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Vols. /, II e III Walter Benjamin
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editora brasiliense
Copyright © by Faber and Faber Limited, 1988 Título original: On Poetry and Poets Copyright © da tradução: Editora Brasiliense S.A. Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.
ISBN: 85-11-22032-1 Primeira edição, 1991
Indicação editorial: Paulo Cesar Souza Preparação de originais: Cássio Arantes Leite Revisão: Ana Célia de M. Goda. Irati Antonio e Ana Maria M. Barbosa índice Onomástico: Claudia Beck Abehng Abehng Capa: Ettore Bottini
IP
Rua da Consolação, 2697 01416 São Paulo SP Fone (OU) 881-3066 - Fax 881-9980 Telex: (11) 33271 DB LM BR
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SUMÁRIO
Prefácio Prólogo
9 11 I
DE POESIA A fun ção social social da poesia (1945) A música da poesia (1942) O que é poesia menor ? (1944) O qu e é um clássico? (194 4) Poesia e dram a (1951) As três vozes da poesia (195 3) As front eiras da crítica (1956)
25 38 56 76 100 122 140
II DE POETAS Virgílio e o mu nd o cristão (1951) Sir Joh n Davies (1926) Milt on I (193 6) Milt on II (194 7) John son como crítico e poeta (1944) Byron (193 7) Goe the , o sábio (1955) Rudyard Kipling (1941) Yeats (1940)
163 178 187 197 216 257 277 303 335
I
PREFÁCIO
Com uma única exceção, 1 todos os ensaios incluídos neste livro são posteriores aos que integram meus Selected essays (En saios escolhidos).2 A maioria deles foi escrita nos últimos dezesseis anos. Meus Ensaios escolhidos eram uma miscelânea; este livro, como o título indica, restringe-se aos ensaios relativos a po et as ou à po es ia . A presente coletânea difere de meus Ensaios escolhidos em outro aspecto. Somente um ensaio nesse volume — o estudo sobre Charles Whibley — foi escrito para ser lido diante de uma platéia; todos os demais foram escritos para publicação em periódicos. Dos dezesseis ensaios que constituem o presente volume, dez foram originalmente escritos para serem lidos junto ao público; um décimo primeiro, o que escrevi sobre Virgílio, era uma palestra radiofónica. Ao publicar agora tais conferências, não tentei transformá-las naquilo em que poderiam ter sido se destinadas originalmente aos olhos, e não aos ouvidos; nem me ocupei de fazer alterações, a não ser omitir os comentários preliminares a "Poesia e drama", além de algumas daque-
I
1 O ensaio sobrr Sir Joh n Davies, que apareceu em The Time s Literary Supple ment em 1926, foi resgatado do esquecim ento e recom endad o para ser aqui incluí do pe lo Sr. Jo hn Ha yw ar d. (N A. ) 2. Selected essjys 1917 1932. Fáber and Fáber. Londres, 1932; e Harcourt, Brate
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T. S. ELIOT
las observações preambulares e gracejos incidentais que, tendo sido concebidos para seduzir o ouvinte, poderiam apenas irritar o leitor. Tampouco me pareceu correto, ao preparar para a pu bl ic aç ão em um vo lu me de ensaios escritos em ép oc as di st in tas e em diversas ocasiões, remover passagens que repetem afirmações feiras alhures, ou tentar suprimir discrepâncias e reconciliar contradições. Cada item é substancialmente idêntico ao da época de sua leitura para o público ou primeira publicação. Ao reler algum tempo depois certos ensaios e palestras, classificados por data e assunto para inclusão, decidi rejeitá-los por não os considerar bons o bastante. Pretendi poder considerar dignas de inclusão duas conferências pronunciadas na Universidade de Edimburgo, anteriores à Segunda Guerra Mundial, sobre "O desenvolvimento do verso shakespeariano", pois o que eu estava tentando dizer parecia-me digno de ser dito. Tais conferências, porém, deram-me a impressão de estar mal escritas, e seria necessário uma revisão completa — tarefa que adiei para algum futuro longínquo. Lamento menos a omissão, entretanto, uma vez que tomei desse conjunto de conferências uma de suas melhores passagens — uma análise da primeira cena do Hamlet — para incorporá-la a uma outra palestra, "Poesia e drama". Assim, já que furtara uma conferência em benefício de outr a, adu zo agora a Poesia e dra ma out ro breve extrato da mesma conferência de Edimburgo, um comentário à cena do balcão em Romeu e Julieta. Meus reconhecimentos aparecem sob a forma de notas de pé de pá gi na aos div ersos ensai os. Elas me pe rmitem expr ess ar as gratas lembranças da hospitalidade com que me acolheram em várias cidades, como Glasgow, Swansea, Minneapolis, Bangor (Gales do Norte) e Dublin. As dívidas de gratidão são por demais numerosas para particularizá-las; mas como meu ensaio sobre Goethe* foi lido na ocasião em que recebi da Liga Hanscática o Prêmio Goethe, gostaria de expressar meu apreço à hospitalidade da Stiftung F. V. S. (a fundação que concede o pr êm io ), ao rei tor da univer sidade e ao bu rg om es tr e e ao Se na do da cidade de Hamburgo. T. S. Eliot Outubro de 1956 "Goethe as the sage", aqui traduzido como "Goethe, o sábio". (N.T.)
ELIOT ENSAÍSTA
Faz um quarto de século que Thomas Stearns Eliot morreu em Londres, com setenta e seis anos de idade, a 4 de ja ne ir o de 1965. Oc io so di ze r aq ui que su a ob ra — o va st o e complexo legado desse tríplice talento de poeta, ensaísta e dramaturgo, "um devoto da tradição que quebrou os moldes tradicionais para dar novas formas à poesia inglesa", como dele disse Brand Blanshard — continua viva, talvez até mais viva do que na época em que foi escrita. Antes de mais nada, cumpre entendê-lo, enquanto crítico e ensaísta, naquele sentido cm que Baudelaire entendia o poeta quando entregue à sua eventual atividade de prosador: "Sê sempre poeta, mesmo em prosa". Ou ainda, segundo o mesmo Baudelaire, dentro daquele ideal de que "todos os grandes poetas se fazem naturalmente, fatalmente, críticos". Ou ainda, afinal, dentro do pen sam e nt o de Al ceu Amo ro so Li ma , pa ra q ue m " t o d o grande poeta (...) é um grande crítico, ao menos na perspectiva (...), como todo grande crítico é um poeta, ou em pers pe ct iv a ou em aç ão ". Q u e m ten tar ent en der -l he o en sa ísm o ou a crítica literária fora do contexto de sua concepção poética, ou seja, de sua perspectiva ou de sua ação, corre o risco de passar ao largo não apenas de seus propósitos e formulações estéticas, mas de seu próprio pensamento como homem e como artista.
PRÓLOGO
PRÓLOGO
O que aqui se pretende configurar como o pensamento de Eliot se esgalha em muitas vertentes e direções, mercê de seus compromissos não apenas poéticos, mas também filosóficos e religiosos, ou até mesmo políticos. Um ano após adotar em 1927 a cidadania britânica, Eliot se definiu, em sua célebre trí plice decl aração, co mo " u m al go -c at ól ic o em re li gi ão , um classicista em literatura e um monarquista em política". Na verdade, como herdeiro de uma elite de emigrantes ingleses que, em meados do século XVIII, se estabeleceram em Massachusetts, na Nova Inglaterra — entre os quais se incluía o reverendo William Greenl eaf Eliot (1811-1887), avô do poeta e fun dad or da Igreja Unitária de St. Louis e da Universidade de Washington —, não é de surpreender que Eliot haja chegado às conclusões filosóficas, religiosas e políticas a que chegou, as quais tangenciam não raro um extremo reacionarismo. Acrescente-se a isso não apenas o fato de que seus ancestrais mais próximos pertenciam à sociedade mercantilista em Boston, mas também a circunstância de que tal condição lhe iria favorecer uma formação intelectual esmerada cm academias de primeira linha em St. Louis e Massachusetts e, depois, na Universidade de Harvard, em Boston, estudos esses que o poeta concluiu na Sor bo nn e, em Paris, ond e fe z os cur sos de lí ng ua e li te ra tu ra fr an cesas e de filosofia contemporânea, e no Merton College, em Oxford, onde durante o ano de 1914, pouco antes de eclodir a Primeira Guerra Mundial, dedicou-se, na qualidade de Lector, às pesquisas filosóficas sobre os prc-socráticos. Esse perfil de exigente e sofisticado scholar pode não dizer muito, sobretudo quando se pensa nos destinos que tomou a vida de Eliot, mas afinal sempre diz alguma coisa, pois é ele, queiram ou não, a matriz de suas futuras convicções. Embora tenha Eliot recusado a vida acadêmica, como era desejo do pai, sua formação universitária só poderia mesmo têlo conduzido àquilo que, do ponto de vista intelectual, entendia ele como um sistema mental cujos corolários eram a ordem, a disciplina, a coerência e a tradição. Para além daquela formação, todavia, são múltiplas as influências que atuaram sobre o espírito de Eliot, e é possível reconstituí-las em certa ordem, considerando-se não apenas a relação entre o esteticismo e o pess im is mo , co mo tam bé m a rel ação en tr e pe ss im is mo e de te r-
minadas atitudes religiosas e políticas. Podem explicar-se assim as influênci as dos simboli stas franceses, cm pa rtic ular a de Jul es Laforgue, as de T. H. Hulme e Ezra Pound, a do pessimismo splcngeriano, as analogias com as dos humanistas norte-americanos, entre os quais George Santayana e Irving Babbit, o resgate de Donne e de toda a poesia metafísica inglesa,do século XVII, a exumação de Dryden e Pope como poetas da inteligência, e daí, afinal, o tortuoso caminho rumo ao modernismo, ao seu modernismo sui generis, um modernismo passadista e reacionário, pois o que de fato interessava a Eliot era o fim da literatura romântica e da democracia do século XIX. Eliot destrói a métrica e a sintaxe como um vanguardista parisiense e engendra visões apocalípticas como um expressionista alemão, mas é, ao mesmo tempo, um saudosista da antigüidade clássica que, graças à sua monumental cultura literária, mobiliza (ou "eliotiza") Ésquilo, Sófocles, Aristófanes, Empédocles, Heráclito, Virgílio, Dante, Arnault Daniel c os provençais, Santo Agostinho, São Joã o da Cruz, Jul ian a de Norw ich, Pascal, Baudel aire, Mallarmé — enfim, todas as literaturas de todas as épocas e países, pois , co mo um es tr an ge ir o de nt ro da li te ra tu ra eu ro pé ia , ig no ra quaisquer fronteiras nacionais. Em 1914, a civilização européia ia acabar muito simplesmente porque os europeus se recusavam a ser o que Eliot apregoava ser: anglo-católico, classicista e monarquista. Era a hora dos exilados norte-americanos no Velho Mundo. A hora de Eliot e de Pound. Eliot e Pound tornam-se assim os norte-americanos que dominam todo o passado da civilização européia, interpretando as catástrofes políticas, espirituais e morais da Europa através do abandono, pelos europeus, de suas grandes c vivificantes tradições. São ambos como que cristãos novos que vieram para ensinar os cristãos velhos, os quais eles consideram apóstatas já co nd en ado s. É esse, sem dú vi da , o es pí ri to que impr eg na
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cada um dos versos de The waste land (A terra desolada — 1922), sem a leitura dos quais ninguém poderá entender seu ensaísmo ou sua crítica literária. Criador de uma desconcertante "música de idéias" , Eliot é, na verdade, o último dos metaphysical poets que ele próprio exumou e, talvez, o mais ambíguo poeta de uma época em tudo e por tudo ambígua, a época rentre deux guerres, como ele mesmo a define numa das
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passagens de seus Four quartets (Quatro quartetos —
1943).
Por isso mesmo, como já dissemos, sua primeira visão do mundo é essencialmente pessimista e apocalíptica, sugerindo-nos uma árida "terra desol ada" na qual se arrastam e agoni zam os homens ocos". É esse o cenário purgatorial que nos descortina o mais terrível poema de toda a literatura ocidental contemporânea, The waste land y insólita comunhão de sátira e desespero, de pensamento e emoção, de caducidade e transcendência, de liturgia e perversão, de náusea profana e êxtase religioso, de discurso oratório e balada metafísica. Embora convertido ao catolicismo anglicano, a impressão que se tem é a de que Eliot jamais conseg ui ri a de sven ci lh ar -s e desses es ti gm a s es pi ri tu ai s, poi s, se era inabal áve l a su a fé no pe ca do or ig in al , o mesmo já nã o se po de di ze r de sua es pe ra nç a na re de nç ão h um an a . De sua obra como poeta e ensaísta quase tudo se poderá dizer ou argüir, menos que seja gratuita, pois o que aí se encena é o drama daquele homem arcaico, antigo, medieval, renascentista e moderno, o homem do qual todos descendemos. Embora solidário com a reação desencadeada pelo New Criticism contra a crítica histórica e psicológica no sentido de focalizar os aspectos formais da obra literária, Eliot não chegou pro pr ia me nt e a filiar- se àq ue le movi ment o, t en do in cl usiv e lhe denunciado uma série de abusos, como se pode 1er sobretudo em De poesia e de poetas (1957). Não obstante, é ele considerado um dos fundadores dessa importante vertente crítica angloamericana , ao lado de Jo hn Crowe Ransom , Cle ant h Brooks, Ivor Armstrong Richards, William Empson, Kenneth Burke, Richard Blackmur, Allen Tate e alguns outros. Mas o New Criticism estava longe de constituir um bloco homogêneo, abrigando tendências das mais divergentes, embora todas revelem um ponto comum: a origem na contribuição crítica de Samuel Taylor Coleridge, a partir de cuja Biographia literaria (1817) reaparece como exigência basilar a necessidade de se 1er, cada vez mais exatamente, as "palavras na página", o que se prestou até para pesquisas estatísticas sobre a freqüência de certas expressões e imagens em determinado poeta. Ε o close reading, pr in cí pi o do qu al Eliot foi or to do xo ad ep to . De ac or do com a lição de Coleridge, deve ser dispensada a mesma atenção à estrutura do conjunto de palavras e à técnica de sua organização
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em estruturas poéticas. Assim, a crítica literária passa a ser entendida como uma ciência autônoma que se dedica ao estudo dessa técnica, sem nenhuma preocupação com os elementos biográficos, psicológicos ou históricos. Exigia-se também do close reading que tivesse um fundamento filosófico, da mesma forma como filosófica foi a técnica exegética de Coleridge, o que de certo modo deixava Eliot muito à vontade graças ao seu profundo conhecimento da filosofia ocidental e mesmo dos corpos de doutrina do Oriente. Nesse cas o, en tr et an to, os new critics voltavam a recorrer à psicanálise, à antropologia, à sociologia ou até mesmo à execrada bi og ra fi a do au to r co mo ciênc ias auxili ar es do close reading, que deixou então de ser estritamente lingüístico. Mais importante do que essa base filosófica, porém, foi a distinção, pro po st a po r Ra ms on e in co rp or ad a po r El io t, en tr e a "e st r u t u r a " do poema e sua "textura", ou seja, a lógica poética de acordo com a qual os detalhes se subordinam ao conjunto e se relacionam entre si, o que reflete um conceito tipicamente coleridgiano. E a partir dessa distinção, aliás, que Cleant Brooks irá pr op or os "s ímbo los det erm i nantes", ou symbolic patterns, que caracterizam a obra literária e constituem a chave para sua interpretação. Sempre que necessário ou oportuno, esses patterns são explicados à maneira psicanalítica e, a partir daí, praticamente se abandona o ideal do close reading no que se refere à interpretação puramente formal e estética da obra literária. O método dos symbolic patterns acabou assim por transformar a obra estudada numa alegoria que o crítico decifrava como be m lhe ap ro uv es se . Os ab us os fo ra m in evi távei s, o qu e lev ou Helen Gardner a denunciá-los, no que foi seguida pelo próprio Eliot poucos anos depois. O curioso na formação de Eliot como crítico e ensaísta é que esta, pelo menos no início, nos dá a nítida impressão de ser mais francesa do que inglesa, razão pela qual, em um de seus primeiros ensaios, Hamlet , datado de 1919, ousa o autor manifestar sérias dúvidas quanto à perfeição dramática e à profundidade filosófica daquela tragédia shakespeariana. Um ano depois, em The sacred wood , Eliot aconselha aos críticos ingleses o estudo de Rémy de Gourmont, que lhe fora revelado por Pound. É que, nessa cpoca, o ponto de partida de Eliot se frag-
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mentava em premissas puramente estéticas. Em sua crítica afloram certos critérios cientificamente definidos, como o objective
Houaiss, que, enquanto poeta, Eliot "se humilhou quase à condição de um não-eu", para assim — e somente assim — "atingir a condição de pan-poeta". E seu ensaísmo, assim como sua crítica literária, deve tudo não apenas a essa formação, mas sobretudo à sua convicção de que a literatura ocidental nada mais é do que um continuum que se estende desde Homero até a modernidade, o que lhe confere aquela revitalizante condição de fe nôm eno de cultur a , sobre a qual ele tan to insistiu. Ao longo dos dezesseis ensaios aqui reunidos pode-se observar a extraordinária e cerrada coerência com que Eliot expõe e defende seus pontos de vista, os quais, como ele próprio admite cm diversas passagens, pouco se modificaram durante o período de trinta e três anos em que foram escritos esses textos sobre poesia c po et as , seara fo ra da qu al — à exc eção da dr am at ur gi a em verso pouc o se arriscou o aut or, sob a alegação de que , pa ra al ém de cer to s li mi te s, se di lu ir ia sua co mp et ên ci a. É de fato notável, entretanto, a naturalidade com que Eliot se move no âmbito da estética, da filosofia, do pensamento religioso, da história, e, não raro, da psicologia e da política. É que, como herdeiro direto do ensaísmo de Coleridge e como um dos principais demiurgos do New Criticism, não podia ele com pr ee nd er a anális e do te xt o li terári o sem um sóli do e coe so entourage cultural. Quem lê os textos críticos de Eliot percebe de imediato que os fundamentam não apenas uma formação acadêmico-erudita, mas sobretudo uma harmônica, conquanto dilacerante, visão do mundo c um ideário estètico-filosofico que confere à sua crítica uma condição de obra do pensamento, embora jamais se deva esquecer, como anteriormente dissemos, que ela não pode ser entendida senão enquanto vinculada à sua atividade de poeta e dramaturgo.
correlative, a auditory imagination ou a dissociation of sensibility. os quais, todavia, nada têm em comum com as pretensões "científicas" de alguns críticos da vertente norte-americana do New Cr it ic ism. O pr óp ri o El io t, aliás, ju lg av a que o valo r de sua crítica estava diretamente ligado às suas próprias experiências como poeta. E foi isso, sem dúvida, que lhe permitiu descobrir não só a profundidade poética dos dramaturgos elisabetanos, mas tam bém " a poesia metaf ísic a" de Jo hn D onn e, Andrew MarvelI, George Herbert, Richard Crashaw ou Henry King e a poesia da "in tel igên cia " de Jo hn Dr yden e Alexander Pope. Mas tais descobertas não seriam possíveis se não o guiasse, também, o agudo senso do fundo moral da obra desses autores, o mesmo senso moral e religioso que o levou, anos mais tarde, a rejeitar o agnosticismo dos vitorianos e de todos os liberais e o pelagianismo de Thomas Hardy e D. H. Lawrence, aos quais opõe o dogma do pecado original e a perversão (logo, a existência) dos valores morais dos católicos transviados Baudelaire e Joyce. Revela-se em Eliot, p or tan to , aque la previsível consciência de alguém que fora herdeiro de gerações e gerações de puritanos anglo-saxónicos. E como se, ao final, o esteta cedesse lugar ao moralista. Ainda assim é preferível que se entenda Eliot, para além de seus fundos e inequívocos compromissos éticos e religiosos, como um poeta de poetas e um crítico de poetas, como o autor de uma obra que, a um tempo clássica e moderna, révolue ionária e reacionária, realista e metafísica, está na própria raiz que informa e conforma a mentalidade poética de nossos dias, tendo exercido fecunda e duradoura influência sobre todas as gerações que se fizeram a partir de 1930. Isso se explica pelo fato de que Eliot resume e absorve, nos complexos c heterodoxos estratos do mosaico intertextual de sua atividade criadora, toda a herança poética legada por aqueles que o precederam, desde o remoto passado oriental sanscrito e as difusas inervações grecolatinas ou mesmo hebraicas até a multiforme floração da poesia ocidental. Em decorrência dessa inumerável e mimètica assimilação literária, que alguns críticos passaram a designar de "eliotização", pode-se afirmar, como o faz lucidamente Antônio
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Tais virtudes podem ser melhor apreciadas em determinados ensaios, particularmente em "O que é um clássico?" e em seu desdobramento apendicular, "Virgílio e o mundo cristão", nos quais ele nos convence, a partir de premissas literárias muito sugestivas e dentro de parâmetros histórico-filosófícos e lingüísticos irretorquíveis, de que Virgílio é o único clássico da literatura ocidental, se a entendermos como aquele continuum que se estratifica e amadurece a partir do advento da era cristã c de tudo aquilo com que ela impregnou a alma do
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homem do Ocidente. Virgílio seria o único clássico ocidental po rq ue , ao escr ever a su a Eneida, o fez num momento histórico em que se consumava a maturidade de uma língua — a latina —, de uma literatura — a greco-latina, sobretudo porque Virgílio reinventa e revigora o modelo helénico —, e de uma civilização — a romana, da qual somos herdeiros diretos em todos os campos do saber e do pensamento. E que, embora mais criativo e poderoso, o espírito grego só nos chega através de Roma e, mais do que isso, modificado e interpretado por Roma. E no caso de Eliot se observa, além disso, um outro aspecto fundamental: o de sua profunda filiação ao cristianismo; e seria ocioso recordar que o mundo cristão emerge precisamente das ruínas do Império Romano, logo após conhecido, aliás, como o Sacro Império Romano do Ocidente. Em dois outro s ensaios, "Poes ia e dr am a e As três vozes da poesia", Eliot se debruça sobre a questão do emprego do verso na dramaturgia, fazendo aí, paralelamente, uma análise de sua própria obra como dramaturgo. A preocupação do autor nesses ensaios é com a recuperação do drama em verso no cenário do teatro contemporâneo, pouquíssimo interessado, aliás, em recorrer a esse expediente estilístico do qual tanto se serviram os tragediógrafos gregos e latinos e quase todos os dramaturgos elisabetanos, a começar por Shakespeare, Marlowe e Ben Johnson, entre vários outros. Uma das teses aqui sustentadas por Eliot é a de que a pl at éi a nã o de ve es ta r, du r ant e o es pe tá culo, consciente do recurso dramático do verso, pois isso a desviaria tanto da ação quanto da intriga cénicas, colocando-a em pe rm an en te sob res sal to nos mom ent os de tr an si rã o en tr e as pa rtes em verso e cm prosa de uma peça em que ambas sc misturem. Eliot alude aqui, quase à exaustão, ao vasto cxcmplário do drama shakespeariano, que, talvez como nenhum outro, conseguiu superar esse impasse por meio de uma arte teatral em cuja tessitura tais transições são praticamente imperceptíveis po rq ue at en de m, acim a de tud o, a exig ência de ca rá te r estr it amente dramático. Em Shakespeare, como assinala Eliot, as três vozes da poesia — a do poeta que fala consigo mesmo, a do po et a qu e se di ri ge a um a pl at éi a e a do po et a q u an d o te nt a criar uma personagem dramática que fala em verso — soam como que cm uníssono, daí resultando a grandeza e a absoluta
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pe rti nê nc ia de sua lin gu ag em te at ra l. Seg un do El io t, Sh ak es pe are seria aquele que criou um mundo dramático "no qual o criador está presente em toda parte, e em toda parte oculto". No en saio O que é poesia m e n o r ? " , o au to r nos de li ne ia os critérios de que nos devemos servir para estabelecer as possíveis fronteiras entre o que seja poesia maior e poesia menor, descartando de saída aquela concepção maniqueísta e necrosada de que o autor de poemas curtos seria necessariamente um po et a men or, enquan to o au to r de po em as lo ng os ser ia ob ri ga toriamente um poeta maior. Ao examinar o problema com bas e na pr od uç ão de al gu ns dos ch am ad os "p oe tas me ta fí si co s" , o autor consegue nos esclarecer um pouco mais sobre o assunto quando, a partir dos poemas curtos de George Herbert, sublinha que eles têm não apenas um significado em si, enquanto unidades poemáticas definidas, mas também um sentido de completude quando examinados à luz do conjunto a que pertencem no plano global da obra do poeta. E seria inadmissível, pe lo men os pa ra o au tor , co ns id er ar He rb er t co mo um po et a menor, "pois não é de alguns poemas prediletos que me recordo ao pensar nele, mas de toda a sua obra". Eliot aproveita a ocasião para pôr o dedo na mais profunda ferida poética do século XIX, quando a literatura, especialmente a inglesa e a francesa — co m pe rn ic io sas re perc uss ões pe lo m u n d o af or a, in clusive aqui mesmo, entre nós —, viu-se assolada pela praga do poema longo, que levou a própria poesia a um impasse somente ultra pa ss ad o co m o ad ve nt o do mod er ni sm o em pr in cí pi os de nosso século, e justamente com a publicação, em 1922, de um poema longo escrito por Eliot, The waste land , que revolucionou a mentalidade poética contemporânea. Outra peça importante na ensaística eliotiana é a "A música da poesia", onde o autor examina em profundidade a questão da métrica e da versificação, assim como a da utilização do verso br an co e do ver so livre, na poesi a in glesa. Mu it o pa rt ic ul ar me nte, Eliot esmiuça o problema representado pelo terreno movediço que é a fronteira a ser imposta entre a poesia e a música. Essa "música da poesia" se nutre de uma estrutura verbal e sintática que não pode ser confundida com a trama específica de uma partitura musical, sob o risco de uma inevitável diluição da linguagem poética. Apesar disso, Eliot admite que, em
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determinadas instâncias, caiba ao poeta recorrer a certas propriedades da música que lhe poderão interessar muito de perto, como a noção de ritmo e de estrutura. E vai ainda mais longe o ensaísta quando nos sugere que "seria possível para um poeta trabalhar muito intimamente com analogias musicais", já que o ritmo pode conduzir ao nascimento da ideia e da imagem. Pouco adia nte observa o autor que há no verso possi bili dades que comportam certa analogia com o desenvolvimento de um tema por diferentes grupos de instr ument os e que " há num po em a po ssib il id ad es de tr ans ições co mp ar áv ei s aos di st int os movimentos de uma sinfonia ou de um quarteto". Ao leitor habituado aos textos poéticos de Eliot, tais considerações não chegam a surpreender, pois não foi exatamente isso o que ele fez quando recorreu ao esquema da sonata-forma para escrever
que a função do crítico é fundamentalmente a de ajudar seus leitores a compreender e a sentir o prazer que nos pode proporcionar esse mesmo texto, e não, como amiúde se fez em nome de sabe-se lá que estapafúrdios objetivos, de dissecá-lo ao nível da prospecção cadavérica, impedindo às vezes tais leitores de fruírem o poema apenas enquanto poesia. O grande crítico, conclui Eliot, é aquele que consegue fazer com que vejamos algo que jamais havíamos visto anteriormente, ou que havíamos entrevisto apenas "com os olhos enevoados pelo preconceito". Ou, em outras palavras, aquele que nos coloca face a face com uma nova realidade e, desse modo, nos deixa sozinhos com ela. A segunda parte do volume está toda ela dedicada ao exame específico de sete poetas, além do já citado Virgílio, alguns de import ância secundári a, como Joh n Davies e Rudyard Kipl ing, outros de alta significação, entre os quais Milton, Byron, Goethe e Yeats. Dois desses ensaios chamam atenção particular: "Johnson como crítico e poeta" e "Goethe, o sábio", este último talvez a peça maior dessa segunda parte do volume e na qual a unidade criadora reflete admiravelmente as preocupações literár ias do escritor. O caso de Joh nson é pa rti cula rme nte curioso e parece decorrer, pelo menos até certo ponto, da pró pr ia co nc ep çã o el io ti an a de que mu it as vezes ad mi ra mos al gu ns escritores mesmo que deles não gostemos. Não é bem o caso das relações entre Eliot e Joh nso n, mas observe-se qu e o pró pr io Eliot se conf essa mui to ma is à vo nt ad e co mo he rd ei ro de
os seus Four quartets? Em dois outros ensaios, 44 A função social da poesia" e "As fronteiras da crítica Eliot aborda mais especi ficam ente o problema da poesia no contexto social em que é produzida e a delicada questão dos limites além dos quais, numa certa direção, a crítica literária deixa de ser literária e. numa outra, deixa de ser crítica. A função social da poesia, embora esteja ela mais ou menos difusa em toda grande poesia produzida até hoje, constitui uma questão diante da qual Eliot nos dá a impressão de um ceticismo algo desolado, tanto assim que, logo de início, observa: "Mas me parece que se a poesia — e refiro-me a toda grande poesia — não exerceu nenhuma função social no passado, não é provável que venha a fazê-lo no futuro". Pouco interessa, como salienta o ensaísta, que o poeta utilize sua poesia para defender ou atacar determinada atitude social. Todos sabemos que o mau verso pode alcançar prestígio temporário quando o poeta reflete uma atitude popular do momento, mas a verdadeira poesia, adverte o autor, "sobrevive não apenas à mudança da opinião pública como também à com pl et a ext inção do interesse pelas qu es tõ es co m as qu ai s o po et a esteve apaixonadamente envolvido". Quanto à questão das fronteiras da crítica, alerta o ensaísta para o fato de que, em muitos casos, certa crítica "explicativa" das origens do poema conduziu antes a um vazio exegético, pois, em seu afã de espremer todas as gotas do significado de um texto, esqueceu-se de
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Coleridge do que do autor do Dictionary of the English lan guage. Como se sabe, ao longo da ditadura intelectual e literária que exerceu durante quase toda a segunda metade do século XVIII, Johnson tornou-se o responsável direto pelo esquecimento de Donne c de todos os demais "poetas metafísicos" do século XVII até a segunda década do presente século, quando Eliot os resgatou do limbo no memorável ensaio "The metaphysical poets", escrito cm 1921 e publicado originalmente em Homage to John Dry den (1924) . E é ta mb ém o mes mo Eliot que, como já o fizera com Dryden e Pope, por ele reabilitados como poetas da "i nte lig ênc ia" , resgata o prestígio de Johnson não apenas como poeta, mas também como crítico e ensaísta, sobretudo graças a The lives of the English poets, que o autor pu bl ic ar a cm 1791.
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PRÓLOGO
Nã o creio que seja pe rt ine nte , com o t am p ou c o ra zo áv el , alongar-me aqui mais detalhadamente sobre a matéria de que consiste De poesia e de poetas. Seria como que antecipar a fruição do leitor em seu contato direto com o texto eliotiano ou, o que é pior, correr o risco de perturbar-lhe c até mesmo frustrar-lhe tal fruição. Que ele possa, assim como nós, degustar a elegância, a erud ição , a intel igênci a e a luz invi síve l" desses admiráveis e fundamentais ensaios, desse lúcido e instigante testemunho literário de um poeta maior e de um sábio para quem A única sabedoria que podem os aspirar E a sabedoria da humildade a humildade é infinita. Ivan Junqueira Rio, 9 de fevereiro de 1990
I
DE POESIA
A FUNÇÃO SOCIAL DA POESIA'
É de tal modo provável que o título deste ensaio sugira coisas diíerentes a diferentes pessoas que posso desculpar-me por explicar de início o que ele não significa, antes de tentar esclarecer o que significa. Quando aludimos à "função" de qualquer coisa, provavelmente estamos pensando naquilo que essa coisa deve produzir em vez daquilo que ela produz ou haja produzido. Trata-se de uma importante distinção, pois não pretendo falar sobre aquilo que julgo que a poesia deva produzir. Pessoas que nos disseram o que a poesia deve produzir, sobretudo se são poetas, tem habitualmente em mira a espécie particular de poesia que gostariam de escrever. E sempre possível, naturalmente, que a poesia possa desempenhar no futuro um pa pe l di st int o da qu el e de se mpen ha do no pa ss ad o; ma s, ai nd a assim, vale a pena decidir primeiro qual a função por ela exercida no passado, seja numa ou noutra época, seja nesse ou naquele idioma, e de um ponto de vista universal. Poderia escrever facilmente sobre o que eu próprio faço com a poesia, ou o que gostaria de fazer, e então tentar persuadir alguém de que isso é exatamente o que todos os bons poetas têm ten-
1. Palestra pronunciada no Instituto Británico-Norueguès cm 1943 e posteriormente desenvolvida para ser apresentada ao puhlico parisiense em 1945. Esse texto apareceu depois em The AJelphi. ( N . A . )
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tado fazer, ou devem ter feito, no passado — só que não o lograram de todo, embora talvez não por sua culpa. Mas me pa rece provável que se a po es ia — e re fi ro -m e a toda grande poe sia — nã o ex erceu n e n h u m a função soc ial no pa ss ad o, não é provável que venha a fazê-lo no futuro. Quando digo toda grande poesia, pretendo abster-me de outro meio através do qual possa ocupar-me do assunto. Alguém po de ri a es tu da r as di versas es pé cies de po es ia , u m a ap ós ou tra , e discutir a função social de cada uma delas sucessivamente sem tangenciar a questão geral de qual é a função da poesia como po es ia . De se jo di st in gu ir en tr e as fun çõe s ge ra is e pa rt ic ul ar es , de modo que saibamos do que estamos falando. A poesia pode ter um deliberado e consciente propósito social. Em suas mais pr im it iv as fo rm as , esse pr op ós it o é am iúde absoluta m ente cl ar o. Há, por exemplo, antigas runas- e cantos, alguns dos quais revelam propósitos mágicos verdadeiramente práticos, destinados a esconjurar o mau-olhado, a curar certas doenças ou a obter as boa s gra ças de al gu m d em ôn io. A po es ia er a ut il iz ad a pr im it ivamente em rituais religiosos e, quando entoamos um hino, estamos ainda utilizando-a com um determinado propósito social. As primitivas formas do gênero épico e a saga podem ter transmitido aquilo que sustentamos como história antes de se tornar apenas uma diversão comunitária, e antes do uso da linguagem escrita, uma forma de verso regular deve ter sido extremamente proveitosa à memória — e a memória dos primitivos bardos, dos contadores de histórias e dos sábios deve ter sido prodigiosa. Nas sociedades mais evoluídas, tal como a da Grécia antiga, as funções sociais reconhecidas da poesia são tam bé m ba st an te co ns pí cu as . O dram a gr eg o se de se nv ol ve a pa rt ir dos ritos religiosos, e permanece como cerimónia pública formal associada às tradicionais celebrações religiosas; a ode pindàrica se desenvolve em relação com uma determinada ocasião social. Certamente, tais usos definidos da poesia deram a ela uma estrutura que tornou possível alcançar a perfeição em gêneros particulares. 2. Nome dad o aos caracteres dos mais antigos alfabe tos germânic os. A escrita rùnica de que se serviam alguns povos, inclusive os escandinavos, e que se gravava em rochedos e vasos de madeira. Por extensão, poemas escritos com esses caracteres (Ν Τ )
A
FUNÇÃO SOCIAL DA POESIA
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Algumas dessas formas persistem na poesia mais recente, como é o caso dos hinos religiosos a que me referi. O significado da expressão didática, para poesia, passou por algumas transformações. Didático pode significar "transmissão de informação ', ou significar "administração de instrução moral", ou pode eq ui va le r a al go q u e ab ra nge ambas as coisa s. As Geórgicas de Virgílio, por exemplo, são poesia belíssima e contêm considerável dose de informação sobre a boa agricultura. Mas pareceria impossível, nos dias de hoje, uma obra atualizada sobre a agricultura que pudesse também ser poesia refinada: de um lado, o próprio assunto tornou-se muito mais complexo e científico; de outro, pode ser mais facilmente desenvolvido cm pr os a. N em po der ía mos , co mo o fi ze ra m os ro man os, escr ev er tratados astronómicos e cosmológicos em verso. O poema, cujo objetivo ostensivo é transmitir informações, foi suplantado pela pr os a. A po es ia di dá ti ca to rn ou -s e aos po uc os re st ri ta à po es ia de exortação moral, ou poesia que pretende persuadir o leitor a aceitar o ponto de vista do autor sobre alguma coisa. Por conseguinte, ela inclui em boa parte aquilo que se pode chamar de sàtira, embora esta se confunda com o burlesco e a paródia, cujo propósito é, fundamentalmente, causar hilariedade. Alguns dos poemas de Dryden, no século XVII, são sátiras na medida cm que têm em mira ridicularizar os objetos contra os quais apontam, e são também didáticos quando objetivam persuadir o leitor a aceitar determinado ponto de vista político ou religioso; e, ao cumprir esse desígnio, eles se utilizam do método alegórico, que apresenta a realidade como ficção: The hind and the panther , que se propõe a persuadir o leitor de que a razão estava do lado da Igreja de Roma, contra a Igreja da Inglaterra, é seu mais notável poema desse gênero. No século XIX, boa pa rt e da po es ia de Sh elle y in sp ir ou -s e n u m en tu si as mo pe la s reformas políticas e sociais. Quanto à poesia dramática , que hoje tem uma função social peculiar, pois enquanto a maior parte da poesia atual é escrita para ser lida em solidão, ou em voz alta em pequenos grupos, o verso dramático tem em si a função de provocar uma impressão imediata e coletiva sobre um amplo número de pessoas reunidas para assistir a um episódio imaginário encenado num palco. A poesia dramática é diferente de qualquer outra,
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mas, como suas leis específicas são as do drama, sua função em geral se funde à do drama, e não me refiro aqui à função social específica do drama. No que se re fe re à fu nção pa rt ic ul ar da po es ia fi lo só fi ca , implicaria esta uma análise e uma explicação de certa amplitude. Penso que já mencionei bastantes gêneros de poesia para deixar claro que a função específica de cada um deles se relaciona com alguma çutra função: a poesia dramática, com o drama; a poesia didática informativa, com a função de seu assunto; a poesia didática filosófica, ou religiosa, ou política, ou moral, com a função de tais temáticas. Podemos considerar a função de quaisquer desses gêneros poéticos e, ainda assim, deixar intocado o problema da função da poesia, pois todas essas coisas podem ser abordadas na prosa. Mas, antes de prosseguir, quero descartar uma objeção que po de ser le va nt ad a. As pessoas su spe it am às ve ze s de q u a lq u e r poesia co m um pr op ós it o pa rt ic ul ar , isto é, a po es ia em q u e o poeta defende conceitos sociais, morais, políticos ou religiosos, assim como outras pessoas julgam amiúde que determinada poesia seja autêntica só porque exprime um ponto de vista que lhes apraz. Eu gostaria de dizer que a questão relativa ao fato de o poeta estar utilizando sua poesia para defender ou atacar determinada atitude social não interessa. O mau verso pode obter fama temporária quando o poeta reflete uma atitude popular do momento; mas a verdadeira poesia sobrevive não apenas à mudança da opinião pública como também \ à com plet a extinção do interesse pelas quest ões com as qua is o po et a est eve ap ai xon ad ame nt e en vo lv id o. Os poe mas de Lu cr écio não perderam sua grandeza, embora suas noções de física e de astronomia hajam caído em descrédito; os de Dryden tam bém , em bo ra as co ntrové rsias do sé cu lo XV II há m uito já nã o nos digam mais respeito; da mesma forma, um grande poema do passado ainda nos agrada, mesmo que seu assunto seja um daqueles que deveríamos hoje abordar em prosa. Mas se estamos à procura da função social essencial da poesia, precisamos olhar primeiro para suas funções mais óbvias, aquelas que precisam ser cumpridas, se é que algum poema o faz. O principal, suponho, é que possamos nos assegurar de que essa poesia nos dê prazer. Se alguém perguntar qual o
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gênero de prazer, só poderei responder: o gênero de prazer que a poesia proporciona; simplesmente porque qualquer outra res po st a no s lev ari a a no s per de rm os em di va ga çõ es es té ti ca s e na questão geral na natureza da arte. Suponho que se deva concordar com o fato de que qualquer poeta, haja sido ele grande ou não, tem algo a nos pro po rc io na r al ém do pr az er , po is se fo r ap en as isso , o pr ópr io pr azer pode não ser da mais alta espécie. Para além de qualquer intenção específica que a poesia possa ter, tal como foi por mim exemplificado nas várias espécies de poesia, há sempre comunicação de alguma nova experiência, ou uma nova compreensão do familiar, ou a expressão de algo que experimentamos e para lo que não temos palavras o que ampli a nossa consciência ou apura nossa sensibilidade. Mas não é com esse benefício individual extraído à poesia, nem tampouco com a qualidade do pr az er in di vi du al , que este en sa io se re la ci on a, l od os com pr een demos, creio eu, tanto a espécie de prazer que a poesia pode pr op orc io na r, qu an t o a di fe re nç a que, pa ra al ém do pr az er , ela pode of er ec er às nos sas vi das. Ca so nã o se ob te n ha m esses do is resultados, simplesmente não há poesia. Podemos reconhecer isso, mas ao mesmo tempo fazer vista grossa para algo que isso faz por nós coletivamente, enquanto sociedade. E falo no mais amplo sentido, pois creio ser importante que cada povo deva ter sua própria poesia, não apenas por causa daqueles que gostam de poesia — tal pessoa poderia sempre aprender outras línguas e apreciar a poesia delas —, mas também porque isso esta be le ce de fa to uma di fe re nç a pa ra a so ci ed ad e co mo um to do, ou seja, para pessoas que não gostam de poesia. Incluo até mes mo aq ueles qu e igno ram os n omes de se us próprios poetas nacionais. Eis o verdadeiro assunto deste ensaio. Observa-se que a poesia difere de qualquer outra arte por ter um valor para o povo da mesma raça e língua do poeta, que não pode ter para nenhum outro. E verdade que até a música e a pintura têm um caráter local e racial; mas decerto as dificuldades de apreciação dessas artes, para um estrangeiro, são muito menores. É verdade, por outro lado, que os textos em prosa têm um significado em suas próprias línguas que se per de na tr ad uç ão ; ma s to do s se nt im os que pe rde mos muito menos ao lermos uma novela traduzida do que um poema ver-
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tido de outro idioma; e na tradução de alguns gêneros de obra científica a perda pode ser virtualmente nula. O fato de que a poe sia é mu ito ma is local do qu e a pr osa po de ser co mpr ov ado na história das línguas europeias. Ao longo de toda a Idade Média e no curso dos cinco séculos seguintes, o latim permaneceu como a língua da filosofia, da teologia e da ciência. O impulso concernente ao uso literário das linguagens dos povos começa com a poesia. E isso parece absolutamente natural quando percebemos que a poesia tem a ver fundamentalmente com a expressão do sentimento e da emoção; e esse sentimento e emoção são particulares, ao passo que o pensamento é geral. É mais fácil pensar do que sentir numa língua estrangeira. Por isso, nenhuma arte é mais visceralmente nacional do que a poesia. Um povo pode ter sua língua trasladada para longe de si, abolida, e uma outra língua imposta nas escolas; mas a menos que alguém ensine esse povo a sentir numa nova língua, ninguém conseguirá erradicar o idioma antigo, e ele reaparecerá na poesia, que é o veículo do sentimento. Eu disse precisamente "sentir numa nova língua ", e pretendi dizer algo mais do que apenas "expressar seus sentimentos numa nova língua ". Um pe ns am en to exp res so nu ma lí ng ua diversa pod e ser pr at ic amente o mesmo pensamento, mas um sentimento ou uma emoção expressos numa língua diferente não são o mesmo sentimento nem a mesma emoção. Uma das razões para que aprendamos bem pelo menos uma língua estrangeira é que isso nos pe rm it e ad qu ir ir uma esp éci e de pe rs on al id ad e sup lem en tar ; uma das razões para não adquirirmos uma nova língua em lugar de nossa própria é que a maioria de nós não deseja tornar-se uma pessoa diferente. Uma língua superior raramente pode ser exterminada, a menos que se extermine o povo que a fala. Quando uma língua suplanta outra, isso acontece habitualmente porque essa língua tem vantagens que a recomendam — e qu e of er ecem nã o um a me ra di fe re nç a, ma s um es pe ct ro mais amplo c refinado, não só para o pensamento, mas também par a sentir — pr ef er en ci al me nt e à lí ng ua ma is pr im it iv a. A emoção e o sentimento são, portanto, melhor expressos na língua comum do povo, isto é, na língua comum a todas as classes: a estrutura, o ritmo, o som, o modo de falar de uma língua expressam a personalidade do povo que a utiliza. Quando
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afirmo que a poesia, mais do que a prosa, diga respeito à expressão da emoção e do sentimento, não pretendo dizer que a poesia necessite estar desprovida de conteúdo intelectual ou significado, ou que a grande poesia não contenha mais esse significa do do qu e a poesia men or . Mas para levar adia nt e essa invesr tigação cu teria que me afastar de meu propósito imediaio. Admitirei como aceito o fato de que as pessoas encontram a expressão mais consciente de seus sentimentos mais profundos antes na poesia de sua própria língua do que em qualquer outra arte ou na poesia escrita em outros idiomas, isso não significa, é claro, que a verdadeira poesia esteja restrita a sentimentos que cada um possa identificar c compreender; não devemos restringir poesia a poesia popular . Basta que, num povo homogêneo, os sentimentos dos mais refinados c complexos tenham algo em comum com os dos mais simples e grosseiros, algo que eles não têm em comum com as pessoas de seu próprio nível ao falar outra língua. E, quando se trata de uma civilização sadia, o grande poeta terá algo a dizer a seu compatriota em qualquer nível de educação. Podemos dizer que a tarefa do poeta, como poeta, é apenas indireta com relação ao seu povo: sua tarefa direta é com sua língua, primeiro para preservá-la, segundo para distendêla e aperfeiçoá-la. Ao exprimir o que outras pessoas sentem, também ele está modificando seu sentimento ao torná-lo mais consciente; ele está tornando as pessoas mais conscientes daquilo que já sentem e, por conseguinte, ensinando-lhes algo sobre si pr óp ri as. Mas o po et a nã o é ap en as um a pes soa mais co ns ci en te do que as outras; é também individualmente distinto de outra pes soa , assim co mo de ou tr os po et as , e po de fa ze r com qu e seus leitores partilhem conscicntcmente de novos sentimentos que ainda não haviam experimentado. Essa é a diferença entre o escritor que é apenas excêntrico ou louco c o autêntico poeta. Aquele primeiro pode ter sentimentos que são únicos, mas que não podem ser partilhados, e que por isso são inúteis; o último descobre novas variantes da sensibilidade das quais os outros podem se apropriar. E, ao expressá-las, desenvolve e enriquece a língua que fala. Já disse absolutamente o bastante sobre as impalpáveis diferenças de sentimento entre um povo e outro, diferenças que
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se afirm am e se desenvolv em através de sua s diferen tes língua s. Mas as pessoas não sentem o mundo apenas diferentemente em diferentes lugares; elas o sentem distintamente em tempos distintos Na verdad e, nossa sensib ilidad e está con sta nte me nte se transformando, assim como o mundo que nos rodeia se transforma; o que sentimos não é o mesmo que sente o chinês ou o hindu, mas também não é o mesmo que sentiam nossos ancestrais vários séculos atrás. Não é o mesmo que nossos pais; e, finalmente, nós próprios já somos totalmente diferentes do que éramos há um ano. Isso é óbvio; mas o que não é tão óbvio é que esta constitui a razão pela qual não podemos nos dar o luxo de pararmos de escrever poesia. As pessoas mais educadas têm um certo orgulho dos grandes autores de sua língua, ainda que nunca os tenham lido, da mesma forma como se orgulham de qualquer outra qualidade que distinga seu país: alguns autores tornam-se amiúde celebrados o bastante para serem citados ocasionalmente em discursos políticos. Mas a maioria das pessoas não percebe que isso não é o bastante; que a menos que se continue a produzir grandes autores, e particularmente grandes poetas, sua língua apodrecerá, sua cultura se deteriorará e talvez venha a ser absorvida por outra mais poderosa. Uma coisa é absolutamente certa: se não dispusermos de uma literatura viva, nos tornaremos cada vez mais alienados da literatura do passado; a menos que mantenhamos continuidade, nossa literatura do passado tornar-se-á mais e mais distante de nós até nos parecer tão estranha quanto a literatura de um povo estrangeiro. E que nossa língua está se transformando; nossa maneira de viver também muda, sob a pressão das transformações materiais de toda ordem em nosso meio; e a menos que disponhamos daqueles poucos homens que associam a uma excepcional sensibilidade um excepcional poder sobre as palavras, nossa própria capacidade, não apenas de nos expressar, mas até mesmo de sentir qualquer emoção, exceto as mais grosseiras, se degenerará. Pouco importa que um poeta haja alcançado uma ampla repercussão cm sua própria época. O que importa é que possa ter sempre existido, pelo menos, um pequeno interesse por ele em cada geração. Entretanto, o que acabo de dizer sugere que sua importância se relaciona à sua própria época, ou que os
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po et as mo rt os de ix am de ter qualq uer util idad e pa ra nó s, a menos que tenhamos também poetas vivos. Eu poderia até impor meu primeiro ponto de vista e dizer que se um poeta alcana um grande público muito rapidamente, isso constitui antes uma circunstância suspeita, pois nos leva a desconfiar de que ele não esteja realmente produzindo algo de novo, que esteja apenas proporcionando às pessoas aquilo a que estas já estão habituadas e, por conseguinte, o que já receberam dos po et as de geraçõe s an te ri or es . Mas se co ub er a um po et a tal reg alia, um peq uen o público em sua época / imp ort ant e. Haveria sempre ali uma vanguarda de pessoas, apreciadoras de poesia, que são independentes e estão algo adiante de seu tempo, ou pr on ta s para as simi la r ma is rapid amente a nov id ad e. De se nv ol vimento da cultura não significa trazer todo mundo para com po r a li nh a de fre nt e, o q ue eq ui va le ap en as a fa ze r co m q u e todos mantenham a marcha: significa a manutenção de uma tal élite, com a massa principal e acomodada de leitores distante não mais do que cerca de uma geração para trás. As mudanças e os desdobramentos da sensibilidade que afloram de início em alguns começarão a insinuar-se gradualmente na língua, através de sua influência sobre outros, e mais facilmente sobre autores populares; e com o tempo tornam-se bem definidas, exigindo assim um novo avanço. Ademais, é através dos autores vivos que os mortos permanecem vivos. Um poeta como Shakespeare influenciou profundamente a língua inglesa, e não apenas pela influência que exerceu sobre seus sucessores imediatos. Pois os poetas de maior estatura têm aspectos que não se revelam de imediato; e ao exercerem uma influência direta sobre outros poetas séculos mais tarde, continuam a afetar a língua viva. Na verdade, se um poeta inglês aprende a usar palavras em nosso tempo, deve dedicar-se ao rigoroso estudo daqueles que melhor as utilizaram em sua época, daqueles que, em seus próprios dias, reinventaram a língua. Até agora apenas sugeri o ponto extremo até o qual, creio eu, pode-se dizer que se estende a influência da poesia; e isso po de ser me lh or ex pres so pe la af ir maç ão de qu e, no de cu rs o do tempo, ela produz uma diferença na fala, na sensibilidade, nas vidas de todos os integrantes de uma sociedade, de todos os membros de uma comunidade, de todo o povo, independen-
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temente de que leiam e apreciem poesia ou não, ou até mesmo, na verdade, de que saibam ou não os nomes de seus maiores poetas. A infl uên cia da poesi a, na ma is di st an te pe ri fe ri a, é na tu ralmente muito difusa, muito indireta e muito difícil de ser com pr ov ada. É co mo ac om pa nh ar o tr aj et o de um pássar o ou de um avião num céu luminoso: se alguém os percebeu quando estavam muito próximos, e os manteve sob a vista quando se afastavam cada vez mais, poderá vê-los a uma grande distância, a uma distância na qual o olho de outra pessoa, de quem se tenta chamar a atenção para o fato, será incapaz de percebê-los: Assim, se rastrearmos a influência da poesia através dos leitores mais afetados por ela às pessoas que jamais leram nada, a encontraremos presente em toda parte. Pelo menos a encontraremos se a cultura nacional estiver viva e sadia, pois numa sociedade saudável há uma influência recíproca e uma interação contínuas de uma parte sobre as outras. E isso é o que eu entendo como a função social da poesia em seu mais amplo sentido: é isso o que, proporcionalmente à sua existência e vigor, afeta a fala e a sensibilidade de toda a nação. Ni ng ué m dev e im ag in ar qu e esto u dizendo ser a lí ng ua que falamos exclusivamente determinada por nossos poetas. A estrutura da cultura é muito mais complexa do que isso. A rigor, é igualmente verdadeiro que a qualidade de nossa poesia depende do modo como o povo utiliza sua língua: pois um poet a deve to ma r co mo ma tér ia- pr im a sua pr óp ri a lí ng ua , da maneira como de fato ela é falada à volta dele. Se a língua se aprimora, ele se beneficiará; se entra em declínio, deverá tirar daí o melhor proveito. Até certo ponto, a poesia pode preservar, e mesmo restaurar, a beleza de uma língua; ela pode e deve ajudá-la a se desenvolver, a tornar-se tão sutil e precisa nas mais adversas condições e para os cambiantes propósitos da vida moderna, quanto o foi numa época menos complexa. Mas a poesia, como qualquer outro elemento solitário nessa misteriosa personalidade social a que chamamos nossa 4 'cultura", deve permanecer dependente de muitíssimas circunstâncias que escapam ao seu controle. Isso me conduz a algumas reflexões posteriores de natureza mais geral. Minha ênfase nesse ponto tem sido sobre a função local c nacional da poesia, e isso deve ser explicado. Não desejo
A KJNÇÀO SOCIAL Γ)Α POESIA
dar a
impressão de que a função da poesia é distinguir entre um povo e outro, pois não creio que as culturas dos diversos pov os da Eu ro pa possa m flo rescer isolada s um a das ou tr as . Nã o resta dúvida de que houve no passado altas civilizações que produziram grande arte, pensamento e literatura, e que se desenvolveram sozinhas. Não posso falar disso com segurança, pois algumas delas podem não ter sido tão isoladas quanto inicialmente parece. Mas na história da Europa não tem sido assim. Até mesmo a Grécia antiga deveu muito ao Egito, e algo às suas fronteiras asiáticas; e nas relações dos Estados gregos entre si, com seus diferentes dialetos e seus diferentes costumes, po de mo s en co nt ra r um a in fl uê nc ia recíp roc a e es tí mu lo s an ál ogos aos que os países europeus exerciam uns sobre os outros. Mas a história da literatura européia não indica que qualquer literatura tenha sido independente das outras, revelando antes um movi men to const ante de dat e receber, e qu e cada uma delas, sucessivamente, vem sendo revitalizada por estímulos externos. Uma autarquia geral na cultura simplesmente não funcionará: a esperança de perpetuar a cultura de qualquer país repousa na comunicação com as demais. Mas se a separação de culturas dentro da unidade européia é um perigo, também o seria uma unificação que levasse à uniformidade. A variedade é tão essencial quanto a unidade. Por exemplo, há muito a ser dito, para certos propósitos limitados, de uma língua franca universal como o esperanto ou o inglês básico. Mas supondo que toda a comunicação entre as nações fosse conduzida por uma língua artificial, quão imperfeita ela seria! Ou antes, seria absolutamente adequada em alguns aspectos, e apresentaria uma completa falha de comunicação em outros. A poesia é uma constante advertência a tudo aquilo que só pode ser dito em uma língua, e que é intraduzível. A comunicação espiritual entre um povo e outro não pode ser levada adiante sem indivíduos que assumam o desafio de aprender pelo menos uma língua estrangeira tão bem quanto é possível aprender qualquer língua que não a sua própria, conseqüentemente, que estejam capacitados em maior ou menor grau, a sentire m o utr a língua tão bem quanto na sua. E a compreensão de outro povo por part e de qu al qu er pessoa necess ita , dessa fo rma , ser co mp le me ntada pela compreensão daqueles indivíduos dentre esse povo que se esforçaram para aprender a sua própria língua.
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Pode ocorrer que o estudo da poesia de um outro povo seja pa rt ic ul ar me nt e in st ru ti vo . Eu di sse que há qua lidad es po ét ic as em cada língua que só podem ser entendidas por aqueles que dela são nativos. Mas há também um outro lado da questão. Descobri algumas vezes, ao tentar 1er uma língua que não conhecia muito bem, que não conseguia compreender um texto cm prosa senã o na med ida em que o di ge ri a confor me os pa dr õe s do professor: ou seja, eu estava seguro quanto ao significado de cada palavra, dominava a gramática e a sintaxe, e podia então decifrar a passagem em inglês. Mas descobri também algumas vezes que um texto poético, que eu não conseguia traduzir, incluindo muitas palavras que não me eram familiares e orações que eu não conseguia interpretar, comunicava-me algo vívido e imediato, que era único, distinto de qualquer coisa em inglês — algo que eu não podia transcrever em palavras e, não obstante, sentia que compreendera. E ao aprender melhor aquela língua, descobri que essa impressão não era ilusória, ou algo que eu imaginasse existir na poesia, mas algo que estava de fato ali. De modo que. em poesia, vez por outra alguém pode penetrar em outro país, por assim dizer, antes que seu passaporte seja expedido ou que seu bilhete de viagem seja comprado. Toda a questão do relacionamento entre países de línguas diferentes, mas que possuem afinidades culturais, no âmbito europeu, é por conseguinte aquela à qual somos conduzidos, talvez inesperadamente, pela investigação relativa à função social da poesia. E claro que não pretendo passar desse ponto para questões estritamente políticas; mas gostaria que aqueles que se ocupam das questões políticas pudessem mais amiúde cruzar a fronteira que conduz aos problemas que acabo de examinar, poi s são estes qu e co nf er em ao as pe ct o es pi ri tu al da s qu es tõ es o aspecto material de que se ocupa a política. Do lado em que me encontro na fronteira, uma dessas questões se relaciona com as coisas vivas que têm suas próprias leis de crescimento, as quais nem sempre razoáveis, mas que somente devem ser aceitas pela razão; coisas que não podem ser caprichosamente plane jadas e pos tas em or de m da me sm a for ma qu e nã o pod em ser disciplinados os ventos, as chuvas e as estações.
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Finalmente, se eu estiver certo de que a poesia tem uma "função social" para o conjunto das pessoas da língua do poeta, esteja m elas conscientes ou não de sua existência, conclui-se que interessa a cada povo da Europa que os demais devam continuar a ter sua poesia. Não posso 1er a poesia norueguesa, mas, se fosse dito que não mais está sendo escrita qualquer poesia em língua norueguesa, eu sentiria um sobressalto que seria muito mais do que uma generosa simpatia. Eu o veria como um indício de doença que provavelmente estaria difundida por todo o continente, como o início de um declínio significando que os povos de toda parte houvessem deixado de estar aptos a expressar, e conseqüentemente a sentir, as emoções dos seres civilizados. Isso, é claro, poderia ocorrer. Muito já se falou em toda parte sobre o declínio da crença religiosa; não tanto quanto se observa relativamente ao declínio da sensibilidade religiosa. O problema da idade moderna não se resume apenas à incapacidade de acreditar cm certas coisas em relação a Deus e ao homem em que nossos antepassados acreditavam, mas à incapacidade de sentir Deus e o homem como eles o fizeram. Uma crença na qual ninguém mais deposita sua fé constitui algo que, até certo ponto, alguém ainda pode entender; mas quando desaparece o sentimento religioso, as palavras com as quais os homens lutaram para expressá-lo perdem o sentido. É verdade que o sentimento religioso varia naturalmente de país para país e de época para época, da mesma forma como ocorre com o sentimento poético; o sentimento varia, mesmo quando a crença e a doutrina não se modificam. Mas essa é uma condição da vida humana, e o que me deixa apreensivo é a morte. É igualmente possível que o sentimento pela poesia, e os sentimentos que constituem a matéria-prima da poesia, possam desaparecer em toda parte: o que talvez pudesse favorecer aquela unificação do mundo que alguns povos consideram cm si desejável.
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O poeta, quando fala ou escreve sobre poesia, revela qualificações e limitações peculiares: se admitirmos estas, poderemos apreciar melhor aquelas — trata-se de uma prudência que recomendo tanto aos próprios poetas quanto aos leitores acerca do que ambos dizem sobre poesia. Jamais releio qualquer de meus próprios textos sem um agudo desconforto: esquivo-me à tarefa, e conseqüentemente posso desconsiderar todas as acusações que, nessa ou naquela época, fiz a mim mesmo; posso amiúde repetir o que já dissera, e posso com freqüência me contradizer. Mas creio que os textos críticos dos poetas, dos quais no passado há alguns autênticos exemplos ilustres, devem grande parte de seu interesse ao fato de que o poeta, no fundo de sua mente, quando não com o propósito confesso, está sem pre ten tan do de fe nd er o gê ne ro de poesi a que esc reve, ou fo rmular o gênero que deseja escrever. Especialmente quando jovem , e at iv am en te co mp ro me ti do na lu ta pe lo gê ne ro de po esia que pratica, ele vê a poesia do passado em relação à sua, e sua gratidão com aqueles poetas mortos com os quais aprendeu, bem como sua in di fe re nça po r aq ue le s cu jo s ob je ti vo s são est ranhos aos seus, pode ser exagerada. Ele é antes um advogado 1. Terreira conferência a memória de W. P. Kcr, pronunciada na Universidade de Glasgow cm 1942 e publicada pela Glasgow University Press no mesmo ano. ( Ν . Α . )
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do que um juiz. Seu conhecimento tende mesmo a ser parcial, poi s seus es tu do s o lev arã o a co nc en tr ar -s e em cert os au to re s em detrimento de outros. Quando teoriza sobre criação poética, pr ov av el me nt e ge nera li za um ti po de ex pe ri ên ci a; q u a nd o se aventura à estética, provavelmente será menos, em vez de mais competente do que um filósofo; e simplesmente faria melhor se relatasse, para a informação do filósofo, os dados de sua pró pri a in tr ospe cção. O qu e ele escr eve so br e po es ia , em su ma , deve ser avaliado em relação à poesia que escreve. Convém voltarmos ao erudito para averiguar os fatos, e ao crítico mais desinteressado para um julgamento imparcial. O crítico, certamente, deveria ter algo de um erudito, e o erudito algo de um crítico. Ker, 2 cuja atenção se concentrou sobretudo na literatura do passado e nos problemas de relacionamento histórico, deve ser incluído na categoria dos eruditos; mas tinha ele em alto grau o sentido do valor, o bom gosto, a compreensão dos padrões críticos e a capacidade de aplicá-los sem o que a contribuição do erudito não pode ser senão indireta. Há um outro aspecto mais particular em que diferem o conhecimento do erudito e do poeta no que se refere à versificação. Aqui, talvez, eu devesse ser cauteloso ao falar apenas de mim mesmo. Nunca fui capaz de memorizar os nomes de pés e versos, ou de guardar o devido respeito às regras consagradas da escansão. Na escola, gostava muito de recitar Homero ou Virgílio à minha própria maneira. Talvez tivesse alguma sus pe it a in st in ti va de qu e ni ng ué m sab ia de fat o co mo o gr eg o deveria ser pronunciado, ou o que, entretecendo os ritmos gregos e latinos, pudesse o ouvido romano apreciar cm Virgílio; talvez fosse meu ócio que instintivamente me protegesse. Mas certamente, quando esse ouvido conseguia aplicar as regras da escansão ao verso inglês, com seus diversos acentos diferentes e valores silábicos variáveis, eu queria saber por que um verso era bo m e ou tr o rui m; e isso a esc ans ão nã o po di a me ex pl icar . O 2. Ker. Willia m Patton. Escritor inglês (Glasgow, 1853 Mac ugna ga, Alpes. 1925). Professor de história e lite ratura ingle sas em Car dif f (1883 ), de litera tura inglesa na Universidade de Londres (1889-1922) c de poesia em Oxford (1922); suas principais obras versam sobre literatura medieval, como, entre outras. Epic
and romance (1897), The dark ager (1904), Essays on medieval literature (1903) e The art of poetry (1923). (N.T.)
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único meio de aprender a manipular qualquer espécie de verso inglês me pareceu ser o da assimilação e da imitação, das quais resulta um envolvimento tal com a obra de um determinado po et a qu e se to rn a pos sív el pr od u zi r um de ri va do re co nh ec ív el . Isso não significa que eu considere o estudo analítico da métrica, das formas abstratas que soam tão extraordinariamente distintas quando manuseadas por diferentes poetas, como total perda de tempo. O que ocorre apenas é que o estudo da anatomia não lhes pode ensinar o que é preciso para fazer uma galinha bo tar ta r ovo s. De sa co ns el ho q u a l q u e r o u t r o c a m i n h o pa ra co m e çar o estudo dos versos grego e latino que não seja o da ajuda dessas regras de escansão que foram estabelecidas pelos gramáticos com base na maior parte da poèsia que se escreveu até agora; mas, se pudéssemos reviver essas línguas a ponto de nos tornarmos capazes de falá-las e ouvi-las como o fizeram os autores que nelas se exprimiram, poderíamos encarar tais regras com indiferença. Aprendemos as línguas mortas por meio de um método artificial, e nossos métodos de ensino têm sido aplicados a alunos que, em sua maioria, têm apenas um modesto dom para as línguas. Mesmo ao abordarmos a poesia de nossa língua, podemos descobrir a classificação de metros, de versos com diferentes números de sílabas e acentos cm lugares distintos, úteis num estágio preliminar, como o mapa simplificado de um complexo território; mas é apenas o estudo, não da poesia, mas de poemas, que será capaz de educar nosso ouvido. Nã o é a pa rtir rt ir das reg ra s, ou pe la fr ia im it aç ão do es ti lo , q u e aprendemos a escrever: aprendemos graças à imitação, é verdade, mas por meio de uma imitação mais profunda do que aquela que se adquire pela análise do estilo. Quando imitamos Shelley, não foi tanto por um desejo de escrever como ele o fazia, mas porque nosso eu adolescente estava subjugado por Shelley, e isso tornou o estilo de Shelley, naquela época, a única forma de que dispúnhamos para nos expressar.
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c Surrey 4 é assunto para o erudito especializado em história. O grande gramático Ott o Jespersen5 sustentou que a estrutura da gramática inglesa tem sido mal interpretada em nossas tentativas de torná-la adequada às categorias do latim, como no suposto "subjuntivo". Na história da versificação não se cogita da questão relativa ao fato de que os poetas hajam entendido mal os ritmos da língua ao imitar modelos estrangeiros; devemos aceitar as práticas dos grandes poetas do passado por serem pr át ic as co m re laçã la çã o às qu ai s no ss o o uv id o foi t re i na d o e de ve ser treinado. Acredito que um certo número de influências vindas de fora haja enriquecido o espectro e a variedade do verso inglês. Alguns eruditos clássicos sustentaram o conceito — este é um assunto que transcende minha competência — de que a medida original da poesia latina foi mais rítmica do que silá bica bi ca , de q u e fo i ec li ps ad a pe la in fl uê nc ia de u m a lí ng ua m u i t o diferente — o grego — e de que regrediu a algo próximo de sua forma primitiva em poemas como o o Pervigilium Venens (Vigília de Vénus) Vénus) e os primeiros hinos cristãos. Nesse caso, não podemos deixar de suspeitar que, para o público cultivado da época de Virgílio, parte do prazer da poesia provém da presença, na poesia, de dois esquemas métricos numa espécie de contraponto, ainda que esse público não fosse necessariamente capaz de analisar a experiência. De modo semelhante, é possível que a beleza de certa poesia inglesa seja devida à presença de mais de uma estrutura métrica. São em regra muito frias as tentativas deliberadas de estruturar metros ingleses com ba se em m od el o s la ti no s. En tr e os q u e ob ti v er am ma io r êx it o incluem-se alguns exercícios de Campion,6 em seu breve mas po u qu ís si mo li do tr at a do de mé tr ic a; en tr e os ma is no tá ve is malogros, em minha opinião, estão as experiências de Robert
Nã o há dú v id a de q u e a pr át ic a de ve rs if ic aç ão in gl es a tem sido afetada pela consciência das regras da métrica: a avaliação da influência do latim sobre os inovadores Wyatt 3
4. Surrey, Henry Howard (conde de). Político e poeta inglês (c. 1519 — Londres, 1547). autor de de Songs and sonnets (1557), publicados com os poemas de Thomas Wyatt. A ele se deve a forma do soneto inglês. (N.T.) 5. Jespersen (Jens Oit o Harry). Lingüista dinam arquê s (Randers, 1860 Cope nhague. 1943), autor de obras de lingüística geral, como como Language, its nature, develop-
y Wyatt. Sir Sir Thomas. Poeta inglês inglês (Allington Castle. Kent . c. 1303 - Sher borne , Dorset, 1542), responsável pela introdução do soneto na literatura inglesa. Seus poe ma s for am re uni dos na To t tei's miscellany miscellany (1557). (N.T.)
6. Campion. Thomas. Poeta inglês (Londres, 1567 — id. 1619), talvez o mais melodioso dos poetas elisabetanos. Figura em quase todas as antologias inglesas graças aos poemas reunidos em em A book of Ayres Ayres (1601). (N.T.)
ment and origin origin (1922). (N.T.)
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Bridges7 — eu trocaria todas as sua s engenh osas i nvenções por seus primeiros versos líricos, mais tradicionais. Mas quando um poeta assimila tão intensamente a poesia latina a ponto de essa absorção estruturar-lhe o verso sem qualquer artifício deli ber ado ad o — co mo no caso de Mi lt on e em al gu ns po em as de Tennyson —, o resultado pode ser incluído entre as grandes conquistas da versificação inglesa. O que suponho possuirmos na poesia inglesa é uma espécie de amálgama de sistemas de diversas fontes (embora não me agrade usar a palavra "sistema", pois ela implica antes uma sugestão de invenção consciente do que de crescimento espontâneo): um amálgama semelhante ao caldeamento de raças, e de fato parcialmente devido a origens raciais. Os ritmos dos anglo-saxões, celtas, franceses normandos, ingleses medievais e escoceses deixaram todos a sua marca na poesia inglesa, juntamente com os ritmos latinos e, em diversos períodos, os franceses, italianos e espanhóis. Como os seres humanos constituem uma raça compósita, e diferentes tendências po de m ser do mi na nt es em di fe re nt es i nd i ví du os , in cl usiv us iv e cm membros de uma mesma família, do mesmo modo que um ou outro elemento no composto poético pode ser mais congenial para um ou outro poeta ou para um ou outro período. A espécie de poesia que criamos é determinada, de tempos em tempos, pela influência de uma ou outra literatura contemporânea em língua estrangeira, ou por circunstâncias que tornam um período de nosso passado mais simpático do que outro, ou pela ênfase que prevalece na educação. Mas há uma lei da natureza mais poderosa do que quaisquer tendências variadas, ou influências vindas de fora ou do passado: a lei é de que a poe sia nã o dev e se af asta as tarr de m as ia do da lí ng ua c o m u m de cada dia que usamos e ouvimos. Seja a poesia rítmica ou silá bic a, ri ma da ou nã o ri ma da , fo rm al ou lilivre vre , ela el a nã o p o de da rse ao luxo de perder o contato com a linguagem mutante da conversação ordinária.
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Pode parecer estranho que, quando admito estar escrevendo sobre a "música" da poesia, ponha eu tanta ênfase na palestra. Mas gostaria de lembrar-lhes, antes de mais nada, que a música da poesia não é algo que exista à margem do significado. Do contrário, poderíamos ter poesia de grande beleza musical que não fizesse sentido, e jamais me deparei com tal poesia. As aparentes exceções revelam apenas uma diferença de grau: há po em as nos qu ai s so mo s in eb ri ad os pe la mú si ca e a dm i t i m os o sentido como correto, assim como há poemas nos quais prestamos atenção ao sentido e somos envolvidos pela música sem que disso nos apercebamos. Consideremos um exemplo aparentemente extremo: o do verso absurdo de Edward Lear. 8 Sua falta de sentido não implica vacuidade de sentido: é uma paródia do sentido, e esse é o seu sentido. The jumblies jumblies é um poema de aventuras, e de nostalgia pelo romance de viagem ao estran-
geiro e de exploração; The yong-'>ongy bo e The donq with a luminous nose nose são poemas de paixão não correspondida — na verdade verdade blues. blues. Apreciamos a música, que é de alta qualidade, c o sentimento de irresponsabilidade para com o sentido. Ou tomemos um poema de outro tipo, o Blue closet , de William Morris." Trata-se de um delicioso poema, embora eu não possa explicar o que significa, e duvido que o autor também o possa. Há um efeito algo semelhante ao de uma runa ou de um sortilégio, mas as runas e os sortilégios têm fórmulas práticas destinadas a produzir resultados definidos, como tirar uma vaca de um atoleiro. Mas sua intenção óbvia (e creio que o autor a realizou) é produzir o efeito de um sonho. Não é necessário, para apreciar o poema, saber o que o sonho significa; mas os seres humanos cultivam uma crença inabalável de que os sonhos significam alguma coisa: era costume acreditar — e muitos ainda acreditam — que os sonhos revelem os segredos do fu tu ro; a 8. Lear. Edward. Poeta, artista plástico e humorista inglês (Londres, 1812 — San Remo, Itália, 1888), 1888), auto r das ilustrações ilustrações de boa parte das obras de Tennyso n. Deixou, entre outros, Views of Rome and its environs environs (1841), A book of nonsense
alphabets (1871) e Teapots and quails (1846), Nonsense songs, stones, botany and alphabets (ed. pósi., 1953). (N.T.) L π Λ '
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9. Morris, William Robert Poeta , pintor e historiador de arte inglês (Elm House, Walthampstow, Essex. 1834 — Londres. 1896). Escreveu poemas narrativos de inspirarão pos-romântica e medievalista, como The life and death of Jason Jason (1867) e e The earthly paradise paradise (1868-1870). Deixou belas traduções da ilíada e da da Odisseia. Odisseia. (N.T.)
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fé ortodoxa moderna é de que eles desvelem os segredos — ou pelo menos os mais horrendos segredos — do passado. E um lugar-comum observar que o significado de um poema escapa à possibilidade de parafraseá-lo. Não é absolutamente tão comum salientar que o significado de um poema pode ser algo mais amplo do que conscientemente o pretendeu seu autor, e algo distante de suas origens. Um dos mais obscuros poetas modernos foi o escritor francês Stéphane Mallarmé, cuja linguagem os próprios franceses dizem ser tão peculiar que só pode ser entendida pelos estrangeiros. O recém-falecido Roger Fry 10 e seu amigo Charles Mauron publicaram uma tradução inglesa com notas destinadas a esclarecer os significados: quando ouço dizer que um soneto difícil foi inspirado pela visão de uma pintura sobre o teto refletido a partir do tampo polido de uma mesa, ou pela visão da luz refletida a partir da espuma de um copo de cerveja, só posso dizer que se trata possivelmente de uma embriologia precisa, mas não de um significado. Se nos sensibilizarmos com um poema, isso significa algo, talvez importante, para nós; caso contrário, será então, enquanto poesia, sem sentido. Podemos nos excitar ao ouvir a declamação de um poema numa língua da qual não compreendemos uma só pal avr a; mas ma s se nos disse di sse rem re m q u e o po e m a é es t ap af ú r d i o e nã o tem qualquer significado, nos consideraremos logrados — não se trataria de nenhum poema, mas simplesmente uma imitação de música instrumental. Se, já que estamos conscientes, apenas uma parte do significado puder ser transmitida por uma paráfrase, é porque o poeta está às voltas com as fronteiras da consciência, além das quais as palavras definham, embora os significados continuem a existir. Um poema pode dar a impressão de significar coisas muito distintas a diferentes leitores, e todos esses significados podem ser diferentes daquilo que o autor imaginou expressar. Por exemplo, o autor pode ter descrito alguma experiência pessoal peculiar que considerou absolutamente dissociada de qualquer coisa exterior; para o leitor, todavia, o po em a po de torn to rnar ar-s -see a expr ex press ess ão de u m a si tu aç ão ge ra l, be m
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como de alguma experiência particular dele mesmo. A interpretação do leitor pode diferir e ser igualmente válida. E pode até ser melhor. Pode existir num poema muito mais do que aquilo que o autor ali julgava existir. As diferentes interpretações po de m to das da s co ns ti tu ir fo rm ul aç õe s parc pa rcia iais is de u m a coi sa; as ambigüidades podem ser devidas ao fato de que um poema significa mais, e não menos, do que a língua ordinária é capaz de comunicar. Assim, embora a poesia tente transmitir algo além do que po de ser tr an sm it id o pe lo s ri tm os da pr os a, ela pe rm an ec e, nã o obstante, como uma pessoa falando com outra; e isso é igualmente verdadeiro se você a canta, pois cantar é outro modo de falar. A relação íntima entre a poesia e a conversação não constitui um assunto sobre o qual possamos formular leis exatas. Cada revolução na poesia pode tornar-se, e às vezes assim se proclama, um retorno à fala comum. Essa foi a revolução que Wordsworth anunciou em seus prefácios, e ele estava certo; mas a mesma revolução foi conduzida um século antes por Oldham, 1 1 Waller, 12 Denham 1 5 e Dryden; e a mesma revolução deveria ocorrer de novo cerca de um século depois. Os seguidores de uma revolução desenvolvem a nova linguagem poética em uma ou outra direção, polindo-a e aperfeiçoando-a; entretanto, a língua falada vai mudando e o idioma poético envelhecendo. Talvez não consigamos conceber quão natural deve ter sido a linguagem de Dryden aos mais sensíveis de seus contem po râ ne os . N e n h u m a poes po esia ia , é cl aro, ar o, co ns ti tu i se mp re a me sm a linguagem que o poeta fala e ouve, mas ela precisa estar de tal modo relacionada à linguagem de sua época que o ouvinte ou leitor possa dizer "assim e que eu falaria se pudesse falar em verso". Essa é a razão pela qual a melhor poesia contemporâ11. Oldh am, Joh n. Satirista inglês inglês (Shipt on Moyne. perto de Tet bury, Gloucest ershire, 1653 1653 - Holme -Pier rcpoin t, perto de Not tin gha m, 1683), cuja principal Jesuits (1681). foi muito elogiada por Dryden. obra, obra, Satires o n the Jesuits 12. Waller, Edmund. Poeta inglês (Coleshill, 1606 — Hall Barn, 1687). Primo de Cromwell, foi membro do Parlamento, mas depois passou para o lado de Carlos 1. Deixou um um Panegyrical (1655), onde celebra os feitos do primo. Sua obra anuncia o classicismo inglês. (N.T.) 13 Den ham , Sir Sir Joh n. Poeta e arqui teto inglês (Dub lin , 1615 — Londres, 1669), autor do poema didático-descritivo didático-descritivo Cooper s hill , publica do em 1642. (N.T. )
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nca podc nos dar um sentimento de excitação e um sentido de plenitude distinto de qualquer outro sentimento provocado até mesmo por uma poesia verdadeiramente maior de uma
texto implica, poder-sc-ia dizer que nenhum poeta será capaz de escrever um poema longo a menos que seja um mestre do pr osai co . 14 O que importa, em suma, é o conjunto poemático; e se esse conjunto não precisa ser — e amiúde não deveria sê-lo — totalmente melodioso, deduz-se que o poema não é feito apenas de "palavras belas". Duvido que, do ponto de vista estritamente fonetico, uma palavra seja mais ou menos bela do que outra dentro de sua própria língua, pois a questão relativa à po ss ib il id ad e de cert as lí ng ua s nã o sere m tã o bela s qu an t o outras é, a rigor, um outro problema. As palavras feias são aquelas que não se adaptam à companhia em que elas próprias se encontram; há palavras que são feias devido à sua crueza ou ao seu anacronismo; há palavras que também o são devido à sua estranheza ou rudeza (p. ex. televisão); mas não creio que nenhuma palavra de uso corrente em sua própria língua seja bel a ou fe ia . A músi ca de uma pala vra es tá , po r ass im di ze r, num ponto de intersecção: ela emerge de sua relação, primeiro, com as palavras que imediatamente a antecedem e a ela se seguem, e indefinidamente com o restante do contexto; e de outra relação, a de seu imediato significado nesse contexto com todos os demais significados que haja possuído em outros contextos, com sua maior ou menor riqueza de associação. Nem todas as palavras, é óbvio, são igualmente ricas e bem aparentadas: é parte da tarefa do poeta dispor as mais ricas entre as mais pobres, nos lugares corretos, e não podemos nos permitir sobrecarregar demasiadamente um poema com aquelas primeiras, pois apenas em certos momentos é que a palavra pode ser disposta para insinuar a história global de uma língua e de uma civilização. Trata-se de uma "alusividade" que não corres pon de à ma ne ir a ou à ex ce nt ri ci da de de um ti po pe cu li ar de poe sia; ma s de um a al us iv id ad e qu e est á na na tu re za das palavras, e que é também a preocupação de cada tipo de poeta. Meu propósito aqui é insistir em que um "poema musical" é um poema que tem um modelo musical de som e um modelo
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época anterior. A música da poesia deve ser, portanto, a música latente na fala comum de sua época. E isso significa também que ela deve estar latente na fala comum da região do poeta. Não seria meu presente propósito censurar a ubiqüidade do inglês padronizado ou daquele que se fala na BBC. Sc todos viermos a falar do mesmo modo, não estaremos muito longe do ponto em que pas saremo s a escr ever da me sm a ma ne ira ; ma s at é ch eg ar esse tempo — e espero que ele chegue o mais tarde possível — é tarefa do poeta utilizar a língua falada à sua volta, aquela com a qual está mais familiarizado. Lembrarei sempre a impressão que me causou W. B. Yeats ao 1er seus poemas em voz alta. Ouvi-lo 1er suas próprias obras foi o mesmo que reconhecer quanto o acento irlandês é necessário para apreciarmos as belezas da poesia irlandesa: ouvir Yeats len do W illiam Blake foi uma experiência de um gênero diferente e que me causou mais surpresa do que satisfação. Não desejamos, é claro, que o poeta simplesmente reproduza com exatidão sua linguagem coloquial, ou a de sua família, de seus amigos e de seu distrito particular, mas o que se encontra aí é a matéria a partir da qual deverá ser feita sua poesia. Como o escultor, ele deve manter-se fiel à matéria em que trabalha; é a partir dos sons que percebe que o poeta deve constituir sua melodia e sua harmonia. Seria um erro, entretanto, admitir que toda poesia deva ser melodiosa, ou que a melodia seja mais que um dos componentes da música das palavras. Há um tipo de poesia que se destina a ser cantada; a maior parte da poesia dos tempos modernos destina-se a ser falada — e há muitas outras coisas a serem ditas além do zumbido de incontáveis abelhas ou do arrulho dos pombos nos olmos imemoriais. A dissonância, e mesmo a cacofonia, têm seu lugar: assim, num poema de certa extensão, deve haver transições entre passagens de maior ou menor intensidade, a fim de que se obtenha um ritmo de emoção flutuante essencial à estrutura musical do conjunto; e as passagens de menor intensidade serão, com relação ao nível sobre o qual todo o poema opera, prosaicas — ou seja, no sentido que o con-
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14 Trata-se da doutrin a complem enta r à do verso ou da passagem tidos como "p edra de toque por Matthew Arno ld: esse· teste para aferir a gra ndez a de um poet a é o modo como ele escreve suas passagens menos intensas, ainda que vitais do po nt o de vist a es tr ut ur al . (N A. )
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musical de significados secundários das palavras que o compõem, e também cm que esses dois modelos sào indissolúveis e únicos. E se alguém objetar que se trata apenas do som puro, divorciado do sentido, ao qual o adjetivo "mus ical ' pode ser corre tament e aplicado, só me cabe repetir o que já disse antes, ou seja, que o som de um poema é tanto uma abstração do poema quanto do sentido. A história do verso branco ilustra dois pontos interessantes e relacionados: a dependência da linguagem e a surpreendente diferença, embora metricamente a forma seja a mesma entre o verso branco dramático e o verso branco utilizado com propósitos épicos, filosóficos, reflexivos e idílicos. A dependência do verso em relação à linguagem é muito mais direta na poesia dramática do que em qualquer outra. Na maioria dos gêneros poé ticos, a nec ess idade qu e te m ela de co nt inu ar pa ra nó s id ên tica à linguagem contemporânea está reduzida pela latitude que leva em conta a idiossincrasia pessoal: um poema de Gerard Hopkins, 1 ^ por exemplo, pode soar razoavelmente distante do modo pelo qual eu e vocês nos expressamos — ou melhor, do modo como nossos pais e avós se expressaram; mas Hopkins dá a impressão de que sua poesia tem a necessária fidelidade à sua maneira de pensar e conversar consigo mesmo. Mas no verso dramático o poeta está falando em nome de uma personagem após outra, por intermédio de uma companhia de atores ensaiados por um diretor, e de diferentes atores em épocas diferentes: seu idioma deve abranger todas as vozes, mas precisa estar presente num nível mais profundo do que o necessário quando o poet a fal a so me nt e par a si mes mo. Al gu ns do s úl ti mo s ver sos de Shakespeare são muito elaborados c peculiares; no entanto, a língua subsiste, não a de uma pessoa, mas a de um universo de pessoas. Ela toma por base a língua de três séculos atrás, mas, quando a ouvimos bem interpretada, podemos esquecer
15. Hopk ins, Gerard Manley. Poeta inglês (Str atfo rd. Essex, 1844 - Dub li n. 1889). Membro da Companhi a de Jesus, na da publicou em vida. Seus Poemi apareceram apenas em 1918 e pouco tem em comum com tudo o que se escreveu na poesia vitoriana de seu tempo: sào intelectualistas e gravemente trágicos, distinguindo-se pel o in ed it is mo mé tr ic o do sprung rhythm, que nos remete à poesia metafísica de Donne e outros auiores ingleses do século XVII. Hopkins influenciou toda a geração de Eliot. (N.T.)
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a distância que dela nos separa — como nos foi demonstrado mais claramente cm uma daquelas peças, das quais Hamlet é a principal, que podem ser adequadamente produzidas com roupagem moderna. A época de Otway, 16 o verso branco dramático torna-se artificial e, na melhor das hipóteses, reminiscente; e quando chegamos às peças em verso dos poetas do século XIX, das quais a maior é provavelmente The Cenci} 1 é difícil guardar qualquer ilusão de realidade. Quase todos os po et as do séc ulo pass ado pu se ra m à pr ova sua hab ilida de ao escrever peças em verso. Essas peças, que algumas pessoas leram mais de uma vez, são respeitosamente consideradas alta poesia, e sua insipidez é habitualmente atribuída ao fato de que os autores, embora grandes poetas, eram amadores em teatro. Mas mesmo que os poetas houvessem tido maiores dons para o teatro, ou houvessem mourejado para adquirir alguma destreza, suas peças poderiam ter sido ineficazes, a menos que seu talento teatral e sua experiência lhes demonstrassem a necessidade de um gênero distinto de versificação. Não é primordialmente a falta de intriga, ou a falta de ação e de suspense, ou a inexistência de tudo o que chamamos de 4 'teatro", que torna tais peças tão apáticas: é que, acima de tudo, seu ritmo de linguagem constitui algo que não podemos associar a nenhum ser humano, exceto a um declamador de poesia. Mesmo sob a poderosa manipulação de Dryden, o verso br anco dr am át ic o revela uma grave de te ri or aç ão. Há es pl ên di da s pas sag ens em All for love}8 todavia, as personagens de Dryden falam às vezes mais naturalmente nas peças heróicas que ele escreveu em dísticos rimados do que o fazem naquilo que poderia sugerir a mais espontànea das formas de verso branco, embora com menos naturalidade do que as personagens de Corneille e Racine em francês. As causas dessa ascensão e queda 16. Otway, Thoma s Dram atur go inglês (Trott en, perro de Midhurs t, Sussex. 1652 Londres, 1685), último descen dente da dramaturg ia elisabetana e já discípulo do teatro clássico francês. Sua obra-prima é Venice preservi(1682), de inequívoca influência shakespeariana. (N.T.) 17 Dram a em cinco atos (1819) do poet a romà nti co ingles Percy Bysshe Shelley (Field Place, pert o de Horsham, Sussex, 1792 — La Spezia, 1882). (N.T .) 18 Escrita cm 1677. é talvez a melhor das peças de Jo hn Dryd en (Aldwinkl e, Northamptonshire, 1631 — Londres. 1700), na qual o autor explora o tema de Antônio e Cleópatra, de Shakespeare. (N.T.)
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de qualquer-forma de arte são sempre complexas, e podemos registrar diversos fatores que para isso contribuíram, ao mesmo tempo em que parece subsistir alguma causa mais profunda inca paz de ser fo rmu la da : eu nã o an te ci pa ri a ne nhu m a da s razõe s pel as qu ai s a pro sa ac ab ou po r su pl an ta r o ver so no te at ro . Mas estou certo de que uma razão pela qual o verso branco não po de ago ra ser ut il iz ad o no dr am a é qu e mui ta poesia nã o dramática, e de alta qualidade, tem sido escrita em verso branco nestes últimos três séculos. Nossa mente está saturada dessas obras não dramáticas nas quais existe formalmente a mesma espécie de verso. Se pudermos conceber, com um vôo de imaginação, Milton precedendo Shakespeare, este teria tido de descobrir um meio bastante diferente daquele que utilizou e aperfeiçoou. Milton lidou com o verso branco de uma maneira como ninguém jamais o trabalhou ou jamais o trabalhará; e, assim fazendo, realizou mais do que qualquer outro ou qualquer outra coisa por torná-lo impossível para o drama, embora possamos também acreditar que o verso branco dramático haja esgotado seus recursos, e não tenha nenhum futuro em qualquer caso. A rigor, Milton por pouco não tornou o verso branco impraticável para qualquer propósito por duas gerações. Foram os precursores de Wordsworth — Thompson, 1 ' Young, 2 0 Cow per — qu e em po br ec er am os pr im ei ro s esfo rç os pa ra re sg at á- lo da degradação a que o reduziram no século XIX os imitadores de Milton. Há muito e variado verso branco no século XIX: o mais próximo da linguagem coloquial é o de Browning, conquanto, significativamente, mais em seus monólogos do que em suas peças. Tal generalização não implica nenhum julgamento quanto à relativa estatura dos poetas. Simplesmente adverte para a profunda diferença entre o gênero dramático e as demais espécies de verso: uma diferença na música, que é uma diferença na telaio. Tho mpso n, Francis. Escritor inglês (Presto n. 1839 - Lo ndres. 1907). Além de crítico (Essay on Shelley. 1909), tornou-se conhe cido como poeta lírico e de ins pir açã o mi sti co- rel igi osa , co mo o at es ta The hound of heaven (1893). (N.T.) 20. Young, Edward Poeta inglês (Winche ster, Hant s, 1683 — Welw yn. Oxfor dshire, 1763). Além de dramaturgo, deixou o longo poema Nights (1742-1745), uma meditação gravemente melancólica sobre a morte, a noite e os túmulos, de imensa influência na Europa pré-romântica. (Ν.Ί )
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ção com a língua falada corrente. Isso conduz à minha próxima questão, ou seja, a de que a tarefa do poeta diferirá não apenas segundo sua constituição pessoal, mas também de acordo com o período ao qual ele pertence. Em certos períodos, essa tarefa consiste em explorar as possibilidades musicais de uma convenção estabelecida na relação entre o idioma do verso e da fala; em outros períodos, a tarefa se destina a acompanhar as mudanças na linguagem coloquial, que são fundamentalmente mudanças no pensamento e na sensibilidade. Esse movimento (íclico exerce também uma enorme influência sobre nosso julgamento crítico. Numa época como a nossa, um revigoramento da dicção poética semelhante àquele que foi instaurado por Wordsworth (quer tenha sido ele satisfatoriamente realizado ou não) exigiu que nos mantivéssemos predispostos, em nossos julgamentos sobre o passado, a exagerar a importância dos inovadores à custa da reputação dos que a fomentavam. Já falei o bastante, suponho, para deixar claro que não acredito que a tarefa do poeta seja sempre e primordialmente a de promover uma revolução na linguagem. Não seria desejável, mesmo que isso fosse possível, viver num estado de perpétua revolução: o anseio pela permanente novidade da dicção e da métrica é tão pernicioso quanto uma obstinada aderência à língua de nossos avós. Há tempos em que se explora e tempos em que se cultiva o território conquistado. O poeta que mais fez pela língua inglesa foi Shakespeare; e ele empreendeu, cm sua breve existência, a tarefa de dois poetas. Posso apenas dizer aqui, em suma, que o desenvolvimento do verso shakespeariano po de ser di vi di do , grosso modo, em dois períodos. Durante o pr im ei ro ele foi len tam en te ada ptand o sua fo rm a à li ng ua ge m coloquial: assim, à época cm que escreveu Antônio e Cleopatra concebeu um meio-termo graças ao qual tudo o que houvesse a ser dito por qualquer personagem flramática, quer elevado ou rasteiro, quer "poét ico ' ou prosaico ', pudesse ser dit o com beleza e naturalidade. Após atingir esse ponto, começou a elabor ar. O prim eiro perí odo do poeta que prin cipio u com
Vénus e Adônis, mas que já havia, em Love's labour s lost, começ ado a perceber o que havia por ser feit o vai do artificialismo à simplicidade, da rigidez à flexibilidade. As peças poster io re s cam inh am da si mp li ci da de para a el ab or aç ão . O
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Shakespeare dos últimos tempos está ocupado com outras tarefas do poeta — a da experimentação para ver quão elaborada e complexa poderia se tornar a música sem perder inteiramente o contato com a linguagem coloqu ial, e sem qu e suas per son agens deixassem de se comportar como seres humanos. Ε o poeta de
Cy m beline,
The
Winters tale,
Pericles e A tempestade.
