ESCOLA, CURRÍCULO E CULTURA As políticas e práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e interferência, bem como a necessidade de um argumento competente sobre as ações que acontecem no campo curricular, não legitimam mais reduções, pulverizações e concepções a críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história das perspectivas e ações curriculares, que os educadores entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas, dinâmicas, que hoje definem de forma potente a qualidade e a natureza das opções formativas e educacionais. Não temos dúvida, que hoje, pelas vias da sua capacidade de organização da educação, os atos de currículo (MACEDO, 2007) podem contribuir, em muito, para definir destinos individuais e Enquanto construção social, o currículo se configura na educação contemporânea, como um dos mais poderosos dispositivos educacionais. educacionais. Nestes termos, o estudo do currículo passa a ser uma parte da teoria formativa que ultrapassa o mero domínio de um tema/ instrumento educacional. É, em realidade, uma maneira de, pela formação sociopedagógica, compreendermos como a educação do presente e suas políticas concebem, organizam, implementam, institucionalizam e avaliam os conhecimentos, configurados por conteúdos técnicos, éticos, políticos, étnico-culturais e estéticos eleitos como formativos. Assim, as questões curriculares devem ser debatidas pela sociedade civil organizada, na medida em que um “currículo educativo”, ideia defendi da neste texto, deve estar direcionado para o bem comum social, pleiteando e aprendendo criticamente com a diferença, envolvendo comunidades interessadas i nteressadas.. Antes mesmos de pensarmos em aplicar modelos curriculares como remédios universais para as diversas formações, ou verdades excessivas, excessivas, pensemos nas pessoas e nas necessidades necessidades educativas dos seus grupos de fato, nos contextos culturais, nas demandas e problemáticas do mundo do trabalho e da produção, possibilitando que as práticas curriculares sejam, em realidade, re alidade, construídas por processos intercríticos, e os atos de currículo transformados, em atos de justiça curricular. As verdades excessivas, os silenciamentos, as exclusões, as irresponsabilidades com os conhecimentos e aprendizados socialmente relevantes, tão presentes na história moderna e contemporânea do currículo, precisam dar lugar l ugar a uma concepção e ação curriculares socialmente implicadas na construção de uma cidadania construída na participação autêntica de toda a sociedade. Foi neste sentido que os curriculogistas críticos, sensíveis diante da forte função socioeducacional do currículo, perguntaram: o que faz o currículo com as pessoas? Ao fazerem essa pergunta, começaram uma revolução que, esperamos hoje, ultrapasse os muros dos interesses meramente burocráticos e acadêmicos acadêmicos e se se transforme transforme num ato político político e de trabalho árduo em favor favor da radical democratização da educação de qualidade entre nós. 4
ESCOLARIZAÇÃO, CURRÍCULOS E PRÁTICA PEDAGÓGICA A FUNÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO. A Educação está associada a procedimentos procedimentos de socialização e aprendizagem que interferem e promovem processos de desenvolvimento humano, nos quais interagem saberes, habilidades, tecnologias, linguagens, linguagens, hábitos, mitos, mit os, crenças, valores, padrões de conduta, padrões cogniti vos e padrões estéticos. As instituições escolares e as práticas de escolarização decorrem da institucionalização dos processos educacionais que se realizavam cotidianamente e que se expressam enquanto currículo escolar. Este processo se dá com a fixação de locais apropriados, programas pré-definidos, metodologias de funcionamento, normas e regras para atingir os objetivos pré-fixados de aprendizagem e formação de identidade daqueles que a frequentam. As instituições escolares assumiram papéis muito disti ntos na história da humanidade: seja o processo de iniciação em ritos religiosos (como no Egito Antigo) ou da filosofia (como na Grécia Clássica); da formação por tutoria de artesão (como entre os mesopotâmios e no feudalismo europeu), ou de soldados e cavaleiros (como em Esparta, no feudalismo europeu ou das culturas marciais dos clãs da Ásia Oriental), ou como formador de habilidades militares (como no Império Romano); ou ainda como transmissão de um conjunto de saberes para uma nova geração (como a dos religiosos reli giosos cristãos em mosteiros). Mas, a escolarização foi reconhecida como direito de todos há apenas dois séculos. Nesta perspectiva, Arendt define a instituição escolar como a “[...] instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer que seja possível a transição, de alguma f orma, orma, da família para o mundo” ARENDT, 1992, p. 238. A instituição escolar assim, é concebida como espaço de relação cultural entre as gerações mais velhas com as mais novas, entre os formados (e/ou experientes) e os em formação (e/ou com pouca experiência experiência ou inexperientes) inexperientes) e ainda entre os que que sabem mais e os que sabem sabem menos (e os que não sabem). A instituição escolar adquiriu para si a função de parte da preparação das novas gerações: de sacerdotes, de militares, de artesãos, no capitalismo pós iluminismo, il uminismo, e atualmente, de toda a sociedade (mesmo em sistemas duais de escolarização).
O CONCEITO DE CURRÍCULO: ESCOLARIZAÇÃO E REGULAÇÃO . O termo currículo vem da palavra latina Scurr Scurre ere, correr, e refere-se a curso, à carreira, a um percurso que deve ser realizado, ou seja, significa o caminho da vida, o sentido, a rota de uma pessoa ou grupo de pessoas. pessoas. Currículo indica processo, movimento, percurso, percurso, como a etimologia da palavra recomenda. Currículo é o ambiente do conhecimento, assim como, o espaço de contestação das relações sociais e humanas e também o lugar da gestão, da cooperação e participação. O currículo deve ser entendido como componente central do procedimento da educação institucionalizada . Inserida no campo pedagógico, o termo passou por diversas definições ao longo da história da educação. Tradicionalmente o currículo significou uma relação de matérias/disciplinas com seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica, com o respectivo tempo de cada uma (grade ou matriz curricular). Esta conotação guarda estreita relação com “programa” “plano de estudos”, tratado trata do como o conjunto das matérias a serem ensinadas em cada curso ou série e o tempo reservado a cada uma, mas expressa atualmente ampla diversidade semântica e multiplicidade de usos, (Forquin,19 ( Forquin,1993). 93). Segundo o autor, o termo currículo abarcaria: 5
ESCOLARIZAÇÃO, CURRÍCULOS E PRÁTICA PEDAGÓGICA A FUNÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO. A Educação está associada a procedimentos procedimentos de socialização e aprendizagem que interferem e promovem processos de desenvolvimento humano, nos quais interagem saberes, habilidades, tecnologias, linguagens, linguagens, hábitos, mitos, mit os, crenças, valores, padrões de conduta, padrões cogniti vos e padrões estéticos. As instituições escolares e as práticas de escolarização decorrem da institucionalização dos processos educacionais que se realizavam cotidianamente e que se expressam enquanto currículo escolar. Este processo se dá com a fixação de locais apropriados, programas pré-definidos, metodologias de funcionamento, normas e regras para atingir os objetivos pré-fixados de aprendizagem e formação de identidade daqueles que a frequentam. As instituições escolares assumiram papéis muito disti ntos na história da humanidade: seja o processo de iniciação em ritos religiosos (como no Egito Antigo) ou da filosofia (como na Grécia Clássica); da formação por tutoria de artesão (como entre os mesopotâmios e no feudalismo europeu), ou de soldados e cavaleiros (como em Esparta, no feudalismo europeu ou das culturas marciais dos clãs da Ásia Oriental), ou como formador de habilidades militares (como no Império Romano); ou ainda como transmissão de um conjunto de saberes para uma nova geração (como a dos religiosos reli giosos cristãos em mosteiros). Mas, a escolarização foi reconhecida como direito de todos há apenas dois séculos. Nesta perspectiva, Arendt define a instituição escolar como a “[...] instituição que interpomos entre o domínio privado do lar e o mundo com o fito de fazer que seja possível a transição, de alguma f orma, orma, da família para o mundo” ARENDT, 1992, p. 238. A instituição escolar assim, é concebida como espaço de relação cultural entre as gerações mais velhas com as mais novas, entre os formados (e/ou experientes) e os em formação (e/ou com pouca experiência experiência ou inexperientes) inexperientes) e ainda entre os que que sabem mais e os que sabem sabem menos (e os que não sabem). A instituição escolar adquiriu para si a função de parte da preparação das novas gerações: de sacerdotes, de militares, de artesãos, no capitalismo pós iluminismo, il uminismo, e atualmente, de toda a sociedade (mesmo em sistemas duais de escolarização).
O CONCEITO DE CURRÍCULO: ESCOLARIZAÇÃO E REGULAÇÃO . O termo currículo vem da palavra latina Scurr Scurre ere, correr, e refere-se a curso, à carreira, a um percurso que deve ser realizado, ou seja, significa o caminho da vida, o sentido, a rota de uma pessoa ou grupo de pessoas. pessoas. Currículo indica processo, movimento, percurso, percurso, como a etimologia da palavra recomenda. Currículo é o ambiente do conhecimento, assim como, o espaço de contestação das relações sociais e humanas e também o lugar da gestão, da cooperação e participação. O currículo deve ser entendido como componente central do procedimento da educação institucionalizada . Inserida no campo pedagógico, o termo passou por diversas definições ao longo da história da educação. Tradicionalmente o currículo significou uma relação de matérias/disciplinas com seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica, com o respectivo tempo de cada uma (grade ou matriz curricular). Esta conotação guarda estreita relação com “programa” “plano de estudos”, tratado trata do como o conjunto das matérias a serem ensinadas em cada curso ou série e o tempo reservado a cada uma, mas expressa atualmente ampla diversidade semântica e multiplicidade de usos, (Forquin,19 ( Forquin,1993). 93). Segundo o autor, o termo currículo abarcaria: 5
a) uma abordagem global dos fenômenos educativos; b) uma maneira de pensar a educação, que consiste consiste em privilegiar privi legiar a questão dos conteúdos; c) a forma de selecionar e privilegiar determinados conteúdos; d) a forma f orma como estes conteúdos se organizam nos cursos; e) experiências vividas no espaço da instituição escolar pelo aluno que implicam a regulação de comportamento e promoção de capacidades Para Forquin (1993), os conteúdos curriculares efetivam- se como “[...] a porção da cultura - em termos de conteúdos e práticas (de ensino, avaliação, etc.) - que, por ser considerada relevante num dado momento histórico, é trazida para a instituição escolar, isso é, é escolarizada. ” Mas currículo, também é um dispositivo engajado na produção de identidade, ao instituir padrões de inteligibilidade do mundo por intermédio de parâmetros do conhecer, estabelecido em estilos privilegiados de raciocínio e formas particulares de conceber o mundo e a si mesmo, produzindo e criando sentidos e significações. A escolarização, nesta perspectiva e em suas peculiaridades de processo social, constitui elos diretos e efetivos com a produção de identidade de crianças, adolescentes, jovens e adultos. A cultura escolar, a organização dos tempos e espaços, os dispositivos pedagógicos e as situações de socialização e interação constituem processos de modelação e regulação na constituição de identidade dos seres humanos que frequentam as instituições escolares, contribuindo para definir os papéis sociais . Papéis sociais que se constituem das formas como os indivíduos se identificam e se posicionam a si mesmos na teia complexa das relações sociais. A instituição escolar escolhe, dentre várias possibilidades, modelos específicos que procura impingir aos seus educandos e educandas, implicando “[...] o processo de constituição e de posicionamento: de constituição do indivíduo como um sujeito de um determinado tipo e de seu múltiplo posicionamento no interior das diversas divisões sociais” [Silva, 1995, p. 5]. O currículo é expressão e também produtor do processo de institucionalização de educação ao definir os objetivos e formas de propiciar a formação da da identidade. A dimensão do ensinar e do aprender e concepção curricular decorrente, expressa e implica não apenas em conhecimento desejáveis, mas regras e padrões que guiam os indivíduos ao produzir seu conhecimento sobre o mundo, assim, “[...] aprender informações no processo de escolarização é também aprender uma determinada maneira, assim como maneiras de conhecer, compreender e interpretar” (Popkewitz, (Popkewitz, 1995, p. 192). 192) . Esses processos “[...] constituem formas de regulação social, produzidas através de estilos privilegiados de raciocínios. Aquilo que está no currículo não é apenas informação – a a organização do conhecimento corporifica formas particulares de agir, sentir, f alar alar e «ver» o mundo e o «eu»” (POPKEWITZ, 1995, p. 175) . A organização curricular , assim, constitui campos de “[...] noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais – explícita ou implicitamente” (Silva, 1995a, p. 4), implicando em relações de poder que, incorporados aos processos pedagógicos, pedagógicos, definem o que é válido, o que de ver ser produzido, qual e de quem é o saber a ser estudado, etc. Esses processos implicam também em dispositivos de regulação moral, pois definem “[...] qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é certo e o que é errado, o que é moral e o que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não o são” (Silva, 1995a, p. 4). 4) . O currículo, assim, é, também, dispositivo sancionador do poder “[…] através da maneira pela qual (e as condições pelas quais) o conhecimento é selecionado, or ganizado ganizado e avaliado na escola” (Popkewitz, 1995, p. 205) . 6
Os processos escolares também implicam fazer distinções, diferenciações e sensibilidade que delimitam sentimentos e atitudes apropriadas, estabelecendo relações entre cognição e emoção, através de performances e discursos que corporificam movimentos, os quais caracterizam a forma de ser (seja andar, falar ou interagir com outras pessoas) (Popkewitz, 1995).
