FUSÕES E AQUISIÇÕES REGIME JURÍDICO DAS NEGOCIAÇÕES E SUA DOCUMENTAÇÃO
SÉRGIO BOTREL Advogado. Advogado. Sócio Sócio de Gabrich& Gabrich&Botrel Botrel Advogad Advogados. os. Doutor Doutor em Direito Direito Privado Privado (PUCMG (PUCMG). ). Mestre em Direito Empresarial (FDMC). Professor do MBA Executivo do IBMEC/MG (Fusões e Aquisições). Professor da graduação e do Mestrado em Direito da Universidade FUMEC. Professor dos cursos de pós-graduação loto sensu da PUCMG e da Faculdade de Direito Milton Campos.
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FUSÕES E AQUISIÇÕES: AQUISIÇÕES: ANÁLISE TERMINOLÓGICA E FUNCIONAL A exp expres ressão são fusões e aquisições muitoo util utiliz izad adaa no ambi ambien ente te aquisições (F&A), (F&A), muit corporativo, e objeto de grande atenção da mídia especializada, identifica mais do que tecnicamente se extrai dos termos fusão (negócio jurídico por meio do qual duas ou mais sociedades se unem para formação de uma terceira, que as sucederá em todos os direitos e obrigações, extinguindo--se as corporações fundidas) e aquisição (negócio (negócio jurídico que tem como efeito efeito a transferên transferência cia da propriedad propriedadee de um bem, mediante pagamento de um preço), isoladamente considerados. Tradução da expressão do mercado anglo-saxão mergers1 and acqui-sitions (M&A), a nomenclatura fusões e aquisições aquisições identifica o conjunto de medidas de crescimento externo ou compartilhado de uma corporação, que se concretiza por meio da "combinação de negócios" e de reorganizações societárias. Estão inseridas na termin terminolo ologia gia sob análi análise se não não somen somente te compr compras as de ativos ativos empres empresari ariais ais e participações societárias, e a união de duas ou mais sociedades para a formação de uma terceira, terceira, mas também a formação formação de grupos grupos societári societários, os, a constituição constituição de sociedades de propósito 1 Sob o ponto de vista técnico, merger não identifica o instituto da fusão (LSA, art. 228), mas o da incorporação (LSA, art. 227).
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específico (SPE), a contratação de sociedade em conta de participação (SCP), a formação de consórcios, a cisão, a incorporação de sociedades ou de ações etc. Enfim, o modelo jurídico escolhido pelas partes pode variar consideravelmente, sendo certo que o que caracteriza uma operação de fusão e aquisição é a sua finalidade: servir de instrumento de implementação da estratégia de crescimento externo ou compartilhado. Como noticia a literatura especializada, inúmeros fatores contribuem para que o investimento em crescimento orgânico 2 divida espaço com investimentos em medidas que permitam a uma corporação controlar ou compartilhar ativos produtivos e operações já em curso, de titularidade de outros agentes econômicos. Dentre eles, destacam-se: (a) rápido acesso a novos mercados e atividades; (b) facilitação na internacionalização da atividade; (c) exploração de sinergias de custos e complementaridades; (d) aumento do poder de mercado (redução da concorrência e aumento do poder de negociação) 3. Nesse contexto, conclui-se que as fusões e aquisições têm por função implementar o crescimento externo ou compartilhado de uma corporação.
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O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO NAS FUSÕES E AQUISIÇÕES A concretização de uma operação de F&A é fruto de um processo (conjunto de atos que se sucedem para a realização de um determinado objetivo) complexo e flexível de negociação. A complexidade do processo decorre, em boa medida, da interdisciplinariedade das análises envolvidas nas negociações. Nessas tratativas, advogados, contadores, auditores e financistas contribuem para que os interesses das partes envolvidas sejam preservados e para que os objetivos sejam eficientemente alcançados. A flexibilidade do processo de negociação é conseqüência da inexistência de um procedimento cogente a ser observado, o que permite às partes conduzir as negociações do modo que melhor lhes aprouver. 2 O crescimento orgânico, também chamado de crescimento interno, corresponde ao desenvolvimento progressivo e contínuo da empresa, fundado no crescimento das capacidades existentes ou na criação de novas capacidades produtivas e comerciais (MEIER, Olivier; SCHIER, Guillaume. Fusions Acquisitions: stratégie, finance, manage-ment. Paris: Dunod, 2009, p. 10). 3 MEIER, Olivier; SCHIER, Guillaume. Fusions Acquisitions, cit., p. 11.
