As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. Planejamento urbano no Brasil Guilherme Darabas Elisa Fuck MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das i déias: Planejamento urbano no Brasil. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade c idade do pensamento único: Desmanchando consensos. Petrópolis, Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. P. 121-192.
Ermínia Maricato é professora titular de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1977/2010). Atualmente é visitante do Instituto de Economia da Unicamp. Foi professora visitante do Center of Human Settlements da Universidade da British Columbia e da Witswaterand University de Johannesburg. Premiada com Rafael Higuerras da Federação Panamericana de Arquitetos, Premio Arquiteto do Ano da Federação Brasileira de Arquitetos, Homenagem das Assembleias Legislativas do Ceará e da Bahia. Membro dos Conselhos Editoriais das Revistas Cadernos da Metrópole e Revista de Estudos urbanos e Regionais. Em 2013, tornou-se membro do Conselho de Desenvolvimento Sustentável da Cidade de São Paulo.
A Professora Maricato traz um conjunto de ideias que aborda o o planejamento urbano moderno. Ela faz uma discussão uma discussão sobre a ocupação do solo urbano nas cidades brasileiras, o modelo político-econômico no qual isto acontece, onde e em qual contexto se situa o planejamento urbano ou onde ele deixa de acontecer. Retrata também quais as perguntas que emergem desta relação capital-planejamento urbano e condições de ocupação do solo, bem como para onde esta situação se desloca, se desenvolve ou caminha. Torna-se claro que a ocupação do solo urbano se constrói a partir de um modelo político econômico específico, que vem determinando e acentuando a situação nas grandes cidades do Brasil. Este modelo se caracteriza por ser de cunho elitista colocando o Planejamento Urbano, como algo que existe para parte das cidades - a dita oficial, que se deseja pensar, mostrar ou participar. De resto, o solo urbano, em sua grande parte, ou na maior delas, serve para o desenvolvimento caótico, à revelia e desproporcional das periferias, levando a toda uma sorte de “abandonos". Nos últimos tempos, o neoliberalismo se junta à força do capital, especulativo em sua raiz, trazendo a inconstância, o volátil como elemento determinante do sistema econômico vigente e aumentando a já grande diferença entre as elites e o restante da pirâmide social. As cidades são criadas, mapeadas e pensadas para manter a vigência do sistema político-econômico-social. As elites políticas que são detentoras do capital emergente e especulativo determinam e planificam suas bases, desenham seus
entornos, conferindo às cidades um plano idealizado. Desta maneira, fazem com que se pense nas mesmas como portadoras de um modelo oficial, enquanto que nas periferias, longe do alcance daquilo que se diz estruturado, mais pareçam como burgos medievais. Posto isso, entre o que se poderia falar como "oficial" e "oficioso", toda uma gama de perguntas e duvidas surgem: para onde tudo isso aponta? Como existir em meio a legislaturas falhas, direcionadas e permissivas do modelo econômico atual? Onde realmente existe planejamento urbano, será o plano diretor das cidades algo que estará sempre sujeito ao capital, ao modelo pré-determinado pelas elites? De fato, a sociedade está fadada a uma politica apenas direcionada e focada para o bem estar de alguns poucos em detrimento do caos periférico observado nos grandes centros urbanos do Brasil. É de todo sabido que o modelo capitalista atual privilegia ao melhor muito poucos, e condena ao abandono a grande parcela da população, seja ela produtiva, produtora ou não. Este processo político e econômico erigiu uma das comunidades mais desarmônica do mundo e que “teve no planejamento urbano modernista/funcionalista, importante instrumento de dominação ideológica: ele contribuiu para ocultar a cidade real e para a formação de um mercado imobiliário restrito e especulativo.” Para onde se está levando os grandes conglomerados urbanos? Para o caos, o abandono da racionalidade ou para, diante das grandes transformações sociais, repensar o modelo de ocupação, desenvolvimento e sustentabilidade da vida sobre o Planeta Terra. Entre as consequências de planejar o crescimento das cidades a partir desta visão ideológica com a exclusão urbanística de uma gigantesca área de ocupação ilegal do solo urbano estão a insustentabilidade ambiental, a falta de relações democráticas e igualitárias, os prejuízos para a qualidade de vida urbana e a exclusão da cidadania. Para que se possa responder às perguntas formuladas acima, precisa-se analisar historicamente alguns fatos relacionados a cidade, seu desenvolvimento e sua importância na vida humana atual. As cidades, enquanto agrupamento humano, são antigas, todavia para o exercício do que se deseja, serão situadas a partir da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no século XVIII. Neste momento descobre-se a produção em massa. O homem passa da atividade quase que artesanal, para a numeral, o "para muitos" é incluído na sua vida diária. Ao Capital já existente, oriundo da Burguesia e dos Bancos, junta-se a necessidade de se produzir mais, investindo massivamente na fabricação industrial. Logo, surge a necessidade de mão-de-obra e mercado consumidor para que se produzam os bens e os consumam. A classe operaria é emergente. Na realidade urbana, esse crescimento demanda a criação de moradias, uma vez que as pessoas precisam de local para se estabelecerem nos polos fabris. A ideia modernista ganha
