ANALISE E INTERPRETAÇÃO DE POESIA
MARGENS DO TEXTO
José De Nicola Ulisses Infante
ANALISE E INTERPRETAÇÃO DE POESIA
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editora scipione DIRETORIA
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COMPOSIÇÃO, PAGINAÇÃO E FILMES
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De Nicola, José, 1947Análise e interpretaç ão de poesia : livro do professor / Jose De Nicola Nicola, , Ulisses Infante. — São Paulo : Scipione, 1995. — (Coleção margens do tex texto to) )
1. Poesia 2. Poesia - História e critica I. Infante, Ulisses. II. Titulo. III. Serie.
95-1248
CDD—809.1
índices para catálogo sistemático: 1. Poesia : Histó ria e crític a
1995
ISBN 85-262-2500-6
809.1
Ap A p re n d i com co m m eu filh fil h o de dez anos an os Que a poesia é a descoberta Das coisas que eu nunca vi
(Oswald de Andrade. "3 de Maio")
Sumário Afine6e«ttação' - 9
'Poucas fuzCaoMU tofate ntutttíA, c õ it e w , - 1 2 A LINGUAGEM POÉTICA AS FIGURAS DE LINGUAGEM A RIMA A MÉTRICA A ESTROFE O RITMO POÉTICO O ESPAÇO
(2< wtaC&iftoeàía ía
DaIdadeMédia aoséculoXX
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UMA CANTIGA MEDIEVAL UM SONETO CLÁSSICO UM POEMA ROMÂNTICO UM POEMA SIMBOLISTA TRÊS POEMAS MODERNISTAS
A fio fioe&Oz cia cia froetáz O FAZER POÉTICO POEMAS COMENTADOS í . “O poema”, de Mário Quintana 2. “Arte poética”, poéti ca”, de Mauro Mota
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3. “Nova Nov a poética”, de Manuel Bandeira 4. “Meu povo, p ovo, meu poema”, poe ma”, de Ferreira Ferreira Gull ar 5. “Canção amiga”, de de Carlos Drummond Drummo nd de Andrade
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aCc Ccm m enfa nfa de fioe& fio e& ia
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A INTERTEXTUALIDADE AS CANÇÕES DE EXÍLIO 1. “Canção “Canção do exílio - Meu lar” (fragmento), de Casimiro de Abreu Abreu 2. “Canto de regresso à pátria”, de Oswald Oswal d de Andrade 3. “Canção “Canção do exílio”, de Murilo Mendes Mend es 4. “Uma canção”, de Mário Quintan Qui ntanaa 5. “Nova Nov a canção canção do exílio”, exí lio”, de Carlos Carlos Drummond Drumm ond de Andrade Andrade 6. “Sabiá” “Sabiá”,, de Antônio Antôni o Carlos Jobim e Chico Chi co Buarque Buarque de Holanda 7. “Outra canção do exílio exí lio””, de Eduardo Eduardo Alves Alv es da Costa 8. “Canção do exílio facilitada”, facili tada”, de José Paulo Pau lo Paes AS “TRADUÇÕES” DE BANDEIRA
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Para que vieste Na N a m in h a ja j a n e la Meter o nariz? Se foi por um verso Não N ão sou so u mais ma is p o eta et a Ando tão feliz! Se é para uma prosa Não Nã o sou so u A n ch ieta ie ta Nem N em v en h o de Assis Assis.. Deixa-te de histórias Some-te daqui!
sse pequeno texto de Vinícius de Morais apresenta vá rios dos elementos que nos levam a considerá-lo uma poesia. A linguage ling uagem m - que reflete reflete uma escolha e um arranjo especiais das das palavras palavras a disposição dispos ição dessas palavras palavras e frases em versos regulares, a rima, o ritmo agradável cos tumam ser os ingredientes corriqueiramente vinculados ao conceito de poesia. E, para completar, a idéia de que poeta é um ser triste. Nosso livro se propõe a discutir esses "ingredientes" poéticos. poéticos. Vamos, V amos, juntos, falar sobre a linguagem linguagem poética poética - a linguagem que resulta do trabalho consciente e cansativo dos artistas da palavra. Falaremos sobre a rima, a metrificação dos versos, a criação do ritmo poético, e veremos até que ponto a poesia se define por esses elementos ou não. E, principal mente, questionaremos a idéia de que o poeta é um ser triste. Será que a poesia é apenas um desabafo de quem "anda na fossa"? Dividimos nosso trabalho em quatro partes. A primeira (capítulo 2) expõe de forma propositalmente leve e sucinta alguns aspectos teóricos e técnicos ligados à poesia. Na se gunda (capítulo 3), encontram-se algumas possibilidades de interpretação de alguns textos poéticos. Nessas interpreta ções, procurou-se salientar um ou outro aspecto relevante uma ou outra "chave interpretativa" do poema. Evidente mente, nenhum dos poemas teve suas possibilidades interpretativas esgotadas; afinal, não só isso é impossível, como também não se deve roubar ao leitor o prazer da descoberta. É um poet poeta a - M auro Mot M ota a - que nos diz diz::
E
"A um poeta poeta não interess interessa a aclarar ac larar o seu mistério nem que outros o aclarem num plano didático. Interessam o mistério mesmo e a posse das substâncias mágicas povoadoras do mistério".
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Na terceira parte (capítulo 4), analisaremos textos em que os autores expõem suas concepções sobre o fazer poético. Na análise desses poemas, mereceu especial atenção a visão que o poeta procura transmitir sobre o seu próprio ofício. E a poesia falando da poesia. Assim, você poderá formar uma conceituação teórica sobre a arte da poesia, reunindo opiniões de quem realmente conhece o assunto: os próprios poetas. Essa foi a forma que encontramos para falar e viver a poesia sem a maçante preocupação de atribuir rótulos e nomes ao fazer poético e sem as constantes alusões a fontes creden ciadas. Finalmente, a quarta parte (capítulo 5) nos dá exemplos de como a poesia, em muitos casos, alimenta-se da própria poesia. Para tanto, apresentamos algumas recriações da fa mosa "Canção do exílio", de Gonçalves Dias, e um trabalho muito interessante de Manuel Bandeira, ao reelaborar um texto de Bocage Bocage e outro de de J oaquim oa quim Manuel de Macedo. Com a palavra, os poetas...
Ap A p o io , deus de us das Arte A rte s, co n d u to r das Musas
A LINGUAGEM POÉTICA Palavras Nem N em falt fa ltar aráá algu al gum m leit le itoo r m etid et idoo a p ro f u n d o q ue m e ju j u lg u e à tona das coisas ao me ver tão ocupado com palavras. Escusado lembrar-lhe que a poesia é uma das artes plásticas e que o seu material são as palavras, as misteriosas palavras... Mário Quintana
0 artista literário trabalha com uma matéria-prima: a pa lavra. No entanto, a palavra em si não basta para se obter um bom texto; é necessário que ela seja trabalhada num processo de seleção e arrumação vocabular e exploração dos signifi cados. Esse processo caracteriza a linguagem poética. A linguagem poética explora o sentido conotativo das palavras, isto é, não o sentido frio e impessoal, “em estado de dicionário", mas sim o sentido alterado, passível de interpre tações. Você encontrará, na terceira parte deste livro, um poema de Ferreira Gullar que apresenta a seguinte estrofe: No povo meu poema está maduro como o sol na garganta do futuro Ora, é evidente que a palavra garganta ganha, nesse contexto, uma outra dimensão, de pouco nos valendo um di cionário. Esse contínuo trabalho de criar ou alterar o significado das palavras é que levou Carlos Drummond de Andrade a reafirmar, reafirmar, em "P "P rocura da poesia poe sia", ", um dos mistérios da cria ção poética: Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciê paciênci ncia, a, se obscuros. obscuros. Calma, Calma, se te te provocam provocam.. Espera que cada um se realize e consuma com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.
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Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste Trouxeste a chav chave? e?
AS FIGURAS DE LINGUAGEM Esse trabalho de elaboração da palavra resulta nas cha madas figuras de linguagem. Observe o fragmento inicial de "Tigresa", de Caetano Veloso: uma tigresa de unhas negras e íris cor de mel uma mulher uma beleza que me aconteceu esfregando a pele de ouro marrom do seu corpo contra o meu me falou que o mal é bom e o bem cruel Caetano Veloso, ao chamar de tigresa a mulher a que dedica a canção, constrói uma figura de palavra, ou seja, uma figura que consiste na associação entre os elementos mulher e tigresa. Essa associação nos permite uma transferência de significados, a ponto de usarmos tigresa por mulher (que, obviamente, é sensual, insinuante, felina). A seqüência associativa percorre os seguintes passos: 12) a mulhe mulh er é como co mo uma uma tigre tigressa 2-) a mulhe mulherr é uma uma tigre tigressa 3-) uma uma tigresa tigres a em que de uma comparação inicial se chega à substituição de uma palavra por outra. Temos, assim, uma figura de palavra denominada metáfora. No verso "me falou que o mal é bom e o bem cruel", é facilmente detectável a forma é, que está subentendida depois da palavra b em ("o mal é bom e o bem [é] cruel"). Ocorre, assim, uma figura de construção ou de sintaxe, a elipse, pois a elaboração poética foi centrada na organização sintática da frase. Nesse mesmo verso, devemos observar o jogo de opo sição dos significados de bem/mal e bom/cruel. Esse jogo, criado a partir dos conceitos, representa uma figura de pen samento, a antítese.
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Nesses exemplos, percebemos as três grandes possibili dades de elaboração da linguagem poética: figuras de pala vras, de construção ou de sintaxe, e de pensamento. Natural mente, em cada um desses três tipos de figuras existem di versas possibilidades, que ultrapassam os exemplos citados. Entre as figuras de palavras, as mais freqüentes são a metáfora e a metonímia. Entre as figuras de construção, as mais comuns são a elipse, o polissíndeto, o pleonasmo, a anáfora, o hipérbato e a aliteração. Entre as figuras de pen samento, são freqüentes a antítese, o eufemismo, a hipérbole, a ironia, a gradação e a prosopopéia. Ao analisarmos os vários poemas que compõem este volume, destacaremos algumas dessas figuras.
A RIMA Você já deve ter observado que muitos poemas apre sentam sons semelhantes ou mesmo idênticos no final de seus versos. É muito provável que você também saiba que esse jogo sonoro constit constitui a rim rima. Por convenção didática, quando analisamos um poema indicamos as rimas por letras maiúsculas. Observe o esquema de rimas utilizado por Vinícius de Morais em seu famoso "Soneto de fidelidade": De tudo, ao meu amor serei atento atento - A Antes ntes,, e com tal zelo, e sempr se mpre, e, e tanto - B Que mesmo es mo em face do maio maiorr encanto encanto - B Dele se encante encante mais mais meu meu pensament pensa mento. o. - A Quero vivê-lo em cada cada vão momento E em seu louvor lou vor hei hei de espalhar es palhar meu E rir meu riso riso e derramar derramar meu meu pranto pranto A o seu pesar ou seu contentamento. contentamento.
- A canto canto - B - B - A
E assim ass im,, quando mais mais tarde me me procure procure - C Quem sabe a morte, morte, angústia de de quem vive - D Quem sabe sabe a solidão so lidão,, fim de de quem ama ama - E Eu possa me me dizer dizer do amor amor (que (que tive) tive) - D Que não não seja imortal, posto que é chama - E Mas que seja seja infinito enquanto dure. dure. - C Estoril, outubro, 1939 Em alguns períodos da história literária, a rima desem penhava um papel fundamental no fazer poético. Havia até
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quem pensasse que fazer poesia era simplesmente rimar chegando mesmo a existir dicionários de rimas para as inspi rações menos férteis. Os poetas modernistas do século XX repudiaram essa importância exagerada que se atribuía à rima. Observe, por exemplo, como Carlos Drummond de Andrade trata o assunto nos versos a seguir, fragmento inicial de "Consideração do poema": Não rimarei a palavra sono com a incorrespondente palavra outono. Rimarei com a palavra carne ou qualquer outra, que todas me convêm. As palavras não nascem amarradas, elas saltam, se beijam, se dissolvem, no céu livre por vezes um desenho, são puras, largas, autênticas, indevassáveis. Millôr Fernandes, por outro lado, ironiza aqueles que vêem na simples ausência de rima o símbolo da modernidade: Novidade, só a primeira (À Vanguarda que se crê Vanguarda)
Garanto: o primeiro poeta que rimou Foi um espanto! Mais, muito mais, Meu irmão, Do que o primeiro Que não. Como veremos adiante, a rima deve ser entendida como um recurso para se obter o ritmo poético.
A MÉTRICA Em alguns poemas, percebemos versos regulares quanto à metrificação, isto é, todos os versos apresentam um mesmo número de sílabas poéticas. Perceba que a medição de um verso é feita a partir de sílabas, ou seja, de emissões sonoras. O conceito de sílaba poética, no entanto, não coincide com o de sílaba gramatical. Observe as sílabas gramaticais do se guinte verso: al, posI osI to que é cha Que Que não se Ija i I mor Ital, 1 2 3 I 4 5 1 6 I 7 8 I 9 10 11 12
Leia, agora, em voz alta, corretamente. Note as junções sonoras que ocorrem: duas sílabas gramaticais são pro nunciadas numa única emissão sonora. sejlmortal qui'é chama \j Além disso, as sílabas que aparecem depois da última sílaba tônica do verso são pronunciadas muito fracamente, o que faz com que sejam desprezadas na contagem de sílabas poéticas: cha I ma Ú ltima sílaba tônica do verso.
A sílaba pós-tônica é desprezada.
Percebemos, a partir do que foi exposto, que a contagem de sílabas poéticas obedece a duas regras básicas: 1-) A junção junç ão sonora de algumas vogais no interior do verso. verso. 2-) A contagem somente até a última sílaba tônica do verso. Em versos que terminam numa palavra oxítona, considerase a última sílaba; se a última palavra for paroxítona, despreza-se sua última sílaba; se se trata de uma propa roxítona, desprezam-se as duas últimas sílabas. Veja agora, depois dessas considerações, a métrica da quele verso que, como vimos, tem treze sílabas gramaticais: Que não se ja i mor I tal, I pos to I que é cha I 10 I 2 3 4 5 I 6 I 7 II 8 I 9 1 Poeticamente, o verso tem apenas dez sílabas. Alguns ritmos métricos são particularmente importantes porque foram bastante utilizados ao longo da história da poesia. Merecem destaque: • a redondilha menor e a maior, versos com cinco e sete sí labas poéticas, respectivamente. As redondilhas produzem um ritmo circular, bastante usado nas trovas populares. Al guns poetas utilizaram e utilizam essa métrica, obtendo in teressantes efeitos sonoros. Gonçalves Dias, por exemplo, poeta romântico brasileiro, explorou as redondilhas para obter os mais variados efeitos. Leia em voz alta este frag mento mento de de "l-J uca P irama", irama", escrito escrito em redondilhas redond ilhas menores (cinco sílabas): Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi.