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Esta flexibilidade, contudo, não deve ser confundida com a inexistência de práticas padrão no mercado de F&A. Naturalmente, em virtude de não haver um modelo cogente para condução das negociações, não se pode falar em procedimentos ou métodos "certos" ou "errados" no decorrer das tratativas. No entanto, é importante registrar que o mercado brasileiro atingiu um grau de maturidade e profissionalismo que permite afirmar a existência de um processo padrão de negociações nas fusões e aquisições. Apesar de algumas variáveis desse processo padrão, a existência de auditorias (jurídica, financeira, e estratégica) e a troca de determinados documentos (cuja denominação está praticamente consolidada) acabam compondo uma prática quase que uniforme no mercado de F&A. Sobressai, desse modo, a importância de se promover um estudo do regime jurídico das negociações e sua respectiva documentação. 3
REGIME JURÍDICO DAS NEGOCIAÇÕES E DOS DOCUMENTOS DO PROCESSO DE FUSÕES E AQUISIÇÕES
3.1
Panorama geral sobre a formação dos contratos
A conclusão de uma operação de F&A redunda da celebração de um ou mais contratos, os quais podem ter sido precedidos por outros, cuja natureza varia em razão do modelo jurídico adotado para o negócio concluído (fusão, incorporação, formação de grupo de sociedades etc). No modelo legal brasileiro, a formação de um contrato pode percorrer basicamente as seguintes fases: (a) negociações preliminares; (b) proposta; (c) aceitação. Some-se a estas fases a eventual celebração de um (d) contrato preliminamo curso da contratação definitiva (CC, arts. 462-466). 3-1.1
Negociações preliminares
As negociações preliminares consistem na fase em que tem início a relação jurídica que poderá dar origem ao contrato. Esta fase é caracterizada pela troca de informações e esclarecimento de objetivos das partes, a fim de que possam definir se darão continuidade ao processo de formação do contrato. A comunicação entre as partes poderá ocorrer por qualquer meio, muito embora seja aconselhável registrar em documentos a evolução das
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conversas, de maneira a facilitar a comprovação daquilo que foi objeto dos debates entre as partes. A redação de minutas contratuais pode ocorrer nesta fase sem que haja conversão da natureza da relação jurídica (que permanece sendo de ordem extracontratual), assim como nada impede que as partes, ainda em sede de tratativas, convencionem regras para a condução das negociações, assumindo determinadas obrigações, como o dever de exclusividade durante um determinado período. É cediço o entendimento de que em sede de negociações preliminares qualquer das partes pode colocar fim à relação jurídica, afastando-se da formação do contrato, sem que possa ser-lhe imposta qualquer sanção, haja vista a inexistência de dever de concluir o negócio jurídico objeto das tratativas. Prevalece o princípio da liberdade contratual. Exceção a esta regra ocorre quando a ruptura das negociações quebra a legítima expectativa de um dos contratantes. A rigor, se o comportamento das partes gera a expectativa de que o contrato será celebrado, a interrupção injustificada da formação do vínculo contratual poderá gerar para a parte que se desinteressou pelo negócio o dever de reparar os prejuízos comprovados pela parte lesada 4, mas nunca o dever de celebrar o contrato objeto das tratativas. O fundamento contemporaneamente utilizado para o surgimento do dever de reparar daquele que ilegitimamente rompe com as tratativas é a proibição ao ventre contra factum propríum, isto é, a proibição de comportamento contraditório5, decorrente da tutela da confiança, a qual é corolário do princípio da boa-fé objetiva.
