Aminas Propriedades e Reacções
Texto de apoio elaborado para o Bloco de Química Orgânica da cadeira de Complementos de Química I
Maria Eduarda Machado de Araújo
DQB, 2003
Aminas: propriedades e reacções
Aminas ............................................................................ ........................................................................................................ ............................ 1 Propriedades e Reacções ................................................................ ............................................................................. ............. 1 Estrutura ......................................................................... ..................................................................................................... ............................ 3 Nomenclatura ................................................................................. .............................................................................................. ............. 5 Propriedades físicas ....................................................................... .................................................................................... ............. 8
Basicidade Basicidade ........... ................. ........... ........... ............ ............ ........... .......... ........... ........... ........... .......... .... 10 Preparação Preparação de tampões tampões ........... ................. ........... ........... .......... ........... ............. ........... ..... 14 Aplicação das propriedades básicas na purificação de compostos ...................................................................................... .......................................................................... ............ 16
Reacções de preparação de aminas ........................................................... 18
Alquilação Alquilação directa directa ............ .................. ............ ............ ........... .......... ........... ........... ........... .......... .... 18 Alquilação indirecta: síntese síntese de Gabriel................................ 19 Redução de compostos nitrados.......................................... 20 Redução Redução de nitrilos nitrilos ........... ................. ............ ............ ............ ............ ............. ............. ........... ..... 21 Redução de oximas ........................................................... 21 Redução de iminas............................................................ 22 Redução de amidas........................................................... amidas ........................................................... 22 Preparação a partir de ácidos carboxílicos: os rearranjos de Hofmann, Hofmann, Curtius e Schmidt Schmidt ........... ................. ........... ........... ............. ............. ........... ..... 23 Carbamatos Carbamatos (RR’NC=OOR’’ (RR’NC=OOR’’)) ........... ................. ........... .......... ........... ............ ........... ..... 25
Reacções de aminas ....................................................................... .................................................................................. ........... 27
Formação Formação de amidas amidas ........... ................. ............ ........... .......... ........... ............. ............. ........... ..... 27 Rearranjo Rearranjo de Beckman Beckman ........... ................. ........... ........... ........... ............ ............. ........... ..... 27 Formação de iminas .......................................................... 29 Formação de enaminas...................................................... 30 Reacção Reacção de Manich Manich ........... ................. ............ ............ ............ ............ ............. ............. ........... ..... 31 Formação Formação de hidrazonas hidrazonas e semicarbazo semicarbazonas nas ........... ................ ........... .......... .... 32 Redução de Wolff-Kishner .................................................. 33 Nitrosação Nitrosação ........... ................. ........... ........... ............ ............ ........... .......... ........... ........... ........... .......... .... 34 Nitrosoamidas .................................................................. 37 Diazoalcanos .................................................................... 38 Oxidação Oxidação ............ .................. ............ ............ ............ ............ ........... .......... ........... ........... ........... .......... .... 40 Degradação Degradação de Hofmann Hofmann ........... ................. ........... ........... ........... ............ ............. ........... ..... 42
Bibliografia ...................................................................... ................................................................................................ .......................... 45
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
2
Aminas: propriedades e reacções
Aminas
Estrutura Aminas sãoc ompostos em que um ou mais grupos gr upos alquilo ou arilo estão ligados a um átomo de azoto: R-NH2 Formalmente são derivados do amoníaco: NH3. As aminas podem ser primárias: RNH2, secundárias: R 1R 2NH ou terciárias: R 1R 2R 3N. Os sais de amónio quaternários são compostos iónicos nos quais o átomo de azoto se encontra ligado covalentemente a quatro grupos: R 1R 2R 3R 4N+ Xpodendo os diversos grupos Rn ser alquilo, arilo ou mesmo H (hidrogénio). Espacialmente as aminas têm uma estrutura piramidal triangular, em que o átomo de azoto ocupa o centro da pirâmide, cada uma das três ligações covalentes está dirigida para os vértices da base da pirâmide e o par isolado para o vértice superior da pirâmide (fig. ( fig. 1). 1). .. N H H3C H
105,9Aº
112,9Aº
Figura 1 Quando uma amina está ligada a três grupos diferentes é quiral, à semelhança do que acontece com um átomo de carbono tetraédrico. Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
3
Aminas: propriedades e reacções
O par isolado funciona como o quarto substitunte. No entanto, ao contrário do que se verifica com os compostos de carbono quirais, os dois enantiómeros de uma amina quiral q uiral são facilmente interconversíveis, em virtude de a barreira de energia que é necessário vencer para a interconversão ser de apenas cerca de 6 cal/mol (o que é facil de atingir à temperatura ambiente) (fig. ( fig. 2): 2):
R' R
R N R' H
N H
R
N
R' H
Figura 2 Nos compostos de amónio quaternário esta inversão não é possivel (Fig. 3) 3) e portanto os iões quirais podem ser separados nos respectivos enantiómeros | | | |
R1 + R4
N R2 R3
R1 R2 N + R3
R4
Figura 3 O mesmo se verifica com aminas cíclicas em que a inversão também é impossivel. Este facto é aproveitado para se conseguir a resolução de misturas racémicas.
