns argentinos ao movimento "psi" carioca, em muitos aspectos - ou em quase todos - eles não deixam de ter razão. Quando, por exemplo, Gregório Baremblit se refere aos mai~ variados grupos que se formam a partir dos anos 80, no Rio de Janeiro, mostra que, em realidade, são: minúsculos núcleos. endogâmicos, sem qualquer contato entre st, sem produção tedrica sôlida. sem preocupaçôes sociair; e cu/tivadores de um absurdo "narcisismo das {Jequenas diferenças ", que undem a cnar reservas de mercado. migalhas de poder universitário e uma ridícula auréola de prestígio haseada
em traços unificadores degradantes. tais como o mistério, a diftculdadedeingresso, o "charmedoshierarcas'; etc. (.). Éclaro que existem pessoas, algumas pessoas, ou melhor, 'fragmentos" de pessoas, amiúde rechaçada~ e desacreditadas que fazem suas tentativas de investigaçao e militância (. _,) em geral sem o menor estímulo, fama ou apoio_ E não é de se estranhar que muitas delas não sejam propriamente psícanalistas"1fJ7.
Além do :"lEFFe do lBRAPSI, no final da década de 70, no Rio de Janeiro, ainda são fundados dois outros grupos: a SEPtA e a Clinica Terra.
3.3 - A Sociedade
de Estudns Psicanalíticos
Latino-Americanos
A Sociedade de Estudos Psicanalíticos Latino-Americanos (SEPLA) é criada, em 1978, por Luiz Paiva de Castro (ex-CESAC) e Lourival Coimbra (ex-SBPRJ, analisando de Décio Soares de Souza, expulso ela SBPRJ em 1965). Vários psicólogos do CESAC e clientes de Coimbra vão juntos com Luiz Paiva. A proposta inicial - muito parecida com a do CESAC - é uma formação psicanalitica articulada com a antropologia, ftlosofia, mitologia, etc. Três turmas inicialmente são criadas: duas de alunos novos e uma "especial" com profIssionais "psi" sem maior formação, mas que têm prática clinica há mais tempo'''. Além do IBRAPSI e dos grupos lacanianos, existe ainda, no Rio, uma grande clientela de psleólogos à procura de formação. Como na época corresse o boato de que sairia uma lei, proibindo o psicólogo de clinicar"l9, a SEPLA - apesar elas críticas que faz ao academicismo das Sociedades vinculadas à IrA - organiza seu currleulo e uma série de normas burocráticas (nota, freqüência, diploma), com o propósito de oferecer uma formação de quatro anos, extremamente acadêmicos e rigidos. De 1981 a 1983, várias crises ali se sucedem. O argentino Eduardo Vidal, professor convidado, que prepara grupos de estudo sobre tacan, desentende-se com tuiz Paiva e, pouco a pouco, afasta-se com vários alunos da SEPLA- alguns da chamada turma "especial"-, criando, mais tarde, a tetra Freudiana. Coin1bra retira-se, ainda em 1981, e, já ligado à Clínica Terra, nela permanece. No ano segu.inte, Narciso Teixeira e José Inácio Parente - também da turma "especial" -, já formados, compõem uma nova diretoria, com novo currlculo que privilegia a leitura de Freud dentro da escola francesa. Joel Birman é um dos idealizadores dessa nova orientação. Em 1983, Luiz Paiva afasta-se e acusa a diretoria de "esquerdista", aludindo à preocupação da SEPLA com as lutas pela democratização da sociedade brasileira em gerA!. . Vivenciam-se intensamente os movin1entos pelas Diretas Já!, propagando esta idéia por muitas capitais do pais. Sobre o desenrolar da história da SEPLA,ver Figueiredo, A.C.C. Op. cito 2fJ9 Parecer Alcântara-Cahemite emitido pelo Conselho Nacional de Saúde, visando retirar dos psicólogos o direito de exercer a psicoterapia. Este Parecer não chegou ao Congresso.
2fJ8
2JJ5 Idem, p. 58. 2D6 Idem, p. 80. 2fJ7 Idem, p. 74.
t68
t69
Nesta época, "." as principais diretrizes traçadas pela SEPlA poderiam ser resumidas assim: gestâo democráti<:a da sociedade - voz e voto para todos -; ausência de uma figura centralizadora de poder (. ..) .. ausência de didatas na instituiçào - estar em análise é prerequisito para a formação, mas o critério é escolha pessoal -; ausência de diplomas para o psicanalista - qualquer cet1ificado é expedido somente para os cursos "210.
Também como o Curso de Psicanálise do Sedes e o IBRAPSI,a SEPLA- com muito menos intensidade - .vive uma série de contradições e paradoxos pela sua própria proposta de formação, colocada em prática a partir de 1982. Contudo, fica a pergunta: será que mudanças burocráticas no funcionamento do estabelecimento - como algumas apontadas acima - conseguem a produção de novas práticas, novos saberes, novos sujeitos?
Aos poucos, a SEPLAvai se esvaziando, pois, segundo alguns entrevistados, terminada a formação, não há mais o que fazer, não há outras atividades.
Os exemplos da SEPLA(em seu segundo período) e da CIÚlíca Terra mostram como - apesar das boas Últenções dos envolvidos nestes dois projetos, pessoas Úlclusive identificarias com posições nitidamente progrcssi'tas - as práticas "psi" então dOmÚlantes são verdadeiras camisas-de-força. Evídenciam que, embora Últeressados em veicular algo de novo, de criativo, de diferente da "verdadeira" psicanálise e da formação instituída pela IPA, esses estabelecimentos não conseguem fugir das malhas do instituido, da formação meramente acadêmica. Produzem práticas em muito semelhantes
às que pretendem
confinados no estreito território "psi", ainda encharcados pelo corporativismo dos psicólogos e, em realidade, fortalecendo-o.
4 - O MOVIMENTO LACANIANO A segunda metade dos anos 70, ao lado de todos esses grupos "ps;", que surgem tanto no Rio quanto em São Paulo, marca também o aparecitnento
do tnovimento
lacaniano no Brasil.
Da mesma forma que os demais grupos "psi", o movimento lacaniano vai, dentre outras coisas, caracterizar-se
3.4 - A Clínica Terra O último estabelecimento surgido neste final de década é a Clínica Terra, fundada oficialmente em 1979. Origina-se de um grupo de psicólogos da UFRJ que, desde 1975, reúne-se para estudar psicanálise e, posteriormente, para trabalhos de orientação vocacional dentro da abordagem clinica do argentino R. Bohoslavsky. Em 1977, estudam sistematicamente psicanálise sob a coordenação de Lourival Coimbra e organizam o Centro de Estudos em Psicologia Clínica. Dois anos depois, quando iniciam os atendimentos terapêuticos, fundam a Terra-ClÚlica Escola. Além de Bohoslavsky, valem-se dos "grupos operativos" de Pichon Riviêre. Quando inauguram a C1Úlica, pensando numa formação psicanalítica "não hierarquizada" e "mais dinâmica", utilizam-se dessa técnica na aprendizagem. A base teórica é a escola inglesa, principalmente M. Klein e Bion, embora estudem também Bleger e Coopero 210 Figueiredo, A.C.C. Op. dt., p. 95.
170
criticar, continuando
pelas críticas que faz à
"verdadeira" psicanálise c, sobretudo, ã formação instituída pela IPA. Trazendo para o Brasil uma série de questões sobre a formação analítica enunciadas por Lacan, a partir da décacla de 50, o chamado lacanismo oferece para muitos "psi" o respaldo teórico para a definitiva quebra do monopólio da psicanálise mantido pelas Sociedades "oficiais'. O movimento lacaníano apresenta diferentes articulações no Rio de Janeiro e em São Paulo. Tentarei, por isso, descrever, ainda que sucintamente, um pouco de sua história nesses dois espaços.
4.1 - O Lacanismo em Solo Carioca No Rio de Janeiro, a leitura das obras de Lacan começa a ser introduzida, ainda no início da clécada de 70, por Hórus Vital Brasil ligado ao IMP, depo., SPID - e Magno Machado Dias, o M. D. Magnoligado inicialmente ã PCC/R] e, posteriormente, ãs Faculdades Integradas Estácio de Sá. 171
o Colégio Freudiano do Rio de janeiro
o primeiro estabelecimento lacaniano fundado, em 1975, por M. D. Magno e Betty Milan, é o Colégio Freudiano do Rio deJaneiro que, de início, não se propõe a fazer formação, mas congregar os interessados na "... reflexão sobre os textos de Freud e Lacan e, conseqüentemente, no campo pen,ante que se abre a partir dL'to"211.Em 1977, assodado ao Colégio Freudiano, crLa-seo Departamento do Campo Freudiano, nas Faculdades Integradas Estácio de Sá, um curso "aberto" e "livre" de formação em psicanálise que funciona somente um semestre. A partir de 1979, quando se desvincula da Faculdade Estádo de Sá o Colégio FreudLano passa a oferecer os mais varLados cursos, seminários e grupos de estu do. É em 1979 que se organiza o Centro de Estudos, encarregado da formação em psieanálise, oportunidade em que os laeanistaB fazem mais explidtamente a distinção entre fonnação em psicanálise e formação psicanalítica. A primeira é uma transmissão claramente pedagógiea e condição para a segunda, mas não só isso, pois é também destinada ",.. a todo e qualquer que reconheça na psicanálise um campo de sabercentraJ em nossa época e, por isso, do interesse de todos (.. J A formação psicanalítica que envolve aprática segundo um OUtro discurso resta vinculada
ao prâprio Colégio enquanto
Colegiado
'~12.
Este processo compreende a análise (feita com um membro do Colégio), a garantia (após apresentação de trabalhos teóricos, a partir da qual o candidato passa a ter com o estabelecimento o vinculo de psicanalista) e o passe (quando se torna psicanalista do Colégio). Em 1981, com a modificação dos Estatutos, é crLado, vinculado ao Colégio FreudLano, o Instituto Jacques Lacan, responsável pelos dois tipos de formação que são coloeados eomo níveis de pós-graduação. No ano seguinte, organiza-se o chamado Sarau, que . "."é um encontro, constituído por uma única sessão, em que um convidado é entrevistado por um cartel especialmente constituído (. _.). O convidado é sempre alguém que represente deter-
minada posição existencial no campo social (artista, intelectual, elemento de alguma minoria ou maioria, cientista, operário, etc.) (., ,). A função é colocar,fora da situação analttictl, os analistas e estudiosos da psicanálise interessados na posição de receberem, do convidado, o relato de sua uisão a respeüo de sua própria posição diante da cultura. Não se trata, de modo algum, (. ..) de uma redução (queseria indevida) do convidado ao lugarde analisando, mar; sim uma oportunidade, para os participantes, de receber atransmissão do discurso de um Outro que bem poderá contribuir para sua reflexão no campo da psicanálise"213 (grifas do autor).
o
primeiro convidado
reorganizam e ampliam o Curso de Formação em Psicanálise eo dividem em quatro etapas sucessivas: Curso Básico, Curso Suplementar, Mestrado em Psicanálise e Doutorado em Psicanálise "2]4. ;1.
211
Dias, A.I.C. "Colégio Freudiano do Rio de Janeiro: 10 Anos de PsicanáIise~.In: Revirão
da Prática PsicanaJ1tica. Rio de Janeiro, a outra, 198'5, 200~216,p. 201. 212 Idem, p. 203.
172
2- Revista
a ser chamado para o Sarau é Caetano
Veloso. Explica-se esta citação sobre os saraus lacanianos pelo fato de que pode parecer à primeira vL'ta abertura e Uexibilidade de psicanalistas que, até então, enclausurados em seus grupos, querem abrir-se para o mundo, para os diferentes movimentos socLais que, na época, crescem e se fortalecem no Brasil. Entretanto, minha leitura vai por outro caminho: por que é necessário, em algumas ocasiões, a abertura para o mundo? Justamente porque não é permitido no cotidiano desta.s práticas que este indice de transversalidade se atualize, se efetive; há necessidade de algumas oeasiões, alguns momentos, para que isso ocorra. Ao contrário, suas práticas não estão implicadas com os diferentes movimentos. )lo cotidLano, em realidade, existem dois territórios bem delimitados: de um lado, a formação, em que há os seminários, os eartéi" etc; de outro, os saraus, nos quais, por uma fresta, pode-se acompanhar o que se passa no mundo. Assim, esta fresta que é um espaço "fora da situação analítica" tem o objetivo de "transmitir o discurso do outro que pode contribuir para o campo da psicanálise". Esta - a psicanálise - é, por eonseguinte, o território mais importante; os movimentos socLais e o que passa pelo mundo simplesmente servem como complemento para ela. Em 1983, com as novas refoffilUlações dos Estatutos, o Colégio FreudLano e o Instituto Jacques Lacan _.
2]3 Idem, p. 207.
173
o Instituto Jacques Lacan que, desde 1981, tem sua estrutura claramente baseada no ensino de 3º grau, já que apresenta a figura de um reitor e de diretores para diferentes áreas, a partir dessa reforma de 83 toma-se ainda mais academicista. Por este Estatuto, M. D. Magno é designado como o mestre Colégio Freudiano,
Esse "imperialismo" da psicanálise e essa sua superioridade convergem para práticas que privilegiam a erudição, o elitismo c o academicismo. "Apsu;análise enquanto "arle" se elitiza de outro modo. E passa, como não pocierit1 deixar de ser, a e...'I(ciuir um grande número de membms das novas profissões (na sua maioria os psicólogos) que, de algUffUl forma, não adquiriram (.,) a "competência" requerida pelo exercício da psicanálise lacaniana "216 (as aspas são minhas),
do
"... o que significa que a leitura de Freud e lAcan éfeita através da versão de Magno, cujos textos são a base do currículo obrigatório do Instituto jacques lAcan. Magno, assim, se outorga definitivamente ser o representante de Laca" no Brasil" 215 (grifas meus).
°
Tanto que na "História dos 1 Anos do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro", numa publicação de O Revirão, editada pelo próprio grup021', nota-se perfeitamente que sua história é a trajetória de M. D. Magno, através de seus cursos, seminários, grupos de estudo, entrevistas dadas, artigos escritos, etc. Após os novos Estatutos de 1991, M. D. Magno afastou-se das atividades administrativas do Colégio, fkando somente com a parte de ensino, tendo a função de "Zelador da doutrina"21'. Segundo Magno e seus "seguidores" do Colégio Freudiano, há um estatuto específico para a Psicanálise no campo da cultura. Por i'5o, buscam produzir o que chamam de "Clínica Geral", que é a "intervenção" leita na cultura pela pSlCanálise que, por ter um discurso especifico, pode operar com os diferentes campos culturais, propiciando diferentes cruzamentos. Por conseguinte, a Antropologia, a Politica, a Sociologia, etc., são campos auxiliares da psicanálise; pretende-se através dela chegarse a uma explicação da cultura brasileira. Esta proposição, muito mais complexa do que aqui é exposta especifica deste grupo lacaniano -, vê a psicanálise como uma prática discursiva, dando pouca ênfase ã chamada clínica, em muito aniculandose com o autoritarismo e a hierarquia dominantes no Colégio Freudiano. 2J4 215 216 217
Idem, p. 20R Figueiredo, A.C.C. Op. cit., p. 104. Obra já citada, de onde foram retiradas várias informações sobre sua história. Ver 05 artigos }'t - "A Doutrina" do Regimento Interno do Instituto jacques Lacan; "A Doutrina Psicanalítica do Colégio é aquela definida pelo Zelador ..." e 12º dos Estatutos do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro.·ln: Regimento Interno Rio de Janeiro, março/1991, mimeogr., p. 01 e Estatutos - março/1991, p. 06.
1'4
,
i I
Estas práticas eruditas e elitistas mostram como - apesar dos recursos que utilizam advindos da literatura, música, artes, etc. - estão distantes de uma efetiva transversalidade, ele uma efetiva implicação com os movimentos que se espalham por todo o Brasil, tanto no campo quanto nas cidades e periferias. Assim sendo, o sarau é um dispositivo produzido para servir a tais práticas. O elitismo e a erudição atraem a muitos - da mesma maneira que a formação analítica "oficial", pela própria produção de subjetividades dominantes. havia seduzido os jovens "psi" no início da década - e, nos 80, um grande número de pessoas transita por uma série de atividades elo Colégio, abertas ao público. como os Mutirões (encontros sobre um determinado tema apresentado por um membro do grupo), as Cirandas tpequeno Congresso em que. diferentemente do Mutirão. há a apresentação de trabalhos de não-membros), os Saraus e os difercntes cursos apresentados. Ainda em 1983, é formada a Causa Freudiana do Brasil, espaço congressual, da qual fazem parte os Colégios Freudianos do Rio de Janeiro, de Brasília e de Vitória que almejam reunir as associações brasileiras de inspiração lacaniana para manter uma psicanálise com autonomia nacional sem se submeter a colonialismos estrangeiros. Extingue-se, em 1988, por não atingir o objetivo a que se propunha por ocasião de sua fundação, segundo alguns membros do Colégio. Nestc mesmo ano, ocorre uma grande divisão: saem cerca de 100 pessoas, que posteriomentc fundam outros grupos lacanianos. É grande a luta contra a figura controvertida de M. D. Magno. 218 Russo, J. o Corpo Contra a Palavra: Algumas Reflexões sobre a Evolução do Movimento "Psr Brasileiro. Trabalho apresentado no Curso de Doutorado. Rio de Janeiro, Museu Nacional, 1989, mimeogr., p 18.
175
o lnstituto Freudiano de Psicanálise
Continua-se prisioneiro de um território "psi" isolado e bem defendido por todos esses ideais.
o segundo grupo lacaniano a se formar no Rio de janeiro após o Colégio é o Instituto Freudiano de Psicanálise (IFP), oriundo da cisão que vimos ocorrer no NEFF em 1979. De início, participam Isidoro Americano do Brasil. Chaim Samuel Katz e a argentina Stella Gimenez (que traz as contribuições do argentino Oscar Masotta). Inicialmente, conforme depoimentos de alguns de seus fundadores, este gnipoJ embora pretendesse ser autogestivo, em muito vai reproduzir o modelo unlversitàrio de formação vinculado à IPA e ao próprio Colégio Freudiano. Diferentemente das Sociedades "oficiais", não há a análise didática obrigatória, e, nas assembléias gerais, todos os membros têm direito a voz e voto, bU'icando estabelecer-se uma rotatividade nos cargos de direção. Contra a ortodoxia e o autoritarismo da IPA e do Colégio Freudiano, este pequeno grupo enfrenta uma série de dificuldades, pois não exerce a atração que os anteriormente citados conseguem com relação aos "psi" cariocas. Em 1983, há um grande racha: sai Isidoro Americano do Brasil, acompanhado de um número razoável de pessoas. Mais tarde, Stella Gimenez também se afasta. Chaim já havia saído antes. O grupo, agora ainda mais reduzido, tenta desmontar a organização naquilo que tem de "especular" da IPA: acaba com a obrigatoriedade da supervisão e passa a dar seminários e grupos de estudo, utilizando os cartéis. Novamente em 8S/86, outra saída de pessoas que vão fazer sua formação nas "oficiais", já então abertas aos psicólogos. O grupo que fica continua insistindo na questão de uma formação psicanalítica sem os vícios c mitos presentes nas demais formações, tentando pensar a proposta de Lacan, o que, de acordo com muitos depoimentos, tem sido extremamente difícil. Ingenuidade' Acredito que sim, mas não só isso. Principalmente a idéia - não muito diferente da instituição formação analítica presente nas Sociedades "oficiais" - de uma formação estritamente "psi" acadêmica (embora lutem contra isso), desvinculada de outras práticas. A crença na assepsia, na neutralidade, nos dogmas ainda se faz presente. O mundo, a transvcrsalidade, os movimentos sociais não são·pensados. 176
A lRtra Freudiana O último grupo é fundado no Rio de Janeiro em 1981. a Letra Freudiana, pelo argentino Eduardo Vidal, após sua saída da SEPLA. Também influenciada pela leitura que Oscar Masotta faz das obras de Freud, na década de 60 na Argentina, a Letra Freudiana inicialmente não se propõe a fazer formação, mas a organizar grupos ele estudo, segundo esta leitura, que funciomllll por meio de canéis. A partir de 1983, organiza a chamada" formação permanente" em psicanálise através de: "1- uma transmissdo e um ensino textuaís,- 2 - um compromi.'>So com aproduçào escrita: 3 - o exercício de UIIUl clittica sustentada no questionamento rlf!.oroso da direçào da cura e do final de análise Amm, a Escota estabeJ.ece um laço sodal que, marcado pela ética do di.çcurso do analista, difere do grupo concebido peja pia imaginaria da hierarquia, do ideal e dfJ cbejin. ,,219 (grifos meus).
Aqui, há uma clara alusão ao Colégio Freudiano e, pela preocupação que a Letra demonstra com a questão ela prática clínica, percebe-se que as diferenças entre ambos são muitas. Diferentemente dos dois grupos lacanianos mencionados, este não se mantém distante de outros estabelecimentos não-lacanianos no Rio de janeiro. Mantém vinculações com a SPAG, a SPlD, a SBPRj e o Círculo Psicanalítico, servindo-se de palestras, grupos ele estuelo, seminários, etc. Contudo, até por priorizar uma certa clinica, encerra-se e isola-se num espaço eminentemente "psi".
I
219 "Ata de 1987", In: Documentos Para uma Escola. Letra Freudiana: Escola. Psicanálise e Transmissão. Rio de Janeiro, Ano 1, n2 O, p. 1 I .
t77
4.2 - O Lacanismo
em Solo Paulista
Ao contrário do Rio de Janeiro, que, na segunda metade dos anos 70 e início dos 80, apresenta uma nitida aglutinação de grupos lacanianos. em São Paulo o nlOVlllento não é tão forte, congregando menos
pessoas, sendo muito disperso e os grupos ai fundados têm duração efêmera.
"Quando se pensam as origens do (''hr~surge a indagação sobre o que representa o peso da berança religiosa, em geral, e em particular, a jesuitica, para o destino dos paulistas. Questão subjacente de grande importância, nunca su.!kientemente esclarPefda. Pois, numa cidade de marcada tradição católica como São Paulo. nào se pode desconhecer esta paternidade. Que dizer, então, do surgimento do lacanismo numa esfera ligada à Ignja?"
Todavia, afmnam que: oi,.
o Centro de Estudos
Freudianos
Desde 1973, Luiz Carlos Nogueira - professor da USP a partir de 1969, à epoca da saída dos didatas da SBPSP- interessa-se pelos estudos de Lacan e, em 197';, junto com Jacques Laberge, do Recife, e Durval Checchinato, de Campinas, fundam o Centro de Estudos Freudianos (CEF), considerado o primeíro grupo lacaniano no Brasil. Começam a trabalhar, sobretudo, em cima de encontros bi anuais (um no Sul, outro no Nordeste) e, progressivamente. vão se constituindo outros núcleos regionais do CEF como os do Recife, Brasília, Salvador, Campinas, Curitiba, !\'atal e maL, tarde Porto Alegre. Em 1978 no VII Encontro Nacional do CEF, são estabelecidos os estatutos nacionais com a proposta de que os centros regionais tenham seus próprios Estatutos. Neste mesmo ano, ocorre um racha. Sai do CEF um grupo de doze pessoas, dentre elas Márcio Peter de Souza Leite, o argentino Oscar Angel Cezarotto e Alduisio Moreira de Souza. Os doL, primeiros. chegados no ano anterior da Argentina, tinham pertencido à Escola Freudiana de Buenos Aires, fundada por Oscar Masotta e o terceiro, vindo de Paris, participara da Escola dc Lacan. O CEF não oferece cursos seqüenciaL, com um l1lrri11l10prévio, mas grupos de estudo, seminários, etc. A saída destes membros tem como principais motivos as queixas referentes ao autoritarL,mo imperante no CEF e as influências jesuíticas ali presentes; alguns entrevistados declaram que Jacques Laberge, Jesuíta da Companhia de Jesus, teria vindo ao Brasil com a incumbência de criar um movimento lacaniano. Os que saem em 1978 perguntam:
178
,o
CEF, na sua expressa0 paulista, tinha um projeto ambicioso
mas teve um mérito "inaugural", Deleparticiparam membros da Escola Freudiana de Pario;, A pue de Campinas, ou melhor, o seu curso de pó.<;~graduaçàoem Psicologia Clínka, foi a proveta onde se deu a concepção "220. (.
J,
Justamente em 1978, quando se criam os Estatutos, explodem as lutas pclo poder dentro do CEF; impõe-se uma maior institucionalização, que gera a criação de normas, de critérios para determinar quem deve entrar, quem dcve dar os grupos de estudo. quem, em suma, ol1lpará os lugares de prestígio e mando. O CEF paulL'ta continua funcionando até a primeira metade dos anos 80, período em que, pouco a pouco, abandonam a instituição oS seus fundadores: Joana Helena C. Ferraz e depol' o próprio Luiz Carlos Nogueira. Os demais núcleos regionais permanecem atuando, embora bastante [ragilizados peías diversas cis<Íes ocorrídas. A &cola Freudiana de São Paulo Um outro grupo que se institucionaliza logo depois, fonnado pelos que em 1978 deixam o CEF. é a Escola Freu
179
In: Revista Clinica
sorte, a coincidência da di.'tso/ução da Escola de Lacan em 1980, que quebraram a especularídade e a ilusão mega16truma. Foi ejemera sua trajetória Fica a pontuação de que a escolba do nome~ &cola rreudfana ~ representava uma tentativa de identift~ cação imaginária com a instüuição de 1L.lcan(...). Pode-se concluir que a iniciativa ~ava abrir um e.\paço de liberdade fora da hierarquia que religiosamente congregava os integrantes'do CEF Pai, porem, sair de uma para entrar em outra ... "m..
das formações, e todos os membros da SPSPsão vinculados à Biblioteca, mas nem todos da Biblioteca são vinculados à Sociedade. No entanto, este grupo não consegue aglutinar os lacanianos paulistas; alguns caracterizam-no como uma "organização empresarial", preocupada com a questão de direitos autorais, de prestigio e levando a um consurnlsmo do pret-à-porteroficioso'''. Muitos lacanianos seguem dispersos ou em pequenos grupos nãoinstitucionalizados quando, em 1985, Betty Milan e outros pensam em um espaço no qual seja possível congregar todos os que, em São Paulo, tcnham alguma vinculação com Lacan. Chama-se O Ponto e, sistematicamente, se reúne no MASP para apresentação e discussão de trabalhos. É um espaço pontual, cujas iniciativas e atividades começam e acabam ali mesmo. Ele não dura muito tempo e logo se esvazia.
Em 1980, extingue-se a Escola Freudiana de São Paulo num clima de conflitos e lutas internas. A Biblíoteca Fwudiana
de Sào Paulo
o terceiro e último gnlPO lacaniano, surgido no início dos anos 80, é a Biblioteca Freudiana de São Paulo, organizada em 1982 por Jorge Forbes, que tinha sido um dos fundadores do NEPP, em 1976.Para este estabelecimento, mais tarde, vai Luiz Carlos :'
"Um pontilbado de boas intenções acompanhava a oferta. Solidários e não mais separados, o esforço compensaria: uma eUL (Central Onica Lacaníana) canalizaria e muttiplicaria os efeitos de transmissão. Por melhor que fosse a pontaria, o alvo se perdeu de t/fsta"ai.
Assim, de forma bem distinta daquela do Rio de Janeiro, os lacanianos paulistas não conseguem organizar estabelecimentos considerados "fortes", que os aglutinem, que consigam reuni-los de forma si'ternática. É o que muitos consideram ser a efetivação da "política do grão de areia", proposta feita pelo próprio Lacan após 1980,logo depois da dissolução de sua Escola. "Os analistas, ao sabor dos ventos, se reunem quando um objetivo comum os aproxima, e se separam quando aquilo já deu tudo o que podia dar"2Z7
Duerentemente também do Rio de Janeiro, onde os grupos lacaníanos ínstituidos tendem a um isolamento, em São Paulo, no fmal dos 70 e início dos 80, ocorre uma série de rearticulaçõcs no Sedes (nos clois cursos de Psicanáli,e), no NEPP, no CEF e na Escola Freudiana. Os quatro grupos possuem professores comuns; outros'são chamados para seminários ou grupos de estu do.
222 Ferreira Neto, G-A., Leite, M. P. S. e Cesarotto, o. Op. cit., p. 46. 223 Maiores informaçóes sobre o que charrum de "transmissio oral" e 'l.ran.'mti",'ilioe.'lCrita" ver Kolrai C. "A Biblioteca Freudiana de PsicanáLise". [n: Capítulos de PsicanálIse. Sio Paulo: Bibliotec~ rreucliaru de Psicanálise, nQ 14, julho/19s
180
1.2'5 Sobre tais questionamentos, 226 ldem, p. 47. 227 Idem, p. 46.
I
ver I1erreira NetO,G.A., I.cite, M_P.S,e Cesarolto, O. Op_ dto
18t
OS
Entretanto, a exemplo do Rio - ã exceção do grupo de Magno -, lacanianos paulLstas também.revelam a preocupação específica com
a prática clÚlica, como articular Lacan a seus atendimentos
privados.
Quando assinalo a similaridade elaspráticas lacanianas cariocas e paulistas, o que pode parecer estranho pela dispersão que há em São Paulo, quero mostrar - como já apontei no Rio - o fechamento, o isolamento que produzem. Rcstringem-se pura e especiflcamente ao territôrio "psi". As' articulações com o mundo não são feitas e suaS implicações não são pensadas; da mesma forma que a produção dessas práticas "psi" não são vistas como produzindo objetos, sujeitos, saberes e subjetividades. As querelas internas, tanto em São Paulo quanto no Río de janeiro, são explicadas do interior do próprio movimento: ora como lutas de poder (daí as várias rupturas existentes), ora como reprodução do que ocorre a nível internacional. Principalmente após a dissolução da Escola de Lacan e depois de sua morte, a aproximação ou não ajacques Allan Miller provoca acirradas brígas no movin1ento lacaniano brasileiro. Há aqueles que a ele se associam - filiam-se ao Campo Freudiano228 -, mas, apesar di.')so, afirmam fazerem
críticas ao "mercantilismo"
e ao
"aspecto comercial" embutidos na proposta de MilIcr. Outros, como Magno, repudiam o "colonialismo", levantando acirradas críticas a MilIer e seus seguidores, sem integrar o Campo Freudiano. No entanto, apesar de tais interpretações - que a meu ver são instituídas, pois partem do interíor do próprio movimento "psi" mostrarem muitas diferenças entre estes grupos lacaníanos, não compartilho de tal entendlmento. Por não considerar o Iacanismo como um objeto em si mas como coisa natural, percebo que é produção e que institui práticas, saberes e sujeitos, não sendo tão diferentes assim. Conforme já mencione~ são similares. Mesmo se considerarmos as diversas formas de organiZação destes grupos, o que pode artificialmente levar ã constatação de que são diferentes, isso não acontece. Alguns grupos são pequenos, pouco institucionalizados, e a questão da formação não é muito enfatizada, pela própria precariedade organizativa; outros são extremamente 228
o I Encontro
do Campo Freudiano
realizou-se
em Caracas, na Venezuela,
1980, lacan eJ.A. Miller.
182
quando lá estiveram,
em
burocratizados e neles a formação passa por diferentes graus e níveis, como o Colégío Freudiano no Rio de janeiro e a Biblioteca Freudiana Hrasileira em São Paulo; todavia, se fom10s pensar em lermos de produçio de práticas, não há grandes diferenças. O que produzem tais prátiC:1S'Algo diferente do que as Sociedades "ofleiais"e outros grupos "psi" instrumentalizam? Algo "novo" em relação i "vcrdadeira" psicanálise e i formação analítica? Em realidade, estas práticas produzem "outras" instituições: uma "outra" ';verdadeira" psic31lálise - a freudiana lacaniana - e uma "outra"
formação analítica - a transmissão -, tão poderosas, autoritárias, hierarquizadas e disciplinadoras como as produzidas pela IPA. Utilizam-se de discursos tão "verdadeiros' como os anteriores: 'científicos", "lógicos" e "racionais". Em lugar dos clidatas, criam-se outros profetas e sacerdotes que, da mesma forma que as vestaLs,devem manter "puro" e sem misturas o santuário lacaniano. É distante e inacessível aos leigos, já que somente os "iniciados" têm permissão para penetrar nesses templos. Seantes os "iniciados"eram escolhidos por categoria profissional, somente médicos ou psicólogos, agora é uma seleção muito mais sutil: a seleção da "competência", porque não é qualquer um que pode entender a abstração de um dLscursológico-matemática-fIlosóficoe, por conseguinte, "racional" e "científico". Poucos são os escolhidos; poucos os que têm "capacidade intelectual" e "recursos culturais" para entender tão dilkil e 'complexo" discurso. Daí, as mesmas práticas de exclusão, de ,prit de corps, embora as portas estejam abertas a quem desejar ingressar nesse espaço. Se nele não permanecem é por sua própria "incompetência" e "inferioridade" cultural e intelectual. É a mesma produção que vemos surgir no campo da educação nos anos 60, nos Estados Unidos, dentro da teoria do "capital humano", e que é exportada para o Brasil na década seguinte: a elacarência cultural das crianças que não conseguem aprender. A escola é demoerática. Se uns conseguem e outros não, o problema é deles, de suas "dificulelades". Da mesma forma, a sociedade é democrática: UU"'l triunfam e outroS não, a questão é de mérito pessoal, de esforço individual. Ratifica-se no meio "psi" o que já está naturalizado na sociedade em geral e entre os educadores brasileiros: o lacanismo é extremamente "complexo" e exige "bagagem" cultural e intelectual "superior"; em 183
decorrência disso, não é qualquer um que pode a ele ter acesso. Produzse, assim, a subjetividade do incompetente, do desqualificado "psi", sem dúvida alguma. poderosa arma de dominação, e que por isso mesmo atrai a muitos.
5 - As
"CRISES"
(QUEBRA-SE
NAS SOCIEDADES OFICIAIS O MONOPóUO
DA
IPA ?)
Nos anos 80: ocorrem violentas crises internas nas Sociedades "oficiais". tanto nas do Rio de Janeiro quanto na de São Paulo, as quais "balançam", dizem alguns, os pressupostos autoritários em que se baseiam esses grupos. Por outro lado, afrrmam outros, estas "cri<;es"ocorrenl justamente pelo advento do movinlento lacaniano que, colocando por terra a hegemonia destas Sociedades com relação à formação analítica, quebra seu monopólio. Tai, cri,es seriam, desta forma, uma espécie de rearrumação das Sociedades "oficiai,q", uma resposta ao movimento "psi", em suma, "... unu tentativa de atualização da psicanálise""9 diante da difusão e das transfol11uções sofridas por ela nos anos 70. Como não percebo desta maneira. vamos à história instituícla para maiores informações e. posteriomente. a algumas questões que percorrem outros caminhos que não os apontados acima. 5.1 - A Brasileira de São Paulo Na SBPSP, a crise, que vai se avoluoundo desde o final da década de 70, prende-se principalmente a três pontos: "1) a decisão monopolizadora do "didata" na qualYicação do candidato à "imalista" e do "analista" ã "didata ':.,2) o alto preço cobrado pelos "didatas". 3) a ênfase exagerada na "análi.',e didática'; em detrimento da produção cientiftea original"l3O.
() primeiro dos pontos refere-se ao poder que os didatas têm de 229 Orientação seguida por Figueiredo, A.C.C. Op. cit., quando se refere à crise na SPRj, a partir da p. 11 S. 230 Sagawa, R.Y. Op. cit., p. 232. 184
dar sempre a última palavra na qualificação dos novos analista$ c dos novos didatas. Uma série de manobra$ políticas, descritas por alguns entrevi,tados231 , é feita pela Comissão de Ensino da SBPSP quando pretende vetar ou aprovar algum membro a analista ou a didata. Sobre a questão dos altos pre,'os cobrados - já por mim assinalada em referência à instituição "verdadeira" psicanáli,e - configura-se uma reação em cadeia, já que os candidatos "têm" de cobrar também altos preços para poderem pagar a sua fomuçào, afmm alguns entrevistados, em oposição a outros que defendem os altos preços por se tratar de uma formação privada de "qualidade". O último ponto prende-se ã ênfase dada à análi,e didática. Para a cúpula ela SBPSP dominante nos anos 60170, este é () nui, importante fator pa.", a fornução analítica, o que é compartilhado por suas irmãs cariocas e que já foi também por mim registrado em relação à instituição formação analitica. ~ este item, é sublinhada por vários entrevistados a mediocre e pobre produção científica dos analistas da SBPSP durante a década de 70. Para eles isto se deve à ênfase que dão à análi,e didática, o que faz eom que os didatas não tenham tempo disponível para outras atividades. Todas estas críticas partem de um grupo que Sagawa chama de "oposição democrática" e que, em 1982. consegue organizar uma "frente ampla". vencedora nas eleições para os principais cargos da Sociedade paulista: presidente, diretor do Instituto e didatas da Comi"ão de Ensino. '~4cada dois anos ocorre esta e!dçiio, mas segundo os prôprios "analistas" da "oposiçiio", esta foi a /}rimeira eleiçao desde a tomada do poder pelo 'establisbment hioniano ", que venceu uma chapa apoiada peja "ojxJsição" Defato, não foi considerada uma chapa de "oposição ", (,.) mas constituiu uma espeeie de "PMDB" t.,) contra o 'establishment bioniano "Z'll,
o grupo chamado por Sagawa de "estahlishmentbioniano", que detém todos os principais cargos na SRPSP durante os anos 70 com plen", poderes, de fomla extremamente autoritária; é representado por Laerte Ferrão e Frank Phillips, principalmente. 2..~I Sobre isto, ver também Sa.gawa, R,Y. Op. cir , onde al~n.s pontos por ele apomados coincidem com os que levantei em minhas entrevistas. 2..,2 Sagawa, R.Y. Op. ciL, p. 226.
181
o grupo denominado de "oposiçào democrática", que o próprio Sagawa afirma não poder ser visto como monolítico, reúne-se em tomo de Isaias Melsohn e dele fazem parte Fábio Herrmann, Sonia e Deodato Azambuja, além dentre outros. Há um terceiro grupo, liderado por Iloberto Azevedo, que, desde o início de 1980, vem tentando aglutinar os insatisfeitos com relaçào à situaçào interna da SBPSP. Seu objetivo é organizar um 5tudy Group em São Paulo que, posteriormente, viria a ser uma Sociedade vincLllada à IPA, :Lspeeto já abordado na ocasiào em que me referi ao Sedes Sapicntiae. :\'os primeiros meses após a posse da nova chapa de "frente ampla", a situaçào é tensa, pois, além da perda das posiçóes de poder do antigo grupo, não estão ainda garantidas para a "oposiçào" as mudanças pretendidas e a questào da formaçào de um 5tudy Group. Diante disso, Isaias Melshon e seu grupo enCAminham à IPA uma denúncia sobre o número crescente de candidatos nào atendídos pela SBPSP e a existência de um pequeno número de didatas. Em 1983, a IPA envia representantes a São Paulo e, após avaliações, resolve colocar a Sociedade sob observaçào. Em 1986, suspende por alguns anos a entrada de novos candidatos, até que todos os inscritos possam ,o;;er atendidos pelos didatas que, gradualmente, têm seu número aumentado. Somente em 1991 a IPA permite a inscriçào de novos candidatos na SBPSP233. 5.2 -A Brasileira do Rio deJanclro Na SBPRJ, a chamada crise inicia-se desde os acontecimentos narrados 110 Analisador Helena Besserman Vianna cm 197';, embora lIque latente até o inicio dos anos 80. Ao lado disso, soma-se uma série de criticas muito semelhantes às feitas na SBPSP eom relaçào, sobretudo, ao poder dos didatas e às manobras políticas utilizadas também pela Comissào de Ensino para a "escolha" de certos analistas e didatas de sua preferência. Em 1979, na presidência de Inaura Vaz Carneiro Leão, vem à tona violentamente uma série de críticas ao funcionamento interno da SBPRJ, 2.13 Sobre o Study Group, Sagawa informa que a IrA não autoriza seu reconhecimento, terceiro grupo nào haver um único (ijelata.ln: Sagawa, RY. Op_ dL p. 2')0. 186
visto neste
deflagrando-se uma crise que só terminará em 1982, ano da votaçào dos novos Estatutos. Em maio de 1979, em Assembléia Geral Ordinária, há a designaçào de 12 didatas em caráter extraordinário, o que fere os Fstatutosl34. É a gota d'água para que uma série de questionamentos ,"lurjam e. a partir daí, numerosas e acaloradas assenlbléias se sucedem durante todo o ano de 1980. Em novembro, devido às fortes pressóes, é concedido o voto ao associado, o que CF.! lima luta de anos por parte de um grande grupo da SBPR) - nào só de associados, mas também de alguns titulares. Em 198I, quando assume a presidência Rosa Beatriz Pontes de Miranda Ferreira, o clima é ainda tenso, pois a questào relativa ao poder dos didatas é ponto sagrado e intocável. Muitas assembléias sào realizadas e, finalmente em 1982, consegue-se votar 0$ novos Estatutos, em que desaparecem as diferenças entre membros. Hoje, "... nào há mais a divLsào em Membros Associados. Titulares ou Efetivos e Candidatos. Todos são Efetivos e têm direito de V()to"4~~.Sendo todos os C0l11ponentes cOI1..'5iclcrados titulares, ticanl con10 membros
provisórios
os candidatos
a
analistas que participam das Assembléias Gerais, através de representantes'" No Consdho Diretor, há um representante geral destes membros provi.c.;óri
Ainda pelos Estatutos de 1982. o Departamento de Formaçào de PsicanalLstas organiza, elege e coordena duas Comissóes: a de Seleçào e a de Acompanhamento e Qualificaçào, que recebem informaçóes de todos os professores e su pcrvL'mrcs e fazem uma avaliação do candidato238. Não há mal." as informa~'ôes prestadas pelos didatas já que estes seràu quaisquer membros titulares que assim o desejarcrll e que tenharll no tnínimo '5 anos de efetivo exercício clínico. Ao final de 1990, a IPA envia praticamente uma intimaçào à SBPR): será excluída ela Internacional se não in.••• tituir novamente 3."i três categorias de membros (associado. titular e didata). Em 1991, após uma série de assembléias para a discussão do assunto, a SBPRj institui de novo ;1..':; três caLegoria...... . Sobre o assunto, ver Ferreira, R.B.P.M. "Independente da IPA Você Acha Que e Preciso Refórmar In: Tn1mna- SBPRj, abril/l1)90, n!! O I 0'1-08 2,""0; Jclt:m, p. OS, e lambém 0$ artigos 'j!!, {)\1,7\1e 8\1 dos Estatutos daSBPRJ - 1982, pr- 2. e i, 236 Artigo 0º dos Estatutos da SBPRj. ciL, p_ i ('Pari,grafo IÍnico do artigo 12", p_ 04. 237 A,.rtigo4Qº 0r- cit., r 'I{J. 2i8 Artigo 60" ()p_ dt., p 16 lVí
a Rcforn13?".
0r-
[87
/ 5.3 -A PsicanaIítica do Rio deJanciro A crise da SPR], a primeira deflagrada no InICIOdos anos 80, prende-se, numa primeira leitura, em especial, às figuras de Amilcar Lobo, Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas, à constituiçào do Fórum de Debates em maio de 198\ - cm parte apontados por mim no Analisador Amilcar Lobo - e às criticas feitas à Sociedade, em muito similares às considerddas pelas suas irmãs "oficiais", ou seja, a questão do poder e autoritarismo dos didatas, do voto aos associados,
a mediocridade
e o
tecnicismo reinantes na formação analítica. Sob o titulo "Baronato Da Psicanálise", a grande imprensa sintetiza esta.') principai<; críticas: ",-- os altos custos de tratamento, a gerontocracia nas instituições psicanalíticas, as discriminações ideolôgicas contra candidatos ã formação, o falso "a/X>/iticismo ", e até mesmo a ignorância das obras de Freud (.. ,J. A Psicanálise está dominada por um baronato Suas instituições são marcadas por cargos vítaHcios. nelas o clima é feudal. O poder e a gerontocracia, prevalecem os padrões do mandarinato. Ivoventa ,por cento dos psicanalistas não leram a obra de Freud, contentando-se com uma introduçao a obra de Me/anie Klein, de Hanna Sega! Nâo sabem distinguir uma epistemologia idealista de uma materialista, nem sabem o que e epistemologia. Não conhecem Kant, Hegel, não oUlJiramfalar de ,1.1arx. Mas neles predomina a pretensdo de tudo dominar monopolisticamente"JjQ,
São interessantes algumas comparações entre essas três "crises". Se as Sociedades "oficiais" do Rio de janeiro trazem enfaticamente em suas plataformas o voto aos associados, isto não é enfatizado na co-1m", paulista, para a qual a questão maL, iruportante é o poder dos didatas. Este tema - o dos didatas - é, portanto, comum às três Sociedades. Se as Brasileiras - tanto a de São Paulo quanto a do Rio de janeiro - ficam especificamente em seus marcos institucional'), não saindo da..'i argüições ao funcionamento dc suas organizações, a SPRj consegue escapar desse estreito território. A própria criação do Fórum de Debates, funcionando em praça pública e, maL, tarde, no Sindicato dos Médicos alénl das notícias, que saelll na grande inlprensa sobre a "c..Tise", mostram
o quanto este movimento ultrapassa os muros de sua Sociedade. A 239
Artigo do jornalista Roberto
SPR] e as reivindicações
Mello que, sob o título Os Barões da Pskanállse
do Fórum de Debates.
188
In:JB _ 23/0911980.
relata a crise da '
"verdadeira" psicanálLse e a formação analitica são discutidas pela grande imprensa, pelos "leigos", situaçào que sempre foi impedida e mesmo temida por seus guardiães. A própria plataforma politica elo Fórum de Debates - "I) direito elo voto ao memhro associado; 2) refomu dos atuais Estatutos e 3) ftm das punições"''" - em quase nada difere elaspropostas elasBrasileiras de São Paulo e do Rio de janeiro, com cxceção da questão das punições. Entrementes, a expul'ião de dois conhecidos psicanalistas, envolvendo a denúncia de um participante dos órgãos de repressão, faz com que o
movimento cresça e - apesar de não constar elesua plataforma - passam a ser questionados puhlicamente o poderio dos didatas, a hierarquia e o autoritarLsmo vigentes nas Sociedades "oficiais" e a mediocridade e a pohreza de suas produções teórico-práticas. Questôes, sem dúvida, C01nuns às outras Sociedades irn1às, filas que scnlpre conseguiram ser mantidas em seus estreitos e fechados espaços. Na SPRj essas questões ganham a praça pública. Entretanto, este movimento, que poderia ter se tomado instituinte, rapidamente é levado para os nurcos instituielos. É verdade que t1guras como Gregório Baremblil e outras são convidadas pelo Fcímm para falar de suas práticas. No entanto, o peso do instituielo é grande, pois apenas se denuncia o tecnicismo kleiniano vigente nos anos 70, em nenhum momento são levantadas questões que permitam aprofundar taL"críticas, que pennitam fazê-las sair do território "psi" proprianlente dito. Questões relativas à postura neutra dos psicanalLstas, ao lugar de poder por eles ocupado socialmente, à superioridade de seu saber, não são ventiladas.!41.
Em nenl1un)
111011lento
questiona-se
cOIno as práticas
"psi"continuam engedrando dominios de saber, constituindo sujeitos, demandas, etc. A própria plataforma politica elo Fórum mostra bem isto, pois pensar tai" questões
é, em SU1na, pensar a sua própria
destruição
en-
quanto especialísta "psi". Ou - de fomu menos radical - é pensar na quebra, na iruplosão da SPRj enquanto estabelecinÍento de formação e por isso colocar-se contra a "verdadeira" psicanálLsee a formação instituída pela lPA. Nenhuma das duas questões pode ser pensada pelos psicana240 Barreto, C.A.(Jp. cit.,p. 170. 241
Sobre isto, ver cit. Nenhuma
0$
diferentes
destas questões
artig~ de psicmali<;ta.<;c!o Fórum contidos in Cerqueira, G. (Org.) OI'. é ali abor
listas, mesmo os mai') progressistas. Tanto que quando representantes da IPA, em 1981, fazem uma "sindicância" na SPRJe, no ano seguinte, "orientam" a reestrutura,"~ào adnlinistrativa e acadênlica da Sociedade, todos os psicanali,1.J.',inclusive os do Fórum, aceitam as deliberaçiíes da IPA, É quando inclusive Hélio Pellegrino e Eduardo Mascarenhas são readmitidos na SPRJ.
Não somente teme-se o desligamento da IPA.e com isso a perda de prestígio e até uma subseqüente desqualificação social, como também não há interesse em se questionar o lugar ocupado pelo especialista "psi", assim como os saberes por ele produzidos. Se por um lado as "crises" das Brasileiras - tanto a pauli,ta quanto a carioca -são interpretadas como "bem-comportadas", se comparadas com a da SPHJ, por outro esta não produz territórios singulares, não provoca rupturas. Está dentro elo que é conhecido C01110'"reformismo institucional", quando se pretende, dentro do próprio marco institucional, implantar mudança.') que irão gradativamente avolumando-se e tomando, asSlnl, o estabelecimento mai.')"aberto", l11ai..."democrático", afirmam muitos cios entrevistad()s. As "crises" aqui apresentadas estão dentro de tais marcos instituídos. Em que contexto hi ...tórico se vcrificarn essas "crises"? No início dos a110S 80, com o governo Figueiredo - o líltinl0 do ciclo nlilitar bastante fragilizado pelos movimentos sociais que, a partir da segunda metade dos anos 70. se intensificam nas cidades e no campo. Nessa época, as camadas l11édias urbanas, já sentindo os efeitos da recessão
econômica que se avizinha. descobrem estupefatas que o "milagre" havia
As "crises" que então ocorrenl nas Sociedades
novas política..l;)sociais. que surgem dos diferentes movimentos
tência espalhados por toda a sociedade brasileira, forçam as Sociedades
vestem-se de "outras roupagens" e demonstram mais "igualdade" entre seus membros,
apôs as vitoriosas greves no ABC,em 78 e 79. 190
mais "den10crJ.cia" interna. Entretanto,
a "verdadeira"
psicanáli,e e a formação analítica permanecem intocadas. Nos anos 80.ltá espaço para diferentes e variadas "verdadeiras" psicanálises, para variadas e diferentes "escutas" psicológicas, para variados e diferentes templos sagrados de formação "ps(. O lacanismo, que mais explícita e enfaticamente apresenta a produção de outras práticas "psi", baseadas em outra "verdadeira" psicanálise, outra "verdadeird" "escuta", outra "verdadeira" "transmissão" e outro templo sagrado, traz o embasamento teórico que, principalmente ao longo da segunda metade dos anos 70, vai desgastando o monopólio das Sociedades "oliciais".Para este desgaste, são funclamentai, as práticas trazidas pela segunda geração de argentínos e, sem dúvida, o que o IBRAPSIrepresentou para uma nova geração de psicólogos cariocas. Todavia, as práticas psicanalíticas, de um modo geral, entranJ nos anos 80 naturalizando e estimulando os especialismos e a demanda "psi". Estas práticas contínuam engendrando e fortalecendo saberes, conceitos e técnicas então hegemônicos, e forjando continuanlente sujeitos de conhecimento. Portanto, é como afirma Foucault: ".,. o próprio sujeito tem uma hist6ria, a relação do sujeito com o objeto ou, mais claramente, a própria verdade tem unul hist6ria "242 (grifas meus).
frente" corre o risco de "descer ladeira abaixo". "'este momento. em que signitlcativos segmentos elasOCie(~ldeclamam por lillerdade c democracia
O ;:wtoritari.O:;nlo vigente nas Sociedades '·oficiais" está ern descompasso com o momento político que () país atravessa. Em 1979, a Lei da Anistia, enlbora bastante "capenga". erJ votada. Aos poucos a censura vai sendo suspensa. Multiplicam-se as Comunidades Eclesiais de Base e as Associaçôes de Mor.ldores. O movimento sindical mostra-se revigomdo,
de resis-
vinculadas à IrA a nlostrarel11 uma "outra cara", a fazerem uma ';outra maquiageln"_ Seus antigos pressupostos notadamente autoritários tra-
acabado, que não passara ele uma grande ilusão e que o país: que "ia pra
em todo..'ios ruvcis, os psicanali. ...L'1S talnbém estão atraves..'iados por todos esses l11ovimentos, c levam para os seus espa(,:os tais atravessamentos.
"oficiais") efil reali-
dade, significam rearrumaçôes diante de todos esses acontecimentos. As
Foi isto que tentei mostrar ao acompanhar a história instituida dos diferentes grupos "ps( surgidos ao longo da década de 70 e inicio da de 80, no eixo Hio-São Paulo. Por entender suas práticas e saberes como acontecimentos e dispOSItivos.vejo neles as marcas aa divisão social do traballlO ao enfatizarem os especialismos, o saber neutro e descompromi'Sado. a valorização do instituído, 242
Foucault,
M. A Venlade
e as FonnasJuridicas.
1974, p. 05.
t91
Rio de Janeiro, Cadernos
da rue, n" 16, junho/
Recorrendo ainda a Foucault, sabelnos que não há saber neutro e que sua análise impliea neeessariamente a análise do poder. Por outro lado, não há relação de poder sem a eonstituiçáo de um campo de saber e que, da mesma forma, todo saber constitui novas relações de poder, pois, onde se exercita o poder. ao mesmo tempo, formam-se saberes e estes, em contrapartida, asseguram o exercício de novos poderes243. O exercício desses poderes e saberes "psi" evidencia-se nas prática.s "psi" que "melhor" vão se organizando na segunda metade dos anos 70. Se ficasse somente na história instituída desses grupos, cairia numa ardilosa armadilha ... Com a quebra do monopólio e\as Sociedades "oficiais", vislumbraria somente uma maior variedade de práticas psicanalíticas, ou seja, restringir-me-ia à expansão e difusão eia psicanálise pelo movimento dos psicólogos, responsável- segundo muitos - pela "democratização" das práticas analíticas. 1\'0 entanto, impõe-se uma importante questão: o que tudo isso traz de novo, de singular, de diferentes estratégias e táticas de ação? Pequeno ainda é o número de profissionais "psi" que tentam exaustivamente em seu cotidiano compreender que práticas, subjetividades e modelos estão gerando e patrocinando. Poucos, muito poucos, são as que tentam articular suas práticas e saberes com os diferentes movimentos que estão espalhados neste mundo e, com isso, aumentar o índice de transversalidade em seu cotidiano. Foucault tem exaustivamente mostrado que, ao não se estabelecerem relações entre os diferentes saberes, em realidade, desqualificamse os não-competentes, sobrepondo-se os considerados "verdadeiros", "científicos" e "neutros". Os primeiros - os "saberes dominados" - são vistos como estando abaixo do nível requerido pela "cientificidade", e por isto são não-qualificados, locais, descon(muos e não legitimados pela tirania dos discursos/práticas englobantes, hierarquizantes e totalizantes. A certa altura, sobre o assunto, Foucault faz as seguintes perguntas: "Que tipo de saber vocês querem desqualificar no momento em que vocês dizem "é uma ciência "? Que sujeito falante, que suJeito de experiência ou de saber vocês querem "menorizar" quando dizem: "Eu que formulo este discurso. enuncio um discurso cientifico e sou um cien.ffsta?" Qual vanguarda teórico-política 243 Foucault, M. Mlcrofislca do Poder. Op. cit
t92
vocês quc1t!m entronizm· para separá-la de todas as numerosas, circulantes e de<;continuas formas de saber? ".:-w.