4 A jurisprudência pátria já se manifestou no seguinte sentido: "RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL. CULPA IN CONTRAENDO. ALIENAÇÃO DE QUOTAS SOCIAIS. E possível o reconhecimento da responsabilidade pré-contratual, fundada na boa-fé, para indenização das despesas feitas na preparação de negócio que não chegou a se perfectibilizar por desistência das partes" (RJTJRS 152/605). 5 A doutrina tem indicado quatro pressupostos para a aplicação do princípio da proibição do comportamento contraditório, a saber: (a) uma conduta inicial; (b) a legítima confiança de outrem na conservação do sentido objetivo desta conduta; (c) um comportamento contraditório com este sentido objetivo (e por, por isso, violador da confiança); e (d) um dano ou, no mínimo, um potencial de dano a partir da contradição (SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditor: tutela da confiança e "venire contra factum proprium". Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 124).
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A responsabilidade daquele que viola a proibição do comportamento contraditório é de natureza extracontratual, aplicando-se, à espécie, as regras do art. 186 c/c o art. 927 e do art. 402 c/c o art. 403, todos do Código Civil. Na mensuração do ressarcimento devido à parte lesada, deve-se ter em mente que não tem ela "direito à soma equivalente ao interesse contratual positivo (isto é aos exactos proveitos que conseguiria se contrato em questão tivesse sido regularmente cumprido). Tem direito, sim, à in-demnização do interesse contratual negativo, correspondente às vantagens que teria obtido somadas aos danos e despesas que teria evitado, se não tivesse iniciado as negociações, depois injustificadamente interrompidas pela contraparte, ou celebrado um contrato inválido (despesas suportadas por causa da condução das negociações e/ou da conclusão do contrato; proveitos que derivariam de ocasiões de negócio, alternativas à malogra-damente prosseguida e abandonadas por causa desta última)" 6. Ainda sobre a conduta das partes durante as tratativas, destaca-se a cogente observância ao princípio da boa-fé objetiva, que impõe àqueles que negociam uma conduta diligente e proba (CC, art. 422), do que se pode extrair os principais deveres impostos às partes nas negociações preliminares: a transparência e o sigilo. Em virtude do dever de transparência impõe-se aos pré-contratantes prestarem as informações necessárias ao exercício de uma escolha livre da outra parte [dever de fazer). Não basta não prestar informações inverídicas: a omissão daquele que não revela informação relevante deve ser compreendida, também, como uma violação ao dever sob exame. Como nem sempre a informação omitida durante as tratativas é capaz de contaminar o contrato concluído (por erro ou doló), a violação do dever de informar confere à vítima o direito de obter indenização pelas perdas e danos apuradas. Todas as informações de caráter confidencial reveladas durante a negociação deverão, por outro lado, ser mantidas em sigilo pelo receptor,
6 ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988, p. 108.
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independentemente de assinatura de qualquer documento que registre este dever de não fazer 7 .
3.1.2 Proposta Tecnicamente, a proposta é uma declaração unilateral de vontade que contempla os elementos essenciais do contrato a ser concluído caso o seu destinatário (oblato) adira àquilo que foi ofertado. Trata-se, assim, de negócio jurídico unilateral receptício (ou com destinatário) que tem por finalidade a formação de um contrato. O enquadramento de um ato no conceito de proposta assume grande relevo em razão de seu efeito vinculante, no sentido de que o proponente é obrigado a cumprir aquilo que ofertou, sendo certo que a conclusão do contrato estará subordinada, neste caso, à adesão pura e simples do destinatário. O art. 427 do CC estabelece exceções ao efeito vinculante, o que ocorre quando os termos da proposta, a natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso, permitam afirmar a inexistência de obrigatoriedade de o proponente cumprir aquilo que foi proposto. A proposta não pode ser confundida com o convite para contratar, que consiste na solicitação de uma parte para que sejam iniciadas negociações preliminares, ou para que a destinatária do convite elabore uma proposta de contrato. Diferentemente do que ocorre com a proposta de contrato, o convite não possui efeito vinculante. Nem sempre é fácil distinguir entre a proposta e o convite para contratar. O principal critério distintivo, contudo, coincide em verificar se a declaração unilateral de vontade contempla os "elementos essenciais" do contrato a ser concluído. Os "elementos essenciais" do contrato são aqueles determinantes para a implementação da operação econômica instrumentalizada pelo contrato. Na compra e venda, por exemplo, a descrição da coisa e o do preço são elementos sem os quais não se efetiva a troca econômica realizada por intermédio do contrato.