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Atente agora para o ritmo cadenciado da "Canção do exílio", escrita em redondilhas maiores (sete sílabas): Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. As cantigas populares têm origem nas trovas medievais e apresent aprese ntam am quatro quatro versos - o segundo segundo rimando com o quarto - e métrica métrica em redondilha maior. Temos exemplos e xemplos em nosso folclore: Batatinha quando nasce esparrama pelo chão; a menina quando dorme põe a mão no coração. na elaborada poética de Fernando Pessoa: Cantigas de portugueses são como barcos no marVão de uma alma para outra com riscos de naufragar. e mesmo em tirinhas de jornal: G A S IT A I M O S
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• o decassílabo, verso com dez sílabas poéticas, também chamado de medida nova, criado pelos artistas renascen tistas em oposição às redondilhas, também chamadas de medida velha. Camões deixou-nos belíssimos sonetos de cassílabos; o quarteto a seguir é significativo exemplo: Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; • o alexandrino, verso com doze sílabas poéticas; foi a métrica mais cultivada pelos poetas parnasianos, como Olavo Bilac: Meu coração, na incerta adolescência, outrora, Delirava e sorria aos raios matutinos
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• os versos livres, que obedecem a padrões rítmicos variados; como veremos adiante, teve a preferência dos poetas mo dernistas, como Manuel Bandeira: Poema tirado de uma notícia de jornal
J oão G ostoso ostoso era era carregador carregador de feira-livr feira-livre e e morava morava [no morro da Babilônia num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu [afogado.
A ESTROFE Aos grupos de versos em que os poetas dividem seus textos damos o nome de estrofe. Observe o soneto de Vinícius de Morais: é formado por quatro estrofes. Temos dois quartetos (estrofes de quatro versos) e dois tercetos (estrofes de três versos). Note, assim, que a denominação dada à estrofe depende do número de versos que a formam. Os conceitos de rima, métrica e estrofe foram relativizados ao máximo por Oswald de Andrade, poeta modernista brasileiro, ao escrever o poema que abaixo transcrevemos: amor humor O poema é formado por uma palavra-título (amor) e uma palavra-verso (humor). No conjunto conjunto do título título + verso temos temos rima (mor/mor), métrica (duas sílabas poéticas) e estrofe (de um verso-palavra).
O RITMO POÉTICO Rima e métrica são dois elementos formais que contri buem para a obtenção do ritmo poético. Esse ritmo, no en tanto, não resulta apenas desses dois elementos: em sua ela boração, desempenha papel fundamental o jogo das sílabas tônicas, dos fonemas vocálicos e consonantais, da pontuação, entre outros recursos. R etoman etomando do o fragmen fragmentto de "l-J uca P irama", irama", de Gon G on çalves Dias, note a importância das sílabas tônicas dos versos (redondilhas menores) para a obtenção do ritmo dos tam bores, cuja sonoridade evoca o universo indígena retratado no poema:
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Desenho de Tarsila do Amaral para poema de Oswald de Andrade
mor can Meu| [to dej [te,
bra for S ou| [vo, sou[ [te, fi S ou
Nor
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lho do
vi. ros, ou
te; Outro exemplo interessante de ritmo poético podemos encontrar na seguinte estrofe de "Navio negreiro", de Castro Alves: 'Stamos em pleno mar... Dois infinitos Ali se estreitam n'um abraço insano Azuis, dourados, plácidos, sublimes... Qual dos dois é o céu? Qual o oceano?... Você certamente notou a importância da pontuação para o ritmo obtido pelo poeta. Observe agora outro detalhe utiliza do na construção dessa estrofe: o terceiro verso é formado por quatro adjetivos que, conforme a posição da sílaba tônica, são classificados respectivamente como oxítono (azuis), paroxítono (dourados), proparoxítono (plácidos) e paroxítono (su blimes). Com esse trabalho, Castro Alves determina o ritmo do verso. zui s,
ra
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pi á
dos,
eidos,
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Outras variações desse ritmo poético, inclusive os efeitos obtidos pelos poetas do século XX, você observará lendo os poemas escolhidos para análise.
O ESPAÇO A utilização do espaço tipográfico foi sempre um desafio à imaginação dos poetas. Dessa forma, encontramos desde poemas figurativos (ou seja, poemas cuja distribuição gráfica forma figuras ligadas ao tema) até poemas em que se explora a relação entre o espaço em branco e a parte impressa da pági na. Há também alguns casos de utilização de formas geomé tricas e de movimento sobre o papel. O caráter marcadamente visual adquirido por esses poe mas representa uma expansão no alcance da poesia: pura mente oral, cantada em suas origens, a poesia passa, com o desenvolvimento da imprensa, a aproveitar possibilidades grá ficas. Além de ouvida, essa poesia precisa ser vista.
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Acompanhe-nos neste passeio que vai do século XVIII aos dias de hoje. Veja (e leia!), nos poemas a seguir, algumas formas de aproveitar o espaço: I N U T R 0 Q U E C E S A R
N I N U T R 0 Q U E C E S A
U N I N U T R 0 Q U E C E S
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R A S E C E U Q 0 R T U N I
Esse aproveitamento do espaço é de autoria de Anastácio Ayres de Penhafiel, poeta que fez parte da Academia Brasílica dos Esquecidos, fundada na Bahia em 1724 (encerrou suas atividades em 1725 1725!!) por Vasco F ernandes César Cés ar de Meneses, Meneses , vice-rei do Brasil. Penhafiel dispõe a frase latina "In utroque Cesar" ('em um e outro César') em diferentes direções, fa zendo com que a letra I caminhe por uma linha diagonal. Estrelas singelas luzeiros fagueiros, esplêndidos orbes, que o mundo aclarais! Desertos Desertos e mares mares - florestas vivazes! Montanhas audazes que o céu topetais! Abismos profundos, cavernas externas extensos imensos espaços azuis! Altares e tronos, humildes e sábios, soberbos e grandes! Dobrai-vos ao vulto sublime da cruz! Só ela nos mostra da glória o caminho, só ela ela nos fala fala das leis leis de J esus! esus!
Esse poema, poema, evidentemente evidentemente intitulad intitulado o "C ruz", ruz ", é de auto auto ria de Fagundes Varela, poeta romântico brasileiro, marcado, em certa fase de sua obra, por uma forte religiosidade. 0 poema seguinte, seguinte, "A taça", taç a", é de Hermes Hermes F ontes ontes e foi publicado em seu livro Ap A p ote ot e o ses se s , de 1908: Pouco acima daquela alvíssima coluna que é o seu pescoço, a boca é-lhe uma taça tal que, vendo-a, ou, vendo-a, sem, na realidade, a ver, de espaço a espaço, o céu da boca se me enfuna de beijos - uns, uns, sutis, em diáfano cristal c ristal lapidados na oficina do meu Ser; outros - hóstias hóstias ideais ideais dos meus anseios, e todos cheios, todos cheios do meu infinito amor... Taça Taça que encerra por suma graça tudo que a terra de bom produz! Boca! o dom possuis de pores louca a minha boca! Taça Taça de astros e flores, na qual esvoaça meu ideal! Taça Taça cuja cuja embr embriag iaguez uez na via-láctea do Sonho ao céu conduz! Que me enlouqueças mais... e, a mais e mais, me dês o teu delírio... a tua chama... a tua luz... Na década de 1950, surgiu um movimento que propunha o fim do verso discursivo e um radical aproveitamento do espaço tipográfico. Esse movimento, que ficou conhecido por concretismo, afirmava: Plano-piloto para a poesia concreta (fragmentos) poesia concreta: produto de uma evolução crítica de for mas, dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente es trutural. (...)
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poesia concreta: tensão de palavras-coisas no espaçotempo. (...) ideograma: apelo à comunicação não-verbal, o poema concreto comunica a sua própria estrutura: estruturaconteúdo, o poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou menos subjetivas. (...) augusto de campos décio pignatari haroldo de campos post-scríptum 1961: "sem forma revolucionária não há arte revolucionária" (maiacóvski). Reproduzimos, a seguir, os poemas concretos "Veloci dade", de de Ronald R onaldo o Azeredo, Azeredo, "P "P luvial/F luvial", de de A ugust ugus to de de Campos, e "Nascemorre", de Haroldo de Campos.
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UMA UMA CANTIGA MEDIEVAL
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texto a seguir pertence ao período literário identificado tradicionalmente por trovadorismo (séculos XII, XIII e XIV). A palavra trovadorismo se liga ao termo trova, cujo sentido original é 'achar', 'encontrar a melhor palavra, a melhor forma poética'. O trovador era o poeta nobre, em condições de criar sem preocupações financeiras (o mais im portante trovado trova dorr português foi fo i D. Dinis, Dinis, o sexto sexto rei de de P ortu gal). gal). J á o jogral, jogral, ou segrel, era era um artista artista profiss profis sional, iona l, que compunha, cantava e dançava composições próprias ou de outros. Observe, pois, que a poesia trovadoresca está, desde sua origem, ligada à música e ao canto. Por essa razão, esses poemas ficaram conhecidos como cantigas. A cantiga cantiga que que analisaremos analisaremos foi comp co mposta osta por J uião Bol seiro, jogral do século XIII: Aquestas noites tan longas que Deus fez en grave dia por mi, por que as non dórmio, e por que as non fazia no tempo que meu amigo soía falar comigo? Por que as fez Deus tan grandes, non poss' eu dormir, coitada! E de como son sobejas, quisera-m' outra vegada no tempo que meu amigo soía falar comigo? Por que as Deus fez tan grandes, sen mesura e desiguaaes, e as eu dormir non posso? Por que as non fez ataaes, no tempo que meu amigo soía falar comigo? O galego-português
Que língua é essa? Será que estamos r.ealmente lendo um poema escrito em português? É... é português! Mas um por tuguês arcaico, com uns seis séculos de idade. Assim era a língua falada no século séc ulo XIII, na região de P ortugal. ortugal. Note que que algumas palavras nos sugerem a língua espanhola: é que nessa época era forte a influência exercida pela Galiza (região espanhola situada ao norte de Portugal) sobre o reino portu guês. Daí a língua em que está escrito nosso poema ser cha mada galego-portuguesa.
Traduzindo..
Antes de fazer qualquer consideração sobre o poema, é necessário um trabalho de "tradução", a fim de melhor en tendermos o conteúdo poético. Em português moderno, o texto seria aproximadamente assim: Estas noites tão longas que Deus fez em mau dia para mim, que não as durmo, e por que não as fazia no tempo em que meu amado costumava estar ao meu lado? Porque Deus as fez tão grandes, não não consigo dormir, - coitada! coitada! e como não têm fim, eu as queria assim outrora no tempo em que meu amado costumava estar ao meu lado. Por que Deus as fez tão grandes, desmedidas e sem fim se eu não as posso dormir? Por que não as fez assim no tempo em que meu amado costumava estar ao meu lado? É claro que nossa "tradução" não tem a beleza do origi nal. Ainda assim, é útil para facilitar a compreensão do texto. A est es t r u tu r a do t ex t o
É uma cantiga estruturada em três estrofes, cada uma delas formada por seis versos em redondilhas maiores. Os dois últimos versos não se modificam, criando um refrão, ou estribilho, cuja função é enfatizar uma idéia e marcar o ritmo do poema. Outro aspecto importante do ritmo do texto é a presença de rimas: em cada estrofe, o segundo verso rima com o quarto, e o quinto com o sexto.Cantiga de amigo
Quanto à interpretação do texto, o fundamental é perce ber a existência de um "eu" que se lamenta. Observe as for mas verbais e pronominais da primeira pessoa do singular: "mi" (mim), "dórmio" (durmo), "meu", "comigo", "non poss' eu dormir" (não posso eu dormir). É evidente que se trata de uma voz feminina, cuja lamentação tem como tema a ausência do homem amado.
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0 texto gira em torno da solidão dessa figura feminina, que estabelece um contraste entre o tempo em que o "amigo" estava a seu lado e as longas noites marcadas pela ausência dele. Em outras palavras: o contraste entre um outrora feliz e um presente solitário. Note que a oposição entre o momento passado - o tempo da presença - e o presente presente - o tempo da ausência - acaba acaba por tornar as noites noites desiguais: aquelas a quelas em que estava acompanhada foram breves, efêmeras; estas, so litárias, são longas, infindáveis. Dessa forma, a noção de tempo se torna profundamente ligada ao estado emocional do "eu" poético; a duração das noites depende da partilha amo rosa, e não da cronologia. O queixume da voz feminina se dirige à figura de Deus, fato comum da Idade Média, em que o mundo era visto como projeção da vontade divina. Rompendo a tradicional sub missão da época às determinações do Céu, a mulher, em sua frustração amorosa, chega a questionar o tratamento que Deus lhe estaria injustamente dispensando. Relativizando a noção de tempo ou queixando-se das determinações de Deus, há uma mulher angustiada, que sofre a ausência do homem amado. É curioso que o autor dos ver sos seja um homem, capaz de captar e reproduzir o sofrimento feminino. No entanto, esse tipo de composição é comum no trovadorismo, sendo conhecido como cantiga de amigo. Setecentos anos depois...
Com certeza, você já ouviu composições semelhantes no rádio. No rádio?! É... em nossos dias, há muitos exemplos de canções que retomam o procedimento medieval das cantigas de amigo. Caetano Veloso compôs "Esse cara"; Paulo Vanzolini fez fez "R "R onda on da"; "; Chi C hico co Buarq B uarque ue de de Holanda criou várias "cantigas de amigo": "Com açúcar, com afeto", "Atrás da porta", "Olhos nos olhos", "Tatuagem", "Sem açúcar" e ou tras. Para que você possa perceber melhor a presença do "eu" feminino na poesia de Chico Buarque, transcrevemos a seguir a letra letra de de "C "C om açúcar, açúcar, com afeto": afe to": Com açúcar, com afeto Fiz seu doce predileto Pra você parar em casa Qual o quê Com seu terno mais bonito Você sai, não acredito Quando diz que não se atrasa Você diz que é operário Vai em busca do salário Pra poder me sustentar Qual o quê
No caminho da oficina Há um bar em cada esquina Pra você comemorar Sei lá o quê Sei que alguém vai sentar junto Você vai puxar assunto Discutindo futebol E ficar olhando as saias De quem vive pelas praias Coloridas pelo sol Vem a noite e mais um copo Sei que alegre ma non troppo Você vai querer cantar Na caixinha um novo amigo Vai bater um samba antigo Pra você rememorar Quando a noite enfim lhe cansa Você vem feito criança Pra chorar o meu perdão Qual o quê Diz pra eu não ficar sentida Diz que vai mudar de vida Pra agradar meu coração E ao lhe ver assim cansado Maltrapilho e maltratado Ainda quis me aborrecer Qual o quê Logo vou esquentar seu prato Dou um beijo em seu retrato E abro os meus braços pra você
UM SONETO CLÁSSICO O soneto é uma composição poética típica da literatura renascentista européia (séculos XV e XVI). Um dos primeiros e principais cultivadores do soneto foi Francesco Petrarca (13041374), poeta italiano que exerceu forte influência sobre a obra camoniana. Só uma curiosidade: a palavra soneto é de origem italiana e significa 'pequeno som'. A seguir, transcrevemos um soneto de Camões, objeto de nossa análise: S ete ete anos de de past pas tor J acó servia servia Labão, pai de Raquel, serrana bela; Mas não servia ao pai, servia a ela, E a ela só por prêmio pretendia.
