MATÉi Visníec
Impresso no Brasil, julh Brasil, julho o de de 201 2012 2 I llulo original: origi nal: L'Histoire L'Histoire du Communisme Racontée aux Malades Malades Ment Mentaux aux
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Editor
Edson Manoel de Oliveira Filho Gerente editorial'
Gabriela Trevisan Preparação de texto
Maria Alexandra Orsi Revisão
Danielle Mendes Sales e Liliana Cruz Capa Capa e pro pr o j ete et e grá gr áf ico ic o
Maurício Nlsl (ionçalvos / Estúdio É Dlag Dl agrrami amiçnt i Andtrt Cíiviilciinln (Slinonii/ / Estúdio É Pio iiii ii iiinenui inenuiU) U) 11h n p m an o
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A História do Comunismo Contada
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DOENTES
M E N T A I S
MATÉi Vísniec TRADUÇÃO:ROBERTO MALLET
IURI PETROVSKI, escritor GRIGORI DEKANOZOV, diretor do hospital STEPAN ROZANOV, diretor associado KATIA EZOVA, assistente médica OUTROS MEMBROS DO CORPO MÉDICO Os “doentes”: TIMOFEI, doente m ental m édio DOENTE 1, Piotr DOENTE 2, Ivan DOENTE 3, Sacha DOENTE 4, Emelian DOENTE 5, Boris DOENTE 6, Slivinski DOENTE 7, Salomon UM DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN UM SEGUNDO DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN 0 ESTRANGEIRO KUHKIN IVAN MIKADOI GAMAROVSKI OUTROS DOENTES 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN 0 CRUPIÊ A MULHER JOVEM A MULHER VELHA A TERCEIRA MULHER A QUARTA MULHER A QUINTA MULHER 0 PROFESSOR STÁLIN
S N E G A N O S R E P S A
Os papéis nesta peça são intercambiáveis. Alguns papéis de “doentes” podem ser representados por manequins ou marionetes. A ação transcorre no Hospital Central de Doentes Mentais em Moscou, em 1 9 5 3 , algumas semanas antes da morte de Stálin. Eventual cenário único: um gigantesco retrato de Stálin.
Esta peça foi escrita originalmente em francês em 1 9 9 8 , durante uma permanência do autor na Chartreuse de VilleneuvelezAvignon;1 sua primeira leitura ocorreu em julho de 1999 dentro da programação do festival de teatro de Avignon. Foi montada simultaneamente na primavera de 2 0 0 0 em língua romena no Teatro Eugène Ionesco de Chisinau (Moldávia), com encenação de Charles Lee, e em língua inglesa em Hollywood por The Open First Theatre Company, com encenação de Florinel Fatulescu. Um apoio à sua criação foi concedido pelo Ministério da Cultura francês em janeiro de 2000.
1A Chartreuse de Villeneuve-lez-Avignon abriga o Centre National des Ecritures du Spectacle (www.chartreuse.org), oferecendo, entre outros projetos, residência para dramaturgos. (N. T.)
0 coro dos doentes mentais, dirigido por Katia Ezova, apresenta-se para o diretor e luri Petrovski. Alguns doentes estão em camisas de força. Timofei avança algun s passos e dirige-se aos espectadores.
TIMOFEI: O coro de câmara do Hospital Central de Doentes Mentais de Moscou vai interpretar a canção “O Canto dos Partidários”. Regente do coro: camarada Katia Ezova. Viva o camarada Stálin!
[Katia Ezova faz vibrar um diapasão, murmura uma frase musical, dá o tom e o coro põe-se a cantar. Tim ofei enxuga uma lágrima. Outro doente chora en quanto canta, mas está numa camisa de força e não pode enxugar as lágrimas. Termina a canção. Tim ofei enxuga as lágrimas de alguns doentes com camisas de força. Katia Ezova inclina-se diante do diretor e de luri Petrovski. Longo silêncio. Escuridão.)
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luri Petrovski no escritório do diretor Grigori Dekanozov.
ODIRETOR: Sabe, luri Petrovski, hoje em dia ninguém deve ficar sem as luzes da arte e da literatura. Nossa concepção científica da sociedade afirma que o homem está no centro da atenção do partido. Nossa nova concepção humanista, tal como nos foi ensinada pelo Grande Lênin e pelo Grande Stálin, afirma que o socialismo não é possível sem a transformação do homem. E a arte, a literatura têm um papel enorme na transformação do homem... É por isso que me pergunto: e os doentes mentais? Eles também não são seres humanos? Não devem ser transformados, eles também? Não deveriam beneficiarse, também eles, das vantagens da arte, da literatura? Na medida do possível, é claro... Eu creio que os doentes mentais de nossa sociedade socialista não têm nada a ver com os doentes mentais dos países capitalistas e imperialistas. Nós não abandonamos os nossos doentes mentais... Achamos que podem ser curados. Nossos cientistas trabalham dia e noite para encontrar novos tratamentos capazes de curar as doenças mentais... E a arte, a literatura desempenham talvez um papel nessa batalha.
a história do com unismo contada aos doentes ment ais 11 1 I m atéivis niec
Grigori Dekanozov apresenta luri Petrovski ao corpo médico do estabelecimento.
O DIRETOR: Caros colegas, apresentolhes o camarada luri Petrovski, que a União dos Escritores enviou para nos ajudar. luri Petrovski escreveu novelas no estilo de nosso grande autor Máximo Gorki. luri Petrovski escreveu novelas e narrativas sobre a construção do socialismo, e recebeu por suas maravilhosas novelas e suas maravilhosas narrativas o Grande Prêmio do Estado, que lhe foi entregue pelo Grande Camarada Stálin em pessoa. É meu dever, aqui, agradecer à União dos Escritores por nos ter enviado o camarada luri Petrovski. É justamente de um escritor como luri Petrovski que precisam os, pois ele sabe descrever como ninguém as coisas simples, as coisas da vida. (Volta-se para luri Petrovski.) Camarada luri Petrovski, sua tarefa é escrever histórias curtas para narrar aos nossos doentes mentais a história do comunismo. E para isso que está aqui, é para isso que a União dos Escritores enviouo para cá. Consideramos que os doentes mentais têm o direito e o dever de conhecer a história do comunismo e da Grande Revolução Socialista de Outubro. O único problema é que a história do comunismo e a história da Grande Revolução Socialista de Outubro devem ser narradas de forma que estejam
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ao alcance deles. É por isso que todos nós, a equipe
ao alcance deles. É por isso que todos nós, a equipe médica do Hospital Central de Doentes Mentais, bem como os doentes que estão em tratamento em nosso estabelecimento, pedimoslhe, caro camarada Iuri Petrovski, que utilize seu talento para narrarnos em palavras simples a história do comunismo e da Grande Revolução Socialista de Outubro. Use o seu talento para que nossos doentes possam também eles ter acesso à luz do movimento trabalhador. Use o seu talento e o seu patriotismo para que os doentes mentais possam alimentarse da esperança que a Grande Revolução Socialista de Outubro trouxe a todos os trabalhadores de todos os países. Tenho certeza, camarada Iuri Petrovski, que encontrará as palavras que irão tocar o coração de nossos doentes mentais. Nossas sessões de iniciação à beleza da arte, da literatura, acontecerão duas vezes por semana. Todos os doentes mentais de nosso estabelecimento, sejam eles débeis mentais leves, médios ou graves, esquizofrênicos, autistas, depressivos ou neuróticos, todos serão convidados a escutá lo, duas vezes por semana. Todos, exceto talvez os doentes da seção de segurança máxima, para os quais vamos imaginar outra solução... Quer dizer, talvez organizemos sessões especiais para eles.
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Grigori Dekanozov mostra a luri Petrovski o quarto que lhe fora reservado. Katia Ezova perm anece resp eitosamente junto à porta.
O DIRETOR: Este, meu caro luri Petrovski, é o seu quarto. Terá aqui tudo de que precisar. Escolhemos para você o quarto que tem a mais bela vista do jardim, pois sabemos que os escritores amam a natureza. Vocês necessitam ver árvores, ver o céu, ver os pássaros que cantam nas árvores... Nós sabemos, meu caro luri Petrovski... sabemos de que é feita a alma de um escritor, nós sabemos tudo. Seja bemvindo neste quarto, em nossa casa. Nossa cara assistente médica Katia Ezova trará o seu desjejum no quarto todas as manhãs. Ao meiodia e à noite, poderá comer conosco, no salão do refeitório... ( Através de um jogo de
luz surge, atrás de uma parede que se tornou transpa rente, o salão do refeitório. Os doentes vão começar sua refeição, rodeados pelos membros do corpo mé dico. O conjunto tem algo de uma cena de tortura .) Pois nós, meu caro luri Petrovski, nós, os médicos do corpo médico, comemos com os nossos doentes, quer dizer, com aqueles que podem se deslocar sem problemas até o refeitório. E é com orgulho que lhe digo, meu caro cam arada, que sessenta por cento dos nossos doentes mentais PODEM se deslocar, e deslocamse
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VERDADEIRAMENTE duas vezes por dia, ao meio dia e à noite, até o refeitório, para comer em companhia de seus médicos. Mas você, Iuri Petrovski, faça como bem quiser. Sabemos que o escritor pode às vezes ser tomado pela inspiração, e então ele não sai do lugar, não come, não vê mais ninguém, não ouve mais nada, e escreve, eh, eh... E um grande mistério, a escrita, eu sei. IURI PETROVSKI: Camarada Grigori Dekanozov, quero muito entrar em contato direto com os pacientes. Gostaria de visitar todas as dependências. Poderia eventualmente falar com alguns doentes. É possível? 0 DIRETOR: Camarada Iuri Petrovski, não só você tem o direito de fazêlo, mas insistimos que o faça. Está residindo aqui, é portanto natural que conheça nossa casa. Katia Ezova, que cuidará de você, vai lhe mostrar tudo: as alas, as salas de tratamento, os banheiros, o jardim, tudo, tudo, tudo. E toda vez que quiser falar com um doente, peça a Katia E zova a ficha dele. Certo? Então, vou deixálo, Iuri Petrovski. Bom trabalho, Iuri Petrovski. Quando terminar o primeiro capítulo, organizaremos a primeira sessão. Estou convencido, camarada, de que narrar de forma adequada a história do comunismo pode curar certos problemas mentais. Até logo, camarada. Viva o Grande Stálin!
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Noite. Quarto de luri Petrovski. luri Petrovski dorme. Katia Ezova entra. O quarto está iluminado pela luz que vem do jar dim . Katia Ezova aproxim a-s e da cam a de luri Petrovski. Longo silêncio, luri Petrovski tem um sobressalto, abre os olhos, dep ara-se com Katia.
KATIA: Psiu... IURI: Quem é? KATIA: Sou eu, Katia. IURI: Mas o que você está fazendo aqui? KATIA: Psiu... IURI: Mas como é que você entrou? KATIA: Psiu... IURI: M as... KATIA: Por acaso quer um chá? IURI: Não!
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KATIA: Um chá com um pouco de rum? IURI: Não. KATIA: Ou só um pouco de rum?
KATIA: Um chá com um pouco de rum? IURI: Não. KATIA: Ou só um pouco de rum? IURI: Não, não quero nada. KATIA: Iuri Petrovski, preciso lhe fazer uma pergunta. IURI: O quê?! KATIA: Você viu ele de perto? IURI: Como é? KATIA: Você sabe, é muito importante pra mim... IURI: O quê? KATIA: Psiu... Há muitos que mentem, que apenas fingem que estiveram com ele. Esses me fazem vomitar... Dizer que estiveram com ele quando nunca estiveram... IURI: Com quem? KATIA: Stálin... Você realmente esteve com ele? O diretor disse que foi o próprio Stálin que lhe entregou o Prêmio. E verdade? Foi mesmo Stálin? Foi ele em pessoa quem entregou? IURI: Foi... KATIA: Quando? IURI: Ah, faz muito tempo. Foi antes da guerra...
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KATIA: E você o viu de perto? IURI: Vi... Mas por que todas essas perguntas?
KATIA: E você o viu de perto? IURI: Vi... Mas por que todas essas perguntas? KATIA: Porque... Porque eu queria saber se ele é alto. IURI: Não é... muito alto. KATIA: Ele é... mais alto do que você? IURI: Não, acho que não. KATIA: Mas você o viu de perto, bem de perto. IURI: Vi, podese dizer... Estava com outros jovens camaradas escritores reunidos para um congresso. E ele, ele passou, apertounos a mão... KATIA: Ele apertou sua mão! IURI: Apertou.
(Katia pega a mão de luri e aperta-a contra o próprio peito.) KATIA: Ah, luri Petrovski, como sou feliz por têlo aqui... Nunca conheci alguém que tenha de fato conhecido Stálin. IURI: Katia Ezova, tenha calma. Eu nunca o conheci pessoalmente. Apenas apertei sua mão, é tudo. KATIA: E seus olhos, como eram? IURI: Seu olhos...?
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KATIA: Seus olhos. Você olhou diretamente em seus olhos? IURI: Não, acho que não... KATIA: Mas como? Você não se lembra? Como pode não se lembrar?
(Iuri retira sua mão das mãos de Katia.) IURI: Camarada Katia Ezova, por que todas essas perguntas?
(Katia assoa o nariz e muda bruscamente de atitude.) KATIA: Sabe, Iuri Petrovski, eu escrevo também. IURI: Você escreve o quê, Katia Ezova? KATIA: E screvo poem as. IURI: Muito bem, Katia. KATIA: Mas eu nunca os mostrei a ninguém, Iuri Petrovski. IURI: Muito bem, Katia. KATIA: Mas eu preciso mostrálos a você, Iuri Petrovski. IURI: Depois, Katia. KATIA: Não, Iuri Petrovski, eu preciso mostrar meus poemas agora. IURI: Mas são quase três horas da manhã!
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KATIA: Pelo menos um, luri Petrovski. IURI: Está bem, Katia. Vamos lá. KATIA: Vou recitálo, luri Petrovski. IURI: Prefiro eu mesmo ler. KATIA: Não, luri Petrovski. Não. Meus poemas estão todos na minha cabeça... Aqui... Na verdade, eu nunca os escrevi no papel, guardoos sempre aqui... Aqui... IURI: E quantos você tem aí? KATIA: Milhares, luri Petrovski, milhares... IURI: Está certo, Katia. Escolha um e reciteo para mim.