7 As exceções a esta regra serão abordadas à frente, quando do estudo do "Acordo de Confidencialidade".
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Exige-se, ainda, que a descrição dos elementos essenciais do contrato seja precisa8. A averiguação da precisão da proposta há de ser feita caso a caso, levandose em consideração, em especial, as práticas comuns no mercado para a modalidade de contrato objeto da declaração unilateral de vontade. Isto faz com que a descrição da coisa (determinado número de ações, por exemplo), aliada à do preço que o proponente está disposto a pagar ($10 por ação), possa não ser considerada como suficiente para considerar vinculante a proposta, tendo em vista a necessidade de se estabelecer a forma de pagamento (em dinheiro, mediante permuta, à vista, a prazo etc). Na dúvida, deve-se entender que a declaração de vontade se insere como convite para contratar, e não como proposta, haja vista aplicar--se à espécie a máxima hermenêutica in dúbio pro libertate — libertas omnibus rebus favorabilior est (na dúvida, pela liberdade! Em todos os assuntos e circunstâncias, é a liberdade que merece maior favor 9). Naturalmente, deve-se somar a esta análise a interpretação da vontade declarada, conjugando-se os termos daquilo que foi externado com outros fatores, tais como o lugar, a época e as circunstâncias em que foi emitida a declaração de vontade. A proposta pode ser feita entre presentes ou entre ausentes. O que irá distinguir uma modalidade de outra é o meio de comunicação utilizado, e não a distância entre as partes. Se o meio de comunicação possibilitar uma interação entre as partes em tempo real, a proposta é considerada como entre presentes. Quando as partes não se comunicam diretamente em reuniões, com a presença física dos interessados, os meios de comunicação mais utilizados nas operações de F&A (telefone e videoconferência) permitem afirmar que os atos são praticados entre presentes. Exceção a esta regra são os contatos realizados via email. Apesar da enorme velocidade com que as trocas de informações podem ser realizadas via email, é inquestionável a impossibilidade de interação das partes em tempo real. Por isso, a comunicação via email deve ser considerada, tecnicamente, como entre ausentes.
8 AUBERT, Jean-Luc. Le contraí: droit des obligations. Paris: Dalloz, p. 33. 9 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 261.
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A importância desta distinção decorre da aplicação das regras do art. 428 do CC, segundo o qual: Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I — se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II — se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a respos ta dentro do prazo dado; IV- se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente. Já o lugar onde foi realizada a proposta assume relevo em virtude do que preceitua o art. 435 do CC, no sentido de que "reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto". A rigor, no exercício da autonomia privada, podem as partes eleger o foro competente para apreciar eventuais divergências decorrentes do contrato (CPC, art. 111), sendo certo que na esfera das relações travadas no âmbito de incidência do Direito Internacional Privado, a determinação da lei aplicável decorre do art. 9- da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro 10, havendo, também, a possibilidade de escolha da lei aplicável no instrumento contratual. Somese a isso a possibilidade de eleger a arbitragem como mecanismo de solução de controvérsias e divergências relacionadas ao contrato. 10 Ex-Lei de Introdução ao Código Civil, denominação alterada pela Lei n. 12.376, de 30-122010, cujo art. 9S dispõe: "Art, 9- Para qualificar e regetas obrigações, apiiear-se-á a lei do país em que se constituírem. § Ia Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato. § 2E A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que tesidir o proponente." A escolha da lei aplicável é objeto de certa controvérsia. A favor, ver GONÇALVES, Carlos Roberto. Dinito civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2004, v. III, p. 60. Contra, por entender ser de ordem pública a norma do dispositivo legal sob exame, Maristela Easso prelecio-na: "O art. 9- da LICC expressa uma limitação formal ã autonomia da vontade quanto à escolha da lei aplicável aos contratos. As partes devem observar que ls\ dispositivo diz respeito a uma norma de ordem pública e não admite derrogação" {Curso de direito internacional privado, São Paulo: Atlas, 2009, p. 181).
