A Queda Dum Anjo Camilo Castelo Branco
RESUMO: A Queda dum Anjo é o título de um romance satírico satíric o de Camilo Castelo Branco, escrito em 1866. Nele o autor descreve a corrupção de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimas, um fidalgo minhoto camiliano e o anjo do título, quando se desloca da província para Lisboa. Uma das mais célebres obras literárias escritas por Camilo Castelo Branco, descreve de maneira caricatural a vida social e política portuguesa e traz, ainda, um aspecto risível ao tratar, também, do desvirtuamento do Portugal antigo. É uma parábola humorística na qual o protagonista, Calisto, um fidalgo austero e conservador, encarna de maneira satírica o povo português. Ao ser eleito deputado, Calisto vai para Lisboa, onde se deixa corromper pelo luxo e pelo prazer que imperam na capital. Torna-se amante de uma prima distante, Ifigénia, nascida no Brasil, uma relação reprovada pela sociedade puritana portuguesa. Outra atitude que provoca os princípios portugueses é a transição do personagem da posição política miguelista (e de oposição) para a do partido liberal, no governo. Ironicamente, a esposa de Calisto, Teodora, uma aldeã prosaica, imita-o na devassidão e é igualmente corrompida. Ao ser ignorada por Calisto, sucumbe ao prazer da modernidade juntamente com um primo interesseiro com quem passa a ter um relacionamento.
RESUMO: Calisto Elói, era morgado de Agra de Freimas, vivia em Caçarelhos em perfeita harmonia com a sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. O seu conhecimento dos clássicos, aos quais dedicou toda a vida, enche-o de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz ser eleito deputado pelo círculo de Miranda. Entretanto muda-se para Lisboa. O idiolecto florido do deputado ibório Meireles, cujas tendências plagiárias Calisto não tarda a denunciar. O seu estatuto incorrupto e contudo anacrónico é simbolizado pelo traje, cujo feitio copiara daquelas do seu casamento, molde imutável de todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da sociedade lisboeta, cheia de mulheres atraentes, que lêem Balzac, não deixa o herói imune. A contaminação da personagem e os indícios da queda expressam-se exteriormente através da primeira visita a um alfaiate lisboeta, impulsionada pela intenção de impressionar uma jovem menina casadoira cuja irmã, ele mesmo acabara de resgatar de uma ligação adúltera. Esse é o primeiro passo na transfiguração de anjo em «esbelta figura de homem». A sua própria mulher não o reconhecerá. Esta transfiguração exterior traduz a sua moral, consumada na defesa de princípios liberais em discursos tão ocos como aqueles que no início condenara e na ligação adúltera que mantém com uma viúva brasileira, D. Efigénia Ponce de Leão, de quem terá dois filhos. Por sua vez, D. Teodora, último reduto aparente do Portugal antigo, deliciosamente expresso nas suas cartas ao marido não correspondidas, acaba por relacionar-se com seu primo, adoptando também ela as novas modas com que contactara numa viagem iniciática a Lisboa, que foi a última tentativa falhada de reaver o marido.
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A Queda Dum Anjo
Análise de «A Queda dum Anjo» Camilo Castelo Branco
A sátira reside na descrição de personagens corruptos de maneira cômica. A princípio, percebe-se a defesa de uma tese, porém, o autor afrouxa essa ideia à medida que a história vai se configurando. É uma obra que destoa do aspecto ultra-romântico de Camilo Castelo Branco, mas não deixa de pertencer a essa escola literária. Este conhecido romance satírico camiliano tem interesse por variados motivos: dá-nos um quadro dos costumes políticosociais da época, oferece-nos no retrato satírico do protagonista um símbolo do Portugal velho que perde antigas virtudes ao modernizar-se um pouco à pressa e possui em alto grau vigor e vernaculidade de linguagem. a) Acção.
Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado de Agra de Freimas, é um típico fidalgo transmontano que se esqueceu de acompanhar o progresso. Casado por interesse com a morgada de Travanca, D. Teodora Barbuda de Figueiroa, nunca soube o que era amor; veste à moda antiga; estuda só autores clássicos anteriores a D. Francisco Manuel de M elo, ficando impermeável às doutrinas iluministas; e até pensou ressuscitar a legislação dos forais velhos para governar a Câmara de Miranda, no único dia em que ocupou a presidência. Numas eleições é escolhido para representar a sua terra no Parlamento, onde pensa lutar pela redução ou até extinção dos impostos. Antes de partir para a Capital, estuda noite e dia os seus velhos alfarrábios e exercita-se na arte de dizer, qual outro Demóstenes, nas margens fragosas do Douro. Calisto, ainda na sua terra, lera várias descrições de Lisboa, todas anteriores ao terramoto. Não sabia que a cidade tinha mudado muito. Uma vez na Capital, guiando-se pelos desactualizados «in folio», vai à procura de chafarizes monumentais que os livros descreviam em ruas há muito enterradas. Sujeitouse a ouvir dizer a meia voz: «este homem parece que tem uma cavalgadura magra no corpo...». No Parlamento, Calisto tornou-se logo notado por falar com rude franqueza, numa linguagem terra a terra. Atacou os juramentos hipócritas, os subsídios concedidos ao teatro, a mania do luxo, etc. A isto chama Camilo «virtuosas parvoiçadas». Os deputados riam. Teve que se haver com um membro das Cortes, o Dr. Libório Meireles. Este orador liberal usava um estilo barroco, campanudo, melífluo, oco. Calisto dizia não o entender e, em determinada ocasião, ao criticar certa expressão do deputado portuense, desabafou: se o termo -fosse parlamentar, eu diria farelório! Camilo, que põe na boca do Dr. Meireles alguns excertos da obra do Dr. Aires de Gouveia A Reforma das Prisões, satiriza com verve a oratória parlamentar do tempo. O morgado de Freimas, dentro e fora das Cortes, é um abencerragem da moralidade: continua a vestir ridiculamente, mostra-se um fiel realista, critica a leitura de romances franceses, não fuma e continua fiel ao seu rapé. Converte até a adúltera Catarina, filha do seu anfitrião, o comendador Sarmento. Mas, um dia, olhou para a irmã desta, Adelaide. O coração de Calisto descobriu que nunca tinha amado. E ei-lo, do dia para a noite, todo romântico. Começa por mudar de roupas, vai fazendo uns versinhos, corteja a rapariga. Adelaide repudiou o amor do homem casado, que pouco antes pregara um sermão a uma adúltera. Mas aconteceu vir visitar o desconsolado Calisto a jovem viúva do general Ponce de Leão: brasileira, loira, com trinta anos e a mendigar uma pensão. O morgado, para começar, descobriu parentescos afastados entre os Barbudas e os Ponce de Leão e vá de chamar-lhe «prima». Depois montou-lhe casa. A transformação que se operou no deputado foi espantosa: deixou crescer o bigode e cavanhaque, vestia pelo último figurino, esqueceu a esposa Teodora, gastou dinheiro a rodos, passou-se para a oposição, separou-se definitivamente da mulher, o demónio. de mónio. Camilo, depois de satírizar os fidalgos que pararam o relógio da cultura nos fins do século XVII, verbera com acrimónia a oratória parlamentar do tempo, a hipocrisia dos políticos e fidalgos, a perversão dos meios citadinos, a caça às condecorações e comendas, etc. Análise de –
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b) Personagens. Calisto Elói .
É um tipo de fidalgo ferozmente tradicionalista, que se moderniza e perverte ao mergulhar na vida da cidade, que ignorava. Dotado de formação intelectual anacrónica e desfasada da realidade, apoiada numa excessiva credulidade em alfarrábios desactualizadissimos, é ele o «anjo» (em Trás-osMontes e nos primeiros tempos da estadia em Lisboa) que dá uma estrondosa «queda» na Capital. O convívio com uma bela mulher e um curto arejamento de civilização em Paris, levaram-no a modificar de alto a baixo o modo de trajar, os costumes sóbrios, a ideologia política e até o estilo oratório (antes de feição rude e directa, causando ora admiração ora zombaria pela franqueza e desassombro, depois melífluo e incolor). Há quem diga que esta personagem é um decalque imaginoso de um Teixeira da Mota, fidalgo de Celorico que, eleito deputado, se transformou em Lisboa num libertino de primeira ordem. Teodora.