Milton é o mestre supremo dentre todos aqueles que se envere-
dam exclusivamente nessa direção. Podemos supor que Milton, ao explorar a música orquestral da língua, deixa às vezes por completo de falar um idioma social; podemos imaginar que Wordsworth, ao tentar redimir o idioma social, ultrapassou às vezes o limite e tornou-se prosaico. Mas é quase sempre verdade que apenas ao irmos muito longe poderemos descobrir quão longe ainda podemos ir, embora se tenha que ser de fato um grande poeta para que tais aventuras se justifiquem. Até aqui falei apenas da versificação, e não da estrutura po ét ic a; é te m po de ad ve rt ir q u e a mús ic a do ve rs o n ão co ns ti tui um assunto passível de ser tratado verso a verso, mas uma questão que se refere à totalidade do poema. Apenas com isso em mente é que podemos abordar a controversa questão do modelo formal e do verso livre. Nas peças de Shakespeare podese perceber um esboço musical em cenas isoladas, esboço que se manifesta como um todo em suas peças mais acabadas. E uma música tanto de imagens quanto de sons: em sua análise de diversas peças de Shakespeare, Wilson Knight2 1 demonstrou quanto o emprego de imagens recorrentes e dominantes, do começo ao fim de uma peça, tem a ver com o resultado global. Uma peça de Shakespeare é uma estrutura musical extremamente complexa; a estrutura mais facilmente assimilada é a de tormas como as do soneto, da ode tradicional, da balada, da villanelle,J: do rondeau25 ou da sextina. 24 Admitiu-se às vezes 21. Crítico inglcs contemporâneo que se consagrou ao estudo dos símbolos e das imagens nas peças de Shakespeare. (N.T.) 22. Em port., vilanela: na França do se'eulo XVI, canção pastoril ou popular. (Ν Τ ) 23 F.m port ., rondò: composição poética com estribilho constante que inclui o rondò simples, com duas rimas e formado por três estrofes, e o rondò dobrado. tam bé m co m du as ri ma s e co ns ti tu íd o de seis qu ad ra s so br e du as ri ma s. (N T ) 24. Poema de forma fixa, geralment e em decassílabos, compos to de seis sextilhas e. quase invariavelmente, um terceto, no qual cada uma das últimas palavras dos versos da primeira sextilha (não r.mados, como os demais) se repete no final dos versos
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que a poesia moderna aboliu formas como essas. Tenho perce bid o in dí ci os de q ue elas vo lt ar am a ser ut il iz ad as ; e, na ver dade, creio que a tendência ao retorno a tais modelos, inclusive aos mais complexos, é permanente, assim como permanente é a necessidade de um refrão ou de um coro numa canção popular. Algumas formas são mais apropriadas a certas línguas do que a outras, e qualquer forma pode ser mais adequada a determinados períodos do que a outros. Em outro estágio, a estrofe constitui uma formalização correta e natural da linguagem num modelo. Mas a estrofe — e quanto mais elaborada ela for, quanto mais regras forem observadas em sua correta estruturação, tanto mais seguramente isso acontece —, tende a tornarse regular para o idioma no momento de sua perfeição. Ela per de rapidam ente o con ta to co m a lin gu ag em co lo qu ia l fl utuante, sendo dominada pela perspectiva mental de uma geração passada; cai em descrédito quando utilizada de forma solene po r escritore s que, nã o tendo em si n e n h u m in st in to pa ra de se nvolver uma forma, a ela recorrem para verter seus sentimentos liquefeitos num molde pré-fabricado no qual pretendem em vão introduzi-los. O que admiramos num soneto perfeito não é tanto a habilidade do autor em adaptar-se ao modelo, mas a pe rí ci a e a fo rç a at ra vé s da s qu ai s ha rmoniza tal m ode lo àqu ilo que pretende dizer. Sem essa adequação, que depende tanto da época quanto do génio individual, o restante se resume, na melhor das hipóteses, ao virtuosismo; e onde o elemento musical é o único elemento, ele também desaparece. As formas ela bo ra da s re to rna m, ma s há pe rí od os du rante os qu ai s elas sã o deixadas de lado. Quanto ao "verso livre", expressei meu ponto de vista há vinte e cinco anos ao dizer que nenhum verso é livre para alguém que deseja executar bem seu ofício. Ninguém melhor do que cu tem razões para saber que boa parte da má prosa foi escrita sob a denominação de verso livre, embora me pareça indiferente que seus autores hajam escrito má prosa ou mau verso, ou mau verso nesse ou naquele estilo. Mas somente um mau poeta poderia acolher o verso livre enquanto libertação da forma. Houve uma rebelião contra a forma morta, e uma pr ep ar aç ão pa ra a no va for ma ou pa ra u m a re no va çã o da an ti ga ; trata-se de uma insistência sobre a unidade interior que é única
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par a cad a po em a, co nt ra a u ni da de ex te ri or q u e é ca ra ct er ís ti ca . O poema surge anteriormente à forma, no sentido de que a forma emerge da tentativa de alguém dizer algo, precisamente como um sistema de métrica constitui apenas a formulação das identidades nos ritmos de uma sucessão de poetas influenciados uns pelos outros. As formas existem para serem destruídas e refeitas; mas creio que qualquer língua, desde que permaneça a mesma, impõe suas leis e restrições e concede sua própria autorização, ditando seus ritmos próprios de linguagem e padrões fônicos. E uma língua está sempre se transformando; seus desenvolvimentos vocabulares, sintáticos, de pronúncia e de acentuação — e at é me sm o, ao lo ng o do s t em p os , su a de te ri or aç ão — devem ser aceitos e aproveitados pelo poeta. Ele tem, por sua vez, o privilégio de contribuir para o desenvolvimento e a manutenção da qualidade, a aptidão lingüística para expressar um amplo espectro (e uma sutil gradação) do sentimento e da emoção; sua tarefa é, a um só tempo, reagir à mudança e torná-la consciente, e lutar contra a degradação abaixo dos padrões que recebeu no passado. As liberdades que ele pode tomar as toma por po r amor am or à or de m . Quanto ao estágio contemporâneo em que o próprio verso se encontra, devo deixar que vocês o julguem por si mesmos. Suponho estarmos de acordo em que as obras dos últimos vinte e cinco anos merecem de algum modo ser classificadas, e sê-lo-ão como algo que pertence a um período de busca por uma adequada linguagem coloquial coloquial moderna. lem os ainda um longo caminho a percorrer no que se refere à invenção de um verso apropriado ao teatro, um instrumento graças ao qual nos tornemos capazes de ouvir a linguagem dos seres humanos contem porâ po râne neos os,, graç as ao qu al as pe rs on ag en s dr am át ic as po ss am expressar a mais pura poesia sem retórica e graças ao qual possam transmitir a mensagem mais trivial sem nenhum absurdo. Mas quando alcançamos um ponto no qual o idioma poético pode po de ser esta es ta bi li za do , é possí vel qu e ad ve nh a en t ão um pe r ío do de elaboração musical. Penso que um poeta pode lucrar muito com o estudo da música: não sei quanto de conhecimento técnico da forma musical é desejável adqui rir , pois não dis pon ho desse conhecimento. Mas creio que as propriedades da música
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que mais interessam ao poeta são as da noção de ritmo e de estrutura. Julgo que seria possível para um poeta trabalhar muito intimamente com analogias musicais: o resultado poderia ser um produto artificial, mas sei que um poema, ou uma passa pa ssa gem ge m de um po em a, po de te nd er a de fi ni r- se in ic ia lm en te como um ritmo particular antes de alcançar sua expressão ver bal , e qu e esse ri tm o po de levar lev ar ao na sc im en to da idéi id éiaa e da imagem; e não creio que essa seja uma experiência restrita a mim mesmo. O uso de temas recorrentes é natural tanto na poe sia si a q u a nt o na mú si ca . Há no vers o po ss ib il id ad es q ue co m po rt am cer ta anal an al ogia og ia com co m o de se nv ol vi me nt o de um t em a po r diferentes grupos de instrumentos: há num poema possibilidades de transições comparáveis aos distintos movimentos de uma sinfonia ou de um quarteto; há possibilidades de arranjo contra po nt ís ti co co m rel açã o ao tema.2** E numa sala de concerto, mais do que numa casa de ópera, que a matriz de um poema po de ga nh ar vi da. da . Nã o pos so di ze r mai s do qu e isso, isso , ma s co nvém deixar aqui o assunto aberto àqueles que tiveram uma iniciação musical. Entretanto, caberia recordar-lhes ainda duas tarefas da poesia, as duas direções em que a língua deve ser trabalhada em tempos distintos: assim, por mais que se possa levar adiante a elaboração musical, devemos aguardar algum tempo até que a poesia seja outra vez chamada de volta à linguagem. Os mesmos problemas se apresentam, e sempre sob novas formas; e a poesia tem sempre diante de si, como dizia F. S. Oliver~'6 da política, uma "avent ura infin ita' a cumpri r.
25. C umpre lembrar aqui que uma das maiores, senào a maior, dentre todas as criações poéticas de Eliot, Four quartets quartets (Quatro quartetos, 1943), recorre, em sua estrutura, ao esquema da sonata-forma, rigidamente distribuída em cinco movimenros (N.T.) 2í>. > . Oli ver, F S Hom em ile negócios e pens ador ingles (1864-193 4) que se dedi cou ao estudo dos problemas políticos. Deixou uma obra sobre Horace Walpole ìht endless adventure adventure e cartas sobre a Primeira Guerra Mundial (The anvil of war (N.T.)
O QUE F POESIA MENOR?
o QUE É POESIA MENOR? 1
Nã o me di sp on ho a of er ec er , ne m no pr i nc íp i o n em no fim uma defini ção de 44 poesi po esi a m e n o r " . O pe ri go de u m a de li nição como essa e que ela poderia nos levar à expectativa de que chegássemos a um acordo definitivo sobre quais são os poetas "maiores" e os poetas "menores". Portanto, se tentássemos estabelecer duas listas, uma de poetas maiores e outra de poetas menores da literatura inglesa, descobriríamos estar de acordo com relação a alguns poucos poetas, que ali haveria mais nomes acerca dos quais discordaríamos e que duas pessoas jamais elaborariam a mesma lista: e qual seria então a utilidade de nossa definição? O que julgo podermos fazer, todavia, e nos inteirarmos do fato de que, quando definimos um poeta como menor, estamos dizendo coisas distintas em épocas distintas; podemos clarear um pouco nossa mente sobre o que significam tais distinções, e evitar assim a confusão e o mal-entendido. Continuaremos certamente a conceituar várias coisas com o mesmo termo, de modo que devemos, como no caso de muitas outras palavras, tirar daí o melhor partido, e não tentar introduzir coisa alguma à força numa definição. O que me compete é descartar 1. Conferência pronunciada diante da Associação dos Letrados de Swansea e do Oeste do País de Gales em Swansea, em setembro de 1944. Posteriormente publi-
Review. ( N A . ) cada em em The Sewanee Review.
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qualquer associação depreciativa vinculada à expressão "poesia menor", juntamente com a sugestão de que a poesia menor é mais fácil de 1er, ou vale menos a pena ser lida, do que a "poesia maior". A pergunta é simples: quais são os gêneros de poesia menor, e por que deveríamos lê-los? A abordagem mais direta, suponho, é considerar os diversos gêneros de antologias poéticas, pois uma associação da expressão poesia menor faz com que esta sign ifi que "a espécie de poemas que só lemos em antologias". E, casualmente, sinto-me satisfeito com a oportunidade de dizer algo sobre os usos das antologias, pois, se os compreendermos, poderemos também nos precaver contra seus perigos, uma vez que existem amantes de poesia que podem ser definidos como viciados em antologias e que não conseguem 1er poesia a não ser desse modo. Naturalmente, o valor primordial das antologias, como de toda poesia, repousa no fato de serem elas capazes de pro po rc io na r pr az er , ma s, al ém disso di sso , de ve ri am servir ser vir a di ver sos pr op ósit ós it os . Uma espécie de antologia, que se justifica por si mesma, é aquela que inclui poemas de autores jovens, aqueles que permanecem inéditos ou cujos livros não são ainda suficientemente conhecidos. Tais coletâneas têm um valor particular tanto para po et as q u an t o pa ra leit le itor ores, es, ou po rq ue ap re se nt am a ob ra de um grupo de poetas que possuem algo em comum, ou porque a única unidade de seu conteúdo corresponde àquela que é dada pelo tato de todos os poetas pertencerem à mesma geração literária. Para um poeta jovem é desejável ter vários estágios de publicidade antes de ter um pequeno volume todo par a si. Pr im ei ro , os peri pe ri ódic ód ic os: os : nã o os qu e são be m co nh ec idos e circulam em âmbito nacional — a única vantagem, para o poeta jovem, de neles figurar é o provável guinéu (ou guinéus) que poderá receber pela publicação —, mas as pequenas revistas, dedicadas ao verso contemporâneo e lançadas por jovens editores. Essas pequenas revistas parecem amiúde circular apenas entre os colaboradores c os pretensos colaboradores; com uma circulação habitualmente precária, aparecem a intervalos irregulares, e sua existência é efêmera, embora sua importância coletiva seja totalmente desproporcional à obscuridade em que lutam para sobreviver. Além do benefício que podem trazer,
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enseja ndo experiência aos fut uro s edit ores literários e bons editores literários têm um importante papel a desempenhar numa literatura saudável —, tais publicações dão ao poeta a vantagem de ver sua obra impressa, de compará-la com a de seus também obscuros (ou ligeiramente mais conhecidos) contemporâneos e de mobilizar a atenção e a crítica daqueles que mais provavelmente despertam simpatia graças a seu estilo de escrever escrever Pois um poeta deve con qui sta r um espaço para si mesmo entre seus pares e no seio de sua própria geração antes de atrair um público mais amplo e mais velho. Para as pessoas que estão interessadas em publicar poesia, essas pequenas revistas proporcionam também um meio de manter sob os olhos aqueles que se iniciam e acompanhar de perto seus progressos. ( omo passo seguinte, um grupinho de jovens escritores, com certas afinidades ou recíprocas simpatias regionais, pode junto pr oduz od uz ir um vo lu me , l ai s gr up os f r e q ü e n t e m e n t e se ag l ut i n am graças à formulação de um conjunto de regras ou princípios, aos quais em geral ninguém adere; com o correr do tempo, os grupos se desfazem, os integrantes mais fracos desaparecem e os mais fortes desenvolvem seu estilo pessoal. Mas o grupo, e o grupo da antologia atendem a um propósito proveitoso: os poetas jovens normalmente não despertam muita atenção — e na verdade é melhor que não a ten ham do púb lic o em geral, mas necessitam de apoio e de avaliação crítica recíprocas, e de algumas outras pessoas. E, par último, há antologias mais abrangentes do verso novo, quase sempre compiladas pelos mais eminentes editores jovens; têm elas também o mérito de dar ao leitor de poesia uma noção do que se está fazendo, uma oportunidade de estudar as mudanças na temática e no estilo, sem que haja a necessidade de recorrer a um grande número de periódicos ou volumes isolados; e servem para dirigir, mais adiante, a atenção desses leitores para a evolução de alguns poetas que lhes podem parecer promissores. Mas mesmo tais coletâneas não atingem o leitor em geral, que, via de regra, não ouvirá talar de nenhum desses poetas até que estes produzam vários volumes e, conseqüentemente, passem a ser incluídos em outras antologias que cubram um maior lapso de tempo. Quando o leitor dá uma olhada num desses livros, pode julgálo pelos padrões que não deveriam ser aplicados: considera
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uma promessa como se fosse uma realização madura, e julga a antologia, não pelos poucos poemas mais dignos nela incluídos, mas, na melhor das hipóteses, pela média. As antologias que dispõem de mais ampla circulação são
naturalmente aquelas que, como o Oxford book of English ver se J abrangem a totalidade da literatura inglesa até a geração mais recente; ou aquelas que se especializam num determinado pe rí od o do pass pa ss ado; ad o; ou , ai nd a, as qu e ab r an ge m a hi st ór ia de alguma parte da poesia inglesa, ou, afinal, as que se restringem à poesia mode rna' das duas ou três últimas gerações, inclu indo po et as vivos q ue já co nq ui st ar am cer ta re pu ta çã o. Est as úl t im as , é claro, atendem também a algumas das exigências da antologia estritamente contemporânea. Mas, limitando-nos à conveniência dessas antologias que incluem apenas a obra de poetas mortos, cabe-nos perguntar quais os propósitos que pretendem elas alcançar para atender a seus leitores.
Não há dúvida dúv ida de que qu e The golden treasury 3 ou o Oxford book proporcionaram a muita gente o acesso a Milton, a Wordsworth ou a Shelley (não a Shakespeare, mas não esperemos adquirir conhecimento sobre um poeta dramático através de antologias). Não me caberia afirmar, entretanto, que quem quer que haja lido, e apreciado, tais poetas, ou meia dúzia de outros, numa antologia, e não tenha ainda a curiosidade e o apetite de devorar suas obras completas, ou pelo menos por elas ter corrido os olhos para ver o que de outro modo poderia gostar não me caberia afir mar, repito, que essa essa pessoa seja verdadeiramente um amante de poesia. O mérito das antologias ao nos introduzir à obra dos maiores poetas é muito efêmero; e nenhum de nós irá consultar antologias em busca de seleções desses poetas, embora elas continuem a ser úteis. A antologia também nos ajuda a descobrir se não há alguns poetas menores cuja obra nos caberia conhecer melhor — poetas 2 Publicada cm 1900 c 1939. esta esta antologia, organi zada por Sir Sir Arthur QuillerCouch, é notável quanto à sua abrangência relativamente a períodos histórico-literários e à sua organic organic idade com o obra de consulta. (N. T.) 3. O título completo desta coletânea é Golden treasure of English songs ami lyrics (1861), de Francis Francis Turner Palgrave Trata-se de uma antologi a-padrã o da poesia poesia lirica do período vitoriano e, embora reúna várias gerações de autores, está dividida em volumes por assunto. (N.T.)
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nue não figurem tão conspicuamente em nenhuma história da literatura que possam não ter infl uen cia do o curso da literatura poetas cuja obra não é fu nd am ent al para ne nh um esqu ema abstrato de educação literária, mas que podem ter um forte apelo pessoal para certos leitores. Na verdade, eu tenderia a duvidar da autenticidade do amor à poesia por parte de qualquer leitor que não tivesse uma ou mais predileções pessoais pela obr a de al gu m po et a se m gr an de imp or tân ci a hi st ór ic a: caber-me-ia suspeitar de que a pessoa que só gostasse de poetas que os livros de história concordam em indicar como os mais importantes não passasse de um estudante consciencioso, participando com muito pouco de si mesmo em suas apreciações. Esse poeta pode não ser muito importante, diriam vexes dcsatiadoramente, mas sua obra é boa para mim. Trata-se em boa par te de um a qu es tã o de q uan do e co mo al gu ém ad qu ire o conhecimento de tal poesia. Numa biblioteca familiar pode se encontrar um livro que ninguém adquiriu à época em que foi pu bl ic ad o, po rq ue de le mu ito se fa lou , e q ue ni nguém le u. Foi assim que me deparei, quando criança, com um poema pelo qual nutr i um a fervorosa af ei çã o: The light of Asta, de Sir Edwin Arnold. 4 Trata-se de um longo poema épico sobre a vida de Buda; devo ter alimentado uma simpatia latente pelo tema, pois o li com prazer do principio ao fim, e mais de uma vez. Nunca tive a curiosidade de saber nada sobre o autor, mas ainda hoje me parece um bom poema, e quando conheço quem quer que o haja lido e apreciado, sinto-me atraído por essa pessoa. Via de regra, não mais se encontram nas antologias extratos de epopéias esquecidas; não obstante, é sempre possível que numa antologia seja alguém surpreendido por alguma com posiç ão de um auto r obscur o, capaz de levar a um ínt imo co nh ecimento da obra de algum poeta de que ninguém mais parece gostar, ou que ninguém mais lê. Assim como a antologia pode nos dar a conhecer poetas de pouca importância, mas de cuja obra alguém talvez possa gostar, é certo que uma boa antologia pode nos trazer um pro4. Este poema, cujo título comple to é lhe light of Aua, or the great renunciation (Mahabhishkramana), foi escrito em 1879 pelo poeta e jornalista inglês Sir Edwin Arnold (1832-1904). tendo gozado de extraordinário prestígio em sua época. (N.T.)
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ve i toso conhecime nto de outros poetas de gran de import ância, mas de quem não gostamos. Há somente duas razões para ler-
mos em sua totalidade The faery queen** ou Prelude, de Wordsworth. 6 Uma delas é que gostamos de lê-los: c gostarmos de ambos os poemas é um ótimo sinal. Mas se não gostarmos, a única solução é nos tornarmos um professor de literatura ou um crítico literário, e sermos obrigados a conhecer esses poemas. Todavia, Spenser e Wordsworth são ambos muito importantes na história da literatura inglesa porque toda a outra poesia que compreendemos melhor resulta do fato de conhecê-los, de modo que todos devemos saber algo sobre eles. Não existem muitas antologias que forneçam trechos substanciais de poemas longos; é muito útil, entretanto, a que foi compilada por Charles Williams, que teve a singular peculiaridade de realmente apreciar toda sorte de poemas longos que ninguém mais lê. Mas até mesmo uma boa antologia constituída de peças curtas po de pr op or ci on ar al gu m co nh ec im en to , qu e vale a pe na ad qu irir, acerca daqueles poetas de que não gostamos. E da mesma forma que todos devem ter seu gosto pessoal por certa poesia à qual outras pessoas não dão valor, assim também, desconfio, todos têm um ponto cego relativamente à obra de um ou mais po et as qu e de ve m ser re co nh ec id os co mo gr an de s. Uma outra utilidade da antologia é aquela que só pode ser pr op or ci on ad a caso o or ga ni za do r nã o sej a ap en as al gu ém de muita leitura, mas um homem de gosto muito sensível. Há vários poetas que são em geral enfadonhos, mas que têm iluminações ocasionais. A maioria de nós não dispõe de tempo para 1er do princípio ao fim as obras de competentes e ilustres poetas enfadonhos, especialmente os de outra época, para pinçar os bons trechinhos que nos interessam; c raramente isso valeria a pena, mesmo que dispuséssemos de tempo. Há um século ou mais, todo amante de poesia devorava um novo livro de 5 E a obra -pri ma de Edmu nd Spenser, poeta inglês (Londres , c. 1552 — id. 1599). Escrita entre 1590 e 1596. essa epopeia, ambientada na Irlanda e prevista para doze livros, ficou incompleta, dela restando apenas seis livros e dois cantos do sétimo. O po em a é to do ale góri co, rev ela ndo visível inf luê nci a de Virg íli o. Ari ost o e Tass o. (N .T .) 6 Longo poem a, escrito entre 1799 e 1805. do poeta inglês William Wordsw orth (Cockermouth, Cumberland, 1770 — Grasmere. 1850J, em que este aborda a sua infância, e que só foi publicado após a morte do autor. (N.T.)
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Tom Moore - tão logo era este publicado: quem nos dias de hoje terá lido inteiro sequer Lalla Rookbi Southey* foi poeta laureado e, conseqüentemente, escreveu epopéias: duvido que alguém haja lido Thalaba, ou mesmo The curse o f Kehavia, quando criança, e guardado por eles algo da estima que tenho po r The light o f Asia. Quero saber quantas pessoas chegaram a 1er Gebir\ e no entanto Landor, 9 o autor desse nobre poema longo, foi na verdade um habílimo poeta. Há muitos poemas longos, entretanto, que parecem ter sido legíveis quando pu bl ic ad os pela pr im ei ra vez , ma s que ago ra ni ng uém lê — embora eu desconfie de que, hoje em dia, quando a prosa de ficção supre a necessidade que era preenchida, para muitos leitores, pelos romances em verso de Scott, Byron e Moore, algumas pessoas ainda leiam um poema muito longo mesmo que seja recém-saído do prelo. Assim, as antologias e seletas são proveitosas, pois ninguém dispõe de tempo para 1er tudo e porque há poemas dos quais apenas algumas passagens continuam vivas. A antologia pode ter uma outra utilidade que, de acordo com a linha de pensamento que estou seguindo, poderíamos aqui examinar. Essa utilidade se relaciona ao interesse da com para ção, da ha bi li da de em es ta be le cer, n um es paço ex íg uo , uma sinopse da evolução da poesia; e se é muito o que podemos aprender com a leitura de toda a obra de um poeta, é muito o que aprendemos ao passar de um poeta para outro. Transitar de um lado para o outro entre uma balada fronteiriça, uma lírica elisabetana, um poema lírico de Blake ou de Shelley e um monólogo de Browning é ser capaz de ter experiências emocionais, bem como temas para reflexão, que a concentração da atenção sobre um poeta não pode proporcionar. Assim como num jantar bem organizado o que se aprecia não é pro-
pr ia men te a quan tidad e de iguari as, ma s a co mb in aç ão de coisas boas, há também prazeres poéticos a serem degustados; e vários poemas muito diferentes, de autores de temperamentos distintos e de distintas épocas, quando lidos juntos, podem pro porc io nar o sabo r peculi ar qu e lhe s é recí pr oco, gan ha nd o- se em um deles o que se perde nos outros. Para fruir esse prazer pr ecis amos nã o ap en as de um a boa an to lo gi a, ma s t am bém de alguma prática de como utilizá-la. Voltarei agora à questão da qual podem vocês imaginar que me extraviei. Embora não sejam apenas os poetas menores os que se encontram incluídos em antologias, cabe-nos julgar como poetas menores os que somente lemos cm antologias, l ive de fazer uma advertência com relação a isso, assegurando que para cada leitor de poesia deveriam existir alguns poetas menores que lhe justificassem o esforço de lê-los por completo. Mas além desse caso, encontramos mais de um tipo de poeta menor. Há, é claro, poetas que escreveram exatamente um ou apenas alguns bons poemas, de modo que parece não haver razão para que ninguém vá além dos limites da antologia. Ε o
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7. Moore, Thoma s. Poeta irlandês (Dub lin . 1779 — Sloper ton. 1852). autor de Irish melodies (1808-1834) e do longo poema orientalista Lallj Rookh (1817 ) Foi grande amigo de Byron na Itália. (N.T.) 8. Sout hey, Robe rt. Poeta e histo riado r inglês (Brist ol, 1^-4 Kerwi ck, 184 5). que formou com Wordsworth e Coleridge o grupo dos l^ike Poets Os poemav narrativas Thalaba e The curse of Kehama foram publica dos, respect ivament e, em 1801 e 1810. (N.T.) 9. Landor. Walte r Savage. Escritor inglês (Warwi ck. F7 5 Florença. 1864) que pe rm an ec eu fie l ao cla ssi ci smo em pl en o pe rí od o ro mâ nt ic o, co mo se po de ver em suas Imaginary conversations (1824-1846). Gehn dat a de 1798 (N I )
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caso, por exemplo, de Arthur O'Shaughnessy, 1 0 cujo poema qu e começa com o verso Somos os criadores da mú sic a" nã o
figura em nenhuma antologia que inclua as produções poéticas do fim do século XIX. Também será o caso, para alguns leitores, embora não todos, de Ernest Dowson 11 ou de Jo hn Davidson. 12 Mas é de fato muito reduzido o número de poetas dos quais podemos dizer ser verdade para todos os leitores que hajam deixado apenas um ou dois poemas particulares dignos de ser lidos: as probabilidades são de que se um poeta houvesse escrito um bom poema, este constituiria, no conjunto de sua obra, algo digno de ser lido por, pelo menos, algumas pessoas. Deixando de lado esses poucos leitores, descobrimos que quase semiti
O'Sha ughnes sy. Arthur . Poeta inglês (1844-1881) amigo de Dante Gabriel
Rossetti. Autor maneirista, mais atento à melodia do verso. (N.T.) 11. Dowson. Einest. Poeta inglês (Lee. Kent, 1867 — Cat ford, Lcwisham. 1900). Influenciado por Verlaine e Swinburne, deixou dois volumes de poemas: Verses (1896) e Decora/ions (1899). (N.T.) 12 Davidson , Joh n. Poeta escocês (Barrhe ad. 1857 Pezance, Corn ualh a, 1909). Celebrizou-se pelo poema anarquista Fleet street eclogues (1893), escrito em métrica tradicional. (N.T.)
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pr e ju lg am os o po et a men or co mo aq ue le qu e só esc rev eu po emas curtos. Mas poderíamos às vezes falar igualmente de Southey e Landor, e de um punhado de escritores dos séculos XVIII C XIX, também como poetas menores, embora tenham estes deixado poemas de dimensões mais grandiosas; c penso que hoje em dia sejam poucos, pelo menos entre os leitores mais jovens, os que considerariam Donne um poeta menor, mesmo que ele jamais houvesse escrito sátiras e epístolas, ou Blake como de idêntica estirpe, ainda que nunca houvesse escrito seus Livros Proféticos. Assim devemos julgar como poetas menores, até certo ponto, alguns autores cuja reputação, tal como se afigura, se deve a poemas muito longos; e como poetas maiores, aqueles que escreveram somente poemas curtos. Pareceria mais simples à primeira vista considerar os autores menores de epopéias como secundários. ou ainda, mais rigorosamente, como grandes poetas malogrados. Eles fracassaram, sem dúvida, no sentido em que ninguém mais lê seus poemas longos; são eles secundários na medida em que julgamos os po em as lo ngo s de acor do co m pa dr õe s muito elevad os. Não sen timos que um poema longo valha o esforço de ser lido a menos que seja, em seu gênero, tão bom quanto The faery queen, O
menor. O que dizer sobre as Seasons de Thomson 1 6 e a Task de Cowpcr? 17 São ambos poemas longos que, se o interesse do leitor se orienta em outras direções, esse mesmo leitor pode ficar satisfeito ao conhecê-lo apenas por meio de extratos; mas eu não admitiria que são poemas menores, ou que nenhuma parte, de um ou de outro, seja tão boa quanto o conjunto. O que dizer de Aurora Leigh,18 da senhora Browning, ou daquele longo poema de George Eliot cujo título não me recordo? 19 Sc tivermos dificuldade em separar os autores de poemas longos em poetas maiores e menores, não nos caberá nenhuma decisão mais fácil no que se refere a autores de poemas curtos. Um caso muito interessante é o de George Herbert. 20 Todos nós conhecemos alguns de seus poemas, que aparecem cada vez mais em antologias, mas quando percorremos seus poemas reunidos, surpreendemo-nos ao descobrir que esses poemas nos comovem tanto quanto aqueles que encontramos nas antologias. Mas The temple é algo mais do que um acervo de poemas religiosos escritos por um autor: ele é, como o título nos leva a supor, um livro construído segundo um plano; e quando começamos a conhecer melhor os poemas de Herbert, chegamos à conclusão de que há algo que extraímos do livro como um todo, que é mais do que a soma de suas partes. Aquilo que, à primeira vista, tem a aparência de uma sucessão de belos mas isolados poemas líricos acaba por manifestar-se como uma contínua
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Paraíso perdido,13 Prelude, Don JuanM ou Hyperion.1
além
de outros poemas longos do mesmo nível. Todavia, consideramos que alguns desses poemas secundários sejam capazes de ser lidos por certas pessoas. Ademais, advertimos que não po de mo s si mp le sm en te divid ir os po em as longo s em um pe qu eno número de obras-primas e um grande número daqueles com os quais não precisamos nos aborrecer. Entre esses poemas aos quais acabo de me referir, e uma estimável obra menor como The light of Asia, há toda sorte de poemas longos de gêneros diferentes c de vários graus de importância, de modo que não po de mos traça r ne nhu m a li nh a de fi ni ti va en tr e o ma io r e o id. 1674), publi13. A obra -pri ma do poeta inglcs Jo hn Milton (Londr es, 1608 cada em 1667 e à qual se segu e, qua tro anos depois , Paraíso reconquistado Tratase do maior poe ma épico da literatu ra inglesa. (N 1 ) 14. Poema do poeta inglês Geor ge Go rdo n Byron (Londre s, 1788 - Misso longhi, 1824), publicado em 1819. (N.T.)
15. Poema do poet a inglês Jo hn Keats (Londr es. 1795 cm 1820. (N.T.)
Roma. 1821). pub lica do
16. Este longo poema descritivo, escrito entre 1726 e 1730. é da autoria do poera inglês Jame s Thoms on (Edna m. Roxbu rgh. 1700 — Kew, perro de Londres, 1748). um dos discípulos de Alexander Pope. A obra pertence à literatura pré-romântica e toi traduzida na época em quase toda a Europa. (Ν T.) 17 Trata-se da mais conhec ida dentre todas as obras do poeta inglês William Cow pcr (G re at Bc rk ha mp st ea d, He rt fo rd sh ir e. 1731 — Eats De re ha m, No rf ol k. 180 0). É um poema descritivo em estilo classicista, com versos de acentuada eloqüência. (N.T.) 18. Longo poema da poetisa e ficcionista inglesa Elizabeth Barret Browning (Coxhoc Hall, Dur ham . 1806 Florença. 1861). casada com Robert Brownin g. A obra foi pu bli cad a em 1857 (N .T .) 19. Muito provavelmente. Eliot alude aqui a The legend of Jubat (1874), da romancista inglesa George Eliot (Arbury Farm. 1819 — Londres, 1880), pseudónimo de Mary Evans. (N.T.) 20. Herbert, Geo rge. Poeta inglês (Castelo de Montgome ry, 1593 — Bemerton, pe rt o de Sal isb ury , 163 3). Em bo ra te nh a pe rt en ci do ao gr up o do s "p oe ta s me ta fí sicos' , jamais sacrificou sua poesia aos abusos metafóricos do barroco. O poema The temple (1633) é considerado uma das obras-primas da poesia inglesa. Devese sua reabilitação, assim como a dos demais "metafísicos", a T. S. Eliot. (N.T.)
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meditação religiosa dentro de uma estrutura intelectual; e o livro como um todo nos revela o espírito devoto anglicano da primeira metade do século XVII. E mais: começamos a compreender melhor Herbert, e sentimo-nos recompensados pelo esforço, se conhecermos algo sobre os escritores teológicos ingleses dessa época; e alguma coisa sobre os escritores místicos ingleses do século XIV; e qualquer coisa de alguns outros poetas que lhe foram contemporâneos — Donne, 21 Vaughan, 2 2 Trahcrne J —, e se viermos a perceber algo em comum entre eles e sua origem e formação galesa; e, finalmente, se conhecermos alguma coisa sobre Herbert cm comparação com a típica devoção anglicana que ele expressa, com o mais continental, e romano, sentimento religioso de seu contemporâneo Richard Crashaw. 24 Assim, ao final, não posso, de minha parte, admitir que Herbert seja chamado de "poeta menor", pois não é de alguns poemas prediletos que me recordo ao pensar nele, mas de toda a sua obra. Ora, compare-se Herbert a dois outros poetas, um algo mais velho do que ele e outro de uma geração anterior, mas ambos ilustríssimos autores de poemas líricos. Dos poemas de Robert Herrick,^ ainda um clérigo anglicano, mas homem de 21. Donn e. John rado o maior de como "o primei ro tes dos reis Jaim e tra as convenções
Poeta e orador sacro inglês (Londres. 15^2 id. 1631 ), conside todos os "poet as metafísico* e reconhecid o por Ben John son poeta do mu ndo em certos aspectos Pregador favorito das corI e Carlos I, Donn e foi um notável i novador que se re belou conpoéticas do renasciment o petrarqui^ta Dent re suas muit as obras,
lembrem-se Elegia, songs and soneti. Poems e Divine poems, todas reeditadas no século XX. (N.T.) 22 Vaugha n. Henry Poeta inglês (Newt on Saint Briget. Bretknochs hire. 1622 — Se et hr og . 169 5) So b in fl uê nc ia de He rb er t, es cre veu po em as de fu nd a in sp ir ação religiosa e acentu ados traços "meta físic os , como se pode ver em Sílex suntil lans (1650 e 1655). (N.T.) 23. Trahc rne. Thoma s. Poeta inglês (Herefor dshire. 1637? Te ddm gto n, Middlesex, 1674), pertencente ao grup o dos 'metafísi cos' . Publicou Roman forgeries (1673) e Christian ethics (1675). (N.T.) 24. Crashaw. Richard Poeta inglês (Londres, c. 1613 Loretto. Itália, 1649). Após converter-se ao catolicismo, passou a viver na Itália, onde publicou poemas religiosos que se incluem entre os melhores da poesia "met afísi ca . em estilo barroco extremamente ornamentado e eloqüente, como é o caso do poema " lhe flaming heart". Seus poemas abrangem duas edições: Steps to the temple e Carmen Deo nostro. A edição definitiva, sob o título de Poems, é de 1957. (Ν.Τ ) 25. Herrick, Robert. Poeta inglês (Londres , 1591
Dean Prior, Devo nshir e, 1674), pe rt en ce nt e ao gr up o do s "m et af ís ic os e co ns id er ad o o ma io r an ac re ón ti co da poe sia inglesa. Seus poemas estão reunidos em Hespendes (1648), c arac ter izand o-se pel fei çã da fo do ti lo be tr si li da de (N .T .)
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temperamento muito diferente, extraímos também o sentimento de uma personalidade uniforme, e acabamos por conhecer melhor essa personalidade graças à leitura de todos os seus poemas — e ao lermos todos os seus poemas deleitamo-nos sobretudo com aqueles de que mais gostamos. Mas, cm primeiro lugar, não há semelhante propósito consciente contínuo nos po em as de Herr ic k; tr ata-se de um hom em ma is es tr ita me nt e espomâneo e inconsciente, que escreve seus poemas quando a imaginação dele se apodera; e, em segundo lugar, a personalidade que neles se manifesta é menos incomum: na verdade, seu encanto reside cm sua mediania. Relativamente, gostamos muito mais dele a partir de um poema do que de Herbert, se nos restringirmos também à leitura de um único poema deste; e mais: há algo mais no conjunto do que nas partes que o constituem. Consideremos em seguida Thomas Campion, o autor elisabetano de canções. Caberia dizer que, dentro de seus limites, não existe artesão mais competente do que Campion em toda a poesia inglesa. Admito que, para compreender integralmente seus poemas, há certas coisas que se deveriam saber: Campion foi um músico e escreveu suas canções para serem cantadas. Apreciamos melhor seus poemas se possuirmos algum conhecimento da música da época dos Tudor e dos instrumentos para os quais ela foi composta; gostamos mais deles se gostarmos dessa música; e não desejamos apenas lê-los, mas ouvirmos alguns deles cantados, e cantados com a própria música de Campion. Mas não precisamos igualmente conhecer algumas das coisas que, no caso de George Herbert, nos ajudem a compreende-lo c estimá-lo melhor; não precisamos nos preocu par co m o qu e ele pe ns a, ou co m os livr os que le u, ou co m suas raízes étnicas ou sua personalidade. O que sentimos, ao transitarmos daqueles seus poemas que lemos nas antologias par a sua s obra s co mp le ta s, é um pr az er rep et id o, um jú bi lo diante de novas belezas e novas variações técnicas, mas não uma impressão global. Não podemos dizer, em seu caso, que o conjunto é mais do que a soma das partes. Nã o di go qu e at é me sm o esse teste — qu e, de qu al qu er modo, alguém deve aplicar a si próprio, com resultados diversos , caso o con jun to consti tua mais do que a soma das partes, seja em si um critério satisfatório para distinguir entre um
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po et a ma io r e um po et a me no r. Na da é tã o si mp le s ass im ; e embora não percebamos, após a leitura de Campion, que com pr ee nd em os o ho mem Campi on , co mo o se nt im os após 1er He rrick, ainda que em outros níveis, porque ele é acima de tudo o mais notável artesão, eu, de minha parte, julgaria Campion como um poeta mais importante do que Herrick, embora muito abaixo de Herbert. Tudo o que afirmei é que uma obra que consiste em um acervo de poemas curtos — mesmo em se tratando de poemas que, considerados isoladamente, seriam capazes de parecer algo ligeiros — poderia, se tivesse uma unidade de modelo fundamental, constituir o equivalente de um poema longo de primeira ordem ao estabelecer a pretensão de um autor a ser um poeta "maior". Essa pretensão poderia ser, é claro, estabelecida por um único poema longo, e quando esse po ema lo ng o é su fici en te men te bom , q ua nd o in cl ui em si a unidade e a variedade adequadas, não precisamos conhecer — ou , se co nh ec em os , nã o pr ec is am os valo ri zar int en sa men te — as demais obras do poeta. De minha parte, eu definiria Samuel Joh nso n como um poet a maior graças ao simples testemunho de The vanity o f human wishes, e Goldsmith pelo de
alguém pode fazer semelhante reivindicação são muito poucos. Alguém pode subir na vida sem ter lido todos os últimos poemas de Browning ou Swinburne; não me caberia afirmar com segurança que alguém devesse 1er tudo de Dryden ou de Pope; e certamente não compete a mim dizer que não haja partes
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The deserted village. Até aqui, parece termos chegado à conclusão provisória de que, qualquer que fosse um poeta menor, um poeta maior é aquele cuja obra devemos 1er em sua totalidade, a fim de que apreciemos plenamente cada uma de suas partes; mas já modificamos um pouco essa afirmação extrema ao admitir qualquer po et a qu e ha ja escri to eq uil ibr ad am en te um po em a lo ng o qu e combine suficiente variedade e unidade. Mas há decerto muito poucos po et as na In gl at er ra de cu ja ob ra al gu ém po de di ze r que deva ser lida em sua totalidade. Shakespeare, é claro, e Milton; e como no caso de Milton alguém pode advertir para o fato de que seus diversos poemas longos — O Paraíso per-
dido, O Paraíso reconquistado e Sansão Agonista — deveriam ser lidos inteiros devido a sua própria finalidade, necessitamos lê-los todos, assim como precisamos 1er todas as peças de Shakespeare, a fim de compreendermos plenamente cada uma delas; e a menos que leiamos também os sonetos de Shakespeare e os poemas menores de Milton, há algo do que lemos que se pe rd e em nossa apre ciação. Mas os po et as em rel açã o aos qu ai s
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de Prelude ou de The excursion que não possam admitir um salto. Muito pouca gente se dispõe a conceder seu tempo aos pr im ei ro s po em as lo ngos de Shel ley, The revolt o} Islam e Queen Mab, embora as notas a este último poema mereçam ser lidas. De modo que seremos obrigados a dizer que um po et a ma io r é aq ue le de cu ja ob ra te mo s de 1er uma bo a pa rte, mas não necessariamente toda a obra. E além de formular a pe rgu nt a De que po et as val e a pe na 1er t u d o ? " , de ve mo s também perguntar: "Que poeta vale para mim o esforço de 1er toda a sua obra?". A primeira pergunta significa que devemos sempre tentar aprimorar nosso gosto; a segunda, que devemos ser sinceros com relação ao gosto que temos. Assim, de um lado, não é praxe percorrer com atenção tanto Shakespeare quanto Milton da primeira à última página, a menos que alguém ali se depare com algo de que goste imediatamente: é apenas esse prazer imediato que pode dar a alguém seja a força motriz para 1er tudo, seja a expectativa de algum proveito assim pretendido. E ali poderiam existir, ou na verdade deveriam existir — como eu já disse — alguns poetas que lhes falassem tão de perto a ponto de levá-los a 1er toda a sua obra, embora não tivessem eles o mesmo valor para a maioria das outras pessoas. E essa espécie de vínculo não se refere apenas a um estágio em seu desenvolvimento de gosto que vocês ultra passa rã o, mas po de ri a in dicar também al gu ma af ini da de en tre vocês mesmos e um determinado autor que persistirá pela vida afora; poderia até ocorrer que vocês estivessem peculiarmente habilitados a apreciar um poeta de quem pouquíssimas outras pessoas fo sse m cap azes de go st ar . Eu diria então que há uma espécie de ortodoxia quanto à relativa grandeza e importância de nossos poetas, embora haja muito poucas reputações que permanecem inteiramente inalteradas de uma geração para outra. Nenhuma reputação poética ja mais pe rm an ec e ex at am en te no mes mo luga r: tr ata- se de um a bols a de valo res em co ns ta nt e fl ut ua çã o. Há os no me s consagra -
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dos que só flutuam, por assim dizer, dentro de uma estreita faixa de pontos: se Milton sobe hoje para 104 e cai amanhã par a 97 1/ 4, nã o imp or ta . Há ou tr as re pu ta çõ es , co mo as de Donne ou Tennyson, que variam muito mais intensamente, de modo que alguém tem de julgar seu mérito por uma média tomada durante um longo tempo; há ainda autores que permanecem muito estáveis em sua extensa trajetória abaixo daquele par e qu e pers is te m co mo bo ns in ve st im en to s gra ças àq ue le preço . E há cer tos po et as que co ns ti tu em bo ns in ve st im en to s para algumas pessoas, embora sem preço algum de cotação no mercado, e a mercadoria poderia não ser convidativa (tenho medo de que a comparação com a bolsa de valores provavelmente se dilua nesse ponto). Mas eu diria que. conquanto haja um objetivo ideal de gosto ortodoxo em poesia, nenhum leitor po de ser, ou deve ri a te nt ar ser , int ei ra me nt e or to do xo . Há decerto alguns poetas, que muitas gerações de pessoas inteligentes, sensíveis e de considerável leitura apreciaram, que (se gostarmos de qualquer poesia) mereceram de nossa parte um esforço no sentido de tentar descobrir por que tais pessoas os apreciaram, e se também não é o caso de podermos apreciá-los. Dentre os poetas de menor estatura, há certamente alguns sobre os quais, após uma amostragem, podemos agradavelmente e sem risco considerar a opinião costumeira de que estão de todo adequadamente representados por dois ou três poemas, pois, como já disse, ninguém dispõe de tempo para descobrir tudo po r si me sm o, e de ve mo s ace it ar al gu ma s cois as sobr e a con vic ção dos outros. A maioria dos poetas menores, entretanto — daqueles que não preservam em absoluto nenhuma reputação —, está constituída de poetas dos quais todo leitor de poesia deveria conhecer algo, mas apenas alguns deles chegam a ser bem conhecidos por raros leitores. Alguns nos atraem graças a uma congenialidade peculiar de caráter; outros devido à sua temática; outros, ainda, em razão de uma qualidade particular, de espírito ou compaixão, por exemplo. Quando falamos sobre Poesia, com maiúscula, podemos julgar apenas a mais intensa emoção ou a mais fantástica expressão; todavia, há muitos e grandes caixilhos em poesia que nada têm de mágicos e que não se abrem sobre a espuma de mares perigosos, mas que, apesar de
tudo, constituem admiráveis janelas. Acho que George Crab be 26 foi um excelente poeta, mas ninguém dele se aproxima pel a mági ca: se al gu ém gos ta de relatos rea lista s sobr e a vida de aldeia em Suffolk há cento c vinte anos, em versos tão bem escritos que nos convencem de que o mesmo não poderia ser dito em prosa, é possível então que goste de Crabbe. Crabbe c um poeta que tem de ser lido em grandes porções, se é que se deve lê-lo; dc modo que se alguém o considerar tedioso, deve apenas dar-lhe uma olhadela e seguir em frente. Mas vale a pena conhecer-lhe a existência, caso ela possa ser de seu agrado, c também porque lhe contará algo sobre as pessoas que o apreciaram. As principais questões que até aqui tenho tentado situar são, creio eu, as seguintes: a diferença entre poetas maiores e menores nada tem a ver com o fato dc terem eles escrito poemas longos ou poemas curtos, embora os verdadeiros grandes poet as, qu e são nu mer ic am en te pouc os, ha jam ti do to do s al go a dizer que só poderia ser dito num poema longo. A diferença importante é se um conhecimento da totalidade, ou pelo menos de uma parte muito extensa, da obra de um poeta faz com que alguém desfrute mais intensamente, porque o leva a com pr ee nd er me lh or qu al qu er um de seu s po em as . Isso im pl ic a uma significativa unidade em toda a sua obra. Ninguém pode pó r in te ir am en te em pal avr as essa co mp re en sã o am pl iad a: cu não poderia dizer com exatidão por que penso que compreend o c me deleito mais inte nsam ente com C om us 2 por haver lido O Paraíso perdido, ou mais intensamente com este por haver lido Sar/são Agonista, mas estou convencido de que é assim. Nem sempre posso dizer por que, graças ao conhecimento de uma pessoa cm situações distintas, c observando seu comportamento numa diversidade dc situações, sinto que com pr ee nd o me lh or seu co mpo rtam en to ou sua co nd ut a nu ma determinada ocasião; mas nos esquecemos dc que essa pessoa é uma unidade, apesar de sua conduta inconsistente, e de que 26 Crabbe , George Poeta inglês (Aldeb urgh, Suffolk, 1754 Trowbridge, 1832). Suas obras crii rigoroso estilo clássico, descrevem com simpa tia e realismo a vida miserável dos pescadores e camponeses, como em The village, onde denuncia a falsa concepção idílica da vida campesina. (N.T.) 2 Peça pastoril de Jo hn Milton, escrita em 1634. (N .T .)
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essa comunicação com ela durante um lapso de tempo a torna mais inteligível. Finalmente, condicionei essa discriminação objetiva entre os poetas maiores e menores ao atribuí-la anteriormente a cada leitor em particular. Nenhum grande poeta terá talvez inteiramente a mesma significação para dois leitores, não importa quanto estejam eles de acordo no que respeita à sua estatura: é mais provável, portanto, que o modelo de poesia inglesa jamais seja exatamente o mesmo para duas pessoas, de modo que, no caso de dois leitores igualmente capazes, determinado poeta poderia ser, para um deles, de maior importância e, para o outro, de menor envergadura. Há uma reflexão final a ser feita, quando passamos a considerar a poesia contemporânea. Encontramos às vezes críticas pr es un ço sa men te se nt en ci os as em seu pr im ei ro co nt at o co m a obra de um novo poeta, da qual afirmam ser poesia "maior" ou "menor". Ignorando a possibilidade de que aquilo que o crítico está louvando ou reconhecendo possa ou não ser efetivamente poesia (pois às vezes alguém pode dizer: liSe isso fosse po es ia , seria po es ia ma io r, ma s nã o é .) , nã o ju lg o ac on se lh ável tomar uma decisão tão rapidamente. O máximo a que eu me arriscaria, do ponto de vista do compromisso crítico, sobre a obra de um poeta vivo, ao deparar-me com ela pela primeira vez, seria averiguar se se trata de poesia autêntica ou não. Esse po et a te m algo a di ze r, po uco dif er en te do q u e um out ro disse antes, e descobriu, não apenas uma maneira diferente de dizelo, mas a maneira diferente de dizé-lo que expressa a diferença no que está dizendo? Mesmo quando me comprometo até esse ponto, sei que po de ri a es tar co rr end o um risc o es pe cu la ti vo . Eu poderia estar impressionado por aquilo que esse poeta está tentando dizer c negligenciar o fato de que ele não descobriu a nova maneira de dizê-lo, ou de que a forma peculiar da linguagem, que de início dá a impressão de que o autor tem algo de próprio a dizer, poderia constituir apenas um artifício ou um maneirismo que dissimula uma visão inteiramente convencional. Para quem lê, como cu, um bom número de manuscritos, c manuscritos de escritores dos quais se pode não ter visto antes obra alguma, as armadilhas são ainda mais perigosas: se um conjunto de poemas for muito melhor do que quaisquer outros que acabo de 1er, posso enganar-me e confundir meu
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momentâneo sentimento de alívio com o reconhecimento de que se trata de algum notável talento. Muitas pessoas ou se satisfazem com o que encontram em antologias — e, mesmo quando são atraídas por um poema, podem não se dar conta do fato ou, se isso ocorre, podem não reparar no nome do autor —, ou aguardam até que se torne evidente que determinado poeta, após escrever diversos livros (c isso em si mesmo revela certa garantia), haja sido aceito pelos resenhadores (e o que mais nos impressiona não é o que estes dizem ao escrever sobre um poeta, mas suas alusões àquele poeta quando escrevem sobre algum outro poeta). O primeiro método não nos leva muito longe; o segundo não é muito seguro. Em primeiro lugar, somos todos propensos a ficar na defensiva de nossa própria época. Agrada-nos perceber que ela pode produzir uma grande arte, sobretudo porque queríamos ter uma velada suspeita de que não o possa; e pe rc eb em os em pa rt e que, se pu dé ss em os ac re di ta r que di sp omos de um grande poeta, isso de algum modo nos tranqüilizaria e nos daria autoconfiança. Trata-se de um desejo patético, mas que também perturba o julgamento crítico, pois poderíamos chegar à conclusão de que alguém é um grande poeta sem sê-lo; ou poderíamos, com absoluta injustiça, menosprezar um bo m po et a po r nã o ser es te um gra nd e poe ta . E no cas o de nossos contemporâneos, não devemos estar tão interessados no fato de que sejam grandes ou não; devemos insistir na pergunta: "São eles autênticos"*". E deixar a questão de que sejam grandes para o único tribunal capaz de decidir: o tempo. Em nossa própria época há, na verdade, um considerável pú bl ic o pa ra a poesia con te mpor âne a; há, ta lv ez , ma is cu rios idade e mais expectativa com relação à poesia contemporânea do que havia uma geração antes. Por outro lado, há o perigo de formar um público leitor que nada saiba sobre qualquer po et a ma is an ti go do qu e, di ga mo s, Ge ra rd Ma nl ey Ho pki ns , e que não disponha de uma cultura necessária à apreciação crítica. Há também o perigo de que as pessoas esperem para 1er um poeta até que sua reputação contemporânea esteja estabelecida; e a angústia, para aqueles dentre nós que estão no negócio, de. após outra geração ter escolhido seus poetas, nós, que lhes somos ainda contemporâneos, não mais sermos lidos. O
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peri go para o le itor e du pl o: o de que ele ja ma is di sp or á de nada totalmente fresco e o de que jamais voltará a 1er o que sempre permanece fresco. Há, por conseguinte, uma proporção a ser observada entre nossa leitura da poesia antiga e da poesia moderna. Eu não confiaria no gosto de ninguém que jamais leu alguma poesia contemporânea, e certamente não confiaria no gosto de alguém que não leu nada além disso. Mas até mesmo muita gente que lê poesia contemporânea não desfruta o prazer, e o benefício, de descobrir de algum modo algo para si. Quando vocês lêem poesia nova, poesia de alguém cujo nome ainda não é amplamente conhecido, alguém a quem os resenhadores ainda não criticaram, vocês estão exercendo, ou deveriam tazê-lo, seu pró prio gosto. Não há outro no qual se fiar. O problema não é, como parece para muitos leitores, o de tentar gostar de alguma coisa de que vocês não gostam, mas de deixar sua sensibilidade livre para reagir naturalmente. De minha parte considero isso ba st an te di fí ci l, poi s qua ndo você s es tã o le nd o um po et a no vo com o deliberado propósito de vir a fazer uma escolha, esse pro pó si to po de in te rf er ir e ob scur ecer a consci ência da qu ilo qu e vocês sentem. É difícil responder ao mesmo tempo a duas perguntas : "É bom , quer eu goste ou não? e "E u gosto dis so? ". E amiúde descubro que o melhor teste é quando alguma frase, ou imagem, ou verso fora de um poema novo, acorre à minha mente sem que o tenha desejado. Acho também proveitoso para mi m da r um a es pi ad a em po em as novo s pu bl ic ad os em revistas de poesia e em seletas de autores novos nas antologias contemporâneas, pois, ao lê-los, não me preocupo em perguntar: "Devo me esforçar para que tais poemas sejam publicados?". Julgo que ocorra aí algo semelhante à minha experiência: quando ouço pela primeira vez uma nova composição musical, ou quando vejo uma nova exposição de quadros, prefiro fazê-lo sozinho. Pois, se estou sozinho, não há ninguém a quem eu esteja obrigado a formular imediatamente uma opinião. Nã o é qu e eu precise de tempo para ar ti cula r a mi nh a men te: pre cis o de tem po para saber o qu e re al me nt e sen ti na qu el e momento. E esse sentimento não constitui uma avaliação de grandeza ou de importância — é uma percepção de autenticidade. Assim, ao lermos um poeta contemporâneo, não estamos
de fato interessados em saber se é um poeta "maior" ou "menor". Mas se lermos um poema, c se reagirmos a ele, deveremos querer 1er mais do mesmo autor, e quando houvermos lido o bastante, deveremos estar aptos a responder a pergunta: "É somente algo mais da mesma coisa?" — é, em outras palavras, apenas a mesma coisa, ou algo diferente, sem que nada haja sido acrescentado, ou é uma relação entre os poemas que nos leva a ver um pouco mais em cada um deles? Isso ocorre po rq ue , com a me sm a reserva qu e ob se rv am os em relação à obra de poetas mortos, devemos 1er não apenas poemas isolados, como o fazemos em antologias, mas a obra inteira de um po et a.
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empregando-a simplesmente como indicação da magnitude, ou da permanência e da importância, de um escritor em seu pr óp ri o ca mp o de at iv id ad e, co mo q uand o fa la mo s de The f i f t h form at St. Dominic's como um clássico da ficção entre os estudantes, ou do Handley cross como um clássico no campo da caça —, ninguém deverá esperar que o esteja elogiando. E há um livro muito interessante intitulado A guide ίο the classics, que ensina como ganhar a disputa do Derby. Em outras oca-
O assunto do qual me dispus a falar resume-se apenas a esta per gun ta: "O que é um clássico? . Não é um a per gun ta nova. Há, por exemplo, um célebre ensaio de Sainte-Beuve com esse mesmo título. A pertinência de fazer essa pergunta, tendo em vista particularmente Virgílio, é óbvia: qualquer que seja a definição a que cheguemos, ela não pode excluir Virgílio — po de rí am os di ze r co m to da a se gu ra nç a qu e ela de ve ser uma das que expressamente o levarão em conta. Mas, antes de prosseguir, gostaria de descartar alguns preconceitos e antecipar certos equívocos. Não pretendo substituir, ou proscrever, qualque r uso da palavra "clássico' que uma utilização anterio r haja tornado permissível. A palavra tem, e continuará a ter, diversos significados em diversos contextos: interesso-me por um unico significado em um único contexto. Ao definir o termo nesse sentido, não me comprometo, daqui cm diante, a não utilizar o termo em nenhum dos outros sentidos em que ele tem sido empregado. Se, por exemplo, eu concluir que, em alguma futura ocasião, ao escrever, em discurso público ou nu ma palestra, que devo utilizar a palavra "clássico' apen as para re conh ecer um "au to r mod el ar " em qua lqu er lí ng ua — 1. Discurso presidencial à Virgil Society em 1944. Publicado pela Faber & Faber
siões, permitir-me-ei considerar "os clássicos" — quer os das literaturas grega e latina in toto, quer os maiores autores que se expressaram nessas línguas — conforme o contexto. E, finalmente, julgo que a avaliação do clássico que me proponho a fornecer aqui possa deslocá-la daquele terreno antitètico entre "clássico" e "romântico" — uma dupla de termos que pertence à política literária e que, por essa razão, insufla os ventos da paixão, os quais peço a Eolo, 2 nessa oportunidade, que guarde na sacola. Isso me conduz à próxima consideração. Segundo os termos da controvérsia classico-romàntica, considerar qualquer obra de arte "clássica implica ou o mais alto elogio , ou o mais desdenhoso abuso, conforme a parte a que pertença. Isso implica certos méritos ou defeitos particulares: seja a perfeição da forma, seja o zero absoluto da frigidez. Mas desejo definir uma espécie de arte, e não me interessa que cia seja absolutamente e em cada aspecto melhor ou pior do que qualquer outra. Enumerarei certas qualidades que presumiria fosse o clássico capaz de manifestar. Mas não afirmo que, se uma literatura for uma grande literatura, deva ter algum autor, ou algum pe rí od o, em qu e to da s essas qu al id ad es se ma ni fes tem . Se, como suponho, todas elas se encontram em Virgílio, com relação ao qual não cabe assegurar que seja o maior poeta de todos os tempos — tal afirmação acerca de qualquer poeta me parece espatafúrdia —, não é decerto correto afirmar que a literatura latina seja maior do que qualquer outra. Não devemos considerar como defeito de nenhuma literatura se nenhum autor, ou nenhum período, for rigorosamente clássico; ou se, como ocorre na literatura inglesa, o período que mais se ajusta à definição 2.
Do gr. Aiolos, pelo lat. Aeolus. Na mitologia grega, o deus dos ventos. (N.T.)
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clássica não é o maior. Penso que essas literaturas, das quais a inglesa é uma das mais ilustres, na qual as virtudes clássicas se acham dispersas entre vários autores e diversos períodos, poderiam ser perfeitamente as mais ricas. Cada língua tem seus pró pr ios io s rec urs os e sua s pr óp ri as li mi ta çõ es . As co nd iç õe s de um a língua e as condições da história do povo que a fala poderiam colocar fora de questão a expectativa de um período clássico, ou de um autor clássico. Esse não é em si mesmo senão um assunto mais para tristeza do que para congratulação. Ocorre que a história de Roma foi tão grande, o caráter da língua latina tão poderoso, que, em determinado momento, um único poeta estritamente clássico tornou-se possível, embora devêssemos nos lembrar de que isso exigiu que tal poeta, e toda uma vida de trabalho da parte desse poeta, extraísse a obra clássica a partir da matéria de que dispunha. E, naturalmente, Virgílio não pô de sabe sa berr q ue aquilo aquilo era o que ele estava fazendo. Ele foi, se algum poeta chegou a sê-lo um dia, agudamente consciente do que estava tentando fazer; a única coisa que não pôde alme jar, ja r, ou nã o sabi sa bi a qu e est ava f az en d o, toi esc rever re ver u m a ob ra clás sica, pois é somente graças a uma compreensão tardia, e em pers pe rspe pect ct iv a hi st óric ór ic a, q ue um clá ssic o p od e ser re co nh ec id o como tal. Se houvesse uma palavra cm que pudéssemos nos fixar, capaz de sugerir o máximo do que pretendo dizer com a expressão " u m clássico esta seria maturidade. maturidade. Distinguirei entre o clássico universal, como Virgílio, e o clássico que permanece como tal apenas em relação à literatura de sua própria língua, de acordo com a concepção de vida de um determinado período. Um clássico só pode aparecer quando uma civilização estiver madura, quando uma língua e uma literatura estiverem maduras; e deve constituir a obra de uma mente madura. E a importância dessa civilização e dessa língua, bem como a abrangência da mente do poeta individual, que proporcionam a universalidade. Definir maturidade maturidade sem admitir que o ouvinte já saiba o que isso significa é quase impossível. Permitam-nos dizer, po rt an to , qu e, se esti es ti verm ve rm os ad eq u a d a m e n t e ma du r os e fo rm os pes soas soa s ed uc ad as , po de r em os re conh co nhec ec er a m at u r i da de n u m a civilização e numa literatura, do mesmo modo como fazemos em relação aos outros seres humanos que encontramos. Tornar
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o significado da maturidade realmente compreensível — na verdade, até mesmo torná-lo aceitável — para o imaturo é talvez impossível. Mas se formos maduros, reconheceremos de imediato a maturidade, ou viremos a reconhecê-la graças a um relacionamento mais íntimo. Nenhum leitor de Shakespeare, por exemplo, pode se enganar ao reconhecer, progressivamente enquanto ele próprio cresce, o gradual amadurecimento da mente shakespeariana: até mesmo o mais medíocre leitor pode pe rc eb er o rá pi do de se nv ol vi me nt o da li te ra tu ra c do dr a m a eli sabetanos como um todo, da primitiva crueza Tudor às peças de Shakespeare, e captar um declínio na obra dos sucessores deste último. Podemos também observar, a partir de uma epidérmica familiaridade, que as peças de Christopher Marlowe revelam uma maturidade mental e estilística superior à das peç as qu e Sh ak es pear pe ar e escr eve u na me sm a ép oc a: é i m p or t an t e especular que, se Marlowe tivesse vivido tanto quanto Shakespeare, seu desenvolvimento poderia ter continuado no mesmo ritmo. Mas não o creio, pois observamos que certas mentes amadurecem antes de outras, da mesma forma como verificamos que aquelas que amadurecem muito cedo nem sempre vão muito longe. Suscito essa questão como um lembrete: primeiro, po rq ue o mé ri to da ma t ur i da de de p en de do mé ri to da qu el e que amadurece; segundo, porque saberíamos quando estivéssemos preocupados com a maturidade de determinados escritores e com a relativa maturidade de períodos literários. Um escritor que tenha individualmente um espírito mais maduro poderá pe rt en ce r a um pe rí od o me no s ma du r o de qu e ou t ro , de m o d o que, desse ponto de vista, sua obra será menos madura. A maturidade de uma literatura é um reflexo da sociedade dentro da qual ela se manifesta: um autor individual — especialmente Shakespeare e Virgílio — pode fazer muito para desenvolver sua língua, mas não pode conduzir essa língua à maturidade a menos que a obra de seus antecessores a tenha preparado para seu retoque final. Por conseguinte, uma literatura amadurecida tem um a história atrás de si uma história que não é apena s uma crònica, um acúmulo de manuscritos e textos dessa espécie, mas uma ordenada, embora inconsciente, evolução de uma língua capaz de realizar suas próprias potencialidades dentro de suas próprias limitações.
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Cumpre observar que uma sociedade e uma literatura, do mesmo modo que um ser humano como indivíduo, não amadurecem necessariamente de maneira idèntica e corrente em cada um de seus aspectos. A criança precoce é quase sempre, em alguns óbvios sentidos, tola para a sua idade cm comparação com as crianças comuns. Há algum, período da literatura inglesa que possamos qualificar de plenamente maduro em sua abrangência e em equilíbrio? Não penso assim — e, como repetirei mais tarde, espero que não seja assim. Não posso dizer que algum poeta na língua inglesa haja se tornado, no curso de sua vida, um homem mais maduro do que Shakespeare; não podemos sequer dizer que algum poeta tenha feito tanto para tornar a língua inglesa capaz de exprimir o mais sutil pensamento ou as mais refinadas nuanças de sentimento. Todavia, não po de m os se nã o se nt ir qu e u m a peça pe ça co mo Way o f the world, de Congreve,· é, em certo sentido, mais madura do que qualquer das peças de Shakespeare, mas apenas quanto a esse aspecto, já que ela reflete uma sociedade mais madura, ou seja, uma maior maturidade de de costumes. costumes. A sociedade para a qual Congreve escreveu era, do nosso ponto de vista, vulgar e bastante grosseira; no entanto, ela está mais próxima de nós do que a sociedade dos Tudor; talvez por essa razão a julguemos com maior severidade. Não obstante, era uma sociedade mais po li da e m en os pr ov in ci an a: sua su a m en t a l i d ad e er a ma is su pe rf i cial, sua sensibilidade mais tacanha; descumpriu algumas promessas de maturidade, mas realizou outras. Assim, à maturidade da da mente mente devemos acrescentar a maturidade dos costumes. O avanço em direção à maturidade da língua é, creio cu, mais facilmente reconhecido e mais rapidamente apreciado no desenvolvimento da prosa do que no da poesia. Ao considerarmos a prosa, perturbam-nos menos as diferenças individuais de grandeza, e inclinamo-nos antes a buscar uma aproximação com um padrão comum, um vocabulário comum e uma estru3. Congreve. Wil liam . Dram atu rgo inglês (Bardsley, perto de de Leeds, 1670 — Londres, 1729), conside rado por Voltaire o Molière Molière da Inglaterra. É o melh or come diógrafo da época da Restauração, destacando-se pela habilidade técnica. a graça dos diálogos e, sobretudo, por um cinismo epigramático e comedido, embora às vezes obsceno. Além de Way of the world , escrita em 1700, deixou The old bachelor
(1693), (1693), The double dealer (1694) e e Love for love love (1695) (Ν T.)
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tura fraseologica comum — na verdade, é a prosa que, com maior freqüência, se distancia mais desses padrões comuns, que é individual ao extremo, dc modo que somos capazes de admitir uma "prosa poetica". Numa época em que a Inglaterra já realizara milagres em poesia, sua prosa era relativamente imatura, desenvolvida o bastante para certos propósitos, mas não par a ou tr os : ness a me sm a ép oc a, q u a n d o a lí ng ua fr an ce sa já oferecera pequenas promessas de poesia tão grandes quanto as que se descortinavam em inglês, a prosa francesa era muito mais madura do que a inglesa. Só dispomos de um ou outro escritor Tudor para compará-los a Montaigne — e o próprio Montaigne, como estilista, é apenas um precursor, e seu estilo não amadureceu o bastante para atender às exigências francesas do que fosse um clássico. Nossa prosa estava pronta para algumas tarefas antes que pudesse competir com outras: um Malory po de ri a apar ap ar cc cr m ui t o an te s de um Ho ok er , 4 e um Hooker antes de um Hobbes, e um Hobbes antes de um Addison. Quaisquer que sejam as dificuldades que tenhamos ao aplicar tais padrões à poesia, é possível observar que o desenvolvimento dc uma prosa clássica é o desenvolvimento em direção a um estilo comum. comum. Por isso, não pretendo dizer que os melhores escritores sejam indistinguíveis entre si. As diferenças c características essenciais permanecem: não é que as diferenças sejam menores, mas se tornam mais sutis e refinadas. Para um paladar sensível, a diferença entre a prosa dc Addison e a de Swift será registrada como a diferença entre duas safras de vinho por um um connoisseur. connoisseur. Num período de prosa clássica, o que encontramos não é uma simples convenção comum de escrita, como o estilo comum dos que redigem os artigos dc fundo dos jornais, mas uma comunidadc do gosto. A época que precede uma época clássica poderá revelar tanto a excentricidade quanto a monotonia: monotonia porque os recursos da língua não foram ainda explorados, e excentricidade porque ainda não há nenhum pa dr ão ge ne ri ca me nt e ac eito ei to,, caso seja sej a ve rd ad e qu e se possa pos sa 4 Hooke r, Richard. Teòlogo e jurista inglês (Hea viir ee, pert o dc Exeter, 1554 — Bishopsbo urne, 1600) Processado como herege por suas idéias contrárias ao puritanismo, escreveu uma obra monumental, em cinco volumes, sob o título de Of the laws of ecclesiastical ecclesiastical policy policy (1594-1597), notável por sua elegância estilística. (N.T.)
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chamar de excêntrico aquilo que não está no centro. Seus textos poderão ser, ao mesmo tempo, pedantes e licenciosos. A época que se segue a uma época clássica pode também revelar excentricidade e monotonia porque os recursos da língua, pelo menos para aquele tempo, foram esgotados, e excentricidade po r qu e a or ig in al id ad e se to rn a ma is va lo ri za da do q u e a cor rere ção. Mas a época na qual encontramos um estilo comum será uma época em que a sociedade já cristalizou um momento de ordem c de estabilidade, de equilíbrio e de harmonia, assim como a época que manifesta os maiores extremos de estilo individual será uma época de imaturidade ou de senilidade. Pode-se presumir que a maturidade da língua acompanhe a maturidade da mente e dos costumes. Podemos admitir que a língua tangencia a maturidade no momento em que os homens adquiram um sentido crítico do passado, uma confiança no presente e nenhuma dúvida quanto ao futuro. Em literatura, isso significa que o poeta está consciente de seus antecessores, c que estamos conscientes dos antecessores que pulsam por detrás de sua obra, assim como podemos estar conscientes dos traços ancestrais numa pessoa que é, ao mesmo tempo, única c individual. Os antecessores deveriam ser eles próprios grandes e dignos, mas suas realizações devem ser de tal ordem que sugiram recursos ainda não desenvolvidos da língua, não de modo a intimidar os escritores mais jovens com o temor de que tudo o que possa ser feito já foi feito em sua língua. O poeta, é claro, numa época madura, pode ainda obter estímulo a partir da esperança de que esteja fazendo algo que seus antecessores não fizeram; pode até mesmo rebelar-se contra estes, como um adolescente promissor pode insurgir-se contra as cienças, os hábitos e as maneiras de seus pais, mas, retrospectivamente, podemos observar que ele é o herdeiro de suas tradições, o que preserva as características familiares, c que sua diferença de comportamento é uma diferença dentro das circunstâncias de uma outra época. E, por outro lado, assim como observamos às vezes certos homens cujas vidas foram eclipsadas pela fama dos pais ou dos avós, homens dos quais qualquer realização de que foram capazes parecem comparativamente insignificantes, também uma época tardia da poesia pode ser conscientemente incapaz de competir com sua ilustre ancestralidade. Encontramos poe-
tas dessa estirpe no final de qualquer época, poetas com uma noção apenas do passado ou, alternativamente, poetas cuja esperança no futuro repousa na tentativa de renunciar ao passado. A persistência da criatividade em qualquer povo consiste, conseqüentemente, na manutenção de um equilíbrio coletivo entre a tradição no sentido mais amplo — a personalidade coletiva, por po r assi m di ze r, co ns ub st an ci ad a na li te ra tu ra do pa ss ad o e a originalidade da geração que se encontra viva. Nã o po de m os cons co nsid id er ar a li te ra tu ra da era el is ab et an a, em que pese a sua grandeza, inteiramente madura; não podemos considerá-la clássica. Nenhum íntimo paralelismo pode ser traçado entre o desenvolvimento das literaturas grega e latina, poi s esta est a ti nh a aq ue la atrás at rás de si; t am po uc o p od em os esbo es bo ça r um paralelismo entre ambas e qualquer literatura moderna, poi s as li te ra tu ra s mo de rn as tê m ta nt o a lati la ti na q u a n t o a gr eg a em suas origens. Na Renascença há uma precoce aparência de maturidade que foi herdada da Antigüidade. Estamos cônscios de uma aproximação mais íntima da maturidade com Milton. Milton se encontrava numa posição mais favorável para desenvolver um sentido crítico do passado — do passado na literatur a inglesa - do qu e seus gra nde s antecessor es. Ler Mil ton é confirmar o respeito pelo gênio de Spenser, e a gratidão a Spenser por haver contribuído para que o verso de Milton se tornasse possív pos sív el. Toda To davi vi a, o estilo est ilo de Milt Mi lton on não nã o é um est ilo il o clás sico: sico : é o estilo de uma língua ainda cm formação, o estilo de um escritor cujos cujos mestres mestres não foram ingleses, mas latinos e, em menor escala, gregos. Isso, creio eu, parafraseando o que disseram Johnson e depois Landor quando se queixaram de que o estilo de Milton não era inteiramente inglês. Permitam-nos modificar esse julgamento dizendo desde já que Milton fez muito para desenvolver a língua. Um dos indícios do avanço em direção a um estilo clássico é um desenvolvimento que tem cm mira a maior complexidade da frase e da estrutura da oração. Tal desenvolvimento é visível em uma única obra de Shakespeare, quando rastreamos seu estilo das primeiras às últimas peças: po de mo s me sm o di ze r qu e, em sua s derr de rr adei ad ei ra s peç as, ele vai tão longe quanto possível rumo à complexidade dentro dos limites do verso dramático, os quais são mais restritos do que os de outros gêneros. Mas a complexidade, para seu próprio bem,
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não constitui um objetivo adequado; seu propósito deve ser, antes de mais nada, a expressão concisa das mais delicadas nuanças da emoção e do pensamento; e, em segundo lugar, a introdução de maior apuro e variedade musicais. Quando um autor parece hav er pe rd id o, em seu am or à es tr ut ur a el ab or ad a, a capacidade de dizer qualquer coisa de modo simples, quando seu apego ao modelo torna-se tal que ele diz coisas afetadamente no momento em que o melhor seria dizê-las com simplicidade, limitando assim seu espectro de expressão, o processo de com pl ex id ad e dei xa de ser int ei ram en te ben ign o, e o esc ri tor começa a perder o contato com a linguagem falada. Não obstante, como o verso se desenvolve, nas mãos de um poeta após outro, ele transita da monotonia à variedade, da simplicidade à complexidade; e, quando declina, caminha outra vez em direção à monotonia, embora possa perpetuar a estrutura formal à qual o gênio dá vida e significado. Vocês julgarão por si mesmos até que ponto essa generalização é aplicável aos antecessores e seguidores de Virgílio: podemos todos observar essa monotonia secundária nos imitadores de Milton durante o século XVIII ele mesm o nunca é mon óto no. E aí chega um tem po em que uma nova simplicidade, até mesmo uma relativa crueza, po de rá ser a únic a al te rn at iv a. Vocês anteciparão a conclusão em direção à qual estou caminhando: que as virtudes do clássico que até agora mencionei — maturidade mental, de costumes, de língua e perfeição do estilo comum — são mais fáceis de serem comprovadas na literatura inglesa do século XVIII; e, na poesia, mais na poesia de Pope. Se isso fosse tudo o que eu tivesse a dizer sobre o assunto, decerto não seria novo, e nem valeria a pena dizê-lo. Consistiria apenas em propor uma escolha entre dois erros à qual os homens já chegaram: um, o de que o século XVIII é o mais refinado período da literatura inglesa; outro, o de que a idéia clássica deveria estar inteiramente desacreditada. Minha opinião pessoal é a de que não possuímos, na língua inglesa, nenhuma época clássica nem qualquer poeta clássico; de que, quando observamos por que a situação é essa, não temos a mais leve razão para nos aborrecermos; mas que, apesar disso, devemos manter o ideal clássico diante de nossos olhos. Porque
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tido outras coisas a fazer do que realizá-lo, não podemos nos dar o luxo nem de rejeitar nem de superestimar a época de Pope; não podemos encarar a literatura inglesa como um todo, ou visar corretamente o futuro, sem uma apreciação crítica do nível cm que as virtudes clássicas estão exemplificadas na obra de Pope; e isso significa que, a menos que estejamos aptos a desfrutar a obra de Pope, não podemos chegar a compreender pl ena men te a poe sia ingl esa . E absolutamente óbvio que a cristalização das virtudes clássicas em Pope só foi obtida por alto preço, ou seja, mediante a exclusão de algumas das maiores potencialidades do verso inglês. Mas, cm certa medida, o sacrifício de algumas potencialidades para consubstanciar outras é uma condição da criação artística, como é uma condição da vida em geral. O homem que em vida se recusa a sacrificar algo para ganhar outra coisa em troca, acaba na mediocridade ou no fracasso, embora, por outro lado, haja o especialista que sacrificou muito por quase nada, ou aquele que tem tolerado a tal ponto o especialista que nada tem a sacrificar. Mas na Inglaterra do século XVIII temos motivo para perceber que muito mais se perdeu. Criouse uma mentalidade madura, mas estreita. A sociedade e as letras inglesas não foram provincianas no sentido de que não se encontravam isoladas das melhores sociedades e letras euro péias, ne m ta mp ou co na re ta gu ar da de las, ai nd a qu e a pr óp ri a época fosse, por assim dizer, uma época provinciana. Quando alguém pensa nu m Shakespeare, num Jere my Taylor 5 ou num Milton, na Inglaterra — ou num Racine, num Molière, num Pascal, na França —, durante o século XVII, mostra-se inclinado a dizer que o século XVIII manteve perfeito o seu jardim convencional, restringindo apenas a área cultivada. Concluímos que, se o clássico e dc fato um ideal digno, deve ser ele capaz de revelar uma amplitude, uma catolicidade, as quais o século XVIII não pode reivindicar para si; qualidades que estão visi5. Taylor, Jerem y. Teólogo e religioso inglês (Cam bridge , 1613 — Lisburn, um dos maiores representantes da Igreja anglicana no período da guerra Grande poeta em prosa e mestre da retórica, foi o maior orador sacro inglês de John D onne . Dei xou, entre outros, The liberty of prophesyng (1647) minister's duty in life and doctrine ( 1661 ). (N.T.)
1667), civil. depois e The
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veis em alguns grandes autores, como Chaucer, que não podem, a meu ver, ser olhados como clássicos da literatura inglesa, e que se encontram presentes de corpo e alma na mente medieval de Dante. Pois cm A divina comedia, possivelmente em qualquer de suas passagens, encontramos o clássico numa língua europeia moderna. Durante o século XV11I estamos sufocados por um espectro restrito da sensibilidade, especialmente no plano do sentimento religioso. Não é que a poesia, pelo menos na Inglaterra, não fosse cristã, como tampouco até mesmo os poetas não fossem cristãos devotos, pois um modelo de ortodoxia de princípios, c dc sincera religiosidade de sentimentos, po de rã o ser vi sl um br ad os muit o an te s que no s dep arem os co m um poeta mais autênti co do que Samuel Joh nso n. To davia, há evidências de uma sensibilidade religiosa mais profunda na poesia de Sh ak es pe ar e, cu ja fé e pr át ic a podem ser ap en as um a questão dc conjectura, E essa limitação da sensibilidade religiosa pr od uz ela me sm a uma esp écie de re gi on al is mo (em bo ra de va mos acrescentar que, nesse sentido, o século XIX foi ainda mais provinciano): o regionalismo que indica a desintegração da cristandade, a decadência da crença e da cultura comuns. Pareceria, portanto, que o nosso século XVIII, apesar de sua pr oeza clássi ca — uma pr oe za , crei o eu. que te m ai nd a gr an de importância como um exemplo para o futuro —, estava perdendo ccrta condição que possibilita a criação de um verdadeiro clássico. Para descobrir o que seja tal condição, devemos voltar a Virgílio. Em primeiro lugar, gostaria de insistir sobre as características que já atribui ao clássico, aplicando-as especialmente a Virgílio, à sua língua, à sua civilização e ao momento particular da história dessa língua e dessa civilização a que ele chegou. Maturidade da mente: isso implica a história, e a consciência da história. Essa consciência não pode estar plenamente desperta, a não ser que haja outra história além da história do próprio 6. Chaucc r, Geoffrey Poeta e ficcionista inglês (Londres? c 1340 id. 14(H)). estudioso das obras de Ovídio, Virgílio e Boécio, de quem traduziu De comolatione philosophie ($23-524). Influenciado por Dante. Peitaria e a literatura francesa, traduziu L· roman dt' la rose, de Guill aume de Loris e Jea n de Meung Obras princi-
pais: The hook of the duchess (1369). Troylus and Cnseyd (c. 1385) c. acima de todas, os Canterbury tales. (Ν T.)
po vo do po et a; pr ecisam os diss o para ver nos so pr óp ri o lu gar na história. Devemos conhecer a história de pelo menos outro povo al tam en te civili zado, e a de um po vo cu ja civilizaç ão é suficientemente aparentada para ter influenciado e penetrado a nossa própria história. Essa foi uma consciência que os romanos tiveram, e que os gregos, por mais que possamos estimar cm alto grau sua proeza — e, na verdade, cumpre respeitá-los acima de tudo por isso —, não possuíram. Foi uma consciência que certamente o próprio Virgílio se empenhou bastante em desenvolver. Desde o começo, Virgílio, como seus contemporâneos e antecessores imediatos, foi continuamente adaptando e utilizando as descobertas, as tradições e as invenções da poesia grega; utilizar uma literatura estrangeira nesse sentido assinala um estágio ulterior de civilização que suplanta aquele em que apenas se utilizam os primitivos estágios da sua própria, embora eu julgue ser possível dizermos que nenhum poeta jamais revelou um senso de proporção mais aguçado que o de Virgílio quanto à utilização que ele faz dos poetas gregos e da primitiva poesia latina. E esse desenvolvimento de uma literatura, ou de uma civilização, relativamente à outra, que confere uma significação peculiar à temática da épica virgiliana. Em Homero, o conflito entre gregos e troianos é acentuadamente mais amplo em alcance do que uma disputa entre uma cidade-estado grega e uma coalizão de outras cidades-cstados: atrás da história de Enéias^ está a consciência da mais radical distinção, uma distinção que é, ao mesmo tempo, uma declaração de parentesco entre duas grandes culturas e, afinal, de sua reconciliação sob um destino totalmente entrelaçado. A maturidade da mente de Virgílio, e a maturidade de sua época, estão manifestas nessa consciência da história. Relacionei a maturidade da mente à maturidade das maneiras e à ausência de provincianismo. Suponho que, para um europeu moderno subitamente imerso no passado, o comportamento social dos romanos e dos atenienses poderia parecer indiferentemente grosseiro, bárbaro e agressivo. Mas se o poeta puder retra7. Eni lai. Aeneas, cm gr. Aíneias. Príncipe troiano, herói de uma lenda grega retomada e ampliada por Virgílio na Eneida Essa lenda supõe a orig em asiática de certos povos italianos, provavelmente os etruscos. De acordo com a lenda,
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tar algo superior à prática contemporânea, não o fará no sentido de antecipar algum tardio, e absolutamente distinto, código de conduta, mas por meio de uma percepção (insight) na qual a conduta de seu próprio povo em sua própria epoca poderia ser o melhor de tudo isso. As reuniões festivas das classes abastadas na Inglaterra eduardiana não foram exatamente o que lemos nas páginas de Henry Jam es; 8 a sociedade de James foi uma idealização (de qualidade inferior) dessa sociedade, e não a antecipação de nenhuma outra. Suponho que estejamos conscientes, mais em Virgílio do que em qualquer outro poeta latino — poi s, se co mp ar ad os a ele, Cat ul o 9 e Propércio 10 parecem rufiões, e Horácio um tanto plebeu —, de um refinamento de maneiras que brota de uma sensibilidade delicada, e particularmente nesse teste de maneiras, uma conduta pública e privada entre os sexos. Não me compete, numa reunião de pessoas, as quais todas podem ser mais eruditas do que eu, recapitular a história de Enéias e Dido. 11 Mas sempre imaginei o encontro entre Enéias e a sombra de Dido, no livro IV da Eneida, não apenas uma das mais pungentes, mas também uma das mais civilizadas passagens em verso. Ela é complexa quanto ao significado e económica do ponto de vista da expressão, pois não nos informa apenas sobre a atitude de Dido, mas também — o que é ainda mais importante — sobre a atitude de Enéias. 8. James, Henry. Romancista e contista norte-americano (Nova York, 1843 — Londres, 1916), irmào do filósofo pragmatista Will iam Jame s Passou a maior parte da vida na Europa e naturalizou-se cidadão inglês em 1916. Seu tema quase obsessivo é o conflito moral entre a mentalidade norte-americana e a européia, como se pode ver em The Bostonian (1886), The turn of the screw (1898) (no Brasil. A
outra volta do parafuso ou Os inocentes). The wings of the dove (1902) e The gol den howl( 1914). (N. T.) 9. Catulo, Caio Valério (em lat. Caius Valerius Catullus) Poeta latino (Verona, c. 87 — Roma, c. 54 a.C.). cuja breve existência foi preenchida pelos prazeres mundanos e pela paixão por Lésbia. Dele sobrevivem cento e dezesseis poemas, imitados dos poetas alexandrinos. (N.T.) 10. Em lat. Sextus Aurelius Propertius. Poeta latino (Um bri a, c 47 ? c. 15 a.C.) que dedicou seus poemas à mulher que celebrizou sob o nome de Cíntia. Suas elegias se inspiram nas dos alexandrinos, mas distinguem-se de simples imitações pela autêntica paixão erótica. Foram muito traduzidas na Renascença. (N.T.) 11. Segundo a lenda, após várias peregrinações, Enéias, que escapara de Tróia quando da tomada da cidade pelos gregos, foi amado em Cartago pela rainha Dido, chegando depois à Itália, onde o rei do Lácio lhe deu a filha Lavinia em casa-
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O comportamento de Dido nos dá a impressão de ser quase uma projeção da própria consciência de Enéias, e percebemos que es se é o meio atr avés do qual a consci ência de Enéias pod eria esperar que Dido se comportasse em relação a ele. A questão, me parece, não é a de que Dido se mostre inexorável, embora seja importante que, cm vez de zangar-se com ele, cia simplesmente o censura — talvez a mais eficiente censura em toda a poesia; o que importa sobretudo é que Enéias não se esqueça de si mesmo — e isso, significativamente, a despeito do (ato de que ele esteja bastante consciente dc que tudo aquilo que fez, o fez de acordo com o destino, ou em conseqüência das intrigas dos deuses que são eles próprios, perce be mo -l o, ap en as in st ru me nt os de um po de r inescr utável su pe rior. Aqui, o que seleciono como um exemplo de maneiras civilizadas continua a testemunhar uma consciência e uma percepção civilizadas, mas todos os níveis em que podemos considerar um episódio isolado pcrtencem a um conjunto. Podcr-se-á observar, finalmente, que o comportamento das personagens de Virgílio (eu poderia excetuar Turnus, o homem sem destino) jamais parece estar de acordo com algum código de conduta estritamente local ou tribal: ele pertence a seu tempo, tanto romano quanto europeu. No plano dos costumes, Virgílio não é decerto um provinciano. Tentar demonstrar a maturidade da língua e do estilo virgilianos é, na presente ocasião, uma tarefa supérflua: muitos dc vocês poderiam se portar melhor do que cu, e imagino que todos deveríamos estar de acordo. Mas vale a pena repetir que o estilo dc Virgílio não teria sido possível sem que houvesse uma literatura a sua retaguarda, e sem que houvesse de sua parte um conhecimento muito íntimo dessa literatura, de modo que, cm certo sentido, ele estava reescrevendo a poesia latina, como nos casos cm que toma dc empréstimo uma frase ou uma invenção de um antecessor e as aperfeiçoa. Virgílio foi um autor culto, par a o qu al to da a er ud iç ão era rele van te à sua ta re fa ; e teve à sua disposição, em termos de literatura, apenas o bastante atrás de si, e não mais do que isso. Quanto à maturidade dc estilo, não creio que nenhum poeta tenha jamais desenvolvido um domínio maior da complexa estrutura tanto de sentido quanto de som, sem perder o recurso da simplicidade direta, concisa e
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surpreendente quando a ocasião o exigia. Desnecessário alongar-me sobre isso, mas imagino que valha a pena dizer uma pal avr a mais sobr e o estilo comum, pois se trata de algo que não podemos ilustrar perfeitamente a partir da poesia inglesa e para o qual somos capazes de tributar menos respeito do que o suficiente. Na moderna literatura européia, as mais íntimas aproximações com o ideal de um estilo comum são provavelmente encontradas em Dante e Racine; quem dele mais se aproxima na poesia inglesa é Pope, e o estilo comum de Pope é um estilo que, em comparação, revela um alcance muito estreito. O estilo com um é aque le que nos leva a exclamar , não este é um home m de gêni o no uso da lí ng ua ", mas este realiza o gênio da língua". Não afirmamos isso ao 1er Pope, porque conhecemos muito bem todos os recursos da língua inglesa dos quais ele se serviu; pode mos no má xi mo dizer este realiza o gênio da língua inglesa numa determinada época". Não afirmamos isso ao 1er Shakespeare e Milton, porque estamos sem pr e conscientes da gr an de za do ho m em e do s mi la gr es que ele está realizando com a língua; estamos mais próximos talvez de Chaucer, mas é que Chaucer está utilizando, do nosso ponto de vista, uma língua diferente e mais grosseira. Shakespeare e Milton, como demonstra a história mais recente, deixaram abertas muitas possibilidades para outros empregos do inglês na poe sia, ao pas so que, ap ós Vi rgíl io , é ma is ve rd ad ei ro di ze r que não se registrou nenhum desenvolvimento até a língua latina tornar-se algo diferente. A esta altura, gostaria de voltar à questão que anteriormente propus, isto é: se o aparecimento de um clássico, no sentido em que tenho utilizado o termo em todos os aspectos, constitui inteiramente, para o povo e a língua de sua origem, uma pu ra bênção — ai nd a qu e isso sej a in di sc ut iv el me nt e um mo ti vo de orgulho. Suscitar essa questão na mente de alguém é quase tão simples quanto meditar sobre a poesia latina depois de Virgílio e considerar cm que extensão os poetas que se lhe seguiram viveram e trabalharam à sombra de sua grandeza, de modo que os louvamos ou não, dc acordo com os padrões que ele estabeleceu, ou os admiramos, às vezes, pela descoberta dc alguma variação que era nova, ou mesmo apenas pela recombinação de modelos vocabulares destinados a proporcionar uma
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lembrança agradavelmente vaga do distante original. Mas a poesia inglesa c também a francesa podem ser consideradas bemsucedidas sob este aspecto: o de que os maiores poetas esgotaram apenas determinadas áreas. Não podemos dizer que, desde a época de Shakespeare, e respectivamente desde os tempos de Racine, tenha-se escrito algum drama poético realmente de pr im ei ra gr an de za na Ingl ater ra ou na Franç a; de sd e Mi lt on não tivemos nenhum grande poema épico, embora tenham sido estritos poemas longos de grande qualidade. E verdade que cada supremo poeta, clássico ou não, tende a esgotar o solo que cultiva, de modo que este, após a produção dc uma colheita reduzida, deve afinal ser deixado sem cultivo por algumas gerações. Pode-se aqui objetar que o efeito sobre a literatura por mim atribuído ao clássico resulte não no caráter clássico dessa obra, mas simplesmente de sua grandeza, pois tenho negado a Shakespeare e a Milton a condição de clássicos no sentido em que estou utilizando o termo de forma cabal, c ainda que não haja admitido que nenhuma poesia superlativamente grande do mesmo gênero tenha sido desde então escrita. E incontestável o fato de que cada grande obra de poesia tende a tornar impossível a produção de obras igualmente expressivas da mesma espécie. A razão para isso pode ser parcialmente exposta em termos de propósito consciente: nenhum poeta de primeira ordem tentaria fazer novamente o que já foi feito tão bem quanto pôde tê-lo sido em sua língua. Somente após ter sido a língua mais ainda a sua cadência do que o vocabulário e a sintaxe — modificada o bastante, com o correr do tempo e das transformações sociais, é que outro poeta dramático tão grande quanto Shakespeare, ou outro poeta épico tão grande quanto Milton, po de to rn á- lo possív el. Nã o un ica me nt e to do gr an de po et a, mas todo poeta autêntico, mesmo que poeta menor, satisfaz alguma possibilidade da língua, deixando então uma possibilidade a menos para seus sucessores. O veio que ele esgotou po de ser mu ito peq uen o, ou po de re pr esen ta r al gu ma fo rm a maior dc poesia, épica ou dramática. Mas o que o grande poeta esgotou foi apenas uma forma, c não a totalidade da língua. Quando o grande poeta é também um grande clássico, ele esgota não apenas uma forma, mas também a língua de sua
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época; e a língua de sua época, como ele a utilizou, será a língua em sua perfeição. De modo que não é o poeta sozinho que temos de levar em conta, mas a língua em que ele escreveu: não se trata simplesmente do fato de que um poeta clássico esgota a língua, mas de que uma língua esgotável constitui a variedade lingüística que produz um poeta clássico. Podemos estar propensos a perguntar, portanto, se não somos afortunados por dispor de uma língua que, em vez de ter produzido um clássico, pode orgulhar-se de uma rica variedade no passado e, além disso, da possibilidade de algo novo no futuro. Mas enquanto estivermos dentro de uma literatura, enquanto falarmos a mesma língua e tivermos fundamentalmente a mesma cultura que produziu a literatura do passado, desejaremos conservar duas coisas: o orgulho de que nossa literatura já se cumpriu e a crença de que pode ainda cumprir-se no futuro. Se deixássemos de acreditar no futuro, o passado deixaria de ser plenamente o nosso passado : tornar-se- ia o passado de uma civilização morta. E essa consideração deve atuar de forma particularmente irrefutável sobre a mente daqueles que se comprometeram com a tentativa de contribuir para ampliar o repertório da literatura inglesa. Não há nenhum clássico na língua inglesa; por conseguinte, nenhum poeta vivo po de dizer que nã o res ta ai nd a a es pe ra nç a de q ue eu — e os que vierem depois de mim, pois ninguém pode encarar com serenidade, uma vez que compreende o que está implícito, a idéia de ser o derradeiro poeta — possa ser capaz de escrever algo que valerá a pena preservar. Mas do ponto de vista da eternidade, esse interesse pelo futuro nada significa: quando duas línguas são ambas línguas mortas, não podemos dizer que uma delas seja maior devido ao número e à diversidade de seus poetas, ou que a outra possa sê-lo porque seu gênio está mais cabalmente expresso na obra de um poeta. O que desejo afirmar, a um só e mesmo tempo, é isto: que, pelo fato de ser o inglês uma língua viva e a língua na qual vivemos, podemos nos dar por satisfeitos de que ela jamais se realizou inteiramente em si na obra de um poeta clássico, mas que, por outro lado, o critério clássico é de importância vital para nós. Ele é indis pen sáv el para ju lg ar mo s noss os po et as em se pa ra do , em bo ra nos recusemos a julgar nossa literatura como um todo em com-
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paração com aq ue la qu e pr od uz iu um clás sico . Se a li te ra tu ra culminasse num clássico, isso seria uma questão de sorte. Tratase amplamente, suponho, de uma questão relativa ao grau de fusão dos elementos dentro dessa língua, de modo que as línguas laiinas podem se aproximar mais intimamente do clássico, não apenas porque são latinas, mas porque são mais homogêneas do que o inglês e, por conseguinte, tendem mais naturalmente ao esti/o comum, enquanto o inglês, por ser a mais diversificada das grandes línguas no que se refere a seus elementos constitutivos, tende mais à variedade do que à perfeição, carece de um tempo maior para cristalizar sua potencialidade e contém ainda, talvez, possibilidades mais inexploradas. Ele tem, provavelmente, a maior capacidade para mudar e, não obstante, permanecer a mesma língua. Abordarei agora a distinção entre o clássico relativo e o clássico absoluto, a distinção entre a literatura que podemos chamar de clássica em relação a sua própria língua e aquela que é clássica em relação a uma série de outras línguas. Antes de mais nada, porém, desejo registrar mais uma característica do clássico, alénrdas que já enumerei, a qual nos ajudará a estabelecer essa distinção e sublinhar a diferença entre um clássico como Pope e outro como Virgílio. Convém aqui recapitular certas afirmações que fiz anteriormente. Logo de início sugeri que uma freqüente, senão universal, característica do amadurecimento dos indivíduos pode ser um pro cesso de seleção (n ão de to do co nsci ente ), de desen volv imento de algumas potencialidades em detrimento de outras; e que a semelhança pode ser encontrada no desenvolvimento da língua e da literatura. Sc assim fosse, deveríamos esperar ser possí vel qu e num a li te ra tu ra clássi ca me no r, tal co mo a nossa no fim do século XVII e no século XVIII, os elementos excluídos, para atingir a maturidade, fossem mais numerosos e mais sérios, c que a satisfação diante do resultado fosse sempre qualificada por nossa consciência quanto às possibilidades da língua, reveladas nas obras dc autores mais antigos, que haviam sido ignorados. A era clássica da literatura inglesa não é representativa do gênio total da raça; como insinuei, não podemos dizer que esse gênio esteja cabalmente consumado em nenhum pe rí od o, re su lt an do daí qu e po de mo s ai nd a, com refe rência a
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um ou outro período do passado, imaginar possibilidades para o futuro. A língua inglesa oferece um amplo espectro para legítimas divergências de estilo, que parece ser tal que nenhuma época, c certamente nenhum escritor, puderam estabelecer uma norma. A língua francesa parece ter permanecido mais intimamente apegada a um estilo normal; todavia, mesmo em francês, embora a língua dê a impressão de que sc estabeleceu, definitivamente, no século XVII, hâ um sprit gaulois, um elemento de riqueza presente em Rabelais e em Villon, a consciência de que ele pode alterar nosso julgamento quanto à totalidade de Racine ou Molière, pois sentimos que esta se acha não apenas irretratada, mas também irrcconciliada. Podemos concluir, portanto, que o perfeito clássico deve ser aquele cm que todo o gênio de um povo esteja latente, senão de todo revelado; e que ele só pode se manifestar numa língua se todo o seu gênio puder estar presente de uma vez. Devemos assim acrescentar, à nossa lista de características do clássico, a da comp letude. Dentro de suas limitações formais, o clássico deve expressar o máximo possível da gama total de sentimento que representa o caráter do povo que fala essa língua. Representá-lo-á o melhor que puder, e exercerá também o mais amplo fascínio: jun to ao po vo a qu e pe rt en ce en co nt rar á sua re spos ta en tre todas as classes e condições humanas.