A organização curricular e os conteúdos selecionados e as formas de organizar as atividades pedagógicas, presentes nas formulações curriculares, relacionando escolarização e identidade social, promovem efeitos de subjetividade , “[...] assegurado precisamente pelas experiências cognitivas e afetivas corporificadas no currículo” (Silva, 1995, p. 184). Assim, [...] juntamente com a aprendizagem de conceitos e de informações sobre Ciências, Estudos Sociais e Matemática são aprendidos métodos de solução de problemas que fornecem parâmetros sobre a forma como as pessoas devem perguntar, pesquisar, organizar e compreender como são o seu mundo e o seu «eu» (POPKEWITZ, 1995, p. 192.
A forma de ser de estudante, compõe uma segunda dimensão da produção de identidade, por intermédio de estímulo a modelos idealizados, genéricos e homogêneos, das formas de conduzir as aulas, nos objetivos fixados de aprendizagem e desempenho em atividade e avaliações, nas condutas e vestimentas adequadas ao espaço e atividades escolares, mesmo que fora da sala de aula. Estas “[...] posturas particulares (formas corretas de mant er o corpo durante a leitura), silêncios, gestos e sinais de demonstração de «estar presente na aula» [...] codificam formas particulares de agir, ver , falar e sentir do estudante” ( Luke apud Popkewitz, 1995, p. 193). O currículo e a organização do trabalho pedagógico.
O currículo, nesta perspectiva, de ver ser tomado “como terreno de produção e criação simbólica cultural [...] nos quais, os materiais existentes funcionam como matéria prima de criação, recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão” [Moreira & Silva, 1994, p. 26-28]. O currículo reúne “[...] o conjunto de todas as experiências de conhecimento proporcionadas aos/às estudantes” [Silva, 1995: 184], sendo que assim, representa as intenções e efeitos que a instituições escolares e os dispositivos pedagógicos produzem sobre os alunos e as alunas no sentido, explícito ou não, de transmitir ou formar, de produzir um campo de disputa pela formação de identidades nas novas gerações de crianças, adolescentes, jovens, adultos/as e/ou profissionais [Silva, 1995]. Portanto, como um espaço de organização de saberes, valores e sentimentos que podem ser respectivamente ensinados, formados e experienciados . A relação entre currículo e a educação, neste sentido, não pode ser tomada como uma mera correia de transmissão de cultura, pois “[...] são partes integrantes e ativas de um processo de produção e criação de sentidos, de significações, de sujeitos” (Moreira & Silva, 1994, p. 27) . Assim, as relações entre currículo e educação constituem campos tanto de produção ativa da cultura como de contestação; portanto, a preocupação nas discussões sobre o tema não deve estar restrito no que se transmite, mas no que se faz com o que se transmite (Moreira & Silva, 1994). Pois: [...] é importante ver o currículo não apenas como sendo constituído d e “fazer coisas” mas também vê-lo como «fazendo coisas às pessoas». O currículo é aquilo que nós, professores/as e estudantes, fazemos com as coisas, mas é também aquilo que as coisas que fazemos fazem a nós. O currículo tem de ser visto em suas ações (aquilo que fazemos) e em seus efeitos (o que ele nos faz). Nós fazemos o currículo e o currículo nos faz (SILVA, 1995a, p. 4).
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O currículo, segundo Silva [1995], produz “[...] formas de melhor organizar experiências de conhecimento dirigidas à produção de formas particulares de subjetividade: seja o sujeito conformista e essencializado das pedagogias tradicionais, seja o sujeito «emancipado» e «libertado» das pedagogias progressistas”(p. 02), referindo-se a concepções pedagógicas e propostas curriculares que propõem-se a dirigir o processo de constituição da autonomia, através de padrões de cognição, de condutas e linguagens que levariam à emancipação humana, como se esta pudesse ser constituída de uma ação externa aos indivíduos. Portanto, independente de julgamentos de valor ou de concordância com os pressupostos formativos destas teorias, estas propostas curriculares apresentam formas concretas de regulação moral e de produção de formas de subjetividade que, sem consulta prévia aos alunos e alunas alvos deste processo. Os currículos e as teorias curriculares, portanto, não podem ser reconhecidas como um instrumento neutro, pois constituem “[...] operação destinada a extrair, a fazer emergir, uma essência humana que preexista à linguagem, ao discurso e à cultura” (Silva, 1995, p. 5) . SABERES E CULTURAS NO AMBIENTE ESCOLAR As instituições escolares são ambientes culturais, que devem e podem promover o diálogo com e entre culturas [Moreira, 2003], ou seja, com a: a) cultura dos grupos de convívios dos educandos e educandas, assim como dos saberes produzidos nestes diferentes contextos culturais b) cultura de massas, seus diferentes agentes e os saberes acessados por alunos e alunas em diferentes pontos da teia das mídias; c) cultura erudita e os saberes propostos e sancionados pela instituição escolar, que seriam acessados conforme as necessidades e situações de aprendizagem determinadas pelos ritmos e processos dos coletivos de educandos. As crianças, adolescentes, jovens e adultos que frequentam as instituições escolares em quaisquer de suas etapas expressam a sua cultura vivida e são portadores de saberes produzidos em seus grupos de convívios. Estes saberes, comumente, sem sistematização rigorosa guardam em si muito da experiência vivida incorporando:
a) A tradição mítica e folclórica, b) As diferentes mediações de saberes profissionais, experimentais e para científicos, comumente transmitido por tradição entre gerações; c) A assimilação e simplificação de saberes transmitidos por grupos profissionais, pelas instituições escolares e pelas mídias. Os educandos trazem à sala de aula produtos da indústria cultural veiculados pela cultura de massas assim como saberes acessados em diferentes pontos das mídias. A televisão, em particular, permite diferentes tipos de acesso em função da variedade de oferta de programas, na qual, por exemplo, uma mesma divulgação científica pode ser relatada num telejornal, num programa vespertino orientado para as donas de casa, num show de auditório dominical ou em documentário de canais especializados. As mídias impressas e sites da Internet veiculam publicações, assim como rádios e canais de televisão produzem programas focados em crianças, adolescentes e jovens que, acessados por alguns, são transmitidos oralmente para vários outros. O acesso à Internet possibilita toda sorte de acessos, com conteúdos para disciplinares, produzidos sem o rigor ou com instrumentos inadequados; com reducionismos; com fundamentos impróprios; com compilações, traduções e referências indevidas, etc. 8
A escola é o espaço de encontro da cultura popular e de massa e seus respectivos saberes com a cultura erudita e os saberes científicos/acadêmicos selecionados pela escola. Neste sentido, o currículo escolar precisa ter como foco a cultura [Moreira, 2003]. Pois, o encontro de culturas pode ser um diálogo, no qual não se exclua e nem se desqualifique saberes e culturas. A identidade de adolescentes, jovens e adultos não pode ser desprezada e nem desqualificada pela instituição escolar . Nesta perspectiva, é importante examinar a diversidade cultural dos grupos de convívio de adolescentes e jovens que expressam padrões de convívio, que articulam valores, conduta, linguagem, habilidades, saberes e articuladores de suas práticas sociais . Estas se expressam em forma de vestimentas, gostos estéticos - em particular o musical, um pensamento (mesmo que difuso) político e social, que se expressa em locais de reunião e encontro. As culturas juvenis e adolescentes, em particular, são polarizadas e permeadas por grupos sociais organizados, genericamente conhecidos como tribos, que expressam elementos de identidade coletiva Os espaços escolares e os temas de estudo precisam refletir essa realidade, pois o direito à expressão cultural não pode ser proibido nem desqualificado pelos professores, porque o estariam fazendo em nome de sua própria cultura ou daquelas que consideram “adequada” ou “superior”. Assim, os espaços escolares devem exprimir as ideias, símbolos e imagens daquelas alunas e alunos que os frequentam, pois a instituição escolar é um espaço de aprendizagem e interação num contexto de diversidade cultural.
CURRÍCULO E SABERES ESCOLARES. As instituições escolares selecionam no interior da cultura da sociedade, um conjunto de saberes que consideram de aprendizagem necessária as novas gerações, ordenando o campo dos saberes escolares. Os saberes escolares são sempre uma seleção cultural expressa na forma de currículos que definem o que vai ser disponibilizado - ou não - aos alunos. Os saberes escolares são, portanto, a resultante do processo de apropriação pedagógica do conhecimento produzido em diferentes áreas (Santos, 1995, p. 132). A escolarização, para Popkewitz (1995) , “[...] impõe certas definições sobre o que deve ser ensinado” (p. 192) , implicando, em critérios de seleção e ordenação dos saberes escolares, bem como na definição formas pedagógicas de apresentá-los aos educandos. A forma de organização dos saberes selecionados como escolares - dentre uma vasta gama de possibilidades - constitui também implicações regulativas, pois define padrões de linguagens, de processos cognitivos, além de veicular valores e padrões de conduta. Assim, a seleção dos saberes escolares: [...] molda e modela a forma como os eventos sociais e pessoais são organizados para a reflexão e a prática. Os processos de seleção atuam como «lentes» para definir problemas, através das classificações que são sancionadas (Popkewitz, 1995, p. 192).
As concepções curriculares no Brasil, geralmente se dão de forma:
a) linear, b) ascendente e c) escalonado. 9
Assim, podemos verificar que as propostas os organizam :
a) ordenados por grades temporais, em séries ou ciclos, e dentre destes em bimestres, trimestres e semestres; b) distribuídos em disciplinas c) conteúdos pré-fixados, articulados por pré-requisitos, temas pré-ordenados e objetivos pré-determinados; e d) moldados por metodologias do ensino, que muitas vezes são derivadas das disciplinas. Os saberes escolares são submetidos a hierarquizações de pré-requisitos ou moldagens decorrentes de dispositivos pedagógicas, comumente influenciados diretamente por teorias psicológicas, que “enquadram” os estudantes em etapas de desenvolvimento humano, mais ou menos, rígidos e uni versais, ou idades supostamente adequadas para aquisição de certos conteúdos ou habilidades, estabelecendo limites e potencialidades a priori para os processos escolares. Isto decorre do modelo vigente e da cultura de escolarização seriada, diretivista, meritocrática, individualista e massificadora. A organização dos saberes escolares sofre, também, mediações promovidas: a) pelas qualificações e concepções dos professores e professoras e pelo grau de autonomia destes em relação à instituição escolar e sua mantenedora e da interação (ou não) com os colegas com as direções e as instâncias organizativas; b) pelos materiais didáticos disponíveis, entre os quais se incluem: os livros didáticos, os acervos de bibliotecas escolares, os acervos e instrumentos de tecnologia educacional, tais como arquivos em meio magnético (de textos, imagens e sons), transparências e slides, acesso à Internet e laboratórios; e c) pelos elementos da cultura da instituição escolar, tais como, hábitos, valores, mitos, saberes, técnicas/práticas, tanto os prescritos como os proscritos (todos têm implicações importantes nesse processo). SOBRE OS SABERES CIENTÍFICOS E ACADÊMICOS. O referencial dos saberes escolares sancionados pelas instituições escolares, fundamentalmente e comumente, é referenciado no conhecimento científico que, no final do século XX, acentou a sua disponibilização na forma acadêmica, sancionado por corporações disciplinares. Esses saberes sofrem mediações: a) das formas de produção e sistematização , quanto às regras de validação e reconhecimento – desde os instrumentos e fontes de pesquisa, processo de avaliação e sancionamento, como as bancas examinadoras da produção acadêmica; b) das formas de exposição que respeitam regras de formas e linguagens próprias que, por vezes, tornam-se herméticas para os “não iniciados”, sejam professores e mesmo estuda ntes em busca de maior amplitude de conhecimento; e c) das formas de acervo e divulgação que, particularmente no Brasil, dispõem de poucos canais de publicação e ainda assim, com preço proporcionalmente alto, dificultando e restringindo a circulação . A Internet tem cumprido um papel positivo na disponibilização de saberes acadêmicos, mas, ainda assim, a busca de certas informações nos diferentes canais da rede mundial, por vezes, se constitui numa verdadeira e complexa aventura.