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
4
Aminas: propriedades e reacções
Nomenclatura Como muitas outras classes de compostos orgânicos as aminas podem ser designadas de várias maneiras. As aminas simples são em geral designadas utilizando o sufixo amino a seguir ao nome do grupo alquilo a que se encontra ligado o grupo NH2. O nome é escrito como uma única palavra: Exemplos
CH3NH2 metilamina
CH3CH2NH2 etilamina
CH3CH2N(CH3)H etilmetilamina (CH3)2NH dimetilamina Nomenclatura utilizada no Chemical Abstracts: Neste sistema as aminas são designadas dum modo semelhante ao dos alcoóis, o nome do alcano é alterado substituindo o o final pelo sufixo amino CH3NH2 metanamina CH3CH2NH2 etanamina Aminas secundárias e terciáreas são consideradas derivadas da amina que tiver a maior cadeia alquílica e utilizando a letra N para indicar que os outros grupos alquilo estão ligados ao átomo de azoto CH3CH2N(CH3)H N-metiletanamina (CH3)2NH N-metilmetanamina Nomenclatura utilizada pela IUPAC O grupo amino é considerado um substituinte da cadeia alquílica de maior comprimento CH3NH2 aminometano CH3CH2NH2 aminoetano (CH3)2NH metilaminometano CH3CH2N(CH3)H metilaminoetano CH3CH2CH2N(CH3)CH2CH3 1-(etilmetil)aminopropano Nomenclatura de aminas aromáticas: A arilamina mais simples é a anilina (Fig. 4): Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
5
Aminas: propriedades e reacções
NH2
Figura 4 Este nome é aceite pela IUPAC. Derivados simples são considerados anilinas substituídas (Fig. 5): NH2
NH2 Br
NO2
orto-bromo-anilina Figura 5
para-nitro-anilina
Quando estão presentes outros grupos que tomem a precedência o grupo amino é indicado como substituinte (Fig. 6): NH2
Ácido para-aminobenzóico
Figura 6
COOH
Para o Chemical Abstracts a anilina é designada por benzenamina (Fig. 7); os derivados da anilina são designados de acordo com este nome (Fig. 8)
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
6
Aminas: propriedades e reacções
N(CH3)2
N,N-dimetilbenzenamina Figura 7 NH2
NH2
CH3
OMe
4-metilbenzenamina
4-metoxibenzenamina
Figura 8
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
7
Aminas: propriedades e reacções
Propriedades físicas As aminas alifáticas simples, quer sejam de cadeia linear ou ramificadas, são líquidos à temperatura ambiente, com excepção dos membros mais simples, metilamina, dimetilamina e trimetilamina, que são gases. À semelhança do que acontece nos alcanos e nos alcoóis os pontos de fusão,pontos de ebulição e densidade aumentam com o aumento do peso molecular. A presença de pontes de hidrogénio entre os átomos de azoto e de hidrogénio (N ⋅⋅⋅⋅⋅H) reflecte-se nos pontos de ebulição (e também nos de fusão) que tomam valores superiores aos dos alcanos onde esta interacção não existe. Veja-se por exemplo o caso da metilamina com um p.e. de –6,3º enquanto que o do metano é de –161º. Esta interaçcão contudo não é tão forte como nos alcoóis, pois o átomo de azoto não é tão electronegativo como o átomo de oxigénio. Veja-se então o p.e. do amoníaco (-33º) e compare-se com o do análogo de oxigénio que é a água: 100º.
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
8
Aminas: propriedades e reacções
Tabela 1 Propriedades físicas das aminas amina
Peso
Ponto
Ponto de
molecular
de
ebulição
fusão AMINAS
CH3NH2
31
-94
-6,3
PRIMÁRIAS
CH3CH2NH2
45
-81
16,6
CH3CH2CH2NH2
59
-83
47,8
CH3CH2CH2CH2NH2
73
-49
77,8
(CH3)2NH
45
-93
7,4
73
-48
56,3
(CH3CH2CH2)2NH
101
-40
110
(CH3CH2CH2CH2)2NH
129
-60
159
AMINAS
(CH3)3N
59
-117
2,9
TERCEÁRIAS
(CH3CH2)3N
101
-114
89,3
(CH3CH2CH2)3N
143
-94
155
(CH3CH2CH2CH2)3N
185
AMINAS
SECUNDÁRIAS (CH3CH2)2NH
213
As aminas aromáticas simples são líquidas àtemperatura ambiente Tabela 2 Propriedades físicas de algumas aminas aromáticas Amina
Ponto de fusão
Ponto de ebulição
Anilina
6
184
-57
194
2
192
2-metilanilina
---
200
3-metilanilina
-50
203
4-metilanilina
44
200
N-metil-anilina N,N-dimetilanilina
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
9
Aminas: propriedades e reacções
Não é possível, neste caso, encontrar uma relação entre a estrutura e o ponto de ebulição. Os anormalmente baixos valores de ponto de fusão para a N-metilanilina e para a 3-metilanilina devem-se ao facto de serem compostos cuja estrutura espacial é assimétrica e portanto mais difíceis de integrar numa rede cristalina.
Basicidade Devido ao facto de possuirem um par de electrões desemparelhados as aminas são bases de Lewis: CH3NH2 + H+ → CH3NH3+ Em virtude de as aminas serem mais básicas do que a água as soluções aquosas de aminas têm propriedades básicas: CH3NH2 + H2O → CH3NH3+ + OHQuando se pretende comparar a força das aminas enquanto bases é conveniente utilizar a constante de dissociação do correspondente ião amónio. Esta constante de equilíbrio designada por K a é dada pela seguinte expressão: +
RNH3 + H2O
Ka
RNH2 + H3O+
Ka= [RNH2] [H3O]+ / [RNH3+] A concentração de água não está incluída na constante porque está presente em larga escala e tem essencialmente um valor constante. O valor do pKa para o ião amónio é, a 25º, de 9,24. Os valores de pKa dos iões alquilamónio simples variam entre 10 e 11 o que significa
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
10
Aminas: propriedades e reacções
que são menos ácidos do que o próprio ião amónio. Por outras palavras as alquilaminas são levemente mais básicas do que o NH3. É importante não confundir as constantes de dissociação do ião NH 4+ e da molécula de NH 3. Esta última é um ácido extremamente fraco cujo pKa é de cerca de 34, o que faz com que a respectiva base conjugada, o ião amideto NH2- seja uma base extremamente forte. Estes iões são formados por reacção da correspondente amina com um alquil lítio: (CH3CH2CH2)2NH + n-C4H9Li → (CH3CH2CH2)2N- Li+ + C4H10 É conveniente ter em atenção que em certa bibliografia mais antiga a basicidade das aminas é discutida em termos da constante de basicidade Kb. Esta é dada pela expressão: Kb= [RNH3+] [OH-] / [RNH2] As duas podem ser relacionadas através do produto iónico da água: Ka . Kb = Kw e portanto pKa + pKb = 14 Em solução aquosa as aminas aromáticas são bastante menos básicas do que as correspondentes alquilaminas. O Ka do ião anilínio é de 2,5.10-5, ou seja , o pKa é de 4,60 enquanto que o pK a da etilamina é de 10,64. Os baixos valores de pK a das aminas aromáticas podem encontrar justificação no facto de o par isolado de electrões a que se vai ligar o protão estar menos disponível para esta ligação em virtude de poder entrar em ressonância com o anel aromático (Fig. 9):
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
11
Aminas: propriedades e reacções