Esposa de Calisto, «ignorante mais que o necessário para ter juízo» (cap. 1), é uma prosaica fidalga rural. Após a «queda» do marido, para quem pouco mais tinha sido do que mulher de trabalho, também ela caiu, mesmo sem abandonar a província, ligando-se oportunamente a um primo interesseiro. Dr. Libório Meireles. O «Doutor do Porto», com quem Calisto embirra solenemente nas Cortes, é um espécimen deorador parlamentar balofo, palavroso, afectado, formalista. Afirma-se que nesta personagem pretendeu Camilo ridicularizar o bispo D. António Aires de Gouveia, lente, ministro e par do Reino. Ifigénia. É uma atraente brasileira, viúva do brigadeiro Ponce de Leão, que se aproxima de
Calisto a pedir os seus préstimos no intuito de obter uma pensão em atenção aos serviços prestados à Pátria pelo defunto marido. Nela descobre o faro genealógico de Calisto uma «prima» que, num abrir e fechar de olhos, se transforma na sua «mulher fatal». c) O espaço e o tempo.
O espaço físico d' A Queda dum Anjo é constituído por: uma aldeia transmontana do termo de Miranda (Caçaremos) e por Lisboa. Este espaço físico reveste-se de características inconfundíveis que sem dificuldade o transformam em espaço social: Caçarelhos é a terra provinciana atrasada, impermeável ao progresso, estrangulada por costumes quase medievais; Lisboa é a cidade que desperta tardiamente e procura modernizar-se um pouco à sobreposse, sofrendo uma notória e perniciosa degeneração de costumes ocasionada por um processo civilizatório eivado de materialismo que a Regeneração favorecia.
O tempo da narração — «hoje» (cap. 1) — coincide com o ano civil de 1864. O tempo da história é anterior. Calisto nasceu em 1815 (cap. 1), casou por volta dos vinte anos (cap. 1), talvez cm 1835, ocupou a presidência da Câmara de Miranda em 1840 (cap. 1), veio para as Cortes em fins de Janeiro de 1859 (cap. 4), e aí permaneceu durante um triénio. E neste triénio que se desenrola a acção fulcral da novela. Outras referências expressas ao tempo: «noite de Abril» (cap. 21), «fecharam as câmaras» (cap. 25), «pleno estio» (cap. 26), «dois meses depois de fechado o parlamento» (cap. 27), «Outubro daquele ano» (cap. 32), «abriram-se as câmaras» (cap. 33), - decorreram alguns meses... fechado o triénio da legislatura» (cap. 36).