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A instituição escolar é ainda o principal canal de acesso sistêmico e permanente distribuição dos saberes acadêmicos, cabendo aos currículos a transposição didática desses como saberes escolares, implicando em dois processos distintos: o de seleção (do que vai ou não ser transmitido) e da forma (do como vai ser a transmissão). Segundo Bernestein [1996], o discurso pedagógico, em primeira instância, compõe a formatação da prescrição curricular em que ocorre a definição do que vai ou não ser disponibilizado ao aluno, promovendo a seleção de saberes, denominado de discurso instrucional. Em segunda instância, como sendo aquela que orienta as formas dessas transmissões, denominadas de discurso regulativo. Podemos identificar então as seguintes etapas:
a) a prescrição do qual conhecimento constituir e em que série; b) a didatização dos saberes acadêmicos convertidos em escolares, na forma de organização do trabalho pedagógico e dos materiais didáticos adotados; c) a adoção de estratégias pedagógicas comportando uma tecnologia didática utilizada pelo professor para implementar a transmissão e aquisição dos saberes disponibilizados; d) a avaliação – como meta de transmissão e aquisição do conhecimento e como instrumento regulativo da continuidade do aluno no processo escolar. A tradição escolar brasileira está fortemente impregnada pelo diretivismo, que se expressa na linearidade na exposição dos temas de estudo e quadros conceituais, no desenvolvimento de procedimentos e na forma estritamente expositiva de saberes pelos educadores, educadoras e/ou materiais didáticos. As formas de acesso aos saberes acadêmicos são, comumente, estáticas, descoladas, tanto de seu processo de produção e dos valores com os quais se conecta, como também distante da realidade imediata e objetiva do aluno. Portanto, as práticas pedagógicas só muito recentemente são concebidas como processos de aprendizagem e de interação formativa entre professores e alunos e de alunos com alunos, objetivando tanto o aprimoramento intelectual, como a formação do caráter e a experienciação de sentimentos dos e pelos educandos e educandas no espaço escolar (Cordiolli, 2001b).
CURRÍCULO E A CULTURA ESCOLAR Os estudos culturais nas instituições escolares são restritos e recentes, mas já apontam os limites (e fracassos) das políticas educacionais, ao lidar inadequadamente com os desenhos culturais, expondo “[...] a complexidade do iceberg e os limites das inovações (implementadas pelas reformas educacionais] que ignoram o estabelecimento (instituição) escolar como lugar da vida com sua cultura própria” (Gather Thurler, 2001, p. 89]. Nesta mesma perspectiva, Forquin (1993, p. 10), também observa que o [...] pensamento pedagógico contemporâneo não pode se esquivar de uma reflexão sobre a questão da cultura e dos elementos culturais dentro dos diferentes tipos de escolhas educativas, sob pena de se cair na superficialidade. 11
As propostas educacionais, em particular, as construções curriculares, deveriam pressupor que se faz, “[...] necessário que os analist as se tornem menos «escolares» e mais «culturais»” Moreira & Silva, (1994, p. 33). A cultura escolar em cada instituição: [...] estabiliza-se como um conjunto de regras do jogo que organiza a cooperação, a comunicação, as relações de poder, a divisão do trabalho, os modos de decisão, as maneiras de agir e interagir, a relação com o tempo, a abertura para fora, o estatuto da diferença e da divergência. (GATHER THULER, 2001, p. 90)
O currículo, com foco na cultura, assume “[...] uma dimensão ampla que o ent ende em sua função socializadora e cultural, bem como, forma de apropriação da experiência social acumulada e trabalhada a partir do conhecimento formal que a escola escolhe, organiza e propõe como centro das atividades escolares” Krug, (2001, p. 56). Os conteúdos, ao expressar experiência social acumulada, devem também contemplar as experiências da diversidade de ambientes culturais das alunas e alunos para orientar as atividades pedagógicas em sala de aula. Nesta perspectiva, os centros das atividades escolares estarão fortemente vinculados aos temas de formação de identidade - como valores, condutas e temas que lhe são significativos – produzidos pelos contextos vividos dos alunos e alunas. Esta proposição implica uma inversão de práticas curriculares, confrontando a tradição das instituições escolares, no Brasil que, majoritariamente, possuem ações diretivistas de transmissão de bens culturais considerados científicos, corretos e necessários às alunas e alunos. O modelo e a cultura escolar vigente produziram formas rígidas de disciplina de tempos e espaços escolares, em decorrência do caráter homogeneizador e massificador de seus pressupostos. Portanto, se faz imperativo, repensar e experienciar outras formas de organização e gestão dos espaços e tempos escolares. Os espaços escolares para acolher estudantes em sua diversidade, precisam estar em sintonia com seus respectivos ambientes culturais. Por isso, seria importante que os alunos e as alunas decorassem os espaços escolares, construindo uma convergência na diversidade de suas salas de aula; inclusive com negociações entre colegas de uma mesma turma e das outras que utilizam o mesmo espaço em turnos distintos.
COMO SE CONSTITUI UM CURRÍCULO ESCOLAR? Sabe-se que o currículo escolar é um dos pontos mais difíceis a serem enfrentados pela escola. Duas questões podem ser inicialmente levantadas em relação a esse aspecto:
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1) Quem define o quê, e como a escola deve ensinar? Tradicionalmente, as escolas públicas têm a sua prática pedagógica determinada ou por orientações oriundas das secretarias de educação ou pelos próprios livros didáticos. Isso resulta, na maioria das vezes, em uma prática curricular muito pobre, que não leva em conta nem a experiência trazida pelo próprio professor, nem a trazida pelo aluno, ou mesmo às características da comunidade em que a escola está inserida. Por outro lado, isso restringe a autonomia intelectual do professor e o exercício da sua criatividade. E pior: não permite que a escola construa sua identidade. Relacionada a isso, existe uma concepção restrita de currículo, próxima do conceito de programa ou, pior ainda, de uma simples grade curricular, ou de mera listagem dos conteúdos que devem ser tratados. Daí porque muitos professores se orientam apenas pelos sumários ou índices dos livros didáticos. O currículo, entretanto, abrange tudo o que ocorre na escola, as atividades programadas e desenvolvidas sob a sua responsabilidade e 12
que envolvem a aprendizagem dos conteúdos escolares pelos alunos, na própria escola ou fora dela, e isso precisa ser muito bem pensado na hora de elaborar um projeto político pedagógico. Assim sendo, é indispensável que a escola se reúna para discutir a concepção atual de currículo expressa tanto na LDB quanto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os diferentes níveis de ensino e também nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s). A legislação educacional brasileira, quanto à composição curricular, contempla dois eixos: Uma Base Nacional Comum, com a qual se garante uma unidade nacional, para que todos os alunos possam ter acesso aos conhecimentos mínimos necessários ao exercício da vida cidadã. A Base Nacional Comum é, portanto, uma dimensão obrigatória dos currículos nacionais e é definida pela União. Uma Parte Diversificada do currículo, também obrigatória, que se compõe de conteúdos complementares, identificados na realidade regional e local, que devem ser escolhidos em cada sistema ou rede de ensino e em cada escola. Assim, a escola tem autonomia para incluir temas de seu interesse. É através da construção da proposta pedagógica da escola que a Base Nacional Comum e a Parte Diversificada se integram. A composição curricular deve buscar a articulação entre os vários aspectos da vida cidadã (a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social, o meio ambiente, o trabalho, a ciência e a tecnologia, a cultura, as linguagens) e com as áreas de conhecimento (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia, História, Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física e Educação Religiosa).
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DISCIPLINA: FOCO E PROBLEMÁTICA Estamos vivendo um verdadeiro ataque às lógicas disciplinares que secularmente organizam os curricula. Já está claro o quanto a perspectiva disciplinar fragmentou o currículo, bem como organizou nossa maneira de perspectivar o mundo, de forma predominantemente antinômica, bipolar, portanto. Aprendemos a olhar a realidade em muito por essa lógica, separamos muitas vezes o inseparável, porque a disciplina nos ensinou assim. Desta forma, num mundo que experimenta tamanho processo de escolarização, nunca tivemos tão expostos às lógicas curriculares, predominantemente fragmentárias. Essa realidade nos diz da responsabilidade do currículo por aquilo que pensamos e fazemos nesta conjuntura histórica. A lógica disciplinar não é fruto apenas da história do campo curricular, é necessário afirmar. A lógica da ciência moderna criou a ideia de disciplina, a escola se apropriou dela e a fez segundo suas culturas pedagógicas, assim como temos uma civilização ocidental pautada na cosmovisão disciplinar. Isso nos mostra a dimensão e a complexidade da sua superação em termos de lógica da relação com o conhecimento eleito como formativo: ou seja, o currículo.
Entre os estudiosos do currículo já existe uma compreensão de que a disciplina escolar não é uma tradição monolítica, portanto não é única, tendo como espelho a disciplina acadêmica ou científica. Segundo Lopes e Macedo (2002, p. 80) “não se trata de uma ‘tradução’ de um corpo de conhecimentos para o nível escolar. Ao contrário, a disciplina escolar é construída social e politicamente, de forma contestada, fragmentada e em constante mutação.” Esse argumento nos diz de uma inteligibilidade da lógica disciplinar que tem muito a ver com o institucional escolar e acadêmico, suas características materiais e ideológicas. Conclui-se, assim, que a prática disciplinar e sua força simbólica constituem-se numa estrutura significativa para dificultar as iniciativas não-disciplinares. Nesses termos, a nossa hipótese é que as práticas disciplinares por muito tempo ainda guiarão as concepções e implementações curriculares. Ou seja, o currículo oculto disciplinar dirá, durante um tempo significativo, como devemos organizar as nossas formações, por mais que reconheçamos o importante e construtivo movimento relacional não-disciplinar que habita hoje o argumento epistemológico e formativo e, por consequência, as práticas curriculares. O que nos parece ainda importante enfrentar, no que concerne à lógica disciplinar, é a ideia positivista de que a disciplina representa a própria realidade a ser conhecida por um processo de transmissão de verdades perenes, ou que a disciplina é a última fronteira do conhecimento a ser veiculado sobre essa mesma realidade. É preciso destituir esse poder veiculador da disciplina, para que possamos multirreferencializar o currículo e torná-lo lugar da solidariedade epistêmica, face à heterogeneidade irredutível das experiências curriculares e formativas e a necessidade histórica de constituirmos múltiplas justiças curriculares, inspirando-nos em Connell, ou seja, formas de justiça que alcancem todos os segmentos sociais.
A perspectiva interdisciplinar Fazendo uma leitura crítica de como a disciplina fragmentou para “conhecer de forma clara e distinta”, essa perspectiva vem propor a superação dessa fragmen tação, argumentando e criando dispositivos, onde as disciplinas são chamadas a dialogar, a se interfecundar no intuito de melhor compreender muitas das realidades, que hoje, pelas suas complexidades, revelam-se impossíveis de serem explicitadas e resolvidas por visões pautadas na perspectiva monodisciplinar. Neste caso, 14
cada disciplina, a partir da sua concepção epistemológica e pedagógica, oferece a sua contribuição e se abre à contribuição de outras disciplinas. Assim, a noção-chave da interdisciplinaridade é a interação entre as disciplinas, que pode ir da simples comunicação de ideias até a integração mútua dos conceitos, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos. Há neste esforço o objetivo de se chegar a uma compreensão em que a unidade perdida pela hiperespecialização das disciplinas seja recuperada em prol de uma visão que globalize os saberes e construa unidades de conhecimento, edificadas pelo encontro interfecundante entre as disciplinas. Para alguns curricologistas mais voltados para uma perspectiva onde a diferença e não a identidade aparece como fundante na constituição curricular, a interdisciplinaridade é um ideário pedagógico que cultiva a utopia de alcançar uma certa unidade perdida, constituída na esperança de que, na reunião dialógica de várias disciplinas, se consiga um objetivo formativo unificado. Há que se pontuar, entretanto, que a polissemia nesta discussão é considerável. Existem perspectivas interdisciplinares que não vão nesta direção, visam atingir compreensões mais relacionais, sem, entretanto, vislumbrarem a constituição de unidades fixas e fundadas numa pretensa totalização ou unificação dos conhecimentos. Temos que destacar, que a perspectiva interdisciplinar é uma releitura crítica da lógica disciplinar que organiza a educação. Com algumas superações, a interdisplinaridade traz consigo, dialeticamente, a necessidade de se levar em consideração, ainda, a disciplina.
A perspectiva transdisciplinar Em termos curriculares, da nossa perspectiva, não é necessário transformar a perspectiva transdisciplinar numa imposição totalizante, mas reconhecer o seu potencial elucidativo e formativo, na medida em que essa perspectiva não quer fornecer fórmulas pragmáticas de um pensamento, mas mobilizar a cooperação e a interfecundação de saberes para compreender a partir do que é produzido pelas interações entre eles, sem desprezar as especificidades.
Um currículo transdisciplinar trabalha com as sínteses possíveis, com as relações possíveis, porque contextuais, históricas e políticas, sínteses essas requeridas pelas problemáticas humanas e seus desafios . A transdisciplinaridade busca, na realidade, aquilo que o próprio Morin chama de Unitas Multiplex, a unidade na multiplicidade, não como uma unidade fixa, somatório perfeito, mas algo que como um complexo contenha a singularidade e se constitua no e com o plural; com e no movimento, realizando diferentes configurações.