Estes di,",cursos/pciticas considerados "competentes" c "verdadeiros" tênl seu apogeu nos anos 70 no Brasil, produzindo poderosos efeitos, como já assinalei no decorrer de todo este Capítulo. Um desses efeitos, que é a n:lturalizJ.(,;ào do instituído, pode ser bem notado ao se pesquisar alg1I1TIaS ata" de reuniôes e assemhléias desses estahelecimentos "psi" que se formam no decorrer da década de 70. É apenas um aspecto desta naturalizaçào do instituído, por meio elo qual se inelida o csfórço que muitos "psi" produzem em seus grlllX)Sno sentido de '·melhor" organizá-los, burocratizá-los. É impressionante a participa~~i()desses "psi" em inWffilinávcis discussôes sobre mfimos detalhes do luncionamento dessas burocmclas. ebs normas e regras que sio criadas e/ou .C)ubstituíc1as, scrn as quai') é itnpossivel um bom funcion::unent() do estabelecimento. A chamada "vida institucional" tOllla grande parte de seu tempo c, com isto, encontram-se restritos a esses aspectos meramente instituídos, enclausurados enl guetos assépticos. Enquanto isso. a vida lá fora fervilha: movimentos sociais c ,",indicaisnascem, organizam-se, fortalecem-se e nada disso é percebido; ;lO contrário, é desqualificado. 1\':10 é por acaso que, nos poucos grupos que tentam se articular COTna vida, com a transversalidade, como num dos Cursos d" Psicancílise do Sedes Sapientiae, no IBllAPSI e na SEPLA, as situ:lt;,:ôcsde crise sio intensa (' profundamente viviLbs. Há, inclusive, algun" depoinlcntos ele entrevi.,tados que julgam impossível a altiL·'ula\~ào desses dois mundos: () da fonnaçào ~l1lalíticae () da implica<,,'àopolítica, considerados como excludentes c opostos. É o grande desafio que se coloca, nos anos HO c 9(L para todos nós "psi" que pretendemos pensar nossas práticas L' sal )('rC'sem cirna de nossas itnplicações históricas, em cima de nossas transversalidadc.s~ da nio-dicotomização. l~este, também, um dos desafios a que 111C propus ao percorrer os diversos estabelecitnentos "psi" nos anos 70, desde as práticas disseminadas pelas Sociedades "oficiaLs" até as dos grupos considerados por muitos COIno"alternativos". "C01l10um pensar a hi<;tória L..) não C0010 narrativa do superado, e sim na qualidade de anna nos combates do presente"";. 244 Idem, p_ 172.
19'1
VII -
UM ADENDO FAMÍIlA
ÀS PRÁTICAS PSlCANAIinCAS:
A
E A SUBVERSÃO
Um aspecto das práticas "psi" que não poderia deixar de abordar neste trabalbo refere-se à participação direta de alguns ele seus profissionais no aparato repressivo da ditadura militar brasileira. Esta participa<.,'io assenlelha-se àquela que vários médicos tive[an1 - como o AnalL'iador Atnilcar Lobo ii delTIOnstrou -, ou seja, um trabalho, não só no treinamento a torturadores como também no levantamento de perfis psicológicos de presos politicos. ;\Jào pretendo aqui fazer uma hLo:;;tôria do envolvimento direto de alguns profLo:;;sionais"psi" com a repressão. Esta hi~tôria e a de diversos outros profissionaio:;; como médicos legistas. advogados, etc., que respaldaran1 teórica e tecnicamente o terroriSlTIOde Estado no Brasil com suas práticas e saberes, estão para ser escritas. Entretanto, acredito que, como umJ. forma de resgate de uma parcela ela história brasileira, algo deva ser assinalado, sobretudo o aspecto concernente a lima pesquisa sobre o perfil psicológico dos rnilitantes políticos presos, no Rio de Janeiro, no início dos anos 70, que contou com a participação direta ele alguns psicólogos que trabalhavam, na época, no Centro ele Estudos de Pessoal do Exército, localizado no Forte cio Leme, no Rio de Janeiro. Sobre este ponto. são importantes alguns' comentários iniciaL" De um moelo geral, os psicólogos que faziam parte do Centro de Estudos de Pessoal do Exército cran1 - en1 muitos casos - nulitares que. nos anos ';0, haviam feito nas Forças Armadas o "Curso de dassil1caç,'ão de Pessoal" o qual, a partir de disposição leg'dlposterior, outorgou a todos o diploma de psicólogo, Em 1949, por portaria do Sr. Ministro da Guerra, foi autorizado o funcionamento do referido Curso, no qual se incluiam Noções de Psicologia 1'\ormal e Patológica, incursionando-se pelos campos da memória, raciocinio, inlaginação, volição até a Psicologia dos Chefes Militares'''''. MaL, tarde, a partir da criação do cargo de psicólogo e a regula24'5 Rodrigues, H.S.e. As "Nova"i Análi8es", Op cit" p. 07. 246 Dados retirados de Psicologia, Ciência e Profissão. CFP, Brasilia, s/data, p. 2'5.
t94
mentação da proflSSão em 1962, todos os miJitares que fizeram o "Curso de Classificação de Pessoal" - que, na maioria dos casos, não chegava a U111 ano de dura.ção - foram reconhecidos ofkialmente como psicólogos. Nos anos 70, IllUitoSdeles, trabaUlando no Centro de Estudos de Pessoal do Exército, ofereceul Cursos de Especializaçào em Psicologia para o pessoal das Forças Armadas e chamam psicólogos e estagiários civis para atuarenl no Forte cio LenlC em uma série de atividades. A "contribuição" técnica de muitos desses profissional') ao aparato de repressão durante os anos de terrorismo ele Estado foi incontestável, daí a maioria se negar a falar sobre o a.'iSlInto nos dias de hoje, Sobre o treinanlento a torturadores. no que se refere aos aspectos psicológicos dos presos políticos, nada se tem documentado. Todavia, em muitas declarações e depoimentos de ex-presos políticos, "salta aos olhos" que llluitos torturadores foram orientados e treinados por profissionaL, "psi". Em 1970, o major da PM RL,cala Corbaje, conhecido como Dr. Nagib, dizia no D01-CODURJ para alguns presos políticos que havia feito cursos de Psicologia para poder aprender a lidar "melhor" com os "terrori.stas"~47. O próprio ex-comandante do DOI-COD1/SP, Brilhante Ulstrd, em seu livro Rompendo o Silêncio, no capitulo "Os J oveflS e a Subversão", comenta: "Enquanto os dias se pa.<;sal'am,o.ficUlis do Exército, alguns em» curso de Psú;o/.Qgia, iam entrel'i~tando esses rapazes e tnoças. Discutiam com eles os problemas bra.."íleiros,a su/Jversao, o terrorismo e suas conseqüências. OS 1i/!1VS e arligos /Jara leitura deveriam indUZi-los a uma profunda meditaçào e a olhar a lida sob outro ângulo,,24l) (grifos meus).
É pensamento corrente na época, dentro dos organL'mos de repressão, que existiam dua.-"icategorias de presos políticos: os "recuperáveis" e os "irrecuperáveis". Na Vila Militar, no Rio de Janeiro - onde muitos estão presos no início dos anos 70 -, evidencia-se esta distinção, Aos "recuperáveis" são atribuídas algumas tarefas; além disso, eles dispõem 247 Riscala Corbaje, um dos mais terríveis torturadores do DOI-CODJlRj, onde atuou até 197'5. Foi pela primeira vez denunciado publicamente, em 198'5, pelo Grupo Tortura Nunca MaislR). 248 illstra, B. Rompendo o Sllêncio. Brasília, Editerra, 1987, p. 273,
19';
de tnaterial de leitura e podeln~ inclusive, travar muitas conversas. Esta postura prende-se à tese de que quanto "melhor" se tratar Ull1preso político, menor será sua resi<;tência e maior será seu "amolecimento". Dela divergem alguns comandantes de ourros quartéis da própria Vila Militar, que defendem posiçlo conlrária, gerando por isso, por parte do grupo de familiares desses presos políticos - já em vias de organização na época -, forte pressão contra tais comandantes. A primeira tese -" do preso "recuperável" - muito difundida pela núdia e por setores militares, no início dos anos 70. vincula~se à figura do jovem estudante ele esquerda como "inocente útil" elo "terrorL<;tllO internacional". lJnu das autoridades que mais defende L'itO,na época, é o chefe do Estado Maior do Exército, General Antonio Carlos da Silva MuricFl'). Este personagem, em várbs entrevistas à grande itnprensa, destaca que: "o terrorismo se abastece nos nu-ios escolares do pa~~' a tônica é arn-gimentarjovens a partir do curso secundádo,- um sistema de COetraogarante a lealdade inicial do militante: a cland~1inidade e Dromiscua t' tirânica. os rapazes Su1Jnersil'Ossdo instruido.~ a desl'iarem as moça., do la,: a res/xmsabilidade ridos {Jai.'l ( ): a segurarlça conU'ça petu noçuo dos (Ü-'I.'lH·es indil'iduuis e se'llr'lna nos I-'atore.,moraL, e esjJirttuaü"!;)ü
MuilO convencido dt, que a "mel1lt' vence a guerra revolucionária"';"i', Murici - um dos porta-vozes do reginlC'nillitar - afirn1a que 2q{) () General rvlurici,anticumunislJ. ferrL'nllo, participou ativamente de alguns L'pisódio~ da hhtór!:l hrasikira, s<-·mpre,~ecolocando ao 1J.c1.) do cOn'ief':adorismo e da repressão. Em 1961, quando da Maior do 1IIExército, em Porto Alegre '-rXJsiciomnuorenúncia de )ánio ()uaJn "",L'rachdé J.:) 1'.<.Li<-b S'--' u)ntra a posse de J03.c>l ,oulo1rt,l),,-'sde 1()6;i,li n(l Rio de Janeiro, fez pa.rtt: do moviment() pam depor t-,ouwrt, J.trJ.h;S lte (;<101:110,<' com varios milít;lre,~golpL~l:lSque atu:lVJ.m \:'01<:'stn.:itaJiga<-'jo com u general d:l r(·:'';'rvJ.C,olhery do (:outo e SiJvJ.,<.'nti'k,à i'n'nte do IPES (lostitu({: Clo.~ i\':.quisJ. e t:,\tudo.." Socuis) que de<;t:'nv,)lviail11en.sJ.cam(XLOlu;mlicomunisla tunto ;lOSClrCU1(l" ('mpresdri:lis mnoc:ls e paulistas. l\lunci particlpou ativalllCniL'-do golpe militar doc'1%4 0.:, o.:st(Cm.:sm() ano, já como general, :ls...sumiu() comando da 7~ Região Milit:Lrem Recife, deslac:ando-se na luta contra as Ligas l:amponesas. Em J9()f),ch.:~ou a chefe do Estado Maior do F.x~rdt(), qUillldo teve seu nome na lis\J. tríplice par.1 pr('sidenk da Repúhlica, junto com o de Emilin Carr.lstazu I','lédici, que foi o e,~(ulhido. Permaneceu até novembro de l()7Q à frente do Estado !\hior elo [x .... ;rcito, quando foi para a reset\'a e escoUJido par:! a presidência dt ADESG (Assoda(io dos Diplomados da Escola Superior de (~uerrat fJn 1{)7I, Murici J.ssumiu d presidénciJ. do holdirl{!, Nova 1.ag,;:',Dados contidos in J3eloch, I. e Abreu, AA Dicionário Hist6rico - Biográfico BrAsileiro 1930-1983 - 32 vol., FGViR], Forense. IQ:t-1,L:'o'iO-Ll";2. 2'50 Reportagem intitulada "Murici AponLi Alid:1mento de Jovcns para o Terror'. In:JlJ - 19/0711970. 2";I Titulo de uma outra entrevista de Murici, puhlic:1d:t em OJomal- 08/11/1969
196
não há presos políticos, lTIaS crullinosos terrori<;ta..c; presos" c, ainda Cln 1969, faz a primeira de urna série de pesquisas entre presos políticos. 1 - A PESQIDSA SOBRE O PERFll. PSICOLÓGICO DO "TERRORISTA" BRASll.EIRO A primeira pesquisa é realizada em 1969, no Rio de Janeiro, a pedido do próprio chefe do Estado Maior do Exército, cujo objetivo é levantar, dentre o pessoal preso na época, o nível de escolaridade e as CJusas quc os Levaratn para a luta política. de 260 estudantes inten'Ogados no Rio, 80% pertenciam ao pn11U!iroano universitário, I S% ao segundo e 5% aos demais Uma análise do fenômeno, feita pelo mesmo órgão (um õrgão de segurança não ret.-'elado), apontou como causa,. essencwis do 2) d.escaso dos pais pelos proaliciamento: 1) desajllstes; blenuls thl mocidade.- .3) poJitização no meio escolar realizada por estudantes profissionais que despertam e exploram o ódio nos jovens, com ofito de impor-lhes um idealivno político, mestno temporário, 4) o trabalho de alguns maus professores, hábeis em utilizar a cátedra para fazer proselíJismo poJftico. "lSl (grifos meus).
Uma segunda pesqui,a realizada entre cerca de ';00 presos políticos - detidos em diferentes dependência., do Exército -, no inícío de 1970, também por solicitaçào do C;eneral Murici, investiga seus níveis social e de escolaridade. Declara o próprio general: ':.4grand(! maioria, a quase totalidade, l.'ra de elementos ligado" às organizaçdes terroristas (., J fvaquela ocasião o número de presos (no Exercito) subia a um pouco mais de ')00 A análisf?jeita permitiu a seguinle observação: 1) 56% eram e31udantesou {Jf?SSOaS que há pouco tempo havfam deixado a área estudantil. Sua proporçâo era de 33% e 23% respectil!tlmente; 2) a "nédia das idades dos presos atrás referidos era de 23 anos; 3) desses detidos, .20% eram de mulheres, ( ... ) sendo intere.ssante obseTJ!tlrque no Rio de Janeiro o numero delas atingia 26%, enquanto que no Nordeste seu numero chegava a 11% e, no Sul, quase não batia mulheres envolvidas na trama tetTOris/a- seu número não chegava a 2%. Esses dados mostram como realmente é grande o esforço 252 Reportagem intitulada "Murici Aponta Aliciamento de Jovens para o Terror". Op. de 197
subversivo terrorista na área estudantil brasileira, particularmente nos grandes centros, De outro lado, que o numero de mulheres alidadas ê maior nas áreas mai.'ipolitizadas do Brasil do ponto de uista ideológico. Outros dados interessantes levantados mostram que, naquela ocasião, apenas 3% eram militare'i refonnados ou cassados e 4 a 5% de operários nao-especializados, de nÍlJeJprimário. Subversivos presos naquela ocasido e provindos de atividades rurats eram apenas 4%, quase todos detidos no Parand. Camponês do Nordeste havia apenas um. Os demai.'i 32% dos presos eram constituídos por pessoas de condições sociais diversas, nunca, porém, de analfabetos ou mal-alfabetizados, nem de pessoas de condição miserável ou de poucos recursos. Isso demonstra que a maioria dos que ingressam no terrorismo ou na subversão ideológica é constituída por pessoas pertencentes às classes A e B, '111elbordotadas financeiramente "253
Estas eluas pesquisas, que demonstram a preocupação elos governos militares em conhecer melhor os "inimigos ela PátrLa" c retratar a juventude ele classe média que entra para a clanelestinidade e/ou luta annada, servem de base para a terceira pesquisa - a que nos interessa maL, diretamente - sobre o perfil psicológico do "terrorLsta" brasileiro, Nesta, haverá colaboração elireta elos psicólogos militares e civis ligaelos ao Centro ele Estudos ele Pessoal elo Exército no Rio de Janeiro, que ainda hoje funciona no Forte do Leme. As grandes questões que se colocam - elentro das subjetividaeles hegcmônicas na época - são: por que os filhos da classe média, ela pequena burguesLa, que têm tudo para ascender socíaimente e se tornarem, inclusive, ieleólogos elo capitalismo, estão indo para o caminho da contestaçlo a este sistema' Por que se tornam "terroristas", neganelo suas origens de classe? As causas não estariam vinculadas à "crise" da familia moderna? Não seriam esses terroristas jovens "elesajustados emocionalmente", com famílLas "elesestruturaelas'" Para poder provar essas hipóteses, que os altos escalões de repressão há muito vinham anunciando através ela míelLa,no segundo 253 Reportagem intitulada "Murici: Recuperar Jovens que se Desviaram ê a Grande Tarefa". [o: O GLOBO - 12./11/1971. Esta extensa reportagem (uma página e meia) traz m integra o pronunciamento do general Murici, feito a convite da Associação Brasileira de Educação do Rio de Janeiro, sobre o tema "O F~qtuchnte e o Terrorismo" Sobre () mesmo pronunciamento ver "Murici analisa Pesquisa com Subversivos Presos" ln:JB - 12/1] /1971,
t98
Selllestrc de 1970 é realizada, exclusiv3.tnente no Rio de Janeiro, unla terceira pesquL,o entre 44 presos políticos Visanelo estabelecer o perfil psicológico desses lnilitantes politicos, esta. pesqui"a consta de duas partes. Na primeira, um extenso questionário COHl cerca de :; folhas datilografadas apresenta pcrguntas disserLativ:1s sobre a infância, a adolescência c o rebcionanlento fantiljar. Uma verdadeira anan1l1ese, na qual, dentre outras coisas, se pergunta: nome, idade, sexo, filiação, grau de instruçào; como foi feita a escolha da profissão; como se envolveu em política (por algum namorado, na faculdade, etc); se teve muitos namorados; se teve experiências hOl1l0SseÀ"llaL., na In.fincia e adolescência; se alguma vez utilizou algum lipo de droga, como a maconha; como é seu juntos, por tcmperaluento; COlHO é :1 situação Janüliar (seus paL'i111oral11 que se separaram, se dão bem ou brígam na frente elos mhos, qual a pessoa de sua família maL" importmtc, etc.); qual a relação com os iJIl1.1.oS c se há algmll envolvido em política; se mora com os pai", ou por que saiu de cosa; se é casado, se tem mhos; o que pensa fazer após a libcrtaç'ão, etc. Sobre esta primeira parte, a análise feita pelos oficLais c "psi" envolvidos mostt:l a seguinte tahuhçào a quatro pcrgunt3.s contida.') nesse (lU cstic)n:írio';"": Quadro 1 Situa9ão
da família:
Pais separados "'''''''''''''''''''''''''''''''''''''' Carência de afeto na família Problemas de familia .,
,.,.."
Família normal """,."""".""",,.,,"",, Não responderam
, ,.,..,.,."""""",
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01
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2';4 Dados contidos na feporta,R:L'fi ".Murici: Rt'cup('rar ./owns que se Desviaram ~ Op dt
199
06 04
30
:1
G'..lnde l'arda".
'Telas respostas obtidas uerificu-se logo a importllHeia do hlr na vida do~ jovens e o apoio que ele lbe~ proporciona. Foi grande a falta de respostas ao item do Quadro J, mar; sequase um terço d
Quadro 2 Ocasião em que ingressaram na subversão: Após sua formatura
02
Na Faculdade
24
Na entrada da Faculdade
05
Durante o 2° ciclo secundário
09
Após o curso secundário
02
Não responderam
02
Utilizando os dados obtidos na primeira pesquisa em 1969 levantamento do nível de escolarídade entre os presos políticos no Rio de Janeiro -. os órgios de repressão e os "psi" que com eles trabalham chegam à "brilhante" conclusão de que:
Quadro 3
e nos períodos que imediatamente antecedem e sucedem a entrada na Universidade que se verifica a maioria dos aliciamentos. ()final do curso secundário, o período de pnparo para o vestIbular, o inicio do curso UniV(;7'sitário,talvez por atíngirem um perfudo em que ojovem procura .firmar sua personalidade. deseja mostrar que jd é adulto em ~lUls idéias e capaz de decidir por si mesmo, é a fase em que mai.r;jàcilmente se deixa conduzir, embora julgue, muitas vezes, que estâ conduzindo "Z% (grifas meus),
Forma ou razão por que foram aliciados: Por envolvímento progressívo
26
Por ligações afetuosas com elementos da esquerda (todas moças)
04
Por estudos e reflexões pessoais
08
Por necessidade de prestígio
01
Induzido por colegas
01
Não responderam
04
Quadro 4 Que pensam 'azer após a liberta9ão: Voltar á Faculdade
03
Voltar á vída normal
14
Retomar á família (moças)
02
Não vêem como possível sua reintegração
02
Ir para fora do país
01
Continuar a luta revolucionária
03
Não responderam
19
Ainda na mesma reportagem, Murici, "analisando" as respostas dadas a estes quatro itens do questionário, declara que: 200
Psicologiza-se, enfatiza-se o privaelo em detrímento do público, fortalece-sc a crença na "crise- ela famma, sua rcsponsabílidade e culpabilidade pela situação elos flUlas. A scgunda partc elesta pesquisa sobre o perlil psicológíco do "terrorista" brdsileiro é a aplicaçào de uma bateria eletestes: de aptidões, dc ínteresscs, de nível mental (Raven) c ele pcrsonalidade IRoscnzweig e Rorschach), Um verdadeiro psicodiagnóstico é, pottlnto, construído. Todo este processo é reali7~do por "... olkíal com curso ele especialização no Ccntro de Estuelos de Pessoal elo Exército Ie) os resultados foram examínados por psicólogos clv", observa o General Muricí,que logo a seguir relata os resultados: ':-"dos 41 examinados, 32 f73%i fomm considerados como indit'íduos com dificuldades de relacionamento, ou escasso interesse humano e social, ou ainda de dJjkil comunicação humana, em suína como pessoaç "d~ficeis".-- como imatura .•• foram assim considerados 23, dos quais cega da metade estavam 2'5'5 Idem. 2'íú Idem. 20t
incluídos IS/C! no grupo de d[ficil relacionamento humano,- - 18 foram íncluidos no grupo dedesajustados. sendo que 3/4 dos mesmos pertenciam ao grupo dos "di{u:eis",- praticamente todos osinseguros (8) e osinstdveis (7j estauam no primeiro grupo. Isso mostra que especial atenção e tratamento der'em ser dados aos /ovens que apresentam um relacionamento d~(fCÍl com seus companheiros. Tudo indica que sof''l?mde comple:ws que os lelJam, por esse ou aquele motÍll(),a atitudes de luta contra a sociedade e o meio em que vivem ( ... ),-serào sempn! desajllstados c, assim, criaturas infelizes" 2'i' (grifas e aspas presentes na própria reportagem).
Patologiza-se, assim, aqueles que se lançam na resLstência contra a ditadura militar: são doentes e é precL,,) tratá-los. Tanto que o deputado Cardoso de Menezes, naquele período, elogia o trabaU10feito pelo General Murici e diz: .. (é necessán'aJ uma psicoterapia ocupacional, pai .• urge dar trabalho à Juventude desocupada, que se dei.xa erwol/!er pelos agentes profissionaiç da subversao: incentivar inicíatil'as: como o admirável Projeto Rondon, a Operaçào--:Mauá, os trahalhos do Crutac da Universidade do Rio Grande do Norte, e outro ..• semelhantes f., ) Isso porque é curioso que os chefes da subversào trahalhem maís entre os que mw necessitam lutar pela uida,entre os filhos de hurgueses, num tidos geralmente pelas mesadas paternas .,~
A aplicação dos testes é precedida por uma entrevista individual, em que são feita..<;; perguntas muito semelhantes às do questioná.rio anteriormente respondido. Isto em alguns ca..C;;OSj em outros, os testes
aplicados não contam com a presença de entrevistadores. Nestes casos, posteriom1ente, as pessoas são chamadas para explicar algumas respostas dadas, especialmente no teste de Rorschach. Pelo levantamento que fiz, esta pesquisa é realizada em vários quartéis da Vila Militar,no DOI-CODI/Rj e no IICE, onde estão recolhidos algum presos politicos. Muitos se negam a respondcr ao questionário e são novamente transferidos para o DOI-CODl/Rj, como forma cle intimidação, ou vão diretamcnte para a tortura. Isto é confirmado pelos ex-presos políticos entrevistados, embora o Gcnetal Murici, em pronunciamento ã grande imprensa, naquela ocasião, afinne quc os 44 presos "7 Idem. 258 Reportagem intitulada "Deputado elogia entrevista de Murici".In:]H de 26/07/1970, 202
políticos "voluntariamente"
se sublnctcram
aos testes c ao questionário
propostos. :'Ja entrevista realizada antes da área de testes. alguns "entrevistadores" dizem para os cx-presos políticos que se trata de tentar estabelecer sua "curva da vida". De fomla tria, impessoal e distante, todos iniciam a enlrevi."ta afirnlando que não trabalham ali, que tudo o
que o preso político disser será mantido em sigilo e que não será divulgado. Além disso, procuram saber como haviam se sentido durante a tortura, como tinham rcagido, se aquelas punições tinham valído para alguma coisa esc cstão arrependidos pelo que fizeram. No momcnto da referida pesquisa, alguns presos políticos, que a ela foralll submetidos.
concluem
que se trata de um levantamento
psico-
lógico. justamente por serem fillJOsda pequena burguesia, muitos torturadorcs não hesitam em dizer a eles quc não cntendcm por que tinham se tornado "terroristas". Esta preocupação, segundo alguns, talvez viesse após o Congresso da tiNE, em Ibiúna, em 1968: dos estudantes presos, cerca de 99% eram de classe média muJOs de senadores, advogados, médicos c altos oficiais das Forças Armadas). Confonne já mencionamos, somente no ano seguinte é que se verifica a primeira pesquisa sohre o tema, quando se faz, no Rio cle Janeiro. um levantamento sobre o nível
de escolaridade dos presos políticos. Estas pesquisas
mostranl nào apenas uma necessidade
por parte
da rcpressão de conhecer melhor os militantcs políticos e traçar o perfil daqueles que estão sendo combatidos, mas, também - bem de acorelo com as subjetividades hegemôniGl$ na época - difundir na sociedade em geral e nas famílias ele classe média, cm espcciaL a crença de que seus t1Ihossão "desajustados", "desequilibrados" emocional e socia~nente e, portanto, "doentes", precisando de tratamento. Em suma, elas - as fanúlias - são as principaL') responsávei..:;; pelos transtornos que esses jovens trazenl para a nação que quer "se desenvolver enl ordeln c em
paz". Esta posição é explicitamente enunciada por álguns comandantes de quartéL, onde estão os presos politicos. Afirmam que fulana é "subversiva" porque seus paL, são separados; beltrana, porquc não havia conhecido sua mãe e tem uma madrdsta da qual não gosta, etc. A impressão que têm algum desses presos políticos é a de que os resultados 203
do "perfil psicológico" tinham sido levados ao conhecimento dos responsaveis pelas unidades onde estio detidos, para que estes possam nlclhor "conhecer" c "lidar" com os presos políticos sob SU3$ guardas. Tal fato é apresentado para o grande público como uma preocupa\.~ão paternal com relação aos jovens que estão sendo conduzidos para o caminho do "mal" e ela "pcrdiçio". Compreende-se, assim, porque is vésperas da liberaçio de algum prcso politico (demonstra,'io inequívoca de que ele é Ull1 ser "recuperável", vL<;;;to que não pem1at1CCeU preso) seja comum a realização de uma entrevista COIl1 alguém que, dizendo-se psicólogo, paternalmente aconselha o jovem a se "reinlegrar" na sociedade, afirmando a boa vontade dos militares. 2 - OUTRAS PARTICIPAÇÕES "PSI" Além da participação nesta pesquL,a sobre o perm psicológico do "terrorista" brasileiro, há numerosos outros casos de atuação "psi" que respaldaram o reginle de terror que se irnplantoll no país. Todavia, por fugirem um pouco ao tema deste trabalho, serio superficial e panoramicalnente aqui abordados. Os principais casos referem-se aos laudos psiquiátricos fornecidos a inúmeros presos políticos. Há, por exemplo, casos conlO () de Ivan A. Seixas - preso C01l116 anos em Sio Paulo, em 1971 - e César de Q. Bcnjamin - preso com 1') anos enl Salvador, em 1971 --' que, justanlente por serem nlenores, são encaminhados a psiquiatras para avaliações e exames de sanidade menta]'''. Ilá, ainda, o caso de Regina Maria Toseano Pereira, cujo laudo psiquiátrico, enlitido quando ela é posta em liberdade condicional, em 197:), rcconlenda lIlll tratanlento de base analítica. Muitos outros casos ocorreram: ver, por exemplo, os vários laudos psiquiátricos citados no livro Brasil Nunca Mais"", que mostram nili2'59 Sohre o.'; dois casos, consultar, respectivamente: aI Relatório Lrimino16gico nº CCIT~D-67/74, reJerente ao internado Ivan Akselrud de Seixas, do DepMtamento dos Institutos PenaL~do Estado - Ca.'lade Cu.<;tôdiae Tratamento de Taubaté _Documento qw apf('scnu IHpagilLlS datílogr.llacb.s, contendo .-hdos da anamnese feita e dos resultado.~ dos testes realizados b) J.audo de Sankltde :\fcntal, realizado em César Q. Benlamin, em 10/11/"71, no Instimto Médico Legal do Rio de janeiro, de nO;> ()()4'79B3'5 2f:/! Arquldiocese cL.:Sao Paulo_ Hra.••U Nunca Mais. Rio de Janeiro, VOZL'S,198'3. ~spL'cialmcntt' os 204
damente - eal alguns casos - 3S violentas marcas psíquicas que as torturas deixaram em presos políticos. Neles, 0,'-1 psiquiatras das Forças Arnladas registratll estas marcas c alguns, de 1'01'1naaté honesta, fazem referência às torturas sofridas pelos luililantes. Em outros casos, rclat3.111se os estados psíquicos "con1'usionais" c/ou "paranóides", "'reaçücs primitivas de regressào e conversào histérica". etc de alguns presos políticos, SC111 haver qualquer nlen~~io às torturas intligidas a eles. A omissào c a conivência são totais. Poderiam muitos argumentar - c isto tem ocorrido uitinlal11ellte, quando algumas entidades de Direitos Ilumanos denunciam os proJl,sionah5 que colaboraram com o aparato de repressão ~ que estes "psi" estavam apenas cUll1prindo ordens ou desenvolvendo um trabalho COll10 qualquer outro. Muitos, inclusive, eram otkiais das FOI\,~asAnnadas aos quais eranl encJ.nlinl1ac1os os presos político.s para que fizessem uma avaliaçào psiquiátrica. Estavam, POltllllo, apenas executando seu trabalho_ Entrementes. sabemos que, se n;lOhouvesse prot1ssionah'"- qlla~.•• quer que sejam eles. em qualqucr área - aptos a prestar, voluntariatnente. seu respaldo teórico/técnico ao 3paralo de repressão, este nào leria funcionado t:lo bcm quanto funcionou Em todas 35 ditaduras ialinoamericanas e durante () nazismo, o regime de força só conseguiu se sustentar por tanto tempo porque exh.•• tiram profissionais que, empregando seus saberes, deram apoio ao terrorismo de Estado em diferentes setores c áreas. Por isto. a máquina perversa ptlde se manter a:zeitada e funcionando. Corno nào acredito no mito da neutralidade científica e no de qualquer outro tipo de neulrdlidac!e, assinale-se quc tal' prolissionaL, foram cCinlplices com o regu11Cde terror ou no núninlo, coniventes com a máquina mortífera que se abateu sobre o país, sobretudo após 1968. E por que coloquei to(h .••essas inronna~'()eS como um último item dentro das práticas psicanalíticas? Porque principallllente a pesquh'ia sobre o pernI psicológico do "terrorista" brasileiro - apesar de todo o referencial psicométrico dominante na época - utiliza alguns conceitos c cxplicaçôcs psicanalíticos. Vide os testes projctivós de personalidade aplicados: Rosenzweig e Rorsehach. Estes testes nasceram em solo leórico ,;;apitulos 16 "Cofl.
20C;
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da psicanáli'ie, e as interpretações de seus resultados baseianl-sc amplamente em idéias e tcori3...-'i psicanalíticas. O teste de Rosenzweig procura levantar COl110 as pessoas reagem a situa't'ôes de frustraçio, para onde dirigem sua agressividade, .se a reação é "adequada" ou não - se está orientada no sentido da resolução do problema colocado -, etc O teste de Rorschach é Ut11 exame estmtural eia personalidade, oferecendo Ull1 amplo panorama em seus resultados. desde uma visão do nível e da capacidade intelectuais. até os ~l'ipect()Safetivos, em seus relacionamentos no contexto da personalidade. É um dos testes mais empregados na área dÚ1ica, especialmente para psicodiagnóstico e outras Hnalidades. Todos estão dentro de uma abordagem psicanalítica positivL,ta. Não desejo entrar aqui em detalhes sobre oS testes utilizados na pesquisa lnencionada. tampouco analisar criticamente o seu uso em geraL embora os considere como poderosL'isimos instrumentos de poder no sentido de marginalizar, rotular, estigmatizar c normatizar, porque Jügiria ao assunto deste trabalho. Alguns aspectos, contucio, merecem maior atenção. O principal diz respeito à situação em que a referida bateria de testes c os laudos de "sanidade mental" foram realizados: pessoas presas, algunlas i..,oladas em celas solitárias. outras sofrendo grotescas e constantes torturas físicas c psicológicas, sendo, em suma, violentadas no cotidiano da prisão. E ainda se esperavam peifbnnances - C01no se diz no vocablurário psicométrico - e respostas "estnlturacL1..c;;", "orienL.'1das'· e "equilibradas". E profissionais "psi" colaborando com este quadro dantesco, fornecendo seu aval teórico/técnico par'.l justifil"4rque aqueles que resistiam à sanha assassina de um Estado de terror eranl desequilibrados, desestruturados, doentes .. Estas são, portanto, situações anali.o:;adorasc exemplos extremos de como algumas priticas "psi" nos anos 70 colaboraram, efetivamente, para a manutenção e o recrudescitncnto das subjetividades hegemônicas que sustentaranl em muitos aspectos o estado de terror que se abateu sobre o país. Entretanto, algumas outras priticas "psi", de outras formas, continuaram produzindo e fortalecendo estas mesmas subjetividades, modelos e dispositívos) como tentarei mostrar no decorrer deste trabalho,
206
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CAPín rrD III
As
PRÁTICAS PSICODRAMÁTICAS
Adentrando ainda maL, no terntoflo "psi", vamos acompanhar nos anos 70, no Brasil, o nascimento e expansão de outras práticas que, paulatinamente, irão competir com a psicanilL,e pelo mercado "psi". Todavia, apesar da competi\:ào e das críticas feitas às priticas psicanalíticas, elas continuam detendo a hegemonia nesse mercado. As primeiras que se colocan1 como "alternativas" ao mercado monopolizado pela psicanilL,e são as práticas surgidas da instituiçào psicodramitica.
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No Brasil o psicodrama tem, no início dos anos 70, a funçào pioneira de se colocar como "alternativo" à psicanáli.':le e, sem dúvida, abre caminho pora que, na segunda metade dessa década, outras práticas psicoterapêuticas tentem romper com o monopólio psicanalítico. Embora não fazendo parte do amplo movinlento que, nos anos 60, sacode principalmente os Estados Unidos - o chamado Movimento do Potencial Humano' -, o psicodrama tem com ele pontos comuns: o rechaço à psicanilise e a ênfase no enfoque grupali'ta. Dentre os qucstionan1entos feitos, à época, por este movimento e çom o qual o psicodrama, em seu início, em São Paulo, concorda, estão: a resistência à terapia centrada exclusivamente na fala e a crítica aos especialL,mos o Movimento do Potencial Humano, em seu ruL.<;ecdouronos Estados I Inic!o,';,sua expansão por alguns paises europeus e, posteriormente. sua vinda para I> Brasil, sera melhor estudado no Capítulo [V sobre as práticas surgichs Uesst;'movimt:nto_
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estes encarnados no lugar ocupado pelo analista, representados por rigidez, autoritarismo e onipotência presentes em sua postura, sobretudo, pelo poder de sua "escuta" e o monopólio que faz do saber "psi" Tanlbém são questionados os altos preços cobrados, não só na formação analítica COIDO nas sessões terapêuticas. Segundo Annc ..Ancelin Schutzenberger, o psicodrama traz o . _direito de cidadania ao corpo humano", quando o sujeito sai do divã e pa,';;.';;a a atuar, a utilizar seu corpo para mover-se c interatuar com o
que explodem, em 1968, em diferentes partes do globo. O movimento contracultural
/\ contracultura nasce nos Estados Unidos nos anos ':;0e atravesS:l a década de 60, Ll$cinando boa parte da juventude de classe média européia e latin(Hlmericana, No Brasil, seu ápice é o ano de 1968, que tenta inaugurar um novo tipo de militância política.
Dentro de um momento hL.,tórico - já apontado - em que a denlanda "psi" se difunde cada vez mais, a ascendente classe média se alimenta d~., subjetividades hcgemônicas voltadas para o privado, para o intimismo com relação a toda (' qualquer difkukbde por que passa, e no qual a ênfase maior recai sohre a "terapelltiza~~ào", outras, práticas "psí" comcçun também a ser 1(,rjad'l,',apesar ck)monopólio ch psicanálise.
C01l10 já foi assinalado, essas "Gtllladas m~dias" expandem-se, desde os anos ':;0, com :1 industrializa\.'áo c a crescente urbanização, cultninanclo nos 70 com () "milagre brasileiro", que produz novas demandas de consumo - dentre elas, a das terapias_ () amplo tncrcado psicotcrapêutico, monopolizado pela psicanálise, começa efetivamente a ser disputado pelo psicodr:J.ma.. Se as práticas psicodralllática ..~ não se inscrevem diretamente no chamado Movimento do Potencial Humano. elas certalnentc se in.serem no grande m(wimento de contcstaçào mundial conhecido COlno contracultura, que ir3 engrossar as diversas manifestat;;ôes contestltória ..'i 2
SChut7.L"nbérf:ér, A.A. Nuevas Tcrapia.~ de Grupo_ Madrid Pirâmide, 1986 Alvc.~. L.!L Instltlúçào Psicodramática: G-ênt'.'ic d(" lima Escola_ 1)i.s."crtaç:iode M<:,slrado\lSI', I L)dR,p. lk 2.0R
-
por muitos como:
uma utopia (_,) l'ü'Ída por minorias sociais, normabnente jOOerlS, f?tnjx'11hados em práticas. num efêmero e /m?Cá"io aqui e agora, num cotidiano dzjerente da rotina caDitalista de trabalho/lazer, com todos os seus corolários ~xploração, com.petiçào, morali.ymo, neuro.'\L-"', paranóias, poluição, etc ':4(grifos do autor)
outro.'"
'() psicodrama, até .f)or suas pmpo5.içoes metodolõgicas, pode atl'nder a estas e.'\igéncia..<;; ei.tge o trahalbo gmpal, /)ressupõe menor numero de sessoes, o informalismo, critica a abordagem pSicanalitica, l-'ia1Jiliz-uuma formaç'ao mai." rápida e necessan'amente menos onerosa Pode-w:, afirmar, inclusil.te, que o j).)fcodrama se di."punha. em suas or'lRens (no Brasil), a romper ('om o acc,••. m eUti.r.'taã p,>ícanáliile,a ahrir e viabilizar um espaço de clientela - profi~wionais e pacientes - para as "camadas medias", criando um e•.paço/auo1"iwel a sua uiahilizaçilO"",
é considerado
(/I/OS Rstado.'· Unidos), os Pioneiros desta reh(4ião íwxmil"áo os mu.)fcos, jJoetas, arli.<;ta..<;,'drop-out<;" r ) que pa..';,sam/Jara a bi.<;t6riasob o rotulo de "Bem Generution" "[)rop-ou'-,,'~porque decidem desahitar o ,üstema. assumIr uma not'a prática e:'Cistenc{al,arli.r;tú..-:a (' poluica "',
Esta fonna de viver, no aqui e agora, uma vida diferente, a..c;;sumicla pelos chamados hi!Jpies- como regcstrado no Capitulo 1- é um caminho de resistência, na época, à produção de subjetividades heg-emônicas, tcntativas de forj:lr singularidades, que, a partir do inicio dos anos 70, vão sendo capturadas, assimiladas pelos dispositivos e pelo "sistelna." que tão radicalmcnte conlhateram. Não somente no Brasil mas em termos mundiais, 1968 é o clímax do movinlcnto contracultural-a utopia é vivida por quase meio nlilhão de jovens no Festival de Woodstoek, o último grande eco da conlr,lcultura. Os vários questionamentos apresentados - desde a sociedade de consumo até as tradicionais organizações familiar e sexual - ecoam pelos quatro cantos do planeta. Outras conccp\:ôes sobre a vida, a sociedade, () hODlem, a família, os diferentes relacionanlentos humanos e sexuais ganhanl muitos adeptos. Algumas forl11:ls, também, de se pensar as terapias começam a aparecer no rasrro de todos esses questionamentos; formas "alternativas" que possam fugir da hegcmo .. nia psieanalitiea, de sua totalização, hierarquização, espeeialismos e
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Bueno, A.L.L Contracultura: 1978, p. 101 Idem, p. 02.
As Utopias em Marcha_ Dissen:ação de Mestrado - pue/R),
209
autoritarismo, Assim como se tenta criar outros modos "alternativos" de viver a vida no planeta Terra, escapando à dominação capitalista, busca-se também conceber novas terapias "alternativas" que fujam da dominação psicanalitiea. É isto que as práticas psicodramáticas no final dos anos 60 e início dos 70 e, posteriormente, as chamadas "alternativa..c;" tentam produzir no Brasil. Apesar de pretender realçar a produção das práticas psicodratnáticas no eixo Rio-São Paulo e as instituições, os dispositivos e os saberes que vão sendo instnllnentalizados e forjados por elas, não posso me furtar a levantar alguns clados da história instituida do psicourama no Brasil, Da mesma fonna que fiz conl as práticas pskanalíticas, tatubém aqui exporei brevemente - à guL"iade maiores informaçôes e, quem sabe, novas releituras - a história de algumas das Sociedades psicodramáticas instituidas nos anos 70 no Brasil. Dentro da história do psicodf'dIna no Brasil,se o seu avanço se localiza na déGlclade 70, não se podem ignor.1falguma, de suas intelVençôes pontuai, - desde os anos 306 No entanto, foram experiência, totalmente esporádica" fC'.ilizada,pela, pessoas em seus IOGli,de n'lbalho e que pouco acrescentaram à sua expansão, Mesmo 3.."iexperiências desenvolvida.'.;por Pierre Weil, em 19'í'í, com psicodrama apliGlcloao treinamento, no SENACdo Rio dc Janeiro, e o trabalho clínico, iniciado por Norma Jatobi em 196ü, em seu consultório na ciclade de São Paulo, foranl interven~iSes isoladas. Ainda nos anos 60 há algumas tentativas de se levar, de forma aleatória a alguns estabelecimentos, a proposta psicodrAmática, como, em 1961, Célio Garcia, no Centro Médico Pedagógico de Minas Gerai,; em 1962, Flávio D'Andrea, no Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USPl; em 1 96'í, Pierre Weil, na área de Recursos Humanos do Banco da Lavoura de Minas Gerai,; em 1962, Iris Soares de Azevedo em sua clínica privada em São Paulo, quando reúne algum'L' pessoas para o estudo do psicodram.3., .'.., figurantes, todos, dos acontecin)entos posteriores que vão marc.ar a institucionalização do movunento psicodramático no Bra..')il""7. 6 7
Citacbs por l'ierre Weil in Psicodr.una. Rio de Janelro, CEPA, 1978. A.1vc.'>, L. H. Op. cil., p. 81. Todos t.'S5eS acontecimentos sao citados também por Navarro, M.P. "Caminhos e Descaminhos do Pockr no Psicodrama no Brasil", In: Aruds do VI Congresso Brasileiro de Pslcodrama. São P:l.ulo, FEBRI\P, :-/ebt:l, 248--2')6, p. 248.
210
É cm São Paulo, a partir de 1965 - auge dos movimentos estudantil c contraculturAl no Brasil -, que o psicodrama começará, gradativalllente, a ser implantado de 111odo tnais efetivo, Por ter uma hist()ria bastante diversa. enl São Paulo e no Rio de Janeiro, discorrerei separadamente sobre esses doi') espaços,
I-
SAMPA E O PSICODRAMA
Em 1967, por oca.,ião do V Congresso Latino-Americano de Psicoterapia de Grupo, realizado em São Paulo. alguns médicos psiquiatras assistem no TUCA a um psicodrama público, dirigido por Jaime Rojas BemJUdez'. Na mesma ocasião, Bermudez é convidado pelo Serviço de Psiquiatria e Psicologia MédiGl do Hospital do Servidor Público Estadual pam dirigir ali outro psicodrama público. "Essesdois trabalhos (, _)proo(Jcam grande impacto na ocasião
(. _),pois pela pn'meim vez sefaz realizar um psicodrama público em Sdo Paulo, e, pela p,"úneira vez, se /lê alguém ser tratado psicoterupieamente em .!Júblico Nesta epoca ( ) estâo começando a ganhar imjJuLm no pais e em Sao Paul.o as te,'apias de grn/XJ .. t,
1 - O GEPSP E O ·SUCESSO" DO PSICODRAMA Os Doutores Osvaldo Dante, Milton Di Loreto e Michael Schwarzschilcl, ligados ao Hospital do Servidor, convidam Bermudez para um curso de duas semanas com vivências, seminários e discussões sobre psicoclrama em sua clínica particular ele psiquiatria infantil, a Enfancel". Em fevereiro de 1968, realiza-se o curso, que tcm uma grande 8
9 10
J. Roias Bcrmudez foi o primeiro latino-americano - era colomtliano <:' rarucac1) na Argentina, de.'lde 194'5- a ler o títuJo de Diretor de Psicodratn:l conu'dido, em 1963, pelo Instituto Moreno de treinamento em psicodrama, hmcbdo em lC)."6,por Jacob L Moreno, em 8eacon, no estado de NoY3.York. Ao voltar à Argentina, funda, no mesmo ano, a Associação Argcntina de Psicodrama e Psico1erapia de Crrn.po, a primeira na América Latina. Navarro, M.P. OI' cit., I'. 248. A Clínica Enfance, além de propiciar g-rupos de estudo sobre o psicodra.ma. inicia também uma experiência em Comunidade Terapêutica que percorre, podo menos, a primeira metade dos anos 70.
211
procura (sào organizadas três turmas). Devido ao número de interessados e o desejo de continuar o trabalho iniciado por Bcrmudez, decide-se organizar um tLlrSo de formaçào cnl psicodrarna. Cria-se uma comLssàoJ1 que tem a finalidade de congregar pessoas interessadas nesta formaçào e, assim, constitui-se o Grupo de Estudos de Psicodrama de São Paulo (GEPSP), que funciona de ]968 a 1970. A repcrcussào da proposw de um curso s,stcmático de psicodrama é grande, pois em São Paulo. nesse período: a demanda de cu.rsos de e!JjJecwlizaçüo em psicoterapta (' imensa, ( ) apesar defd existirem dOl'ioutros cursos de (ormaçao f ..) fora o da SBPSP o doSeder; e o da 'lociedade de Psicoterapia de Grupo. ( ) o que re1.'ela o anseio de um grande numero de profissionai'i por uma especialidade e que ndo encontram respostas nas i/1...'ltiJlliçõesjormadora~'I'ígc"11t('5··'Ji.
Entretanto, os cursos do Sedes e da Sociedade de Psicoterapia de Crupo de São Paulo nào conseguem compelir no tnercado ··psi" paulista com a hegcmonia da SBPSP na formação em psicoterapia. Somente em 1975 - como já toi mostrado no Capítulo 11, itcnl V1 - o curso de Psicoterapia de Orientação Analitica do Sedes (com Robcrto Azevcdo c Regina Chnaidermanl fará alguma sombra à forma"ão analítica "oficia!" ~a época, portanto, a grandc procura pela formação cm psicodrama associa-sc, indubiwve]mente, à busca de "outras" fOfius de terapia, fornlas "alternativas" à psicanálise, o que mostra U1113 oposil,;ào à formação da SBPSP por parte de uma parcela de profissionais "psi" paulistas. Já vimos no Capitulo anterior, na segunda metade dos anos 70, que, em São Paulo, surgc unu série de outros grupos "psi" que começam a romper com o monopólio da SBPSP. Todavia, na década dc 60 c na primeira metade da de 70 sua hegemonia é absoluta. Desse modo, o psicodratna, naquele nlomento, é um precursor desta nJptura, ajudando, também, a preparar o terreno para que mais tarde ela viesse a ocorrer. de formação de (Em 1 968), não e.tistem alternativas terapeu.tas que não seja a Sociedade de Psicanálise A perspectiva 11
12
Esta comissão é formaru por Laéroo de Almeida Lopes, Antônio Carlos M, Cesarino, Pedro Paulo Uzeda Moreira, Jose .Manoel D'Ale.'lsand.ro.lri<; SO:lfesde Azevedo, Alfredo Correia Soeiro .•\1ichael SchwarzschOde Deocleciano Alves. In: ~avarro, M.P. Op. cit., p. 249 Alves, l.H. Op. ciL p. lOÇ 212
do novo, a curiosidade, o desejo de ampliar horizontes, de enriquecimento na formação dos profissionais de saúde mental atrai muitos terapeutas para o psicodrama, como a "grande alternativa" 13•
Além das fIlas que se formam às portas da SBPSP - fato motivado pelo pequeno número de didatas, conforme já se assinalou no Capitulo 11- e os preços inacessíveis para muitos jovens "psi" de então, há, sem dúvida, o desejo por uma outra forma ele psicoterapia, mais flexível, mais democrática nas questões flnanceiras, burocráticas, organizacionais, morais, sexuais e que utilize o enfoque grupal. O psicodrama, em seu inicio, em São Paulo, vem preencher Wis aspirações; elaí, seu grande sucesso. E, tão logo o GEPSP se impõe como uma "alternativa" para a formação "psi", a SBPSP - principalmente após o Congresso no MASP, em 1970 - exerce algumas "pressões": Antonio Carlos Cesarino, há tempos esperando ser chamado para a formação nesw Sociedade "oflcial", tem uma acolhida pronw e inesperada e Deoc1eciano Alves que participou da comissão organizadora do GEPSP -, mais tarde, abandona o movimento psicodramático para tornar-se presidente da SBPSP, em 198714. O GEPSP emprega como estratégia ele formação o mesmo tripé que as Sociedades "oflciais": terapia, seminários e supervisões. Esw é a proposta da Associação Argentina de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo, fundada por). Rojas Bermudez. Textualrnente, ele afirma: ..... organizei o Instituto de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo, dentro da Associação Argentina, seguindo o modelo da Associação PskanilJJtka Argentina. De acordo com ele, os titulas de Psicodramatistas dependerão do Instituto como organismo docente da A."5ociaçâo,,15(grifas meus).
Tanto que o GEPSP é filiado à Associação Argentina de Psicodrama e Psicoterapia ele Grupo e só poderá se constituir em Sociedade ou associação quando tiver um diretor brasileiro formado em psicodrama. É o mesmo esquema utilizado para que um Study Group seja reconhecido pela IPA: haver um didaw. 13 14 1'5
Cesarino, A.C. et alll. HIstória Geral do Psicodrama. São Paulo, 1974, mimeogr., p. 03. Dados fornecidos em entrevista por A.C. Cesarlno a Ui. Alves, In: Op. cit., p. 111. Bermudez,).G.R.lnt:roduçãoao Pslcodrama. São Paulo, Mestre)ou. 1977, p. 142.
2t3
Ainda que Bermudez copie o modelo ele forma,ão da APA, para a Associaçào Psicodramática Argentina acorrem muitos profIssionaL" interessados em outras práticas, maL"aberl~l<), maL')flexíveis, que possam enriquecer suas alua~ües gnlpai<;/institucionais. Enlbora não rompam com a prática psicanalítica, muitos elesses profissionais a partir de 1968como já comentado no Capítulo anterior - passam a fazer parte do que ficou conhecido COlUO a segunda geração ele argentinos. E iniciam um movitnento de contesta\'ão a alguns aspectos elas práticas analític..'18 c às sua..c;;instituições. Dentre eles, destaca-se E. Pavlovsky. companheiro de BemJudez na Associação Psicodramática Argentina que, também bzendo parte do Gmpo I'btal')flna - dissociado, desde 1971, da AI'A-, empenhase pela politização do movitnento psicodramático argentino c latU1()anlcricano. Contudo, esta vertente do psicotirama pouco ou qua.<;cnada irá influir na form:H,,';lOdos psicodramatistas brasileiros, especialmente oS paulistas e cariocas. A vertente que se impõe, imediatamente em São Paulo, é a de J. Rojas Bermudez. "() mol'imenfo /Jsicodramático L .. ) em Sao Paulo, alraf'(!s do nasce agregado a um mOl'Ímento mundial de dL••.. w:'minaçàó do /Jsicodrama qUl', centralfzado parI L Mort~o alma!." o "Instituto ,Horeno" e de uma da instituiçao formadora instituição nomUltizadora o "lFodd Center'; implanta SutL, hases hrasileiras atra/y:,s da escola arp,cntina Fato é qu(;' o pn5prio Bermudez. assumindo as (unçóes de líderança elo m01.'im(~to psicodramatico na América Latina com que ;Wore-nolh(;'imoestira, propoe a organizaçào di' um curso regular de lJsicodrama no Rrasil"lú, GHPS1~
o lTlercadolatino-americano psicodr.:ull..'Ítico, por intennéclio do Bra..<;;il, abre-sc a p:utir de 1968 P"',l Bennuelez, blo que, posterionnente, contribuirá para que ocorram glJ.odcs rachas no movimento psicodramático mundb.l, entre o próprio Bennuclez e seu mestre J. L.Moreno, espalhando hrp:J" par,l o movimento psicodram3.tico brJ..<;ileiro, em especial o paulista. Este "coloniaIL"no·' argentino, na figura cle J. Rojas BemJudez, gera - iá durante a existência do (;EPSP - Ireqüel1les con!lit,,, que ir.l0 explodir no Congresso de 1970, hzendo desaparecer o (;mpo de Estudos. A comissão escolhida, em 1968, pelo próprio Bcrmudez é erigida em coordenação do (;EPSP, 16
Alves, LH.Op.ciL,pp.