NR1R2
+ NR1R2
+ NR1R2
-
+ NR1R2 -
-
Figura 9 A presença de substituintes no anel aromático afecta a basicidade das correspondentes anilinas. Substituintes doadores de electrões por efeito indutivo ou de ressonância, como é o caso dos grupos metilo e metoxilo respectivamente, tornam as anilinas mais básicas, enquanto que grupos atractores de electrões , caso dos halogéneos e dos grupos CF3 e nitro, têm o efeito contrário. Esta acção é mais marcada quando os substituintes estão em posição para pois podem entrar em conjugação com o grupo amino. Os substituintes na posiçao orto dão por vezes resultados inesperados devido a efeitos esterioquímicos. Por este motivo a orto metilanilina é menos básica do que a própria anilina ao contrário do que se poderia esperar devido à acção indutiva doadora de electrões do grupo metilo
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
12
Aminas: propriedades e reacções
Tabela 3 Efeito do substituinte no pK a de iões anilínio Posição Substituinte
orto
meta
para
H
4.60
4.60
4.60
Bromo
2.53
3.58
3.86
Cloro
2.65
3.52
3.98
Fluor
3.20
3.57
4.65
Iodo
2.60
3.60
3.78
Nitro
-0.26
2.47
1.00
Metilo
4.44
4.72
5.10
Metoxilo
4.52
4.23
5.34
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
13
Aminas: propriedades e reacções
Preparação de tampões
As propriedades básicas das aminas podem ser aplicadas na preparação de soluções tampão moderadamente básicas. Atente-se no seguinte exemplo de preparação de um tampão de pH=10,5 e concentração 0,01M. Procura-se uma amina que tenha um pK a cujo valor seja semelhante ao valor de pH pretendido. A piperidina pode ser a escolhida em virtude de ter um pKa=11,12. Aplica-se logarítmos à expressão que define o Ka e resolve-se em relação ao pH: pH=pKa+log [RNH2]/[RNH3+] substitui-se pelos valores anteriores 10,5=11,12+ log [RNH2]/[RNH3+] e aplicando antilogarítmos [RNH2]=0,23 . [RNH3+]. Sendo a concentração escolhida para o tampão de 0,01M então [RNH2]+[RNH3+]=0,01. Fica-se assim com um sistema de duas equações a duas incógnitas que após resolução permite encontrar os seguintes valores: [RNH2]= 0,0019 [RNH3+]=0,0081 A espécie [RNH3+] é obtida a partir da adição de um ácido forte, por exemplo HCl, que em solução se dissocia na totalidade, de acordo com a equação: [RNH2]+HCl
[RNH3+]+Cl-
Caso se pretenda preparar um litro de tampão é necessário adicionar 0,01 mole da amina, no caso do exemplo piperidina, 0,0081 mole de ácido clorídrico e água até perfazer um litro, obtendo-se 0,0019 mole de amina protonada A preparação do tampão utilizou concentrações e não entrou em linha de conta com as actividades nem com a influência da temperatura no valor do pKa, pelo que o pH da solução obtida tem sempre de ser Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
14
Aminas: propriedades e reacções
confirmado. Na maior parte dos casos está suficientemente perto para que um pequeno ajuste possa ser efectuado através de uma adição mínima de mais ácido.
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
15
Aminas: propriedades e reacções
Aplicação das propriedades básicas na purificação de compostos As propriedades básicas das aminas podem ser utilizadas na purificação destes compostos. O esquema seguinte exemplifica o modo como separar uma amina, por exemplo a piperidina, do alcano homólogo, o ciclohexano, que é um composto apolar: Piperidina+ciclohexano HCl+água
Fase orgânica ciclohexano
Fase aquosa cloreto de piridínio NaOH
Fase orgânica piperidina
Fase aquosa NaCl
As aminas também formam sais com os ácidos carboxílicos: acido acético (CH3COOH)+metilamina (CH3NH2) → acetato de metilamónio (CH3COO-H3N+CH3) Esta reacção é utilizada na resolução de misturas racémicas. É possível separar os dois isómeros de um ácido carboxílico utilizando uma amina natural opticamente pura, como por exemplo a brucina, ou separar os dois isómeros de uma amina utilizando um ácido carboxílico opticamente puro. Em ambos os casos há a formação de sais diastereómeros que possuem propriedades físicas diferentes como por exemplo a solubilidade num certo solvente e que portanto podem ser cristalizados separadamente. A reacção subsequente do sal Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
16
Aminas: propriedades e reacções
do isómero pretendido com, no primeiro caso, um ácido forte e no segundo uma base forte, liberta o composto pretendido já livre do outro isómero: Ácido R,S + amina R→ sal R,S + sal R,R HCl Ácido R + cloreto da amina R
Amina R,S + ácido carboxílico R→ sal R,R + sal S,R NaOH Amina S + carboxilato (R) de sódio
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
17
Aminas: propriedades e reacções
Reacções de preparação de aminas Alquilação directa As aminas podem ser preparadas por processos muito diversos. Um dos processos aparentemente mais simples é a alquilação do amoníaco, aproveitando o poder nucleofílico deste e fazendo-o reagir com um halogeneto de alquilo RBr + NH3 → RNH2 + HBr R representa qualquer grupo alquilo linear ou ramificado e ainda qualquer grupo benzilo. Aparentemente esta seria uma reacção ideal de síntese de aminas pois utiliza reagentes baratos, facilmente acessíveis e condições simples. No entanto, como a amina alquilada, devido ao efeito indutivo do grupo alquilo introduzido, é mais nucleofílica do que o amoníaco, no final obtem-se uma mistura de mono, di e trialquilaminas juntamente com o correspondente sal de amónio quaternário: RNH2 NH3 + RBr
R2NH R3 N +
R4 N
+HBr +HBr +HBr
Esta reacção só tem interesse do ponto de vista sintético quando se podem forçar as condições reaccionais utilizando um grande excesso de amina a alquilar e quando o produto pretendido é fácil de separar dos outros produtos secundários da reacção. Tal é o caso, por exemplo, da preparação industrial da n-butilamina a partir do amoníaco (reagente barato e acessível), que é utilizado em grande Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
18
Aminas: propriedades e reacções
excesso, e do brometo de n-butilo. A n-butilamina formada, devido ao seu baixo ponto de ebulição (78º), é facilmente separada das di e tributilamina também formadas e que têm pontos de ebulição superiores, 159-60º e 216-17º respectivamente. A obtenção de aminas secundárias e terciárias por este processo é muito pouco eficaz devido aos problemas causados pela polialquilação. As aminas aromáticas são menos nucleofílicas do que as alifáticas pelo que são necessárias condições mais vigorosas para conseguir que reajam com halogenetos de alquilo. Esta mesma propriedade, contudo, impede também que a polialquilação se dê pelo que é mais simples obter aminas aromáticas mono alquiladas.