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3.I.3 Aceitação A aceitação é a adesão pura e simples a uma proposta contratual. Para que possa ser qualificada como aceitação, a manifestação de vontade do destinatário da proposta (oblato) deverá ocorrer dentro do prazo de vigência da proposta, e não poderá contemplar adições, restrições ou modificações ao que foi ofertado pelo proponente, sob pena de converter-se em nova proposta 11 (CC, art. 431). Trata-se de negócio jurídico unilateral que conclui a formação da relação contratual. O ato de conclusão do contrato pode ser praticado mediante manifestação expressa ou tácita12 , esta consubstanciada no comportamento do destinatário da proposta. É de se notar, ainda, que o silêncio também poderá ser interpretado como aceitação, respeitadas as premissas do art. 111 do CC 13. Em operações de F&A, contudo, é difícil imaginar situação em que o silêncio poderá ser interpretado como ato de formação do contrato (seja ele preliminar ou definitivo), em especial em virtude do comentado grau de maturidade e profissionalismo que estas operações têm demonstrado no mercado brasileiro. Apesar de a aceitação normalmente ser estudada em seu perfil estático, como um ato autônomo de adesão a uma proposta, não se deve olvidar que em alguns casos ela consiste no ato de conclusão de um verdadeiro processo14. Isto obriga o intérprete a examinar o ato de aceitação em conjunto com os atos que lhe antecederam, inclusive para averiguar se a manifestação de vontade, de fato, pode ser qualificada como aceitação. 11 Daí por que se afirma que a aceitação é regida pelo princípio da identidade à proposta (AUBERT, Jean-Luc. Le contraí, cit., p. 37). 12 A validade da aceitação tácita está subordinada aos preceitos do art. 432 do CC, verbis: "Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa". 13 "Art. 111. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa." 14 Consoante lição de Enzo Roppo, "a formação do contrato consiste num processo, isto é, numa seqüência de actos e comportamentos humanos, coordenados entre si, segundo um modelo não já natural e necessário, mas sim pré-fixado de modo completamente convencional e arbitrário pelo direito (pelos vários direitos)" (O contraio, cit., p. 85).
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3-1.4 Contrato preliminar Nem sempre é possível identificar, na formação de um contrato, as três fases analisadas nos itens antecedentes. Pode ocorrer de uma das partes, antes de qualquer tipo de negociação, realizar uma proposta, que é imediatamente aceita pelo oblato. Por outro lado, há situações em que não é fácil identificar o momento exato em que ocorre a proposta, em virtude de as negociações preliminares evoluírem para a redação conjunta de documento que obrigue as partes a celebrar contrato futuro. Nesse contexto, e em outros que podem variar indefinidamente, é que se insere o contrato preliminar.