111e 112.
" ..adquirindo PriuiJegios no aprendizado e na conduçao do m01timento Ri'Cebem de Bermudez uma carga horária dupla em supentísilo e terapia que os lel-'Cl,segundo reconhca:,m, a lazer com qUl' se ,\"intam mai., enfronbados com o P,icl)drama e. ,bor essa especie de direito, continuarem l'm wa !imçao de coordenaçao cada vez maL, contestada "i ,
Com L~so, desta comissão/coordenação saem professores e sllpervi~ores de seus próprios colega,"jde turma, assün como se designam diJl'torcs de grupos de estudo c de role-jJ/ayings para os iniciantes. O Boletim Informativo n" ()~do (;EPSP coloca que: "Uma 1JeZ aceito pela coordenaçdo, o candidato que des!!jar se on'entar' /Jara /ónnaçao como niretor ou Ego-Au:~:iliar de Psicodrama del'f"'á !Jarlicipar de Reunioes de Estudo e Grupos de "Note-plav/n!!,':este.Oipagos, cmn diretores indicados pela Coordendçào atêle/.'emiropro.'\.:imo, ocasiüo em quepoderáfazer Seminários e (;'rupos Tel'al)(~ticos com o f)r Rojas Rermudez"'s (grifos meus)
o Boletim Informativo nº 04 comunica quem .são os Diretores designados para estes grupos, todos membros ela Coordcnaçào do CFPSpl,) A participJ\-'ào nesses grupos é condit:,.:àonecessária para 1J.zef pane do próximo Cllrso. iníciaclo em 1969, cotn a equipe de Bcnnudez. Os conflitos se avnlum~lIn entre a c()Ordcn:H,.'ãoc os representantes elas cinco lurmas em formaçào, os quais ck'nuncianl a realiz'Jl".'ãode luannbras que se valem até mesmo elo emprego de técnicas p.sicoelramáticas para transformá-los em representllltes da Coordenaçào junto aos alunos em f()rma~-';lo,tir:ll1do-lhes o cargo ele representantes dos alunos junto J. Coordenal,,-,~10,funçào para a CJual tinham sido escolhidos 2!l,
N;lo obstante todos esses conflitos. cresce em muito a demanda por Limaformaçào "alternativa" fi psicanálise e, em 1969. já se tem onze grupos em forrnaçào de psicodr:una terapêutico (' quatro em psicodratna pedagógico, OLlsej.::t,quinze lUrm.::tsem torma\-';icL . Isto faz com qLle haja Limagrande participa~'ào de brasileiros no [V Congresso lnternaciona! de Psicodrama, realizado em 1969, em 1-' kkm, citando depuinkllto IH Uoletim Infonnativo do 19 Boletim Informativo do 2.0 Touos ~'stcs conJ1it()sL"Sti()
de' A..C. CeS:lrinu, p_ 112 (;HlSP Il~()~, 0')'08--196H,cit;.luO por Al,'es, 1..1I. ()p, dto p, lij. GEPSP, nUt J 2.fI18/j9(Y)
!Urr:lru)s in NJ.varm, M.P, ()p. dt" pp.
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Buenos Aires, com a presença de Moreno e sua mulher Zerka. Tanto para Bermudez quanto para o próprio Moreno é importante que o mercado psicodramático !atino-americano, recém-conqui,tado, seja ampliado e conquistado definitivamente. Os congressos internacionais desde 1964 eram feitos de 2 em 2 anos em países europeus; em 1969, é realizado na Argentina - sede da expansão desse mercado latinoamericano - e, em 1970, no Brasil- um dos pólos mais importantes para tal expansão. 2 - O GRANDE HAPPENING E A CISÃODO MOVIMENTO PSICODRAMÁTICOPAUllSTA Em agosto de 1970, realiza-se no MASP(Museu de Arte de São Paulo) o V éongresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama e o I Congresso Internacional de Comunidade Terapêutica, organizados pelo GEPSP e sob o patrocinio da Associação Argentina de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo e do World Center for Psychodrama, Sociometry and Group Psychotherapy, tendo como presidentes honorários, respectivamente, J. L. Moreno e Maxwell-Jones. Embora, na última hora, Moreno e Zerka se recusem a vir, figuras internacionais ligadas ao psicodrama, à comunidade terapêutica e a outras áreas "psi" estão presentes, como: Anne-Ancelin Schutzenberger, os argentinos E. Pavlowsky, C. Quintana, E. Bogliano, G. Maziers e D. Bustos, dentre outros; os norte-americanos Maxwell-Jones, Breu Stuart e A. KnepIer; o japonês K. Matsumura; representantes de comunidades terapêuticas argentinas e da uruguaia Del Sur, o francês Georges Lapassade, o grupo de teatro inglês living 1heatre e muitos brasileiros. Segundo as avaliaçôes feitas, participam entre 1500 a 3500 pessoas, que, de segunda a sábado, lotam os amplos espaços do MASP. Várias atividades são programadas, como teatros permanentes, relatos oficiais, ateliês permanentes e de expressão, grupos de discussão dramatizada, fIlmes e diapositivos. São, oficiaimente, 143 egosauxiliares, em sua maioria alunos das onze turmas de formação em psicodrama terapêutico do GEPSP21. 21
Maiores detalhes, consultar o programa do Congresso, composto de 39 páginas datilografadas, redigido em português e inglês.
216
Conta-se que Georges Lapassade - "fiel" às práticas instituintes apregoadas pela Análise Institucional, à época - tenta fazer uma intervenção socioanalítica através de pequenos colfÚcios durante todo o Congresso, atitude esta que gera inquietação por parte dos organizadores paulistas. Isso porque estamos em 1970- penado mai, feroz da ditadura militar - e, antes do inicio do Congresso, agentes da Polícia Federal retiram do MASP uma série de cartazes considerados "subversivos": continham frases de J. L. Moreno! Segundo alguns de seus organizadores entrevi'tados, o Congresso de 1970 apresenta, primordialmente, duas caracteristicas: é um contraponto à ditadura militar e à prática hegemônica da psicanáli,e. "O arbítrio da ditadura militar cala as manifestações cuiJurais, artísticas, sindicais - o império do silêncio. a proibição do encontro entre as pessoas. Afinal, se a ditadura decreta o isolamento, alise organIza um encontro, se o poder impede manifestações, a nova proposta, insurgente, se reconhece e estimula; ao poder que impõe o fracionamento e a conspiração, o movimento psi~ codramático propóe ( ..) o encontro-confronto direto entre os homens, Assim, o contexto social torna-se texto grupal, a.<;contradições de uma sociedade silenciada ganham luz atraves do
esforço empreendido pelo congresso e ele próprio se constilui em grito pela liherdade e democrada
"22
Justillca-se, "--,sim,o grande suces~o obticlos pelos psicodramas públicos, que lotam os espaços onde são apresentados. Como contraponto à prática hegemônica da psicanálise, o Congresso é a oficialização de uma alternativa prol1ssional para muitos que, por diversas razões, estão afastados dela, seja por questões fmanceiras, seja por falta de vagas na SBPSPou mesmo por questões ideológicas. "O Congresso de Pskodrama de 1970 semiu, sem duvida, como uma espêcie de cunha no monopólio da psicoterapia exercido na
época pela p!>1canálise"!...'.
Não é por acaso que surgem, sobretudo na grande imprensa, ferozes críticas ao referido Congresso, proferidas pelos psicanalL'tas paulistas ligados à SBPSP.Eles denunciam que foi um venudeiro show, 22 2~
Alves, UI. OP. dt.. pp. 11C) e 120 [dem,p.121.
21'
UlTIavez que os psicodralnas públicos expunham excessivamente as pessoa.'i, havendo a quebra da privacidade necessária ao tratamento psicoterápico. Foi, sem dúvida, um Congresso anti-ético - afirmanl -. poL')atentava contra a moraL os bons costun1CS,propagandeando o uso de drogas, a dissoluçào da fanúlia, do casamento. Além disso, privilegiouse a atuaçào prática, já que oS aspectos teóricos ficavaln relegados a un1 segundo plano. I lá alguns pontos a serem aqui levantados: a questão anti-ética prende-se, fundamentalmente, ã quebra do setting, território tão bem protegido, resguardado e demarcado pelos guardiães da "verdadeira" psicanálLse. É um sacrilégio que isto ocorra em espaços públicos, abertos, uma vez que as subjetividades hegemônicas da época pregam a tirania do privado e o repúdio ao público. Os argunlentos de atentado à moral e aos bons costumes revejam, claramente, a visão conservadora e as subjetividades dotninantes no meio psicanalítico, nun1 momento efi1 que mundialmente - nos rastroS do movimento contracultural - se questionam oS valores capitalisticos instituídos. O privilégio às atua\.·ões práticas é um argumento - pleno do positivLsmo-cientifidsta qúe domina a prática psicanalitica da época. Basta ver o programa do Congresso para que se verifique que isto não ocorreu. Entretanto, aquilo que chaluan1 de "atuações práticas" são OS psicodramas públicos e oS diferentes ateliês organizados. Para a "verdadeira" psieanálise tais propostas distanciam-se do caráter "cientítlco" que a prática psicoterápica deve ter. São, por conseguinte, atuações menores, marginalizadas, desqualificadas e inferiorizadas pelo discurso totalizante da '"verdadeira" psicanálise. O psicodrama, de um modo geral, é classificado pelos psicanalLstas até hoje como uma terapia superficial e, portanto, inferior, menor. Sem dúvida. o Congresso de 1970 - na fala de alguns de seuS organizadores - foi marcado pela "atuaçào", pelo caos, pela confusão e muitas vezes pela iInprovisação, tendo em vista a inexperiência elos profissionais "psi" paulLstaS em organizar tão grandioso evento. É verdade, concordam, que houve exposição de pessoas durante alguns psicoclramas públicos; mas, fundamentalmente. c1eve~seconsiderar que numa época de extrema repressão social, política, cultural, artística e
eXl<;tcncial,os psicodramas realizados tornaram-se espaços abe!tos para o glupal e para uma verdadeira Gltarse por parte de muitos participantes, em que o emocional aJlorava de qualquer forma. Apesar de todas as discord1l1cias, fica claro que o V Congresso de Psicodrama c Sociodrama c o r Congresso de Con1unidade Terapêutica marcaram época e é a partir deles que. nào SOlnente o psicodrama, l11a8un1a série de outras abordagens p.sicoterápica." chan1aclas "alternativas" começatn a ser comentadas e lIm pouco maL.••conhecida.') no eixo Rio-São Paulo. Um outro efeito do Congresso, para o movimento psicodramático mundial, é a manifestação explícita e pública dos conflitos entre Bermudez e Moreno pela posse: do mercado latino-americano, o que lança farpa..'i no na.')cente tl10\..-itncnlopsicodramdtico pauIL'ita. No Congresso. manifestam-se de i()rma maL.••violenta esse.;;conflitos, com a ausência de Moreno, atingimlu scu auge em 1973. quando Bcrmudez e a Associaçãu por ele fundada na Argentina são desligados du World Center, de Moreno. Este retira, também, de Bermudez, o título de Diretor em Psicodrama, conferido pelo Instituto Moreno, em 1965". Em 1969, Moreno havia deilo Bermudez e01llO seu herdeiro, particularmente para a América Latina - isto gerou atritos com outros psicodramatL"itas de diferentes nacionalidades - e. durante o Congresso de 1970 em São Paulo, Bermudez, já se sentindo fortalecido a nível latino-americano. rompe com Moreno. Oficialtncnte, logo após o Congresso, Moreno ··deserda" Ber1lludez. Estes conflitos e cL'iôes se acentuam intcmacionahnente e. em 1971 - durante o VI Congresso Internacional de Psicodrama e Soeiodrama, em Amsterdã -, E. Pavlovsky e outros membros da Associação Argentina de Psicodrama2<' rompeu1 C0111Rcrmuclez, lançando o Manifesto do Gnlpo Experinlcntal Psicodramático Latino-aluericano. Alegam que as técnicas psicodramáticas elevem ser utilizadas não como un1 meio de adaptação ao sistema, mas como instrun~entos de mudança, tendo os seguintes objetivos: 2'i
2')
Maiore.c;detalhes sohre <:sta "c:l.ssaÇ'io", c()n~ullJ.r Cusdmir, L. "Mesa Redonda do..~meus Objetos Que Têm a Ver Com Moreno". In: A"..iar, M. (Ur~.) O Psicodramaturgo. São Paulo, Casa cIo Psicólogo, 1990,j6-6I,p. SO. Como Carloi! Martinez Bouquet, Fidel Mncio, Raimundo DiJJello e M:1Iia Alicia Romana, dentre outros.
118
219
"1) pôr em evidência os sistemas repressivos e as condutas que estes fomentem; 2) detectar e enfrentar situaçÕes de injustiça social e outras relacionadas com as diferenças sociais; 3) investigar as conduta'i autoritárias dentro efora das instituiçÕes; 4) revisar e analisar os papéis sociai.s e detectar os "emissores de normas': os que em defesa de seus proprios interesses impõem papéis não relacionados com o interesse da comunidade"lh.
E. Pavlovsky faz parte da segunda geração de argentinos analisada no Capítulo 11- e traz uma clara implicação política para o psicodrama. Bermudez discorda frontalmente dessa diretriz. O cisma no movimento psicodrarnático mundial se acirra e, em 1972, no VII Congresso Internacional, em Tóquio, com Anne-An~elin Schutzenberger, Antônio Correia Soeiro, J. Rojas Bermudez, e outros mais, é con..c;tituídoum comitê para organizar uma Federação Internacional de Psicodrama e Sociodrama, o qual não sai do papel. Entretanto, em 1973, funda-se a Federação Latino-Americana de Psicodrama (FLAS), tendo como sede a Associação Argentina de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo e como Secretário Geral, Roias Bermudez. Buscase, assim, com o apoio de uma Sociedade de Psicodrama de São Paulo - a ABPS - mantcr o monopólio do mercado psicodrarnático !atinoamericano com Bermudez. Isto começará a mudar em 1975 com a vinda sistemática de Dalmiro Bustos para o Brasil. "Esse nwuimento de conflitos se acentua e pro:ssegue até a nwrte de Moreno em 1974. A partir de entdo o psicodrama, a nivel internacional, perde uma unidade mais orgânica e até hoje permanece acéfalo "27.
No Brasil, o clima de cc.ão é intensificado ao fmal do Congresso quando os oito componentes da cooordenação do CEPSP são diplotnados conlO Diretores em Psicodranl::l por Bermudez. causando sérios conflitos C001 os demai.,;;alunos em fornlaçào23. Várias críticas passam a ser feitas, como por exemplo, ao exibicionismo e autoritarismo de Bermudez, ã questão do pagamento, etc. Cria-se uma divc.ão dentro da coordenação do GEPSP e da própria equipe de Bermudez. Questões, 2f:J
27 2B
8ouquet, C.M., Moeçja, F. e Pavlov~ky, E. Psicodrama:: Cuândo Y Porquê Dra.matlzar? BA, Proteo, 1971, pp. Oi e 08. Alves, LH. Op. cit., p. 121. Maiores detalhes sobre o movimento dos representantes elas turmas diante da CCXJrdenação do GEPSP e do próprio Bermudez, consultar Navarro, M_P.Op_ cit., pp_ 2')3, 2'54 c 2'5'5.
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portanto, que já vigoravam ao longo desses dois anos, explodem violentamente, fazendo implodir o Grupo de Estudos. 2.1 - As Duas Sociedades de Psicodrama: a ABPSe a SOPSP No final de 1970 há dois grupamentos claros no GEPSP: os que querem continuar a formação anterior sob a coordenação de Bermudez - minoria dentro do Grupo de Estudos - e os que questionam os métodos e a postura de Bermudez, rompendo com ele por completo. O primeiro grupo, liderado por lris Soares Azevedo, José Manoel D'Allesandro e Alfredo Soeiro, ainda em 1970, funda a Associação Brasileira de Psicodrama e Sociodrama (ABPS), vinculada ã Associação Argentina de Bermudez. O segundo, onde estão presentes a outra metade da antiga coordenação do GEPSP (Laércio Lopes, Paulo Uzeda e Antonio Carlos Cesarino), todos os 11 representantes das turmas em formação em psicodrama terapêutico e a maioria dos alunos do GEPSP, funda a Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) sem quaisquer ligações com Bermudez. Todavia, mantém contatos com alguns psicodramatistas argentinos da antiga equipe de Bermudez que com ele já haviam rompido, Logo depois, sai o grupo da SOPSP,que representa o Psicoclrama Pedagógico, liderado por Marisa Nogueira Greeb. A este ponto voltarei mais adiante, no item m, no momento de esclarecer algumas situações analisadoras das práticas psicodramáticas. Nos anos seguintes, as duas Sociedades paulistas expandem por algumas cidades do interior de São Paulo e por vários estados brasileiros a formação psicodramática. Assim, a ABPS forma núcleos em Campo Grande, Manaus, Fortaleza, Curitiba, Campinas e Ribeirão Preto. A SOPSP também amplia a formação psicodrarnática para Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Bahia e Rio de Janeiro (caso que será visto adiante no item m. Em 1975 no Instituto Sedes Sapientiae é iniciado um Curso de Formação Psicodramática do qual participam professores das duas Sociedades paulistas.
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No início dos anos 90 há, em São Paulo, oito Cursos ligados à formação em psicodrama: II da ABPS, o da SOPSP, o da Campineira, o de Ribeirão Preto, o do Vale do Paraíba (SOVAP), o do Sedes, o do Instituto Brasileiro de Psicodrama (1131') e o da Escola Paulista de Psicodratna. 3 - DALMIRO BUSTOS E UMA OUTRA VERTENTE PSICODRAMA
ARGENTINO
DO
NO BRASIL
Apesar de Rojas Hennudez ter tentado manter seu nl
Para l11U itos psicodramatl'itas paulistas cntrcvi<;:tados, Bustos traz tambénl tecnicamente lima formaçào mais "delnocrática", pois seu trabalho gru paJ é cemrado no protagonista e não no diretor: o gru po é que escolhe o assunto a ser tratado e () protagonista é ml1 membro indicado pelo próprio grupo. É o chamado "grupo autodirigido·'. Afinnatn que Bermudez. apesar de possuir um excelente lllanejo de gnlpo, é bastante diretivo, uma veLoque "pinça" determinado assunto no gnlpo e () leva para a clr;lJnatiLoa~ão,C01n protagonistas escolhidos por ele, enquanto diretor. Desta forma, na segunda metade dos anos 70, em São Paulo, começanl a ser mostradas mais cbran1ente algumas diferentes vi.e;;()cse postura.e.;com re1a\-':J.oà prática terapêutica psicodramitica~4: uma mais médica, enfatizando oS aspectos neurológicos e sofrendo influência de Bernluclez e outra, nl:lis psicanalítica, sob influência de Bustos. Porém, seria extremamente grosseira e simplista a alusào somente a esta.') duas vertentes, se assiIn podem ser chamadas. Embora não seja objetivo deste trabalbo lima análi .•• e dos diferentes enfoques teóricos dentro do mOVlll1ento psicodramático brasileiro, acredito que algo maie;;deva ser mencionado, mesmo que de forma um tanto superficial. Dentro desses doie.;grandes gnlpos há numerosas varia.;,:ôes:desde as correntes mais 1110reniana.oe; senl grandes inJluências méciic;]s ou psicanalíticas, passando pelas que enfatizam o a,"'pectu intrapsíquico-relacional (o psicoc1rama cOlno um processo na esfera intrapsíquica), até a vi'ião de Fonseca sobre a Matriz de Identidade, quando faz uma aproximação ela relação dialógica de Buber com a tIlosofia existencial. Segundo Sérgio Perazzo, Fonseca é protagonie;;ta de unllllomento no mOVU11entopsicodíJJ11itico brasileiro - final dos anos 70 e início cios lJO - em CJuehá inseguran,a entre estes profissionais que procuratn o respaldo de uma teoria do desenvolvin1ento ela personalidade. Aspecto a que Bermudez já havia sc referido, ao elaborar uma psicopatologia do psicodralna dissociada como já assinalei - do referencial morcniano. Uma nova abordagem, no final da década de !'lO, vem se consubstanciando nos trabalhos de Alfreelo Naffah Neto: o psicodrama segundo lima leitura nietzschiana30. 2()
Segundo Anne-Ancelin Schutzenberger, internacionaimenttl, há rrê,~ e;:;cola~clássicas de psicodrama: o psicodranu moreniano, o psicodranu analítico francês e () psicodrama trj:ídjco. In: Op ciL, pp. ';7, ';8 te' S9.
Sem dúvida, tem sido grande a produção na área das práticas psicodramáticas, especialmente a partir dos anos 80, quando uma série de livros sobre o assunto é lançada por psicodramatistas paulistas, dentre outros. Segundo levantamento feito por Sérgio Perazzo, até 1991, cerca de 34 livros de psicodrama foram apresentados no Brasil (alguns com tradução no exterior) e cerca de ~01 artigos foram mostrados nos diferentes Congressos Nacionais de Psicodrama. Em 1979, Dalrrúro Bustos, que hoje forma a quarta geração de psicodramatL,tas brasileiros, funda em São Paulo seu próprio Instituto de formação: o Instituto Moreno. Pelo que foi exposto, pode-se atlrmar que o psicodrama no Brasil _ pelo menos em São Paulo - sofreu grande influência da escola argentina: inicialmente, com uma proposta extremamente medicalizante; posteriormente, com uma proposta maL,psicanalitica. Todavia, não se pode negar que, não obstante tais influências, os psicodramatistas brasileiros têm desenvolvido novas formas de pensar a prática do psicodrama terapêutico, inclusive fugindo aos padrões vigentes nas clássicas escolas identificadas por Anne-Ancelin Schutzenberger (ver nota nº 29).
Em 1976 é fundada a Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRA?)que, segundo muitos entrevL,tados, "tenta superar os conflitos do MASP, oriundos do rompimento com Bermudez". Em realidade, graças ã criação de um Conselho Normativo e Fiscal (CNF), a FEBRA? organiza e unillca para todo o país os critérios para a adrnL'5ão e seleção de candidatos ã formação psicodramática e os critérios de escalonamento das equipes formativas. Assim, "... os candidatos ã admissão dos Cursos de Formação de Psicodramatista devem ser, básica e preliminannente, graduados em Medicina ou Psicologia"" (grifos meus). Além disso, são estabelecidos os critérios para a execução da terapia e da supervisão dos alunos e criadas cinco categorias hierárquicas dentro da formação, ou seja: "A}Psicodramatista -formado por Entidade Federada ou congênere, dentro das exigências estatutárias e regimentais da FEBRAP e do CNF, especialmente no relacionado a seus módulos de formaçáo e a seus gabaritos curriculares; B) Professor de Aluno - B.1 - Professor Colaborador - para matCrias afins, simplesmente convidado. segundo critérios especiais e necessidades particulares, pela própria Entidade Federada; B.2Professor Regular - de técnica pstcodramática, sendo basicamente, psicodramatista formado e que esteja em exercício profi'sional espeçífko; C) T"t'apeuta de Aluno - jimmldo por Entídade Federada à FEBRAp, ou reconhecida pela FEBRAJ~ possuindo experiência em terapia psicodramátíca, possuindo grupos em disponibilidade para esta tarefa e, tendo feito Supervisão posterior à sua conclusdo de curso - por um período mínimo de 160 hs C ..); D)Supervisor - será exigido o preenchimento das condições gerais expressas para o Professor Regular e para o Terapeuta de A/uno, e mais, em acréscimo, possua três anos de trabalho fJS'kodramático efetivo, após a obtençâo do título de Psicodramatísta, e tenha apresentado, em Congresso de Psícodrama, ao menos um trabalho científico correlato à matéria , _"31
4 - A NORMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS PSICODRAMÁTICAS: AFEBRAP Na mesma época em que Bustos começa seu trabalho de formação no Brasil, tem início, também, uma preocupação, por parte qe alguns psicodramatistas paulistas: a de aglutinar as várias Sociedades de psicodrama espalhadas pelo pais. Partindo da SOPSP, executa-se um árduo trabalho de levantamento das diferentes Sociedades, incluindo dados referentes ao número de pessoas formadas ou em formação, tipos de currículos, tempo de funcionamento, etc. 30
Alfredo Naffah Neto, de início, nos anos 70. fu:r: unu leitura do psicoc1rama a partir do materialismo diaJético, atraves princip:l.lmente de três de suas obras: Pskodrama: Descolonizando o Imaginário. São Paulo, BrasiJiense, 1979; Pskodramatizar. São Paulo, Agora, 1900 e Poder. Vida e Morte na Situação de Tortura: Esboço de I [ma Fenomenologia do Terror. São Paulo, Huciteç 1983. Nos :mos HO,,' início 00.'190, por influência de Spinoza, Nid7sche. Dt'1euze e (,uattari, ek vem desenvolvendo uma nova leitura do psicodranu, atmv~s daS seguintes obras; O Inco1L'iCiente. São Paulo, Atica, 198'i e Paixões e Questões de 11m Terapeuta. São Paulo, A.Rma, ]989
Hoje, o psicodrarnatista faz uma formação de aproximadamente quatro anos, seguindo o mesmo tripé analítico: curso, supervisões e terapia. O terapeuta de alunos, após sua formação; faz mais dois anos de supervisão, deve ter experiência com grupos terapêuticos e apresentar urna monografta teórico-prática. O supervisor é hoje chamado usual31 32
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"Conselho Estabelece Normas para Funcionamento de Cursos~.ln: Revista Febnp. IvaIdGranatolMassao Ohno, Ano 1, nº 1, 1977, 2'5-26, p. 2'5. Idem, pp. 2'5 e 26.
225
São Paulo,
mente de professor supervisor didata nas Sociedades de formaçào Ctn psicodrama. A cxemplo da Associação Brasileira dc Psicanálise (ABP) e da 11'1\, também a FEBRAI' congrega os estabelecimentos formadores em psicodrama. Estrutura-se, pois, com prop()sitos organizativos, normatiz.:l.clores, dL<;ciplinado[cs e corporativos, bem dentro dos tnodelos e subjetividades dominantes no meio '·psi'·. Se já em 1968, quando surgiu o lOEI'SI', a lom13ção em psicodrama tinha como modelo o tripé da forn13l;3o analítica. com a funcla\-~â() da FEBRAP estc modelo passa a ser normatizado c disciplinado" O quc antes t:lo radicalmente se combatia - aS hierarquias, a normatizaçào, os cspecialismos produzidos pela "verdadeira" pSicanáli,'ic c formação analÍlica ~ passa a ser natuf'J.lizado e mitificado por força da atua\-~:l()da FEBRAI'" Se as práticas psicodramáticas em seu início buscaram produzir espaços instilUintes com rC'b~:ão~lhegcmonb ela psicanálise, à tneclida que se expandem e s:1o aceitas por rllllilos profissionai.") "psj", institucionalizam-se - por meio das Sociedades de j(XI1l.1çjo - c, tetnpos depois, produzem a FEBRAP, entidade nacional que complel:l c coroa o processo de inslitllcionaliza~'ào, A hierarquia. a disciplina, o cspecia~ ii"mo s:1o rcafirmadns c cada vez mais produzidos pelas práticas psicodcun::í.ticas. Estas, ao adotarem utna rdal.;-'iomais aberta, mais Uexível entre terapeutas/pacientes ou na forma\;-:3oentre professores/alunos, cm realidade apresentam práticas, sob lima outra maquiagcm, soh outms vestcs, que geram saheres 13.0 hierárquicos e corporativos como a "verdadeira" p.sican~ilisc c a formação analítica, Da mesma forma que o n)(wiJnento contracultura] no,'"anos 70 é cooptado c :1ssimjIado pelo "S~")lema,. que t~lo radicllmcnte cotnbatia, também as práticas psicodral1láticas ao iniciarem sua instituciona\izat,,:3o percorrem o mesmo Gltninho: inlegram-se. seguindo as subjetividades hegemônicas produzkbs na época. A instituiçào formação psicodraIl13tica continua com suas práticas reproduzindo/produzindo, portanto, outros especialismos, outros objetos de conhecimento, saberes e sujeitos, A1gunc;;psicodramati"tas entrevistados declaram que hoje a psicanálise está. "muito solta"~,se comparada com a formaçào psicodramá-
tica, a qual está "fl13.iscontrolada", face à existência das Sociedades e da Fcclcr3ção" "Iloje todo mundo é psicanaJi'la", declara um psicoc!ran13ti,ra paulista, reiterando o mesmo arglltllento usado pelos nuis retrógrados defensores da "verc.l:ldeira'· psicanáli."ic, nos anos 70 no Brasil, E, com orgulho, mostra que () Brasil, no início dos anos 90, é o único país que conseguiu organiz:u uma Fcdcra~::lo Kaciollal que congrega. diferentes S()ciedac1es elc f(lrm:l(,.~à() em psioldratl1a. De acordo com os dados colctados, em 1()76 - à época da forma<,,:;}O da FEBRAP
-,
havia no país cerca de 70U a HO() pessoas !ormadas
ou em forma\:-'ào em psicodram3; !lO início dos anos 90, há perto de jOOO a :3'100 pessoas. É de se supor que :l institucionaliza<,,:;10trouxe um
gmnde "av3.!lt,,:()"e "pn)g-ress()" na dissctnin:lçà() das pdticas dranlátic:l.").SCIl1dúvida. isto ocorrcu,
psic()~
'>t/em de dar {."as/um Icgal (' nO"'natil'a /)am a /wátíca psícodramdtica, esta fl'deraçdo im{m1sionou c impulsiona a mganizaçao dl'.~t(' mO}!im~"tlto. J.'it..Jbilizou') CnnJ.:n:'ssos nacionrlÍ.sde jJsicodrmna, 'pl.lhlicou os anai\' destes con,gressos e outros numeros da "Ih!l'i.sta da Fehra/J ': /H"OtnO/)('u a/á/maçao de escolas l'ln 1'â/"lCL, •.lncal[dades A febm/J cm1f.,J1t'[.?a. em /988, .}7l"tltidacÜ-'!l' qlU' âl'l>em s('guir ha.<;icamcll!e, os ("w<;mo..';)crilérios ( .. ) A/ral'és
dl'stas l'ntiduâes, .lllia apnJ.\"imadamente j)sicodtwnatis/a\
UOO J)rofissirmais
".H
E o arg-umcnto utilizado em pro) da fllnda(,.'ào desta feclcraçào f\'adonal - além da impottância em se unificar a formac,.:;locm psicodr;::;ma no Brasil - é o mesmo usado pelas Socicebdcs ..oficia i,," quando se referem às oposi",'Ôes intCt11~L", Isto é•. a FEBRAP,segundo arguml'ntac,.'Üc.\") "p.sicologi7-antcs" c "J:uniliari,<;ta,<;", venl aproximar pe,..;soas que não se falam por estarem emocionalmcnte cnv()/vicias l1(lS a.contecimentos decorrentes do "racha" com BCrllllldcz e do ...• urgimento da ABPSe SOPSP, em 1~no.Conforme descrevem seus participantes, ao aludirem à ehatnada "rclIniào da.",vaGl$ sagr~lcbs", seria este, aliá.<;,() espírito reinante no I Congresso Brasileiro de Psicocli'ama, ocorrido em Serra Negra, em 1976 - ocasi,,() em quc :1 FEBRAI' é oficialmente laÍl\;ada" Cerca de I'í pessoas - os fundadores do psicodrama cm Sào Paulo, membros cio antigo GEPSP -, que IÜO .",eralam desde 1970, sJ.o confrontada."" .'Soba coordenaçâo de Pierre \\leU - o menos "contaminado" pelos aconte.~:"o Alv<'.~.L.1L Op. dl. p. 12() 227
Se em São Paulo o psicodrama, no fmal dos anos 60 e início dos 70, é uma forma de oposição à hegemonia das práticas emanadas pela SBPSP, no Rio de Janeiro isto não ocorre. As práticas psicodramáticas só se expandem mais efetivamente em solo carioca no final dos anos 70 e não têm as caracteristicas apresentadas pelos paulistas: oposição às práticas das Sociedades "oficiais" de psicanálise, questionamentos sociais e tentativas de implicação com a realidade. No Rio de Janeiro, diferentemente de São Paulo, os anos 70 são marcados por um forte e corporativo movinlento de psicólogos que
desejam ter acesso à formação analítica monopolizada pelas Sociedades vinculadas à IPA. Como iá foi mostrado, a prinleira metade desses anos é caracterizada pela tutela de alguns psicanalistas "oficiais" ao movimento dos psicólogos. Na segunda metade dos anos 70, pelo próprio momento histórico, com a vinda da segunda geração de argentinos e o fortalecirnento do movimento lacaniano. há uma efetiva quebra desta hegemonia psicanalítica vinculada à SBPRJ e à SPR]. Se em São Paulo, na primeira metade da década de 70, o monopólio da SBPSP é ahsoluto, por não exi"tir um lnovimento "forte" de psicólogos e a criação de grupos "psi" ~ até porque está garantida aos psicólogos a tórmação analítica "oficial" -, tal fato não se verifka entre os cariocas. Aqui, quando o movimento psicodranlático começa sua expansão, já havia se iniciado a ruptura com a forn1ação analítica "oficial" até então hegenlÔnic.l. Outros movimentos, portanto, fazeol no Rio de Janeiro o que o psicodran1a realiza em São Paulo. As próprias caracteristicas de prática "alternativa" il psicanálise que o psicodrama exibe em seu início na Paulicéia não estão presentes no Rio de Janeiro. Não somente porque. no final dos anos 70. as prátieas psicodranliticas - pela sua crescente instilucjonalizaçio, através da."i Sociedades c da Federação - j:í estão integradas e cooptadas ao "sistema", como lanIDém porque o pequeno movimento psicodram.ático carioca do Imal dos anos 60 e início da década seguinte n:1o levanL'ltais questões. É interessante - SOll1cnteà gui~ade unIa breve referência, visto que este assunto recebe um tratamento maior no Capítulo seguinte assinalar a existência no Rio de Janeiro, aoteriornlente ao início do movimento psicodramálico. no final da década de 'i0 e na de 60, de trabalhos de dinâmica de gnlpo de inequívoca influêntia norte-americana. Trabalhos cstes que irilo, indubitave~llcnte. sehsibilizar alguns profissionaL> "psi" para a formação psicoclrJmátiea. Enquanto a grande parcela dos psicólogos cariocas é tutelada pelos psicanalistas "oficiai,,>", existe Ullla outra, forma(ta quase que por psicólogos também interessados na clínica, que ir:í se dedicar a trabalhos gmpais. llá, portanto, no período - dentro do momento histórico já apresentado e no rastro do Movill1cnto do Potencial Humano - uma busea pelas dinâmicas de grupo, sensitiuily-training, "desenvolvimento interpessoal" e em algumas cmpresas a aplicação dos T Grnup. Em
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cimentos de 1970 - que utiliza técnicas psicodramáticas para solucionar tal "impasse emocional". Eis porque a afirmação "a FEBRAP supera a emocionalidade causada pela c"são com Bermudez" já faz parte da história "oficial" do psicodrama no Brasil. Um outro aspecto presente nas práticas psicodramáticas e que indicia um profundo corporativismo é que nos Congressos Nacionais, organizados pela FEBRAP, cria-se um verdadeiro "Clube do Bolinha", composto exclusivamente por psicodramatistas. Nenhum outro proflSSional "psi" é convidado a participar; panorama que mudará somente em 1990, durante o Congresso de Psicodrama realizado no Rio de Janeiro. A explicação apresentada por alguns psicodramatistas entrevistados é que esta segregação deve-se à "paranóia" produzida pelo Congresso do MASP de 1970, que consagra uma enorme variedade de profISSionais e práticas consideradas "alternativas". Mais uma vez argumentos "psicologizantes" são empregados para justificar o fechamento do psicodrama. Este, que nasce no Brasil dentro do contexto dos movimentos contracultural e do Potencial Humano - como uma prática aberta e crítica aos especialismos vigentes, vai rapidamente sendo disciplinado, normatizado e especializado. E a FEBRAP teve e tem um papel fundamental nesta disciplina, normatização, especialização, ao fortalecer, dentre outras, a subjetividade do corporativismo, podendo, mesmo, sua organização ser apontada como urna situação analisadora das práticas psicodramáticas.
n - O PSICODRAMA NO
RIo
DE JANEIRO
realidade, é uma parcela pequena, mas este enfoque grupal impulsionará, dentro dos processos de subjetivação hegemônicos à época, alguns desses profissionais ao exercício de uma formação psicodramática. Para um melhor entendimento, vamos à história instituída do psicodrama no Rio de Janeiro, que pode ser dividida em dois momentos: o irúcial, com o psicodrama triádico de Pierre Weil, e o que marcará o fmal dos anos 70 com o surgimento de duas Sociedades de formação, uma delas sob a influência dos psicodramatistas paulistas. 1_O PSICODRAMA TRIÁDICO E A SOCIEDADE BRASILEIRA DE
PSICOTERAPIA, DINÂMICA DE GRUPO E PSICODRAMA Para Anne- Ancelin Schutzenberger a tríade é uma "metabolização" dos enfoques de Freud, K. Lewin e Moreno. _ una extensiõn representada (psicodramatícamente) de Ia viven.cia de un grupo de "grupo-análisis '; empJeando a la vez la transferencia .Y la dinámica de grupo, conw todo el arsenal clássico dei pstcodrama nwreniano ( j No se trata de una yuxtaposición de jJoslctones teórica..•diferentes, incluso opuestas, sino de una unión. de una metabolización de to esencial de ellas de almocárabes C.,). Tomar como única ley la necessidad de ana/Izar todo lo que acaece en el grupo y lo que se hace, y tener en cuenta las dimensiones de/iru;onsciente ComoJuerzilS latentes dei grupo y diversos resortes dei psicodrama (obedeciendo a las regúls de neutralidad benévola)' de una cierta distancia deI análists, y de /aanotaci6n de transferenda como técnú;a de represenJaci6a dramdtial y de la posta en evtdencia de la red de comunicación y de lasjuerzas de grupo). Las interoenciones se bacen a la vez a rdvel del grupo Y dei individuo, ai firo de la navaja de afeitar entre el grupo y el individuo, a partir de la hipótesis que el discurso dei grupo y la viveneia de un participante están - y sólo pueden estar - en eone.xión con el aqui y abora dei grupo y /as relaciones con la autorldad y el monitor. Se !iene en euenta ellenguage dei euerpo, el fYU!talenguage, las intervenciones dei motUtor son o puedem ser interpretacíones" 34 (grifas meus). J
Esta longa transcrição prende-se ao fato de que se pode, a partir 34
Schutzenberger, A.A. op. cit., p. 59.
230
dela, perceber que o psicodrama triádico não aborda as questões que o psicodrama como prática "alternativa" à psicanálise suscitou, no fmal dos anos 60, em São Paulo. Mantém os conceitos de "inconsciente como força latente", de "neutralidade", de "transferência" como uma "técnica de representação dran1ática" e as interpretações. Preservam-se, portanto, o poder e o saber dos especialistas, da interpretação e da neutralidade; questões que, seguindo o rastro dos movimentos do Potencial Humano e contracultural, são profundamente criticadas pelas chamadas terapias '·alternativas" que pretendem produzir outros tipos de prática. Para o psicodrama triádico tais questões não se colocam. E é no Rio de Janeiro que esta forma de reflexão sobre a prática psicodramática aparece no fmal dos anos 60. Em 1969, Pierre Weil - dentro dessa orientação - organiza um primeiro grupo de terapia psicodramática por dois anos. No ano seguinte, funda, em Belo Horizonte, a Sociedade Brasileira iJe Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama que, mais tarde, em 1974, terá uma seção no Rio de Janeiro. Em 1970, ele cria - através do CEPA, no Rio de Janeiro - quatro grupos de terapia psicodramática, visando a uma jc,rmação. O estabelecido é que os dois primeiros anos são exdusivamente voltados para a terapia, antes do irúcio de qualquer formação psicodran1ática. No final dos anos 70 e início dos 80, Pierre Weil inaugura outras seções da Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama, como a de Brasilía, Juiz de Fora e Uberaba. A sede permanece em Belo Horizonte e, no início da década de 90, são, portanto, cinco seções que formam a Sociedade Nacional de Psicodrama Triádico. Somente a seção do Rio de Janeiro se agrega à FEBRAP;entretanto, as cinco seções que jc,rmam a Sociedade de Psicodrama Triádico são associadas ao World Center fundado por J. L. Moreno. 2 - O PSICODRAMA MORENIANO: A SOPERJ, A SOCIEDADE
MORENIANA E O CPR) Em 1980, Ronald de Carvalho - que havia feito formação com Pierre Weil, no final dos anos 60, e esteve presente na Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama desde a sua fundação, 231
tendo sido seu presidente em doL, mandatos -, aparentemente por dL,cordâncias teóricas, atasta-se desta Sociedade com um grupo em formação e funda a Sociedade de Psicodrama do Rio de Janeiro (SOPERJ), de orientação moreniana, Esta Sociedade, surgida, em realidade, de lutas pelo poder, traz para o Rio de Janeiro uma outra postura denu·o elaprática psicodramática: a orientação morcniana-cxi<;tencial. Segundo enlrevistl com o seu fundador. observou-se que "o psicodrama seria a técnica que estaria faltando à terapia exL,tencial". Em 1986 há uma ri,ão na SOPER]. Após Ronald de Carvalho deixar sua presidência. a diretoria seguinte pensa em abrir tunnas para a forn13.\-":1oem psicodrJ.ma pedagógico, provocando com isso, segundo alguns, o afastamento de Ronald c de um grande grupo que vão formar a Sociedade Moreniana de Psicodrama. A SOPERJ, ficando somente com cinco pessoas, enfrenta grandes dificuldades, porém ao longo dos anos vai se reorganizando. A outra Sociedade de psicodrama carioca, o Centro de Psicodrama do Rio deJaneiro (CPR,J).é fundada, em 1982, e se origina de um grupo de doze pessoas que, em 1l)77, inicia sua rortna~'ào psicodramáLica na Sociedadc Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicoclrama. Rona1clde Carvalho, presidente naquele período, chama para terapeuta deste gn'po o pSicodramatL'1.:1paulL,taJosé Fonseca Filho, ligado à SOPSP que possui uma orienta~ão morcniana-exL,tenciai com influência de M. Buber. A proposta - seguindo as normas da Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama, fundada por Pierre Weil - é a terapia por dois anos, para depois tcr início a fornlação psicodramáLica. O gmpo propõe uma fonna~'ão paralela à ter.lpia, fato que a direção da Sociedade não accita O grupo sai e a SOPSP assumc a responsabilidade pela fonna~·ão. Quando se fonnam) resolvem fundar lima outra 3,.'isociaçào, pois não pretendem se filiar à BrcLsiJeira,quc tem uma orientação triádlca, e nem à SOPERJ, que, embora de enfoque moreniano, tem à sua freme Ronald de Carvalho. Assim, é criado o Centro de Psicodrama do Rio dc Janeiro. Em 1985 o CPRJ procura estabelecer uma metodologia psico-
clranlática para o ensino do psicodratna. Para isso ehalna de São Paulo uma psicoclramatis!a pedagógica" que treina um grupo de professores c alunos no sentido de construir uma nova fonna de ensinar e de aprender. Urna ["rmação em que, além das informações passadas, a leitura pudesse haver Ull13. metodologia psicodranütica, pronl()Vcndo do grupo de formação, trabalhando as expeetahvas, etc. Depois desta experiência, é implantada, em 1987, a formação em psicodrama pedagógico, chamado no CPRJ de "psicodrama aplicado". Hoje, no Rio de Janeiro, o Centro de Psicoclralna é un1 dos estabelecinlentos mais fortes na formação psicodramâLiea, poL, além de ter um maior número ele membros formados e em formação, não teve grandes crises ao longo desses anos. É, tanlbélll, a Sociedade lnai~ vinclllaeL1aos psicodramatistas eLoSOPSP, por sua própria hL'tcíria. Pela hi,)lóriJ. inslilukb do lllovuncnlo psicodFJJ1lático carioca e pelo pequcno número de profLo;;;sionais atuantes na área -se comparado com a Paulicéia e, diJerenlemente de lá - não há maiores compelições. Tanto que, especialmente entre a SOPERJ e o CPRJ, há constantes e si"tcmáticas troca.s de professores que são convidados a dar cursos nas duas Sociedades. Contudo, entre as abordagens moreniana c triádica ocorrem constantes trocas de farpas. 0,<;;primeiros colocam veementemente que os psicodramatistas formados pela Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinânlica de Grupo e Psicodrama não são morenianos, já que utilizam muito mais as técnicas dranláticas c nào o método de investigação morcniano. A concepção de homem e os fundamentos teórico/filosóficos de Moreno nào são levados em conta. Os psicodram.atistas triáclicos observaol que os morenianos ficam somente na cena e no feedback, não aprofundando os conteúdos do grupo. Não têm, portanto, UI11 trahalho interpretativo empregado à relação transferencial. "Os (Hltros dizem que nào fazemos psicodranla; nós os acusanlOS de só fazerem psicodrama_ Nós não .ficamos só no psiCOclralTIa, pois além da form.aç:lo triádica, .somos psicoterapeutas analíticos", argumentam enfaticamente. Constata-se que, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, o .3')
É Maria Antônia Kouri Darci que, <.:Om São Paulo, [X)ssui um Centro de Formação em Psicodrama Pedagógico: o Reverso.
233
psicodrama como prática "alternativa" à hegemonia psicanalítica pouco produziu neste sentido. No primeiro caso - em São Paulo -, logo foi institucionalizado e perdeu a riqueza instituinte que ostentou em seus primeiros anos. No segundo caso - no Rio de Janeiro -, não chegou a exibir tal produção: foi forjado, desde seu início, dentro do modelo psicanalítico de formação. E mais tarde, quando ganha terreno a concepção moreniana que questiona esse modelo, encontra um movimento psicodramático a nível nacional, controlado, normatizado e disciplinado pela FEBRAP. Apesar disso, não se pode deixar de afIrmar, como já o fiz no início deste Capítulo, que, em São Paulo, o psicodrama ajudou a quebrar o monopólio das práticas psicanalíticas, embora, mais tarde, fosse por elas cooptado. A riqueza de detalhes - aqui sinteticamente abordados - sobre a história instituída do movimento psicodramático paulista, se comparada com a do Rio de Janeiro, salienta as enormes diferenças entre os dois movimentos. Sobre o primeiro, existe algum material escrito36 e, sobre o Rio de Janeiro, praticamente nada. Compreende-se, por isso, a defasagem de informações que neste Capítulo pode ser encontrada com relação à história dos dois movimentos.
m-
ALGUMAS SITUAçõES
PRATICAS
ANAliSADORAS
PSICODRAMÁTICAS
Ver os livros e artigos já indicados, anteriormente, paulli",.
234
Em 1%8, quando da organização da comissão que se tornou a coordenação do GEPSP, já se pode notar o grande número de médicos presentes. "A própria coordenação é con.'llftuída por sete médicos e uma psicóloga, sendo a inclusão desta profissional aceita a contra~
gosto por Bermudez que não a queria por ser psicóloga e mulher; segundo depoimento dessa coordenadora do GEPSP Ai se impõe um viés médico com que o psicodrama se estrntura, além de ter uma orientação ínequíooca para o campo "psi" Esta orientação determina desde o início (. ..) uma espécie de controle corporativo"37
Um dos critérios para a escolha desta Comissão, proposto pelo próprio Bermudez, é sua representatividade em relação aos principais estabelecimentos de saúde mental de São Paulo, como a Psiquiatria do Hospital do Servidor, a Psiquiatria do Hospital das Clinicas, o INPS, o Juqueri, o Sedes Sapientiae e a Santa Casa. Na própria equipe de R. Bermudez, que o acompanha formação em São Paulo, só há médicos e se constata que:
que se referem ao movimento psicodtamático
para a
.. em 10 anos (ie existência da Associação Argentina de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo, somente 13 diretores foram formados, todos médicos, 9 diretores em tknica psicodramdtica (não terapeutas e não mAdicos) elO egos-
DAS
Estas situações vieram ao meu encontro ao empreender o levantamento da história instituída do movimento psicodrarnático paulista. Elas próprias realizam "por si mesmas" a análise, sem a necessidade de "peritos" para esclarecê-Ias e são, por conseguinte, formas de intervenção, formas de se entender melhor as práticas produzidas pelo psicodrama. Além da situação já citada, por ocasião da fundação da FEBRAP, no item anterior, apresento aqui duas outras situações analisadoras que denominei poder médico e psicodrama pedagógico. 36
1- O ANAllSADOR PODER MÉDICO
auxiJiares"38 (grifas meus).
J. R. Bermudez traz para São Paulo e para o psicodrama o modelo médico39 fortalecido pela APA, visão hegêmonica nas Sociedades psicanalíticas "oficiais" cariocas, embora não utilizado pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, mas aceito pelos psicodramatistas paulistas. Sobre o assunto, é interessante a própria fala de Bermudez, ao descrever o I Congresso Internacional de Psicodrama . , realizado em Paris, em 1964, quando participa, a convite de Moreno, como Diretor de Psicodrama. A certa altura relata: . 37 38
Alves, LH.Op.cit.,p. 116. Cusch.nir, L. Op. cit., pp. 50 e ';1.
?f)
Sobre o assunto ver o artigo de Perazzo, S. "Moreno, Dom Quixote e a Matriz de Identidade: Uma Análise Crítica~. In: Aguiar, M. (Org.) p. cit., 1';7-167.
235
"Ainda recordo vivamente (. ) a Babel teórica das Mesas Redondas e a falta de st.."temaHzaçáo no ensino do ?:'úodrama. A minoria dos assistentes era de médico..••e a mnrorUl provinha de outras dreas de trabalho, muito diferet1tes. lndubitavelmente, o campo era propicio para adentrar em sua investigação e uiteriOt·sistematizaçâo. As variadas contribuiçâes, dos mais diversos campos, indicavan, a ductilidade do instrumento Psicodrmtul. o qual estava sendo utilizado como um recurso técnico para outros enfoques teóricos. Por outro lado, SIM aplicação indiscriminada, por indivúhlOs .fem uma formação adequtlda, levava muitos a confundir, por exemplo, os exercícios de improvisaçào teatrais com o Psicodrama Ao considerd-lo es.çencialmente terapl!Ulico decidi que minha tarefa, em princípio, estaria dirigida a atingir este (~foque e a conferir-lhe um corpo teórico congruente com sua metodologia. Assim, comecei a trahalhar em duas linhas __uma clínica, de inlJestigação (.,.), e outra teórica, de elahoraçao e sístematizaçao da obra de Moreno"40 (grifas meus).
Este modelo médico e estas subjetividades fortalecidos por Bermuclez e pelos médicos c psiquiatras pauli.,tas que se interessarn pelo psicodran1a produzem a seguinte situaçào no GEPSP: só se fOnl1al11 COlnodiretores de psicodrama os tnédicos-psiquiatras, em sua maioria Os psicólogos, etn grande parte mulheres, só podem ser egosh01l1t'n."i. auxili.'lfcs e, no nláximo, chegar a diretores em técnica psicodralnática, ou seja, não são considerados terapeutas, sào técnicos. Depois de nluitas brigas com a equipe argentina e a coordenaçio do C;EPSP,conseguem os psicólogos o diplorna de diretores em técnica psicodranlática. "E entendimento do Dr R(~ia.~Rermudez que a funçào de Diretor só pode ser exet-cida por médico psiquiatra e a de ego-au.viliar por médico ou psicólogo (esta «.firmaçdo só fIai se concretizar com a publicação da Regulamentaçao da jonnaçào de terapeutas do Instituto de P..•.. ,:codrama do Crupo de Psicodrama de Silo Paulo. em d('zernhro de '%0, para r/gorar a partir de março de 1970r4.~.
Percebe-se que o psicodrama, na época, ainda como uma prática "alternativa" i hegemonia psicanalítica, aberta a dü'erentes profi'5ionais, está prestes a ser normatizado, disciplinado e medicalizado por Bermudez. Este se propõe - e consegue - "a conferir-lhe um corpo teórico congruente com sua metodologia", preocupando-se "". com a construçio de uma teoria de desenvolvimento ou de uma psicopato[ogia psicodramática"41- idéias que nio estão de acordo com a proposta moreniana, conforme muitos asseguram. Entretanto, meu objetivo aqui nio é uma an:m~e das diferenças teóricas entre Moreno e Bermudez, mas averiguar que tipos de práticas sio produzidas em cima dessas diferenças e que efeitos estio forjando. Pela análi~e do programa do Congresso de 1970, realizado no MASP ao se verificar os estabelecinlentos que apóiam o referido evento, enco~tratnos, dentre os quatorze grupos que se colocam como aderentes, nove ligados à área da medicina/psiquiatria"2.. Por este número pode-se avaliar a forp que oS estabelecinlentos psiquiátricos têm junto ao nascente movllllento psicodramático paulista. 40 41
Bermudez, R.GJ- Op. ÇiL,pp. 14\ e 142. Perazzo, S.Op. dt., p. 160.
42
Programa
dos Congressos
Op. cit., p. OS.
Internacionais
de PSiCOc!rJ.ffil c SododrJ.ffi:l L' de Comunidade
É importante esclarecer que, no psicoc1ram.aterapêutico, à época, o ego-auxiliar é o "tarefeiro", unla vez que as "tarefa--'i"no grupo são feitas por ele. O diretor, ao contrário, é aquele que pensa, que planeja para o ego-auxiliar executar. Este é, deste tllodo, 01ero executor das tarefas pensadas e planejadas pelo diretor. Reproduz-se a divisio social do trabalho no mundo capitaJistico, em que aqueles que detêm o saber, os "competentes", sào vt"'tos como quem de fato entende do assunto, os verdadeiros ilul11inados. Essa divis:lo entre os que ocupam o lugar elo saber - os "colllpetentes'·, ou seja, os especialistas - c o lugar do nào-saher - os "incOlupetentes", isto é, os técnicos e n:lo-terapeutas - acureta efeitos sociais poderosíssimos, O discurso da "competência", possuindo regras preci.,as de exclusão e de inclusão, torna-se instrunlento de dominação, cleintitnidação, Ulna vez que estimula. sentinlentos ele incOIllpetência, de inferioridade; subjetividades eficazes no sentido de menorizar, de desquali1kar e de marginalizar os ditos "nio-com!wtentes". A instituição pSic()cirama,que almeja questionar as práticas psio)terapêuticas instituídas, faz com que suas próprias práticas procluzan1/ reproduzam esses processos de subjetivaçào.