ção, pretender encontrar a semelhança aproximada com o clássico cm nenhuma língua moderna. E necessário remontar às duas línguas mortas; é importante que elas estejam mortas, poi s graças à sua mo rt e é qu e po de mo s pe ne tr ar cm sua he ra nç a (o fato de que estejam mortas não lhes daria nenhum mérito, a não ser a circunstância de que todos os povos da Europa são seus beneficiários). E de todos os grandes poetas gregos e romanos, julgo ser a Virgílio aquele a quem mais devemos pelo esta be le ci me nt o de nosso pa dr ão do qu e sej a um clássi co, o que , volto a insistir, não é o mesmo que pretendê-lo como o maior de todos, ou aquele com o qual, de qualquer modo, mais estamos em dívida — é de uma dívida particular que falo. Sua com pl et ud e, sua si ngul ar esp éci c de co mp let ud e, é de vi da à si tu ação única, em nossa história, do Império Romano c da língua latina — uma situação com cujo destino se pode dizer estar de acordo. Esse sentido de destino vem à consciência na Eneida. Enéias é cm si, do princípio ao fim, um "homem com destino' , um homem que não é nem um aventureiro nem um intrigante, nem um vagabundo nem um carreirista, mas um homem obediente ao seu destino, não por compulsão ou decreto arbitrário, e não certamente por qualquer desejo dc glória, por submeter sua vontade a um poder superior ao dos deuses que o frustrariam ou o dirigiriam. Ele teria preferido ficar em Tróia, mas optou pelo exílio, e por algo maior e mais significativo do que qualquer exílio: exilou-se por um propósito maior do que poderia imaginar, mas que reconhecia; c não é, num sentido humano, um homem feliz ou bem-sucedido. Mas é o sím bo lo de Ro ma ; e assim co mo Enéias está para Ro ma , a an ti ga Roma está para a Europa. Assim, Virgílio adquire a centralidade do único clássico; ele está. no centro da civilização euro pé ia , numa situ açã o qu e nen hum ou tr o po et a po de us ur pa r- lh e ou dividir com ele. O Império Romano e a língua latina não constituíram um império qualquer nem uma língua qualquer, mas um império e uma língua com um destino único em relação a nós mesmos; e o poeta em cuja consciência e expressão cs se imp éri o e essa lín gua vieram à to na é um poeta de dest ino único. Se Virgílio é, pois, a consciência de Roma e a suprema voz de sua língua, deve ter uma significação para nós que não
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Quando uma obra literária, além dessa completude relativamente a sua própria língua, revela idêntica significância em relação a várias outras literaturas, podemos dizer que possui também universalidade. Podemos falar, por exemplo, merecidamente o bastante da poesia dc Goethe como constituindo um clássico, devido ao lugar que ela ocupa em sua própria língua e literatura. Mas, devido, ainda, a sua parcialidade, à impermanência de alguns de seus conteúdos, e ao germanismo da sensibilidade, por Goethe se revelar, para um olhar estrangeiro, limitado por sua época, por sua língua e por sua cultura, de modo a não ser representativo de uma tradição européia glo bal — e, co mo nossos auto re s do séc ulo XI X, um po uc o pr ov in ciano —„não podemos considerá-lo um clássico universal. É ele um autor universal no sentido de que é um autor com cujas obras todo europeu viu-se obrigado a se familiarizar, mas isso é outra coisa. Não podemos tampouco, numa ou noutra avalia-
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pod e ser expre ssa inte ir am ente em te rm os de ap re ci aç ão lite rá ria e de crítica. Todavia, mantendo-nos fiéis aos problemas de literatura, ou aos termos literários quando abordamos a vida, po de mos nos pe rm it ir ir al ém do qu e afirm amos. Em te rm os literários, o mérito de Virgílio reside para nós no fato de que ele nos proporciona um critério. Podemos, como já disse, ter motivos para nos alegrar com a circunstância de que esse critério é fornecido por um poeta que escreve numa língua diferente da nossa, mas esta não constitui uma razão para rejeitar o critério. Preservar o padrão clássico, e avaliar por meio dele cada obra literária individual, é comprovar que, enquanto nossa literatura em conjunto pode abarcar tudo, cada uma de suas obras po de ser im pe rf ei ta em al gu m p orm eno r. Pode se tr at ar de uma imperfeição necessária, de uma imperfeição sem a qual certa qualidade nela presente se perderia, mas devemos vê-la como uma imperfeição e ao mesmo tempo como uma necessidade. À falta desse padrão a que me refiro, um padrão que po de mo s man te r cl ar am en te dia nte de nó s se con fi ar mos ap enas em nossa própria literatura, nos inclinaremos, acima de tudo, a admirar obras de génios por motivos erróneos, como louvamos Blake por sua filosofia e Hopkins por seu estilo, e daí caminharemos para um erro maior, ao nivelarmos uma categoria de primeira grandeza a uma de segunda ordem. Em suma, sem a contínua aplicação da medida clássica, que devemos mais a Virgílio do que a qualquer outro poeta, tenderemos a nos tornar provincianos.
fica, mas da aplicação de padrões adquiridos dentro de uma área restrita, para a totalidade da experiência humana, que confundem o contingente com o essencial, o efêmero com o permanente. Em nossa época, quando os homens parecem mais do que propensos a confundir sabedoria com conhecimento, e conhecimento com informação, e a tentar resolver problemas da vida em termos de engenharia, começa a emergir na existência uma nova espécie de provincianismo que talvez mereça um novo nome. E um provincianismo, não de espaço, mas de tempo, aquele para o qual a história é simplesmente a crónica dos projetos humanos que têm estado a serviço de suas reviravoltas e que foram reduzidos à sucata, aquele para o qual o mundo constitui a propriedade exclusiva dos vivos, a propriedade da qual os mortos não partilham. A ameaça dessa espécie de provincianismo é que podemos todos, todos os povos do mundo, ser provincianos juntos; e aqueles que não estiverem . satisfeitos em ser provincianos podem apenas tornar-se eremitas. Se essa espécie de provincianismo conduzir a uma tolerância maior, num sentido de indulgência, poderia haver mais a ser dito sobre ela; parece mais provável, contudo, que ela nos leve a nos tornar indiferentes a assuntos cm relação aos quais somos obrigados a manter um dogma ou um padrão característico, e a nos tornar intolerantes em assuntos que poderiam ser deixados à preferência local ou pessoal. Podemos ter quantas variedades de religião nos aprouver, desde que todos enviemos nossas crianças às mesmas escolas. Mas minha preocupação aqui é apenas com o corretivo para o provincianismo em literatura. Precisamos lembrar a nós mesmos que, como a Europa é um todo (c mais: cm sua gradual mutilação c desfiguração, o organismo fora do qual nenhuma harmonia mundial superior deve se desenvolver), assim também a literatura européia é um todo, cujos diversos membros não podem florescer se a mesma corrente sangüínea não circular por todas as partes do corpo. A corrente sangüínea da literatura européia é latina e grega, não como dois sisicmas dc circulação, mas um só, pois c através de Roma que nosso parentesco deve ser delineado na Grécia. Que unidade comum dc excelência temos nós na literatura, entre nossas várias línguas, senão a unidade clássica? Que inteligibilidade recíproca podemos pretender preservar, a não ser a de
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Por "pro vinc iano ' ent end o aqui algo mais do que encon tro nas acepções dicionárias. Pretendo dizer mais, por exemplo, do que "não possuir a cultura ou o requinte da capital·', embora, é claro, Virgílio fosse da capital, numa escala que torna qualquer poeta mais recente de igual estatura semelhante a um peque no regionalista; e pre ten do dizer mais do qu e estreito no pensamento, na cultura, no credo" — uma definição traiçoeira, aliás, pois, de um ponto de vista liberal moderno, Dante foi "limitado no pensamento, na cultura, no credo", embora, como membro da Igreja, fosse mais liberal do que conservador, que é o mais provinciano. Refiro-me também a uma distorção de valores, à exclusão de alguns, ao exagero de outros, que resultam, não de uma falta de ampla circunscrição geográ-
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nossa herança comum de pensamento e de sensibilidade naquelas duas línguas, para a compreensão de que nenhum povo europeu está em situação de vantagem com relação a qualquer outro? Nenhuma língua moderna poderia aspirar à universalidade do latim, ainda que viesse a ser falada por milhões de pessoas a mais do qu e aq ue la s qu e ta la ra m o la ti m e mes mo que se tornasse o veículo de comunicação para os povos de todas as línguas e culturas. Nenhuma língua moderna pode pretender produzir um clássico no sentido em que considero Virgílio um clássico. O nosso clássico, o clássico de toda a Europa, é Virgílio. Em nossas diversas literaturas temos muita opulência da qual nos gabar para que a literatura latina seja comparada a quaisquer delas; mas toda literatura tem sua grandeza, não isoladamente, c sim graças ao lugar que ocupa num modelo mais vasto, um modelo que se estabelece em Roma. Já talei da nova seriedade — poderia dizer gravidade , da nova percepç ão histórica, ilustrada pela devoção de Eneias a Roma, a um futuro muito alem de sua realização viva. Sua recompensa foi pouco mais do que uma estreita cabeça-de-praia e um casamento político numa extenuada meia-idade: sua juventude foi sepultada, a sombra dela se movendo com as trevas do outro lado de Cumae. 12 De fato, disse eu, alguém intuiu o destino da Roma antiga. Assim podemos imaginar a literatura romana: à primeira vista, uma literatura de alcance limitado, com um modesto repertório dc grandes nomes, ainda que tão universal quanto nenhuma outra literatura conseguiu sê-lo; uma literatura inconscientemente sacrificial, de acordo com seu destino na Europa, com a opulência e a variedade das línguas mais recentes, destinada a produzi r, p ara nós, o clássico. Bastaria que esse padrã o fosse estabelecido em definitivo; não cabe realizar novamente a tarefa. Mas a manutenção do padrão é o preço de nossa liberdade, a defesa da liberdade contra o caos. Podemos nos recordar dessa obrigação através de nossa prática anual de compaixão par a com o gr an de es pect ro qu e gu io u a pe re gr in aç ão de Da nte: aquele que, qualquer que fosse sua função ao conduzir Dante rumo a uma visão da qual jamais ele próprio poderia
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desfrutar, conduziu a Europa para a civilização cristã que ele nunca poderia conhecer; e aquele que, ao pronunciar suas derradeiras palavras na nova língua italiana, disse ao se despedir: il temporal foco e l'eterno veduto hai, figlio, e sei venuto in parte dov Ίο per me più oltre non di scemo. 1 s Meu filho, ο fogo eterno e o temporal já contemplaste, e eis-me chegado à parte que ultrapassar não posso, por rneu mal. 14
13. Da nte Alighieri. L· divina comme Ju, Purgatorio, Canto XXVII, 127-129. (N.T.) 1·ί. Ί rad. dc Cristia no Martin s, A divina comedia . vol. 2, Itatiaia, Belo Horizon-
12. Segundo Estrabão, a mais antiga (721 a.C. ) das colônias gregas no cont inent e.
te. Editora da USP,
São Paulo, 1979. (N.T.)
POESIA E DRAMA
POESIA E DRAMA 1
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Revendo minha produção crítica destes últimos estranhos trinta anos, surpreendi-me ao perceber quanto voltei insistentemente ao drama, quer por meio da análise da obra dos contem po râ ne os de Sh ak es pe ar e, que r m e d ian te a re fl ex ão so br e as po ss ib il id ad es do fu tur o. E possíve l at é qu e as pe ss oa s es te ja m cansadas de me ouvir falar sobre o assunto. Mas, do mesmo modo como descubro que tenho escrito variações sobre o tema durante toda a minha vida, minhas concepções tem sido continuamente modificadas e renovadas pelo acúmulo de experiências, de maneira que sou levado a fazer um novo balanço da situação a cada etapa de minha própria experimentação. Como tenho gradualmente aprendido mais sobre os pro bl em as do dra ma po ét ic o e so br e as ex ig ên ci as qu e ele de ve satisfazer para se justificar, passei a me esclarecer um pouco não apenas no que se refere às minhas próprias razões quanto à ambição de escrever nessa forma, mas também no que res pe it a às razões gerais qu e me le va m a pre te nd er vê-l o re colo cado em seu lugar. E considero que, quando digo alguma coisa sobre tais problemas e condições, isso deveria tornar mais claro 1. Primeira das conferencias à memória de Theodo r Spencer, pronunc iada na Universidade de Harvard e publicada pela Fáber & Faber e pela Harvard University Press em 1951. (N.A.)
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pa ra ou tr as pessoas, se fo r o cas o, po r qu e o dr ama po ét ic o te m po te nc ia lm en te algo a of er ec er aos qu e freqüenta m te at ro que o drama em prosa não tem. Sc partirmos do pressuposto de que a poesia é apenas um ornamento, um enfeite que se acrescenta, que simplesmente proporciona às pessoas de gosto literário o prazer de ouvir poesia ao mesmo tempo cm que assistem a uma peça, então ela é supérflua. A poesia deve justificar a si mesma dramaticamente, e não apenas apresentar-se como esplêndida poesia adaptada a uma forma dramática. Concluise daí que nenhuma peça para a qual a prosa é dramaticamente adequada deveria ser escrita em verso. E daí sc conclui, novamente, que o público, com seu interesse mobilizado pela ação dramática, com suas emoções excitadas pela tensão entre as personagens, deveria permanecer profundamente atento à peça para ad qu ir ir pl en a cons ciênci a do s rec urs os ut il iz ad os . Se usarmos no palco a prosa ou o verso, ambos constituirão apenas meios destinados a um fim. De certo ponto de vista, a diferença não é tão grande quanto possamos imaginar. Nas peç as em prosa qu e ai nd a so br ev iv em , e que são lidas e en ce na das por gerações mais recentes, a prosa que as personagens talam está tão distante, no melhor dos casos, do vocabulário, da sintaxe e do ritmo de uma linguagem comum — com suas hesitações vocabulares, seus constantes recursos de aproximação, sua desordem e suas frases intermináveis — quanto está o verso. Assim como o verso, essa prosa tem sido escrita e reescrita. Nossos dois maiores estilistas da prosa dramática — além de Shakespeare e de outros elisabetanos que misturaram prosa c verso na mesma peça — são, creio eu. Congreve c Bernard Shaw. A fala dc uma personagem de Congreve ou de Shaw tem embora as personagens possam estar claramente diferenciadas aquele inequívoco ritmo pessoal que constitui a marca de um estilo em prosa, do qual somente os mais consumados conversadores que , no que diz respeito ao assun to, são habi tual mente criadores de monólogos — revelam algum indício em sua linguagem. Todos já ouvimos (e quão amiúde!) a personagem de Molière que exprime surpresa ao declarar que ele fala em prosa. Mas monsieur Jou rda in é q ue estava certo, e não seu mentor ou seu criador: ele não falou em prosa, apenas conversou. E por isso que pretendo esboçar uma tripla distinção: entre
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a prosa e o verso e nossa linguagem comum que está mais abaixo do nível tanto do verso quanto da prosa. Assim, se vocês a encararem nesse sentido, parecerá que a prosa, no palco, é tão artificial quanto o verso; ou, alternadamente, que o verso pode ser tão natural quanto a prosa. Mas enquanto o espectador sensível da plateia percebe, ao ouvir uma excelente prosa falada numa peça, que ela é algo melhor do que uma conversa comum, ele não a considera como uma língua inteiramente distinta daquela que ele próprio fala, pois isso er gu er ia um a ba rr ei ra en tre ele e as pe rs on ag en s im aginárias no palco. Por outro lado. muitíssimas pessoas aproximam-se de uma peça que sabem estar escrita em verso conscientes da diferença. E uma lástima quando são repelidas pelo verso, mas pode ser também deplorável quando são atraídas por ele, caso isso signifique que estejam preparadas para desfrutar da peç a e sua li ng ua ge m co mo du as coi sas di st in ta s. O pr in ci pa l efeito do estilo e do ritmo na linguagem dramática, quer em pr osa, qu er em ver so, de veri a ser in co ns ci en te . Conclui-se daí que a mistura da prosa e do verso na mesma peç a deve ser ev it ad a, pois cada tr an si çã o tor na o es pe ct ad or consciente, através de um sobressalto, do recurso utilizado. Podemos dizer que isso é justificável quando o autor deseja produzir tal sobressalto, isto é, quando pretende deslocar violentamente a platéia de um plano da realidade para outro. Suspeito que essa espécie de transição fosse facilmente aceita por uma pl at éi a el is ab et an a, a cu jo s ou vi do s tan to a pr osa q ua n t o o ver so chegavam naturalmente; por quem apreciava a comédia rasteira e bombástica na mesma peça; e a quem parecia talvez apro pr ia do qu e as mais hu mild es e rú stic as pe rso na ge ns de ve ss em falar uma linguagem chula, enquanto as de nível mais elevado deveriam se expressar em verso. Mas mesmo nas peças de Shakespeare algumas das passagens em prosa parecem ter sido esboçadas para produzir um efeito de contraste que, quando obtido, é algo que jamais se torna anacrónico. As batidas no portão em Mache//? são um exemplo que vem à mente de qualquer um; mas por muito tempo me pareceu que a alternância das cenas cm prosa e em verso de Hennc/ue IV indicava um contraste irónico entre o mundo da alta política e o mundo da vida comum. A platéia provavelmente imaginou que estes esti-
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vessem lhe proporcionando uma peça de crónica social costumeira com cenas divertidas da vida pobre; todavia, as cenas em prosa tanto da primeira parte quanto da segunda desferem uma crítica sardónica às ruidosas ambições dos líderes dos partidos que se envolveram na insurreição dos Percy. 2 Hoje, todavia, devido às dificuldades que enfrenta o drama em verso, creio que o drama cm prosa deveria a rigor ser utilizado mais parcimoniosamente, que deveríamos almejar uma forma de verso na qual tudo pudesse ser dito e que, quando encontrássemos alguma situação à qual o verso não se adaptasse, isso ocorreria apenas porque nossa forma de verso seria inelástica. E se f icasse prov ado haver cenas que nã o pudé sse mos colocar em verso, deveríamos ou aprimorar nosso verso, ou evitar introduzir tais cenas, pois temos que acostumar nossas platéias ao verso até o ponto em que estas deixem de perceber que ele existe; e introduzir diálogos em prosa equivaleria apenas a desviar sua atenção da própria peça para o veículo por meio do qual ela se exprime. Mas se nosso verso for tão distenso a ponto de tornar-se incapaz de dizer o que hã para ser dito, concluise que não será poes ia" dur ant e todo o tem po. Só será "p oe sia' qua ndo a situação dramát ica atingir tal pont o de intensidade que a poesia se torne elocução natural, porque então é a única linguagem na qual as emoções podem ser cabalmente expressas. E de fato necessário para qualquer poema longo, se dese ja rm os esc apa r à mo no ton ia , ser cap az de ex pr im ir coisas si m ples sem ef ei to s patéti cos, be m co mo em pr ee nd er os ma is altos vôos sem abusiva sonoridade. E isso é ainda mais importante numa peça, especialmente se ela aborda a vida contemporânea. A razão para escrever até as partes mais prosaicas de uma peça em verso utilizando o verso em lugar da prosa, não é, todavia, apenas evitar chamar a atenção da platéia para o fato de que, em outros momentos, ela está ouvindo poesia. E que o verso rítmico também deveria produzir seus efeitos nos ouvintes, sem que estes estivessem conscientes disso. Uma rápida análise de 2. Sene de revoltas ocorridas entre 1-103 e 1108. durante o reinado de Henrique IV, inspiradas pela família Percy, notadamente Henry Percy (1364-1403). chamado Hots pur, e seu tio Tho ma s Percy (13 11-1103). (N. T. )
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uma peça de Shakespeare pode ilustrar esse aspecto. A cena de abertura de Hamlet — tâo bem construída quanto jamais o foi uma cena dc abertura dc qualquer peça já escrita até hoje — te m a va nt ag em de ser um a da qu el as qu e to do s co nh ec em . O que não percebemos, quando assistimos a essa cena no teatro, é a grande variação de estilo. Nada é supérfluo, e não há um único verso que não se justifique por seu mérito dramático. Os primeiros vinte e dois versos estão construídos com as mais simples palavras na linguagem mais trivial. Shakespeare trabalhou por longo tempo no teatro e escreveu um bom número dc peças antes dc atingir o ponto em que conscguiu escrever aqueles vinte e dois versos. Nada existe de absolutamente tão simples e seguro em seu trabalho anterior. Ele desenvolveu de início o verso familiar, coloquial, no monólogo da pa rt e qu e pe rt en ce à pe rs on ag em : Fa ul co nb ri dg c, no Ret João, e posteriormente a ama em Romeu e Julieta Trata-se de um pas so ad ia nt e para co nd uz i- lo di sc re ta me nt e ao di ál og o de res postas curtas. N enhu m po et a po de to rnar-se um me st re do verso dramático até que consiga escrever versos que, como estes de Hamlet , sejam transparentes. Vocês estão conscientemente à espera, não da poesia, mas do significado da poesia. Se ouvirem Hamlet pela primeira vez, sem conhecerem nada da peça, não ju lg o qu e possa oco rre r a vocês pe rg un ta r se os in te rl oc ut or es estão falando em verso ou em prosa. O verso destina-se a exercer sobre nós um efeito diferente da prosa, mas, no momento, o que temos é a consciência da noite gelada, dos soldados que estão de guarda nas ameias e do presságio de uma ação trágica. Nã o di go qu e não ha ja nen hu m lug ar de st in ad o à si tu aç ão em que parte do prazer de alguém consista no regozijo de ouvir bela po esia, co nt an to qu e o au to r pr op or ci on e, na qu el e lu ga r, a fatalidade dramática. E, naturalmente, quando não só assistimos por diversas vezes a uma peça, mas também a lemos entre as encenações, começamos a analisar os recursos graças aos quais o autor produziu seus efeitos. Mas no instante do impacto imediato dessa cena ignoramos os meios de que ele se valeu para expressar-se. Das curtas e bruscas exclamações no princípio, adequadas a situação e â índole dos guardas - mas que não expressam
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mais caráter do que o exige sua função na peça —, o verso desliza num movimento mais vagaroso ante a chegada dos cortesãos Horácio e Marcelo.
Hora t io says 'tis but our fantasy. c o movimento muda novamente diante da aparição dc Majestade, o espectro do rei, com o solene e sonoro
What art thou, that usurp'st this time of night. (...) 4 (e observem, a propósito, essa antecipação da intriga transmitida pelo emprego do verbo usurpar)\ e a majestade é sugerida numa alusão que nos recorda que o fantasma é este:
So frowndd he once. when, in an angry parle, He smote the sle de d Polac ks on the ice Há uma mudança abrupta para stacatto nas palavras que Horácio dirige ao Espectro em sua segunda aparição; esse ritmo muda novamente com as palavras
We do it wrong, being so majestic il, To offer it the show of violence: For it is, as the air, invulnerable, And our vain blows malicious mockery} A cena chega a uma decisão com as palavras de Marcelo:
It faded on the crowing of the cock. Some say that ever gainst that season comes W r he re in our Saviour's birth is celebrated, The bird oj dawning singe t h all night long; (...)' \ "D i/ Horácio que tudo não passa de nossa imagi nação.' Hamlet, Ato I, Cena I. (N.T.) ι
" Q u e m
és tu, que usurpas esta hora da noite.
Hjm/et, Ato I. Cena I. (N.T.)
V "Ele franzia os sobrolhos do mesmo modo, qua ndo, n uma entrevista confusa, / Derrubou de seus trenós os poloneses sobre o gelo.' Hamlet. Ato I, Cena I (N.T .) 6. "Fizemos mal, perante tanta majestade. / Oferecendo-lhe um espetáculo de violência, ' Porque e. como o ar, invulnerável, / E nossos golpes vãos, uma brincadeira cruel!" Hamlet , Aro I, Cena I. (N.T.) 7. "Dissipou-se com o canto do galo. / Dizem que. quando está próximo o tempo / Da celebração do nascimento de nosso Salvador. / A ave da alvorada canta durante a noite inteira. Hamlet, Ato I, Cena I. (N.T.)
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e com a resposta de Horácio: have I heard and do in part believe it. But, look, the morn, in russet mantle clad\ Walks o 'er the dew of yon high eastern bill. Break we our watch up. s Isso é grande poesia, e é dramático; mas, além de poético e dramático, é algo mais. Ai allora, quando analisamos, uma especie de esboço também musical que reforça o movimento dramático e a ele se ajusta, retardando e acelerando o pulso de nossa emoção sem que disso nos apercebamos. Observem que nestas ultimas palavras de Marcelo há uma breve aparição do poético na consciência. Quando ouvimos os versos But, look, the morn, is russet mantle clad. Walks o *er the dew of yon high eastern hill somos afastados por um momento para além da personagem, mas não com o sentido de inadequação das palavras que nos chegam, precisamente nesse momento, dos lábios de Horácio. As transições cênicas obedecem às leis da música da poesia dramática. Reparem que os dois versos da fala de Horácio que citei por du as veze s est ão pr eced id os por um ver so de li ng ua ge m mais simples e que poderia estar tanto cm verso quanto em prosa: So have I heard and do in part believe it. 10 e que ele os conclui de forma abrupta com um semiverso que prov avelme nte nada mai s é qu e um a ru br ic a: Break we our watch up. u Seria interessante rastrear, por meio de uma análise semelhante, esse problema de duplo modelo no grande drama poético o modelo que pode ser examinado do ponto de vista da montagem de peças teatrais ou da música. Mas imagino que o exame 8. "Ε o que tenho ouvido e em que acredito em parte. / Mas, vede. a aurora, num manto avermelhado. / Caminha sobre o orvalho daquela alta colina ao Oriente. / Rendamos nossa guarda." Hamlet , Ato 1, C ena 1. (N.T ) 9. Trata-se do segundo e terceiro versos traduzidos na nota 8. 10. 1 rata-se do primeiro verso traduz ido na nota 8 11. Trata-se do
último verso traduzido na nota 8.
dessa única cena baste para nos mostrar que o verso não constitui simplesmente uma formalização, ou um enfeite que se acrescenta, mas algo que intensifica o drama. Isso indicaria também a importância do efeito inconsciente do verso sobre nós. E, finalmente, não julgo que esse efeito seja sentido apenas pelos integrantes de uma platéia que "gosta de poesia", mas também por aq ue le s qu e de sf ru tam de um a peça so zi nh os . Por pes soa s que não gostam de poesia entendo aquelas que não conseguem se sentar com um livro de poesia e se satisfazer com sua leitura; também essas pessoas, quando assistem a uma peça em verso, deveriam ser tocadas pela poesia. E são elas que constituem a pl at ei a qu e o escritor de tais peç as deve ter em mente. A esta altura, eu poderia dizer uma palavra sobre aquelas peça s qu e thamamos de poéticas, embora estejam escritas em prosa . As peças de Jo hn Mi ll in gt on Synge 12 são antes um caso especial, pois se baseiam no idioma de uma população rural cuja linguagem é naturalmente poética tanto no que se refere às imagens quanto no que concerne ao ritmo. Creio que o autor chegou mesmo a incorporar frases que ouviu dessa população interiorana da Irlanda. A linguagem de Synge não é compreensível senão nas peças encenadas para essa mesma platéia. Podemos tirar conclusões mais genéricas a partir das peças em prosa (tão estimadas cm minha juventude, mas que agora dificilmente são lidas) de Maeterlinck, lais peças estão, num sentido distinto, limitadas por sua temática; e dizer que nelas a caracterização é obscura constitui uma interpretação incompleta. Não nego que elas tenham certa qualidade poética. Mas para ser po ét ico cm prosa , um dr am at ur go te m dc ser tã o co ns is te nt emente poético que seu alcance se torna muito restrito. Synge escreveu peças sobre personagens cujas réplicas vivas conversavam poeticamente, dc modo que pôde fazê-las dialogar em verso e permanecer como pessoas reais. O dramaturgo que escreve em prosa poética sem dispor desse privilégio tende a ser extremamente poético. O drama poético cm prosa está mais limi12. Synge, John Millington. Drama turgo irlandês (Rath farnh am, 1871 — Dublin . 1909), autor de peças "célticas" e altamente poéticas, como Ridden to the sea ( 1901) e The well o) the saints (1905), mas sua obra-prima é. sem dúvida, The playboy of the U estern world (1907). Escreveu tam bém a tragedia sombri a Dei rd re. que ficou inacabada (N.T .)
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tado pela convenção poética ou por nossas convenções, quando sua temática é poética, do que o drama poético em verso. Lm autêntico verso dramático pode ser utilizado, como o laz Shakespeare, para dizer as coisas mais corriqueiras. Yeats é um caso muito distinto dos de Maeterlinck ou Synge. Um estudo de sua evolução como dramaturgo revelaria, creio eu, a grande distância que os separa e o êxito de suas ultimas peças. Em seu primeiro período, ele escreveu peças em verso sobre temas convencionalmente adaptados como o exigia o verso, numa métrica que — embora denuncie, nesse primeiro estágio, o ritmo pessoal dc Yeats - não constitui a rigor uma forma de linguagem inteiramente adequada a ninguém, à exceção de reis e rainhas míticos. As Plays for dancers do período intermediário são muito bonitas, mas não solucionam nenhum pr ob le ma do dr am at ur go com o verso: são peças em prosa poética com expressivos intcrlúdios em verso. Apenas em sua última peç a. Purgatory, é que ele resolveu seu problema com a linguagem em verso, legando a todos os seus sucessores uma dívida par a com ele.
comunicação, daquilo que o leitor dela irá receber, não é o primordial: se seu poema estiver correto para vocês, vocês só podem esperar que os leitores venham eventualmente a aceitá-lo. O po em a po de ag ua rd ar um po uc o; a apro vação dc al gu ns críticos simpáticos e criteriosos é o bastante para começar; e serve par a qu e os fu tu ro s lei tores en tr em em co nt at o com o po et a além da metade do caminho. Mas no teatro o problema da comunicação se apresenta de imediato. Vocês estão intencionalmente escrevendo verso para outras vozes, não para a sua, e não sabem que vozes serão essas. Vocês estão planejando escrever versos que tenham um efeito imediato sobre uma platéia desconhecida e despreparada, a serem interpretados para essa plat éi a por ator es de scon heci do s en saia do s por um di re to r des conhecido. E não cabe esperar que essa platéia desconhecida demonstre qualquer indulgência para com o poeta. O poeta não pode se permitir escrever sua peça simplesmente para seus admiradores, para aqueles que conhecem sua obra não-dramática e estão dispostos a receber favoravelmente tudo aquilo em que puser seu nome. Ele deve escrever tendo em vista uma platéia que tudo ignora e que não está absolutamente interessada cm qualquer antecipado sucesso que possa ter alcançado antes dc se aventurar ao teatro. Conseqüentemente, conclui-se que muitas das coisas que se gosta de fazer, c que se sabe como fazer, são inoportunas; e que qualquer verso deve ser julgado por um a nov a lei, a da rel evância dr am át ic a. Quando escrevi Murder m the cathedral 13 eu tinha a vantagem, para um principiante, de uma ocasião que requeria um assunto geralmente admitido como apropriado ao verso. As peç as em verso, co mo se havi a em ger al su st en ta do , de ve ri am tirar sua temática ou de alguma mitologia, ou, do contrário, de algum distante período histórico, afastado o bastante do presente para que as personagens não precisassem ser rcconhccíveis como seres humanos e, por conseguinte, estivessem autorizadas a dialogar em verso. Períodos pitorescos costumam tornar o verso muito mais aceitável. Alem disso, minha peça foi escrita com o objetivo de ser encenada para um tipo de platéia algo
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II
Arriscar-me-ia a fazer agora algumas observações baseadas em minha própria experiência, o que me levará a comentar minhas intenções, malogros e êxitos parciais. Faço isso na suposição de que qualquer explorador ou experimentador em novo território pode, com base nos registros de uma espécie de diário de suas explorações, dizer algo de útil àqueles que o acompanham a certas regiões e àqueles que talvez possam ir mais longe. A primeira coisa de alguma importância que descobri foi que um escritor que trabalhou por muitos anos, e adquiriu certo sucesso ao escrever outros tipos de verso, tem que se aproximar do texto de uma peça em verso com uma estrutura menta! diferente daquela a que se habituou cm seu trabalho anterior. Ao escrever outro tipo de verso, julgo que se esteja escrevendo, por assim dizer, nas condições da própria voz: a maneira como ela soa quando vocês o lêem para si mesmos é o teste, po rq ue são vocês mesmos qu e est ão fa la nd o. O pr ob le ma da
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13. É a prime ira tias cinco peças escritas por Eliot, pu blic ada em 1933. Al guns de seus fragmentos toram aprovei ι ados pelo autor em burnt Norton. o primeiro dos Four quartets, sob a forma de temas recorrentes. (Ν
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especial - uma platéia constituída por essas pessoas serias que freqüentam "festivais" e esperam edificar-se pela poesia embora talvez, nessa ocasião, algumas delas não estivessem em absoluto preparadas para aquilo a que iam assistir, h atinai era uma peça religiosa, e as pessoas que deliberadamente assistem a uma peça religiosa num festival religioso esperam ser pacientemente toleradas e se satisfazer com o sentimento de que cumpriram algo meritório. Assim, o caminho foi percorrido facilmente. Só quando pus minha cabeça para pensar no tipo de peça que pretendia escrever em seguida é que cheguei à conclusão de que, em Murder in the cathedral , eu não resolvera nenhum pr ob le ma geral, mas, do me u po nt o de vis ta, a peç a nã o ti nh a saída. Em primeiro lugar, o problema de linguagem que essa peça me cri ou era esp eci al. Feli zm en te , não tiv e de escr evê-la na língua do século XII, pois essa língua, ainda que eu conhecesse o francês normando e o anglo-saxão, teria sido ininteligível. Mas o vocabulário e o estilo não podiam ser exatamente os da conversação moderna — como em algumas peças modernas francesas que recorrem à intriga e às personagens do drama grego — porque eu não havia considerado minha platéia voltada para um acontecimento histórico; o fato, porém, é que eles não podiam dar-se o luxo de serem arcaicos: primeiro, porque o arcaísmo teria apenas sugerido o período errôneo; segundo, po rq ue eu que ri a colo car a platéia a par da rel evâ nci a co nt em po râ ne a da situaçã o. Por isso. o est ilo ti nh a de ser neutro, não comprometido nem com o presente nem com o passado. Quanto à versificação, eu só estava consciente àquela época de que o essencial era evitar qualquer imitação de Shakespeare, poi s me con ven cer a de qu e o ma lo gr o fun da men tal do s po et as do século XIX ao escreverem para o teatro (e a maioria dos maiores poetas ingleses se aventurou ao drama) não pode ser atribuído à sua técnica teatral, mas à sua linguagem dramática; e de que isso se devia em grande parte à sua limitação a um estrito verso branco que, após um abusivo emprego na poesia não-dramática, perdera a flexibilidade que o verso branco deveter caso pretenda proporcionar o efeito da conversação. O ritmo do verso branco regular tornara-se muito distante do movimento da linguagem moderna. Por conseguinte, o que eu tinha em
mente era a versificação de Everyman," na esperança de que qualquer raridade fonica aí incluída pudesse ser, no conjunto, pr ovei to sa. Um a fu ga do vers o excessiv amen te iâ mb ic o, cert o emprego da aliteração e ocasionais rimas inesperadas ajudaram a distinguir a versificação daquela que se utilizou no século XIX.
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A versificação do diálogo em Murder in the cathedral tem, por isso mes mo, em mi nh a op in iã o, ap en as um pon t o ne ga ti vo: ela foi bem-sucedida ao evitar o que tinha de ser evitado, mas isso não levou a nenhuma novidade positiva; em suma, na medida em que isso resolveu o problema da linguagem em verso para um texto de hoje, somente o resolveu para essa peça, não me fornecendo nenhuma chave para o verso que eu utilizaria em outro gênero de peça. Aqui, portanto, dois problemas ficaram sem solução: o da língua e o da métrica (na verdade são um mesmo problema), para uso geral em qualquer peça que eu desejasse escrever no futuro. Tornei-me em seguida conscio de minhas razões por ter permanecido, nessa peça, tão intensamente subordinado à ajuda do coro. Havia dois motivos para isso que, circunstancialmente, o justificavam. O primeiro era 0 de que a ação essencial da peça — tanto os fatos históricos quanto o assunto que inventei — fosse algo limitada. Um homem chega em casa prevendo que será assassinado, e o crime se consuma. Não pretendi aumentar o número de personagens nem escrever uma crônica sobre a política do século XII, como tampouco adulterar inescrupulosamente a situação com escassos registros históricos, como o fez Tennyson ao introduzir a bela Rosamunda e ao sugerir que Becket tenha sido infeliz no amor durante a primeira juventude. 15 Preferi fixar-me na morte e no martírio. A introdução de um coro de mulheres excitadas e algo histéricas, refletindo em sua emoção a relevância da ação, ajudou maravilhosamente. O segundo motivo foi este: o de que um poeta, ao escrever pela primeira vez para o palco, está 1 » Truta st* talvez do mais consu mado exempl o entre as antigas moral idades inglesas (c 1529), coni passagens decerto destinada s a revitalizar o ensino específico de Roma. Escritas durante os reinados de Henrique VI e Henrique VII, essas moralidades habitualmente alegorizam o conflito entre o bem e o mal, sem nenhum propósito de controvérsia religiosa. (N.T.) η Eliot alud e aqui à tragédia Bei kel, qu e I cniivso n escreveu em 188 i e que , após a morte do autor, alcançou extraordinário sucesso em quase todos os palcos ingleso. (N.T.)
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muito mais à vontade no verso coral do que no diálogo dramático. Isso, sinto-o seguramente, era algo que eu podia lazer, e talvez a fragilidade dramática fosse um pouco neutralizada pelos gritos das mulheres. O emprego de um coro fortaleceu o poder e dissimulou as falhas de minha tecnica teatral. Por essa razão decidi que da próxima vez tentaria fazer com que o COTO se integrasse mais intimamente à peça. Pretendi descobrir também se aprenderia a dispensar inteiramente o uso da prosa. As duas passagens cm prosa de Mur der in the cathedral não pod iam ter sido escritas em verso. E claro que, devido ao tipo de diálogo em verso que utilizei nessa peç a, a pla téi a fica ria de scon fort av clme nt e cons cia de qu e era verso o que estava ouvindo. Um sermão protendo em verso constitui uma experiência bastante incomum até mesmo para o mais assíduo fiel: ninguém poderia em absoluto reagir a ele como a um sermão. E nas falas dos cavaleiros, que estão absolutamente cônscios de que se dirigem a uma platéia surda, o uso da prosa tribunícia destinou-se, é claro, a produzir um efeito especial: o de arrancar a platéia dc sua satisfação. Mas isso é uma espécie de truque, ou seja, um artifício cabível apenas em uma peça e inútil cm qualquer outra. Que eu saiba, admito ter sido ligeiramente influenciado por Saint Joan.16 Nã o de sej o da r-lh es a imp res são de qu e eu ex pu rg ar ia da poe sia dram át ic a estas três coisas: a temá tica his tór ica ou mi to lógica, o coro e o tradicional verso branco. Não desejo formular nenhuma lei segundo a qual as personagens e as situações da vida moderna são as únicas adequadas, ou de acordo com a qual a peça cm verso consistisse apenas de diálogos, ou conforme a qual a versificação inteiramente nova fosse necessária. Estou apenas esboçando o roteiro de investigação de um escritor, e o meu. Se o drama poético quiser reconquistar seu lugar, deve, em minha opinião, entrar em franca competição com o drama em prosa. Como já disse, as pessoas estão dispostas a edificar-se com o verso que sai dos lábios de personagens vestidas com os figurinos de alguma época distante; conseqüentemente, deveriam elas estar preparadas para ouvi-lo das pessoas que se vestem como nós, que vivem em casas e apartamentos 16. Uma das mais conhec idas peças de George Be rnard Shaw, escrita em 1923 (N T )
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como os nossos, e que usam telefones, au tomóvei s c aparelhos de rádio. As platéias estão dispostas a aceitar a poesia recitada por um cor o, po rq ue se trata de um a esp éci e de rec ital de po esia que as leva a crer que se divertirão. E as platéias (aquelas constituídas de pessoas que se dispõem a assistir a uma peça em verso porque ela está escrita em verso) esperam que a poesia esteja composta em ritmos que perderam contato com a linguagem coloquial. O cjue temos de fazer é levar a poesia ao mundo em que essa platéia vive c ao qual retorna quando sai do teatro; mas não transportar a platéia para algum universo imaginário inteiramente alheio ao seu, um mundo irreal em que a poesia é tolerada. O que espero que possa ser realizado, por um a ger açã o de dr am at ur go s qu e têm o privilé gio de nos sa experiência, é fazer a platéia descobrir, no instante em que se conscientiza de que está ouvindo poesia, que está dizendo para si mesma: Eu também poderia conversar em verso!". Logo, não deveríamos ser transportados para um mundo artificial; pe lo co nt rá rio, nosso pr óp ri o m un do só rd id o, co ti di an am cn te sombrio, poderia ser de súbito iluminado e transfigurado. Por essa razão, em minha peça seguinte resolvi abordar um tema da vida contemporânea, com personagens do nosso tempo vivendo cm nosso mundo. O resultado foi The family reunion.1 Aqui, meu primeiro interesse foi com o prob lema da versificação, no sentido de encontrar o ritmo adequado à linguagem contemporânea, no qual aò sílabas tónicas podiam ser distribuídas de modo a descobrirmos onde naturalmente deveríamos colocá-las ao articularmos a frase particular na situação pa rticul ar. O qu e dec idi foi su bs ta nc ia lm en te o que já vi nh a utilizando: um verso de duração flutuante e de variado número de sílabas, com uma cesura e três acentos tônicos. A cesura e as sílabas tônicas podem ser dispostas em pontos diferentes, praticamente em qualquer lugar no verso; as sílabas tônicas podem estar muito próximas ou bastante afastadas por sílabas leves; a única regra é a de que uma sílaba tônica deve estar dc um lado da cesura e duas do outro. Em resumo, logo percebi que havia dirigido minha atenção para a versificação à custa da intriga e da personagem. Na verdade, eu conseguira algum progresso 1 " É a segunda peça de Eliot, publicada em 1939. Como a anterior, esta tam bém antecipa alguns dos temas recorrentes que iremos encontrar nos Four quartets. (N.T.)
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ao prescindir do coro, mas o artifício de utilizar qua tr o das S Μ I pe rs on agen s secu nd ár ia s para re presenta r a Famí li a, às vez es como partes da personagem individual e às vezes colet ivame nW te como coro, não me pareceu mui to satisfatório. Em prim eiro j· lugar, a transição imediata da parte individual, caracterizada, par a a do in te gr an te de um cor o é exig ir de ma is do s at or es: ^B trata-se de uma transição mui to difícil de realizar. Segu ndo , fll isso me pareceu um outro truque, aquele que, embora bemsucedido, poderia não ser aplicável em outra peça. Além disso, eu utilizara em duas passagens o artifício de um dueto lírico post er io rm en te re ti ra do do resto do di ál og o por est ar esc ri to em versos mais curtos com apenas duas sílabas tônicas. Em certo sentido, tais passagens estão "além da person agem' e os interlocutores têm que ser apresentados como se estivessem mergulhados num estado semelhante ao transe para talar de si mesmos. Mas elas estão de tal modo distantes da necessidade da ação que dificilmente constituem mais do que trechos poéticos que não poderiam ser falados por ninguém; essas passagens se assemelham muito mais a árias operísticas. O espectador da platéia, se gosta desse tipo de coisa, entra em êxtase com a interrupção da ação dramática e passa a fruir de uma fantasia poética; tais passagens estão a rigor menos associadas à ação do
que os coros em Murder in the cathedral. Observei que, quando Shakespeare, em uma dc suas peças maduras, introduz o que poderia parecer um verso ou trecho pu ram en te poético, ele nunca in te rr om pe a ação ou revel a-se alheio à personagem, mas, pelo contrário, de algum modo misterioso fortalece tanto a ação quanto a personagem. Quando Macbeth diz suas tão freqüentemente citadas palavras To-morrow and to morrow and to morrow, 18 ou quan do Otelo , conf ront ado à noite com o sogro e os amigo s indi gnado s, pron unci a o belo verso Keep up your bright swords, for the dew will rust them. 18. " Ama nhã c amanhã c amanhã. ' Macbeth. Aio V. Cena V. (Ν T.) 19 "G uar dai vossas brilhan tes espadas, pois o orvalho as e n f e r r u j a r á . " Otello.
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não percebemos que Shakespeare haja concebido versos que expressam bela poesia e deseje ajustá-los de algum modo, ou que haja, por um instante, chegado ao fim de sua inspiração dramática e retornado à poesia para com ela preencher o vazio. Os versos são inesperados e, no entanto, se adaptam à personagem; ou então somos levados a ajustar nossa concepção da personagem de tal modo que os versos se tornam adequados a esta. Os versos ditos por Macbeth revelam a fadiga do homem fraco que foi obrigado por sua esposa a realizar seus próprios desejos timoratos e suas ambições e que, com sua morte, perde a razão para continuar. O verso de Otelo expressa ironia, dignidade e destemor; e incidentalmente nos recorda a noite em que a cena se desenrola. Somente a poesia poderia fazê-lo, mas é poesia dramática, ou seja, não interrompe, mas intensifica, a situação dramática. Nã o foi ap en as graças à in tr od uç ão de pass agens que des pe rt ar am a at en çã o co mo poe sia, e qu e nã o po di am se ju st if icar dramaticamente, que considerei The family reunion defeituosa: havia duas fraquezas que viriam a me afligir como ainda mais graves. A primeira era que eu ultrapassara em muito o tempo estritamente limitado que se concede a um dramaturgo para que ex po nh a um a situ ação , e nã o me conc edi o tem po suficiente, ou não me abasteci com material bastante, para desenvolvê-la na ação. Eu havia escrito o que constituía, cm conjunto, um bom primeiro ato, muito embora ele fosse, para um primeiro ato, demasiado longo. Quando o pano subiu novamente, a platéia estava aguardando, como lhe compete aguardar, que algo fosse acontecer. Na verdade, ela se considera convidada a uma exploração que a conduza para além do fundo de cena: em outras palavras, àquilo que lhe deveria ter sido anunciado muito antes, se é que o foi. O início do segundo ato apresenta, na maioria das vezes, o mais difícil desafio para o diretor e o elenco, pois a atenção da platéia começa a se diluir. E então, após o que parece a essa platéia um interminável tempo de preparação, o desfecho chega tão abruptamente que nos encontram os, afinal de contas, «despreparados para ele. Essa foi uma falha elementar na estrutura mecânica da peça. A mais aguda de todas as talhas, porém, ocorreu devido a um malogro na adaptação do episódio grego à situação moderna.
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Eu deveria, ou ter me apegado mais intimamente a Esquilo, " ou então tomado em boa parte mais liberdade com seu mito. Prova disso é a aparição daquelas desgraçadas figuras, as Fúrias. 21 Elas devem, no futuro, ser omitidas do elenco e se tornar visíveis apenas para algumas de minhas personagens, e não para o público. Tentamos todas as maneiras possíveis de representálas. Pusemo-las no palco, e elas se assemelhavam a hóspedes indesejados que perambulavam num baile à fantasia. Ocultamolas sob gazes, e elas nos deram a impressão de que haviam saído de um filme de Walt Disney. Tornamo-las mais sombrias, e elas pareciam moitas que se moviam do lado de tora da janela. Vi outros expedientes serem tentados: percebi-as fazendo sinais atrave's do jardim, ou enxameando no palco como um time de futebol, e jamais estavam corretas. Jamais funcionaram quer como deusas gregas, quer como fantamasgorias modernas. Mas seu malogro foi simplesmente um sintoma do fracasso em adaptar o antigo ao moderno. Uma evidência mais grave é a de que somos abandonados numa estrutura mental dividida, ignorando se consideramos a peça co mo a tr agé dia da mãe ou co mo a sal vaçã o do filho . As duas situações não se reconciliam. Encontrei a confirmação disso no fato de que minhas simpatias se dirigem agora todas para a mãe, que me parece, não fosse talvez pelo motorista, o único ser humano completo na peça; e meu herói assalta-me agora como um intolerável gatuno. Bem, eu fizera algum progresso aprendendo como escrever o primeiro ato de uma peça, e — a unica coisa de que me sentia seguro — boa parte desse progresso fora obtida quando encontrei a forma de versificação e a linguagem que atenderiam a todos os meus propósitos, sem recorrer à prosa ou a transições descontínuas entre a mais intensa das falas e o mais frouxo diálogo. Vocês poderão compreender, após essas críticas que faço a The family reunion , alguns dos erros que me esforcei 20. Em gr. Aiskhylos. Poeta tràgico grego (Eleusis, perto de Atenas, c. 525 a.C. Gela, Sicília, 426 a.C.). pertencente a uma família da antiga nobreza ateniense. Escreveu mais de noventa tragédias, das quais sete chegaram completas até nossos dias. entre elas As suplicantes, Os sete contra Tebas, Prometeu acorrentado e a trilogia Ores tia Segundo Aristóteles, foi o criador da tragédia grega. (N T )
por evitar no pr oj et o de The cocktail party. 11 Para começar, nem coro nem fantasmas. Eu estava ainda inclinado a recorrer a um dramaturgo grego para urdir o meu tema, mas decidi fazêlo apenas como um pomo de partida e para dissimular tão bem as origens de modo que ninguém pudesse identificá-las até que eu as revelasse por mim mesmo. Nisso, pelo menos, fui bemsuccdido, pois ninguém de minhas relações (e nenhum crítico teatral) reconheceu que a matriz de minha história era Alceste de Eurípedes. 23 Na verdade, tive dc descer a uma explicação detalhada para convencê-los — refiro-me, é claro, àqueles que estavam familiarizados com a trama dessa peça — da autenticidade da inspiração. Mas os que estavam inicia lment e per tur bados com o comportamento excêntrico de meu convidado desconhecido, ou com seus hábitos aparentemente destemperados e sua tendência a explodir numa canção, encontraram certo consolo ao ter sua atenção despertada para o comportamento de Heracles na peça de Eurípedes. Em segundo lugar, impus-mc a regra ascética dc evitar qualquer poesia que não pudesse resistir ao teste da estrita utilidade dramática: com tamanho êxito, aliás, que talvez seja uma questão aberta não haver em absoluto qualquer poesia na peça. E, afinal, busquei ter em mente que numa peça, de vez em quando, algo deveria acontecer, que a platéia deveria manter-se na constante expectativa de que algo vai acontecer e que, quando acontece, deveria ser diferente, mas não muito diferente, daquilo que o público fora induzido a esperar. Ainda não cheguei ao fim dc minha investigação quanto às fraquezas dessa peça, mas espero e presumo descobrir mais do que aquelas de que já estou consciente. Di go esp ero " porque, assim como ninguém jamais repete um sucesso — e, por conseguinte, deve sempre tentar descobrir algo de diferente, ainda que menos popular, para fazer —, também o desejo de escrever alguma coisa que esteja livre das falhas da última obra 22. É a terceira das peças de Eliot, publ ica da em 1949. (N.T .) 23 Em gr. Euri pídé s Poeta trágico grego (Sal ami na, c »85 a.C . Pela . Macedònia. 406 a.C ). considerado por Aristóteles o mais trágico dentre todos os tragediógrafos de seu tempo. A obra a que Eliot se refere data de -1.38 a.C. Além dessa, cumpre lembrar A\ bacantes. Medeia, As troianas, Electra, Andrômaca, Efigênia em Tá uri da, lie/ena e Orestes. ( Ν . Τ )
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de alguém constitui um poderosíssimo e proveitoso incentivo. Estou ciente de que o último ato de minha peça somente escapa, se de fato escapa, à acusação de que não é um último ato, e sim um epílogo; e decidi fazer algo diferente, se o puder, a esse respeito. E creio também que, assim como a auto-educação de um poeta que tenta escrever para o teatro parece exigir um longo período destinado a disciplinar sua poesia — e a submetê-la, por assim dizer, a uma severa dieta para adaptá-la às necessidades do palco —, ele pode, por outro lado, descobrir que mais tarde, quando (e se) o conhecimento da técnica teatral se tornar uma segunda natureza, será capaz de atrever-se a fazer um uso mais liberal da poesia e tomar maiores liberdades no que se refere à linguagem coloquial ordinária. Fundamento essa crença na evolução de Shakespeare e em algum estudo da linguagem de suas últimas peças. Ao dedicar tanto tempo ao exame de minhas próprias peças, fui movido a fazê-lo, suponho, por um motivo maior do que o egoísmo. Parece-me que, se nos cabe ter um drama poético, é mais provável que ele nos venha de poetas que aprenderam como escrever peças do que de talentosos dramaturgos em prosa que aprenderam a escrever poesia. Que certos poetas sejam capazes de aprender como escrever peças, e boas peças, pode ser apenas uma esperança, mas não creio que se trate de uma esperança absurda; mas que alguém que começou escrevendo peças em prosa de sucesso seja capaz de aprender como escrever boa poesia par ece -m e ex tr em am en te im pr ov áv el . E, nas pr es en te s condições, e até que a peça em verso seja reconhecida por um pú bl ic o mai s nu me ro so co mo possível fon te de ent r et en imen to, o poeta provavelmente só terá sua oportunidade de trabalhar par a o pal co após ad quir ir al gu ma esp éci e de no to ri ed ad e pa ra si mesmo como autor de outros tipos de verso. Por isso foi meu desejo registrar, já que pode ser valioso para outros, certa avaliação das dificuldades que tenho encontrado, dos equívocos em que tenho incorrido e das fraquezas que me sinto induzido a tentar superar. Eu não gostaria de concluir sem tentar estabelecer para vocês, embora apenas em vagas linhas gerais, o ideal pelo qual o drama poético deveria pugnar. É um ideal inatingível:
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eis por que ele me interessa, porque fornece um estímulo às futuras experiências e explorações a partir de qualquer objetivo que alimente a expectativa de atingi-lo. E atributo de toda arte nos proporcionar certa percepção de uma ordem na vida ao impor uma ordem sobre ela. O pintor trabalha por meio da seleção, da combinação e da ênfase entre os elementos do mundo visível; o músico, no mundo do som. Parece-me que, par a al ém das em oç ões e mo ti vo s re conhecí veis e class ificá vei s de nossa vida consciente quando orientada para a ação — a pa rt e da vi da que o dr am a em prosa é ca ba lmen te ca pa z de expressar —, há uma franja de extensão indefinida, de sentimento que só podemos vislumbrar, por assim dizer, com o canto do olho e que jamais podemos focalizar completamente; de sentimento do qual só nos tornamos conscientes graças a uma espécie de distanciamento da ação. Há grandes dramaturgos em prosa — como Ibsen e Tchékhov — que realizaram às vezes coisas das quais eu não imaginaria que a prosa fosse capaz, mas que me parecem, apesar de seu sucesso, ter sido prejudicados no que se refere à expressão por escreverem em prosa. Esse alcance peculiar da sensibilidade pode ser expresso pela poesia dramática em seus momentos de maior intensidade. Nesses momentos tangenciamos a fímbria daqueles sentimentos que apenas a música pode exprimir. Não podemos jamais competir com a música, pois chegar à condição de música equivaleria à extinção da poesia, especialmente da poesia dramática. Não obstante, tenho diante dos olhos uma espécie de miragem da ação humana e das palavras, tal como apresentar de imediato os dois aspectos da ordem dramática e da ordem musical. Parece-me que Shakespeare a materializou pelo menos em algumas cenas — inclusive algo prematuramente, pois há a cena do balcão de Romeu e Julieta —, e isso era o que ele estava se esforçando por obter em suas últimas peças. Ir tão longe quanto possível nessa direção, sem perder aquele contato com o mundo ordinário cotidiano ao qual o drama deve se adaptar, parece-me o objetivo adequado da poesia dramática. Por isso, afinal de contas, é função da arte, ao impor uma ordem digna de crédito sobre a realidade ordinária — e, desse modo, trazer à superfície certa percepção de uma ordem na realidad e —, nos proporc ionar uma condiç ão de sere nida de,
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de repouso e de reconciliação; e então nos deixar, como Virgí-
lio deixou Dante, seguir para uma região cm que esse guia não poderá mais nos ser útil. N O T A A "P OE SI A E D R A M A " Como expliquei em meu Prefácio, a passagem nesse ensaio 1 que analisa a primeira cena de Hamlet foi extraída de uma conferência pronunciada alguns anos antes na Universidade de Edimburgo. Dessa mesma conferência de Edimburgo extraí a seguinte nota sobre a cena do balcão em Romeu e Julieta: Na pr im ei ra fal a de Romeu ai nd a há cert o ar ti fi ci al is mo : Two of the fairest stars in all the heaven, Having some business, do intreat her eyes To twinkle in their sphers till they return.
E à Juliet a cabe tam bém a palavra-chave "rel âm pa go ", qu e ocorre novamente na peça e que é sintomática da súbita e desastrosa intensidade de sua paixão, quando ela diz Tis like the lightning, which doth cease to be Ere one can say Ίί lightens '.1 Ness a ce na , Sh ak es pe ar e rea liz a um a perfeição dc verso que. sendo perfeição, nem ele nem ninguém mais pôde superálo no que se refere a esse propósito particular. A dureza, o artifitialismo, a ornamentação de seu verso inicial cede lugar, atinai, a uma simplificação da linguagem da fala natural, e essa linguagem de conversação ascende outra vez à grande poesia, à grande poesia que é essencialmente dramática, pois a cena pos sui um a es tr ut ur a da qu al cada ver so é um a pa rt e essencia l.
Pois parece improvável que alguém situado abaixo, no nível do ja rd im , me sm o sob o intenso brilho do luar , pudesse perc eber os olhos da amada cintilando tão luminosamente que fosse capaz de justificar tal comparação. Todavia, tem-se consciência dc que, desde o início dessa cena, há um modelo musical que se aproxima, tão inesperado cm seu gênero quanto aquele que se encontra nas primeiras obras de Beethoven. O arranjo de vozes — a Julieta cabem três únicos versos, seguidos por três, quatro e cinco de Romeu, aos quais se segue a mais longa das falas da heroína — é de fa to not áve l. Nesse mo de lo per cebe-s e qu e ca be à voz de Jul iet a a part e principal; atribui -se à sua voz a frase dom inante de todo o dueto: My bounty is as boundless as the sea, My love as deep: the more I give to thee The more I have, for both are infinite. 26 24 Esse ensai o aparec eu em sua forma primit iva como prefácio à traduç ão de The cocktail party, Aux Éditi ons du Seuil, Paris, 1952. ( N I ) 25. " Dua s das mais luminosas estrelas de todo o céu. / le ndo alguma ocup ação, suplicaram aos olhos dela / Que brilhassem em suas esferas até que elas voltass e m . " Romeu e Julieta, Ato II Cena II ( N T ) 26. "Minha bondade é tão ilimitada quanto o mar, / E tão profundo quanto este é o meu amor: quanto mais te dou / Mais tenho para dar-te, pois são ambos infinitos. Idem, ibidem. (N.T.)
"Muito semelhante ao relâmpago que sc extingue / Antes que possamos dizer Esta relampejando!' " Idem. ibidem. (N T )
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Há pelo menos duas pessoas que poderiam ter discordado de mim nesse ponto: o Sr. e a Sra. Robert Browning. No poema One word more", escrito como epílogo a Men and women 2 dirigido à Sra. Browning, o marido faz um surpreendente julgamento de valor: Rafael made a century of sonnets, Wade and wrote them in a certain volume, Dr η ted with the silver-pointed pencil Else he only used to draw Madonnas: These, the world might view but one. the volume. Who that one, you ask? Your heart instructs you... You and I would rather read that volume... Would we not? than wonder at Madonnas...
A primeira voz é a voz do poeta que fala consigo mesmo — ou com ni ng ué m. A se gu nd a voz é a voz do po et a ao di ri gir-se a uma platéia, seja grande, seja pequena. A terceira é a voz do poeta quando tenta criar uma personagem dramática que fala em verso, quanto está dizendo, não o que diria à sua pr ópr ia pessoa, mas apen as o qu e po de di zer de ntro do s li mites de uma personagem imaginária que se dirige a uma outra per son age m imagi nár ia. A dis tin ção en tr e a pr im ei ra e a se gu nd a voz, entre o poeta que fala consigo mesmo e o poeta que fala com outra pessoa, conduz ao problema da comunicação poética; a distinção entre o poeta que se dirige a outra pessoa seja com sua própria voz, seja com uma voz hipotética, e o poeta que cria uma linguagem na qual personagens imaginárias falam entre si, aponta para o problema da diferença entre os versos dramático, quase dramático e nào-dramático. Desejo antecipar uma questão que alguns de vocês poderiam perfeitamente suscitar. Não pode um poema ser escrito par a o ouvi do, ou par a o ol ho , de um a única pes soa? Po de ri am vocês dizer simplesmente: "Não será a poesia de amor, às vezes, uma forma de comunicação entre uma pessoa e outra, sem nenhuma possibilidade de uma outra platéia?". 1. Decima primeira conferênua anual da Liga National do Livro, pronunciada em 1953 e publicada para essa instituirão pela Cambridge University Press. (N A )
Dante once prepared to paint an angel: Whom to please? You whisper 'Beatrice'... You and I would rather see that angel, Pat η ted by the tenderness of Dante. Would we not ? — than read a fresh Inferno. 3 Concordo que um Inferno. ainda que escrito por Dante, é o
que basta; e talvez não precisemos lamentar muito que Rafael não multiplicasse suas Madonas, mas só posso dizer que não sinto nenhuma curiosidade por quaisquer dos sonetos de Rafael ou dos anjos de Dante. Se Rafael escrevesse, e Dante pintasse, par a os olhos de um a única pes soa , qu e sua pr iv ac id ad e fos se respeitada! Sabemos que o Sr. e a Sra. Browning gostavam de escrever poemas um para o outro porque os publicavam, e alguns deles eram bons. Sabemos que Rossetti 4 supunha estar 2
Coletâ nea publicada em 1855. (N. T.)
3. "Rafa el fez uma teniúria de sonetos, / Fê-los e escreveu-os num certo volume. / Gravados com o lápis de ponta de prata / Que usava apenas para desenhar Madonas: II Esi .is, ofert as ao mu nd o mas o volu me, a uma só pessoa. ! Qu em , pergunta ria você? Seu cora ção lhe diz. . . / Você e eu bem qu e gostarí amos de 1er esse volume... / Não poderíamos? mais do que admirar Madonas... // Dante se preparou outrora para pintar um anjo: I Para agradar a quem? A Beatriz, sussurrou você... / Você e eu bem que poderíamos ver esse anjo, I Pintado pela ternura de Dant e, / Não poderíamos? em vez de 1er um novo Infe rno ." (N.T. ) •1 Rossetti, Dante Gabriel Poeta e pintor inglês (Londres. I82H - Birchington, Kent. 1882), fundador da Confraria Pre-Rafaelita que. cm 1847, se insurgiu contra a arte oficial Herde ira do cstet icism o de Keats e Poe, sua poesia anteci pa de certa forma o simbolismo. A obra citada por Eliot constitui um ciclo de sonetos, alguns dos quais figuram entre os mais belos da língua inglesa. (N.T.)
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escrevendo os sonetos de sua House o f life para uma única pessoa e que somente os exumou quando persuadido por seus amigos. Ora, não nego que um poema possa ser dirigido a uma pess oa: há uma fo rm a conhecid ís si ma, ne m se mp re er ót ic a no conteúdo, chamada A Epístola. Não teremos jamais uma evidência conclusiva, pois o testemunho dc poetas sobre o que julgavam estar fazendo quando escreviam um poema não pode ser tomado em absoluto por moeda corrente. Mas minha opinião é a de que um bom poema de amor, ainda que seja dirigido a uma pessoa, está sempre destinado a ser ouvido secretamente por outra. Seguramente, a linguagem adequada do a m o r _ ou seja, da comunicação do ser amado com quem quer que seja — é a prosa. Após rejeitar como ilusória a voz do poeta que fala apenas para um a pess oa, ju lg o qu e a me lh or ma ne ir a pa ra mi m , no que se refere à tentativa de tornar minhas três vozes audíveis, é delinear a gênese da distinção em minha própria mente. O escritor em cujo espírito mais provavelmente ocorre a distinção é, sem dúvida, um escritor como eu. que passou um bom número de anos escrevendo poesia antes de tentar escrever para o palco. E possível, como tenho lido, que haja um elemento dramático em muitas de minhas primeiras obras. E possível que, desde o início, eu aspirasse ao teatro — ou, como poderiam dizer alguns críticos hostis —, à Shaftesbury Avenue c à Broadway.' Todavia, cheguei aos poucos a conclusão de que, ao escrever versos para o palco, tanto o processo quanto o resultado foram muito distintos do que o são quando se escrevem versos para serem lidos ou declamados. Há vinte anos fui encarregado de escrever uma peça pageant 6 que deveria intitular-se The rock? O convite para escrever as palavras desse espetáculo — à epoca de um apel o de st in ad o a ang ariar fun do s pa ra a construção de igrejas em novas áreas residenciais — chegou num V Equivalentes ingleses do teatro de bulevar. (N.T. ) 6. Representação teatral de grandes proporções. de caráter alegórico, religioso ou lendário, que remonta às próprias origens do teatro inglês e que permaneceu em voga ate' o fim do século XVI. (N.T.)
7. Publicado em 1934. Nos Collected poems 1909-1933 (1936) aparece com o mulo dc Choruses from "The rock '
Eliot recorre aqu , as matr ize s da herança
momento em que me pareciam esgotados meus escassos dons poé ti cos c qua ndo eu na da ma is ti nh a a di ze r. Ser inc umbi do, num momento desses, de escrever algo que, bom ou mau, deve estar concluído em dcierrninada data, pode ter às vezes o mesmo efeito que tem um violento giro de manivela sobre um motor de automóvel quando a bateria está descarregada. A tarefa estava nitidamente delineada: eu tinha apenas de escrever as palavras do diálogo em prosa para as cenas do modelo habitual de pageant histórico, para o qual me haviam fornecido o cenário. Tinha também de providenciar um certo número de passagens corais em verso, cujo conteúdo foi deixado à minha pr óp ri a im ag in aç ão , exc eto quan t o à razoá vel de te rmi na çã o de que todos os coros mantivessem alguma relação com o objeto do pageant c de que cada coro ocupasse um certo número dc minutos do tempo de duração do espetáculo. Mas, ao realizar essa segunda parte de minha incumbência, nada havia que me despertasse a atenção para a terceira, ou voz dramática: era a segunda voz, a do poeta que se dirige a uma platéia — ou, a rigor, que arenga com ela —, a que mais distintamente se ouvia. Afora o óbvio fato de que escrever sob encomenda não significa o mesmo que fazê-lo para satisfazer-se a si próprio, aprendi apenas que o verso a ser dito por um coro deveria ser diferente do verso a ser dito por uma única pessoa; e que quanto mais vozes houver num coro, mais simples e diretos devem ser o vocabulário, a sintaxe e o conteúdo dos versos. Esse coro de The rock não era uma voz dramática; embora muitos versos fossem distribuídos, as personagens não estavam individualizadas. Seus integrantes estavam falando para mim, c não articulando palavras que, na verdade, representassem qualquer personagem que eles supunham ser. O coro em Murder in the cathedral representa, creio cu, algum avanço no desenvolvimento dramático, o que vale dizer: atribuí a mim mesmo a tarefa de escrever versos, não para um coro anónimo, mas para um coro de mulheres de Cantuária (alguém poderia quase dizer, faxineiras de Cantuária). Eu tinha de fazer algum esforço para me identificar com tais mulheres, cm vez dc simplesmente identificá-las comigo. Mas quanto ao diálogo da peça, a intriga tinha o inconveniente (do ponto de vista de minha própria formação dramática) de apresentar ape-
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nas uma personagem dominante; e o conflito ocorria dentro do espírito dessa personagem. A terceira voz, ou voz dramática, não se tornou audível para mim senão quando abordei o pro bl em a de ap resent ar du as (o u mais) pers on agens envo lv id as em alguma espécie de conflito, vítimas de um mal-entendido, ou que se empenhavam cm compreender-se mutuamente, personagens com cada uma das quais eu tentava me identificar enquanto escrevia as palavras que eu ou elas deveríamos pronunciar. Vocês poderão se lembrar de que a Sra. Cluppins, no pro cesso qu e opôs Bar dei ! a Pickwick, tes te mu nh ou que ' as vozes eram muito estridentes, senhor, e ecoavam em meu ouvid o " . 44 Bem, Sra. Cl up pin s", disse o sargento Buzfu z, 'você não escutava, mas ouviu as vozes. 8 Foi em 1938, portanto, que a terceira voz começou a ecoar em meu ouvido. A esta altura posso imaginar o leitor mur mu ran do: Estou certo de que ele já disse tud o isso \ Recorrerei à me mór ia suprindo a referência. Na conferência 4 Poesia e dram a proferida exatamente há três anos e posteriormente publicada, eu disse: Ao escrever outro tipo de verso (isto é, o verso não-dramático), julgo que se esteja escrevendo, por assim dizer, nas condições da própria voz: a maneira como ela soa quando vocês o lêem para si mesmos é o teste, porque são vocês mesmos que estão falando. O problema da comunicação, daquilo que o leitor dela irá receber, não é primordial (...)". Há certa contusão de pronomes nessa passagem, mas creio que o significado é claro, tão claro que ilumina o óbvio. Nesse po nt o per ceb i apen as a di fe re nça en tr e fala r par a si pr óp ri o e falar para uma personagem imaginária; e passei a outras considerações sobre a natureza do drama poético. Comecei por tomar consciência da diferença entre a primeira e a terceira voz, mas negligenciei a segunda voz, sobre a qual me alongarei mais em breve. Tentarei agora penetrar um pouco mais no âmago da questão. Assim, antes de começar a refletir sobre as outras vozes, quero alinhavar algumas palavras sobre as complexidades da terceira voz. 8 Esse diálogo pertence ao romanc e burlesco Pickwick papers (1836-1837) do esm tor ingles Charles Dickens (Lan dpon, Portsmout h, 1812 Gadshill Rochester 1870). O episódio da injusta condenação imposta a Pickwick satiriza o sistema judiciário ingles. (N I )
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N uma peç a em ver so, vocês pr ov av el me nt e te rã o de en co ntrar palavras para diversas personagens que diferem imensamente umas das outras quanto ao substrato humano, ao temperamento, à educação e à inteligência. Vocês não podem se permitir identificar nenhuma dessas personagens com vocês mesmos e atribuir-lhe (a ela ou a ele) toda a "poesia" a ser dita. A poesia (ou seja, a linguagem nesses momentos dramáticos em que ela atinge sua intensidade) deve estar tão difusamente distribuída quanto o permita a natureza das personagens; e cada uma das personagens — quando há falas a dizer que são poesi a, e nã o si mp le sm en te versos —, deve ser co nt em pl ad a com versos adequados a si própria. Quando a poesia aflora, a pe rs on ag em no palco nã o deve da r a im pressão de qu e é ap enas um porta-voz do autor. Conseqüentemente, o autor está limitado pelo gênero de poesia e pelo grau de intensidade nesse gênero, que pode ser plausivelmente atribuído a cada personagem de sua peça. E essas passagens poéticas em verso devem também justificar-se pela maneira como fazem evoluir a situação cm que são elas pronunciadas. Mesmo que uma explosão de esplêndida poesia esteja adequada o bastante à personagem à qual se destina, ainda assim é preciso que ela nos convença de que é necessária à ação dramática, que ajude a extrair a máxima intensidade emocional da situação. O poeta que escreve pa ra o te at ro po de , co mo o perc eb i, co me te r doi s err os: o de atribuir a uma personagem passagens poéticas em verso impró prias a ser em di ta s por essa pe rs on ag em , e o de at ri bu ir verso s que, embora adequados à personagem, não conseguem fazer pr og re di r a açã o da pe ça. Em al gu ns dos dr am at ur go s cl isabet anos menores há passagens de magnífica poesia que estão cm ambos os aspectos fora de lugar, passagens suficientemente belas par a qu e a peça sob rev iva para se mp re co mo obra literár ia, mas ainda assim incapazes dc fazer com que a peça se torne uma obra-prima dramática. Os exemplos mais conhecidos estão no 'Γα τη burlarne de Marlowe." DeptMarlowe, Christoph er. Poeta e dramatu rgo inglês (Cante rbury. 1564 ford, perto de Londres, 159^). A tragèdia Tamburinine the Great está dividida em duas partes, respectivamente publicadas em 1590 e 1593. Alem desta, Marlowe escreveu, entre outras, a hamous tragedy o) the neh jew of Malta (c. 1592, impressa 9
em 163 5) e The tragical history of doctor Pausi us (public. 1604), que Eliot define ι omo uma "farsa trágica". (Ν.Τ )
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Como os maiores poetas dramáticos — Sófoclcs, 1 Shakespeare ou Racine — enfrentaram essa dificuldade? Esse é, naturalmente, um problema que interessa a toda a ficção imaginativa — romances e peça s em prosa — na qu al se po de di zer qu e as pers on agen s est ão vivas. No qu e me conc er ne , nã o vej o co mo fazer uma personagem ganhar vida se não se nutre por ela uma pro fun da si mp at ia . Id ea lm en te , um dr am at ur go , qu e te m ha bi tualmente de manipular muito menos personagens do que um romancista — e que dispõe apenas de duas horas dc vida, ou pouco mais, para lhes conceder —, deveria simpatizar profundamente com todas as suas personagens; mas isso é como aconselhar a perfeição, pois a intriga de uma peça até mesmo com um modestíssimo elenco pode exigir a presença de uma ou mais personagens cuja realidade, caso desconsideremos sua contribuição à ação dramática, não nos interessa. Pergunto-me, todavia, se é possível tornar inteiramente real uma personagem de todo abominável — dessas pelas quais nem o autor nem ninguém pode sentir senão antipatia. Precisamos misturar fraqueza espiritual com virtude heróica ou vilania satânica para tornar pla usí vel a pe rs on ag em . Iago me assusta mais do qu e Ricar do
III; tenho dúvidas de que Parolles, em All's well that ends well , me perturbe mais do que Iago. (E estou absolutamente certo de que Rosamund Vincy, em Middle march, 11 me atemoriza muito mais do que Goneril ou Regan. 12 ) Parecc-me que o que ocorre, quando um autor cria uma personagem vital, é uma espécie de intercâmbio. O autor pode colocar nessa personagem, além de outros atributos, algum traço que lhe pertence, alguma força ou fraqueza, alguma tendência à brutalidade ou à indecisão, ou mesmo alguma excentricidade que descobriu em si próprio. Algo que talvez jamais realizou em sua própria vida, algo que aqueles que melhor o conhecem podem ignorar, algo cuja transmissão não se restringe às personagens do mesmo 10. Em gr. Sophokles. Dramaturgo grego (Atenas, c. 495 a.C. — id. 406 a.C.). Segundo a tradição, escreveu cerca de cento e vinte peças, sete das quais se preser-
varam até nossos dias, entre elas Antífona, Édipo rei, Electra. As Iraq ut mas e Édipo em Colonos. Foi homenageado e festejado, a part.r de 468 a.C., como o maior poe ta trá gic o da Gré ci a. ( N . l )
11. M iddlemarch a ttudy of provincial life (1871-1872) é a obra-prima da romancista inglesa George Eliot. (N.T.) 12. Os dois filhos ingratos do Rei Lear, de Shakespeare. (N.T.)
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temperamento, da mesma idade e, menos ainda, do mesmo sexo. Cada parcela de si que o autor concede a uma personagem pode constituir o germe a partir do qual a vida dessa personagem se desenvolve. Por outro lado, uma personagem que consegue interessar o autor pode fazer aflorar potencialidades latentes que nele se encontravam adormecidas. Creio que o autor transmite algo em si às suas personagens, mas creio tam bé m qu e ele é in fl ue nc ia do pel as pe rs on ag en s que cria. Ser ia muito fácil perder-se num labirinto de especulações sobre o processo pe lo qu al um a pe rs on ag em im ag in ár ia pod e to rn ar se tão real para nós quanto alguém que conhecemos. Só penetrei tão a fundo nesse labirinto para indicar as dificuldades, as limitações e o fascínio, para um poeta que se acostumou a escrever poesia em seu próprio nome, do problema que é fazer com que as personagens imaginárias falem em termos de poesia; e para caracterizar a diferença abismal que existe entre escrever para a primeira e a terceira vozes. A singularidade de minha terceira voz, a voz do drama poético, manifesta-se de uma outra maneira pela comparação dela com a voz do poeta na poesia não-dramática que tem em si um elemento dramático — e, acima de tudo, no monólogo dramático. Num momento de distração crítica. Browning dirigia-se a si mesmo nos seguintes termos: 4 Robert Browning, tu, escritor de peças . Qu ant os dent re nós leram uma peça deBrowning mais de uma vez? E, se chegaram a fazê-lo, teriam sido contemplados com o prazer que esperavam? Que personagem, numa peça de Browning, permanece viva em nossa mente? Por outro lado, quem pode esquecer Fra Lippo Lippi, ou Andrea del Sarto, ou o bispo Blougram, ou aquele outro bispo que encomenda um túmulo? 13 Pareceria, sem precisar ir mais longe, que, a partir da mestria de Browning no trato com o monólogo dramático, e de sua contribuição mais modesta ao drama, as duas formas devem ser essencialmente distintas. Há, talvez, uma outra voz que não foi possível escutar, a voz do po et a dr am át ic o cuj as vi rt ud es dr am át ic as são mais be m cxer ci13 Todas essas personagens pertencem à coletânea de poemas Men and women. de Browning, já mencionada na nota 2. (N.T.)
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das fora do teatro. E, certamente, se alguma poesia, não esenta para o palc o, mere ce ser car act erizada como "d ram át ic a , esta seria a de Browning. N um a peç a, co mo já dis se, um au to r deve est ar di vi di do entre lealdades; deve simpatizar com personagens que podem de algum modo não ser simpáticas umas às outras. E deve distribuir a "poesia" tão largamente quanto o permitam as limitações de cada personagem imaginária. Essa necessidade de dividir a poesia implica certa variação do estilo poético de acordo com a personagem à qual ela é atribuída. O fato de que certo número de personagens numa peça tenha direitos sobre o autor quanto à distribuição de falas poéticas obriga-o a tentar extrair a poesia da personagem em vez de impor-lhe sua poesia. Ora, num monólogo dramático não enfrentamos tal obstáculo. O autor pode tanto identificar perfeitamente a personagem consigo mesmo quanto identificar-se tom ela, pois o obstáculo que o impediria de ir adiante não existe mais — e esse obstáculo é a necessidade de se identificar com qualquer outra personagem que responda em primeiro. Na verdade, o que normalmente ouvimos num monólogo dramático é a voz do poeta, que passa a usar o traje e a máscara, seja de alguma personagem histórica, seja de outra que não pertença à ficção. Sua pe rs on ag em dev e est ar id en ti fi ca da para nós — tan to co mo indivíduo quanto, pelo menos, como tipo — antes que comece a falar. Se, como freqüentemente ocorre em Browning, o poeta estiver falando no papel de uma personagem histórica, como Lippo Lippi, ou no papel de uma personagem conhecida da ficção, como Caliban, ele se apodera dessa personagem. E a diferença é mais evidente em seu "Caliban upon Setebos". Em The tempest é Caliban quem fala; em "Caliban upon Setebos" é a voz de Browning que ouvimos. Browning falando em voz alta pela boca de Caliban. Foi o maior discípulo de Browning, o Sr. Ezra Pound, que adotou o termo persona para indicar as diversas personagens históricas por meio das quais ele fala. E o termo é correto. Arrisco-me também à generalização — que pode, a rigor, ser muito vasta — de que o monólogo dramático não pode criar uma personagem, pois esta é concebida e materializada somente numa ação, numa comunicação entre pessoas imaginárias. Não
é sem razão que, quando o monólogo dramático não é colocado na boca dc alguma personagem já conhecida do leitor — da história ou da ficção —, provavelmente façamos a pergunta: "Quem era o original?". Com relação ao bispo Blougram, as pess oas se mo st ra m se mp re incl in adas a pe rg un ta r: em que medida se pretendia um retrato do cardeal Manning ou de algum outro religioso? Quando, como o faz Browning, o poeta fala com sua própria voz, ele não pode dar vida a uma personagem; po de ap en as im it ar um a pe rs on ag em de al gu m mod o po r nós conhecida. Mas a essência da imitação não reside no fato de que reconhecemos a pessoa imitada e no relativo malogro da ilusão? Devemos estar conscientes de que a imitação e a pessoa imitada são pessoas distintas: se formos dc fato iludidos, a imitação se torna uma impostura. Quando ouvimos uma peça de Shakespeare, não ouvimos Shakespeare, mas suas personagens; quando lemos um monólogo dramático de Browning, não po de mo s su po r qu e es te ja mo s ou vi nd o qu al qu er ou tr a voz qu e não seja a dele. No mo nó lo go dr am át ic o, po rt an to , é se gu ra me nt e a se gu nd a voz, a voz do poeta que fala com outra pessoa, que predomina. O simples fato de que ele assume um papel, de que está falando por meio de uma máscara, implica a presença de uma platéia: por que deveria alguém usar máscara e fantasia para falar consigo mesmo? A segunda voz é, na verdade, a voz mais freqüente c claramente ouvida na poesia que não pertence ao teatro; cm toda poesia, é claro, há um propósito social consciente — poe sia qu e pr et en de di vert ir ou in st ru ir , poe sia qu e co nt a uma história, poesia que prega ou sugere uma moral, ou uma sátira que é uma forma dc doutrinação. Pois onde estaria o sentido de uma história sem uma platéia, ou de um sermão sem uma congregação? A voz do poeta que se dirige a outra pessoa é a voz dominante da poesia épica, embora não a única voz. Em Homero, por exemplo, ouve-se também, vez por outra, a voz dramática: há momentos em que ouvimos, não Homero a nos contar o que disse um herói, mas a voz do próprio herói. A divina comedia não é, no sentido estrito, uma poema épico, mas nela também ouvimos homens e mulheres que falam conosco. E não temos nenhuma razão para supor que a simpa-
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tia de Milton por Satã fosse tão exclusiva que ele tivesse parte com o Demônio. Mas o poema epico é essencialmente uma história que se conta para um público, enquanto o drama é essencialmente uma ação que se expõe diante de uma platéia. Ora, o que dizer da poesia da primeira voz — aquela que não é primordialmente uma tentativa cabal para nos comunicarmos com alguém? Devo salientar que essa poesia não é, a rigor, o que chamamos vagamente de "poesia lírica". O termo lírico é em si insatisfatório. Consideramos inicialmente o verso escrito para ser cantado — das canções de Campion, Shakespeare e Burns 11 às árias dc W. S. Gilbert, 15 ou às palavras dos últimos números de music-hall. Mas o aplic amos ta mb ém à poesia qu e jamais foi composta para um quadro musical, ou que dissociamos dc sua música; falamos do "verso lírico' dos poetas metafísicos, de Vaughan e Marvell, 16 assim como de Donne e Herbert. A verdadeira definição de "lírico" no Dicionário de Oxford revela que a palavra não pode ser satisfatoriamente definida:
these yellow sands", 1 7 ou "Hark! Hark! the lark!" IH são versos líricos não é mes mo? , mas qu e sen ti do existe em diz er que eles expressam diretamente os pensamentos e as emoções do poeta? London, The vanity of human wishes, 19 The deserted village20 são poemas que parecem expressar os pensamentos c as emoções do poeta, mas será que porventura consideramos tais poemas como líricos"? Eles decerto não são curtos. Tod os os poemas que acabo de mencionar parecem não poder ser qualificados como líricos, bem como os Srs. Daddy Longless e Floppy Fly21 não puderam ser considerados palacianos:
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Lírico: Palavra que designa atualmente poemas curtos, geralmente divididos em estâncias ou estrofes, e que exprimem diretamente os pensamentos e as emoções do poeta. Quã o curto deve ser um poema para ser cham ado de líri co"? A ênfase sobre a brevidade e a sugestão da divisão em estâncias parecem ser tu do o qu e resta da associação da voz com a mú sica . Mas não há necessariamente uma relação entre a brevidade e a expressão dos pensamentos e emoções do poeta. "Come unto 14. Burns. Robert Poeta escocês (Allowcy, Ayrshire. 1759 - Dum fri es, 1796), segundo o qual a poesia e a música eram a linguagem do amor Consi derad o o
poeta nacional da Escócia, escreveu Poems, chiefly m the Scottish dialect (1786) e resgatou as canções do folclore escocês nos cinco volumes de The Scotch musical museum (1787-1797). (N.T.) 15. Gilbert, William Schwenck. Poeta e dramaturgo inglês (1836-1911). famoso por sua col abo raç ão com o co mp os it or Sir Ar th ur Sul liv an pa rt ic ul ar me nt e no qu e se refere à produção de numerosas óperas cômicas. (N.T.) 16. Marvell. Andre w. Poeta e pregad or inglês (Wi nest ead. 1621 Londres, 1678). Amigo de Milton e Donne, seus textos estão impregnados de um classicismo obscuro, à exceção do extraordinário e transparente "To his coy mistress", em que renova o tema do carpe diem horaciano. Suas obras poéticas foram publicadas sob o título d t Miscelaneous poems (1681). (N.T.)
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One never more can go to court. Because his legs have grown too short; The other cannot sing a song, Because his legs have grown too long!22 E obviamente lírico no sentido de um poema que "expressa os pensamentos e as emoções do poeta", e não no sentido desconexo de um poema curto destinado a ser posto em música, que se relaciona à minha primeira voz — a voz do poeta que fala consigo mesmo, ou com ninguém. É nesse sentido que o po et a al em ão Go ttfr ie d Be nn , 23 numa conferência dc fato interessante intitulada "Probleme der Lyrik" ("O problema do poe ma lí ri co ") , consider a o po em a lírico co mo a poe sia da primeira voz: ele inclui aí, estou certo, poemas como as Elegias 17. "V em para essas areias amarelas. Prime iro verso de uma cançã o de Ariel em A tempestade, Ato 1, Cena II. de Shakespeare. (N.T.) 18. "Escuta! Escuta! A cotovia!" (N T.) 19. Dois poemas de Samuel Johns on. (N. T.) 20. Poema de Oliver Goldsm ith, poe ta, romancista e drama turgo inglês (Pallsmore, Longfo rd, Irla nda, c 1730 Londres, 17 7 4). Além do poema citado por Eliot, que data de 1~*70. cumpre lembrar The traveller {MM), bem como o romance The
vicar of Wakefield (1766) e a comedia The stoops to conquer (1771). (N.T.) 21 Persona gens de Edward Lear que se enc ontr am num livro para crianças ameri canas. (N.T.) 22. "U m jamais poderá ir à corte, / Porq ue suas pernas cresceram mui to pouco; / O outro não pode cantar uma canção. / Porque suas pernas cresceram demais!" (N.T.) 23. Benn. Gott fried . Poeta alemão (Mansfeld. 1886 Berlim. 1956). Foi sempre um anarquista e, por desespero, mergulhou no niilismo. Sua obra está repleta de metáforas violentas e brutais, como em Morgue (1912). Fleisch (Carne, 1917),
Schutt (Escombros, 1919), Statische Gedichte (Poemai estáticos, 1948) ou Der Ptoiernaer (O Ptolomeu, 1949). (N.T.)
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de Duino, de Rilke, e La jeune Parque (A jovem Parca), de Valéry. Onde ele fala de "poesia lírica", portanto, eu preferiria dizer "verso meditativo". Pelo quê, pergunta Herr Benn nessa conferência, começa o escritor de um poema "que não se dirige a ninguém"? Antes de mais nada, diz ele, há um embrião inerte ou "germe criati-
vo" (ein dumpfer schöpferischer Keim 24 ) e, por outro lado, a linguagem, os recursos verbais à disposição do poeta. Há alguma coisa que nele germina para a qual ele precisa encontrar palavras, mas ele não sabe de que palavras necessita até que as descubra; não sabe identificar esse embrião até que este seja transformado numa combinação de palavras justas numa ordem correta. Quan do vocês enco ntr am as palavras, a coi sa" para a qual estas têm de ser encontradas desapareceu, e eis que um po em a as su bs ti tu iu . O po nt o do qu al vocês pa rt ir am não te m sequer a clareza de uma emoção, em qualquer sentido ordinário do termo; é decerto algo menos que uma idéia; é — para adaptar dois versos de Beddoes 2
bodiless childful of life in the gloom Crying with frog voice, 'what shall 1 be? 20 Concordo com Gottfried Benn, e poderia até ir um pouco além. Num po em a qu e nã o é ne m di dá ti co ne m na rr at iv o, e que nã o está animado por nenhum outro propósito social, o poeta pode estar apenas preocupado em exprimir cm verso — utilizando todos os seus recursos verbais, com sua história, suas conotações, sua música — esse obscu ro impu lso . Ele não sabe o qu e tem a dizer até que o diga; e no esforço para dizê-lo não está interessado no fato dc que outra pessoa não entenda coisa alguma. Ele não está, nesse momento, absolutamente interessado em ninguém, a não ser em descobrir as palavras certas, ou então 24. "Um germe mais apático c criativo." (N.T.) 25. Beddoes, Thom as Lovci 1. Poeta ingles (Cl ift on, Some rset . 1803 Basiléi a. 1849). Avido leitor de romances góticos, manifestou desde seu primeiro livro, The bride'i tragedy (1821), uma aguda obsessão pela morte Deixou ta mbé m um estra-
nho poema dramático, Death \ jest hook, or the fool's revenge tragedy , só publicado após sua morte, assim como os Poems. (N.T.) 26. "Cri ança sem corpo que aspira à vida nas trevas / Gri ta ndo com uma voz coaxante: Ό que serei eu?'." (N.T.)
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as que são as menos impróprias. Não está interessado em saber se alguém mais as ouvirá ou não, ou se alguém mais as compreenderá, se ele as compreende. Está sob o peso de um fardo do qual precisa se livrar para obter algum alívio. Ou, para recorrer a uma outra imagem, está acossado por um demónio, um demónio contra o qual ele se julga impotente, pois em sua primeira manifestação este não tem face, nem nome, nem nada; e as palavras, o poema que ele concebc, são uma espécie de exorcismo desse demônio. Em outras palavras ainda, ele se concede todo esse cuidado, não para se comunicar com alguém, mas para obter alívio de um agudo mal-estar; e quando as palavras afinal se arrumam de modo correto — ou de acordo com aquilo que ele chega a admitir como o melhor arranjo dc que foi capaz —, pode o poeta experim entar um insta nte dc exaustão, de apaziguamento, de absolvição e de algo muito próximo do aniquilamento, que é em si indescritível. E enrão ele pode dizer ao po ema : Vai! Encontr a para ti um luga r em um livro — e nã o esp era de mim que eu tenha algum futuro interesse po r t i! ". ^ t Nã o creio qu e a rel ação de um po em a com sua s or ig en s possa ser mai s cl ar am en te de li ne ad a. Vocês po de m 1er os ensai os de Paul Valéry, que estudou as funções de sua própria mente na composição de um poema com mais obstinação do que qualquer outro poeta. Mas sc, que^ com base naquilo que os po et as te nt am di zer a vocês, qu er po r me io de pe sq ui sa s bio gráficas, com ou sem o instrumental do psicólogo, vocês tentarem explicar um poema, provavelmente dele se distanciarão cada vez mais, sem chegar a nenhum outro destino. A tentativa de explicar o poema remontando a suas origens desviará a atenção do poema para dirigi-la a qualquer outra coisa que, na forma em que pode ser apreendida pelo crítico ou por seus leitores, não tem nenhuma relação com o poema e absolutamente não o esclarece. Não gostaria que vocês imaginassem que estou tentando tornar o texto de um poema mais misterioso do que ele já é. O que sustento c que o primeiro esforço do poeta deveria ser no sentido de adquirir clareza para si mesmo, dc assegurar para si que o poema constitui o resultado correto do processo que foi desenvolvido. A mais desastrada forma dc obscuridade é aquela do poeta que não foi capaz dc
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se expressar para si mesmo; a mais pretensiosa das formas ocorre quando o poeta tenta persuadir a si mesmo de que tem algo a dizer quando não o tem. Até agora falei, por amor à simplicidade, das três vozes como se elas reciprocamente se excluíssem; como se o poeta, cm qualquer poema particular, falasse fosse consigo mesmo, fosse com os outros, c como se nenhuma nem outra das duas pr im eira s voze s fosse m aud íveis na hor a da boa poesi a dr am ática. E essa, na verdade, é a conclusão à qual a argumentação de Herr Benn parece conduzi-lo, pois ele fala como se a poesia da primeira voz — que considera, aliás ser afinal um desenvolvimento de nossa própria época — constituísse uma espécie totalmente distinta de poesia daquela do poeta que se dirige a uma platéia. Mas, para mim, as voze< são amiúde encontradas ju nt as: a pr im ei ra c a se gu nd a, co mo pe ns o, na poe sia nã o- dr amática; e associadas à terceira também na poesia dramática. Mesmo que, como tenho sustentado, o autor dc um poema possa tê-lo escrito in icia lm ente sem pe nsar numa pl at éi a, ele desejará também saber o que o poema que o satisfez terá a dizer a outra pessoa. Antes dc mais nada, existem aquel es poucos amigos à apreciação dos quais ele pode desejar submetê-lo antes de o considerar concluído. Eles podem ser de muita utilidade, sugerindo uma palavra ou uma frase que o autor não foi capaz de encontrar por si mesmo, embora a maior contribuição que possam dar seja talvez a de dizer apenas: "Essa passagem não está boa", confirmando assim uma suspeita que o autor suprimiu de sua própria consciência. Mas não penso essencialmente naqueles poucos amigos criteriosos cuja opinião o autor preza, e sim nu m pú bl ic o lei tor mais nu me ro so e de sc on he ci do — pessoas para as quais o no me do au to r nã o signi fi ca mais do que o poema de seu punho que acabaram de 1er. A entrega definitiva, por assim dizer, do poema a um público desconhecido, à revelia do que esse público possa fazer do poema, par ece -m e o epíl ogo do processo in iciado na sol id ão e sem qu e se cogitasse do público, esse longo processo de gestação do po em a, poi s ele assi nala a separaçã o fi nal en tr e o po em a c o autor. Deixemos o autor, a essa altura, descansar em paz. Por ora é o bastante do poema que é, acima de tudo, um po em a da pr im ei ra voz. Ju lgo qu e em to do po em a, da me di ta ção pessoal ao poema épico ou ao drama, há mais do que uma
voz a ser ouvida. Se o autor jamais falasse consigo mesmo, o resultado nunca poderia ser poesia, embora pudesse ser esplêndida retórica; e uma parte dc nosso prazer com a grande poesia consiste no prazer de ouvir ao acaso palavras que não nos foram destinadas. Mas se o poema fosse escrito exclusivamente para o autor, seria ele um poema concebido numa língua secreta e desconhecida; e um poema que estivesse reservado apenas para o autor não seria em absoluto um poema. Quanto ao drama poé tico, esto u in clin ado a acr edi tar qu e nele to da s as vozes seja m audíveis. Primeiro, a voz de cada personagem — uma voz individual distinta daquela de qualquer outra personagem, de modo que podemos dizer dc cada elocução que ela só pode ter sido articulada por aquela personagem. Podem ser ouvidas aí, vez por outra, c talvez quando menos o percebamos, as vozes do autor e da personagem cm uníssono, dizendo algo adequado à personagem, mas algo que o autor também poderia dizer a si próprio, embora as palavras pudessem não ter em absoluto o mesmo significado para ambos. Tal ocorrência pode ser algo dc muito distinto do ventriloquismo que faz da personagem apenas um porta-voz das idéias ou dos sentimentos do autor.
A manhã e amanhã e amanhã (...) Nã o ser iam o im pa ct o e a sur presa desses verso s tri viais a pr ova de que Shakespeare e Macbeth estivessem pronunciando as palavras em uníssono, embora talvez com um significado diferente? E afinal há os versos, nas peças do maior dentre todos os poetas dramáticos, nos quais ouvimos uma voz ainda mais impessoal do que a da personagem ou do autor:
Ripeness is all 27 ou
Simply the thing I am
Shall make me live. 2H
27. "A matu rid ade e' tud o " Aforis mo largado por Edgar a seu pai Gloucester (Shakespeare. Rei Lear, Ato V. Cena II). que significa que se morre na sua hora, e nâo antes. (N.T.) 28. "Simplesmente aquilo que sou / Me fará vivo. ' Shakespeare, All's well lhat ends well . Ato IV. Cena III. (N T )
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Gostaria agora de voltar por um momento a Gottfried Renn e à sua desconhecida e obscura materia psíquica — poderíamos dizer, o polvo ou o anjo com os quais o poeta luta. Sugiro que entre as très espécies de poesia às quais correspondem minhas très vozes haja uma certa diferença processual. No po em a em qu e pr ed om in a a pr im ei ra voz — a do po et a que fala consigo mesmo —, a "ma tér ia psíquica ten de a criar sua própria voz: a forma eventual será, em maior ou menor grau, aquela que convém a um único poema, e não a outro. E errôneo, decerto, falar da matéria como algo que cria ou impõe sua própria forma: o que ocorre é um desenvolvimento simultâneo da forma e da matéria, pois a forma afeta a matéria cm todas as etapas, e talvez tudo o que caiba à matéria seja repetir "isso, não! isso, não!", diante de cada tentativa malograda que vise a organização formal; e, finalmente, a matéria é identificada com sua forma. Mas na poesia da segunda e da terceira vozes a forma se acha pronta até certo ponto. Entretanto, por mais que essa forma possa ser /rj^jformada antes que o poema esteja concluído, ela pode ser representada desde o início por um esboço ou um cenário. Se eu preferir contar uma história, preciso ter al gu ma noção do en re do da história qu e me di sp onho a contar; se optar pela sátira, a de fundo moral ou a inventiva, já há algo dado que posso reconhecer e que existe tanto par a os outr os qu an to para mi m. E se me pon ho a escr ever uma peça, começo por um ato de escolha: decido-me por uma determinada situação emocional, da qual as personagens e a intriga irão emergir, e posso antecipadamente elaborar um plano sumário cm prosa da peça, quaisquer que sejam as alterações a que ele possa ser submetido antes que a peça esteja concluída, de acordo com a maneira como as personagens se desenvolvem! E provável, naturalmente, que ocorra no início a pressão de alguma matéria psíquica grosseira e desconhecida capaz de induzir o poeta a contar aquela determinada história, a desenvolver aquela determinada situação. E, por outro lado, o quadro, já escolhido, dentro do qual o autor decidiu trabalhar, pode evocar outra matéria psíquica; e então os versos podem nascer nao do inipulso original, mas a partir de um estímulo secundário do subconsciente. Tudo o que importa é que, ao fim, as vozes sejam ouvidas em harmonia; e, como já disse, duvido que cm qualquer verdadeiro poema apenas uma voz seja audível
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A esta altura, o leitor pode muito bem estar se perguntando aonde pretendo chegar com todas essas especulações. Estaria eu me dando o trabalho de tecer uma trama requintada dc inútil ingenuidade? Bem, estou tentando falar, não para mim mesmo — como vocês podem ter tentado imaginar —, mas para o leit or de poe sia. Eu gos taria dc pen sar qu e esse am an te dc poesia pudesse estar interessado em averiguar minhas afirmações ao longo de suas próprias leituras. Poderiam vocês distinguir essas vozes na poesia que lêem, ou ouvem declamada, ou escutam no teatro? Se vocês se queixam de que um poeta é obscuro, e aparentemente os ignora, a vocês, leitores, ou de que está falando apenas para um restrito círculo de iniciados do qual vocês estão excluídos, lembrem-se dc que aquilo que ele pode ter tentado fazer foi colocar algo nas palavras que não po de ri a ser di to de ou tr o mod o c, co ns eq üe nt em en te, numa linguagem que talvez valesse a pena aprender. Se vocês lamentam que um poeta é demasiado retórico, e que se dirige a vocês como se todos estivessem numa reunião pública, tentem prestar atenção aos momentos em que ele não está se dirigindo a vocês, mas apenas deixando-se ser ouvido ao acaso: ele pode ser um Dryden, um Pope ou um Byron. E se vocês forem escutar uma peça em verso, considerem-na antes de mais nada pelo que ela vale como entretenimento, pelas personagens que falam cada uma por si, qualquer que seja o grau de realidade que seu autor lhes pôde atribuir. Talvez, caso se trate de uma grande peça, e se vocês não te nt ar em se em pen ha r ao má xi mo par a ouvi-las poderão também discernir as outras vozes. Pois a obra de um grande poeta dramático, como Shakespeare, constitui um universo. Cada personagem fala por si, mas nenhum outro poeta ter ia en co nt ra do as me sm as pal avr as par a qu e elã as dissesse. Se vocês procurarem por Shakespeare, somente o encontrarão nas personagens que ele criou, pois a única coisa em comum entre tais personagens é que ninguém, a não ser Shakespeare, poderia ter criado qualquer uma delas. O mundo de um grande poeta dramático é um mundo no qual o criador está presente em toda parte, e em toda parte oculto.
