Denis Grogan
A prática do Serviço de Referência
Tradução de Antonio Agenor Briquet de Lemos © Denis Joseph Grogan 1991 Título original: Pratical reference work Tradução da segunda edição, publicada em 1992 por Library Association Publishing Ltd. (London) Adquiridos os direitos exclusivos exclusivos de tradução para os países de língua portuguesa portuguesa Todos os direitos reservados. De acordo com a lei, nenhuma parte deste livro pode ser fotocopiada, gravada, reproduzida ou armazenada num sistema de recuperação de informação ou transmitida sob qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico ou mecânico sem o prévio consentimento do detentor dos direitos autorais. Do tradutor e do editor. Revisão e índice: Maria Lucia Vilar de Lemos Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, São Paulo. SP, Brasil)
Grogan, Denis A prática do serviço de referência / Denis Grogan, tradução de Antonio Agenor Briquet de Lemos - Brasília, DF : Briquet de Lemos/Livros, 1995. Título.
1. Bibliotecas - Serviços de referência. 2. Serviços de informação I. 95-0694 ISBN 85-85637-04-8 85-85637-04-8
CDD—025.52
Índices para catálogo sistemático: 1. Informação: Serviços: Biblioteconomia 025.52 2. Serviços de informação Biblioteconomia 025.52 3. Serviços de referência: Biblioteconomia 025.52 Lemos Informação e Comunicação Ltda. SRTS—Quadra 7ol - bloco K—Sa1a831 Edifício Embassy Tower Brasília, DF 70340-000 Telefones (061) 3229806 / 3222420 (ramal 1831) Fax (061) 323 1725 ATENDEMOS A PEDIDOS PEDIDOS DE VENDA PELO CORREIO CORREIO
Como referenciar referenciar os capítulos do liv ro?
GROGAN, Denis. Título do capítulo. In: _____. A prática do serviço de referência. Briquet de Lemos / Livros: Brasília, DF, 1995. Cap. Número do capítulo, p. Página inicial-Página final. OBS.: preencha todos os campos (basta dar um clique em cima de cada um) com os dados necessários e copie depois todo o modelo de referência acima e cole no local desejado. Páginas inicial e final de cada capítulo no livro original impresso de onde se extraiu o texto Capitulo
Título
Página Inicial
Página Final
1
O serviço de referência
1
6
2
A questão de referência
7
35
3
O processo de referência
36
49
4
A entrevista de referência
50
61
5
A busca
62
108
6
A resposta
109
184
2
Sumário
Introdução ........................ .................................................... ....................................................... ....................................................... ..................................................................... ......................................... 5 1 - Serviço de referência ......................... .................................................... ....................................................... ....................................................... ................................................ ..................... 8 O serviço de referência como profissão .......................... ...................................................... ....................................................... .................................................. ....................... 8 O bibliotecário de referência............................... referência.... ....................................................... ....................................................... ....................................................... .................................. ...... 9 Política da referência e filosofia da referência............................................ referência............... ......................................................... .................................................. ...................... 10 A necessidade de conhecer ............................. ......................................................... ......................................................... .......................................................... ................................. .... 14 Origens do serviço de referência........................... referência ........................................................ ......................................................... ........................................................ ............................ 15 Bibliografia sistemática ......................... ..................................................... ......................................................... .......................................................... ........................................... .............. 16 O desenvolvimento do serviço de referência .......................... ...................................................... ......................................................... ......................................... ............ 17 Concepções errôneas............................... errôneas.... ....................................................... ....................................................... ....................................................... .......................................... .............. 17 O cerne da prática bibliotecária ............................ ......................................................... ......................................................... ........................................................ ............................ 20 Sugestões de leituras.................................... leituras........ ....................................................... ....................................................... ....................................................... ..................................... .......... 20 2 - A questão de referência ........................... ....................................................... ......................................................... .......................................................... ...................................... ......... 21 Consultas de caráter administrativo e de orientação espacial...................................... espacial......... ......................................................... .................................. ...... 21 Consultas sobre autor/título ............................ ........................................................ ......................................................... .......................................................... ................................. .... 21 Consultas de localização de fatos.......................... fatos ....................................................... ......................................................... ........................................................ ............................ 22 Consultas de localização de material .......................... ....................................................... .......................................................... ................................................... ...................... 23 Consultas mutáveis............................. mutáveis......................................................... ....................................................... ....................................................... ............................................... ................... 23 Consultas de pesquisa ......................... .................................................... ....................................................... ....................................................... .............................................. ................... 24 Consultas residuais......................... residuais .................................................... ....................................................... ....................................................... ................................................... ........................ 24 Questões irrespondíveis ............................. ......................................................... ......................................................... .......................................................... ...................................... ......... 25 Taxonomia e análise das perguntas ........................... ........................................................ ......................................................... ................................................... ....................... 25 Sugestões de leituras.................................... leituras........ ....................................................... ....................................................... ....................................................... ..................................... .......... 27 3 - O processo de referência................................... referência....... ......................................................... .......................................................... ......................................................... ............................ 27 Duas fases................................... fases........ ....................................................... ....................................................... ....................................................... ..................................................... ......................... 28 Oito passos.................................. passos....... ....................................................... ........................................................ ....................................................... .................................................... ......................... 28 Uma peça para dois personagens ......................... ...................................................... ......................................................... ........................................................ ............................ 30 Impressões falsas............................................. falsas................. ....................................................... ....................................................... ............................................................. ................................. 30 O computador no processo de referência................................................. referência..................... ......................................................... ................................................... ...................... 31 Os atributos pessoais do bibliotecário......................... bibliotecário ...................................................... .......................................................... ................................................... ...................... 32 Sugestões de leituras.................................... leituras........ ....................................................... ....................................................... ....................................................... ..................................... .......... 33 4 - A entrevista de referência................................................. referência.................... ......................................................... ......................................................... ........................................... .............. 33 Razões para uma entrevista ............................ ........................................................ ......................................................... .......................................................... ................................. .... 34 O processo da entrevista............................................... entrevista.................. ......................................................... ......................................................... ................................................ ................... 35 O tema da consulta ........................ ................................................... ....................................................... ....................................................... ................................................... ........................ 36 A consulta incompleta.............................. incompleta... ....................................................... ....................................................... ....................................................... .......................................... .............. 37 O consulente indeciso .......................... ..................................................... ....................................................... ....................................................... .............................................. ................... 40 O consulente equivocado ........................... ....................................................... ......................................................... .......................................................... ...................................... ......... 41 Motivo e contexto........................................ contexto............. ....................................................... ....................................................... ....................................................... ...................................... .......... 41 Perguntas abertas e fechadas............................................. fechadas................ .......................................................... ......................................................... .......................................... .............. 42 Especificação da resposta .......................... ...................................................... ......................................................... .......................................................... ...................................... ......... 43 Restrições.................................... Restrições......... ....................................................... ....................................................... ....................................................... ..................................................... ......................... 44 A entrevista em buscas informatizadas............................ informatizadas ......................................................... .......................................................... .............................................. ................. 44 As ‘coisas insignificantes’............................................... insignificantes’.................. ......................................................... ......................................................... ................................................ ................... 45 Comunicação interpessoal .......................... ...................................................... ......................................................... .......................................................... ...................................... ......... 46 Questões não formuladas......................................... formuladas............ .......................................................... ......................................................... .................................................... ........................ 47 Bibliotecários hostis ........................ ................................................... ....................................................... ....................................................... ................................................... ........................ 49 Acessibilidade .......................... ...................................................... ....................................................... ....................................................... ......................................................... ............................. 51 Comunicação não-verbal ............................ ........................................................ ......................................................... .......................................................... ...................................... ......... 52 Prestar atenção........................ atenção .................................................... ........................................................ ....................................................... ........................................................ ............................. 54 Reação.......................... Reação ...................................................... ....................................................... ....................................................... ................................................................... ....................................... 55 A atitude profissional ........................... ...................................................... ....................................................... ....................................................... .............................................. ................... 55 Sugestões de leituras.................................... leituras........ ....................................................... ....................................................... ....................................................... ..................................... .......... 56 3
5 - A busca ................................................................................................................................................. 56 Pausa para pensar.................................................................................................................................... 57 O instinto do bibliotecário ......................................................................................................................... 58 Estratégia de busca: formulação do enunciado............................................................................................ 58 Estratégia de busca: escolha das fontes ..................................................................................................... 60 Estratégia de busca: escolha do caminho ................................................................................................... 64 Buscas informatizadas .............................................................................................................................. 65 Buscas informatizadas de referência rápida................................................................................................. 66 Buscas em CD-ROM.................................................................................................................................. 67 Formulação de buscas em computador....................................................................................................... 67 Limitações do computador ........................................................................................................................ 68 Qualificações especificas de quem faz buscas em computador...................................................................... 69 Buscas feitas pelo usuário final .................................................................................................................. 69 Instrumentos auxiliares nas buscas informatizadas...................................................................................... 71 Realização da busca ................................................................................................................................. 73 O toque pessoal ....................................................................................................................................... 74 Sugestões de leituras................................................................................................................................ 76 6 - A resposta ............................................................................................................................................. 77 Respostas de localização de fatos .............................................................................................................. 77 Respostas de localização de material.......................................................................................................... 78 Explicação ............................................................................................................................................... 78 Questões irrespondíveis ............................................................................................................................ 79 Questões inaceitáveis ............................................................................................................................... 79 ‘Reacondicionamento’ ............................................................................................................................... 81 Avaliação e seleção .................................................................................................................................. 82 Orientação............................................................................................................................................... 83 Encaminhamento ..................................................................................................................................... 84 Relevância e pertinência ........................................................................................................................... 85 A busca malograda................................................................................................................................... 85 Terapia.................................................................................................................................................... 87 Avaliação do serviço de referência ............................................................................................................. 87 A arte do serviço de referência .................................................................................................................. 90 Disciplina e teoria..................................................................................................................................... 90 Sugestões de leituras................................................................................................................................ 91 Livros sobre o serviço de referência .............................................................................................................. 92
4
Introdução Exercer a arte do serviço de referência é a única maneira satisfatória que existe para aprendê-la. Samuel Butier disse certa vez que “uma arte somente pode ser aprendida na oficina de quem faça dessa arte o seu ganhapão”, e os bibliotecários de referência bem cedo se aperceberam disso. Ao longo do último século, cada geração de bibliotecários de referência tem renovado a confirmação disso. O primeiríssimo artigo a empregar a expressão ‘serviço de referência’ continha um texto lido numa conferência, há exatamente um século, em maio de 1891, por William B. Child, sucessor de Melvil Dewey como bibliotecário do Columbia College (que logo em seguida passou a ser a Columbia University). Em sua respeitada opinião. “as três primeiras qualificações indispensáveis ao bibliotecário de referência são: 1) experiência; 2.) experiência; 3.) experiência”. Em 1937, em sua coluna, que contava com inúmeros leitores, intitulada ‘Reference libraries’ [Bibliotecas de referência], publicada no Library Association Record, Herbert Woodbine disse que “a experiência indica, freqüentemente, o caminho para a solução de um problema”. Em 1985, na avaliação de Fred Batt, chefe do departamento de referência de uma universidade norte-americana, “um dos truísmos que identifico nos serviços de referência é que não existe substituto para a experiência”. Isso, porém, não implica que não valha a pena despender algum tempo estudando, refletindo e mesmo lendo sobre o assunto. É claro que os livros não substituem a prática, mas podem preparar a mente para uma assimilação mais rápida da experiência, e desenvolver e ampliar a compreensão até mesmo das artes mais práticas, desde a construção de pontes até tocar violino. E, quando a arte se baseia num arcabouço teórico, ela pode ser estudada tanto como uma disciplina quanto exercida como uma arte. Alfted North Whitehead traça uma diferença entre um oficio, “baseado nas atividades rotineiras e que se modifica por ensaios e erros da prática individual”, e uma profissão, “cujas atividades estão sujeitas à análise teórica, sendo modificadas por conclusões teóricas derivadas dessa análise”. Aprender a base teórica de uma disciplina profissional dependendo exclusivamente da experiência não-estruturada é algo casual, além de uma perda de tempo. Como disse Minna Antrim, “a experiência é boa mestra, mas nos manda faturas assustadoras”. No caso do serviço de referência, que tem como base de sustentação a biblioteconomia sistemática, é necessário proceder-se a um rigoroso estudo teórico do processo de referência, para que essa arte venha a ser algo mais do que uma mera ginástica mental. Tão importante quanto o componente bibliográfico do serviço de referência é o elemento humano, sua natureza de intrínseca reciprocidade, comumente face a face, que engloba tudo que a expressão ‘entrevista de referência’ possa abranger. Também esta é uma arte, e, embora possa vantajosamente ser estudada como um ramo especializado da comunicação interpessoal humana, disciplina esta hoje bem consolidada Peter McNally, em 1977, alertava uma platéia formada por bibliotecários de referência: “Não hesito em dizer que a entrevista de referência deve, em última análise, ser aprendida, não ensinada.” O estudante deve observar que este livro trata somente do serviço de referência no sentido estrito, definido por Samuel Rothstein como: “a assistência pessoal prestada pelo bibliotecário aos leitores em busca de informações”. Não se examina aqui o serviço de referência em sentido geral, a respeito do qual Robert E. Balay concluiu que “consiste em tudo que os departamentos de referência executam”. Ainda que o serviço de referência seja a espinha dorsal de suas atividades, os bibliotecários de referência realizam inúmeras tarefas que não correspondem a atividades de referência. Em tese de doutoramento de 1974, C.B. Duncan identificou 118 tarefas diferentes que eram executadas por departamentos de referência de bibliotecas universitárias. E uma lista elaborada em 1977 no departamento de referência da biblioteca da University of Kentucky, baseada em entrevistas com os próprios membros do pessoal, abrangia 93 atividades. Este livro, portanto, nada contém sobre o estudo, avaliação e seleção de material de referência, ou sobre compilação de bibliografias, serviços de notificação corrente e disseminação de informações. Do mesmo modo, não trata de tópicos como educação de usuários, serviço de informação comunitária (ou informação e encaminhamento [referral ]1), e empréstimos entre bibliotecas, que às vezes são considerados como atividades de referência. Também se omitiu, por não ser estritamente falando urna atividade de referência, o serviço de orientação ou aconselhamento de leitores, voltado para a escolha dos livros a serem lidos essa forma tão sutil de assistência pessoal aos leitores, lamentavelmente negligenciada no Ocidente há pelo menos uma geração. O estudante provavelmente já sabe que a expressão ‘serviço de referência’ [reference service ] é freqüentemente empregada na bibliografia do assunto e em bibliotecas, onde a denominação mais especifica ‘trabalho de referência’ [reference work ] seria a rigor mais exata 2. A primeira edição deste livro, surgida em 1979, correspondia a um volume dentro de uma série intitulada ‘Outlines’ [Epitomes], e embora a editora, ao me convidar para preparar esta segunda edição, tenha me oferecido um pouco mais de espaço, a obra conserva o mesmo caráter — quer dizer, esboça-se apenas a estrutura geral do tema. Isso significa, para citar um exemplo, que, apesar de o computador aparecer com destaque na maioria dos 1
Em geral, quando o termo referral , por antecedê-lo, qualifica outro substantivo, traduz-se por referencial, como em referral center (centro referencial). Reference e referral têm correspondência com o verbo lo refer , que, entre outros sentidos, significa encaminhar alguém a consultar uma obra, uma outra pessoa ou uma outra instituição. Assim, referral , sem qualificativo, foi traduzido como encaminhamento. (N.T.) 2 Embora o autor tenha empregado a forma reference work (trabalho de referência), adotou-se nesta tradução a forma serviço de referência, mais em respeito ao uso consagrado do que à exatidão conceitual. Cf. MARTINS, M. G. & RIBEIRO, M. L. G, Serviço de referência e assistência aos leitores. Porto Alegre. Ed. URGS. 1972, p. 9-11. (N.T.)
5
capítulos, não se fez esforço algum no sentido de ensinar as técnicas especificas das buscas em linha [on-line ], tópico sobre o qual existem muitos livros excelentes e com informações minuciosas. Esperamos, no entanto, que todo o domínio do serviço de referência haja sido palmilhado de forma abrangente e que os aspectos importantes assim identificados permitirão ao estudante explorar o terreno, a fim de definir, sem dificuldade, uma rota pessoal. A intenção foi oferecer ao iniciante um mergulho imediato no mundo do serviço de referência prático, ainda que, inevitavelmente, guardando-se uma certa distância dos consulentes reais com seus problemas concretos. O caráter intensamente pessoal do serviço de referência, que atende a uma necessidade tão fundamental quanto o anseio de conhecer, significa que seus princípios básicos pouco mudaram, se é que mudaram, ao longo de quase um século, desde que foram estabelecidos, conforme perceberá o leitor atento. Não obstante, esta nova edição procura utilizar o espaço adicional proporcionado pela editora para retratar os progressos mais importantes ocorridos neste campo durante os últimos doze anos. Principalmente, entre eles está a vanguarda em constante evolução da nova tecnologia (exemplificada pelos catálogos em linha de acesso público [OPACS]1, bases de dados em discos compactos de memória apenas de leitura (CD-ROMs), sistemas especialistas, etc.); a atenção muito maior dada ao fator humano no serviço de referência, especialmente ã entrevista; trabalhos recentes que lançam novas luzes sobre análise e taxonomia das consultas; novas perspectivas trazidas pelas pesquisas cognitivas sobre as raízes do comportamento de quem procura informações; alguns novos e penetrantes esclarecimentos sobre o processo de busca, colhendo os frutos de vinte anos de experiência com bases de dados em linha; e a difusão de métodos diretos e específicos de avaliação do serviço de referência com resultados abaixo de lisonjeiros. Publicou-se mais sobre serviço de referência nos doze anos decorridos desde a primeira edição deste livro do que em qualquer outro período anterior que lhe seja comparável. Tenho consciência de que há muito mais que se poderia dizer sobre qualquer um dos aspectos que mencionei, além de reconhecer que há questões que nem mesmo chegaram a ser afloradas, como o papel de não-profissionais no trabalho de referência, a cobrança pelos serviços aos usuários, e as tentativas de fazer análises de custo—beneficio no campo das atividades de referência. Não me esforcei por ser original e me vali constantemente dos trabalhos e das opiniões de outros. Como Montaigne, o ensaísta francês do século XVI, “juntei num ramalhete as flores de outros homens [mais comumente de mulheres] e nada, exceto o fio que as une, me pertence”. Ademais, devo admitir que esta não pretende ser uma obra de erudição: o leitor não encontrará aqui as idéias que tomei de empréstimo apoiadas no aparato acadêmico de notas de rodapé e citações bibliográficas. A bibliografia acerca do serviço de referência, mesmo em sua definição estrita, estende-se por um século e chega a milhares de artigos e dezenas de livros somente na língua inglesa, e citar todas as minhas fontes resultaria num tamanho desmesurado para um manual que pretende ser acessível ao bolso do estudante. Quando percebo que devo algo aos trabalhos de determinado autor, seja por causa de uma idéia esclarecedora ou uma visão penetrante, menciono-o pelo nome (e o incluo no índice), porém confesso que lancei mão da maioria dos trabalhos de meus colegas sem a isso dar o devido crédito. Os 268 exemplos de consultas de referência que usei para ilustrar aspectos que desejo salientar são, em todos os casos, questões autênticas que foram formuladas em bibliotecas por consulentes reais. Em meus outros livros sobre serviço de referência esforcei-me por explicar que não foram escritos como manuais do tipo ‘como fazer’. Este volume, sim. Naturalmente, não advogo que meu método seja o único, e, de qualquer modo, grande parte das recomendações que apresento foi colhida da experiência e de trabalhos alheios. No entanto, ele tem por base uma experiência de muitos anos na linha de frente, lidando com problemas dos consulentes, seguida por um número ainda maior de anos de estudo, observação e ensino de referência. Esta é, portanto, uma obra reconhecidamente prescritiva: de fato, propõe-se a orientar o bibliotecário de referência inexperiente quanto à melhor maneira de exercer sua arte. Neste aspecto, sou simplesmente o adepto mais recente de uma tradição inconfundível do serviço de referência, que remonta a mais de cem anos. Já o primeiro artigo publicado sobre o assunto, em 1876 revestia-se de um tom abertamente didático: “Nesse caso, naturalmente, o bibliotecário deve ir buscar os livros que contêm a informação desejada e entregá-los ao leitor, abertos nas páginas apropriadas.” Antecipando-me a uma crítica inevitável, seria melhor explicar que me pareceu acertado, num compêndio destinado a estudantes, assumir a posição, talvez idealista, de que onde os usuários apresentam questões para as quais buscam respostas as autoridades responsáveis pela biblioteca proporcionaram os meios, inclusive pessoal em número suficiente e adequadamente capacitado, para proporcionar essas respostas. É evidente que, cada vez mais, as coisas não se passam assim. Conforme Donald Davinson afirmou, de modo tão peculiar, em seu texto de 1980, “a realidade, freqüentemente, é haver muito pouco pessoal às voltas com muito trabalho sem jamais conseguir dar conta dele [...] a realidade, para a maior parte dos bibliotecários de referência, é tentar desesperadamente tapar os buracos mais evidentes do dique da biblioteca, para conter a maré montante de consultas que ameaça afogá-los”. Também existem indicações de que uma combinação de recursos minguantes com uma crescente carga de demanda por novos serviços o que William Miller chamou de “alastramento da referência” — baixou o moral e até mesmo provocou em alguns bibliotecários de referência sintomas de ‘estafa’, definida, em sua forma mais sucinta, 1
A sigla OPAC, que corresponde a on-line public access catalogue (catalogo em linha de acesso público), é amplamente utilizada na bibliografia de língua inglesa, e já é encontrada, por exemplo, em textos de língua francesa. No entanto, ainda consideramos prematuro adotá-la nesta tradução, razão pela qual esse tipo de catálogo informatizado será sempre mencionado com sua denominação por extenso. Esta, em português, poderia dar origem à sigla CELAP. (N.T.)
6
por Christina Maslach como “uma síndrome de exaustão emocional e cinismo que ocorre freqüentemente em indivíduos que ‘trabalham com o público”. A prova não é conclusiva, e muitos compartilhariam a opinião de George R. Bauer: “Admito ter uma certa parcela de impaciência com esse conceito.” O estresse não leva inevitavelmente à estafa; na realidade, para alguns proporciona um estímulo necessário. Alguns estudos que tratavam de pesquisar sobre o estresse e a estafa em bibliotecários de referência não conseguiram encontrar nenhum dos dois. Julie E. Hodges observou ironicamente que “o nível de estresse dos bibliotecários elevou-se de modo impressionante quando o professor Cary Cooper [psicólogo ocupacional do Institute of Science and Technology da University of Manchester] classificou-os na posição de lanterninha numa ‘tabela de campeonato’ de estresse ocupacional em 1984. O professor foi assediado por cartas de bibliotecários que se sentiam ultrajados.” A conclusão a que chegou David P. Fisher em 1990, depois de um exaustivo levantamento da bibliografia, foi de que “não é possível afirmar que as questões levantadas [...] tenham sido respondidas satisfatoriamente; os bibliotecários estariam ou não sofrendo de estafa”. Minha intenção foi apresentar uma obra que tivesse igual serventia para quem quisesse ser bibliotecário de referência de bibliotecas universitárias, especializadas ou públicas. Como Margareth Hutchins salientou em seu manual de 1944, “as técnicas atualmente empregadas para responder as questões de referência são fundamentalmente as mesmas em todos os tipos de bibliotecas”. Uma geração depois, Gerald Jahoda e Judith Schiek Braunagel confirmaram, em texto redigido em 1980, que isso ainda era verdadeiro: “Embora os serviços de referência possam diferir de uma para outra biblioteca, é provável que o processo de atendimento a necessidades específicas de informação continue sendo essencialmente o mesmo.” Este livro talvez possa também ajudar a preparar aqueles que se iniciam no que tem sido denominado por alguns como ‘biblioteconomia alternativa’, isto é, pessoas que não exercem sua profissão dentro de uma biblioteca ou unidade de informação, mas que atuam como especialistas em responder questões, localizar informações e auxiliar no processo de elaboração de sínteses de conhecimentos, desempenhando seu mister no mercado aberto e cobrando por isso. Denominados de diferentes formas — bibliotecários autônomos ou itinerantes, bibliotecários sem biblioteca, pesquisadores particulares, consultores em informação, especialistas independentes em informação, etc., e mais comumente agentes de informação [information brokers ] —‘ constituem um corpo cada vez maior dentro da profissão. Talvez também, uma vez que suas aptidões no terreno da informação são idênticas, as orientações aqui ministradas possam beneficiar um grupo similar de intermediários de buscas [search intermediaries ], técnicos de informação [intelligence officers ], estrategistas da empresa [in-house strategists ], especialistas em interface [interface specialists ], especialistas em recursos informacionais [resource persons ], etc., cada vez mais atuantes como bibliotecários de referência de uma organização em suas respectivas unidades de planejamento, grupos de pesquisa, equipes clínicas, grupos de trabalho, etc., trabalhando como membros integrantes de um pequeno grupo de usuários. E, finalmente, gostaria de expressar mais uma vez minha gratidão às sucessivas gerações de meus alunos no Department of Information and Library Studies do University College of Wales (ex-College of Librarianship Wales), sem os quais este livro jamais teria sido escrito. D. J. Grogan Aberystwyth Maio de 1991
7
1 - Serviço de referência Há uma biblioteca universitária nos Estados Unidos que ostenta, entalhado em sua porta principal, este aforismo: “Metade do conhecimento consiste em saber onde encontrá-lo.” Trata-se de urna alusão à tão citada afirmação feita pelo notável Dr. Samuel Johnson, há mais de 200 anos: “O conhecimento é de duas espécies. Podemos conhecer nós mesmos um assunto ou saber onde podemos encontrar informações a respeito.” Isto, por sua vez, tem sido freqüentemente aceito como um texto fundamental pelos bibliotecários de referência, pois representa o reconhecimento das fontes de informação como um ramo do saber — o que Louis Shores chamou o onde dos conhecimentos especializados em oposição ao quê. Mais recentemente, foi adotado pelas pessoas que fazem consultas em bases de dados em linha, encimando um capítulo num manual de 1982 sobre estratégias de busca, e aparecendo numa brochura de 1987 que anuncia os serviços de um agente de buscas em linha. Há muito que deixamos para trás o dia (se é que houve algum) em que uma única mente humana podia abarcar todo o saber: contam-nos que isso seria possível na Antiguidade, porém, no fim da Idade Média já estava além de nossa capacidade. O homem do Renascimento provavelmente era um ideal inalcançável, e talvez tenha sido Leonardo da Vinci quem mais se aproximou desse ideal. Afirmou-se que Leibniz (1646—1716) teria sido o último homem a saber tudo; trata-se de um exagero perdoável, pois ele era um gênio universal, célebre como advogado, matemático, filósofo, cientista, historiador, lingüista, teólogo, político e homem de negócios. Foi, além de tudo, “o maior bibliotecário de seu tempo”, segundo a Encyclopaedia britannica , tendo servido durante muitos anos como bibliotecário da corte dos duques de Brunswick, e, mesmo sendo luterano, foi-lhe oferecido o cargo de chefe da Biblioteca Vaticana, convite de que declinou. Quando Leibniz morreu, o jovem Johnson estava prestes a ingressar na Lichfield Grammar School. Entretanto, ainda era possível, em determinadas áreas temáticas, dominar tudo que fosse então conhecido, como, por exemplo, em astronomia ou anatomia. Isso realmente ocorreu durante certo tempo. Mas, na época em que Johnson, já avançado em anos, proferiu sua frase famosa, em 1775, mesmo esse objetivo limitado se distanciava cada vez mais no horizonte. Cem anos depois, a aptidão, subsidiária, de saber onde encontrar informações começara, por sua vez, a fugir do domínio daqueles que delas precisavam para seus estudos e suas pesquisas. Nas palavras de Ranganathan, “já não era mais possível para o estudioso ser seu próprio bibliotecário de referência”. O serviço de referência como profissão
Nascia assim a arte do serviço de referência como um dom profissional do bibliotecário. Então, como agora, apenas uma razão o justificava: os usuários das bibliotecas, auxiliados pelo bibliotecário de referência, têm melhores condições de mais bem aproveitarem o acervo de uma biblioteca do que o fariam sem essa assist6nçia. Esta ‘maximização de recursos’ constitui o princípio que se encontra no cerne do próprio conceito de biblioteca, que é o compartilhamento e uso coletivo dos registros gráficos em beneficio da sociedade como um todo e dos indivíduos que a constituem. Afinal, a primeira lei da biblioteconomia, enunciada por Ranganathan, determina que “os livros são para usar”. No caso do serviço de referência, contudo, essa incumbência de utilizar o acervo de conhecimentos acumulados foi confiado a agentes humanos, que complementam e reforçam a ajuda ministrada pelos sistemas de catalogação e classificação da biblioteca, ao proporcionarem assistência individual aos usuários que buscam informações. Esse ‘elo vivo entre texto e leitor’ é necessário porque, como explicou James I. Wyer em 1930, no primeiro manual escrito sobre serviço de referência, “não é possível organizar os livros de forma tão mecânica, tão perfeita, que dispense o auxílio individual para sua utilização”. Donald Davinson explicou ainda em seu manual, precisamente 50 anos depois que o papel do bibliotecário de referência é “compreender as estruturas dos conhecimentos registrados onde elas existam, e auxiliar no processo de estruturação onde não existam”. O serviço de referência, porém, é mais do que um expediente para a comodidade do usuário. Um dos fatos da vida das bibliotecas é que grande parte do material constante do acervo precisa ser deliberadamente utilizado para proporcionar algum benefício. Conforme salientou Kenneth Whitaker, “a finalidade do serviço de referência e informação é permitir que as informações fluam eficientemente entre as fontes de informação e quem precisa de informações. Sem que o bibliotecário aproxime a fonte do usuário, esse fluxo jamais existirá ou só existirá de modo ineficiente.” Mary Francillon valeu-se de urna analogia esclarecedora: ‘Existe uma espécie de equação segundo a qual toda consulta acaba por encontrar a resposta apropriada, mas, em cada caso, alguém precisa escrever a equação, precisa colocar o sinal de igualdade — na realidade, em certo sentido, esse sinal tem de ser o de igualdade”. Os bibliotecários de referência sabem disso muito bem, pois encontram exemplos todos os dias. Métodos que seriam instintivos mesmo para o bibliotecário mais inexperiente muitas vezes surgem como uma revelação para muitos usuários. Aturdidos com o fato de descobrirem no catálogo que a biblioteca não possui livros sobre ciclovias urbanas, por exemplo, ficam maravilhados ao saber da existência do Current Technology Index e do Applied Science and Technology Index , e felizes por descobrir que cada um deles relaciona vários artigos de periódicos sobre aquele tópico. Infelizmente, muitos usuários de bibliotecas foram levados a acreditar que, numa coleção adequadamente organizada, eles mesmos encontrariam, sem ajuda, as respostas que buscavam. Entretanto, toda uma geração de 8
pesquisas sobre o uso de catálogos demonstrou, de forma conclusiva, que em buscas cujos itens são conhecidos (isto é, buscas sobre um autor ou um título específico, ao contrário de um assunto) até uma quarta parte dos usuários não consegue encontrar o que estão procurando no catálogo da biblioteca, mesmo quando esta possui o material e ele está representado no catálogo. Os estudos de usuários também mostram que a maioria dos consulentes então desiste, apenas um quinto solicita auxílio ao bibliotecário. E, no que concerne, buscas por assunto, Mary Robinson Sive lembrou-nos recentemente que “apesar do que freqüentemente se ensina e da crença generalizada do público, o catálogo em fichas não é o lugar para se começar uma busca por assunto”. Márcia J. Bates nos conta que “de 65% a 75% das buscas no catálogo de assuntos envolvem apenas uma consulta [...] a maioria dos usuários do catálogo da biblioteca não revê sua busca original nem tenta de novo”. O advento do catálogo em linha de acesso público (0PAc) e, mais recentemente, de catálogos similares em formato de discos compactos de memória apenas de leitura (CD-ROM) transformou esse cenário de diferentes maneiras, principalmente ao aumentar a facilidade aparente de buscas por assunto mediante palavras-chave. Os usuários aderiram sem vacilar aos catálogos em linha como “peixes na água”, para empregar as palavras de um autor. Porém os malogros na consulta ao catálogo ainda constituem uma séria questão, com os catálogos em linha trazendo a reboque uma nova série de problemas. É de conhecimento comum que uma proporção das buscas em que os itens são conhecidos feitas no catálogo em fichas não dá resultado porque o usuário traz informações bibliográficas inexatas ou defeituosas, em geral um título truncado ou um nome de autor grafado erradamente. Esta proporção tende a aumentar numa busca em catálogo em linha de acesso público, pois o computador implacável não deixa que se empregue o método de ‘fuçar achar’, que às vezes acerta naquilo que se procura, ao se compulsar uma seqüência alfabética de fichas. Ademais, pesquisas têm mostrado que os usuários dos catálogos em linha de acesso público são ruins de ortografia. Há estudos que também mostram que eles têm especial dificuldade em elaborar estratégias para os casos em que se recupera uma quantidade excessiva de itens, ou, no extremo oposto, quando não se localiza nenhuma ocorrência. Realmente, não cabe dúvida a esse respeito. Como nos lembrou Stephen Stoan acerca dos resultados de testes de aptidão para o trabalho em bibliotecas, “quase todos, com exceção dos bibliotecários profissionais sistematicamente fracassam”. Hoje em dia seria injusto negar que o domínio dos instrumentos bibliográficos e de referência necessários para o aproveitamento do potencial de uma biblioteca esteja fora do alcance de quem não dispuser de uma ampla formação em bibliografia sistemática. A verdade disso também é reconhecida por alguns não-bibliotecários. Preocupado com a relutância de seus alunos em consultar o bibliotecário, mas não a biblioteca, Donald MacRae, professor de sociologia da London School of Economics, afirmou certa vez em uma conferência que “isso pode representar um sério obstáculo não só para o cientista político, mas para todos os usuários da biblioteca, quando estejam em causa documentos oficiais, fontes estatísticas, e fontes documentárias ou locais”. Na opinião de Eve Johansson, chefe de informações do salão de leitura da British Library e que antes trabalhara na Official Publications Library, “a posição assumida pelo antigo British Museum era de que, contando com um catálogo geral da biblioteca e obras de referência necessárias, o leitor estaria apto a descobrir sozinho as informações de que precisasse, com o mínimo de ajuda por parte dos funcionários. Essa posição pressupõe um grau de conhecimento acerca do material com que se esteja lidando que evidentemente existe entre a maioria dos usuários de publicações oficiais: constitui portanto tarefa do pessoal que trabalha na referência complementar esse conhecimento.” Do mesmo modo que as publicações oficiais, os periódicos exigem, para sua utilização, a prática de avançados conhecimentos sobre referência. Em 1990, Barbara P. Pinzelik publicou um fluxograma para localização de informações em periódicos com oito níveis de negociação, incorporando 38 pontos de decisão. Ela argumentou que “utilizar periódicos [para uma busca por assunto] é mais complexo e atordoante do que os [próprios] bibliotecários se importam em admitir. Os passos necessários para o atendimento bem-sucedido de uma necessidade de informação podem desanimar qualquer usuário, a não ser os que forem mais decididos. É fundamental o auxílio da referência no caso dos periódicos.” O bibliotecário de referência
Esses argumentos talvez soem como arrogância para muitos usuários de bibliotecas, e talvez até mesmo para alguns bibliotecários. Mas não o são. Eles são a expressão fria e perfeitamente justa de um profissionalismo confiante, ainda que só levemente perceptível, triste dizê-lo, nas relações com os usuários, e que está em grande parte ausente da imagem do bibliotecário de referência concebida pelo grupo muito mais numeroso de nãousuários. Se, para o público em geral, a bibliotecária é uma “velhota rabugenta, assexuada, míope e reprimida”, para usar as palavras de Penny Cowell, “cercada por um rol de avisos que proíbem praticamente qualquer atividade humana”, não seria insensato supor que, como acontece com muitos desses estereótipos, essa imagem haja tido um dia um grão de verdade e devesse sua perpetuação até hoje à memória popular. Como esclareceu Steven Falk, “O status de qualquer profissão é determinado por plêiade de fatores que evoluíram ao longo da história dessa profissão. No caso da biblioteconomia, esses fatores incluem o fato de a profissão ser predominantemente feminina, a maioria das pessoas em determinada comunidade (inclusive uma comunidade universitária) não precisar e nem utilizar sua biblioteca, os bibliotecários serem transmissores e não criadores de informações, que a 9
maioria dos bibliotecários são funcionários públicos, e a maioria das bibliotecas serem instituições sem fins lucrativos numa sociedade orientada para o lucro.” Alega-se constantemente na literatura profissional que “existe a necessidade de mudar de alguma forma a imagem”. Essa é uma tarefa gigantesca, mas que pode ser realizada. Não resultará, porém, da fabricação de uma contra-imagem, ou, de fato, de qualquer modalidade de ‘relações públicas’, como mudar o rótulo da profissão ou a ‘denominação de cargo’, como tem sido freqüentemente proposto. John Galsworthy afirmou que “elogiar-se a si mesmo é o começo insidioso do complexo de inferioridade”. O segredo está em mudar a realidade por trás da imagem e deixar que esta cuide de si mesma. Isso não se consegue da noite para o dia: os barbeiros-cirurgiões levaram várias gerações. Como Norma J. Shosid advertiu há alguns anos, um passo importante nesse caminho seria a consolidação ou mesmo a redefinição dos próprios conceitos que os bibliotecários têm a respeito de seu papel. E no mínimo discutível que a imagem pública desabonadora seja em alguma medida um reflexo da própria auto-imagem do bibliotecário. Laurence Clark Powell salientou que, como os “bibliotecários são estereotipados como técnicos formalistas, austeros, tímidos, dúbios, apáticos, superficiais, fúteis e tirânicos [...] esta concepção popular [...] passou a ser acreditada por muitos bibliotecários como se correspondesse a si mesmos”. Os resultados de uma pesquisa de opinião realizada na Grã-Bretanha em 1974 mostraram com clareza que “os bibliotecários são certamente vistos como introvertidos [e] mesmo bibliotecários atuantes viam a profissão significativamente dessa forma”. Também David P. Fisher, sociólogo que virou bibliotecário, assinalou que “os bibliotecários parecem querer tornar as coisas piores para si e confirmar seus estereótipos”, embora a análise que ele mesmo fez dos dados psicológicos o tenham levado a concluir, em 1988, que “independentemente do que afirmem os estereótipos convencionais, não encontramos prova alguma que sustente o argumento de que a maioria dos bibliotecários possui um tipo de personalidade inconfundível”. Na notável análise de 1.221 comentários sobre o estereótipo feitos por bibliotecários dos Estados Unidos em seus próprios textos entre 1921 e 1978, Pauline Wilson verificou que “62% das frases analisadas constituíam aceitação do estereótipo”. A triste ironia é que uma parte do público também agora passou a ver os bibliotecários segundo a opinião que eles fazem de si mesmos. Mesmo o usuário habitual de bibliotecas pouco sabe a respeito das tarefas que os bibliotecários executam, e os não-usuários inevitavelmente saberão menos. As atividades que os usuários percebem e o pessoal com quem se encontram são principalmente de natureza burocrática ou de apoio. Mas das atividades profissionais que observam ou de que se valem a mais visível é a ajuda pessoal diretamente prestada pelo bibliotecário de referência, e, conforme salientou Carl M. White, “a julgar pelos prefácios de livros, a que é mais apreciada conscientement e ”. No entanto, aqueles que estão cientes da existência do serviço de referência ainda constituem apenas uma pequena minoria do público geral. De fato, foi um estudante de biblioteconomia quem confessou numa prova escrita: “Reconheço que antes de começar este curso ignorava o fato de que a biblioteca realmente oferecia um serviço de referência [isto é, de respostas a consultas].” E mesmo entre essa minoria esclarecida, como enfatizou Wilson, “existe às vezes a suposição de que os conhecimentos do bibliotecário são conhecimentos genéricos a respeito do conteúdo dos livros e revistas existentes no acervo da biblioteca, e não o conhecimento especializado do instrumental bibliográfico e dos processos biblioteconômicos”. Existe uma longa linha de pesquisas que mostra, nas palavras de Samuel Rothstein, que a “referência, efetivamente, é o serviço secreto”. É tentador censurar as pessoas por sua ignorância, mas isso seria eludir o problema real. Se os bibliotecários, como um grupo, tranqüila e publicamente, e de forma crescente, reivindicassem essa área como seu domínio profissional e, mais decididamente, assegurassem um serviço solicito e eficiente a todos os pretensos usuários que os levassem a sério, gradualmente concretizariam aquela mudança de atitude do público, que tantos anseiam por ver. Política da referência e filosofia da referência
Mas o que jaz no caminho é aquilo que Sandra M. Naiman chamou de “dúvida, torturante e instituída, que a biblioteconomia tem de si mesma”. A verdade melancólica dessa questão é que, durante pelo menos três gerações, os bibliotecários de referência foram incapazes de chegar a um acordo acerca do que, para o observador medianamente inteligente, constitui a proposição ofuscantemente óbvia e tão nitidamente enunciada por William A. Katz no manual mais lido sobre o assunto: “A obrigação precípua do bibliotecário de referência, sem dúvida alguma, é responder perguntas.” Em seu profundo e perspicaz ensaio sobre profissionalismo, Mary Lee Bundy e Paul Wasserman trataram com certa minúcia desse fenômeno extraordinário, “a timidez essencial dos profissionais, que se reflete claramente na incapacidade ou alto grau de relutância, muito difundida. arraigada e exercitada, em assumir a responsabilidade pela solução de problemas informacionais e o fornecimento de respostas inequívocas”. Basta que esses objetivos, aparentemente evidentes por si mesmos, sejam enunciados em algumas paragens para que se façam ouvir ressalvas imediatas, sejam feitas restrições e levantadas objeções. Citemos alguns exemplos comuns. Muitas bibliotecas universitárias não atendem a consultas telefônicas feitas por estudantes ou qualquer pergunta de pessoas sem vínculo com a universidade ou faculdade; a política de várias bibliotecas públicas é não aceitar consultas destinadas a obter respostas para programas de perguntas e respostas transmitidos pelo rádio ou pela televisão, gincanas de estudantes ou consultas de pessoas que querem descobrir sua árvore genealógica. 10
É natural que tenham esse direito, e sem dúvida contam com bons motivos para adotar tais diretrizes. O que deixa o usuário confuso, no entanto, é que outras bibliotecas — públicas e universitárias. e aparentemente de natureza idêntica não impõem tais limitações a seus serviços. E quaisquer que sejam essas diretrizes, só uma minoria as formalizou por escrito, e um número ainda menor as divulgou publicamente, apesar da existência desde 1979 de um modelo da American Library Association na forma de um ‘Anteprojeto de manual de política de serviços de informação’. Até numa mesma instituição a situação pode ser comparada com a de uma grande biblioteca universitária norte-americana que relatou ter chegado a um impasse em suas tentativas de elaborar um documento de política porque “constatamos ser difícil para o pessoal profissional chegar a um consenso a respeito de vários pontos importantes”. Na prática, o que sucede muitas vezes é que membros do quadro de pessoal implementam ao mesmo tempo várias diretrizes diferentes não-oficiais ou como Dorothy Broderick afirmou de modo mais contundente, “cada bibliotecário goza de toda a liberdade para impor suas próprias predileções”. Em qualquer atividade profissional isso seria um manancial abundante de atritos entre colegas que trabalhem próximos, ainda mais neste campo, pois os “princípios individuais de comportamento afetam a biblioteconomia de referência mais do que qualquer outra atividade bibliotecária”, conforme salientou Bernard Vavrek. Para jovens bibliotecários que estejam dando seus primeiros passos no serviço de referência esse clima de opiniões divergentes pode até ser estimulante e desafiador, porém, mais amiúde, seu efeito talvez seja de desorientação. Um estudo realizado em 1980 em seis bibliotecas universitárias australianas constatou que “muitos bibliotecários de referência não têm certeza quanto à finalidade essencial do serviço de referência, e suas atitudes no trabalho são confusas”. Ainda mais fácil de constatar é o efeito dessa loteria bibliotecária nos consulentes: segundo Naiman, “os clientes não sabem quais são suas expectativas razoáveis e legítimas”, e o resultado é que. como disse Katz, “sem jamais saber com clareza o que o aguarda, o cliente geralmente tem pouca ou nenhuma expectativa”. Não há dúvida de que muitos usuários que têm consultas a formular não optam por transpor esse risco inerente, O levantamento feito em 1962 por Maurice Line entre estudantes de graduação usuários de bibliotecas em Southampton constatou que 39% não se mostravam propensos a formular suas consultas ao pessoal da biblioteca. Ainda mais expressivas foram as razões apresentadas: 70% desse grupo relutante achavam que suas consultas eram muito elementares para que fossem importunar o bibliotecário. Levantamento similar feito em 1972, no outro lado do Atlântico, concluiu que 41% dos usuários da biblioteca da Syracuse University tinham questões que gostariam de ver respondidas, mas 65% deles afirmaram que “não procurariam a ajuda de um bibliotecário porque não estavam satisfeitos, com a imagem ou serviços prestados anteriormente pelo bibliotecário, ou achavam que a consulta era muito simples, ou não queriam importunar o bibliotecário”. Para ilustrar melhor a perplexidade que se abate’ sobre os usuários diante dessas políticas divergentes, implícitas ou explícitas, temos um bom exemplo na University of Chicago: uma pesquisa feita em 1975 por Molhe Sandock mostrou que menos da metade dos estudantes sabia que a biblioteca de referência os ajudaria a encontrar a resposta a uma questão fatual ou receberia consultas pelo telefone. O principal obstáculo à solução desse perpétuo dilema é a presença na profissão de um forte grupo de pressão, cujas opiniões inabaláveis foram muito bem expressas em 1984 por Ray Lester, bibliotecário da London Business School: “o usuário universitário deve resolver suas próprias questões e não o bibliotecário porque: a) Somente ele realmente sabe do que necessita. b) A busca da resposta, com o refinamento da questão que isso implica, faz parte integral do processo de pesquisa. c) Somente ele pode aferir a utilidade do material que recupera.” Muitos dos que apóiam esse raciocínio justificam sua atitude com razões políticas pragmáticas, porém outros se preocupam num nível filosófico mais profundo. O ideal da ‘auto- ajuda’ tem uma respeitável linhagem que remonta ao século XIX: em 1876, Otis Hall Robinson, bibliotecário da University of Rochester, argumentava que “nenhum bibliotecário [de faculdade] estará apto a ocupar esse lugar, a menos que ele mesmo se considere responsável, em certa medida, pela capacitação de seus estudantes no uso da biblioteca [...] se entregarmos estudantes confiantes em si mesmos a suas investigações, teremos realizado muito”. Até alguns bibliotecários de bibliotecas públicas raciocinavam pelo mesmo diapasão: há mais de cem anos, Andrea Crestadoro proclamava em Manchester que “é dever do bibliotecário tornar-se inútil”. Outro veemente profeta da auto-ajuda foi John Cotton Dana, por muitos anos bibliotecário da Newark Public Library. Em trabalho que apresentou em 1910, ‘Misdirection of effort in reference work’ [Esforço mal dirigido no serviço de referência], ele afirmava que “o dever precípuo do bibliotecário não é responder uma consulta, mas instruir o consulente quanto ao uso do material com o qual ele poderá obter a resposta para si mesmo”. Para alguns, a questão tem até uma dimensão moral: sempre houve bibliotecários que se sentam contrafeitos em prestar ajuda excessiva aos consulentes. Como o mestre de Oxford, de que fala W. H. Auden, que confessava “não me sinto muito feliz com o prazer”, preocupa-os o fato de, ao responderem as perguntas dos consulentes, estarem assumindo um trabalho que seria da responsabilidade dos próprios usuários. Esta é a síndrome do ”bibliotecário de referência como puritano”, para empregar a expressão mordaz de Katz. O papel que os discípulos de Robinson, Crestadoro e Dana vislumbram para o bibliotecário de referência neste final do século XX é fundamentalmente o de professor. Eles dariam a primeira prioridade à educação dos usuários das bibliotecas, ou instrução bibliográfica, como às vezes é chamada, com o objetivo de proporcionar, segundo a American Library Association, “orientação e indicações sobre como procurar informações, ao invés de fornecer as próprias informações”. 11