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Luís Vaz de Camões (1524-1580)
Os dias, na esperança de um só dia, Passava, contentando-se com vê-la; Porém o pai, usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe dava Lia. Vendo o triste pastor que com enganos Lhe fora assi negada a sua pastora, Como se a não tivera merecida, Começa de servir outros sete anos, Dizendo: Dizendo: - Mais servira, se não não fora fora Pera tão longo amor tão curta a vida! A est es t r u t u r a do s o neto ne to
O soneto é uma forma poética fixa composta por quatro estrofes: dois quartetos e dois tercetos. Os versos têm medi das também fixas: no caso, são decassílabos, metrificação característica do renascimento. Outro traço formal muito importante é a musicalidade do texto. Leia o soneto em voz alta e atente para os jogos sonoros, como, por exemplo, a alternância de sons vocálicos da pri meira estrofe. Observe também a presença de rimas, que obedecem ao esquema ABBA ABBA CDE CDE. Intertextualidade
A chave interpretativa desse texto encontra-se, primeira mente, no conhecimento da passagem bíblica que serviu de base a Camões. Num segundo momento, o foco interpretativo deve ser centrado na influência do pensamento platônico so bre a mentalidade renascentista, procurando estabelecer re lações entre entre o compor co mporttamento ame nto amoroso amoro so de J acó e a busca busca do ideal clássico. C omecem omecemos, os, pois, pois, falando falando do episódio que que envolve envolve J acó e seus amores, passagem bíblica que se encontra no Gênesis, capítulo 29, versículos 15 a 27. Esses versículos narram a história do past pas tor J acó e de seu amor por Raqu R aquel. el. Est E sta, a, filha de Labão, tinha uma irmã mais velha: Lia. Para casar-se com R aquel, aquel, J acó submeteu-se submeteu-se à condição impos impostta por Labão: Labão: trabalhar para ele por sete anos. Findo esse prazo, Labão en tregou-lhe Lia (segundo a tradição, a filha mais velha devia ser a primeira a se casar). casar). Des D esapontado, apontado, J acó desposo des posou u Lia, L ia, mas continuou desejando Raquel. O pai da moça, então, propôs-lhe novamente o mesmo acordo. A ssim ss im se fez: fez: J acó traba trabalho lhou u mais sete sete anos para ter Ra quel; mas, segundo a Bíblia, "eles se mostraram aos seus olhos como apenas alguns dias, por causa do seu amor por ela".
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Platonismo
Afinal, o que representa essa busca incansável pelo amor de Raquel? Por que tanta dedicação para realizar um ideal amoroso? Perceba que Raquel não é simplesmente uma mulher: é a própria personificação de um ideal perseguido pelo artista do renascimento. É nessa perseguição de um ideal que se reflete a influência do platonismo na cultura da época. Em meados do século XV, artistas e pensadores retoma ram valores da cultura greco-latina, destacando-se, entre eles, a filosofia do grego Platão (429-347 a.C.). Platão concebia dois mundos: o mundo sensível, em que habitamos, e o mundo inteligível, das idéias puras. Neste encontramos as divinas essências, as verdades: o Belo, o Bom, a Sabedoria, o Amor... No mundo sensível, as realidades concretas são simples sombras ou reflexos das idéias puras. Há uma constante busca do ideal, que não é mais do que uma tentativa de ascensão do mundo sensível ao mundo inteligível. E o aprendizado amo roso é um dos caminhos para essa ascensão: veja o que nos diz o próprio Platão, em O banquete , que trata justamente do amor: Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se deixar conduzir: em começar do que aqui é belo, em vista daquele belo, subir sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belo be loss corp co rpos os,, e dos do s belo be loss corp co rpoo s p a ra os belo be loss ofícios, ofíc ios, e dos do s ofícios ofí cios pa p a ra as belas be las ciênc ciê ncia iass até at é q u e das ciên ci ência ciass acab ac abee n a q u e la ciên ci ênci cia, a, que de nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.
Como você percebeu, "proceder corretamente nos cami nhos do amor" é iniciar uma longa subida, que começa no belo do mundo sensível ("o que aqui é belo") e, a partir daí, subir degrau por degrau, passando pelo amor físico ("os belos corpos"), pelas técnicas ("ofícios") e pelo conhecimento ("ciências"), para finalmente atingir o Belo do mundo inteli gível ("aquele belo"). Assim, no soneto camoniano, podemos ver Raquel como o ideal ideal maior, transc transcendente, endente, que que J acó persegue. Lia pode ser interpretada como a personificação do mundo sensível, som bra, reflexo, reprodução imperfeita do ideal representado por R aquel. aquel. Daí J acó não aceitá-la no lugar da irmã, preferindo preferin do servir mais sete anos. Os dois últimos versos, de vigorosa concisão e beleza, colocam o amor além dos limites mes quinhos da vida terrena, projetando-o na esfera do ideal. Nessa projeção, desempenha papel fundamental a oposição longo amor/curta vida, que acentua marcadamente a pereni dade desse amor diante da transitoriedade da vida.
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Platão, por Rafael
fséc- xv,)
O platonismo no século XX
A concepção platônica de mundo se manteve ao longo da história literária como uma influência constante. Na moderna literatura brasileira, por exemplo, destacamos Manuel Ban deira e Mário Quintana, poetas cujas obras denunciam ele mentos platônicos: Última canção do beco (fragmento)
Vão demolir esta casa. Mas meu quarto vai ficar, Não como forma imperfeita Neste mundo de aparências: Vai ficar na eternidade, Com seus livros, com seus quadros, Intacto, suspenso no ar! Manuel Bandeira Seio
O teu seio que em minha mão Tive uma uma vez, ez, que que vez aquela aquela!! Sinto-o ainda, e ele é dentro dela O seio-idéia de Platão. Manuel Bandeira Da realidade
O sumo bem só no ideal perdura... Ah! quanta vez a vida nos revela Que "a saudade da amada criatura" É bem melhor do que a presença dela Mário Quintana
UM POEMA ROMÂNTICO Gonçalves Dias pertenceu à primeira geração romântica; no Brasil, essa geração foi marcada pela exaltação da natureza pátria, volta ao passado histórico e criação do herói nacional na figura do índio, de onde surgiu a denominação geração
indianista.
An A n tô n io Gonça Go nça lves lve s Dias (1823-1864)
Leito de folhas verdes
P or que tardas, J atir, que tanto a custo À voz do meu amor moves teus passos? Da noite a viração1, movendo as folhas, J á nos nos cimos cimos do bosque bosque rum rumoreja. oreja.
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1. vento bra ndo que sopra no m a r
Eu sob a copa da mangueira altiva Nosso leito gentil cobri zelosa Com mimoso tapiz tapiz2 2 de folhas brandas, brandas, Onde o frouxo luar brinca entre flores. Do tamarindo3 a flor abriu-se, há pouco, J á solt solta o bogari4 mais ais doce doce aroma! aroma! Como prece de amor, como estas preces, No silêncio da noite o bosque exala. Brilha a lua no céu, brilham estrelas, Correm perfumes no correr da brisa, A cujo c ujo influxo in fluxo5 5 mágico respira-se respira-se Um quebranto6 de amor, melhor que a vida! A flor que desabrocha ao romper d'alva Um só giro do sol7, não mais, vegeta: Eu sou aquela flor que espero ainda Doce raio do sol que me dê vida.
2. tapete
3. do árabe tamr tam r alHindi, 'tâmara da índia', frutos de polpa ácida e co mestível 4. arbusto ornamen tal cujas flores exalam penetran te perfume 5. afluência 6. um estado de espírito marca do pela calma e suavidade 7. um só dia
Sejam vales ou montes, lago ou terra, Onde quer que tu vás, ou dia ou noite. Vai seguindo após ti meu pensamento; Outro amor nunca tive: és meu, sou tua! Meus olhos outros olhos nunca viram, Não sentiram meus lábios outros lábios, Nem outras outras mãos, J atir, que não as as tuas A arazóia8 na cinta me apertaram. Do tamarindo a flor jaz entreaberta, J á solta solta o bogari bogari mais ais doce doce arom aroma; a; Também Também meu coração coração,, como estas estas flores, flores, Melhor perfume ao pé da noite9 exala! Não me me escutas, escutas, J atir! nem tardo acodes À voz do meu amor, que em vão te chama! Tupã! Tupã! lá rompe rompe o sol! do leit leito inút inútil A brisa da manhã sacuda as folhas! Gonçalves Dias O ritmo poético
O texto de Gonçalves Dias é formado por nove estrofes de quatro versos cada uma. Os versos são decassílabos brancos (não têm rima). Note que, apesar da ausência de rima, o poema apresenta musicalidade bastante sugestiva, prove niente da combinação cuidadosa de sons da linguagem. Ouça, por exemplo, os sons semelhantes do primeiro verso:
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8. pequena saia de penas usada pe las mulheres ín dias 9. fim da noite
P or que tardas, ardas , J atir, que tanto tan to a cust cus to ou do segundo verso da quarta estrofe: Correm perfumes no correr da brisa responsáveis pela criação do ritmo poético. Merecem destaque a terceira e a oitava estrofes: são bastante semelhantes, estabelecendo uma simetria dentro do corpo do poema, como veremos adiante. A i dent de ntii fic fi c ação aç ão p er s o n agem ag em /nat /n atu u r eza
O poema apresenta uma uma primeira primeira pessoa pess oa - caracterizada pelos pronomes e verbos ("meu amor", "cobri zelosa", " eu s ou", etc.) etc.) - que dirige a palavra a J atir, o amado ausente. O cenário, o vocabulário, a divindade Tupã nos permitem deduzir que se trata de uma jovem índia que se angustia por desco nhecer o paradeiro do seu amor. Essa jovem índia está rodeada pelos ruídos sem resposta da solidão na selva: a voz solitária do amor, o rumorejar do bosque, a prece formam a moldura sonora em que se encontra essa figura apaixonada. "No silêncio da noite o bosque exala" doces aromas de flores que se abrem: a natureza é o cenário ideal para o encontro a/rioroso. Repare como Gonçalves Dias apela para os nossos sentidos a fim de construir o ambiente em que se passa a ação - praticamente ouvimo o uvimoss os sons e inalamos os perfumes da floresta. Esse cenário envolve tanto a personagem, que o "eu" feminino acaba por se identificar por completo com a natureza circundante; curioso notar que é exatamente no meio do poema (os dois últimos versos da quinta estrofe) que lemos: Eu sou aquela flor que espero ainda Doce raio do sol que me dê vida. É tamanha a identidade mulher/flor que a própria con cordância verbal desobedece aos padrões da gramática tradi cional, reafirmando a primeira pessoa:
fugindo assim da concordância óbvia: eu sou aquela flor que espera... A sen s uali ua lid d ade ad e do " eu " f emi em i n i n o
Nessa altura do poema, destaca-se também a sensuali dade sutil de que se reveste a figura feminina: na terceira es trofe, já se falou em flores que se abrem e exalam perfumes; agora que mulher e flor se confundem, a imagem é retomada, e há a espera de um doce raio de sol que a fecunde.
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A passagem da natureza de cenário da ação à identifica ção plena com a personagem feminina pode ser detectada pela comparação entre a terceira e a oitava estrofes. Na ter ceira estrofe, o bosque exala o perfume das flores; na oitava, é o coração coração da da jovem jovem índia índia que que - como as flores - "melho "melh o r perfume" exala. Há uma outra identificação que deve ser ressaltada. Na sexta estrofe, após uma série de imagens geradas por oposições (vales/montes, lago/terra, dia/noite), ocorre a síntese final entre a mulher que chama e o homem amado: "... és meu, sou tua". O elemento tempo
Outro elemento fundamental do texto é o tempo. Na pri meira estrofe, anuncia-se o início da noite ("a viração rumoreja nos cimos do bosque"), que lentamente progride (na segunda estrofe estrofe - "frouxo "frou xo luar"), lua r"), atua atua sobre as flores (terceir (terceira a est es trofe) e se impõe plenamente na quarta estrofe ("Brilha a lua no céu, brilham estrelas"). É nesse momento que o cenário propício ao amor está completo; é também nesse momento que a jovem índia se identifica identifica com a flor, cuja vida é passageira passageira - "um só giro do sol". A partir desse ponto, a ansiedade do "eu" feminino au menta, ao mesmo tempo que a noite vai chegando ao fim, culminando na frustração amorosa que caracteriza a última estrofe. Observe as palavras de sentido negativo que aí apa recem: escutas, J atir! nem Não me escutas, ne m tardo acodes À voz do meu amor, que em vão te chama! A imagem final dessa frustração ocorre ao romper do sol, momento em que o leito do amor se transforma num "leito inútil" que é sacudido, desfeito pela brisa da manhã: Tupã! lá rompe rompe o sol! do leit leito inútil inútil A brisa da manhã sacuda as folhas! A her ança anç a m edie ed ievv al
Pode parecer curioso que um texto escrito por um ho mem transmita brilhantemente a frustração amorosa de uma mulher. No entanto, uma leitura mais atenta vai, sem dúvida, permitir que você relacione o poema de Gonçalves Dias com a cantiga de amigo analisada nas páginas 25 e 26. Repare que a situação é a mesma: a solidão da mulher, a angústia da espera, o desejo de entrega ao amado, cuja ausência provoca dor e queixumes. Atente, porém, para o fato de que é uma cantiga de amigo adaptada à paisagem brasileira. Gonçalves Dias,
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poeta do primeiro momento romântico brasileiro, consciente mente utilizou uma forma poética medieval para realçar a idealização do índio e da natureza. Medievalismo, indianismo, identificação afetiva com a natureza e sentimentalismo são características do movimento romântico.