AS FRONTEIRAS DA CRITICA
AS FRONTEIRAS DA CRÍTICA'
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e considerável entusiasmo; e poderia parecer que eu estivesse pe ns an do cm um ou mais crític os de re pu ta çã o so li da me nt e estabelecida e mais antigos do que cu no ofício, cujos textos não atendiam às minhas exigências do que deveria ser a crítica literária. Mas não consigo me lembrar de um livro de ensaios, ou do nome de um só crítico, como representante da espécie dc crítico impressionista que despertou a minha ira trinta e três anos atrás. A única razão que tenho agora para mencionar esse ensaio é advertir até que ponto o que escrevi sobre esse assunto cm
1923 está "datado". Os Principles of literary criticism, de
A tese que sustento neste ensaio é a de que há limites além dos quais, numa certa direção, a crítica literária deixa de ser literária e, numa outra, deixa de ser crítica. Em 1923 escrevi um artigo inti tul ado " Th e funct ion of criticism".· 1 Devo ter esse ensaio em alta estima, tanto assim que, dez anos depois, o incluí em meus Selected essays, nos quais ele pode ainda hoje ser encontrado. Ao reler recentemente esse ensaio, fiquei talvez algo confuso, surpreso com todo o estardalhaço que se criou em torno dele, embora me sentisse contente por na da en cont ra r aí qu e na verd ade con tr ariasse mi nh as pr esentes opiniões. E que, deixando de lado uma querela com o Sr. Middleton Murry* sobre "a voz interior'' — disputa na qual reconheço a antiga aporia Autoridade versus Julgamento Individual —, concluí ser impossível relembrar as razões de meu destempero. Fiz uma série de afirmações com segurança 1. Conferência da Fundação Gideon Seymour, pronunciada na Universidade de Minnesota em 1956 e publicada por essa universidade. (N A.) 2. A tradução desse ensaio foi recentemente publicada no Brasil em Ensaios, de T. S. Eliot, tradução , introduç ão e notas de Ivan Jun que ira , Art Editora São Paulo 1989. (N.T.) 3. Murry. Joh n Middlet on. Escritor inglês (Pcc kham , perto de Londres 1889 — Londres. 1957) amigo pessoal de Eliot, de quem publicou poemas e ensaios na revista The Athenaeum, por ele dirigida. Casou-se com Katherine Mansfield e foi amigo de D. H. Lawrence e Aldous Huxley. (N.T.)
Richards, 4 foram publicados cm 1925. Muitas coisas aconteceram na crítica literária desde que esse influente livro foi editado, c meu ensaio foi escrito dois anos antes. A crítica se desenvolveu e se esgalhou em diversas direções. A expressão "The Ne w Crit ici sm ( " A Nov a Cr ít ic a" ) é am iúd e ut il iz ad a po r pess oas qu e não su põ em a di ver sidade qu e cia co mp or ta, ma s seu uso corrente, creio cu, reconhece o fato de que os mais ilustres críticos de hoje, por maiores que sejam suas divergências, diferem todos, de algum modo significativo, dos críticos da geração anterior. Há muitos anos salientei que toda geração deve produzir sua própria crítica literária, pois, como disse, "cada geração traz à contemplação da arte suas próprias categorias dc julgamento, faz suas próprias exigências artísticas e desenvolve seus pró prios usos da ar te" . Qua nd o fiz essas afir mações, est ava cer to de ter em mente que isso significava mais para mim do que as mudanças de gosto e de moda: cu tinha em mente, pelo menos, o fato de que cada geração, ao examinar uma obra-prima do pas sado a part ir de um a per spe cti va di fe re nt e, é pr ej ud ic ad a cm sua atitude por um número dc influências maior do" que aquele que se exerce sobre a geração precedente. Mas duvido 4 Richards. Ivor Armst rong. Crítico literário inglês (Sand bach , 1893 — Cam bri dge. 1979), cujas idéias sobre os valores racionais e emocionais da língua foram desenvolvidas nos Estados Unidos pelos fundadores do New Criticism. Toda a sua crítica literária se apoia em bases semânt icas . "A obra cit ada por Eliot é hoje um clássico da crítica contemporânea. Deixou, ainda, entre outros, lhe meaning of meaning
(1923), Science aru/poetry (1926). Practical criticism (1929) e Coleridge on imagi nation (1934). (N.T.)
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AS I RONTHIRAS DA CRITICA
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que eu tivesse em mente o fato de que uma importante obra de crítica literária pudesse alterar e expandir o conteúdo da expressão "crítica literária" em si. Alguns anos depois, dirigi a atenção para as constantes variações no significado da palavra educação desde o século XVI até os dias de hoje, uma mudança que se produziu graças ao fato de que a educação não apenas englobava cada vez mais assuntos, mas também vinha sendo ministrada ou imposta a um número cada vez maior de pessoas. Se decidíssemos acompanhar os desdobramentos da expressão "crítica literária" da mesma maneira, concluiríamos que algo análogo estaria ocorrendo. Compare-se uma obra-prima como Lives of the poets, de Johns on, 5 com a grande obra crítica que se lhe seguiu, a Biographia literaria, de Coleridge. 6 Não se trata simpl esment e do fato de John son repr esentar uma tradi ção literária ao fim da qual ele próprio pertence, enquanto Coleridge defende os méritos e critica as fragilidades de um novo estilo. A diferença mais pertinente com relação àquilo que cu disse deve-se ao alcance e à variedade dos interesses que Coleridge fez pesar em sua discussão sobre a poesia. Estabeleceu a importância da filosofia, da estética e da psicologia; e a partir do momento em que introduziu tais disciplinas na crítica literária, os futuros críticos não puderam mais ignorá-las senão sob seus pr ópri os riscos. É nece ssár io um esf orç o de im ag in aç ão his tór ica para apr eci ar Jo hn so n; um crí tic o mo de rn o ter á de ce rt o mui to mais em comum com Coleridge. Na verdade, pode-se dizer que 5. Johnson, Samuel. Poeta e crítico literário inglês (Lichfield, Stratrfordshire. 1709 — Lon dre s, 1784 ). cu ja au to ri da de in te le ct ua l do mi no u as let ras in gle sa s du ra nt e toda a segunda metade do século XVIII. Embora reabilitado por Eliot como poeta, foi o responsável pelo esquecimento, por mais de um século e meio, de Donne e de toda a poesia metafísica. A obra citada por Eliot, cujo título completo é The T L , /
E nglt sh poets dat a
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dc
1791
· Escreveu, ainda, entre outros. Account
of the life of Mr. Richard Savage (1744) e o Dictionary of the English language (1755). (N.T .)
*
Λ
Coleridge, Samuel Taylor. Poeta e ensaísta inglês (Ottery, Saint-Mary, Devon-
shire. 1772 — Londres. 1834). Suas principais obras poéticas estão reunidas em
Poems on various subjects (1796) e nas Lyrical ballads (1798). de parceria com Words worth . A obra a que Eliot se refere foi publ ica da em 1817 e é sem dúvid a uma das maiores de toda a crítica literária inglesa. Nela, o autor estabelece as distinções fundamentais entre a imagination e a fancy. bem como o revolucionário conceito da suspension of disbelief, que influenciou toda a moderna crítica literáD C , X 0 U a m d a A i d s to Te ecti fl <>» (1825) e Lectures on Shakespeare (1856). (N.T.)
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a crítica dc nossos dias descende em linha direta de Coleridge, que, estou certo, se ainda estivesse vivo, teria pelas ciências sociais e pelo estudo da língua e da semântica o mesmo interesse que as ciências de sua época lhe proporcionaram. A consideração da literatura à luz de um ou mais desses estudos é uma das duas causas principais da transformação da crítica literária cm nosso tempo. A outra causa não foi tão plenamente reconhecida. A crescente atenção dada ao estudo das literaturas inglesa c americana em nossas universidades e, na verdade, em nossas escolas levou a uma situação em que muitos críticos sc tornaram professores e muitos professores passaram a ser críticos. Longe de mim lamentar essa situação: a maior part e da crític a qu e ho je de fa to nos int ere ssa é ob ra de ho men s de letras que encontraram seu caminho nas universidades e de eruditos cuja atividade crítica começou a ser exercida na sala de aula. E nos dias que correm, quando um jornalismo literário sério constitui um veículo inadequado, assim como um precário meio de sustento para todos à exceção de uns pouco privilegiados, é assim que deve ser. Isso significa apenas que o crítico de hoje pode ter um contato algo diferente com o mundo e estar escrevendo para um público algo distinto daquele em que viveram seus antecessor es. Tenho a impr essão de qu e uma crítica séria está sendo agora escrita para um público diferente, mais limitado, ainda que não necessariamente menos numeroso, do que aquele do século XIX. Nã o fa z mu ito tem po im pr es si on ei -m e com um a observação do Sr. Aldous Huxley em seu prefácio à tradução inglesa
de The supreme wisdom (A sabedoria suprema), livro do psiquiatra francês Dr. Hubert Benoit sobre a psicologia do zen bu di sm o. A obs ervaç ão do Sr. Huxley co rr es po nd e à im pr essão que recebi dessa notável obra quando a li cm francês. Huxley compara a psiquiatria ocidental à disciplina do Leste tal como ela é encontrada cm Tao e Zen: "A meta da psiquiatria ocidental", diz ele, "é ajudar o indivíduo perturbado a se ajustar à sociedade dc indivíduos menos per turb ados — indivíduos qu e a observação nos revela estarem bem adaptados uns aos outros e às instituições locais, sem que nos preocupemos, porém, em saber se eles estão ajustados à Ordem Fundamental das Coisas (...) Mas há uma outra
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espécie de normalidade — uma normalidade que funciona perfeitamente (...) Até mesmo alguém que esreja perfeitamente ajustado a uma sociedade desequilibrada pode se preparar, se assim o quiser, para tornar-se ajustado à Natureza das Coisas". A aplicabilidade disso ao assunto de que estou me ocupando não é imediatamente óbvia. Mas assim como a psiquiatria ocidental, do ponto de vista do zen-budismo, é confusa ou equivocada quanto à finalidade da cura a ponto de tornar-se necessário que sua atitude deva a rigor retroceder, da mesma forma me pergunto se a fragilidade da crítica moderna não advém de uma incerteza quanto à finalidade da crítica. Que benefício ela traz, e a quem? Sua verdadeira riqueza e variedade talvez estejam obscurecidas por seu propósito final. Qualquer crítico po de ter em vista um ob je ti vo de fin id o, po de est ar co mp rom etido com uma tarefa que dispense justificativas, e no entanto a crítica em si pode estar em dúvida quanto a seus objetivos. Se assim o for, não chega a surpreender: pois não é agora lugarcomum dizer que as ciências e até mesmo as humanidades alcançaram um ponto de desenvolvimento no qual há tanto a saber sobre qualquer especialidade que nenhum estudante dis põe de te mp o para ap re nd er gr an de coisa sobr e to do o res to? E a procura de um programa que associasse o estudo especializado a alguma educação geral foi seguramente um dos problemas mais discutidos em nossas universidades. Nã o po de mo s, é cla ro, vol tar à un iv er si da de de Ar istó tele s ou à de Santo Tomas de Aquino; e não podemos voltar ao estágio da crítica literária anterior a Coleridge. Mas talvez nos caiba fazer algo para evitar que sejamos subjugados por nossa própria atividade crítica, por continuamente estarmos fazendo perguntas como esta: a partir de que momento a crítica não é mais crítica literária, mas algo diferente? Tenho me surpreendido um pouco ao constatar que, de vez em quando, consideram-me como um dos ancestrais da crítica moderna, ainda que eu fosse muito velho para ser um crítico moderno. Assim, num livro que li recentemente escrito por um au to r qu e dece rt o é um crí tico mo de rno , en co nt re i uma referência ao New Criticism, segundo a qual, diz ele, "designo não apenas os críticos americanos, mas todo movimento crítico que deriva de T. S. Eliot". Não compreendo por que o
autor me isolaria tão radicalmente dos críticos americanos, mas, por ou tr o la do, não consi go pe rc eb er n enh um mov imen to crítico do qual se possa dizer que haja derivado de mim, embora eu espere que, como editor de The Criterion, haja dad o ao New Cr iticism al gu m es tí mu lo e cert o ca mp o pa ra ex peri ênci as. Entretanto, julgo que, para justificar essa aparente modéstia, eu deveria indicar o que considero ter sido minha própria contribuição à crítica literária e quais são as suas limitações. O melhor de minha crítica literária - à parte algumas expressões famosas que obtiveram um sucesso realmente embaraçoso pelo mu nd o afora abrang e ensaios sobre poetas e dra mat urg os do verso que me influenciaram. Trata-se de um produto derivado de minha oficina poética particular, ou um prolongamento da reflexão que levou à elaboração de meu próprio verso. Se olho para trás, vejo que escrevi melhor sobre poetas cujas obras me influenciaram e com cuja poesia me familiarizei muito antes de escrever sobre eles, ou de ter encontrado a ocasião de fazêlo. Minha crítica tem isso em comum com a de Ezra Pound, de modo que seus méritos e limitações só podem ser plenamente apreciados quando considerados em relação à poesia que eu mesmo escrevi. Na crítica de Pound há um elemento mais didático: o leitor que ele tem em vista, suponho, é primordialmente o poeta jovem cujo estilo ainda não amadureceu. Mas foi o amor de certos poetas que o influenciou, e (como digo de mim mesmo) um prolongamento de sua meditação sobre sua obra pessoal que inspira um antigo livro que permanece como um dos melhores do ensaísmo literário poundiano, The
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spirit of romance. Esse género de crítica da poesia feita por um poeta, ou o que chamo de crítica de oficina, tem uma óbvia limitação. O que não tem nenhuma relação com a própria obra do poeta, ou o que lhe é desfavorável, está fora do alcance de sua competência. Outra limitação da crítica de oficina é que o julgamento crítico pode revelar-se pouco confiável fora de sua arte. Minhas avaliações de poetas permaneceram razoavelmente as mesmas durante toda a minha vida; em particular, minhas opiniões sobre um certo número de poetas vivos continuaram inaltera7. Public ação de gla nde prestígio literá rio que Eliot dirigi u de 1922 a 1939. (N.T .)
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das. Não é por essa razão, entretanto, que aquilo que tenho em mente, ao falar sobre crítica, é o que a maioria dos críticos tinha em mira ao generalizar sobre literatura. A crítica da prosa de fi cçã o é de cri ação re la ti va me nt e re ce nt e, e nã o es to u qualificado para discuti-la; mas parece-me que ela exige um sistema de pesos e medidas algo diferente do que aquele que se aplica à poesia. O exame das diferenças entre as maneiras mediante as quais o crítico deve abordar os vários genres de literatura, bem como entre as espécies de aparato mental requeridas, poderia, na verdade, fornecer um interessante assunto para al gu m crí tico da crítica , al gu ém qu e nã o fos se ne m po et a nem romancista. Mas a poesia é o assunto mais adequado de crítica para se ter em mente quando se fala sobre crítica, pela simples razão de que suas qualidades formais se prestam mais facilmente a uma generalização. Na poesia poderia parecer que o estilo é tudo, o que está longe de ser verdadeiro; mas a ilusão de que, na poesia, estamos mais próximos de uma experiência estritamente estética torna a poesia o mais apropriado genre de literatura que devemos ter em mente ao discutirmos a crítica literária em si. Uma boa parte da crítica contemporânea, que tem sua origem no ponto em que a crítica se confunde com a erudição e em que a erudição se dissolve na crítica, pode ser caracterizada como a crítica de explicação por meio das origens. Para tornar claro o que pretendo dizer, citarei dois livros que exerceram, nesse contexto, uma influência antes maléfica. Não quero dizer que sejam maus livros; pelo contrário: são ambos livros que todos deveriam conhecer. O primeiro é The road to Xanadu, de John Livingstone Lowes, 8 e que recomendo a todo estudante de poes ia qu e ainda não o te nh a li do. O ou tr o é Finnegans wake de James Joyce, cuja leitura, pelo menos a de alg umas pág inas, aconselho a todo estudante de poesia. Livingstone Lowes foi um notável erudito, um bom professor, um homem louvável e com relação ao qual tenho razões pessoais para me sentir profundament e grato. James Joyce foi um hom em de gênio, um ami go pessoal, e a ref erê nci a qu e faç o aq ui ao Ftnnegans wake não é nem para louvar nem para reprovar um livro que certamente
pert ence à cat ego ria dos quais se po de dizer qu e são monumentais. Mas o único e óbvio traço comum entre The road to Xanadu e Finnegans wake é que podemos dizer de cada um deles: um livro como este é o que basta Explicarei àqueles que nunca leram The road to Xanadu, que se trata de um fascinante trabalho detetivesco. Lowes investigou todos os livros que Coleridge leu (e Coleridge foi um leitor onívoro e insaciável) e dos quais tomou por empréstimo imagens ou expressões que podem ser encontradas em Kubla Khan e em The ancient marinerà Muitos dos livros que Coleridge leu são obscuros e esquecidos — ele leu, por exemplo, todos os livros de viagem que lhe caíram às mãos. E Lowes demonstrou, de uma vez por todas, que a originalidade poética consiste, em grande parte, numa forma original de reunir os mais disparatados e inverossímeis materiais para constituir um novo con ju nt o. A de mo ns tr aç ão é de to do co nv in cent e e atest a quant o o material é digerido e transformado pelo gênio poético. Ninguém que haja lido esse livro poderia supor que compreendeu melhor The ancient manner , nem que o Dr. Lowes haja tido a menor intenção de tornar o poema mais inteligível como poesia. Ele estava envolvido na investigação de um processo, uma investigação que se desenvolvia, stneto sensu, além das fronteiras da crítica literária. Mas permanece um mistério tão denso quanto antes a maneira como a matéria constituída por essas migalhas das leituras de Coleridge se transformou em grande poe sia. Al gu ns er ud it os ot im ista s, to dav ia, se ap od er ar am do método de Lowes para oferecer a chave da compreensão de qualquer poema escrito por qualquer poeta que evidencie haver lido o que quer que seja. "Pergunto-me", escreveu-me há um ou dois anos um senhor de Indiana, "— é possível que eu esteja louco, naturalmente —" (era uma interjeição dele, não minha; é claro que ele não estava louco de todo, mas apenas ligeiramente perturbado ao terminar a leitura de The road to Xanadu) y 4, se 4os gatos cadavéricos da civilização', hip opót amo apodrec ido' e o Sr. Kurtz têm algu ma vaga relação com aqu ele cadáver que você plantou no ano passado em seu jardim ?" Isso
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8. Publi cado em Boston, em 1927. A segun da ediçào é de 1930 (N T )
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9. São talvez os dois mais conhecidos poemas de Coleridge. O tí tulo complet o do pr im ei ro c Kubla Khan. a vision. (N.T.)
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nos leva a pensar em algo que se assemelha ao delírio, a menos que vocês identifiquem as alusões: trata-se apenas dc um pesquisador honesto que tenta estabelecer certo vínculo entre lhe
a montagem de minha peça The cocktail party, minha corres po nd ên ci a se av ol um ou du ra nt e meses com cartas qu e me of er eciam soluções surpreendentes para aquilo que os missivistas julgavam ser o enigma do significado da peça. E era evidente que tais missivistas não se mostravam agastados com o quebra-cabeça que, como supunham, eu lhes havia proposto — pelo contrário, isso os encantava. Na verdade, embora estivessem inconscientes do fato, eles inventaram a charada pelo prazer de encontrar a solução. Devo admitir aqui que, numa ocasião memorável, não consegui furtar-me à culpa dc haver induzido os críticos em tentação. As notas a The waste landi Eu pretendia de início fornecer apenas todas as referências de minhas citações, com o objetivo dc frustrar as intenções dos críticos de meus primeiros poemas, os quais me acusaram de plágio. Mais tarde, na época cm que se acabou de imprimir The waste land sob a f orm a dc um livrinho — pois o poema, quando de sua primeira publicação em The Dial 12 e em The Criterion, não incluía notas dc espécie alguma —, descobriu-se que o texto era infelizmente curto, de modo que me entreguei à tarefa de ampliar as notas para co nseg ui r al gu ma s pági na s a mai s de ma té ri a im pr essa, com o propósito de que elas se tornassem uma exibição de falsa erudição que se pode ainda ver hoje em dia. Tenho às vezes pe ns ad o em me livr ar dess as nota s, mas ago ra elas ja ma is po de rão ser removidas da obra, pois alcançaram uma popularidade quase tão grande quanto a do próprio poema — todos os que compravam meu livro de poemas, e lá não encontravam as notas a The waste land , pediam o dinheiro dc volta. Mas não creio que elas tragam nenhum prejuízo a outros poetas: certamente não conheço nenhum bom poeta contemporâneo que haja abusado dessa mesma prática. (Quanto à Srta. Marianne Moore, 1 ' suas notas aos poemas que escreve são sempre perti-
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waste lande o Heart of darkness, de Joseph Conrad . 10 Ora, enquanto o Dr. Lowes excitava tais adeptos da hermenêutica com um zelo instigativo, o Fmnegans wake lhes fornecia um modelo segundo o qual gostariam eles que fossem escritas todas as obras literárias. Apresso-me em explicar que não estou nem ridicularizando nem denegrindo o trabalho desses exegetas que se dedicam a desemaranhar todos os tios e rastrear todas as pistas nesse livro. Se o Fmnegans wake deve ser cabalmente compreendido — e não podemos julgá-lo sem esse estorço — cu mp re per sev era r nessa espécie de investigaçã o; e os Srs. Campbell e Robinson 11 (para mencionar os autores desse gênero de trabalho) realizaram um esplêndido estudo. Minha queixa, se há algu ma, é contra James Joyce, o aut or dessa monstru osa obra-prima, por haver escrito um livro tal cujas vastas extensões constituem, caso não haja uma requintada explicação, apenas um belo absurdo (belíssimo, aliás, quando declamado por uma voz irlandesa tão encantadora quanto a do autor — poderia ele tê-la gravado mais vezes!). É possível que Joyce nã o imagi nasse quão obscuro é seu livro. Qualquer que seja o julgamento (c não me arrisco a fazê-lo) quanto ao lugar que o Fmnegans wake possa ter na literatura, não creio que a maior parte da poesia (pois o livro de Joyce consti tu i um a esp éci e de vas to po em a em pro sa) seja escr ita desse mod o ou qu e exi ja essa esp écie dc dissecção para qu e possa ser fr uíd a ou ent en di da . Mas suspeito que os enigmas que encontramos no Fmnegans wake tenham dado crédito ao erro, predominante hoje em dia, de uma interpretação equívoca quando à sua compreensão. Após 10. Cabe aqui um breve esclarecimento ao leitor: as últimas linhas da carta do senhor de Indiana transcritas por Eliot aludem a dois versos pertencentes à primeira seçào. "O enterro dos mortos ', 71-72, de The waste land (V)2iy "That corpse you planted last year in your garden, / Has it begun to sprout? Will it bloom this year?" ("O cadaver que plantaste ano passado cm teu jardim / Já começou a brotar? Dará flores este ano?"); e ao Sr. Kurtz, personagem de Heart of darkness, romance que Conrad publicou em 1902 e do qual Eliot extraiu a frase "Mistah Kurtz — he dea d". (" O Sr. Kurtz ele está mo no ." ), que serve de epígrafe ao seu poema The hollow men, publicado em 1925. (N.T.) 11. Joseph Campbell e Η. M. Robinson. A skeleton key, 1947. (N.T.)
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12. Importa nte publicaçã o literária londrina em que Efíot publicou alguns de seus
poem as, como The waste land e The hollow men. (N.T.) 13 Moore. Marianne Poetisa norte -ame rica na (Saint-L ouis, Missouri, 1887 — Nov a Yor k, 1972 ). Sua poe sia ape la ma is à int el ig ênc ia do qu e a em oç ão , se m obe diência aos esquemas tradicionais e com absoluta liberdade metrica e decomposição
sintática. Obras principais: Poems (1941), Observations (1941), What are years? ( 194 1 ). To be a dragun (1959) e Tell me. tell me (1966). (NT)
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ncntes, curiosas, conclusivas, deliciosas e absolutamente não encorajam nenhum pesquisador a descer às origens.) Não, não é por causa do ma u ex em pl o qu e dei a ou tr os poeta s qu e me peni tencio: é porque minhas notas estimularam uma espécie de equívoco de interesse junto aos pesquisadores de fontes. Sena ju st o, sem dú vi da , qu e eu pag asse tr ib ut o à ob ra da Sr ta . Jes sie Weston, 14 mas lamento ter feito tantos inquisidores correrem à toa em busca das cartas do Taro e do Santo Graal. Enquanto refletia sobre essa questão de tentar compreender um poema por meio da explicação de suas origens, deparei-me com uma citação de C. G. Jung, que me pareceu ser de alguma relevância. A passagem foi transcrita por trei Victor White, O. P., em seu livro God and the unconscious. Frei White menciona durante sua exposição uma radical diferença entre os métodos de Freud e de lung. "Aceita-se geralmente como verdade , diz Ju ng, 'qu e os acontecimentos físicos podem ser encarados de duas maneiras: do ponto de vista mecanicista e do ponto dc vista energético. O ponto de vista mecanicista é puramente causal: desse ponto de vista, um acontecimento é concebido como o resultado de uma causa (...) Por outro lado, o ponto de vista energético é, em essência. Finalista; o acontecimento é acompanhado desde o efeito até a causa, na suposição de que a energia constitui a base essen cial de mu da nç as no f en óme no (. .. ). ' A citação pertence ao primeiro ensaio do volume Contributions t o analytical psychology. Acrescento uma outra frase, não citada por frei White, que inicia o parágrafo seguinte: "Am bos os po nt os de vista são in dispensáveis à co mp ree ns ão do fenômeno físico". Tomo isso simplesmente como uma analogia sugestiva. Alguém pode explicar um poema ao investigar aquilo de quede é feito e as causas que o produziram; e a explicação pode ser uma preparação necessária à sua compreensão. Mas para compreender um poema é também necessário — e cu diria que, na maioria dos casos, é ainda mais necessário — que nos 14. Nas notas a The waste land , Eliot t ita a lguma s passa gens do livro dc Jessie Weston. From ntual to romance (1920), particularmente no que se refere ao mito
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esforcemos por captar aquilo que a poesia pretende ser; poderse-ia dizer emb ora há mui to te mp o eu utili ze esses term os com absolu ta seguranç a que nos esforcemos por captar sua enteléquia. A forma de crítica em que talvez mais se manifeste o perigo de confiança excessiva sobre a explicação causal é a da biografia crítica, especialmente quando o biógrafo complementa seu conhecimento de fatos externos com suposições psicológicas sobre a experiência interior. Não sugiro que a personalidade e a vida privada de um poeta morto constituam um solo sagrado que o psicólogo não deva palmilhar. O cientista deve estar livre par a es tu da r esse ma te ri al do modo co mo sua cu ri os id ad e lhe determine investigar, contanto que a vítima esteja morta c não se possam invocar as leis sobre difamação para detê-lo. Nem há qualquer razão para que não se devam escrcver biografias dc poetas. Além disso, o biógrafo dc um autor deve possuir certa capacidadc crítica: deve ser alguém de gosto c dc julgamento, apreciador da obra do homem de cuja biografia se encarregou. E, por outro lado, deve-se esperar de qualquer crítico seriamente interessado na obra de um homem que conheça algo sobre a vida desse homem. Mas a biografia crítica de um escritor constitui em si uma tarefa delicada; e o crítico ou o biógrafo que não seja um psicólogo treinado c experiente, e que conduza o seu assunto com a perícia analítica que adquiriu apenas graças à leitura de livros escritos por psicólogos, corre o risco dc tornar as questões mais confusas do que já são. O problema de saber até que ponto a informação sobre o po et a nos aj ud a a co mp re en de r sua poe sia não é tão si mp le s quanto se imagina. Cada leitor deve responder a ele por si mesmo, e deve faze-lo não de modo genérico, mas cm circunstâncias particulares, pois isso pode ser mais importante no caso de determinado poeta e menos importante no caso de outro. E que o prazer que se extrai da poesia pode constituir uma experiência complexa em que diversas formas de fruição se acham misturadas, e elas podem estar misturadas cm diferentes pro por ções par a di fe re nt es lei tor es. Darei um ex em pl o. Aceita-se geralmente que a maior parte da melhor poesia dc Wordsworth haja sido escrita num curto espaço de tempo — curto em si, e curto se o compararmos à duração da vida dc Wordsworth.
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Diversos especialistas em Wordsworth propuseram interpretações destinadas a explicar a mediocridade de suas obras ulteriores. Há alguns anos, Sir Herbert Read 15 escreveu um livro sobre Wordsworth — um livro interessante, embora eu considere que sua melhor análise sobre Wordsworth esteja cm um ensaio posterior, incluído num livro intitulado A coat of many colours —, em que explicou a ascensão e a queda do gênio de Wordsworth devido às conseqüências do caso amoroso que o poeta manteve com Annette Valon, sobre o qual se haviam descoberto àquela época alguns documentos. Mais recentemente, o Sr. F. W. Batcson 16 escreveu um livro sobre Wordsworth também de considerável interesse (o capí tulo sobre As duas vozes' nos aj ud a a compreender o estilo de Wordsworth). Nesse livro, ele sustenta que Annette não e' a personagem tão importante quanto Sir Herbert Read imaginou, e que o verdadeiro segredo de Wordsworth foi que cie se enamorou de sua irmã Dorothy; isso explica, particularmente, os poemas dedicados a Lucy, e tam bém por qu e, apó s o ca same nt o do po et a, sua in spir aç ão se esgotou. Bem, ele pode estar certo: sua argumentação é de fato pla usí vel . Mas a ver dadei ra qu es tã o, aq ue la à qu al cad a lei tor deve responder por si mesmo, é: tem isso algum interesse? isso me ajuda a compreender os poemas dedicados a Lucy melhor do que antes? Quanto a mim, só posso dizer que o conhecimento das fontes das quais emana um poema não constitui necessariamente uma ajuda que nos leve a compreendê-lo: muito mais informação sobre as origens do poema pode até romper meu contato com ele. Não sinto necessidade dc nenhuma luz sobre os poemas dedicados a Lucy além da fulguração que se irradia dos próprios poemas. Nã o est ou su st en ta nd o qu e não ha ja nenhum contexto no qual essa informação ou essa conjetura, como as de Sir Her ber t Read ou do Sr. Bat eso n, possa ser re le va nt e. É re le va nt e na medida em que desejamos compreender Wordsworth, mas
não é diretamente relevante para a nossa compreensão dc sua poesia . Ou me lh or , nã o im po rt a par a a nossa co mp re en sã o da poesia enquanto poesia. Estou mesmo disposto a sugerir que há, em toda grande poesia, algo que deve permanecer inexplicável, por mais completo que possa ser nosso conhecimento do poeta, c que é o que mais importa. Quando o poema é escrito, algo de novo acontece, algo que não pode ser expli-
LJ c Edm und . Ensaísta c poeta inglês (K,rhv rnoors. de. Yorkshir e, 1893 - Stonegravc, 1968), autor de obra numer osa e variada que se im põe por seu espirito humanístico não apenas no campo da estética, mas também nos da pedagogia, da sociologia e da filosofia política. A obra a que Eliot se refere intitula-se Word sworth ( 1930). A que o autor cita logo adiante foi publi cada em 1945. (N. T.)
17. Empso n, Will iam. Crítico literári o e poeta inglês (Yorkshi re, 1906 Londres, 1981). Influenciado por Richards, abandonou a matemática para dedicar-se às letras. Seu livro Seven types of ambiguity (1930) constitui a base para o movimento que. nos Estados Unidos, passou a ser conhecido como New Criticism. Deixou ainda, entre outros, English pastoral poetry ( 1935 ), The structure of complex words (1951 ), The gathering storm ( 1940). Collected poems (1949) e Milton 's God (1961). (N .T. )
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16. B ateson, Frederick Wilse . Wordsworth, a re interpretation, Londres, 1954. (N.T.)
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cado por nada do que se passou antes. Isso, creio eu, é o que entendemos por "criação". A explicação da poesia mediante o exame dc suas fontes não constitui cm absoluto o método de toda a crítica contemporânea, mas é um método que atende às exigências de um bom número de leitores desejosos de que a poesia lhes seja explicada em termos de algo mais: a maioria das cartas que recebo de pessoas de sconheci da s par a mi m, rel ati vas a me us pr ópri os poemas, consiste dc pedidos para uma espécie de explicação que po ss iv el me nt e não posso oferece r. Há ou tr as te nd ênci as , co mo as que foram relatadas pelas investigações do professor Richards sobre o problema dc como se pode ensinar a gostar de poesia, ou pelas sutilezas verbais de seu ilustre discípulo, o professor E m p s o n . r Observei recentemente um desenvolvimento que suspeito ter origem nos métodos pedagógicos do professor Richards e que constitui, à sua maneira, uma saudável reação à transferência, em favor do poeta, do interesse atiibuído à poesia. Podemos encontrá-la num livro publicado não faz muito tempo sob o título dc Interpretations, uma série de ensaios assinados por doze dentre os mais jovens críticos ingleses na qual cada um analisa um poema de sua própria escolha. O mé odo consiste em tomar um poema bastante conhecido — cada poema analisado nesse livro é bom cm seu gênero - , sem referência ao autor ou a outra obra de sua autoria, em analisá-lo estrofe por estr of e e verso por verso, e dele ext rai r, es pr em er , dest ri nçar, sugar cada gota dc significado de que se é capaz. Podería-
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mos chamá-lo dc escola de espremer limão da crítica. Como os poemas pertencem ao período compreendido entre o século XVI e a época contemporânea, como diferem consideravelmente uns dos outr os — o livro começa com The Phoe nix and the turtle" 1 8 e termina com "Prufrock" 19 e "Among school children", de Yeats —, e como cada crítico tem seus próprios procedimentos, o resultado é interessante c algo confuso, convindo admitir que estudar doze poetas, os quais todos são laboriosamente analisados, é uma forma exaustiva de passar o tempo. Imagino que alguns dos poetas (estão todos mortos, exceto eu) ficariam surpresos ao saber o que significam seus poemas. Eu mesmo experimentei uma ou duas surpresas sem maior importância ao saber que a neblina, mencionada no início do "Prufrock", estava se insinuando, sem que se soubesse como, no salão. Mas a análise do "Pru fr oc k' não se dest ina va a desco brir suas font es, qu er na li te ratu ra , qu er nos reces sos mais recôn ditos dc minha vida privada; era uma tentativa para descobrir o que de fato o poema queria dizer — se era ou não o que pretendi que ele significasse. E sou grato por isso. Havia diversos ensaios que me surpreenderam por sua categoria. Mas como todo método tem suas próprias limitações e perigos, seria razoável mencionar apenas o que me parecem ser as limitações e os per igo s desse mé to do , per igos con tra os quai s, se o ap li ca rm os àquilo que desconfio deva ser sua principal utilização, isto é, um exercício para alunos, caberia ao professor prevenir seus alunos. O primeiro perigo é o de admitir que não há senão uma única interpretação do poema como um todo que seja correta. Haverá detalhes de explicação, especialmente no caso dc poemas escritos cm outra época que não seja a nossa, de fatos, dc alusões históricas, do significado de determinada palavra numa certa época, que podem estar estabelecidos, e ao professor cabe impedir que seus alunos incorram em erro. Mas quanto ao significado do poema como um todo, nenhuma explicação pode esgotá-lo, pois o significado é aquilo que o poema quer dizer 18. Poema atribuído a Shakespeare, que o teria estrito provavelmente entre 1599 e 1600. (N.T.) 19. Poema de T. S. Eliot cuj o título com ple to e' "Th e love song of J. Al fred Pru trock", incluído em Prufrock and other observations (1917). (N. T.)
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a leitores de diferentes sensibilidades. O segundo perigo peri go em qu e não creio qu e ne nhu m dos crí ticos in cl uí do s no volume acima citado haja incorrido, mas ao qual o leitor está exposto —, é o dc admitir que a interpretação de um poema, supondo-se que cia seja válida, é necessariamente uma descrição daquilo que o autor, consciente ou inconscientemente, está tentando fazer. Pois a tendência a crer que compreendemos um poema quando identificamos suas fontes e delineamos o pro cess o a qu e o po et a su bm et eu sua ma té ri a é tão ger al qu e po de mo s fa ci lm en te acr edit ar no op os to , ou sej a, qu e qu al qu er explicação do poema seja também capaz dc proporcionar uma descrição de como ele foi escrito. A análise do "Prufrock" a que me referi interessou a mim porque me ajudou a ver o poema com os olhos de um leitor inteligente, sensível e aplicado. Isso não é dizer, em absoluto, que ele tenha visto o poema através de meus olhos, ou que sua descrição tenha algo a ver com as experiências que me levaram a escrcvc-lo, ou com alguma coisa que eu sentisse enquanto o escrevia. E minha terceira observação é a dc que gostaria, como um teste, de ver o método aplicado a algum novo poema, um poema muito bom e que não fosse de meu prévio conhecimento, pois me agradaria descobrir se, após percorrer a análise, seria cu capaz de gostar do poema. E que quase todos os poemas do volume eram poemas que eu conhecia e dos quais já gostava há muitos anos; c após 1er as análises percebi que seria necessario algum tempo para que eu resgatasse o que anteriormente havia sentido com a leitura desses poemas. Era como se alguém houvesse desmontado as peças de uma máquina e me encarregado da tarefa dc reajustá-las. Na ve rd ad e, su sp ei to de que boa part e do mé ri to de um a interpretação reside no fato de que ela deve ser minha própria interpretação. Há talvez muitas coisas a saber sobre esse poema, ou seja, muitos fatos sobre os quais os eruditos podem me instruir e que me ajudarão a evitar ///^/-entendidos já comprovados; mas creio que uma interpretação válida deva ser, ao mesmo tempo, uma interpretação de meus próprios sentimentos quando o li. Nã o fa zia part e de me u pr op ós it o ap re se nt ar um pa no ra ma abrangente dc todos os tipos dc crítica literária praticados em nossa época. Em primeiro lugar, queria alertar para a transfor-
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mação da crítica literária da qual se pode dizer que começou com Coleridge, mas que alcançou maior aceleração durante os últimos vinte e cinco anos. Creio que essa aceleração tenha se devido à importância que as ciências sociais passaram a ter para a crítica, e ao ensino da literatura (inclusive a literatura contem porânea) nos colégios e universidades. Não lamento a transformação, pois me parece que ela era inevitável. Numa época de incerteza, uma época em que os homens estão desnorteados diante das novas ciências, uma época cm que tão pouco pode ser aceito como verdadeiro no que se refere às crenças comuns, às hipóteses e ao conhecimento de todos os leitores, nenhuma área de exploração pode se tornar solo interdito. Mas, em meio a toda essa variedade, cabe-nos perguntar o que há, se é que existe algo, que deveria ser comum a toda a crítica literária. Trinta anos atrás afirmei que a função essencial da crítica literária era "a elucidação das obras de arte e a correção do gosto". 2 0 A frase pode soar algo pomp osa aos nossos ouv ido s em 1 956. Talvez eu pudesse expressá-lo de modo mais simples e mais aceitável à época atual se dissesse que seu objetivo é o de "promover a compreensão da literatura e o prazer que dela se obtém". Eu acrescentaria que está implícita aqui também a tarefa negativa de sublinhar o que não deveria constituir fonte de prazer. Pois o crítico pode às vezes ser obrigado a condenar a mediocridade e a denunciar a fraude, embora esse dever seja acessório ao dever de louvar discriminadamente o que é digno de louvor. E devo insistir no fato de que não considero o prazer e a com preensão como atividades distintas — uma emocional e outra intelectual. Por compreensão não pretendo dizer explicação, embora a explicação do que cabe ser explicado possa constituir amiúde uma operação preliminar necessária à compreensão. Para dar um exemplo muito simples: ensinar palavras pouco familiares e formas verbais incomuns é uma operação preliminar necessária à compreensão de Chaucer; é uma explicação, mas alguém poderia tornar-se mestre do vocabulário, da ortografia, da gramática e da sintaxe de Chaucer — ou, na verdade,
fazendo o exemplo retroceder ainda mais, poderia estar muito be m i n fo r ma do so br e a época de Chaucer, sobre seus hábitos
20 Essa passagem pertence ao ensai o "A fun çã o da crí tic a", escrito em 1923 e incluído nos Selected essays 1917-1912 cit A trad uçã o brasileira é de Ivan Ju nqueira. Ensaios, de T. S. Eliot, Art Editora, São Paulo, 1989 (Ν Τ )
21. "A cinco braças dc profundi dade jaz teu pai.' Canção dc Anel, A tempestade, Ato I, Cena II. (N.T.) 22 "Estás pálida dc cansaço / Por te ergueres ao céu e contem plares a Terra ." (N. T.)
sociais, suas crenças, sua cultur a e sua ignorânc ia — e, toda via,
não compreender sua poesia. Compreender um poema vem a ser a mesma coisa que apreciá-lo por boas razões. Poder-se-ia dizer que isso significa extrair do poema todo o prazer que ele é capaz de proporcionar: gostar de um poema equivocando-sc em relação àquilo que ele é equivale a gostar do que constitui simplesmente uma projeção de nossa própria mente. A linguagem é um instrumento de manuseio tão difícil que "gostar" e "extrair prazer dc" não parecem significar em absoluto a mesma coisa, e dizer que "se recebc prazer da" poesia não soa exatamente como dizer que "se gosta de poesia". E, a rigor, o próprio significado de "prazer" varia de acordo com o objeto que o inspirou; diferentes poemas, inclusive, nos proporcionam diferentes satisfações. E certo que não gostamos inteiramente de um poema a menos que o compreendamos; e, por outro lado, é também verdadeiro que não compreendemos plenamente um poema a não ser que gostemos dele. E isso significa apreciá-lo em sua justa medida e da maneira correta relativamente a outros poemas (é na relação do prazer que um poema nos proporciona com aquele que nos proporcionam outros poemas que se define o gosto). Seria apenas necessário acrescentar que isso implica que não se devena gostar de maus poemas, a menos que sua mediocridade fosse capaz de excitar nosso senso de humor. Eu disse que a explicação pode ser uma operação preliminar necessária à compreensão. Todavia, parece-me que compreendo certa poesia sem necessidade de explicações, como, por exemplo, estes versos de Shakespeare: Full fathom five thy father lies, 11 ou estes de Shelley: Art thou pale for weariness Of climbing heaven and gazing on the earth."
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poi s aq ui , e nu ma boa pa ri e da poesi a, nã o vej o na da para ser explicado, isto e', nada que me ajude a compreendê-la melhor e, conseqüentemente, a gostar mais dela. E às vezes a explicação, como já insinuei, pode nos afastar por completo do poema enquanto poesia, em vez de nos conduzir à compreensão. Minha razão mais forte, talvez, para acreditar que não me enganei ao ju lgar qu e co mp rc cn do tais fr ag me nt os líri cos de Sh ak espe ar e e dc Shelley, é q ue esse s dois poema s me causa m um f rê mi to tão intenso quando os repito hoje quanto o que eles me causaram há cinqüenta anos. Portanto, a diferença entre o crítico literário e o crítico que ultrapassou a fronteira da crítica literária não é a de que aquele pr im ei ro seja " p u r a m e n t e " li terário, ou que nã o te nh a ou tr os interesses. Um crítico que não estivesse interessado em nada a não ser em 4 'literatura" não teria quase nada a nos dizer, pois sua literatura seria apenas abstração. Os poetas têm outros interesses além da poesia — do contrário, sua poesia seria extremamente oca; eles são poetas porque sua principal preocupação foi a de transformar sua experiência e seu pensamento (e experimentar e pensar significa ter interesses além da poesia), a de transmutar, digo, sua experiência e seu pensamento em poesia. Em conseqüência, o crítico é um crítico literário se o seu objetivo primordial, ao escrever crítica, for o de ajudar seus leito-
ulterior, embora também possa, ao dirigir nossa atenção para o poeta, nos afastar da poesia. Não devemos confundir o conhecime nto — inform ação fatual relativa ao perío do cm que o po et a pr od uz iu , às condições socia is em qu e vi veu, às idé ias correntes em sua época c que estão implícitas nas obras que escreveu, ao estági o da língua em seu tem po — com a com pre ensão de sua poesia. Esse conhecimento, como já disse, pode ser uma preparação necessária à compreensão da poesia; além disso, tem ele um valor intrínseco enquanto história, mas para a avaliação da poesia isso só nos pode conduzir até a porta: cabe-nos descobrir a maneira de abri-la. E que as razões para adquirir esse conhecimento, do ponto de vista que sustentamos neste estudo, não são primordialmente as de que devêssemos ser capazes de pensar e sentir, quando lemos o poema, como um contemporâneo do poeta poderia ter pensado e sentido, embora essa experiência tenha seu próprio valor; tentamos obtêlo, antes de mais nada, para nos descartarmos das limitações de nossa própria vida, e para livrar o poeta, cuja obra estamos lendo, das limitações dc sua época, a fim de adquirirmos a experiência direta, o contato imediato com sua poesia. O que mais importa, permitam-nos dizer, ao 1er uma ode de Safo, não é imaginar que eu estivesse cm uma ilha grega há cerca de vinte e cinco séculos; o que importa é a experiência que é a mesma par a to do s os seres hu ma no s de di fe re nt es sécu los e id io ma s capazes de gostar de poesia, a faísca que pôde atravessar esses dois mil e quinhentos anos. Assim, o crítico ao qual sou mais grato é aquele que conseguiu fazer com que cu visse algo que jamais vir a, ou vira ap en as com os ol hos enev oado s pe lo pr econceito, aquele que me colocou face a face com essa nova realidade c, desse modo, deixou-me sozinho com ela. A partir desse momento, cumpre que cu conile em minha própria sensibilidade, em minha inteligência e em minha capacidade para a sabedoria. Se, em matéria dc crítica literária, colocarmos toda a ênfase na compreensão, correremos o risco de escorregar da compreensão para a explicação pura e simples. Correremos até o perigo de pretender a crítica como ciência, o que ela jamais pode ser. Se, por outro lado, supervalorizarmos o prazer , tenderemos a cair no subjetivo e no impressionistico, e nosso prazer não terá
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res a compreender e a sentir prazer. Mas ele deve ter outras pr eocu pa ções , ex at am en te co mo o pr óp ri o po et a, pois o crít ic o literário não é apenas um especialista técnico que aprendeu as regras a serem observadas pelos escritores que critica; o crítico deve ser um homem na plena acepção da palavra, um homem de convicções e de princípios, de conhecimento c experiência de vida. Caberia, pois, perguntarmos, a respeito de qualquer texto que nos seja apresentado como crítica literária, se ele visa à com pr eens ão e ao pr aze r. Cas o cont rá ri o, esta rí am os ai nd a di an te de uma legítima e proveitosa atividade, mas que deveria ser ju lg ad a co mo cont ri bu iç ão à psi col ogi a, à soc iologia, à lógica, à pedagogia ou a qualquer ciência — c ser julgada por especialistas, não por homens de letras. Não devemos identificar a biografia com a crítica: a biografia é geralmente útil por fornecer uma explicação que pode abrir caminho a uma compreensão
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outro proveito
senão o do entretenimento e do simples passatempo. Há trinta e três anos pareceu-me que este fosse o segundo tipo de crítica, o impressionistico, responsável pelo tédio que experimentei quando escrevi sobre "a função da crítica". Hoje pare ce-m e qu e preci sam os est ar mai s alertas co nt ra o qu e é pu ra me nt e exp licat ivo. Mas não qu er o deixar vocês com a impressão de que pretendo condenar a crítica de nossa época. Estes últimos trinta anos têm sido, suponho, um brilhante perí od o da crítica liter ári a ta nt o na In glat erra qu an to nos Estados Unidos. Retrospectivamente, ele pode até chegar a parecer muito brilhante. Quem sabe? II
DE POETAS
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Pode-se facilmente demonstrar que a estima de que Virgílio tem sido objeto ao longo de toda a história cristã é devida em grande parte, na perspectiva histórica sob a qual a consideramos, a acidentes, irrelevâncias, mal-entendidos c superstições. Sob tal perspectiva, poder-se-ia dizer por que os poemas de Virgílio foram tão entusiasticamente louvados, mas não se encontraria talvez nenhuma razão para justificar por que ele merece um lugar de tamanho destaque, e menos ainda para nos persuadir de que sua obra tenha qualquer valor para o mundo de hoje, de amanhã ou de sempre. O que me interessa aqui são aquelas características de Virgílio que o tornaram singularmente simpático à mentalidade cristã. Afirmar isso não significa atri bu ir -l he qu al qu er me ri to exag er ado co mo po et a, ou me sm o como moralista, capaz de situá-lo em nível superior a todos os demais poetas gregos e romanos. Há, entretanto, um "aci dente ", ou um mal-ent endido", que desempenhou tal papel na história que ignorá-lo pareceria uma fuga. Trata-se, 6 claro, da quarta Écloga, na qual Virgílio, po r ocasião do na sc im en to — ou do pr óx im o na sc im en to — 1. Palestra radiofônica pronun ciad a na BBC de Londres em 1951 e publi cada em The Listener. A tradução citada e a da Biblioteca Locb. A tradução dc Dante citada aqui c mais adiante c a dos Clássicos Temple. ( Ν . A . )
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de um filho de seu amigo Poilio, recém-nomeado cônsul, ex pre ssa, num a li ng ua ge m bo mb ás ti ca , o qu e na da ma is c do que uma simples carta de congratulações endereçada ao venturoso pai.
Eis que e chegada a última epoca da profecia de Cumae; a grande linhagem dos séculos recomeça novamente. Agora a Virgem regressa, e retoma o reino de Saturno (...) Ele receberá o dom da vida divina, verá os heróis misturados aos deuses, e ver-se-á a si próprio entre eles. e dominará um mundo pacificado pelas virtudes de seu pai (...) Sucumbirá a serpente, e a perfida planta venenosa morrerá; e a fragrância assina brotará sobre toda a terra (...) 2 Tais expressões sempre pareceram excessivas, e a criança que as inspirou jamais obteve nenhuma notoriedade no mundo. Chegou-se mesmo a sugerir que Virgílio estivesse fazendo seu amigo de bobo ao utilizar essa parábola à maneira oriental. Alguns eruditos chegaram a pensar que ele estivesse imitando, ou mesmo macaqueando, o estilo dos oráculos da Sibila. Outros conjeturaram que o poema pudesse estar secretamente dirigido a Otávio, ou ate mesmo que estivesse relacionado à pr og en ie de An tôn io e Cl eó pa tr a. Um er ud it o fr an cê s, Carc o pi no / dá boas raz ões pa ra qu e se acre di te que o po em a in cl ui alusões à doutrina pitagòrica. O mistério do poema não parece ter despertado nenhuma atenção particular até que os Padres da Igreja dele se apoderassem. A Virgem, a Idade de Ouro, o Grande Ano, o paralelo com as profecias de Isaías, a criança cara deum suholes — querido rebent o dos deuses, grande 2. Essa tradução cm prosa corresponde aos versos de números 4-6. 15-17 e 24 25 da Écloga IV, cujo texto em latim é o seguinte: "Ultima Cumaei venu jam carminis acras; / Magnus ab integro saeclorum nascitur ordo. ! Jam redit et Virgo, redeunt Saturnia regna (...) // Ille deum vita accipiet divisque videbit / Permixtos heroes et ipse videbitur illis / Paca tumquc reget patriis virtuti bus orb em. / / ( . . ) Occidct et serpens, et fallax herba vencni / Occidct Assyrium volgo nascctur amomum". (N.T.) 3. Carcopino, Jérôm e. Historiador francês (Vcrncuil-sur-Avre. 1881). especialista cm história romana. A obra a que Eliot se refere é Virgile et le mystère de la W Eclogue. Paris, 1930. (N.T.)
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descendente de Júpiter 1 —, poderia apenas ser o próprio Cristo, cuja vinda foi prevista por Virgílio para o ano 40 a.C. Lactâncio* e Santo Agostinho acreditavam nisso, assim como toda a Igreja medieval e Dante, c até mesmo, à sua maneira, Victor Hugo. 6 Cabe supor ainda que possam ser encontradas outras explicações, e já sabemos mais sobre essas possibilidades do que o sabiam os Padres da Igreja. Sabemos também que Virgílio — que foi um homem dc grande cultura para a sua época e, como nos revela o Sr. Jackson Knight/ bem informado em matéria de folclore e dc antigüidades —, teve pelo menos conhecimento das religiões e da linguagem figuradaldo Oriente, o que seria em si o bastante para explicar qualquer sugestão de pr ofecia he br ai ca . Sc co ns id er ar mo s a pr ediç ão da En car nação apenas uma coincidência, isso irá depender do que entendemos por coincidência; sc considerarmos Virgílio um poeta cristão, isso irá depender da interpretação que dermos à palavra prof eria" . De qu e o pr óp ri o Vir gíl io estivesse co ns ci en te me nt e interessado apenas nos assuntos internos ou na política de Roma estou ccrto: creio que ele teria ficado muito mais surpreso com a carreira que sua quarta Écloga iria ter. Se o profeta fosse por de fi ni çã o um hom em qu e co mp re en de ss e o pl en o signif icado do que estivesse dizendo, isso para mim encerraria o assunto. Mas se a palavra "inspiração" tem algum significado, ela quer dizer simplesmente isto: aquele que fala ou escreve não compreende inteiramente o que está enunciando, ou pode até se enganar quando a inspiração o abandona. Isso é verdade no que concerne à inspiração poética, e há razões mais óbvias 4. Cara deu m subolcs. mag num lovis inc rem ent um! " Trata-se do verso 49 da Écloga IV. (N.T.) 5 Em lat. Ucius Caeltus (ou Caecilius) Etrmianus Lactantius. Escritor cristão (Numídia . Africa, c. 250 Trier, c 320). autor de trabalhos apologéticos, entre os quais De mortibuspersecutorum (Sobre a morte dos perseguidores). (N.T.) 6. F.in Les voix intérieures (18^7). XVIII. Victor Hugo acrescenta uma vaga força lírica ã interpretarão da Bucólica IV, quando escreve: "Dans Virgile, parfois, dieu tout près d'être un ange, / Le vers porte à sa ι ime un lueur étrange. / C'est que. rêvant déjà ce qu' à présent on sait, / Il chantait presqu 'a l 'heure où Jesu s vagissait". (N.T.) William Francis Jackson Kn ight , ex-professor da Universidade de Exeter, autor de várias obras sobre Virgílio, entre as quais Roman Virgil . Londres. 1944. (N.T.)
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para ad mi ra rm os Isaías co mo po et a do qu e rei vindi car pa ra Virgílio a condição de profeta. Um poeta pode acreditar que esteja exprimindo apenas sua experiência pessoal; seus versos podem ser para ele apenas um meio de falar sobre si mesmo sem se libertar inteiramente. Todavia, para seus leitores, o que ele escreveu pode tornar-se a expressão tanto de seus próprios sentimentos quando da exultação ou do desespero de uma geração. Ele não precisa saber o que sua poesia irá significar para os outros, enquanto o profeta não precisa compreender o significado do que propõe a sua profecia. Temos um hábito mental que torna muito mais fácil para nós explicar o miraculoso cm termos naturais do que explicar o natural em termos miraculosos: todavia, este é tão necessàrio quanto aquele. Um milagre que todos aceitassem e no qual todos acreditassem sem nenhuma dificuldade seria, na verdade, um estranho milagre, pois o que fosse miraculoso para todos também pareceria natural para todos. Julgo que se possa aceitar não importa que explicação da quarta Écloga por um erudito ou um historiador, que é o mais plausível, pois os eruditos e os historiadores não podem levar cm conta senão o que Virgílio imaginava estar fazendo. Mas, ao mesmo tempo, se existe algo que se assemelhe à inspiração — e continuamos a empregar a palavra —, então é algo que escapa à pesquisa histórica. f ui levado a considerar a q uar ta Écloga porque cia é tão importante quando se fala da história do lugar de Virgílio na tradição cristã que o fato dc omiti-la poderia levar a um malentendido. E é quase impossível referir-se a ela sem indicar dc que maneira se aceita ou se recusa a concepção de que ela profetiza o advento de Cristo. Eu queria apenas esclarecer que a aceitação literal dessa Écloga como profecia tem muito a ver com a precoce acolhida da obra de Virgílio entre os cristãos e, por co ns eg ui nt e, com a ab er tu ra do ca min ho de sua in fl uê nc ia no mundo cristão. Não vejo isso como um mero acidente, ou uma simples curiosidade literária. Mas o que dc fato me interessa é o elemento que, em Virgílio, lhe concede um lugar único e significativo no final da era pré-cristã e nas origens do mundo cristão. Ele os divisa a ambos, promovendo uma ligação entre o mundo antigo e o novo, c podemos tomar a quarta
Écloga como símbolo dessa posição peculiar. Sob que aspectos, po rt an to, os ma io re s de nt re os po et as ro ma no s an te ci pa ra m o mundo cristão de uma forma que os poetas gregos não o fizeram? A melhor resposta a essa pergunta foi dada por Theodor lla eckcr nu m livro, publi cado alguns anos depois numa tradu-
ção inglesa, sob o título de Virgil the father o f the West. Colocarei em prática o método de Haecker. Farci aqui uma breve e talvez banal digressão. Ainda nos tempos de escola quis o destino que cu fosse iniciado na Ilíada c na Eneida no mesmo ano. Até então, eu considerava o grego uma língua muito mais atraente do que o latim. Considero-a ainda uma língua bem superior, uma língua que jamais foi superada como veículo para exprimir o mais amplo espectro c as mais delicadas nuanças do pensamento e da emoção. Todavia, sinto-me mais à vontade com Virgílio do que com Homero. Poderia ter sido diferente se tivéssemos começado com a Odis séia, cm vez da Ilíada, pois quando chegamos a 1er cm separado certos livros da Odisséia — c nunca li da Odisséia em grego senão esses livros isolados —, sentimo-nos muito mais felizes. Minha preferência decerto não significava, apraz-me dizê-lo, que eu julgasse Virgílio o maior dos dois. Eis uma espécie de erro do qual nos preserva a juventude, pela simples razão dc que estamos muito naturalmente à vontade para propor uma questão artificial artificial porq ue, sejam lá quais tenh am sido as maneiras de que Virgílio se utilizou para seguir os procedimentos de Homero, não estava ele tentando fazer a mesma coisa. Poder-se-ia, com bastante razão, tentar medir comparativamente a "gran deza da Odisséia c do Ulysses, dc Jam es Joyce, simplesment e p orque Joyce, para fins absolutam ente distintos, utilizou a estrutura da Odisséia. O que me impedia de gostar da ilíada naquela época era o comportamento das personagens sobre as quais Homero escreveu. Os deuses eram tão irresponsáveis, tão escravos de suas paixões, tão despidos de espírito pú bl ic o e da no ção dc jo go ab er to , qua nt o os her óis. Isso era chocante. Além do mais, seu senso de humor atendia apenas 8. Haeckcr, Theodor . Filósofo católico alemã o (Eberback. Würt tem berg . 1879 Usterbac h. perto de Au gsburg, 1945). O tít ulo do original alemão a que Eliot se refere é Vergi/, Valer dei Abendlander (1932). ( N.T .)
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às exigências das mais grosseiras formas de farsa. Aquiles era um rufião, e o único herói que se poderia recomendar quer pel a co nd ut a, qu er pel o jul ga me nt o, era He it or ; e me par eci a que essa era também a opinião de Shakespeare:
If Helen then be wife to Sparta's king, As it is known she is, these moral laws Of nature and of nations speak aloud To have her back returned (...f 1 Tudo isso pode dar a impressão de ter sido apenas o capricho de um garotinho pedante. Modifiquei minhas opiniões anteriores — a explicação que eu daria agora seria a de que instintivamente preferiria o mundo de Virgílio ao mundo de Homero, po rq ue era um mundo mai s civilizad o em te rm os de dig ni da de , de razão e de ordem. Quando digo "o mundo de Virgílio", quero dizer o que o próprio Virgílio fez do mundo em que vivia. A Roma do período imperial era bastante rude e bestial e, sob certos aspectos, muito menos civilizada do que Atenas em seu apogeu. Os romanos eram menos dotados do que os atenienses para as artes, a filosofia e a ciência pura; e sua língua era menos flexível para exprimir tanto a poesia quanto o pe ns am en to abst ra to . Co m sua poesi a, Virgí li o fez da civ iliza ção romana algo melhor do que ela realmente o era. Sua sensi bi li da de está mai s próx im a da se ns ib il id ad e cri stã do que a de qualquer outro poeta romano ou grego: não do que a de um cristão primitivo, talvez, mas daquela de um cristianismo à época em que podemos dizer que a civilização cristã se instaurou. Não podemos comparar Homero e Virgílio, mas podemos comparar a civilização que Homero aceitou à de Roma, já refinada pela sensibilidade de Virgílio. Quais são, portanto, as principais características de Virgílio que o tornaram simpático à mentalidade cristã? Considero que a maneira mais promissora para fornecer algumas breves indicações é adotar o procedimento de Haecker e tentar desenvolver 9- "Sc He lena r, pois, a mul her do rei de Esparta. / Co mo é fat o notório , essas leis morais / da natureza e das nações gritam em voz alta / Que devemos devolvêl a ( . . . ) . " Trotto e Cr e s si da, Ato II. Cena II. ( N T )
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o significado de certas palavras-chave. Palavras como labor, pietas e fatum. As Geórgicas U) são, creio eu, indispensáveis à com pr ee nsão da fi losof ia de Vir gíl io, mas convém le mb ra r qu e, ao empregarmos essa palavra, não pretendemos dizer em absoluto a mesma coisa do que quando falamos da filosofia de um poeta, do que quando falamos da filosofia de um pensador abstrato. As Geòrgie as, enquanto tratado técnico sobre agricultura, são difíceis e tediosas. A maioria de nós não tem o necessário domínio do latim para lê-las com prazer, como tampouco o desejo de reviver nossos martírios dos tempos de escola. Somente as recomendo na tradução do Sr. Day Lewis, 11 que as verteu em versos modernos. Mas são elas uma obra à qual o autor consagrou boa parte de seu tempo. E por que as escreveu? Não cabe supor que ele se haja empenhado na tarefa de ensinar seu assunto aos agricultores de sua terra natal, ou que pretendesse apenas produzir um manual proveitoso para os citadinos desejosos de adquirir terras e de se estabelecer como agricultores. E nem é provável que estivesse apenas preocupado em arquivar registros para a curiosidade das gerações vindouras sobre os métodos de agricultura de sua época. E mais provável que ele tivesse em mira lembrar aos proprietários absenteístas, alheios às suas responsabilidades e atraídos pelo amor ao prazer ou à políti ca da me tr óp ol e, seu dev er fu nd am en ta l de cui dar da ter ra. Qualquer que fosse seu motivo consciente, parece-me claro que Virgílio desejava afirmar a dignidade do trabalho agrícola e a importância do bom cultivo da terra para o bem-estar tanto material quanto espiritual do Estado. O fato de que cada forma da poética maior tenha algum pr ec ed en te no verso gr ego nã o deve pe rm it ir qu e se ic le gu e à sombra a originalidade com que ele recriou cada uma das formas de que se serviu. Não há, penso eu, nenhum precedente para o espiato das Geòrgie as; e a atitude para com a terra, que 10. As Geórgicas foram escritas entre 37 e SO a.C. Trata-se »le um grande hino ù terra italua. uma obra de propaganda cm favor da reagrarizaçào empreendida pelo imperador Augusto. (N.T.) U. Lewis, Cecil Day Poeta inglês (1904) . catedrát ico de poesia na Univer sidade de Oxford Alem das Georgias, traduziu também a Eneida. Entre suas obras, cum pre le mb ra r Transitional poem (1929), Magnetic mountains (1933), Λ time to dance (1955). Ouvertures to death (19*8) e
Word over all ( 19-13). ( N. T. )
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ali está expressa, e algo que deveríamos considerar particularmente inteligível agora, quando a concentração urbana, o êxodo rural, a pilhagem da terra e o desperdício dos recursos naturais começam a despertar a atenção de todos. Foram os gregos que nos ensinaram a dignidade do lazer; foi deles que herdamos a percepção de qu e a vid a mai s elevada é a vid a de co nt em pl aç ão . Mas esse respeito ao lazer, entre os gregos, se fazia acompanhar po r um desp re zo às ocupações ma nu ai s. Virgílio pe rc eb eu que a agricultura é fundamental à civilização, e afirmou a dignidade do trabalho manual. Quando foram criadas as ordens monásticas cristãs, a vida contemplativa e a vida dos trabalhos manuais estavam de início associadas. Estas não eram mais ocu pações par a as di fe re nt es classe s de pes soa s, uma no br e, ou tr a infer ior e ad equ ad a ape nas aos escravos ou scmi-escr avos. Boa part e do m un do medi eval nã o era cri stã, e as práticas do m u n do laico eram muito diferentes daquelas das ordens religiosas no que tinham estas de melhor; mas pelo menos o cristianismo estabeleceu o princípio de que aς ão e contemplação, trabalho e oração, são essenciais à vida do homem completo. E possível que a intuição dc Virgílio fosse reconhecida pelos monges que liam suas obras em seus retiros religiosos. Além disso, precisamos nos lembrar dessa afirmação das Geórgicas quando lemos a Eneida. Aí, Virgílio está preocupado com o Imperium romanu m, com a extensão e a justificação da norma imperiai. Eie formula um ideal para Roma, e para o império em geral, que jamais foi realizado na história, mas esse ideal como Virgílio o entende não carece de nobreza. Sua devoção a Roma estava baseada numa devoção à terra, a determinada região, a determinada cidade e a determinada família nessa cidade. Para um leitor de história, essa fundamentação do geral no particular pode parecer quimérica, assim como a união da vida contemplativa e da vida ativa pode parecer quimérica à maioria das pessoas. É que tais objetivos são amiúde encarados como alternativas: exaltamos a vida contemplativa e menosprezamos a vida ativa, ou exaltamos esta e olhamos aquela com divertido desprezo, se não mesmo com desaprovação moral. E, todavia, pode ser que o homem que afirma aquilo que é aparentemente incompatível esteja certo.
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Chegamos à segunda palavra. É um lugar-comum dizer que a palavra piedade constitui apenas uma tradução reduzida, modificada e especializada de pietas. Usamo-la cm dois sentidos: em geral, ela sugere uma assiduidade devota à Igreja, ou pelo me no s um a as si du id ad e ap ar en te me nt e de vo ta . Em ou tr o sentido, está sempre precedida pelo adjetivo "filial", significando um comportamento correto para com os pais. Quando Virgílio fala, como o faz, do pius Aeneas, podemos pensar em seu cuidado para com o pai, na devoção à memória do pai e no tocante reencontro do pai com o filho em sua descida às regiões infernais. Mas a palavra pietas usada por Virgílio tem conotações bem mais amplas: ela implica uma atitude com relação ao indivíduo, à família, à região e ao destino imperial de Roma. E afinal Enéias é pie doso " també m em seu respeito para com os de uses e em sua escrupulosa obser vân cia dos ritos c oferendas. E uma atitude para com todas essas coisas e que, por co ns eg ui nt e, im pl ica um a un id ad e e um a or de m en tr e elas: é, na verdade, uma atitude para com a vida. Enéias não é, assim, somente um homem dotado de uma série de virtudes, cada uma das quais constitui uma espécie de pi ed ad e; de m od o qu e ch am á- lo de piedoso equivale apenas, em geral, a utilizar um termo coletivo conveniente. A piedade é una. Aqueles são aspectos da piedade em diferentes contextos, e todos eles guardam relação entre si. Em sua devoção ao pai , ele nã o está se nd o ap enas um fi lh o admi rá vel. Há um a afe ição pessoal, sem a qual a piedade filial seria imperfeita, mas a afeição filial não é piedade. Há também devoção ao pai enquanto pai, enquanto progenitor: trata-se da piedade enquanto aceitação de um vínculo que não se escolheu. A qualidade da afeição está alterada, e sua importância sc aprofunda quando se torna amor devido ao objeto. Mas essa piedade filial é tam bé m o re co nh ec im en to de um ví ncu lo a mais, o qu e se ma nt ém com os deuses, aos quais essa atitude agrada: falhar com relação a isso equivaleria a tornar-se culpado de impiedade para com os deuses. Os deuses devem assim ser dignos desse respeito; e sem deuses, ou um deus, se podemos considerá-lo dessa maneira, a piedade filial está ameaçada, pois deixa dc ser então um dever, seus sentimentos para com o pai serão devidos apenas a um feliz acidente de congenialidade ou reduzidos a um
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sentimento dc gratidão pelos cuidados e consideração recebidos. Enéias é piedoso para com os deuses, e jamais sua piedade aflora mais claramente de que quando os deuses o afligem. Teve ele não poucos aborrecim entos com Ju no , e até me smo sua mãe Vénus, instrumento benévolo de seu destino, colocou-o numa situação muito embaraçosa. Há em Enéias uma virtude — in gr ed ie nt e essencia l em sua pi ed ad e — qu e con sis te nu ma analogia com a humildade cristã e que a prefigura. Sob importantes aspectos, Enéias é a antítese quer de Aquiles, quer de Odisseu. Na medida em que ele é heróico, o é como a Pessoa Deslocada original, como o fugitivo da cidade arruinada e de uma sociedade destruída, da qual alguns raros sobreviventes, à exceção dos de seu grupo, definham como escravos dos gregos. Nã o lhe co ub er am , co mo a Ulisses, maravilh osa s e exci ta nt es aventuras, entremeadas de ocasionais episódios eróticos, que não deixaram nenhuma úlcera na consciência daquele viajante. Ele não devia afinal regressar à saudosa lareira, a uma esposa exemplar que o aguardava, e ali reunir-se a seu filho, a seu cão e a seus serviçais. O fim dc Enéias é apenas um novo começo, e o objetivo de sua peregrinação é algo que só virá a ser alcançado por fut uras gerações. Sua réplica mais próxima é Jó, mas sua recompensa não foi a qu e Jó obteve, e sim estri tame nte o cumprimento de seu destino. Ele sofre para si mesmo, e só age para ob ed ec er . Ele é, na ve rd ade, o pr ot ót ip o do herói cris tão; é, humildemente, um homem com uma missão, e a missão é tudo. A pietas não se explica assim senão em termos de fatum. Eis uma palavra que aparece constantemente na Eneida, uma pal avr a car regad a de si gni fi cado e tal vez com mais si gn if ic ad o do que aquele que o próprio Virgílio conhecia. Nossa palavra mais próxim a é destino \ e esta é uma palavra que significa mais do que quaisquer definições que lhe possamos atribuir. Trata-se de uma palavra que não pode ter nenhum significado num universo mecânico: se o que se eleva deve decair, onde fica o destino nisso tudo? O destino não é um fatalismo! como tampouco um capricho: é algo que essencialmente tem um significado. Cada homem tem seu destino, embora alguns sejam indubitavelmente "homens de destino" num sentido em que a maioria dos homens não o é; e Enéias é eminentemente um
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homem de destino, pois sobre cie repousa o futuro do mundo ocidental. Mas essa é uma eleição que não pode ser explicada, um fardo e uma responsabilidade mais do que uma razão de que alguém se glorifique. Toca simplesmente a um homem, e não a outros, ter os dons necessários num momento de crise pr of un da , ma s ele nã o po de se at ri bu ir ne nh um cr édit o pel os dons e pela responsabilidade que lhe couberam. Certos homens tiveram uma funda convicção de seu destino, e prosperaram com essa convicção; mas quando deixam de agir como um instrumento e passam a considerar-se como fonte ativa do que fazem, seu orgulho é punido com o desastre. Enéias é um homem guiado pela convicção profunda do destino, mas é um homem humilde que sabe que seu destino não constitui algo par a ser de se ja do ne m ev it ad o. De qu e po tê nc ia é ele o servidor? Não a dos deuses, que são apenas instrumentos, e às vezes instrumentos rebeldes. O conceito de destino nos lega um mistério, mas um mistério não contrário à razão, pois implica que o mundo, e o curso da história humana, tenham um significado. Ε o destino não livra a humanidade de responsabilidade moral. É esse, pelo menos, o sentido que atribuo ao episódio de Dido. O caso amoroso de Enéias e Dido foi tramado por Vénus: nenhum dos amantes poderia abster-se. Ora, a própria Vénus não agiu por capricho ou por maldade. Ela estava decerto orgulhosa do destino de seu filho, mas seu comportamento não é o de uma mãe insensata: ela é em si um instrumento para a realização do destino de seu filho. Enéias e Dido deviam ser unidos, e deviam ser separados. Enéias não se opôs, obedeceu a seu destino. Mas estava decerto muito infeliz por isso, e julgo que sentiu ter se comportado vergonhosamente. Pois, do contrário, por qu e ter ia Vir gílio ar ra nj ad o seu en co nt ro com a so mb ra dc Dido no Hades? Ao ver Dido, ele tenta desculpar-se de sua trai-
ção. Se d me iussa deum — mas eu estava sob as ordens dos deuses; era uma decisão muito desagradável que eles me impuseram, e lamento que você a tenha compreendido tão mal. Ela evita seu olhar e se volta, o rosto tão imóvel como se houvesse sido talhado numa rocha ou num mármore de Paros. ,: Não 12. Em gr. P J ros, ilha grega do grupo das Cidades, outrora celebre pelos mármores brancos e brilhantes que produzia. (N.T.)
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tenho dúvida de que Virgílio, ao escrever estes versos, 1* assumira o papel de Enéias e se sentira decididamente um verme. Nã o, um de st in o co mo o de Enéia s nã o to rn a a vid a de ne n hu m homem mais fácil: é uma pesadíssima cruz a ser carregada. E não imagino que nenhum herói da Antigüidade se haja encontrado numa situação tão inexorável e deplorável. Creio que o po et a qu e me lh or teria po di do riv alizar co m Virgí lio ao tr at ar uma situação como essa seria Racine: certamente o poeta cristão que pôs nos lábios da furiosa Roxane o explosivo verso Rentre dans le Néant d'où je t'ai fait sortir 14 teria podido, se fosse o caso, encontrar as palavras que caberiam a Dido nessa ocasião. O que significa, pois, esse destino, que nenhum herói homérico compa rtilha com o de Enéias ? Para o espí rito consci ente de Virgílio, significa o impenum romanum. Isso em si, como Virgílio o viu, era uma digna justificativa da história. Creio que ele teve algumas ilusões e que via claramente ambos os lados da questão: tanto o do que perde quanto o do que ganha. Todavia, mesmo aqueles que sabem tão pouco latim quanto eu devem recordar estes versos e arrepiar-se à sua lembrança: His ego nec metas rerum, nec tempora pono: Imp en um sine tine dedi (...J 1 Tu regere impeno populos, Romane. memento (hae tibi erunt artes) pacique imponere morem, parcere subiectis et debellare superbos(...) 16 Eis aí todo o fim da história ao qual se podia pedir a Virgílio que chegasse, e era um fim digno. E de fato julgam vocês que Virgílio se enganou? Vocês devem se lembrar de que o Império Romano foi transformado no Sacro Império Romano. O que Virgílio propôs aos seus contemporâneos foi o mais elevado 13 Os versos são os seguintes: " Illa solo fixos oculos anversa tene bat / nec ma gis incepto vohuni sermone moveiur / quam si dura silex aut stet Marpesia caures" Eneida, VI, 469-471. (N.T.) 14. Regressa ao Nada de ond e te fiz sai r." Ba/azet, Ato II, Cena I. (N T ) 15. " Nã o fixo nen hum limit e ao seu poder nem à sua dura rão: / dei-lhe s um impe rio sem fim (...)." Eneida. I, 278-279. (N.T.) 16. "L emb ra-t e, rom ano, de impor aos povos teu impe'rio / (lá estar ão tuas artes), de impor as leis da paz, / de poupar os vencidos e de subj ugar os orgulhoso s ( ) " Eneida, VI. 851-853. (N.T.)
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ideal mesmo para um sacrílego Império Romano, bem como para qua lq ue r im pé ri o qu e foss e si mp le sm en te te mp or al . So mos todos ainda, na medida em que herdamos a civilização euro pé ia , ci da dã os do Im pé ri o Ro ma no , e o te mpo ai nd a nã o desmentiu Virgílio quando escreveu nec tempora pono: impenum sine fine dedi. Mas, naturalmente, o Império Romano que Virgílio imaginou e através do qual Enéias cumpriu seu destino não era exatamente o mesmo que o Império Romano dos legionários, dos pró-cônsules e dos governadores, dos negociantes e dos especuladores, dos demagogos e dos generais. Ele foi algo maior, mas algo que existe porque Virgílio o imaginou. E permanece como um ideal, mas um ideal que Virgílio transmitiu ao cristianismo para que fosse desenvolvido e estimado. Em suma, parece-me que o lugar que Dante destinou a Virgílio na vida futura, bem como o papel de guia e professor que lhe atribuiu até a fronteira que Virgílio não foi autorizado a cruzar, constitui uma exata confirmação das relações entre Virgílio e o mundo cristão. Comparado ao mundo de Homero, chegamos à conclusão de que o de Virgílio nos parece próximo do mundo cristão na escolha, na ordem e no relacionamento entre seus valores. Eu disse que isso não implica nenhuma com pa raçã o en tr e Hom er o po et a e Virgí lio po et a. E ne m im ag in o que essa seja exatamente uma comparação entre os mundos nos quais eles viviam, considerados à parte da interpretação desses mundos que os poetas nos deram. E possível que conheçamos mais o mundo de Virgílio e que o compreendamos melhor; e, por conseguinte, que vejamos mais claramente quanto, na idéia romana segundo Virgílio, é devido ao poder criador c ao espírito filosófico do próprio Virgílio. Pois, no sentido em que um poeta é um filósofo (distinto do sentido em que um grande po et a po de da r co rp o a um a gr an de filo sofia nu ma gr an de poesia), Virgílio é o maior filósofo da Roma antiga. Isso não significa, portanto, simplesmente que a civilização na qual Virgílio viveu esteja mais próxima da civilização cristã do que a de Homero; podemos dizer que Virgílio, entre os poetas ou prosadores clássicos latinos, tangencia o cristianismo de uma maneira única. Há uma frase que tentei evitar, mas que agora me sinto na obrigação de utilizar: anima naturaliter Christiana.r Aplicá-la
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a Virgílio é uma questão de escolha pessoal, mas estou propenso a pensar que ele justamente não alcança o objetivo, eis por que eu disse ainda agora acreditar que Dante colocou Virgílio no lugar certo. Tentarei justificar-me. Penso cm outra palavra-chave, além de labor, pietas t fatum, que cu desejaria pudesse servir de exemplo, segundo Virgílio, da mesma forma que as outras. Que palavra-chave se pode
a história tinha urn significado. Mas foi-lhe negada a visão daquele que podia dizer: "Em suas profundezas vi reunidas, atadas pelo amor em um volume, as folhas dispersas de todo o universo".
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Legato con amor in un volume. 10
encontrar em A divina cornédia que já não esteja na Eneida? Uma delas, naturalmente, é lume, e todas as palavras exprimem a significação espiritual da luz. Mas essa palavra, creio eu, da maneira como Dante a emprega, tem um significado que pertence apenas ao cristianismo explícito, associado a um sentido que pertence à experiência mística. E V irgílio não é um místico. O termo cuja ausência se pode justificadamente lamentar em Virgílio é amor. Ele é, acima de quaisquer outros, a palavrachave em Dante. Não quero dizer que Virgílio jamais a utili-
zou. A palavra amor ocorre nas Éclogas (amor vincit omnia x
Mas os amores dos pastores só a custo simbolizam mais do que uma convenção poética. O uso da palavra amor nas Éclogas não está iluminado por significados que ela adquire na Eneida da maneira como, por exemplo, nos voltamos para Paolo e Francesca com maior compreensão de sua paixão após termos atravessado os círculos do amor no Paraíso. É claro que o amor de Enéias e Dido tem maior força trágica. Há ternura e pathos suficientes na Eneida. Mas o Amor jamais recebe, segundo penso, a mesma significação como um princípio de ordem na alma humana, na sociedade e no universo que recebe a pietas\ e não é o Amor que determina o fatum, ou move o sol e as estrelas. Mesmo no que se refere à paixão física. Virgílio é menos intenso do que alguns outros poetas latinos, situando-se bem abaixo do nível de Catulo. Se não formos gelados, teremos pelo menos a impressão de que, em Virgílio, nos movemos numa espécie de crepúsculo emocional. Dentre todos os autores da Antigüidade clássica, Virgílio foi aquele para quem o mundo tinha um sentido, para quem ele tinha ordem e dignidade c para quem como para nenhum outro, à exceção dos profetas hebraicos —, do ." (N T.)
19. Os versos cita dos por Eliot na traduç ão inglesa dos Clássicos Tem pie e o verso em italiano pertencem a A divina comedia. Parano, Canto XXX, 85-87: "Nel suo pr of on do vidi che s' in te rn a. / le ga to con am or e in un vo lu me . / ciò che per I uni -
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a maioria dos leitores conhece de Davies esteja representado pe las du as es tr of es co mp il ad as no Oxford hook of English verse:
SIR JOHN DAVIES1
I know my soul hath power to know all things, Yet she is blind and ignorant m all: I know I'm one of Nature 's little kings, Yet to the least and vilest things am thrall I know my life 's a pain and but a span; I know my sense is mock 'd in everything: And\ to conclude, I know myself a Man Which is a proud and yet a wretched thing. 3
O juiz da Suprema Corte Joh n Dav ies: morreu em 7 de dezembro de 1626. Deixou uma série de poemas, um tratado filosófico. Reason's academy , alguns textos jurídicos e vários alentados documentos oficiais sobre a Irlanda. Fez uma brilhante carreira como servidor público, mas muito provavelmente o poema que preservou sua memória. Kosce teipsum , foi o que lhe recomendou ao rei Jaime. Possivelmente, Jaime apreciava mais a erudição do que o mérito poético, mas, de qualquer modo, reconheceu o valor de um poeta que estava, sob certos aspectos, tão deslocado em sua época quanto na nossa. Os poemas curtos de Davies são de modo geral graciosos e ocasionalmente encantadores, mas estão a tal ponto eclipsados até mesmo pela modesta reputação de Nosce teipsum e de Orchestra que jamais foram compilados como peças antológicas. Por sua enunciação gnomica e seus quartetos indevassáveis, Nosce teipsum presta-se à mutilação, mas uma ou duas estrofes é rudo o que figura nas antologias. Provavelmente, tudo o que 1. Publicado cm The Times literary Supplement cm ΐυ2 6
(Ν. A )
inglês (Tisbu ry. Wilt shire 1569 New ca st le -on -L yme , 1626) . Os po em as Nosce teipsum e Orchestra datam respeti vamente, de 1599 e 1596. Dav.es deixou ainda, entre outras obras, vinte e seis acrosticos sobre as palavras TJisabetha Regina, sob o título dc Hymns to Astrea pub li dos 1599. (N .T .) 2. Davies,
Sir Jo hn .
Poeta
e
jurista
Embora belas e completas tanto quanto podem sê-lo, essas duas estrofes não representam o poema, e nenhuma seleção estrófica pode representá-lo. Davies é autor de belos versos, mas é mais do que isso. Não é um desses que se podem incluir naquele segundo escalão de poetas dos quais, aqui e ali, ecoam notas do que é importante. Se há, em Orchestra , indícios da influência de Spenser, isso não constitui senão o débito que muitos elisabetanos pagam a esse mestre da versificação. Ε o esquema, a versificação e o conteúdo de Nosce teipsum são, nessa época, decididamente originais. O poema do Nosce teipsum é uma longa discussão sobre a natureza da alma e sua relação com o corpo. As teorias de Davies não são as dos filósofos do final do século XVII, nem constituem muito bom aristotelismo. Davies está mais preocu pado em pr ov ar qu e a al ma é di st in ta do co rp o do qu e em explicar como tais entidades distintas podem estar unidas. A alma é um espírito e, como tal, tem inteligência, vontade, razão e capacidade de julgamento. Ela não se assemelha à torma do corpo, e a palavra "forma" aparece no poema mais no sentido de "representação" {similitude). A alma está no corpo como a luz no ar, o que está de acordo com a questão escolástica relativa ao fato de que a alma esteja mais cm uma parte do corpo "Sei que minha alma tem o poder dc saber tudo, / E todavia e' dc todo cega e ignorante: ! Sei que sou um dos pequenos reis da*Natureza, / E contudo escravizo me às coisas mais íntima s e vis. // Sei que minh a vitla dói e dura apenas um instante; / Sei que em tudo meu juízo é escarnecido; / E. para concluir, reconheçome como um homem / Que ao mesmo tempo c miserável e orgulhoso." (N. I.)
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do que em outra. Nem mesmo os problemas do sentido de percepção parecem difíceis de resolver: Davies não está perturbado pel a "r ec ep çã o de fo rm as ima te ria is ". Sua co nt ri bu iç ão à ci ência da acústica consiste na explicação de que os sons devem percorrer os "canais e labirintos" do ouvido:
(um símile que Alexander
But sith our life so fast away doth slide, As doth a hungry eagle through the wind, 6 4. Pois sc a voz atingiss e dir eta men te o ce'rcbro, / Haveria de deixá- lo bastante maravilhado e confuso." (N.T.) Ne mé si o. Fil óso fo cri stã o (fi nal do séc ulo IV), au to i do humana. que constitui uma tentativa destinada a compilar um logia do ponto dc vista do pensamento cristão no qual estavam nas platôni cas da preexistê ncia e da metempsi cose (N. I ) 6. Mas visto que nossa vida velo zme nte desliza para longe. águia faminta pelos ares." (N.T.)
tr at ad o Da natureza sistema de antropopresentes as doutri/ Co mo o faz uma
toma de empr ésti mo para o seu
Julius Caesar ), ou And if thou, like a child'. didst feare before, Being in the darke, where thou didst nothing see: Now I have brought thee torch-light, fear no more; Now when thou diesi, thou canst not hud winkt be*
For should the voice directly sinke the brain, It would astonish and confuse it much. 4 Se Davies tomou ou não de empréstimo suas teorias — se é que cabe chamá-las assim — a Nemésio' ou a qualquer outro autor primitivo cristão, ou se as recebeu diretamente ou de segunda mão, é evidente que não podemos levá-las muito a sério. Mas o final do século XVI não foi um período de refinamen to filosófico na Inglaterra nessa época, a rigor, a filosofia nada mais era que a vítima de um definhamento que se estendera por um século ou mais. Considerando-se o lugar e a época, esse poema filosófico de um eminente jurista não constitui de modo algum uma realização desprezível. Numa época em que a filosofia, se não considerarmos a teologia, reduzia-se habitualmente (e em especial em verso) a uma compilação dos lugares-comuns de Séneca, a de Davies corresponde à de um espírito independente. O mérito e a estranheza do poema, todavia, residem na pcrl eição dos meio s par a se alcança r um fim. N um a li ng ua ge m de clareza e austeridade notáveis, Davies atinge seus objetivos ao manter o poema consistentemente no nível da poesia; ele jama is de sc am ba par a a hi pé rb ol e ou a li ng ua ge m bo mb ás ti ca , e jamais cscorrcga, como facilmente poderia fazê-lo, para o prosaico e o burlesco. Certos versos e quartetos estranhos persistem na memória, como:
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Davies não deve ser louvado pela grande felicidade na construção da frase, mas pode-sc observar que, sempre que outros poetas dele furtaram algo ou chegaram independentemente à mesma imagem, é geralmente Davies quem melhor a expressa. Grosart 9 compara as duas passagens seguintes, mostrando um símile utilizado por Davies e por Pope: Much like a subtill spider, which doth sit In middle of her web. which spreadelh wide: If aught do touch the utmost thread of it. She feels it instantly on every side. 10 Pope: The spider's touch, how exquisitely fine. Feels at each thread, and lives along the line. 11 A aranha de Davies está mais viva, embora o autor lhe destine mais dois versos. Outro exemplo é o da conhecidíssima imagem
de lhe ancient manner. 7. Alexander. Willia m Drama turgo inglês (1567-1640). autor dos four monarchi que tragedies Crœsut, Danus, The Alexandraen e Julius Caesar (1604-1 607). nas quais consegue anglicizar a filosofìa estóica (N.T .) "E se tu. qual uma criança, temeste antes, / Estando no escuro, onde nada 8 pod ia s ver; / Ago ra qu e eu te tr oux e a luz dc um a to ch a, nã o te ma s mai s; / Ago ra , qua ndo morreres, não mais poderás pestanejar. (N. T ) 9. G rosar t, Alexa nder Balloch. Sacerdo te e edit or escocês (Stirling, 1827 — Dubl in. 1899), responsável pela publicação de obras de numerosos puritanos e de vários outros trabalhos, além de livros raros considerados inacessíveis. Editou as obras de Davies em 1869-1876. acompanhadas dc uma extensa biografìa. (N.T.) 10. "À semelhança de urna aranha sutil, que se instala / No meio dc sua teia. que toda se esparrama; / Se alguém lhe toca o menor fio, / Ela dc pronto o percebe em todos os lados." (N.T.) 11. "O toque da aranha, quão belo e delicado. / Vibra em cada fio, e vive em
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Still as a slave before his lord. The ocean hath no blast; His great bright eye most silently Up to the Moon is cast — onde most é uma nódoa. Davies escreve (em Orchestra)'. For loe the Sea that fleets about the Land\ And like a girdle clips her solide waist. Mustcke and measure both doth understand: For his great chrystall eye is always cast Up to the Moone, and on her fixed fast: And as she daunceth in her pallid spbeere So daunceth he about his center heere. 1 * Mas a mestria do artesanato de Nosce teipsum e sua beleza não devem ser apreciadas por meio de citações dispersas. Seu efeito é cumulativo. Davies escolhe uma estrofe difícil, dessas em que é quase impossível evitar a monotonia. Ele não a enfeita com nenhuma das flores do conceito de sua própria época ou da seguinte, e não recorre a nenhuma das antíteses ou engenhos verbais com que os agostinianos sustentam seus períodos gramaticais. Seu vocabulário é claro; a escolha, precisa. Seu pensamento, para um poeta elisabetano, é surpreendentemente coeso; não há nada que seja irrelevante em seu principal argumento, nenhuma digressão ou vôo. E, embora cada quarteto seja com pl et o em si me sm o, a seqüên ci a nã o consti tu i ja ma is um "c olar de pérolas ' (como foi moda na época seguinte, tal como em The weeper , de Crashaw); o pensamento é contínuo. Todavia, nenhuma estrofe é ritmicamente idêntica à outra. O estilo par ece si ngel o, at é me sm o po br e, em bo ra a ca dência pessoal de Davies esteja sempre presente. Muitos críticos observaram a condensação das idéias, a economia da linguagem e a consistên12. "Quieto como um escravo diante dc seu dono, I O oceano jamais ondula, / Seu grande olhar brilhante, silenciosamente. / Se ergue cm direção à Lua — ." (N.T.) 13. "Pois, ai, o Mar que se move em torno sua sólida cintura. / De música e medida olho de cristal sempre se volta / Para,a Lua, ela dança em sua pálida esfera, / Dança ele
da Terra. / E como um cinto enfeita ambos entendem. I Pois seu grande e sobre sua fixa amarra; / E enquanto também em redor de seu centro terres-
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cia da alta qualidade, mas alguns incorreram no erro de supor que o mérito de Davies estivesse na prosa. Hallam, 14 após louvar o poema, diz: "Se ele atinge em cheio o coração, é por meio da razão. Mas visto que o poderoso e conciso argumento e o estilo correto não conseguem nos proporcionar prazer em prosa, parece estranho que eles percam o efeito quando obtêm a ajuda do metro regular para gratificar o ouvido e socorrer a memória". A crítica de Hallam é confusa. O coração de Hallam deve ter se revelado singularmente inacessível, ou sua razão muito facilmente impressionada. O argumento não é poderoso; se Davies subisse ao ringue da argumentação filosófica, seu contem po râ ne o, o car dea l Bell ar mi ne, o ter ia no ca ut ea do no pr im ei ro assalto. Davies não tinha um espírito filosófico; era primordialmente um poeta, mas com o dom da exposição filosófica. Seu apelo, na verdade, se dirige àquilo que Hallam chama de coração, embora não devamos de modo algum empregar esse único órgão como o veículo de toda a emoção poética. Entretanto, a excelência da teoria sobre o corpo e a alma que Davies expôs é irrelevante. Se alguém o tivesse provido de uma teoria melhor, o poema poderia ter sido, em certo aspecto, melhor do que é; em outro aspecto, isso absolutamente não interessa. O espantoso é que Davies, em seu país e em sua época, pudesse elaborar, como o fez, uma teoria tão coerente e respeitável. Ninguém, nem mesmo Gray, 15 superou Davies no uso do quarteto que ele utilizou em Nosce teipsum\ e nenhum poema em qualquer metro semelhante (compare-se-lhe The witch of Atlas) é metricamente superior a Orchestra. Até mesmo seus acrósticos sobre o nome da rainha Elisabeth são admiráveis em graça e melodia. E com seu gênio para a versificação, com um gosto pela língua notavelmente puro para sua época, Davies teve esse estranho dom, tão raramente conferido, de transformar o pensamento em emoção. 14. Hall am. Henry . Historiador inglês (Winds or. 1777 — Penshurst. Kent , 1859), especialista na história da França, Itália, Espanha. Alemanha c impérios grego e sarraceno. A passagem transcrita por Eliot pertence, porem, à sua Introduction to the literature of Europe during the 16" and 17 th centuries (1837-1839). (N.T.) 15. Gray, Thomas. Poeta inglês (Londres, 1716 — Cambridge, 1771). precursor do romantismo em seu país. Escreveu puuco c tornou-se celebre graças a um Unico
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Em sua tentativa de "situar" Davies, que parece anòmalo, os críticos o compararam, de um lado, aos herdeiros de Séneca, a Chapman, 1 6 a Daniel 17 e a Greville 18 e, de outro, a Donne e os metafísicos. Nenhuma dessas classificações c absolutamente exata. A única dívida direta de Davies como poeta parece ser a que ele tributa a Spenser, o mestre de todos. Seu tipo de pe ns am en to , e co ns eq üe nt em en te o to m de sua expressão , afa sta-o dos herdeiros de Séneca. Seu pensamento, como dissemos, é inferior como filosofia, mas é coerente e isento de excentricidade ou pose. Ele pensa como um escolástico, embora a qualidade de seu pensamento possa chocar um escolástico. Chapman, Daniel e Greville, até onde se pode dizer que de algum modo pensaram, pensavam como retóricos latinos. Como os demais dramaturgos, eles absorveram de Séneca uma filosofia que é indispensável à pose teatral. Por isso, sua linguagem, mesmo quando pura e contida — e a de Daniel é surpreendentemente pura e contida —, é sempre bombástica e oratória; seu verso é como que falado em público, e seus sentimentos como que sentidos em público. O de Davies tem a linguagem e o tom da meditação solitária; ele fala como alguém que pe ns a consi go me sm o na sol idão, e ja ma is eleva sua voz. Do mesmo modo, pode-se dizer que Davies tem algo em comum com Donne, e não se trata apenas de sua moderação no emprego do símile e da metáfora. O conceito verbal, como foi utilizado por Donne, implica uma atitude bem mais diferente para com as idéias do que a dc Davies, sendo a deste talvez muito mais conscienciosa. Donne era propenso a se divertir praticamente com qualquer idéia, a brincar com ela, a esgo16. Chapman. George. Poeta e dramaturgo inglês (Hicchin, Harrfordshire, c. 1559 — Lo ndr es . 1634 ). Tr ad ut or da ilíada (1598) e da Odisseu ( 1614). deixou as comi dias Ml fools e The widdowes teares (1612) e as tragédias Bus sy d'Amhois (1607) e The revenge of Bussy d'Ambois (1613). entre ouïras (Ν Τ ) 17. Daniel, Samuel. Poeta e drama turgo inglês (Taunton. Somerset, c. 1562 — Beckington. Somerset, 1619). Compôs para a rainha Ana diversas peças, entre as quais The vision of twelve goddesses (1604) e The queenes Arcadia (1606). Eoi mais tarde apreciado por Coleridge e Wordsworth. (N.T.) 18. Greville, Fulke (Primeiro barão Brooke). Poeta e dramaturgo inglês (Beauchamp Court, Warwickshire, 1554 — castelo de Warwick, 1628). É o mais barroco de todos os dramaturgos da época em suas tragédias de vingada, sempre marcadas pe lo est oic is mo e a rel ig ios id ade an gu st ia da , co mo em Alaham e a Tragedy of Mustapha (1609), ambas fiéis ao modelo de Séneca. (N.T.)
