*Danado aquele Malhadinhas de Barrelas, homem sobre o meanho, reles de figura, voz täo untuosa e tal ar de sisudez que nem o próprio Demo o julgaria capaz de, por um nonada, crivar naifa o abdó men dum cristäo! Desciam-lhe umas farripas ralas, em guisa de su"#as borda das orelhas pequeninas e carnudas carnudas como cascas de noz$ trajava jaleca curta de montanhaque$ sapato de tromba erguida$ fai%a preta de seis voltas a aparar as volutas dobradas da corrente de muita prata -- e, &veiro vai, &veiro vem, no of"cio de almocreve, os olhos sempre frios mas sem mal"cia apenas as mand"bulas de dogue a atrai#oar o bom-ser's( as suas fa#anhas dei%aram eco por toda aquela corda corda de povos que anos e anos recorreu! )a velhice, o negócio negócio tilintado atravs de gera#+es, as andan#as de recoveiro, o ver e aturar mundo, tinham-no provido de l'bia muito pitoresca, levemente impregnada dum ego"smo pndego e glorioso! )as tardes de feira, sentado da banda de fora do uilhermino, ou num dos poiais de pedra, donde j' tivessem erguido as belfurihas, alegre do verdeal, desbocava-se a desfiar a sua crónica perante escriväes da vila e manatas, e eu tinha tinha a impressäo de ouvir a gesta b'rbara e forte dum .ortugal que morreu!*
!he
/0
1 2uando comecei a p3r vulto no mundo, meus fidalgos, era a porca da vida outra droga! 4odas as semanas contavam dias de guarda e, por cada dia de guarda, armava-se o saricot nos terreiros! )äo andaria )osso 5enhor de terra em terra -- eu c' nunca me avistei com ele ele -- mas a verdade que a neve vinha com os 5antos e as cerejas quando largam do ovo os perdigotos! Bebia-se o briol por canad+es de pau pau at que bonda! 6m homem mesmo mesmo com os dias cheios tinha pena de morrer! )äo tenho cataratas cataratas nos olhos, ainda que me hajam rodado sobre o cad'ver quase dois carros de anos, mas os dias de hoje näo os conhe#o! !he /0-/7 .onho-me a cismar e näo os conhe#o! 8, quanto mais cis mo, mais dou razäo razäo ao Migueläo da 9abe#a da .onte, que falava como livro aberto, o grande bru%o! Muitas vezes lhe ouvi dizer quando estava de boa lua, o que nem sempre assucedia:
!he
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1 2uando comecei a p3r vulto no mundo, meus fidalgos, era a porca da vida outra droga! 4odas as semanas contavam dias de guarda e, por cada dia de guarda, armava-se o saricot nos terreiros! )äo andaria )osso 5enhor de terra em terra -- eu c' nunca me avistei com ele ele -- mas a verdade que a neve vinha com os 5antos e as cerejas quando largam do ovo os perdigotos! Bebia-se o briol por canad+es de pau pau at que bonda! 6m homem mesmo mesmo com os dias cheios tinha pena de morrer! )äo tenho cataratas cataratas nos olhos, ainda que me hajam rodado sobre o cad'ver quase dois carros de anos, mas os dias de hoje näo os conhe#o! !he /0-/7 .onho-me a cismar e näo os conhe#o! 8, quanto mais cis mo, mais dou razäo razäo ao Migueläo da 9abe#a da .onte, que falava como livro aberto, o grande bru%o! Muitas vezes lhe ouvi dizer quando estava de boa lua, o que nem sempre assucedia:
-- 4empos viräo em que o governaräo as terras väs e os filhos das barregäs! :, !he /7 &gora deitem ;ossorias ;ossorias consultas e digam-me: quem tudo lo manda no concelho< 2uem< = doutor &l"pio, o filho da >u#a da ?olgosela, com porta aberta aos marchantes na feira de 5! Mateus! 2uem recolhe recolhe boas novidades< = pele-de-asno do Bisagra com umas barreiras rabosanas, donde näo valia a pena en%otar a milheira, milheira, quando ainda o mundo andava torto! 8, vejam, o meu rico linhar do .aul -- 'gua quanta quer, estrume do cortelho, sacho e mais sacho -- näo paga a manten#a do do cultivador@ ;oltou-se tudo$ de de meu tempo, tambm, homem de palavra era como se trou%esse sempre consigo um alforge de libras! &justava o que queria e levantava o que queria de propriet'rios e de tendeiros! .alavra era palavra, mais ouro de lei que uma pe#a de D! Aoäo! &ssinava-se de cruz e muito judeu seria aquele que negasse os dois rabiscos lavrados de seu punho, por que näo era só negar dois rabiscos, mas o grande sinal de lisura e de verdade que Aesus 9risto dei%ou aos homens ao morrer num madeiro para nos remir e salvar@ ;äo l' agora com essas@!!!
!he /7-/ Barrelas vestia-se com a estopa e o linho dos seus linhares e o burel apisoado das próprias ovelhas! 6ma capucha da marca durava duas vidas! )o =utono, assim que as sombrias come#avam a cair nas esparrelas, um cristäo recolhia-se toca! Car bem sortido de lenha, porco na salgadeira, pipinha :, !he / com o espicho a compasso, o boizana do temporal podia bufar! 5eroava-se nas lojas das vacas e aos s'bados batia-se a ribaldeira at as 4rs Marias empalidecerem no cu! 1nvernos inteiri#os como os dos lagartos! Mas, ah, logo que se ouvia a corcolher: *tem-te l', tem-te l'*, Barrelas vazava-se por esses caminhos de 9risto em votos e romarias! 1a-se 5enhora da Capa, 5enhora da .enha do ;ouga, de cruz, estandarte e borracha a tiracolo, no bornal o päo amarelo de azeite e ovos, no merendeiro as trutas do .aiva! 8m toda a parte punha ramo a nossa mocidade -- ra pazes capazes de arremeter contra uma baioneta, mo#as a pu%ar para loirinhas, que por aqui näo correu sangue africante! & gente näo era falsa a bródios e fun#+es, näo só pelo preito que nos mereciam os santos como porque ningum
seria mais amigo de espairecer e folgar! &h, velha Barrelas dum sino@ 4omara-me eu outra vez com vinte anos e saber o que hoje sei@ Diabos me levem se näo fosse rei! Mas rei a valer, e nenhum rei de copas, ali!!! de ceptro em punho, todos ajoelhados diante de !he /-/E mim a lamber-me os butes, sa bendo que o era, pois rei era eu sem o saber! 2ue menos, com o rapariguedo volta: *&ntoninho, cravo ro%o@* saFde de cavalo, a#afate o que se chama farto, caminhos desimpedidos<@ 2ue o mundo outro -apregoa para a" o mestre:, !he /E -rgio! -- ;irou para melhor!!! G' menos atropelos, maior igualdade, menos a pata do rico sobre o cacha#o do pobre!!! & prova näo boa de tirar! C' que h' mais instru#äo, isso h'! )o meu tempo sabia ler o Manuel &bade, e ganhou esta alcunha a ler nos ser+es o *Mestre da ;ida* e a *Gistória de 9arlos Magno e dos Doze .ares de ?ran#a*! Mas sa ber ler näo basta para ser fino, ser cavalheiro, e muito menos ser feliz! 8u só tarde, mo#o do senhor vig'rio, estudei letra redonda! 5ala manca a uns sara, a outros manca, olhem, meus senhores, ainda me näo apontava o bu#o
e j' por minhas próprias e boas artes era dono dum machito, täo bom para estardiota como para carga, de jarretes rijos como a#o, só um pouco rifador o dianho: o frade mission'rio que mo vendeu tinha trs dentes estoirados dum senhor coice que lhe pregou! Deu-me na fantasia para p3r-lhe campainhas castelhanas na barbela, cornachas de cores acima das orelhas, franjas na retranca, eh@ parecia mesmo a cavalgadura dum bispo@ 8u de riba dele e, tepe, tepe, por aqueles povos de 9risto, mais veloz que o raio, ouvia vozear das portas: HC' vai o !he /E-/I Diabo para fora da terra@H &diante, antes chala#as que chumbada@!!! .ois verdade, ainda näo me picava a barba e j' eu, desta Barrelas de ara direita, perdida no calcanhar do mundo atr's de caminhos e%co mungados, batia at a 9osta )ova, cata de sal, de sardinha e :, !he /I doutros gneros daquelas paragens, que ao tempo se vendiam mais caro que os posesH, da botica! 8 ia troc'-los pelo azeite, a azeitona, o linho em adeitos, a termos de .enedono, e destas recovagens umas por outras, quatro li bras, andavam em voga as de
cavalinho, dan#avam no saco! )ada se me punha pela frente, nem a noite, nem as invernias, nem os ladr+es das estradas, qual o qu@ 9om latim, rocim e florim andar's mandarim! -- Js um cäo a marchantear@ -- dizia-me meu tio &gostinho, que antes de ser meu sogro foi meu mestre, e do negócio ainda dei%ou cabonde para se lhe rezar o responso! )äo haja dFvidas, eu era um adregas, hoje aqui, amanhä l' nos quintos, sabe Deus! ;irava-me em cima duma moeda de dez ris! K dita confita, achei-me com dois pintos no bolso e, eles a chocalharem, a chocalharem-me tambm nos ouvidos as gargalhadas de Br"zida, minha prima direita, rapariga#a, como poucas, apetecedora de leg"tima e de presen#a, trunfa preta sobre o rosto benza-te Deus, grande cantarina de ser+es e de romarias, e täo guapa em seu amanho como videira no gover!he /I-/L ninho da casa! -- 4ate -- dizia-me o cora#äo -- ali arde 4róia! >ampanei, mas j' lhe rentavam, sem contar vizinhos, o 4enente da 9ruz, que corria as feiras montado num garrano rinchäo, o lódäo entalado na perna, todo :, !he /L fran#a, e arrotava o morgadio, e o abade de Britiande,
que a vira na festa do M'rtir e ficara a morrer por ela! Dois macanjos de alto l' com eles! -- primo, pois tu duvidar's do meu bem-querer< -dizia-me ela, com um jeitinho na boca, que parecia mesmo abrir a porta do peito, salvo seja, para eu entrar! -- =u tua ou de mais ningum! .ois sim, mas eu via-lhe voadeiras de frangainha real, e o palon#o do meu tio, vai senäo quando, come#ou a mostrar-se muito ancho com a requesta do abade que, alm de ser homem novo, muito bem afigurado, pregador de fama e grande batedor de montes, estava provido numa das freguesias mais rendosas da diocese! Dei tento nisso, uma noite que "amos de jornada vale do ;ouga arriba, toca que toca, ao ouvir-lhe elogiar o padre, mais do que manda a cartilha a um confessado, e deitar contas, que nem mordo mo, c3ngrua, p-de-altar e alcavalas da igreja de Britiande! = marau do padre deu tambm em vir fazer montarias para os coutos de Barrelas, hospedando-se em casa do tio &gostinho com muito alarde e folgan#a! -- &ntónio -- pus-me a malucar para comigo e para com Deus -- os lobos pilham-te a !he /L-/N borrega quando menos te precatas! 2ue se h'-de fazer<@ 5e a pedes ao pai, diz-te
que näo! Duvidas< =h, apanhas com o näo mais redondo que um coice do macho se o co#ares :, !he /N abai%o da rabadilha! &panhas$ näo andasse ele tonto de todo a sonhar a filha abadessa@ 8la!!! ela jurou-te amor verdadeiro, certo, mas isto de mo#a lou#ä, cabe#a vä@ 2ue se h'-de fazer
a 1greja! -- 9redo@ -- 9redo, digo eu! = padre o vosso santantoninho por quem sois! 9uidas que sou cego< Mais de uma vez te !he /N-OP apanhei a espenujares-te diante dele, que nem parecias donzela de assento! :, !he OP -- &njo custódio@ =utra venha que rabo tenha!!! >io-me para ele$ que mal tem< -- 4em muito! &lgum acredita que o coroado vem para aqui ca#ar por ca#ar< Cebres e perdizes tem-nas a dois passos, a dar com um pau, na serra de 4arouca! 8la fitou-me muito sria no fundo das meninas a escrutinar, e tornou: -- ;em entäo pelos meus bonitos olhos< >aio de cachopa, encarei tambm muito nela, e de salto me acudiu que mente Marta como sobrescrito de carta, isto , que muito na mulher nega#a! 8stive vai näo vai para torcer-lhe as voltas, mas n', para tr's anda o ca!he OP-O/ ranguejo, e respondi-lhe afoito: -- ;em, vem pelos teus bonitos olhos@ Mas tambm juro f de quem sou: näo ser' ele que se goze de ti! -- )äo fales rebentina, primo, que me derrancas a alma! = dito, dito!
-- 8 que vale< 4eu pai näo consente!!! -- 2ue lhe hei-de fazer@
!he
OO
1i 1sto de a gente tratar s escuras, procurar entendi mentos com coisa que se näo v -- como sucede em amor, que alma näo se lhe levanta a tampa que a cobre -- nunca, pensando bem, o poder' levar pacincia homem leal de palavras e säo de ju"zo! Deus fez-nos assim -- quem sabe l'< -- talvez para se divertir com as trapa#as e as es parrelas que armamos uns aos outros! Mas j' que assim nos fez e para mim näo era novidade, um pensamento se gerou no meu seio, onde, embora eu seja cristäo e confessado, nunca mais dei%ou de ser lacrau a ferrar: e que o ho mem um bichinho para temer@ Bichinho para temer como inimigo, muito mais se, em !he OO-O0 vez de cal#as, o que Deus lhe talhou foram saias! & Br"zida jurara-me amor verdadeiro, e eu bem lhe ouvia as vozes täo afoitas como singelas$ ria-se para mim, e nos seus olhos encontravam os meus ternura e claridade! Mas a alma que estava a es preitar janela por tr's das rei%as, que me davam essa ideia aquelas palavras de mel, aquelas olhadas de pom ba, aquela testa que, nem falando nem ouvindo, consentia :,
!he O0 ruga, doido de mim, daria este mundo e o outro para a ver! )unca adiantei o p em casa alheia, sem tocar a aldraba$ mas pudesse eu introduzir-me no peito de Br"zida falsa f, embora depois me apupassem de ladräo e houvessem de me lan#ar na cadeia, que näo me benzia para o fazer! Depois do encontro que tive com ela, estäo os meus fidalgos a imaginar como fiquei varado, em brasas, as brasas que Deus e o Diabo acendem no peito dum cristäo, talvez ao desfastio, para o e%perimentar! = pior que cada um assopra da sua banda e temos o lume esparralhado! &mor por uma fmea, isso que ouvi a um senhor padre comparar a uma febre palustre, e a mim me parece caldeiräo de 'gua a ferver sem se queimar chami#o, dan#a das libelinhas por cima dum rio, ou entäo, noite negra na terra, coalhada de estrelas no cu, pegou no meu peito uma só vez e de estaca! 5im, uma só vez e viva o velho@ 6m lindo palminho de rosto sempre gostei de ver e admirar! .ara que fez o 9riador !he O0-O7 as bonitas senäo para jardim, ao menos, dos olhos de quem näo o jardineiro< 6ma boquinha bem feita, dessas que säo vermelhas, carnudas e arredondadas como as cerejas, e
quando as pu%am ao devaneio arranjam um jeito de vergonha e de fugir com que redobram a cobi#a da gente, ah, tais bocas sempre senti ganas de beijar e, cedendo tenta#äo, aqui lhes confesso, algumas :, !he O7 vezes beijei! Beijei e gozei, que a carne pecadora e ningum, a näo ser santinho carunchoso, que näo de pau carunchoso, sabe resistir aos lambiscos do pecado! Br"zida trazia-me doido, mas desta doidice, doidice, Deus nos acuda, que näo tem paragem nem v mais nada! )unca foi täo acertado dizer: com ela me deito, com ela me levanto! >ealmente näo se me varriam dos olhos as suas lindezas! .udera, clamavam-nas o sol, a lua, os homens que a viam e ficavam a rinchar, as mulheres que se mordiam de inveja, a pobre da .reciosa, que fazia belfurinha do corpo a pataco: a minha Br"zida era branquinha de neve neve e perfeita de fei#+es$ alegre e airosa no trajar$ dona de casa de primeira ordem$ os os seus seios, levantados como os päes das boas fornadas, fornadas, eram a melhor fronha para um homem encostar a cabe#a$ que orgulho ir com ela s romarias quando toda a gente se punha a admir'-la@ =s seus olhos bastaria olharem a direito para um cego ir dar dar com eles! 8ra uma flor, l' isso era, e
assentava-lhe bem tudo o que agrada na .rimavera e faz lamber os bei#os no vinho !he O7-O mosto e nos rebu#ados! rebu#ados! Mas eu sempre fui um tanto cism'tico e o Demónio ou os seus esp"ritos-santos de orelha levantavam a outra ponta da manta: fia-te na cachopa, nas suas sete falinhas doces e, quando mal te precatas, a :, !he O pombinha bateu as asas! .ois tu näo a sentes desarvorada< ; se lhe espreitas espreitas para a alma, a arca cispada que te faz dar o cavaco, e h's-de acabar por encontr'-la cheiinha com o padre! 2ue asno@ .ara ti tem ela os modos, mas para ele guarda guarda os pensa mentos, que säo sempre sempre o melhor da festa! & ti faz-te promessas$ a ele iräo as ternuras! 2ue esperas<@ )äo vs que o padre um figuräo, que lhe promete vilas e castelos, e tu um labrego, d'-mo pobre, dar-to-ei aborrecido<@ )äo lhe en%ergas as mäos mi mosas e fidalgas de todo em compara#äo com as tuas, co bertas de surro< 8ntre um e outro, bem tola seria Br"zida se hesitasse! = p'roco ganha-o a cantar$ um mocetäo$ faz dela um brinquinho$ näo lhe häo-de faltar criadas para a servir! 8 tu quem s< 4u näo passas do &ntónio Malhadinhas, um pobre pobre de 9risto, um z-ningum, um
c3deas que pu%a uma besta de carga pelo rabeiro! &ssim mesmo me falava falava ao entendimento o Diabo de rabo pelado, com licen#a licen#a dos macacos! 8 isto me leva a supor que, se em verdade a alma treva e o Diabo o rei das trevas, rei das almas se lhe pode chamar -- salvo salvo seja a heresia, que tudo serei menos judeu! .ois da conversa com Br"!he O-OE zida fiquei täo fora dos meus cinco sentidos que, pondo-me em casa a consertar os atafais da besta, näo atinei ponto com jeito! :, !he OE Mais pu%a mo#a que que corda! 8, vai, atirei o albardäo para o inferno, e fui-me at a venda! 8stavam os amigos pegados ao chincalhäo de seis, num babaru dos demónios demónios -- porque torna, porque dei%a, nunca tu devias queimar a sota contra um reles terno de paus$ s um pe%ote$ pe%ote$ näo passas dum troi%a$ prego-te com o baralho no focinho estanhado e comigo näo jogas tu mais -- ao tempo que o &lbino batia a dama de oiros na mesa, saltava-lhe em riba o &lonso com o valete, e ele berrava para o Bisagra, que que era parceiro: *ó alma de cntaro, v l' se te dei%as cornudar como daquela que nós sabemos@* &quela que nós sabemos sabemos era a
mulher! Mas ele, coitadinho dos coitadinhos, no meio da assuada näo percebeu ou fez-se desentendido! )äo me de morei ali grandes horas! Gavia lance no jogo, ou dichote daquelas bocas depravadas ca pazes de varrer as m'goas que tinha no peito a morder<@ ;oltei a casa, pus o aparelho no cavalinho e ala@ 5ó l' fora, depois que passei a ponte que perguntei para mim e para com Deus: -- =nde vais, cabo dos trabalhos< =nde ia, onde havia eu de ir< )unca o sentido me pu%ara fora de mäo$ para aquelas bandas ficava o vale de &rouca, onde h' muito trazia o intento de carregar azeite! )äo levava uma de cruzes, !he OE-OI nem odres, nem outro vi'tico alm do lódäo, mas embora, no 9astro me abonariam o preciso! :, !he OI 8ra pelo ms de &bril, na semana da .ascoela, quando se vem pelos caminhos, asso mando nos altos, desaparecendo nas bai%as, as garnachas negras dos padres! C' väo, s vezes dois at trs, ou sozinhos com o arrieiro frente, a cavalo de suas horsas rabonas, de igreja para igreja a confessar! A' floria o alecrim e a alfazema, e ao passar na cabeceira dos quintais o seu rescendor ala-
gava os ares muito lavados das chuvas e escaioladinhos de sol! 4upa, tupa no cavalicoque, olhos aqui no cereal todo verde, alm no monte a vestir pelagem nova, ou nas 'guas, que nunca como nesta altura do ano säo folgazonas, desgarradas pelos caminhos, a lan#arem-se s cegas dos c3 moros, s3fregas nos próprios corgos, e täo alegres que convidam alegria, tupa, tu pa, a minha maluqueira foi amainando! &boletei-me essa noite no 9astro, em casa dum amigo que me forneceu o necess'rio para o negócio, e mal os galos cantaram a pri meira vez pus-me a p! Dali at &rouca säo sete lguas das velhas, por barrancos, onde nem reis nem ministros, que eu saiba, romperam os sa patos, e tratei de picar! &inda restava orvalho da manhä beira das paredes, e j' eu atravessava as serras malditas que parecem estar ali de propósito a esconder de olhos maus aquela abendi#oada bacia do &rda! K vista do convento, meti desbanda, !he OI-OL por um atalho, aconselhado pelo rifäo: guar-te de homem de vila como de cäo de fila, direito :, !he OL ao povo de 5anta 8ul'lia, onde nunca me haviam arrefecido os ps! 8 andava eu correndo os cambais cata de
fazenda, acertei passar por um p'tio onde ia grande sarambeque! >apazes e raparigas -- em tal nFmero que devia ter-se vazado para ali a mocidade de muitos lugares - batiam a ribaldeira entre arcos de loureiro e bu%o, como esses que se armam nos adros em festa de orago! 6m homem de barbas ru#as tocava rabeca e, *vira-vira-vi*, at parece que falava o demónio do instrumento! Bem repenicavam o da viola e o dos ferrinhos, era como se estivessem mudos! .ois ali me pranto eu boqueira do eido a admirar a fun#anata e a considerar a casaria que, pelo ar, era de gente abastada, quando um ho mem se aparta do rancho, me fita muito, e vem de rópia para mim! 8stou a v-lo na andaina de sarago#a preta, chapu ter#ado para a orelha, corrente de ouro ao peito, escanhoado como um padre, ho mem dos seus cinquenta, feros e escorreitos! -- &nde c', seu mo#o -disse-me ele! -- &nde c', ande, que me h'-de pagar hoje uma pedrada que me deu! -- = senhor vem errado -tornei-lhe com toda a pausa: a apressada pergunta, vagarosa resposta, calculando j' a vereda por onde seria poss"vel safar-me do percal#o que me surgia pela frente! - )äo o conhe#o!!! nunca o vi mais gordo!!! :, !he ON
-- .ois eu conhe#o-o! ;oc näo de Barrelas!!!< -C' isso sou, que nunca me coube no nimo negar a terra em que fui nado! Mas pedrada näo me lembra dar-lhe!!! -- Deu, e saiba que a deu ao ?austino de 5anta 8ul'lia, que näo homem para esquecer uma desfeita! ;enha -- e, proferindo estas palavras, o tipo respondia ao meu ar desconfiado com ar de tro#a! ?ui-me atr's dele, que re mdio, se j' l' ia com o meu cavalo pela arreata@ )o adjunto, pediu a caneca e meteu-ma na mäo: -- Beba e beba-lhe bem, que dado de vontade@ -- Gomessa@ &caba de dizer que lhe dei uma pedrada!!! -- Deu, torno-lho a repetir! = amigo näo estar' lem!he ON-0P brado dum sujeito que passou no seu povo, vai fazer dois anos para &gosto, de rota para a festa da 5enhora da Capa< ;ocs andavam a malhar numa eira que fica entrada da povoa#äo, mesmo ilharga das casas!!! .arei a perguntar o caminho para a Capa, e voc, seu mo#o, veio de l' com uma botelha cheia de vinho, e obrigou-me a be ber! &" est' a pedrada que hoje aqui me h'-de pagar@ -- )äo digo que assim näo fosse -- respondi eu j' a sorrir -- mas, se deslembrado
estava, deslembrado fico! De beber, pelo tempo das malhas, damos nós :, !he 0P sempre a quem passa! J como c' os senhores, com as uvas, quando andam a vindimar! -- D-lhe as voltas que quiser, matou-me a sede que trazia, e era grande! )unca mais me hei-de esquecer que fazia naquela hora um sol de can"cula que at rechinava as pedras! 8, no "ntimo, fiz jura de lhe pagar a ac#äo se algum dia o ca#asse a jeito! Mas ande, beba-lhe!!! 8star' voc mal comido, seu mo#o< >espondi-lhe que trincara um peda#o de broa com queijo e que me sobrara merenda nos alforges, ainda que a verdade verdadeira era trazer eu apetite de lobo, para esfandegar um cabrito, se o apanhasse assadinho no espeto! Mas ele näo deu crdito s minhas palavras e, guiando-me at casa, mandou p3r a mesa! -- = amigo a que anda, se näo queda mal o perguntar< -tornou-me ele! -- &o azeite! =uvi falar, se näo sonhei, que para estes !he 0P-0/ lados houve grande fartura este ano! .ois se h', disse comigo, talvez tope com que encher os odres do fino e em boa conta! 8, vai, tirei-me dos cuidados e meti-me jornada!!!