O contrato preliminar é aquele contrato cujo objeto consiste na celebração do contrato definitivo, e que contempla todos os requisitos essenciais15 deste, exceto quanto à forma (CC, art. 462). Ou, como prefere a doutrina, caracteriza-se o contrato preliminar como "preparatório", e "tem por escopo delinear os contornos do contrato definitivo (RTJ 114:884 e 117:384) que se pretende efetivar, gerando direitos e deveres partes, que assumem uma obrigação de fazer aquele contrato final" 16. A finalidade deste mecanismo jurídico é bem compreendida com a explicação de Enzo Roppo, quando afirma que peculiaridade do contrato preliminar se encontra no fato de que por meio deste instrumento jurídico as partes não se obrigam simplesmente a prosseguir as negociações, mas sim a concluir um contrato com um determinado conteúdo. E "a peculiaridade de tal instrumento jurídico é exatamente esta: as partes já definiram os termos essenciais da operação econômica que tencionam realizar (suponhamos a venda de um imóvel por um certo preço) mas não querem passar de imediato a actuá-la juridicamente, não querem concluir, desde já, o contrato produtor dos efeitos jurídico-económicos próprios da operação; preferem remeter a produção de tais efeitos para um momento subsequente, mas, ao mesmo tempo, desejam a certeza de que estes efeitos se produzirão no tempo oportuno, e por isso não aceitam deixar o
15 Sobre os requisitos ou elementos essenciais do contrato, ver item 3.1.2, supra. 16 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 3, p. 43.
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futuro cumprimento da operação à boa vontade, ao sentido ético, à cor-recção recíproca, fazendo-a, ao invés, desde logo matéria de um vínculo jurídico. Estipulam, então, um contrato preliminar, do qual nasce precisamente a obrigação de concluir, no futuro, o contrato definitivo, e, com isso, de realizar efectivamente a operação econômica prosseguida" 17. No sistema jurídico brasileiro, ressalvada a existência de cláusula expressa de arrependimento, o contrato preliminar segue a regra geral do pacta sunt servanda, sendo lícito a qualquer das partes exigir a celebração do contrato definitivo no prazo previsto no instrumento contratual preparatório ou, na ausência de previsão de termo, em prazo razoável, notificado à parte contrária por qualquer meio de comunicação (haja vista a inexistência expressa de forma determinada para este mister), muito embora seja aconselhável formalizar esta comunicação, de maneira a facilitar a comprovação. Em suma: no silêncio do contrato preliminar a avença firmada adquire a natureza de promessa irretratável e irrevogável de as partes celebrarem o contrato definitivo. O contrato preliminar pode gerar a obrigação de celebrar o contrato definitivo para ambas as partes (contrato preliminar bilateral), ou para apenas uma delas (contrato preliminar unilateral). Neste, uma das partes tem a prerrogativa (e não a obrigação) de exigir a celebração do contrato definitivo, sendo importante lembrar a necessidade de estarem presentes os elementos essenciais do contrato a ser celebrado para que se possa aplicar o regime jurídico sob análise. Na prática mercantil estes contratos preliminares unilaterais são identificados como opções (de compra ou de venda - call I put). Por meio da opção de compra {call option, na expressão do mercado de F&A) o credor tem o direito (e não a obrigação) de adquirir, pelo valor já fixado, o bem descrito no instrumento contratual. Na opção de venda {put option), naturalmente, o credor tem o direito de vender, também pelo preço fixado, o bem descrito no contrato preliminar unilateral firmado entre as partes. Caso o contrato estabeleça um prazo para o exercício da opção (ou seja, prazo para o exercício do direito de exigir a celebração do contrato defini17 O contrato, cit, p. 102-103.