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tar sua estranheza, a explorar-lhe todas as possibilidades capazes de afetar sua sensibilidade. Davies é muito mais medieval; sua capacidade de crer é maior. Ele não tem senão uma única idéia, que persegu e com toda a seriedade uma espécie de seriedade rara em sua época. O pensamento não é explorado po r am or à em oç ão , mas pe rs eg ui do ap en as por am or ao pró prio pe ns am en to ; c o se nt im en to é um a espéci e dc su bp ro du to , embora um subproduto cujo valor é muito maior do que o do pensamento. O efeito da seqüência poemática não sc destina a diversificar ou ornamentar o sentimento, mas estritamente a intensificá-lo. A variação está na métrica. Há apenas um único paralelo cm relação a Nosce teipsum, c, conquanto seja ele temerário, não se mostra incorreto no caso de Davies. Trata-se de diversas passagens sobre a exposição da natureza da alma que ocorrem no meio do Purgatório. Comparar Davies a Dante pode parecer fantástico. Mas, afinal de contas, foram muito poucas as pessoas que leram esses trechos de Dante, e menos ainda as que obtiveram qualquer prazer com sua leitura; em suma, tais passagens são tão pouco lidas ou apreciadas quanto o próprio Nosce teipsum. E claro que elas são muitíssimo mais belas por duas razões inteiramente distintas: Dante era um poeta incomensuravelmente maior, e a filosofia que expõe é infinitamente mais sutil e substancial: Esce di mano a lui, che la vagheggia prima che sta, a guisa di fanciulla che piangendo e ridendo pargoleggia, L 'anima semplicetta, che sa nulla, salvo che, mossa da lieto fattore, volentier toma a ciò che la trastulla. Dt ptcciol bene in pria sente sapore; quivi s 'inganna, e retro ad esso corre, se guida o fren non torce suo amore. !<> 19 Divina cor/tedia. Purgatòrio, 85-93: "A alma, daquela mão que à vida a deita. / e com carinho a afaga, como o infante / que em pranto e riso a um tempo se deleita. // emerge, ingênua e simples, ignorante / de tudo em torno, salvo do pe nd or / qu e a leva a se ex pa nd ir , ir ra di an te . // Logo de um fal so be m pro va o sabor; / e assim se engana, e o persegue, e corre, / se um freio, presto, não lhe amaina o ardor". Trad, de Cristiano Martins, cit. (Ν. Γ.)
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Colocar Davies no mesmo nível de Dante não corresponde em absoluto a dizer que alguém que possa apreciar a beleza de versos como esses deva ser capaz de extrair um considerável prazer da leitura de Nosce teipsum.
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Conquanto.se deva admitir que Milton é de fato um altíssimo poeta, decidir em que consiste a sua grandeza tem algo de um quebra-cabeça. Sob o aspecto da análise literária, as observações contra ele parecem mais numerosas e significativas do que as observações a seu favor. Como homem, ele é antipático. Seja do ponto de vista do moralista, do teólogo, do psicólogo ou do filósofo político, seja se o julgarmos pelos padrões comuns da qualidade que torna os seres humanos dignos de estima, Milton é insatisfatório. As dívidas que devo reconhecer com relação a ele são mais sérias do que tais objeções. Sua grandeza como poeta foi suficientemente celebrada, embora eu julgue que em grande parte por razões equívocas, e sem as reservas adequadas. Seus delitos como poeta foram denunciados — como, entre outros, pelo Sr. Ezra Pound —, mas normalmente de passagem. O que me parece necessário é afirmar ao mesmo tempo sua grandeza — no que podia fazer bem, ele o fez melhor do que qualquer outro jamais o faria — e as sérias acusações que devem ser movidas contra ele no que se refere à deterioração — a singular espécie de deterioração — a que ele submeteu a língua. 1. Contribuição aos Essays and studies da Assoc iação Ingl esa, Oxfo rd Unive rsity Press, 1936. (N A.)
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Muitos concordarão cm que um homem pode ser um grande artista e, não obstante, exercer uma má influência. A influência de Milton sobre a mediocridade do mau verso do século XVIII é maior do que a de qualquer outro: ele certamente causou mais prejuízos do que Dryden e Pope, e talvez boa parte da difamação de que foram vítimas esses dois poetas, especialmente o último, devido a sua influência, deva ser atribuída a Milton. Mas colocar o assunto simplesmente em termos de "má influência" não é necessariamente fazer uma acusação séria, pois boa parte da responsabilidade, quando colocamos o pr ob le ma nesses te rm os , po de ser tr an sf er id a aos pr óp ri os po etas do século XVIII, por serem tão maus poetas que se revelaram incapazes de ser influenciados por outra coisa que não o mal. Há muito mais do que isso a ser acrescentado à acusação contra Milton: parece que tudo se torna consideravelmente mais grave se afirmarmos que a poesia de Milton poderia exercer uma influência apenas sobre o pior dentre quaisquer poetas. E mais grave ainda se afirmarmos que a má influência de Milton poderia ser rastreada para bem além do século XVIII, e par a bem alé m dos ma us poetas — se di sser mo s qu e fo i uma influência contra a qual ainda lutamos. Há uma numerosa classe de pessoas, incluindo algumas que aparecem sob a forma de críticos, que encaram qualquer censura a um 'gran de poeta como uma violação da paz, como um ato de temerária iconoclastia, ou mesmo de baderna. A espécie de crítica desfavorável que me cabe fazer a Milton jamais é cogita da por pessoas co mo essas, que são in ca pa zes de compreender que é mais importante — e, sob certos aspectos, vital — ser um bom poeta do que um grande poeta; e com relação ao que tenho a dizer considero que o único júri é aquele que está formado pelos mais competentes usuários da poesia de mi nh a pr ópri a época. A mais importante ocorrência na vida de Milton, com relação àquilo a que me proponho, é a sua cegueira. Não quero dizer que ficar cego na meia-idade seja em si o suficiente para determinar toda a natureza da poesia de alguém. Essa cegueira deve ser considerada em relação à personalidade e ao caráter de Milton, e à singular educação que ele recebeu. Deve-se tam bé m con sider á-la pa ra le la me nt e à sua dev oçã o rel igi osa e ao seu
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talento na arte da música. Se Milton tivesse sido uin homem com sentidos aguçados quer o dizer com todos os cinco sentidos —, sua cegueira não teria importado tanto. Mas para um homem cuja sensibilidade, tal como era, tivesse murchado cedo devido à leitura de livros, e cujos dons fossem naturalmente auriculares, isso importava de modo considerável. Caberia supor, na verdade, que isso o ajudou a se concentrar sobre o que ele podi a fa zer me lh or . Em nenhum período a imaginação visual é conspícua na poes ia de Mi lt on . Seria aco nse lháve l dar al guns exempl os do que entendo por imaginação visual. Em Macbeth'. This guest o] summer, lhe temple-haunting martlet, does approve By his loved mansionry that the heaven s breath Smells wootngly here: no jutty, frieze, Buttress, nor coign of vantage, but this bird Hath made his pendent bed and procréant cradle: Where they most breed and haunt. I have observed The air is delicate. 1 Pode-se observar que essa imagem, bem como outra citação familiar pouco adiante na mesma peça, Light thickens, and the crow Makes wing to the rooky wood. 3 pr op or ci on a não ap en as al gu ma coisa à vista, mas, por assim dizer, ao senso comum. Quero dizer que elas transmitem a sensação de que se encontram em determinado lugar num determinado tempo. A comparação com Shakespeare oferece outra indicação da singularidade de Milton. Com Shakespeare, muito mais do que com qualquer outro poeta inglês, as combinações verbais proporcionam uma permanente novidade; elas ampliam 2 A fala e dc Banqu o, Ato I. Cena VI: "Est e hospede do verão, I O mart inct e familiar dos templos, prova / Por seus adorados abrigos, que o hálito dos céus Embalsama aqui o ambiente. Não há saliência, friso. / Contraforte, canto íavorável, onde esse pássaro / Não haja erguido o leito e o berço fecundo: / Observei que. onde ele habita c de preferência procria, / O ar c delicado". (N T ) 3. A fala é de Macbe th. At o III. Cen a II: "A luz agoniza, c o corvo / distende suas asas rumo ao bosque sombrio". (N.T.)
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o significado das palavras particulares associadas: assim, procréant cradle ("berço fecundo"), rooky wood ("bosque sombrio") . Em comparação, as imagens de Milton não oferecem esse sentido de particularidade, como tampouco as palavras isoladas são desenvolvidas cm sua significação. Sua linguagem é, se podemos utilizar o termo sem nenhum menosprezo, artificial c convencional. O'er the smooth enamel d green (...) (...)paths of this drear wood The nodding horror of whose shady brows Threats the forlorn and wandering passenger. 4 Shady brows ("frontes sombrias ') equivale aqui a uma diminuição do valor das palavras a partir de seu emprego num verso do Dr. Faustus:
The sun to me is dark And silent as the moon, When she deserts the night Liid in her vacant interlunar cave. Aqui, a palavra interlunar é um achado de gênio, mas, a rigor, está mais associada a vacant ("vazia") e a cave ("caverna") do que propriamente lhes dando vida e delas recebendo vida. Assim, não é incorreto, como pareceria à primeira vista, dizer que Milton escreve o inglês como uma língua morta. A crítica foi feita em relação à sua sintaxe arrevesada. Mas um estilo tortuoso, quando sua singularidade visa à precisão — como no caso de Henr y Jam es —, n ão é necessar iament e um estilo morto, a menos que a dificuldade seja determinada por uma exigência de música verbal, c não por qualquer imposição de sentido. Thrones, dominations, princedoms, virtues, powers, If these magnifie titles yet remain Not merely titular, since by decree Another now hath to himself engrossed All power, and us eclipsed under the name Of King anointed, for whom all this haste Oj midnight march, and humed meeting here, This only to consult how we may best With what may be devised of honours new Receive him coming to receive from us Knee-tribute yet unpaid, prostration vile, Too much to one, but double how endured. To one and to his image now proclaimed?*
Shadowing more beauty m their airy brows. * As imagens em L 'allegro e LIpenseroso são todas genéricas: While the ploughman near at hand. Whistles o er the furrowed land And the milkmaid singe t h blithe. And the mower whets his scythe, And every shepherd tells his tale, Under the hawthorn in the dale. 0 Nã o é um lavrado r, um a or de nh ad or a e um past or pa rt ic ul ar es o que Milton vê (como Wordsworth poderia vê-los); o efeito sensual desses versos atinge plenamente o ouvido, e está associado aos conceitos de lavrador, de ordenhadora e de pastor. Até mesmo em sua obra mais madura, Milton não infunde vida nova à palavra, como Shakespeare o fez. 4. "Sobre o macio verde esmalta do (...) II (... ) trilhas dessa mata sinistra / Cuj o horrível meneio de suas frontes sombrias / Ameaça o erradio e desamparado passante." (N.T.) "Sombreando mais beleza em suas frontes altaneiras." (N T ) 6. "E nq ua nt o o lavrador nas cercanias / Assobia sobre a terra seme ada / E a ordenhadora canta suavemente, / Ε o ceifeiro afia sua foice, / E cada pastor conta a
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Compare-se-ihe a isto: However, he didn Ί mind thinking that if Cissy should prove all that was likely enough their having a subject in com"O sol é para mim escuro / E silencioso como a lua. / Quando ela deixa a noite, / Oculta em sua vazia caverna interlunar." (N.T.) Κ " T r o n o s , dominações, principados, virtude*, poderes. / Se tais esplêndidos títulos ainda perduram / Não simplesmente titulares, desde que por decreto / Um outro agora arrebatou para si / Todo o poder, e nos eclipsou sob o nome / Do rei ungido, para quem toda essa pressa / De marcha da meia-noite, e improvisada reunião aqui, / Somente para saber de que maneira poderemos melhor / Com o que possa ser di vi sa do co mo noss as hon ra ri as / Rec ebê -lo par a rec ebe r de nós / Tr ib ut o ajoelhado ainda não prestado, vil prostração / Excessiva para alguém, mas como suportar cm dobro, / Poi alguém e por sua imagem agora proclamada?" (N.T.) 7.
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mon couldn't but practically conduce; though the moral of it all amounted rather to a portent. the one that Haughty, by the same token. had done least to reassure him against, of the extent to which the native jungle harboured the female specimen and to which its ostensible cover. the vast level of mixed growths stirred wavingly in whatever breeze. was apt to be identifiable but as an agitation of the latest redundant thing in ladies ' hats. 9
é preciso que, a rigor, não leiamos analiticamente uma passagem dessas. Não estou sugerindo que Milton não tenha nenhum pr op os it o dc tr an sm it ir o qu e en ten de co mo im po rt an te , mas apenas que a sintaxe está determinada pelo sentido musical, pel a im ag in aç ão au di ti va , mais do qu e por um a te nt at iv a de acompanhar a linguagem ou o pensamento reais. É pelo menos mais tangivelmente possível distinguir o prazer que provém do barulho, do prazer devido a outros elementos, daquele que se irradia de um verso de Shakespeare, no qual a imaginação auditiva e a imaginação dos outros sentidos estão mais intimamente fundidas, e fundidas com o pensamento. No caso de Milton, o resultado é, em certo sentido da palavra, retórico. Esse termo não deve ser entendido como pejorativo. Essa espécie de "retórica não exerce necessariamente uma má influência, mas pode-se considerá-la má em relação à vida histórica de uma língua como um todo. Eu disse alhures que o inglês vivo, como era o de Shakespeare, se dividia em dois componentes, um dos quais foi explorado por Milton e outro por Dryden. Dos dois, considero ainda o desenvolvimento de Dryden mais saudável, pois foi Dryden quem preservou, na medida em que cabalmente a preservou, a tradição da linguagem coloquial na poesia, e eu po de ri a acr esc ent ar qu e me par ece mai s fácil resgatar a saúde da linguagem a partir de Dryden do que fazê-lo a part ir de Mi lt on ; poi s se cab e aq ui recorr er a essa gen eralizaçã o, a influência de Milton sobre o século XVIII foi muito mais deplorável do que a de Dryden. Se várias e importantíssimas reservas e objeções cabem ser feitas, creio que não seja inútil comparar o desenvolvimento de Mil ton co m o de Jam es Joyce. As semelhan ças iniciais são o gosto musical e as habilidades, seguidas pelo aprendizado musical, o amplo e precioso conhecimento, o dom para línguas e os extraordinários poderes da memória, talvez fortalecidos pelo def eit o da visão. A d ife ren ça é que a imagi nação de Joyce não é decerto de um tipo tão estritamente auditivo quanto a de Milton. Em suas primeiras obras, e pelo menos em partes do Ulysses, há uma imaginação visual e outra imaginação da mais alta espécie; e posso estar enganado ao julgar que a última part e do Ulysses revele um retorno do mundo visível para que o autor estimule, preferivelmente, os recursos da fantasmagoria.
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A citação desse trecho, tornado quase ao acaso de The ivory tower , não preten de apresentar Henry Jam es no que hi potet icamente ele tem de "melhor' , do mesmo modo que a nobre passa gem de O paraíso perdido não se destina a revelar Milton no que hipoteticamente ele tem de pior. O problema é a diferença de intenções na elaboração de dois estilos que se afastam da lúcida simplicidade. O som, naturalmente, não é jamais irrelevante, e o estilo de Jame s decerto depe nde em boa par te, no que se refere a seu efeito, do som de uma voz, a do próprio James, dolorosamente explicativa. Mas a dificuldade, no caso de James , é devida a uma determ inaçã o de não simplifi car, e nisso a simplificação não perde nenhuma das complexidades reais nem as veredas do movimento mental, já que a dificuldade de uma oração miltoniana é uma dificuldade ativa, uma dificuldade intencionalmente introduzida naquilo que era um pe ns am en to pr ev ia me nt e si mp li fi cado e ab st ra to . O anj o ne gr o não está aqui pensando ou conversando, mas elaborando uma fala cuidadosamente preparada para ele; e o arranjo foi feito por ap ego ao valor musi cal , e nã o ao si gn if ic ad o. A en un ci aç ão direta, como a de uma personagem homérica ou dantesca, tornaria o interlocutor muito mais real para nós, mas a realidade não faz parte da intenção. Para colhermos a impressão poética, 9. Entreta nto, ele não se importava de fe ns ar que se Cissy houvesse de provar que eles tinham um assunto em comum, o que era bastante crível, isso não seria senão uma conclusão lógica, embora a moral de tudo isso chegasse a ser antes um pr od íg io , aq ue le me sm o qu e Ha ug ht y, a par ti r de id en ti tà ev id ên ci a, fi ze ra o menos possível para convencê-lo do contrário, na medida em que a floresta nativa abrigara o espécime feminino e para o qual sua cobertura ostensiva, a vasta superfície de variadas plantações agitadas por ondulações graças a uma brisa qualquer, era capaz de ser identificada como não mais do que uma agitação da mais recente redundância do chapéu das senhoras." (N.T.)
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De qualquer modo, pode-se supor que o recrudescimento das imagens visuais durante os últimos anos tenha sido insuficiente, de modo que aquilo que encontramos em Work in progress10 é uma imaginação auditiva anormalmente estimulada à custa do elemento visual. Há ainda um pouco a ser visto, e o que há para ver merece ser visto. E eu insistiria em que, no caso de Joyce, esse desenvolvimento me parece devido em grande pa rt e a cer tas ci rc un st ân ci as , um a vez qu e se po de di ze r dc Milton que ele nunca viu nada. Para Milton, conseqüentemente, a concentração no som era de todo benéfica. Na verdade, ao 1er O paraíso perdido, percebo que me sinto mais feliz nas passagens em que há menos o que visualizar. A visão não se horroriza diante de seu Inferno crepuscular como ocorre no Jardi m do Eden, on de, no que Tne concerne, só consigo extrair prazer do verso graças a um esforço para não visualizar Adão e Eva e aquilo que os rodeia. Nã o estou su ge ri nd o n en hu m ín ti mo pa ra le lo en tr e a "retórica' de Milton e o estilo das últim as obras de Joyc e. T rata-s e de uma música diferente; e Joyce sempr e man tém algu m contato com o tom coloquial. Mas pode-se provar que se trata tam bé m de um beco sem saíd a pa ra o fu tu ro des env olv im en to da língua. A desvantagem do estilo retórico parece ser a de que ocorre um deslocamento, por meio da hipertrofia da imaginação auditiva à custa dos elementos visuais e táteis, de modo que o significado interno está separado da superfície e tende a tornar-se algo oculto, ou pelo menos sem efeito, sobre o leitor até que seja plenamente compreendido. Para extrair tudo o que é possível dc O paraíso perdido parece-me que seria necessário lê-lo de duas maneiras diferentes, primeiro apenas pelo som, e segundo, pelo sentido. A beleza integral de seus longos períodos só dificilmente pode ser apreciada enquanto estivermos também em luta com o significado; e para o deleite do ouvido o significado só a custo é imprescindível, exceto na medida em que certas palavras-chaves indiquem o tom emocional da pa ss ag em . Or a, Sh ak es pe ar e ou Da nte po der ão co mpo rt ar in ú10. Obra dc Joycc pouco conhecida entre nós, pu blic ada em cinco partes entr e 1927 c 1930. abrangendo alguns fragmentos que seriam depois utilizados no Finne %an\ wake. (N.T.)
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meras leituras, mas a cada uma delas todos os elementos da a p r e c i a ç ã o podem estar presentes. Não há intervalo entre a casca
que esses poetas exibem a vocês e o miolo. Conseqüentemente, na medida em que não posso pretender ter penetrado em qualquer "segredo" desses poetas, sinto que essa apreciação de sua obra do modo como sou capaz de fazê-lo aponta para a direção correta, visto que não posso sentir que minha apreciação de Milton conduza a algum lugar que esteja fora dos labirintos do som. Este, suponho, seria assunto para um estudo isolado, como o dos livros proféticos de Blake; bem que o esforço valeria a pena, mas pouco teria a ver com meu interesse pela poesia. Pelo que dc algum modo percebo, trata-se de uma visão de relance de uma teologia que considero em boa parte repugnante, expressa através de uma mitologia que teria sido melhor deixar com relação ao Livro do Gênese, que Milton não aperfeiçoou. Parecc-me que ocorre em Milton uma divisão entre o filósofo ou o teólogo e o poeta; e, no caso deste último, suspeito também que essa concentração sobre a imaginação auditiva conduza a uma ocasional leviandade. Posso apreciar a cadência de (...) C ambula, seat of Cathaian C an And Samare hand by Oxus, Tern ir's throne , To Faquin of Sinaean kings, and thence To Agra and Uhor of great Mogul Down to the golden Chersonese, or where The Persian in Ecbatan sate, or since In HIspahan, or where the Russian Ksar On Mosco, or the Sultan in Bizance, Turchestan born (,..).11 e sua continuação, mas sinto que não se trata de poesia séria, de poesia integralmente preocupada com seu objetivo precípuo, mas antes de um jogo solene. Mais freqüentemente, e de modo confesso, Milton utiliza nomes próprios com parcimônia para, po r me io de le s, ob te r o mesm o ef ei to de ma gn if ic ên ci a co mo U. "Ca mbu la, sede de Cataia Can I E Samarcanda em Oxus. trono de Temir, / A Faqum dos reis sín.cos, e daí I A Agra e Lahor do Grào-Mogol. / Descendo ate o dourado Chersonese, ou onde / Em Ecbátana os persas tinham sede, ou desde / Hisfahan. ou onde o czar russo / Em Moscou, ou o sultão em Bizâncio. / Nas-
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ο fez Marlowe — cm nenhum lugar, talvez, melhor do que nesta passagem do Lycidas:
Whether beyond the stormy Hebrides, Where thou perhaps under the whelming tide Visit 'st the bottom of the monstrous world: Or whether thou to our moist vows deny'd Sleep 'st by the fable of Bellerus old, Where the great vision of the guarded Mount Looks toward Namancos and Bayona '$ hold
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relação à qual, para o estrito efeito de grandeza de som, nada existe de mais belo em poesia. Nã o faç o ne nh um a tent at iv a par a lou var a gr and ez a" de Milton em relação a poetas que me parecem mais abrangentes e mais bem equilibrados; pareceu-me mais proveitoso por ora
enfatizar o paralelo entre O paraíso perdido e Work in progress; e tanto Milton q ua nt o Joyce são tão subli mes em seus respectivos gêneros, no conjunto da literatura, que os únicos escritores com os quais se pode compará-los são escritores que tentaram algo muito diferente. De qualquer modo, nossos conceitos sobre Joyce devem, no momento, permanecer provisórios. Mas há duas atitudes, ambas necessárias e corretas, a serem adotadas quando se considera a obra de qualquer poeta. Uma é a de isolá-lo, quando tentamos compreender as regras de seu próprio jogo ou adotar o seu próprio ponto de vista; a outra, talvez menos comum, é a de avaliá-lo à luz de padrões externos, mais pertinentemente por padrões de língua e daquilo a que chamamos poesia, em nossa própr ia lí ngua e em to da a histó ri a da lit eratura européia. E a partir do segundo ponto de vista que faço minhas objeções a Milton: é por esse prisma que podemos chegar ao ponto de afirmar que, conquanto suas obras realizem admiravelmente um importante elemento da poesia, ele pode, não obstante, ser considerado como o responsável por um pre juízo à língua inglesa do qua l ela jamais se rec uperou in te ir am ente . 12. "Se além das tormentosas Híbridas, / On de tu talvez engolfa do pela maré / Visitaste o tundo do monstruoso universo; / Ou sc tu. diante de nossos úmidos rostos renegados, i Dormiste embalado pela fábula do velho BdJerus, / Onde a grande visão do monte vigiado / Descortina-se na direção de Namancos e dos domínios de Bayona (.. .). Ver nota 13 a "Jo hns on como crítico e po et a" (N T )
Samuel Johnson, que se encarregou de analisar a versificação de Milton no The Rambler , em sua edição de sábado, dia 12 de janeiro de 1751, julgou necessário desculpar-se de sua temeridade ao escrever sobre um assunto já tão amplamente discutido. Para justificar seu ensaio, o grande crítico e poeta observou: "Fm cada época há novos erros a serem corrigidos e novos preconceitos aos quais se opor". Vejo-me obrigado a expressar minha própria apologia de maneira algo distinta. Os erros de nossa própria época tem sido corrigidos por mãos vigorosas, e os preconceitos, obstados por vozes imponentes. Alguns dos erros e preconceitos estão associados a meu próprio nome, e sobre estes, particularmente, sinto-me compelido a lalar; espero que eles sejam atribuídos a mim mais por modéstia do que por vaidade, ainda que eu sustente que ninguém pode corrigir um erro com maior autoridade do que a pessoa considerada responsável por ele. E há, suponho, uma outra justificativa para falar sobre Milton, além daquela que acabo de dar. Os paladinos de Milton em nossa época, com uma notável exceção, foram eruditos e professores. Não pretendo que seja de outro modo: estou cônscio de que minha única pretensão 1. Conferência na Fundação Henrietta Hertz, pronunciada para a Academia Britânica em 1917 e, posteriormente, no Museu Frick, de Nova York. (N A.)
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quanto ao interesse de vocês, ao falar de Milton ou de qualquer outro grande poeta, é a de aguçar-lhes a curiosidade na esperança de que vocês possam se preocupar em saber o que um poeta contemporâneo pensa de um de seus antecessores. Creio que o erudito e o poeta que atuam no campo da crítica literária deveriam suplementar cada um o trabalho do outro. A crítica do poeta será tanto melhor, é claro, na medida em que ele não esteja inteiramente destituído de erudição; e a crítica do erudito será tanto melhor na medida em que ele tenha alguma experiência das dificul dades de escrever em verso. Mas a orientação das duas espccies de crítica é distinta. O erudito está mais preocupado em compreender a obra-prima no ambiente de seu autor, o mundo em que este viveu, as condições de sua época, sua formação intelectual, os livros que porventura haja lido c as influências que sobre ele exerceram. Ao poeta interessa mais o poema do que o autor, e o poema em relação à sua pró pri a ép oca. Ele pe rgu nt a: de qu e serve a poesia desse autor par a os poe tas qu e escrevem ho je ? Ser ia el a, ou vir ia a ser , uma força viva na poesia inglesa que ainda não foi escrita? Podemos dizer, portanto, que o interesse do erudito está naquilo que pe rm an ec e, en qu an to o do po et a re side no imed ia to. O er ud ito po de nos ensi na r on de de ve rí am os fo cali zar nos sa admiração e nosso respeito; o poeta deveria ser capaz, quando se trata do po et a cer to ao fal ar do po et a cert o, de to rn ar at ua l um a an ti ga obra-prima, de dar-lhe significação contemporânea e de persuadir o seu público de que ela é instigante, perturbadora, agradável e ativa. Posso dar apenas um exemplo da crítica contemporânea sobre Milton feita por um crítico do tipo a que eu pertenceria se tivesse em absoluto quaisquer pretensões críticas: é o da introdução aos English poems de Milton, da série "Clássicos do Mundo", do recém-falecido Charles Williams. 2 Não se trata de um ensaio abrangente, mas é notável, acima de tudo, porque nos brinda com o melhor preâmbulo a Comus de que qualquer leitor moderno poderia dispor; mas o que sobremodo o distingue (e o mesmo se aplica à maioria dos textos críticos 2. Williams, Charles. Poeta, crítico e dramaturgo inglês (1886-1945). autor de. entre outras obras. Poetry and present, Essays on 15 poets (1930), Three plays
(1931). The English poetic mmd{\902), Reason and beauty m poetic mind (1933) c The figure of Be a t nee; a study m Dante (1943)
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de Williams) é a vivacidade do sentimento do autor e seu êxito em transmiti-la ao leitor. Nesse particular, até onde me considero lúcido, o ensaio de Williams é um exemplo único. Julgo ser proveitoso, nesse exame a que me proponho fazer, ter em mente algum crítico do passado, alguém do nosso pró prio ti po , atra vés de cu jo s conce it os possamos aval iar nossas opini ões um crítico afast ado o bastant e no tem po, cujos equívocos e preconceitos não sejam idênticos aos nossos. Eis por qu e co me ce i com um a citação de Samu el Jo hn so n. Será difícil contestar que, enquanto crítico de poesia, Johnson escreveu como poeta, e não como erudito, pois foi ele um poeta, e um bom poeta, e o que escreveu sobre poesia deve ser lido com respeito. E a menos que conheçamos e apreciemos a poesia de Jo hns on, não pode rem os julgar nem os méritos nem as limitaçõesde sua crítica. E pena que aquilo que o leitor comum de nossos dias leu, ou aquilo dc que ainda se lembra, ou viu citado , seja em sua maiori a aquelas poucas afirmações de John son das quais os críticos mais recentes discordam com veemência. Mas qua nd o Joh nso n sustenta uma opinião qu e nos parece errada, jamais tomamos as devidas precauções quando a rejeitamos sem averiguar por que ele estava errado; é claro que ele teve seus próprios "equívocos e preconceitos", mas, por deixarmos dc examiná-los com simpatia, corremos sempre o risco de confrontar equívoco com equívoco e preconceito com preconceito. Ora, Johnson foi, em seus dias, um crítico moderníssimo, e interessou-se por toda a poesia que porventura haja sido escrita em sua própria época. O fato de que ele se voltou mais para o aspecto final do que para as origens de um estilo, o fato de que seu tempo rapidamente passou e de que os cânones de gosto aos quais ele se apegou estivessem a ponto dc cair em desuso, não diminuem o interesse de sua crítica. Nem mesmo a probabilidade dc que o desenvolvimento da poesia nos cinqüenta anos seguintes iria tomar direções inteiramente distintas daquelas que me pareciam desejáveis explorar me imp ede de fazer as pergun tas que John son comporta : Como deveria a poesia ser escrita agora? E que lugar caberia a Milton na resposta a essa pergunta? E considero que as respostas a tais pe rg un ta s pos sam ser ago ra di fe re nt es das respostas qu e estavam corretas vinte e cinco anos atrás.
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Há um preconceito contra Milton, visível em quase todas as páginas da Life of Milton, de Johnso n, que supo nho ser ainda geral; todavia, como dispomos de uma perspectiva histórica mais ampla , estamos nu ma posição melho r que a de Joh nso n par a reconhe cê- lo e lev á-l o em co nt a. Tr at a- se de um pr ec on ceito do qual compartilho: uma antipatia para com o homem Milton. Sobre isso em si nada tenho a acrescentar: tudo o que cabe č registrar o conh ecim ento qu e dele tinha Jo hn so n. Mas
e não, em qualquer sentido moderno, um "democrata", e o profess or Saurar * de u pr ovas, ao most ra r qu e a teo logia de Milton era altamente excêntrica — e tão escandalosa para os protestantes quanto para os católicos —, que ele era, na verdade, uma espécie de cristão oracular, e talvez nem mesmo assim um autêntico cristão oracular; por outro lado, entretanto, o Sr. C. S. Lewis' contestou habilmente o professor Saurat argüindo que Milton, pelo menos cm O paraíso perdido, pode ser absolvido da acusação de heresia até mesmo de um ponto de vista tão ortodoxo quanto o do próprio Sr. Lewis. Sobre essas questões não sustento nenhuma opinião: é provavelmente benéfico à questão admitir que Milton fosse um saudável membro inde pe nd en te da Igre ja e também membr o do Part id o Lib era l; mas julg o que de va mo s ai nd a pe rm an ec er cm gu ar da contra um sectarismo inconsciente se pretendermos servir à poesia por amor à poesia. Chega de preconceitos. Considerarei em seguida a objeção pos itiva que deve ser fe it a a Mi lton em nossa própri a épo ca ou , por assi m di ze r, a acu saç ão de qu e ele é um a in fl uênc ia per niciosa. E daí prosseguirei em direção à constante crítica de reprovação (para empre gar um a frase de John son) , c final ment e aos territórios nos quais o considero um grande poeta, um daqueles, aliás, que poderiam ser hoje estudados com proveito. Devido a uma afirmação sobre a crença generalizada na pe rn ic io si da de da in fl uê nc ia dc Mi lt on , vol to à crít ica qu e o Sr. Middleton Murry fez a Milton em seu Heaven and Earth, um livro que inclui capítulos dc aguda intuição, entremeados de passagens que me parecem imoderadas. O Sr. Murry aborda Milton cm seguida ao seu longo e paciente estudo sobre Kcats, e é com os olhos dc Keats que ele vê Milton. "Keats", escreve o Sr. Murry, "como artista poético que não deve nada a ninguém desde Shakespeare, e Blakc, como pr of et a de mé ri to s espi ri tu ai s ún ic o em nossa história, expressam ambos, substancialmente, o mesmo julgamento sobre Milton: *A vida para ele scria a morte para mim'. E qualquer que
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tal preconceito está sempre envolvido com um outro, mais obscuro, e não creio que John son os te nha dissociado em seu espí-
rito. O fato é que a Guerra Civil do século XVII, na qual Milton é uma figura simbólica, simplesmente jamais acabou. A Guerr a Civil não ter mino u per gun to se qu alq uer guerr a civil séria um dia chega ao fim . lo do esse perío do da sociedade inglesa é de tal modo convulso e dividido que seus efeitos ainda são sentidos. Ao 1er o ensaio de Joh nso n s empr e se perc ebe q ue ele toma obstinada e apaixonadamente outro partido. Nenhum outro poeta inglês, nem Wordsworth, nem Shelley, viveu tão intensamente esses graves episódios, ou ficou de um dos lados, quanto o fez Milton; de nenhum outro poeta é tão difícil considerar a poesia simplesmente enquanto poesia, sem recorrermos às nossas inclinações teológicas e políticas, conscientes ou inconscientes, herdadas ou adquiridas, fazendo assim uma intromissão indevida. Ε o perigo é tanto maior na medida em que tais emoções vestem agora diferentes roupagens. Considerase agora grotesco, em âmbito político, pertencer ao partido do rei Carlos; e creio que se considera agora igualmente grotesco, do ponto de vista moral, pertencer ao partido dos puritanos; e para a ma io ri a das pessoas de ho je as co nc ep çõ es religiosa s de ambos os partidos podem parecer igualmente remotas. Todavia, as paixões não se extinguiram, e se não estivermos profundamente atentos, sua fumaça poderá embaçar a lente através da qual analisamos a poesia de Milton. Algo tem de ser feito, é claro, para nos persuadirmos de que Milton jamais pertenceu de fato a qualquer partido, mas de que se desentendeu com todos eles. O Sr. Wilson Knight, 3 em Chariot of wrath y argüiu que Milton foi mais um monarquista do que um republicano,
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4. Denis Saurat. autor de . Wilton: man and thinker { 1 925). (N.T.)
5. C. S. Lewis, autor de A preface to "Paradise lost" (1942) e The life records of 3. Ver nota 22 ao ensaio "A música da poesi a", nesta coletânea . (N. T.)
Milton. cm 5 vols. (1949). (N.T.)
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venha a ser nosso veredicto sobre o desenvolvimento da poesia inglesa a partir de Milton, devemos admitir a justeza da opinião dc Keats de que a grandiloqüência de Milton não leva a pa rt e al gu ma . Ό inglês deve ser mantido em boas condições', diz Keats. Ser influenciado além de um certo ponto pela arte dc Milton, percebe ele, arruina o fluxo criativo do gênio inglês em si e por si. Ao dizer isso, creio eu, Keats exprime o que de mais pr of un do existe no gêni o inglês. Perm anecer sob os efeitos da magia de Milton é estar condenado a imitá-lo. E inteiramente distinto o que ocorre com Shakespeare. Shakespeare desconcerta e libera; Milton é claro e constringe." Trata-se de uma afirmação muito segura, e critico-a com ccrta insegurança porque não posso pretextar ter dedicado tanto estudo assim a Keats, como tampouco ter insinuado uma com pr eens ão de suas di fi cu ld ad es , qua nto o Sr. Murr y. Mas est e par ece est ar te nt an do aq ui tr ansf or ma r a pr edic ação de um determinado poeta com um determinado objetivo num determinado momento do tempo numa censura de validade atemporal. Ele parece afirmar que a função liberatória de Shakespeare e a ameaça constritora de Milton são características perma nen tes desses dois poetas. Ser inf luen cia do além dc um certo ponto" por qualquer mestre é ruim para qualquer poeta; c não interessa se essa influência for a de Milton ou a dc um outro; e como não podemos prever onde esse ponto se situa, não poderíamos estar mais bem informados para designá-lo como um po nt o /« cert o. Se não é bo m pe rm an ec er sob os ef ei to s da magia dc Milton, seria bom permanecer sob os efeitos da de Shakespeare? Isso depende de que gênero de poesia vocês este ja m ten tan do des env olver . Kea ts qu er ia escr ever um po em a épico, e concluiu, como seria de esperar, que não havia ainda chegado a hora em que outro poema épico inglês, comparável em grandeza a O paraíso perdido, pudesse ser escrito. Ele o tentou também ao escrever peças, e alguém poderia argüir que King Stephen6 acabou sendo mais frustrado por Shakespeare
praze r da le it ur a. Mil ton dei xou um gr ande po em a épi co impos sível de ser escrito pelas gerações seguintes; Shakespeare conce beu um dr am a poét ic o imp ossí vel de ser su pe ra do ; essa situação é inevitável, e persiste até que a língua seja tão modificada que não haja mais o risco, porque não haveria a possibilidade, de imitação. Qualquer um que tente escrever um drama poético, mesmo hoje em dia, deveria saber que metade de sua energia corre o risco de se exaurir no esforço para escapar às árduas c opressivas dificuldades de Shakespeare: no momento em que sua atenção relaxa, ou em que sua mente se afadiga, ele incorre no mau verso shakespeariano. Por longo tempo, desde um po em a épic o co mo o de Mi lt on, ou um dr am a poétic o co mo o de Shakespeare, nada podia ser feito. Todavia, esse esforço deve ser continuamente repetido, pois não podemos jamais saber antecipadamente quando estará próximo o momento em que se tornará possível um novo poema épico ou um novo drama po ét ic o; e qu ando esse mom en to esti ver pre ste s a se de li ne ar é possí vel qu e o gê ni o de um ún ic o poe ta em pr ee nd a a derr adei ra transfiguração do idioma e da versificação que levará essa nova poe sia a ad qu ir ir sua fo rm a. Referi-me ao conceito do Sr. Murrv4 sobre a má influência de Milton como algo generalizado porque, implicitamente, é toda a personalidade de Milton que está em jogo, e não especificamente suas crenças, sua linguagem ou sua versificação, mas as crenças como foram conccbidas por essa personalidade particular , e sua poesia como expressão dessa mesma personalidade. Pelo conceito particular que define a influência de Milton como algo de ruim entendo aquele que atende às exigências da linguagem, da sintaxe, da versificação, da imagística. Não sugiro que haja aqui uma completa diferença de tema: tratase da diferença de abordagem, da diferença de foco de interesse, entre a crítica filosófica e a crítica literária. Uma incapacidade par a o ab st ru so e um int ere sse pela poesia qu e é, pr im or di al mente, um interesse técnico dispõem meu espírito para a mais limitada e talvez mais superficial tarefa. Permitam-me que continue a encarar a influência de Milton desse ponto de vista, o de alguém que escreve poesia cm nossa própria época. A censura contra Milton, a de que sua influência técnica foi má, parece não ter sido feita por ninguém mais positiva-
do que Hyperion por Milton; e o King Stephen é uma peça que podemos 1er uma vez, mas à qual jamais voltaremos pelo 6. Keats começou a escrever essa pe«,a em 1818. mas nã o chegou a concluí-la. ( N.T .) 7. Ver nota 15 a "O que c poesia menor?". (N.T.)
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mente do que por mim. Constatei que eu mesmo, muito recentemente, em 1936, havia dito que essa crítica a Milton ' consideravelmente mais grave se afirmarmos que a poesia de Milton pode ri a exerce r um a in fl uê nc ia apenas para o pior dentre quaisquer poetas. E mais grave ainda se afirmarmos que a má influência de Milton poderia ser rastreada para bem além do século XVIII, e para bem além dos maus poetas — se dissermos que foi uma influência contra a qual ainda lutamos".* Ao escrever essas frases esqueci-me de fazer uma tripla distinção, que agora me parece de certa importância. Há três afirmações isoladas aí incluídas. A primeira é a de que uma influência haja sido má no passado: isso equivale a afirmar que os bo ns po et as dos sécu los XVII I ou XIX po de ri am ter esc rito melhor se não houvessem se submetido à influência de Milton. A segunda afirmativa é a de que a situação contemporânea é tal que Milton se converteu num mestre a quem deveríamos evitar. A terceira é a de que a influência de Milton, ou a de qualquer poeta em particular, pode
cedido, seria sensato deplorar uma obra-prima que não foi escrita, em troca de outra de que dispomos e que conhecemos? E quanto àquele futuro remoto, o que nos caberia afirmar então sobre a poesia que poderá ser escrita, a não ser que seríamos pr ov av el me nt e in cap aze s de co mp re en dê -l a ou apreciá -l a, e qu e po r co ns eg ui nt e nã o leríamos nen hum a op in iã o sob re o qu e po de rã o significar uma "boa" e uma "má" influência nesse mesmo futuro? A única relação em que a questão da influência, boa ou má , é signi fi cat iva é a rel ação par a com o fut ur o imediato. E com essa relação que estou comprometido até o pescoço. Desejo inicialmente mencionar outra censura contra Milton, a que está representada pela expressão "dissociação da sensibilidade". Observei, muitos anos atrás, num ensaio sobre Dryden, que: "No século XVIII manifestou-se uma dissociação da sensi bi li da de da qu al jamais nos re cupe ra mos; e essa dis sociação, como é natural, deveu-se à influência dos dois mais portentosos poetas do século, Milton e Dryden". ' A extensa passagem da qual esse período foi extraído está citada pelo Dr. Tylliard 10 em seu Milton. O Dr. Tylliard faz o seguinte comentário: "Falando apenas daquilo que nessa passagem se refere a Milton, eu diria que existe aqui uma mistura de verdade e falsidade. Cabe admitir certa espécie de dissociação da sensibilidade em Milton, não necessariamente indesejável; mas o fato de que ele haja sido responsável por qualquer dissociação semelhante em outros (pelo menos até que essa dissociação geral inevitavelmente se manifestasse) não é verdadeiro". Creio que a afirmação genérica representada pela expressão "dissociação da sensibilidade" (uma das duas ou três expressões de minha lavra, como "correlato objetivo", que acabariam por alc anç ar um a reper cus são in tern aci onal qu e me surpre endeu) conserva alguma validade, mas inclino-me agora a concordar com o Dr. Tylliard em que deixar o fardo sobre os ombros de Milton e Dryden foi um erro. Se essa dissociação ocorresse,
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8. O trecho citado pertence ao ensaio anterior, "M ilto n I" (N. T.)
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9 Essa pa rag em perte me ao ensaio John Dry Jen, T. & F.. HoUiday, Nova York. 1932. (N.T.) 10 E. M W Tyllia rd. autor de Milton (1930), The Miltomc setting (1947) e Stu
dies tri Milton (1951). (N.T.)
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desconfio que as causas seriam muito complexas e profundas par a jus tificar nossos princíp ios teóric os re la ti vame nt e à mu da nç a em term os dc crítica literária, l udo o que pod emo s dizer é que algo semelhante a isso aconteceu, que isso teve algo a ver com a Guerra Civil; mas seria inclusive imprudente dizer que foi causado pela Guerra Civil, e sim que constitui uma conseqüência das mesmas causas que levaram a ela, que devemos procurar as causas na Huropa, e não apenas na Inglaterra; e considerando o que foram essas causas, podemos escavar e escavar até alcançarmos uma profundidade cm que as palavras e os conceitos nos sejam insuficientes. Antes de prosseguir em nossa argumentação contra Milton, nos termos em que foi ela sustentada por alguns poetas há vinte e cinco anos — ou seja, nos do segundo, mas expressivo significado da " m á influência" —, creio que o melhor seria considerar quais as críticas permanentes que podem ser suscitadas: aquelas censuras que, quando as fazemos, devemos admitir que sejam feitas mediante leis duradouras do gosto. A essência da censura pe rm an en te a Mi lton dev e ser en co nt ra da , cre io eu , no ensaio de Joh nso n. N ão cabe examinar aqui certos julgame ntos pessoais e errôneos de Joh nson , como t amp ouco explicar sua conde-
pl asma seu est ilo graças a um pr in cí pio perver so e pe da nt e. Ele pr et en di a util izar pal avr as ingl esas com um id ioma estr angeir o. Isso foi descoberto e condenado em toda a sua prosa; é que aqui a capacidade de julgamento atua livremente, seja suavizada pela beleza, seja atemorizada pela dignidade de seus pensamentos; mas essa é uma força de sua poesia, ou seja, a de que seu apelo é obedecido sem resistência: o leitor se sente tativo de um espírito mais nobre c elevado, e a crítica se transforma em admiração." "O estilo de Milton não foi modificado por sua temática: o que se revela com maior extensão cm O paraíso perdido pode ser encontrado em Cornus. Uma das fontes dc sua singularidade foi seu convívio com os poetas toscanos; a distribuição de suas pal avr as, su po nh o, é fre qü en tem en te it aliana, talvez aqui e ali combinadas com as de outras línguas. Podc-sc dele dizer, pelo men os, o que Joh nso n disse de Spenser, isto é, que ele não
nação de Comus e de Sansão Agonista, nem a aplicação de cânones dramáticos que nos parecem inaplicáveis; ou perdoar-lhe o abandono da versificação no Lycidas em nome da especialização, mais do que da ausência, de seu senso de ritmo. A mais imp ort ante censura que John son faz a Milton está contida em três parágrafos, os quais peço permissão para citar na íntegra. "E m todas as suas maiores obras' , diz Joh nso n, " pr ed omina do princípio ao fim uma peculiaridade uniforme de dicção, um modo e um molde dc expressão que não guarda a menor semelhança com nenhum escritor precedente, c que até o momento se afasta do uso comum, de modo que um leitor inculto, ao folhear o livro pela primeira vez, se surpreende com uma nova linguagem." Essa novidade tem sido atribuída, por aqueles que não conseguem perceber nada de errado em Milton, a seus laboriosos esforços em busca de palavras adequadas à grandeza de
suas idéias. Nossa língua, diz Addison, se degrada com ele. Mas a verdade é que, tanto em prosa quanto em verso, ele
escrevia em nenhuma língua , tendo formulado o que Butler chamou de um dialeto babilónico, áspero c bárbaro em si, mas transformado por um gênio sublime e por um conhecimento abrangente num veículo dc tamanha instrução e de tal prazer que, como ocorre a outros amantes, encontramos encanto em sua deformidade." Essa crítica me parece substancialmente verdadeira: a rigor, a menos que a aceitemos, não consigo imaginar de que maneira pos sam os apr eci ar a gr ande za de Milt on. Seu esti lo não é um estilo clássico no que este não corresponde à elevação dc um esul o comum. graças ao toque final do gênio, à grandeza. Tratase, desde seus fundamentos, c em cada elemento particular, de um estilo pessoal, que não está baseado na linguagem comum ou na prosa comum, como tampouco na comunicação direta do significado. É difícil afirmar o que seja exatamente certa grande poesia, o que seja o retoque infinitesimal responsável por to da a di fe re nç a de um a óbvia af ir ma ção qu e qu al qu er um poderia fazer; a leve transformação que, embora permita que uma óbvia afirmação continue a ser óbvia, produz sempre a máxima, e não a mínima, alteração na língua comum. Cada deformidade de construção, cada distorção do idioma estrangeiro, do emprego de uma palavra utilizada de iorma alienígena ou com o significado de uma palavra estrangeira da qual
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ele se originou, passando a ser mais aceito do que aquele que era dc uso corrente em inglês, cada idiossincrasia, é um ato pes-
do estudo dc Chaucer; talvez devamos aguardar por um grande po et a an te s dc en co nt ra rm os al gu m qu e possa tir ar pr ove it o do estudo de Milton. Repito que a distância que separa o verso de Milton da linguagem cotidiana, a invenção de sua própria linguagem poética, pareceu-me uma das características de sua grandeza. As outras características são o seu senso de estrutura, tanto no esquema geral do Paraíso quanto no do Sansão, e a sua sintaxe; e afinal, mas não menos importante, sua infalibilidade, consciente ou inconsciente, ao escrever de modo a proporcionar a melhor ostentação de seus talentos e a melhor dissimulação de suas fraquezas. A adequabilidade do tema do Sansão é muito óbvia para que sobre ela se discorra cm detalhes: era provavelmente a única história dramática a partir da qual Milton podia ter escrito uma obra-prima. Mas a total conveniência de O paraíso perdido não foi, creio eu, tão freqüentemente observada. Trata-se com toda a certeza de uma percepção intuitiva daquilo que ele não podia fazer, a do projeto miltoniano interrompido de um poema épico sobre o rei Artur. Primeiro, ele tinha pouco interesse em, ou o conhecimento de, seres humanos individuais. Em O paraíso perdido, ele não estava obrigado a recorrer a nenhum conhecimento de homens e mulheres. Mas tal interesse pelos seres humanos não era exigido — a rigor, sua ausência era uma condição necessária — para a criação das figuras de Adão e Eva. Nã o são eles o ho mem e a mu lh er co mo qu al qu er um de nós conhece: se o fossem, não seriam Adão c Eva. São apenas o Homem e a Mulher originais: não são tipos, mas protótipos. Revelam as características gerais dos homens e das mulheres, tais como as podemos reconhecer, na tentação e na queda, os pr im ei ro s im pu ls os das falt as e das vi rt udes, a abj eçã o e a nobreza, de todos os seus descendentes. Têm a humanidade ordinária no grau certo, e todavia não são, c nem deveriam ser, ordinariamente mortais. Caso fossem mais particularizados, seriam falsos, e se Milton tivesse mais interesse pela humanidade, não poderia tê-los criado. Outros críticos salientaram a pre cisão , sem fa lh a ou exa ger o, com qu e Mol och , Belial e Mammon, no segundo livro, falam de acordo com o pecado pessoal qu e cad a um del es si mb ol iz a. Nã o seria ad eq ua do qu e
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soal de violência que Milton foi o primeiro a cometer. Não se trata de nenhum clichê, de nenhuma dicção poética no sentido depreciativo, mas de uma seqüência contínua de atos originais de ilegalidade. Dentre todos os modernos usuários do verso, o exemplo mais próximo parece-me ser o de Mallarmé, um poeta muito menor do que Milton, embora também um grande poeta. As personalidades, as teorias poéticas de ambos não poderiam ter sido muito diferentes, mas quanto à violência que praticaram contra a língua, e que justificaram, há uma remota semelhança. A poesia de Milton é poesia na medida em que está o mais distante possível da prosa; sua prosa me parece muito próxima de uma linguagem semipoética para que dela possamos dizer que seja boa prosa. Dizer que a obra de um poeta está o mais distante possível da prosa teria outrora me impressionado como algo condenatório, mas agora, quando tenho que me defrontar com um Milton, isso me soa simplesmente com a exatidão de sua singular grandeza. Como poeta, Milton me parece provavelmente o maior de todos os excêntricos. Sua obra não ilustra princípios da boa escrita; os únicos princípios da escrita que ela ilustra são de tal ordem que só têm validade para o próprio Milton. Há duas espécies de poetas que podem ser úteis a outros poetas. Existem aqueles que sugerem, a um ou outro dc seus sucessores, algo que eles mesmos não fizeram, ou que estimulam uma maneira diferente de fazer a mesma coisa: não são estes provavelmente os maiores, mas os menores, isto é, os poetas incom pletos com os quais os po et as mai s rec ent es de sc ob re m um a afinidade. E há os grandes poetas com os quais podemos aprender regras negativas: nenhum poeta pode ensinar outro a escrever bem, mas alguns grandes poetas podem ensinar a outros como evitar certas coisas. Eles nos ensinam o que há por evitar ao nos revelar aquilo de que a grande poesia é capaz sem recorrer ao que lhe é alhei o — qu an to ela pod e ser despojada. Dante e Racine pertencem a essa categoria. Mas se fizermos uso continuo de Milton, deveremos fazê-lo de um modo absolutamente distinto. Até mesmo um poeta de pequena estatura po de ap re nd er alg o a partir do es tu do de Da nt e, ou a pa rt ir
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os poderes infernais devessem possuir, no sentido humano, caracteres, pois um caráter é sempre mesclado, mas nas mãos de um manipulador de segunda ordem poderiam eles ter sido facilmente reduzidos a humores. A adequabilidade da matéria de O paraíso perdido ao gênio e às limitações de Milton torna-se ainda mais evidente quando consideramos as imagens visuais. Já assinalei, num estudo escrito há alguns anos, sobre a deficiência de Milton no que se refere à observação visual — uma deficiência que suponho esteja sem pr e pr esente — de qu e o ef ei to de sua cegue ir a po de ter si do exercido antes para fortalecer as qualidades compensatórias do que para agravar um defeito que desde sempre existiu. 11 O Sr. Wilson Knight, que dedicou um rigoroso estudo às imagens recorrentes na poesia, alertou para a propensão de Milton às imagens relacionadas à engenharia e à mecânica; parece-me que o melhor de Milton está nas imagens que sugerem vastas dimensões, espaços ilimitados, profundezas abismais, luz e treva. Nenhum te ma ou cen ár io , di fe re nt es da qu el es qu e ele esc olhe em O paraíso perdido, podiam proporcionar-lhe esse campo de ação para a espécie de imagens nas quais ele se superou, ou fazer jus àqueles poderes de imaginação visual que nele foram precá rios. Os absurdos e as discrepâncias para os quais, em sua maioria, Johnson chama a atenção — e que, tanto quanto possam ser adequadamente isolados dessa maneira, ele corretamente condena — poderão aparecer, creio eu, numa proporção mais justa se os consider armo s em rel ação a esse jul ga me nt o geral. Nã o ju lg o qu e dev êss emo s te nt ar ver muito claramente qualquer cena que Milton descreve: elas deveriam ser aceitas como uma fantasmagoria errática. Lamentarmo-nos porque de início nos deparamos com uma pessoa perversa "acorrentada sobre o lago ardente' , e depois de um ou dois minutos vê-la percorrer o seu caminho até a margem, é esperar por uma espécie de discrepância que o mundo ao qual Milton nos introduziu não requer. Essa limitação do poder visual, semelhante ao limitado interesse de Milton pelos seres humanos, torna-se não somente uma falha desprezível, mas uma virtude positiva, quando visi-
ramos Adão e Eva no Éden. Assim como um grau maior de caracterização de Adão e Eva teria sido inadequado, também uma pintura mais vívida do Paraíso terrestre teria sido menos paradisía ca, poi s um a defi ni ção mai or, um a descr ição mai s det alhada da flora e da fauna, só poderiam ter assimilado o Éden à paisagem da Perra com a qua l est amos fa mili ariz ado s. Nessas circunstâncias, a impressão que guardamos do Éden é a mais adequada, e é essa a que Milton estava mais qualificado para nos oferecer: a impressão da luz, uma luz do dia e uma luz das estrelas, uma luz do amanhecer e do anoitecer, uma luz que, relembrada por um cego, irradia uma glória jamais experimentada por aqueles que não perderam a visão. Nã o de ve mo s, po rt an to , em O paraíso perdido, esperar que vejamos claramente; nosso sentido de visão deve se obscurecer, de modo que nossa audição possa tornar-se mais aguda.
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11. Eliot alude aqui ao ensaio anterior, "Milt on I". ( N.T .)
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O paraíso perdido, assim como o Finnegans wake (pois não consigo pensar em nenhuma outra obra que proporcione um paralelo mais interessante: dois livros escritos por dois grandes músicos cegos, cada um deles trabalhando numa língua de sua pró pria cri ação baseada no inglês) , realiza esse mo vi me nt o pec uliar cm busca de um reajuste da maneira de apreensão por parte do leitor. A ênfase recai sobre o som, e não sobre a visão, sobre a palavra, c não sobre a idéia; e, ao final, é a versificação invulgar que constitui o signo mais inequívoco da mestria intelectual de Milton. No que se refere ao pr ob le ma da versificaç ão de Mi lt on, tanto quanto sei, muito pouco se escreveu. Temos o ensaio de Johnson no The Rambler , que merece mais atenção do que recebeu, c dispomos também de um breve tratado de Robert Bridges sobre a métrica de Milton, Milton's prosody. Refirome a Bridges com respeito, pois nenhum poeta de nossa época deu uma atenção tão rigorosa à métrica quanto ele. Bridges cataloga as sistemáticas irregularidades que conferem permanente variedade ao verso de Milton, e não consigo descobrir nenhuma falha em sua análise. Mas, embora tais análises sejam interessantes, não julgo que sejam esses os meios mais adequados para nos oferecer uma apreciação do ritmo peculiar de um poeta. Parece-me também que o verso de Milton é particularmente refratário à decifração de seus segredos quando apenas um deles
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é submetido a exame, pois seu verso não é elaborado dessa maneira. Ε o periodo gramatical, a oração e, mais ainda, o parágrafo o que constitui a unidade do verso miltoniano; e a êntase colocada em sua estrutura é a mínima necessária para fornecer um modelo oposto à estrutura do período. E somente no período que se pode encontrar o comprimento de onda do verso miltoniano; é sua capacidade de dar a cada parágrafo uma forma perfeita e inigualável, de tal modo que a plena beleza do verso só po de ser de sf ru ta da em seu co nt ex to , e sua dest reza em tr abalhar com unidades musicais mais amplas do que a de qualquer outro poeta, o que, a meu ver, constitui a mais convincente evidencia da suprema mestria de Milton. É impossível extrair do verso rimado o sentimento peculiar, quase uma súbita transição sem fôlego, transmitido pelos longos períodos de Milton, c tãosomente por eles. Na verdade, essa mestria expressa uma evidência mais convincente de sua força intelectual do que o alcance de quaisquer idéias que ele haja inventado ou tomado de empréstimo. Ser capaz de dominar tantas palavras ao mesmo tempo é o testemunho de um espírito da mais excepcional energia. E interessante nesse ponto recordar as observações gerais sobre o verso branco, que uma consideração sobre O paraíso perdido instigou Johnson a fazer em relação ao fim de seu ensaio. "A música dos versos heróicos ingleses fere o ouvido dc modo tão indistinto que facilmente se perde, a menos que as sílabas de cada verso colaborem em conjunto; essa colaboração só pode ser obtida pela preservação de cada verso dissociado do outro num sistema distinto de sons; e essa distinção é obtida e preservada pelo artifício da rima. A variedade de pausas, dc que tanto se gabam os amantes do verso branco, transforma as medidas métricas de um poeta inglês cm períodos de um declamador; e existem apenas alguns competentes e privilegiados leitores de Milton capazes de perceber onde os versos terminam e principiam. O verso branco , disse um crítico sagaz, parece ser
nossa língua. O que chama a atenção no parágrafo de Milton, entretanto, é que cie representa o julgamento dc um homem que não tinha em absoluto um ouvido surdo, mas simplesmente educado, para a música verbal. Dentro dos limites da poe sia de sua pr óp ri a época, Jo hn so n é um exc elent c ár bi tr o dos relativos méritos dc diversos poetas que escreveram verso br an co . Mas, no to do , o verso br anco de sua épo ca pode ri a mais propriamente ser chamado de verso arrímico; e em nenhum lugar essa diferença é mais visível do que num verso de uma tragédia de sua autoria, Irene12: o fraseado é admirável, o estilo elevado e correto, mas cada verso clama por outro que rime com ele. Na verdade, é somente com trabalho, ou graças a uma ins pi ração ocasio nal, ou por subm is são à in fl uê nc ia de dr am at ur gos mais velhos, que o verso branco do século XIX obtém êxito ao tornar a ausência da rima inevitável e justa, com a justeza de Milton. Até mesmo John son admit iu não poder imaginar que Milton fosse um artesão da rima. E nem levou o século XIX a obter sucesso ao conferir ao verso branco a flexibilidade de que ele necessita se o tom da linguagem comum, ao abordar os tópicos da comunicação ordinária, tiver dc ser empregado; de modo que, quando nossos modernos usuários do verso br an co nã o co ns eg ue m ta ng en ci ar o su bl im e, fr eq üe nt em en te caem no ridículo. Milton aperfeiçoou o verso branco não-dramático e, ao mesmo tempo, lhe impôs limitações, difíceis de superar, relativamente ao emprego que cie pode ter se suas maiores po ss ib il id ad es musicai s fo re m passí veis de ser exp lora das . Compararei afinal minha própria atitude, como a dc um representante típico dc uma geração de vinte c cinco anos atrás, com minha presente atitude. Julguei aconselhável considerar os assuntos na ordem em que os tenho considerado para discutir; em primeiro lugar, as censuras e difamações que suponho terem validade permanente, e que foram feitas melhor por Johnson, no sentido de esclarecer as cafcsas, e a justificativa, da hostilidade a Milton por parte de alguns poetas numa determinada conjuntura. E desejo esclarecer aquelas virtudes dc Milton que particularmente me impressionam, antes de explicar por qu e consi dero qu e o es tu do de seu verso poderi a afi nal ser pr ove it oso aos poet as.
um verso destinado apenas ao olho. " Alguém na platéia pode recordar que essa última observação, com palavras muito semelhantes, já foi feita muitas vezes, uma geração literária atrás, sobre o "verso livre" utilizado na época; e mes mo sem esse estímul o de John son me teria ocorrido declarar que Milton é o mestre supremo do verso livre em
12. Ver nota 25 a "Johnson como critico e poet a". (N. T.)
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Sugeri em diversas ocasiões que as mudanças importantes na linguagem do verso inglês, que estão representadas pelos nomes de Dryden e Wordsworth, podem ser caracterizadas como tentativas bem-sucedidas de escapar a uma linguagem poé ti ca qu e deix ou de ter rel ação com a ma ne ir a de falar de nossos dias. Esse é o sentido dos Prefácios de Wordsworth. Em pr incí pi os do pr es en te séc ulo, um a ou tr a revol uçã o na ma ne ir a de falar — e tais revoluções trazem em seu bojo uma alteração da métrica, um novo apelo ao ouvido — foi oportuna. Acontece, inevitavelmente, que os jovens poetas engajados nessa revolução exaltarão os méritos dos poetas que não são responsáveis pel as qu al id ad es qu e eles se empe nh am fe rv or os am en te em concretizar. É até justo, e decerto inevitável, que sua prática, mais influente ainda do que seus pronunciamentos críticos, deva atrair seus próprios leitores para os poetas por cuja obra foram eles influenciados. Essa influência tem certamente contribuído par a am pl ia r o gos to (se cab e aq ui di st in gu ir o gosto da moda) por Do nne . Nã o cre io qu e ne nhu m po et a mod erno , a me no s que se encaixe numa atitude de rabugice irresponsável, tenha sempre negado os consumados poderes de Milton. E cumpre dizer que a dicção de Milton não constitui uma dicção poética no sentido de que equivale a uma moeda depreciada: quando violenta a língua inglesa, ele não está imitando ninguém, e ele é inimitável. Mas, como já disse, Milton representa a poesia no extremo limite da prosa; e um de nossos princípios era o de que o verso teria as virtudes da prosa, de que a dicção poética deveria vir a ser incorporada à linguagem culta contemporânea, antes de pretendermos que esta se elevasse à condição de poesi a. Out ro pr in cí pi o era o de qu e a te má ti ca e as im ag en s poé ti cas dever ia m estender -s e aos assun to s e às qu es tõ es rel aci onadas a um homem ou a uma mulher modernos; de que pretendemos o não-poético, de que tentamos até mesmo a transmutação de matéria refratária em poesia, e em palavras e frases que não haviam sido anteriormente utilizadas na poesia. Ε o
a um de seus mais importantes deveres. É que a poesia deveria não apenas ajudar a purificar a língua da época, mas também a evitar que ela se transforme muito rapidamente: um desenvolvimento demasiado rápido da língua poderia constituir um desenvolvimento no sentido de uma gradual deterioração, e esse é o risco que corremos hoje em dia. Se a poesia do resto deste século mantiver a linha de desenvolvimento que me par ece, ao rever a evo lução da poesia du ra nt e os úl ti mos três séculos, seguir o curso correto, haverá de descobrir novas e mais refinadas formas de dicção agora estabelecidas. Nessa busca, ela teria muito a aprender com a estrutura do longo verso miltoniano; poderia também evitar o perigo de um servilismo à linguagem coloquial e aos jargões correntes. E poderia ainda aprender que a música do verso é mais poderosa na poesia, que tem um significado definido expresso nas mais apropriadas palavras. Os poetas poderiam ser levados a admitir que o conhecimento da literatura de sua própria língua, associado ao conhecimento da literatura na construção gramatical de outras línguas, constitui uma parte valiosa do equipamento daqueles que escrevem em verso. E poderiam também, como já insinuei, dedicar algum estudo a Milton como aquele que, fora do teatro, é o mestre supremo em nossa língua da liberdade dentro da forma. Um estudo do Sansão aguçaria a apreciação de qualquer um quanto à irregularidade justificada, colocando-o ainda em guarda contra a irregularidade gratuita. Ao estudarmos O paraíso perdido, tornamo-nos capazes de perceber que o verso está continuamente acionado pelo distanciamento do metro regular e pelo retorno a ele; e que, em comparação com Milton, somente a custo um escritor que haja posteriormente cultivado o verso branco foi capaz de exercer de algum modo qualquer liberdade. Podemos também ser induzidos a pensar que a monotonia de um verso incapaz de ser decomposto em seus elementos métricos esgota a atenção ainda mais rapidamente do que a monotonia de um metro regular. Em suma, pareceme agora que os poetas estão suficientemente liberados do peso da reputação de Milton para abordar o estudo de sua obra sem risco e com proveito para a sua poesia e para a língua inglesa.
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estudo de Milton de nada nos valia aqui: ele era apenas um
obstáculo. Nã o po de mo s em li te ra tu ra , co mo ta mp ou co na vi da, viver em permanente estado de revolução. Se cada geração de poetas assumisse o compromisso de atualizar a dicção poética relativamente à linguagem falada, a poesia fracassaria no que se refere
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É sobretudo como crítico, como o autor de The lives o f the poets, que Joh nson me interessa aqu i. Mas te nho algo a dizer também sobre sua poesia, pois julgo que, ao estudar a crítica da poesia exercida por um crítico que é também poeta, só po de mo s apr eci ar essa crítica — seus pa dr õe s, seu s mé ri to s e suas limitações — à luz do género de poesia que ele escreveu. Consi dero Joh nso n um dos três maiores críticos de poesia da literatura inglesa (os outros dois são Dryd en e Coler idge) . Iod os os três foram poetas, e no caso de todos eles o estudo de sua poesi a é al ta me nt e re levan te par a o es tu do de sua crítica, poi s cada um deles estava interessado em determinada espécie de poesi a. Se essa relação direta é menos aparente no caso de Johnson do que nos de Dryden e de Coleridge, isso se deve a motivos banais . E gr an de a bi bl io gr af ia existe nt e sobr e Jo hn so n, ma s é relativamente pouco o que se escreveu sobre seus textos. Seus dois grandes poemas 2 têm sido negligenciados, e quanto a The 1. Conferênci a da Ballard Matthews, pronunci ada na University College, Gales do Norte, em 1944. ( Ν . A . ) 2. Sem dúvida alguma, L ondon, a poem (1738) e The vanity of human wishes (1749), já citados no ensaio "As três vozes da poesia", nesia coletânea. (N.T.)
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lives of the poets as poucas pessoas cultas que o leram não chegam a uma dúzia, e dessa dúzia, a metade se lembra sobretudo das passagens com relação às quais todos discordam. Uma das razões para a indiferença com que se encara a sua crítica é a de que ele não iniciou nenhum movimento poético: Johnson era um poeta secundário do fim de um movimento que fora lançado por poetas que lhe eram superiores, e seus poemas refletem uma vertente pessoal de um estilo que se encontrava bem definido. Dryden e Coleridge, este de parceria com Wordsworth, representam para nós algo de novo na poesia de sua época. O que Dryden escreveu sobre poesia é, portanto, mais excitante do que o qu e Joh nso n escreveu. Em seus ensaios críticos, Dr yden antecipou as leis da linguagem poética a que se submeteriam duas gerações vindouras, enquanto os conceitos de Johnson são retrospectivos. Interessado na defesa de sua própria maneira de escrever, Dryden parte do geral para o particular, e critica determinados poetas apenas para ilustrar sua argumentação; Johnson, ao criticar a obra de certos poetas — e de poetas cuja obra já estava concluída —, é levado a generalizar. As situações históricas em que ambos viveram são absolutamente distintas. O fato de um autor escrever do princípio ao fim de uma época não deveria, afinal de contas, ser relevante para o julgamento que possamos fazer sobre sua estatura, mas inclinamonos a favorecer injustamente aquele primeiro. Não há nada o que dizer sobre a influên cia de John son, e nos deixamos sem pre im pr essi onar por um a re pu ta çã o in fl ue nt e, pois a in fl uê ncia é uma forma de poder. Mas quando a maré de influência que um escritor pode desencadear para uma ou duas gerações atingiu seu ponto culminante, e uma outra força impeliu as águas em direção diferente, e quando várias outras marés houverem subido e baixado, grandes escritores permanecem com a mesma influência potencial no futuro. Resta saber se a influência literária dc Joh nso n, assim como, no âmbit o político, a de seu amigo de outro partido, Edmund Burke, 3 simplesmente não aguardam uma geração que ainda não nasceu para recebê-la. 3 Burke, Edm und . Estadista c escritor inglês (Du bli n, 1729 — Beacon sfield . Inglaterra, 1797). Membro da Câmara dos Comuns desde 1765, tornou-se um dos mais destacados integrantes do partido whig. Suas principais (»bras são A philosophical enquiry into the origin of our ideas of the sublime and beautiful ( 1756) e On conciliation with A menca (1775). (N.T.)
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Um óbvio obstáculo ao nosso prazer quando lemos The lives of the poets como um todo — e devemos lê-lo como um todo se quisermos avaliar a magni tud e da realização de Joh nso n é que não lemos as obras de muitos dos poetas ali incluídos, e nenhuma promessa de prazer ou de enriquecimento nos pode ser feita para nos persuadir a lê-los. Li alguns dos poetas menores do século XVIII para compre ende r por que Joh nso n os estimava; em outros dei apenas uma olhadela; e há alguns mais que John son reco menda com tal indulg ência , ou que aborda dc maneira tão superficial, que sequer me dei o trabalho de consultá-los. Ninguém desejaria 1er os versos de Stepney 4 ou de Walsh: 5 c somente a custo acredito que algum candidato ao doutorado poderia ser estimulado por seus orientadores a dedicar sua tese ao estudo da obra de Christopher Pitt. 6 A afirmação dc John son de que os poema s de Yalde n mercc em leitura atenta ' não é mais convincent e do que uma carta de apresentação escrita para um visitante do qual o escritor deseja se livrar. O estudante interessado na história do gosto literário po derá sobr essa lta r-s e com a obs ervaç ão de J oh ns on dc qu e "t al vez nenhuma composição em nossa língua haja sido lida mais vezes do que a 'Cho ice' , de Pomf ret , 8 e desejará descobrir por qu ê. Mas o lei tor co mu m pr ov av el me nt e ficará mais des a po nt ad o com as omi ssões dc Jo hn so n do qu e im pe li do à curiosidade por todas as suas inclusões. Todo mundo sabe que a coletânea representava a escolha de um grupo de livreiros, ou editores, que presumivelmente consideravam vendáveis as obras de todos esses autores e que certamente julgavam, com mais evidente razão, que os prefácios do Dr. Johnson compensariam de longe a falta de direitos autorais ao recomendarem sua edição para o público. Podemos estar razoavelmente certos de que 4. St epney, George. Poeta inglês (1663-1707). (N.T .) 5. Walsh, William. Poeta inglês ( 1663-1708). autor de poemas adoravelmente eróticos, como "The jealousy" e " lhe desperate lover" (N. T.) 6. Pitt, Christophe r Poeta inglês (1669-1748), famoso no setulo XVIll por sua tradução da F.neida (N.T.) 7. Yalden. Thomas. Poeta inglês (1670-1737). autor dos Hymns to darkness, cm oposição aos Hymns to light. (N.T.) 8. Pomfre t, Joh n. Poeta inglês (1667-1702), auto r dc Poems of circumstance (1669) e do poema citado por Johns on, "C hoi ce ", sobre o tema da filosofia da felicidade. (N.T.)
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o própri o Joh nso n, embor a haja feito o melhor com relação a cada um, não teria considerado que todos esses autores merecessem figurar na coletânea . Todavia, sabemos que Johns on tinha certa liberdade para acrescentar nomes à coleção, pois nos disseram que ele sugeriu três dos poetas ali inclusos, e sobre um deles. Sir Richard Blackmore, 1 ' terei algo mais a dizer. O fato de que os antecessores e contemporâneos de Shakes pe ar e, be m co mo os poetas met afí sicos anteri ores a Cowl ey, 10 não fossem vendáveis naquela época teria justificado o veto dos livreiros a qual quer proposta dc Johnso n qu ant o à sua inclusão. Mas não há nenh um a evidência de que John son pret endesse incluí-los; os fatos demonstram que seu conhecimento sobre eles era muito limitado e que ele estava absolutamente satisfeito cm editar uma antologia poética que começava por Cowley e Milton. O belíssimo prefácio a Shakespeare é um trabalho isolado, e cm nada revela a consciência da necessidade de avaliar qualquer poeta em relação a seus antecessores e contemporâneos. Todavia, essa inocência quanto aos métodos históricos e comparativos, que a crítica moderna toma como garantia, contribui para o mérito singular desse prefácio; e as virtudes de Shakespeare para as quais ele chama a atenção são em sua maioria aquelas em que Shakespeare foi inigualável, as que ele não compartilha, nem mesmo no menor grau, com os outros dramaturgos. Essa limitação do campo da poesia inglesa é uma importante característica positiva. Seria um erro capital atribuir a estrei ta faixa dos interesses dc Joh nso n apenas à ignorânc ia, ou apenas à falta de avaliação crítica, ou mesmo a ambas. Seria talvez mais verdadeiro dizer que sua ignorância era devida à falta de compreensão do que dizer que sua falta de compreensão era devida à ignorância, mas a coisa não é tão simples assim. Se censurarmos um crítico do século XVIII por não ter possuído 9. Blackmore, Sir Richard. Poeta inglês (1655-1729), autor de poemas heróicos, filosóficos e religiosos Foi louvado por Addis on no Spectator. (N.T.) 10. Cowley. A bra ham . Poeta inglês (Londres. 1618 — Chcrt sey, 1667), pertencente ao grupo dos "m etaf ísic os" e cuja obra está na raiz do ensaio que Johnson escreveu sobre a poesia metafísica. Deixou poemas anâcreônticos (" lhe lover' ) c odes {Odes) à maneira de Pindaro. Sua poesia, que representa a decadência do barroco inglês, foi definitivamente reunida em Works (1905-1906). (N.T.)
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uma capacidade dc apreciação moderna, histórica e abrangente, devemos adotar com relação a esse mesmo crítico a atitude cuja ausência nele reprovamos; precisamos não ser estreitos ao acusálo de estreiteza, ou preconceituosos ao acusá-lo de preconceito. Johnson tinha um ponto de vista positivo que não coincide com o nosso, um ponto de vista que demanda um vigoroso esforço de imaginação para comprccndê-lo, mas se conseguirmos entendê-lo, perceberemos sua ignorância ou sua sensibilidade sob uma luz diferente. Walter Raleigh 11 diz de Joh nso n que "ele havia lido imensamente para escrever o Dictionary,12 mas o conhecimento da literatura inglesa que adquiriu desse modo não era sempre aproveitável para um propósito distinto. Sob certos aspectos, isso constituía até mesmo um obstáculo. O Dictionary de Johnson foi concebido primordi alment e para proporcionar um padrão de tratamento polido, adequado aos ideais clássicos da nova época. Ele se viu obrigado, portanto, a se antecipar aos elisabetanos menores, cuja autoridade ninguém reconheceu, e cuja liberdade e extravagância eram contrárias ao seu pr oj eto". Para o poeta e o crítico do século XVII1, os valores da língua e da literatura estavam mais intimamente associados do que parece aos escritores e ao público leitor dc nossos dias. A excentricidade ou a esquisitice eram condenáveis: um poeta era louvado não porque inventasse uma forma original de linguagem, mas por sua contribuição à língua comum. Johnson e os homens de seu tempo observaram que se registrara um progresso no refinamento e na precisão da língua, assim como na finura e no decoro dos costumes, e tais conquistas, por serem recentes, eram altamente estimadas. Johnson é capaz de censurar Dryden por seus maus costumes e seu mau gosto na controvérsia. Ora, observa-se geralmente que, na exaltação do sucesso relativo a uma empresa que nos arrebata, podemos nos esque-
cer de muitas coisas que somos obrigados a abandonar para que ela se realize. Não vemos com bons olhos especialmente a idéia de que, para obter uma coisa, devamos admitir dar em troca uma outra dc valor. Os caminhos da história estão, c sem pr e estarã o, ju nc ad os desses valo res pe rd id os; e a visão li mi ta da desses valores talvez seja uma qualificação necessária para quem quer que aspire a tornar-se um reformador político e social. O aperfeiçoamento da língua, que o século XVIII conquistou, foi um aperfeiçoamento genuíno: somente uma geração futura po di a to ma r con sci ênc ia dessas per das ine vit ávei s. Johnson, com toda a certeza, viu o corpo da poesia inglesa do ponto de vista que adotou para assegurar um progresso, um refinamento da língua c da versificação segundo linhas definidas, c que implicavam uma confiança na correção e na permanência do estilo que havia sido conquistado — uma confiança de tal modo mais poderosa do que aquela que podemos ter no estilo, ou estilos, de nossa época, que somente a custo poderíamos imaginá-la como qualquer coisa menos como um defeito de sua capacidade crítica. A ênfase sobre (c a preocupação com ) o estilo e as norm as comu ns que Joh nso n revela — o que nos dá às vezes á impressão de que ele julga os grandes gênios pelos pa dr õe s ad eq ua do s ap enas aos esp ír itos me nore s — po de nos induzir a superestimar o valor de uma poesia de poucos recursos em detrimento da obra de determinado gênio que se mostre menos obediente às regras. Todavia, o embotamento que podem os atrib uir a Johns on é rara mente visível em suas afirmações positivas, evidenciando-sc apenas pelo silêncio, e esse silêncio é a prova, não de uma insensibilidade pessoal, mas de uma atitude que nos é difícil assumir. Do ponto de vista de Jo hn so n, a líng ua inglesa da época anterio r não estava suficientemente avançada, encontrando-se ainda "cm sua infância"; a língua com a qual os poetas mais antigos trabalhavam era ainda muito grosseira para que estes fossem tratados cm pé de ig uald ade com os dc um a época mai s re fi na da. Suas obras, caso não estivessem em nível muito alto, constituíam um objeto de estudo mais apropriado a um antiquário do que a um público leitor culto. A sensibilidade de qualquer época do passado dâ sempre a impressão dc que provavelmente é mais limitada do que a nossa, pois estamos naturalmente muito mais cônscios
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11. Raleigh ou Ralegh. Sir Wal ter . Escritor inglês (Haye s. Devons hire , c 1552 Londres. 1618). Participou de diversas campanhas militares e organizou expedições de exploração na América do Norte. Condenado à prisão perpetua, escreveu no cárcere uma Htslory of the worl d (1614). Atri buem-se-l he alguns notáveis poemas incluídos na coletânea anónima Elizabethan song books O trec ho cit ado por Eliot pe rt en ce a Remains (10 vols., 1651). (N.T.) 12. Raleigh se refere aqui ao Dictionary of the E nglish language, em dois volumes, que Johnson publicou em 1755. (N. T.)
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da falta da consciência de nossos ancestrais cm relação às coisas dc que somos conscientes do que da falta de consciência, em nós mesmos, relativamente às coisas que eles perceberam c das quais não temos a menor idéia. Podemos perguntar, portanto, se não há uma distinção capital a ser estabelecida entre a sensi bi li da de li mi ta da — lem br an do aq ui que a am plit ud e ma is extensa da história de que temos conhecimento tende a nos dar a impressão de que todas as mentes do passado são limitadas — ca sensibilidade precária; e, conseqüentemente, perguntar se Joh nso n, d ent ro de seus próprios l imite s, não seria um crítico tão sensível quanto criterioso, se as virtudes que ele louva na poesia não persistiriam sempre como virtudes e se as espécies de defeito que ele censura não permaneceriam hoje como defeitos que merecessem ser evitados. Mesmo que eu ainda não haja conseguido me expressar mais claramente, espero ter feito algo para perturbar-lhes o espírito e prepará-los para uma investigarlo sobre a crítica de que Johnson era insensível à música do verso. Um leitor moderno que tenha lido The lives of the poets não se lembra com muita clareza dc nada do que Johnson observa sobre a versificação de Donne a do Lycidas 1 ' de Milton. Se não nos record armos de nenh uma outra opinião dc Johns on, recordemos a seguinte: "Os poetas metafísicos eram homens de saber que se empenharam ao máximo em exibi-lo, mas desgraçadamente, ao decidir engastá-lo na rima, cm vez de escrever poesia, escreveram apenas versos, e com muita freqüência versos que dependiam mais do teste dos dedos do que do ouvido, pois a modulação era tão imperfeita que os versos só foram reconhecidos como tais graças à contagem das sílabas No qu e toca à ob ra de Cl ev el an d, 14 c de outros metafísicos menores, esse julgamento seria bastante razoável, mas podemos estar certos de que John son e stendia essa censura a Do nn e 13. Escrito cm 1638, o Lycidas c uma elegia bucólica sobre a morte dc um amigo dc Milton dos tempos dc Cambridge, Edward King (1612-1637). que morreu afogado durante uma viagem à Irlanda. (N T.) 14. Cleveland ou Cleivelan d, Joh n. Poeta e humor ista inglês (Loughbo roug h. 1613 — ? 1658). pertenc ente ao grup o dos metafísi cos. Iornou-s c mais conhecido na metade do século XVII gradas às inúmeras edições de seus poemas, sobretudo "The rebel scot". A edição definitiva de suas obras, sob o título de Poems, c de 196*7. (N.T.)
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a pari ir de sua observação de q ue Ben Jon son se asse melhava a Do nn e mais na aspereza dc seus versos do que no matiz de seus sentimentos". Na verdade, hoje em dia encaramos Donne como um competentíssimo artesão, como um artista do verso de notável virtuosismo; e o que Johnso n designa "as per eza " chega aos nossos ouvidos como uma música sutilíssima. Mas o ju lga me nt o crí tico sob re o Lycidas, tão bem conhecido quanto o que ele emitiu sobre os poetas metafísicos, também agride nossa sensibilidade. Johnson afirma que nesse poema "a dicção é ríspida, os ritmos indecisos e as cadências desagradáveis". Podemos julgar possível concordar com algumas outras observações de Johnson sobre o Lycidas. Se considerarmos que uma elegia requer a justificativa de uma tristeza sincera e profunda, po de re mo s cheg ar à con clusã o de qu e o po em a é fr io . A associação de imagens cristãs e clássicas está de acordo com o gosto bar ro co que nã o agra dava ao século XVI II, c devo ad mi ti r de minha parte que jamais me senti gratificado com o espetáculo de padre Camus n e São Pedro caminhando juntos na mesma proci ssã o, co mo um a du pl a de profe sso res a pe ra mb ul ar atr avés da King's Parade 16 para ouvir o sermão universitário. Mas seguramente é a virtude musical que veste os absurdos da grandiosidade, tornando tudo aceitável. Cabe-nos, pois, perguntar: seria Johnson insensível à música do verso? Teria ele, como toda a sua geração, uma audição defeituosa? Nã o há tal vez raz ão ma is irredutível das extr emas di fe re nças de opinião entre respeitáveis críticos dc poesia do que uma diferença de ouvido; e por ouv id o", cm sc tratando de poesia, entendo uma apreensão imediata de duas coisas que podem ser consideradas abstratamente uma isolada da outra, mas que produzem seu efeito em uníssono: o ritmo e a dicção. Elas não existem uma sem a outra, pois a dicção — o vocabulário e a construção — determina o ritmo, e os ritmos que um poeta considera congeniais determinam sua dicção. É a imediata impressão favorável do ritmo c da dicção que nos dispõe a aceitar um po em a, cs ti mu la nd o- no s a dar- lh e mai s at enç ão e a descobrir 15. Camus simboliza o regato Cam. que passa em Cambridge, alegoria da Universidade que. como Milton, presta homenagem a Edward King. (N. 1.) 16. Famosa rua de Cambridge, que leva à Capela do Rei, onde sào proferidos os sermões. (N.T.)
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outras razões para apreciá-lo. Esse contato imediato pode desa pa re ce r na le it ur a da po esia de um a ge ra çã o pa ra ou tr a. Nã o é senão qua ndo uma literatura atinge a mat uri dad e qua ndo , talvez, acaba de superar esse momento e penetra, mais adiante, nu ma época posterior que os críticos se tor nam capaze s de pe rc eb er que o ri tm o e a dicção nã o se sa ti sf az em si mpl es men te em melhorar, ou deteriorar-se, de uma geração para outra, mas o fato é que ocorre também uma modificação de extrema pureza, de modo que algo está sempre sendo perdido, assim como algo está sendo ganho. Pode-se observar não apenas na perfeição de qualquer estilo, mas também no amadurecimento de um indivíduo, que certas potencialidades só chegam a ser fruídas se outras forem abandonadas; a rigor, parte do prazer que usufruímos com a literatura do passado, como da alegria que nos dão as crianças, reside na consciência que temos de que muitas po te nc ia li da de s nã o ser ão de to do re al iz ad as . So b esse as pe ct o, a literatura primitiva pode ser mais rica do que aquela que se lhe seguiu. Uma literatura difere de uma vida humana porque pod e reg res sar ao seu pr óp ri o pa ss ad o e de se nv ol ve r alg uma capacidade que foi abandonada. Assistimos em nossa própria época a um renovado interesse por Donne e, depois deste, por po et as ma is an ti go s, com o Sk cl to n. 1 Uma literatura pode tam bé m re nova r-se a pa rt ir da li te ra tu ra de um a ou tr a lí ng ua . Mas a época em qu e Jo hns on viveu não era velha o bas tan te para que sentisse a necessidade de uma renovação como essa, pois acabara de alcançar a sua própria maturidade. Johnson podia imaginar a literatura de sua época como aquela que havia alcançado o padrão a partir do qual a literatura do passado podia ser julgada. Numa época como a nossa, em que a novidade é amiúde admitida como a principal exigência da poesia, caso se pre te nd a que ela de sp er te nos sa at en çã o, e na qu al os co nc ei to s de pioneiro e de inovador estão entre os mais honrosos títulos, é difícil assimilar esse ponto de vista. Percebemos facilmente seus absurdos, e maravilhamo-nos diante da segurança com que Johnson foi capaz dc censurar o Lycidas , baseado na ausência 17. S kelt on, Jo hn . Poeta ingles (Diss, Norfol k, c. 1465 — Londre s, 1529) da epoca Tudor. Foi um dos maiores representantes da literatura satírica de seu país. como o atestam The boke of Phyllyp sparowe, Ballade of the Scottyshe kyng (1513), Speke, parrot (1521) e Why come ye not to court? (1522) (N T.)
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do mérito que nos parece o mais conspícuo, e rejeitar Donne devi do à rudez a de sua dicção. E qu an do Joh nso n escreve sobre Shakespeare, surpreendemo-nos que ele silencie sobre a mestria da versificação. Não houve aqui nenhum preconceito contra uma maneira particular de escrever, como quando ele discute os metafísicos, nem qualquer antipatia pessoal cm relação ao homem, como quando ele fala de Milton, mas apenas a mais aguda observação, a mais alta estima, o mais justo e generoso louvor; e Jo hns on conc ede a Shakespea re o mais elevado nível entre os poetas, por todas as razões possíveis, menos as da be le za do ri tm o c da di cção. Sustento que não deveríamos levar em conta essa miopia, que para nós é muito estranha, como um defeito pessoal dc Johnson, o que diminui sua estatura como crítico. O que lhe falta é um sentido histórico cujo momento ainda não havia chegad o. Eis aqui al go que Joh nso n nos pode ensinar, poi s, se conseguirmos chegar a esse sentido histórico, nossa única linha de conduta será a dc desenvolvê-lo daqui em diante; c uma das maneiras pelas quais podemos fazê-lo em nós mesmos é por meio da compreensão de um crítico no que ele não é aparente. Johnson não chegou a compreender o ritmo e a dicção que lhe pa re ci am arc aic os, nã o de vi do à fa lt a de se ns ib il id ad e, ma s por causa de uma especialização da sensibilidade. Se o século XVIII admirasse a poesia das épocas passadas do mesmo modo como o fazemos, o resultado seria o caos: não haveria nenhum século XVIII como o conhecemos. Essa época não teria rido a convicção pára aperfeiçoar os gêneros poéticos que aperfeiçoou. A surdez do ouv ido de Joh nso n para certos gênero s dc melodia era a condição necessária à sua agudeza dc sensibilidade cm relação à beleza verbal dc outros gêneros. Dentro de seu raio de ação c dc seu tempo, Johnson tinha o ouvido tão sensível quanto o de qualquer outro. Freqüentemente, quando ele chama a atenção para as belezas ou as deficiências da obra dos poetas sobre os quais escreve, devemos reconhecer que ele está certo, e que nos revela algo que não conseguiríamos observar sem a sua ajuda. Isso pode atestar que seus critérios têm um valor permanente. Há uma outra consideração a ser feita quanto ao problema da diferença entre as sensibilidades de um e de outro século que é digna de nota. Trata-se do problema da ênfase sobre o
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som ou sobre o sentido. A poesia mais elevada, cumpre admitir, passa nos mais severos exame s em ambo s os assun tos. Mas há uma grande parte da boa poesia que firma sua reputação graças à sua excelência em apenas uma dessas vertentes. A tendência moderna é a de acolher até certo ponto a incoerência do sentido, de ser tolerante com poetas que ignoram o que estão tentando dizer exatamente, contanto que o verso soe bem e apresente imagens surpreendentes e insólitas. Há, de falo, um certo mérito no delírio melodioso, que pode constituir uma autêntica contribuição à literatura, quando efetivamente corres po nd e àq ue le pe re ne ap et it e da humani dade por um oca siona l festim de címbalos e tambores. Todos desejamos nos sentir às vezes um pouco embriagados, quer o estejamos, quer não, ainda que entregar-se exclusivamente a certos gêneros de poesia im pl iq ue per igos anál og os àq ue le s qu e de co rr em do uso im od erado do álcool. Além da poesia do som e, de um cert o po nt o de vista, ocupando uma posição intermediária entre a poesia do som e a poesia do sen ti do . há a poesia que repres enta uma tentativa para distender os confins da consciência humana c relatar as coisas desconhecidas, para exprimir o inexprimível. Mas essa poesia não me interessa aqui. Entre os dois extremos do encantamento e do sentido temos sido hoje em dia, creio eu, mais facilmente seduzidos pela música do absurdo hilariante do que satisfeitos com a inteligência e a sabedoria que se expressam em medidas prosaicas. A época de Johnson, e o próprio Johnson, estavam mais inclinados por essa última escolha. Johnson era capaz de atribuir qualidade poética a muitas coisas que nos parecem apenas competentes e corretas; nós, por outro lado, estamos excessivamente dispostos a aceitar como poesia o que não é nem competente nem correto. Perdoamos muito ao som e à imagem; ele perdoava muito ao sentido. E um excesso numa ou noutra direção equivale ao risco de trocar o efêmero pe lo pe rma ne nt e. Jo hn so n às veze s se en ga no u. Al ud i, po uc o antes, a Sir Richard Blackmore.
com certa curiosidade. Cheguei à conclusão de que os elogios de Jo hn so n a esse poe ma revelam um grave equívoc o em dois sentidos. Em primeiro lugar, o poema infringe quase todas aquelas regras de excelência que o próprio John son, ao abordar um poeta de maior estatura, estabelecera para o uso do terceto c do alexandrino sob a forma do dístico rimado. Em vez de reservar o terceto (três versos que rimam juntos e o alexandrino com a função do terceiro verso) para a conclusão de um período, onde essa terminação pode ser muito eficaz, Blackmore introduz um terceto quase de saída, e nos brinda com um alexandrino como o segundo verso de um dístico. Ε o que é pior: a versificação às vezes não é melhor do que a de um exercício de um escolar. Mas Joh ns on , como tod os os bons anglicanos e todos os bons tories ™ abominava Hobbes, insigne ateu c totalitário. Ele deve ter fechado os olhos a defeitos que teria reprovado um Dryden ou Pope devido ao prazer que sentia com os seguintes versos que aludem àquele filósofo:
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Impressi onado pela afirmação de John son de que Creation, de Blackmore, era sozinho um poema que "o teria feito passar à posteridade como um dos cinco eleitos da Musa inglesa", c po r sua decla ração dc que ele pr óp ri o re co me nd ou qu e Blackmore fosse incluído na coletânea que organizou, li o poema
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At lenght Britannia's soil. immortal darnel Brought forth a sage of celebrated name, Who with contempt on blest Religion trod. Mocked all her precepts, and renunced her God. Se apl icar mos a es ses versos o gênero de crítica minuci osa em que Joh nso n se notabil izou, obser varemos que o primei ro deles é ruim do ponto de vista gramatical, pois dame ( " d a m a " ) está gramaticalmente em oposição a soil ( "solo"), quando deveria estar a Britannia ("Grã-Bretanha"); e podemos censurar o segundo verso pela observação de que o nome de Hobbes não se tornou célebre senão muito após seu nascimento. Poderíamos esperar também que a personificação da Religião, como uma fêmea desamparada esmagada por Hobbes, fosse assaz desele gante para o gosto de Joh nson . Para mim, esse é o tipo de descuido que mais severamente se deve reprovar num crítico, um descuido que contraria seus próprios padrões de gosto. 18. Membros do Partido Conservador ou. simplesmente, conservadores. (N.T.) 19. "Enfim, o solo da Grã-Bretanha, dama imortal! / Deu à luz um sábio de nome celebrado. / Que com desprezo esmagou sob os pés a santa Religião. I Zom bou de to do s os seu s pre cei tos c rct .e gou seu D eu s. " (N .T .)
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E, em segu ndo l ugar, a leitu ra que ti z do po em a me leva a desconfiar de que Joh nso n deveria rejeitá-lo até mes mo em razão das matrizes de seu con teú do, pois Joh nso n e isso é mu it o imp ort ante com relação a ele era um dos anglic anos mais ortodoxos, assim como um dos mais devotos cristãos de sua época, enquanto Blackmore me parece estar expressando um estrito deísmo. Só me cabe supor que o deísmo impregnara a tal pont o a atmosfera do século que o nariz de Joh nso n n ão conseguiu perceber-lhe o odor. Todavia, quero distinguir essa espécie de erro — a do crítico que não aplica seus próprios padrões daqu eles erros aparentes que nascem dos princípios de um espírito particular num momento particular, e que de modo algum nos parecem erros da mesma tempera logo que conseguimos assimilar o ponto de vista de quem os comete. E assim que
estilo graças a um princípio perverso e pedante" e que "ele pr et en di a ut il iz ar pal avr as inglesas com um id io ma est range iro ". Mas, após fazer essa crítica, Jo hns on lhe rende os maiores elogios, afir man do que Milton 'era um mestre de sua língua em toda a plenitude". E ao referir-se à fragilidade do verso br anco "h eróico" pa rt ic ul ar me nt e à di fi cu ld ad e, qua nd o é declamado, de preservar a identidade métrica de cada verso — c, finalmente, após dizer tudo o que poderia ser dito contra o verso branco, faz ele a generosa concessão: "Não posso me persuadir a lamentar que Milton não tivesse escrito versos rimados, poi s nã o me cab e des ejar qu e sua obr a não sej a o qu e ela é; entretanto, como outros heróis, deve ser ele antes admirado do que imitado". O reconhecimento da grandeza de Milton como versiflcador é inequívoco. Mas há leis relativas ao uso das pal avr as e da co nstr ução fraseolo gic a qu e Milt on desafi a. O transgressor não deveria ser louvado pelas infrações; e um poeta de segunda ordem pode ser mais obediente às leis do que um po et a de gr an de gê ni o. Ass im, Ak ensi de, na fa tu ra glo bal de seus versos", pode ser mais correto do que Milton, e, se prezarmos a correção, sob esse aspecto é superior a ele.
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20. Akens ide, Mark Poeta c medi co inglês (Newc astl e, 1721 - L ondres, 1770), autor do poema descritivo e filosófico The pleasures of imagination (1744) e de urn volume de Odes (1745). (NT.)
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Nã o creio qu e a históri a do verso br anco desde a épo ca de Milton lhe dê um desmentido absoluto. "A música dos versos heróicos ingleses fere o ouvido de modo tão indistinto", diz Johnson, "que facilmente se perde." E é verdade; o outro pe ri go é o de uma puls açã o mon ót on a, qu e deixa por co mp le to de transmi tir qual quer música. O que Johns on esqueceu de observar é que Milton tornou o verso branco um recurso bemsucedido para o poema heróico, graças à própria excentricidade que Johnson condena. Todavia, Johnson fez com que o verso de Milton fosse visto como uma exceção. Ele admite que há propósitos para os quais o verso branco permanece como um instrumento adequado, muito embora não se preocupe cm definir e particularizar rais
propósi tos. Diz cie dos Night thoughts, de Young:21 21. Young . Edward. Poeta ingles (Wincheste r, Hants, 1683 - Wclwyn, Oxfordshire, 1765). Os Night thoughts ( 1742-1745), qu e exerceram gra nde infl uencia sobre o pre'-romantismo, constituem um monólogo de cerca de dez mil versos brancos. Young deixou ainda Conjectures on original composition (P59). que tambem antecipa o pré-romantismo. (N.T.)