-- .ois coma primeiro, que eu vendo-lhe uma carga! 5e lhe servir! Mas vou jurar f de quem sou que melhor fazenda näo topa por todo o vale de &rouca! = meu azeite dos que ardem sem pavio! 8 quanto a pre#o, descanse, que näo h'-de ir roubado! :, !he 0/ -- .ois muito bem haja! 8 j' que a uma fineza quer ajuntar outra, o%al' que novamente Deus lhe guie os passos pela minha terra, para lhe dar segunda e melhor pedrada! 5entei-me mesa e veio servir-me uma rapariga trigueira, mediana de estatura, fartinha de seios, o rosto sobre o redondo, com olhos castanhos, täo ternos, que apetecia ser fidalgo para sem vergonha lhos namorar! 4inha as sobrancelhas muito carregadas e o nariz pequeno, um nariz que näo era como o das mais mulheres, só dela e de mais ningum, mas cheio de gra#a, de que apenas sei dar rela#äo que as asas buliam como o das coelhinhas quando comem! &ndava muito bem vestida, chambre de veludilho rente ao corpo, len#o de lä desca"do para as costas, boa saia, boa tamanquinha de verniz e, pelo meneio e pelo rasgo, vi logo que era filha da casa! )äo se admirem que, a tantos anos de vista, me lembre dela! =lhem: ficou-me
na memória, assim inteira, assim estampada, como dentro !he 0/-0O duma medalha@ = ?austino, depois que me viu a contas com a perna de carneiro que enchia a espadela, voltou ao adjunto! 8 eu fiquei só com a mocinha e da sua boca -- tinha belos dentes e abria-se num sorriso que alumiava mais que a gra#a de Deus, que nunca nos abandona mas näo se v -- da sua boca ouvi a e%plica#äo daquela festa: as bodas do irmäo com uma :, !he 0O rapariga de boa fam"lia e muitos teres, festa täo grande que nela, se se dessem a procurar, encontrariam a nata de 5anta 8ul'lia e dos povos vizinhos, na classe de lavradores! 9ontou-me ainda quem era o pai e a mäe, coisas e loisas, e de tudo vim ao apre#o que estava debai%o de telha farta e honrada! 9omi-lhe bem, bebi-lhe melhor -- que a mocinha näo me consentia o copo doutra maneira que atestado -- e com lhe pedir perdäo de a ter desviado do baile, perdäo a que ela atalhou dizendo que tinha muito tempo de dan#ar, me fui dali! )o terreiro, o ?austino veio ter comigo: -- ?icaria mal obsequiado, haja de desculpar! -- Desculpa pe#o eu de näo
saber como lhe agradecer! 2uanto a obsquio nunca recebi igual na minha vida! -- 8ntäo, se me quer agradecer, tome parte na nossa festa! 6m rapaz novo balha na ponta dum espeto@ >ita@!!! >ita, olha-me para este mo#o!!! .arado assim, faz-me febre@ & rapariga -- era a trigueirinha que me matara a !he 0O-00 fome -- chegou-se a mim toda fagueira e, vai, arrumei o lódäo a um canto, apertei a fai%a na cinta, e rompemos a bailar! Dianho de pequena, era leve como uma andorinha@ .or leve nunca julguei que algum me rendesse, mas aquela levava-me as lampas! Ceve e entäo com uma 'ria, uma gra#a, pai do :, !he 00 cu, que nem fidalga escondida nos trajos de camponesa@ .or ali acima, nos volteios e repeniques da chula, breve ramos o alvo de todos os re paros! 8 j' os olhos castanhos sorriam para os meus, confiados$ e j' eu, peito contra peito, lhe dizia que viera quela terra por meu mal! )uma das pausas da chula, o noivo veio-me saudar, mais a noiva, que era donzela jeitozinha e de agrad'vel parecer! 8 beba, e dance, e viva, todos me festejavam! >ita näo se apartava do p
de mim, e de ver-lhe os olhos mais doces, e ouvir-lhe a voz mais meiga, vinho ou quer que era come#ou a trepar-me aos cascos! & meio do pagode, por desfastio, alguns rapazolas do lugar desataram em lutas de fortaleza! 8u pus-me de parte, que a tais provas näo me era dado dizer: Hpresente@H, no "ntimo admirando uns, chasqueando de outros! 8, estavam eles a jogar a barra, apareceu ali o arganaz dum homem -- peito em aduela, cachaceira de boi, cara de poucos amigos -- a ensarilhar a racha com tanta gana e fantasia que nem doido varrido a perseguir mosquitos paulada! 8, com grande alarde, !he 00-07 desafiava o mais pintado para o jogo do pau, a perder ou ganhar uma moeda! K minha banda, o ?austino celebrava as artes do meliante: :, !he 07 -- 1sto um varredor de feiras tem"vel! 8st' para nascer o primeiro que lhe fa#a sombra! De facto, pelo corpanzil, pela bazófia, parecia faia de respeito! 8ra tambm um dos dan#arinos e, logo de princ" pio, lhe tomei azar porque, quando nos rodopios da chula >ita calhou a dar a volta com ele, usou dum espalhafato, mostrou täo bacoramente a
dor de cotovelo de a ver bailar comigo, que at a mo#a se escandalizou, quanto mais eu! 5e fosse na minha terra eu lhe ensinaria a ser mais com posto e bem-educado com quem lhe näo procurava detrimento@ Mas ali acalmei-me e dei%ei correr! -- 8ntäo ningum se sente com alma de ganhar uma moeda< =lhem bem: ouro de lei@ -e no cimo do pau passeava, ao que era de plano e bem aparado, debai%o dos olhos dos parceiros, uma pe#a de D! Aoäo ;, dessas que j' eram ralas ao tempo, e hoje só se usam ao dependuräo das correntes, por galhardia! 4odos, homens e rapazes, chalaceavam com ele, louvando-o, näo pondo acanhamento em se declararem seus subalternos na destreza e no poder! -- A' que ningum se tenta, torna para o saco@ -- e, pu%ando a moeda, fingiu que dava com os olhos em mim: -9om voc, seu homem, näo se fala em tal negócio!!! !he 07-0 Bailäo, maricäo@ 8stive um momento sem lhe poder tornar :, !he 0 resposta, sufocado de raiva, at que l' atinei com estas raz+es: -- 5e näo fosse nesta terra e na sociedade onde me encontro, ah, voc havia de en-
golir a bosteira@ &qui só lhe posso dizer que estou pronto a medir o pau consigo! &posta uma moeda$ eu, se ganhar, näo lha quero$ manda-me proceder assim o respeito que devo a este amigo! Mas se perder, perdida tenho a moeda, que dinheiro -- juro-o pela salva#äo da minha alma -- que nunca mais nos meus haveres conta! -- .ois seja l' como quiser! 4em um pau< -- 4enho pau! ?ui buscar o lódäo e pude !he 0-0E dizer >ita, que me seguira e estava branca como a cera: -- menina, empresta-me uma faca< 6ma navalhinha que seja!!!< = principal que corte um pouco mais que queijo fresco e sombra das paredes! ?itou-me ela muito nos olhos, mas eu sosseguei-a re batendo-lhe com firmeza de voz o pensamento errado: -- 8steja descansada, que näo para mal! 8u näo sou homem de barulhos! ;ai ver@ Deu-me um canivete, meti-o no canhäo da vstia, e fui para o homem: -- 9' estamos@ = pau dele era um nadinha mais alto que o meu, o meu um pouco mais grosso que o dele, segunda :, !he 0E desvantagem nisto de florear gentilezas! Mas täo-pouco
aceitei que se tirassem sorte os paus ou se igualassem, arranjando outros ou cortando no maior! >iscou campo o valentäo, por pros' pia, que tal näo de moda, e logo se plantou em posi#äo de parar, pau a escorregar para a perna esquerda, mäos devida altura! )o terreiro, havendo estacado as dan#as e a zanguizarra, formaram todos em redondo! K minha mäo direita estava >ita, mais trmula e inquieta que o vero &njo da uarda quando o Diabo nos chu#a! >elanceei uma Fltima vista ao bazófio -- pulsos mais grossos que os meus, estatura que se avantajava minha uma boa mäo travessa, o sorriso, Deus louvado, fingido, sobre o amarelo -- e voz: * uma@ duas@ trs@* só armei para receber o pim!he 0E-0I päo que ca"a sobre mim de pancada alta! ;arri o golpe e, a tentear-lhe o manejo, comecei a parar com brandura, como a medo! Mesmo assim, do meu lugar näo arredava tanto como a grossura dum vintm! 8le näo, ladeava, curveteava, dava tais saltos e piruetas que as pernas lhe pareciam um compasso endiabrado! 9ertifiquei-me do seu jogo, que era impetuoso, mas de pouca ou nenhuma astFcia! 8, sempre em posi#äo de defesa, dei%ei-lhe quebrar o arreganho, embora me custasse uma
pancada de esfarrapäo no om bro direito e um lanho no pulso, em que ningum fez re paro! .ara os que estavam, sem dFvida que a :, !he 0I superioridade era dele, pois me vinha inquietar no meu campo, e ali me mantinha encurralado como a gato, no poial, a dentu#a dum sabujo! 8 at os olhos de >ita se me afiguraram desenganados! ast'mos uns minutos naquela lria, tau-tau, tau-tau, at que lhe vi o f3lego azougar na garganta! 8 entäo coube-me a vez de atacar! &o jogo dele, sempre tonto e alto, todo de rópia, opus o meu, bai%o, curto e todo de rapidez! 8, notei, täo im previsto lhe era que, se quisesse aos primeiros passes despach'-lo com uma pontoada, fazia-o täo certo como ter sido meu mestre nesta arte o maior jogador do Minho! A' os olhos de >ita se alegravam e me pareciam estorninhos a saltaricar num jardim! 5im, senhores, näo fa#am tro#a que, t-la ali a ver-me como me via, se me näo trou%e nimo -- que tinha para dar e !he 0I-0L vender -- trou%e-me sangue-frio e vontade para levar a bom termo a desafronta que estivera magicando! 4au-tau, a defender-se duma pancada ao ombro, facilitou-se-me pular-lhe ao pei-
to, e limpei-lhe o primeiro botäo, *o rei*! ?oi täo r' pido que ningum reparou e mal me deu tempo para varrer a resposta que me mandava cabe#a! 4odos podiam notar, ainda que ignorantes do jogo, que os contra-ataques do ho mem, muito abertos e largos, me dei%avam campo cabonde para lhe assentar, se me apetecesse, :, !he 0L um golpe de escacha-pessegueiro! 8, estranhos minha tra#a, tinham por bizarria o que näo era mais que uma refalsada manha! Dois bot+es, *capitäo e soldado*, foram viola, um a seguir ao outro, täo calados e cerces como o primeiro! 8, racha contra racha, continu'mos estreloi#ando! .arecia-me ver-lhe agora, ainda que emproado, j' que näo recebera at ali gol pe que se assinalasse, um certo ar, meio de comprometido, meio de desespero! 8sse ar, junto ao ro%o das veias das fontes, que pareciam sanguessugas ao que estavam de inchadas, e cor dos bei#os, mais ro%os ainda, lembrou-me, sabem o qu< o luaceiro de piedade que espelha de sua benta charola o 5enhor da 9ana ;erde! 9oitado, se fosse noutro s"tio e me ati#asse o Diabo ao mau gnio, estava h' muito a fazer torresmos no inferno! Mas, bem, o homem soprava
como um toiro! =brigado a ter firmeza nos pulsos, pois !he 0L-0N o alarve o que se propunha era acabar e atirava valentona, comecei a soprar tam bm! ?oi numa dessas arremetidas, quando o pau dele, vergastado pelo meu, rodou por largo e desceu adormecido, que degolei o meu quarto botäo, *o ladräo*! 8 obra com asseio$ ningum viu, como ali's sucedera das outras vezes! = colete tinha cinco bot+es, faltava-me o Fltimo, *o segundo rei*! A' me näo havia de ser imposs"vel ri par-lho, fulo e cego como estava, a baba a :, !he 0N referver-lhe nos cantos da boca! 8u näo me via ao espelho, mas parece-me que guardava o mesmo ar descansado com que vim ao mundo, guardei na paz e na guerra, e com que conto apresentar-me um dia no tribunal de Deus! Mas, dentro de mim, sentia os esp"ritos mais inflam'veis que pólvora! 9omo o machacaz continuasse a despedir-me pauladas mäo-tente, mandei-lhe tambm uma, pela sonsa, destas que näo fazem rumor e só d' conta delas quem as rilha! ?oi ilharga, e logo ele percebeu que se näo virasse de folha tinha mais pano da amostra! 8, de facto, dali em diante foi mais ordeiro! A' näo
dava a escaqueirar-me a tola, mas como quem com o cacete quer partir um ovo, sem o perder para a gemada! 8 eu pude rematar a partida, ri pando-lhe o Fltimo botäo, com mais mandinga e disfarce que no jogo da vermelhinha! -- Bastar'< -- pronunciei eu, plantando-me em meia defesa! = homem aprumou o pau e, !he 0N-7P encostando-se a ele, p3s-se a limpar o suor da testa! -- ;ivam os valentes@ ;ivam@ -- e%clamavam em torno de nós! -- )äo h' vencedor nem vencido@ -- <o l'@ -- bradei! -G' vencedor e vencido, se que ainda h' direito em .ortugal! =lhem bem@ &firmavam-se todos para mim, afirmavam-se depois para ele e näo percebiam! :, !he 7P -- &botoe l' o colete, ca marada@ -- tornei eu para o mata-sete! -- &botoe-o que se lhe desabotoou! 8st' suado e pode apanhar uma pneumonia!!! = fanfarräo ia a fazer o que eu lhe indicara e, como pelo tacto näo encontrasse os bot+es, tratou de certificar-se! ;i-o primeiro quedar de boca aberta, depois fazer-se verde como as azeitonas antes de come#arem a pintar! -- )äo se aflija, homenzi-
nho de Deus! 8les häo-de aparecer e pregam-se! K falta de tesoura, faca tenho eu para tirar as linhas! Mande vir uma agulha -- e, ao tempo que isto dizia, deitado entre o pulso e o canhäo da vstia, mostrei o canivete que segara os bot+es! ?icaram todos suspensos quando vieram ao entendimento completo da fa#anha! 6ns garotos meteram-se de burrinhas procura dos bot+es, alguns acharam, e mostravam-nos de mäo erguida, em grande algazarra! )äo sabia o homem onde esconder a vergonha, e eu, mais por vnia quela gente que por brandura de nimo, desatei a rir e disse-lhe em bons modos: !he 7P-7/ -- ; o camarada que näo sou apenas bailäo@ = matula, que estivera um bocado sem saber o que mais lhe convinha: se fugir, se atirar-se-me ao gasnete, se dei%ar correr o marfim, saiu-se pela porta mais natural e decerto a melhor, dando o bra#o a torcer: :, !he 7/ -- J a primeira que tal me acontece@ 9aramba, voc era capaz de levar parede o próprio Mafarrico@ Dava-me a moeda, rejeitei-a sem palavras de agravo! 8 como eu lhes parecesse cordo do gnio a bem, e levado da breca se me pu%assem a
terreiro, como a proeza näo era päo nosso de cada dia, dali por diante fui mais festejado que o próprio rabequista! 2uando tornei a navalha pequena, vi-lhe os olhos täo lnguidos e täo hF midos, que me veio a suspeita de que tivesse chorado por mim, chorado para dentro, quem sabe l', se de consola#äo, se de qu! Mas eu só lhe soube apertar as mäos que tremiam! >icos tempos em que era capaz de tais 'fricas, ricos tempos@ 8 Deus fale na alma do 9hico .edreiro, de 8r mesinde, que veio da sua terra para a nossa erguer paredes e, come#ava eu a espigar, ia para tr's do cemitrio ensinar-me a jogar o pau@ &panhei muita negra nas mäos e nos bra#os, mas, honra lhe seja, aprendi o manejo todo! ra#as a ele e presen#a de >ita, que me incutia vontade de ser homem, pude varrer aquela desfeita com brio@ = 9hico .edreiro era a alma dum jogador@ Dois homens a !he 7/-7O atirar-lhe pedras, as pedras a choverem umas atr's das outras por cima dele, e ele parava-as só com o pau! .arece balela e dei%em-me confessar-lhes, :, !he 7O eu nunca vi, mas tenho-o como verdadeiro! & tanto näo cheguei eu, mas o mestre näo
perdeu comigo o tempo todo, haja em vista o colete do brutamontes de 5anta 8ul'lia que ficou varridinho como eira ao fim das debulhas! 2uanto ao alarve, quase tive pena dele, ao v-lo lan#ado ao desprezo e eu mais apajeado que um herói que voltou da Qfrica de bater os pretos! = que certo que depois daquela minha avaria o dan#o näo pegou mais! Bem sarrafulhava o arco da rabeca$ bem tiniam os ferrinhos$ todos me queriam sua banda a sociar do mesmo copo! = ?austino, esse, pegou em mim ao colo e, meio pingueiro, gritava: -- 6m homem que trata assim bem outro, sem nunca com ele ter tido negócio, se näo fosse valente ficava-o a dever! )unca eu me enganei com o camarada@ & minha casa dele! 4udo o que tenha dele! 5e gostar da minha >ita, dou-lha$ näo haja dFvidas, dou-lha! 5oltavam todos grandes surriadas e tambm eu, maneira de quebrar o estranho daqueles ditos, proferidos, era notório, de gräo na asa$ mas eu bem via a mocinha que näo mostrava cara de zangada e reconhecia na fala de ?austino o tom que tem a sinceridade e näo o gracejo ou o fingimento! 8 tanto assim que, vindo outra vez !he 7O-70 dar-me de beber, em voz alta
repetiu: :, !he 70 -- G'-de me agora aqui dizer: gosta da minha filha< -- ostar' ela de mim< -retorqui eu rindo muito! -- G'-de gostar! =lhe que anda a rapaziada de trs aldeias, doida lamechas, a cheirar-lhe s fraldas! &li onde a v, toda risota, näo menina para dar trela a gerifaltes! >ita escondia o rosto com o len#o, a sorrir muito$ e, a sorrir por debai%o do len#o, me deitava um travesso e fagueiro olhar! Desfez-se a festa, os noivos giraram sua segada, o grande peso de gente debandou, cada um para seu canto! 8, quando eu esperava que o ?austino me fosse medir o azeite, ouvi-lhe dizer: !he 70-77 -- = amigo hoje näo se vai embora! &manhä domingo, näo se trabalha! Dorme c', pois quero mostrar-lhe as minhas fazendas!!! 8squivei-me com os negócios e näo sei com que mais raz+es, fracas raz+es, da minha cabe#a transtornada! -- )em fum, nem fum e meio! J uma desfeita, se porfia!!! -- A' aqui näo est' quem falou -- tornei eu, dei%ando-me convencer sem outros ralhos! -- ;amos at quinta --
e, pela casa fora, de sFcia com o compadre e >ita, me levou propriedade :, !he 77 que entestava na moradia e era um pomar de formosura! )äo me cansei de admirar as parreiras, muito bem tratadas, j' com pmpanos de palmo, o olival que trazia boa promessa, a 'gua que era um Douro, e as colmeias que come#avam a sair ao sol da .rimavera! 8, contente, que näo h' como um lavrador mediano para ter o orgulho dos seus alqueives, dos garfos dos seus bacelos, das ma#äs reinetas de sua en%ertia, dizia-me: -- = ano passado tive aqui quinze pipas de vinho! & novidade foi escassa!!! havia cepas para mais!!! Botou a cinco cntaros o mel!!! e a dois lagares o azeite! -- )äo h' segunda lavoira em 5anta 8ul'lia -- acrescentou o homem que vinha nossa banda! -- 8ste ano ser' o que Deus quiser! ;ai-me fazer falta o rapaz que se casou hoje!!! Gavia j' estrelas, disse !he 77-7 para o ?austino: -- &migo, grande amigo, me#a-me o azeite, que desejo partir cedo!!! -- = azeite näo lho me#o hoje! 4em de passar o dia de amanhä connosco$ j' agora
h'-de ver outra fazenda! 9e'mos lareira, que a noite estava fria, em volta do lume, os ps de >ita täo perto dos meus que s vezes se esqueciam e me tocavam! =uvi a história :, !he 7 do ?austino, com seus teres, sortes e azares, desde avós a netos, e de tudo me capacitei que eram lavradores fartos e benquistos$ pu%ado a terreiro, por tabela, contei a minha história e a de meus pais, a minha vida de negócio e alguns dos percal#os nas jornadas, e em tudo me pareceu que näo ficaram desagradados! A' o lume se apagara, demos gra#as e fomo-nos deitar! >ita, de candeia na mäo, levou-me a um quarto que ficava logo entrada da porta e, desejando-me as boas-noites, disse sorrindo: -- Durma bem e sonhe com os santinhos!!! -- ;ou sonhar com a >ita que tambm santinha!!! -- 6i@ sou uma peste$ l' que sonhe comigo, näo acredito! -- &credite que hei-de adormecer -- se puder adormecer@ -- a pensar em si!!! -- Aure l'!!! -- .ela luz dos meus olhos@ -- 8ntäo tambm hei-de adormecer consigo no pensa mento -- e, ditas estas palavras com a sua risadinha, vol-
tou a cara e fugiu! .or muito tempo, cantaram !he 7-7E e recantaram os galos, o meu ju"zo tresvairou, divagando acerca de tudo o que se passara, daquele agasalho täo paternal, de >ita, täo boa e täo linda, de que via os bra#os a prender-me e eu com gana de nunca mais os desa pertar :, !he 7E de mim! 8, só tarde, embalado na grande, grand"ssima maluqueira, que adormeci! <as horas acordei a pensar noutra que näo em >ita! & pensar em Br"zida, a minha Br"zida cruel, olhos travessos como bogas no rio, cabelos a pu%ar para crioilinha, mas tez branca de neve, a rir e a saracotear-se toda diante do abade de Britiande! 8 senti nas fontes o sangue a zoar mais do que se me tivesse mordido uma v"bora! 9hamei a campo a doce, a terna >ita! ;eio, mas breve se foi, como por bru%edo! )o fundo do meu peito quem agora via, quem l' estava era Br"zida, a Br"zida estouvada, a Br"zida incerta, a Br"zida que gostava de acender o ódio de homem para homem, levada na tirania de agradar! Bem a amaldi#oei e me chamei maldito$ bem me disse que a melhor vingan#a era lan#'-la ao desprezo e firmar p naquela terra, onde havia quem me
quisesse bem! )äo houve modo! Cevantei-me de mansinho, e mais manso que um ladräo me vesti! &bri a porta da rua, e com cautela a fechei! )um rufo corri ao macho que estava, mäo de largar, no grande alpendre e deitei-lhe o aparelho! 8, sem ru"do, sem voltar a cabe#a, vergonhoso de mim, sa" daquela terra! !he 7E-7I A' distanciado, piquei, piquei, doido de todo!!! a pedir ao macho que me atirasse para um barranco! &o passar os montes, como se ali se estre masse para mim o mundo, parei, :, !he 7I e, olhando atr's onde luz ro%a da alba a neblina erguia pal'cios, torres, jardins como nos contos de fadas, verti l'grimas de sangue! )äo coro de o dizer! 9horei por ela, a meiga >ita, pela felicidade, sabe Deus a quanta voltava costas para nunca mais@ Mas ao dar de rdea ao cavalo para seguir jornada, se Br"zida visse o meu bra#o estendido para os longes do cu que a cobriam, se me visse o rosto, eu lhes juro que deitaria a fugir, a fugir, de tal sorte que ningum seria capaz de a apanhar@ !! fim cap! ii - pag 7I - Rapanhar@ -- linha O( !he 111
7L
&quela noite, tinha-se acabado de cear, botei o aparelho ao macho com cilha do brada para maior seguran#a! 8, depois de meter o baca marte e a merenda nos alforges, fui prend-lo com nó singelo, bom de desatar, boqueira da quintä de meu tio &gostinho como viageiro pacato que dei%a ali a besta e vai dar o seu recado, se que näo entrou na taverna a beber meio! = muro era bai%o e quedei-me, cotovelos por cima da albarda, a espiar a casa e a vizinhan#a, espera da paz morta de Barrelas, quando as ruas ficam apenas para os gatos e as almas do outro mundo! 8stava o ar fresco e, na hora pasmada que come#ara a correr, uns taman!he 7L-7N cos ao largo a descer o patim para os cortelhos, o vagido dum menino de mama, prato a tinir contra prato, eram como pedras que ca"am num po#o e ficavam afundidas! &qui e alm, na oficina do B'rtolo sapateiro, no sótäo do &lbino alfaiate, a luz da candeia riscava as portas gretadas e cosia com seu fio amarelo os rombos das almofadas carcomidas! 8ntretanto que serenava, tanto ia olhando umas coisas e outras, :, !he 7N como me entretinha a deitar palpites sobre o %ito da em-
preitada, nanja a perguntar aos meus bot+es se fazia bem, se fazia mal! 8stava decidido e mais que decidido, e nada deste mundo me desviaria do propósito, nem o anjo a briel de espada em riste ou um santo com as melhores raz+es do cu! .udera, eu a chegar do vale de &rouca, no estado de esp"rito que os amigos calculam, e a Maria Mulata a dizer-me: -- &ntónio, se näo andas a horas, a p'ssara bate as asas, sem dizer por qui me vou@ 4udo se sabe neste mundo, e eu soube por ela o que näo gostava, mas bem preciso me era näo ignorar! 5oube que a Br"zida, naquela tarde em que a ameacei, correu a deitar tudo no rega#o da 9laudina Bisagra, que trazia arrendada ao >amos a loja trrea ali ao p, onde tinha dois cabos de cetolas e o monte das batatas e, mais que tudo, utilizava para fazer os favores a quem ela queria! 8 soube que a zarga, longe de p3-la da minha banda -- aquilo o padre tinha-a convidado -- matou-lhe mas foi o bicho !he 7N-P do ouvido com histórias do meu mau gnio, que algum dia chacinava um homem e me mandavam para o degredo, e o meu of"cio näo era de molde a erquer casa com soalho! &o mesmo tempo, ia-a ado#ando ideia, que sempre lhe causara engulhos, de ser ama de pa-
dre! 8, rebatendo-a assim por um lado, enfatuava-a :, !he P por outro com celebrar-lhe as virtudes do masmarro, homem de cha#o que seria capaz de fazer dela fidalga, com boas chinelinhas nos ps, papo branco, e filhos no tarde ordenados ou doutores! -- =lha-me para o Dr! Caurindo, que at vai ca#a com el-rei@ )äo filho do padre Bezerra e duma criada que levou das &rnas<@ G' beis e danados para a vida näo h' como filhos de padre!!! -- Meu primo era capaz de me esfolar -- dissera ainda a Br"zida! -- 8sfolar, esfola ele as cabras para lhes safar os odres! = abade de Britiande tambm tem unhas! -- 2ual o qu, o &ntónio uma fera!!! -- &panhes-te tu em Britiande e que v' l' arrancar-te com quanta bófia tem!!! &ssim mesmo a grandess"ssima madragoa! & Maria Mulata, que tinha casa costas com costas e nunca mais perdoou 9laudina ter-lhe rela%ado o marido, contara-me isto e for#oso me era acreditar, que nunca foi mulher de despiques nem de falsos testemunhos! .or isso, toca, &ntónio, a tomar as tuas disposi#+es! 2uais elas fos-