forma na linha reta, no traçado que demarca a criação de espaço e condição de moradia. Seria então, a atitude modernista que, em algum tempo vai gerar a necessidade do crescimento, procura, promoção do bem estar para uma sociedade em franco desenvolvimento. Anos de bom crescimento, riqueza e aumento da necessidade de conforto, proporcionaram a expansão urbana, trazendo o plano urbano, criando e ratificando os conglomerados populacionais. Isto se torna ainda mais evidente nos países do capitalismo central, nas grandes cidades destes países. Segundo uma lógica de desenvolvimento, a produção em massa, traz em sua raiz a necessidade constante de se manter viva, visto que a expansão é contínua e crescente. Pela dinâmica intrínseca ao seu desenvolvimento, toda esta revolução tornase a base do capitalismo moderno que vai com o tempo, determinando a ideologia política-social a ser desenvolvida. Deste momento em diante, no aumento da complexidade dos fatos, o traçado urbano passa a ganhar contornos específicos com a divisão das riquezas adquiridas e a divisão das mesmas. Por um lado, uma elite se forma, e do outro, uma periferia se espalha. Para cada núcleo elitizado, um plano oficial se desenvolve, se apresenta, se afirma; em contra partida, para a periferia que se espalha, um plano oficioso se implanta. Em linhas gerais, temos a formulação político-ideológica e econômica que chega até os tempos de hoje. Diante e por causa de varias transformações, o capital se valida e se transforma no grande objeto do desejo das sociedades atuais. Contudo, politicamente o capital não sofre grandes mudanças e continua a servir o interesse de países centrais a sua existência. O capital se expande e cria a ideia da globalização, tornando-se o grande elemento especulativo entre as nações. O mercado torna-se o grande regulador de si próprio. O Estado perde, a partir desse momento, o papel de gestor de igualdades sociais e a grandeza da globalização mascara a realidade das comunidades que continuam setoriais. Portanto, diante deste cenário volátil, rápido, politicamente instável pela natureza do desenho econômico, os conglomerados urbanos, principalmente as grandes cidades, que possuem um plano diretor, onde se incluem as brasileiras, chegaram claramente à exaustão. Divididas, estas cidades (quase elevadas à máxima de estado, tal a importância das mesmas) se tornaram incapazes de responder adequadamente há um plano traçado. O capital neoliberal de hoje não promoveu a ideia do bem comum, não subsidiou um modelo de desenvolvimento sustentável, levando em conta a finitude dos recursos disponíveis. Em países do terceiro mundo, como o Brasil, o que se assiste é a presença, mais e mais forte de uma teoria pessimista do caos, que mais exclui do que inclui o ser humano, a medida que coloca-o em um amontoado urbano, sem traçado ou projeto. Este amontoado humano é bem exemplificado pelos morros e suas favelas, principalmente os da cidade do Rio de Janeiro.
Com as divisões sociais que se apresentam pelo capitalismo atual, as legislaturas tornaram-se inoperantes na promoção da moradia e seus direitos para todos os cidadãos. A complexidade político-social oriunda de um postulado capitalista complexo e elitista, especialmente no Brasil, se reflete até os acontecimentos do presente momento: protestos por toda parte, apartidários, sem bandeiras, líderes, cara, identidade, ideologia. Quase que uma catarse coletiva, com um desejo intrínseco de se romper com os velhos paradigmas, e quem sabe, alçar voos à uma dignificação maior da experiência humana, onde oficial e oficioso possam, talvez, dialogar efetivamente. Neste primeiro momento, isto mistura a perspectiva e torna incerto o amanhã, mas pode trazer consequências absolutamente profundas na maneira como a sociedade se distribuiu no espaço, tanto político, social; quanto, realmente urbano, ético estético. Não se pode nem afirmar que todas as perguntas acima referidas possuem uma resposta clara e determinante neste momento, mas que certamente continuarão a desenhar e a mapear a busca pelas soluções frente às necessidades dos grandes centros de convívio humano: as próprias cidades.