Allan Hobson: “Não poderíamos ver se não fosse o sono” 2012-03-25
Allan Hobson é professor emérito da Harvard Medical School
Allan Hobson, o cientista que contrariou a teoria dos sonhos de Freud, está em Portugal para abrir o 9.º simpósio sobre o cérebro da Fundação Bial, uma oportunidade para ouvi-lo defender que quando sonhamos estamos “a treinar”. O “Sono e os Sonhos” é o tema do Simpósio “Aquém e além cérebro” que abre no dia 28 de Março, no Porto, com a palestra de Allan Hobson que, em entrevista à Lusa, lembrou que “o sono é algo muito elaborado, a única coisa que se perde é consciência, mas a consciência no máximo ocupa cinco por cento da actividade cerebral”. O cientista debruçou-se sobre os sonhos para concluir, por exemplo, que quando conservamos a visão durante o sono, conseguindo formar imagens perfeitas, aquilo que o nosso cérebro está a fazer no fundo "é treinar a visão e isso é muito importante que ele faça”. “A minha teoria é que não poderíamos ver se não fosse o sono REM (Rapid Eye Movement), sem aquilo que considero ser o sistema trabalhar ‘off line’ ou a criação de uma realidade virtual para o cérebro”, cérebro”, afirmou Allan Hobson. “E não é só a visão é também, por exemplo, a locomoção”, notou. “Todos os sonhos são animados, nós nunca ficamos quietos, sonhamos sobre correr, andar, mesmo voar, é como um programa de ensaio para o cérebro”, disse, garantindo que “é muito sobre integrar visão e movimento o que não coisa fácil, é um grande trabalho”. O cientista que formulou esta teoria da “protoconsciência" que serve para o desenvolvimento e manutenção da “consciência desperta”, lembrou que vemos a consciência "como algo que só existe depois de acordarmos”, mas aquilo que tentou explicar “é que sonhar é uma outra forma de consciência, que precede no tempo o estado consciente".
« Em 1895 Freud estava obrigado a elaborar a sua teoria dos sonhos a partir de especulação»
Para Allan Hobson, essa actividade “começa a acontecer no útero, na terceira semana de desenvolvimento do feto, num momento em que certamente não regista significativos efeitos do meio que o rodeia, ou seja, o cérebro já se está a preparar para estar consciente e está a ‘correr programas’ como um computador que se prepara para o trabalho do dia seguinte”. O neurocientista publicou em 1977 com Robert McCarley, um estudo em que concluiu que os sonhos são mudanças bioquímicas e impulsos eléctricos aleatórios que agitam o cérebro enquanto dormimos, sem qualquer significado no sentido que Freud lhes deu. Só que quando acordamos a nossa consciência, habituada a que tudo faça sentido, força uma “narrativa” para dar alguma lógica a esses impulsos. Esta é a teoria de “ativação-síntese” comummente aceite no meio científico e que contraria a teoria psicanalítica, mas que Hobson atualizou em 1999 ao considerar que a parte do cérebro que gere as emoções também mantinha atividade durante os sonhos.
Quem dorme 11 horas não deve tentar ser uma pessoa que dorme quatro
Apesar de ser apontado como o “maior provocador no campo dos estudos dos sonhos” afirmou que faz “o que Freud queria fazer, mas que em 1895 não podia, porque não sabia nada sobre o cérebro, por isso estava obrigado a elaborar a sua teoria dos sonhos a partir de especulação”. Para ele, “’A interpretação dos sonhos’ é um grande livro, mas não há ali nada de científico sobre os sonhos”. Usando microeléctrodos, capazes de gravar células individualmente, reavivou “a teoria dos sonhos” colocando-a “em linha com aquilo que hoje sabemos sobre o cérebro que, passados 115 anos, é certamente muito mais, o que não é surpreendente”.
E se dormir e sonhar é para Allan Hobbes tão importante, ele não acha que estejamos obrigados a dormir as aconselhadas sete horas. “Não percebo porque é que o sono deveria ser uniforme quando nada é uniforme na biologia”, sustentou. Só aconselhou a quem “dorme 11 horas não deve tentar ser uma pessoa que dorme 4 horas porque é como tentar ser basquetebolista sendo muito pequeno". pequeno". Por outro lado, as escolas de medicina, por exemplo, deviam perguntar se uma pessoa dorme muito ou pouco: “Quem dorme pouco deveria ser favorecido em profissões que limitam o sonho”.