Tcrapêutic:t{"I
Navarro.
M.P, Op_ cit., p. 2'50.
237
Está, portanto, a divisão social do trabalho presente nas práticas que se pretendem "alternativas", manifestando-se de forma natcral e racional. Tal separação entre os que podem planejar e os que somente executam - flagrante nesta situação analisadora - está sendo fortalecida, produzida e reproduzida em todos os niveis da, formações sociais capitalísticas. Tanto que, no mercado psicodramático paulista, o egoauxiliar ganha, na época, cerca de 20% a 25% sobre a remuneração do diretor do grupo. No inicio de 1970, em São Paulo, conta-se que há quatro psicólogas mulheres que, como ego-auxiliares, percorrem diversos consultórios particulares de psicodramatistas - todos homens e médicos - para cumprir e executar as tarefas planejadas por eles (os diretores dos grupos, os "verdadeiros" terapeutas). Esta situação permanece regulamentada nas Sociedades de psicodrama que se organizam em São Paulo até 1976,ocasião em que a FEBRAPé fundada. Entrementes, a "incompetência" e a "inferioridade" geradas são muito fortes e somente com o tempo - mesmo após a prescrição de tal regulamentação - as psicólogas, quc haviam se formado como técnicas em psicodrama, vão aos poucos encarregando-se da direção de psicodramas, assim mcsmo, inicialmente, em co-direção. O Congresso de Goiãnia, em 1980, marca a entrada dessas psicólogas dirigindo psicodramas públicos e se assumindo enquanto psicodramatistas, comentam alguns entrevistados. Por esta situação apresentada, averigua-se não somente a força do poder médico, mas, sobretudo, o fortalecimento do especialismo e do corporativismo com os efeitos que forjam: a desqualificação de determinadas práticas em função da qualificação de outras. A produção de "práticas dominadas", "marginalizadas" e "inferiorizadas", no dizer de Foucault", é legitimada e, por extensão, aceita socialmente pela tirania das que se colocam como "superiores" e "verdadeiras". Este argumento, que é utilizado pelo discurso "dentífico",pelo discurso do especialismo, é absorvido por práticas que, em sua origem, questionam e visam romper com tais monopólios. O movimento psicodramático implica, desde seu inicio, essas prática" esses saberes, esses sujeitos de conhecimento, embora pretenda negá-los em seus di,cursos. 44
Utilizo aqui o que Foucault coloca para os ~saberes domínados" in Microfisica do Poder. Op. cito
238
2 - O ANAIlSADOR PSICODRAMA PEDAGÓGICO Dentro desse modelo médico e dos processos de subjetivação nele presentes, uma outra situação ocorrida na história instituída do movimento psicodramático chamou-me a atenção: a do psicodrama pedagógico. Desde o início do funcionamento do GEPSP há turmas para a formação em psicodrama pedagógico que, se comparadas ao número dos que procuram o psicodrama terapêutico, são minorirãrias. Em 1970, por exemplo, à época do Congresso no MASP, temos no GEPSP, em formação, onze grupos de psicodrama terapêutico e quatro de pedagógico. A formação em psicodrama pedagógico traz, desde seu início em São Paulo, a marca de uma prática de segunda categoria. Em 1968, o GEPSP regulamenta a entrada de outros profissionais não-médicos, somente para o curso de Jogos Dramáticos. Os Boletins n" 01 e 02 assim enunciam a questão: " serão admitidos neste curso: médicos, psicólogos, assistentes sociais, sociôlogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, peda-
gogos, orientadores vocaciona.is,
sa.nilarisias
ou estudantes dessas
especialidades (_.,)_ Fundamentalmente serão desenlJOJvidas técnicas dramt1ticas aplicadas ao ensiNO nesses cursos, (que podem ser) considerados uma "porta de entrada" para o Psú:odrama de modo amplo ',4S (grifas meus).
Em 1969, ligado ao GEPSP, é organizado por Maria Alicia Romafia'" - da equipe de Bermuclez - o curso de psicodrama pedagógico que funciona em local diferente do terapêutico. No Congresso de 1970, nenhum dos 143 egos-auxiliares pertence às turmas do psicodrama pedagógico. Pela análise do programa deste Congresso, percebe-se que os temas são essencialmente relacionados à área terapêutica; sobre o psicodrama pedagógico são pouquíssimos os assuntos comentados. Em final de 1970, quando há a ci,ão do movimento psicodramá45 46
Boletins do GEPSP nQ!!01 e 02, de 1968, citado.."in Alves, L.H. Op. cit., p. 116. Maria Alicia Romafla, tendo feito formação em psicodrama na Associaçâo Argentina de Psicodrama e Psicoterapia de Grupo, dedicou-se a "construir um marco teórico adequado para sua aplicação na educação", surgindo daí o Psicodrama Pedagógico. In: Romana, MA. PslcodramaPedagógico. São Paulo, Papiros, 1987, p. 19.
239
tico paulista e o surgimento de duas Sociedades de formaçào (a ABPS e a SOPSP), os alunos do pedagógico agregam-se a esta última. Entretanto, na assembléia de fomu~'ão deste estabelecimento, a proposta aceita por maioria estabelece que o grupo ligado ao pedagógico não (Cln direito J voto. OCOl a ser votado: sào sócios aderentes. As turmas de psicodranu pedagógico não aceitam tal situação e retiram-se. Mais unu vez, o poder médico se impõe; os terapeutas, que no GEPSP sempre tiveram hegemonia, agora, claramente, "expulsam" as pedagogos. As Sociedades de psicodrama que se organizam naquele n101nen[Q tratanl única e exclusivamente ela formação terapêutica. A pedagógica é desqualli1cada, é inferiorizada. O que esti coerente com os processos de subjetivação fortalecidos no meio "psi" daquela época e ainda hoje vigentes é unu cena atuação clinica, superior ãs c1emaLs. Assim, o modelo valorizado e de referência é o do terapeuta, o do proftssional liberal. Em 1971 organiza-se uma associação dos psicodramatistas pedagógicos paulistas c, no ano seguinte, !v1arisaNogueira Grccb - que havia feito o curso no GEPSP - e Maria Alicia Romana limdam a primeira escola de psicodrama pedagógico: a Role-Playing Pesquisa e Aplicação. "E imporlantr: reconhecer que a l'er/ente adjf!tivada pedagôgka impn'me um conJunto de iniciatil!a.ç e gradualmente vem se estrutumndo como prática com penetraçdo social crescente e nu~ecedora de um estudo ,nais profundo, () proce..'\sode ci'>do entre essas duas 1!('1tentes(a terapêutica e a pedagógica) ndo esconde o controle que a dre(l "psi" exerce desde o início do mol'imento e, segundo Marí'Oa Greeb, denuncia 0/.,' interesses corporatilnstas dos medicos psiquiatras em primeiro lugm; secundados pelos proft.'Osionaispsicólogos. Canota-se também que aié pritJilegitlda a dimensão clinica e terapêutica do pr~jeto moreniano"4' (grifos meus),
Contúrme as subjetividades dominantes no meio "psi" (não somente brasileiro. mas mundial), a instituição formação psicodram:ítica - da mesma fornu quc a analitica - produz priticas que valorizam determinado saber - o clinico - em detrimento de outros, Como já assinalado, ao descrever o I Congresso Internacional de Psicodranu, 47
Alves, L.H. Op. cil" p. 12.~
em 1964, J R. Bermudez declara que considera o psicodrama "essencialmente terapêutico" (ver nota n\.! 11) c esta forma de ver a prática psicodramática é, sem dúvida, aceita e difundida pelos psicoclramatistas paulL5tas. em sua maioria.
O programa da escola Role-Plaviug
denuncia tal lato, observando
que: o psicodmma somente era conhecido como técnica terapêutica, ( ) h'mbora não se possa afirmar de modo consCientf', o proces ..':;O de dicotomizar o homem era claro, o terapeuta trahalha com as emoç(ks (., ) e o pedup,ogo, com o conlelKio dos conhtximentos a serem transmitidos t, .) A fonnaçáo em jJsú.~()drama!Jedagógico foi sea/m'ndo jJara outms pm!issionuú, nao S01Y1i:'11leda educaçdo, ('Otopomue pensamos que todo o /J,,?Ii<;.'Olonull 'indo da area que 1 'ler tl'1n o din.~to de melhot"tu' seu de,'Oempenboe, em se tratando de pessoas que lidam com grupos, por que nào te" tJ(.:e.'>So a uma melodologia de açao Jànlitadora dt, trahalbo com as relaçoes inte,pessoais? h\sas nuo sào me,'cac/orfas, portanto, toda a discritninaçilo de aprendiza/.:enl nm. diz tm'lis da reserva de mercado do que /,ro/Jriamente dt' competéncia "48 (~if()s meus},
Apes~r de estar aind~ m,arcacla peh<.; subjct.ivicbdes domin~ntes
nos
anos 60 c 70 - a ênfase na melhoria d'L' "rclaçôes interpessoai"', na "açào bcilitaclora" no trabalho, na "melhoria cio desempenho" e no "di."lcurso da competência" - a proposLa (13 R()le-Pla~}jng rompe com () cOlpor:ltivi"mo "psi", assinalando que a questão gira em tomo de lI11tl "reSCl'\lade mercado "
e de uma desqualinCl~:ào de tudo o que nào seja terapêutico. Em 1972, já existem cinco grupos de forma\-'~10 em psicodramJ. pedagógico na Role-Playil1g, Ilavcndo por isso lima grande dcmanda. Procura-se, atrJ.vés das técnicas psicoclram:íticas, um tr3halho maL" questionador na educ3(,.~~l(),uma i11lplicacào política que as pd.Licas psicodramáticas
terapêuticas
no Brasil vJ.() perdcn
Ao longo dos anos 70 outras escolas, de fonnaçlo em psicodrama pedagógico vão surgindo em São Paulo. Em 1976, quando a rERRAP é lundada, os grupos ligados ao pedagógico são excluídos, Da mesma forma que as Sociedades de (ormaçio psicodram:ítica, lambém a FEBRAP surgc para dL,ciplinar e 48 Role-Púlying: pesquisa
c participação.
São Paulo, II)H7, min1Cogr., pro OJ l' 02. ,Yíl
normatizar as práticas terapêuticas do psicodrama. O pedagógico continua a ser compreendido como um psicodrarna de segunda categoria, da mesma forma que o psicodrama é visto pela psicanálise como uma terapia de segunda categoria. Alguns argumentos são utilizados pelos terapeutas psicodramatistas: "na época da FEBRAPo pedagógico não fez parte, uma vez que os terapeutas estavam tão confusos entre si, tão conflituados devido ao "racha" surgido após o Congresso de 70, que incluir uma formação tão diferente era muito difícil". "Na verdade, os tempeutas psicodramáticos não estavam, na época, em condições de "lidar" com eles próprios, que dirá "lidar" com o pedagógico". "Somente depois que se resolveu o problema entre os terapeutas é que se começou a pensar no psicodrarna pedagógico". Vislumbram-se as argumentações tão ao gosto das práticas "psi" dominantes então, tão próximas das falas dos psicanalistas "oficiais", tão bem encaixadas nas subjetividades "psi" hegemônicas. Tudo é tratado sob a prinlazia do intirni,mo, segundo análises psíquicas, psicológicas e emocionais dos sujeitos que participam de determinados acomecimentos. Embora os terapeutas psicodramatistas, em sua quase totalidade, considerem o psicodrama pedagógico como uma prática menor, alguns deles, associados ã SOPSP - os mais progressistas, por sinal -, contribuem para a formação na Role-Piaying e em outras escolas paulistas. O fato de a formação no pedagógico estar aberta a qualquer um, sem exígência de curso universítário - as práticas é que irão definir a entrada ou não na formação - e a não-obrigatoriedade de terapia em muito incomodam e agridem os psicodramatistas. Estes - e a criação da FEBRAPo COnflfllla- têm como modelo as instituições formação analítica e a academia, que são reproduzidas por suas práticas ao longo de sua história, embora seus discursos questionem e neguem essas instituições. Ainda que os psicodrarnatistas pedagógicos sejam convidados para os Congressos da FEBRAP e deles participem, somente em 1990 são aceitos como membros efetivos desta Federação. Desde sua criação, as escolas de formação em psicodrama pedagógico têm realizado, também, inúmeros trabalhos de assessoria em diferentes estabelecimentos: escolas, cursos, empresas, LTeches,partidos políticos, etc. Relacionados a este aspecto, estão outros argumentos de 242
alguns terapeutas psicodramatistas para a não-inclusão do psicodrama pedagógico na FEBRAP.Observam que essas escolas de formação estão estruturadas canlO empresas, visando ao lucro, não ocorrendo
isto nas
Sociedades de formação em psicodrama terapêutico. Discurso hipócrita e !à.lso,porque finge ignorar que, mesmo em seus consultórios privados, as práticas psicodrarnáticas, como qualquer outra prática, estão estruturadas em cima de um mercado capítalistico, regido pelas leis da oferta e da procura e que condicionam as relações entre capital e trabalho. Tenta, ainda, dar a entender que as Sociedades de formação, diferentemente das escolas de psicodrallla pedagógico, não estão voltadas para o lucro, nlaS pura e simplesmente para uma formação, a qual estaria abstratamente acima das leis do mercado capitalí,tico. No Rio de Janeiro, os cursos de formação no pedagógico surgem bem mais tarde que os ligados ao psicodrarna terapêutico. Também em solo carioca, as Sociedades de psicodrama constituem-se para, exlusivamente, tratar da formação de terapeutas. Todavia, há uma diferença: se na Paulicéia as escolas de formação em psicodrama pedagógico, pela própria história instituída do movimento psicodramático paulí'ta, estão e continuam até hoje separadas das Sociedades de formação em psicodranla terapêutico, no Rio de Janeiro isso não acontece, já que há dua$ Sociedades (o CPRJ e a SOPERJl que, a partir da segunda metade dos anos 80, além da formação em psicodrama terapêutico, oferecem cursos para o pedagógico, sob a denominação de psicodrama aplicado. No âmbito fluminense, também evidencia-se a desqualificação desta formação, até porque o tempo de formação é bem menor que o exigido para o psicodrama terapêutico.
IV -
ALGUNS
EFEITOS
DAS PRÁTICAS
PSICODRAMÁTICAS
Chegando a um determinado ponto - e não a um final - na caminhada que me propus fazer no território psicodramático, é importante assinalar que este Capítulo não pretende em hipótese alguma "concluir" ou "fechar" algo em relação ã expansão das práticas psicodramáticas no eixo Rio-São Paulo, nlaS apenas refletir sobre como tais práticas foram sendo produzidas e que efeitos geraram e continuam gerando. 243
Se, em seu início, as práticas psicodramáticas - C0111 a inlluência que sofrem do lll0Vunento contracultura] - pretendem inaugurar espaços terapêuticos "alternativos", vemos que isto, no Brasil, é amortecido c rapkbtnente esquecido_ Em São Paulo, sem dúvida, o pSlCodrama, no linal dos anos 60 e início dos 70, é o precursor ela quebra da hegemonia psicanalítica. Ruptura,que se concretizará, Ctn parte, lllais tarele, na segunda metade da década de 70, por força do próprio momento histórico da época e graças ao "empurrão" dado pela segunda geração de argentinos e pelo movilllcnto lacaniano. No inicio da década, não há outra formação "psi" etn São Paulo além da SBPSP, que não a psicodramática. Há grupos ainda pequenos como o do Sedes (organizado por Madre Cristina) e trabaU10s isolados de alguns junguianos e corporalistas, como A. Gaiarsa. Contudo, Cln solo pauli')1.a, o movimento psicodranlático tem essa função, - pelas influências já vLstas de D. Bustos e pela força das subjetividades dominantes no meio "psi" -, vai incorporando gradativamente uma série de conceitos psicanalíticos. Desde seu início em São Paulo, o psicodrama traz a marca registrada de urna prática privada de consultório. Ao contrário de Moreno, que sCll1pre utilizou ü psicodrama dentro de um enfoque grupal, no Brasil ele é prioritariamente utilizado no âmbito chamado "individual", Fora esses aspectos, a própria prática pSicodrdmática, inicialmente importada dos argentinos - a c()O'ente representada por R. Bennudez -, postula a supremacia do modelo médicu, também condizente com parte das subjetividades hegemónicas no setor "psi" da época. Questões que estão presentes nas situações analisadoras já abordada..s. Tanto o modelo médico, que domina de início, como os conceitos psicanalíticos posteriormente absorvidos apontam para doLs aspectos: I) a escola de psícodmma se uiabiliza atendendo e correspondendo a demandas de profissionais de saude mental,- .2) a escola se ('slmtura 1!Oltadapara a prãtica lihf!ral e se de:J.tina,por
Cetto, a
demandas
de
setores sociais que mx:essituvam e podiam
arcar com o onu..<;; de tais semíços Assim vai se constituindo o psicodrama "49.
Hoje, apesar de grande parte dos psicodrarnatistas il)
Alvcs,L.H.Op.dt.,p.lJ4
ter grande
influência da psicanálise. aparecem alguns que se colocam como íllorenianos, Senl querer entrar em tai.')aná!ises, por não ser o objetivo deste- traballlo. é impoItlnte res.';;altar que a ii1o.')otia que c11liasa o pSlCodramJ mnrenL.'1no n}o conct'ltllJ nem trabalha C0l11a ··lalta·. J. "carência", confofInc Jaz a psicanilise. Ao contrário, Moreno enfati/'..a aquilo que há de positivo, as potências que o ser humano carrega e que necessitam Sl?rdesabrochadas. Porém, ao nio trabalhar com a "falta". o psicodrama cai num humani.'mlo-cxi"tencbJ extremamente forte. presente na obra de Moreno. Ao adotar esta base humanista-existencial. as práticas pSlcodramáticas - assim C0l110as terapias rogerianas, gestáltica.s C' "corporais", que sedo vi')ta5 no Capítulo seguinte - reduzem () ser humano e a cxi')tência a uma abstraçào. a uma essência universal ic1calizada, em que todos sào inteiramente livres e íg~lajs. Não é por acaso que toda.c; essas terapias consideradas "alternativas", incluindo também o psicodr::lIlla, são gcstadas no território dos Esta.dos Unidos da. América. Solo fértil para a produção dessas subjetividades: a liberdade. o ser humano. as relacôcs interpessoaic; nu indo em abstrato c nào como produçc)cs lli.c;tórico-,'meiais, 'Esta" terapias. segundo Russel)acolJy. fazem parte elo que chama de "Psicologia Confonni.c;ta""i!',clnbora venham no bojo de movinlentos conlestatôrios e liberadores. Pr::iticasnas quais o "exi",teneial" e o "aqui e ::.tgora"preclominatl1, nas quaL'"a "espontaneidade", a "realizaçào", "as relações intcrpessoais" são palavras de ordem Preocupações que trazem implicitamente" crcnp na democracia liberal a qual, ao pregar a liherdade e o igualitarismo, cnloGI todos os sujeitos C0l110livres e iguais, e levar :Idi:Inte seus projepodendo transcender SU::I prôpria sitLl:It,.'~10 tos, um:1 vez que todos possuem lima livre escolha. Por isso, a saída é a solul,,:ào pessoal, ainda que () enfoque cmpregado seja o grupal. Isto demonstra que (J tranalho grupalista - j~japontado - nio é garantia para um:I atuaçào desnatur::.tii;..o:adora.transtórmadof;1 OLJltesalíenantc. como nluitos apregu::ll11. Não obstante todos esses aspectos aqui levantados, as pr::itiC::lS psicodratnáticas, que nasceram nas nl:IS e praç:ls de Viena, intimamente lig'J.dasaos 111ovimcntossociais"il, comportal11 esta alternativa: o trJ.balho SO Jacoby. R. Amnésia Social. Rio de J:wt'lm Zahar. I
244
nas ruas, a atuação extramuros do consultório. Os chamados Sociodramas Públicos, pouco utilizados no Brasil - menos ainda no Rio de Janeiro - mostram a importãncia das técnicas psicodramátic",s". Entretanto, ainda é grande a resistência à realização de Sociodramas Públicos, fora do espaço congressual, por parte da maioria dos psicoclramatistas brasileiros. A maior parte fica no estreito território bem resguardado de seus consultórios particulares, alegando um eventual despreparo e argumentando que o sociodrama é uma prática que necessita de melhor embasamento teórico e maior amadurecimento por parte dos profISsionais que o desenvolvem. Além dos Sociodramas Públicos, ocorrem atuações, ainda que isoladas, de profissionais psicodramatistas que fogem aos estreitos muros de seus consultórios e mostram uma forte inlplicação política, como destaca, em 1971, o Grupo Latino-Americano de E. Pavlovsky. Especialmente na década de 1980 - pelo próprio momento político brasileiro - aparece uma série de trabalhos psicodramáticos de cunho institucionalista em muitos estabelecimentos públicos, notadamente em São Paulo. Até por não entender as técnicas como instrumentos neutros mas como ferramentas que podem servir para manter e legitimar ou, ao contrário, desnaturalizar instituições e transformar realidades, segundo ",sdiferentes formas como são encaradas e manejadas -, torna-se possível às práticas psicodramáticas a produção de espaços singulares. o fortalecimento de movimentos instituirltes, mesmo que de forma provisória.
CAPÍTIJLO
ALGUMAS PRÁTICAS LIGADAS AO MOVIMENTO DO POTENCIAL HUMANO
Adentrando ainda maLsno vasto território psicoterapêutico dos anos 70, no Brasil, observamos - notadamente a partir de sua segunda metade - o surgimento, e posterior expansão, de uma série de práticas colocadas como "alternativas" e que se anunciam no Congresso de Psicodrama do MASP,em 1970. Como assinalei, as prátic",s psicodramáticas abrem, no início desta década, o cantinho para a formulação de outras concepções de psicoterapia. Estas, das quais irei citar as práticas rogerianas, as gest;ílticas e, sobretudo, as chamadas "corporais" - que se originam diretamente da obra de W. Reích - estão estreitamente vinculadas ao Movimento do Potencialllumano.
I- O SI
'52
Sobre isso ver a trajetória de ).L. Moreno in Aguiar, M. (ürg.) O Psicodramaturgo. Op. cit.; Schutzenberger, A. A. Op. ciI.; Alves,L.H. Op. dt. e Naffah ~eto, A. O Criador, a Criação e a Obra: Um Ensaio sobreJ.L Moreno. Dissertação de Mestrado - USP, 1977, dentre outros, Em São Paulo, há uma equipe formada por Regina Fournault, Ronaldo Pamplona, Vânia Crelier eoutros que, desde o início de 1980, fazem Sociodramas Públicos. Alguns já apresentados nas do Homem (~Macho! Masculino, ruas e praças paulistas foram: o das Diretas, (1 da Aids, Homem"), o da Semana Antlmanicomial, o da Violência, o da Mulher ("Mulher, Trabalho, Culpa"), o da Constituinte e o do Trabalho (~Trabalho, Suor e Salário").
°
246
IV
MOVIMENTO
DO POTENCIAL HUMANO
o chamado
Movimento do Potencial Humano' desenvolve-se nos Estados Unidos, na década de 60 e, na primeira metade da década seguinte, expande-se para vários paises europeus, como Inglaterra, Holanda, Bélgica e França, por intermédio dos chamados "Centros de Crescimento" e "Centros de Desenvolvimento do Potencial Humano". 247
Intimalllentc associJclo 30 movimento cootrJCllltuiJ.l, () Movimento do Potencial Humano apresenta também, como palavra ele ordem, a famosa tr-.lSC do ;'glIIU" elacontracultur;) Timotlly Leary: "sc ligue, sintonize c caia fora" i , ;'Cair for;)" do sistema, do consumo, das tradicionais organiza\~ôcs familbrcs c sexuais; do insÜtuído, em suma.
C'loMovimento do Potencial Humano as técnicas da bioenergética de A. Lowen c da gestalt-terapia de F. Pearls se integram aos grupos de encontro de C. RogefS. Alguns incluem também a Psicologia Bioclinâmica de G. J3oyesen, embora esta autora - assim como Lowen, discípula de w. Reich':' prefira não se colocar neste Movimento. Segundo G. Lapassade,
"""àzerda l'ida uma eelehraçdo do Imeer e da alegria, ,
rastro da /)('{lt gC!llcratioll dos anos ')(), tanto a contracultura como o Movimento do Potencial Humano propôenl uma revolut;,:ào ;) partir das práticas cXl<>tcnciai<;; imediatas, livres das repressões sod::li.s impostas pelo capitalismo
estamos diante de uma corrente coletiva que tem vários fundadores. cujas obras convergem para uma prátíca, de maneira tal que os pontos comuns - redescobrimento da impottâncUt do corpo, mptura com Freud e rechaço da analise e da logoterapia - tJÍnculam-se para jormar um novo programa terapêutico dentro de um movimento cultural mais vasto ,>4.
j\'o
A década de 60 é, nos ESlados l1nidos muitos países,
l',
posteriormente,
em
a dficada dos "/Jip/Jies'; dOI,' ji/stil'ais de "ro(k~ das comunidades, das ondas mi-;;ticas.da tilwrarào s('.u.al, do u.so de droga.'" das cmnna-;;, dm eahelos lon!{ox dar; rou/JlJ.Scoloridar;. da alimentaçào macmlJi6tica e natural. 'na,- é tamhém a década dar; manifeslaçoes e.r;tudantLr;,dentro l' fora das unilJersidades Surw'm os Reatü!\ os Nollings .\'/ones,fimi lIendti't~ JanL.r;Joplin, 130b Dylan, entre tantos ( ) Os mdo.> de massa W' encarregam de difundir os simIJ%s da agitaçun /úl'cnil. '/JUz'", "amor". "F/o;J('t' Pou'cr", "era di' aquariu.r;', 's()cü'(lade de crmsumo", "alJU/ar lI" cstnitUnlS': "car'eta', "maluco', 'ia era '; ':vou an' ({'ha! vou eat'~ "Pamdise ,Vou': "cw1içao'~ "!Jara/o': "deshunde': "und~rgnmndn r.) AIRo nol'f) está acontecendo, e asfaml1ias jxy{ueno-lnuRuesas !'i' aSsustam e nao entendem /XH' que seuçfilhos se tornam os nonos bã,.hams em plena era da teenoJoRia "'.
Sofrendo tod:L<;; essas inJluências c inserindo-se em um delL'rminado momento histórico norte-:llllericano - movimentos cootestatúrios pelos direitos civis dos negros e contr;) a g-uelT;1do Vietnã -, o Movimcnto do Potencial r Iumano cngloh;) diferentes escolas de pensamento e incorpora os m;)i~ variados procedimentos, sintetizando as novas pSÍCoterapbs de grupo, o antiteatro. as filosofias oriundas do Oriente e as técnicIs corporai,> - do grito à Illcdita(,.:j(L Turn Oft. lur71 in, and dm[) ouf, Llmosa lrJ.,',L'1I0 pruk-s~()r
.2
uniVL'rsitario
Tim(lthy
Bueno, 1\.1..1..Contrat.~ullura: As Utupia. ••("m Marcha. (lI'. cit., r D,i ldt'm,
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Ll·J.f)-'
o principal foco de difusão desse Movimento está na Califórnia, onde, na década de 60, são fortes os grupos híppíes e a contracultura. Sua origem remonta a 1962. O ponto de referência é o Instituto de Esalen" cuja finalidade consL'te em descobrir os "meios de melhorar o potencial humano", valendo-se de um conjunto de técnicas grupais, corporais, psicodramáticas, bíoenergéticas, de massagens e da mosofia oriental. ':As novas teraptas testemunbam assim o jato de que e possivel instrumentalizar a subjeti~'idade e a intersuhjetividade por interuençoes exteriores. Elas promovem uma visão do homem pela qual se concebe ele mesmo como um possuidor de uma espécie de capital (seu "potencial"), que gere para dele extrair uma mais-valia de gozo e de capacidades relacionais. Ha, em suma, indiuíduos subdesenvolvidos e em vias de desenvolVImento, como os tecnocratas dizem dos países do terceiro mundo, E, para se desenvolver; e preciso, lftera!rnente, investir e trabalhar, jazer justificar seu potencial humano"6•
Se no campo terapêutico se desenvolvem os prinClplOs do chamado "potencial humano", no campo pedagógico o mesmo movimento é acompanhado. A Teoria do "Capital Humano" está presente e é hegemônica nos anos 60, nos Estados Unidos, e faz parte de um conjunto de teorias de desenvolvimento neocapitalista· que toma vulto no 4
Lapassade, G, Socioanállsi'i Y Potenc:lal Humano. Madtid, Gedisa, 1980, p. 39. . Esalen, localizado em Big Sur, no litoral da Ca.lifórnia, leva o nome de uma tribo indígena norte-americana, Castel, R. A Gestão dos Riscos. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1987, p. 146. Sobre o assuoto consultar também Castel, R. et aliL I.aSocIedad Psiquiatrlca Avanzada. Barcelona, Anagrama, 1980
') o [nslituto 6
249
início dos anos 60, com O governo Kennedy, tal como um mecanismo para recompor e articular a hegemonia imperi,,-lista. A perspectiva de modernização, subjacente a este projeto desenvolvimentista, passa a ser instrumento para a busca de uma "melhoria" das condições das nações subdesenvolvidas. Da mesma forma, o Movimento do Potencial Humano busca uma "melhoria" das condições psicológicas do sujeito. No entender de G. Frigotto, a Teoria do "Capital Humano" encontra espaço efetivo de sua necessidade e de seu desenvolvimento na fase monopolista, das Ultimas quatro deeadas, do modo de produção capitalista, cuja forma de Estado corresponde à fase do Estado intervencionísta "7,
Ela estabelece, ainda, que a educação é o principal investimento de uma sociedade, por produzir trabalho. Com isto, realça a importância do investimento nos recursos humanos de uma nação, na expectativa de futuros retornos; forma-se o "capital humano" de um pais ao se investir na escolaridade, no treinamentos. Da mesma forma, o investimento no "potencial humano" de cada um passa a ser a palavra de ordem no campo terapêutico, o qual, nos anos 60, nos Estados Unidos, será caracterizado por um fortc movimento grupalista, com maratonas, workshops laboratórios de sensibilidadc grupos de famílias, de jovens, de cons~lheiros conjugaL" tendo com~ pano de fundo o movimento contracultural, as lutas dos negros por seus direitos civis, a guerra do Vietnã e a "guerra fria". Esta década é marcada em solo norte-americano por - violentos distúrbios sociais e crescente demanda de direitos civis e igualdade de oportunidades diante de empregos, hab~ tação e escolarização. Dados estatísticos da epoca mostram como os negros, que constituem 10% da força de trabalho norteamericana, representam 20% do total de desempregados'>').
Somam-se a isso a segregação nas escolas e a desigualdade de oportunidades habitacionaL,. As reivindicações dos negros nos anos 60 ~ conhecidas como Black Power e Black RelJolution - bem como as 7 8
9
Frigotto, G. A Produtividade da Escola Improdutiva. São Paulo, Cortez, 1986, p. 71. Sobre o a::;sunto, consultar Coimbra, C.M.S. "As Teorias Educacionais Hegemônica..~ nos Anos 70 no Brasil~. In: Cadernos do ICII. Rio de Janeiro, UFF nº 28, 1990. Costa, A.M.N. "Privação Cultural", "Privação LingiIstica" e «Familia" . In: Velho, G. e Figueira, S.A. (Orgs.). Famma. Psicologia e Sociedade. Rio de Janeiro. Campus, 1981, 183-21 '5, p. 184.
250
violentas revoltas urbanas e a pressão exercida pela população em geral, com apoio de estudantes e muitos intelectuais, criam sérios problemas, associados aos distúrbios contra a guerra do Vietnã. Tudo L'to nos leva a perceber que esta 'febre grupal" não se desenvolve por acaso; ela é produzida pelo momento hi'itórico norte-americano, marcado por essas lutas bastante violentas e pelas subjetividades familiatista, intimista e psícologizante hegemônicas à época. Através dos grupos tenta-se 'resolver" e/ou fragilizar as freqüentes reivindicações: esvazia-se o público e aglutinam-se forças no campo psicológico, no privado, no farniliat. A década de 70 - o pós-6S - é caracterizada pela chamada "crise das instituições" e se traduz não mais por revoltas ativas, mas pelo comportamento de abandono, apatia e desencanto, simbolos internacionais desta crL,e,o qual irá produzir o recrudescimento dos grupos de encontro, travestidos Com roupagens ditas "alternativas", principalmente na Europa e, depois, no Brasil. Segundo G. Lapassade, estas práticas "alternativas" mesclam-se com os grupos de encontro. Discute este autor em que escola se deve buscar a gênese do movimento dos grupos de encontro"- Declara, contudo, como muitos outros, que foi C. Rogers o precursor e criador desses grupos que, nos anos 60, são modificados pela introdução "... do corpo, do gn'to, do transe, da nudez que não estavam no programa dos grupos rogerianos (.J () molJimento atual do "encontro" e, em sua origem, essencialmente ca/ijorniano_ O T Croup e o grupo de base rogeriano sdo um marco, o dispositivo em que se ínjeta a nova cultura, na qual contJergem con!n'butç6es da contracultura enquanto ideologia e experiência, mas também a influência da., novas fonnas de psicoterapia "11.
Um primeiro movimento de atividades grupaL, nos Estados Unidos, definido como atividade psicossociológica", desenvolveu-se no tlnal da década de 40 e inicio da dc 50, com a união das influências de 10
11 12
Sobre isto coloca que muitos atribuem a Moreno a paternidade do termo (ver sobre o assunto Schutzenberger, A.A. Op. cit.l. Para outros, entretanto, este movimento surge da dinâmica de grupo em sua aplicação clínica: o T. Group, o grupo de diagnóstico, o grupo de formação. Ver Lapassade, G. Op. cit., pp_ 40 e 41. Lapassade, G. Op. cit., p. 62. A psicossociologia caraeteri:w.-se pela intervenção nos estabelecimentos através de uma atuação grupaI, ernati2mldo-se as relações interpessoais. É uma postura marcada pela orientação positJvista e funcionalista da SocioloRia elas Organizações e pela Psicologia Social dos pequenos grupos, como, por exemplo, as dinâmicas de grupo iewinianas e o T. Oroup.
2.,1
J. L. Moreno, K. Lewin e C. Rogers. Desse modo. os gnl pos de encontro rogerianos contribuem, juntamente C0l11o 1l100uento histórico norte-americano. desde os anos ';0. para a "preparação" do MovinlcntO do Potencial Humano c vêm no rastro dos T Gmups Estes, originados da dinâmica de grupo lewlnianacomo já apontei anteriormente -,cnfatizanl a sociologia dos grupos e nào a da psicologia. Tendo Como base teórica a dinâmica de grupo, os T Gmu/Jscolaboraram para a difusào dos conceitos lewinianos e também para outras noções vincubdas às investigações com pequenos grupos. O primeiro training gmup foi realizado em Bethcl, no Maine, tornando iamosos os grupos de verào desta cidade. No final dos anos 40, fonnouse o National Training Laboratories com sede em Washington que, por mais de duas décadas, vai oferecer uma série de atividades grupais. Os gnlpos de encontro rogerianos surgem com objetivos diferentes daqueles cultivadus pelu T Gmup, POlSorientam-sc, flmdamentalmente, para o "crescimento pessoal", "desenvolvimento" e "aperteiçoamento da comunicaçào e das relações interpessoai."l". Ao longo dos anos essa orientaçlo para o '-crescinlento pessoal" funde-se com os traininggrnups e conjuntamente formam o núcleo do MOVllnentoGmpali<;taque se espalha pelos Estados llnidos nos anos 60. Portanto, o termo "grupo de encontro" provém de C. Rogers, conhecido autor do "aconscUlalnento não-diretivo", que o cunhou, em 19'i0, ao Guacterizá-Io como voltado para uma 'evoluçào pessoal", para lima "melhoria", graÇh')às experiências vivida." através da.'icomunicações c das rclaçôes interpessoaisL3, O enfoque rogeriano
taz parte do quc ficou conhecido como psi-
cologia hunJanlsta ou Terceira Força -termo l1Jnhado por A. Maslow _, pois opôe-se tanto ao behaviorLr..;moquanto à psicanálise. Segundo a clellniçào de Maslow, a Psicologia Ilumanlsta passa a ser entendida por seus seguidores C01110muito mais do que U111:1 tcnria. específica, tornando-se uma atitude dingida a um melhor ('ntenditm>nto do homem o significado da ) &ta nol'a abordagem em P'iÚ:ologiahu..<;ca I"
Em SI;'U livro GnJpos de Encontro (São Paulo, Martins Fontes, !llíOl, C. Rogers enuncia logo no primeiro Clpituio a origem e 0.5 objetivos des.~l·S WUfXJS, assim como faz referência às moc.lalidades l' formas clifercntes com que os grupos de encontro na déClch de 60 se apresentam, principalmente nos Estados Unidos.
2,2
existência humana e as condições onde ocorrem a autoatualização do potencial do homem e seu funcionamento total como pessoa em husca de uma realizaçdo criatit'a. O homem, nessa abordagem, é visto em sua totalidade, integrado e interugindo com outros homens e seu meio "H.
Estes semo, de um modo geral, alguns dos pontos em que se basearão, nos anos 60, as terapias consideradas "alternativas". Tanto () AconseU,amento Centr"do na Pessoa de C. Rogers, o Psicodrama de J. L. Moreno e a Gestalt-Terapia dc F. Perls quanto as terapias "corporais" seguimo esses princípios da chamada Psicologia Humanista. "OS Estados Lnidos a corrente humanista-existencial, representada por Roilo May, A. Maslow e o próprio Rogers, procluz desde o pósguerra - década de 'i0 - processos de subjetivaçào que pensam e priorizam a pessoa, o autoconhecimento, a Iiberaçào do sujeito das annrras sociais. E a Psicologia HUll1anista traduz 111uitobel11tais questôes, as quais atingem seu apogeu nos anos 60, junto com o movimento contracultural, fazendo parte do Movimento do Potencial Humano. O Movirnento (;rupalista norte-americano - iniciado pelos T. Gmups e pelos gnlpos de encontro rogerianos - expande-sc progressivamente e, em 1962 - ano dos primeiros grupos em Esalen -, uma nova geraçào de animadores californianos de grupo com grande influência de A, Lou!(!11,W Schutz, F Pearts e outros apresentam um novo estilo· o grupo de encontro com as terapias ditas "alternativas"l,.
o ponto comum de todas essas pmticas é, antes de tudo, o repúdio à psicanálise, em beneficio dos chamados catalisadores - os analisadores terapêuticos na linguagem da análise institucional. Estes - os ealaIisadores - são os que servem de mediaçào entre o paciente e o terapeuta, cujas intervenções estruturam o encontro. Isto permite - afin11am us "potencialistas" - ir mais além da chamada "terapia da fala" ou "Iogoterapia". 14
1'5
Morato, H.T.P. "Abordagem Centrada na Pessoa: Teoria ou Atitude na Relação de Ajuda?" In: Rosemberg, RL. (Org,). Acon. ••elhamento Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo, EPU, 1987,24-44, pp. 31 e .,2. Lapassade, G. Op. cit., p. 4.2. Sobre o assunto ver também Schutzenberger, AA Op. cit., onde há um histórico c:bs mai~ divcr~os enfoques teóricos e técnicas utilizados no Movimento do Potencial Humano
2,3
A novidade no Movimento do Potencial Humano é a redescoberta do corpo e do desejo. "Enquanto que até agora todas as formas de análise psicológica e social se baseavam na fala e no esquecimento do desejo, eis que
um novo movimento vem alterar essa hipótese de base e destruir, assim, os dispositivos anteriores) tanto o psicanalítico socioanalfttco
como o
"16.
É necessária uma breve explicação, pois isso trata-se do desejo encarnado no corpo e produzido por ele e não de um desejo apenas expresso na linguagem como entende a psicanáli~e. Não é que a psicanálise esqueça o desejo; ao contrário, é ela que mais fala sobre ele de um desejo que está sempre em falta e não de um desejo produtivo e produtor. como nos observa Deleuze. Pelo questionamento que fazem de todas as formas instituídas, os anos 60 trazem a crença de que os grupos que estão emergindo na época não teriam suas ações integradas ao sistema institucional vigente. Ledo engano, poi~ muitas dessas práticas, que se pretendiam instituintes, são gradativamente integradas ao sistema, das formas mais diversas. Este movimento grupali~ta, que assola os Estados llnidos, nos anos 60, tem como um dos temas a liberação do corpo. Contudo, ao se trabalhar a sexualidade e a nudez nesses grupos. elas passam a ser defmidas como um valor. Lapassade observa que; " .. esta liheraçào não chega ao fundo de suas implicações_ Pode ocorrer que um gmpo de encontro termine com práticas se>.:'Uais grupais. Mas, no mais das ()(!zes,vê-se os animadores dos grupos frear sutilmente o movimento, controlar as pulsôes coletiuas, insUtuir novas formas de tolerância repressiva. Na ala direita do Moulmento. C Rogers anuncia que a invasão da.; grupos pelos "nudistas" e outros participantes indesejáveis pode desemhocar no/racasso"p.
A liberação, na realidade, torna-se uma palavra de ordem. um outro dispositivo de controle da sexualidade. e, por conseguinte, uma "liberação" com limites morais, ianquizada e asséptica, que captura e não libera. Sobre esse movinlento califomiano, incluindo também Rogers, PerL" 16 1"7
Iapassade. G. 0r. dt. p. 173. Idem, p. 43.
Lowen e vários outroS, encontra-se uma sériedé pontuações desen' volvidas por Max Pages18 que dizem respeito a vários aspectos da atuação dessas "terapias grupais". Dentre as que considero mais importantes, ressalto aquela que se refere às atividades dirigidas por um expert, fazendo com que a espontaneidade seja contida. Existe nesses grupos um aspecto normativo, pois é necessário expressar-se de tal ou qual maneira; ser "autêntico", ser "honesto", etc. Dai a decisão de se expressar ou não fugir ao cliente, que não tem, por isso, a possibilidade de inventar um modo de se relacionar com os demais, que seja próprio dele ou do qual possa se apropriar. A tão "propalada" não-diretividade torna-se, em realidade, uma hiperdiretividade, porque o que domina dentro do grupo é a regra do nãosaber''. Os canais de comunicação somente funcionam para reduzir ou suprirnk a fala dos participantes e os sistemas de poder são dissimulados sob a fachada de um funcionamento "democrático". Um outro aspecto prende-se à dependência, com respeito aos formadores e/ou terapeutas, que é extremamente reforçada nestes trabalhos. Os sistemas de repressão e censura são muito fortes nesses grupos, estando os participantes totalmente subordinados aos coordenadores. Assim, estão obrigados a sentir, a gritar, etc., tudo o que os "mestres" mandarem. Estes mantêm zelosa e secretamente a direção política, econômica e subjetiva de suas ações. Com relação às dinãmicas - relações entre formadores/formandos, terapeutas/pacientes, etc. - e condições sócio-políticas da vida cotidiana transversalizadas pelo próprio contexto histórico, tanto G. Lapassade quanto M. Pages afirmam que estas dimensões não são abordadas nesses grupos. Unicamente são encarados os obstáculos internos e individuais, uma vez que a expressão de idéias e a ação social estão proibidas. As condições sociais, políticas, econômicas, as hi~tórias da conduta dos individuas e de suas repressões sociais estão completamente ocultas nesses grupos. O sujeito não é visto como produção histórica datável e localizável mas sim como um ser em si, natural.
18 19
Sobre o assunto, ver Lapassade, G. Op. ciL e Pagês M. Orientação Não-Diretiva em Psicoterapia e Psicologia Social. Rio de Janeiro, Forense, 1976. Segundo F. Guattari há duas produções grupais: os grupos sujeitos e os grupos assuteitados ou objetos. In: Guattari, F. Psychanal}'5e et Transversalité. Paris, Maspero, 1972.
25';
Tambénl, o pr()IJfio funcionamento do grupo nào é analie;;.ado já que tudo é reduzido a problemas intcrpcssoais. Scg-undo M. Pagcs, C. Hogcrs e seus disdpulos americanos ligados à psicologia social J
estarwn, a nosso l'e1; ex:ugemdamente lnJluenciaâ{)~ pelo mod{'lo da /)sicoterapia indil'iduul quando trataram do.~ /)roh/emas de! ;.:ru/m ( J, cle!s limitam çua analise ao n rl'C/ das relaçon intetl)('.<;:soaú 1-,
N:1ohá análise possível do sistema de decisc1cs.do h.lllcionamento econômico da sess~lo (' Cl<)S proccss{)S de su!Jjetivaçào presentes nesses grupos.
são vistos como os ~mos da inslitucionaliza~;lo. Se antes grande parcela da juventude de classe média, em termos mundiais, pretendia mudar a sociedade c a vida, na década cle 70 prioriza-se a muclanca no plano pessoal. Se antes (] objetivo era mudar () mundo. do que decorreria a muclanl,.':1nos próprios sujeitos e em Sllas rclaçücs. nos I() passa-se a qucrer SOtllcntc uma tllue!an\'a na.<;"repressóes intenlJ.."'''e a "experienciar" uma liberdade dl"svinculada de uma realidade social concreta. O "sufoco", que marca a primeira metade dos anos 70 no Brasil (' no mundo, lncellliva em muito os compOltamentos de alx.ltlclono, apatia c drop-out marGldos pela contracultura já
A ciominaçào dos coordenadores (formadores e/ou ter3pcutas) trJ.dllz-sc através de SU~L'" pdticJ.."',que 13vorccem e ate~mesmo engendram tendências religiosas. mística,,;, apelando-se para as rcligiües orientai,:> que, 30 mesmo tempo. deIxam entrcver um sonho de paz, de equilíbrio, de :abcdoria, de refúgio fora do mundo, sem conllitos e contracliç()cs. Encerrando estas anJ!ises, (f" L.apassade conclui quc: "o ,11ol'Ífnento do Potencial Ifumano se I'incula, com 'uas h'cnicas, em I'ez de u uma dircrâo autocritica e hun)(nÜica r./.a economia, u uma díl'eçao tokmnte l'epn'.',sil'a .1 e.'-1)l'es ..\ao reduzida à "..~ji!l'apsicohiológlca indil/iduaJ alcança iodo mundo Permite aos empn'gados terem grat?ficaço{'s, agradall('"i" reo'elos, uma I>ida/)rÍ/'ada menos triçte. enquanto os dirigentes dirigem a economia. /;",sobretudo, essrA."te(.'nicas di/o o último toque à dominaçiw nor1e-amen'cuna so!J,'e a EurojJa ( J FazC!m i"so, e'1x'cialmente, ao coiocar em moda o "ilo·/Je,uwr Com úto, contrf!)uf.'m jJara destmir' a autonomia do pl'nsamento, dos intelectuaL" dos centros de l'IalJOraçao de um pensumento e d(! uma açdo sobre a tran\1ormaçao social ( j Em u.ma palatora. aceito o grito, o transe, a descar1;a emocionul, mas rechfl{o a ideologia do "amor" californiflno ( ) ram/)em me custa sobremaneira sUj)()rtar - melhor dizendo, nao os supor'to em absoluto - e,"se' esten'Ótipos de pnx(1)tore5 que .'mTiem .~'L"tematicumente, trazendo uma alLwia uJetuda, a!)mçm~ ejitsoes e ate certo aspecto hipócrita do animadorlihemdo, amigo de todos, bencl'Olo, imlJUÍdo de sua mir;sao ··terapêutica" e muito decidido a comercializa-la ",~I (grihl.'j me'HS),
em .•• ua fase de decadéncía, jn/c!orizada e ussimilada pl'lo sistc-ma qt.u>jOnA tdo mdicalmente! comhalido IJIAI .. ('m 19m, a frase famosa do c'v-Beat!<.'}abn /1't'lnon, na musica intitulada "God" 'Ihe! dream is OI'er. m}' /riend/th(' dream fI'as ml' yesterday" ecouncio, porsua I'eZ, no\ anos da músicu de (,'i1IX'110 Gil intitulada, l'u,'tamente, ·,()\lJrlbo Aca1Jou" "o sonho acabou e quem nua donnitl/no sle(1)ing-iJaf4/rU"msequer sonhou/como )0; pesado o sono/pra quem nem sonhou
Compre-endem-st' as características que marcam, de um modo geral, as terapias ditas "alternativas", como uma resposta ao desencanto que grassa no período ]lós-(lH, Os sentimentos ele impotência e apatia - principalmente entre a juventude - passam a ser generalizados, não somente na América r.atina. (mele ~L'" ditaeluras nülilarcs já ccms()Jiuaclas e aparentemente vitoriosa.",em rcb~-jo aos movimento." de oposiç1o, como também nos paLo;;;es eurupcus, E este momento histórico consagra prática...•.• t' subjetivielu.1esvolladas ]XU:I () interior, l) psicológico, o intimo, () privado. () bmiliar. A saída é entendida com() uma s{)lu~.-,;1() individual; juslifica-se. entào, o enon11Csucesso que ~lSterapias "alternativas" têm, especialmente. entre oS jovens, Sobre isto LJpassaelc assim se expressa: "Para os jJotencialil,-tas. O,'i conflitos /JOdem C' rief'l'm ser "C'solr'idos no aqui e agora do rncontm, em um cJimu imediafO de arnor e reconciliaçào, Para os ,\ocioanafístas, o. c()n.llit(~s de grupo e.'1Jrcssam conflitos de c!a.<;"e l' de instituiço('s que /x)dem e del'f'm ser tmhalhados e elucidados, mas que nâo /Joc!em scr resoll'idos no a(Jlll c aRora {lO enconm)":' (grit()<;. 111<.'11.'> l
Se os anos 60 são os anos dos institllintes a nível mundial, os 70 2IJ Pages, ,/l,1. tlp.cil"PP 21
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Não é por acaso que pela Europa, principalmente na Inglaterra e Holanda, no início dos anos 70, expandem-se os Centros e t;mpos de "ajuda-te a ti mesmo", organizados por muitos terapeutas corporais, como os do Centro de Bioenergia de Londres e os da Fundação Internacional de Psicologia Biodinãnúca de l1trecl1t, ambos ligados a Gerda Boyesen. Estes grupos vêm no rastro dos que, nos anos 60, surgiram nos Estados Unidos, como o Centro para Estudos da Pessoa de C. Rogers e os Centros de A1JtO..Ajuda de F. Perls. Passa-se a trabalhar o corpo, a energia, a pessoa,
o que aconlece
intrapsiquicamente cm cada sujeito. A liberação sexual, a liberação dos sentidos, a liberação feminina e a expansào tornam-se as grandes palavras de ordem da época e as terapias chamadas "alternativas" prometem para o aqui e agora a liberdade e a felicidade. Estas terapias "alternativas" têm, portanto, a caracteristica do "sonho acabou". Nào se tem o que fazer, nem para onde ir; há um vazio político e existencial. J\cste clima, no dizer de Luiz Carlos Maeiel, " medram a luta clandestina e o deshunde. &tamQS penetrando num 'paraíso" consen-'ador, o cHma.'\" da ditadura, com o milagre do Delfim e a repressdo finalmente cientifica, o BratiJ do ame-o ou deixe-o, alta., barras. Em 1970 ('stamos sem perspectil1as"l4.
É esta falta dc perspectivas
que faz com que muitos se voltem para dentro de si mesmos, buscando "desbloquear e desreprimir" seus impulsos, tentando quebrar os "fasci')mos internos", valendo-se dos mais variados nleios. ~ão é por acaso que o mi")ticisnlo religioso é mTIa das facetas dos movimentos contracultural e do Potencial Humano e muito influencia as terapias "alternativas". A grande frase na época é: "Por que nào?", dentro da música de Caetano Veloso, Alegria, Alegria!. Emende-se perfeitamente a inquietude existente no ar. Por que nào experimentar a alegria da vida? Por que não canlinhar "contra o vento. sem lenço e SeJll documento, nada no bobo e nas màos'" Por que nào experimentar no aqui e agora tudo o que se pode experimentar' Quebram-se a$ defesas, rompem-se as
Este é o Movimento do Potencial Humano nos anos 70, que muito irá influenciar os gestaltistas e "corporalistas" brasileiros os quais encanúnham para estes Centros norte-americanos e europeus. Assim, pretendo - após esta rápida análise sobre o Movimento do Potencial Humano em sua gênese nos Estados Urúdos, nos anos 60, e sua expansào pela Europa nos 70 - destacar algumas dessas práticas psicoterapêuticas "alternativas" que, no eixo Rio-Sào Paulo, começam a crescer na segunda metade da década de 70. 1\0 entanto, como os grupos de encontro rogerianos estão na gênese do Movimento do Potencial Humano e possuem, principálmente em São Paulo, no fInal dos anos 60 e início dos 70 - antes da expansào das terapias "corporais" -, alguma força, comentarei algo sobre essas práticas.
11 - As
PRATICAS DE "ACONSEUlAMENTO"
ROGERIANAS
As práticas de "aconselhamento psicológico centrado na pessoa" terão diferentes utilizações em São Paulo e no Rio de Janeiro. Neste, o enfoque se voltará mais para o campo pedagógico, enquanto que na Paulicéia, desde seu irúcio - no final dos anos 50 - o "aconselhamento rogeriano" tem uma aplicação maior na área clírúca, sendo claramente apresentado como "... um modelo clínico (mais amplo que o psicoterápico)"", acompanhando sua própria gênese nos Estados urúdos. 1- NA PAUIJCtIA
...
o próprio termo, cunhado em Sào Paulo, "..-psicólogo-conselheiro '; aponta para a construção de um pro( ..) torne mais clara e delineada uma função do psícólogõ com características específicas que Justíftquem uma disUnção com relação à
jissumal ''jJsi''que, através do enfoque humanista-existencial,
barreiras e as "estruturas arcaic3...'5do sujeito". entra-se na "nova era".
imagem
Acredita-se, portanto. na expansão. nos encontros, no desahrochar ele
que normalmente temos dopsic6logo clltlko
".;ti
(grifos
meus).
cada unI. 25 24
Maciel, l.C Os Anos 60. Op. dt., p. 88.
2b
Schmidt, M.L.S."Aconselhamento Psicológico: Questões Introdutórias".In: Rosemberg, R.L.(Org.). Op. cit., 14-23, p. 23. Idem, p_ 23.