(.Mudando novamente de atitude. Katia quase entra em transe.) KATIA: Stálin, tu és nossa luz Na noite sem fim, Stálin, acaricias nossa mente Pois és o amante da Revolução... Stálin, és nossa razão de viver, Stálin, tu vives em nós eternamente... Não temos nada, devemoste tudo, Fica conosco, fica conosco...
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(Completamente transfigurada, começa a chorar. luri pega-lhe a m ão e consola-a.) IURI: É ótimo, Katia, calma... (Katia retira sua mão das
m ãos de luri, olha-o por um instante com o um animal acuado, em seguida começa a se despir rapidamente.) Katia Ezova, pare! Mas o que está fazendo? KATIA: Psiu... Ele está aqui... Ele está aqui... Ele está conosco...
(Seminua, Katia salta sobre luri, abraça-o chorando, beija-lhe várias vezes a m ão direita. ) IURI: Quem? Katia! KATIA: Me abraça, luri Petrovski. Me abraça, abraça... IURI: Katia, eu sou casado... KATIA: Me abraça, luri Petrovski. Me abraça... Me abraça...
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iuri Petrovski, em seu quarto, “ensaia” sozinho.
IURI: Abram bem a boca. Digam “u”. Respirem. Encham os pulmões de ar. Mais. Mais ainda. Encham os pulmões de ar. Mais. Digam “utopia”. Outra vez. “Utopia”. Concentremse bem, é uma palavra que faz uma curva ascendente. Como um cavalo empinando. “Utopia”. Ouvem como ela sobe? Sobe e dissipase no ar. Começa dentro da boca e termina em nenhum lugar. “Utopiiia”. Muito bem. Então, o que é uma utopia? Uma utopia é quando alguém está na merda e quer sair dela. Mas antes de sair da merda, é preciso refletir a respeito. E se você refletir bem, vai ver que não é o único que está na merda e que deseja sair dela. Então, você pensa e vê que não pode sair da merda sozinho, que só pode sair da merda junto com os outros, os camaradas que estão na merda junto com você.
(Iuri Petrovski abre uma garrafa de rum, derrama vá rias gotas em uma taça de chá; bebe um gole de rum diretamente da garrafa, em seguida bebe o chá.)
a história do comun ismo contada aos doentes mentais I 23 I matéi visniec
luri Petrovski faz uma demonstração para o diretor Dekanozov, Katia e o resto do corpo médico. Somente Grigori Dekanozov está sentado.
IURI: Abram bem a boca. Digam “u”. Respirem. Encham os pulmões de ar. Mais. Mais ainda. Encham os pulmões de ar. Mais. Digam “utopia”. Outra vez. “Utopia”. Concentremse bem, é uma palavra que faz uma curva ascendente. Como um cavalo empinando. “Utopia”. Ouvem como ela sobe? Sobe e abraça o céu. Começa dentro da boca e termina nas estrelas. “Utopiiia”. Muito bem. Então, o que é uma utopia? Uma utopia é quando alguém está na merda e quer sair dela. Mas antes de sair da merda, é preciso refletir a respeito. E se você refletir bem, vai ver que não é o único que está na merda e que deseja sair dela. Então, você pensa e vê que não pode sair da merda sozinho, que só pode sair da merda junto com os outros, os camaradas que estão na merda junto com você. (A
assistência permanece impassível. luri Petrovski con tinua.) Mas aqueles que jogaram você na merda não querem que você saia da merda. Não deixam você sair da merda, nem você, nem os camaradas que estão na merda junto com você. Pois eles, os que jogaram você na merda, são fortes porque estão unidos. Então, para sair da merda, você e os seus camaradas, é preciso que
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estejam, vocês também, unidos. Foi isso que o camarada Lênin disse um dia, em 1915, quando estava em Zurique... Uma cidade na Suíça. A Suíça é um país que
estejam, vocês também, unidos. Foi isso que o camarada Lênin disse um dia, em 1915, quando estava em Zurique... Uma cidade na Suíça. A Suíça é um país que não estava na merda. “Camaradas”, disse o camarada Lênin, “para sair da merda, não basta querer sair da merda, é preciso estar unidos”. Foi isso que o camarada Lênin disse um dia, em 1915 em Zurique, onde tinha se refugiado com outros camaradas para refletir. E depois, todos aqueles que estavam na merda na Rússia disseram “é, o camarada Lênin tem razão”. E eles se uniram e deramse as mãos, e fizeram um esforço, e saíram da merda.
(Silêncio glacial. Bruscamente, Grigori Dekanozov levanta-se , aproxima-se de Iuri Petrovski e abraça-o. Aliviada , a assistência aplaude. Grigori Dekanozov enxuga uma lágrima.) 0 DIRETOR: Bravo, camarada Iuri Petrovski. Bravo. É isso. É assim que se deve falar. Muito bem, Iuri Petrovski. Você sabe escrever com o coração sem deixar de dizer a verdade. E um grande escritor, Iuri Petrovski. Compreendeu tudo, Iuri Petrovski. Graças a você, nossos doentes vão poder compreender enfim a essência mesma da nossa Grande Revolução Socialista de Outubro. Continue, Iuri Petrovski. Continue. Na próxima semana, faremos uma primeira sessão com alguns doentes. Nossos doentes mentais precisam de você, Iuri Petrovski. Pois não é somente a medicina que pode curálos. Há também o pensamento do nosso Grande Camarada Stálin que vai curar nossos doentes. E um erro nosso não ter tentado, até hoje, utilizar o pensamento marxista, o pensamento leninista e o pensamento de nosso Grande Camarada Stálin como terapia contra o autismo, a esquizofrenia e a debilidade mental. A força do pensamento comunista deve
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penetrar em tudo, em tudo, inclusive nos cérebros dos nossos doentes. Pois o pensamento pode curar o
penetrar em tudo, em tudo, inclusive nos cérebros dos nossos doentes. Pois o pensamento pode curar o pensamento. Quando o pensamento dirigese ao pensamento, acontecem maravilhas! E preciso apenas encontrar as palavras certas, o tom certo, a emoção certa... E você, camarada luri Petrovski, você encontrou a chave. E é com essa chave que vamos abrir a porta fechada do espírito dos nossos doentes, para que as palavras de Lênin e de Stálin possam resplandecer através dela... Obrigado, camarada luri Petrovski. Em nome de todo nosso corpo médico e em nome de todos os nossos doentes mentais, MUITO OBRIGADO.
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luri Petrovski diante de uma plateia de doentes mentais “leves”.
IURI: Abram bem a boca. (Os doentes obedecem.) Digam “u”. OS DOENTES: Uuuuu... Uuuuu... IURI: Respirem... OS DOENTES: Uuuu... IURI: Encham os pulmões de ar. Mais. Mais ainda. OS DOENTES: Pfuuuu... IURI: Encham os pulmões de ar. Mais. OS DOENTES: Uuuuu... IURI: Digam “utopia”. DOENTE 1 PIOTR: Não soltem , cam aradas! KATIA: Silêncio, Piotr.
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IURI: Outra vez... “Utopia”. OS DOENTES: Uuuuu...
IURI: Outra vez... “Utopia”. OS DOENTES: Uuuuu... PIOTR: Não soltem, camaradas! KATIA: Piotr, cale a boca. IURI: Concentremse bem, é uma palavra que faz uma curva ascendente. Como um cavalo empinando... “Utopia”. DOENTE 2 IVAN: O cav ca v a lo m ija em pé! P or que e n tão tã o ... KATIA: Silêncio, Ivan. IURI: Ouvem como ela sobe? Sobe e abraça o céu.
(Vári (Vários os doentes doent es persignam-se persignam -se .) KATIA: Continue, Iuri Petrovski. IURI: Começa dentro da boca e termina nas estrelas. “Utopiiia...” OS DOENTES: Utopiiia... Utopiiia... IURI: Muito bem. OS DOENTES: Utopiiia... Utopiiia... KATIA: Parem! Continue, Iuri Petrovski. IURI: Então, o que é uma utopia? OS DOENTES: Utopiiia... Utopiiia...
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IVAN: Eu quero mijar em pé! Eu quero..
IVAN: Eu quero mijar em pé! Eu quero.. KATIA: Fecha a matraca, Ivan. Continue, luri Petrovski. IURI: Uma utopia é quando alguém está na merda e quer sair dela.
(Silê (Silênci ncioo glacial. Os doen d oentes tes têm um ar constern con sternado ado..) IURI: Mas antes de sair da merda, é preciso refletir. IVAN (sussurrando para seu vizinho, Sacha)'. Isso quer dizer que vamos poder mijar em pé? DOENTE 3 SACH SACHA: A: Psiu si u! IURI: E se você refletir bem, vai ver que não é o único que está na merda e que deseja sair dela. Então, você pensa e vê que não pode sair da merda sozinho, que só pode sair da merda junto com os outros, os camaradas que estão na merda com você. SACHA: luri Petrovski, posso fazer uma pergunta? IURI: Pode. SACHA: Por que é que sempre faz click, clac, pluf? KATIA: Chega, Sacha. PIOTR: Sua mãe continua no avião, luri Petrovski? IURI: Minha mãe está morta, Piotr. KATIA: Continue, luri Petrovski.
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IURI: Então, quanto mais reflete, mais você vê que não pode sair da merda m erda sozinho, soz inho, que só só pode sair dela junto com os camaradas que estão na merda com você.
IURI: Então, quanto mais reflete, mais você vê que não pode sair da merda m erda sozinho, soz inho, que só só pode sair dela junto com os camaradas que estão na merda com você. (Silêncio na assistência.) Mas aqueles que jogaram você na merda não querem que você saia da merda. Não deixam você sair da merda, nem você nem os camaradas que estão na merda junto com você. Pois eles, os que jogaram você na merda, são fortes porque estão unidos.
(Os doentes descontrolam-se.) descontrolam-se.) Uuuuu. Uuuuu.... Iuri Petrovski, Petrovski, uma uma pergunta pe rgunta... ... Somente Somente o cavalo mija mija em pé... Cli Click, ck, clac, pluf! pluf! Façam seus eus jogos jogos,, ladies and an d gentlemen. gentlemen. Ribbentrop RibbentropMolotov Molotov!! Ribbentro RibbentropMolot pMolotov! ov! N ão, não, não... Nã o, não, não, não, não é verdad verdade. e.... Não, não, não... Henri Barbusse Barbusse ainda está vivo vivo?? Utopiiia.. Utopiiia.... U topiii topiiia.. a.... N ão solt soltem, em, cam arada s, não solte soltem! m! O avião, avião, não tem tem nada. nada. KATIA: Silêncio, camaradas! Continue, Iuri Petrovski.
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IURI PETROVSKI: Então, para você e seus camaradas saírem da merda é preciso que estejam, vocês também, unidos. Foi isto que o camarada Lênin disse um dia...
IURI PETROVSKI: Então, para você e seus camaradas saírem da merda é preciso que estejam, vocês também, unidos. Foi isto que o camarada Lênin disse um dia... SACHA: Quem? (Começa a chorar histericamente.) Quem? Click, clac, pluf? KATIA: Pare, Sacha. IURI: Foi isso que o camarada Lênin disse um dia, em 1915, quando estava em Zurique, que é uma cidade na Suíça... DOENTE 4: Não é na Suíça, não... IURI: ... que é um país que não estava na merda. “Camaradas”, disse o camarada Lênin... DOENTE 4: Não é na Suíça, não... IURI: “... para sair da merda, não basta querer sair da merda, é preciso estarmos unidos”. Foi isso que o camarada Lênin disse um dia, em 1915, em Zurique, onde tinha se refugiado... PIOTR: Viva o Grande Lênin! OS OUTROS DOENTES: Viva o Grande Lênin! IURI: ... com outros camaradas para refletir. E depois, todos aqueles que estavam na merda na Rússia disseram “é, o camarada Lênin tem razão”. E eles se uniram... PIOTR: Viva o Grande Lênin!
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OS OUTROS DOENTES: Viva o Grande Lênin! IVAN: Lênin nunca disse que não se deve mijar em pé!
OS OUTROS DOENTES: Viva o Grande Lênin! IVAN: Lênin nunca disse que não se deve mijar em pé! KATIA: Fechem a matraca e escutem Iuri Petrovski. IURI: E eles se uniram, e deramse as mãos, e fizeram um esforço, e saíram da merda. E aqueles que tinham jogado os outros na merda ou foram mortos ou foram banidos para os campos. E então Stálin, grande camarada de Lênin, disse: “Camaradas, ainda não acabou, é preciso agora construir um país onde ninguém, jamais, possa jogar alguém na merda”. E Stálin disse: “Camaradas, eu conheço um método científico para construir um país em que ninguém, jamais, possa jogar os outros na merda”. DOENTE 4: Não é na Suíça, não... SACHA (chorando): Katia Ezova, Katia Ezova, não é bom, Katia Ezova... KATIA: Acal mese, Sacha... IURI: E todos os que tinham saído da merda começaram a construir esse novo país onde ninguém jamais iria jogar outra pessoa na merda. (Os doentes escutam como se hipnotizados.) E, então, Stálin viu que alguns daqueles que tinham começado a construir com ele o país onde ninguém jamais iria jogar alguém na merda não queriam ir até as últimas consequências. Então, o camarada Stálin disse: “Isso não é bom, pois aqueles que não querem ir até as últimas consequências vão nos retardar. Não se pode construir um país em que ninguém jamais poderá jogar outra pessoa na merda com gente que não quer ir até as
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últimas consequências. É preciso acabar com quem não quer ir até as últimas consequências”. ( Silêncio. Ninguém reage.) E então, um companheiro de Stálin,
últimas consequências. É preciso acabar com quem não quer ir até as últimas consequências”. ( Silêncio. Ninguém reage.) E então, um companheiro de Stálin, o camarada Dzerjinski, cujo primeiro nome é Féliks e que chamarei de Féliks, pois é muito mais fácil do que Dzerjinski... Féliks então disse a Stálin: “Camarada Stálin, eu conheço um método científico para identificar, entre aqueles que querem ir até as últimas consequências, os que não querem ir até as últimas consequências”. (Os doentes escutam cada vez mais
consternados, mas uma espécie de rubor toma seus rostos.) Pois o problema era que aqueles que não queriam ir até as últimas consequências não queriam reconhecer com toda sinceridade que não queriam ir até as últimas consequências. Foi por isso que Féliks teve que aplicar o método científico para identificar, entre aqueles que queriam ir até as últimas consequências, os que não queriam, no fundo de suas almas, ir até as últimas consequências. E os que não queriam ir até as últimas consequências foram enviados para o campo. Um dia, estava no campo um grande amigo de Stálin e de Féliks. E os que estavam no campo porque não queriam ir até as últimas consequências perguntaram a ele: “Mas por que está aqui conosco, nós que não queremos ir até as últimas consequências, você que quer ir até as últimas consequências?”. E o amigo de Stálin e de Féliks respondeu: “É porque eu apenas acreditava que queria ir até as últimas consequências, mas meu amigo Féliks demonstroume, com seu método científico, que na verdade, e sem que eu me desse conta, eu não queria ir até as últimas consequências”. E esse amigo de Féliks e de Stálin pediu para ser fuzilado. Pois, disse ele a Féliks: “aqueles que não se dão conta de que não querem ir até as últimas consequências são mais perigosos do que os que sabem muito bem que não querem ir até as últimas consequências”.
a his tór ia do com unis mo cont ada aos do entes m entais I 35 I m atéi visn iec
Mas Féliks respondeu ao amigo: “Espere, você vai ser
Mas Féliks respondeu ao amigo: “Espere, você vai ser fuzilado mais tarde, quando quiser de novo, de todo coração, ir até as últimas consequências, pois então você será muito mais perigoso”.