UM POEMA SIMBOLISTA No simbolismo, tudo é sugestão. As palavras transcen dem o significado, ao mesmo tempo que apelam para a tota lidade da nossa percepção, ou seja, para todos os sentidos. A musicalidade é uma das características mais destacadas da estética simbolista; Paul Verlaine, um dos mestres dessa es cola, afirmava: "A música acima de tudo../7 A seguir, transcrevemos, para análise, um texto do poeta simbolista português Camilo Pessanha: Ao lo nge ng e os barco bar coss de flor fl ores es
Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil1, na escuridão tranqüila, - P erdida erdida voz que de de entre entre as mais mais se exila, - F estõe estões2 s2 de som dissimul diss imulando3 ando3 a hor hora. Na orgia, ao longe, que em clarões cintila E os lábios, branca, do carmim4 desflora... Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranqüila. E a orquestra? E os beijos? Tudo a noite, fora, Cauta5, detém. Só modulada6 trila A flauta flébil7... Quem há-de remi-la8? Quem sabe a dor que sem razão deplora9? Só, incessante, um som de flauta chora... A m u s ic alid al id ade ad e s im b o lis li s ta
O poema de Camilo Pessanha é formado por três estrofes: dois quartetos e uma quintilha (estrofe de cinco versos). O último verso da quintilha aparece em destaque. Observe que os dois primeiros versos do primeiro quarteto são repetidos no final do segundo quarteto; além disso, o último verso da quintilha é repetição do primeiro verso do poema. Essa orga nização em três estrofes, com repetição dos primeiros versos em pontos específicos de outras estrofes, forma um tipo de composição poética chamada rondei. O rondei é uma forma poética de origem medieval (França) de acentuada musicali-
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1. delgada , delica da , fina , sutil 2. grinaldas, orna mentos em for ma de grinalda 3. d i s f a r ç a n d o , encobrindo 4. vermelho muito vivo
5. 6. 7. 8.
cautelosa melodiosa lacrimosa tirá-la do cati veiro 9. lastima, chora
dade; todo rondei apresenta apenas duas rimas. Em Portugal, à época de Camilo Pessanha, foi muito cultivado o rondei de treze versos, como o texto analisado aqui. Repare como o poeta trabalha a musicalidade: a repetição dos versos não só enfatiza a imagem sonora da flauta, mas também confere ao poema um ritmo muito sugestivo. O últi mo verso como que deixa o poema em aberto, idéia reforçada pela palavra incessante: Só, incessante, um som de flauta chora... Os versos do poema são decassílabos, apresentando o seguinte esquema de rimas: ABBA BAAB ABBAA (são apenas duas rimas: A e B). É fácil notar que entre uma estrofe e outra ocorre a inversão na disposição das rimas, outro fato que procura enriquecer o ritmo do poema. Observe que a alter nância das terminações -ora e -ila, no final dos versos, evoca o som da flauta. É, aliás, a imagem da flauta o elemento fundamental do poema. Conscientemente, o poeta utilizou recursos formais capazes de conferir ao texto acentuada musicalidade; afinal, seu tema é uma flauta em plena atividade sonora. Também a escolha vocabular do poeta parece privilegiar a sonoridade das palavras em detrimento de seu conteúdo. Há versos em que a combinação de sons é tão melodiosa que se chega a ouvir notas musicais: Só, incessante, um som de flauta chora, Viúva, grácil, na escuridão tranqüila, ou ainda: Cauta, detém. Só modulada trila A flauta flébil... Quem há-de remi-la? Os sons representados pelas letras s e ! são os que mais sugerem a melodia da flauta. A alternância vocálica i/o tam bém é parte fundamental desse jogo melódico. O trabalho do poeta é tão meticuloso que chega à seqüência puramente musical "remi-la", em que, mais do que um vocábulo, temos uma seqüência de notas musicais (ré-mi-lá). A imagem acústica da flauta domina, assim, todo o poe ma. É importante notar que o poeta não se limita a falar numa flauta: ele a coloca vivamente em seu poema, cujos versos são verdadeiros acordes. Um poema assim deve ser obrigatoria mente lido em voz alta.
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A sim si m b o lo g ia da fl auta au ta
Na paisagem sonora que o poema elabora, a flauta é uma imagem isolada, solitária. Em meio à escuridão, a voz perdida desse instrumento se exila; longe de um ambiente de orgia e festa, que é apenas sugerido por imagens esparsas do poema ("Na orgia, ao longe, que em clarões cintila", "E a orquestra? E os beijos?..."), a flauta trila e chora, completamente só. Se parada dos barcos de flores (em Macau, onde viveu o poeta, esses barcos eram casas de prostituição), nos quais há alegria e luz, a flauta e sua sonoridade atuam como contraponto de isolamento e solidão, uma suave melodia de tom melancólico. O poema todo atua, dessa forma, como uma grande su gestão: sua musicalidade e sua paisagem, em que se opõe o isolamento de uma flauta à satisfação dos prazeres, nos transmitem uma sutil sensação de melancolia, de solidão, tí pica das noites em que, por qualquer motivo, preferimos ob servar o mundo que nos cerca a participar dele. A c u m p lic li c id ade ad e p o et a/l a/ l ei t o r
Perceba, pois, que estamos diante de uma proposta poética em que a principal preocupação do artista é sugerir fatos, emoções, imagens. Essa proposta caracteriza a poesia do simbolismo, movimento poético do final do século XIX e primeira década do século XX. O simbolismo é a arte do pe ríodo anterior à Primeira Guerra Mundial, período esse mar cado por uma descrença nas soluções cientificistas e mate rialistas que leva o poeta a repudiar a realidade objetiva, mergulhando em seu mundo interior, pessoalíssimo. Esse mergulho do poeta no seu próprio "eu" acaba por gerar um código expressivo extremamente particular, em que tudo é sugestão. Foi um poeta simbolista francês que disse certa feita que "nomear um objeto é destruir três quartas partes do prazer que reside no adivinhar gradual da sua verdadeira natureza". Camilo Pessanha, poeta sensível, não entrega a seu leitor um poema em que tudo esteja claramente descrito e afirmado; pelo contrário, o leitor vê-se obrigado a participar da realização do poema, procurando, de forma ativa, resolver suas in cógnitas e apreender suas sugestões. Essa cumplicidade entre o poeta e o leitor na construção do poema é um dos traços marcantes da poesia de nossos dias.
TRÊS POEMAS MODERNISTAS 1. O cenário urbano na poesia de Mário de Andrade
O poema poema "Garoa "G aroa do meu meu São S ão P aulo" pertence pertence ao livro livro Lira paulistana , publicado em 1946,'um ano após a morte de
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Camilo Pessanha (1867-1926)
Mário de Andrade. Nesse iivro, o poeta, já maduro, revisita sua cidade, tratando-a com carinho e afetividade, sem, contudo, deixar de apontar suas contradições e misérias, como no caso do poema analisado. Dessa forma, o centro urbano, a cidade de São Paulo, foi o principal objeto (e sujeito!) da poesia de Mário de Andrade. Vejamos o poema: Garoa do meu São Paulo, - T imbre imbre triste triste de martírios martírios Um negro vem vindo, é branco! Só bem perto fica negro, Passa e torna a ficar branco. Meu São Paulo da garoa, - Londres das das neblinas neblinas finas Um pobre vem vindo, é rico! Só bem perto fica pobre. Passa e torna a ficar rico.
Mário de Andrade (1893-1945), por La sar Segall
Garoa do meu São Paulo, - C osturei ostureira ra de malditos malditos Vem um rico, vem um branco, São sempre brancos e ricos... Garoa, sai dos meus olhos. A est es t r u tu r a do p o ema em a
O poema apresenta três estrofes formadas por cinco versos, sendo que o último verso da terceira estrofe se en contra em destaque, podendo ser considerado uma quarta estrofe. Ressalvando-se o último verso, percebe-se que as estrofes têm estruturas simétricas: abrem-se com um vocativo ("G ("G aroa do meu meu São P aulo"; aulo"; "M "M eu São P aulo aulo da da garoa"; "Garoa do meu São Paulo"), que é seguido por um termo explicativo (aposto). Na seqüência, introduzem-se elementos humanos que fazem parte da cidade. A primeira estrofe é iniciada pela invocação "Garoa do meu São S ão P aulo", cujo núcleo é o termo garoa. O poeta privi legia, nesse momento, a garoa sobre a cidade. Essa mesma garoa é caracterizada pelo aposto "Timbre triste de martírios", verso cuja sonoridade se alia à imagem do sofrimento. O ritmo desse verso brota da seqüência dos sons representados pelas letras t, i, r: Timbre triste de martírios
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Negros e pobres, ricos e brancos
A seguir, movimenta-se no texto uma primeira figura humana: um negro que, submerso na garoa e na neblina, é branco. Imagine-se como um ponto de referência em meio à garoa (que, ao seu redor, é menos densa; à distância, ela se torna mais compacta): por você passa uma figura que é um negro, mas que, deturpado pela neblina, é branco! É estranho: você sabe que é um negro, mas ainda assim garoa e neblina fazem com que seus olhos o vejam branco: Um negro vem vindo, é branco! Só bem perto, onde a neblina se dissipa, fica negro. Ao se distanciar, envolvido novamente pela neblina que se adensa, "torna a ficar branco". A segunda estrofe apresenta o vocativo cujo núcleo é a cidade ("Meu São Paulo da garoa"). Desta feita, privilegia-se a cidade sobre a garoa. Cidade e garoa se fundem, dessa forma, por meio dos vocativos das duas estrofes. Atente para o aposto "Londres das neblinas finas", em que o efeito sonoro criado entre a vogal grave e nasal de "Londres" e a vogal aguda e oral de "neblinas finas" estabelece um sugestivo contraste. E, num claro retorno à estrutura da estrofe anterior, você vê surgir mais uma figura humana: um pobre que vem, e é rico. A exemplo do negro, que só bem perto fica negro, o pobre só é pobre bem perto de você. E "torna a ficar rico" ao mergulhar novamente na garoa-neblina. A s im b o lo g ia da gar oa
Que espécie de capacidade deformadora tem essa garoaneblina, a ponto de fazer do negro o branco e do pobre o rico? Na terceira estrofe, a garoa, que volta a ser o núcleo do vocativo, é a "costureira de malditos". Desta feita, a garoa não deforma a realidade; pelo contrário, ela perpetua a situação dos brancos e ricos. Parece-nos ser essa a chave interpretativa do texto: a garoa-neblina atua como um véu ideológico capaz de mas carar as desigualdades sociais e de criar uma cidade ideal, em que os oprimidos e marginalizados são "costurados", sub mergindo num çadrão homogêneo de "brancos e ricos". É contra a'deformação da realidade, plena de contra dições e desigualdades, que se torna cinzenta, homogênea, uniforme pela ação da garoa-neblina, que o poeta, situado no mesmo ponto que o leitor, dirige seu apelo: Garoa, sai dos meus olhos.
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Os operários, tela de Tarsila do Amaral.
São Paulo, palco do modernismo brasileiro
A paisagem urbana, os elementos humanos que vão e vêm nessa paisagem, os fatos sociais são traços marcantes da poesia brasileira do século XX. São Paulo, centro industrial de maior projeção no cenário brasileiro (idéia, aliás, reforçada pela comparação com Londres, cidade-berço da Revolução Industrial e famosa também por sua neblina), foi o palco pro pício para a realização da Semana de Arte Moderna, em 1922.
Bonde paulistano: O Cara dura
2. O pr esen te e o passado pass ado na poesia po esia de Fern Fernando ando Pessoa Pessoa
"Aniversário" foi escrito por Álvaro de Campos, um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa (18881935). Pessoa não se limitou a criar poesia; criou poetas. Ela borou personalidades artísticas distintas que, em linguagem particular a cada uma, escreveram de acordo com suas con vicções e pontos de vista. Álvaro de Campos é, nesse conjunto, o homem moderno, o homem-máquina que se sente parte nervosa dos mecanismos agitados do século XX, mas que também mergulha melancolicamente na triste constatação das limitações e da solidão pessoais. "Aniversário" ilustra muito bem esta segunda faceta de Campos: No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de [há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma [religião qualquer. No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, De ser inteligente para entre a família, E de não ter as esperanças que os outros tinham por [mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter [esperanças. Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da [vida. Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, O que fui de coração e parentesco. O que fui de serões de meia-província, O que fui de amarem-me e eu ser menino. O que que fui - ai, ai, meu Deus!, De us!, o que só hoje sei s ei que fui... A que distância!... (Nem o acho...) O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
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Álv Á lva a ro de Camp Ca mpos os,, por Almada Ne greiros
0 que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim [da casa, Pondo grelado nas paredes... O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme [através das minhas lágrimas), 0 que eu sou hoje é terem vendido a casa, É terem morrido todos, É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo [frio... No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, Por uma viagem metafísica e carnal, Com uma dualidade de eu para mim... Comer o passado como pão de fome, sem tempo de [manteiga nos dentes! Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o [que há aqui... A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos [na loiça, com mais copos, O aparador com muitas muitas coisas - doces, frut frutas as,, o resto [na sombra debaixo do alçado -, As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por [minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos... Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça! Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na [algibeira!... O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!... A g r amát am átic ic a s us t ent en t a o t ex t o
A leitura do poema mostra uma oposição clara entre o passado ("No tempo em que festejavam o dia dos meus anos") e opresente ("O que eu sou hoje é terem vendido a casa") do poeta. Dessa oposição entre dois momentos emo cionalmente muito distintos é que brota a intensidade do poema, que chega a ser dolorido ao expor tão vivamente um quadro de frustração intensa.
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A construção desse contraste entre o passado e o pre sente assenta sobre duas classes de palavras: os advérbios e os verbos. É principalmente nos verbos que o poeta baseia a construção do poema. É por isso que, a partir de agora, fa laremos bastante em tempos e modos verbais: você verá como o conhecimento de algumas noções de gramática pode auxiliá-lo na interpretação de um poema. Observe as formas verbais da primeira estrofe: festeja vam, era, estava. Há algo em comum entre esses verbos: estão todos no mesmo tempo (pretérito imperfeito do indicativo). Nos quatro primeiros versos da segunda estrofe, esse tempo verbal é mantido (festejava (festejavam, m, tin ha, tin ham). Nos dois últimos versos dessa estrofe, aparece a forma vim, do pretérito per feito do indicativo (que, no texto, faz parte de uma locução verbal). E esse tempo é que vai predominar por toda a terceira estrofe do poema, na forma verbal fui. Você deve estar se perguntando o que tem a ver o ani versário do poeta com os pretéritos do indicativo. Antes que a dúvida faça com que você se inquiete, vamos relembrar al gumas coisinhas da gramática... Os tempos do modo indicativo indicam os processos reais, aqueles que positivamente acontecem (o indicativo se opõe ao subjuntivo, modo em que se exprimem as possibili dades, as incertezas verbais). O pretérito é o tempo que indica os processos ocorridos antes do momento em que se fala. Se você condensar essas informações, concluirá que os dois tempos verbais predominantes nas três primeiras estrofes do poema têm muito em comum, pois ambos exprimem pro cessos reais ocorridos antes do momento em que fala o poeta. O que distingue os dois tempos é o aspecto verbal, ou seja, a capacidade que os verbos têm de exprimir a duração do processo que indicam. O aspecto imperfeito indica os pro cessos com limites incertos, aqueles que se repetem ou es tendem ao longo do passado. Observe isso no primeiro verso do poema: No tempo em que festejavam o dia dos meus anos em que a forma verbal festejavam indica que o aniversário ocorreu várias vezes, sendo comemorado durante um período cujos limites limites exatos exatos nós, leitores, leitores, desconhecemos. desc onhecemos. J á o as pecto perfeito indica os processos verbais finalizados, defini tivamente encerrados. Observe a forma verbal fui, freqüentís sima na terceira estrofe. Quando alguém diz fui, é porque já não é, deixou definitivamente de ser. O que fui, o que sou
Releia cuidadosamente as três primeiras estrofes do poema. Na primeira e nos quatro primeiros versos da se-
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gunda, em que o poeta lembra os felizes tempos da infância do aniversariante, os verbos no pretérito imperfeito comunicam uma “inexatidão abrangente” ao texto: as coisas eram assim, ficaram sendo assim por toda uma época. No final da segunda estrofe e na terceira, o pretérito perfeito, tempo daquilo que já não é, corta qualquer possibilidade de contágio entre a felici dade passada e o presente. Poderíamos dizer que "o que passou, realmente passou”. Observe agora como a quarta estrofe nos mostra o pre sente do indicativo (sou). Quando se chega ao presente, o passado já foi definitivamente encerrado pelo aspecto perfeito da terceira estrofe. O presente do indicativo possui aspecto imperfeito: os processos que ele indica também não têm li mites precisos. Da mesma forma que as ações felizes do passado difundiam-se imprecisamente, os estados infelizes do presente se alongam, se estendem indefinidamente. Esse dado é muito importante para o contraste básico do poema: a feli cidade da infância foi completamente substituída pela também expansiva amargura do presente. Nas duas estrofes seguintes, há uma seqüência de ima gens impregnadas de saudades e ritmadas pelo verso que se repete ("No tempo em que festejavam o dia dos meus anos”). É na penúltima estrofe que o poeta muda de atitude, estabe lecendo um diálogo com o próprio coração. Note a intensidade dramática desses três pequenos versos, toda ela proveniente da noção imperfeita (o processo não tem limites precisos; prolonga-se indefinidamente) do presente do indicativo: Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Esse presente igual e repetido culmina com uma in diferença completa pelo futuro: Serei velho quando o for. Mais nada. Afinal, é o passado que o poeta gostaria de ter trazido na algibeira (bolso)... ”0 tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...” O elemento tempo
Nesse percurso pelos verbos do poema é possível sinte tizar a evolução do modo de ser do poeta. Fala-se, inicial mente, num passado feliz, familiar, aconchegantemente rico em imagens e pessoas. O caráter contagiante dessa fase da vida é transmitido pelo prolongamento e imprecisão cronoló-
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gicos do pretérito imperfeito do indicativo. A seguir, o poeta se descobre diferente daquele que festejava o dia dos seus anos, e a ruptura brusca entre o passado e o presente se faz com a repetição, ao longo da terceira estrofe, do pretérito perfeito do indicativo. O presente do indicativo que segue não só mostra a melancólica e lúcida dor solitária do poeta, mas também o prolongamento indefinido dessa dor, que torna o futuro des prezível. Temos, pois, nos tempos e no aspecto verbal, o ca minho seguido do alegre festejar à dureza estéril do verso-dor: "Duro".