Alquilação indirecta: síntese de Gabriel É possível preparar aminas primárias puras e com bons rendimentos através de um método chamado síntese de Gabriel (Fig. 10). Basicamente consiste na alquilação de um átomo de azoto pertencente a uma imida através de uma reacção de substituição electrofílica com um halogeneto de alquilo. Em seguida a imida alquilada é hidrolizada libertando-se a correspondente amina primária. Esta reacção dá-se com halogenetos primários ou secundários, lineares ou ramificados. Em virtude de o átomo de azoto a alquilar fazer parte da imida a polialquilação é impossível e portanto só há um produto possível no final da reacção. Experimentalmente utiliza-se a ftalimida a qual está disponível comercialmente. A ftalimida tem um pKa de 8,3 e em solução básica aquosa é quase totalmente convertida no correspondente anião. O anião da ftalimida é um bom nucleófilo e pode entrar numa reacção de substituição electrofílica com um halogeneto de alquilo. A hidrólise da ftalimida N-alquilada dá origem ao ácido ftálico mais à amina
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
19
Aminas: propriedades e reacções
pretendida. Como a ftalimida só possui um hidrogénio acídico só forma um mono anião e portanto a polialquilação é impossível:
O
O N
H
OH-
O N
O
-
+ RCH2Br
O O
O
+
RCH2NH2
O
Figura 10 Redução de compostos nitrados Grupos nitro ligados a cadeias alifáticas ou ligados a anéis aromáticos podem ser reduzidos dando origem a aminas primárias (Fig. 11). Este tipo de reacção é particularmente adequado para compostos aromáticos pois permite sintetizar uma gama muito grande de anilinas a partir de nitrobenzenos diversos, eles próprios fáceis de obter por nitração directa de anéis aromáticos. Os reagentes utilizados nestas reduções podem ser: H2 /Ni Fe/HCl Zn/HCl SnCl2 /HCl conc. CH3 NO2
CH3 Fe
NH2
C2H5,HCl, calor NO2
NH2
NO2
NH2 SnCl2 CHO
HCl conc.
CHO
Figura 11 Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
20
Aminas: propriedades e reacções
Redução de nitrilos A redução de nitrilos utilizando hidrogénio e um catalizador metálico, ou hidreto de alumínio e lítio em éter, dá origem a aminas primárias. Quando a redução é feita por meio da hidrogenação catalítica formase como produto secundário uma amina secundária. O aparecimento desta amina é devido ao facto de a redução catalítica passar por um intermediário que é uma imina. Esta imina pode reagir com a amina primária, entretanto formada, originando uma imina secundária, com libertação de amoníaco, a qual sofre igualmente redução, formandose assim uma amina secundária. Para minimizar esta reacção secundária a hidrogenação deve ser feita em presença de excesso de NH3. RCN + H2 → RCH=NH RCH=NH + H2 → RCH2NH2 RCH=NH + RCH2NH2 → RCH=NCH2R + NH3 RCH=NCH2R + H2 → RCH2NHCH2R Outro processo de minimizar a formação de aminas secundárias consiste em efectuar a redução catalítica em anidrido acético. A amina primária que se forma é imediatamente convertida em amida (por reacção com o anidrido acético) e pode ser recuperada no final por hidrólise desta.
Redução de oximas A redução catalítica de oximas dá também origem a aminas primárias. As oximas podem ser preparadas a partir de aldeídos e cetonas por reacção com a hidroxilamina.
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
21
Aminas: propriedades e reacções
Redução de iminas As iminas são preparadas por reacção do amoníaco, ou de aminas primárias, com aldeídos ou cetonas. A redução catalítica da imina dá assim uma amina primária ou secundária. Uma variante desta reacção é conhecida por reacção de Eschweiller-Clarck e destina-se a obter aminas terciárias em que exista pelo menos um grupo metilo. É realizada fazendo reagir a amina a metilar com formaldeído e ácido fórmico a 100º. A espécie que sofre redução não é uma imina mas um ião imínio e o agente de redução é o proprio ácido fórmico. A reacção segue o seguinte mecanismo: R2NH + CH2=O +H+ R2N-CH2OH R2N-CH2OH + HCOOH R2N+=CH2 + HCO2- + H2O R2N+=CH2 + H-COO- R2N-CH3 + CO2 Encontra-se descrita na literatura uma técnica semelhante mas que permite introduzir um único grupo metilo *. Consiste na reacção da amina com formaldeído e tiocresol obtendo-se um derivado tioéter. A redução deste derivado com hidreto de boro e sódio origina a amina metilada. É aplicável a aminas primárias, mas o formaldeído pode ser substituído pelo acetaldeído ou pelo propionaldeído obtendo-se a alquilação da amina com um grupo etilo ou propilo. RNH2 + CH2=O + CH3-Ph-SH RNH-CH2-S-Ph-CH3 RNH-CH2-S-Ph-CH3 + NaBH4 RNH-CH3
Redução de amidas As amidas são reduzidas pelo hidreto de alumínio e lítio, em éter, a refluxo, originando aminas. A redução do grupo carbonilo é completa sendo este transformado num metileno: CH 2. O método permite *
K. Oznur, C. B. Reese, J. Chem. Soc. Perkin, 81 (1980), 1569-1573
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
22
Aminas: propriedades e reacções