!he P-/ sem, depois de muito malucar, väo ;ossorias saber!!! .or cima da albarda do machinho observei, tornei a observar, passou-se um bom migalho, e, quando me pareceu tudo sossegado, entrei na quintä do meu tio, o mato abafava-me os passos, e cha mei Br"zida! :, !he / & mo#a, ainda que h' um certo tempo se mostrasse esquivadota, veio logo ter comigo e sem dar o menor sinal de desconfian#a! 8stou a v-la, rosto branco que alumiava no escuro, len#o volta do pesco#o ca"do para as costas so bre o %aile, roca espetada na cinta -- como se erguera de seroar, sentada no banquinho, ps virados para a fogueira! -- 2ue h', primo< -- 9hega aqui -- segredei, passando-lhe a man'pula! - &nda comigo!!! -- &onde< -- &onde, eu to direi! .+e a roca@ -- 2uero saber primeiro!!! -- Mau@ -- 2uero saber!!! 5enti-a estrebuchar, com ganas de semear alarme, e ra pei da faca: -- ;s esta folha< 4em-se farto de matar cabras! )äo queiras tu espetar-te nela, depois espetar-me eu@ &comodou-se, que ela sabia a rs que eu era, e sem tugir
nem mugir, com pequena resistncia, se foi dei%ando arrastar rente ao muro! C' na rua, sentindo que passavam uns homens com tabuleiros para o forno, ainda gemeu a manhosa: -- primo, para onde me queres levar< -- 9hiu@ )äo ds um pio! !he /-O 5e acordas as pedras, temos o caldo entornado! :, !he O K ilharga, mais mansa e mais humilde, nem a minha sombra! 9heg'mos junto do macho, travei dela, enrodilhei-a sobre o albardäo, e de um salto pus-me garupa! 4udo isto fi-lo em menos tempo do que se gasta a dizer! 1a jurar que minha pri ma só deu bem acordo do meu intento quando a tracei pela cinta e o animal picado arrancou! 8ntäo, sim, p3s-se a esbravejar e a ganir! ;ieram cabe#as aos janelos, mas j' nem Deus nem Demo lhe acudiam! Barrelas fora, trupe, trupe, podiam largar-me perna a cavalaria de 9haves, que näo me pilhava! ?ora do povo pareceu-me a noite ainda mais negra, o cu mal esclarecido pelos fogachos da 8strada de 5antiago e por um minguante estreito e mais vermelho que foice enferrujada! .oucos metros se viam adiante do nariz, mas o mulinho era for#udo, valente
dos cascos, e conhecia o trilho melhor que eu s minhas mäos! =s rumores que se tinham alevantado pela vila es moreceram distancia, calaram de todo, e eu ia na boa paz do 5enhor, com lume sim, mas mais pimpäo do que se näo houvesse gente, lobos e medos por esse mundo alm, e uma rapariga na turqus dos meus bra#os! = escuro, que era o principal, l' o ia cortando o peito do macho, ora ladeando, ora direito, sem trope#ar! &lm de teso, por mais de oito dias lhe dei ra#äo de cevada e a folga toda! & mo#a, ao cabo dum certo tem po, convencida :, !he 0 de que nada ganhava em zarelhar, dei%ava-se conduzir sem resistncia, o tronco ca"do para a frente sobre a argola dos meus pulsos, assim como o girassol noitinha! Ks vezes l' lhe trepava um solu#o do fundo da arca e, por isso só, eu jurava que vivia! 8u, boca calada! ?alar-lhe, para qu< = gaviäo näo diz perdigota: HDei%a-te ir que vais bemH! Ceva-a tolhida, cus fora, at o recato dos montes! & rdea arrepanhada para a pal ma da mäo, a alma a cantar uma aleluia mais alta que a dos padres no s'bado da >essurrei#äo com o folar entrada da barra, l' "amos! .iavam para os outeiros as corujas e%comungadas: dei%a
piar@ &s ferraduras do machinho feriam lume nas fragas escorregadias: tem-te nas !he 0-7 gmbias, que mais melindrosa só uma carga de ovos@ Dobra que dobra, depois trota que trota, breve pass' mos a aldeia do 4ouro, entanguida de sono, com a igreja branca do caio a fraldejar, e o rio por ali abai%o, ro#ando as pedras, abocanhando as rincolheiras que säo a madre das trutas, chocalhando umas 'guas mais tagarelas que mulheres boca do forno! 5altaram-me os cäes ao ca minho, bu, bu, só me largando para l' das hortas! Depois, a subir a serra, só ouvia o choutar da besta$ atr's, em volta, a todo o redondo da boca de cuba, que o que me lembrava :, !he 7 a terra, parece que o ermo e a noite se fechavam sobre nós para nos engolir! C' no alto, figurou-se-me que estava a cair orvalhada$ eram as l'grimas de Br"zida a esbagoar-se-me para as mäos! -- =ra adeus@ -- trauteei com os meus bot+es! -- 9horas, dei%a-te chorar@ &ntes tu chores ao toledo do que eu ficasse a tocar berimbau, logrado na minha boa f! )o topo dos montes que olham 4ouro e 9arvalhas - &domingueiros lhe chamam -e onde h' cortes de gado para
os pastos de veräo, pus p em terra! -- 5egura a rdea -- roguei para minha prima! 9harriscando palitos sobre palitos, s apalpadelas, l' topei o cardenho onde era costume acoitar-me quando os temporais me colhiam volta de Camego! -- &bai%o, Br"zida -- vim a dizer-lhe! -- ;amos aqui pernoitar! & noite est' es!he 7- cura como breu e caminhos mais estuporados näo os trilhou 9risto quando veio a este mundo para salvar os pecadores! &manhä, com a alba, rompemos! 8ntr'mos para a cortinha bem lastrada de mato, com um alpendre de giestas a agasalh'-la do cieiro! 8ntr'mos um modo de dizer, que foi-me preciso dar-lhe um bom empurräo! &comodei o machito ao fundo$ com a roupa do aparelho armei a cama! 8 ali, sem mais testemunhas que Deus do cu, depois de breve briga -tinha de ser -- da coitana%a fiz dona! :, !he Mal luziu a telha, nós, que näo t"nhamos pregado olho, larg'mos das mantas! H.orque eu era um malvado@ .orque a bem nunca o seu corpo havia de ser meu, quanto mais minha muller@ &ntes mo#a de porta aberta@H -- e, porque torna, porque dei%a,
ali me atirou com quantos diabos e maldades lhe vieram cabe#a! )äo chorava! &s palavras que proferia parece que feriam lume! 5ó depois, quando a baldeei de novo para cima do albardäo e que, deitando olhos, só viu ermo, giestal e mato a boiar no negrume, desatou -- vejam o disparate -- a carpir-se e a rogar-me que a matasse! -- .rima -- disse-lhe eu em boas maneiras, que meia partida estava ganha -- face do 5enhor que nos v, amanhecemos casados$ uma cruz sobre nós e duas lengalengas de latim quanto falta$ va mos por elas .enajóia que näo l' para que se diga no cabo do mundo! 8st' l' o cara-unhaca dum padre que !he -E prefere ir de catrmbias para o inferno a dei%ar de fazer-me a vontade! 9avalg'mos novamente! A' cantava a cotovia, embora se näo visse a torre que vai erguendo quando sobe ao cu! Ks duas bandas a serra come#ava a dilatar-se e a branquear, com o negro todo a escorrer para os corgos e a su mir-se pelos matagais! 8, com o clarear, o mato tingia-se, vermelho, amarelo, ro%o, consoante, que chegara a .rimavera! = caminho näo :, !he E tinha que o estudar, assinalado pelas rodeiras, sempre
deserto, sempre adiante de nós direito casa de Deus e .enajóia! 8 eu täo ufano ia da sorte que at aos penedos redondos, que nos iam ficando desbanda e me pareciam s vezes ladr+es acocorados, depois de os reconhecer, eu sentia ganas de salvar! 8la, näo, mantinha-se na muda languidez, mal gemendo, mal chorincando, olhos fechados ao abril, ouvidos surdos aos p'ssaros que, de pFlpito nos ramos das urgueiras, erquiam suas ladainhas! 8h, cantavam pelas p'ssaras, como no meu peito se cantava pela minha, feliz felizardo que a pilhara no la#o! -- .orque fungas, menina< -- perguntei ao cabo de muita pacincia! -- 9horo o meu triste fado! -- 2ue fado<@ )äo estava escrito e com a tua letra< -- )unca te julguei täo desumano!!! -- =utros o säo mais do que eu! -- 2uem< )em os matadores dos caminhos!!! .orque me !he E-I näo arrancas a vida
foi-se adiantando no palavreado, at que tive de lhe :, !he I mandar calar a sanfona com mau modo! &o descer para Mondim, encontr'mo-nos com a &na Malaia oveira, que vinha da cidade! -- Js tu< -- e%clamou ela! -- ;olta para tr's, &ntónio, que caminhas perdi#äo! 4eu tio &gostinho j' l' vai estrada fora mais os capangas dos Ma#äzeiros, ar mados at os dentes! ;äo-te no encal#o!!! -- 8ssa boa@ 2uem diria a meu tio que cort'mos desta banda< -- Deram conta e meteram para aqui ao palpite! 5abem que teu amigalha#o o padre da .enajóia e fazem-te nesse rumo! -- 8 näo se enganam! -- A' vs que aventaram a ariosca! -- Mas meu tio andava l' para a Bezelga!!! -- 4u a sa"res e ele a entrar! 8scapaste por um cabelo! &gora, se te pilha, esfola-te vivo! .ois roubas-lhe a mo#a, a ele, teu segundo pai< Bem diz o outro: cria o corvo, tirar-te-' o olho! 9arrasco, näo podes ser ajudado de Deus@ -- =nde se cruzou com eles, santinha< -- )o 9astanheiro do =iro! =lha, sabes que mais, !he I-L
a Br"zida que torne comigo e tudo pode ficar em 'guas de bacalhau! -- 2ual, para a frente que &lmeida!!! 5audinha@ :, !he L -- = anjo da guarda te acompanhe!!! 8u c' näo adiantava mais um passo@ 8stas palavras näo eram ditas, cheguei espora ao machinho: quem tem medo compra um cäo! C' adiante, voltei a cabe#a para tr's! & Malaia oveira l' estava, est'tica no meio do caminho, de bochechas aparvoadas, a ver-me tropicar! 8ra uma pobre de 9risto, em nada e por nada m' mulher, que, segundo depois constou, morreu santa! Morreria! Do que morreu certa foi de fome, quando j' näo podia trabalhar! .elo repouso da sua alma: padre nosso que estais no cu!!! K ponte de Dalvares havia dois caminhos: um directo, estrada fora, pelo 9astanheiro do =iro$ outro pela 6canha e ouviäes, ambos com passagem por Camego! 8ste oferecia a vantagem de desviar-se de Britiande, onde o tio &gostinho, näo me encontrando rasto, poderia ter feito alta e reunir a si o abade maila tropa fandanga! Mas perdia umas boas horas e, com a mo#a que era gorducha e eu que näo era estopa, talvez o machito näo aguentasse o estiräo at a .ena-
jóia! Boa rota dei%ara ao sair de Barrelas -- .endilhe, Meijinhos, .enude, serra, sempre serra -- mas qu, näo tocava em nenhum &domingueiros@ =bra de cem passos da ponte de Dalvares levei :, !he N na incerteza: rompo frente, tomo mäo esquerda< 9hegado primeira guarda, ora, ani mei-me e meti afoito pela estrada, como se comigo näo carregasse contrabando de tal vulto! = que fosse soaria, a cachopa j' era mais minha do que doutrem e, quanto a morrer, a gente só morre quando chega a data assente no livro de Deus! .ela estrada fora, toca que toca, alcan#'mos e dei%' mos retaguarda mulheres que carregavam cabe#a a canastrinha do negócio$ burros tropiqueiros, ajoujados de carqueja para a cidade$ viandantes, de saquitel ao ombro, passo largo, na sua rotina com Deus ou o Diabo$ reses para o talho, arrebanhadas a granel de aldeia em aldeia, com as cabras a barregar pelo pegulhal, um mo#o frente a !he N-EP chamar, atr's o marchante, de pau e manta, a tanger, e täo embrulhados na nuvem de poeira que mal se viam! 9avaleiros todos farófias, que näo davam a salva#äo, rompiam por nós e desapareciam num
rufo! 8u, ainda que martelado de cismares, a todos tirava o chapu, e tambm a capelinhas, nichos de almas e cruzes de homem morto, que sarapintam o caminho, como passageiro que vai em paz e dia bom! = 5ol subiu no cu, doirou a natureza, mordeu-nos a pele, e com a algazarra da .rimavera e o banz do mundo näo puderam ir molhados por mais tempo os olhos da lagoia! 8mbezerrada sim, pouco caso fazendo :, !he EP promessa de lhe comprar na cidade um bom %aile de lä mais um par de ciganas de oiro! =bra de meia manhä ape'mos numa tasca e pu%'mos do farnel para almo#ar! & estalajadeira p3s-se a olhar muito fita para nós a pontos que eu lhe disse: -- .arece que nunca viu gente@ 8la, sorrindo, replicou: -- .assaram a" uns homens a cavalo e estiveram a tirar informa#+es dum sujeito e duma rapariga que pelos sinais säo vossemecs! -- A' l' väo h' muito< -- 8staria a nascer o 5ol! A' botaram a Camego se era esse o destino!!! 9ontou como eram e näo eram: um meio velhote, alto e grosso, olhos azuis, guedelha espessa que nem a mur#a dum cónego, e dois mo#os, duas
vergastas tesas, com ares de poucos amigos! 8stava tirado !he EP-E/ o retrato de meu tio &gostinho e dos dois mequetrefes dos Ma#äzeiros! -- .ois se eles iam em busca de nós, estäo com sorte que nos encontram! -- C' se avenham!!! Dali a Britiande era um salto$ cavalo bem disparado cobria a distncia num quarto de hora! ?ui-me afrou%ando o passo para que o animal pudesse deitar o f3lego todo se lho pedisse, e desta feita confesso -- que o receio näo cobardia -- confesso que me :, !he E/ encomendei a todos os santos e santas da minha devo#äo, em especial ao milagroso .adre 5anto &ntónio, que tem o mesmo nome que eu, padroeiro de namorados, e quando quer fazer um milagre näo pergunta quem tem razäo! )äo me esqueci de me encomendar tambm aos 5antos M'rtires de Marrocos que lhe levam a perna numa dificuldade! Muitas vezes ouvi dizer a minha mäe: roga ao santo at passar o barranco! 8 medo para tr's das costas! 4oque, toque, Britiande l' avultava, apertada s bandas da estrada, com casas caladas, casas antigas de pedra bruta, mulheres a catar-se s portas, e meninos nus pelos patins a esgani#ar-se pelas
mäes! 8stava tudo em sossego$ pelos vistos näo era ali que eu quebrava osso! A' dava gra#as a Deus quando, ao desandar da Fltima esquina, uma porta se abriu e meu tio &gostinho, os Ma#äzeiros, o padre e uma choldra sem conta me saltaram frente! Deitei a mäo ao baca marte, de cara para a patuleia que estarreceu com o meu !he E/-EO rompante: -- =l', amigos, que isso< &quilo l' se lhes afigurou que eu ou havia de segurar a mo#a ou combater, ou que recobrassem nimo, facto que cresceram para mim depois de terem hesitado! 8ntestei o bacamarte ao peito do mais adiantado, que por sinal era o meu tio: -- 4enha-se, senäo morre@ :, !he EO -- G's-de pag'-las, cäo@ -- 4enha-se, tenha-se, senäo morre@ A' eu tinha o dedo no gatilho quando o homem estacou! 8stacou, e acobardado com o ineu rasgo, vendo os pFrrios mais irresolutos que ele, p3s-se a gaguejar a distancia: -- .ula abai%o, Br"zida@ .ula abai%o@!!! & maluquinha ia a me%er-se!!! )äo custou muito t-la queda, pouco menos queda do que se jazesse entre as
mäos da &na Malaia que era quem amortalhava os defuntos: -- Br"zida, tu pulas abai%o, mas s a primeira a cair! 5e näo tens amor vida, faz l'@ &gora vosse mecs dei%em seguir quem vai seu caminho!!! que eu morrer morrerei, mas a trou%a näo a largo!!! -- 1sso que larga@ -rosnou o abade! -- &ssim eu largue a luz dos olhos@ .ara mais, o senhor chega ao destempo! 2uer sabereverend"ssima nos quisesse aben#oar!!!< 2uando estas falas ouviu, o padre rompeu para mim, mais branco que a neve antes de derreter! Meti a arma cara! :, !he E0 -- Mata, ladräo@ -- gritou-me! -- )äo mato, mas ponha-se de largo@!!! De largo@@ = abade näo se intimidou e se näo o macho, chu#ado no ilhal por um dos Ma#äzeiros, curvetear altura precisa em que eu ia disparar, matava-o! Desencost'mo-nos deste jeito um do outro, mas a grande
sorte foi ele näo vir armado, porque l' lhe pareceu mal, quando näo havia chacina! 8m menos dum amm ateou-se ali grande alvoro#o! &cudia gente de todas as casas! Br"zida carpia-se como uma madalena$ meu tio &gostinho, depois que lhe dei a cheirar a realidade, abra#ou-se ao poste dos fios a chorar$ em roda o povolu botava alarido! -- 8h l', gentes@ -- gritei, meio matreiro, meio desatinado, para a quadrilha que me tolhia o passo, apontando-me paus e espingardas! -- 5e algum se atravessa, est' aqui est' no inferno@!!! 9ravei a espora!!! = >oque Ma#äzeiro ergueu mäo para as rdeas!!! ?iz fogo, e o machinho pinchou! C' adiante torci a cabe#a: levantavam o homem do chäo!!! corriam atr's de mim e mandavam-me salvas de tiros! .or entre matas e granjearias, eh macho@ eh macho@ ao galope fulo que levava, mal me ro#avam pela vista silvedos, pa!he E0-E7 redais e cabe#as de olhos assarapantados! 8 escapei! = abade da .enajóia des pachou-nos para um :, !he E7 casalório que tinha no Douro, onde fic'mos a resguardo! 2uando o Ma#äzeiro enrijou da zagalotada e meu tio &gostinho reconheceu que näo
havia outro remdio, cas'mos! = homem de Deus, volta da igreja, prantou-me uma bolsa de libras nos joelhos, dizendo: -- &qui tens, rapaz! 8 agora, juizinho@ .az sua alma! )äo era m' pessoa, nem pasmado nenhum! 5e näo a amiga que arranjou j' com os dias quase cheios, teria dei%ado os seus dois vintns!
!he
E
1; 4rastej'mos aquela casa da rua ?eia, ;ossorias sabem, aquela casa onde hoje a 9a%arreta vende cigarros e palitos! 8ra acanhada, era, mas tinha bons cómodos para o macho, e uma varanda a sul, que a Br"zida, cuidadosa no amanho e fidalguinha no viver, trazia enfeitada com cravos e manjericäo como nunca se pilhou o altar do M'rtir, nosso bento padroeiro! Mal nos pod"amos virar l' dentro, mas para nós dois era quanto bondava! A' dizia meu pai, que näo foi patola nenhum: casa em que caibas, vinha quanto bebas, terra quanta vejas! 8 eu atirei-me trabuzana com toda a alma, näo só pela obriga#äo de trazer Br"zid' farta e limpa, !he E-EE
como pelo capricho de dar uma bofetada em meu tio &gostinho, que nas horas de turra resmungava: -- Gomem, nunca h's-de erguer cabe#a! 2uanto ganhas, comei-lo e, se o näo comeis, leva-vo-lo a Austi#a! 5e houvesse forca, acabavas a espernear! -- )äo roubo nada a ningum!!! :, !he EE -- Mas esfaqueias por d' c' aquela palha! -- Maiores calFnias arrecebeu )osso 5enhor dos fariseus! 8u conto aos amigos aonde meu sogro queria chegar! 2uando trat'mos de estabelecer casa, logo a minha Br"zida malucou em engordar um bacorinho com que se pudesse na roda do ano temperar o panelo! Gouve tempos que me deu que cismar o rifäo da nossa terra: Dia de 5anto &ndr, quem näo tem porco mata a mulher! 8ntäo eu, l' porque a Br"zida näo me apresentasse ceva, havia de lhe tirar o chiadouro< )äo era isso, cabe#a rude, foi ela própria que me e%plicou! 2uem näo mata porco, mata porca, que a mulher! &h@ ah@ &lgum nos veio dizer que a vendeira de 5eg+es, a 1ngelca, criara uma ninhada de sete, filhos duma porca leitoa que era por pinta e qualidade o pasmo de quem a
via! 6ma boa manhä, estavam os 5antos porta, dou um salto a 5eg+es para comprar o berrelho! 8ntro para a venda e, como a mulher era perra no vender e estava um taró dos demónios, pedi, um a seguir ao outro, dois patacos de !he EE-EI aguardente! -- 4em aqui vinho -- diz minha banda um homem, que näo se fartava de me fitar, olhos brancos, esses tais que, em cara portuguesa, de filho da puta ou erro da natureza, alto, magro, ruivana, uma cara que näo me era de todo estranha, mas que, por mais :, !he EI voltas que desse ao pensamento, näo descortinava onde tinha visto! -- Bem haja -- respondi! -- 4omei aguardente, agora vinho näo vai! -- 2ual näo vai@ ;inho e aguardente tudo a mesma fa m"lia! -- Bem haja, pode dar-me volta ao est3mago! -- D' l' nada, homem@ Beba!!! 8 tanto teima o filho duma grandess"ssima reca, que eu, na minha boa sinceridade, estendo a mäo para o copo! 8 que me havia de acontecer< = alma do diabo furtar-me o vinho e vir'-lo dum trago! J verdade@ 2uedei-me a olhar para ele, sem saber bem ao
certo o que concluir daquele passo, que nos adjuntos de moda negacearem-se assim os amigos para maneira de folgar! Mas o machacaz p3s-se a abanar a cornadura e foi-me dizendo muito srio: -- 5eu Malhadas, seu Malhadas, fosse voc cavalheiro, näo aceitava o meu copo@ 9olhido na santa boa f, at a fala se me entaramelou! 8le estava diante de mim a dar ao capitel, as mäos -como quem näo quer a coisa -a desenroscar a choupa ao varapau, emboscado atr's das costas! .recatei-me e l' fui respondendo: !he EI-EL -- >aios o partam para e%comungado que vem alterar ho mem quieto@ 2uem voc< -- A' näo se lembra da picardia que me fez< :, !he EL Meio recobrado dos esp"ritos, pude-lhe contestar: -- Cembro-me muito bem meu pai me dizer: a judeu nem a porco näo metas no horto! Mas -me bem feita! 2uem me mandou a mim dar-lhe corda<@ -- &ssim esquecido!!!<@ .alavra, näo tinha lem bran#a, nem pouca nem muita, de dares e tomares com aquele ru#o de m' plo! Mas espera!!! -- ;oc näo o 9apa-9avalos de 5endim, o homem da vermelhinha< -- 8u mesmo!!! aqui e no
meio do inferno@ -- .ois viva l' que encontra homem! !he EL-EN -- )ingum o havia de dizer@ -- tornou ele, medindo-me de alto a fundo e arreganhando a tacha! -- &ssim que eu queria v-lo na romaria da Capa!!! 2uants com soldados a guardar-lhe as costas quem quer prosa! -- =s soldados näo os cha mei eu! ?iz uma jura que voc havia de escarrar o dinheiro zarpado ao homenzinho da ranja por manhas da ver melhinha, e escarrou! -- 8 para que te metes, Aoäo 4opete, com a carapu#a do grumete< -- 8, digo-lhe mais, assente l' que para mais tesos que voc näo chama o filho de meu pai a tropa! 5e o prenderam, da" lavo as mäos! :, !he EN -- .ois assente tambm l' que ningum mas faz que mas näo pague! -- =ra, ora, ronca o mar e mijo nele -- e eu a proferir estas palavras e o grande cäo a mandar-me a choupa ao peito! .ulei banda, depois perdi de todo o acordo do que assucedeu! 2ue lhe preguei cinco punhaladas< )unca a bn#äo de Deus me cubra, se dei tento de rapar da navalhinha! K-dSel-rei, mais -dSel-
-rei@ pariu ali a galega! 8u podia ter largado, mas, como quem näo deve näo teme, espequei a p firme! Bem mal fiz, porque alm de näo haver uma só criatura -- nem a 1ngelca, a grande coira -- que me desse razäo, as mulheres, principalmente, vendo o alagoeiro de sangue, assanharam-se de tal feitio, que cuidei näo sossegarem antes de me cortarem aos cibinhos e !he EN-IP salgarem o picado para chouri#os! 4äo desesperado me vi que estive para agarrar num estadulho e, perdido por cinco perdido por dez, esparralhar aquela gente paulada! &final maluquei para comigo: H&ntónio, o teu pior inimigo a fama que em m' hora granjeaste de bulhäo e de matador! J em nome dessa fama que o ladräo que derrubaste a teus ps em boa e leg"tima defesa se tornou em pobre de 9risto, destes viandantes dos caminhos que väo de terra em terra sem fazer sombra, e tu näo passas dum fac"nora que anda s soltas! 2uem :, !he IP näo quer ser lobo näo lhe veste a pele, e tu vestiste a pele do lobo@ )äo te quei%es da injusti#a dos homens, quei%a-te do gnio, que assomadi#o e falho de humanidade!H &ssim considerando vieram-me duas l'grimas aos olhos, e dei%ei-me conduzir
como um cordeiro entre quatro cabos patudos para a cadeia de Moimenta! )äo foi dif"cil ao 5r! &bade 5', que era amigo, provar a minha pouca ou nenhuma culpa no brequefesta de 5eg+es! Mas foi uma dos diabos, porque o 9apa-9avalos esteve com os ps para a cova e a avaria custou um bom par de vintns que do corpo me sa"ram! 8 näo ficou aqui! ;olto para casa: Br"zida, quS dela@< De inculca em inculca, vou dar com a po bre, mais mirradinha que as palhas, em casa da ;icncia da 9erdeira, que era tia por banda da mäe! 4ir'-la dali para fora, näo havia tramenhos! 2ue a dei%asse, näo queria mais viver com um mal!he IP-I/ vado que, se Deus e%istisse, tinha de ir acabar nas .edras )egras@ &final, depois de muito malhar e de vir em pessoa o 5r! .adre Aoäo convenc-la do destempero, l' anuiu em tornar para casa se pelo descanso eterno de minha mäe lhe jurasse!!! 8u lhes digo o que me fez jurar, para que ;ossorias saibam que, embora mulher, näo era parva de todo, nem mal pensada! -- Auras, &ntónio, nunca mais entrares em adjuntos, que l' que o dianho as arma< :, !he I/ -- Auro!