Naturalmente, o serviço de referência em seu sentido mais amplo geralmente inclui tanto as funções informacionais (isto é, o trabalho de referência) quanto as funções instrucionais; mas, como Anita Schiller salientou em seu estudo de 1965 a respeito dessa controvérsia que se arrasta há tanto tempo, “estas [funções freqüentemente não se entenderam, porque cada uma estava ligada a uma opinião conflitante acerca da espécie e grau de assistência a ser oferecida”. Em 1930. em seu manual pioneiro, Wyer classificava essas opiniões discordantes como “conservadoras” e “liberais”, havendo uma escola “moderada” que representava um meiotermo prático. Trinta anos’ depois, em fecundo trabalho, Rothstein ressuscitou a controvérsia com sua própria versão do debate e seus rótulos aliterativos para os dogmas em disputa: “mínimo”, “máximo” e “medíocre”. Ninguém nega que os estudantes devam saber como usar as bibliotecas e, se preciso, sejam ensinados até um certo nível de competência. A briga começa quando se advoga que sejam capacitados para se tomarem independentes “pois assim não permanecerão eternamente dependentes dos dispendiosos e ineficientes serviços prestados pelo bibliotecário de referência”, conforme argumentou Daniel Gore. Por volta de 1980, Davinson descrevia a educação de usuários como “uma das indústrias de maior crescimento no campo bibliotecário”, e, em 1987, Katz assinalava em seu texto que “uma enorme quantidade de tempo, energia e dinheiro foi canalizada para a capacitação no uso de bibliotecas durante os últimos 20 ou 30 anos”. Alegou-se que nos Estados Unidos mais de 3.000 pessoas estão atuando nesse campo, e mais de 75% dos anúncios que procuram bibliotecários de referência para bibliotecas universitárias incluem a orientação bibliográfica como parte integrante das atribuições do cargo. Naturalmente, este “monstro sagrado da orientação sobre o uso da biblioteca”, como pelo menos dois observadores a descreveram, gerou toda uma estante de textos e adicionou um tempero novo ao debate. Seus proponentes armaram acampamento no terreno político mais elevado possível, divulgando um manifesto em 1981 na forma de ‘Recomendações de um grupo de trabalho’ da Bibliographic Instruction Section da Association of College and Research Libraries. Alegavam que a instrução bibliográfica (IB) constitui “o próprio cerne do processo de referência” e que os bibliotecários da IB “estão a ponto de se definirem como um movimento político dentro da biblioteconomia universitária”. Seus opositores, ao contrário, os definiram como “reformadores e elitistas presunçosos” (David Isaacson, 1985), “caçando quimeras” (Davinson, 1984), com a “cabeça nas nuvens” (C. Paul Vincent, 1984), Observou-se que nem todos eles têm experiência como bibliotecários de referência. Seus motivos foram também questionados. Bibliotecários presentes numa conferência britânica, em 1982, especulavam “se o incremento da educação de usuários tinha sido um reflexo do fato de. durante as décadas de 1960 e 1970, os bibliotecários estarem subempregados, excessivamente qualificados e ansiosos por melhorar seu status”. Isso pode ou não ser verdade, mas o certo é que houve apelos na literatura para que os “bibliotecários abandonassem o balcão de referência e elevassem seu perfil junto á comunidade universitária”. Salvo o que um crítico denominou “retórica estridente e [...] pronunciamentos dogmáticos” dessa espécie, a bibliografia sobre educação de usuários, segundo Neil A. Redford, da University of Sydney, em 1980, “é de uma quantidade assustadora, e sua qualidade é ainda mais aterradora [...J chata, repetitiva, voltada para seus próprios interesses e freqüentemente de conseqüência insignificante”. Ao estudar a situação no Reino Unido seis anos mais tarde, Kugh Fleming, ele próprio bibliotecário dedicado à educação de usuários, viu-se forçado a reconhecer que “enquanto existe uma literatura bastante volumosa escrita em nível casuístico, são poucas as publicações que visam a desenvolver uma sólida base para a educação de usuários”. Porém a crítica mais contundente levantada contra a IB é que ela não funciona, porquanto não consegue alcançar os resultados que almeja, ou seja, usuários confiantes em si mesmos. Este aspecto tem sido constantemente assinalado na literatura por inúmeros bibliotecários de referência atuantes, cujo trato diário com usuários concretos deixa-os incrédulos quanto às assertivas dos ‘missionários da IB’, como foram chamados, O único efeito coerente e amplamente observado da educação de usuários foi um aumento da quantidade de consultas recebidas pelo balcão de referência, que às vezes chegou a dobrar. Na quinta edição, datada de 1987, de seu clássico manual, Katz, que ao longo dos anos foi um observador próximo da 18, teve de reconhecer que “apesar dos muitos cursos informais sobre como usar a biblioteca, aparentemente a maioria das pessoas não está muito melhor depois do que antes”. Se ele e os que com ele concordam estiverem equivocados, então o ônus da prova deverá recair sobre os adeptos da IR, porém, como ele explicou, “poucos bibliotecários dispõem de tempo ou conhecimento para fazer o acompanhamento subseqüente da instrução mediante estudos de avaliação”. Sobre esse ponto tão crucial, em nada ajuda a causa da IB a proclamação feita pelo Grupo de Trabalho segundo a qual a “instrução bibliográfica não precisa de mais justificativa do que a instrução sobre redação ou qualquer uma das artes liberais, e não há necessidade de estudos de avaliação destinados a justificar sua existência”. Não é difícil perceber por que os bibliotecários da IR foram rotulados como ‘a maioria moral da biblioteconomia’. Eles ainda alegam que a assistência ministrada apenas àqueles que fazem perguntas constitui um serviço restrito a uma pequena elite, enquanto que a instrução é louvada por “distribuir o serviço de referência de maneira tão igualitária quanto possível”. Naturalmente, para os que aceitam esse elevado tom moral o fato de isso não funcionar é irrelevante. Eles afirmariam que mesmo assim deve ser feito o esforço para tornar os estudantes independentes do bibliotecário, “porque a privacidade da atividade de referência, aliada à baixa expectativa do usuário, favorece o trabalho superficial e protege a incompetência”, conforme alega Frances L. Hopkins. O desafio está em criar uma forma de instrução que seja eficaz. 12
Admite-se que no mundo das bibliotecas especializadas não ocorre a questão da auto-suficiência do usuário. Conforme Davinson assinalou com ironia, “as tentativas de seduzir a administração superior e o pessoal de pesquisa para que eles mesmos façam suas buscas bibliográficas não seriam bem recebidas”. Cada vez mais, porém, surgem vozes veementes instando para que o evangelho da 18 seja também pregado nas bibliotecas públicas. A política da American Library Association é que “todas bibliotecas [devem] incluir a instrução sobre o uso de bibliotecas como uma das metas prioritárias do serviço” e um levantamento feito em 310 bibliotecas canadenses mostrou em 1989 que “a maioria não só concordou que a instrução é desejável, mas que os bibliotecários de bibliotecas públicas têm a obrigação de ensinar os usuários acerca do uso correto das ferramentas da biblioteca”. Em várias oportunidades foram oferecidos cursos voluntários, e a reação tem sido promissora, mas, conforme Davinson comentou, “o que geralmente acontece nesses casos, no entanto, é que os tipos de usuários que são estimulados a se inscrever nesses programas são exatamente as pessoas que menos precisam de educação de usuários”. Mas todo esse filosofar a respeito do que é desejável deixa intocada a questão de política pragmática acerca da possibilidade de produzir efetivamente usuários confiantes em si mesmos e capazes de responder a suas próprias questões de referência, como Lester almejaria. O problema talvez não seja suscetível de comprovação, mas existem indícios substanciais de que esse objetivo encontra-se atualmente além de nossa compreensão. Embora se apóiem, em sua maior parte, em opiniões, nem por isso deixam de ser autênticos, oriundos que são do testemunho abalizado de muitos bibliotecários de referência: “A maior parte desse repositório de experiências [que os bibliotecários de referência possuem] não pode ser ensinada por meio da instrução bibliográfica” (Jeremy W. Sayles, 1980); “é insensato supor que a instrução bibliográfica produzirá um usuário de biblioteca independente e confiante em si mesmo” (Vincent, 1984); “quem quer que tenha trabalhado como bibliotecário de referência reconhecerá [...] a futilidade [...] de tentar transformar todos os usuários de bibliotecas (docentes e discentes) em especialistas nas minudências de uma biblioteca” (John Rudd, 1984). À medida que a cada dia o mundo da informação se toma mais complexo, o usuário auto-suficiente parece mais do que nunca uma miragem. O advento dos serviços em linha, com a promessa precoce e temerária de dispensar o intermediário (palavra que já fora usada por Wyer no remoto ano de 1930), reforçou, ao contrário, o papel do bibliotecário de referência. A esmagadora maioria das buscas em linha feitas em bibliotecas ainda é executada pelo pessoal da biblioteca. O CD-ROM. muito mais amigável para o usuário, claramente mais popular e livre das tarifas de conexão e da pressão psicológica do acesso cronometrado à informação, ainda não produziu o usuário auto-suficiente. Em primeiro lugar, os levantamentos feitos por Ching-Chih Chen e David I. Raitt mostraram em 1990 que os CD-ROMs estavam sendo utilizados principalmente pelo pessoal da biblioteca e não pelos usuários finais, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa ocidental. Em segundo lugar, embora as buscas feitas em CD-ROM pelos usuários finais sejam em número elevado, se comparadas com as buscas em linha (ainda que principalmente nas bases de dados mais simples), os bibliotecários de referência viram-se forçados a dedicar uma grande parte de seu tempo a prestar ajuda a esses usuários, com eles analisando suas estratégias de busca, assistindo-os na escolha da base de dados mais adequada a um assunto determinado, explicando-lhes a estrutura da base de dados e supervisionando a própria busca, O efeito observado por Bill Coons e Linda Stewart em 1989 é característico: logo se percebeu que “todo o pessoal técnico precisa aprender mais sobre CO-ROM do que se imaginava antes”. Mary Pagliero Popp e A. F. M. Fazle Kabir relataram em 1990 que na Undergraduate Library da Indiana University “o maior impacto parece ter sido no aumento do volume de tarefas no balcão de referência [...] as consultas de referência aumentaram em mais de 100%”. Também a esse respeito encontram-se dúvidas sinceras sobre se a educação dos usuários pode proporcionar o que se propõe: “a confiança exclusiva na instrução bibliográfica e as intenções de formar usuários auto-confiantes talvez não sejam mais viáveis numa sociedade complexa baseada na informação” (Robert M. Hayes, 1986); “As tradicionais intenções da referência em bibliotecas universitárias no sentido de instruir seus usuários a serem independentes devem ser reexaminadas, à medida que a complexidade das novas tecnologias da informação vai se entranhando nas bibliotecas” (Teresa L. Demo e Charles McClure, 1988); e até mesmo um coordenador de instrução bibliográfica julgou necessário argumentar que “são tantas as novas fontes de referência que surgem, em formato impresso ou eletrônico, que seria injusto e irrealista esperar que algum usuário conseguisse manter-se a par do mínimo que fosse. Isso é trabalho do bibliotecário” (Elizabeth Bramm Dunn, 1988). O que os serviços em linha e especialmente o CD-RONI fizeram nessa área foi realçar a vetusta função educativa, informal e pessoal, dos bibliotecários .e referência e seus antecessores ao longo dos séculos, o que Jane A. Reilly chamou “instrução bibliográfica por intermédio da consulta de referência”. Conforme observou Davinson, essa “instrução informal, em geral altamente personalizada, é quase instintiva para muitos bibliotecários de referência”. Até mesmo Joanne R. Euster, facilitadora do grupo de trabalho, chega a reconhecer que “a instrução bibliográfica em seu nível mais elementar é simplesmente uma ajuda individual de referência”. Em seu mais alto grau, essa instrução que se dá na mesa de referência e não na sala de aula é em si mesma uma arte, como afirma John C. Swan, oferecendo aos estudantes “uma autêntica percepção da pesquisa bibliográfica, mostrando-lhes um pesquisador em ação, às voltas com o conteúdo e também com os termos de indexação, com as idéias e também com as citações. O bibliotecário de referência em particular tem a excelente oportunidade de servir de modelo: o estudioso experiente que faz uma demonstração para o estudioso neófito.” 13
Nessa guerra de palavras houve uma voz que esteve notavelmente ausente: a do usuário. Uma das críticas principais às recomendações do grupo de trabalho, conforme foi expressa por Budd, é que elas são “predominantemente orientadas para os bibliotecários e ignoram abertamente os receptores da instrução bibliográfica”. No que concerne à atitude dos usuários das bibliotecas em relação ao catálogo, sabemos, a partir de pesquisas que nos foram convenientemente resumidas por David W. Lewis, em 1987, que “as pessoas evitam usar o catálogo sempre que podem”. Donna Senzig, também apelando para os estudos sobre o uso do catálogo, lembrou-nos que “as pessoas, de fato, não gostam de procurar o documento ou a informação de que precisam. Elas não querem ser um Sherlock Holmes, no encalço de pistas fugidias em bibliografias, índices e catálogos [...] Apesar de sua utilidade, o catálogo ainda é visto por muitos como um obstáculo na localização do material, ou, na melhor das hipóteses, uma etapa intermediária dispensável.” Quanto a se ensinar alguém a buscar a informação para si mesmo, a opinião de Radford é que “a grande maioria da população não tem interesse algum em aprender a como usar a biblioteca com eficiência”, e mesmo que fosse compelida a isso, “a maior parte não está grandemente interessada em praticar e melhorar seus conhecimentos acerca da biblioteca”. De qualquer modo, uma proporção considerável dos consulentes busca ajuda por telefone — foram 35% num levantamento feito em 1982 em grandes bibliotecas de referência, situadas em centros urbanos, na Inglaterra e na Escócia, O que os usuários querem, conforme disse Pinzelik, é “conseguir a informação de que precisam por meio de um processo simples que lhes permita dar início àquilo que constitui sua tarefa concreta: usar informações para escrever um trabalho ou resolver um problema”. Também está em causa aqui uma questão moral, como observou Tom Eadie, ele próprio um ex-bibliotecário que atuava na área de educação de usuários: “a educação de usuários é um serviço especial de utilidade questionável, que surgiu não porque eles o reivindicassem, mas porque os bibliotecários julgaram que seria boa para os usuários”. Constance Miller e James Rettig argumentaram que a função do bibliotecário de referência nunca foi expressa de forma tão magnífica quanto na quarta lei da biblioteconomia de S.R. Ranganathan: “Poupe o tempo do leitor’. Nenhuma atividade comum aos departamentos de referência das bibliotecas universitárias viola essa lei de forma mais flagrante do que seus extensos programas de instrução bibliográfica.” Eadie comentou que “isso é mais importante do que o princípio de custo—eficácia: poupe o tempo do bibliotecário”. E existem indícios, conforme foi antes mencionado, de que a IB pode realmente ser prejudicial, deixando nos usuários a idéia equivocada de que localizar informações em bibliotecas seja uma coisa simples, e semeando as sementes da frustração, culpa e irritação de que são acometidos quando descobrem que isso não é verdade. Estudantes que foram enganosamente levados pela IB a julgar que poderiam tomar-se independentes do bibliotecário não sabem, realmente, como usar uma biblioteca de forma adequada, pois o bibliotecário de referência é uma de suas mais importantes fontes de informação. Talvez jamais venha a ser encontrada uma solução para essa ambivalência histórica da biblioteconomia de referência, mas pelo menos talvez fosse possível oferecer no mínimo uma opção ao usuário da biblioteca, conforme argumentou Katz, com força de persuasão cada vez maior, ao longo de 20 anos, em cinco edições de seu manual: “O usuário deve ter a opção de 1) aprender a como usar a biblioteca ou qualquer uma de suas partes, ou 2) não aprender e mesmo assim poder contar com um atendimento integral, completo e total de sua(s) consulta(s) por parte do bibliotecário de referência”. Rettig detalhou o que isso significa na prática: “O tipo de serviço que o bibliotecário proporciona em resposta a uma determinada pergunta será condicionado pelo tipo de informação que o consulente deseja, não pelo dever de obediência a um nível de serviço. Assim, o bibliotecário deve decidir se a informação que um dado usuário deseja é 1) uma fonte de informação, 2) instrução sobre o uso de uma fonte de informação, ou 3) mensagens colhidas numa fonte de informação. Em diferentes situações, o mesmo consulente pode querer qualquer uma delas. Diferentes consulentes com a mesma consulta podem querer respostas diferentes. Além disso, o nível de serviço e o tipo de informação que satisfazem a um cliente talvez não sejam aquilo que, na mensagem inicial, ele expressou, de forma imperfeita, como sendo sua necessidade.” A necessidade de conhecer
O trabalho de referência, porém, é muito mais do que uma técnica especializada ou uma habilidade profissional. Trata-se de uma atividade essencialmente humana, que atende a uma das necessidades mais profundamente arraigadas da espécie, que é o anseio de conhecer e compreender. Essa fonte de motivação humana brota da simples curiosidade que também se observa nos mamíferos superiores: na realidade, a atividade organizada voltada para a satisfação da curiosidade acerca do mundo natural é uma das definições de ciência. E, como observou Aristóteles, “todos os homens possuem por natureza o anseio do conhecimento”. Essa necessidade engloba até mesmo nosso anelo de sistematizar o universo. Jesse H. Shera lembrou-nos que o “homem abomina o caos, assim como se diz que a natureza abomina o vazio”, e procuramos incessantemente impor um padrão ao que vemos. Foi isso que levou sir Charles Sherrington a chamar o cérebro humano de “o tear encantado”. Não podemos ignorar essas compulsões interiores do mesmo modo que não podemos ignorar a necessidade de alimento. O psicólogo Abraham H. Maslow advertiu a respeito dos “efeitos verdadeiramente psicopatológicos que ocorrem quando se frustram as necessidades cognitivas”. Se os bibliotecários de referência se empenhassem em lembrar constantemente a si próprios que o que estão fazendo não é simplesmente fornecer informações, mas atender a essas necessidades cognitivas, isso serviria para neutralizar uma tendência, amiúde censurada, de que parecem dar mais atenção à consulta do que 14
ao consulente. Efetivamente é preciso possuir conhecimentos bibliográficos e proficiência para fazer as buscas, a fim de fornecer uma resposta tecnicamente competente a consultas do tipo ‘você tem algo sobre pistolas de jato de areia e suas aplicações?’, ‘qual a disposição dos exércitos na batalha de Minden em 1759?’, ‘estou à procura de livros que tratem especificamente de estampilhas ou selos fiscais’, ‘qual a inscrição gravada na pedra da piscina de Siloé?’, ‘eu queria uma descrição de um dia típico num mosteiro beneditino, para usar num romance’. Todo bom bibliotecário de referência sentiria justificadamente uma sensação de realização profissional ao vencer o desafio intelectual representado por essas questões. E essencial, porém, não perder de vista o fato de que, para o consulente, só por casualidade a resposta à questão é uma exigência, e que num nível mais profundo ela é necessária para satisfazer a uma necessidade cognitiva básica. Os psicólogos nos ensinam que as questões surgem nas mentes das pessoas por causa de uma lacuna em seus conhecimentos ou de uma impossibilidade de compreender o mundo a seu redor, ou devido a alguma incoerência ou conflito conceitual naquilo que já conhecem. Afirma-se freqüentemente na literatura de biblioteconomia e ciência da informação (por exemplo, por William B. Rouse e Sandra H. Rouse) que “as pessoas raramente procuram informações como um fim em si mesmo”, mas que geralmente necessitam delas para ajudar na solução de problemas, na tomada de decisões, na alocação de recursos financeiros, etc. No entanto, um inquérito realizado por Terry L. Weech e Herbert Goldhor, em 1982, entre 463 consulentes de bibliotecas públicas em Illinois, mostrou que a curiosidade era o motivo em 16% dos casos. Bertrand Russell afirmou que o que as pessoas realmente querem não é conhecimento, mas certeza; qualquer que seja a outra utilidade que venha a ter a informação fornecida pelos bibliotecários, pouco ajudará se não reduzir a incerteza. E talvez haja muitas ocasiões em que os usuários das bibliotecas façam perguntas simplesmente para reduzir a incerteza subjetiva. Como uma arte humana, a segunda grande contribuição proporcionada pelo serviço de referência é ministrar assistência de maneira individualizada. E fundamental à biblioteconomia o conceito de prestação de serviços que se” coadune, cuidadosa e especificamente. com as necessidades do indivíduo. A importância do serviço de referência nesse contexto é não só de que seja executado, mas, assim como o imperativo de lorde Hewart a respeito da justiça, que se trate de cumpri-la de modo claro e incontestável. Esse serviço demonstra claramente, em sua natureza voltada para o indivíduo, a segunda lei de Ranganathan: “Para cada leitor o seu livro.” Origens do serviço de referência
E penoso lembrar que o serviço de referência não foi sempre parte integrante da biblioteconomia. Uma das muitas lições ensinadas por Rothstein é de que se trata de uma “dimensão relativamente nova” da biblioteconomia, se comparada com a aquisição e a catalogação de livros. Até meados do século XIX, muitos estudiosos somente buscavam uma biblioteca quando suas próprias coleções particulares, freqüentemente imensas, não os ajudavam. Enquanto usuários de biblioteca não precisavam de ajuda alguma, conhecedores que geralmente eram da bibliografia dos assuntos de seu interesse, e se contentavam com o catálogo de autor para tudo o mais, É claro que o conteúdo temático dos livros era então mais limitado e os acervos das bibliotecas eram muito menores; como reconhece Ranganathan, “se a quantidade de livros de uma biblioteca for muito pequena, talvez não haja necessidade de manter um serviço de referência”, Não há dúvida que, eventualmente. os bibliotecários, que amiúde também eram pessoas eruditas e conheciam intimamente o conteúdo dos acervos colocados sob sua custódia, seriam capazes de ajudar os leitores em suas pesquisas. Toda essa atividade, porém, permaneceu por muitos anos como algo periférico a suas tarefas principais de aquisição, catalogação, classificação e controle. Foi o enorme incremento da indústria editorial e da alfabetização que provocou mudanças. Os estudos especializados expandiram-se, com os livros sendo publicados sobre assuntos cada vez mais específicos, e as bibliotecas aumentaram de tamanho. Chegara a hora em que os estudiosos já não mais conheciam nem mesmo os nomes de quem escrevia sobre os temas de seu interesse, e então começaram a procurar os livros pelos seus assuntos. A isso os bibliotecários responderam com mais catálogos de assuntos, sistemas de classificação e ajuda pessoal. A ampliação do ensino público e o avanço da alfabetização criaram todo um novo público leitor. É na assistência exigida por esse novo tipo de leitor, num novo tipo de biblioteca — a biblioteca pública mantida com impostos —, principalmente nas grandes cidades industriais da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, que se pode localizar as origens daquilo que hoje conhecemos como serviço de referência. Não foi sem oposição que se criaram essas bibliotecas, embora tal oposição haja sido menor nos Estados Unidos do que na Grã-Bretanha, e desde seu início estiveram pressionadas para justificar o dispêndio de recursos públicos. O primeiro trabalho sobre o serviço de referência foi publicado em 1876, embora decorressem mais dez anos até que essa denominação aparecesse em forma impressa. O autor desse trabalho pioneiro foi Samuel Swett Green, formado em teologia por Harvard e bibliotecário da biblioteca pública da cidade de Worcester, Massachusetts (EUA), uma das mais importantes cidades industriais da Nova Inglaterra. Era também o primeiro trabalho de Green, que foi lido em 5 de outubro de 1876 perante a famosa Centennial Conference of Librarians, em Filadélfia, da qual resultou a fundação da American Library Association (ALA). Segundo Rothstein, foi essa a “primeira proposta explícita de um programa de assistência pessoal aos leitorés, diferentemente da ajuda ocasional”. Seu título merece ser citado na íntegra: ‘The desirableness of establishing personal intercourse between librarians and readers in popular libraries’ [A conveniência de promover um relacionamento pessoal entre 15
bibliotecários e leitores em bibliotecas populares]. Foi nessa mesma reunião, como reação imediata ao trabalho de Green, que Robinson lançou seu apelo, acima citado, em prol da instrução bibliográfica dos estudantes. Um ano depois, na mesma data, Green encontrava-se em Londres pronunciando uma conferência sobre o mesmo tema, ‘Access to librarians’ [Acesso aos bibliotecários], como delegado da ALA em outra conferência pioneira de bibliotecários, durante a qual foi fundada a ‘Library Association of the United Kingdom’. Não há dúvida que por essa época diversas bibliotecas já vinham executando um eficiente e completo serviço de referência, como fica evidente pelos debates em torno das opiniões de Green em ambas as conferências, ainda que provavelmente não estivesse muito difundido e fosse denominado de várias maneiras, como ‘ajuda pessoal’, ‘auxílio aos leitores’ ou ‘assistência aos leitores’. Reuben A. Guild, bibliotecário da Brown University entre 1848 e 1893, sustentava que “durante os últimos trinta anos, ao longo dos quais trabalhei como responsável, não somente o público teve permissão de livre acesso à biblioteca [...] mas também de consultar o bibliotecário, em vez do catálogo, sendo que as consultas se referiam em sua maior parte a informações e não a obras específicas”. Robert Harrison, da London Library, contou como certa vez foi indagado por Thackeray a respeito de um livro sobre o general Wolfe: “Não quero saber de suas batalhas. Posso aprender tudo sobre elas nos livros de história. Quero algo que me diga qual era a cor das calças que ele usava.” Na realidade, Green, na Inglaterra, fora antecedido em certa medida pelo notável Edward Edwards, em grande pane autodidata, filho de um pedreiro de Whitechapel, que formulou, já em 1859, em seu Handbook of library economy, que “a assistência aos leitores em suas pesquisas” é uma das funções que “têm de ser desempenhadas diariamente” pelas bibliotecas públicas em geral. Ele foi o primeiro bibliotecário da biblioteca pública de Manchester, o primeiro exemplo mundial de uma cidade industrial, tida, com um misto de reverência e temor, como o portento de uma nova era por eminentes visitantes de inúmeros países que a ela acorriam para ver com seus próprios olhos como seria o futuro. Ela serviu corno uni dos modelos de ‘Coketown’ em Hard times [Tempos difíceis ] (1854), de Charles Dickens, que a visitara quando foi pronunciar unia conferência na cerimônia de inauguração da Reference Library em 1852. Dois anos mais tarde, um visitante da Reference Library descreveu “um saguão imponente e com decoração despojada, cercado de estantes com livros [...] e onde os bibliotecários silenciosamente limpavam a poeira dos livros e atendiam às demandas dos leitores”. Desde o início, Edwards externava sua intenção de “fornecer informações sobre assuntos concernentes a pesquisas sérias e definitivas”, e, em 1873, num artigo publicado no Manchester Evening News, observou que na Reference Library “os funcionários demonstram, com a maior polidez, um anseio generalizado de ajudar os estudiosos sérios”. Em 1871, a biblioteca de Manchester foi a primeira da Grã-Bretanha a empregar mulheres, e, em 1884, um leitor da Reference Library estava tão agradecido pela ajuda que recebera de uma delas que se sentiu levado a escrever para o Manchester Quardian: “Tenho observado sempre que as atendentes dessa biblioteca são muito atenciosas e dispostas a ajudar as pessoas que buscam informações.” Curiosamente, ao se dirigir para a conferência de 1877 em Londres, o próprio Green fez uma visita à Manchester Reference Library, que lhe foi mostrada por Crestadoro, um dos que sucederam a Edwards, e que hoje é mais lembrado por ter sido o pioneiro dos índices de palavras-chave permutadas. Ele ficou espantado ao “ver, à noite, um enorme salão de leitura repleto de leitores, todos de chapéu”. Bibliografia sistemática
Apesar de ser pouco comentado, não deixa de ter importância o fato de o começo do trabalho de referência como profissão haver coincidido com a imensa expansão da publicação de periódicos em meados e no final do século XIX. Para o especialista e também para o leitor comum isso transformou todo o campo do conhecimento com que estavam familiarizados. Em sua procura de informações, mesmo nas maiores coleções de livros e folhetos, eles haviam conseguido até aquele momento encontrar seu caminho guiando-se pelas indicações presentes nos títulos das próprias obras e nas listas ou catálogos proporcionados pelo bibliotecário. Em comparação com a bibliografia constituída de monografias, razoavelmente organizada, o conteúdo multifário de uma coleção de periódicos parecia uma terrível mixórdia. Então como hoje, o conglomerado de artigos que constituem o fascículo de um periódico não estava presente no catálogo, e os leitores começaram a buscar a ajuda dos bibliotecários. Tão insistentes e variadas em termos de assuntos eram essas consultas solicitando artigos sobre tópicos específicos que os bibliotecários constataram que já não mais podiam depender de seu próprio conhecimento pessoal. Assim, em várias bibliotecas o bibliotecário compilou listas desses artigos que lhe serviam de aide-mémoire. O índice manuscrito compilado na universidade de Yale por um jovem bibliotecário-assistente, William Frederick Poole, conquistou tal popularidade que, em 1848, foi publicado por George Putnam. Como explica o biógrafo de Poole. “tratava-se de um instrumento novo e sem igual de controle bibliográfico, o índice geral de vários periódicos diferentes numa única seqüência alfabética. Inaugurava uma forma bibliográfica que se tomou uma das pedras angulares do serviço bibliotecário.” Na ocasião em que alcançou sua terceira edição, em 1882, Poole alçara-se à condição de primeiro bibliotecário da Chicago Public Library, e seu notável Index to periodical literature, 1802—1881 crescera para 230 000 entradas abrangendo 232 periódicos. Até hoje vem sendo utilizado regularmente. e ainda continua sendo publicado. Outras importantes bibliografias iniciadas por essa época ampliaram sua abrangência a setores cada vez mais extensos do mundo das publicações impressas e estabeleceram a bibliografia sistemática como o campo de estudo profissional fundamental para esse novo tipo de bibliotecário. Exemplos característicos, dentre os muitos 16
que poderiam ser mencionados, são: News paper press directoty (iniciado em 1846), English catalogue of books (1864), Index to The Times newspaper (1868), Publishers grade list annual (1873), Catalogue of printed books do British Museum (1881), Dictionary of anonymous and pseudonymous English literature , de S. Halkett e J. Laing (1882), The best books: a reader guide de W. S. Sonnenschein (1887). O advento dessas novas e eficazes ferramentas também estendeu a esfera de ação do ‘bibliotecário de referência’ ao mundo dos conhecimentos registrados, ultrapassando as fronteiras da biblioteca local com seu acervo limitado. A própria crescente sistematização em forma impressa do campo dos conhecimentos importantes é encontrada no conjunto das ferramentas de referência, hoje indispensáveis, e que também foram publicadas pela primeira vez em meados e fins do século XIX. Exemplos tomados ao acaso e consultados até hoje são (a data entre parênteses indica o ano de fundação): Who ‘s who (1849), Chamber‘s encyclopcedia (1850), Statistical abstract for the United Kingdom (1854), Bartlett’s familiar quotations (1855), Crockford’s clerical directory (1858), Statesman ‘s year-book (1864), Wisden ‘s cricketers’ almanack (1864), Whitaker ‘s almanack (1868), World almanac (1868), Grove’s dictionary of music and musicians (1878), Statistical abstract of the United States (1878), Dictionary of national biography (1885), Oxford English dictionary (1888), Kelly ‘s manufacturer ‘s and merchant ‘s directory (1889), Municipal year book (1897). O desenvolvimento do serviço de referência
Bem cedo foram reconhecidos os encantos do trabalho de referência: em seu trabalho pioneiro. Green confessava que “poucos são os prazeres que se lhe comparam”; em 1882, Poole afirmou perante a conferência da American Library Association em Cincinatti que: “prestar auxílio aos consulentes [...j é uma das tarefas mais agradáveis do cargo que ocupo”. Inevitavelmente, havia aqueles que faziam suas reservas. A mesma conferência ouviu James W. Ward, de Buffalo, descrever o bibliotecário como “ livro freqüentemente mais consultado da biblioteca. Espera-se que ele conheça tudo, tanto na biblioteca quanto fora dela.” E deixou claro que isso não correspondia inteiramente a seu gosto, embora a platéia não tardasse a rechaçar a provocação, tendo à frente o próprio Green, que declarou enfaticamente “não gosto do tom desse trabalho”. Por volta de 1888, Melvil Dewey empregava a denominação ‘bibliotecário de referência’, mas a prestação desse serviço específico não era ainda uma função universalmente aceita para a biblioteca pública, o que só veio a acontecer nos primeiros anos do século XX. As bibliotecas universitárias também se haviam expandido, mas, naturalmente, não tinham estado sujeitas à mesma escala de demanda por parte de seus usuários. O desenvolvimento do serviço de referência nas bibliotecas universitárias dos Estados Unidos deu-se de modo constante, embora não espetacular, recebendo um grande impulso com a nova tendência do ensino superior favorável ao ‘estudo pela pesquisa’, com os professores estimulando os alunos a lerem bastante, ao contrário de se fiarem apenas nas aulas expositivas e nos manuais. Nas universidades britânicas o progresso era invisível. Na verdade, a assistência aos leitores era praticamente inexistente até meados do século XX. Durante muitos anos, um manual fundamental foi o livro de G. Woledge e B. S. Page A Manual of University and College Library Pratice , publicado pela Library Association em 1940: nele não se mencionava de forma alguma o serviço de referência; o tópico ‘informação e orientação aos leitores no salão de leitura’ ocupava sete linhas. Ainda em 1958, o ilustre bibliotecário do University College London, sede da mais antiga escola de biblioteconomia do país, afirmava numa obra clássica, também publicada pela Library Association, que “existe [...] pouca possibilidade na biblioteca universitária de um serviço de auxilio aos leitores”. Mas, como assinalava seu necrológio, em 1986, “ele acreditava na biblioteconomia universitária tradicional e chegava a ser intolerante às inovações”. Em compensação, a grande maioria das bibliotecas agrupadas como ‘especializadas’, muitas das quais prestam serviços a empresas ou ao governo, são instituições bem do século XX, criadas sob medida para a finalidade exclusiva de fornecer serviços de referência e informação. A justificativa de sua existência está em procurar informações para os consulentes, e isso jamais foi questionado. Realmente, nas bibliotecas de indústrias, onde se encontram alguns dos mais dinâmicos serviços de referência, não é raro a administração alertar as pessoas que utilizam a biblioteca para que recorram aos serviços dos bibliotecários e não se deixem levar por um comportamento amadorístico. Isso não significa que a administração esteja a par das teorias de Wyer sobre serviço de referência conservador e liberal; simplesmente ela sabe que isso sai mais barato. A verdade pura e simples da vida de uma biblioteca de indústria é que todos seus usuários estão na folha de pagamento, e a quarta lei de Ranganathan — “Poupe o tempo do leitor” — tem bastante cabimento tanto em termos econômicos quanto profissionais. Como Edwin M. Cortez explicou acerca dessas bibliotecas, “elas têm de se justificar constantemente junto às organizações de que dependem, demonstrando que seus benefícios superam seus custos”. Concepções errôneas
Talvez algum dia, ao se definir o serviço de referência, bastará apenas dizer o que ele faz. Atualmente, as incompreensões que ainda persistem, mesmo entre aqueles que deveriam saber mais, obrigam quem quer que venha a justificá-lo a tomar especial cuidado para deixar claro o que o serviço de referência não é. Para começar, é errado reduzi-lo simplesmente à utilização proficiente do conteúdo de obras de referência (ou seus equivalentes eletrônicos). Alimentemos também a esperança, entre parênteses, de que não seja mais preciso erradicar o equívoco de que urna obra de referência é aquela ‘cuja utilização está limitada ao interior da biblioteca’. A definição alternativa, apropriada a este caso, é que se trata da obra “destinada, em virtude da 17
organização e tratamento dados a seu conteúdo temático, a ser consultada em busca de informações especificas e não para ser lida inteiramente” (The ALA Glossary of Library and Information Science ). É evidente que essas obras constituem somente uma parcela do acervo das bibliotecas que prestam serviços de referência, e, em geral, quanto maior for a biblioteca menor será a proporção de obras de referência. Sabemos há anos que grande parte do serviço de referência se atende com obras que não são especificamente de referência, e uma parcela crescente desse serviço não depende absolutamente de livros. O estudo pioneiro de Dorothy Cole, que examinou um total de 1 026 consultas de referência em 13 bibliotecas dos Estados Unidos, nos idos de 1941, mostrou que 45% das fontes utilizadas não correspondiam a obras de referência: 10% eram periódicos, 10% documentos, 4% folhetos, 3% jornais, e 18% outros livros que não eram de referência. O levantamento em menor escala, feito por Herbert Goldhor, em 1978, abrangendo 100 consultas formuladas a Urbana Public Library (Illinois, EUA), revelou poucas mudanças. Outras fontes, que não eram obras de referência, forneceram 41% das respostas: 14% eram fontes do arquivo de recortes ou de ilustrações, 11% de livros da coleção circulante, 9% de periódicos, 3% de fontes externas, 1% do catálogo, e 3% sem especificação. Nunca é demais repetir que entre o bibliotecário de referência e o livro não existe qualquer conexão inevitável e eterna. A substância do serviço de referência é a informação e não determinado artefato físico. Comparado com a duração da história humana, o meio milênio da história do livro impresso não passa de um átimo. Sayles acreditava que “o conceito livro, como unidade de informação, é banal, enganoso, restritivo e prejudicial ao processo de referência. [...] Os bibliotecários caem na armadilha do conhecimento que se define em unidades de livros e continuam. obstinadamente a procurar títulos de obras que respondam consultas de referência.” É claro que há um exagero nisso, mas vejamos o desenvolvimento de sua argumentação: “são as informações singulares, abalizadas e fatuais, de muitas fontes expressas em capítulos, seções, páginas, parágrafos. ilustrações, glossários, sumários, índices — que devem ser descobertas, separadas e formadas para compor uma nova unidade”. E, naturalmente, existe toda uma variedade de material impresso, além dos livros, bem como informações em formato eletrônico. A própria palavra escrita, porém, com uma história dez vezes mais antiga do que a do livro impresso, apresenta sérias limitações como meio de comunicação humana: ela não pode ser usada por quem não sabe ler (a grande maioria da raça humana), e a leitura é uma atividade não-natural, solitária e estática. Na década de 1960, John Gloag podia afirmar: “Desde o século XIX temos dependido quase exclusivamente do que se costumava chamar cultura livresca, a tal ponto que nos tornamos analfabetos visuais.” Dificilmente ele poderia dizer o mesmo acerca do mundo atual da multimídia, que se reflete inevitavelmente nas bibliotecas em escala sempre crescente. Todos os formatos, livros e outros suportes, impressos e eletrônicos, sonoros e visuais, são atualmente utilizados pelo bibliotecário de referência. Além disso, a medida que agora se adota é a informação e não mais a peça bibliográfica. Uma vez, contudo, feita a ressalva de praxe, é chegado o momento de lembrar ao estudante realmente, de proclamar que a palavra escrita é uma das três maiores realizações práticas da mente humana, comparável apenas ao descobrimento da agricultura e à invenção da máquina a vapor. Na forma de livro impresso, ainda é de longe o meio mais comum de armazenar informações, depois do cérebro humano, e pode ainda realizar inúmeras funções que se acham fora do alcance da máquina. E mesmo as bases de dados eletrônicas dependem grandemente, para a entrada e saída de dados, de caracteres alfanuméricos, principalmente na forma de palavras. Salvo o caso especial da matemática, ninguém descobriu uma maneira melhor de lidar com idéias abstratas do que com o emprego de palavras (e até os conceitos matemáticos podem freqüentemente ser verbalizados). Grande parte da engenhosidade despendida em propostas de representação visual de idéias acabou sendo um esforço em vão, na medida em que freqüentemente sua compreensão é mais difícil, e quase sempre mais ambígua, do que a das palavras originais. É difícil perceber como alguma das seguintes questões, de modo algum atípicas, seria respondida de outra forma que não fosse com o emprego de palavras; e realmente não é possível, atualmente, imaginar que se forneça uma resposta satisfatória sem consultar um texto impresso, pelo menos em algum momento no decorrer do processo: ‘gostaria de algo sobre programas de incentivos à indústria’, ‘você poderia localizar para mim a lenda de John O’Groats?’, ‘quais são as responsabilidades de um padrinho?’, ‘estou interessado na situação atual da observância dos domingos’, ‘o que você tem sobre a história dos primórdios das pesquisas de opinião pública?’. E, como Archie G. Rugh nos fez lembrar de forma tão veemente, muitíssimas pessoas de fato dirigem-se a uma biblioteca especificamente em busca de um livro e não de informações. Às vezes trata-se de um determinado livro, cujo autor ou título podem ou não conhecer, ou talvez se trate simplesmente de um livro de poesia, por exemplo, ou mesmo um livro ‘para ler’. Outro equívoco ainda duradouro é que o serviço de referência limita-se às bibliotecas de referência. Para começar, a maioria das bibliotecas especializadas e muitas bibliotecas universitárias não possuem um departamento de referência separado ou mesmo uma seção ou área de referência (embora certas obras de referência estejam reunidas nas estantes). Apesar disso, ali se proporciona inegavelmente um serviço de referência; na realidade, como já se mencionou antes, em muitas bibliotecas especializadas isso constitui a principal justificativa da existência da biblioteca. Porém mesmo em bibliotecas públicas, com a tradicional, embora não mais universal, biblioteca de referência separada, constitui sério equívoco supor que o serviço de referência esteja confinado aos 18
departamentos de referência. A filosofia em que se baseia a obra de D. J. Foskett Assistance to Readers in Lending Libraries , de 1952, era que, numa cidade comum, a biblioteca circulante é que constitui o ponto para onde convergem as consultas em busca de informações. Em 1956, pesquisas feitas nos Estados Unidos confirmaram isso: “A referência na pequena biblioteca pública está evidentemente centrada no departamento de circulação. Sessenta e oito por cento prestam serviço de referência nesse setor.” William Warner Bishop tinha ciência disso em 1908: “A maioria dos leitores formulará suas perguntas ao balcão de empréstimos. Será melhor reconhecermos essa realidade.” Robert Pierson salientou ainda que em muitas bibliotecas públicas o balcão de circulação é o único balcão existente, em outras é o balcão ‘principal’, e às vezes, mesmo em bibliotecas onde existem vários balcões, é o único onde se acha presente algum funcionário. Existe um volume crescente de serviços de referência que são prestados completamente fora da biblioteca, em contato direto com os clientes. Embora seja quase impossível imaginar um bibliotecário de referência a resolver os problemas das pessoas sem ter acesso a um acervo de informações, não existe regra alguma que diga que a totalidade do processo de referência deva ocorrer dentro das mesmas quatro paredes. Em 1977, Susan Klement declarava que “é hora de separar o conceito de bibl1otecário do conceito de biblioteca”, e muitos bibliotecários empreendedores atenderam a esse apelo e se estabeleceram como consultores independentes, pesquisadores particulares, ou, para usar a expressão atualmente tão comum, agentes de informação [information brokers ]. A disponibilidade de informações em linha, acessíveis onde quer que haja urna linha telefônica, proporcionou o impulso oportuno. Atualmente, calcula-se que metade dos serviços prestados por esses agentes corresponda a buscas em linha. No entanto, continuam executando um serviço de referência. Como afirmou Kathleen Voigt, “Que são eles? São muito parecidos com o bibliotecário de referência.” Disse-nos um dos mais renomados pioneiros nesse ‘campo, Alice Sizer Warner, que “quando você está trabalhando com um cliente, é quase como se você fosse um bibliotecário de referência”. É certo que pelo menos algumas das consultas com que lidam não são diferentes daquelas com que lidam as bibliotecas. Na realidade, eles continuam a depender em grande parte dos recursos das bibliotecas, inclusive dos serviços dos bibliotecários de referência, o que tem preocupado uma minoria que se sente perturbada com a idéia de esses agentes exigirem de seus clientes pagamento pelas informações fornecidas. Os agentes alegam que não vendem informações, as quais pertencem ao domínio público. Conforme explicou Anne K. Beaubien, “cobramos pelo serviço de coletar as informações, que inclui a experiência que nos permite saber onde procurar informações, de modo eficiente e eficaz, o tempo do pessoal necessário para recuperar as informações, e as despesas diretas, contabilizadas, em que incorremos (fotocópias, tarifas postais, telefonemas interurbanos, tempo de conexão a bases de dados em linha, etc.)”. Contudo, para alguns de seus colegas que são bibliotecários de referência comuns, eles ainda parecem ser umas criaturas exóticas, “empresários que fazem praticamente o mesmo trabalho dos bibliotecários, mas que aparentemente são remunerados regiamente e trabalham com muito mais independência”. Em 1987, eles realizaram sua primeira conferência internacional em Milwaukee, e uma estimativa dessa época indicava que haveria nos Estados Unidos e Canadá entre 500 e 1 000 desses profissionais. O Directory of fee-based information services de 1990 incluía mais de 800 verbetes correspondentes a 30 países, embora nem todos fossem serviços independentes (vários, na realidade, eram bibliotecas). Muitos contavam com vários empregados, entre os quais um grande número de bibliotecários. Também já foi lembrado que o serviço de referência não é a totalidade da biblioteconomia. Nem mesmo chega a ser sua parte mais importante, em hipótese alguma. Aceitar esta verdade não compromete a convicção quase universal de que estão imbuídos os que prestam serviço de referência de que nele é que se encontra a própria essência da biblioteconomia. Afinal de contas, por definição, eles proporcionam uma assistência pessoal direta ao consulente que lhes traz uma necessidade de informação: dificilmente se poderia encontrar um serviço que fosse mais fundamental do que esse. Há, porém, muitos casos de pessoas que necessitam de serviços que a biblioteca fornece, mas que são prestados por outros colegas: crianças, por exemplo, que não estão à cata de informações, mas que teriam a ganhar com a ampliação dos horizontes de sua imaginação; ou o gerente de uma indústria que precisa manter-se a par de avanços tecnológicos, diariamente; ou as incontáveis centenas, se não milhões, de pessoas para quem, apesar de serem alfabetizadas funcionalmente, a leitura é uma experiência que desconhecem e a biblioteca é algo tão remoto quanto o pólo norte. Promover atividades de extensão de modo a chegar até elas e aos inúmeros outros indivíduos e grupos que as bibliotecas podem favorecer é uma tarefa que merece alta prioridade. Mas não se trata de serviço de referência, segundo a definição aqui adotada. A aceitação da natureza essencialmente passiva do serviço de referência não é do agrado de todos: essa função é ridicularizada por ser tida como secundária ou de apoio e, portanto, intrinsecamente inferior a praticamente qualquer espécie de atitude ativa. Essa opinião corrente, que também se apóia na controvérsia acerca da informação versus instrução, mencionada anteriormente, revela confusão de idéias. A medicina preventiva exercida junto à comunidade, por exemplo, é evidentemente de vital importância, mas isso não é motivo para que os médicos e enfermeiros que trabalham em hospitais se sintam frustrados porque têm de ficar à espera de pacientes que os procurem. Assim como a medicina, a biblioteconomia deve seguramente ter suas Martas, mas ela também precisa de suas Marias. Como Milton afirmou há mais de 300 anos: “Também atendem a quem simplesmente espera.” A receptividade é uma virtude, e a tranqüilidade é uma qualidade pela qual devem lutar aqueles cuja profissão é servir ás pessoas. Convém lembrar o que nos diz o Evangelista: “Maria, com efeito, 19
escolheu a melhor parte”. Pensar que todos devem fazer tudo é sinal de imaturidade de uma profissão que depende, para seu êxito, de uma harmonia entre seus elementos dinâmicos e estáticos. Quem exorta os primeiros em detrimento dos últimos não só compreende mal sua profissão como também revela ignorância em matéria de mecânica elementar. O cerne da prática bibliotecária
Não há dúvida que as pessoas que exercem o serviço de referência consideram-no a pedra angular da prática profissional. Descrevem-no como a raison d’étre de toda a biblioteconomia. Já em 1904 encontramos Mary Eileen Ahern a proclamar que “o serviço de referência da biblioteca confere à instituição seu principal sentido e pode-se chamá-lo o coração da profissão”. Para John Ballinger, em 1908, constituía “a forma mais elevada dos serviços das bibliotecas públicas”. Em 1957 Ranganathan escreveu que “o serviço de referência é a razão precípua e a culminância de todas as atividades bibliotecárias”. Para a geração contemporânea também “o serviço de referência é o ápice da atividade bibliotecária” (Davinson, 1980). Mesmo os bibliotecários que se ocupam de outras atividades geralmente estão de acordo que o serviço de referência é matéria que jamais deverá ser omitida da formação profissional dos bibliotecários. Um levantamento feito junto a escolas de biblioteconomia reconhecidas pela American Library Association informou em 1990 que todas as 41 escolas que responderam a esse levantamento ofereciam pelo menos um curso de referência geral, que em 90% das escolas era obrigatório. Brian Neilson argumentou que o serviço de referência tem desempenhado um papel especial, na longa batalha da biblioteconomia por um status profissional mais elevado. Trata-se daquilo que os sociólogos chamam uma atividade profissional essencial’, quer dizer, uma atividade compartilhada por uma grande parcela dos membros de determinada profissão e que serve para tomá-los característicos como grupo perante o público leigo. No caso dos advogados sua atividade essencial é praticar nos tribunais, e no caso dos médicos é atender a consultas de pacientes. Pouco importa se, na realidade, a maioria dos advogados não comparece regularmente aos tribunais, ou que a interação médico—paciente seja com freqüência apenas perfunctória. “A força simbólica da ‘atividade essencial’ na mente do público permite uma rápida identificação da profissão como um todo, que comunica status, o exercício de aptidões especiais e herméticas e um sentido do papel decisivo desempenhado pelos membros da profissão.” O que confere ao serviço de referência esse status ímpar, em comparação, por exemplo, com a catalogação, o desenvolvimento de coleções ou a administração da biblioteca, em primeiro lugar, sua característica de envolver uma relação pessoal face a face, que o toma o mais humano dos serviços da biblioteca; e, em segundo lugar, a certeza antecipada de que o esforço despendido provavelmente não se desmanchará no ar, mas será aplicado ã necessidade específica expressada por um consulente individual identificável. Nessas circunstâncias, não constitui surpresa que muitos bibliotecários, desde Green e Poole, hajam encontrado intensa satisfação no serviço de referência, reação que ainda é muito evidente mesmo numa década de vacas magras e estafa. Segundo Ann T. Hinckley, “os bibliotecários de referência estão entre os mais felizes de nossa profissão” (1980); para Ellen I. Watson “ser bibliotecário de referência é praticamente como estar no paraíso” (1981); Robert C. Berring nos disse “adoro o serviço de referência. [...] Acho divertido o serviço de referência. Sempre me sobra mais energia ao término de um turno de quatro horas do que eu tinha no começo” (1984); Isaacson também verificou que “é divertido sair em busca de respostas às questões: meu motivo predileto para ser bibliotecário de referência” (1986). A primeira frase da quinta edição do texto de Katz diz: “Não existe trabalho mais gratificante na biblioteca do que o do bibliotecário de referência” (1987). Outros empregaram palavras como ‘contentamento’ (Hinckley, 1980), ‘alegria’ (Charles A. Bunge, 1984) e ‘satisfação’ (Robert Flauptman, 1988). Os bibliotecários de referência também se dão conta de que, de alguma maneira, são diferentes. Como explicou Weech, “a diversidade das tarefas do pessoal da referência e a natureza independente e profissionalmente isolada de muitas dessas tarefas tendem a diferençar a função de referência de muitas outras funções do pessoal da biblioteca”. Também outros notaram isso: Charles Ferguson chamou-os de “uma espécie á parte”. Ao longo dos anos diversos bibliotecários de referência têm empregado a palavra ‘mística’ ao escreverem sobre sua profissão (por exemplo, Caroline Spicer, 1973; Davinson, 1980: Mabel Shaw e Susan S. Whittle, 1986). Isso não agrada necessariamente a outros bibliotecários, e quem nunca experimentou essa sensação talvez não a compreenda. Não há como negar, porém, o fascínio daquilo que Naiman chamou de “a estonteante imprevisibilidade das questões de referência”, manifestada dia após dia numa situação em que “o cliente que se aproxima da mesa de referência talvez traga uma questão da qual jamais se ouviu falar antes e que nunca se voltará a ouvir”. Katz suscita o mesmo aspecto, de um ângulo levemente diferente: “A maioria dos pedidos talvez se enquadre numa classe geral, mas, em sentido bastante real, cada pedido é único. Mesmo que o bibliotecário soubesse quais os tipos de questões que lhe tivessem sido formuladas durante os últimos trinta anos, ele ainda não teria certeza alguma de que a próxima não seria uma exceção.” E o desafio inerente ao fato estatístico de que os recursos da biblioteca á disposição do bibliotecário provavelmente permitem que se responda, numa biblioteca grande, até 95% de todas as questões apresentadas, é um desafio que jamais perde seu sabor. Sugestões de leituras
A lista que se segue (bem como cada urna das que aparecem no final dos capítulos subseqüentes) limita-se a artigos de periódicos. trabalhos apresentados em conferências ou livros que tratam especificamente dos assuntos 20
abordados no capítulo, e que foram publicados desde a edição anterior deste livro. Foi compilada Lendo-se em mente os estudantes, e mantida deliberadamente sucinta, na esperança de que encontrem tempo para ler a maioria dos textos relacionados. Depois do último capítulo encontra-se urna lista de livros gerais sobre o serviço de referência. Radford, Neil. A. Why bother with user education? New Zealand Libraries. 43, 1980, 53-58. Hopkins, Frances L. A century of bibliographic instruction: the historical claim to professional and academic legitimacy. College and Research Libraries . 43, 1982, 192-198, Land. Mary. Librarians’ image and users’ attitude to reference interviews. Canadian Library Journal . 45. 1988. 15-20. Eadie, Tom. Immodest proposals: user instruction for students does not work. Library Journal. 115. 15 October 1990. 42-45.
2 - A questão de referência O impulso que desencadeia a atividade denominada serviço de referência questão formulada pelo usuário da biblioteca. E aí jaz o segredo da inabalável crença dos bibliotecários de referência, segundo a qual o trabalho que executam constitui a quintessência da biblioteconomia. Para esses bibliotecários são inteiramente supérfluas as advertências acerca da ‘centralidade do usuário’, pois todo seu mister gira em torno do usuário, com quem se defrontam todos os dias. Na Inglaterra e no País de Gales, ocorrem por ano cerca de 40 milhões de consultas de referência, somente nas bibliotecas públicas, de acordo com estimativas feitas pela Library and Information Statistics Unit da University of Loughborough. Herbert Goldhor, do Library Research Center da University of Illinois at Urbana-Champaign, calculou que a cifra correspondente aos Estados Unidos passa de 100 milhões de consultas. Ann T. Hinckley crê que “o desafio intelectual de responder uma ampla variedade, de questões e problemas de pesquisa junto com o estimulo inerente ao trabalho em contato com pessoas e o aspecto mais gratificante da biblioteconomia de referência”. E. numa proporção de casos gratificantemente elevada, os bibliotecários de referência testemunham a satisfação dos usuários. recebem seu apreço e, com muita freqüência, têm o prazer de ouvir seus agradecimentos. Provavelmente, a primeira coisa que o bibliotecário iniciante que for atento notará a respeito das questões concretas que lhe forem formuladas será que elas se enquadram em dois grandes grupos, conforme a intensidade da assistência que o usuário requer. A maioria esmagadora dessas questões demanda somente um auxílio limitado, não necessariamente porque sejam fáceis, mas por causa de sua natureza essencialmente auto-limitante. Questões aparentemente tão díspares, como ‘a que horas fecha a biblioteca?’, ‘estou à procura de um poema intitulado Ode ao tabaco’, ‘quando voltará a aparecer o cometa Halley?’. situam-se todas nessa classe. Em primeiro lugar, para cada uma delas existe uma resposta específica, exata e finita; em segundo lugar, assim que a informação for encontrada a busca estará evidentemente encenada; e, em terceiro lugar, durante a busca o bibliotecário geralmente não tem dúvida que a resposta foi ou não localizada. Estes três exemplos também servem para ilustrar, respectivamente, as três diferentes categorias dentro desse amplo grupo auto-limitante. Consultas de caráter administrativo e de orientação espacial
A primeira categoria corresponde ao que poderíamos chamar de consultas de caráter administrativo e de orientação espacial, tais como ‘parece que a fotocopiadora está quebrada’, ‘onde ficam guardados os registros paroquiais?’, ‘você me dá licença de usar seu cesto de papel?’, ‘pode emprestar- me uma tesoura?’, ‘será que tenho de fazer uma reserva com antecipação para poder consultar um CD-R0M?’. Consultas sobre assuntos tão elementares e rotineiros não existem maiores conhecimentos bibliográficos parte do pessoal, mas simplesmente um conhecimento básico e genérico sobre onde as coisas se encontram e como são feitas numa determinada instituição. Dificilmente correspondem ao tipo de questão que exige que sejam respondidas por bibliotecários profissionais, porém são apresentadas, freqüente e legitimamente, por usuários que necessitam de ajuda, e toda biblioteca terna obrigação de atendê-las de maneira amigável e prestativa. Muitos, porém, hão de concordar que inúmeras dessas consultas poderiam ser antecipadas mediante um sistema de informação visual com avisos e indicações apropriadas. Consultas sobre autor/título
O segundo tipo de questão refere-se à consulta sobre autor/título, quando o usuário está em busca de uma determinada obra;’ Foi chamada por Mary Jo Lynch de “transações sobre o acervo”, pois os consulentes alimentam a esperança, em primeiro lugar, de descobrir que a obra que procuram existe na biblioteca. Naturalmente, na maioria desses casos, os usuários conseguem encontrar por si mesmos o que procuram, muitas vezes por meio do catálogo, que existe especificamente para esse fim. Mas quando a obra não é localizada, ou se for’ de um tipo que não se inclui normalmente no catálogo, como um artigo de revista, um documento oficial, ou, como acontece tão 21
amiúde, quando o próprio catálogo representa uma barreira para o leitor, os usuários freqüentemente consultarão o bibliotecário. Algumas consultas características são: ‘estou à procura do Evangelho Aquariano’, ‘você tem aí a Declaração Universal dos Direitos do Homem?’, ‘estou tentando localizar uma peça em que Richard Burton trabalhou, chamada The boy with a cart ’, ‘qual a biografia mais antiga de são Godric of Finchale? ’, ‘você tem um livro intitulado The Whig interpretation of history? Acho que é bastante famoso’. Perguntas desse tipo são chamadas de ‘item conhecido’ ou consultas de confirmação, pois se tem certeza de que a obra procurada existe; o que o bibliotecário tem de fazer é conferir as informações, se estão incompletas ou inexatas, e localizar um exemplar. Em alguns casos, no entanto, a existência de determinada obra solicitada não pode ser pressuposta, e essas consultas, portanto, são nitidamente mais conjeturais. Geralmente relacionam um autor específico ou um título com uma especificação bibliográfica, muitas vezes a forma do documento; por exemplo, ‘você teria uma tradução da saga Orkneyinga? ’, ‘é verdade que Hitler escreveu um segundo livro depois de Mein Kampf? , ‘sir David Brewster chegou a patentear sua invenção do caleidoscópio?’, ‘existiria alguma concordância das poesias de Gerard Manley Hopkins?’, ‘será que alguém publicou uma resposta ao livro de Desmond Morris The naked ape? ’ Essas consultas são chamadas de ‘item não-conhecido’ ou de identificação, e a primeira tarefa do bibliotecário consiste em verificar se tais obras existem ou não. Caso existam, as consultas então passam a ser de item conhecido. As consultas de autor/título são muito comuns em todos os tipos de bibliotecas, mas principalmente em grandes bibliotecas universitárias, que para muitos estudantes, ao longo de todas as disciplinas que cursaram, permaneceram inacessíveis e misteriosas. Em muitos casos, essas consultas são causadas pela falta de familiaridade do consulente com a mecânica do uso da biblioteca para localizar uma determinada peça bibliográfica. Para o bibliotecário, portanto, são geralmente fáceis, podendo exigir uma certa habilidade e paciência para sua solução, ias dependem do conhecimento minucioso do acervo e de capacitação bibliográfica específica, mais do que da formação profissional genérica do bibliotecário diplomado. Novamente, pode-se argumentar que uma elevada proporção dessas consultas seria antecipada com a existência de catálogos que fossem mais abrangentes e de mais fácil compreensão, com informações mais explícitas, dispostas na própria biblioteca, acerca da função complementar das bibliografias, índices, publicações de resumos, etc. Consultas de localização de fatos
A terceira categoria dentro deste amplo grupo de questões que demandam a assistência limitada e constituída pelas consultas fatuais as vezes conhecidas como consultas de referência rápida ou de referência imediata, mas que talvez mereçam ser chamadas, com mais propriedade, de consultas de localização de fatos. Elas exigem, para sua solução, o fornecimento de material informacional especifico e, estatisticamente correspondem à maior parte das consultas recebidas em biblioteca de todos os tipos. Nos últimos anos verificou-se uma tendência, na bibliografia que trata do serviço de referência, no sentido de menosprezar essas consultas fatuais, porque não mereceriam a atenção integral de bibliotecários assoberbados de trabalho. No entanto, a determinação de fatos específicos é de suma importância em muitas das principais disciplinas: historiadores, estudiosos da literatura, economistas, advogados e muitos outros despendem horas, se não dias, em busca de um fato único que foge a seu alcance. No que tange aos cientistas, T.H. Huxley prestou uma homenagem pitoresca à importância dos fatos quando falou da “grande tragédia da ciência - o sacrifício de uma hipótese elegante por um fato desgracioso”. Em verdade, a quantidade e a variedade de consultas de localização de fatos feitas às bibliotecas demonstram não só a utilidade, para o comércio, a indústria, a administração e os estudos especializados, da provisão de fatos exatos mas também o fascínio muito difundido entre a população em geral pelos conhecimentos fatuais precisos, que se vê igualmente refletido na popularidade mundial dos jogos de desafio intelectual e dos programas de perguntas e respostas no rádio e na televisão. Exemplos característicos são ‘quais os equivalentes em português para on e off’, ‘qual a freqüência da estação de rádio de Copenhague?’, ‘existe um símbolo internacional que indique ‘este lado para cima’ em caixas de embalagem?’, ‘qual o nome do turbante usado pelos árabes?’, ‘você poderia localizar para mim a fórmula para calcular a área da superfície de uma seção do topo de uma esfera?’. A maioria das consultas desse tipo exige uma única resposta fatual, porém, em alguns casos, a resposta, embora precisa e limitada, consistirá numa série de fatos: por exemplo, ‘você pode me dizer onde posso comprar gold beater’s skin [película feita de tripa de boi que se usa para separar folhas de ouro]?’, ‘de onde vem a expressão ‘Alice’ blue [azul ‘Alice’]?’, ‘que é um mapa de isópacas?’. ‘estou procurando localizar o orçamento da UNESCO’, ‘de onde vem a expressão red letter day? 1. Clausewitz, falando de estratégia, disse que “ela é simples, mas não é fácil”, e o bibliotecário inexperiente não se deve deixar enganar pela natureza aparentemente simples das consultas de localização de fatos, supondo que sejam de resposta fácil. Descobrir alguns fatos pode, na verdade, ser excepcionalmente difícil, se avaliarmos isso em função do tempo e do esforço despendidos. Por exemplo, o nome originalmente dado às brownses (o grupo de meninas mais jovens entre as bandeirantes [fadinhas, em português]); o nome do cão empregado por 1
Trata-sede expressão que significa data memorável, inesquecível, devido ao fato de os calendários trazerem os dias de repouso impressos em tinta vermelha. Este e outros exemplos, quando necessário, foram conservados cm inglês, em respeito à intenção do autor, expressa na introdução, de utilizar exemplos retirados de situações reais e não fictícias. Acreditamos que esta opção da tradução não prejudicará a compreensão do texto, uma vez que o mesmo trata essencialmente do serviço e não das obras de referência. (N.T.)