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"Eis um dos poucos poemas cm que o verso branco não podi a ser pr et er id o pelo verso rim ad o se nã o co m de sv an ta ge m. A difusão desenfreada dos sentimentos c os arroubos dc imaginação teriam sido reprimidos e paralisados caso estivessem contidos pela rima". Johnson aprova o emprego do verso branco utilizado por Thomson cm Seasons por razões semelhantes: "Eis uma das obras em que o verso branco é adequadamente empregado. A ampla expansão dos conceitos gerais dc Thomson, e sua enumeração dc variedades circunstanciais, poderiam ter sido obstruídas e prejudicadas pelas freqüentes intersecções do sentido, que são efeitos necessários da rima". Permitam-nos voltar a Akenside. o autor sobre cujos versos branc os Jo hn so n pr od ig al iz ou tã o altos elogio s. Seu co nt ex to é este: 4 Na fatura global de seus versos, ele é talvez superior a qualquer outro que haja utilizado o verso branco; sua fluência é uniforme, e suas pausas são musicais, mas o encadeamento de seus versos sc prolonga por muito tempo, e a conclusão integral não ocorre com suficiente freqüência. O sentido se distende ao longo de um entrelaçamento de frases complicadas e, como aí nada se distingue, nada pode ser relembrado". E John son cont inu a, ge nera liza ndo seus conceitos críticos sobre Akenside: "A liberdade que o verso branco proporciona de escapar à necessidade de concluir o sentido com o dístico instiga os espíritos luxuriantes c ativos a uma tal auto-indulgéncia, que eles amontoam imagem sobre imagem, ornamento sobre ornamento, sendo facilmente persuadidos a encerrar seu discurso. Receio, por co ns eg ui nt e, qu e o verso br an co sej a en co nt rad o com mu it a freqüência nas descrições exuberantes, nas argumentações loquazes e nas narrativas enfadonhas". Dizer que o encadeamento dos versos de Akenside se prolonga por muito tempo e que o sentido se distende ao longo de um entrelaçamento de frases complicadas equivale a uma censura plenamente justificada por nossa análise dos versos desse autor, embora caiba observar que esse encadeamento e essas frases complicadas eram exatamente aquilo que Milton foi capaz de manipular com êxito conspícuo e solitário. Mas as observa-
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ções gerais sobre os perigos do verso branco são tais que os usuários que em seguida dele se serviram teriam feito bem em ponderar. E John son não podia antever que os futuros poetas estariam também aptos a exibir no dístico rimado, por meio de seu desejo de estender os recursos dessa forma para além dos rígidos limites impostos pelos melhores versos do século XVIII, a mesma exuberância, a mesma loquacidade e o mesmo tédio que Johnson relaciona como os vícios do verso branco. Temos que rccorrer a William Morris para dele arrancar alguns exemplos. Dent re todos os poetas cujas obras Johns on apresenta po de mo s, cre io eu , convir qu e as de Thomso n e de Yo un g são as únicas que nos legaram poemas em versos brancos mais ou menos legíveis e que o estudante de poesia inglesa tem ainda algum interesse em 1er. Portanto, ao louvar sua versificação, Johnson se revela incapaz de saber como deveria ser escrito o verso branco. Ao qualificar sua aprovação da versificação de Akenside, é preciso acrescentar que seu elogio do poema que revela os dons moderados de Akenside no que ele tem de melhor (The pleasures of imagination ou Pleasures oj the ima gination t ), é, na verdade, muito fraco. "As palavras se multiplicam até que o sentido somente a custo se torne perceptível; a atenção abandona a mente, e sc fixa no ouvido. O leitor vagueia em meio à difusão lasciva, às vezes aturdido, às vezes extasiado, mas, após várias voltas por esse florido labirinto, dele sai como havia entrado. E pouco o que lhe desperta a atenção, e ele nada consegue reter." Isso equivale a dizer, de maneira direta, como Johnson se incumbiu de fazer, que o poema não merece leitura. Impusme a operação mecânica de 1er esse poema do princípio ao fim, mas não posso dizer que o li; pois, com o advertia Joh nso n, ,4 a atenção abandona a mente". Assim, na verdade, li apenas algumas passagens. Contudo, guardei a impressão de que o som é mais melodioso do que o dos versos quer de Thomson, quer de Young, embora estes sejam poetas de muito mais substância. Suas sílabas tônicas são bem distribuídas; suas pausas c estruturas fraseológicas são concebidas geralmente de modo a assegurar uma permanente variedade, sem que a medida métrica ja mais seja ro mp id a. E ai nda qu e ele seja sem pr e en fa do nh o, só raramente é absurdo. Se vocês mergulharem em The seasons,
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de Thomson, encontrarão amiúde deliciosas cluirão tambem que o autor se empenha elevar o que e humilde e embelezar o que vida ao ridículo. Considerem, por exemplo, nitária ao pescador:
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paisagens, mas conconstantemente em é banal, o que consua exortação huma-
But let not on thy book the tortur 'J worm Convulsive, twist in agonising fold. 11 Akensidc jamais diz nada que valha a pena dizer, mas o que não vale a pena dizer ele o diz bem. O final do Livro III de seu po em a (qu e ele de ix ou in ac ab ad o na m et ad e do Livr o IV) é bo m o ba st an te pa ra que o ci te mo s aq ui : When at last The Sun and Nature s tace again appear'd, Not far I found me; where the public path, Winding through cypress groves and swelling meads f From Cnossus to the cave of Jove ascends. Heedless I followed on: till soon the skirts Of ìda rose before me, and the vault W ide opening pierced the mountain s rocky side. Entering within the threshold, on the ground I flung me, sad. faint, overworn with toil. 25 Se vocês não soubessem quem escreveu esses versos, poderiam atribuí- los a um poeta superior . Mas, com o Jo hns on observa em relação às odes do mesmo autor: 4 4 De que vale criticar uma obra que não mais será lida? . Todavia , supo nh o que pod emos agora compreender — e, dentro de certos limites, aceitar — a af ir ma çã o de qu e 'n a fa tu ra gl ob al de seu s ver sos, [A ke nside] é talvez superior a qualquer outro que haja utilizado o verso branco". 22. 'Qu e na ponta dc teu anzol o verme tortu rado / N ão se contorna convulso em agònicas dobras!" (N.T.) 23. "Quando afinal / O sol e a face da natureza outra vrz despontaram. / Eu me achava ali por perto, onde a vereda pública, / Farejando por entre os ciprestes e as túmi das campina s, / Sobe desde Cnossos ate a gruta de Zeus / Descuidoso, segui adiante; e logo a* bordas / do Ida surgiram à minha frente, e a abó ba da / Esc anc ar ada se en tr ea br iu na roc ha da mo nt a nh a . / Ao cr uz ar a sol ei ra , melancólico, abatido. / Deixei-me cair ao solo. alquebrado pelo esforço " (Ν Γ.)
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Nã o pos so me im pe di r de pe rg un ta r qu an to s po em as em versos brancos do século XIX poderão ser lidos pela posteridade com qualquer interesse maior do que aquele que agora nos pro po rc io na m os po em as de Th om so n, Yo un g ou Co wp cr . Perdurarão o Hyperion, o Prelude (que, apesar de enfadonho em muitas passagens, deve ser lido inteiro), algumas belas composições curt as de T ennyson, certo s monó logo s dram átic os de Browning. Mas, de modo geral, suponho que os poemas do século XIX que devem continuar a ser lidos sempre com prazer são os poemas rimados. Que Johnson considerava o verso branco como mais apro pr ia do ao te at ro do que o verso ri ma do é alg o qu e po de mo s deduzir de sua preferência por All for loveu dentre as peças heróicas de Dryden, assim como do fato de haver ele escolhido o verso branco para a sua tragédia Irene,2' Que Johnson não chegou a compreender as peculiaridades do verso branco dramático, comprova-o esta peça, pois o que nela encontramos é o verso branco de um escritor que pensava e sentia cm termos do dístico rimado. Já observei que, quando Johnson expressa toda a sua alta e justa estima por Shakespeare como poeta dramático, ele fala como se Shakespeare escrevesse numa língua cujo conteúdo tivesse sido preservado, mas cujo som nada significasse para nós, pois não há de sua parte uma única palavra sobre a música do verso shakespeariano. Johnson sustentava que o verso branco é o mais adequado ao palco, simplesmente po rq ue est á mais pr óx im o da pro sa; cm outr as palavras, as pessoas que conversam entre si ocasionalmente articulam um pentàmetro iâmbico, mas quase nunca incidem na rima. Não creio que esse ponto de vista seja absolutamente válido. Se, por outro lado, Johnson não foi capaz de apreciar a música especial do verso branco dramático, também se enganou ao considerar que o verso branco é necessariamente a forma que melhor convém à conversação. Observei há muito tempo que Dryden me parece se aproximar mais intimamente dos tons da conversação em suas peças com versos rimados do que o faz em All for love. 24. Ver nota IH a "A músic a na poesia (N. T. ) 25. T ragé dia clássica escrita por Joh nso n em 1749 e que const itui , acima de tudo, um diálogo moral sobre os temas da virtude. (N. I.)
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A Irene dc Joh nso n tem tod as as virt udes que se presumi ria tivesse o verso do autor; e para Joh nso n, q ue hab it ua lm ent e escrevia sem muito esforço, parece que essa obra lhe exigiu muito trabalho. Seu verso não tem nenhuma qualidade dramática; é correto, mas a correção isolada dessa forma torna-se em si um defeito. A peça seria hoje mais legível se ele a tivesse escrito em versos rimados; no conjunto, ela seria mais facilmente declamada, e o que há dc bom, mais facilmente retido; o texto não teria perdido nenhuma de suas virtudes de estrutura, de pensamento, de vocabulário e de figuras de retórica. O que seria harmonioso com as rimas, torna-se apenas monótono sem elas. Ocupei-me até aqui primordialmente com a tarefa de tentar reduzir alguns dos obstáculos à apreciação de Joh nso n como crítico. Antes de concluir, restam duas opiniões incidentais de Johns on que preciso encarar, poi s. do contrár io, eu fica ria exposto à crítica de que as evitei. A primeira é a opinião de Johnson sobre o drama coral, ao qual ele era desfavorável; a segunda é sua atitude em relação ao verso religioso ou devoto, com o qual se mostrou condescendente. Devo assim dirigir a atenção do júri para essas duas questões. "S e O paraíso reconquistado foi muito depreciado, Sansão Agomsta, em compensação, foi muito admirado. Somente um velho preconceito e o fanatismo pelo saber puderam fazer com que Milton preferisse as tragédias antigas, atravancadas por um coro, para a« montagens em palcos franceses e ingleses, e somente devido a uma cega confiança na reputação de Milton é que se poderia louvar um drama tujas partes intermediárias não têm causa nem efeito, e que não apressam nem retardam a catástrofe." Aproveito a ocasião para lembrar enfaticamente a vocês quanto Johnson era moderno para a sua época: sua preferência pelo te at ro fr ancês e inglês em de trime nt o do te at ro gr eg o é apenas um dos exemplos disso. Desejaria tornar mais clara a ccnsura que ele faz a Milton, na passagem que acabo dc transcrever, dizendo que não creio ser devido a um velho preconceito, ou ao fanatismo pelo saber, que Milton foi levado a escrever sua peça a partir do modelo grego. Julgo que isso se deve sobretudo a um conhecimento, consciente ou não, de quais eram
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os seus próprios dons. Hm Sansão, ele escolheu o assunto que melhor lhe convinha; c se adota o modelo grego, o faz porque era um poeta, e não um dramaturgo, e é dentro dos limites dessa forma que melhor revela sua mestria e dissimula suas fraquezas. O que mais surpreen de, entretant o, desde que Johnson elegeu o drama francês, assim como o inglês, como aqueles que deveriam ser imitados, é que ele não faz nenhuma referência ao caso, inconveniente à sua tese, do Athalie, de Racine. Racine era um poeta do teatro, se é que algum dia houve algum; em Athalie ele utiliza o coro, e Athalie, creio cu, é na verdade uma grande peça. Mas, com essa exceção, Johnson estava julgando o drama coral segundo padrões dramáticos que não imagino que a maioria de nós aplique ao Sansão. Para muita gente, o Sansão é a mais legível dentre as obras maiores de Milton; certamente, mais legível do que O paraíso reconquistado. Podemos até mesmo apreciar o Sansão, como podemos apreciar Com us, quando são encenados. Mas não creio que ninguém possa apreciá-los exclusivamente como dramas: pr ecis ar ía mo s ou est ar mui to fa mi li ar iz ad os com o te xt o, ou então possuir um ouvido muito atento, para degustar a beleza das palavras. Do contrário, não acredito que a intriga ou as pe rs on ag en s de uma ou de ou tr as dessas peça s possam mo bi li zar por muito tempo a nossa atenção. Incl ino- me a acreditar que, no conj unt o, John son, ao permitir-se criticar o Sansão como drama, está correto. Não creio que ele estimasse a força dramática das convenções gregas em seu lugar e em seu tempo. Na verdade, duvido que isso seja possível par a qu al qu er um qu e estiv esse no in si pi en te est ágio de conhecimento arqueológico cm sua época: com certeza, nossa pr ópri a co mp re en sã o das peças gregas co mo peças foi imens amente ampliada por pesquisas c estudos recentes. Mas a verdadeira questão é se a forma do drama grego pode ser adaptada ao mundo moderno. E suspeito que a principal justificativa para Mi lt on , ta nt o qu an to par a al guns poetas mai s rec ent es, ao imitar a forma grega do drama, é que o emprego de um coro permite a certos poetas destituídos de qualquer talento dramático utilizar o melhor de suas qualidades e, desse modo, dissimular algumas de suas deficiências.
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As opiniões de Johnson sobre o verso religioso estão mais cabalmente expressas cm sua Life of Waller 1* É aqui que ele faz as seguintes observações: "Que nenhum ouvido piedoso se ofenda se declaro, contrariamente a diversas autoridades, que a devoção poética não po de freq üe nt eme nt e ag ra da r ( . . . ) " . "A piedade contemplativa, no intercâmbio de Deus com a alma humana, não pode ser poética (...) Essas e outras palavras poderiam ser transpostas para a Life of Watts,2 na qual estão elas conf irm adas pela seguint e pa ss ag em : "Sua poesia devota, como a dos demais, é insatisfatória. A penúria de seus temas leva a repetições intermináveis, e a santidade do assunto repele os ornamentos da dicção figurativa". Como crítica sobre Watts, isso é o que basta. Para uma geração que aprendera a admirar os sonetos sacros de Donne c os poemas líricos de George Herbert, Crashaw e Vaughan, ele par ece ri go ro sa me nt e pe rv er ti do . Ju lgo que tem os de levar eni conta não apenas as limitações do gosto literário dc sua época, mas também suas limitações religiosas. Ambas as coisas vão aqui de par uma com a outra, pois, do mesmo modo que não ocorre ao espírito de Johnson que existam valores poéticos nas épocas anteriores, os quais haviam desaparecido enquanto se aperfeiçoavam os de seu tempo, assim também não creio que lhe pudesse ocorrer que havia uma sensibilidade religiosa que tam bém desapar ecera. As críticas dc Joh nso n se aplicam à maiori a dos versos religiosos que f ora m escritos desde en tão, bem como aos que se escreveram em sua própria época, O que com pr om et e sua co nd en aç ão é a ausência de qua lqu er di sc ri mi na ção entre a poesia sacra do serviço religioso das igrejas e a poesia sacra originária da experiência pessoal. No hino, na antífona, na seqüência, a intromissão da experiência pessoal seria imperti-
nente, e talvez por essa razão a poesia sacra do serviço religioso está, na melhor das hipóteses, na eloqüência impessoal do latim. É verdade que alguns versos religiosos de caráter devoto pa re ce m ig ua lme nt e válidos em am bo s os cont ex to s. Al gu ns dos poemas de George Herbert podem ser encontrados nos hinários, e todavia os considero menos satisfatórios como hinos do que os de Watts, pois neles percebo sempre a personalidade de Herbert, e jamais o menor vestígio da personalidade de Watts. Mas a maior parte da poesia devota do século XVIII não tem o mérito nem de uma espécie nem dc outra. As razões pelas quais a boa poesia desse gênero não foi escrita, e as razões pelas quais John son não podia reconhecer a possibilidade de que ela o fosse, estão relacionadas às limitações da sensibilidade religiosa nesse século. Eu disse limitações, e não falta de sensibilidade, pois ninguém poderá 1er as Prayers and meditations,,28 ou o Serious calf de Law, 29 sem reconhecer que essa época possui também seus monumentos de fervor religioso.
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26. Walle r, Edm und . Poeta inglês (Colcshil l. 1606 Hall Barn, 1687). Primo de Cromwell, foi membro do Parlamento, mas depois passou para o lado de Carlos I. Deixou um Panegyrical (1655). onde
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II Não me pr op on ho discu ti r a poesia do século XVIII em geral, ou sequer discutir as Vidas de Dryden e Pope, dc John son, exceto para delas extrair algumas declarações capazes de caract erizar a teor ia crítica de Jo hn son . Preciso dizer algo sobre a poesia de Joh nso n, sobre o princípio qu e já estabeleci dc que só poderemos compreender a crítica dc poesia de um poeta em relação à poesia que ele escreve. Sobre seus poemas mais curtos só podemos dizer que a maioria deles possui aquelas duas qua lid ades que John son julgava ser tudo o que se pode exigir de poemas curtos: concisão e elegância. Um deles, Long 28. Tí tulo de um diário ínti mo que Johnso n mantev e, com intervalos irregulares, desde 1729, ainda na epexa em que vivia em Oxford, e que testemunha o seu espirito profundamente religioso. Observam-se aí seus escrúpulos, suas perplexidades, seus impulsos para uma ortodoxia anglicana, que seu racionalismo e sua sensibilidade ameaçavam abalar. (N.T.) 29. Law Will iam. Poeta inglês (1686-1761). Recusou-se a cumprir o juram ento dc obediê nc ia a Jorge I e perm aneceu ort odoxame nte a n g l i c a n o . O título completa da obra citada por Eliot é A serious call to J devote and holy life (1728), que influe nciou Wesley, o fun dad or do meto dismo . (N. I )
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expected one-and-twenty, poderia proporcionar uma interessante comparação, sem prej uízo para Joh nson , com The Shrop shire lad : o verso de Housman 3 0 é tam bé m conciso e. eleg ante , mas apenas do ponto de vista da dicção; quanto à edificação (trata-se de dois critérios de Joh nso n, c omo se verá), p oderíamos dizer que o poema de Joh nso n é super ior. O único, suponho, dos poe mas curtos de Joh nso n qu e é mais do que conciso e elegante, o único que realiza o que ninguém antes dele realizou e que nenhum sucessor pôde igualar, é o poema sobre a mort e do Dr. Levett, um ho me m obs cur ame nte sábio e grosseiramente bondoso" — um poema único graças a sua ternura, sua piedade e sua sabedoria. Os dois poemas aos quais se deve a reputação de Joh nso n como po eta são, todavi a, The vanity of human wishes e London. Este soma 364 versos; aquele, 263. Johnson era um poeta reflexivo: podia não se expressar plenamente num poema de menor extensão, mas, por ser um poeta reflexivo, não tinha os recursos necessários para um poema de maior alcance. London tem belos versos e passagens, mas não me parece be m re al iz ad o co mo um to do . O ce ná ri o, ou o pr ól og o do po em a, é ar ti fi ci al . É te di os o ver a in vect iv a ap res en tad a co mo um discurso de "Tale s inj uri ado a um amigo qu e lhe foi levar as despedidas em Greenwich, enquanto ele entra num bo te para em ba rc ar no nav io que o co nd uz ir á a seu exí li o vo lu ntário em Pembrokeshire. Há, como em outras passagens do po em a, uma im pr es são de fa ls id ad e. John so n qu er ia escrever uma sátira à maneira de Juv enal p ara denu nci ar a perversid ade londrina, mas que houvesse algum dia pretendido deixar Londres por um distante promontório em Saint David é tão incom patí vel com seu t em peramento e co m os conf es so s se nt im en to s que lhe povoarão o restante da vida que não podemos acreditar que lhe houvesse algum dia passado pela cabeça o propósito de fazê-lo. Ele era o último homem a fixar residência cm Saint David, ou a ter apreciado as belezas desse sítio romântico quando ali viesse a chegar. 30. Housm an, Alfred Edward. Poeta ingles (Catsh ill. 1859 - Ca mbr idg e. 1936). A coletânea citada por Eliot, que data de 1896, possui grande força rítmica e metaíórica, e foi durant e muito te mpo o volu me de poem as mais lido na Inglaterra O pró pri o Ho us ma n ad mi ti u a inf lue nci a de Jo hn so n sobr e os poe ma s dessa col et âne a. (N .T .)
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For who would leave, un bribe d, Hibernia 's land. Or change the rocks of Scotland for the Strand?" A resposta é: Samuel John son, melhor do que qualqu er outro. Tais objeções podem parecer desfavoráveis, mas cias reforçam minhas dúvidas sobre o talento de Johnson para a sátira. Johnson era um moralista c carecia de uma certa leveza divina que torna fulgurantes os versos dos dois maiores poetas satíricos ingleses. A indignação pode transformar-se em poesia, mas é pre cis o qu e seja um a in di gn ação re le mb ra da em tr an qü il id ade; 32 em London sinto que se manifesta uma débil indignação, cm vez de uma indignação autêntica a ser relembrada. Na sátira dc Dryden, como de um modo distinto na de Pope, o objeto satirizado se dilui na poesia, c somente a custo pode-se percebêlo como algo mais do que um pretexto para a poesia. Com Dryden, o homem ridicularizado torna-se absurdamente gigantesco, e o inseto pernicioso de Pope se transforma em algo belo e estranho. Em London, o efeito global é o dc uma lamúria. A indiciação dc toda uma cidade malogra: é incrível, mesmo no século XVIII, que não se pudesse jamais sair à noite sem ser assaltado por bêbados turbulentos, ou dormir cm sua casa sem o perigo de ser assassinado por ladrões. Johnson dissemina generalizações, e tais generalizações não são verdadeiras; o que mantém o poema vivo é o fluxo subterrâneo dos sentimentos pessoais, a amargura da miséria, das afrontas, das injúrias c das pri vações, re al me nt e viv enci adas por Jo hn so n em sua ju ve nt ud e. O espírito de John son tend e a uma reflexão geral que se apoia em exemplos. Numa passagem bem conhecida, Imlac, o pr ec ep to r de Rass elas, 33 chega a observar que: "A missão de um poeta é analisar, não o indivíduo, mas a espécie; observar as propriedades gerais e as vastas aparências; ele não conta as estrias da tulipa, nem descreve as diferentes nuanças do verde da floresta. Ele deve mostrar em seus retratos da natureza os traços marcantes e surpreendentes que recordam 31 "Pois quem . gratuita mente , abandonaria as terras da Hibérnia, / Ou desejaria transformar no Strand as rochas da Escóciaí'" (Ν.Ί .) 32. Óbvia alusão ao célebre toiKeito de Wordsworth no prefácio às Lyrical ballads (1798). segundo o qual a poesia era uma "emotion recollected in tranquillity". (Ν. I .) 33. Herói do conto de Johns on, Rasselas (1759). (N.T.)
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o original cm todos os espíritos; c deve negligenciar as diferenças mais minuciosas que alguém possa ter observado, mas que um outro pode ter esquecido, para escolher as características que são analogamente óbvias à vigilância e ao descuido". Essa disposição para o geral afeta até mesmo as regras de Johnson relativas à dicção poética. Έ um a regra geraí em poesia", diz ele em sua Life of Dry Jen, que todos os term os de arte apropriados se diluam cm impressões gerais, porque a poesia deve falar uma linguagem universal. Essa regra torna-se ainda mais poderosa em relação às artes não-liberais, e por conseguinte distanciada do conheci mento com um '; e prossegue censurando Dryden pelo emprego de termos técnicos de navegação, a maioria dos quais como seam ("su tura ). mallet ("marreta '), tarpauling (" to ld o" ) — consideraríamos agora corriqueiros. Mas não estou interessado nas idéias de Joh nso n sobre dicção poética: desejo ape nas sugerir que as regras poéticas dc Jo hn son estavam, até certo ponto, limitadas pelo género de poesia que ele próprio foi capaz de escrever.
Em The vanity of human wishes, Johnson encontrou o tema que mais admiravelmente lhe convinha. A idéia, indicada pelo tí tu lo , nã o era nova, e nu nc a o fo ra . Aliás, isso nã o era necessário nem desejável para um poema dessa natureza: o essencial é que fosse uma idéia que o leitor não questionasse por um só instante. A esse respeito, The vanity of human wishes, como poema meditativo, é superior à Elegy de Gray, 34 pois esse ultimo poema contém uma ou duas idéias que talvez não sejam muito consistentes: na verdade, é muito pouco provável que um cemitério de aldeia, ou qualquer cemitério, abrigue o corpo de alguém que pudesse ter sido Hampden/ 3 Milton ou Cromwell. Com toda a certeza, em seu poema. Gray não se revela em absoluto estritamente meditativo: o que avulta na Elegy como descrição, como evocação da paisagem rural inglesa, é de suma im portân cia. Por outr o lado, sc Joh nso n se limitasse ao genérico, sem apoiá-lo em exemplos, pouco restaria de The 34. O título completo desse poema é Elegy writ ten in a country churchyard Ver nota 15 ao ensaio "Sir Joh n Davies ", nesta coletânea . ( Ν , Τ . ) 3 5 . H a m p d e n , J o h n . Político inglês (Londres, c. 1595 — Thame, 1643). primo de Cromwell, ao lado de quem combateu durante a Ouerra Civil. Sua oposição ao pagamento do ship money (1637) tornou-o um dos heróis desse conflito nacional. (N.T.)
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vanity o f human wishes. Dentre tais exemplos, a passagem sobre Carlos da Suécia " 6 é amiúde citada como a que melhor se sustenta. Esses 32 versos compõem um parágrafo que é, em si mesmo, totalmente perfeito na forma: a curva ascendente da ambição, a súbita calamidade, e o lento declínio seguido de degradação, ao longo dos quais vemos o conquistador,
Compelled a needy supplicant to wait
W hile ladies interposi and slaves debate, 37
expirando em a barren strand,
A petty fortress, and a dubious hand. 38 Mas essa passagem não é daquelas que preservam seu valor integral quando isoladas do contexto a que pertencem: ela exige o que a antecede e o que se lhe segue para ocupar o lugar que lhe cabe no conjunto do poema. A grande poesia do tipo de The vanity of human wishes é rara, e não po dem os censurar Joh nso n por não ter escrito mais nessc genero, quando consideramos quanto é difícil encontrála. Entretanto, essa especie de poesia não pode ser alçada ao nível mais elevado. Ela é, por natureza, de construção quase sempre frouxa; a idéia nos é dada de saída, e como se trata de uma idéia universalmente aceita, não comporta senão um peq uen o de se nv ol vi me nt o, ou apen as variações sob re um te ma . Johnson não possuía o dom da estrutura. Para se chegar a uma construção mais elaborada — c sustento que a estrutura deve ser um elemento importante na composição poética —, é indis pen sáv el um a vari edade de ta le nt os: desc rit ivos, nar rat ivo s e dramáticos. Não esperamos jamais de um poema escrito cm rimas parelhas que ele tenha uma estrutura muito coesa, que às vezes, de acordo com o que o autor pretende dizer, poderia 36. Ou Carlos II (Londres. 1630 - id., 1685), rei da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda, filho de Carlos I. (N.T.) 37. "Obrigado a esperar, como um pedinte necessitado. / Enquanto as damas se interpõem e os escravos discutem.' ( Ν . Ί . ) 38. "uma árida praia, / Num forte desprezível, sob mãos suspeitas." (N.T.)
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começar ou terminar não importa onde. Mas há um poema, de um amigo e con tem por âne o de Joh ns on , qu e revela um alto grau de organização poemática. Considero The deserted villa ge39 superior a qua lque r poe ma de Joh nso n ou de Gray. No po em a de Go ld sm it h, a ar te da transiçã o está ad mi ra ve lm en te ilustrada. Se vocês o examinarem estrote a estrofe, encontrarão sempre uma mudança correta no lugar certo, do descritivo ao meditativo, ao pessoal, de novo ao meditativo, à paisagem com pe rs on ag en s (o clé rig o e o me stre -esc ol a), co m um ta le nt o e uma concisão raramente igualados desde Chaucer. Essas partes estão adequadamente proporcionadas. Enfim, a idéia, embora tão aceitável quan to a de Jo hns on , é mais original e ta mb ém profética:
ou de qualquer outro poeta, do que as rimas dc Prior 41 são as dc Cowley. Suas cadências, suas pausas, sua dicção, constituem criações pessoais, sem transição nem imitação. Ele pensa segundo um encadeamento peculiar, e o faz sempre como um homem de gênio; olha para a Natureza e a Vida que lhe rodeiam com o olho que a Natureza concede apenas aos poetas; um olho que distingue em todas as coisas que sc lhe apresentam aquilo sobre o que a imaginação pode se deleitar quando aí se demora, e com um espírito que abarca de uma só vez a vastidão, sem negligenciar os pormenores. O leitor de The seasons se maravilha diante do que jamais vira antes que Thomson lhe houvesse revelado, e com o fato dc jamais ter sentido o que Thomson lhe transmite". A originalidade se encontra aqui diluída numa "maneira de pensamento e de expressão". Mas o pensamento cm si não tem necessidade de ser novo ou difícil dc apreender e dc aceitar; ele pod e ser, e para John son am iúde o foi, o lugar -comum, ou um pensamento que, quando apreendido, é tão rapidamente aceito que o leitor se extasia diante do fato de nunca tê-lo pensado por si mesmo. A originalidade não requer a recusa da convenção. Habituamo-nos, durante o século passado, ou mesmo antes, a uma tal desordem de estilos pessoais que nos esquecemos de que a originalidade é tão significativa num período de calma quanto numa época de constantes modificações; a c o s t u m a m o - n o s dc tal modo às diferenças de estilo po ét ic o id entificá veis por qu al qu er um qu e po de mo s nos tornar menos sensíveis às mais sutis variações dentro de uma forma, variações que o espírito e o ouvido habituados a essa forma podem perceber. Mas a originalidade, quando se torna a única — ou a mai s louv ada — vi rtud e da poe sia , po de deixar por completo de ser uma virtude; c quando diversos poetas, e seus respectivos grupos de admiradores, deixarem de ter em comum quaisquer padrões de versificação, qualquer identidade de gosto e de dogmas em que acreditar, a crítica poderá detenorar-se
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III fares the land, to hastening ills a prey, Where wealth accumulates, and men decay. 40 Fiz essa digressão por que não creio que Joh nso n revele gran de po de r de co nstruç ão em seus po em as e po rq ue nã o ac re di to que ele reconheça a importância de considerar a estrutura na avaliação de um poema. Passo agora a rever aquelas propriedades de um bo m poem a que Joh nso n ilustra em seus próprios versos e, sobretudo, recomenda nos dos outros. Johnson atribuía importância à originalidade. Originalidade é uma dessas numerosas palavras cujo significado pode se alterar de geração para geração, e devemos nos prevenir cm relação ao que Johns on quer dizer com cia. Seu pr óprio emp rego em todo o mundo está ilustrado pela seguinte passagem tomada
à sua Life of Thomson·. "Como escritor, Thomson merece um elogio da mais alta espécie: sua maneira de pensar, e de expressar o que pensa, é original. Seu verso branco não é mais o verso branco de Milton, 39. Famoso poema do escritor inglês Oliver Goldsmi th, public ado cm 1770 É um poema melancólico e sentimental que denuncia a explorarão do aldeào pelo aristocrata e o êxodo rural causado em parte pelo sistema de latifúndio que favorecia os abusos da grande propriedade. Ver tambem nota 20 a "As três vozes da poesia". (N.T.) 40. ' Perra infel iz, vítima de desgraças que se acel eram . / On de a rique za se acumula e os homens degeneram." (N.T.)
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41. Prior, Matthew. Poeta inglês (Wim borne Minster, East Dorset. 1664 Wim po le . Ca mb ri dg es hi re , 1721 ). Di sc íp ul o e èm ul o de Pop e, escr eveu versos dc socie dad e mui to esi miado s na epoca. Sua princ ipal obra é Poems on several occasions (1709). (N T.)
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até o nível de uma proclamação de preferencia. A originalidade que Johnson sanciona é uma originalidade limitada pelas outras qualidades que ele exige. Johnson atribuía importância à edificação. Esse termo tornou-se objeto de zombaria, embora o que signifique possa ser algo de que jamais conseguimos escapar. Que a poesia deva pr op or ci on ar sabe do ri a ou inculc ar vi rt ud es pa re ce à maio ri a das pessoas um valor absolutamente secundário, ou mesmo estranho; a alguns, inclusive, parece até mesmo incompatível com a verdadeira função da poesia. Mas, em primeiro lugar, devemos observar que Joh nso n, qu an do seu senso crítico é aguçado, jamais se permite superestimar um poema unicamente sob o pretexto de que este inclua um ensinamento moral. Ele sustentava que um poema deveria ser interessante c que proporcionaria prazer imediato. Na verdade, julgo que ele superestime esse requisito quando, em sua life of Cowley, diz: "Todo aquele que proclama ser útil porque agrada deve agradar de imediato. Os prazeres do espírito implicam algo dc súbito c inesperado; aquilo que eleva deve também surpreender. O que se percebe lenta e gradativamente pode nos gratificar com a consciência do aperfeiçoamento, mas jamais nos sur pr ee nd er á co m o se nt id o do pr az er . Concordo que um poema que não cause nenhuma impressão imediata, que de algum modo não desperte a nossa atenção, pr ov av el me nt e nã o provocar á de po is n e n h u m f rémit o de pr azer. Mas John son não me parece admi tir a possi bili dade de qualquer desenvolvimento ou expansão do prazer, nem da gradual percepção de novas belezas, em seguida a um conhecimento mais profundo; e nem consente em um amadurecimento do leitor e no desenvolvimento de sua sensibilidade por meio de uma experiência mais profunda e um conhecimento mais abrangente. Todavia, não fiz a citação acima com o objetivo de manifestar meu desacordo, mas para indicar quão estritamente o prazer e a edificação se encontram associados no espírito de Joh nso n. Ele fala de " to do aque le que pro clam a ser útil porque agrada", e diz "que aquilo que eleva deve tam bé m su r pr ee nde r". A ed if ic aç ão nã o co ns ti tu i um acré scim o que se possa separar de um poema, pois é organicamente essencial a este. Não temos duas experiências, uma dc prazer e outra
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de edificação: trata-se de uma única experiência cujos elemen-
tos constituintes analisamos. Ao julgar a permanência dos princípios de um crítico pertencente a uma época de fato distinta da nossa, devemos constantemente reinterpretar sua linguagem de acordo com a nossa pr óp ri a si tu ação . No se nt id o mais ge nera li za do, su po nh o qu e a "edificação" signifique apenas que da boa poesia, e com certeza da grande poesia, devemos extrair não só algum proveito, mas também um prazer. Se identificarmos a "edificação" com a prop aga ção das idéias mora is da época de Joh nso n — idéias que os cristãos podem sustentar ter sido maculadas pelo deísmo, e que outros podem considerar bastante cristãs —, não conseguiremos perceber que foram apenas as nossas noções de edificação que mudaram. Quando Matthew Arnold disse que a poesia era uma crítica da vida, 12 estava mantendo o padrão da edificação. Até mesmo a teoria "da arte pela arte" constitui apenas uma variante sob a forma dc um protesto; c em nossa época, a defesa da poesia como substitutivo da religião — e a tentativa, nem sempre bem-succdida ou benéfica à poesia, dc exprimir ou impor uma filosofia social em verso — revela que é some nte o cont eúdo da "edifi cação que se transforma. Se, portanto, conferirmos à "edificação" toda a elasticidade que o termo comporta, este, ao que parece, se reduzirá à afirmação de que a poesia deveria ter algum valor sério para o leitor: trata-se de uma proposição que não se poderá negar e que, por conseguinte, não vale absolutamente a pena afirmar. Noss a únic a discordân cia será qu an to à espé cie de co nt eú do que consideramos edificantes. Nossa dificuldade real em relação aos conceitos de John son são antes de outra or dem. Distinguimos mais claramente entre a intenção consciente do escritor e o resultado de sua obra. Desconfiamos do verso em que o autor bus ca de li be ra da me nt e in struir ou persua dir, fai dis tinçã o não constitui um daqueles l u g a r e s - c o m u n s do pensamento de Johnson. Entretanto, suponho, ele está de fato preocupado com a moralidade do poema, e não com os desígnios morais do poeta. 42 "Po etr y is a criticism oi life": frase que se tornou celebre desde que o crítico e ensaísta inglês Matt hew Arnold (Lai eham. 1822 Londres, 1888) a adotou como o próprio fundamento de sua atitude crítica, como se pode ver em seus Essays m criticism (2 vols.. 1865-1888). (N.T.)
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Bossu e é da opin ião diz Jo hns on na Life of Milton, "dc que a primeira tarefa do poeta é descobrir uma moral, que sua fábula ilustrará e, logo em seguida, estabelecerá. Esse par ece ter sido o ún ic o pro cesso dc Mi lt on ; a mo ra l de ou tr os po em as é in ci de nt al e co ns eq üe nt e; so men te em Mi lt on ela é essencial e intrínseca." Considero verdadeiro esse julgamento sobre Milton, embora se Johnson tivesse conhecido Dante melhor, talvez não houvesse tomado Milton como exemplo único. Isso parece confirmar, todavia, qu e aquilo que interessa a Joh nso n é antes o poder edificante do poema do que a deliberada intenção do poeta. Somos todos, naturalmente, segundo nosso grau de atração, influenciados por qualquer obra de arte em particular graças à nossa simpatia ou antipatia para com as ideias e a personalidade do autor. Hmpenhamo-nos, e em nossa época cumpre que o façamos, em descartar essa atração ou repulsa para chegarmos a uma justa avaliarão do mérito artístico. Sc vivêssemos, como Joh nso n, nu ma época dc relativa unid ade e de hipóte ses geralmente aceitas, deveríamos provavelmente estar menos interessados em fazer esse esforço. Se estivéssemos de acordo com a natureza do mundo em que vivemos, com o lugar que nele cabe ao homem e com seu destino; se estivéssemos de acordo com o significado que atribuímos à sabedoria, à qualidade dc vida para o indivíduo e a sociedade, deveríamos aplicar julgament os morais à poesia com a mesm a segurança de Joh nso n. Mas numa época em que não encontramos sequer dois escritores que precisem estar de acordo seja lá com o que for, numa época em que necessitamos constantemente admitir que um po et a com um a co ncep ção de vida qu e ju lg am os est ar eq ui vo cada pode escrever uma poesia muito superior à daqueles cuja concepção coincidc com a nossa, somos obrigados a fazer essa abstração; c, ao fazê-la, caímos na tentação dc ignorar por com pl et o, com re sult ados des ast rosos, o valor mo ra l da poesia . Dc modo que, com respeito à concepção de vida de um poeta, inclinamo-nos a perguntar, não "é verdadeiro?", mas "é origi43. Bossu, René Le. Crítico francês (1631-1680). autor dc um Traité du poème e'pique que Boilcau muitíssimo estimava. Esquecido na França, é ainda lembrado pel os esc rit ore s ing les es, so br et ud o os qu e viv era m nos se'c ulos XVII e XV III (N .T .)
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nal?" E essa é uma das teses sustentadas nessa discussão sobre a crítica de Jo hn son : a de que ele se encontrava n uma posição, como nenhum crítico de idêntica estatura desde então o esteve, para escre ver crítica pu ra me nt e literária. apenas porque foi capaz dc admitir que havia uma atitude geral para com a vida, e uma opinião comum quanto ao lugar que nela ocuparia a poesia. Volto agora ao emprego que Johnson fazia da expressão
dicção poética [poetic diction). Para a maioria das pessoas dc hoje, imagin o que dicção poética" signifique uma linguagem e uma escolha de palavras que estão em desuso, e que talvez jamais fo ra m mui to boas no qu e ti nh am de me lh or . Se fo rm os tolerantes, entenderemos o uso dc uma linguagem e um voca bu lá ri o to ma do s de em pr és ti mo aos poe tas de um a ger açã o, linguagem c vocabulário diferentes como não mais adequados à poesi a. Se fo rm os rig orosos, en te nd er em os qu e essa li ngua gem c vocabulário foram sempre ruins, mesmo quando eram novos. Wordsworth, cm seu Prefácio, diz: 1 encontrar-se-á tambem nesses volumes um pouco daquilo a que chamamos de dicção poét ic a ". Jo hn so n em pr eg a o te rm o nu m sent id o laud ator io . Na Life of Dryden ele observa: "Não havia, portanto, na época de Dryden nenhuma dicção poética, nenhum sistema dc palavras que estivessem, por sua vez, purificadas da aspereza de termos apropriados a determinadas artes. Palavras demasiado familiares, ou excessivamente remotas, não servem ao propósito de um poeta. Os sons que percebemos cm ocasiões triviais ou grosseira s não nos t ransmi tem facilme nte impressões fortes, ou imagens deleitáveis; e as palavras que são para nós quase estranhas, sempre que ocorrem, despertam sobre si a atenção que deveriam despertar sobre as coisas". É preciso ter em mente, com relação ao vocabulário e à construção, o que tentei expor acima dc maneira mais geral: que a noção da língua como algo permanentemente em mutação não cons tit ui a únic a a causar impressão na época dc Joh nso n. Recuando no passado cerca dc dois séculos, ele constatou tanto na língua quanto nos costumes um contínuo aperfeiçoamento. Até onde ele pôde observar, esse aperfeiçoamento não o decepcio nou , ma s Joh nso n não tin ha nem a consciência dc que algo se perdera, nem a percepção das inevitáveis mudanças que estavam por vir. O próprio Wordsworth não revela tampouco
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nen hum a consciência mais agud a do que Joh nso n da constância com que a língua deve mudar: o que ele julgara ter estabelecido era um retorno a uma dicção de simplicidade popular e de pureza rural. Wordsworth estava certo ao perceber que a língua literária não devia perder contato com a linguagem falada, mas seu padrão de dicção poética correta era tão relativo quanto o dc Joh nso n. Nós, pel o contrá rio, dev eríamo s ser capazes de reconhecer que caberia haver, para todo período, algum padrão de correta dicção poética que não fosse nem idêntico ao da língua corrente nem dela muito distante; e cumpre admitir que a dicção poética correta, daqui a meio século, não será a mesma que hoje se reconhece. O que quero dizer é que o vocabulário, a linguagem c as normas gramaticais da poesia não podem ser idênticos aos da prosa. No que toca à escolha das palavras, a restrição de John son pe rman ece verdadeir a: a de que os 4 sons que percebemos em ocasiões triviais ou grosseiras" devem ser evitados, exceto, devo acrescentar, quando o propósito do poeta é apresentar algo de trivial ou de grosseiro; e a de que 4as palavras que são para nós quase estranhas, sempre que ocorrem, despertam sobre si a atenção que deveriam despertar sobre as coisas", exceto, acrescentaria eu, quando a palavra é a única capaz de designar essa coisa, ou quando o objetivo do poeta é despertar a atenção sobre a palavra.
viai s" ou grosseira s' , nos parece m digna s de ser celebrada s em verso. Os preceitos de Johnson sobre dicção poética continuam sólidos, mas temos de utilizar nosso próprio engenho quando os aplicarmos. Qu e John son alertou para o vício do maneirismo, atesta-o uma outra passagem da Life ofDryden, uma passagem que deveria ser profundamente considerada por qualquer um que aspire a escrever bons versos: Aquele que escreve cm demasia dificilmente escapará ao maneirismo, ou seja, um retorno a determinados modismos como facilmente se pode observar. Dryden é sempre um outro e o mesmo\ ele não revela, numa segunda vez, as mesmas elegâncias dentro da mesma forma, nem parece praticar nenhuma outra arte que não seja a de expressar com clareza o que pensa vigorosamente. Seu estilo não podia ser imitado com facilidade, nem séria nem ludicamente, pois, como ele sempre foi idêntico a si mesmo, e sempre variado, não há nenhuma característica pr edo mina nte ou di st in tiv a" . Desejo chamar atenção especial para esse problema da dicção poética, porque se trata dc um padrão essencial da crítica de Johnson e porque considero que a ausência dc qualquer pa dr ão com um dc dicção poé ti ca con stit ui um a fr aq ue za ta nt o do verso moderno quanto da crítica que dele fazemos. E deliberadamente cuidei dessa questão antes de abordar seu padrão de edificação. Que a poesia, quando ilustra alguma verdade ou inculca alguma prática virtuosa, seja mais digna de ser louvada do que no caso contrário, e que a poesia que recomenda ou insinua maus princípios, ou induza ao erro, deva ser condenada, de mon str a-o , de maneira cabal, o trat ament o que Johnson dispensa aos autores de que se ocupa. Todavia, ao elogiar os Pleasures of imagination, de Akens ide, disse ele: Nada tenho a ver com os princípios filosóficos ou religiosos do autor; meu problema é com sua poesia". Johnson não confundia seu ju lga me nt o sobr e o qu e um auto r estava di ze nd o com seu julgamento sobre a maneira como ele o dizia. Ora, observo as vezes na crítica contemporânea dc poesia e nas mais ambiciosas abordagens à poesia que hoje se escrevem uma confusão entre esses julgamentos. O padrão de edificação esgalhou-se numa variedade de preconceitos; mesmo que não haja nenhuma opi-
Criticar a dicção poética da poesia do século XVIII é uma coisa; criticar uma teoria sobre a dicção poética desse mesmo século é outra. Devemos nos lembrar de que se não se admite nen hum a dicção poética não dispomos de nen hum padrã o par a cri ticar o bo m c o ma u te xt o po ét ic o; ne ga r que nã o há nenhum estilo comum correto é tão perigoso quanto insistir em que o estilo poético dc nossa época deveria ser o mesmo que o do século XIX. Nosso moderno vocabulário abriga muitas palavras comparativamente novas que poderiam soar como bárb ar as aos ouvi dos dc J oh ns on . Pas sam os a in ve nt ar , a des co brir , a mo de la r e a teor iz ar num ri tm o de sc on he ci do a qu al quer época anterior, c cada nova palavra se consolida muito mais rapidamente. Nenhuma palavra é demasiado nova, se for a única que atende a um propósito; nenhuma palavra é demasiado arcaica, se for a única que atende também a um propósito. E muit as ocasiões, que para John son p oderia m parecer 4 4 tri-
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nião comum sobre aquilo que a poesia teria o dever de ensinar, o crítico não está necessariamente liberado de julgamento moral, mas amiúde considerará um poema bom ou ruim segundo seja este simpático ou antipático do ponto de vista do autor. Não raro. o conhecimento do crítico sobre os conceitos do autor será adquirido graças a outras fontes que determinado poema oferece à sua crítica, e essas fontes influenciarão seu julgamento do poema. E quanto às questões de saber se um poema é bem ou mal escrito, se podia ser melhorado, se as cadências são musicais, se a escolha das palavra s é fast idi osa ou li te rá ri a" , se as imagens são felizes e estão adequadamente distribuídas, se a sintaxe é correta e as transgressões à estrutura normativa estão ju stif ic adas, são elas evit adas co mo se deix assem aq ue le que as coloca exposto à suspeita de pedantismo. O resultado é quase sempre um comentário que não tem nenhum valor para o autor, a não ser que, quando favorável, possa constituir uma boa pu bl ic id ad e — co mo um a crí tic a de proce sso s el ei to ra is , pela qual os críticos classificam a si mesmos contra ou a favor de determinado poeta. Que não haja em nossos dias nenhum padrão definido de gosto na poesia é em parte o resultado das condições da sociedade e das origens históricas, que estão além de nosso controle e de nossa responsabilidade. O melhor, talvez, que podemos fazer, e que merece ser feito, é aprender a reconhecer os benefícios, para o escritor e para o crítico, do estilo comum na poesia. Somente quando de fato se reconhece um estilo comum, do qual o poeta não pode se afastar sem o risco de ser censurado, é que a expressão "di cçã o poéti ca' pod e adqu iri r um significado que não seja pejorativo. Quando tais padrões relativos a um estilo comum existem, o autor que visa alcançar a originalidade é levado a preocupar-se com as mais sutis nuanças que lhe poderia atribuir. Ser original dentro de limites definidos de propriedade pode requerer maior talento e esforço do que quando cada autor pode escrever da maneira que lhe apraz, e quando dele se espera, acima de tudo, que seja diferente dos demais. Ser obrigado a trabalhar sob as mais sutis nuanças é o mesmo que ser compelido a lutar em favor da precisão e da clareza: boa parte do que se condena como obstinado hermetismo por parte dos escritores modernos deve-se à
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falta de qualquer estilo comum e à conseqüente dificuldade dc comunica ção, l ais condições tam bém favorecem o florescime nt o daqui lo em qu e o próprio verso dc John son, no que ele tem dc melhor, se revela notável: a eloqüência. A eloqüência é uma virtude que está associada à grande oratória; deveríamos distingui-la de um tipo inferior, c muito mais comum, o da oratória política, através do teste relativo ao efeito que ela pode exercer sobre a razão c a sensibilidade, e de sua recusa quanto à possibilidade de recorrer às mais grosseiras e inflamáveis paixões. A eloqüência é o aguilhão que pode instigar as emoções dos espíritos inteligentes e criteriosos. Mas, no âmbito poético, não se pode dizer que seja eloqüente, no sentido em que utilizo a palavra, toda a poesia que dela se originou. A poesia só se torna eloqüente quando o poeta recorre às emoções que os espíritos inteligentes e criteriosos podem experimentar juntos — cm ou tr as pal avras, quand o o po et a se diri ge não a um leitor isolado, mas a uma platéia. Não se trata de uma virtude poét ic a univer sal; é efi caz em al gu ns casos, mas inc ompat íve l com a materialização de alguns outros desígnios. Porém a maioria dos grandes poetas dela se valeu em alguma ocasião. Ela está rela ciona da àque la força peculiar da poesia de Joh nson e de Goldsmith, como, antes deles, das de Dryden e de Pope, que posso definir dizendo que cada palavra e cada epíteto nela se dirigem diretamente às suas metas. Em compensação, muitos dos poetas que se seguiram recorreram às palavras mais por amor aos efeitos harmoniosos, às associações e ao poder indefinido das sugestões. Os maiores poetas fizeram muito isso, e cumpre admitir que poderemos nos enganar se concedermos atenção exclusiva a uma categoria de palavras ou a outra. Na Life of Pope, Johnson define, tal como a poesia dc Pope as ilustra, as três qualidades que constituem o gênio poético. Diz ele, significativamente, que Pope tem essas três qualidades "em proporções muito harmoniosamente ajustadas umas às outras" — o que é uma advertência sadia de que não se trata de qualidades isoladas, mas de qualidades que estão relacionadas entre si e por meio das quais devemos julgar um poeta —, e que, na verdade, o equilíbrio de sua proporção é em si a qualidade final. Ele escreve o seguinte:
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"Ele tinha invenção [invention), graças à qual sc constituíam novos encadeamentos de fatos, e se produziam novos cenários imagísticos, como em The rape of the lock , e pela qual ornamentos e ilustrações extrínsecos c adventícios cram associados a um assunto conhecido, como no Essay on criticism. Ele tinha imaginação [imaginationque exerce uma poderosa influência sobre o espírito do escritor, permitindo-lhe transmitir ao leitor as diversas formas da natureza, os incidentes da vida e as energias da paixão, como em sua Eloisa, em Windsor
ginação [imagination] que considero difícil aplicá-la na prática. As mudanças no significado das palavras, e as flutuações da ênfase que nelas se coloca, fazem parte da história da nossa civilização. Um crítico contemporâneo, comprometido com a mesma tarefa dc análise, chegaria a uma conclusão mais complicada, que seria provavelmente influenciada pelo estudo das ciências dc desenvolvimento mais recente. A conclusão moderna estaria mais dc acordo com nosso equipamento mental, mas não seria necessariamente mais verdadeira por essa razão; devido à insta bi li da de das ciê nci as das qu ai s ela poderi a se orig inar , seria até possí vel qu e fosse an te s levada a se des gar rar da qu il o qu e é o verdadeiro propósito de tais discriminações, a saber: a ajuda que elas proporcionam no sentido de discernir os méritos e os defeitos dc determinados poemas. As conclusões de Dryden e de Jo hn so n — p or que esses críticos estavam interessados na literatura enquanto tal, e não em psicologia ou sociologia, c devido a sua extrema simplicidade — têm uma utilidade duradoura. O interesse particular de uma variante de Johnso n reside, creio
forest e nas Ethic epistles. Ele tinha julgamento [judgement J, que seleciona da vida ou da natureza aquilo que exige o propósito presente e que, ao isolar a essência das coisas de suas qualidades concomitantes, torna amiúde a ficção mais poderosa do que a realidade; e tinha as cores da língua sempre à sua disposição, prontas para ornamentar seu assunto com toda a graça da expressão elegante, como nos casos em que adapta sua dicção à maravilhosa multiplicidade dos sentimentos c das descrições de Hom ero . Os perigos de tentar catalogar as faculdades do poeta são de duas espécies. Essas denominações podem separar faculdades que somente se enco ntr am juntas e pode m elas ser consideradas muito seriamente, como uma verdade psicológica ou filosófica final, quando sc tornam apenas análises de validade pr ag má ti ca, a ser em tr at ad as co m bas e em su a ut ili da de qua ndo nos ajudam a ponderar os méritos de determinados poetas. E pr ud en te não ap en as esc olh er um jo go dc de fi ni çõ es qu e me lh or nos convenha, ou admitir que o mais exato é o mais reccnte, mas também cotejar todas aquelas que provenham de respeitáveis autoridades de diferentes épocas. Percebemos que elas têm muito em comum. Johnson acompanha Dryden no emprego do termo invenção (invention), pois o situa ao lado da imagina
ção [imagination], enquanto Dryden tornara a invenção \inven tion] uma espécie de imaginação {imagination], juntamente com a fantasia [fancy] e a elocução {elocution]', Johnson não emprega a elocução [elocution), mas introduz o julgamento [judgement ]. Coleridge se concentra na imaginação [imagina Hon], na qual descobre profundezas de significado insuspeito seja de Dryden , seja de Joh nso n; e sube stim a a fant asia , estabelecendo uma distinção tão sutil entre a fantasia [fancy] e a ima-
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eu, no uso que ele fez do termo julgamento {judgement ). indício dc suma importância da faculdade crítica que se encontra na composição criadora. Na época at ua l, o poet a (cu gostar ia qu e se comp re endesse que falo em termos gerais, sem aludir a esse ou àquele nome) parece propor-se como objetivo principal, entendido como o mais característico de sua arte, novas e surpreendentes imagens, com episódios que interessem às emoções ou excitem a curiosidade. Tanto suas personagens quanto suas descrições são, na medida do possível, específicas e individuais, até que se reduzam apenas a retratos. Em sua dicção e sua métrica, por outro lado, ele se mostra relativamente desleixado." Essas palavras não são minhas, mas de Coleridge, poderiam elas, com extrema pertinência, ser aplicadas aos tempos de hoje; por ou tro la do, o pr in cí pi o aq ui ma nt id o é um da quel es qu e, estou certo, Johnson aprovaria. De modo semelhante, as observações de Coleridge sobre dicção poética, quando comparadas com as dc Joh nso n, revelam um a concordância fund amen tal no que se refere à diferença entre o uso da língua em verso e sua utilização na prosa. Numa época como a nossa, carente de pa dr õe s co mu ns , os po et as preci sam se le mb ra r eles pró pri os
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de que não basta confiar naqueles dons que lhes são inatos, e que cada um deles exerce com naturalidade, mas de que a boa poe sia deve rev elar div ers as qu al ida de s de pr op or çã o, das qu ai s uma é o bom senso. Eles deveriam também utilizar seu julgamento para descobrir por si mesmos as matrizes de sua própria força e fraqueza, a fim de refrear a exuberância de sua força e de evitar ocasiões em que se revelaria apenas sua fraqueza. Recordo-me de que certa vez uma famosa tenista me disse que jog ava me lh or qu ando se mo st ra va nat uralmen te tra ça em determinados golpes, pois o esforço para superar sua deficiência — e a ma no br a de st in ad a a deix á- la me no s vu ln er áv el — aumentavam consideravelmente suas fontes de energia. Há aqui alguma coisa sobre a qual os poetas poderiam refletir. Uma avaliação exaustiva da crítica de Jo hns on exigiria, em pr im ei ro lu ga r, um es tud o do co nt ex to gera l do século XV II I; em segundo lugar, um estud o sobre o próprio Joh nso n, não como objeto de anedota, mas no que se refere às suas outras obras, e à luz de suas opin iõe s religiosas e polít icas; e, finalmente, um estudo muito mais detalhado de sua crítica sobre os maiores poetas que ele examinou, como Shakespeare, Milton, Dryden, Pope ou Gray. Seria mais uma tarefa de mestre-escola do que de professor. Quero apenas sugerir ao estudioso da poesia e da crítica de poesia ingleses que aqui está um assunto que merece muito mais investigação séria do que até agora lhe concederam. E, para concluir, desejaria resumir aquelas questões que me parecem ter particular importância para a crítica de poe sia de noss a pr óp ri a ép oc a. Em primeiro lugar, é espantoso que The lives o j the poets de Johnson seja a única coletânea mon ume nta l de estu dos críticos sobre poetas de língua inglesa, com uma coerência e uma amplitude que nenhuma outra crítica inglesa pode reivindicar. Cabe aqui perguntarmos por que não se escreveu depois nenhuma obra dc crítica do mesmo gênero. A crítica do século XIX, quando não pertence primordialmente à categoria das pes quisas er ud it as , à ap re se nt aç ão de fa to s que se pode m afirmar sobre um ou outro autor, tendem a configurar-se como algo que foi menos estritamente literário. Com Coleridge, a crítica mergulha na filosofia e numa teoria dc estética; com Arnold, ela submerge na ética e na propedêutica, e a literatura
se torna um meio para a formação do caráter; cm alguns críticos, dos quais Pater 44 é um exemplo, a temática da crítica se converte num pretexto de outra espécie. Em nossos próprios dias é bastante visível a influência da psicologia e da sociologia sobre a crítica literária. Por outro lado, essas influências das ciências sociais ampliaram o campo da crítica e consolidaram — num mundo que, ao contrário, está inclinado a relegar a importância da literatura — as relações da literatura com a vida. Mas de outro ponto de vista, esse enriquecimento tem sido também um empobrecimento, pois os valores estritamente literários, a apreciação do bom texto pelo próprio amor a esse texto, desaparecem quando a literatura é julgada à luz dc outras considerações. O fato de que as coisas sejam assim não deve ser atribuído nem à aprovação nem ao descrédito de determinados críticos. O que ocorre simplesmente é que as condições sob as quais a literatura é julgada apenas c naturalmente como literatura, e não como outra coisa, não existem mais. Para que esse julgamento da literatura seja a tarefa normal e natural do crííico, é necessário que haja um público definido e limitado ao qual pe rt en ça um gr up o ai nd a me no r de pessoas de gosto e dc discernimento, com as mesmas características de educação e de costumes. E preciso que seja uma sociedade que acredite em si mesma, uma sociedade cm que as diferenças de conceitos religiosos e políticos não sejam extremas. Somente numa sociedade desse tipo é que os padrões de um estilo comum podem tornarse sólidos c inquestionáveis. Essa é a espécie dc sociedade para a qual Johnson escreveu. E uma das provas da transformação da sociedade, acelerada em nossa própria época, uma transformação que traz inevitavelmente uma mudança na consciência da própria crítica literária, é que, ao tentar explicar a mim mes mo e à mi nh a platéi a o singul ar interesse da crítica de Joh nson, vejo-me obrigado a adotar um ponto de vista muito distinto do dele e a introduzir a sugestão de um contexto social que se tornou a necessária preocupação do crítico. 44. P ater, Wa lte r Horáci o. Crítico c ensaísta inglês (Shadwcll , 1839 - Oxford, 1894). Sua obra principal são os Studies i n the history of the Renaissance ( 1873). em que o autor lança os valores estéticos da Renascença. O estcticismo amoralista de Paicr, que exerceu forte influência sobre Wilde, pode ser visto ainda em A p pre nation*, with an essay on style ( 1889). Plato andplatomsm (1893) e no romance filosófico Marius. the Epicurean (1885). (N.T.)
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A conclusão dc que uma obra comparável a The lives of
the*poets não pode ser escrita nos dias dc hoje não deveria nos induzir a colocar John son nos píncaros nem a lam entar o declínio de civilidade que torna essa crítica impossível, como tampouco deveria, por outro lado. nos incitar a definir tais ensaios como curiosidades que não tivessem nenhuma relação com os nossos problemas atuais. Seu primeiro mérito é um mérito que deveria ter para nós todo o estudo do passado, ou seja, o de que nos tornaria mais conscientes daquilo que somos, e de nossas próprias limitações, proporcionando-nos assim uma compreensão mais ampla do mundo em que agora vivemos. Seu mérito secundário é o de que, ao estudarmos esses poetas, e ao tentarmos assim compreender o ponto de vista dos autores que ele analisa, poderemos resgatar alguns dos critérios de julgamento que desapareceram da crítica de poesia. Não é preciso aceitar todos os juízos críticos de Johnson ou concordar com todas as suas opiniões para aprender essa lição. E nem deveremos superestimar a poesia daquele período ao qual os nomes de Dryde n e de John son p ode m servir de fronteira. Mas entre as variedades de caos nas quais hoje em dia nos encontramos imersos, uma é a do caos da língua, no qual não mais são visíveis nenhum padrão de escrita, e onde assistimos a uma crescente indiferença para com a etimologia e a história do uso das palavras. E precisamos constantemente nos lembrar de que a sobrevivência da língua é responsabilidade de nossos poetas e críticos.
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As circunstâncias dc uma grande parte da vida de Byron foram bem esclarecidas, ao longo destes últimos anos, por Sir Harold Nicholson- 1 e pelo Sr. QuennelJ, 3 os quais forneceram também interpretações concordantes que tornam mais inteligíveis para as atuais gerações o caráter de Byron. Nenhuma interpretação semelhante, todavia, foi apresentada em nossa época sobre o verso de Byron. Dentro e fora das universidades, Wordsworth, Coleridge, Shelley e Kcats tem sido discutidos de vários pontos dc vista; Byron c Scott foram deixados dc lado. Mas Byron, pelo menos, nos daria a impressão dc ser provavelmente o menos simpático a todos os críticos contemporâneos. Seria interessante, portanto, se pudéssemos dispor de meia dúzia de ensaios sobre ele para sabermos qual o índice de concordância a que poderíamos chegar. Este ensaio constitui uma tentativa para que isso se torne possível. 1. Texto publicado em From Ann io Victoria. coletânea de ensaios editada por Bonam y Dob rée , publi cada por Cassei & Co. . em 1937 (N A ) 2. Nicholson. Sir Harold. Biografo e crítico literário inglês (Teerã, 1886 — 1961). Editor literário de vários jornais ingleses, escreveu biografias de lennyson. Verlaine e Byron. (N.T.) 3. Quennell, Peter. Crítico c ensaísta ingles contemporâneo, autor de obras como Byron: the yean of fame (1935), Byron m Italy ( 1941 ) e Baudelaire ami the symbo listes (1929). (N.T.)
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Há várias dificuldades iniciais. É problemático voltar a um poeta cuja poesia despertou — suponho que em muitos de nossos contemporâneos, exceto aqueles que eram muito jovens para ter lido qualq uer poesia desse perí odo o prim eiro entusiasmo da juventude. Ouvir histórias da infância de alguém contadas por um parente mais velho é geralmente tedioso; uma volta, muitos anos depois, à poesia de Byron, faz-se acompanhar de uma melancolia semelhante: as imagens retornam à mente misturadas à lembrança de alguns versos no estilo cie Don Juan, matizadas pela desilusão e pelo cinismo somente possíveis aos dezesseis anos, versos que poderiam estar publicados num jornal de colégio. Há obstáculos mais impessoais a superar. A massa da poesia de Byrgn é deprimente em relação à sua qualidade; alguém poderia supor que ele jamais destruiu nada do que escreveu. Todavia, essa massa é inevitável num poeta do tipo de Byron, e a ausência de um elemento destruidor em seus poemas indica a espécie de interesse, e a espécie de falta de interesse, que ele teve em poesia. Nossa opinião é deque a poesia deve ser algo de muito concentrado, algo decantado, mas se Byron tivesse decantado seus versos, nada teria restado. Quando percebemos exatamente o que ele fazia, concluímos que o. fez da melhor maneira que poderia ter feito. No que se refere à maioria de seus poemas mais curtos, sentese que ele fazia algo que Tom Moore poderia fazer tão bem ou melhor; em seus poemas mais extensos, ele realizou algo que ninguém jamais conseguiu igualar. E às vezes desejável abordar a obra de um poeta inteiramente desacreditado através de uma via dc acesso pouco familiar. Sc a via de acesso que escolhi para chegar a Byron for uma estrada que só existe cm meu próprio espírito, serei corrigido por outros críticos: ela pode, de qualquer modo, frustrar os preconceitos c encorajar uma nova opinião a ser formada. Sugiro, por conseguinte, considerar Byron como um poeta escocês — eu disse escocês, e não de expressão escocesa, já que ele escreveu em inglês. O único poeta de sua época que se podia considerar capaz de rivalizar com ele, um poeta ao qual Byron se referia invariavelmente nos mais altos termos, era Sir Walter Scott. Sempre vi, ou imaginei ter visto, no busto dos dois poetas, uma certa semelhança no formato da cabeça. A compa-
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ração faz honra a Byron, mas sc vocês examinarem os dois rostos, não há mais nenhuma semelhança. Para qualquer um que gostasse dc ter bustos em sua casa, um busto de Scott seria algo com que se poderia conviver. Há um ar de nobreza que circunda essa cabeça, um ar de magnanimidade, uma espécie dc serenidade interior e talvez inconsciente que pertence àqueles grand es escritores que são també m grandes homens Mas Byron - esse rosto intum esc ido que sugere uma tendência à corpulência, essa boca fraca e sensual, essa banalidade inquieta da expressão e, pior do que tudo, esse olhar vazio da consciência da beleza —, o busto de Byron é o de um homem que, sob todos os aspectos, era um trágico ambulante. Entretanto, por ser um ator a tal po nto con sum ado é que Byron chegou a uma espécie de conhecimento do mundo exterior do qual era preciso que aprendesse alguma coisa para nele desempenhar o seu papel, e um conhecimento dessa parte de si mesmo que era o seu papel. Conhecimento superficial, é claro, mas tão apurado quanto poderia sê-lo. Falarei de uma virtude escocesa da poesia de Byron quando chegarmos ao Don Juan. Mas há uma parte mui to importante do composto byroniano que pode sem dúvida ser mencionada antes dc considerarmos sua poesia, para a qual suponho que sua ascendência escocesa forneceu a matéria. E seu singular diabolismo, seu prazer em posar como criatura condenada e em dar provas de sua danação de maneira quase sempre terrificante. Ora, o diabolismo de Byron é muito distinto daquele que a "agonia romântica", como a chama o Sr. Praz,·' produziu nos países católicos. E não julgo que seja fácil fazê-lo derivar do confortável compromisso entre o cristianismo e o paganismo a que se chegou na Inglaterra e que é caracteristicamente inglês. Ele só podia provir do contexto religioso de um povo embebido na teologia calvinista. O diabolismo byroniano, se na verdade merece esse nome, era de tipo compósito. Até certo ponto, cie compartilha da ati4· Praz, Mario. Crítico c ensaísta italiano (Roma. 1896), especialista do período romântico e de história da literatura inglesa. Escreveu sobre C h a u c e r . Donne c o teatro elisabetano. Suas obras principais são La carne, la morte e il diavolo noia letteratura romantica ( 1930), Stona della letteratura inglesa { 1937) e The romantic agony (1947), onde analisa o erotismo byroniano. (N.T.)
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rude promete ica de Shell. - e da paixão rom ântica p ela liberdade; e essa paixão, que inspirou seus mais românticos arroubos. se combinava à imagem de si mesmo como homem de ação capaz de trazer à tona a aventura grega. E sua atitude prometeica se confunde com uma atitude satânica (miltoniana). A concepção romântica que Milton tinha de Satã e semiprometéica, além de contemplar o Orgulho como virtude. Seria difícil dizer se Byron era um homem orgulhoso, ou um homem que gostava de se fazer de orgulhoso — a possibilidade de as duas atitudes estarem combinadas na mesma pessoa não as torna nem um pouco diferentes no plano abstrato. Byron era sem dúvida um homem vaidoso, de maneira absolutamente simples:
I can 7 complain. whose ancestors are there. Emets, Radulphus — eightand-forty manors (.If that my memory doth not greatly err) Were their reward for following Billy s banners. (...) s Seu sentido de danação estava também suavizado por um toque de irrealidade; para um homem tão ocupado consigo mesmo e com a personagem que interpretava, nada que pertencesse ao mundo exterior podia ser inteiramente real. E impossível, portanto, fazer de seu diabolismo algo coerente ou racional. Parece que ele era capaz de atuar de duas maneir as,, e de se considerar ao mesmo tempo um indivíduo isolado e superior aos outros homens por causa de seus próprios crimes, e uma criatura naturalmente boa e generosa, corrompida por crimes cometidos contra si pelos outros. E essa criatura inconseqüente que se torna o Giaour, o Corsário, Lara, Manfredo e Caim; somente como Don Juan é que ele se avizinha de sua própria verdade. Mas nessa estranha composição de atitudes e crenças o elemento que parece mais real e profundo é o da perversão da fé calvinista dos ancestrais de sua mãe. Uma das razões para o esquecimento de Byron, creio eu, é que ele foi admirado por suas mais ambiciosas tentativas de
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ser poético, e tais tentativas, após as examinarmos, se tornam fraudulentas: são apenas afirmações de lugar-comum sem nenhuma profundidade de significação. Um bom exemplo dessa impostura é a conhecidíssima estrofe do final do Canto XV do
Don Juan: Between two worlds life hovers like a star, Twixt night and morn, upon the horizon's verge. How h t tie do we know that which we are I How less what we may be! lhe eternal surge Of time and tide rolls on, and bears afar Our bubbles; as the old burst, new emerge, Lashed from the foam of ages; while the graves Of empire heave but like some passing waves. G São versos indignos até mesmo de uma revista colegial. A verdadeira excelência de Byron situa-se em outro nível. As qualidades do verso narrativo que se encontra em Don Juan não são menos notáveis nos contos anteriores. Antes de me ocupar deste ensaio, confesso que desde os tempos de meu entusiasmo escolar jamais relera esses contos, e deles me reaproximei com certa apreensão. Eles são legíveis. Por mais absurda que seja a concepção de vida neles expressa, tais contos são, como contos, muito bem contados. Como contador de histórias, cumpre-nos, na verdade, ter Byron em alta conta; considero que nenhum outro além de Chaucer possui maior legibilidade, com exceção de Coleridge, a quem Byron usou mal e çóm quem muito aprendeu. E Coleridge jamais realizou uma narrativa dessa extensão. Os enredos de Byron, caso mereçam ser assim considerados, são extremamente simples. O que torna os contos interessantes é, em primeiro lugar, uma fluência torrencial do verso e uma habilidade para fazê-lo variar aqui e ali, a fim de evitar a monotonia; e, em segundo lugar, um gênio para o devaneio. A digressão, na verdade, é uma das artes mais eficazes Entre dois mun dos a vida oscila, como uma estrela, / Entre a noite c a manhã , nas bordas do horizonte. / Quão pouco sabemos do que somos! / Menos ainda o que seremos! A vaga eterna / Do tempo e da morte rola sem cessar, e leva para longe / Nossas bolhas dc ar; e quando estouram as antigas, as novas se formam, ' Saídas da espuma dos séculos, enquanto as tumbas / Dos impérios se levantam, nias como vagas passageiras." (N.T.) 6.
5. "N ão posso quarenta e oito recompensa por liar de William
me queixar, cu, cujos ancestrais lá estão. / Erneis, Rad ulph us — solares / (Se minha memória não me traísse tanto) / Eoram sua ter seguido os estandartes de Billy (...)." Billy era o nome fami(Guilherme, o Leão), rei da Escócia entre 1165 e 1214. (N.T.)
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do contador de histórias. O efeito das digressões de Byron tem por objetivo nos manter interessados no próprio narrador, e, graças a esse interesse, interessar-nos ainda mais na história. Para os leitores de sua época, esse interesse deve ter sido muito forte do ponto de vista da magia encantatória, pois, ainda hoje em dia, se a ela nos submetermos a ponto de 1er um poema de cabo a rabo, o fascínio da personalidade de Byron é poderoso. Se citássemos alguns poucos versos, não importa, a rigor, diante de que platéia, eles provavelmente desencadeariam um acesso de momentânea hilaridade:
Her eye 's dark charm 'twere vain to tell. But gaze on that o) the Gazelle. It will assist thy fancy well; As large, as languis hingly dark.
But Soul beam'd forth in every spark (...),
mas o poema como um todo pode mobilizar a atenção de alguém. The Giaour* é um longo poema, mas seu enredo é muito simples, embora nem sempre fácil dc acompanhar. Um cristão, presumivelmente um grego, se empenhou, por alguns meios sobre os quais nada nos é dito, cm insinuar-se na intimidade de uma jovem que pertencia ao harém, ou que talvez fosse a esposa favorita de um muçulmano chamado Hassan. Na tentativa de escapar com seu amante cristão, Leila é recapturada c morta; no curso devido, o cristão, com alguns de seus amigos, embosca e mata Hassan. Descobrimos depois que a história dessa vingança — ou parte dela — é contada pelo próprio Giaour a um padre de meia-idade, sob a forma de confissão. E de uma espécie singular de confissão, pois o Giaour é tudo, menos penitente, e torna absolutamente claro que, embora seja ele pecador, não o é de fato por sua própria culpa. Ele parece antes impelido pelo mesmo motivo do Velho Marinheiro 9 do Seria inútil proclamar o encanto de seu olho negro, / Mas olha fixamente a pu pi la da Ga ze la . / Ela virá soc orr er a tu a fa nt as ia ; / Ai nd a q ue tã o va sta e tà o languidamente sombria. / A Alma fulgura em cada centelha (...)." (N.T.) 8. Publicado em 1813, o título comple to desse poem a e The Giaour ; a fragment of a Turkish tale. (N.T.) 9. Personagem central do poema de Coleridge, The ancient manner , que, corno castigo por um crime comeiido no mar (ele matou um albatroz), e' vítima dc um desejo irrefreável de contar a sua história (N. T.)
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que por qualquer desejo de· absolvição, que dificilmente lhe poderia ter sido concedida; mas o emprego do artifício acrescentava uma pequena complicação à história. Como já disse, não é absolutamente fácil descobrir o que aconteceu. O poema se inicia por uma longa apóstrofe à extinta glória da Grécia, tema a partir do qual Byron podia tecer variações com grande habilidade. O Giaour faz uma entrada dramática:
Who thundering comes on blackest steed\ With slackened bit and hoof of speed?10 E temos dele uma vaga aparição através de um olho muçulmano:
Though young and pale, that sallow front Is scathed by fiery p as s ton s brunt (...),11 que é o bastante para nos dizer que o Giaour é uma pessoa interessante, pois encarna, talvez, o próprio Lord Byron. Segue-se uma longa passagem sobre a desolação na casa de Hassan, habitada apenas pela aranha, o morcego, a coruja, o cachorro-domato e as ervas daninhas; deduzimos que o poeta omitiu a conclusão da história e que devemos esperar que o Giaour assassine Hassan, que é, obvia men te, o que ocorre. N em Joseph Conrad poderia ser mais perifrástico. Um embrulho cai então secretamente na água, e suspeitamos que seja o do corpo de Leila. Segue-se uma passagem reflexiva cm que o poeta medita, sucessivamente, sobre a Beleza, o Espírito e o Remorso. Leila volta de repente, viva, por um momento, mas isso nada mais é do que outro deslocamento na ordem dos acontecimentos. Testemunhamos então a surpreendente chegada de Hassan e seu séquito — isso pode ter ocorrido meses ou mesmo anos após a morte de Leila — surpreendidos pelo Giaour e seus bandidos, e não resta dúvida de que Hassan será assassinado: Fali'η Ha ssan lies — his unclosed eye Yet lowering on his enemy. (...) 12 10. "Q ue m chega com o clamor do trovão sobre o corcel mais negro, / O bridão afrouxado e os cascos apressados? ' (N.T.) 11. "Embora pálida e jovem, essa fronte amarelada / Está destruída pelos arrou bos da fog os a pa ix ão ( . . . ) . " (N .T . ) 12. "Hass an cai ao solo - seus olhos ainda abertos / Eitam ameaçadore s o inimigo (...).·' (N.T.)
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Ocorre então uma deliciosa mudança de métrica, bem como uma súbita transição, justamente no instante em que esta se faz necessária:
The browsing camels' bells are tinkling; His mother look d from her lattice high — She saw the Jews of eve besprinkling The pasture green beneath her eye, She saw the planets faintly twinkling: 4 'Tis twilight sure his train is nigh. n Segue-se uma exéquia para Hassan, pronunciada evidentemente por outro muçulmano. E eis que o Giaour reaparece, nove anos depois, num mosteiro, como ficamos sabendo por um dos monges que responde a uma pergunta sobre a identidade do visitante. Não se esclarece de que modo o Giaour se ligou ao mosteiro; os monges parecem tê-lo aceito sem reservas, e seu comportamento entre eles é muito estranho, mas somos informados de que ele doou ao mosteiro uma vultosa soma em dinheiro pelo privilégio de permanecer ali. O poema termina com a confissão do Giaour a um dos monges. Por que um grego daquela época teria ficado abatido pelo remorso (embora de todo impenitente) por assassinar um muçulmano num combate que teria considerado leal, ou por que Leila teria sido culpada de abandonar um marido ou senhor a que supostamente estava unida sem seu consentimento, são perguntas a que não podemos responder. Considerei alguns detalhes do Giaour para provar a extraordinária engenhosidade de Byron como contista. Nada existe de direto no relato de uma história simples; nada do que gostaríamos de saber é contado, e o comportamento dos protagonistas é às vezes tão inexplicável que suas razões e sentimentos são confusos. Todavia, o autor não apenas dela se afasta, como também dela se distancia enquanto nanativa. Trata-se do mesmo talento que Byron deveria ter utilizado melhor no Don Juan\ e a primeira razão pela qual Don Juan continua ainda legível é que o poema tem a mesma qualidade narrativa dos contos anteriores. 13. "Os camelos pastando fazem tilintar os guizos: / Sua mãe olha do alto da ja nel a Ela viu o or va lh o da no it e qu e um ed ec ia / O ve rd e pa st o so b os seu s olhos, / Viu os planetas que tihi amen te cintila vam: É o crepúsc ulo decert o o seu séquito está próximo'." (N.T.)
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Vale a pena observar, suponho, que Byron levou o conto em verso bem mais adiante do que Moore e Scott, se quisermos considerar sua popularidade como qualquer coisa mais densa do que o capricho do público ou o fascínio de uma personalidade habilmente explorada. Certamente, tais elementos contribuem para ela, mas, acima de tudo, os contos em verso de Byron representam um estágio mais amadurecido do que os de Moore. O Laila Rookh , desse último autor, é apenas uma seqüência de contos reunidos por um pesado relato em prosa das circunstâncias de sua narração, sem dúvida imitada de As mil e uma noites. Scott aperfeiçoou uma história em estilo direto com um tipo de enredo que ele utilizaria cm suas novelas. Byron combinou o exotismo com a realidade, e desenvolveu mais efetivamente o emprego do suspense. Suponho também que a versificação de Byron é a mais hábil possível, mas essa espécie de verso precisa ser lida em toda a sua extensão se se* pretende formar uma impressão, e seu mérito relativo não pode ser revelado por meio de citações. Identificar cada passagem tomada ao acaso como se fosse de Byron ou de Moore exigiria um conhecimento que está além da minha capacidade, mas suponho que quem quer que haja recentemente lido os contos de Byron concordaria que a seguinte passagem não pode ser de sua autoria:
And ohi to see the unbuned heaps On which the lonely moonlight sleeps — The very vultures turn away, And sicken at so foul a prey I Only the fierce hyaena stalks Throghout the city s desolate walks At midnight, and his carnage plies Woe to the half de ad wretch, who meets The glaring of those large blue eyes A mid the darkness of the streets!u 14. "E oh! ao ver os montur os insepul tos, / Sobre os quais o luoar dorme solitário / — Ate mesmo os abutres se afastam / De presa tão medonha que os nauseia 1 / Somen te a esquiva hiena pera mbul a I Pelas ruas desoladas da cidade A meianoite, e se lança à carniça / — Infeliz do miserável semimorto, que vc / O olhar faiscante daquelas grandes pupilas azuis / No coração das trevas que povoam as ruas." (N.T.)
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Isso é de Lalla Rookh, e foi assinalado como excepcional por algum leitor da Biblioteca de Londres. Childe Harold 15 parece-me inferior a esse grupo de poemas ( Th e Giaour, The bride of Abydos. The corsair, Lara etc.). De tempos em tempos, é verdade, Byron desperta um tíbio interesse graças a uma passagem brilhante, mas as passagens brilhantes de Byron jamais são suficientemente boas para torná-las o que delas se espera em Childe Harold:
dito pela arte instintiva graças à qual, num poema como Childe Harold , e ainda mais eficazmente cm Beppo ig ou em Don Juan,
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Stop! for thy tread is on an Empire s dust 16 é justamente o que se deseja para reviver o interesse nesse ponto, mas a estrofe que se segue, sobre a batalha de Waterloo, parece-me absolutamente falsa, e é de todo representativa da falsidade em que Byron se refugia toda vez que tenta escrever poesia:
Stop! for thy tread is on an Empire's dust! An Earthquake 's spoil is sepulchred below! Is the spot mark d with no colossal bust? Nor column trop hie d for triumphal show? None; but the moral's truth tells simpler so, As the ground was before. so let it be; — How that red rain hath made the harvest grow! And is this all the world has gained by thee, Thou first and last of fields! king making victory ? r h muito mais difícil, numa epoca que perdeu muito cedo a capacidade de apreciar as virtudes que podem ser encontradas na poesia de Byron, analisar com acuidade seus vícios e defeitos. E por isso que não queremos conceder a Byron o cré15. O Childe Harold's pilgrimage é um longo poema narrativo em catorze cantos, dos quais os dois primeiros foram publica dos em 1812 e o últim o em 1818 O po em a nar ra a pe re gr in aç ão de um he rói de se nc an ta do e sua s av en tu ra s am or os as pel a pe ní ns ul a Ibé ric a, a Gré ci a e a Al bâ ni a. (N . T .) 1
16. "Pára pois teu pé repousa sobre o pó de um império." (N T.) 1 7 • Pára· pois teu pé repous a sobre o pó de um unpéri o! / As ruína s de um cataclisma estão sepultas lá embaixo! / O sítio está assinalado por um busto colossal> Ou por uma gloriosa coluna em sinal de triunfo? / Nada; mas a verdadeira moral fala tao mais simpl esment e. / C omo antes era o solo, que assim perma nece / Como a chuva vermelha faz crescer a colheita! / E eis tud o o que o mu nd o rece beu de ti / l u. a pri me ir a e a úl ti ma ba ra lh a! Vit óri a ar tí fi ce de re is ?" (N T. )
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ele evita a monotonia ao transitar com habilidade de um assunto para outro. Ele tinha a virtude maior de jamais ser enfadonho. Mas, ao admitirmos a existência de virtudes esquecidas, reconhecemos ainda uma falsidade na maioria daquelas passagens que foram anteriormente mais admiradas. A que se deve essa falsidade? Qualquer que seja, na poesia de Byron, o elemento 4 'impróprio", estaríamos enganados se o chamássemos de retórico. Muitas coisas têm sido grupadas sob essa designação, e se nos dis pus ermo s a julgar o verso de Byron co mo retór ico", estaremos então constrangidos a evitar o emprego desse adjetivo a propósito de Milton e de Dryden, a propósito daqueles em relação aos quais (e sob formas muito distintas) parece que estamos dizendo algo que tenha sentido, quando aludimos a sua ''retòrica". Seus fracassos, quando eles fracassam, são de uma espécie mais comprometedora do que a dos êxitos de Byron, quando obtém êxito. Cada um deles tinha uma forma de se expressar acentuadamente pessoal, assim como um sentido da língua; na pior das hipóteses, eles tem um interesse pela palavra. Vocês podem reconhecê-los graças a um único verso, e podem dizer: eis aqui uma maneira particular de usar a língua. Não há uma individualidade desse gênero no verso de Byron. Se avaliarmos alguns versos isolados da passagem sobre a batalha de Waterloo no Childe Harold , os quais poderiam passar por "citações familiares' \ não po derem os dizer que algum deles seja grande poesia:
And all went merry as a marriage bell (...) On with the dance! let joy be unconfined. (...)
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Pode-se dizer de Byron, como de nenhum outro poeta inglês de sua estatura, que ele nada acrescentou à língua, nada descobriu 18. Beppo, a Venetian history . publi cado em 1818, é um poema em oitava-ri ma, em tom ligeiro e cáustico, ern que o autor satiriza a sociedade veneziana da época. (N. 1 ) 19. "E tudo seguia alegremente, como um carrilhão nupcial (...) / Continuai a dançar! Que a alegria não tenha fim (...)." Alusão ao famoso baile de Bruxelas, durante a noite que antecedeu a batalha de Waterloo. (N.T.)
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quer nas sonoridades, quer no significado das palavras, se as considerarmos de per si. Não consigo pensar cm nenhum poeta dc sua distinção que pudesse ter sido tão facilmente um consumado estrangeiro que escrevia em inglês. A pessoa comum fala inglês, mas somente algumas pessoas cm cada geração podem escrevê-lo; e dessa colaboração involuntária entre um grande número de pessoas que falam uma língua viva e algumas poucas que a escrevem é que depende a continuidade e a sobrevivência dessa língua. Assim como um artista que pode se exprimir magnificamente em inglês enquanto se dedita a sua obra ou se encontra num bar, e somente a duras penas é capaz de escrever uma carta numa língua morta que guarda certa semelhança com o artigo de fundo de um jornal, enfeitado com palavras como "redemo inho ou pand emòn io \ assim també m Byron escreve uma língua morta ou agonizante. Essa insensibilidade de Bvron para com o vocábulo inglês — a tal po nt o dc empregar um gr an de nú me ro de pala vras ant es que delas tom emo s consciên cia indica , para prop ósit os práticos, uma sensibilidade precária. Digo "para propósitos práticos" porque estou preocupado com a sensibilidade em sua poesia, e não com a sua vida privada, pois se um escritor não dispuser da língua em que expressa seus sentimentos, estes poderiam perfeitamente não existir. Não precisamos sequer comparar seu relato de Waterloo com o de Stendhal para sentirmos a falta de detalhes precisos, mas vale a pena assinalar que a sensibilidade de Stendhal, expressa em sua prosa, revela certos valores poéticos que Byron absolutamente não tem. Byron fez pela língua muito mais do que os redatores de artigos de fundo de nossos jornais fazem todos os dias. Julgo que esse malogro é muito mais importante do que a banalidade dc suas intermitentes divagações filosóficas. Todos os poetas exprimiram banalidades, todos disseram coisas que já haviam sido ditas. Não é a fragilidade das idéias, mas o domínio escolar da linguagem, que faz o seu verso nos parecer trivial, e seu pensamento, pouco profundo: Mais que Hugo aussi était dans tout ce peuple.™ As palavras de Péguy não deixam de flutuar cm meu espírito quando penso em Byron: 20.
E que Hugo tambem pertencia a toda essa ge nt e. " (N. T.)
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Non pas vers qui chantent dans la mémoire, mais vers qui dans la mémoire sonnent et retentissent comme une fan fare, vibrants, trépidants, sonnant comme une fanfare, sonnant comme une charge, tambour éternel, et qui battra dans les mémoires françaises longtemps après que le réglementaires tambours auront cessé de battre au front des régiments \21 Mas Byron não pertencia "a essa gente", nem à de Londres, nem à da Inglaterra, mas à gente de sua mãe, e a mais excitante estrofe de sua Waterloo é a seguinte:
And wild and high the 'Cameron s gathering ' rose! lhe war note of Lo chie I which Albyn's hills Have heard, and heard, too, have her Saxon foes; — How in the noon of night that pibroch thrills, Savage and shrill! But with the breath which fills Their mountain-pipe, so fill the mountaineers With the fierce native daring which instils The stirring memory of a thousand years, And Evan s, Donald's fame rings in each clansman s ears!22 Tudo concorria para fazer de Don Juan2 " o maior dos poemas de Byron. A estrofe que ele tomou de empréstimo aos poetas italianos permitia-lhe valorizar admiravelmente seus méritos e dissimular suas deficiências, do mesmo modo que sc sentia mais à vontade sobre um cavalo ou na água do que sobre seus pés. Seu ouvido era precário e capaz apenas de efeitos grosseiros; e em sua estrofe de ritmo lento, com seus finales habitual21. "N ão os versos que cantam na memó ria, mas os versos que ecoam e retumb am na memória como uma fanfarra, vibrantes, trepidantes, ecoando como uma fantarra, ecoando como um disparo, tambor eterno, c que pulsarão nas memórias francesas por longo tempo depois que os tambores regulamentares silenciarem à trente dos regimentos." (N.T.) 22. "Selvagem e altissonante, ergueu-se o grito das 'tropas dos Camarões'! / O grito de guerra de Lochiel. que as colinas de Albyn / Ouviram, e que ouviram tam bé m se us in im ig os sa xón ic os; / C om o no áp ic e da no it e essa pí br oq ue ma rci al reboa, / Aguda e selvática! Mas o sopro que insufla / Sua cornamusa insufla de tal modo os montanheses / Com a bravia audácia nativa que instila / A excitante lembrança de mil anos, / E a glória de Evan e de Donald ecoa nos ouvidos de cada homem do clã!" (N.T.) 23. O Don Juan é um poema heróico-cómico que constitui uma sátira brilhante e atrevida a maneira do século XVIII, talvez uma auto-ironia, ou uma visão sarcástica do herói do Childe Harold. Byron começou a escrevê-lo em 1819 e terminou-o
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mente femininos e ocasionalmente triplos,elc parece sempre nos advertir de que não está fazendo muito esforço e de que, não obstante, está produzindo algo de tão bom ou melhor do que os poetas solenes que consideram sua versificação mais seriamente. E, na verdade, Byron alcança o melhor de si quando não faz muito esforço para ser poético; quando tenta sê-lo em alguns versos, produz coisas como a estrofe que anteriormente citei e que começa assim:
cação deliberada, uma fabricação que só se completa com o texto dos últimos versos. A razão pela qual Byron compreendeu esse eu tão bem é ele que constitui sua própria invenção, e o poeta não compreendeu perfeitamente senão o eu que inventou. Sc não me engano, não se pode sentir piedade e horror senão diante do espetáculo dc um homem que consagra uma energia tão desmesurada e tanta pertinácia a um propósito inútil c insignii icantc; ao m esm o te mpo , con tudo , senti mos simpatia e humildade ao refletir que se trata dc um vício ao qual a maioria de nós se entrega de maneira indecisa e menos obstinada, o que vale dizer que Byron fazia da vocação aquilo que, para quase todos nós, constitui uma fraqueza momentânea, merecendo por isso uma certa admiração melancólica por seu êxito. Mas em Don Juan temos algo muito mais próximo de uma autênt ica au to-revela ção, pois Jua n, apesar das fulgurant es virtudes que Byron lhe atribui — de modo que cie pudesse manter seu nível junto à aristocracia inglesa —, não é uma personagem heróica. Nada há de absurdo na sua presença de espírito c coragem durante o naufrágio, nem nas suas proezas nas guerras otomanas; ele exibe uma espécie de coragem física e uma capacidade de heroísmo que estamos absolutamente dispostos a atribuir ao próprio Byron. Mas nos relatos de suas relações com as mulheres, ele nada faz para parecer heróico ou mesmo digno, e temos a impressão de que tais relatos incluem tanto um ingrediente autêntico quanto uma dose de simulação. É notável — e isso confirma, creio eu, o ponto dc vista sobre Byron sustentado pelo Sr. Peter Quennell — que, nesses episódios amorosos, Juan desempenhe sempre o papel passivo. Até mesmo Haidee, a despeito da inocência e da ignorância dessa flor da natureza, parece antes a sedutora do que a seduzida. Esse episódio é o mais longo c o mais cuidadosamente elaborado dentre todas as passagens amorosas, c julgo que ele mereça ser bastante ressaltado. É verdade que, após a iniciação que Juan recebera anteriorment e de D onn a Julia, so mente a custo nos tornaremos crédulos o bastante para acreditar na inocência que se lhe atribui com Haidee, mas isso não nos levaria a rejeitar a descrição como falsa. A inocência de Juan é apenas um substitutivo da passividade de Byron, e se a situarmos em
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Between two worlds life hovers like a star. Mas numa escala de intensidade menor, ele alcança uma surpreendente gama dc efeitos. Seu gênio para a digressão, que o afasta de seu assunto (usualmente para falar de si mesmo) e de súbito o traz de volta a este, atinge no Don Juan o ápice de sua força. O sarcasmo e a zombaria contínuos, que sua estrofe e seu modelo italiano encarregam-se de manter constantemente em seu espírito, atuam como um admirável antídoto contra o estilo bombástico que tende, nos relatos anteriores, a embrulhar o estômago do leitor; e sua sátira social ajuda-o a permanecer objetivo, além de revelar uma sinceridade que, se não é profunda, parece pelo menos plausível. O retrato que cie pinta de si mesmo chega a ser bem mais honesto do que tudo o que nos é dado a ver em suas primeiras obras. Vale a pena examinálo em certos detalhes. Charles Du Bos, em seu admirável Byron et le besoin de la fatalité^ cita uma longa passagem de Lara1' em que Byron se auto-retrata. Du Bos mcrece pleno crédito por rcconhcccr sua importância, e Byron merece todo o crédito que Du Bo§ lhe dá por tê-la escrito. Essa passagem me surpreende também como uma obra-prima de auto-análise, mas de uma análise do eu que é, em boa parte, uma fabricação deliberada, uma fabri24. Trata-se de um verso cuja solução recai sobre uma sílaba átona. (N.T.) 25. Obr a do crítico e ensaíst a francês Cha rle s Du Bos (Paris. 1882 — La Celle-Sa int-Cloud, 1939), publicada em 1931. Ou Bos deixou ainda um magní fico ensaio sobre Goethe (1949) e as sete séries das Approximations (1922-1937), além de um diário (1946-1954). de publicação póstuma. (N.T.) 26 Como The corsair, Ura (1814) é um poema narrativo que tem como cenário as ilhas gregas do Mediterrâneo e que descreve as aventuras de um herói melancólico e algo sinistro. (N.T.)
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seu devido lugar, poderemos reconhecer no relato alguma autêntica compreensão do coração humano e aceitar versos como
Alasi They were so young, so beautiful. So lonely, loving. helpless, and the hour Was that in which the heart is always full. And having o'er itself no further power. Prompts deeds eternity cannot annul (...)2 O amante de Donn a Julia e de Haid ee é justam ente aqu ele homem, percebe-se, que vira a ser em seguida o favorito de Catarina, a Grande — para cuja apresentação, suspeita-se, Byron se preparou ao longo de seus oito meses com a condessa de Oxford. 28 E aí permanece, se não a inocência, pelo menos aquela estranha passividade que curiosamente se assemelha à inocência. Entre a primeira e a segunda parte do poema, entre as aventuras de Juan no exterior e suas estrip ulia s na Ing laterra, há uma notável diferença. Na primeira parte, a sátira ê incidental; a ação é picaresca, e da melhor categoria. A criatividade de Byron jamais falha. O episódio do naufrágio, muitíssimo conhecido graças às citações, revela algo de absolutamente novo e bem-sucedido, ainda que o autor carregue um pouco nas tintas no ato de canibalismo com o qual a seqüência culmina. A última aventura extravagante ocorre imediatamente após a chegada de Juan à Inglaterra, qua nd o é deti do por bandidos na estrada para Londres; e aqui, mais uma vez, me parece que, na oração fúnebre do bandido morto, há algo de novo no verso inglês:
He from the world had cut off a great man, Who in his time had made heroic bustle. Who in a row like Tom could lead the van. Booze in the ken, or at the spellken hustle? "Ai dc mim' l ies cram tào jovens, tão belos, / Tão solitários, amorosos, indefesos. e a hora / Era aquela em que o coração, sempre transbordante, / E não tendo mais nenhum controle sobre si, / Comete atos que a eternidade não pode anatar (...)." (N.T.) 28. Na verdade . Byron teve uma breve ligação amoro sa tom a condes sa de Oxíord em fins de 1812, época em que manteve também relações tempestuosas com Lady Caroline Lamb. (N.T.)
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Who queer a flat? Who (spite of Bow-street's ban) On the high toby-spice so flash the muzzle? Who on a lark. with black-eyed Sal (his blowing) So prime, so swell, so nutty, and so knowing?29 Isso é de primeira ordem. Não lembra nem um pouco Crabbe, sugerindo antes Burns. Os últimos quatro cantos são, se não estou redondamente enganado, os mais substanciosos do poema. Satirizar a humanidade requer em geral um talento mais cordial que o de Byron, tal como o de Rabelais, ou mais profundamente torturado, como o de Swift. Mas na última parte do Don Juan Byron revelase preocupado com um cenário inglês no qual nada restava de romântico para ele; o poeta estava interessado num campo restrito que conhecera muito bem, e uma cortante animosidade aguçava seus poderes de observação, facilitando-lhe assim o exercício da sátira. Sua capacidade de entendimento permanecia superficial, mas era precisa. E bastante possível que ele tenha compreendido algo que não foi capaz de levar a uma conclusão eficaz; possivelmente era-lhe necessária, para completar a história daquela reunião monstruosa, certa capacidade de rir, o que era avesso ao temperamento de Byron. Ele poderia ter julgado impossível lidar com aquela notável personagem de Aurora Raby, a mais consistente de sua galeria, dentro dos limites de uma sátira. Tendo criado uma personagem demasiado séria, de um modo bastante real para o mundo que conhecia, poderia ele ter sido levado a reduzi-la às dimensões de uma dc suas heroínas românticas comuns. Mas Lord Henry e Lady Adeline Amundeville são pessoas exatamente do nível de Byron quando à sua capacidade de compreensão, e têm uma realidade pela qual seu autor talvez não haja recebido o devido crédito. O que coloca os últimos cantos do Don Juan no topo das obras de Byron é, creio eu, a circunstância de que a temática 29. "Ele privara o mund o dc um grand e home m. / Que, em sua época, promovera heróicas desordens. I Nos distúrbios, quem, melhor do que Tom. podia assumir o com and o. / Embriagar-se na taverna, ou bancar o trom badi nha na multidão? / Ou enganar os otários? Quem (apesar da proibição do comissário) / Nos assaltos de estrada melhor acendia a pólvora? / Quem, numa pilantragem. com Sarah de olhos negros, sua amante, / Era tão maravilhoso, tão elegante, tão sedutor e tão astuto?" (N.T.)