-- Auras nunca mais pousar em feira ou romaria senäo o tempo cabonde para atar negócio< -- Auro! -- Auras nunca mais te to mares do vinho, nem jogares, nem ter pacta com outra mulher, quer casada, quer donzela< -- Auro! -- Auras nunca mais trazeres contigo arma, faca, ou pau que seja< -- )äo, mulher, isso näo juro eu! 4enho muitos inimigos e, morrer por morrer, primeiro rebentem eles! -- 8ntäo nada feito! -- .ois fica-te com o Diabo que te leve! = que tu me pedes a perdi#äo! Mas dei%a, assim o queres, assim o tenhas! Goje mesmo abalo para o 5enhor dos 9aminhos e ou o 4enente da 9ruz me mata ou eu o mato! -- Js o cabo dos trabalhos -- tornou ela abrandando! -8stou a ver chegar o dia em que seja preciso ir buscar-te num len#ol! &ntónio, homem do meu cora#äo, porque näo me !he I/-IO h's-de fazer a vontade< .orque teimas em correr para a tua desgra#a e a minha<@ -- 4enho o gnio esquentado, tenho, minha Br"zida adorada -- respondi eu a chorar, que os olhas dum hamem näo foram só feitos para ver! -- )eg'-lo :,
!he IO seria negar a Deus )osso 5enhor, mas que queres, a gente nasce feita, näo se faz! =ra ouve, mulher@ De hoje em diante eu te prometo traz-lo amorda#ado, mais amorda#ado que um cäo vezeiro no morder! -- 5ó quero que me prometas nunca mais andar de faca!!! -- 1sso näo te prometo! )em tanto nem täo pouco! -- Gomem, que tragas o pau, v', mas dei%a a faca no a#afate!!! -- )äo, näo, para onde eu for vai ela! J como a espada dum capitäo-mor! = que juro nunca mais tir'-la da fai%a senäo em riscos de me mandarem para os anjinhos! -- )äo basta, &ntónio, näo basta! )äo te metas tu com os outros, que contigo ningum se mete! 4m-te res peito! -- 2ual@ 4m mas medo de duas polegadas de a#o pelo fole dentro! -- 2ue homem este@ !!!=ra dize, alma do 5enhor, näo ser' mais bonito passar por homem de assento, homem de paz, topares os caminhos desimpedidos como um inocentinho que vai ao seu recado, do que andares assim receado e receoso, merc duma bala que te vire numa encruzilhada< >esponde l'!!!< 5e lhe vissem os olhos, !he IO-I0
que j' en%utos eram bonitos, debulhados em l'grimas, sem pre queria ver se os fidalgos, no meu lugar, lhe diriam que näo senhora! :, !he I0 =ra, prometi tudo, mais que fosse, at lhe abrir o peito para ver como por ela palpitava o cora#äo! .rometi, jurei as juras que me pediu e fiz tudo quanto pode homem de f para honrar a palavra dada! Dali em diante quem me conheceu e me via achava-me täo outro como se o gnio se me tivesse virado do avesso! ?ugia que me pelava das horas do .orco-5ujo, e os benditos nomes de 5! a briel e 5! >afael andavam mais vezes na minha boca do que nos meus tempos de solteiro as chala#as s mo#as que mostrassem boa perna! 2uando, &veiro vai, &veiro vem, ao atravessar das aldeias, um campan'rio botava o seu dobre a chamar para a missa, prendia o macho a uma parede e ia ouvir o santo sacrif"cio! ?oi por essa poca que assucedeu ao Bisagra a mala-ventura de que Barrelas ainda hoje ri ao desfastio e que a mim me deu que cismar! 5im, senhores! )äo basta um homem bater no peito e pertencer irmandade do 5ant"ssimo para o anjo da guarda lhe guardar as costas! ?ia
mais fino! 5e a troco troco de duas cruzes na testa, duas rezas, um cristäo estivesse a coberto de percal#os, escorregar e näo partir uma perna, meterem-lhe as mäos mäos nos bolsos e näo lhe palmarem a carteira, ter uma mulher de estalo e näo lha abarbatar o !he I0-I7 amigo, quem quer era cristäo! ;äo ver@ 1maginem os senhores que estava porta a feira grande de Mangualde e o Bisagra veio ter comigo: :, !he I7 -- ;ais feira, &ntónio< -- Gei-de ir, hei-de ir, se at l' ajuntar os presuntos que me faltam para fazer carga! 8u a essa altura negociava tambm em presuntos$ presuntos de Camego, azeite do 4edo, vinho da Meda, era tudo do termo, e näo iam rou bados! -- .ois eu tambm l' queria dar um salto -- torna ele! -- 4ive este ano muito alho e näo os hei-de dei%ar apodrecer! 9olhi tambm muita semente de nabo, e ainda näo vendi o meu cornelho!!! -- 9ornelho deves ter uma cheia!!!< -- &lgum, algum -- respondeu-me ele sem perceber! -9om o produto e duas libras que ando h' dois anos a amealhar queria comprar umas contas para a 9laudina! Dianho de mulher, mata-me o bicho do
ouvido que uma triste, todas andam carregadas de oiro, bons cord+es, boas boas arrecadas, bons merinos, só ela näo passa do chambre de chita e duns brincos, täo amolgados amolgados e velhos que nem que os herdasse da Maria 9astanha! -- )äo o que dizem as bocas do mundo!!! -- 2ue dizem as bocas do mundo, &ntónio< -- 2ue a tua mulher tem oiro como terra, mas que o esconde bem escondido!!! -- 4em uma nisga!!! 4em uma nisga!!!@ -- J l' contigo e com ela! .ois arranje eu a presuntada !he I7-I e aviso! :, !he I &rranjei carga! ;ieram-me ;ieram-me trs presuntos de &riz, dois do ranjal e outros dois de .enso! 9om os que eu tinha, estava na conta! )o dia da feira, sa"mos com as estrelas e tupa que tupa, os caminhos estavam en%utos, foi-nos nascer o 5ol para l' de >io de Moinhos! 2uando chegumos chegumos vila, estava o largo a encher! -- &ntónio -- disse-me o Bisagra -- temos muito tempo diante de nós! 8nquanto ar mam e näo armam as as chafaricas e tendas, se nos f3ssemos ouvir a santa missinha, que est' a torre a chamar!!! >ealmente ouvia-se o tläo, tläo, täo vagaroso como mor-
fanho duma sineta rachada! -- =lha, Bisagra, vai tu! )äo venho com a devo#äo devo#äo re!he I-IE querida! 4rago a veniaga no ju"zo e era uma vergonha que o nome de Deus passasse no meu esp"rito como gato por brasas! -- & devo#äo como o co#ar, alma de cntaro@ &tr's duma ave-maria vm as mais! =lha que a missa näo quebra osso!!! -- .ois näo quebra, näo! Mas hoje para mim näo dia! ;ai tu e encomenda-me encomenda-me nas tuas ora#+es! C' foi! 8u tratei de dar as minhas voltas -- um bom dia a este amigo, uma palavrinha quele, viva l', paträo, a como est' o centeio< alm ao correeiro: quanto pede pelos loros< -- fui apanhar o Baratinha a tirar os taipais da loja: :, !he IE -- &qui lhe trago, rei dos merceeiros para estas estas bandas da 5erra da 8strela, do melhor presunto que se cria em Camego, mesmo rente, rentinho igreja de &lmacave! =ra, com boa treta t"nha mos o negócio fechado, fechado, quando o Bisagra rompeu! Dava salto de cor#a e gania! -- 2ue foi, homem, que foi< -- >aios partam tanto ladräo que h' em .ortugal e at na casa de Deus@ >aios
partam@ -- Mas que foi, homem< -- 2ue foi< >oubaram-me as duas libras na missa! Cevava-as atadas na ponta do len#o para as näo perder! 9hego c' fora, len#o que dele<@ 9orro sacristia, estava o padre a desparamentar-se: *5enhor, estou rou bado! >oubaram-me duas li bras na sua igreja!!! -- 5e est' roubado, quei%e-se po!he IE-II l"cia! 8u näo o ronbei!* A' viste um pastor de almas assim< >aios o partam mais minha cabe#a@ >aios partam o mundo todo@ -- >oubaram-te na casa de Deus!!!< &h, cäo, alguma fizeste taluda@ )äo andas de bem com o anjo da guarda para assim te desamparar!!! -- )äo ando de bem com o anjo da guarda!!!<@ Dize l' se algum a quem possa untar a pata, meu safado< 8 ali se p+e a vamitar im proprios sobre improprios :, !he II a ponto que parou a ouvir um sujeito de cara rapada, todo de preto, com ares de miguelista ou monitor de semin'rio! =uviu, ouviu, e virou a cara banda antes de despedir, cuspindo: -- = que lhe vale, seu ho mem, estarem os pedreiros-livres em cima! 5e fosse uns anos antes e estivesse no poder quem devia,
arriscava-se a fazer torres mos na fogueira@ .ega@ .ois eu, mais de dois anos a bem com 9risto e menos mal com os homens, meti cara porca da vida e, poupando muito e gananciando onde calhava, envidei, l' isso envidei que era pobre como Aob! J de resto a nossa condi#äo! &nda o homem a trote para ganhar o capote! 8ntrementes, a mulher dava-me uma menina, muito medradinha e perfeita, e eu pude comprar a casa trrea da falecida Doroteia, com arru ma#äo para palhal e manjedoira para as bestas! Meu tio &gostinho come#ou mesmo a encarar-me com melhores olhos, mormente depois que o !he II-IL 5r! &bade 5' me estendia em pFblico o seu cigarro, e nas elei#+es fazia de mim bra#o direito! &o despautrio, o Bisagra dizia: -- Dei%a, quem nasceu lobo h'-de morrer lobo! .ouco viver' quem näo ouvir falar dele! :, !he IL Bem lhe tornava meu tio &gostinho, na sua boa f: -- 8nganas-te, Bisagra! = 4ónio amansou!!! .or este passo menino para, se o esbofetearem na face direita, se dar por quite com es murrar ao atrevido a face es-
querda! = Bisagra ria de consolado, o grande bilontra, e era por estas e outras que eu o näo podia ver nem tragado! )anja que fosse ruim por condi#äo! 9omo irmäo do 5ant"ssimo, näo era pior que os demais! C' vaidoso, disse! .ara que näo lhe faltassem na procissäo dos domingos terceiros com a vara do p'lio era capaz de chegar a mulher ao abade! = of"cio de galhudo, por fora de conta e risco, o maior galhudo que a rosa do sol cobria, que o tornava azedo e maldizente! ?alava mal dos outros porque falavam mal dele! .ois porque havia de ser< 8u nunca lhe tinha feito dano e, em boa verdade, se a faca se näo enferrujava em casa a partir o pesp e o unto, como queria a Br"zida e eu lhe prometera, h' muito que dormia quieta na bainha, e o meu marmeleiro se näo erguia a castigar um tratante! !! fim pag IL - cap iv - tratante - linha O0 !he
IN
; 5ombra negra na minha vida era ora e sempre o 4enente da 9ruz, que havia jurado tirar-me o chiadouro depois que empalmei Br"zida ao pai, pela qual se chorava ainda de
morte! Mais de ano que os meus caminhos andavam desencontrados de semelhante piranga! .or mor duma briga em que se envolvera e de que resultara homem morto, tivera de largar revelia, e por l' andou muito tempo a pontos de ningum mais falar nele! ;ai senäo quando apareceu um s' bado na feira de Barrelas, mais farsola que nunca, montado numa gua pimpona! 4eve bons padrinhos o safado, como näo podia dei%ar de ser, porque, alm de rico e poder abafar a Austi#a com gordas !he IN-LP peitas, nunca perderam a sim patia dos fidalgos, ia dizer de nós todos, estes corredores de valentia e arrua#a! Matam e perdoa-se-lhes se foram destemidos a matar! 8nfim, fosse como fosse, o ladräo voltou pra#a e eu, muito s escondidas da Br"zida, pus-me a afiar a faquinha! :, !he LP ?iquei com pulga na orelha e bem haja eu! Mais de um que me dizia, se acertava confessar meus receios: -- = 4enente da 9ruz assentou$ est' homem cordo! 4em o casamento tratado com a morgada da 5ilvä! -- & ver vamos! )äo me toque ele, que eu näo lhe toco! =ra<@ ;ai-se para o mercado de 5! ?rancisco, que
se faz no tempo do mosto sombra do convento da =rdem 4erceira, de que h' vinte anos sou irmäo pagante, sem grande esperan#a de os meus pecados pesarem menos na balan#a do .ara"so -- que aquilo näo confraria, mas falperra de cordäo -- vai-se, ia dizendo, para o mercado de 5! ?rancisco, e com quem dou eu de cara ao pisar na feira das bestas< 9om o bir bantäo do 4enente! = homem deita-me o rabo de olho e muito na sua com postura -- estou a v-lo de botas altas ?rederica, jaleca curta de alamares, um chapu branco de muita aba, com um vergalho na cova do bra#o, alto, garboso, que era mo#o alentado e bem-parecido, l' isso era, meter pelo meio da ciganada e sumir-se-me da vista! -- HGum@ -- funguei eu -- o Diabo feito ermitäo@ !he LP-L/ 8st's a preg'-laH! Des#o para a feira do linho, e ponho-me a amarrar o machito ao toro dum castanheiro! 8 estava eu a dar a la#ada, de olhos nos senhores padres que l' iam levados em suas garnachas pretas a :, !he L/ esfolar o geral, pumba@ desce um a#oite sobre as ancas do animal, como se fosse a tornar-lhe o troco de tropelia, e oi#o: -- 8stupor, ensinou-te o
amo a coicinhar@< Boi mau em corno cresce! 8ra o 4enente, pois quem havia de ser! 5em me bulir, contestei-lhe: -- 2ue febre lle faz o machinho
na vspera de Camas pedi ao 5r! &bade para me ouvir de confissäo! &joelhei-me a seus ps antes de se paramentar para a missa e varri da alma a ciscalhada e dois ti#+es que a encardiam! = dia bo que o negócio foi soado por novo e nunca visto, tratando-se dum bonifrate como eu! Br"zida, j' porque tivesse rumores do desafio, j' porque me visse mais salamurdo do que meu natural, concluiu que de alguma empresa grave se tratava e noitinha esperlu%ou-me: -- .ara onde a jornada< -- .ara &veiro, menina@ )äo reparaste h' migalho no cu< A' sabes, vermelho para o mar, aparelha o burro e vai ao sal! De resto, estäo porta as matan#as e näo h' pitadinha pelos povos! -- Gomem, näo sejas tra paceiro! 4u vais mas feira de Camas encontrar o 4enente da 9ruz, com quem andas despicado!!! -- 8u<@!!! 8u<@!!! 2uero l' nada com semelhante pirata<@ )em a bem nem a mal! -- Cembra-te que tens mulher e filhos!!! -- .ois por essas e outras que näo quero me#as com ele! 4er#ä o parta l' longe, que h'-de morrer a dar coice@ )a alva, lavei-me, aprontei-me e fui cama dizer adeus mulher, só adeus, que um cavalo que h'-de ir guerra nem corra lobo, nem o
abane gua, e dar um beijinho na menina! &ssim que vi a inocente a :, !he L0 dormir mais quietinha que um anjo, veio-me um solu#o aos gorgomilos e, sem querer, desabafei: -- Deus sabe se a tornarei a ver@ 2ue tal disseste<@ Br"zida agarrou-se a mim a chorar: -- Gomem da minha alma, que me enganas@ 4u näo vais para &veiro<@ -- ;ou, minha santa, vou! -- )äo vais!!! ;ais para Camas e diz-me o cora#äo que näo voltas!!! -- ;ou para &veiro!!! os caminhos säo compridos!!! h' assassinos pelas encruzilhadas! -- .ara que dizes: Deus sabe se a tornarei a ver< -- .or isso mesmo!!! maneira de falar, que a morte certa e a hora incerta! C' reza o prudente: aos olhos !he L0-L7 tem a morte quem no corcel passa a ponte! -- Aura l'@ 8 jurei, pois antes que brar a palavra por bem-querer que quebr'-la por cobardia! & cavalinho no macho, trupe, trupe, foi-me alvorecer para l' do ;ouga, vista dos carvalhais de Camas! 8stava uma manhä muito clara, destas manhäs de =utono em que o sol como boi tou-
ro, mal castigado da aguilhada! Ks duas por trs, marra! 8, palavra, com o cu aberto, a terra toda a revessar alegria, preciso for#a de nimo para caminhar para um precip"cio! Mas o que Deus quer e avante@ :, !he L7 2uando cheguei feira, j' andava tudo numa dobadoira: os cortadores a esquartejar as reses, os ferradores a ferrar, os burros a zurrar, as fidalgas a apre#ar com ar de näo presta, no meio duma algazarra de vozes, um a#ude de sons, quanto bonda para se avaliar que o negócio bate o auge! Deito os olhos por largo e quem avisto eu< = 4enente da 9ruz! 8stava em grande relambório com uma tropa fandanga de caras tortas e maltrapilhos, que ningum gostaria de ver de noite volta de sua casa! 5e eu näo soubesse quem ele era, filho de boa fam"lia e com os seus teres, homem alto, desempenado, bem vestido, ia dizer que estava ali o capitäo duma quadrilha do olho vivo, destes que guardam de assaltos e roubalheira a parte de leäo e däo aos sócios o rebotalho! Diante de tal choldra que me deu logo o cora#äo baque que estavam ali !he L7-L para me chacinar! -- Boa vai ela -- pensei eu! -- 5äo mais que as mäes!