(Silêncio pesado. Os doentes estão à beira de uma em oção extremam ente forte.) PIOTR (para si mesmo)'. Ele morreu? Ele morreu então? KATIA: Paramos por aqui, camarada Iuri Petrovski. Chega de trabalho por hoje. Vamos, cam aradas, é hora do passeio no jardim.
coleç ão dr am atur gia I 36 I m atéi vis niec
Um cômodo no subsolo. Uma pequena janela (com grossas barras) que dá para a rua. A jan ela está s ituada ao nível da calçada, da qual só se veem os pés dos passantes. Em relação ao cômodo, a jan ela situa-se em local muito alto, quase junto ao teto. Sete ou oito “ doen tes” (parece tratar-se de débeis mentais leves) estão sentados no chão, diante da janela, em volta de uma espécie de “toalha verde”, sobre a qual estão várias moedas. Todos estão atentos, o olhar fixo na janela. A atmo sfera é tensa. Depois de um minuto de espera, uma velha m ulh er passa na rua diante da janela, vinda do lado esquerdo. Exclamações, emoções, movim entos entre os jogadores. 0 “ cru piê” empu rra o dinheiro para os dois jogadores que são, aparentem ente, os ganhadores. 0 crupiê puxa um barbante que solta uma cortina sobre a janela.
CRUPIÊ: Ladies and gentlemen , façam seus jogos... (Os participantes dão m oedas ao crupiê, que em se
guida as coloca sobre a toalha. Deve-se transmitir a impressão de que o jogo é muito envolvente. ) PIOTR (dando dinheiro ao crupiê)'. Sexo frágil, lado direito... IVAN: Vai perder. Nunca vem mulher do lado direito.
a hist ória do com unis mo con tada aos doen tes men tais I 37 I matéi visniec
PIOTR: Não fode minha paciência. IVAN ( dando dinheiro ao crupiê): Dez copeques, sexo forte, lado esquerdo.
PIOTR: Não fode minha paciência. IVAN ( dando dinheiro ao crupiê): Dez copeques, sexo forte, lado esquerdo. SACHA E DOENTE 4: Pffff... CRUPIÊ: Vamos, façam seus jogos... SACHA: Animal! Animal! CRUPIÊ: Quanto, Sacha? Merda! Quanto? SACHA: Um copeque! CRUPIÊ: Vamos, Emelian, jogue... DOENTE 4 EMELIAN: C asal, sexo frágil, sexo forte, lado... direito... Três copeques! PIOTR: Ah, não, três é muito, não pode. CRUPIÊ: Cale a boca, Piotr. (A Emelian.) É muito, não pode. Dois copeques. Vamos, o próximo, façam seus jogos, ladies and gentlemen. DOENTE 5: Sexo frágil, lado esquerdo! SACHA: Duas vezes esquerda, impossível. CRUPIÊ: Cale a boca. Façam seus jogos, ladies and
gentlemen. DOENTE 6: Bicicleta. Bicicleta. Bicicleta. CRUPIÊ: Está bem, está bem... Quanto?
coleção dram aturg ia I 38 I m atéi visn iec
DOENTE 6: Bicicleta. Bicicleta. Bicicleta. CRUPIÊ: Quanto? DOENTE 6: Bicicleta. Bicicleta. Bicicleta.
DOENTE 6: Bicicleta. Bicicleta. Bicicleta. CRUPIÊ: Quanto? DOENTE 6: Bicicleta. Bicicleta. Bicicleta. CRUPIÊ: Um copeque? Dois? EMELIAN: Vamos, vamos, façam seus jogos, não é a Suíça, não. CRUPIE: Sou eu que digo isso. Ouviu? Ninguém senão eu é que pode dizer “façam seus jogos”. EMELIAN: Vamos, não é a Suíça, não... [ao doente 6.) Um copeque, está bem? Vamos, Salom on... Fale... DOENTE 7: Cachorro. IVAN: Vai perder. Nunca passa cachorro aqui. DOENTE 7: Cachorro, lado esquerdo. Um copeque. SACHA E EMELIAN: Pfff... EMELIAN: Ainda mais do lado esquerdo... Não é a Suíça, não... 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN: Stálin, lado esquerdo! CRUPIÊ: Cale a boca. Você está fora. Encerrado! 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN: M as eu tenho dinheiro! Stálin, lado esquerdo. Tenho o direito! CRUPIÊ: Fora, merda! Já disse que você não joga!
a histó ria do com unism o con tada aos doentes mentais I 39 I matéi visniec
Encerrado!
(Puxa o outro lado do barban te e a cortina sobe. Todos esperam em silêncio. Tensão.)
Encerrado!
(Puxa o outro lado do barban te e a cortina sobe. Todos esperam em silêncio. Tensão.) SACHA (põe-se a chorar): Que idiota! OS OUTROS: Psssiu...
(Um homem passa de bicicleta, vindo do lado esquer do. Doente 6 explode de rir, sufoca, rola de rir, para, recomeça. O crupiê dá a ele todo o dinheiro.) CRUPIÊ: Vamos, vamos, ladies and gentlemen , façam seus jogos...
coleção dram aturg ia I 40 I matéi visn iec
Iuri Petrovski escreve, em seu quarto, tarde da noite. Leves batidas na porta. Volta a cabeça. Entra Timofei.
TIMOFEI: Camarada Iuri Petrovski, está trabalhando? IURI: Estou. TIMOFEI: Camarada Iuri Petrovski, deixe que eu me apresente. Sou Timofei. Sofro de uma debilidade mental média. Sou um débil mental médio... Deixeme entrar, camarada Iuri Petrovski. IURI: Mas você deveria estar na sua ala, Timofei. TIMOFEI: Camarada Iuri Petrovski, os débeis mentais leves e os débeis mentais médios podem sair de suas alas. Os débeis mentais leves e os débeis mentais médios nunca fazem mal. E eu não consigo dormir à noite, Iuri Petrovski. Será que posso entrar? IURI: Entre.
('Timofei entra, fecha a porta atrás de si, em seguida põe-se em posição de sentido.) TIMOFEI: Iuri Petrovski, apresentome: Timofei, débil
a hist ória do com un ism o con tada aos doen tes men tais I 41 I m atéi visniec
mental médio. Venho apresentarlhe os cumprimentos dos doentes da ala dos débeis mentais médios. Meus camaradas enviaramme para convidálo a nos visitar, a ir ter conosco, camarada luri Petrovski. Sabemos
mental médio. Venho apresentarlhe os cumprimentos dos doentes da ala dos débeis mentais médios. Meus camaradas enviaramme para convidálo a nos visitar, a ir ter conosco, camarada luri Petrovski. Sabemos que leu suas maravilhosas narrativas sobre a Grande Revolução Socialista de Outubro para os débeis mentais leves. Por isso meus camaradas enviaramme, para lhe pedir que venha também nos visitar, camarada luri Petrovski. Não nos despreze, camarada luri Petrovski. (Lágrimas nos olhos.) Venha também nos visitar. IURI: Mas, Timofei, já está marcado, há leituras previstas para vocês. TIMOFEI: Camarada luri Petrovski, não nos abandone. Os débeis mentais médios colocaram toda a esperança em você, esperam por você, não nos abandone... IURI: Mas nao se trata de... TIWIOFEI (cada vez mais excitado, tremendo): Veja, luri Petrovski, neste hospital, os débeis mentais médios são os que mais sofrem. Todas as regalias vão para os débeis mentais leves e para os débeis mentais graves. E nós, os débeis mentais médios, não temos nem o direito de mijar em pé. Foi por isso que meus camaradas enviaram me, para implorar que venha nos visitar, que venha ter conosco. Sabemos que os escritores são enviados a todos os lugares, para os trabalhadores, para os camponeses, para os soldados, para os lenhadores, para todos, todos, menos para os débeis mentais médios. (Prostrado.) Por quê, por quê, luri Petrovski? IURI: Timofei, prometo que irei à ala de vocês. TIMOFEI: Ninguém jamais, jamais, jamais foi até nós, foi ter conosco.
coleção dramaturgia i 42 í matéi visniec
IURI: Timofei, em nome da União dos Escritores, prometo que vou até vocês, vou ter com vocês. E agora, volte para a sua ala e deitese.
IURI: Timofei, em nome da União dos Escritores, prometo que vou até vocês, vou ter com vocês. E agora, volte para a sua ala e deitese. TIMOFEI: Mas quando? Quando? Esperamos por você já faz quatro anos. Quando? IURI: Mas, Timofei, estou aqui há apenas uma semana... TIMOFEI: Esperamos por você faz quatro anos! Oh, não tenha medo, camarada Iuri Petrovski. Não sou perigoso. Nós, os médios, não somos perigosos de maneira alguma. E somos nós quem garante a disciplina à noite, na “seção débeis mentais”... Bom, uma coisa ainda, Iuri Petrovski... Nós... Como dizer, nós os médios... Gostaríamos de lhe oferecer um pequeno presente... Temos um presentinho pra você... Seja bom, Iuri Petrovski, e aceiteo... IURI: Eu aceito. TIMOFEI: Está aqui... (Dá um pacotinho para Iuri.) E pra você. E boa noite, Iuri Petrovski. E se precisar de alguma coisa, saiba que entre nós ninguém jamais dorme à noite. Bom trabalho, Iuri Petrovski. IURI: Boa noite.
(Timofei sai. Iuri Petrovski abre o pacote, tira um li vro, olha a capa.)
a história do com unismo contada aos doentes mentais I 4 3 1 matéi visniec
luri Petrovski escreve, em seu quarto, tarde da noite. Entra Katia,
KATIA: luri Petrovski... IURI: Sim... KATIA: Está trabalhando? IURI: Não estou precisando de nada, Katia Ezova. KATIA: luri Petrovski... IURI: Estou trabalhando, Katia Ezova. Está vendo muito bem que estou trabalhando. KATIA (quase chorando)'. luri Petrovski, leia só uma página pra mim... Só uma... IURI: Mas não é possível, Katia Ezova! Deixeme trabalhar. KATIA: Vou deixálo em paz, luri Petrovski. Mas antes me leia uma página. IURI: Tome, leia você mesma.
a histó ria do com unism o contada aos doentes mentais I 45 I matéi visniec
KATIA: Iuri Petrovski, preciso ouvir sua voz. Somente
KATIA: Iuri Petrovski, preciso ouvir sua voz. Somente você sabe ler bem. Somente sua voz é que... que pode ler isso, que... Sua voz é como... Iuri Petrovski, não sei falar bem, mas você é... Sua mãe deve estar orgulhosa de você, Iuri Petrovski... ( Choraminga .) Você tem talento, Iuri Petrovski, é o único homem que conheci que tem talento. Você é um poeta, Iuri Petrovski. IURI: Não, eu não sou poeta. KATIA: E sim, é como Illia Ehrenburg. IURI: Katia... KATIA: Que é?... IURI: Sente se. Há quanto tempo trabalha neste hospital? KATIA: Há dez anos, Iuri Petrovski. IURI: Há dez anos... Bem, digame, Katia, quer que eu leia o quê? KATIA (choramingando)'. Quero o capítulo sobre Stálin, depois da morte de Lênin... IURI: Está bem. Vamos lá... Mas depois você vai e me deixa trabalhar, combinado? KATIA (assoando o nariz)'. Combinado. IURI: Enquanto isso, o país em que ninguém mais iria jogar ninguém na merda ia sendo construído conforme os planos do Grande Stálin. “Para que ninguém mais possa jogar ninguém na merda, o país precisa
coleção dram aturg ia I 46 I m atéi visniec
de eletricidade”, tinha dito Lênin. E Lênin mostrou
de eletricidade”, tinha dito Lênin. E Lênin mostrou para todos como se deve gerar eletricidade, e depois morreu. E fez com que o sepultassem na Praça Vermelha. E muita gente se pôs a chorar. E Stálin disse: “Camaradas, antes de morrer, nosso Grande Lênin chamoume em sua casa e me disse: ‘Caro camarada Stálin, vou lhe mostrar o caminho que se deve seguir para construir o país em que ninguém mais possa jogar alguém na merda’. E então, camaradas, disse ainda Stálin, o Grande Lênin me deu os planos. E então, disse ainda o Grande Stálin, mostrando os planos que agitava com a mão direita, aqui estão os planos, estão comigo, não percamos mais um só segundo, ao trabalho, camaradas!”. O país precisava de muito cimento, e Stálin mostrou aos trabalhadores o que fazer para fabricar muito cimento. O país precisava de muito carvão, e Stálin mostrou aos trabalhadores o que fazer para fabricar muito carvão. O país precisava de muito aço, e Stálin mostrou aos trabalhadores o que fazer para fabricar muito aço. O país precisava de muitos livros bons sobre a maneira de produzir muito cimento, muito carvão e muito aço, e Stálin mostrou aos escritores como escrever bons livros sobre a maneira de se produzir muito cimento, muito carvão e muito aço. E o escritor Iuri Petrovski também escrevia livros, mas não conseguia terminálos pois Katia Ezova não o deixava em paz... Pois toda noite Katia Ezova entrava no quarto de Iuri Petrovski e... KATIA: Não. IURI: ... e lhe pedia que lesse um capítulo. E assim, Iuri Petrovski, em vez de escrever... KATIA (no auge da emoção)'. Não, Iuri Petrovski não escreveu isso, está inventando... Iuri Petrovski...
a histó ria do com unism o con tada aos doentes mentais I 47 I matéi visniec
lURI: ... em vez de escrever, tinha que 1er para Katia Ezova seus capítulos preferidos... KATIA: Iuri Petrovski, não, mentira, mostreme essa página... Iuri Petrovski... Está debochando... Está debochando...