preparar aminas primárias ou secundárias dependendo da estrutura das aminas usadas. RCO-NH2 RCH2NH2 RCO-NHR’ RCH2NHR’
Preparação a partir de ácidos carboxílicos: os rearranjos de Hofmann, Curtius e Schmidt Os rearranjos de Hofmann, Curtius e Schmidt permitem, todos eles, a obtenção de aminas primárias a partir de ácidos carboxílicos. Os reagentes são, para cada uma das reacções, os seguintes: rearranjo de Hofmann: uma amida primária, Cl2 e hidróxido de potássio rearranjo de Curtius: um cloreto de acilo e azida de sódio rearranjo de Schmidt: um ácido carboxílico e azida de sódio As três reacções baseiam-se na formação e decomposição de um intermediário, um nitreno, composto em que o átomo de azoto tem uma única ligação e dois pares isolados de electrões. Este nitreno por ser muito instável decompõe-se com migração do grupo ligado ao carbonilo para o átomo de azoto do nitreno dando origem a um isocianato. Tratamento do isocianato com água dá origem a um ácido carbâmico o qual descarboxila espontaneamente originando a amina pretendida: RCO-N R-N=C=O R-N=C=O + H2O RNHCOOH RNHCOOH RNH2 + CO2
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
23
Aminas: propriedades e reacções
A principal diferença entre os três rearranjos é o modo de se obter o nitreno intermediário. No rearranjo de Hofmann este é obtido por reacção da amida com cloro em meio básico obtendo-se inicialmente uma N-cloroamida. Esta N-cloroamida é mais básica do que a amida inicial perdendo um protão por reacção com a base ainda presente no meio e originando um anião da amida, o qual liberta um ião cloreto para dar uma espécie neutra que é um nitreno: RCO-NH2 + OH- RCO-NH- + H2O RCO-NH- + Cl2 RCO-NHCl + ClRCO-NHCl + OH- RCO-N-Cl RCO-N-Cl RCO-N + ClNo rearranjo de Curtius a azida de sódio reage com o cloreto de acilo originando uma acil-azida. Esta acil-azida por aquecimento perde azoto originando o nitreno que sofre a decomposição atrás explicada: RCOCl + NaN3 RCON3 RCON3 RCO-N No rearranjo de Schmidt o nitreno é também obtido por decomposição térmica de uma acil-azida, sendo esta obtida por reacção entre um ácido carboxílico e o ácido hidrazóico: RCOOH + HN3 RCON3 + H2O As acil-azidas são substâncias explosivas e estas últimas reacções implicam cuidados na sua execução. Quando o rearranjo de Hofmann é levado a cabo numa solução alcoólica em vez de aquosa o isocianato formado por decomposição do nitreno não vai originar um ácido carbâmico mas sim um éster deste ácido, ou seja, um carbamato Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
24
Aminas: propriedades e reacções
R-N=C=O + R’OH RNHC=OOR’
Carbamatos (RR’NC=OOR’’)
Os carbamatos são compostos bastante usados em química orgânica. Carbamatos de t-butilo são utilizados como grupos protectores de aminas. A amina a proteger numa dada reacção é transformada por reacção com cloroformato de t-butilo num carbamato de t-butilo efectuando-se em seguida a reacção pretendida. Os carbamatos são estáveis em meio ácido hidrolisando-se em meio básico. Em geral são removidos não por hidrólise mas por hidrogenólise em condições suaves. A função carbamato encontra-se presente também em produtos de origem natural sendo a fisostigmina, provavelmente, o composto mais importante. A fisostigmina é o pricípio activo presente nas sementes de uma leguminosa aquática da Nigéria, a Physostigma venenosum, conhecida por feijão do Calabar. Estas sementes eram
utilizadas pelos povos indígenas numa “prova da verdade”, ou seja, quando se pretendia punir um dado indivíduo. Ao acusado era-lhe dado a beber uma poção ( esere) feita com esta planta e mandado caminhar durante um certo tempo até a planta fazer efeito. Caso o acusado fosse tão afortunado que durante esse período de tempo vomitasse a poção e sobrevivesse era considerado inocente e mandado em paz. Pensa-se que a ingestão rápida da droga pelos indivíduos impacientes por demonstrar a sua inocência provocaria o vómito não tendo o veneno tempo de actuar, enquanto que a ingestão lenta pelos indivíduos receosos da actuação da droga faria com que esta fosse libertada lentamente no organismo e portanto totalmente assimilada levando assim à morte. Os carbamatos são muito usados como antifúngicos. São os componentes de muitas formulações para o tratamento de micoses cutâneas como é o caso da vulgarmente conhecida por pé de atleta. São também muito correntes em formulações de pesticidas. Devido à Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
25
Aminas: propriedades e reacções
sua acção anticolinesterásica atacam o sistema nervoso dos insectos provocando-lhes a morte. Produtos comerciais tão conhecidos como por exemplo o “baygon” devem a sua acção insecticida à presesença se um carbamato. Os carbamatos são também conhecidos por uretanos em virtude de o elemento mais simples desta classe, o carbamato de metilo, ser denominado por uretano. O carbamato de metilo é um composto que pode sofrer polimerização originando o poliuretano, que tem aplicação como espuma rígida.