A ACOMPOSIÇÃO CURRICULAR Há várias formas de composição curricular, mas os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam que os modelos dominantes na escola brasileira, multidisciplinar e pluridisciplinar, marcados por uma forte fragmentação, devem ser substituídos, na medida do possível, por uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar. O que isso significa? Interdisciplinaridade significa a interdependência, interação e comunicação entre campos do saber, ou disciplinas, o que possibilita a integração do conhecimento em áreas significativas. 15
Transdisciplinaridade é a coordenação do conhecimento em um sistema lógico, que permite o livre trânsito de um campo de saber para outro, ultrapassando a concepção de disciplina e enfatizando o desenvolvimento de todas as nuances e aspectos do comportamento humano. Com base nessas formas de composição curricular, é que os Parâmetros Curriculares Nacionais introduzem os temas transversais que, tomando a cidadania como eixo básico, vão tratar de questões que ultrapassam as áreas convencionais, mas permeiam a concepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas dessas áreas. Essa transversalidade supõe uma transdisciplinaridade, o que vai permitir tratar uma única questão a partir de uma perspectiva plural. Isso exige o comprometimento de toda a comunidade escolar com o trabalho em torno os grandes temas definidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, como Ética, Saúde, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, os quais podem ser particularizados ou especificados a partir do contexto da escola.
Como essas determinações formais do currículo vão se manifestar na escola? A sua concretização, no espaço dinâmico que é o da escola, vai produzir, simultaneamente, diferentes formas de expressão do currículo como:
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O currículo formal é entendido como o conjunto de prescrições oriundas das diretrizes curriculares, produzidas tanto no âmbito nacional quanto nas secretarias e na própria escola e indicado nos documentos oficiais, nas propostas pedagógicas e nos regimentos escolares. O currículo real é a transposição pragmática do currículo formal, é a interpretação que professores e alunos constroem, conjuntamente, no exercício cotidiano de enfrentamento das dificuldades, sejam conceituais, materiais, de relação entre professor e alunos e entre os alunos. São as sínteses construídas por professores e alunos, a partir dos elementos do currículo formal e das experiências pessoais de cada um. O currículo oculto é aquele que escapa das prescrições, sejam elas originárias do currículo formal ou do real. Diz respeito àquelas aprendizagens que fogem ao controle da própria escola e do professore passam quase despercebidas, mas que têm uma força formadora muito intensa. São as relações de poder entre grupos diferenciados dentro da escola que produzem aceitação ou rejeição de certos comportamentos, em prejuízo de outros, são os comportamentos de discriminação dissimulada das diferenças e, até mesmo, a existência de uma profecia auto realizadora dos professores que classifica, de antemão, certos alunos como bons e outros como maus. O currículo oculto também vai se manifestar, entre outras formas, na maneira como os funcionários tratam os alunos e seus pais, no modo de organização das salas de aula, no tipo de cartaz pendurado nas paredes, nas condições de higiene e conservação dos sanitários, no próprio espaço físico da escola.
Ao lado do currículo formal , determinado legalmente e colocado nas diretrizes curriculares, nas propostas pedagógicas e nos planos de trabalho, há um currículo em ação , considerado o currículo real que é aquilo que de fato acontece na escola, e o currículo oculto, que é aquilo que não está formalmente explicitado, mas que perpassa, o tempo todo, as atividades escolares. Essas expressões do currículo vão constituir o conjunto das aprendizagens realizadas pelos alunos, e o reconhecimento dessa trama, presente na vida escolar, vai dar à equipe da escola melhores condições para identificar as áreas problemáticas da sua prática pedagógica.No processo de elaboração da proposta pedagógica – ao definir o que ensinar, para que ensinar, como ensina r – , a equipe gestora e a comunidade escolar devem estudar a legislação educacional, bem como a documentação oficial da Secretaria de Educação e do Conselho Estadual e ou Municipal de Educação, produzida com o objetivo de orientar a implantação desses dispositivos legais no que se refere ao currículo, com isso deve- se identificar que ações precisam ser planejadas e realizadas pela escola para colocar em prática um currículo que contemple os objetivos da educação básica. A direção da escola, ou a equipe gestora como um todo, tem, nesse contexto, um papel fundamental. Além de liderar a construção permanente da proposta pedagógica, deve estar todo o tempo viabilizando as condições para sua execução, e uma delas é a formação contínua de seus professores para que eles possam desenvolver, com competência, o currículo expresso na proposta pedagógica.
Diante disso, há algumas questões básicas que toda a escola deveria analisar: Que mensagens não explícitas a escola vem passando para seus alunos? Que conteúdos vêm privilegiando? Que currículo está sendo construído – o que enfatiza o sucesso escolar, ou o que, implicitamente, se conforma com o fracasso?
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O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL A origem do pensamento curricular no Brasil teve início a partir dos anos 1920 e 1930 do século XX, tendo como parâmetro diferentes teorias, principalmente a dos Estados Unidos, sob influência das ideias de John Dewey e Kilpatrick, que criticavam o currículo tradicional, elitista e defendiam ideias progressivistas. É necessário ressaltar que os conteúdos escolares no Brasil até então, tinham uma forte ligação com a concepção jesuítica do período colonial em relação à educação, dessa forma, reinava absolutamente o currículo tradicional na primeira metade do século XX. A partir da Primeira Guerra Mundial e das grandes crises econômicas do começo do século XX a educação passa a ser proposta como o mais poderoso instrumento de reconstrução social, política e moral responsável pela melhoria social e bem estar coletivo. Segundo Barricelli (2007) do mesmo modo que em outros níveis, a elaboração de um currículo para educação infantil envolve a definição de diferentes aspectos como: organização do tempo e espaço, seleção e utilização de material, agrupamento das crianças, definição dos conteúdos selecionados, metodologia condizente à teoria adotada e, finalmente, forma de avaliação do processo avaliativo. A questão pedagógica é tratada pensando que, se a Educação Infantil é parte integrante da Educação Básica, como diz a Lei nº 9.394/96 em seu artigo 22, cujas finalidades são desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, essas finalidades devem ser adequadamente interpretadas em relação às crianças pequenas. O currículo da Educação Infantil - como o conjunto sistematizado de práticas pedagógicas no qual se articulam as experiências e saberes das crianças, famílias, profissionais e comunidades de pertencimento e os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico historicamente construído pela humanidade - é meio para angariarmos os objetivos de formar integralmente bebês e crianças pequenas e colaborarmos para a transformação social. A definição de currículo defendida nas Diretrizes põe o foco na ação mediadora da instituição de Educação infantil como articuladora das experiências e saberes das crianças e os conhecimentos que circulam na cultura mais ampla e que despertam o interesse das crianças. Tal definição inaugura então um importante período na área, que pode de modo inovador avaliar e aperfeiçoar as práticas vividas pelas crianças nas unidades de Educação Infantil. O cotidiano dessas unidades, enquanto contextos de vivência, aprendizagem e desenvolvimento, requer a organização de diversos aspectos: os tempos de realização das atividades (ocasião, frequência, duração), os espaços em que essas atividades transcorrem (o que inclui a estruturação dos espaços internos, externos, de modo a favorecer as interações infantis na exploração que fazem do mundo ), os materiais disponíveis e, em especial, as maneiras do professor exercer seu papel (organizando o ambiente, ouvindo as crianças, respondendo-lhes de determinada maneira, oferecendo-lhes materiais, sugestões, apoio emocional, ou promovendo condições para a ocorrência de valiosas interações e brincadeiras criadas pelas crianças etc.). Tal organização necessita seguir alguns princípios e condições apresentados pelas Diretrizes.
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Para orientar as unidades de Educação Infantil a planejar seu cotidiano, as Diretrizes apontam um conjunto de princípios defendidos pelos diversos segmentos ouvidos no processo de sua elaboração e que devem orientar o trabalho nas instituições de Educação Infantil. São eles: Princípios éticos – valorização da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. Princípios políticos – garantia dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática. Princípios estéticos – valorização da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.
Entre outras questões, quando se constrói o currículo para a educação infantil é preciso considerar a criança como um sujeito social e histórico que se constitui na interação com outros sujeitos da cultura, compreendendo as instituições de Educação Infantil como espaço de cuidado e educação das crianças de 0 a 6 anos, e estas, por sua vez, possibilite a integração entre os diferentes aspectos do desenvolvimento humano. A instituição educacional deve ser sinônimo de situação de aprendizagem e desenvolvimento. Isto porque situ (remete a lugar/espaço) + ação (refere-se a tempo/movimento) significa mudança/transformação. A instituição tem a função social de proporcionar o incremento do capital cultural do bebê e da criança pequena, trazendo o novo, o instigante, o desafio em seu processo de humanização O ideal é que as experiências vividas na sala de aula contribuam para a geração e um processo permanente de revisão das programações dos ciclos da Educação Infantil e do Projeto Curricular. Mediante a apresentação deste projeto curricular voltado para a Educação Infantil, seriam elaboradas propostas pelos professores que, neste caso, se tornam responsáveis pelas programações curriculares Os princípios necessitam ser trabalhados de forma integrada, de modo que uma situação didática apresente, desenvolva e mobilize mais de um princípio. - Os princípios devem nortear a forma como os adultos (profissionais e família) interagem com as crianças. - Os princípios materializamse pelas escolhas das atividades, estruturação dos espaços e tempos, seleção dos materiais etc.
Reflexões sobre o currículo na Educação Infantil:
Um currículo deve proporcionar experiências para que as crianças interajam e transitem com confiança e autonomia num mundo complexo como este que vivemos; Um currículo deve levar em consideração as necessidades das crianças pequenas, portanto, deve-se ficar atento aos tempos de espera e qualificar mais os tempos das atividades; Um currículo deve proporcionar equilíbrio entre atividades onde as crianças se envolvam por conta própria e atividades em que se envolvam em algo coletivo. Que proporcione tempos para que as crianças se envolvam equilibradamente em atividades mais espontâneas e atividades mais dirigidas pelos professores; Um currículo deve proporcionar momentos coletivos em que todas as crianças participam de uma mesma vivência, momentos de trabalhos diversificados, realizados em pequenos 19
grupos em que as elejam segundo suas motivações e momentos de privacidade e relaxamento; Na elaboração do currículo, ou planejamento flexível, entram também elementos do contexto da instituição, ou seja, deve-se levar em consideração o Projeto Político Pedagógico.
O currículo é o movimento. E a proposta pedagógica, é o convite ao movimento, onde expressam valores, os caminhos, as intenções e está ligada a realidade, mas não se efetiva sem que os profissionais estejam engajados a ela. É preciso que o currículo esteja amarrado no projeto político pedagógico da escola, no espaço físico, na formação do professor e nos conteúdos.
ATIVIDADES 1-Complete o Quadro:
Composição Curricular Multidisciplinaridade
Características
Pluridisciplinaridade
Interdisciplinaridade
Transdisciplinaridade
O CURRÍCULO NO CENÁRIO EDUCACIONAL CONTEMPORÂNEO Nunca se constatou na história da educação uma tamanha importância atribuída às políticas e propostas curriculares, diria mesmo, um tamanho empoderamento do currículo enquanto definidor dos processos formativos e educacionais e suas concepções. No Brasil não é diferente. Parâmetros, Parâmetros em ação, Diretrizes Curriculares, leis específicas sobre conteúdos curriculares, fazem parte do cenário contemporâneo de decisões educacionais em nosso país. Se levarmos em conta o contexto de importância que o currículo assume no mundo, em termos da concepção e da construção contemporânea das formações, o seu empoderamento político-pedagógico, assim como a complexidade que emerge dessas configurações, a explicitação reflexiva do campo curricular e da noção de currículo, no sentido de distinguir histórica e conceitualmente as perspectivas e as práticas, se torna uma responsabilidade formativa social e 20
pedagógica incontestável. Junto com esse compromisso, faz-se necessário trazer para esse cenário discursivo e elucidativo o lugar do debate e da diversidade das concepções, sem com isso aceitar os prejuízos conceituais e político-pedagógicos causados pelas perspectivas que acolhem posições do ti po: “você deve dominar e aplicar essa concepção de currículo porque é científica”, ou mesmo, “não é preciso conceituar algo que é extremamente complexo . ”
Diríamos que as práticas curriculares e suas urgentes demandas de compreensão e interferência político-pedagógica, bem como a necessidade do argumento competente sobre o instituído e o instituinte desse campo, não mais legitimam reduções, pulverizações e concepções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história das perspectivas e práticas curriculares, que os educadores entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com suas complexas e interessadas dinâmicas de ação, sob pena de deixarem que os burocratas da educação continuem tomando de assalto um âmbito das políticas e práticas educacionais que hoje define, em muito, a qualidade e a natureza das na medida em que trabalha, fundamentalmente, nas organizações educacionais, com o conjunto dos conhecimentos e atividades eleitas como formativas. Este é o campo do currículo, que desejamos refletir profunda e democraticamente. Numa primeira aproximação ao conceito de currículo, podemos dizer que o currículo se caracteriza nas organizações educacionais como o conjunto de conhecimentos escolhidos como formativos. A centralidade está, portanto, no conhecimento legitimado como formativo. A ui come a sua im ortância e com lexidade olítica e eda ó ica. Os tecnocratas do currículo, em geral, não sabem e pouco se sensibilizam por aquilo que podemos denominar de um currículo educativo, formativo. Ou seja, um currículo em que as intenções formativas sejam explicitadas e se desenvolva, elucidando e compromissando-se com uma educação cidadã. “Pensam” sempre na arquitetura curricular, no seu desenho expresso nas antigas “grades”, hoje matrizes curriculares, fixadas num documento. É preciso, portanto, que a sociedade, seus grupos de fato e os movimentos sociais implicados nos cenários e ações educacionais tenham a oportunidade de compreender e debater bem o currículo, num processo de democratização radical da sua discussão conceitual e da elucidação das práticas e, a partir daí, se apropriem e construam percepções e ações de descolonização nos âmbitos das propostas curriculares correntes. Quando chegamos às nossas escolas, predominantemente, os currículos já estão prontos para serem oferecidos como um banquete a ser consumido, alguns com sabores e adornos extremamente sofisticados. A necessidade de distinguir e de relacionar de forma pertinente, são lógicas necessárias para que se possa trabalhar em prol da lucidez sempre necessária nos âmbitos do currículo, da formação e da atividade político-educacional. Dizer que “currículo é a vida da escola”, “tudo que acontece no convívio escolar ”, “currículo é também o grau de limpeza dos corredores da escola”, ou mesmo reduzi -lo ao argumento da mercadorização da educação, como num escrito de uma prova de seleção de mestrado onde se dizia: “currículo é o segredo e a alma do negócio promissor da educação”, é aceitar perspectivas equivocadas, niilistas ou mercantilistas. Neste cenário de equívocos, vieses 21
não elucidativos e reduções, em muitos momentos, currículo é tudo e nada . O prejuízo ético, político e formativo desses equívoco são fáceis de ser anunciado. O cultivo de compreensões como essas, e da aceitação fácil de inovações apenas só favorecem as elaborações modelizadas de intelectuais delirantes e descomprometidos com as consequências sociais da educação, ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às compreensões tecnicistas de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar e prescrever através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”. Estamos ainda vivendo numa
No caso da formação dos educadores, saber conceituar currículo faz parte de uma das atividades importantes para se inserir de forma competente nas significativas e tensas discussões sobre as políticas, práticas e opções curriculares formativas discutidas na nossa sociedade contemporânea. percepção sociopedagógica de currículo que dá preferência ao modelo e ao sistema pré-montado, em detrimento das pessoas, de suas demandas formativas, referências culturais e históricas; em detrimento dos contextos e seus interesses ligados ao complexo mundo do trabalho e da produção; e em detrimento, por consequência, do debate de sentidos que deve ser formulado no coletivo social. Podemos dizer que o currículo, como um dispositivo educacional, é, predominantemente, uma das mais autoritárias invenções da história da pedagogia, em face da sua concepção e implementação até hoje pouco ou nada democrática.