O poema, sempre um desafio
Nossa análise do poema "Aniversário" procurou explorar as relações estabelecidas entre os principais tempos verbais que aparecem no texto. É uma tentativa de demonstrar como o conhecimento da gramática pode ser útil na interpretação de um texto literário. É também uma forma de mostrar como o estudo de gramática pode ser feito de forma mais eficaz se privilegiar os textos vivos, a expressividade de quem fala ou escreve, a realidade comunicante das palavras e frases. Há muitas outras coisas no poema "Aniversário" que mereceriam destaque. O papel rítmico exercido pelo versosíntese "No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...", cuja pontuação final varia de acordo com a tensão emotiva do poeta. A beleza de imagens como "Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma", "É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...", "Comer o passado co mo pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!" e outras. Comece você agora a apalpar o poema. Veja como ele reage, ser vivo e mutável que é... Sinta-o...
3. Carlos Drummond de Andrade: "Eta vida besta, meu Deus!" Sinal de apito
Um silvo breve: Atenção, siga. Dois silvos breves: Pare. Um silvo breve à noite: Acenda a lanterna. Um silvo longo: Diminua a marcha. Um silvo longo e breve: Motoristas a postos. (A este sinal todos os motoristas tomam lugar nos seus veículos para movimentá-los imediatamente.)
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Carlos Drummond de Andrade (19021987).
"Curiosíssimo." Realmente, o superlativo se justifica. Após uma primeira leitura, algumas exclamações e muitas interrogações brincam ao redor do poema. Poema! Poema? Ou simples brincadeira de algum poeta moderninho, herdeiro daqueles baderneiros que realizaram a Semana de Arte Moderna em 1922? Isso é poesia ou prova teórica para tirar carteira de motorista? "Duma pureza impressionante." É necessário absorver o primeiro impacto, superar a sensação de estranhamento, ler e reler o poema, localizá-lo como uma peça de um conjunto mais amplo, para só então descobrirmos a sua "pureza impressionante" "Curiosíssimo... duma pureza impressionante." Assim se manifestou Mário de Andrade sobre "Sinal de apito", um dos poemas que compõem o livro Alg A lgu u m a p oesi oe sia a , de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1930. E ntret ntretanto, anto, a história história de "Sina "S inall de a pito" pito" é um pouco mais antiga. Em setembro de 1927, na cidade mineira de Cataguases, surgiu a revista Verde, percorrendo uma trilha aberta pelo modernismo. Os organizadores de Verde convidaram Carlos Drummond de Andrade para colaborar em seu primeiro número; o poeta enviou "Signal de apito", que se tornou, dessa forma, o primeiro texto poético publicado por Drum mond fora do âmbito íntimo de Belo Horizonte.
Uma interpretação do estar-no-mundo Alg A lgu u m a p oesi oe sia a , livro de estréia de Drummond, que reúne textos escritos entre 1923 e 1930, transformou-se em verda deiro marco cronológico da chamada segunda geração mo dernista. Mário de Andrade logo destacou essa importância e re gistrou uma das características marcantes do livro: a "vida besta", que representa, segundo o autor de Macunaíma, "a luta entre o poeta, que é um ser de ação pouca, e as exigências da vida social contemporânea. O poeta adquiriu uma cons ciência penosa da sua inutilidade pessoal e da inutilidade so cial e humana da Vida besta"'. De fato, Alg A lgu u m a poes po esia ia apresenta textos que registram "um eu todo retorcido", vivendo angústias no plano individual, passando à angústia de se obter "uma visão da existência, uma interpretação do estar-no-mundo", de um mundo espre mido entre a realidade realidade de uma guerra já já realizada realizada (a P rimeira Guerra Mundial) e a realidade de outra guerra que se avizinha. É dentro desse quadro, mais uma peça de um vasto painel, que
temos que refletir sobre "Sinal de apito", sem dúvida nenhu ma um dos momentos mais felizes da obra drummondiana e de seu discurso poético sobre a "vida besta". A arq ar q u i t etu et u r a do p o ema em a
"Sinal de apito" é um poema formado por seis versos livres, sem rima. Os cinco primeiros apresentam uma nítida semelhança tanto semântica quanto sintática; esses versos podem ser divididos ao meio e apresentam, como divisor de águas, os dois-pontos. O último verso chama a atenção do leitor por várias razões: é longo, caracterizado por uma forte oralidade; a pontuação se resume ao ponto final; está desa linhado em relação aos demais versos; está isolado por parên teses. Dessa forma, podemos destacar três blocos distintos: Um silvo breve: Dois silvos breves: Um silvo breve à noite: Um silvo longo: Um silvo longo e breve:
Atenção, siga. Pare. Acenda a lanterna. Diminua a marcha. Motoristas a postos.
(A este sinal todos os motoristas tomam lugar nos seus veículos para movimentá-los imediatamente.) A cada um desses blocos corresponde um espaço: o espaço do sinal do "agente da autoridade de trânsito" (como consta nos livretos dos departamentos de trânsito); o espaço da "convenção"; o espaço dos motoristas. O primeiro bloco apresenta os sinais de apito do guarda (ou "agente da autoridade de trânsito") e é caracterizado pela descritividade. A estrutura é muito simples: um numeral (um/ dois), um substantivo (silvo/silvos), um adjetivo (breve/longo). Chamam a atenção o terceiro verso, por apresentar um ad vérbio de tempo, e o quinto, por apresentar dois adjetivos modificando um único substantivo. O segundo bloco caracteriza-se pela convenção, ou seja, são palavras que traduzem o significado de cada sinal de apito. A marca maior desse bloco é a presença de verbos no modo imperativo; afinal, são ordens dadas pelo "agente da auto ridade" e que devem ser obedecidas. O único verso que não apresenta verbo no imperativo (pelo menos ele não está ex plícito), mas nem por isso perde o seu caráter de ordem, é o quinto. Outra vez o quinto verso!
Os cinco primeiros versos, que devem ser lidos em sua totalidade, são marcados por um ritmo forte que nos é dado pelo substantivo aliterado silvo (sonoramente muito interes sante pela seqüência de fonemas que o formam), pelos ad jetivos jetivos breve (o encontro consonantal br, br , uma bilabial oclusiva e uma vibrante, produz uma explosão no início da palavra, e a sílaba ve representa uma queda) e longo (uma palavra que se alonga) e pela entonação dos verbos no modo imperativo (a ordem é sempre brusca). Esse ritmo forte, batido, contrasta com a oralidade do verso entre parênteses, que flui pela pró pria ausência de pontuação. O verso isolado pelos parênteses é uma explicação, é um relato, é um corte na realidade aparentemente banal do coti diano, mas que, no fundo, guarda a própria essência da “vida besta". Senão, vejamos: ele se refere especificamente a um dos sinais, mais precisamente ao último, o quinto verso. Mais uma vez, o quinto verso! A este est e sinal si nal.. 0 poeta não se refere "a esses sinais", mas especificamente "a este sinal"; o pronome demonstrativo de primeira pessoa indica, em relação a lugar, a idéia de de maior maior proximidade. proximidad e. P ortanto, ortanto, o verso ent e ntre re parêntese parêntesess refere-se ao sinal mais próximo, ou seja, o último. O valor da antítese
Nesse ponto, o bom senso manda parar e pensar um pouco mais no quinto verso. Ele já nos chamou a atenção por não apresentar um verbo no modo imperativo de forma ex plícita e por ter um substantivo modificado por dois adjetivos. Pesquisando num manual de "sinais e convenções de trânsi to", vamos encontrar uma coisa curiosa: todos os sinais e suas respectivas convenções que formam o poema correspondem aos sinais convencionais utilizados pelos guardas na realidade, menos um, exatamente exatamente o sinal do quinto qui nto verso! verso ! Nos Nos manuais encontramos: Um silvo longo e um breve: Trânsito impedido em todas as direções. Três silvos silvos longos: longos: Motorist Motoristas as a postos. postos. Portanto, o poeta fez uma pequena brincadeira: uma in versão aqui, a eliminação de um numeral ali, e está transfor mada a realidade para realçar o automatismo, o maquinismo, a submissão à autoridade, o quanto a nossa vida é e está condicionada pelos "agentes da autoridade". (Eta vida besta, meu Deus!) Quando Drummond elimina o numeral de "Um silvo longo e (um) breve", ele realça o absurdo, o paradoxo: como um único silvo pode ser, ao mesmo tempo, longo e breve?
O poeta faz e refaz sua obra
Para reforçar a brincadeira de Drummond, um fato cu rioso e histórico: o “Signa! de apito" publicado em setembro de 1927 pela revista Verde era ligeiramente diferente da versão definitiva publicada no livro Alg A lgu u m a poesia po esia.. A diferença reside exatamente no quinto verso: Um silvo breve: Attenção, siga, Dois silvos breves: Pare. Um silvo breve à noite: Accenda a lanterna. Um silvo longo: Diminúa a marcha. Um silvo longo e breve: Transito impedido em todas as direcções. Tres sil s ilvos vos longos: longos: Mot Mo toristas oristas a postos. postos. (A este signal todos os conductores tomam logar nos seus vehiculos para movimen-tal-os immediatamente.) E é a esse verso antitético, absurdo, paradoxal, que todos os motoristas obedecem, tomam seu lugar nos seus veículos para movimentá-los imediatamente. Todos, isto é, sem exceção. É o poder absoluto do agente da autoridade sobre toda a massa de motoristas. É também curiosa a palavra motorista: aquele que dirige a máquina, aquele que controla e comanda o motor e que, no entanto, condicionado, não comanda, de fato, nada. É comandado. Mais uma vez, Drummond insiste na comunhão perfeita entre o homem e a máquina, a ponto de tudo se tornar uma mesma "coisa": A vida parou ou foi o automóvel? ("Cota zero") O homem condicionado, nivelado a uma máquina, pres tes a obedecer a um sinal, mesmo que absurdo, não pensa. De que modo age esse homem? Imediatamente, ou seja, sem pensar, sem refletir.
A ft&eâ &eâití, d a fioe fioe& & fa
O FAZER POÉTICO A folha branca é a tradução mais aproximada do nada. Por que romper essa pureza com palavra não milpesada? A folha branca não aceita senão a que acha que a merece: essa só sobrevive ao fogo desse branco que é gelo e febre. João Cabral de Melo Neto
Neste Neste capít capí tulo - a poesia poesia da poesia - voltamos nossa nossa atenção para o fazer poético e para as várias concepções sobre esse ofício. Para tanto, selecionamos textos escritos em mea dos do nosso século (décadas de 40 a 80) por poetas brasi leiros. Assim, procuramos oferecer uma visão atual e próxima do fenômeno poético. Nos poemas comentados, ao lado da função poética da linguagem, percebemos a função metalingüística ou metalinguagem. Ou seja, os poetas utilizam os poemas para refletir sobre o próprio fazer poético. F azemos azemos nossas as palavras palavras de J oão C abral abral de de Melo M elo Neto, em nota introdutória ao seu volume significativamente intitulado Poesia crítica : Quanto à idéia de, em poesia, falar de poesia ou de outras formas de criação, crê o autor que ela só parecerá coisa estranha a quem ignora tudo do que escreveu. Quem teve contato com pouca pa p a rte rt e de sua su a o bra, br a, sabe sab e q u e ele n u n c a e n te n d e u a ling li ng uag ua g em p o é tica como uma coisa autônoma, uma fogueira ardendo por si, cujo interesse estaria no próprio espetáculo de sua combustão: mas como uma forma de linguagem como qualquer outra. Uma forma de linguagem transitiva, com a qual se poderia falar de qualquer coisa, contanto que sua qualidade de linguagem po p o étic ét icaa fosse pres pr eser erva vadd a.