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tivo), o transcurso deste extingue a obrigação do devedor. Na hipótese de o contrato preliminar não prever prazo (ou estabelecer o "prazo indeterminado") para o exercício da prerrogativa nele inserida, poderá o devedor, a qualquer tempo, notificar o credor (por qualquer meio de comunicação), conferindo-lhe prazo razoável para que exerça a opção. Ainda no que tange às opções, é preciso chamar a atenção para o fato de que eventualmente a sua natureza poderá ser a de verdadeira proposta18 (com aplicação do regime mencionado no item 3.1.2), o que pode ocorrer, em especial, quando a validade do contrato a ser celebrado não está subordinada a forma prescrita em lei 19. Neste caso, a adesão do credor da opção ao que foi ofertado (exercício da opção) formaliza o contrato definitivo. Nem sempre é fácil identificar a natureza da manifestação de vontade das partes em negócios que envolvem opções. Tome-se como exemplo a seguinte cláusula inserida em documento identificado como "Opção de Compra de Ações de Emissão da Companhia X": A parte "A" outorga para a parte "B" o direito de adquirir 1.000.000 (um milhão) de ações nominativas e sem valor nominal, de emissão da Companhia X, e de propriedade da parte "A", pelo preço de R$ 5-000.000,00 (cinco milhões de reais), o qual deverá ser pago a vista, em parcela única. A opção de compra outorgada por meio deste instrumento deverá ser exercida no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da presente data. Neste exemplo, estar-se-ia diante de um
contrato preliminar unilateral, que impõe à parte "A" a obrigação de celebrar o contrato definitivo de venda das ações caso a opção seja exercida pela parte "B"? Ou trata-se de uma proposta de venda das ações de titularidade da parte "A", à qual a parte "B" poderia aderir para, então, concluir o contrato definitivo de compra e venda 18 É neste sentido o entendimento de Carlos Augusto da Silveira Lobo, para quem "a opção é proposta, fase inicial do processo de formação do contrato; o exercício da opção é aceitação da proposta (C. Civil arts. 427 e segs.). Por isso, a execução específica de uma opção de compra ou de venda de ações não consiste em celebrar um contrato definitivo de compra e venda, pois o contrato já se consumou pelo exercício da opção. Executa-se mediante a realização das prestações de transferir as ações (LSA, art. 31, § 1-, 22 e 32, e art. 35, § le) e de pagar o preço" (Acordo de acionistas. In: LAMY FILHO, Alfredo; BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Direito das companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. 1, p. 469). 1. No direito brasileiro, adota-se como regra geral o princípio da forma livre, a teor do que prescreve o art. 107 do CC.
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dos referidos bens, exigindo a transferência da propriedade das ações mediante a comprovação de pagamento do preço? Um critério que poderia auxiliar na solução do problema seria averiguar se apenas o outorgante (parte "A") da opção assinou o instrumento, ou se ambas as partes. Isto porque na hipótese de o instrumento estar assinado apenas pelo outorgante, não se poderia afirmar ter havido a conclusão de um contrato (ainda que preliminar), por ausência da manifestação de vontade do outorgado (parte "B"), o que implicaria concluir ter havido uma proposta. Caso ambas as partes tenham assinado o documento, a situação se complica um pouco mais, sendo certo que a investigação da vontade das partes deverá partir dos termos daquilo que foi registrado no documento, o qual, no exemplo acima, indica estar presente a figura de um contrato preliminar unilateral. Com o intuito de reduzir problemas decorrentes da duvidosa natureza das comunicações e documentos trocados pelas partes, o ideal é que elas mesmas identifiquem, na medida do possível, a natureza do vínculo que as une. Esta identificação, por óbvio, deverá ser utilizada como um dos elementos de interpretação da relação formalizada, haja vista a necessidade de se examinar o efetivo conteúdo daquilo que foi convencionado. Uma previsão contratual que pode facilitar a interpretação de situações como a que se examina é a aquela que estabelece que o contrato definitivo deverá ser celebrado no prazo de x dias, a contar do exercício da opção. Diante de tal previsão, a classificação do vínculo entre as partes como contrato preliminar não oferece maiores dificuldades. No que respeita aos contratos preliminares de uma maneira geral (tanto os bilaterais como os unilaterais), o parágrafo único do art. 463 do CC exige que o contrato seja registrado perante o órgão competente. É importante esclarecer que o registro do contrato preliminar consiste em fator de atribuição de eficácia geral do negócio jurídico e não requisito de validade do contrato firmado entre as partes, o que significa que para gerar efeitos perante terceiros (ou seja, para adquirir oponibilidade erga omnes) o ato do registro é indispensável. Naturalmente, o órgão registrai competente para receber o registro do contrato preliminar variará em virtude do bem objeto do contrato defi-