22
Pavlov em suas experiências; se o conde Mountbatten era parente da princesa Pocohontas; a fórmula de Bosanquet (indução magnética): o número da placa da motocicleta que Lawrence da Arábia dirigia, quando do acidente que o vitimou. Dificilmente haveria necessidade aqui de ressaltar que o empenho essencialmente limitado exigido por questões dessa natureza não implica absolutamente que os bibliotecários de referência sejam menos compreensivos, interessados ou atentos às necessidades de seus usuários. Trata-se de uma simples conseqüência dessa espécie de pergunta não ser preciso e tampouco oportuno envolver-se mais de perto com os problemas dos usuários. Basta fornecer, uma resposta fatual inequívoca. Mas, naturalmente, essa é uma situação que envolve sempre uma questão pessoal e que deve ser tratada de maneira humana. O bibliotecário deve esforçar-se para evitar dar uma resposta como se a tivesse na ponta da língua, no estilo dos competidores de programas de perguntas da televisão. A eficiência maquinal não é admirada nas relações pessoais. Consultas de localização de material
Uma minoria substancial das consultas feitas pelos usuários não apresenta esse aspecto auto-limitante intrínseco: são as consultas de natureza aberta, que por isso exigem uma ajuda mais prolongada por parte do bibliotecário de referência. Às vezes são chamadas de consultas de assuntos ou buscas temáticas, porém seria mais esclarecedor chamá-las de consultas de localização de material. O que os usuários querem nesses casos é que lhes seja apresentada uma série de informações sobre o tema de sua consulta. Um consulente talvez esteja simplesmente procurando ‘algo sobre’ o assunto e se dará por satisfeito com qualquer opção que seja razoável. Outro consulente talvez precise abarcar um tópico exaustivamente e não ficará contentado enquanto todo o material existente não lhe tiver sido apresentado. Exemplos desse tipo de questão aberta são ‘o que você tem sobre a utilização de insetos na alimentação?’, ‘estou procurando desenhos para fazer um jardim em forma de labirinto’, ‘será que você pode me encontrar alguma coisa sobre glutões famosos?’, ‘você tem algo sobre a confecção de vestes eclesiásticas?’, ‘estou à procura de algo sobre ouvido absoluto’. Todas essas questões são evidentemente de natureza diferente das auto-limitantes, mencionadas antes. Em primeiro lugar, não se pode afirmar que nenhuma delas tenha uma única resposta definitiva; em segundo lugar, nunca se chega a um ponto em que seja possível afirmar que a busca foi completada, pois sempre resta a possibilidade de pesquisas adicionais descobrirem novas informações; em terceiro lugar, o bibliotecário só saberá com certeza se o que foi fornecido corresponde à resposta ‘certa’, isto é, a série de informações apropriadas à necessidade do consulente, depois de observar sua reação. Em alguns casos são formuladas questões que são um pouco menos abertas, na medida em que o assunto objeto da pergunta for acompanhado de uma especificação quanto à forma do documento; por exemplo, ‘você tem um dicionário da língua esquimó?’, ‘existe alguma discografia do teatro de revista britânico?’, ‘você poderia me encontrar uma biografia de R. D. Blackmore?’, ‘você tem um método para aprender a tocar citara?’, ‘você sabe se existe alguma patente de quebra-nozes?’. De vez em quando, a especificação refere- se somente à forma: ‘você pode me localizar algumas coletâneas de citações?’, ‘estou procurando um exemplo de hocket [técnica medieval de composição musical]’, ‘você teria os estatutos de algum sindicato?’. Esse tipo de questão de localização de material constitui, segundo expressou James I. Wyer, há mais de 60 anos atrás, “a matéria-prima da maior parte do serviço de referência”. São o tipo de consulta mais exigente, que requer todo o arsenal de conhecimento bibliotecário de referência e não apenas de conhecimentos bibliográfico. Também é preciso ter confiança para entabular e manter um entendimento intelectual com o consulente. O bibliotecário deve possuir sensibilidade e perspicácia para observar as reações do consulente acerca do andamento da busca, e, se necessário, suscitar suas reações, de modo a corrigir o rumo, redirecionando-o com mais precisão para o objetivo colimado. Será preciso um&sütil capacidade de julgamento, durante todo o processo, porém, principalmente, para tomar a decisão de dar a busca por encerrada. Consultas mutáveis
Um fenômeno de somenos para o qual o estudante deve ficar atento é a questão que muda de natureza durante a pesquisa. Conforme observou William A. Katz, “as questões são cambiantes”, e uma consulta de autor/título pode evoluir para uma consulta de localização de fatos, caso a impossibilidade de localizar a obra lance dúvida sobre a exatidão de sua descrição. O bibliotecário a quem for solicitado o livro Latin readings , de Michael Grant, logo descobrirá que ele não existe, porém, ampliando a pesquisa, verificará que Latin literature (1979), do mesmo autor, é de fato uma reedição revista de sua obra Roman readings (1958). Assim, deve-se à falibilidade humana, particularmente em matéria de autores e títulos, o fato de os problemas de conferência de referências bibliográficas serem comuns em todas as bibliotecas. A culpa nem sempre é do consulente: um estudo de 1979, feito por Bert R. Boyce e Carolyn Sue Banning, a respeito de citações bibliográficas em 10 importantes periódicos médicos dos Estados Unidos, constatou que 29% eram inexatas. Até no Journal of the American Society for Information Science 13,6% das citações estavam incorretas. Também enfrentamos cada vez mais, como efeito direto da maior disponibilidade de dados bibliográficos em linha, a questão elementar ‘você tem?’, que em seguida se transforma em ‘então me diga quem tem’. Do mesmo modo, o que começa como uma consulta de localização de fatos talvez acabe se transformando numa consulta de localização de material, se os fatos específicos procurados apresentarem-se discutíveis ou 23
obscuros. Se lhe for perguntado ‘qual a origem do sistema de contagem de pontos adotado no jogo de tênis?’, o bibliotecário logo descobrirá, nas fontes clássicas de referência, que se trata de um assunto polêmico. Se o consulente quiser aprofundar a questão, o bibliotecário precisará então encontrar material histórico adicional que explique mais minuciosamente onde se encontra a dificuldade específica. Lynch chamou essas perguntas de “transações movediças”. Não é raro os consulentes também mudarem de atitude durante a transação: ao receber a resposta à consulta sobre a data em que Gustav Holst compôs a suíte orquestral Os planetas, um consulente indagou ‘e como é a música?’. Mas esse tipo de desvio não constitui surpresa; na realidade, conforme salientou Robert 5. Taylor, “um dos resultados do processo de negociação é alterar o quadro que o consulente tem a priori daquilo que ele espera”. Isso será visto mais detidamente no capítulo 4. Essa política da biblioteca ou do bibliotecário seja proporcionar apenas um serviço conservador, mínimo ou instrucional (ver capítulo 1), o consulente talvez veja a transação mover-se em direção oposta. com uma consulta de localização de fatos ou material sendo tratada como se fosse uma questão de orientação espacial. Uma solicitação do tipo ‘quem foi o arquiteto do edifício-sede da BBC?’ seria atendida mostrando-se ao consulente o local onde são guardados os guias turísticos de Londres; e um usuário em busca de ajuda sobre o papel da marinha real britânica na supressão do tráfico de escravos, veria que só resta ao bibliotecário indicar as entradas sobre escravidão no catálogo de assuntos e as bibliografias e índices de história nas estantes. Consultas de pesquisa
De tempos em tempos são apresentadas. questões aos bibliotecários, seja do tipo de localização de fatos ou de localização de material, que acabam se transformando durante a busca em verdadeiras consultas de pesquisa. O que está em causa aqui é a pesquisa ‘genuína’ ou original, não pesquisa no sentido mais vago do termo, significando buscas exaustivas. O que normalmente acontece e o bibliotecário descobrir opto problema trazido pelo usuário não pode ser resolvido com a bibliografia ou com as várias outras fontes, documentais ou pessoais, que se acham disponíveis para consulta. Em outras palavras, tanto o bibliotecário quanto o usuário percebem que se encontram nas próprias fronteiras do conhecimento. Se desejassem avançar, verificariam que a mera busca já não é mais suficiente: necessita-se de ferramentas mais especializadas de pesquisa, como dedução, hipótese, experimento, análise estatística; avaliação crítica, observação, pesquisas de opinião, método histórico, etc. Ao lançar mão dessas técnicas, é o pesquisador quem assume a responsabilidade de acrescentar algo à totalidade dos conhecimentos humanos, Os bibliotecários de referência, como tais, não estão equipados com essas ferramentas, e, na prática, salvo em casos muito especiais, são obrigados a reconhecer que dali em diante começa a fronteira da pesquisa original. Quando, em raras ocasiões, eles deliberadamente ultrapassam essa fronteira, como, por exemplo, em algumas bibliotecas especializadas, já não mais estarão executando um trabalho de referência, mas pesquisa. Explicar esses papéis complementares a um consulente aflito é outra tarefa que requer do bibliotecário de referência tato e paciência incomuns. Nem todas as consultas de pesquisa têm a ver com novos conhecimentos. Esquecemos mais do que lembramos e perdemos mais do que registramos. Muitas pesquisas visam a voltar a descobrir. A arqueologia nos dá o exemplo mais notável disso, mas as consultas genealógicas feitas por amadores nos dão um exemplo característico do problema que afeta as bibliotecas. Sabemos que todos nós temos antepassados: o que se perdeu foi o elo entre eles e nós. Consultas residuais
Toda amostra representativa, todo corte transversal, toda colheita semanal das consultas recebidas numa biblioteca de grande movimento por certo incluirá um resíduo que não se enquadra em nenhuma das categorias até aqui delineadas. São as questões que apresentam uma certa incoerência interna, alguma incoerência lógica a até mesmo alguma impossibilidade intrínseca, freqüentemente imperceptível para o consulente. Exemplos: ‘onde fica o centro da Inglaterra?’, ‘como é que Jesus usava o cabelo?’. ‘procuro uma fotografia do carrinho de mão de Molhe Malone’, ‘gostaria de ver todos os jornais cinematográficos que você tiver sobre a chegada dos Pilgrim Fathers à América’, ‘será que me conseguiria a revista que mostrou a meu amigo na semana passada?’. As crianças têm especial inclinação por perguntas do tipo: ‘quantos grãos de areia cabem num balde cheio?’, ‘você tem uma lista de todas as ilhas do mundo?’. É quase impossível categorizar essas questões de maneira útil. No entanto, quando surgem questões desse tipo, o fato de não poderem ter urna ‘resposta’ verdadeira não libera o bibliotecário de referencia ignorá-las. Ainda será preciso lidar com o consulente, e de maneira civilizada. Em algumas situações, talvez, os bibliotecários se sintam como o personagem de James Thurber, que conhecia um homem “que ficava desenhando num pedaço de papel a aparência do som da campainha do telefone”, e de tempos em tempos fiquem a dar tratos à bola, perguntando-se porque não escolheram a profissão de assistentes sociais. Muitas vezes, no entanto, é possível oferecer algum tipo de ‘resposta’ que irá satisfazer a determinado consulente: há, por exemplo, uma aldeia onde “segundo se afirma, existe uma cruz de pedra de 500 anos, instalada na praça central, assinalando o centro exato da Inglaterra”; e existem informações sobre como os judeus usavam o cabelo há dois mil anos atrás. Mas, em todos esses casos, o que o bibliotecário deve fazer é ter paciência para explicar, persuadir convencer e despachar o consulente, se não mais informado ou mais sábio, pelo menos mais satisfeito. 24
Questões irrespondíveis
É claro que o mundo está repleto de questões para as quais não há resposta. Mesmo algumas das que acabamos de citar são do tipo que não tem uma resposta, o que os bibliotecários reconhecem graças à sua capacidade de raciocínio: uma resposta constitui uma impossibilidade lógica. Existe uma segunda categoria de questões irrespondíveis que teoricamente teriam uma resposta, mas que imediatamente os bibliotecários reconhecem, baseados em seus conhecimentos e em sua experiência, que na prática são efetivamente irrespondíveis. Muitas questões de natureza estatística, aparentemente simples, caem nessa categoria, corno, por exemplo: ‘quantos vagabundos existem nos Estados Unidos?’, ‘estou procurando dados sobre expectativa devida para todas as profissões’, ‘qual seria o valor hoje em dia da compra do território da Louisiana?’. Provavelmente ninguém achou que valesse a pena coletar ou preservar essas cifras. Outros exemplos que se situam nesse grupo são ‘qual o preço atual do marfim? [o comércio do marfim está proibido desde 1989]’, ‘quais são os ingredientes do Advocaat [um licor cuja fórmula é patenteada]?’. Este último exemplo serve para lembrar que existe uma grande quantidade de informações que são propositalmente ocultadas: não apenas segredos de Estado envolvendo intriga e espionagem, mas também um enorme volume de dados técnicos e comerciais considerados confidenciais, inclusive informações sobre empresas identificadas por nomes de famílias, mas que legalmente são sociedades anônimas. Esse manto de discrição estende-se até mesmo sobre informações aparentemente inócuas, como certas estatísticas de audiência de programas de televisão, o nome de quem arrematou uma pintura valiosa num leilão, ou o número do telefone de um autor de best sellers, que não se acha na lista telefônica. Freqüentemente fala-se da necessidade de melhorar o acesso a essas informações por parte do cidadão, inclusive, se preciso for, por imposição legal. Um problema que nenhuma sociedade ainda conseguiu solucionar é como encontrar um equilíbrio aceitável entre a liberdade de informação, por um lado, e o direito do indivíduo à privacidade, bem como a segurança do Estado, por outro lado. A terceira categoria de consultas irrespondíveis não se reconhece à primeira vista: sua natureza surge apenas como conseqüência da busca feita pelo bibliotecário. Às vezes encontram-se indícios positivos de que a resposta é desconhecida, O mais comum é tais questões serem consideradas irrespondíveis depois dê um resultado da busca, negativo, e se decide que novas buscas ou pesquisas serão infrutíferas ou não compensarão o esforço. Exemplos: ‘quantos homens lutaram na batalha de Hastings?’, ‘qual a origem da palavra loo [em inglês coloquial, toalete]?’, ‘qual a origem do costume de matar o mensageiro que traz más notícias?’, ‘quem era a Betty Martin do ditado ali my eye and Betty Martin [tudo isso é tolice]?’, ‘quantos filhos teve lady Macbeth?’. Verifica-se que alguns dos exemplos que vêm a seguir são irrespondíveis porque não existe resposta alguma: ‘qual o equivalente em inglês de parvis [palavra francesa que designa a praça em frente de uma igreja]?’, ‘estou procurando algum material sobre o alfabeto japonês’, ‘que fazer para registrar os direitos autorais de uma música?’, ‘quais os nomes dos sete anões?’, ‘como são fabricadas as buchas usadas corno esponjas para banho?’. No entanto, mais uma vez, como sempre, o bibliotecário de referência tem um papel a desempenhar, mesmo diante de perguntas irrespondíveis. E comum encontrar uma explicação que pode ser oferecida como forma de atenuar o desapontamento das pessoas: existem muitos termos estrangeiros que não têm equivalente em inglês; algumas línguas não possuem alfabeto; de acordo com a lei inglesa, o direito autoral de uma obra original está automaticamente garantido assim que ela é criada; no conto de fadas original compilado pelos irmãos Grimm, no início do século XIX, nenhum dos sete anões tinha nome, e os nomes hoje conhecidos foram inventados para o filme de Walt Disney de 1937; e a bucha de banho é o fruto de uma planta, portanto, um produto natural. Taxonomia e análise das perguntas
É importante que os bibliotecários de referência sejam capazes de examinar analiticamente as consultas que lhes são formuladas. Além do agrupamento funcional a que demos preferência aqui, a bibliografia descreve outros métodos para categorização das questões, segundo uma variedade de dimensões: por grau de dificuldade, por exemplo, ou nível acadêmico; pelo tempo tomado para sua solução pelo tipo e quantidade de fontes usadas para respondê-las ou naturalmente pelo assunto. Todos esses métodos tem sua utilidade para finalidades específicas, seja para o desenvolvimento de coleções, seja para avaliação do pessoal ou avaliação de uso. Á vantagem para fins de estudo do agrupamento utilizado neste capítulo está em que ele se baseia na natureza da resposta útil que as diferentes categorias exigem do bibliotecário de referência - que é o que interessa a este livro. É possível, naturalmente, desdobrar ainda mais esses grupos. As consultas de localização de fatos, por exemplo, podem ser subdivididas em consultas que exigem informações estatísticas (‘quanto se joga por ano em apostas em jogos de futebol na Grã-Bretanha?’); informações quantitativas (‘quantos ossos tem o corpo humano?’); uma resposta do tipo sim ou não (‘já se usavam palitos dê fósforo em 1844?’); uma ilustração (‘você poderia conseguir-me o desenho de um pentagrama?’); um significado (‘que é um oligopólio?’); urna descrição (‘que é pedra de Coade?’); um símbolo (‘quais os sinais empregados em filatelia para selo obliterado e nãoobliterado?’); um nome de pessoa (‘quem foi que disse ‘todas as vidas políticas terminam em fracasso’?’); uma data (‘quando foi descoberta a passagem do noroeste?’); um lugar (‘qual a catedral cujos vitrais foram pintados por Chagall?’); uma palavra (‘como se chama o medo de alturas?’); e assim por diante. Muitos estudos interessantes foram realizados na última década sobre a análise de questões de referência específicas. No Canadá, baseando-se no estudo de 5721 consultas feitas na Engineering, Mathematics and Science 25
Library da University of Waterloo, John P. Wilkinson e colaboradores desenvolveram o método de ‘etapas’, analisando as questões “em função do número de etapas necessárias para fornecer a informação — considerandose ‘etapa’ como a avaliação precisa e definível que leva a uma decisão, ação ou recomendação”. Assim, ‘você poderia me dizer onde está a coleção de patentes?’ seria uma consulta de uma etapa; ‘estou procurando uma lista de fabricantes de discos abrasivos’ seria uma consulta de duas etapas, pois, primeiro, o bibliotecário tem de escolher um guia apropriado e, em seguida, localizar a informação para o consulente; ‘existiria alguma publicação sobre lesões causadas por cintos de segurança?’ seria uma consulta de múltiplas etapas, a primeira abrangendo a escolha das ferramentas bibliográficas adequadas, a segunda, a identificação das referências pertinentes, e a terceira, a localização das publicações. Mais recentemente, Barbara M. Robinson empregou os termos ‘simples’e ‘complexa’ descrever as características de uma questão de referência: “Se a questão for simples, terá única faceta. Se for complexa será multifacetada. Em outras palavras, se a questão for breve e contiver uma única parte, será uma questão simples. Se a questão for longa e contive muitas partes, com várias orações, será complexa.” ‘Você tem algo sobre malabarismo com bastão?’ seria, portanto, considerada uma questão simples, e ‘você poderia me encontrar alguma coisa sobre a prática de duelos entre estudantes na Alemanha nos dias atuais?’ seria uma questão complexa. O trabalho realizado por Gerald Jahoda e seus colaboradores, ao longo de mais de uma década, tem sido particularmente útil. A análise de mais de 700 questões de referência, coletadas em bibliotecas universitárias e públicas, levou-os “à conclusão de que cada enunciado de pergunta consiste em pelo menos duas categorias de termos veiculadores de mensagem: os que identificam o assunto da necessidade de informação (chamados ‘conhecidos’ [‘givens’]) e os que identificam a informação desejada sobre o assunto (chamados ‘desejados’ [‘wanteds’])”. Numa questão como ‘que é a doença de Paget?’, por exemplo, o termo ‘conhecido’ é a doença, enquanto o ‘desejado’ é uma definição ou descrição. Outros autores se sucederam com observações similares, embora empregando terminologia diferente. Segundo Richard L. Derr, por exemplo, “as questões possuem uma estrutura que lhes é própria. Consistem em duas partes: 1) assunto: termo ou termos que se referem a um objeto do mundo sobre o qual se procura algum tipo de orientação, e 2) pergunta: uma expressão que identifica a orientação específica a ser dada em relação ao assunto da questão.” Naturalmente essa análise aplica-se não só às questões de referência, mas às questões em geral. Durante os últimos 20 anos vimos serem realizados estudos particularmente intensos e abrangentes sobre as questões e sua lógica. Nicholas J. Belkin e Alma Vickery mapearam essas pesquisas quanto à sua pertinência para a recuperação da informação, e também admitiram que “uma questão elementar possui duas partes: um assunto e um pedido. O assunto apresenta um conjunto de alternativas, e o pedido identifica quantas das alternativas verdadeiras se desejam na resposta e que espécie de exigência deve ser feita quanto à completeza e precisão.” Nada disso representa uma visão particularmente penetrante do problema, mas a importância das pesquisas de Jahoda está no desenvolvimento do conceito que proporciona não só um instrumento analítico de considerável vigor, mas também uma ferramenta prática a ser usada no atendimento de questões concretas. Sua lista de conhecidos, por exemplo, incluía: uma abreviatura; o nome de uma instituição específica, de uma pessoa ou de um lugar; um termo ou assunto (além dos tipos específicos já relacionados); uma determinada publicação. Em sua lista de desejados estavam: data; ilustração; informação numérica (propriedades, medidas cientificamente, ou estatísticas, envolvendo cálculos); organização; pessoa: endereço ou localização em geral; publicação (bibliografia, localização de documentos, conferência ou complementação de dados bibliográficos); informações textuais (definição ou símbolo, recomendação, informações gerais ou históricas). Na maioria das questões o conhecido é um assunto e o desejado é a informação textual, como nos exemplos ‘como se faz o diagnostico da psitacose em seres humanos?’ e ‘gostaria de algo sobre espirro histérico’. Outros exemplos de permutações de conhecidos e desejados são: ‘você teria um desenho do esqueleto do cavalo?’ (conhecido: assunto; desejado: ilustração); ‘estou procurando o texto do primeiro discurso de posse de Washington’ (conhecido: publicação específica; desejado: localização do documento); ‘que significa force majeure em minha apólice de seguro de férias?’ (conhecido: termo; desejado: definição); ‘o que você tem sobre a imperadora Tzu Hsi?’ (conhecido: pessoa especificamente mencionada; desejado: informação geral ou histórica); ‘que é Joyeuse-Garde [propriedade doada pelo rei Artur a sir Lancelot]?’ (conhecido: lugar especificamente mencionado; desejado: informação geral ou histórica); ‘você tem uma lista de clubes de falcoaria?’ (conhecido: assunto; desejado: endereço ou localização em geral); ‘quanto pesa a baleia-azul?’ (conhecido: assunto; desejado: informação numérica [propriedade, medida cientificamente]). O emprego da técnica de Jahoda como uma ferramenta de buscas será exemplificado no capítulo 5. A maior parte das consultas procede de usuários que efetivamente freqüentam a biblioteca, porém muitas são recebidas por telefone. Em certos tipos de bibliotecas, como as de empresas, as consultas telefônicas podem superar as outras, e, em alguns casos, por exemplo, em centros de informação e centros referenciais, podem chegar a 90% de todas as questões recebidas. E, obviamente, há uma proporção recebida pelo correio, telex ou fax, e, de modo cada vez mais freqüente, por correio eletrônico. Embora não exista nenhuma regra rígida, a prática normal é, se possível, responder através do mesmo meio. Estudantes inexperientes muitas vezes chamam a atenção para a ampla variedade de tópicos sobre os quais são feitas consultas, principalmente em bibliotecas universitárias e especializadas Na biblioteca pública que é o fornecedor de informações mais comum talvez cause menos surpresa a imensa gama de assuntos que interessam 26
aos consulentes, mas, em bibliotecas especializadas. é natural que as perguntas derivem dos campos temáticos especializados por elas abrangidos, sendo razoável supor que nas bibliotecas universitárias as consultas guardem relação com os cursos ministrados ou com as áreas das pesquisas em andamento. Isso não é absolutamente verdadeiro. Embora, naturalmente, a maior pane das consultas realmente se situe em áreas previsíveis, em todas as bibliotecas encontra-se uma minoria delas que não se encaixa nessas áreas. As três perguntas seguintes foram formuladas a três bibliotecas especializadas que atendem à indústria química: ‘Que faz um lord licutenant [governador de condado]?’. ‘Qual o peso do QE2?’, ‘Você poderia encontrar ilustrações dos uniformes do exército italiano?’. São comuns as consultas em busca de citações a serem inseridas em discursos, pelo menos em uma importante biblioteca universitária especializada em direito. E existe uma biblioteca de um ministério do governo onde um dos livros de referência rápida mais consultados é The good food guide [Guia da boa alimentação]. Não parece haver limites para a variedade de assuntos sobre os quais surgirão perguntas. De fato ‘de se dizer como se fosse uma regra que não existe área alguma dos conhecimentos que se exclua corno assunto passível de consulta em qualquer biblioteca Naturalmente isso não significa que todas essas consultas sejam atendidas. Há casos em que a política da biblioteca talvez impeça sua aceitação Mas o bibliotecário de referencia disposto a tudo poderá pelo menos encaminhar essas consultas para a fonte que ofereça maior probabilidade de atendê-la. Parece também ser verdade que uma grande parcela das consultas feitas às bibliotecas apresenta-se isenta de qualquer característica nacional ou racial, a não ser a língua em que são expressas. As seguintes questões procedem, em igual proporção, de lados opostos do globo: ‘qual o significado de f.o.s. [free on steamer (entregue a bordo)]?’, ‘como faço para converter hectares em acres?’, ‘qual é o hino nacional da Suécia?’, ‘qual o endereço do banco de desenvolvimento de Cingapura?’, ‘qual a composição química do suco de abacaxi?’, ‘você teria alguma bibliografia sobre plantios de cobertura?’, ‘que diz o poema acerca do filho de Tuesday?’, ‘quais são as sete maravilhas do mundo?’, ‘qual o significado de q.h. numa receita médica [ quaque hora (expressão latina que significa a cada hora)]?’, ‘qual a disposição dos lugares dos músicos numa orquestra?’. ‘qual o rito religioso principal do zoroastrismo?’, ‘será que existe uma lista de personalidades famosas que eram canhotas?’. Qualquer bibliotecário de referência inglês, encarapitado no meridiano de Greenwich ou em suas cercanias, reconheceria tais perguntas como sendo do tipo com que se defrontaria de um dia para o outro, mas não conseguiria adivinhar qual a metade delas que procede do hemisfério ocidental e qual a que procede do oriental. Parece, portanto, ser verdade que o slogan ‘Informação — um mundo só’ não é um exagero. Uma característica não menos notável do serviço de referência é a forma o as mesmas questões se repetem em bibliotecas de tipos extremamente diferentes, muitas vezes em diferentes partes do mundo e as vezes na mesma biblioteca porem&ijrandes intervalos de tempo Em sua tese de 1975 sobre a história do serviço de referência em bibliotecas públicas britânicas, Kenneth Whittaker identificou um artigo de 1913 como o primeiro trabalho importante totalmente dedicado ao tema dos consulentes. Ele comenta que o “artigo demonstra que os consulentes e suas consultas pouco mudaram nos últimos sessenta anos”. E de novo do lado oposto do planeta temos a State Library of New South Wales, que em 1978 recebeu várias consultas procurando informações sobre a utilização do hidrogênio como combustível de motores de combustão interna; os arquivos mostraram que “as pessoas estavam perguntando a respeito disso nas décadas de 1920, de 1930 e de 1940”. Existe uma velha anedota segundo a qual os professores de economia nunca incluem perguntas novas nos exames que aplicam porque as respostas mudam a cada ano. A moral desta história, para o bibliotecário iniciante, é que a mesma questão de referência nem sempre pode ser respondida de modo adequado com a mesma resposta, e não apenas porque os assuntos sofram mudanças. Como se disse no capítulo 1, no serviço de referência o bibliotecário tem de conciliar no atendimento uma resposta tecnicamente apurada à consulta com a satisfação da necessidade individual do consulente. Segundo explicou Roger Horn, “como seria possível responderse repetidamente às mesmas consultas de sempre? Ora, acontece que as respostas são diferentes. Para cada pessoa que formula uma questão existe uma resposta diferente: a sua resposta a sua questão.” Sugestões de leituras
James, G. Rohan. Reference: analysis. management and training. Library Review, 31, 1982, 93-103. Derr, Richard E. Questions: definitions, structure, and classification. RQ, 24, 1984, 186-190. Robinson, Barbara M. Reference services: a model of question handling. RQ, 29, 1989, 48-61.
3 - O processo de referência Enquanto a expressão ‘serviço de referência’ aplica-se à assistência efetivamente prestada ao usuário que necessidade informação, a expressão ‘processo de referência’ passou a ser empregada, ao longo dos últimos 30 anos, para denominar, em sua totalidade, a atividade que envolve o consulente e durante a qual se executa o serviço de referência. Este processo gravita em torno do ponto de contato inicial, quando o consulente formula sua consulta ao bibliotecário, mas remonta ao momento em que o consulente reconheceu a existência do problema e 27
se estende durante e além da busca da informação solicitada, realizada pelo bibliotecário, e a entrega da resposta, até o ponto em que se chega mutuamente ao entendimento de que o problema original foi solucionado. Duas fases
É importante reconhecer que esse processo engloba duas fases: o serviço de referência não é simplesmente aquilo que os bibliotecários executam para localizar as respostas às questões que lhes são formuladas. Também inclui a etapa anterior, crucial, durante a qual eles analisam, junto com os consulentes, a natureza de seus problemas. O fato de na maioria dos casos essa etapa preliminar ser muito breve talvez tenha levado a que fosse negligenciada por gerações anteriores. Um dos efeitos colaterais importantes que o computador causou ao serviço de referência foi uma maior percepção da importância decisiva, no processo de referência, dessa etapa preliminar à busca. Em 1964, Jesse Shera caracterizou esse processo como uma “complexa série associativa de conexões ou eventos”, e em 1966 Alan M. Rees explicou como tal processo envolve “não só a identificação e utilização do instrumental bibliográfico disponível, mas também a intervenção de variáveis psicológicas, sociológicas e ambientais que ainda não são perfeitamente compreendidas”. Nas palavras bem mais simples de Gerald Jahoda, esse processo “abrange a totalidade de passos dados pelo bibliotecário de referência ao responder as questões que lhe são apresentadas”. Não se trata, porém, de um simples processo linear: esses passos podem implicar sucessivos retornos à consulta, antes de se procurar a resposta, e eventuais vaivens durante a busca. Infelizmente, para o estudioso desse processo, a seqüência e direção desses passos freqüentemente são mais improvisadas do que premeditadas, e às vezes os passos se fundem. De fato, todo o processo às vezes assume a forma de um cotejo bastante intuitivo entre pedidos, leitores, recursos e respostas realizado pelo bibliotecário de referência. Não obstante, é fundamental não perder de vista a transação como um todo, “um processo essencialmente de comunicação interpessoal com a finalidade específica de satisfazer a necessidades de informação de outrem”, segundo James Rettig. A realidade é que o processo de referência constitui somente um aspecto da busca de conhecimentos que a pessoa empreende e conserva, portanto, sua qualidade inquestionavelmente humana. Para quem o exerce aí está o segredo de sua eterna sedução, que, porém, é desprezado de forma tão leviana pelos analistas de sistemas e outros que tentam sondar seus mistérios. Oito passos
Para fins didáticos, convém, no entanto, traçar toda a seqüência lógica das etapas decisórias encadeadas que constituem o processo normal de referência. 1 O problema O processo geralmente se inicia com um problema que atrai a atenção de um usuário potencial da biblioteca. Ninguém é imune a problemas, e, assim, teoricamente, todo ser humano é um iniciador potencial do processo de referência. A fonte do problema pode ser externa ou interna. Um problema externo decorre do contexto social ou pelo menos situacional do indivíduo: um problema interno é de origem psicológica ou cognitiva, surgindo na mente da pessoa. Muitos problemas humanos, contudo, não são suscetíveis de encontrar sua solução por meio da informação: isso é o que provavelmente se dá no caso da maioria dos problemas que surgem no curso de nossa vida cotidiana. Uma grande proporção dos outros problemas que provavelmente seriam suscetíveis de solução, não é reconhecida como tal pelas pessoas a quem afligem. 2 A necessidade de informação Mas os usuários prováveis que julgam que, para lidar com o problema que lhes diz respeito, precisam conhecer alguma coisa, avançaram para a segunda etapa da caminhada rumo a uma solução. Nesse ponto, talvez sua necessidade de informação seja vaga e imprecisa. ainda que não necessariamente. Provavelmente, porém, ainda não estará nem formada e certamente nem expressa; trata-se daquilo que Robert S. Taylor denominou uma necessidade “visceral”. Essa necessidade, de fato, talvez não surja de um problema realmente ‘concreto’. A motivação pode simplesmente estar no desejo de conhecer e compreender, ou até mesmo numa ‘mera’ curiosidade, embora não devamos esquecer o que disse o Dr. Johnson: “A curiosidade é uma das características permanentes e incontestáveis de um intelecto vivaz.” A premência da necessidade também pode variar desde ‘seria bom saber’ até ‘não posso ir adiante enquanto não descobrir’. As raízes do comportamento de quem busca informação ainda são bastante desconhecidas. No entanto, várias teorias interessantes, apoiadas em pesquisas no campo da psicologia do conhecimento, surgiram na bibliografia de biblioteconomia e ciência da informação nos últimos anos, desde o trabalho clássico de Taylor na década de 1960. No capítulo 4, estudaremos isso mais detidamente. Há, naturalmente, várias maneiras de descobrir o que se deseja: observação, ensaio e erro, experimento: perguntar a alguém; procurar por si mesmo. O usuário potencial que experimenta uma das três primeiras opções e consegue ser bem-sucedido deixa de ser um usuário potencial. 3 A questão inicial 28
Uma das maneiras mais importantes pelas quais os seres humanos adquirem conhecimento é fazendo perguntas, e, se o usuário potencial decide perguntar a alguém, torna-se necessário obviamente dar à pergunta uma forma intelectual mais nítida, descrevê-la com palavras, e formulá-la como uma questão. E aqueles que desejarem procurar por si mesmos talvez precisem formalizar ainda mais o enunciado, decidindo- se quanto às palavras exatas sob as quais farão suas buscas. Até agora todo o processo disse respeito exclusivamente à pessoa que está às voltas com o problema. A comunicação que ocorreu foi do tipo que os psicólogos chamam intrapessoal, envolvendo uma espécie de ensaio mental na antecipação do esperado encontro interpessoal, o momento em que a pessoa apresenta sua questão a outrem. Inúmeros estudos demonstraram que comparativamente poucas pessoas pensam na biblioteca quando precisam de informação, e um número ainda menor recorre ao bibliotecário. Porém, se alguém que busca informação realmente pedir ajuda ao bibliotecário, toda essa atividade torna-se então o processo de referência, com os passos dados pelo usuário compreendendo a primeira fase, e sendo a segunda uma empreitada conjunta com o bibliotecário. 4 A questão negociada Embora os bibliotecários de referência não possam ingressar no processo de referência senão depois de receberem as questões apresentadas pelos consulentes, eles se interessam inexoravelmente tanto por suas fases quanto por todas suas etapas. O sucesso final depende de que cada um dos passos que constituem a primeira fase seja executado corretamente, e muitas vezes é necessário que os bibliotecários refaçam com os consulentes os primeiros passos que estes deram por sua própria conta. A questão inicial formulada pelo consulente pode às vezes exigir maiores esclarecimentos ou ajustes, para se ter certeza de que corresponde de forma mais precisa à necessidade de informação subjacente. A questão, em seguida, é comparada com a maneira como as informações são geralmente organizadas na biblioteca e, mais particularmente, nas fontes de informação específicas existentes em seu acervo ou em outros lugares. Tal comparação revela com freqüência que a questão exige uma certa redefinição ou reformulação de modo a permitir um cotejo mais adequado com a terminologia e a estrutura das fontes de informação a serem consultadas. 5 A estratégia de busca Antes de a questão, do modo como foi finalmente negociada, ser levada ao acervo de informações, impõemse duas decisões técnicas: como o acervo de informações, seja ele local ou remoto, será consultado? E quais de suas partes serão consultadas e em que ordem? A primeira dessas decisões diz respeito em grande parte a uma análise minuciosa do tema da questão, identificando seus conceitos e suas relações, e, em seguida, traduzindo-os para um enunciado de busca apropriado na linguagem de acesso do acervo de informações. Neste ponto, freqüentemente o consulente pode prestar uma grande ajuda ao bibliotecário. A segunda decisão implica escolher entre vários caminhos possíveis. O êxito dependerá do conhecimento intimo das várias fontes de informação disponíveis para pesquisa, experiência em sua utilização e aquela intuição que todos os bibliotecários de referência reconhecem e que tem sido tão comentada, mas que ninguém consegue explicar. Trata-se geralmente de uma escolha que passa por três etapas: primeiro, seleciona-se a categoria da fonte, depois a fonte específica dentro dessa categoria, e finalmente os pontos de acesso específicos dentro dessa fonte. E, evidentemente, se isso não der resultado, faz-se outra escolha apropriada, que poderá ser a categoria, fonte ou ponto de acesso mais promissor que venha em seguida. Trata-se de decisões que se situam quase por completo na esfera de ação do bibliotecário — e, conforme já foi sugerido, às vezes são tomadas no nível do subconsciente —, porém tudo pode ser feito com freqüência de modo mais eficaz com uma rápida busca preliminar para reconhecimento do terreno. 6 O processo de busca A realização da busca no acervo de informações geralmente compete ao bibliotecário, embora haja quem goste de ter o consulente à mão, pronto para oferecer uma reação imediata àquilo que a busca revela. As buscas mais eficazes são aquelas em que a estratégia de busca é suficientemente flexível para comportar uma mudança de curso, caso assim o indique o andamento da busca. Um bibliotecário bem preparado terá estratégias alternativas prontas, caso venham a ser necessárias: de novo, a presença do consulente facilita essas alterações de rumo. Os puristas alegariam que isso é tática e não estratégia, mas, como muitas das principais fontes de informação são deficientes em termos de estrutura lógica ou coerência interna, a maleabilidade passa a ser um atributo conveniente do bibliotecário de referência. 7 A resposta Na maioria dos casos, o bibliotecário criterioso e experiente encontrará uma ‘resposta’, porém isso não constitui absolutamente o fim do processo. O que o bibliotecário tem em mãos nessa etapa é simplesmente o resultado da busca. Se esta tiver sido executada de maneira correta, esse resultado coincidirá, em geral, com o enunciado de busca, modificado taticamente. porém será preciso ter certeza disso. Às vezes a busca pode resultar infrutífera: isso também será uma ‘resposta’, mas raramente será agradável apresentá-la assim de forma nua e crua ao consulente. 29
8 A solução Uma ‘resposta’ é somente uma solução potencial: em alguns casos, quando não há dúvida alguma na mente do bibliotecário quanto à sua adequação ao propósito do consulente, ela é suficiente em sua forma despojada. Freqüentemente, porém, toma-se necessário um certo grau de elucidação ou explicação para que se tenha uma solução completa. Também é de boa prática o bibliotecário e o consulente avaliarem juntos o ‘produto’ da pesquisa, e que ambos o aprovem antes de chegar de comum acordo à conclusão de que o processo foi concluído. Essa seqüência representa a totalidade do processo de referência, do começo ao fim, mas só em linhas gerais. Será examinado mais detidamente nos capítulos 4, 5 e 6. Não se deve esquecer, contudo, que existe em geral mais uma etapa final: “como [as pessoas] utilizam a informação ou o conhecimento que aceitam como resposta”, segundo S.D. Neill. Para o usuário esta, naturalmente, é a etapa mais importante, todo o objetivo do exercício estando em utilizar informações para a solução do problema inicial. Como, porém, isso ocorre fora do controle do bibliotecário e depois que o usuário foi embora, fica difícil imaginar como se possa considerá-lo parte do processo de referência. Existem, no entanto, técnicas acauteladoras que o bibliotecário atento pode aplicar durante a entrevista, que serão também examinadas com mais detalhes no capítulo 4. O processo presta-se a ser representado em forma diagramática, havendo muitos modelos na bibliografia, que variam de um simples arranjo seqüencial até fluxogramas elaborados e minuciosos, completos, com caixas de decisão, ramificações e curvas de retroalimentação. Esses úteis instrumentos que auxiliam nossa compreensão são outro beneficio que os bibliotecários de referência devem ao advento do computador. Embora o fluxograma venha sendo empregado há muitos anos em outros campos, como na engenharia química e no estudo do trabalho, foram os analistas de sistemas da área da informática que tiveram mais êxito em adaptá-lo à representação de atividades intelectuais. Uma peça para dois personagens
O bibliotecário de biblioteca industrial que, há 20 anos, descreveu pitorescamente o processo de referência como um “teatro interativo entre cliente e bibliotecário”, não foi o único a quem ocorreu essa analogia com o palco. Em seu livro de 1987 The referente interview as a creative art Elaine Zaremba Jennerich e Edward J. Jennerich justificaram o “tema ‘teatral” do título desta obra e de seus capítulos (As ferramentas do ator, Papéis secundários, Espetáculos de um só ator, Bis, Representações especiais, Final, e outros mais), afirmando que “a entrevista de referência é essencialmente uma arte do espetáculo. Quem já trabalhou num balcão de referência experimentou em algum momento a sensação de estar ‘no palco’, escalado para desempenhar um papel de astro”. Eles introduzem seu texto com o anúncio “e agora... começa o espetáculo”. Tudo isso serve para lembrar ao estudante que o processo de referência não deve tomar-se um espetáculo em que o bibliotecário é o único ator: deve ser um diálogo, com consulente e bibliotecário desempenhando papéis complementares do começo ao fim. Conforme foi descrito, o consulente (na maior parte das vezes, do sexo masculino) faz sua estréia na entrevista de referência, o primeiro ato da peça, quando precisa ter a certeza de que seu parceiro, o bibliotecário de referência (geralmente do sexo feminino), compreende a natureza de seu problema. Para a bibliotecária de referência sua cena mais importante é a busca de referência: aqui, a armadilha a ser evitada é posar de prima donna . Um consulente cuja cena seja roubada por uma exibição virtuosística de conhecimentos não só se sentirá constrangido, como também poderá perder a disposição de voltar a se arriscar no palco. Terceiro ato, a resposta, inclui o desfecho, quando tudo é esclarecido; o final, quando os dois atores se reconciliam, a cortina cai, e eles viverão felizes para sempre. Impressões falsas
Assim como ao se definir o serviço de referência é preciso explicar o que ele não é, também ao se descrever o processo de referência é importante desfazer certos equívocos renitentes acerca da abrangência desse processo. Certamente está claro para todos que leram este capitulo até agora que os objetivos do processo de referência são muito mais amplos do que o fornecimento rotineiro de respostas a questões formuladas pelos usuários. O campo onde se situa o serviço de referência está juncado de fracassos, segundo a avaliação do consulente, apesar de o bibliotecário de referência ter apresentado uma resposta tecnicamente perfeita à questão formulada. As análises a posteriori, nesses casos, sempre revelam que ocorreu uma deficiência no processo de referência. Se não basta descrever a finalidade do processo como sendo a de responder questões, como então caracterizá-lo melhor de forma sucinta, diante da falta de uma definição acadêmica satisfatória? Das inúmeras possibilidades, a expressão ‘solução de problemas’ é a que melhor serve como um símbolo conciso. Afinal, como se viu, a solução do problema do consulente é que constitui o verdadeiro objeto dessa atividade. Perguntar e responder questões é somente o meio. Neill, de fato, é de opinião que “o processo de referência, do começo ao fim, é uma seqüência de problemas”. Trataremos disso no capitulo 4. A segunda visão equivocada que ainda persiste é que o processo incorpora um ‘método de referência’ que pode ser adotado como um roteiro para todos os casos em que o bibliotecário busca informações para responder uma consulta. Já em 1930 James 1. Wyer sabia que as coisas não eram bem assim: “É impossível fazer com que qualquer um desses enunciados [gradativos] do processo de referência se ajuste a toda ou qualquer questão.” 30
Duas gerações mais tarde, apesar de décadas de estudos feitos por analistas de sistemas e todo um portifólio de fluxogramas, Geraldine 8. King viu-se obrigada, em seu folheto sobre o serviço de referência em pequenas bibliotecas, a anexar ao relato acerca do processo de referência a advertência “Evidentemente, nenhuma operação de referência específica obedecerá perfeitamente às partes desta descrição.” Em virtude, precisamente, de o processo de referência — tanto a entrevista de referência quanto a busca — constituir uma atividade humana é que é suscetível a uma infinita variação. Este é seu encanto, e seu desafio. O computador no processo de referência
Até agora, neste capítulo, fizemos duas menções favoráveis sobre o efeito do computador no processo de referência. A descrição das oito etapas do processo de referência aplicar-se-ia de modo igualmente satisfatório, sem mudar uma palavra, tanto a uma busca feita manualmente quanto em computador. O leitor haverá de notar que no restante deste livro o computador será do mesmo modo tacitamente admitido como um componente rotineiro do trabalho de referência. De inicio, em fins dos anos 60 e no princípio da década de 1 97 ele era visto por muitos como um intruso ameaçador, sendo prática comum, ao se estabelecer um serviço específico de buscas em linha, instalar o terminal num departamento à parte, gerido por pessoal selecionado e treinado especialmente, o que reforçava essa atitude. Hoje em dia, a integração é a regra e não a exceção, e as buscas informatizadas fazem parte agora da rotina dos serviços de referência na maioria das bibliotecas (o que não quer dizer absolutamente em todas). A proporção crescente das fontes de informação tradicionais do bibliotecário de referência que se apresentam na forma de bases de dados informatizadas, ao lado de inúmeras ferramentas novíssimas, disponíveis para buscas numa variedade de novas formas, representa um progresso do serviço de referência pelo menos tão notável quanto o surgimento em meados do século XIX do Index de Poole e das muitas outras bibliografias e obras de referência clássicas mencionadas no capítulo 1, uma evolução com a qual guarda muitas semelhanças. A utilização da informática com certeza fez melhorar a imagem do bibliotecário de referência aos olhos dos consulentes: por volta de 1977 bibliotecários de referência comunicavam que “os usuários parecem surpresos ao verificar que os bibliotecários sabem mais do que apontar para a estante dos índices ou o catálogo em fichas. Alguns expressaram o fato de jamais haverem se dado conta da quantidade de estudos especializados necessários para ser bibliotecário.” Parte do motivo disso pode estar, conforme salientou Jitka Hurych, em que o serviço “baseia-se geralmente em encontros com hora marcada e provavelmente pela primeira vez o cliente estará recebendo atenção individual na biblioteca”, Também ocorreram alguns efeitos curiosos: um estudo de 1975 a respeito de usuários de serviços em linha verificou que “os engenheiros, cientistas e pesquisadores aceitam mais prontamente os resultados das buscas bibliográficas feitas em linha, mesmo que a qualidade da busca ainda seja obviamente determinada pela estratégia de busca formulada pelo bibliotecário”. Houve, porém, quem visse o advento das buscas informatizadas interativas como uma oportunidade de ouro para que os próprios usuários realizassem as buscas, quando, antes, tinham de depender de intermediários que as processavam em lotes para eles. Por razões previsíveis. Isso jamais aconteceu na escala que alguns imaginavam — em 1977, Carlos A. Cuadra informava que “provavelmente mais de 95% de todas as buscas em linha são executadas por intermediários da informação” —, embora continuassem a surgir advertências quanto ao futuro do bibliotecário de referência na era da informática. Em 1983, por exemplo, embora reconhecendo que os intermediários da informação “quase monopolizam os conhecimentos da operação de sistemas em linha por meio de terminais locais”, um documento do governo britânico advertia que “eles terão de repensar sobre sua função. caso não queiram perdê-la totalmente ou em sua maior pane para os usuários finais que adquiriram intimidade com os computadores”. É necessário manter aqui um senso de equilíbrio. O espectro que foi evocado dos bibliotecários de referência que seriam para a revolução bibliotecária deste alvorecer do século XXI o mesmo que os carvoeiros e os tecelões de roca de fiar foram para a Revolução Industrial é tão insubstancial quanto a previsão feita nos anos 20 de que o advento do rádio significaria a sentença de morte do disco de gramofone. Pois o que quer que o computador tenha feito pelas rotinas administrativas das bibliotecas (algumas das quais aboliu), ou pelos métodos de aquisição e catalogação (que revolucionou), por enquanto ele tem servido somente para melhorar o serviço de referência tradicional. Intermediários profissionais ainda executam a maioria esmagadora das buscas informatizadas. Uma característica não menos interessante do progresso da informática nas bibliotecas é que ela afetou de modo nitidamente diferente as diversas partes do processo de referência. Seu impacto direto só foi sentido até agora numa etapa desse processo, a saber, a busca de referências. E mesmo aqui, na maioria esmagadora dos casos, a tradicional busca manual ainda é a opção preferida. É importante lembrar que o êxito de uma busca não se mede pelas fontes consultadas ou pelo meio empregado, mas pela resposta obtida. Dito isso, não resta dúvida, no entanto, que nas situações em que o bibliotecário julga que uma busca em computador será mais apropriada o efeito seja impressionante e óbvio: uma busca feita num terminal, com tudo que isso implica em termos de estratégia e formulação de busca, substitui uma busca manual nas estantes. Seu principal impacto na entrevista de referência foi proporcionar um forte reforço à causa defendida durante gerações por bibliotecários de referência tradicionais, segundo a qual, conforme William Warner Bishop a expressou em 1908, “a principal arte do [...] bibliotecário de referência está na habilidade em adivinhar, graças a 31
uma longa experiência, aquilo que os consulentes realmente querem”. Todos que estudaram o assunto, tanto bibliotecários quanto não-bibliotecários, têm concordado que a entrevista de referência é essencial para o êxito das buscas em computador. William A. Katz insistiu que se trata de “um requisito absoluto”, e, para Ching-Chih Chen, “a fase que isoladamente é a mais importante da recuperação da informação”. Quanto a seu efeito na polêmica informação ‘versus instrução, Katz sentiu-se em condições de afirmar, por volta de 1982, que “a busca é quase sempre executada por um bibliotecário ou analista de buscas. [...] O resultado inevitável é um serviço de nível máximo, queira ou não o bibliotecário”, e em 1985 Tze-Chung Li concluíra que “nas buscas em linha, a função instrucional parece estar totalmente excluída do serviço de referência”. Mas a polêmica está longe do fim. Uma forte retaguarda continua a fomentar as buscas feitas pelo usuário final: Dorice Des Chene, por exemplo, sustentou enfaticamente que “no futuro, o papel de professor e consultor tornar-se-á proeminente para os bibliotecários, no sentido de capacitar os usuários a utilizarem os recursos de buscas em linha [...] de forma eficaz. A principal meta dos bibliotecários deve ser a de ensinar aos usuários como localizar por si mesmos aquilo que desejam.” Existe sempre a probabilidade de em muitos casos ser necessário um intermediário humano entre o consulente e a máquina: não estão em causa aqui a intimidade do consulente com a tecnologia, sua ampla disponibilidade e sua natureza amigável para o usuário. Assim como a experiência tem mostrado que um elo humano é muitas vezes necessário entre o consulente e o livro, também a ajuda de profissionais continuará a ser solicitada para as bases de dados informatizadas, sejam elas em linha (inclusive os catálogos em linha de acesso público) ou em formato de CD-ROM. Em 1967, nos primórdios da recuperação da informação por computador, Dorothy Sinclair predisse isso em seu artigo ‘The next ten years in reference service’ [Os dez próximos anos do serviço de referência]: “Os usuários de hoje, mesmo os mais sofisticados, poderiam gastar seu tempo fazendo suas próprias buscas, porém muitos deles apelam para nós, preferindo devotar seu tempo à realização de seu próprio trabalho produtivo [...] parece provável que o intermediário qualificado ainda será necessário.” Testemunhos reunidos nestes 20 anos corroboram isso. Provavelmente existem mais terminais de computador na famosa ‘Square Mile’ [Milha Quadrada], a City (de Londres)1, do que em qualquer outra área equivalente do globo, tendo como únicos possíveis concorrentes Wall Street em Nova York e o distrito financeiro de Tóquio. No entanto, para sua grande surpresa, numa pesquisa financiada pela British Library. em 1987, David Nicholas e seus colegas verificaram que “apesar das condições ostensivamente favoráveis, são relativamente raras as buscas feitas por usuários finais em sistemas em linha de recuperação de textos, nas empresas da City. As buscas em linha estão prosperando, mas este é um terreno predominantemente de bibliotecários.” Os levantamentos feitos em escolas de biblioteconomia e ciência da informação mostram que praticamente todas elas incluem no currículo a instrução sobre buscas em bases de dados (ainda que somente uma minoria a tenha integrado aos cursos de referência geral e bibliografia especializada). Em 1990 Linda Friend observou que nos Estados Unidos “quase todo anúncio procurando bibliotecário de referência inclui agora como requisito (obrigatório ou desejável) o conhecimento de consultas a bases de dados em linha”. Não obstante, segundo Barbara Quint, escrevendo em 1989, “até o presente, muitas bibliotecas ainda não oferecem as buscas em linha a seus clientes como um serviço de informação profissional regular. [...] A opinião segundo a qual o serviço em linha deve servir sempre de complemento do impresso ao invés de seu substituto permeia a maioria das estratégias das bibliotecas.” Uma pesquisa por amostragem em 554 bibliotecas universitárias dos Estados Unidos informava em 1989 que 36% não ofereciam serviço algum de consulta em linha. E Rosemarie Riechel, também escrevendo em 1989, afirmava que “o domínio, ou pelo menos o conhecimento, da aplicação e funcionamento dos sistemas em linha parece ser superficial. [...] A recuperação informatizada da informação ainda é vista por muitos bibliotecários como uma função especial. [...] Muitos bibliotecários ‘antigos’ e ‘modernos’ contentam-se com as ferramentas manuais e resistem à mudança — encarando a máquina como um intruso desdenhoso.” Não se deve esquecer que resolver problemas humanos é essencialmente uma atividade humana, muitas vezes exigindo a variedade infinita de respostas que só um outro ser humano pode oferecer. Há mais de 60 anos, muito antes dos computadores, Wyer afirmava em seu famoso manual sobre o serviço de referência: “Eis um serviço que desafia e transcende as máquinas.” E. ainda mais distante no tempo. W.E. Foster dizia em 1883 que “cada um de nós sabe perfeitamente bem que, por úteis que sejam a ajuda e a orientação proporcionadas pelas várias espécies de engenhocas inanimadas [...] nada, afinal, pode assumir o lugar da assistência pessoal, individual e direta do bibliotecário”. Conforme se ressaltou no capítulo 1, e como tem sido sistematicamente confirmado pelas pesquisas, o consulente precisa de atenção tanto quanto a consulta. Lawrence S. Thompson, no entanto, estava absolutamente correto quando argumentou que “devemos antecipar e fomentar agressivamente a mecanização da biblioteconomia, porém com o objetivo fundamental de liberar mentes superiores de formação superior para aquelas tarefas que nenhuma máquina pode executa?’. Os atributos pessoais do bibliotecário
É impossível estudar qualquer aspecto do processo de referência sem estar informado de quanto o mesmo depende inevitavelmente para seu êxito dos atributos pessoais do bibliotecário. Isso implica não os dotes 1
City é o centro financeiro de Londres. Tem cerca de unia milha quadrada (1,6 km²). (N.T.)
32
profissionais, como intimidade com as fontes de referência ou domínio das técnicas de buscas informatizadas, uma vasta cultura geral ou até mesmo a experiência em lidar com os consulentes, mas aqueles atributos pessoais humanos, inatos ou adquiridos, como simpatia, criatividade, confiança e outros mais. É claro que essas qualidades admiráveis deveriam estar presentes em todos nós, e. no caso das profissões voltadas para a prestação de serviços, são indispensáveis. Os bibliotecários de referência que carecem dessas virtudes padecem sob o peso de uma carga permanente, que amiúde se mostrará tão opressiva que serão incapazes de se erguerem para atender de modo satisfatório às necessidades dos usuários. O estudante encontrará quase tantas opiniões sobre as combinações mais desejáveis dessas virtudes humanas quantos autores existentes. Em 1930 Wyer relacionava 27 “traços’ [...] em ordem de importância, definidos pelo voto de trinta e oito eminentes bibliotecários”. Umas duas gerações depois, Bob Duckett incluía 21 itens em sua “lista de qualidades necessárias”, de 1989, baseada em sua experiência com a seleção de pessoal ao longo de muitos anos. Salvo as diferenças de terminologia, existe uma correspondência muito próxima entre as duas listas, com os atributos pessoais, como segurança, cortesia, tato, interesse pelas pessoas. imaginação, adaptabilidade, iniciativa, diligência e paciência, superando em muito as habilidades profissionais. Os avanços da tecnologia em pouco alteraram a receita. Em seu livro de 1989 intitulado Personnal needs and changing reférence service, Riechel defende a “integração total dos sistemas automáticos de recuperação na função de referência” e relaciona 22 “atributos e características [...] de uni bibliotecário de referência ideal e verdadeiro especialista em informação”. Mais unia vez aparecem os mesmos requisitos básicos, embora alguns estejam levemente modificados devido à era eletrônica, por exemplo, “entusiasmo pelas novas tecnologias” e “capacidade de interagir bem com as máquinas”. Uma das contribuições mais prestigiosas a esse debate foi o discurso, muito citado, pronunciado numa escola de biblioteconomia em 1948 por David C. Meams, da Library of Congress, que identificou sete atributos do bibliotecário de referência ideal. Dois desses atributos podem ser considerados profissionais: instrução e talento para se comunicar. Os cinco restantes são inconfundivelmente qualidades de caráter: imaginação, entusiasmo, persistência, humildade e devoção ao serviço. Os estudantes de hoje em dia não estariam muito dispostos a ficarem ouvindo alguém falar sobre a necessidade desses dons, mas não poderiam deixar de conhecer as inúmeras pesquisas que mostram que são essas exatamente as qualidades que os usuários procuram no bibliotecário de referência, junto com (e às vezes antes da) a competência profissional. Achariam particularmente convincente o testemunho relatado em 1987 acerca de um grupo de alunos de um curso avançado de referência encaminhados para observar como suas questões eram tratadas em bibliotecas universitárias e públicas: “Com impressionante regularidade, verificou-se que a satisfação dos alunos dependia de o bibliotecário com quem se encontravam ser ou não amigável. Esse efeito era tão forte que eles chegavam a indicar uma alta satisfação, mesmo quando inexistiam respostas aceitáveis a suas questões, desde que os bibliotecários parecessem cordiais e interessados.” Uma qualidade aparece em todas as listas: imaginação. Naquele que ainda é um manual bastante apreciado sobre o assunto, embora editado há muito tempo, em 1944, Margaret Hutchins ponderava que “tão importante quanto uma boa memória é uma boa imaginação, essa força construtiva da mente ‘que modifica e associa imagens mentais de modo a produzir o que é virtualmente novo”. Katz, autor do mais prestigioso texto contemporâneo sobre o serviço de referência, concordaria com isso: “Conhecimentos sólidos são um imperativo; uma formação humanística, uma ajuda; uma educação científica e tecnológica, útil; mas imaginação é indispensável.” E embora seja muito pouco provável que os departamentos de biblioteconomia e ciência da informação ofereçam cursos sobre imaginação, humildade, entusiasmo, persistência ou segurança, e, ainda menos provável, que exijam a prestação dos respectivos exames, além de meras exortações dessas virtudes caírem hoje em terreno pedregoso, o estudante verá que os capítulos subseqüentes deste livro estão impregnados, de ponta a ponta, da convicção de que essas virtudes humanas fundamentais são um componente tão vital do instrumental do bibliotecário quanto sua competência profissional. De fato, durante o processo de referência, como em todas as interações pessoais, “não existe excelência humana alguma que não seja útil”. Mas, como Mary Eileen Ahern reconheceu nos primórdios deste século, citando uma autoridade ainda mais antiga, a maior de todas é “aquela caridade que não se ostenta, nada faz de inconveniente, não se incha de orgulho, mas é paciente e prestativa”. Sugestões de leituras
Duckett, Bob. Reference work, staff selection and general knowledge. Library Review, 38(5). 1989, 14-21. Jahoda, Gerald. Rules for performing steps in the reference process. Reference Librarian, 25/26, 1989, 557-567.
4 - A entrevista de referência A maioria dos usuários de bibliotecas que apresentam questões ao bibliotecário sabem exatamente o que precisam e fazem seus pedidos de forma inteligível. É importante enfatizar esse aspecto desde já, pois o resto deste capítulo trata daqueles consulentes que não se enquadram nessa descrição. Estes, como se verá, constituem uma minoria significativa em todas as bibliotecas e podem ser divididos em dois grupos. O primeiro abrange os 33
que sabem o que precisam, mas não conseguem expressá-lo com palavras adequadas; o segundo é formado pelos que não têm certeza quanto ao que precisam. Do ponto de vista das etapas que compreendem o processo de referência, esse primeiro grupo de consulentes identificou seu problema, reconheceu sua necessidade de informação, mas não a expressou, de modo inteligível e cabal, na forma de uma questão que permita dar início à busca imediatamente. Os consulentes do segundo grupo nem mesmo chegaram a esse ponto: têm consciência de que se defrontam com um problema e que a informação os ajudará na sua solução, mas não conseguiram identificar com certa precisão a natureza da informação de que necessitam. Naturalmente, quando recorrem ao bibliotecário podem verbalizar seu pedido de socorro na forma de algum tipo de questão, mas é improvável que isso tenha alguma relação, a não ser indiretamente, com o problema que têm de resolver, O leitor atento terá percebido que algumas das questões apresentadas como exemplos no capítulo 2 pertencem a essa categoria. Na forma como foram citadas não podem ser respondidas satisfatoriamente. Antes de se ministrar qualquer ajuda a esses consulentes, e certamente antes de dar início a uma busca, será preciso que a questão, do modo como foi inicialmente formulada, seja negociada. Em outras palavras, o verdadeiro tema da consulta tem de ser identificado, esclarecido e, se necessário, aprimorado. Isso se faz durante a entrevista de referência, que é o cerne do processo de referência. Estudos demonstraram que essa entrevista, definida como uma transação em que o bibliotecário de referência tem de fazer uma ou várias perguntas ao consulente, é imprescindível numa minoria bem expressiva de casos. A pesquisa doutoral de Mary Jo Lynch, da Rutgers University, junto a quatro bibliotecas públicas, em 1976, descobriu que as entrevistas ocorriam em 49% das consultas. Sondar mais profundamente a questão apresentada por um consulente nem sempre é agradável. Alguns bibliotecários acham mais cômodo reprimir sua consciência profissional e aceitar todas as questões sem maiores indagações, deixando de lado qualquer suspeita que venham a ter de que aquilo não é exatamente o que o consulente realmente necessita. Obviamente, nesses casos, fornecer uma resposta que possa até mesmo ser exata não irá resolver o problema do consulente. Uma pesquisa de observação não-participante a respeito dessas consultas ‘deficientes de informação’, realizada em 1977 em duas bibliotecas universitárias do centro-oeste dos Estados Unidos, revelou isso claramente: em 33% dos casos “essa relutância em tentar realizar a difícil entrevista […] foi uma causa importante de falhas no atendimento”. No caso do pessoal não-profissional o índice de falhas foi de 72%. Razões para uma entrevista
É importante que o estudante compreenda por que o bibliotecário deve dedicar tanta atenção a questões que correspondem apenas a uma minoria. Independentemente do objetivo fundamental da política da biblioteca, segundo o qual nenhuma consulta pode ser considerada sem importância, a verdade irretorquível é que o descaso nas entrevistas com consulentes que não têm certeza do que necessitam é responsável por uma elevada proporção de respostas incorretas ou inadequadas e usuários insatisfeitos. Naquela que é hoje considerada uma investigação clássica baseada em observação não- participante, abrangendo 60 bibliotecas públicas de Maryland, verificou-se que o consulente tinha a probabilidade de obter uma resposta exata a uma questão somente em 55% dos casos. Particularmente relevante no contexto deste capitulo, empregaram-se deliberadamente questões de “negociação ou escada rolante em que o bibliotecário precisava identificar e compreender o pedido do cliente por meio de uma série de perguntas de sondagem”. Baseando-se numa análise minuciosa dos resultados, Ralph Gers e Lillie J. Seward relataram em 1985: “Das 720 questões de ‘escada rolante’ formuladas [...] não houve nenhum caso de um usuário receber uma resposta correta quando o bibliotecário falhava em extrair do consulente a questão especifica. O bibliotecário que não perscruta até o nível mais específico provavelmente quase nunca fornecerá uma resposta correta.” Einstein costumava dizer que se a gente formula uma pergunta com cuidado e exatidão já está a meio caminho de encontrar a resposta correta. Curiosamente, verificou-se que esse era um problema digno de nota nos primórdios das buscas feitas com computador. Em 1971, depois de uma pesquisa de laboratório que durou quatro anos. Tefico Saracevic concluiu que “o fator humano [...] parece ser o principal fator que afeta o desempenho de todo e qualquer componente de um sistema de recuperação de informação”. Em 1973, S. D. Neill foi ainda mais incisivo: a razão do “fracasso dos cientistas da informação em proporcionar soluções para os problemas de informação das pessoas comuns [...j tem estado presente desde o princípio na ciência da informação, quando se tomou a decisão de ignorar o elemento humano. [...] O que falta é comunicação [...] comunicação recíproca e pessoal com determinado indivíduo acerca de suas necessidades específicas.” Em 1978, William A. Katz fez a arguta previsão: “Paradoxalmente, a introdução da máquina no processo de referência forçará até mesmo o mais relutante bibliotecário de referência a agir como um ser humano que interage com outro.” A lição, porém, foi aprendida, e por volta de 1985 Nicholas J. Belkin e Atina Vickery podiam falar de “uma mudança de ênfase na profissão. que passou do estudo de representações de documentos ou textos e técnicas corre- latas de buscas para o estudo dos usuários de sistemas de recuperação da informação, bem como das características das questões ou problemas que apresentam a esses sistemas, e da interação dos usuários com os intermediários”. Esses autores consideravam isso como “um reconhecimento explícito da natureza integrada do 34
sistema de informação como um todo, e especialmente da importância de se compreender e lidar com a totalidade do processo de busca de informações”. Talvez haja uma camada de possíveis razões para uma entrevista, muitas das quais dizem respeito a pequenos ajustes da questão — como logo veremos —, mas Lynch descobriu que em 13% das entrevistas por ela registradas a questão originalmente formulada era diferente da questão ‘concreta’ identificada pela sondagem feita pelo bibliotecário. Estudos anteriores feitos em bibliotecas universitárias mostraram que uma quinta ou quarta parte das questões formuladas não representavam as necessidades reais do consulente. Existem várias indicações na questão ou no enfoque adotado pelo consulente para as quais o bibliotecário precisa estar atento, como um sinal de que talvez seja preciso realizar uma entrevista. Algumas são óbvias: ambigüidade, por exemplo; outras são menos imediatamente identificáveis, como a consulta incompleta. Gerald Jahoda e Judith Schiek Braunagel advertiram que “certos tipos de conhecidos ou desejados fornecem pistas que indicam que a verdadeira consulta talvez não tenha sido formulada”, e citam como exemplo o pedido de uma obra de referência específica ou um tipo específico de ferramenta. A consulta formulada em termos muito genéricos quase sempre requer que sejam especificados. O bibliotecário pode suspeitar que o motivo do consulente ainda não está claro. Muito freqüentemente, a dificuldade, naturalmente, pode estar do outro lado do balcão: se o bibliotecário não compreende a questão ou não conhece o assunto, talvez seja preciso pedir ao consulente que apresente maiores explicações. Uma entrevista também pode ser necessária com finalidades técnicas mesmo quando o assunto tenha sido delineado com suficiente precisão: o bibliotecário talvez precise saber qual a quantidade de informação que o consulente deseja e em que nível. Talvez haja limitações de língua, período, geografia, formato ou tempo que precisam ser determinadas. As vezes convém saber quais as fontes que o usuário já consultou. E assim por diante. Este é o lugar apropriado para voltar a enfatizar a afirmativa feita na primeira frase deste capítulo: a maioria das consultas não precisa ser negociada. e, portanto, a maioria dos consulentes não precisa ser entrevistada. A questão formulada é a questão que vale. É preciso afirmar isso, pois o problema da entrevista tem sido exagerado na bibliografia, por exemplo, por Raymund F. Wood: “E raro o (ou a) consulente que deixa escapar o que realmente deseja logo no primeiro instante”; e por Ellis Mount: “é mais do que freqüente a questão apresentada no balcão de referência guardar pouca semelhança com a questão que deveria ter sido formulada”. Há riscos genuínos nesse tipo de atitude, mas, felizmente, outros autores fizeram suas advertências: “as pessoas que tentam negociar cada questão desenvolvem comportamentos mecânicos e estereotipados que não são atraentes” (Sandra M. Naiman); “às vezes a entrevista de referência dificulta o fluxo de informação” (Fred Batt); “os bibliotecários podem contrapor perguntas simplesmente por serem ineptos, ineficientes, incapazes de responder ou por não conseguirem localizar o material” (Robert Hauptman). Lembremos as palavras de Jahoda e Braunagel: “O primeiro passo numa negociação bem-sucedida está em identificar as consultas que exigem negociação e eliminar as que não a exigem.” O estudante, porém, tem de ser lembrado que a questão a ser negociada não carrega nenhuma marca inequívoca visível para todos. Reconhecer essas questões requer discernimento e experiência: esta é uma das razões por que o trabalho de referência, como o estudante se lembrará do capítulo i, é uma profissão e não uma habilidade técnica. O processo da entrevista
Vários autores que têm escrito sobre o processo de referência têm-no comparado a uma corrente. A analogia nos faz lembrar o antigo provérbio que diz que uma corrente tem a força de seu elo mais fraco: é claro que todo o processo de referência desmoronaria se houvesse uma ruptura em qualquer ponto de sua extensão, indo do problema básico do consulente até a solução acordada para ele. Como se disse, porém, o bibliotecário de referência só se incorpora ao processo no final de sua primeira fase, quando o consulente já forjou vários desses elos, por exemplo, entre a necessidade de informação e sua expressão na forma de uma questão. Se, como disse alguém, uma entrevista é “uma conversa com um propósito”, então o propósito da entrevista é permitir ao bibliotecário que comece a pôr à prova os elos da corrente de referência. Por conseguinte, os bibliotecários de referência precisam ser competentes tanto ao formular perguntas quanto ao respondê-las. Costumou-se até relativamente pouco tempo negligenciar esse aspecto, principalmente durante a formação profissional dos bibliotecários. De fato essa é a etapa do processo de referência em que a formação básica e a gama geral de interesses do bibliotecário mais o beneficiam. Geralmente, mas de maneira equivocada, considera-se ser bastante conveniente para a busca de referência que o bibliotecário seja especialista num assunto e possua uma ampla gama de conhecimentos gerais. Ellsworth Mason e Joan Mason eram de opinião que “leva cerca de dez anos de ávidas leituras sobre uma ampla variedade de assuntos, depois de uma boa formação em artes liberais e humanidades” somente para adquirir a perspectiva necessária para dar o primeiro passo na resposta a uma consulta de referência. Essa profundidade de conhecimentos básicos é particularmente útil para resolver questões ‘deficientes de informação’, quando a consulta contém algum erro. Bob Duckett foi ainda mais positivo: “O conhecimento aprendido na universidade geralmente não corresponde ao que é exigido pelo trabalho de referência em seu dia-adia. [...] O que mais procuro nos futuros profissionais é uma boa educação à moda antiga em artes liberais e humanidades [...] é de conhecimentos gerais que precisamos, não necessariamente o tipo de conhecimento acerca 35
de um determinado assunto, ainda que seja importante um conhecimento razoável dos temas da atualidade.” Para ajudar a selecionar pessoal para a Bradford Reference Library ele desenvolveu um teste contendo 30 perguntas sobre conhecimentos gerais, aplicado oralmente durante a entrevista. Charles A. D’Aniello acreditava que essa “formação cultural é diferente e serve a um propósito diferente daquele do conhecimento especializado minucioso”, e que “às vezes é a capacidade elucidativa do bibliotecário, que tem como uma de suas causas determinantes importantes o nível de conhecimentos gerais ou especializados que possui, que é o principal fator no êxito ou no fracasso de uma transação”. Katz, com efeito, mostrou que “o bibliotecário ocupa a posição ímpar de ser o ‘mestre do interdisciplinar” e que “essa capacidade de voltar-se para fora de uma perspectiva restrita é que faz com que o trabalho de referência seja uma especialidade [...] a especialização da visão genérica, que faz com que os bibliotecários de referência sejam um elo inigualável da corrente da informação”. Ele também acreditava que “um argumento convincente de que o bibliotecário de referência pode ser tanto um especialista quanto um generalista encontra-se no desenvolvimento de serviços de referência fora da estrutura formal da biblioteca”. Essa opinião é apoiada pelos próprios agentes de informação: Susan R. LaForte afirmou que o “sucesso depende não tanto da especialização num assunto, mas de ser especialista na localização de informações sobre qualquer campo do conhecimento, e de estar ‘disposto a gastar tempo e suor’ para consegui-lo”; e na opinião de Barbara Whyte Felicetti “é muito mais importante para o agente compreender a natureza bibliográfica da informação e poder conduzir uma entrevista de referência de primeira categoria do que ser especificamente versado num assunto”. Além disso, durante a etapa de busca do processo, como se verá depois, o bibliotecário conta com toda uma série de instrumentos auxiliares a seu dispor, que vão de uma variedade de ferramentas bibliográficas (inclusive os catálogos da biblioteca) até a experiência coletiva de seus colegas. A entrevista de referência, por outro lado, segue um caminho bem menos mapeado, onde compete ao bibliotecário, sozinho, durante a conversa com o usuário, identificar na totalidade do universo de conhecimentos o segmento particular que coincida com a necessidade tantas vezes expressa de forma imperfeita. Como um aide-mémoire às perguntas que formulariam ao usuário durante a entrevista, pelo menos três gerações de bibliotecários de referência têm repetido a quadra de Rudyard Kipling em Just so stories (1902): I keep six honest serving men (They taught me all I knew); Their names are What and Why and When And How and Where and Who1. Kipling, evidentemente, fora antes jornalista e essas interrogações foram denominadas ‘questionáriopadrão’. É interessante notar que se incorporaram rapidamente ao arsenal de quem faz buscas em linha, tendo sido citadas por Sara D. Knapp (1978), Stuart J. Kolner (1981) e Donna R. Dolan (1982). Em 1989 a Encyclopcedia britannica usou-as numa campanha publicitária. A pesquisa realizada por Robert S. Taylor na década de 1960 sobre a negociação de questões marcou importante avanço na compreensão da entrevista de referência pelos bibliotecários. Ele comparava o processo pelo qual as perguntas feitas pelo bibliotecário ao usuário vão paulatinamente definindo melhor o tema da consulta a uma série de “cinco filtros que a questão atravessa, e dos quais o bibliotecário seleciona dados importantes que o ajudam na busca”. Embora, muito corretamente, explicasse que “eles não foram antes reunidos de maneira racional”, realmente coincidem bastante com os “seis criados honestos” de Kipling. O tema da consulta
Para iniciar a entrevista tudo que o bibliotecário tem de fazer é passar a consulta através do primeiro dos filtros de Taylor, que ele chamou de “determinação do assunto”; ou (o que equivale à mesma coisa) o bibliotecário pode convocar o primeiro dos seis criados e fazer a pergunta ‘o quê?’. Existem dois aspectos inconfundíveis para se determinar exatamente de que trata a consulta, O primeiro é basicamente uma questão de terminologia: o bibliotecário precisa compreender o que as palavras significam. Se lhe for perguntado ‘você teria algo sobre cimbaloms ?’ ou ‘qual a origem do oolong ? ou ‘você poderia localizar para mim algumas ilustrações de Vijayanagar?’ ou ‘gostaria de ler algo sobre o método Decroly’ ou ‘o que você tem sobre scumbling [esbatimento]?’, e ele jamais tiver se defrontado com esses termos, o primeiro passo será descobrir o que significam. O caminho mais natural será perguntar ao consulente, que em geral sabe, ou pelo menos poderá colocar o bibliotecário na pista certa. Quando isso não for suficiente, a solução será consultar um dicionário ou uma enciclopédia (todos os exemplos citados serão encontrados na Encyclopedia britannica [Micropaedia]). Talvez isso também seja necessário se as palavras constantes da questão forem conhecidas, mas o bibliotecário ainda estiver inseguro quanto a seu significado no contexto, como, por exemplo, membros-fantasma, rainha-do-abismo, jardim de popa, face hipocrática, dias gordos, contato de veículos. Outra precaução prudente nessa etapa preliminar é certificar-se de ter ouvido corretamente as palavras. As bibliotecas não são os templos silenciosos e lúgubres da mitologia popular, mas locais de trabalho movimentados e muitas vezes barulhentos, onde não é raro ouvir-se mal. Todos os bibliotecários têm histórias para contar por 1
Tenho seis criados honestos / (Ensinaram-me tudo que sabia); / Seus nomes são Que e Por Que e Quando / E Como e Onde e Quem. (N.T.)