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______________________________ _______________ _____________________________ ____________________________ ____________________________ _________________________ ___________ Camilo Castelo Branco
Narrativa de Camilo Castelo Branco publicada em 1865. Camilo é um escritor de quedas, ruínas econtaminações, mas para além disso, um escritor entre dois mundos. A Queda Dum Anjo traçaalegoricamente o percurso da contaminação do Portugal antigo por modas políticas, sociais, religiosas eculturais a partir do percurso de uma personagem. Calisto Elói, morgado de Agra de Freimas, vive em Caçarelhos em perfeita harmonia com a sua esposa, D. Teodora de Figueiroa. O seu conhecimento dos clássicos, aos quais dedicou toda a vida, encheo de uma sabedoria moralista e conservadora que o faz sereleito deputado pelo círculo de Miranda. A sua presença em Lisboa e os seus discursos no Parlamentofazem sensação. A moral dos costumes antigos, que defende em detrimento do luxo e dos teatros, avernaculidade autêntica e concisa do seu discurso, o seu senso comum, têm um impacto cómico em Lisboa,o que é tanto mais irónico quanto fazem sentido. Deste modo, retratando o Parlamento como palco fechado e circular das disputas pessoais que os próprios discursos políticos geram, o narrador troça daqueles que, em vez de tentarem conhecer e resolver os verdadeiros problemas nacionais, troçam da sua personagem. Neste sentido, é exemplar o idioleto florido do deputado Libório Meireles, cujas tendências plagiárias Calisto não tarda a denunciar. O seu estatuto incorrupto e, contudo anacrónico é simbolizado pelo traje: «calças rematando em polainas de madrepérola» cujo feitio copiara daquelas do seu casamento, molde imutável de todo o seu vestuário desde então. Mas a experiência da sociedade lisboeta, cheia de mulheres que leem Balzac e lhe dão a conhecer um romance de Camilo, cujos galicismos condenaveementemente, não deixa o herói imune. A contaminação da personagem e os indícios da quedaexpressam-se exteriormente através da primeira visita a um alfaiate lisboeta, impulsionada pela intenção deimpressionar uma jovem menina casadoira cuja irmã ele mesmo acabara de resgatar de uma ligação adúltera. Esse é o primeiro passo de um percurso que culminará na transfiguração de anjo em «esbeltafigura de homem», «subordinado ao alvitre do alfaiate», cheio de «meneios, posturas e jeitos» a quem «odescostume da leitura restituíra o aprumo da espinha dorsal». A sua própria mulher não o reconhecerá. Estatransfiguração exterior traduz a sua metamorfose moral, consumada na defesa de princípios liberais emdiscursos tão ocos como aqueles que no início condenara e na ligação adúltera que mantém com uma viúvabrasileira, D. Ifigénia Ponce de Leão, de quem terá dois filhos. Por sua vez, D. Teodora, último reduto aparente do Portugal antigo, deliciosamente expresso nas suas cartas ao marido, acaba por relacionar-se maritalmente com seu primo, adotando também ela as novas modas com que contactara numa viagem iniciática a Lisboa, última tentativa falhada de reaver o marido. Camilo mistura a sátira com a tragédia da inutilidade dos ideais e do absurdo e incoerência de todas as coisas, configurando uma paródia sorridente, mas também desesperada dos seus próprios dramas, que costumavam assentar na noção de uma existência resgatável pelo sacrifício. Aqui estamos perante o percurso inverso e a surpreendente ausência de punição.
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Resumo da História
Calisto Elói, morgado da Agra de Freimas, vive em Caçarelhos com sua mulher, D. Teodora de Figueiroa, e com os seus livros clássicos, cuja leitura é o seu entretenimento preferido. Tendo sido eleito deputado, vai para Lisboa, disposto a lutar contra a corrupção dos costumes. Faz furor no parlamento com os seus discursos conservadores, apoiados na sua cultura livresca (mostrando aí o domínio da oratória), causando espantadas reacções. Defende principalmente o bom uso da língua portuguesa e combate o luxo e os teatros. Ao longo da narrativa, na sua defesa da moral dos bons costumes antigos, a sua figura vai evoluindo até atingir um clímax. Logo após, inicia-se a queda. Esta consiste essencialmente na transformação total do herói, que adquire os costumes modernos que tanto condenava. Inicia uma relação ilícita com D. Ifigénia Ponce de Leão, com quem acaba por viver maritalmente e de quem tem dois filhos. Por seu lado, D. Teodora, vai depois também viver com seu primo, Lopo de Gamboa, de quem tem um filho. Tempo e Espaço
Quer um quer o outro não são muito relevantes nesta novela. O tempo é linear, acompanhando a evolução do protagonista. O espaço resume-se apenas aos espaços em que o herói se move: Caçarelhos e Lisboa, sem haver muitas descrições. O tempo da narração não coincide com o tempo da história (que é linear), i.e., a narração é feita 5 anos depois da história. Antes da queda, o tempo da narração aproxima-se do tempo da história pois o narrador quer salientar aspectos de Calisto. Assim, no parlamento, o tempo da narração aproxima-se do da história, ambos lentos. No resto da narrativa, o tempo da narração é superior ao da história. Depois da queda, o tempo da história é superior ao da narração. Os acontecimentos reflectem o fluir do tempo, sendo por isso mais rápidos que antes. Quanto ao espaço, antes da queda, Calisto movimenta-se em Caçarelhos e Lisboa (seu quarto, parlamento e casa do desembargador Sarmento). Depois da queda, há uma diversificação espacial: Lisboa (Teatro, Hotel), Sintra (hotel e casa de Ifigénia), Caçarelhos (casa). Cada lugar é simbólico: Caçarelhos é o Portugal Velho, Lisboa, o do progresso, Sintra, o do idílio amoroso, i.e., o espaço romântico. Por fim, no último capítulo, dá-se uma condensação do tempo: o narrador acelera o tempo, conta o que sabe do destino das personagens. Aqui, o tempo da história avança muito mais que o da narração.