(Atira-se sobre Iuri, joga-o por terra e monta a cavalo sobre ele.) IURI (ainda lendo): E foi assim que Iuri Petrovski não conseguiu terminar o bom livro que Stálin tinha pedido... KATIA (arranca-lhe a folha)-. Iuri Petrovski mentiroso! Mentiroso... (Abraça-o no auge da excitação.) Me abraça, Iuri Petrovski... Me abraça... (Chora.) Me abraça... (Chora.) Me abraça... Me abraça... (Fazem am or no es curo.) Iuri Petrovski... IURI: Sim. KATIA: Tente lembrar, Iuri Petrovski... IURI: Do quê? KATIA: É muito importante pra mim... IURI: O quê? KATIA: Seus olhos, como eram? IURI: Não olhei para os olhos dele. KATIA: Não, mentira... Não me diga isso, Iuri... Está mentindo... Ele apertou sua mão... Certamente você olhou nos olhos dele. Talvez você tenha até olhado
coleção dram aturg ia I 48 I m atéi visniec
bem dentro daqueles olhos... Precisa lembrar... Como eram os olhos dele? IURI: Digamos que tinha... um olhar fixo. KATIA: Fixo?! IURI: Fixo. KATIA: E sua voz? IURI: Ele não me disse nada, Katia. KATIA: Nada? Nem uma palavra? IURI: Bem, digamos que disse para nós, não para mim, mas para todos... “O partido precisa de vocês, camaradas!” KATIA: Só? IURI: Só... KATIA (gritando)'. Não, não, mentira! Mentira! IURI: Katia! Silêncio! Merda!
(Por um jogo de luz, a parede ao fundo torna-se trans parente. Vê-se o coro dos doentes mentais. Tem-se a impressão de que os doentes observam a cena, que para eles as paredes não existem. O coro canta, no começo com voz baixa e depois num crescendo, uma velha canção de amor . )
a histó ria do com unism o con tada aos doentes men tais I 4 9 I m atéi visniec
No escuro, iuri e Katia conversam em voz baixa. KATIA: Iuri... IURI: Sim? KATIA: Você não tem medo? IURI: Medo de quê? KATIA: Do escuro... IURI: Não. KATIA: Eu, eu temo por você, Iuri. IURI: Você teme por mim? KATIA: É, eu temo por você. IURI: Não se preocupe comigo. KATIA: Eu temo por você como se fosse sua mãe. IURI: Minha mãe nunca temeu por mim. KATIA: Claro que sim. Você é que não consegue lembrar.
a histó ria do com unism o con tada aos doen tes men tais i 51 I m atéi visniec
IURI: De qualquer maneira, ela está morta.
IURI: De qualquer maneira, ela está morta. KATIA: Então, não há ninguém no mundo para temer por você? IURI: Não, acho que não há ninguém na face da Terra que tema por mim. KATIA: Triste isso, Iuri Petrovski. IURI: Não acho que seja tão triste assim. KATIA: Você nunca teve medo de si mesmo, Iuri Petrovski? IURI: De mim mesmo? Como assim? KATIA: Quando escreve, não tem medo de que às vezes as palavras... escapem e... IURI: Katia, o que você está balbuciando? KATIA: Tenho medo de você, Iuri. IURI: Tem medo de mim? Por quê? KATIA: Tenho medo de loucos, Iuri. IURI: Mas eu não sou louco, Katia. KATIA: Amanhã a leitura será para os loucos perigosos. Tenho medo dos loucos perigosos, Iuri. IURI: Então por que trabalha há dez anos com loucos? KATIA: Não é isso, Iuri. Não é isso mesmo... (Silêncio.) Iuri...
coleç ão dr am atur gia I 52 I m atéi vis niec
IURI: Sim?
IURI: Sim? KATIA: O que ele deu pra você, o “médio” que veio aqui? IURI; Deume um livro de Henri Barbusse.
[Silêncio.) KATIA:
Iuri...
IURI: Sim? KATIA: Quem é Henri Barbusse? SÜRS: É um cam arada escritor comunista, irm ão francês.
(Silêncio.) KATIA: Iuri... IURI: Sim? KATIA: Nada. (Silêncio.) Iuri... IURI: Sim? KATIA: Será que eu posso recitar um poema sobre as rãs? IURI: Vamos lá, Katia. KATIA: Escrevi trinta poemas sobre as rãs. IURI: Vamos lá, Katia, escolha um e recite.
a his tória do com unism o con tada aos doen tes men tais I 53 I m atéi visniec
KATIA: Uma rãzinha olhava direto em meus olhos Pois tinha visto correr uma lágrima de meus olhos
KATIA: Uma rãzinha olhava direto em meus olhos Pois tinha visto correr uma lágrima de meus olhos E então ela me disse: “Katia... Pode emprestarme a sua lágrima Pois o universo se reflete nessa lágrima” Mas a lágrima já estava em minha boca, Então eu engoli a lágrima e todo o universo... E a rãzinha se pôs a chorar...
(Silêncio.) Gostou, Iuri? IURI: Você é muito linda, Katia, você sabe... KATIA: Iuri, diga mais uma vez. IURI: Você é muito linda, Katia. KATIA: Não, diga o que Stálin disse pra você. IURI: O quê? KATIA: Diga “o partido precisa de vocês, camaradas Diga mais uma vez.
coleção dram aturg ia I 54 I m atéi visniec
Iuri lê para seis ou sete “ doentes” , todos em camisas de força. Também estão amo rdaçado s. Atrás de Iuri, Katia e dois seguranças muito fortes observam c ada movimento.
IURI: Quando o país precisava de alguma coisa, as pessoas vinham e perguntavam a Stálin o que fazer para fabricar uma coisa ou outra. E eis que, um dia, o trabalhador Alexei da divisão do aço, o trabalhador Vladimir da divisão do carvão e o trabalhador Vassili da divisão do cimento vieram até Stálin e disseramlhe: “Camarada Stálin, há um problema com a construção do país em que ninguém mais vai jogar ninguém na merda. E que trabalhamos todo o dia, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado e também domingo, que é o dia do trabalho patriótico. E estamos muito felizes por construir o país em que ninguém mais vai jogar ninguém na merda. Acontece que à noite, quando terminamos nosso dia de trabalho e nossas horas suplementares, e vamos comprar pão, o camponês Mikhail, o camponês Ivan e o camponês Dimitri não querem nos vender o pão”. Então, o grande camarada Stálin estudou os planos que tinha recebido do grande camarada Lênin e disse: “O país precisa de muito
a história do comunism o contada aos doentes mentais 1 55 I matéi visniec
mais trigo, vamos construir kolkhozes”.1E foi ter com o camponês Mikhail, com o camponês Ivan e com o camponês Dimitri e disselhes: “Rejubilemse, meus caro s Mikhail, Ivan e Dimitri, vamos construir k olkho-
mais trigo, vamos construir kolkhozes”.1E foi ter com o camponês Mikhail, com o camponês Ivan e com o camponês Dimitri e disselhes: “Rejubilemse, meus caro s Mikhail, Ivan e Dimitri, vamos construir k olkhozes e todo mundo terá pão no país onde ninguém mais vai jogar ninguém na m erda” . O camponês Mikhail disse: “Está certo, caro camarada Stálin, compreendo que é necessário que eu dê para o kolkhoz meu pedaço de terra e também meu cavalo, minha vaca, meu porco, minhas ovelhas, e que eu deva em seguida trabalhar no kolkhoz, e estou feliz, pois faço isso para a construção do país em que ninguém poderá jamais jogar alguém na merda”. E o camponês Ivan disse: “Quanto a mim, caro camarada Stálin, não compreendo por que deva dar ao kolkhoz meu pedaço de terra, e também meu cavalo, minha vaca, meu porco, minhas ovelhas, e por que deveria em seguida trabalhar no kolkhoz, mas estou feliz em fazêlo porque tenho confiança em você, caro camarada Stálin, pois somente você pode nos mostrar como construir o país onde ninguém mais vai jogar alguém na merda”. E o camponês Dimitri disse: “Q uanto a mim, caro cam arada Stálin, não co m preendo por que deva dar ao kolkhoz o pedaço de terra que herdei de meu pai, meu cavalo, minha vaca, meu porco e minhas ovelhas, que são meus animais, criados por mim, e não compreendo também por que deveria trabalhar no kolkhoz e não em minha própria terra. E porque não compreendo, caro camarada Stálin, não irei para o kolkhoz”.
' Kolkhoz é um tipo de propriedade rural coletiva, típica da antiga União Soviética, no qual os camponeses formavam uma cooperativa de produção agrícola. (N. T.)
coleção dram aturg ia I 56 I matéí visniec
(Os “doentes”, que foram dando sinais de excitação cada vez mais fortes, reagem energicamente, tem-se a impressão d e que querem exprimir-se. Alguns se jogam
(Os “doentes”, que foram dando sinais de excitação cada vez mais fortes, reagem energicamente, tem-se a impressão d e que querem exprimir-se. Alguns se jogam no chão.) KATIA: Está bem, Iuri Petrovski, paramos por aqui. É o suficiente por hoje. IURI: Se houver alguma pergunta... Posso responder às perguntas.
(Katia retira a mordaça dos doentes.) KATIA: Alguma pergunta? Nosso camarada Iuri Petrovski responderá às perguntas...
(Os “doentes” permanecem calados, mas fixam Iuri Petrovski com estranha avidez.)
a história do com unism o con tada aos doentes mentais I 57 I matéi visniec
iuri, em seu quarto, tarde da noite, escreve. Leves batidas na porta. Entra Stepan Rozanov.
STEPAN ROZANOV: Iuri Petrovski... SUBI:
Sim?
STEPAN ROZANOV: Está trabalhando? IURI: Sim. STEPAN ROZANOV (entra e fecha a p orta atrás de si): Boa noite, Iuri Petrovski. Desculpe atrapalhar. Sei que está trabalhando. Sou Stepan Rozanov, o diretor associado. IURI: Boa noite. STEPAN ROZANOV: Queria dizer que é magnífico o que está fazendo, Iuri Petrovski. IURI: Faço o que posso. STEPAN ROZANOV: Posso sentar um minuto?
a his tória do com unis mo contada aos doentes men tais I 59 i matéi visniec
IURI: Por favor, Stepan Rozanov.
(Puxa uma garrafa d e vodca.) STEPAIM ROZANOV: Trouxelhe isto . M unições . H e
IURI: Por favor, Stepan Rozanov.
(Puxa uma garrafa d e vodca.) STEPAIM ROZANOV: Trouxelhe isto... M unições... H e, he... Tem copos? IURI: Tenho. (Servem-se.) STEPAN ROZANOV: Iuri Petrovski, gostaria de fazer um brinde. Permite? IURI: Por favor, Stepan Rozanov. STEPAN ROZANOV: Gostaria que fizéssemos um brinde à literatura socialista posta a serviço do povo e da revolução. IURI: À literatura socialista! STEPAN ROZANOV: Tintim! IURI: Tintim! (Esvaziam os copos.) STEPAN ROZANOV: Obrigado, obrigado, camarada Iuri Petrovski, por ter me recebido e aceitado meu brinde à literatura socialista posta a serviço do povo e da revolução. IURI: E uma grande honra para mim, camarada Stepan Rozanov, fazer um brinde à literatura socialista. STEPAN ROZANOV: Camarada Iuri Petrovski. Você é um grande escritor. Gostaria também de fazer um brinde à União dos Escritores que tem entre seus membros um grande escritor como você.
coleç ão dr am atu rg ia I 60 I m atéi vis niec
IURI: Camarada Stepan Rozanov, não sou um grande escritor, sou um escritor a serviço do meu povo. Proponho portanto um brinde à União dos Escritores, na qual todos os escritores estão a serviço do povo.
IURI: Camarada Stepan Rozanov, não sou um grande escritor, sou um escritor a serviço do meu povo. Proponho portanto um brinde à União dos Escritores, na qual todos os escritores estão a serviço do povo. STEPAN ROZANOV: Tintim! IURI: Tintim! (Esvaziam os copos.) STEPAN ROZANOV: Camarada Iuri Petrovski, permita me fazer uma pergunta. Esteve na guerra? IURI: Sim. STEPAN ROZANOV: Onde? IURI: Em Leningrado. STEPAN ROZANOV: Leningrado? IURI: Leningrado. STEPAN ROZANOV: Durante todo o cerco? IURI: Sim. STEPAN ROZANOV: Então, façamos ainda um brinde à cidade de Leningrado! IURI: A Leningrado! STEPAN ROZANOV: Tintim! (Esvaziam os copos.) Camarada Iuri Petrovski, gostaria de fazer uma pergunta. IURI: Estou ouvindo, camarada Stepan Rozanov.
a his tóri a do com unis mo contad a aos doen tes m entais I 61 I matéi visniec
STEPAN ROZANOV: M as, antes, gostaria de fazer um brinde a nosso grande camarada Stálin, o homem de aço que, como você disse, tirou todos nós da merda.