36
terem sido vítimas disso, percebendo seu erro somente no momento em que apresentam a resposta ao usuário: algo sobre oranges [laranjas] e peaches [pêssegos] quando o que havia sido solicitado era The origin of species [A origem das espécies] (de Charles Darwin); informação sobre bloodpressure [pressão sangüínea], quando o que fora solicitado era algo sobre Glubb Pasha (comandante da Legião Arabe)1. Para o bibliotecário, uma das maneiras mais fáceis de prevenir esses contratempos é expressar com outras palavras a questão apresentada pelo consulente; essa paráfrase é uma técnica clássica de entrevista. Esse tipo de reação muitas vezes induzirá o consulente a fornecer mais informações úteis. Outro risco terminológico a ser evitado é o da ambigüidade. Se o pedido for de ilustrações de Mount Vernon será importante descobrir se se trata da residência de George Washington ou de muitos outros lugares (cidades, montanhas, etc.) que têm nome semelhante. Precaução igual permitiu a bibliotecários a quem fora perguntado sobre o Clan Ross a definirem que o consulente queria era o navio desse nome e não um clã escocês; perguntados sobre a ilha dos Mortos, a descobrirem que se trata de uma pintura e não de um lugar; e ao ajudarem o consulente que procurava sobre Saint Pancras, a descobrirem que não estava interessado no distrito de Londres ou na estação ferroviária, mas no próprio santo, morto por apedrejamento na Sicilia no século 1. Deve-se ter o máximo de cuidado para jamais tirar conclusões precipitadas. A ambigüidade auditiva é uma cilada incrível, e os bibliotecários caem nela todos os dias: fornecendo informações sobre Patmos (a ilha grega) e não sobre Pat Moss (piloto de corridas automobilísticas); ou apresentando a definição de carrot [cenoura) e não de carat [quilate]. Mas pelo menos esses homófonos podem ser detectados pelo bibliotecário atento. Desvencilhar-se dos estorvos terminológicos é só metade da batalha. Embora conheça agora o significado da questão, o bibliotecário talvez ainda não esteja familiarizado com o assunto. Isso, contudo, não é motivo de alarme: muitas vezes, no serviço de referência, igual ao que Poe disse do xadrez, “confunde-se o que é apenas complexo com o que é profundo”. Samuel Swett Green deparou com isso há muito mais de um século: “Freqüentemente o bibliotecário é solicitado a dar informação a respeito de coisas e processos sobre os quais nada conhece.” Na realidade, essa é uma das situações mais sedutoras que o serviço de referência tem a oferecer, que é nos colocar, a cada dia, diante de um novo dilema intelectual. Charles A. Bunge expressou isso muito bem: “Existe uma alegria especial, em minha opinião, em ajudar alguém a aprender e conhecer. E de quebra, nosso próprio conhecimento cresce nesse processo.” Ao comentar sobre o trabalho de Green, Otis Hall Robinson confessou: “Às vezes acho que os estudantes obtêm mais de mim quando perguntam sobre assuntos que conheço menos.” Nenhum bibliotecário deve jamais hesitar em mostrar sua ignorância perante o consulente. Como disse Will Rogers com muito acerto, “todo mundo é ignorante, só que em assuntos diferentes”, e a maioria dos usuários de bibliotecas sabe disso muito bem. Eles não mais crêem que o bibliotecário tenha lido todos os livros da biblioteca, e em geral sentem-se bastante gratificados por juntarem seu conhecimento especializado ao conhecimento que o bibliotecário tem das fontes de informação e sua competência em usá-las. Eis, de fato, uma forma excelente de estabelecer a colaboração amistosa que todas essas transações deveriam ser. Os bibliotecários, principalmente os mais jovens, subestimam sua capacidade profissional de apreender as instruções que lhes são passadas e rapidamente aceitar um assunto desconhecido. E tanto os jovens quanto os velhos ainda têm de apreender todo o potencial da bibliografia sistemática — sua própria disciplina básica — como uma ferramenta de investigação intelectual imensamente poderosa. Coube a um não-bibliotecário, o grande jornalista H. L. Mencken, sustentar que “alguém que tenha acesso a uma biblioteca decente que conte com um bom bibliotecário poderá, em três semanas, tornar-se a segunda maior autoridade em qualquer assunto”. A consulta incompleta
Como se disse antes, a terminologia é apenas uma faceta da determinação exata do assunto da consulta; resta outro importante aspecto que é certificar-se que a questão esteja completa como expressão da necessidade de informação do consulente. Ao contrário da ambigüidade, que o bibliotecário esperto sempre reconhecerá, a questão incompleta talvez nem sempre dê sinal de sua presença no começo. O que os bibliotecários sabem, com base numa longa experiência, contudo, é que essas questões são realmente muito comuns. Qualquer que seja o motivo, muitos consulentes não conseguem expressarem forma verbal, com precisão, sua necessidade de informação completa. Nos anais da pioneira conferência de bibliotecários de 1876 lemos que “o Sr. Edmands apresentou divertidos exemplos mostrando que os leitores tinham apenas uma vaga idéia do que realmente queriam”. Na década de 1890 Silas H. Berry dizia a seus colegas no New York Library Club: “E muito difícil conseguir que um indivíduo lhe diga o que está realmente procurando.” Não houve mudança alguma em todo o século decorrido desde então, exceto que os bibliotecários se tornaram menos condescendentes e mais compreensivos. Continua sendo verdade, como assinalou Frederic J. Mosher, que “a maioria dos bibliotecários haverá de constatar o impressionante fato de que, aparentemente, é mais difícil perguntar do que responder”. 1
Trata-se da confusão que podem causar a ouvidos pouco atentos palavras que têm pronúncia igual ou parecida e sentidos diferentes. No primeiro exemplo, orange pronuncia-se o’rindj, e origin pronuncia-se o’ridjin, species pronuncia-se spi’xiz, e peaches, pi’txiz, No segundo exemplo, blood pronuncia-se blád, Glubb (antropônimo) seria glâb. pressure, pre’xa’, e pasha [paxá] soa como pae’xa (uma das pronúncias possíveis). (N.T.)
37
Provavelmente a forma mais freqüente assumida por essa tendência é o usuário solicitar material sobre um assunto genérico ou amplo, quando na verdade o que deseja é algo bastante específico ou detalhado. Katz assevera que esta é “a queixa habitual de todo bibliotecário”. Marian Harnes, em sua tese de doutorado apresentada à universidade de Sheffield em 1981, informava a respeito do estudo que realizou abrangendo 280 consulentes em duas grandes bibliotecas públicas do norte da Inglaterra: “Uma percentagem muito maior de usuários declarou [à pesquisadora] que estava procurando informações específicas, mas esse número superava o daqueles que foram observados formulando de fato suas consultas de maneira a revelar que estavam procurando uma informação específica.” É fácil ajudar consulentes que indagam ‘o que você tem sobre guerras?’ ou ‘você tem algo sobre engenharia elétrica?’: quase não há dúvida de que em tais casos eles generalizaram sua necessidade mais especifica, e um bibliotecário jeitoso logo conseguirá chegar ao cerne da questão. Eleanor B. Woodruff foi uma das primeiras a salientar em 1897 que “a capacidade de, por meio de perguntas habilidosas, sem aparentar curiosidade ou impertinência, extrair dos pedidos mais vagos e mais genéricos uma idéia nítida daquilo que o consulente realmente necessita” é “um dos maiores dons de um bibliotecário bem-sucedido”. Como exemplo ela citou o pedido de “um livro que contasse tudo a respeito de todas as espécies de aves” quando o que a pessoa realmente precisava era de um livro sobre doenças de galinhas. Mais difícil de reconhecer são os consulentes que perguntam onde ficam os livros de direito ou de religião, por exemplo. É bem possível que seja isso realmente o que procuram, e com razão ficariam ressentidos se um bibliotecário diligente supusesse que precisavam de algo diferente. Porém, se o que realmente precisam são as tabelas de alíquotas de imposto de renda ou livros sobre arquitetura de abadias, estarão a procurar em vão, pois em muitas bibliotecas o primeiro desses assuntos estaria na seção de finanças ou negócios e o outro junto com os livros de arquitetura. O que houve de errado foi que a generalização se fez de forma incorreta: nos termos do processo de referência ocorreu uma ruptura na corrente entre a necessidade de informação e a questão inicial. Deve-se, é claro, procurar evitar de todos os modos possíveis as graves interrupções do processo de referência que resultam dessas generalizações inadequadas. Infelizmente, ninguém conseguiu ainda explicar satisfatoriamente por que esses consulentes não pedem aquilo que sabem que precisam. Nem sempre é correto concluir, conforme advertiu K. Sankaraiah, que se não conseguem formular suas questões de modo mais específico é porque são incapazes de fazê-lo. Sugeriu-se que talvez achem que uma questão mais ampla seja ‘mais fácil’ para o bibliotecário do que uma consulta específica. Estudos realizados em bibliotecas universitárias mostraram que pelo menos alguns estudantes não acreditam que o bibliotecário compreenderia ou conseguiria responder qualquer coisa que não fosse uma questão genérica. Também se apelou para as teorias do campo da comunicação interpessoal em busca de pistas para uma solução. Num diálogo face a face as mensagens trocadas entre os participantes são portadoras de três tipos de informação: cognitiva — concernente a fatos, idéias, o ‘significado’; afetiva — que transmite atitudes e sentimentos, consciente ou subconscientemente; e cooperativa — que organiza e regula a interação. Pelo menos no que tange às mensagens faladas, todos sabem que praticamente em todas essas situações a fala às vezes é empregada para transmitir uma sociabilidade genérica e não um significado específico, principalmente nos momentos iniciais de um encontro — por exemplo, troca de amabilidades, comentários sobre o tempo, perguntas sobre o estado de saúde. Ainda que o significado exato das palavras empregadas seja bastante irrelevante, isso é mais do que conversar por conversar, pois contribui para o processo de regulação da interação. A fala inicial no encontro de referência em princípio não é diferente, O estado da saúde e do tempo talvez não se faça muito presente, mas Thomas Lee Eichman mostrava em 1978 que o consulente está simplesmente seguindo um procedimento operacional clássico de abertura “movendo-se deliberadamente para um conceito menos específico de que ele ou ela têm plena consciência [...] dirigindo seus esforços [...] para o estabelecimento de um canal entre uma mente e outra”, O componente interpessoal na entrevista de referência será estudado com mais detalhes mais adiante neste capítulo. Igualmente, em 1983 Joan C. Durrance valeu-se das sugestões do psicólogo social Erving Goffman a respeito das “razões que se acham por trás da freqüente preferência que os usuários têm de começar com a questão genérica e não de solicitar o que realmente precisam. ‘Quando os indivíduos desconhecem as opiniões e as posições um do outro, ocorre um processo de sondagem pelo qual cada indivíduo admite para o outro suas opiniões ou posições um pouco de cada vez. Depois de relaxar a guarda um pouco, ele espera que o outro faça a mesma coisa’.” Anita Schiller tem outra explicação a dar: “Talvez a necessidade desse trabalho de detetive psicológico decorra, em parte, não tanto da incapacidade do cliente de se expressar, quanto de se sentir que não está realmente qualificado para solicitar uma informação específica.” Esse surpreendente estado de coisas, depois de mais de um século de serviço de referência, já foi examinado no capítulo 1, Norma J. Shosid apresentou maiores explicações: “Alguns dos distúrbios de comunicação dos bibliotecários resultam do fato de que muitas das pessoas com quem lidam não saberem o que esperar deles. As pessoas não sabem ao certo como se comportar em diferentes situações no contexto da biblioteca.” Segundo este argumento, os usuários de fato sentem uma necessidade genuína de assistência específica, mas temem que o bibliotecário alimente a expectativa de que possam servir-se a si próprios. Sua solicitação genérica é como se fosse, portanto, uma espécie de solução de 38
meio-termo que têm a oferecer: “Pelo menos nos ponha no rumo certo; depois acharemos o resto do caminho sozinhos.” Uma pequena variação sobre esse tema encontramos na solicitação de determinado livro que o consulente acredita que contém a resposta à questão. Às vezes não a contém ou, se contém, não está na forma apropriada. Esse procedimento tem sido caracterizado como ‘independência inoportuna’ e se manifesta na situação do consulente que pede uma lista de todas as invenções existentes no mundo, quando o que realmente procura é o homem (ou a mulher) que descobriu a equação do segundo grau. Aqui a dificuldade do bibliotecário consiste naturalmente em diferençar, de um lado, o consulente que pede para ver o Who‘s who porque é isso que ele deseja, e, por outro lado, o consulente que pede para ver o Who ‘s who porque quer saber quando foi que morreu o ator de cinema Errol Flynn e supôs. incorretamente, que o encontraria incluído ali. Patrick Wilson, porém, nos advertiu que os “os bibliotecários ocupam uma posição especial que lhes permite ajudar uma pessoa a evitar que desperdice seu tempo e sua energia procurando em fontes totalmente inadequadas”. Há problemas similares com o consulente que começa dizendo “gostaria de encomendar uma pesquisa no computador”. Também não é raro que um pedido de um título específico oculte uma consulta de localização de material que seria satisfeita com um livro ou outro tipo de material sobre o assunto. Haverá também aqueles que se decidiram quanto ao que precisam, mas ficam atormentados com a paralisia do ‘pensamento não-verbalizado’ 1. Pessoas altamente instruídas, como os bibliotecários, nem sempre sabem avaliar a dificuldade que muitas pessoas enfrentam ao tentarem traduzir seus pensamentos em palavras. É errado supor que essa dificuldade de expressão esteja limitada a pessoas de baixa instrução ou obtusas. Frederick W. Lanchester, formado por universidade, um dos maiores engenheiros da Inglaterra e construtor do primeiro automóvel britânico, costumava dizer que achava mais fácil conceber uma nova invenção do que descrevê-la com palavras posteriormente. Uma questão incompleta comumente carecerá de seu elemento ‘desejado’ ou do ‘conhecido’ (conforme foi explicado no capítulo 2), e ocasionalmente de ambos. Normalmente o que é preciso é desenvolver mais o componente insuficiente, fornecendo mais dados, ou refiná-lo tomando-o mais específico. Vejamos algumas situações típicas: um pedido de livros sobre Mu tem como desejado a localização de determinados documentos, porém seu conhecido ‘Mu’ — é obscuro e precisa ser mais bem desenvolvido (trata-se de um hipotético continente perdido no oceano Pacífico). Numa consulta em busca de informações sobre Gustav Mayrink (romancista austríaco) o conhecido está bastante claro uma pessoa—, mas o desejado poderia ser qualquer um ou todos dentre os seguintes: ilustração, bibliografia, localização de documentos, informações gerais ou contextuais (biográficas ou literárias), etc. O desejado precisa ser aprimorado. Igualmente, um consulente que esteja à procura do ‘diário de uma velhinha, que foi muito comentado faz alguns meses’ precisa ser solicitado a desenvolver um pouco mais o conhecido; e quem estiver procurando informações sobre o Evangelho de Nicodemo (obra apócrifa do século V) deve ser instado a ser mais específico sobre o desejado. Algumas consultas acabam se mostrando incompletas por causa de razões meramente incidentais. Podem ser inequívocas, precisas e aparentemente completas tanto em seus conhecidos quanto em seus desejados, porém, para fins práticos, ainda precisam de alguma redefinição em virtude de sua própria complexidade ou por causa da forma como são abordadas na bibliografia. Lamentavelmente para o bibliotecário inexperiente tais consultas talvez pareçam ilusoriamente simples, como, por exemplo, ‘estou à procura de estatísticas sobre mortalidade infantil na Grã-Bretanha’. A primeira fonte óbvia será o Annual abstract of statistics, onde existe uma matéria de página dupla dedicada ao assunto. Mas não traz dados estatísticos sobre a ‘Grã-Bretanha’. O que realmente aparece ali são estatísticas separadas para o Reino Unido, Inglaterra e País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte. O segundo problema é que as cifras publicadas não correspondem a óbitos em números absolutos, mas a taxas de óbitos por mil nascidos vivos, o que torna impossível obterem-se totais para a Grã-Bretanha somando as cifras da Inglaterra e País de Gales com as da Escócia, ou subtraindo as cifras da Irlanda do Norte das do Reino Unido. A dificuldade final está em que as estatísticas são divididas em natimortos, óbitos perinatais, óbitos neonatais e óbitos pós-neonatais, sem qualquer totalização e informação imediatamente compreensível sobre o significado desses termos, O passo seguinte a ser dado por um bibliotecário de referência experiente será consultar o Guide to official statistics do Central Statistical Office, uma obra de referência excelente, que conquistou a medalha Besterman da Library Association, e que arrola não menos de 18 ‘fontes sistemáticas’ e 5 ‘fontes ocasionais’ sobre mortalidade infantil. Na prática, o bibliotecário talvez ache que a resposta mais satisfatória consista simplesmente em apresentar os documentos pertinentes abertos na página apropriada, junto com o convite ao leitor para que volte a perguntar se não estiver satisfeito, Isso será tratar a questão em seu estado incompleto, na confiança de que o consulente conseguirá completá-la ao examinar o material que lhe foi fornecido. Isso, porém, só ocorreria depois de uma avaliação rápida e quase instintiva do tipo de consulente; em outros casos, o bibliotecário poderá julgar mais prudente propor-se a dar explicações, ou tentar certificar-se por meio de perguntas se há necessidades mais bem definidas. 1
Como disse, em 1912, Augusto dos Anjos, a idéia “tísica, tênue, mínima, raquítica... / Quebra a força centrípeta que a amarra, / Mas, de repente, e quase morta, esbarra / No molambo da língua paralítica!”. (‘A idéia’, in: Eu e outras poesias.) (N.T.)
39
O consulente indeciso
Este capítulo concentrou-se até agora nos consulentes que sabem o que precisam, mas não formularam sua questão da maneira mais correta. Chegou a vez agora de estudar o segundo grupo mencionado no início do capítulo: aqueles que não têm certeza do que precisam. Na realidade, fizeram uma pergunta, ainda que talvez ela tenha sido precedida de um ‘não tenho muita certeza do que quero, mas...’. Também sabem que se defrontam com um problema e que se trata de um problema que a informação talvez os ajude a resolver, mas se mostram vacilantes quanto ao tipo de informação que necessitam. A maioria desse tipo de consulentes, quando procura o bibliotecário, apresentará ‘questões’ sobre ‘assuntos’, muito embora tais ‘questões’ não passem efetivamente de uma hipótese por parte do consulente sobre a possibilidade de se encontrar uma solução. De modo algum dirão que se sentem hesitantes, e a menos que o bibliotecário seja suficientemente perspicaz para perceber isso, de imediato ou durante a conversa subseqüente, o processo enfrentará dificuldades. Conforme se mencionou rapidamente no capítulo 1, os psicólogos do conhecimento têm muito a nos dizer sobre como os problemas surgem nas mentes das pessoas, e os psicólogos da linguagem também têm realizado pesquisas sobre o processo de formulação de questões. Com base nessas pesquisas, tem sido dada muita atenção recentemente em nossa profissão à forma como se originam as questões de referência. Um dos primeiros bibliotecários atentar uma explicação foi D.J. Foskett em 1958: “Quando um pesquisador começa a fazer uma investigação, é porque tomou consciência de uma lacuna em seu conhecimento, que deseja preencher, mas não tem como saber a extensão de sua ignorância. Ao formular a questão, é mais provável que o faça em termos do que conhece do que em termos do que desconhece.” Em 1960 D.M. MacKay, professor de comunicação, estendeuse acerca disso, sugerindo que a necessidade de informação de um indivíduo representa “uma certa deficiência em sua imagem do mundo, uma inadequação no que ele chamaria seu ‘estado de prontidão’ para interagir, com um propósito em vista, com o mundo à sua volta”. Paul Sprosty, em sua tese de doutoramento apresentada em 1962 à Western Reserve, trouxe uma contribuição particularmente útil: “Uma questão surge depois que alguém descobre uma lacuna no que se pode denominar [.1 seu mapa cognitivo de uma área. Parece provável, porém, que tão logo essa lacuna é identificada, o ser pensante lança sobre ela uma ponte valendo-se de algum conceito ou idéia que se baseia no conhecimento de que dispõe. Ademais, a extensão com que pode comunicar a natureza dessa ‘ponte’ varia. [...] As questões, então, não são simplesmente pedidos de informação. As informações que [um consulente] aparentemente solicita e recebe confirmam ou refutam de fato [...] a ponte cognitiva que ele já erigiu para preencher uma lacuna cognitiva.” O modelo mais elaborado já surgido na bibliografia de biblioteconomia foi construído por Taylor em 1962. Causou um grande impacto em nossa compreensão da entrevista de referência e lançou os alicerces para praticamente todos os estudos posteriores. Ele identificou quatro níveis de necessidade de informação, correspondendo à seqüência de quatro etapas de formulação de questão que “se fundem gradualmente ao longo do espectro da questão”. O primeiro nível é a necessidade visceral, a necessidade real mas tácita, da qual o consulente talvez ainda não esteja totalmente consciente; “talvez seja apenas uma vaga espécie de insatisfação. É provavelmente inexprimível em termos lingüísticos.” De fato ainda não é uma questão. O segundo nível é a necessidade consciente, a descrição mental percebida que o consulente forma acerca da informação de que precisa; “provavelmente será um enunciado ambíguo e tateante”. O terceiro nível é a necessidade formalizada, os termos concretos que o consulente emprega para descrever a área sobre a qual tem dúvidas: é “um enunciado competente e racional de sua questão”. O quarto nível é a necessidade negociada. representada pela forma das palavras apresentadas ao sistema de informação (do qual o bibliotecário é comumente visto como uma de suas partes); “a questão é reformulada em antecipação ao que os arquivos possam fornecer”. Em 1981, ao detalhar esse modelo no contexto da entrevista que antecede as buscas em linha, Karen Markey comparou a descrição da necessidade ‘visceral’ feita por Taylor com a teoria da dissonância cognitiva. de Leon Festinger, que afirma que buscamos uma coerência interna entre nossas crenças e nossos atos ou entre uma crença e outra. A ausência dessa coerência, este conflito conceitual, este desacordo mental, é conhecida como dissonância cognitiva, e conscientemente esforçamo-nos para diminuí-Ia, de diferentes maneiras, inclusive procurando informação. Talvez a elaboração mais eclética das teorias de Taylor e outros autores seja encontrada na obra de Nicholas J. Belkin, tanto em sua tese de doutorado em Londres, de 1977, quanto em várias publicações mais recentes. Como explicou ele em 1985, “as pessoas, quando realmente assumem o comportamento de quem procura informação, assim o fazem porque suas condições de conhecimento a respeito de uma determinada situação ou assunto são por elas reconhecidas como sendo de algum modo ‘insuficientes’ ou ‘inadequadas’ para essa situação: isto é, existem anomalias (lacunas, incertezas, ausência de relações ou conceitos, etc.) em seu estado conceitual de conhecimento acerca do assunto, que as pessoas percebem que precisam ser resolvidas a fim de alcançarem seus objetivos.” Embora admitisse que “esse conceito não é totalmente original, mas antes uma síntese de várias sugestões anteriores” e que sua base “pode ser vista no esquema dos níveis de questão de Taylor”, ele ideou uma sigla que foi um achado: ASK 1 (anomalous state of knowledge [estado anômalo de 1
A sigla é um achado porque o verbo to ask significa, entre outros sentidos, perguntar, formular uma questão. (N.T.)
40
conhecimento]), e seus estudos lançaram uma luz nova sobre a forma como se originam as questões de referência. Não é estranho, portanto, que alguns consulentes cheguem ao balcão de referência trazendo questões que não resolverão seus problemas, embora nem todos revelem absolutamente sintomas de incerteza. Conforme Jahoda e Braunagel explicaram, “se a necessidade de informação for enunciada na forma de uma pergunta, na primeira ou segunda etapa de desenvolvimento, quando o solicitante ainda não a definiu claramente, o resultado muito provavelmente será uma pergunta enunciada de modo vago ou ambíguo”. Para Taylor, “a proficiência do bibliotecário de referência está em trabalhar junto com o consulente, voltando à necessidade formalizada, possivelmente até a necessidade consciente, e depois traduzir estas necessidades numa estratégia de pesquisa”. Mas se uma questão incompleta é difícil de ser percebida na etapa inicial, reconhecer os casos em que ela é inadequada à necessidade subjacente requer quase um sexto sentido ou pelo menos uma perspicácia invulgar. Vale também o que há muitos anos atrás William Warner Bishop descreveu como “a curiosa capacidade de pressentir qual o verdadeiro problema em causa”. Qualquer que seja a forma que assuma, seria o tipo de percepção que levaria o bibliotecário a suspeitar que por trás de uma consulta como ‘onde poderia encontrar a seção sobre transportes?’ estaria uma necessidade de ilustrações de liteiras; ou que um pedido de ‘qualquer livro sobre são Paulo’ oculta a procura dos emblemas a ele associados (uma espada e um livro). Essa é a hora do que James I. Wyer chamou “telepatia bibliotecária [...] como proporcionas às pessoas o que elas não sabem que querem”. Taylor com certeza tem razão ao dizer que “sem dúvida, a negociação das questões de referência é um dos atos de comunicação humana mais complexos. Nesse ato, uma pessoa tenta descrever para outra não o que conhece, mas sim o que desconhece.” O consulente equivocado
Mais misteriosas ainda são as consultas de usuários que nem mesmo concluíram com êxito a primeira etapa do processo, ou seja, não conseguiram identificar seu problema. A dificuldade do bibliotecário em ajudar esses consulentes decorre do fato de eles acreditarem piamente que identificaram o problema. Não se dão conta de que sua hipótese quanto à informação que solucionará seu problema carece de base sólida; podem até mesmo não ter consciência de que não passa de uma hipótese. Em outras palavras, não só desconhecem o que precisam, mas desconhecem que desconhecem. As questões que formulam, ademais, muito provavelmente serão positivas, precisas e claras. São, porém, as questões erradas: as respostas que forem oferecidas não solucionarão os problemas originais porque estes foram de início diagnosticados incorretamente. E preciso um bibliotecário extraordinariamente sagaz para descobrir isso na etapa da entrevista. A técnica adotada para sondar o mistério é, naturalmente, a de fazer perguntas, mas o obstáculo nesse tipo de consulta está em saber quando perguntar. Há riscos em pressupor que o consulente fez tudo errado; e oferecer-se voluntariamente para responder uma questão que não foi perguntada é como ajudar um pedestre cego a atravessar a rua sem primeiro se certificar de que ele quer mesmo atravessá-la. Suspeita-se que aqui o bibliotecário esteja beirando as fronteiras daquela região onde a técnica tem pouca serventia. Acerca dessa faceta da entrevista de referência George W. Horner fez a seguinte advertência: “Algumas de suas dificuldades recorrentes talvez pertençam a uma região bastante labiríntica de reações humanas permanentes”. Em alguns casos a verdadeira questão que precisa ser respondida talvez venha a ser, como Winston Churchili certa feita afirmou sobre a Rússia, “uma adivinhação envolta num mistério dentro de um enigma”. Uma boa cultura geral e uma reserva de simpatia, criatividade e confiança são de grande ajuda, mas seria tolice ignorar o importante papel que a intuição desempenha aqui como em outras partes do processo de referência. O venerando Oliver Wendell Holmes disse certa vez que “o lampejo de um momento às vezes vale a experiência de uma vida”. Motivo e contexto
Invocar outro dos criados de Kipling perguntando ‘por quê?’ talvez sirva para obter informações valiosas de consulentes inseguros ou equivocados. Segundo os termos de Taylor, este seria seu segundo filtro, “motivação e objetivo do consulente”, que ele considerava como “provavelmente o mais crítico”, O que o bibliotecário faz é tentar descobrir a finalidade para a qual a informação é exigida. Tradicionalmente, é claro, segundo Robert L. Collison em seu manual de 1950 Library assistance to readers, “a tarefa do bibliotecário é proporcionar informações sem perguntar a que propósito elas servirão ou as circunstâncias que deram origem à consulta”. Jaboda e Braunagel em 1980 tinham a mesma opinião em seu manual, sustentando que o bibliotecário “jamais deveria perguntar por que o cliente quer a informação solicitada”. A experiência de Mount era de que “o cliente não revela de boa vontade a razão por que necessita de informação”, e de qualquer maneira muitas vezes é difícil fazer essa pergunta abertamente, sem aparentar uma curiosidade impertinente. Barbara M. Robinson relatava em 1989 que “alguns profissionais acreditam que fazer perguntas é uma violação da privacidade do usuário”, porém ela também nos lembrava que “há muito tempo que perguntar por que tem sido um manancial de controvérsia no seio da profissão”. Norman J. Crum argumentava em 1969 que “descobrir por que o usuário quer a informação reduz pela metade o tempo despendido na busca e geralmente determina a prioridade, profundidade e forma da resposta”. Seu lado nesse debate ganhou um sólido apoio da frente de pesquisas ao longo dos últimos dez anos. Conforme Belkin e Vickery explicaram em 1985, “uma importante implicação desse trabalho de orientação cognitiva é que não existe essa coisa de uma necessidade de 41
informação em abstrato, mas, ao contrário, circunstâncias que levam ao comportamento informacional [...] as necessidades humanas que originariam o comportamento informacional constituem um grupo altamente complexo e interativo de fatores cognitivos. afetivos, sociais e políticos”. Isso nos dá, como Brenda Dervin e Patricia Dewdney expressaram, uma imagem “fundamentalmente diferente” da informação: não uma mercadoria, não “um objeto autônomo que pode ser armazenado, acessado e transferido”, porém algo que “não tem uma existência independente, mas, sim, um construto mental do usuário. Por conseguinte, a ‘informação’ que ajuda uma pessoa num momento e num lugar determinados talvez não ajudem uma outra. Talvez nem mesmo ajude a mesma pessoa um pouco mais tarde.” Catherine Sheldrick Ross traçou uma valiosa linha divisória entre “a resposta ‘correta’ para a questão isolada de um referencial, sem contexto, e a resposta útil para uma determinada pessoa numa situação determinada”. Wilson decifrou as implicações disso: “O único sentido claro com que podemos falar de pessoas que precisam de informação é em relação a outros propósitos, metas ou padrões [...] sem informação acerca de um propósito não há base para julgamento acerca de necessidade, nem forma alguma satisfatória de descobrir necessidades ‘reais’ “ Em outras palavras, o contexto é tudo. O que certamente parece suceder na prática é que o bibliotecário que consegue inculcar na mente do consulente, nessa etapa inicial, a natureza colaborativa do processo de referência geralmente constata que logo surgem as explicações. Wilson nos estimulou a “lembrar com que freqüência as pessoas espontaneamente oferecem informação sobre os propósitos, e quantas oportunidades lhes podem ser oferecidas para assim agirem”. No entanto, também se deve dar atenção à advertência feita por Jahoda e Braunagel: temos de “ser sensíveis aos sinais comunicados pelo usuário, que indicam que ele não deseja divulgar qualquer outra informação adicional”. A lição a aprender aqui, segundo Taylor, é que “os consulentes freqüentemente não podem definir o que querem, mas podem comentar por que precisam”. Esses comentários permitem ao bibliotecário e ao consulente elaborar juntos o que é solicitado e formular a questão que o consulente queria apresentar. Perguntas abertas e fechadas
A “competência de perguntar” mencionada por Woodruff em 1897 ainda é o principal instrumento de negociação do bibliotecário de referência. Mas não deve ser empregada como um porrete ou mesmo um bisturi. O motivo pelo qual a entrevista é necessária é, em primeiro lugar, porque o consulente não, disse ao bibliotecário o suficiente sobre o que deseja, e, portanto, deve-se intentar qualquer linha de interrogatório para se conseguir que ele fale. O que a experiência nos ensina é que perguntas ‘abertas’ têm mais probabilidade de êxito do que perguntas ‘fechadas’, que limitam o tipo de resposta a ser dada, seja a um mero sim ou não, seja a uma dentre um conjunto de possibilidades especificadas. As perguntas abertas, como seu nome sugere, são de natureza muito menos restritiva, deixando a decisão quanto à quantidade e tipo de informação constante da resposta muito mais nas mãos da pessoa a quem estejam sendo dirigidas as perguntas. Tomando um exemplo específico, a um pedido, que não raro, como ‘o que você tem sobre saca-rolhas?’ o bibliotecário de referência poderia replicar de um jeito que não seria despropositado: ‘seria algo sobre a história ou sobre coleções de saca-rolhas que você deseja?’ — uma pergunta obviamente fechada. Um consulente tímido ou que se sinta melindrado com essa resposta simplesmente diria ‘não’, quando então o bibliotecário teria de começar tudo de novo. A segunda tentativa (a não ser que o bibliotecário seja particularmente obtuso) seria quase com certeza uma pergunta aberta: ‘O que é que você gostaria de saber sobre saca-rolhas?’. O consulente ver-se-ia então obrigado a falar, e muito provavelmente forneceria informações suficientes para que o bibliotecário se pusesse a trabalhar. Por exemplo, ‘acabei de inventar um novo tipo de saca-rolhas e gostaria de saber se alguém já teve a mesma idéia antes de mim’. De modo semelhante, se a resposta do bibliotecário a consultas do tipo ‘estou à procura de algo sobre Bertrand Russell’ ou ‘você tem alguma coisa sobre Dylan Thomas?’ fosse ‘você quer informações sobre sua vida ou sua obra?’, teríamos então evidentemente uma pergunta fechada, o que poderia muito bem confundir e até mesmo irritar um consulente que estivesse simplesmente querendo saber se Bertrand Russell tinha um título de nobreza (ele sucedeu seu irmão como terceiro conde em 1931) ou onde Dylan Thomas publicou um trabalho pela primeira vez (numa revista escolar). As perguntas fechadas geralmente começam com um verbo e apresentam um padrão de entonação descendente. Implicam que o bibliotecário já fez um julgamento ou pelo menos uma suposição sobre o que o consulente deseja. São as ferramentas do interrogatório. As perguntas abertas começam com ‘que’, ‘quando’, ‘onde’, ‘quem’. ‘qual’, por que’, ‘como’, etc. e têm um padrão de entonação ascendente. Às vezes dão de quebra úteis informações adicionais sobre a consulta, que o bibliotecário não pensaria em perguntar. Mas mesmo com as perguntas abertas o caminho nem sempre se apresenta livre de obstáculos: se é um erro tratar a entrevista de referência como um interrogatório policial; é igualmente indesejável que a mesma seja uma conversa informal, e ao se transferir a iniciativa para o consulente corre-se esse risco. Toda entrevista de referência tem uma finalidade e o tempo jamais é ilimitado. Conforme diz Taylor, “isso requer tanto direção quanto estrutura por parte do especialista em informação”. De vez em quando nos defrontamos com consulentes que não estão dispostos a falar, como Jahoda e Braunagel sugeriram acima, talvez porque prefiram manter em sigilo seus assuntos; quem acabou de inventar um novo tipo de saca-rolhas poderá sentir-se assim. Bibliotecários de referência experientes verificaram que uma pergunta fechada formulada com precisão no momento apropriado — muitas vezes baseada numa intuição bem-fundamentada pode ser muito eficaz. Marilyn Domas White identificou 42
três seqüências de perguntas: “a seqüência em funil, que parte de perguntas gerais e abertas para perguntas fechadas e restritivas; [...] a seqüência em funil invertido, que parte de perguntas fechadas para abertas; [...] a seqüência em túnel, que emprega uma série do mesmo tipo de perguntas, ou abertas ou fechadas”. Dervin e Dewdney propuseram o emprego de perguntas “neutras”, baseadas na teoria cognitiva da ‘formação de sentido’. A consulta de referência é uma tentativa de preencher uma lacuna que surge quando as pessoas se vêem na situação de serem incapazes de avançar sem formar algum tipo de ‘sentido’ novo acerca de algo. O uso a ser dado á resposta à consulta é o terceiro elemento. Uma pergunta neutra é uma espécie particular de pergunta aberta que procura descobrir a situação subjacente, a lacuna com que a pessoa se defronta, e o uso esperado que terá a informação solicitada, como, por exemplo, ‘como você gostaria que essa informação o ajudasse?’. As perguntas neutras evidentemente sondam o motivo e remetem para o contexto da consulta. Especificação da resposta
Se o objetivo primordial da entrevista de referência é determinar o assunto da consulta, obviamente um objetivo secundário importante em determinados casos é procurar vislumbrar a resposta provável, a fim de antecipar a forma que provavelmente terá, na medida em que isso for possível nessa etapa preliminar. Trata-se de obter dos consulentes uma idéia esquemática acerca da quantidade, do nível e da forma do material que desejam. Isso envolve com freqüência descobrir o que eles já conhecem, inclusive onde já possam ter procurado e algo sobre suas características pessoais. No esquema de Taylor isso corresponde a seus filtros de número três e cinco: “antecedentes pessoais do consulente” e “que tipo de resposta o consulente aceitará?”. O bibliotecário formula as perguntas de Kipling ‘quem?’ e ‘como?’. É importante observar que estes filtros, ou perguntas feitas pelo bibliotecário, no se aplicam numa seqüência fixa, predeterminada: conforme salienta Taylor, “eles podem ocorrer simultaneamente”, e talvez já se tenha obtido algum conhecimento a respeito do consulente se perguntas relativas ao motivo e contexto tiverem sido feitas. Na verdade, uma consulta como ‘quero saber tudo a respeito de fermento em pó’ é impossível de responder de forma útil sem se aplicar os filtros de Taylor. Igualmente, diante da pergunta ‘como funcionam os compressores das geladeiras?’, a maioria dos bibliotecários se sentiriam obrigados a ajustar a quantidade e o nível do material da resposta ao consulente específico, que poderia estar executando um trabalho escolar, solucionando um problema doméstico, satisfazendo a curiosidade, ou toda uma gama de outras possibilidades. Quanto à forma que a resposta teria, o consulente que estivesse procurando informações sobre figuras desenhadas com calcário em colinas da Inglaterra certamente ficaria desapontado diante de material sem ilustrações. Este é o ponto em que o bibliotecário talvez se surpreenda ao saber que uma das características pessoais do consulente é que ele, ou mais comumente ela, está de fato procurando informações para uma outra pessoa. Donald Davinson advertiu que “realmente pode ser muito difícil lidar com as consultas formuladas por intermediários. Infelizmente, são encontradas mais comumente em áreas onde a informação procurada é bastante complexa e especializada — em consultas de natureza empresarial ou comercial quando o executivo está muito atarefado para poder ir pessoalmente à biblioteca.” G.W. Horner acertou no alvo em 1965: “É do mundo das secretárias que surge o exemplo primeiro da consulta desalinhavada, vagando sem rumo até que se consiga descobrir o que causou seu encaminhamento.” Ele a denominou consulta “de terceira mão”. Uma pesquisa feita há alguns anos na Manchester Commercial Library constatou que um terço das consultas feitas por telefone era desse tipo. Segundo Jack B. King, “o mecânico envergonhado, hesitante, enquanto sua companheira faz uma consulta, destinada a ele, sobre a localização de um manual de instruções de um caminhão Ford, é uma situação banal nas bibliotecas públicas”. Mesmo em bibliotecas universitárias isso está longe de ser incomum: os estudantes regularmente fazem consultas uns para os outros, mas também aqui parece que as mulheres são as que mais fazem consultas para seus amigos do sexo masculino, e não o contrário. Se parecer que a consulta levará mais de alguns minutos para ser atendida, ainda resta outro aspecto importante sobre o qual o bibliotecário deverá indagar: a urgência. Emprega-se a pergunta clássica ‘para quando?’. Já em 1911 Manlla Waite Freeman iniciava seu trabalho acerca desse tópico citando uma canção popular então em voga: “I want what I want when I want it” [Quero o que quero quando quero]. A canção talvez tenha caído no esquecimento, porém essa máxima ainda sobrevive entre os usuários de biblioteca. Na biblioteca da London Weekend Television 70% das consultas devem ser respondidas imediatamente, e outros 15% no dia seguinte. Sem dúvida, as consultas tomam tempo, e é natural que os usuários se sintam perplexos quando o bibliotecário começa a fazer perguntas ao invés de encontrar respostas, mas, na verdade, os bibliotecários se esquecem com muita facilidade que muitos consulentes têm pressa. e dificilmente existe algum que não esteja às voltas com alguma limitação de tempo. Muitas vezes talvez seja preferível para o consulente deixar a questão nas mãos do bibliotecário para que faça a pesquisa e dê um retomo oportunamente. Esse objetivo secundário da entrevista de referência não é uma simples questão de forma ou rotina. Pode modificar de modo bastante acentuado a natureza da busca subseqüente. Conforme foi salientado no final do capítulo 2, e quando se tratou do motivo e do contexto anteriormente neste capítulo, questões idênticas oriundas de diferentes pessoas podem exigir respostas muito diferentes: ainda que o assunto seja o mesmo, a quantidade, nível e forma do material talvez não sejam iguais. 43
Restrições
A essa altura o bibliotecário provavelmente terá se certificado da existência de quaisquer outras restrições usuais em relação à consulta, como língua, período de tempo abrangido ou lugar. As restrições quanto à língua são relativamente óbvias. Solicitado a ajudar na localização de relatórios sobre bombardeios dos Aliados contra cidades alemãs durante a Segunda Guerra Mundial, o bibliotecário precisará saber se o consulente teria condições de ler material em alemão. As restrições quanto ao período de tempo ou à cronologia podem ser decisivas: um consulente que esteja procurando saber qual o circuito da corrida de bicicletas Tour de France deve ser solicitado a especificar a data porque o percurso muda a cada ano. Para descobrir se há limitações quanto ao lugar, o bibliotecário terá de invocar o último dos criados de Kipling e perguntar ‘onde?’. No caso de uma questão sobre mulheres viajantes famosas seria conveniente o bibliotecário indagar se o consulente está interessado numa determinada região do mundo; isso certamente simplificaria a busca e, portanto, a tomaria mais imediatamente produtiva. Não é raro, na prática, essas limitações serem implícitas e não explícitas, pelo menos numa busca manual. Quem estivesse fazendo uma busca sobre os efeitos das recentes mudanças políticas nos sistemas bancários dos países da Europa oriental provavelmente não forneceria trabalhos em polonês ou húngaro, a menos que houvesse bons motivos para supor que o consulente saberia lê-los, O pedido de um livro sobre o Grande Incêndio de Londres normalmente seria atendido com a apresentação de um título recente, muito embora desde 1666 venham sendo publicados livros sobre esse assunto. Os computadores, como é sabido, carecem desse bom senso e somente eliminarão trabalhos incompreensíveis para o usuário ou livros obsoletos se forem especialmente instruídos a fazer isso. De fato, a inclusão deliberada dessas restrições, antecipadamente, numa formulação de busca constitui um dispositivo bastante útil, de que lançam mão os especialistas que fazem buscas em computador, a fim de evitar referências indesejáveis. Uma busca de informações sobre o projeto de centros cirúrgicos em hospitais seria antecipadamente restringida a trabalhos em inglês, de origem norte-americana ou inglesa, durante os últimos cinco anos. A entrevista em buscas informatizadas
O processo de referência voltado para uma busca em computador, conforme muitos bibliotecários de referência constataram com surpresa, não é em princípio diferente, até essa etapa. Ethel Auster comparou meticulosamente o processo de negociação de buscas em linha com a “tradição especializada, longa e bemdocumentada, centrada na entrevista de referência”, e constatou a mesma estrutura subjacente. Como Prudence W. Dalrymple observou em 1984, “a introdução das buscas em linha nos serviços de referência não teve um efeito impressionante na natureza da interação bibliotecário—usuário”. Mas uma de suas conseqüências, como se mencionou no capítulo 3, foi confirmar a importância da entrevista no processo de referência. Em Online search strategies, texto que organizou em 1980, Ryan E. Hoover alegava que “não se pode subestimar a importância da entrevista de referência”. Simone Klugman explicou por que acredita que a capacidade de entrevistar adquiriu “nova importância com as buscas em linha”: “negligenciar qualquer uma dessas fases traria conseqüências desastrosas imediatamente visíveis”. Naturalmente, influiu em alguns detalhes mais sutis, sobre os quais vale a pena deter-se. A entrevista feita antes de urna busca informatizada geralmente é mais longa (embora a busca mesma seja geralmente mais curta). Em 1977 Arleen N. Somervitie encontrou uma faixa entre 5 e 60 minutos, com a maioria das entrevistas durando de 20 a 40 minutos, o que foi confirmado por outras investigações. Esses números porém referem-se a entrevistas que antecedem a realização de buscas em linha, formalizadas, com hora marcada, destinadas a gerar talvez 50 referências bibliográficas, ou buscas extensas similares em bases de fontes. Ao longo da última década houve acentuado aumento do número de buscas de referência rápida, sem marcação prévia, tomando apenas uns poucos minutos no terminal e com uma entrevista igualmente breve. Isto será examinado com mais detalhes no capítulo 5. Conforme sugerido, as entrevistas são mais formais, a não ser no caso das buscas mais simples. O mais usual é elas ocorrerem num tocai afastado do balcão de referência, numa área isolada da biblioteca, às vezes num gabinete particular. Acontece geralmente serem tomados todos os cuidados para esclarecer o assunto, em parte por causa do custo: refinar um tópico de busca durante a pesquisa em linha pode sair caro. Normalmente é preciso preencher um formulário de busca, geralmente pelo bibliotecário com a ajuda do consulente, mas às vezes previamente pelo consulente sozinho. Existem indícios de que os resultados da busca serão melhores se o tópico for primeiro descrito nas próprias palavras do consulente. Tina Roose explicou a razão da existência de um formulário: “De algum modo o computador é mais exigente do que as fontes impressas, e nós, bibliotecários, estamos menos dispostos a tentar uma busca que custa dinheiro [...] sem contar com informações mais concretas sobre o que o cliente exatamente deseja.” Uma vez que as buscas informatizadas dependem bastante da linguagem, tem-se de dar mais atenção à terminologia, e o bibliotecário precisa aproveitar o ensejo propiciado pela entrevista para obter o máximo possível do consulente em matéria de vocabulário técnico, sinônimos, abreviaturas, jargão, etc., principalmente quando se trata de um campo especializado. 44
Era habitual, em geral, os consulentes adotarem uma atitude mais profissional, metódica e decidida acerca do que desejavam, mas isso foi nos. primórdios, quando os serviços de busca em linha estavam à disposição apenas dos especialistas. Hoje em dia existe uma clientela muito mais ampla, e assim, particularmente com usuários ingênuos, os bibliotecários talvez se vejam explicando apenas o que o computador pode e, ainda mais importante, não pode fazer. É bem possível que numa etapa inicial da entrevista chegue- se ao consenso de que uma busca em fontes impressas seria mais apropriada. Sandra J. Lamprecht, baseada em sua experiência como coordenadora de buscas em linha na biblioteca da University of California, em Davis. detalhou alguns dos equívocos mais comuns da parte dos usuários: “1) O computador pode ‘pensar’ como um ser humano e, portanto, compreenderá automaticamente seu assunto. Saberá exatamente o que ele precisa. 2) O computador tem acesso a todo o material escrito do mundo, remontando a muitos anos atrás, e toda essa informação está armazenada numa grande base de dados. 3) O computador contém os números de chamada dos periódicos citados nos resultados da busca, de qualquer biblioteca a que o cliente queira recorrer, ou o computador fornecerá automaticamente acesso ao texto integral de todos os artigos sem qualquer custo adicional. 4) Todas as bases de dados selecionadas oferecem excelente cobertura tanto de livros quanto de periódicos. 5) Existe uma base de dados para cada área de pesquisa. [...] 6) É necessário apenas um pequeno esforço para recuperar o que se precisa, sem necessidade de um raciocínio profundo. 7) Não há necessidade de pesquisar mais sobre um assunto uma vez que a busca no computador tenha sido concluída.” A natureza da resposta desejada precisa ser especificada com muito mais detalhes no caso de uma busca informatizada. No caso de uma busca bibliográfica é comum perguntar se o consulente tem alguma opinião quanto ao número ideal de referências que serão necessárias, e se prefere revocação alta ou precisão alta (a serem explicadas ao usuário, se necessário). Ou bastariam uns poucos artigos recentes? É preciso também discutir o formato de saída: apenas as referências ou também os resumos; organizadas em determinada ordem; exibição apenas no vídeo ou saída impressa: em linha ou fora de linha: importadas para posterior manipulação; e por aí afora. Mencionou-se antes a inclusão explícita na formulação de busca de certas restrições, como língua, período de tempo ou lugar, mas os sistemas informatizados oferecem uma gama muito mais vasta de limitações nãotemáticas que também podem ser especificadas de antemão. Variam consideravelmente de uma base de dados para outra, mesmo entre as do mesmo fornecedor, mas é comum incluírem limitações da busca a material disponível no mercado, certos tipos de documentos, determinadas editoras, material de determinada extensão, material ilustrado, e muitas outras. Evidentemente, compete ao bibliotecário incluir todos esses requisitos na própria busca, quando da etapa correspondente do processo de referência que se segue, mas todos, obviamente, precisam ser analisados com o consulente durante a entrevista. Por conseguinte, o bibliotecário precisa estar muito mais informado acerca das características de busca do sistema e das próprias bases de dados do que seria estritamente necessário numa busca limitada ao uso de fontes impressas. Bunge acredita que esta é uma diferença que não foi suficientemente ressaltada na bibliografia. Evidentemente, seria natural que todos os bibliotecários de referência estivessem sempre totalmente cientes da natureza e do conteúdo de todas as fontes de informação a seu dispor; porém, com as fontes manuais, inclusive o catálogo em fichas, como se viu no capítulo 1, muitas vezes é possível sair ‘fuçando e achando’ para conseguir uma resposta de uma forma que não seria factível numa busca informatizada. Assim como acontece numa busca manual, a entrevista continua de forma intermitente ao longo de toda a etapa de busca e depois dela, como se verá nos capítulos 5 e 6. Por isso, têm surgido sugestões de que seria imprópria a expressão ‘entrevista de pré-busca’, comumente empregada no contexto das buscas informatizadas. Peter Ingwersen escreveu: “Vale a pena notar que o padrão comum de busca e negociação na recuperação da informação envolve processos de entrevistas contínuas e buscas paralelas. Deve-se, portanto, recomendar aos especialistas em informação que deixem de lado o conceito da entrevista de ‘pré-busca’ e se concentrem na entrevista ‘de busca’, em que aquela desempenha apenas um papel secundário.” As ‘coisas insignificantes’
Talvez só raramente seja necessário levar uma entrevista de referência a seu limite máximo: esta é uma questão que fica a critério do bibliotecário à luz de circunstâncias particulares. O estudo de Lynch citado no início deste capítulo descobriu que somente em cerca de um quarto das entrevistas havia necessidade de mais de duas perguntas feitas pelo bibliotecário de referência. Porém poucos dentre a significativa minoria de consulentes a que se refere este capítulo fornecerão todas as informações que faltam, sem que sejam gentilmente instados a isso, ou mesmo interrogados firmemente. Não porque sejam em geral reservados ou mesmo relutantes. Conforme explicou Ross, eles “muitas vezes não compreendem o que a bibliotecária precisa saber antes que possa atender a suas necessidades de informação de modo mais eficiente”. E não devem ser censurados por isso, pois não se pode esperar que estejam totalmente a par dos recursos disponíveis para atender a suas necessidades. É desconhecimento semelhante que às vezes os leva a apresentarem suas questões numa forma conciliatória, conforme vimos, com suas demandas ajustadas por antecipação segundo as expectativas da biblioteca, e, às vezes, do bibliotecário. Em outras palavras, pedem o que acham que a biblioteca pode oferecer e não o que precisam. A vantagem nessa etapa do jogo está com o bibliotecário, por ser quem mais conhece as regras, ou seja, a organização, estrutura, vocabulário e localização das fontes de informação e, especialmente, das chaves dessas 45
fontes, os catálogos, bibliografias e ferramentas de referência. E em virtude de sua capacitação os bibliotecários conseguem perceber pistas que outros deixariam passar despercebidas. E como disse certa feita Sherlock Holmes, “faz muito tempo que um de meus axiomas é que as coisas insignificantes são infinitamente as mais importantes”. Neste como em muitos setores da atividade humana há um mundo de diferenças entre o desempenho profissional e o amadorístico; com efeito os próprios padrões de julgamento são diferentes. E este fato inegável e não uma aspiração à superioridade intelectual que o estudante deve ver como a explicação para a recomendação constante da bibliografia no sentido de que jamais se fie na exatidão dos fatos apresentados pelo consulente ou das fontes ditas como tendo sido consultadas. A verdade pura e simples é que o bibliotecário é obrigado a manter um alto padrão de exatidão a respeito de, por exemplo, a grafia correta de nomes ou datas exatas, por causa de sua importância decisiva nas buscas em catálogos, bibliografias e livros de referência, ou ao consultar uma base de dados informatizada. Além disso, no que tange às fontes já consultadas pelos consulentes, a implicação não é de que elas sejam falíveis ou erradas, mas que ao procurar na Encyclopaedia britannica talvez não estivessem a par da existência do índice, por exemplo; ou ao procurar uma palavra no Webster ‘s third new international dictionary talvez não tenham percebido a existência dos suplementos. O bibliotecário de referência, no entanto, como outro Grande Detetive. o Dr Thomdyke, de R. Austin Freeman, deve estar constantemente alerta para “a inesperada importância de situações banais”. Um terceiro membro da irmandade, Chartie Chan, de Earl Derr Biggers. uma vez explicou que “a atividade de detetive consiste num detalhe insignificante colocado ao lado de outro igual”. Isso também é verdade no que tange a uma grande parte do serviço de referência: por exemplo, elaborar uma formulação de busca informatizada. Comunicação interpessoal
Há mais de uma geração, Lee W. Anderson fez um breve apelo para que os bibliotecários de referência tivessem “mais preparo acadêmico nos campos da psicologia e das relações humanas”, e propunha a pergunta: “Ao trabalhar com as pessoas, da forma tão próxima quanto quant o aquela dos bibliotecários bibli otecários de referência, não será uma compreensão do cliente da biblioteca, individualmente falando, tão importante quanto uma resposta bem-sucedida ao conteúdo intelectual da resposta?” Até agora este capítulo concentrou-se quase exclusivamente no componente intelectual da entrevista de referência, que tem como seu objetivo central a negociação da questão pelo bibliotecário de referência. Mas essa função possui algo mais. Para que o bibliotecário não seja visto como um mero burocrata, mas como alguém que verdadeiramente exerce uma profissão humanística, é axiomático que essa relação entre bibliotecário e consulente não seja apenas uma transferência de informações. Inevitavelmente é um ato social, mas tem de ser reconhecido em ambos os lados como algo mais do que isso — como uma relação humana, por mais breve que seja. E até as inúmeras questões de referência que não exigem uma entrevista são igualmente atos de comunicação interpessoal. O que de outra forma seria simplesmente uma negociação deve se revestir de uma aparência humana. Seria exagerado comparar essa parceria, como alguns já o fizeram, com a relação médico—paciente ou mesmo advogado--cliente, mas até no nível do cotidiano há conseqüências que emanam do reconhecimento pelo bibliotecário de que tal vínculo humano, por mais tênue que seja, deve inevitavelmente estar presente. Há riscos em considerar de forma excessivamente literal a analogia com a cadeia mecanicista mencionada anteriormente: a forma global da entrevista não é de fato linear — utilizando um único canal —, mas circular, cíclica e de múltiplos canais, com considerável interação entre os participantes — muitas vezes bastante sutil — e constante retroalimentação, como em qualquer diálogo face a face. Alguns bibliotecários perceberam a importância desse elemento interpessoal durante muitos anos: em seu trabalho de 1897 Woodruff declarou que estava “quase disposta a colocar a diplomacia ao se travar conhecimento com estranhos e fazer com que se sintam à vontade na biblidteca [...] na mesma categoria do [conhecimento das fontes de informação)”. A analogia com o médico fica aqui mais próxima, na medida em que se sabe que uma boa ‘atitude junto ao leito’ muitas vezes é tão importante quanto a proficiência em fazer o diagnóstico. Em 1973 Ric Calabrese comentava que “os estudos em outras disciplinas [...] constataram que, do ponto de vista do cliente, do paciente, do freguês, do estudante, etc., a atitude do profissional em suas relações interpessoais, sua forma de interagir com os outros, exerce uma influência muito maior do que seu conhecimento, sua capacitação intelectual ou a orientação em seu setor”. Foi só muito recentemente que o apelo de Anderson recebeu a atenção que merece, e grande parte desse impulso veio dos resultados de pesquisas sobre a forma como os usuários avaliam o êxito de seu encontro com um bibliotecário. Em 1977, no contexto das buscas em linha, Judith A. Tessier e seus colegas definiram quatro aspectos da satisfação do usuário: o resultado da busca; a visão que o usuário tem da biblioteca como um todo; o ‘serviço’ específico que a biblioteca proporciona; a interação do usuário com o pessoal da biblioteca. Este último aspecto, disse ela, “atualmente não é avaliado, mas certamente está presente na mente do usuário e influi em sua satisfação. Ademais, merece bastante ser avaliado, pois está sob o controle imediato do bibliotecário.” Embora a satisfação dos usuários não seja um indicador totalmente confiável da qualidade de alguns aspectos do serviço que recebem, devido a motivos que serão analisados mais detidamente no capítulo 6, os usuários estão numa boa posição para avaliar os aspectos interpessoais de sua interação com o bibliotecário, tais como atitude e personalidade. Em 1983 Alma Christine Vathis podia afirmar que “mostrou-se aos clientes que deveriam primeiro avaliar a satisfação num nível interpessoal e depois num nível intelectual”. Em 1986 Desmond B. Flatchard e Phyllis 46
Toy informavam num estudo sobre bibliotecas universitárias australianas: “Houve concordância tanto da parte do pessoal quanto dos usuários estudantes a respeito das qualidades que o pessoal da biblioteca deve possuir. Acima de tudo, devem ser sociáveis, amigáveis, acessíveis, capazes de fazer os usuários se sentirem à vontade e possuir capacidade de comunicação. O pessoal da biblioteca também deve ser prestativo, paciente e ter um bom conhecimento de todos os recursos da biblioteca.” Naiman traduziu isso em termos concretos: “é mais importante sermos vistos por nossos clientes como amigáveis, autoconfiantes, dignos de confiança e fidedignos do que sermos encarados como ‘enciclopédias ambulantes”. O constrangimento dos usuários As pesquisas têm mostrado repetidamente que muitas pessoas não se sentem à vontade nas bibliotecas. O estudo de Maurice Line sobre estudantes da Southampton University mostrou que 19% achavam a biblioteca intimidadora e 48% achavam-na moderadamente intimidadora — um total de dois de cada três usuários. É difícil para os bibliotecários viverem essa sensação, principalmente se raramente visitam uma biblioteca que não conheçam. Tampouco se dão conta da posição psicologicamente vulnerável em que se encontram os próprios consulentes: eles não estão simplesmente pedindo, como numa loja de departamentos, que teria tudo para ser tão imponente quanto uma biblioteca, mercadorias ou serviços de que precisam e que compete â loja fornecer — estão admitindo abertamente sua ignorância. As pesquisas fecundas de T. J. Allen, na década de 1960, revelaram que engenheiros e cientistas muitas vezes vêem desse ângulo a formulação de uma questão, e o receio de perder prestígio entre seus colegas de fato inibe seriamente o uso de fontes de informação por parte deles. E por razões de status, alguns se mostram bastante relutantes em admitir para o bibliotecário que necessitam de informação, especialmente se não tiverem certeza de sua natureza. Possivelmente essa relutância constitui apenas um caso especial do constrangimento generalizado que muitos de nós sentimos ao pedir ajuda, principalmente a um estranho, e a ‘angústia das bibliotecas’, como foi denominada, talvez seja simplesmente uma faceta da síndrome do ‘temor à comunicação’. Hatchard e Toy constataram que apenas um terço de sua amostra de usuários de bibliotecas universitárias australianas não apresentava problemas ao se acercar de outras pessoas para pedir ajuda na vida cotidiana. Já em 1911, num artigo intitulado ‘The shy enquirer’ [O consulente tímido], James Duff Brown sugeria que “o tema merece ser discutido, como realmente o merece toda a questão da psicologia dos leitores em geral”. Existem alguns indícios levantados por pesquisas segundo os quais a falta de privacidade também incomoda alguns usuários. Evidentemente constitui uma regra incondicional que a consulta do usuário seja tão confidencial quanto uma conversa com um médico ou um advogado, porém esta bela teoria geralmente tem de ser aplicada no contexto de uma entrevista de referência totalmente exposta ao público. Salas de consulta privadas, como as utilizadas rotineiramente para entrevistas destinadas a buscas em linha, dificilmente seriam uma solução prática para consultas do dia-a-dia, e poderiam ser mais um obstáculo do que um atrativo. Como tantas vezes acontece com essa atividade tão humana, o que é preciso é um sutil equilíbrio entre bom senso e discrição. A lei de Mooers também vigora aqui. Trata-se de uma aplicação específica específi ca do conhecido con hecido princípio do menor esforço a nosso campo, que diz: “Um sistema de recuperação da informação tenderá a não ser usado quando for mais penoso e incômodo para o cliente ter a informação do que não tê-la.” As barreiras que os usuários enfrentam são muitas vezes de natureza física, e muitas bibliotecas bibli otecas ainda não conseguem proporcionar o que Katz definia como “acessos fáceis de ver e de usar que levem aonde o bibliotecário esteja trabalhando “. Num estudo de 1989 sobre entrevistas de referência em 142 bibliotecas dos Estados Unidos, “muitos observadores [estudantes de biblioteconomia] tinham dificuldade em identificar o balcão de referência”. Um estudo sobre a localização da mesa de referência numa biblioteca universitária norte-americana informou que em uma das mesas os consulentes muitas vezes começavam perguntando “você trabalha aqui?”. Ao contrário de muitas outras situações em que se fazem entrevistas, é comum o usuário ter de ficar de pé enquanto o profissional permanece sentado. Durante estudo que será descrito mais adiante neste capítulo, Edward Kazlauskas verificou que os usuários estavam mais propensos a formular uma questão a um bibliotecário que estivesse de pé e não a quem estivesse sentado. Linda Morgan contou que os usuários da University of Houston estavam mais dispostos a se acercar de um balcão [alto] do que de uma mesa de referência, por causa da “menor formalidade, melhor contato visual e menor tendência a parecer ocupado”. Margaret Forster, ilustre biógrafa e romancista, escrevendo sobre o tema ‘a vida começa aos 40’. tinha a dizer: “Gosto de entrar numa biblioteca imponente e não me sentir intimidada; gosto de não ter receio de revelar minha ignorância e pedir ajuda. Gosto da confiança que vem com a idade madura.” Porém anos de experiência nem sempre fazem dissipar a sensação de constrangimento: o orador que confessou perante uma conferência de mais de 100 bibliotecários de referência “ainda odeio fazer perguntas e preferiria cometer meus erros sozinho!” era um bibliotecário, professor e ex-presidente da Reference Services Division da American Library Association. Questões não formuladas
Vimos antes neste capítulo a relutância de alguns consulentes em solicitar com termos específicos aquilo que desejam. Uma questão que suscita muito maior preocupação são as provas reveladas pelas pesquisas que agora confirmam o que os bibliotecários de referência há muito suspeitavam: os usuários freqüentemente deixam de formular qualquer questão mesmo quando obviamente desejam conhecer a resposta. As pesquisas mostraram que mesmo em grandes bibliotecas universitárias, que possuam talvez até 90% do material que os usuários procuram, 47
algo como 40% dos leitores que tentam achar um livro saem de mãos vazias ao invés de pedir auxílio a um bibliotecário. Suas razões são sempre as mesmas: acharam que sua consulta con sulta era muito banal para que fossem importunar um bibliotecário; não queriam demonstrar sua ignorância; não tinham certeza de que fosse obrigação do bibliotecário ajudá-los na solução de problemas como os que tinham; não achavam que o bibliotecário fosse capaz de ajudá-los: e assim por diante. Quando os estudantes na pesquisa feita por Line na University of Southampton foram perguntados se achavam que o pessoal da biblioteca seria capaz de ajudar numa ‘consulta sobre um assunto’ que eles não estavam seguros sobre como localizar, 51% responderam que essa possibilidade não lhes havia ocorrido. Estudos informais na State University of New York at Albany descobriram que os estudantes “pensavam que tivessem a obrigação de fazer ‘todo seu] próprio trabalho’, e apelar para um bibliotecário seria injusto”. Os estudantes não estão sozinhos em sua ignorância: uma pesquisa em seis bibliotecas universitárias da Califórnia concluiu que “o docente comum [...] conhecia apenas 50% dos serviços de referência que estavam disponíveis”, e de fato “havia pessoas que desejavam o serviço sem saber que ele já era oferecido”. Paradoxalmente, como demonstrou a pesquisa em Southampton, embora perguntar ao pessoal da biblioteca fosse um dos dois métodos menos preferidos para encontrar material sobre um tópico novo, para os estudantes que conseguiram superar sua relutância foi de longe o mais bem sucedido, com 97% de índice de satisfação. Num nível mais profundo F.W. Lancaster está seguramente correto em sua reflexão, segundo a qual “as respostas a muitas questões talvez jamais sejam procuradas porque as pessoas em cujas mentes as questões são suscitadas acreditam (talvez erradamente) que não existem respostas registradas.” Diana M. Thomas e seus coautores, no manual que publicaram em 1981, afirmam que “a maioria [dos usuários] ignora até onde os bibliotecários são capazes de ajudá-los e orientá-los” e “ironicamente, numa época em que os bibliotecários estão preparados para fazerem mais do que em todos os tempos passados, não ocorre à maioria das pessoas consultálos”. Molly Sandock observou que “é contristador que a incompreensão, a ignorância ou a falta de sensibilidade impeçam que pessoas que teriam a lucrar com a ajuda do pessoal da referência recorram a ele”. Este não é um fenômeno novo. Em 1891 W.E. Foster queixava-se de que “tão modesto é o leitor comum e tão receoso de causar problemas, que o bibliotecário tem certeza absoluta de que às vezes houve leitores que, desorientados, entraram e saíram sem obter aquilo de que precisavam devido à falta de uma ajuda que lhes teria sido proporcionada prazerosamente”. Passado um século, entretanto, a expansão do conhecimento e a explosão da informação multiplicaram o problema uma centena de vezes. Acrescentem-se a isso os problemas causados pela enorme complexidade da vida urbana neste final do século XX e temos explicação suficiente para os imensos acervos de questões não respondidas que as pesquisas continuam a descobrir em todas as partes da comunidade. “Em nenhuma época da história”, segundo Geoffrey Langley, “pessoas de todos os tipos e classes estiveram precisando tanto de informação, ou melhor, de respostas a questões, sobre toda sorte de assuntos, grandes e pequenos”. Mas, conforme enfatizou King, “os usuários têm uma tendência a procurar resolver seus problemas de informação fora da biblioteca”. Dizer isso é pouco: eles farão qualquer coisa menos perguntar a um bibliotecário. Perguntarão aos vizinhos, amigos, colegas de trabalho. Perguntarão no jornaleiro, no correio, na loja da esquina. Chegarão até mesmo a fazer parar o guarda em sua ronda e os carteiros em seu trajeto. Em 1986 o National Consumer Council informou: “Verificamos que um grande número de pessoas aceita o convite feito por setores da mídia. seja rádio, televisão, jornais ou revistas, para que lhes escrevam ou telefonem solicitando informações e orientação. Uma quantidade ainda maior escreve ou tenta falar por telefone com pessoas famosas da mídia para conseguir ajuda.” Também escreverão para o prefeito, um vereador da câmara local ou um deputado do Congresso. Quem duvidar disso deveria examinar as consultas que são feitas a programas de rádio ou as colunas de ‘Respostas aos leitores’ de muitos muito s jornais jo rnais e revistas populares. Exemplos verdadeiros recentes incluem ‘como são escolhidos os juízes?’, ‘qual a data do primeiro problema de palavras cruzadas?’, ‘quem era o Jack Robinson do provérbio famoso?1’, ‘por que os juízes usam peruca?’, ‘quem inventou o jogo de sinuca?’, ‘que significa tempo imemorável?’, ‘quem deu origem á frase o homem no ônibus de Clapham? 2’ Como talvez pareça óbvio, todas são típicas consultas de biblioteca, tão típicas realmente que alguns anos antes cada uma sem exceção havia sido publicada em coletâneas de estudos de casos de serviço de referência, o que serve para demonstrar a característica mencionada no capítulo 2 a respeito de consultas idênticas que voltam a se repetir. Vale a pena observar que as consultas que são realmente transmitidas pelo rádio ou impressas em revistas e jornais são apenas a ponta do iceberg. Na verdade, vários jornais deram-se conta recentemente da enormidade dessa demanda de informação e começaram a comercializar sua competência em matéria de referência, geralmente cobrando uma taxa fixa por uma chamada telefônica de até cinco minutos. Um diário inglês de circulação nacional emprega nove funcionários apenas para atender a consultas telefônicas. Embora a escala seja agora infinitamente maior, não se trata de um fenômeno novo: já em 1910 J.D. Stewart se queixava de que “a maioria das consultas que as pessoas encaminham aos redatores de seus jornais prediletos poderia ser respondida de imediato pelas bibliotecas de referência dos locais onde moram”. 1
‘Before you can say Jack Robinson’, literalmente, ‘antes que você consiga dizer Jack Robinson’, isto é, num abrir e fechar de olhos. Coloquialismo da língua inglesa. (N.T.) 2 ‘The man n the Clapham omnibus’, literalmente. ‘o homem do ônihus de Clapliam’, isto é, o homem médio, o cidadão com num. Clapham é um bairro de Londres. Outro coloquialismo da língua inglesa. (N.T.)