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lhe proporciona afinal um objeto adequado a uma autèntica emoção. A emoção é avessa à hipocrisia, e se ela fosse revigorada por sentimentos mais pessoais e mesquinhos, os sentimentos do homem que, quando criança, conhecera a humilhação de aposentos miseráveis em companhia de uma mãe excêntrica; que, quando tinha quinze anos, se revelara desajeitado, desgracioso e incapaz dc dançar com Mary Chaworth; que permanecera estranhamente alheio na sociedade que tão bem conhecia — essa mistura da or ig em de sua at it ud e para co m a so ci ed ad e inglesa lhe daria apenas maior intensidade. E a hipocrisia do mundo que ele satirizou se situava no extremo oposto da sua. Na verdade, o termo "hipócrita' , exceto no sentido original da palavra, é duro demais para ser aplicado a Byron. Ele era um ator que consagrou imensos esforços para se adaptar ao papel que desempenhava; sua superficialidade foi algo que ele criou para si próprio. E difícil, ao considerarmos a poesia de Byron, não sermos atraídos pela análise do homem que ele loi, mas muito mais atenção já se dedicou ao homem do que ao poeta, e prefiro, dentro dos limites de um ensaio como este, manter a poesia em primeiro plano. O caso é que a sátira byroniana à sociedade inglesa, na última parte do Don Juan, é algo com relação a que não consigo encontrar paralelo na literatura inglesa. Ele estava certo ao fazer do herói de sua reunião social um espanhol, pois o que Byron compreende e detesta na sociedade inglesa c muito mais do que um estrangeiro poderia compreender e detestar nessas mesmas circunstâncias. Não sc pode abandonar a leitura de Don Juan sem chamar a atenção para uma outra parte que enfatiza a diferença entre esse poema e qualquer outra sátira escrita em inglês: os versos da dedicatória. A dedicatória a Southcy me parcce uma das peças dc injúria mais hilariantes da língua:
Bob Sou they! You re a poet Poet laureate, And representative of all the race; Although 'tis true that you turn 'd out a Tory at Last, yours has lately been a common case; And now, my Epic Renegade! what are ye at?...™ 30. Bob Sou t hey 1 És um poeta Poeta Laureado, / E símb olo de (oda a raça; / Embora seja verdade que te tornaste um Tory / Afinal, teu caso e digno dos temI E ic do tr s? " (N .T )
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sustentada sem remissão até o último verso da décima sétima estrofe. Essa não é a sátira de Dryden, e muito menos a dc Pope; está mais próxima talvez das de Hall 51 ou de Marston, 32 que são, aliás, impróprios para comparação. Na verdade, não se trata em absoluto da sátira inglesa; é antes um flyling, 33 mais próximo em sentimento e inienção da sátira de Dunbar: 54
Lene larbar, loungeour, baith lowsy in lisk and lonye; Fy! skoldent skyn, thow art both skyre and skrumple; For he that rostit Lawrance had thy grunye. And he that hid Sand John is ene with ane worn pie, And he that dang Sane t Augustine with ane rumple, Thy fowl/ front had\ and he that Bartilmo flaid; The gallo wis gaipis e ft it thy graceles grunt ill.
As thow wald for ane haggeis, hungry gled. 53
Esse paralelo pode parecer questionável a alguns, mas, quanto a mim, ele me levou a gostar mais vivamente — e, suponho, a fazer uma apreciação mais justa — da poesia dc Byron do que antes. Não pretendo que Byron seja Villon (nem, por outras razões, que Dunbar ou Burns se igualem ao poeta francês), mas cheguei a encontrar nele certas qualidades, além de sua abundância, que são muito raras na poesia inglesa, bem como a ausência de alguns vícios que são bastante freqüentes.
31. Hall, Jose ph Poeta inglês (1574-1656), a utor de Characters of virtues and vices (1608). (N.T.) 32. Marston, John Dra mat urgo e poeta inglês (Covent ry. Warwick, 1576 Londres. 1634). Alcançou grande popularidade com o poema licencioso The métamor-
phosa of Pygmalion '» image and certain satyres (1598). Deixou as peças The Dutch courtezan (1605),
The malcontent e Sophomshe (1606). (N.T.)
33. Flyting. invectiva poética dos poetas escoceses do século XVI. (N.T.) 34. Dunb ar, Willia m Poeta inglês (East Lothian, c. 1465 ? c. 1530). Sua obra. exemplo do gótico flamboyant, está cheia de melancolia e humorismo, como o ates-
tam The dance of the seven deidly synnts (1503-1508) e In honour of the city of London. (N.T.) 35. "Su jei to ético, man dri ão piolhen to na ilharga e na perna, / Fora! magro escal pe la do , bo rb ul he nt o e en ca rq ui lh ad o; / Aq ue le qu e pós Lou re nç o na gre lh a ti nh a tua cabeça decepada, / Ε o que escondeu São Joã o sob um escape lário, / Ε o que feriu Santo Agostinho a golpes de açoite. / Tinha tua goela ignóbil, e o escalpelador de São Bartol omeu; / A forca boquiabe rta aguarda teu focinho horrendo / E te quereria para seu pica dinho, ó milh afre afama do. Estes versos pertence m a um poema de Dunbar. "Life at œurt". exemplo típico do fly ting escocês. (N.T.)
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H até mesmo seus vícios parecem virtudes gêmeas que intimamente os recordam. Com seu charlatanismo, ele revela também uma franqueza invulgar; com sua pose, mostra-se igualmente um poete contumace num país solene; com sua impostura e sua automistificação, exibe também uma honestidade descuidada e canalha; ele é, ao mesmo tempo, um aristocrata vulgar e um bêbado respeitável; com seu falso diabolismo e sua vaidade pretensamente dissoluta, é autenticamente supersticioso e devasso. Refiro-me às qualidades e aos defeitos visíveis em sua obra, os quais são importantes para julgá-la, e não a sua vida privada, que não me interessa.
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Sobre o consolo da lareira de meu escritório encontra-se há uns quinze anos ou mais, entre os retratos de meus amigos escritores, o fac-símile de um desenho de Goethe já na velhice. O retrato irradia vitalidade — obra, percebe-se, não apenas de um desenhista bem-dotado, mas de um artista inspirado por seu modelo. 2 Goethe aparece com as mãos juntas por detrás das costas; os ombros estão arqueados e a figura se inclina para a frente, mas o corpo, embora possa estar alquebrado por enfermidades, continua obviamente sob o controle de. um espírito vigoroso. Os olhos são amplos e luminosos, e a expressão, travessa, a um tempo benévola e mefistofélica: estamos na presença de uni homem que combina a vitalidade da juventude com a sabedoria da velhice. Houve um momento, há alguns anos, em que o desenho foi bruscamente deslocado junto com seus pares, mas, como se poderia esperar de Goethe, esse desenho — sereno, alerta e crítico — sobreviveu e ignorou os incidentes daqueles tempos tumultuados. I. Confere ncia pronunci ada na Universidade de Ham bur go, por ocasião da entrega do Premio Goethe da Liga Hanseáttca de 1954, em maio de 1955. (N A.) 2 Fui info rma do de que o artista era Maclise, então um jovem em visita a Wei-
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Esse é ο Goethe da época das conversações com Eckermann. 3 Ε o Goethe sábio, e como o que tenho a dizer aqui poderia ser quase considerado uma Apologia cm Louvor da Sabedoria, o desenho constituiria um frontispício adequado ao meu texto. Se se empregar a palavra "sábio" com todo o cuidado c escrúpulo que ela requer, ter-se-á então em mente uma das mais raras conquistas do espírito humano. A inspiração poética não é em absoluto muito comum, mas o verdadeiro sábio é mais raro do que o verdadeiro poeta, c quando essas duas virtudes, a da sabedoria e a da linguagem poética, existem numa só pessoa. então voccs estão diante do grande poeta. São poetas dessa espécie que pertencem não apenas ao seu próprio povo, mas também ao mundo; são apenas poetas dessa espécie que se podem considerar, não essencialmente como limitados por sua própria língua e por sua pátria, mas como grandes europeus. Em primeiro lugar, perguntei-me se ainda havia algo a dizer sobre Goethe que já não tivesse sido dito melhor. Todavia, quando me vi na contingência de escolher um assunto c esboçar a maneira de abordá-lo, senti-me surpreso diante do excesso de possibilidades, dos incontáveis aspectos de Goethe e dos inúmeros contextos em que ele podia ser examinado. Ao cabo, eu podia reduzir meus assuntos a dois, mas, após essa reflexão, me dei conta de que ambos estavam tão intimamente associados que não constituíam senão um único problema a ser tratado como um todo. A primeira pergunta era a seguinte: em que consistem as características comuns daquele número seleto de autores, dos quais Goethe é um exemplo, que são grandes europeus? E a segunda era esta: em que se resume o processo pelo qual alguém chega a se reconciliar com esses grandes autores em relação aos quais, em nossa juventude, não sentíamos senão indiferença, ou que nos eram antipáticos — não apenas porque isso ocorre, mas porque convém que ocorra, e não apenas o processo, mas a necessidade moral do processo? Ao longo deste ensaio considerarei alternadamente esses dois 3. São os anos durame os quais Goethe conversava diariamente sobre todos os assuntos possíveis com seu secretário Joh ann Pet er Ecke rmann ( 1791-1 854), q ue pu bl ic ou em 1837 sua s no ta s so b o tí tu lo de Gespräche mit Goethe, obra em que o poeta revela seu interesse pelas novas tendências literárias c seu ideal de uma
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problemas, e espero que o leitor possa vir a concordar em que o subtítulo que cu tinha cm mente — uma Apologia em Louvor da Sabedoria — não era inteiramente gratuito. No desenvolvimento do gosto e do julgamento crítico em literatura — uma parte ou um aspecto do processo global que leva à maturida de há, segu ndo minha própria experiência, três importantes etapas. Durante a adolescência fui tomado de entusiasmo por um autor após outro, por qualquer um que atendesse às instintivas exigências dc meu estágio de desenvolvimento. Nesse estágio entusiástico, a faculdade crítica está semidesperta, pois não há nenhuma comparação de um autor com outro, nenhuma consciência da base sobre a qual repousa o relacionamento entre o leitor e o autor em cuja obra ele está absorto. Não apenas pouco se leva em conta a escala de valores, como também é falsa a apreciação da grandeza desse ou daquele autor, pois se trata de um padrão inacessível ao espírito ainda imaturo; nesse estágio existem apenas os escritores pelos quais somos tomados de assalto e aqueles que nos deixam indiferentes. Na medida em que alguém amplia sua leitura, e começa a conhecer uma variedade cada vez maior dc grandes autores em prosa e em verso, adquirindo ao mesmo tempo uma experiência maior do mundo e das mais poderosas forças da reflexão, o gosto se torna mais apurado, as paixões arrefecem e a compreensão se aprofunda. Nesse estágio começamos a desenvolver aquela capacidade crítica e aquele poder de autocrítica sem os quais o poeta nada fará senão repetir-se pelo resto da vida. Todavia, embora possamos desfrutar do prazer nesse estágio, assim como compreender e apreciar uma variedade indefinida de gênios artísticos e filosóficos, continuarão a existir certos autores de alto nível que insistiremos obstinadamente em considerar antipáticos. Assim, o tercciro estágio de desenvolvimento de maturação, na medida em que esse processo pode ser representado pela história de nossas leituras e estudos — é aquele cm que começamos a investigar as razões pelas quais não conseguimos gostar daquilo que outros leitores, ou talvez muitas gerações de leitores, julgaram delicioso, e que estavam tão ou mais bem qualificados do que nós para fazer um julgamento. Ao tentarmos compreender por que não conseguimos apreciar corretamente determinado autor, procuramos deitar
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alguma luz não apenas sobre esse autor, mas também sobre nós mesmos. O estudo de autores de cuja obra não conseguimos gostar pode constituir assim um valiosíssimo exercício, conquanto essa prática se inclua entre aquelas às quais o bom senso impõe limites, pois ninguém dispõe de tempo para estudar a obra de todos os grandes autores cuja leitura não oferece prazer algum. O processo de averiguação não é um esforço para apreciar aquilo de que não se consegue gostar; é um esforço para compreender essa obra, e para que possamos nos compreender em relação a ela. O prazer virá, se vier, somente como conseqüência da compreensão. Há óbvias razões, no meu próprio caso, para certas dificuldades em compreender Goethe. Para qualquer um como eu, que combina uma forma de espírito católica, uma herança calvinista e um temperamento puritano. Goethe implica na verdade alguns obstáculos a serem superados. Mas minha experiência me ensina que o reconhecimento dos obstáculos — c esse reconhecimento requer antes um auto-exame do que um exame do autor —, ainda que eles não sejam abolidos, pode diminuirlhes a importância. As diferenças que não são examinadas jama is em er ge m da ob sc urid ad e do pr ec on ce it o: qu an t o me lh or compreendermos as razões pelas quais não conseguimos apreciar um autor, mais próximos estaremos de vir a apreciá-lo, pois compreensão e simpatia estão intimamente associadas. Sem jam ais haver ne ga do o gê ni o de G oe t he , se m ter pe rm an ec id o insensível àquela parte de sua poesia mais facilmente assimilável para um estrangeiro, eu havia, receio-o, sido irritado por ele. Com o tempo, vim a compreender que minha discordância em relação a Goethe — afora alguns traços pessoais cuja importância parece agora ter diminuído — era primordialmente uma discordância em relação a sua época, pois eu havia chegado, com o correr dos anos, a me sentir distante dos maiores poetas ingleses do século XIX, tanto os do movimento romântico quanto os do período vitoriano. Gosto ainda de determinados poemas, mas, à exceção de Coleridge — e de Coleridge mais como filósofo, teólogo e pensador social do que como poet a —, venho perdendo contato com os autores dessa época; Tennyson, Browning, Arnold, Meredith — a filosofia de vida desses autores chega a me parecer inconsistente, e seus fundamentos reli-
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giosos, indignos de confiança. Mas tive a experiência de haver convivido com essa poesia cm minha juventude, e isso me ficou na memória. Durante algum tempo tais poetas me emocionaram bastante: eu sentia, e ainda sinto, que aprendi com eles o que podia aprender e o que eles foram capazes de me ensinar. Com Goethe a questão é outra. No que se refere aos poetas a que acabo de aludir, cu poderia imaginá-los como poetas de maior envergadura se tivessem sustentado uma concepção de vida diferente. Mas com Goethe, por outro lado, parece-me correto c necessário que haja tido as idéias que teve, e se comportado da maneira como o fez. E a antipatia superada, quando se trata da antipatia para com uma figura tão grande quanto a de Goethe, equivale a uma importante libertação das limitações de nosso próprio espírito. Poderá parecer uma frivolidade egoistica dedicar tanto tempo às mudanças de minha própria atitude em relação a Goethe. Faço-o por duas razões. Primeiro, porque as poucas referências esparsas a Goethe em meus ensaios críticos anteriores são, em sua maioria, eivadas de má vontade e de caráter denegritório, de modo que, para justificar minha presente atitude e evitar qualquer suspeita de leviandade, preciso levar em conta a evolução de meu espírito. Segundo, porque julgo que a situação pode ser generalizada de modo a se tornar útil. Eu disse que, na medida em que meu próprio desenvolvimento é típico, a educação recebida começa, na adolescência, a ser arrebatada, invadida, desfigurada por um escritor após outro (refiro-me, é claro, à formação recebida em poesia). Posteriormente, adquirimos um conhecimento e um prazer que derivam da leitura de uma infinidade de obras; somos influenciados por espíritos de natureza cada vez mais diferente; tornamo-nos mais senhores de nós mesmos; o julgamento crítico se desenvolve; tornamo-nos mais conscientes daquilo que hizemos e daquilo que ocorre cm nossas explorações das obras-primas do pensamento e da imaginação. Passada a meia-idade, duas mudanças adicionais me ocorreram. De um lado, minhas preferências literárias diminuíram, e sinto-me inclinado a voltar cada vez mais freqüentemente à obra de um número cada vez menor de poetas; de outro, chego à conclusão de que entre eles podem existir alguns autores que jamais conheci de fato, no sentido
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de sermos íntimos de algum escritor ou de com ele nos sentirmos à vontade, e com os quais devo acertar contas antes de morrer. Há alguns anos comecei a pensar que devia finalmente fazer um esforço para me reconciliar com Goethe: não primordialmente para reparar uma injustiça cometida, pois já se cometeram muitas injustiças literárias sem que ninguém sentisse remorso, mas porque devo ter de algum modo negligenciado alguma ocasião dc me aperfeiçoar, que seria um pecado negligenciar. Experimentar esse sentimento já constitui um importante reconhecimento: é, com toda a certeza, o reconhecimento de que Goethe é um dos grandes europeus. O leitor perceberá agora, espero, que essas duas que stõ es a da reconc iliaçã o e a da definição do grande europeu — se encontram tão intimamente associadas em meu espírito que eu não podia considerar uma sem tocar na outra. Parece-mc que a abordagem mais idónea a essa definição é tomar alguns autores cujo direito a esse título é universalmente admitido, c considerar o que eles tem em comum. Antes de mais nada, entretanto, estabelecerei os limites dentro dos quais farei minha seleção. Em primeiro lugar, limitar-mc-ei aos poetas, pois a poesia é o setor em que estou melhor qualificado para apreciar a grandeza de um autor. Em segundo lugar, excluirei todos os poetas gregos e latinos. Minhas razões para isso estão indicadas pelo título que Theodor Haecker deu a seu ensaio sobre Virgílio: Vergil % Vater des Abendlandes ( Virgílio, 4 pai do Ocidente). Os grandes poetas da Grécia e de Roma, bem como os profetas de Israel, são os ancestrais da Europa, mais que dos europeus, no sentido medieval e moderno. É por causa de nosso substrato comum, nas literaturas da Grécia, de Roma c de Israel, que podemos falar de uma "literatura européia", e a sobrevivência da literatura européia, posso dizer de passagem, depende de nossa contínua veneração aos nossos ancestrais. Nessa qualidade, estão eles excluídos dc minha presente investigação. Há também poetas modernos, cuja influência tem sido muito importante cm países e idiomas que não são os nossos, que não atendem às exigências dc meu propósito.
Byron é um poeta que foi o poeta de uma Época e, durante essa Epoca, o poeta de toda a Europa. Hm Edgar Poe, a América produziu um poeta que, sobretudo por sua influência sobre três poetas franceses de três gerações consecutivas, pode ser considerado europeu, mas o correto lugar e a categoria desses dois homens ainda são, e talvez sejam para sempre, matéria de controvérsia. E desejo restringir-me àqueles cujas qualificações são incontestadas. Para começar, quais são nossos critérios? Dois, seguramente, são a Permanência e a Universalidade. O poeta europeu deve não apenas ser aquele que mantém uma certa posição na história: sua obra deve continuar a proporcionar prazer c proveito às gerações que se sucedem. Sua influência não constitui apenas um assunto dc registro histórico; ele continuará a ser valioso para qualquer época, e cada época o compreenderá de maneira diferente, e será obrigada a avaliar novamente sua obra. E ele deve ser tão importante para os leitores de sua raça e dc sua língua quanto para os outros: os de sua raça e de sua língua sentirão que ele faz parte integral de seu grupo, c que é, na verdade, seu representante no estrangeiro. Para os leitores dc diferentes países c de diferentes épocas, ele pode significar coisas muito distintas, mas nenhuma nação ou geração questionará sua importância. A história de tudo o que foi escrito sobre a obra de um homem como esse fará parte da história do espírito europeu. Obviamente, não se podem elaborar duas listas, uma de grandes poetas que são grandes europeus, e outra constituída por aqueles que não conseguiram adquirir os direitos a essa distinção. Tudo o que podemos fazer, creio cu, é estarmos de acordo no que se refere a um número mínimo, considerarmos quais as características comuns que eles apresentam e nos empenharmos para nos aproximar de uma definição, através da qual procederemos à avaliação de outros poetas. Não creio que possa haver qualquer dúvida com relação a três deles: Dante, Shakespeare c Goethe. Aqui devo introduzir uma palavra de cautela. Tenho dúvidas se deveríamo s chamar um poeta de "grande eur ope u" a menos que seja também um grande poeta,.mas julgo que temos de admitir que há grandes poetas que não são grandes euro-
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4. Ver nota 8 ao ensaio "Virgílio e o mu nd o cri stà o". nesta coletâne a (N. T. )
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peu s. N a verdade, suspeito que qu and o cham amo s qualque r homem de letras de grande europeu, ultrapassamos os limites do julgamento estritamente literário, fazendo ao mesmo tempo uma avaliação histórica, social e ética. Comparem Goethe com um poeta inglês contemporâneo algo mais jovem: William Wordsworth. Wordsworth foi seguramente um grande poeta, se o termo chega a ter algum sentido; no melhor do que produziu. seu vôo é bem mais alto que o de Byron, bem como o de Goethe. Além disso, sua influência foi decisiva para os rumos da poesia inglesa em determinado momento: seu nome marca uma época. Todavia, ele jamais significou para seus próprios conterrâneos o que Goethe significa para os dele. Analogamente — mas aqui falo co m a de sc on fi an ça qu e co nv ém —, pareceme possível sustentar que Hölderin foi, em certos momentos, mais inspirado do que Goethe; entretanto, também ele não pode jamais ser colocado no mesmo nível de uma figura européia. Não me proponho abordar as possíveis explicações das diferenças entre as duas espécies de poetas; desejo apenas, nesse contexto, lembrar-lhes que se Dante, Shakespeare ou Goethe são incontestavelmente homens europeus, não é apenas porque são os maiores poetas de suas respectivas línguas. Eles não seriam grandes europeus se não fossem grandes poetas, mas sua grandeza como europeus é algo mais complexo, mais abrangente, do que sua superioridade sobre outros poetas de sua própria língua.
e o drama de Fausto são apenas partes da estrutura montada por Shakespeare e por Goethe, partes que ficariam muito reduzidas se constituíssem a única obra dc seu autor. O que confere a Shakespeare e a Goethe suas respectivas condições não é uma única obra-prima, mas a obra total de toda uma existência. E, por outro lado, Cervantes é, para aqueles dentre nós que não são versados em literatura espanhola, o autor de um único livro; embora seja um grande livro, isso não basta para colocar Cervantes em pé de igualdade com Dante, Shakespeare e Goethe. Dom Quixote figura, inquestionavelmente, entre aqueles livros seletos que atendem às exigências do teste da "literatura européia", isto é, livros sem cujo conhecimento — no sentido em que não foram apenas lidos, mas assimilados —, nenhum homem da raça européia pode ser realmente educado. Mas não podemos dizer que seja necessário para o europeu educado conhecer Cervantes, no sentido em que podemos dizer que o europeu educado deve conhecer Dante, Shakespeare e Goethe. Como autor de um único livro, Cervantes está para nós inteiramen te nesse livro; ele é, por assim dizer, D om Qu ixot e compre endendo-se a si próprio. Que parte da obra de Dante, de Shakespeare ou de Goethe podemos destacar e dela dizer que nos fornecc o essencial de Dante, de Shakespeare ou de Goethe? Dizer simplesmente que não podemos conhecer Cervantes tanto quanto podemos conhecer aqueles três outros autores não diminui o escritor espanhol. E não estou aqui cometendo o erro de separá-los de seus textos e transformá-los em ídolos, ainda que, especialmente no caso de Goethe, agora que dispomos de tantos documentos sobre o homem que ele foi, assim como do imenso corpo dc sua obra, seja perigosamente fácil fazê-lo. Falo desses homens tal como eles existem em seus textos, nos três mundos que criaram de modo a perdurar para sempre como parte da experiência européia.
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Há também a tentação — no caso de Shakespeare c dc Goethe, mas não no de Dante —, de pensar nas duas grandes personagens míticas quê eles criaram: Hamlet e Fausto. Ora, Hamlet e Fausto tornaram-se símbolos europeus. Eles têm isso em comum com Ulisses e Dom Quixote, que são típicos de seus países, e todavia compatriotas de cada um de nós. Quem poderia ser mais grego do que Ulisses, ou mais espanhol do que Dom Quixote, ou mais inglês do que Hamlet, ou mais alemão do que Fausto? Todavia, passaram eles a compor o mosaico em que estamos todos representados c ajudaram — como é função dessas personagens — a explicar o homem europeu para si mesmo. De modo que podemos ser tentados a classificar Shakespeare e Goethe como europeus, simplesmente porque criaram um herói mítico europeu. No entanto, a peça de Hamlet
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Em primeiro lugar, cu diria, como algo que me parece imediatamente óbvio, que na obra desses três autores encontramos três características comuns: Abundância, Amplitude c Unidade. Abundância: todos escreveram copiosamente, c nada do que escreveram é desprezível. Por amplitude quero dizer que cada um deles tinha uma vastíssima gama de interesse, de simpatia e de compreensão. Há uma variedade de interesses, uma
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curiosidade universal e uma capacidade mais abrangente do que a da maioria dos mortais. Alguns autores têm revelado talento versátil, outros uma curiosidade sempre insatisfeita, mas o que caracteriza a variedade de interesses e a curiosidade de artistas como Dante, Shakespeare e Goethe é a Unidade fundamental. Não é fácil definir essa unidade, a menos que digamos que aquilo que cada um deles nos proporciona é a própria Vida, o Mundo visto de um ângulo particular de uma determinada época européia e de um determinado homem dessa época. Não creio que seja preciso me alongar sobre a diversidade dos interesses e atividades de Dante e de Goethe. Shakespeare, é verdade, confinou-se, ou está confinado, pelas circunstâncias, ao meio de expressão do teatro, mas, quando consideramos o imenso espectro de temas e personagens dentro dessa estrutura, a enorme variedade e o desenvolvimento de sua técnica, sua contínua abordagem a novos problemas, devemos reconhecer pelo menos que, nessa amplitude e abundância, Shakespeare se situa à parte até mesmo daqueles poucos escritores de teatro que, como dramaturgos e poetas, são seus iguais. Quanto à Unidade, julgo que os objetivos de unidade política, teológica, moral e poética de Dante são demasiado evidentes para exigir demonstração. Eu afirmaria, com base em minha própria experiência, que a unidade da obra de Shakespeare é tal que não se pode compreender as últimas peças a não ser que se conheçam as primeiras, e não se pode entender as primeiras sem se conhecer as últimas. Não é fácil detectar a unidade na obra de Goethe. Em primeiro lugar, ela é mais surpreendentemente heterogênea do que a obra dos dois outros; além disso, devo confessar que há muito dessa vasta obra que não conheço, ou conheço apenas superficialmente, de modo que estou longe de ser o advogad o mais qualif icad o para a defes a do caso. Portanto direi apenas que acredito sinceramente que quanto mais vier a conhecer sua obra — cada volume da mais volumosa edição — , mais convicto estarei de sua un ida de . O teste é este: será que cada parte da obra de um escritor nos ajuda a compreender o resto? Arriscarei afirmar essa crença no momento em que ela estiver mais próxima de ser questionada. Durante a maior parte de minha vida empenhei-me em assegurar que as teorias científicas de Goethe — suas especulações sobre taxionomia botânica.
sobre mineralogia e sobre cores — não passavam de excentricidades deleitáveis de um homem de curiosidade insaciável que deambulava por regiões para o acesso às quais não se encontrava aparelhado. Ainda hoje não me sinto propenso a 1er o que ele escreveu sobre tais assuntos. E que, de saída, a unanimidade quanto ao ridículo e a facilidade com que as pessoas versadas nesses assuntos pareciam rejeitar os conceitos de Goethe me induziram a perguntar se Goethe não poderia estar certo ou, pelo menos, se seus críticos não poderiam estar enganados. Somente há alguns anos é que me debrucei sobre um livro em que os conceitos de Goethe eram de lato defendidos: Man or matter , do Dr. Ernst Lehrs. E verdade que o Dr. Lehrs é um dos discípul os de Rud olp h Steiner, e creio que a ciência dc Steiner não seja considerada muito ortodoxa; mas isso não é da minha conta. O que o Dr. Lehrs fez foi sugerir-me que os conceitos científicos de Goethe se ajustavam de algum modo à sua obra de imaginação, que a mesma intuição se esforçava por manifestar-se em ambas as expressões e que não seria razoável rejeitar, como afirmação absurda no campo da pesquisa científica, o que aceitamos como inspirada sabedoria na poesia. Voltarei a essa questão daqui a pouco em outro contexto, mas, sob o risco de me expor ao ridículo, direi que, em virtude do que o Dr. Lehrs escreveu sobre a ciência de Goethe, julgo entender trechos do Fausto, como o da cena de abertura da Parte II, melhor do que antes; e acredito agora que a Parte II é melhor do que a Parte I, ao contrário do que sempre me disseram pessoas mais instruídas que cu.
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É pelo menos certo que devemos, no esforço para compreender autores como esses três a que me referi, tentar penetrar em tudo aquilo que lhes despertou interesse. A crítica literária é uma atividade que deve constantemente definir suas próprias fronteiras; deve tambem constantemente ultrapassá-las: a única regra imutável é que, quando a crítica literária transgride esses Steiner. Rudolph. Filósofo e místico austríaco (Kraljevič , 1861 Dörn ach, pe rt o de Bas ilé ia. Su íça , 192 5). In te res so u- se de iní cio pel os tex tos cie ntí fic os de Goethe, que reeditou. Desenvolveu qualidades de percepção extra-sensonal que o levaram à teosofia. Dentre suas obras, avultam Geheimwhsenchaft im Umnss
(Esboço da ciência oculta. 1913) e Wie erlangt man Erkenntnisse der höheren Welten (Como alcançar o conhecimento dos mundos superiores 1920). (N. I.)
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limites, deveria fazê-lo com plena consciência do que está fazendo. Não podemos ir muito além no caso de Dante, ou de Shakespeare, ou de Goethe, sem tocar na teologia, na filosofia, na ética e na política; e no caso de Goethe sem penetrar, de uma maneira cland estin a e sem 'cartas dc créd it o" , nos territórios interditos da ciência. Meus argumentos, ou minha defesa, foram até aqui estritamente negativos. Afirmei apenas que na obra de Dante, de Shakespeare e de Goethe vocês encontram Abundância, Amplitude c Unidade. Abundância e Amplitude comprovadamente, e Unidade se vocês se derem o esforço de procurá-la. Após postular que Dante, Shakespeare e Goethe foram três grandes europeus, parece óbvio que essas características devam ser encontradas juntas em qualquer outro autor antes que possamos atribuir-lhe a mesma condição. £ viável, contudo, que um autor possa nos oferecer Abundância, Amplitude e Unidade sem, no entanto, conseguir tornar-se um grande europeu. Julgo que haja um outro elemento positivo a ser considerado. Mas antes de abordar o problema final, há outro termo a ser discutido:
Universalidade. J anto quando podemos julgar a partir de nossos três autores exemplares, o escritor europeu não é menos enfaticamente um homem de seu próprio*país, de sua raça e de sua língua do que qualquer daqueles autores de segunda ordem que, com raras exceções, só sensibilizam seus próprios compatriotas. Podese até dizer que Dante, Shakespeare e Goethe não são apenas muito italiano, inglês e alemão, mas que cada um deles é também representativo da região particular em que nasceu. É óbvio, naturalmente, que o sentido em que eles são regionais não constitui uma limitação a seu fascínio, embora haja neles muitos elementos que só podem sensibilizar seus conterrâneos. Eles são regionais devido a sua concretudc: ser humano significa pertencer a uma determinada região da Terra, e homens de gênio como esses são mais conscientes do que outros seres humanos. O europeu que não pertencesse a nenhum país seria um homem abstrato — um rosto vazio que falaria todas as línguas sem sotaque de sua terra ou sem acento estrangeiro. Ε o poeta é o último dos homens abstratos, pois é o que mais se encontra ligado a sua língua: ele não pode sequer se permitir conhecer uma lín-
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gua tão bem quanto a sua, pois, para o poeta, explorar todos os recursos de sua própria língua constitui o trabalho de uma vida inteira. A maneira pela qual ele está ligado às pessoas dc seu país, o modo como delas depende, e como desempenha o papel dc representar seu próprio povo, não devem ser, acrescentaria eu, identificados como patriotismo (que é uma resposta particular a circunstâncias particulares), embora seja esta uma espécie de ligação da qual pode nascer o mais nobre dos patriotismos. E uma espécie de ligação que pode até mesmo estar em agudo conflito com o sentimento patriótico dc muitos compatriotas do poeta. Logo, o poeta europeu não é necessariamente um poeta cuja obra seja mais fácil de traduzir em outra língua do que a dos poetas cuja obra só tenha significação para seus compatriotas. Sua obra é mais traduzível apenas neste sentido: o dc que sempre que se traduz um poeta como Shakespeare para outra língua, perde-se exatamente tanto de sua significação quanto se perde ao se traduzir um poeta inglês de menor envergadura, embora no caso de Shakespeare se preserve algo mais, pois há mais substância a ser preservada. O que pode ser traduzido? Uma história, uma intriga dramática, as impressões de uma personagem viva em cena, uma imagem, uma proposição. O que não pode ser traduzido é a magia encantatória, a música das palavras e aquela parte do significado que está na música verbal. Mas aqui, ainda uma vez, não atingimos o cerne da questão; estávamos apenas tentando indicar o que torna um poeta traduzível, sem explicar a razão pela qual se pode dizer que Dante, Shakespeare e Goethe pertencem, como não podemos afirmar com a mesma segurança de quaisquer outros poetas, não apenas a seus compatriotas, mas a todos os europeus. Creio que podemos aceitar sem muita dificuldade o aparente paradoxo de que o poeta europeu é, ao mesmo tempo, não menos, mas dc maneira mais positiva, um homem de sua raça particular, de seu país e de sua cultura local, do que o poeta que só pode ser apreciado por seus compatriotas. Podemos a um só e mesmo tempo perceber que esse poeta, não importa a que país pertença, é nosso compatriota, e todavia é também um representante, entre os maiores, de seu próprio
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rem entre si, e ajudar outro povo a compreendê-lo e aceitá-lo. Mas a questão relativa à maneira pela qual ele é representativo de sua própria epoca é algo mais difícil. Dc que maneira alguém é representativo de sua época, e todavia de permanente importância — não por causa de seu caráter rep res ent ati vo" , mas apenas em si mesmo —, para todas as épocas subseqüentes? Como deduziríamos do que ficou exposto, do mesmo modo que um homem pode ser um grande poeta, sem ser um poeta "eur opeu bem co mo pod e ser represe ntativo dc seu povo e despertar interesse em outros povos justamente por essa capacidade, assim também um homem pode ser representativo de sua própria época e tornar-se importante para outras épocas apenas no sentido em que ajuda a compreender a sua propria. Mas, como tentei dizer anteriormente, estamos interessados em Dante, Shakespeare e Goethe não apenas cm relação aos seus respectivos país, língua e raça. mas fora do tempo e de modo direto. Nenhum europeu educado, qualquer que seja sua língua, sua cidadania, sua ascendência e a época em que nasceu, deve furtar-se à pergunta: 4 Ό qu e têm Dante, Shakespeare e Goethe a me dizer diretamente — e como irei responder a eles? . É essa con fron taç ão direta qu e tem importância fundamental. Ora, se tomarmos a palavra no sentido literal, o hom em realment e representativo de um período, como homem representativo de uma nação, é um homem que não é nem muito grande nem muito pequeno. Não quero dizer que seja l'homme moyen sensuel: Mas um homem insignificante só poderia representar um período insignificante — e nenhum período da história é desprezível a esse ponto, ao passo que o caráter excepcional de um homem verdadeiramente grande deve nos fazer suspeitar que ele não é totalmente "representativo". Julgo que, se pudéssemos considerar nossos três poetas como inteiramente representativos de sua época, concluiríamos que cada um deles estaria limitado por ela dc uma maneira como eles não estão. Em suma, consideramos tais homens como representativos apenas para descobrir que eles não o são; porque um homem pode não ser representativo não apenas por estar aquém ou além dc sua época, mas por estar
acima dela. Certamente, não devemos admitir que esses homens compartilhem todas as idéias de sua época. Eles compartilham os problemas, compartilham a língua em que os problemas são discutidos, mas podem repudiar todas as soluções corrcntes. E mesmo quando levam uma vida social ou pública, experimentam também uma solidão maior do que a da maioria dos homens. Seu caráter representativo, caso sejam eles representativos, deve ser algo que percebemos, mas que não podemos formular inteiramente. Há muita coisa que não sabemos sobre o homem que Dante foi, e pouquíssimo é o que conhecemos de Shakespeare. Mas sabemos bastante sobre a vida dc Goethe. Confesso não ser daqueles que a conhecem muito bem. Mas quanto mais aprendo sobre Goethe, a partir de sua própria obra e de comentários sobre ela, menos considero possível identificá-lo com sua época. Julgo-o às vezes em completa oposição a ela, tão completa talvez que tivesse sido imensamente incompreendido. Ele me parece ter vivido mais plena e conscientemcnte em vários níveis do que a maioria dos outros homens. O conselheiro particular, a celebridade de uma pequena corte, o colecionador de estampas, desenhos e gravuras, foi também o homem que não conseguia dormir de angústia em Weimar, porque ocorrera um terremoto em Messina. Após 1er o livro do Dr. Lehrs, ao qual já aludi, e em seguida reler certas passagens do Fausto, ocorreu-me que para Wordsworth e Goe the a natureza' significava quase a mesma coisa, ou seja, significava algo que eles haviam experimentado — e que eu não experimentei — e que estavam ambos tentando exprimir alguma coisa que, mesmo para homens tão excepcionalmente dotados com o dom da linguagem, era em definitivo inefável. Não faz muito tempo, recebi um cartão-postal com a reprodução de um retrato de William Blake: era um desenho bastante conhecido, com o qual eu estava absolutamente familiarizado. Mas por acaso o deixei por um instante sobre o consolo da lareira, ao lado da gravura de Goethe, e julgo ter observado uma expressão semelhante em seus olhos. Só que Blake tinha o olhar de quem pertencia a outro mundo, enquanto Goethe dava a impressão, no momento cm que o artista o retratou, de estar à vontade em ambos os mundos. Blake também repudiava parte das opiniões
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dominantes em sua época. Entendam vocês que não posso me desligar da Farbenlehre e da Ur-Pflanze. Trata-se apen as da questão de saber quem estava certo: Goethe ou os cientistas? Ou seria possível que Goethe estivesse enganado apenas ao julgar que os cientistas se enganaram, e os cientistas enganados somente ao julgar que Goethe se enganara? Não seria possível que Goethe, sem saber inteiramente o que estava fazendo, devesse proclamar os direitos de um tipo distinto de consciência daquele que havia dominado os séculos XIX e XX? Se assim for, então Goethe era tão pouco representativo de sua Época quanto pode sê-lo um homem de gênio. E talvez haja chegado a hora em que possamos dizer que não seria absurdo ver o universo como Goethe o viu. e não como o viram os cientistas, agora que o traje vivo de Deu s' já se enco ntra um pouc o rasgado devido à ação das manipulações científicas. Certamente, Goethe foi um homem de sua época. É difícil para nós ignorar ou tratar como acidental o fato de que Dante, Shakespeare e Goethe tenham chegado a representar cada um deles um período da história moderna européia, na medida em que um poeta pode desempenhar esse papel, e devemos nos lembrar das próprias palavras de Goethe sobre o homem e o momento. Mas devemos também nos lembrar, entre outras coisas, de que tendemos a julgar uma época nos termos do homem que dela consideramos representativo, esquecendo-nos de que uma parte igual da significação desse homem possa constituir a luta que ele travou contra a sua época. Tentei simplesmente introduzir certas reservas cautelosas em nosso emprego do termo representativo", perigoso quando aplicado a tais homens. O hom em que é represen tativo" de seu povo pod e ser o crítico mais severo desse mesmo povo e ser por ele repudiado; o homem que é "representativ o de sua época pod e estar em oposiçã o às verdades mais amplamente aceitas dessa época. Preocupei-me até agora, antes de mais nada, em reconhecer certas qualidades à falta das quais não podemos admitir que um poeta faça parte desse grupo seleto, para definir em seguida em que sentido a "representatividade", seja de um lugar ou de uma língua, seja de uma época, pode ser conside-
rada característica. Mas nos cabe ainda perguntar: qual é a qualidade que sobrevive à tradução, que transcende o lugar e o tempo, e é capaz de suscitar uma resposta direta de homem para homem, em leitores de qualquer lugar e de qualquer época? E preciso também que alguma coisa possa estar presente em distintos graus, pois obviamente Dante, Shakespeare e Goethe não são os únicos poetas "europeus". Mas é preciso que algo possa ser reconhecido por uma grande diversidade de homens, pois o teste para um poeta desse tipo, como eu disse no princípio, é que nenhum europeu que seja inteiramente ignorante de sua obra possa ser definido como educado — quer a língua do poeta seja a sua, quer tenha ele aprendido essa língua depois de árduos estudos, quer ainda seja ele capaz de 1er apenas uma tradução. Pois se é verdade que o total desconhecimento da língua limita agudamente nossa apreciação desse poeta, isso não serve de desculpa para que ignoremos por completo sua obra. Receio que a palavra que estou prestes a pronunciar venha a surpreender muitos ouvidos como um anticlimax a esse exórdio, pois se trata simplesmente da palavra Sabedoria. Todavia, não há nenhuma palavra mais difícil de definir, e nenhuma mais difícil de compreender. Compreender o que seja a Sabedoria é ser o próprio sábio, e não atingi senão o grau de compreensão da Sabedoria que pode ser alcançado por um homem que sabe que não é um sábio, embora tenha razões para crer que seja màis sábio do que há vinte anos. Digo vinte anos atrás porque me encontro na angustiante situação de citar uma frase que escrevi em 1933. Ei-la: "De Goethe, talvez, seja mais verdadeiro dizer que chapinhou tanto na filosofia quanto na poesia, não obtendo muito êxito nem em uma nem em outra; seu verdadeiro papel foi o de um homem do mundo e de um sábio, como um La Rochefoucauld, um La Bruyère, um Vauvenargues". Jamais reli a passagem em que essa frase jaz sepulta: sempre considerei uma tarefa extremamente incómoda reler meus textos em prosa. Descobri essa citação não faz muito tempo na introdução do Sr. Michael Hamburger à sua edição e tradução dos poemas de Hölderlin. O Sr. Hamburger é minha autoridade para me atribuir essa frase. Ele a citou, cumpre dizê-Io, com desaprovação. É uma frase interessante — interessante por-
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7. Respectivamente, "Teoria das cores" e "Planta origi nal". (N .T. )
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que enuncia muitos equívocos em pouquíssimas palavras juntamente com uma verdade: a de que Goethe era um sábio. Mas o equívoco para o qual desejo chamar a atenção é a identificação da sabedoria com a sabedoria temporal. Dizer que a sabedoria de um "ho me m do mu nd o é, a rigor, uma sabedoria muito limitada não diminui minha admiração por La Rochefoucauld, mas agora, pelo menos, não posso de maneira alguma confundir as duas sabedorias. Há a sabedoria temporal e a sabedoria espiritual. Aquela primeira pode tornar-se afinal uma forma de loucura se ignorar, ou pretender julgar, aquilo que está alem de sua compreensão, enquanto a sabedoria espiritual pode não dar nenhuma ajuda aos problemas deste mundo. Assim, considero que, quando dizemos que um homem e um "sábio ' e que o cont ext o não indica senã o qu e se trata antes de uma espécie de sabedoria do que de outra, o que pretendemos é dizer que esse homem possui uma sabedoria cujo alcance é superior à de outro. E é isso o que nos cabe dizer de Goethe. E possível que haja domínios da sabedoria aos quais ele não teve acesso, mas estou mais interessado em tentar compreender a sabedoria que ele possuía do que em definir suas limitações. Quando um homem é consideravelmente mais sábio do que lhe compete, não tem por que se queixar de que não seja mais sábio do que é. Cabe assinalar um outro equívoco na frase que citei contra mim mesmo, além do que acabo de denunciar. Ela parece sugerir que a sabedoria seja algo que se expressa cm provérbios, aforismas e máximas sábios, e que a soma desses adágios c máximas, incluindo os que alguém pensou mas nunca transmitiu, configure a sua sabedoria ". Tudo isso, é claro, pode ser considerado como indícios de sabedoria. Mas a sabedoria é maior do que qualquer soma de provérbios sábios, e a Sabedoria ela mesma é maior do que a realização da sabedoria em qualquer alma humana. A Sabedoria se louva a si própria, hla se glorifica em meio ao seu povo, Na assembléia do Mais Alto ela abre a boca, E triunfa diante de Seu poder. Eclesiastes, xxiii.
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A sabedoria de um ser humano reside tanto no silêncio quanto na palavra; c, diz Filóteo do Sinai, "os homens de espírito silencioso são muito raros". 8 A sabedoria é um dom que provém da intuição, que amadurece e é exercido pela experiência para compreender a natureza das coisas, certamente das coisas vivas, e mais certamente ainda do coração humano. Em certos homens, ela pode aparecer de maneira indecisa e ocasional, ou apenas uma vez em toda a existência, no êxtase de uma única experiência, seja beatífica, seja terrível: em um homem como Goethe, ela parece ter sido constante, sólida e serena. Mas o homem sábio, contrariamente àquele que é de um lado simplesmente um sábio temporal, e de outro um homem que tem certa visão intensa das culminâncias e das profundezas, é aquele cuja sabedoria aflora de fontes espirituais, que aproveitou sua experiência para chegar à compreensão e que adquiriu a caridade que vem da compreensão dos seres humanos em toda a sua variedade de temperamento, de caráter e dc circunstância. Tais homens se agarram às mais diversas crenças e podem até sustentar certos princípios que consideramos odiosos, mas isso faz parte de nossa própria busca da sabedoria, no afã de compreendê-la. Creio, portanto, que é afinal em virtude da sabedoria que informa sua obra que um autor passa a pcrtenccr à categoria de "grande europeu"; é também graças à sabedoria que ele se torna um compatriota comum de todos nós. Ele não é necessariamente fácil de compreender e, como já disse, pode apresentar tantas dificuldades dc interpretação quanto qualquer outro. Mas o estrangeiro que leu Dante, Shakespeare ou Goethe cm tradução, ou que foi prejudicado pela falta dc um conhecimento perfeito da língua ao 1er o original, não deve perguntar, como poderia fazê-lo em relação a muitos de nossos grandes poetas, "o que admiram os italianos, ou os ingleses, ou os alemães, nesse autor?" Longe de mim a idéia de que a sabedoria desses poetas seja algo distinto da poesia c de que o estrangeiro desfrute daquela cm detrimento desta. A sabedoria é um cle8. É import arne citar um ensaio de Joseph Pieper: Über das Schweigen Goethes
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mento essencial à poesia, e é preciso apreendê-la enquanto poesia para que dela se possa usufruir enquanto sabedoria. O leitor estrangeiro, ao assimilar a sabedoria, é também envolvido pela poesia, pois é a sabedoria da poesia que não seria de modo algum transmitida caso não fosse vivenciada pelo leitor enquanto poesia. Aqui se coloca uma pergunta que não pode ficar sem resposta, em parte porque fui eu que a coloquei, sob forma um pouco distinta, há muitos anos, e porque minha resposta não me satisfez; e em parte porque ela foi recentemente colocada por um crítico de filosofia por cujas opiniões tenho grande apreço, o professor Erich Heller, de Cardiff. Refiro-me a um livro de publicação recente, The disinherited mind\i} particularmente ao capítulo dedicado a Rilke e a Nietzsche. O professor Heller critica, severamente mas sem aspereza, certas afirmações que fiz há alguns anos em Thought und belief in poetry. Eu não sustentaria agora certas coisas que disse naquela ocasião, e estaria algo inclinado a expô-las de modo diferente; mas no que toca a outras afirmações que fiz na época, as críticas do professor Heller não me deixam abatido, tanto mais que, como admite o mesmo Dr. Heller, compartilho tais equívocos com o próprio Goethe. A questão se refere ao lugar das "idéias" na poesia, e à 'filosofia ou o sistema de crenças suste ntado s pelo poeta. O poeta defe nde uma 'idéia da mes ma maneira com o o faz um filósofo?, e quando exprime uma determinada "filosofia' em sua poesia, dever-se -ia esperar qu e ele acreditasse nessa filosofia, ou que pudesse legitimamente tratá-la apenas como matéria adequada a um poema? E, ademais, a aceitação dessa mesma filosofia por parte do leitor seria condição necessária a sua plena apreciação do poema? Ora, na medida cm que aquilo que escrevi anteriormente sobre o assunto diga ou sugira que o poeta não precisa acreditar numa idéia filosófica que escolhe para dar corpo cm seu verso, o professor Heller, sem dúvida, está no absoluto direito de me contradizer, já que uma sugestão dessa índole poderia parecer uma justificativa de leviandade, e anularia todos os valo9
Publicado por Bowes & Bowes, Camb ridg e. Um a edição alem ã foi publicada
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res poéticos, exceto os dc realização técnica. Sugerir que Lucrécio decidiu deliberadamente explorar com propósitos poéticos uma cosmologia que julgava falsa, ou que Dante não acreditava na filosofia extraída a Aristóteles e aos escolásticos, que lhe fornecem a matéria para os mais belos cantos do Purgatorio, seria condenar os poemas que eles escreveram. Mas julgo que o professor Heller simplifica demais o problema ao generalizar o caso particular que examino: nesse ensaio, ele se preocupa em mostrar que Rilke não apenas foi profundamente influenciado por Nietzsche em sua juventude, mas também que a concepção de vida que revela a maioria dos poemas maduros daquele autor constitui uma espécie de equivalente poético da filosofia nietzschiana. E estou absolutamente disposto a admitir que, no caso da relação de Rilke com Nietzsche, o Dr. Heller defende uma excelente causa. Explorar o problema da crença poética versus crença filosófica, e a natureza da atitude (seja da crença, seja da Annahme) do poeta em relação a um sistema filosófico, não só nos levaria muito longe, como também nos afastaria consideravelmente do assunto de que agora me ocupo, pois o objetivo de nossa pesquisa é a questão da crença que se pode exigir do leitor de um poema. O Dr. Heller parece-me inferir que o próprio leitor deva aceitar a filosofia do poeta, se gosta de sua poesia. Aparentemente, é nesse contexto que o Dr. Heller censura o ju lg am en to de um crítico brilhan te, Han s Ego n Ho lt hu se n, sobre Rilke. "Sc as idéias [de Rilke] fossem todas um embuste", diz o Dr. Heller, "ou se, como Herr Holthusen diz em sua obra sobre Rilke, 10 elas estivessem todas equivocadas, no sentido de contradizer aquela 'lógica intuitiva' que nos ensina
10.
Rilke,
de Η. E Holt huse n. Bowes & Bowes. Camb ridg e, e' uma excelente serie modern European literature and thought), editada pelo próprio Dr. Heller. O Dr. Heller não cita, mas o seguinte parágrafo do ensaio de Herr Holthusen deve estar na raiz dc seu com ent ári o: . "Uma vez abstraída a vivacidade concreta de sua linguagem metafórica, seu contexto estético, e consideradas como doutrina filosófica, as idéias' de Rilke são falsas. E essa afirmação é válida se admitirmos que haja um critério objetivamente Válido de distinç ão ent re idéias 'corre tas' e falsa s', que haja uma espec.e de logica intuitiva que controle grupos de idéias em seu acordo com a existência do homem, que. em suma. exista um equilíbrio intelectual capaz de nos permitir distinguir
(Studies
,n
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o que são uma imagem verdadeira e uma imagem falsa do homem, então a poesia teria pouca chance dc ser o que ele julga que cia seja: a grande poesia/' O Dr Heller chega a dizer: 44 Não há poesia se percebermos que as 'idéias' são falsas a ponto de constituírem uma distorção da verdadeira imagem do homem". Parece que somos levados a essa estranha conclusão: a de que Herr Holthusen e vítima de uma ilusão quando imagina que gosta da poesia dc Rilke, pois para ele não pode restar aí nenhuma poesia. H, por outro lado, o próprio Dr. Heller é levado a aceitar uma situação intolerável: a de uma "fenda que tornou impossível para a maioria dos cristãos não sentir, ou pelo menos não sentir também como verdadeiras, muitas verdades que são incompatí veis com a verdade de sua fé". Que não apena s parecem incompatíveis, prestem atenção, mas que o são' Todavia, se percebermos a verdade das "verdades incompatíveis", o sentimento da verdade não se tornará inteiramente ilusório? Considerome de acordo com Herr Holthusen; e, na verdade, se ele estiver enganado c o Dr. Heller certo, então não poderei gostar da poesia de Rilke senão como um mal-entendido. O que pretendo, por um atalho, é estabelecer a distinção entre a filosofia de um poeta e sua sabedoria. A menos que não seja possível estabelecer essa distinção, estarei condenado a permanecer cego aos méritos dc alguns dos maiores poetas. Mas, em primeiro lugar, devo me arriscar a uma teoria da relação entre a aceitação da filosofia e o prazer do poema. O melhor, suponho, é ter em mente não a filosofia de um poeta — pois ela pode variar com seu desenvolvimento —, mas a filosofia daquilo que pode ser considerado um poema filosi morte não pode ser conquistada por rneio de um sentimento monistico; a morte deve permanecer sempre inteira mente distint a de nós, consti tui ndo uma conquisi j por me io da qu il o qu e nos é es tr an ho , um a in va sã o da re al id ad e h um a na por um a realidade que é sobre-humana. A idéia do amor que abdica da Posse e falsa, assim como falsas são as idéias de uma glorificação do mundo, da criação sem um criador. da imanência sem transcendência, da metamorfose de todas as realidades transcendentais de um iminente 'tudo-e-um', da dissolução de Deus na interioridade, da dissolução de Sua pessoa na mais intensa emoção, da definição do Divino em termos de senti mento a rigor, rodo o vocabulári o do 'indi zível ' e do 'invisível I odas essas idéias são tão falsas qua nt o as teses profé tica s de Nietzs che a dout rin a do Eterno Retorno, do Super -Home satani smo' de Baudelaire (N A )
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SÓ fico. Há três óbvios ex emp los: o Bhagavad-Gítã, 11 De rerum naturae ( Da natureza das coisas),12 de Lucrécio, e a Divina comédia, de Dante. E o terceiro deles tem uma singular vantagem para os nossos propósitos pelo fato de estar baseado numa doutrina teológica que pertence ao mundo ocidental e que ainda hoje é aceita por um grande numero dc pessoas. Esses três poemas representam outras tantas conccpções do mundo com discordâncias tão agudas quanto possíveis entre cada uma delas. Deixando de lado as outras diferenças específicas — as de que o Bhagavad Gitã está muito mais próximo de mim no tempo do que Lucrécio —, estaria eu obriga do a admitir que, co mo cristão, posso compreender melhor o poema de Dante do que os outros, embora estivesse na obrigação de poder compreendê10 ainda m elho r se fosse um católico romano? Parece-me que o que faço, quando abordo um grande poema como o Canto sagrado da epopéia hindu, ou o poema dc Lucrécio, não é apenas, como diz Coleridge, "suspender minha incredulidade", mas também colocar-me na posição de um crente. Mas esse é apenas um dos dois movimentos dc minha atividade crítica; o segundo tem por objetivo desligar-mc novamente e olhar o poema do lado de fora da crença. Se o poema estiver distante de minhas próprias crenças, então o esforço de que mais estou consciente é o do desligamento. Com a Divina comédia encontro uma espécie dc equilíbrio; é de preferência com os trechos poéticos da Bíblia, com os profetas e com a maioria de todos os Evangelhos que descubro o esforço do desligamento — isto é, o esforço para apreciar "a Bíblia como literatura" — e nas traduções de nossa Versão Autorizada 1 ' e de Martinho Lutero 11 O Bhagavad Gitã (O canto do bem aventurado) é um poema mistico-filosofico de edificação religiosa que faz parte do sexto livro do Mahâbharjta, no qual se fundem doutrinas pertencentes .i sistemas diversos, como o panteísmo do Vedanta e o dualismo filosófico do Sankhya. Escrito em forma de diálogo, contém os conselhos de Kris hna, enc arna ção de Vis hnu, a Arj una Sào visíveis os traços desse poema no terceiro movimento do terceiro quarteto, The Dry Salvages. dos Four quartets, de Eliot. (N.T.) 12. Esse poema de Titus Lucretius Caro (Roma, c. 94 a.C. - id. c. a.C. ) está dividido em seis cantos, ao longo dos quais o autor rejeita as teorias de Heráclito, Empédocles e Anaxágoras e exalta as de Demócrito e Epicuro. O poema tenta explicar os fenómenos da natureza de maneira científica, expondo teorias ate hoje nem sempre antiquadas. (N.T.) 13. Trata-se da versão de 1611, levada a termo por um grupo de sábios por ordem
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a Bíblia faz parte de nossas duas literaturas —, e aí o esforço de desligamento é mais difícil. Com as Elegias de Duino^ admito, encontro-me no extremo oposto: eu poderia contentarme com o prazer da beleza verbal, emocionar-me com a música do verso; e acabo por realizar um esforço para tentar penetrar num pensamento que, para mim, e tão difícil quanto adverso. Vocês observarão que nessa sístole e diástole, nesse movimento que vai e vem, de aproximação e de recuo, de identificação e de distinção, evitei cuidadosamente recorrer aos termos forma e conteúdo. A noção de apreciação da forma sem conteúdo, ou do conteúdo sem forma, é uma ilusão; se ignorarmos o conteúdo de um poema, não conseguiremos apreciar a forma; se ignorarmos a forma, não captaremos o conteúdo, poi s o si gn if ic ad o de um po em a re si de nas pa la vr as do po em a e apenas nessas palavras. Ε o que acabo de dizer não esgota o conteúdo. Em tudo o que eu disse não nos revelamos preocupados com todo o conteúdo, mas apenas com o conteúdo enquanto sistema filosófico, enq uan to idéias" que po dem ser form uladas em outras palavras, enquanto um sistema de idéias em relação ao qual existe sempre a alternativa de um sistema possível que a razão poderia aceitar. Esse sistema filosófico deve ser convincente: um poema que emergisse de uma religião que nos desse a impressão de ser inteiramente vil, ou de uma filosofia que nos parecesse um completo absurdo, simplesmente não pode ri a ser de modo al gu m en ca ra do com o um p oem a . Pelo contrário, se dois leitores de mesma inteligência e sensibilidade começassem a 1er um grande poema, um que acreditasse na filosofia do autor e outro que simpatizasse com uma filosofia algo diferente, ambos convergiriam para um ponto que jamais poderiam alcançar, no qual as duas apreciações se equivalessem. Assim, é concebível que o professor Heller e Herr Holthusen pu de ssem qu as e chegar ao pont o de co mpa rt ilha r sua es ti ma por Rilke.
qualidade do que "idéias" de uma espécie que devemos aceitar ou rejeitar, expressas numa forma que faz do conjunto uma obra de arte. Quer aceitemos ou não a "filosofia" ou a fé religiosa de Dante, de Shakespeare ou de Goethe (e, na verdade, a questão de saber quais eram as crenças de Shakespeare jamais foi definitivamente esclarecida), há a Sabedoria que todos po de mos acei ta r. E pr ec is am en te por am or a essa Sabe dori a que devemos nos dar o esforço de freqüentar tais autores; é po rqu e ele s são sábi os que de ve rí am os te nt ar , se co nsid er ar mo s que um deles nos é antipático, superar nossa aversão ou nossa indiferença. Dentre as religiões reveladas e os sistemas filosóficos, devemos acreditar que um deles é correto, e os demais, falsos. Mas a sabedoria é XÓ70Ç furòç 1 o mesm o para todos os homens em qualquer parte. Se assim não fosse, que proveito po de ri a ti rar um eu rop eu da le it ur a dos Up an ix ad es , 16 ou dos Ni ka yas bu di st as ? Ap en as al gu m exer cício in te le ct ua l, a sat isf ação de uma curiosidade, ou uma sensação interessante como a de saborear algum exótico prato oriental. Eu disse que a Sabedoria de fato não pode ser definida. O que é a Sabedoria de Goethe? Como sugeri, os adágios de Goethe, em prosa ou cm verso, são apenas ilustrações de sua sabedoria. A melhor prova da sabedoria de um grande escritor é o testemunho daqueles que podem dizer, após um longo convívio com suas obras, "sinto-me mais sábio graças ao tempo que passei com ele". Pois a sabedoria é transmitida em um nível mais profundo do que o das proposições lógicas; qualquer linguagem é inadequada, mas provavelmente a linguagem poética está mais apta a transmitir a sabedoria. A sabedoria de um grande poeta está dissimulada em sua obra, mas quando dela nos tornamos conscientes, tornamo-nos mais sábios. Há muito admito que Goethe tenha sido um dos mais sábios dentre todos os homens, há muito que reconheço ter sido um grande poeta lírico, mas que a sabedoria e a poesia sejam inseparáveis, em poetas da mais alta estatura, é algo que somente percebo a partir do instante em que começo a me tornar um pequeno sábio. Assim,
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Nã o me lancei a essa anál ise gratuit am en te, ma s sim para chegar à conclusão de que há algo mais na poesia de grande 14. Em al . Duineser Elegien. É um conjunto dc dez elegias, publicadas em 1923. do poeta austríaco Rainer Mana Rilke (Praga , 1875 Val Mont , per to de Mont reux . 1926). 1 rata-se de poesia herm étic a, em que o aut or expr ime um a filosofia espirit ua-
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15. "Logos zunos." (N.T.) 16. Texto filosófico com pos to entre os séculos Vili e IV a.C. , anexado ao Veda e
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volto a contemplar as feições de Goethe que tenho sobre o consolo de minha lareira. Considerei-o, assim como aos dois outros, como os três poetas que são incontestavelmente grandes euro peus . Mas nã o gos taria de co nc lu ir se m an tes re co rd ar -l he s qu e tenho esses homens na conta de seres excepcionais, não em espécie, mas em grau; que existiram outros, até mesmo vivos na memória, os quais, embora de nível inferior, pertencem à mesma estirpe; e que uma das condições de sobrevivência de nossa cultura européia no futuro será a da possibilidade de que os povos europeus continuem a produzir tais poetas. E se chegar o momento em que a expressão "literatura européia" deixe de ter algum significado, então a literatura e a lingua de cada uma de nossas nações começará também a definhar e a correr risco de morte.
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Há muitas razões para que não conheçamos os poemas de Kipling tão bem quanto imaginamos. Quando alguém é conhecido primordialmente como autor de prosa de ficção, inclinamonos — e quase sempre, creio eu, com justiça — a ver o seu verso como um subproduto. Confesso que sempre duvido de que qualquer homem seja capaz de se dividir ao ponto dc tirar o melhor proveito de duas formas dc expressão tão distintas quanto a poesia e a prosa de imaginação. Se abro uma exceção no caso de Kipling, não é porque ele tenha feito dessa divisão algo de bem-sucedido, mas porque penso que, por razões que constituirão em parte o objeto deste ensaio, seu verso e sua prosa são in sep ar áveis; de ve mo s ju lg á- lo , af in al , não separa damente como um poeta e um autor de prosa de ficção, mas como o inventor de uma forma mista. Assim, o conhecimento dc sua prosa é essencial à compreensão de seu verso, e um conhecimento de seu verso é essencial à compreensão de sua prosa. Portanto, na medida cm que me ocupo aqui de seu verso, não o faço apenas com o propósito de situá-lo posteriormente e olhar com maior clareza o conjunto da obra. Na maioria dos 1. Introdu ção a A choice of Kipling's v erse. publicada pela Haber & Faber em cola bor aç ão co m a Mc th ue n an d Ma cm il la n, em 194 1. e ta mb é m nos Est ado s Leni dos. pel Do ub le da (N A. )
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estudos sobre Kipling que li, os autores me parecem ter abordado seu verso como secundário, esquivando-se assim à questão — que c, não obstante, uma questão que todo mundo se c o | o c a _ dc saber se o verso de Kipling é realmente poesia e, caso contrário, o que é. O ponto dc partida do verso de Kipling é o motivo do escritor de baladas, e a balada moderna se utiliza dc um tipo de verso capaz de ser apreciado por aqueles que não dispõem de instrumental crítico apropriado. Tendemos, conseqüentemente, a condenar os poemas ao nos referirmos a critérios poéticos que não se aplicam a eles. E nossa tarefa, portanto, compreender o tipo ao qual eles pertencem antes de tentar avaliá-los: por conseguinte, devemos considerar o que Kipling estava e não estava tentando fazer. A tarefa é oposta àquela com a qual geralmente nos defrontamos quando defendemos o verso contemporâneo. Esperamos conseguir defender um poeta contra a acusação de obscuridade, defendé-lo contra a acusação de excessiva lucidez. Esperamos censurar um poeta por sua falta de respeito pela inteligência do homem comum, ou mesmo por escarnecer intencionalmente da inteligência do homem comum, cumpre-nos defender Kipling da acusação de ser um 'jo rna lis ta" q ue recorria apenas às emoções coletivas mais comuns. Cumpre-nos ridicularizar um poeta porque seu verso não parece destinar-sc a ser escandido; cumpre-nos ainda defender Kipling da acusação de escrever rimas que tilintam. Em suma, as pessoas se exasperam diante da poesia que não comprccndcm, e menosprezam a poesia que compreendem sem esforço, da mesma maneira que uma platéia se sente ofendida por um orador que profere um discurso acima dc sua compreensão, c por um outro de quem suspeita estar baixando o nível a fim de que ela o entenda. Um obstáculo adicional à apreciação dc muitos dos poemas de Kipling é seu caráter anedótico e ocasional, bem como suas vinculações políticas. As pessoas estão quase sempre inclinadas a depreciar a poesia que parece não ter qualquer ligação com a situação presente, mas estão sempre dispostas a ignorar aquela que não parece estar associada senão à situação da véspera. IJma agremiação política pode ajudar a conferir à poesia um interesse imediato: é a despeito dessa agremiação que a poesia será lida, se o for, amanhã. A poesia é condenada como "polí-
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tica" quando nos encontramos em desacordo com a política, e a maioria dos leitores não deseja nem o imperialismo nem o socialismo cm verso. Mas a questão não consiste no que é efêmero, e sim no que é permanente: um poeta que nos pareça estar inteiramente fora dc contato com sua época pode, apesar disso, ter algo dc muito importante para dizer a ela, e um po et a qu e ab or do u pr ob le ma s de seu tem po nã o cairá neces sa-
riamente no esquecimento. As Stanzas from the Grande Chartreuse·, de Arnold, expressam um momento de dúvida histórica, registrado por seu mais representativo espírito, um momento que passou, que a maioria de nós já superou numa ou noutra direção, mas tais estrofes representam aquele momento para sempre. Devemos, por conseguinte, tentar descobrir o que é permanente no verso de Kipling, mas isso não equivale simplesmente a dissociar a forma do conteúdo. Devemos considerar o conteúdo em si, as atitudes sociais e políticas em seu desenvolvimento, e fazer um esforço para nos desligarmos das presunções de nossa pr óp ri a gera ção, e nos pe rg un ta rmo s se há algo mais cm Ki pl ing do que está expresso pela caricatura de Beerbohm: um virtuose de cornetim farreando durante o feriado bancário.
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Em minha seleção dos versos de Kipling não encontrei nenhum lugar para os que foram publicados nos primeiros períodos dc produção do autor: para ser exato, a seleção começa à pá gi na 81 da ed iç ão co mpl et a. As obra s anteri or es pe rt en ce m à juventude; todavia, são obras que, tendo sido publicadas em sua época e nela obtido êxito, são de leitura indispensável pa ra uma pl en a co mp re en sã o do processo evol ut ivo de Ki pl in g. A maioria delas não tinha outro objetivo que não tosse o de constituir uma leitura recreativa num jornal inglês editado na índia: nelas se encontra aquele mesmo conhecimento precoce dos níveis mais epidérmicos da fraqueza humana, que e eficaz c irritante cm algumas dc suas primeiras histórias sobre a índia. É obviamente a obra de um jovem inteligente que poderia fazer carreira no jornalismo, mas que nem pelo sentimento nem pelo
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ritmo poderia nos levar a crer que o autor fosse algum dia escrever um poema memorável. Ocioso dizer que não se trata de poesia: o que surpreende e instiga é que isso não pretende ser poesia, que não é a obra de um adolescente a quem se po de ri a at rib ui r qua l qu er as pi ra çã o a escr ev er po es ia. Q u e ele seja dotado, que seja digno de ser observado, é obvio quando se sabe quão jovem era então, mas esse dom parece ser apenas efêmero, e o escritor não cogitava de nada de mais elevado. Houve, entretanto, influências literárias em sua formação. Encontramos em seus versos um pastiche de Atalanta in Calydon1 realizado para seus próprios propósitos imediatos; lembramos também que Mcintosh Jell alud in (qu e nos é apre sent ado ao cair sobre um jovem camelo, enquanto recita The song of the bower ) declama, numa ocasião, o Atalanta inteiro marcando o ritmo com o pé na beira da cama. A família de Kipling mantinha relações com a Sociedade Pré-Rafaelita, 3 e é considerável a dívida que Kipling tem para com Swinburne. Não se trata em absoluto de uma imitação: o vocabulário, o conteúdo e os ritmos são diferentes. Há um monólogo dos tempos da juventude que é muito mais visivelmente imitado de Browning do que qualquer coisa imitada de Swinburne, mas é em dois poemas extremamente distintos do estilo de Browning — McAn-
drew's hymn e The "Mary Gloster" — que a influência dc Browning torna-se mais visível. Por que a influência de Swin bu rn e e Br ow ni ng é tã o di fe ren te daqu ela qu e poder íamos supor? Ela se deve, acredito, a uma diferença de motivo: o que eles escreveram tinha a intenção de ser poesia, enquanto Kipling não estava em absoluto tentando escrever poesia. Houve muitos escritores em verso que jamais pretenderam escrever poesia: à exceção de alguns autores de versos humorísticos, eles são em sua maioria rapidamente esquecidos. A diferença é que eles jamais escreveram poesia. Kipling não escrevcu poe sia , poi s nã o era isso o que se propun ha fa ze r. É essa pe cu li aridade de intenção que tenho em mente ao chamar Kipling 2. Tragedia lírica do poeta inglês Algernon Char les Swinb urne (Londr es. 1837 Putney, perto de Londres. 1909), publicado em 1865. Trata-se de um hino a Grécia antiga, em versos de encant adora riqueza musical (N. T. ) 3. Confraria literária fundada em 1847 por Dante Gabriel Rossetti para reagir aos drõ da art ofi cia l da ép (N .T .)
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de um 'escritor de bal ad a" e me foi necessário algum te mpo pa ra esc lar ece r o qu e pr et en do di zer com isso, poi s est ou di st en dendo e também limitando um pouco o significado da palavra "balada". E verdade que há uma linha contínua no que se refere ao significado que reúne as várias espécies de verso às quais se pode aplicar o termo "balada". Na balada narrativa da fronteira da Escócia, a intenção é contar uma história em que, nesse estágio da literatura, constitui a forma natural para a história que visa elevar a emoção. Nela, a poesia é incidental e, cm (erta medida, inconsciente; a forma é a da estrofe curta rimada. A atenção do leitor se encontra na história e nas personagens, e a balada deve ter um significado imediatamente apreensível por parte de seus ouvintes. Audições sucessivas podem confirmar as primeiras impressões, repetir o efeito, mas a plena compreensão deveria ser transmitida na primeira audição. O esquema métrico deve ser simples a fim dc não chamar a atenção para si, mas as repetições e os refrões podem contribuir pa ra um ef ei to en ca nt at ór io . Nã o de ve m oco rrer com pl icaçõ es métricas correspondentes a sutilezas de sentimentos às quais não se possa reagir imediatamente. Em outro estágio de cultura — co mo em angl o- saxão e nas fo rm as elab or adas do País de Gales —, a poesia desenvolve um virtuosismo consciente, exigindo também um virtuosismo dc apreciação por parte da platéia: as formas impõem ao bardo dificuldades e obstáculos que evidenciam sua destreza quando ele as supera. Cumpre lembrar que essa sofisticação não se encontra apenas presente naquilo a que cha mam os de literat ura "mo de rn a' ou cm estágios ulteriores dc desenvolvimento das literaturas clássicas, como a latina, a grega, a sanscrita, a persa ou a chinesa; trata-se de um estágio alcançado às vezes na poesia de povos dc cultura inferior. E, po r ou tro la do, a ba la da em verso nã o consti tui si mp le sm en te um estágio do desenvolvimento histórico: a balada persiste e se desenvolve à sua própria maneira, equivalendo a um nível permanente de prazer literário. Há sempre* um público potencial pa ra a ba la da , ma s as cond ições sociais da soc iedad e mo de rn a criam dificuldades para que a boa balada seja escrita. E talvez mais difícil agora escrevê-la do que no tempo em que foram compostas as baladas de caserna , pois Kipling tinha, pelo menos, a inspiração e o frescor do music-hall vivo.
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Para escrever a balada contemporânea não cabe recorrer à ajuda particular a fim de sustentar conceitos sociais avançados ou de acreditar que a literatura do futuro deva ser uma literatura 4 'popular". A balada deve ser escrita por aqueles a quem ela satisfaz c para seus próprios fins. Seria também um engano, e uma espécic arrogante de engano, supor que o público das baladas con sis ta de op er ár io s de fá br ic as , de tra ba lh ad or es de manufaturas, de mineiros e lavradores. Ela mobiliza pessoas dessas categorias, mas a composição de sua audiência, suspeito, não guarda relação com nenhuma estratificação social e económica da sociedade. O público para as formas mais altamente desenvolvidas/mesmo para as mais esotéricas espécies de poesia, é recrutado em todos os níveis: as pessoas de pouca educação as consideram amiúde mais fáceis de aceitar do que as de educação média. Por outro lado, o público fiel às baladas inclui muitas pessoas qu e são, se gu nd o as co nv en çõ es , ba st an te ed uc ad as , além de muitas outras entre as quais se incluem os poderosos, os instruídos, os altamente especializados, os herdeiros da pro pr ie da de . Nã o pr et en do sugeri r que esses do is pú bl ic os es te ja m obrigados a constituir, ou devam constituir, dois universos, mas que existe aí um público capaz apenas de prestar atenção à ba la da , e um ou tr o, mais re stri to, ca pa z de go st ar tant o de bala das quanto das mais exigentes formas de poesia. Ora, são às pessoas de ou vi do sensível à ba la da que Ki pl in g se di ri ge , ma s isso não significa que todos os seus poemas despertem o fascínio dos leitores apenas nesse nível. Pouco comum nas baladas de Kipling é sua intenção exclusiva de não tentar transmitir mais do que o espírito simples po de ap re en de r numa pr im ei ra le it ur a ou au di çã o. Ela s se tornam melhores quando lidas em voz alta, e o ouvido não requer nenhum treinamento para acompanhá-las com facilidade. Essa simplicidade de propósito faz-se acompanhar dc um consumado dom da palavra, da frase e do ritmo. Não há poeta que não esteja menos exposto à acusação de se repetir. Na balada, a estrofe não deve ser muito longa e o esquema rítmico não muito complicado; 4 a estrofe deve ser imediatamente apreensível como
um todo; um refrão pode ajudar a identificar a espécic dc estrofe dentro da qual é possível um limitado espcctro de variações. A variedade de formas que Kipling utiliza em suas baladas é notável: nenhuma delas é igual a outra, c todas se ajustam perfeitamente ao conteúdo c ao estado de ânimo que o poema deve transmitir. Tampouco a versificação é muito regular: a pulsação só é monótona quando a monotonia do poema assim o exige; e as irregularidades dc escansão revelam um amplo espectro de po ss ib il id ad es . Um dos mais interessant es exerc ícios na co mb in ação das pulsações pesadas e das variações de tempo pode ser encontrado cm Danny Deever , um poema notável tanto do pon to de vista da técni ca qu ant o do co nt eú do . A rec orr ênc ia regular das mesmas terminações vocabulares, que lucram imensamente com o ritmo imperfeito (parade e said ) dá a impressão de pés em marcha e do movimento de homens em formação disciplinada, numa unidade de movimento que realça o horror da ocasião e a náusea que se apodera dos homens como indivíduos; e o tempo ligeiramente acelerado dos versos finais marca a mudança no movimento e na música. Não há uma única palavra ou frase que chame demasiada atenção para si, ou que aí não se encontre com vistas no efeito global, de modo que quando advém o clímax:
4. Embora Kipling fosse capaz dc lidar ate' mesmo com uma forma tão difícil
V " 'Q ue m c que soluça lá cm cima? ' per gunta o cabo na fileira. / 'É a alma de
'What's that that whimpers over'ead?' said hiles-on-Parade, 'It's Danny 's soul that's passin ' now. ' the Colour-Sergeant said 3 (sendo a palavra whimper ["soluçar"] rigorosamente correta), a atmosfera havia sido preparada para que ocorresse uma com pl et a su sp en sã o da inc re du li da de . Seria ilusório sugerir que todos os poemas de Kipling, ou pe lo men os to do s os qu e tê m im po rt ân ci a, seja m "bal adas": há uma grande variedade de gêneros. Quero dizer apenas que o acesso à compreensão do que ele estava tentando fazer, em todos os seus variados versos, passa pelo motivo da balada. A melhor introdução, para o meu presente propósito, é chamar a atenção para uma dúzia de determinados poemas bastante
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representativos de seus diferentes tipos. Ao leitor para o qual o acesso à poesia através da balada é o mais natural não é necessário mostrar que o verso de Kipling alcança de vez em quando a intensidade da "poesia"; para tais leitores e mais proveitoso discutir o conteúdo e a concepção de vida do autor, e superar os preconceitos que possam alimentar contra qualquer verso que apresente uma temática distinta ou um ponto de vista diferente daqueles que eles estão habituados a aceitar, destacando-o, outrossim, da irrelevante associação com acontecimentos e atitudes subseqüentes. Isso é o que tentarei fazer na seção seguinte. Ao escolher os exemplos que se seguem, penso antes no leitor que, caso suponha que Kipling haja escrito "tilintantes rimas políticas", dá mais ênfase à expressão tilintantes rimas
do que à palavra políticas. A primeira impressão que podemos colher a partir do exame de um certo número de poemas selecionados para mostrar a variedade é que essa variedade c suspeitamente grande. Ou seja, podemos não conseguir perceber aí mais do que o virtuosismo de um escritor capaz de manipular à vontade quaisquer formas e assuntos; podemos não discernir nenhuma unidade. Podemos ser levados a admitir que um poema após outro, de uma maneira ou de outra, tenh a seu mo me nt o poético ', e todavia acreditar que os momentos são apenas acidentais ou ilusórios. Seria um erro admitir que sc possam escolher alguns po em as qu e seja m poe sia , e qu e o re st an te , po r im pl ic aç ão , não tenha necessidade de ser lido. Uma seleção feita dessa maneira seria arbitrária, pois não há um punhado de poemas que possam ser isolados dos demais; isso seria ilusório porque a significação dos "p oe ma s estaria per did a fora do cont ext o do "verso", do mesmo modo que a significação do verso nos escaparia fora do contexto da prosa. Nenhuma parte da obra de Kipling, e nenhuma fase dc sua obra, são inteiramente apreciáveis sem que se levem em conta as demais; e, afinal, essa obra — que, se for examinada peça por peça, não parece ter ne nh um a uni dad e além do acaso de circunst âncias externas — acaba por revelar uma unidade de uma espécie mais complicada. Portanto, se cu chamar a atenção particular de vocês para Danny Deever como uma balada de caserna que só alcança
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de isolá-la das outras baladas do mesmo tipo, mas para lem brar que , no caso de Ki pl in g, vocês nã o po de m traçar um a linha além da qual alguns dos versos se tornem "poesia", e que a po es ia , q u a n d o af lo ra , de ve a in te ns id ad e de seu im pa ct o ao fato de ser algo que está mais além, algo mais do que o escritor prometeu oferecer a vocês, e que o assunto não é jamais sim pl es men te um pr et ex to , uma oca siã o par a a poe sia. Há outr os po em as em que o el emen to da poesi a é mais difícil dc se pa te ntear do que em Danny Deever. Dois poemas que muito se asse-
melham são o Mc Andrew's hymn e The "Aíary Gloster". São monólogos dramáticos, obviamente, como já disse, que devem algo à invenção de Browning, embora intrínseca e metricamente constituam baladas. O veredicto popular escolheu a primeira como a mais memorável; acho que o veredicto popular está correto, mas as razões pelas quais o Mc Andrew's hymn c superior a The " M a r y Gloster nã o são fáceis de explicar. O velho armador rapace desse último poema não está facilmente descartado, e a presença do filho silencioso confere uma qualidade dramática que está ausente no solilóquio de McAndrew. Um poema não é menos bem-sucedido do que o outro. Sc o poema de McAndrew é o mais memorável, isso não ocorre porque Kipling estivesse mais inspirado pela contemplação do sucesso do fracasso do que pela contemplação do fracasso do sucesso, mas po rqu e hav ia poesi a da ma io r qu al id ad e na temá ti ca. Foi McAndrew quem criou a poesia do Vapor, e Kipling quem criou a poesia de Mc An dr ew . Falamos às vezes como se o cscritor que se mostra mais conscient e e metic ulo sam ent e um "ar tesã o' estivesse o mais distante possível dos interesses do leitor comum, e como se o escritor popular fosse um escritor inábil. Mas nenhum escritor se revela artífice mais cuidadoso com as palavras do que Kipling: trata-se de uma paixão que lhe dá um prodigioso respeito pelo artista dc qualquer arte e pelo artesão de qualquer ofício/' e que talvez esteja implícita cm seu respeito à 1 ranco-Maçonaria. 6. O touro que pensava (The bull that thought ) , na arena , "se enfurecia prodigiosamente; ele simulava a derrota; desesperava em abandono estatuário, e por isso faiscava de novo paroxismos de cólera, mas sempre com o desligamento do verdadeiro artista que sabe nào ser mais do que o receptáculo de uma emoção em que
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Os problemas do artista literário reaparecem constantemente em suas histó rias: em Wireless por exemplo, na qual o pobre assistente do farmacêutico tuberculoso é por uma noite identificado com Keats no momento em que escrevia The eve o f St.
Agnes\ em The finest story in the world , em que Kipling enfrenta dificuldades para produzir um poema muito bom em versos livres (a Song of the galley slaves ) c outro muito ruim em versos regulares para ilustrar a diferença entre o poema que se insinua à força na consciência do poeta e aquele a que o pró pr io escr ito r se ob ri ga . A di fe re nç a en tre a ar te sa ni a e a ar te da poesia é, naturalmente, tão difícil de estabelecer quanto a diferença entre a poesia e a arte da balada. Ela não poderá nos ajudar a definir o lugar de Kipling na poesia; só podemos dizer que a artesania de Kipling é mais consistente do que a dc alguns poetas de maior estatura, e que a rigor há muito poucos po em as , me sm o em sua s ob ra s reu ni da s, em q u e el e nã o co ns egue fazer o que se propusera. A artesania do grande poeta po de às vezes lh e fa lt ar , ma s em seus mel ho res in st an te s el e fa z o que Kipling realiza num plano inferior, ou seja, escreve trans pa re nt em en te , de m odo qu e nossa at en çã o está di ri gi da pa ra o objet o, e não para o meio de expressão. I al res ult ado nã o é obtido simplesmente pela ausência de elementos decorativos — poi s at é mes mo a aus ênci a dest es po de ser re sp on sa bi li za da po r ch am ar a at en çã o so br e si —, ma s gr aças ao fat o de ja ma is os utilizarmos em si mesmos, 8 embora, ainda uma vez, o que par ece su pé rf lu o poss a ser o que é de fa to i mpor t ante. Ora, um dos problemas que surgem com relação a Kipling está relacionado àquela perícia artesanal que parece torná-lo tapaz dc transitar de forma para forma, embora sempre numa linguagem identificável, e de assunto para assunto, de modo que ignoramos qualquer compulsão interior que nos obrigaria a escrever isso mais do que aquil o versati lidade qu e po de nos levar à suspeita de que ele seria apenas um performático. Procuramos, tanto num poeta quant o num novelista, o que Henry Jam es 7. Em Proofs of Holy Writ (uma história publicada apenas na edição dc Sussex). Shakespeare e Johns on discutem um prob lema de escolha de palavras coloca do diante deles por um dos tradutore s da Bíblia do rei Jai me (N. A. ) 8. O grande discurso de Enobarbus em Antônio e Cleópatra é profusamente ornament ado, mas essa orname ntaçã o tem um propósito além dc sua própria beleza ( N A. )
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chamava de a Figura no Tapete. 9 No que respeita aos maiores dentre os poetas modernos, essa Figura se encontra perfeitamente manifesta (pois podemos estar certos da existência da Figura sem compreendê-la inteiramente): cito Yeats nesse ponto devido ao contraste entre seu desenvolvimento, que é muito visível na maneira como ele escreve, e o desenvolvimento de Kipling, que só é aparente nos temas sobre os quais ele escreve. O que esperamos perceber, no caso de um grande escritor, é o que ele tinha a escrever sobre o assunto que escolheu, e de que maneira o tez. Em nenhum escritor de estatura idêntica à de Kipling é tão difícil discernir essa exigência interior, essa unidade na variedade. Passo das primeiras baladas a uma segunda categoria do verso de Kipling: a daqueles poemas que se inspiram em tópicos da atualidade ou que os comentam. Alguns desses, como The truce oj the bear y sob forma de um apologo, não almejam muita elevação. 10 Mas ser capaz de escrever bons versos de circunstância é, na verdade, um dom extremamente raro: Kipling tinha esse dom e se dispunha a utilizá-lo muito seriamente. Dentre os poemas desse tipo, eu colocaria Gehazi — poema inspirado pelos escândalos de Marconi — em nível muito alto, como uma apaixonada invectiva que se eleva à autêntica eloqüência (e como um poema que ilustra, incidentalmente, a importante influência das imagens bíblicas e da linguagem da Versão Autorizada sobre os seus textos). Os poemas sobre o Canadá e a Austrália, c sobre os funerais do rei Eduardo VII, são excelentes no gênero, embora não muito memoráveis individualmente. Ε o dom para versos de circunstância está associado ao dom para dois outros gêneros de verso em que Kipling exceleu: o epigrama c o hino. Os bons epigramas são raríssimos em inglês; e o grande hinólogo é muito raro. São ambos tipos de verso extremamente objetivos: eles podem e deveriam estar carregados de intensa emoção, mas é preciso que seja uma emoção capaz dc ser integralmente compartilhada. E capaz dc escrevê-los um autor tão impessoal quanto Kipling, e gostaria 9. Eliot alude aqui à novela The figure tn the carpet { 1 896), do escritor norte-americano natura lizad o inglês Henry Jame s (Nova York, 1843 — Londres. 1916). (N. I.) 10. Embora The truce of the hear deva ser citado entre os poemas que evidenciam
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que o leitor olhasse atentamente os Epitaphs of the war. Tenho Kipling na conta de um grande escritor de hinos por causa do Recessional.11 Trata-se de um poema quase tão conhecido que não carece chamar a atenção do leitor para ele, a não ser para sublinhar que constitui um dos poemas em que algo se revela através dc um nível mais baixo do que o do espírito do observador consciente de assuntos políticos e sociais — algo que tem uma inspiração verdadeiramente profética. Kipling poderia ter sido um dos mais notáveis hinólogos da língua inglesa. Esse mesmo dom da profecia aflora, no plano político, cm outros po em as , co mo The storm cone, mas em parte alguma com categoria superior à do Recessional. É possível, todavia, agrupar todos os poemas de Kipling cm uma ou outra entre diversas categorias distintas. Há o poema Gethesemane, que julgo não compreender 1 2 e que é dc tal modo misterioso que o poeta decidiu situá-lo cronologicamente be m no iníci o de sua ed iç ão co mp le ta , já que el e os te nt a co mo subtítulo a data "1914-1918". E há os poemas do período posterior. Os versos do último período revelam, inclusive, uma diversidade maior do que a dos poemas da juventude. A palavra "experim entação pode ser aplicada, e hon ros ame nte aplicada, ao trabalho de muitos poetas que se aperfeiçoaram e mudaram na maturidade. Na medida em que um homem envelhece, po de vol tar -sc para nov os te ma s, ou ab or da r a mesma ma té ria de um modo diferente; na medida em que envelhecemos, passamos também a viver num mundo diferente, e nos tornamos homens diferentes no mesmo mundo. As mudanças podem ser expressas por uma mudança de ritmo, de imagens, de forma: o verdadeiro experimentador não se sente mais instigado por uma curiosidade irrequieta, ou pelo afã da novidade, ou pelo desejo de surpreender ou causar espanto, mas pela compulsão dc descobrir, em cada novo poema como em seus primeiros, a forma correta para as emoções cujo desenvolvimento não consegue mais, como poeta, controlar. Mas, precisamente, no caso de Kipl ing, o termo desen volv imen to" não parece de modo 11. Hino que se entoa depois do ofício divino. (N.T.)
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algum adequado, assim como o termo "experimentação". Há grande variedade, além dc algumas inovações de fato notáveis,
como em The way through the woods c em The harp song of the Dane women-. What is a woman that you forsake her. And the hearth-fire and the home-acre, To go with the old grey Widow-maker? 13 E nas belíssimas Runes on Weland's sword. Mas havia idênticas invenções originais nos poemas anteriores ( Dan ny Deever); e entre os últimos se registram alguns belíssimos modelos em for-
mas mais convencionais, como Cold iron, The land c The children 's song. Confesso, por conseguinte, que o instrumental crítico que estamos acostumados a utilizar na análise e na crítica de poesia não parecem funcionar aqui; confesso, além disso, que a intros pecç ão de meu s pr óp ri os processos não me conc ede ne nh um a ajuda, pois parte do fascínio desse assunto reside na exploração de um espírito que é muito diferente do meu. Estou habituado a pesquisar a forma, mas Kipling não parece jamais estar à procura da forma, a não ser de uma forma particular para cada poe ma, de mod o que en co nt ram os nos po em as um a ext raordinária variedade, mas nenhum modelo evidente — a conexão deve ser estabelecida em algum outro nível. Todavia, não se trata de nenhuma exibição de virtuosismo vazio, e podemos estar certos de que não há nenhuma ambição de êxito popular ou esotérico apenas pelo gosto do êxito em si mesmo. O escritor não é apenas um homem sério, mas um homem que tem uma vocação. Ele é completamente ambidestro, ou seja, está absolutamente apto a se expressar em verso ou em prosa, mas sua necessidade dc expressar amiúde a mesma coisa numa história ou num poema é uma necessidade mais profunda do que simplesmente exibir sua habilidade. Não sei de nenhum escritor tão bem-dotado para quem a poesia pareça ter sido mais exclusivamente um instrumento. A maioria de nós está interessada na forma pela forma — não independentemente do con13. "O que <5 um a mul her que vos ab and ono u, / E ao fogo da lareira c às terras de vossa propriedade, / Para seguir o velho fabricante grisalho de viúvas?" (N.T.)
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teúd o mas porq ue, ao realizar mos algo qu e, acima dc tudo , existirá, almejamos algo que, conseqüentemente, terá a capacidade de excitar, dentro de um limitado espectro, uma considerável variedade dc respostas para diferentes leitores. Para Kipling, o poema é algo concebido para atuar — c, na maioria dos casos, pa ra ex trair a mesma re sp os ta de to do s os le it or es , e ap enas a resposta que eles podem elaborar cm comum. Para outros poe, o poe ma pod e t a s _ pelo meno s para algun s outr os poetas começar a se configurar em fragmentos de ritmo musical, c sua estrutura surgirá de início em termos de algo análogo à forma musical; c tais poetas acham cômodo se ocupar conscientemente dos problemas relativos à artesania, deixando que o significado mais profundo aflore a partir de um nível inferior. Trata-se, po rt ant o, da que st ão de sa be r aquil o de q u e alguém de ci de tornar-se consciente, e qual a parte do significado, num poema, a ser diretamente transmitida à inteligência, assim como qual a pa rt e a ser in diretam ente com un ica da po r mei o da imp res sã o musical à sensibilidade — lembrando sempre que o emprego da palavra "musical" e de analogias musicais, quando se discute poesia, tem lá seus perigos se não averiguarmos constantemente suas limitações, pois a música do verso é inseparável dos significados e das associações de palavras. Se eu disser, por conseguinte, que essa preocupação musical é secundária e episódica em Kipling, isso não significa que estou lhe atribuindo qualquer deficiência artesanal, mas antes uma ordem de valores diferentes cuja estrutura poética esperamos determinar. Se pertencemos à espécic de crítico que se habituou a avaliar poemas somen te segu ndo os padrõe s da obra de ar te ", po de re mo s te nd er a re pu di ar o ver so de Kip li ng a pa rt ir de pa dr õe s que nã o se apli qu em a el e. Se , po r outr o la do , fo rm os o crítico biográfico, interessado primordialmente na obra enquanto revelação do homem, Kipling se tornará o mais incompreensível dos objetos: nenhum escritor foi mais reticente sobre si mesmo, ou concedeu tão poucas oportunidades à curiosidade alheia, seja po r au to -i do la tr ia , seja po r re pu ls a à su a pr óp ri a pe ss oa . O leitor puramente hipotético que se debruce sobre este ensaio sem nenhum conhecimento prévio dos versos de Kipling po de ri a talvez im ag in ar que me at rib uír am a ca us a dc um esc ritor de indiscutível segunda ordem, e que estou tentando, como numa demonstrarão de minha habilidade como advogado, obter
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uma pequena redução da pena de esquecimento. Poder-se-ia esperar que um poeta que se revelou tão pouco comunicativo com seus êxtases e desesperos pessoais fosse enfadonho; poderse-ia esperar que um poeta que concedia tanto de seu tempo ao serviço da imaginação política fosse efêmero; poder-se-ia, afinal, esperar que um poeta tão constantemente ocupado com a aparência das coisas fosse superficial. Sabemos que ele não é enfadonho, pois fomos todos, uma vez ou outra, por esse ou po r aqu ele po e ma , tomad os dc em oç ão ; sa be mo s que ele nã o é efêmero, pois nos lembramos bastante daquilo que lemos de seu punho. Quanto à superficialidade, essa acusação não lhe p ode ser fe it a se nã o po r aq ue le s que co nti nua ram a lê-lo ap enas com um interesse pueril. Às vezes, Kipling não se revela apenas dotado de penetração, mas quase "possuído" de uma espécie de segunda visão. E em si uma coisa curiosa e sem importância que se lhe haja reprovado o fato de ele haver colocado para defender a Muralha 11 uma legião romana que os historiadores afirmaram jamais ter estado nas proximidades, mas que descobertas recentes comprovaram, na verdade, ter ali acampado: eis uma espécie de coisa que cabe esperar de Kipling. Há cavernas mais profundas c sombrias nas quais ele penetrou, pouc o im port a se at ra vé s da ex pe ri ên ci a ou gra ças à im ag in ação: ocorrem alusões a estas em The end of the passage e, mais
tarde, em The woman in his life e In the same boat\ bastante estranhas, tais histórias se encontram prefiguradas por um poema de sua juventude que não incluí, Lι nuit blanche, que introduz uma imagem que reaparece em The end of the passage. Kipling tinha algum conhecimento das coisas que estavam oculπ tas, e das coisas que se encontravam para além das f r o n t e i r a s .
14 Trata-se da célebre Muralha Romana construída por Adriano no norte da Inglaterra, destinada a defender suas tropas contra as investidas dos pictos (Ν. Γ.) IV Compa rem a descrição da agonia em In the same boat (história cujo final c mais fiel à experiência do que o de The brushwood boy)'. "Suponha que você seja uma corda dc violino - vibrante e que alguém ponha o dedo sobre você" com a image m da "corda do banjo distendida ao máximo pela onda que se quebra em The finest story tn the world . Comparem ainda a história A matter of fact, relativa à erupção de um vulcão submarino que lança um monstro do mar à superfície, com as primeiras passagens de Alice no país das maravilhas', ambas descrevem acontecimentos exteriores que revelam uma exata correspondência com algum rerror espi-
ritual. A matter of Jact é uma história superior a In the same boat, pois a explicação psicológica desta última eclode como um anticlimax à experiência. (N A.)
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Nã o ex pl iq ue i o vers o de Ki pl in g ne m a p er m a ne n t e im pre ssã o que ele pod e ca us ar so br e vocês . Ba st a- me po de r evitar que o coloquem em nichos de columbários que não lhe são adequados. 16 Se o leitor deste livro negar que Kipling seja um grande artista do verso, espero que pelo menos possa ter descoberto novas razões para seu julgamento crítico, pois as acusações comuns que se fazem contra ele não são nem verdadeiras nem relevant es. Util izei a palavra verso' com sua pró pr ia au to rid ad e, pois era ass im qu e el e pr óp rio os de si gn av a. Há poesia nesses versos, mas quando ele escreve versos que não são poesia não é porque haja tentado escrever poesia e não o tenha conseguido. Ele tinha outro objetivo, um objetivo ao qual se aferrava e que se encontra expresso no poema que se segue, extraído de A diversity of creatures'.
THE FABULISTS 191 4—1 918
When all the world would keep a matter hid, Since Truth is seldom friend to any crowd', Men write in fable as old ALsop did\ Jesting at that which none will name aloud. And this they needs must do. or it will fall Unless they please they are not heard at all. When desperate Folly daily laboureth To work confusion upon all we have, When diligent Sloth demandeth Freedom s death. And banded Fear commandeth Honour's grave Even in that certain hour before the fall, Unless men please they are not heard at all. 16. O Dr. J. H. Old ham despertou mi nha atenção para a importân cia do capí tul o sobre Arte e mágica no extr aordi nári o livro The principles of ari, do professor R. G. Collingwood. Collingwood toma Kipling como um exemplo do "artista como mági co", e dei me a arte mágica como " um a arte que é represen tativa e, po rt an to , ev oca dor a de em oç õe s, um a ar te qu e evo ca co m um a fi na li da de de te rm inada algumas emoções mais do que outras para descarregá-las nos assuntos da vida pr át ic a" . A co nt ri bu iç ão do pro fes sor Co ll in gw oo d pa re ce -m e aq ui ex t re ma m en te valiosa, mas, quanto ao fato de Kipling ser a rigor um bom exemplo daquilo que ele chama o artista como mág ico ", não sinto que "o artista com o mág ic o" corresponda a uma descrição cabal de Kipling como um artista do verso. (N A.)