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A ironia camiliana
Permite uma grande imobilidade no interior da narrativa. O narrador participa ou afasta-se, exagera a ironia ou torna-a subtil, hiperboliza situações tornando-as cómicas, destaca o que lhe interessa, enfim, domina o universo ficcional. Para tal, utiliza: Auctorictas – Calisto Elói tem uma cultura livresca clássica e acredita piamente no que dizem os livros, mesmo que estes tenham já quase 200 anos e estejam desfasados da realidade (ex.: água da fonte e a contradição com a realidade de Lisboa, que resulta num cómico constante). Autocrítica – por vezes Camilo ri-se dos seus próprios temas e artifícios que usa. Toponímia e onomástica (nomes próprios)- tem por vezes efeitos cómicos (Calisto Elói de Silos e Benavides de Barbuda; Ifigénia Ponce de Leão; o próprio título A Queda de um Anjo).
Nesta novela há vários níveis onde se processa a crítica social. Num 1º plano, temos a crítica da vida portuguesa da época da Regeneração. É pelos olhos de Calisto que o narrador nos mostra a miséria moral e intelectual do novo mundo político lisboeta, em que o liberalismo produz má fé e muito oportunismo. É de salientar que no 1º plano o narrador (depois de nos fazer identificar com Calisto e o mostrar a cometer os erros que condenara) preocupa-se em manter a nossa simpatia pelo anjo que desceu ao chão, tornando-nos assim cúmplices de Calisto. Durante a transformação de Calisto, dá-se dá -se o 2º plano da crítica – a uma dada concepção de literatura e da sua função na sociedade moderna. Nesta época, o seu público é conhecedor dos folhetins e romances franceses. Por isso ele não tem qualquer ilusão sobre o papel da literatura na correcção dos vícios – apenas na manutenção dum bom padrão linguístico.
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Personagens
Narrador: Assume diferentes papéis. Assim, tem várias vozes: a de narr. omnisciente (conhece o que se passou e o que se irá passar) mas participante (ora faz comentários ora se distancia); narrador-autor, sempre que se refere a pormenores do romance, narração ou quando se identifica com Calisto; narrador-biográfico, na medida em que Camilo, ao descrever Calisto, se descreve a si próprio e também na leitura de clássicos, daí simpatizar com o protagonista; a de narrador-cronista, dado que parte de dados reais para a ficção. Este jogo do narrador tem um ponto comum: a ironia. Calisto: é o protagonista, herói da novela. Conservador, símbolo do Portugal Velho. Homem erudito, assíduo leitor dos clássicos (baseia todo o seu comportamento nos livros, o q confere comicidade à novela), defensor dos valores da moral antiga, bem como do uso duma du ma linguagem vernácula, simples, sem estrangeirismos (como Camilo, notando-se melhor essa semelhança nas sessões parlamentares quanto à linguagem, mas também às opções políticas), avesso à modernização. Daí condenar os luxos excessivos, os fundos para os teatros, a literatura moderna, nomeadamente a francesa e a aparência ridícula. Mas é também um homem ingénuo, puro e sincero, despertando assim no leitor uma certa simpatia. Calisto vai sendo engrandecido, para que a sua queda cause maior impacto. Por causa do amor, muda: muda a aparência física, vira-se para o futuro, aberto à modernização, à literatura moderna, simbolizando o Portugal Novo. Cai o anjo para a categoria categor ia de homem, deixando de se identificar com o autor. É uma personagem modelada, em função da qual todas as outras se movimentam e a