48
King sugeriu uma explicação para tal comportamento: “Durante muito tempo a profissão estimulou os usuários a que tivessem iniciativa própria, e parece bastante plausível que alguns deles pelo menos mostrem-se relutantes em admitir que fracassaram em seus esforços para serem independentes.” Claire Tumbull fez-nos lembrar que esse tipo de consulente “é sensível à sua falta de conhecimento da biblioteca. Sente que fracassou porque tem de recorrer ao bibliotecário. Tal situação apresenta-se como uma ameaça a seu ego.” Mesmo porém no caso daqueles usuários bem-informados, que estão plenamente cientes de que os bibliotecários se encontram ali de fato para atender às consultas, ainda persiste o problema, como nos adverte Katz, de que “nosso usuário nunca tem a certeza de que este bibliotecário de referência ideal estará do outro lado do balcão de referência”. E como já observamos, até mesmo descobrir onde está localizada a mesa ou balcão de referência nem sempre é fácil: depois de visitar 13 importantes bibliotecas universitárias dos Estados Unidos, Florence Blakely comentava: “Um estranho, ao cruzar os portais das bibliotecas que estávamos estudando, não se defronta com um balcão de referência ou informação de alta visibilidade que o deixe embaraçado.” Uma outra vantagem inesperada decorrente da introdução de recursos para buscas informatizadas foi observada por James M. Kusack em 1979 e desde então tem sido relatada por muitas bibliotecas: “Os computadores deram aos clientes de bibliotecas uma desculpa para se acercarem dos bibliotecários [.1 não se espera que o cliente conheça algo a respeito de buscas em linha e portanto ele tem liberdade de perguntar tudo que for preciso, sem ameaçar um ego delicado.” Fenômeno similar fora assinalado antes com os catálogos em microformas, quando os usuários tinham a “liberdade de admitir dificuldades [...] e pedir ajuda para lidarem com a ‘máquina”. Bibliotecários hostis
Parece haver pouca dúvida de que os próprios bibliotecários devam compartilhar a culpa pelo constrangimento dos usuários e pelas questões não formuladas. Repetidas vezes as pesquisas, como as de Southampton e Syracuse mencionadas no capítulo 1, mostram que os usuários, e ainda mais significativamente o grupo muito mais numeroso dos não-usuários, acham os bibliotecários nada receptivos. Maxine Budd chamou nossa atenção para o fato de que “os leitores nas bibliotecas muitas vezes procuram se comunicar com funcionários cuja tarefa não consiste especificamente em se comunicar com eles. Por exemplo, ignorarão a mesa de informações e farão uma pergunta a alguém que esteja empurrando um carrinho de livros.” Um experimento realizado na University of New Hampshire, envolvendo ‘ajudantes’ não- profissionais especialmente treinados e selecionados entre estudantes comuns de graduação, constatou que os estudantes com problemas para resolver, mas que estavam relutantes em consultar um bibliotecário, aceitavam de bom grado a ajuda de outro colega de curso de graduação. Um obstáculo muito sério que havia antigamente, impedindo melhorias, era a relutância dos usuários em contar aos bibliotecários sobre o que sentiam a respeito desse problema. Mesmo quando apanhado por uma pesquisa de opinião e questionado de fonia direta, são freqüentemente muito diplomáticos para dizer o que realmente pensam. De vez em quando os bibliotecários conseguem captar um vestígio fugaz de como os outros os vêem, quando algum profissional que dispõe de uma audiência pública — muitas vezes um jornalista ou um professor — realmente expressa a opinião amplamente difundida e tão perturbadora para os bibliotecários de que eles são antipáticos. Numa competição por um prêmio de ‘Canalhas do Ano’, segundo Rosemary McLeod, jornalista da Nova Zelândia, “os bibliotecários ganhariam pontos por sua atitude, principalmente por serem arrogantes e inacessíveis. Fariam bonito em como não ser prestativos, área em que se especializaram ao negarem que exista um autor ou livro do qual nunca ouviram falar.” Em artigo de primeira página do Sunday Tirnes Weekly Review John Carey, professor de literatura inglesa na universidade de Oxford, referiu-se de passagem aos bibliotecários e sua “aversão arrogante a todo aquele que realmente queira utilizar os produtos pelos quais são responsáveis”. Mas não são apenas os usuários que consideram os bibliotecários hostis. Estudos realizados por observadores profissionalmente mais informados contam a mesma história. Em 1989 Durrance registrou a reação de um estudante de biblioteconomia da University of Michigan que ajudava numa pesquisa não-participante: “Esta entrevista de referência não poderia ter sido mais insatisfatória. A bibliotecária fez com que eu me sentisse um intruso. Ela suspirou profundamente quando apresentei minha questão, estava desinteressada no que eu precisava, e não me ajudou com sugestões alternativas para procurar a informação. Ela nunca soube se fui ou não bem-sucedido.” Em sua dissertação de mestrado em Sheffield, em 1980, Nicola Brown, outra aluna de biblioteconomia, descreveu uma entrevista de pré-busca em linha numa biblioteca universitária, quando a bibliotecária tinha plena consciência de que estava sendo observada: “Quando o usuário entrou na sala e se sentou, a pessoa que agia como inteniediário afastou sua cadeira para trás, mas não levantou os olhos. Manteve a mão no rosto, o que dificultava que se ouvisse o que ela estava dizendo. franzia as sobrancelhas várias vezes, nunca sorriu e em nenhum momento olhou de frente o usuário. Não estimulou uma conversa sobre a questão apresentada pelo usuário e várias vezes o interrompeu ou ignorou o que dizia. A entrevista durou apenas doze minutos e o observador percebeu que o usuário ainda tinha algo que gostaria de dizer. A intermediária parecia desinteressada e inamistosa.” Aparentemente não há dúvida de que alguns bibliotecários se tomaram especialistas naquilo que Di. Campbell chamou de “incooperação interpessoal”. Eles fazem recordar o célebre Gattling, em 49
Lifemanship, de Stephen Potter, que tinha a capacidade de “com suas observações preliminares [...] criar uma sensação de desconforto1”. Até observadores profissionais maduros e experientes verificaram a mesma coisa. Para Sally E. Gibbs, professora de uma escola de biblioteconomia, “o pessoal da biblioteca muitas vezes pode parecer inacessível, e mesmo eu enquanto bibliotecária profissional freqüentemente me vejo intimidada pelos funcionários da biblioteca de referência de onde moro”. Na verdade, Davinson acreditava que “o maior problema com que se depara o usuário ao fazer uma consulta numa biblioteca de referência é o bibliotecário”. Ainda está longe de ser compreendido pelos bibliotecários que o êxito do processo de referência depende em alto grau da opinião que o usuário tem acerca deles. Uma medida útil da satisfação, utilizada em outras áreas, é se o consulente se sente inclinado a voltar à biblioteca em outra ocasião. Uma pesquisa com estudantes da University of Nebraska constatou que eles “tinham por certo que todo o auxílio prestado pela referência é bom ou ruim, dependendo da ajuda que tinham recebido no passado”. Isso às vezes acontece, conforme nos lembrou Pamela Tibbetts: “O bibliotecário pode encontrar exatamente o que a pessoa solicitou, porém a fez sentir-se tão infeliz durante esse processo que ela jamais retornará.” Qualquer sinal de antipatia mútua geralmente é fatal para a entrevista de referência e faz aumentar ainda mais a estatística futura de questões não formuladas. Comportamento de esquiva Talvez não deixe de ter importância o fato de alguns autores que tratam da entrevista de referência empregarem o termo ‘encounter’. O Concise Oxford dictionary o define como “meet as adversary” [encontrar na condição de adversário], “meeting in combat” [recontro em combate]. Em anos recentes alguns dos bibliotecários de atitudes mais desabridas têm assumido um comportamento bastante desdenhoso em relação a seus colegas. Baseando-se em grande parte em pesquisas sobre outras profissões, sugeriram que os bibliotecários de referência também apresentam sintomas do chamado ‘comportamento de esquiva’. Sujeitos às enormes pressões de uma demanda crescente e recursos minguantes, enredados na estrutura burocrática em que se transformaram muitas bibliotecas, pressionados por seus colegas, superiores hierárquicos e por suas famílias para que tenham bom desempenho, e levados às vezes a traçarem para si metas que conflitam com seu ideal de serviço profissional, conforme salientou Jane Robbins, “os bibliotecários desenvolvem maneiras pelas quais tornam seus empregos mais suportáveis. Muitos dos mecanismos de que se utilizam são em grande parte psicológicos.” Entre os estratagemas que têm sido usados, como o observador atento bem sabe, estão as simplificações e rotinas que poupam tempo, como eliminar certas categorias de questões ou transformar os usuários em estereótipos (‘estudantes’, ‘donas de casa’, ‘idosos’, ‘minorias étnicas’). Barnes, em seu estudo de 1.000 entrevistas de referência, comentou que “a tendência do pessoal da biblioteca de reagir às questões de maneira normativa e não vendo cada situação como única exemplifica a reação dominante diante de pessoas e situações em que os indivíduos procuram os elementos com quem estão familiarizados e que sabem como enfrentar, e tendem a ignorar os aspectos desconhecidos ou incoerentes.” Outras manobras incluem a redefinição do papel do bibliotecário por meio da escolha de apenas uma dentre várias expectativas conflitantes. e a ativação do que os psicólogos chamam ‘mecanismos redutores de ameaças’. Um exemplo muito comum é dar a falsa impressão de estar atarefado no balcão de referência, o que Davinson descreveu apropriadamente como “pirotecnia bibliotecária destinada a impressionar e intimidar o usuário com as proezas místicas do bibliotecário”. Estratagema semelhante consiste em criar deliberadamente uma atmosfera autoritária, seja institucional, por meio de regras e regulamentos, seja pessoal, por meio do status acadêmico, por exemplo. Às vezes o exibicionismo tanto institucional quanto pessoal se combinam na maneira como o balcão de referência é projetado e localizado. Como Robbins advertiu com muita clareza, “é essencial que os bibliotecários [...] percebam que à medida que esses mecanismos passam a ser aceitos e usados eles se tornam uma expressão institucionalizada da hostilidade com os usuários.” Talvez os bibliotecários também estejam arcando com outros ônus psicológicos: o receio de que a próxima questão seja muito técnica ou que não seja entendida, ou impossível de responder. Podem adquirir uma antipatia instantânea pelo consulente ou terem desenvolvido uma aversão generalizada por certas categorias de usuários. ou se sentirem incapazes de enfrentar os problemas psicológicos do usuário. E, com a devida vênia ao estereótipo antecipado no capítulo 1, Barnes constatou, em sua observação de entrevistas de referência em bibliotecas públicas, “uma falta de auto- afirmação profissional e de confiança na interação com os usuários”. Vestir o que Sidney M. Jourard chamou de “armadura do caráter” é outra síndrome comportamental com objetivo semelhante. Comumente assume a forma de uma atitude ‘profissional’ adotada deliberadamente para manter o cliente à distância, para esconder sua verdadeira personalidade, e muitas vezes para proteger a personalidade contra um excesso de aborrecimentos. O exemplo clássico citado por Jourard (e talvez agora uma espécie em extinção) é a enfermeira enérgica e super eficiente, cuja conduta parece ser algo que ela “veste quando enverga seu uniforme”. Também os bibliotecários, como Edward J. Jennerich ressaltou, “tendem a ser mais formais (profissionais é um sinônimo usado freqüentemente) do que o necessário ou mesmo desejável”. Parece ser verdade, conforme observou Janet E. Corson no contexto das buscas em linha, que “mesmo um tom serenamente profissional, como quando o bibliotecário simplesmente pergunta qual é a questão do cliente, talvez 1
No original, dis-ease . Trocadilho com a palavra disease , que significa doença, moléstia, desassossego, e ease , que significa naturalidade, comodidade, bem-estar, etc. O prefixo dis indica negação, como no português des- . (N.T.)
50
não seja apropriado para facilitar a troca de informações que muitas, se não a maioria das buscas, exigem.” A ‘armadura’ profissional que os bibliotecários assumem inclui o procedimento de ficarem se movimentando rapidamente de um lugar para outro durante a entrevista, preocupados em responder a questão ou resolver o problema e não em ajudar o consulente, além de fazerem uma exibição de conhecimento especializado. Também se verifica bastante o que foi chamado de ‘referência de cadeira de balanço’ ou técnica de ‘sentar e apontar’. É importante compreender que não é a mera consideração bem-educada ou um polido interesse aquilo que os usuários procuram; a ‘sinceridade vazia’ do cumprimento que se troca ao cruzar com um vizinho na rua não é suficiente para os consulentes da referência. A qualidade positiva que buscam aqui é a autenticidade, em que, segundo as palavras de Manuel Lopez e Richard Rubacher, o bibliotecário se apresenta “sem fachada burocrática ou máscara profissional, capaz e disposto a ser ele mesmo”. Durante mais de uma década Durrance sustentou que os bibliotecários deveriam despir o manto do anonimato que é uniforme na profissão: “Com certeza as relações advogado-cliente, médico-paciente, sacerdotefiel e educador—educando se acentuam porque o cliente sabe o nome do profissional com que está lidando. Do mesmo modo, as relações enfermeiro—paciente e burocrata—cliente são precárias porque o cliente tem dificuldade em manter a relação por causa do fator anonimato.” Sua pesquisa demonstrou alguns dos efeitos dessa política de anonimato profissional: um estudo baseado em entrevistas, realizado em 1984, abrangendo 429 usuários de três bibliotecas universitárias norte-americanas constatou que os usuários sentem dificuldade em diferençar os bibliotecários do resto do pessoal, realmente têm apenas uma vaga idéia das diferenças existentes entre o pessoal, e desconhecem as qualificações dos bibliotecários. Estudantes que atuaram como observadores numa pesquisa não-participante feita em 1989 em 142 bibliotecas de todos os tipos não sabiam ao certo se tinham sido atendidos por um bibliotecário: 68% achavam que sim, mas somente 35% tinham absoluta certeza. Samuel Rothstein expressou uma implicação importante: “Os clientes, confusos a respeito da categoria da pessoa com quem estejam lidando, hesitam em solicitar mais do que uma ajuda mínima ou saber do andamento de uma consulta.” Um exemplo despretensioso de apoio da população à posição de Durrance veio do projeto das bibliotecas do distrito de Hillingdon em Londres, em 1976: “Seria ótimo se usassem um crachá que dissesse quem são, porque esses bibliotecários gastam, quer dizer, gastaram, um monte de tempo estudando; então a gente poderia dirigir-se a eles e perguntar sobre os livros.” Há sinais promissores de que as lições estão sendo aprendidas. Com freqüência cada vez maior os anúncios de oferta de emprego para bibliotecários de referência e cargos semelhantes na área da informação incluem requisitos como ‘boas aptidões interpessoais’, ‘excelente capacidade de comunicação e relações interpessoais’, ‘obrigatório possuir capacidade de relações interpessoais’, ‘alta capacidade de relações interpessoais é prérequisito’, ‘é indispensável possuir excepcional capacidade de relação interpessoal’, ‘evidentemente é imprescindível apresentar excelente capacidade de relação interpessoal’, ‘capacidade de relação interpessoal é obrigatória’. E interessante observar que o advento das buscas em computador não mudou a situação. Segundo Somerville, “a capacidade de comunicação pessoal é das mais decisivas na realização de uma entrevista eficaz”. Harry M. Kibirige acredita que “uma intensa capacidade de comunicação pessoal ainda é necessária, apesar da automação”. Acessibilidade
O conceito de acessibilidade foi mencionado inúmeras vezes neste capítulo. Margaret Hutchins, autora daquele que é ainda o melhor livro sobre o assunto e que foi provavelmente a primeira a empregar a expressão ‘entrevista de referência’ há quase 50 anos, sempre sustentou que a acessibilidade é o primeiro requisito do bibliotecário de referência. É interessante assinalar a principal conclusão a que chegou Kazlauskas, uma geração depois, com base na observação de entrevistas de referência em bibliotecas universitárias: “Parece que na área da referência a ‘acessibilidade’ é da maior importância.” Green, em seu trabalho de 1876, recomendava a seu público: “Recebam os pesquisadores com quase a mesma cordialidade demonstrada por um estalajadeiro dos velhos tempos.” Lamentavelmente, os estalajadeiros dos velhos tempos estão ainda mais escassos hoje em dia e, de qualquer modo, seus modos calorosos de receber os hóspedes provavelmente seriam excessivamente expansivos e simplórios para nossos tempos sofisticados. Que métodos então são acessíveis aos bibliotecários de referência de hoje em dia para encorajar os usuários a que lhes tragam suas questões? Como mostrou William Donovan, “nem a afabilidade nem a acessibilidade podem ser ensinadas na escola e tampouco simuladas à vontade pelas pessoas”. Há quem proponha que se abordem os usuários que se sentem desorientados na biblioteca. Trisha Gillis, por exemplo, com sua opinião do “bibliotecário em movimento” e sua filosofia de “ataque ao paciente”: contudo, sua opinião de que “as pessoas gostam de ser abordadas” não teria a concordância de todos os bibliotecários. No entanto, a experiência de J. Richard Madaus, também um defensor do ‘serviço de referência agressivo’, era de que se respondesse um número maior de questões sem ficar sentado à mesa, mas junto ao usuário. O fato de simplesmente circular mais entre os usuários tem efeito semelhante. Larry D. Benson e H. Jolene Butler conseguiram quantificar isso: “Ao afastar-se da mesa e circular perto do local da referência, conseguiu-se aumentar em 25% o número de atendimentos.” A biblioteconomia, porém, é um campo multidisciplinar, e o serviço de referência, embora diretamente baseado na bibliografia sistemática, tem mais a dever a outras disciplinas do que a maioria de suas outras áreas. Vale a pena voltar a enfatizar a relevância para o aspecto em questão das pesquisas dos psicólogos sociais no 51
campo da comunicação interpessoal, inclusive a comunicação não-verbal. Conforme outros autores já mostraram, os bibliotecários de referência, em sua maior parte, estão orientados para os meios e não para os clientes: uma utilidade não menos importante do estudo da comunicação interpessoal é sua ênfase no lado humano e não no lado material. Talvez uma pequena advertência não seja descabida: estatisticamente, como se disse, a grande maioria das negociações de referência, por sua própria natureza, não passa de contatos fugazes, enquanto que a maior parte dos estudos pertinentes no campo da psicologia social diz respeito a relações mais profundas e mais prolongadas. Um estudo realizado em 1973 com uma amostra correspondente a uma semana, abrangendo quase 6 000 consultas em seis bibliotecas públicas da Inglaterra, encontrou um tempo médio por questão de 6 minutos e 23 segundos. Uma geração antes, uma pesquisa sobre as consultas feitas durante um mês na Detroit Public Library encontrou uma média de 8 minutos e 4 segundos. Uma análise de mais de 11.000 consultas em 14 grandes bibliotecas urbanas da Inglaterra em 1982 mostrou que 70% dessas consultas levavam menos de 10 minutos. E esses números incluem o tempo de busca e resposta, bem como o tempo tomado pela entrevista. Barnes verificou que em uma das duas bibliotecas por ela investigadas “a política vigente era de positivamente desestimular o pessoal a levar mais de cinco minutos resolvendo qualquer consulta”. Seria um equívoco não levar em conta essas estatísticas e procurar comparar a entrevista de referência com as entrevistas do serviço social ou as consultas com advogados e médicos. Na verdade, baseando-se em vários campos para fins de comparação, Elaine Z. Jennerich afirmou que “pessoalmente, acredito que a entrevista de referência não tem igual entre as demais profissões”. Ademais, conforme enfatizou White, “outras profissões que utilizam bastante as entrevistas [...j conseguiram sistematizá-las de modo muito mais amplo. Por conseguinte, podem prever conteúdo, tipos de comportamento e prováveis áreas problemáticas, bem corno desenvolver métodos que se ajustam aos padrões usuais.” As entrevistas de referência, porém, são “muito variadas e imprevisíveis”. Dana E. Smith afirmou que “assim como os flocos de neve, não há duas negociações de referência idênticas”. Existe uma constatação dos psicólogos acerca de entrevistas em geral que é particularmente pertinente aos bibliotecários: a importância decisiva do impacto inicial, ‘os quatro primeiros minutos’. Conforme foi explicado por Leonard e Natalie Zunin, “em síntese, atravessar a barreira dos quatro minutos é comparável a um avião supersônico rompendo a barreira do som: depois da turbulência inicial [...] melhora previsivelmente a chance de um curso mais tranqüilo”. Comunicação não-verbal
Sem dúvida alguma, o aspecto da comunicação interpessoal que causou maior impacto entre os bibliotecários de referência, ao longo das duas últimas décadas, foi a comunicação não-verbal, ou seja, a troca de mensagens face a face entre pessoas por outros meios diferentes da palavra, da qual mencionamos alguns exemplos: suspirar profundamente, afastar a cadeira, cobrir o rosto com a mão, franzir as sobrancelhas e evitar olhar para o interlocutor. A linguagem é apenas um canal, mas, segundo Dean Barlund, “a comunicação envolve a personalidade inteira. Apesar de todos os esforços no sentido de separar mente e corpo, razão e emoção, pensamento e ação, os significados continuam sendo gerados por todo o organismo.” Este é um tópico muito mais complexo e variado do que se poderia inicialmente imaginar. Os psicólogos sociais identificaram e descreveram não menos de sete canais da comunicação não-verbal, que constituem o que é popularmente chamado nossa ‘linguagem corporal’, e que, assim como a fala, podem ser analisados, aprendidos, interpretados e usados de forma bastante sistemática. Uma estimativa muito citada é que 65% do significado social numa conversa entre duas pessoas se transmitem mediante meios não-verbais. O campo geral que estuda os movimentos corporais é conhecido como cinésica (expressão facial, olhar, gesto, postura), mas a comunicação não-verbal também inclui a paralingüística (resmungos, suspiros, tom de voz, pausas silenciosas, etc.), proxêmica (comportamento espacial, por exemplo, como se posicionar em relação a outrem), contato corporal (toque, etc.), vestuário e outros aspectos ligados à aparência física, e assim por diante. Evidentemente, estamos todos mais ou menos a par disso. Todo mundo sabe como é difícil conversar com alguém que não olha para a gente. Ainda crianças aprendemos no curso da comunicação cotidiana com nossos pais o significado de uma boca bem fechada, mexer as mãos, levantar as sobrancelhas, um suspiro ou uma carícia. Há muitos anos atrás havia uma canção de teatro de revista que era muito popular e que começava assim “Every little movement has a meaning of its own / Every thought and feeling by some posture can be shown” [O menor gesto tem sentido próprio / E haverá uma atitude a revelar cada pensamento e sentimento]. Quem for muito viajado certamente sabe que alguns sinais costumeiros não têm o mesmo sentido em todos os lugares: alguns são específicos de determinada cultura. Menear a cabeça de um lado para outro significa ‘sim’ em alguns países, e ‘não’ em outros. Ross e Dewdney chamaram nossa atenção para o fato de que “fitar os olhos de alguém, por exemplo, é compreendido nas culturas ocidentais como um sinal de que se está prestando atenção ao que o outro diz, mas nas culturas orientais pode ser tomado como um sinal de falta de respeito”. A importância disso é ainda maior entre os árabes, que sentem dificuldade em conversar de lado ou quando usam óculos escuros. Esses canais não-verbais desempenham um papel fundamental no comportamento social humano. Na verdade, segundo Michael Argyle, psicólogo social da universidade de Oxford, “a expressão das emoções e a negociação de relações interpessoais [...] realizam-se quase inteiramente por meios não-verbais”. Este é um 52
aspecto do comportamento humano que exerce um grande fascínio sobre todo mundo; na verdade, alguns dos livros que divulgaram esse tema para o público leigo chegaram às listas dos mais vendidos. E óbvia sua relevância imediata para a entrevista de referência, pelo que tem recebido bastante atenção. Um dos primeiros a perceber suas implicações foi Shosid, sugestivamente uma bibliotecária de empresa, que relatou em 1966 suas observações acerca de entrevistas de referência na University of Southern California. Ela descobriu que havia de fato uma intensa comunicação não-verbal, mas que tanto os bibliotecários quanto os usuários nem sempre tinham consciência desse fato. Sua conclusão foi de que “os bibliotecários precisam ter consciência dessa incessante comunicação não- verbal e utilizá-la em sua estratégia global de comunicação.” Todos os estudos posteriores contribuíram para confirmar isso, às vezes inadvertidamente. Na pesquisa realizada por Lynch, em 1972, abrangendo bibliotecas públicas de New Jersey, foi utilizado um gravador para registrar as entrevistas. Verificou-se depois que às vezes as palavras empregadas quase não tinham sentido, pois não havia qualquer registro da comunicação não-verbal que teria acompanhado cada entrevista, como “um olhar, uma expressão facial ou um dar de ombros”. Apesar de tão forte impacto, uma característica que diferencia a comunicação não-verbal da fala é que freqüentemente ela opera em níveis inferiores da consciência ou até mesmo inconscientemente. Isso, evidentemente, é uma faca de dois gumes: os destinatários talvez não tenham consciência de estarem recebendo e reagindo a sinais não-verbais oriundos do emissor; é provável que também não atentem para os sinais que eles mesmos estejam transmitindo inadvertidamente. No contexto da entrevista de referência, portanto, os bibliotecários precisam ser constantemente lembrados, como Marie L. Radford o fez em 1989, de que “além de fornecer informação substantiva em resposta à solicitação do usuário, eles também estão transmitindo informação interpessoal e relacional”. Na verdade, numa situação como essa “você não consegue NÃO se comunica?”, conforme enfatizou Anne J. Mathews. Mesmo o silêncio total e a imobilidade completa transmitem sua própria mensagem. Além disso, uma atitude como essa não é interpretada pelo seu destinatário como um sinal de neutralidade e desprendimento, mas como tipicamente inamistosa, até mesmo hostil. Existe outra característica da comunicação não-verbal que tem importância no contexto da referência. É perfeitamente possível a mensagem não- verbal entrar em conflito ou mesmo contradizer a mensagem verbal. Apesar do que possam estar dizendo, as pessoas muitas vezes não conseguem evitar que seus verdadeiros sentimentos transpareçam, o que nos é comprovado por nossa experiência cotidiana. Isso foi apropriadamente denominado ‘vazamento’ não-verbal, e sua importância está no fato de que, como relatou Robert E. Brundin em 1989, “os estudos indicarem que quando as mensagens verbais e não-verbais são discordantes as pessoas na maioria das vezes acreditarão nas não-verbais”. Um estudo experimental realizado na biblioteca da Edinburgh University em 1978 revelou que “o índice de acercamento [do balcão de informação pelos consulentes durante situações [criadas artificialmente em que estava ‘desocupado’ foi significativamente maior do que nas situações em que estava ‘ocupado’. Resultados semelhantes haviam sido relatados anteriormente no clássico estudo de Kazlauskas baseado em observações feitas em 10 ramais de quatro bibliotecas universitárias do sul da Califórnia: “A parte do pessoal da referência que se mostrava receptiva costumava estar assoberbada de pedidos dos clientes, enquanto os que se mostravam pouco receptivos muitas vezes eram postos à margem pelos clientes.” Também acrescentou que “a linguagem corporal, ao contrário da linguagem verbal, pode nos comunicar o que uma pessoa realmente está dizendo. E naturalmente há situações em que somente contamos com a linguagem não-verbal, como quando os clientes observam alguém que esteja sentado a um balcão de referência ou informação. Uma leitura da linguagem corporal do bibliotecário de referência pode muito bem informar ao cliente se ele deve ou não se acercar.” Mais especificamente, ele aproveitou a oportunidade para elaborar listas de comportamentos típicos nãoverbais com que se deparou. Deles, os mais importantes são os comportamentos negativos, porque contradizem diretamente o que na aparência seria a posição declarada ou implícita, ou seja, que os bibliotecários de referência que se encontram a postos nos locais de atendimento receberiam de bom grado as consultas. Conforme foi anotado na época, os sinais não-verbais incluíam os seguintes: 1. Ausência de um reconhecimento não-verbal imediato de um cliente que estivesse esperando para apresentar uma questão. 2. Nenhuma mudança perceptível na atitude corporal em seguida ao ingresso do cliente no espaço tradicionalmente usado para tratar de assuntos de cunho impessoal. 3. O funcionário sentado, com a mão na testa, ocultando o olhar, e entretido em ler, organizar fichários ou alguma outra atividade. 4. Tamborilar com os dedos no balcão enquanto o cliente faz um pedido e fazer um mungango com a boca ao se movimentar para tratar de atendê-lo. 5. Ficar andando compassadamente atrás do balcão enquanto o cliente consulta um documento no mesmo balcão. Ele também fez mais um comentário penetrante sobre o efeito disso em outros consulentes potenciais que percebem tais procedimentos negativos, o que talvez faça com que se sintam “apreensivos com a possibilidade de interações similares ou até mesmo afastá-los drasticamente de qualquer outra interação”. 53
E preciso dizer que a reação dos profissionais a essa ênfase dada ao comportamento não-verbal não foi totalmente favorável. Katz, por exemplo, na edição de 1978 de seu livro, queixou-se de que “por útil que seja a análise cinésica no balcão de referência, muitas vezes ela chega perto do ridículo [...] com conclusões canhestras e às vezes ilusórias”. Talvez essa advertência fosse necessária, mas quem acredita que não existe problema deveria sentar-se durante meia hora em muitas das bibliotecas que recebem consultas e então fazer seu próprio julgamento sobre a conveniência de os alunos que estejam estudando o processo referência serem alertados para os efeitos que o comportamento não-verbal negativo pode ter sobre os usuários. Vermo-nos como os outros nos vêem, como Robert Burns sabia muito bem, é um dom raro, e como ele acrescentou, “It wad frae mony a blunder free us” [De muita asneira nos livraria]. Fazer de vez em quando um esforço positivo para se colocar na pele do consulente faz bem ao espírito do bibliotecário de referência. A maneira como se vêem as coisas depende com muita freqüência de nosso ponto de vista pessoal. Argyle acredita que “qualquer comportamento socialmente qualificado exige a correta utilização da comunicação não-verbal em vários aspectos”. Embora a inclinação de cabeça seja o mais comum, dois dos sinais não-verbais mais importantes são o sorriso e franzir as sobrancelhas. Hoje sabemos que os bebês podem reconhecer essas expressões poucas semanas depois do nascimento; de fato, uma pesquisa realizada na University of Wales em Cardiff mostrou que entre 10 a 15 minutos depois do nascimento os bebês já têm sua atenção atraída por um rosto animado. Talvez não fosse aceitável exigir que os bibliotecários de referência andassem com um sorriso permanente, o que poderia assustar mais do que atrair os consulentes. Até sugerir que sorriam de vez em quando talvez não fosse conveniente: como muitos outros cuja profissão é servir, dos motoristas de táxi de Nova York aos garçons dos cafés parisienses, eles nem sempre estão dispostos a sorrir. Mas, pelo menos, seria possível pedir-lhes que franzissem menos as sobrancelhas. Um exercício de campo que é instrutivo para qualquer estudante consiste em visitar uma biblioteca e contar a quantidade de bibliotecários que estão com o cenho carregado. Naturalmente, na maioria das vezes, essa expressão simplesmente reflete o intenso esforço mental inerente à rotina diária do bibliotecário. Infelizmente, também transmite uma nítida mensagem não-verbal para qualquer usuário potencial. As pesquisas demonstraram que Bernard Vavrek tinha razão em 1974 ao afirmar que “embora possa parecer não tão importante quanto [o conhecimento das fontes de referência], a expressão facial pode afetar bastante a disposição do cliente a apresentar uma questão, e certamente influi na maneira como a questão é formulada”. Também pode ter efeito acentuado no julgamento que o usuário faz da competência do bibliotecário. Num experimento controlado, com 320 usuários de biblioteca pública atuando como observadores voluntários, Roma M. Harris e B. Gillian Michell constataram em 1986 que “apesar do fato de cada observador ter assistido a uma entrevista de referência competente [com roteiro escrito, interpretada por atores profissionais e gravada em videoteipe] em que o bibliotecário respondia com êxito a questão do cliente, a percepção da competência, inclusive a probabilidade de obter uma resposta útil a uma questão, foi afetada pelo fato de o bibliotecário sorrir ou não, falar atenciosamente e olhar para o cliente durante a entrevista.” Naturalmente, esse tipo de comunicação sem palavras é um processo bidirecional, e o bibliotecário deve redobrar sua atenção para ler os sinais não-verbais transmitidos pelo usuário. Na verdade, Katz, em sua edição de 1982, passara a acreditar que “a verdadeira utilidade da comunicação não- verbal está não tanto em ajudar o bibliotecário de referência a se preparar para a entrevista, mas em ajudar esse bibliotecário a compreender a pessoa que precisa de ajuda”. Por exemplo, segundo Virginia Boucher, num trabalho especializado ainda que não totalmente despido de humor, “a atitude do Cliente Irado caracteriza-se por uma postura bastante ereta, uma expressão facial zangada, contato visual constante, pupilas dilatadas, inclinações enfáticas de cabeça, e, em raros casos, punhos cerrados”. Ela também oferece conselhos úteis sobre como discernir quem é a Ovelha Desgarrada e quem é a Confiança em Pessoa. Num tom mais sério, Lynch acredita que “o bibliotecário de referência provavelmente também obtém informações a partir de certas pistas, como, por exemplo, como o cliente está vestido, quais os objetos que carrega consigo, quão confiante se mostra em usar a biblioteca”. Vale a pena, porém, ter em mente a advertência feita por Joanna López Mufioz: “As pessoas costumam manipular sua aparência, a fim de transmitir mensagens acerca de seu status social ou sua profissão”; e, mais genericamente, assim como acontece com as mensagens verbais, os sinais não-verbais podem ser transmitidos com a intenção deliberada de enganar. Finalmente, os bibliotecários de referência não devem se esquecer de que uma grande parte da leitura que fazem dessas pistas não-verbais estará acontecendo no nível do subconsciente e contribuindo para formar suas atitudes em face dos usuários. Prestar atenção
Antes neste capitulo foi dito que o principal instrumento de negociação do bibliotecário de referência é o interrogatório competente, cuja finalidade é levar o consulente a falar. Por conseguinte, o bibliotecário deve ser um ouvinte atento, o que também consiste numa técnica específica que exige competência para ser bem desempenhada. Em nossas sociedades modernas que dependem da palavra escrita não é mais uma técnica tão desenvolvida como costumava ser. O primeiro passo para ser um ouvinte atento é parar de falar: Mathews nos lembrou que “temos dois ouvidos e só uma boca, que devemos usar na mesma proporção”. Os bibliotecários de referência precisam ter total 54
consciência, do mesmo modo que outros entrevistadores profissionais, da utilidade tática da pausa para estimular o consulente a proporcionar espontaneamente mais informações. Já se mencionou a paráfrase, definida neste contexto por Nathan M. Smith e Stephen D. Fitt como “devolver ao cliente uma interpretação de fácil compreensão, se bem que provisória, de sua mensagem”. Theodore P. Peck explicou como isso é mutuamente benéfico: “Aguça a capacidade de ouvir do bibliotecário e informa ao entrevistado que seu problema foi compreendido.” A isso se denominou ouvir ativamente. Um erro comum é o diagnóstico prematuro. Conforme advertiu Davinson, “muito freqüentemente, depois de o usuário começar a definir sua necessidade, o bibliotecário pára de ouvir com total atenção e começa a torcer as necessidades do usuário para ajustá-las a sua própria concepção das estruturas bibliográficas — o bibliotecário começa a pensar numa solução antes realmente de conhecer a questão”. Edward J. Jennerich observou que “os estudantes de referência prestam atenção seletivamente a uma consulta até que alguma palavra ou algum conceito estabeleça contato com uma fonte de informação que conheçam. Deixam então de ouvir e ficam à espera de uma pausa na conversa para sair correndo para apanhar um livro.” Patrick Penland tem razão ao lembrar que “prestar atenção de forma correta é uma tarefa árdua e exige que o bibliotecário esteja alerta para todas as deixas verbais e não-verbais que ocorram. Entrevistar implica ouvir as maneiras como as coisas são ditas, os tons usados, as expressões e gestos empregados.” Reação
O transplante de tantas percepções das ciências psicológicas e sociais para a bibliografia biblioteconômica durante a década de 1970 e o início da década de 1980 “trouxe um desafio a suposições amplamente aceitas acerca da entrevista de referência”, segundo Bunge em 1984, e provocou, talvez de modo não inesperado, “uma espécie de reação do bom senso”, e não apenas no campo da comunicação não-verbal. Entre as reações mais serenas estava a de Archie G. Rugh, em 1976: “Qualquer capacitação a ser ministrada nas escolas de biblioteconomia sobre serviço de referência consiste, ou deve consistir, principalmente em capacitação em bibliografia, e não em relações pessoais ou comunicação interpessoal.” Dez anos depois, embora tivesse modificado um pouco sua opinião, ele ainda continuava a advertir delicada- mente: “Evidentemente, nosso trabalho pode ser aperfeiçoado e melhorado por meio da aplicação das técnicas de entrevista desenvolvidas pelas ciências comportamentais, porém sem uma sólida capacitação em bibliografia não haverá como um bibliotecário de entrevista possa, para começar, entrevistar alguém. [.3 A entrevista de referência é uma técnica para se formular um problema bibliográfico e uma estratégia bibliográfica.” Outros mostraram-se menos inibidos. Fred Oser falou do “sentido ‘atormentado’ ou ‘trágico’ da entrevista de referência”, e Joseph Rosenblum declarou que “existe algo de podre no estado da biblioteconomia de referência”. A linguagem utilizada pelos porta-vozes da dimensão interpessoal foi tratada com particular escárnio: “tão oculta sob uma linguagem difícil e obscura a ponto de frustrar por completo sua compreensão” (Davinson); “freqüentemente escrita num linguajar desnecessariamente empolado, cujo maior efeito é fazer com que o que é evidente por si mesmo pareça uma revelação ou o que é simplório pareça profundo” (David Isaacson); “o jargão da comunicação muitas vezes basta para deixar a gente sem fala. [...] O volume de puras bobagens escritas sobre a conversa entre duas ou mais pessoas é quase tão discutível quanto engraçado” (Katz). Evidentemente os psicólogos de há muito se acostumaram com a posição leiga segundo a qual seu trabalho consiste em grande parte no “monótono descobrimento do bom senso”, e que, como um deles afirmou em texto clássico “parece que os psicólogos somente dizem com palavras ridiculamente longas aquilo que a maioria das pessoas já conhecia como uma realidade da vida”. Na verdade, a palavra psychobabble [psicoblablablá] chegou a ser cunhada especificamente para descrever seu jargão. Entre os psicólogos sociais também, Argyle pelo menos estava ciente da reação comum dos leigos às análises acadêmicas da comunicação não-verbal, que constitui não só a mais antiga forma de comunicação, mas também uma experiência banal. cotidiana: ele admitiu que “o leitor poderá sentir-se na mesma situação de monsteur Jourdain, o personagem de Moliêre. que descobriu que durante anos tinha falado em prosa”. Mas, no caso de nossa profissão, Rothstein, como tem feito tantas vezes, nos deu recentemente uma visão equilibrada, baseada na experiência de toda uma vida: “Eu mesmo duvido da validade e utilidade desse conjunto de procedimentos [padronizado e ensinável], mas acolho com prazer o fato de que os bibliotecários de referência estejam agora ficando mais sensíveis e instruídos acerca dos fatores psicológicos no serviço de referência.” A atitude profissional
Jamais se deverá supor que a atitude humanística em face dos consulentes, que é delineada na segunda parte deste capítulo, seja um mero verniz de boa educação ou que seja utilizada tomo uma técnica de manipulação, para fazê-los sentirem-se satisfeitos, ou adotada como uma forma de relações públicas. Antes de tudo, terá de ser adotada por razões práticas concretas: essa abordagem possui um efeito positivo sobre a disposição do usuário em cooperar fornecendo outras informações que sejam necessárias. Ademais, como observaram Benson e Hutler, “é esse interesse e essa cordialidade que preenchem a lacuna entre o serviço ideal que se espera oferecer e o serviço real que muitas vezes se é forçado a fornecer”. Mas, em segundo lugar e muito mais importante, é a única atitude que pode ser assumida por um verdadeiro profissional. Uma das principais 55
características de uma profissão é que o papel dos que a exercem não constitui meramente a prestação de um serviço, mas a aceitação de um grau de responsabilidade pelo bem-estar de seus clientes. Sugestões de leituras
Belkin, Bicholas 3. Anomalous states of knowledge as a basis for information retrieval. Canadian Journal of Information Science , 5, 1980, 133-143. Smith, Nathan M. & Fitt, Stephen D. Active listening at the reference desk. RQ, 21, 1982, 247-249. Somerville, Arleen N. The pre-search reference interview - a step by step guide. Database, 5, February 1982, 3238. White, Marilyn D. The reference encounter model. Drexel Library Quarterly, 19, Spring 1983, 38-55. Bunge, Charles A. Interpersonal dimensions of the reference interview: a historical review of the literature. Drexel Library Quarterly, 20, 1984, 4-23. Oser, Fred. Referens simplex or the mysteries of reference interviewing revealed. Reference Librarian, 16, 1986, 53-78. Ross, Catherine Sheldrick. How to find out what people really want to know. Reference Librarian, 16, 1986, 1930. Wilson, Patrick. The face value in reference work. RQ, 25, 1986, 468-475. Jennerich, Elaine Zaremba & Jennerich, Edward J. The reference interview as a creative art . Littleton, CO, Libraries Unlimited, 1987. Radford, Marie L. Interpersonal communication theory in the library context: a review of current perspectives. Library and Information Science Annual , 5, 1989, 3-10.