259
A partir de 1964, quando o professor Oswaldo de Barros Santos começa a lecionar "Aconselhamento Psicológico" na USP, tem inicio a expartSão do que chamam "Psicologia HumanL'ta Aplicacla" e um maior conhecimento sobre C. Rogers. É importante não csquecer - pois já foi apontado - que existe em São Paulo, desde 1968, o GEPSA(Grupo de Estudos de Psicologia Social Aplicada), oferecendo formação de "monitores dc grupo". Muito inIlucnciado pelas dinãmicas de grupo de K. Lewin, pela técnica do T Group e por uma pcdagogia que é uma mescla de não-diretivL,mo e método ativo, deste grupo saem, de um modo geral, muitos profissionaLs interessados no "acon')elhanlento centrado na pessoa" e nas práticas chamadas "alternativas". Uva época}, o Acon..<;elbalrwntoé uma disciplina l'ista pelos acadêmicos como 'pleheia" por ser declaradamente profissionalizante (J É ele que pennite atender a problemas de ajustamento psicológico, transições existenciais penosas, comportamentos inadequados, conseqüências de deficiências frsicas, mentai,; ou sociais, coutrapondo~se às curas das patologias definidas pela Psicologitl atnica ,,27 (grifos meus).
Assim, acompanhando a tradição histórica das terapias '·alternativas" nascidas nos Estados Cnidos, nos anos 60, também no ·Brasil o "aconselhamento rogeriano" vai se colocar como um contraponto à psicanáli')e e ao behaviorisnlo. Os alunos de Oswaldo de Barros Santos, dentro dos atendimentos e supervisões fornecidos pela própria cadeira de "Aconselhamento", iniciam em solo paulista esta forma de psicoterapia. Tanto que, em 1966, dentro da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da IJSP, instala-se, ligado aos cursos para Vestibular do Grêmio, um Serviço de Psicologia. Suas principaL>figuras são Iara 13velberg e RacheI Rosemberg, ambas alunas de Oswaldo, que implementam este Serviço dentro de uma orientação humani<:;ta-exil)lencial "'/""0 Cursinho para Vestihular. partid/Jávamos de reuniaes de coordenação, jaziamos palestras e orienlaçao nas classes, organizavamos grupos para testes, administrávamos nossos ser~ viços e finanças, ouviamos os projessores, atendíamos aos adolescentes. "li< 27
Rosemberg, RI.. 'Introdução: BiogrAfia de Um S:n:içu". In: Rosemberg, Rl. (Org.l. Op.at., 01-13, p. 02. 2.60
Nasce, assim, o Serviço de Aconselhamento Psicológico (SAP), que fará parte integrante do Instituto dc Psicologia da USP, após a sua organização. Posteriormentc, o Serviço de Psicologia do Departamento de Cursos para Vestibular do Grêmio da FFCL da USP "... não pôde continuar por intervenção dos militares, no próprio Cursinho ..."'9 I\os anos 70, o número de alunos-estagiários do SAP aumenta gradativamente, tendo em vL'ta a demanda produzida cm cima das subjetividades dominantes na época, a "crise" da família e a necessiclade de terapia para seus membros, principalmcnte seus filhos adolescentes. Ao lado disso, consolida-se também a subjetividade que enfatiza a "pessoa conlO centro", seu autoconhecimento, sua "liberdade", seu "crescimento". É como afirmam alguns "rogerianos" paulL'tas, seguindo as idéias do próprio C. Rogers, "Ivo mundo atual tão turbulento, o conselheiro é procurado para fornecer ajuda a pessoas que estão passando por mudanças em suas umas, que estão uivendo intensos momentos de transição, com muita dor e angUstia por sentirem destruído seu equilíbrio e tr>remdificuldade em recuperar-se"3ú.
O próprio SAP,nos anos 70, expande o número de profLssionaL, em serviço, com a contratação de mais professores, psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais. Isso porque não somente o número de clientes aumenta, mas também pela erescente solicitação dos mais variados serviços como consultorias, orientações c palestras. "Datam desta época numerosos debates entre pais efilhos, reuniões com professores, assesson·a.,;a escolas, palestras em salas de aula e reunióes com pais e mestres. Em alguns lugares, prestál!amos assis~ tência psicológica direta a pessoas que não poderiam se din"gir ti Cidade Universitária Para atender a necessidades diversas, inventávamos, descobríamo.<; e adaptávamos recursos e técnicas. Assim, por exemplo, u/Üizávamos alguns dos primeiros programas de teleuisão realizados na USP- versando sobre adolescência - para promover uma ampla série de reuniões de pais, com a finalidade de orlentá_los"31. .
A partir de 1974, com a saida de Oswaldo de Barros Santos ela 28 z)
30 31
Idem, p. 03. [dem, p. 0'5. Morato, H.T.P. Op. cit., p. 26. Rosemberg, RL. Op. cit., p_ 07.
26t
USP, sua ex-aluna RacheI Rosemberg assume a cadeira de "Aconselhamento" e torna-se figura importante dentro do enfoque "rogermno" paulista e mesmo brasileiro. É chamada para as mais variadas e diferentes assessorias e consultorias e passa a ser elemento constante em programas de televisão. Ao lado disso, encontram-se aqueles que passam por este Serviço na condição de estagiários. Ao se formarem, abrem seus consultórios privados, contribuindo asim para que o "aconselhamento centrado na pessoa" aplicado à área clinica venha a se expandir em São Paulo. 1.1- O Grupo de Abordagem
Centrada na Pessoa
Sem dúvida alguma, a USP e com menos intensidade a PUC/SP e o Sedes, são os estabelecimentos que, nos anos 70, irradiam esta forma de psicoterapia. Tanto que, no início da década, é fundado o Grupo de Abordagem Centrada na Pessoa, tendo à frente o pessoal do SAP da USP, como Oswaldo de Barros Santos, Rachel Rosemberg, Agripino Alberto Domingues e outros mais. Em 1976, com a vinda de C. Rogers ao Brasil, !ante no Rio como em São Paulo, intensificam-se os chamados "grupos de comunidade": grandes grupos que são um desenvolvimento, na abordagem centrada na pessoa, dos "grupos de encontro" e costumam durar de um a dez dias, "... com cárater residencial e objetivo psicossocial, de viver como comunidades autodirigidas"32 O mais célebre ocorrido na época é o de Arcozelo, no Rio de Janeiro, com a presença do próprio Rogers e sua equipe. Em São Paulo e no Rio - com aplicação mais pedagógica - a ênfase é dada ao trabalho grupal, baseando-se nos "grupos de encontro". 1.2 - O Sedes Sapientiae Rachei Rosemberg e sua equipe realizam as mais variadas experiências de grupo, inicialmente de caráter clinico e, progressivamente, mais pedagógico, como as maratonas e os "grupos de comuni32
dade", voltados para o "crescimento pessoal e social". Em 1981 fundam no Instituto Sedes Sapientiae o Centro de llstudos da Pessoa, organizando um sistema de formação de facilitadores de grupo com grandes encontros anuais. É interessante notarmos que em São Paulo - diferentemente do Rio de Janeiro - o "aconselhamento centrado na pessoa" atrai muitos profISSionais "psi" progressistas, alguns, inclusive, engajados nas lutas de resistência contra a ditadura militar, como é o caso de Iara Iavelberg. A atenção, contudo, deve estar voltada não apenas para as gêneses do "aconselhamento" nos Estados Unidos, como também para as pessoas que, em São Paulo, nos anos 60 e 70, são importantes para a expansão desta forma de psicoterapia: Oswaldo de Barros Santos e Rachei Rosemberg. A própria gênese do "aconselhamento ce~trado na pessoa" no decorrer dos anos SO e 60 nos Estados Unidos, que - como já mostrei - vem no rastro dos T Groups e das dinânticas lewinianas e, posteriormente, sofre grande influência do Movimento de Potencial Humano, liga-se, indubitavelmente, a algumas parcelas "progressistas" norteamericanas. C. Rogers - afora seu idealismo e as criticas já assinaladas pretende promover algumas mudanças nas relações paciente/ter"peuta e aluno/professor, ao questionar em seus diferentes textos a autoridade e o poder destes especiali,tas. Deseja também realçar - dentro do caldo de cultura do Movimento do PotenciallIumano - as idéias da vida em comunidade e da autogestão. Questiona tanto a psicologia acadêntica norte-americana quanto a pedagogia tradicional, ambas baseadas na verticalidade e na opressão. Aproxima-se do humanismo de E. Fromm, atua algumas vezes com R. Laing e concorda em parte com o trabalho do pedagogo brasileiro Paulo Freire, na época exilado". Em São Paulo, tanto Oswaldo de Barros Santos quanto Rachel Rosemberg - ambos progressistas - e muitos de seus alunos sentem-se atraidos por esta vertente da psicologia humanista: Justamente num momento em que se questionam, a nível mundial, as verticalidades, as opressões, as violências que as chamadas "minorias" sofrem e se tenta encontrar caminhos diferentes dos tradicionalmente trilhados. Particu33
Idem, p. 10.
262
Sobre o assunto ver Rogers, C. R. A Abordagem Centrada na Pessoa e o Oprimido o Poder Pessoal São Paulo, Martins Fontes, 1978, 107-11).
26:J
in Sobre
larmente no Brasil, onde a ditadura sem disfarces já está se instalando, fica a sensação .de que entrar na clandestinidade e/ou na luta armada, como muitos decidiram, não é o caminho. Considera-se fundamental a acumulação de forças e para tanto a atuação em seus locais de trabalho, como uma forma de resistência, passa a ser a tarefa número um. A psicologia humanista, a metodologia não-diretiva e, enfim, as terapias "alternativas" aparecem para muitos como uma resposta. A própria "antipsiquiatria" é estudada na época e Rachel Rosemberg é uma das profissionais "psi" que, em São Paulo, conhece no fmal dos anos 60 e início dos 70 a obra de R. Laing, influenciando cont isso muitos jovens "psi" paulistas. 2 - E NO RIO DE}ANEffiü: O CENTRO DE PSICOLOGIA DA PESSOA Em solo carioca - apesar da influência do Padre Benko, desde os anos 50, na PUC/Rj, com sua Psicologia Humanista - é somente nos fins da década de 60 que, com os trabalhos realizados pela professora Rum Scheeffer da Fundação Getulio VargaslRJ, há uma maior expansão na área pedagógica do "aconselhamento" psicológico. Rum tenta unir aquilo quc chama "aconselhamento não-diretivo" com a utilização de testes psicológicos, tão enfatizados na FGV, onde trabalha"'. O "aconselhamento não-diretivo", no Rjo de janeiro, vem no rastro dos trabalhos de dinâmica de grupo de inspiração norte-americana que, nos fms da década de 50 e na de 60, expandem-se principalmente na áIea clinica. O chamado "desenvolvimento interpessoal" é uma preocupação por parte de muitos profLssionais "psi" que, mais tarde, aderem ao enfoque rogeriano ou ao psicodramático, como já foi assinalado. Este movimento grupalista é intensificado na áIea pedagógica a partir dos trabalhos de Rum Seheeffer sobre o "aconselhamento nãodiretivo". Tanto no atendimento psicológico a alunos como no treinamento de professores e na relação professor/aluno, serão muito enfatizados os princípios da Psicologia Humanista dos "grupos de encontro". Os aspectos "compreensivista", "empático", o "autoconhecimento" e o 34
Sobre o assunto ver Scheefer, especialmente o Capítulo 04.
R. Aconselhamento
264
PsJcológko.
São Paulo, Aclas,1976,
"crescimento pessoal" tornam-se palavras de ordem em alguns estabelecimentos escolares cariocas. Surgem, nessa época, uma "parafernália" de exercícios e vária., publicações de livros - final dos anos 60 e por todos os 70 -, com o intuito de orientar o público sobre a aplicação de certas técnicas de dinâmica de grupo para uma "melhor"compreensão do outro, de si mesmo e para "melhorar" as relações no trabalho. Estas práticas de inspiração humanL,ta e não-diretiva procuram caracterizar, para todos aqueles que de tal trabalho participam, o aspecto "igualitário" e "democrático" produzido nesses grupos. Tentam, por lUcio das sensibilizações, trazer à tona as emoções, o que transforma o grupo num terreno fértil para as catarses que, ao se realizarem, destituem aquele espaço de qualquer caráter instituinte. O instituido nesses trabalhos grupaL, é apenas negado no imaginário, poL, através da emoção, forças que podem se tornar perigosas pelo seu teor de contestação são canalizadas para funcionar entre quatro paredes, em circuito fechado. Lá fora, há violência, de todo tipo. A ditadura militar - em sua fase maL, feroz - persegue, tortura, assassina e desaparece COll1 os opositores politicos; dentro cios grupos, todos se amam, todos se compreendem, todos são "autênticos", estão no cantinho do "crCSCU11cnto" e da "liberação", buscando suas "identidades" pessoal e profL>siona1. Os anos 70 no Brasil tnarcam esta orientaçào em rnuitos cstabclecirncntos escolares, urna vez que, por intermédio da chamada "1nodernização" da educação, são enfatizados os aspectos técnico-psicológicos; os proHssionais preocupam-se realmente com a relação professor! aluno, com técnicas e métodos voltados para uma melhor aprendizagCln e () "crescimento pessoal" daqueles que estão inseridos neste processo. Esta demanda então produzida é plenamente respondida pelo "aconselhamento não-diretivo", mu ito utilizado nos estabelecimentos escolares cariocas por profio:;;sionaisque tênl como "..Junçào básica ser o iJ.cilitador do processo de desenvolvinlento humano, através da relação de ajuda quc estabelece com o outro"". A vinda de Rogers e sua equipe ao Bra,il, em'!976 - como já foi salientado -, faz com que, no Rio de janeiro, esta demanda pedagógica se amplie. Tem início, tanlbém. um incipiente movimento ligado à área clínica o qual resultará, no final cios anos 70, na fundação do Centro de
~s
Defrnição de "psicólogo-conselheiro"
dada por Morato, HTP. Op. cit , p. 27.
26';
Psicologia da Pessoa, um espaço onde se procura refletir a respeito do pensamento humanista e a prática psicoterapêutica através de encontros, workshops, treinamentos em dinâmica de grupos e grupos de estudo, sobre psicologia e psicoterapia humanista. A par dos comentários enunciados no Capítulo anterior - sobre psicodrama - e em relação a alguns princípios da Psicologia Humanista, há outros pontos que gostaria de destacar, especificamente os que tratam do "aconselhamento centrado na pessoa". O primeiro deles refere-se ã naturalização, mitificação e reificação do ser humano, o qual, além de ser configurado como um ser em abstrato, tem no "aconselhamento" fortalecida a crença da existência de sua natureza "em si mesma". Um outro aspecto diz respeito à reificação e idealização do grupo, o que não é exclusivo do "aconselhamento", estando presente em muitas outras práticas grupalistas. O enfoque humanista em geral, ao conceituar e entender o grupo de maneira abstrata e não-histórica, da mesma forma que ocorre com a chamada "natureza humana", delineia o grupo de forma otimista, idealista, tal como uma realidade "pura", uma "coisa em si", quando afIrma que "os grupos têm sua própria sabedoria" . A capacidade humana é naturalizada, a liberdade e o grupo são vistos em abstrato e não como produções históricas. E a própria realidade é percebida também em abstrato, de forma extremamente idealista. A história é negada e a percepção do sujeito é reificada; só ela existe, não sendo vista como uma produção datada e contextuallzada historicamente. Como efeito desses princípios que orientam a Psicologia Humanista, encontramos nos profissionais, que aceitam e atuam segundo esta linha, o fortalecimento de uma visão dicotõmica com relação ao pessoal! profISsional e ao social. "(Há) dois papéis cabíveis ao psicólogo, e analogamente,
a um serviço institucional. Somos consultório ou cltnica enquanto atendemos clúmtes, damos assesrorla, superoisionamos. Somos agentes de nuuhl~a social quando cddboranws em planejamentos institucimulis, quando oferecemos nossa presença no cotúlíano da comunidade, quando colhemos e divulgamos dados obtidos em nosso campo de atuaçâo"?f,)(grifas meus). 36
Rosemberg, Rl. "Introdução: Biografia de Um Serviço~.In: Rosemberg, R.l. cOrg.). Op. ciL, p. 11.
266
Cabem algumas perguntas, tais como, a quem e a quê servem estas dicotomias, quando o próprio C. Rogers mostra que os "grupos de encontro" têm sido muito adotados em trabalhos de intervenção em diferentes estabelecimentos (fábricas, igrejas, escolas e até no Departamento de Estado dos Estados Unidos), contribuindo, segundo o referido autor, para uma "mudança construtiva'" A que mudanças se refere? A quem interessam estes tipos de intervenção? A quem e para que servem as chamadas "mudanças construtivas", pelas quais as pessoas adquirem a capacidade de "entender" a si e aos outros, num mundo conflltuado e violento, em que as subjetividades da competição, do massacre possam ser rapidamente naturalizadas, aceitas e fortalecidas? Saindo deste território, é importante lembrar que, dentro da mescla tipica ocorrida no Movimento do Potencial Humano com as diversas práticas que aí se inscrevem, também ocorre tal fato com alguns "rogerianos" paulistas e cariocas.
m-
As
PRATICAS DA GESTALT-TERAPlA
"Fiqueiprisioneiro da rigidez dos tabus psicanalíticos: a hora exata de 50 minutos, nenhum contato ocular ou social, nenhum envolvimento pessoal (contratransjerênôa/), Fiquei prisioneiro de todos os adornos de um cidadão quadrado e respeitável: família, casa, criados, ganhar mais dinheiro que o necessário, Fiqueí prisioneiro da dkotomia trabalho e diverlimento: segunda a sexta versus fim de semana. Simplesmente me desvencilhei da minha raiva e rebeldia, tornando-me um cadáver-computador como a maioria dos analistas ortodoxos que conhecia ",37 F.Perls
O ex-psicanalista alemão F. Perls, criador da Gestalt-Terapia'·, nos anos 50, nos Estados Unidos, sofre as influências que esta década e a seguinte trazem, o movimento grupalista COll). o crescimento e a difusão dos grupos de encontro; o movimento hippie e a contracultura; a difusão do uso de drogas; a revolução nos costumes e comportamentos familiares e sexuais; a influência mística oriental; o rechaço à psicanãlise, 37 38
Perls, F.5. Escarafunchando Perls. São Paulo, Summus, 1979, pp. 59 e 60. Também chamada pelo práprioPerls de "terapia existencial".
267
e outras mais. Florescem, na época:
1 - NA PAUllCÉIk
".,. inovações de carater aparentemente quase lúdico e.wrclCWS de intensificação do "potencial humano ", técnicas de deserwolvimento do capital relacional, produção de uma cultura psicológica de massa que consumidores buJímicos ingurgitam
como um analogan de formas de sociabilidade perdidas. E a gestào das fragilidades individuais .. ; a promoção de um trabalho psicológico sobre si mesmo que jaz da mobilização da pessoa, a nova panacéia para enfrentar os problemas da ~>ida em sociedade"39 (grif05 meus).
o próprio Perls a isso se refere quando, na Introduçào. de seu livro Gestalt- TerapiaExplicada, publicado em I%9 nos Estados Unidos, observa que: ".. há uma luta entre o fascismo e uma revoluçâo em curso, e que nos cabe ajudar as pessoas a se libertarem de suas tiranias internas, a se tornarem mais reais, preparando assim o caminho para profundas mudanças sociai.,,'!40.
É a partir de 1966, quando PerLsinstala-se em Esalen, na C-aJifórnia, naquele tempo conhecido como centro do movimento gnrpalista nonealuericano41, que o Movitllcnlo do Potencial JIuluano encontra seu auge nos Estados Unidos.
Entretanto, ao Brasil- com exceçào do "aconsell",mento centrado na pessoa" de C. Rogers, que aqui se inicia nos anos 60, notadamente em São Paulo -, as práticas oriundas do Movimento do Poteneial Humano somente cheg'.lm na segunda metade dos anos 70. Dentre elas, estão as ligadas à gestalt-terapia que, se comparadas com as terapias "corporais", conhecidas como "neo-reichianas", ocupam no eixo Rio-São Paulo um lugar secundário.
39 40 41
Castel, R. A Gestão dos Riscos. Op. cit., pp. 17 e 18. Ciomai, S. "Gestalt-Terapia Hoje: Resgate e Expansâo".1n: Revista de Gestalt, Sedes Sapientiae, Ano 1, no;! 1, 199t, 09-26, p. 10_ Segundo o próprio Peds: "Esalen principiou como uma hospedaria, tendo a atração especial banhos_ Quando vim para Esalen ainda era uma hospedaria pública com alguma'! palestras e :iemináríos L.). Agora somos um instituto privado em expansão caminhos para a s:midade, o crescimento e desenvolvimento do potencial humaoo ( ...). Estamos apenas começancL:) a descobrir meios e caminhos efetivos de crescimento que podem produzir mudanças". In: Peris, f.S. Op. cit., pp. 124 e 130.
mo;
268
O SEDES SAPIEN11AE
É, especialmente, na Paulicéia que estas práticas irão se expandir um pouco lTlais,elnbora ocupem lugar secundário em relação às "neoreichianas". E será o Instituto Sedes Sapientiae o grande irradiador de todas essa...c;psicoterapias conhecidas como "alternativas" na segunda metade dos anos 70. No entanto, é na IJSP que, a partir de 1973, se estabelecem os primeiros contatos com a gcstalt-tcrapia e a obra de F. Perls. Neste ano, Therese Tellegen, professora da Psicologia, vai a Londres, onde conhece e se encanta C0111 a.ehalnacb "terapia existencial" ele Perls. No nlcsmo ano ela traz para São Paulo Silvia Peters, que realiza alguns workshojJ-s. Therese Tellegen foi uma das fundadoras e coordenadoras do GEPSA - já assinalado no Capítulo [] - que no Congresso de Psicodrama do MASP comparece como uma elas representantes elesse Gmpo de Estudos de Psicologia Social Aplicada. Logo depois ela vinda de Silvia Peters, por intluênci.a ele Therese, um pequeno número de psicólogas - algumas com experiência psicodramática - organiza um gmpo de estudo de Gestalt" que, em 197')eom exce~ão de Lilian M.Frazio eJean C.Juliano -, vai para os Estados Unidos a fim de obter uma breve forma~ão em gestalHerapia. Em Los Angclcs, conhece Robert Martin que é convidado a vir para oBrasil, enl 1976 e 1977, com o propósito de realizar treinamentos intensivos. Nestes lneStnos anos, aparecem 3..<; primeiras trJduções dos dois pritneiros livros de F. Perls no B'.lsil: Gestalt-Terapia Explicada e A Abordagem Gestáltica e A Testemunha Ocular da Terapia. A partir ele 197') até 1978 este mesmo grupo faz viagens sistemáticas aos Estados Unidos parJ. formaçào, terapia, worksho/Js, vivências, etc. Vão a Esalen, Los Angeles e ao Instituto de (;estalt de São Francisco, onde trabalha e dá formação a prinlcit-a geração ele discípulos de F. Perls. Em 1977 tem início no Instituto Sedes Sapieritiac a primeira formação em gestalt-terapia organizada por Therese e Tessy. Inicialmente. em 1976, junto com Ana Verônica Mautncr, responsável por um curso 42
Além de 111erese Tel1cgtoo,t3.zem parte dJste grupo liliao Meyt.'rFra7iio. nlereZlI bnt7BChl (Tessyl, Jean darkJuliano e Ibque1 Vieira ch CUnfu.
de terapia "neo-reichiana" no Sedes, buscam promover. experimentalmente, uma aproximação entre a Gestalt e Reich, principalmente com a Bioenergética de A. Lowen. Esta experiência dura um ano e, a partir de 1977, inicia-se a formação propriamente dita em gestalt-terapia. Este curso até 1980 é de 6 meses; a partir dai, até hoje sua duração é de .'3 anos, com teoria, supervisão e terapia. Paralelamente ã formação dada no Sedes, este grupo gestaltista inicial, após suas constantes viagens aos Estados Unidos, pensa em formar um núcleo paulista que congregue pessoas ligadas ã área. Em 1980, informalmente, fundam o Centro de Estudos de Gestalt de São Paulo, no qual oferecem formação, realizam workshops e vários outros trabalhos em diferentes cidades paulistas e no Estado de Santa Catarina, onde - no início dos 80 - organi7""m um núcleo de gestalt. .Este Centro de Estudos de Gestalt de São Paulo - o primeiro no Brasil- organiza, em 1981 e 1982, respectivamente, a 1 e a II Reunião Nacional de Gestalt- Terapeutas, reunindo, em São Paulo, inúmeros proflSsionais brasileiros que trabalham com esta abordagem. A partir dai, o Centro começa a ser mais procurado por um número maior de "psi" para formação em gestalt-terapia.
começa a influenciar alguns gestaltistas paulistas que viajam para fazer esta formação. A grande critica feita naquele momento por estes proflSSionais refere-se ao frágil arcabouço teórico/fJ.]osófico da gestalt-terapia praticada no Brasil, que ignora a "riqueza" da relação tr:msferencial e de outros conceitos psicanalíticos, assim como as várias raízes teóricas da gestalt e os fundamentos fJ.]osóficos da abordagem fenomenológicoexistencial. Muitos entrevistados declaram que esse periodo é o do "resgate e explicitação das bases fundamentais da gestalt-terapia", em que o encantamento inicial dá origenl a uma série de questionamentos, dúvidas e buscas. Nos anos 60 e 70, segundo alguns gestaltistas, predomina ",.. a epistemologia da direta experiência sensorial, o entendimento de que conhecimento, inJonnação e sabedoria não sãiJ sinônimos, e que o verdadeírosaber tem que ser aprendido organísmicamente. Creio que esta ênfase no valor da vi~Jência!da apreensdo atraves dos sentidos, foi uma das características mais marcantes dos movimentos de contracultura dos anos 60_ Em psicoterapia, veio junto com um certo desprezo por elaborações teãricas. O pensar era visto como algo tão ~iciado que só atrapalhava o fluxo da verdadeira "awareness" r...), Hoje em dia (anos 80) a literatura da Gestalt- Terapia se caracteriza por um imporlante resgate do pensare pela ênfase na importância da teoria para nossas práticas. Efta ênfase tem vindo junto com um reconhecimento critico de que muitas das vivências que caracterizam os trabalhos gestálticos da épocaforam fxJr vezes bastante traumáticas, destrntims e humilhantes, dando margem a comentários do tipo 'Jkou pra contar quem sobrevtveu" r.. J Na verdade, o que precisa ser realmente reformulado é o conceito de "vivência ", comumente "mal" entendido como algo que tfecessarimnente implica em atuações de cunhos cênicos, confrontos dramáticos ou episódios de catarses emotivas"44 (aspas e grifo da autom).
Em 1983 chega a São Paulo Selma Ciornai, após vários anos de formação no exterior, e junta-se ao Centro de Gestalt e ao Curso do Sedes com Therese, Tessy e Lilian Frazào. Em 1986, o Centro de Estudos de Gestalt de São Paulo realiza o Projeto "Oficina de Convivio", que, semanalmente, organiza num bar do bairro do Bexiga grupos que se propõem ao "desenvolvimento das potencialidades" de quem se dispõe a participar de um dos temas de cada semana. É o que afinnam ser um processo de auto conhecimento diferente de uma terapia de grupo. Este Projeto funciona por cerca de 2 anos. É na segunda metade dos anos 80, sobretudo em São Paulo, que
se inicia um movimento em busca de um maior embasamento teórico para que se possam melhor respaldar as práticas ligadas ã gestalt-terapia. Nessa década de 80, a vivência não é mais suficiente e importante como havia sido nos anos 60 e 70. Tem início uma aproximação com alguns conceitos da psicanálise, como por exemplo a relação transferencial. No Oregon, na mesma época, Robert Martin dá formação em gestaltterapia associando-a ã teoria das relações objetais" e tal orientação 270
Desse modo, os gestaltistas paulistas dos anos 80 caraeterizamse pela procura "de uma explicitação mais clara dos pilares teóricos" que os sustentam, "de um respaldo mais sólido" para ,o trabalho gestático terapêutico45. 43
"Apesar de o termo Urelação obietal" se encontrar nos escritos de Freude M. Klein, os autores que me foram apresentados como mais importantes e representativos desta vertente Cu) são W.R.Fairbairn, W. Winnicott, H. Guntrip, O. Kemberg, J.F. Masterson, M. Mahler, A. Miller e H. Kohut (mais conhecido como autor da teoria do SelO". In: Ciornai, S. Op. ciL, p. 21. M. Idem, p. la. 45 Idem, p. 11.
271
Além das tentativas ele integrar compreensões provenientes elas Teorias elas Relações Objetais há, também, outras que, elentro ele uma linha fenomenológico-existencial, sugerem uma aproximação com a Relação Dialógica Buberiana. Este temlO "relação dialógica" é relativamente recente entre os gesta!tistas brasileiros, pois .. Iof somente a parttr dos anos 80 que Buher pas..'1a a ser con.çfderado literatura básica. e o termo "relaçào dialógíca" a ser e:-.plicitado, elaborado e alticulado como tal dentro do referencial teórico gestáltico "46.
~os ane" 80, alguns observam que o edilkio ela gestaJt-terapia brasileira está sendo construido; as vivências não são tão empregadas como nas décadas de 60·e 70 e a própria noção do "aqui e agora" passa por uma revL"ão, contendo
funclamentalmentc
a hi.,tória ele viela da pe~c;;oa.
Suceelendo os Encontros NacionaL, realizados em 81 e 82, vários Seminários sobre gestalt-terapia ocorrem em São Paulo a partir de 1986. Já no final elos anos 80, afora os Encontros RegionaL, bienai" realizamse Congressos 1'acionais ele Gestalt-Terapia.
2 - NO RIO DE JANEIRO No Rio de Janeiro, oS chamados gesralti'tas encontram-se dL'per50S c cm núnlcro muito pouco significativo. se comparado às demais práticas psicoterapêuticas da época. até lllesmo àquelas considerada...') "alternativas". Somente em 1976 é que Luiz Duprat - que havia feito vivências com o próprio Perls em Esalcn - inicia precariamente alguns grupos, por tempo limitado, sobre Arleterapia. Em 1977 e 1978, os chilenos Adriana Scheak e FrancL,co Huneuus vénl mensalmente ao Rio c, por tueio de nut-atonas, tOITnam alguns "psi" cariocas. É a partir de 1978, após a viagem de Rogers ao Rio de Janeiro, que uma de suas assistentes,
Maureen
Miller, utilizando
a "gestalt centra-
da na pessoa", oferece lima formaç'ão mais Si')tcluática, visitando durante quatro anos o Brasil. No inicio da década de 80, Décio Cesarin, que havia participado 46
Idem, p. ['7
272
de cursos com Duprm, com os chilenos Adriana e FrancL"co e de várias maratonas com Maurcen Miller, minL,tra workshops que denomina "Laboratórios ele Relações Interpessoais". Somente em 1981 é que Oesarin inicia cursos de formação em gestalt-terapia no Rio de Janeiro. :>reste mesmo periodo, orgarliza-se também em solo carioca o Instituto Gestalt 00 Rio de Janeiro, sob a direção de Margaret Souza de Joode, dirigido para uma formação de três anos em gestalt-terapia, aberta a médicos, psicólogos ou estudantes do últinlo período desses cursos de graduação Além de oferecer formação, o Instituto programa também vivências em gestalt-terapia, cursos introdutórios sobre a abordagem gcstáltica e atenelinlentos c1inicos individuaL~ e em grupo. Margaret Jood havia feito na década de 70 formação em Esalen e São Francisco e, no início dos 80, este Instituto forma alguns profissionais cariocas; entretanto,
na segunda
metade, sua importância
começa a decair.
A história irlstituída e algumas ferramentas teóricas - apontadas ele fOffila bem sucinta - das práticas ligadas ã gestalt-terapia no eixo Rio-São Paulo, pelo que se pode observar, são extremamente precária.~. Em prinleiro lugar, não há quase nada escrito sobre essas experiências. Os eventuais relatos foram retirados, essencialmente, das entrevL,tas feitas com alguns proflSsionais paulL,tas e cariocas, alguns poucos artigos e teses que contêm algo sobre a história ela gestalt-terapia no Brasil e algumas de suas ferramentas". Em segundo lugar, diferentemente das práticas psicanalíticas, psicoclrarnáticas e, mesmo em menor escala, cio '·aconselhamento centrado na pessoa", não há uma história ele institucionalização das práticas gestálticas no Brasil. Conforme será salientado com relação às chamadas "neo-reichianas", a gestalt-terapia, à procura ele uma coerência com suas gêneses em Esalen, não apresenta uma maior irlstitucionalização, o que significa, em realidade, uma menor disciplirlarização e um menor controle sobre a formação de gestalt-terapeutas. No Sedes, no Centro 47
Sobre o assunto, consultar, além da bibliografia iâ citada: Loffredo, A·.De Cotovelo Apoiado no Parapeito da Palavra.: qual é o horizonte? Projeto de Tese apresentado para Exame de Qualificação ao Doutorado - USP, 1987, mimeogr. 2Iotnik, S. Aquisição de Conceitos na Formação dos Psicólogos Humanistas. Dissertação de MestracL:)- USP, 1990. Uma Filho, A.P. Estudo sobre o Método de Experimentos com Sonhos naConcepção de F. Perls. Dissertação de :\1estrado- USP, 1991. Tellegen,T. Refiexões sobre Trabalho com Gtupos na Abordagem Gestáltlca em Psicoterapia e Educação. Dissertação de mestrado - USP, 1982 e da mesma autora: Elementos de Psicoterapia Crestáltica. São Paulo, 1972, mimeogr.
273
de Gestalt de São Paulo e no Instituto Gestalt do Rio de Janeiro, não obstante a instituição de uma formação, não se verificam grandes limitações e tanta rigidez quanto nas demais formações "psi". A formação gestáltica de um modo geral é feita essencialmente como em Esalen cursos, vivên~ias, supervisões ~ nos anos 60 e 70, por intermédio terapias pouco institucionalizadas.
de
Conseguem, com isto, quebrar em parte o autoritarismo, a rigidez, a normatização e o controle tão presentes em todas as demais práticas psicoterapêuticas que se instituíram para "organizar" melhor estas formações. É em cima disto que, de um modo geral, muitos psicoterapeutas ligados a outros enfoques teóricos, em especial à psicanálise, desqualificam e menorizam a gestalt-terapia, relegando-a como wna prática inferior e pouco séria. A mesma acusação será feita, como veremos a seguir, às práticas "neo-reichianas". Embora seja incipiente o número de gestalt-terapeutas no eixo Rio-São Paulo, suas técnicas se expandem bastante e são muito empregadas em diferentes áreas, principahnente em trabalhos grupais nas escolas, empresas e hospitais. Resta lembrar que muitos profissionais que se dedicam à gestaltterapia tiveram também formação e sofreram influências da Bioenergética de A.Lowen, não somente no exterior, mas também no Brasil, com a vinda de alguns "bioenergicistas", como Anne Baulmann, que, no fInal dos anos 70 e inicio dos 80, promove uma série de worksbops no Rio de Janeiro. Malgrado tal influência, os gestalt-terapeutas, de um modo geral, criticam hoje - assim como o fazia F. Perls'" - as práticas bioenergéticas. Assinalam - como Perls e G. Boyesen - que A. Lowen produz catarses que pouco levam à elaboração, pois a força com que abre a couraça termina por fechá-la da mesma forma. Eis porque ela é considerada uma psicoterapia essencialmente catártica e autoritária, que suscita grandes defesas. Quanto ao trabalho terapêutico gestáltico, afIrmam ser mais "suave e sutil", à medida que insere e "integra o corpo em seu meio". Apesar de F. Perls não se valer da técnica do "grito primaI" como fazia G.Boyesen, já no fmal de sua vida - morre em 1970 - vai sendo pouco a pouco conduzido para o campo da massagem, por influência 48
Sobre o assunto, consultar a autobiografia de Perls, F.S. Escarafunchando
274
Perls. Op. cito
de Ida Rolf e da própria Gerda. Assim como esta, Perls utiliza muito o choro, pois segundo ele o pranto suave acompanha o "derretimento" de uma couraça rija e o aparecimento de sentimentos autênticos. Comenta Perls sobre a Bioenergética, no que é acompanhado pela maioria dos gestalti
E, em 1969, faz um alerta sobre o modismo das psicoterapias "alternativas", ao mostrar que as chamadas terapias "estimulantes", em realidade, começam a se ligar na Hcurainstantânea"J na "consciência sensorial instantânea". Afmna ele; "Estamos entrando na fase dos homens charlatães e de pouca confiança, que pensam que se vocês obtiverem alguma quebra de resistência, estarão curados. sem considerar qualquer nece,
Portanto, Perls percebe e se preocupa, no fmai dos 60, com o modismo que a década seguinte traria em reiação às chamadas terapias "corporais" que, no fmal dos anos 60 e por todos os 70, se expandem de seu principal centro, Esalen, o privilegiado lugar que irradiou o Moviruento do Potencial Humano.
IV - As
PRÁTICAS "NEO-REICHIANAS"
Dentre os discipulos de W. Reich que mais irão influenciar os "corporalistas" brasileiros estão A.Lowen, o criador da Bioenergética, 49 50
Idem, p. 220. Perls, F.S. Gestalt-Terapia
Explicada.
São Paulo, Summus, 1977, pp_ 13 e 14.
275
nos anos 50, nos Estados Unidos, e na década seguinte, na Inglaterra, D, Boadella e a norueguesa G, Boyesen, criadora da chamada Psicologia Biodinâmica, Os norte-americanos A, Lowen,John C. Pierrakos e Charles Kelley acompanham a fase de Reich - anterior à americana, antes de 1948, conhecida como a fase da vegeto terapia, na qual há uma influência grande das teorias freudianas da libido e da sexualidade, assim como da análise do caráter reichiana - durante o seu exílio na Noruega, a partir de 1934, antes de sua partida para os Estados Unidos, Os europeus D. Boadella e G. Boyesen também sofrem influência desta penúltima fase de Reich, mas seus trabalhos seguirão caminhos diferentes dos discipulos norte-americanos. Já outros norte-americanos, também discipulos de Reich nos Estados Unidos - Baker e Rolf - seguem a última hse do "mestre": a americana, conhecida como Orgonoterapia. Estes fundam em Nova York um Instituto de Orgonomia, bastante rígido, hierarquizado e medicalizado, onde só médicos podem fazer a formação orgonõmica. Se há diferenças - colocadas aqui de forma bastante superficial, pois tal tema foge ao assunto deste trabalho - entre os enfoques desses discipulos de Reich, há um ponto comum que em muito irá influenciar os "neo-reichianos" brasileiros: relegarem a um segundo plano e, por vczes, ignorarem as contribuições trazidas ao debate freudo-marxista por este pensador em suas primeiras fases. Assim, a entrada dessas vertentes reichianas no Brasil - a orgonoterapia c a vegetoterapia - apresenta-nos duas questões. As práticas corporais difundidas no eixo Rio-São Paulo, na segunda metade dos anos 70, levam à "despolitização" do corpo, porque OS prinCIpais discípulos de Reich, com maior influência na f01ll1açâodos "corporali~tas" brasileiros, produziram-nas exatamente desta forma, escamoteando ou, mesmo, ignorando as contribuições sócio-políticas do "mestre"? Ou, ao contrário, estes discípulos, apesar de suas próprias proposições pseudoapolíticas e extremamente psicologizadas/psicologizantes, já encontrarJlll em Reich base para a produção de taL~práticas? Necessariamente esses dois aspectos não são excludentes; mas, ao contrário, podem ser vistos como complementares. Observamos, por exemplo, o caso de David Boadella, um dos biógrafos de Reich, seu discípulo, teórico da chamada Psicologia do Corpo e que, na década 276
de 70, em Londres, influencia alguns brasileiros com suas prátic:IS Boadella, ao falar sobre os "caminhos percorridos por Reieh"S!,minimiz:'l sua militância política e "resgata" seus conceitos de forma alienada/ alienante, optando por relegar a um segundo plano as suas eontribuiç""s explicitamente trarJSformadoras. Prioriza portanto o aspecto mai~ adap tável da obra reichiana à produção das subjetividades capitalisticas. Boadella enfatiza apenas os aspectos psicológicos e somàticos - presen tcs. sem dúvida, principalmente, nas últimas fases da produção reiclliana - e ignora por completo as suas contribuições ao debate lreudo-marxi,ta, assinl como sua "teoria da ideologia"';2. Será Boadella o únieo a "esquecer" a "obra soeial" de Reich? Sem dúvida que não, pois A. Lowen - o cTiador da Bioenergética _ vai mais além. O conceito reichiano de "energia vital", chamado por Lowen de "bioenergia", cm realidade é um prolongamento da libido freudiana, e significa a afirmação e não a negação feita pela psicanálise elas implicações soeiaL, embutidas neste conceito freudiano. Lowen retira lhe toda e qualquer implicação soeial, transfo1ll1anc!o-o unicamente em operador dos proeessos psiquicos e somátICOS". Um outro aspecto enfatizado pela Bioenergética é a "reeuper.! çâo" de muitas proposições da Psicologia do Ego, questionadas por Reich. Lowen vai proeurar compreender a basc somática da Psieologia do Ego, considerando-a em ternl0S de energia 54. O próprio Lowen apresenta a Bioenergética como uma abordagem eompreensivista-humanista, fazendo parte do vasto Movimento do Potencial Humano - o que se opõe radicalmente à orientaçâo reic\liana, essencialmente materialista, em suas primeiras fases. Já O período de produção reichiana nos Estados Unidos está inegavelmente marcado por um enfoque mais idealista e místico. A outra dLscípula de Reich, Gerda Boyesen, que também exerce ')1 ';2
!
Boadella, D. Nos CamInhos de Reich. São Paulo, Sununus, 198'5.. Ver sobre o assunto a obra de Reich, W. Psicologia de Massas do Fascismo.. Porto, Escorpião, 1974 e a análise feita por Rouarret, São Paulo. Teoria Critica e Psicanállse. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1986, quando realça:l teoria da ideologia de W, Reich e suas contrinuiçôes ao
')3
debate freudo-marxista. Sobre o assunto, consultar lowen, A. O Corpo. em Terapia: AAbon\agem
54
Paulo, Surrunus, 19T' No já citado O Corpo. em Terapia: A Abordagem Bioenergé1ka, bioenergéticas
da PSicoiogia do Ego.
277
Bioenergética.
São
Lowen mostra as bases
influência na formação de alguns "corporalista.<' brasileiros, nos anos 70 em Londres, enfatiza em suas práticas aspectos essencialmente somáticos, fisiológicos e psicológicos em detrimento dos sócio-politicoso Tendo sido cliente do vegetoterapeuta norueguês ala Raknes discipulo direto de Reicll -, Gerda funda, nos anos 70, grupos de "ajudate a ti mesmo"! dentro da meSllla orientação compreen.c;ivista-humanista do Movimento do Potencial Humano. Todavia, sua abordagem não se encontra no aqui e agora, o que, segundo ela, "mascara as profundezas do ser". Seu trabalho biodinimico faz remontar as pulsões até seu passado mais antigo, auxiliando na liberação de suas repressões e recalcamentosS'5. Sem pretender aprofundar essas diferentes produções "neoreichianas", por não ser este meu objetivo. quis entretanto levantar alguns pontos que se referem diretamente a questões enunciadas nas práticas de nluitos "neo-reichianos" brasileiros. Por esses "cantinhos percorridos", chega-se à conclusào de que a produção político-social do corpo, enfatizada por Reich, é totaimente esquecida por Boadella, Lowen e Cerda e outros de seus elLscipulos norte-americanos. A dimen<;ão sócio-revolucionária da tcrapi:.t reichiana, em suas primeiras fases, desaparece com esses dLscipulos. Lapassade afirma que: "A bioenergética de A Lm1X'11 é um neo-reichi.'imo de direita ( __) é agregado o slogan da 'psicologia bumani~ta'; enquanto a ohra de Reich era anti-humani..'\/a e anti-espiritua-
À bioenergia li.\1a"'i6.
E acrescentaria eu: não se pode esquecer as transversalidades presentes nessas obras, as subjetividades que estão sendo produzidas nas décadas de 60 e 70 no caudal dos movimentos contraeulturaLs e do Potencial Humano. De um modo geral - como já foi realçado no início deste Capítulo - os "herdeiros" c "discipulos" de Reiclt, tanto os nortealnericanos quanto os europeus, inscrevem-se nesse momento hi~tórico. Não é por acaso que, de um modo gemI, esus terapias "corporaLs" trazem a crenço no redescobrimento da chamada "personalidade primária", ao acreditarem no núcleo "bom" e "tnaravilhoso" que cada 55 56
Sobre o assunto, consultar Boyesen, c;. Entre Psiquê eSotna. São Paulo, Summus, 1986 lapassade, G_ La Bio-eoergia. BarcelolU, Graniea, [978, p. 87,
278
um traz dentro ele si, onde estaria o "centro do amor e da bondade". Tanto Cerda quanto Lowen, e mesmo F.Peris, ressaltam - com pequenas diferenças - este objetivo em suas terapias, o que mostra a influência que teve sobre eles o terceiro estrato do caráter apontado por Reich COnl() contendo impulsos "decentes", "sãos'; "espontâneos" e "honestos"~7.Contudo, Reich - em suas prinleiras fases - relacionou estnltura de caráter com estrutura social, o que não ocorreu com seus discípulos. Esta pequena introdução tem, por conseguinte, o objetivo de busc::u reconhecer que práticas reichianas são introduzidas no Brasil na scgunda metade elos anos 70, que modelos e subjetividades vão servir, fortalecer e mesmo produzir. Podemos, então, cOJneçar a entrar um pouco na hiç;tória instituída dessas práticas no eixo Rio~São Paulo.
1 - EM SÃO PAULO: AS DUAS GERAÇÕES
DE "CORPORAUSTAS"
Desde 19~'í José Angelo Gaiarsa tcm contato com a obra de W. Reich e, nas décadas de 60 e 70, foi o primeiro no Brasil a iniciar uma psicoterapia individual e gmpal de fundamentação reichiana. Com grandes influências de Jung, Gaiarsa se :luto-intitub um "especiali.<:;tl em exprcssão nào-verbal"". desenvolvendo uma aborclagem corpoml própria. Nos anos 60 e 70, pelos grupos de terapia e/ou de estudo organizados por este autodidata. vai passar quase que toda a primeirA geração dos chanudos ..corporalL"lta.. •.•,. paulistas. Muitos, COInoFábio Landa, hoje estão na psicanál~•.• e; outros. como Regina Favre. Antonio Carlos Mareilio (rodoye Rubens KigneL continuam conlO terapeuta...,"corporais", embora sigam caminhos dü'erentes entre si e diferentes elo próprio (iaiarsa. No entanto, apesar das diferenças atuai .•• , há pontos que uneIll Gaiarsa e toda esta geração de "corporali.<)tls" paulistas nos anos 60 e na primeira nlct:1de dos 70: o rechaço à psicanáIL..,e.ao monopólio exercido por esta prática c a busca de outras fonna~:(lCS"alternativa."'" a ela. Não é por acaso que o próprio Gaiarsa c muitos "corporalistas" paulistas desta primeira geração fazem no lInal do década de 60 c no inicio ela "i7
Sobr(; o assunto, consulwr Rdch, \1/_Análise do Caráter.
São Paulo. Martins FonL~s, quando
dt..·scrL'VL':l existência de três L'strJ.tos no desenvolvim.:.'nto Uo Clr;lt':f"iH Ver wbre o assunt
Pa.ssos. Rio de janóro,
Hrasilieme, [()li6, p_ 8').
279
Primeiro."
de 70 formação psicodramática no GEPSP (Grupo de Estudos de Psicodrama de São Paulo), na SOPSP (Sociedade de Psicodrama de São Paulo) e estão presentes no Congresso de Psicodrama de 1970, no MASP, que dessacraliza os chamados mundo "interno" e mundo "psíquico", vistos de forma tão secreta e excludente pela psicanálise. Até mesmo aqueles que, posteriormente, se tornam psicanalistas, fazem profundas: severas criticas à formaçào autoritária, elitista e arrogante da SBPSP. E o caso de Ana Verôníca Mautner que, em 1982, abandona a bioenergética e entra, mais tarde, para formação naquela Sociedade "oficial" paulista.
escreve: "PerlenceftUJs ao mundo
que se enrijece de orgulho. que levanta
o
ombro na vitória sobre o outro. A Bioenergêtica mantêm-se no esquema. Vencer, ganhar, entrar IW desafio. Propõe um sendo aesJeesquema.-luJe, mas consigo mesmo, Ustlndo asmesmasurrru;lS que se pretende eliminar. O mundo em que vivemos lJa10riza a luta, o desafio e a vitória. Vamos um passo adiante ( ..f No "mMa novaiorq"iano, pesado, violento, os homens lutam por tudo. Lowen os leva a luJar contra si mesmos, a entrar em contato com sua, emoções reprimidas, derrubar suas pr6prlas barreiras "na marra'" (.J A Bioenergeticaacredita na dor que acompanha o cresctmento, porque doloroso é o encontro
com a barreira que não cede. Lm-venpassa pelA dor para chegar
1.1 - No Sedes Sapientiae Esta personagem, além de Gaiarsa, é a segunda grande figura em São Paulo responsável pela expansão ele uma elas terapias "neoreichianas", a Bioenergética, e pela formação de uma boa parte cios "corporalistas" paulistas. Desde 1%5, Ana Verônica trabalha com grupos de sensitivitvtraining em São Paulo. Em 1968 vai a Londres, onde permanece por u~ ano, descobrínelo a gestalt-terapia e os grupos de encontro marcados pelo Movinlento elo Potencial Humano que inicia sua expansão pela Europa. Trabalha com Gaiarsa e, em 1970, fica responsável pelo Curso de Formação de Psicoterapeutas no Instituto Sedes Sapientiae, que se converte em um importante centro irradiador da., chamadas terapias "alternativas", Soffendo grande influência de Lowcn, Ana Verônica, sem dúvida, é uma das principaL' responsáveL~ pela expansão da Bioenergétíca em solo paulista, compondo a segunda geração de "corporali,tas" como Sandra Regina Pa.,choal Sollari e Léa Maria Cardenuto, dentre outros.
Diferentemente da orientação reichiana de Gaiarsa, Fábio Landa e outros que, na época, questionam o autoritarismo e a diretivielaele inlprimada ao curso elo Sedes, Ana Verônica e sua equipe utili7~m as técnicas hards da Bioenergética de Lowen. Isto fica claro pela posição exposta por esta "bioenergicísta" no Prefácio à edição brasileira da primeira obra de Lowen lançada no Brasil, em 1977, O Corpo Em Terapia: a abordagem Bioenergética. A certa altura Ana Verônica 280
ti alegria, poi.ç tocar a barreira
dói"S'f (grifos meus).
Este texto mostra com clareza que subjetividades estão sendo fortalecidas e mesmo naturalizadas por estas prátícas: a da competição, a do desafio, a da vitória, tipicas do mundo capitalístíco, onde os maL, fortes esmagam os mais fracos. E mais, dentro da própria herança judaico-cri,tã - também presênte na psicanálise - a crença de que o crescimento só se realiza acompanhado de sofrimento. Só que, no caso da Bioenergétíca, a dor é física mesmo! Em 1974 e 75, Ana Verônica incorpora à sua equipe do Sedes Antonio Carlos M. Goeloy e Regina Favre, que cheg.lm do exterior, após vários cursos, vivências e worrcshops, O primeiro, em 1972, vai a Londres e tem cursoS com Gerda Boyesen, em seu Inc;titutode Biodinâmica e mais tarde, nos Estados Unidos, faz vivências e cursos com A.Lowen em Nova York, e em Esalen com os di,cípulos ele PerL,. Regína Favre, que, em 1973, também fica em Londres fazendo formação e terapia com Gerda, sofre influências de Lowen e da anti psiquiatria de Cooper e Laing. Este curso do Sedes - o primeiro no Brasil a oferecer uma formação dentro da abordagem "corporal" - convida, a partir de 1975, vários expoentes do movimento "corporalista" mundial, como Gerda Boyesen, Alexander Lowen e David Boadella, dentre outros .. Posteriormente, Yvonne Vieira e Maria Mello, que também haviam feito formação psicodramátíca, são íncorporadas ao grupo de Ana J
'f)
Mautner, A.V. "Prefácio" In: O Corpo em Terapia: A Abordagem 09,lOel1.
281
Bioenergética.
Op. tiL, pp.
Verônica, Godoy e Regina. A primeira vai para os Estados Unidos em 1975, fazer formação com Lowen; a segunda, Maria Mello, em 1979 viaja para Londres e faz formação e terapia com lierda. Forma-se, assim, o que fica conhecido no final dos anos 70 como o "grupo dos cinco" que constituem junto com Gaiarsa - que continua "correndo por fora" - a chamada primeira geração de "corporalistas" paulistas. Figura de grande influência neste movimento, Ana Verônica abandona o Sedes e o movimento "corporal" no início dos anos 80, denegrindo, inclusive, as práticas "neo-reichianas". Isto produz um "trauma" em São Paulo, afIrmam alguns entrevistados. Aos poucos o movimento "corporal" paulista, integrando novos personagens chegados do exterior, vai se reestruturando e fortalecendo. Além de Gerda, Lowen e Boadella, outros cliamados "discípulos" de Reích, como os norte-americanos Stanley Kellennann e dlarles Kelley, também influenciam os "corporalistas" paulistas e cariocas. Em São Paulo, todo este movimento acima narrado e o próprio momento histórico bra·.;ileira- ascensão dos diferentes movimentos sociai..;; e a inlportáncia que o corpo passa a ter para algumas camadas médias urbanas - preparam terreno para. a partir de 1978, fazer explodir com força as chamadas terapias "corporais" que invadem os anos 80, continuando no início dos 90. Efetivamente, junto com o psicodrama, as terapias "neo-reichianas", a partir daí, começaln, ainda que timidamente, a disputar o mercado "psi" paulista, monopolizado até então pela psicanálise.