CURRÍCULO, CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES Segundo Macedo(2002), o currículo tem um campo historicamente construído, onde se desenvolve o seu argumento e o seu jogo de compreensões mediadoras. Há uma especificidade histórica que caracteriza este campo. Existem os substantivos cursus (carreira, corrida) e curriculum que, por ser neutro, tem o plural curricula. Significa “carreira”, em forma figurada. Daí derivam expressões como cursus forenses, carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades funcionais públicas, sucessiva e progressivamente ocupadas. O termo cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e outras, como linguagem universitária. A palavra curriculum é de uso mais tardio, nessas línguas. Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta mesma língua, se utiliza, a partir de 1824, o termo curriculum com o sentido de um curso de aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido também pela palavra course. Somente no século XX, a palavra curriculum migra da Europa para os Estados Unidos. Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo tardou a se configurar. Segundo considerações de Jean-Claude Forquin (1966), os teóricos da reprodução, na elaboração da crítica da cultura escolar, tratam das questões curriculares de forma apenas indireta.
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Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir de 1920, já se tenha orientações sobre a problemática do currículo, é somente a partir da Segunda Guerra Mundial que vão aparecer às primeiras formulações.Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um terreno prático, socialmente construído, historicamente formado, que não se reduz a problemas de aplicação de saberes especializado desenvolvido por outras disciplinas, mas que possui um corpo disciplinar próprio”, no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que o conhecimento curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio – aqui designado por ‘Teoria e Desenvolvimento Curricular’ - que se situa nos âmbitos teórico e prático do conhecimento educativo.” A propósito, o lexema currículo , proveniente do étimo latino currere, significa caminho, jornada, trajetória, percurso a seguir e encerra, por isso, duas ideias principais: uma de sequência ordenada, outra de noção de totalidade de estudos (PACHECO,1996, p. 16) O currículo segundo (GOODSON, 1998) é definido como: um artefato socioeducacional que se configura nas ações de conceber/ selecionar/produzir, organizar, institucionalizar, implementar/dinamizar saberes, conhecimentos, atividades, competências e valores, visando uma “dada” formação, configur ada por processos e construções constituídos na relação com conhecimento eleito como educativo. Enquanto uma construção social, e articulado de perto com outros processos e procedimentos pedagógico-educacionais, o currículo, como qualquer artefato educacional, atualiza-se – os atos de currículo - de forma ideológica e, neste sentido, veicula “uma” formação ética, política, estética e cultural, nem sempre explícita (âmbito do c ambivalências, dos paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito das derivas, das transgressões), nem sempre sólida (âmbito dos vazamentos, das brechas). É, nestes termos, que vive cotidianamente enquanto concepção e prática, a reprodução das ideologias, bem como permite, de alguma forma, a construção de resistências, bifurcações e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como um produto das relações e das dinâmicas interativas, vivendo instituindo poderes. Neste movimento, cultiva “uma” ética e “uma” política, ao fazer e realizar opções epistemológicas, pedagógicas, ao orientar-se por determinados valores. Essas realidades estarão sempre presentes nas políticas de sentido dos curricula, emanam das práticas que os constituem e das práticas constituídas por eles; afinal, o currículo é, para nós, o principal artefato de concepção e atualização das formações e seus interesses socioeducacionais. Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como um documento (a grade) onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo, o desenho organizativo dos conhecimentos, métodos e atividade em disciplinas, matérias ou áreas, competências etc.; como um artefato burocrático pré-escrito. Não perspectivam o fato de que o currículo se dinamiza na prática todo e nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do documento por si só não permite elucidar. O fato é que professores e educadores em geral, nos seus cenários formativos, atualizam, constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, relacionalmente, tendo como seu principal objetivo a formação e seus processos de interpretação e veiculação, daí sua inerente complexidade. Há uma costura, uma forma de tecer a formação, cuja compreensão não é possibilitada por um documento apenas, a matriz curricular, por mais que os documentos educacionais, não só a proposta curricular, digam muito sobre o currículo, sua concepção e prática. É nestes termos que o currículo se atualiza como um fenômeno complexo. Sabemos que o currículo se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios, nos estudos dos alunos e dos professores, sua vida não se encerra nas mãos e na cabeça daqueles que concebem a matriz curricular, que também é um ato de currículo, mas não-absoluto. 23
Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear que a perspectiva “dura” de currículo cultiva, que argumentamos quanto este artefato concebido como trajetória e itinerário, se transforma numa forma de poda das possibilidades criativas das experiências aprendentes que emergem dos “sítios de pertencimento simbólico” (ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação. Neste mesmo argumento, elaboramos a ideia de currículo como itinerância e errância, onde mostramos a necessidade de se vivenciar também nas experiências formativas as interações bifurcantes, os devaneios e as errâncias criativas (MACEDO, 2002). Dessa forma, uns dos subsídios fundamentais para a construção do currículo é o conhecimento e os valores orientados para uma determinada formação. A sistematização dessa formação por esses componentes é o currículo. Para Macedo(2002) o currículo, como um complexo cultural tecido por relações ideologicamente organizadas e orientadas. É fato que a prática introduz elementos e problema significativos sobre e a partir dos quais se faz necessário refletir em termos coletivos. Faz-se necessário perceber que o currículo indica caminhos, travessias e chegadas, que são constantemente realimentados e reorientados pela ação dos atores/autores da cena curricular. Neste mesmo veio, é necessário dizer que tal atitude vai de encontro a qualquer processo de homogeneização curricular, que tende a criar certa névoa de generalização, sacrificando a visão das situações curriculares específicas e suas singularidades. As políticas e ações curriculares precisam nutrir-se de uma mirada clínica, ou seja, um olhar focado nos movimentos singulares dos cenários socioeducacionais. Neste aspecto, necessário se faz tomar a cultura e o currículo como relações de poder . Mais precisamente: é necessário entender que as relações de poder configuram os processos de significação, e é aqui que o currículo tem um papel político de extremo compromisso com uma outra ética, com uma outra política que não seja a do alijamento, tampouco do corporativismo disciplinar. É assim que as lutas por significado não se resolvem no terreno epistemológicoformativo apenas, mas em muito no terreno político, ou seja, no terreno das relações de poder. Luta por significado é luta por recursos de poder . Um poder que, da nossa perspectiva, levando em conta a compreensão do que seja o campo do currículo, requer do educador a capacidade de nocionar bem, de explicitar bem, para saber lidar. Um compromisso sociopedagógica eliminável da formação e dos formadores de educadores . Como prática potente de significação, o currículo é, sobretudo, uma prática que bifurca. Neste sentido, não se pode conceber o currículo como prática de significação sem realçar seu caráter generativo, inventivo. Como tal, no seio do currículo, constituindo-o, os significados, os sentidos trabalhados, a matéria significante, o subsídio cultural, são sempre e continuamente retrabalhados. “São traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados, redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo de transformação” (SILVA, 1999, p. 13). O currículo hoje é um dos temas educacionais mais importantes para as políticas públicas em educação. Na medida em que fundamentalmente lida com o conhecimento escolhido como formativo, passa a ter um poder considerável, porquanto o conhecimento define como devemos ver o mundo, a sociedade e a nós mesmos. Nestes termos, é fundamental que saibamos compreender bem o que seja currículo e como o conhecimento e as atividades nele contidos estão dirigidos para a formação dos diversos segmentos sociais.
Compreendido como a concepção, organização, implementação e avaliação de conhecimento eleitos como formativos, é preciso que seja percebido como uma invenção 24
pedagógica onde todos possam compreender bem sua ação e sua qualidade, afinal, o currículo existe porque a educação de qualidade via o conhecimento formativamente organizado é socialmente necessário.
ATIVIDADES 1. Caracterize, a partir da leitura do texto e das discussões públicas sobre currículo, sua importância no contexto educacional atual. 2. Reconstrua, a partir de debates com grupos de colegas, a concepção de currículo assumida pelo texto. 3. Indique o que pode distinguir e caracterizar o currículo, em meio a outros temas educacionais. Ou seja, de que trata o currículo como tema e como prática educacional? 4. O que você entendeu quando se sintetiza no texto a ideia de que o currículo tem a ver com o conhecimento escolhido como formativo?
HISTÓRIA DO CURRÍCULO Preocupados em discutir a perspectiva disciplinar como orientação curricular, historiadores do currículo argumentam que já no período clássico grego podemos perceber indicativos dessa perspectiva. Nesse período, havia uma preocupação evidente em construir a formação através da organização dos conteúdos por áreas distintas. Gallo argumenta, enquanto filósofo do currículo que, em A República e As Leis, Platão concebia a construção do homem da Grécia Clássica nessa perspectiva.
A disciplinarização e sua proliferação vão se constituir na opção da modernidade científica e pedagógica, no que concerne à organização dos currículos escolares e de outras formações institucionalizadas.
Assim procedeu Platão em A República e nas Leis , ao idealizar o Vê-se que currículo se extenso e demorado plano de estudos em que deveria se basear a define como um plano formação dos guardiães, fornecendo uma base comum a todos os de estudos, mas não deixa de conter a cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos; sucedendo-se: a inspiração que motivou educação infantil, dos três aos cinco anos, composta de jogos, a perspectiva cantos e fábulas; seguida, entre os sete e os dez anos, pela disciplinar, ou seja, a aprendizagem das letras – a leitura e a escrita – e pela introdução organização da da aritmética e a geografia, cujo estudo se prolonga até os 16 anos, formação pela distinção acrescido da poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, que, como educação do corpo, estão presentes desde o início, são complementadas por exercícios militares e pelas artes marciais. A esse ciclo – com o qual se completa a formação geral ou básica da maioria - sucede, para os se que revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática centrada na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na harmonia (PINHAÇOS DE BIANCHI, 2001, p.146-147, apud GALLO, 2004, p. 39). 25
Vê-se também, na antiguidade grega e romana, que essa inspiração vai sofrer uma dupla reorganização: com a denominação de trivium, organizam-se as áreas da gramática, da retórica e da filosofia; com a denominação de quadrivium, organizam-se as áreas da aritmética, da geometria, da astronomia e da música. Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média, juntamente com a imposição de um conhecimento mediado predominantemente pela fé e se prolonga no iluminismo. Convencidos de que o mundo não poderia ser abarcado na sua totalidade pela compreensão humana, para os educadores clássicos a saída era dividir o conhecimento em áreas .