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Needs must all please, yet some not all for need. Needs must all toil, yet some not all for gain, But that men taking pleasure may take heed. Whom present toil shall snatch from later pain. Thus some have toiled, but their reward was small Since, though they pleased\ they were not heard at all.
This was the lock that lay upon our hps, This was the yoke that we have undergone, Denying us all pleasant fellowships As in our time and generation. Our pleasures unpursued age past recall. And for our pains — we are not heard at all. What man hears aught except the groaning guns? What man heeds aught save what each instant brings? When each man's life all imaged life outruns, What man shall pleasure in imaginings? So it has fallen, as it was bound to fall, We are not, nor we were not, heard at all. r
17. "Q ua nd o o mund o inteiro deseja guardar um segredo, / Pois a Verdade é raramente amiga de qualquer multidão. / Os homens escrevem fábulas como o fazia o velho Esopo, / Zombando do que ninguém ousará anunciar em voz alta. / E devem eles fazê-lo, ou a queda advirá. / Pois a menos que agradem, de modo algu m serão ouvidos // Qu an do a Loucura em desespero a cada dia se empe nha / Por lançar a confusão sobre tudo o que possuímos, / Quando a zelosa Preguiça condena à morte a Liberdade. / E o Medo amotinado cava o túmulo da honra / — Me sm o nes sa hor a in cer ta an te s da qu ed a — / A me no s qu e ag ra de m, de modo algum serão ouvidos. // Cumpre agradar a qualquer preço, e todavia nem a todos por necessidade, / Cumpre tambem mourejar, e todavia nem todos para o ganho, / Mas quem se vale do prazer deve manter-se em guarda, / Quem arrancara a dor futura o trabalho presente / Assim, alguns trabalhara m, mais foi escassa a recompensa. / Pois, embora agradassem, de modo algum foram ouvidos. // Foi esse o ferrolho que nos puseram sobre os lábios. / Foi esse o jugo que tivemos de aguentar. / Recusando-nos quaisquer reconfortantes amizades. / Tanto em nosso tempo quanto em nossa geração. / Nossos prazeres negligenciados perdidos para sempre / E qua nto às nossas dores ning uém de mod o algum a* ouve. // Que escuta o homem a não ser os gemebundos canhões? / A que presta atenção, exceto ao que cada instante lhe proporciona? / Quando a vida de cada homem se esquiva a toda vida imaginada, / Que homem sentira prazer na imaginação? / Assim caiu afinal o que estava previsto para cair. / Nào somos, nem fomos, de modo algum ouvidos." (A linguagem especiosa e a sintaxe arrevesada tornam puramente tentativa a tradução desse poema, que, como observa o tradutor francês Henri Fluchère. "esta impregnado de uma nostalgia mística indeterminada".) (N.T.)
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II
Expressei a opinião de que a variedade do verso de Kipling e suas mutações de um período para outro não podem ser explicadas, como tampouco fornecer um modelo unificado, graças ao estudo de seu desenvolvimento, como poderíamos fazer com a maioria dos poetas. Seu desenvolvimento não pode ser com pr ee nd id o po r me io de um ún ic o ver so, pois Ki pl in g fo i, como já disse no in íc io , um esc ritor co mp let o em pr osa e em ver so; e para compreender essas mudanças temos de considerar a prosa e o verso conjuntamente. Kipling parece ser desde o início um escritor de diferentes fases e ocupações, alguém que se desenvolveu por completo em cada um desses períodos, que jamais se comprometeu com uma determinada torma de verso a ponto de ficar impossibilitado de transitar para outra. Ele é tão diferente de outros poetas que o crítico preguiçoso é tentado a afirmar apenas que não se trata em absoluto de um poeta, e fica tudo por isso mesmo. As mudanças em sua poesia, na medida em que são incapazes de ser explicadas por qualquer esquema habitual de desenvolvimento poético, podem, até certo ponto, ser explicadas por modificações de circunstâncias alheias à sua vida. Digo 4 até ceno ponto porqu e Kipli ng, que não é aparentemente senão o reflexo do mundo que o rodeia, é o mais inescrutável de todos os autores. Um imenso dom para o uso das palavras, uma espantosa curiosidade e um poder dc observação tanto do espírito quanto de todos os sentidos; a máscara do comediante e, além disso, um estranho dom de segunda visão, de transmissão de mensagens vindas de alhures, dom tão desconcertante quando dele nos tornamos conscientes que, a partir de então, jamais estamos certos de quando ele não está presente — tu do isso fa z de Ki pl in g um esc ritor ab sol ut am en te im po ssível de compreender e inteiramente impossível de depreciar. A primeira caractcrística que observamos em Kipling é, sem dúvida, uma excepcional sensibilidade em relação ao meio ambiente, de modo que, nesse plano, podemos traçar sua trajetória a partir de circunstâncias externas. O que a vida teria feito desse homem se seu nascimento, sua adolescência, sua maturidade e sua velh ice houvessem se d ese nro lad o nos mes mos
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vida o ordenou, o resultado foi conceder-lhe um singular desligamento e distanciamento de todo o meio ambiente, uma alienação universal que constitui o reverso de sua funda paixão pela In di a, pe lo Im pé ri o Br it ânico, pel a In glater ra c por Susse x, um distanciamento semelhante ao de um visitante perigosamente inteligente vindo de outro planeta. Ele permanece algo alienado c indiferente em relação a tudo aquilo com que se identifica. O leitor que pode descer um pouco — mas não muito p r o f un dam e nt e — abai xo do nível da po pu la ri da de de Ki pl in g como contador de histórias e declamador de baladas, e que revele um vago sentimento em relação a algo que se situe mais abaixo, está apto a fornecer a explicação errônea dc seu próprio desconforto. Tentei desestabilizar a crença de que Kipling é um simples autor de estribilhos populares; precisamos agora considerar se tais "estribilhos populares" são, no sentido pejorativo do termo, "políticos". ler nascido na India e ali ter vivido os primeiros anos de que sua memória tem lembrança é um fator de importância capital para uma criança tão impressionável. Ter permanecido dos dezessete aos vinte e quatro anos ganhando ali a sua vida é, para um jovem muito precoce e observador, uma experiência também importante. Parece-me que disso resultaram dois estratos que se confundem na apreciação de Kipling sobre a índia: o estrato da criança e o do adolescente. Foi esse adolescente que observou os britânicos na índia e escreveu as mais insolentes e ácidas histórias de Delhi e Simla, mas foi por meio da criança que ele aprendeu a amar o país e sua gente. E Purun Bhagat, são as quatro grandes personagens indianas de Kim que se tornam reais: o Lama, Mahbub Ali, Hurree Chunder Mookerjee e a opulenta viúva do norte. Quanto aos britânicos, aqueles com os quais ele se revela mais simpático são os que sofr eram ou decaíram — Mcintosh Jell alud in aprendeu mais do que Strickland. 18 Kipling pertence à índia de uma maneira diferente da de qualquer outro inglês que haja escrito sobre esse país, e de uma maneira diferente da de qualquer indiano 18. A propósit o da etica de Kipling e dos tipos human os que ele indica respeitosame nte, consu Ite-se um valioso ensaio do Sr. Bonamy Dob rée em lhe lamp ami
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em particular, que tem uma raça, um credo, uni domicílio local e, caso seja um hindu, uma casta. Ele poderia quase ser chamado de o primeiro cidadão da India. E sua relação com a índia nele determina o que de mais importante existe num homem: sua atitude religiosa. Trata-se de uma atitude de com preen siv a to le râ nc ia . 19 Ele não é um descre nte pelo cont rári o, é capaz de aceitar todas as crenças, as dos muçulmanos, dos hindus, dos budistas, dos parses ou dos jainas, e ate mesmo (por meio da imaginação histórica) a do culto de Mithra; se sua com pr ee ns ão do cr is ti an is mo é men os co rd ia l, isso se de ve a sua formação anglo-saxónica; e não há dúvida de que ele vira na índia muitos clérigos do tipo do Sr. Bennett, em Ktm. Seria um equívoco capaz de nos indispor contra a compreensão da singular contribuição de Kipling explicar seus sentimentos em relação ao Império Britânico e sua posterior afeição por Sussex si mpl es me nt e co mo a no st al gi a dc um ap át ri da , como a necessidade de um apoio sentida por um homem que não pertence a parte a lgum a. Explicar satisf ator iamen te se us sentimentos patrióticos dessa maneira é necessário apenas àqueles que consideram que tais sentimentos sejam impróprios como tema poético. Há talvez aqueles que admitam o patriotismo expresso em poesia, porém na defensiva: o Henrique V dc Shakespeare é aceitável, com sua grandiloqüência aliás embaraçosa, pois o exército francês era consideravelmente maior do que as tropas inglesas, ainda que a guerra conduzida por Henrique só dificilmente pudesse ser descrita como defensiva. Mas se há um preconceito contra o verso patriótico, há um preconceito ainda mais poderoso contra o patriotismo imperial em verso. Para muitas pessoas, um império acaba por tornar-se alguma coisa da qual se deve pedir desculpas, sob o pretexto de que este se constituiu por acidente, e que, ademais, é dc algum modo um assunto temporário a ser eventualmente absorvido por alguma associação mundial de caráter universal, enquanto o patriotismo em si haverá de tornar-se inarticulado. Mas é preciso que nos habituemos a reconhecer, no caso dc Kipling, que o Império Britânico não era simplesmente uma idéia, uma boa ou má idéia; era algo cuja realidade ele sentia. 19. N ão a tolerância da ignor ânci a ou da ind ife ren ça. (N A )
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E na expressão de seus sentimentos ele não estava certamente pret en de nd o ad ul ar um a va id ad e nacional, racia l ou im peri al , ou tentando divulgar um programa político: o que Kipling pretendia era comunicar a consciência de alguma coisa de cuja existência ele percebia que a maior parte das pessoas não se encontrava de todo consciente. Era uma consciência de grandeza, decerto, mas era muito mais uma consciência de responsabilidade. Há a questão de que a poesia "política" seja admissível; há a questão da maneira pela qual a poesia política de Kipling é política; há a questão relativa àquilo em que consistia a sua po lí ti ca; e, fina lm en te, pe rd ur a a qu es tã o do qu e te mo s a dizer daquela considerável parte de sua obra que não pode em absoluto, por mais que se amplie o alcance do termo, ser chamada dc política. Cumpre chamar atenção para um outro grande escritor inglês que pôs política em verso — Dryden. A questão dc saber se Kipling era um poeta não se relaciona à questão de saber se Dryden também o era. O autor de Absalom and Achiíopel 2υ estava satirizando uma causa perdida retrospectivamente, e se colocara ao lado do vencedor; o autor dc The hind and the panther x argüia um caso de política eclesiástica, e ambos os propó-
sitos eram muito distintos daquele a que Kipling se propunha. Os dois poemas de Dryden eram mais políticos em seu apelo à razão do que o foi qualquer um dos de Kipling. Mas ambos tinham muito em comum. Um e outro eram mestres da trase, e utilizavam ambos ritmos mais simples que faziam habilmente variar; e exigiam ambos que seu meio de expressão tosse empregado para transmitir uma afirmação singela c vigorosa, mais intensa que um modelo musical de tons carregados dc emoção. E (se é possível utilizar esses termos sem confusão) eram ambos antes poetas clássicos do que românticos. Chegaram à poesia pe la el oq üê nc ia , pois ta nt o par a um qu an to par a ou tr o a sabedoria predominava sobre a inspiração; e estavam os dois mais 20. Trata-se de um dos poema s satíricos mais conhecidos do poeta e dramatu rgo inglês Joh n Dryden (Aldwinkle All Saints, North amp ton. 1631 - Londres, 1700), pu bl ic ad o em 1681 . (N T ) 21 Esse poema de Dryden. t amb ém de caráter alegórico, foi publicado em 1687. Já convertido ao catolicismo, Dryden se envolve aí numa controvérsia entra a Corça (Igreja de Roma) e a Pantera (Igreja Anglicana). (N.T.)
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interessados no mundo que os rodeava do que em suas próprias alegrias e tristezas, e seus sentimentos os interessavam mais no que tinham de semelhantes aos dos outros homens do que em suas particularidades. Mas eu não desejaria levar tal semelhança muito longe, como tampouco ignorar suas grandes diferenças; e se Kipling suporta a comparação sob certos aspectos, cabe lem brar qu e ele te m ou tr as qu al ida de s q ue nã o for am aq ui de modo algum cogitadas. Certamente, Kipling concebia tanto o verso quanto a prosa como meio de expressão destinado a um propósito de caráter pú bl ic o; se nos fosse nec ess ário em it ir um julgament o so br e seu pr op ós it o, de ve rí am os te nt ar no s col oca r nas si tu aç õe s hi st óric as cm que várias de suas obras foram escritas; e se nosso preconceito for favorável ou adverso não devere mos encarar suas observações sobre determinada situação histórica do ponto de vista de um período posterior. Devemos também considerar sua obra como um todo, e os primeiros anos à luz dos últimos, e não exagerar a importância de composicões ou expressões particulares de que possamos não gostar. Até mesmo estas podem ser mal interpretadas. O Sr. Edward Shanks, que escreveu o melhor livro sobre Kipling que já li (e cujo capítulo sobre Ό prof eta do Imp ério " — "T he prophe t of Empir e' — resum e admir avelmente os conceitos políticos de Kipling), 22 diz do poema intitulado Loot , uma balada de soldado que descreve as formas de extorquir aos nativos seus tesouro s escon dido s: Esse po em a é totalmente odioso, e faz o comentarista de Kipling enrubescer qua nd o se empe nha em expli cá-l o" . E 1er uma at it ude no po em a da qu al nu nc a su sp ei te i. Não cr ei o q ue nesse poema Kipling haja recomendado a rapacidade e a avidez de tais irregularidades, como tampouco desculpado a rapina. Se o acreditarmos, deveremos também presumir que The ladies foi escrito par a glorificar a caót ica mi sc ig enaç ão po r pa rt e do s so ld ad os profissionais aq ua rt el ad os em ter ras es tr an ge ir as . Dur ant e o pe rí od o a qu e pe rt en ce m tais po em as , Ki pl in g, ind ub it av el mente, percebeu que o soldado profissional e seus oficiais eram ba st an te de sp re za do s por seu s pací fi cos co mpa tri ot as qu e se 22. A obra de Shanks a que Eliot se refer e é Rudyard Kipling: a study m litera
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encontravam na Inglaterra, c que no tratamento dispensado aos soldados c aos militares desmobilizados havia menos do que justiça social, mas sua preocupação era a de tornar o soldado conhecido, e não de idealizá-lo. Kipling se exasperava tanto com o sentimentalismo quanto com o menosprezo ou a negligência — e uma atitude está sujeita a suscitar a outra. Eu disse que na poesia de Kipling não há desenvolvimento, mas mutação; e por desenvolvimento devemos entender as mudanças ocorridas no meio ambiente e no próprio homem que Kipling foi. O primeiro período é o da índia; o segundo, da viagem à América e de seu domicílio nesse continente; e o terceiro, o dc seu estabelecimento cm Sussex. Tais divisões são óbvias; o que não é tão óbvio é o desenvolvimento de sua concepção de império, uma concepção que se distende e se contrai ao mesmo tempo. Ele jamais fez vista grossa às falhas e aos erros do Império Britânico, mas sustentou uma sólida crença com relação àquilo que este deveria e poderia ser. Em sua última fase, a Inglaterra — e um determinado recanto da Inglaterra — tornou-se o centro de sua visão. Ele se mostra mais preocupado com o problema da saúde do coração do império; esse coração está algo envelhecido, mais natural c mais permanente. Ao mesmo tempo, entretanto, sua visão descortina uma perspectiva mais ampla, e Kipling vê o Império Romano c o lugar que nele ocupa a Inglaterra. A visão é quase a de uma idéia de império no seio do paraíso. E com toda a sua imaginação geográfica e histórica, ninguém poderia estar mais longe do que ele do interesse pelo homem na coletividade, ou da manipulação deste na massa: seu símbolo foi sempre um homem individual. O símbolo, que em determinada época havia sido o de homens como Mulvaney ou Strickland, tornou-se o de Parnesius e Hobden. Os mecanismos técnicos não perderam seu encanto para ele; o telégrafo sem fio e a aviação sucederam-se ao navio a vapor, c numa de suas histórias que mais surpreenderam o mundo — They — um considerável papel é desempenhado po r um pr im it iv o, e nã o mui to co nf iá ve l, mo de lo dc au to mó vel; mas Parnesius e Hobden são mais importantes do que as máquinas. Um é o defensor de uma civilização (de uma civilização, não da civilização em abstrato) contra a barbárie, enquanto o outro representa o contato essencial da civilização com o solo.
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Ευ disse que
há sempre algo de estranho cm Kipling, como se ele fosse o visitante de outro planeta, c para alguns leitores ele pode ainda parecer estranho na identificação de si mesmo com Sussex. Há um elemento de tour de force em toda a sua obra que deixa alguns leitores pouco à vontade (sempre suspeitamos de pessoas muito inteligentes). Kipling pode suscitar um pouco a mesma desconfiança de outro grande homem que era também estranho dc uma maneira muito diferente, e num plano mais trivial, embora também tivesse a sua visão de império e seus lampejos de profunda intuição. Mesmo aqueles que admiram Disraeli podem se considerar mais à vontade com Gladstone, gostem ou não do homem e de sua política. Mas a estranheza de Disraeli era comparativamente algo de simples. E, sem dúvida, a diferença do meio ambiente dos primeiros anos, ao qual se deve a estranheza de Kipling, proporcionoulhe uma compreensão do meio rural inglês distinta daquela que tem um homem que aí nasceu e se educou, e nele deu origem a pensamentos sobre esse mesmo ambiente que os nativos da região fariam bem em considerar. É possível que seja prejudicial à reputação de um escritor o fato de que ele haja alcançado grande sucesso no começo da vida, com uma obra ou com um tipo de obra, pois é devido à sua obra pregressa que ele será lembrado, e as pessoas (os críticos, às vezes, principalmente) não costumam modificar suas opiniões a partir de obras mais recentes do autor. Além disso, no caso de Kipling, um preconceito contra o conteúdo pode associar-se a uma falta de compreensão da forma e produzir uma condenação inconsistente. Com base no conteúdo, ele era considerado um tory\ e com base no estilo, um jornalista. Tanto um termo quanto o outro deveriam certamente ser tidos apenas como honrosos, mas o primeiro acaba por granjear um ódio po pu la r po r caus a de um a id en ti fica çã o vu lg ar co m uma pa la vra mais detestável: para muitas pessoas, uma atitude crítica em relação à democracia' veio a implicar uma atitud e simp ática ao fascismo, que, de um ponto dc vista autenticamente Cory, constitui apenas a extrema degradação da democracia. Dc modo análogo, o termo "jornalista", quando aplicado a alguém que não pertence à redação de um jornal, acabou por adquirir uma conotação dc bajulador para o gosto popular do
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mo me nt o. Kipli ng não cheg ava sequer a ser um tory no sentido daquele que se mantém incondicionalmente leal a um pa rt id o po lí ti co : ele pod e ser assim co ns id erad o nu m se nt ido em que somente um punhado de escritores, juntamente com um grupo dc pessoas em sua maioria incapazes de se expressar, obscuras e sem prestígio, podem ser sempre os tones dc uma geração. E quanto ao fato dc ser um jornalista (no sentido acima citado), devemos ter em mente que as causas por ele defendidas não eram causas populares no momento em que ele as formulou, que ele não pretendeu idealizar os conflitos de fronteira nem o soldado profissional e que suas reflexões sobre a guerra dos Bôeres'' são mais de censura do que de louvor. É pos sível su ge ri r que, na me did a em qu e ele se associava à glória do império, contribuía desse modo para dissimular seus aspectos mais sórdidos: o comercialismo, a exploração e a negligência. Nenhum leitor atento de Kipling pode sustentar, entretanto, que ele não estivesse ciente das falhas do domínio britânico: ele simplesmente acreditava que o Império Britânico era uma coisa boa e pretendia colocar diante dos olhos de seus leitores a imagem ideal que esse império deveria ser, embora estivesse agudamente cònscio da dificuldade que seria até mesmo se aproximar dessa imagem, e do permanente perigo de se afastar inclusive do modelo que poderia ser atingido. Não consigo encontrar nenhuma justificativa para a acusação de que ele sustentava uma doutrina de superioridade racial. Kipling acreditava que os britânicos tinham uma aptidão maior para dominar do que a de outros povos, e que dispunham de um maior número de homens generosos, incorruptíveis e desinteressados capazes de realizar uma boa administração; e sabia que o ceticismo, no que toca a essa matéria, conduz mais provavelmente a uma magnanimidade maior do que a um relaxamento do senso de responsabilidade. Mas não se pode acusá-lo dc sustentar que qualquer britânico, simplesmente por causa de sua raça, fosse de algum modo necessariamente superior ou mesmo igual a um in div ídu o de outra raça. Oi tipos de homem que 23. Con fli to (1899-1902) causa do pelo anta gonis mo entre Cecil Rhodes, pnmc.roministro do Cabo (Africa do Sul) e pione.ro do .mperialismo britânico na Atrua. e Paul Kruger, presidente do Transvaal, que levou à ocupação de Pretoria em
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Kipling admira não estão limitados por quaisquer preconceitos. Sua obra mais madura sobre a índia, e o maior dentre os seus livros, e Kim. O conceito de Kipling como um divertido autor popular é devido ao fato de que suas obras foram populares e de que divertem. Todavia, nada impede que alguém expresse conceitos populares do momento num estilo impopular, e eis que todos se queixam quando o escritor divulga conceitos impopulares e os exprime de forma extremamente legível. Não pretendo discutir por mais tempo o "imperialismo" que Kipling professa em seus primeiros anos, pois é preciso falar sobre o desenvolvimento de suas concepções. Caberia dizer a essa altura, antes de ir mais adiante, que Kipling não é um doutrinário nem um homem de programa. Suas opiniões não devem ser consideradas como antíteses às de H. G. Wells A imag ina ção de Well s é uma coisa e suas opiniões políticas, outra: estas últimas se modificaram, mas não amadu recer am Mas Kipling não pensa, mesmo no sentido em que se pode atribuir essa atividade a Wells: seu objetivo, e seu dom, é o de fazer com que as pessoas vejam, pois a primeira condição de um pensamento correto é a sensação correta; a primeira exigência para compreender um país estrangeiro é sentir-lhe o cheiro, como sentimos o cheiro da índia em Kim. Se vocês virem e sentirem verdadeiramente, se Deus lhes conceder esse poder, então vocês serão capazes de pensar corretamente. O resumo mais simples da mudança de Kipling, na metade de sua vida, é o "desenvolvimento da imaginação imperial na imaginação histórica . Para tal des envo lvi men to deve ter contribuído em alto grau sua permanência em Sussex, pois teve ele a humildade de se submeter à paisagem dos arredores e ao frescor de visão de um estrangeiro. Aludirei aqui mais aos contos do que aos poemas, pois o modelo desses últimos anos de sua pr od uç ão co nj ug a o po em a c o co nt o n um a espéci e de tod o — ou um co nt o e doi s po em as —, co mbi nan do -os pa ra cu nh ar uma forma que nunca ninguém utilizou do mesmo modo e no emprego da qual provavelmente ninguém jamais o superou. Quando falo de "imaginação histórica", isso não significa que dela eu admita apenas uma espécie. Duas espécies distintas estão exemplificadas por Victor Hugo e por Sthcndal em seus
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relatos sobre a batalha de Waterloo. Para aquele primeiro, é a carga da Velha Guarda, e a estrada cm desnível que leva a Ohain; para Sthendal, a súbita consciência de Fabrice de que o barulhinho incessante à sua volta era causado pelas balas. O historiador de uma dessas espécies é aquele que dá vida a abstrações; o historiador de outra espécie pode envolver toda a civilização no comportamento de um único indivíduo. H. G. Wells pode conferir uma grandeza épica ao acúmulo de uma fortuna americana. A imaginação de Kipling insiste sobre a experiência pessoal de um determinado homem, assim como a sua índia se realiza graças a determinados homens. Em The finest story in the world vê-se aflorar a mesma paixão pelo detalhe exato que amplia a latitude de seus estudos sobre a maquinaria. A galera grega é descrita do ponto de vista da galera eslava. A embarcação pertencia "à espécie movida a remos, e a água do mar jorra através dos orifícios do remo, e os homens remam com a água pelos joelhos. Em seguida há um banco que corre entre duas fileiras de remos, e um capataz munido de um açoite vai e vem ao longo desse banco para fazer os homens tra ba lh ar em (... ) Há um a cor da est icada no ar, at ad a ao conv és superior, a fim de que o capataz a segure quando a embarcação sc move; assim que o capataz solta a corda e cai entre os remadores, lembrem-se de que o herói explode numa gargalhada e é vergastado como punição. Ele está acorrentado a seu remo, é claro — o herói (...) com um cinturão de ferro ao redor dos quadris, fixo no banco em que está sentado, e com uma espécie de algema no punho esquerdo, que o acorrenta ao remo. Ele está no convés inferior, onde lhe são encaminhados os piores galés, e onde a única luz que chega provém das escotilhas e dos orifícios dos remos. Poderiam vocês imaginar a luz do sol se espremendo entre o cabo do remo e as bordas do orifício e vacilando conforme o balanço da embarcação?" 24
24. Eis o texto origin al: "T he kind rowed with oars, and the sea spurts throug h the oar-holes, and the men row sitting up their knees in water. Then there's a be nc h ru nn i ng do wn be tw ee n th e tw o lin es of oar s, an d an over see r wit h a wh ip walks up and down the bench to make the man work. (...) There's a rope running overhead, looped to the upper deck, for the overseer to catch hold of when the ship rolls. When the overseer misses the rope once and falls among the rowers remember the hero laughs at him and gets licked for it. He's chained to his oar, of
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A imaginação histórica pode nos proporcionar uma consciência angustiante da extensão do tempo, ou nos transmitir uma impressão vertiginosa da proximidade do passado. Ou ambas ao mesmo tempo. Especialmente em Puck o f Pook's hill e Rewards and fairies, Kipling visa, creio eu, fornecer a um rempo um sentido de antigüidade da Inglaterra, do número dc gerações e de pessoas que cultivaram a terra e foram po r sua vez ne la se pu lt as , e da c ont em por an ei dade do pa ss ad o. Tendo previamente revelado uma compreensão imaginária do espaço, na qual se inclui a Inglaterra, ele procede a uma conquista semelhante em relação ao tempo. Os contos da história inglesa precisam ser considerados em relação às histórias posteriores que mantêm um vínculo contemporâneo com o período
de Sussex, como An habitation enforced , My son's wife e The wish house, juntamente com They, sob um aspecto dessa curiosa história. A consciência que Kipling tinha dc Sussex e o amor que este lhe inspirava constituem uma questão muito distinta do senti ment o de qual quer out ro escritor regional de fam a semelh ante, como Thomas Hardy Nào é apena s que ele estivesse agudamente cônscio daquilo que deveria ser preservado, enquanto Hardy se revela um cronista da decadência; ou que escrevesse sobre Sussex tal como o encontrara, enquanto Hardy escrevia sobre um Dorset que já se encontrava em declínio na sua infância. E que, antes de mais nada, a consciência do "fa bu li st a" e a co nsci ênci a da imag ina rão po lí ti ca e hi st ór ic a es tã o sempre presentes na obra do autor de Kim. Imaginar Kipling como um escritor que pudesse abordar qualquer assunto, que escrevia sobre Sussex porque estivesse saturado de seus temas estrangeiros e imperiais, ou que já houvesse saciado o interesse do público por estes, ou simplesmente porque fosse um camaleão que mudasse dc cor conforme o ambiente, seria totalmente erróneo, pois sua obra posterior nada mais é do que a continuação e o coroamento da produção dos primeiros tempos. course — ehe hero (...) with an iron band round his waist fixed to the bench he sits on. and a sort of handc off on his left wrist chaini ng hi m to the oar. He' s on the lower deck where the worst men are sent and th e onls light come s from th e hatchways and through the oar-oles. Can't you imagine the sunlight just squeezing through between the handle and the hole an wobbling about as the ship moves?"(N.T )
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A outra peculiaridade das histórias que Kipling escreveu sobre Sussex, à qual já me referi, consiste no fato de que ele empresta à sua obra o frescor de um espírito e de uma sensibilidade desenvolvidos e amadurecidos num meio inteiramente distinto: ele descobre e reclama uma herança perdida. Os Chapins americanos, em An habitation forced , têm um papel passivo: o protagonista da história é a casa e a vida que ela implica, com a profunda insinuação dc que o camponês pertence à terra, o proprietário aos arrendatários, o fazendeiro aos seus lavradores, e não o contrário. Trata-se de uma deliberada inversão dos valores da sociedade industrial. Os Chapins (exceto no que concerne à sua origem, pois vêm de um país de mentalidade industrializada) são na verdade uma espécie de máscara do pró pr io Ki pl in g. Ele est á t am bém po r trá s do her ói de um a histó ria menos bem-sucedida desse mesmo grupo, My son's wife. (Considero-a menos bem-succdida porque ele parece indicar sua moral de maneira excessivamente direta, e porque o contraste entre a sociedade tagarela dos intelectuais de Londres — ou do s su bú rbi os — e a fi lh a sil enc iosa do no tá ri o, qu e gosta dc caçar, é martelada com enorme insistência. O contraste entre o mundo bucólico em que os medíocres ainda participam do que está bem e um mundo intelectual em que o medíocre é habitualmente dissimulado e sempre enfadonho não é inteiramente justo. A animosidade que ele revela contra este sugere que ele não tem seu olho no objeto: pois só podemos julgar o que compreendemos, e deve-se constantemente ja nt ar co m a op os iç ão . ) O qu e mais im po rt a nessas his tór ias,
em The wish house c cm Friendly brook , é a visão dc Kipling sobre as pessoas da terra. Não se trata de uma visão cristã, mas pe lo me no s de uma visão pagã — co nt ra di çã o da con cepçã o materialista; é a intuição dc uma harmonia telúrica que deve ser restabelecida caso os cristãos desejem redescobrir uma imaginação de fato cristã. O que o escritor tenta transmitir, mais uma vez, não é um programa de reforma agrária, mas um pon to de vist a in in te li gí vel par a a me nt al id ad e in du st ri al iz ad a. Daí o valor artístico do elemento obviamente inacreditável de The wish house, que se combina estranhamente com o sórdido realismo das mulheres do diálogo, do ônibus rural, da vila suburbana e do câncer dos pobres.
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Essa difícil e obscura história, The wish house, tem sido estudada cm relação a dois difíceis e obscuros poemas (não incluídos aqui) que a precedem e sucedem, e que seriam ainda mais difíceis c obscuros sem a história. A essa altura, estamos muito distantes do simples contador de histórias — muito distantes, inclusive, do homem que considerava seu dever tentar que certas coisas se tornassem claras para seus compatriotas, coisas que eles não poderiam ver. Ser-lhe-ia difícil imaginar que tantas pessoas de sua própria época, ou de qualquer época, ju lg asse m pr ob lem át ico compreen der as pa ráb ol as , ou mesmo apreciar a precisão das observações, os esforços calculados para selecionar e combinar elementos, a escolha de palavras e expressões, que exigia o seu processo de elaboração. Ele devia saber que qualquer deslize nesse sentido poderia comprometer sua fama, seu prestígio como contador de histórias, sua reputação como "jornalista tory', como escritor fácil capaz de improvisar num relance algo sobre o que ocorrera na véspera e até mesmo como autor de livros infantis que as crianças gostavam de 1er e de ouvir 1er. Voltemos ao ponto de partida. Os últimos poemas, assim como os últimos contos aos quais eles pertencem, são às vezes muito obscuros, pois tentam exprimir algo mais difícil do que os primeiros poemas. São poemas de um escritor mais sábio e mais amadurecido, mas não revelam nenhuma evolução do "verso" em direção à "poesia", constituindo exatamente o mesmo instrumental das primeiras obras, embora sejam agora instrumentos que atendem às exigências dc um propósito maduro. Kipling sempre pôde manipular, do começo ao fim, uma considerável variedade de formas métricas e estróficas com absoluta competência, às quais introduzia notáveis variações de seu próprio punho; como poeta, todavia, nada inovou. Ele não é um desses escritores dos quais se pode dizer que, a partir de sua contribuição, a forma da poesia inglesa seria diferente caso cies não tivessem escrito. O que fundamentalmente diferencia seu "verso" da "poesia" é a subordinação do interesse musical. A rigor, muitos de seus poemas, se julgados por aquilo que deles nos chega aos ouvidos, dão uma impressão do estado de ânimo do autor, enquanto outros são distinta-
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mente onomatopaicos: há uma linha harmônica de poesia que não se desenvolve simplesmente para além de seu alcance, mas que poderia interferir na intenção. É possível argüir exceções, mas ref iro -m e aqui a sua obra em con jun to , e susten to que, sem compreender o propósito que anima seu verso como um todo, não se pode estar preparado para compreender as exceções. Não al eg o escus as po r ter ut il iz ad o aq ui os te rm os "v er so " e " po es ia " de uma forma reticente, de modo que, quando me refiro à obra de Kipling corno verso, e não como poesia, não me julgo ainda capaz dc falar dc composições em separado como poemas, como tampouco sustentar que há "poesia" nesses "versos". Lá, onde a terminologia se torna flutuante, onde nos faltam palavras para expressar o que sentimos, a única maneira de sermos precisos é reconhecer a imperfeição de nosso instrumental e dos diferentes sentidos em que utilizamos as mesmas palavras. Caber-me-ia deixar claro que, quando oponho "ver so" a "po esi a", não estou, nesse contexto, emitindo um juízo de valor. Não entendo aqui por verso a obra de alguém que escreveria "poesia", se disso fosse capaz; entendo po r ver so al go que fa z o qu e a " poesi a " não po de ri a fa zer. O que transformaria o verso de Kipling em poesia não representa nem um fracasso nem uma deficiência: ele sabia perfeitamente o que estava fazendo; e, de seu ponto de vista, mais poe sia" po de ria in te rf er ir em seu pr op ós it o. E reivindi co, em se tratando de Kipling, o direito que temos de falar em "grande verso". Que outros famosos poetas devessem ser incluídos na categoria de grandes artistas do verso é uma questão que não vamos aqui tentar esclarecer. Essa questão está agravada pelo fato de que teríamos de nos ocupar com assuntos tão imprecisos quanto a forma e o tamanho de uma nuvem ou o começo e o fim de uma onda. Mas o escritor cuja obra está sempre mais próxima do verso não é um grande artista do verso; se um escritor deve ser assim considerado, deve existir algo em sua obra de que possamos dizer se é verso ou se e po es ia . Ε o poeta que não pudesse escrever em "verso" quando este fosse necessário estaria privado daquele sentido de estrutura que se requer para tornar legível um poema de qualquer
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extensão. Eu sugeriria também que aceitássemos mais facilmente que aquilo que é mais valioso é também mais raro, e vice-versa. Posso cogitar de uma série de poetas que escreveram grande poesia e somente de alguns poucos dos quais se poderia dizer que foram grandes artistas do verso. E a menos que eu esteja enganado, o lugar que Kipling ocupa nessa categoria é não apenas elevado, mas único.
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As gerações poéticas em nossa época parecem se estender po r um pe rí od o de cerca de vi nt e anos. Nã o qu er o dizer qu e a melhor obra de qualquer poeta esteja limitada a vinte anos; 0 que pretendo dizer é que esse é o período de tempo que se deve considerar para que uma nova escola ou um novo estilo po ét ic o ap ar eç am . No mom en t o, po r assim di zer, em qu e um homem atinge os cinqüenta anos, ele tem atrás de si uma espécie de poesia escrita por autores que já chegaram aos setenta, e diante de si uma outra espécie escrita por aqueles que mal alcançaram os trinta. Essa é a minha posição no momento, e se eu conseguir viver mais vinte anos, espero ver ainda uma outra escola mais jovem de poesia. Minha atitude em relação a Yeats, contudo, nào se encaixa nesse esquema. Na época em que eu era jovem e estudava numa universidade norte-americana, e começava então a escrever meus primeiros versos, Yeats já era um no me de consi derá vel pr estí gi o no m undo da poe sia , e seu primeiro período de produção já se achava bem definido. Nã o consig o me le mb rar se, nesse mom ent o, sua poe sia che gou a me causar qualquer profunda impressão. Um homem muito 1 Primeira conferência anual sobre Yeats, pronuncia da para os Amigos da Academia Irlandesa no Abbey Theatre, em Dublin, cm 1940. Essa conferência foi depois bl ic ad (N A.)
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jo ve m, in st ig ad o eie pr óp ri o pe lo de se jo de esc rever, nã o é pr imordialmente um crítico ou sequer possui um espírito amplamente aberto. Ele está à procura de mestres que lhe facilitem a tomada dc consciência daquilo que ele próprio quer dizer, da espécie de poesia que traz em si e que pretende escrever. O gosto de um escritor adolescente é intenso, mas estreito, poi s est á de ter mina do po r nece ssid ad es pesso ais. A espé ci e de poe sia de qu e cu ti nh a ne ce ss id ad e, ca pa z de me en si na r a fa ze r uso de minha própria voz, não existia em absoluto na língua inglesa; ela só podia ser encontrada na França. Por essa razão, a poesia do jovem Yeats quase nenhuma impressão me causou até o dia em que meu entusiasmo foi desencadeado pela poesia de um Yeats mais velho; e por essa época — quero dizer, a part ir de 1919 —. o pr óp ri o curso de m i nha ev ol uç ão já esta va determinado. Daí se conclui que, de certo ponto de vista, passei a considerádo um contemporâneo, e não um antecessor; e, por ou tr o la do , co mp ar til ho do s se nt imen tos de au tor es ma is joven s qu e vieram a co nh ec ê- lo e a ad mirá -lo gr aças àq ue la obra escrita a partir de 1919, que foi concebida quando eles eram adolescentes. Estou absolutamente certo de que a admiração dos poetas mais jovens da Inglaterra e dos Estados Unidos pela poesia de Yeats lhes foi inteiramente benéfica. Sua maneira de se exprimir era muito pessoal para correr o risco de ser imitada, e suas opiniões muiro diferentes das deles para que lhes exaltassem c ratificassem os preconceitos. Foi bom para eles estar diante do espetáculo de um poeta vivo indiscutivelmente grande, cujo estilo não tentaram reproduzir e cujas idéias se opunham àquelas que estavam na moda entre eles. Vocês não encontrarão, cm seus textos, senão indícios passageiros da impressão que Yeats lhes causou, mas a obra, e o próprio homem como poeta, tiveram para eles, não obstante, a maior significação. Isso pode par ece r cont ra ri ar o que eu havi a di to so br e a espéci e de po es ia que um poeta jovem escolhe para admirar. Mas, na verdade, estou falando de algo diferente. Yca*s não teria exercido essa influência se não se tornasse um grande poeta, mas a influência a que me refiro é devida à própria figura do poeta, à integridade de sua paixão pela arte e ao seu ofício, ao qual cie
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volvimento. Quando ele vinha a Londres, gostava de se reunir e conversar com os poetas mais jovens. As pessoas disseram algumas vezes que ele era arrogante e autoritário. Jamais o considerei assim; cm sua conversa com um escritor mais jovem sem pr e se nt i que ele se co mp or ta va de m odo 'i gual , co mo com um companheiro de trabalho, um artífice do mesmo mistério. Assim o era, suponho, porque, ao contrário de muitos escritores, ele se preocupava mais com a poesia do que com sua pró pr ia rep ut aç ão de po et a ou da im ag em qu e de le se faz ia co mo tal. A arte é maior que o artista, e Yeats transmitia aos outros esse sentimento; eis por que os mais jovens jamais se sentiam po uc o à vo nt ad e em sua co mpa nhi a. Isso, estou certo, era parte do segredo de seu talento, após tornar-se indiscutivelmente o mestre, em permanecer sempre contemporâneo. O outro segredo era o contínuo desenvolvimento a que me referi, que se tornou quase um lugar-comum na crítica sobre sua obra. Mas quase sempre que dela se fala, não se analisam nem suas causas nem sua natureza. Uma das razões, decerto, era simplesmente a concentração e o trabalho árduo. E por trás disso está o caráter: refiro-me aqui ao caráter especial do artista como artista, isto é, à força de caráter graças à qual Dickens, após esgotar sua inspiração inicial, foi capaz de escrever, em plena meia-idade, uma obra-prima como Bleak house, tão diferente de seus primeiros trabalhos. É difícil e imprudente generalizar os meios de composição — são tantos os meios quantos forem os homens —, mas minha experiência me ensina que, na meia-idade, um homem tem três escolhas: pa ra r in tei ra men te de esc rev er, re pet ir -sc com um a ha bi li da de que talvez haja sido intensificada pelo virtuosismo ou, graças à reflexão, adaptar-se à idade que tem e descobrir uma maneira diferente de trabalhar. Por que os últimos poemas longos de Browning c de Swinburne são, cm sua maioria, ilegíveis? Segundo creio, porque o essencial de Browning ou Swinburne está inteiramente nos primeiros poemas, enquanto com os últimos o que percebemos é a perda do frescor que havia nos anteriores, sem que neles se possam encontrar novas qualidades que a compensem. Quando um autor está envolvido numa obra de pensamento abstrato — se é que existe algo que se possa chamar cabalmente de pensamento abstrato fora das ciências
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físicas c matemáti cas — , seu espírito pode amadu recer , en qu ant o suas emoções ou permanecem as mesmas, ou se atroliam, o que pouco importa. Mas amadurecer, para o poeta, significa amadurecer como homem inteiro, sentir novas emoções próprias à sua idade, e com a mesma intensidade que na sua juventude. Uma forma — forma perfeita de desenvolvimento — é a de Shakespeare, um dos raros poetas cuja obra da maturidade é tão instigante quanto a da época de sua juventude. Há, creio eu, uma diferença entre o desenvolvimento de Shakespeare e o de Yeats, que torna ainda mais curioso o caso desse último. Em Shakespeare observa-se um lento e contínuo desenvolvimento da mestria de seu artesanato cm relação ao verso, e a poe sia da me ia -i da de pa re ce im pl íc it a na da pr im ei ra mat ur idade. Após os primeiros raros exercícios verbais, vocês dirão dc cada peça da obra: "Essa é a perfeita expressão da sensibilidade desse estágio de seu desenvolvimento". Que um poeta de algum modo se desenvolva, que encontre algo de novo para dizer, que o diga igualmente bem. em plena meia-idade, é sempre algo de milagroso de sua parte. Mas no caso de Yeats a espécie de desenvolvimento me parece distinta. Não quero dar a impressão de que vejo sua obra da juventude e seus textos da maturidade quase como se tivessem sido escritos por dois autores diferentes. Se retrocedermos a seus primeiros poemas após um íntimo conhecimento dos últimos, perceberemos, logo de saída, que ocorreu em sua técnica um lento e permanente desenvolvimento daquilo que constitui sempre o mesmo meio de expressão e a mesma maneira de exprimir. E quando digo desenvolvimento, não pretendo afirmar que muitos dos primeiros poemas, pelo que representam, não estejam tão magistralmente escritos quanto podiam sê-lo. Há alguns, como Who goes wtth Fergus?, que são tão perfeitos em seu gênero quanto qualquer outro cm língua inglesa. Mas os melhores, e os mais conhecidos dentre eles, têm esta limitação: são tão satisfatórios em si, como "peças antológicas", quanto o são no contcxto de seus outros po em as do me sm o pe rí od o. Obviamente, estou mc utilizando da expressão "peças antológicas" num sentido bastante especial. Em qualquer antologia, encontram-se alguns poemas que proporcionam por si só uma completa satisfação c deleite, dc forma que o leitor mal se inte-
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resse por saber quem os escreveu, ou fique desejoso de penetrar mais profundamente na obra do poeta. Há outros, não necessariamente tão perfeitos ou completos, que despertam uma irresistível curiosidade de saber mais daquele poeta por meio de outra obra de sua autoria. Naturalmente, essa distinção só se aplica a po em as cu rt os , aq ue le s em qu e um au to r foi cap az de coloca r apenas parte dc seu espírito, se tal espírito tem alguma envergadura. Com tais poemas, vocês percebem imediatamente que quem os escreveu devia ier muito mais o que dizer, em diferentes contextos, de idêntico interesse. Ora, entre todos os poemas pe rt en ce nt es aos pr im ei ro s vo lu me s dc Yea ts enco nt ro apena s em um ou outro verso aquele sentido de uma personalidade única que nos instiga e nos deixa sequiosos de conhecer mais sobre o que pensa e sente o autor. Só dificilmente é que a intensidade da própria experiência emocional de Yeats se entremostra. Temos prova suficiente da intensidade da experiência de sua juventude, mas essa evidência só se manifesta retrospectivamente quando lemos algumas de suas obras da maturidade. Em meus ensaios anteriores enaltcci o que chamei de impessoalidade na arte, e poderia parecer que, ao dar como razão pa ra a su pe rio rida de da s ob ra s ma du ra s de Yeats a expr essão mais intensa da personalidade que nelas se patenteia, estou me contradizendo. E possível que eu tenha mc expressado mal, ou que fosse apenas um adolescente que se agarrara a essa idéia — com o ja ma is su po rt ei rel er me us textos em pro sa, ad mi to deixar esse ponto em suspenso —, mas penso agora, pelo menos, que a verdade a respeito do assunto seja a que se segue. Há duas formas de impessoalidade: a que é natural para o artesão talentoso e a que é mais ou menos adquirida pelo artista à medida que amadurece. A primeira é a que caracteriza os fragmentos a que chamei de "peças antológicas", ou a de poemas líricos de Lovelacc 2 ou Suckling, 3 ou mesmo de Campion, esse 2. Lovelacc, Ric hard . Poet a inglê s (Woo lwi ck. Ken t. 1618 Londres, c. 1657). Seus versos, de erotismo delicado e sensibilidade musical, foram influenciados por Donne e os "metafísicos", como o atestam To Altbea. from pmon (1642) e lo Lucana, going to the war (1649). (N .T.) 3. Suckling, Sir Joh n. Poeta inglês (Whi tto n, Middlesex. 1609 - Paris, 1642). Cortesão brilhante, envolveu-se numa conspiração e morreu no exílio. Ficou cele bre por sua Ballad upon a wedding . bem como pela tragèdia Aglaura. publicada em 1638. (N.T.)
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último superior àqueles. A outra forma de impessoalidade č a do poeta que, graças a uma experiência intensa e pessoal, é capaz dc exprimir uma verdade geral: sem nada perder da pa rt ic ul ar ida de de su a ex pe ri ên ci a, esse poe ta de la fa z um sí m bo lo ge ra l. Η o estranho é que Yeats, que se revelou um grande artesão na primeira categoria, tornou-se um grande po et a na se gu nda . Nã o c que ele se ha ja t ornado um h o m e m diferente, pois, como sugeri, percebe-se claramente que a intensa experiência da juventude foi bem vivida — e, na verdade, sem essa experiência anterior ele jamais poderia, sequer de longe, ter alcançado a sabedoria que aparece em seus textos da maturidade. Mas ele tinha que aguardar a última etapa da maturidade para encontrar a expressão de sua experiência pr egre ssa; e é isso, s up on ho , qu e o tor na um poe ta ún ic o e pa rtic ul ar men te int er es sa nt e. Considerem o poema da juventude que se encontra em
todas as antologias, When you are old and grey and full of sleep ou A dream of death, incluído no mesmo volume de 1893. São belos po em as , ma s prod ut os ap en as de um ar te sã o, po is ne le s não se percebe a particularidade que deve prover a matéria par a a ve rd ad e ge ra l. Na ép oc a em que se pu bl ico u o vol um e de 1904 há um desenvolvimento visível em um poema de fato
encantador, The folly of being conforted , e em Adam's curse; algo se passa e, ao pôr-se a falar como um homem particular, ele começa a falar para o homem. Isso se torna ainda mais claro no poema Peace, pertencente ao volume que foi publicado em 1910. Mas isso não está plenamente evidenciado até o volume que se deu à estampa em 1914, na violenta e terrível dedicatória epistolar da Responsibilities, com os grandes versos
Pardon that for a barren passion 's sake, Although I have come close on forty-nine. (...)* Ε o fato de confessar sua idadc no poema é significativo. Mais
da metade de uma vida para chegar a tal liberdade de expressão... E um triunfo. 4.
Perdo em-m e por causa dc uma paixão estéril. / Em bora eu esteja com quas e
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Yeats tinha também muito o que descobrir sozinho, mesmo no que se refere à sua técnica. Ser o mais jovem dos integrantes de um grupo dc poetas, nenhum deles certamente dc estatura semelhante à sua, mas que se desenvolveram em seu domínio limitado, eis algo que poderia interromper por algum tempo a evolução da linguagem de um autor. E em seguida, mais uma vez, o peso do prestígio pré-rafaelita deve ter sido tremendo. O Yeats do crepúsculo céltico — que me parece ter sido mais o Yeats do crepúsculo pré-rafaelita — utiliza o folclore céltico quase da mesma maneira como William Morris se vale do folclore escandinavo. Seus poemas narrativos mais extensos trazem a marca de Morris. Na verdade, durante a fase prérafaelita, Yeats não é de modo algum o menor dos pré-rafaelitas. Posso estar enganado, mas a peça The shadowy waters pa rec e- me um a da s ma is pe rf ei ta s expres sões da vaga beleza encantada daquela escola poética; e, todavia, tenho a impressão — isso pod e ser um a im pe rti nê nc ia de mi nh a part e — de qu e são os mares ocidentais vislumbrados através da janela dos fundos de uma casa em Kensington,' 1 mito irlandês para a Kelmscott Press. 6 E quando tento visualizar os interlocutores dessa pe ça , de sc ub ro -l he s os gr an de s olhos vago s c sonh ador es de Burne-Jones." Julgo que a fase cm que ele aborda a lenda irlandesa da maneira como o fizeram Rossetti e Morris é uma fase de confusão. Yeats não conseguiu tornar-se um mestre dessa lenda até o momento cm que dela fez um veículo para a sua pr óp ri a cr ia ção de pe rs on ag en s — na ve rd ad e, at é o mo me nt o em que começou a escrcvcr as Plays for dancers. O fato é que, ao tornar-se mais irlandês, não do ponto de vista do fundo, mas da expressão, ele se torna ao mesmo tempo universal. Desejo sublinhar particularmente dois aspectos no que se refere ao desenvolvimento de Yeats. Em primeiro lugar — c já al ud i a isso , ter re al iz ad o o qu e Ye ats rea lizou na mei a5. Quarteirao em que reside a burguesia abastada de Londres. (N.T.) 6. A Kelmscott Press estava instalada na casa de William Morris, em Hammersmith. (N.T.) 7. Burne-Jone s. Edw ard (na verdade. Edward Coley Jones) Pintor e desenhista inglês (Birmingham. 1X33 - Londres, 1898). Um dos fundadores, com William Morris e Dante Gabriel Rossetti, da escola pré-rafaelita. Sua obra esta bem representada na Birmingham Art Gallery. (N.T.)
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idade e nos últimos anos de sua vida constitui um grande e pe rman en te ex em pl o — qu e os po et as de ho je de ve ri am considerar com respeito — daquilo a que chamei de Caráter do Artista: uma espécie de excelência tanto moral quanto intelectual. O segundo aspecto, que se revela naturalmente em virtude do que eu disse na crítica sobre a absoluta falta de expressão emocional em sua obra da juventude, é aquele que se relaciona ao Yeats como um poeta eminentemente da maturidade. Longe de mim afirmar que ele é um poeta destinado apenas aos leitores de meia-idade: a atitude para com Yeats por parte dos poetas mais jovens que escrevem em inglês no mundo inteiro é prova suficiente do contrário. Ora. em teoria, não há nenhuma razão pela qual a inspiração ou a matéria poética desapareçam na maturidade ou em qualquer época anterior à senilidade, pois um autor que é capaz de viver uma experiência se encontra num mundo diferente em cada década de sua vida; como ele a vê com olhos diferentes, a matéria de sua arte é continuamente renovada. Mas, na verdade, são raros os poetas que revelam essa capacidade de adaptação aos anos. Isso exige, a rigor, uma honestidade e uma coragem excepcionais diante da transformação. A maioria dos homens ou se agarra às experiências da juventude, de maneira que seus textos se tornam uma réplica leviana de sua obra anterior, ou deixa a paixão de lado, pa ss an do a escr ever ap en as com a ca be ça , co m um vi rt uo si sm o estéril e vazio. Há uma outra tentação, inclusive pior: a de se tornarem figuras respeitáveis, homens públicos sem nenhuma pa rt ic ip aç ão na vida pú bl ic a — ca bi de s ap inhado s de med alha s e condecorações, fazendo, dizendo ou mesmo pensando e sentindo aquilo que acreditam que o público deles espera. Yeats não pertencia a essa estirpe de poetas, e essa é, talvez, uma razão pela qual os jovens deveriam julgar sua poesia da maturidade mais aceitável do que com maior facilidade poderiam fazêlo os mais velhos, pois o jovem pode vê-lo como um poeta que, ao longo de sua obra, permaneceu sempre jovem no melhor dos sentidos e que, sob certo aspecto, rejuvenesceu com a idade. Mas os velhos, a menos que não sejam em parte instigados pela honestidade para consigo mesmos expressa na poesia, fica rão agastados com a revelação daq uil o qu e um ho me m de tato é e continua a ser, recusando-se a crer que eles sejam isto:
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You think it horrible that lust and rage Should dance attendance upon my old age; They were not such a plague when I was young; What else have I to spur me into song?8 Esses versos são particularmente impressionantes e nada agradáveis, e o sentimento que os inspira foi recentemente censurado po r um cr ít ico in gl ês qu e co st um o respeitar. Nã o os li como uma confissão pessoal de um homem diferente de qualquer outro, mas a de um homem que era essencialmente como a maioria dos outros; a única diferença é a de uma claridade, de uma honestidade e de um vigor maiores. A que homem honesto, idoso o bastante, tais sentimentos podem ser inteiramente estranhos? Podem eles ser subjugados e disciplinados pe la re li gi ão ? Mas que m será cap az de dizer qu e eles est ejam mortos? Somente aqueles aos quais se aplica a máxima de La Rochefoucauld: "Quand les vices nous quittent, nous nons flattons de la créance que c'est nous qui les quittons". 9 A tragédia do epigrama de Yeats está toda no último verso. Analogamente, a peça Purgatory não é tam bém nada agradável. Eu desejaria que ele não tivesse escolhido esse título, po is nã o posso ace itar um pu rg at ór io em qu e não haja ne nh um a alusão — ou, pelo menos, nenhuma ênfase — relativamente à Purgação. Mas, afora o extraordinário talento dramático com que ele introduziu tamanha ação dentro dos limites de uma cena tão exígua e de pouco movimento, a peça oferece uma magistral exposição das emoções de um velho. Segundo penso, o epigrama que acabo de citar me parece dever ser considerado no mesmo sentido dramático que o da peça Purgatory. O poeta lírico — e Yeats foi sempre um lírico, mesmo quando dramático — pod e se dirigir a qua lqu er home m, ou a homens muito diferentes de si próprio, mas, para fazê-lo, ele deve momentaneamente identificar-se com cada homem ou com outros homens; e é apenas sua capacidade de imaginação de se trans8. "J ul ga m vocês ser terrível qu e a luxúria e a cólera / Devessem bailar ao sabor dc minha velhice; / Elas não me afligiam tanto quando eu era jovem: / O que mais poderia me instigar a compor uma canção?" (N.T.) 9. "Q ua nd o os vícios nos aban don am , gabamo-n os na crença de que fomos nós
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for mar nisso que leva algu ns leitores a supo r qu e ele esteja falandò para si mesmo e consigo mesmo, especialmente quando pr ef er e nã o se co mpr omet er . Nã o de se jo en fa ti za r ap en as esse as pe ct o da poesia da maturidade de Yeats. Gostaria de chamar a atenção para o belo po em a The winding stair , em mem óri a de Eva Gore- Boot h c de Con Markiewicz, 10 no qual a im age m, a pri ncí pio de
Two girls in silk kimonos, both Beautiful one a gazelle, 11 recebe uma grande intensidade graças ao impacto do verso seguinte:
When withered. old and skeleton gaunt. 12 e também para Coole Park , que começa assim:
I meditate upon a swallow s flight. Upon an aged woman and her house. Nesses po em as pe rc eb e- se qu e as em oç õe s ma is in te ns as e dese jáveis da juv en tud e fo ra m pr es er va da s pa ra ac ol he r, re tr os pe ct ivamente, a plena expressão que lhes era devida, pois os sentimentos interessantes da velhice não são sentimentos diferentes: são sentimentos aos quais os sentimentos da juventude são incorporados. O desenvolvimento de Yeats em sua poesia dramática é tão instigan te quan to o que se observa em sua poesia lírica Referi me a ele como poeta lírico num sentido em que não aplicaria tal conceito, por exemplo, a mim mesmo; e com isso quero dizer que me refiro antes a uma certa espécie de emoção do 10. Eva Gore-Booth (1870-1926) e sua irmã Constante, depois condessa Markiewicz, estiveram associadas à renovação poética irlandesa e aos trágicos acontecimenios da rebelião de 1916. cujos líderes foram execut ados (N T.) 11. "Dua s moças em quim ono de seda. amb as / Belas, uma delas uma gazela .'
(NT.) 12. " Qua ndo murchas, velhas e encarquilhadas " (N. T.) 13. "Medito sobre o vôo da andorinha, / Sobre uma mulher envelhetida e sua casa." (N.T.)
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que a determinadas formas métricas. Mas não há nenhuma razão pela qual um poeta lírico não seja também um poeta dramático; e, para mim, Yeats é o tipo de lírico dramático. ForamIhe necessários muitos anos para que desenvolvesse a forma dramática que melhor convinha ao seu génio. Quando ele começou a escrever peças, drama poético era o mesmo que peças escritas em verso branco. Ora, o verso branco era há muito uma unidade métrica morta. Identificar todas as razões desse desaparecimento escaparia ao cscopo deste ensaio, mas é óbvio que uma forma que foi tratada tão magistralmente por Shakes pe ar e te m lá sua s de sv an ta ge ns . Se vocês escrev ere m um a peça do mesmo tipo das dc Shakespeare, a lembrança é angustiante; se escrevcrem uma peça de tipo diferente, é dc enlouquecer. Além disso, como Shakespeare é tão superior a qualquer dramaturgo que se lhe seguiu, o verso branco somente a custo pode estar dissociado da vida dos séculos XVI e XVII; e só dificilmente se consegue captar os ritmos com que o inglês é falado nos dias de hoje. Considero que se algo que se assemelhasse ao verso branco regular devesse ser restabelecido, isso não poderia ocorrer senão depois de um longo interludio, ao longo do qual ele se libertaria das associações de sua época. No tempo em que Yeats escreveu suas primeiras peças não era possível recorrer senão à peça em verso; não se trata dc uma crítica ao pr óp ri o Ye at s, ma s de um a af ir ma çã o de qu e as fo rm as do verso mudam em determinados momentos e cm outros, não. Suas pr im ei ra s peç as em ver so, in cl ui nd o o Green helmet , escrita numa espécie de verso irregular rimado de catorze pés, são de grande beleza e, pelo menos, as melhores que se escreveram em verso em nossa época. E mesmo nestas cumpre observar certo desenvolvimento na irregularidade das medidas métricas. Yeats não inventou em absoluto um novo metro, mas o verso br an co de sua s úl ti ma s peç as rev ela um gr an de pro gre sso em direção a essa forma; e o que mais surpreende é o virtual abandono do verso branco cm Purgatory. Um artifício usado com grande sucesso em algumas das últimas peças é o interludio coral lírico. Mas uma outra (e importante) causa do aperfeiçoamento dramático dc Yeats é o gradual expurgo de qualquer ornamento poético. Essa é, talvez, a mais penosa etapa do tra ba lh o, no que se re fe re à ver sificaç ão, do po et a mo de rn o qu e
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tenta escrever uma peça em verso. Esse aperfeiçoamento se torna cada vez mais absoluto. O belo verso que ali se encontra e, por sua própria beleza, um luxo perigoso para o poeta que se tornou um virtuose da técnica teatral. O que preciso é uma beleza qu e nã o se re du za a um verso ou a um a pa ss ag em isolada, mas que esteja tecida na própria textura dramática, de modo que só dificilmente poderiam vocês dizer se são os versos que conferem grandeza ao drama, ou se é o drama que transforma as palavras em poesia. (Um dos mais tocantes ver-
sos do Rei Lear c o singelo Never, never, never, never, never,
u
mas, sem o conhecimento do contexto, como poderiam vocês dizer que isso é poesia, ou mesmo verso competente?) A purificação do verso de Yeats torna-se muito mais evidente nas quatro Plays for dancers e nas duas que estão incluídas no volume pó st um o: a ri gor, é nes sas du as q ue se en co nt ra sua forma dr amática correta e definitiva. É também nas primeiras três das Plays for dancers que ele ensina como se pode tratar o mito irlandês mais do lado de dentro do que do lado de fora, como anteriormente aludi. Nas primeiras peças, assim como nos primeiros poemas, sobre heróis e heroínas lendários, percebo que as personagens são tratadas, com o respeito que tributamos à lenda, como criaturas de um ,mundo distinto do nosso. Nas últimas peças, elas se tornam homens e mulheres universais. Talvez eu não incluísse The dreaming o f the hones rigorosamente nessa categoria, pois Dermot e Devorgilla são personagens da história moderna, e não figuras da pré-história; mas, para reforçar o que já disse, eu observaria que, nessa peça, os dois amantes têm algo da universalidade de Paolo e Francesca de Dante, e tal característica o Yeats mais jovem não lhes poderia ter atribuído. O mesmo ocorre com o Cuchulain, em The hawk's well , e com Cuchulain, Emer e Eithne, em The only jealousy of Emer\ o mito deixa de ser apresentado gratuitamente e passa a constituir o veículo de uma situação de significação universal 14. "Jamai s, jamais, jamais, jamais, jama is. " Ato V, cena III
Esse verso pert ence
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Percebo a esta altura que posso ter dado a impressão, contrária ao meu desejo e à minha crença, de que a poesia e as peç as do pr im ei ro pe rí od o de pr od uç ão de Yeats po de m ser ignoradas em favor de suas últimas obras. Vocês não podem dividir tão radicalmente assim a obra de um grande poeta. Onde se observa o prolongamento de uma personalidade tão positi va e de um pr op ós it o tã o excl usivo não se po de co mp re en der, ou propriamente apreciar, a obra ulterior sem antes estudar e estimar aquela que a antecedeu; e a obra dos últimos anos sempre deita alguma luz sobre a dos primeiros, revelandonos uma beleza e uma significação que não havíamos percebido até então. Temos também que levar em conta as condições histórica s. C om o eu disse aind a há pouc o, Yeats nasceu no fim de um movimento literário que, afinal de contas, era um movimento literário inglês. Somente aqueles que trabalharam com a língua conhecem o esforço e a constância exigidos para se libertar de tais influências; por outro lado, entretanto, assim que nos familiarizamos com a voz mais antiga, tornamo-nos capazes de lhe ouvir as modulações individuais, mesmo em seus primeiros versos publicados. Na época de minha própria juventude pareceu-me que não havia grandes forças poéticas imediatas que pudessem ser úteis ou adversas, que nos ensinassem alguma coisa ou contra as quais deveríamos nos insurgir, ainda que não me escapassem a dificuldade da outra situação e a magnitude da tarefa. No caso da peça em verso, por outro lado, a situação é oposta, pois Yeats de nada dispunha, e não dispúnhamos de Yeats. Ele começou a escrever peças numa época em que a peça em prosa sobre a vida contemporânea parecia triunfante, com um futuro indefinido que se abria à sua frente; em que a comédia de farsa ligeira se ocupava apenas de certas camadas sociais privilegiadas da vida metropolitana; e em que a peça séria tendia a se configurar como um tratado sobre algum efêmero problema social. Podemos agora começar a perceber que até mesmo suas precárias tentativas são provavelmente textos literários mais duradouros do que as peças de Shaw, e que sua obra dramática como um todo pode atestar uma resistência mais poderosa à vulgaridade urbana bem-sucedida da Shaftes bury Av en ue , 15 contra a qual ele arremeteu com tanta energia
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quanto contra o teatro dc Shaw. Assim, desde o início, Yeats concebeu e escreveu sua poesia em termos de linguagem, c não de caracteres impressos, do mesmo modo que, na dramaturgia, sempre quis escrever peças para serem encenadas, e não apenas para sere m li das . Cr ei o que ele se pr eo cu pa va ma is co m o te atro enquanto instrumento de expressão da consciência de um po vo do que co mo me io ca pa z de lh e gr an jea r pr es tí gi o e realização pessoal; e estou convencido dc que somente recorrendo ao espírito é que se consegue realizar algo que valha a pena ser feito. Naturalmente, ele dispunha de algumas consideráveis vantagens, cuja narração não rouba coisa alguma à sua glória: seus conterrâneos, um povo com um dom natural e intacto para a palavra e a re pr es en ta çã o. É im po ssív el di ssocia r o que ele fe z pelo te at ro ir la nd ês do que o te at ro ir la nd ês fe z po r el e. De ss e po nt o es tr at eg ic am en te va nt aj os o, a id éi a do dr am a po ét ico foi mantida viva, enquanto em todas as partem ela já desaparecera. Nã o sei ond e te rm in a nossa dí vi da pa ra co m el e co mo dr am aturgo — c, ao longo do tempo, ela não será paga senão quando o próprio teatro acabar. Em seus textos ocasionais sobre assuntos dramáticos, ele firmou certos princípios que devemos apoiar, como o da primazia do poeta em relação ao ator, e a do ator em relação ao cenógrafo; e o princípio segundo o qual o teatro, na medi da em que não deve se pre ocup ar ape nas com o povo" no sentido estrito dos russos, deve ser para o povo, e dc acordo com o qual, para tornar-se permanente, deve prcocuparse com situações fundamentais. Nascido num mundo em que a doutrina da "arte pela arte era hab itu alm ent e aceita, e ten do vivido num ambiente em que se exigia da arte que ela fosse um instrumento para fins sociais, cie aderiu decididamente ao correto ponto dc vista que se situa entre os dois, embora sem assumir de modo algum nenhum compromisso, c mostrou que um artista, ao ser absolutamente fiel à sua arte, está prestando ao mesmo tempo o maior serviço que pode a sua própria nação e ao mundo inteiro. Ser capaz de louvar alguém não sc resume, necessariamente, a estar sempre de acordo com a pessoa louvada, e não escondo o fato de que há aspectos do pensamento e das emoções de Yeats que não me são simpáticos. Digo isso apenas para indi-
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diferença, de objeção e de protesto pertencem ao terreno doutrinário, e são questões vitais. Preocupei-me apenas com o poeta e com o dramaturgo, na medida em que estes podem ser considerados isoladamente. Um exame cabal e minucioso de toda a obra de Yeats deverá ser algum dia empreendida; é possível que seja necessária uma perspectiva mais ampla. Há certos poetas cuja poesia pode ser analisada mais ou menos à parte não só pela experiência, mas também pelo prazer que nos proporliona. Há outros cuja poesia, embora também nos proporcione experiência e prazer, tem uma importância histórica maior. Yeats é um desses últimos, pois foi um dos poucos cuja história é a história de seu próprio tempo, um daqueles que fazem pa rt e da consc iência dc uma época qu e nã o po de ser co mp re en dida sem eles. Essa é a altíssima posição que lhe atribuo, embora não creia que ela seja definitiva.
ÌNDICE ONOMASTICO
Ab so/am an J Ac hitopel, dc Dryden: 323 Adam 's curse, de Years: 340 Addis on, Jose ph: 81, 206, 228 Agosti nho, Santo: 165 Akcnside, Mark: 228, 232, 249
Alceste, de Euríp edes:
117
Alice no país das m ara ν ilhas, dc Lewis Carrol l: 317
Allegro, L\ dc Milton: Alexand er. Willia m:
190 181
Ml for love, de Dryden: 49. 233 All's well that ends well , de Shakespeare: 128, 137
Among school children, de Yeats: 154
Ancient mariner, lhe, de Coleridge:
pe ar e: 49 , 51 , 312 Arnold, Matthew: 47, 245 Arnol d, Sir Edwin: 60, 280, 305
Atalanta in Calydon, de Swin bu rn e:
Bateson, Frederick Wilse:
152
Becket, de Tennys on: 111 Beddoe s. Thomas Lovell: 134 Benn . Got tfr ied : 134, 136, 138
Beppo, a Venetian history, de Byron: 267
Bhagavad-Gita: 299 Btographia lite rana, de Coleridge 142 Blake, William: 46, 62, 64, 96, 195, 201, 291 Blackmorc, Richard: 219, 226, 227, 228
Bleak house, dc Dickens: 337 Blue doset , de William Morris: 43 Bossu, René Le: 246
147
Antonio e Cleopatra, de Shakes-
306
Athalie, de Racine :
Bajazet , dc Racine: 174
235
Aurora Leigh, de Elizabeth
Bride of A by dos, The, de Byron: 266
Bridges, Roben Seymour: 41, 211,
280
Browning, Elizabeth Barrett: 65, 123 Brownin g, Robert: 50, 62, 65, 69, 123, 129-131, 233, 306,
T. S
352
Brushwood boy,
The, dc
Kipling:
317
Bull that thought, The, dc Kipling: 311 Burke. Edm und : 2 Ρ Burnc-Jones, Edward (Edward Colcy Jonc s): 341 Burns, Robert: 132, 273. 275
Byron et le besoin de la fatalité,
de Charl es Du Bos: 270 Byron. Lord (George Gordon): 61, 64, 139, 257-276, 283, 284
Caliban upon Se te bos, dc Robert Browning: 130 Campb ell, Joseph : 148 Campion, Thomas: 41. 67. 68. 132, 339 Carcopin o, Jérô me: 164 Catulo, Caio Valério: 88, 176 Cenci, The, de Shelley: 49 Chap man, George: 184
Chano t of wrath, de Wilson Knight: 200 Chauccr, Geoffrey: 86, 90, 156, 187, 209, 242. 261
Childe Harold t pilgrimage, dc Byron: 266. 267
Children s song. The, de Kipling: 315
Choice, dc Pomfret: 218 Cleveland (ou Cleiveland), John: 222
Coat of many colors, A, dc Sir Herb ert Read: 152
Cocktail party, The, de Eliot: 117, 149
Cold iron, dc Kipli ng: 315 Coleridge, Samuel Taylor: 62, 142-144, 147, 156,' 216, 217, 252-254, 257, 261, 280, 299
Cornus, de Milton: 74, 198, 206, 207
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ÍNDICE ONOMÁSTICO
Conra d, Joseph (Teodor Józef Konrad Nalet z Korzeniowski): 148, 263
Coole Park, dc Yeats: 344 Corsair. The. dc Byron: 266 Cowley, Abrah am 219. 243 Cow per, Wil lia m: 50, 65, 233 Crabbe. George: 71. 273 Crashaw. Richard: 66, 182. 236
Dun bar , William: 275
Dream of death, A, de Yeats: 340 Dreaming of the bones, The, de Yeats: 346 Dryde n, Joh n: 27, 28, 45, 49, 69, 139, 188, 193. 205, 214, 216, 217, 220, 227, 233, 237, 239, 240, 247, 249, 251-256, 267, 275, 323
Creation, de Blackmo re: 226
353
Folly of being conforte d, The, de Yeats: 340
Friendly brook, de Kipling : 331 Fry, Roger Elliot: 44 Gebir, de Landor: 62
Gehazi, de Kipling : 313
Geòrgicas, de Virgilio: 27, 169, 170
Gethsemane, de Kipling: 314
Giaour, The, de Byron: 262, 266
Criterion, The: 145, 149
Eike rman n, Joha nn Peter: 278
Cromwell, Oliver: 45, 240
Gilb ert , Willi am Schwenck: 132
Éclogas, de Virgílio: 163, 165.
God and the unconscious, de
Curse of Kehama, The, de Southey: 62 ( yrnbe/tne, de Shakespeare: 52 Danie l, Samu el:
184
Danny Deever , de Kipling: 309, 311. 315 Dant e Alighieri: 86, 90, 96, 98, 99. 120, 123, 163. 165, 175, P 6 , 185, 186, 194, 208, 246, 283, 301. 346 Davidson, Joh n: 63 Davies, Sir Jo hn : 9, 179- 186 Dcn ham , Sir Jo hn : 45
De rerum naturae. de Lucrécio: 299
Deserted village. The, de Oliver Goldsmith: 68, 133. 142
Dial. The: 149 Dictionary of the En git ih lan guage, de Sa muel John son: 142, 220
Divina comédia. A, de Dante 86, 99, 131, 176, 177, 185, 299
Dom Quixote, dc Cervant es: 285 Don Juan, de Byron: 64, 258-261, 264. 267, 269-274
Dong with a luminous nose. The, de Edward Lear: 43 Donne,John: 48, 64, 66, 85, 132, 184, 214, 222-225, 236 Dowson, Ernest: 63
166, 176
EJegias de Duino, dc Rilke: 134. 300
Elegy written m a country churchyard . de Gray: 183, 240 Eliot, George: 65, 128 F.mpson, Willi am: 153
End of the passage, The, de Kipling: 317
Eneida, de Virgílio: 88, 96, 167, 170, 172, 174
English poemi, de Milto n: 198 Enterbter Geist . de Erich Heller:
Victor Whi te: 150 Goeth e, Joha nn Wolfgang : 10, 94, 277-302
Golden treasure of English songs and lyhcs: 59 Goldsmith, Oliver: 68. 133, 242, 251 Gore-Booth, Eva: 344 Gray. Thomas : 183, 240, 242, 254
Green helmet , de Yeats: 345 Greville, Fulke: 184 Grosar t, Alexander Balloch: 181
296
Epitaphs of the war, de Kipling:
Habitation enforced. An, dc
314 Ésquilo: 116 Eurípedes: 117
Kipling: 330, 331 Haecke r, Theo dor: 167, 168, 282 Halljoseph: 275 Hallam, Henry: 183
Eve of St. Agnes, The, de Yeats: 312
Everyman: 111 Eabuhste, The, de Kipling: 318
Faery queen. The, de Edmund Spenser: 61, 64
Family reunion, de Eliot: 113, 115, 116
Fausto, de Goet he: 285. 287 Finest story m the world, The, de Kipl ing : 312, 317, 329
Fmnegans wake, de Joyce: 146,
Hamlet . de Shakespeare: 10, 49, 104-106, 120, 284 Hampd en. John: 240 Hardy, Thomas: 330
Harp song of the Dane Women, The, de Kipling: 315
Hawk's well. The, de Yeats: 346 Heart of darkness, de Conrad: 148
Heaven and Earth, de Middleton Murry: 201 Heller. Erich: 296-298, 300
Henrique IV, de Shakespeare: 102
INDICE ONOMASTICO
T. S. ELIOT
354
'Mary GlosterThe, de Kipling:
Kuhla Khan, dc Coleridge : 147
Hm d and the panter, The, de Dryden: 27. 323 Hobbcs, Thomas: 81. 227 Hölderlin. Friedrich: 293 Homero: 39. 87. 131, 167. 168. 175, 252 Hooker, Richard 81 Hopkins , Gerard Manlcy: 42. 48, 73, 96
Lactântio, Lácio Caclio (ou Caecilio) Firmian o: 165 Ladies, The, de Kipl ing: 324
lalla Rookh, dc Thomas Moore: 265, 266
Land, The, de Kipl ing
315
Landor . Walt er Savage: 62, 64, 83
Lara, de Byron: 266. 270
House of life, de Rossetti: 124
La Rochefoucauld: 293. 294 Law, William: 237 Lear. Edward: 43 Lehrs, Ernst: 287, 291 Lewis. Cecil Day: 169 Lewis. C. S.: 201
Housman, Alfred Edward: 238 Hug o, Victor: 165. 328 Huxley , Aldo us: 140. 143
Hyperron, dc Keats: 64. 202, 233 Ilíada, dc Homero: 43. 167
Arnold: 60. 62, 64
Lives of the English poets, The, J
James, Henry: 88. 191. 192 Jespcrsen (Jens Ott o Harry): 41 Jeune Parque, La, de Valéry: 134 Johnson. Samuel: 68, 83, 86, 142, 197, 199-201, 206, 207, 210-213, 216-256, 312 Joyce, Jame s: 146, 148, 167, 193, 194, 196 Julius Caesar . de William Alexander: 181
J um blies, The, de Edward
306, 311
Matter of fact, A, de Kipli ng: 317 McAndrew'\ hymn, de Kipl ing: 306, 31 1
Men and women, dc Robert Browning: 123 Middle marc h, de George Eliot: 128 Milton, dc Tyllia rd: 205 Milton, Joh n: 40, 50, 52, 59, 68, 69. 71, 83-85, 90. 91, 132, 187-215. 219, 222. 225, 228-230. 234, 240. 242, 246, 254. 260, 267
Milton's prosody, de Robert
Laghi of Ana. The, de Sir Edwin
In the same boat . de Kiplin g: 31 " Interpretations : 153 Irene, de John son: 213, 233. 234 Ivory tower, The, dc Henry James: 192
Marston. Joh n: 275 Marvell. Andrew: 132
Kipling. Rudyard: 303-334 Knig ht, William Francis: 165 Knight, Wilson: 52, 200, 210
Herbert, George: 65-68, 132, 236. 237 Herrick, Robert: 66-68
de Samuel John son: 142, 216-218, 222, 254, 256 London, de Samuel John son: 133, 238, 239
Long expected one and twenty, de Johns on: 237
Loot, de Kipli ng: 324
Love's labour's lost , de Shakes pe ar e: 51 Lovelace. Richard: 339
Bridges: 211 Molière (Jean Baptiste Poquelin): 80, 85, 94, 101 Montaigne, Michel Eyquem senhor de: 81 Moore, Mariann e: 149 Moore, Thomas: 62, 258. 265 Morris, William Robert: 42, 231, 341 Murder in the cathedral, dc Eliot: 109-114, 125 Murry, Joh n Middleton : 140, 201-203
My son's wife, dc Kipling: 330,
Love song of J. Alfred P rufrock, The, de Eliot: 154, 155 Lowes. Joh n Livingstone: 146-148 Lucrécio Caro, Tito: 28, 297, 299
Lear: 43 Jun g, Carl Gustav: 150
Lycidas, de Milt on: 196, 206,
Keats.John: 64, 123, 201. 202, 204, 257, 312 Ker, Will iam Pattori: 38, 39 Kim, de Kipl ing: 321, 322, 328,
Macbeth, dc Shakespeare:
222, 223, 225
102,
114, 189 Maeterlinc k, Maurice: 107, 108 Mallarmé. Stéphane: 44, 208 Markiewicz, Constance: 344
331 Ne mé si o: 180 Ni ch ol so n, Sir Ha ro ld : 257 Ni et zs ch e. Fri ed ri ch : 29 6- 29 8
Night thoughts, dc Young: 229 Nosce teipsum, de Davies: 178. 179, 182. 186
Nuit blanche, L·, dc Kipli ng: 317 Odisséia, de Homero: 43, 167 Old ham, John : 45, 318
355
One word more, de Robert Browning: 123
Only jealousy of Emer , de Yeats* 346
Orchestra, de Davies: 178, 179, 182
O'Shaughnessy, Arthur: 63
Otelo, de Shakesp eare: 114 Otway, Thomas: 49, 228
Oxford book of English verse: 59, 179
Paraíso perdid o, O, de Milton: 64, 68, 71, 192. 194, 196, 201, 202, 207, 209-212, 215
Paraíso reco nquistado, O, de Milton: 64, 68. 234, 235 Pascal ; Blaise: 85 Pater, Walter Horácio: 255
Peace, de Yeats : 340 Ρ en seroso, II, de Milton: 190 Pericle s, de Shakespeare: 52 Pervigilium Venens, de Virgilio: 41
Phoenix and the turtle, The, de Shakespeare: 154
Pickwick papers, de Charles Dickens: 126 Pitt. Christopher: 218
Plays for dancers, de Yeats: 108, 341, 346
Pleasures of imagination, (The), de Akenside: 231, 249 Poe, Edgar Allan: 123, 283 Pomfrct , John : 218 Pope, Alex ander: 84, 85, 90, 93. 139, 181, 188, 227, 237, 239, 251, 254, 275 Pou nd, Ezra: 130, 145, 187 Praz, Mario: 259
Prayers an d meditations, de Johnson: 237
Prelude, de Wordsworth: 61, 64,
INDICE ONOMASTICO
T. S ELIOT
356
Principles of art, The, The, de R. G. Collingwood: 318 Principles of li terary criticism, dc Richards: 141 Prior, Matthew: 243 Proofs of Holy Writ . de Kipling: 312 Propcrcio, Sexto Aurelio: 88
Puck ofPook's hill , de Kipling: 330 Purgatory, de Yeats: 345
108. 343,
£)**** Aíj £. de Shelley: 69 Qucnncll. Peter: 257, 271 Racine, Jean : 49. 85, 90, 91. 94, 128, 174, 208, 235 Rafael: 123 Raleigh (ou Ralegh). Sir Walter: 220
Rambler, The, The, de Samuel Johnson: 197,211 Read, Sir Sir Herbert Edmu nd: 152
Reason's academy. academy. dc Davies: 178
Recessional , dc Kipling: 314 Ret João, João, de Shakespeare : 104 Rei Lear, Lear, de Shakespear e: 137, 346
Responsibilities, de Yeats : 340 Revolt of Islam, The, dc Shelley: 69
Rewards and fat ries, de Kipling: 330 Richard s, Ivor Arms tron g: 141 Rilke, Rainer Maria: 134. 296-298, 300
Road to Xanadu. The, The, dc John Livingstone Lowes: Lowes: 146, 147 Robi nson, H. M.: 148
Rock, The. The. de Eliot: 124, 125
Runes on U eland's sword, de Kipling: 315
Sabe dona sup rema. A, de Hubert Benoit: 143
Saint Joan, Joan, dc dc Bernard Shaw:
112 112 San\Jo Agonista, Agonista, dc Milton: 68, 71, 206, 209, 215, 234, 235 Saurat, Denis: 201 Scott, Sir Walter: 62, 257-259, 265 Seasons, Seasons, de Thomson: 65, 230, 231. 243 Seneca: 180, 184
Serto us cai L de L de \\ 1111 am La w : 237 Shadow, u a te rs. The. de The. de Yeats: 341 Shakespeare William: 33.48-52. 58, 68-80. 85, 86. 91-102, 104. 108, 110, 114, 115, 118-121, 128. 189. 190. 193, 194, 201-203, 219. 225. 233. 254, 283-295, 301. 312. 322, 338. 345 Shanks. Edward: 324 Shaw. Geor ge Berna rd: 101, 347, 348 Shelley Percy Bysshc: 27. 40, 59. 62,69. 157. 158, 200, 257, 260 Shropshire lad, de Hous man: 238 Skclton, Joh n: 224 Sófocles: 128
Song of the galley s laves, laves, de
Kipling: 306. 312 Southcy, Robcri: 62, 64. 274 Spenser, Edmund: 61, 83. 207
Spirti of romance. The, The, de Pound: 145
Stanzas front the Grande Char tre use, de Arno ld: 305 Steiner, Rudolph: 287 Stendhal (Marie-Henry Beylc): 268, 328, 329 Stepney, George: 218
I
Suckling, Sir John : 339 Surrey. Henry Howard (conde de): 41 Swift, Jon ath an: 81, 273 273 Swinburne, Algernon Charles: 306, 337 Synge, John Millington: 107. 108
Iamhurlaine, de Marlowe: 127 Task, Task, de Cowper: 65 Taylor, Jerem y: 85 Tempest, The, The, dc Robert Browning: 130
Tempestade, A, A, de Shakespeare: 52, 133. 157
Tempie, The, de George Herben: 65 Tennyson. Lord (Alfred): 42, 111, 233. 280
Thalaba, Thalaba, de Southcy: 62 They, They, dc dc Kipling: 325. 330 Thompson, Francis: 50 Thomson, James: 65. 230-233. 242. 243
Thought and belief in poetry poetry,, de Eliot: 296 Traherne, Thomas: 66
Troilo e Cresstda, Cresstda, de Shakespeare: 168
Truce of the bear, The, de Kipling: 313 Tylli ard. E. M. W : 205
Ulysses, Ulysses, de Joyce : 167, 193 Upanixadcs: 301 Valéry, Paul: 134, 135 135 Valon. Annette: 152
Vanity of human wishes, The, dc Samuel Johns on: 216, 238, 238, 240 Vaughan, Henry: 66, 132, 236 Vénus e Adônis, de Shakespeare: 51
Vergil, Vater des Abendlander, de Theod or Haccker: 282
357
Villon, François: 94, 275 Virgílio Maro, Publio: 27, 39, 41, 76-79. 84-93, 95. 96. 98, 120. 163-176, 282 Waller. Edmund: 45. 236 Walsh, William: 218 Wasteland, The, de Eliot : 148, 149 Watts, Isaac: 236. 237 Way o f the world, de Congreve: 80
Way through the woods, The, dc Kipling: 315
Weeper, The, de Crash aw: 182 Wells. H. G.: 328, 329 Wes ton . Jessie: 150
When you are old and grey and full of sleep, sleep, de Yeats: 340 White. Victor: 150
Who goes with Fergus?, de Yeats: 338 William. Charles: 61, 198, 199 U in ding star. The, de Yeats: 344
Winter's tale, The, The, de Shakes pe ar e: 52
Wireless, Wireless, de Kipling : 312
Wish house, The, The, de Kipling: 330-332
Woman in ht s life, The, de Kipling: 317 Wordswonh, William: 45, 50-52, 59, 61, 151, 152, 190, 200. 214, 217, 247, 248, 257, 284, 291 Work m progress, de Joyce: 194, 196 Wyatt. Sir Thomas: 40 Yaldcn , Thomas: 218 Yeats, William Butler: 46, 108. 154, 313. 335-349
Yongy-bongy bo, The, The, de Edward Lear: 43 Young, Edward: 50, 229, 231
Obras de T. S. Eliot 1. Poesia Prufrock and o ther Observations, The Egoist Ltd., Londres, 1917. Poems, The Hogarth Press, Richmond, 1919. Ara vos Prec, The Ovid Press, Londres, 1920. The Waste Land . Boni & Liveright, Nova York, 1922. Hollow Men, Men, Faber & Gwyer, Londres, 1925. 1909-1925, Faber & Gwyer, Londres, 1925. Ash-Wednesday, Faber & Faber, Londres, 1930. Sweeney Agonistes, Agonistes, Faber & Faber, Londres, 1932. The Rock , Faber & Faber, Londres, 1934. Collected Poems 1909-1955, Faber & Faber, Londres, 1936. Old Possum's Book of Practical Cats, Cats, Faber & Faber, Londres, 1939. Four Quartets, Harcourt, Brace & Co., Nova York, 1943. The Complete Poems and Plays 1909-1950 1909-1950,, Harcourt, Brace and Co., No va Yo rk , 19 62 .
The Cultiva tion of the C hristmas Trees, Trees, Faber & Faber, Londres, 1954. Collected Poems 1909-1962, 1909-1962, Faber & Faber, Londres, 1963. Poems Written in Early Youth, Faber & Faber, Londres, 1967.
2. Ensaio e Crítica Ezra Pound\ his Metric and Poetry, A. A. Knopf, Nova York, 1917. The Sacred Wood, Methuen Sc Co., Londres, 1920. Homage to John Dryden, The Hogarth Press, Richmond, 1924. *. Esta relação foi extraíd a de Poesia de T. S. Eliot, tradução, introdução e notas
For Lan celot Andrewes, Faber Sc Gwyer, Londres, 1928. Dante, Faber Sc Faber, Londres, 1929. Thoughts after Lam berth, Faber Sc Faber, Londres, 1931. Selected Essays 1917-1932, 1917-1932, Faber Sc Faber, Londres. 1932. John Dryden, Dryden, T. & E. Holliday, Nova York, 1932. The Use of Poetry and the Use of Criticism, Criticism, Faber & Faber, Londres, 1933. After Strange Gods, Faber & Faber, Londre s, 1934. Elizabethan Essays, Essays, Faber & Faber, Londres, 1934.
Ancient and Moder n, Faber & Faber, Londres, 1936. The Idea o f a Christia n Society, Society , Faber & Faber , Londres, 1939. Points of View, Faber Sc Faber, Londres, 1941. The Music of Poetry, Jack son, Son & Co. , Glasgo w, 1942. The Cl assics and the Men of Letters, Letters, OUP, Londres, 1942. Reunion by Destruction, Destruction , The Pax House. Londres, 1943. What Is a Classic?, Classic?, Faber & Faber. Londres, 1945. On Poetry, Concord Academy, Concord, Massachusetts, 1947. Milton, G. Cumberlege, Londres, 1947. Culture, Faber Sc Faber, Londres, 1948. No te * towards the Definition of Culture, Poetry and D rama, Harvard University Press, Cambridge, Mass., 1951. The Frontiers of Criticism, Criticism, Universi ty of Min neso ta Press, 1956. Essays on Poets and Poetry, Poetry, Faber Sc Faber, Londres, 1957. George Herbert, Longmans, Green & Co., Londres, 1962. Knowledge and Experience in the Philosophy of F. H. Bradley, Bradley, Faber & Faber, Londres, 1964.
To Criticize the Critic, Faber Sc Faber, Londres, 1965.
3. 3. Teatro Murder in the Cathedral, Faber Sc Faber, Londres, 1935. The Family Reunion, Faber Sc Faber, Londres, 1939. The Cocktail Party, Faber Sc Faber, Londres, 1950. The Confidential Clerk, Faber Sc Faber, Londres, 1954. The Elder Statesman, Faber Sc Faber, Londres, 1959.
4. 4. Traduções Anabasis, a Poem by St.-John Perse", Faber Sc Faber, Londres, 1965.
Sobre o autor Thomas Stearns Eliot nasceu em Saint Louis, Missouri, Estados Unidos, a 26 de setembro de 1888, e morreu em Londres a 4 de janeiro de 1965. Descendente de emigrantes ingleses que se estabeleceram em Massachusetts em meados do século XVIII, Eliot foi criado num ambiente familiar burguês, religioso e culturalmente refi nado. U m de seus avós, o reverend o Will iam Gree nleaf Eliot, foi fundad or da Igreja Anglicana de Saint Louis e da Universidade de Washington, da qual se tornou presidente. Seu pai, Henry Ware Eliot, ocupou-se por quase toda a vida dos interesses empresariais da família, tendo presidido a Hydraulic Press Brick Com pa ny of Sa in t Lo ui s. Ch ar lo tt e Ch au nc ey St ea rn s, mã e do po et a, pe rt en ci a a fa mí lia aristocrática de Boston, ligada ao comércio. De boa cultura humanística e algum pe nd or li te rá ri o, es cr ev eu um a bi og ra fi a do so gr o e um po em a, de ca rá te r bi ogr áfico, sobre o pregador florentino Savonarola. Eliot era o caçula dos sete filhos do casal. Criado até quase o final da adolescência em Saint Louis, Eliot concluiu os estudos secundários em Massachusetts, na Academia Milton. Com 18 anos, mudou-se pa ra Bo st on e in gre ss ou na Un iv er si da de de Ha rv ar d, on de se fo rm ou em Let ras Clássicas. Em 1910, um ano após a formatura, foi para a França. Em Paris, freqüentou os cursos de língua e literatura francesas e de filosofia na Sorbonne. De volta aos Estados Unidos, doutorou-se em filosofia em Harvard. No verão de 1914, Eliot pa rt iu pa ra a In gl at er ra . No an o se gu in te su rg iu se u pr im ei ro po em a im po rt an te , The Love Song of John Pru frock, na revista Poetry, Poetry, de Chicago. Na Inglaterra, empregou-se inicialmente em uma pequena escola para crianças nos arredores de Londres. Dois anos depois, tornou-se funcionário do Lloyds Bank Ltd.. Em 1920, pu bl ic ou The Sacred Wood e, em 1922, The Waste Land, que o consagrou como um dos maiores poetas de língua inglesa do século. Ainda no mesmo ano, fundou a revista trimestral de literatura e filosofia filosofia The Criterion, Criterion, que durante dezessete anos exerceu grande influência nos meios intelectuais europeus. O passo seguinte no mundo editorial levou-o à diretoria da Faber SC Fáber, à testa da qual permaneceu a té a mor te. Seus laços com a Ingla terr a est re i taram -se defi niti vame nte em 1927, quando adquiriu a cidadania inglesa. É dessa época a frase conhecida cm que se autodefiniu como um anglo-católico em religião, classicista em poesia c monarquista em política.
ougruyuu uu m m uvc u
Alejo Carpentier •
A k)<> Í '«· n*nl l«T A SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA
Um homem luta nas Brigadas Internacionais durante a Guerra Civil Espanhola. Uma mulher é expulsa de seu país com a Revolução Russa. Um cubano e uma russa. Uma história de amor que culmina com a Revolução Cubana. A Sagração da Primavera é um fascinante mosaico construído na linguagem envolvente de Alejo Carpentier. Ε o último romance escrito por ele, um dos maiores escritores cubanos de todos os tempos.
DESERTO De J.M.G. Le Clézio Tradução de Maria Lúcia Machado
I1
Um romance magnífico, de um dos mais talentosos escritores franceses contemporâneos, ganhador do Grande Prêmio Paul Morand da Academia Francesa. Conta a história da terra dos Homens Azuis, guerreiros nômades que em 1910 resistem à conquista colonizadora no Saara. Eles buscam a liberdade, a mesma que irá impulsionar Laila, uma sua descendente que vive na França, a voltar ao Deserto. Paradiso
Lezama Lima " y Em seus instantes mais altos, Paradiso é uma cerimonia, algo preexistente a toda leitura com fins e modos literários. " — Julio Cortá zar. Finalmente chega ao Brasil uma das maiores obras-primas da literatura latino-americana, Paradiso , romance maior, barroco, sensual e
U A n i A A V J Γ Λ 1
A ME TA MO RF OS E Franz Kafka Enigmático e sombrio, Kafka é o arauto da modernidade, porta-voz de um mundo em permanente co nf ro nto co m o abs urd o. Metáfora grotesca da condição humana, a tragédia de Gregor Samsa — que certo dia acorda ''metamorfoseado num monstruoso inseto" — tornou-se um clássico da literatura de todos os tempos.
Franz Kafka
Considerado, ao lado de Proust e Joyce, um dos maiores escritores deste século,
KAFKA
A MF lAMORrOSE
Kafka era um homem profundamente angustiado. No sanatório, durante o tratamento de uma tuberculose que o mataria anos depois, ele inicia esta Carta ao Pai, verdadeiro acerto de contas com o causador do sentimento de fracasso que permeia toda a sua vida.
KAFKA
CARTA AO PAI
tradução de Modesto Carone
tradução de Modesto Carone
UM MÉDICO RURAL Pequenas Narrativas Franz Kafka Toda força literária de Kafka está presente nas catorze narrativas que compõem Um Médico Rural, brilhantemente traduzidas pelo escritor Modesto Carone (prêmio Jabuti de tradução com O Processo, de Kafka). Pouco conhecidas, nunca pub licad as no Br as il , el as r eú n em es cr it os perturbadores, onde estão presentes, de forma magistralmente concisa, os elementos da prosa de Kafka.
Histórias do Sr. Keuner Bertolt Brecht As Histórias do Sr. Keuner foram escritas entre 1935 e meados dos anos 50, apresentando um p e r s o n ag e m at rav és do qual Bert olt Br ec ht expressa sua experiência moral: o Sr. Keuner é o Sr. Brecht, um dos maiores poetas, dramaturgos e literatos deste século. Pela primeira vez reunidas, as Histórias do Sr. Keuner mostram Brecht no perfeito domínio da prosa curta, objetiva, aliada a uma ferina crítica social.
O PROCESSO
De Kafka Tradução de Modesto Carone Um dos maiores romances desse século rece be uma br il ha nt e tr adu çã o de Modesto Ca ro ne, o mais autêntico tradutor de Kafka no Brasil. Pesquisando em edições alemãs, ele acolheu os capítulos incompletos bem como pa ss ag en s ri sc ad as pe lo pr óp ri o au to r, com po nd o a mai s p re ci sa e c om pl et a t ra du çã o do
KAFKA
CARTAS NA RUA Charles Bukowski tradução: Alberto Alexandre Martins e Marilene Felinto l
Jm beberrão simpático, cético, nostálgico e cheio de humor passeia pela monotonia burocrática dos correios e mostra a América com a visão de um antiguru. Talvez o melhor e mais divertido
\ Cartas •na Rua(
MANIFESTOS André
DO
SURREALISMO
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Breton
Uma edição histórica que reúne os très Mani festos do Surrealismo. Mais do que subverterem os conceitos da criação artística, estes textos revolucionaram a própria relação do homem consigo mesmo e com o mundo.
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JÓIAS DE FAMÍLIA Zulmira Ribeiro Tavares
Maria Bráulia tem dois rubis. Um falso, um verdadeiro. Assim, em sua vida, nem sempre a aparência correspondia à realidade. Essa foi a primeira lição dos rubis de Maria Bráulia. A segunda foi que com rubis, falsos ou verdadeiros, é possível manipular os outros. E que, do jeito como funcionam as coisas, con vém construir um certo poder pessoal para ter felicidade. Essa é a fábula sobre a hipocrisia social de Zulmira Ribeiro Tavares em seu novo livro, uma novela deliciosa.
AQUELE RAPAZ memórias e ficções Jean-Claude Bernardet Uma surpresa do consagrado crítico e professor de cinema Jean-Claude Bernardet: seu primeiro texto ficcional revela um escritor fluente e cativante. Lembranças do internato, do amigo, da guerra na Europa. A imigração, a chegada ao Brasil. Memór ias e ficções de um home m sensível