5 - A busca No caso de muitas das consultas do tipo autor/título ou de localização de fatos, raramente é preciso fazer uma ‘busca’ como tal. Naturalmente, tem-se de encontrar a resposta, porém um conhecimento profissional das fontes bibliográficas e de referência — não apenas títulos específicos, mas categorias genéricas — complementado pela experiência e auxiliado por uma boa memória, mui amiúde garantem que o bibliotecário de referência sabe exatamente onde procurar. Pedidos de informações sobre os tamanhos internacionais do papel, uma lista dos bispos católicos da Escócia, a declinação magnética verificada em 1960, o vencedor do swepstake irlandês do ano passado, como funciona o calendário muçulmano ou o salário do presidente da corte suprema da Inglaterra serão respondidos quase espontaneamente com o Whitaker’s almanack. Em tais casos a única decisão talvez esteja em optar entre várias fontes igualmente adequadas. O que parece acontecer nessa espécie de “recuperação automática mental”, como a denominou Marcia J. Bates, é que o bibliotecário ou sabe de cor que a resposta se encontra ali, ou aprendeu um processo esquemático simples para encontrar a resposta para certos tipos de questões. Esses processos não são algoritmos, quer dizer, regras bem-definidas a serem seguidas para executar determinada tarefa, e que sabidamente alcançam o efeito desejado em todos os casos, como as regras matemáticas de divisão. O repertório de táticas do bibliotecário de referência nesse contexto particular é mais um conjunto de ‘palpites’ ou de processos heurísticos — processos que tendem a produzir resultados úteis, mas que não são garantidos em todos os casos. São aprendidos com a prática e a experiência. Esse tipo de palpite indicaria que para informações específicas acerca de ingleses eminentes ainda vivos a primeira fonte a ser tentada seria o Who ‘s who , embora, naturalmente, nem toda heurística seja tão simples. Alguém já disse que a busca de referência parece-se muito mais com o jogo de palavras-cruzadas do que com a solução de equações algébricas ou mesmo o xadrez. Até mesmo algumas das consultas de localização de material não requerem que se façam buscas propriamente ditas. Basta simplesmente, em muitos casos, uma pequena seleção do que existe acerca do tópico — talvez apenas um único livro. Comumente o bibliotecário pode localizar material suficiente na seqüência classificada das estantes, com pouco ou nenhum esforço intelectual adicional. Novamente, são mínimas as decisões exigidas: a seleção de uma fonte e não outra, se houver opções, e a avaliação sobre se já foi fornecido material suficiente. Exemplos característicos de consultas desse tipo, que seriam atendidas em questão de minutos em qualquer biblioteca que dispusesse de um acervo razoável, são ‘estou procurando alguma coisa sobre os efeitos da televisão nas crianças’, ‘você teria algo sobre acupuntura?’, ‘quero um livro bom e de leitura fácil sobre a peste negra’, ‘gostaria de algo sobre o grupo de Bloomsbury’. ‘você sabe se existe alguma coisa sobre como tocar sinos de igreja?’ Por mais rotineiras que sejam tais consultas para o bibliotecário, a rapidez e a segurança da resposta parecem, para muitos usuários, como se fossem realmente coisas de bruxaria. Sua reação, que muitas vezes é gratificante, é de prazer e gratidão. O estudante deve ter em mente, porém, que a facilidade desenvolta dessas respostas esconde efetivamente do consulente o extenso esforço prévio que o bibliotecário dedicou ao estudo das fontes de informação e sua experiência em manuseá-las, para não falar da intimidade com o sistema de classificação e a organização do acervo. Além da heurística já mencionada existe toda uma bateria de habilidades 56
menores e técnicas especiais. intelectuais e manuais, para utilizar determinadas fontes de informação, que têm de ser dominadas, uma de cada vez, e memorizadas. Também é provável que á medida que os bibliotecários vão procurando as respostas suas mentes estejam trabalhando sobre o problema inclusive no nível do subconsciente. Em muitas bibliotecas, consultas de natureza tão elementar — pelo menos no que tange ao método — corresponderão a uma grande maioria, O grosso do restante, no entanto, será constituído de duas categorias importantes que exigem atenção mais minudente. Em primeiro lugar, haverá as consultas de localização de material em que não bastará simplesmente ‘alguma coisa sobre’ o assunto. Como se mencionou no capítulo 2, não é raro o usuário precisar ver tudo que existe sobre, por exemplo, suicídios em prisões, lesões causadas por cintos de segurança. carne de cobra como iguaria, ou escultura em carvão de pedra. É necessário, para atender a essas necessidades, uma busca cuidadosa e sistemática. Em segundo lugar, em toda biblioteca sempre sobrará uma quantidade substancial de consultas, tanto de localização de fatos quanto de material, para as quais não ocorrerá de imediato nenhuma fonte específica; e a estas devem ser acrescentadas aquelas em que uma fonte óbvia se mostrou infrutífera. Nesses casos, ao invés de praticamente fornecer uma resposta automática, o bibliotecário tem de aceitar a solução alternativa de procurar em qualquer fonte que pareça provável. Em outras palavras, também aqui faz-se necessária uma busca propriamente dita. Pausa para pensar
Existe neste ponto o perigo evidente de o bibliotecário entusiasmado mas inexperiente cair no erro corriqueiro de confundir movimento com ação: geralmente constitui um equívoco partir direto para o catálogo ou as estantes ou sentar-se ao terminal de computador sem pelo menos fazer uma pausa durante alguns minutos para pensar. Mas, como disse certa feita A. E. Housman, “pensar cansa e três minutos é muito tempo”, e temos de admitir que bibliotecários, que deveriam saber disso, lançam-se a fazer buscas que não são simples tendo apenas uma vaga idéia da estratégia. Talvez, lamentavelmente, seu faro os leve muitas vezes a terem êxito, mas a probabilidade de malogro e a conseqüente frustração do consulente quase sempre serão atenuadas se se pensar antes. Leonard Woolf observou que “para a maioria, o ranger do intelecto é tão doloroso quanto a broca do dentista”. Os bibliotecários de referência não são exceção, infelizmente, e portanto, com freqüência, precisam se esforçar para que suas mentes e não seus músculos se debrucem sobre o problema com que se defrontam. E impossível achar conselho melhor do que o de Margaret Hutchins: “Responder questões é um processo de raciocínio [...] deve-se ponderar detidamente antes de dar um passo ou erguer a mão para um livro.” Nessa etapa do processo de referência o bibliotecário se defronta com dois problemas. Um deles é o problema do consulente, expresso na forma de uma questão, cuja solução constitui o objetivo único da tarefa a ser realizada; o outro é o problema do próprio bibliotecário, ou seja, como proceder para encontrar essa solução. É importante que o estudante não confunda os dois: o problema do bibliotecário não é um problema de conhecimento explícito ou sobre um ‘assunto’, como o do consulente, mas um problema de conhecimento técnico ou metodológico. Naturalmente, porém, esses problemas interagem, com o assunto da consulta influenciando o modo de busca e os resultados da busca retroalimentando e possivelmente modificando a visão do usuário a respeito do assunto. A realização bem-sucedida de qualquer busca, salvo as mais simples, depende da dupla série, de decisões imbricadas que juntas constituem a estratégia de busca. O primeiro grupo de decisões controla a forma como a questão do consulente é submetida ao acervo de informações; trata-se, essencialmente, de uma questão de escolha das palavras-chave a serem usadas quando se procura sobre o assunto. O segundo grupo de decisões concerne ao planejamento do caminho a seguir durante a busca através do acervo de informações; esta é uma questão que concerne às fontes de informação a serem abrangidas pela busca e qual a seqüência a ser seguida. Cada um desses dois conjuntos de decisões estratégicas abrange geralmente um grande número de decisões subsidiárias, que muitas vezes se acham interligadas e também ligadas ás decisões correspondentes ou subsidiárias da outra série. As decisões nessa série dupla não se tomam necessariamente numa ordem lógica ou mesmo consecutiva. E. uma vez tomadas, não são aceitas em nenhum momento e de modo algum como se fossem definitivas: talvez seja melhor considerar cada uma apenas como uma hipótese a ser provada. Realmente, em alguns casos, os bibliotecários de referência talvez nem mesmo tenham consciência de que tomaram uma decisão. O estudo realizado por Charles A. Bunge acerca desse processo levou-o a concluir que “em sistemas manuais ou mais tradicionais, a elaboração das estratégias de busca pelos bibliotecários de referência parece ocorrer fundamentalmente no nível do subconsciente”. Uma boa parte da explicação de qualquer aparente falta de lógica ou método deve estar na natureza arbitrária e desconexa de muitas das próprias fontes de informação, apesar dos esforços de bibliotecários, bibliógrafos, indexadores, gerentes de bases de dados e inúmeros compiladores de obras de referência. A mesma explicação responde em certa medida pela inexistência, mencionada no capítulo 3, de um método de busca de aplicação generalizada. Nas palavras de William A. Katz, “devido às variáveis tanto do raciocínio quanto dos recursos humanos, é impossível apresentar um esquema definitivo de um processo de busca”. Todos os bibliotecários experientes sabem disso. E verdade que existem assuntos, geralmente de âmbito muito restrito, onde a bibliografia, por razões especiais, tem um feitio tão característico que é realmente possível esquematizar 57
um caminho de busca comum que levara à solução da maioria das consultas. Dois exemplos, de campos bastante diversos, e com certeza acentuadamente diferentes em conteúdo temático, são a heráldica e as patentes. Conforme mostrou F.S. Stych, é possível sistematizar a identificação de brasões, estabelecendo-a na forma de um fluxograma que leva quem faz a busca, mediante toda uma série de caminhos interconexos ou alternativos, às diversas obras de referência que fornecerão a resposta. Igualmente, pode-se desenvolver um método gradativo para fazer uma busca de patentes britânicas sobre um assunto específico. Não é fácil imaginar áreas de assuntos onde seja possível esse tipo de busca pré-programada: uma delas corresponde a certas áreas específicas do direito, outra é a de compostos químicos; talvez haja mais umas poucas. O que se torna evidente no estudo desses métodos de busca é que todos são muito diferentes entre si. Em face dessas comprovações, deve-se colocar de lado a idéia segundo a qual seria possível um dia desenvolver uma estratégia de busca aplicável a outras áreas além daquelas que têm limites muito precisos. O que foi desenvolvido no nível geral, principalmente por Bates, mas também por Gerald Jahoda e seus colaboradores, foram várias táticas de busca, que não só nos oferecem uma percepção mais nítida do processo de busca como ele vem sendo praticado há décadas pelos bibliotecários de referência, mas também nos proporcionam ferramentas específicas a serem empregadas em etapas apropriadas da busca. Algumas delas provavelmente são heurísticas e já vinham sendo usadas regularmente, sem que antes tivessem sido explicitadas com tanta clareza. O instinto do bibliotecário
Se não existe método de busca algum, agiria então o bibliotecário exclusiva- mente por instinto? A resposta naturalmente é não, porém antes de prosseguir com uma explicação seria conveniente fazer uma pausa e examinar a importância do instinto para um bibliotecário experiente, O Concise Oxford dictionary define instinto como “uma tendência inata a certos atos aparentemente racionais executados sem intenção consciente”. Não parece haver dúvida que ao se ver diante, por exemplo, de uma variedade de caminhos a seguir igualmente prováveis (ou igualmente improváveis), a freqüência com que o bibliotecário de referência experiente (ou talvez talentoso) escolherá o caminho certo deve-se mais a uma capacidade de natureza instintiva do que a uma intervenção do acaso. D. J. Foskett chamou isso de ‘faro’, mas argumentava que ele é adquirido com a experiência. Stych escreveu acerca “daquelas visões intuitivas e [...] aqueles pressentimentos ilógicos que, no caso de um profissional experiente, se devem provavelmente a um exame rápido e subconsciente dos conhecimentos acumulados”. Mary W. George acreditava realmente que “a estratégia de busca [...] nada mais é do que a organização gradativa dos lampejos fugazes do bibliotecário de referência”. O que certamente acontece sem sombra de dúvida é que o bibliotecário experiente, conscientemente ou não, de fato sintetiza, no que pode parecer uma única decisão instantânea, toda uma série de etapas de busca logicamente concatenadas que o bibliotecário menos experiente (ou menos talentoso) tem de cumprir, uma de cada vez e a um ritmo mais ponderado. A esta altura mereceria ser desculpado o estudante que se pusesse a perguntar a si mesmo qual a vantagem de tentar compreender um método de busca que consiste numa estratégia alcançada em grande parte de forma subconsciente e um processo fundamentalmente intuitivo. De fato, é verdade que esse continua sendo um ângulo do serviço de referência que as pesquisas pouco contribuíram para iluminar, apesar das tentativas feitas por meio de observação, questionários e descrições orais dos fatos pelo próprio bibliotecário à medida que tais fatos vão se sucedendo. De acordo com Bates, provavelmente a estudiosa mais arguta deste assunto, “apesar de todos os avanços em matéria de recuperação automatizada ou semi-automatizada da informação, nada ainda se iguala à capacidade dos seres humanos experientes que fazem buscas — chamem-se eles ‘especialistas da informação’ ou ‘bibliotecários de referência’ —, que transitam com perícia entre a enorme variedade de fontes, tanto manuais quanto em linha, para elaborar bibliografias ou responder questões. É desanimador quão pouco sabemos sobre quais sejam essas aptidões e como elas se desenvolvem; ainda não sabemos definir que é que uma pessoa experiente conhece que um iniciante desconhece.” O que vem nas próximas páginas, portanto, é simplesmente uma breve descrição esquemática, abrangendo a formulação do enunciado de busca, a escolha das fontes, a seleção do caminho de busca e o processo da própria busca. Estratégia de busca: formulação do enunciado
O acesso ao conteúdo temático das diversas fontes que constituem o acervo informacional se dá por meio de palavras: esteja a informação num verbete de enciclopédia, num manual, numa patente, num autógrafo de cana, numa referência numa base de dados bibliográficos, num catálogo comercial, num recorte de jornal, num videocassete ou qualquer outra alternativa possível, ela só poderá ser localizada utilizando-se a linguagem de acesso do acervo, ou, se for diferente, a linguagem de acesso da seção específica do acervo onde o item esteja armazenado. Essas linguagens de acesso ou linguagens de indexação consistem nos termos designativos de assuntos que se encontram na catalogação e indexação das peças individuais que compõem o acervo: cabeçalhos de assuntos, palavras-chave, descritores. entradas de índices, etc. É óbvio que a questão do consulente (ou questão negociada se tiver sido necessário fazer uma entrevista) será expressa em linguagem natural, ou seja, em palavras da linguagem corrente. É improvável que isso corresponda exatamente à linguagem empregada no acervo informacional, e, portanto, o que o bibliotecário tem de fazer é ‘traduzir’ a questão para a terminologia aceitável pelo sistema. É preciso que a questão seja expressa de forma que coincida com as palavras-chave utilizadas no 58
catálogo de assuntos, no sistema de classificação e nos índices das bibliografias, obras de consulta e outros materiais da biblioteca, ou nas bases de dados informatizadas equivalentes que sejam acessadas. Mesmo quando se trata de uma busca em computador com o emprego de texto livre ou linguagem natural, a entrada raramente tem a forma exata empregada pelo consulente: o que se usa é um subconjunto das palavras empregadas pelo consulente, selecionadas de modo a representar a informação temática essencial presente no enunciado da consulta; omitem-se palavras muito comuns bem como as palavras chamadas ‘funcionais’, e algumas das palavras restantes podem muito bem ser truncadas. Esta é a etapa em que a questão atravessa o último (na realidade o quarto) dos cinco filtros de Robert S. Taylor mencionados no capítulo 4: “relação entre a descrição da consulta e a organização do arquivo”. Para as consultas que já tiverem sido modificadas na etapa da entrevista isso corresponderá. naturalmente, a uma nova redefinição. A operação geralmente começa com urna análise minuciosa do assunto da questão em seus vários conceitos. Foskett aconselhava: “Antes de consultar qualquer fonte, a pessoa que faz a busca tem de se certificar que situou o assunto da consulta em sua parte correta do campo de conhecimento, e o faz classificando-o. Em outras palavras, deve analisar o assunto em suas várias facetas, o que não só o esclarece em sua própria mente, como também lhe proporciona as palavras-chave sob as quais terá de procurar quando recorrer a índices e catálogos.” Os bibliotecários são particularmente bem-dotados para essa tarefa devido à sua formação profissional: para eles, aplicar a faculdade analítica da classificação constitui pane de sua índole. Nesta etapa, a análise facetada pode ser particularmente útil, lançando-se mão, por exemplo, das cinco categorias fundamentais de Ranganathan: personalidade. matéria, energia, espaço e tempo; ou, mais provavelmente, um ou alguns dos aperfeiçoamentos introduzidos posteriormente por Brian C. Vickery e outros. Cada uma das cinco ou mais facetas de uma consulta, como, por exemplo, ‘perspectivas socioeconômicas dos imigrantes na Grã-Bretanha’, seria sucessivamente analisada, a fim de identificar palavras-chave apropriadas para a busca, sem esquecer termos mais genéricos e mais específicos. Ao elaborar listas de termos de busca os bibliotecários não são obrigados a depender exclusivamente de seus próprios recursos intelectuais. Poderão consultar um verbete de enciclopédia que trate do assunto, verificar termos prováveis em dicionários adequados, inclusive dicionários de sinônimos, examinar sistemas de classificação, consultar bibliografias e índices especializados na área, e, talvez o que seja mais útil, examinar todas as listas de cabeçalhos de assuntos, tesauros ou outras listas de autoridade que apresentem a possibilidade de ajudá-los. Jahoda denominou-as ‘ferramentasponte entre vocabulários’, e 42 000 termos extraídos de várias listas foram consolidados num volume de fácil manejo, o Cross reference index: a guide lo search terms. Chegamos ao ponto em que um mergulho na bibliografia, na forma de uma rápida busca na área especializada, a título de teste, poderá ser também proveitoso. Tomando como exemplo a consulta mencionada e concentrando-se por enquanto numa de suas facetas mais características — ‘imigrantes’ —, o bibliotecário, ao término de um exercício deste tipo, teria uma lista de termos como os seguintes, sob qualquer um dos quais poderiam ser encontradas informações relevantes no momento de consultar o material do acervo informacional: apátridas, asilo, assimilação, cidadania, colônias, colonizadores, deportação, emigração, emigrados, emigrantes, estrangeiros, evacuados, evasão de cérebros, exilados, expatriados, famílias imigrantes, fugitivos, grupos étnicos, imigração, imigrantes, império, mão-de-obra imigrante, migração, migrantes, minorias, minorias étnicas, nacionalidade, naturalização, patriotismo. pessoal imigrante, pessoas deslocadas, pessoas em trânsito, populações estrangeiras, raça, refugiados, repatriação, residentes, trabalhadores estrangeiros, transferências de populações, visitantes. Não se trata de uma lista exaustiva: não inclui os nomes dos países ou regiões de onde os imigrantes são oriundos, como Bangladesh ou o Caribe; nem inclui os nomes de nacionalidades ou outros grupos, como vietnamitas ou siques. E claro que num mundo ideal não seria preciso procurar sob todos esses nomes o que, afinal de contas, é somente um único assunto e ainda por cima um assunto claramente definido. Pelo menos seria natural que se fosse orientado para o termo exato no caso de se ficar perdido ao tentar inicialmente o termo errado. Existe uma extensa bibliografia sobre indexação alfabética de assuntos, que nem mesmo é possível de resumir aqui, mas o fato é que ainda se trata de algo muito longe de ser uma ciência exata. O moral é baixo no que já se chamou de ‘cenário atual desolador’, com palavras como ‘selva’, ‘confusão’ e ‘trauma’ aparecendo nos títulos dos artigos sobre esse tópico. Por conseguinte, ainda é arriscado tentar traduzir uma consulta para um enunciado de busca que coincida com os padrões de indexação das diversas fontes existentes no acervo informacional. Katz constatou que “provavelmente não existe nenhum método totalmente satisfatório para o bibliotecário de referência dominar o acesso ao arquivo informacional mediante cabeçalhos de assuntos”. No entanto, embora o computador ainda não tenha afetado radicalmente o problema intelectual inerente à indexação de assuntos, uma de suas inegáveis contribuições para as buscas é a possibilidade de emprego do operador booleano ou para juntar em aglomerados conceituais termos de busca sinônimos, bem como usar o truncamento para simplificar a listagem de termos que tenham radicais comuns. Será óbvio para qualquer estudante que nenhum enunciado de busca poderá ser elaborado no vazio: deverão estar sempre em mente as diversas e variadas fontes onde serão feitas as buscas. Tampouco se pode elaborar um único enunciado de busca universal: a análise geral do assunto terá naturalmente validade ao se procurar em qualquer fonte, porém os aspectos mais sutis relativos a sinonímia, remissivas e ordem de composição em cabeçalhos compostos, além da busca de combinações de conceitos, necessitarão de constantes reajustes à medida que a busca passar de uma fonte do acervo informacional para outra. As decisões quanto à 59
escolha de fontes e à seleção do caminho de busca não são simplesmente complementares à formulação do enunciado de busca: estão indissoluvelmente ligadas a ela como componentes da estratégia de busca em sua totalidade. Estratégia de busca: escolha das fontes
Uma busca regular, gradativa e exaustiva em todo o acervo informacional acabaria, evidentemente, por localizar a resposta, se houvesse uma resposta. Também compulsar, aqui e ali, ao estilo da serendipidade, campos aparentemente promissores pode vir a ser suficiente, e, de fato, às vezes tem-se de recorrer a isso à falta de qualquer outra estratégia. O que parece, no entanto, acontecer na prática é que o bibliotecário formula uma série de hipóteses a respeito das fontes com maiores probabilidades de conter as informações solicitadas. Essas fontes são sucessivamente testadas durante o processo de busca, e sua validade é aprovada ou reprovada. A opção que se coloca para o bibliotecário encontra-se entre as quatro fontes básicas, comuns a todas as bibliotecas, que constituem o acervo informacional: os catálogos da biblioteca, as fontes bibliográficas, as obras de consulta e a literatura especializada. Na maioria das bibliotecas uma grande parte dessas fontes apresentar-se-á em forma impressa, principalmente os livros. Cada vez mais essas fontes passam a estar disponíveis em formato computadorizado, às vezes como alternativa à versão impressa, mas também de modo exclusivo. Também se encontram amplamente difundidos os formatos audiovisuais, que, porém, fora do mundo educacional e do mundo da mídia, correspondem em geral apenas a uma pequena proporção da totalidade dos recursos informacionais. Existem, evidentemente, fontes especiais que variam de uma biblioteca para outra: por exemplo, relatórios confidenciais de pesquisas em bibliotecas industriais e governamentais, ou teses inéditas em bibliotecas universitárias. Ocupando uma categoria própria temos um quinto recurso informacional, também comum a todas as bibliotecas: seu pessoal. O maior desses recursos é, sem termo de comparação, a literatura especializada. É também a fonte mais importante, imprescindível à função que a biblioteca desempenha na sociedade. Compreende a literatura primária, como as monografias originais, periódicos especializados, anais de conferências, relatórios de pesquisas, publicações oficiais, teses, manuscritos e material de arquivo, e também a literatura secundária na forma dos livros e periódicos mais conhecidos.. Todos esses materiais destinam-se basicamente a serem lidos ou estudados e não consultados. Dentro de cada campo especializado constituem o registro do que é conhecido e do que foi realizado; na realidade, em termos bibliotecários, são o assunto. A coleta, organização, preservação e utilização de toda essa literatura temática são a raison d’être da biblioteca. É para a literatura sobre o assunto que se volta inicialmente o consulente leigo típico às voltas com um problema de informação, para ‘ver se existe um livro a respeito’. Para esse tipo de pessoa que busca informação a grande vantagem da biblioteca não está simplesmente no fato de ela adquirir livros para seu uso, mas no fato de organizar as peças individuais em ordem classificada, de modo que todos os títulos sobre o mesmo tópico se encontrem reunidos nas estantes. Essa importante contribuição dos bibliotecários à organização do conhecimento passa tão despercebida que a maioria dos usuários de bibliotecas não se dá conta de que ficariam completamente desorientados se fossem colocados diante de qualquer outra alternativa. A classificação bibliográfica é, na realidade, um instrumento intelectual de grande eficácia na realização de qualquer busca na biblioteca: suas características, indissociáveis, de localização e ordenação devem, por si sós, ter sido imprescindíveis para satisfazer às necessidades de informação de milhões de consulentes. Richard A. Gray fez-nos lembrar que “os sistemas de classificação bibliográfica são mapas cognitivos mediante os quais os bibliotecários e os clientes das bibliotecas marcam suas posições atuais e planejam seus movimentos horizontais e verticais dentro de uma base de dados a base de dados sendo neste caso o acervo total da biblioteca”. Mas, como bem sabem todos os bibliotecários, a classificação tem seus limites, independentemente das deficiências inerentes aos próprios sistemas. Apesar do que os leigos possam imaginar, ela não reúne todos os materiais a respeito de um assunto. Conforme Grace O. Kelley mostrou há mais de 50 anos embora suas conclusões tenham sido muito mal-compreendidas uma classificação lógica oculta tanto quanto revela: informações sobre animais específicos, como os castores, para ficarmos com o exemplo dela, também serão encontradas em alguns dos livros gerais sobre animais, em artigos de periódicos e enciclopédias; e assim por diante, que não são colocados junto com os livros dedicados especificamente a castores. Segundo os resultados por ela obtidos, apenas 15,8% do material sobre castores passível de ser localizado por meio do catálogo encontravam-se nas estantes sob o número de classificação específico. Ninguém conseguiu explicar esse dilema de forma mais notável do que Foskett: “A classificação, afinal de contas, tenta organizar o continuum dinâmico e multidimensional do conhecimento numa seqüência linear: uma solução de meio-termo entre o ideal e o possível o ideal seria ter um exemplar de cada documento junto com exemplares de todos os outros documentos com os quais guardasse pertinência. o que facilmente cobriria de bibliotecas toda a superfície da Terra; e o possível seria reduzir o conhecimento a uma seqüência linear e lançar mão de outras técnicas para preencher as lacunas resultantes.” Dessas técnicas as duas mais úteis são as que se acham concretizadas nos catálogos de bibliotecas e nos vários tipos de bibliografias. Conforme foi mencionado, estes, junto com as obras de referência, compreendem as três fontes básicas restantes que constituem o acervo informacional. Todas as três, mas principalmente as 60
bibliografias e os livros de referência, ocupam um lugar importante no domínio do bibliotecário de referência, cuja formação profissional dedica a seu estudo unia parcela significativa de sua duração. Abrangem o conteúdo da disciplina básica que é a bibliografia sistemática; são as fontes a que primeiro se recorre: e seu aproveitamento e sua utilização, particularmente como chaves de acesso à literatura especializada, é que constituem os fundamentos da prática profissional do bibliotecário. Duas delas, os catálogos da biblioteca e os vários tipos de bibliografias, são muitas vezes comparadas e cotejadas. Ambas são obviamente fontes secundárias, como a terceira parte da trindade as ferramentas da referência visto que as informações que contêm são compiladas das fontes primárias; mas, diferentemente das obras de referência, os catálogos e as bibliografias não contêm absolutamente informações substantivas — conhecimentos sobre um ‘assunto’. Eles contêm somente referências, que indicam conteúdo mas não o fornecem. Mesmo que um catálogo contenha anotações ou uma bibliografia inclua resumos, trata-se apenas de condensações e sucedâneos do conteúdo real do documento referenciado. Para o bibliotecário de referência que esteja tencionando fazer uma busca, é improvável, portanto, que proporcionem uma resposta substantiva, exceto no caso de uma consulta do tipo autor/título, ou então estritamente bibliográfica, como, por exemplo, a data de edição ou o editor de uma obra. A sabedoria aceita, venerada há mais de um século nas palavras de Justin Winsor, presidente da American Library Association e o bibliotecário mais eminente de sua época, é que “não há nenhum outro fator que influa na eficiência da biblioteca que se compare ao catálogo”. Em 1934, Isadore G. Mudge acreditava que ele era “por si mesmo, a ferramenta de referência mais importante na biblioteca”. Essas opiniões ecoaram nas palavras pronunciadas em 1990 por Elaine K. Rast, chefe de catalogação de uma biblioteca universitária: “O catálogo do público, seja em fichas ou em linha, é o guia da biblioteca, tanto quanto um índice o é para um livro. Sua importância não pode ser subestimada.” No entanto, essa atitude tradicional oculta uma antiga contenda entre catalogadores e bibliotecários de referência quanto à verdadeira função do que F.W. Lancaster chamou “a chave mais importante do acervo de uma biblioteca”: será seu objetivo proporcionar uma ferramenta bibliográfica informativa, oferecendo uma análise temática do conteúdo da biblioteca, ou deverá ter como meta ser apenas uma lista de localização? O que foi chamado ‘guerra implacável’ de certa forma intensificou-se ao longo das duas últimas décadas, cada lado se afastando ainda mais do outro ao invés de se reaproximarem. Temos aqui dois problemas distintos, O primeiro é que, mesmo como listas de localização, a maioria dos catálogos são incompletos, uma vez que relacionam somente obras que são editadas separadamente, sem procurar diferençar, por exemplo, colaborações individuais constantes de anais de conferências ou capítulos escritos por diferentes autores em livros de autoria coletiva. E, naturalmente, é raríssimo encontrar um catálogo de biblioteca que analise o conteúdo dos periódicos existentes em seu acervo. O segundo problema é a evidente inadequação da indexação de assuntos, tanto em quantidade quanto em especificidade, seja quando assume a forma de cabeçalhos de assuntos num catálogo dicionário ou um índice temático do sistema de classificação num catálogo sistemático. Este é um problema muito mais difícil de resolver, O estudo clássico de Kelley a respeito da informação sobre castores demonstrou o efeito global dessas deficiências, revelando que o catálogo de assuntos indicava apenas 37,3% do material sobre o assunto existente na biblioteca. Segundo Richard D. Altick, eminente estudioso de literatura. “o catálogo em fichas de uma biblioteca não é uma ferramenta de bibliografia especializada [...] jamais se deve recorrer a ele para a orientação exigida por pesquisas meticulosas”. D.W. Krummel, bibliógrafo de música e também professor de biblioteconomia e ciência da informação, acreditava que “o acesso temático à literatura mundial é um dos principais malogros da catalogação contemporânea”. Samuel Rothstein salientava em 1964 que “os bibliotecários de referência [...] provavelmente com mais freqüência do que seria razoável, nem mesmo têm de consultar [o catálogo] quando fazem suas buscas”, O estudo feito em 1985 por Diane M. Brown acerca de 648 questões de referência recebidas por telefone na Chattanooga-Hamilton Public Library (Tennessee, EUA) revelou que em apenas 15% dos casos o catálogo em fichas era consultado. Os catálogos em linha de acesso público poderão, graças à capacidade do computador, vir a modificar esse cenário. As buscas temáticas baseadas em palavras-chave, apesar de toda sua imperfeição. são com certeza um avanço, e a possibilidade de realizar buscas de itens conhecidos empregando apenas fragmentos de um registro ou chaves abreviadas de autor/título pode diminuir os malogros em casos em que a pessoa que faz as buscas parte de informações bibliográficas inexatas ou incompletas. Estudos experimentais demonstraram que a melhoria dos registros catalográficos tradicionais por meio da inclusão de termos designativos de assuntos extraídos de sumários pode resultar em aumento notável da recuperação de documentos. E nas bibliotecas que não contem com um catálogo sistemático, principalmente nos Estados Unidos, a possibilidade de fazer buscas pelos números de classificação acrescenta uma nova arma a seu arsenal. Infelizmente, durante vários anos desde sua introdução, os catálogos em linha de acesso público foram vistos como uma simples versão mecanizada do catálogo em fichas, ‘um catálogo em fichas sobre rodas’, como disse alguém. Em 1987, James R. Dwyer ainda afirmava que “muitos produtos apresentados como catálogos em linha não passam de sistemas de circulação construídos às pressas que nem mesmo conseguem funcionar como os catálogos em fichas que pretendem substituir”, e a conclusão de Charles R. Hildreth em 1989 foi de que “os melhores catálogos em linha atuais superaram as limitações das formas anteriores do catálogo de biblioteca (isto 61
é, em forma de livro, fichas e microformas)”. No entanto, o “potencial de o catálogo em linha proporcionar melhor acesso ao material da biblioteca e às informações nele contidas ainda permanece em grande parte inexplorado”. Muitos desses catálogos em linha de acesso público acham-se disponíveis para uma mais ampla utilização por meio das redes de telecomunicações, como a Joint Academic Network (JANET) que interliga universidades e outras instituições especializadas (inclusive a British Library) no Reino Unido. Conforme é proclamado sem rodeios, “JANET abre as portas das bases de dados e dos serviços em linha da comunidade universitária sem qualquer despesa, da mesma forma que as bibliotecas da comunidade abrem suas portas, sem custos, para a comunidade em geral”. Deve-se aqui também mencionar os grandes utilitários bibliográficos, como o Online Computer Library Center (OCLC), originalmente concebido para ser essencialmente uma ferramenta de apoio à catalogação, mas que atualmente vem sendo usado cada vez mais no serviço de referência. Convém lembrar o que Jesse H. Shera afirmou numa conferência de 1966: “o bibliotecário de referência, em minha opinião, surgiu historicamente porque havia esse hiato entre a chave de acesso aos recursos da biblioteca [isto é, o catálogo] e os próprios recursos. Em outras palavras, a chave não passava de uma chave imperfeita. Somente abria algumas portas. E ainda havia inúmeras outras portas em que a chave não servia. Assim, em certo sentido, o bibliotecário de referência é o guardião das chaves e dispõe de todos esses outros recursos para fazer suas pesquisas.” Destacam-se entre esses outros recursos as bibliografias, principalmente as listas, índices e resumos de periódicos. Chega a ser quase supérfluo acentuar a absoluta indispensabilidade das bibliografias e índices no trabalho de referência. Bastará apenas lembrar ao estudante a forma como complementam os catálogos da biblioteca e ampliam o serviço ministrado. Em primeiro lugar, indexam várias categorias importantes de material que em geral se excluem dos catálogos da biblioteca, como artigos de periódicos, publicações oficiais, poesias constantes de antologias, patentes e muitas outras. Como evidência direta da importância das duas primeiras categorias, convém mencionar, por exemplo, que muitas bibliotecas universitárias e especializadas gastam mais da metade de seus orçamentos de aquisições com assinaturas de periódicos, e que Her Majesty’s Stationery Office e United States Government Printing Office1 são as maiores editoras em seus respectivos países. A segunda maneira como as bibliografias e os índices ampliam o serviço oferecido está em não se limitarem ao acervo de uma determinada biblioteca, proporcionando, assim, pelo menos o acesso bibliográfico a todo o universo da informação. A quarta fonte básica que constitui o acervo informacional são as ferramentas de referência: compilações destinadas especificamente a suprir informações da forma mais conveniente. As categorias mais comuns são as enciclopédias, dicionários, guias, anuários, fontes biográficas e fontes geográficas. São geralmente tidas como sendo domínio predominante do bibliotecário, embora, como se deixou evidente no capítulo 1,0 conhecimento profundo das fontes de referência seja apenas parte do instrumental do bibliotecário de referência. Conforme já assinalamos, muitas bibliografias e ferramentas de referência importantes encontram-se atualmente disponíveis na forma de bases de dados informatizadas. Algumas correspondem a versões impressas que já existiam antes, mas muitas não, constituindo fontes exclusivas de informação. Atualmente existem mais de 5 000 dessas bases disponíveis publicamente para buscas em linha, e talvez umas 1.500 em formato ‘portátil’ (mas com muitos títulos se duplicando), principalmente em CD-ROM, mas também em disquetes e fitas magnéticas. Esse material constitui um recurso substancial e hoje em dia é em geral considerado útil para muitas buscas. É importante, no entanto, manter aqui um senso de equilíbrio: 5.000 é um número elevado, mas está longe de se comparar com a quantidade de ferramentas de referência impressas — existem, por exemplo, mais de 7 000 dicionários somente da língua inglesa. Mais adiante neste capítulo trataremos das buscas informatizadas. É preciso dizer algo a respeito do teletexto e videotexto, disponíveis em muitas bibliotecas, proporcionando acesso a bases de dados informatizadas remotas por meio de um aparelho doméstico de televisão e um simples teclado (embora existam terminais dedicados e também possam ser usados microcomputadores com software adequado). Desenvolvidos originalmente no Reino Unido, difundiram-se para muitos países com vários nomes, muitas vezes marcas registradas, mas sua tendência tem sido a de continuarem sendo sistemas nacionais e não internacionais. O teletexto é um sistema de difusão, que oferece cerca de 3 000 páginas de informações atualizadas regularmente e a que se tem acesso ao teclar os números de página que se localizam por meio de um menu ou um índice. Considerado mais como uma espécie de jornal eletrônico, abrange títulos e breves resumos de notícias, previsões meteorológicas, notícias sobre turismo, informações sobre programas de rádio e televisão, noticiário esportivo, informações financeiras, como cotações de bolsas de valores e de mercadorias, receitas culinárias, etc. Seu uso é grátis. O videotexto é um sistema interativo, que utiliza linhas telefônicas e só é acessível a assinantes. A quantidade de informação disponível é muito mais extensa, chegando hoje, no Reino Unido, a mais de 400 000 páginas, O acesso se faz basicamente por meio de menus que orientam o consulente através de uma série de páginas estruturadas hierarquicamente, sendo no entanto também possível fazer buscas simples mediante palavras-chave, embora isso exija um teclado alfabético. Pode-se considerá-lo como um acervo eletrônico de referência rápida, contudo, como meio de comunicação de massa, não conseguiu empolgar. Havendo, no Reino Unido, quase quatro milhões de aparelhos de televisão em condições de receber esse serviço, existem atualmente menos de cem mil assinantes. Por isso, o alvo 1
Trata-se, respectivamente, das imprensas oficiais do Reino Unido e dos Estados Unidos da América. (N.T.)
62
passou a ser o de mercados específicos, tais como agricultura, comércio, educação, etc., cujo potencial, no entanto, ainda está por ser concretizado. Foram feitas comparações interessantes com outras inovações tecnológicas, como o telefone e a máquina de escrever, que foram rapidamente absorvidas pelo comércio e a indústria, mas só muito mais lentamente foram incorporadas ao consumo doméstico. Uma importante fonte de informação encontrada em todas as bibliotecas, mas que, até há pouco, só mereceu uma atenção surpreendentemente escassa na literatura, é o próprio pessoal da biblioteca. Conforme nos chamou a atenção Ann T. Hinckley, “a melhor fonte de um bibliotecário de referência talvez seja outro bibliotecário”. Tenham muito tempo de casa ou hajam sido admitidos recentemente, os membros do quadro de pessoal, em conjunto, devem ter experiência maior e interesses mais amplos do que qualquer indivíduo tomado isoladamente, e esta fonte ímpar de conhecimentos é um dos principais trunfos de qualquer biblioteca. Existe uma certa razão para se supor que não se recorre a tal fonte tanto quanto se deveria — muitas vezes por motivos de ordem pessoal—, mas todo bibliotecário deveria aprender a considerá-la como uma das fontes alternativas de informação a ser consultada habitualmente em qualquer busca em que isso fosse apropriado. Todo bibliotecário de referência deveria aceitar o papel de “um guia não só para os livros, mas também para os recursos de pessoal da biblioteca”, para usar as palavras de William Wamer Bishop pronunciadas no distante ano de 1915. Algumas bibliotecas levam isso mais a sério do que outras e adotam regras bastante firmes sobre consultas aos colegas; muitas contam com uma regra tácita segundo a qual só se pode fornecer uma resposta negativa depois de consultados todos os membros disponíveis do pessoal. Jan Kemp e Dennis Dillon levantaram uma questão importante ao observar que “quando os bibliotecários não buscam ajuda eles derrogam a responsabilidade de manter um espírito de colaboração entre os membros do pessoal”. Em muitas bibliotecas empreendeu-se um esforço no sentido de consolidar de forma permanente a memória coletiva de seu pessoal na forma de um índice de informações. Com nomes extraordinariamente variados — arquivo de consultas, arquivo de informações, arquivo de curiosidades, arquivo de preciosidades, arquivo de referência preliminar, arquivo de questões complexas, arquivo de referência útil, arquivo de consultas respondidas—, trata-se geralmente de um dispositivo bastante informal, em fichas, ordenadas alfabeticamente por assunto. Os itens que o compõem são fornecidos pelo próprio pessoal, da forma e no momento que lhe pareça adequado. Eleanor 8. Woodruff, já nos idos de 1897, aconselhou sobre o que se deveria incluir nesse tipo de arquivo: “Todo material [...] que tenha sido localizado com dificuldade e depois de uma longa busca deverá ser registrado de uma forma permanente. A experiência tem mostrado que certas questões retomam com a regularidade das estações, e as referências a seu respeito, uma vez encontradas e anotadas, estarão disponíveis para sempre [...J Neste índice serão encontradas referências sobre toda e qualquer variedade de informações avulsas que você haja recolhido durante suas leituras ou que atraiam sua atenção ao examinar revistas, recortes de jornais e outros itens que nenhum índice, por mais completo que seja, trará à luz, e que certamente você precisará, mas que, de outra forma, não conseguiria saber onde encontrar.” Às vezes incluídas nesse arquivo, e surpreendentemente úteis, são consultas que não foram respondidas, apesar de se ter feito uma busca exaustiva. E característico desses arquivos incluir muitas informações de natureza local: necrológios extraídos do jornal local, um índice da correspondência da própria biblioteca, uma lista de especialistas locais, etc. Naturalmente, pode haver mais de um arquivo: exemplos concretos incluem índices de embarcações construídas na localidade, tradutores autônomos, edifícios importantes que foram demolidos, reproduções de pinturas famosas, temas musicais de programas de televisão, peças de teatro onde apareçam cenas de julgamento ou de tribunais. Poder-se-ia considerá-los como embriões de obras de referência; efetivamente, muitos são concebidos deliberadamente para complementarem ferramentas de referência existentes, e existe uma quantidade razoável de úteis obras de referência editadas, cuja vida teve início como um arquivo informal em fichas numa biblioteca. Dois exemplos, dos dois lados do Atlântico, são: ‘ Isms: a dictionary of words ending in -ism, -ology, and -phobia das Sheffield City Libraries, e Respectfully quoted: a dictionary of quotations requested from the Congressional Reference Service, editado pela Library of Congress. Alguns arquivos são muito extensos, como, por exemplo, o da Chicago Public Library que ocupa 200 gavetas. Alguns foram informatizados: em 1989 noticiou-se que quatro desses arquivos de referência imediata haviam sido processados na University of California at Los Angeles. Qualquer bibliotecário que tenha tido o ensejo de consultar esses arquivos e índices (e geralmente eles se destinam apenas a serem consultados pelo pessoal) dará o testemunho de sua importância como uma fonte alternativa de informação por seus próprios méritos. O estudo realizado por Mabel Conat em 1947 na Detroit Public Library constatou que quase 16% das 18 701 fontes consultadas para responder 12292 questões correspondiam a “arquivos de informação departamentais”. Em 1982 Bronwyn W. Parhad informou que a Chicago Public Library respondia 30% das consultas de referência rápida recebidas por telefone por dia com seus ‘arquivos especiais’. Constitui atualmente um lugar-comum afirmar que nenhuma biblioteca algum dia será auto-suficiente. A conseqüência disso é que se deve recorrer sistematicamente às fontes externas durante o processo de atendimento das necessidades dos consulentes. O encaminhamento ou transferência do consulente (ou da consulta por escrito) para outra biblioteca ou fonte de informação será analisado no capítulo 6. No contexto da própria busca, a utilização de fontes externas implica que as mesmas sejam consultadas diretamente pelo bibliotecário como uma das fontes alternativas de informação. 63
Estratégia de busca: escolha do caminho
A decisão quanto à seqüência em que a série de hipóteses de busca será testada é em si mesma um componente da estratégia de busca total. Em sua forma completa esta decisão compreende três etapas: primeiro, seleciona-se uma categoria genérica de fonte; segundo, escolhe-se um título específico dentro dessa categoria; finalmente, faz-se uma opção acerca do modo exato de acesso a ser usado para localizar a informação necessária dentro do título específico escolhido. Parece que os bibliotecários de referência experientes muitas vezes combinam as duas primeiras etapas numa única operação mental. Para o bibliotecário menos experiente ou com limitados conhecimentos existe aquilo que Jahoda e Braunagel chamaram de “ferramentas-guia”, que foram desenvolvidas especificamente para servir de ponte entre a categoria genérica e o título específico. As mais conhecidas são, naturalmente, as ‘bíblias’ gêmeas dos bibliotecários de referência - Walford e Sheehy -, que mesmo o mais onisciente deles consultará regularmente. Deve-se acentuar, mais uma vez, que não existe fórmula alguma, rotina alguma, operação alguma que possa ser receitada. Conforme admitiram Jahoda e Braunagel, “existe inquestionavelmente uma seqüência de busca ideal, porém o atual nível dos conhecimentos no campo da referência ainda não nos permite fazer generalizações acerca da melhor seqüência a adotar nas buscas em ferramentas de referência potencialmente úteis.” Encontram-se ocasionalmente na literatura princípios básicos de busca: “parta do genérico para o específico”, “ande do conhecido para o desconhecido”. São princípios tão gerais que chegam a não ter sentido; de qualquer modo, são diariamente postos de lado por todo bibliotecário de referência atarefado. Mais valiosas são as tentativas encetadas por vários autores visando a isolar certas características da questão que possam sugerir uma determinada abordagem da busca. James I. Wyer denominou-as “pontos de apoio em que podemos nos segurar” ao proceder rumo à solução de um problema. Há, de fato, aspectos da questão acessórios ao assunto concreto, que constituem naturalmente o primeiro ‘ponto de apoio’. Os outros cinco que ele identificou são os aspectos biográfico, bibliográfico, Cronológico, de língua ou nacionalidade e de forma. Ele sugeriu que uma abordagem indireta a partir de um desses cinco aspectos poderá muito bem localizar a resposta de forma mais rápida. Stych identificou uma série de “fatores gerais que impõem decisões a quem faz a busca e que dizem respeito ao caminho a ser seguido e à seqüência dos passos”. Abrangem mais ou menos uma dezena de características da questão, tais como campo temático, tempo, espaço, língua, nível, quantidade e alguns outros fatores especiais, como a competência e experiência do bibliotecário, todos os quais contribuem nitidamente para as decisões a serem adotadas quanto à estratégia de busca. Várias delas são questões que afloram durante a entrevista: sua sugestão foi de que sejam sistematicamente conferidas e marcadas como uma espécie de ‘britadeira mental’ antes de se começar a palmilhar o caminho de busca propriamente dito. O mais esmerado método de análise da questão como instrumento auxiliar da busca encontra-se no trabalho de Jahoda e colaboradores descrito no capítulo 2. Ele explicou que “assim como as consultas, que podem ser caracterizadas por conhecidos e desejados, cada grupo de ferramentas de referência pode ser caracterizado segundo combinações de conhecidos e desejados”. Dissecada a consulta em seus conhecidos e desejados, de acordo com o esquema de Jahoda, o bibliotecário, em seguida, procura encontrar uma ferramenta de referência com a qual coincidam os conhecidos e desejados. Para exemplificar, se lhe fosse perguntado ‘quantas pessoas habitam a ilha de Herm [uma das ilhas do canal da Mancha]?’, o bibliotecário observaria que o conhecido é um lugar especificamente nomeado, e o desejado é uma informação numérica (estatística). Uma categoria de ferramenta de referência que se caracteriza por esses conhecidos e desejados é um dicionário geográfico; e. de fato, a resposta para esse exemplo será encontrada num dicionário geográfico. Do mesmo modo, um pedido para que seja localizado o ‘nome correto do bacurau’ possui um termo ou assunto como seu conhecido e informação textual (definição) como seu desejado. A ferramenta de referência com os correspondentes conhecidos e desejados é um dicionário, onde a resposta poderá ser facilmente localizada. O estudante deve ter em mente o que Katz afirmou: “o processo de busca pode ser tão subjetivo e intuitivo quanto a entrevista de referência”. O próprio Wyer acreditava que a escolha, em qualquer caso específico, do ‘ponto de apoio’ mais promissor é uma questão de “instinto de referência”. E embora Stych sustentasse, a respeito dos fatores que identificou, que “os bibliotecários de referência estão constantemente baseando neles suas decisões”, admite que assim agem “de modo em grande parte inconsciente”. Isso continua sendo válido também nas buscas feitas em computador, que, segundo constatou Barbara Newlin, são “altamente criativas. Suas melhores soluções surgem de palpites e lampejos de intuição”. Como se disse no começo deste capítulo, o ponto de partida natural de muitas consultas sobre assuntos é o material que trata do assunto na seqüência classificada das estantes. Em alguns casos, contudo, o consulente pode exigir uma busca exaustiva — quer dizer, todo o material disponível, não somente ‘algo sobre’ o assunto; em outros, o bibliotecário talvez se sinta menos seguro quanto à parte mais apropriada da seqüência classificada, ou a experiência o previna de que pouca coisa seria encontrada ali. Por indispensável que seja a classificação, suas limitações, como se delineou antes, podem significar que nesses casos será menos provável que o bibliotecário dirija-se diretamente à seqüência classificada. Será para uma das três fontes básicas — os catálogos da biblioteca, as bibliografias ou as obras de referência — que o olhar se voltará em primeiro lugar. Como já foi dito, os catálogos da biblioteca e as várias formas de bibliografias não fornecem, devido à sua própria natureza, respostas substantivas, mas sua verdadeira serventia par excellence é como ponto de partida quando nenhuma outra fonte parece promissora. Segundo Et. Coates, “o catálogo de assuntos intervém no 64
trabalho do bibliotecário de referência no ponto em que falha seu conhecimento pessoal ou a lembrança do material existente na biblioteca. [...] Um departamento de referência atarefado entraria em colapso se tivesse de passar pelo catálogo todas as consultas sobre assuntos, caso não houvesse alguém disponível com o necessário conhecimento dos atalhos bibliográficos e uma longa intimidade com as fontes, fruto do trabalho constante com consultas.” A recomendação de Foskett era de que “somente quando a resposta é fornecida por uma entrada analítica é que o método de ‘primeiro o catálogo’ é mais rápido, mas a proporção disso em relação ao todo não é suficientemente alta para justificar uma rotina mais longa para todos os pedidos”. Buscas informatizadas
Uma opção cada vez mais comum com que se defrontam muitos bibliotecários de referência refere-se a se a questão se presta a uma busca em computador, geralmente em linha, mas também em CD-ROM. A escolha de uma busca informatizada constitui naturalmente uma decisão estratégica, mas é apenas uma dentre as muitas decisões que se imbricam, conforme se explicou antes neste capítulo. Às vezes é preciso que o bibliotecário faça um esforço deliberado para visualizá-la deste ângulo, porque há muitos casos em que uma busca manual seria mais eficaz e mais eficiente. Isso muitas vezes é verdadeiro, mesmo em casos em que o consulente de fato solicitou uma busca em computador: conforme se mencionou no capítulo 4, um dos deveres do bibliotecário em determinada situação talvez seja explicar o que o computador não pode fazer. Conforme Jane I. Thesing explicou enfaticamente: “Do mesmo modo que um cirurgião não deve hesitar em recomendar tratamentos alternativos que sejam mais benéficos a um paciente, quem faz as buscas em linha deverá avaliar outras opções disponíveis para o usuário antes de executar uma busca deste tipo. Uma busca em linha não é a melhor resposta para todo mundo.” É aqui que o bibliotecário deverá ter em mente a lei do instrumento, de Abraham Kaplan, assim enunciada em sua forma mais contundente: “Dê um martelo a um menino e, como conseqüência, tudo que ele encontrar pela frente terá de ser martelado.” Nunca se deve usar um computador simplesmente pelo fato de ele estar ali. A recomendação de Stuart .1. Kolner, experiente especialista em buscas no MEDLARS, merece ser citada: “Se o consulente não quiser nada mais amplo ou exaustivo do que aquilo que uma ferramenta impressa oferece, não há razão para fazer a busca numa fonte em Linha. Usar o computador como uma máquina copiadora é desperdiçar o tempo de quem faz as buscas e o tempo do sistema, além de impedir que outros tenham acesso ao terminal.” A busca em computador passa a ser a opção preferida se o pedido exigir uma análise exaustiva da literatura, prinçipalmente ao longo de um certo número de anos. Do mesmo modo, dee ser preferida quando forem vários os índices a serem pesquisados, e o sistema de busca permitir que sejam pesquisados juntos. Também seria preferível fazer a busca em computador quando os índices e outras ferramentas, em sua forma impressa, fossem difíceis de consultar devido a sua extensão ou complexidade. Ela se presta em especial a questões que exijam a coordenação de dois ou mais tópicos, principalmente se especificarem certos requisitos como tipo de documento, data, língua, etc. O computador também é útil na coordenação de termos de busca no caso de assuntos que sejam designados de formas diversas, como variantes ortográficas, abreviaturas, sinônimos, etc. Igualmente, se a questão envolver terminologia nova ou jargão (particularmente o jornalês), ou gíria, o que não é provável de ser indexado na versão impressa, e se se desejar uma busca em texto livre, então, obviamente, a busca em computador será apropriada. E, se se tratar de uma questão urgente, e a busca em computador economizar tempo, este argumento se imporá a todos os demais. Em alguns casos não há outra alternativa senão a busca informatizada: quando se tratar de material muito recente para estar presente nos índices impressos; quando o ponto de acesso específico que se requer só existe na versão informatizada; quando se exige uma saída personalizada; para buscas em texto integral nas bases de dados onde isso é possível; em bases de dados que não contem com um equivalente impresso. As razões podem ser totalmente locais ou internas: no caso de a versão impressa não estar disponível para consulta, seja porque a biblioteca não a possui, seja porque volumes essenciais estejam emprestados, faltando ou na encadernação. Os casos em que a busca em computador é contra-indicada não são de fácil reconhecimento, pois os indícios são menos evidentes, embora não menos válidos. Geralmente, assuntos genéricos e vagos são inadequados, principalmente se o vocabulário da área for impreciso, como acontece amiúde nas humanidades e nas ciências sociais. Deve-se evitar toda questão que não seja formulada com clareza, ainda que uma busca nos índices impressos possa muitas vezes ajudar a esclarecer o assunto, tornando assim mais viável a busca em computador. Uma busca em que compulsar ao acaso ou a serendipidade sejam importantes será mais bem executada manualmente. Em certos casos, mesmo questões muito precisas podem também ser inadequadas. Como explicou Donna R. Dolan, “qualquer questão em que o qualitativo, o temporal ou o quantitativo for um aspecto importante apresenta um problema. Pelo menos parte da dificuldade está em que muitas das palavras que expressam estes conceitos — acima, abaixo, mais, menos, etc. — são palavras proibidas. Dito de outra forma, os fornecedores de bases de dados consideram-nas muito insignificantes para serem inseridas como termos de busca, embora possam acarretar diferenças catastróficas a uma busca.” De modo similar, a natureza limitada da lógica booleana utilizada na formulação de busca em computador pode tornar impraticável lidar-se com questões que impliquem comparações ou mesmo quaisquer outras relações que não sejamos simples E, OU, NÃO.
65
Buscas informatizadas de referência rápida
A idéia que se tinha tradicionalmente era que as buscas informatizadas não serviam nos casos de consultas simples do tipo autor/título ou de localização de fatos, ou consultas simples de localização de material do tipo ‘algo sobre’, quando se desejam não mais de duas ou três referências. Essa idéia alterou-se profundamente ao longo dos últimos dez anos, com a difusão das buscas de referência rápida em bases de dados informatizadas, conforme se mencionou no capitulo 4. Virgil P. Diodato descreveu isso em 1989 como “o uso de serviços de buscas em linha para responder perguntas no balcão de referência ou informação enquanto o cliente aguarda”. Em 1984 Elleen Hitchingham e colaboradores queixavam-se de que “fazer buscas manualmente para responder certas questões de referência quando se poderia fazê-las em linha é como usar uma pena de ave para escrever quando na sala vizinha existe um processador de textos”. Várias bibliotecas já haviam compreendido isso e outras estavam prestes a segui-las, de modo que em muitas delas essas buscas de referência rápida superam as demais em número, e esse novo serviço tem desempenhado importante papel na incorporação das buscas informatizadas à rotina do serviço de referência. Logo se alcançou um acordo geral acerca de algumas regras básicas. As buscas devem ser breves, durando não mais de cinco ou dez minutos. A resposta deve estar limitada a cinco ou no máximo dez referências por busca numa base de dados bibliográficos ou uma quantidade equivalente de dados numa base de fontes. A decisão de fazer uma busca informatizada ficará s6mpre a critério do bibliotecário. A busca será gratuita para o consulente. Não é de estranhar que, de início, houvesse muita incerteza entre os bibliotecários de referência sobre quais as questões de referência rápida que se prestavam às buscas em linha, principalmente porque o custo seria arcado por completo pela biblioteca. Mas, finalmente, com a experiência acumulada, surgiu uma série de indicadores táticos sugerindo para o bibliotecário quando seria ou não preferível fazer uma busca em linha ao invés de uma busca manual. No que tange a outros tipos de questões, quando uma busca manual pode ser realizada tão rápida e eficazmente quanto uma busca informatizada, é sensato dar-lhe preferência, quando não seja para otimizar os investimentos de capital imobilizados pela biblioteca em seu acervo, O indicador mais evidente para que se faça uma busca em computador encontra-se nos casos em que a recuperação numa fonte impressa seria obviamente mais difícil, talvez devido a insuficientes pontos de acesso, ou porque os índices aparecem com atraso ou não são publicados de forma acumulada. Outro indicador semelhante seria a exigência de informações bastante atuais ou sujeitas a rápida obsolescência. Uma outra indicação positiva é quando se trata de uma consulta que ofereça o ensejo de explorar recursos especiais proporcionados pelo sistema de busca, ou características particulares de determinadas bases de dados, que permitem a pesquisa de aspectos que geralmente não são indexados pelas versões impressas. E, no caso de malogro de uma busca manual, convém, pelo menos, contar sempre com a possibilidade de tentá-la no computador. Constatou-se que as consultas para conferência e identificação de referências bibliográficas são particularmente recomendadas no caso de buscas informatizadas de referência rápida. Quando se trata de catálogos em linha de acesso público, como vimos anteriormente, o recurso que permite fazer buscas usando fragmentos de um registro ou chaves abreviadas de autor/título constitui uma ferramenta eficiente. No caso de consultas de localização de fatos, há duas categorias em que se pode apelar para uma busca em computador. A primeira abrange aqueles fatos que se buscam e que o arranjo ou a indexação da fonte impressa correspondente não podem revelar. Várias bases de fontes são formadas por arquivos de texto integral que muitas vezes contêm fatos que não podem ser extraídos por meio dos índices convencionais. A segunda categoria consiste nas consultas sobre informações do tipo encontrado em guias, ou outras informações que devam ser absolutamente atuais. As bases de noticias, em particular, são apropriadas para fornecer respostas a consultas de localização de fatos destinadas a obter informações correntes. As bases de notícias de texto integral são utilizadas em sua maior parte para responder questões de referência rápida. Também se constatou que as consultas de localização de material que abranjam um conceito único e restrito, que possa ser descrito com o emprego de um termo ou expressão específica, principalmente se cobrirem vários anos, são bastante apropriadas para buscas de referência rápida, bem como as buscas mais comuns que exigem a coordenação de dois ou mais conceitos, desde que o consulente queira apenas um punhado de referências pertinentes. Os estudos até agora realizados têm mostrado que o tempo despendido diante do terminal varia em média de quatro a seis minutos. Os resultados típicos foram assim descritos por Maurita Peterson Holland: “Geralmente as buscas resultam em duas ou três referências sobre dois ou três termos de busca em um ou dois arquivos.” Uma das primeiras conclusões importantes, relatada por Greg Byerly em 1984, foi que “as buscas em linha podem responder certas questões de referência que literalmente seriam impossíveis de responder com o emprego das tradicionais ferramentas de referência impressas”. No entanto, ainda parece ser necessário encorajar os bibliotecários que hesitam diante do computador. Em 1988, num trabalho sobre os desafios da automação, Elizabeth Bramm Dunn sentiu-se obrigada a afirmar que ‘é importante que não sejamos tímidos em face da incorporação das fontes informatizadas à rotina do serviço de referência. [...] Não devemos encarar a utilização de fontes informatizadas como se isso fosse uma ‘traição’’.
66
Buscas em CD-ROM
Logo que os CD-ROMs surgiram no mercado, Tony Feldman, que não é bibliotecário, declarou: “E bastante evidente que os CD-ROMs têm uma utilização natural nas bibliotecas e são poucas as figuras do meio industrial que têm dúvidas de ser esta a primeira área importante onde seu emprego será coisa comum.” Por volta de 1990, depois de realizar estudos em bibliotecas dos Estados Unidos e em 18 países da Europa ocidental, Ching-Chih Chen e David I. Raitt confirmaram essa previsão: “Desde o aparecimento dos primeiros produtos em CD-ROM relacionados com bibliotecas, em fins de 1984, houve uma explosão do CD-ROM no mercado bibliotecário em geral.” Talvez valha a pena, a esta altura, explicar que. da perspectiva de onde se senta o usuário — seja um usuário final ou um intermediário —, uma busca em CD-ROM e uma busca em linha parecem bastante similares. As bases de dados são muitas vezes as mesmas, pelo menos superficialmente, o sistema de busca baseia-se em comandos ou menus, ou uma mistura de ambos, as buscas por assuntos baseiam-se em vocabulário controlado ou palavras-chave, ou ambos, empregando se necessário lógica booleana, e o que aparece na tela pode ser impresso ou gravado em disco, conforme a preferência. Na realidade, em alguns sistemas, como Wilsondisc/Wilsonline, é possível durante uma busca passar de forma quase imperceptível da base de dados em CD-ROM para a base em linha acionando uma única tecla. Há, naturalmente, diferenças; sendo uma das mais importantes. a variedade muito maior de programas de busca nos CD-ROMs, muitos deles destinados a uma base de dados específica e às vezes oferecendo diferentes níveis de sofisticação para usuários inexperientes ou experientes. É isso que toma o CD-ROM muito mais amigável para o usuário, com as melhores bases de dados oferecendo telas de ajuda específicas ao contexto, apresentações criativas (muitas vezes coloridas), janelas, menus rolantes, etc. As atualizações de bases de dados editadas de forma contínua costumam ocorrer apenas a cada três meses, por isso são menos atuais do que seu equivalente em linha. O tempo de resposta costuma ser mais lento, mas, é claro, não existem despesas com telecomunicações. Formulação de buscas em computador
É na etapa da formulação do próprio enunciado que a busca em computador se toma acentuadamente diferente de uma busca manual. Como se mencionou antes, o assunto da questão já terá sido analisado em seus vários conceitos e todos os termos possíveis de expressar esses conceitos terão sido identificados. No caso de uma busca informatizada isso tem de ser feito com um cuidado minucioso e exaustivo — indicando, por exemplo, variantes ortográficas e as formas no singular e no plural — porque o cotejo efetivo dos termos será executado por uma máquina inflexível e não por um ser humano que tem condições de interagir e ajustar-se quase instintivamente ao que a busca revela em qualquer momento. A fim de ajudar nesse processo, poderão ser exibidos na tela os instrumentos auxiliares que existam para determinadas bases de dados, como índices, tesauros e códigos de classificação. A diferença entre uma busca em fontes impressas e uma busca feita em bases de dados decorre da necessidade de se obedecer a regras rígidas de apresentação e lógica, quanto à forma e à seqüência, ao inserir o enunciado de busca no sistema. Salvo quando existam buscas baseadas em menus, as instruções para o processamento do enunciado têm de ser dadas na linguagem de comandos do sistema. Geralmente, exceto no caso das buscas mais simples, o enunciado de busca é previamente anotado por escrito. Se necessário, lança-se mão também nesse momento de certas características do sistema de busca, como truncamento. operadores de proximidade de palavras, e possibilidade de limitar a busca a determinados campos. E preciso também tomar uma decisão quanto ao uso do vocabulário controlado ou da linguagem natural (ou uma combinação dos dois). Também será necessário nesse momento crítico incorporar na formulação da busca todas as restrições ou limitações averiguadas durante a entrevista, tais como data, língua, país de publicação, tipo de documento, etc. Dever-se-á também levar em conta a vontade do consulente a respeito da quantidade e formato das referências solicitadas, e se há preferência de revocação alta ou precisão alta. É comum (ainda que não seja de modo algum essencial) planejar minuciosamente toda a estratégia de busca, inclusive alternativas para o caso de resultados insatisfatórios. Quem for realizar a busca também tentará prever eventuais problemas que possam ocorrer e estar de prontidão com a tática a adotar se houver um número excessivo ou muito reduzido de referências, o que acontece muitas vezes, mesmo com uma formulação de busca impecável no que tange aos termos dos assuntos. Outras pessoas preferem deixar mais opções em aberto, aproveitando totalmente a natureza interativa do sistema de busca. Talvez valha a pena salientar neste contexto que as pessoas que fazem buscas em CD-ROMs, livres da tirania das despesas de telecomunicações, não devem adotar a atitude de que não há tanta necessidade assim de preparar uma formulação de busca cuidadosa e econômica porque se pode, sem afobação, corrigir no terminal qualquer deficiência sem nenhum custo adicional. A principal objeção de ordem prática é que isso é ineficiente, visto que ignora o custo do tempo do bibliotecário de referência. A segunda objeção é que provavelmente também seria uma atitude ineficaz: numa busca informatizada simplesmente não é possível substituir o raciocínio pela ação e conseguir seu objetivo de qualquer jeito. Para muitos bibliotecários, porém, a objeção fundamental é que isso não seria profissional e, ademais, seria percebido como tal, pois enrolação e mancadas no uso do teclado aparecem imediatamente no monitor. Há, naturalmente, vários modos de realizar buscas, às vezes denominados de forma pitoresca, como o método de facetas sucessivas, o método de tijolos (ou menu chinês), o método de formação de pérolas de 67
citações, e vários outros. Cada um deles tem suas vantagens para determinados tipos de questão, embora a opção dependa muitas vezes de uma preferência pessoal ou mesmo do estilo individual de realizar buscas. Pois também se descobriu que a realização de buscas não é absolutamente uma ciência exata. De fato, segundo a opinião de Christine L. Borgman, “em muitos aspectos, fazer buscas é uma arte e não uma ciência, e só se podem ensinar os conhecimentos básicos”. Stephen P. Harter e Anne Rogers Peters também acreditavam que “a esta altura de sua curta história, a recuperação da informação em linha possui muitas das características de uma arte [...] existem poucas regras específicas de procedimento ou processos definidos que sabidamente se apliquem a todas as situações da recuperação”. De acordo com Jeremy W. Sayles, “supomos incorretamente que uma busca em computador seja um processo ‘científico’ pelo fato de ser realizado por meio de uma máquina. Equiparamos tecnologia, processos mecânicos e cálculos matemáticos com precisão e correção. Mas isso não acontece sempre, pois as buscas informatizadas, como todos os demais aspectos do serviço de referência, são uma arte, não uma ciência.” Mesmo a “formulação de consultas booleanas satisfatórias”, segundo Gerald Salton, “é uma arte e não uma ciência”. Limitações do computador
Convém a esta altura examinar algumas das limitações mais evidentes do computador, do modo como é atualmente utilizado no serviço de referência. Como Borgman expressou tão bem, “os sistemas de recuperação de informação não passam de um conjunto de elaboradas rotinas de comparação realizadas de maneira muito rápida num computador de alta velocidade; o sistema não pode ‘pensar’ da mesma forma que os seres humanos pensam.” Ademais, essa comparação está limitada aos caracteres alfanuméricos que o computador reconhece: ela não pode procurar conceitos, somente palavras. Tampouco pode “interpretar a estrutura da linguagem ou as relações lógicas entre conceitos ou j..j conhecer as formas alternativas de palavras ou sinônimos das expressões apresentadas tudo isso é feito pelo ser humano ao interpretar essas questões.” Conforme foi mencionado acima, existem limitações óbvias quanto às formas como o computador combina conceitos com o emprego da lógica booleana. Bates merece ser citada de novo: “Os sistemas em linha [...] não são tão sofisticados quanto os clientes imaginam. A lógica booleana é mais simples do que a sintaxe da linguagem natural — e também atropela muitas diferenças gramaticais que são importantes para que um documento seja relevante para um pedido. Por conseguinte, associações falsas são endêmicas na indústria de bases de dados em linha.” O fundamento mesmo das buscas pós-coordenadas é a probabilidade estatística: quanto mais conceitos forem combinados, maior será a probabilidade de as referências resultantes serem relevantes. O método usual para controlar a dimensão da saída, que se vale da retirada de um conceito para aumentar o número de referências ou acrescentar um conceito para reduzi-lo, é bastante rudimentar e muito diferente do método empregado em buscas manuais em circunstâncias semelhantes. Sayles explicou isso mais detidamente: ao selecionar referências de índices impressos “existe uma relação entre o que é selecionado e o que é rejeitado; de fato, o que é selecionado é muitas vezes definido pelo que é rejeitado. Essas relações, necessárias para a compreensão do objetivo de uma consulta e sua delimitação, não podem ser examinadas no terminal, visto não haver como conhecer as referências ‘rejeitadas’ de uma saída.” Acontece, pois, que durante grande parte do tempo a busca é feita às cegas: conforme expressou Newlin, “uma base de dados é completamente opaca: jamais se pode ver a parte que sua estratégia de busca deixa intocada”. Na opinião de C.P.R. Dubois “deve haver em outras áreas poucos sistemas cujo desempenho ruim seja oculto de forma tão eficaz quanto na recuperação em bases de dados bibliográficos em linha”. Aliás, é essa invisibilidade do que não aparece no vídeo que toma a avaliação de bases de dados muito mais difícil do que a de fontes impressas. Algumas das limitações resultam da forma como um determinado sistema decidiu criar seu arquivo legível pela máquina, com alguns campos sendo recuperáveis e outros não, alguns indexados com expressões, mas não com palavras, e assim por diante. Num nível mais trivial, a maneira sovina como os textos contínuos têm de ser examinados na tela não se compara nem com a velocidade nem com a eficácia do método que desenvolvemos desde a infância para examinar a página impressa. E, naturalmente, se houver várias pessoas fazendo buscas simultaneamente cada uma precisará de um terminal: as filas já são um sério problema em muitas bibliotecas. A advertência de Theodore Roszak, professor de história e crítico mordaz dos computadores, parece particularmente pertinente ao serviço de referência: “como acontece em todas as utilizações do computador, a proficiência surge através da adaptação à maneira como ele executa as coisas”, e ele citava “o grande princípio redutor: se o computador não pode elevar-se ao nível do sujeito, então rebaixemos o sujeito ao nível do computado?’. Dennis Dillon relatou que num debate na University of Texas at Austin sobre o futuro do serviço de referência, um analista de sistemas presente na platéia “comentou que os bibliotecários, como todo mundo, muitas vezes se acercavam dos problemas às avessas, examinando as ferramentas existentes e tentando então impingirlhes soluções. Isso não só não resolve o problema, mas resulta em maiores dores de cabeça que demandam ainda mais tempo e dinheiro para resolver.” Peggy Champlin já observara esse princípio redutor atuando nas buscas em linha: “Não constitui experiência rara, ao preparar uma estratégia de busca, a pessoa ter de reformular a questão para poder expressá-la nos termos do tesauro de uma determinada base de dados”. Em sua opinião, isso pode realmente dificultar o processo de pesquisa, que, por definição, deveria ser aberto. Igualmente, visto que o computador não exibirá nada na tela 68
até que seja solicitado afazê-lo, a possibilidade de compulsar a esmo e a serendipidade ambas reconhecidas como caminhos produtivos de acesso à informação — estão descartadas. Mas não se deve deixar que ladainhas de advertências escondam o fato de que as buscas informatizadas contribuíram com uma arma notável para o arsenal do bibliotecário de referência. Antigamente as máquinas ampliavam a força muscular do homem e o alcance de nossos sentidos. A importância do computador, que resulta de sua base na microeletrônica, é de que ele amplia a força da lógica e da memória do homem. É por isso que se reveste de tanto potencial para os bibliotecários de referência, cujas qualidades tradicionais têm sido método, memória, persistência e domínio dos detalhes. Assim, o computador pode ser incorporado de imediato a seus métodos de trabalho. De modo mais corriqueiro, mas talvez mais evidente, temos a rapidez e a facilidade física de realizar as buscas, sentados, sem a necessidade de manusear pesados volumes ou copiar os resultados à mão. Qualificações especificas de quem faz buscas em computador
Os atributos pessoais que convêm ao bibliotecário de referência foram examinados no capítulo 3, onde se observou que o advento do computador pouco ou nada exigira em termos de mudança na especificação de atribuições. No que se refere, porém, às qualificações mais puramente intelectuais, tem sido muitas vezes afirmado por vários autores, inclusive Borgman, para citar só um exemplo, que “são necessárias algumas aptidões especiais para fazer buscas em linha, além das exigidas pela biblioteconomia de referência”. Entre os dons mencionados com mais freqüência na literatura estão: capacidade de raciocínio abstrato, capacidade de solucionar problemas, mente analítica, mente lógica, aptidões conceituais, aptidões verbais elevadas, capacidade de elaborar estratégias de busca, etc. Também foi sustentado, por Dolan entre outros, que “um bom analista de buscas possui um certo pendor mental ou estilo cognitivo [...] e que nenhum treinamento pode desenvolver esse método de raciocínio. Em outras palavras, as aptidões que caracterizam um analista de buscas excepcional são inatas.” Uma réplica natural a esse tipo de inventário foi a de Carol Tenopir: “Poder-se-ia argumentar que a pessoa que possuísse todas essas características se sairia bem em qualquer coisa. É certo que se pode alegar que um bom bibliotecário de referência possui a maioria dessas características, utilize ou não ferramentas em linha.” Rosemarie Riechel também optaria pelas “aptidões de um bibliotecário de referência excelente/experiente”. De fato, vale a pena citar a opinião de Randolph E. Hock, um gerente do DIALOG É preciso que a pessoa tenha uma certa experiência no serviço de referência porque a finalidade dos sistemas em linha não é fazer buscas como se isso fosse um fim em si mesmo. Os sistemas em linha são mais precisamente uma forma de utilizar uma grande coleção de ferramentas de pesquisa. Os sistemas em linha podem aumentar radicalmente a utilidade e acessibilidade dessas ferramentas, mas, ao fim e ao cabo, são as ferramentas de pesquisa, as ferramentas de resumos e indexação, os guias, as coleções de dados estatísticos, que estão sendo acessados. Se quem faz as buscas não sabe quais são as ferramentas que existem, que tipos de informação serão encontradas nessas ferramentas, e como elas diferem entre si. então será impossível tirar todo o proveito dessas ferramentas. E por esta razão, acima de tudo, que as qualificações que possui um bom bibliotecário ou especialista em informação são essenciais, se a organização espera tirar o máximo de proveito dos sistemas em linha.