partir dele que se desenrola a acção. Teodora: Mulher provinciana, pouco interessante, sem graça, rude, banal, com uma linguagem proverbial, apenas preocupada com a lida da casa e a lavoura. Sofre alterações (apenas a aparência e parte da moral), pois entrega-se a uma relação ilícita, mas a ignorância inicial não desaparece. Brás Lobato: mestre-escola, com uma falsa erudição associada ao oportunismo. Homem provinciano, faz figura na terra mas em Lisboa torna-se cómico pela sua ignorância. Abade de Estevães: Estabelece a ligação l igação entre Calisto e os outros deputados. deputado s. Adopta uma confortável posição neutra nos males sociais e políticos. Dr. Libório: deputado com um discurso oco, cheio de floreados e sem sentido. Plagia o Dr. Aires, não o confessando. Tem como função realçar Calisto. Simboliza o Portugal Novo, fraco, fraco , destituído de sentido. Daí o discurso de Calisto depois da queda ser parecido com o desta personagem. D. Catarina Sarmento: pers. romântica. Envolvida de amores com D. Bruno Mascarenhas, cedo se arrepende (intervenção de Calisto) e nunca confessa ao marido. Lia literatura moderna francesa (Balzac), notando-se aqui uma insinuação do narrador quanto às más influências que tais leituras lhe causam. D. Adelaide: noiva de Vasco da Cunha. Reconhecida a Calisto por ter salvo o casamento da irmã, Adelaide dedica-lhe a sua amizade e logo Calisto se enamora dela. É importante na medida em que é a força que desencadeia em Calisto um sentimento até aí desconhecido – o Amor
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Divisão da obra em actos:
Acto II - Cap. I-XIII - O AnjoAnjo - pureza na defesa dos costumes, ideais, na linguagem; segue os costumes do séc. XVI. Acto II- Cap. XIV-XXIII - A Metamorfose- As atitudes de Calisto com Adelaide não coincidem com o que diz. Esta atracção transforma-o no vestir, modo de falar, nos seus hábitos, etc. Aqui prepara-se a queda: o anjo vai dar lugar a uma homem igual aos outros homens (―Qui veut faire l’anje, fait la bête‖ - Pascal). Acto III – Cap. XXIV- Conclusão - A Queda- Calisto apaixona-se por Ifigénia, transformando-se radicalmente e dando-se a queda. D. Teodora vai a Lisboa instigada pelo primo (que gostava dela) e espanta-se com o luxo da casa do marido. No final, Calisto e Ifigénia partem para Paris e D.Teodora fica com o primo. A função da narrativa camiliana é tirar uma moral. Mas Camilo conclui que desta história não pode tirar moralidades porque a imoralidade de Calisto deixou-o feliz! Contudo, por se ter identificado com o Calisto provinciano e satirizado o Calisto civilizado, exerce uma acção moralizadora, pois critica os podres do Portugal Novo.
O estilo
Mais uma vez, Camilo prima pela economia da narração, sendo as poucas descrições presentes um complemento das situações narradas (ex.: descrição de Calisto acentua as suas características). Camilo utiliza vários níveis de língua, de acordo com as personagens e contextos em que se inserem: nível cuidado, ligado a Calisto, no Parlamento, quando se utilizava todos os artifícios da retórica; nível normal, ligado ao narrador, espaço e personagens lisboetas; nível popular, discurso de Teodora, retratando a sua vulgaridade; nível familiar, nas cartas de Calisto e Teodora. Assim, Camilo imprime o ritmo conveniente à acção. É trabalhando sabiamente a Língua que confere um notável dinamismo à sua novela. Utiliza também dicotomias: Portugal Velho/Portugal Novo e anjo/homem.
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