POEMAS COMENTADOS 1. "O poema", de Mário Quintana
Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco. Mas ele, aquela noite, nâo escreveu nada. Para quê? Se por ali já havia passado o frêmito e o mistério da vida... Há um primeiro fato bastante curioso que deve ter cha mado a sua atenção: o texto tem por título "O poema", mas
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Mário Quintana (1906-1994)
aparentemente está escrito em prosa. Note que falamos em “aparência" de prosa, ou seja, a disposição gráfica das pa lavras na folha de papel sugere a inexistência de versos. Mas será que poesia é realmente a forma gráfica do verso? Um primeiro passo para discutirmos a questão é a própria leitura do texto. Releia-o em voz alta e perceba a seqüência de ênfases e de pausas que acabam por marcar um ritmo bas tante claro. A esse ritmo podemos chamar “ritmo poético“, característica fundamental da poesia, como já vimos na in trodução de nosso livro. Emprega-se a expressão prosa poé tica para descrever os textos que, apesar de se apresentarem em prosa, expõem recursos e expressividade poéticos. O texto de Mário Quintana é uma prova inegável de que não é a forma gráfica que faz um poema, mas sim o “ritmo poético“: apesar da aparência de prosa, estamos diante de poesia. E de uma poesia cujo tema é a própria poesia, o próprio traba trabalho lho do artista artista da da palavra palavra (aquilo que J oão C abral abral de Melo Neto Neto chama chama “o “ o ofício de criar“ ) - o fazer poético. Uma página em branco, que é o campo que se abre para o fazer do poeta, é atravessada por uma formiguinha. Note que o percurso da formiguinha é diagonal: ela atravessa a folha na maior extensão possível, impregnando-a por completo com suas pequenas pegadas vivas. Assim, a formiga, ativa, dinâ mica, em constante produção, contrapõe-se à figura do poeta, que se tornou estéril depois da passagem da pequena criatura. É interessante notar que a introdução do poeta no texto é feita por um pronome (ele). Ora, o uso de um pronome de terceira pessoa pressupõe uma referência anterior ao ser de quem se fala. Há um efeito, pois, que resulta desse pronome, que surge como se já soubéssemos de quem se fala: o poeta é apresentado de forma furtiva, tornando-se secundário em re lação à presença marcante da formiguinha. Essa configuração do poeta realça sua incapacidade diante do verdadeiro poeta no caso, a formiguinha, que é o agente do fazer poético. Pode parecer estranho que a formiguinha seja o verdadeiro poeta, mas é ela que traz “o frêmito e o mistério da vida...“, que são os elementos essenciais da poesia. Nesses comentários, procuramos chamar sua atenção para dois aspectos fundamentais da poesia: um, formal; o outro, temático. Num primeiro momento, falamos sobre o ritmo poético como elemento de construção do poema. Esse ritmo é um trabalho artesanal feito a partir da linguagem. No momento seguinte, abordamos a vida, a pulsação vital como tema primeiro da poesia. A poesia fala da vida. No conjunto perfeito que é o poema, ritmo e vida se combinam, harmonizando-se num produto belo e único.
2. 7/Ar te po étic a" , de Maur o Mo ta
Elabora o poema como a fruta elabora os gomos, a fruta elabora o suco, a fruta elabora a casca, elabora a cor e sobre tudo elabora a semente. A primeira palavra do poema já nos introduz a idéia clara de que o fazer poético é um trabalho: elaborar é um verbo que contém o termo labor, sinônimo de trabalho, obra (elaborar provém do latim elaborare, de labor , laboris , 'trabalho', 'obra'). Em elaborar, está presente a noção de que a arte poética é fruto de uma obra, isto é, de um trabalho cuja matéria-prima é a palavra. Como Mauro Mota trabalhou (e-labor-ou) seu poema? É fácil notar que a palavra básica do texto é a forma verbal elabora, presente em todos os versos. Em sua primeira ocor rência, elabora é uma forma do imperativo afirmativo, tendo como sujeito a segunda pessoa do singular (tu - a pessoa a quem se dirige a palavra). Essa forma verbal nos demonstra que o poema é dirigido a um ouvinte ou leitor, a quem o poeta transmite sua concepção do fazer poético: Elabora [tu] o poema como Elabora como? A apresentação da teoria poética do autor é feita por meio de uma comparação entre o poeta, que faz o poema, e a fruta, que faz o fruto: ...como a fruta elabora os gomos, a fruta elabora o suco, a fruta elabora a casca Nesses três versos, elabora é uma forma do presente do indicativo, tendo como sujeito a fruta. Elaborar é, no caso, um verbo transitivo, isto é, seu sentido transita para um com plemento. Nos versos, os complementos (objetos diretos) são as expressões os gomos, o suco e a casca. A fruta, ao elaborar os gomos, o suco e a casca, elabora sua própria carne, sua essência e sua forma. Desses elementos, aos quais se acres centarão a cor e a semente, a fruta conceberá o fruto, seu produto final. Da mesma forma, o poeta concebe seu poema: de sua carne, de sua essência, ele faz a matéria da sua poesia, do seu produto final.
Temos, assim, assim, a rel relaçã ação: o: fruta —> fruto po eta — >- po ema em a
Perceba que as noções de fruta/fruto se confundem, as sim como as de poeta/poema. Ao elaborar o fruto, a fruta elabora a si mesma; ao elaborar o poema, o poeta elabora a si mesmo. Os dois últimos versos formam o'conjunto final do poe ma. Observe que, no penúltimo verso, a forma verbal elabora volta a ocupar o início do verso. Ocorre, no entanto, um fato gramatical muito interessante: elabora é uma forma do im perativo afirmativo ou do presente do indicativo? Seu sujeito é a segunda pessoa do singular (tu) ou é a fruta? Nessa dupla possibilidade de leitura é que se encontra uma das belezas do pequeno grande poema de Mauro Mota: com essa forma verbal, cuja leitura é ambígua, capaz de se referir a dois su jeitos jeitos a um só tempo, fund fundem-se em-se a figur figura a do t u , ao qual o poeta se dirige, dirige, e a fruta - fundem-s fund em-se, e, em outras outras palavras, o criador cria dor do poema e o criador do fruto. Ora, na medida em que os çriadores se tornam um só, os produtos finais também for mam um só: poeta po eta <^> fr u ta // po ema «=> fr ut o
Também nesses nesses dois dois últim últimos os versos versos se mencion mencionam am cor co r e semente, igualmente contaminadas pela ambigüidade. Cor e semente referem-se tanto ao fruto como ao poema: um e outro têm apelo sensorial (sugerido pela palavra cor) e têm semente, que, devemos notar, é a palavra que fecha o texto. A semente nos remete aos conceitos de fecundidade, de reprodução, de vida em forma potencial. Fruto e poema têm, pois, uma mes ma capacidade fertilizadora, nutriente. A importância que o poeta atribui à semente, núcleo do fruto-poema, é evidenciada pela elaboração feita com a pala vra vra sobretudo. Sua divisão pluraliza sua leitura, gerando mais de uma possibilidade interpretativa: • sobretudo, com sentido de "principalmente', 'especial mente'; • sobre tudo, expressão que valoriza a palavra tudo e oferece vários sentidos para a preposição sobre: acerca de, em cima de, acima de, além de, por causa de, de acordo com... Um interessante trabalho agora é fazer as substituições possíveis e buscar as suas próprias interpretações. Mãos à obra! Elaborar o poema, trabalhar a palavra é conceber, a partir do próprio sumo, o fruto. O fruto que terá substância, terá forma, terá cor, terá sabor. O fruto que fecundará, será nova vida. O poema-fruto com que também sonha Mauro Mota.
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3. "Nova poética", de Manuel Bandeira
Vou lançar a teoria do poeta sórdido1. Poeta sórdido: Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida. Vai um sujeito, Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito [bem engomada, [e na primeira esquina passa um caminhão, [salpica-lhe o paletó de uma nódoa de lama: É a vida. 0 poema deve ser como a nódoa no brim: Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero. Sei que a poesia é também orvalho. Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as [virgens cem por cento e as amadas que envelheceram sem [maldade. Manuel Bandeira denominou seu poema "Nova poética". Esse título nos sugere a intenção deliberada de apresentar uma teoria poética. O adjetivo nova nos chama a atenção por dois motivos principais: primeiramente, porque Bandeira publicou um poema poema com o título título "Poé "P oéttica“ ica “ no livro livro Libertina gem ge m (1930), que acabou por se transformar num marco do modernismo brasileiro; em segundo lugar, porque essa poé tica nova é uma ruptura com a poesia desvinculada da vida que persistia em 1949 e que teima em persistir até hoje (a poesia que é o orvalho). Nessa nova poética, Manuel Bandeira lança a figura do poeta sórdido, do poeta "em cuja poesia há a marca suja da vida“. Antes de qualquer outro comentário, vamos pensar a palavra sórdido. Não há dúvida de que se trata de um termo forte, tanto em relação à sonoridade quanto ao conteúdo, ca paz de conferir ao texto um tom agressivo. E a poesia desse poeta trará à tona problemas humanos que a "poesia-orvalho" não denuncia, pelo contrário, essa poesia, por omissão, chega mesmo a deturpar a realidade, apresentando-a como ideal. O quinto verso do poema, bastante longo, exemplifica a teoria do poeta sórdido a partir do sentido figurado das dife rent rentes imagens imagens aí citadas. citadas. O primeiro elemento - o sujeito de roupa roupa de brim branco engomadinha eng omadinha - nos sugere a típica fi f i gura do cidadão que aceita a vida sem qualquer questiona mento, do homem cujo modo de se vestir procura atender às convenções sociais de etiqueta. Esse traje social de bom comportamento é salpicado de lama por um caminhão, veí culo normalmente barulhento, rodeado de fumaça. O papel do caminhão é sórdido como o do poeta: é a vida que fica im-
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Manuel Bandeira (1886-1968) 1. imundo , repug nante, nojento , indigno , inde cente, miserá vel.
pressa no brim branco do passante; é a vida que deve ser impressa no branco do papel. Levar a vida para o poema, transformando-o numa “nódoa no brim“, tem um objetivo claro: retirar o leitor aco modado de sua passividade, fazer com que o indivíduo apático e insípido passe a sentir na própria pele (e não apenas na própria roupa!) a marca da vida: “Fazer o leitor satisfeito de si dar o deses des espero“ pero“ . P rovocar a inquietação inquietaçã o é a forma que a poesia tem de mostrar a condição humana ao próprio homem. Os dois últimos versos do poema apresentam um ritmo diferente: ironicamente, o poeta se refere à poesia que “é também orvalho“. Bandeira constata a existência dessa poesia “sem a marca suja da vida“, poesia que se confunde com o conceito vulgar, segundo o qual são assuntos poéticos os amores cor-de-rosa escritos em versos certinhos e rimados. Aliás, essa nova poética é escrita em versos livres, sem rima, sem estrofação regular. Mas com muito ritmo, o ritmo da vida. Atente para o fato de que o amor é um tema poético, assim como são temas poéticos o mendigo que cata comida entre os detritos, as prostitutas, o médico que não cura, a morte, a família, a própria poesia. Enfim, o mundo da poesia é tão amplo, rico e plural como o mundo dos homens. 4. “ Meu pov o, meu po ema“ em a“ , de Ferreira Ferreira Gullar
Meu povo e meu poema crescem juntos como cresce no fruto a árvore nova No povo meu poema vai nascendo como no canavial nasce verde o açúcar No povo meu poema está maduro como o sol na garganta do futuro Meu povo em meu poema se reflete como a espiga se funde em terra fértil Ao povo seu poema aqui devolvo menos como quem canta do que planta O título “Meu povo, meu poema“ já nos coloca a relação básica que vai marcar todo o texto: partindo do povo, o poema se construirá a fim de retornar ao seu ponto de origem. Tam bém nesse título se anuncia o ritmo inicial de cada uma das
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cinco estrofes do texto, em cujo primeiro verso surge sempre o substantivo povo, logo seguido pela palavra poema. Dessa forma, sempre é o povo que abre as possibilidades poéticas que cada estrofe apresenta. Observe que é intenção clara do autor colocar o povo no início de cada estrofe: apesar de desempenhar diferentes funções sintáticas, a expressão o povo é sempre realçada por sua posição inicial: Meu povo e meu poema crescem juntos (povo é um dos núcleos do sujeito) No povo meu poema vai nascendo (No povo é um ad junto junto adverb adverbial ial)) No povo meu poema está maduro (No povo é um adjunto adverbial) Meu povo em meu poema / se reflete (povo é núcleo do sujeito) Ao povo seu poema aqui devolvo (Ao povo é objeto in direto) Nesse último caso, por exemplo, a ordem convencional colocaria o objeto indireto após o verbo. Desrespeitando essa ordem, Ferreira Gullar obtém um expressivo efeito sintático. Na primeira das cinco estrofes, povo e poema possuem crescimento simultâneo. Sua forma de crescer é igual à da árvore que, em forma de semente, de vida potencial, repousa no interior do fruto. Nessa primeira colocação do poeta, povo e poema são a possibilidade futura, a vida que brotará no pro cesso vegetal de eterna renovação. A segunda e a terceira estrofes apresentam um movi mento bastante interessante. Observe que, em ambas, o povo agora é o próprio espaço em que rebenta o poema, é a própria terra nutriente que concebe e alimenta o broto. Na segunda estrofe, o poema, enraizado no povo, nasce “como no canavial / nasce verde o açúcar". Essa comparação nos oferece várias sugestões: podemos pensar no poema como um fato coletivo (canavial é um coletivo!) ou, ainda, voltar a considerar a idéia da realização futura (afinal, o poeta já vê no canavial o açúcar, ou seja, o produto futuro). Na terceira estrofe, o poema, que já está maduro no seio do povo que o fertilizou e nutriu, é comparado ao "sol na garganta do futuro": mais uma vez, estamos diante de uma imagem que que oferece oferece várias várias pos p ossibilidade sibilidadess interpretativas interpretativas - a "garganta do futuro" pode ser a garganta de alguém que an seia pelo futuro ou a própria garganta com que o futuro nos fala. Mas a garganta também pode ser o elo, a passagem, a entrada para um futuro ao qual se chegará sob a luz do sol. É importante notar que, maduro, realizado, o poema gerado pelo povo chega finalmente ao futuro para o qual foi concebido.
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As três primeiras estrofes nos apresentam, dessa forma, todo o percurso de maturação do poema. Gerado inicialmente junto junto ao povo, povo, o poem poema a nele ele se desenvol desenvolve ve,, dele dele se ali ali mentando como a planta se alimenta do solo. Maduro no in terior do povo, o poema é a possibilidade futura de vida e luz. E é após esse percurso que a quarta estrofe nos oferece um momento-síntese. O povo agora se reflete no poema ma duro: nesse gesto de mútuo reconhecimento, o coletivo (povo) e o individual (poema) se identificam, e a poesia se realiza em sua plena função social, em sua plena expressão de valores humanos universais. Concebido pelo povo, como a espiga é moldada pela terra, o poema é agora imagem e reflexo desse povo, como a espiga é gérmen e fruto da terra. O elo final da concepção do poema ocorre na última es trofe, em que o povo recebe de volta o seu próprio fruto. Ex traído do coletivo, da experiência dos homens todos, o poema, realizado, pleno, retorna aos homens todos, que o saberão seu. E o poeta, ao devolver ao povo o que brotou do povo, faz isso mais como quem planta do que canta, ou seja, como quem desempenha uma função vital e nutritiva entre os homens. O fazer poético é alimento (produto de quem planta) e não apenas distração (produto de quem tão-somente canta). Há, assim, um ciclo vital completo que é percorrido ao longo das cinco estrofes do texto. Comparada sempre ao de senvolvimento do vegetal, a geração do poema é feita com raízes que se enterram fundo no solo fértil que é o povo. Todo esse movimento cíclico se encontra sintetizado no jogo dos pronomes possessivos que se ligam a povo e poema, res pectivamente, no título e na quinta estrofe: Meu Me u povo, meu me u poema Ao povo seu poema
De meu, pronome individual da primeira pessoa do sin gular, chega-se a seu, pronome coletivo da terceira pessoa do plural. Alimentado pelo povo, pelos homens todos, o poeta (indivíduo) restitui ao povo o seu alimento (alimento deles e dele...). Ferreira Gullar nos expõe uma concepção em que é clara a determinação de criar uma poesia que esteja profundamente identificada com o povo, com o sentimento coletivo; uma poesia cuja função social seja explícita; uma poesia cuja vinculação à realidade, ao cotidiano, seja o elemento principal. Essa concepção aparece reafirmada em vários textos de G ullar, ullar, como nestes nestes fragmentos fragmentos de "A poesia": poes ia": Onde está a poesia? indaga-se por toda parte. E a poesia vai à esquina comprar jornal.