1.2 - Outros Estabelecimentos:
Ágora e IPE
A partir de 1974, os argentinos Martha Berlin e Emilio Rodrigué, instalados na Bahia, fazem formação. terapia, propiciam vivências, maratonas e workshops a muitos "corporalistas" paulistas e cariocas. Martha Berlin,que, no fmal dos anos 60, havia feito formação psicodramática com o grupo de E. Pavlovsky na Argentina, logo depois vai para os Estados Unidos e sofre grande influência do Movimento do Potencial Humano, principahnente da gestalt-terapia e dos "neo-reichianos" norteamericanos. Participa, no limiar dos anos 70, junto com Suzana Pravaz e EsteJa Troya, do CIAP (Centro de Investigação e Assessoramento em 282
1
Psicologia) - já mencionado no Capitulo 11-. que acrescenta ao "grupo operativo" de Pichon-Riviere outras técnicas do Movinlento do Potencial Humano. Emilio Rodrigué. no irúcio dos anos 70, é um dos didatas da APA, que junto com o Grupo Plataforma rompe com a psicanálise "oficial" argentina. Os dois são figuras inlportantes para o movinlento "corporalista" brasileiro ao fmal dos 70 e início dos 80. pois evidenciam para os profissionais da área a dimensão de uma psicanálise em início de questionamento e facilitam a vinda para o Brasil de alguns psicanalistas e "corporalistas" argentinos como Marie l.anger e Teda Bass, dentre outros. Ernhora já esteja na Argentina em 1982, Martha Berlin viaja quatro vezes por ano ao eixo Rio-São Paulo-Vitória para dar formação. Um outro argentino que, em São Paulo e no Rio de Janeiro, realça as contribuições da psicanálise é Rodolfo Bohoslavsky, tarnhémnos Ilnais dos anos 70 e início dos 80. A partir de 1980, Martha Berlin sai ele Salvador e fIXaseu trabalho no eixo Rio-São Paulo. Dentre as pessoas formadas por Martha - além de alguns "corporalistas" cariocas - estão Liane Zirlk e Carlos Briganti, que havia sido um dos fundadores do NEPP em 1976. Este, em 1981, junto com Regina Favre e Teda Bass, organiza em São Paulo um centro de estudos "neo-reichianos", chamado Ágora, e promove um grande movimento de ciclos de estudo com os "corporalistas" paulistas e cariocas. Estes grupos de estudo acabam concentrando-se, depois de algum tempo, nas mãos de Regina, Brigaoti e l.iane que, em 1985, fundam o estabelecimento também denominado Ágora. A partir de 1988, o Ágora propicia formação em terapia "corporal" de quatro anos, por meio de aulas teóricas e vivenciais (workshops), supervisões e grupos de estudo com monitores. Além dos workshops realizados mensahnente há dois gr'dndes workshops anuais organizados fora de São Paulo. Há uma espécie de auto-seleção e a obrigatoriedade de uma terapia de 4 a 6 semestres com um "neo-rechiano" indicado pelo estabelecinlento. Em 1987 surge um outro grupo paulista que dá formação em terapiá corporal, constituído por Godoy, Yvonne Vieira, Maria Mello e Rubens Kignel, o IPE (Instituto de Psicoterapia Corporal e Ensino), que, em acréscimo aos cursos teóricos, oferece supervisões, vivências e terapia. 283
Em início dos anos 90, em São Paulo, existem quatro estabelecimentos que, de forma mais ou menos organizada e instituida, dão formação na área "corporal": o Sedes - cuja responsabilidade hoje está com os "corporalistas" da segunda geração -, o Ágora, o IPE e, também, desde 1981, a Associação Wilhelm Reich, que proporciona atendimento cliníco. através do Instituto Wilhelm Reich, assim como gru pos de estudo e cursos os mais diversos e uma formação de quatro anos. Há ainda a SQciedade Brasileira de Análise Bioe:nergética, vinculada ao Intemationallnstitute for Bioe:nergetic Analyses de Nova York, criado por A.Lowen, que, malgrado suas ligações internacionais, não possui o prestígio e o status que, normalmente, no meio "psi" e na sociedade em geral, se dão às relações internacionai., Subjetividades típicas de pai.es do Terceiro Mundo que, entre os "corporali.tas" paulistas, não estão suficientemente enraizadas, até pelas criticas ferrrenhas que todos eles fazem ãs Sociedades "oficiais" de psicanálise e à IPA. Fora estes quatro estabelecimentos que, a partir dos anos 80, oferecem uma formação em terapia "corporal", temos ainda no limiar dos anos 90 muitos "corporalistas" que, em São Paulo, ministram formação isoladamente. A não-in.titucionalização, característica predominante nas formações "alternativas" da década de 70, vai sendo perdida nos 80. Entretanto, tanto na gestalt-terapia - aspecto já apontado - como, em menor escala, nas terapias "neo-reichianas", ainda há formações isoladas feitas por pessoas que, mesmo assim, organizam suas próprias "escolas". É o caso, dentre outros, de José Angelo Gaiarsa e de Roberto Freire.
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fazia sua fOlmação analítica na SBPSP. Porém, desenvolvia intensa. atividades culturaL, e arti.ticas: era professor da Escola de Arte Dramática de São Paulo, poeta e jornali.ta. Nos anos 60 acompanha o movimento do Teatro de Arena e interessa-se por educação popular, vinculando-se ao Programa Nacional de Alfabetização, coordenado por Paulo Freire. Vive intensamente o período anterior ao golpe militar de 64, escrevendo peças e participando da criação da União Pauli.ta da Classe Teatral, da qual é seu prinleiro presidente. Em 1963 abandona definitivamente sua formação analitica, tendo um ano antes sido um dos fundadores, junto com alguns dominicanos, do semanário Brasil, Urgente, que tem papel fundamental de resL.tência, ptevendo e denunciando o golpe militar que se gesta. Ainda em 63, Roberto Freire dirige o Serviço "acionai do Teatro e compõe outras peças teatraL•. Em 64, é demitido e preso duas vezes, embora continue trabalhando na TV-Record- por poucolempo, pois logo também é demitido. Trabalha como jornalista, participa como jurado de vários festivais da MPB, dirige o TIJCA, ganhando o prêmio Esso de Reportagem, com um trabalho, "Os Meninos do Recife", publicado pela revista Realidade Após a decretação do AI-5, Roberto Freire fica novamente sem trabalho e ao viajar para a Europa conhece o Liuing Ibeatre e os laboratórios de teatro de Grotowski. Tem início aí sua aproximação com a obra de W. Reich. Sofre tanlbém influências da antipsiquiatria de Cooper e Laing e da gestalt-terapia de Perls". ".. , a sua experiência de lJida, se~ eeleti..ww de estudo, vivência e atuaçao em diferentes campos das artes e das ciências, são os ingredientes mais importantes e mais caracterislicos de seu método terapêutko"62.
1.3 - A Somaterapia Roberto Freire, o criador da chamada "Somaterapia", influencia e forma ainda muitos "corporalistas" por todo o Brasil. Como esta influência em muito extrapola os estreitos limites do eixo Rio-São Paulo, falo um pouco deste "soma terapeuta" no fmal desta apresentação dos "corporalistas" na Paulicéia e antes da história instituída desses proflSsionais em solo carioca. Na década de 50, Roberto Freire"', um "bem comportado" médico, fD
Toda esta parte referente à biografia de Roberto Freire foi retirada de três de suas obras; a principal
284
Este método - a Somaterapia - vem a público em 1976. após experiências que faz, associando-o aos trabalhos de Rudolf Laban"'-
61
neste aspecto é VIva Eu. Vlva Tu, Viva o Rabo do Tatu_ São Paulo, Global, 1977, dedicada a Plínio Mareus.e Chico Buarque. As outras duas obras de Roberto Freire que falam sobre a So.materapia são: Ame e Dê Vexame. Rio de Janeiro, Guanabara, 1990 e Soma: Uma Terapia Ana:tquista, vol. 2: A Anna é o Corpo_ Rio de Janeiro, C,uanabara Koogan, 199] Sobre Petls e a influência exercida no trabalho de Roberto Freire, consultar: Viva Eu, Viva Tu,
62 63
Viva o Rabo do Tatu. Op. clt. Idem, p. 341. R. Utban em seu Uvro Domínio
do Movimento
28';
(Sâo Paulo, Summus), relaciona e codifica as
A Somaterapia, segundo o próprio Roberto Freire, tem várias raízes: a primeira seria o teatro, através da chnça moderna de expressão corporal, apreendida com os discipulos de Laban. A segunda raíz é a Ludoterapia, pois a Soma utiliza-se da mesma metodologia, aplicada não a crianças mas a adultos. "A terceira raiz da Soma, sem dú",ida a maLç importante. é de natureza polltica, porém com base na minha noçào e uivências políticas das décadas de 60 e 70, o que motivara as lula.s clandestinas tralJadas no plano social, enquanto criava e pesquisava o Soma (. __J. Eu buscava uma terapia através da qual a juuentude sublevada pudesse livrar-se dos res{duos burgueses de sua personalidade, bem como su..<;tenta·la emocional epsicologicamente
na luta contra a ditadura militar (. _.) Eu irnagtnava uma terapia que fosse marcada por uma
assim que nasceu a Soma
socialista do homem ( ). E/oí (grifas do autor),
l!Í.<;âo
"64
Logo adiante, Freire, ao mostrar outras raízes da Somaterapia, revela que: "Devo ã Gestal! e á Bioenergética (realizadas terapeuticamente
em poucos meses na Europa J, o que, em anos, a Psicanãlise nao conseguiu me devo/rl(ff da originalidade,
autonomia
que possuo hoje
da espontaneidade
e da
'06~.
Assinala ainda que W. Reich, Grotowski,]. Beck (o teatrólogo do Living Theatre) e a Antipsiquiatria em muito influenciaram a Somaterapia. Desde, portanto, o início dos anos 70, Roberto Freire vem atuando no eixo Rio-São Paulo - em 1972 mudou-se para a região serrana de VL,conde de Mauá, no Rio - e a partir da segunda meta.de desses mesmos anos vem formando somaterapeutas. Nos anos 80 estende suas atividades a Brasília, Porto Alegre, Salvador, Recife e Fortaleza e nos 90 chega a Goiânia, Campo Grande, FlorianópolL' e Curitiba. Por volta de 1979, cria as chamadas "Maratonas de Campo", trabalhos terapêuticos etn contato direto com a natureza ... "66, inicialmente realizadas apenas em VL,conde de Mauá, com grupos de
64 65 fi:J
dinâmicas básicas do movimento corporal humano com suas respectivas emoções e tensões elementares. Freire, R. Som.a; Uma Terapia Anarquista_ Op_ cit., pp. S2 e ';3. Idem, p. 53. Idem, p. 61.
286
1
I
São Paulo e Rio de Janeiro. Desde 1987, promove encontros sistemáticos de somaterapeutas de diferentes estados. De todos os chamados "corpo'..lIL'tas", tanto paulista.s quanto cariocas, o único, sem dúvida, que traz em seus discursos a palavra política de forula clara é Roberto Freire. Mesmo aqueles - e não são poucos - que, nos anos 60 e 70, de U111aforrna ou de outra, possuenl alguma vinculação com a luta de resL,tência que se trava no Brasil, ao aderirem às terapias" corporais'· e ao aceitarenl os princípios do chamado Movimento do Potencialllumano (em sua tase de expansão na déc'ada de 70), perdem em muitos aspectos o que seja a inlplicação de suas práticas com os diferentes movin1entos sociai'5. Entrementes, ainda que Freire trale tão explicitamente dessa implicação política, persistem algumas questóes: será que as práticas da Somate,dpia, efetivamente, inauguram e/ou consolidam espaços instituintes, espaços singulares e de luta, mesmo que provL,órios' Será que, apesar desse discurso político, suas pr:íticas não continuam tnarcadas pelo humanismo-existencial tão presente nas que se originam do Movimento do Potencial I lumano? Estas são algumas dúvidas para mim no momento. Contudo, pelo que pude conhecer do trahalho desenvolvido por Roberto Freire, tlca a impressão de que sua "terapia anarquista.", em muitos momentos, aponta para a dessacralização de alguns conceitos da "verdadeira" psicanálLse, como o lugar de saher e poder ocupado pelo especiali'ta. "psi", a pedagogia de opressão presente em sua formação, a importância de outros saberes e práticas que fogem ao estreito campo "psi". Apesar disto, nessas práticas que se pretendem "anarquista.s" rompendo com os chamados dogmas "cientificos" e "psicológicos" encontramos algumas das caracteristicas humanistas aponta.das por Castel: "...umrousseaunismo sonhador que exalta a espontaneidade e pretende lutar contra as alienações c constrangimentos em nome da transparência dos indivíduos ..."" (grifos meus), da sua "autonomia", da sua "conscientização", do seu "crescitnento") acrescentaria eu. () que não fugiria ao humanL,mo-existencial e ã produção de subjetividades voltadas para o privado, para o intimL,mo, para a falta. As observações feitas sobre o trabalho "corporal" de Roberto 67
C..astel,R. A Gestão dos RMcos. Op. cit., p. 146.
287
Freire foram aqui colocadas pela "diferença" que seu discurso comporta em relação aos demais da área, embora tais práticas em muito se assemelhem. Alguma..ç; consideraçôes sobre as outras práticas "corporais" presentes no eixo Rio-São Paulo serão abordadas ao final deste Capítulo. 2 - E, EM SOLO CARIOCA
f
000
Se, em 1978, inicia-se na Paulicéia a expansão das chamadas terapias "corporais", no Rio ele Janeiro i'5to ocorrerá somente
no início
dos anos 80. Esta expansão em solo carioca será preparada por uma série de profL'Sionais que, isoladamente, vão adubando o terreno com suas práticas, facilitadas pelo próprio momento histórico brasileiro da época. Não podemos esquecer que os anos 80 trazem para o palco das grandes cidades uma série de participações e reivindicações e, sobretudo, o descnvolvilnento, nas camadas médias urbanas, ele uma maior preocupação com seu próprio corpo. O chamado "culto do corpo" passa a fazer parte do cotidiano de muitos dos filhos da classe média, com o aparecimento em massa das academias, onde a estética corporal é extremamente
incluem-se neste quadro em que massivamente estão sendo produzidas as subjetividades do "culto ao corpo". da estética corporal.
valorizada.
O grande sucesso alcançado pelo ex-preso político Fernando
Gabeira - recém-chegado do exílio - com sua tanga, a apologia do corpo e da alímentação natural e críticas à ortodoxia da esquerda inscrevem-se nesse filomento brasileiro. Buscando reatualizar nluitos conceitos dos movimentos contracultural e do Potencial Humano, Gabeira simboliza, no inicio dos anos 80, o Brasil "aberto" para as maLs diversas questões, revivendo murros aspectos dos movimentos dos anos 60 que, no Rio de janeiro, teve como musa LeUaDiniz. A mídia, um dos dispositivos na produção do "culto ao corpo", veicula de forma competente OS "princípios corporais" de Gabeira; seus livros tornam-se "coqueluche", principalmente entre a juventude da Zona Sul carioca. Deste modo, tanto em solo paulLstaquanto no carioca, a explosão das chamadas "terapias corporaLs"insere-se num determinado momento de nossa históüa e todos os profISsionais já citados em São Paulo, assim como outros que a seguir serão relacionados no Rio de janeiro,
288
2.1-Alguns
"Corporalistas"..
o
o primeiro desses profissionaLscariocas é Romel Alves Costa, que, em 197~, principia um trabalho "corporal" em seu consultório. Face à inexi<;tência, na época, no Rio de Janeiro, de forulaçào na área, Ronlelque conhecera um ano antes a obra de Rcich - torna-se um autodidata.
trabalhando seu próprio corpo. Não sofre influências de Lowen, tendo a orgonoterapia
de Reich como base para seu trahalho.
ema segunda figura na história das terapias "corporaLs" em solo carioGI, que - a exemplo de Romcl - até hoje "corre por fOf'd", é Geni Cobra, que, em 1977, vai para a Inglaterra, por um ano, realizando formação com Gerda Boyesen e, posteriormente, alguns cursos com David BoadeUa. Comenta que apesar de, na década de 80. ter feito vários trabalhos e0111bjoenergicistas nortc-anlericanos - C01no Charles Kel1ey,do Instituto Radix, c StanJev KcUermann - em sua atuação dá mais ênfase aos princípios da Psicologia Biodinâmica de Gerda e à prevenção de neuroses de Eva Reich. Ceni Cobra - ao contrário de Ronlel - não se dedica trabalhos, vivências
a fonnaçào)
clnbora tenha participado de nlUilos
e workshops, conlO veremos logo adiante.
A partir de 1977, assume crescente importância na difusão das práticas "corporaLs"ligadas à Bioenergética um grupo lórmado por quatro mulheres com histórias hem diversas, as quais, em 1977 se encontranl no Rio de janeiro e, por algum tempo, trabaUlam juntas. São elas Sandra do Carmo Guimarães, Linne Zink - que posterionnenlc irá se radicar CllI São Paulo -,EHane Maria Duailibi Siqueira c Esther Franke1. As duas primeiras, em 1974, reúnem-se em Salvador, nos grupos. vivências e workshops realizados por Emilio Rodrigué e Martha Berlim e com c1es, até 1976, têm formação grupalJcorporal. Vêm para o Rio de janeiro, onde encontram Eliane Siqueira, chegada;lo Brasil em 1974, que havia estado, desde 1969, na llniversidade da CaIilcírnia - na época centro das terapias chamadas "alternativas" -, em Esalen e no Instituto Radix, com Charles Kelley. Em 1970 Eliane faz formação em 1\ova York, com A. Lowen, no Instituto de Bioenergética que, nesse tnomento, não tem 289
, , f
ainda um curso sistematizado. A quarta personagem, Esaler Frankel, lez formação em Pedagogia em Israel e Psicologia na Suíça e, em Genebra, desde 1973, faz cursos com Gerda Boyesen p~r quatro anos. Em 1977 volta ao Brdsil e, no Rio de Janeiro, conhece as três "corporalistas" que aqui já residiam.
Este grupo, em 1977 e 1978. estuda junto, dá alguns cursos L",ladamente e nos anos 80 viaja com alguma freqüência para os Estados Unidos - realizando cursos breves c vivências com A. Lowen, no Instituto de Bioenergética de Nova York, no Instituto Radix. com Charles Kelley c na Califórnía, com Frank Ledig - e para Londres. onde inicia lórmaçào com D. Boadella. Este, dcsde 1980 até 1986. faz sl,temáticas viagens ao Brasil, dando formação em BiossÚ1tesc para muitos "corporalistas" bFJ....;;ileiros.Sua primeira vinda, em 19HO,em Salvador, foi um verdadeiro
evento, poL., para lá se dirigem quase todos os que, na época, no eixo Rio-São Paulo, se intcressanl pelas chamadas terapias "cocporaLs". Também Eva Reich vem :lO Rio duas vezes, !lesses anos. oferecendo virias palestras, vivência,,"i. elc Um outro "corporalistl", que também contribui para a expansão ocorrida no início dos anos 80. é Nicolau MalufJúnior que, desde 1973, em São Paulo, havia tido contato com (jaiarsa e Roberto Freire. Enl 1977 vai para Londres, onde estuda e trabalha Com (~ercla Boyesen por um ano c, em 1979, se fix:1 !lO Rio de Janeiro. Meu objetivo aqui não é, em absoluto. falar exaustivamente de cada "corporalist..1."carioca que tenha colabor.ldo para a expansào dessas práticas no início elos anos RO, mas através de suas histórias - bastante reduzida,', c sitnplificaclas - evidenciar como essas práticas "corpot:li.-"" chegam até nós, que innuênci;l') nos trazem. Tanto em São Paulo, quanto no Rio de Janeiro, pode-se perceber que, de início, sào muito poucas as pessoas envolvidas com essas aborebgens ditas "alternativas". De um modo geral, quase toelas elas fazem suas r()rn1J.~~õesem breves estadas no exterior - Estados Unidos e/ou Londres - c ao retornarem iniciam a expans30 de taL')práticas_ Os profissionais aqui citados - todos entrevistados por nmn - de alguma forma marcaram o movinlento ··corporal" no Rio de Janeiro, enlbora existam outros que. de uma Inaneira ou de outra, concorreram com SU3S práticas para tal expan.são. Podemos ainda apontar outras figuras. 2.90
Nos anos 70 e 80, Paulo J linclcmburgo Torres Galv:lo, que, dcsde 1972, tem a preocu pação de ligar o atenclimento clínico ã educação. numa visão mais preventiva. Influenciado pelo grupo argentino dc J. Blegcr, Pichon Riviêre. passando por Hodolló Bolloslavsky. Emílio Rodrigué e Marlha Berlin, faz criticas à bioenergética de A. Lowen, ainda que tenha fcito cursos cotn o bioenergici"ila francês Guy Tanelia. No início dos anos 70. funda a Clinica Social da SER - Associação do Desenvolvimento Pessoal, espal,"oque pretende ser um trabalho psicoculntral e preventivo eOtn crian~'as e adolescentes. L'm outro "neo-reichiano" inicia .seu trahalho no final dos anos 70: é Carlos Eugenio Guimarães Marer, que após uma formação psicodrdn1ática, por influência da "corporaILsta"paulL"a Maria Mello, começa a trdball1ar corporalmente. Eugenio - desde a scgun(1a metade da década de 70 - participa ativamente. junto com Carlos Ralph l.cmos Viana" da RevistaRádice e organiza Socioc1ramas Públicos com o psicodramatista Ivan Gonçalves Can1pos (que, posteriormente. na segunda metade elos 80, irá para o campo ·'corporal"). 2.2 - Rádice e os Simpósios Alternativos
A presença de todos esses profissionais, a vinda de vários outros "corporalistas" do exterior e as subjetividades do "culto ao corpo" vio engrossando o movimento carioca, que tem sua efetiva expansão con1 os Simpósios Alternativos no Espaço Psi de 1980 a 1983 e com o I c n CicloS Reich dc 1982/1983. orRanizados por Carlos Ralph. e peia Revista Rádice. Antes de blarmos sobre esses Sitnpósios c outros ocorridos em que vOltC1110S um pouco nossa atenç'io para a solo carioe:a, é ll11POrt.1ntC RevL,ta Rádice. Criada em 1976 por Carlos Ralph Lcmos Viana - o Cê Ralph -, foi de fundamental importância porque trouxe para o campo "psi"' carioca, e mesmo br~LI)i1eiro, lima série de qucstionatnentos sobre a própria fonnação "psi". o e1itismo das Sociedades "oficiais". a produção da loucura, a questão da saúde mcntal e dos hospitais psiquiátricos no Brasil, a tortura a presos políticos. etc., ultrapassando em muito os Iirrutes do território "psi". O próprio ano de sua cri:1~'ão- 1976 - assinala () momento enl 291
que no Brasil se constata o maior recrudescimento cios movimentos populares e sociais c, sem dúvida, Rádice salienta a importância da implicação do profISsional "psi" com estas práticas que - como já apontei - começam a sair das periferias onde, desde o início dos 70, estão sendo gestadas. Já em seu primeiro número, Rádice apresenta um texto de F. Ciuattari, e ao longo dos quatro anos e nleio de sua exi..;;tênciavários intelectuais, "psi" ou nio, desfilam por suas páginas, tai, como Ronald Laing, Franco Basaglia, o antropólogo Gilberto VelllO,o sociólogo Gismo Cerqueira Filho, o preso politico Alex Polari de Alverga, Katrin Kemper, o pedagogo Paulo Freire, Eduardo Mascarenhas, Hélio Pellegrino, Chairn Samucl Katz, o bispo de Caxias D. Adriano Hipólito, Luiz Alfredo Garcia Rosa, Gregório Baremblit, Thomas Szasz, Carlos Henrique Escobar e l11UltOS
'Para nós está claro o perigo da alienação, em suas diDersasjôrmas, até a das hem inJencionada" ma" individualizantes têcnicas puramente corporaL,>,A.,.,simcomo o "político ",que ignora o cotpo e promete sempre oprazer e a felicidade para o amanhã, "quando o dia raiar" Queremos pen..'\t1r,refletir, di5cutír, vivenciar, produzír sobre esta'>quest6es, queremos nos re-situar na cultura do corpo, no espaço social aherlopor nossas forças, como nosso sangue também. Por i'ffiJ A POLÍ17CA DO CORPO, tema central de nosso Simpósio Alternativas no Espaço Psi, 81, Mantemos o mesmo clima Sério/Alegre de 1Alternativas, pois não acreditamos que a sisudez e a falta de colorido sc-:jam,sinônimos de credibilidade pessoal e científica. !mpn'mimos alegria porque, apesar da d~{icü real'idade~ gostamos multo da uida 'ot>Q,
outros.
A Revista Rádice engaja-se, portanto~ nos diferentes movimentos sociais da segunda metadc dos anos 70 e inicio dos 80, como a campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita, a democratizaçáo da sociedade brasileira em geral e dos hospitais psiquiátricos, das universidades, escolas e creches, enl particular; além disso, denuncia as torturas e prisões nas ditaduras latino-americanas do Cone Sul, dentre outras atividades. O I Simpósio Alternativas no Espaço Psi, realizado em 1980, organizado pela Revi.';;LaRádice e pela Livraria Muro, apresenta como reIna "Sério/Alegre", ()hjetivancio; corpo/mente trabalhando e sendo trabalhados Com uma programação de 108 C-'l·'t?ntos em quatro dia.., díscutem-se inúmeras alternativas para as praticas "psí" no Brasíl, Corpo e mente trabalham e são trabalhados em açiw coletiva e indlferenciada Cerca de 900 pessoas, entre conferencistas, expositores, participantes e organizadores, preenchem da maneira mai.'>solidária po..',sivelo 0.paço abet10 por todos, na E(,B,
Há muitas e variadas conferências e vivências enl psicodrama, tn) témicas bioenergéticas, biodança, Do-In, massagens, etc. Estão presentes dentre outros os "corpora1islas" Esther Frankel, Eugenio Marer, Geni Cobra, Romel Alves Costa e Ivan Campos, na época ainda psicodramatista, e nluitos outros. O 68
como tema central "A Politica do Corpo". Criado neste mesmo ano, o Jornal Espaço Psi - também com a participação de Carlos Ralph - assim se refere a este encontro:
nSimpósio
Alternativas
no Espaço Psi, em 1981, desenvolve
··Simpósio Sério/Alegre". In: Revi~aRádice, Ano 3, n° 13, 1980, 20-23, p. 20, 292
Este II Sinlpósio, dando continuidade ao I, discute as mai, diferentes formas de expressão e trabalho corporal, da umbanda e do candomblé à dança e ao Tai-Chi. Assuntos os mais variados são debatidos no palco: desde o direito ao aborto, a questão da psicanálise, as posturas "neocontestatórias" que trabalham na política e no C01pO, até o u'abalho COll) deficientes físicos, as "novas terapia.s integradas", as práticas orientais, as propostas rcichianas e "neo-reichianas", o psicoclrama, o teatro, a biodança, dentre outros. Estão presentes muitos dos mais conhecidos profissionai<; da área, como Romel Alves Costa, Eugênio Marer, Esther Frankel, Geni Cobra, o psicodramati,ta paulista José Fonseca Filho e o carioca Ivan Campos, Ana Verônica Mautner, Bia de Paula, Uane Zink, Fábio Lancla,José Angelo Gaiarsa, Martha Berlin, Eliane Siqueira, Nicolau Maluf Júnior e Jovino Camargo Júnior do recém-criado Instituto Wilhelm Reich de São Paulo, dentre outros. Durante quatro dias, cerca de 1~()eventos são programados no Parque Lage. Neste mesmo ano, surge como continuidade .da Revi'ta Rádice, que após quatro anos e meio de trabalho "fecha suas portas", oJornal Rádice Luta & Prazer, que por algum tempo centralizará o debate sobre a Politica do Corpo, ra!acionando-a com os dil'erentes movimentos sociai, da época. Também estão presentes Carlos Ralph, como editor (j)
"Rádice, Luta & Prazer", ln: Espaço PsiJoroal.
293
Ano L, nº 2, março/198l,
03-13, p, 03.
ger:I1c Eugênio Marer c Pedro Castel, dentre outros. O primeiro número deste jornal é dedicado à visão sexual que a esquerda brasileira tem - à "sua miséria sexual". No ano seguinte é realizado o I Ciclo Reich nas Faculdades Integradas Estácio de Sá, quando cerca de 1000 pcssoas debatcm as práticas reichianas e "neo-reichianas", com o apoio de Rádice Luta & Prazer. Ainda em J 982 acontece o m Simpósio Alternativas no Espaço Psi com o tema "Expressões de Vida", também promovido peio Jornal Rádice Luta & Prazer, já no Colégio Bennett a própria Vida é discutida e uívida em três dias de encontro humano. Vivências, debates, palestra ••, shows, mostras de arte, artimanhas, baile. Tudo que ousamos criar e viver. Um espaço
para se pensar, rtifletir. mudar a vida. Abrir POrias, abrir cabe-
belecimento que se propõe funcionar sem sócios, sem local, sem diretoria, numa espécie de aUlOgestão. j\.li é org''!nizado um centro de estudos que, através de conferências, nlesas redondas, etc., pretende o debate e "... assuntos diretamente ligados ao humano, à expansão de conhecimentos e disseminaçào de práticas propiciadoras dc consciência pessoal, social e cósmica"". Há grupos de estudo sobre as concepções de W.Reich, cursos introdutórios de "Bioenergia" e de "Reich e os Neo-Reichianos" e vários profissionais ali prestatn servj\-'os, conlO Roberto freire, Deni~C' Dessoni, José A. (~aiarsa c Francesco Drag:otto, dentre outros. No ano seguinte, é organizada uma clinica terapêutica "corporal" para discutir a própria prática clinica. Raízes e sua c1inica sobrevivem somente até 1984, quando Carlos Ralph edita a Revista Orgon, que traz, inclusive, uma conferência do bioenergicista John Pierrakos. A Revista Orgon fica somente neste prinleiro nÚ111ero.
ças, canaL>.;de sensibüidade"~.
Presentes não somente "corporalistas" como Gaiarsa Roberto Freire Bia de Paula, Paulo Hindemburgo, Romcl Alves Costa, 'Nicolau Maluf: Esther Frankel, José Alberto CoUa, Rubens Kignel, além dos psicodramatistas Ronald de Carvalho, Norma Jatobá, José Fonseca Filho, mas também psicanalistas - em sua maioria, aqueles vinculados ao IBRAPS[ -, representantes de diferentes movitnentos sociais e alguns exilados recém-chegados, tais como Alfredo Sirkis, Liszt Vieira e Herbert Daniel. Em 1983, ocorre o último e IVSimpósio Alternativas no Espaço Psi, com o tema "Prevenção, Psicologia e Política", já sob a organização de Raízes e Cê Ralph. Aftrmam que " .. no momento bistôrico e po/itico que atravessamos temos que repensar a.prátfca da Pslcologia e ajormaçao de seus profissionais Não só tratar a doença, mas apt'ender a redimensionar uma atuaçdo pela pre..wm)açdo da saúde "71.
Ainda neste mesmo ano, é realízado o II Ciclo Reich, que aborda o tema "Desenvolvimento e Aplicações Práticas do Pensamento Reichiano", a que comparecem pessoas de quase todo o Brasil. Carlos Ralph, ainda à frente de todos esses eventos, sai da Rádice Luta & Prazer e funda Raízes - Centro de Estudos do Homem, um esta70 71
Luta&: Prazet'- Ano J, n2 4, dezembro/1981, p. 02. Jomal Psi - Ano 1Il,nº 12, iu1ho/t(J83, p. 16.
294
2.3 - Alguns Estabelecimentos:
CIO, lOOR e Outros
Os anos 1981 e 1982 marcam, portanto, no Rio de Janeiro, o início da expansão das práticas "corporais". Estas, num pritneiro mOIl1ento, forjadas isoladamente por uma série de profissionais já assinalados e por outros, femlentalTI o terreno para os grandes eventoS que ocorrem de J 980 a 1983. Estes repercutem enonnemente entre os jovens profIssionais "psi" de Zona Sul carioca e vão estimulando demandas e subjetividades voltadas par'! o trabaUlO com o corpo. Já se constitui uma clientelá significativa, preocupada com a questão corporal, que será a consumidora dessas práticas que se expandem massivamenle entre a juventude de classe média. A partir daí, reúnem-se OS primeiros grupos: até mesmo pessoas dispersas passam a se preocupar canl uma formação maio;;si<;temitica na área. Em J 982, Paulo Hindemburgo, por exemplQ, inicia uma formaçào "corporal" que denomina "Programa de Capacitaçào Profissional". É um curso "teórico/vivencial", no qual a teoria, os conceitos e as informações são vivenciados através do conhecimento que cada um 72
JomalPsI-
AnalIl, nQ J1, maiolL983,p·
10.
passa a ter de si próprio. No inicio dos anos 90, chama este trabaUlo de "Ateliê de Emoções", pois continua conjugando terapia e irúormação. Toda atuação é grupal; ele sÓ atende individualmente em casos excepcionais. De dois em doil) meses reúne todos os seus clientes e formandos num sítio onde fazem "trabalhos de laboratório". Neste mesmo ano. Sandra Guimarães e Eliane Siqueira, que já trabalham no mesmo consultório. desde 1979, abrem grupos de formação em bioenergética, embora sofram muita influência de D. Boadella. com quem fazem formação em Biossintese. Por intermédio delas, de 1983 a 1989, o bioenergicista Frank Ledig vem regularmente ao Brasil paIa vivências e womshops com seus grupos de formação. Em 1983 surge o primeiro estabelecimento no Rio de Janeiro encarregado de uma formação dentro da orgonoterapia. o Centro de Investigação Orgonômica W.tlhelm Reich (CIO). rrmdado por Denise Dessoni de Almeida. Carlos Eugênio (;uimarães Marer e o argentino Felipe Fernandez. A primeira, de 197'; a 1977.faz com Arom Abend, no Rio de Janeiro, terapia bioenergética; em 1978,inicia fonnação no Instituto Wilhe1m Reich do México com Blanca Rosa Anorre, que ilavia desenvolvido e sistematizado a técnica de ma.'Sagem reichiana. Volta ao Brasil em 82 e, nos Ciclos Reich, conhece Eugênio Marer e Felipe Fernandez. Desde 1970 esse argentino havia organizado em Buenos Aires a I' Liga de lnfonnação Sexual. uma espécie de Casa de Cultura. tendo como inspiração o movinlento Sexpol criado por Reich, na década de 30, na Alemanha. Após várias perseguições políticas em seu pais. chega ao Brasil, em 1981,e assiste ã explosão do movimento "corporal" carioca com os Sirupósios Alternativos e os Ciclos Reich. A proposta do CIO é: reproduzir, controlar e documentar os descobrimentos de Wúhelm Reich prosseguindo com as investigações em todas as áreas da ciência orgonômlca, difundir o pensamento e obra de Wühelm Reich a um nível informativo e formativo através de cursos. paiestras, etc (. __). II,IossoCentro espera estar regido por uma verdadeira democracia do trabalho e, portanto, convida os trabalhadores, operários, professores, médicos, psicôlogos, estudantes, etc., à sua construçào"73 (grifos meus), 73
"C10". In: Orgon. Riode Janeiro, Raízes, s/data, p. 1[.
296
Sobre o texto final acirua citado, gostaria de tecer um breve comentário. Após a dupla expulsão de Reich - da Associação Psicanalítica AJemã e do Partido ComunL'ta Alemào - já no inicio dos anos 40, este autor aproxirua-se de grupos anaIquistas, criando o conceito de "democracia natural do trabalho", que é bastante idealista e ingênuo. Reich considera a existência dessa "denl0cracia do trabalho" como a forma natural de organização social que sempre ocorreria quando as pessoas cooperassem harmonicanlente cnl serviços de necessidades comuns e interesses mútuos. Este conceito, alénl de naturalizar as formas de organização social, compreende, iruplicitamente, o mito de Rousseau sobre o "bom selvagem". E o CIO, ingênua e idealisticamente -localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro e composto essencialmente por elementos de classe média - convoca trabalhadores e operários para sua construção. Será que suas práticas estão voltadas para a produção de espaços singulaIes que possam fortaiecer esses segmentos sociais' , Este estabelecimento iniciaseu funcionamento oferecendo um curso chamado "Economia Sexual para Prevenção das Neuroses", aberto a qualquer proflSSionalinteressado na área; proporciona formação individual terapêutica/teórica em orgonoterapia de análise do caráter e massagem reichiana; realiza maratonas vivenciaL,e informativas, grupos de estudo orientadoS. supervisão de terapeutas. terapias e abre uma creche-escola, dentro do enfoque reichiano de prevenção. Em 1986, Ivan Gonçalves Campos, que vinha de uma formação psicodraInática. elegendo-se, inclusive, presidente da SOPERJem 1983, associa-se ao CIO. Desde 1977, mantém estreito contato com pessoas que estudam Reich, como Geni Cobra, Guy Tonella, MariaMello,Frederico NavaIro, ete. Abandona progressivamente o enfoque psicodramático e utiliza cada vez mais o orgonoterapêutico. Após a criação do C10 dá aulas no curso de formação; entretanto, somente três anos depois é que passa a fazer parte do estabeleciruento. . l:m outro grupo organizado no Rio paIa formação de orgonoterapeutas é o Instituto de Orgonomia ola Raknes (IOOR), que é aiado em 1989pelo italiano Frederico Navarro e pelos brasileiros Alfredo Allemand e Fernando Acosta. dentre outros. NavaIro, que foi psicanalista, de 1970a 1974 faz formação em vegetoterapia com o próprio Ola Raknes. 297
No fmal da década de 80, dois estabelecimentos vinculados a D. Boadella e por ele autorizados surgem em solo carioca, embora sem muita expressão. São, em realidade, filiais de seu Instituto de Biossin-
tese. O primeiro a se organizar está associado a José Alberto Moreira Corta e outros '·corporalistas", que fundam o Centro Brasileiro de Biossintese. O segundo liga-se a Liane Zink, Rubens Kignel (ambos atuam em São Paulo, mas deslocam-se freqüentemente ao Rio para dar formação) e Esther Frankel, recebendo o nome de Instituto Brasileiro de Biossintese. O argumento utilizado por ambos os grupos é a legitimidade e reconhecimento internacionais para si e seus alunos em formação. Estes dois grupos, após fazerem formação com D. Boadella, receberam de seu Instituto de Biossintese o título de training em biossintese e, por interesse do próprio Boadella, assumiram o encargo de organizar uma filial de seu Instituto no Brasil. É uma forma de expandir sua formação para o mercado "corporal" brasileiro. Por questões de poder e com a autorização de Boadella, são criados dois estabelecimentos visando a uma formação em biossintese. Sobre a formação oferecida discorrerei, posteriormente, ao consignar alguns anali,adores das práticas ligadas ao Movimento do Potencial Humano. De forma bem mais explícita que os outros quatro estabelecimentos paulistas (Sedes, Ágora, IPE c Instituto W. Reich) e o CIO no Rio de Janeiro, estes três estabelecimentos de formação - o Ola Raknes e os de Biossintese - apresentam suas propostas seguindo o tradicional e acadêmico modelo da formação analítica "oficial". Os demais induzem seus formandos a fazerem terapia com profISsionais de seus próprios estabelecimentos, apresentando uma relação de ter"peutas indicados e reconhecidos para a chamada "terapia didática". Não obstante todas as críticas e questionamentos feitos no plano di'cursivo à formação analítica, as chamadas terapias "alternativas", de um modo geral, entram nos anos 90 no Brasil com práticas que produzem módelos, di'positivos e subjetividades bem próximos das instituições "verdadeira" psicanálise c formação analítica. De uma formação inicial bastante assistemátíca, em que uma das caraCleristícas é o fato de seus atores serem elementos "desgarrados" - em· todos os sentidos, pela própria influência do movimento contracultural-, a.' terapias "neoreichianas" chegam à década de 90 em franco processo de institucionalização. aspecto que tanto combateram em suas gêneses. É verdade que a Bioenergética nos Estados enidos, desde os anos
298
299
Em Paris, desde 1980 dá formação a alguns brasileiros e vem ao Rio, em 1986 e 1987, para dirigir seminários e workshops. Em 1989, defmitivamente instalado no Brasil, organiza junto ao Instituto Ola Raknes uma escola de formação, a Escola de Orgonomia Latino-Americana (EOLA).Navarro implanta uma metodologia da vegetoterapia sob bases neurofisiológicas, desenvolvida por ele, "o que Ola Raknes - enquanto discípulo de Reich - pretendia realizar", segundo declarações do próprio Navarro. Esta é a metodologia empregada pela Escola Européia de Vegetoterapia e pelo Instituto Ola Raknes. A principal atividade do Instituto de Orgonomía Ola Raknes é a Escola de Orgonomia Latino-Americana, que regula o funcionamento da formação de orgonoterapeutas e de operadores orgonõnticos, da qualfalarei mais adiante, quando recorrerei a tal formação como um dos analisadores das terapia., ligadas ao Movimento do Potencial Humano. Em solo carioca esses dois estabelecimentos são os que mais se destacam nos anos 80 e 90, embora surjam outros, de menor expressão, assim como outros terapeutas "corporais"continuem a oferecer formações isoladamente, constituindo suas "escolas", ainda que não instituidas oficialmente. É o caso de Esther Frankel, que começa a oferecer grupos de formação em 1984, de Romel Alves da Costa e de Nicolau Maluf Júnior, a partir de 198~. Em 1986, Pedro Vieira Castel- que desde 1977 flZera terapia com Roberto Freire, participando ativamente dos Simpósios Alternativos, dos Ciclos Reich e do Jornal Rádice Luta & Prazer - com outros "corporalistas" funda a Clínica social de Terapia Reichjana. Esta apresenta três frentes de trabalbo: a da clinica (através de atendimentos individuais, "pronto socorro" para situações de crise, terapia para usuários de droga e trabalho com aidéticos); a da prevenção (através de cursos e palestras, prevenção de neuroses em jovens, pais, gestantes e adultos); e a da formação (através de grupos de treinamento, cursos - introdutório, básico e de formação - para orgonoterapeutas). De início a formação liga-se à terapia "corporal" em geral; no início dos anos 90, o grupo dcfme-se por uma formação orgonõntica.
I
70, já se havia transformado numa nascente e lucrativa empresa capitalista. De um modo geral, tanto Lowen, quanto Gerda, Boadella e muitos outros "corporalistas" norte-americanos e europeus desde a década de 70, vendem e supervisionam seu know-how corporal pard a América Latina bem dentro de caracterislÍcas empresariais, aos moldes das mais bem "organizadas" multinacionais. A"im é que, em 1991, realiza-se um lAJngressoEuropeu de Práticas Corporais que, sob a direção de D. Boadella, propõe a organização de uma Associação Internacional das Terapias Corporais. Uma 'outra" IPA' Parece que sim, pois sente-se ao longe e no ar o '·mau cheiro" da normatização, da disciplina e, principalmente, da comda para o controle de um mercado "corporal" mundial, um monopólio que tão bem a IPA tem desempenhado há mais de 80 anos. Ao lado disso - afrrmam alguns corporalistas - as técnicas consideradas "alternativas" são utilizadas de qualquer forma, por qualquer um, sofrem um processo de banalização pela núdia e por muitos de seus profissionai~, sendo vendidas em qualquer esquina. Este é o dilema com que se defrontam no Brasil algumas terapias "alternativas" - principalmente
as "neo-feichianas":
institucionalização
ou autonomia,
ainda
que sob um minimo de seriedade na formação. Os anos 90 talvez respondam a esta questão. Esta história instituida de algumas prática~ "corporais" nos anos 70 e 80 no eixo Rio-São Paulo não pretende esgotar o assunto, que apresenta muito mais facetas e informações do que aquelas aqui apresentadas. Entretanto, da mesma forma que as práticas psicodramáticas no Rio de Janeiro, as gestalti~ta.~ no Rio e em São Paulo, também as "corporais" não dispõem nestes dois espaços geográficos de nenhum material escrito sobre sua história. A cultura "neo-reichiana" no Brasil é profundamente oral, bem dentro da tradição do movin1ento contracultura!. O que foi mostrado neste Capítulo está ligado ao conteúdo das entrevistas realizadas com alguns "corporalista.Ç do eixo Rio-São Paulo, assim como artigos de jornais e revistas "psi" da época. Há, sem dúvida, outros profissionai~ da área que aqui não aparecem; esta pequena síntese do movimento "corporalista" no Rio e em São Paulo representa, assim, uma primeira contribuição ao assunto.
300
r f
v-
ALGUMAS I.JGADAS
f
I ,
SrnrAçÕES
ANAIlSADORAS
AO MOVIMENTO
DAS PRATICAS
DO POTENCIAL
HUMANO
Como fiz com as práticas psicanalíticas e as psicodramáticas, recorrerei neste item a alguns acontecimentos e caracterlSlÍcas relalÍvos ao Movimento do Potencial Humano como situações analisadoras. Aqui, além dos acontecimentos que se impuseram a mim ao pesquisar as histórias dessas práticas, também algumas de suas caracterlSlÍcas se apresentaram, constituindo-se, portanto, em analisadores. São aspectos que aparecem como reveladores, catalisadores do seu próprio sentido e, dentro do conceito de analisador, estas caracteristicas e acontecimentos aqui apresentados realizam a análise. Citarei dois anali~adores por mim denominados como os especialistas-peritos e a mágica da salvação. 1- O ANALISADOR
ESPECIAllSTA
- PERITO
Dentre as muitas críticas que o Movimento do Potencial Humano faz à prática psicanalítica encontra-se a questão do especialista "psi". Mais do que a procura de terapias "alternativas", este Movimento aliado à contracultura pretende instaurar uma nova concepção de vida que conteste os valores típicos de uma "sociedade industrial e consumista". E dentre estas contestações encontra-se a função do perito "psi" no mundo capitalistico, extremamente consolidada pela prática hegemônica da psicanálise. Tal crítica - que toma vulto nos anos 60 e 70 com a expansão do Movimento do Potencial Humano nos Estados Unidos, Europa e América Latina, respectivamente - já desde os anos 50, em solo norte-americano, é empreendida por C. Rogers e os seguidores do "aconselhamento centrado na pessoa". Posteriormente, F. PerIs e os terapeutas gestaltistas, assim como os "neo-reichianos", engrossam as fileiras daqueles que pretendem questionar o lugar de saber/poder ocupado pelo especialista, pelo "técnico em psicoterapia". Como já vimos no início deste Capítulo, tal questão se insere no bojo de uma série de outras críticas às psicoterapias dominantes à época 301
(tanto a behaviorist..1.,quanto a psicanalítica), e visanl à construção de psicoterapias "alternativas" a essa.' duas formas enLáo hegemônicas de pensar o s LI icito. O "aconselhamento centrado na pessoa", tanto nos Estados Unidos, quanto em outros paic;;es- como () Brasil ~ é utilizado tambénl por profLssionais fora cio setor "psí", e L'to é bast:lnte enbtizaelo por seus seguidores, que chegam a criar o termo "conselheiro-leigo", Um claro exemplo está na apresent:l(:ão elo livro Aconselhamento Psicológico, ela brasileira R. Scheekr, que allrma: "Este !il-ro10i escn'to para estuâantes de P.~kologia, de ()ril'11taçào Rducacional, de Sen'iço Social e para outms pmfi
Esta referência a outros profissionais não "psi" é uma constante nas obras de C. Roger.~c de muitos de seus seguidores, que utilizam os termos "conselheiro" e "facilitador ,llfupal", para diferentes profissionai..;;; em suas atuaçües terapêuticas Alguns "rogcrianos" paulistas afirmam que: "Podemos/alar de um reconhL'Cim.ento da /unçao - conselheiro que transcende a e,'.1Jeci/icfdar/(> de um unico tilm de j)mfir;;sional Contudo, e.sta afinnaçâo só é pálida para pair;;escomo os E.ojados [Jnido,,~Canadâ l' Inglaterra, onâl' o conse/beiro funciona como uma espi?ciede jJr(J,fissional de pn"neira linha (... ). No Brasil, a é quuw' ine:\1,stente figura do conselheiro com esta" car-acti..'ri<;ticas L ..) Notamos que o Aconselhamento Psicológico chega ate nós confundido de n7·ta forma com a !,sicotemJ)ia () conselheiro apresenta-sl' como jJsicólogo clínico I ) A !)1'Ô/Jrialegislaçdo lJ,.asileim define o Aconselhamento Psicológico como Jun(.~do (~1)ecifica dos !,skólogo.<;"."'.
Há sobre este 3."isunto
ScheL'fer. R Op dt., p. ()l)
"''j
Schmidt, 1\1.J .. S. I )p_ cit., pr- 22 e 2;;.
e assistentes sociais, dentre outros. Aquilo que é visto por tnuitos - e isto é bastante enfatizado por C Rogers e seus seguidores - como uma "dCl1l0cratizaçâo" do saber "psi", entendo co1110enc1ausuramcnto desseS diferentes profi~sionai.s no estreito território "psi", no estreito território ela "psicologizaçào" c, portanto, na imposição e fortalecinlento de um "certo" (nadeIo "psi": o "aconselhmnento não-diretivo e humanista centrado na pessoa" A segunda queslào relacionada 3 ruptura dos cspecialismos - pelo fato ele qllC o "conselheiro" e () "facilitador" poderiam ser quai~quer profissionais - refere-se, em realidadc, 3 "produção de um tipo de especialL,ta em nada diferentc do já conilecido As práticas, os saberes e os sujeitos forjados pelos c11al11ados"conselileiro" e "bciliL~dor" encontram-se no espaço do psicológico-existencial. É mais um especialistno que está sendo construído, pelo qual, se "facilita" aos outros "crescerem" através de uma relação de "a;uda". Apesar disso, ~:tlgLms"rogeriallos" que, em São Paulo, cunham o termo "psicólogo-conse1l1ciro" consideram específico do profL"siona1"psi" o aconselhamento c enfaticamente declaram: " .msa questão interessante
fepolêmica) diz reslNiJo ãconde fonn~lr",o.~ conselheiros "leigos" para atuarem junto ao .tistema de atendimento à saúde mcwtal, cuja precariedade é e7'idenle na sociedade bmsileira'" {grifos meus),
lJeni€ncia
Ou seja, fugindo totalmente ao que é colocado - pelo menos nos di.~cllrsos - por C. Roger.s e muitos ele seus seguidores, aliás, de forma bastante estreita, legalista e corporativa. allrma-se que o "aconselhamento" é funçào específica do psicólogo e que os demais prot1sionai.'i seriam meros "conselheiros-leigos", A superioridade de utna categoria é enfatizada em fun\~à()da inkrinridade de outra; II mesmo esquema já apontado nas suhjetividades produzidas pela divi.
302
Idem, p. 25.
e superficial, também isto se reproduz no seio do próprio mmimento
sentação de monograftlS ao tlnal do I' e 2° anos e de uma tese global ao tlnal do 3º ano. O que se percebe desta t()11l1açãoacademicamente instituída' Dois
"rogeriano" .
Com relação ao Movimento Californiano de Grupos, onde se indueol
F. Perls, A. Lowen e vários outros "neo-reichianos",
uma série de discursos
contrários
também há
ao lugar sagrado ocupado
aspectos
pelo
especialL'ita ;'psi". Todavia - como já salientei ao analisar o Movimento
do Potencial Humano ~, pelas criticas feitas por Max Pages e Georges Lapassade à direção imprimida, à época, pelos coordenadores de grupo, vislumbra-se, facilnlente, a existência de um e.xpert que. ao coordenar () grupo, dirige a "autenticidade" dos componentes, reprimindo qualquer criação em nome das regras da "espontaneidade" e da "honestidade". Há portanto uma hiperdiretividade nesses coordenadores de grupo; daí a extrema dependência com relação a esses "facilitadores" Ainda como exemplo de que práticas silo produzidas em cima dos discursos criticos aos especialismos forjados pelo Movimento do Potencial Humano, temos a tórmaçilo "corporal" em dois estabele~ cimentos cariocas já citados na história dessas práticas. O primeiro deles é o Instituto de Orgonomia ala Raknes, que, com sua Escola de Orgonomia Latino-Americana, tóm1a orgonoterapeutas e operadores orgonômicos, funcionando no Rio de Janeiro desde 1989.
maLo;; relevantes
POdCll1
ser aqui levantados.
Um refere-se aos dois tipos ele forma.;;ào oferecidos: a de orgonoterapeuta."i e a de técnicos Cfi1 orgonoterapia. Os primeiros são psicotcrapeutas; os demais, auxiliares no trabalho orgonônlico. Justifica-se, assitn, a não obrigatoriedade de um título de nível superior. Reitera-se a mesnla separação produzida no seio do movimento "rogeriano" acL'itrita à divisão social do trabalho no mundo capitalístico: de um lado os terapeutas cujo curso, obviamente, deve ser mate;; "rigoroso"; de outro. os técnICOS.lneros auxiliares e execu[Qres das tardas pensadas,
'.
pesquisadas e pianelacias pelos "competentes" orgonoterapeutas O segundo aspecto diz respeito à própria formação instituída que, pelo que foi exposto, não deixa margem a dúvidas: cópia fiel do modelo de fomlação analítica oferecido pelas Sociedades "oficiais" com suas obrigatoriedades, exclusôes/inclusões e a produção de um lugar sagrado de saber/poder ocupado pelo especialista "psi". O outro
estabelecimentu
cariuca ele form.a\~ão "corporal",
CJl1
realidade, silo doi, grupos filiados ao Instituto de Biossintese de D. Boadella em Londres: o Centro Brasileiro de Biossintese e o instituto
Para a prinlcira formação - a de orgonoterapeutas - os requisitos necessários sào: ser nlédko, psicólogo ou outro profISsional reconhe-
Brasileiro de Biossíntese assinalado anteriormente
cido pela Escola de Orgonomia; estar em terapia de base com um terapeuta do Instituto de Orgonomia; ser aceito em entrevista de seleção com o diretor diclático. O curso de três anos consta de parte teórica, supervisão didática e em grupo por um ano, terapia individual e de grupo com terapeutas do Instituto de Orgonomia e supervisão clínica portempo indeterminado,
A formaçilo oferecida por estes dois grupos segue as regras do próprio Instituto londrino: é de doi, anos (correspondendo a 400 horas) de teoria e de prática clinica individual com terapeutas fonnados em bioss[ntese e reconhecidos pelo Instituto de Boadella, e 100 horas de
A formação de opeF.ldores orgonômicos é aberta a qualquer pro~ fissional, sem obrigatoriedade de diploma de curso superior, sendo exigido estar em terapia de base com um terapeuta do Instituto de Orgonomia. O curso é também de três anos, contendo parte teórica, supervisôes didáticas e seminários, com a obrigatoriedade de terapia individual e gru pal. Há nesses dois cursos de formação presença obrigatória e apre304
supervic;;ão individual
surgidos no final dos anos 80, neste Capítulo.
com supcrvic;;orcs formados
C0010
já foi
em biossíntese
c
reconhecidos também pelo referido Instituto. O que esta formaçilo apresenta' () mesmo tripé que o modelo de formação analítica "oficial" vinculada à IPA. 0)1 seja, da mesma forma que no Instituto Ola Raknes - este de maneira mais rígida e disciplinadora ~ é produzido e consolidado o lugar do especialista "corporal". E mais, com este modelo de formação pretcnde~se garantir uma certa fatia do mercado "psi-corporal" carioca para aqueles "didatas" (os terapeutas e supervisores) que detêm o saber/poder da vegetotera30,
pia e da biossíntese. Por isso, a terapia e a supervisão só podem ser feitas com proftssionai~ reconhecidos pelos estabelecimentos fOffim.dores. Portanto, no que se rcfere à instituiçào formação "corporal" tcnlOS em muitos aspectos a reprodução das pràticas, dispositivos e modelos que tão radicalnlente foram combatidos no inicio do Movilnento do Potencial Humano pelas chamadas terapias '·alternativas". Afirma Castel que: mopimento têm certo um di,curso sobre a sociedade em geral concebida como jator de alienação, com ~'-ua.r; hierarquias rígidas. a coi.\~fi<;açaoda..o:; retardes .pessoais sob as e~
se apelar para as religiôes orientais que prometeul um sonho de p3.Z, de equililJfio, de sabedoria e de refúgio. O Movimento do Potencial Humano ['li "(,,) uma mistura delirante de todos os ê.xtases_'Tibete, fndia, parapsicologia. zen-budismo, reali.mlO mágico. diKOS voadores, astrologia, bolas de cli.çJalf" .). atucinaçoes /J.'õicodélicas(". j, E<;tào todos mi.~turados no mesmo saco místico da contracultura (.).