Dei%'-lo, quantos mais melhor, menos caem no chäo! 8ndireitei para a venda da Bicha beber meio quartilho, e logo os bargantes me sa"ram a caminho, de travs, mas arreganhando a tacha! 6m botava uma cantiga, que trazia sobrescrito, embora fosse de mal notada carta, outro sapateava o fado com grande esparrame, avan#ando e vindo s arrecuas at me tocar, todos s upas e urros: ;iva o 4enente da 9ruz@ ;iva quem cavalheiro@ :, !he L )äo me dei por achado por mais que o escabeche fosse despropositado, e pude de meu passo meter taverna, onde, em vez de meio, bebi um quartilho com duas dentadas de broa! 2uando ia a pagar, disse-me a vendeira: -- = senhor &ntónio näo saia l' para fora que o querem matar! 8ntre para aquele quarto, que desta porta para dentro sagrado! &pontava-me o interior da moradia e eu perante a sua lisa franqueza lhe respondi: -- Bem haja, tia Maria, e mais lhe agrade#o saber que näo estou em terra de mouros! Mas aqui näo h' medo! Muitas vezes um cristäo, se defende a vida mais que uma saca de dinheiro, porque a vida naturalmente um depósito! Deus lho confiou, a ele, só a ele, tem de o res-
tituir! -- 1sto de vinte contra um näo me cheira bem -- tornou ela! -- Mas j' que assim homem desenganado, o .adre 5anto &ntónio lhe estenda o !he L-LE seu divino capote! 5aio para a rua e vejo-me logo cercado pela roda de caceteiros! &lguns conhecia eu de ginjeira: o 5amarreiro, de 5eg+es, que evacuava as balas que lhe metiam no fole como aos caro#os das azeitonas$ o 9arlos )egrola, de 9ota, tantas vezes condenado, que parecia mesmo um rato das en%ovias$ o >anheta, da .óvoa, com morte de homem s costas$ o .iläo, :, !he LE do 9arvalhal, gatuno refinado e incendi'rio$ o T .iranga, de 9infäes, que vivia da vermelhinha e do que zar pava aos pacóvios, etc! etc! = )egrola apontou-me ao bando: -- 4emos de matar este cäo para haver paz no mundo@ -- A' dizia o meu av3: de sangue misturado e de mo#o refalsado livre-nos Deus -retorqui! -- 5e queres mostrar que s täo escarumba por dentro como s por fora, avan#a que eu abro-te ao verde!!! -- Mate-se@ -- regougou o 4enente! -- 8st' dito, mate-se@ = testamento do pobre escreve-
-se na unha do dedo mendinho! >apo da foice que trazia na algibeira da vstia, enca bo-a no pau e, depois de me benzer, tra#o um c"rculo em terra a todo o largo: -- rapazes, para dentro deste risco, mando eu$ para fora, j' que assim o quereis, mandais vós! 5e algum perdeu o amor vida que se afoite@ -- e postei-me em posi#äo de varrer! -- Mate-se@ Mate-se@ -gritavam em redor, mas passar a linha nem tanto como a !he LE-LI grossura dum alfinete! 8rguiam olhos para a foice, viam-na afiada e a luzir e tinham-lhe respeito! )äo que era o mesmo que correr degola@< -- 8scache-se-lhe a alma@ -- &migos, uma só! Deu-ma Deus, para ele a :, !he LI guardo! 5e entendeis que näo, botai frente, e tira-se a prova@ -- Mate-se@ Mate-se@ -e ia crescendo o burburinho e ajuntando-se a feira! 8u tinha em ponto de mira o 4enente, como o frade da anedota, contas na mäo, olho no ladräo, que j' o toscara por duas vezes a fazer-me o pau: atiro-te, näo te atiro tola! H= primeiro a cair s tu -- assentei para comigo! -- 5im, quando houver de me decidir, por cima do teu
corpo que tenho de passarH! 8le parece que compreendeu! ;i-lhe o olhar embaciado e näo sei que tremura na boca como cristäo-velho a rezar o *-porta-infra*! 4razia pau argolado, um rico pau de marmeleiro com a choupa e ponteira a luzir, mas os mais estavam armados a trou%e-mou%e, vara de castanho e at a haste do carripoto, que cortam nas nossas terras para estadulhos! )ada mais que por isso acusavam o ar desenvergonhado de roga! & Austi#a mo levaria em conta! 8u, entrementes, es pecara, que o 4enente dera um passo atr's, chamado por um homenzinho que se p3s a falar-lhe orelha, e os quadrilheiros moderaram-se na sanha que os movia! .ela feira que o alvoro#o era cada vez maior e de todos os !he LI-LL lados se viam corrima#as! &cudia o povo e bem se me cortava o cora#äo! 9omo rom per aquela mó de gente, se houvesse precisäo de pular< :, !he LL ?oram-se arrastando os minutos e eu firme espera do assalto como um castelo! & minha esperan#a era que, acutilando dois ou trs, a malta dos tesos tresmalhasse! )as pernas me fiava eu! &ssim que me pilhasse no monte que h' entre o 9arvalhal e 2ueiriga, monte mani-
nho onde näo medra feto nem canta p'ssaro, tudo cascalho afiado como lan#as, onde eu queria ver os ministros esgarrados que de sorte voltavam a fazer mal, a salvo estava eu dos matadores! & questäo toda era dar o pulo na devida altura e pireza@ Mas: mate-se@ mate-se@ vejo vir uma cabe#a de cima do alevante! 5ombreada pelo chapu bragus, só lhe luziam as su"#as e primeira näo conheci quem era! ;inha apartando o monte cotovelada e breve rompia at a fila dos brejoeiros! 8 entäo deu-me um berro que soou ali como o urro dum leäo! <o como uma torre, täo for#udo que erguia um carro de tojo se pusesse ombros ao chedeiro, jaquetäo de peles, olhos mansos, mas destes que despedem chispas com a fFria, quem podia ser senäo o Bernardo do .a#o<@ -- 2ue h'< 2ue h'< - bramou por duas vezes com a sua voz de troväo! -- 2ue h'-de haver, Bernardo<@ -- respondi eu! -6m bando de milhafres para espatifar um pardal! -- 8 s sozinho contra !he LL-LN tanta gente< -- 8 mais näo tenho medo! :, !he LN 2uando isto ouviu, o Bernardo que era a modo dum alcaide por todo o ;ale de
?erreira, täo temido pelo pulso como pela considera#äo que gozava, tratou de se inteirar com este e aquele do que houvera! 8 quando se achou esclarecido voltou-se para o 4enente: -- >aios te partam que näo tens vergonha nenhuma na cara estanhada@ 6m homem, que se preza, capaz de tal indecncia<@ = 4enente ouri#ava-se todo, sem lhe tornar res posta! -- 5abes o que te vale< J ter-me j' sentado tua mesa! 5e näo fora isso, havia de te torcer o pesco#o como a um frango! 8nvergo!he LN-NP nha-te, 4enente, envergonha-te@ 4razeres uma roga destas para um fraca-chicha@ 8m resposta o 4enente contou dos seus agravos, um dos quais -- h' que anos isso fora@ -- era eu ter-lhe engazupado Br"zida! = Bernardo retorquiu-lhe: -- Gomem por homem, a" o tens@ C' se avenham! &gora peitar uma dFzia de bandalhos para dar cabo dum homem, para mais uma verg3ntea, reles!!! borrares a cara bem borrada@ 8m volta, os marmanjos, ou porque näo soubessem com quem estavam a tratar ou porque o ajuste fora estrafegar-me, conservavam o jeito de arremeter! = Bernardo al#ou o bra#o:
:, !he NP -- Cargueza, corja de bigorrilhas@ -- 4enha l' mäo, senhor@ -- dizia-lhe o T .iranga! -- )äo sabe que est' aqui um matador de faca< G'-de amargar hoje as safadezas que tem praticado!!! = Bernardo p3s-lhe a mäo no touti#o como se faz a um menino e, meio a brincar, afocinhou-o para a frente: -- >apaz, näo me moas a pacincia@ Desaparece-me, que te näo dei%o osso direito! & roda, quando os caceteiros isto ouviram e se com penetraram de que o negócio estava furado, rompeu-se, e cada um se esgueirou para sua banda! ?icava só o 4enente, muito amarelo, agora todo engrifado! 6m velhote de bar bas at ao peito agarrou-se a ele: * filho, tu s a minha vergonha@ .elos vistos, queres a minha morte<@* -- e ti!he NP-N/ rou-o dali a gaguejar, a cada enconträo que levava dando dois passos frente e um atr's para fazer crer, imagino eu, que só desviado for#a näo jogava as cristas co migo! 8, modo ainda de esca pulir-se pela porta da fanfarronia, rompeu numa ladra#äo que näo percebi bem no meio da balbFrdia e que se permitia, est'-se a ver, sentindo as costas no seguro!
6m tanto toa, fui-lhe dizendo: -- 2uando quiseres, meu banana, estou s ordens@ Manda dizer em que descampado nos havemos de encontrar!!! :, !he N/ -- Dei%a l', Malhadinhas, dei%a l'@ -- arrazoava o Bernardo! -- J um canalha! .or fim o povo punha-se todo minha banda! ;iva e mais viva, tinham-me armado um cadafalso, sa"a o herói da festa! = Bernardo pu%ou-me para a venda da Maria Bicha, que ficava mal se näo bebssemos sossega! De mäo na mäo e de olhos nos olhos, disse-lhe: -- Bernardo, tens aqui um irmäo! 8 ele respondeu-me: -- 4ens aqui outro! -- .r vida e pr morte@ -- .r vida e pr morte@ 8 com amigos e amigos dos amigos passou de almude o briol que ali bebemos!
!he ;1
NO
2ue a minha l"ngua era ponteira como a faca que trazia cinta -- murmuravam as bocas do mundo mal consideradas! 9antigas, ó >osa@ & faquinha, assim Deus me salve, tinha uma fun#äo e näo mais, cortar a c3dea, o queijo, a febra do presunto, quando andava de jornada! &lgumas vezes, tambm, arremediava-me a consertar os atafais do macho se o Demo queria que estoirassem! 2uando, por grande acaso, se apartava desta pac"fica missäo, que a minha vida corria perigo e trazer eu a peito defend-la, pois se Deus ma deu -- tantas vezes o tenho dito -- a Deus tenho obriga#äo de a restituir, mas só quando ele for servido e !he NO-N0 mais ningum! 2uanto l"ngua, cortaram-me a trave ao nascer$ mas nunca levantei falsos teste munhos, nem acoimei de curta mulher honrada, nem de cornel sujeito que näo tivesse testa para marrar! uar-te de ho mem que näo fala e de cäo que näo ladra, por isso eu sempre falei, falo e falarei franco at morrer, pois se nós o :, !he N0 temos no pensamento, acautel'-lo da boca só por ronha ou cobardia! Mas onde eu punha epit'fio, ca"a mais certo que os nabos no advento! =nde cor-
tava nos HpodresH que os podres buliam com Deus e com os homens! Ks vezes valia mais que lancetar um leicen#o! ;alia@ 8u lhes conto um passo assucedido, pelo qual, se o .ai do cu se näo esqucceu de o apontar no livro da glória e a remissäo certa, do pecado mais taludo estou quite, ainda que me näo morda nenhum de monta! .ois oi#am, meus fidalgos: 6m entrudo, quinta-feira mesmo das comadres, boca da noite, o Bisagra desafiou-me na venda do T .into para jogar uma partida de chincalhäo! ;ossorias sabem: o Bisagra era senhor duma destas galhaduras, mais formosas, compridas e retorcidas como näo h' memória que andasse armada a testa dum serrano! Mais abundante nem paliteiro com os palitos, e assim falada nem a porca de Mur#a! 4äo coitadinho, que seria caridade dizer-lhe ao passar um portal: bai%a que marras@ & mulher era fmea de alto l' com ela, sempre mais !he N0-N7 frescal que alface, requestada de fidalgo e de padre cura! .eg'mos das cartas e o ladräo com a fel"cia toda, o sortalhäo que dizem próprio daqueles a quem sobra o que falta s cabras mochas@ )a cova da mäo, sempre :,
!he N7 o cinco de oiros, a espadilha, o cinco de paus, levantou-me em catrfia seguida quatro quartilhos e um bolo! .aguei, mas bufei, que mandinga da sua condi#äo e näo a jeito nem sorte honesta atribu" eu, e comigo todos quantos ali estavam, aquele desaforo a ganhar! 8, maneira de desfor#o, fui chasqueando nesta voz pausada que Deus me deu, pela qual alguns mequetrefes, nas minhas costas, me comparam bezerrinha mansa que em todas as vacas mama: -- 8ste Manuel o que se chama um regaläo! Bem co mido, bem bebido, mais fresco nem o nosso abade@ .ois olhem, do mesmo ano que eu, mas ningum o h'-de dizer! =s trabalhinhos estragam mais que o tempo@ 5empre a arrotar pescada, a este felizardo só falta cartola e bengala! &s fmeas que däo cabo dele! >aios o partam, com uma mulher daquelas, tudo o que h' de mais liró, e näo tem nojo de ir .reciosa@ )äo te basta a 9laudina, maganäo< &h 9risto, eu, se pilhasse uma mulher assim, estava-me ninando para as mais@ 4ambm estou velho, l' na Br"zida dou um beijo quando dou!!! = Bisagra ria, muito ancho da canada que me bebera e das palavras que eu proferia, !he N7-N
e lhe sabiam täo bem como o vinho, e a roda estava maluca de alegria com o entremez e o ver-me com cara de asno, que sempre a cara do pagante! :, !he N Mas vai senäo quando, o Bisagra saiu fora a satisfazer as necessidades ou a revessar a vinha#a, e eu virei de folha: -- 9em cäes o comam para chavelhudo@ ;ai bostiqueira da .reciosa porque a 9laudina lhe diz tó-ru#a$ guarda-se para os outros, para os figuros, para quem ela quer! 9ornambana do inferno@ 5e fosse a mim, ia-me a ela, e, ó menina, ou s minha mulher a valer ou te pico aqui a barriga como cebola para o refogado!!! &cabava eu o responso, e näo h' pior zombaria que a verdade, o Bisagra que aparece no tra#o da porta! 8, a abanar a cabe#a, cresceu para mim, mas sem arrogncia, que eu ainda tinha a faca na unha para mostrar como se picava a mou#ó da mulher! -- 8ntäo ela diz-me tó-ru#a@< &postamos uma quarta de vinho em como te enganas! 2ueres< )äo queres< &nda comigo e vais ver! Gomem, um cntaro de vinho!!!< >i eu, riram todos do desconchavo! Muito aceso, o Bisagra continuava a protestar e a pedir aposta, e eu perdi a pacincia:
-- 5abes que mais!!! nisga@ 8u repito o que dizem as bocas do soalheiro! 5e s homem, melhor para ti, mas ainda o näo disseram trs doutores@ -- 5ou homem!!! 5afado dos safados, vem ver@ -- e fazia jeito de me levar! :, !he NE 5acudi-o e ele desandou afinal, a mesma toada na boca, pelo largo da feira arriba: -- 5ou homem, conho@!!! 5ou homem@!!! Desapareceu e est'vamos nós deitando contas pachouchada, quando se ouviu grande banz: o Bisagra fora encontrar a mulher com o .adre &ntunes da Cousadela e zu pava nos dois como em amassadoiro de linho! ?oi preciso arrancar-lhe das mäos o coroado, senäo matava-o! Mesmo assim, ficou com uma sobrancelha deitada abai%o e mais pingäo e lastim'vel que um dos palha#os que, por folgan#a de carnaval, se tinham esfandegado no largo naquela quinta-feira das comadres! .asso foi aquele que muito aproveitou a toda a gente: a Barrelas porque o castigo !he NE-NI pFblico morigera, a 9laudina porque dali em diante foi mais cautelosa a admitir galantes em casa, e ao Bisagra porque devia ter, ao menos por algum tempo, entrado em posse do que era seu! 8 a"
est' porque da minha m'-l"ngua veio benef"cio ao mundo e eu me julgo forro, no livro da glória, do pecado que mais houver de me carregar quando chegar s portas do .ara"so! J verdade@ 2ue a minha l"ngua era afiada como a faca que trazia cinta -- teimam para a"! Bem haja eu, que nunca dei%ei a minha honra por mäos alheias, nem me esqueci de pagar agravo ou fineza rece bida! & panela em soar, o homem em falar! & l"ngua para amansar :, !he NI as mulheres e homens mulherengos que faziam pouco de mim ou se atravessavam no meu caminho, a faca para rebater os tratantes que me amea#avam o fagote! 5e, devido minha m'-l"ngua, esteve o padre da Cousadela com os ps para a cova, j' contei a ;ossorias como foi! 5e dormiu a mulher do Duarte em len#óis de vinho, eu lhes vou dizer como se deu tal comdia! )o dia de >eis, h' tantos invernos, que só me lem bra ter vindo, por essa altura, uma trovoada medonha que arrasou os campos e matou as aves, est'vamos eu, o Meses regedor e o &lbino alfaiate, sentadinhos ao soalheiro, no cabe#alho dum carro, a gozar o ripan#o do dia santo e a dizer mal do bispo! 9hegou-
-se a nós o Duarte, e v' de cigarro, v' de amenidades, !he NI-NL disse-nos: -- rapazes, tenho l' um vinhinho, o peda#o dum palhetinho, que at fica a rezar nas goelas uma mFsica celestial! 5ó queria que prov'sseis!!! -- 5e ele isso -- redarguiu o &lbino, que tambm näo era homem para se fazer rogado -- a opera#äo boa de fazer! -- 8ntäo vinde, vinde be ber um pucarinho de Molelos -- tornou todo franco, abrindo marcha! = Duarte morava para o =iteiro na casa que chamam do 5argento-Mor, e pela obra de silharia e os :, !he NL tectos em masseira uma das sete maravilhas da nossa terra!!! 5ete maravilhas, sim, senhores, e eu digo quais elas säo! & primeira a armadura do Bisagra$ mais frondosa nem a cabe#a do cervo-real! & segunda o bandulho do &lbino, que semelhan#a de todos os odres tem a boca ancha e, ao contr'rio dos de mais odres, näo h' vinho que o farte! & terceira säo as chinelas do tio >ela em bezerra branca, que viram Cisboa no 9enten'rio de 5anto &ntónio, entraram no Ministrio do >eino e vol-
taram a penates para figurarem no auto que aqui haja de se representar do 5enhor Auiz de Barrelas! & quarta o pego da .onte das 4'buas, que näo tem fundo! & quinta säo as trutas desse pego que säo maiores do que as galgas do .adre ?arrusquinho, que at de boca fechada mentia! & se%ta a nossa igreja com obra de ta!he NL-NN lha como näo h' em .ortugal, e a cruz de latäo do tempo do >ei ;amba! & stima a casa de que lhes estou falando com esconderijos contra ladr+es e miguelistas, en%ovia, cisterna empedrada, que ainda viram estes olhos que a terra h'-de comer e os senhores j' näo veräo! 8 näo veräo, porque veio um selvagem e deitou tudo a terra para fazer um chiqueiro! Mas, como ia dizendo, o Duarte, que era um homem li beral e fala-barato, convidou-nos de täo boa gana que larg'mos do abrigo do >amalhal, onde :, !he NN est'vamos a tomar o sol, atr's dele! )a adega, com broa dos tabuleiros, täo rescendente que consolava, e uma lasca de presunto, que bailava da trave dependura, casc'mos-lhe! 8st'vamos nós na santa fun#äo, apareceu a mulher do Duarte! 9onhecem-na com os
dois plos virados no quei%o como anzóis e umas canelas sempre täo negras e magras que at parecem flautins para os cäes@< &rreda@ & homem ruivo e mulher barbuda de longe os saFda! -- ?ogueira parta os b bados@ -- come#ou logo a gritar! -- 2uem quer o fole cheio, v' taverna e pu%e! 8ste homem h'-de desgra#ar a casinha!!! Mas dei%a, mäos rotas para os amigos!!! os amigos häo-de lhe arrancar os olhos e verter 'gua nas po#as@ = &lbino, posto que ho mem correntäo, ficou varado$ o Meses, com a vergonha, p3s-se mais vermelho que o palhete! &diantei-me eu a !he NN-/PP fazer face serpente com as manhas que me ensinou o .adre Aos ?arrusquinho: a quem te der uma p'ssara, d'-lhe a sua asa: -- ;iva l', tia Aoaquina, viva l'@ 8ntäo sempre na lidairada<@ Duarte, chega-me uma canequinha aqui tua mulher! ;', que governadeira assim nem de encomenda! 9achorro da sorte, podias pintar-te com ela num ret'bulo@ .odias, que to digo eu@ 5em uma mulhera#a destas estavas de pernas ao ar! :, !he /PP -- = tio Malhadas sempre tem coisas@ -- disse ela, quebrando a fFria!
8 eu no meu srio, sem pestanejar: -- ;ossemec mulher das de bom tempo@ Aa näo h' desse barro! )äo h', näo senhora@ &h@ que se a minha Br"zida morresse e a tia Aoaquina enviuvasse, bem sei onde ia bater@!!! Deus ta guarde por muitos anos e bons, Duarte, que a näo mereces! Mas, entäo, saboreie l' o seu vinhinho!!! J uma pinga de estalo, l' isso , quem o negue capaz de negar as 9inco 9hagas! -- 8st' bem, bebo, mas primeiro h'-de beber vomec!!! -- &i näo, primeiro quem est' primeiro: a senhora da casa! & minha sede tambm näo de sete dias! 9äo de Duarte, que näo sabes apreciar a prenda que Deus te deu@ -- )äo ateime, bem haja!!! -- 1sso que ateimo! G'-de beber connosco!!! .us-lhe a caneca bei#a!!! !he /PP-/ & mulher bebeu e passou-ma logo, muito pronta: -- ;', tio Malhadinhas, beba e beba-lhe bem@ Beba-lhe e que lhe preste@ -- 4ivesse eu sede, mas nem ra#a@!!! )äo ateime!!! =lhe que lhe fico agradecido na mesma!!! ;alha-me Deus@!!! 5e lhe pego para fazer a vontade!!! para näo
parecer desfeita! 9äo de Duarte, que :, !he /P/ näo sabes dar o galardäo a quem o merece! K sua saFde, tia Aoaquina@ -- K sua e por muitos anos e bons@ 8u e o &lbino emborc'mos aquela caneca! ;eio outra! -- )äo tenho mais apetite, bem haja@ -- julguei-me obrigado a dizer para uma terceira, como quem reza um responso! -- ;', com uma lasquinha de presunto!!! -- tornou ela, e foi despendurar do tecto a p' do porco! &finf'mos-lhe de grande, e eu sempre na ladainha: -- 8sta tia Aoaquina p+e o ramo! =lhem-me para ela: o espelho das donas de casa@ G' a" no povo melhor< 1sso h' ele, nem por todas essas 8uropas do mundo@ )em que acendessem um archote a procurar! 8 a burgessa mais e mais enchia os ricos pucarinhos de Molelos e nós pingueiros como cachos! Mas bai%ou a noite e a criatura girou vida, que j' os porcos chamavam do cortelho pela vianda e punham mais esparrame que uma filarmónica emborrachada! 8 entäo chegou a vez de eu me vingar das vozes de bbado e caloteiro com que ao intróito !he /P/-O nos brindara! = Duarte es-
tava meio tocado$ embora, a palavra, como a lan#a, longe alcan#a@ -- >aios te partam, homem -- disse-lhe eu -- mais :, !he /PO aldrFbia que meteste em casa! )äo viste o espalhafato com que rompeu@ Mil dia bos a levem mais barca que para c' a passou@ 1rra, irrório, senhor regório@ 8u c' se fosse a ti, ó Duarte, chapa batida, chapa gasta, dava-lhe todos os dias, ao deitar e levantar da cama, uma sova de criar bicho! .ois ele pode haver maior colondrina por esses mundos fora< 8 andas tu nas mäos dela como um frangalho<@ 4er#ä te coma, Duarte, mais bochada de carneiro que Deus te deu@!!! 8, porque torna, porque dei%a, ali fiz a cama mulher! 8 täo bem feita ela foi que Barrelas toda, hora de ceia, foi alvorotada com os gritos da Aoaquina! Mas dia foi esse que o Duarte passou a ser rei na casa em que só havia mandona! 2ue a minha l"ngua era ruim e envenenada< &" est' o seu malfazer, endireitar o mundo que andasse torto! Dela näo temo as contas que hei-de dar a Deus porque ainda que a minha voz näo seja como a ronca do abade do 4ouro quando canta os latins, de falsete só no
nome! )o mais foi, , e sem pre ser' leal-verdadeira!