A CRÍTICA ENTRA NA HISTÓRIA DO CURRÍCULO Quanto às teorias críticas do currículo, corporificadas na segunda metade do século passado, Tomaz Tadeu da Silva (1999), na sua relevante e formativa obra introdutória sobre o movimento teórico do campo do currículo, argumenta que essas teorias efetuam uma completa inversão nos “fundamentos das teorias tradicionais” desse campo de reflexão das problemáticas educacionais. Para Silva, os modelos como o de Ralph Tyler – que percebe o currículo como um artefato neutro, inocente e desinteressado – não estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais radical aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes de conhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante. É neste contexto que a concepção formalista de currículo, que Tomaz Tadeu da Silva chama de “tradicional”, vai tomar o status quo como referência; privilegiando, acima de tudo, o fazer técnico no âmbito das práticas e reflexões curriculares da lógica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica capitalista como uma cultura que se reproduz na escola. Os quais o conceito de hegemonia e resistência dinamiza o entendimento de que são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta no campo contraditório das relações de poder no currículo. É aí que o ângulo muda e se reconfigura, e a atenção da teoria crítica volta-se para compreender o que o currículo faz com as pessoas e as instituições e não apenas como se faz o currículo. Outrossim, o que costumamos chamar de teoria crítica em currículo carrega um movimento que vai desde as reflexões que vinculam as concepções e os atos de currículo à dinâmica de produção da lógica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica capitalista como uma cultura que se reproduz na escola. Os quais o conceito de hegemonia e resistênci dinamiza o entendimento de que são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta no campo contraditório das relações de poder no currículo. É justamente Henri Giroux, emérito teórico crítico do currículo, quem primeiro vai refletir essas influências, de forma mais densa, nos seus trabalhos em currículo, falando de uma “pedagogia das possibilidades”. Tomando de empréstimo a noção de “esfera pública” em Habermas, Giroux vai argumentar em favor de um currículo como “esfera pública democrática”. Fora do contexto marxista, que toma categorias objetivas de classe como forma de compreender a dinâmica reprodutivista da educação pelas relações de produção e culturais surgem os ditos “reconceptualistas”, nos Estados Unidos - William Pinar, principalmente, acompanhado de Joel Martins no Brasil - que, utilizando-se da fenomenologia e dos instrumentos de uma hermenêutica crítica, passam a denunciar o aspecto burocrático-administrativo do currículo como meio de controle pelas noções de eficiência e controle. Faz-se necessário pontuar que esses autores vão tratar o currículo, acima de tudo, como uma construção social, a partir da influência forte das ideias de Luckmann e Berger, na obra “A Construção Social da Realidade” (1983). Vão forjar a denominação de “currículo oculto” 26
preocupados que estavam em desnaturalizar e problematizar os mecanismos encobertos de poder que no currículo, acabam por influenciar visões de mundo, de sociedade, de homem e de educação pelos atos de currículo. Os “reconceptualistas” reivindicam, por via das influências de filósofos como Dilthey, Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty, uma visão de currículo pautada no reconhecimento de que somos seres de subjetividade e que construímos o conhecimento de forma intersubjetiva, trazendo para a cena da compreensão do currículo a importância da linguagem e da intersubjetividade. Neste sentido, o ator/autor aprendente não deve ser olhado como um “idiota cultural” (H. Garfinkel), ou seja, um ser sem capacidade de sistematizar e compreender bem as realidades em que vive, encerrado nas burocracias que concebem e instituem o currículo O intercâmbio entre “reconceptualistas” e neomarxistas, nos Estados Unidos, passa a ser dificultado pela não possibilidade de praticarem uma certa visão epistemológica multirreferencial de suas compreensões. Faz-se necessário dizer que todas as duas correntes, mesmo que nascidas de pressupostos diferentes, guardem uma intenção clara de desreificar a burocracia e as formas de relação estabelecidas pelos atos de currículo nas sociedades capitalistas, bem como exercem uma clara atitude de inconformismo com as consequências desse tipo de organização para os segmentos sociais não hegemônicos. É entre os denominados “Novos Sociólogos da Educação” na Inglaterra que vai se tentar uma articulação entre as teorias de base sociointeracionista e de inspiração neomarxista. Madam Sarup, Peter Woods, Nell Keddie, Geoffrey Esland e Basil, Berstein são os principais nomes. O principal arquiteto dessa corrente, Michael Young, toma uma orientação mais estruturalista, centrando-se na preocupação em refletir as conexões entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder. É central para a analítica de Young a pergunta: por que a algumas disciplinas se atribui mais prestígio do que a outras? No momento, um dos projetos de Young tem sido o de construir o que ele denomina de uma “teoria crítica do aprendizado”, expresso na sua obra “O Currículo do Futuro. ‘Da nova sociologia da educação’ a uma teoria crítica do aprendizado (YOUNG, 2000). Em termos contemporâneos, também nos encontramos discutindo as potencialidades educativas e políticas do que se está chamando abordagens pós-formais, pós-críticas e pósestruturalistas em currículo, as quais, articuladas a uma perspectiva crítica ampliada, e ligadas às pautas teóricas e agendas propositivas multiculturais e desconstrucionistas que hoje circulam no mundo, essas visões vão possibilitar uma maior ampliação participativa no que concerne à reflexão do campo curricular; desestabilizam a linearidade de análise e propostas e tentam colocar uma última pá de cal nas perspectivas hierarquizantes e prometeicas que configuram historicamente as compreensões e práticas do currículo. Polêmicas, algumas dessas abordagens são muitas vezes acusadas de serem por demais textualistas, localistas e a-políticas, porquanto, em geral, desprezam as análises que valorizam os processos sociais de totalização que estruturam a sociedade e configuram o currículo e sua dinâmica. Entretanto há de se afirmar a pluralidade dessas posições, onde habitam também, por exemplo abordagens neomarxistas.
O CURRÍCULO NO BRASIL No caso da história do pensamento curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002, p. 13) explicitam que as primeiras preocupações com o currículo no Brasil datam dos anos 20 Apenas na década de 80, com o início da democratização do Brasil e o enfraquecimento da Guerra fria, a hegemonia do referencial funcionalista norteamericano foi abalada. Nesse momento ganharam força no pensamento
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curricular brasileiro as vertentes marxistas. Enquanto dois grupos nacionais – pedagogia histórico-crítica e pedagogia do oprimido – disputavam hegemonia nos discursos educacionais e na capacidade de intervenção política, a influência da produção da língua inglesa se diversificava, incluindo autores ligados à Nova Sociologia da Educação inglesa e à tradução de textos de Michael Apple e Henri Giroux. Essa influência não mais se fazia por processos oficiais de transferência, mas sim subsidiados pelos trabalhos de pesquisadores brasileiros que passavam a buscar referências no pensamento crítico. Esse processo menos direcionado de integração entre o pensamento curricular brasileiro e a produção internacional permitia o aparecimento de outras influências, tanto da literatura de língua francesa quanto de teóricos do marxismo europeu (LOPES; MACEDO, 2002, p. 13-14)
Conforme Lopes e Macedo (2002, p. 16): No fim da primeira metade da década de 1980, a tentativa de compreensão da sociedade pós-industrial como produtora de bens simbólicos, mais do que bens materiais, começa a alterar as ênfases até então existentes. O pensamento curricular começa a incorporar enfoques pós-modernos e pós-estruturais, que convivem com as discussões modernas. A teorização curricular passa a incorporar o pensamento e Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Esses enfoques constituem uma forte influência na década de 1990, no e como um direcionamento único do campo. As teorizações de cunho globalizante, seja das vertentes funcionalistas, seja da teorização crítica marxista, vêm se contrapondo a multiplicidade característica da contemporaneidade. Tal multiplicidade não vem se configurando apenas como diferentes tendências
Crítica, cotidiano e processo são categorias que vão compor os estudos do currículo entre nós, num caminhar de superações das perspectivas pautadas nas visões reprodutivistas, por muito tempo predominantes neste campo. A partir dos anos 1990, o pensamento curricular brasileiro vai optar por uma análise predominantemente sociológica e antropológica, acrescidas de um interesse marcante em desvelar a função do poder na realidade curricular. O currículo passa a ser considerado um texto político, ético, estético e cultural, vivido na tensão das relações de interesse educativo protagonizado pelos diversos grupos sociais. Segundo Lopes e Macedo (2002), recentemente, o grupo liderado por Moreira tem buscado analisar como a temática do multiculturalismo tem penetrado na produção brasileira de currículo, trabalhando fundamentalmente com o conceito de hibridismo e introduzindo preocupações com a discussão sobre identidade. Por concluir, entendemos que esse argumento histórico elucidativo deságua num presente que nos autoriza a dizer que os estudos curriculares se constituem num campo de atividades educacionais, por sua densidade, complexidade e pelo poder que emana, como configurador sociopedagógico significativo da educação e das formações, demandando um processo de aprofundamento e debate equivalente a sua importância política e socioeducacional na contemporaneidade. RESIVANDO Vimos que, desde a Grécia clássica, o tema currículo já estava presente visto como um plano de estudo. A partir da idade média percebe-se mais claramente a necessidade de se subdividir o conhecimento para que a formação fosse dirigida para alguns segmentos sociais, de acordo com a valorização que a sociedade construía a respeito desses segmentos. 28
É também a partir dessa lógica que o currículo chega à modernidade, como uma apropriação que os americanos fazem da forma como protestantes europeus organizam o conhecimento nas escolas, com objetivo de oferecer uma educação calvinista aos jovens. Vimos que, já nesta descrição histórica, o currículo sofre influências das crenças e ideologias da sociedade onde se organiza a educação. Aqui, como na idade média, é a religião que define o currículo. Mas é no contexto americano do norte que o currículo pedagógico e cientificamente concebido vai tomar a forma predominante que hoje conhecemos. Herdando a lógica das disciplinas científicas forjadas pela ciência moderna e a reconfigurando de acordo com a organização escolar da época, o currículo será concebido, organizado e implementado predominantemente com a lógica de funcionamento a indústria americana. A aprendizagem mediada pelo currículo teoria que ser expressa com eficiência e produtividade de acordo com o que se ensinava. É assim que a disciplina se impõe como a maneira mais eficaz de se organizar os conhecimentos curriculares. Fragmentação e aprofundamento, tomando como referência única os saberes livrescos dominam a forma como os currículos são concebidos até hoje. Entretanto, a partir da metade do século passado, movido pelas correntes críticas do marxismo, que nos mostram o quanto os currículos legitimam a divisão injusta da sociedade capitalista em classes, bem como pelos movimentos sociais em favor de mais liberdade e autonomia dos cidadãos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, atingem os estudos curriculares; forjando, neste contexto histórico, as teorias críticas do currículo . Neste momento, não bastava mais se perguntar como se deveria fazer pedagogicamente um currículo, se perguntava com veemência: o que é que os currículos fazem com as pessoas? Reconhece-se, neste momento, o poder agindo no currículo e suas configurações, como algo fundamental para se compreender e se intervir nele. A este movimento se agrega outras abordagens críticas, ditas pós-críticas. Nesta abordagem, a própria teoria crítica vai ser reavaliada, principalmente naquilo que expressa como verdades excessivas, assim como as questões culturais entram no currículo como questões importantes para se discutir o conhecimento e suas formas plurais na formação. Percebe-se, a partir daqui, uma forte tendência para democratização curricular.
ATIVIDADES 1. Por que o currículo não é um tema educacional novo? 2. Quais as características trabalhadas pelo texto do currículo moderno? 3. Discuta com seus colegas as características da disciplina como principal organizadora do currículo moderno. 4. Elenque e discuta com seus colegas as necessidades de superação da disciplina como única possibilidade de constituição dos currículos contemporâneos. 5. Caracterize o movimento crítico do currículo e suas principais características.
TEORIAS DO CURRÍCULO Algumas teorias sobre o currículo apresentam-se como teorias tradicionais, que pretendem ser neutras, científicas e objetivas, enquanto outras, chamadas teorias críticas e pós-críticas, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que implica relações de poder e demonstra a preocupação com as conexões entre saber, identidade e poder. 29
Teoria a crítica (tradicional) A teoria tradicional procura ser neutra, tendo como principal foco identificar os objetivos da educação escolarizada, formar o trabalhador especializado ou proporcionar uma educação geral e acadêmica à população. Silva (2003) explica que essa teoria teve como principal representante Bobbit, que escreveu sobre o currículo em um momento no qual diversas forças políticas, econômicas e culturais procuravam envolver a educação de massa para garantir que sua ideologia fosse garantida. Sua proposta era que a escola funcionasse como uma empresa comercial ou industrial. Segundo Silva (2003, p.23), [...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. O modelo que Bobbit propunha era baseado na teoria de administração econômica de Taylor e tinha como palavra-chave a eficiência. O currículo era uma questão de organização e ocorria de forma mecânica e burocrática. A tarefa dos especialistas em currículo consistia em fazer um levantamento das habilidades, em desenvolver currículos que permitissem que essas habilidades fossem desenvolvidas e, finalmente, em planejar e elaborar instrumentos de medição para dizer com precisão se elas foram aprendidas. Estas ideias influenciaram muito a educação nos EUA até os anos de 1980 e em muitos países, inclusive no Brasil. De acordo com Silva (2003 p.25), Ralph Tyler consolidou a teoria de Bobbit quando propõe que o desenvolvimento do currículo deve responder a quatro principais questões:
que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir; que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos; como organiza eficientemente essas experiências educacionais como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados.