(...)
P oesia - deter a vida com com palavras? palavras? Não - libertá-la, libertá-la, fazê-la voz e fogo em nossa voz. Po esia esia - falar o dia acendê-lo do pó abri-lo como carne em cada sílaba, de flagrá-lo 5. "Canção amiga", de Carlos Drummond de Andrade
Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça, todas as mães se reconheçam, e que fale como dois olhos. Caminho por uma rua que passa em muitos países. Se não me vêem, eu vejo e saúdo velhos amigos. Eu distribuo um segredo como quem ama ou sorri. No jeito mais natural dois carinhos se procuram. Minha vida, nossas vidas formam um só diamante. Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas. Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças. A "Canção amiga", de Carlos Drummond de Andrade, foi escolhida como síntese final desta parte do nosso livro, em que se discutiu a poesia da poesia. Nesse texto se concentram muitas das idéias que vimos saboreando. "Canção amiga" abre o livro Novos poemas , o qual reúne textos escritos em 1946 e 1947. Trata-se, portanto, de um momento fundamental na obra de Carlos Drummond de An drade: são poemas amargos, produzidos sob o impacto da bomba atômica, mas também são poemas solidários, em que se respira a esperança renascida com o final da guerra (a derrota do nazifascismo) e a criação da ONU (em nível mun dial) e com o final da ditadura do Estado Novo (em nível na cional). Todos esses fatos ocorreram em 1945.
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A intenção do poeta é preparar uma canção em que não apenas a sua própria mãe se reconheça, mas todas as mães se reconheçam. Do mesmo modo, a rua em que caminha o poeta não é uma rua limitada, mas sim uma rua "que passa em muitos países". A idéia plural de mães e países, concebida a partir da experiência individual, singular ("minha mãe", "uma rua"), demonstra a preocupação de universalizar a criação poética, na busca da expressão do sentimento coletivo. A canção, que é amiga, se propõe ao reconhecimento das mães, à saudação dos velhos amigos, à distribuição de um segredo. Mães, velhos amigos, segredo indicam proximidade, solidariedade afetuosa, um ato de amor, um sorriso, carrega dos de naturalidade, assim como dois carinhos que se pro curam. A naturalidade desse encontro carinhoso opõe-se ao ca ráter artificial, premeditado, demagógico de certas relações sociais. Observe o papel fundamental do pronome reflexivo recíproco se, que demonstra a ação simultânea de um carinho sobre o outro: No jeito mais natural dois carinhos se procuram. 0 ponto alto dessa solidariedade é expresso nos versos: Minha vida, nossas vidas formam um só diamante. nos quais há uma forte carga significativa no jogo dos pro nomes possessivos e na imagem do diamante. Observe que a relação de posse atribuída ao substantivo vida caminha da primeira pessoa do singular (minha) para a primeira do plural (nossas), efetuando o percurso individual -► coletivo, aponta do anteriormente. Essa expansão eu -► nós cristaliza-se na imagem do diamante, material a um só tempo compacto, re sistente, e também transparente, luminoso, belo. "Minha vida, nossas vidas", expressão plural, torna-se singular no dia mante: "um só diamante". Esse diamante único é o ponto culminante da identificação eu/nós: é a fusão solidária do poeta com os homens todos. Essa solidariedade se constrói a partir de uma relação de mútua entrega, em que se dá e se recebe. Com os homens, o poeta aprende novas palavras, sinal de que ele, poeta, está aberto ao saber do mundo; mas, sendo poeta, tem como ofício tornar mais belas as palavras. Tornar as palavras e o mundo mais belos é um ato de amor. A última estrofe nos demonstra que o preparo da canção tem objetivos universais, solidários e estéticos: à primeira vista, pode parecer estranho que uma mesma canção faça "acordar" e "adormecer"; mas é justamente nesse ponto que
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se encontra o caráter abrangente do fazer poético - a capaci capac i dade de despertar a consciência dos homens (afinal, a poesia persegue verdades) e de ninar a criança (afinal, a poesia se propõe bela). Uma comparação bastante produtiva seria colocar lado a lado as concepções de poesia expostas por Ferreira Gullar em "Meu povo, meu poema" e por Drummond na "Canção ami ga". Em ambos os casos, há uma identificação plena entre o produto poético e a matéria-prima, que é o sentimento cole tivo. O fazer poético é, dessa forma, um ato solidário: ora concebido de uma experiência individual, ora fertilizado no e pelo povo, o produto poético é sempre endereçado aos homens todos, estabelecendo a ponte, superando abismos, criando, assim, um vínculo fraterno entre o eu e o nós, entre povo e poema. * São São versos ersos de de Drum Drumm mond ond no no poem oema "O "O arco" arco",, qu que também pertence ao livro Novos poemas : Que quer a canção? erguer-se em arco sobre os abismos. Que quer o homem? salvar-se, Ao prêmio de uma canção.
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A INTERTEXTUALIDADE Chega! Meus olhos brasileiros se fecham saudosos. Minha boca procura a “Canção do exílio”. Como era mesmo a “Canção do exílio”? Eu tão esquecido de minha terra... Ai terra que tem palmeiras onde canta o sabiá! Carlos Drummond de Andrade
o capítulo anterior, discutimos como a poesia fala sobre si mesma. Aí analisamos poemas que falavam do pró prio fazer poético e expressavam um apurado trabalho de reflexão do artista sobre sua própria obra. A poesia não se volta sobre si mesma apenas para dis cutir sua própria criação e o ofício criador do poeta. Ela tam bém se alimenta de temas já explorados em outros textos, procurando estabelecer um diálogo entre diferentes visões do in mundo. Esse diálogo entre poemas e poetas é chamado in-
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tertextualidade,
Nesse processo, haverá sempre um texto original, que servirá de ponto de partida, e um texto-produto elaborado com base em alguma atitude para com o original. Esse texto-produto pode resultar numa simples imitação, ou pode pretender a paródia, a polêmica, chegando, na maior parte dos casos, a repensar o tema investigado segundo uma nova perspectiva histórica, ideológica, estética. Neste capítulo, tomamos como material de análise um tema e um poeta. Nossa intenção não é analisar pormenori zadamente cada um dos poemas, mas apenas realçar o pro cesso intertextual. Nosso tema é a "Canção do exílio", cujo texto-mãe foi escrito por Gonçalves Dias em 1843. Esse texto, que se tornou bastante popular, motivou vários textos-produto, desde a imitação, feita por um poeta da mesma época (Casimiro de Abreu), até profundas reorganizações formais e temáticas, elaboradas no século XX (Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Chico Buarque e T om J obim, J osé P aulo aulo Paes, Paes, entre entre outros). outros). Nosso poeta é Manuel Bandeira, que recriou vários tex tos, dos quais destacamos a reconstrução lingüística e formal de um um soneto soneto de de Bocage e de um poema poema de J oaqu oa quim im Manuel M anuel de Macedo.
AS CANÇÕES DE EXÍLIO A "Canção do exílio" de Gonçalves Dias, texto-matriz, foi produzida no primeiro momento do movimento romântico brasileiro, época em que se vivia um forte nacionalismo, re-
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forçado pela recente independência política do país. O texto é marcado, inclusive, por certa lusofobia, isto é, um sentimento de aversão aos valores portugueses. Repare que, para realçar os elementos naturais do Brasil, o poeta desfaz da paisagem portuguesa:
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossas flores têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar - sozinho, soz inho, à noite noite Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.
lio":
Alguns aspectos interessantes sobre a "Canção do exí
• Quanto ao aspecto formal, o poeta utilizou vários recursos para obter ritmo, musicalidade: os versos são redondilhas maiores (sete sílabas poéticas); a rima oxítona é bem mar cada (lá, cá, sabiá). • É fundamental, para a compreensão do poema, localizar geograficamente os advérbios lá, cá, aqui. • A idéia das "palmeiras onde canta o Sabiá" repete-se ao longo do poema, exercendo, de forma sutil, o papel de re frão.
# A urélio Buarque de Holanda escreveu escreveu uma uma brilhante análise análise estilística sobre a "Canção do exílio". Entre outros aspectos levantados pelo crítico, está a total ausência de adjetivos qualificativos na poesia de Gonçalves Dias, apesar de ser um texto de profunda exaltação da pátria. • Em 1909, Osório Duque Estrada venceu um concurso insti tuído para a escolha da letra do Hino Nacional (o hino seria oficializado somente em 6 de setembro de 1922, Centenário da Independência, por decreto do presidente Epitácio Pes soa). Compare a segunda estrofe da "Canção do exílio" com a seguinte passagem do Hino Nacional: Do que a terra mais garrida Teus Teus risonhos, risonhos, lindos lindos campos campos têm mais flores; flores; "Nossos bosques têm mais vida", "Nossa vida", no teu seio, "mais amores". Gonçalves Dias escreveu seu texto em Coimbra, no mês de julho de 1843. O poeta, com 20 anos de idade, cursava então a Faculdade de Direito de Coimbra, vivendo um exílio físico e geográfico. Tem-se, assim, a situação tradicional do exílio; veremos adiante que alguns autores do século XX ex perimentaram exílios diferentes. Veremos, agora, os diferentes textos-produto que a poe sia de Gonçalves Dias gerou. 1. " Canção anção do exílio exílio - Meu lar" (fragmento ), de Casimiro de Abreu
Se eu tenho de morrer na flor dos anos, Meu Deus! não seja já; Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá! Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro Respirando este ar; Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo Os gozos do meu lar! O país estrangeiro mais belezas Do que a pátria, não tem; E este mundo não vai um só dos beijos Tão doce doce de uma uma mãe! Dá-me os sítios gentis onde eu brincava Lá na quadra infantil; Dá cfue eu veja uma vez o céu da pátria, O céu do meu Brasil!
Se eu tenho de morrer na flor dos anos, Meu Deus! não seja já: Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá! Lisboa, 1857 Casimiro de Abreu, também poeta romântico, viveu em Lisboa de 1854 a 1857. Nesse período, escreveu algumas canções de exílio, visivelmente influenciadas pelo poema de Gonçalves Dias. Casimiro utiliza os mesmos elementos: palmeira, ou me lhor, laranjeira; sabiá; o temor de morrer longe da pátria. O ritmo é obtido pela utilização de rimas oxítonas (já/sabiá, infantil/Brasil, ar/lar) e pela alternância de versos decassílabos com versos de seis sílabas. Observe, também, que o sentimento de nacionalismo saudosista é o mesmo nos dois poetas românticos. Na ver dade, trata-se de um tema recorrente em quase todos os escritores dessa fase de nossa literatura. Você perceberá, no próximo poema, que os autores modernistas, pelo contrário, questionam esse tipo de nacionalismo e o próprio conceito de exílio. 2. "Canto de regresso à pátria", de Oswald de Andrade Minha terra tem palmares1 Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá
Oswald de Andrade (1890-1953)
1. Vastas regiões, no Nordeste, cobertas por palmeiras. O famoso Quilombo dos Palmares: "Uma faixa de palmeirais, com vinte léguas de largura, paralela ao litoral, em terras de Alagoas e Pernambuco. Dali partiam os valorosos negros para assaltos às zonas vizinhas. Conheciam o terreno como, mais tarde, os cangaceiros conheciam a caatinga. Numerosos e atrevidos, quando batidos aqui, recomeçavam além. Em ja neiro de 1694, dá-se início ao bloqueio de Palmares. As tropas do governo trouxeram algumas peças de artilharia. Os negros usam armas de fogo, flechas, água fervente, brasa... Na noite de 5 para 6 de fevereiro, mais de
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Não permita Deus que eu morra Sem que eu volte pra São Paulo Sem que eu veja a rua 152 E o progresso de São Paulo. O “Canto de regresso à pátria" pertence à produção de Oswald de Andrade realizada no início da década de 1920, à mesma época da Semana de Arte Moderna. Essa fase da produção oswaldiana caracteriza-se por um nacionalismo crítico e por uma revisão não só da história do Brasil, mas também da produção literária anterior à década de 1920. Um dos instrumentos freqüentes desse trabalho crítico é o humor, e nesse humor merece destaque o poema-paródia. O “Canto de regresso à pátria“, assim como a “Canção do exílio“ de Murilo Mendes, que veremos a seguir, são exemplos típicos de poemas-paródia. Partindo de um texto-matriz con sagrado, Oswald e Murilo elaboraram uma bem-humorada releitura de Gonçalves Dias. Observe que, por trás do humor e da sátira, permanece ainda o caráter nacionalista, dotado agora de uma perspectiva crítica. Ou seja, não se critica a va lorização do elemento nacional na poesia, mas sim a forma ufanista de fazê-lo. Nessa mesma linha parodística, por exemplo, Oswald de Andrade reescreveu os “Meus oito anos“, de Casimiro de Abreu, e trechos da “Carta“ de Pero Vaz de Caminha; Murilo Mendes chegou a compor uma nova “História do Brasil“.
200 bravos tentam uma fuga em massa e precipitam-se por um despe nhadeiro. Muitos outros são presos ou degolados nos dias que se seguem. Zumbi, entretanto, escapara e só em fins de 1695, traído por um dos seus, é cercado por uma tropa de paulistas. Em companhia de vinte companheiros, luta até a morte. Sua cabeça é exposta em praça pública". (HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. São Paulo, Difel, 1985.) 2. Trata-se da Rua Rua 15 de Novembro, No vembro, situada no centro centro velho de São S ão Paulo, P aulo, que liga a atual Praça Antônio Prado à Praça da Sé. Sua abertura data da época de fundação fundaçã o do Colégio C olégio de P iratininga, em torno do qual cresceu a cidade. J á foi a Ru R ua da Imperat Imperatriz riz no tempo tempo do Império Império e, após após a proclamação proclamação da República, recebeu a atual denominação. No início do século XX passou a ser o coração do sistema financeiro, abrigando as principais agências bancárias do país e, por isso mesmo, símbolo da pujança econômica de São Paulo.