!he
/P0
;11 2ue a minha faca era afiada e leveira!!! 5e afiada a trazia, muitas vezes tive pena de näo ter mäo a catana de Durandarte! G' encontros na vida e pendncias que um homem honrado näo provoca nem espera, e que só se resolvem de pulso rijo e botando as unhas a uma arma! & faca, mesmo assim, nunca a saquei para homem cordo de gnio e liso nas contas, nem para jagodes pobre do ju"zo ou com 'gua chilra nas velas! Destes tinha dó, se que näo era nojo, e arredava-os com a biqueira do sapato! 4ambm nunca por nunca a saquei sem qFe, picado ou atro pelado, me näo conbesse levantar despique ou lavar a cara de algum en%ovalho! !he /P0-7 )isso a minha folha de &lbacete era escrupulosa como a espada do capitäo-mor de .era e .eva, que, dizia o Mestrinho da 4abosa, nunca sa"a da bainha sem causa nem entrava na bainha sem honra! Ks vezes ia embai-
nhar-se na barriga dum velhaco, sem dar os trs estalos da lei nem se lhe ver o a#o frio a relampejar, verdade@ Mas da guerra, meus senhores, da guerra dissimular o ataque e por nada deste mundo dar senha ao :, !he /P7 inimigo! ingar, fadistar, deit'-la na mäo aberta, a l mina entre os dedos e o cabo a fugir pelo pulso para o canhäo da jaqueta, foram artes que näo me lembro se aprendi, mas, se aprendi, näo se me amoldavam ao gnio! Mandava-a quando podia, muitas vezes com o inimigo desatento, mas l' negacear nunca! K face de Deus, vinguei-me sempre com limpeza! & faca arma feia e cruel, est' certo$ mas se em vez de naifa eu trou%esse um punhal com cabo de prata$ se em vez de almocreve fosse um desses senhores D! aifeiros de que rezam os rimances, eu queria ver se algum erguia a voz a acoimar-me de desalmado e o padre &ntunes da Cousadela me mandava em bora do confession'rio, sem absolvi#äo, como fez uma 2uaresma com a igreja cheia de gente para o confesso! &o tempo, tambm, ainda näo havia essas pistolinhas s'bias que o pndego tocar no gatilho e estäo sete bal'zios ferrados no canastro dum pulha! = pau defendia-me de
cäo, de malta frente a fren!he /P7- te, mas para jogos de falsa f e pessoas de mau sentido näo havia como a faquinha! = mundo j' o encontrei assim formado! )äo era o filho de meu pai, com poucas letras e nenhumas posses, que era ca paz de o consertar! &gora tambm lhes digo: se o grande fosse valente, o pequeno paciente, e o ruivo leal, a terra seria um pombal! &cusam-me de muitos desaforos, mormente dessa :, !he /P ri%a de &veiro em que um ho mem, o ?ontinhas, foi näo sei se adubar a terra antes do tempo, se para a enfermaria!!! )äo essa que mais temo quando me chamar Deus a ju"zo! G' que mundos isso aconteceu, pois nunca me picou = remorso, nem mesmo co mo a paragana que, tantas noites, s voltas que um cristäo d' no catre com os cuidados ou uma dor, fura da en%erga para os len#óis e morde mais que uma pulga! 1maginem ;ossorias que um dia eu e meu sogro bot'mos at &veiro no negócio, os machinhos frente, por a" abai%o, täo santamente como nós! 9omo cheg'ssemos cidade j' tarde, toca de acomodar os animais na estrebaria da estalagem e de pu%ar da merenda, que a estirada fora comprida e fizera um calor de
rachar! 8st'vamos nós trincando o nosso migalho de päo com chouri#a, chega o ?ontinhas, almocreve tambm como nós, com um rompante, 5ant"ssimo 5acramento, nem que fosse mo#o de sege do bispo@ = homem vai-se direito estrebaria e deu de cara com os nossos machos! &s argolas, que l' lhe pareciam as melho!he /P-E res, estavam tomadas por eles, e em vez de se confor mar, que chegara depois de nós, näo senhores, rompeu logo aos roncos! 8stou a v-lo de lampiäo ao alto, a fai%a a desbarrigar-se-lhe da cinta, chapu rodado a pender para a orelha, jaleca curta, por su"#as uns belros de lä, que pareciam manchocas de musgo: :, !he /PE -- De quem säo estes machos< ?oi meu tio &gostinho que lhe respondeu, porque, alm de saber a fraca rs que tinha diante e temer-se duma ri%a do homem comigo, por nimo era pronto a dar raz+es e a aceit'-las: -- 6m meu, o da cal#a branca$ o outro, de meu genro! -- .ois tirem l' os machos para fora!!! e j'@ -- 4irar os machos@ 1sso que näo tiramos! & estalagem de quem vem! ;oc algum rei
-- 8stas argolas, desde que me conhe#o, foram sempre as minhas! .ercebe< 5e percebe, homem, desate l' os machos, senäo desato eu, e toco-lhos daqui para fora a toque de cai%a@ -- )unca tal ouvi!!! -- .ois ouve-o agora! ;äo machos e vai voc! 8 se me refila, at lhe arrebento a alma!!! -- 8ssa agora@!!! -- A' disse@!!! 4ira os machos
lha: -- K-dSel-rei que me mataram@ K-dSel-rei@ 8spetou-se na navalha, fiz algum gesto toa, dei l' conta como foi<@!!! Mas alvoro#ou-se a estalagem e prenderam-me! )o meio do burburinho, j' debai%o de galfarros, pude dizer a meu tio: -- 5afe-se com os machos, homem@ 2ue est' a" a papar moscas< 8spere-me l' para o 8i%o! 5e näo me vir por estas duas horas, reze-me por alma! Auntou-se o povo e veio o regedor, que pol"cias näo havia ainda na terra quele tempo! 8, vendo-me no meio dos cabos, atiravam-me cara com dichotes deste jaez: -- 1sto traste da 4erra 2uente!!! =lhem-lhe para a tromba! -- meus senhores, eu c' näo nego o ber#o$ sou duma terrinha para riba de ;iseu, fria e feia, onde näo vinga oliveira, nem laranjeira, nem !he /PI-L uva de lagar! .ior näo haver', mas nós todos vivemos na lei e gra#a de Deus! )äo a primeira vez que )ossa 5enhora aparece aos pastorinhos nos nossos montes!!! :, !he /PL -- 4erra de cordeirinhos, est'-se a ver pela rs que tu s@ -- 5abe Deus quantas
mortes tem s costas@ -- =lhem para ele: cara mesmo de malvado@ 8 eu, pudera@ com l'gri mas na fala: -- , meus ricos senhores, olhem que se tenho cara de malvado näo o herdei de leite@ 5ou filho de boa mäe!!! e näo me pesa na conscincia, at data, ter feito mal a uma mosca!!! -- =h que patife@ MelFrias ele, assim tivesse o cora#äo@ 8sfaquear o ?ontinhas, um homem täo amigo do seu amigo@ -- 8u< 8u nem com um dedo molhado lhe toquei! -- Mas tocaste-lhe com a naifa@ 8la est' ali, de ponta e mola, mais afiada que uma navalha de barba, que o confessa! -- ;alha-me Deus, pobre de quem nasceu com m' estrela@ .obre de quem se v sozinho no mundo@ 4ambm 9risto foi cuspido e vaiado e entregue a 9aif's e padeceu morte afrontosa sendo justo@ 1h@ 1h@ 1h@ -- ?alas de santo, unhadas de gato! -- & morte me coma se toquei em tal homem! -- 8 est' na agonia!!!<@ -- )äo sei, näo tenho culpa nenduma! = homenzinho ia por l' a cortar a arreata, apagou-se a candeia :, !he /PN näo sei como nem por que jeito, e aquilo feriu-se no
gume!!! ?iquei nas mäos dos cabos de ordens e, uma boa hora andada, for#a de me verem chorar, confranger e protestar inocncia, alargaram o c"rculo que faziam em volta de mim! Depois de levantarem o ?ontinhas, l' porque eu lhes parecesse maricas no gnio, come#aram a fraguar co migo, perguntando-me pela mulher e filhos e donde era e donde näo! 8 a tudo eu res pondia no tom mais apied'vel que podia pu%ar das entranhas para a garganta! -- 4emos de o conduzir para a cadeia -- proferiu o regedor, olhando-me de face! -- 8st' bem, meu senhor! Cei lei! Mas eu só lhe queria pedir um favor!!! 8ra que me dei%asse agradecer a !he /PN-/P caridade desta boa gente, a come#ar pelos senhores cabos de ordens, que säo pessoas honradas e de peso e amanhä häo-de ser pais de filhos, e ningum sabe para que que a gente os cria! -- Diga l'!!! 5e estiver na minha mäo!!! -- 5e est'<@!!! 8ra dei%ar-me mandar vir uma pinga para beber aqui com a sociedade! -- Gomem, guarde o dinheiro$ pode-lhe ser preciso! .u%ei da bolsa e fiz chocalhar as libras contra a palma da mäo: :,
!he //P -- Couvores ao 5enhor, aqui ainda h' para obsequiar os amigos@ ;eio a pinga, um cntaro de palhete, deste palhete das margens do Däo, que parece veludo no cu da boca e um homem sente fugir pela goela abai%o vivinho e 'gil como um lagarti%o para a sua lorga! 8le de tal ordem que at anda numa loa: päo com olhos, queijo sem olhos, e vinho que salte aos olhos, e tudo trom bou, o regedor, os cabos, as mulheres do regedor e dos ca bos e os meninos dos mesmos! 8las, as mulheres, cele bravam o meu rasgo liberal com admitir que o almocreve se pudesse ter cortado involuntariamente e que )ossa 5enhora das &reias havia de fazer o milagre de lhe restituir a fala para contar a verdade verdadeira! 8 j' nos viam na fresca da ribeira, ele a pintar-se num ret'bulo, a mim, caminho da terra, com uma cestada de ovos-moles para a mulher e filhos! 8 eu, muito contente, estava em notar a uns chochos de todo, !he //P-// a outros mais pesad+es e lor pos que patos na engorda! Mais uma saFde, mais umas lrias, um que chama daqui, outro chama dali, a noite estendeu-se pela localidade, e os cabos dei%aram-me de banda com o cntaro vazio! 2uando de tal me aperce-
bi, saltei por cima do regedor, torto de borracho, rapei do estadulho dum carro que ali estava e, depois de varrer o campo com :, !he /// dois molinetes, pernas para que vos quero@ 8m menos tem po do que se pisca um olho, estava de largo! ?oram sobre mim, mas podiam eles l' pilhar-me, lesto como era, lesto como ia com o vinho or#ado para me acender o nimo, e na alma um aguilhäo: avante@ avante@ se näo queres ir apodrecer no chilindró@ )o morro, para l' de fora de portas, luz do luar que ainda me dei%ava distinguir os tarantas a agatanhar atr's de mim, gritei-lhes com toda a alegria dum p'ssaro nas cerejas, com toda a for#a dos pulm+es anchos de liberdade: -- cagarus de &veiro, vinde agora para c'@!!! ;inde@ =uvi-lhes dizer que eu devia ter pacta com o Diabo e dei%aram-me! Dei%aram-me, mas uns quatro anos näo assentei p na terra de &veiro, onde juntei alguma bagalho#a, e as espanholas, que entravam pela barra ou vinham pelo ar, näo sei, me levavam a quebrar a dieta de Barrelas, a jejuadora! Mesmo s cegas, a Austi#a instaurou-me um processo, e eu aceito dares e toma-
!he ///-/O res com tudo e com todos, ainda com o Diabo do 1nferno, mas l' com os ladr+es da Austi#a -- *libera me Do mine*! &gora respondam: D! aifeiros näo teria pu%ado do punhal bem cinzelado contra o perro que lhe quisesse cortar as bridas do garrano< Devido ri%a, os caminhos ficaram-me pois :, !he //O bargados da banda do mar, e com tal o negócio de levar e trazer! &tirei-me vida da lavoira que, a esse tempo, j' possu"a de meu alguns bens ao luar! Mas, amigos, eu lhes confesso, atr's das vacas pachorrentas tinha saudades do machinho, lpido a tropear pelos caminhos de 9risto, das jornadas com a alva, do arrebenta-diabos nas estalagens, copo de verdasco em frente no mostrador de zinco, o polegar em cima do conduto contra a broa, a navalha manobrada pela mäo direita! 8ntrementes, os filhos governavam a casa, dirigidos pela mäe que sa"ra um rei de armas, e pude largar por feiras e mercados em troquilha de cavalos e mais bestas no que, gra#as s boas manhas que Deus me deu, me houve com algum proveito e sempre com honra! ?oi duma destas desarvoradas, na feira de ano de
;ale de la Mula, ao p da raia, que -- longe do meu pensamento -- fui dar com o Bernardo do .a#o prestes a ser esfrangalhado por uma alcateia de ciganos e de espanhóis, de alto l' com ela! 4inham-no num cerco, e os paus apostados sobre ele eram tantos que o valentäo näo sa!he //O-/0 bia a qual havia de acudir! Mas, ah gente@ no meio daqueles negros todos, cabe#a alta, bem escorado nas pernas, o lódäo a ensarilhar täo lesto que nem se via, dava ganas de lhe gritar: -- &", filho de b3Smäe@ &"@ ;ossorias lembram-se: o Bernardo safou-me da :, !he //0 roga do 4enente, correr a salvar-lhe a vida em perigo era a minha obriga#äo! Mandava-me o nimo, que nunca foi peco a agradecer, e que näo mandasse, isto de ver um bicho esfandegado por uma queira de sabujos at na ca#a ao lobo agonia! ?oi encomendando a alma a Deus que me atirei para o barulho, depois de gritar ao Bernardo: -- 4em-te, amigo, que eu a" vou@ 8m menos dum amm, meus senhores, quatro bordoadas direita e trs esquerda, juntava costas ao valente! -- ;amos a eles, Ber-
nardo@ &gora ou nunca mais@ -- disse eu, pois naquele mo mento de surpresa só havia pela frente correr a malta castanha ou morrer! 5entindo-se ombreado, o Bernardo cobrou alento, e o pau dele, por cima das cabe#as, era como mangual numa eira! 4ambm nunca os meus bra#os pareceram täo rijos e o peito mais pronto a servir os bra#os! .aulada neste, paulada naquele, uns em terra, outros pernas para que vos quero, rompemos o cerco! -- =nde tens a besta< - perguntei para o Bernardo! -- ;endi-a -- respondeu!he //0-/7 -me todo afogadi#o, a deitar os bofes, coberto de suor e sangue, que algumas pancadas lhe tinham resvalado tola! :, !he //7 -- Diabo, diabo@ Mas anda da", o meu cavalinho nos levar'! 9orremos ao poldro, salt'mos-lhe em cima e, toca de espora, rdea solta! & malta, entretanto, tornara a formar-se e largava atr's de nós a rugir e a disparar os pistolecos! = cavalinho era galgaz e, eh raio@ eh raio@ só dei%ou de dobrar em &l meida! Mas porta da estalagem caiu redondo para o chäo! -- .odem dar-lhe um tiro no ouvido -- disse o vendei-
ro! -- )unca mais p+e cabe#ada! -- De facto -- proferiu o Bernardo -- tem os peitos abertos! Mas descansa, &ntónio, foi por minha causa, eu pago-te o cavalo!!! -- )äo digas mais, Bernardo, näo digas mais, que j' nem te vejo todo! = cavalinho pateou ao meu servi#o, a perca minha! Dei%a, se se arrastar at casa, bem sei o que lhe hei-de fazer! Descans'mos ali a noite e, com sopas de vinho e boa pitan#a, reanim'mos o animal, a pontos de se aguentar em p! 8, embora mossemos um dia at 4rancoso, o cavalinho l' foi andando! -- 9äo de mim -- maluquei -- se trago o macho näo sofria o dano de vinte libras, que era quanto o =rlando dava pela bestinha no mercado dos quinze! = mulo engolia o estiräo sem tocar com um casco no outro! Mas adiante, va-mos a ver, talvez o =r!he //7-/ lando lhe pegue!!! :, !he // C' cheg'mos a Barrelas, mais mortos que vivos, e o cavalinho manquitando que parecia a cada passo ia acabar seu tropecer! .rendi-o argola para pens'-lo como doente que era, sem dizer nada a ningum! 8u estava certo que o =rlando, mais dia, menos
dia, voltaria a petar, a querer comprar-me o garrano que ficara na loja por um empate de borra! =ra, se bem o pensei, melhor assucedeu! &inda näo tinham passado duas semanas -- j' o animalzinho ia e vinha muito direito para os pastos -- senti o troquilhas porta do uilhermino vendeiro, mais o compadre do 9arvalhal, que tambm andava no negócio! &viso a Br"zida: Br"zida, se vierem perquntar por mim, dize que fui para 4rev+es ao azeite e que, mais hora, menos hora, devo estar de voltaH! 8 desci loja, atirei com os odres para riba do albardäo e, pela porta travessa, de pois, pelo caminho dos quintais, pu%ei o cavalinho para largo! 9heguei atr's da igreja, fui-me aos odres e, sopra que sopra, pu-los mais redondos com vento do que se viessem a estalar com fazenda! Depois orcei-os no cavalinho, apertei-lhe a cilha, e compus os atafais! 9om jeito, em seguida, plantei-me no meio da carga, ps para a frente, e toca de entrar pelo povo abai%o, todo farófia, mais teso que um fidalgo na sua faca! = cavalinho tinha-lhe comido bem, foi bonito$ pelo trote que :, !he //E batia, ningum se lembrava de dizer que estava rebentado do arcaboi#o! &o tropicar
porta da venda, saiu fora o =rlando mais o compadre! 8 gritaram-me: -- seu Malhadinhas@ 5eu Malhadinhas@ ?ingi que näo ouvira! -- seu Malhadinhas@ -- =l', amigos@ -- Des#a c' beber uma pinga!!! -- &gora näo, rapazes! ;enho de 4rev+es, que l' em casa do catano, e estou com pressa de descarregar!!! -- 8ntäo o bucfalo näo pode< -- 8h@ rapazes, com uma capilota destas no plo, trs almudes de azeite e eu em ri ba desde a alva at agora@!!! Mais de sete horas@ -- 8ntäo descarregue l' e venha beber uma pinga! Goje !he //E-/I que h'-de vender a pileca!!! -- .ileca<@!!! )äo me digas mais dessas que at me ofendes@ 8st' aqui uma estampa real! 1de por essas feiras e desencantai-me segundo que vo-lo peso a prata! 8le tanto para carga, como para carro#a, como para cavalaria!!! .ileca@ Gaveis ainda de comer muita rasa de sal para saber o que um cavalo@ -- =ra adeus, adeus, descarregue e volte, homem@ C' voltei e l' lhe impingi o zangaralhäo que o compadre estava ali para rachar a diferen#a! )äo valia dinhei-
ro de cruzes@ :, !he //I &rrebentadinho, arrebentadinho, deitou a alma na primeira ladeira! 8 assim me desforrei da aventura de ;ale de la Mula por vinte e uma amarelinhas, näo contando o alvaroque com que nos em borrach'mos eu e quantos ali estavam de Barrelas, custa como foi da barba longa! !! fim pag negro //I - fim cap vii - linha E
!he
//L
;111 -- 9achorro de mim, se muito dinheiro granjeei, - muito dinheiro derreti por mal-andan#as do gnio e tam bm pelas torpezas da sorte! 6m no vazadoiro dos proces-
sos, outro em peitas e espórtulas, a encher o papo da Austi#a que, semelhan#a das jibóias, só dorme quando farta! Couvores ao .ai de todos, os meus ossos só conheceram uma vez a t'bua dura das cadeias! ?oi quando o 9apa-9avalos de 5endim se veio despropositadamente es petar na minha faca, o grande bbado@ Desde essa hora, to mei-me de tal asco pelas pris+es que, em despique ou penden#a, antes queria ficar no terreiro, sob pena de näo mais me erguer, que dei%ar !he //L-/N p3r as unhas na lapela da vstia! &quela mesti#alha comida de bicharia e varada de fome, com tigelas de lata dependura duma cana, a pescar, for#a de lamFrias, os dez-reizinhos ao passante$ aquelas quatro paredes, estreitas de mais para a minha viveza de p'ssaro, largas de mais para se parecerem com a tumba, com a qual o melhor remdio andarmos conformados$ aquele ventas-de-cäo do carcereiro, a#ulado sempre para os desprotegidos, todo rapaps para os que lhe untavam a pata$ :, !he //N isto de ver a gente c' fora, leva que leva, a lidairar em paz e dia bom, dei%aram-me a aversäo dos despiques e das zaragatas, por mor das quais nunca faltou mamadeira aos
doutores de leis e Austi#a! Deus te guarde de *parrafo* de legista, infra de canonista, etcetera de escriväo e rcipe de mata-säo! .or isso o meu cuchilo quedou muitas vezes adormecido quando devia mostrar-se es perto, e, pelas horas em que näo havia que fugir, muito escriväo, muito delegado e t3dolos da choldra untaram a barba com as minhas ricas trutas e as pernas de vitela sem conto, que deram alma ali ao *;inte e 6m* que as cortava! 4ambm os tempos eram outros! = .aiva näo tinha rincolheira que näo desse um prato de pcscado, vivinho de arregalar o olho, trutas finas e taludas como bacalhaus, bogas e bordalos gordos como lontros! Goje a ribeira parece que levou e%comunhäo! Derrotaram tudo com a coca e a cal virgem, a pontos que !he //N-OP uma fortuna colher l' dois c'gados com que empulhar o quartilho! .ois verdade, se ganhei rios de dinheiro levou-mos a Austi#a, levou-mos a cria#äo dos filhos, que o seio da minha Br"zida carregou como estas vides que trepam s 'rvores e botam cachos que um louvar! 8u c' näo fui falso ao rei! )äo paguei o tributo de sangue com o meu rico lom bo, mas de dezanove filhos que para a" andam quatro deitaram correias de soldado
:, !he /OP dado e um at entrou na guerra preta do ungunhana! >a pazes feros e escorreitos, capazes de partir uma laja com os dentes, todos de cara direita, antes de quebrar que de torcer! &s mo#as que sa"ram umas repitoscas, umas cabroilas, amigas de lu%ar e gastar sabäo com os asseios! .acincia, näo h' grande gera#äo sem santo nem ladräo@ Dezanove, sim senhores, foi quantos a Br"zida botou a este vale de l'grimas, assim f'cil como na fonte sai a 'gua das torneiras! Destes todos, a ra#a j' vai longa! = outro ano, pela consoada, juntaram-se no p'tio, que a casa näo era cabonde para os abrigar a todos! = 5r! &bade viu-me no meio e p3s-se a chalacear: -- Malhadas, pareces o santo padre &braäo@ -- )', 5enhor &bade -retruquei eu! -- &braäo, por modos, foi um grande rascoeiro, se certo derramar casta por todos os andanhos da terra! 8u c' nunca sa" do passadio a que o se%to mandamento obriga o bom e fiel cristäo! 4enho uma, essa me h'!he /OP-O/ -de enterrar! Depois livre-me Deus de a Br"zida se comparar a 5ara, que näo era dif"cil a fazer o seu favor, e a minha boca do nosso santo padre &braäo que che-
gava a mulher ao ?araó e a quem lha requeria! &rreda@ 8 näo minto, sempre guardei respeito minha Br"zida, que, meus amigos, tambm näo era de nimo a sofrer que erguesse olhos a cobi#ar outros! 6ma vez at se quis ir deitar a afogar, só porque se bacorejou :, !he /O/ no povo que eu tinha pacta carnal com a Cudovina da Morte -- conheceram< conheceram< -- assim chamada por ser mais feia que a morte negra! ?oi o patife do Bisagra que alevantou o falso testemunho, mas ia-lhe saindo caro, pois se um dia näo me fura por umas silvas como raposo esparvadi#o, rachava-lhe um pau, bem embora ele os tivesse mais duros e retorcidos que os bois do Maräo! 5empre guardei vnia minha Br"zida, se näo por toda a parte onde prantava butes, aldemenos no povo, que era, antes de ser vila, o mais me%eriqueiro, noveleiro, inventor de galgas que luz do sol medrou! C' pelas minhas rondas de almocreve, o corpo s vezes pedia-me v"cio, se se näo eram os parceiros que me tiravam da devo#äo! )äo raro sucedia virem-me os meliantes com tramóias assim urdidas: -- Malhadinhas, chegou agora a &veiro uma espanhola que capaz de dar um coice
numa estrela! &quilo que mulher@ ;ale um macho macho com a carga em riba! &nda da"@!!! !he /O/-OO -- .ara que me vindes tentar, almas do diabo< -- res pondia-lhes eu! --- 8st' l' a Br"zida espera, coitadinha, e tenho medo de lhe levar o mal ruim! -- 2ual o qu<@ -- tornavam os grandes mariolas! - &quilo mais sä que um pro! &nda da"!!! -- Dei%ai-me c'@ 5e sou bsseis as saudades saudades que tenho dela@ :, !he /OO -- 5audades nas securas, meu amor, d' c' a borracha! 8, na arca aberta o justo peca, l' me arrastavam arrastavam os e%comungados! K volta, ao tocar a testada de nossa casa, bem vontadinha sentia sentia de ir beijar a minha Br"zida Br"zida e ter com ela aquelas pr'ticas de que dizia ?rei Aoaquim das 5ete Dores: H4elhas abai%o, para homem e mulher, de pois que o mundo mundo, melhor brincadeira näo se inventou!H Mas n', contentava-me em estropecer na rua e chamar: -- Br"zida, est's l'< 8la respondia-me da cama, mais repenicada que que uma franga: -- Js tu, &ntónio< 5obe, sobe, que est's a meijengrar< -- )äo, menina, c' vou para 4rev+es vida!!! 5eja
pelos trabalhos que que )osso 5enhor padeceu@ 8 ia, abalava dali a rilhar os dentes, mais raivoso que o .orco-5ujo quando deu trambolhäo do .ara"so! Mas era for#oso dei%ar tempo a que o mal francs florisse ou os meus receios se dissipassem! 5abia depois que a minha Br"zida, pobreta, vinha, mal levantava a manhä, pelo cami!he /OO-O0 nho fora at junto da igreja, acompanhada do rebanho dos inocentes! 8, ao descobrir na areia fofa o rasto do machinho, e%clamava: -- =lhem, meus meninos, olhem, aqui passou o :, !he /O0 triste de vosso pai! 9' väo as pegadas$ foi-vos ganhar o päo, aquele negro@ negro@ 1nformavam-me os vizinhos deste enternecido cuidar e vinham-me as l'grimas aos olhos! 9om remorso, ao mesmo tempo, chamava-me perdido mil vezes, e a Deus e ao Diabo rogava que me sepultassem logo no inferno para castigo da minha sem-vergonha! sem-vergonha! 8 como nem um nem outro me dessem ouvidos -- o que de resto eu j' esperava -- entre o c'lice e a hóstia prometia näo voltar a espanholas ou francesas, fossem elas bem embora mais feras que as cabras do nosso monte e mais cobi#adas que a fruta quando se tem se-
de! Mas os tunantes dos al mocreves frigiam-me: -- >aiSs te pelem, que näo s homem@ 6m pei%äo daqueles, saltarina e cantadeira@!!! 8 o perro de mim l' descia outra vez o al#apäo do inferno! &h@ mas volvidos uns quinze dias de lazareto, ou passante jornada sem fraldas, minha Br"zida, na primeira noite, näo ferravam as pulgas! ?oi assim que dezanove filhos se lhe penduraram ao colo, de catrfia seguida, um a mamar, outro no ventre! 8mbora, gera#äo numerosa uma fortuna, näo sa"ssem ele estouvadas duas raparigas, dando origem ao mal falar das bocas badaleiras! Gaviam de !he /O0-O7 casar e atrasaram-se a escolher homem! 1sto de fmeas säo todas :, !he /O7 as mesmas! Mäe, casai-me logo, que se me arruga o rosto! & 1smnia, que era de fresca e de tenrinha uma filhó antes de fritar, por aleivosia, creio eu, acoimaram de se encontrar com o padre T ?arrusquinho no sótäo da 9laudina! Bem certo que a velhaca da 9laudina, se veio ao mundo, foi para regalar com o seu corpo e com o corpo das pobres doidas os rabaceiros de fraldas$ mas eu
passei muita noitada, a lazarina bem munida de zagalotes, por detr's das carvalhas da feira, espera do gerifalte! &ssim Deus me salve se alguma hora eu ouvi a tamanquinha dela chapejar no escuro, ou o padre saltar os quintais como diziam que vinha topar as am'sias! .ois malhava-lhe dois tiros, ainda que eu seja cristäo-velho e confessado e mais de uma vez ouvir dizer que se näo salva do inferno quem toca em ungido de Deus! 2ue ma pregassem nas meninas dos olhos@< )äo era f'cil, trazendo-os eu täo abertos como gato que anda ca#a! 5e se porquearam juntos, que a terra lhes seja leve, j' ambos deram contas ao <o Auiz dos desgarros da lu%Fria! C' a avaria do Bentinho foi certa$ neg'-lo seria negar a luz do sol, mas ele a" anda tombado sobre a ilharga, como perdigäo que caiu de asa, a atestar que ningum mas faz que näo entale o ra bo! 8la era minha neta e a !he /O7-O afronta mais com os pais :, !he /O do que comigo, mas j' que näo varriam o agravo, tomei eu a cargo faz-lo! Marquei-o, como fazem os not'rios, a ferro frio, e para onde v', tombado sobre a direita, vinte e nove trinta,
vinte e nove trinta, vai contando o troco da velhacada! Deus me perdoe, mais valia t-lo despachado para o outro mundo, que livraria muita criatura de ir fazer tijolo antes do tempo, pois j' ouvi ao nosso doutor que só ele mata mais povo com as mezinhas e %aropadas que todas as pestes juntas! Digam-me de pois se, s vezes, a faquinha, caindo uma polegada mais fundo, ou ladeando um nadinha para órgäo melindroso näo fazia obra de acerto<@ .ois como lhes ia contando, o Bentinho, barbeiro nada mal afreguesado, com as barbas de Barrelas ao domingo, e as dos &lhais s'bado de tarde, nas artes da medicina mestre ouvido e chamado por toda a 5erra, p3s-se a traquejar a minha neta Cu"sa, mocinha airosa de corpo, mas cabe#a de alvloa, amiga de lu%ar, folgar e doidejar! 2uem me estorvou a mim de lhe dar o correctivo< =u os pais porque lho näo deram!!!<@ )äo sabia eu que menina, vinha, peral e faval säo maus de guardar< ?echei os olhos, verdade, julgando que o rapazola andava para o bom fim! 1nda que o of"cio de curandeiro, paredes meias com o de corpo-aberto, me desse volta ao est3mago, pensei que isto de homens fazenda que anda cara, e o ser :, !he /OE