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
26
Aminas: propriedades e reacções
Reacções de aminas Formação de amidas O amoníaco, aminas primárias e aminas secundárias reagem com cloretos de acilo e anidridos de ácidos carboxílicos para darem amidas (Fig. 12). Quando a reacção é feita com cloreto de acilo é necessário utilizar dois equivalentes de amina para neutralizar o ácido clorídrico formado na reacção: RCOCl + 2R1R2NH RCONR1R2 + Cl-N+R1R2
O R Cl
O +
R1R2NH
-
R
+
O NHR1R2
Cl
R +
NR1R2
R1R2NHCl
Figura 12
Rearranjo de Beckman
Amidas também podem ser formadas por reacção de oximas com pentacloreto de fósforo ou ácido sulfúrico concentrado através de um processo designado por rearranjo de Beckman (Fig. 14). Oximas são compostos que resultam da reacção da hidroxilamina, NH2OH, com uma cetona, por meio de um mecanismo (Fig. 13) semelhante ao acima apresentado (Fig. 12). RCOR’ + 2H2NOH RR’C=NOH Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
27
Aminas: propriedades e reacções
O
O + R'
R
O R'
R
NH2OH
-
R'
R
+ NH OH 2
NOH
- H+
+ H
NHOH
H2O +
R'
R
-
+ OH 2
+ NHOH
NHOH
R'
R
R'
R
Figura 13 As oximas são compostos relativamente estáveis e, relativamente aos reagentes, a reacção desloca-se no sentido da formação dos produtos. O tratamento da oxima com ácido concentrado inicia uma série de reacções que termina na formação de uma amida por migração de um dos grupos ligados ao carbonilo da cetona para o átomo de azoto, com perca de água e formação de um carbocatião. A hidratação do carbocatião seguida de tautomerização dá finalmente origem à amida:
+ NOH R
R'
+ H
+
N R
OH2
R'
R
R
N
+
+ H2O
R'
OH2 R O
N
H R'
N R'
R O
N R'
Figura 14
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
28
Aminas: propriedades e reacções
O rearranjo de Beckmann é uma reacção de grande importância industrial pois permite obter a caprolactama a partir da ciclohexanona e da hidroxilamina. Esta amida cíclica é a matéria prima para a síntese do nylon 6 (Fig. 15). A produção anual de caprolactama ronda as 700.000 toneladas ano
N
O
O
H
O
N
H
O
N
N H
O
n
Nylon 6
Figura 15
Formação de iminas As aminas podem reagir com aldeídos e cetonas originando iminas. O mecanismo (Fig. 16) é semelhante ao de formação de oximas (Fig. 13):
O
O + R
R'
O R'
R
NH2R1
R
+ NH R 2 1
NR1 R
NHR1
- H+
R'
R' + H +
+ NHR 1 H2O
R
+ R
R'
OH2 R' NHR1
Figura 16
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
29
Aminas: propriedades e reacções
As iminas, ou bases de Shiff, são compostos instáveis excepto quando obtidos a partir de cetonas ou aldeídos aromáticos ou então quando a amina envolvida é uma anilina. A reacção de formação de iminas é muito sensível ao pH sendo levada a cabo em meio de tampão acetato. Se o pH for muito elevado toda a amina inicial estará protonada não tendo capacidade de atacar o carbonilo e a reacção não se dá; se o pH for muito baixo não existem protões suficientes para protonar a carbinolamina intermediária e a reação regride no sentido dos reagentes. Formação de enaminas Aminas secundárias não podem originar iminas mas, se a reacção for levada a cabo com aldeídos ou cetonas que possuam H em posição α para o carbonilo, forma-se outro tipo de composto denominado enamina RR’CH2C=O + HNR1R2 R’CH=CRNR1R2 O mecanismo desta reacção (Fig. 17) é semelhante ao da formação das iminas (Fig. 16): O
O R
+ NR R 1 2 CH2R'
R
R
O CH2R'
-H
NR1R2
+ NR R 1 2
+
R'
CH2R'
R
+ NHR R 1 2
NR1R2 H
-
H2O
+ R
CH2R'
H
+
+ OH2 R
CH2R' NR1R2
Figura 17 As enaminas são os compostos de azoto análogos aos enóis. À semelhaça dos enóis as enaminas secundárias são instáveis e isomerizam rapidamente para dar a imina correspondente. Se o azoto da enamina for terciário esta isomerização já não é possivel e a Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
30
Aminas: propriedades e reacções
enamina pode ser isolada. O interesse sintético das enaminas é o de servirem de intermediário na alquilação de cetonas (Fig. 18). O ião imónio alquilado que se forma é facilmente hidrolisado na respectiva cetona O N
N
+
O
+ CH 2
CHCH2
Br
+ N Br
H N+ H Br
+
Figura 18 Reacção de Manich As iminas podem reagir com outros nucleófilos de carbono para além dos reagentes de Grignard e dos reagentes alquil-lítio. Na reaçcão de Mannich (Fig. 19),uma cetona com hidrogénios α reage com um aldeído e uma amina primária para dar um produto de condensação. Neste processo a forma enólica da cetona reage, em meio ácido, com a imina protonada resultante da condensação do aldeído (em geral formaldeído) com a amina. Toda a reacção sofre catalise ácida, sendo em geral adicionado um ácido fraco, como o ácido acético, como catalisador. H+ H2C O +
H2NR O
H2C NR
O
OH N H R
Figura 19 Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
31
Aminas: propriedades e reacções
A reacção de Mannich é muito útil principalmente na síntese de produtos naturais. O anel tropano que forma o esqueleto da cocaína é obtido de uma só vez, por uma dupla condensação de Mannich entre o 1,4 butanodial, a metilamina e a carbodimetoxiacetona, na presença de um catalisador ácido (Fig. 20): CHO + CHO
H3C CH3NH2
CO2CH3
+ H CO C 3 2
N CO2CH3
O H3CO2C O H3C
N CO2CH3
O
Figura 20
Ph
O
Formação de hidrazonas e semicarbazonas A hidrazina H2N-NH2 e seus derivados, H2N-NHR pode ser considerada uma amina particular. À semelhança de outras aminas as hidrazinas reagem com aldeídos e cetonas para dar hidrazonas (Fig. 21):
N
O R
+ R'
NH2-NHR1
R
NHR R'
Figura 21 O mecanismo de formação das hidrazonas é semelhante ao de formação de iminas (Fig. 16) e oximas (Fig. 13).
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
32
Aminas: propriedades e reacções
As hidrazonas obtidas com a fenil-hidrazina (quando R1 é o grupo fenilo), ou seja as fenilhidrazonas, são muito utilizadas na caracterização de açúcares pois dão origem a sólidos cristalinos de pontos de fusão característicos. As semicarbazidas 2HN-NHC=ONH2 podem também ser consideradas aminas particulares. Reagem com aldeídos e cetonas por um mecanismo semelhante ao das aminas (Fig. 16) e hidroxilaminas (Fig. 13) para dar semicarbazonas RR’C=O + 2HN-NHC=ONH2 RR’C=N-NHC=ONH2 A semicarbazida é um dos melhores reagentes para a caracterização de compostos contendo grupos carbonilo pois as semicarbazonas formadas são derivados cristalinos, de ponto de fusão bem definido e fácilmente cristalizáveis com etanol ou acetona .