Onde não pode haver desacordo é quanto à importância do problema: como a maior parte das buscas é feita por intermediários é fundamental que estejam qualificados para isso. Borgman estava absolutamente certo quando comentou que “nunca é demais repetir que um sistema de recuperação da informação é tão eficaz quanto a pessoa que o opera”. Talvez valha a pena acrescentar que além da competência técnica existe algo mais, que logo foi notado. Numa conferência na University of Aston em 1979 houve um debate a respeito do tipo de pessoa que daria um bom especialista em buscas em linha: “Além de aptidão natural, mente lógica, disposição para usar métodos novos e imaginação, o bom especialista em buscas possuía ‘AQUILO’ — uma qualidade indefinível. Ninguém conseguiu encontrar palavras que expressassem esta qualidade, porém todos concordaram que o bom especialista em buscas se diferençava do medíocre pelo fato de possuir AQUILO.” Buscas feitas pelo usuário final
As primeiras buscas feitas em computador eram, naturalmente, processadas em lotes, geralmente depois que o consulente tinha ido embora, muitas vezes à noite. Conforme se mencionou no capítulo 3, o advento das buscas interativas em linha foi saudado originalmente por alguns como uma dádiva para os usuários que poderiam a partir de então realizar suas próprias buscas. Em 1969, por exemplo, Alan M. Rees dizia que “para o indivíduo que interage em linha com o computador [...] a intromissão de um intermediário na forma de um bibliotecário de referência parece supérflua”. Em 1980, Brian Neilson comentava: “Tanto fatores tecnológicos quanto econômicos fazem com que seja provável que no futuro se verifique uma diminuição do papel do bibliotecário como intermediário.” No entanto, um estudo da Aslib informava em 1987 que 91% das buscas em linha ainda eram realizadas por “profissionais da biblioteconomia/informação”. 69
Mesmo sistemas projetados especificamente para os usuários finais e destinados ao usuário doméstico são amplamente utilizados por bibliotecários. Em 1989, segundo Melvon Ankeny, havia “certos indícios na literatura mostrando que o mercado dos usuários finais visado por esses serviços está aquém das expectativas. Foi em muitas bibliotecas que os produtos voltados para o usuário final encontraram seu lugar.” Em 1990 Chen e Raitt observaram que “a tecnologia do CD-ROM criou uma oportunidade sem precedentes para que tanto produtores de informação quanto bibliotecários distribuam informações eletrônicas aos usuários finais através de microcomputadores”, embora, conforme já se mencionou no capítulo 1, tivessem de reconhecer que tanto nos Estados Unidos como na Europa os CD-ROM5 ainda estavam sendo utilizados principalmente pelo pessoal das bibliotecas e não pelos usuários finais. Um levantamento feito em 1989 em 656 bibliotecas britânicas de todos os tipos constatou que 30% utilizavam CD-ROM5 ou outros discos ópticos, “mas principalmente pelo pessoal da biblioteca e para as necessidades da biblioteca”. Ainda que, em termos absolutos, tenha havido um aumento das buscas feitas por usuários finais em bases de dados, principalmente em bibliotecas universitárias, a quantidade de buscas realizadas por intermediários não mostra sinal algum de diminuição e as razões disso merecem ser analisadas. Já tratamos das qualificações intelectuais mais genéricas que são necessárias. Quanto aos requisitos mais específicos, eis o que Stephen P. Harter e Carol H. Fenichel julgavam ser necessário: “Fazer buscas em linha é mais do que simplesmente aprender os comandos de uma linguagem. Buscas eficazes exigem um conhecimento do projeto do sistema, procedimentos para carregar arquivos e seu efeito na recuperação, os efeitos da especificidade, exaustividade, listas de palavras proibidas e outras práticas da indexação na recuperação. Lógica booleana, capacidade de ler, interpretar e usar a obscura documentação das bases de dados, capacidade de [...] selecionar as base de dados e os campos apropriados para a realização das buscas, elaborar uma estratégia de busca que possa resultar em saída relevante, avaliar a saída intermediária e modificar conseqüentemente a estratégia de busca, e muito mais. Nenhuma dessas qualificações é exclusivamente técnica, como a datilografia, por exemplo. Elas implicam inteligência, capacidade critica e conhecimento de princípios.” E também é importante que, uma vez adquiridas, sejam praticadas constantemente para impedir que fiquem enferrujadas, conforme já constataram todos os profissionais que realizam buscas. Argumentos similares aplicam-se também às buscas de referência rápida, sendo interessante registrar a opinião expressa em 1986 por Barbara E. Anderson, gerente dos serviços de atendimento a clientes do DIALOG: “A utilização de fontes em linha para referência imediata exige as mesmas qualificações de que atualmente lança mão o bibliotecário de referência tradicional que lida com um acervo exclusivamente de materiais impressos — o conhecimento acerca do que existe em cada uma de centenas de bases de dados. [...] Iniciativas que visam a fazer com que o usuário final execute as buscas em linha, seja na biblioteca, seja em sua residência, provavelmente não modificarão o papel tradicional do bibliotecário de referência no que tange a consultas de referência rápida.” Diversos estudos mostram que um intermediário experiente pode reduzir em mais da metade o tempo de busca, e, naturalmente, quando se trata de buscas em linha, tempo é dinheiro. Tomando por base as tarifas vigentes em 1979, o DIALOG constatou que “um operador muito competente pode realizar significativas economias de custo em comparação com um operador menos competente (por exemplo, reduzir pela metade os custos médios das buscas) embora atingindo os mesmos (ou melhores) resultados nas buscas”. O custo, porém, não é a questão importante, e tampouco o é a questão de se usuários razoavelmente interessados podem aprender a fazer sozinhos as buscas em computador. Não há dúvida que podem. Harter afirmava que “qualquer especialista em buscas que seja competente pode ensinar um novato medianamente inteligente a ser um mau especialista em buscas em 30 minutos”, e esse novato poderá então obter resultados de buscas com surpreendente facilidade. Mas é aqui que jaz o problema. Conforme explicaram Justine Roberts e Lydia Jensen, “o marketing das buscas feitas pelo usuário final acha-se grandemente influenciado por suas bases econômicas, e o recado que isso implica é que — pagando-se — a informação é facilmente acessível, por parte de qualquer um. em qualquer lugar e a qualquer hora”. Num experimento realizado na University of California at San Francisco, em que 43 questões médicas previamente pesquisadas por um bibliotecário de referência voltaram a ser pesquisadas por um novato, verificaram-se “grandes diferenças em termos de competência”. A conclusão desse estudo foi que “o comprador pode não estar ciente de que o material mais relevante não foi recuperado”. Outros estudos corroboram isso: os consulentes que realizam suas próprias buscas que, amiúde, já são fanáticos por computador — realmente se tornam entusiastas usuários finais, principalmente dos sistemas de fácil utilização, inclusive as bases de dados em CD-ROM. Já foi até mesmo observado em muitas ocasiões que os usuários. especialmente estudantes, farão fila para usar uma base de dados em CD-ROM. mesmo quando o índice impresso equivalente se acha disponível a alguns metros de distância. No entanto, suas buscas simples não são tão eficazes quanto poderiam ser, e a experiência tem mostrado que eles têm especial dificuldade em selecionar a base de dados mais apropriada; em analisar o assunto e conceituar as facetas principais; em aplicar a lógica booleana e elaborar a formulação da busca, omitindo sinônimos relevantes, por exemplo, e usando o truncamento de modo incorreto; e em reconhecer e utilizar vocabulários controlados. Raramente fazem buscas em bases de dados bibliográficos, e a maioria jamais ultrapassa o estádio de neófitos. Oferecem resistência ao uso de instrumentos auxiliares impressos, muitos preferindo a ajuda na tela: isso, em si mesmo, segundo Harter, “constitui o obstáculo fundamental à realização de buscas eficazes pelo usuário final”. 70
E, o que é mais sério, eles parecem não ter consciência da inadequação de muitas das buscas que fazem. Richard Blood observou em 1983 que “o fato de o computador ter executado o trabalho assombra tanto a maioria dos usuários que eles não pensam em questionar quão completos ou exatos são os resultados”. Segundo alguns bibliotecários de referência, portanto. o problema da busca ‘feita em cima da perna’ pelo usuário final reveste-se de uma dimensão ética, especialmente em bibliotecas universitárias. Susan McEnally Jackson observou, contudo, que “esse emprego incorreto das fontes não constitui um fenômeno novo, pois há muito os bibliotecários reconheceram que quando os usuários fazem buscas em material impresso eles podem escolher fontes marginais ou inadequadas e usar uma tática de busca medíocre [embora] os sistemas de discos ópticos provavelmente venham a sanar o problema [...] por causa de sua velocidade e comodidade”. Ri. Hartley e seus colegas ofereceram um conselho sábio em seu texto de 1990 intitulado Online searching: “estudos mostram que a maioria dos usuários finais se satisfaz com a maior parte das buscas que fazem na maioria das vezes, no entanto deve-se adverti-los que se uma busca mais atualizada e abrangente for necessária provavelmente ela será mais bem executada por um intermediário”. Algumas bibliotecas tomaram a providência de afixar avisos a esse respeito. O outro problema acerca das buscas feitas por usuários finais já foi mencionado repetidas vezes em capítulos anteriores: muitos usuários simplesmente não querem fazer as buscas por si próprios, por mais capazes que fossem se o tentassem. Eles vêem isso simplesmente como um trabalho a ser feito por profissionais, principalmente se também forem profissionais. Isso ficou patente de modo muito claro no estudo feito por David Nicholas e seus colegas junto a empresas da City, citado no capítulo 3. Aqui também entra em cena a ética: devese forçar os usuários, ou mesmo persuadi-los ou estimulá-los, a fazerem eles mesmos as buscas no caso de simplesmente não quererem fazê-las? Não se deve duvidar que existem nítidas desvantagens numa busca que é delegada a um intermediário. É por isso, naturalmente, que se considera tão importante a presença do usuário durante a busca. Na verdade, como uma das vantagens mais justamente louvadas das consultas informatizadas é sua natureza interativa. que permite retroalimentação instantânea, muitos bibliotecários insistem em ter o consulente a seu lado, diante do terminal. Ao fazer buscas em bases de dados jurídicos dos Estados Unidos, por exemplo, a opinião de Fred M. Greguras, ele próprio advogado, era que “os melhores resultados de buscas ocorrem quando o advogado se encontra presente diante do terminal, mesmo que seja uma outra pessoa a operá-lo”. As conclusões a que chegaram várias pesquisas mostram um aumento da precisão, da revocação e da satisfação do usuário, embora Dons B. Marshall haja observado que “com muita freqüência o custo é pelo menos triplicado porque o usuário final quer examinar os resultados enquanto o sistema está em linha”. Uma diferença em relação ás buscas manuais é que o bibliotecário freqüentemente dá-se ao trabalho de explicar exatamente o que está acontecendo, às vezes na forma do que seria quase um comentário contínuo. Como expressaram Arme B. Peters e Claire B. Drinkwater, “o intermediário traz para a busca habilidades bibliográficas, e o usuário final traz o conhecimento do assunto — juntos tiram o máximo de proveito do sistema”. O estudo da Aslib mencionado antes constatou que o usuário estava presente junto com o bibliotecário em metade de todas as buscas. Instrumentos auxiliares nas buscas informatizadas
Em muitos casos o ‘terminal’ onde se fazem as buscas é de fato um micro- computador que emula um terminal, utilizando um programa de comunicação. Em 1983, Sara D. Knapp escrevia: “Os microcomputadores [...] prometem muitos melhoramentos nas buscas em linha. Entre eles estão a possibilidade de armazenar e editar os resultados das buscas; buscas automáticas; armazenamento de perfis: armazenamento de instrumentos auxiliares; discagem e entrada automáticas rio sistema; interfaces simplificadas para as pessoas inexperientes; tradução dos comandos de um sistema para os de outro; e simulação de sistemas para o treinamento a baixo custo das pessoas que farão as buscas”. A maior parte disso constitui hoje uma coisa banal: o mais interessante no contexto do serviço de referência são os instrumentos auxiliares — por enquanto de natureza principalmente experimental — destinados a assumir algumas das funções do bibliotecário de referência descritas neste livro. Um sistema que possa responder diretamente as questões ainda é coisa do futuro. O que temos, de fato, são várias tentativas interessantes de automatizar determinadas partes do processo de referência, como descobrir algo acerca da formação do consulente, traduzir a consulta para um enunciado de busca em linha, ou selecionar bases de dados apropriadas ou livros de referência a serem consultados. Foram projetados sistemas experimentais ou protótipos que consistem em módulos que executam uma ou algumas dessas tarefas. A expressão ‘sistemas especialistas’ tem sido empregada, em alguns casos de forma bastante imprecisa, para designar alguns desses instrumentos auxiliares de busca e outros semelhantes. O que um verdadeiro sistema especialista procura fazer é incorporar no computador o conhecimento e as aptidões decisórias de um especialista humano num determinado ‘domínio’— um campo específico —, de modo que o sistema possa oferecer orientação inteligente ou tomar uma decisão inteligente acerca de um problema que lhe seja apresentado. Destina-se a apresentar resultados úteis, como faz a inteligência humana, em casos onde soluções algorítmicas não sejam possíveis. Em termos muito simplificados, um sistema especialista compreende três componentes: um módulo de interface para obter do usuário informações sobre o problema; uma base de conhecimentos na forma de um conjunto heurístico ou regras que um especialista normalmente adotaria; um ‘mecanismo de inferência’ na forma 71
de um software que especifica como aplicar essas regras aos dados obtidos do consulente. a fim de se chegar a uma solução. Também se considera conveniente a inclusão de um recurso de explicação, que é um meio de descrever para o consulente a linha de raciocínio que foi adotada para chegar a determinada conclusão. Em essência a tarefa com que se defrontam os projetistas de sistemas especialistas é ampliar a função dos computadores ensinando-lhes técnicas heurísticas. A espinha dorsal do sistema é constituída pelo conjunto de regras heurísticas, às vezes chamadas elementos cognitivos ou métodos empíricos, ou até de modo mais pitoresco, ‘pedaços’ de conhecimentos. O problema está em que uma grande parte do conhecimento do especialista deriva de sua experiência pessoal e de sua prática extensiva, que com freqüência é particular, subconsciente, não analisada e não registrada. E a escala dessa tarefa pode ser avaliada a partir da estimativa de que um especialista como o último laureado com o prêmio Nobel de química possuiria de 50 000 a 100 000 desses ‘pedaços’, com exceção de todo o conhecimento fatual armazenado em sua memória. Os sistemas especialistas foram projetados e usados com algum sucesso em diagnóstico médico, prospecção de minérios e análise bioquímica, por exemplo. Mas é justo afirmar que foram empregados mais como ferramentas de apoio ao processo decisório do que como substitutos do especialista. Talvez seja preciso explicar que um sistema especialista para o serviço de referência, ao contrário de outros tipos, não contém em si as ‘respostas’, não mais do que as que se encontram na memória de um bibliotecário de referência. A capacidade que ele procura incorporar é a de encontrar respostas: sua função é de substituto do bibliotecário, não da biblioteca. Em outras palavras, a base de fatos, ao contrário da base de regras, encontra-se fora do sistema, e o objetivo é indicar a localização das respostas nesse acervo externo. Talvez por esse motivo é que alguns sistemas foram chamados sistemas ‘referenciais’. A melhor maneira talvez de compreender esses sistemas é considerá-los como se estivessem localizados ao longo de um espectro, através do qual o computador substitui em maior ou menor extensão o intermediário humano. Num dos extremos encontramos sistemas relativamente simples que empregam menus na tela para fornecer respostas diretas a consultas comuns ou tipicamente administrativas ou direcionais. Mais adiante temos sistemas que guiam o consulente portador de uma questão de referência rápida através de uma seqüência de menus de especificidade crescente, a fim de identificar o tópico de interesse e então indicar um ou vários livros de referência que provavelmente conterão a resposta. Mais sofisticados são os sistemas que aceitam a consulta direta do usuário, convertem-na num enunciado de busca e em seguida processam a busca em linha na base de dados que for apropriada. No extremo oposto — que ainda não se alcançou— talvez chegue o dia em que vejamos um sistema especialista total do tipo descrito por Alma Vickery e seus colegas em 1987. A base de conhecimentos de um sistema desses: deve incorporar o discernimento e a atividade do intermediário de buscas: deve incorporar os processos mediante os quais ele interpreta, analisa e elabora uma questão inicial trazida pelo usuário, a fim de formular um enunciado apropriado do problema; também deve poder traduzir um enunciado de problema para um enunciado de busca que seja aceitável pelo sistema de recuperação; deve ademais possuir a capacidade que o especialista em buscas tem de avaliar o resultado da busca e modificar o enunciado de busca se necessário. Nesse sistema especialista, o verdadeiro processo de recuperação passa a ser apenas um módulo de um conjunto complexo de funções interativas. O sistema total realizará tarefas que, se fossem executadas por um intermediário, consideraríamos inteligentes.
Tais sistemas, da forma como foram projetados, têm estado por enquanto restritos a domínios bem limitados: os mecanismos administrativos específicos de uma determinada biblioteca, por exemplo, bases de dados de engenharia elétrica, livros de referência rápida em agricultura num acervo de uma biblioteca específica, documentos oficiais dos Estados Unidos ou um assunto muito específico, como jardinagem. Tem sido dada especial atenção às interfaces em linguagem natural que tomam a consulta do usuário, exatamente da forma como foi expressa em linguagem natural, e a traduzem para um enunciado de busca totalmente formulado. Sucintamente, uma das maneiras como isso é executado é por meio da procura de cada palavra presente na questão num dicionário, especialmente compilado e mantido em computador, do campo temático de interesse, eliminando as palavras que se encontrem numa lista de termos proibidos, isolando os radicais das restantes (mediante a eliminação de suas flexões, prefixos e sufixos), e acrescentando sinônimos, etc. Se houver necessidade de informações adicionais, a respeito, por exemplo, de palavras que não sejam reconhecidas, ou se, mediante aferição com um padrão de questão, for notada a falta de informações, o sistema solicita mais elementos ao usuário. Às vezes emprega-se um analisador léxico para separar os verbos e identificar as funções desempenhadas pelas outras partes da frase. Em seguida o resultado é estruturado, com o emprego da lógica booleana, truncamento, etc., conforme seja necessário, para produzir um enunciado de busca. Outra área onde se realizam pesquisas é representada pelo esforço em construir um modelo do usuário mediante questões que lhe são feitas, geralmente na forma de opções constantes de menus, sobre nível educacional, tempo de experiência, competência na especialidade, conhecimento de computadores, ou conhecimento de línguas, e uma variedade de outros pontos relevantes, tais como número de referências que deseja, abrangência geográfica, etc. 72
Essas tarefas, porém, são muito difíceis, e, portanto. não é de surpreender que o desempenho ainda não seja comparável ao de um intermediário competente. Há quem duvide de que algum dia venha a ser comparável, pois acreditam que seja impossível as máquinas resolverem problemas da forma como o fazem os seres humanos, e que continua sendo válido o que John Cotton Dana escreveu em 1899: “Nenhum dispositivo mecânico pode tomar o lugar da pergunta e resposta face a face.” Com certeza o que de fato permanece sendo verdade, nas palavras de James Radlow, professor de informática, é que “o raciocínio humano ainda é o maior mistério de que a ciência tem notícia. 1...] O cérebro humano é de longe — e por uma margem tão vasta que a imaginação não pode abarcar a entidade mais complexa e mais complicada do universo que conhecemos.” Realização da busca
Lima questão que o estudante do processo de referência deve ter em mente é que embora a entrevista e a busca sejam claramente muito diferentes e facilmente reconhecidas, muitas vezes na prática parecem fundir-se numa só. Às vezes uma estratégia de busca provisória começa a tomar forma na mente do bibliotecário durante a entrevista de referência. Há muitas ocasiões em que a entrevista continua mesmo depois de a busca ter começado, percebendo-se que as duas etapas do processo ocorrem ao mesmo tempo. Isto é particularmente verdadeiro no caso de buscas informatizadas. O computador permite que o processo de referência tenha seguimento como uma relação recíproca, com o consulente respondendo e reagindo ao andamento da busca de uma forma que possibilita ao bibliotecário burilar ainda mais a compreensão que tem do problema do consulente. e modificar a estratégia de busca de modo a garantir uma coincidência mais precisa entre os recursos da biblioteca e as necessidades do consulente. Vimos quão conveniente conveni ente é contar com a presença do usuário durante durant e uma busca informatizada, i nformatizada, no entanto, entant o, convidar ou não o consulente a acompanhar o bibliotecário entre as estantes durante uma busca manual é uma questão a ser decidida por seus próprios méritos. Ainda que o consulente não desempenhe nenhum papel durante a busca, essa prática tem a utilidade psicológica de demonstrar de forma tangível que tal atividade constitui um dueto em harmonia e não um solo. Não poucas vezes, especialmente quando se trata de consultas para localização de material, a presença do usuário ao lado do bibliotecário possibilita uma reação instantânea a cada item encontrado. Isto é inestimável no caso de buscas complexas ou trabalhosas, seja para confirmar a estratégia de busca do bibliotecário, seja para proporcionar mais insumos que permitam sua modificação ou correção. E uma de suas vantagens, que não é a menos importante , é sua visibilidade máxima para outros usuários da biblioteca, que talvez estejam acalentando suas próprias questões não formuladas. Para o sucesso de qualquer busca é necessário que o próprio processo seja executado com competência. Os especialistas em buscas devem ter total intimidade com os catálogos da biblioteca, qualquer que seja seu formato; devem ser exímios na utilização dos índices, inclusive os índices de citações; devem poder decifrar uma referência bibliográfica, mesmo quando se refira a um parecer jurídico, um documento oficial ou uma patente. Diante do terminal do computador devem ter confiança sem imprudência. E assim por diante. Bates desenvolveu uma série de “táticas de busca” a serem adotadas durante uma busca. Trata-se de dispositivos mentais, ou manobras, a que se recorre em conjunturas apropriadas, para fazer com que a busca tenha andamento. Aplicam-se à maioria dos tipos de buscas, tanto em sistemas manuais quanto em linha. Eis alguns exemplos: “atentar para a grafia correta e erros fatuais no tópico de busca”; “ao selecionar entre várias formas de fazer uma busca sobre determinada consulta, escolher de imediato a opção que omite, elimina, a maior parte do campo do conhecimento onde se situa a busca”, “tornar precisa a formulação da busca reduzindo ao mínimo (ou diminuindo) o número de termos paralelos, conservando os termos que sejam mais perfeitamente descritivos”; “fazer buscas pelo termo logicamente contrário àquele que descreve a informação desejada”. Ela também desenvolveu uma série de “táticas de idéias” a serem postas em ação quando “quem faz a busca vê-se em dificuldade ou precisa imaginar uma nova maneira de atacar o problema”, na expectativa de alcançar “um lampejo ou uma inspiração”. Essas táticas incluem “pedir a um colega sugestões ou informações sobre como lidar com a busca”; “romper com um padrão habitual h abitual de busca, isto é, deixá-lo de lado temporariamente, a fim de tomar um caminho que seja mais adequado ao problema em questão”; “ficar alerta para a ocorrência de indícios que façam rever as noções que se têm quanto à natureza da questão ou das informações que a respondam”. Os títulos que ela atribui a algumas dessas táticas de “geração de idéias” e “ruptura de padrões mentais”, como ‘Passeio’, ‘Mudança’, ‘Pulo’, nos fazem lembrar que um modo muito comum de fazer buscas, conforme se disse antes, mesmo para o bibliotecário de referência, consiste em compulsar uma parte apropriada do acervo — os livros nas estantes, fascículos recentes de um periódico, ou um arquivo de recortes na esperança de que algo possa surgir. Isso não é tão infrutífero quanto sua natureza aleatória poderia sugerir, principalmente se não se tem certeza absoluta do que é desejado, pois a serendipidade é amplamente reconhecida por desempenhar um papel de destaque nas descobertas. Também é importante, ainda que seja tantas vezes esquecido, estender aos consulentes as cortesias habituais do comportamento civilizado. Se uma busca, manual ou informatizada, aparenta vir a durar mais de alguns minutos, e se o bibliotecário decide não estimular o consulente a se integrar à procura, a boa prática requer que seja oferecido algo provisório ao visitante e que seja convidado a sentar-se. A regra de R.L. Collison era de que “nunca se deve deixar o leitor sem material enquanto o bibliotecário se afasta para pesquisar a informação”. 73
Um deslize a que muitos administradores de bibliotecas estão sujeitos é tratar o tempo do usuário como uma variável que pode ser manipulada com certo grau de liberdade que não se permite a outras variáveis, como o horário de expediente e o pessoal. Lê-se, por exemplo, que um parâmetro na avaliação do tempo máximo que se pode deixar um consulente esperando é o ‘quociente de agravo’. Convém também lembrar que, no que diz respeito ao serviço de referência, a principal razão que leva os usuários a formularem perguntas aos bibliotecários é saberem que eles podem achar as respostas de modo mais rápido. Nem deve o bibliotecário esquecer a quarta lei de Ranganathan: “Poupe o tempo do leitor.” James Benson e Ruth K. Maloney estabeleceram uma diferença importante: “Qualquer busca que localize a informação desejada é uma busca eficaz; a busca eficiente, contudo, é a busca eficaz que localiza a informação desejada com um mínimo de demora e esforço.” Ao falar sobre o mundo exigente das bibliotecas de indústrias, M.W. Hill lembrava numa conferência internacional que “a rapidez da resposta sempre impressiona o cliente, enquanto que o serviço que anda devagar, por melhores que sejam os resultados, raramente causa a mesma impressão, mesmo que a informação chegue, de fato, em tempo. Para os puristas ou quem não tenha experiência na indústria isso pode parecer injusto, porém, a não ser que seja aceito como um fato natural, é inútil esperar que os clientes da indústria venham a utilizar tais serviços.” É realmente constrangedor observar em algumas bibliotecas a maneira desligada e negligente como os consulentes são tratados enquanto pessoas. Que isso não é uma conseqüência inevitável do sistema o demonstram os membros do pessoal que possuem um interesse indiscutível e genuíno pelos consulentes enquanto seres humanos também criados por Deus, bem como enquanto portadores de questões. Como qualquer observador objetivo pode verificar em qualquer dia da semana, é possível transformar o encontro mais comercial numa agradável relação humana. Triste porém é dizer que nenhum dos incidentes a seguir relatados é incomum, e cada um deles foi registrado por um observador experiente. No primeiro caso (descrito por Marian Bames) o bibliotecário sabia da presença do observador: “Uma senhora idosa dirigiu-se ao balcão de referência para devolver um livro sobre mitologia que lhe fora recuperado das estantes quando de uma visita anterior. Ela se mostrava muito hesitante e ficou bem afastada do balcão enquanto falava ao funcionário que estava de pé, meio distante do balcão, mexendo em alguns documentos que ali se encontravam. A usuária comentou que tinha gostado muito do livro que estava devolvendo, pois achara o assunto bastante interessante, mas que era muito difícil para ela, que realmente gostaria de algo similar, porém mais simples. Será que o bibliotecário conhecia algo que lhe servisse? A resposta do bibliotecário, pronunciada sem se mexer ou mesmo se voltar para a usuária, foi apontar o catálogo em fichas e acrescentar que, se ela procurasse no catálogo pelo número de chamada que acharia na lombada do livro que já tinha em mãos, ela encontraria outros livros que a biblioteca tivesse sobre o assunto. A usuária olhou vagamente na direção do catálogo, colocou o livro em cima do balcão de referência e foi-se embora.” No segundo exemplo (relatado por Peter Hernon e Charles R. McClure) o encontro foi observado durante uma pesquisa não-participante: “Um dos que desempenhavam o papel de usuário aproximou-se do catálogo em fichas e esperou cinco minutos enquanto o bibliotecário [cuja atribuição era lidar com questões acerca do catálogo] ajudava outro cliente. Finalmente, o bibliotecário, de pé. a cerca de três metros do pseudo-cliente. ergueu os olhos do livro que estava segurando e gritou ‘o que você quer saber?’ O pseudo-usuário hesitou um momento e o bibliotecário, impacientando-se, perguntou ‘e então, o que há?’ O pseudo-usuário formulou a questão [relativa a uma publicação oficial) e o bibliotecário respondeu que o catálogo em fichas era uma lista abrangente do acervo da biblioteca. Em seguida voltou os olhos para seu livro e deu por encerrada a entrevista de referência.” Uma desculpa com que muitas vezes se pretende justificar a deterioração do sentimento de solidariedade humana é a utilização crescente de máquinas ao invés de pessoas. “À medida que a atmosfera da automação insinua-se na instituição, acompanha-a um certo estado de espírito. A invenção e utilização de inovações técnicas passam a ser o objetivo da atividade humana [...j os seres humanos não são mais responsáveis perante outros pelos eventos resultantes de atividades técnicas. Nossa única responsabilidade é que a atividade técnica seja executada corretamente.” Embora citado por um bibliotecário de referência informatizada, este trecho não falava de bibliotecas e bibliotecários, mas de hospitais e enfermagem. É bem possível que seja uma antevisão do futuro, mas os indícios atuais, como se observou, sugerem exatamente o contrário: paradoxalmente, o computador trouxe o bibliotecário de referência e o consulente para um relacionamento humano muito mais estreito. O toque pessoal
Há quem talvez se surpreenda com o fato de as qualidades pessoais intrínsecas do bibliotecário terem tanta importância também na etapa inicial do processo de referência. Naturalmente, quanto mais abrangente for a intimidade com as fontes de informação e quanto mais desenvolvida for a proficiência em sua utilização mais condições se terá de ser útil. Mas, se não houver interesse pelo assunto, entusiasmo pela procura e uma atitude flexível em face do material e dos métodos, a mera competência técnica jamais terá uma chance real de se fazer valer. G.K. Chesterton afirmou certa vez: “Nada existe sobre a Terra que seja um assunto desinteressante: a única coisa que pode existir é uma pessoa desinteressante.” Os melhores bibliotecários de referência nunca acham necessário se esforçar para ter seu interesse despertado por um assunto: basta-lhes que o assunto tenha sido procurado por um consulente. Este impulso decorre diretamente de sua dedicação ao serviço. A opinião de David C. Mearns acerca dessa virtude era de que “é a única particularidade que eleva a biblioteconomia. e especificamente a biblioteconomia de referência, da condição de uma técnica para a de uma missão”. 74
Há mais de 50 anos, uma das autoras mais judiciosas nesse campo, Margaret Hutchins, expressou sua opinião acerca das “duas principais motivações do verdadeiro bibliotecário de referência”. Como seria natural, “o desejo de ajudar os outros” era uma delas; mas a outra era “o desejo de alcançar sucesso na busca, a qualquer custo, tanto em termos de paciência quanto de perseverança”. Em seu famoso discurso de 1948 já citado no capítulo 3, Mearns repetiu essa última motivação; e a combinação do que ele chamou entusiasmo e persistência fornece uma receita eficaz para alcançar êxito na busca. Todos, naturalmente, estão de acordo quanto ao entusiasmo que deve ter o bibliotecário de referência: “ele deve deleitar-se com a busca em si mesma”. Mas, sem a segunda virtude, a persistência, haveria freqüentes malogros. Mearns disse: “Ele deve resistir obstinadamente ao desânimo, e, convicto que existe em si um lado preguiçoso, que só temporariamente está invisível, recusar-se tenazmente a abandonar a procura.” E interessante observar que essa virtude muitas vezes subestimada é tida como sendo especialmente necessária no áspero mundo competitivo do bibliotecário empresário. Em 1988 Susan E. Feldman descreveu como “a característica de tenacidade encontrada no serviço de referência — pegar uma questão espinhosa e se recusar a desistir dela é um componente fundamental da comercialização de informações. Os clientes não pagam por informações fáceis de achar.” É nos pontos críticos de uma busca, quando o caminho chegou a um beco sem saída, que os bibliotecários de referência têm a oportunidade de mostrar outro dos importantes atributos pessoais tão essenciais ao serviço de referência, aquele que, como se mencionou no capítulo 3, está presente em todas as listas: imaginação. Por mais cuidadosamente planejada que seja uma estratégia de busca, os bons bibliotecários de referência sempre guardam algumas alternativas para uma emergência: isso é duplamente útil no caso das buscas informatizadas estruturadas de modo mais formal. E é a faculdade de imaginação do bibliotecário que de vez em quando lhe permite desempenhar um papel nitidarnente construtivo. Conforme declarou Ervin J. Gaines, “o bibliotecário de referência não ‘procura coisas’ — ele impõe forma e ordem à enorme quantidade de conhecimentos de modo que outros possam utilizálos”. Uma busca pode ser realmente um genuíno ato de criação. Ética Um tradicional artigo de fé do serviço de referência é que nenhuma consulta é insignificante: o bibliotecário nada tem a ver com os motivos que dão origem à questão, salvo na medida em que tais motivos contribuam para esclarecer com mais precisão o que é exigido para resolver o problema do usuário. Porém, como tantas vezes foi salientado, o esforço despendido ao procurar uma resposta pode variar de maneira inconsciente, segundo a ‘importância’ do consulente. É fácil constatar isso nos colegas, porém mais difícil é percebê-lo em nós mesmos. A reação diferenciada é instintiva. Conceder deliberadamente menos atenção a uma consulta porque ela parte do prefeito da cidade, ou do presidente da empresa, ou do reitor da universidade revelaria uma perversidade estranha ao bibliotecário normal e equilibrado. É difícil saber como agir a esse respeito. Em 1910 Dana não vacilou acerca disso; de fato, foi um dos primeiros a defender a discriminação positiva. Ele alegava que deve ser dada prioridade às consultas oriundas de homens de negócios, autoridades da cidade e potenciais benfeitores da biblioteca. Encontram-se hoje em dia atitudes discriminatórias semelhantes, embora às vezes no sentido contrário: Judith Farley, bibliotecária de referência do salão de leitura principal da Library of Congress, admitiu francamente que “em geral ofereço mais ajuda a um leitor de aparência humilde do que a outro de aparência próspera; aos muito idosos e aos muito envergonhados, mais do que aos seguros de si”. Esse tipo de tendenciosidade assumida tem uma intenção geralmente positiva, embora, é claro, tenha um efeito negativo em quem não recebe esse tratamento privilegiado. Porém a tendenciosidade negativa inequívoca, seja consciente ou inconsciente, seria muito mais séria. Os bibliotecários de referência compreensivelmente mostram-se menos dispostos a admitir isso, e a maior parte dos indícios existentes acerca dessa atitude é de natureza anedótica. Provavelmente é uma atitude rara. Farley, declaradamente uma ‘decidida defensora do sindicato’, contou-nos como teve de cerrar os dentes, a fim de ajudar um consulente que estava procurando estratégias e táticas a serem adotadas por seu empregador com a finalidade de barrar o sindicato que tentava se organizar em seu local de trabalho. Certamente é raro encontrar o tratamento diferenciado explicitado como política, formal ou informalmente, mas o silêncio institucional a respeito dessas questões tem realmente como efeito largar isso nas mãos do bibliotecário, deixando assim pelo menos a porta aberta para um serviço discriminatório. Naturalmente em alguns casos essa diferenciação foi institucionalizada e é bem-aceita: algumas bibliotecas universitárias oferecem um nível de serviço inferior a quem não pertença às respectivas universidades. Debbie Masters e Gail Flatness explicaram como isso funciona: “Tentamos não ser explícitos, mas sutilmente abandonamos a questão [se ela se estende ‘além de um certo ponto no tempo’] ou encaminhamos a pessoa para outro lugar se for um usuário não pertencente à instituição”. Todo estudante deve meditar acerca das palavras de Foskett em seu estimulante discurso de 1962 perante a Reference, Special and Information Section da Library Association, em Manchester, e que foi publicado como The creed of a librarian: “Durante o serviço de referência, o bibliotecário deve praticamente desaparecer como indivíduo, exceto naquilo em que sua personalidade facilitar a compreensão do funcionamento da biblioteca. Ele deve ser o alter ego do leitor, absorto em sua política, sua religião e sua moral. Deve ter a capacidade de participar do entusiasmo do leitor e se dedicar total e irrestritamente a qualquer que seja o motivo do leitor no momento da consulta. Ele deve colocar-se na situação do leitor.” 75
Esse trabalho tão citado trazia como subtítulo uma frase que esteve em voga durante mais de uma geração como uma máxima para os bibliotecários: “no politics, no religion, no morais” [proibida política, proibida religião, proibida moral], e seu apelo por objetividade profissional possui uma longa história na bibliografia sobre o serviço de referência: Samuel Swett Green instava em 1876: “Evite escrupulosamente proclamar quaisquer opiniões sobre política, arte, história, filosofia ou teologia”. Ele advertia duramente: “O bibliotecário que se vale de sua posição para fazer proselitismo prostitui sua profissão.” O estudante, porém, deve estar ciente de que há quem discorde disso. De fato, Rothstein salientou que “a biblioteconomia de referência proporciona exemplos em maior número e mais incisivos [...] de preocupação ética do que [...] a maioria dos outros tipos de atividade bibliotecária”. Talvez seja conveniente examinar aqui se existem certas consultas que o bibliotecário deva recusar-se a responder com base em argumentos de ordem ética, O exemplo clássico, citado por gerações de bibliotecários, é o pedido de informações sobre como violar fechaduras, mas exemplos concretos e atuais que colocam problemas similares referem-se a consultas solicitando informações sobre a fabricação de gás que ataca o sistema nervoso, drogas alucinógenas ou venenos empregados com finalidade homicida na espionagem. Poder-se-ia alegar que, se essas informações estivessem disponíveis na bibliografia de acesso público (e de fato estão), o bibliotecário que ajuda o consulente a obtê-las não pode de modo algum ser considerado responsável, moral ou legalmente, pelo uso que lhes será dado. Na verdade, em 1976, um século depois de Green, numa clássica pesquisa nãoparticipante em seis bibliotecas públicas e sete bibliotecas universitárias dos Estados Unidos, Robert Hauptman constatou que em nenhum caso o bibliotecário mostrou-se relutante em fornecer informação sobre como fabricar um dispositivo explosivo suficiente para fazer ir pelos ares uma casa pequena. Mesmo quando se buscam informações sobre atividades que são inequivocamente ilegais, como (em alguns países) a plantação de maconha, ou acuar texugos com cães por esporte ou diversão, ou violar computadores, ainda existe quem fincaria pé na natureza moralmente neutra da informação per se e o conseqüente dever do bibliotecário em fornecê-la quando solicitado, sem questionar a finalidade que lhe será dada. Como se mencionou no capítulo 4, esta é a postura tradicional do bibliotecário de referência, mas há indícios de que muitos já não conseguiriam manter a mesma atitude imparcial perante um consulente que procurasse, por exemplo, informações sobre como despejar um inquilino, livros sobre magia negra a fim de botar um feitiço na namorada, a maneira mais indolor de cometer suicídio, ou provas da inferioridade intelectual das raças negras. Têm-se aqui dois problemas independentes, O primeiro surge quando a ética pessoal entra em conflito com a ética profissional quando a consciência é afrontada pelo código, da forma divulgada por Foskett e Green. A opinião abalizada de Hauptman, uns doze anos depois de sua pesquisa, era de que a posição de Foskett “é em geral correta. Se o fornecedor da informação filtrasse cada solicitação através de um conjunto de critérios pessoais, insistindo em que nenhuma de suas crenças pessoais seja contrariada, o resultado seria o caos profissional, pois muitos clientes seriam recusados por razões ilegítimas.” Não obstante, Mary Lee Bundy e Paul Wasserman lembravam aos bibliotecários em 1968 que “os profissionais consideram a liberdade de agir de modo independente, o exercício do discernimento, e a formação de juízos independentes nas relações com os clientes baseados em seus próprios padrões e opiniões éticas, como sendo essenciais a seu desempenho profissional”. Encontra-se um exemplo dessa postura incorporado nas palavras do Bar Council [Ordem dos Advogados], que afirma que um advogado “reconhece a existência de um dever superior ao de simplesmente acatar os desejos de seu cliente quaisquer que sejam”. O fundamental aqui talvez seja o discernimento: conforme já foi explicado mais de uma vez em capítulos anteriores, questões idênticas formuladas por pessoas diferentes podem exigir um tratamento diferente. Nem todo mundo que busca informações sobre uma prática ilegal, socialmente indesejável ou ofensiva a pessoas tem a intenção de sair por aí perpetrando-a. O segundo problema diz respeito ao próprio código profissional. Na opinião de Hauptman, “um apego absoluto ao vago compromisso profissional de fornecer informação também é inaceitável”. É preciso dizer que nem o Code of Professional Conduct [Código de Conduta Profissional] da Library Association nem a Ethics of Service [Ética de Serviço] da American Library Association resolvem o assunto, e ainda continua válida a questão: como alcançar o equilíbrio entre um serviço sem amarras e a liberdade intelectual, por um lado, e a responsabilidade social e a preocupação com as conseqüências de nossas ações, por outro lado? Hauptman chegou à conclusão de que essas duas posições são às vezes tão opostas que somente o indivíduo pode fazer uma escolha, o que não é ilógico, pois os alicerces de qualquer código de ética profissional devem ser as consciências individuais dos membros da profissão. Vale a pena registrar outro comentário de Rothstein: “É a própria existência de numerosos e substanciais problemas éticos que comprova as reivindicações de profissionalismo dos bibliotecários.” Sugestões de leituras
Bates, Marcia 3. Information search tactics. Journal of the American Society for Information Science , 30, 1979. 205-214. Bates, Marcia 3. Idea tactics. Journal of the American Society for Information Science, 30. 1979, 280-289. Rothstein, Samuel. Where does it hurt? Identifying the real concerns in the ethics of reference service. Reference Librarian, 4. 1982. 1-12. Swan, John C. Ethics at the reference desk: comfortable theories and tricky practices. Reference Librarian. 4. 1982, 99-116. 76
Vickery, Alma et alii. A reference and referral system using expert system techniques. Journal of Documentation, 43. 1987, 1-23. Grogan, Denis J. Databases for quick reference. In: Armstrong, C. J. & Large. IA. Manual of online search strategies, Aldershot, Gower, 1988. 716-740. McCombs, Gillian M. Public and technical services: the hidden dialectic. RQ, 28, 1988, 141-145. Hildreth, Charles R. Extending the access and reference service capabilities of the online public access catalog. In: Smith. Linda C. Questions and answers: strategies for using the electronic reference collection . Urbana-Champaign, University of Illinois, 1989, 14-23. Richardson, John Jr. Towards an expert system for reference service: a research agenda for the 1 990s. College and Research Libraries, 50, 1989, 231-248. Hartley. R. J., et alii. Online searching: principles and practice. London, Bowker-Saur, 1990. Piternick, Anne B. Decision factors favoring the use of online sources for providing information, RQ, 29, 1990, 534544.
6 - A resposta A etapa final do processo de referência se inicia com a apresentação dos resultados da busca ao consulente. Se a entrevista de referência é o período de análise, este é o período de síntese, o que talvez explique a pouca atenção relativa que mereceu na literatura de pesquisa até recentemente. Diz-se que a síntese oferece menos atrativos às mentes acadêmicas. William A. Katz acreditava, contudo, que “o bibliotecário está envolvido tanto com a resposta quanto com a descoberta da resposta. Este é um conceito que precisa ser elucidado. A etapa que se segue à localização da informação talvez seja a fase mais importante de todo o processo de busca, principalmente quando o bibliotecário está atendendo a um usuário que tem somente uma vaga noção do que precisa.” Na realidade, a primeira coisa a se observar na etapa de resposta é que ela exige uma combinação de competência e qualidades pessoais um tanto diferentes das que são em geral consideradas como requisitos correntes do bibliotecário de referência perfeito. Pois é nessa ocasião que os bibliotecários passam por uma de suas provas mais árduas, não de sua competência profissional, mas de seu caráter. Talvez isso seja surpresa para alguns, mas um dos atributos pessoais essenciais do bibliotecário de referência, bem como do verdadeiro especialista em qualquer setor de estudos, é a humildade. Por mais culto ou experiente, deve-se resistir inflexivelmente à tentação de exibir isso. É preciso cultivar o hábito, como afirma Tennyson, de “carregar com leveza todo esse peso de cultura como se fosse uma flor”. Mais explicitamente, segundo David C. Mearns, “o bibliotecário de referência deve sempre resistir ao impulso da presunção; deve sopitar e sufocar sua vaidade: deve chegar a uma conclusão e não partir de uma conclusão. Não pode permitir-se ser profundo ou impressionar o cliente com seu conhecimento instantâneo, pois a verdade é a essência de seu mister, e embora a verdade seja estável, firme e tangível, as mentes dos homens iluminam e mudam sua forma e lhe atribuem diferentes significados. O bibliotecário de referência deve buscar não sua verdade própria, mas a verdade daqueles a quem serve.” Respostas de localização de fatos
Na grande maioria dos casos, particularmente se a consulta for do tipo de localização de fatos, a resposta simplesmente assume a forma de uma apresentação direta ao consulente da informação ou informações específicas solicitadas. Se possível, isso deve ser feito por meio documental ou, se for oralmente (por telefone, por exemplo), deve resultar diretamente da consulta de um documento na ocasião e assim ser mencionado para o consulente. Há três razões de peso para essa regra rígida. Primeiro, o bibliotecário que confia somente na memória um dia cometerá um engano; como advertiu Meams, “a memória é traiçoeira; geralmente é muito ampla ou muito estreita para servir a outrem; e, o que é mais sério, freqüentemente não merece confiança e se mostra exausta e fraca”. Ainda mais condenável do que a memória sem comprovação é a suposição, por mais fundada que seja. Segundo, embora pesquisas tenham demonstrado que alguns usuários ficam impressionados com profissionais que ‘sabem a resposta sem procurá-las’, o efeito que isso provoca em muitos deles é de se sentirem um tanto enganados. Não causa surpresa o fato de os leitores usuários de bibliotecas gostarem de ver as respostas em preto-e-branco e amiúde quererem fazer anotações. Nem sempre ficam lisonjeados ao pensar que seus problemas são tão simples que os bibliotecários podem tirar de suas cabeças as respostas, e sabem tanto quanto qualquer um que os bibliotecários de referência não são infalíveis. A terceira razão é que a apresentação da fonte deixa claro qual a autoridade da resposta. É verdade que inúmeras informações não se acham disponíveis em forma documental, e em algumas disciplinas as fontes orais constituem parcela significativa do sistema de comunicação, particularmente no que se refere a eventos recentes. Robert Fairthome, por exemplo, afirmou que “em momento algum a maior parte do conhecimento científico encontra-se registrada”. Convém, porém, acrescentar que em muitos casos essas informações obtidas de viva voz servem simplesmente como indicação para fontes documentais. Embora seja importante estar ciente desses canais informais de comunicação, e de fato estudá-los quando conveniente, os bibliotecários permanecem alheios a eles quase por completo. Nas raras ocasiões em que se vêem 77
atuando como um dos elos da cadeia, transmitindo informações verbais de uma terceira fonte para um consulente, é prudente deixar evidente a condição não-documental dos dados. Respostas de localização de material
O produto de uma busca para atender a uma consulta para localização de material não é um fato específico, mas uma série de informações comumente coletadas em mais de uma fonte documental. Também pode ter a forma de uma lista dos documentos, a título provisório, que serão mais tarde efetivamente examinados pelo consulente. O estudante, contudo, não deve perder de vista o fato de que é o conteúdo desses documentos que interessa e não os documentos em si mesmos. Em geral, o material pertinente então é apresentado ao consulente para que o examine logo. Pode-se, simplesmente, apresentar o material ao usuário à medida que for sendo encontrado, “depositá-lo em seu colo” como disse um autor. Não há dúvida, porém, que muitas vezes o usuário preferirá que o material lhe seja apresentado de uma forma mais fácil de consultar. Todo bibliotecário de referência com certo grau de sensibilidade organizará instintivamente para cada consulente as informações encontradas durante a busca, mesmo que isso implique apenas apresentar primeiro o material introdutório ou básico e depois o material avançado ou mais específico. É desnecessário salientar que uma busca de localização de material que não consiga encontrar material algum não irá agradar. O que muitas vezes se esquece é que uma busca que apresente, para ser analisada pelo consciente, uma quantidade excessiva de material também poderá causar desconforto mental. Como o jovem leitor que reclamou para o bibliotecário de referência que a Encyclopcedia britannica lhe revelara muito mais a respeito de crocodilos do que ele desejava saber, a maioria dos consulentes tem uma idéia muito clara de quando recebe o suficiente para suas necessidades. Naturalmente o bibliotecário perspicaz está atento para os indícios disso, porém, é lamentável dizê-lo, há quem somente seja dissuadido por nada menos que um grito de ‘chega!’ Essa é uma falha comum dos bibliotecários e pode ser observada diariamente: parece que não conseguem reconhecer quando bastante é o bastante. Roger Hom contou o caso de um bibliotecário que chegou a se queixar por escrito de que tão logo começava a empilhar cuidadosamente o material os consulentes tinham o hábito de sumir. E. como judiciosamente comentou, “eles não apreciam as questões da maneira que as apreciamos”. Meams também advertiu contra “o gasto pródigo de tempo e esforço quando a própria curiosidade do bibliotecário de referência se exacerba a tal ponto que se sente impelido a buscar satisfação pessoal”. Peggy Sullivan nos conta de uma colega que “trabalhava com tanto afinco em qualquer consulta que gastava anos de seu próprio tempo pessoal retornando, depois de terminado seu expediente, para continuar as buscas que não tinham sido bem-sucedidas. Ao fazer isso, portava um chapéu para mostrar que estava usando seu próprio tempo pessoal e que a deixassem trabalhar sem ser interrompida.” Ela não é de modo algum um exemplo isolado, nem mesmo quanto a usar chapéu como uma espécie de aviso. De vez em quando notar-se-á que alguns consulentes realmente preferem uma resposta incompleta ou parcial. desde que seja fornecida rapidamente para satisfazer a uma necessidade imediata. Explicação
Em muitos casos pede-se uma explicação para complementar a informação fornecida. Pode ser uma questão meramente técnica, como a elucidação de uma referência bibliográfica ou uma abreviatura, porém no mais das vezes essa elucidação é exigida quando o resultado da busca parece não ser bem o que foi solicitado, apesar de o bibliotecário achar que tal resultado atende à necessidade, O pedido de ‘um folheto sobre o processo de ponta de prata’, corretamente interpretado pelo bibliotecário como uma solicitação de algo que não passasse de um breve relato, seria satisfatoriamente atendido com um artigo de uma enciclopédia ou um capítulo de um livro. Nesses casos o que os bibliotecários tentam explicar são os motivos em que se baseia sua opinião de que os resultados apresentados de fato resolvem o problema do consu lente, Talvez se peça uma espécie muito diferente de explicação quando se torna necessário esclarecer algum equívoco da parte do consulente. O homem de negócios que queria saber como desejar a um colega chinês um Feliz Ano Novo teve de ouvir a explicação de que, embora exista um chinês escrito de uso comum, a língua falada compreende oito ‘dialetos’ mutuamente incompreensíveis. Algumas das consultas sobre pronúncia correta baseiam-se igualmente num equivoco. Em muitos desses casos, não existe apenas uma forma ‘correta’, mas diversas alternativas válidas: em inglês, por exemplo, existem pelo menos seis pronúncias aceitáveis da palavra hegemony . Toda uma subcategoria de consultas que pedem explicação são as sempre presentes ‘ilusões populares’. Algumas naturalmente são ilusões lógicas, como é possível demonstrar sem recorrer a provas documentais, porém, em sua maior parte, resultam de informações errôneas mas coerentes e podem estar profundamente arraigadas. A resposta nesses casos consiste em apresentar ao consulente a verdade sobre a questão. Na prática, contudo, isso nem sempre será bem-recebido, o que exige uma atitude cautelosa. Se lhe for solicitada uma fotografia que mostre a ‘Rocha dos Tempos’ (associada ao hino religioso), ou informações sobre o raio desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial para ser usado contra os aviões alemães, paralisando seus motores de combustão interna, ou sobre os jacarés que vivem nos esgotos de Nova York, o bibliotecário consciente, mesmo depois de uma busca rápida, não teria outra opção senão tentar explicar 78
ao consulente, que quase com certeza se mostrará relutante em ouvir, que a história do hino que teria sido escrito ao abrigo de uma rocha durante uma tempestade nas colinas de Mendip [em Somerset, Inglaterra] é uma lenda inúmeras vezes refutada: que o raio paralisante de motores foi um boato deliberadamente difundido para confundir os alemães: que a história dos jacarés nos esgotos talvez seja o exemplo mais conhecido dos chamados ‘mitos urbanos’. Naturalmente, em todos esses casos o bibliotecário deve dispor de citações textuais que mostrem ao usuário os fatos reais sobre a questão. Porém isso também exige tato: não é gentil, ao receber uma questão aparentemente séria, o bibliotecário apanhar de imediato e na frente do consulente o Dictionary of misinformation , de Bumam, ou Popular fallacies , de Ackerman. E o bibliotecário notará que há quem prefira continuar acalentando suas ilusões, talvez porque, como certa vez afirmou H. L. Mencken, “o que a verdade tem de incômodo é ser essencialmente desagradável, e muitas vezes sem graça”. Os bibliotecários também precisam estar prevenidos contra as interpretações equivocadas tanto de sua parte quanto da parte dos consulentes — das informações que encontram. Gerald Jahoda e Judith Schiek Braunagel observaram que isso “pode ocorrer quando há várias respostas intimamente relacionadas presentes na fonte de referência [e] também quando as informações não se apresentam exatamente de acordo com os requisitos da pergunta”, especialmente no caso de tabelas, gráficos e diagramas. Após terem fornecido a resposta básica, os bibliotecários de referência freqüentemente se vêem desempenhando o papel de conselheiros. Como explicou Eve Johansson, “o pessoal da referência trabalha constantemente com a necessidade de aguçar a visão que o usuário tem da fonte a que foi encaminhado, de ir ao encalço e dar forma a sua questão e dar-lhe seguimento perguntando ‘sabia que também existe...?’, ‘chegou a pensar em procurar em...?’. O auxilio assim proporcionado pela referência vai além da mera assistência na utilização dos catálogos e das obras de referência. Exige considerável esforço intelectual do pessoal na interpretação do acervo.” Se se tratar de um assunto controvertido, há quem sustente que isso lança nos ombros do bibliotecário também uma responsabilidade ética: John C. Swan argumentou que “a bibliotecária tem o dever de apresentar a seu cliente a visão mais clara possível do problema, e quanto mais ambíguo este for, mais complexa será a responsabilidade”. Margaret Monroe também acrescentaria a estimulação como uma função da referência, junto com informação, instrução e orientação. Louis Shores deu prioridade a esta função de estimulador, e almejava redefinir a referência como “a promoção da pesquisa livre”. Segundo ele, “a biblioteca tem perante a sociedade a obrigação de lançar questões. Se a sociedade não estiver formulando essas questões, a biblioteca deverá provocá-las.” Esta é uma pretensão elevada: vem à lembrança o que foi dito por Mandell Creighton, bispo de Londres, ao pronunciar a aula inaugural das primeiríssimas turmas da Library Association em 1898: “O único objetivo real da educação é deixar o homem em condições de continuamente fazer perguntas.” Questões irrespondíveis
Acontece de fato, de tempos em tempos, conforme se exemplificou no capítulo 2, surgir uma questão que o bibliotecário sabe pela experiência que na prática é irrespondível, embora na teoria possa parecer bastante possível, tais como ‘onde se encontram as tábuas que contêm os dez mandamentos?’, ‘quando se casou o rei Artur?’, ‘estou procurando ilustrações que apresentem os estandartes das 12 tribos de Israel’. Aqui também se requer uma cuidadosa explicação. O bibliotecário também se defrontará com consultas para as quais a resposta é desconhecida ou inexistente: por exemplo, ‘quem inventou o barômetro aneróide?’ (controvertida), ‘qual a origem do ditado “por trás de todo grande homem existe uma mulher”?’ (desconhecida), ‘qual o endereço da Common Cold Research Unit [unidade de pesquisas sobre o resfriado comum]?’ (deixou de existir), ‘onde posso comprar um morcego vivo?’ (ilegal). Mais uma vez toma-se necessária uma explicação convincente, corroborada quando apropriado por testemunhos da busca mostrando por que não existe uma resposta. Os estudantes devem ter o cuidado de distinguir entre essa resposta e a simples resposta negativa quando o bibliotecário foi malsucedido: esta é uma situação muito diferente e será examinada mais tarde. A situação aqui descrita é a que ocorre quando o bibliotecário realmente oferece uma resposta positiva, isto é, que a questão é irrespondível. Essa resposta, apresentada de maneira compreensiva e corroborada de forma convincente, deixaria bastante satisfeito, embora não necessariamente feliz, o consulente medianamente inteligente. Em compensação, como se verá adiante, a resposta completamente negativa dificilmente virá a satisfazer o bibliotecário ou o consulente. Questões inaceitáveis
Talvez seja preciso apresentar uma explicação ainda mais diplomática nos casos em que seja necessário convencer o cliente de que uma questão não pode ser aceita. Obviamente isso acontece com o tipo de questão que a política da biblioteca determina que não seja atendida: algumas bibliotecas universitárias podem recusar-se a responder perguntas sobre recordes esportivos; algumas bibliotecas públicas podem não aceitar questões genealógicas. Deve-se dar explicação semelhante quando o bibliotecário acredita, por uma questão de princípio, que os consulentes sejam estimulados a buscarem eles mesmos as respostas a suas questões. Isto acontece freqüentemente em instituições de ensino onde os estudantes têm deveres a fazer que exigem especificamente que eles mesmos utilizem o material da biblioteca. 79
É lamentável que, mesmo em bibliotecas onde vigoram as políticas de referência mais liberais e cujo pessoal está totalmente decidido a responder qualquer questão que lhe seja formulada, a natureza humana talvez exija que alguns pedidos sejam recusados de tempos em tempos. Mesmo o mais ardoroso defensor do serviço de referência de grau máximo haverá de reconhecer, logicamente, que não seria natural que uma biblioteca atendesse a demandas desarrazoadas. Filosoficamente, esse entusiasta talvez precise convencer-se de que os usuários da biblioteca de fato apresentam pedidos que não são razoáveis: para isso, porém, bastaria uma semana na linha de frente. E quaisquer que sejam as filigranas teóricas que envolvam a decisão sobre o que é ou não razoável, raramente tais sutilezas são exigidas na prática. Samuel Swett Green sabia tudo a respeito disso há mais de um século: “Há limites óbvios para a assistência que o bibliotecário pode dispor-se a prestar. O bom senso os ditará.” E geralmente isso acontece. Green provavelmente concordaria, junto com os mais experientes bibliotecários de hoje em dia, que consultas como as que se seguem vão além do que seria razoável solicitar: ‘gostaria de ter uma lista de todos os membros do Parlamento que foram líderes de bancadas’, ‘quantas comportas existem no rio Tâmisa entre Oxford e Teddington?’, ‘você poderia encontrar um poema sobre a Irlanda escrito por Dorothy L. Sayers e lê-lo para mim? [pelo telefone]’. É instrutivo perguntar o que é que torna essas consultas inaceitáveis para um bibliotecário de bom senso. Quanto ao conteúdo são todas bastante características, quanto à forma não são de modo algum complexas, e não são difíceis de responder. Mas cada uma delas tomaria muito tempo para responder, e é esta combinação entre uma questão fácil e uma busca ou resposta que leva um tempo excessivo para se obter que caracteriza essas consultas como estando além de uma obrigação razoável. Como é do conhecimento de todos os investigadores, desde Sherlock Holmes, a solução de casos requer uma combinação de miolos e músculos. Empregar porém um bibliotecário de referência profissional num caso onde o conteúdo intelectual é insignificante e o trabalho manual exorbitante é tão desarrazoado quanto convocar o Grande Detetive para localizar um par de óculos perdidos. É a essência desta explicação que o bibliotecário deve tentar transmitir ao consulente cuja questão esteja sendo declinada. A insignificância per se, porém, não é desculpa para se rejeitar u ma consulta, apesar da advertência de L. R. McColvin em 1936: “Desencoraje as consultas insignificantes.” Charles Anderson em particular posicionou-se contra uma exclusividade desnecessária: “É muito importante termos em mente que as questões que nos foram formuladas não nos pertencem, pertencem ao consulente. Não podemos classificá-las como tolas — elas não são consultas nossas para que as rotulemos”, e mais ainda, “responder uma questão [...] deveria ser nossa única preocupação. Quer a questão caia na categoria de especulação ociosa quer seja classificada como séria e importante, o pressuposto fundamental deve ser que responderemos a questão [...] na medida em que o permitam o tempo, as finanças e os recursos do acervo. Naturalmente cada bibliotecário deve decidir quanto tempo, dinheiro e recursos do acervo são ou podem ser utilizados. Mas esta é uma decisão política, e, uma vez tomada, deve ser aplicada igualmente a todas as questões. A validade da questão não merece ser transformada em problema.” Muitos, porém, discordariam disso vigorosamente. Will Manley escreveu que “minha inclinação como bibliotecário de referência é despender mais tempo com questões sérias que presumivelmente possuem utilidade social mais compensadora do que simplesmente dirimir uma discussão de botequim ou os excessos de fantasia de algum drogado insignificante.” Naturalmente nem sempre é possível descobrir com exatidão a banalidade numa questão de referência, pois muito depende do contexto. Baseados em 564 entrevistas com usuários de bibliotecas de empresas Norman Roberts e seus colegas concluíram que “a aparente banalidade do ato de informação [...J não guardava relação com a importância de suas conseqüências”. Questões de programas de perguntas e respostas e gincanas suscitam uma polêmica especial, mas, se se enquadrarem na categoria de questões aceitáveis, ficará difícil recusá-las. De qualquer modo, sem que se tenha conhecimento prévio de sua motivação, muitas não seriam reconhecíveis como questões de gincanas, tendo todo o jeito de questões de referência rápida bastante normais, como, por exemplo, ‘quanto custava um quilo de manteiga em 18857’. ‘o que a igreja ortodoxa russa comemora no dia 7 de janeiro?’, ‘quem era o doutor Seráfico?’. Naturalmente algumas são de fácil identificação, por carecerem de base na realidade, como se estivessem flutuando livremente ou de alguma forma soltas no espaço: é difícil imaginar alguém que esteja verdadeiramente preocupado em conhecer as respostas a perguntas do tipo ‘qual a única palavra do inglês, além de cushion , que termina com shion ?’ ou ‘qual o ano que veio depois de 54 a.C.?’ ou ‘o que existe mais: hectares em Yorkshire ou palavras na Bíblia?’. Outras foram evidentemente ‘plantadas’ por alguém que já conhecia a resposta antecipadamente, como, por exemplo, ‘multiplicando-se uma certa medida por 3,7854 transforma-se a mesma em outra medida- padrão. Quais são essas duas medidas?’, ‘em 1935, um homem cujo nome tinha as iniciais RWW construiu um importante invento. Qual era seu nome por extenso e qual o invento?’. ‘qual o pianista cujo prenome era Wladziu?’. Não obstante, contanto que existam recursos para lidar com tais questões, e sejam de natureza que. de outra forma, as tornassem aceitáveis — exigindo mais cérebros do que músculos — fica difícil perceber por que os bibliotecários de referência as recusariam. Com efeito, Samuel Rothstein lembrou que “se você quiser demonstrar com muita rapidez que o departamento de referência existe e que é útil para um grande número de pessoas essas [questões de competições e similares] são o caminho mais curto para alcançar amplo reconhecimento [...] A 80