muito debiqueiro neste negócio s vezes desata mal! ;ossorias todos conheceram aquele mariola de ginjeira: bai%o, redondete, falas doces, carinha de pro camos, bom cantador de fados, ham<@ 9om aquela cara e as moganguices, era o traste o ai-jesus das mulheres! ;ai senäo quando, chegou-me aos ouvidos que o badameco se gabava de ter logrado a Cu"sa e jurar e trejurar que outros intuitos näo acalentara que palpar-lhe o amojo e lev'-la ao calv'rio! H4anto ladras, rosnei com os bot+es, que trincas a l"nguaH! Botei inquiri#+es, era verdade! = maninelo encontrava-se com a mo#a no palheiro que o pai tinha para a 4omadia$ eu próprio a vi sair muito ronceira, cautelosa, com a ponta do %aile a disfar#ar o rosto, !he /OE-OI que era um espelho de formosura! ;eio a festa do m'rtir 5! 5ebastiäo, ao tempo das mais faladas pelas redondezas, que dava com a velha Barrelas, durante trs dias, nas pantanas do gozo! & gente confessava-se e comungava e, depois com a alma limpa como quando se toma uma dessas boticadas que aliviam o corpo dos maus humores e o dei%am livre e lesto para os grandes apetites, era comer, beber, pandegar$ mediante a quota de dez tost+es quem quer podia sen-
tar-se ao almo#o e jantar no dia da festa, e ceia, com os crscimos, no dia seguinte! 2uando era mocinho, nunca cheguei bem a perceber :, !he /OI porque havia aquele intervalo no regabofe, jantar num dia, ceia noutro$ supunha eu que fosse trgua digestäo, que naquele dia se tornava tarefa de respeito! )äo senhores$ era partido dei%ado dentu#a dos mes'rios que tinham a vara em punho! 9erto era haver naquela data enchente forte de vitela, cabritos e pei%e, em que o nosso .aiva era abundoso$ o vinho corria como de fonte farta, e as zanguizarras da terra e de fora da terra batiam o terreiro, cada qual mais assanhada! )ingum que se prezasse faltava com a sua finta, certo que lhe ficaria forra com tirar o ventre de misrias e empaturrar-se para uma semana inteira! .ois, esse ano, sendo de capricho os mordomos, as fun#+es tomaram vulto como näo havia memória entre os mais entrados na idade! 9onfessou-se o marrano e o cristäo, !he /OI-OL ouviu-se a palavra de Deus bem trombetada pelo nosso reitor que, era ele querer, fazia chorar as pedras! ?oi nesse ano, por sinal, que houve na igreja o brequefesta engra#ado de que ainda hoje
se fala e falar' na vida dos nossos netos! = nosso abade era, como est' sabido, um pregador de fama e por ali fora, no pFlpito, näo se enganava na carreira, tratasse-se das *C'grimas de 5! .edro* ou do *&rrependimento da Madalena*, tanto mais que só mudar os nomes aos bois, e ele tinha aquilo mais batido e rebatido do que anda o burel no traseiro ali do Bisagra, :, !he /OL que näo pode estar um momento sem que se aca#ape por terra, se näo pilha banco, no chäo e at na ponta dum chavelho! = sermäozinho na boca dele parecia a 'gua na bica da fonte: *8ra sina na sola e na lua e nas telas* e j' estava na *ave-maria gracia plena* e bota para c' uma libra que por aqui me vou! .ois daquela feita o pregador de fama engasgou-se! Mais tarde e% plicou ele que tinha bebido um dedal de aguardente por mor do frio e se lhe toldara momentaneamente o ju"zo! = facto que se engasgou e näo passava disto: *5ebastiäo, 5ebastiäo, miraculoso 5e bastiäo@ 5ebastiäo, santo e m'rtir@ 5ebastiäo, meu 5! 5ebastiäo@* 8 mais 5ebastiäo para aqui, mais 5ebastiäo para ali, o ladräo do Meses que era o juiz da igreja e como vocs sabem se chama 5ebastiäo -- mal em-
pregado nome num safardana e desbocado daqueles -- sai de!he /OL-ON tr's da coluna e e%clama: -- &qui estou, senhor abade! 2ue quer ao 5ebastiäo< 8 vai o nosso abade, no meio da gargalhada geral, em vez de cair do pFlpito abai%o ou atirar com um diabo ca be#a do entremetido, que lhe responde: -- )äo contigo, minha besta quadrada, com o valoroso legion'rio que nas hostes do cruel Diocleciano derramou o sangue pela f de 9risto@!!! .or ali fora l' se meteu a caminho e, d'-lhe que d'-lhe, näo tardou que o templo com o alarido, :, !he /ON os choros, a fungadela das beatas lembrasse uma caravela que vai ao fundo! =l'@ &o fim da festividade, Barrelas em peso abancou ao 'gape, co mo o Manuel da 9osta .ereira, botic'rio e miguelista dos quatro costados, lhe cha mava em l"ngua de padre-mestre, para o qual todas as casas emprestavam loi#a, garfos, e quei%ais! Durou os dois dias da pra%e a grande reina#äo, e eu com alma mais negra do que se me tivessem derramado nela pez a ferver! ?oi na ceia de segunda que me decidi! )a vspera havia tomado o corpo de )osso 5enhor Aesus 9risto, que mor-
reu para nos remir e salvar, e eu näo queria fugir devo#äo e bondade daquela benta hora! & minha vontade seria vingar-me do sedutor cristämente, santamente, se poss"vel fosse com a faca benzida pelo .adre 5anto de >oma! ?iz o que pude! 8 hora de dar gra#as, quando todos a arrotar, de p, cabe#a descoberta !he /ON-0P e mäos erguidas, responsavam os seus mortos, no ros'rio sem fim das rezas, encomendei o sujador das minhas barbas: -- .or alma de algum ir mäo, agora aqui ao nosso lado e, quem sabe l', dentro em ponco a dar contas ao 9riador, padre-nosso e ave-maria!!! >ezaram todos, sem passar a nenhum tolo pela cabe#a que rezavam por um condenado! Dei%'-lo, o ladräo j' levava lastro para 5! .edro! K porta :, !he /0P esperei-o, cosido com a parede, a coberto da noite que de negra täo bem escondia o justo como o pecador! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2ue lhe sa"ram do odre, pelos furos, peda#os de vitela por digerir<@ )äo sei! &colhi-me minha fazenda do 5abugal com a reiuna bem escorvada! C' foram os cabos de ordens at a cancela! -- D-se prisäo, tio
Malhadinhas, que näo h' juiz que o condene! ;omec lavou a sua cara honrada!!! -- Dizeis bem, rapazes, dizeis bem! Cavei a minha cara borrada! Borrou-ma aquele cäo! )äo havia de pagar a ensaboadela< .ois , lavei a cara borrada! &gora, vós, se estais fartos de viver, chegai-vos c'@ >odaram para nunca mais! ;oltei minha lida, voltou o Bentinho sua, matar gente, mas só dobados muitos meses, desca"do sobre o flanco, como quem ladeou da cova! rande piranga, tinha os de mónios todos do inferno a responsar-lhe o coiräo@ !he 1U
/0/
)äo h' trabalho sem trabalhos, täo certo como uma 8scritura, mas dei%asse-me hoje o .ai do 9u tornar minha mocidade, que eu pegava logo no meu of"cio e näo doutro, inda que fosse o do nosso abade, que leva a vidinha a cantar, ou o do Geitor botic'rio, que com uma pipa de 'gua fabrica um lagar de dinheiro! Morte mate, se pegava doutro@ Muitas vezes ouvi dizer a ?r! Aoaquim das 5ete Dores!!! ;ossorias j' näo conheceram, era irmäo da =rdem de 5! Domingos e andava ao peditório de terra em terra
para o colgio de fradinhos da ?raga, com um rucilho tropiqueiro! 1a por aqui, ia por ali, e convidava as boas donas, a troco de chouri#o, !he /0/-0O naco de presunto, cereais ou fruta, com ossos dos santos m'rtires, lascas do 5anto Cenho, pingos de 'gua do Aordäo, ou pó para matar as pulgas, e j' me näo lembra que mais destes santos ingredientes! .ois a ?r! Aoaquim das 5ete Dores, muitas vezes ouvi dizer: &rrieiro no tarde chora por arrieiro, nanja por cavaleiro! 5ó agora, mais dia menos dia com o ;i'tico a :, !he /0O badalar-me porta, que vim ao fundamento de tal senten#a! 9horo pela minha vida de almocreve, e dessem-me hoje o machinho, tornassem-me as minhas pernas e a boa disposi#äo, com dias grandes ou noites sem fim, näo se furtava o filho de meu pai a recome#ar o fad'rio por ?ran#as e &ragan#as! Mas ao tempo o meu pensar era outro, e tinha s vezes batidas com o frade mais pu%adas que lguas das velhas! 6ma vez, lembra-me como se fosse ontem, vinha eu das &ntas, aconteceu-me trope#ar com ele na 5erra da Capa, botados ambos l' de bai%o do ;ale do 4'vora! ;ossorias conhecem aquelas serranias
onde )ossa 5enhora apareceu a uma pastorinha de gado, que era muda!!!<@ 5e näo conhecem, eu lhes digo: desertos mais danados, fraga sobre fraga, penedos sobre penedos, postos ali para purgatório do passageiro, näo quero que haja debai%o da rosa do sol! 9a"a neve, uma nevasca, Deus nos acuda, täo ba#a e ema#arocada que o cu era mais tapado que um capuz, e ceguinha de gota-serena a terra inteira! &pagara-se de !he /0O-00 todo o lume do caminho, e eu larguei corda bamba ao macho que, embora pouco trilhado daquela rota, melhor a palpitaria que eu! 4ambm näo tinha outro remdio! &brir os olhos que valia<@ 2ue valesse, o cäo do vento, que bufava de frente, chapava-me neles tais manchocas de neve que näo havia remdio senäo fech'-los! :, !he /00 8u praguejava como pró prio de gente pouco paciente e nada habituada a rezar: -- >aios partam a vida, näo me fazer minha mäe fidalgo@ 5e mil diabos me levassem maila cadela da sorte@!!! -- 9ompanheiro dos meus pecados -- disse-me entäo ?r! Aoaquim das 5ete Dores, de riba da azmola, toque, toque, atr's de mim, täo enfarinhado que só a coca do capuz guardava um arzinho de
negro -- näo blasfemes@ =lha que Deus est' a ouvir-nos e, se quiser, pode muito bem se pultar-nos debai%o debai%o da neve como sepultou os egipcianos no mar das &r'bias! 2uerias ser fidalgo, ham<@ )äo querias mais nada!!!< 4u näo sabes o que queres nem sabes o que dizes! .+e l' na tua que as vidas näo säo piores nem melhores, elha por elha! 5äo vida e basta@ -- 8m boa hora sai ;ossa .aternidade com o sermon'rio -- respondi eu! -- 8ntäo a condi#äo dos letrados, de cadeira, a cardar os desavindos$ a dos padres -- e perdoe ;ossa .aternidade se lhe estou em casa -- a comer os d"zimos e, l' de quando em quando, a louvar no Brevi'rio ao criador dos melros, podem comparar-se a esta sa!he /00-07 fadeza de of"cio, ra#oar de seco, dormir quando Deus quer, s vezes torricado do sol, outras molhando pingando, como desta feita, que at j' levo uma lagoa no umbigo<@ =utra porta, que aqui mora um surdo@ :, !he /07 -- &ntónio -- tornava ele, tangendo rijo a bestiaga para aparceirar com o machinho, que era andeiro -- o teu entendimento anda mal ensinado! = bicho homem, quem quer que seja e o quer que fa#a, tem sempre consigo a mesma pe#o-
nha! 8 esta pe#onha sabes o que < J o nunca estar contente com a sua sorte! 2uanto mais tem mais apetece, deseja e torna a desejar para logo ou amanhä aborrecer! 9omo näo h'-de cansar-se da vida nesta alcatruzada de aborrecer e desejar< -- &ssim ser', meu irmäo! &gora c' eu, franqueza, franqueza, franquezinha, antes queria ser o fidalgo da quinta da 6cha, boa brasa aos ps, bons bifes manja, manja, boas f meas para o gozo, que o pilorda que aqui vai por bai%o duma nevasca, &njo Bento, que at se me afigura que deu foeira no cu! -- 5im, l' horas por horas at 9risto as trocaria e mais era Deus, a julgar pelas palavras ditas no Gorto das =liveiras: *.ai, se poss"vel, passai de mim este c'lice@* 2ue queres, a fruta mais saborosa tem caro#o no meio! Mas, l' vida vida por vida, näo vale a pena apeguilhar! 5e verdade que aonde oiro fala, tudo se cala, o fidalgo, que tu tanto invejas, näo ser' uma vez nem duas que, ao ver-te seguir de rotina, ra!he /07-0 beiro pelos ombros, ombros, a assobiar descuidado diante do macho, näo sinta ganas de te estar na pele! & neve que agora te aflige para ele o enfado que o toma, :, !he /0
quando mal se precata, de sua cortesania, säo os cuidados da fazenda que estäo ferrados nele a comer como vacas no toro dos velhos castanheiros, sabes, aqueles cogumelos gordos da grandura dum chapu! 5äo ainda os percal#os da honra que näo coisa para gra#as! .odes crer, caem nevadas em todas as vidas e em todas as condi#+es, tanto na do homem de leis como na do rico ou do frade! 5abes o que preciso ter< .acincia! .acincia, meu homem@ -- .acincia tenho e de mais! &inda ontem um bandalho me chamou ladräo e näo lhe saquei as tripas ao sol! -- ?izeste bem! Dos sofredores o reino dos cus! -- 8ntäo tenho um lugar mäo direita de Deus Deus .adre! -- )äo digo que näo e, j' que essa virtude te näo falta, vai mais devagar! = teu macho vai täo depressa depressa que nem que levasse fogo ao rabo! Modera, homem, senäo senäo o meu burrinho näo aguenta! aguenta! 5ofreei o macho! 9a"a neve, se Deus a dava, em rala, em grandes flocos, s mancheias, assim tola, como gräo lan#ado a um campo por semeador arrenegado ou pouco e%periente de mäo! )ascera a Cua, mas que lua@< 6ma cara bochechuda de estalajadeira estalajadeira espreita, l' do fundo da casa, para o estendedoiro da sua roupa branca! = mundo mais näo era que bragal pu-
r"ssimo, bragal que, batido !he /0-0E s vezes por uma refega :, !he /0E de vento, alevantava para dei%ar a nu peda#+es de terra e do mato, sujos e negros co mo montes de esterco mal co bertos pela vessada! )äo era desta neve que do ba mansa do cu e parece, bailando, o esflorar das pereiras na .rimavera$ era a neve *ladroa* -- como para a" lhe chamam -- a neve das moscas brancas que voltejam, giram, rodopiam, vm de tr's, de diante, de bai%o, dos lados, metem-se por todas as fisgas e grelhas busca de coiro vivo em que ferrar! 5oprava-lhes o nordeste, o grande bufador, e era v-las de asas ligeiras, enchendo o ceu, a voar, a voar umas atr's das outras, ora muito juntas, ora desenrodilhadas, num vira sem fim! !he /0E-0I -- Gomem, näo corras@ -rogou-me o frade segunda vez! -- 4oque-lhe -- respondi! -- = macho ainda vai mais insofrido do que eu! >aio dum raio@ =s pinheiros tinham ar zaranza, maluco, como se fossem todos eles os pinheiros que se levantam na nossa cabe#a quando se est' a delirar, nunca vistos ou sonhados! .erdidos pelos cerros, lembravam, uns, grandes rocas barrigudas, carre-
gadas com um linho mal assedado$ outros, as forcas, em que ouvi falar, com justi#ados ao penduräo! =lhava para eles e pareciam-me uma grande maltesia que estacasse naquela mesma hora a espiar-nos a derrota, a firmar-se em nossas pcssoas, como se as :, !he /0I trou%as brancas que pareciam levar cabe#a fossem trou%as roubadas e que nós lhes f3ssemos a tirar! >ealmente pass'vamos, e eles tinham o jeito tambm de romper marcha, j' resolutos, mas lentos, derreados, naquela birra ora de seguir nossa ilharga ora de trepar os montes! rande bru%a que era a neve@ -- 4oque-lhe, 5r! ?rei Aoaquim@ -- fartava-me eu de gritar! -- 4oque-lhe, que morremos ensocados na neve, e näo h' alma penada que nos acuda! De verdade, serra fora, por aqueles altos carrapitos, näo se ouvia rumor de vivente, pio sequer de mocho ou coruja, corneteiros de m' morte! ?ugira tudo, aves e animais para abrigos e lapas, gente e rebanhos para povos e corujeiras! 5ilncio e neve@ 5ilncio e neve, de mäos dadas, a fazer do mundo um mau!he /0I-0L solu -- ouvia rosnar a ?r! Aoaquim, e senten#a foi que, por muito batida, nunca mais se me apagou da memória!
&ndando, andando, escureceu-nos, e j' ia alta a Cua, uma Cua que o mais do tempo se näo via e, quando se via, lembrava uma candeia de azeite a alumiar um casaräo desamparado! 8u ia gelado at a alma e pegara-me a soneira, como se os esp"ritos me fossem de todo a abandonar! Dormia, sonhava, delirava, sei l'@ 9onsoante os vagalh+es da neve, diante de mim umas vezes trancava-se um muro fosco, formid'vel, e eu me dizia: homem, por aqui näo h' passo! =utras :, !he /0L vezes, os longes recuavam, recuavam atravs da poalha branca, täo bem cirandada ao luar, como se um mar se estendesse por ali fora, at cascos de rolha, sem ruga, nem onda! )äo era raro ainda que um penedal de mil cristas, de mil ravinas, se levantasse repentinamente beira do caminho$ depois, esse penedal avan#ava, rolava ao meu encontro e derretia-se! Derretia-se, e logo na brancura rasa se levantava outro, mais deslumbrante e medonho! 8, formando-se e abatendo-se por milagre, ia zombando dos meus olhos! 9hocando assim mil pesadelos, mal me sentindo levado, buzinou-me aos ouvidos um vozeiräo terr"vel como dizem que h'-de ser a trombeta do ;ale de Aosafat:
-- &ntónio@ &ntónio@ Diante de mim, atravessava-se uma alma penada täo brusca e desconforme que, em bora resoluto como sou, den!he /0L-0N tro das entranhas senti berrar: ai Aesus@ Mas o que era estava escanchado num ju mento e o jumento sacudia a neve das orelhas e levantava para o macho olhos muito pac"ficos e tristes, modo nos brutos de trocar cumprimentos ou pedir consola#äo! Depois, uma cara ndia e gordalhuda mostrou-se e ca" em mim! >eloucara! 8ra o frade, o burro, a neve, a serra, espertados do torpor que me pegou!!! Mas ?r! Aoaquim estendia o bra#o e a sua voz tremia: -- )äo vs, &ntónio!!!< )äo vs<@!!! :, !he /0N 5entado sobre os quadris, beirinha do caminho, estava um lobo! 4inha o topete co berto de neve, neve que aca mava maneira de solidu dum bispo, e era sinal de que assentara ali o pouso de ca#a ou de espreita depois de nos farejar de longe! Cuziam-lhe as duas lanternas dos olhos, e, desconfiado eu que o bicho näo trou%esse roga, digo para o frade: -- Berre ;ossa .aternidade comigo c3a@ 8 ambos a um tempo, ele com a ronca habituada aos latins, eu com toda a for#a dos
pulm+es, que investiam com uma botelha de meia canada e lhe arrancavam as tripas dum sorvo, grit'mos: -- K c3a@!!! K c3a@!!! 5anta Maria, at se me puseram os cabelos em p ao som do nosso berro, ali no meio do ermo@ Mas aquilo foi tambm um esticäo que demos febra, e continu'mos mais animosos a esporteirar! = mariola do bicho nem sequer se me%eu, mas, näo sei porqu, o escuro, a toda a roda, !he /0N-7P mais se chegou para nós e, no anel de claridade que ia transportando-se medida do nosso passo, a neve bailava como uma bbada@ -- 4oque c' para diante, homem@ -- instei com o frade! -- Deu-lhe para rezar a" o Brevi'rio!!!<@ .icou o rucilho e, vai senäo quando, o lobo levanta, tepe-tepe, mete por diante das cavalgaduras e, chegado ao oiteirinho, desata a uivar! 6ivou, uivou contra o vento, o focinho muito esgalgado erguido :, !he /7P para o cu, aqueles uivos que parecem vagidos de crian#a doentinha a quem estäo a bulir no a%e! 6m uivo que nem uma sovela a furar! =s senhores riem-se< 4ambm eu agora me rio do meu caga#o! .ois creiam que de travs para nós, especada nas quatro
patas, a fera punha respeito! -- 9ompanheiro -- proferiu o frade, pu%ando das contas -- encomendemo-nos a Deus! -- Dei%e o ros'rio em paz -- respondi -- e, se traz faca ou outra arma, saque dela, que vem sobre nós uma alcateia que nem os ps nos poupa nos sapatos@ -- 5er' o que Deus quiser@ 9umpra-se a sua divina vontade@ 8scurentava agora o luar a pontos de a neve parecer ao largo cinza e mais cinza que ca"a! Mas, diante dos olhos, os flocos faiscavam e batiam-nos nas ventas rijos como areia! = lobo, quando cheg'mos ao cabe#o distante uma centena de passos do s"tio em que aparecera, calou a serenata! 8 nós rompemos adiante, como !he /7P-7/ se näo dssemos conta de sentinela täo mal-intencionada! 8le mudo e quedo como um penedo! -- Gum -- maluquei com os meus bot+es -- est's espera dos colegas!!! 8, se bem o pensei, melhor assucedeu! =bra de cinco minutos adiante, saem-nos quatro lobos pelas costas, mas que velhacos@ Muito mansarr+es, passo :, !he /7/ descosido, focinho por terra, como pessoas näo-te-rales que väo ao seu destino! 2uatro
feras de vulto para espostejar um vitelo meio touro e ficar com fome! -- K c3a, 5r! ?r! Aoaquim, c3a@ -- e%clamei eu, virando-me para o frade! 8 com toda a alma berr' mos: -- K c3a@!!! K c3a@!!! =s birbantes, entäo, estacaram um momento, menos com ar de espavoridos pela nossa manha, que admirados com a malcriadez! -- )ovamente, 5r! ?r! Aoaquim!!! -- K c3a@!!! K c3a@!!! 9aramba, o grito e atr's do grito o eco l' iam cu fora a esparvar aves e ani maizinhos monteses, com mais afli#äo que sinos a rebate! 8 a neve mais se encarni#ava contra nós, fustigada pelo vento! )as suas reviravoltas e sarabandas era mais endemoninhada que os burburinhos que se levantam, quando mal se pensa, de uma eira, e p+em palha, gräo, praganal numa polvorosa! =s lobos formaram com todo o descaro nossa banda! )em uma patrulha! = luar era morti#o, mas eu bem lhes via !he /7/-7O o lombo saraivado e pelo jogo das pernas como se iam mandando connosco a compasso! 2uando anoiteceu de todo, os maganos, sempre leva que leva nossa mäo, chegaram-se para mais :,
!he /7O perto! 8u quase os podia chu#ar com o estribo$ mas que ganhava< 4odo o meu zelo era levar os olhos neles que j' se me afigurava tolherem-se näo sei por que resto de co bardia de nos saltar! = frade vinha atr's de mim a bater os quei%ais de medo e, acreditem ;ossorias se quiserem, täo forte batiam que os engenhos que se armam nos milhos contra os gaios näo fariam maior estreloi#ada! -- .asse para a minha banda -- disse-lhe eu, que j' me parecera ver um dos moinantes, o mais alentado, esticar os jarretes, com mentes de pular garupa do burrico! = frade l' se ajeitou esquerda, täo cosido contra mim que cheguei a supor que animal e frade queriam montar no machito! =uvi-lhe gemer: -- J hoje o nosso Fltimo dia@ -- ;ossa .aternidade näo traz nada!!! navalha, ferro, pau que seja< -- )ada! -- Mas que isso que h' um bocado vinha a tilintar nos alforges< -- J um tur"bulo$ o tur"bulo da igreja das &rnas, que trago para consertar! -- D-mo c'!!! -- Gem< -- D-mo c'!!! Depressa, homem@ = frade passou-me o tur" bulo para as mäos,
:, !he /70 atravessei a faca nos dentes, e a" me pus a tocar ferrinhos, a bimbalhar, a fazer uma matinada que nem cambalheiras arrastadas por um cavalo@ 8, querem ;ossorias saber, os lobos meteram o rabo entre as pernas e desarvoraram! 9erto, assim Deus me salve@ =uvimo-los ainda uivar para a cernelha do morro, mas näo lhes torn'mos a p3r a vista em cima, nem as bestas deram sinal de que nos fossem a acompanhar! = frade erguia gra#as a Deus e berrava: -- Milagre@ Milagre@ &os parvos aparecem os santos! Milagre foi, nanja por o tur"bulo ser bento e servir nas cerimónias divinas, mas traz-lo ali o frade, visto que os lobos se assarapantam facilmente com o ru"do dos metais e se se pe!he /70-77 tisca fogo! .or desgra#a, só em rapaz fui fumador, e nem sequer trazia lumes comigo! Dizia o frade, depois, que isto de afugentar os lobos com o cigarro aceso era cren#a sem fundamento$ sempre assim o ouvi dizer, e ele a teimar e eu a petar, fomos andando caminho! Mas a nevada continuava a subir, j' as bestas enterravam as pernas at a joga e näo se via palmo diante de nós! 8 "amos alagados por
dentro, vestidos de alva por fora, e o frade com o capuz erguido, os olhos a luzir, as mäos encabadas nos canh+es da cogula e o ros'rio ao penduräo, at me lembrava um fantasma, desses que levantam das campas e, nas :, !he /77 horas em que Deus ou Diabo lhes däo corda, vm vagar pelo mundo! &s bestas emperravam, mor mente o jumentinho, que, so bre andar mal pensado e estafado de jornadear, trazia alm dos alforges, cheios com o peditório, o pote de en%Fndias do fradalhäo! 8 näo se via para que erguer olhos, menos o luaceiro da neve do bando sempre, fraldejando sua serguilha ru#a, como se nos quisesse falsear o passo daqueles montes! -- &ntónio -- disse-me ele -- rezemos a )ossa 5enhora para que nos leve a porto de salvamento! 8ngrol'mos padres-nossos e ave-marias uns atr's dos outros, pudera@ se queres aprender a orar, entra no mar! &o cabo, tornou-me o frade: -- 4u conheces bem o caminho< !he /77-7 -- 9onhe#o, mas a mesma coisa que andar por terras nunca vistas nem pisadas! 9om esta nevasca e este escuro, como quer ;ossa .a-
ternidade que eu descubra o norte< )äo se v nada por onde um desgarrado possa orientar-se! ;amos aventura de )osso 5enhor! -- 8 näo vamos mal, que näo h' segundo guia para os cegos! Mas queres tu saber: o meu asno conhece estes andurriais melhor que manjedoira do convento, onde h' dez anos burro! 5e nós o deit'ssemos adiante< -- 4oque l' ;ossa .aternidade! :, !he /7 -- 5im, mas tu bem sabes que, só de me sentir sobre o espinha#o, h'-de lhe faltar a liberdade de meter por onde lhe pede a cachimónia! J sendeiro e basta! -- 8ntäo< -- =lha, alm de se sentir dirigido e se näo dirigir, vai estafadinho como vs! Ceva-me a mim que pcso seis arrobas, afora os pecados, e carrega com os alforges onde as boas almas meteram com que entreter a debilidade de meus irmäos em 5! Domingos, batatas, cebolinhas, alhos, um pouco de carne e näo sei quantos salpic+es de lombo! =ra tu precisas do meu burro que te guie nas duas escurid+es que säo a neve e a noite! 2ueres tu pagar-lhe o servi#o que poder' prestar-nos< -- 2uer ;ossa .aternidade que leve o burro ao
colo< -- Gomem, näo! -- 2ue lhe compre uma vstia!!!< !he /7-7E -- ;stias tem para ele e para ti!!! -- 2ue lhe mande uma carrada de feno< -- )äo seria mau, mas tam bm näo isso! =uve: o teu machinho forte, pimpäo, e vai sem carga! &ceitas levar-me na garupa, e tocamos o sendeiro para a frente, que ele guia-nos
desses voltar atr's näo escolherias outra vida, que l' diz o provrbio: arrieiro no tarde chora por arrieiro, nanja por cavaleiro! 8 tinha razäo o raio do frade! Mas, como lhes ia contando, deit'mos o burro a bater caminho e o finório do animal l' acabou por acertar! 9heg'mos ao convento mais mortos que vivos, gelados at a alma for#a de andar lguas e l!he /7E-7I guas perdidos na neve! =s frades aboletaram-me no convento e deram-me uma tigela de mel e leite que me p3s fino para a jornada! Mas só consentiram que abalasse ao outro dia quando o sol come#ava a fundir o grande neväo, que tinha derrotado as matas e apagado caminhos e atalhos em logradoiros e ermos! ?r! Aoaquim das 5ete Dores veio ter comigo :, !he /7I no instante em que estava de p no estribo para desandar e disse-me: -- .ega: isto um ossinho do bra#o de 5! Aoäo de Deus, que foi o anjo da pacincia$ este cabelo, um pelinho da barba de 5! 4eotónio, de muito prstimo nas dores repentinas! 4r'-los ao pesco#o e ver's que nunca mais entra contigo o .orco-5ujo, nem nas jornadas tens maus encontros!