Redução de Wolff-Kishner A redução de Wolff-Kishner (Fig. 22) é uma reacção que permite fazer a redução de grupos carbonilo utilizando uma hidrazona como ponto de partida:
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
33
Aminas: propriedades e reacções
O + R'
R
NH
N NH2-NH2
+ R
R'
H2O
OH
H2O
-
H NH R -
R
N
N NH
N N
R'
R'
R'
R
H
H2O H H
R
H2O
R'
H R
-
- N2
R'
OH
-
R N N R'
H
Figura 22
Nitrosação As aminas reagem com o ácido nitroso, HNO 2. O produto da reacção varia conforme estejamos em presença de uma amina alifática ou aromática e conforme a amina seja primária , secundária ou terciária. Aminas secundárias, alifáticas ou aromáticas reagem com o ácido nitroso para dar N-nitrosoaminas. As nitrosoaminas são em geral coradas possuindo um tom amarelado. RR'NH + HNO2
RR'N-NO + H2O
A reacção dá-se em quatro passos:
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
34
Aminas: propriedades e reacções
+ HO-N=O + H + H2O
N=O + RR'NH + N=O + RR'N
H N=O
+ H2O
N=O
+ H2O + N=O + H RR'N N=O RR'N
+ N=O + H
No caso das aminas terciárias o último passo não é possível e a reacção não se verifica. As N-nitrosoaminas são compostos cancerígenos: **
“Em 1956, Magee e Barnes publicaram o primeiro es tudo em que se relacionava
e se comprovava inequivocamente que a administração a ratos no laboratório de N-nitrosodimetilamina (DMN) em pequenas doses diárias (50 ppm misturados com a alimentação) provocava o aparecimento de tumores no fígado no período máximo de 1 ano [9]. Este facto vinha de encontro a relatos de envenenamento de trabalhadores expostos à DMN em laboratórios industriais. Em ratos de laboratório uma dose única de 25 mg/kg de DMN tomada oralmente ou por via intravenosa era responsável pela necrose do fígado, acompanhada de hemorragias no fígado e rins e levava à morte em 2 a 4 dias. Preocupante foi a observação de que uma única dose de DMN inferior à dose letal, embora não provocasse inicialmente quaisquer danos visíveis nos rins, levava ao aparecimento, a médio prazo, de tumores nestes orgãos [9]. No entanto, nem todas as N-nitroso-aminas são cancerígenas, verificando-se que a N-nitrosometil-terbutilamina, a Nnitrosoetil-terbutilamina e a N-nitrosodibenzilamina, entre outras, não têm a capacidade de induzir tumores. A falta de capacidade de induzir tumores por parte destes compostos foi explicada através de um mecanismo que postula a hidroxilação no carbono α seguida de decomposição originando um diazoalcano. Este diazoalcano seria o responsável pela indução do tumor, não tendo as N**
M. E. M. Araújo, L. Cyrne, S. Marinho, F. Norberto ,”Os compostos N-nitroso e o cancro”, Química, Boletim da Sociedade Portuguesa de Química, 79 (2000), 30
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
35
Aminas: propriedades e reacções
nitroso-aminas atrás referidas essa possibilidade........ as N-nitrosodialquilaminas não produzem tumores na zona de aplicação, mas si m em órgãos distantes, órgãos esses onde possivelmente existe capacidade de promover a hidroxilação no carbono α do composto nitrosado”
Para as aminas primárias a reacção prossegue para além do composto N-nitrosado originando um ião diazónio RHN + RHN
N=O + H+ N
R
N=N
R
N=N
OH OH + H + OH2
+ N=OH
[ RHN R
OH + H
N=N
+ R
+ RHN
N=N
N
OH ]
+
+ OH2
+ H2O + R N N catião alquildiazónio
Os catiões alcanodiazónio são extremamente instáveis e decompõemse rapidamente mesmo a baixas temperaturas originando azoto e vários produtos secundários entre os quais carbocatiões que podem agir como agentes alquilantes. Os catiões diazónio provenientes de aminas aromáticas primárias são mais estáveis do que os iões alcanodiazónio e têm uma vida média razoável em soluções aquosas mantidas em banho de gelo o que os permite utilizar como valiosos intermediários de síntese para a obtenção de diversos compostos aromáticos. O quadro seguinte (Fig. 23) resume as transformações possíveis dos catiões arildiazónio e os reagentes necessários para as efectuar:
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
36
Aminas: propriedades e reacções
N N+
R
OH
H
R
R
I
calor BF4 -
calor H2O
H3PO2
Reacção de Sandmeyer
R
R
R
HCl CuCl
Br
CN
I
F
HBr CuBr
NaCN CuCN -
R
Cl
R
Figura 23
Nitrosoamidas As amidas secundárias, à semelhança do que se passa com as aminas secundárias, também reagem com o ácido nitroso originando Nnitrosoamidas. **
“Outros compostos N-nitroso, como por exemplo, as N-nitros o-amidas também
estão associados ao aparecimento de carcinomas. Por exemplo, após a administração de N-nitroso-N-metilureia foram observadas lesões inflamatórias hemorrágicas no estômago, intestino e pâncreas, antecedendo o aparecimento de carcinomas...... as N-nitroso-amidas produzem apenas tumores no local de aplicação........ Este último facto será provavelmente devido à menor solubilidade das N-nitroso-amidas em meio aquoso, o que faz com que estes compostos não **
ibid.
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
37
Aminas: propriedades e reacções
sejam transportados para longe do local de aplicação e, portanto, os diazoalcanos responsáveis pela carcinogénese sejam produzidos nesse mesmo local. Sabe-se que, enquanto as N-nitroso-amidas se hidrolisam dando origem a diazoalcanos (Esquema 1), as N-nitroso-aminas requerem activação metabólica promovida pelo sistema enzimático dependente do citocromo P450 situado no retículo endoplásmico (fracção microssomal) para formar N-nitroso-α-hidroxiaminas (Esquema 2). Estas decompoem-se espontaneamente formando alquildiazohidróxidos. Por sua vez estes derivados ou alquilam directamente nucleófilos do DNA ou formam diazoalcanos, que são por si igual mente alquilantes. Estas espécies catalisam alterações de um local específico da hélice dupla do DNA, nas 7
1
6
posições N da guanina, N da adenina e O da guanina, podendo provocar assim importantes mutações responsáveis pela iniciação da carcinogénese.”