Tyler também determinou como identificar ou onde encontrar as respostas às perguntas por ele propostas para elaborar o currículo. Para Tyler, deveriam ser feitos estudos sobre os próprios aprendizes, sobre a vida contemporânea fora da educação, bem como obter sugestões dos especialistas das diversas disciplinas. (SILVA, 2003). Mas, para fazer esse levantamento, as pessoas envolvidas deveriam respeitar a filosofia social e educacional com a qual a escola estivesse comprometida, e a psicologia da aprendizagem. Numa linha mais progressista, mas também tradicional, apresenta-se a teoria de Dewey, na qual aparecia mais a preocupação com a democracia do que com o funcionamento da economia. (SILVA, 2003). Essa teoria dava, também, importância aos interesses e às experiências das crianças e jovens. Seu ponto de vista estava mais direcionado à prática de princípios democráticos, sendo a escola um local para estas vivências. Em sua teoria, Dewey não demonstrava tanta preocupação com a preparação para a vida ocupacional adulta. A questão principal das teorias tradicionais pode ser assim resumida: conteúdos, objetivos e ensino destes conteúdos de forma eficaz para ter a eficiência nos resultados
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O CURRÍCULO MODERNO O currículo como nós conhecemos e experimentamos predominantemente, na sua versão moderna, portanto, consolidouse na virada do século XIX para o século XX, em torno de um círculo coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática para sua transmissão, desaguando no conceito de enciclopédia, como uma certa “educação geral”. Para o professor António Nóvoa, por exemplo, apesar de todas as inovações que ocorreram ao longo do século XX, esse círculo e essa estrutura mantiveramse relativamente estáveis e se revelam incapazes de responder às novas necessidades educativas. Goodson (1998) nos diz, ademais, que o termo currículo, como uma maneira de organizar e controlar os ideários da formação vai surgir a partir da escola calvinista entre escoceses e holandeses. No contexto educacional dos Estados Unidos do início do século passado, os estudiosos do currículo ligados a uma concepção tecnicista de currículo, queriam ver o currículo ser concebido e praticado tal qual se organiza a empresa e a fábrica, orientadas pelas ideias da administração científica da época. Precisar os objetivos e obter, pelas ações minuciosamente conhecidas e fragmentadas, a eficiência e a eficácia transformou-se no método eleito e no caminho aceito científica e academicamente, para se obter a formação relevante para o contexto americano emergente. O currículo passou a ser gerenciado como uma mecânica, tamanha era a força das ideias deterministas de causa e efeito que operavam a concepção da formação e do próprio currículo como seu mais importante mediador. As experiências da psicologia experimental da época, pautadas no valor da eficiência das aprendizagens por procedimentos e processos condicionantes, forjam a intenção de um certo gerenciamento do aprendizado no seio do currículo, onde o controle dos conteúdos e objetivos pré-fixados, orientavam toda a organização pedagógica. Essa hegemonia se consolida, apesar de as ideias fincadas nos ideários democráticos já fazerem parte do contexto das discussões estadunidenses sobre a organização das formações. É assim que a aliança do econômico com o técnico-científico predomina sobre os ideários de uma educação pautada em princípios da democracia liberal, concebida naquela época e naquele contexto. O currículo vai refletir isso até hoje, apesar de as contradições estarem muito mais presentes no desenvolvimento do próprio campo e das práticas
AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO Em meio aos muitos movimentos sociais e culturais que caracterizaram os anos de 1960 em todo o mundo, surgiram as primeiras teorizações questionando o pensamento e a estrutura educacional tradicionais, em específico, aqui, as concepções sobre o currículo. As teorias críticas preocuparam-se em desenvolver conceitos que permitissem compreender, com base em uma análise marxista, o que o currículo faz. No desenvolvimento desses conceitos, existiu uma ligação entre educação e ideologia. Além disso, vários pensadores elaboraram teorias que foram identificadas como críticas e, embora tivessem uma linha semelhante de pensamento, apresentavam suas individualidades. Ao fazerem a crítica às visões tecnicista e classista de currículo , veiculadas por Bobbitt e Tyler, os teóricos críticos liderados, principalmente, por Michael Apple e Henri Giroux, curricologistas americanos, vão indagar sobre o que é que o currículo faz com as pessoas, antes mesmo de se interessarem sobre como se faz o currículo . Essa mudança ideológica faz com que 31
a crítica implemente a construção de uma outra concepção de currículo, agora desvinculada de qualquer perspectiva neutral, ou seja, vinculada a ideias de que os curricula são opções formativas que trazem consigo ideologias e formas instituintes de poder pautadas na opção de formar para legitimar e perpetuar as relações de classe estabelecidas pelas sociedades capitalistas, sem que isso, muitas vezes, esteja explicitado.
Assimilando a ideia de que o currículo reproduz a sociedade, sua estrutura e dinâmica, seja em níveis classistas, seja em níveis de outras formas de hierarquização, como as exclusões étnicoraciais, por exemplo, a crítica curricular denuncia também o processo de homogeneização veiculado pelo currículo, em favor dos grupos hegemônicos e suas cosmovisões. Reivindica enfaticamente que as formações assumam a preparação para uma competência política capaz de desvelar as injustiças e, via o ato educativo, afirmar políticas justas, tomando como referência a heterogeneidade da sociedade. Formação socialmente justa e aprendizagem com e pela diferença constituem as pautas que sintetizam a proposta curricular crítica. Aqui a formação é, em muito, a construção de um senso crítico construído a partir de uma compreensão radical do que seja histórica e socialmente as ideologias das sociedades capitalistas e suas políticas de configuração.
Esse conjunto de argumentos tem sua inspiração inaugurada, podemos dizer, pelos trabalhos de Apple, nos Estados Unidos. Apple toma como ponto de partida os elementos centrais da crítica marxista da sociedade. A dinâmica da sociedade capitalista gira em torno da dominação de classe, da dominação dos que detêm o controle da propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem apenas sua força de trabalho. Para este raciocínio há uma clara conexão entre a forma como a economia está organizada e a forma como o currículo está organizado. Em Apple, por outro lado, essa ligação não é uma ligação de determinação simples e direta. A preocupação em evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vínculos entre produção e educação segue o seu pensamento desde seus primeiros escritos. Para esse curricologista, não é suficiente postular um vínculo entre, de um lado, as estruturas econômicas, de outro, a educação e o currículo. Esse vínculo é mediado por processos que ocorrem no campo da educação e do currículo e que são aí ativamente produzidos; é mediado pela ação humana, enfim. Nas elaborações críticas de Apple, o importante é se perguntar por que se elegem determinados conhecimentos como importantes e outros não. Trata-se de saber: quais interesses orientaram a seleção desses conhecimentos e a concepção do currículo? Quais são as relações de poder envolvidas nesse processo que resultou nesse currículo particular? Para Apple, as ideologias presentes no que ele chamou de conhecimento oficial , distribuído pela escola, é o interesse central de uma teoria crítica do currículo . Para tanto, se apropria de forma densa, dos argumentos sobre o poder nas relações educativas, assim como do conceito de hegemonia tal como formulado por Antonio Gramsci, de onde se pode fazer uma leitura da dinâmica da reprodução social e da resistência nos cenários curriculares.
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Um outro pensamento do campo curricular crítico se configura a partir das obras de Henri Giroux. Tratando o currículo como política cultural, inspirado pelos filósofos da Escola de Frankfurt com Ardorno, Horkheimer e Marcuse, Giroux critica em toda a sua obra a racionalidade técnica e utilitária curricular, assim como o habitus positivista do currículo moderno. Reivindica que o campo do currículo não pode deixar de tentar compreender as práticas curriculares via uma análise histórica, ética e política. Segundo Silva (1999, p. 53), “é no conceito de resistência [...] que Giroux vai buscar as bases para desenvolver uma teorização crítica, mas alternativa, sobre a pedagogia e o currículo ”. Influenciado de perto pelas ideias de Paulo Freire, a partir das noções de libertação e ação cultural, Giroux vai atrelar a pedagogia e o currículo ao campo da cultura, mais precisamente campo de uma política cultural, diria mesmo da cultura politizada, mostrando que a emergência do currículo se configura num campo de disputa de significados. Nasce, desse veio argumentativo, a ideia dos “professores como intelectuais transformadores” e de uma “pedagogia de possibilidades emancipatórias”.
Necessário pontuar que Apple e Giroux mantêm um diálogo contemporâneo teórica e politicamente importante com as pautas do argumento pós-moderno em currículo, naquilo que, aceitando a crítica das metanarrativas vindas dessa perspectiva, apontam também as dificuldades de uma análise histórica, ausente nesses aportes teóricos, e o excessivo textualismo que configura suas interpretações da realidade. Nos Estados Unidos, com Peter McLaren, e no Brasil, com Antônio Flávio Moreira, a perspectiva crítica vai se conjugar com um aporte multicultural que, sem abrir mão de uma leitura inconformada, face às injustiças vividas pela educação forjada pelo ideário demonstra a necessidade de uma análise cultural do currículo, na medida em que entendem com Giroux, por exemplo, que a luta por significados é uma luta por recursos no campo político-educacional. Na medida em que a teoria crítica do currículo identificou no conhecimento um poder considerável, vinculado às ações ideológicas de quem o concebe, seja através dos interesses de classe social e das culturas a que fazem parte, a disciplina também se tornou alvo dessas críticas, ao se mostrar o quanto um currículo concebido de forma disciplinar dificulta uma visão mais abrangente, mais conectiva e ideologicamente mais profundo dos conteúdos educacionais e as atividades ligadas a ele. Surgem, neste contexto, as propostas interdisciplinares, transdisciplinares e multirreferenciais, motivadas por esta crítica, bem como por entender que a disciplina, em si e por si, como organizadora do currículo, não consegue proporcionar as compreensões demandas por um mundo cada vez mais globalizado e seus problemas fundados na diversidade das suas características. Neste veio, descobre-se que, se o currículo não trabalhar com a heterogeneidade articulada a uma educação em prol do bem comum socialmente referenciado, estará fadado ao fracasso. Neste caso, disciplinas terão que se articular, se conjugar, inclusive com saberes não-disciplinares, nos diz a abordagem multirreferencial. É por este argumento que se entende que nenhum saber por si só é capaz de compreender ua realidade na sua complexidade.
A CRÍTICA DA CRÍTICA
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No seio do que se está denominando, no campo do currículo, de teorias pós-críticas, encontra-se o multiculturalismo como um movimento que toma a diferença como sua característica fundante. É fato que o movimento multicultural tem várias matizes. Vai desde um multiculturalismo, onde não se prioriza a análise das forças que imprimem legitimações e oficialidades culturais, tomando a cultura como algo fora da dinâmica política das relações de poder, como algumas correntes americanas que se inspiram na visão liberal ou humanista, até perspectivas que, ao politizarem o debate sobre a diversidade cultural, preferem não desatrelar a análise da emergência dessa diversidade das dinâmicas das relações de poder. É assim que entram no campo curricular, argumentando a favor do estudo e das práticas curriculares, nas quais a cultura aparece como um movimento de relações, levando em consideração a luta por significados como algo presente e determinante do tipo de educação “distribuída” é legitimada. Percebem que a referência do multiculturalismo liberal a uma humanidade comum deve ser rejeitada por fazer apelo a uma essência, a um elemento transcendente, a uma característica fora da sociedade e da história (SILVA, 1999, p. 86). Vale salientar, que a perspectiva crítica do multiculturalismo cultiva duas vertentes: uma concepção denominada de pós-estruturalista e outra que poderia ser chamada de “materialista”. Na visão pós-estruturalista, o fundante é a análise da diferença enquanto expressão do ser-no-mundo, do ser-com-o-outro. Neste sentido, a diferença é sempre uma relação. Minha diferença existe na medida em que o outro existe; assim, não se pode ver a diferença como coisa absoluta, é um conceito eminentemente relacional, portanto. Ademais, a diferença, nesta perspectiva se configura a partir de relações de poder. Para os multiculturalistas críticos , em termos curriculares, é preciso perceber que o currículo pode estar legitimando através da seleção dos seus conteúdos, atividades e valores, determinadas visões de mundo e de cultural, em detrimento de outras. Historicamente, isso é fácil de perceber entre nós, quando se constata uma verdadeira negação perversa das histórias do negro, do índio, das mulheres, das pessoas advindas de culturas não-oficiais. Muitas vezes, são identificados por uma história secundária, subvalorizada, ou uma cultura “menor”, meros protagonistas epifenomenais do processo histórico e cultural da sociedade. Para Silva (1999, p. 88), [...] um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois, a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas insistiria, em vez disso, numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de assimetria e desigualdade.