.edi-lhe a bn#äo e larguei! = monte lembrava um len#ol esburacado! 5e a neve derretera aqui, conservava-se ema#arocada alm, volta de sarga#os e tojeiras e onde quer que houvesse farfalha! = sol, s vezes, vinha uma nuvem e cobria-se! Mas ele voltava a correr alegre e ruivo pelo mundo, mais bonito que o novilho duma vaca ratinha, ainda mamäo, a pinchar no prado! &s 'guas desciam dos altos tagarelas como nunca, e pelas eiras os passarinhos debicavam, muito grulhas, as espigas esbanjadas pelos palheireiros! Gavia nuvens e mais nuvens no cu, brancas, rebolonas, em bandos! 4ocava-as um ventinho repontäo, e davam ideia de !he /7I-7L belros de ovelha carmeados, antes de enfardar! = mundo era como C'zaro ao atirar com a mortalha aos quintos! .or toda a parte, caminhos, matos e 'rvores, a neve derretia! .inheiros e carvalhos se do lado do poente continuavam cabisbai%os e oprimidos pelo :, !he /7L seu peso, outra banda erguiam j' ramos desembara#ados! & morte branca rodara por esta vez! &certando o rumo pelos ca be#os, que viravam ao escaveirado natural, e pelo can-
tar dos galos nos povilus, l' consegui endireitar para a minha terra! &s nóminas p3-las Br"zida ao peito, presas por um negalho, e verdade seja que, se nunca tivera ruins partos, täo-pouco os teve a partir dessa data, nem lhe faltou leite para os meninos! Mas de tudo, o que me näo esqueceu foi aquela do *arrieiro no tarde chora por arrieiro, nanja por cavaleiro*! 5im, senhores, o frade metia num chinelo ao mais es pertalhäo dos doutores, que de abades näo se fala!
!he
/7N
U &gora, mSamigos, estou caduco, nem para cal#o de panela tenho prstimo! K espera que me atem os ps, vou tratando do bem-dSalma, pois coisa täo melindrosa como a
vida eterna vale mais cuid'-la por nossas mäos que confi'-la a testamenteiros! .ena ter eu um rebanho de filhos que me vedem de distribuir por pobres e vagabundos os bens granjeados com o honrado suor do meu rosto$ pena , mas näo l' em casa que se nega esmola para as festas e promessas aos santos! Metade vai-se no papo dos pardal+es, quando näo todo!!! Mas quem pede precisa, e a f que nos salva! &rde uma fornada de päo@ &cabou-se, sabido mordomos !he /7N-P e penitentes na quadra das arcas cheias serem täo bastos pelas portas como as moscas na tenda ali do .enetra! .ois ando compondo o bem-dSalma e quem me queira encontrar v' igreja, suba at o altar-mor, e onde vir um homem dobrado dois degraus abai%o do oficiante a bater no peito e a chorar os seus pecados e os do mundo, sou eu! C' sou certo em of"cios e novenas e, santa missa se falho, quando o sino que :, !he /P est' rachado se näo faz ouvir das minhas orelhas que andam surdas! &ssim conto alcan#ar o cu, ajudado da gra#a e com a intercessäo do m'rtir 5! 5ebastiäo, nosso bento padroeiro, a quem fiz h' quatro anos, quando servi de mordo mo, a festa de arromba que
;ossorias sabem! 9äes de )isa, vieram duas mFsicas, dois fogueteiros, e com a fartura das comezainas estoirou, por mais que me digam, o pai Genriques de indigestäo! 4ambm me entrou na algibeira, mas embora, morra um ho mem e fique fama@ 8 fama ficou, que nas fun#+es que tem havido näo uma só boca nem duas a dizer: -- Mordomo como o tio Malhadinhas, nem pintado@ .3s o ramo para nunca mais@ Bem haja o povo, que bem lembrado e guarda fidelidade velha Barrelas que, por voz pouco delicada -- ainda que e%prima asseio, em nada malcheirosa como .orcalhota e Cava->abos -- crismaram neste frescal e ajudengado nome de ;ila )ova do .aiva! Mas com o nome de Barrelas nasceu, com o nome de Barrelas h'-de morrer, se !he /P-/ certo que as vilas tm de passar, como rezam os livros das Babilónias afamadas! =ra em preparar o meu descanso eterno vou consumindo a Fltima cera do pavio! 2ue armei em beato< )äo, senhores, sou cristäo e j' vejo a sombra negra que a minha cova est' fazendo, de goela aberta, :, !he // ao lume da terra fria! = Bisagra, cabe#a de paliteiro, que näo pode compreen-
der esta arruma#äo de casa em vsperas de largar! 6ma vez, na venda do T .into, ouvi-lhe por detr's do taipal dizer de mim para o 9abe#as dos &lhais: -- = ladräo anda a ver se engana 9risto com as penitncias c' da terra para l' em riba lhe perdoarem as mortes que tem s costas! 8ste dos tais que foram para se benzer e quebraram os olhos! 9apaz de embarrilar 9risto ele, o Diabo näo sei! ;ejam o desbocado@ 8 näo h' grandes dias, saiu-se-me com esta: -- 2ueres saber, ó &ntónio, o que tu havias de fazer para entrar direitinho no >eino dos 9us< 8ra ires a 5antiago de 9ompostela de penitente, ps descal#os, a päo e 'gua, e com uma pedra s costas que pesasse umas duas a trs arrobas! Dizem que quem l' näo vai em vida, vai l' em morte! &quilo chegar e fica o pecador com a alma mais branca que uma pom ba de leque!!! -- Dos meus pecados näo tenho medo de dar contas a Deus -- redargui -- näo troque ele l' nos registos o meu nome pelo teu! 5e trocasse !he //-O estava mal, l' isso estava! A' ouvi dizer que mais f'cil passar um camelo pelo buraco duma agulha que entrar de cornos no .ara"so! 5afado, que lhe importava
a minha vida@ 8u c', :, !he /O digo-o alto e em bom som, näo se passa ms que me näo confesse e näo receba o sagrado corpo de )osso 5enhor täo real e perfeitamente como est' nos cus! K boca da noite näo me procurem nas vendas nem no forno$ procurem-me no poial de pedra da minha porta, onde estou sentado a rezar o ter#o! -- .orque reza tanto, tio Malhadas< -- perguntou-me um dia destes, ao sair de casa, o &lbino alfaiate, que vizinho! -- D' com o ju"zo em droga!!! 8 para judeu!!! -- ;ossorias conhecem-lhe o código civil< &rtigo primeiro: &l bino, trata de ti$ artigo segundo: trata de ti, &lbino$ artigo terceiro: est' revogada a legisla#äo em contr'rio! -- .ois para judeu, resposta de judeu: -- >ezo pelos teus pecados, pelos do pró%imo!!! 9arrasco, trazes a" tanto menino sem pai@!!! -- &" vem o tio Malhadinhas@ 8 pelos seus pecados näo reza< Dizem que voc näo foi boa bisca!!! -- =s meus de täo pouca monta eles säo que j' passaram ao rol do esquecimento! 2ue fiz eu, &lbino< &rranhaduras! Mais fez 5! .edro, que cortou a orelha ao capitäo, e um dos pila-
res da 1greja e chaveiro do cu! .ois pode-se l' ser herege !he /O-0 ou beato falso quando se considera a sagrada pai%äo e morte de )! 5! Aesus 9risto, redentor dos homens, e a de tantos santinhos que derramaram o sangue vela luz da verdade< :, !he /0 )äo pode! = T Balatroco p+e-se s vezes no seräo a ler o *?los 5anctorum* ou o *Mestre da ;ida* e as bagadas caem destes olhos que mirraram com o sol, o vento e a poeira dos caminhos! &h@ havia de eu l' estar@ Gavia de eu l' estar quando os im peradores -- o nome deles d caganeira a quem o proferir -- martirizavam os bons cristäozinhos teimosos ou as virgens que, caramba, parece tinham alma de a#o@ &h@ 9ristina, havia de eu l' estar com o meu cuchilo@ 9horam os padres que a religiäo leva m's andan#as e eu o creio! =s templos por esse mundo estäo s moscas! 8 tambm vos digo, bai%inho que ningum nos ou#a, eu sou o Fltimo c' na terra a ter medo do inferno! 5abem os meus fidalgos, eu só queria um dia ser rei! 6m dia näo era ca bonde$ mas uma semana! 5e fosse rei uma semana, afian#o-lhes que mondava .ortugal! 6ma fogueira em cada
oiteiro para os ministros, os ju"zes, os escriväes e os doutores de m' morte! .ara estes decretava ainda cova bem funda, com obriga#äo de cada homem honrado lhes p3r um matacäo em cima! 6ma choldra de ladr+es@ 1maginem ;ossorias que um pobre j' nem uma bestinha pode ter@ Muito tempo conservei aquele cavalito fouveiro -- lembram-se< -- para me ajudar a es!he /0-7 pairecer saudades dos tempos em que corria de almocreve 9eca e Meca e olivais de 5antarm! ;ai senäo quando, &ntónio Malhadas, salta de l' com nove :, !he /7 tost+es de sumptu'ria! 1rra, novecentos ris por um cavalicoque, um chincaravelho que näo valia, a bem dizer, os guizos dum gato@ >aios partam o overno mailos governados, raios partam tanto tributo com que a gente de bem tem de ustir para andar a" meia dFzia de figur+es, de costa direita, mais farófias que pitos cal#udos@ >aios partam@ = governo um corpo da guarda que nos defende ou a quadrilha do olho vivo que näo faz senäo roubar< 2uem lhe encomenda o ser mäo<@ )äo foi com o meu rico dinheirinho que eles engordaram daquela feita, näo foi@ .us o cavalo em pra#a na feira
dos quinze e, louvores ao 5enhor que tudo manda, os compradores näo faltaram! = mais chegadi#o era o >amalhoto de .eva, que novato em troquilhas, e eu na minha boa sinceridade fui-lhe dizendo: -- Aoaquim, isto bicho de cara direita!!! o que se chama cavalo que escapou remonta por eu jurar e trejurar que era o meu ganha-päo! 9em cäes me mordam se de ;iseu para riba pisam quatro estacas como ele! 4anto vale para cilha, como para tirantes, como para botar com um homem a cascos de rolha! Ceva-o que näo vais enganado!!! C' levou o chincaravelho e com isso quebrou duma vez !he /7- para sempre a minha lida de almocreve! Mas tenho saudades, tantas, que s vezes parece me%er-me :, !he / no peito um ninho de lacraus! 2uando por aqui me vem abordoado a este pauzinho de marmeleiro -- j' tem um bom par de anos!!! a certidäo de idade tr'-la na cor, esta bela cor do vinho palhete que eu tanto apreciava -- quando por aqui me vem de taverna em taverna a matar o bicho ou com ares de andar sirga, a safar-me do vespeiro das saudades, muito mais se me ponho a contar o que eram os
tempos do meu tempo! 8 a vida l' vai!!! ligeira como uma galga doida, esparvada! A' noutro dia#o julguei que era chegada a minha hora! 6ma febre que abrasava, o f3lego dif"cil, muitas dores pelos lombos como se os lódäos que defrontei em trinta anos de almocreve me ca"ssem a uma voz sobre o corpo todo -- meti-me na cama! Mandei chamar o padre, que me ouviu de confissäo e me trou%e o ;i'tico a casa, com toda a pompa, honra lhe seja! Depois a Br"zida enviou um próprio ao barbeiro do 4ouro, o &fonso Cajas, que apareceu sem tardan#a e vista do meu nariz torceu o dele! 8m voz muito presa, täo presa que at a mim se me afigurou de moribundo, pedi que me desenganasse do meu estado!!! näo tivesse medo de dizer a verdade, pois queria ajustar de vez todas as contas com o mundo! &quilo, l' que se afoitasse com o silncio dos meus herdeiros, que näo podia dei%ar de ser consentidor, :, !he /E rendido tambm ao entono da minha voz proferida no tra#o da vida para a morte, o bar beiro declarou que eu devia estar por horas, visto ter j' no peito o roncadoiro da agonia! -- Bem haja o amigo Cajas -- disse-lhe eu! -- Bem haja!!! e Deus lhe pague o bem
que me fez!!! descobrindo-me a verdade@ Despedi-me duns e doutros e roguei que me dei%assem a sós com Br"zida! Depois de muito lhe apertar as mäos e a considerar, reloucado de todo, falei-lhe assim, por modos, na minha maluqueira: -- Mulher da minha alma, dei%a-me ver a espingarda, aquela leal companheira, que tambm lhe quero dizer adeus! Dei%a-ma c' ver!!! & escopeta, lazarina de dois canos, estava a ouvir!he /E-I -nos pendurada do frontal pela bandoleira, junto bolsa do chumbo e o polvorinho! 5ó faltava o podengo! 5em pre ali a tive carregada, pronta ao que desse e viesse, um tiro s perdizes ou num mariola! Mas näo me esquecia, um sarrafo de papel entre o cäo e o fulminante a#aimava-a contra jeito desastrado ou hora do .orco-5ujo! Br"zida ainda al#ou o bra#o para ma dar, mas ou porque lhe acudisse ao pensamento que tresloucado como estava era por l' capaz de atentar, antes da hora cheia, contra a alminha que Deus me deu, ou näo sei porqu disse-me: :, !he /I -- =lha que coisas@ ;ais ca#a< Dei%a a arma!!! 8ncomenda-te mas ;irgem 5ant"ssima que te receba em
seus bra#os! Bem me carpi, pelo que ela depois me contou: -- Diabos te levem mais ao amor que me tens! )em da es pingardinha me dei%as despedir! =lha que a näo levo para a tumba, alma de Barbazu@ 9' te fica@ .odes fazer do cano uma roca! 8stive dois dias a 'gua do cntaro cozido em febre, uma cantilena zaranza nos l'bios, nos ouvidos os zunzuns das comadres que se punham de cara encapuchada volta da cama, s vezes tantas que nem gralhas num vidoeiro: *est' a passar@ est' a passar@* 2ual o qu, na manhä do terceiro dia, quando j' ningum me julgava, dou um pulo da cama! &o contr'rio dos prognósticos do barbeiro, preguei um senhor pontap na Morte! MSamigos, vi-me entre as !he /I-L quatro t'buas@ J verdade@ )äo dei f do Diabo, mas, isso vos juro eu, cheguei a avistar o outro mundo e )osso 5enhor, sentado numa cadeira de oiro maci#o, a acenar-me com a mäo: -9hega-te c', Malhadinhas, chega-te c', näo tenhas medo! =lha que tenho c' dentro ovelhas mais tinhosas do que tu@ Deitei os olhos roda e näo avistei ningum de Barrelas! Mau negócio! 5im, senhores, e näo se admirem! & &na Malaia, que morreu
santa como :, !he /L ;ossorias sabem, tanto assim que o seu corpo est' inteirinho na sepultura, teve um dia uma visäo! 5! Cudovico, o santinho de quem era devota e que desceu ao inferno enquanto vivo, alcan#ou-lhe licen#a do 5enhor para ver os trs reinos do outro mundo! 9o me#ou pelo cu! 2ue beleza@ 8ram tudo mFsicas e cnticos, pivetes, manjares do fino, passeatas! )ada de fome, de frio, de ralhos e maus tratos, e muito menos de pontaps na bunda de ricos e tiranos! 2uem a dera l'@ -- 8 os da minha terra< = santo apontou a crian#ada, mais basta que as areias do mar, que ocupava uma grande parte do reino da glória! -- & gente grada< -- )äo sei! 8staräo por l' no purgatório!!! -- 9oitados, se estäo no purgatório desde que Barrelas Barrelas, uma tal chusma de gente@ & estas horas häo-de custar a reconhecer, estorricadinhos que nem torresmos@ -- & ver vamos, como dizia !he /L-N o cego de )acomba! Cevantaram-se umas telhas da segunda mansäo: o purgatório, para a &na Malaia esgrelhar! =s caldeir+es com as almas a nadar no pez e azeite a ferver e as foguei-
ras em que eram assados, grelhados, fritos, de escabeche, só vista! )em as cozinhas de todos os regimentos, de todos os colgios, de todos :, !he /N os asilos, de todas as maltesias, e todo o farrobodó das f'bricas e forjas de &lemanha davam ideia do que aquilo era! &inda l' näo tinha chegado o carväo nem a electricidade, de modo que todo o aquecimento era a lenha e de mandava muito bra#o! & &na Malaia de princ"pio toda se confrangeu, mas vista das almas, todas de mäos postas a dar gra#as ao <"ssimo e umas com um olho a rir, outro a chorar, conformou-se com a dureza daquela purifica#äo necess'ria glória de Deus! -- 8stes estäo pró%imos a ter alta@ -- segredou-lhe 5! Cudovico ante os tais de dois rostos! -- 8 os da minha terra< -- &presentem-se as almas de Barrelas@ -- bradou o forneiro-mor! 5a"ram entäo dos caldeir+es e fornalhas uma meia dFzia de almas macarenas, muito rotinhas, muito acanaveadas, umas tristes da maleita! 2uem elas eram< 6ma era o pai da &na Malaia, um bom-ser's, cosedor de panelas, que levava a sua menina s costas de terra em terra com os utens"lios do of"cio! =utra -- ela assim mo jurou --
era a minha santa mäe! .o brezinha, fartou-se de carre!he /N-EP tar molhos da lenha, de dar o dia, para eu näo ter fome, que meu pai, o malvado, näo quis saber de mim! =utra era um pobre cego que cantava pelas portas, de quem os rapazes faziam gato-sapato! :, !he /EP -- 5ó estas< -- atalhou a &na Malaia! -- 8 viva o velho@ -- res pondeu 5! Cudovico! -- ;a mos adiante!!! & &na Malaia näo quis ir mais longe com medo de que lhe ca"sse a alma aos ps! Mas, como eu ia dizendo, näo me cheguei para junto de Deus daquela vez, e c' ando com a cruz s costas at quando os seus altos des"gnios hajam decretado! Mas campa quebrada nunca sara! 8stou no fim dos dias! .ouco faltou para dar o tom bo! 8scapei por um cabelo! & que pontos a minha imagina#äo andava desgovernada, eu lhes conto: 2uando pedi a lazarina Br"zida, sabem ;ossorias para que era< .ara lhe malhar um tiro e ela ir dormir comigo na mesma cova! 4inha o Demónio a chocalhar-me nos miolos, mais quentes que as papas quando fervem na ca#oila, esta de ela quedar para a" toda lpida, ainda frescalhota, a gozar-se com outro do que levei
a amanhar com tanto trabalhinho! & viFva rica com um olho chora, com o outro repica! 8 sendo certo que minha Br"zida para rica falta-lhe muito, mas tambm näo precisa de andar s c3deas, ningum me garantia que a coisa näo levasse as mesmas voltas! Mas a criatura l' desconfiou e bem haja ela! 5e me passa a canifrecha !he /EP-E/ para as unhas, com o del"rio que me tomara e o Diabo travesseira, era milagre se näo estivesse hoje viFvo! 5eja pelos tormentos que )osso 5enhor :, !he /E/ padeceu@ Mas aquele &fonso do 4ouro precisava a bochada arrancada pelas costas e deitada aos cäes! 6m salafr'rio que me d' por morto e eu ainda para lavar e durar@ *.rovecto dos anos, uma tarde, ergueu-se do borralho e saiu a porta para fora, am parado ao porretinho de mar meleiro! &ndava h' dias a chocar a morte e dei%aram-no ir, que era relapso a preven#+es e cuidados! 5entou-se no poial de pedra, que servia de amassadoiro do linho! 9om mäo incerta aconchegou as abas da capucha contra os joelhos reglidos! )evara, codejara, e as 'rvores, com o sincelo, estalavam ao peso das candeias! &ntónio Ma-