., _ os ideólogos (deste)
xigências de rentabilidade, etc. Mas não existe nunca andlise desses mecanismos sociais por si mesmos,da numeira como
ai funciona realmente a
flutaridade,
cujo
poder se encar-
na e se exerce em estruturas, instituições. classes~
/1
(grifos
meus).
Não estou, com estas observ3.c,;:ões, tentando negar a iInportância de uma formação "psi"; n:io estou, nem pretendo pregar a ÍI1utilidade das formações. Estou querendo frisar que há diferentes formações e que, enl especial, aquelas que são acadenucamente instituídas caem, SClll dúvida, na arrogância, no elitismo, no dLo;;;curso da "C0111petência", nas exclusões/inclusões c, por conseguinte, na criação e fortaleciolento de lugares sagrados de saber e não-saber. Em suma, na construção do lugar de especiaIL,ta-perito.
2 - O ANALISADOR
"A MÁGICA DA SALVAÇÃO"
No nascedouro do Movunento do Potencial HlItn:lno, nos anos 60, nos Estados Unidos e no movimento contracultural está presente de f"rma bastante forte a produção de um intenso mistici,mo. Os chatnados enfoques e técnicas orientais influenciam profundamente as práticas "alternativas". Afetam não apenas as "psi", como também atíngem profundamente a sociedade em geral, sobretudo a juventude da época78. Consolidarll-se tendências religiosas, místicas, ao
n 78
e a mágka
ocidentais"
da pio/ência que parre o pais (e a América
religiosa. A onda se espalha e ataga
os
países
1Q.
() voltar-se par.! o mL,ticismo - aspecto presente e já realçado na fase amerjcana ele Reich - está também, de uma forma ou de outrJ., en1 alguns de seus dL,cípu!os, como D. Boadella, o criador da BiossÍI1tese C0l11sua orientaçào holística. Também em F. Perls, o criador da gestalt-terapia, essas influências orientaL, se farão presentes. Já em sua primeira obra de 1942, Ego, HungerandAgression, Perls lança mão do círculo Yin e Yang, símbolo taoi'ta de diferenciação dos opostos. Na."i três últirnas décadas. são cada vez tl1r.'l1_C;; estimuladas nos Estados Unidos - no rastro dos movimentos contrJ.clIltllral e do Potencial Humano _ as subjetividades do etlSí1lCl-'rneCl vilJe~ do como fazer amígos e influenciar peSSO(L',do self~helpi"g: a crença de que a maior causadora das "... vicissitudes e doenças humana."i é a prática ou a Vl"ião errada da viela - coisas das quais qualquer um pode se libertar""', dentro elapromessa de "felicidade" aos moldes do «meriam way oflife. Não é por acaso, pois, que alguns "corporalistas" brasileiros, hoje, voltam-se para Ulna série de técnicas orientai "i, COll10as de meditação, especialmente as tibetanas, conhecidas como Kuniê. AdvÍI1do do Instituto Nygma, com sede em Berkeley, na Califórnia. o movimento Kuniê é introduzido em São Paulo por Paulina Rabinovitch, que funda o Instituto Nygma do Brasil, em 197'). No Rio de Janeiro se desenvolve a partír de 1988 com Eleonora Furtado: Ambas, apesar de e do Potencial Hununo nos anos 60 e 70". In Favre, R. Palestra reali:mda em São Paulo. em 26/l 0/
Castel, R. A Gestão dos Riscos. Op. dt., p. 1'53. "É interessante lembrar que o misticismo oriental tem sua origem em solo norte-americano via colonização inglesa que traz para a Nova InglatetrJ. a ,",ualc::ituradas filosofus orientais, principalmenk" do budismo.
E esta leitura via coloni23.Ção inglesa que estará presel11e nos movimentos
306
.
A contrapm1ida
lAtina)
contracultural
1901 j(j
80
Maciel, L.c. Os Anos 60_ Op. ciL. p. 98. Rocha, E.F. "Em Busca do Ego Perdido" In:JB/Cademo de Domingo - Ano ]6, nº 806,13/10/ 1991, \4-\8, p. \4.
307
não terem formação "corporal", vinculam-se imediatamente aos "corporalistas" pauli~tas e cariocas.
rico ftlão. Em duas reportagens, uma na Folha de São Paulo, intitula~a "Mercado Editorial Cresce com Auto-Ajuda"" e outra no J omal do Brasil, sob o título "Em Busca do Ego Perdido"", vê-se como este fenômeno não se circunscreve somente ao Brasil. Esta forma de encarar a si e ao mundo, exportada dos Estados Unidos, encontra princ!palmente na América Latina dos anos 90 um terreno propício e fertil para sua disseminação, pois apresenta-se como solução para os mais diversos e variados momentos de "crise", para os mais diversos e vanados problemas. Para alguns esta tendência" ... mostra o estado de desespero das pessoas" e
Com a crença de que somente uma revolução individual/pessoal pode mudar o mundo, enfatiza-se o "corpo espiritual", trabalhando-se a vida e a morte, principalmente através de exercícios de meditação, em que as palavras não são utilizadas, mas "vibrações" que de muitas formas penetram e agem no corpo do sujeito. Não quero, em hipótese alguma, banalizar e/ou simplificar este enfoque filosófico tibetano, pois ele transcende tudo que aqui foi apresentado. Meu objetivo é apenas oferecer uma panorâmica para que se possa entender melhor o que hoje ocorre com as práticas de alguns "corporalistas" paulistas e cariocas que acrescentam esta abordagem em seus trabalhos. Como exemplo da ênfase dada ã dimensão espiritual nos trabalhos "corporais", temos a fundação por Esther FrankeI em 1990, no Rio de Janeiro, de um estabelecimento - o Quiron (Centro de Estudos e Práticas Transomáticas) - que, contando com a participação de alguns "corporalistas" cariocas e paulistas, procura associar o enfoque espiritual ã prática clínica dentro da abordagem da Biossintese de D. Boadella e de uma visão holistica. É também a partir da segunda metade dos anos 80 que a astrologia e seus mapas passam a dominar em muitos consultórios paulistas e cariocas. Se a grande maioria dos astrólogos não têm formação "psi", encontramos alguns que fIZeram formação "corporal" e que se valem dos conhecimentos da astrologia como mai~ um instrumental em seu traballlo terapêutico. Em São Paulo, tive noticia de que algumas empresas utilizam o mapa astrológico como um dos instrumentos para a seleção de pessoal. No plano clinico, esses mapas tornam-se uma terapia "barata": exigem poucas sessões para a sua feitura e posterior discussão com o cliente. Todas essas inlIuências místico-religiosas, em sua maioria advindas do Oriente, ao prometerem a "felicidade", um "mundo de paz interior", estimulam sem dúvida as subjetividades da "autenticidade", da "liberdade interna", do privado em detrimento do público. Por isso, não é por acaso que entramos na década de 90 no Brasil com um mercado editorial onde os livros de "auto-ajuda" se tornam um
"... passam um verdadeiro sabão em quem não é feliz, dan~o fórmulas para uma saida mágica para os problemas C.'); estao convertem:ro a feJicidade em capilar 83 (grifas meus).
A lista dos livros mais vendidos em 1991 é encabeçada por obras ",.que
vendem misticismo como ltção de vida
Alquimista':
,
)1
("Bri~a.".
"O
"Diário de Um Mago ", etc.), Para o ~~or ~vid~,o
senso comum disfarçado por uma lingU4gem mistu:o-científtca
vira novidade"84.
Propondo um "novo padrão de pensamento" como solução para os mais diferentes problemas, estas obras associam-se ao que R. ~astel assinala como cultura "psicológico-relacional", na qual a responsabilIdade da mudança está única e exclusivamente no interior de cada pessoa, acrescentando a estas subjetividades fortes doses de esotensmo e rrusticismo. O mundo "lá fora" não existe, ou, se existe, em nada ou em muito pouca coisa "toca" este sujeito fechado sobre si mesmo, o único responsável por seu destino, na procura de u~ "verdadeira" alegna e felicidade, construidas sobre frágeis, superficialS e ilusonos arcabouços.
81
sca1zo, F. e Carone, S.M. ~Mercado Editorial Cresce com AutOo-Ajucla" in Folha de São Paulo/
c.dernoLetras-05/IO/1991, p. 09. 82 83
550:
Roclla, E.F. Op. clt. '( fe Depoimentos dados à reportagem da Folha de São Paulo p~ Ley~Perrone-Moyses pro de literatura da USP) e Maria Helena Patto (professora de PSlcologIa da USP), respectlvamen Op. dt., p. 09.
84
Sca1zo, F. e Carone, S.M. Op. cit.
309
.
VI -
ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
>'Reichfoi, sem duvida, um ,Maneiro no gesto que aponta para a questão da ''Política do desejo '; no gesto que aponta para a e~istmeta de uma relação incindínei entre economia pohtica e economia libidinal, entre história e geografia. Por outro lado a cartografia de sua obra nào conseguiu cna,. o território tronco da indíssolubilidade daquelas duas economtas: em seu..çescritos, elas continuaram separada..'>.t.' ce1tamR11te eSsa separação que o h'ava a lX:'11.Saro desejo em tE't1nOSde uma "energetica "...w>.
E seus discípulos, sem dúvida, aguçardm tal separação. Não é por acaso que a "herança" reichiana é disputada por todos eles - tanto norte-americanos, quanto europeus - que, inaugurando diferentes abordagens, afIrmam enfaticamente que a "verdadeira herança" de Reich está em suas mãos. Bem distantes do "mestre", esses diversos enfoques "corporais" apresentam entre si aspectos muito semelhantes que - como já foi observado - se idenlificanl claranlcnte no Reich "alnericano", em sua última fase, não obstante a virtual manifestaçào ao longo de sua obra. Estes aspectos prendem-se principalmente à questão da prevenção, à gestão das fragilidades individuais, ao fortalecimento de uma nova cultura "psicológico-relacional", a uma forma de trabalhar com a normalidade; caracterh~ticas que R. Castel nomeia como pertencentes à chamada "era da pós-psicanálise""". A questão da prevenção, tão enfaticamente repetida por todos os discípulos ele Reich e, em realidaele, posta em prática pelo "mestre" na Alemanha dos anos 30, assume duas vertentes. A primeira, representada por seus discípulos diretos - tanto norte-americanos, quanto europeus -, realiza-se através dos chamados Centros e Grupos de AJuáate a ti mesmo espalhados nos anos 60 e 70 por vários pah~es. Fugmdo totalmente aos objetivos defendidos por Reich para uma "prevenção de neuroses", tornam-se, elll última instância, territórios onde se enfatiza o "auto-conhecimento", a "liberdade", a "autonomia", produzindo e consoli(lando os processos de subjetivação apontados dentro do Movimento do Potencial Humano. 8'5 8S
Rolnik, S. Cartografia Castel, R.Op. dt.
Sentimental Op. cit., p. 173.
310
.1
Na segunda vertente, representada pelos "corporalistas" brasileiros - os do eixo Rio~~ão Paulo - a prevenção situa-se somente ao nivel do discurso. Em todas as entrevistas realizadas é enfatizada por todos, sem exceção, a importància de um trabalho preventivo proposlO e colocado em prática por Reich. Contudo, nà.Óhá nenhuma atuação efetiva nesta área por parte desses "corporalistas". É inegável que, na maioria dos programas e propostas apresentados pelos diferentes estabelecimentos de formação "corporal" pauli~tas e cariocas, está presente a amação preventiva. Em nenhum deles isto tem sido efetivado; à exceção do CIO, que, no Rio de Janeiro, consegue organizar uma creche-escola, sobrevivendo precariamente. As demais propostas de atendimento a drogados, gestantes, pais, aidéticos, etc. pouco ou nada se materializam em termos práticos, A ênfase, portanto, do trabalho "corporal" é colocada nos atendimentos privados através de terapia, supervisão e grupos de formação. A questão abordada por R. Castel, que reúne todos esses enfoques "corporais-alternativos" no que chama a "era da pós-psicanálbe", relaciona-se ao fato de que a pós-psicanáIL~e não é o fim da psicanálise, mas "... o fim do conlrole (feito) pela psicanálise elo processo de difusão da cultura psicológica na sociedade"'". Com isso, as subjetividades que cultuam o psicológico começam a ser caela vez mais prestigiadas pelo Movimento do Potencial Humano, que instala na psicologia e no sujeito a responsabilidade por toda e qualquer mudança. Esta subjetividade que afirma que cabe a cada um a mudança, enfatiza "... a exigência de trabalhar a sua própria disponibüídade e sua flexibilidade relacional, pelo menos tanto quanto seus conhecimentos. Como de fato enfrentar as mudanças tecnológicas e os imperativo.ç da concorrência, se não jaz(;'ndo do trabalhador um
ser sem asperezas e sem crispaçào. cujas capacidades sao mobüizávei'i a qualquer instante? Mas como conseguir isso, se não fOr perseguindo seus bloqueios e suas reSiStências, cultilJando uma espontaneidade reencontrada, capaz de responder às injunç6es do presente?"íIl .
Além disso, Castel afIrma que todas essas novas técnicas psicológicas derivadas da própria psicanálise tornam-se completamente I)j' HS
Idem, p. 133. [dem, p, 1<;0.
311
independeptes dela. São "pós-psicanalíticas", uma vez que a sucedem, coexistem com ela e, principalmente, retêm muitas de suas mensagens. mas recusam tal fIliação, apesar de transmitirem "sem querer" parte da "herança" psicanalítica. ''Poder-se-ía interpretar seu sucesso como uma revanche póstuma de Reich sobre Freud, mas do Reich do períodO americano, o qual teria fortemente atenuado a dimensão marxista de sua ohra. que seus herdeiros teriam substituído por uma sensibilidade para os valores da contracuJtura espalhados nos anos ses..wmta: critica da autoridade. obrigações e hierarquias, cultos da espontanf?idade. da autenticidade, do não-diretivismo e da conuivência informal"!I9.
que muitos autores têm mostrado serem os valores. as subjetividades fortalecidas e produzidas pela chamada sociedade "alternativa" que - segundo os "slogans" contraculturais tão fortes ã epoca, como lá vimos, no Movimento do Potencial Humano - deveria "correr" paralela ã sociedade de consumo oficial. Almeja-se, deste modo, a construção de uma sociedade alternativa ã dominante, com valores e subjetividades também "alternativos". Entretanto, em realidade, tenninam por privilegiar a parte marginalizada dessa sociedade e, ao reivindicarem e enaltecerem esta marginalização, nela peomnece01. Este é, ainda hoje, o perfil de alguns "corporalistas" brasileiros que, em nome de Reich, se situam em territórios marginais, com a justifIcativa de estarem produzindo valores e práticas "alternativos" ã sociedade capitalistica. A "cultura relacional", enfatizada por R. Caste] como uma das características da "era pós-psicanálise" apresentada, faz com que a mobilização psicológica seja como um fim em si mesma que satura todos os valores da existência. É
O
"lntensi,{icaçâo das relações. tna.••sem o quadro de um comercio inscrito nas estruturas sociais e na história. a cultura psicológica vê-se como um fim em si. Ê como uma democratização do que já se teria podido chamar uma "cu/tura do divà", esta maneira inimitável, observâvel nos velhos freqüentadores da psicanálise. de recobrir sua vida real com um duplo fantasmático no qual eles existem mai..<; ainda do quepara oprosa1'imOcotidiano. E'tSaSnovas técnicas alímentam assim um "ethos", pelo qual o desenoo/vimento do seu potencial psicológico e a intensíjkação de suas relações com os outros podem tornar-se o alfa e o ômega da extstêncta,A 00
Idem, p, 141.
312
psicolngiafazai a experl_a
I
, ,
" i
\1I
11
de s••apr6priajiludização
como ati1Jidade autônoma, de uma só vez porque as outras dimensôes da existtmeia estilo a ela subordirNldas. e porque esse-poroirpa..roapor uma implicação em um nolJOuni1X?rSO pleno de relaçÕesdo qual não acabaremos nunca de dar a volta. Entrar rul cultura relacionol é abordar uma paisagem social de contornos fluídos, munida da unica cerleza de ter perpetuamente perfeita, que retecer a imagem jrágü de lmM sociabilidade clfias imagens estào exibidas nllm umverso uttid:imensional do psicológico
"
(grifas meus).
Há, portanto, um superinvestimento no psicológico e um não investiInento no social e no político. Estas caracteristicas apontadas por R. Castel produzem saberes, priticas e sujeitos voltados para "(J superinvestinlento nas relações", para a construção de pretensas novas formas de sociabilidade. As "tiranias do intimismo", assinaladas por R. Sannett e já destacadas por mim, também são focalizadas por R. Castel. Neste processo, . o psicolôgico invade e .'iatura novos espaços liberados pelo reflu..w do social,faz a vez de social representando o estatuto de uma sociabilidade completa quando os fatores propriamente sociais escapam ao dominio dos atores "91 (grifos do autor).
É a chamada "inflação do psicológico", poderosa subjetividade hegemônica dos anos 70 e ainda hoje não só afeita ao território "psi", mas largamente difundida na sociedade em geral. A chamada família "normal" representa hoje a maior consumidora destas técnicas "alternativas". Não sào, portanto, as fanúlias mais "necessitadas" fmanceiramente as que têm utilizado eSlas abordagens. Ao contririo, tais famíJias não têm acesso ã chan1ada cultura "psicológico-relaciona]", privilégio das classes médias urbanas que têm sempre a esperança de realizar e constmir uma "verdadeir.l" família. .. cuja vida relaCÚJnal seja ao mesmo tempo intensa e harmomosa.A psicologia represetlla aqui um/Japei homólogo ao da cirurgia estética, cuia finalidade é meno,,; reparar os corpos do que lhes proporcionar "ma mais-valia de harmonia e de beleza t . .) Dai, o "potencial h"mano" - a um só tempo pessoal e retacional - é de fato um capital (l;)
Idem, p. 1'i4.
Q]
ldem,o.
['i"7
objelivdvel que se cultiva a fim de se torntlr mais "atuante'" na. sociabiliLhlde, no trabalho O" nogozo"
Todavia, o que se manifesta na superfície não são essas produções, mas o fato de essas práticas "corporais" serem - com relação à tradicional psicanálise - mais "flexíveis", "abertas" e mesmo "democráticas", o que atrai um novo público em nome desta relação terapêutica "ampliada","diferente" e, por extensão, "alternativa". Estas abordagens "corpomis" vêm no rastro do que R. Castel chama de um "trabalho sobre a normalidade", poLs ".. retomam. exploram e instrumentalizam um aspecto importante da descoberta freudiana: a possibilidade de trabalhar o próprio conceito de normalidade"", fato já apontado quando me referi à produção de uma cultura "psicológicorelaciona}" e aos processos de suhietivação desenvolvidos no decorrer dos anos 70 no Brasil. Além de todos esses aspectos assinalados por Castel sobre as teraplas "alternativas" e "corpomL," e a "era da pós-psicanálise", há ainda uma questão que gostarla de mencionar, relacionada à produção de um intenso intimismo. Típico das subjetividades capitalislicas c muito fonalecido pelas práticas chamadas "corporais", o intimismo está fundamentalmente articulado com a cultura "psicológico-relacional" e com o retomo para o "eu privado". Impõe-se em decorrência dLsso a produção de muitas questões ligadas ã valorização da autenticidade e ã maior transparência de todos os atos do sujeito. No entanto, malgrado toelasessas aiticas, há nas tempias "corporaLs" aspectos inlportantes e que devem ser ressaltados. Um deles refere-se à dimensão corporal, enfatizada por tais abordagens, esquecida, e mesmo proibida de ser abordada nas terapias ditas "ortodoxas". Se, no capitali~mo, os corpos são adestrados e disciplinados nas diferentes instâncLasde poder para se tornarem dóceis e produtivos9', sua liberação faz parte de ações inslituintes que colocam em cheque as estruturas sociais. Se na terapla reichiana isso aparecia claranlente - nas suas primeiras fases -, aos poucos a produção política do corpo vai perdendo, W. 93 94
no próprio Reich, sua força - vide suas últimas fases. Assim. a hipótese de ITmitosentrevistados de que as terapias corporais ;'neo-reichianas" que chegam ao Brasil, nos anos 70, produzem um corpo alienado, desvinculado da ordem capitalLsta, para mim é simplLsta. Não foram somente os discípulos de Reich (cuja influência foi mais sensível na formação dos "corporalistas" brasileiros) que. em suas práticas e formulações teóricas, ocultaram a produção politica do corpo. No próprio Reich - como já apontei - tais dL,cípulos encontraram base para a expansão de suas práticas psicologi72das/psicologizantes, destituídas de qualquer articulação histórico-sociaL As terapLasditas "neo-reichianas" e o Movimento do Potenclal Humano - pelo próprio momento histórico etn que se inserem - favorecem uma visão a-histórica do homem, ocultando sua dimensão política. Entretanto, apesar de tudo isso, se entendemos ()aspecto políticocorporal como importante, não podemos desqualificá-Io e ignol"Aralguns enfoques introduzidos por essas teraplas. Há sim que acrescentar oUlms dimensões que nelas não estão presentes: a instirucional- reconhecendo que instituições, dispositivos e modelos têm sido construídos e fortalecidos - e a dimensão política, ao assinalar os tipos de corpos que têm sido produzidos nas e pelas sociedades capitalisticas.
ldem,pp.l'Sge 172. Idem, p. 144. Foucault, M. Vigiare Putllr. Rio de Janeiro, Vozes, 19M e Foucault. M. Microfisica do Poder. Op.dt.
314
315
CAPtTIJLO
I-
V
ALGUNS PROCESSOS DE SUBjETIVAÇÃO NA SEGUDA
METADE DOS ANos
Os ANos 80 ANÁLISE INSTITUCIONAL
EA NO BRASIL
Aproximando-me do embarcadouro de chegada nesta viagem pelos anos 70 no Brasil, não poderia deixar de mencionar - mesmo que superficialmente - um outro conjunto de práticas que vão se forjando e fortalecendo entre os "psi" paulistas e cariocas, durante a década de 80, advindas do movimento institucionalista francês, da análi~e institucionaL Embora a referência a esta década fuja um pouco ao título deste trabalho, considero este Capitulo uma espécie de estação onde desembarco no final dos 80 e inicio dos 90, após a viagem em que percorri as diferentes práticas psícoterapêuticas dominantes nos anos 70 e as que surgem como "alternativas" no decorrer desses anos no eixo RioSão Paulo. Não pretendo, portanto, empreender aqui uma história do movimento institucionalista paulista e carioca, mas apenas apontaI alguns processos de subjetivação que vão sendo produzidos e desenvolvidos ao longo da segunda metade dos anos 80 no Brasil, esboçando uma breve sintese das gêneses histórico-sociaL~ e teóricas deste movimento instituCÍonalista e da expansão dessas práticas entre alguns profissionais "psi" brasileiros.
316
80
NO BRASIL
"Vapor &rato, um mero seroiçal do narco/ráfico, Foi encontrado na ruína de uma escola em construção Aqui tudo parece que é ainda construção e já é rufna Tudo menino e menina no olho da rua () asfalto, a ponte, o viaduto ganindo frrá lua . ."""adacontinua É o cano da pf...c;tola que as crianças mordem Alguma coisa está fora da ordem Fora da nova ordem mundial.
Meu canto esconde-se como um bando de ianomânis na floresta. Na minha testa caem, Vêm colocar-se plumas de um velho cocar. Estou de pé em cima do monte de imundo lixo baiano, Cuspo chicletes de ódio no esgoto exposto do Leblon, Mas retribuo a piscadela do garoto de frete do Trianon. Eu sei o que é bom Eu não espero pelo dia em que todo.<;os homens concordem, Apenas sei de diversas harmonia. ••bonitas po,rnvei..<; sem Juizo final. A/guma coisa está fora da ordem Fora da nova ordem mundial" (Fora de Ordem
- Caetano Veloso)
No Capítulo I salientei que a prinleira metadc da década de 80 caracterizou-se pela grande mobilização popular, repúdio e indignação ao ciclo militar que se instalara no Brasil em 1964 através, principalmente, dos diferentes movimentos sociaL~ que tlorescem desde o limiar dos anos 70, culminando com a ('-ampanha das Diretas Já!, em 1984. Esses movimentos, no início dos 80 - como já mostrei ".__expressam tendências profundas na sociedade que awinalam a perda de sustentaçào do sistema político instituido; Expressam a enorme distância existente entre os mecanismos políticos instituídos e as jorma~ de llida social. Ma.'isão mal'i do que {'iSO sdo fatores que aceleram essa crise e que apontam um sentido para a transfonnaçâo social. fiá neles a promessa de uma radical renOl'açào da 1-ridapolítica Apontam no sentido de uma política constituida a pariir das questóes da l1da cotidklna. Apontam para
uma nova concepçdo da política, a partir da interoença.o direta dos interessados. Colocam a reiuindicaçâo da democracia r4erida âs regra.s da vida social, em que a população trabalhadora está direta1lWnte implicada: nas fábricas. nos sindicatos, nos seruiços públícos e nas administmções nos bairros. Eles mostmm que há recantos da realidade ndo recobertos pelos discursos instituidos e ndo iluminados nos cenarios estabelecidos da vida puhUca Constituem um espaço público além do sistema da representação política. Atraves de suas jormas de organização e de luta, eles alargam a..••fronteiras da política. Neles aponta-se a autonomia dos sujeitos coletivos que buscam o controle de suas condições de vida contra as instituições de poder estabelecidas "1_
Entrementes, à medida que a "transição" política se efetua, na segunda metade dos 80, quando se instala a chamada "Nova República", os projetos políticos implícitos nestes movimentos sociais vão sendo paulatinamente "derrotados". Após as eleições presidenciais indiretas, com a escolha de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, inicia-se a "Nova República" de Sarney este assume o poder com a morte de Tancredo -, que promete como "governo civil" completar a "transição" política iniciada por Geisel e estimulada por Figueiredo. Isto significa, em realidade, o fortalecimento da representação politica instituída e das instituições de poder estabelecidas em detrimento dos espaços singulares construídos pelos movimentos sociais em ascensão até então. Para isso, dentre outras medidas, a "Nova República" lança em 1986o chamado Plano Cruzado, que temporária e ilusoriamente mantém a economia congelada e contém a inflação, conseguindo nas eleições para governadores dos estados eleger uma maioria esmagadoramente govemi'ta e con,eIVadora. Dias depois eiaseleições, o Mini,tro da Fazenda afrouxa os preços e a inflação reprimida estoura, chegando à casa dos três dígitos ao ano. O Fundo Monetário Internacional continua ditando as regras e o país é cada vez n1ai.~ assolado por Ulna forte e crescente recessão e por ondas de greves que estouram em vários pontos e setores. O descrédito do governo Sarney intensifica-se em todos os segmentos sociais após a "Iàlência" do Plano Cruzado; entretanto, outros "pacotes" e planos econômicos continuam sendo forjados sob a orientaçáo direta do FMI. E os diferentes movimentos sociais e populares vão Sadet, E. Quando Novos Personagen.'l Entraram
318
em Cena. Op. cit., p. 313.
perdendo gás, vão simplesmente se colocando na defensiva e lutam desesperadamente por questôes salariais e/ou estabilidade no emprego. Segundo Sader, estes movimentos fOfaIll "_.. projetados para enfrentamentos decisioos quando ainda mal se haviam constituído como sujeitos políticos_ O nJ,.no de suas história." não era o mesmo que o da polftica instituída, efoi esta quefi."
A Constituinte instalada desde 1986 sofre, apesar de tudo isto, pressões populares e, quando a Constituiçào é votada dois anos depoc" apresenta somente alguns avanços nos capítulos referentes aos direitos do cidadào. No entanto, em sua maior parte é ainelaba,tante conseIVadora, pois com a fonnação e a pressão do charnado Centrão - grupo de parlamentares de extrema direita ligados à llniào Democrática Ruralc,ta (UDR), porta-voz dos grandes fazendeiros e proprietários rurais - uma série de garantias trabalhistas e o próprio início de uma reforma agrária aos moldes capítalistas ficam prejudicados e mesmo impedidos. '~VoBrasil, quando o presidente não consegue aprovar suas lei,>, deixa-se levar por fis';ologi..'uno-,compra de consciências e distribuiçdo de benesses entr-e parlamentares, como ocorre durante a Constitu';nte na época em que se jonna o Centra0 Em troca da aprovaçâo dos cinco anos e do presüienctalismo, o governo distribui cargos e canai.ç de rádio e teleuisdo com apetite panta+ gruelesco. Interrogado sobre se o Centra0 acha normal trocar votos jxJr cargos púhlícos, deputado Roberto Cardoso Alues r. ..l. responde: 'if dando qt.W se recebe" E ri assim que, sob o signo constrangido de São Francisco de A.'i.m, a Assembléia Consti· 578 dias de trabalho, dando e rece· tuime atravessa betulo ":'(grifas meus).
°
Consolidam-se cada vez mais as subjetividades hegemônicas nos anos 80: a do "cinc,mo consensual", por meio da qual a corrupção é naturalizada e a "troca de favores" penetra nos diferentes micro espaços, época em que a núcliaexpõe as numerosas e infmdávec, "falcatrua," dos chamados "colarinhos brancos" e nada acontece a esses "senhores"; da mesma forma algumas corrupçôes nos altos escalões dos governos 2 3
Ickm,p . .31'5 Schlafman, I . ~Os Anos 80". In:JBlEdlção
Centeruirlo
319
- 07/04/1991, p. 09
federal e estaduais são comentadas, mas nada se comprova seriamente, nada se apura. Forjam-se também outros processos de subjetivação que se insinuam pelos mais diversos segmentos sociais: a descrença na polltica, nos seus representantes; a crença de que todos os políticos são iguais e que não adianta lutar ou reivindicar, pois se "meter" em política é lidar com coisa suja, espúria, anti-ética e seUl princípios. Vive-se uma cri.c;;c,portanto, ",.. de modelos de 1Jida,de modelas de sensibilidade. de modelos de relações social" (.,) que não se situa apenas a nível dessas re!açóes sociai.,>explícitas. mas envoloe Jonnações do inconsciente, jonnaç6es religiosas, míticas, estéticas Trata-se de uma crise dos modos de subjetil!açào, dos modos de organização e da sociabilidade, das formas de imJeStimento coletivo de formaçàes do inconsciente ... "4.
Aumentam assustadoramente os crimes e assassinatos nas cidades e no campo brasileiro. Nos centros urbanos, crescem não somente os números de agressões a lideranças sindicai~ e/ou trabalhadores, mas sobretudo as cifras da execução de "meninos e meninas de rua". Grupos de exterllÚnio criados especificamente para estes fins e fmanciados por comerciantes e empresários estimulam, com o auxílio da llÚdia, as subjetividades que produzem juízes e autores como 5u,ieitos necessários para a "limpeza" do corpo social "enfermo". É indispensável uma "limpeza" social: a pena de morte se fortalece extra-oficialmente em nosso país, a violência em seus mais diferentes aspectos se naturaliza e essas subjetividades penetram em todos os microespaços, em todas as relações sociais. No campo brasileiro, a UDR ofensivamente contra-ataca as diferentes organizações de trabalhadores rurals surgidas ao longo dos anos 70 e início dos 80. Milhares de assassinatos são praticados em nome da defesa da propriedade privada, culminando com a morte elo seringueiro Chico Mendes, em 23 de dezembro ele 1988. Não obstante todas as elenúncias feitas sobre estes fatos, a impunidade continua vigente no país, acarretando a dissetninaçào cada vez maior da crença de que os ricos nunca são punidos, a eles tudo é 4
Guauari, F. c Rolnik, S. Micropolítica.: Cartografia.'i do Desejo. Op. GiL, pp. 190 e 191.
320
l
permitido, desde os grandes roubos e corrupções até os mais bárbaros assassinatos. A Ética neste pais não é somente ignorada; pior, ela é achincalhada, ironizada, desqualificada e apresentada como um deleito, como coisa de pessoas ingênuas, idealistas e puristas. É neste clima que, em 1989, tem início a campanha presidencial; a primeira eleição direta para presidente do pais após 25 anos. O vencedor será um candidato desconltecido e sem partido, produzádo especialmente para ser o ·'campeão contra a corrupção", "o caçador de marajás". Há neste ano novamente um ascenso dos movimentos populares que se engajam na campanlla presidencial e muitos, "sem medo ele ser felizes", vivem o sonho das Dit"etasJál, vivem o sonho de que é possível mudar este pais. Os comícios realizados, principalmente os do segundo turno, que reúnem toelas as oposições, levam muitos às lágrimas. É ininuginável para os que viveram os terriveis anos 70 que se pudesse novamente viver o que a campanlu presidencial evidencia: a crença de que o sonho é possível, realizável. "A campanha
presidencial de 1989 ( ) significou transforma-
ções profundas na politíca brasileira { }, Os partidos de 86 (PMDB e PFl) stlO uanidos;
lJÍtOnosos
o PDT mostra ser uma agre-
miaçao regional, o PSDB busca se uiabilizar como fiel da balança
eo
f
PT
se consolida enquanto partido nacional de peso "s.
É como afirma o articulista ela Folha de São Pau1o,jãnio de Freitas: ''Depois da eleíçiio presidencial de 89, não somos nem seremos os mesnws que éramos C.,). Muüo m;lis do que uma disputa de v0-
tos, travou-se naqueles meses, e sobretudo no intervalo do primeiro para o segundo turno, um confronto de princípios pessoais (. _.). Desde muito cedo, e por motiuos que vários candidatos ofereceram, ficou claro que a campanha eMtoral se desenvol1Je'Tia em torno de um valor, diante do qual todos os demais se mostrariam secundários: a Étícn .A 1Jtica de cada candidato, a Ética
politka, a tWs ekitores, a Hica tWJustiça Eleitoral, a dos meios
de conuutkação
(desculpem esta lembrança
tamentá-
vet)"6 (grifas meus).
S
Singer, A. "Os Novos DesafiO.'ln.In: Singer, A. (org.) Sem Medo de Ser Feliz. São Paulo, Scritta,
6
1990,10-ll,p.10_ Freitas,]. "A Estrela de Lurian~.ln: Singer, A. (Org.). Op. ciL, OS.09, p. 08.
321
A mídia e as chamadas pesquisas de opinião produzem a vitória de Fernando Collor de Mello, que possui entre seus eleitores não somente os grandes empresários e fazendeiros, como também os chamados "descamisados", parcelas marginalizadas e desorganizadas politicamente que ainda nutrem esperanças nas promessas megalômanas e populistas do então presidente da república. Há, como resultado de toda a paixão. de toda a emoção que foi jogada nesses meses de canlpanha por segmentos organizados da população brasileira, uma massiva produção de subjetividades: Ufn gr.1nde sentimento de apatia, desânimo e até desinteresse político começa a tOluar conta ele muitos.
Ao lado disso, a nivel mundial f3b-se do "fimda História", do "fIm das utopias', da queda elo Muro de Berlim e do "fUlldo comunismo". T\'ovos desenhos
aparecem na Europa com a reunificação
da Alenlanha
c a quebra da rígida divisão Ocidente x Oriente. () que se tem agora é um profundo conforntisnlo, um olhar-se para o próprio ulnbigo e UHl íntimismo exaltado. O quc nos anos 70 se plantou, coLhe-se nestes 80. ''.4lida doméstica l!ffl1sendo gangrenada pelo consumo da mídia, a [JUlaconjugaI ejàmiliar se ("ncontrafreqüentemente "ossificada" /JOruma espeâede padronização dos compol1mnentos, as relações de f'iZinlJança estão gemlmenll' 1'eduzidas a sua mai." poiJr(! e.-cpressdot. _ J. O capUalimlO pás-industrial que, de minha parte. prefiro qualificar como Capitalismo Mundial Integrado (Clv[J) tende, cada vez mais, a deKentrar seus focos de poder das estmtura.' de produçeio de IX"nse de serviços para as estruturas produtora." de signos, de síntese e de subjetividade, por intermédio, especialmente, do controle que e,wrce sobre a mídia, a puhJicidade, as sondagens, etc" 7 (grifos do autor),
É neste clima que se "fecha" a elécada ele 80 no Brasil, cl",mada por muitos de a "década perdida". Persiste porém - apesar ela apatia e ele outras produções tão competentemente forjadas - a crença ele '1uE'
cas e paulistas começanl a se inlplicar com estes rnovinlentos, começam a pensar sua prática vinculada a uma realidade concreta, começam a perceber que produções as práticas "psi", ao lado de suas instituições e dispositivos, têm concebido. Inicia-se, assinl, no eixo Rio-São Paulo a difusão de muitas ferramentas advindas da análise institucional de origem francesa, de M. Foucault, G. Deleuze e F. Guattari.
n-
522
cit., 14-2';, p. 14
FRANCÊS
INSTITUCIONAL
A análise institucional que vai se organizando na primeira metade da década de 60 na França nasceu da Psicoterapia Institucional, da Pedagogia institucional e da críticainterna nas ciências sociais. Nasceu também "... das crises dos movimentos da juventude (união de estudantes, jovens catõlicos, jovens protestantes, jovens comunistas), da crise da escola, do hospttal, das igrejas, das correntes modemi'ltas em Ciências Sociais,. da critica à burocracia e da teorização da autogestão na Revista "Socialismo ou Barbán'e"lO; da cri"e do 9
10
Oro
INSTITUQONAIlSTA
1- O PERÍODO DA PSICOSSOCIOLOGIA
que o sonho é possivel"" E é neste momento que, gradativamente - malgrado o descenso dos movimentos sociais -, algumas parcelas de protlssionais "psi" carioGuattari, F. As Três Ecologias. São Paulo, Papirus, 1990, pp. 07 e 31. Kotscho, R. "O Ano em Que Quase Lavamos a Alma~. In: Singer, A. (OrR).
MOVIMENTO
Sem a pretensão de aprofundar as gêneses conceitual e históricosocial do movimento institucionalista francês, mas apenas indicar alguns caminhos trilhados por esta corrente - desde a psicossociologia, passando pelas intervenções socioanalíticas realizadas, até a fase da "institucionalização" da análise institucional francesa' -, tenciono mostrar, ainda que sucintamente, as diferentes e variadas influências que sofreram nos anos 60 e 70.
,. a derrota nas urnas jamais será capaz de apagar de nossa memória
8
O
Sobre a história do movimento institucionalista francês, consultar Coimbra, eM.B. Os C..aminhos de Lapassade e da AnáUse institucional: Uma Empresa Possivel? Trabalho apre~ntado no Curso de Doutorado - USP, 1989, mimeogr. Todo este item 11é uma síntese de algumas partes desse trabalho. Consultar também Baremblit, G. Compêndio de Análke lnstiIucional e Outras Correntes. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, 1992 e, principalmente, Rodrigues, H.S.C. SubJetividades em Revolta: as novas análises e o instltuclonalismo francês. Dissertação de Mestrado - UERJIIMS, 1994, que, brilhantemente, desvela o surgimento das ferramentas institucionalistas na França, desde o final da II~Guerra MuncUalaté os anos 70, A Revista SodaUsmo ou Barbárle foi fundada em 1946 por Qaude Lefort e Cornelius Castoriadis, que a dirigiu até sua dissolução em 1966. Tomou-se um importante espaço de discussão sobre o
323
Estado que se segue à descolonização. da guerra da Argélia e das mudanças que se seguem a esta guerra "11.
Em suma, nasceu da crise interna das diferentes instituições e dispositivos da sociedade capitalista pós-industrial. A corrente institucionalista vai incorporando diferentes .. discursos de uma maneira original, ndo vai tomá-los ao pé da letra, Vai pinçar dos corpos teóricos de que se originam determinados recursos e (.,) uai tentar reformular esses conceitos para incorporá-los a um aparelho teórico próprio (" J R"tes principais recursos têm sido determinadas sociologias, teorias de economia da sociedade e da história (as disciplinas que se ocupam do problema do poder e dos processos sociais da produção de bens materlai5), disciplinas antropológicas que se ocupam da gênese do homem (mitos, costumes, sistemas simbólicos), semióticas (as disciplinas que se ocupam do signo, do sentido, da informação, da comunkação) e, é claro, as que se ocupam daquilo que ( .. ) chamamos de subjeHvidade"12.
Deste modo, o movimento institucionalista é influenciado, dentre outros enfoques, pela Sociologia das Organizações ou Psicologia Social dos pequenos grupos, passando pelas correntes da Psicossociologia noneamericana com marcada influência do marxismo (de Lênin, Trot,ky, R. Luxemburgo, Gramsci a A1thusserl, da dos an:uquistas e mesmo dos socialistas utópicos. Também a Antropologia, que vai desde a culturalista, estruturalista de L. Strauss à de P. Clastres, tem tido bastante influência em alguns pensadores institucionalistas. "o que o institucionalismo jaz com todas essas influências é muito difícil de sistematizar, porqueo instituciorudismo MO d uma teoria, mas muitas, e o que elas têm em comum são as ã." quais podemos acrescentar características já apontadas uma crítica do conceito de Verdade €, em segundo lugar, o problema do Poder - sf!ja dos micro e macropoderes -, do poder econômico, político, seja do poder como uma questão do domínio ou da capacidade de fazer"13 (grifos meus).
r ..)
1
I
Vamos, portanto, um pouco à história desse movimento. A Psicoterapia Institucional - Unta de suas primeiras vertentes _ caracteriza-se, desde o pós-guerra, pelas tentativas de reorganização da vida intra-hospitalar numa direção liberalizante. Nos anos 50, ao lado de uma série de experiências que reiteram tal compromisso, os trabalhos realizados no Hospital Psiquiátrico de Saint-A1bain e na Clinica La Borde envolvendo as figuras de Tosquelles e Jean Oury, respectivamente: revelam a dimensão inconsciente da instituiçào e a participação dos enfermos na autogestão do chamado processo de ··cura". Pouco a pouco torna-se V.5ível que é a sociedade que institui, pois é o sistenta social exterior ao hospital que promove o cone sadios! doentes, mesmo que suas portas permaneçam abertas. É também a sociedade que institui a hierarquização e mantém um sistenta de nornJas e regras que atravessa o hospital, mesmo o ma.5 "aberto". A Pedagogia Institucional, por sua vez, influenciada pelas experiências da psicoterapia institucional, leva para o âmbito pedagógico o procedimento aUlogestionário. "O movimento procura difundir no interior das escolas (_.) um novo modo de funcionamento das relações humanas: não repressivo, e notadamente não {mmcrático. Nesta linha. o aluno se torna o centro de decisão, ou melhor, o grnpo caminha para a autogestào·'14.
Surgida do Movimento Freinet1j• a Pedagogia Institucional- dentro da qual, no inicio dos anos 60, estavam Fernand Oury, Aída Vasquez e o próprio G. Lapassacle - conduz a autogestão restrita à autogestão generalizada, ampliada a toda a classe de aula. A Corrente de Lapassade, anos depois, Rene Lourau, por cllscord:u dos companheiros uma "pedagogia terapêutica" de orientação Lapassade, de "cunho reforntista", lima vez sobre a escola enquanto d.5positivo social.
junta-se a Michael Lobrot e anteriores que defendiam psicanalítica e, segundo que não se interrogavam
saber marxista e as práticas daí decorrentes, contendo teses, dentre outros assunios, sobre o ~capita1ismo moderno" e o movimento operário, a autogestão, etc. 11 Lourau, R. ~lntrodución: Pequem Histeria de Los lnstitucionalistas"_ In: EIAnáUsh Insdtucional Madrid, Campo Abierto, 1977, pp. 01 e 04. 12 Baremblit, G. "Apresentação do Movimento Institucionalista" In: Saúde e Loucura 1. São Paulo, Hucitec, 1989. 109-119, pp. 109 e 112. 13 Idem, p. 114.
15 O movimento pedagógico Freinet, surgido tu França desde 1924, Consistia tu invenção de novos meios e métodos educacionais, como () texto livre, () diário, a correspondência. Era, na realidade, uma técnica de autogestao. I'reine, levou o jornalismo e a imprensa JY.l.faa escola e tais técnicas, segundo Lapa..<;&Lde, prepararJ.m a autogestâo pedagógica.
324
32';
14 Rodrigues. H.C. e Barros. R.D.S. IU
1n.'Jtltudonalista.
Rio de Janeiro,
''Amm como a Psiquiatria Institucional não questiona o "solo" ou o "enquadre" de sua atuação - "a" Psiquiatria - a Pedagogia Imtituc~na/ não indaga "a" Escola como tar as tratlf!ormações são introduzidas nas relações humanas à mesma"16.
A Pedagogia Institucional de Lourau. Lobrot e Lapassade, de orientação autogestionária, tem como base inicial a técnica da dinãmica de grupo aplicada à formação e o T. Group. Aos poucos, passam para a "autoregulação de grupo": um grupo capaz de tomar em suas mãos não somente sua análíse, mas muitas outras atividades. Lembremo-nos de que as experiências de self-government, na primeira metade da década de 60, estão na ordem do dia em muitos países europeus. Os anos de 1962, 63 e 64 na França fervilham com as propostas autogestionárias. A União Nacional dos Estudautes Franceses (UNEF), ainda em 1%2, constituíra-se em um "laboratório social", no qual começam a se desénvolver algumas concepções institucionalistas. ]\'uma intervenção com a presença de Lapassade, descobre-se a importãncia da "instituição-colóquio" como possível lugar de análíse. Com isto, iniciase a separação com relação à dinãmica de grupo de inspíração norteamericana. Foi nesses anos que cresceram nos meios estudantis e intelectuais franceses os efeitos do informe de Krushev, em 19';6, no XX Congresso do PCUS, dando início à "desestalinização". A onda se expandiu e a UNEF, percorrendo o mesmo rastro em seu Congresso de 1963, interessase pelas experiências de autogestão pedagógica e pela crítica à burocracia. As experiências autogestionárias argelina e iugoslava empolgam muitos estudantes e intelectuais franceses, entre eles Lourau e Lapassade. Estão assim lançadas as bases para a formação da corrente da Psicossociologia Institucional, cujo principal representante será Lapassade. O mais importante dispositivo de intervenção é o grupo. "... atua-se com grupos (.. J, esclarecem-se as relaç6es internas ao grupo e entre os grupos num ·'grupo de grnpos", a organização Neste sentido a ênfase está posta na.,. "relações humanas" (... ). O sociograma substitui o organograma (e) quando os trabalhos grupais sdo realizados em organizaç6es (empresas, assocmções. etc.) aparece o nível chamado institucional peJos promotores do 16 Rodrigues,
H.c. e Barros,
R.D.B. Op. cit., pp. 13 e 14.
326
mommento. No entanto, deve-se frisar que o sentido det1lsti:tucimuú, aqui, está marcado pela orientaçâo funcionalista da Sociólogia dtlS Organizações: a instituição fi concebida como "grupo lie grupos" e suas eventuais crises são vistas como "disfunções'· que demandam alguma espécie de terapia social (boas técnicas, bons métodOS)"17(grifo das autoras).
Várias intervenções sociológicas influenciaram a Psicossociologia Institucional e permitiram a Lapassade dar o "salto" para a intervenção socioanalítica. Lourau a isto se refere ao observar que este "salto" se deu quando Lapassade superou a sedução da psicologia dos pequenos grupos, ao mostrar a dimensão institucional, ao destacar ,.... toda a política reprimida pela ideologia das boas relações sociais. Nós somos os filhos desse acróbata"18, afIrma Lourau. A partir dai, os institucionalístas fral1ceses fazem criticas aos psicossociólogos de grupo que, em realidade, "arranjam e tornam mais suportável o capitalismo". Seriam os agentes da modernização, propiciando o aparecimento de uma nova burocracia. Realçam a inaportãncia do trabalho com grupos e a análise de uma dimensão oculta: a dimensão institucional. "Eu propus então (em 1963) chamar de "Análise Institucional" o método que visa a revelar nos grupos esse nít}e! oculto de sua vida e de seu funcionamento "1<'>, afuma Lapassade.
Assim, é a partir ,las próprias intervenções realizams nos diferentes movimentos sociais e do seu trabalho cotidiano que a Análise Institucional vai se construindo,. vai sendo produzida. Ainda dentro desse primeiro momento de sua história - a fase da psicossociologia institucional -, a análíse institucional em curso sofre grande influência dos enfoques antÜilstitucionais surgidos no decorrer dos anos 60, tanto na pedagogia quanto na psiquiatria. A antipsiquiatria, surgida no início da década de 60, foi um movimento de contestação à Psiquiatria tradicional, incluindo uma série de experiências que questionam o problema da palavra e da loucura, criticando a própria sociedade. Segundo Robert Lefort, estas correntes trazem 17 Idem, p. 14. 18 Lourau, R. "lntrodución: Pequem Historia de Los lnstitucionalistas". In: Op. cie, p. 01. e lnstltuJções. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1983, p. 19 Lapassade, G. C-napos. Org~ões
13. 327
., a politização do movimento psiquiátrico e psicanúlítico.· tal políJizaçào tem sentido na medida em que permite colocar as questDeS que a ideologia burguesa tem procurado ocuitar"li!.
Desta forma, Laing, Cooper e Basaglia apresentam formas maL. radicais para o entendimento da "loucura" e de sua produção. A antipedagogLa surgiu também da crise da escola, por sua vez ligada ã crise elas instituições da sociedade capitalistica. Assim como a antipsiquLatria, sua análise é política e seu apogeu encontra-se no maio de 68 francês. Logo no início da década de 70, Ivan lllich prega a "desescolarização", considerando a escola como um agente reprodutor da sociedade de consumo. Essas correntes antíinstilucionais são vistas por Lapassade, Lourau e seu grupo como institucionalistas, pois revelam " a precariedade institucional, ao mostrarem qUi? alnstitl4içào nilo é uma tultrweza, que traz em si a sua decadência, A antipst-. quiatrla não é uma análise institucional critica, simplesmente porque propóe o fechamento dos asilos. sua destruição, Entretanto, está ligada ao mouimento e Ibe dá sentido. na medida em que, como anttpsiquiatrla, interroga a hipótese de hase da Psiquiatria, ou seja, certa concepçdo dos "transtornos mentais" que dá nascimento a estabelecimentos de cuidados, a prátiCa."terapêuticas determinadas, a conceitos, um enstnamento, uma organização, a práticas sociais "21 (grifos meus).
Portanto, não ficam no interior do espaço institocional - como a Psicoterapia e a PeclagogLa InstitucionaL, -, visto atacarem seus próprios princípios. Estas correntes ligam-se ao movimento contracultuf'
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.~ Análise Institucional ( ... ) tem hoje, com trabalhos taí..•como os de Cooper, Basaglia, l//ich e com as novas formas de luta ("esquerdismo pedagógico ", "antipedagógico") um conteúdo novo, ligado à mudança socia/"u,
2 - O PERíODO DAS INTERVENÇÕES SOCIOANALínCAS Este segundo momento da histórLa do movimento institucionalista francês tem seu marco imcial no maio de 68. Nos anos anteriores já havLasido produzida uma série de ações e experiêncLas antiinstitucionais e autogestionárias, o que mostra que os acontecimentos de 68, na França, não foranl pontuais. Como já apontado, a contestação foi o denominador comum na década de 60 e, mesmo se pensarmos em escala mundial, os estudantes foram os principaL. personagens nas lutas que se travam em 1968. A crítica ao conservadorismo penetra em todas as esferas do cotidLano: nos costumes e comportamentos; ela minL,saLa, da pilula, elas drogas à pop-arte. Circula e cresce, enfim, a necessidade de se repensarem as relações entre política e subjetividade. O maio de 68 é tomado pelo movimento instiluciona1ista francês como um analisador, ",.. porque ninguém pode reivindicar para si este acontecimento, porque ele funewna como condensador de uma sérte de movimentos, tendências e contestaçDes que circulavam no mundo durante aqueles anos. Apesar de certa diversidade quanto às motivaçóes das lutas nos diferentes países, parece-nos signi~ ficativa a expressão de Marcuse, para quem o maio de 68 expre.çsou a "grande recusa".- recusa do autoritarismo, da centralização do poder, da tecnocracia, da burocracia, do C011.SUmismo, do "oftcialí.ooo". do cientiftcismo, ou melhor, do TOTAlfTARISMO em toda.,. as suas manifestaç6es - do Estado à vida cotidiana - fossem de direita ou de esquerda, do '~merican Way ofLife" ao estalinismo. Recusa esta, pois, global, ~totalizante, do "Stablisbment'; do Sí.rtema. embora sem estratégia global, totaUzante, de en.frentamento do mesmo "23,
Também os movimentos pós-68 tiveram uma profunda repercussão 22 Lapassade, G _~His(ória de] Movimiento Institucionallst.:.l", In: Op, cit., p. 21. 2.1 Rodrigue" H.C. e Bac"". R.DB, op. dt., p. 02.