STEPAN ROZANOV: M as, antes, gostaria de fazer um brinde a nosso grande camarada Stálin, o homem de aço que, como você disse, tirou todos nós da merda. IURI: Ao grande camarada Stálin! STEPAN
ROZANOV: Ao grande camarada Stálin! (Esvaziam os copos.) Pronto... E agora, eis o que eu queria lhe dizer, camarada Iuri Petrovski. Jamais li narrativas mais reacionárias, mais antirrevolucionárias e mais subversivas do que as suas. (Breve pausa.) Você tem um grande talento, Iuri Petrovski. Compreendo que não é fácil escrever boas narrativas reacionárias, antirrevolucionárias e subversivas. Tudo que é bom deve ser difícil de escrever. IURI: Camarada Stepan Rozanov... STEPAN ROZANOV: Admiro você, Iuri Petrovski. Admiro. Imagino que é muito mais fácil escrever narrativas ruins do que narrativas totalmente reacionárias, antirrevolucionárias e subversivas. Não é? IURI: Camarada Stepan Rozanov... STEPAN ROZANOV: Camarada Iuri Petrovski, saiba que fui eu que informei nossos ÓRGÃOS sobre o que se passa neste hospital. Portanto, acredite, esperava que alguma coisa acontecesse. Em seguida, você chegou. E então, compreendi tudo. Portanto, permita me dizer, Iuri Petrovski, que abraço totalmente sua missão e que vou ajudálo com todas as minhas forças. Ficaria verdadeiramente muito honrado, Iuri Petrovski, se me desse o privilégio de ver, em primeira mão, a sua narrativa.
coleção dram aturg ia I 62 I matéi visn iec
IURI: Camarada Stepan Rozanov... STEPAN ROZANOV: Não diga nada, camarada Iuri
IURI: Camarada Stepan Rozanov... STEPAN ROZANOV: Não diga nada, camarada Iuri Petrovski. Não diga nada. Sei como é isso. Bebamos ainda um copo para que a luta de classes em nosso hospital alcance a vitória do proletariado. IURI: À vitória do proletariado! STEPAN ROZANOV: Tintim! (Esvaziam os copos.) Faz quatro anos que enviei meu relatório aos ÓRGÃOS. Há quatro anos que espero uma reação e eis que, finalmente, você chegou! Estou feliz que esteja aqui, Iuri Petrovski. Quer que eu leia o que escrevi em meu relatório? IURI: Com prazer, camarada. STEPAN ROZANOV: Caros camaradas, é meu dever observar que o partido não prestou atenção suficiente à luta de classes no Hospital Central de Doentes Mentais de Moscou. Nosso camarada Stálin disse: “A luta de classes acontece em todos os patamares, a luta de classes entra em sua fase decisiva, tornase cada vez mais aguda. Saibam, camaradas, que em nosso hospital ocultamse não poucos elementos subversivos, não poucos contrarrevolucionários e não poucos possíveis sabotadores. Uma parte dos citados pertence às classes hostis. Uma parte dos idiotas são elementos míopes. Uma parte dos imbecis são inimigos do povo. Uma parte dos débeis mentais são elementos suspeitos. A maioria dos esquizofrênicos, dos melancólicos e dos maníacos provêm do meio burguês e fazem, dentro do quadro do hospital, propaganda enganosa. Eis porque lhes peço, caros camaradas, que tomem medidas urgentes, pois sob a máscara da alienação e da
a histó ria do com unis mo contada aos doentes m entais I 63 I m atéi visniec
deficiência mental ocultamse temíveis reacionários! E da maior importância criar um tribunal revolucionário em nosso estabelecimento. E da maior importância separar os doentes mentais sinceros e de raiz proletária dos doentes mentais suspeitos e odiosos. Os doentes mentais que estão ao lado da classe trabalhadora esperam o auxílio do partido. Não os deixemos sozinhos em sua luta contra os doentes mentais que estão ao lado da burguesia! Ajudemnos, camaradas.
(Pausa. Stepan Rozanov serve a bebida. Os dois be bem.) Então? O que me diz, Iuri Petrovski? IIM: O que é que eu posso dizer, Stepan Rozanov? STEPAN ROZANOV: Tenho certeza de que seu método vai nos permitir identificar os elementos hostis a fim de isolálos. Um BRAVÍSSIMO para sua ação, Iuri Petrovski. IURI: Muito obrigado, Stepan Rozanov. STEPAN ROZANOV: No princípio, eu me perguntei: mas como, como é possível que narrativas reacionárias, subversivas e contrarrevolucionárias possam ser eficazes para a identificação dos elementos suspeitos? Em seguida me dei conta de que, no caso dos doentes mentais, é o único método! O único método verdadeiramente eficaz! É fantástico, camarada Iuri Petrovski! Pegaremos todos! Não conseguirão mais nos escapar! Vão todos trairse ao ouvir suas narrativas. E finalmente é tão simples, tão simples... E tão claro... E lindo o que você imaginou, Iuri Petrovski... E lindo como a revolução... Pois é somente com um discurso reacionário, subversivo e contrarrevolucionário que serão desmascarados os elementos reacionários, subversivos e contrarrevolucionários... Simplíssimo... Bravo,
coleção dramaturgia i 64 ! matei visniec
Iuri Petrovski, bravo, camarada! Deixeme abraçálo! (Abraça Iuri Petrovski e chora.) Vamos pegálos, va-
Iuri Petrovski, bravo, camarada! Deixeme abraçálo! (Abraça Iuri Petrovski e chora.) Vamos pegálos, vamos pegálos todos... A luta de classes não se detém à porta do nosso estabelecimento... A luta deve continuar, a luta deve... Sobretudo agora... Pois ouvi dizer que o camarada Stálin está doente...
(Ele chora nos braços de Iuri. Escuridão.)
a histó ria do comunism o contada aos doentes mentais I 65 I matéi visniec
oito d oentes jogam a “ roleta dos pa ssan tes” . Todos têm os olhos fixos na janela. Depois de um minuto de espera, um homem uniformizado, do íado de fora, passa diante da janela, vindo do lado direito. Exclamações, emoções, etc. entre os jogadores. 0 crupiê empurra o dinheiro para o jogador que ganhou a aposta e desce a cortina que cobre a janela. Aposento do
subsolo.
Sete ou
CRUPIÊ: Ladies and gentlemen, façam seus jogos... PIOTR ( entregando seu dinheiro ao crupiê)'. Civil algemado, lado direito... IVAN: Vai perder. Não acontece nunca um civil algemado do lado direito. PIOTR: Não fode a minha paciência. IVAN (dando dinheiro ao crupiê)'. Dois copeques, patrulha, lado esquerdo. SACHA E EMELIAN: Pffff... CRUPIÊ: Vamos, façam seus jogos... SACHA: Cadáver numa carroça! Cadáver numa carroça! Direita ou esquerda! a his tór ia do com uni sm o con tada aos doentes men tais I 67 I matéi visn iec
CRUPIÊ: Quanto, Sacha? Merda! Quanto? SACHA: Um copeque! CRUPIÊ: Vamos, Emelian, aposte... EMELIAN: Automóvel negro, lado... Direito... Três co peques! PIOTR: Ah, não, três é muito, não pode. CRUPIÊ: Cale a boca, Piotr. (A Emelian.) É muito, não pode. Dois copeques. Vamos, o próximo, façam seus jogos, ladies and gentlemen. DOENTE 5: Agente à paisana, lado esquerdo! SACHA: Mas fui eu que disse agente à paisana! CRUPIÊ: Cale a boca, você disse cadáver. Façam seus jogos, ladies and gentlemen. DOENTE 6: O dedoduro Igor! Lado direito ou lado esquerdo. CRUPIÊ: Quanto? DOENTE 6: Um copeque. EMELIAN: O Igor vem sempre da esquerda. Diga dedo duro, esquerda, e dobre a aposta. CRUPIÊ: Vamos, vamos, façam seus jogos. EMELIAN: Vamos, Salomon... Fale... Não estamos na Suíça.
co leção dr am aturg ia I 68 I m atéi visn iec
DOENTE 7: Cachorro. IVAN: Merda, pare com esse seu cachorro, nunca é cachorro. Ele me deixa enlouquecido com seu cach orro... DOENTE 7: Cach orro, lado esquerdo. Um copeque. Faço o que bem entendo. IVAN: Ah, isso me arrebenta os nervos... Há duas semanas é só isso que escuto... Cachorro, cachorro, cachorro! EMELIAN: Ele faz o que quiser. E como na Suíça. Na Suíça, todo mundo faz o que bem quer. CRUPIÊ: Ninguém aposta mais. 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN: Stálin, lado esquerdo! CRUPIÊ: Cale a boca, idiota. Você está fora. Ninguém aposta mais. 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN: Mas eu tenho dinheiro! Stálin, lado esquerdo. Tenho direito! Tenho dinheiro. Jogo como bem entender. CRUPIÊ: Vá passear, merda. Vá para a ala dos graves. Eu disse que você não joga mais aqui! Ninguém aposta mais.
(Puxa o barbante, a cortina sobe. Todos esperam em silêncio. Tensão.) SACHA ( tomado por um riso louco)'. Que idiota! OS OUTROS: Psssiu.
a his tóri a do com unis mo con tada aos doentes mentais I 69 I m atéi visni ec
(Uma criança descalça, a cabeça descoberta, passa cor rendo. O crupiê recolhe para si todo o dinheiro.) CRUPIÊ: Passante sem apostas. Ganha a banca. DOENTE 6: Mas não, é um dedoduro! Fui eu que... CRUPIÊ: Cale a boca, Slivinski. A banca ganhou. Vamos, façam seus jogos, ladies and gentlemen.
coleção dr am atur gia I 70 I m atéi visn iec
Iuri Petrovski trabalha em seu quarto. Uma jovem mulher bate à janela. Iuri Petrovski abre a janela.
A MULHER JOVEM: Iuri Petrovski... Iuri Petrovski... Trago uma carta para Josef Vissarionovitch... (Ela es tende a ele várias folhas de carvalho.) Iuri Petrovski, não me abandone, não me abandone, é preciso que Josef Vissarionovitch leia minha carta, eu suplico, tome, ele não sabe que estou aqui, Iuri Petrovski, sou Nadezhda Alliluyeva, e ainda o amo, digalhe que ainda o amo, digalhe que Nadezhda Alliluyeva ainda o ama, diga a ele que sua mulher ainda o ama, que estou aqui e que me preocupo com ele, prometame, Iuri Petrovski, que vai entregar essa carta pessoalmente...
(Lança mais e mais folhas mortas no quarto de Iuri.) Prometame, Iuri Petrovski, o amor é mais forte que tudo, digalhe que ainda o amo mas que não quero que venha me ver, não, não diga a ele onde estou, diga lhe somente que ainda estou viva, que ainda o amo e que me preocupo com ele, mas não lhe diga onde estou, diga somente que me encontrou, sou Nadezhda Alliluyeva, que ainda o amo, que o amo, de verdade, sou Nadezhda Alliluyeva, que ainda o amo, que o amo, de verdade, digalhe tudo isso, ele não precisa ter medo, nada mudou, mas é preciso que lhe entregue minha carta pessoalmente, prometam e, Iuri Petrovski,
a his tór ia do com unis mo con tada aos doentes m entais I 71 I m atéi visn iec
eu sei que ele chama por mim, ele precisa parar de beber... E não diga nada a ninguém... Não diga nada a ninguém, prometame que não dirá nada a ninguém... Digame alguma coisa, Iuri Petrovski... Digame alguma coisa, uma palavra, uma palavra, uma palavra, uma palavra... Tenho uma ca rta ... Iuri Petrovski... Tenho uma carta para Josef Vissarionovitch... (Dá a ele várias folhas de carvalho.) Iuri Petrovski, não me abandone...
(Ela continua na mesma lógica, sempre retom ando seu discurso, enquanto uma velha mulher aproxim a-se da janela e dirige-se a Iuri Petrovski.) A MULHER VELHA (que fala ao mesmo tempo que a mulher jovem)-. Iuri Petrovski, digalhe que sua mãe diz para não se cansar, ele está cansado, ele não mata mais, ele não está bem, eu sei, ele não mata mais, isso é porque ele não está bem, está doente, há uma semana que não mata, está doente, está com a barba por fazer, digalhe que sua mãe está inquieta, ele não mata há quatro dias, come mal, bebe demais, está com a barba por fazer, está doente, digalhe que sua mãe está inquieta, ele não matou nos últimos dias, dorme mal, está cansado, vela a noite inteira, porque, está com a barba por fazer, tosse, está doente, não mata há uma semana, digalhe que sua mãe está inquieta, ele está doente, está resfriado, está cansado, está sozinho, ele não mata há dois dias, está sozinho, cansado, está sem dormir, porque, digalhe...
(A mulher velha continua seu discurso na mesma “ló g ica”. Uma terceira mulher aproxim a-se da janela e dirige-se a Iuri Petrovski, junto com a jovem mulher e a velha mulher.) coleção dr am aturg ia I 72 I matéi vis niec
A TERCEIRA MULHER: Sacha não fez nada, não, ele não fez nada, não, ele me disse, não fez nada, não fez absolutamente nada, não, não fez nada, Sacha não fez nada, não, não, ele não fez nada, ele me disse que não fez nada, ele me disse, não, ele não fez nada, não, Sacha nunca fez nada, estava lá mas não fez nada, estava lá, só isso, mas não fez nada, apenas estava lá, é , estava lá, é isso, é, mas não fez nada, não, não fez absolutamente nada, não, nada, nada, nada, Sacha não fez nada, estava lá mas não fez nada, não viu nada, não fez nada, estava lá, só isso, mas não disse nada, não fez nada, nada...