Como esta abordagem coloca o discurso no âmbito da produção da própria realidade cultural e suas dinâmicas de relação de poder, é acusada de um excessivo textualismo, na medida em que põe o discurso no centro da produção da diferença. Na perspectiva multicultural crítica, implicada com uma visão materialista e inspirada no marxismo, os determinantes econômicoestruturais são vistos como mediadores potentes da produção da diferença e da desigualdade social, e por consequência das relações culturais. Para os multiculturalistas críticos, em termos curriculares, é preciso perceber que o currículo pode estar legitimando através da seleção dos seus conteúdos, atividades e valores, determinadas visões de mundo e de cultural, em detrimento de outras. Historicamente, isso é fácil de perceber entre nós, quando se constata uma verdadeira negação perversa das histórias do negro, 34
do índio, das mulheres, das pessoas advindas de culturas não-oficiais. Muitas vezes, são identificados por uma história secundária, subvalorizada, ou uma cultura “menor”, meros protagonistas epifenomenais do processo histórico e cultural da sociedade. Não temos dúvidas de que o currículo moderno é recheado de grandes narrativas teóricas, ou mesmo, que o currículo, em geral, é uma metanarrativa com marcantes características de um artefato educacional não-problematizado. É neste veio que o argumento pós-moderno entra no campo curricular de forma significativa . Estamos longe de vivenciar um currículo problematizado desde a sua origem. Em geral, o currículo é a expressão de uma imposição de especialistas, burocratas ou acadêmicos, que terminam por impor modelos e concepções, com uma grande má vontade de radicalizar democraticamente a experiência da concepção, da organização e da implementação dos curricula. É aqui que a perspectiva pós-moderna acha a sua brecha interpretativa e crítico-propositiva em termos das políticas e práticas curriculares. Em realidade, o pós-modernismo é um conjunto de perspectivas que abrange os campos estético, político e epistemológico que começa nos meados do século XX, e tem sua configuração no questionamento dos princípios e pressupostos do pensamento social e político estabelecidos a partir do iluminismo. Trata-se de um movimento antiessencialista. Nessa esteira de argumentos, o pós-modernismo analisa pautas educacionais como o currículo, a pedagogia, a didática como saberes fincados solidamente na perspectiva moderna. Na visão pós-moderna, existem heranças da modernidade que não mais respondem aos desafios que a contemporaneidade nos oferece. Antiiluminista, o movimento pós-moderno destitui os essencialismos presentes nas interpretações da modernidade, expressos, por exemplo, a partir do conceito de razão, de ciência, de racionalidade, de progresso e até mesmo de democracia. Para o pensamento pós-moderno o currículo, enquanto uma invenção moderna, baseado em certezas estáveis, com características lineares, sequencial, estática, binária, onde se valoriza fundamentalmente a estabilidade e a ordem das coisas e das pessoas, é um exemplo emblemático de um artefato moderno. Diz-se, portanto, que o movimento pós-moderno vem desestabilizar a teoria crítica, propondo a inauguração de uma pedagogia pós-crítica. O que caracteriza de forma marcante as análises pós estruturalistas é a ideia de que o significado é socialmente construído e vive de forma ineliminável, a incerteza e a opacidade. O significado, portanto, não é pré-existente, mas culturalmente edificado, bem como se dinamiza nas relações de poder ao qual está implicado ou implica. Afirma-se, assim, que o significado é socialmente definido. Foucault e Derrida são chamados a inspirar a ideia da inseparabilidade da conexão poder e saber. Assim, onde há saber, há poder, inspiração foucaultiana. Avesso aos binarismos, esse movimento questiona e desconfia justamente dos binarismos de que é feito o currículo: branco/preto; masculino/feminino; velho/novo; teoria/prática; heterossexual/ homossexual; mente/corpo; objetividade/subjetividade etc. Poderíamos dizer que o pós-estruturalismo é uma perspectiva nitidamente desreificadora do currículo que temos, tanto em termos de forma quanto de conteúdo. Numa outra construção pautada na rebeldia face ao processo de colonização opressor que No que concerne às práticas curriculares, o que será questionado é a sua relação com a verdade. Enquanto um arauto das verdades pré-digeridas, o currículo vai ser abalado, assim como a escola das certezas pretensamente absolutas, na medida em que o movimento pós-estruturalista não apenas questiona as verdades, mas o lidar com a própria verdade. Nestes termos, quer questionar o processo pelo qual algo se tornou verdade. Ou seja, como foi produzida uma determinada verdade subjuga as 35
culturas não-europeias, a teoria pós-colonial lança seu olhar para currículo, reivindicando a inclusão das formas culturais que refletem a experiência de segmentos cujas identidades culturais e sociais são marginalizados pela identidade ocidental hegemônica. Para o póscolonialismo há um “cânon ocidental” que atravessa os curricula e que acabam por legitimar a história dominante dos europeus.
QUAL É O SEU MODELO CURRICULAR? Os modelos de currículo refletem, ou são a expressão de duas concepções de ensino: uma concepção mais conservadora, ou tradicional, que encara o ensino como uma atividade de transmissão de conhecimentos e, portanto, como uma atividade inerente à condição de se ser professor, isto é, nos fins educacionais. Uma concepção mais moderna, que encara o ensino como uma atividade interativa promotora de estilos pessoais e individualizados de aprendizagens, e em que o professor é o responsável pela criação de condições otimizadas para essas aprendizagens, isto é, nos meios. A escola tradicional pretende preparar as crianças e jovens para a inserção nas estruturas sociais, através de conhecimentos básicos e de valores morais e culturais que são assumidos como suporte das instituições e da organização social de uma sociedade. Assim, a aprendizagem consiste na transferência de informações e os alunos são estimulados para a submissão, imitação e adoção acrítica dos bons modelos. O currículo é apresentado como a organização de saberes pré-definidos e estruturados de forma lógica e rígida, centrando-se no que é objetivo na cultura, nos valores da moral heterônimos e no conhecimento, que cresce por acumulação aditiva, fragmentado, sendo a informação recebida pelos alunos da mesma natureza da informação transmitida, não deixando espaço para o que é pessoal e subjetivo no aluno, receptáculo passivo de concepções intactas, obrigado a ajustar-se aos saberes e aos valores instituídos. Os objetivos de instrução têm prioridade sobre os da educação. Recusa-se a experimentação e a descoberta como forma de apropriação do conhecimento e favorece-se a abstração, através do trabalho, quase sempre individual, prevalecendo a ideia da formação progressiva da inteligência através da sobreposição de conhecimentos. O desempenho do aluno é avaliado pela quantidade de saber retido e a adesão a esquemas de conduta e sistema de valores. As dificuldades são inerentes aos próprios alunos, pela sua falta de capacidade, de esforço e desatenção. O ensino é verbal, centrado nas atividades essencialmente intelectuais, esquecendo e ignorando as fases de desenvolvimento psicológico e a dimensão afetiva da aprendizagem, desinteressando-se pela cultura de origem dos alunos.
Os modelos de escola construtiva dão uma grande importância à construção gradual da moral autônoma, partindo da valorização das iniciativas pessoais , sendo a educação escolar entendida como um processo que consiste na criação de condições institucionais adequadas que permitem a passagem do estado de dependência para o estado de autonomia. É dado grande valor às experiências práticas, organizadas com recurso a métodos ativos. Assim, o aluno tem capacidades para desenvolver processos criativos na construção de conhecimentos, de atitudes e valores, desde que se coloquem à sua disposição recursos para tal. O ato de ensinar organiza-se a partir do ato de aprender, refletindo, enriquecendo, desenvolvendo e prolongando as experiências do aluno, decorrendo daqui a necessidade de a escola se organizar de forma a promover interações com as diversas formas de vida social e cultural, integrando-se na comunidade a que pertence.
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A seleção e planificação das atividades e conteúdos são feitas enquanto recursos de desenvolvimento. Aos objetivos educacionais de tipo cognitivo ou instrumental são associados outros objetivos dos domínios afetivo, social e moral. Na escola tradicional, o aluno é representado como imaturo e incapaz de ser ator construtivo do conhecimento e do seu processo de desenvolvimento, sendo a criatividade reservada para a imitação e reprodução de conhecimentos valores e atitudes, constituindo condição da sua aprendizagem, o seu grau de dependência, submissão e recepção passiva da informação. A escola tradicional organiza-se fora ou à margem das outras estruturas sociais, embora seja a elas que os alunos são devolvidos depois de ensinados. Deste modo, está isolada da comunidade envolvente e da família, que são representados como totalmente exteriores à escola, no que respeita quer à gestão escolar, quer à sua participação em atividades escolares ou de animação pedagógica. Os professores são encarados, nos modelos transmissivos, como mediadores entre o saber, personalidade dos alunos, as condutas, valores e os próprios alunos, sendo a relação educativa vertical e a maior preocupação dos professores é a transmissão de conhecimentos, em detrimento dos aspectos psicopedagógicos do ensino. Na escola construtiva é dado um espaço às iniciativas do aluno, na planificação, organização e avaliação das atividades e aprendizagens. Neste sentido é a escola que se deve adaptar às necessidades e diferenças individuais e à especificidade de cada grupo, pois é neste que o aluno se integra, assume e partilha responsabilidades, toma decisões e desenvolve elos de solidariedade com os colegas e com o professor. Esta escola promove a troca interativa com a família e a comunidade envolvente, sendo os pais vistos como agentes ativos do processo educativo, enquanto educadores naturais, co-educadores e compartilhando decisões no plano da gestão escolar. Nos modelos construtivos, cabe aos professores a organização dos meios educativos e do processo de ajuda aos alunos, com base no diagnóstico das necessidades destes, agindo na transformação das relações humanas, sendo mediador entre a criança e a realidade social. Em relação à avaliação (formativa) existem também perspectivas diferentes, embora se aceitem as três etapas: Recolha de informação, Interpretação dos dados e adaptação das atividades pedagógicas Assim, nos modelos(tradicional) transmissivos, a recolha de informação incide nos resultados da aprendizagem, acentuando-se a importância dos instrumentos de medida quantitativos (fidelidade, validade e objetividade). Nos modelos construtivos, interessa compreender o funcionamento cognitivo dos alunos face às tarefas propostas. Os dados prioritários têm a ver com as representações da tarefa e as estratégias ou processos utilizados, sendo os “erros” encarados como reveladores da natureza dessas estratégias. O recolhimento de informações incide sobre os processos de aprendizagem, podendo ser utilizados, a entrevista, observação de comportamentos enquanto os alunos efetuam ou realizam a tarefa. Na interpretação dos dados, os modelos transmissivos tendem a utilizar perspectivas de referência criteriosa, comparando as realizações dos alunos com critérios pré-estabelecidos, identificando-se quais os objetivos não atingidos e respectivos fatores causais, principalmente relacionados com condições externas. Nos modelos construtivos, a interpretação dos dados incide mais sobre a natureza da estratégia ou processos utilizados. Os fatores causais das dificuldades são encontrados a partir das hipóteses relativas às interações entre as características do aluno e as características da tarefa. Em relação à adaptação das atividades pedagógicas, os modelos transmissivos procuram um maior controle sobre as atividades de aprendizagem, sendo a tendência, oferecer ao aluno em 37
dificuldades uma orientação mais direta na progressão das tarefas, na estruturação da aprendizagem e na qualidade do “feedback”. Para os construtivos, a finalidade da adaptação pedagógica é a de ajudar o aluno a descobrir aspectos pertinentes da tarefa e a comprometer-se na construção de uma estratégia mais adequada, tendo em conta a diversificação dos meios.
VOCE SABIA? As crianças são sujeitos de direitos . Entre eles, os que se seguem. E que, na instituição educacional, podem ser vivenciados nas práticas sociais e nas múltiplas linguagens. Os Direitos Naturais da Criança: 1.Direito ao ócio: Toda criança tem o direito de viver momentos de tempo não programado pelos adultos. 2. Direito a sujar-se: Toda criança tem o direito de brincar com a terra, a areia, a água, a lama, as pedras. 3. Direito aos sentidos: Toda criança tem o direito de sentir os gostos e os perfumes oferecidos pela natureza. 4. Direito ao diálogo: Toda criança tem o direito de falar sem ser interrompida, de ser levada a sério nas suas ideias, de ter explicações para suas dúvidas e de escutar uma fala mansa, sem gritos. 5. Direito ao uso das mãos: Toda criança tem o direito de lidar com madeira, de lixar, colar, amarrar, modelar. 6. Direito a um bom início: Toda criança tem o direito de comer alimentos sadios desde o nascimento, de beber água limpa e respirar ar puro. 7. Direito à rua: Toda criança tem o direito de brincar na rua e na praça e de andar livremente pelos caminhos, sem medo de ser atropelada por motoristas que pensam que as vias lhes pertencem. 8. Direito à natureza: Toda criança tem o direito de construir uma cabana nos bosques, de ter um arbusto onde se esconder e árvores nas quais subir. 9. Direito ao silêncio: Toda criança tem o direito de escutar o rumor do vento, o canto dos pássaros, o murmúrio das águas. 10. Direito à poesia: Toda criança tem o direito de ver o sol nascer e se pôr e de ver as estrelas e a lua.
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ATIVIDADES 1- Revisitando para compreender mais, revisite o texto e encontre as diferenças entre modelos construtivistas e tradicionais, na sequencia preencha a tabela a seguir de acordo com o que você compreendeu sobre currículo escolar. Características
Escola Tradicional
Escola Construtivista
Finalidades
Aprendizagem e Ensino
Currículo
Papel do aluno
Papel do Professor
Seleção e Planificação
Relação com a Comunidade
Dificuldades dos alunos
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