329
sobre o movimento institucionaJista francês: os movimentos de liberação da mulher, dos homossexuais, dos trabalhadores sociais, grupos de intervenção nos cárceres, grupos maoístas, dentre outros, flZeram com que o número de intervenções socioanalíticas se tornasse cada vez mais freqüente, não somente na França, mas além de suas fronteiras. A auto gestão sai dos circulos restritos daqueles que a praticam, alcançando uma grande difusão. Alguns institutos universitários franceses, na década de 70, dizem adotar a autogestão que, no maio de 68 francês, durante as ocupações das universidades e fábricas, tornou-se uma palavra de ordem revolucionária. Diferentes experiências autogestionárias ocorrem e se multiplicam. '~ corrente institucionalista, em seus múltiplos aspectos, segue sendo atacada e combatida. Mas conseguiu se impor C.')' Até 1963-64, aç primeiras e.''r:periências de autogestão haviam sido recebida ••corno provocações; agora, figuram nos programas das ErocolasNormais e dos Deparlamentos de Ciência ••da Educaçào das Universidades. 1\'05congressos internacionais recebem-se informes sobre autogestao,,24.
Os institucionalistas franceses, neste segundo momento, empregam a autogeslão como um questionamento ao sistema atual das instituições e dispositivos sociais c, em seu trabalho Autogestión Pedagogica, Lapassade mostra que a autogestão é impossivel de se realizar em um contexto social de dominação. Por conseguinte, a proposta da análise institucional passa a ser a de que a autogestão se torne uma "contrainstituição", revelando os elementos ocultos do sistema; que funcione como um dispositivo analisador. O grupo de institucionalistas franceses demonstra em seus escritos e intervenções que a maioria das experiências autogestionárias pré68 difundem ainda uma concepção positivista de autogestão. Esta era simplesmente mais uma técnica e não um dispositivo analisador e uma "contra-instituição" que incessantemente permitL"e o aparecimento dos obstáculos, das resi,tências, provocando a análLge. Assim é que, a partir desta segunda fase, a autogestão passa a ser utilizada nas intervenções socioanalíticas como um dispositivo analisador, como um "contraprojeto" organizacional e pedagógico. Bem diferente 24
Lapa-ssade, G, AutogcsdónPedagógica.
Barcelona, Gedisa, 1977, p. lO.
330
da técnica autogestionária que visa atuar somente sobre a organização ou estabelecimento e não sobre as instituições que a atravessam e nela se atualizam. Supera-se a visão tecnicista da auto gestão e a visão idealista da não-diretividade. Sobre esta, asseguram os in,titucionalistas franceses - diferentemente do que pensavam - que não modifica as relações instituidas, já que tende a psicologizar a questão institucional das relações que, em realídade, estão fundadas no modo de produção capitaJistico e nos processos de subjetivação dominantes. A análise institucional, por meio de situações de intervenção e de suas estreita, ligações com os mais diferentes movimentos sociais, produz, paulatinamente, suas ferramentas de trabalho. Assim, nesta fase, aparecem algumas noções chave do pensamento institucionalista, como analisadores (históricos, espontáneos e construídos), análise das implicações e transversalidade, dentre outros. Na primeira fase de sua história - o período da psicossociologia institucional. anterior a 1%8 ~ os institucionalistas franceses utilizam nas intervenções socioanaliticas ainda uma visão positivista/tecnicista. Tanto que a maioria eram experiências de autogestão, adotando o modelo da Psicoterapia e da Pedagogia Institucionais. Servem, em últIma instáncia, de suporte para a superação dos métodos grupalistas, então utilizados em direção à análise institucional. Já na segunda fase de sua história - no pós-68 - as intervenções vão sendo realizadas com o apoio de uma série de dispositivos, objetivando atualizar, fundamentalmente, a luta e o conflito dentro dos grupos e organiza,ões. É deste segundo momento ~ por força das freqüentes intervenções socioanalíticas realizadas - que o grupo de Lourau e Lapassade enfatiza a importância do analL,ador D (dinheiro). É no transcurso de uma de suas intervenções, em Marly-Le-Roy''' que a autogestão do pagamento dos anali,tas emerge como analL,ador D. Lapassade e outros institucionalistas declaram terem sofrido, em interveq.ções anteriores, as conseqüências do uso espontanei,ta e não elaborado do analL,ador D. Estas críticas referem-se à naturalização do dinheiro no enquadre freudolacaniano; naturalização não observada pelos institucionali.'il.a...'i franceses 2'; Esta intervenção, assim como:J. importância do analisador D estão descritos in Lapassade, Encuentro Institucional". In: Op. ciL, pp_ 221 a 241.
331
(T.
"EI
em suas intervenções precedentes. Coerentemente, então, o pagamento e sua gestão passam a ser discutidos no interior de cada intervenção, desnaturalizando a relação de troca capitalística e seus lugares fixos: "eu cobro", "você paga"; isto implica a análise no grupo-cliente e no staff analitico. 3 - A ANÁliSE INSTITIJCIONAL SE INSTITIJCIONAUZA Diferentemente da fase anterior, este terceiro momento na história do movimento institucionali~ta francês associa-se ao 'que a década de 70 apresenta na França e em todo o mundo: o desinteresse generalizado peJas diferentes formas de partidpação e questionamento sociais. Segundo Lapassade a fase vivida é a da institucionalização. Sobre este perigo, também Lourau tece alguns comentários ao asseverar que, encerrada a etapa sob o signo do pós-68, quando o Estado aprende a se fortalecer graças às debilidades das lutas antiinstitucionais, a análise institucional não poderá deixar de se institucionalizar, com maior ou menor rapidez. Concomitantemente, constatar-se-á uma regressão nos espaços que, no período anterior, solicitavam intervenções: escolas, setores da Igreja e de trabalhadores socíais; tal fenômeno efetivamente começa a ocorrer na segunda metade dos anos 70. Não é por acaso que datam desta terceira fase os escritos que investigam a história do movimento institucionalista francês. Mostra-se necessárío buscar as gêneses sociais, históricas e teóricas da análise institucional. Neste período, Lapassade e seu grupo fazem a revisão dos três níveis: grupo, organização e instituiçã026 Isto acarretará efeitos importantes em suas intervenções. Colocada em prática nas intervenções do período anterior, a revisão desses três níveis só será explicitada teoricamente a partir de 1972. Como ponto nevrálgico, deparamo-nos com a ferramenta instituição, que, gradativamente, vai sendo depurada das influências funcíonalistas e 2h
Sobre a análise feita por lapassade em sua obra Gropos. Organizações e instituições, dentro da primeira fase da história dos institucionalistas franceses e, posteriormente, a revisão feita nesses três níveis, chegando-se a uma nova ferramenta de instituiçào, consultar C..oimbra. CM.B. Os Canúnhos de Lapassade e da.An:álise Instltucional: Uma Empresa Possivel? Op. cito
332
positivistas, tão presentes na primeira fase (de 1963 a 1968). Pautado neste novo instrumento, Lapassade questiona a possibilidade de que, nos níveis do grupo e da organização, possam efetivamente ocorrer as transformações tão almejadas. Tais revisões trazem importantes efeitos e os in..<;titucionalistas franceses advertem para o termo "crisanálise", um tipo de intervenção que geraria a possibilidade de se instituirem crises na organização-cliente, para que alguns de seus setores possam apropriar-se da análise e começar a praticá-la. Definem esta intervenção como sendo de curta duração, ao contrário da dos psicossociólogos institucionais. O "encontro institucional" se proporia a instalar tal situação de crise. Esta proposta de um outro tipo de intervenção prende-se à critica das supostas mudanças progressivas e de larga duração que ocorreriam nos grupos e nas organizações segundo suas propostas anteriores. Por sua vez, a "crisanálise" ou o "encontro institucional" favoreceria a manifestação ou o aparecimento da dimensão institucional oculta ou mesmo obscurecida pelos procedimentos prévios. Esta dimensão pode agora ser trazida à luz justamente através dos instituintes que, pelo encontro, emergem e se consolidam. Lapassade justifica esta proposta, alirmando que: (. ..); em um ponto-limite, a intervenção institucionalista e uma contrariamente aos trabalhos dos psicossociólogos intervencionistas e conselheiros em organização, seu objeto não é uma terapia social, um melhoramento, mas, ao contrário, uma subversao do instituído. Quem pode pedi-la? ( ..). Os psicossociólogos, ao contrário, têm a ideologia da ajuda, da 1acüi/açào da mudança ':'o que a meu ver impede de se ir à raiz institucional do jato organizativo e relaciona/"l"i (grifo do autor).
empresa imposslvel:
Uma outra proposta de Lapassade e alguns outros institucionalistas franceses, a partir de 1973, é a utilização das técnicas ligadas ao Movimento do Potencial Humano nas intervenções socioanaliticas,nào obstante as interpelações que fazem posteriormente28• A partir da intervenção em Mar1y-Le-Roy(973), a análise institucional mostra que, até então, tinha esquecido uma instituição sempre 27 28
Idem, pp. 205 e 206. Sobre o assunto consultar; Lapassade, G. ~El Encuentro Institucional". In: Op. cit.; Lapassade, G. Socioanálisls Y Potencial Humano. Op. cit. e Lapassade, G. La Bio--eoergla. Op. cito
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presente no cotidiano de todos: o corpo, ou seja, a instituição sexualidade. Lapassade propõe que se faça a análise institucional da instituição "potencialista" e a utilização de sua" témicas numa perspectiva institucionallita. Dois anos depois, ao escrever Socioanálisis y Potencial Hwna.no, Lapassade realiza esta anállie institucional do Movimento do Potencial Humano. Embora ainda defenda a utilização dessas técnicas nas intervenções socioanalíticas, apresenta algumas críticas não somente à pseudodespolitização do movimento, mas a uma série de "entraves" técnicos. Muitas dessas críticas relacionam-se às feilas por M. Pages ao movimento califomiano de grupos, conforme já se enunciou no Capítulo anterior Ao concluir estc último momcnto, pós-73, não poderia deixar de assinalar algumas das principaL~ tendências da análL~cinstitucional francesa que desde 1972 começam a se esboçar. Dentre as principais estão: o CERFI, de influência mais psicanalítica; o GAI (Grupo de Anállie Institucional) de Paris, com posições maL~ intervencionistas e socioanaliticas; o GAI de Reims, com tendência mais militante e anti-socioanalítica. TaL~diferenciações alertam para o fato de que a análL,e institucional, surgida de diferentes movimentos - políticos. sociaL~. etc. -, não se constitui num bloco monolítico, detentor da verdade e habituado ao expurgo daqueles que não "rezam pela mesma cartilha". Há, hoje em dia, alguns setores do movimento institucionalista que sofrem grande influência de I':ietzsche, Spinoza, Deleuze e Guattari, dentre outros, pois começam a se interessar ",. pela questào do Desfjo, da intervenção deforças inconscientes em todas as atividades humanas, (, _,J. Onde quer que a subjetividade tenha partidpação, o institucionalismo esta preocupado em deSlJe11dá~la. "lf!
Saliento que me foi e'X1.remamentedilicil tentar sistematizar - mesmo que precariamente - alguns eamínhos percorridos pelo movimento institucjonalL~ta francês. Isso devido à escassez de material que nos tem chegado ao Brasil sobre a análise institucional e também às informações descontínuas c incolnpletas sobre o referido movin1ento. Além de tcr dados dispersos, os maL~recentes datam de 1978, ou seja, de mais de I'; ]f)
Baremblit, 1..;."Apresentação do Movimento lnstlweionalista". [o: ()P. dt., p. 114.
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anos atrás, o que me permite aventar a hipótese de que muitos aspectos aqui presentes podem ter mudado e/ou algumas ferramentas terem sido transformadas pela realidade. Reconheça-se - e este é um dos principias em que se baseLa a análise institucional- que há uma constante articulação entre pensamento, prática e intervenções concretas. Ou seja, a anállie institucional tem tido como referêncLa os movimentos socLais; daí a célebre expressão "transformar para conhecer" ao invés de conhecer para transfonnar. "Neste sentido, diriamos que os "conceitos" da Análise Institucional são 'ferramentas" de desarlicuJação das práticas e discursos instituídos como científicos. Ferramentas prlncipairi desta desarliculação, tomadas de empréstimo daqui e dali ... ,,?f)
EvidencLa-se a própria descontinuidade e complexidade de algumas ferramentas utilizadas por esse movimento e, por extensão, dos próprios caminhos por ele percorridos.
m - O MOVIMENTO INsrrruaONAIJSTA EIXO RIo-SAo
NO
PAULO
A partir da segunda metade dos anos 70, principalmente em solo carioca, expandem-se os principais conceitos da psicologia institucional de J. Bleger e os grupos operativos de Piehon-Riviere que não podem ser confundidos com a análise institucional francesa. É somente na década seguinte que esta "eaixa de ferramentas" começa a ser utilizada pelos "psi" paulistas e cariocas. Acredito ser importante uma rápida e sucinta distinção entre psicologia institucional e análise institucional, pois ainda hoje no meio "psi" há quem faça confusão, acreditando tratar-se do mesmo movimento. A psicologLa institucional "organizada" pelo argentino J. Eleger tem como um dos seus alicerces os níveis de prevenção formulados por G. Caplan3'. E, conforme já foi salientado, além de uma atuação emínentemente grupal, baseada nos "grupos operativos" de PichonRiviere, este movimento institucional valoriza sobremaneira o papel do 30 31
Rodrigues, H.C. e Barros, R.D.B. Op. cit., p.OZ. Caplao., G. Princípios de Psiquiatria Preventiva.
335
Buenos Aires, Paidós, 1966.
I i
"Análise Institucional: teoria e prática"".
psicólogo. Vai postular que a atuação mais "nobre" e reahnente "progressista" é a institucional-comunitária, cuja implantação competitia aos psicólogos que "saindo de seus consultórios, deveriam se transformar em agentes de mudança social". Em realidade, este corpo teórico pode ser caracterizado como uma psicossociologia institucional, marcada ainda pela orientação funcionalista da Psicologia das Organizações, na qual se sobressaem relevantes aspectos: está presente um profundo "reformismo institucional"; o profL'Sional "psi" é um "técnico das relações interpessoais"; as orgartizações ou estabelecimentos são percebidos como "coisas em sr', abstratos e a-históricos e a instituição é concebida como "grupo de grupOS"32..
'7'anto (a) apresentação, como os demai~ tex1o.\"que comp6em o número sdo assinados coletilJamente As rejlexoes relatiVas a esta estratégia, ainda na apresentação, são instigantes, embora cheia.ç de ambigüidade" 3'>.
•
,
A psicologia institucional de ).Bleger, trazida pela primeira geração de argentinos vinculados à APA, passa a ser muito utili2ada por uma parcela dos psicólogos cariocas nos anos 70. A segunda geração de argentinos que desembarca exilada, após 1976, no eixo Rio-São Paulo, acolhendo as influências de Bleger e de Pichon e urna série de implicações politicas, será a responsável pela difusão dos principias da análise institucional francesa nesses dois espaços geográficos. Entretanto, desde o inicio dos anos 70 há alguns trabalhos e intervenções isolados e pontuais feitos por dois psicanalistas: o carioca Chaim Samuel Katz e o mineiro Célio Garcia. Desde 1971, interessados pelos trabalhos de G. Lapassade e R. Lourau, acompanham alguns de seus escritos e intervenções. Em 1972 - de julho a dezembro - Lapassade vem ao Brasil, quando estes dois "psi", o professor de Comunicação Marco Aurélio Luz'" e uma "pequena parcela da juventude universitária ligada às áreas humanas e sociais" interessam-se pelas palestras e participam de algumas intervenções feitas por csse institucionalista francês. O resultado dessa visita encontra-se em um número especial da Revista de Cultura Vozes, publicada em 1973, versando exclusivamente sobre 32
Sobre esses aspectos da Psicologia Institucional e as críticas a eles feitas, ver nota rf' 174 no capítulo o assunto, ver traballio de Barros, R.D.S. "Sobre Análisis Institucional o Desde que Lugar Hablamos Cuando se Interviene en lnstituciones". [o: Boletin dei Centro Internacional de Investigaciones eu Psicologia Social Y GnIpal. Rio de Janeiro, vot. 10, julho/1987, 16-22. Marco Aurélio Luz,iunto com Lapassade, escreve na época o livro O Segredo da Macumba. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1973. Este institucionaUsta francês se interessa pelo candomblé, umbanda, e por uma série de aspeetosligados a estes rituais e, posteriormente, publica sobre o assunto o livro LesChevauxdu Diable. Paris,j.P. Delarge, 1974. •
n. Ainda sobre
33
336
- I
As ambigüidades c confusões presentes nos artigos que compõem esse número da Revista de Cultura Vozes - bastante compreensíveis por estarmos no início dos anos 70 no Brasil - prendem-se à mistura que é feita dos diferentes momentos da análise institucional. Alguns trecbos revestem-se ele noções tipicas da primeira fase da história do movimento institucionalista francês, a ela psicossociologia institucional e suas vertentes advindas da Psicoterapi:l e Pedagogia Institucionais. Em outros, há a utilizaç'ão de algU111aSferramentas-chave da análise institucional, enlbora de forma ba..'itante confusa, como anali'5ac!of, tran..'5versalidade, etc. Ainda nos anos 70, além da mencionada Revista de Cultura Vozes, Hcliana C. Rodrigues assinala que, com relação ao movimento editorial brasileiro que versa sobre temas institucionalLstas. podem ser destacadas as seguintes publica,ôes: "Chaves da Sociologia, de R.Lourau e (J Lapassade. pela Civ';lização Brasileira, em 1972 (on"Rinal de 197]); O .Segredo da Macumba, de G. lApassade e Marco Aurelio luz, pela Paz e Terra, ainda em /972; A Andlise ln..vtittlCÜ'm.al, de R. !nurau, pela Vozes, em 1975 (tradução de trabalho originalmente publicado em 1970),' Grupos, Organizações e Instituições, pela F Alves, em /977 (traduçào da .lI!- edição francesa, de /974. de uma publícação original de 1(66). dentro da série "Educação em Questão" (quejá publicara Bourdieu e E. Reimer e. puhlicará. no mesmo ano, M, Lohrot) Referênciaç à produçãO dos socioanalistas serão tambetn encontradaç nos artigos que compõem a coletânea Metdforas da Desordem, de I A. Guilhon de Albuqt«'Tque, IJUhlicada pela Paz e Terra em 1978"'6 (grifos da autora).
34
Nesta Revista, além de uma série de artigos sobre o tema, há algumas intervt:'nçàes realizadas por Lapassade junto com Chaim S. Kat7. e Célio Garcia, como a realizada em agosto de ]972 na Escola de Comunicação da UFMG. In: Revista de Cultura Vozes. Rio de Jandro, Voze.\ Ano 67, volume LXVIl, maio/]973, n" 4. 3S Roddgu". H.C. M "Novas Análhes". op. dt., p. 4S. 36 Idem, p. 47.
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Há também algumas coletineas organizadas por C. H. Escobar que contêm artigos que se referem de alguma forma ã produção institucionalista, como os dois números da Revista Tempo Brasileiro (nº 36/37 de janeiro-junho de 1974, "A IlL'tória e os Di,cursos". e o nº 35 de outubro-dezembro de 1973, "As Instituições e o Poder") e o livro PslcanáJjse e Ciência da História, publicado pela Eldorado, em 1974. Entretanto, todas essas publicações e algumas intervenções ponruais realizadas por C. S. Katz e C. Garcia não intluenciam o movimento "psi" carioca e paulista. Em realidade, é a segunda geração de argentinos que - pelo prõprio momento hL'tórico, tanto no Rio de janeiro quanto em São Paulo, a partir dos anos 80 - começa a divulgar com mais intensidade as idéias e ferramentas instirucionalistas aliadas a outras vertentes como a foucauldiana e a nietzschiana, representantada esta última principalmente por Deleuze e Guattari. Esta geração de argentinos aliada a grupos "psi" brasileiros - que, COIno já assinalei, não pode ser vi.'"tacomo lima "Escola" ou como um
grupo monolítico - traz . conceüos que abrangem desde uma análise marxisla das relaçÕes de poder â análise foucauldiana dos mfcropoderes, do inconsciente restritivo freudiano psi<:analítico a uma teoria do inconsciente produti1XJde Deleuze e Guattari; castração. repressão, "p/u..'i"de repressdo, produção de subjetividade, etc. -'3-~.
Temas que vão sendo cotidianamente revisados e ampliados no transcurso de diferentes cursos, intervenções, grupos de estudo, etc. e que buscam produzir, na segunda metade dos anos 80, tanto em solo carioca quanto paulista, uma proposta singular de trabalho em análise institucional. E, quem sabe, uma "... tentativa de contribuir para a constituição de uma corrente brasileira de análise institucional"''.
1- NO RIO DEJANElRO É com a fundação do mRAPSI, em 1978, e mais notadamente do seu Departamento de Análise Institucional criado em 1982, que, em 37 J8
Kamk1ugi, V.R. ~Pref:ício". In: Saidón, O. (Org.). AnáHse lnstltucionalno Espaço e Tempo, 1987, 07-{f), p_ 08. Idem, p. 09.
338
B:ra<>D.Rio deJaneiro,
solo carioca, as ferramentas do movimento instirucionaii'ta francês agregadas, principalmente. a leituras foucauldianas, deleuzianas e guattarianas, dentre outras, começam a se expandir para uma pequena parcela de profL,sionaL, '·psi". Embora este Departamento do lBRAPSI, desde seu inicio, tenha aberto formação de socioanalistas a quaisquer profissionais, é sobretudo na categoria "psi" que tal prática vai se consubstanciando. Portanto, diferentemente da França e da Europa em geral - onde os institucionalistas em sua maioria não são profIssionais 'psi", mas pedagogos, assistentes sociais, etc. -, no Brasil a análi,e institucional liga-se quase que exclusivamente ao territõrio "psi". São, principalmente, psicõlogos e psicanalistas que aderem a esta 'nova" forma de se pensar as práticas sociais, as instituições e os dispositivos que atravessam e se atualizam nos diferentes estabelecimentos e organizações, as implicações de cada um investido' do papel de especialista; e, enfim, como suas práticas produzem e fortalecem demandas e subjetividades. Efetivamente, é do lBRAPSI que saem muitos profissionais "psi" que, individualmente ou em pequenos l;;rupos, espalham - ainda que tirrúdamente - no Rio de janeiro as principais ferramentas do movimento institucionalista francês. Até mesmo algumas pessoas que diretamente não se vinculam ao lBRAPSI sofrem os efeitos desta abordagem. Os "rachas" ocorridos em 1983 naquele estabelecimento propiciam a formação de dois outros que, a partir de 1984, organizam-se autogestionariamente para pensar uma formação não tão instituída: o Núc1eo-psicanálise e Análise Institucional e o Centro de Estudos SocioPsicana1íticos (CESOP) que, até a primeira metade dos anos 90, funcionam agregando, principalmente, profissionais "psi" através de cursos, formação, grupos de estudo e intervenções as mais variadas em estabelecimentos públicos e privados. Ao lado deles há outros "psi" que, isoladamente ou em pequenos grupos, realizam também grupos de esrudo e intervenções socioanalíticas diversas. Em 1987, pessoas ligadas ao Núcleo e ao Centro de Investigação em Psicologia Social e Grupal (CIR), representado no Rio de janeiro, em especial, pelos argentinos Oswaldo Saidõn e Vida Kamkhagi (ex-IBRAPSI), lançam uma colel:inea de artigos sobre diferentes intervenções em favela, hospício, escola e FUNABEM,sob o título "Análise Institucional no Brasil". Sobre esses diferentes trabalhos, Saidõn assinala que há uma marca que 339
]
distingue esses textos:
l
" ., a existência de uma 1JOntade de grupos. ou melbor. l'ontade grupal, de perseverança popular em trabalhos de solidariedade. a re:sísJênciade cenas agenciamentos no campo popular, apesar da devastação causada na sodedade ciuil pelas diJaduras eseu modelo de capitalismo se1t)agem"39
Aponta, ainda, cotno se dão as mistura.s dos conceitos institucionalistas argentinos e franceses COU1 os foucauldianos, deleuzianos e guattarianos ao mostrar que: as referências à escola de Análiçe lnstüucional e à orientação latino-arnericana degmpos e psicologia sacia/se mesclam, a ponto de ser difícil reconhecê-las com as urgência.,>e as necessidades que coloca o campo polítu:o-social-culturaJ onde as práticasse realizam (.,_J Sempre nos interessaram a Psicologia Social, seus grupos e instUuições como obra aberta. Por is.so.nos mOIJemos deliheradamente em direção a um território, onde as definições, quando usadas, são somente estrategias de pa.ssagem de um sentído. Interpretaçào, clínica, tarefa. horizontalídade, processo, epistemologia convergente são idéias que nos pn..pararam o terreno para outras palm.1t'as mais imprecisa." e, por íçso mesmo, signos que nos obrigam ã iml(?Stigaçao Aqui, algumas palaum.~~'intervenção, pragmdtica, esquizoanálise, produção, transversalidade, delJir. transdisciplinaridademl().
lIma grande figura que, nos anos 80 e 90, com seus grupos de estudo em filosofia, muito tem ajudado todos esses profissionais "psi" a aprofundar seus conhecin1entos nesses diferentes enfoques é Cláudio Clpiano41, que atinge t:lmbém a Paulicéia e Belo Horizonte. Diferentemente de São Paulo - onde os profissionais ligados ã análise institucional vinculan1-se lnai." ao setor de saúde mental -, em solo carioca ligam-se ã instituição pedagógica. Aqui, é a partir deste território que ".. os psicólogos que trabalham na área, seja a partir do papel de supervisores em uniwrsidades, seja de técniCOS em profetos y} 40 41
Saidón, O. (Org.). "Introdução". In: Op. dt., 11-16, p. 12. Idem, pp. L2 e 13. Filósofo, professor na Lnivetsidade do Estado do Rio deJaneiro (uERj) e na LTniversichde Federal Fluminense (UFF), que, em sua..sdezenas de grupos de estudo ao longo <.k~quase duas décadas, tem difundido as idéias de Nletzsche, Spinoza, Foucault, Deleuze e (~uattari, dentre outros, dentro de uma visão esquizoanalitica.
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educacionais, rnunic~pais ou comunitários, encontram um espaço mais frrtil e rico para ampliar seus conhecimentos, politizar seus trabalhos, produzir novos acontecimentos, "investigar trabalhando ",-42
2 - NA PAULICÉIA
Como no Rio de Janeiro nos anos 80, t:lmbém em São Paulo são os argentinos da segunda geração aliados a alguns "psi" que espalham as principaL. ferramentas institucionalist:ls. Com menos força que em solo carioca - poL. lá não há um est:lbelecimento "forte" como o IBRAPSI-, a análise institucional também atrai alguns profIssionais "psi". É com o NEPP (Núcleo de Estudos de Psicologia e Psicanálise) designação que, a partir de 1977, substitui a expressão Núcleo de Estudos
de Psicologia e Psiquiatria, empregada por ocasião de sua fundação um ano antes - que começa a se fazer sentir a influência dos argentinos Gregório Baremblit, Oswaldo Saidón, Antonio Lancetti, Isabel Marazina, Nelly Simmonelli e Sérgio Maída, dentre outros, e um início de leitura institucional. Entret:lnto, será nos anos 80, com a organização de dois estabelecimentos, A Casa e o CEPAI, que vai se iniciando uma formação socioanalítica em São Paulo. Est:ls formações para coordenadores d" grupo ligam-se desde logo a uma clientela mais volt:lda para a saúde mental. Tanto que as supervisões institucionais e as várias intervenções feitas por esses dois estabelecin1entos estão relacionadas com setores públicos estaduais e/ou municipaL, da área da saúde. Em 1987, por exemplo, Antonio Lancetti, Isabel Marazina, Sérgio Maida e alguns "psi" paulistas iniciam no Sedes Sapientiae um curso destinado a trabalhadores em saúde ment:ll dentro de um enfoque institucionalist:l. Afirma A. Lancetti que 'Wessa época vivíamos uma multiplicidade de experiências no campo da saúde pública: diversa<;tentatívas de modernizar os tratamentos, ampliava-se a rede de ambulatórios de saúde mental, criavam-se hospUai.<;-dia, pretendia-se humanizar alguns 42
Kamkhagi, V.R. Op. cit., p. 08.
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hospitais psiquiátricos, integrar ações, descronificar pacientes e funcionários (. ..) enfim, investia-se para transformar a linha dominantemente hospitalocêntrica. Nos anos de 1985 e 1986, o movimento de trabalhadores em saúde mental man~festou imporlante crescimento e singular intensidade. Eu e outros quatro companheiros abandonamos outras expen·ências formativas, aceitamos o convite de Mauro Hegenberg - na época diretor do Sedes Sapientiae e membro do Plenário de Trabalhadores em Saúde Mental - e iniciamos a viagem. Três analistas institucionais: Isabel Marazina, Sérgio Maída e eu, dois psicodrarnatistas: Antonio Carlos Cesarino e Pedro Mascarenhas, compusemos a equipe que durante dois anos coordenou a experiência com muito afinco, vontade de transmitir e disposiçâo para aprender.. ,,43
Além deste curso no Sedes, várias formações privadas através das chamadas supervisões institucionais são realizadas em solo paulista, principalmente para "psi" ligados à área da saúde mental. Nestes anos 80, um espaço que se torna conhecido, não somente para lançamentos de livros, como também para debates e palestras também relativos à linha institucionalista é a Livraria Pulsional, fundada pelo sociólogo e psicanalista Manuel Berlinck. Ali, dentre outros, são lançados Saúde e Loucura 1 (em 1989) e Saúde e Loucura 2 (em 1990), ambos sob a coordenação de Antonio Lancetti e com o apoio de David Capistrano Filho, Secretário Municipal de Saúde de Santos. Naquela cidade, vem se realizando, desde 1989, uma belíssima cxperiência dentro do enfoque institucionalista e antimanicomial na Casa de Saúde Anchieta, através da Prefeitura Municipal, contando com o trabalho de Lancetli e do psicodramatista Mascarenhas, dentre outros. Além da figura de Cláudio Ulpiano - que com seus grupos de estudo de filosofIa tem também ajudado estes profIssionais "psi" a aprofundar seus conhecimentos institucionalistas - há Sueli Rolnik, a tradutora dos trabalhos de F. Guattari no Brasil. Além da difusão das idéias de Deleuze e Guattari - através de suas traduções e/ou coordenações - esta psicanalista tem realizado vários grupos de estudo sobre o assunto e difundido para muitos as principais ferramentas deleuzianas e guattarianas em seus cursos de pós-graduação na PUe. Assim, sem pretender um maior aprofundamento na história das
práticas institucionalistas de origem francesa no eixo Rio-São Paulo - o que fugiria ao tema deste trabalho - apontei simplesmente, de forma panorâmica, algum pontos que nos perntitem pensar algumas pequenas transformações que vêm se produzindo ao longo da segunda metade da década de 80 nas práticas "psi" nesses dois espaços geográficos.
IV -
Até por estar fortemente implicada com as práticas institucionalistas de origem francesa (é esta uma das vertentes que este trabalho percorre) - e em meu cotidiano elas se constituírem em uma das "ferramentas" que utilizo -, gostaria de tecer alguns breves comentários sobre tais práticas. Com base em todas as contribuições da análise institucional para o desocultarnento e a desnaturalização dos diferentes equipamentos e instituições sociais que nos atravessam e de todo o instrumental fornecido pelos dispositivos criados por essa análise das instituições, entendo que Lapassade e o grupo institucionalista francês apontam para uma apreensão da análise institucional como instituição - o que mostrei, anteriormente, no terceiro momento da história do movimento na França Explicitando melhor: a análise institucional pode também se constituir em ocultamento, naturalização e repressão, como qualquer outra instituição, à medida em que ela nisso se transforme. Ao afirmar que os sabere~ são produções de controle através do ··racional", e que todo saber é uma instituição, os institucionalistas apontam, também, para " a Colônia Penitenciária de Kajka, (onde) nenhuma teoria pode funcionar sem ruído, sem golpes, sem fracassos r.,.). A Andlise Institucional, (portanto), deve ser o estrangeiro nesta Colônia, se ndo quiser cair sob sua própria mâquina "44 {grifos meus).
Desta forma, quando se institucionalizatTI,tomam-se extrematnente fechados, autoritários, hierirquicos, com suas "verdades", e se situam à 44
43
Lancetti, A. "Apresentação".
In; Saúde e Loucura 1. Op. ci1., 01-02, p. 01.
342
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Authier, M. "Criticas de la Teona lnstirucionalista" In: El Análisi<; Institucional. Op. ciL, 'i2-';6, p. ')3.
343
margem do que a realidade social lhes está dizendo. Ao ignoraI a transversalidade, estão decididamente mortos, institucionalizados. A articulação que os analistas institucionais buscam fazer, então, entre movimentos sociais, saberes/práticas e intervenções concretas advém da necessidade de se criarem incessantemente novas formas para não se cair nas malhas do instituido, nas tentações dos micropoderes e das subjetividades dominantes. Este tem sido o grande desafio enfrentado pela análise institucional, ao se implicar com os movimentos sociais concretos, ao aprender com eles, ao tentar negar os modelos de atuação definidos e, portanto, estáticos. Este tem sido o grande desaflo que se coloca para todos nós envolvidos com o movimento institucíonalista: não utilizar a análL~e institucional como uma instituição, como umsaber fechado, acabado e, portanto, p'ortador de verdades dogmáticas e universais. Um outro aspecto a levantar é a questão do especiali~mo, que dentro do enfoque institucionalista é constante e cotidianamente apontado, questionado e desnaturalizado. Entretanto, surpreende-nos que muitos profissionais, ao utilizarem estas ferramentas de trabalho, se autodenominem "socioanalistas", "institucionali,tas" ou mesmo "esquizoanalistas" ou "cartógrafos". São rótulos especializados que, com suas práticas, em realidade, instituem outros especíalismos, outros lugares de saber, outras onipotências e, portanto, outras inclusões/exclusões. Perdese o potencial subversivo do movimento institucionalista, que postula a desnaturalização cotidiana da instituição especialismo; reproduz-se e reforça-se a divisão social do trabalho no mundo capitalistico, que tanto se critica nos discursos. Sabemos que somos psicólogos, psicanalistas, pesquisadores ou qualquer outro "perito"; sabemos que esta marca está impressa em nossa formação social e acadêmica e em nossas práticas. Sabemos, portanto, que nos percebem e esperam de nós a postura, a fala e a prática, em suma, de um especialista. E por que continuamos a fortalecê-Ia em nossas intervenções - e a "simples" apresentação de um profi~sional não é tão simples assim; é uma intervenção concreta -, a nos autonomearrnos e pennitir que nos nomeiem de especialista em alguma coisa? Por que não quebramos, rompemos com estes lugares sagrados? É como afirma Guattari:
" essaspalavras foram tão gastas, tão desperdiçadas (,.,). Fui eu mesmo quem, por descuido, lançou o termo "análise ínstitucionai", assim como "analisador': "transversalidade': etc., que tornaramse o filé mignon de muílos professores universitários, psiquiatras e psicossociólogos Eles recuperaram tudo isso rapidamente, traduzindo-o em termos de interoençao psicossocio/ógica: hd grupos de AndIise Institucional que se fazem contratar pelns grandes empresas para realizar algo equivalente a ItnUl japoneização da classe operdrla AJ:5im, isso acabou remetendo a doutrinas de intervenção, a especialistas, a corpos instituciotUlis especializados ,,45 (grifos meus).
Em realidade, em muitos momentos, estamos trabalhando sistematicamente na consolidação e na produção de subjetividades capitalisticas, apesar de nossos discursos contrários. Daí a eficácia e o poder da prática dos especiali,tas em nossa sociedade. Sabe-se, usualmente, que . o intelectual tctn uma tripla especificidade: a espec~fictdade de sua posição de classe (pequeno burguês a serviço do capitalismo ou inte!ectual"orgânico" do proletariado); a especiflôdade de suas condições de vida e de trabalho, ligadas a sua condição de intelectual (1;eudomínio de pesquisa, seu lugar no laboratório, as exigências políticas a que se submete, ou contra as quais se revolta, na universidade, no bospüal, etc.);finalmente, a especijicilÚlde de verdade nas sociedades contemporâneas. Ê então que sua posição pode adquirir uma significação geral, que ,çeu combate local ou especifico acarreta efeitos, tem implicações que não são somente profis... 'iionais ou setoriais, FJeft'nciOlUl ou luta ao nivel geral deste regime de verdade, que ri tão essencial para as estruturas e para o funcionamento de nossa sociedade.lld um combate "pela verdade" 011. ao menos, "em torno da ver· dade" ( ..,J. 11preciso pensar os problemas politicos dos intelectuais não em termos de "ciência/ideologia ", mas em termos de "verdade! poder". É então que a questão da profi-'\Sionalizaçâo do intelectual, da düJisào entre trabalho manual e intekctw:tl. pode ser novamente colocada"40 (grifas meus).
Acredito que estes são pontos que merecem ser discutidos por todos nós, implicados com a desnaturalização das diferentes instituições que nos alravessatn cotidianamente e que, subterraneamente, se alojam -fi Guanari, r, e Rolnik, S. Micropolitica: Cartografia'i do Desejo. Op. cit., p. 228. 46
344
f<)ucault, M. Microfisica
do Poder. Op. cit., p. 13.
.04';
dentro de nós. Um último aspecto a ser levantado prende-se ã questão de uma produção mais recente: a de um discurso prolixo, fechado, incompreensível para muítos "mortais" que não são "institucionalistas", "socioanalistas" ou "esquizoanalistas". Acentua-se uma tendência cada vez maior entre alguns "psi" - que se utilizam do referencial institucionalista, de algumas ferramentas de Deleuze, Guattari e mesmo de Foucault - para se iustituir um discurso e um vocabulário extremamente herméticos, somente decodificáveis pelos "iuiciados". Estaremos "macaqueando" Deleuze, Guattari, Foucault, da mesma forma que alguns lacanianos "macaqueiam" Lacan? O próprio M. Foucault, no lJ11CIO dos anos 70, preocupava-se com este tema ao afrrmar que estava cansado de falar para meia dúzia de "entendidos"''. Não estaremos fortalecendo a vL,ão do especialista apontada acima - como aquele que tem seu próprio vocabulário, só entendido por seus pares, por aqueles que lhe são próximos e idênticos? Será que o oposto - tentar ser iuteligível - é banalizar, vulgarizar nossas ferramentas de trabalho? Penso que não, pois se pretendemos desnaturalizar as diferentes instituições sociaL" as primeiras que devemos denunciar são aquelas iustituídas por nós próprios, por nossas práticas, por nossos saberes, pelos lugares ocupados por nós. Isto é, utilizar nossas práticas, nossos saberes e os lugares que temos socialmente enquanto "especiali,tas" para colocá-los em análise a fim de, ao desnaturalizá-los, não produzirmos outros instituídos, mas historicizá-Ios e, quem sabe, transformá -los. Não proponho, portanto, que saiamos do lugar de especialL'ta ou que iuventemos um outro; mas, ao contrário, que ao habitar este território, consigamos utilizá-lo como máquiua de guerra, como iustrumento de denúncia e questionamento do que ali "normalmente" e "naturalmente" é produzido, e que possamos forjar outras formas de ocupar este espaço, dessacralizando-o cotidianamente. Desafios terríveis que se nos colocam, mas fundamentais para que a análL,e institucional não se tome uma iustituição que, como todas as demais, naturaliza, oculta, reprime. 47
Consultar a entrevista: "M. Foucault Condena o Hermetisrno do Intelectual e Faz Questão de Ser Claro~. In:JB, 1973.
346
VI
CAPíTULO
ALGUMAS CONCLUSÕES?
É NECESSÁRIO?
"Esta é uma ttisão pessoal de uma grande dor coletiva. Falo para
reunir milhares de vozes que impeçam a fraude, o roubo, a mistificação e a mentira sobre aquilo que foi a matéria de nossos dias e noites".
'Mas é, sobretudo) um pequeno fragmento da história que deve ser contada. É apenas parte da história de uma dessas mulheres e sua visão pessoal de uma vida coletiva (. . .). Tomara que seja suficientemente controvertida para que outras 1JOzes acrescentem outros fragmentos" Lucy Garrldo2
É necessário concluir algo? Seriam algumas conclusões - mesmo que provisórias - uma forma de encerrar o assunto, de resolver a questão? Neste "fmal", muitas coisas me passam pela cabeça. Fragmentos de iuúmeras entrevistas, conversas que tive sobre este trabalho, a paixão que senti ao escrever muitas de suas passagens; a solidão tão presente no último ano de redação destes Capítulos.
1 2
Celiberti, L. e Garrido, L. Meu Quarto, Idem, p. 06.
MinhaCela.
347
Porto Alegre, L & PM, 1989, p. 07.
Ao tentar agora uma conclusão, sou de imediato tomada pela dúvida: é necessário concluir' Vejo que não se trata apenas de cansaço, como se o esforço tivesse sido em demasia; vejo também que não se trata apenas de me refazer do espanto, pois muitas vezes me surpreendi trL'te, alegre. Vejo que realmente há uma dificuidade que é preciso pensar como qu estão. Como afIrmam L. Celiberti e L. Garrido, antes de mais nada, o que aqui se produziu foram fragmentos de uma grande dor coletiva: e como concluir sobre a dor e sobre o coletivo, a não ser, talvez, "lançando mão da história como arma nos combates do presente'" O que aqui se narrou foram fragmentos de histórias: do Brasil, de algumas décadas, de uma geração; histórias onde estiveram presentes categorias profIssionais englobadas todas como "psi", mas nem por' isto histórias mais ou menos rigorosas do que tantas outras leituras, tantas outras histórias. Qual, então, o mérito possível desta narrativa' O que foi, aqui, o meu propósito? Antes de maL, nada, era necessário documentar uma época, e documentá-Ia de tal forma a trazer as vozes de seus protagonL,tas. Era necessário que se pudesse falar desta dor, de muitos e muitos projetos. Não para lamentar o que se passou, o que se perdeu, o que não se construiu, embora isto também tenha acontecido. A exemplo de Foucault, a história que busquei foi a história do presente: quais agencianlcntos de pr~ticasJ discursos e instituições constituíram nossos processos de subjetivação - no caso aqui em questão, subjetividades capitalísticas, produtoras e reprodutoras do que é hegemônico. Como, por exemplo, o "subversivo" e o "drogado" puderam ser apropriados como "doentes mentais", "desajustados", "desadaptados", "desestruturados" ou "carentes", aliando ã dor de seus desaparecimentos, de suas mortes - o que ocorreu com muitos deles - a desqualificação de seus projetos, de seus sonhos e lutas' E como os movimentos "psi" não só eles, mas também eles - estiveram nisto implicados' O que se encontrava
em questão?
Além de documentar este período, tive também o propósito de fornecer elementos para o que chamei de desnaturalização de verdades que nos aprisionam, à medida em que tais elementos 348
nos servem como
ferramentas de luta contra as mais diversas formas de exploração, sujeição e dominação, Não pretendi aqui estabelecer verdades dogmáticas, embora creia que estamos a todo momento produzindo verdades. Também não pretendi cair num relativisnlO em que tudo se equivale, onde tudo é o mesmo com pequenas diferenças, Esta viagem, que se iniciou nos tumultuados, conflituados e ousados anos 60, continuou pelos dolorosos, tristes e anleaçadores anos 70 para todos aqueles no interior dos quaL, - dentre tantas coisas - a dignidade contra o terror e a resistência estiveram presentes. Entretanto, para outros, estes nlCS1110Sanos foram a década da euforia, da ascensão
social vertiginosa, do "ame-o ou deixe-o", do "milagre", da cumplicidade e da apatia, Principiando
com
3.')
práticas psicanalíticas,
tentei assinalar a que
modeios de subjetividade serviram e ainda servem as institui~'ôes "verdadeira" psicanálise e fonnação analítica, apesar das "reformas" feitas nos anos 80 após as chamadas "crises". Ambas, vinculada., à griJfe da iPA, são questionadas na década de 70 pelo movimento dos psicólogos, principalmente
os cariocas. Entretanto, quando esses "psi" começam
a
se autorizar psicanalista" nos estabelecimentos, nos maL,diferentes grupos que organizam, reproduzem
as mesmas práticas que repudiam; instituem
de forma tão religiosa quanto os chamados "oficiais" certos modelos, certos dogmas, certos sacerdócios. Dentre os exemplos que vou mostrando
está o movimento iacaniano, assim como Unl3.série de outros estabelecimentos "psi" no eixo Rio-São Paulo. Já as práticas psicodramáticas e as lira das ao Movimento do Potencial Humano (rogerianas, gestaJtc,tase "n('()-reichianas"),que ainda nos anos 70 pretenderam criticara hegemonia psicanalítica e desenvolver "outras" formas de se pensar e fizer psicoter:lpia, também, em muitos casos, vão gradativamente sendo instituídas; tornanl-se, com algun1as exceções, instituições modelares e di~ciplinadoras c(;)mo o "Santuário de Vesta".
Viagem que chega aos 80 e 90 com o "cinismo consensual", com a naturalização do que é anti-ético, violento, corrupto, embora para muitos permaneça a crença de que "o sonho é possivel", de que é possível no trabaUlo "psi" uma unplicaçào com os movimentos sociais 349
que se espalham pelo mundo. O que fica de todo este percurso, de todo este caminho' Não ficam muitas verdades. Talvez pudesse dizer: ficam problemas, dúvidas e desafios, pois é muito importante tê-los e vivê-los, sem a "segurança" do que está pronto e acabado, instituido e naturalizado. Restam muitas histórias, muitos acontecimentos belos, apaixonantes, IJistes e decepcionantes. Fica talvez uma única certeza: a minha implicação com o meu tempo, com muitos sonhos, utopias e encontros, com alguns agenciamentos. Trago comigo também as dores, os desencontros, as separações e as mortes. Esta viagem não foi, propositalmente, um recordar melancólico,
t I
I
I
Todavia: nesses
fraglllentos
aqui narrados há. sem dúvida. uma
afnmação singular dos lugares por mim ocupados. Os lugares de psicóloga - que sem negar este especialismo. tenta colocá-lo em análise - e de militante - que pretende uma outra produção desta prática. Enfinl, esta narrativa pretende ser o que G. Deleuze e F.Guattari afjrmarn constituir o funcionamento
de uma obra, pois
".. não se irá procurar nada a compreender num livro, mas perguntarcmn o que ei.efunciotul, em conexão com o que ele jaz ou não passar intensidades, dentro de quaL"multiplicidades ele se introduz e metamorfOseia as suas, "4 (grifas meus).
saudosista, piegas, mas uma tentativa de trazer esses tempos em sua.c; mais diversas e diferentes diInensões, com todas as marcas, com toda a
paixão e a vida ali presentes. Eis porque esta narrativa possui também o objetivo de pôr para funcionar agenciamentos que tenham força, no sentido de expandir outras formas de pensar uma genealogia de algumas práticas "psi" no Brasil. O que penso ser trabalho coletivo de todos os que atuam no campo "psi" - e náo só nele - e que em seu cotidiano forjam outrdS práticas. e faz parte desta sempre renovada luta contra as tendências sedutoras ao acomodamento c ã naturalização, ãs facilidades e confortos do que se estabelece, se institui e tenta permanecer. Este trabalho é, portanto, - como afuma Lucy Garrido no início deste Capitulo - apenas fragmentos de histórias, de acontecimentos com os quais estive mais ou menos implicada. Com alguns de forma intensa, apaixonada e até irada ou mesmo decepcionada. Com outros, de forma mais distante, nem sempre os acompanhando, ainda que os observasse ã distância. São pedaços de uma trajetória, de uma geração - a minha - que não estão absolutamente completos e que nunca estarão acabados. Daí não me atrever a uma conclusão
que, pretensiosa
e implicitamente,
procuraria "fechar" algo. Não me atrevo, portanto, a ser uma espécie de "consciência dos outros", como afirma Foucault - papel muito desempenhado pelos intelectuais de esquerda que vêem reconhecido o seu direito de falar enquanto donos da verdade e da justiça'. 3
Foucauit, M. MJcrofisica do Poder. Op. cit., p. 08.
350
, '~
4
Deleuze. G. e Guattari, F. .Mille Plateaux:Capitalisme 10.
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ANAIS DE CONGRESSOS
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IV -
(',]1
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Polygram, 1991.
de Sucesso.
11 - OUTROS PROFISSIONAIS E
ANExos
Ex-PREsos
I-
PSICANAIlSTAS
370
ENTREVISTADOS
Adriano Diogo - Arlete Lopes Diogo - Fernanda Coelho - Frandsca Abigail Barreto Paranhos - Inês Etienne Romeu - Ivan Akselrud de Seixas - José Luiz Araújo SabóiaIvlarco Antônio de Oliveira Silva - Maria Dalva Leite de Castro de Bonet - Maria Lúcia do Eirado da Silva - Raimundo José Barros Teixeira Mendes - Regina Maria Toscano Pereira
ENTREVISTADOS
Adolpho Hoirisch - Alberto Goldin - Alduizio Moreira de Souza - Alejandro Luiz Viviani - Ana Lúcia Magalhães Barros - Ana rvlaria Segal - Antônio Celso Pires Osório Pereira - Antônio Lancetti - Beatriz Aguirre - Carlos AJberto da Silva Barreto - Carlos César Castellar - Carlos Guilhermo Bigliani - Carlos Roberto Aticó - Carmen Felicitas Lent - Cecilia Montag Hirchzon - Chaim José Hamer - Chaim Samucl Katz - David Ramos - Edgardo Musso - Edson Soares Lannes - Eduardo Alfonso Vida.l - Eduardo Lodzer - Eduardo Guimarães Mascarenhas da Silva - Elizabeth Cruz Miller - Eustáquio Portella Nunes Filho - Fábio Antônio Herrmann - Fábio Penna Lacombe - Félix Gimenez - Galina Schneider - Geraldo do Prado Jucá - Gregório Franklin Baremblit - Helena Celinia Besserman Vianna - Heliana de Barros ('.onde Rodrigues - Hórus Vital Brasil lnaura Vaz Carneiro Leão - Isabel Victoria Marazina - Isaias Melsolm - lsidoro Americano do Brasil - lvanise Fontes - Joana Helena da Cunha Ferraz - João Batista Ferreira João Cortes de Barros - Joel Birrnan - Jorge de Figueiredo FOIbes - José Inácio Parente - José Nazar - Jurandir Freire Costa - Kátia Martins de Almeida - Léa Beatriz N. de Bigliani - Undemberg Ribeiro Nunes Rocha - Luda Barbero Mardal de Fucs - Luiz César de l\1iranda Ebraico - Luiz Fernando de Mello Campos - Luiz Miller de Paiva Luiz Alberto Py de Mello e Silva - Luiz Carlos Nogueira - Luiz Roberto Salgado Candiota - Luiz Tenório Oliveira Lima - Luiz Werneck - Madre Cristina Sodré Dória - Manoel Tosta Berlinck - Márcio Peter de Souza Leite - Maria Anita C. Ribeiro lima Silva - l'vL1.ria Cristina Rios Magalliães - Maria da Paz Pereira Manhães - Marilza Tafarel Faerman f-..1arialziraPerestrello Câmara - Maria Regina Domingues de Moraes - Mario Pablo Fucs - .Miriam Chnaidcrman - Nalunan Annony - Narciso José de Mello 'feixcira - Nilza l\tlatia Margareta. Ericson - Nelly Simonelli - :'-Jora BeatriZ Susmanscky de Miguelez Oscar Angel CezaroUo - Oscar Miguelez - Paulo Sérgio Lima Silva - Potiguara Mendes da Silveira Júnior - Roberto Azevedo - Rosa Beatriz Pontes de JlvlirandaFerreira - Silvia Leonor Alonso Espósito - Sonia CUIVOde Azambuja - Stella Maria Gimenez Gordillo Suzana Amalia Palácios - Szulim Maíowka - Virgínia Leone Bicudo - Yone C..aldasSilva - Wilson de Lyra CJlebabi
POLÍTIcos
m-
•
PSICODRAMATISTAS ENlREVISTADOS
Alexandre Ribeiro Bhering - Alfredo Correia Soeiro - Alfredo Naffah Netto - Amaryllis Alves Sduinger - Analúcia Linda Cossich - Antônio Carlos Cesarino - Antônio Carlos Eva - Antônio Gonçalves dos Santos - Carlos Jose Rubini - Dalmiro Bustos - Dirce Ferreira da Cunha - Herialde Silva Fonseca - Içami Tiba - Ivam Gonçalves Campos José de Souza Fonseca Filho - José Manuel D'Allesandro - Laércio de Almeida Lopes Luiz Henrique Alves - Maria Alicia Romana - Maria Beatriz Canijo Silva e Weeks - Maria Cortesi - Maria Helena Pinheiro I\azareth - Marilda Resende Camargo Fortes - Marisa Nogueira Greeb - Miguel Perez ~a varro - Moysés Campos de Aguiar Netto - Neusa Maria Martins da Cunha - )\'ice Pereira Brandão - Pedro Henrique D'Ávila Mascarenhas ~ Regina Foumeaut Monteiro ~ Ronald de Carvalho Filho - Ronaldo Pamplona Teixeira clt Costa - Rosita Rodrigues Koschar - Vânia de Lara Crelier - Victor Roberto Ciacco da Silva Dias
IV -
PROFISSIONAIS MOVIMENTO
ENTREVISTADOS LIGADOS AO
DO POTENQAL
HUMANO
Agripino Ail)erto Domingues - Ana Verônica Mautner - Antônio Carlos Fonseca Antônio Carlos Marcílio Godoy - Alfredo Allemand - Carlos Eugênia Guimarães Marer - Carlos Ralph Lemos Viana - Carlos Rosário Briganti - Décio Cesarln - Denise Dessoni de Almeida - Eliane Maria Duailibe Siqueira - Esther Frankel - Fábio Landa - Federico Navarro - Geni Cobra - Jean Clark Juliano - José Alberto More~ C"otta- José Ângelo Gaiarsa - José Felipe Fernandez - Léa Maria Cardenuto - Liane Zink - Wian Meyer Fra7..• 1.0 - Maria Mello - Manha &rlin - Nicolau Maluf Júnior - Oswaldo de Barros Santos - Paulo Hindemburgo Torres Galvâo - Pedro Vieira Castel ~ Rachei Vieira da Cunha - Regina Favre - Romel Alves da Costa - Rubens Kignel - Sandra do Carmo Guimarães ~ Sandra Regina Paschoal Sofiari - Selma Ciomai ~ TIlereza Hantzschl CTessy) - Yvonne Vieira
371
Seu admirável trabalho corno secretária e, atualmente, corno presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro
é demonstração disso. Assim, o compromisso com a busca de um mundo melhor e com a "criação de novos espaços" está presente em cada pãgina deste livro. A obra, sem ser panfletária, bate duro naqueles profissionais da área "psi" que, comportandose como autênticos "guardiães da ordem", tentaram fazer da ciência mais um instrumento de servidão aos poderosos.
Milton Temer
,
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Cecilia Coimbra prafessara-adjunta de Psicologia na UFF e presidente do Grupo Tortura Nunca Ma;s