(Uma quarta mulher aproxima-se da janela e fala com Iuri Petrovski junto com as outras três mulheres.) A QUARTA MULHER: Não, Maria Spiridonova não gosta de pirojques,2 não, os pirojques, não, nada de pi rojques, Maria Spiridonova não gosta de pirojques, não, os pirojques, não, nada de pirojques, não, não, não, nada de pirojques, não, não, não, pirojques demais, não, os pirojques, demais, não, demais, nada de pirojques, não para Maria Spiridonova, não, Maria Spiridonova não gosta de pirojques, nada de pirojques, nada de pirojques, não, não, nada de pirojques, não, Maria Spiridonova, não, chega de pirojques...
(Uma quinta mulher aproxima-se da janela e fala com Iuri Petrovski, junto com as outras quatro mulheres.) A QUINTA MULHER: Economizamos um número considerável de vagões, num total de 37.5 48 metros lineares de pranchas, 11.834 baldes e 3.400 aquecedores! Economizamos
2 Pãezinhos recheados de carne moída, especialidade russa. (N. T.)
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um número considerável de vagões. Economizamos um número considerável de vagões, 37.548 metros lineares de pranchas, 11.834 baldes e 3.400 aquecedores! Economizamos 37.548 metros lineares de pranchas, 11.834 baldes e 3.400 aquecedores! E um número considerável de vagões... Economizamos um número considerável de vagões, num total de 37.548 metros lineares de pranchas, 11.834 baldes e 3.400 aquecedores...
co leção d ram atur gi a I 74 I matéi visn iec
Noite, no quarto de Iuri Petrovski. Iuri Petrovski dorme em sua cama. Timofei entra, aprox im aa-se se da cama cam a e espera. Longo silêncio. Iuri Petrovski sobressalta-se, abre os olhos, vê Timo fei.
IURI: Timofei... Timofei, deixeme dormir... TIMOFEI: Iuri Petrovski, vamos à festa... IURI: D eixe me dormir, dorm ir, Timofei Tim ofei.. Volte para pa ra sua ala. Deixeme dormir. TIMOFEI: Vamos à festa nos “isolados”, Iuri Petrovski. Desculpeme, Iuri Petrovski, mas foi Ivan Mikadoi Gamarovski quem o convidou. IURI: Timofei, deixeme dormir. Pegue a garrafa e deixeme dormir. TIMOFEI: Iuri Petrovski, não foi por isso que eu vim. Os camaradas que estão em regime isolado clamam por você. Também a Corte está reunida na seção de segurança máxima. Você tem que vir... (Riso louco.) A autocrítica já começou... IURI (levanta-se como um sonâmbulo)'. Timofei, como
a his tória do com unis mo con tada aos doentes m entais I 75 I m atéi visn iec
você faz para entrar no meu quarto? Como? Estava tran cad o... Com o você faz faz para entrar no meu meu quarto? TIMOFEI: Ivan Mikadoi Gamarovski está festejando os quinze anos que passou aqui... Façanos a honra de prestigiar essa festa... Pois você é um dos nossos, Iuri Petrovski... Sabemos que é dos nossos...
(Iuri Petrovski, de pijama, deixa-se conduzir por Timofei. O percurso deve ser feito de modo muito com plicado, dand d andoo a entender entender que os doentes têm sua suass pa p a s s a g ens en s se secc r e ta tass , suas su as p o r t a s s e c r e t a s .) TIMOFEI: Por aqui, Iuri Petrovski... Abaixe a cabeça... Pronto... Perdoenos pelo incômodo, Iuri Petrovski, mas é uma grande honra para Ivan Mikadoi Gamarovski ter você conosco, na zona livre... Dême a mão, pule! Pronto. Chegamos... Entre, Iuri Petrovski...
coleção dr am aturg ia I 76 I matéi visn iec
Em uma sala pouco iluminada, uma dezena de homens e m ulh ere eress agu arda a ch chegada egada de Iuri Iuri Petrovs Petrovski. ki. At Atmo mo sfera de reunião de célula célu la de partido. partido. Os cam aradas estão estão sentados em c adeiras. Iva Ivann Mikado i Gamarovs Gamarovski ki preside a reunião atrás de um u m a mesa, sobre sobr e um pequeno p equeno estrado. Alguns participantes vestem camisa cami sa de força, mas com as m angas angas soltas, descendo ao chão. À entrada de Timofei e de Iuri Petrovski Pe trovski (qu quee está de pijama) pijam a),, todo mundo mun do aplaude.
TIMOFEI: Camarada Ivan Mikadoi Gamarovski, eis aqui Iuri Petrovski, que nos deu a honra de vir à sua festa. IVAN MIKA IKADOI GAMAROVSKI: Se Seja b e m v in d o , c a m a r a d a Iuri Petrovski. É uma grande honra para nós recebê lo no território livre da União Soviética! (Reações, aplausos, exclamações na sala.) Está aqui, caro Iuri Petrovski, no único lugar deste hospital onde jamais nenhum médico, nenhum segurança, nenhum responsável pôs os pés. Estamos aqui, caro Iuri Petrovski, na autogestão total. 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf!
(Todos riem.) IVANMIKADOI GAMAROVSKI: Você, meu caro Iuri Petrovski,
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é o primeiro civil, a primeira pessoa que entra na zona livre deste estabelecimento. Declaramos portanto que você é, caro camarada Iuri Petrovski, um homem livre!
[Aplausos, alguns batem no chão com os pés.) 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf!
(Todos riem.) IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Caro cam arada Iuri Petrovski, para começar, rogamos que aceite, enquanto homem livre no único lugar livre da União Soviética, um presentinho. (Uma mulher traz uma ca misa de força. Caminha com ar solene.) Aí está, Iuri Petrovski. É para você. N ão tenha medo. Experimente. Sabemos que é um dos nossos. (Iuri, auxiliado pela mulher, veste a camisa.) Quer que amarremos as mangas? (Iuri faz sinal negativo.) Não? Está bem. Agora, Iuri Petrovski, sentese! (Ele se dirige à assistência.) Levanto este copo a Iuri Petrovski, por suas ótimas narrativas, verdadeiramente revolucionárias, que aquecem nosso coração! Hip, hip, hip, hurra! TODOS: Hip, hip, hip, hurra! 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf!
(Todos riem.) PIOTR: Camarada Ivan Mikadoi Gamarovski, quero fazer uso da palavra! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Daqui a pouco, cam arada! Daqui a pouco! Temos ainda que explicar ao nosso caro Iuri Petrovski duas ou três coisinhas!
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IVAN: Que testemunhe no processo! A Corte de nossa zona livre trabalha dia e noite, camarada Iuri Petrovski! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: É verdade, Iuri Petrovski, julgamos incessantemente os traidores da verdade. IVAN: Até mesmo o Máximo Gorki foi condenado à morte por nós! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: É verdade, Iuri Petrovski, condenamos até mesmo o Máximo Gorki à morte! 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf!
(Todos riem.) IVAN: Máximo Gorki está de fato morto, camarada Iuri Petrovski? Pois, para nós que o condenamos à morte, é importantíssimo ter a confirmação de que ele está morto. IURI: Ele está morto!
(A assistência fica aliviada. Todos aplaudem.) 0 DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Quero contar como conheci Stálin! Quero contar ao camarada Iuri Petrovski como conheci Stálin. IVAN: Uma pergunta, Iuri Petrovski. Queremos também condenar à morte Semion Babaievski, Mikhail Bubiennov e Vassili Ajaiev. Pois condenamos à morte todos os que receberam o Prêmio Stálin. Eles morreram? IURI: Não.
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IVAN: Então ainda não podemos condenálos à morte. 0 PROFESSOR: Mas você acredita que um dia eles estarão mortos, camarada Iuri Petrovski? IURI: Sim.
(A assistência aplaude, em ocion ad a.) 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf!
(Ninguém ri.) IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Caro cam arada Iuri Petrovski, deixe que eu me apresente... Sou Ivan Mikadoi Gamarovski. Estou há quinze anos neste hospital. A zona livre foi criada há dez anos. Temos aqui um grupo de estudos revolucionários, um cassino, o tribunal que trabalha 24 horas por dia, o clube dos que conheceram Stálin... 0 DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Quero contar como conheci Stálin... 0 SEGUNDO DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Eu também conheci Stálin! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Vamos, Grigori, conte ao nosso caro camarada Iuri Petrovski como você conheceu Stálin... 0 DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Eu conheci Stálin! Eu conheci Stálin! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Está bem, você conheceu Stálin! Mas conte como conheceu Stálin.
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0 DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN ( concentrado, desfigu rado)'. Conheci o grande Stálin... IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Muito bem, Grigori. Mas conte ao nosso cam arada escritor com o conheceu Stálin. 0 DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN (face congestionada, treme)'. Eu o conheci! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Certo, Grigori. Mas quando? 0 DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Eu estava no destacamento do comandante Sergo Ordjonikidze! 0 PROFESSOR: Ah, é? Então você também conheceu Sergo Ordjonikidze?! 0 DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Sim, conheci Sergo Ordjonikidze. IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: M as diganos logo como conheceu Stálin. 0 DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Acontece que os kulaks3 não queriam mais nos dar pão. E Stálin disse: “Os kulaks têm tendências exploratórias”. Então, recebemos ordem de fuzilar vinte kulaks em cada aldeia. E um dia, estávamos perto de uma aldeia chamada Buianska: eu, um sujeito de Vostokstal e um sujeito de uma aldeia cujo nome esqueci. Devíamos fuzilar três kulaks que estavam trancafiados no porão na sede
1Termo depreciativo usado no linguajar político soviético para se referir a camponeses relativamente ricos do Império Russo que pos suíam grandes fazendas e faziam uso de trabalho assalariado em suas atividades. (N. T.)
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da GPU.4 Resolvemos fuzilálos na floresta. Os kulaks benziamse o tempo todo e olhavam para nós, e nisso se via bem que eles tinham tendências exploratórias. E então o sujeito de Vostokstal disse para mim e para o sujeito da aldeia que esqueci o nome: “Camaradas, vamos fuzilar três kulaks que têm tendências exploratórias, mas vamos fuzilálos em vão, porque esconderam o trigo deles e jamais saberemos onde”. Então, em vez de fuzilálos, nós os crucificamos, do jeito que se vê nos ícones, na igreja... Como fizeram com nosso Salvador Jesus e com os dois ladrões, nas cruzes... E eles foram torturados para que dissessem onde tinham escondido o trigo. Mas os kulaks não quiseram de jeito nenhum nos dizer onde tinham enterrado o trigo. E talvez nem tivessem trigo nenhum. Três dias depois, o camarada Stálin passou por lá e os viu, crucificados na floresta. E perguntou: “Quem é que fez isso, camaradas?”. E eu, o sujeito de Vostokstal e o sujeito da aldeia cujo nome esqueci, avançamos e dissemos: “nós”. E o grande Stálin ficou furioso. Ele nos disse: “Camaradas, não torturamos os kulaks com métodos reacionários da Igreja. Os kulaks devem ser torturados com métodos revolucionários. Podem arrancarlhes a língua, arrancarlhes as tripas, cortar Ihes as orelhas, podem afogálos pouco a pouco em um tonel, mas crucificálos jamais. Entenderam, camaradas? Não liquidem os kulaks com métodos con trarrevolucionários. Liquidemnos com os métodos do Bureau político”. Foi assim. Foi assim que conheci Stálin. Ele poderia ter nos fuzilado, a mim, ao sujeito
4 GPU é a sigla de Gossudarstvennoie Polititcheskoie Upravlenie (Direção Política do Estado), polícia política soviética que surgiu em 1922 e sucedeu à Tcheka (comissão extraordinária panrussa para a repressão da contrarrevolução e da sabotagem), serviço secreto criado em 1917. (N. T.)
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de Vostokstal e ao sujeito da aldeia cujo nome esqueci, ele poderia ter nos fuzilado porque utilizamos métodos de tortura contrarrevolucionários, mas não o fez. Viva o grande Stálin. TODOS: Viva o grande Stálin! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Camaradas, faço um brinde à força da literatura que, graças a Iuri Petrovski, faz a mentira recuar e a verdade avançar.
(Delírio na sala. Vários doentes vão abraçar Iuri Petrovski.) 0 ESTRANGEIRO: Ribbentrop Molotov! 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf! 0 SEGUNDO DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Eu também, eu conheci Stálin! Fui o fotógrafo de Stálin. Fui eu que apaguei da foto oficial Antipov, Kirov, Chvernik e Akulov! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Calma, cam aradas! Um de cada vez. Camarada Iuri Petrovski, será que aceitaria ser comissário para a literatura em nosso governo provisório?
(,Silêncio gelado.) IURI: Aceito.
(A assistência descontrola-se.) 0 PROFESSOR: Abaixo os traidores da revolução! Abaixo!
a histó ria do com unism o con tada aos doentes ment ais I 83 I matéi visniec
IVAN: Uma questão, Iuri Petrovski, o escritor francês Henri Barbusse já morreu? 0 ESTRANGEIRO: RibbentropMolotov! 0 SEGUNDO DOENTE QUE CONHECEU STÁLIN: Primeiro, apaguei Antipov. Depois, apaguei Kirov. Depois, apaguei... Não, Chvernik eu não apaguei, eu o coloquei... SACHA: Camaradas, proponho que o cam arada Kuhkin leia para nós o capítulo que o camarada Iuri Petrovski escreveu sobre a guerra! ( Uivos, assobios de aprovação, excitação, como se um
espetáculo estivesse para começar.) KUHKIN: Ah, não, camaradas! Jamais teria a coragem de pronunciar, mesmo de cor, as maravilhosas palavras que nosso camarada Iuri Petrovski escreveu sobre Stálin e sobre a guerra!
(Reações de reprovação, assobios, etc.) IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: C amarada Iuri Petrovski, deixeme apresentar a você o ator Kuhkin, que sabe de cor todos os capítulos que você escreveu aqui sobre a história dos bolcheviques... Vamos, camarada Kuhkin, suba à tribuna! 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf!
(Todos aplaudem Kuhkin, que sobe no estrado.) KUHKIN: Vou recitar... todo o último capítulo que Iuri Petrovski escreveu esta noite antes de dormir! (Agitação. Aplausos.) Permite, Iuri Petrovski?