Diazoalcanos Os diazoalcanos são compostos com a fórmula geral RR’C=N 2. O elemento mais simples é o diazometano (Fig. 24) que tem a seguinte estrutura: -
CH2
+
N
CH2
N
+
N
N
-
Figura 24 O diazometano é um gás amarelado extremamente tóxico e altamente explosivo (p.e.=-24º) .É em geral preparado a partir da N-metil, Nnitrosoureia ou da N-metil, N-nitroso para toluenossulfonamida por reacção com hidróxido de potássio (Fig. 25). A reacção é levada a cabo em éter etílico. À medida que o diazometano se forma, e uma vez que a reacção se dá com ligeiro aquecimento, este co-destila conjuntamente com o éter sendo a mistura éter-diazometano recolhida em banho de gelo. Esta mistura deve ser utilizada imediatamente. Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
38
Aminas: propriedades e reacções
O C7H7SO3 + H C 2
S NCH3 O NO OH -
H3C
N
N
OH
H
CH2
N
O
N
H
N
N
CH2
[ CH 2
OH
+
N
-
N
CH2
+
N]
N
H OH
Figura 25 O diazometano é um reagente muito útil na metilação de ácidos carboxílicos (Fig. 26) permitindo obter ésteres metílicos em moléculas onde para além do grupo carboxilato estão presentes outras funções sensíveis a meios ácidos ou básicos. Em virtude de o outro produto da reacção formado ser gasoso (azoto) e libertar-se do meio reaccional, a reacção é completa e o rendimento da esterificação é quantitativo, o que o torna um reagente muito adequado para sínteses em microescala. R
O C OH
+
- CH
2
+
N
N
R
O C O-
N2 +
R
+
+ N
CH3
N
O C OMe
Figura 26 Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
39
Aminas: propriedades e reacções
Por acção da luz, do calor ou por efeito catalítico do cobre metálico o diazometano dissocia-se em azoto molecular e num carbeno H2C: (metileno). Quando o metileno é gerado nem presença de um alqueno verifica-se uma reacção de adição que origina um ciclopropano (Fig. 27):
+ CH2
Figura 27 Oxidação As aminas são oxidadas com facilidade. As alquilaminas primárias dão origem a numerosos compostos e do ponto de vista sintético esta reacção não tem utilidade. As arilaminas primárias são oxidadas com ácido pertrifluoracético aos correspondentes compostos nitrados (Fig. 28) NH2
NO2 CF3COOOH
Figura 28 As aminas secundárias são oxidadas pelo peróxido de hidrogénio a hidroxilaminas. Os rendimentos das reacções são baixos devido a posteriores oxidações. As aminas terciárias são oxidadas facilmente pelo peróxido de hidrogénio ou por perácidos, RCOOOH, aos respectivos N-óxidos (Fig. 29):
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
40
Aminas: propriedades e reacções
R'
R
R
N + HO 2 2
N
R'
+
O
-
R''
R''
Figura 29 A oxidação de piridinas substituídas aos respectivos 1-óxidos, pode ser efectuada em meio básico utilizando peróxido de hidrogénio e benzonitrilo***. Contrariamente às reacções anteriores que são efectuadas em meio ácido esta oxidação é efectuada em meio básico, a pH perto de 8. O agente oxidante é o ácido perbenzimídico formado por reacção entre o benzonitrilo e o peróxido de hidrogénio (Fig. 30):
H2O2 C6H5
+
OH
CN + HO2
HO -
-
+ H2O C6H5
C
N
-
O OH H2O C6H5
C
NH
O OH
+ OH
Figura 30 A reacção processa-se com rendimentos moderados. O mecanismo da oxidação de aminas pelo ácido perbenzimídico é semelhante ao mecanismo da oxidação pelos outros perácidos (Fig. 31):
***
Maria Eduarda M. Araújo, “Síntese de N-óxidos de derivados de piridina em mei básico”, Tese de Mestrado em Química orgânica Tecnológica, Universidade Nova de Lisboa, 1986
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
41
Aminas: propriedades e reacções
R
R
Y+
N
O
N+
H O O
R'
R'
OH
Y Y=O,NH
R YH +
O
N+
R'
O-
Figura 31
Degradação de Hofmann Os hidróxidos de amónio quaternários sofrem por acção do calor uma reacção em que se dá a eliminação de uma amina terciária e formação de um alqueno. Esta reacção é conhecida pelo nome de degradação de Hofmann (Fig. 32). O hidróxido de amónio quaternário é obtido por metilação exaustiva da amina inicial com iodeto de metilo, seguida de tratamento com óxido de prata e água. Aquecimento deste hidróxido a uma temperatura de pelo menos 100º leva a que se verifique a quebra de uma das ligações carbono-azoto e a formação de um alqueno. NH2
CH3I K2CO3
+
N(CH3)3 I
-
+ AgO
N(CH3)3 OH
∆
+
H2O + N(CH3)3
Figura 32 Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
42
Aminas: propriedades e reacções
Se a amina for cíclica obtém-se um amino alqueno resultante da abertura do anel (Fig. 33):
CH3I N H3C
CH3
AgO/H2O
+ N I
-
CH3
calor
+ N H3C CH3 HO -
+ H2O
N H3C CH3
Figura 33 Este processo pode ser repetido até à formação de um dieno e de trimetilamina (Fig. 34). CH3I
N
AgO
∆
+
H2O
N(CH3)3
Figura 34 Esta reacção é muito útil para determinar qual o tipo e tamanho dos grupos alquilo ligados ao átomo de azoto de uma amina, a partir da análise dos alquenos resultantes da reacção de degradação. Antes do desenvolvimento dos métodos espectroscópicos foi uma ferramenta poderosa na identificação estrutural de diversos alcalóides. A reacção dá-se através do seguinte mecanismo (Fig. 35):
N
CH3I
AgO
-
OH
H H N +
H2O
+
N(CH3)3
Figura 34
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
43
Aminas: propriedades e reacções
No caso de o hidróxido de amónio quaternário possuir diferentes grupos alquilo, e portanto os hidrogénios nas posições
β
não serem
equivalentes, pode-se formar mais do que um alqueno. Ao contrário do que se verifica na eliminação de halogénios, na degradação de Hofmann forma-se o alqueno menos substituído (Fig. 35). A previsão do alqueno que se forma pode ser feita aplicando a seguinte regra (regra de Hofmann): na decomposição dos hidróxidos de amónio quaternários o átomo de hidrogénio removido pelo hidróxido é preferencialmente o de um grupo metilo, CH 3, em seguida o de um metileno, RCH2, e por fim o de um metino, RR’CH.
∆ + +
64%
N
N OH
-
∆
+
N
36%
Figura 35
Maria Eduarda Araújo, DQB 2003
44