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3. “ Canção Canção do exílio exílio " , de Muri lo Mendes
Minha terra terra tem tem macieiras da C alifórnia1 alifórnia 1 onde cantam cantam gat ga turamos2 uramos 2 de Veneza. Veneza. Os poetas da minha terra são pretos que vivem em torres de ametista, os sargentos do exército são monistas3, cubistas4, os filósofos são polacos vendendo a prestações. A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus5em família têm por testemunha a Gioconda.6 Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossas flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas cust cus tam cem mil mil réis7 réis7 a dúzia Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade8! Ironicamente, Murilo Mendes enumera diversos elemen tos que .denunciam a invasão cultural estrangeira no Brasil. Esse clima de denúncia é mantido até o verso em que a Gio conda, da parede onde está colocada, presencia as brigas em família. Essa influência estrangeira é tão opressiva que sufoca o poeta em sua própria terra (que, aliás, é chamada de “terra estrangeira“, caracterizando o “exílio“). Nos dois últimos versos há uma proposta de abrasileirar o Brasil - expressa expressa pela pela vontade vontade de chupar uma uma carambola c arambola de verdade e de ouvir um sabiá, desde que comprovadamente brasileiro. Observe que o nacionalismo de Murilo Mendes se fun damenta numa crítica à realidade social e cultural do Brasil, não se limitando à mera exaltação “das belezas pátrias“. 4. “ Uma canção" canção" , de Mário Quintana
Minha terra não tem palmeiras... E em vez de um mero sabiá, Cantam aves invisíveis Nas palmeiras que não há. Minha terra tem relógios, Cada qual com a sua hora Nos mais diversos instantes... Mas onde o instante de agora?
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7. estado norteamericano: re gião frutífera de nominada "po mar do do mun do " 2. pássaros de pe queno porte ver des, amarelos e azuis-anil 3. segu idores do monismo, se gundo o qual o conjunto de to das as coisas pode ser redu zido à unidade 4. adeptos ou se guidores do cu bismo , tendên cia artística que se caracteriza pela valorização das formas formas geo métricas 5. designação po pular para ba gunça, briga 6. famosa tela de Leonardo da Vinci, também conhecida por Mona Lisa 7. pl ur a l de real, antiga unidade monetária bra sileira 8. o mesmo que certidão de nas cimento
Mas onde a palavra "onde"? Terra Terra ingr ingrat ata, a, ingrat ingrato o filho, filho, Sob os céus da minha terra Eu canto a Canção do Exílio! Mário Quintana nega, num primeiro momento, os dois valores fundamentais do poema de Gonçalves Dias: as pal meiras e o sabiá. Note que "aves invisíveis" cantam "nas palmeiras que não há". O poeta introduz o tema do onde e do agora, num ques tionamento existencial que culmina com uma perspectiva di ferente de exílio: já não se trata de um exílio f/sico-geográfico, mas sim de uma inadaptação à realidade (o onde e o agora) que o cerca. Essa idéia é colocada de forma clara nos dois últimos versos do poema: o poeta, sob os céus de seu próprio país, sente-se exilado. 5. "Nova Canção do Exílio", de Carlos Drummond de Andrade
Um sabiá na palmeira, longe. Estas aves cantam um outro canto. O céu cintila sobre flores úmidas. Vozes na mata, e o maior amor. Só, na noite, seria feliz: um sabiá, na palmeira, longe. Onde é tudo belo e fantástico, só, na noite,
seria feliz. (Um sabiá, na palmeira, longe.) Ainda um grito de vida e voltar para onde é tudo belo e fantástico: a palmeira, o sabiá, o longe.
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Drummond utiliza a imagem do sabiá e da palmeira para sugerir um espaço "onde é tudo belo e fantástico". Note que o poeta já ocupou esse espaço: Ainda um grito de vida e voltar para onde é tudo belo e fantástico e que seu afastamento caracteriza o exílio. Um dos elementos de construção do texto é o jogo de pontuação com as palavras sabiá, palmeira e longe. Observe que o fecho do poema é a substantivação do advérbio longe: o longe. Dessa forma, essa palavra adquire profundo valor para a imagem do exílio: o longe é um ser, é uma grandeza que existe por si mesma, e não apenas uma referência à distância. 6. "Sabiá", de Antônio Carlos Jobim e Chico Buarque de Holanda
Vou voltar, sei que ainda Vou voltar para o meu lugar Foi lá e é ainda lá Que eu hei de ouvir cantar Uma sabiá, cantar uma sabiá Vou voltar, sei que ainda Vou voltar Vou deitar à sombra de uma palmeira Que já não há Colher a flor que já não dá E algum amor, talvez possa encontrar As noites que eu não queria E anunciar o dia Vou voltar, sei que ainda Vou voltar Não vai ser em vão Que fiz tantos planos de me enganar Como fiz enganos de me encontrar Como fiz estradas de me perder Fiz de tudo e nada de te esquecer A música de de T om J obim e C hico hico Buarq B uarque ue nos coloca diante de um "eu" que vive um exílio forçado. Escrita em 1968 (vencedora da parte nacional do III Festival Internacional da Canção, promovida pela TV Globo), reflete as angústias gera das pelo ano mais negro da ditadura militar. Apesar da consciência da destruição de valores impor tantes e característicos de sua terra, esse "eu" insiste na idéia do retorno. Atente para a importância e insistência da ex-
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pressão "vou voltar", mesmo que seja para "deitar à sombra de uma palmeira que já não há" e "colher a flor que já não dá". Há a esperança de que esse retorno não seja vão, de que um novo tempo possa ser anunciado. 7. "Outra Canção do Exílio", de Eduardo Alves da Costa
Minha terra tem Palmeiras, Corínthians e outros times de copas exuberantes que ocultam muitos crimes. As aves que aqui revoam são corvos do nunca mais, a povoar nossa noite com duros olhos de açoite que os anos esquecem jamais.
A g ê n c i a E s t a d o
Eduardo Alves da Costa
Em cismar sozinho, ao relento, sob um céu poluído, sem estrelas, nenhum prazer tenho eu cá; porque me lembro do tempo em que livre na campina pulsava meu coração, voava, como livre sabiá; ciscando nas capoeiras, cantando nos matagais, onde hoje a morte tem mais flores, nossa vida mais terrores, noturnos, de mil suores fatais. Minha terra tem primores, requintes de boçalidade, que fazem da mocidade um delírio amordaçado: acrobacia impossível de saltimbanco esquizóide, equilibrado no risível sonho de grandeza que se esgarça e rompe, roído pelo matreiro cupim da safadeza. Minha terra tem encantos de recantos naturais, praias de areias monazíticas, subsolos minerais que se vão e não voltam mais. A chorar sozinho, aflito, penso, medito e reflito, sem encontrar solução; a não ser voar para dentro,
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voltar as costas à miséria, à doença e ao sofrimento, que transcendem o quanto possam o pensamento conceber e a consciência suportar. Minha terra tem palmeiras a baloiçar, indiferentes aos poetas e dementes que sonham de olhos abertos, a rilhar os dentes, Não permita Deus que eu morra pelo crime de estar atento; e possa chegar à velhice com os cabelos ao vento âe melhor momento. Que eu desfrute os primores do canto do sabiá, onde gorjeia a liberdade que não encontro por cá. Eduardo Alves da Costa, poeta contemporâneo, também repensou o seu país por meio de uma canção de exílio. Seu texto, amargo, é uma profunda crítica à situação social brasi leira. É interessante notar que o texto apresenta certa oralidade, partindo de imagens do cotidiano (futebol, poluição) e che gando à constatação da realidade de um país explorado em suas riquezas minerais e humanas por uma situação politica mente opressora. O exílio do poeta decorre, pois, dessa falta de liberdade existente em seu próprio país: Que eu desfrute os primores do canto do sabiá, onde gorjeia a liberdade que não encontro por cá. 8. “ Canção Canção do exílio facili tada“ , de José Paulo Paulo Pae Paes
lá? ah! ah! sabiá... papá... maná... sofá... sinhá... cá? cá? bah!
José Paulo Paes
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J osé P aulo aulo Paes, Paes, também também poet poeta a contempor contemporâneo, âneo, elabor elabora a um texto extremamente sintético, cuja leitura só tem sentido se for feita levando-se em conta o poema de Gonçalves Dias. Reaproveitando a rima oxítona do poema-matriz, o texto concentra sua carga significativa e expressiva na oposição dos advérbios cá/lá e das interjeições ah!/bah! Note que o poema trata o exílio em sua essência: o que importa é que a satisfação (ah!) está lá; no lugar onde se está, há apenas enfado, insatisfação, descontentamento: cá?/bah!
AS "TRADUÇÕES" DE BANDEIRA Outrossim, ou antes, outronâo: tradução é crítica, como viu Pound melhor que ninguém. Uma das melhores formas de crítica. Ou pelo menos a única verdadeiram ente cri criativ ativa, a, quando ela - a tradu ção - é cria criati tiva. va. Augusto de Campos
Manuel Bandeira, numa atitude até comum no moder nismo, recriou vários textos consagrados da literatura em lín gua portuguesa. Essa recriação era chamada pelo próprio Bandeira de “tradução". Parece-nos que, ao chamar seu trabalho fecriativo de "tradução", Bandeira pretendia evidenciar dois fatos princi pais, profundamente ligados à própria natureza do fazer poé tico: o rearranjo formal e a reconstrução lingüística do texto. As "traduções" escolhidas foram feitas a partir de um sonet sone to de Bocage e de um um poema poema de J oaquim oa quim Manuel Ma nuel de Macedo. Soneto de Bocage
Se é doce no recente, ameno estio1 Ver Ve r toucar-s ouca r-se2 e2 a manhã manhã de de etéreas3 etéreas3 flores, E, lambendo as areias e os verdores, Mole e queixoso deslizar-se o rio; Se é doce no inocente desafio O uvirem uvirem-se -se os voláteis voláteis4 4 amadores, amadores, Seus versos modulando e seus ardores De entre os aromas de pomar sombrio; Se é doce mares, céus ver anilados Pela quadra gentil, de Amor querida, Que espert es perta5 a5 os corações, floreia floreia os prados, prados, Mais doce é ver-te de meus ais vencida, Dar-me em teus brandos olhos desmaiados Morte, morte de amor, melhor que a vida.
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7. verão 2. cobrir-se com touca; adornar ; enfeitar: embe lezar o vestuá rio; coroar , cir cundar 3. sublimes , p u ras , elevadas 4. no texto , que qu e podem voar ("voláteis ama dores" são são os pássaros) 5. despe rta; ani ma; excita
Soneto com estrutura tradicional (dois quartetos e dois tercetos), versos decassílabos com rimas ABBA ABBA CDC DCD, Uma composição poética desse tipo era o padrão do tempo em que viveu Manuel Maria Barbosa du Bocage, poeta neoclássico português (século XVIII). Tradução
Doçura de, no estio recente, Ver a manhã toucar-se de flores. E o rio mole queixoso Deslizar, lambendo areias e verduras;
Bocage (1765-1805)
Doçura de ouvir as aves Em desafio de amores cantos risadas Na ramagem do pomar sombrio; Doçura de ver mar e céus Anilados pela quadra gentil que floreia as campinas que alegra os corações, Doçura muito maior De te ver Vencida pelos meus ais Me dar nos teus brandos olhos desmaiados Morte, morte de amor, muito melhor do que a vida, puxa! O primeiro aspecto que realça da tradução de Bandeira é a disposição gráfica, isto é, a distribuição das palavras no espaço do papel. Observe que o primeiro quarteto do soneto original trabalha com a imagem do deslizar mole e queixoso de um rio; Bandeira explora graficamente o movimento do rio, dispondo as palavras de forma que sugiram visualmente o fluxo das águas: E o rio
mole
queixoso Deslizar, lambendo areias e verduras. Afinal, o próprio Bandeira nos diz que uma de suas preocupações nessa nessa tradução tradução era era esse trabalho: raba lho: "C omo se vê, vê, eu estava mais era assinalando maliciosamente certas ma neiras de dizer, certas disposições tipográficas que já se ti nham tornado clichês modernistas".
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Manuel Bandeira , por Cícero Dias
Há também um trabalho lingüístico com o texto: note a colocação pronominal, bem como o uso do artigo nos dois últimos versos: Bocage: "Dar-me em teus brandos olhos desmaiados" Bandeira: "Me dar nos teus brandos olhos desmaiados" A colocação pronominal, o uso do artigo e a interjeição final "puxa!" são evidentes sinais de uma linguagem mais coloquial e mais brasileira, reforçando o caráter de tradução, como bem denominou Manuel Bandeira. J oaquim Manuel de Macedo, Macedo, conhecido conhecido escritor escritor român tico brasileiro, autor do romance A m o re n inh in h a , entre outros, às vezes "também poetava". Bandeira escolheu um* dos poemas de Macedo e o "traduziu" para o caçanje. Lembramos que caçanje é a designação dada a um dialeto português falado em Angola (África); por extensão, passou a designar o português mal falado q u mal escrito - é claro que mal falado e mal escrito segundo os padrões das elites dominantes, que, inclusive, conferem ao termo caçanje um certo tom discriminatório. Leremos, agora, o texto original de Macedo e a vtradução" para o caçanje de Bandeira: Original de Macedo
Mulher, irmã, escuta-me: não ames, Quando a teus pés um homem terno e curvo J urar am a mor, chorar prant pranto de sangu sangue, e, Não creias, não mulher: ele te engana! ' As lágrimas são galas da mentira mentira E o juramento manto da perfídia. Tradução
Teresa Teresa,, se algum sujei s ujeitto bancar bancar o sentim sentiment ental al em cima cima [de você E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde Se ele chorar Se ele se ajoelhar Se ele se rasgar todo Não acredita não Teresa É lágrima de cinema É tapeação Mentira CAI FORA É evidente a nova distribuição gráfica que Bandeira construiu. Também é evidente a profunda mudança no tom da linguagem utilizada: enquanto o texto de Macedo é empolado, antiquado, o texto de Bandeira nos dá a impressão de que é uma conversa na esquina, um conselho de amigo chegado e mais experiente.
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Joaquim Manuel de Macedo (18201882)
OOMduMOs? t&CcACty
epois de ouvir as palavras dos poetas, você já pode começar a elaborar o seu próprio conceito de poesia. w J r J untos, vimos que a experiência poética é fruto de um demorado processo de reflexão. Da parte do poeta, há uma profunda reflexão sobre a vida (o tema poético por excelência) e sobre a expressão dessa vida - por meio da construção construção consciente cons ciente do poema, poema, quer na es es colha e no arranjo das palavras, quer na própria disposição gráfica que o texto adquire. Da parte do leitor, há a emoção despertada pelo gozo do prazer estético que a poesia provoca. Essa emoção, esse gozo convive com a busca de uma interpretação mais pensada do poema. Nesse momento, acreditamos ter mostrado a você algumas possibilidades de investigação do fenômeno poético. Acreditamos, principalmente, que lhe mostramos a única verdade sobre a experiência poética: cada poema é um ser vivo completo, articulado, coerente, mutável, ativamente em processo de eterna metamorfose. Um poema é um ser calei doscópico: aproximar-se dele é um ato que requer a coragem de estar aberto a novos giros, a novas faces, a experiências inusitadas. Haverá, sempre, um processo de interpenetração entre o leitor e o poema. Esse processo muitas vezes será difícil, será um verdadeiro combate. Mas não desanime: afinal, o próprio Carlos Drummond de Andrade, em seu poema "O lutador", ao comentar essa luta com e pela palavra, nos diz: Lutar com palavras » é a lut luta mais mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. E, no mesmo poema, ele nos aponta a atitude a tomar: Palavra, palavra (digo exasperado), se me desafias, aceito o combate.
sta bibliografia apresenta apenas as obras que serviram de fonte para os textos aproveitados, quer em epígrafes, quer em citações ou análises.
E
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