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IURI: Claro. KUHKIN: Um dia, o camarada Molotov acordou Stálin e disse a ele: “Camarada Stálin, perdoeme por acordálo, mas é que o nosso vizinho Hitler nos invadiu. Eh, veja só, acrescentou Molotov, Hitler nos invadiu e acontece que perdemos a Ucrânia”. “O quê? disse Stálin Perdem os a U crân ia?” (Explosão de risos na sala.) “E h, veja só, respondeu M olotov, perdemos tamb ém a Crim eia.” “O quê? disse Stálin Perdemos a Ucrânia e a Crimeia?” “Eh, veja só, é verdade, perdemos a Ucrânia, a Crimeia e o norte do Cáucaso.” (Explosão de risos na sala.) “ O quê? disse Stálin Perdemos a U crân ia, a Crimeia e o norte do Cáucaso?” “Eh, veja só, respondeu Molotov, perdemos a Ucrânia, a Crimeia, o norte do Cáucaso e a parte oeste do baixo Volga.” ( Explosão de risos na sala.) “O quê? disse Stálin Perdemos a Ucrânia, a Crimeia, o norte do Cáucaso e a parte oeste do baixo Volga?” “Eh, veja só, perdemos a Ucrânia, a Crimeia, o norte do Cáucaso, a parte oeste do baixo Volga, e Hitler está agora às portas de Leningrado e de Moscou...” Então Stálin refletiu um instante e depois disse: “É preciso declarar a Grande Guerra de Liberação da Pátria”. E declarou a Grande Guerra de Liberação da Pátria. E Hitler foi vencido... Pronto...
(Todos aplaudem de pé. Alguns estão em prantos. Kuhkin faz um gesto na direção de Iuri Petrovski. Todos aplaudem Iuri Petrovski.) 0 ESTRANGEIRO: RibbentropMolotov! 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf!
a his tóri a do com uni sm o con tada aos doentes mentais I 85 I matéi visniec
(Toda a assistência põe-se a cantar “O Canto dos Partidários”. Interrompem a canção tão bruscamen te quanto a haviam começado, a um gesto de Ivan M ikadoi Gamarovski.) IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: M eu caro Iuri Petrovski, fala línguas estrangeiras? IURI: Falo. IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Fala, por exemplo, o espanhol ? IURI: Falo. 0 ESTRANGEIRO; RibbentropMolotov. IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Vamos, camarada RibbentropMolotov, venha aqui. (O estrangeiro sobe no estrado.) Veja, Iuri Petrovski, nosso camarada RibbentropMolotov está aqui desde 1 939. E ele não fala outra coisa além de “RibbentropMolotov”. Camarada RibbentropMolotov, diga “RibbentropMolotov”. 0 ESTRANGEIRO: RibbentropMolotov. IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Vê?... Ouviu? Ele não é russo. Não tem sotaque russo. Nosso camarada RibbentropMolotov, em nossa opinião, é um camarada estrangeiro. Camarada RibbentropMolotov, diga outra vez “RibbentropMolotov”. 0 ESTRANGEIRO (feliz)'. RibbentropMolotov. IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Vê?... Ouviu? N ão é russo... Não é soviético... Achamos que deve ser espanhol,
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86 I
matéi visüiec
francês ou inglês. De qualquer maneira, alemão ele não é, nós ouvimos os alemães falarem, ele não pode ser alemão. Pode perguntarlhe em alguma língua estrangeira de onde ele vem? IURI: Are you English? 0 ESTRANGEIRO: RibbentropMolotov. IURI: Sei italiano? 0 ESTRANGEIRO: RibbentropMolotov. IURI: Tu es français? 0 ESTRANGEIRO: RibbentropMolotov. IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Vê? Só diz isso. Há catorze anos, só diz isso... KUHKIN (como se em transe, como um ator cabotino ): E então, um grande amigo e camarada de Stálin, que se chama Molotov, disse a Stálin: “Camarada Josef Vissarionovitch, os camponeses que não querem fazer os kolkhozes são daqueles que não querem ir até as últimas consequências?” E Stálin respondeu: “Não, camarada Molotov, os camponeses que não querem fazer os kolkhozes são daqueles que acreditam que não querem ir até as últimas consequências mas em seus corações, na verdade, eles querem ir até as últimas consequências. Será necessário portanto fazer os kolkhozes nos seus próprios corações, é em seus corações abertos que se fará a coletivização socialista da agricultura, é nos seus corações que o país dos sovietes de agora em diante vai cultivar o trigo!”
a história do comunismo contada aos doentes mentais I 87 I matéi visniec
(As pessoas aplaudem, riem.) IVAN MIKADOI GAMAROVSKI (riso convulso)'. Camarada Iuri Petrovski, você trouxe muita felicidade para nós. Camarada Iuri Petrovski, a revolução não morreu. Graças a homens como você, graças a esta zona livre da União Soviética, ela ainda vive, e um dia... 0 PROFESSOR: Click, clac, pluf! O maior drama do homem é que o avião faz pluf! IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: C amarada Iuri Petrovski, apresentolhe o professor Gagain, que dirige o nosso grupo de estudos revolucionários... 0 PROFESSOR: Eu agradeço, camada Gamarovski, por me dar a palavra. O negócio é o seguinte... Sem avião, a coisa não vai. O homem é feito para pensar o avião. Mas quando o avião está feito; quando o homem sai voando no avião, ele faz pluf. Este é o grande drama do homem, pois o avião, se ele é visto no solo, é perfeito. Venham, camaradas, vejam, o avião é bom. Olhem só, com um click todas as luzinhas se acendem. Olhem só, com um clac todos os motores começam a funcionar. Click... tudo brilha. Clac, tudo nos trinques. Click, os relógios giram. Clac, as molas trabalham. É o melhor avião que o cérebro humano já inventou, sem dúvida alguma. Vamos, camaradas, subam. E você embarca, e você decola, e o avião faz pluf. Pronto. E então você diz para si mesmo... Deve haver algum problema... E você investiga e vê que o avião não tinha nada. Então você diz para si mesmo, era o piloto que não prestava. Então você refaz o avião. E chama os seus camaradas e mostralhes o avião. E no solo, o avião não tem problema algum, está perfeito. Click, tudo se ilumina. Clac, tudo gira.
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Click, movimento. Clac, ronrom. Ele é belo, seguro, forte, é o que o cérebro humano inventou de mais belo, de mais seguro, de mais forte, de mais luminoso. E você embarca com os seus camaradas, e decola e voa um pouco e o avião faz pluf. Então, você diz: o avião não tem problema algum, era o piloto que não prestava. E você reco m eça. Click. Clac. Pluf. Então você diz, o avião não tem problema algum, está perfeito, é que tinha muita gente dentro. E você recomeça. E no solo, o avião é perfeito. E belo. E luminoso. Click, clac, pluf. Então, você diz, foi por causa da tempestade; foi a tempestade mais forte dos últimos trinta anos. Click, clac, pluf. Foi por causa dos pássaros. Os pássaros, é estranho como os pássaros tor naramse idiotas, atiramse contra as hélices. Click, clac, pluf. Foi por causa do click. Click, clac, pluf. Foi por causa do clac. Click, clac, pluf. Foi por causa do pluf. Click, clac, pluf. Foi por causa do Click, clac, pluf... E isso. Click, clac, pluf, é isto o homem. Isso não acaba nunca. O avião é bom. Pluf. Embarquem , camaradas. Pluf. O avião é bom. E de toda maneira, ninguém pode dizer que o avião não era bom, pois todos os que estavam no avião estão mortos agora... Click, clac, pluf. Outros camaradas, o mesmo avião. Pluf. De novo. Pluf. A máquina é boa. Pluf. Pronto.
(Aplausos, gritos, risos, etc.) KUHKIN: Camaradas, abram bem a boca. (Eles abrem.) Digam “u ” . OS DOENTES: Uuuuu... uuuuu... KUHKIN: Respirem... OS DOENTES: Uuuu...
a his tór ia do com unis mo contada aos doentes men tais I 89 I m atéi visn iec
KUHKIN: Encham de ar os pulmões... Mais forte... Mais... OS DOENTES: Pfuuuu... KUHKIN: Encham de ar os pulmões... Mais. OS DOENTES: Uuuuu... IURI: Digam... “uto”. TIMOFEI: Camarada Iuri Petrovski, está sendo procurado... Camarada Iuri Petrovski, venha rápido... O camarada diretor Dekanozov está procurando você... Oh, meu Deus, venha rápido... IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Iuri Petrovski, não vá. Querem prendêlo! TIMOFEI: Vamos, rápido, tem que me seguir... IVAN MIKADOI GAMAROVSKI: Iuri Petrovski, podemos escondêlo aqui durante anos... Não vá... Rozanov é o homem de Beria... Iuri Petrovski... Olho vivo... Não deixe a zona livre... (Iuri Petrovski sai, conduzido por Timofei.) Iuri Petrovski... IURI ( virando a cabeça antes de desaparecer ): Sim? IVANMIKADOI GAMAROVSKI: Viva a verdadeira revolução!
(Todos os doentes, em pé, extremamente tensos, aguar dam a última palavra de Iuri.) IURI: Click... clac... pluf!
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Em uma sala pouco iluminada, Katia Ezova e o diretor.
0 DIRETOR: Entre, Katia Ezova. Entre. (Katia, que per
manecia na soleira da porta, avança alguns passos.) Adiante... Sentese. (Katia senta-se.) Você sabe, camarada Katia Ezova, por que pedi para vir aqui? KATIA: Sei, camarada diretor. 0 DIRETOR: Você sabe, camarada Katia Ezova, que estou muito aborrecido com você. KATIA: Sei, camarada... 0 DIRETOR: Você sabe, camarada Katia Ezova, que estou mais do que aborrecido... Que estou louco de raiva. KATIA: Sei. 0 DIRETOR: Você sabe que é uma puta suja, camarada Katia Ezova. Sabe, não sabe? KATIA: Camarada diretor... 0 DIRETOR: Cale a boca!... Você sabe, camarada Katia
a his tóri a do com unis mo con tada aos do entes m entais I 91 I m atéi visn iec
Ezova, que é uma puta suja que envergonha nossa sociedade socialista. KATIA: Camarada... 0 DIRETOR: Você sabe que é uma vergonha para nossa pátria, sabe que é a vergonha da classe trabalhadora e a vergonha do nosso combate pelo comunismo! KATIA: Camarada... 0 DIRETOR: O comunismo não pode ser construído com putas sujas como você, Katia... Não, jamais poderemos construir uma sociedade nova com putas sujas que se deitam com os doentes mentais graves. E verdade ou não é, Katia? KATIA (que se p õe a chorar): Não sei... 0 DIRETOR: A sociedade nova, o homem novo, o futuro radioso da classe trabalhadora, jamais poderemos construílos com putas sujas que trepam com doentes mentais graves, jamais! KATIA: M as... 0 DIRETOR: Katia Ezova, eu tinha lhe proibido de trepar com os débeis mentais graves. É verdade ou não é? KATIA: É... 0 DIRETOR: Eu avisei, eu proibi, eu implorei que você não trepasse com os graves. Será que eu não fui suficientemente claro, camarada Katia? KATIA: Foi...
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0 DIRETOR: Os leves não bastam pra você. Os médios não bastam pra você. Eu... (O diretor se põe a chorar.) KATIA: Grigori... 0 DIRETOR: Cale a boca! Você traiu nossa causa! Traiu a luta operária. Você traiu a herança dos clássicos do marxismoleninismo... Você traiu Stálin! KATIA: N ão... DIRETOR: Traiu, sim, traiu nosso camarada Stálin.
(Ela desaba no chão.) KATIA: Não... Não... 0 DIRETOR: Por que se deitou com Ivan? Ele nunca esteve com Stálin. Por que se deitou com ele? KATIA: Não, ele o conheceu... 0 DIRETOR: Katia... Mesmo assim você não pode se deitar com todos os que conheceram Stálin... KATIA: Mas não... 0 DIRETOR: Katia, você está detida por alta traição. KATIA: Grigori... 0 DIRETOR: De joelhos! KATIA: Sim, Grigori...
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0 DIRETOR: Faça sua autocrítica, camarada Katia Ezova... KATIA: Sim, Grigori... 0 DIRETOR: Não me chame de Grigori! KATIA: N ão... 0 DIRETOR: Quero ouvir sua autocrítica, Katia... Quantas vezes você trepou com Ivan Mikadoi Gamarovski? KATIA: Só uma vez, Grigori. 0 DIRETOR: Não me chame de Grigori! KATIA: Camarada diretor... 0 DIRETOR: Cale a boca! Estou ouvindo, Katia. O que é que você tem a dizer? KATIA: Eu... 0 DIRETOR: Reconheça, camarada Katia, que você é uma puta suja, que sabotou com seu comportamento a moralidade comunista e fez o jogo das forças imperialistas. KATIA: Não, Grigori... Não... 0 DIRETOR: Não me toque. KATIA: Grigori, eu amo você... 0 DIRETOR: Não me toque, camarada.
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(Os dois caem, chorando, um nos braços do outro. Pelo jogo de iluminação, a parede ao fundo torna-se transparente. Veem-se algumas dezenas de doentes olhando a cena por um buraco, um de cada vez.)
a his tór ia do com uni sm o con tada aos doentes mentais I 95 I m atéi visniec
Iuri Petrovski entra no quarto onde estão Katia Ezova, Grigori Dekanozov e Stepan Rozanov. A atm osfera é quase mórbida. Katia, semin ua, chora, a cab eça sobre a mesa. Stepan Rozanov está caindo de bêbado. Grigori Dekanozov bebe e enxuga suas lágrimas.
O DIRETOR: Iuri Petrovski... Iuri Petrovski... Escutou o rádio? IURI: N ão... 0 DIRETOR: Iuri Petrovski... Aconteceu uma grande desgraça para o nosso país... Stálin morreu. (.Soluçando, Katia se lança nos braços de Iuri.) KATIA: Stálin, estás conosco, em nós Devemoste tudo, devemoste tudo Fica conosco, fica conosco... IURI (afastando Dekanozov?