Vancouver Public Library cooperou com um jornal local num concurso de perguntas e respostas e colheu uma enorme e eficaz publicidade”. É dispensável dizer que em todos os casos de questões que são consideradas inaceitáveis, por qualquer que seja o motivo, a explicação do bibliotecário deverá incluir instruções que possibilitem aos consulentes buscarem sozinhos as informações de que precisam; ou, se for o caso, uma sugestão sobre onde poderá obter o tipo de assistência que estejam procurando. Convém que o estudante veja essa etapa de explicação da resposta, no processo de referência, como a contrapartida da etapa de negociação da questão, realizada anteriormente, com o mesmo objetivo geral de assegurar o melhor ajuste possível entre a necessidade e a resposta sugerida. ‘Reacondicionamento’
Outra questão que suscita controvérsia é sobre até onde deve ir o bibliotecário ao interpretar os resultados da busca. Isso quer dizer a extração de significado das fontes de informação descobertas, dando-lhes nova redação, talvez resumindo-as, e reapresentando-as numa forma que seja de mais fácil assimilação por parte do consulente. Há quem diga que o trabalho do bibliotecário termina quando apresenta o resultado da busca, e, de qualquer modo, raramente os bibliotecários estão habilitados a fazer mais do que isso. Por outro lado, Katz sustenta que “não basta apenas localizar um dado, uma fonte ou um documento. Deveria haver algum tipo de avaliação, interpretação ou esclarecimento subseqüente por parte do bibliotecário. Isso consistiria num mister tão profissional quanto a entrevista e a própria busca, embora tendo sempre em mente duas ponderações: 1) não se deve forçar o usuário a receber um auxílio que não deseja; 2) em inúmeras ocasiões, como na maioria das consultas de referência rápidas, a resposta fala por si mesma.” No que concerne à competência do bibliotecário para dar conta dessa tarefa, Meams, em sua lista dos atributos que deve ter o bibliotecário de referência ideal, dá prioridade ao domínio da comunicação escrita, “a capacidade de reconhecer, além da combinação de letras para formar palavras e a disposição das palavras nas frases, o significado que lhes atribuiu o autor que as arquitetou”. Admitiu, no entanto, que “essa é uma faculdade pouco comum, é um dom que deve ser cultivado, um talento que somente se pode adquirir por meio de uma concentração intensa e constante”. Em muitas bibliotecas de indústrias e de órgãos públicos esse tipo de ‘reacondicionamento’ [repackaging] representa muitas vezes um requisito absoluto por parte dos usuários, que, em determinadas consultas, esperam que o bibliotecário, de forma rotineira, selecione e lhes resuma o material localizado. Obviamente, nesses casos os resultados da busca são geralmente apresentados por escrito. Há muito anos que tem sido assim. Já em 1912, Matthew S. Dudgeon explicava que “o bibliotecário especializado deve selecionar o material de modo que somente as partes desejadas sejam apresentadas. Deve ser geralmente condensado, mediante extração, sumarização, generalização e mesmo tabulação. Deve ser portátil, facilmente transferível, negociável.” Falando para a atual geração de bibliotecários especializados, Edwin M. Cortez sustentava que o fornecimento dessa “informação assimilável”“tomou o bibliotecário especializado indispensável para os administradores e executivos contemporâneos que precisam de informações atualizadas e exatas nas quais basearão suas decisões”. Em contexto tão exigente, a limitação de uma simples bibliografia, por mais comentada que seja, está em que “ela deixa ao encargo do consulente o trabalho de fazer toda a síntese necessária antes de que as informações tenham utilidade prática”, conforme explicou P.J. Bordiss. Mesmo quando a bibliografia é o produto de uma busca informatizada, pois, como ele disse, “o que o computador não pode fazer é realizar uma triagem final em proveito do consulente, avaliar criticamente os itens recuperados e apresentá-los de uma maneira mais coerente”. Geralmente o que se precisa nesses casos é de algo mais próximo de uma revisão sobre o estado da arte. Um relatório contendo resultados de uma busca sobre patentes ou de uma pesquisa sobre a situação financeira de uma empresa teria caracteristicamente essa forma. O computador ajuda, quando se dispõe de uma estação de trabalho que conte com programas adequados, na reformatação dos dados, particularmente na forma de gráficos, como tabelas e diagramas. A advertência foi feita por M.W. Hill: “Para conseguir um reacondicionamento eficaz, o fornecedor do serviço precisa conhecer seus clientes. Isso implicará não só descobrir seus gostos e sua atitude intelectual (isto é, sua capacidade de absorver informações e sua formação educacional), mas também seu modo normal de compreensão, o que para mim é a linguagem, as palavras e a fraseologia com que estejam habituados.” Di. Foskett queria ir mais longe, “reorganizar os dados, não simplesmente ‘reacondicioná-los’. O reacondicionamento não implica apenas reordenação do mesmo material; a reorganização significa muito mais. Significa impor uma nova forma ou feitio ao material, com base nas necessidades reais dos futuros usuários.” Nem todos os consulentes estão dispostos a permitir ao bibliotecário atuar como intermediário entre eles e a informação, mesmo no contexto das bibliotecas especializadas onde ambos são muitas vezes colegas ou pelo menos companheiros de trabalho. Alguns desses usuários chegam até mesmo a relutarem em deixar que os bibliotecários façam as buscas para si. Não é que tenham má vontade em admitir que o bibliotecário seja mais competente para fazer as buscas, mas simplesmente que preferem eles mesmos realizar o trabalho bibliográfico, atitude essa merecedora de todo respeito. Uma solução de meio-termo que não chega a ser rara é essa etapa de resposta do processo ser cumprida como um exercício conjunto, em que o cliente decide quais os documentos que são mais importantes e o bibliotecário resume, com base nisso, as conclusões neles presentes. 81
Quaisquer que sejam as opiniões de cada bibliotecário, a extensão em que é realizado esse reacondicionamento guarda uma estreita relação com a proporção entre pessoal e usuários. Em bibliotecas de indústrias e empresas comerciais, por exemplo, onde tal serviço é rotineiro, a proporção entre profissionais da informação e profissionais atendidos chega a ser de 1:40. Não obstante, conforme Bob McKee salientou, “trabalho semelhante é executado — desde que haja disponibilidade de tempo por bibliotecários especializados de universidades ou por bibliotecários de bibliotecas públicas que estejam prestando serviços a determinado grupo de clientes”, e Katz previu uma drástica mudança a esse respeito: “Hoje em dia, o [problema fundamental do serviço de referência] é encontrar o fato, a informação pertinente, o livro ou artigo de revista corrente. [..] O bibliotecário de referência da próxima geração [.1 provavelmente estará mais envolvido com o conhecimento do que com a informação, mais preocupado em ajudar o usuário que não seja um especialista a determinar quais os dados específicos que resolverão problemas.” Avaliação e seleção
Quando chega a hora de avaliar a qualidade das informações fornecidas e mesmo eliminar algum material julgado menos útil, muitos profissionais asseguram que isso é da alçada do usuário. No entanto, cada vez mais insistentes são as vozes daqueles que discordam disso. Katz ressaltou que “a queixa mais comum quanto à utilização de buscas informatizadas é que produzem uma quantidade excessiva de material irrelevante”. Os usuários realmente parecem precisar de ajuda. Foi há muitos anos atrás que James Thurber afirmou que ‘já se escreveu tanto acerca de tudo que fica difícil descobrir qualquer coisa acerca disso”, mas outros têm desde então se defrontado com o mesmo problema. Uma pesquisa feita em 1986 entre 3 835 especialistas pelo American Council of Learned Societies constatou que a maioria concordava com a afirmação de que “é praticamente impossível manter-me até mesmo minimamente atualizado com a bibliografia de meu campo”. Em 1978 Klaus Musmann salientou que “com essa superabundância de informações disponíveis, o descarte de informação talvez se torne mais importante do que a retenção de informação. O gerenciamento inteligente desse fluxo de informações é um dos problemas prementes da sociedade contemporânea.” A opinião de Hill, expressa no mesmo ano, era que a avaliação, junto com o reacondicionamento, “são as duas características que diferenciam um serviço de informação da mera recuperação de documentos”. Em 1990 Threasa Wesley comentava que apesar do fato de “alguns teóricos argumentarem enfaticamente contra essa visão intervencionista do papel do bibliotecário [...] o atributo mais valioso que o bibliotecário de referência tem a cultivar é a capacidade de pensar criticamente sobre a utilização das fontes de informação. Este raciocínio analítico é o fio que perpassa todos os serviços de referência de qualidade.” Em muitas situações, mesmo em bibliotecas especializadas, a proporção de pessoal profissional não permite que se faça essa avaliação. Porém pelo menos uma parte da resistência a tal posição tem raízes semelhantes à relutância de alguns bibliotecários de referência em fornecer respostas às questões dos usuários, conforme vimos no capítulo 1. Robert S. Taylor observava em 1968 que “talvez o obstáculo mais importante à avaliação pelo bibliotecário seja o senso de puritanismo da parte tanto dos bibliotecários quanto da administração que acreditam, mais por motivos éticos do que econômicos, que cada um deve fazer o que lhe compete”. Em 1989 Mary Biggs ainda se defrontava com o “habitual constrangimento, com a esquiva dos bibliotecários diante de qualquer função avaliativa”. Quaisquer que sejam as opiniões acerca da avaliação, deverá haver concordância quanto aos bibliotecários de referência tratarem de garantir que as informações que proporcionam realmente atendem a certos critérios básicos. Em primeiro lugar e o que é mais importante devem ser facilmente compreensíveis. Wittgenstein asseverava que “tudo que se pode dizer pode ser dito com clareza”: mediante a seleção cuidadosa de materiais alternativos o bibliotecário pode muitas vezes conseguir que uma resposta seja menos obscura do que poderia ter sido. Também deve ser completa, no sentido de que inclua toda informação essencial, ou como Jahoda e Braunagel expressaram “todas as respostas corretas possíveis”. E, conforme acrescentaram, “a atualidade também é um componente de uma resposta completa. Às vezes é tentador limitar a resposta á esfera abrangida pelo título que contém a resposta.” Rochelle Yates lembrou-nos que “certas notícias, datas e estatísticas sofrem modificações regularmente e são de amplo interesse popular”, e o bibliotecário precisa estar constantemente alerta para o risco de informações desatualizadas. Qualquer material a ser fornecido também deverá ser de utilização fácil de novo, muitas vezes se pode fazer uma escolha judiciosa a partir de uma série de possíveis fontes e formatos, do que resulta uma acentuada melhoria da qualidade da resposta. Como, porém, admite Hill, “esses são os critérios fáceis. Os difíceis são a exatidão e a confiabilidade: exatidão dos dados fatuais; confiabilidade de teorias e opiniões.” Não existe naturalmente nenhuma maneira simples e infalível de avaliá-los. Salvo uma visão crítica, constante e resoluta, de todas as fontes que são utilizadas, que mais pode o bibliotecário fazer? Segundo 11h11, “a resposta está em que ele deve desenvolver a capacidade de identificar — e descartar — fontes duvidosas, o hábito de conferir sempre que possível e, o mais importante, manter estreito contato com o cliente enquanto a informação está sendo usada, de modo que, pela retroalimentação que este proporciona, possa saber logo se a informação não é adequada e adotar as medidas conetivas que resultem em material adicional ou de melhor qualidade.” 82
A exatidão e a confiabilidade das fontes de informação são, porém, uma coisa; a exatidão e a confiabilidade do bibliotecário de referência são outra bem diferente e sobre a qual têm surgido testemunhos perturbadores nos últimos anos. Isto será examinado mais adiante neste capítulo. Orientação
E bem possível que surjam situações em que ainda seja feita uma outra solicitação à competência do bibliotecário. Os consu lentes poderão solicitar orientação sobre se a informação se aplica à sua própria situação, ou como deveria ser usada. Com efeito, perguntam ‘que farei?’. Os pedidos de orientação são comuns na área dos serviços de informação comunitária, onde os problemas surgem no contexto da crescente complexidade da vida cotidiana: os bibliotecários de referência são solicitados a expressar uma opinião quanto ao rumo da ação que um cliente adotaria para resolver um problema pessoal, como o barulho que vem de uma loja de discos no local onde reside, ou um porão inundado ou cães vadios na vizinhança. Todos são naturalmente problemas domésticos bastante comuns, mas nem por isso menos importantes para o consulente. Os bibliotecários constatam que outros pedidos de orientação são mais difíceis. como, por exemplo, ‘será que devo assinar esta fiança?’, ‘você poderia me recomendar uma companhia de seguros de confiança?’, ‘será que preciso de uma permissão de trabalho para conseguir um emprego de tempo parcial numa loja do lugar onde moro?’ (pergunta de um estudante estrangeiro). Até este ponto, a competência que exerceram, na negociação de questões, nas buscas, na explicação e interpretação, mesmo na avaliação, dependeram de sua formação e treinamento, aplicação e experiência. Agora ingressam num mundo diferente, onde o que deles se exige é correção de julgamento e confiabilidade de opinião. Na realidade, eles se encontram no limite extremo do serviço de referência. De fato, muitos diriam que já pisaram fora da linha: a opinião geralmente aceita no mundo da referência é ‘jamais emita uma opinião pessoal’. Nem o ensino convencional nem a prática tradicional da biblioteconomia preparam os bibliotecários para essa tarefa; no entanto, cada vez mais lhes são feitas essas demandas. Muitos resistem, com comentários do tipo ‘nenhum de nós está em condições de orientar as pessoas a respeito de seus direitos, mas somente de localizar para elas as informações que pudermos’ e ‘nosso pessoal não conta realmente com a capacitação para responder às questões estritamente pessoais que os clientes possam formular’. Mas, de fato, inúmeros bibliotecários de bibliotecas públicas têm assumido esse trabalho com entusiasmo e dedicação, muitas vezes encontrando uma solução pragmática ao seguirem a prática tradicionalmente adotada no caso de consultas de natureza médica e jurídica. A norma correta segundo a qual o bibliotecário não deve fornecer orientação médica ou jurídica remonta a mais de um século, tendo sido claramente formulada no trabalho pioneiro de Green, em 1876, e desde então tem sido sistematicamente confirmada. Em 1914 um anônimo bibliotecário inglês dizia que oferecer orientação jurídica “é uma das duas coisas que declinamos fazer [...] a outra é orientação médica. Os livros que temos encontram-se disponíveis, porém a única orientação que pode ser obtida de nós é a de que procurem um advogado ou um médico.” E em seu texto de 1980 Jahoda e Braunagel advertem: “Não se deve enquanto bibliotecário jamais tentar proporcionar orientação jurídica ou médica a um cliente, ou interpretar as implicações de conceitos jurídicos ou médicos em fontes de referência”. Isso não significa que os bibliotecários devam recusar todas as consultas de natureza médica ou jurídica. Existe atualmente um grande número de textos jurídicos de auto-ajuda, freqüentemente editados pelas autoridades de maior respeito, e a divulgação de informações sobre saúde para o público em geral constitui uma indústria de vulto. Muitas questões específicas diferem apenas quanto ao tema das que são formuladas em outros campos e podem ser tratadas da mesma forma. Os pedidos de documentos ou textos específicos obviamente não apresentam problemas: O Artisans’ Dwellings Act [Lei sobre habitações para operários] de 1875, o juramento prestado por jurados, uma lista completa dos pássaros protegidos da GrãBretanha, a ordem de sucessão em casos de herança sem testamento, um fac-símile de uma escritura de doação. Igualmente indiscutíveis são questões para as quais existe uma resposta fácil de compreender, ainda que longa: ‘quando foi introduzida a prova de habilitação de motoristas?’, ‘é verdade que as lutas de boxe profissional são ilegais?’, ‘qual a diferença entre indício e prova?’. Quando as consultas se tomam mais complicadas, ainda é possível para o bibliotecário dar uma resposta apresentando material pertinente: ‘um cidadão comum pode dar voz de prisão a alguém?’, ‘pode-se imputar a uma criança de seis anos a responsabilidade por um acidente?’, ‘como evitar a responsabilidade legal ao fornecer a alguém uma carta de recomendação ou referência pessoal?’. Deve-se, porém, evitar qualquer interpretação ou explicação; no caso de insistência, a única atitude prudente é recomendar ao consulente que procure um profissional qualificado. As consultas de natureza médica são ainda mais comuns; embora a maioria de nós evite quase sempre problemas com a lei, todos nós em algum momento enfrentamos problemas médicos, e muitos procuram informações nas bibliotecas. Os bibliotecários de referência devem encarar as questões médicas com igual cautela, adotando diretrizes semelhantes. É possível oferecer respostas de fácil compreensão para questões do tipo ‘qual o significado de SLE [systemic lupus erythematosus (lupo eritematoso sistêmico)]?’, ‘qual o pH da pele?’, ‘o que é spoon nau [unha em forma de colher; coiloníquia]?’, ‘como é transmitida a doença do sono?’, ‘o que é glue ear (acúmulo crônico de líquido de alta viscosidade no ouvido médio, literalmente orelha de cola]?’. Igualmente, existe uma bibliografia facilmente acessível sobre testes para daltonismo, os efeitos de Drinamyl no sistema nervoso, dietas sem sal, os riscos para a saúde de monitores de vídeo, e o uso medicinal do alho. Mas, de novo, essa 83
informação deve ser oferecida, conforme expressaram Dottie Eakin e seus colegas, ‘sem interpretação, sem opinião ou aconselhamento, e sem qualquer tentativa de influir nas ações ou nas decisões do indivíduo’. E existem questões que provavelmente o mais sensato seja recusá-las de imediato, como, por exemplo, ‘você poderia identificar esta pílula para mim?’, ‘qual a quantidade de carbonato de bário que se pode ingerir sem risco de envenenamento?’. ‘quantos copos de água se deve tomar por dia?’. Toda essa matéria, porém, está longe de ser simples. Em 1984, os advogados criticaram de público a existência de livros jurídicos desatualizados em bibliotecas públicas britânicas: num artigo intitulado ‘Public misinformation’ [Desinformação pública] publicado no Solicitors’ Journal, eles se queixavam de “informações realmente prejudiciais” e de “bombas-relógio de informação”. Há alguns anos atrás, nos Estados Unidos, uma bibliografia de obras de referência médica e jurídica encontradas geralmente em acervos de bibliotecas públicas foi contestada por especialistas médicos e jurídicos por conter títulos que eram “enganosos, desatualizados, totalmente imprestáveis e mesmo prejudiciais”. Para o bibliotecário de referência a regra básica ainda é válida: o encaminhamento ao especialista qualificado apropriado ao caso é a melhor resposta, se ficar evidente a qualquer momento que a pessoa necessita realmente é de uma orientação médica ou jurídica, isto é, se uma informação específica é aplicável a um determinado caso. É interessante observar que a nova espécie dos bibliotecários empresários adotou a mesma postura tradicional. E no que tange à questão mais ampla da orientação em geral Patrícia Ainley expressou bom senso: “Tudo depende da definição de orientação, O tipo de ‘orientação’ que estamos bem capacitados a ministrar é fatual e mesmo explicativo, mas tende à extremidade do espectro onde se situa a informação. O tipo de orientação que não estamos capacitados a ministrar é aquele que é explicativo/reconfortante e tende para a extremidade do espectro onde se situa o aconselhamento.” Encaminhamento
Conforme se mencionou brevemente no capítulo 5, passar o consulente para outra instituição a fim de obter a resposta a uma questão é uma das atitudes que o bibliotecário pode adotar. Na verdade, os serviços de informação comunitária adotam como política o encaminhamento a outros lugares de forma freqüente, donde serem chamados alternativamente de serviços referenciais e de informação. Kriss Taya Ostrom descobriu que eles “nunca perdiam tempo e trabalho procurando em seus próprios arquivos as informações que seriam obtidas mais rápida e precisamente em outro lugar”. Naturalmente, isso ocorre com menos freqüência na rotina normal de bibliotecas públicas e universitárias, e pesquisas não-participantes têm mostrado que o encaminhamento a outros locais é surpreendentemente pouco utilizado. De fato, em grandes bibliotecas, existe quem veja isso como equivalente à admissão de deficiências ou mesmo de derrota. F.W. Lancaster notou que “há quem se recuse a fazer o encaminhamento porque adota um interesse obstinado e possessivo por determinada questão”. Esta, porém, é uma prática ruim: os bons bibliotecários de referência sempre encaminharam os consulentes a outro local quando essa era a melhor solução para seus problemas, e em algumas bibliotecas especializadas isso constitui uma prática tão comum quanto nos serviços de informação comunitária. Qualquer biblioteca merecedora deste nome mantém um arquivo de nomes e endereços de pessoas e instituições capazes de proporcionar informação especializada. O importante é que o encaminhamento seja visto como um procedimento regular e usual em casos apropriados, uma das mais legítimas armas do arsenal do bibliotecário, ainda que normalmente mantida em reserva. Cada vez menos podem as bibliotecas alimentar a expectativa de serem auto- suficientes: ao aceitar isso, o bibliotecário deve certamente adotar providências para se valer das possibilidades do encaminhamento. Patsy J. Hansel esperava que o advento das bases de dados em linha ajudaria os bibliotecários a superarem esse “insólito orgulho profissional”. Mas é imprescindível que o encaminhamento seja encarado de modo sistemático: jamais deverá ser meramente um último recurso, sugerido ao consulente porque nada mais nos ocorre. Gail Dykstra ofereceu dois conselhos sensatos: “primeiro, ou os bibliotecários aprendem a fazer os encaminhamentos de forma correta ou não deverão fazê-los de modo algum; e, segundo, um encaminhamento que haja sido tratado de forma inadequada é mais letal do que uma resposta errada”. Deve assumir a forma de uma recomendação deliberada e positiva, decidida como o melhor meio de alcançar a solução de determinado problema. E os encaminhamentos jamais deverão ser feitos ‘no escuro’, de forma conjetural. Peggy Sullivan chamou isso de “abandono, não referência” O bibliotecário deve ter um motivo bom e sensato para escolher a alternativa que é recomendada; o conhecimento de fontes de informação externas à sua biblioteca deve ser uma parte essencial da bagagem intelectual de todo bibliotecário de referência. Poucas bibliotecas desenvolveram técnicas específicas para o encaminhamento de consulentes (ao contrário do encaminhamento de questões), e ainda menos de acompanhamento: o que os consulentes fazem depois que vão embora levando a recomendação feita pelo bibliotecário é em grande parte desconhecido. Pesquisas sobre encaminhamentos realizados pelos Citizens’ Advice Bureaux [Serviços de orientação dos cidadãos) indicaram que “a taxa de desistência de alguns tipos de encaminhamento pode [..1 chegar a ser de até 50%”. Sabe-se que os consulentes não gostam de ser mandados para outro local. Em alguns casos o bibliotecário fará. com efeito, o contato inicial com a fonte para onde será feito o encaminhamento, assim preparando o caminho para o consulente. Isso é raro exceto em serviços de informação comunitária e em certas bibliotecas especializadas. 84
Também foram feitas tentativas para elaborar um formulário simples de encaminhamento, descrito por Patrícia Gebhard e outros: o formulário é entregue ao consulente com instruções sobre aonde dirigir-se; o verso da folha é usado para informar sobre o resultado; a numeração dos formulários dá uma indicação sobre quantos consulentes decidem não se dar ao trabalho. Mais raro ainda é o bibliotecário que confere para ver o que aconteceu: segundo Terence Crowley essa “defesa do acompanhamento [él a atividade mais controvertida e a menos praticada”. O que é indiscutível é que a esmagadora maioria das questões que as pessoas formulam têm realmente uma resposta em algum lugar: na verdade, como se salientou no capítulo 1, esse é o desafio que bibliotecários de referência dedicados consideram tão estimulante. Mesmo que os recursos à sua disposição imediata não sejam suficientes, seu conhecimento e sua experiência profissional os capacitam a dizer quase com certeza onde a informação desejada poderá ser encontrada. Relevância e pertinência
Ainda outra regra sensata estabelecida por Green em 1876 era a seguinte: “O bibliotecário deve relutar tanto em deixar que o consulente vá embora da biblioteca sem que sua questão tenha sido respondida quanto um comerciante deixar que um freguês saia de sua loja sem fazer uma compra.” Ademais, recomendava com insistência, “agarre-se a eles até que tenham obtido a informação que procuram”. Ele estava se referindo especificamente à possibilidade inconfundível de que alguns consulentes possam ir embora sem levar o que vieram buscar, embora o bibliotecário tenha se ocupado com sua consulta. Embora nenhum bibliotecário de sã consciência venha a oferecer deliberadamente uma resposta insatisfatória, de fato acontece de vez em quando que o que os consulentes aceitam como satisfatório para atender a suas necessidades ao término da busca revela-se, depois de um exame mais acurado, como não sendo o que era solicitado. Por isso é que constitui prática recomendável, nos casos apropriados, não deixá-los de modo algum em dúvida quanto à possibilidade de voltarem a perguntar se não estiverem satisfeitos, e, um pouco mais tarde, como um bom gerente de restaurante, não hesitar em indagar se tudo saiu a contento. O busílis a ser apreendido pelo estudante é que a ‘correção’ ou adequabilidade da resposta fornecida não é uma propriedade da informação em si. Só existe um único teste eficaz do êxito da busca e da conclusão satisfatória do processo de referência, que é saber se ela resolve o problema do usuário. E, em última análise, o único juiz deve ser o consulente. Mas, evidentemente, é preciso que primeiro a informação seja aplicada ao problema, o que talvez leve algum tempo antes que se possa verificar se ela proporcionou uma solução, e sempre estará à espreita a possibilidade de que tenha havido de início um diagnóstico errôneo do problema que não foi percebido. Assim, para fins práticos, o julgamento que o consulente faz nesse momento é sobre se o material fornecido atende ou não à necessidade. E, como se viu, o bibliotecário também terá chegado a uma opinião sobre o produto da busca. Jesse H. Shera e outros caracterizaram esses dois conjuntos de julgamentos da seguinte forma: a decisão tomada pelo bibliotecário ao término da busca coteja a resposta com a questão apresentada pelo usuário, o que constitui um julgamento da relevância; a decisão tomada pelo usuário no momento em que recebe a resposta coteja essa resposta com a necessidade, o que constitui um julgamento da pertinência. Charles A. Bunge, porém, salientou que “num sistema onde o cliente e o bibliotecário interagem ao longo do processo de referência, esses dois tipos de julgamento não são tão bem definidos, pois o do bibliotecário e o do usuário podem ser feitos simultaneamente”. O ideal é procurar fazer com que relevância e pertinência coincidam: a necessidade do consulente terá sido determinada com tal precisão quando da entrevista que qualquer coisa que o bibliotecário considerar relevante também se revelará pertinente. Gerald Salton apresentou algumas excelentes recomendações para se conseguir isso: “Uma das maneiras mais proveitosas de melhorar o desempenho da recuperação consiste em utilizar buscas múltiplas baseadas em informações de retroalimentação por parte do usuário apresentadas durante o processo de busca.” A busca malograda
A grande maioria das buscas bibliográficas é bem-sucedida no sentido de que produz material sobre o assunto solicitado que parece relevante do ponto de vista do bibliotecário. E aparentemente uma parcela significativa dessas buscas também é bem-sucedida quando avaliada do ponto de vista de sua pertinência para a necessidade do consulente. Mas também há as buscas que não são bem-sucedidas. Em algumas delas a informação ministrada revela-se como não sendo pertinente para a necessidade do consulente, embora julgada relevante para a questão pelo bibliotecário. Isso está longe de ser raro, mas geralmente é fácil de sanar. Deve-se menos a uma incompreensão do tema da consulta e mais a uma especificação inadequada da resposta na etapa da entrevista, em termos de quantidade, nível e forma, conforme vimos no capítulo 4. Qualquer, porém, que seja o motivo, deparamo-nos aqui com a utilidade do conselho dado por Salton acerca da utilização da retroalimentação vinda do usuário, a fim de modificar o curso da busca, e as sugestões feitas no capítulo 5 sobre interação mútua numa busca realizada de forma conjunta. Uma fonte potencial de insatisfação — a resposta excessivamente copiosa — também geralmente se faz presente durante a busca, conforme vimos antes neste capítulo. 85
É preciso dizer ainda que os julgamentos quanto à pertinência também podem ser feitos pelo consulente em níveis que estão longe de ser objetivos. A conhecida resistência a material em microformas, embora perfeitamente legítima (e amiúde compartilhada pelo bibliotecário) pertence a essa espécie, bem como a eventual relutância em aceitar como conclusivo qualquer indício que não seja bem-vindo. As buscas poderão ser julgadas malogradas por parte dos consulentes se somente apresentarem referências que já conheçam. Às vezes, o problema pode muito bem ser uma questão de opinião: por exemplo, se o item fornecido realmente é o ‘relato introdutório’ sobre o assunto que foi pedido, ou se é tão ‘atualizado’ quanto o consulente esperava que fosse. Brenda Dervin constatou em um estudo que em 20% dos casos em que os consulentes acharam primeiramente que seu problema havia sido resolvido eles mudaram de idéia 45 minutos depois. Caroline E. Hieber verificou que muitos usuários nutrem uma expectativa inconsciente quanto ao formato da resposta, mas se ela permanecer não expressa na etapa da entrevista não é provável que venha a ser atendida na etapa da resposta. Na prática não é raro o bibliotecário ser obrigado a convencer o consulente a aceitar uma resposta numa forma que a biblioteca pode fornecer. No outro lado da moeda, existem amplos indícios de que muitos usuários se inclinam a admitir que estão satisfeitos quando não estão, seja por receio de magoar ou porque se sentem agradecidos por terem recebido alguma ajuda. Mais difícil de explicar para o consulente são as buscas em que não se conseguiu localizar nenhum material relevante, mesmo depois de lançar mão de todas as estratégias alternativas possíveis. O estudante haverá de lembrar de distinguir esses resultados negativos dos casos em que se produzem indícios positivos de que a questão é irrespondível. Esse é o momento de prestar atenção ao conselho de James Benson: “A análise sistemática dos malogros produz não só resultados imediatos acerca da busca em questão, mas é também imprescindível para desenvolver em alguém seu conhecimento e competência futura nas buscas.” Quase sempre existe um motivo para a falta de sucesso: Jan Kemp e Dennis Dillon publicaram um fluxograma do processo de referência indicando 13 pontos nos quais pode ocorrer malogro. Eles se situam em quatro categorias: “problemas com a entrevista de referência, problemas causados por conhecimento inadequado das fontes, problemas causados por falhas no sistema da biblioteca, e problemas devidos à natureza inexoravelmente falível dos seres humanos”. Entre os motivos comumente encontrados estão o fato de a fonte que realmente contém a resposta carecer de um índice, ou a ferramenta de referência apropriada não estar suficientemente atualizada, ou a informação ainda não ter sido publicada, ou a disponibilidade de tempo não permitir a busca exaustiva que seria necessária. E assim por diante. Principalmente quem faz buscas em computador deve suspeitar de um resultado negativo na forma de nenhuma ocorrência. Conforme advertiu Stephen P.. Harter, “isso pode significar que a base de dados não continha nada de interesse sobre o assunto a ser pesquisado, porém, mais comumente, reflete um erro por parte de quem faz a busca”. David Isaacson lembrou-nos que “às vezes o serviço mais sofisticado do bibliotecário pode ser [...] o descobrimento de que o cliente não tem uma questão respondível. Decifrar. a questão pode ser mais importante do que encontrar uma resposta.” Finalmente, não se ignora que o malogro resulte da teimosia de um bibliotecário em se recusar a consultar outra pessoa, ou de falta de experiência, de ignorância ou incompetência. Obviamente, alguns desses malogros fogem ao controle do indivíduo, mas outros não. Os bibliotecários de referência devem certificar-se de que eliminaram toda possibilidade que esteja no âmbito de suas faculdades antes de concluir que realmente fracassaram. Foi mencionado no capítulo 5 valioso recurso de informação representado pela experiência coletiva e o conhecimento acumulado de um bom quadro de bibliotecários. As instruções dadas por Constance Winchell no manual do pessoal do departamento de referência da Columbia University eram bastante firmes a esse respeito: uma consulta “não será dada por concluída negativamente até que o assistente a quem a questão tenha sido atribuída a encaminhe a um dos responsáveis do pessoal da Referência para aconselhamento ou decisão sobre se o relatório negativo se justifica“. Do mesmo modo, a regra de Clara Stanton Jones em seu livro sobre Public library information and referral service era de que “ninguém jamais responderá uma consulta dizendo ‘desculpe-me, mas a biblioteca não tem essa informação”. Mesmo se depois de tudo isso a ‘resposta’ ainda for tecnicamente uma negativa, uma excelente máxima a ser lembrada é a de Nathan A. Josel: “Não’ jamais é uma resposta.” O que se está sugerindo é que mesmo que o produto da busca seja nulo, a resposta ao consulente ainda poderá tornar-se útil e positiva. Por isso, a análise do malogro feita pelo bibliotecário deve normalmente ensejar uma sugestão a ser dada sobre por que não existe uma resposta: isto amiúde atenua o choque. A política da Business and Economics Division da Vancouver Public Library era: “Não dê uma resposta negativa até ter certeza de que conhece o motivo da inexistência de uma resposta satisfatória”. Certos autores recomendam que, quando a resposta tiver de ser negativa, sempre se sugira um encaminhamento a outra instituição. Na opinião de Josel, “se a referência tiver de passar da informação para o encaminhamento, isso, para o cliente, será pelo menos melhor do que nada”. Isso tem de ser ponderado cautelosamente. Como o estudante já foi advertido, o encaminhamento nunca deverá ser usado como uma última esperança. Não se deve esquecer que há buscas nas quais o que o consulente espera é um resultado negativo: o exemplo mais óbvio é de uma busca de patente sobre uma inovação, mas também muitas outras buscas no início de um projeto de pesquisa são desse tipo. Roger W. Christian informou que “exatamente trinta por cento das [buscas informatizadas no Massachusetts Institute of Technologyl são totalmente improdutivas, e os pesquisadores se deliciam com isso. Ficam assim tranqüilizados, pois isso significa que a linha de pesquisa que têm em mente ainda não foi apropriada por outros.” 86
Terapia
Às vezes uma resposta talvez tenha de ser computada como ‘malograda’, embora o julgamento de pertinência por parte do consulente seja evidentemente desarrazoado. Judith Farley contou que uma consulente no salão principal de leitura da Library of Congress insistia em seu desejo de ver fotografias da Cortina de Ferro, isto é, a cortina propriamente dita. Ninguém consegue passar um tempo razoável atendendo aos usuários da biblioteca sem se dar conta de que alguns deles não são como os outros. Esta é uma constatação universal feita por bibliotecários experientes em todos os tipos de bibliotecas: a afirmação ingênua de um bibliotecário de biblioteca pública, numa conferência profissional, de que as bibliotecas especializadas não enfrentavam o problema dos usuários excêntricos levantou um divertido coro de negativas dos inúmeros bibliotecários de bibliotecas de indústrias, associações científicas e de órgãos de governo presentes na platéia. E a biblioteca universitária é o habitat natural do professor avoado. Não obstante, é inegável que a fauna mais abundante de grandes inventores que não são reconhecidos, litigantes incômodos, piramidólogos, herdeiros há muito esquecidos de títulos nobiliárquicos não reclamados, e uma variedade de maníacos inofensivos encontra-se nas bibliotecas públicas de referência de nossas grandes cidades. E não são apenas os bibliotecários que perceberam isso. O romancista John Cooper Powys observou que as bibliotecas atraem “chatos, excêntricos, desajustados. esquisitões de tudo quanto é tipo de facção política despeitada, que ali se refugiam, em lugares que seus vizinhos ignoram”. Thomas Carlyle escreveu a respeito daquela que talvez seja a biblioteca mais renomada do mundo: “Acredito que existem várias pessoas portadoras de distúrbios mentais que vão ler no British Museum. Fui informado de que há diversas nessa situação que são mandadas para lá por seus amigos para passarem o tempo.” Louis Macneice também falou em seu poema ‘The British Museum Reading Room’ [O salão de leitura do British Museumj dos “maníacos, escrevinhadores, eruditos indigentes [...] acalentando seu passatempo favorito em sua triste sina”. Todo bibliotécário de referência cedo tem de aprender a como atender satisfatoriamente às necessidades desses usuários. Responder suas questões — quando as respostas são realmente possíveis — nem sempre será suficiente, sendo necessária uma especial combinação de diplomacia, paciência e bondade para atendê-los satisfatoriamente. De vez em quando talvez sejam exigidas outras aptidões. Um superintendente do salão de leitura do British Museum descreveu o ocupante ideal desse cargo como um “amálgama de erudito, cavalheiro, policial e segundo contramestre”. Não devemos, porém, esquecer o conselho de G. W. Homer, fruto de uma experiência de muitos anos na Westminster Reference Library no coração de Londres: “Existem indícios de que [...] o salão público de referência ou leitura, repleto de gente anônima, decidida e pacífica, é um ambiente de utilidade terapêutica.” Um detalhe que se precisa sempre ter em mente em qualquer profissão voltada para servir ao público é que a demanda concreta por uma forma especifica de assistência, neste caso um pedido de informação, talvez oculte inteiramente outra forma de necessidade, amiúde emocional. Na prática isso às vezes significa para o bibliotecário que em certo sentido não é a questão concreta que importa, contanto que a resposta satisfaça a necessidade do usuário. Conforme acertadamente expressou Barron Holland, trata-se “realmente de apelos por compreensão e envolvimento pessoal [...] e podem ou não implicar também a referência a fontes de informação”. Evidentemente, aqui nos encontramos na fronteira extrema do serviço de referência como tal, mas os bibliotecários devem pelo menos estar cientes de que as pessoas freqüentemente julgam que os conselhos, o apoio e os estímulos são mais eficazes do que o fornecimento de informações especificas para a solução de seus problemas. Avaliação do serviço de referência
As pesquisas sobre as opiniões dos usuários que de fato formularam questões têm mostrado de forma coerente um nível muito alto de satisfação com a resposta que obtêm: percentagens elevadas da ordem de 80% e 90% são comuns. A conclusão de Rothstein em 1964 foi que “dificilmente os resultados seriam melhores se as cartas de recomendação tivessem sido compradas”. Muitos outros além de Rothstein suspeitaram da veracidade desses números durante anos, apesar de terem sua origem nos próprios usuários, mas a verdade foi surgindo gradativamente. Conforme explicou Sydney Pierce, “a satisfação do cliente é um indicador altamente questionável da qualidade do serviço. [...] Ainda que os usuários possam ser os melhores juízes das aptidões do bibliotecário na interação interpessoal (mesmo aqui, as aptidões para a negociação da questão são problemáticas), eles são notoriamente juizes medíocres da qualidade da informação recebida.” É possível argumentar que, se estivessem em condições de avaliar a exatidão ou completeza da resposta a uma questão, provavelmente não teriam tido, em primeiro lugar, a necessidade de formular essa questão. Ainda mais importante, nas palavras de Douglas L. Zweizig, “a experiência com tais medidas de ‘satisfação do usuário’ mostra que o que está sendo medido com essas perguntas [‘você achou o serviço útil?’) não é a qualidade do serviço, mas o desejo dos usuários de serem educados.” Isso ficou muito bem exemplificado na pesquisa feita por Herbert Goldhor acerca de questões de referência na Urbana (Illinois) Public Library: “Perguntou-se também aos 100 clientes se estavam satisfeitos com a resposta que receberam. [...) A impressão predominante transmitida pelas respostas [...] incluía gratidão pelo serviço proporcionado, expressões freqüentes de apreço pelos esforços despendidos pelo pessoal, e o desejo de deixar claro que qualquer experiência desfavorável seria mais por culpa do cliente (e sua questão) do que da biblioteca.” Muitos outros estudos corroboraram isso: na verdade, encontram-se casos em que os usuários expressaram satisfação com respostas que. como lhes eram desconhecidas, estavam realmente erradas. 87
Se não se pode depositar confiança ria avaliação pelos usuários, por que então não procurar a opinião da outra parte da transação de referência, os bibliotecários de referência, que, segundo Edward B. Reeves e seus colegas, em 1977, “acham-se em condição de fazer a mais penetrante avaliação das atividades de referência”? O obstáculo aqui também está nos resultados intrinsecamente improváveis presentes nas pesquisas publicadas de auto-avaliação pelos bibliotecários: novamente Rothstein informou que “a percentagem de questões para as quais os bibliotecários de referência alegam que encontraram respostas satisfatórias [...] é sistematicamente muito alta”. Foram encontrados percentuais de 96%, 91%, 88%, 97%, e em 1950 o pessoal da Los Angeles Public Library informou ter alcançado uma taxa de sucesso de 99,71%. Aliás, foi sugerido há muitos anos atrás que talvez o serviço de referência não possa ser avaliado: “o serviço de referência é uma matéria tão cheia de variáveis e imponderáveis que as tentativas de avaliá-lo 1.1 são bastante frustradoras” (Joseph L. Wheeler e Herbert Goldhor, 1962); “medir o imensurável” (Ruth White, 1972); “a aplicação de qualquer medida ao serviço de referência é um ato artificial” (Zweizig, 1984). Embora seja provavelmente verdade que a regra jamais será imposta ao que Mary W. George chamou sua “variedade infinita e imprevisível [...] criatividade ilimitada [...] natureza idiossincrática a dois”, as pressões da contabilidade durante a última década reforçaram a advertência de Rothstein feita em 1964: “Os bibliotecários de referência, ao deixarem de proporcionar os meios para um julgamento acurado de seu lugar e de sua contribuição à biblioteconomia, correm o sério risco de ter seu trabalho subestimado ou ignorado. [...] Um dos fatos espinhosos da vida bibliotecária parece ser que se algo não pode ser contado é porque não conta.” Mas se a totalidade do processo não pode ser avaliada, haverá partes que seriam passíveis de avaliação, como a correção da resposta, as aptidões que o bibliotecário tem para negociar ou suas atitudes diante do usuário? E se as medidas de satisfação do usuário são dúbias e os escores de auto-avaliação dos bibliotecários são implausíveis, poderia uma terceira parte realizar essa tarefa? A utilização de um avaliador independente para observar na prática o serviço de referência foi sugerida ainda em 1945 por Lowell A. Martin, mas isso consome muito tempo: cada resposta tem de ser examinada individualmente quanto à sua exatidão, completeza, etc., e existe uma alta taxa de refugo, quer dizer, uma proporção elevada do que é observado é irrelevante para a finalidade da avaliação. Na verdade, a maioria dos pesquisadores concorda com Lancaster: “De um modo geral, a melhor maneira de avaliar serviços de perguntas e respostas é por meio de alguma forma de simulação.” Isso significa formular questões de teste. Mas, se os bibliotecários de referência souberem que estão sendo testados, poderão modificar seu comportamento e assim obter escores que não seriam característicos. Muitos se esforçariam ainda mais, fazendo as buscas com mais cuidado do que o habitual, levando um pouco mais de tempo, desistindo menos facilmente. Alguns, por outro lado, talvez ficassem tão nervosos que teriam um desempenho abaixo do normal. Em qualquer caso, o artificialismo patente nisso contaminaria os resultados do teste. Embora vários desses estudos tenham sido realizados, foi com o sentido de superar alguns desses problemas que os pesquisadores durante os últimos 25 anos desenvolveram a estratégia alternativa de apresentar questões sem deixar que os bibliotecários soubessem que estavam sendo testados: uma equipe de ‘pseudo-usuários’ anônimos, muitas vezes alunos de biblioteconomia, assumem o papel de consulentes autênticos e visitam as bibliotecas ou telefonam para elas, a fim de apresentar as questões do teste. Como isso não interfere no processo de referência normal, é conhecido como pesquisa ‘não-participante’, uma técnica emprestada das ciências sociais, onde vem sendo empregada há muitos anos, por exemplo, por grupos de consumidores para testar os serviços de lojas, bancos, oficinas de carros, etc. Na verdade, em alguns dos primeiros testes feitos em bibliotecas os pseudousuários eram chamados de ‘consumidores anônimos’. Alguns bibliotecários de referência os chamavam com diferentes expressões logo que eram descobertos: ‘grupos de xeretas’ era uma das mais educadas. Não seria exagero afirmar que, quando se publicaram os resultados das primeiras pesquisas nãoparticipantes, elas desencadearam uma onda de garantir que as consultas sejam típicas daquelas que se apresentam em qualquer dia da semana nas bibliotecas que estejam sendo pesquisadas — em geral são consultas verdadeiras extraídas do arquivo da biblioteca e, de fato, podem ser respondidas com o material existente em seu acervo. Provavelmente é inevitável no campo do serviço de referência, como em qualquer outro serviço comparável, que se comece medindo aquelas coisas que são mais fáceis de medir, ainda que não sejam necessariamente as mais importantes: as tentativas mais remotas não passavam de meras contagens do número de questões apresentadas. Em 1977 Ellen Hoffmann advertia que “o risco que se corre constantemente é de avaliarmos o que é visível e quantificável e não o que é essencial”. Alguns pesquisadores, de fato, foram além das consultas que solicitavam a mera localização de fatos e experimentaram estudar as consultas de localização de material. A primeira dessas pesquisas na Inglaterra foi realizada por David E. House, em 1974, que pedia “todas as informações disponíveis sobre David Shepherd, o artista conhecido por suas pinturas da fauna africana”. Os resultados, porém, foram ainda mais baixos: “Doze dentre vinte bibliotecas [...] não conseguiram fornecer informação alguma.” Outras pesquisas se sucederam, mas, inexistindo para essas questões uma medida simples do que fosse ‘correto’, outros métodos de pontuação tiveram de ser idealizados, como a escala de cinco pontos, empregada por Janine Schmidt, que varia de “Resposta totalmente correta. Usadas várias fontes ou tipos de fontes. Todos os aspectos da questão foram abrangidos na resposta” até “Nenhuma fonte foi consultada, Não foram feitas sugestões.” 88
Ainda mais ambiciosas têm sido as tentativas de empregar testes não participantes para avaliar a capacidade de negociação dos bibliotecários e suas atitudes com os usuários. Marilyn Von Seggem tem escrito com certa minuciosidade acerca da “dificuldade de estudar a entrevista que acontece na mesa de referência, que é geralmente breve e realizada sem marcação prévia, num ambiente público e enquanto há livre movimentação de pessoas na área. Ademais, a tentativa de avaliar uma entidade tão variável e complexa quanto a entrevista de referência, realizada segundo numerosos estilos e métodos por bibliotecários de referência de todos os níveis de competência, cone o risco de todas as críticas da avaliação qualitativa. Contudo, por situar-se no próprio cerne do contato entre cliente e bibliotecário, a entrevista resiste a um exame minucioso, caso haja preocupação com um serviço de referência que seja, sistematicamente, de alta qualidade.” Um método experimentado com certo êxito consiste em empregar questões de teste que sejam de algum modo incompletas e, portanto, precisem ser negociadas. Childers usou essas questões tipo ‘escada rolante’ em 1978 e 1980, e verificou que, independentemente de quão geral fosse a questão inicial, em 67% dos casos não se fazia nenhuma tentativa de investigar um pouco mais, e somente em 20% dos casos o bibliotecário realmente chegou à etapa final de negociação. Conforme já se mencionou no capítulo 4, na pesquisa feita em 1983 em bibliotecas públicas de Maryland, 12 das 40 questões de teste formuladas em 60 bibliotecas (isto é, 720 de 2 400) eram desse tipo. Análise feita por Ralph Gers e Lillie J. Seward mostrou claramente: “O procedimento que se relaciona mais estreitamente com a correção das respostas recebidas é perguntar ao usuário, a fim de descobrir especificamente qual é sua questão.” Em somente 49% dos casos a questão do usuário foi examinada dessa maneira; a pesquisa constatou que “não houve um único caso em que o usuário recebeu uma resposta correta quando o bibliotecário deixou de obter a questão específica”. Apesar de ser uma condição indispensável, o serviço de referência não se restringe apenas a conseguir a resposta: o que seria registrado como um ‘êxito’ talvez seja considerado um malogro se, por exemplo, o usuário for levado a sentir-se como se fosse um estorvo. Sabe-se agora muito bem, como foi assinalado no capítulo 4, que a atitude do bibliotecário desempenha um papel fundamental quando os usuários são chamados a avaliar o serviço que recebem; em verdade, existem indícios de que alguns levam isso mais em conta do que a resposta intelectual. Joan C. Durrance, em 1989, verificou que estudantes de biblioteconomia que faziam uma observação nãoparticipante de 266 entrevistas de referência mostravam-se “muito mais condescendentes quando algum dos bibliotecários possuía uma aptidão limitada para fazer entrevistas ou dava respostas inexatas do que quando os fazia sentirem-se constrangidos, não mostravam interesse ou pareciam assumir uma atitude crítica em relação à questão”. Desde o estudo pioneiro de Martin sobre a Chicago Public Library, em 1969, até o presente, vários pesquisadores tentaram levar em conta a atitude pessoal do bibliotecário em relação aos usuários, ora pedindo aos observadores para anotar se a resposta era cortês/descortês, amistosa/inamistosa, útil/inútil, interessada/ desinteressada, ora para acrescentar seus próprios comentários. Uma pesquisa feita em 1979 em cinco bibliotecas universitárias dos Estados Unidos atribuiu uma classificação positiva a 61,7% dos entrevistados e uma classificação negativa a 38,3%. Uma pesquisa feita em 1980 em 100 ramais de bibliotecas públicas em Kent [Inglaterra] constatou que embora quase todas as respostas fossem corteses, apenas um quarto delas eram corteses, amistosas e úteis. É óbvio que resultados desse tipo são altamente subjetivos, mas a técnica de fato revela algumas respostas insólitas, que já se acham registradas para a posteridade na bibliografia: “Estou muito ocupado para atender a questões como essa”; “Isso vai levar um bocado de tempo e é provável que a gente não encontre nada”; “Já estivemos antes às voltas com a mesma questão e gastamos um tempo imenso procurando respondê-la e não conseguimos”; “Não tenho idéia alguma e acho que a biblioteca não tem nenhum livro onde possa encontrar isso”; “Não há nada no catálogo. Se você não souber o nome de um autor, será como procurar uma agulha num palheiro”; “Ora, vá procurar numa enciclopédia”; “Não fazemos esse tipo de pesquisa”; “As bibliotecas universitárias somente prestam um serviço de referência que não tome mais de um ou dois minutos”; “Você chamou o número errado, esta é uma biblioteca pública”. Essa revelação notável daquilo que alguns bibliotecários sem dúvida consideram como conversas particulares suscita uma questão ética, que perturba muitas pessoas, e que pouco tem a ver com a questão de orgulho ferido. De maneira mais geral, a natureza sub-reptícia dos testes não-participantes exige inevitavelmente um certo grau de impostura, com os consulentes não só fingindo que são autênticos usuários, mas normalmente vindo equipados com uma ‘argumentação lógica’ — em termos mais claros, uma história para acobertá-los, obviamente falsa para o caso de lhes serem feitas outras perguntas. Evelyn H. Daniel levantou o outro lado da questão: “Com certeza qualquer profissional que atue em contato com o público não apresentará objeção alguma a ser observado ou mesmo testado, se isso não interferir na execução de suas obrigações principais. [...] Como pesquisadora, acredito que qualquer técnica que não seja prejudicial a sujeitos humanos e que possua alta probabilidade de garantir a obtenção de dados confiáveis e válidos é uma técnica adequada.” E, de qualquer modo, conforme Childers salientou há muito tempo, os resultados são utilizados para avaliar instituições, não indivíduos; de fato, os indivíduos nunca são identificados. De há muito Lancaster vem defendendo a micro-avaliação, perscrutando mais de perto as razões por trás dos resultados: “A principal utilidade de análises desse tipo [...] está em suas possibilidades diagnósticas [...] para identificar deficiências e causas de malogro e levar a ações corretivas destinadas a melhorar o desempenho futuro.” As técnicas de análise de malogros já foram mencionadas; o outro principal método é estatístico. Várias 89
vezes foi sugerido, por exemplo, que a falta de tempo é uma das razões para o baixo desempenho dos bibliotecários, principalmente nos casos em que é necessária uma análise mais profunda da questão. A análise estatística dos resultados das pesquisas porém não apóia isso. Como resumiu Crews, “esses estudos mostram que os bibliotecários precisavam apenas de cinco minutos aproximadamente por questão, fosse ou não respondida com êxito. Dentro desses cinco minutos, os bibliotecários podem negociar, transmitir informações e formular uma pergunta de acompanhamento para confirmar a satisfação do cliente.” Outro método estatístico consiste em procurar estabelecer uma relação entre taxas de êxito e variáveis institucionais como o tamanho da coleção de referência, o orçamento para aquisições, as qualificações do pessoal da referência, em outras palavras, comparar os produtos [outputs] com os insumos [inputs]. Havia uma suposição bastante difundida de que, segundo as palavras de Ronald R. Powell, um dos primeiros que realmente a testaram em sua tese de doutoramento de 1976. “a qualidade do serviço de uma biblioteca guarda uma estreita relação com os recursos quantificáveis da mesma biblioteca”. Numa pesquisa em 60 bibliotecas públicas de Illinois ele encontrou apoio para sua hipótese principal segundo a qual “quanto maior a quantidade de volumes na coleção de referência de uma biblioteca maior será a percentagem de questões de referência que o pessoal de referência da biblioteca conseguirá responder de maneira correta”. Alguns estudos posteriores confirmaram isso, e outros não. O estudo feito em 1986 por Vaughan P. Birbeck em 24 bibliotecas públicas inglesas constatou que “o tamanho tende a ser o fator que influi na quantidade de respostas corretas que uma biblioteca fornece — as bibliotecas grandes respondem mais questões corretamente do que as bibliotecas pequenas”. No entanto ele achou que os resultados não eram conclusivos no que tangia a outras variáveis independentes que estudou: a quantidade de cargos profissionais, acervo total de livros, despesas com aquisição de livros e despesas totais. Até hoje a análise estatística mais detalhada é a que se seguiu à pesquisa feita em Maryland, quando se compararam II variáveis. Gers e Seward informaram que “a quantidade de recursos guarda apenas uma relação mito discreta com a exatidão das respostas. [...] As variáveis que parecem fazer uma diferença no desempenho são procedimentos que se acham no âmbito de controle de cada bibliotecário que proporciona o serviço.” Como se observou acima, o procedimento que se relaciona mais de perto com a correção das respostas é o exame minucioso da questão, mas há também a demonstração de interesse pela questão trazida pelo usuário, sentir-se à vontade com a questão e o acompanhamento ao perguntar ‘isso responde a sua questão?’. Com base nesses resultados, passaram a desenvolver um “pacote de treinamento com a finalidade de aumentar o nível de respostas corretas” incorporando “modelos de procedimentos de referência”. Depois de participarem de uma oficina intensiva de três dias de duração, o pessoal de duas das bibliotecas melhorou seu desempenho, passando de 42,5% para 97,5% e de 70% para 92,5%. Deve-se dizer, contudo, que são raras as aplicações práticas como essa. Um estudo sobre citações feito por Alvin M. Schrader, em 1984, que procurava medir o impacto de pesquisas não-participantes, constatou que elas “não tinham ainda se tomado um componente dos métodos correntes de avaliação do desempenho dos serviços bibliotecários e de informação”, mas haviam “ficado na esfera das ferramentas metodológicas para pesquisa”. Em 1990, Peter Hemon e Charles R. McClure, autores do mais minucioso estudo acerca de pesquisas nãoparticipantes, disseram que “nossa experiência sugere que embora exista muita discussão sobre a avaliação dos serviços de referência, as avaliações formais concretas (independentemente do tipo de avaliação), em geral, ocorrem com muito menor freqüência”. Bem cedo Crowley assinalou em sua tese de 1968 que “provavelmente quase não há dúvida de que em muitas consultas o entrevistado é o elemento fundamental”. Vinte anos mais tarde e depois de 40 pesquisas Hernon e McClure chegaram a conclusão semelhante: “O desempenho numa questão está provavelmente relacionado com os interesses individuais e a capacidade de resolver necessidades de informação.” A arte do serviço de referência
Apesar da crescente sistematização deste campo e dos progressos da tecnologia da informação, ainda existe um amplo consenso entre seus profissionais de que em praticamente todos seus aspectos o serviço de referência continua sendo uma arte. Os leitores atentos deste livro não terão ficado em dúvida quanto a isso. Bunge valeu-se de uma citação tirada do Reader’s digest segundo a qual “a diferença entre arte e ciência está em que ciência é o que compreendemos bastante bem para poder explicar a um computador, e arte é tudo o mais”. Se, segundo Jaboda, “nós realmente não sabemos como os bibliotecários de referência executam seu trabalho”, então ele tinha razão ao concluir que “o serviço de referência ainda é em grande medida uma arte”. E se Barbara M. Robinson também tinha razão ao afirmar que “não existem fórmulas simples que padronizem o nível dos recursos de referência e do esforço exigido para dar conta da profusão de questões recebidas de uma ampla variedade de clientes”, então ela igualmente estava certa em seu veredito de que a “referência é realmente uma arte, não uma ciência”. Disciplina e teoria
Provavelmente o serviço de referência continuará sendo uma arte pelo menos enquanto um de seus elementos principais, a comunicação humana, resistir à completa sistematização. Mas há muito que os bibliotecários de referência alimentam a esperança de que com bastante reflexão, baseada na experiência e em 90
observações rigorosas de situações concretas, seu serviço e sua arte poderão emergir como uma disciplina meritória, ou um ramo do saber. Conforme explicou S. D. Neill, “uma teoria do serviço de referência responderá a questão ‘por que o processo de referência é assim?”. Essa não é uma tarefa fácil e a profissão tem sido mal-servida por seus comentadores e teóricos aspirantes: sua extensa bibliografia de milhares de artigos e livros é inchada com uma massa de coisas banais, passageiras e insignificantes. Por exemplo, afirma-se freqüentemente que não existe uma teoria do serviço de referência. Tais declarações se encontram geralmente nos primeiros parágrafos das dezenas de trabalhos que logo passam a propor, no entanto, outra nova teoria do serviço de referência. Conforme Louis Shores salientou com certa sensibilidade, “o máximo que os dissidentes deveriam dizer é que a teoria é ruim”. E Neil acrescentaria que “mesmo uma teoria medíocre [...] é útil”. Deve-se encarat com mais seriedade quem argumenta que não há necessidade de teoria alguma, que o serviço de referência é meramente uma habilidade prática — de um grau elevado, com certeza —, mas uma mera aptidão, uma disposição mental, que se adquire com a prática. Esta atitude parece ignorar as inúmeras advertências de que a teoria sem prática pode ser estéril, mas a prática sem teoria é cega. E, como Kurt Lewin, o psicólogo social, afirmou certa vez, não há nada tão prático quanto uma boa teoria. A essência do problema continua a mesma de 1942 quando McColvin escreveu: “A natureza dos diversos tipos de serviço de referência ainda não foi compreendida.” Em 1958 Foskett encontrara poucas mudanças a comentar: “A verdade é que ainda não atingimos os princípios básicos do serviço de referência, embora muitos bibliotecários e cientistas hajam escrito sobre os processos que eles próprios utilizam.” Tudo o que John W. Berry podia acrescentar em 1985 era que “um fato emerge de todos os estudos sobre serviços de referência nos últimos anos — simplesmente ainda não conhecemos o suficiente acerca do processo de referência para compreendermos integralmente suas sutilezas e complexidades”. Neill recentemente explicitou essa dificuldade: “Em virtude de grande parte do processo de referência ser subjetivo, é difícil descobrir seus padrões, uma grande parte é misteriosa, pois se trata de um trabalho mental que nem sempre transparece com clareza no comportamento verbal e não-verbal.” Os fundamentos de uma teoria boa, isto é, válida, ou princípio organizador do serviço de referência consistem em que sejam abrangentes, no sentido de que todas as partes sejam descritas e todo elemento do processo, sem exceção, seja explicado, e que isso também constitua um todo coerente, unindo o campo do saber. Deve basear-se na filosofia desenvolvida nesta disciplina ao longo dos anos e incorporar princípios universais, isto é, generalizações aplicáveis a todas as situações da referência, e que, com efeito, permitirão que se façam previsões. Deve explicar o comportamento real, tanto do bibliotecário de referência quanto do consulente. Deve estar apoiada em terminologia que pertença à disciplina da biblioteconomia e da ciência da informação, e não de algum outro campo especializado. Deve não apenas refletir o presente, mas também ser capaz de estimular novos conceitos e teorias e sugerir outras linhas de pesquisa ou estudo — em outras palavras, expressar tanto o que deve ser quanto o que é. Talvez o primeiro caminho a seguir seja desenvolver não um modelo universal, mas uma série de modelos parciais dependentes do contexto e que reflitam diferentes aspectos do processo, examinando-o a partir de diferentes aspectos e diferentes ângulos. É bem provável que o comportamento humano seja muito complexo para se reduzir a leis universais, mas as pesquisas realizadas durante a última década, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, nos dão motivos para um otimismo prudente. Neill com certeza tem razão ao nutrir a esperança de que “chegará o dia em que conheceremos com tal certeza o quê e como da referência que poderemos então nos concentrar numa teoria global e abrangente”. O impacto de vivazes mentes novas neste venerando oficio continua a deixar uma marca visível na maneira como a profissão encara esta que é a mais pessoal das funções do bibliotecário. Pesquisas, estudos e reflexões confirmaram até para os mais experientes profissionais que suas aptidões estão firmemente arraigadas nesses princípios humanísticos e teóricos que sustentam sua disciplina e dos quais sempre estiveram instintivamente conscientes. Tal reconhecimento e tal gratidão não podem senão iluminar e melhorar a prática dessa arte, o que, por sua vez, levará à solução mais eficaz dos problemas de informação dos consulentes, que, jamais se deverá esquecer, são o objetivo exclusivo da prática do serviço de referência. Sugestões de leituras
Birbeck, Vaughan P. & Whittaker, Kenneth A. Room for improvement: au unobtrusive testing of British public library reference service. Public Library Journal, 2, 1987. 55-60. Hernon, Peter & McClure, Charles R. Unobtrusive testing and library reference services . Norwood, Ni, Ablex Publishing Co., 1987. Neill, S.D. Can there be a theory of reference? Reference Librarian, 18, 1987, 7-19. Williams, Roy. An unobtrusive survey of academic library reference services. Library and Information Research News, 10 (37 & 38), 1987, 12-40. Douglas, Ian. Reducing failures in reference service. RQ, 28, 1988, 94-101. Kemp, Jan & Dillon, Dennis. Collaboration and the accuracy imperative: improving reference service now. RQ, 29, 1989, 62-70. Von Seggem, Marilyn. Evaluating the interview. RQ, 29, 1989, 260—265. Burton, Paul F. Accuracy of information provision. Journal of Librarianship, 22, 1990, 201-215. 91