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nitivo a ser celebrado pelas partes. Em se tratando de bem imóvel, o Registro de Imóveis onde este se encontra devidamente matriculado é o órgão competente para o registro, enquanto que sendo móvel o objeto do contrato definitivo a ser concluído costuma-se afirmar que o órgão competente seria o Registro de Títulos e Documentos da Comarca 20. Esta afirmação deve ser parcialmente retificada, porquanto existem bens móveis cujo órgão registrai não é o Registro de Títulos e Documentos. É o que ocorre com as participações societárias. As quotas representativas do capital social de uma sociedade limitada têm como órgão competente para o cumprimento do dever em comento o Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial da circunscrição territorial onde se situar a sede social) ou o Registro Civil de Pessoas Jurídicas (do local da sede social), conforme a natureza da sociedade seja, respectivamente, empresária (CC, arts. 1.150, 1.151 e 1.154; c/c o art. 32, II, e, da Lei n. 8.934/94) ou simples. As ações representativas do capital social de uma sociedade anônima têm como órgão registrai competente a própria companhia emissora dos valores mobiliários, a teor do preceituam os arts. 100 a 105 da Lei n. 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), em especial o art. 103 e seu parágrafo único, que equiparam os registros internos da companhia a um verdadeiro "registro público". Some-se a isso a regra expressa do art. 40 da LSA, segundo a qual "o usufruto, o fideicomisso, a alienação fiduciária em garantia e quaisquer cláusulas ou ônus que gravarem a ação deverão ser averbados: I - se nominativa, no livro de 'Registro de Ações Nominativas'; II — se escriturai, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecida ao acionista" (destacamos). O não atendimento à exigência do registro não interfere na validade do negócio firmado entre as partes. Mas, neste caso, o promissário adqui-rente do bem objeto do contrato a ser celebrado assume o risco de ser surpreendido com o fato de este mesmo bem ter sido alienado a um terceiro ("dupla venda"), não lhe restando outra alternativa a não ser considerar desfeito o contrato preliminar, e pedir perdas e danos. 20 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 42,
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À exceção da situação mencionada acima ("dupla venda"), o regime jurídico do contrato preliminar possibilita que em caso de resistência de uma das partes em celebrar o contrato definitivo {inadimplemento do contrato preliminar) a vítima do descumprimento possa optar entre buscar judicialmente a satisfação em espécie do que foi contratado 21, ou considerar desfeito o contrato preliminar e pedir perdas e danos. 3.2
As negociações e os documentos do processo de fusões e aquisições
Examinado o modelo legal de formação dos contratos de maneira abstrata, importa analisar o enquadramento das negociações e dos documentos do processo de F&A na tipologia de formação dos vínculos contratuais, bem como abordar a estruturação dos principais elementos dos documentos redigidos na condução desses negócios. Como se afirmou anteriormente, uma das características do processo de F&A é a ausência de um padrão cogente ou absoluto, haja vista a inexistência de um modelo legal específico, e também em razão de a complexidade das operações variar consideravelmente. Nessa ordem de idéias, fica registrada a advertência de que a finalidade e o próprio conteúdo dos documentos que serão abordados poderá variar em função do modelo de procedimentos adotados pelas partes e pelos profissionais que as assessoram na operação, o que não impede, no entanto, seja promovida uma análise de acordo com as práticas mais comuns do mercado. 3.2.1 Acordos e documentos preliminares
Com a finalidade de evitar, ou pelo menos diminuir, a exposição das partes a riscos jurídicos decorrentes de seu comportamento em processos de fusões e aquisições, é aconselhável - e isto se tornou comum - que as partes formalizem, na medida do possível, todo o processo de comunicação e troca de informações. Costuma-se identificar esta técnica como pontuação. 21 Neste caso, a sentença judicial suprirá a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, na forma do disposto no art. 464 do CC e no art. 466-B do CPC.