Katia)'. Tem
certeza,
Grigori
0 DIRETOR: A Rádio Moscou informou que Josef
a his tória do com unism o con tada aos doentes m entais I 97 I matéi visniec
Vissarionovitch Stálin morreu! Temos que reforçar a vigilância operária... Temos que evitar qualquer desordem... Temos que reforçar a disciplina... (Serve um copo para Iuri e b ebe também.) Saúde! STEPAN ROZANOV (caindo de bêbado ): Iuri Petrovski... Iuri Petrovski... Você ainda é jovem... Ajudenos a reforçar a vigilância operária... KATIA (apanhando folhas mortas pelo chão): Iuri... Iuri... Por que queimou as folhas? Por que fez isso? STEPAN ROZANOV: O que é que vamos fazer agora com a hidra da contrarrevolução? O que é que vamos fazer com os lacaios do imperialismo francês e inglês? Eles vão erguer a cabeça... Grigori, onde está a garrafa? KATIA (chorando): E então ela me disse: “Katia... Pode emprestarme a sua lágrima Pois o universo se reflete nessa lágrima” Mas a lágrima já estava em minha boca, Então eu engoli a lágrima e todo o universo... E a rãzinha se pôs a chorar...
(Enquanto isso se alastra a histeria por todo o hos pital. Ouvem-se gritos, uivos, vozes, passos, tem-se a impressão de que os doentes começaram a destruir os móveis, que eles se jogam contras as paredes, etc.) coleção dr am aturg ia I 98 I matéi visn iec
0 DIRETOR: O nosso dever é estar vigilante... O nosso dever é estar vigilante... (O jardim é invadido pelos doentes que se aglutinam
diante da janela. Dezenas de rostos colam-se contra a janela do quarto de Iuri.) STEPAN ROZANOV: Iuri Petrovski, digalhes que Stálin não está morto. Isto vai acalmálos... 0 DIRETOR: É... Com certeza... KATIA (chorando)'. Então eu engoli a lágrima e todo o universo... E a rãzinha se pôs a chorar...
(O diretor sai do quarto gritando “Stálin não mor reu!”. Todos os membros do corpo médico adotam a mesma estratégia e percorrem os corredores do hospi tal gritando “Stálin não m orreu!”. Entretanto, a histe ria geral cresce em intensidade. Os mem bros d o corpo médico passam de uma sala a outra, batem nas portas e nos aquecedores, gritando “Stálin não m orreu!”. Iuri Petrovski abre a janela e grita cada vez mais forte.) IURI: Stálin não morreu! Stálin não morreu! Stálin não morreu!
a histó ria do com unism o con tada aos doentes mentais I 99 I matéi visniec
Um quarto
pouco iluminado. Stálin está no chão, perto de uma cadeira, meio deitado, desesperadamente apoiado sobre os cotovelos. Sobre uma iriesa, um copo e uma garrafa de água mineral. Sobre o tapete, um exemplar do jornal Pravda. Uma jovem mu lher entra na po rta dos pés. Chega diante de Stálin.
A MULHER JOVEM: O que está acontecendo com você, camarada Stálin? STALSW (com dificuldade de articular as palavras)'. E você, Nadezhda? A MULHER JOVEM: Camarada Stálin, quer que o ponha no sofá? STÁLIN: Espere, Nadezhda. Espere... A MULHER JOVEM: Quer beber alguma coisa? STÁLIN: Nadezhda... A MULHER JOVEM: Sim, camarada Stálin? STÁLIN: Oh, Nadezhda, você me despedaçou...
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A MULHER JOVEM: Como assim, camarada Stálin? STÁLIN: Espera, Nadezhda... basta.
(A mulher jovem inclina-se sobre Stálin.) A MULHER JOVEM: Está chorando, camarada Stálin? STÁLIN: Como é que deixou Setanotchka e Vassia sem mãe? A MULHER JOVEM: Quer que eu seque suas lágrimas, camarada Stálin? (Seca-lhe as lágrimas com seu robe.) Vamos, Sosso, é bora de partir. STÁLIN: Para onde vamos, Nadezhda?
(Quando a mulher encosta nele, Stálin encontra re pentinamente forças para se mover. A jovem mulher o conduz para a saída.) A MULHER JOVEM: Minha mãe retomou o grande apartamento da rua Rojdestvenskaia... Você se lembra dele? STÁLIN (feliz). Lembro, lembro... A MULHER JOVEM: Sempre teve o seu quarto lá, meu querido Sosso... Vamos nos esconder lá, está bem? Temos que recomeçar tudo, Sosso. Lembra quando você fugiu de Krasnoiarsk e veio à nossa casa pela primeira vez? Eu tinha dezesseis anos... E você estava magro, Sosso... E Lênin perguntounos: “O que o Stálin está comendo?” E disse para minha mãe: “Por favor, Olga Evguenievna, temos que recuperálo, não está com uma cara boa...” E uma vez escondeuse com Lênin... E depois você raspou a barba e o bigode dele
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para que pudesse atravessar a Finlândia sem ser reconhecido... Lembra, Sosso? STALIN (feliz como uma criança)'. Lembro, lembro... A MULHER JOVEM: Vamos, ninguém descobrirá você na rua Rojdestvenskaia... Precisa repousar... Refazer as forças... Depois, veremos... STÁLIN: Sim, Nadezhda, sim...
(Os dois personagens saem. Stálin sempre feliz, am pa rado pela jovem mulher. Poder-se-ia pensar que os dois são pacientes do hospital.)
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r i
Na sala do subsolo, ond e sete ou oito doentes jogam “ roleta dos passantes ” .
CRUPIÊ: Vamos, ladies and gentlemen , façam seus jogos... PIOTR (dando dinheiro ao crupiê)'. Civil com uma pá, lado direito... IVAN: Vai perder. Os civis nunca limpam a neve. PIOTR: E daí? Não fode com a minha paciência. IVAN(dando dinheiro a o crupiê)'. Dois copeques, homem com uma pá daqui a três dias. Direita ou esquerda. SACHA E EMELIAN: Pffff... CRUPIÊ: Vamos, façam seus jogos... SACHA: Homem com uma pá daqui a um mês! CRUPIÊ: Quanto, Sacha? SACHA: Um copeque!
a his tóri a do com unis mo con tada aos doentes mentais I 105 I matéi visn iec
CRUPIÊ: Perfeito. Vamos, Emelian, é sua vez. EMELIAN: Militar com pá, lado... direito... Daqui a três meses... Três copeques! PIOTR: Ah, não, três é muito, não pode. CRUPIÊ: Cale a boca, Piotr. (A Emelian .) É muito, não pode. Dois copeques. Vamos, o próximo, façam seus jogos, ladies and gentlemen. DOENTE 5: Jamais, ninguém, de lugar nenhum. SACHA: Ele não está jogando direito! Não é direito assim! CRUPIÊ: Cale a boca, ele joga como quiser. Façam seus jogos, ladies and gentlemen. DOENTE 6: Sol derretendo a neve daqui a seis meses! CRUPIÊ: Quanto? DOENTE 6: Um copeque. EMELIAN: Seis meses é muito. Jogue cinco meses. CRUPIÊ: Vamos, vamos, façam seus jogos. EMELIAN: Vamos, Salomon... Aqui não é a Suíça, não. DOENTE 7: Cachorro. IVAN: Merda, pare com esse seu cachorro! Sabe muito bem que jamais deu cachorro. Jamais deu cachorro! DOENTE 7: Cachorro que faz pipi na janela de neve, lado esquerdo. Um copeque. Faço o que bem entender.
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IVAN: Ah, isto me arrebenta os nervos... Há dez anos, é só o que ouço... Cachorro, cachorro, cachorro! EMELIAN: Ele faz o que bem entender. Os suíços fazem o que bem entendem... CRUPIÊ: Encerrado! 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN: Stálin, lado esquerdo! CRUPIÊ: Cale a boca. Você não está no jogo. 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN: M as eu tenho dinheiro. Stálin, lado esquerdo. CRUPIÊ: Fora, merda. 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN: Eu tenho o direito! CRUPIE: Já disse que você não joga! Encerrado! SACHA: Que idiota! Vamos, levante, merda! (O crupiê puxa o barbante. A janela está quase toda
coberta de neve, que não cessa de cair. A sala é ilumi nada por débeis raios de luz que vêm de fora. Todos esperam em silêncio.) SACHA ( tomado por um riso louco): É uma loucura... Ainda assim, como é belo... Hein? OS OUTROS: Psiiiiu. ( Ouve-se de algum lugar distante “O Canto dos
Partidários”. Os doentes que jogam “roleta dos pas santes” subitamente são tomados por um frisson. a his tória do com unis mo co ntada aos doentes m entais I 107 I matéi visn iec
A moldura da janela é então atravessada por Stálin e a jovem mulher. Os dois têm muita dificuldade em andar na neve e a jovem mulher deve amparar Stálin a cada passo. Os doentes aproximam-se da janela. Fascinados, olham a cena.) DOENTE 7: É ele... Por Deus, é ele... SACHA: Não... É idiota... Não é verdade... 0 LOUCO QUE APOSTA EWl STÁLIN: Ganhei... DOENTE 7: É ele... 0 LOUCO QUE APOSTA EM STÁLIN: Ganhei... Ganhei...
(“O Canto dos Partidários” ressoa cada vez mais for te enquanto Stálin e a jovem mulher distanciam-se. Antes de sair da moldura da janela, Stálin volta a ca beça e lança um olhar de pai sereno e generoso para os doentes.)
Fim
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JOSEF VISSARIONOVITCH DJUGACHVILI, dito JOSEPH STÁLIN, apelidado Sosso por seus pais: ditador comunista responsável pela morte de 20 milhões de pessoas na URSS. Entre 1929 e 1953, foi objeto de culto célebre tanto em seu país e outros países comunistas quanto no seio dos partidos comunistas dos países ocidentais. NADEZHDA ALLILUYEVA: segunda esposa de Stálin. Cometeu suicídio5 em 1932, desgostosa com a brutalidade de Stálin; teve dois filhos com ele: Svetlana e Vassia. MARIA SPIRIDONOVA: dirigente histórica dos socialistas revolucionários, partido que os bolcheviques toleraram até fevereiro de 1919. Em dezembro de 1918, Maria Spiridonova condenou vigorosamente o terror praticado cotidianamente pela Tcheka; foi presa em fevereiro de 1919 e condenada pelo Tribunal
' Após uma discussão com Stálin num jantar do Partido Comunista, Nadezhda Alliluyeva foi encontrada morta em seu quarto com uma arma a seu lado; aparentemente, ela havia cometido suicídio. Kiitretanto, alguns acreditam na tese de que Stálin matou a própria esposa. (N. T.)
a histó ria do comun ismo con tada aos doentes ment ais I 109 i m atéivis niec
Revolucionário à “detenção em sanatório devido a seu estado histérico”. Tratase do primeiro exemplo, sob o regime soviético, de enclausuramento de um oponente político em um estabelecimento psiquiátrico. SEMION BABAIEVSKI, MIKHAIL BUBIENNOV, VASSILI AJAIEV: escritores “oficiais” que fizeram em suas obras o elogio de Stálin e da sociedade soviética. SERGO ORDJONIKIDZE: um dos acólitos de Stálin, responsável, entre outros, por uma verdadeira carnificina na Geórgia, em 1921, durante a guerra civil. HENRI BARBUSSE: escritor francês que fez em várias obras o elogio de Stálin e da “nova” sociedade socialista na União Soviética. Escreveu em 1928 um livro sobre a “maravilhosa Geórgia” e, em 1935, a primeira biografia oficiosa de Stálin. MÁXIMO GORKI: o primeiro escritor “social” russo. Depois de guardar distância da revolução bolchevique, voltou em 1929 para a URSS e pôsse a serviço do regime. ANTIPOV, KIROV, CHVERNIK: responsáveis políticos apagados das fotos oficiais depois dos expurgos. VIATCHESLAV M0L0T0V: um dos mais fiéis servidores de Stálin. Comissário do povo para assuntos estrangeiros; assinou em 1939 com Ribbentrop o pacto germa nosoviético. FÉLIKS DZERJINSKI: criador e primeiro chefe da polícia política bolchevique, a comissão panrussa extraordinária de luta contra a contrarrevolução, a especulação e a sabotagem (abreviatura “Tcheka”).
coleção dram aturgia 1 1 1 0 I matéi visniec
DANIIL HARMS: um dos muitos escritores mortos por Stálin. Em suas narrativas, Daniil Harms utiliza um estilo infantil para enganar a censura. “ECONOMIZAMOS UM NÚMERO CONSIDERÁVEL DE VAGÕES, NUM TOTAL DE 37.548 METROS LINEARES DE PRANCHAS, 11.834 BALDES E 3.400 AQUECEDORES!”: Excerto de um relatório assinado por um certo Milstein, funcionário do NKVD, referente à eficácia da deportação dos povos do Cáucaso para a Sibéria, entre novembro de 1943 e junho de 1944, graças ao fato de que em cada vagão para animais eram colocadas 45 pessoas em vez de 40. COLETIVIZAÇÃO FORÇADA: mais de dois milhões de cam poneses deportados, dos quais 1,8 milhão somente em 19301931; 6 milhões mortos de fome; centenas de milhares mortos na deportação.
a hist ória do com unism o con tada aos doentes mentais I 111 I m atéi visniec
D a d o s I n t e r n a c i o n a i s d e C a t a l o g a ç ã o n a P u b l i c a ç ã o (C IP ) ( C â m a r a B r a s i l e i r a d o L i v r o , SP, B r a s i l )
Visniec, Matéi A história do comunismo contada aos doentes mentais / Matéi Visniec; tradução Roberto Mallet. São Paulo: É Realizações, 2012 . (Biblioteca teatral. Coleção dramaturgia) Titulo original: L’histoire du communisme racontée aux malades mentaux ISBN 978-85-8033-097-7 1. Teatro Francês - Século 2 0 I. Título. II. Série. 12-06959
CDD-842 Ín d ic e s p a ra c a t á l o g o s is te m á t ic o :
1. Teatro : Literatura francesa
Este livro foi impresso pela Gráfica Vida & Consciência para É Realizações, em julho de 2012. Os tipos usados são da família Sabon LT Std e Helvética Neue. O papel do miolo é alta alvura 90g, e o da capa, cartão supremo 250g.
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